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Anais

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ISSN:
2219685-4
Santa Maria – RS, Maio 2016

VIII ENCONTRO BRASILEIRO DA RED ESTRADO


TRABALHO DOCENTE E PNE: desafios à valorização profissional
04, 05 e 06 de abril de 2016
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
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Apoiadores:

VIII ENCONTRO BRASILEIRO DA RED ESTRADO


TRABALHO DOCENTE E PNE: desafios à valorização profissional
04, 05 e 06 de abril de 2016
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
APRESENTAÇÃO
A RedEstrado, que completou quinze anos em 2014, promoveu, em
conjunto com a Universidade Federal de Santa Maria e a Universidade
Federal de Pelotas, o VIII Encontro Nacional da RedEstrado. A Rede
Latinoamericana de Estudos Sobre Trabalho Docente (Rede ESTRADO) foi
fundada em 1999, no Rio de Janeiro (Brasil), em reunião do Grupo de
Trabalho do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais -CLACSO
“Educação, trabalho e exclusão social”. A criação desta Rede esteve
vinculada à consolidação do campo de estudos sobre o trabalho docente,
sobre o qual, a partir de diferentes perspectivas e disciplinas, inúmeros
pesquisadores latinoamericanos vinham realizando pesquisas em diversas
instituições, principalmente universidades e sindicatos.
Desde o seu surgimento, a Rede ESTRADO cresceu e se fortaleceu
por meio da socialização e do debate acerca de diversas experiências,
encontros de pesquisadores, trabalhos desenvolvidos em conjunto por alguns
de seus membros e, especialmente, pela difusão e comunicação possíveis
pela rede virtual. O crescimento significativo da Rede se expressa pela
multiplicidade de países de onde provêm os pesquisadores que a compõem
–Brasil, Argentina, México, Chile, Cuba, Colômbia, Equador, Peru,
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Venezuela -bem como pelo aumento significativo de participantes nos
encontros internacionais organizados em diversas cidades latinoamericanas
(Rio de Janeiro, 1999 e 2006; Guadalajara, 2001; Belo Horizonte,
2002; Buenos Aires, 2003, 2005 e 2008; Lima, 2010; Chile, 2012). Em 2011,
por iniciativa da Universidade Federal de Alagoas e da Universidade do
Porto, com o apoio da REDESTRADO, foi realizado o I ENCONTRO

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LUSO-BRASILEIRO SOBRE TRABALHO DOCENTE e no ano de 2012,
realizou-se a segunda edição na cidade do Porto. Naquele ano também, em
Maceió, foi sediado o VI ENCONTRO BRASILEIRO DA REDE
ESTRADO. Em 2013, realizou-se o VII ENCONTRO BRASILEIRO DA
REDE ESTRADO, em Vitória, Espírito Santo. Em 2014, o Encontro Luso-
brasileiro aconteceu em Salvador, Bahia, movimentando cerca de 800
participantes.
Este relato demonstra quão consistente, sólida e produtiva tem sido a
construção da REDESTRADO no Brasil, na América Latina e, mais
recentemente, em âmbito iberoamericano. Os resultados são incontáveis
para a produção acadêmica, publicações, pesquisas e intercâmbios, assim
como a proximidade com os movimentos do sindicalismo docente. Muito
tem sido produzido para uma melhor compreensão das condições de trabalho
e da valorização docente, por meio de um estreitamento entre academia,
sindicatos e escolas. Em continuidade a essa trajetória, o VIII ENCONTRO
BRASILEIRO DA REDE ESTRADO, em Santa Maria, na Universidade
Federal de Santa Maria, foi mais um compromisso com a consolidação de
um espaço de intercâmbio entre pesquisadores sobre o tema do trabalho
docente no Brasil e América Latina, contribuindo com o desenvolvimento
do debate político e o fortalecimento de espaços coletivos de trabalho e |3
discussão. Além disso, expandiu a Rede para o extremo sul do país, onde se
encontram importantes e consolidados grupos de pesquisa sobre os temas
abordados, trabalhando em proximidade com os países vizinhos, sobretudo,
Argentina, Uruguai, Paraguai.

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COORDENAÇÃO DO EVENTO
Àlvaro Moreira Hypólito – UFPel (Coordenador)
Liliana Soares Ferreira - UFSM
Dalila Andrade de Oliveira – UFMG

COMISSÃO ORGANIZADORA LOCAL


Liliana Soares Ferreira – UFSM (Coordenadora)
Álvaro Moreira Hypólito – UFPel
Ana Paula Cristino Zimmermann – UFSM
Andreia Vedoin – UFSM
Andressa Aita Ivo –UFSM
Carmem Eloísa Brenner - UFSM
Cláudia Letícia de Castro do Amaral – UFSM
Cláudio Rodrigues do Nascimento – UFSM
Douglas Moraes Machado – UFSM
Dulcinéia Libraga Paplia de Toni – UFSM
Elaine Lucia Jurack - UFSM
Guilherme Howes Neto - UFSM
Josiane Lara Fagundes- UFSM
Jovaneli Lara Xavier Siqueira da Rosa – UFSM
Juliana Carvalho Guedes – UFSM
Luiza da Silva Braido – UFSM
Marcos Brito Corrêa - UFSM
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Mariglei Severo Maraschin – UFSM
Marina Ramos de Carvalho do Nascimento – UFSM
Nathália de Aquino - UFSM
Rodrigo Cardozo Fuentes – UFSM
Vanessa Lago Sari – UFSM
Vicente Cabrera Calheiros - UFSM
Sabrina Bagetti – UFSM
Taís de Jesus Arruda - UFSM

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Sumário
CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ACADÊMICO-CIENTÍFICA BRASILEIRA SOBRE TRABALHO
DOCENTE ..................................................................................................................................... 10
A POLÍTICA DE AVALIAÇÃO BRASILEIRA E OS EFEITOS NA SUBJETIVIDADE DOCENTE................ 23
A SOLIDARIEDADE ENTRE PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO: UMA NECESSIDADE URGENTE ....... 39
ABSENTEÍSMO E MEDICAMENTAÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO
DOCENTE NAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO SUL DO RIO GRANDE DO SUL ................ 53
O TRABALHO DOCENTE E A RELAÇÃO PÚBLICO PRIVADO EM TEMPOS DE MUNICIPALIZAÇÃO DO
ENSINO FUNDAMENTAL.............................................................................................................. 63
FORMAÇÃO PARA A DOCENCIA: A INTERLOCUÇÃO DE SABERES NA RELAÇÃO TEORIA-PRÁTICA
..................................................................................................................................................... 79
A DIVISÃO LICENCIATURA/BACHARELADO NO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA: O OLHAR DOS
EGRESSOS .................................................................................................................................... 92
O AMBIENTE ALFABETIZADOR E OS DESAFIOS NO PROCESSO DA CONSTRUÇÃO DA LEITURA E
ESCRITA ..................................................................................................................................... 107
O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO EM PESQUISAS RELACIONADAS AO TRABALHO
PEDAGÓGICO E A EDUCAÇÃO FÍSICA NO CAMPO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO ...................... 108
A INTERVENÇÃO DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO BRASIL 125
MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR:
PANORAMAS E INTERFACES ...................................................................................................... 138
A VALORIZAÇÃO DOS PROFESSORES E O NOVO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: DESAFIOS
PARA O MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO DAS NEVES........................................................................... 153
PLANOS DE EDUCAÇÃO E OS CONSELHOS DE EDUCAÇÃO: DO NACIONAL PARA O MUNICIPAL
................................................................................................................................................... 168
A GESTÃO DEMOCRÁTICA E O PROCESSO DE [RE]CONSTRUÇÃO DOS PPP DAS ESCOLAS DA REDE |5
MUNICIPAL DE SANTA MARIA - RS ............................................................................................ 184
O PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (PDE) COMO BASE POLÍTICA DA QUALIDADE
DA EDUCAÇÃO: A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO PLANO DE AÇÕES
ARTICULADAS (PAR) .................................................................................................................. 200
AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS E OS PRINCÍPIOS DE
QUALIDADE E EQUIDADE EM EDUCAÇÃO................................................................................. 215
EDUCAÇÃO LATINO-AMERICANA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: REFLEXÕES E DESAFIOS230
ANÁLISE DE CONTEÚDO E ANÁLISE DE DISCURSO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO: DISCURSOS
SOBRE VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO .......................... 244

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SABER POLIDOCENTE NA EAD: A ATUAÇÃO DA EQUIPE DE FORMAÇÃO DO PROGRAMA ESCOLA
DE GESTORES DA UFOP ............................................................................................................. 259
O SISTEMA ESTADUAL DE AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA DO RIO GRANDE SUL (SEAP/RS) –
AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES, DIFERENÇAS E SEMELANÇAS COM OUTROS PROCESSOS DE
AVALIAÇÃO EXTERNA ................................................................................................................ 275
O TRABALHO PEDAGÓGICO NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO INFANTIL .................. 290
A CONTRATAÇÃO DE PROFESSORES TEMPORÁRIOS NAS REDES PÚBLICAS ESTADUAIS DE ENSINO
NO BRASIL ................................................................................................................................. 300
A CARREIRA DOCENTE NA REDE ESTADUAL DE ENSINO DO PARÁ ........................................... 313
COMPREENSÕES SOBRE A PEDAGOGIA: QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS E HISTÓRICAS .......... 328
DESAFIOS E ENFRENTAMENTOS DA DOCÊNCIA: OS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS E OS
PROCESSOS FORMATIVOS DOS ACADÊMICOS DO CURSO DE PEDAGOGIA EAD ...................... 344
DIÁLOGOS SOBRE TRABALHO DOCENTE NA CONTEMPORANEIDADE: EXPERIÊNCIA DO
MEDIADOR DO ENSINO MÉDIO COM INTERMEDIAÇÃO TECNOLÓGICA EM MEIO RURAL ...... 360
DIVERSIDADE CULTURAL NA ESCOLA: MÚSICA INDÍGENA, PESQUISA E CRIAÇÃO NA EDUCAÇÃO
MUSICAL .................................................................................................................................... 376
A MEDIAÇÃO DOCENTE E A EDUCAÇÃO INDÍGENA: UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO PARA
ALUNOS TICUNA DO ALTO SOLIMÕES- AMAZONAS ................................................................. 387
AS INCIDÊNCIAS DO PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA NO TRABALHO
DOCENTE: REFLEXO DA REGULAÇÃO EMPREENDIDA PELO ESTADO-AVALIADOR ................... 388
ESCOLHER SER PROFESSOR E REALIZAR-SE NA PROFISSÃO: ..................................................... 404
TRABALHO DOCENTE E AUTONOMIA: POR UM PROFESSOR ESPECIALISTA DE SEU AGIR ....... 419
OS DOCENTES E AS POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE ............. 432
O TRABALHO DO GESTOR ESCOLAR FRENTE ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA ................................................................................................ 445
PERFORMANCE DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR: PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS À LUZ
DOS PRINCÍPIOS DE REA ............................................................................................................ 457
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O LABOR DO GESTOR ESCOLAR NO EMPENHO DO TRABALHO DOCENTE DECENTE,
RESPONSABILIDADES PEDAGÓGICAS, PATRIMONIAIS E ADMINISTRATIVAS: ATRIBUIÇÕES
COMPLEMENTARES OU ANTAGÔNICAS? .................................................................................. 473
LIMITES E POSSIBILIDADES NO PROCESSO DE [RE]CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-
PEDAGÓGICO: INTERLOCUÇÕES ENTRE ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL E O CONSELHO
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO ....................................................................................................... 490
A ONTOLOGIA DO TRABALHO HUMANO E A CONSTELAÇÃO DE SABERES DOCENTES NA
EDUCAÇÃO DOS TRABALHADORES ........................................................................................... 506
QUILOMBOS NA SERRA DOS TAPES: A MEMÓRIA ANCESTRAL DAS COMUNIDADES NEGRAS
RURAIS EM PELOTAS – RS E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO BÁSICA................................... 522
PERSPECTIVAS DO PNE PARA O TRABALHO DOCENTE NA EJA ................................................. 537

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PROVA DO MÉRITO: VIOLAÇÃO DE DIREITOS DOS PROFESSORES NO ESTADO DE SÃO PAULO?
................................................................................................................................................... 552
TRAJETÓRIAS DA PROFISSÃO DOCENTE NA UNIVERSIDADE EQUATORIANA: EXPERIÊNCIAS DE
PROFESSORAS COMPREENDIDAS DESDE A ANÁLISE DE DISCURSO PÊCHEUXTIANA ............... 564
VIOLÊNCIA EM MEIO ESCOLAR: NECESSIDADES FORMATIVAS PARA DESENVOLVER O TEMA NA
ESCOLA ...................................................................................................................................... 580
VIDAS QUE SE ENTRELAÇAM... CONHECIMENTOS QUE SE CONTROEM: A CONSTITUIÇÃO DA
DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ................................................................................ 595
VERTICALIZAÇÃO NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: ESTADO
DO CONHECIMENTO ................................................................................................................. 612
ENTRE A CAFETINAGEM ACADÊMICA E O ASSÉDIO MORAL: UMA AUTOETNOGRAFIA EM UMA
UNIVERSIDADE .......................................................................................................................... 628
PROGRAMA ESPECIAL DE FORMAÇÃO DE DOCENTES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL -
SERTÃO/RS: UMA ANÁLISE ACERCA DAS PERCEPÇÕES DOS EGRESSOS (ANO 2010 A 2014) ... 644
RELAÇÕES ENTRE CURSOS DE LICENCIATURA E PIBID: A FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE EM FOCO
................................................................................................................................................... 660
REVISÃO SISTEMÁTICA: A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA ... 672
PIBID E A NOVA REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO ................................................................. 689
TRABALHO PEDAGÓGICO E O USO DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO: ANALISANDO O ESTADO
DA ARTE NO WIE 2015 .............................................................................................................. 705
TRABALHO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR: O ETHOS MERITOCRÁTICO DAS AVALIAÇÕES
EXTERNAS .................................................................................................................................. 718
O SENTIDO DAS EXPERIÊNCIAS DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL- A PERSPECTIVA DAS
PEDAGOGAS .............................................................................................................................. 734
PERSPECTIVAS DE ANÁLISE DA CONSTITUIÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DO BACHAREL DOCENTE
NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA ....................................................................... 750
AS REFORMAS EDUCACIONAIS NA REDE ESTADUAL PAULISTA E AS ALTERAÇÕES LEGAIS NO |7
TRABALHO DO PROFESSOR COORDENADOR PEDAGÓGICO: AVANÇOS E RECUOS .................. 763
APANHADO HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL E
POSSIBILIDADE DE INSERÇÃO DE PRÁTICAS FORMATIVAS EM EDUCAÇÃO POPULAR ............. 779
FUTURAS PEDAGOGAS E DISCURSOS SOBRE TRABALHO: VOCAÇÃO OU FALTA DE OPÇÃO? .. 795
APRENDENDO A PROFISSÃO: PROFESSORES INICIANTES E AS CONDIÇÕES DO TRABALHO
DOCENTE NO DISTRITO FEDERAL .............................................................................................. 811
A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO E A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL DO ENSINO SUPERIOR: LIMITES E
POSSIBILIDADES NA PRÁTICA EDUCATIVA ................................................................................ 827
UM DESAFIO NA FORMAÇÃO COM PROFESSORES PARA A REDE FEDERAL DE ENSINO BÁSICO,
TÉCNICO E TECNOLÓGICO ......................................................................................................... 828

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EDUCAÇÃO MUSICAL NO CURSO DE PEDAGOGIA/UFSM: O QUE DIZEM AS EGRESSAS?......... 834
DESVENDANDO O CONCEITO DE PRÁXIS .................................................................................. 835
BASE NACIONAL COMUM: O ALICERCE DO SISTEMA DE ENSINO BRASILEIRO? ....................... 844
TEORIAS DE CURRÍCULO E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE ...................................... 852
Mutações no mundo do trabalho e suas repercussões no trabalho docente no ensino superior
................................................................................................................................................... 862
PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: LIMITES E POSSIBILIDADES PARA O ACESSO A EDUCAÇÃO
INFANTIL .................................................................................................................................... 875
CONDIÇÕES DE TRABALHO E SAÚDE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM ESTUDO ACERCA DO MAL-
ESTAR DOCENTE EM TRÊS CIDADES DA REGIÃO SUL DO RIO GRANDE DO SUL. ...................... 888
PROFESSORES BACHARÉIS E IDENTIDADE DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR ........................... 902
PROFESSORES COMO SUJEITOS DE SEU TRABALHO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O SUJEITO
E O TRABALHO........................................................................................................................... 919
PROFESSORAS/MONITORAS DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE MACEIÓ/AL: PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
E PROFISSIONAL ........................................................................................................................ 931
POR QUE É TÃO DIFICIL A UNIVERSIDADE BRASILEIRA IMPLEMENTAR NO CURRICULO DE SUAS
LICENCIATURAS UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA? .................................................................. 945
ENEM: EFEITOS SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS ................................................................................................................................... 960
POLÍTICAS E PROCESSOS NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES CONSIDERANDO O
JOVEM DO ENSINO MÉDIO NO ATUAL CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO ...................... 975
PLANEJAMENTO E TRABALHO DOCENTE COM A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: REFLEXÕES A
PARTIR DO PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO A DOCÊNCIA – PIBID –
CEFD/UFSM ............................................................................................................................... 991
O PLANEJAMENTO PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO COMPONENTE CURRICULAR EDUCAÇÃO
FÍSICA......................................................................................................................................... 994
PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA INGLESA DE ESCOLA PÚBLICA SOBRE A PROFISSÃO
DOCENTE ................................................................................................................................. 1005 |8
OS PROFESSORES NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: MUTAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE NA
ÚLTIMA DÉCADA ..................................................................................................................... 1018
OS CURSOS DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA A DISTÂNCIA NOS
INSTITUTOS FEDERAIS DO BRASIL: OLHAR DOCENTE SOBRE OS PROJETOS PEDAGÓGICOS DE
CURSO ..................................................................................................................................... 1032
“OLHOS COLORIDOS”: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE SANTA MARIA-RS ................................................................... 1045
O TRABALHO DOCENTE EM ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS: VALORIZAÇÃO OU
PRECARIZAÇÃO? ...................................................................................................................... 1059

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PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAR) E A FORMAÇÃO DOCENTE: DESAFIOS E IMPLICAÇÕES NA
REGIÃO DO TRIÂNGULO MINEIRO PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ........................................ 1074
POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS NO TRABALHO DOCENTE EM SALA DE AULA ..................... 1090
ENTRE AS LEIS QUE REGEM O ENSINO DAS ARTES E A REALIDADE DOS PROFESSORES NAS
ESCOLAS DA 8ª COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ..... 1100
O LUGAR DA MÚSICA NO CURSO DE PEDAGOGIA: O CASO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
MARIA – UFSM ........................................................................................................................ 1116
OS SABERES DOCENTES E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES ENGENHEIROS ................................................................................................. 1132
A AUTOESTIMA NA RELAÇÃO CUIDAR E EDUCAR: CONCEPÇÕES DE PEDAGOGAS ACERCA DO
TRABALHO DESENVOLVIDO NA EDUCAÇÃO INFANTIL ........................................................... 1145
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SABERES DOCENTES: ALGUMAS REFLEXÕES ...................... 1161
A POLÍTICA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO CONTEXTO DA REFORMA DO
ESTADO NOS ANOS DE 1990 ................................................................................................... 1162
INFRAESTRURA PARA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E AS POSSIBILIDADES DA PRÁXIS PEDAGÓGICA
COM O CONTEÚDO JOGO ....................................................................................................... 1177
GESTÃO DEMOCRÁTICA, FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES E A ARTICULAÇÃO ENTRE
TEORIA E PRÁTICA NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL (PDE)
NO PARANÁ: BREVES COSIDERAÇÕES ..................................................................................... 1192
O TRABALHO DOCENTE E O COMPROMISSO SOCIAL DE EDUCAR NO INSTITUTO FEDERAL
FARROUPILHA.......................................................................................................................... 1204
FORMAÇÃO DOCENTE E CURRÍCULO: POLÍTICAS, PROCESSOS E PERSPECTIVAS DE
APERFEIÇOAMENTO ................................................................................................................ 1216
A DOCÊNCIA E A FORMAÇÃO CONTINUADA NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE ... 1247
POLÍTICAS DOCENTES DA ESCOLA: O CASO DO “PACTO NACIONAL PELO FORTALECIMENTO DO
ENSINO MÉDIO” ...................................................................................................................... 1263
A DIVISÃO LICENCIATURA/BACHARELADO NO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA: O OLHAR DOS
EGRESSOS ................................................................................................................................ 1278 |9

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CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ACADÊMICO-
CIENTÍFICA BRASILEIRA SOBRE TRABALHO DOCENTE

Kauana Martins Bonfada-UFSM


kauanabonfada@hotmail.com
Daniele Fialho Pelizzaro-UFSM
danipelizzaro@hotmail.com
Eduardo Adolfo Terrazzan-UFSM
eduterranec@ymail.com

A presente pesquisa desenvolvida no Grupo de Estudos e Pesquisas INOVAEDUC, tem


por objetivo caracterizar a produção acadêmico-científica vinculada a periódicos
nacionais sobre o assunto Trabalho Docente (TD). Para iniciarmos essa pesquisa,
seguimos os seguintes passos: (1) Escolhemos como Base de Dados o Portal de Periódicos
da CAPES na área Educação, estrato Qualis A1; (2) Nosso recorte envolve 13 periódicos,
com publicações entre os anos 2013 a 2015. Para realizar a busca dos artigos utilizamos
como termo de busca TD para localizar os artigos que mencionam no título, resumo ou
nas palavras-chave; (3) Identificamos 33 artigos, que foram submetidos a uma primeira
leitura para identificação do foco e intenções de pesquisa; (4) Selecionamos 14 artigos
que investigam algo sobre TD; (5) Para coletar informações utilizamos roteiros de análise
textual (específicos para pesquisa empírica ou ensaio teórico). A partir da das analises das
análises dos focos, objetivos, problemas e questões de pesquisa percebeu-se que a uma
variedade de assuntos tratados nesses artigos. Até o momento, foi possível estabelecer 7
categorias para abarca-los, a saber: (1) Formação continuada; (2) Condições de Trabalho;
(3) Conhecimento Pedagógico; (4) Avaliação; (5) Políticas Educacionais (6) Perfil do
Trabalhador Docente; (7) Trabalho Coletivo. | 10

Palavras-chave: Trabalho Docente; Produção Acadêmico-Científica; Periódicos.

INTRODUÇÃO

A educação tem como cenário principal a escola, isto é o espaço no qual se deve
favorecer a todos os cidadãos o acesso ao conhecimento e o desenvolvimento de
competências, ou seja, a possibilidade de apreensão do conhecimento historicamente
produzido pela humanidade e de sua utilização no exercício efetivo da cidadania. Pois é

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no dia a dia escolar que crianças e jovens, enquanto atores sociais têm acesso aos
diferentes conteúdos curriculares, os quais devem ser organizados de forma a efetivar a
aprendizagem. Para que este objetivo seja alcançado, a escola precisa ser organizada de
forma a garantir que cada ação pedagógica resulte em uma contribuição para o processo
de aprendizagem de cada aluno.
Sabemos que, para o aluno obter um bom rendimento escolar, é necessária a
contribuição de todos: dele mesmo, da família e, claro, da escola. Para isso, a escola entra
com a sua função social, ou seja, a escola representa a instituição que a humanidade
elegeu para socializar o saber metódico, isto é, o lugar onde é obtido o conhecimento do
qual estima a ser necessário para o processo de formação dos homens como sujeitos
históricos. Logo, a função social da escola é transmitir conhecimentos e saberes movidos
pelo exercício da docência. Segundo Tardif e Lessard (2005), a docência é compreendida
como uma forma particular de trabalho sobre o humano. Ensinar é trabalhar com seres
humanos, sobre seres humanos, e para seres humanos; O objeto do trabalhador docente é
o aluno, outro ser humano, isto é: o trabalho docente coloca em relação um trabalhador e
um ser humano que se utiliza de seus serviços, o que torna o trabalho interativo. A
docência é um trabalho cujo objeto não é constituído de matéria inerte ou de símbolos,
mas de relações humanas.
Sabemos que existem três maneiras de transformar a sociedade como um todo:
guerra, revolução e educação, isto é, a educação é a forma mais adequada e passiva entre
as outras. A maioria dos sistemas de ensino é constituída sobre uma filosofia de
racionalização e democratização que incorpora mecanismos ativos, como “comunicação,
cultura e educação”, que visam os processos comunicacionais humanos, conjunto de
| 11
práticas de comportamento padrão e o processo educacional de ensinar e aprender.
A educação e a sua função social com a escola são entendidas como um sentido
amplo, isto é, a prática social que se dá nas relações. O processo do homem em relação à
transformação da natureza declara leis que regem a sua convivência com os demais. Logo,
a escola desempenha as funções sociais para a formação de sujeitos históricos e necessita
ter um espaço de sociabilidade que facilite a construção e a socialização do conhecimento
produzido, ou seja, um conhecimento vivo, caracterizado como um processo em
construção.

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Os professores exercem um papel insubstituível no processo da transformação
social dos educandos. A formação identitária do professor abrange o profissional, pois a
docência não está somente baseada em dar aulas, ela se constitui na atuação profissional
durante a prática social. E a formação dos docentes não está somente baseada na
racionalidade técnica, como apenas executores de decisões, como um mecanismo, mas
sim cidadãos com competências e habilidades de decidirem e produzirem novos
conhecimentos para a questão do ensinar.
O processo de ensino e aprendizagem é um importante mecanismo na formação
social do aluno, pois possibilita que este se torne um sujeito atuante no mundo, capaz de
refletir e compreender as constantes mudanças da sociedade. A educação escolar e
principalmente o professor tem um importante papel neste processo de formação do aluno
como indivíduo social. Nesta perspectiva consideramos a afirmação de FREIRE (1996)
de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
produção ou a sua construção”.
O professor atual deve ser um profissional da educação que elabora aulas e
materiais criativos com conhecimentos teóricos e críticos. Nessa nova era da tecnologia,
os professores devem ser afrontados e considerados como parceiros e autores na mudança
da qualidade social da escola. Logo, cabe aos professores do século XXI a tarefa de
encaminhar os alunos para enfrentar novos desafios.
Os professores possuem como significado do seu trabalho a formação e tem como
finalidade a ação de ensinar, isto é, pelo seu objetivo e pelo conteúdo concreto efetivado
através das operações realizadas conscientemente pelo professor, considerando as
condições reais e objetivas na condução do processo de apropriação do conhecimento
| 12
pelo aluno. Para uma melhor compreensão de modo mais significativo para o trabalho
docente é a necessidade de destacar a ação mediadora realizada por outros indivíduos nos
processos de apropriação dos resultados das práticas sociais.
Desta forma, o trabalho docente não se restringe à sala de aula, pois toda e
qualquer ação fora dela deve sempre ser uma ação profissional, regida por saberes
profissionais (GAUTHIER, 1998). Nesse contexto a escola deve ser vista além do lugar
que socializa o saber metódico, mas também como um lugar de trabalho do professor, o
qual depende, para se organizar e atender às suas demandas, de profissionais que atuem

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em seus diferentes espaços, de forma sustentada por conhecimentos e saberes construídos
com base em diferentes teorias e experiências diversas.
Como prática social situada, o trabalho docente é condicionado pela singularidade
dos contextos nos quais se realiza. Logo, o objetivo desse trabalho é caracterizar a
recente produção acadêmico-científica brasileira sobre trabalho docente. Assim, o
estudo desse trabalho se da a partir da inserção no contexto onde se realiza o trabalho
docente, ou seja, o estudo de situações reais, com o intuito de contribuir para a
compreensão sobre o que fazem e que saberes mobilizam os profissionais para executar
o que lhes é imposto pelas prescrições de seu campo de trabalho.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A nossa pesquisa tem por objetivo caracterizar a recente produção acadêmico-
científica brasileira sobre o Trabalho Docente. Para atingir esse objetivo, utilizamos
fontes de informação do tipo documentos, a saber, artigos publicados em periódicos, e
utilizamos como nossa base de dados o Portal de Periódicos da CAPES. Estabelecemos,
como primeiro recorte para a nossa análise, a busca de artigos em 13 PAC da área de
Pesquisa em Educação, classificados no estrato A1 do Qualis CAPES Educação. A fim
de extrair essas informações, utilizamos, no âmbito do Grupo de Estudos, Pesquisas e
Intervenções “Inovação Educacional, Práticas Educativas e Formação de Professores”
(INOVAEDUC/NEC/CE/UFSM), nossos roteiros de análise textual para a coleta de
informações, que são de natureza empírica e teórica.
Os artigos selecionados foram extraídos de 13 PAC, a saber: Avaliação: Revista
de Avaliação da Educação Superior (RAIES/Uniso), Cadernos de Pesquisa (Fundação
Carlos Chagas), Cadernos Cedes (Centro de Estudos Educação e Sociedade), Cadernos
| 13
de Pesquisa (Universidade Federal do Maranhão), Ciência e Educação (Programa de Pós-
Graduação em Educação para a Ciência, Universidade Estadual Paulista/UNESP),
Faculdade de Ciências), Educação e Pesquisa (Faculdade de Educação/USP), Educação
e Realidade (Faculdade de Educação/UFRGS), Educação e Sociedade (Centro de
Educação e Sociedade), Educação em Revista (Programa de Pós-graduação em
Educação/UFMG), Educar em Revista (Setor da Educação/UFPR), Ensaio: Avaliação de
Políticas Públicas Educacionais (Fundação CESGRANRIO), Pró-Posições (Faculdade de

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Educação/UNICAMP), Revista Brasileira de Educação (Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação/ANPEd).
Para localizar os artigos, fizemos uma prévia leitura do título, resumo e das e
palavras-chave de todos os artigos publicados entre os aos de 2013 e 2015, nos 13
periódicos escolhidos. Foram identificados 33 artigos, os quais foram submetidos a uma
primeira análise, e foram excluídos da amostra final 19 artigos que mencionavam somente
o termo “Trabalho Docente” no título e/ou no resumo e/ou nas palavras-chave apenas
para localizar o contexto no qual a pesquisa foi desenvolvida ou para informar quais eram
os sujeitos da pesquisa, mas o foco principal não era estudar efetivamente características
do Trabalho Docente. Logo, acabamos selecionando como amostra final para esse
trabalho 14 artigos, os quais são dos seguintes periódicos: 3 Cadernos Cedes; 3 Cadernos
de Pesquisa Fundação Carlos Chagas; 3 Educar em Revista; 1 Educação e Realidade; 1
Educação e Sociedade; 1 Educação em Revista; 1 Ensaio: Avaliação de Politicas Públicas
Educacionais; 1 Revista Brasileira de Educação.
Mediante aos nossos Roteiros de Análise Textual, que nos permitiu a coleta de
informações, classificamos as pesquisas como empíricas (pesquisas realizadas por meio
de um objeto localizado dentro de um recorte do espaço social, que tem como intuito
responder um problema), e também como Ensaio Teórico (argumentação teórica e
discussão em torno de uma temática sobre a qual o autor defende uma tese).
Estabelecemos os seguintes critérios dos nossos roteiros (pesquisa empírica e
ensaio teórico) para analisar as pesquisas selecionadas: foco, objetivo, problema e
questões de pesquisa. Estabelecemos, para os 14 artigos selecionados categorias de
análise a posteriori relativas aos critérios de análise contidos nos nossos roteiros.
| 14
Logo, procuramos desenvolver um formato de análise que ajudasse a compreender
o problema investigado de cada pesquisa, permitindo estabelecer relações entre Ensaio
Teórico e o Material Empírico coligido, de maneira a interpretá-los com mais consistência
para propiciar um leque de situações.

CONSTITUIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS


Nossa amostra está constituída por um total de 14 artigos, que podemos dividi-los
em: 08 artigos classificados como pesquisa empírica e 06 artigos como ensaios teóricos.

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A partir da análise realizada, estabelecemos categorias para os critérios contidos em cada
roteiro e a seguir, apresentamos uma síntese das pesquisas identificadas em cada
categoria.
CATEGORIAS
A categoria Formação continuada engloba dois artigos, que são: Formação
continuada e suas implicações: entre a lei e o trabalho docente, de MAGALHÃES E
AZEVEDO (2015), que é de natureza teórica. A presente pesquisa apresenta o efeito que
às más condições para formação inicial e continuada para docentes vêm ocorrendo no
país, que são as consequências das politicas educacionais do modo autoritários que algum
tempo vêm sendo alvo de criticas no campo acadêmico. Mas diante dessa situação as
autoras buscam analisar a prática docente, e procuram destacar os diversos aspectos e
peculiaridades acerca da formação continuada e qual a importância do seu papel no
trabalho docente. E a outra pesquisa eu compõe essa categoria é de LAFFIN E
NAKAYAMA (2013) intitulada O Trabalho de Professores/as em Um Espaço de
Privação de Liberdade. E que apresenta em sua análise uma problemática que parte das
necessidades de uma formação continuada dos docentes que atuam na Escola Supletiva
da Penitenciaria de Florianópolis. A docência na educação de jovens e adultos é marcada
por particularidades, como sujeitos em situação de provação da liberdade e a restrição de
direitos civis, também a infraestrutura e relacionamentos. A pesquisa das autoras se
caracterizou como qualitativa de caráter exploratório, pois para o desenvolvimento foi
realizada a analise documental de textos legais e de orientações, estudos bibliográficos e
entrevistas com docentes da escola no complexo penitenciário de Florianópolis/SC.
A categoria Condições de Trabalho abrange 5 artigos, que 2 deles são pesquisas
| 15
empíricas e 3 são ensaios teóricos. Primeiro abordaremos as pesquisas empíricas que são:
Qualidade e trabalho docente: as experiências e oportunidades de aprendizagem dos
professores, de HERDEIRO E SILVA (2014), que apresentam em sua pesquisa
investigações sobre impactos legislativos eu ocasionem uma melhoria da qualidade do
trabalho docente. Essa pesquisa foi realizada em Portugal e as informações foram
recolhidas através de narrativas orais e escritas, grupos de discussões e questionários
aplicados com 396 professores do 1º ciclo do Ensino Básico. As autoras abordam que na
visão politica europeia o termo qualidade é a categoria central do novo paradigma de

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educação sustentável. As autoras evidenciaram que a qualidade do trabalho docente está
se danificando pelo desinteresse profissional de professores. O segundo artigo é intitulado
Precarização do trabalho docente numa escola de rede privada do subúrbio carioca, de
IÓRIO E LELIS (2015) investiga as condições de trabalho de professores e como se
processa o desenvolvimento profissional, essa pesquisa é de cunho etnográfico, e foram
utilizados como instrumentos de coleta de informações “observação do contexto
educacional” e “entrevistas” com o diretor da rede privada de ensino e professoras,
sujeitos da pesquisa e a partir disso tudo acabou se evidenciando a precarização do
trabalho docente em função dos baixos salários, os sobre cargos de tarefas, a falta de uma
formação continuada para os docentes. E para completar a categoria de Condições de
Trabalho temos 3 artigos de natureza teórica, que são: Trabalho docente e o novo plano
nacional de educação: valorização, formação e condições de trabalho, de HYPOLITO
(2015) que apresenta em sua pesquisa as politicas de valorização, formação e condições
de trabalho dos docentes relacionados com o Plano Nacional de Educação (PNE). O autor
pretende com essa pesquisa discutir os “descaminhos e equívocos das politicas
gerencialistas” que vêm sendo implementadas na educação publica do país, que possuem
como características a adoção de índices, medidas e exames padronizados pela adoção de
politicas de avaliação, formação docente e a falta de valorização docente. Hypolito (2015)
estrutura a sua pesquisa confrontando a valorização profissional e a formação docente no
contexto do PNE, com as políticas educacionais atuais, e também aborda discussões
acerca do trabalho docente em relação às politicas de salario e condições de trabalho. Já
o segundo artigo que completa essa parte da categoria é denominado Efetividade da
politica para o ensino fundamental em municípios brasileiros, de GOUVEIA E SOUZA
| 16
(2013), que apresenta a questão das “condições de qualidade educacional”, e utilizam-se
de componentes da política educacional para elaboração, como trabalho docente,
condições materiais, estruturais e de gestão nas escolas. O objetivo dessa pesquisa é
compreender a afetividade de politica educacional nos sistemas de ensino público, que
visa o entendimento da avaliação da afetividade a partir da ideia de qualidade de oferta
para o desenvolvimento humano o que significa amenizar condições objetivas e
permanência no sistema de educação. Logo, compreendemos que a afetividade significa
amenizar os resultados pela oferta educacional, e que as condições gerais de qualidade

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educacional no país estão sendo implementados. E para finalizar a categoria de Condições
de Trabalho apresentaremos o seguinte artigo Condições do trabalho escolar: desafios
para os sistemas municipais de ensino, de SILVA E SOUZA (2013), que tem por objetivo
“analisar as condições materiais em que se realiza o atendimento educacional nas Escolas
Públicas de Educação Básica no Brasil”. A pesquisa analisa os processos de intensificação
do trabalho e de responsabilização escolar, esses processos fazem um contraponto com
as políticas de avaliação externa da educação e sua consequências para a educação
nacional e para dos docentes. Está apresentada na pesquisa a questão das condições
materiais em que se realiza o atendimento educacional nas Escolas Públicas de Educação
Básica.
A categoria Conhecimento Pedagógico aborda apenas um artigo, e que é um
ensaio teórico, denominado Discursos sobre a eficácia educacional: encontros e
desencontros entre técnicos em educação e professores (Brasil, décadas de 1950 a1970),
de LUGLI E SILVA (2014) e que apresenta três fontes diferenciadas na produção desses
saberes: a documentação dos Congressos Nacionais de Professores Primários; discursos
dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais; e textos dos manuais pedagógicos,
usados nas escolas de formação do magistério primário. Esses materiais são
especialmente úteis para compreender como os apelos de racionalização do trabalho
docente com ênfase nos métodos e técnicas de ensino, característicos do discurso
educacional entre meados do século XX e a década de 1970, são construídos em instâncias
diversas do campo educacional brasileiro. Nessa perspectiva, é possível evidenciar as
disputas envolvidas nessa ênfase na dimensão técnica do ensino, entre os agentes
localizados em diferentes posições: autoridades oficiais do Estado, pesquisadores e
| 17
professores primários. No entrecruzamento desses textos é notável a progressiva adesão
aos valores vindos de uma visão técnica do ensino como verdades inquestionáveis e a
constituição da “teoria” como um tipo diferenciado de conhecimento pedagógico
associado à maior legitimidade dos “técnicos em educação”, constituídos
simultaneamente pelos vínculos com a Universidade e com o Estado.
A categoria Avaliação também aborda apenas um artigo do tipo ensaio teórico,
denominado A redução da escola: a avaliação externa e o aprisionamento curricular, de
ESTEBAN E FETZNER (2015) e que problematiza a concepção de qualidade verificada

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nas políticas oficiais que atribuem à avaliação externa o poder de melhorar as práticas de
aprendizagem-ensino e as bases de definição das finalidades e processos considerados
legítimos na escola e suas relações com a produção de resultados escolares desiguais que
historicamente penalizam crianças dos grupos sociais subalternizados. As práticas
cotidianas colocam em tensão essa relação: dos objetivos das políticas públicas,
razoavelmente afirmados pelas escolas em seus projetos pedagógicos, de democratização
da educação escolar, com as ações escolares em que predominam exercícios de
treinamento para as provas e propostas curriculares com objetivos padronizados e
fragmentados. Os resultados aferidos pelos exames lidos à luz de perspectivas contra-
hegemônicas levam à indagação desse sistema e do projeto que o sustenta.
A categoria Políticas Educacionais aborda 3 artigos e todos são classificados
como pesquisas empíricas. Iniciaremos com o seguinte artigo denominado Políticas de
valorização do trabalho docente no Brasil: algumas questões, de ANDRÉ (2015) e que
identifica três tipos de iniciativas para valorizar os docentes: socialização de práticas
exitosas, prêmios por desempenho e apoio à qualificação profissional. As análises
indicaram que esses incentivos tendem a compensar o professor individualmente, pois
tanto a socialização de práticas exitosas quanto a concessão de licenças e afastamentos
dirigem-se ao indivíduo isoladamente. Não há informações suficientes, de levantamentos
ou de pesquisas, que possam atestar os efeitos dessas medidas na qualidade do ensino de
sala de aula e na aprendizagem dos alunos. Já o segundo artigo é denominado
Reconfiguração do trabalho docente: um exame a partir da introdução de programas de
intervenção pedagógica, de GANDIN E LIMA (2015), que apresenta a questão do uso
dos conceitos de desqualificação, requalificação, intensificação e performatividade,
| 18
construídos por Michel Apple e Stephen Ball. O texto caracteriza as transformações que
as políticas educacionais baseadas em uma configuração gerencialista do Estado –
corporificada no programa – provocam no trabalho das professoras. No campo estudado,
as docentes transformam-se em executoras de um programa preconcebido e perdem parte
de sua autonomia, ao mesmo tempo em que novas tarefas, voltadas ao controle dos
conteúdos e ritmos, precisam ser aprendidas. Neste trabalho docente transformado, a
mensuração coreografada da ação docente passa a ser mais importante que o conteúdo
dessa ação. Os dados apresentados neste trabalho, que está focado no impacto que tais

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programas de intervenção causam sobre o trabalho docente de professoras de ensino
fundamental, foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com seis
professoras de primeiro e segundo anos do ensino. Além das entrevistas, foram realizadas
observações durante uma semana na sala de aula de cada professora, verificando, assim,
o uso que elas faziam do programa. Também foram analisados os materiais do instituto
adotados pela escola (manuais para professoras e alunos, DVD de capacitação para uso
do programa e livros destinados à secretaria de educação), para a compreensão dos
pressupostos que embasam o IAB. E para finalizar essa categoria apresentaremos o
seguinte artigo A valorização dos professores da educação básica e as políticas de
responsabilização: o que há de novo no plano nacional de educação?, de AUGUSTO
(2015) que estão identificadas as ocorrências na área de educação, em contexto mundial,
mudanças nos sistemas educacionais no sentido de exercer um mais amplo controle sobre
os resultados escolares, associando-os às prestações de contas e à responsabilização dos
professores e da gestão escolar. O que se propõe neste texto para reflexão é a análise da
provável correlação/associação que poderia estar sendo proposta no Plano Nacional de
Educação (PNE), Lei nº 13.005/2014, entre o incentivo ao mérito docente e as políticas
de valorização dos professores da educação básica, como a progressão nas carreiras
profissionais, os reajustes, e bonificações salariais.
A categoria Perfil do Trabalhador Docente abrange apenas um artigo que é uma
pesquisa empírica que é O professor de educação básica no Brasil: identidade e trabalho,
de SOUZA (2013), e que utiliza informações do Censo dos Profissionais do Magistério
de 2003 e do Questionário do Professor aplicado pela Prova Brasil 2011, ambas bases
produzidas pelo INEP/MEC, o estudo produz um mapeamento das principais
| 19
características dos profissionais docentes e coteja tal leitura com demais trabalhos que o
campo de investigação vem produzindo. O texto conclui evidenciando características da
população docente, bem como mostrando como os professores mais experientes e mais
bem formados são recompensados salarialmente; ademais mostra aspectos das condições
de trabalho e do perfil cultural, sendo que, nesse último item, evidencia um nível cultural
fragilizado entre os docentes.
Finalizando a nossa análise estabelecemos a categoria Trabalho Coletivo na qual
aborda apenas um artigo, que é uma pesquisa empírica que é A dimensão coletiva do

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trabalho docente: uma experiência em duas escolas municipais de Belo Horizonte, de
BOY E DUARTE (2014) e que apresentam uma análise que recai sobre estudos efetuados
a respeito da dimensão coletiva do trabalho, que abarca a pluralidade conceitual desse
termo, assim como a forma de trabalho colaborativo e os tipos de colaboração entre
docentes. Os resultados revelam distintas formas de se conceber e de se nomear o trabalho
coletivo entre os docentes das escolas investigadas, cabendo ressaltar que foi possível
constatar diferentes formas de colaboração, com objetivos diversos e consequências
distintas. No contexto analisado, de acordo com a percepção dos professores, as práticas
coletivas se tornam cada vez mais escassas e se traduzem em discussões de aspectos
imediatos e de curto prazo que envolvem o trabalho docente. Na primeira seção, buscou
se apresentar a base teórica que orientou a pesquisa; na segunda, as concepções dos
docentes e os documentos oficiais da RMEBH sobre o trabalho coletivo; a terceira
descreve a organização das escolas para a realização desse tipo de trabalho e apresenta a
percepção dos professores sobre essa realização laboral nas unidades em que trabalham.
Nestas duas últimas seções, buscou-se relacionar os dados empíricos apresentados com o
referencial adotado. As considerações finais retomam e salientam os achados da pesquisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença da temática “Trabalho Docente” nos periódicos analisados evidencia
um interesse da comunidade de pesquisadores em relação a essa temática. Por isso,
podemos afirmar a centralidade que ocupa o Trabalho Docente na atualidade no âmbito
das pesquisas desenvolvidas na área de Educação. Percebe‐se que há uma variedade
relativamente grande de focos de pesquisa privilegiados pelos pesquisadores em educação
no que se refere a essa temática, com a maior prevalência sobre estudos e interesses sobre
| 20
condições de trabalho dos docentes, políticas públicas educacionais e formações
continuadas.
Merece destaque também a preocupação que os pesquisadores estão tendo em
caracterizar o contexto geral dessa temática, apontando os desafios que a cercam. Por
outro lado, constatamos uma presença significativa de artigos que relatam pesquisas nas
quais se apresentam propostas fundamentadas para implementação de formas de
organização, formas de condições de melhoramento de infraestrutura e gestão escolar.
Entendemos, então, que uma nova perspectiva para a agenda de pesquisas relativas ao

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Trabalho Docente está aberta agora, e esta refere‐se à busca de compreensão sobre as
formas como o campo educacional vem se organizando a partir de estudos e
sistematizações que seus membros realizam sobre documentos oficiais, por respostas que
oferecem às ações promovidas pelas instâncias superiores ou até mesmo por leituras que
costumam efetivar sobre as proposições das políticas educacionais atuais.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, M. Políticas de valorização do trabalho docente no Brasil: algumas questões.


Ensaio: Avaliação de Políticas Públicas Educacionais, Rio de Janeiro, v.23, n. 86, p.
213-230, 2015. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v23n86/0104-4036-
ensaio-23-86-213.pdf >. Acesso em: 03.fev.2016.

AUGUSTO, M. H. A valorização dos professores da educação básica e as políticas de


responsabilização: o que há de novo no plano nacional de educação? Caderno Cedes,
Campinas, v.35, n97, p. 535-552, 2015. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v35n97/1678-7110-ccedes-35-97-00535.pdf > Acesso
em: 03.fev.2016.

BOY, L. D. G.; DUARTE. M. C. D. A dimensão coletiva do trabalho docente: uma


experiência em duas escolas municipais de Belo Horizonte. Educação em Revista, Belo
Horizonte, v30, n04, p. 81-104, 2014. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/edur/v30n4/05.pdf >. Acesso em: 03.fev.2016.

ESTEBAN, M. T.; FETZNER, A. R. A redução da escola: a avaliação externa e o


aprisionamento curricular. Educar em Revista, Curitiba, n1/2015, p. 75-92, 2015.
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-
40602015000500075&script=sci_abstract&tlng=pt > Acesso em: 03.fev.2016.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessário à prática educativa. São


Paulo: Paz e Terra, 1996, 54 p.
| 21
GANDIN, L. A.; lima. i. g. reconfiguração do trabalho docente: um exame a partir da
introdução de programas de intervenção pedagógica. Revista Brasileira de educação, v.
20, n. 62, p. 663-677, 2015. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v20n62/1413-2478-rbedu-20-62-0663.pdf>. Acesso em:
03.fev.2016.

GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre


o saber docente. 2 ed. Ijuí, Editora Unijuí, 2006, 457 p

GOUVEIA, A. B.; SOUZA, A. R. Efetividade da política para o ensino fundamental em


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LUGLI, R. G.; SILVA, V. B. Discursos sobre a eficácia educacional: encontros e


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implicações: entre a lei e o trabalho docente. Caderno Cedes, Campinas, v.35, n95, p.
15-36, 2015. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v35n95/0101-3262-
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municipais de ensino. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.43, n150, p. 772-787, 2013.
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-
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| 22
SOUZA, A. R.O professor da educação básica no Brasil: identidade e trabalho. Educar
em Revista, Curitiba, n48, p. 53-74, 2013. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602013000200005 >
Acesso em: 03.fev.2016.

TARDIF, M; LESSARD, C. O trabalho Docente. Petrópolis: Vozes, 2005.

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A POLÍTICA DE AVALIAÇÃO BRASILEIRA E OS EFEITOS
NA SUBJETIVIDADE DOCENTE1

Simone Torres Evangelista- UFF


sitorres.evangelista@gmail.com
Maria de Fátima Costa de Paula- UFF
mfatimadepaula2015@gmail.com

Resumo: Quando discutimos a avaliação educacional, a busca pela qualidade do ensino


é tema recorrente e indutor de comportamentos, afinal, quem não deseja uma educação
de qualidade? Atrair investimentos afetivos da sociedade é uma estratégia de criação de
desejos que pode conduzir a aceitação acrítica de novas propostas. A política educacional
brasileira se propõe a avaliar a qualidade do ensino objetivamente, desconsiderando as
variáveis socioeconômicas e culturais no qual o ensino se processa. Além disso, ao
estabelecer um ranking nacional de escolas e redes de ensino, introduz o imperativo da
administração privada. Cabe então indagar: em que medida o sistema de avaliação
brasileiro e sua concepção de qualidade da educação vem afetando a subjetividade
docente e modificando a prática do professor no contexto escolar? O presente artigo
buscou discutir tais questões, utilizando-se de revisão bibliográfica e entrevistas
semiestruturadas com professores de uma rede pública brasileira. Foi possível perceber
que a prática docente passou a ser permeada pela competitividade e busca incessante de
índices de desempenho, o que gerou crises de existência em muitos docentes. Novas
subjetividades foram forjadas e, com elas, valores éticos e humanos, muitas vezes,
passaram ao segundo plano.
Palavras-chave: Trabalho Docente, Subjetividade, Políticas de Avaliação da Educação

INTRODUÇÃO

| 23
No Brasil, o conceito de qualidade dos serviços públicos foi sendo reconfigurado
a partir de meados da década de 90, quando o governo federal brasileiro, com vistas a
atender às exigências de organismos multilaterais em troca de empréstimos, optou por
implementar o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) (BRASIL,
1995). Seu objetivo era o de garantir a abertura econômica e comercial do país.
Intensificou-se assim a inserção dos valores mercantis no contexto público brasileiro e a

1
Este artigo apresenta conteúdos da dissertação de mestrado intitulada "Política de remuneração variável
por desempenho docente: as reações e vivências dos professores da prefeitura municipal do Rio de
Janeiro" (FEUFF, 2013), escrita por Simone Torres Evangelista.

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prática de avaliar a qualidade dos serviços prestados.
Racionalização dos gastos públicos, controle das relações de trabalho dos
servidores públicos, busca incessante por resultados, eficiência e eficácia passaram a
fazer parte da realidade das instituições públicas brasileiras. Nesse sentido, o contexto
educacional também foi atingido por mudanças nas legislações que o regiam. Um
exemplo disso é a promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB)
(BRASIL, 1996) que passou a valorizar a avaliação externa como um processo legítimo.
Porém, foi em meados em 2005 que o Ministério da Educação (MEC) aprofundou
ainda mais o controle dos serviços educacionais, ao criar a Prova Brasil e o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que se tornou o responsável por expressar
numericamente a qualidade da educação.
No momento em que o MEC adotou o IDEB como indicador de qualidade para
cada escola, permitiu que fosse estabelecido um ranking nacional entre as escolas, entre
os municípios e até entre os estados a ser divulgado amplamente para a sociedade. As
avaliações educacionais passaram a produzir paralelamente um discurso que legitimou e
categorizou as unidades escolares como sendo aptas ou não, o que consequentemente
resvalou também em seus professores.
Na política de avaliação brasileira, os professores foram comumente
responsabilizados pela qualidade da educação ofertada, bem como pelo sucesso ou
fracasso de seus alunos e por esse mesmo motivo passaram a ser alvo de políticas públicas
de moldagem e disciplinamento de seu labor, o que repercutiu diretamente na prática
docente.
São vários os trabalhos que abordam a questão da qualidade no sistema de
| 24
avaliação brasileiro (AUGUSTO, 2012; RODRIGUES, 2012), mas ainda há espaço para
mais discussões. Nesse sentido, o foco de nosso trabalho pretende discutir a seguinte
questão: em que medida o sistema de avaliação brasileiro e sua concepção de qualidade
da educação vem afetando a subjetividade docente e modificando a prática do professor
no contexto escolar?

QUALIDADE: ORIGEM DO TERMO, CONCEPÇÃO E ASPECTOS LEGAIS NO


ATUAL CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO

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Quando discutimos ou pensamos em educação, uma palavra sempre ganha
destaque: qualidade. Mas que termo recorrente é esse? Compreendê-lo em sua origem
pode ser de grande relevância para a discussão que pretendemos iniciar.
O termo qualidade advém do latim qualitas e significa um atributo ou
característica (MORWOOD, 1995). O termo poiótês, sua origem grega mais profunda,
significa algo que define uma categoria ou uma classificação (CURY, 2010). Já no
Dicionário da Real Academia Espanhola (2001), o termo tem o sentido de propriedade (s)
que pertence (m) a alguma coisa, permitindo julgar seu valor. Isso demonstra que a
característica de algo e o valor que lhe é atribuído são indissociáveis. Quanto a isso,
Nietzsche (1998) afirma que todo discurso que queira se estabelecer como verdade
depende do valor que damos e que criamos.
Podemos então dizer que o termo qualidade possui uma perspectiva polissêmica,
para o qual não há uniformidade, uma vez que adquire novos sentidos, conforme a
concepção de mundo e de sociedade vigente. Trata-se de um conceito histórico, que se
altera no tempo e no espaço, podendo significar algo de valor, sem defeito ou dentro dos
padrões exigidos pelo mercado.
[...] o alcance do referido conceito vincula-se às demandas e exigências
sociais de um dado processo histórico. Caso se tome como referência o
momento atual, tal perspectiva implica compreender que embates e
visões de mundo se apresentam no cenário atual de reforma do Estado,
de rediscussão dos marcos da educação -- como direito social e como
mercadoria - entre outros (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 203-204).

Quando abordamos a qualidade da educação, também percebemos a polissemia


apontada anteriormente. Por exemplo, Paulo Freire (2005) argumenta que a educação de
qualidade demanda uma prática pedagógica que desperta o sujeito para a luta por | 25

melhores condições de vida. Para o filósofo italiano Antonio Gramsci (1981), a educação
de qualidade é aquela que possibilita a hegemonia das camadas populares.
Já o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2007) considera que a
qualidade da educação é definida por sete indicadores: ambiente educativo adequado,
prática pedagógica refletida pelo professor e avaliação da aprendizagem como um
processo, foco no ensino e aprendizagem da leitura e da escrita como prioridade, gestão
escolar democrática, formação adequada e boas condições de trabalho dos profissionais
da escola, ambiente físico escolar adequado, acesso e permanência dos alunos na escola.

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De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (1993), a qualidade na
educação deve visar à competência profissional, com vistas ao aumento da produtividade
e da competitividade das empresas. Em outras palavras, o referido órgão corrobora com
o pensamento de Longo (1996) ao sugerir que se supere o conceito de qualidade da
educação ligado apenas ao aspecto político-pedagógico. Ambos apontam para a qualidade
total tomada como imperativo da administração privada e traduzida para o contexto
educacional. Para tanto, propõem que a qualidade da educação depende da adoção de
características do sistema empresarial pelas instituições de ensino, por meio de uma
postura gerencial moderna que trará eficiência à educação.
Podemos observar também na Lei n° 9394/96 (Brasil, 1996) que o discurso legal
de padrão de qualidade, ensino de qualidade, aprimoramento da qualidade, avaliação de
qualidade e padrões mínimos de qualidade se mantém presente, idealizado e indefinido,
reforçando que a melhoria da qualidade do ensino passará a ser aferida através de um
processo nacional de avaliação do rendimento escolar. Entretanto, o conceito de qualidade
citado nos documentos oficiais tem se caracterizado pela substituição do aspecto
processual do ensino/aprendizagem, pelo aspecto mercadológico, em que a qualidade se
traduz em resultados a serem aferidos ao final de um período.
Segundo Dourado, Oliveira e Santos (2007), o conceito de qualidade adotado a
partir da LDB pauta-se no paradigma de insumo-processo-resultado sugerido por
organizações como Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações
Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO) e Organização de Cooperação
e de Desenvolvimento Econômico (OCDE). Tal paradigma define a qualidade da
educação a partir do viés economicista da relação custo/benefício: a qualidade é boa
| 26
quando o investimento financeiro se traduz em resultados quantitativos positivos.
Diante dos conceitos de qualidade aqui apresentados e dos atuais aspectos legais,
cabe assinalar que a concepção de qualidade da educação defendida neste trabalho
corrobora o pensamento de Moreira e Kramer (2007) quando advogam que a qualidade é
um conceito historicamente produzido e que, portanto, não deve ser medida/avaliada em
seus aspectos absolutos, uma vez que o aspecto numérico e estatístico não considera as
variáveis socioeconômicas e culturais em que o ensino se processa.

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A POLÍTICA DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Assim como não há unanimidade quanto à definição do que é qualidade da


educação, o mesmo ocorre no que diz respeito ao mecanismo para avaliá-la. Tudo
depende da visão de mundo, do que se espera da educação e para que/quem essa educação
está sendo planejada. Por isso, se faz necessário contextualizarmos como as atuais
políticas de avaliação do ensino básico público brasileiro foram se configurando.
Na década de 90, organismos multilaterais como o Banco Mundial (BM),
tornaram-se guardiões dos grandes credores internacionais, exercendo o papel central de
assegurar o pagamento da dívida externa pelos países devedores. Assim, influenciaram
uma série de reformas (fiscais, previdenciárias, educacionais e tributárias) que
garantiriam a abertura econômica e comercial desses países, pautada nos ideais de
empresas privadas.
No Brasil, essa forte tendência atingiu maior vulto em 1995, com a Reforma da
Gestão Pública e a publicação do PDRAE (BRASIL, 1995). O Plano recomendava que
fosse elaborada uma sistemática de avaliação, a partir da construção de indicadores de
desempenho, que permitisse mensurar os objetivos pretendidos (BRASIL, 1995). A
proposta era a de obter melhores resultados com o menor investimento possível. Trata-se
de uma racionalização que deixou de focar nos processos, passando a fazê-lo em prol dos
resultados, transferindo para os sujeitos a responsabilidade pelo alcance de metas ou
objetivos.
A área da educação também foi duramente atingida pelas reformas aqui citadas,
na medida em que os organismos multilaterais enfatizaram a necessidade de
| 27
desenvolvimento de instrumentos de avaliação da qualidade, com vistas ao
monitoramento da educação. No Brasil, tal sugestão começou a ser implementada em
1988, quando o Ministério da Educação criou o Sistema de Avaliação da Educação Básica
(SAEB)2.
A avaliação proposta pelo SAEB foi aplicada pela primeira vez em 1990. Ela
consistia na aplicação de avaliações externas em larga escala, cujo objetivo era “realizar
um diagnóstico do sistema educacional brasileiro e de alguns fatores que possam interferir

2
Avaliação em larga escala que se propôs a monitorar a qualidade da educação básica à distância.

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no desempenho do estudante, fornecendo um indicativo sobre a qualidade do ensino que
é ofertado (INEP, 2014) ”.
Em 2005, com a reestruturação e aperfeiçoamento do SAEB, foi criada a Prova
Brasil. Assim o sistema de avaliação da educação básica passou a ser um dos mais
avançados da América Latina, oferecendo informações objetivas mais precisas sobre a
qualidade de educação por escolas brasileiras (PAZ; RAPHAEL, 2011).
Porém, foi em 2007, com o lançamento do Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação (PMCTE)3 (BRASIL, 2007) e com a criação IDEB, através do Decreto nº.
6.094/20074, que o Estado-Avaliador se aprofundou. Isso ocorreu na medida em que o
governo federal ofereceu apoio técnico e financeiro aos entes federados que aderissem ao
referido Plano em troca de resultados que passariam a ser mensurados e divulgados
amplamente.
A divulgação ampla dos dados da Prova Brasil, ainda que indiretamente,
estabeleceu um ranking nacional do desempenho de instituições e redes de ensino de todo
país. Tal ranqueamento passou a ser parâmetro de produtividade, ‘qualidade’ e
merecimento, estabelecendo uma política de avaliação com sistema formal de
accountability5 que instaurou o que Ball (2004) chamou de performatividade, por se
utilizar de julgamentos, comparações, exposições de resultados e indicadores como
mecanismos de controle, classificação, estímulo à competição e até mesmo de punição.
Mas a regulação do governo federal não parou por aí, uma vez que elaborou e
adotou as Matrizes de Referência Nacional (MRN)6, como parâmetro curricular da Prova
Brasil e, consequentemente, para o alcance do IDEB. Esse engendramento representou

| 28

3 O Compromisso Todos pela Educação foi firmado entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios através do Decreto Federal nº 6.094 de 2007 e tem como
objetivo contribuir para que o país consiga garantir educação de qualidade para todos os brasileiros.

4
Decreto Federal que prevê o regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados,
mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela
melhoria da qualidade da educação básica.
5
“Um sistema formal de accountability consiste em mensurar e codificar padrões de resultados e prever
determinadas consequências quando se atingem ou não esses resultados. Por isso, a informação é
crescentemente quantitativa e os métodos de mensuração são estandardizados” (HOFFER, 2000 apud
AFONSO, 2009, p. 18).
6
São conteúdos mínimos extraídos dos Parâmetros Curriculares Nacionais e que servirão para a
elaboração das questões que comporão a Prova Brasil. Entretanto, não englobam todo o currículo
escolar por se tratar apenas de um recorte feito com base naquilo que pode ser aferido (INEP, 2011).

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uma estratégia eficaz de controle e disciplinamento de todo o sistema educacional, na
medida em que as escolas brasileiras tendem a optar pela adoção exclusiva das MRN
como forma de melhorar sempre mais o IDEB, uma vez que esse índice passou a
expressar a qualidade do serviço educacional prestado.
Com essas características, a política de avaliação tendeu a reduzir a qualidade da
educação em função de provas nacionais. Dizemos isso considerando que nessa ótica de
avaliação estabeleceu-se uma forte propensão a adoção das MRN como padrão e
almejado por diversas redes de ensino público, com vistas ao atendimento apenas das
demandas dos exames nacionais. Nesse sentido, a política de avaliação brasileira pode ter
provocado a redução no uso de um currículo sólido e amplo em função de um útil ao
sistema.
Esse sistema de avaliação da educação, acabou por condicionar os currículos,
comprometendo a autonomia dos professores para definir os conteúdos e as abordagens
mais adequados aos seus alunos (NETO, 2006). Não obstante, na busca incessante pela
melhoria dos índices, diversas redes de ensino optaram pela adoção de sistemas
apostilados. Essa opção pode teve como consequência a transformação do exercício
docente em aplicação de apostilas voltadas ao treinamento dos alunos para as avaliações
em larga escala, o que implicou no abandono dos aspectos subjetivos e processuais do
ensino/aprendizagem. Concordamos que:
O que parece estar se tornando mais frequente nas redes escolares é a
prescrição do quê, como e quando deve ser ensinado e, inclusive, do
como deve ser avaliado, incitando os professores à conformidade às
regras de trabalho, restringindo-lhes a autonomia no trato com os
conteúdos escolares e estabelecendo o controle sobre as suas práticas.
Não é raro que a prescrição do que deve ser ensinado, ou, dizendo de
outro modo, do que se espera que o aluno aprenda, tenda, por sua vez, | 29
a reduzir-se, ela mesma, a uma matriz de avaliação que termina por
tomar o lugar do currículo (BARRETO, 2012, p. 746).

Apesar do cenário apresentado, não é raro encontrarmos, na mídia e nos discursos


políticos, mensagens que preconizam a ideia de que a avaliação objetiva é capaz de medir
o aprendizado e que o baixo desempenho do estudante nos exames representa pouco
aprendizado, ou seja, baixa qualidade do ensino, da escola e dos professores. Nessa lógica
em que se estabeleceu o foco no resultado, qualidade passou a ser sinônimo de dado
numérico, a ser mensurada objetivamente através de avaliações padronizadas.

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Considerando que pouco importam os meios utilizados para se chegar a tais
resultados, muitas redes de ensino de todo o país, transformaram a educação ofertada em
treinamento de pessoas para o alcance de resultados esperados nos testes aplicados por
meio das políticas de avaliação.
Ainda que a educação ofertada e os métodos utilizados não sejam desejados pelos
professores, torna-se fácil construir a ideia de que aquele que não está a favor de buscar
a qualidade da educação é porque não está comprometido com ela. Mas seria
descompromisso não coadunar com essa concepção de qualidade proposta em nossas
políticas de educação? Não pensamos que seja bem assim.

DILEMA E CRISE DO TRABALHO DOCENTE: OS EFEITOS DA POLÍTICA


DE AVALIAÇÃO NA SUBJETIVIDADE DOS PROFESSORES

Para discutirmos os efeitos da política de avaliação na subjetividade7 docente


tomamos por base entrevistas com docentes de seis escolas da rede municipal de ensino
do Rio de Janeiro. No total, foram entrevistados dezesseis docentes de distintas escolas.
Eles ocupavam variadas funções assim distribuídas: onze professores eram regentes de
turma, três professores atuavam como gestores escolares e dois professores
desempenhavam funções administrativas.
Esses professores discordaram, em sua maioria, da atual política educacional | 30
brasileira, na medida em que ela entende ‘qualidade’ como algo fundamentalmente
mensurável. Eles disseram apoiar o discurso governamental quando este proclama que as
notas expressas em provas de larga escala pelos alunos servem para informar e orientar
as escolas e seus professores em seus planejamentos. Porém, lamentaram o fato de que
na prática, a nota se tornou o objetivo maior da educação brasileira, classificando quem é

7
A subjetividade é um sistema organizador do mundo interno que cria linhas de fuga para produzir novos
mundos possíveis. É uma composição, um trabalho de criação, invenção e fabricação de outros
modos de vida a partir de seus processos de singularidade e do mundo externo do sujeito (DELEUZE;
GUATTARI, 1996).

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‘bom’ e quem trabalha. Nesse sentido, eles corroboraram o pensamento de Rodrigues
(2012, p. 750) quando ele afirmou que:
As pressões da sociedade civil por uma educação de qualidade, em
grande parte devido ao fraco desempenho dos alunos brasileiros nas
avaliações nacionais e internacionais, além da divulgação de estudos
comparativos internacionais acerca de políticas que promovem o
sucesso escolar, parecem resultar na formulação e implementação de
políticas públicas voltadas para o delineamento do perfil de um bom
professor, para o recrutamento de profissionais que possuam tais
características e monitoramento daqueles que já atuam nas redes.

Essa tendência de olhar a escola e o professor como responsáveis pelo sucesso ou


fracasso e também como produtores de resultados, tem levado muitos docentes a se
sentirem injustiçados, principalmente porque eles conhecem a grande complexidade que
envolve o processo ensino/aprendizagem, como relata a professora A:
Nem sempre quem deixou de alcançar a nota, deixou de trabalhar. Se o
aluno não alcançou, não podem dizer que foi culpa minha, nem dizer
que meu aluno não aprendeu nada, mas é assim que as pessoas pensam.

Além de rotular alunos como incapazes e culpar os professores pelo fracasso


escolar, a política de avaliação da educação brasileira, com seu aspecto
regulador/centralizador, tem retirado a autonomia dos professores, ao conduzir, ainda que
indiretamente, diversas redes de ensino públicas brasileiras a adotarem o apostilamento8,
como estratégia para moldar/disciplinar o trabalho do professorado ao cumprimento
exclusivo das MRN. Isso porque esse é o conteúdo útil e necessário para determinar o
IDEB das escolas e, consequentemente, das próprias redes de ensino públicas. A
professora B explicita como funciona esse sistema de apostilamento:
Eu acho que mudou essa questão da secretaria colocar e impor o | 31
trabalho dela. Ela fala que não impõe, mas na verdade impõe. Eu
bati de frente no início e acabei percebendo que se eu não faço o
que eles querem, o meu aluno paga o preço e eu também.

Como não poderia deixar de ser, muitos professores resistem em adotar o currículo
mínimo presente nas apostilas e expressam isso fazendo duras críticas. A professora C
expressou a seguinte opinião acerca do apostilamento no contexto escolar:
É uma caixinha de molde. Acho que mudou muito a rotina porque os
professores pararam de pesquisar coisas, já vem tudo ali. Só se trabalha

8 Estratégia que consiste na preparação de materiais por equipes técnicas e alheias ao ambiente escolar. Tais materiais definem quais os objetivos, métodos e
conteúdos a serem trabalhados pelos professores, com vistas a preparar os alunos para as provas nacionais.

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o que tá ali, porque é isso que vai ser cobrado. O professor não planeja
mais, perdeu um pouco da criatividade.

Esse relato caracteriza a tentativa governamental de produzir “subjetividades


serializadas, normalizadas e centralizada” (GUATTARI; ROLNIK, 2007, p. 48) conforme
a necessidade do sistema. Tentativa de criação de meros robôs ‘tarefeiros’ e úteis que
mesmo sentindo-se solitários e angustiados buscam incessantemente um índice de
qualidade que lhes garantam o reconhecimento e o prestígio de estar entre os melhores
no ranking.
É o que Contreras (2002) chama de racionalização tecnológica, ou seja, a condição
na qual o professor perde a capacidade de planejar, compreender, refletir e agir sobre a
sua atividade, tornando-se passivo e disciplinado.
Ainda em um tom crítico, mas sob outro olhar, temos o seguinte comentário que
reforça a afirmação acima:
Mesmo que a gente não queira trabalhar com apostilas, porque tá fora
da realidade do aluno, a gente é pressionado pela direção. Às vezes nem
sobra tempo pras outras coisas. Mas se não usar esse material pra treinar
o aluno pra prova, a gente pode comprometer o resultado dele e até
mesmo da escola. Aí depois a gente ainda sofre as consequências
(Professora D).

Nesse caso, fica evidente que essa política vem conduzindo ao treinamento de
professores e alunos, instaurando um ambiente de grande controle e cobrança por
resultados, inclusive por parte dos companheiros de profissão. Em outras palavras, essa
política utiliza o medo, a culpa e a ansiedade por resultados como elementos de
autocontrole que impulsionam os professores a aderirem e, muitas vezes, naturalizarem
mudanças tão significativas. O entusiasmo da professora E demonstra o entusiasmo pelo
| 32
resultado do IDEB:
Foi muito gratificante quando a direção da escola colocou uma faixa no
portão mostrando para a comunidade a colocação da escola no ranking
da CRE e do município. Isso nos dá orgulho porque mostra o quanto
trabalhamos e o quanto nossa escola é boa. Muitas escolas morrem de
inveja, né?

Por outro lado, o medo do fracasso e do julgamento conduz a culpabilização- uma


estratégia capitalística que consiste em propor sempre uma imagem de referência, um
modelo a ser seguido que pode levar a uma crise existencial ao ser contestado. Quanto a
isso Guattari e Rolnik (2007, p. 49) enfatizam que:

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[...] à menor vacilação diante dessa exigência de referência, acaba-se
caindo automaticamente numa espécie de buraco, que faz com que a
gente comece a se indagar: “afinal de contas quem sou eu? Será que sou
um merda? ” É como se nosso próprio direito de existência desabasse.
E aí se pensa que a melhor coisa que se tem a fazer é calar-se e
interiorizar esses valores. Mas quem é que diz isso? Talvez não seja
necessariamente o professor, ou o mestre explícito exterior, mas sim
algo de nós mesmos, em nós mesmos e que nós mesmos reproduzimos.

Percebemos também, de acordo com as entrevistas, que os docentes têm


intensificado o treinamento dos alunos, focando no ensino das disciplinas de Língua
Portuguesa e Matemática, que passaram a predominar na escola devido às exigências das
políticas de avaliação, em detrimento de outras matérias/atividades igualmente
enriquecedoras.
É o currículo mínimo presente nas MRN que vai sabotando a qualidade da
educação de caráter ampliado. Troca-se a qualidade do ensino pela quantidade de
treinamento para avaliações externas e instaura-se um sentimento de
comparação/competição entre professores, no qual os docentes que lecionam as
disciplinas avaliadas passam a ser mais valorizados e também cobrados no contexto
escolar, enquanto que os demais passam a ser até mesmo preteridos. Trata-se de um
sistema que também classifica o valor de cada profissional diante da sociedade. A
professora F desabafa quanto a isso:
Nas reuniões de professores, a direção praticamente só quer saber do
desempenho em Português e Matemática. As outras matérias não têm
muita importância. Parece até que um professor é mais professor que o
outro.

Na lógica do desempenho e diante das inúmeras dificuldades que podem permear


| 33
o ambiente de sala de aula, alguns docentes, temendo os julgamentos, põem em prática
atitudes ainda mais danosas à educação: a manipulação de resultados, que pode ocorrer
na forma de facilitação das provas, com redução dos níveis de exigência ou mesmo por
meio da indução de respostas aos alunos.
Então chega o dia da prova que é de múltipla escolha, ele coloca dois x e aí o que
você tem que fazer? Você tem que chamar atenção dele, você tem que chamá-lo
e você acaba não deixando o errado, pra amanhã não dar margem pra que falem
que você foi a culpada porque ele não chegou nisso. Eu acho que eu transfiro a
minha pressão pro aluno. É o desespero de falar assim: puxa vida, por que ele não
tá aprendendo isso aqui? Às vezes passa pela minha cabeça que eu ainda vou ser
culpada porque os alunos não aprendem (Professora G).

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Esse teatro, induzido pelas atuais políticas de educação, expõe escolas,
professores e alunos, causando muita indignação e uma enorme crise existencial entre os
docentes que se expressam com as seguintes falas:
Ah, o índice de analfabetismo diminuiu tantos por cento. Olha aqui o que os
números dizem! Só que as pessoas não estão preocupadas em saber qual foi o
método utilizado pra chegar a esse índice x de analfabetismo (Professora H).

O que eles querem é uma estatística melhor, um número maior e não melhorar o
ensino (Professora I).

Agora, você tem uma pressão muito grande em relação aos números e aí você
tem uma incompatibilidade louca, porque, se por um lado, existe uma cobrança
pedagógica de que você tenha um olhar pro aluno na hora da avaliação, por outro
você tem uma cobrança real em que aquela turma tenha x número de alunos com
notas a partir de tal pontuação. Então é algo que é complicadíssimo (Professora
J).

Por mais que você tenha uma filosofia pessoal, que você tenha consciência de seu
trabalho, a verdade é que isso precisa ser validado de alguma forma. E qual é a
forma de validar? São essas benditas provas. Então você acaba, por mais que não
acredite nisso, tendo que buscar um equilíbrio entre aquilo que você acredita, sem
descartar totalmente o outro lado, porque isso vai influenciar na visão de como
aquela comunidade enxerga você (Professora K).

Toda a racionalidade e objetividade das atuais políticas de avaliação vem, segundo


as entrevistas realizadas, vem transformando o cotidiano escolar e produzindo/ afetando
a subjetividade de muitos professores. Nesse caso, concordamos com Morin (2000, p. 23)
quando ele afirma que “o racionalismo que ignora os seres, a subjetividade, a afetividade
e a vida é irracional.

| 34
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A máquina de produção de subjetividades funciona tanto em nível macro, quando


modifica a forma como que a sociedade vê os professores, quanto no microcontexto.
Sendo que nesse, alguns professores passaram a viver uma verdadeira crise existencial ao
se verem em uma verdadeira encruzilhada: Eles podem optar pela prática da educação de
qualidade que desejam (contemplando os aspectos complexos do processo
ensino/aprendizagem, tendo como objetivo maior o aluno e rejeitando o sistema de

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apostilamento), enfrentando o julgamento social de ser considerado ‘incompetente’ por
não conseguir expressar o resultado esperado nas provas, uma vez que não trabalha em
função delas. Ou ser reconhecido socialmente como um ‘bom professor’ tendo como
objetivo uma nota, mas tendo que abrir mão de sua autonomia ao utilizar as apostilas e
do compromisso em atender as necessidades dos estudantes.
Independente da escolha que os professores façam, muito provavelmente, ela foi
fomentada pelo medo dos julgamentos e sanções sociais que se estabelecem a partir da
publicização de rankings nacionais e/ou pela própria culpa que o professor sente ao ter
que fazer certas opções.
Em outras palavras, esse medo e essa culpa, provocados por uma política de
avaliação que tem um fim em si mesma, produzem uma reconfiguração do contexto,
podendo gerar tanto sentimentos de satisfação e prestígio quanto sentimentos de
frustração, incapacidade, vergonha, desgaste físico e emocional, principalmente para
aqueles professores que naturalizaram que qualidade é sinônimo de bom resultado, mas
que não conseguem alcançá-lo.
Toda pressão por resultados acaba por estabelecer um ambiente de relações
corrompidas e utilitárias, em que manipulação, cobrança, competição e comparação
substituem valores como ética, respeito ao próximo e compromisso profissional.
A prática docente, segundo as entrevistas realizadas com os professores, tem se
transformado em algo sofrido, tenso, marcado por pressões por resultados, pela tristeza
de não mais planejar seu trabalho com autonomia, por não mais contemplar as
necessidades dos alunos.
Nesse sentido, é possível inferir que toda essa política que preconiza a avaliação
| 35
objetiva do desempenho produz novas subjetividades ao alterar a maneira como as
pessoas veem a si e ao mundo. Muitos professores estão naturalizando valores como
controle, competição entre os pares, auto interesse institucional, utilitarismo e antiética
em substituição aos valores humanos como solidariedade, ética, respeito e cooperação.
Resistir às pressões do sistema é difícil, apesar disso é preciso buscar caminhos
alternativos e inventivos para praticar as coisas no contexto escolar. Torna-se urgente a
necessidade de criar novas sensibilidades e novos modos de viver e de se relacionar.
Enxergar os pares como potenciais aliados e amigos parece condição indispensável para

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a desconstrução da lógica competitiva que impõe aos professores a visão de que estão
todos em competição permanente uns com os outros (EVANGELISTA, 2013, p. 168).
É preciso que os professores promovam linhas de fuga aos modos de sujeição e
imposição da política de avaliação brasileira, continuando a busca pela qualidade da
educação, porém sem abrir mão de políticas humanas que exercitem a afirmação da vida
e a valorização de todos os envolvidos na árdua tarefa de educar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AFONSO, Almerindo J. Nem tudo o que conta em Educação é mensurável ou


comparável. Revista Lusófona de Educação, América do Norte: Instituto de Educação
da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, v. 13, n.13, p. 13-29, jun.
2009. Disponível em:
<http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/4695>. Acesso em: 26
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AUGUSTO, Maria H. Regulação educativa e trabalho docente em Minas Gerais: a


obrigação de resultados. Educação e Pesquisa, São Paulo: USP, v. 38, n. 3, p. 695-709,
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A SOLIDARIEDADE ENTRE PROFISSIONAIS DE
EDUCAÇÃO: UMA NECESSIDADE URGENTE

Gislany Rose Oliveira Nogueira e Santos – UIT


gislanyoliveiraesantos@gmail.com

“se a globalização é um fenômeno que já se encontra em todos os âmbitos da


vida dos homens... [seria] necessário globalizar a solidariedade”.

São João Paulo II, 2000

Resumo
Antes, existiam Professores, que se reconheciam dentro de uma mesma classe,
que “pertenciam” e juntos lutavam por seus direitos. Aos poucos foram surgindo diversas
categorias de trabalhadores na educação: Terceirizados, professores da rede privada,
pública, horista, adjunto, titular, substituto, visitante, responsável, tutor, instrutor,
monitor, entre tantas outras possibilidades. Essa divisão foi trazendo a ideia de
diferenciação de direitos, distanciamento e disputas entre profissionais que acabam tendo
a mesma atividade fim o que favorece o distanciamento entre trabalhadores, inclusive na
educação. Quanto mais divisões mais disputa e menos solidariedade. A solidariedade
entre os trabalhadores é sem dúvida essencial para que sejam conquistadas as mudanças
necessárias nas relações de trabalho. O presente artigo pretende apontar a importância
dessa solidariedade para a conquista de direitos, bem como algumas instituições ou
instrumentos que favorecem ou não o desenvolvimento dessa solidariedade: os sindicatos,
as greves e as mídias. Foi feita uma revisão bibliográfica e uma análise em dois sites | 39
representativos de profissionais de educação em Minas Gerais,Brasil. Conclui-se que é
preciso que as diversas “categorias de profissionais” se conheçam,se percebam, respeitem
as diferenças e aproximações e as possibilidades de lutas de cada categoria e a partir daí
desenvolvam a solidariedade entre eles.

Palavras chave: solidariedade, professores, educação

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SOLIDARITY BETWEEN EDUCATION PROFESSIONALS : AN
URGENT NEED

Abstrat

Before, there were teachers who were recognized within the same class,
which "belonged" and together fought for their rights. Gradually they began to emerge
various categories of workers in education: Outsourced, private school teachers, public,
hourly, associate, holder, substitute, guest, charge, tutor, trainer, monitor, among many
other possibilities. This division was bringing the rights of differentiating idea, distance
and disputes between professionals that end up having the same core activity which favors
the gap between workers, including education. More divisions lead to more dispute and
less solidarity.Solidarity among workers is certainly essential for them to be conquered
essential changes in labor relations. This article aims to point out the importance of
solidarity for the achievement of rights, as well as some institutions or instruments that
favor or not the development of this solidarity: trade unions, strikes and the media. A
literature review and an analysis in two representative websites of education professionals
in Minas Gerais,Brasil was made. In conclusion, it is necessary that the various
"professional class" are known, see themselves, respect the differences and approaches
and possibilities of struggles in each category and from there develop solidarity among
them.

Key words: solidarity, teachers,education


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1. Introdução

A solidariedade entre trabalhadores é construída nas relações cotidianas durante


as situações do trabalho. Na medida em que os trabalhadores vivenciam as mesmas
situações, compartilham medos e dificuldades bem como sucessos cria-se entre eles a
chamada solidariedade, que pode ser entendida de acordo com Zoll citado por Westphal
como:
A solidariedade é um conceito de luta para a classe trabalhadora. Este termo
foi utilizado a fim de criar união e para alcançar objetivos comuns entre os
trabalhadores. O apelo tinha a finalidade de evocar o sentimento de
pertencimento dos atingidos pela mesma situação, ou seja, enquanto
trabalhadores assalariados, e que, por isso, deveriam unir–se e lutar por
melhores condições de trabalho e salário. (ZOLL, 2000) apud Westphal 2008.
Esta concepção de solidariedade permeou e desenvolveu–se, sobretudo, no
ideário socialista.

A solidariedade pode ser entendida como a noção de pertencimento, a princípio a


uma mesma empresa, depois a uma mesma categoria. Essa solidariedade permite que os
trabalhadores lutem por direitos e conquistas de melhores condições de trabalho e
melhores salários. Na medida em que as empresas e os processos de produção foram se
complexificando as empresas foram criando novas relações trabalhistas. Houve inclusive
com a globalização a “fragmentação física” do sistema produtivo que também precisa ser
considerado conforme nos aponta da Doutrina Social da Igreja Católica, citado na ficha
de estudo da arquidiocese de campinas,
“novas formas de produção, a descentralização dos centros produtivos para locais
diferentes e distantes dos centros de decisões e dos mercados de consumo,
| 41
alicerçadas, sobretudo, na “extraordinária velocidade de comunicação sem limites
de tempo e de espaço e na relativa facilidade de transporte de mercadorias e pessoas
de um lado ao outro do globo terrestre. Isso faz com que a classe patronal se
coloque cada vez mais distante dos centros produtivos e cada vez mais indiferente
aos efeitos sociais negativos que tais transformações causam nos ambientes de
trabalho. A globalização, por si, não é boa nem má; no entanto, é necessário que,
ao lado da globalização da economia, ocorra também a “globalização das tutelas,
dos direitos mínimos essenciais, da equidade”.9(p.2 ficha76)

A solidariedade é um sentimento de pertencimento que se constrói na prática


através de situações compartilhadas se solidifica na união, na medida em que os

9
http://www.ambientevirtual.org.br/fichas-de-estudo/ficha-76-solidariedade-entre-trabalhadores-dsi-21/

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trabalhadores se juntam e se fortalecem. Através de situações compartilhadas no dia a dia
das empresas e das relações de trabalho. Um sentimento que se constrói na medida em
que os trabalhadores verificam que eles compartilham sonhos, medos, situações
problema, dificuldades cotidianas. Essa solidariedade é fundamental para o
desenvolvimento da noção de classe, para o desenvolvimento da percepção que estão
todos vivendo as mesmas dificuldades e por isso deveriam se ajudar, ser solidários uns
aos outros. Os trabalhadores fortalecem a solidariedade quando participam de greves e se
dão as mãos percebendo que sua união os fortalece, que juntos conseguirão resistir às
pressões. A solidariedade une os trabalhadores que se ajudam e não competem. A quebra
dessa solidariedade enfraquece os trabalhadores.
O que seria capaz de destruir ou enfraquecer esta solidariedade? A divisão dos
interesses, o distanciamento dos trabalhadores, por isso quanto mais categorias surgirem
nas relações entre trabalhadores menos solidariedade ocorrerá. Se estes não apresentarem
por princípio a disposição de se conhecerem e se unirem nas suas semelhanças e não se
distanciarem baseados em suas diferenças como vem ocorrendo. A tendência é do
enfraquecimento da classe trabalhadora nas lutas.
Essa situação se aplica hoje à educação. Foram surgindo também dentro das
escolas diversas categorias e quanto mais divisões mais disputa e menos solidariedade.
Aqueles que antes se uniam no mesmo propósito, passam a ser competidores, passam a
disputar direitos entre si. Cada categoria passa a defender-se não mais das relações
patronais abusivas, mas das demais categorias que passam a ser vistas como ameaças ao
seu direito de “emprego”.
Esse emprego hoje também já não é mais o mesmo. Antes existiam trabalhadores
| 42
e patrões, hoje já existe um sem número de possibilidades e nomes das diversas categorias
de trabalhadores na educação que exercem como atividade fim a docência: Terceirizados,
professores da rede privada, professores da rede publica municipal, da rede pública
estadual, professor horista, adjunto, titular, substituto, visitante, responsável, tutor,
instrutor, monitor, autônomos, os sem emprego com empresa chamados PJ (pessoa
jurídica), os trabalhadores sazonais, entre tantas outras possibilidades. Por trás dessas
novas categorias que vem sendo criadas existe sempre a ideia da divisão e diferenciação
de direitos. Essa é uma ideologia criada para distanciar os trabalhadores em todas as áreas

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e, inclusive na educação. Como vencer a quebra da solidariedade? Com certeza, buscando
as semelhanças. Procurando conhecer os limites e possibilidades de lutas dentro das
diversas novas categorias laborais. Infere-se que a categoria deveria ser definida pela
atividade fim dessa forma os profissionais poderiam ser representados por apenas um
sindicato e dentro dele haveria lutas comuns. Mas essa não parece ser a intenção na
realidade atual.
Para conquistar a solidariedade e a união de classes, é preciso perceber essa
divisão que no fundo nada mais é que uma nova forma capitalista de divisão e
enfraquecimento das classes pela quebra de unidade e enfraquecimento dos trabalhadores
como aponta Silva e Zanin.
“A falta de solidariedade entre os trabalhadores é a maior causa de insucesso
na conquista pelo respeito tanto no que se refere à sua dignidade no ambiente
de trabalho, quanto à dignidade do ambiente de trabalho, propriamente dito” A
explicação é simples, o indivíduo hoje se submete ao mercado de trabalho cada
vez mais competitivo, trabalhando cada vez mais e, nesse sentido, acirrando
mais as relações sociais dentro das empresas e alienando-se cada vez mais.
Vive para trabalhar e, não, “trabalha para viver”. Ou, ainda, pior, quando não
trabalha para morrer, em ambientes que o indivíduo se submete à degradação
no trabalho ou à exaustão, que consome a sua vida e a sua saúde. Tais atitudes
geram de certa forma conflitos internos, que se não forem bem administrados
dentro desse processo de competitividade, por meio de gestores altamente
capazes, podem levar os trabalhadores ao seu desgaste físico e mental e,
certamente, o levarão.

Baseado nisso aponta-se aqui algumas instituições ou instrumentos que podem


favorecer ou não o desenvolvimento dessa solidariedade, pensou-se inicialmente em três
possibilidades: os sindicatos, as greves e as mídias.

2. Os sindicatos e a solidariedade entre os trabalhadores


| 43

Os sindicatos são organizações representativas de classes e tem como função lutar


para a conquista de direitos e condições dignas e adequadas de trabalho além da
resistência frente aos novos desafios e a construção da solidariedade. A grande questão é
que a cada nova categoria criada pelo mundo do trabalho surge também um novo
sindicato. Quando na verdade o próprio sindicato deveria se diferenciar não pela
categoria, mas pela finalidade do serviço realizado. Os sindicatos cresceram nas lutas e
conquistas de direitos e essa subdivisão tem servido para o enfraquecimento dos
mesmos.tutelas antes conquistadas por determinada categoria é perdida pela nova que

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surge.São facilmente criados novos nomes pelos empregadores e com isso a luta volta a
estaca zero.
Os sindicatos são propriamente os promotores da luta pela justiça social, pelos
direitos dos homens do trabalho, nas suas especificas profissões: «Esta “luta”
deve ser compreendida como um empenhamento normal das pessoas “em prol”
do justo bem: [...] não é uma luta “contra” os outros»[699]. O sindicato, sendo
antes de tudo instrumento de solidariedade e de justiça(...)

Nesse sentido os sindicatos representam um papel essencial no desenvolvimento


da solidariedade. Acredita-se que é urgente a reorganização e a estruturação dos
sindicatos para que eles possam servir e exercer a função de instrumentos de unificação
“union” entre os trabalhadores independente da categoria que representam.

“Somente através da solidariedade entre todos os trabalhadores se poderá


superar a restrita atuação dos sindicatos no modelo organizativo baseado nas
grandes empresas, para promoverem também a tutela das novas formas das
relações de trabalho decorrentes da globalização e, ao mesmo tempo, vencer
as barreiras de um sindicalismo submisso e, muitas vezes, subalterno aos
interesses patronais”ficha 76,p.2.

Essa nova organização permitiria a consolidação e a resistência a perdas de


direitos conquistados através de vários movimentos e várias greves ao longo da história.
É evidente também o aumento do volume de sindicatos e associações representativas dos
profissionais de educação em MG , apresenta-se abaixo um lista que exemplifica bem
essa situação:
1. Adeomg (Associação de Diretores das Escolas Oficiais de Minas Gerais),
2. AMIE (Associação Mineira de Inspetores Escolares), | 44
3. APPMG (Associação dos Professores Públicos de Minas Gerais),
4. Sindpúblicos (Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público do Estado de Minas
Gerais),
5. SINDESPE-MG- (Sindicato dos Profissionais de Especialistas em Educação do
Ensino Público do Estado de Minas Gerais),
6. Sind-UTE/MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais)
7. SINPEFMG-Sindicato dos profissionais em Educação Física de Minas Gerais
8. UNSP (União Nacional dos Servidores Públicos Civis do Brasil).

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9. Simpro-MG- Sindicato dos professores de MG

O aumento do volume de associações, sindicatos e ou entidades representativas


garantiu o aumento de direitos de tutelas dos trabalhadores? Esse aumento de
entidades representativas fortaleceu as classes trabalhadoras ou o contrário?

2.1 -A greve e o reforço da solidariedade

A greve é um instrumento onde os trabalhadores interrompem suas atividades,


com o propósito de conquistar direitos que estão sendo negados. A greve pode ser usada
como um instrumento de solidariedade na medida em que os trabalhadores se unem
muitas vezes para lutar ou resistir a situações consideradas abusivas.

“ A greve, uma das conquistas mais penosas do associacionismo sindical, pode


ser definida como a recusa coletiva e concertada, por parte dos trabalhadores,
de prestar o seu trabalho, com o objetivo de obter, por meio da pressão assim
exercida sobre os empregadores, sobre o Estado e sobre a opinião pública,
melhores condições de trabalho e da sua situação social”[665]. compendio-dott

Essa luta ocorre em todos os setores produtivos da sociedade em relação à


educação são apresentadas situações diferenciadas. Uma situação atípica é que nas demais
greves as perdas não são recuperadas o que força a rápida resolução. Na educação os
professores acabam por repor todos os dias da greve dessa forma não importa o quanto
ela dure no final as perdas serão repostas. Dessa forma entende-se que não houve perda,
mas adiamento, talvez por isso elas não tenham ultimamente atingido seus propósitos.
Em relação às greves informadas nos sites dos sindicatos SINPRO E SINDUTE
na aba história verificou-se que na rede pública este tem sido um instrumento de luta | 45

muito importante e que tem ao longo da história favorecido o alcance de vários benefícios

“Mesmo quando vencida, a greve fortalece as solidariedades e o sentimento de classe. Os


trabalhadores correm os mesmos riscos e se identificam na mesma esperança. Ao mesmo tempo,
fora dos muros da fábrica, (re)encontram-se numa outra dimensão e se (re)conhecem de outras
maneiras”.VIANA,p.110

Foi feita uma busca usando-se as palavras chave no site de busca Google :
sindicato de professores rede publica mg e sindicato de professores rede privada mg e foi

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recuperado o primeiro informe.No caso o SINDIUTE na rede pública e SINPRO na rede
privada.
O site do sindicato de professores da rede privada não aponta muitas iniciativas
neste sentido. O volume de paralisações é muito menor do que na rede pública infere-se
que esta situação está ligada a falta de estabilidade do setor privado. É notória a criação
de solidariedade entre sociedade e professores, mas entende-se que também é necessária
a criação de solidariedade entre professores das diversas redes de ensino. E que exista
entre as redes o entendimento dos limites das possibilidades de lutas de cada rede. À rede
privada talvez seja difícil a luta através das greves, mas a consolidação de um sindicato
forte e representativo talvez seja o mais viável ou a utilização de outras estratégias de luta
menos convencionais. As várias categorias hoje criadas de profissionais e professores das
diversas redes de ensino hoje tem problemas diversos, mas com certeza tem mais pontos
de aproximação do que de distanciamento entre eles: Temos uma sociedade que não
valoriza a educação e a profissão docente. Condições de trabalho, relações trabalhistas
penosas, exigências cada vez mais acirradas, insegurança, relações conturbadas com
alunos e famílias, avaliações externas planejadas de forma pouco discutida, e com várias
criticas, criação de metas de produção muitas vezes quase inatingíveis e assim que essas
metas são superadas novas metas são estabelecidas de forma autoritária. Tudo isso e
muito mais, com certeza permitem que independente da rede ou da categoria a que
pertencem os professores e profissionais da educação que tem como finalidade a
docência, que eles lutem lado a lado com instrumentos diversos de acordo com suas
possibilidades. O mais importante é que eles lutem e resistam de forma coletiva apesar de
usar formas diferentes. Todos ora resistem ora se submetem a condições inadequadas de
| 46
trabalho. Uma questão apresentada neste momento é que as diversas categorias precisam
conhecer e entender os limites das formas de luta de cada uma. Não fortalece a classe os
estranhamentos e distanciamentos criados por essas diferenças. É preciso e fundamental
a aproximação e quem sabe a unificação dos diversos sindicatos ou pelo menos criar-se
um bloco a exemplo do que acontece nos blocos econômicos. Um exemplo dessa
diferença nas possibilidades de luta é apontado pelos próprios sindicatos quando
analisamos o volume de dias de greve apontado nos sites.
A metodologia da pesquisa foi a seguinte: foi usada na ferramenta de busca on-
line a frase “sindicato de professores da rede pública MG” e selecionado o primeiro

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sindicato apresentado no caso o SINDIUTE, a mesma frase foi usada em relação às
escolas privadas, foi colocada a frase na mesma ferramenta “sindicato de professores da
rede privada MG”,novamente foi selecionado o primeiro nome, SINPRO. O primeiro
dado que chamou a atenção foi que já na apresentação o SINPRO se apresenta como um
sindicato com oitenta mil associados. Esse dado se mostra como relevante para a categoria
e indica o volume da representatividade do sindicato. Essa mesma informação não foi
localizada no sindicato SINDIUTE. O site diagnóstico de minas informa que existem em
Minas Gerais cem mil servidores10(quadro abaixo). Se todos os servidores fossem
sindicalizados e os professores percebessem o poder na formação de opinião com certeza
a realidade será bem diferente. Dois milhões e duzentos mil alunos todos os dias dentro
das salas de aula recebendo informações de seus professores. Isso tem a possibilidade de
transformar uma sociedade.

GREVE COMO INSTRUMENTO DE LUTA INFORMADOS NA BARRA HISTÓRIA DOS SINDICATOS ABAIXO
CITADOS
SINDUTE SINPRO

FRASE USADA NA BUSCA FRASE USADA NA BUSCA

SINDICATO DE PROFESSORES REDE PUBLICA MG SINDICATO DE PROFESSORES REDE


PRIVADA MG | 47
Número de associados não informado Sindicato dos Professores de Minas Gerais representa
os docentes da rede privada de ensino e conta hoje com
uma base de cerca de 80 mil professores
A trajetória do Sind-UTE/MG tem início com a criação da União dos Fundado em 12 de fevereiro de 1933
Trabalhadores do Ensino (UTE), em 1979, Havia em Belo Horizonte seis colégios particulares
quase todos confessionais
Sofreu muitas intervenções
1959 – Primeira greve da categoria.10 dias
1966- março- 20 dias
1979 -41 dias de greve.
1980- A segunda greve da categoria em 22 de abril e dura 17 dias.
1981- Os trabalhadores realizam 35 dias de uma greve
1984- Após realizar uma greve de 17 dias,
1985- O governo se recusa a negociar e a categoria deflagra greve. 1985-março- 1 dia

10
http://www.diagnostico.mg.gov.br/situacoes/educacao data do acesso outubro de 2015

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1986- Governo Hélio Garcia enfrenta greve de 28 dias dos 1986- agosto/setembro- 17 dias
trabalhadores em educação. No segundo semestre, não cumpre
acordo, a categoria se mobiliza novamente e ocupa a ALMG até sair
vitoriosa.
1987 - Os trabalhadores em educação fazem greve por 71 dias
1989-No primeiro semestre- 33 dias. 1989- março/maio-36 dias
No segundo semestre, a categoria promove 16 dias de greve.
1990-Os trabalhadores em educação ficam 46 dias em greve. 1990-setembro-16 dias
1991- greve de 86 dias, 1991-março/maio- 23 dias
1992-8 dias de greve.
1993- greve de 76 dias.
1995-Os trabalhadores em educação promovem paralisação total com 1995- agosto -1 dia
manifestação de protesto contra a reforma Administrativa.
1998-Trabalhadores iniciam greve de 18 dias.
1999/2002- 14 dias em 1999 1999- fevereiro e março- 2 dias
2000-42 dias de greve 2000- março – 1 dia
2002-50 dias de greve 2002- março- 2 dias
2003- greve de 24 horas e reduções de jornadas realizadas, no primeiro
semestre, para pressionar o governo estadual.
Em junho, -3 dias de greve.
2004-São realizadas diversas atividades e mobilizações, com greves
de 24 horas
-greve por 24 dias de greve.
2005- Diversas mobilizações são realizadas.
A categoria realiza 6 dias de greve de 24 horas,.
2006-A mobilização é mantida com 6 dias de greve de 24 horas e
redução de jornada.
2007-A mobilização continua com greves de 24 horas unificadas com
o funcionalismo público
2008-Acontecem paralisações estaduais de 24 horas e a greve nacional
pelo Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), em março.
28 de agosto - greve que durou 30 dias
2009-Ano marcado por diversas atividades, greves, enfrentamentos ao
governo Aécio e a truculência da polícia.
2010- 8 de abril, que marcou o início de uma greve que durou 47 dias. 2010- março- 3 dias
2011-8 de junho - Começa a greve da educação que dura 112 dias.
Informado até 2012 Informado até 2010

Total de dias de greve-792 dias em 36 anos Total de dias de greve informados 168 em 82 anos

O quadro aponta a grande diferença em relação à possibilidade e ou importância


da greve nas lutas da categoria de professores da rede pública e privada. Acredita-se que
isso ocorre por causa da instabilidade dos professores da rede particular,concluse que que
para essa categoria o fortalecimento do sindicato através do volume de sindicalizados seja | 48
o que mais se destaca. Entre os professores da rede pública que são tem a estabilidade
garantida através de concurso a greve se mostra como um instrumento mais importante
que inclusive gera mais visibilidade.

2.2- A mídia promotora de solidariedade ou de conflito

Vivemos hoje em um mundo repleto de informações e onde a informação pode


ser produzida e veiculada por qualquer cidadão comum. Este fato indica o grande avanço

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tecnológico, mas por outro lado as informações podem estar truncadas e vendidas. A
produção de conflito ou solidariedade dependerá de quem ou de quais interesses estão por
trás das informações veiculadas. É possível encontrar reportagens que produzem
solidariedade em veículos menos comprometidos com os grandes capitalistas, mas se
analisarmos as reportagens produzidas e veiculadas na grande mídia provavelmente
perceberemos que o propósito é gerar conflitos. Hoje são produzidas falsas notícias com
muita facilidade. Inúmeras são as ações no sentido de enfraquecer a verdade ou de colocá-
la a serviço de grupos. Estranho verificar-se que em um mundo onde cada dia mais se
valoriza a formação acadêmica no Brasil estranhamente a obrigatoriedade do diploma de
curso superior para o exercício da profissão do jornalista foi retirado. Como em um
mundo onde o conhecimento é reconhecido uma determinada categoria é eximida dessa
busca? Com certeza esse foi um caso em que se legislou em favor de camadas específicas
da sociedade com interesses questionáveis. Um mundo onde a informação tem tanto
poder era de se esperar que a sociedade buscasse uma formação excepcional para as
pessoas que produzem essa informação. Ao contrário em nosso país declarou-se que
qualquer um pode se apropriar desse lugar. Essa legislação trouxe incutida a ideia de que
não é necessária a formação ética, acadêmica e nem exigidas as responsabilizações que
um diploma exige. Nossas mídias estão a serviço de quem? Pretendem formar a opinião
a favor de quem? De quais grupos? Com que interesses? Essa é a opinião da nossa
sociedade ou de grupos interessados no domínio desse setor?
Em relação aos movimentos de luta dos trabalhadores frequentemente as
reportagens geram uma opinião contrária aos interesses dos trabalhadores.
Frequentemente encontra-se notícias com cunho negativo dos movimentos sociais, das
| 49
ONGs, bem como dos sindicatos. As organizações sociais tem sido alvo de um
movimento no sentido de desacreditá-las. Não estamos aqui negando que existem abusos
e problemas, mas generalizar essa informação é no mínimo tendencioso. Raramente são
produzidas reportagens sobre as conquistas e avanços a partir desses movimentos.

2.3-As diferenças de direitos das categorias e as diferentes possibilidades


de lutas

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“Defronte às modificações que se deram no mundo do trabalho, a
solidariedade poderá ser recuperada e quiçá melhor fundada em relação ao
passado se houver um empenho para uma redescoberta do valor subjetivo do
trabalho: «é necessário prosseguir a interrogar-se sobre o sujeito do trabalho e
sobre as condições da sua existência». Para tanto, «é preciso que haja sempre
novos movimentos de solidariedade dos homens do trabalho e de solidariedade
com os homens do trabalho [674]”.

Hoje existem inúmeras configurações nas relações laborais inclusive nas escolas,
além dos setores administrativos, pedagógicos, existem dentro dos setores as categorias
criadas e recriadas a cada dia como, por exemplo: terceirizados, professores da rede
privada, professores da rede publica municipal, da rede pública estadual, professor
horista, adjunto, titular, substituto, visitante, responsável, tutor, instrutor, monitor,
autônomos, os sem emprego-com empresa os PJ (pessoa jurídica), os trabalhadores
sazonais, entre tantas outras possibilidades como anteriormente citado. Cada uma dessas
categorias é regida por contratos trabalhistas e legislações que cada vez oferecem menos
segurança aos que dela participam. Existem correntes que acreditam que o emprego está
acabando todos passarão a ser autônomos. As tutelas serão extintas e somente o lucro terá
poder. Com isso cada vez mais tem ficado difícil os movimentos de luta e de resistência
e o mais importante é que tudo isso tem acontecido de forma silenciosa, a maioria dos
próprios trabalhadores não tem percebido essas transformações.
Para que os trabalhadores consigam vencer e resistir a esta empreitada será
fundamental que as diferenças entre as diversas categorias sejam superadas e que eles se
unam no sentido de conquistar justiça social e distribuição justa de riquezas.

3-Considerações finais | 50

Levando tudo isso em consideração acredita-se que o mundo hoje tem


apresentado inúmeras configurações laborais que na maioria das vezes tem servido para a perda
de direitos e tutelas dos trabalhadores. Da maneira como a coisa vem sendo posta algumas
categorias mais protegidas por direitos e conquistas históricas tendem a desaparecer no lugar delas
vem surgido outras praticamente sem direitos. Ao se distribuir direitos a atividade fim deveria
ser considerada. A atividade fim é o que deveria ser usado para definir uma categoria.

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Todos independente das diferentes formas de atuação deveriam ser colocados dentro da
categoria relacionada ao fim do trabalho.
Em nossa sociedade alguns instrumentos podem ser usados como fator de
desenvolvimento da solidariedade entre os trabalhadores entre eles os sindicatos, as greves e a
mídia, porém é preciso que cada um desses instrumentos seja constantemente repensado, para que
eles sejam eficazes. Do contrário eles serão enfraquecidos ou mesmo usados de forma a quebrar
essa solidariedade. A solidariedade entendida como instrumento de colaboração e aproximação
entre trabalhadores. Essa solidariedade é fundamental para que sejam superadas e vencidas as
barreiras que as novas configurações laborais tem apresentado. É fundamental que as novas
categorias não se sintam como rivais e sim se detenham em conhecer o universo uma das outras
dessa forma superem as diferenças e considerem as aproximações. Caso isso não ocorra cada vez
mais o beneficiado será o detentor do lucro a qualquer preço. Não podemos esquecer que acima
de tudo está a dignidade humana e que os sujeitos e a qualidade de vida dos mesmos devem ser
consideradas como foco principal dos esforços. É preciso pensar em outras formas coordenadas
de lutas entre as diversas categorias de trabalhadores, enquanto alguns fazem greves outros
poderia realizar boicotes ou mesmo manifestações momentâneas. A solidariedade e a união
entre os trabalhadores pode favorecer que seja conquistada a tão sonhada justiça
social.

Referências Bibliográficas

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76-solidariedade-entre-trabalhadores-dsi-21/

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49802008000100004&lng=en&nrm=iso>. access on 01 July 2015.

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ABSENTEÍSMO E MEDICAMENTAÇÃO: UMA ANÁLISE
SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO DOCENTE NAS
ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO SUL DO RIO
GRANDE DO SUL
Prof. Dr. Leomar da Costa Eslabão – IFSul-Pelotas (el.eslabao@gmail.com)
Janaína Barela Meireles – FaE/UFPel (barelameireles@hotmail.com)
Maria Luiza Luongo Silveira – FaE/UFPel (luiza.luongo@hotmail.com)
Prof. M.a Bianca Alves Lehmann – PPGE/FaE/UFPel (biancalehmann@gmail.com)

Resumo: Este texto apresenta resultados parciais da pesquisa Trabalho e saúde das
professoras de Educação Infantil das escolas públicas municipais da região sul do Rio
Grande do Sul em relação às licenças de saúde e ao consumo de medicamentos na rotina
de trabalho de professoras e auxiliares que atuam em Escolas Municipais de Educação
Infantil de 16 cidades do estado do Rio Grande do Sul, entre os anos 2012 e 2014. Os
dados foram coletados por dois instrumentos: o Questionário sobre o Conteúdo do
Trabalho (Job Content Questionnaire – JCQ) e o Questionário Complementar. Os dados
indicam que 40,95% das respondentes tiraram licença no período citado e 46,6% utilizam
medicamentos no processo de trabalho. Tais percentuais, sob um universo de 622
respondentes, apontam que parte significativa da categoria encontra-se com problemas de
saúde, pois experimenta um processo de trabalho com altas exigências psicológicas e
inúmeras demandas que extrapolam o processo educativo na Educação Infantil.

Palavras-chave: trabalho docente; absenteísmo; medicamentação.

INTRODUÇÃO

A pesquisa Trabalho e Saúde das Professoras de Educação Infantil das Escolas


Públicas Municipais da Região Sul do Rio Grande do Sul analisa a relação entre a saúde
e o processo de trabalho desenvolvido pelas professoras e auxiliares que atuam em | 53
Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) de 16 cidades da região sul do Rio
Grande do Sul, quais sejam: Arroio Grande, Arroio do Padre, Canguçu, Capão do Leão,
Cerrito, Herval, Cristal, Jaguarão, Morro Redondo, Pedro Osório, Pelotas, Pinheiro
Machado, Piratini, Santana da Boa Vista, São Lourenço do Sul e Turuçu.
Metodologicamente, utilizam-se dois instrumentos. O primeiro, criado por Robert
Karasek (1979), chamado Job Content Questionnaire (JCQ), visa capturar as demandas
psicológicas e o controle sobre o trabalho por parte dos trabalhadores. Já o segundo
instrumento, denominado Questionário Complementar, busca a percepção sobre as

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mudanças no processo de trabalho por parte dos trabalhadores, bem como as licenças de
saúde e o uso de medicamentos no processo de trabalho nas EMEIs.
Até o momento11, a pesquisa se valeu de métodos quantitativos de acordo com os
quais criou-se um banco de dados com informações sóciodemográficas, funcionais e
médicas das professoras e auxiliares. Além disso, foi utilizado o instrumento Job Content
Questionnaire (JCQ), traduzido para o português como Questionário sobre Conteúdo do
Trabalho (ARAÚJO e KARASEK, 2008), composto por 48 questões que contemplam
duas dimensões psicossociais do trabalho: controle sobre o trabalho e a demanda
psicológica dele advinda. O JCQ também avalia o suporte social proveniente da chefia e
dos colegas de trabalho e, por fim, a demanda física e a insegurança no emprego. Junto a
esse instrumento, aplicou-se um Questionário Complementar composto por seis questões
que abrangem as seguintes dimensões: percepções das professoras e das auxiliares sobre
as mudanças no processo de trabalho (infraestrutura e suporte didático-pedagógico); uso
e tipos de medicamentos consumidos no processo de trabalho; problemas de saúde;
licenças de saúde tiradas entre os anos 2012 e 2014, bem como seus motivos.
O universo das respondentes é composto por todas as professoras e auxiliares
efetivamente em sala de aula, excluindo-se aquelas profissionais que estão em cargos de
direção, coordenação, supervisão ou desempenhando outras funções nas escolas. Aqui se
privilegia as profissionais que efetivamente exercem o magistério em sala de aula, pois
são elas que podem, com mais precisão, recompor o processo de trabalho.
Autores como ASSUNÇÃO (2009), ESTEVE (1999), ARAÚJO e KARASEK
(2008), HYPOLITO (2009) e VIEIRA et al. (2010; 2014) formam a base teórica dessa
pesquisa, apoiada nos conceitos de ciclo de medicamentação, mal-estar docente,
| 54
intensificação e precarização do trabalho docente. Esses conceitos ajudam a ver o quanto
o trabalho educativo nas EMEIs vem sendo intensificado – fazer mais coisas no mesmo
tempo de trabalho e sob as mesmas condições de infraestrutura e de apoio pedagógico e
social. Destaca-se que, devido ao mal-estar, as solicitações de afastamentos não são raras,
já que o trabalho na Educação Infantil exige uma alta demanda física e um forte
envolvimento emocional.

11
Na sequência da pesquisa, que ocorrerá no primeiro semestre de 2016, serão realizadas entrevistas
semiestruturadas com as professoras e as auxiliares das EMEIs.

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O Modelo Demanda/Controle

Em pesquisas relacionadas à saúde das professoras na cidade de Pelotas – Vieira


et al. (2009, 2010 e 2012) – foi identificado que as professoras das EMEIs são aquelas
que apresentam mais problemas de saúde no processo de trabalho. Esse indicativo foi
tomado como base para uma busca mais detalhada sobre as causas de adoecimento dessas
profissionais, razão pela qual a pesquisa estendeu-se para a microrregião sul do estado
gaúcho.
Cabe dizer que a pesquisa realizada em 2010, junto às EMEIs da cidade de Pelotas,
utilizou o Questionário sobre Conteúdo do Trabalho (JCQ) em sua dimensão
quantitativa, produzindo uma riqueza de dados sobre as relações entre processo de
trabalho e a saúde das professoras daquelas escolas. Por isso, esse instrumento, junto com
o Questionário Complementar, continua sendo aplicado na pesquisa ora apresentada.
O uso do JCQ baseia-se no Modelo Demanda/Controle (MDC) que permite
indicar as dimensões mais problemáticas da organização do trabalho, segundo o
entendimento dos trabalhadores. O Modelo Demanda/Controle (Job Strain Model),
elaborado pelo professor Robert Karasek (1979), da University of Massachusetts, EUA,
é uma referência para análises relacionadas ao trabalho. Esse Modelo privilegia duas
dimensões psicossociais no trabalho: o controle sobre o trabalho e a demanda psicológica
| 55
dele advinda. A partir da combinação dessas duas dimensões, o Modelo distingue
situações de trabalho específicas que, por sua vez, estruturam riscos diferenciados à
saúde.
O controle no trabalho refere-se ao uso de habilidades – o grau pelo qual o
trabalho envolve aprendizagem de coisas novas. O desenvolvimento de habilidades
especiais individuais também envolve autoridade de decisão, que abarca a habilidade
individual para a tomada de decisão sobre o próprio trabalho, a influência do grupo de
trabalho e a influência na política gerencial (ARAÚJO, GRAÇA e ARAÚJO, 2003). Já a

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demanda psicológica refere-se às exigências psicológicas que o trabalhador enfrenta.
Além disso, envolve pressão do tempo, nível de concentração requerido, interrupção das
tarefas e a necessidade de esperar pelas atividades realizadas por outros trabalhadores.
O Modelo Demanda/Controle distingue quatro tipos básicos de experiências no
trabalho gerados pela interação dos níveis alto e baixo da demanda psicológica e do
controle:
 Alta Exigência do trabalho – caracterizado como alta demanda e baixo
controle;
 Trabalho Ativo – alta demanda e alto controle;
 Trabalho Passivo – baixa demanda e baixo controle;
 Baixa Exigência – combinando baixa demanda e alto controle.
O Modelo Demanda/Controle indica a necessidade de traçar duas diagonais: uma
– Diagonal A –, que vai do quadrante 3 (Baixa Exigência) ao quadrante 1 (Alta
Exigência), indicando os grupos com riscos de exigência psicológica e adoecimento
psíquico; outra – Diagonal B –, que vai do quadrante 4 (Trabalho Passivo) até o quadrante
2 (Trabalho Ativo) para encontrar os grupos que apresentam motivação para desenvolver
novos tipos de comportamento no trabalho e, portanto, mais protegidos de adoecimento.
Na distribuição das respostas das professoras e auxiliares dentro do MDC, no
diagrama de quatro quadrantes, obteremos a característica das hipóteses preditas pelo
próprio Modelo, referentes ao maior risco de adoecimento – Diagonal A –, assim como a
hipótese de existência de motivação para o desenvolvimento de novos padrões de
comportamento – Diagonal B.
Isto posto, apresenta-se, a seguir, a análise do Modelo Demanda/Controle (MDC) | 56
utilizando os percentuais válidos como base, haja vista que dos 622 questionários, 565
constituíram-se como dados válidos, implicando uma perda de 57 sujeitos. Tal perda se
deve ao fato que nesses 57 questionários houve algum prejuízo no preenchimento das 48
questões.

Professoras e Auxiliares

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Dos 565 questionários válidos tem-se, em números absolutos, o seguinte quadro:
Alta Exigência: 160 sujeitos; Trabalho Ativo: 161 sujeitos; Baixa Exigência: 113 sujeitos;
Trabalho Passivo: 131 sujeitos.
Em termos percentuais, o quadro é o seguinte:

Quadro 1 – Professoras e auxiliares

Professoras

Dos 396 questionários, referentes às professoras, 361 constituíram-se como dados


válidos, implicando uma perda de 35 sujeitos. Tal perda se deve ao fato de que, nesses 35 | 57
questionários, houve algum prejuízo no preenchimento das 48 questões.
Em números absolutos, tem-se o seguinte quadro: Alta Exigência: 120 sujeitos;
Trabalho Ativo: 77 sujeitos; Baixa Exigência: 87 sujeitos; Trabalho Passivo: 77 sujeitos.
Em termos percentuais, o quadro é o seguinte:

Quadro 2 – Professoras

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Auxiliares

Dos 226 questionários referentes às auxiliares, 204 constituíram-se como dados


válidos, implicando uma perda de 22 sujeitos. Tal perda se deve ao fato de que nesses 22
questionários houve algum prejuízo no preenchimento das 48 questões.
Dos dados válidos tem-se, em números absolutos, o seguinte quadro: Alta
Exigência: 39 sujeitos; Trabalho Ativo: 84 sujeitos; Baixa Exigência: 26 sujeitos;
Trabalho Passivo: 53 sujeitos.
Em termos percentuais, o quadro é o seguinte:

Quadro 3 – Auxiliares

| 58

Considerando o universo de professoras e de auxiliares (Quadro 1) nas 68 EMEIs


das 16 cidades da microrregião, na diagonal que aponta o risco de adoecimento –
Diagonal A –, encontram-se dois grupos: Quadrante 1 – Alta Exigência (28,3%),

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indicando riscos de adoecimento, e Quadrante 3 – Baixa Exigência (20%), o qual combina
baixa demanda e alto controle. É possível considerar que 48,3% das trabalhadoras correm
riscos de adoecimento, com pouca motivação para o desenvolvimento de novos padrões
de comportamento.
A comparação entre professoras e auxiliares em relação, especificamente, ao
Quadrante 1 – aquele que indica o grupo já com problemas de saúde – mostra que são as
docentes que se encontram em uma situação de maior risco de adoecimento (33,2%). Já
as auxiliares encontram-se, em grande parte, no Quadrante do Trabalho Ativo (41,6%),
indicando um grupo que apresenta motivação para desenvolver novos tipos de
comportamento no trabalho. Desse modo, os riscos de adoecimento apontados pelo JCQ
são indicativos do número de licenças de saúde e do uso de medicamentos por parte dessas
trabalhadoras.

Licenças de saúde e uso de medicamentos

Segundo os dados coletados no Questionário Complementar, considerando como


dados válidos 608 respondentes do universo de 622 pessoas, temos que 40,95%
responderam que tiraram licença no período de 2012-2014. Do total das respondentes que
estiveram em licença de saúde (249), 47% tiraram uma vez, 22,9% duas vezes, 10% três
vezes e 20,1% quatro vezes ou mais.
Dentre os principais motivos dos pedidos de licenças de saúde encontra-se o
| 59
seguinte panorama: 14,73% das respondentes por problemas viróticos, 10,47% por
problemas emocionais, 7,53% por problemas ósseos, 6,71% por problemas respiratórios
e 3,76% por problemas vocais.
Os dados sobre licenças de saúde fazem ver que mais de 40% das trabalhadoras
que atuam nas EMEIs já se afastou do trabalho por motivo de adoecimento. Isso é um
fenômeno que não deve ser atribuído a problemas ou debilidades individuais, o que
indica, mesmo de forma mediata, alguma relação com a organização do trabalho. O
percentual de licenças de saúde encontrado apresenta correspondência com os dados

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coletados pelo JCQ, quando este identifica que 33,2% das professoras indicaram realizar
um trabalho de alta exigência psicológica e baixo controle.
Na dimensão consumo de medicamentos para lidar com a rotina de trabalho,
obtiveram-se, em um total de 603 sujeitos respondentes, os seguintes percentuais: 53,4%
não tomam medicamentos, 24,5% tomam medicamentos e 22,1% às vezes tomam
medicamentos. Considerando os casos em que foi indicado o uso de algum medicamento
de forma contínua ou de forma esporádica, tem-se um percentual significativo e
preocupante, uma vez que 46,6% das respondentes tomam medicamentos para enfrentar
a rotina de trabalho.
Entre os tipos de medicamento consumidos para dar aulas destacam-se: 59%
analgésicos, 22,2% antidepressivos, 13,7% calmantes, 41,9% anti-inflamatórios, 22,7%
antialérgicos, 5,8% reguladores de humor, 31,7% antibióticos, 20,4% vitaminas e 11,7%
outros medicamentos. Esses percentuais dizem respeito ao número de vezes que cada
medicamento foi assinalado e não ao número de respondentes.
Os percentuais por tipo de medicamento fazem ver que essas trabalhadoras – pelo
menos 46,6% delas – podem estar encontrando condições pouco favoráveis no seu
processo de trabalho, tendo em vista que o cerne do trabalho na Educação Infantil é o
cuidado com as crianças pequenas, o que implica relações afetivas e pedagógicas
específicas. Há de se considerar, portanto, que uma parte significativa do grupo de
trabalhadoras encontra algum impedimento para a realização satisfatória desse processo.

Conclusões

| 60
Não se ignora que são múltiplos os fatores e as condições de trabalho que levam
ao adoecimento das professoras e auxiliares, tais como: aumento do número de crianças
por sala de aula, salas pequenas, prédios inadequados, ausência ou baixa qualidade de
materiais didáticos, pátios abandonados ou malcuidados, baixos salários, longas jornadas
de trabalho, etc.
Dentro desse quadro, não soa estranho o percentual de licenças de saúde no
período, tampouco o consumo de medicamentos por parte das profissionais da educação,
indicando que essa categoria parece andar na contramão da ideia de que o trabalho é um

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elemento fundamental para fazer com que as pessoas se sintam úteis e importantes – um
sentimento sadio de pertencer e de contribuir para a sociedade. Sentimento este que
deveria ser fundamental no trabalho com a educação, já que sua ausência pode se
constituir em um dos fatores do mal-estar docente que, combinado com questões de
ordem individual, organizacional e social, influenciam na saúde, no desempenho e na
satisfação das professoras e das auxiliares.
O consumo de medicamentos para aliviar os efeitos das condições de trabalho
desfavoráveis acaba constituindo um ciclo da medicamentação (VIEIRA, 2010) que
produz cada vez mais a necessidade do uso de drogas para permanência no local de
trabalho provocando, também, o presenteísmo, uma vez que muitas professoras e
auxiliares, mesmo em situações de adoecimento, permanecem no âmbito escolar – talvez
como uma necessidade de se sentirem úteis na sua missão de educar.
Tanto as licenças de saúde quanto a medicamentação fazem ver que as novas
exigências profissionais e a intensificação do trabalho docente atingem a saúde das
professoras e auxiliares. Podem-se destacar fatores qualitativos, caracterizados pelas
transformações da atividade educativa sem o necessário suporte social para acomodar as
exigências do trabalho e, também, fatores quantitativos, relacionados ao aumento do
volume de tarefas nas escolas.
No dia a dia das salas de aulas surgem vários conflitos que não são previstos pelo
sistema educacional e, assim, as profissionais da educação se deparam com situações que
não estavam preparadas para resolver ou enfrentar. As condições em que trabalham,
somadas aos baixos salários, a intensificação e o pouco prestígio que recebem, levam
muitas delas ao adoecimento e ao afastamento do trabalho.
| 61
No decorrer dos anos, as reformas educacionais vêm apresentando novas
exigências profissionais, embora não sejam acompanhadas de condições e adequações
necessárias para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, o que naturaliza o
sentimento de que trabalhar sem condições físicas e emocionais faz parte da luta e da
doação de quem educa.

REFERÊNCIAS

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VIEIRA, Jarbas Santos et al. Processo de trabalho das professoras de educação infantil:
entre imagens de bondade e o mal-estar docente. Pelotas: UFPEL, 2014. (mimeo., artigo
no prelo).
VIEIRA, Jarbas Santos; FONSECA, Márcia Souza. Natureza do Trabalho Docente. | 62
DICIONÁRIO: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte:
UFMG/Faculdade de Educação, 2010. CDROM.
VIEIRA, Jarbas Santos; GARCIA, Maria Manuela Alves; MARTINS, Maria de Fátima
Duarte; ESLABÃO, Leomar; SILVA, Aline Ferraz da; BALINHAS, Vera Gainssa;
FETTER, Carmem Lucia da Rosa; BUGS, Vanessa. Constituição das Doenças da
Docência. Cadernos de Educação, FaE/PPGE/UFPel, Pelotas [37]: 303 - 324,
setembro/dezembro 2010.

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04, 05 e 06 de abril de 2016
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O TRABALHO DOCENTE E A RELAÇÃO PÚBLICO
PRIVADO EM TEMPOS DE MUNICIPALIZAÇÃO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Alessandra Silva Oliveira – PMI – aso3183@gmail.com

Resumo:

O presente estudo tem por objetivo averiguar os impactos da relação público/privado,


materializada nos “sistemas de ensino apostilados”, sobre o trabalho docente, a partir
de uma experiência local. Os sujeitos pesquisados são professores do ensino
fundamental, contratados pela Prefeitura Municipal de Imbituba (PMI), cidade
localizada no litoral sul de Santa Catarina, a qual adotou o referido sistema desde 2008.
O referencial teórico-metodológico utilizado nesta pesquisa está fundamentado no
materialismo histórico. Este estudo parte da hipótese de que, embora os “sistemas de
ensino” sejam adotados sob a justificativa de melhorar os indicadores educacionais,
eles na essência reconfiguram o trabalho do professor. De um lado, os sistemas
apostilados preconizando a uniformização/padronização das redes municipais de
ensino, como central para dar qualidade à educação escolar. E por outro lado, estes
sistemas, retiram do professor sua autonomia, necessária a uma educação de qualidade
socialmente referenciada.

Palavras-chave: Municipalização do Ensino Fundamental; Relação público-privada; Trabalho


docente.

1. Introdução

Nas últimas décadas a educação básica pública brasileira deu um importante salto
quantitativo. A expansão ganhou força com a Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de
1996, que em seu artigo 2º dá nova redação aos incisos I e II do artigo 208 da Constituição Federal,
tornando o ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita
para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. E, ainda, em seu artigo 3º, destaca
| 63
que os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil
(COSTA e OLIVEIRA, 2011).
Nessa mesma direção, a redação do artigo 5º altera o artigo 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT), permitindo a criação do Fundo de Desenvolvimento e
Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF). Estavam criadas
as condições para a ampliação da matrícula na segunda etapa da educação básica e na dependência
administrativa municipal. Criadas as condições, a matrícula nas redes municipais de ensino em
2010, atingiu um total de 16.921.822 (BRASIL, 2010).

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Os sistemas apostilados de ensino vêm “suprir” as demandas educacionais assumidas
pelos municípios após a Emenda Constitucional n. 14/96. Ou seja, municípios de pequeno porte,
que na década de 1990, assumiram responsabilidades para com a oferta do nível obrigatório de
ensino, para as quais, provavelmente, não estavam preparados (ADRIÃO, GARCIA, BORGHI E
ARELARO, 2008), o que os levam a formar parcerias. Acompanhado do argumento de que o
responsável pela crise é o Estado, se propõem substituir a administração burocrática pela
administração gerencial.
Existe um consenso na literatura de que uma educação de qualidade necessita, no mínimo,
de professores bem formados, bem remunerados, e que realizem suas atividades em condições
satisfatórias. Entretanto, professores, assim, ilustram uma forte ameaça para a classe dominante
principalmente por dois motivos, são os responsáveis por transmitir à futura geração a cultura
historicamente produzida pela humanidade (SAVIANI, 2005) e também devido ao seu potencial
de organização coletiva (SAVIANI, 1999). Devido as demandas do capital a burguesia não luta
contra a extinção do professor, e sim primam por outro tipo de professor, mais prático e
desintelectualizado, pois

o professor faz a formação e também a conformação da próxima geração de


trabalhadores e, por esta razão, é considerado, a nosso ver, estratégico para o
projeto do capital, não para promover as alardeadas habilidades e competências
nos educandos, mas efetivamente para monitorá-las, transformando-se em
tecnologia de baixo custo na execução do que vêm sendo considerado
“governo à distância”. Embora o discurso apologético dos burocratas
educacionais justifique a ênfase na gestão pelo argumento da busca de eficácia
para a melhoria da educação, lidamos com a hipótese de que o objetivo
primordial desta política não é o aprimoramento do professor ou da educação.
Seu alvo é a gestão da pobreza (SHIROMA; EVANGELISTA, 2004, p. 11).

E é nesta duplicidade de intenções que o sistema apostilado é visto como aliado do capital,
contribuindo com a padronização dos serviços oferecidos pelas escolas (ADRIÃO, GARCIA,
BORGHI, ARELARO, 2009) e, sobretudo, com a criação de uma nova identidade docente
| 64
(HYPOLITO, 2010), alinhada a consolidação da nova pedagogia da hegemonia (NEVES, 2010).

2. Relação Público-privado na educação: sistemas de ensino

No Brasil a relação público/privado é histórica, no setor educacional tal relação encontra


amparo na Constituição Federal de 1988. Afinal, “a lucratividade tornada explicita na CF/1988 e
a afirmação de que a educação deve receber a colaboração da sociedade (BRASIL, 1988, art. 205)
permitiram novos passos de presença na educação básica” (CURY, 2008, p. 20).

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Segundo Cury (2008), a partir de 2005, o número de contratos entre empresas privadas
fornecedoras de sistemas apostilados para as prefeituras cresceu 2800%, tendo como precursora
o Grupo COC, que firmou os primeiros contratos em 1999, mas a grande expansão se deu a partir
de 2005. Dado o tamanho do sistema público brasileiro de ensino, este é um mercado promissor,
e uma ótima oportunidade de expansão do capital (CURY, 2008).

Entendendo o capitalismo como um conjunto de relações complexas, e que, a educação é


parte integrante deste conjunto, faz-se necessário, analisar os sujeitos envolvidos nesta relação.
Os alunos oriundos de famílias de baixa renda, historicamente são marginalizados pelo capital, e
nesta perspectiva cabe indagar a função que os docentes assumem neste processo de
marginalização.

O trabalho docente é regulado pela ação do Estado (HYPOLITO, 2010), este conforme
Marx ressaltava no “Manifesto do Partido Comunista”, foi criado para servir aos interesses da
burguesia. Logo, a Burguesia por intermédio do Estado, acaba por ditar o conteúdo e a forma do
trabalho que seja funcional ao capital. O estudo de Adriana Turmino (2010), aponta a relação do
discurso da “auto-ajuda” e a “(con)formação” do trabalhador de um novo tipo, um tipo funcional
ao capital, discurso que difunde a idéia do poder do individuo na resolução dos problemas, fato
que contribui para a consolidação da hegemonia burguesa. Práticas difundidas por esse tipo de
discurso fazem parte de um projeto social hegemônico, onde o empresariado está constantemente
organizando suas práticas na sociedade civil e na aparelhagem Estatal.

Em um contexto marcado pela expansão global da sociedade capitalista, onde a ampliação


do mercado é meta, o que vivenciamos não é tão somente um novo modo de organizar a economia.
Significa mais do que isso, “pois implica o desenvolvimento de um modelo gerencial que deve
penetrar nas instituições com a lógica de criação de um determinado modo de ser, centrado na
idéia de consumo e de autonomia do sujeito, como um consumidor, apto para escolher | 65
autonomamente” (HYPOLITO, 2010, p. 1340). Se as instituições incorporam esta lógica,
consequentemente o trabalho do professor é ressignificado, criando assim uma nova identidade
docente, que é fundamental para o governo, para a condução da gestão escolar e para o sistema
educacional de uma nação (LAWN, 2001).

Neste sentido, definir que identidade profissional o magistério deve assumir, como os
professores devem se comportar, quais problemas práticos e como devem ser solucionados, é uma
das formas de garantir condições necessárias para a normatização do que deve ser a docência para
o modelo gerencial. Segundo (HYPOLITO, 2010) é um processo mesmo de fabricação de

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identidade, que, segundo o autor, pode ser obtido de varias formas, dentre elas, os materiais
educativos, ou seja, as apostilas.

3. Desenho teórico e metodológico

Optou-se pelo depoimento como método de organização da coleta de dados, pois de


acordo com Meksenas (2002, p. 129), o depoimento se configura em “um método de organização
da coleta de dados a respeito de determinado tema, a partir da realização de entrevistas não-
diretivas ou semi-estruturadas”.

Nessa perspectiva, estudar o trabalho do professor que leciona na escola pública é, antes
de tudo, buscar elementos que demonstrem as condições postas pelo Estado para que este
profissional desempenhe sua função no sistema capitalista. Sendo, portanto, necessário, ir à
realidade do professor no interior da escola pública, para compreender se as condições oferecidas
possibilitam que ele realize seu trabalho, tendo em vista a apropriação e compreensão, por parte
dos alunos, dos conteúdos historicamente produzidos pela humanidade, para que os processos
educacionais funcionem como mediadores da emancipação humana, e para que assim as práticas
sociais colaborem com o movimento de superação da sociedade capitalista, cuja finalidade é a
exploração dos indivíduos para acumular mais riqueza e mais capital. Sendo assim, foram
realizadas entrevistas semi-estruturadas, com oito professores da rede municipal de ensino, na
cidade de Imbituba.

A perspectiva epistemológica do estudo está baseada no materialismo histórico-dialético.


De acordo com Marx, o pensamento dialético procede do todo para as partes e das partes para o
todo. Nesse processo, esse referencial pode contribuir para o desenvolvimento dessa pesquisa na | 66
medida em que leva a compreender que a municipalização e a relação público/privada na
educação são elementos constitutivos de uma determinada realidade histórico-social.

Para a realização do objetivo principal desta pesquisa, averiguar os impactos da relação


público/privado, materializada nos “sistemas de ensino apostilados”, sobre o trabalho docente, é
necessário passar pelo conhecimento histórico das inter-relações destes elementos entre si, com o
trabalho docente e com a totalidade mais ampla na qual se inserem e com a qual se articulam.
Para Marx e Engels (2007) as análises têm pressupostos, mas se tratam de pressupostos reais,

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sujeitos reais, seus atos e suas condições materiais de vida, sujeitos influenciados tanto pela
história já produzida como pelas produções de suas próprias relações.

De acordo com Cury (1992), a educação e sua análise devem ter seu inicio numa
totalidade histórica e social, manifestando essa totalidade ao mesmo tempo em que participa de
sua produção. “A educação então não reproduz as relações de classe, mas estas se fazem presentes
na educação, articulando-a com a totalidade” (CURY, 1992, p.14). Para esse autor, no elenco de
categorias metodológicas existe a necessidade de “colocá-las numa relação historicizante, isto é,
toda produção social, no seu mais amplo sentido, é determinada pelas condições sociais que
caracterizam uma sociedade, no nosso caso, a capitalista” (CURY, 1992, p.14). Ao optar pelo
trabalho com categoria, faz-se necessário entender que algumas categorias são anteriores e
originárias de outras, também sendo mutuamente implicadas, entre elas, contradição, totalidade,
mediação, reprodução e hegemonia. Dentre essas elegeu-se a categoria da contradição como
central na análise.

Conforme Moraes (2000) e Cury (1992), a contradição é a base da metodologia dialética,


para ambos os autores essa categoria exerce a função de conceito explicativo mais amplo da
realidade. “A contradição, portanto, é um motor temporal, isto é, as relações contraditórias não
existem como fatos dados no mundo, mas são produzidas” (MORAES, 2000, p.22). De acordo
com essa autora a história é o movimento de produção e de superação das contradições. A
contradição pressupõe analisar o fenômeno e sua negação intrínseca.

Sendo a educação parte da prática social ela também é contraditória nos seus elementos.
O capitalismo necessita de processos educativos que o subsidie a encobrir os processos de
apropriação do excedente, então a burguesia busca ao longo dos tempos diferentes formas
educativas que possibilite sua manutenção. A educação pode contribuir para a reprodução do
capital, mas pode opor-se como meio de transformação da sociedade, ela é a expressão da luta de | 67
classes (CURY, 1992).

O processo de organização da ordem capitalista administrado pelos empresários foi


construído por estratégias de obtenção de consenso, “foi a conquista de corações e mentes que
produziu os melhores resultados na construção da coesão social” (MARTINS, 2009). Para André
Martins, valores sociais, hábitos de consumo e condutas políticas, entre outros aspectos, de certa
forma comuns em países capitalistas, permitiram a consolidação do empresariado, como classe
dirigente, e a configuração do Estado capitalista.

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4. Resultados

Na seqüência apresentamos os procedimentos utilizados na analise das entrevistas:

1- Transcrição das entrevistas;


2- Identificar nas falas eixos, a partir de elementos em comum;
3- Dividir estes elementos em categorias, para facilitar a analise;
4- Confrontar as categorias com a literatura estudada;
5- Desta confrontação, fazer uma analise critica dos dados.
Após a transcrição das entrevistas, identificamos e organizamos as falas considerando as
especificidades no que diz respeito à precarização e intensificação do trabalho. Entendemos que
desta forma a analise foi facilitada, e permitiu um entendimento melhor das categorias acima
elencadas.

4.1 Resumo das entrevistas

Entre os sujeitos sete eram do sexo feminino e apenas um do sexo masculino, realidade
está que vai de encontro com o perfil traçado pela pesquisa “Trabalho Docente na Educação
Básica em Santa Catarina”, onde 82% dos entrevistados eram do sexo feminino. Em relação ao
tempo de trabalho com educação a maioria exerce a docência há mais de dez anos, fato que pode
contribuir para uma reflexão crítica sobre as questões que afetaram o trabalho docente ao longo
dos anos. A forma de contrato dos sujeitos é bem variada, divididos entre concursados e
temporários (ACT).
| 68

5. As (poucas) condições de trabalho

Uma das condições necessárias, ainda que não suficiente, para que o trabalho docente se
realize são as condições que toda a estrutura da escola deve proporcionar ao professor,
independente de que disciplina este lecione. São indispensáveis que sejam oferecidas condições
adequadas para que o professor realize seu trabalho na direção de sua humanização e que não seja
explorado.

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5.1 Precarização do Trabalho Docente

Pode-se perceber que os professores destacam as precárias condições de trabalho


relacionadas, por exemplo, a estrutura física da escola e a organização do trabalho no cotidiano.
Somam-se os diversos problemas estruturais, entre eles a falta de materiais, que afetam também
a realização da docência.

Percebe-se o quão distante está a escola pública, de proporcionar aos indivíduos


envolvidos no processo de ensino-aprendizagem as condições necessárias para que este se realize,
pois “não prever antecipadamente as condições básicas para a efetivação do processo de ensino-
aprendizagem em função daquele objetivo ultimo inviabiliza muito do trabalho pedagógico que
pretende ser uma atividade mediadora intencional no seio da pratica social global” (Oliveira e
Duarte, 1985, p. 101). Desta forma, questiona-se: considerando que a escola pode contribuir na
plena formação, estaria o Estado interessado em contribuir com a humanização dos indivíduos?

Ao observarmos as entrevistas, percebe-se pouco interesse do Estado12 em propiciar


condições adequadas à realização do trabalho docente, assim sendo, o professor encontra-se em
condições pouco favoráveis, pois sem que sejam oferecidas condições adequadas de trabalho,
pouco tem a contribuir com a camada menos favorecida da sociedade, o docente se vê de mãos
atadas, vendo a possibilidade de posicionar-se como contraponto, ao que está estabelecido, cada
vez mais reduzida. Tendo em vista que:

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo sua livre
vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com
que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado (Marx,
2006, p. 15). | 69

As falas apontam indícios de uma escola pública levada adiante pelos trabalhadores que
lá estão. Pois com pouco subsídio financeiro e técnico, estes não encontram as condições de
trabalho necessárias para conduzir seus alunos à “socialização” do conhecimento sistematizado,
uma vez que “para existir a escola não basta a existência do saber sistematizado. É necessário
viabilizar as condições de sua transmissão e assimilação” (Saviani 2005, p. 18).

12
Entende-se por Estado: a União e seus entes federados, ou seja, os estados, os municípios e o Distrito
Federal.

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5.2 Intensificação do Trabalho Docente

Inúmeros fatores vêm contribuindo com a intensificação do trabalho. Acredita-se que a


inclusão na escola pública de alunos com necessidades educativas especiais possa estar
contribuindo com esse processo, pois o Estado parece não qualificar e não proporciona condições
adequadas para a efetivação da inclusão, como apontam os docentes da pesquisa.

Com a universalização da educação básica o Estado teria que mexer em seu cofre, ou seja,
aumentar a parcela do PIB destinada à educação, que de acordo com Saviani (2006), para que
possamos pensar em qualidade social não pode ser inferior a 8%, no entanto, o Brasil aplicou
entre 4,9 % e 5% do PIB entre 2000 e 2010 (INEP, 2010).

As falas remetem aos reflexos da reforma educacional pós Jomtien implantadas no Brasil
e as novas regulações das políticas educacionais por elas trazidas. É nítido que os docentes foram
vitimados por todo esse processo. A busca da ampliação da matrícula nas duas últimas etapas da
educação básica fez parte do plano do Estado articulado com a “promoção da equidade social,
buscando a redução das desigualdades sociais, por meio da oferta educativa às populações em
situação vulnerável” (Assunção & Oliveira, 2009, p. 350). Entretanto, tal empreendimento se fez
sem os investimentos necessários a uma educação de qualidade social.

Com a ampliação da matrícula desalinhada de um Projeto Educacional Nacional está se


evidenciando um período em que os alunos ao não se apropriarem do que a humanidade produziu,
enfrentem um processo de “desescolarização”13, concomitantemente a este fato, encontramos os
professores também em um processo de “desintelectualização” 14.Os alunos das escolas públicas
não têm oportunidade de se apropriar dos conhecimentos essenciais de cada série/ano. Inferem- | 70
se daí duas conseqüências. A primeira diz respeito à qualidade da formação na educação básica.
A segunda, articulada a primeira, é de natureza quantitativa, pois a maioria dos alunos
matriculados não conclui o ensino fundamental e médio. Os dados mostram o fracasso das
políticas educacionais dos últimos anos, “a síntese dos indicadores sociais do IBGE divulgada em
24 de setembro de 2008 revela que oito entre dez crianças que não sabem ler e escrever estão na
escola” (NETO, 2009, p.24).

13
Termo usado por Dias-da-Silva, para explicar o atual caos enfrentado pelos alunos das escolas públicas.
14
Termo usado por Helena Freitas para explicar a defasagem teórica que afeta a prática docente.

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O professor ao receber estes alunos com tamanha defasagem é conduzido a intensificar
seu trabalho no sentido de reverter este quadro, porém considerando todos os entraves que a escola
proporciona, muitas vezes não obtêm sucesso.

As tarefas/funções se ampliam. Para além de uma jornada extensa, tem-se a sua


intensificação a partir da ampliação das responsabilidades, sobretudo, para com o aluno. Muitas
são as exigências

“apresentadas aos profissionais da educação nesse contexto de nova regulação


educativa parecem pressupor maior responsabilização dos trabalhadores,
demandando maior autonomia (ou heteronomia) destes, capacidade de
resolver localmente os problemas encontrados, refletir sobre a sua realidade e
trabalhar de forma coletiva e cooperativa” (Assunção & Oliveira, 2009, p.
351)

Nunca na história a escola pública teve tantas e distintas funções. Para dar conta acaba
flexibilizando o currículo. Uma suposta banalização curricular está presente nas escolas. Falta
clareza na definição do que é curricular e o que é extracurricular. Ao considerar que tudo o que é
trabalhado na escola é currículo “se apaga a diferença entre curricular e extracurricular, então
tudo acaba adquirindo o mesmo peso; e abre-se caminho para toda sorte de tergiversações,
invenções e confusões que terminam por descaracterizar o trabalho escolar” (Saviani, 2005, p.
16). A escola pode estar facilmente sendo “contaminada” com inúmeras atribuições que não
condizem com sua função, e desta forma o principal pode facilmente ceder lugar ao secundário,
ou seja, a razão de ser da escola é deslocada para âmbito dos acessórios.

Não é demais lembrar que este fenômeno pode ser facilmente observado no
dia-a-dia das escolas. Dou apenas um exemplo: o ano letivo começa na
segunda quinzena de fevereiro e já em março temos a Semana da Revolução; | 71
em seguida, a Semana Santa; depois, a Semana das Mães, as Festas Juninas,
A Semana dos Soldados, Semana do Folclore, Semana da Pátria, Jogos da
Primavera, Semana da Criança, Semana do Índio, Semana da Asa etc., e neste
momento já estamos em Novembro. O ano letivo encerra-se e estamos diante
da seguinte constatação: Fez-se de tudo na escola; encontrou-se tempo para
toda espécie de comemoração, mas muito pouco tempo foi destinado ao
processo de transmissão-assimilação de conhecimentos sistematizados. Isto
quer dizer que se perdeu de vista a atividade nuclear da escola, isto é, a
transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado (Saviani, 2005, p.
16).

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O professor que tem o ensino como atividade principal, se empenha ao máximo para
oferecer a seus alunos o acesso ao conhecimento. Entretanto, pela acumulação de tarefas, tal
intento dificilmente terá sucesso. Sendo assim, considerando a personalidade do professor, o
insucesso é por ele assumido e gera mais e mais responsabilidades, pois “os acertos e fracassos
da profissão passam a ser vistos como produto do desempenho do professor” (Duarte, 2008, p.
7).

5.3 Contradições do “sistema apostilado de ensino”

A relação público/privado acontece no âmago da ordem burguesa, e por se dar neste


âmago, desenvolve-se contendo e reproduzindo contradições estruturais e fundantes entre estas
duas esferas. Com base em Montaño (2008) explicitaremos algumas contradições:

Primeira contradição público/privado: a socialização da produção e a apropriação


privada do seu produto. Na educação observa-se a produção histórica e coletiva da humanidade
sendo transformada em mercadoria (apostilas), organizada de forma intencional pelas empresas
privadas, para depois retornar a população através de pagamento direto ou indireto. Sempre com
o intuito de obter lucro e criar uma cultura funcional ao capital, e para tal recebe apoio legal do
Estado.

Segunda contradição público/privado: a liberdade (negativa) e a igualdade e justiça


social. No campo educacional percebe-se a ampliação da educação básica, supondo que tal
ampliação gere justiça social. A liberdade que o Estado oferece as empresas para atuarem neste
campo tende a fortalecer a desigualdade entre os homens, Com a adoção desse “sistema de
ensino” o professor não exerce plenamente sua autonomia, perdeu sua liberdade, e de certa forma | 72
o uso da apostila pode intensificar o trabalho, visto que além de ter que abordar o conteúdo
exposto pela apostila o professor deve abordar a realidade local.

Terceira contradição público/privado: o Estado como instrumento de reprodução da


ordem e garantia da propriedade privada e da acumulação capitalista, e esta instituição
como instrumento de desenvolvimento de formas que visam à diminuição de desigualdade
social. Neste sentido o Estado assume duas funções, uma pública e outra privada, na educação
ele oferece ao capital a possibilidade de se expandir e ao mesmo tempo acredita que pode diminuir
as desigualdades. Ao possibilitar a entrada de empresas privadas na educação, o Estado amplia a

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possibilidade de lucro destas empresas, tende a distanciar, cada vez mais, as classes sociais,
aumentando as desigualdades.

Para que empresas privadas atuem no espaço público, é necessário que o Estado autorize.
De acordo com Arelaro (2009), três iniciativas legais são fundamentais para que tal intento
aconteça.

A primeira iniciativa diz respeito a admissão da PEC n. 233, em sua versão original
encaminhada ao Congresso pelo governo federal, a qual previa que a faixa etária de 0 a 3 anos de
idade não se constituiria prioridade do Estado, e deveria desenvolver-se a partir de iniciativas da
sociedade civil em parceria com o mesmo.

A segunda iniciativa refere-se a EC 19, que reformou o Estado brasileiro, estabelecendo


claras restrições ao alcance do Estado, e por sua vez, introduz o conceito de “público não-estatal”,
incentivando propostas de contratos de gestão público-privadas, ou seja, o Estado permite que a
iniciativa privada assuma responsabilidades tradicionalmente cobertas pelo poder estatal.
Entretanto a ação privada recebera recursos públicos, o que tende a reduzir o controle social.

A terceira iniciativa foi a Lei Complementar n. 101, conhecida como Lei de


Responsabilidade Fiscal (LRF), que regulamenta e EC 19. Esta talvez seja a mais perversa de
todas, pois opor-se a ela seria pedir para ser crucificado. Através da imprensa, o governo federal,
criou um Marketing midiático, argumentando que haveria maior controle social sobre os gastos
públicos. A referida EC limitava em 60% os gastos com pessoal, ou seja, tal EC trazia como pano
de fundo a pretensão de reduzir a ação do Estado, abrindo espaço para a iniciativa privada.

Estas não são as únicas iniciativas, mas acredita-se que sejam as principais, e que
possibilitaram a criação de outras. A Emenda Constitucional n. 14, que por sua vez, é oriunda da
PEC n. 233, que cria o Fundef em 1996, e que, acabou por municipalizar o Ensino Fundamental
| 73
no Brasil, em especial as séries iniciais, em cerca de 70% de suas matriculas, “prefeituralizando”
sua gestão e a responsabilizando por sua manutenção (ARELARO, 2008). As prefeituras recebem
esta incumbência, mas na maioria das vezes, a precariedade técnico-operacional encontrada,
sobretudo, naquelas de pequeno porte, as levam a formarem parcerias com a iniciativa privada.

6. Algumas considerações:

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As falas suscitam que as novas regulações das políticas educacionais trazidas pela
reforma estão impedindo que a escola cumpra sua função social. A desescolararização pode ser
compreendida como o resultado da dificuldade de efetivamente ensinar. Esta por sua vez depende
das condições de trabalho e remuneração. Condições precárias de trabalho, jornada de trabalho
tendo que ser estendida, intensificação do trabalho incide sobre a escola e os docentes e têm
reflexo direto na construção do arcabouço teórico dos alunos. Mais alunos na escola pública, mais
alunos desescolarizados. Contexto que não vem ao encontro de uma educação de qualidade social.

Os docentes da escola pública são desfavorecidos duplamente. Como conseqüência dos


baixos salários principalmente, foi conduzido a ampliar sua jornada de trabalho, e agora, ao
contrário do proletariado do século XVIII15, sofre com a intensificação do mesmo. Percebe-se que
o Estado atribuiu uma serie de funções ao docente sem oferecer condições para que este pudesse
realizá-las, desta forma, tornou-se inevitável a intensificação de seu trabalho.

Com a intensificação de seu trabalho o docente pode estar contribuindo de forma


involuntária com a desescolarização de seus alunos, pois o docente não consegue realizar um
trabalho de qualidade social. Marx já alertava que “a capacidade de operar da força de trabalho
está na razão inversa do tempo em que opera. Por isso, dentro de certos limites, o que se perde
em duração, ganha-se em eficácia” (MARX 1998, p. 468).

A contradição se explicita quando a reforma educacional e as novas regulações por ela


trazida tem como meta a equidade social e traz como conseqüência a intensificação do trabalho
do docente, produzindo no discente defasagem na formação. A intensificação do trabalho é
histórica e tem trazido inúmeros constrangimentos à classe trabalhadora e a categoria dos docentes
em especial. De acordo com Dal Rosso (2009, p. 33):

A intensificação do trabalho é um fenômeno antigo na história do capitalismo


ocidental. Foi descrito por Marx, que se valeu da metáfora da porosidade do | 74
trabalho para explicá-la. Tanto menos recortado por paradas, interrupções,
tempos de descanso, intervalos de qualquer ordem – genericamente chamados
de “tempos mortos” – mais intenso é o trabalho, mais energias são consumidas
do trabalhador e mais resultados produz.

As falas sugerem que, a relação entre a esfera pública e a esfera privada existente no setor
educacional, materializada nos sistemas apostilados institui novas regulações sobre o trabalho

15
Acredita-se que a intensificação naquele período histórico deu-se em virtude da redução da jornada de
trabalho. Pois, “a redução da jornada cria de inicio a condição subjetiva para intensificar o trabalho,
capacitando o trabalhador a empregar mais força num tempo dado” (Marx 1998, p. 470).

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docente e engendra certa identidade profissional atrelada à lógica do capital. De um lado, os
sistemas apostilados preconizando a uniformização/padronização das redes municipais de ensino,
como central para dar qualidade à educação escolar. E por outro lado, estes sistemas, retirando do
professor sua autonomia, necessária a uma educação de qualidade socialmente referenciada.

Aponta-se a necessidade constante de investigação crítica, visto que as condições


materiais postas dificultam a realização de um trabalho pedagógico socialmente amplo e
emancipatório para além do capital. É por isso que é necessário romper com a lógica do capital,
uma prática revolucionária necessita de uma teoria revolucionária, mas a revolução se faz na
prática, nas ações, ela é práxis social (MARX). Pensar a educação para além do capital é “pensar
a sociedade tendo como parâmetro o ser humano exige a superação da lógica desumanizadora do
capital, que tem no individualismo, no lucro e na competição seus fundamentos” (MÉSZÁROS,
2008, p.9).

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| 78

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FORMAÇÃO PARA A DOCENCIA: A INTERLOCUÇÃO DE
SABERES NA RELAÇÃO TEORIA-PRÁTICA
KNAPP, Irene Monica- EMEI Aracy Trindade Caurio- mknap@bol.com.br 16

Resumo: A finalidade do trabalho é provocar algumas reflexões sobre a formação inicial


do graduando do curso de Pedagogia na interlocução com os saberes da experiência e
analisar essa possibilidade a partir das políticas públicas que orientam o processo da
formação acadêmica do futuro profissional da educação: quais as possibilidades do futuro
docente, no decorrer do seu curso, inserir-se na realidade das escolas interagindo em seu
contexto e com seus desafios e contribuindo, também, para a formação continuada do
professor que atua na escola. No sentido de considerar a importância na interlocução
desses saberes, o texto discorre sobre o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência – PIBID – enquanto possibilidade da inserção do acadêmicos nas escolas no
decorrer do curso de Pedagogia tendo como pano de fundo o depoimento de bolsistas do
programa a partir da experiência realizada em uma escola pública de Santa Maria no ano
de 2015.
Palavras-chave:formação docente ; relação teoria-prática ; PIBID

Introdução
A formação inicial e continuada do docente tem sido o foco de muitas analises e
discussões de pesquisadores e, também, de propostas de políticas públicas no sentido de
que essa formação se efetive com qualidade. Considerando a ideia de formação enquanto
processo que acontece ao longo da vida do sujeito na interação com seu meio cultural, a
formação docente também acontece, conforme Zabalza (2004), quando nosso discurso
interage com o discurso alheio que modifica e reconstrói o que está instituído.

O espaço da escola e da universidade é um espaço privilegiado de formação. | 79


Traz possibilidades de contribuir na formação não apenas pessoal e profissional, mas
também social e cultural. Partindo dessa premissa, para Prestes (1996), a formação,
enquanto fundamento principal da educação, não pode resumir-se a mera competência
técnica. Para Marques (2000), é no espaço da escola que a formação docente deve
enraizar-se num processo contínuo. No cotidiano da escola, conforme Demo (2007) o que
nela acontece precisa ser fonte de pesquisa que engloba teoria e prática na possibilidade
de um questionamento reconstrutivo promovendo a qualidade formal e política, inovação

16
Professora gestora e supervisora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID –
Pedagogia/UFSM) na Escola de Educação Infantil Aracy Trindade Caurio da Rede Municipal de
Santa Maria – RS; Especialista em Gestão Educacional e Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Santa Maria – UFSM.

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e ética na educação. A escola e a universidade, enquanto espaços de formação, tem a
perspectiva de propor ações que promovam e fortaleçam o diálogo entre os saberes da
teoria e os saberes da experiência, da cultura e da sociedade.

As políticas públicas atuais voltadas aos cursos de formação de professores, de


forma específica, o curso de Pedagogia, deixam a desejar quando o assunto é a relação
dialógica entre teoria e prática. Em contrapartida, os programas oferecidos pelo governo
federal para a formação inicial e continuada de professores atenuam o distanciamento
ente teoria e prática percebida nos cursos de graduação, inserindo o acadêmico no
cotidiano das escola e, da mesma forma, reconduzindo o professor da turma para o espaço
a universidade.

O Programa Institucional e Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) é um dos


programas instituído conforme o decreto nº 7.219 de 2010 pelo governo federal e tem
entre seus objetivos a articulação entre teoria e prática necessária para a formação docente
inserindo os acadêmicos de licenciatura entre eles, os do curso de Pedagogia no cotidiano
da escola. Para Jardilino (2013), o programa contribui nas duas vias: para o acadêmico
bolsista que está inserido na rotina da escola e pra o grupo de professores que se vê
provocado e desafiado a rever sua prática a partir das leituras e avaliações sobre as novas
propostas de trabalho.

O texto a seguir busca analisar as questões acima colocadas argumentando a


favor das propostas que possibilitem a aproximação entre teoria e prática na formação do
futuro docente e do professor que já se encontra inserido no cotidiano da escola.

Educação e formação do sujeito: implicações da ação pedagógica

O conceito de formação, a que se refere os escritos a seguir, é entendido


enquanto processo que acontece ao longo da vida do sujeito na interação com seu meio
cultural, não do sujeito em particular em sua formação que permite conduzir a sua forma | 80
de viver em seu mundo. A formação do sujeito que se pretende discorrer é aquela que
acontece no mundo da cultura, no seu grupo social e nas instituições que o formam. O
conceito de formação defendido no texto corresponde, conforme o dicionário de Filosofia
(Abbagnano, 2000) ao segundo significado expresso no conceito de cultura. Aborda o
conceito de “cultura geral”, não no sentido de ser superficial ou generalista, mas, que
concebe o sujeito como um ser de espírito livre e aberto, capaz de interagir com diferentes
crenças e ideias, com a mente voltada para o futuro, porém, sem prescindir dos
conhecimentos construídos nas gerações passadas. Nesse conceito de formação ancorado
na cultura, os conhecimentos formais da teoria são continuamente validados pelas
situações reais, pelos saberes da experiência.

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Segundo Kant (2004), o homem, diferente de outros seres que já trazem inscrito
em seu instinto a conduta necessária para sua sobrevivência, necessita de formação. O
homem possui a liberdade de escolha e segue suas próprias razões. Para Kant, a criança
não tem a capacidade imediata de orientar e formar sua conduta, seus comportamentos e
escolhas. Assim, “[...] tem necessidade de cuidados e formação [...]” (p.14) e que, num
primeiro momento, essa educação, precisa de outros para que aconteça.

Embora Kant seja um filósofo do século XVIII, a ideia de educação da criança


que necessita do outro para conduzir e orientar sua formação é bastante atual. Desde seu
nascimento, necessita dos cuidados da família e inicia seu processo de educação no seu
meio sociocultural e afetivo. Assim sendo, a educação do sujeito, desde o início acontece
na interação entre as pessoas próximas, num relação dialógica, afetiva e de trocas sobre
forma de vida e de conduta pessoal. As necessidades do mundo, fora do seio familiar,
exigem que a educação da criança se amplie para outros conhecimentos. Neste cenário,
as instituições de ensino se colocam enquanto espaço que contribui para que essa
formação aconteça.

Para Prestes (1996), a escola é resultante dos processos de evolução social, logo,
surge vinculado ao mundo vivido, das interações e da cultura. Para a autora, a estruturação
da educação escolar, acadêmica acabou por desvincular-se das relações sociais entre os
sujeitos comuns no mundo social fora dela criando sua própria cultura, excessivamente
formal e técnica. Segundo Prestes (idem), a relação dialógica, entendida enquanto
participação e compartilhamento das ideias entre os sujeitos, exigindo respeito às
diferenças culturais, éticas e também teóricas, deve orientar a ação pedagógica e resgatar
sua função de formador do sujeito. Nas palavras da autora,
Isso tem validade para as diferentes instancias do processo pedagógico, seja no
plano da relação-aluno, seja no plano da definição da política educacional, da
administração e da relação com outras áreas do conhecimento científico. A
educação escolar precisa fazer valer as formas de vida que possam dar sentido
à formação do sujeito racional, ou seja, garantir os processos de reprodução
cultural e de formação da identidade. (PRESTES, p. 108, 1996)
| 81
A escola tanto quanto a universidade implicam diretamente em promover a
aprendizagem de seus sujeitos educandos. Ainda para Prestes (1996), torna-se necessário
um constante revisão crítica quanto a responsabilidade pedagógica, tanto das instituições
quanto de seus profissionais, de promover condições favoráveis para que a aprendizagem
aconteça com capacidade crítica sobre os próprios conhecimentos científicos,
promovendo, também, a capacidade discursiva daqueles que aprendem. A capacidade
discursivo-crítica traz a possibilidade de participação nas discussões públicas, não apenas
perante as questões acadêmicas, mas, também, éticas, políticas e sociais na formação dos
sujeitos.

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Para Demo (2007), a universidade tem o compromisso eminente com a educação
entendida como processo de formação da competência humana. Para o autor, à
universidade cabe (re) construir o conhecimento e humanizar o progresso equilibrando a
relação entre qualidade formal e política. Reiterando o compromisso da formação da
competência humana, a universidade tem uma responsabilidade considerável com a
sociedade no que diz respeito a sua proposta político pedagógica no sentido de promover
as aprendizagens necessárias de modo que os futuros profissionais sejam capazes de
fomentar ideias e novas formas de ação que contribuam para um mundo socialmente mais
equilibrado e justo. Nessa perspectiva, o curso de Pedagogia tem o compromisso de
formar os futuros docentes que estarão implicados diretamente na formação da criança e
do adolescente dos anos iniciais da Educação Básica.

Conforme Arendt (2007), a escola representa a transição da criança entre a família


e o mundo. Nesse novo espaço, o adulto representa o mundo pelo qual a criança fará parte.
Para a autora, tal representação é de grande responsabilidade e, na educação, assume a
forma de autoridade do educador. Autoridade no sentido da responsabilidade que esse
educador assume diante do mundo que apresenta à criança. Refere-se à educação como
um relação entre o ensinar e o aprender tendo o cuidado em não cair em um discurso
retórico e vazio. Diante dos desafios de um mundo em constante mudança, Arendt
defende a ideia de que a educação precisa assumir a tarefa de renovar um mundo comum,
expressando o amor pelas crianças ao ponto de não abandoná-las aos seus próprios
recursos.

A formação do profissional da educação: algumas reflexões acerca do curso de


Pedagogia

O jovem, ao escolher o curso que poderá consolidar sua futura profissão, o faz
influenciado por seus valores, pelas situações enfrentadas em seu meio sociocultural,
como também, desafiado pelos questionamentos acerca do mundo vivido com o intuito | 82
de buscar conhecimento e respostas que possam dar-lhe a competência necessária para
intervir e orientar as ações em seu campo de atuação. Para Marques (2000), o exercício
da profissão, no mundo atual, exige formação específica e formal articulada nas
dimensões ética e política e que se iniciam na Educação Básica. A dimensão ética que diz
respeito a participação de cada um no processo, e a dimensão política que configura as
práticas sociais e o conhecimentos necessários para a compreensão do mundo. Nas
palavras do autor,
As profissões são formas de os homens viverem juntos seus projetos
interdependentes de vida e de trabalho, teias de ralações sobre as quais, como
num pano de fundo, os profissionais desenvolvem suas próprias trajetórias

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pessoais e suas identidades, suas foças de criatividade e originalidade, que
afetam as vidas e as práticas de todos com quem se relacionam. (idem, p. 49)

A Pedagogia, na sua origem, era concebida enquanto a prática ou profissão do


educador para, posteriormente, ser designada como teoria da educação que organizava e
analisava as modalidades da prática educativa (ABBAGNANAO, 2000). No decorrer do
texto, a ideia de Pedagogia é entendida enquanto ciência da educação que, no coletivo de
seus educadores, preocupa-se em produzir conhecimentos acerca das práticas educativas
relativas ao seu campo de atuação e de manter, continuamente, um olhar crítico-reflexivo
sobre sua ação nas diferentes dimensões que compõem a formação humana. A partir dessa
concepção, o texto irá referir-se ao Curso de Pedagogia enquanto ciência que faz a
formação inicial dos educadores em sua área específica da Educação Básica.

O Curso de Pedagogia, no Brasil, foi regulamentado pela primeira vez no ano de


1939 pelo Decreto Lei nº1.190, com o objetivo de formar o que denominavam de
“técnicos da educação” conforme o relatório do Parecer do Conselho Nacional de
Educação (CNE/CP) de número 5/2005 que trata do projeto de resolução sobre as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Os técnicos em educação
seriam os professores primários, na época, que buscavam a formação superior para
atuarem em funções administrativas, de planejamento e orientação de professores, para a
avaliação de desempenho nas escolas, em secretarias de estados e municípios, entre
outras. O Curso de Pedagogia, na época, oferecia a formação em bacharelado e o
acréscimo de uma ano a mais de formação didática para quem quisesse atuar como
professor no Curso Normal de nível secundário.

A dicotomia entre a formação para a licenciatura e a formação para o


bacharelado estampava a formação meramente técnica do Curso de Pedagogia, grande
parte, influenciada por questões de interesse político se econômico. Essa organização do
Curso de Pedagogia gerou muitas críticas, levando o curso quase a sua extinção, conforme
Marques (2000), principalmente pela falta de conteúdo próprio. A Reforma Universitária
de 1968 acabou por reforçar os interesses do mercado de trabalho. A dicotomia na
formação entre bacharelado e licenciatura se manteve, como também, a falta de | 83
identidade no currículo de Pedagogia. A partir desse contexto, conforme Aguiar (2006),
as reformulações propostas para o curso foram impulsionadas pela indefinição de um
currículo básico de conteúdos pedagógicos, portanto, não definindo a especificidade do
Curso de Pedagogia reduzindo esse a um mero espaço de treinamento dos pedagogos para
atuarem em “[...] tarefas não docentes na escola”. (p.822)

Algumas mudanças favoráveis acontecerem ao longo dos anos para que o Curso
de Pedagogia ampliasse sua experiência na formação de docentes para trabalhar tanto
com crianças quanto com jovens e adultos (Aguiar, 2006). Essas mudanças foram
impulsionadas, principalmente, por movimentos e protestos de educadores diante da
realidade educacional e pela própria exigência das mudanças que foram ocorrendo na

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sociedade como a ampliação do acesso à escola. Porém, diante de acordos e desacordos,
a estrutura básica do Curso de Pedagogia se mantém a mesma por longos anos, mantendo
as críticas à formação tecnicista. As mudanças que, gradativamente, foram ocorrendo na
busca pelas especificidades do Curso de Pedagogia aconteceram à luz do movimento
intenso dos educadores que discordavam das políticas da época, desenvolveram outras
propostas consistentes e elaboraram teorias e práticas pedagógicas que afirmavam que a
“[...] Pedagogia trata do campo teórico-investigativo da educação, do ensino e do trabalho
pedagógico que se realiza na práxis social”. (CNE; relatório do Parecer 05/2005, p.4)
Segundo Aguiar (2006), na década de 1980, toma forma o Movimento do
Educadores impulsionadas pelo período de abertura democrática. A formação para a
docência passa a ser a identidade do Curso de Pedagogia que é reformulado numa Base
Nacional de Comum com princípios norteadores para um currículo comum entre
universidades públicas e particulares. Nesse incansável debate acompanhado de intensa
produção científica por parte dos educadores, na década de 1990, mais precisamente entre
1998 e 1999 (idem), é elaborado o Documento das Diretrizes Curriculares do Curso de
Pedagogia sob a forte participação de várias entidades em sua formulação.
O Documento das Diretrizes do Curso de Pedagogia, conforme Aguiar (2006),
elaborado em 1998 e entregue ao Conselho Nacional de Educação (CNE) em 1999,
acompanhado de assinatura que representavam vários segmentos da área da educação,
permaneceu oito anos aguardando a definição e o consenso de aspectos relacionados à
formação docente como, por exemplo, a aprovação e reconhecimento pelo órgão
responsável dos diversos cursos de formação de professores que surgiram. Finalmente, o
Parecer do CNE/ CP de nº 5/ 2005, reexaminado pelo Parecer do CNE/CP de nº 3/2006 e
validado na Resolução do CNE/CP de nº 1 de 15/05/2006 institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Pedagogia na modalidade de licenciatura.

Conforme a Resolução 1/2006, as novas e atuais Diretrizes Curriculares


Nacionais para o curso de Pedagogia, licenciatura definem toda a organização do curso
de graduação. Instituído enquanto licenciatura, o curso de pedagogia na formação inicial
do futuro docente, concede-lhe o direito de atuar na Educação Infantil, nos anos iniciais | 84
do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio na modalidade Normal e em outros
cursos na área da Educação Profissional. Amplia a atuação profissional do pedagogo para
outras áreas que necessitam de conhecimentos pedagógicos, sejam estes espaços
escolares ou não. A formação passa a contemplar, de forma integrada, a docência, a
participação na gestão, a avaliação de sistemas e instituições em geral como também, a
elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as atividades educativas. Essa
concepção de formação integrada rompe com a visão fragmentada do especialista e de
posições hierárquicas estabelecidas pela divisão entre formação e funções
desempenhadas no interior das instituições.

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Diante dos desafios dessa formação, o curso é ampliado em sua carga horária
para 3.200 horas. Sendo dessas, 800 horas para a dedicação em sala de aula, seminários,
pesquisas, entre outras atividades pedagógicas; 100 horas para estudos de
aprofundamento em áreas de interesse do graduando através da iniciação científica, da
extensão e da monitoria; e 300 horas para o estágio supervisionado. Conforme o artigo
sétimo, inciso IV da Resolução, o estágio deverá acontecer ao longo do curso “... de modo
a assegurar aos graduandos experiência de exercício profissional...”. O espaço da prática
da docência torna-se imprescindível na formação do graduando. Confrontar o contexto
da escola, a realidade de seus alunos com os conhecimentos teóricos adquiridos na
universidade torna-se o processo da aprendizagem significativa capaz de fomentar ações
e ideias, reconstruir teorias, formular outras e construir conhecimento conectados com as
práticas sociais.

Conforme Aguiar (2006), a formação proposta pelas DCN – Pedagogia exige


uma nova concepção de educação, de escola, de docência, de pedagogia. Uma concepção
que se situe no contexto de vida real dos homens. É nesse contexto que deve acontecer a
docência, logo, a formação desse profissional precisa proporcionar os elementos
necessários para que ele possa interagir e intervir de forma positiva em suas experiências.
Os desafios do diálogo entre teoria e prática deveriam fazer parte da formação do
pedagogo desde o início do curso e não apenas enquanto estágio. As diversas disciplinas
teóricas do curso se propõem capacitar o futuro professor a analisar criticamente, numa
relação interdisciplinar, os contextos sócio-histórico-culturais. No entanto, é no espaço
real das instituições, na interação com seus sujeitos e grupos culturais que essa leitura de
contexto torna-se significativa e promove o pensamento criativo diante das situações
vivenciadas.

Retomando a proposta das DCN- Pedagogia, a inserção e familiarização dos


graduandos nos espaços da prática docente precisam acontecer desde o início e ao longo
do curso através de projetos de monitoria e extensão e outras participações em atividades
pedagógicas. O estágio, outra forma de prática docente, também, deveria acontecer ao
longo do curso, porém, organizado conforme o projeto pedagógico da instituição. | 85
Analisando o currículo do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) percebe-se que o estágio supervisionado acontece ao final do curso. Não há um
outros momentos, no decorrer do curso, que indique a inserção em espaços de exercício
docente de modo que teoria e prática possam dialogar entre si proporcionando ao
graduando experiências significativas para sua formação.

Embora, a proposta atual para formação de professores tenha avançado em


muitos aspectos, principalmente, na afirmação quanto aos princípios democráticos para o
acesso a formação, infelizmente, a dicotomia entre teoria e prática permanece estampada
na organização curricular do curso. Atenuando a situação, os programas de bolsas
oferecidos pelas universidades para formação inicial e continuada dos professores de

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Educação Básica, via seleção de candidatos, só uma possibilidade de fortalecer a
formação teórica e prática numa relação dialógica. Entre os programas de formação inicial
está o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). O PIBID permite
a participação do licenciando a partir do segundo semestre do curso contribuindo para a
formação na prática ao longo do curso e não apenas ao final, como é o caso dos estágio,
ou em outras atividades em momentos específicos ou aleatórios. Nessa relação, ganha o
acadêmico e ganha a escola e seu grupo de professores que é provocado a compartilhar e
refletir não apenas sobre os saberes de sua experiência, mas, sobre sua ação pedagógica
revisitando a teoria, muitas vezes, deixada de lado pelas condições dadas na sua rotina
profissional.

A interlocução dos saberes na formação inicial e continuada para a docência


As DCN – Pedagogia defende, em seus princípios, a importância de que a
formação do licenciado em Pedagogia esteja atrelada ao conhecimento da complexa
organização que é a escola envolvida diretamente com a função social de promover a
educação para a cidadania; a formação do licenciado em Pedagogia fundamenta-se na sua
ação pedagógica em meios escolares e não-escolares. (Relatório do Parecer 5/2005, p. 6-
7). Analisando a organização curricular do curso de Pedagogia da UFSM conclui-se que
há certa incoerência entre as horas previstas para o conhecimento teórico e as horas
reservadas para o conhecimento prático da docência. Outro ponto negativo, os
conhecimentos teórico e prático são colocados em momentos distintos não contribuindo
para o diálogo entre os dois saberes de igual importância na formação para a docência,
como por exemplo, o estágio acontecer somente ao final do curso.

Para Marques (2000) a visão fragmentada entre teoria e prática nos programas
dos cursos de licenciatura precisa ser superada. O estágio colocado ao final do curso acaba
sendo entendido como avaliação final ou complementação profissional. Para o autor,
teoria e prática são dois conhecimentos que se alimentam um do outro, não podem ser
dissociáveis nem no ensino escolar, nem na atuação profissional. A integração entre teoria | 86
e prática precisa acontecer ao longo de todo o curso de formação. Nas palavras do autor,
Não se fará ensino de relevância social através de práticas superficialmente
induzidas, de práticas provocadas ou realizadas em contextos alheios às
experiências de vida e trabalho dos alunos ou ao contexto em que
possivelmente exercerão sua profissão. Nem através de práticas parcializadas,
descontínuas e aleatórias, de práticas pontuais ou exclusivas de determinados
momentos ou espaços. (MARQUES, idem, p. 93)

O extenso programa de 3.200 horas do curso de Pedagogia e a sua forma de


organização curricular não permitem efetiva interlocução entre teoria e prática sendo
esta última, vivenciada em forma de estagio ao final do curso em um período no qual
acontecem muitas outras exigências formais por conta do término do curso. Os relatórios

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produzidos, as experiências vividas no período de estágio não tem o espaço necessário
de discussão e revisão das ações fazendo desse tempo o campo de investigação e
pesquisa sobre a prática, sobre as marcas e os questionamentos que o exercício da
docência lhe imputaram.
A participação no PIBID é uma das alternativas do acadêmico das licenciaturas
ampliar sua experiência no espaço das instituições. Organizado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e financiado com verba
federal, os interessados em participar do programa devem observar a abertura dos editais
para a seleção e preenchimento de vagas que são limitadas conforme os recursos
oferecidos. O PIBID é um dos programas oferecidos para a formação inicial do futuro
docente das instituições de nível superior, públicas e privadas, reconhecidas pelo
Ministério da Educação e Cultura (MEC) para atuar na Educação Básica das escolas
públicas.

O PIBID tem como base legal a Lei 9.394/1996, a Lei nº 12.796/2013 sendo que
sua divulgação aconteceu no Diário Oficial da União (DOU) de 25 de junho de 2010,
instituído sob o decreto de nº 7.219. A Portaria de nº 096 /2013, atualiza e aperfeiçoa a
normas do Programa, revogando a portaria de nº 260/2010. De acordo com as normas
do PIBID, entre seus objetivos está a inserção dos licenciandos no cotidiano das escolas
públicas, proporcionando-lhes a participação nas experiências da docência, no
conhecimento e na interação com a cultura própria da escola em todos os seus setores.
Outro objetivo relevante está em contribuir para articulação entre teoria e prática
importantes na formação de qualidade para os futuros docentes.

Os acadêmicos inseridos na escola têm a possibilidade de participar dos vários


segmentos da escola: nas atividade da sala de aula diretamente com o aluno e o professor
regente; nas atividades de gestão; nas reuniões pedagógicas; e também, nas assembleias
com a comunidade. A participação no cotidiano da escola é discutido e refletido
criticamente nos encontros de estudo a partir das leituras indicadas no grupo com o
intuito de compreender as situações vivenciadas e promover ações com a intenção de
intervir de forma favorável no processo pedagógico da instituição. As discussões, | 87
registros e planejamentos realizados trazem amplas possibilidades de ampliar os
horizontes da formação teórica e de reconstruir discursos contribuindo para o
protagonismo dos licenciandos na produção e reconstrução dos saberes da docência.

A participação ativa nas situações práticas do cotidiano das escolas traz a


perspectiva de que os futuros docentes possam avaliar a sua própria escolha profissional
diante dos desafios da docência em todos os seus aspectos. Para Marques (2000), o
enfrentamento das situações reais do cotidiano e as relações interpessoais que aí
acontecem precisam incorporar-se aos processo de formação acadêmica constituindo
um exercício continuo de reflexão entre a prática e a teoria. Isso se confirma no

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depoimento da professora e dos bolsistas do PIBID do Curso de Pedagogia inseridos no
espaço de uma escola de Educação Infantil do município de Santa Maria:
O bolsista do PIBID ajuda com ideias [...] na hora do planejamento. Na hora
da rotina sempre é bom ter alguém para ajudar principalmente quando são os
pequeninhos. Essa troca de experiências, essa troca de ideias é o principal.
(Professora do Maternal I. Dez./2015)

A contribuição que o PIBID dá na nossa formação, além de preparar para nossa


vida profissional, nos esclarece algumas coisas que não teríamos só na teoria
sem vivenciar essa experiência [...] O PIBID reforçou a ideia de que a
pedagogia é uma área importante e que eu tinha feito uma escolha de que não
me arrependo. O PIBID é uma experiência que, na formação, vai acrescentar
muito. (Depoimento bolsista inserido na turma do Pré B. Dez. /2015)

É uma possibilidade de nos dar aporte teórico e também na parte prática. As


dificuldades de estar em sala de aula fazem parte da formação. Também é um
crescimento no sentido de estar de eventos, de publicar, participar de coisas
que vão além das aulas, é um crescimento, um amadurecimento. O PIBID
contribui de uma forma ampla em todo o nosso crescimento acadêmico.
(Depoimento bolsista inserida na turma MII. Dez./2015)

Quando tu entra no PIBID tu tens que ler, estudar, conhecer o cotidiano da


escola que vai entrar, observar. Tu acaba adquirindo uma experiência além
daquilo que você vai trabalhar em sala de aula. Ajuda na faculdade porque
acaba desenvolvendo melhor a tua fala, precisa argumentar melhor, a escrever
melhor. Às vezes falta alguma coisa. O PIBID te proporciona isso pelo fato de
você discutir em grupo as leituras que faz sozinho e que as vezes na sala de
aula não tem. Te ajuda como profissional e como pessoa. ((Depoimento
bolsista inserida na turma MI. Dez./2015)

Retornando aos objetivos do PIBID, os professores da escola pública são


considerados como co-formadores dos futuros docentes. Para Jardilino (2013), o objetivo
do PIBID em promover a formação inicial dos professores, aproximando escola e
universidade, contemplou, também, a formação continuada dos professores em exercício,
principalmente para o professor supervisor, e outros agentes da escola envolvidos nesse
processo. De acordo com pesquisa feito pelo autor em escolas públicas de dois municípios
no estado de Minas Gerais que aderiram ao PIBID, a presença do programa nas escolas | 88
influenciou positivamente na rotina, principalmente, no que diz respeito a propostas de
projetos inovadores aproximando, novamente, os professores em exercício, da
universidade.

Os espaços organizados para o planejamento das atividades e para os momentos


de discussão sobre as ações situações vivenciadas possibilita um tempo que, geralmente,
não acontece no cotidiano da escola pelas restrições impostas na carga horária excessiva
no atendimento ao aluno. Para Marques (2000), quando o professor inicia sua carreira
profissional depara-se com inúmeros desafios da realidade das escolas. As exigências da
carga horária não lhe dão o tempo necessário para compreender melhor esse ambiente
novo teorizando sobre as situações as quais se depara. Conforme o autor, a formação

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continuada precisa se fazer no confronto dos desafios, mediado pela docência e pelo
espaço da escola que é o lugar para aprofundar a teoria e repensar as práticas. Essa
formação precisa ser um processo contínuo, num movimento vivo na reconstrução das
aprendizagens tanto do licenciando, quanto do professor em exercício.

Considerações finais
Diante de um mundo em constante mudança, a formação docente assume o
caráter de permanente renovação. Os programas que tem essa formação como objetivo,
precisam considerar a experiência gestada no exercício da profissão para depois retornar
ao espaço da ação pedagógica com outros elementos, com a motivação renovada
promovendo o diálogo entre teoria e prática. O PIBID tem sido apontado, conforme
pesquisas recentes, como um programa com efetivos resultados na formação docente,
inicial e continuada, como também, de influência positiva na rotina das escolas. A (re)
aproximação entre universidade e escola provoca o desafio de repensar teorias e práticas
numa relação dialógica.

O sujeito, desde cedo, é um ser de formação. Necessita de cuidados e da proteção


daqueles que se colocam como anfitriões para mostrar ao recém chegado como o mundo
se apresenta. A formação está intimamente a laços afetivos, culturais e sociais. O aprendiz
do mundo vai formando seu caráter, seus comportamentos influenciado por aqueles que
lhe são o exemplo. Na educação formal isso não deixa de acontecer de modo parecido.
As escolas, as universidades e as diferentes instituições são espaços de aprendizagem.
Não apenas de aprendizagens técnicas, teóricas, mas de reprodução da cultura, de
construção de identidades e de valores. Nas trocas que acontecem na relação entre os
sujeitos, o mundo vivido de seus participantes interage com o mundo formal que prepara
para a escolha de seu lugar na sociedade.

Diante da responsabilidade na educação formal do homem, torna-se essencial


observar as condições que os espaços de formação apresentam para cumprir com seu
compromisso. Os educadores, diretamente envolvidos neste processo, buscam validar os
conhecimentos adquiridos em seu curso de formação no sentido de dar conta dos diversos | 89
desafios que encontram ao participar diretamente da prática da profissão.

As possibilidades do futuro docente aprender sua profissão inserido, desde o


início, no contexto real de sua atuação contribui para aprendizagens mais significativas e
positivas no decorrer de seu curso. Assim, a formação para a docência não pode ser
considerada apenas uma soma de conhecimentos. Esses conhecimentos precisam estar
inseridos em um contexto real, vivenciando os desafios do tempo e do espaço que
constituem o lugar da docência.

Atualmente, os cursos de formação de professores carecem de equilibrar a


formação teórica e prática de modo eu aconteça a interlocução entre esses saberes ao
longo da formação. Os programas de aperfeiçoamento da formação de docentes à nível

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superior e de valorização do magistério, como por exemplo, o PIBID, atenuam o
distanciamento ente teoria e prática. A organização curricular, embora reformulada, ainda
precisa analisar e rever sua estrutura com o objetivo de tornar possível os espaços e
tempos formais necessários para a formação equilibrada entre a teoria e a prática na
docência e possível para todos os sujeitos envolvidos.

Referências bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da
tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti.

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vol.27, nº 96 – Especial, p. 819- 842.Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia
no Brasil: disputas de projetos no campo da formação do profissional da educação.
Disponível em www.scielo.org.

ARENDT, Hannah.Entre o passado e o futuro.6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.


Tradução Mauro W. Barbosa.

BRASIL. Decreto nº 7.219 de 24 de junho de 2010.Programa Institucional de Bolsa de


Iniciação à Docência. Diario Oficial da União, Brasília, DF, nº 120, seçaõ 1, p. 4.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil.

___. Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 5 de 2005.


Diretrizes Curriculares Nacionais pra o Curso de Pedagogia. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/cne.

___. Parecer nº3 de 2006 . Diretrizes Curriculares Nacionais pra o Curso de Pedagogia.
Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne.

___. Resolução nº1 de 18 de maio de 2006. Diretrizes Curriculares Nacionais pra o Curso
de Pedagogia. Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne.

CAPES. Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Programas de | 90


formação de professores da Educação Básica. Disponível em http://www.capes.gov.br.

CAPES. Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Programa


Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID. Disponível em
http://www.capes.gov.br.

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 8ª ed. Campinas: Editora Autores Associados,
2007. Coleção Educação Contemporânea.
JARDILINO,José Rubens Lima. OLIVERI,Andressa Maris Rezende. Revista Entrever
[online], Florianópolis, vol.3, nº 4, p 237-249, jan./jun. 2013. A formação continuada de
professores no âmbito do PIBID na região dos Inconfidentes (MG).

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KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. 4ªed. Piracicaba:Editora UNIMEP, 2004.
Tradução Francisco Cock Fontanella.

MARQUES, Mario Osorio. A formação do profissional da educação.3ª ed. Ijui: UNIJUI,


2000. Coleção Educação.

PRESTES. Nadja Mara Hermann. Educação e racionalidade: conexões e possibilidades


de uma razão comunicativa na escola. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. Coleção
Filosofia.

ZABALZA, Miguel A.O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto
Alegre: Artmed, 2004. Tradução Ernani Rosa.

| 91

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A DIVISÃO LICENCIATURA/BACHARELADO NO CURSO
DE EDUCAÇÃO FÍSICA: O OLHAR DOS EGRESSOS

Adelina Lorensi Prietto – UFSM - adelina_prietto@hotmail.com

Jacob Alfredo Iora – UFSM - jacobiora07@gmail.com

Resumo: Este estudo investigou as demandas relativas à formação encontradas pelos


egressos dos Cursos de Educação Física Bacharelado e Licenciatura, ao se defrontarem
com o mercado do trabalho. Para realizar esta pesquisa utilizou-se o levantamento de
dados quantitativo/qualitativo nos cursos ofertados por uma instituição de ensino
superior. A análise e interpretação dos dados foram realizadas através da triangulação de
dados considerando as categorias metodológicas da dialética materialista. As respostas
expressaram que a divisão da EF tem gerado inúmeros problemas para os profissionais
no mercado de trabalho, ocasionada pela fragmentação de conhecimentos, falta de
articulação entre teoria e prática e pela gerencia Conselho Regional de Educação Física e
Conselho Nacional de Educação Física (CREF/CONFEF).
Palavras chaves: Formação, currículo, Trabalho.
1- INTRODUÇÃO

Este estudo tem como “observatório” a vivencia do cotidiano enquanto acadêmica


do curso de EF licenciatura em uma instituição pública do Sul do País, em que percebe-
se, uma grande demanda de egressos dos cursos de Educação Física (EF) Licenciatura e
Bacharelado que retornam à formação inicial . Isso nos faz refletir sobre quais os fatores
que levariam os profissionais a retomarem sua formação em áreas de conhecimento que
são afins.
Esse processo de transformação na formação inicial inicia-se com as Diretrizes | 92

Nacionais para a Formação das Licenciaturas instituídas pelo Conselho Nacional de


Educação (CNE) no ano de 2002. O principal objetivo de tais mudanças era fortalecer os
conhecimentos da área da licenciatura, pois os professores formados nos cursos
unificados, durante a formação inicial, pouco adquiriam experiência na área da Educação
Básica.
Em relação ao Curso de Bacharelado em EF estudado, as justificativas
apresentadas para a sua criação estão aparadas legalmente na Resolução CNE/CES
07/2004 e no Parecer CNE/CES 058/2004. Nesse sentido, Morschbancher (2012), coloca

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que naquele momento histórico a divisão do Curso justificou-se pela crescente expansão
do mercado de trabalho e pelas mudanças na legislação referente à formação de
professores para a atuação na educação básica, em sintonia com o sistema
CONFEF/CREF17.
Neste mesmo período, Nozaki (2004), já realizava uma análise crítica da
regulamentação da profissão relacionada às questões do mundo do trabalho e formação
profissional, apontando o reordenamento no campo educacional e da Educação Física
brasileira. Pelo agravamento da crise do capital são retomados projetos neoconservadores,
através de políticas neoliberais, que atingiram também o campo educacional.
Segundo Taffarel (2012), ao elaborar a crítica sobre a divisão na formação inicial,
o principal objetivo que está inserido nessa tendência é desregulamentar o trabalho,
através do ajuste especializado da formação inicial. Estes mecanismos fragilizam o
trabalhador pelas vias do esvaziamento teórico e pela delimitação nos campos de trabalho.
Um estudo que demonstra claramente isso é o de Both (2011, p. 60) que, de
maneira sintética, analisou as mediações das mudanças no mundo do trabalho, no marco
da luta de classes e na Educação Física. O autor, em seus estudos, aponta a perda da
centralidade do componente curricular da EF no âmbito educacional e alerta para a
realidade da EF como parte de um mercado de “prestação de serviços, terceirizado e
precário, com poucos direitos trabalhistas que se concentra na lógica da privatização e da
mercadorização dos conteúdos da Cultura Corporal”.
Atualmente, a EF está dividida em dois campos: o campo escolar e o não-escolar,
e essa divisão se constitui numa importante mediação entre a EF e as novas necessidades
do trabalho. Os trabalhadores estão tendo de se adaptar às necessidades que o mercado de
| 93
trabalho exige, o que os leva ao trabalho informal, precário e com poucos direitos.
A justificativa deste processo dual de formação é que o profissional formado a
partir do novo currículo iria se sentir seguro e competente para atuação no campo
específico ao qual é direcionado. A conseqüência das reformas curriculares, apontadas
por Morschbancher (2012), é a fragmentação da formação do trabalhador em EF, tendo
como parâmetro fundamental a divisão dos espaços de trabalho: escolares e não-
escolares.

17
Conselho Federal de Educação Física e Conselho Regional de Educação Física.

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Este argumento é questionado por autores como Taffarel; Santos Júnior (2010,
p.35) que afirmam que a pretendida distinção entre licenciados e bacharéis em Educação
Física, tendo como referência esse aspecto, desconsidera o elemento unificador destes
trabalhadores que é o trabalho pedagógico e/ou docente: “No caso da Educação Física
significa, em última análise, o reconhecimento de que onde quer que atuemos (escola,
academias, clubes, praças, etc.) o que nos unifica e nos dá identidade é o trabalho
docente”.
Apresentamos como objetivo geral deste estudo, investigar as demandas relativas
à sua formação, encontradas pelos egressos dos cursos de EF Licenciatura e Bacharelado
ao se defrontarem com o mundo do trabalho, bem como, de forma específica, entender o
motivo pelo qual os estudantes egressos retornam para complementar sua formação no
sentido ampliado, verificar se os Currículos dos cursos estão correspondendo às
necessidades dos futuros professores em relação a suas atuações no campo de trabalho e
compreender, no sentido subjetivo18, qual o sentimento do acadêmico ao prolongar-se por
até oito anos a formação em EF.
Sendo assim, a partir do grande número de egressos que retornam para
complementar a sua formação inicial, consideramos importante analisar essas questões
com o intuito de avaliar e relacionar a formação oferecida pelo centro com as demandas
e necessidades encontradas pelos professores no mercado de trabalho. Diante disso, este
estudo se justifica por buscar entender como está sendo este retorno à formação
acadêmica.

1. METODOLOGIA
O presente trabalho caracteriza-se como um estudo de caso (Lüdke & André, | 94

1986). Este estudo de caso é um estudo da complexidade, que tem como objetivo o
entendimento das peculiaridades dos cursos de formação em EF da instituição, de uma
realidade situada historicamente, a qual possui um valor em si mesmo por ser particular
e única.

18
Compreender o conhecimento subjetivo significa, neste trabalho, o ponto de vista pessoal, individual,
sentimento e sensações dos egressos da Educação Física que retornam a formação inicial. Porém,
nossas análises estão fundadas nas análises objetivas, concretas deste trabalho.

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Na análise e interpretação foi utilizado o procedimento de triangulação de dados
que Segundo Triviños (1987);

“tem por objetivo básico abranger a máxima amplitude na descrição,


explicação e compreensão do foco em estudo. Parte de princípios que
sustentam que é impossível conceber a existência isolada de um fenômeno
social, sem raízes histórias, sem significados culturas e sem vinculações
estreitas e essenciais com uma macrorrealidade social.” ( Triviños, 1987,
p.138).

Partindo desse procedimento, realizamos a análise dos Projetos Pedagógicos dos


Cursos de graduação em Educação Física Licenciatura e Educação Física Bacharelado na
instituição investigada, e das Resoluções CNE/CP 01/2002 e CNE/CES 07/2004 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os respectivos cursos. Combinamos o
levantamento bibliográfico com a pesquisa de campo, primeiramente no aspecto
quantitativo, que expressou o número de alunos que retornaram para complementar sua
formação no sentido ampliado. Para compreender a parte qualitativa foram realizadas
entrevistas com nove egressos de Cursos de Educação Física, que retornam para a
formação inicial.
O presente trabalho visa contrastar as análises das entrevistas realizadas com os
egressos com as análises dos documentos sobre o Curso de Educação Física. No primeiro
momento, foram realizados estudos referentes ao referencial teórico, utilizando-se de uma
literatura que abordou os seguintes temas: Processo histórico da formação de professores
do centro em questão e as transformações no mundo do trabalho.
As categorias de conteúdo, o objetivo do retorno dos estudantes; formação e
mundo do trabalho e a ampliação no tempo de permanência (subjetivo), foram construídas
levando em conta Minayo (1993), que nos diz que esta técnica de tratamento de dados | 95

pode ser entendida com o seguinte conceito “significa agrupar elementos, idéias ou
expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso” (p.70). Para a análise e
discussão dos resultados, serviram de base as leis e categorias metodológicas da dialética
materialista: quantidade e qualidade, luta de classes, abstrato e concreto, lógico e
histórico.
2. O TRABALHO, SUAS TRANSFORMAÇÕES E A RELAÇÃO COM A
EDUCAÇÃO FÍSICA

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Para Marx (1989), o trabalho, antes de qualquer coisa e independente da formação
social a que está submetido, é indispensável e a essência para a existência humana. Ao
mesmo tempo em que o ser humano transforma a natureza, ele se apropria do
conhecimento construído transformando a si mesmo. Para Antunes (2005), “esse processo
de transformação recíproco faz com que o trabalho social se converta em elemento central
do desenvolvimento da sociabilidade humana” (p.68).
Para Marx (1989), o ser humano, encontra no trabalho em sua dimensão
ontológica a possibilidade de modificar uma realidade natural e criar uma nova realidade,
interferindo nas relações sociais. Através dessa relação com a natureza e com os outros
homens, ele constrói sociedades, reconfigura a história e, simultaneamente, molda a sua
essência.
Com o surgimento da produção industrial, a força de trabalho torna-se uma
mercadoria como outra qualquer a serviço da exploração da classe proprietária dos meios
de produção, ao ponto do limite do ritmo e da intensidade do trabalho serem medidos pela
exaustão física e psíquica do trabalhador. A busca do lucro passou a ser o principal fim
da atividade econômica. A condição de exploração colocada para os trabalhadores no
sistema econômico que ascende, o capitalismo, consolida o acirramento entre trabalho e
donos dos meios de produção, pela luta de interesses e direitos.
Segundo Antunes (2002), a partir da década de 1980 houve grandes
transformações no mundo do trabalho19, desde suas formas de inserção na estrutura
produtiva até na sua representação sindical e política. Para o autor, esta crise afetou a
forma de ser da classe que vive do trabalho. Essas mudanças ocorreram num período em
que houve um enorme avanço tecnológico, onde a automação, a robótica e a
| 96
microeletrônica entraram no processo produtivo, influenciando as relações de trabalho e
a própria produção do capital. Como conseqüência da organização legal do capitalismo
moderno e da divisão social do trabalho, ocorreu a alienação objetiva do homem, do
produto e do processo de seu trabalho, porque o produtor não detém, não possui e nem
domina os meios da produção.

19
Para Nozaki (2003, p. 2), a noção de mundo de trabalho analisa os “aspectos centrais e estruturais a cerca
das relações de confronto entre capital e trabalho que determinam justamente o campo e o mercado de
trabalho”.

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Essas transformações foram ocasionadas pela crise do sistema produtivo fordista20
e o taylorista21, dominantes no capitalismo industrial da primeira metade do século XX.
Esta crise de acumulação do capital, no contexto da globalização, gerou formas
transitórias de produção que modificaram e interromperam muitos direitos e conquistas
históricas dos trabalhadores.
Novas experiências de trabalho começaram a mesclar-se com outros processos
produtivos existentes dando origem ao modelo Toyotista22. O principal loco de
desenvolvimento são as empresas japonesas, onde os elementos principais constituem-se
na “cooperação gerentes-trabalhadores”, mão de obra multifuncional, controle de
qualidade total e redução de desperdícios.
Para Antunes (2005), a partir da crise, surge um novo caráter multifacetado do
trabalho. É uma noção contemporânea e ampliada de classe trabalhadora que tem o
potencial de dar uma maior vitalidade teórica e política ao mundo do trabalho em
contraponto à desconstrução intentada nas últimas décadas.
As características dessa destrutividade do mundo do trabalho se expressa na
execução de trabalhos parciais, precarizados e no aumento do número de desempregos.
Isso acontece porque o capital precisa cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais
de trabalho part-time, terceirizado, que cresce a cada dia no mundo produtivo industrial
de serviços.
No Brasil, todas essas mudanças estruturais acontecem em meados da década de
1990 com a implementação dos propósitos neoliberais pelo governo Federal, em especial
no mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Dentro desse processo os

| 97
20
Fordismo: Criado pelo norte-americano Henry Ford em 1914, é um processo de trabalho baseado no
modelo de produção em massa, cujas principais características eram: redução dos custos; divisão das
funções de trabalho; trabalho em cadeia, repetitivo e contínuo, através de linhas de montagem;
especialização técnica, visando produção em série de produtos mais homogênios. Esses elementos
geram uma alienação do trabalhador no processo de produção.
21
Taylorismo: Criado por Frederick Winslow Taylor, cujo processo de trabalho caracterizava-se pela
fragmentação das funções do trabalho, presença de um gerente supervisor e gratificação pela produção
em menor tempo.

22
O modelo de trabalho Toyotista é baseado em mecanismos flexíveis do trabalho atual. A partir de Faria
(2004), trabalhar-se-á cooperação gerencial, os círculos de controle de qualidade (CQC), os quais
constroem grupos de trabalho responsáveis por corrigir ou tomar providências em relação à produtividade
e reformulações desenvolvidas nas matrizes japonesas que atingiram os objetivos de aumentar a qualidade
e produtividade e baixar o custo da produção.

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desempregados, os mais necessitados do campo e das cidades, os assalariados
precarizados, começam a buscar um lugar no novo mercado de trabalho.
Segundo Nozaki (2004), o mercado de trabalho diz respeito aos espaços onde é
mais fácil aos trabalhadores vender a força de trabalho, provendo a sua subsistência.
Porém, a forma alienada e precarizada que a classe trabalhadora se submete aos ditames
do mercado de trabalho fazem com que ela continue reproduzindo e perpetuando a entrega
da sua própria força de trabalho para o capital.
A educação nesse novo propósito, sob a ótica da formação profissional, busca
adaptar o futuro trabalhador num mundo globalizado e competitivo. Segundo Gentili
(1995), no campo educacional, a busca da qualidade assume grande parte dos conteúdos
que esse debate possui no campo produtivo – empresarial. Esta lógica, que busca ajustar
a educação ao mercado pressupõe três premissas:

“a. que a educação (nas atuais condições) não responde às demandas e às


exigências do mercado; b. que a educação (em condições ideais de
desenvolvimento) deve responder e ajustar-se a elas; c. que certos instrumentos
(científicos) de mediação nos permitem indagar acerca do grau de ajuste educação-
mercado e propor os mecanismos corretivos apropriados.” Gentili (1995, p. 156).

Neste sentido, seguindo as demandas do mercado de trabalho, “ajusta-se” a


formação em Educação Física sob o viés da promoção da saúde e da melhoria da
qualidade de vida, pois multiplicam-se as atuações dos professores de Educação Física
em espaços como academias de ginástica, clubes e demais espaços de lazer. Porém
Nozaki (2004), alerta para a precarização do trabalho, que parte do trabalho assalariado
(trabalho formal) nas escolas para o setor de bens e serviços que muitas vezes acontece
na informalidade.
| 98
3. O QUE REVELAM OS EGRESSOS
Buscando abranger o universo da totalidade, realizamos o levantamento de dados
de forma quantitativa, contando com o auxílio do Departamento de Registro e Controle
Acadêmico (DERCA). Foi apurado o número total de 42 pessoas que durante o período
de 2008 a 2015 realizaram ou estão realizando a formação inicial em ambos os Cursos. O
levantamento realizado pelo DERCA remete a sujeitos somente do centro, que possuem,
ou possuíram duplas matrículas, sendo 21 professores que retornam ao Curso de
Educação Física Bacharelado e 21 profissionais que retornam ao Curso de Educação

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Física Licenciatura, com o objetivo de complementar a sua formação no sentido
ampliado.
Buscando demonstrar que esta divisão alcança o universo de formação inicial da
Educação Física para além da instituição estudada, realizamos o levantamento de dados
quantitativos em relação a acadêmicos egressos de outras Instituições de Ensino Superior,
que se encontram neste semestre realizando a sua segunda formação inicial. Este
levantamento remete ao acréscimo de 9 estudantes, totalizando 51 egressos que retornam
aos Cursos de Graduação em Educação Física.
Durante a investigação qualitativa, realizada a partir da entrevista semi-
estruturada, os acadêmicos nos revelaram que os problemas do Curso vão além da divisão
Bacharelado/Licenciatura. Para eles, algumas disciplinas contribuem pouco para a sua
formação, e esta precariedade torna-se mais aparente à medida que o acadêmico progride
no Curso. Na opinião da Professora F, os professores do centro deveriam ter uma maior
sensibilidade, já que “eles estão formando futuros profissionais”.
Dando continuidade ao processo de análise e interpretação dos dados, definimos
as categorias de análise que melhor respondiam aos propósitos da investigação. Assim,
foram definidas as seguintes categorias: o objetivo do retorno dos estudantes; formação e
mundo do trabalho e a ampliação no tempo de permanência (subjetivo). Dentre as
informações levantadas, agrupamos as respostas mais incisivas e expressivas sobre cada
categoria, sendo que todas foram significativas para este trabalho.
Tendo em vista o processo de construção dos currículos dos Cursos de Educação
Física Licenciatura e Bacharelado que denotou o direcionamento dos conhecimentos a
serem adquiridos em cada área, o primeiro aspecto revelado pela análise qualitativa foi a
| 99
negação do conhecimento gerado pela divisão, expressada da seguinte forma pelos
professores graduados nos Cursos de Licenciatura e Bacharelado:
“Ah, formação inicial, hoje em dia, ela deixa muitas lacunas, assim, tipo
Educação Física Licenciatura nega um pouquinho o conhecimento biológico.
Tu vai ser professor, tu tens também que ter conhecimento quando tu fores
trabalhar com o teu aluno na escola.” (Professor E, licenciatura).

Já na área do bacharelado a negação do conhecimento se situa com o trato


pedagógico expressado no relato:
“Estou tendo muita cadeira, agora, teórico pedagógica que é o que faltou no
bacharelado, mas teve algumas cadeiras no bacharelado que os professores

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foram muito bons ali em mostrar uma parte de pedagogia ali, mas é deficiente.”
(Professor A, bacharelado).

Esta situação já vinha sendo denunciada por autores que discutem a fragmentação
da formação a partir do conhecimento, como Taffarel (2012, p.6) que nos diz que “as
lacunas na formação dizem respeito à negação do conhecimento”, desqualificando o
professor em sua formação acadêmica, rebaixando a formação omnilateral e privilegiando
a divisão social do trabalho na formação inicial.
Os relatos dos professores demonstram que formação inicial esta atrelada as
necessidades de terminada parte da sociedade, em especial as ambições do sistema
CREF/CONFEF. A divisão da EF restringe o campo de atuação, mantém os professores
refém de competências aplicadas ao mercado de trabalho e promove a realização do
registro no conselho da categoria. A formação fragmentada abdica os trabalhadores de
pensar as necessidades da sociedade de forma ampliada em favor do trabalhador que
reproduz o estabelecido na sociedade atual.
Na perspectiva de uma crítica a formação voltada aos nichos de mercado, uma
expressão contundente apresentada pelos estudantes foi a necessidade de vincular a
formação inicial às necessidades do mundo do trabalho. Observamos, através da análise
qualitativa, que alguns egressos têm a percepção da formação fragmentada, do trabalho
independente e desarticulado entre as disciplinas como também do distanciamento dos
dois Cursos Educação Física da realidade concreta.

“Eu acredito que a formação inicial necessita articular mais as disciplinas,


muitas vezes, temos dificuldades de articular esses conhecimentos para o
desenvolvimento das aulas. A gente sente dificuldade de fazer essa articulação
de teoria e prática. Muito fragmentado (...), pouca articulação entre os | 100
professores, né? (...) É necessário discutir e debater sobre a formação inicial e
a reestruturação curricular do Curso de Educação Física na instituição,
objetivar uma formação omnilateral.” (Professor E, licenciatura)

Em nossa análise, esse distanciamento se estabelece, no caso do Curso de


Bacharelado, pela falta de disciplinas que abordam a questão pedagógica do trato com a
cultura corporal, além da falta de algumas disciplinas como musculação, por exemplo,
que segundo alguns entrevistados faz muita falta na atuação profissional. Outro aspecto
relevante é o grande leque de possibilidades de atuação na área fitness e dentro desta as

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constantes mudanças de estilos e dos hits do momento (Zumba, Power mix, etc.), o que
exige uma constante atualização.
No caso da Licenciatura, os entrevistados evidenciaram a desarticulação entre
metodologias de ensino e os esportes e a carência de conhecimentos acerca do ser humano
naquilo que compete à Educação Física, contemplando o biológico, o psicológico e o
social. Sentem necessidade de uma maior articulação entre os saberes conceituais da área
para atuar e intervir com segurança nas suas práticas pedagógicas.

“Eu fiz esse reingresso porque eu sentia necessidade de trabalhar na escola e


ver a realidade da criança, como é isso no dia a dia, porque aqui dentro, no
bacharelado, eu trabalhei com idosos, nos grupos de hipertensão, nos grupos
de cardíacos, trabalhei com treinamento e aí lido com pessoas adultas. Meu
estágio foi na ASH, na liga Nacional de Handebol, então eu trabalhei com
adultos, mas eu não tive essa experiência de escola que eu to tendo agora no
estágio I, aliás, são dois estágios, um do PIBID.” (Professor A, bacharelado)

Sobre este aspecto, Taffarel (2006, p. 93) faz uma reflexão, questionando “em que
bases deve-se formar professores para uma realidade complexa e contraditória que exige
a formação humana na perspectiva da omnilateralidade, da emancipação humana e da
transformação social”.
Quando apresentamos os objetivos do desenvolvimento desta pesquisa
observamos que a tese defendida para a divisão entre Licenciatura e Bacharelado é
desenvolver as competências para que o profissional sinta-se seguro para atuar no
mercado de trabalho. Nesse sentido é necessário observar, na análise qualitativa, que uma
das causas da divisão da formação também vem a ser a necessidade do retorno ao Curso,
ou seja, o próprio mercado de trabalho da Educação Física.
Embora um dos professores expresse que a formação inicial tenha proporcionado | 101

alcançar os objetivos pretendidos: “Eu me senti preparada, mas foi por buscar os projetos
de extensão que a Universidade proporciona e na participação de grupos de estudo”
{...}(Professor F, bacharelado), a questão legal, relacionadas à Resolução que institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Educação Física, os
impede de atuar.
“(...) aí eu voltei e fiz o reingresso, mas por causa de motivo, digamos assim,
uma estabilidade financeira, porque o bacharel são poucos os concursos
públicos que tem né, pra bacharel. E pra licenciatura tem mais. E se eu um dia
quiser voltar para a minha cidade, provavelmente seria como professora de

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escola, pra atuar na área, senão seria trabalhando em outro campo.” (Professor
D, bacharelado)

E;
“Pra complementar a graduação né, porque não pode atuar, por exemplo, em
academia e centros de treinamentos sem ter o bacharelado e eu sempre fui pra
esse lado então tem que complementar pra poder atuar legalmente.” (Professor
I, licenciatura)

Neste sentido, Souza, Fuchs & Ramos (2014, p.20) afirmam que quando a área da
Educação Física se apropriou da legislação para elaborar suas diretrizes curriculares,
prevaleceram concepções de Conhecimento e de Mundo/Mercado do trabalho, aderindo,
deste modo “a uma determinada visão de conhecimento e de perfil profissional”. Para os
autores, a lei não limita o licenciado a atuar somente no âmbito escolar, porém “o
entendimento equivocado desta questão acarretou em uma lógica formativa, nesses
últimos dez anos de fragmentação do conhecimento” (p.21).
Durante a análise qualitativa, algumas respostas dadas pelos entrevistados nos
remetem às falas de autores como Both (2011) e Nozaki (2004) que nos dizem que as
atuais mudanças no mundo do trabalho vêm ampliando o desemprego e a precarização do
mesmo, no que diz respeito aos salários, condições de trabalho e terceirização dos
serviços. Neste sentido, os profissionais da área de Educação Física estão sendo
desvalorizados, tendo de trabalhar em mais de um local para garantir o seu sustento ou
ampliar o tempo de permanência no local de trabalho para garantir o emprego.
“Me formei em bacharel, fiquei dois anos contratada em uma academia aqui
em Santa Maria, carteira assinada. Pedi demissão ano passado, final do ano
passado. Foi mais por desgaste, muitas horas, era tipo faz tudo. Eu fazia 10
horas, as vezes até 12 horas. Porque tipo, pra ti ganhar um salário bom... com
bastante trabalho, o que eu ganhava era em cima daquela parte do responsável
técnico, sabe? Daí não era de acordo com o piso, era de acordo com o | 102
responsável. (...) Fixo na carteira era 8 horas, daí as vezes eu fazia 10, 12 horas
por dia. Daí, comecei a cansar...” (Professor B, bacharelado)

Neste contexto de perda da centralidade da Educação Física como componente


curricular da Escola, esta vem estendendo cada vez mais a sua atuação em um espaço
não-escolar. Por este motivo, os Cursos de formação vêm passando por um processo de
reestruturação curricular, em que se tem como desfecho a formação de profissionais que
atuarão nessa esfera. Esse processo se constitui numa importante mediação entre a
Educação Física e as novas necessidades do mundo do trabalho.

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Em relação ao retorno ao Curso percebemos um sentimento de descontentamento
da maioria dos egressos, pois estes retornaram para complementar sua formação inicial e
obter a certificação para atuar no mercado de trabalho, porém, quando recomeçam as
atividades acadêmicas, estas, na maioria das vezes, não correspondem às suas
expectativas. A ampliação do tempo de permanência no Curso parece não ser bem
aproveitado devido ao fato de alguns conteúdos não serem aprofundados e estarem
desassociados da realidade.
“Eu acho que por mais que tu tenhas conteúdos, é importante os professores,
sei lá, -avançarem nisso, sabe? Não ficarem só no debate e exposição em aula.
Acho que essa parte de inserção na sociedade e no mundo, acho que na
licenciatura se tem bem mais a partir dos estágios e sei lá, acho que é
apresentado mais com clareza isso para os acadêmicos. (Professor F,
bacharelado)

Os egressos, na sua maioria, já tiveram uma experiência profissional ou já atuaram


como estagiários, expressam que em algumas disciplinas esperavam um maior
aprofundamento e criticidade. Também é relatado o distanciamento dos conteúdos da
realidade prática, da sua inserção como futuro profissional na sociedade.

“Em relação a cursar os dois cursos (...) Eu queria dizer que é perda de tempo,
sabe? É, eu acho que tipo, quando é tudo novidade, o professor vai colocando
e tu diz amém, só que a partir de um certo ponto tu começa a ser mais crítico e
tu vê que está bem precário, eu acho que as pessoas tinham que ter mais noção
que eles estão formando futuros profissionais.” (Professor F, bacharelado)

Percebe-se que a ampliação no tempo de permanência vem gerando desgaste


desnecessário e um despendido de tempo não produtivo. A falta de discussão do currículo
em âmbito acadêmico provoca um “mal estar”, “incômodo” nos egressos e estes apontam
| 103
para a reestruturação curricular, traçando um novo perfil de professor de Educação Física,
rumo a uma formação unificada.

“Na formação de um professor de Educação Física (...) eu acho que tem que
abranger no momento inicial. Depois você tem que ver o que realmente tem
afinidade e aí afunilar mais pra frente (...) eu acho que tem que fazer um
currículo pra cinco anos, aproveitar mais os horários aqui dentro, dá pra fazer
uma formação bem feita em cinco anos.” (Professor A, bacharelado)

Essa relação se estabelece, pois a formação inicial em EF está organizada pela


teoria das competências, que buscam apresentar para o graduando conhecimentos

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baseados no progresso da técnica. Esta formação está relacionada às novas exigências do
chamado “mundo globalizado” que canaliza um novo discurso para a Educação, tendo
esta, o papel fundamentalmente de adaptar-se às mudanças no sistema produtivo.
Desse modo, os conhecimentos orientadores da formação são de razão meramente
instrumental. Toda esta relação acaba gerando para o trabalhador uma constante
adaptabilidade nas suas competências para manter-se na empregabilidade nos campos de
trabalho. Isso significa que, periodicamente, o trabalhador despende tempo para atualizar-
se às novas necessidades geradas pelo mercado.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As constatações expressadas demonstram que a divisão do Curso em Licenciatura
e Bacharelado desqualificou a formação do profissional pela visão fragmentada do campo
de conhecimento apresentada nos respectivos Cursos. Além disso, indiretamente vem
atendendo as demandas da regulamentação e gerência de uma pequena parcela da
sociedade, o conselho da categoria (CREF/CONFEF).
Podemos perceber que o motivo do retorno dos egressos é fundamentalmente
determinado pelo mercado de trabalho, para ampliar o seu campo de atuação. Para os
entrevistados que realizaram sua primeira formação inicial no Bacharelado em Educação
Física, retornar ao Curso se faz necessário para ter maiores oportunidades de realizar um
concurso público, contribuindo assim para uma maior estabilidade financeira. No caso da
Licenciatura, o objetivo deve-se à necessidade de ter a possibilidade de atuação no
mercado liberal, complementando o seu rendimento financeiro.
De acordo com as entrevistas, é muito restrito o espaço para a discussão do
currículo, no momento que se constituíram as novas Diretrizes para a Formação dos
| 104
Cursos de Licenciatura. Neste sentido, será fundamental o diálogo em âmbito acadêmico
para refletir sobre qual o perfil e identidade de professor de Educação Física que o Curso
quer formar.
A maioria dos acadêmicos entrevistados é favorável a uma formação unificada,
mais abrangente, pois percebem que a sua segunda formação na graduação, apesar de
estabelecer uma ampliação no ganho de conhecimento, poderia ser trabalhada em um
curso único, pois o objeto de estudo é o mesmo. Nesse sentido compartilham a opinião
de que haveria de ter uma rediscussão do currículo e do perfil de profissional a ser

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formado. Almejam a formação que lhes desse a possibilidade de atuação legal nos
espaços escolares e informais.
5. REFERÊNCIAS

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centralidade do Mundo do Trabalho. 8 ed. Campinas : Editora da UNICAMP. 2002.

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Jun./2011.

Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer CNE/CES


058/2004, de 18 de fevereiro de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação
plena. Brasília, 2004.

Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES


07/2004, de 31 de março de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para
os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena.
Brasília, 2004.

Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES


2/2015, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação
pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação
continuada. Brasília, 2015.

GENTILI, P. A. A. O discurso da “qualidade”, como nova retórica conservadora no


campo educacional. In: GENTILI, P. A. A e SILVA, T. T. (Org.). Neoliberalismo, | 105
Qualidade Total e Educação. 2. ed. Petrópolis : Vozes, 1995.

KOPNIN, P. V. A Dialética como Lógica e Teoria do Conhecimento. Rio de Janeiro:


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LÜDKE, M; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas.


São Paulo: EPU, 1986.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro 1, v. 1, 13 ed. Rio de Janeiro:
Bertand Brasil, 1989.

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MINAYO, Maria Cecília de Sousa. Pesquisa social: Teoria Método e Criatividade. 7
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MORSCHBACHER, Marcia. Reformas curriculares e formação do (novo)
trabalhador em educação física: a subsunção da formação à lógica
privada/mercantil. Pelotas: ESEF/ UFPel, 2012.

NOZAKI, H. T. Educação Física e reordenamento no mundo do trabalho: mediações


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2006.

SOUZA, M, S. FUCHS, M, M. RAMOS, F, K. Diretrizes Curriculares Nacionais e o


Processo de Formação de Professores em Educação Física: análise a partir da
legalidade, conhecimento e mundo/mercado de trabalho. Motrivivência.
Florianópolis, v. 26, n.43, p.17-29, dez, 2014.

TAFFAREL, C. N. Z, LACKS, Solange, SANTOS JÚNIOR, C, L. Formação de


Professores de Educação Física: estratégia e táticas. Motrivivência. Florianópolis,
ANO XVIII, n.26, p.89-111, jun, 2006.

TAFFAREL, C. N. Z, SANTOS JÚNIOR, C, L. Formação humana e formação de


professores de Educação Física: para além da falsa dicotomia licenciatura x
bacharelado. In: TERRA, Dinah Vasconcellos, SOUZA JÚNIOR, Marcílio (orgs.).
Formação em Educação Física & ciências do esporte: políticas e cotidiano. São
Paulo: Aderaldo & Rothschild, Goiânia: CBCE, 2010. p.13-47.

TAFFAREL, C. N. Z. A Formação de Professores de Educação Física e a


Licenciatura Ampliada. XVII Semana de Educação Física/UFMS. IV Jornada de
Iniciação Científica do Curso de Educação Física/UFMS, 2012.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa


qualitativa em educação – o positivismo, a fenomenologia, o marxismo. São Paulo: | 106
Atlas, 1987.

UFBA/FACED. Fluxograma Vigente A Partir De 2011. Licenciado Em Educação


Física.

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O AMBIENTE ALFABETIZADOR E OS DESAFIOS NO
PROCESSO DA CONSTRUÇÃO DA LEITURA E ESCRITA

Adriana Rauber Neusser (UFSM)


adriananeusser@hotmail.com

Resumo: O presente artigo tem como objetivo relatar (as vivências) a partir de
observações e do estágio curricular do oitavo semestre do curso diurno de Pedagogia,
quais os principais desafios, implicações e dificuldades que o professor pode encontrar
para transformar sua sala de aula em um ambiente alfabetizador utilizando a ludicidade
como ferramenta. Buscar o conceito e o que significa construir em uma sala de aula um
ambiente que seja voltado para a construção da leitura e escrita, de maneira lúdica,
levando em consideração elementos que vão agregar para que tal construção aconteça,
serão alvo desta pesquisa. Para desenvolver e buscar informações que nos levassem a
entender, como poderia ser construído em uma sala de aula um ambiente alfabetizador,
tal ambiente, que propiciasse para as crianças momentos de aprendizagem da linguagem
oral e escrita. Para tanto, fez-se uso de caderno de relatos de observações, de práticas
durante o estágio, entrevista com uma professora alfabetizadora, entremeando com uma
pesquisa bibliográfica. A professora relata na entrevista, os seus desafios e como ela faz
para transformar sua sala de aula em um ambiente alfabetizador onde as brincadeiras e
jogos possam estar presentes.

Palavras-chave: ambiente alfabetizador. leitura e escrita. ludicidade.


| 107

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O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO EM
PESQUISAS RELACIONADAS AO TRABALHO
PEDAGÓGICO E A EDUCAÇÃO FÍSICA NO CAMPO DO
TRABALHO E EDUCAÇÃO

Ana Paula da Rosa Cristino Zimmermann (UFSM)


anacristino@hotmail.com
Liliana Soares Ferreira (UFSM)
anaililferreira@yahoo.com.br

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a partir de resumos, os trabalhos publicados nos


Seminários Internacionais da REDE ESTRADO (Rede Latinoamericana de Estudos sobre
Trabalho Docente) no período de 2008 a 2014 que tratam a “Educação Física e o
“Trabalho Pedagógico” como tema de investigação, fundamentados no método
materialista histórico-dialético como abordagem metodológica. Desenvolver a referida
abordagem requer o conhecimento das categorias marxianas, a destacar: o trabalho, luta
de classes, modo de produção, entre outras. Entre as constatações, percebe-se que a
ocorrência da abordagem materialismo histórico-dialético se manifestou mais pelos
pressupostos teóricos do que os metodológicos. Na REDE ESTRADO são escassas as
publicações nas quais o “Trabalho Pedagógico” e a “Educação Física” estejam
relacionados, especialmente quando embasados no materialismo histórico-dialético.
Embora sejam reconhecidos estudos de natureza dialética materialista, há necessidade de | 108
que a construção teórico-metodológica dessas temáticas seja constante para que se
aprofundem as discussões por meio do intercâmbio acadêmico em todos os âmbitos da
educação.

Palavras-chave: Trabalho Pedagógico. Educação Física. Materialismo histórico-


dialético.

1 Pressupostos iniciais

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O objetivo deste artigo que integra as pesquisas do Grupo Kairós (UFSM) é
analisar a partir de resumos, os trabalhos publicados nos Seminários Internacionais da
REDE ESTRADO (Rede Latinoamericana de Estudos sobre Trabalho Docente) de 2008
a 2014, que tratam o “Trabalho Pedagógico” e a “Educação Física” como tema de
investigação, valendo-se do método materialista histórico-dialético como abordagem
metodológica. O materialismo histórico-dialético será apresentado através de
pressupostos teóricos e metodológicos, partindo das principais categorias marxistas, da
sociedade de classes, do capitalismo na contemporaneidade e por esse enfoque, a
produção das temáticas “Trabalho Pedagógico” e “Educação Física”. Conjuntamente,
comentar a relevância do evento científico para a consolidação das pesquisas em
Educação no Brasil e América Latina. A seguir, serão estabelecidas possíveis mediações
entre os temas, análise do levantamento das produções acadêmicas, assim como a
argumentação da sua relevância no âmbito do “Trabalho e Educação”
A sociedade passa por transformações diversas decorrentes de fenômenos
relacionados às reformulações permanentes do capital. Tais ações criam novos espaços
para a expansão do mesmo, por meio dos seus processos de produção, assim como produz
influência na vida dos seres humanos, nos campos da individualidade e da coletividade.
Em “A Ideologia Alemã”, Marx; Engels (2014) analisam que a produção de ideias, de
representações e da consciência compõem a linguagem da vida real que está intimamente
ligada à atividade material do ser humano, ou seja, são os seres humanos que se
constituem, permeados por essas ações. No entanto, salientam que tal produção é fruto da
atuação de “homens reais, atuantes e tais como foram condicionados por um determinado
| 109
desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhes corresponde”
(p.09). Para o ser humano produzir-se em sociedade, é desenvolver a atividade humana
vital que é o trabalho no viés marxiano23
Nessas condições, também a escola está sujeita às intervenções dos processos
produtivos de acumulação do capital. Entre os autores que destacam essas circunstâncias
se encontra Acácia Kuenzer ao abordar as relações entre trabalho e educação na
perspectiva da “exclusão includente e inclusão excludente”, pois para a autora a escola se

23
Estudo da obra de Marx através dele próprio, conservando a integridade de sua teoria.

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constitui historicamente como uma das formas de materialização da divisão de classes e
da produção de conhecimento elaborada a partir de uma classe social (KUENZER, 2005).
A escola é um espaço onde circulam as práticas sociais. Por isso, torna-se de
grande importância discutir e propor alternativas para que os processos que nela se
encontram sejam mais conscientes, críticos e menos hegemônicos. Dentre os elementos
que refletem o processo de produção na escola, se encontra o “trabalho pedagógico”. Esta
especificidade do trabalho é abordada por Liliana Soares Ferreira (2011), a qual
compreende que a ele se relacionam métodos, técnicas e avaliações que relacionadas com
a Pedagogia, com o objetivo a produção do conhecimento. É amplo e complexo, pois
envolve as relações que se estabelecem no interior da instituição, com professores, alunos,
funcionários e comunidade e o próprio Estado. A autora complementa: “Normalmente
atribuído aos professores, o trabalho pedagógico pode ser realizado também por sujeitos
que não são licenciados ou não estão na condição de professores” (p.01). A condição de
professores está associada a atuação de profissionais que participem do processo de
produção de conhecimento. Então, na perspectiva de Ferreira (2011), pode-se perceber
como trabalho pedagógico:

[...]a produção do conhecimento, mediante crenças e aportes teórico-


metológicos escolhidos pelos sujeitos, que acontece em contextos sociais e
políticos os quais contribuem direta ou indiretamente. Diretamente, porque
perpassam o trabalho pedagógico. Indiretamente, quando não são explícitos,
todavia, todo trabalho pedagógico é intencional, político e, de algum modo,
revela as relações de poderes que nele interferem (FERREIRA, 2011, p.01).

O trabalho pedagógico é discutido no campo da Educação Física por semelhantes


vieses, considerando o contexto da sociedade capitalista. Alguns autores especificam o
fenômeno, entre eles Frizzo (2008), para o qual é uma prática humana individual e grupal | 110

que por ser social, expressa dentro das suas possibilidades objetivas as determinações
políticas e ideológicas dominantes em uma sociedade. Celli Taffarel (2010) no artigo
“Contribuição ao debate sobre o trabalho pedagógico na Educação Física” relata que a
cultura corporal é a essência da intervenção profissional da Educação Física e reflete o
trabalho pedagógico em diferentes instâncias: gestão (escola), avaliação (sala de aula). O
atendimento desses pontos proporcionaria a inserção do “princípio da pesquisa ao
trabalho escolar, o que significa que o conteúdo do ensino consiste em armar o educando
para a luta e a criação de uma nova sociedade” (p.32).

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Tal perspectiva se aproxima da problematização acerca da relação corpo e
trabalho, evidenciada por Marx em “Instruções”, ao inserir a Educação Física entre os
pilares para o desenvolvimento da educação revolucionária, a qual acenderia a classe
proletária ao poder (MARX; ENGELS, 2006). Apesar de não existirem menções diretas
ao corpo, as relações entre corpo e trabalho possibilitam a definição de como esta
mediação se concretiza na sociedade de classes. Harvey (2000) em “O corpo como
estratégia de acumulação” colabora para essa questão, ao denunciar que as exigências
capitalistas limitam o corpo que trabalha, requer trabalhadores instruídos, mas não o
suficiente a ponto de pensarem por si mesmos. O autor fundamenta-se em Marx para
afirmar que “o capitalismo viola, desfigura, subjuga, destrói, danifica a integridade do
corpo que trabalha” (p.142) em tamanha intensidade que pode comprometer a própria
acumulação de capital. E essas condições favorecem que “um modo alternativo de
produção tome sua forma inicial” (p.142). Por intermédio dessas constatações iniciais,
pode-se afirmar a relevância da Educação Física na elaboração de uma educação
revolucionária, incentivadora das potencialidades da classe trabalhadora. As
argumentações de Harvey (2000) discutem a presença do “corpo” nas obras marxianas,
permitindo com isso, que este objeto seja compreendido pelo enfoque do materialismo
histórico-dialético.
As questões teóricas comentadas nesta etapa introdutória, que possuem afinidade
com o materialismo histórico-dialético foram pesquisadas nos Seminários da Rede
Estrado. A referida Rede de pesquisadores foi criada em 1999, a partir da reunião da
CLACSO (Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais), com o propósito de
consolidar os estudos sobre trabalho docente, originados em diferentes perspectivas e
| 111
instituições, principalmente universidades e sindicatos (REDE ESTRADO, 2014). A
REDE ESTRADO entre outras ações, promove Seminários Internacionais a cada dois
anos, e tem um extenso quadro de países participantes, a grande maioria da América
Latina (REDE ESTRADO, 2014).
Todas as questões inicialmente comentadas, se articulam nas problematizações do
estudo: Em que medida se constituem na REDE ESTRADO as produções acadêmicas
sobre “Trabalho Pedagógico” e “Educação Física” a partir do materialismo histórico-

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dialético? Quais os encaminhamentos contributivos dessas publicações para o campo do
trabalho e educação?
Assume-se como pressuposto, a necessidade do aprofundamento de estudos sobre
as temáticas “Trabalho Pedagógico” e “Educação Física” na perspectiva do materialismo
histórico-dialético. Há necessidade de que se amplie a discussão, para que se alcance
alternativas emancipadoras no âmbito do trabalho dos professores. Proporcionando dessa
forma, que os sujeitos no cotidiano da educação, busquem formas de superar as
contrariedades e pressões do capital.

2 Pressupostos teóricos do materialismo histórico-dialético: alguns


encaminhamentos para o “Trabalho Pedagógico” e a “Educação Física”

A opção pelo materialismo histórico-dialético supõe uma postura teórica que


antecede a metodologia propriamente dita. Ou seja, a metodologia inicia com a
determinação do objeto, sua posição na sociedade capitalista, as aproximações,
afastamentos para a transformação das condições materiais explicitadas pelo método.
Mesmo que os escritos de Marx componham uma obra aberta, integram tradições
políticas, filosóficas e históricas. Logo, as definições não são fechadas em si, pois a
interpretação varia de acordo com o contexto pesquisado. No entanto, a fim de um breve
esclarecimento, pode-se mencionar algumas categorias marxistas fundamentais como o
trabalho, a luta de classes (entre burguesia e proletariado), modo de produção,
mercadoria, alienação, entre outras. Segundo Marx (2008) em “Contribuição à crítica da
Economia Política”, o ser humano é fortemente determinado pela sociedade capitalista,
| 112
que exprime desde formas de vida até aspectos isolados do social. Avançar para uma nova
ordem social, somente se torna possível quando os seres humanos reescreverem a história
como a concebem, diferente das histórias hegemônicas. Marx (2008) discorre sobre o
modo de produção da vida material e nesse aspecto, reitera que a materialidade produtiva
influencia a vida social e as demais instâncias da sociedade. Essa materialidade, sendo
tão impactante, determina a consciência do ser humano, que na sua essência é um ser
social.

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Marx também foi ímpar por sua capacidade ao elaborar uma teoria que é
econômica, política, social; por antecipar as principais metamorfoses do capitalismo e
propor alternativas para o encaminhamento de uma nova materialidade. No primeiro
prefácio do volume I de “O Capital” o autor relata: “Depois de alcançar certo nível, terá
de repercutir sobre o Continente. Aí assumirá ele formas mais brutais ou mais humanas,
conforme o grau de desenvolvimento da classe trabalhadora” (MARX, 2013, p.17).
Apesar das mais intensas pressões e mecanismos de coerção, muitos deles bastante
conhecidos pela sociedade como a alienação, a intensificação e flexibilização do trabalho,
a consciência do ser humano por ser “social” resistirá às metamorfoses do capital. Para
tanto, é imprescindível que no cerne da classe trabalhadora, se desenvolva seu potencial,
a fim de intervir na formação econômica e social.
De fato, na atualidade está instaurado um modo de produção dominante que
mesmo em elevados níveis de crescimento econômico, mantém crescentes as taxas de
desenvolvimento. Sobre essa questão, Boron (2010) escreve em “O socialismo no século
XXI”:

Há um holocausto social em andamento, produzido pela intensificação sem


precedentes das características predatórias de um modo de produção, o
capitalista, que ao conceber os seres humanos como meras mercadorias, se
transforma em fonte inesgotável de lucros e põe em risco a sobrevivência de
todo o planeta (p.40-41).

As evidências de tais circunstâncias se proliferam e exigem que a tomada de


decisão seja breve, que ultrapasse a discussão teórica e se concretize por meio dos
elementos comentados por Lebowitz citados por Boron (2010): participação e
democracia, organização autônoma das classes e camadas populares, o desenvolvimento
| 113
de sua consciência revolucionária; fim da homogeneização das atividades produtivas.
Por estarem intimamente ligados, os processos sociais de reprodução se
manifestam simultaneamente nos processos educacionais. Mészáros (2008) apresenta em
“A educação para além do capital”, uma leitura dialética e relata que a “reformulação
significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro
social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e
historicamente importantes funções de mudança” (p.25). Com essa alegação, enfatiza a

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necessidade de rompimento com a ‘lógica do capital” para que se projete uma alternativa
educacional imanentemente diferente.
No entanto, Mészáros (2008) complementa os desafios para se materializar “a
grande tarefa histórica de nosso tempo, romper com a lógica do capital no interesse da
sobrevivência humana” (p.45). Por isso, contrariando a lógica formal do capitalismo, as
mudanças necessitariam transitar da formalidade para a essência. Reformas no sistema de
ensino não serão suficientes, se na essência do mesmo, estiverem enraizadas as
formulações mistificadoras do capital. Para um avanço, é mister que a internalização
adquira uma perspectiva concreta abrangente.
Nesse sentido, a internalização essencial é percebida amplamente através do
sistema de ensino, porém se propaga pelo trabalho dos professores. Ferreira (2014), no
artigo “Trabalho de professores e conflitos na escola”, relata:

[...] os professores estão não somente se (auto)produzindo como seres


históricos e sociais, mas agindo como trabalhadores e seres humanos. Ou seja,
seu trabalho, que se tem defendido, é a produção da aula e, nela, a produção
do conhecimento junto com outros sujeitos, além da participação em toda a
dinâmica interativa da escola, de modo político e profissional (p.06).

O trabalho conforme a autora segue argumentando, é uma forma de pertencimento


e reconhecimento na sociedade. Entretanto, pelas características próprias do contexto
dominante, pelas demandas econômicas e sociais, o professor busca no emprego
condições vinculadas ao trabalho. Conforme a diferenciação conceitual explicitada por
Ferreira (2014), “o trabalho existe antes e depois do emprego, estabelecendo a condição
de o mundo humano existir, o emprego reproduz as relações sociais” (p.07). Esse seria
um dos motivos pelo qual os professores em sua grande maioria, ficam à mercê dos
| 114
mecanismos de controle do capital, fato que frequentemente, torna-se um obstáculo, pois
impregna as significações e intencionalidades que permeiam o pedagógico das
instituições e se internalizam na individualidade dos envolvidos nos processos
educativos.
Por isso, a relevância em discutir o “pedagógico” que se produz na escola. Em
enfoque referenciado por Ferreira (2010):

[...] o trabalho dos professores, pedagógico por excelência é a produção do


conhecimento sua e dos estudantes, em momentos sociais denominados aula e,
para tanto, o tempo é fundamental: para conhecer, para se conhecer, para expor

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saberes, refletir e elaborar linguagens sobre esses saberes, sistematizá-los sob
a forma de conhecimento (p.207).

Pautando-se em Ferreira (2010), o trabalho pedagógico é aquele desenvolvido


pelos professores na aula, desde que sejam desenvolvidos os elementos vinculados ao
materialismo histórico-dialético, as condições conscientes e revolucionárias de
intercâmbio entre o ser humano (ser social) e a natureza, que envolvem conhecimento.
Também Taffarel (2010) analisa como a natureza do processo pedagógico por esse
enfoque, significando a conversão das ciências em materiais de ensino, a conversão do
conhecimento científico em saber escolar, nos quais se incluem conhecimentos, atitudes
e convicções inseridas em experiências sócio-culturais.
Pelas contribuições das autoras, pode-se analisar que trabalho docente e trabalho
pedagógico não são sinônimos. Enquanto o primeiro volta-se para o professor, o segundo
considera o professor e todas as relações que estão vinculadas ao desenvolvimento da
aula, o cotidiano da escola e a produção do conhecimento. Essa diferença também é
estabelecida por Frizzo (2008), ao abordar as concepções de sujeito e objeto e a sua
relação no processo de conhecimento. “No trabalho pedagógico, o sujeito ativo e agente
transformador é o professor e o objeto é a realidade ou o mundo concreto da necessidade”
(p.164).
No campo da Educação Física, pode-se constatar que o mundo concreto da
necessidade se manifesta através do “corpo” e de seus desdobramentos: a “cultura
corporal” e o “movimento humano”, pois as manifestações citadas são fundamentais na
organização pedagógica da Educação Física. Isso porque conforme Harvey (2000) o
capitalismo se apropria do corpo para as funções mercadológicas e de acumulação,
| 115
intencionalmente, pois “o corpo humano é um campo de batalha em torno do qual se
acham em perpétua interação forças sociológicas conflitantes de avaliação e
representação” (p.160). Sendo objeto da Educação Física a “cultura corporal” e o
“movimento humano” e os conhecimentos produzidos que partem deles, o trabalho
pedagógico no referido campo do conhecimento precisa organizar o processo educativo
de forma com que as forças sociológicas de emancipação se sobreponham às de
dominação.
Considerando as circunstâncias de intervenção para o alcance de uma essência que
se diferencie da lógica dominante, indubitavelmente, a relevância do materialismo

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histórico como abordagem metodológica encontra-se na formulação concreta,
característica do movimento dialético.
3 Pressupostos metodológicos do materialismo histórico-dialético

Pretende-se ao comentar os pressupostos metodológicos, apresentar aspectos


importantes para a caracterização da dialética marxista como um método. A construção
do caráter materialista da dialética se originou em movimentos históricos na Grécia
antiga, período em que Platão, Sócrates e outros filósofos a empregavam como um
método discursivo de propagação de ideias. Segundo Konder (2012) para os gregos
passou a ser a arte de no diálogo, pois os filósofos elaboravam uma argumentação na qual
estava presente a tese e os conceitos fundamentais para a discussão. Entre os filósofos,
Platão destacou que a dialética possibilitava a investigação de conceitos, o acesso ao
mundo das ideias. Após passar por um período de sufocamento na Idade Média, Hegel a
retoma através do movimento de tese, antítese e síntese, que representa a superação da
contradição. A seguir, Marx reformula o conceito de Hegel, enfatizando a sociedade, as
lutas de classe, surgindo dessa forma a dialética materialista ou materialismo histórico-
dialético (KONDER, 2012).
O materialismo histórico-dialético perpassa o conjunto da obra de Marx, o qual
analisa constantemente uma forma de compreensão da realidade que considere sua
estruturação e funcionamento no contexto vigente do capitalismo, buscando, através da
compreensão concreta da sua organização, alternativas para a superação dos infinitos
aspectos de degradação do ser humano provenientes dessa ordem social. Sem o concreto
e profundo conhecimento do real, não é possível a defesa dos subterfúgios do capitalismo.
| 116
Em especial na sociedade de classes, em que uma classe social domina e não reconhece
a outra, encaminhando fenômenos relacionados ao processo de intensificação do capital.
Sendo assim, a análise dialética parte da relação entre as classes sociais, pois essa é uma
sociedade capitalista e, portanto, de classes. O “Método da Economia Política” presente
em “Contribuição à crítica da Economia Política” Marx (2008) oferece elementos
fundamentais para a constituição do materialismo histórico-dialético, a começar pela
importância do reconhecimento das classes. Para Marx (2008), as classes são
imprescindíveis, tanto quanto os elementos que perpassam suas relações: trabalho

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assalariado, capital, divisão de trabalho, entre outros. Nesse contexto, o “trabalho”
segundo Marx (2008) é uma categoria simples e tão antiga quanto a história da
humanidade. Porém, do ponto de vista econômico, é uma categoria moderna, pois é capaz
de aglutinar em si todas as condições que engendram o capitalismo.
Ainda reportando-se à “Contribuição à crítica da Economia Política” Marx (2008)
o método histórico-dialético precisa se organizar de forma que desenvolva:

1º - as determinações gerais abstratas, que pertencem mais ou menos a todas


as formas de sociedade;
2º - as categorias que constituem a organização interior da sociedade burguesa,
sobre as quais repousam as classes fundamentais: Capital, Trabalho
Assalariado, Propriedade Rural. Suas relações recíprocas e as três grandes
classes sociais: burguesia, proletariado e Estado.
3º - A sociedade burguesa compreendida sob a forma de Estado. O Estado em
si. As classes improdutivas. A população. As colônias. Emigração;
4º - Relações internacionais de produção. Divisão internacional do trabalho.
5º - O mercado mundial e as crises (p.268).

Percebe-se que é um método histórico em constante contato com a realidade.


Kuenzer (1998) sistematiza o método do materialismo histórico-dialético em dois grupos
categoriais: as categorias do método – práxis, totalidade, contradição, mediação e
historicidade, referendadas nos escritos marxianos, compreendidas como universais
porque se vinculam a leis objetivas. As categorias de conteúdo – intermediam o universal
e o concreto, que se organizam considerando os propósitos do objeto que se pretende
investigar. Justifica essa divisão categorial, pois “[...] que o discurso é bem mais fácil do
que a sua efetivação” (p.62).
Embora o método do materialismo histórico-dialético não possua uma estrutura
rígida, fato que comprometeria sua integridade como proposta metodológica, apresenta | 117
evidências que sistematizam a sua organização. Netto (2011) em “Introdução ao estudo
do Método em Marx”, comenta que o ponto inicial envolve situar a posição em que o
sujeito e objeto da pesquisa se encontram na sociedade capitalista, para então
compreender as relações implicadas entre os elementos. As relações originadas são
inúmeras e o aprofundamento do conhecimento sujeito-objeto, proporciona o inicial
entendimento concreto que paulatinamente se constitui no plano do pensamento para a
determinação do concreto real.

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Existe um vínculo indissociável entre elaboração teórica e formulação
metodológica (NETTO, 2011), o referido vínculo é pertinente, pois perpassa toda a
estrutura da investigação e intensifica a formulação dos elementos metodológicos. Fora
desse caminho, compromete-se a abordagem, pois segundo as indicações de Goldmann
(1985) citado em Netto (2011) “não é possível analisar o método sem a necessária
referência teórica e, igualmente, a teoria social de Marx tona-se ininteligível sem a
consideração de seu método” (p.55).
Nesse caminho, aspectos teórico-metodológicos do método foram pesquisados em
resumos dos trabalhos publicados nos anais dos Seminários Internacionais da REDE
ESTRADO de 2008 e 2014. O levantamento em ambos os eventos buscou o destaque às
categorias “Trabalho Pedagógico” e “Educação Física”, tanto separadamente quanto
relacionadas, nas palavras-chaves das publicações, assim como a menção delas no
decorrer do texto dos resumos e a consequente leitura das publicações identificadas na
íntegra, com a finalidade de compreender a dialética materialista.

4 Produções acadêmicas da REDE ESTRADO: aproximações com o Materialismo


Histórico-Dialético, o Trabalho Pedagógico e a Educação Física

A fim de analisar o materialismo histórico-dialético como abordagem em


pesquisas voltadas às temáticas “Trabalho Pedagógico” e “Educação Física”, foram
analisados os Anais da REDE ESTRADO dos anos de 2008 a 2014. Como os Seminários
Internacionais da REDE ESTRADO não são anuais foram analisados 04 eventos. Para
fins de um melhor entendimento das informações, são apresentados os eixos do Seminário
| 118
nos quais se distribuem os trabalhos publicados: 1) Natureza, processos e condições do
trabalho docente; 2) Regulações da carreira docente; 3)Políticas educativas e trabalho
docente; 4) Formação docente: políticas e processos; 5) Os docentes nas políticas de
avaliação, 6) Organização do trabalho e sindicalismo docente; 7) Saúde e trabalho
docente; 8) Trabalho docente na Universidade; 9) Debates teóricos e metodológicos nas
investigações sobre trabalho docente; 10) Condição docente e relações de gênero; 11)
Trabalho docente e diversidade cultural (REDE ESTRADO, 2014).

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Em 2008, o “trabalho pedagógico” foi encontrado em dois estudos: um
relacionado com a organização do trabalho pedagógico para o ensino de língua materna
(Eixo 2) e o outro, com a divisão do trabalho pedagógico entre família e escola e na
própria instituição escolar (Eixo 1). O termo nas duas investigações foi abordado com um
embasamento diferente do marxismo. No Seminário de 2010 a temática foi encontrada
em um artigo do Eixo 1, de Ferreira; Hypólito (2010) o qual discutiu os sentidos do
trabalho e a necessidade de mais estudos relativos ao trabalho, entre ele, o pedagógico.
Em 2012, ao restringir o termo para “pedagógico”, foi encontrado um artigo sobre
os sentidos do trabalho docente nos eventos da REDE ESTRADO entre 2008 e 2011
(Eixo 1). Nesse estudo, de Hypólito; Ferreira (2012), entre os resultados percebeu-se que
as expressões “trabalho docente”, “trabalho pedagógico” e “trabalho dos professores”
são, muitas vezes, apresentados como sinônimos, gerando lacunas e imprecisões para os
sentidos sobre trabalho.
Ainda em 2012 foi localizado o termo “trabalho pedagógico” nos Eixos 1, 3 e 4,
abrangendo a formação continuada, a Educação Infantil, a Educação Especial, a
Identidade docente, a Avaliação Institucional, no Eixo 9 e 11 relacionado à Pedagogia da
“Livre Expressão e percepções de gênero e sexualidade, respectivamente. Nesses eixos,
o trabalho pedagógico, foi compreendido em semelhança às práticas pedagógicas, ou para
melhor enfatizar o trabalho que ocorre na escola, sem adentrar nas questões histórico-
dialéticas e políticas que envolvam sua especificidade na educação.
Em 2014 foram publicados dois artigos: o primeiro no Eixo 1 sobre aspectos
históricos do trabalho pedagógico na Educação (CRISTINO ZIMMERMANN;
FERREIRA, 2014) e o segundo do Eixo 4, trata da gestão do trabalho pedagógico dos
| 119
professores do campo. No termo restrito “Educação Física”, ocorreu uma produção a
respeito da construção histórica da docência de professores de uma escola técnica. A
primeira pesquisa comentada neste parágrafo é fruto de um levantamento histórico sobre
a categoria “Trabalho Pedagógico” no campo já mencionado, na qual são estabelecidas
aproximações com a dialética materialista.
Quanto à “Educação Física” nos eventos da REDE ESTRADO, em 2008 existiram
produções sobre cultura pedagógica no ensino profissionalizante e desenvolvimento
profissional do professor formador, identidade docente (Eixo 1), as práticas no noturno e

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formação do professor no Estágio Supervisionado (Eixo 2). No Eixo 3 a política de
reforma educacional em um Curso de graduação.
No Eixo 2, uma investigação aproximou-se do enfoque apresentado nesta
investigação, pois analisa a formação de um Curso de Pós-graduação no Pará (NETO,
GENÚ, 2008), a ressignificando segundo os pressupostos de Mészáros (2008) em
“Educação além do Capital”, uma abordagem de cunho político-educativo-cultural na
mais ampla concepção do que seja uma transformação emancipadora. A educação além
do capital por ser ampla, é a “aprendizagem da própria vida” (p.53), processo pelo qual
as experiências das instituições formais se integrassem com aquelas, que acontecem na
interação com a natureza, denominadas constitutivas e que somente se desenvolvem
quando não há coerção.
No ano de 2010, o VIII Seminário Internacional da REDE ESTRADO, a Educação
Física englobou: prática pedagógica de extensão universitária (Eixo 8), formação inicial
e construção do idioma pedagógico (Eixo 1). Em 2012 (IX Edição), percepções de alunos
da educação de jovens e adultos (Eixo 1), políticas de regulação da carreira docente (Eixo
2), conhecimento científico na ação pedagógica (Eixo 9), diversidade e violência (Eixo
11).
Quando ocorreu a abordagem pelo materialismo histórico-dialético, esta se
manifestou mais pelo referencial teórico do que pelos pressupostos metodológicos. Ainda
assim, é uma forma de conscientização da realidade, e como o próprio Marx (2013) expõe
no Primeiro Prefácio de “O Capital”, as classes dominantes começam a pressentir que “a
sociedade atual não é um ser petrificado, mas um organismo capaz de mudam,
constantemente submetido ao processo de transformação” (p.18). Várias circunstâncias
| 120
de regulação e controle do capital na educação são abertamente evidenciadas pelas
produções científicas, fato que demonstra o exercício da compreensão concreta da
realidade para o encaminhamento de proposições pedagógicas que valorizem o
desenvolvimento essencial dos ser humano.
As alternativas de superação dos mecanismos de controle, a busca de novas
pedagogias emancipadoras se justificam pela necessidade de uma compreensão dialética
da sociedade, pois “a circulação do capital tem efeitos sobre o corpo (pessoa,

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subjetividade) e acontece em diferentes momentos do consumo produtivo, da troca e do
consumo individual” (HARVEY, 2000, p. 136).
Percebe-se que são escassas as publicações nas quais o “Trabalho Pedagógico” e
a “Educação Física” estejam relacionados, especialmente embasados no materialismo
histórico-dialético. Embora sejam reconhecidos estudos de natureza dialética materialista,
necessita-se que essas temáticas estejam presentes nos eventos de grande circulação, para
que se aprofundem as discussões por meio do intercâmbio acadêmico em todos os âmbitos
da educação.

5 Pressupostos conclusivos

Buscou-se com o aporte teórico, a argumentação marxiana e de marxistas


contemporâneos para explicitar a luta de classes, o modo de produção, a acumulação de
capital e como essas categorias organizam a sociedade e a educação. Também foi
apresentado método dialético materialista, evidenciando elementos de caráter
metodológico. Por meio desse enfoque teórico-metodológico, discutiu-se o Trabalho
Pedagógico e a Educação Física, como as categorias se constituem nas investigações, suas
significações no cerne dos processos educativos e da escola.
Conforme exposto, o trabalho pedagógico é reconhecido por articular além das
especificidades da Pedagogia, as manifestações históricas, políticas e culturais. Centra-se
na produção de conhecimento que acontece na escola, valoriza as relações que ocorrem
na sala de aula, porém extrapola ao incorporar em sua constituição elementos que
permeiam a vida social, o desenvolvimento do ser humano como individual e social.
| 121
Este ser humano e a escola situam-se em uma sociedade dominante, que prioriza
o capital, em detrimento à formação humana. Para expandir-se, o sistema possui diversos
mecanismos de regulação e controle, que interferem de forma decisiva nas condições de
vida das pessoas. Por consequência, o capital formula uma educação hegemônica, que
serve aos propósitos mercadológicos. Nesse contexto educativo capitalista também está
a Educação Física, que tem seus objetos de estudo (corpo e movimento) constantemente
influenciados por práticas reducionistas.

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A alternativa para a superação da educação hegemônica é a elaboração de uma
nova pedagogia, que articule consciência e criticidade, fundamentada em um movimento
dialético que busque formulações emancipadoras do real. Considerando essas questões,
foram analisadas as publicações, na busca de uma leitura dialético-marxista das situações
pesquisadas.
Foi possível perceber que na REDE ESTRADO existe uma intensa produção
acadêmica sobre trabalho e educação. São temas frequentes as intervenções estatais,
privadas, a elaboração de planos, políticas públicas e o trabalho docente. A maioria desses
temas, abordados através do materialismo histórico-dialético, fato que resulta de uma
construção histórica de pesquisadores que desde a década de 1990, vem intensificado a
constituição escritos seguindo essa abordagem.
Dentre os temas mais pesquisados nos eventos, está o trabalho docente,
compreendido no âmbito das condições diretas que influenciam a concretização de seu
produto, que é o conhecimento. Para os fins desse estudo, compreende-se que o trabalho
do professor constituiu-se de relações mais complexas, o que justificaria o entendimento
desse trabalho como pedagógico. Nessa perspectiva, foram poucas as produções
acadêmicas encontradas. Um dos principais motivos destacados é a conceitual, pois
trabalho docente e trabalho pedagógico frequentemente são apresentados como
sinônimos.
Por sua vez, a Educação Física possui um enfoque mais direcionado às práticas
pedagógicas, adentrando em poucas discussões no trabalho dos professores. Também são
mínimas as pesquisas que articulam o Trabalho Pedagógico e a Educação Física, fato que
demanda reflexão sobre os caminhos investigativos dos já mencionados eventos e campo
| 122
de produção acadêmica.
As questões aqui apresentadas pretendem integrar o espaço que concerne às
discussões sobre as pesquisas em educação. Certamente o tema não está esgotado, pois
ainda são poucas as produções que seguem este enfoque. Nesse sentido, assim como no
movimento dialético, pretendeu-se debater e apresentar um argumento, que encaminhará
novas ideias no campo do trabalho e educação.

6 Referências

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TRABALHO DOCENTE E PNE: desafios à valorização profissional
04, 05 e 06 de abril de 2016
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A INTERVENÇÃO DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS
NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO BRASIL

Vanessa Taís Eloy, URI, E-mail: vanessataiseloy2@hotmail.com


Edite Maria Sudbrack, URI, E-mail: sudbrack@uri.edu.br
Silvia Regina Canan, URI, E-mail: Silvia@uri.edu.br

Resumo: O trabalho em voga objetiva apresentar as influências dos organismos


internacionais sobre as políticas públicas do Brasil, bem como, a relação entre o poder
central e o poder local em território nacional, buscando identificar os percalços que a
educação enfrenta até chegar ao objetivo final que é o aprendizado do aluno. O principal
desafio que encontramos, refere-se à necessidade do sistema educacional brasileiro em
buscar por financiamentos em organismos internacionais para cumprirem com o acesso e
permanência a escola para toda a população brasileira à educação básica. Em troca de
financiamentos o Banco Mundial, que é hoje o maior provedor de crédito financeiro para
países capitalistas em desenvolvimento, os países endividados, assim como o Brasil,
precisam estabelecer políticas públicas que vem ao encontro das prioridades do Banco,
seguindo suas regras e normas e consequentemente perdendo a sua autonomia na
construção das políticas públicas nacionais.

Palavras-Chave: Organismos Internacionais. Políticas Públicas. Banco Mundial.

INTRODUÇÃO

A intervenção dos organismos internacionais sobre as políticas públicas brasileiras


se dá pela necessidade de financiamento para a implantação de políticas, além de já
estarmos comprometidos com o Banco Mundial pelas dívidas que o país possui a este
provedor de crédito. O Banco Mundial veio ampliando as suas funções e com isso o | 125

financiamento para países em desenvolvimento vem acompanhado de exigências de


legislações a serem cumpridas nacionalmente para a obtenção de crédito.
Este trabalho debruça-se em buscar um apanhado de referenciais teóricos, que
explicam a relação entre os organismos internacionais e o Brasil, bem como, entre o poder
central e o poder local no território nacional. A metodologia utilizada consistiu numa
conformação teórica que aborda a problemática em estudo
Na primeira parte, o estudo preocupa-se em contextualizar a situação do Brasil
perante os organismos internacionais, em especial o Banco Mundial, que exerce uma forte

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influência nas políticas públicas nacionais. O Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional em decorrência da incapacidade de pagamento de dívidas externas dos
Estados da América Latina interveio por meio de planos de estabilização, ajustes
estruturais e reformas institucionais, que segundo Silva: “Essa macropolítica, voltada para
o ajustamento do modelo de desenvolvimento econômico, estendeu-se às políticas sociais
e educacionais, de modo que o ajuste econômico foi acompanhado pelo ajuste social.”
(2002, p. 5).
Neste embate de interesses políticos e econômicos, a educação fica a mercê de
instituições financeiras que tratam o ensino como uma mercadoria, em que os interesses
estão no econômico e não na qualidade de ensino da população em geral. O sistema de
educação passa por muitas influências até chegar ao poder local, o que impede as escolas,
muitas vezes, de vivenciar no ensino a identidade daquele local.
O poder local perante o poder central no Brasil é a segunda parte do estudo, em que
se identifica que não bastasse às intervenções dos organismos internacionais, no Brasil,
não existe um sistema de cooperação entre os entes federados que contribua para uma
educação de qualidade, revelando os percalços da educação até chegar ao poder local que
é o que pode definir a educação em sua prática. Segundo Dourado e Amaral (2011 p.
297), “[...] aperfeiçoar o regime de colaboração entre os sistemas de ensino no Brasil é
uma necessidade histórica, garantindo ações coordenadas entre os entes federados e
possibilitando o compartilhamento de responsabilidades.” Por fim, procuramos elucidar
algumas reflexões apreendidas na realização deste trabalho.

| 126
2. OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS COMO INDUTORES DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

A educação em nosso país está relacionada de forma direta e indiretamente aos


organismos externos, possuindo uma grande influência na legislação e financiamento da
nossa educação. O Banco Mundial considerado hoje como o maior provedor de crédito
aos países em desenvolvimento, intervém á esses mesmos países devedores com proposta
de “ajuda” no que se refere ao financiamento das políticas públicas com ênfase para as
políticas educacionais.

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As políticas públicas são o meio utilizado como direcionamento para o controle
social, visando o bem comum dentro de um Estado Democrático, através da participação
dos entes públicos e da sociedade em geral. Para que seus objetivos sejam atendidos é
necessário não somente vontade política, mas também gestão adequada e financiamento
a cada projeto.
Segundo Silva (2002, p. 52) o Banco Mundial foi criado “[...] sob os destroços da
Segunda Guerra Mundial, tornou-se o maior provedor de crédito financeiro para os
Estados em desenvolvimento com graves déficits sociais e principalmente catalisador de
recursos em outras fontes existentes no mercado mundial de capitais”. Nesse sentido, para
os Estados em desenvolvimento obterem financiamento do Banco Mundial eles precisam
estabelecer políticas públicas que vem ao encontro com as prioridades do Banco,
cumprindo com suas regras e normas.
Silva (2002, p. 85), ao relatar sobre o documento do Banco Mundial de 1992,
destaca que o mesmo estabeleceu:

[...] as opções de políticas educacionais para melhorar a eficácia das escolas


nos Estados capitalistas em desenvolvimento. Afirma-se, no documento, que
as opções estão baseadas em investigações e avaliações anteriores, tomando
em conta as diversas condições e antecedentes de cada país, concluindo com
expressas políticas educacionais a serem executadas pelos Estados devedores.
O que os documentos omitem são as particularidades, a memória, as
experiências, as necessidades e a cultura de cada país. Desconsideram também
os estudos comparados em educação, fundamentados em princípios filosóficos
que apregoam ser os fatores invisíveis e os externos determinantes dos sistemas
nacionais de ensino.

Deste modo, tais políticas exigidas pelo Banco Mundial seguem, ou estão definidas
conforme a ideologia e hegemonia econômica neoliberal. Essa ideologia econômica é | 127

diretamente inserida na lógica das ações políticas de países menos favorecidos, os quais
necessitam “consentir” e “aceitar” imposições a fim da viabilização de recursos
financeiros. Assim, as políticas públicas são pensadas a partir da intervenção desses
organismos internacionais, sendo que, os estados nacionais necessitam possuir
capacidade de financiamento, nem que para isso seja necessário abrir mão de
particularidades importantes de seu país.
O documento do Banco Mundial revela que o mesmo vem ampliando suas funções
técnicas e financeiras, assumindo cada vez mais o papel político, em que, como Silva

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(2002) já nos relatou, leva em consideração avaliações anteriores, omitindo
particularidades importantes dos países devedores na formulação de políticas em que os
mesmos devem seguir para obter financiamentos.
Deste Modo, as políticas públicas para a educação no Brasil são resultantes segundo
Silva (2002, p. 5) de três elementos assim citados:

[...] as políticas para a educação pública são resultantes, em primeiro lugar, das
imposições das instituições internacionais, particularmente do Banco Mundial,
nas prescrições socioeducacionais, não apenas pelo montante financeiro de que
dispõe, mas pela capacidade de gerenciar e manipular o consentimento dos
governados; em segundo lugar, resultam da capacidade de as entidades,
associações, organizações e sindicatos avançarem na direção almejada pelas
forças social opositoras; e em terceiro, das práticas pedagógicas inventadas, no
interior de uma escola pública, em que se conjugam histórias de vida,
identidades, valores, concepções teóricas, culturas e saberes.

O que demonstra as prioridades que devem ser seguidas das políticas públicas para
o cumprimentos das normas estabelecidas pelo Banco Mundial, ficando em terceiro e
último lugar aqui citado, a prática pedagógica alicerçada pela identidade e saberes
construídos durante os anos pela população local que é a que utiliza o espaço escolar e
constrói uma história junto com o mesmo.
Referente a relação do governo brasileiro com os gestores do Banco Internacional
de Reconstrução e Desenvolvimento-BIRD ou Banco Mundial têm sido de conflitos,
hierárquicos e por consequência, quase sempre, de subordinação desde a aprovação de
seu primeiro empréstimo em 1946, no valor de 75 milhões de dólares. Nessas duas últimas
décadas, foram aprovados empréstimos destinados ao ensino fundamental para as regiões
sul, sudeste, nordeste e centro-oeste (SILVA, 2002). Segundo Fonseca (2015, p. 2), o
| 128
BIRD em relação ao setor público brasileiro atua como:

[...] agência financiadora de projetos para a área de infra-estrutura econômica


desde o final da década de 40, sendo que seus créditos representam pouco mais
que 10% da dívida externa do país. A importância central do Banco ampliou-
se, a partir dos anos 70, quando passou a constituir uma das mais relevantes
fontes de financiamento para o setor social, senão a maior delas.

O interesse pelo financiamento no setor social gira em torno de obter prestígio de


outras agências internacionais, como as ligadas à ONU. Para tanto, o Banco Mundial atua
juntamente com o FMI nos ajustes estruturais rumo a globalização econômica dos Estados

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membros. O Banco, como articulador político entre os países do terceiro mundo, possui
grande responsabilidade perante as necessidades enfrentadas pelos países devedores,
porém, a articulação de leis imposta pelo Banco é realizada sem um estudo aprofundado
do país a ser implantado, não suprindo assim as verdadeiras necessidades do poder local.
Fonseca, ao observar as funções de dualidade entre o FMI e o Banco Mundial por
um ângulo Histórico e pela continuação dessa divisão de papeis entre as duas agências
destaca que:

Ao FMI cabia a fixação de políticas e normas para o desenvolvimento,


enquanto o BIRD funcionava como agência de financiamento e de assistência
técnica para projetos setoriais específicos. Ainda hoje, a dualidade de papéis
existe formalmente: ao FMI cabe a concessão de empréstimos de curto prazo
para questões macroeconômicas, a fixação de códigos de conduta política para
os países credores e a definição de pré-condições para os créditos do Banco. O
BIRD atua como agência de financiamento a longo prazo e de assistência
técnica para projetos econômicos e sociais específicos. (FONSECA, 1998, p.
2)

Deste modo, podemos identificar que a divisão de papéis entre o FMI e o BIRD
vem sofrendo modificações, e que o BIRD vem ampliando suas funções e exercendo,
cada vez mais, uma dominação perante aos países em desenvolvimento, atuando como
órgão político central, coordenando de certo modo, o processo global de
desenvolvimento. Para tanto, o Banco Mundial, vem elaborando documentos políticos,
em que destaca a área da política econômica e social, sinalizando uma relação com as
nações-membros.
Nesse jogo de interesses econômicos e políticos presente na conjuntura do Banco
Mundial, os Estados Unidos possui maior poder sobre o BIRD, já que é o único país que
| 129
possui o poder de veto de qualquer decisão, pois possui um número majoritário na cúpula
das instituições multilaterais, o que permite ao mesmo manter poder de dominação sobre
os Estados da Américo Latina. Isto se deu, segundo Silva (2002, p. 42), “[...] pela prática
da intervenção e da subordinação construída ao longo dos anos e escamoteada sob a forma
financeira de assistência econômica, de programas de combate e aliviamento da pobreza,
sob condições predeterminadas e com cobranças de juros crescentes”.
Os Estados Unidos é visto pelo Brasil, e demais países em desenvolvimento, como
uma potência mundial tanto econômica, como política, deste modo, muitas políticas

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educacionais daquele país são copiadas, sem ao menos considerar as particularidades
nacionais, como sendo políticas exemplares para a educação. No entanto, como podemos
identificar no livro Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano de Diane
Ravitch, que foi conselheira e secretária-adjunta do Departamento da Educação dos
Estados Unidos, demostra que a educação nos neste país não tem colhidos bons resultados
das políticas que estamos copiando.
Citando algumas dessas políticas, Ravitch (2011, p. 23) em seu depoimento destaca
que: “[...] eu defendi que certas mudanças administrativas e estruturais – ou seja, escolha
escolar, escolas autônomas, pagamento por mérito e responsabilização – iriam ajudar a
reformar as nossas escolas.” Tais mudanças serviam ao princípio básico no mundo
empresarial, que a historiadora estava sendo influenciada pela ideologia conservadora a
acreditar que tais princípios seriam capazes de trazer melhorias ao sistema escolar
americano. Diane Ravitch, destaca ainda que:

Eu estava cada vez mais ressentida tanto com o movimento para escolha
escolar como pelo movimento de responsabilização. Eu estava começando a
ver o lado ruim de ambos e compreender que não eram soluções para nossos
dilemas educacionais. Enquanto assistia aos movimentos ganharem força pelo
país, concluí que o currículo e o ensino eram bem mais importantes do que a
escolha e a responsabilização. (RAVITCH, 2011, p. 27)

O Brasil hoje, está passando pela mesma ilusão de que a autora relata, achando
que o mundo empresarial poderá comandar a educação. Estamos implantando políticas
fracassadas dos Estados Unidos por entender aquele país como um exemplo de gestão a
ser seguido, sem ao menos estudarmos de forma aprofundada as suas políticas e os
resultados que as mesmas obtiveram. | 130
A política de responsabilização, já implantada em alguns estados do nosso país,
demostra uma preocupação no resultado de uma avaliação, que irá resultar no salário de
seus professores e nos recursos que a escola irá ganhar, e não na aprendizagem dos alunos.
Para alcançar um resultado positivo, os professores, muitas vezes, priorizar as disciplinas
que são avaliadas, que no caso são as disciplinas de português e matemática (o plano
“Nenhuma Criança Fica para Trás” do governo George W. Bush dos Estados Unidos
também avalia apenas das duas disciplinas e possui uma política de responsabilização
muito parecida), ficando o aprendizado dos alunos nas demais disciplinas prejudicado,

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como se fossem menos importantes que o português e a matemática cobrados na
avaliação.
O documento da Pátria Educadora, que hoje está engavetado diante da repercussão
negativa que o mesmo obteve, é outra política que fracassou nos Estados Unidos. Uma
política em que a educação seria financiada e comandada por empresas que até então não
possuem relação alguma com o meio educacional, transformando a educação em
mercadoria e a escola em empresa. Como podemos identificar no primeiro item do título
“Ponto de Partida” que é parte do documento da Pátria Educadora, eu que consta:

1. Aproveitar e ultrapassar o exemplo do que deu certo. Nos últimos anos o


Brasil viu grande número de experimentos na tentativa de melhorar os
resultados do ensino público. Muitos destes experimentos seguiram lógica de
eficiência empresarial, valendo-se de práticas como a fixação de metas de
desempenho, a continuidade da avaliação, o uso de incentivos e de métodos de
cobrança, o acompanhamento e, quando necessário, o afastamento de diretores,
a despolitização da escolha de diretores e a individualização do ensino,
especialmente para alunos em dificuldade. (BRASIL, 2015 p. 5 )

Segundo o que o documento nos trás, podemos identificar que a política com
lógica empresarial é relatada como algo que já deu certo, mas que na prática não há
evidências concretas de uma experiência de grande porte em relação à lógica empresarial
que tenha funcionado no Brasil, a não ser a dos Estados Unidos, em que fundações criadas
por empreendedores bem-sucedidos que desejavam transformar a educação americana,
em que a própria Diane Ravitch relata a política como uma experiência fracassada, que
desestruturou o sistema escolar sem trazer benefícios ao ensino, já que a educação era
pensada com vistas ao econômico e ao sistema mercadológico.
Diste dessas evidências, podemos identificar o quanto o Brasil é influenciado nas
| 131
suas políticas públicas pelo país norte americano. É um mercado de legislações que pouco
se analisa os resultados possíveis de serem alcançados em nosso país. Na apresentação
do livro lançado no Brasil de Diane Ravitch, José Clóvis de Azevedo faz um importante
comentário a este respeito, destacando o poder do mercado e da economia sobre a
educação, dizendo que:

O fracasso da educação americana baseada nos parâmetros do mercado é uma


lição que devemos aprender. É preocupante as forças das tentativas de
implantar esse modelo na educação brasileira. Vemos hoje uma tentativa de
economização da educação brasileira. O tema da educação passa a ser pautado

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na grande mídia por economistas, consultores corporativos e de grandes
fundações empresariais. Não são mais os pesquisadores, os acadêmicos da área
educacional os preferidos pela mídia para o debate educacional, salvo
exceções. Cada vez mais o debate educacional está contaminado pela ideologia
de mercado. Tenta-se impor a educação os métodos gerenciais praticados nas
empresas, o que significaria submeter a formação humana aos ditames do
mercado, ao calculo de custos. Esses propósitos ideológicos não levam em
conta que o objeto da produção empresarial é completamente distinto do objeto
da escola. O objeto da empresa produz coisas físicas, enquanto o objeto da
educação é também sujeito, um conjunto de pessoa que tem história, que sente
dor, prazer, que chora, que tem alegria, cultura, subjetividade, razão e emoção.
(2011, p. 14)

A reflexão de Azevedo é bem pertinente em relação a tentativas de tratar a


educação de acordo com os parâmetros de mercado. Como se fosse possível comercializar
o ensino como um produto. É certo que os gestores de escolas e secretarias de educação
precisam ser conhecedores do financeiro para a sustentação do meio escolar, no entanto,
não podemos desmerecer os conhecimentos pedagógicos que devem ser prioritários na
gerencia do ambiente escolar, e não permitir que economistas tomem conta de funções
educacionais que são muito mais complexas do que a contabilidade que também é
necessária, mas que é apenas parte do todo, não o resultado final.

3. O CONTEXTO DO PODER LOCAL PERANTE A EDUCAÇÃO


BRASILEIRA

Além dos organismos locais terem que enfrentar a influência dos organismos
internacionais, eles enfrentam também o poder central de dentro do nosso país, o que é
importante para haver uma organização da educação em território nacional, mas que por | 132

vezes, impede o poder educacional local de agir conforme a sua realidade e obter
resultados mais significativos para a população ali inserida.
O Brasil diante da incorporação de elementos da agenda educacional global e
manifestando as particularidades locais, vem acelerando o processo que Vieira (2011)
chama de “descentralização que vem do centro”, em que há uma falsa autonomia dos
agentes do poder local que na realidade são controlados pelo poder central referente às
políticas e a gestão educacional e escolar.

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O poder local hoje é representado pelos municípios, distritos, bairros, ou seja,
órgãos com poder de decisão que estão mais próximos aos cidadãos, o problema é que o
poder local esbarra muitas vezes no poder central que limita e domina o poder local. Este
embate entre o poder local e central inicia no Brasil na chegada dos Portugueses a essas
terras, que viam o território e seus habitantes como algo a ser conquistado e convertido.
E assim se fez, desde aquela época os Europeus comandam muitas de nossas leis e se
apoderam de nossas riquezas, que hoje estão em forma de pagamento de dívidas que
nunca terminam.
Vieira ao relatar as duas esferas de poder salienta que:

A expressão poder local remete à existência de outra esfera de poder e, de


modo específico, por oposição, à noção de poder central. Esta não é uma
questão trivial – a reflexão sobre ‘poder’ remete a conceitos técnicos que
ultrapassam o campo da educação. Ao mesmo tempo, a ciência de tais
diferenças, torna impossível ignorar os dois polos de tal oposição que, em
movimento de permanente tensão, se opõem e se complementam. (2011, p.
126)

O poder local e o poder central representam diferentes esferas da vida pública,


remetendo a noção de hierarquia. Historicamente, a noção de poder local no Brasil está
vinculada ao exercício do poder político, que era realizado pelo coronelismo,
patrimonialismo e personalismo. Hoje, em circunstâncias mais democráticas, fica a cargo
da participação da sociedade civil e dos movimentos sociais que resignificam as formas
de articulação com a sociedade política. Na perspectiva progressista, o poder local tem
forte potencial de intervenção positiva no destino da vida pública.
Vieira (2011) ao trazer sobre o poder local e educação no Brasil destaca que foi
apenas em 1827 sob a égide da primeira lei de educação nacional que se deu a permissão | 133

para o inicio do poder local e em 1834 o consentimento às câmeras municipais a


atribuição de legislar sobre matérias educacionais.
Após a ditadura militar ocorreu uma abertura democrática, em que a autora
contextualiza as conquistas perante as instâncias locais:

Se no passado o papel das diferentes esferas do poder público deixou margem


a dúvida e, consequentemente, a múltiplas interpretações sobre o papel das
instâncias locais, com o advento da Constituição de 1988 e da legislação
educacional que a regulamentou, tal situação mudou. Com a Ementa
Constitucional n. 14/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

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(LDB) (lei n. 9394/96) e a lei n. 9424/94 que instituiu o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento de Educação Fundamental e de Valorização do Magistério
(Fundef), cria-se a base jurídica sobre a qual se fortaleceu os alicerces do poder
local no campo educacional. (VIEIRA, 2011, p. 128)

Referente ao poder local na educação, a legislação é clara ao determinar que cabe


aos municípios e estados a responsabilidade pela educação básica, e o que cabe
especificamente a cada um, ampliando assim, o poder local no que se refere à oferta do
ensino. Ser responsável em oferecer um determinado nível de educação básica não
significa, porém, ter autonomia da administração do nível em que lhe compete, já que o
poder central define as políticas educacionais, prevista apenas uma pequena margem de
possibilidade e de inovação por parte do poder local, cabendo a União à responsabilidade
pela definição de políticas nacionais de educação, a avaliação e manutenção dos sistemas
educacionais que corresponde praticamente a educação superior federal.
É importante trazer algumas reflexões sobre questões que se evidenciam nesse
senário como: em que medida as soluções globais oferecem alternativas aos problemas
locais?; dentro dos parâmetros nacionais, como são observadas as peculiaridades de
diferentes populações a serem beneficiadas pela educação escolar?; se as tramas do poder
local escapam ao poder central, haveriam alternativas em termos de gestão da política
educacional?
Alguns fatos trazidos por autores demonstram que o estado do poder local não é tão
desesperador quanto parece em que mesmo diante de margens pequenas de autonomia
inúmeros municípios brasileiros têm sido reconhecidos pela gestão inovadora, mas que
por questões relativas a dinâmica local, e também com relação ao poder central, muitas
práticas positivas não tem continuidade ao passar do ciclo em que uma nova gestão
| 134
assume o comando. Demonstrando a carência que temos de planejamento a longo prozo
por políticas de governo, o que faz com que tenhamos políticas não consolidadas e com
poucos resultados já que o ciclo de execução é muito pequeno.
Segundo Dourado e Amaral (2011, p. 297)

O quadro é marcado pela complexa dinâmica constitutiva do Estado brasileiro,


de natureza ainda patrimonial- apesar dos avanços nos direitos sociais – com a
não regulamentação do regime de colaboração, preconizado pela Constituição
Federal de 1998, e regulações assimétricas entre os entes federados, o que
impede o avanço na cooperação entre União, estados, Distrito Federal e
municípios.

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O aperfeiçoamento do regime de colaboração entre os sistemas de ensino brasileiro
é uma necessidade histórica. A descentralização/centralização entre os entes federados
prejudica o sistema de ensino nacional que por não ser compartilhado ocorre uma disputa
de poder que só afasta os entes federados ao invés de uni-los no sistema de ensino. O
compartilhamento de responsabilidades entre a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios proporcionaria ações coordenadas entre os mesmos, assegurando a unidade
nacional e um ensino de qualidade.
A universalização do ensino obrigatório e da expansão do ensino médio foi um
grande avanço na educação do nosso país, porém, ainda enfrenta dificuldades na
distribuição de oportunidades educacionais. O regime democrático trouxe uma maior
participação dos atores locais sobre os destinos da gestão pública, destacando-se: “As
iniciativas de orçamento participativo, os conselhos de acompanhamentos de contas
públicas e outros instrumentos de controle social que podem ser acionados em favor do
poder local.” (VIEIRA, 2011, p. 130). Instrumentos esses muito importantes para o poder
local quando não são utilizados em favor de interesses individualizados.
O principal impasse dos municípios se refere a dependência financeira deste perante
o Estado e a União para a sua sobrevivência, precisando, muitas vezes, abrir mão da pouca
autonomia que tem para garantir a oferta do ensino.
A disputa por alunos entre estados e municípios que buscam por maiores recursos
enfraquecem o ensino público que precisa se preocupar com quantidade, não
prevalecendo a qualidade que deveria ser o grande foco da educação em geral. A
complexidade do sistema de ensino do Brasil é destacada por Vieira (2011, p. 131) como
| 135
sendo:

[...] o sistema federativo brasileiro é complexo e com frequência estados e


municípios exercem funções concorrentes com efeito negativo sobre o bom
desenvolvimento do projeto educativo. A União e os estados não estão isentos
de tais ameaças – o caso dos sistemas de avaliação nacional e estaduais bem
ilustra esta possibilidade. A medida em que são construídas estruturas mais
robustas de avaliação alguns sinais de duplicidade começam a se configurar.

É importante destacar que o poder local é o espaço em que o cidadão tem voz e vez,
em que possui direitos e deveres, e é por este local de democracia que a população precisa

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lutar, para assim obter políticas locais e gestão escolar que viabilizem o desenvolvimento
da educação e consequentemente da sociedade que ali está inserida, buscando a garantia
de seus direitos e da preservação da sua identidade e da identidade local em que habita e
projeta seu futuro, não sendo mais uma vítima do sistema que busca centralizar o ensino
engessando as perspectivas locais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos estudos realizados referente aos organismos internacionais e a


influência que os mesmos exercem sobre as políticas nacionais, podemos identificar como
o sistema educacional brasileiro é dependente dos organismos externos e como isso
repercute na prática educacional.
O Banco Mundial estabeleceu políticas educacionais que visam melhorar a
eficácia da educação dos países capitalistas em desenvolvimento, e que estas políticas
teriam sido construídas a partir de investigações e avaliações anteriores, omitindo as
particularidades, a identidade e a cultura de cada país. Tais políticas deveriam ser
executadas pelos países devedores, o que demonstra a influência não só econômica, mas
política do Banco Mundial sobre os países em desenvolvimento que necessitam de auxilio
financeiro e que com isso se submetem as exigências do órgão financiador.
Segundo Silva (2002, p. 96) “Os Projetos do Banco Mundial são de intervenção
sistemática e seus padrões de empréstimos e de juros condicionam os devedores a estudos
preliminares e a resultados a serem alcançados”. O que vem a comprovar e justificar a
| 136
falta de autonomia que possuímos ao estabelecimento de metas e políticas que poderiam
favorecer o pode local perante a valorização de suas individualidades.
O poder local, como podemos identificar durante o texto, é a esfera mais próxima
da população, em que se reivindica as necessidade perante as particularidades daquela
sociedade. Porém, esse mesmo poder local precisa cumprir políticas nacionais, que como
já vimos são influenciadas por organismos internacionais, ficando muitas vezes aquém as
necessidades sentidas pela população local. Deste modo, podemos identificar a falta de

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autonomia das autoridades nacionais e mais ainda das autoridades locais que precisam se
submeter ao poder central.
Mesmo com tantas influências perante a educação do nosso país, é possível
identificarmos práticas positivas e evoluções no sistema educacional, o que nos faz
acreditar que é possível incorporar ações que beneficiam a educação e com isso ir em
busca de margens maiores de autonomia para as escolas poderem evoluir de acordo com
as necessidades sentidas pela sociedade e valorizando a história, a identidade e a cultura
da população local que no ambiente escolar busca uma educação de qualidade enraizada
na realidade encontrada.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Pátria Educadora: a qualificação do Ensino Básico como obra de construção


nacional. Versão Preliminar. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Presidência da
República. Versão Preliminar. Brasília, 22 de abril de 2015. Disponível em:
http://www.sae.gov.br/category/assuntos/educacao/patria-educadora/. Acesso em
06.01.2016.

DOURADO, Luiz Fernandes; AMARAL, Nelson Cardoso. Financiamento e gestão da


Educação e o PNE 2011-2020: avaliação e perspectivas. In. DOURADO, L.F. (Org.).
Plano Nacional de Educação (2011-2020): avaliação e perspectivas. 2. ed. Goiânia: UFG;
Belo Horizonte: Autêntica, 2011, P.285-315.

FONSECA, Marília O Banco Mundial como referência para a justiça social no


terceiro mundo: evidências do caso brasileiro. In: Revista da Faculdade de
Educação, v.24 , n.1 , São Paulo Jan./Jun. 1998
| 137
RAVITCH, Diane. Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes
padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação. Porto Alegre: Sulina, 2011.

SILVA, Maria Abádia da. Intervenção e consentimento: a política educacional do


Banco Mundial. Campinas/SP: Fapesp, 2002.

VIEIRA, Sofia Lerche. Poder local e educação no Brasil: dimensões e tensões. 2011.

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MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E
INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR:
PANORAMAS E INTERFACES
Robson dos Santos Bastos
PPGED/GESTRADO/UFPA, email: robsonbastos@hotmail.com

RESUMO
O presente estudo tem como objetivo desenvolver reflexões preliminares sobre o
panorama e as interfaces inerentes ao processo de mundialização do capital e a
Internacionalização da Educação Superior, desenvolvidas a partir das reestruturações da
teoria liberal na história da economia capitalista. Para tanto, utilizou-se da tradição
marxiana como método de investigação, no sentido de se aproximar da totalidade do
fenômeno, buscando ainda revelar as contradições sobre o objeto estudo. Desta forma, o
estudo desenvolve reflexões sobre a teoria liberal e sua reestruturação ao longo da história
e sua interface com processo de desenvolvimento da Internacionalização da Educação
Superior em curso na atualidade, situando nesse contexto alguns indicativos sobre a
realidade brasileira. Os resultados revelam que existem relações estruturais entre os dois
fenômenos, mas que sofrem modificações mediadas pelos diferentes sujeitos sociais.
Palavras-chave: Liberalismo, Mundialização do Capital e Internacionalização do
Ensino Superior.

INTRODUÇÃO

A Internacionalização da Educação Superior é um fenômeno que vem ganhando


destaque nas últimas décadas por se tratar de uma das estratégias adotadas pelo
capitalismo para o desenvolvimento do chamado “mundo globalizado”. No campo
acadêmico, diversos estudos buscam compreender e analisar este fenômeno a partir de
dados que revelam seus aspectos políticos, históricos e filosóficos, bem como suas
implicações no desenvolvimento de políticas educacionais direcionadas ao ensino
superior em diversos países, dentre esses, os da América Latina.
É importante compreender que esse fenômeno é parte de um contexto mais
| 138
amplo, uma estrutura elaborada e complexa, determinada por uma ideologia originária do
liberalismo clássico (teoria liberal) e que há mais de um século vem sendo aprimorada
até ganhar as dimensões globais atuais. Um processo que compõe o que Chesnais (1994)
chama de “a mundialização do capital” e que nada mais é do que a mundialização da
lógica capitalista, na qual o que prevalece são os interesses econômicos.
Portanto, para compreender a essência da Internacionalização da Educação
Superior, de modo a nos aproximar, o máximo possível, da totalidade do conhecimento
sobre sua estrutura, este estudo objetiva apresentar um panorama sobre o processo de
desenvolvimento da mundialização do capital e sua interface com a Internacionalização
da Educação Superior em curso na atualidade.

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Para alcançar o objetivo proposto, buscaremos desenvolver reflexões sobre dois
aspectos que compõem a estrutura desse fenômeno. Primeiramente abordaremos o
processo pelo qual a teoria liberal vem se reestruturando ao longo da história com o intuito
de consolidar a mundialização do sistema capitalista, situando nesse processo o contexto
macropolítico que originam as políticas neoconservadoras; em seguida, buscaremos
revelar as interfaces desse processo com o desenvolvimento da Internacionalização da
Educação Superior, apresentando ainda dados preliminares sobre a realidade brasileira.
Como estratégia metodológica, utilizamos a análise materialista-histórica sobre
o objeto, tendo como referência a tradição marxiana de estudo, por entender que este
método nos possibilita compreender a totalidade sobre o fenômeno, revelando suas
contradições, a partir de dados extraídos de estudos acadêmicos. Desta forma, nos
baseamos como referência, análises desenvolvidas por Alves (1999, 2012), Carnoy
(2003), Castro e Silva (2015), Chesnais (1997), Maués (2015), Orso (2007), Castro e
Silva (2015), Sguissardi (2014) além de outras produções.

A REESTRUTURAÇÃO DA TEORIA LIBERAL NO PROCESSO DE


MUNDIALIZAÇÃO CAPITALISTA

Para tratar sobre a reestruturação da teoria liberal ao longo dos anos partiremos
do pressuposto de que é um fenômeno que compõe a história da sociedade moderna,
portanto, está presente em nosso contexto sócio-histórico, determinando nossa vida, até
que um novo processo revolucionário “contra-hegemônico” (oriundo da classe
trabalhadora) derrube suas muralhas, destrua suas estruturas e elimine sua “hegemonia”.
Para isso é necessário compreender que o liberalismo não se constitui mais na atualidade
como ele surgiu (liberalismo clássico), pois é um fenômeno que passa ao longo da história
da sociedade moderna, adaptando-se às novas dinâmicas sociais e econômicas até chegar
ao que hoje se conveniou denominar de “neoliberalismo”.
O liberalismo tem sua gênese no processo de contraposição ao feudalismo, ao
medievalismo e ao absolutismo no período da baixa idade média (entre os séculos XI e
XV), tempo histórico em que inicia o desenvolvimento do empirismo, do racionalismo, | 139
da reforma religiosa, do antropocentrismo, além do surgimento dos burgos, do comércio
e das cidades (ORSO, 2007), dinâmica que problematizou o sistema feudal (o antigo
sistema inibia o desenvolvimento econômico) e que contribuiu para a elaboração de uma
nova concepção filosófica sobre a organização social. Essa nova ordem passa a ser
baseada na necessidade do indivíduo de garantir sua liberdade, até então presa aos
costumes e às autoridades, em que os esforços individuais poderiam produzir novas
formas de atividades econômicas.
A base da ideologia liberal “encontra-se radicada principalmente na propriedade
privada dos meios de produção, na competição, na concorrência, no individualismo, e na
defesa da liberdade de consciência e do livre mercado” (ORSO, 2007, p. 165). Desta

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forma, a “sociedade civil”24 é constituída com o intuito de garantir os direitos naturais do
indivíduo (a igualdade, a liberdade e a propriedade) e, dessa forma, a partir do século XV,
na Europa, o Estado Republicano se torna a referência em diversos países com o
pressuposto de garantir esses direitos.
É no processo de institucionalização desta nova sociedade, e partindo do
princípio de que o absolutismo inibia a liberdade política e econômica, que teóricos
importantes da filosofia liberal clássica, tais como Thomas Hobbes (1588-1679), John
Locke (1632-1704), François Quesnay (1694-1774), Adam Smith (1723-1790), David
Ricardo (1772-1823), Stuart Mill (1806-1873) e Roque Spencer (1820-1903)
desenvolvem princípios e diretrizes no sentido de garantir esses direitos e, assim, o Estado
passa a cumprir um papel importante nesse processo, pois é através dele que a lógica
liberal de sociedade pode ser desenvolvida e os objetivos políticos e econômicos
alcançados.
A partir da elaboração teórica desses intelectuais orgânicos25 da nova ordem
social, as estratégias políticas e ideológicas passam a ser elaboradas e desenvolvidas com
o intuito de atingir dimensões globais, sobretudo no mundo ocidental. Princípios
específicos, tais como o laissez-faire e laissez-passer26 (ou a mão invisível do Estado)
elaborados por François Quesnay e que tinham como premissa a mínima intervenção do
Estado, tornaram-se parte da construção teórica de pensadores liberais, desde Spencer,
passando por Smith, Ricardo e Mill. Teorias que em todo século XIX são tidas como
referência para o desenvolvimento de países que buscavam se adequar ao modelo
capitalista de sociedade, contudo, no início do século XX este mesmo modelo é
questionado pelos próprios capitalistas.
Segundo Orso (2007, p. 168),

a superação do feudalismo, a eliminação progressiva das barreiras e dos


entraves impostos pelo mercantilismo e a defesa do laissez-faire, da mão
invisível, conduziram a um período de progresso econômico e de expansão
social, entregue a total liberdade possível; o mercado revelou sua
irracionalidade e, de forma de desenvolvimento, transformou-se no seu
contrário, em cause da profunda crise no final dos anos de 1920 e início dos
anos 1930. O próprio laissez-faire e a mão invisível tornam-se ameaças ao
liberalismo e ao capitalismo.
| 140
A partir de 1920 o modelo capitalista de sociedade inicia um processo de
declínio, situação que se agrava com a crise econômica de 1929 nos Estados Unidos e
com o desenvolvimento da Segunda Grande Guerra nos países na Europa, ao passo que
nos países que adotaram o modelo socialista, estimulados pela revolução de 1917 na

24
Para Gramsci (2006) a “sociedade civil” é indissociável dos aparelhos privados de hegemonia – as
formas concretas de organização de visões de mundo, da consciência social, de formas de ser, de
sociabilidade e de cultura, adequadas aos interesses hegemônicos (burgueses), para o autor seu conceito
é inseparável da noção de totalidade, isto é, da luta entre as classes sociais, e integra sua reflexão sobre
o Estado ampliado.
25
Para Gramsci (2006) o intelectual orgânico é aquele que provém de sua classe social de origem e a ela
mantém-se vinculado ao atuar como porta-voz da ideologia e interesse de classe.
26
Termos da língua francesa que significam, literalmente, “deixai fazer, deixai ir, deixai passar”.

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Rússia e pela formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), viviam
uma situação de pleno emprego, grande desenvolvimento industrial, elevados níveis de
progresso social na saúde, educação, habitação, e, ainda, a expectativa de vida aumentada
e as desigualdades sociais reduzidas significativamente. Ou seja, havia agora outro
modelo de sociedade que se contrapunha à ideologia liberal de sociedade, um contexto
que fez com que os princípios, até então adotado pelos países capitalistas, fossem
reestruturados. Ou isso acontecia ou a deterioração do capitalismo era inevitável.
Com base nesse cenário e visando discutir a reconstrução e a reestruturação
econômica capitalista pós-guerra, os 44 países aliados que venceram o nazismo e o
fascismo na Europa, se reuniram em 1944 em Bretton Woods, nos EUA, com o intuito de
criar regras e instituições formais de ordenação do sistema monetário internacional que
possibilitassem a superação dos entraves impostos pelo antigo sistema ao comércio
internacional. Desta forma, regras comuns de comportamento político foram estruturadas
para que os países chegassem à estabilidade macroeconômica e superassem os entraves
do comércio internacional (CARVALHO, 2004).
Economistas liberais importantes como o britânico John
Maynard Keynes (1883-1946) e norte americano Harry Dexter White (1892-1948) –
apesar de apresentarem propostas diferentes que atendiam os interesses de seus países de
origem27 – foram fundamentais na elaboração das estratégias norte-americanas para
combater o avanço dos ideais comunistas na Europa e salvar a economia capitalista no
mundo. A partir das ideias de White e dos acordos de Bretton Woods, são criados, em
1946, o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Fundo
Monetário Internacional (FMI), momento em que o dólar norte-americano se torna a nova
moeda internacional e o estabelecimento de um regime monetário cambial é baseado em
taxas fixas. Para Hobsbawn (1995) essa foi uma das formas com que o EUA iniciou a
construção de sua hegemonia no mundo, enquanto o BIRD visava ajudar na reconstrução
econômica e no desenvolvimento dos países afetados pela guerra, o FMI tinha o papel de
ajudar as economias com dificuldades por meio de programas de recuperação, todavia
essas estratégias não eram suficientes para alcançar essa hegemonia.
Foi quando o EUA utiliza as propostas elaboradas pelo britânico John Keynes
para somar com as estratégias elaboradas em 1944 em Bretton Woods e, desta forma,
promover o desenvolvimento das economias capitalistas no velho continente, por meio | 141
do discurso de que pretendia promover uma ajuda humanitária aos povos desses países
arrasados pela guerra. É a partir das ideias de Keynes que nasce o Plano Marshall28, as

27
Keynes propôs a constituição de uma Câmara de Compensações Internacionais, que emitiria uma
moeda bancária, denominada “bancor”, a qual as moedas nacionais estariam subordinadas. Dessa
forma, facilitaria o crédito aos países que apresentassem déficits, ao passo que os superavitários
compensariam o crédito. Com isso o economista almejava impedir os ajustamentos deflacionários e
manter as economias nacionais no pleno-emprego. Já White propôs a criação de um Banco de
Reconstrução e Desenvolvimento e de um Fundo de Estabilização das Nações Unidas, que seriam as
sementes embrionárias do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Sua estratégia visava a
liberalização progressiva do comércio internacional, por meio da redução das barreiras tarifárias
(SAMPSON, 1981, p. 76).
28
Criado nos Estados Unidos, pelo então secretário de Estado George Marshall, foi um plano econômico
cujo principal objetivo era possibilitar a reconstrução dos países capitalistas da Europa após a Segunda

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políticas de welfare state29, e lógica do crescimento do Estado30, ou seja, para os liberais
norte-americanos a ordem do dia é expandir no contexto internacional uma nova
concepção de Estado (intervencionista) atrelado à lógica liberal, agora reestruturada,
inclusive utilizando algumas propostas desenvolvidas pelos países comunistas,
aumentando o desenvolvimento de políticas sociais.
O liberalismo keynesiano, utilizado pelo capitalismo norte-americano para
elaboração do Plano Marshall, passa por um processo de disseminação estabelecendo
relações políticas e econômicas a partir dos interesses estadunidenses. No Brasil, o
modelo keynesiano chega a influenciar a gestão de Getúlio Vargas, na década de 1940,
quando houve uma intervenção na economia cafeeira e no desenvolvimento de políticas
trabalhistas, promovendo vários benefícios aos trabalhadores, contudo, foram políticas
muito aquém das que foram elaboradas originalmente por Keynes (ORSO, 2007).
O modelo agora reestruturado do liberalismo norte-americano se torna referência
nos países capitalistas entre as décadas de 1940 e 1980, o objetivo central era o de
combater a tentativa de expansão do modelo socialista e, ao mesmo tempo, garantir a
hegemonia do modelo capitalista americano (isso vai durar o período da Guerra Fria),
contudo, a partir da década de 1970, uma sequência de episódios vai provocar novas
mudanças no quadro político e econômico das economias capitalistas no mundo, tais
como a crise da economia mundial31, a queda do muro de Berlim (entre 1989-1990) e a
dissolução da URSS, em 1991.
O capitalismo passa novamente por um momento muito crítico que, para Alves
(2012, s/p), “inaugurou uma nova temporalidade histórica do desenvolvimento
civilizatório, caracterizada por um conjunto de fenômenos sociais qualitativamente novos
que compõem a fenomenologia do capitalismo global”. Esse processo provoca outra uma
crise profunda no capitalismo mundial ou, como afirma Mészáros (2011), uma “crise
estrutural do capital”. A partir desse momento tem início outra etapa de desenvolvimento
do capitalismo, ainda mais perverso do que a de outrora, baseado em um liberalismo
neoconservador, que hoje se tem denominado de “neoliberalismo”, essa nova faceta é que

Guerra Mundial, por meio de ajuda financeira. A ajuda foi feita, principalmente, por meio de
empréstimos financeiros, com o intuito de fortalecer o capitalismo e a hegemonia dos Estados Unidos
no contexto da Guerra Fria. O Plano foi colocado em operação em 1947.
29
Em português significa “Estado de bem-estar social” ou “Estado social” e se caracteriza como uma | 142
organização política e econômica que coloca o Estado como agente de promoção social e organizador
da economia, para tanto, passa a estender alguns direitos sociais aos trabalhadores, principalmente nas
áreas de educação, saúde, infraestrutura, seguridade social, etc.
30
Segundo Orso (2007) , na lógica keynesiana o Estado deve ter um papel fundamental no estímulo à
economia, principalmente em momentos de crise e recessão econômica. Para ele, a intervenção do
Estado deve se dar no cumprimento de uma política que interfira na economia para que não haja
crescimento e descontrole da inflação.
31
Estiveram na origem da crise econômica no início dos anos 70: a desvalorização do dólar americano,
que servia de referência a todas as economias ocidentais desde a década de 40 e o aumento do preço do
petróleo pelos países árabes membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP). A Europa entra numa fase denominada de “estagflação”, isto é, uma combinação de uma
recessão com o aumento da inflação que causou inúmeras falências e a crise nas indústrias tradicionais
que contribuíram para a Revolução Industrial. Como consequência, instalou-se uma crise em escala
mundial, em que a produção industrial mundial diminuiu e houve um aumento generalizado dos preços
dos produtos.

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vai percorrer os últimos trinta e cinco anos e que nos projetou em outra dimensão do
capitalismo.
A consequência disso é um conjunto de ações macropolíticas originárias da
necessidade de reestruturação da produção capitalista. Nesse processo algumas
experiências governamentais foram essenciais, tais como os governos de Margareth
Thatcher na Inglaterra (1979-1990) e de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1981-1989),
ambos vão inaugurar novas formas de gestar o sistema capitalista, experiências estas que
elaboram o modelo neoliberal de conduzir a política econômica no mundo.
Propostas que pautavam programas de privatizações das empresas estatais, o
combate aos movimentos sindicais trabalhistas, políticas de austeridade à classe
trabalhadora, em contraposição às estratégias desenvolvidas durante a “revolução
keynesiana”, promovendo a diminuição dos benefícios sociais e o aumento do déficit
público, além disso, desenvolveram como política internacional ações de confronto aos
Estados do bloco socialista e aos regimes revolucionários do chamado “Terceiro Mundo”.
Dessa forma, tem início, no final dos anos 1990, o desenvolvimento de um processo mais
elaborado de internacionalização desse modelo, tendo como estratégias ações
macropolíticas desenvolvidas principalmente pelos organismos internacionais, que
buscam controlar também a subjetividade dos sujeitos no mundo.
Para Alves (2012, s/p, grifo do autor),

O sistema mundial do capital como sistema social global reestruturou-se


efetivamente numa dimensão inédita. Por exemplo, a nova reestruturação
produtiva do capital impulsionou um complexo de inovações organizacionais,
tecnológicas e sociometabólicas nas grandes empresas e na sociedade em geral
sob a direção moral-intelectual do “espírito do toyotismo”. A manipulação
reflexiva ou a “captura” da subjetividade tornou-se efetivamente o modo de
operar do controle sociometabólico do capital. A luta de classes e as derrotas
das forças políticas do trabalho na década de 1970 conduziram a reestruturação
política do capital, constituindo o Estado neoliberal e as políticas de
liberalização comercial e desregulamentação financeira; e o pós-modernismo
e o neopositivismo permearam a reestruturação cultural.

A partir dessas experiências e das intervenções de organismos internacionais, o


neoliberalismo passa ser a referência para o desenvolvimento de políticas econômicas de
outros países da Europa, tais como a Alemanha, a partir de 1982, a Dinamarca, a partir | 143
de 1983 e os demais países da Europa Ocidental, com exceção da Suécia e da Áustria. Na
América Latina, países como México, Argentina, Peru, Venezuela e Brasil também
passam a adotar, a partir do final da década de 1980, o neoliberalismo.
No Brasil, especificamente, o momento histórico que demarca a adoção dessa
ideologia no desenvolvimento das políticas econômicas é o governo de Fernando Collor
de Melo em 1990, que mesmo com o impeachment em 1992, o processo de
implementação de políticas neoliberais se manteve em curso, seja na gestão do seu
sucessor, Itamar Franco (1992-1994), com a implementação do Plano Real depois nas
duas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) quando teve início as
privatizações das estatais, reformas nas políticas sociais e a desregulamentação de direitos
trabalhistas; por conseguinte, também nas duas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva

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(2003-2010) quando houve uma reestruturação das privatizações, seja no ensino superior,
na forma de concessão de florestas públicas para o manejo privado, no desenvolvimento
da parceria público-privado, na “reforma agrária”, dentre outras políticas. Hoje, e já na
segunda gestão da presidenta Dilma Rousseff (eleita em 2010 e em 2014), esse processo
se mantêm em curso, um momento complicado para a classe trabalhadora, pois o peso da
austeridade recai de forma sistemática sobre os salários, o emprego, os benefícios sociais,
os serviços públicos, etc. (ORSO, 2007).
Isso se impõe pela lógica neoliberal que dissemina a ideia de que os
trabalhadores precisam ser taxados como a causa do atraso econômico, ou seja, o Estado
do bem-estar social não cabe mais aos interesses do capitalismo, por isso a reestruturação
produtiva, as privatizações dos bens públicos, a desregulamentação, a flexibilização dos
direitos trabalhistas e sociais, enfim, o desenvolvimento do Estado Mínimo para o Social
e Máximo para o Capital se torna a ordem do dia no desenvolvimento das políticas
neoliberais.

Analisando a história do liberalismo, pode-se dizer que ele se desenvolve, a


grosso modo, dentro de um processo que vai do liberalismo clássico (tese) ao
liberalismo intervencionista (antítese) e ao liberalismo que se desenvolve a
partir da metade da década de 1970 em diante, o ultraliberalismo (a síntese)
que articula os dois momentos anteriores e aparece com uma nova tese (ORSO,
2007, p. 175, grifo do autor).

O fato é que para o desenvolvimento do liberalismo atual (seja ele


neoliberalismo ou ultraliberalismo) existe um projeto de sociedade em curso, mais
elaborado do que o pensado pelos liberais clássicos no século XIX, perspectiva que nasce
na década de 1940, a partir das ideias do britânico Keynes e do norte americano White, e
vem tomando dimensões globais, principalmente a partir da década de 1970. Portanto, se
trata da busca, por parte da ideologia neoliberal, pela “mundialização do capital”.
Chesnais (1997) afirma que estamos vivenciando uma nova etapa, de proporção
mundial, de acumulação do capital, que mudou/aprimorou o funcionamento do
capitalismo. Para o autor, vivemos atualmente em um “regime de acumulação
predominantemente financeira” que tem como maior referência a “mundialização do
capital” e isso não deixa de ser “uma simples fase a mais no processo de
internacionalização do capital iniciado há mais de um século”. | 144
Para Alves (1999, p. 2),

a característica predominante do novo regime mundial de acumulação


capitalista é ser rentista e parasitário, isto é, está, de modo crescente,
subordinado às necessidades próprias das novas formas de centralização do
capital-dinheiro, em particular os fundos mútuos de investimento (mutual
investments funds) e os fundos de pensão (as características rentistas dizem
respeito também ao capital produtivo). O poder, se não a própria existência,
deste capital-dinheiro é sustentado pelas instituições financeiras
internacionais, tais como FMI e Banco Mundial, e pelos Estados mais
poderosos do planeta a qualquer que seja o custo.

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Ainda segundo o autor, o processo de mundialização do capital cria uma
interdependência entre as economias nacionais a partir dos anos de 1990 e com isso surge:

(1) crescimento contínuo dos fluxos de trocas intrafirmas, (2) da disseminação


de novas modalidades para acordos interempresas quanto à transferência
internacional de tecnologias (indo além da concessão de franquias e do
comércio de patentes), o que implica a possibilidade das empresas e de alguns
países capitalistas terem novos acessos a novos conhecimentos e às
tecnologias-chave e (3) o surgimento de novos tipos de empresas
multinacionais com formas organizacionais tipo “rede” (ALVES, 1999, p. 4,
grifo do autor).

Esse modelo econômico, agora reestruturado, internacionalizado e determinado


por uma ideologia liberal neoconservadora, tem suas implicações na educação de
diferentes formas. Os aspectos que caracterizam essas implicações estão: na
descentralização ou pouca intervenção do Estado sobre a educação e na privatização e o
controle sobre a produção dos conhecimentos tratados no processo educativo em
diferentes níveis de ensino (CARNOY, 2003).
A educação como um todo tende a ser determinada pela teoria liberal,
principalmente a partir das reformas de caráter economicista orientadas pelas instituições
monetárias internacionais, que propõem a redução dos gastos com o ensino público e a
manutenção do controle político e ideológico sobre seu desenvolvimento. É nesse
contexto de contradições que a Internacionalização da Educação Superior vai se
desenvolver no mundo globalizado.

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR E O CONTEXTO


BRASILEIRO

A Internacionalização da Educação Superior tem se tornado um fenômeno muito


comum entre os países que buscam integrar a economia global, um processo que nasce
com a mundialização do capital e que tem sua gênese nos acordos pós-Segunda Guerra
Mundial e que, nos últimos 30 anos, tem se aprimorado, período em que o capitalismo
reestrutura seu modo de produção, a partir do momento que o liberalismo também
reestrutura suas estratégias neoconservadoras. | 145
Podemos considerar que as primeiras tentativas de desenvolver essa
internacionalização ocorreram ainda no final do século XIX na Europa (não descolada
das primeiras tentativas de mundialização da lógica capitalista sobre o desenvolvimento
econômico) por meio da Convenção de Paris pela Proteção da Propriedade
Industrial (CUP) em 1883 e a Convenção de Berna pela Proteção do Trabalho Artístico e
Literário (CUB) em 1886, articulações que não tiveram êxito por conta da ainda precária
articulação política econômica entre as nações. Contudo, no século XX, as estratégias de
controle internacional elaboradas pelos países vencedores da Segunda Guerra Mundial,
sobretudo os EUA na década de 1940, iniciam o desenvolvimento da internacionalização
da lógica capitalista sobre a subjetividade dos indivíduos com o intuito de alcançar uma
hegemonia global.

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Até a década de 1970 esse desenvolvimento sobre a economia e sobre os saberes
ainda encontrava barreiras políticas por conta do contrapondo estabelecido pelas
estratégias socialistas de desenvolvimento econômico e social, todavia, a partir da
dissolução do socialismo na URSS e da reestruturação economia capitalista, no final da
década de 1980, o processo de mundialização do capital vai se intensificar e, com ele,
inicia o processo de internacionalização da educação no sentido mais amplo.
Isso vai se constituir de forma mais ampla e articulada a partir do momento em
que a Organização Mundial do Comércio (OMC), na década de 1990, classifica a
educação como serviço. Desta forma, o pensamento neoliberal se utiliza desse
entendimento e passa a reinventar limites e fronteiras para que esse processo de
globalização possa ser desenvolvido a partir de seus interesses (BARREYRO &
PUTZIOL, 2015).
O resultado da diminuição desses limites de fronteiras entre os países é o
domínio de nações sobre nações, seja no campo da economia, do conhecimento ou da
cultura. Um processo que, nas últimas décadas, tem se tornado quase que natural, haja
vista o avanço das tecnologias da comunicação que são utilizados para esse fim e que
compõem o contexto da internacionalização em diversas áreas, dentre elas a Educação
Superior.
Com um mercado em constante expansão por todos os países capitalistas do
mundo, a lógica capitalista precisa também se fixar em toda parte, estabelecer-se
economicamente, criar interfaces com a cultura e com a ciência. Para fortalecer e
legitimar a exploração do mercado mundial, a ideologia neoliberal conferiu uma forma
cosmopolita de desenvolver a produção e o consumo em todos os países, algo que Marx
e Engels (2006) já projetavam sobre o desenvolvimento do capitalismo. “[...] Em lugar
da antiga autossuficiência e do antigo isolamento local e nacional, surgem um intercâmbio
generalizado e uma generalizada dependência entre as nações. E isso se refere tanto à
produção material como à produção espiritual” (MARX, 2006, p. 33-34).
Com isso, o processo de internacionalização do conhecimento, seja ele científico
ou cultural, se desenvolve atrelado à mundialização da economia capitalista, sobretudo a
partir do momento em que a educação se torna um serviço, ou seja, uma mercadoria com
valor de troca e um campo em que o trabalhador da educação pode produzir mais-valia
através da exploração direta da força de trabalho desse profissional, e que também | 146
produzirá, pelo processo de formação que o capitalista determinado, forças de trabalho
munido de competência técnica necessária para, mais adiante, também atuar no mercado
de trabalho como “trabalhador produtivo”32.
Segundo Maués (2015, p. 198, grifo do autor),

A internacionalização da educação é uma decorrência “natural” do processo de


mundialização, na lógica capitalista, que leva consequentemente a uma
internacionalização financeira. A educação, no momento que passa a ser vista
como uma commo-dotitie entra no rol das mercadorias que devem ser

32
Isso porque, segundo Antunes (2004, p. 132), “o produto específico do processo capitalista de produção
– a mais-valia – é gerado somente pela troca com o trabalho produtivo”.

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valorizadas para que possam ser exportadas e que possam render maiores
dividendos nas bolsas de valores.

Percebe-se então que a Internacionalização da Educação Superior desenvolvida


pela lógica capitalista tende a ocasionar problemas estruturais na formação dos
trabalhadores, uma vez que a formação universitária passa por um processo de
transformação cuja necessidade de se adequar a um modelo de desenvolvimento
econômico determina a dinâmica do ensino, da pesquisa e extensão. Um dos primeiros
resultados disso é a redução drástica dos espaços públicos de formação universitária (em
escala mundial) acompanhada de um aumento das privatizações no setor, portanto, um
negócio lucrativo para os capitalistas que agora têm neste nível de ensino um balcão de
negócios e de lucros.
No Brasil, esse domínio se revela no diagnóstico feito por Sguissardi (2014)
sobre a realidade da educação superior brasileira pós Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, que demarca a descentralização e a abertura da educação do país ao
mercado. Segundo o autor, de 2003 a 2012 houve um aumento significativo no número
de instituições privadas no país, passando de 1.652 para 2.112, respectivamente, sendo
que o número de instituições públicas (federais, estaduais e municipais) passou de 207
para 304 no mesmo período. Em 2012, segundo os dados levantados pelo autor no site do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa - INEP, 87% das instituições de ensino superior
no Brasil estavam sobre os domínios do setor privado, ou seja, a grande maioria dos
estudantes de graduação no país passa por um processo de formação atrelada à lógica do
mercado, com uma formação instrumentalista, técnica e operacionalizante.
Outro aspecto relevante do processo de internacionalização na educação superior
atrelado à mundialização do capital é a criação de oligopólios33 nesse setor. No Brasil
esses oligopólios já são realidade, tais como a Kroton Educacional, rede internacional
mais conhecida no Brasil como Rede Pitágoras, com sede em Minas Gerais e que
recentemente se fundiu com a rede Anhanguera, que tem sede em São Paulo. Pesquisas
recentes revelam que as duas empresas juntas somam cerca de 800 unidades de ensino,
entre educação básica e superior, espalhadas por todo o país e tem como clientes, apenas
na educação superior, aproximadamente um milhão de alunos (SGUISSARDI, 2014).
Outras empresas que são exemplos desses oligopólios são: a Ser Educacional,
empresa que conta com 37 unidades e tem sede em Recife e, a Estácio de Sá, com 23 | 147
unidades e sede no Rio de Janeiro, o Grupo Pitágoras e Sociedade Educacional Brasileira
(SEB), que é controladora do Colégio Oswaldo Cruz (COC) com sede em São Paulo
(BITTAR, 2012). A oligopolização é uma das consequências que a mundialização do
capital e a Internacionalização da Educação Superior promovem no contexto político e
econômico mundial.
Outros elementos que devem ser considerados como implicações da
mundialização do capital sobre a Internacionalização do Ensino Superior são as
orientações determinadas pelas agências internacionais para o desenvolvimento de

33
Termo de origem grega (oligos, poucos + polens, vender) que na economia política é utilizado para
determinar uma forma evoluída de monopólio, no qual um grupo de empresas ou governos promove o
domínio de determinada oferta de produtos e/ou serviços.

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políticas destinadas a esse setor, tais como as determinações desenvolvidas pela GATS34,
órgão ligado à OMC, que elaborou quatro estratégias para o desenvolvimento da
Internacionalização da Educação, a saber:

a) oferta transfronteiriça – consiste na provisão transnacional do serviço sem


que haja movimento físico do consumidor. Nessa categoria, estariam a
educação a distância, aprendizagem on line, universidades virtuais; b)
consumo no exterior – trata-se da provisão do serviço pelo deslocamento do
consumidor. Essa é a forma mais comum da internacionalização mercantil da
universidade; c) presença comercial - consiste em o produtor privado de
educação estabelecer-se em país estrangeiro com a finalidade de vender seus
serviços e d) movimento de pessoas – quando há deslocamento temporário de
fornecedores de serviços, configurando-se como o deslocamento de
professores e outros profissionais na condição de palestrantes, professor
visitante, pesquisador e consultor (SANTOS, 2011 apud CASTRO e SILVA,
2015, p. 1121).

No Brasil, o Programa Ciência Sem Fronteiras é a política pública que mais está
relacionada a esse modelo de Internacionalização na Educação Superior, pois está
direcionado a concessão de bolsas para alunos de graduação e pós-graduação,
exclusivamente às áreas das ciências e tecnologias, com a finalidade de manter contato
com sistemas educacionais competitivos em relação à tecnologia e inovação 35. O
programa projetou a concessão de 101 mil bolsas até o ano de 2014 sendo que desse
montante 75 mil seriam oriundos de recursos públicos e 26 mil concedidos pela iniciativa
privada. De acordo com as análises de Castro e Silva (2015), o programa deixa claro em
seus objetivos que está em conformidade com as políticas neoliberais, as quais visam
formar um trabalhador polivalente, inovador, competitivo e empreendedor, ou seja, um
trabalhador formado aos moldes do atual modo de produção.
Analisando os dados fornecidos no site do INEP, Castro e Silva (2015)
identificaram que até o ano de 2015 foram implementadas 77.806 bolsas, sendo que a
área da engenharia e demais áreas tecnológicas absorveram 34.491 bolsas, seguida pela
área da biologia, ciência e da saúde com 13.598, indústria criativa com 6.415, ciências
exatas e da terra com 6.124, computação e tecnologia da informação com 4.855, produção
agrícola sustentável com 2.821, biotecnologia com 1.880, fármacos com 1.631,
biodiversidade e bioprospecção com 1.142, as outras dez áreas absorveram abaixo de mil | 148
bolsas e que juntas somam 4.849 bolsas.
Como se pode perceber há uma supervalorização para as áreas de conhecimentos
ligados à ciência e à tecnologia, é como se os conhecimentos ligados às ciências sociais
não fossem importantes para o desenvolvimento social, político e econômico de uma
nação, uma concepção limitada de desenvolvimento científico e econômico, haja vista
que a preocupação está na formação técnica e instrumental dos sujeitos. Outras estratégias

34
Órgão ligado à Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja sigla em inglês é General Agreement
on Trade and Service (Acordo de Comércio e Serviços).
35
No site do MEC encontramos a informação que o programa foi instituído pelo Decreto nº 7.642, de
dezembro de 2011, no qual apresenta a proposta de intercâmbio e mobilidade com vistas a
consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, buscando ampliar a inovação e a
competitividade do Brasil.

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também são utilizadas no desenvolvimento da Educação Superior aos moldes da
internacionalização da economia capitalista no país, tais como: a Educação a Distância
(EAD), a presença de empresas no domínio deste setor, como já tratado sobre os
oligopólios, e a movimentação de pessoas.
Destacamos ainda nesse contexto o desenvolvimento das políticas de formação
de professores, haja vista que tais políticas buscam referências nos estudos desenvolvidos
pelos organismos internacionais sobre a educação em diferentes países. Para América
Latina e Caribe, estes estudos dão origem a documentos orientadores, elaborados com a
justificativa de contribuir com os países da região no desenvolvimento de estratégias para
superar o problema da educação, tais como: “L'enseignement supérieur à l'horizont
2030”36, publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) em 2011, “professores excelentes” elaborados pelo Banco Mundial em 2013 e
“Oficina Regional de Educación de La UNESCO para La América Latina y el Caribe” e
o publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), em 2013, intitulado “Antecedentes y Criterios para la Elaboración de
Políticas Docentes en América Latina y el Caribe”37 publicado também pela UNESCO
(MAUÉS, 2015).
Dentre esses documentos existem outros que devem ser analisados com maior
rigor científico, no sentido de problematizar seus princípios, revelar suas contradições, as
interfaces com o projeto neoliberal e as resistências contra o desenvolvimento dessas
políticas. Isso porque essas estratégias que compõem o processo de mundialização do
capital e que são elaboradas pelos organismos internacionais sofrem resistências que
alteram os aspectos originários no que diz respeito à forma e ao conteúdo, portanto, essas
ações contra-hegemônicas devem, também, ser consideradas nas análises sobre esse
contexto de internacionalização.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Diante do que foi tratado neste artigo, entendemos que teoria liberal constituída
historicamente na origem da sociedade moderna e que hoje assume proporções mundiais
é imperialista, tal qual descrito por Lênin em 1987, quando relaciona esse contexto de
domínio as seguintes características: a concentração da produção e do capital originando | 149
os monopólios; a fusão do capital bancário e industrial criando o capital financeiro; a
exportação de capitais; a formação de uniões internacionais monopolistas partilhando o
mundo; o termo da partilha territorial entre as grandes potências capitalistas. Todavia,
não podemos considerar essas características como um processo hegemonicamente puro
e imutável.
Nesse sentido, compreendemos, a partir do estudo preliminar, que o panorama
sobre os fenômenos investigados nos revela relações políticas e filosóficas existentes
entre o processo de mundialização do capital (determinado pela teoria liberal) e o
desenvolvimento da Internacionalização da Educação Superior, nas quais se constituem

36
O ensino superior horizonte 2030.
37
Antecedentes e Critérios para a elaboração de Políticas docentes na América Latina e Caribe.

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(dependendo das mediações) nos seguintes aspectos: a) a predominância do setor privado
sobre esse campo, b) a constituição de oligopólios que determinam os pressupostos no
processo de formação dos trabalhadores e trabalhadoras e c) a formação do trabalhador
flexível, pautada na instrumentalização, na racionalidade técnica e na operacionalização
do conhecimento a partir das necessidades do mercado. Características pautadas a partir
de um liberal neoconservador, que busca reduzir os sujeitos a meros executores e que
parte da perspectiva do trabalhado alienado e fetichezado, em nome da manutenção da
ordem social vigente.
Na educação superior, entendemos que essa realidade não é causada unicamente
pelo desenvolvimento de um currículo mínimo, tampouco, pelo perfil profissional de
quem está nas Instituições Públicas de Formação Superior, mas pelo conjunto de
diretrizes que demarcam o núcleo essencial da formação universitária, as quais estão de
acordo com a lógica da teoria liberal que repercute em todos os níveis educacionais e em
todos os aspectos sociais.
A Internacionalização da Educação Superior atrelada aos pressupostos liberais
tende a diversificar e flexibilizar a oferta de cursos nos países, sobretudo naqueles que
estão na periferia do capitalismo mundial, gerando a formação de meros técnicos e
reprodutores dos valores capitalistas, pois promovem a redução dos espaços e dos
momentos que proporcionem uma relação mais ampla com os fundamentos
epistemológicos e científicos da educação dando lugar a prevalência de uma concepção
conteudista e pragmática, subjetiva e abstrata, minimizando o tripé ensino-pesquisa-
extensão e valorizando apenas o ensino. Essa redução tem se desenvolvido,
hegemonicamente, a partir de teorias tecnicistas ou multiculturalistas, que não dão ênfase
ao desenvolvimento de uma teoria mais elaborada no campo da educação, sobretudo na
educação pública, são teorias que valorizam apenas a explicação das coisas a partir da
subjetividade, da empiria, da hermenêutica e das sensações.
Fazendo uma interface sobre esse contexto e as políticas de formação de
professores, Maués (2009, p. 479) comenta que:

[...] as políticas educacionais incidiram fortemente sobre o docente, enquanto


protagonista privilegiado do processo educacional. A preocupação com a
formação desse profissional passou a ser constante nas agendas dos diferentes
países e nas reformas empreendidas, enquanto maneira de operacionalizar os | 150
objetivos pretendidos em relação ao novo papel esperado da escola que passou
a seguir novas regulações estabelecidas pelo processo de mundialização.

Por fim, torna-se indispensável e necessário considerar o processo de resistência


pelo qual a implementação e o desenvolvimento das políticas destinadas à educação
superior enfrentam. Nesse sentido, é necessário analisar de forma mais ampla e radical as
relações entre a Mundialização do Capital, a Internacionalização da Educação Superior e
as políticas destinadas às reformas universitárias, sobretudo no Brasil, no sentido de
compreender esse fenômeno e analisá-lo com rigor científico e propor possibilidades de
superações, para não ficarmos com a falsa ideia de que o atual modelo de produção não
pode ser transformado, a partir de uma revolução acadêmica, política e social.

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| 152

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A VALORIZAÇÃO DOS PROFESSORES E O NOVO PLANO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO: DESAFIOS PARA O
MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO DAS NEVES
Daniel Santos Braga38
Franceline Rodrigues da Silva39
Resumo:
O novo Plano Nacional de Educação tem como um dos eixos centrais a ampliação das
políticas de valorização dos profissionais da educação básica das escolas públicas
brasileiras. Este artigo buscou avaliar a dimensão do desafio no cumprimento das metas
relativas à valorização docente no município de Ribeirão das Neves e as ações da
administração municipal para alcançá-las. As pesquisas apontam a importância da
valorização de professores na consolidação de uma educação de qualidade, justificando-
se assim, a necessidade de se acompanhar a implementação das políticas públicas
educacionais. Evidenciou-se que os índices educacionais e o perfil do magistério da rede
municipal de Ribeirão das Neves constituem-se como um grande desafio, difícil de ser
superado sem uma ação propositiva dos poderes públicos e sem participação ativa da
sociedade civil organizada, uma vez que os indicadores estão longe das metas do Plano
Nacional e Municipal de Educação.
Palavras-chave: PNE, Valorização de professores, Ribeirão das Neves.
Introdução
A qualidade do ensino que se oferta nas escolas públicas no Brasil tem sido um
dos principais pontos de discussão do campo da Educação, tanto por parte dos governos,
quanto por parte da sociedade civil. Essa qualidade, que durante muitos anos ficou
relegada apenas aos métodos e técnicas, assim como às concepções pedagógicas
utilizadas em sala de aula, começa a ser entendida como parte de um processo mais amplo
que envolve, dentre outras coisas, as condições de vida e trabalho dos/as profissionais da
| 153
educação, sobretudo dos professores. Sendo assim, as políticas de valorização do
magistério passam a estar cada vez mais presentes nas discussões e nos discursos das
administrações públicas, associações e sindicatos de professores e academia (PINTO,
2000).

38
Mestre em Educação e Formação Humana pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de
Minas Gerais (daniels.braga@yahoo.com.br)
39
Mestranda em Educação e Formação Humana pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado
de Minas Gerais (franceline.rodrigues30@hotmail.com)

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O novo Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela presidente Dilma
Rousseff em 25 de junho de 2014, pela Lei nº 13.005/14 incorpora essa discussão da
valorização docente no estabelecimento de suas metas, assim como o seu intercessor, o
PNE, Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001 e outras legislações promulgadas em âmbito
nacional já o faziam.Aliás, no que diz respeito ao arcabouço legislativo nacional, a
valorização dos profissionais da educação escolar é contemplada em sucessivos
dispositivos desde a Constituição Federal de 1988, quando é definida como um dos
princípios no qual a atividade de ensino deve se basear em sua efetivação (BRASIL, 1988,
art. 206).
À vista da presença recorrente do objetivo da valorização do magistério no campo
legal desde 1988 com a promulgação da Constituição Federal, sendo reconhecidos alguns
avanços: a valorização dos profissionais da educação se apresenta-se ainda como uma
problemática desafiadora na federação brasileira, vindo se arrastando até os dias de hoje.
Nesse sentido em que a valorização do magistério se faz ainda uma problemática
irresoluta, o PNE com previsão de vigência até o ano de 2024 com suas metas e estratégias
associado a avanços nas proposições de ampliação dos recursos de financiamento da
educação, faz-se um intrumento de expectativas e desafios para estados, municípios e
Distrito no que toca a política de valorização do magistério.
Haja vista essa breve contextualização, o trabalho focaliza a análise da política de
valorização do magistério em Ribeirão das Neves, visando elucidar alguns desafios postos
pelas metas e estratégias nessa área no Plano Nacional de Educação que se desdobram
no Plano Municipal de Educação (PME).
Com esse objetivo, o trabalho se encontra estruturado em quatro partes, sendo o
| 154
primeiro dedicado à apreensão do novo Plano Nacional de Educação 2014-2024 em suas
metas e estratégias voltadas à valorização docente, tendo como referência o trino
formação inicial e continuada, carreira e remuneração. Na segunda parte é discutida a
política de valorização dos professores da Rede Municipal de Ensino de Ribeirão das
Neves e na terceira os desafios do novo PNE para a política de valorização docente no
município de Ribeirão das Neves. Por fim, nas considerações finais são apresentadas
apresentam algumas reflexões a partir dos referenciais teóricos e das análises realizadas.

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O Plano Nacional de Educação 2014-2024 e suas metas e estratégias para a
valorização docente

Mesmo acompanhado de críticas o novo Plano Nacional de Educação foi


aprovado em 25 de junho de 2014 pela Lei nº 13.005/2014. Após a tramitação de três
anos e meio na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o texto final sancionado pela
presidente Dilma Rousseff faz-se um instrumento de expectativas para a educação
brasileira nos próximos dez anos em vários campos, incluindo o da política de valorização
docente.
Aportando-se na literatura da área das políticas públicas, visualiza-se que a
concretização dessa política de valorização dos professores pode ser compreendia com a
articulação indissociada de três elementos- Formação Inicial e Continuada, Carreira e
Remuneração (MONLEVADE, 2000; LEHER, 2010). Não obstante, é preciso considerar
que o alcance de uma formação permanente, de uma carreira atrativa e de uma
remuneração condigna para os professores em todo o país está diretamente relacionada
ao investimento financeiro por parte dos entes federados, isto é, ao financiamento
educacional.
Nesse quesito do financiamento educacional, cabe, pois ressaltar a Meta 20 do
novo Plano Nacional de Educação que determina no espaço do decênio 2014 a 2024, o
aumento gradual da parcela do Produto Interno Bruto (PIB) aplicada em educação
pública, chegando-se ao investimento de no mínimo 7% do PIB no ano de 2019 e de 10%
no último ano de vigência do plano. Meta considerada por Pinto (2014) e Cara (2014)
como um avanço no campo do financiamento educacional, contudo limitado por
considerar no computo dos 10% do PIB recursos direcionados ao Programa Nacional de | 155
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), Programa Universidade para Todos
(Prouni), Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e parcerias público-privadas, como
convênios (SILVA, 2014).
Voltado especificamente à valorização dos profissionais da educação, uma das
dez diretrizes pautadas no PNE, as metas 15 a 18 tendo como foco o tripé - formação,
carreira e remuneração- são as que melhor enfatizam esse objetivo, apesar de alguns
desses elementos serem tocados ao longo do texto em estratégias que desdobram-se de
alguma meta específica (BRASIL, 2014; HYPOLITO, 2015).

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A Meta 15 determina a efetivação de uma política nacional de formação dos
profissionais da educação em até um ano de vigência do Plano, garantindo desse modo a
formação não só em nível superior dos professores, mas assegurando-a também na
modalidade de licenciatura na área em que o docente atua. Desse modo, a meta 15 aponta
para um investimento necessário e imediato na formação inicial dos docentes para o
exercício do magistério da educação básica, que deve se efetivar em cursos de formação
de professores, mediante um currículo direcionado ao exercício profissional (AGUIAR,
2010). Essa meta propõe igualmente um salto com relação às disposições da própria Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), pois a Lei 9.394/96, apesar de fixar
que o exercício da docência na Educação Básica se fará pela formação em cursos de
licenciatura e graduação plena, nos institutos superiores de educação e em universidades,
a despeito da docência nos anos iniciais do ensino fundamental e educação infantil, dispõe
como formação mínima a modalidade normal em nível médio, nas escolas normais.
Ao que diz respeito à continuidade do processo formativo docente ao longo de
toda sua trajetória profissional, surge à concepção de formação continuada40 tratada na
Meta 16 do PNE, ao abordar-se o intuito de que cinquenta por cento dos professores da
educação básica concluam formação em nível de pós-graduação até o ano de 2024, último
ano de vigência deste PNE, acrescendo a isso o investimento em iniciativas de formação
continuada para os professores em consonância com sua área de atuação.
Tendo como referência as menções da produção acadêmica que retratam a
realidade de desvalorização remuneratória do professor da educação básica no Brasil,
sobretudo em comparação a outros profissionais com mesmo ou até nível formativo
inferior, a meta 17 do PNE é desafiadora e ao mesmo tempo importante para tornar a
| 156
carreira do professorado mais atrativa (ALVES & PINTO, 2011). A referida meta do
novo Plano Nacional de Educação pretende que até o ano de 2020, os profissionais do
magistério da rede pública da educação básica alcancem um rendimento médio de outros
profissionais com escolaridade equivalente. Com a finalidade de valorização do
rendimento salarial dos professores, estabeleceu-se como estratégia a constituição de um
fórum permanente pelo Ministério da Educação, responsável pelo acompanhamento da
atualização progressiva do Piso Salarial Nacional e da evolução salarial tendo como

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referência os indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad); a
implementação de planos de carreiras por todos os entes federados abarcando-se as
disposições da Lei nº 11.738/2008 e a ampliação da assistência financeira por parte da
União aos demais entes federados, fornecendo-lhes subsídios para a implementação de
políticas de valorização docente, inclusive no que se refere ao piso salarial profissional
nacional.
É importante assinalar que a desvalorização econômico-social dos/as
professores/as tem sido percebida como resultado de vários fatores, entre os quais a falta
de garantia de ingresso na carreira por concurso público, constantes mudanças nas
carreiras durante a vida funcional trazendo insegurança na sua trajetória e falta de uma
política consistente de formação, que são elementos frequentemente considerados quando
se fala em desvalorização, entretanto, o constante rebaixamento do nível dos salários tem
se constituído como o principal fator de desvalorização da profissão docente, sendo
recorrentemente o grande motivo para a falta de atratividade para os cursos de licenciatura
(MORICONI, 2008; GATTI e BARRETO, 2009).
Por fim, a meta 18 do novo PNE, ratifica a carreira como elemento fundamental
de valorização profissional do magistério já previsto desde a Constituição Federal de
1988, no artigo 206, ao objetivar que no prazo de dois anos se assegure a todos os
profissionais da educação básica e do ensino superior plano de carreira, no caso dos
primeiros orientado pelo já previsto em lei piso salarial profissional nacional. Para o
alcance dessa meta são previstas oito estratégias, dentre elas: passados no máximo três
anos de vigência do novo PNE que noventa por cento dos profissionais do magistério e
cinquenta por cento dos não docentes em exercício estejam ocupando cargo de
| 157
provimento efetivo nas redes públicas de ensino da educação básica; o acompanhamento
supervisionado por profissionais mais experientes de profissionais iniciantes tanto na
educação básica quanto no ensino superior, de forma a apoiá-lo no aprofundamento dos
estudos de sua área de atuação e avaliá-lo ao fim do estágio probatório; a realização de
prova nacional pelo MEC nos estados, Distrito Federal e municípios que a ela aderirem,
subsidiando-se assim a admissão dos profissionais do magistério por concurso público;
prever nos planos de carreira licenças remuneradas para que os professores se qualifiquem
inclusive em nível de pós-graduação; realizar censo dos profissionais da educação,

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priorizando também outros profissionais que não do magistério; considerar a diversidade
de comunidades quilombolas e indígena no provimento de cargos efetivos nas instituições
escolares; priorizar as transferências federais voluntárias para estados, Distrito Federal e
municípios que tiverem lei dispondo sobre o plano de carreira dos profissionais da
educação; estimular a existência de comissões que contem com a participação dos
profissionais da educação dos sistemas de ensino do país, para prestar subsídio na
elaboração e implementação dos planos de carreira.

A política de valorização dos professores da Rede Municipal de Ensino de Ribeirão


das Neves
A Região Metropolitana de Belo Horizonte foi criada pela Lei Complementar n°
14/1973 e é formada atualmente por 34 municípios, dentre eles Ribeirão das Neves.
Ribeirão das Neves tem uma área territorial de 155.541 km2, segundo dados de 2013 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e contava com 296.317 habitantes
em 2010, também de acordo com o IBGE.
Ao termos como referência para análise da valorização do magistério o tripé -
Formação, Carreira e Remuneração, Ribeirão das Neves, seguindo uma tendência
nacional, também apresentou um cenário de baixa atratividade da carreira docente.
Em relação à formação docente continuada e em serviço observamos nos
documentos de Ribeirão das Neves semelhanças com o arcabouço de escritos nacionais a
partir dos anos de 1990, nos quais a formação institui-se como um investimento de
bastante relevância nos discursos governamentais frente à efetivação de um projeto não
só educacional, mas de nação. Diante da importância angariada pela formação em âmbito
| 158
local ou nacional nos últimos anos, ao tecermos relações entre política formativa e de
valorização de professores em Ribeirão das Neves, certificamo-nos que apesar de avanços
da associação entre ambas, muitas das prerrogativas das políticas valorização do
profissional do ensino permanecem no papel, vingando apenas as iniciativas de
qualificação por si só.
Tal realidade problemática da dissociação entre valorização docente e políticas de
formação é evidenciada em Ribeirão das Neves. O Município que têm um Centro de
Referência do Professor (CERPRO), criado pelo Decreto nº 042/2005, no qual é ofertada
formação continuada e em serviço para os professores da rede pública, todavia essa

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capacitação oferecida pelo Centro está totalmente dissociadas da evolução/progressão do
profissional docente no plano de carreira do município, o que se visualiza até como um
elemento não estimulador para que os professores do município participem dessas
formações.
A partir da nossa compreensão do Plano de Carreira do Magistério como um
mecanismo de estímulo e incentivo ao exercício profissional e à evolução acadêmico-
científico docente (BOLLMANN, 2010) chamou-nos atenção igualmente a
incongruência nos percentuais remuneratórios destinados aos cursos de pós-graduação
lato sensu e stricto sensu. Verificamos ser mais proveitoso ao profissional docente, em
termos remuneratórios, investir em duas especializações que lhe conferem um adicional
superior do que em qualquer uma das outras vertentes da pós-graduação stricto sensu.,
nas quais o percentual alcançado notavelmente seria inferior.
O Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos dos Servidores da Área de Educação
e Cultura de Ribeirão das Neves prevê o percentual de 12% para os cursos de
especialização lato sensu, no limite de dois; e de 7% para as titulações de mestrado (7%)
e 5% para doutorado. Portanto, apesar de dispor como seu primeiro objetivo o estímulo“a
profissionalização, a atualização e o aperfeiçoamento técnico-profissional dos
servidores” o plano de carreira (RN, Lei n°2964/2006), não incentiva o investimento
docente na concretização do professor pesquisador ou mesmo da formação do professor
em graus mais elevados de escolaridade.
Ao que disserta Silva (2012), o município de Ribeirão das Neves é acometido pela
permanente rotatividade do corpo docente, o que nos serve de algum modo para hesitar,
se de fato juntos, Estatuto dos Servidores Públicos da Área de Educação e Plano de
| 159
Cargos, Carreiras e Vencimentos, instituídos em 2006, respondem aos anseios da
categoria docente.
No quesito remuneração ajuda-nos a compreender alguns elementos da realidade
do professor de Ribeirão das Neves, observar a tabela de vencimentos abaixo:

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Fonte: Plano de Carreira Lei nº 2.964/06, de 28 de dezembro de 2006 .

Deparamo-nos ao analisar a tabela com um longo percurso profissional a ser


enfrentado pelo magistério nevense, e, além disso, os percentuais salariais proporcionais,
acrescidos aos anos de exercício no magistério e/ou ao aperfeiçoamento formativo são
um tanto quanto desestimuladores. A situação remuneratória é agravada pelo fato de os
reajustes salariais não serem periódicos, conforme estabelecido pela Lei do PSPN,
optando os governos pela utilização de subterfúgios remuneratórios, a exemplo dos
abonos, que representam insegurança futura aos professores quanto a sua conservação no
cálculo da remuneração enquanto na ativa e, consequentemente, na aposentadoria.
Por fim, a análise das leis educacionais descritas neste trabalho demonstra que nas
regulamentações dos governos do município de Ribeirão das Neves durante o período
estudado, direitos são conquistados através de normatizações nacionais e das lutas locais
do magistério, mas ao mesmo tempo adequados aos interesses do governo local.

Desafios do novo PNE para a política de valorização docente no município de


Ribeirão das Neves
| 160

A primeira experiência de um Plano Municipal de Educação em Ribeirão das


Neves se deu como forma de atender aos requisitos da Lei 10.172/01. O governo
municipal do período, através da Portaria nº 60/2005 alterada pela Portaria nº 71/2005,
organizou uma Comissão Técnica para avaliar as determinações da I Conferência
Municipal de Ribeirão das Neves e estabelecer as metas da educação do município para
o decênio 2006/2015. No tocante à valorização docente, o PME 2006/2015 considerou
que a despeito das muitas ações desenvolvidas no município, as políticas eram ineficazes
uma vez que não condiziam com a realidade ou mesmo com as necessidades observadas

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quanto à pratica educacional. Além disso, verificou-se, ainda, a urgência em se repensar
o plano de carreira do magistério(RIBEIRÃO DAS NEVES, 2006).
Foram estabelecidas como metas naquele contexto: 1) mapear os professores e
demais profissionais da educação, em exercício, que não possuíssem qualificação mínima
exigida pela LDB buscando garantir até o final da década 100% de habilitados em todos
os níveis e modalidades de ensino; 2) implantar programa de formação continuada
destinado a todos os profissionais do magistério; 3) garantir a investidura no cargo por
meio de concurso público; 4) estabelecer e aprovar critérios para os casos de contratação
temporária; 5) revisar o plano de carreira através da comissão paritária; 6) assegurar a
qualificação profissional dos servidores que exercessem funções de apoio não
pedagógicas; 7) observar as metas permanentes à formação dos profissionais e
valorização do magistério, proporcionando incentivo financeiro e/ou licença remunerada
para formação em cursos de pós-graduação – latu senso e stricto senso.
Passados 10 anos, um novo debate sobre a educação municipal foi suscitado pela
instituição do novoPlano Nacional de Educação, aodeterminarno artigo 8° da Lei
13.005/14 que estados e municípios elaborem seus planos estaduais e municipais de
educação até 2016. A prefeitura de Ribeirão das Neves através da Secretaria Municipal
de Educação convoca uma nova Conferência Municipal de Ribeirão das Neves para
discutir, avaliar e propor ações para a educação do município. Uma das avaliações mais
evidentes, consensual na conferência, foi a ineficiência das políticas públicas para
alcançar as metas do Plano 2006/2015. Constatou-se que a maioria das metas, incluindo
aquelas relativas à valorização de professores, estavam longe de serem
atingidas(RIBEIRÃO DAS NEVES, 2015).
| 161
Neste sentido, após diversas audiências públicas nas unidades escolares e na
câmara municipal, foi aprovado novo Plano Municipal Decenal de Educação de Ribeirão
das Neves 2015-2025, PME, lei 3697 de 24 de junho de 2015. O desafio deste PMEé
conseguir em 10 anos, suprir as demandas dos trabalhadores em educação, acumuladas
há décadas, e avançar na consolidação dos direitos já garantidos em âmbito nacional,
sobretudo no que diz respeito às políticas de formação inicial e continuada, remuneração,
Carreira e ingresso por meio de concurso público de provas e títulos.

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Sobre a formação dos professores, a meta 15 do PME, Lei nº 3.697/2015
vislumbra
Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios, no prazo de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de
formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do
caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que
todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação
específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de
conhecimento em que atuam. (RIBEIRÃO DAS NEVES, 2015).

Observando-se a tabela da porcentagem de professores com curso superior,


percebe-se que apesar de ter havido um avanço no número de professores com curso
superior (71,8% para 82,2%), somente 74,8% dos professores da rede tem licenciaturas.

Ano Com superior Sem licenciatura Com licenciatura


2007 71,8% 1.738 7,4% 179 64,4% 1.559
2008 72,9% 1.968 3,3% 88 69,7% 1.559
2009 74,8% 1.996 3,1% 83 71,7% 1.559
2010 74,9% 2.121 2,3% 64 72,6% 1.559
2011 81,1% 2.321 7,4% 213 73,6% 1.559
2012 84,1% 2.342 8,5% 237 75,6% 1.559
2013 82,2% 2.329 7,3% 208 74,8% 1.559
Fonte: MEC/Inep/DEED/Censo Escolar / Todos Pela Educação/ Elaboração: DAPE/SEE-MG

Essa situação se agrava mais ao se analisar a tabela sobre os professores dos anos
finais do ensino fundamental quanto as licenciaturas em relação a área em que atuam. De
acordo com os dados, somente 68% dos professores dos anos finais do Ensino
Fundamental de Ribeirão das Neves tem formação em licenciatura na área em que atuam.
Sendo assim, quanto à formação, para cumprir satisfatoriamente a Meta 15 do
Plano Nacional de Educação o município de Ribeirão das Neves deverá até o final de
| 162
2016, ampliar o número de professores com curso superior em 17,8% (730 professores)
e adequar 36% dos anos finais do Ensino Fundamental (269 professores) para a
licenciatura adequada a sua área de atuação.
A formação continuada também representa um grande desafio para a educação no
município de Ribeirão das Neves. A meta 16 do PME estipula
Formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da Educação Básica,
até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos (as) os (as)
profissionais da Educação Básica formação continuada em sua área de atuação,
considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de
ensino. (RIBEIRÃO DAS NEVES, 2015)

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Para cumprir esta meta, conforme os dados do Censo Escolar, e necessário elevar
o número de professores com pós-graduação até 2025 em 81% (3317 professores).

Ano Especialização Mestrado Doutorado


2007 7,0% 169 0,2% 5 0,0% -
2008 13,3% 359 0,3% 9 0,1% 2
2009 12,6% 336 0,4% 10 0,1% 2
2010 13,4% 379 0,4% 11 0,0% 1
2011 16,7% 477 0,7% 19 0,0% 1
2012 19,4% 540 0,8% 21 0,0% 1
2013 18,4% 522 0,7% 20 0,1% 2
Fonte: MEC/Inep/DEED/Censo Escolar / Todos Pela Educação/ Elaboração: DAPE/SEE-MG

Quanto à remuneração, as Meta 17 e 18 do PME buscam

Valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas da Educação


Básica, de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais
profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência
deste PNE.
Assegurar, no prazo de 2 anos, a existência de planos de Carreira para os (as)
profissionais da Educação Básica e Superior pública de todos os sistemas de
ensino e, para o plano de Carreira dos (as) profissionais da Educação Básica
pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em
lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição
Federal.(RIBEIRÃO DAS NEVES, 2015)

O Piso Salarial Profissional Nacional foi um importante passo na consolidação dessa


meta. Entretanto, como se percebe nas tabelas de vencimento da rede, os valores estão
defasados em relação ao estabelecido pelo MEC para janeiro de 2016, R$ 2.135,64 para
jornada de 24 horas (conforme a estratégia 17.12) com formação em nível médio.
| 163

Lei Municipal 3650/2014

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Para alcançar o valor estabelecido pela lei do Piso (estratégia 18.1), o vencimento
básico dos professores do município com formação em magistério deveria ter um
aumento imediato de 112% (R$1131,42).
Ressalta-se que nenhuma ação por parte do poder público municipal foi realizada
a fim de se cumprir a estratégia 17.7 que visava “Regulamentar o cargo de educador
infantil, sendo retirado da condição de servidor técnico e enquadrado no quadro do
magistério público municipal ainda em 2015” (RIBEIRÃO DAS NEVES, 2015).
Quanto à carreira e o ingresso por meio de concurso público, a rede municipal de
educação de Ribeirão das Neves de acordo com a série histórica, se afastou do
cumprimento da meta, diminuindo o número de servidores em efetivo provimento. Ainda
que não esteja textualmente escrito no PME, de acordo com a estratégia 18.1 do PNE, Lei
nº 13.005/14, o município teria obrigação de
Estruturar as redes públicas de Educação Básica de modo que, até o início do
terceiro ano de vigência deste PNE, 90% (noventa por cento), no mínimo, dos
respectivos profissionais do magistério e 50% (cinquenta por cento), no mínimo,
dos respectivos profissionais da Educação não docentes sejam ocupantes de
cargos de provimento efetivo e estejam em exercício nas redes escolares a que
se encontrem vinculados. (BRASIL, 2014)

Ou seja, para cumprir a estratégia traçada, seria necessário realizar uma política
efetiva de concursos públicos, retomando os patamares anteriores a 2013, conforme a
tabela.

Fonte: MEC/Inep/DEED/Censo Escolar / Todos Pela Educação/ Elaboração: DAPE/SEE-MG | 164

Como observa-se pelos números, as metas do PME 2015/2025 de Ribeirão das


Neves dialogando com as metas nacionais estabelecidas no novo Plano Nacional de
Educação 2014/2014, constituem-se em um grande desafio, uma vez que as condições
orçamentárias e sociais do município apresentam problemas estruturais como a queda
tendencial de arrecadação nos últimos anos, conforme dados do Tesouro Nacional. Além
disso, a despeito das últimas gestões municipais terem sido conduzidas por prefeitos que

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fizeram sua trajetória como professores, a educação não tem se constituído como
prioridade (SILVA, 2012; SILVA e BRAGA et al 2000).

Considerações Finais
A promulgação da Lei 13005/14 que implementou o Plano Nacional de Educação
inaugurou um novo ciclo de debates sobre as políticas públicas educacionais no país.
Construído com participação ativa de parcela significativa da sociedade civil organizada
e alvo de disputas entre grupos de interesses diversos, as metas e estratégias do PNE se
apresentam como síntese das demandas históricas acumuladas da educação. Um dos seus
elementos centrais é a questão da valorização dos profissionais da educação, sobretudo
dos professores, questão essa que envolve diretamente 4 das 20 metas do plano.
Essa centralidade reflete tanto as produções acadêmicas que discutem a
necessidade de professores com formação inicial de qualidade, remuneração condizente
com a relevância social da profissão e com vencimentos médios próximos aos de outros
profissionais com formação equivalente, carreira, boas condições de vida e de trabalho;
quanto as reivindicações do movimento de professores, em seus sindicatos e associações
docentes. Da mesma forma, as metas referentes à valorização docente caminham no
sentido das elaborações legislativas que nas últimas décadas, pós-constituição de 1988
visam garantir direitos a estes trabalhadores.
Entretanto, como fruto de uma intensa clivagem de grupos sociais, muitas vezes
de interesses opostos, o Plano tramitou por mais de quatro anos, tendo como principal
ponto de tensão, de onde sairiam os recursos que garantiriam que todas as metas e
estratégias seriam cumpridas. A culminância do texto na Meta 20, com a garantia de
investimentos equivalentes a 10% do PIB, sem consenso entre os grupos quanto a | 165
destinação exclusivamente pública, reforçou a hipótese de que, como sua antecessora, a
Lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001, o novo PNE poderia nascer destinado a ser “letra
morta”. Para evitar esse destino, tanto o governo federal, quanto parte dos movimentos
sociais, buscaram construir mecanismos para acompanhar se as metas e estratégias
estavam sendo cumpridas nos estados e nos municípios, entes federados que de fato são
responsáveis pela educação básica.
O Plano Municipal Decenal de Educação de Ribeirão das Neves acompanhou o
texto do PNE no tocante a construção das metas e estratégias, mas sua materialidade tinha

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como limite as próprias condições econômicas e sociais da cidade. Como 4° maior
município em população da Região Metropolitana de Belo Horizonte e apenas o 27° PIB
do estado, Ribeirão das Neves apresenta um dos piores Índices de Desenvolvimento
Humano de Minas Gerais, ocupando a 329° posição. A baixa arrecadação municipal de
impostos próprios, e sua condição altamente dependendo do Fundo de Participação dos
Municípios se apresentava como um real entrave para a implantação de ações efetivas
para a consolidação das estratégias e metas do PME.
Essa limitação pode ser percebida no grande desafio educacional do município de
Ribeirão das Neves, onde índices educacionais estão longe de alcançarem as metas
estipuladas, e não é possível perceber ações efetivas por parte do poder público municipal
para que sejam atingidas. Como pode ser avaliado, os primeiros prazos de algumas
estratégias e metas já se esgotaram e a crise econômica que se configurou no ano de
2015/2016 dificulta ainda mais os cumprimentos.
A educação pública no Brasil ainda não é prioridade para os agentes públicos,
ainda que esta esteja sempre nos discursos eleitorais e peças publicitárias. Mesmo que a
legislação estabeleça diretrizes para a educação, historicamente, somente o princípio legal
não é garantia de efetivação de direitos sociais. O acompanhamento da implantação das
políticas públicas, concomitantemente à pressão da sociedade civil organizada,
comprometida com uma educação pública, gratuita e socialmente referendada, é o único
caminho para as mudanças tão necessárias para o desenvolvimento do país.

Referências
AGUIAR, Márcia Ângela da Silva. Formação Inicial. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana
Maria Cancella e VIEIRA, Lívia Fraga. DICIONÁRIO: trabalho, profissão e condição docente. Belo | 166
Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010 CDROM.
ALVES, Thiago; PINTO, José Marcelino de Rezende. Remuneração e características do trabalho docente
no Brasil: um aporte. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 143, n. 41, p. 606-639, maio/ago. 2011.
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Federal, 1988.

_____. Lei n º 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de


Educação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 97, p. 495-515, set.-dez., 2015 513
Silke Weber
DF., 26 jun 2014 – edição extra. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>.

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CARVALHO, Fabrício Aarão Freire. Financiamento da Educação: do FUNDEF ao FUNDEB-
repercussões da política de fundos na valorização docente da Rede Estadual de Ensino do Pará- 1996 a
2009. 2012. 276f. Tese (Doutorado)- Curso de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

CIRILO, Pauliane Romano. As Políticas de Valorização Docente no Estado de Minas Gerais. 2012. 154 f.
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2012.
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| 167

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PLANOS DE EDUCAÇÃO E OS CONSELHOS DE
EDUCAÇÃO: DO NACIONAL PARA O MUNICIPAL
Francine Mendonça da Silva (UFSM)
cinebsb@gmail.com
Marilene Gabriel Dalla Corte (UFSM)
marilenedallacorte@gmail.com
Diego Dartagnan da Silva Tormes (UFSM)
diegotormes2@gmail.com

Resumo: Esta produção relaciona-se aos estudos desenvolvidos em um Observatório de


Educação (OBEDUC/CAPES), desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Elos/CNPq da
Universidade Federal de Santa Maria, voltado para as “Interlocuções entre políticas
públicas e ações pedagógicas: limites e possibilidades”. Objetiva-se identificar e analisar
as metas e estratégias presentes no Plano Nacional de Educação (PNE), em interlocução
com os Planos Municipais de Educação (PME), quanto aos Conselhos Municipais de
Educação. Trata-se de um estudo de caso de abordagem qualitativa, com base nos
conceitos de Minayo (2010) e Lima (2004). Prioriza-se a realidade em municípios da
região AMCENTRO-RS que instituíram seus Sistemas de Ensino, a partir da interlocução
dos cursistas do Pró-Conselho, desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Maria
no estado do Rio Grande do Sul, em ambiente virtual de aprendizagem, com bane nas
percepções dos conselheiros e técnicos de educação sobre PNE e o processo de elaboração
do PME em suas relações com os respectivos CME. Constatou-se que tais processos de
compreensão e elaboração dos planos se constituíram desafiadores aos contextos
investigados, em especial no que tange à formação de qualidade e a atuação dos
Conselhos Municipais de Educação.

Palavras-chave: Plano Nacional de Educação; Plano Municipal de Educação; Conselhos


Municipais de Educação.

INTRODUÇÃO | 168

Essa produção faz parte de estudos realizados no âmbito de um Observatório de


Educação (OBEDUC\CAPES), desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Elos/CNPq da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que está voltado para a temática
“Interlocuções entre políticas públicas e ações pedagógicas: limites e possibilidades”. Em
um de seus objetivos, prioriza delinear e analisar a conjuntura e os processos educacionais
desenvolvidos pelos Conselhos Municipais de Educação, vinculados ao Curso de
Formação Continuada de Conselheiros Municipais de Educação (Pró-Conselho) no Rio
Grande do Sul (RS).

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O Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação
(Pró-Conselho), desenvolvido no estado do Rio Grande do Sul (RS) pela Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), é um programa ofertado na modalidade a distância, via
plataforma Moodle, com a finalidade de capacitar conselheiros municipais de educação,
a partir de estudos em módulos de atividades com textos, legislação e vídeos a respeito
da educação brasileira e das funções dos Conselhos Municipais de Educação (CME). Um
dos pontos estudados no Pró-conselho diz respeito aos planos de educação e as relações
desses com a atuação dos Conselhos Municipais de Educação.
O ordenamento legal brasileiro, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBN nº 9.394/96), conta com a orientação para que haja no âmbito
dos Estados, Municípios e União, Plano de Educação de duração decenal. Os Planos dos
Estados e Municípios devem estar em consonância com Plano Nacional de Educação
(PNE). O PNE é entendido e elaborado como uma política de Estado, que perpassa
governos, e que está fundamentado na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e
na LDBN 9.394/96 (BRASIL, 1996), e é respaldado pelos compromissos internacionais
que o Brasil assumiu.
O PNE está sintonizado com o compromisso da Conferência de Dacar (2000),
justamente porque entre suas mais diversas metas estava o desenvolvimento de um
sistema educacional inclusivo para todos, contemplando a erradicação do analfabetismo
e o aumento dos anos de escolaridade formal, entre outras prioridades mundiais para a
educação. É um instrumento da política educacional de grande importância, já que define
diretrizes, metas e estratégias para todos os níveis e modalidades de ensino, prevendo a
| 169
formação e a valorização do magistério, acesso, qualidade, sucesso, financiamento e a
gestão da educação, em um período de dez anos. Seu principal objetivo é nortear as ações
do poder público em seus níveis de governo (União, Estados, Distrito e Municípios).
Dessa maneira, destaca-se a importância de que os entes federados elaborem seus Planos
de Educação, tendo como documento norteador o PNE com metas e estratégias
considerando as especificidades sociais, econômicas e culturais da realidade macro e
micro, na perspectiva de atendimento às demandas educacionais.

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Diante do exposto, ressalta-se que o Plano Municipal de Educação (PME) precisa
estar em consonância com o Plano Nacional de Educação, sobretudo, priorizar a realidade
do município e ser discutido e elaborado com a participação de diferentes órgãos,
entidades e segmentos da sociedade, entre eles, o Conselho Municipal de Educação
(CME) que possui as funções consultiva, propositiva, fiscalizadora, normativa e
mobilizadora, quando, no município, já foi instituído o Sistema Municipal de Ensino
(SME). O CME é um órgão colegiado que representa e se posiciona em nome da
sociedade ao governo, assim, destaca-se a importância desse órgão para a elaboração,
consecução e fiscalização das políticas públicas educacionais municipais.
Considerando que o CME precisa ser valorizado e fortalecido para desempenhar
as suas funções com qualidade, objetiva-se, nesse artigo, identificar e analisar as metas e
estratégias presentes no Plano Nacional de Educação (PNE), em interlocução com os
Planos Municipais de Educação (PME), no que se refere aos Conselhos Municipais de
Educação. Prioriza-se a análise de um recorte da realidade em municípios da região da
Associação dos Municípios da Região Central do Rio Grande do Sul (AMCENTRO-RS)
que instituíram seus Sistemas Municipais de Ensino (SME). Conforme a Federação das
Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (FAMURS), 33 municípios constituem
a AMCENTRO-RS, sendo que o total de 27 já participaram do curso do Pró-Conselho
desenvolvido pela UFSM em suas três edições no RS, dos quais 16 municípios que já
instituíram seu Sistema Municipal de Ensino (SME) e que responderam o questionário
on-line disponibilizado durante o curso; este questionário constitui-se um instrumento de
construção de informações para o banco de dados do OBEDUC/ELOS/UFSM. Além
disso, o Observatório utiliza-se de contribuições e inserções dos cursistas do Pró-
| 170
Conselho em ambiente Moodle do curso.
Os aspectos metodológicos da pesquisa estão embasados em um estudo de caso
de abordagem qualitativa. Segundo Minayo (2010), alguns dados coletados não podem
ser traduzidos em números, dessa maneira, a pesquisa qualitativa ocupa-se com a
realidade que não pode ser quantificada ou mensurada, pois utiliza informações subjetivas
como valores, atitudes, motivos, crenças, concepções, entre outros.
O estudo de caso se concretiza na descrição análise e estudo aprofundado de um
determinado objeto permitindo seu detalhamento. Conforme Lima (2004), o estudo de

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caso possibilita uma imersão integral, profunda e minuciosa do pesquisador sobre a
realidade investigada. Assim, o estudo de caso contribui para explorar, identificar e
analisar quais as metas e estratégias de ação do PNE e dos PMEs referem-se aos
Conselhos Municipais de Educação, fazendo um recorte dos municípios que possuem
SME e que participaram do curso do Pró-Conselho/UFSM que integram a AMCENTRO-
RS.
Os dados discutidos e analisados nesse artigo partem de um banco de dados que
foi constituído a partir de um questionário on-line com perguntas abertas e fechadas sobre
a conjuntura do CME e do município que foi respondido pelos cursistas nas três edições
do curso. As perguntas que foram selecionadas para esse artigo abordam temas sobre o
PME, considerando se o município possui o Plano, como foi o processo de sua elaboração
e quando foi elaborado. Outros dados também foram construídos a partir de inserções e
participação dos cursistas em fórum no ambiente Moodle na 3ª edição do curso do Pró-
Conselho/UFSM, que tinha o objetivo de discutir com os conselheiros e técnicos de
educação qual a importância do Plano Municipal de Educação para a concretização da
gestão colaborativa e democrática das políticas públicas educacionais, assim como
identificar e contextualizar as metas e estratégias inter-relacionadas ao Conselho
Municipal de Educação (CME) no PME de cada município.

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E O PLANO MUNICIPAL DE


EDUCAÇÃO

O PNE de 2001 (Lei nº 10.172, de 9/1/2001) foi uma política pública que
pretendeu garantir as disposições legais contidas no artigo 214 da Constituição Federal | 171
de 1988 e das disposições transitórias da LDBN de 1996 (art. 87, parágrafo 1º) ao
preconizar que a União deveria encaminhar ao Congresso Nacional a proposta do PNE
(DOURADO, 2010). Foi aprovado após três anos de tramitação e debate no Congresso
Nacional, “[...] um texto com amplo e detalhado diagnóstico da realidade educacional
brasileira, estabelecendo objetivos e prioridades, dividido em níveis, etapas e
modalidades educacionais, com sete artigos e aproximadamente 286 metas [...]” (DALLA
CORTE, TORMES, TEIXEIRA e SILVA, 2015, p, 107).

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Aquele PNE, após um período de tramitação no Senado Federal e na Câmara dos
Deputados, onde foi alvo de sucessivas alterações e reformulações, acabou por ser
sancionado pelo Presidente da República. Aquele Plano acabou por corroborar os
preceitos constitucionais, quais sejam: erradicar o analfabetismo; universalização do
atendimento escolar; melhoria da qualidade de ensino; formação para o trabalho;
promoção humanística. O PNE aprovado, constantemente chamado de longo demais,
tentava resolver, ao final do século XX, a difícil equação: país injusto e desigual x
capacidade de solução de problemas. O documento como um todo contava com capítulos
e seções conforme organização da educação, em níveis e modalidades, trazendo um
diagnóstico de cada uma das etapas e modalidades para as quais foram elaboradas metas.
Contava com metas relativas ao financiamento (vetadas por não constarem no Plano Pluri
Anual nem na Lei de Diretrizes Orçamentárias). Muitas das metas estabelecidas para os
entes federados ficaram prejudicadas, uma vez que não houve planos estaduais e
municipais de tal forma que o PNE acabou não se efetivando como política concreta e
articuladora da educação nacional.
A falta de organicidade sistêmica das políticas públicas brasileiras, a falta de
vinculação orçamentária e a não existência de responsabilização pelo não cumprimento
das metas prejudicou avanços e a execução do PNE. A respeito das políticas educacionais,
segundo Dourado (2010, p. 681) as análises indicam que elas "[...] têm sido marcadas
pela lógica da descontinuidade, por carência de planejamento de longo prazo e por
políticas de governo, em detrimento de construção coletiva, pela sociedade brasileira, de
políticas de Estado". Essa talvez seja a explicação para a não concretização das metas.
Outra questão importante a destacar é que o PNE de 2001 foi redigido e sancionado por
| 172
um governo e seu prazo de execução coincidiu com outro governo diferente. Além disso,
quando o prazo do PNE 2001-2011 se esgotou, o novo PNE ainda não tinha sido
sancionado.
Dourado (2010, p. 686) ressalta que o PNE “[...] não se corporificou em efetivos
planos decenais de educação, nos âmbitos municipais e estaduais, como previsto na
legislação”, porque o Plano é uma política de Estado, mas não se consolidou como base
para as diretrizes, programas e ações. O autor, também, coloca que a relação entre o
ministério, secretarias, órgãos e as instâncias nos estados e municípios que são

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responsáveis pelas políticas educacionais (secretarias, conselhos) é muito complexa e
que, por vezes, seus programas e ações são contraditórios. Cabe mencionar que no
ordenamento jurídico e institucional brasileiro temos um importante elemento de conexão
de políticas públicas educacionais, de normatização de questões educacionais e de
profunda ligação com os planos de educação. Trata-se dos Conselhos de Educação que,
em geral, entre tantas atribuições específicas, possuem a incumbência de participar da
elaboração dos planos de educação e fiscalizar sua execução.
Nesse estudo, prioriza-se a figura dos Conselhos Municipais de Educação (CME),
já que parece correto afirmar que os CME que fazem parte de um Sistema Municipal de
Ensino (SME) são, após a CF/88, órgãos de Estado e não de governo, os quais possuem
características colegiadas e funções próprias. Entre essas funções encontramos no Parecer
nº 42 de 2006, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação
(CNE/CEB) (BRASL, 2006), algumas que merecem destaque:

a) participação na organização de recenseamentos escolares e na chamada


escolar para a matrícula; b) a elaboração do Plano Municipal de Educação; c)
o estabelecimento de normas de orientação para a organização institucional e
curricular das unidades integrantes do sistema municipal de ensino; d) o
acompanhamento da aplicação de recursos constitucionais para a educação –
bem como os provenientes do FUNDEF/FUNDEB e merenda escolar, em
articulação, nesses casos, com os conselhos específicos; e) o zelo pela
valorização do magistério; f) a contribuição para a gestão democrática das
políticas e das instituições educacionais do município; e g) a colaboração na
efetiva execução do Estatuto da Criança e do Adolescente. (BRASIL, 2006)

O que se percebe, a partir da leitura do fragmento normativo, é que os CME tem


responsabilidades específicas no que diz respeito à construção e consecução das metas e
estratégias dos planos municipais de educação (PME). Nesse sentido, torna-se possível | 173
pensar de acordo com Carvalho e Freitas (2008, p.497) que “[...] os conselhos de educação
despontam como instâncias de promoção de elos entre o Estado e a sociedade”. Já as
Secretarias de Educação que, por estarem intimamente ligadas ao poder executivo
municipal, serem, em geral, indicações político-partidárias, assumem o papel de órgão
gestor e executor de políticas públicas educacionais. A relação entre os CME e as
secretarias de educação, estabelecendo um elo entre a sociedade e o poder executivo,
encontra-se na concretização do princípio constitucional da gestão democrática
estabelecido no artigo 206 da CF/88.

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Com a aproximação do prazo final do PNE/2001 o Brasil começou a discutir um
novo PNE, aprovado somente em 2014 através da Lei nº 13.005/2014 com previsão de
duração de dez anos. Isso significa afirmar que o Brasil ficou quase quatro anos sem um
PNE. Esse novo PNE, tramitou inicialmente pela Câmara dos Deputados e em seguida
pelo Senado, mas, antes disso, sua redação passou por milhares de conferências de
educação nos municípios e nos estados para, finalmente, passar pela Conferência
Nacional de Educação (CONAE) de 2010. O texto discutido pela sociedade brasileira e
entregue ao Poder Executivo, para em seguida tramitar no congresso, foi radicalmente
alterado pelo Governo Federal e, depois de longos três anos de tramitação de embates e
debates, o novo PNE foi aprovado e contém diretrizes, metas e estratégias de ação para a
educação nacional para dez anos (2014 – 2024).
O novo PNE está estruturado em vinte metas desdobradas em diversas estratégias
somando um total de 202 ações a serem desenvolvidas pelo Brasil no período de um
decênio. Um dos itens que merecem atenção comparando o texto atual com o plano antigo
é a existência da responsabilização dos municípios e estados que não instituírem seus
próprios planos. Tem metas para os níveis da educação básica e educação superior, suas
etapas e modalidades. Além disso, o texto atual do PNE menciona aspectos da gestão e
financiamento como a consolidação do FUNDEB com o redimensionamento de recursos;
consolidação de programas para a educação infantil; novos marcos para o financiamento
da educação superior; autonomia universitária; democratização do acesso e inclusão
social; Sistema Nacional de Avaliação; expansão da pós-graduação e da pesquisa com o
fortalecimento da CAPES e CNPq; e, o principal para esse estudo, que diz respeito a
obrigação dos municípios e estados a elaborarem seus Planos Municipais de Educação.
| 174
Para o alcance dos objetivos e metas nacionais, o PNE determinou que os estados
e municípios elaborassem o seu plano de educação decenal, em âmbito próprio de
atuação, em regime de colaboração. “Como instrumento de operação do sistema, o PME
define a concepção e viabiliza a realização do projeto municipal de educação, superando
rotinas, ações segmentadas e improvisações” (BORDIGNON, 2009, p. 92).
O PME, conforme Bordignon (2009, p. 92), estabelece políticas e diretrizes e
também define objetivos e metas da educação do município por um período de 10 anos.
Para o autor, a elaboração do PME “[...] deve constituir-se em processo de formação, de

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aprendizagem sobre a realidade educacional do município, da concepção de educação
inspiradora da ação, dos objetivos da ação e da própria razão de ser e de agir de cada
participante”. O autor destaca também: “Quando o município não tem plano fica à mercê
de ações episódicas que, mesmo planejadas caso a caso, representam improvisações. Sem
plano municipal não há visão de Estado nas ações, não há caminho a percorrer [...]”
(idem).
Nessa perspectiva, o autor sugere alguns princípios que poderão orientar os
trabalhos na elaboração do PME: construção participativa – importante escutar e
contemplar as aspirações da pluralidade das vozes do município, permite a visão do todo
e gera compromisso e responsabilidade do Governo e da sociedade; visão sistêmica –
visão do projeto educacional do município no seu todo, articulando as partes em vista dos
fins da educação, governabilidade – levar em conta os limites e possibilidades da ação, a
viabilidade financeira e a capacidade de gestão e de controle do governo sobre as ações
planejadas; flexibilidade – trabalhar com cenários futuros possíveis e oferecer alternativas
para enfrentar as incertezas; regime de colaboração – precisa articular-se com as ações
estaduais e nacionais.

O PLANO DE EDUCAÇÃO E O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO


No PNE de 2001, no Capítulo V que trata do “Financiamento e Gestão”, item
11.3.2 denominado “Gestão”, já contavam com metas que tratavam da gestão democrática
e os Conselhos Municipais de Educação:

21. Estimular a criação de Conselhos Municipais de Educação e apoiar


tecnicamente os Municípios que optarem por constituir sistemas municipais de
ensino. | 175
22. Definir, em cada sistema de ensino, normas de gestão democrática do
ensino público, com a participação da comunidade.
23. Editar pelos sistemas de ensino, normas e diretrizes gerais
desburocratizantes e flexíveis, que estimulem a iniciativa e a ação inovadora
das instituições escolares (BRASIL, 2001).

O que se via naquele Plano era a intenção de implementar o princípio da gestão


democrática a partir da ampliação da participação das comunidades bem como a intenção
de criar mais CME além apoiar os municípios que instituíssem seus SME. Assim, pode
ser possível afirmar que, as metas relativas aos CME e à gestão democrática, estabelecidas
para a primeira década do século XXI colocavam na agenda da educação nacional o

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princípio da gestão democrática e, em evidência, os CME. É nesse contexto que surge o
Pró-Conselho, como uma tentativa de fortalecer os CME, instrumentalizá-los para a
gestão democrática e ampliar a criação de SME.
No PNE de 2014, o CME foi contemplado nas estratégias que fazem parte da meta
19, no que diz respeito a efetivação da gestão democrática, a ampliação de programas de
apoio à formação de conselheiros e representantes educacionais, assim como ao
fortalecimento dos conselhos escolares/educação (BRASIL, 2014).
Como se percebe, no PNE de 2001 houve uma preocupação maior em estimular a
criação dos CMEs, já no PNE de 2014 “[...] além de manter a continuidade do processo
de criação dos CME e SME, a preocupação encontra-se em fortalecer os CME, inclusive
com cursos e condições de funcionamento” (DALLA CORTE, TORMES, TEIXEIRA e
SILVA, 2015, p. 122). No plano de 2014 o que se percebe é a utilização do verbo
“ampliar” referindo-se a programas de apoio a representantes de conselhos além de citar,
mais uma vez, os conselhos como “instrumentos de participação e fiscalização”. Esses
elementos encaminham para pensar que o novo PNE reafirmou conceitos já existentes no
PNE de 2001 consolidando na educação nacional o a importância da gestão democrática
bem como da atuação dos conselhos na concretização desse modelo de gestão. Essa
preocupação com o fortalecimento dos CME também verifica-se nas falas dos
conselheiros e técnicos de educação, cursistas do Pró-Conselho/UFSM, a seguir.
Antes da publicação do novo PNE (2014), conforme as respostas dos cursistas dos
16 municípios AMCENTRO que possuem SME que participaram do curso do Pró-
Conselho/UFSM, apenas 1 município dessa região ainda não possuía PME, sendo que os
cursistas relataram que o mesmo estava em processo de elaboração. As datas de
| 176
elaboração dos PME podem ser visualizadas no gráfico 1:

Gráfico 1 - Data de elaboração dos PME dos municípios da AMCENTRO-


RS partícipes do Pró-Conselho/UFSM.

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Data de elaboração do PME

2 2 2

1 1 1

Fonte: Elaborado pelos autores a partir do banco de dados do Observatório de


Educação/UFSM 2013-2015.

Dessa maneira, os dados demonstram que até o ano de 2010, 10 municípios já


tinham elaborado seus planos, provavelmente tiveram que [re]estruturar seus planos a
partir do PNE de 2014. Os municípios que participaram da última edição do curso, em
2015, destacaram que já haviam elaborado seus PME, 1 município não respondeu, e,
como foi sinalizado anteriormente, 1 município respondeu que estava em processo de
elaboração.
Sobre o processo de elaboração do PME, todos os cursistas responderam que o
CME teve participação na construção e, para isso, coletou-se as respostas dos cursistas e
elaborou-se a tabela abaixo a respeito da participação dos CME na elaboração do PME:

Tabela 1 – Incidência de respostas dos cursistas sobre a elaboração do PME.


Respostas Incidência
| 177
Com reuniões e fóruns 2
Com todos os segmentos da sociedade 7
Com Encontros Municipais de Educação 1
Com comissões composta pelo poder executivo, legislativo, Conselho
Municipal de Educação, representantes da secretaria da educação, 4
representante de direção das escolas e representante dos professores
Com audiências públicas 1
Sem a participação da comunidade 1
Fonte: Elaborado pelos autores a partir do banco de dados do Observatório de Educação/UFSM
2013-2015.

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Verificou-se que, de uma forma ou de outra, os municípios pesquisados
instituíram mecanismos e processos diferenciados na perspectiva de participação da
comunidade para a elaboração dos seus PME. Referente ao processo de elaboração e
estrutura do PME, Bordignon (2009) oferece alguns indicadores teórico-práticos ao
defender que o PME deve ser elaborado com e para a comunidade e que uma alternativa
para a coordenação com propostas orientadoras e processos de sistematização do PME é
a constituição de uma Comissão Coordenadora e de Câmaras Temáticas, uma assembleia
final para apresentar o plano para a comunidade e sua validação e após o encaminhamento
ao prefeito, que enviará à Câmara Municipal de Vereadores para discussão, votação e
aprovação.
Os conselheiros de 7 municípios da AMCENTRO, que participaram da última
edição do Pró-Conselho/UFSM, em 2015, discutiram acerca do PME no fórum
disponibilizado no ambiente Moodle, que tratava sobre o Conselho Municipal de
Educação e as políticas públicas educacionais. Considerando a tabulação dos dados do
fórum, categorizou-se: participação de diferentes segmentos da sociedade, análise e
contextualização de acordo com a realidade do município, a importância das funções de
fiscalização e normatização do CME e sobre a meta 19 dos PMEs.
Sobre a participação de diferentes segmentos da sociedade, os cursistas
destacaram a importância de se ter o olhar de diferentes pessoas e instituições e que para
a elaboração do PME é necessário que seja de maneira participativa e democrática. Nessa
ótica, o Cursista B do município AG se manifesta: “Para sua elaboração é necessário
muito estudo, pesquisas e avaliações da educação Municipal, com diferentes olhares. Por
isso faz-se necessário que sua construção seja participativa e democrática”.
| 178
Os cursistas também destacaram que no PME a análise e a contextualização foi
feita de acordo com a realidade do município, o que é possível verificar na fala abaixo:

Desse modo, de acordo com Constituição Federal de 1988, a LDB 9394/96 e


o PNE o Plano Municipal de Educação deve ser elaborado de acordo com o
espaço ambiental local de cada Município brasileiro. O PME deve ser pensado,
ao ser elaborado, como plano de estado para a educação municipal. Ou seja,
deve ser pensado como acima de um plano de governo municipal. O Conselho
Municipal de Educação de [...] teve papel importante na participação,
elaboração, implantação e acompanhamento do Plano Municipal de Educação,
no exercício da competência política e técnica (CURSISTA H, MUNICÍPIO
SM).

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Referente à importância das funções de fiscalização e normatização do CME
identificou-se as seguintes discussões:

O PME do município de [...] estabelece em suas metas e estratégias, priorizar


a Meta 1, Meta 2, e o CME acompanha o cumprimento do PME, fiscalizando
a execução dessas ações. (CURSISTA D, MUNICÍPIO MT)

A ação permanente do Conselho Municipal de Educação, com democracia e


legitimidade, visou garantiu não somente a qualidade do processo de
reconstrução do PME, mas também a qualidade social do Plano. (CURSISTA
F, MUNICÍPIO RS)

O que se conclui a partir dessas falas é que os pesquisados demonstram reconhecer


a importância do CME no processo de construção e acompanhamento do PME. Inclusive,
um cursista cita que após a construção a atuação do CME também é importante no sentido
de fiscalizar. Essas falas podem ser indicadoras de que esses cursistas tem noção da
importância do papel dos colegiados na educação municipal e preocupam-se com a
concretização das metas e estratégias dos seus planos. A fala do Cursista B do Município
de AG, para esse estudo revelou-se muito importante:

O plano Municipal de Educação de [...] foi elaborado em conjunto com


diferentes segmentos educacionais, e foi adaptado de acordo com a realidade
educacional do município, mas integra o Conselho de Educação como parceiro
fiscalizador e normatizador das ações e estratégias elaboradas para a
concretização da gestão colaborativa e democrática das políticas (CURSISTA
B, MUNICÍPIO AG).

Ou seja, o cursista resume três aspectos importantes sobre o PME e os CME:


estabelece a relação entre o plano e a gestão colaborativa das políticas públicas,
compreende o papel do CME nesse processo e, ainda, menciona o processo de elaboração
do plano que deve ser participativo e democrático.
| 179
Houve, também, cursistas que discutiram sobre a meta de número 19 constante
nos seus PMEs. Cabe lembrar que o PNE conta com uma meta para tratar especificamente
da gestão democrática e é nessa meta que entram os CME em interlocução com os PME.
Por isso, boa parte dos Planos Municipais de Educação da região analisada contém uma
meta nessa perspectiva. Isso ocorre numa clara expressão, por parte dos municípios, de
construir seu plano em consonância com o PNE. Abaixo, constam algumas falas que
abordam referência à meta 19, bem como aos seus conteúdos.

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[...] acompanhar a implementação de programas de apoio e formação aos (às)
conselheiros (as) dos conselhos de acompanhamento e controle social do
Fundeb, dos conselhos de alimentação escolar, dos conselhos regionais e
demais conselhos de acompanhamento de políticas públicas educacionais; [...]
fortalecer o Conselho Municipal de Educação, garantindo a esse colegiado,
recursos financeiros, espaço físico adequado, quadro de recursos humanos
disponível, equipamentos e meios de transporte para verificações à rede
escolar, com vistas ao desempenho de suas funções, assegurando no mínimo
20 horas semanais de dedicação exclusiva, no caso de funcionário público
municipal e 40 horas semanais se além da Presidência, o Conselho acumular a
função de Coordenador Regional ou membro da Diretoria da UNCME-RS
(CURSISTA H, MUNICÍPIO SM).

Nosso PME contempla na meta 19, Eixo GESTÂO, a Gestão Democrática


onde observamos a importância deste compromisso, de pensar e executar a
educação em todos os aspectos, entre eles a participação democrática da
comunidade em conselhos representativos, entre estes podemos citar:
Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal do FUNDEB,
Conselhos Escolares e agremiações. Estes mecanismos são fundamentais para
garantir uma pratica democrática transparente que assegure a
representatividade da coletividade (CURSISTA I, MUNICÍPIO SVS).

Constatou-se que os pesquisados demonstraram não somente entender a


necessidade de construção colaborativa dos PME, como também relataram a importância
da estrutura e funcionamento dos CME e de formação continuada aos conselheiros
endentendo que isso pode qualificar e agilizar o trabalho dos conselheiros. Além disso,
sinalizaram que em seus municípios o PME, os debates e conferências realizados para
elaboração dos PME culminaram com o consenso de que mecanismos como conselhos
(de educação e FUNDEB), bem como a gestão democrática são importantes quando se
discute política pública educacional. Outro elemento que, em certa medida dialoga com
a função do Pró-Conselho/UFSM, foi a menção sobre a importância de programas de
formação continuada para conselheiros, mas nesse caso o município que menciona essa
necessidade a amplia para outros conselhos o que é um posicionamento importante uma | 180
vez que se desconhece, salvo ações isoladas, formação para os demais conselheiros
citados.
É possível pensar ainda que, em tese, tais percepções por parte dos conselheiros
tornaram-se possíveis por se tratarem de sujeitos que fazem parte de CME que estão
inseridos em municípios que já criaram seus SME. Em um município cujo contexto
educacional está relacionado a ação do CME desempenhando suas funções dentro de um
SME faz com que o órgão e seus membros (conselheiros) passem a estudar, refletir,
sugerir e interagir com a comunidade no que diz respeito à normatização e fiscalização

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de políticas públicas educacionais. Assim, em tese, conselheiros de um município que já
instituiriam seu SME tem mais experiência em debate de questões presentes em um PME,
bem como conhecem de perto as dificuldades de atuação e afirmação local de um órgão
normativo que, além de fiscalizar, propõe e mobiliza a comunidade para o debate
educacional local. Assim sendo, não é

[...] demasiado reiterar a necessária criação de CME e SME, tendo por base a
concepção sistêmica de educação democrática e, nesse sentido, para que tanto
o Conselho de Educação e o Sistema de Ensino sejam fortalecidos, não basta
investimento massivo em formação continuada de conselheiros, o que se
enfatiza relevante, mas sobretudo é indispensável que tais instâncias se
constituam autônomos e com boas condições de trabalho para os seus
partícipes (DALLA CORTE, TORMES, TEIXEIRA e SILVA, 2015, p. 123).

Não se pode deixar de mencionar que os CME, bem como seus conselheiros são
elementos centrais na concretização do princípio da gestão democrática na educação local
uma vez que, além de suas atividades cartoriais e burocráticas, chamam a comunidade a
debater e analisar o cenário educacional local. Nesse sentido, processos de formação
continuada como o Pró-Conselho são relevantes como uma ferramenta para qualificar e
subsidiar esses debates.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pode perceber através dos dados coletados, ainda que seja um recorte
pequeno do universo total de cursistas do Pró-Conselho/UFSM, que os pesquisados
demonstram compreender a importância do CME na construção e fiscalização dos planos
locais de educação, bem como entendem que esses colegiados ajudam a efetivar o
princípio constitucional da gestão democrática. Nesse contexto, verifica-se que cursos de | 181
formação como o Pró-Conselho são importantes fontes de conhecimento, de reflexão e
de [re] construção do conhecimento sobre as funções e atribuições dos conselheiros
municipais de educação e que contribuem para o fortalecimento e [re] articulação dos
CME.
Além disso, foi possível perceber que os PNE, apesar da diferença temporal,
mantiveram os conceitos de participação social, de fortalecimento dos CME e da
qualificação desses órgãos colegiados de maneira que possam desempenhar suas funções
com qualidade. Em se tratando das funções do CME dos municípios que são sistema,

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destaca-se as de fiscalização e as de normatização que foram relatadas pelos cursistas nos
fóruns como sendo essenciais para incentivar e fiscalizar a execução das ações do PME,
assim como normatizar as ações e estratégias contidas no respectivo Plano.
Na maioria dos PME, os pesquisados sinalizaram que em seus municípios a
elaboração do plano teve a participação do CME e da comunidade contemplando
diferentes segmentos da sociedade, que foi realizada uma análise e contextualização de
acordo com a realidade do município e destacaram a meta 19 dos PMEs com estratégias
de fortalecimento dos CME com cursos e condições de funcionamento.
Dessa maneira, pode-se considerar que tanto o PNE como os PME dos municípios
investigados, possuem estratégias diretamente relacionadas com o fortalecimento e dos
conselhos.

REFERÊNCIAS

BORDIGNON, G. Gestão da educação no município: Sistema, Conselho e Plano. São


Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009.

BRASIL. Plano Nacional de Educação 2001. Diário Oficial da República Federativa


do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em:
10 de jan. 2016.

_____. Plano Nacional de Educação 2014. Diário Oficial {da} República Federativa
do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 15 de jan.
2016.
| 182
_______. Parecer 42, de 09 de Agosto de 2006. Consulta Sobre os Sistemas de Ensino.
Brasília, 2006. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb042_06.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2015.

DALLA CORTE, M. G.; TORMES, D. D. S.; TEIXEIRA, M. L. S. S.; SILVA, F. M. A


gestão democrática no Plano Nacional de Educação: inter-relações com a criação de
Conselhos e Sistemas Municipais de Educação no Rio Grande do Sul. In. DALLA
CORTE, M. G. (Org.). Políticas Públicas e Conselhos Municipais de Educação:
interlocuções com o Pró-Conselho. São Leopoldo: Oikos, 2015.

DOURADO, L. F. Avaliação do Plano Nacional de Educação 2001-2009: questões


estruturais e conjunturais de uma política. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n.112, p. 677-
705, jul.-set. 2010.

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Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
FREITAS. Dirce N. de; CARVALHO. Flávia R. C. de. Conselhos Municipais de
Educação e Qualificação da Educação Básica. In Revista Brasileira de Política e
Administração da Educação. Porto Alegre: RBPAE, v. 24, n. 3, p. 497-516, set.-dez.
2008.

LIMA, M. C. Monografia: a engenharia da produção acadêmica. São Paulo: Saraiva,


2004.

MINAYO. M. C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. Ed.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

| 183

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A GESTÃO DEMOCRÁTICA E O PROCESSO DE
[RE]CONSTRUÇÃO DOS PPP DAS ESCOLAS DA REDE
MUNICIPAL DE SANTA MARIA - RS
Gabriela Barichello Mello (UFSM)
gabizinhabarichello@hotmail.com
Marina Lara Silva dos Santos Teixeira (UFSM)
marinalaraobeduc@gmail.com
Marilene Gabriel Dalla Corte (UFSM)
marilenedallacorte@gmail.com

Resumo: Essa produção vincula-se ao Programa Fundo de Incentivo à pesquisa da Pró-


reitoria de Pós Graduação e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
assim como a um Observatório de Educação (OBEDUC/CAPES) “Interlocuções entre
políticas públicas e ações pedagógicas: limites e possibilidades”, desenvolvidos pelo
Grupo de Pesquisa Elos/Cnpq/UFSM. Objetiva analisar os princípios da gestão
democrática relacionados ao processo de [re]construção do PPP das escolas de ensino
fundamental da Rede Municipal de Santa Maria/RS e inter-relações com o Conselho
Municipal de Educação. Refere-se a uma pesquisa do tipo estudo de caso de abordagem
qualitativa, com o foco em seis Escolas Municipais de Ensino Fundamental e no Conselho
Municipal de Educação. Esta pesquisa buscou contribuir para estabelecer uma rede de
conhecimento teórico-prático entre o que é vivido na Rede Municipal de Santa Maria-RS
e o que pode ser conhecido e melhorado com relação ao processo de [re]construção dos
PPPs das escolas, já que tem a responsabilidade de apresentar um estudo diagnóstico das
respectivas realidades e apontar, esclarecer, encaminhar discussões teóricas e práticas
para as equipes gestoras e demais integrantes das comunidades escolares.

Palavras-chave: Projeto político-pedagógico. Gestão Democrática. Autonomia.

INTRODUÇÃO

Essa produção está vinculada a uma pesquisa fomentada pelo Programa Fundo de
Incentivo à pesquisa da Pró-Reitoria de Pós Graduação e Pesquisa – FIPE JR/UFSM, da | 184
Universidade Federal de Santa Maria, tendo como intuito de problematizar discussões
abordadas pelo Grupo Estudos e Pesquisas Elos/Cnpq/UFSM41, levando em
consideração o contexto da Rede Municipal de Ensino de Santa Maria – RS. Desta forma,
inter-relaciona discussões alusivas ao processo de [re]construção dos Projetos Político-
Pedagógicos (PPP), bem como as orientações, percepções e assessoramento da Secretaria
Municipal de Educação (SMED) e do Conselho Municipal de Educação de Santa Maria

41
Disponível em: <http://w3.ufsm.br/elos/>

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(CMESM). Além disso, também, se insere no bojo dos estudos realizados em um
Observatório de Educação (OBEDUC/CAPES) “Interlocuções entre políticas públicas e
ações pedagógicas: limites e possibilidades” desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa
Elos/Cnpq/UFSM.
Parte-se dos preceitos Constitucionais de 1988, bem como das predisposições da
LDB nº 9.394/96 quanto a gestão democrática do ensino e à construção participativa e
compartilhada do PPP das escolas e, também, da Resolução CNE/CEB nº 04/2010 a qual
estabelece Diretrizes Gerais para a Educação Básica. Para tanto, considera-se que são
importantes as ações conjuntas de pesquisa entre Universidade e Escola, no sentido de
mobilizar a compreensão da ação docente na gestão escolar e educacional, influenciando,
portanto, à [re]significação de seus aportes teórico-práticos relacionados à
democratização da gestão escolar e, neste caso, especial atenção aos preceitos e
encaminhamentos correlacionados à importância e construção do PPP da escola básica.
Esta pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso (multicasos), da
Rede Municipal de Ensino de Santa Maria – RS, mobilizou articulações entre
Universidade, Escolas Municipais de Ensino Fundamental, Secretaria Municipal de
Educação e o Conselho Municipal de Santa Maria, no sentido de analisar o processo de
[re]construção do Projeto Político-Pedagógico das escolas de ensino fundamental da Rede
Municipal de Santa Maria/RS, considerando as necessidades, os desafios e as
possibilidades relacionadas as comunidades escolares.
Assim, com este artigo objetiva-se apresentar um recorte da pesquisa
desenvolvida, supra mencionada, na perspectiva de analisar as percepções dos gestores
das escolas municipais de ensino fundamental e dos conselheiros de educação, acerca dos
| 185
princípios de gestão democrática presentes no processo de [re]construção do PPP das
escolas da Rede Municipal de Santa Maria/RS.
A pesquisa priorizou a abordagem qualitativa, justamente pelo sentido de ação
investigativa crítica e reflexiva, na qual torna-se possível contextualizar a realidade e os
sujeitos sociais apontando para a historicidade, os fatores intervenientes, as práticas e a
totalidade do objeto de investigação em profundidade. Ludke & André (1986, p. 18)
referem-se à abordagem qualitativa como aquela que “[...] se desenvolve numa situação
natural, é rica em dados descritivos e tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade

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de forma complexa e contextualizada”. Para tanto, a pesquisa constitui-se do tipo estudo
de caso (multicasos), já que que se constitui como modalidade do fazer investigativo,
delimitando o contexto, tornando-o particular e representando uma ação estudada no
âmbito da Rede Municipal de Ensino de Santa Maria - RS. O foco de pesquisa esteve
pautado em seis Escolas Municipais de Ensino Fundamental subdivididas por
representatividade regional, a Secretaria Municipal de Educação de Santa Maria e o
Conselho Municipal de Educação de Santa Maria.
Conforme Yin (2005), o estudo de caso é utilizado para contribuir com o
conhecimento dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais, políticos e de grupo,
além de outros fenômenos relacionados a estes. Para tanto, a pesquisa desenvolveu-se por
meio da aplicação de questionário misto para os gestores das escolas e questionário misto
on-line para os conselheiros do CMESM. Além disso, foi realizada análise documental
de legislação educacional pertinente em nível contexto nacional e municipal, já que Santa
Maria possui Sistema Municipal de Ensino (SME).

ELEMENTOS TEÓRICO-LEGAIS PARA A CONSTRUÇÃO DO PROJETO


POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Ao considerar os preceitos Constitucionais de 1988, bem como as disposições da


Lei da Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) nº 9.394/96 no que diz respeito
a temática educação e seus processos de organização por meio da gestão educacional e
escolar democrática, observa-se a [co]relação destas com os processos de [re]construção
dos Projeto Político-Pedagógico (PPP) das escolas de educação básica. Parte-se do
pressuposto de que o PPP constitui-se um mecanismo de democratização da gestão | 186
escolar.
Como afirmam Lunardi, Kantorsky e Borim (2015, p. 99):

A gestão democrática dos sistemas de ensino e da escola implica o aprendizado


e a vivência do exercício de participação e tomadas de decisão. Trata-se de um
processo construído coletivamente, considerando a especificidade e
possibilidade histórica de cada sistema de ensino [...] é resultante, sobretudo,
da concepção de gestão e de participação garantidas pela legislação
educacional.

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Sendo assim, essas as demarcações e relações influenciam nos vários espaços
formativos educacionais, reportando para a reflexão acerca do papel e da importância que
a organização da educação repercute nas relações com as políticas educacionais e
respectivos processos de gestão macro e micro.
Destaca-se que os processos de gestão possuem diferentes concepções, entre elas
nos referimos a técnico-científica em que a direção/administração se concentra apenas
centralizada em uma única pessoa, a qual se torna responsável pela tomada de decisões e
os demais integrantes são apenas executores de tarefas pré-determinadas e burocratizadas.
Já a concepção sociocrítica tem em seus aspectos fundantes princípios de coletividade e
participação, o que denota um fazer mais coletivo e compartilhado com relação a tomada
de decisões e consecução de ações no cotidiano da escola, também aproximando a escola
da comunidade e não apenas da equipe diretiva.
Segundo Libâneo (2004), gestão diz respeito a processos que envolvem a tomada
de decisões de forma intencional e sistemática de se chegar a uma definição fazendo-a
funcionar; são meios para se atingir os objetivos da escola, envolvendo aspectos
gerenciais e administrativos, porém o que muda entre administração e gestão diz respeito
a postura dos envolvidos. Para Vieira (2007, p. 60), “a gestão educacional refere-se ao
âmbito dos sistemas educacionais; a gestão escolar diz respeito aos estabelecimentos de
ensino; a gestão democrática, por sua vez, constitui-se num eixo transversal, podendo
estar presente, ou não, em uma ou outra esfera”.
Nesse sentido, conforme Libâneo (2004), existem algumas concepções de gestão,
entre elas: técnico-científica, a autogestionária, interpretativa e a democrático-
participativa.
| 187

A concepção democrático-participativa baseia-se na relação orgânica entre a


direção e a participação dos membros da equipe. Acentua a importância da
busca de objetivos comuns assumidos por todos. Defende uma forma coletiva
de tomada de decisões sem, todavia, desobrigar as pessoas da responsabilidade
individual. Ou seja, uma vez tomada as decisões coletivamente, cada membro
da equipe deve assumir sua parte no trabalho. (LIBÂNEO, 2004, p. 123)

Esta concepção adota o sentido de coletividade, mas acredita que é necessário a


participação da coordenação, profissionais qualificados e competentes, bem como um
diagnóstico e acompanhamento das ações e decisões que envolvem esse processo no
âmbito escolar. Nesta direção, a LDBN nº 9.394/96, assegura em seu Art. 14 que

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Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino
público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e
conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da
educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação
das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Assim sendo, a gestão democrática pode se constituir no bojo das redes/sistemas


de ensino, e respectivas instituições de ensino, considerando a atenção e consecução dos
princípios tais como: autonomia, participação, coletividade, descentralização e
transparência.
Para Veiga (2010), o princípio de autonomia está inteiramente interligado ao
princípio de liberdade, considerando que as regras, orientações e processos são criados
pelos próprios sujeitos do sistema ou das instituições. A autonomia é de extrema
importância para a criação da identidade da escola. Veiga (2006) afirma que a autonomia
não é uma política, mas sim uma substância para a organização do trabalho pedagógico,
o que torna a escola singular.
A participação assegura a transparência nas decisões tomadas, garante o controle
nas questões e, principalmente, contribui para que diferentes questões sejam discutidas e
definidas pelos interessados. Veiga (2006) sinaliza que a descentralização se concretiza
na medida em que acontecem processos coletivos de tomada de decisões, através de
mecanismos que visem a ampla participação dos segmentos envolvidos no âmbito de
sistema e de escola.
Tais princípios poderão constituir-se na conjuntura de ações concretizadas no
cotidiano das instituições, entre elas a eleição de diretores, a elaboração e consecução do
PPP entre outros planos educacionais, a existência e proatividade de órgãos colegiados,
| 188
assim como a autonomia financeira. Sobretudo, os processos de democratização das
instituições educativas tem a responsabilidade de viabilizar uma construção
compartilhada de direitos e deveres, a formação de sujeitos como cidadãos plenos,
ratificando e afirmando os princípios da democracia, da solidariedade, da justiça, da
liberdade, da igualdade, entre outros.
Sem dúvidas a participação é o elemento central e fundamental para assegurar a
gestão democrática, sendo a principal ferramenta nesse processo, de modo que a tomada
de decisões ocorra de maneira consciente e compartilhada, valorizando os sujeitos, seu

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cotidiano e vivências, para que os partícipes constituam-se capazes de se envolver nas
discussões, problemas e soluções e ações [co]responsáveis e colaborativas.
Cabe registrar que, em consonância com o Art. 43 das atuais Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, Resolução CNE nº 04/2010, o
projeto político-pedagógico

[...] interdependentemente da autonomia pedagógica, administrativa e de


gestão financeira da instituição educacional, representa mais do que um
documento, sendo um dos meios de viabilizar a escola democrática para todos
e de qualidade social. (BRASIL, 2010)

Além disso, na referida Resolução, encontram-se princípios a serem observados


na construção e elaboração dos projetos político-pedagógicos pelas escolas, os quais
precisam ser conhecidos e contemplados nas orientações pelos Sistemas de Ensino, seus
Conselhos de Educação e respectivas Mantenedoras às escolas de sua abrangência. São
eles:

Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao


bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e
singularidades. Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade
e do respeito à ordem democrática. Estéticos: da sensibilidade, da criatividade,
da ludicidade e liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas
e culturais. (BRASIL, 2010)

Assim sendo, o PPP de uma escola necessita contemplar no mínimo as


especificidades do seu público alvo, uma vez que é o plano orientador das ações
educativas no âmbito escolar e, também, porque “[...] define as metas que se pretende
para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que nela são educados e cuidados.
É elaborado num processo coletivo, com a participação da direção, dos professores e da | 189
comunidade escolar. (BRASIL, 2010, p. 13).
Nesse sentido, é de extrema importância que o processo de democratização da
gestão, esteja presente na [re]construção do Projeto Político-Pedagógico das instituições
escolares, considerando o conhecimento dos marcos legais macro e micro educacionais,
assim como a parceria e as contribuições e orientações do Conselho Municipal de
educação e da Secretaria Municipal de Educação.
A construção do PPP é um processo de ação-reflexão, em que há a necessidade da
participação consciente com relação a importância deste mecanismo de democratização

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da gestão escolar, considerando os segmentos da escola e da comunidade. Além disso, é
de caráter identitário com o propósito de nortear as ações da escola, levando em
consideração que tipo de sujeito ela pretende formar, sendo possível reconhecer neste
documento os valores e objetivos da mesma.
Do ponto de vista teórico-metodológico, este documento tem a função de definir
uma visão diagnóstica da realidade, estabelecer concepções e princípios da proposta
político pedagógica da instituição, prioridades e metas, encaminhar soluções, estratégias
e ações aos problemas e de propor melhorias ao funcionamento da escola, sempre em
função dos sujeitos que lá se encontram, em especial os estudantes. Caso haja
necessidade, mudanças poderão ser realizadas, com a consciência de que novas
prioridades, metas e ações podem vir a colaborar no processo de organização das práticas
educativas. Também expressa uma atitude pedagógica, que busca um sentido, um rumo,
às práticas educativas. É uma construção intencional, através de um compromisso
coletivo com foco no trabalho de qualidade da escola. Por ser processo, não se apresenta
de modo conclusivo, mas sim continuo, sendo sempre possível [re]pensar e [re]construir;
daí os processos de avaliação são de extrema importância.
Para Veiga (2010) se constrói o Projeto Político-Pedagógico através dos princípios
de igualdade, qualidade, gestão democrática, liberdade e de valorização do magistério.
Também, acredita em sete elementos básicos para a constituição do PPP: finalidades da
escola, estrutura organizacional, currículo, tempo escolar, processo de decisão, relações
de trabalho e avaliação.
Segundo Libanêo (2004), os elementos considerados necessários para a
elaboração do Projeto Pedagógico-Curricular são: contextualização da escola; aspectos
| 190
sociais, econômicos, condições físicas e materiais da escola, entre outros; concepção de
educação e de práticas escolares; perfil dos alunos e princípios norteadores da ação
pedagógico-didática; diagnóstico da situação atual, a partir do levantamento de problemas
e necessidades a atender; objetivos gerais; estrutura de organização e gestão dos aspectos
administrativos, financeiros e organizacionais; fundamentos epistemológicos,
pedagógicos, psicológicos, culturais e sociais da proposta curricular; organização
curricular com os objetivos, conteúdos, metodologia e avaliação da aprendizagem;
formação continuada para os professores; proposta de trabalho com pais e comunidade

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em geral. Portanto, o PPP é um documento detalhado que especifica visão diagnóstica,
diretrizes, objetivos, metas e ações que serão desenvolvidas no âmbito escolar.
De acordo com a Resolução CMESM nº 29/2011, que estabelece normas para a
elaboração do projeto político-pedagógico e do regimento escolar no Sistema Municipal
de Ensino de Santa Maria/RS, verificou-se o seguinte roteiro sugerido para as escolas
construírem seus PPPs: dados de identificação da escola; sumário; diagnóstico da escola;
contexto da escola; caracterização da escola; filosofia da escola; prioridades, objetivos,
metas e principais ações da escola; organização da gestão da escola; organograma da
escola; normas de convivência; organização curricular; formação continuada na escola e
avaliação do PPP (SANTA MARIA, 2011). Nesse sentido, identificou-se de maneira
geral, na análise dos PPP das escolas pesquisadas, os elementos apontados na Resolução
Municipal. Verificou-se, sobretudo, que as instituições contemplam em seu PPP os
principais elementos indicados nas políticas públicas para a educação infantil e para o
ensino fundamental, sendo que todas tem nos aspectos supracitados questões que se
aproximam com relação aos preceitos educacionais nacionais.
De maneira elucidativa, na fala da Gestora da EMEF A compreende-se o que
balizou o processo de [re]construção do PPP da escola: “Utilizamos um roteiro para a
construção do projeto político-pedagógico conforme orientação das leis, pareceres e
resoluções educacionais para a educação básica e para o ensino fundamental, e, também,
a Resolução CME de Santa Maria nº 29 de dezembro de 2011”. Observou-se, portanto,
que na análise dos PPPs e na falas das gestoras que as escolas contemplaram os elementos
essenciais para a construção do projeto político-pedagógico e que, em especial, a
Resolução CMESM nº 29/2011 foi essencial para que tivessem clareza quanto ao que
| 191
contemplar minimamente para a elaboração do novo texto do PPP e com relação aos
princípios necessários para a democratização desse processo. Então, ao ser construído o
projeto político-pedagógico escolar, é necessário contemplar os pressupostos das políticas
públicas, justamente, porque tais marcos regulatórios orientam e normatizam a cultura
organizacional dos sistemas de ensino e, consequentemente, das escolas.
Na Resolução nº 29/2011 do CME de Santa Maria, em seu Art. 3º, consta que
Projeto Político-Pedagógico é o documento norteador das ações pedagógicas das

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Instituições Escolares, tendo por base referenciais teóricos que delimitam as opções
epistemológicas, socioantropológicas, filosóficas, políticas e pedagógicas, respeitando:

I – os marcos regulatórios e princípios emanados para a educação nacional em


seus níveis e modalidades de ensino;
II – as características específicas da comunidade escolar a que se destina e seu
entorno sociocultural;
III – os referenciais que sustentam epistemologicamente a proposta da
Instituição Escolar;
IV – nas Instituições privadas de Educação Infantil, o Plano Municipal de
Educação, as Diretrizes da Mantenedora e as normas do Sistema Municipal de
Ensino.
Parágrafo único – A Instituição Escolar deverá promover a participação dos
professores, funcionários, pais ou responsáveis e alunos no processo de
elaboração, implementação e avaliação do Projeto Político Pedagógico, com
ampla finalidade de consolidar os princípios e práticas de gestão democrático-
participativa no Sistema Municipal de Ensino.

É importante destacar a importância dos sujeitos envolvidos na escola, pois os


mesmos possuem o poder de criar condições de mudanças para transformar a realidade
participando no processo de [re]construção do PPP, como também é previsto no Art. 54
da Resolução nº 4/2010 que Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica:
§ 2º É obrigatória a gestão democrática no ensino público e prevista, em geral,
para todas as instituições de ensino, o que implica decisões coletivas que
pressupõem a participação da comunidade escolar na gestão da escola e a
observância dos princípios e finalidades da educação.

§ 3º No exercício da gestão democrática, a escola deve se empenhar para


constituir-se em espaço das diferenças e da pluralidade, inscrita na diversidade
do processo tornado possível por meio de relações intersubjetivas, cuja meta é
a de se fundamentar em princípio educativo emancipador, expresso na
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a
arte e o saber. (BRASIL, 2010)

Desta forma, a valorização dos profissionais e demais envolvidos nas instituições | 192
contribui para o processo de democratização dos formatos de participação, já que não
basta participar de estudos, reuniões e assembleias para ajudar a pensar e tomar decisões,
é preciso assumir a responsabilidade de consecução da proposta que está sendo pensada
e planejada pelo coletivo. Portanto, o processo educacional e de democratização poderá
refletir em resultados qualitativos se os envolvidos tenham consciência que são
[co]responsáveis pelo mesmo.

ALGUNS RESULTADOS E ANÁLISES

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Sabe-se que existe um esforço muito grande por parte das escolas, redes/sistemas
de ensino quanto a [re]construção de seus Projetos Político-Pedagógicos, especialmente
para dar sentido a inter-relação teórico-prática dos preceitos, propósitos e ações político-
pedagógicas que permeiam os cotidianos das instituições escolares.
A importância e a necessidade de um PPP antecede a qualquer decisão política ou
exigência legal, já que os educadores precisam ter clareza e conhecimento a que horizonte
pretendem e podem chegar com a comunidade escolar. A gestão, pensada e articulada de
maneira democrática, torna-se uma oportunidade profícua para a participação crítica das
comunidades escolares, propiciando e ampliando autonomia, descentralização do poder e
otimização das ações educacionais compartilhadas.
Nesse sentido, ao perguntar aos gestores das EMEFs, se o processo de
[re]construção do PPP foi participativo, verificou-se que 83,3% afirmaram que sim,
todavia 16,7% disseram que a participação ocorreu em parte.

Gráfico 1 – Percentuais de participação no processo de [re]construção do PPP das EMEFs


de Santa Maria - RS.

| 193

Fonte: Produzido pelos autores.

Com relação a participação dos segmentos envolvidos neste processo, todas as


escolas relataram que houve grande envolvimento de pais, professores, alunos e
funcionários nesse processo, inclusive, 0,6% sinalizaram que também houve a
participação de monitores do Programa Mais Educação no processo de [re]construção do
PPP. No gráfico a seguir é possível visualizar estes dados.

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Gráfico 2 - Participação dos segmentos escolares envolvidos no processo de
[re]construção do PPP das EMEFs de Santa Maria - RS.

Fonte: Produzido pelos autores.

A gestão pensada e articulada de maneira democrática, em atendimento aos


princípios de descentralização do poder com a tomada de decisões conjuntas e coletivas,
assim como transparência nos encaminhamentos administrativo-pedagógicos-
financeiros, torna-se uma oportunidade profícua para a efetiva participação e
[co]responsabilidade pelas comunidades escolares. A construção do PPP por meio do
planejamento participativo, é uma das maneiras de conquistar e consolidar a autonomia
da escola, uma vez que a responsabilidade de construir tal projeto não cabe apenas à
equipe diretiva da escola. Então, o projeto político-pedagógico precisa ser construído
coletivamente, sendo o diretor um dos articuladores do processo de construção e
| 194
implementação do PPP com a participação colegiada e compartilhada da comunidade
escolar.
No que diz respeito às dificuldades enfrentadas no processo de [re]construção do
PPP, todas as escolas pesquisadas informaram a disponibilidade de horário para reunir os
demais integrantes da comunidade escolar, como o principal problema neste processo.
Além disso, 83,3% sinalizaram que o aprofundamento de estudos, discussões e
fundamentações do PPP com relação aos referenciais teóricos e legais da área do ensino
fundamental foi outro aspecto frágil neste processo, bem como, disponibilidade de

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horário para reunir os professores da escola (66,7%) e disponibilidade de tempo para
pesquisar subsídios atualizados da área do ensino fundamental (50%).
Deste modo, percebe-se que as escolas demonstram preocupação com as questões
supra citadas, as quais entravam o processo de democratização do tempo escolar e da
participação efetiva da comunidade escolar nas decisões e encaminhamentos. Tais
dificuldades devem ser discutidas na perspectiva de que prejudicam a consecução de
atividades coletivas na escola, bem como não veiculam a autonomia na mesma, já que
sem reuniões e encontros periódicos as pessoas não dialogam, não tomam decisões
conjuntas e, portanto, o poder de decisão acaba centralizado em poucos, via de regra na
equipe diretiva, o que contrapõe a democratização dos processos de gestão escolar.
Considerando os dados, em especial, o “tempo escolar”, constata-se que é um fator
limitador para a gestão das reuniões e encontros com os professores e a comunidade
escolar, assim como na tabulação de dados e elaboração do PPP, levando em conta os
preceitos das políticas públicas para a educação básica. Para as gestoras, em especial, são
fatores limitadores nesse processo: “[...] suprir 1/3 da carga horária do professor para
planejamento” (GESTORA EMEF B); “Falta de tempo para estudos e discussões com os
diferentes segmentos da comunidade escolar” (GESTORA EMEF C).
A Assessora do CME de Santa Maria apontou um fator limitador na demora das
escolas em entregar o documento final após as reuniões e orientações pelo Conselho de
Educação, o que converge com a dificuldade sinalizada acerca do tempo pelas escolas
pesquisadas. Outra questão evidente na fala da Assessora do CME diz respeito a
dificuldade de “[...] entendimento das equipes gestoras acerca do processo de
implementação das políticas públicas educacionais no Brasil”. A Conselheira de
| 195
Educação do CME, também, se manifestou quanto as limitações no processo de
construção do PPP pelas escolas: “Pouco entendimento das escolas sobre a legislação
vigente e a morosidade na entrega do PPP e Regimento Escolar para a aprovação pelo
CME”.
No posicionamento dos gestores e da conselheira verifica-se a importância de
mobilização da comunidade escolar e demais instâncias municipais para discutir as
necessidades e prioridades para as escolas básicas e o movimento indispensável de

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aprofundar os estudos e debates acerca dos dados que caracterizam o contexto escolar,
assim como os referenciais teóricos e legais na etapa do ensino fundamental.
Na conjuntura das seis EMEFs pesquisadas, cinco consideram que é necessário
aprofundar os estudos, as discussões e a fundamentação do projeto político-pedagógico
com relação aos referenciais teóricos e legais da área do ensino fundamental, o que requer
que sejam repensados os tempos de hora-atividade dos professores, em especial, sejam
redimensionados pela Secretaria Municipal de Educação para que as práticas de debates,
estudos e planejamento sejam ampliadas e qualificadas nos contextos escolares. Tais
indicadores apontam que as escolas e o CME precisam buscar alternativas, no contexto
da gestão educacional municipal, para [re]articular tais situações que são inerentes e
necessárias à qualidade da gestão escolar. Entretanto, esta busca não pode ser individual,
unilateral e desarticulada da conjuntura do sistema municipal de ensino. Nesse sentido,
a Gestora da EMEF B sinaliza: “O processo de [re]construção do projeto político-
pedagógico não é algo isolado. É constante sendo que devemos somar esforços e parceira
escola-conselho-secretaria de educação, comunidade escolar e demais órgãos,
universidades, entre outros”.
Quando questionados a respeito das contribuições que o processo de
[re]construção do PPP havia proporcionado na escola, 100% dos gestores entrevistados
sinalizaram que houve melhorias na gestão e na cultura organizacional da escola. Com
outro percentual elevado, cerca de 83,3% informaram que este processo também
proporcionou novos conhecimentos acerca da área do ensino fundamental, integração
entre escola e comunidade, bem como, planejamento participativo. Destaca-se, também,
que 66,7% apontaram como contribuições as novas práticas político-pedagógicas na
| 196
escola, assim como a descentralização do poder.
Conforme visualiza-se no gráfico abaixo, percentuais bem significativos
representam a integração entre escola e comunidade, planejamento participativo,
descentralização do poder e autonomia, aspectos estes primordiais para que o processo de
[re]construção do PPP, seja de fato um processo de construção coletiva, atendendo aos
princípios de gestão democrática.

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Gráfico 3 - Contribuições do processo de [re]construção do PPP para as EMEFs de Santa
Maria - RS.

Fonte: Produzido pelos autores.

É pontual, nos dados construídos, que o projeto político-pedagógico está


repercutindo em mudanças significativas tanto na maneira de gestão da escola na
perspectiva de [re]democratização, bem como na cultura organizacional institucional no
sentido de descentralização do poder, autonomia e processos de [re]articulação dos
tempos escolares com a busca de estratégias para propiciar a participação dos diferentes
segmentos da comunidade nos processos de gestão administrativa, financeira e
pedagógica da escola. Essas mudanças repercutem, também, na compreensão das
políticas públicas vigentes para o ensino fundamental, nas novas práticas político-
pedagógicas desenvolvidas pelos/as gestores/docentes permeadas pelo planejamento
participativo.
| 197

CONCLUSÕES

Os resultados encaminham para ampliar o conhecimento sobre o processo de


construção do projeto político-pedagógico, em seus encaminhamentos, limites e
possibilidades no contexto da gestão educacional e escolar, tendo em questão os
princípios de gestão democrática e as orientações e normatizações do Conselho Municipal
de Educação em um município que possui sistema de ensino (Santa Maria/RS). Nessa
perspectiva, destaca-se a importância e abrangência do projeto político-pedagógico para

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a cultura organizacional da escola e seus processos de gestão administrativa, pedagógica
e financeira.
Ficou evidente que a escola precisa priorizar a [re]construção do PPP como um
processo contínuo e [re]articulador do cotidiano das práticas educativas; que esse
documento é um elemento que orienta todos os pressupostos, princípios, prioridades e
ações político-pedagógicas; que o PPP requer estar em sintonia com as políticas públicas
vigentes; que é preciso investir constantemente no diálogo e na parceria entre SMED,
CME e Escolas; que a participação e comprometimento da comunidade escolar fortalece
o processo de [re]construção e consecução do PPP.
Verificou-se a importância e a necessidade dos contextos investigados investirem
em estratégias de [re]articulação dos tempos e espaços que possibilitem e ampliem o
diálogo e a participação nos processos de gestão, repercutindo, em especial, no
planejamento participativo no contexto educacional e escolar e, portanto, no
desdobramento das decisões coletivas e comprometidas nas comunidades escolares.
A problemática da gestão do tempo escolar para horas-atividade que envolvem
estudos, reuniões e planejamento conjunto é evidente nos contextos pesquisados, o que
requer que tal situação seja [re]pensada na conjuntura das escolas e mantenedora e que
tal decisão venha integrar o texto do plano de carreira dos docentes que precisa ser
revisado e atualizado. Nesse sentido, o CME poderá se constituir um mecanismo de apoio
e proposição de novas normativas e/ou [re]definição e revisão de legislação vigente. Tais
proposições poderão estar repercutindo em melhorias no planejamento, na formação e na
participação dos profissionais da educação nos processos de gestão escolar em função da
[re]construção e consecução do PPP.
| 198

REFERÊNCIAS
BRASIL. LDBEN. Lei nº. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Disponível em: <www.planalto.gov.br> Acesso em: 20 de jan. de 2016.
____. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 19 de jan. de 2016.
____. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental. 2010 Disponível em: <HTTPH//portal.mec.gov.br> Acesso em: 19 de
jan. de 2016.

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____. LDB. Lei n. 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 21 de jan. de 2016.
____. Resolução CNE/CEB nº 04/2010. Diretrizes Gerais para a Educação Básica.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em: 21 de jan. de 2016.
CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (SM). Resolução CMESM n° 29/2011.
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Escolar no Sistema Municipal de Ensino de Santa Maria. RS, Santa Maria, 2011.
LÜCK, H. Gestão educacional uma questão paradigmática. 8. ed. Petrópolis, RJ:
Editora Vozes, 2011.
LUNARDI, E.M.; KANTORSKY, J.; BORIM, G. Sistema Municipal de Ensino e a
autonomia dos Conselhos Municipais de Educação. IN: DALLA CORTE, M. G.
Políticas Públicas e Conselhos Municipais de Educação: interlocuções com o Pró-
Conselho. São Leopoldo: Oikos, 2015, p. 87-102.
LIBÂNEO, J. C. Organização e Gestão da Escola: teoria e prática. 5. Ed. Goiânia:
Editora Alternativa, 2004.
LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M.S. Educação Escolar Políticas,
Estrutura e Organização. 10. Ed. São Paulo: Cortez, 2012.
MEC. Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos escolares. In: Conselho
Escolar e o financiamento da educação no Brasil. Brasília-DF. 2006.

SANTA MARIA. CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Resolução CMESM


n° 29/2011. Define normas para a elaboração do Projeto Político Pedagógico e do
Regimento Escolar no Sistema Municipal de Ensino de Santa Maria. RS, Santa Maria:
Conselho Municipal de Educação, 2011.

VIEIRA, S. L. Política(s) e Gestão da Educação Básica: revisitando conceitos simples.


Rio Grande do Norte, RBPAE. V. 23, p.53, jan/abr.2007.
VEIGA, I.P. A. Projeto Político-Pedagógico da Escola: Uma construção coletiva. In:
VEIGA, I.P. A. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 28. | 199
Ed. Campinas: Papirus, 2010.
________. Perspectivas para reflexão em torno do projeto político-pedagógico. In:
VEIGA, I.P. A. Escola: Espaço do projeto político-pedagógico. Campinas: Papirus,
2006.

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O PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (PDE)
COMO BASE POLÍTICA DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO:
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO
PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAR)

Severino Vilar de Albuquerque – UEMA


albuquerqueseverino@ig.com.br

RESUMO: Este artigo decorre de uma pesquisa realizada no Estado do Maranhão, cujo
objetivo foi o de analisar o processo de implantação do Plano de Ações Articuladas (PAR)
em municípios maranhenses, no período de 2007 a 2011. Discute a política educacional
do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), no âmbito do qual o Plano de Ações
Articuladas (PAR) se constitui o planejamento estratégico que põe em prática ações que
visam garantir a consecução das 28 diretrizes instituídas no Plano. Em sua especificidade,
analisa a implantação do PAR na rede pública de ensino de São Luís/MA, com o interesse
de identificar se as ações de formação continuada de professores contribuem para a
melhoria da qualidade da educação básica nesse município. O estudo apoia-se em autores
que tratam da temática, entre os quais Fonseca e Oliveira (2010); Freitas (2007);
Imbernón (2006); Krawczik (2008); Saviani (2009); Tardif (2007), além de documentos
oficiais. A análise gira em torno das categorias: participação; e, contribuições da
formação continuada do PAR para a melhoria da qualidade da educação, tentando
responder à seguinte questão: a formação continuada de professores contribui para a
melhoria da qualidade da educação da sistema público de ensino de São Luís?

Palavras-Chave: Educação. Plano de Ações Articuladas (PAR). Qualidade

Introdução | 200

Este artigo decorre de uma pesquisa realizada no Estado do Maranhão, cujo


objetivo foi o de analisar o processo de implantação do Plano de Ações Articuladas (PAR)
em municípios maranhenses, no período de 2007 a 2011. Discute a política educacional
instituída no segundo mandato do governo Luís Inácio Lula da Silva, o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), no âmbito do qual o Plano de Ações Articuladas
(PAR) se constitui o planejamento estratégico que põe em prática ações que visam
garantir a consecução das 28 diretrizes instituídas no Plano. Em sua especificidade,

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analisa alguns aspectos de implantação do PAR na rede pública de ensino de São Luís,
dando visibilidade às ações de formação continuada de professores, cujo foco é a melhoria
da qualidade da educação básica. A análise se apoia, essencialmente, nas categorias:
participação; e, contribuições da formação continuada do PAR para a melhoria da
qualidade da educação.
O PDE circunscreve-se no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), sendo
este último concebido como política de Estado para o desenvolvimento do país, que teve
o início de sua implantação no mesmo período, pelo governo federal. O PDE é lançado e
apresentado à sociedade como expressão de uma mudança essencial no papel do Estado
no cumprimento dos preceitos constitucionais consagrados na atual Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDBEN 9394/96, de oferecer uma educação de qualidade
para todos. A LDBEN aprovada em 1996 concedeu significativa importância à formação
de professores, imprimindo a esses profissionais a assunção de novos papéis face às novas
exigências no que diz respeito à qualidade do ensino.
Certo é que o Plano se apresenta como uma política nacional e um arranjo
institucional resultante de uma revisão das responsabilidades da União na assunção do
combate às desigualdades regionais e na construção de um mínimo de qualidade
educacional para o país. Atribui, por um lado, ao governo federal o papel de regulador
das desigualdades existentes entre as regiões do país por meio de assistência técnica e
financeira, de instrumentos de avaliação e implantação de políticas que ofereçam
condições e possibilidades de equalização de oportunidades de acesso à educação de
qualidade. E, por outro lado, responsabiliza os estados e municípios a assumirem o
compromisso pelo desenvolvimento educacional em suas instâncias de atuação. Apoia-
| 201
se no PAR para garantir o desenvolvimento de programas e ações voltados para o
atendimento educacional de estados e municípios, em que o MEC assume o compromisso
de prover assistência técnica e financeira às redes públicas da educação básica.

1. Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e Plano de Ações Articuladas


(PAR): a qualidade da educação como foco

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Lançado oficialmente em 24 de abril de 2007 por meio do Decreto 6.094, pelo
Ministério da Educação, o PDE tem como objetivo melhorar a qualidade da educação
básica brasileira. Estruturado em 28 diretrizes, a serem perseguidas até o ano de 2022,
entre as quais, a formação continuada de professores, o PDE ancora-se no Plano de Metas
Compromisso Todos Pela Educação, constituindo-se como um marco na história da
educação básica oferecida pelo poder público no país. O Plano induz União, Distrito
Federal, estados e municípios a assumirem responsabilidades solidárias e estabeleceu
como foco a aprendizagem, apontando metas a serem atingidas nos 15 anos que se
sucedem na implantação das ações.
A base do PDE é a perspectiva sistêmica da educação, isto é, vê o ensino
fundamental relacionado ao ensino superior, o incentivo à pesquisa influindo no ensino
médio e o transporte escolar articulado com a remuneração dos professores (BRASIL,
2007). Dessa forma, o PDE se apresenta como um plano estrutural de longo prazo, que
pretende superar a tradicional fragmentação das políticas educacionais, bem como o
diálogo entre os entes federativos. Um dos princípios do PDE é estabelecer a necessária
articulação entre a União, estados, Distrito Federal e municípios para a garantia do direito
à educação no País.
Nas bases que sustentam o PDE, o Plano de Ações Articuladas (PAR) apresenta-se
como planejamento estratégico que visa por em prática em todas as redes públicas de
ensino do país, ações e programas voltados para a elevação dos indicadores da qualidade
da educação básica, medida pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb),
entre as quais a formação continuada de professores ocupa centralidade por ser
considerada, na essência do Plano, como importante estratégia para assegurar a melhoria
| 202
da qualidade da educação básica do país.
No centro das análises das políticas que se expressam pela qualidade da educação,
Fonseca (2009) chamam atenção para o fato de que a estreita parceria estabelecida na
década de 1990 entre o governo brasileiro e as entidades internacionais sofreu um
arrefecimento no governo de Lula da Silva. Em meados da nova década, já se fazia
também visível uma reação nos meios acadêmicos latino-americanos, que debatiam a
política educacional nos marcos de outra base ideológica, na qual os planos seguiram um
viés mais social, com o intuito de corrigir a histórica desigualdade entre regiões, pessoas,

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gêneros e raças. Na mesma direção, o Plano Plurianual 2008-2011 (BRASIL, 2007)
considerou o “desenvolvimento com inclusão social e educação de qualidade” para todos
como marco doutrinário da gestão pública, organizando as ações do governo em três
eixos: crescimento econômico, agenda social e educação de qualidade.
No que tange à qualidade da educação, mote do PDE, a colaboração entre os entes
federativos é fundamental para a consecução das diretrizes do Plano. Isso significa,
segundo documento oficial, compartilhar competências políticas, técnicas e financeiras
para executar os programas e ações. Nas bases do PDE a União assume mais compromissos
perante os estados, os municípios e o Distrito Federal, para, respeitando os princípios
federativos, dar unidade ao desenvolvimento da educação no sentido de corrigir as
distorções que geram desigualdades.
Para a execução desse compromisso, estados, Distrito Federal e municípios adotam
o Plano de ações articuladas (PAR), substituindo os convênios temporários e a tradicional
descontinuidade das políticas educacionais. O PAR, de caráter plurianual, se apresenta
como uma proposta democrática, porque prevê a participação de gestores, educadores e
comunidade no processo de elaboração. É baseado em diagnóstico de caráter participativo,
e elaborado a partir da utilização do Instrumento de Avaliação de Campo que permite a
análise compartilhada do sistema educacional em quatro dimensões: gestão educacional;
formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar; práticas
pedagógicas e avaliação; e, infraestrutura física e recursos pedagógicos.
Como assevera Saviani (2009), é oportuno ressaltar que o comprometimento
pela democratização do ensino público como responsabilidade do Estado e direito do
cidadão, como reflexo das lutas dos movimentos sociais, pode ser concebido como o
| 203
indício de que não se pode ficar indiferente à política educacional que vêm sendo
desenvolvida em âmbito nacional neste importante momento histórico. O PDE integra
um conjunto de programas para dar organicidade ao sistema nacional de educação,
mobilizando toda a sociedade em prol da melhoria da qualidade da educação. Apresenta-
se como um plano executivo, constituído por programas divididos em quatro eixos
norteadores: educação básica, educação superior, educação profissional e alfabetização
(MEC, 2007).

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Ao tratar da política do MEC, Krawczyk (2008, p. 800) aponta que, com a
implantação do PDE, o poder executivo busca reverter várias situações que tornam difícil
a governança da área, tendo como motivos

[...] o crescimento desmedido do número de municípios; a segmentação


territorial constitutiva da educação pública; a diminuição da
responsabilidade da União com a educação; a proliferação de
programas desarticulados entre si, vinculados à mudança de gestão
escolar e à melhora da aprendizagem no ensino fundamental; a
privatização acelerada da educação superior na década de 1990; a
ausência de um regime de colaboração no processo de municipalização
deslanchado dez anos atrás; o velho debate em torno da constituição de
um sistema nacional de educação; e os baixos índices de rendimento
escolar na rede de educação pública em todo o país.

Cabe destacar que no documento do PDE estão descritos os posicionamentos e


as intenções do MEC quanto ao lançamento do Plano, no qual fica claro que o Plano deve
se consolidar como política de Estado, visando à conjugação entre educação e
desenvolvimento econômico e social, como estrutura capaz de fazer frente ao problema
da desigualdade de oportunidades. Tais perspectivas podem ser melhor compreendidas
no documento (BRASIL, 2007, p. 6-7) quando enfatiza que

A razão de ser do PDE está precisamente na necessidade de enfrentar


estruturalmente a desigualdade de oportunidades educacionais. Reduzir
desigualdades sociais e regionais, na educação, exige pensá-la no plano
do país. O PDE pretende responder a esse desafio, através de um
acoplamento entre as dimensões educacional e territorial operado pelo
conceito de arranjo educativo. Não é possível perseguir a equidade sem
promover esse enlace. [...] O enlace entre educação e desenvolvimento
é essencial na medida em que é por meio dele que se visualizam e se | 204
constituem as interfaces entre a educação como um todo e as outras
áreas de atuação do Estado. Não importa a abrangência do território
considerado, o bairro ou o país.

É assim que se constitui o PDE, um plano plurianual42, tendo sua primeira fase
de implantação no período que compreende 2008/2011. Reúne 52 ações que cobrem todas
as áreas de atuação do MEC e incidem sobre uma série de aspectos nos diferentes níveis

42
A Constituição de 1988 determina a obrigatoriedade de elaboração de um plano plurianual de quatro
anos (inclui o primeiro ano de mandato do sucessor para evitar descontinuidades).

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de ensino e para diferentes necessidades institucionais, visando o objetivo comum de
melhorar a qualidade da educação. Pretende, dessa forma, romper com as oposições entre
educação básica e educação superior, entre ensino fundamental e outros níveis de ensino
da educação básica, entre o ensino médio e a educação profissional. Para a consecução
das diretrizes, o PAR constitui quatro importantes dimensões que vão desde a
infraestrutura das escolas até a formação continuada de professores.

2 A formação continuada de professores no Plano de Ações Articuladas (PAR) do


município São Luís revelada por professores e gestores educacionais

O estudo se valeu de documentos coletados junto às secretarias municipais de


educação e de entrevistas com gestores das secretarias e equipe técnica de
acompanhamento do PAR, gestores escolares e professores. A análise intentou
compreender o processo de formação continuada de professores no âmbito das ações do
Plano de Ações Articuladas (PAR), buscando perceber, a partir do entendimento dos
sujeitos entrevistados, sua complexidade e contribuições para a qualificação do trabalho
docente e para a qualidade da educação no Estado do Maranhão.
No caso em tela, o objetivo foi analisar a implantação das ações de formação
continuada de professores na rede pública de ensino de São Luís, buscando perceber, a
partir da percepção de gestores das secretarias municipais de educação, de professores e
de gestores escolares que atuam no ensino fundamental, as contribuições da formação
continuada para a melhoria da qualidade da educação.
No que se refere ao Ideb, a rede pública de ensino de São Luís não apresenta um
| 205
quadro animador, se comparado com as metas estabelecidas pelo MEC, conforme quadro
que se segue.

Ideb dos município de São Luís – Ensino Fundamental


Ideb Observado Metas Projetadas
Município
2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
SAO LUIS 4.0 4.3 4.2 3.6 4.0 4.4 4.7 5.0 5.2 5.5 5.8
Fonte: O autor, a partir da base de dados do MEC/INEP – 2010

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De maneira geral, observando o quadro, percebe-se que o município apresenta
um retrocesso, durante o período da implementação do PAR (2007-2011). Tomando os
dados acima, que mostram uma queda no Ideb de 2011, se comparado ao índice alcançado
em 2010, bem como em relação às metas projetadas pelo MEC para o período, a
conclusão a que se pode chegar é a de que as ações do PAR voltadas para a formação
continuada de professores não produziram efeitos favoráveis à melhoria da qualidade da
educação pública nesse município.
O estudo foi realizado na secretaria municipal de educação e em duas escolas
pertencentes à rede municipal de ensino. Os dados que foram coletados junto ao sistema
público de ensino de São Luís permitiram compreender o processo de implantação do
PAR nesse município, tendo como referência o seu processo de elaboração, observando
as ações e sub-ações nele contidas. Desse modo, os documentos coletados e as entrevistas
realizadas com gestores e professores, além das observações realizadas permitiram não
somente identificar o processo pelo qual as ações foram implantadas, mas, também,
estabelecer relação entre o PAR elaborado e o processo de implantação e fazer
cruzamento com as falas dos sujeitos envolvidos, tanto no processo de elaboração quanto
na implementação das ações.
O que a observação e os documentos permitiram conhecer, de fato, tendo como
referência as escolas pesquisadas, foi a pouca atuação do poder público municipal no
atendimento das necessidades desejáveis para o pronto atendimento educativo, entendidas
como aquelas que integram ensino de sala de aula com atividades esportivas e recreativas
e com atividades no espaço da biblioteca e de laboratório de informática. Gestores e
professores e demais sujeitos escolares reclamam das condições de trabalho, como, por
| 206
exemplo, espaços escolares adequados às atividades educativas, e material didático-
pedagógico para a realização do trabalho docente. Nas observações realizadas as pesquisa
constatou que os espaços escolares, além de não atenderem às necessidades do
atendimento escolar nas suas múltiplas dimensões, apresentavam sinais claros de má
conservação das instalações. Além disso, as duas escolas pesquisadas não contam com
refeitório, biblioteca, laboratório de informática, quadra poliesportiva, além de outros
espaços considerados importantes para o atendimento escolar, levando em conta que tais
ações estão previstas no PAR.

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No que diz respeito à formação continuada de professores, embora uma das
metas informadas pela Semed aponte uma ampliação dessa formação, o que pôde ser
constatado, nos depoimentos colhidos junto aos sujeitos da comunidade escolar, é que
houve, nos últimos quatro anos, um retrocesso no processo de formação continuada, tanto
de professores, na escola, quanto de coordenadores pedagógicos e gestores escolares.
Cabe destacar que o PAR, no discurso oficial, associa a formação de professores
à melhoria da qualidade da educação das redes de ensino públicas. Desse modo, o
processo de elaboração precisaria contar com a participação desses profissionais, além
dos demais sujeitos escolares, posto que a partir deles, particularmente dos professores,
surgem as demandas diretamente voltadas para as questões do atendimento educativo.
Nesse sentido, o processo de elaboração deveria estimular a participação de toda
a comunidade escolar, além de instâncias da sociedade civil como um todo, para que o
PAR do município pudesse refletir a realidade do atendimento das redes de ensino
públicas. Como prevê o PDE, um bom diagnóstico da realidade educacional das redes
públicas de ensino dependeria necessariamente dessa participação, com a devida
assistência técnica do MEC. No entanto, as constatações deste estudo mostram que,
apesar do processo de elaboração ter sido aberto à participação da comunidade, a
participação ficou comprometida, restringindo-se ao âmbito das secretárias de educação
e de técnicos por elas designados, sob a orientação de técnicos do MEC e/ou de
consultoria da secretaria de educação do Estado do Maranhão.
Freitas (2007) ao analisar as políticas do MEC para a formação de professores
adverte que a construção de diretrizes que induzam os estados e municípios a transformar
a realidade da educação escolar das suas redes ultrapassa aquelas definidas no Plano de
| 207
Metas Compromisso Todos pela Educação/PDE. O entendimento desta autora indica que
para enfrentar os problemas relacionados à baixa qualidade da educação básica das redes
públicas de ensino precisa, na definição dos planos, estabelecer o diálogo fecundo com
outras instâncias, historicamente alijadas na definição das políticas.
É importante considerar, segundo Freitas (2007, p.1221-1222)

[...] o estudo e a avaliação das experiências de organização da escola,


trazendo para o debate professores, funcionários, pais e comunidade,
são condições essenciais para que as instituições formadoras construam

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também processos formativos, à luz de uma concepção de escola e de
educação que tenha como futuro um projeto social emancipador.

Atenta-se, nesse sentido, que as propostas de formação de professores evidenciam


as contradições no processo de definição e de implementação das políticas, onde os
interlocutores/formuladores das políticas não são os sujeitos do processo educativo, ou
seja, aqueles que nas escolas e nas universidades deveriam ser envolvidos para, a partir
deles, construir as propostas e formular os planos.
Para a compreensão do fenômeno investigado, o estudo se apoiou em duas
categorias empíricas fundamentais: Participação, para entender se houve a participação
dos professores na elaboração das pautas, considerando as demandas formativas, bem
como suas necessidades de sala de aula; e, Contribuições da formação continuada,
buscando entender, a partir do entendimento de gestores escolares e professores, se a
formação continuada contribui para a qualificação do trabalho docente, para o processo
ensino-aprendizagem e para a qualidade da educação.
Quando perguntado aos depoentes qual a concepção que tinham sobre formação
continuada, a maioria dos 68 professores entrevistados, assim como os 15 gestores
escolares envolvidos na pesquisa, respondeu ser muito importante para ajudar a ampliar
a visão sobre as demandas educacionais e para a prática docente. Hoje, para eles, a
formação continuada é muito importante porque ajuda ampliar o universo de
conhecimentos e acompanhar as mudanças no campo da educação. Mas não deixam clara
a ralação da formação continuada que dizem ter participado com o exercício das funções
que desempenham. A perspectiva dos sujeitos escolares se compraz ao sentido de que a
formação do professor tem assumido significativos espaços e se constituído um grande | 208
desejo dos educadores frente a uma sociedade em constantes mudanças e crises sociais.
Imbernón (2006) nos faz entender que a formação continuada de professores
encontra-se situada num contexto complexo que coloca o cotidiano escolar como
espaço/tempo de construções e de (re)significação de fazeres e saberes, o que implica
revalorizar saberes e fazeres docentes, dando luz ao que pensam os professores sobre seu
próprio processo de formação, onde devem ser considerados como produtores e
reconstrutores dos seus próprios saberes.

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Enquanto Tardif (2007) argumenta que se o professor é, de fato, um sujeito do
conhecimento e produtor de saberes, é preciso reconhecê-lo como tal e conferir-lhe papel
de protagonista, tanto nas pesquisas acadêmicas quanto nos espaços/tempos de formação
docente. A ideia de tratar o professor com protagonista nas ações de formação caracteriza-
o como o que este autor chama de ator social, ao apontar que o professor desempenha o
papel de agente de mudanças, ao mesmo tempo em que é portador de valores
emancipadores em relação às lógicas de poder que estruturam tanto o espaço
interrelacional quanto o espaço/tempo escolar.
Quando a questão seguinte indagou sobre a participação, tanto na elaboração do
PAR, quanto na elaboração das pautas de formação continuada, os professores e gestores
escolares afirmaram desconhecer o PAR. Disseram que não houve nenhuma discussão
sobre o Plano, no interior da escola. Quando muito, tomaram conhecimento por outras
fontes, como, por exemplo, alguma matéria na imprensa ou por algum comentário de um
colega de trabalho.
No momento do diagnóstico da realidade das redes públicas de ensino e na
elaboração do PAR, um olhar atento dos gestores dos sistemas de ensino sobre a escola,
bem como um diálogo fecundo com os sujeitos escolares poderia ter estabelecido um
processo de negociação que pudesse ajudar, no coletivo escolar, a enfrentar os problemas
cruciais vividos pelas instituições escolares, e preencher as lacunas formativas de
professores e gestores escolares. Ouvir os sujeitos escolares poderia ter minimizado as
tensões geradas pela chegada das ações do PAR às escolas que, segundo depoimentos dos
professores e gestores escolares, foi uma “novidade imposta”.
Nesse sentido, quando perguntado aos professores e gestores escolares se houve
| 209
um anúncio do PAR nas escolas e se foram convidados a participar do diagnóstico e da
definição das ações que seriam contempladas no Plano, particularmente daquelas voltadas
para a formação continuada, encontramos falas como: “a gente não tem essa liberdade de
discutir”; “pra chegar até nós, não! Primeiro eu creio que é feito lá no núcleo deles,
quando as ações, lá, já são definidas, aí que passam pra nós”.
As práticas insipientes de abertura à participação dos sujeitos escolares, durante a
fase de elaboração do PAR dos municípios investigados produziu uma situação de
estranhamento, expectativas e resistências no chão da escola. A formação continuada

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como ação do PAR, em igual sentido, foi marcada, no início, por muitos conflitos,
embates e confrontos. A forma como foi introduzida nas escolas gerou, além de
expectativas, certo grau de desconforto e resistências à participação, dada à forma como
foi levada à escola, sem uma efetiva participação nas discussões nem na elaboração da
proposta que viria a se tornar programa de formação continuada de professores das redes
de ensino.
No momento da entrevista foi observado que, para além das falas das gestoras,
a nova demanda da formação provocou manifestações de desconforto, embora tenha
havido o reconhecimento por todos os implicados sobre a importância da formação
continuada para o exercício da prática e dos ganhos advindos desse processo. O
posicionamento dos professores revelou, também, que a proposta da formação continuada
advinda do PAR, embora concebida por eles como importante, chegou à escola causando
certo impacto. Apesar de alguns entrevistados informarem que aceitaram naturalmente,
foi perceptível, com o aprofundamento do diálogo, que a formação causou situações
conflituosas, até pela forma como fora implementada no início. Outros depoimentos de
coordenadoras pedagógicas participantes da pesquisa deixam evidente o desconforto
gerado pela chegada das ações de formação continuada às escolas. Um primeiro aspecto
relacionado às resistências é quanto à forma como o Programa foi instituído, com o
mínimo de participação e de discussão sobre a proposta. Depoimentos nesse sentido
informaram não ter sido feito um chamamento para discutir sobre a “novidade”, mas que
apenas já levaram para a escola, o que gerou muitas resistências.
Estudos de Nóvoa (1995) mostram que o reconhecimento de que a escola, em
qualquer grau de ensino deve ser considerada o lócus de produção de conhecimento,
| 210
superando a dicotomia teoria/prática, tem ocupado espaços cada vez maiores nas
discussões acadêmicas e entre os formadores de políticas de formação de professores.
Segundo esse autor, é necessário que a escola se constitua em espaços/tempos de reflexão
sistemática e de criação de grupos de estudo orientados por professores competentes e
comprometidos, de modo que todos os profissionais envolvidos se constituam em equipe.
Assim, são inegáveis os ganhos que um processo de formação continuada pode gerar no
interior da escola. As expectativas e as resistências declaradas por todos os sujeitos

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ouvidos devem-se, principalmente, à forma como tais políticas e diretrizes são instituídas,
sem ouvir os sujeitos escolares.
A análise também identificou nos depoimentos dos entrevistados que os
conteúdos que constituíam as pautas da formação continuada geralmente vinham prontos
da Semed, sem que fossem levantadas as demandas dos professores. Quando os cursos de
formação já vêm do Ministério da Educação, como ação do PAR, os professores também
informam que, embora tragam alguma contribuição, o formato não lhes permite fazer
qualquer inferência, embora reconheçam que os materiais oferecidos pelos cursos ajudam
a pensar e organizar melhor o trabalho. Mas, por outro lado, reclamam que sequer são
informados sobre que cursos são disponibilizados por meio do PAR, ficando a escolha
dos participantes, segundo eles, no âmbito exclusivo da secretaria.
Em Apple (2006) podemos compreender que os mecanismos de desqualificação
efetiva do papel docente entram em contradição com um discurso de profissionalização
que supõe certos níveis de autonomia no âmbito da sua atuação profissional. Para esse
autor, o poder instituído define os tipos de conhecimento que devem circular nas escolas,
refletindo os princípios de seleção e organização desses conhecimentos e os critérios e os
modos de avaliação para medir o sucesso do ensino, o que traduz o caráter hegemônico
ao imprimir a lógica utilitarista no setor educacional e na formação docente. Todavia,
essas relações entre instituído e instituinte geram tensões, no interior da escola, que abrem
espaços para outros espaços/tempos instituintes.
Quando o interesse foi saber sobre as contribuições da formação continuada para
a qualificação do trabalho docente, para o processo ensino-aprendizagem e para a
qualidade da educação escolar, os depoimentos são reveladores da fragilidade do processo
| 211
de formação continuada, indicando que esta não se consistiu, ainda, numa dinâmica
sustentada em bases que reflitam a complexidade do cotidiano escolar, a singularidade e
a cultura organizacional de cada escola e do processo ensino-aprendizagem.
As falas dos gestores escolares e dos professores ouvidos apontam para fatores
como: carência de recursos, o que pode dificultar e até inviabilizar ações que, de certo,
ajudariam na realização da tarefa escolar; esvaziamento na participação dos professores
durante os encontros de formação, que podem ser justificados por fatores já apontados
por este estudo como, por exemplo, pouca ou nenhuma abertura à participação na escolha

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dos conteúdos das pautas de formação, que em alguns casos já vêm prontas; pouco
estímulo à participação dos professores, por parte da Semed; além de outros fatores
relacionados à precariedade do atendimento escolar.

Considerações finais

O estudo concluiu que mesmo nas escolas bem avaliadas no Ideb não existe uma
relação linear da atual política de formação continuada do PAR com a efetiva qualificação
do trabalho docente nem para o rendimento escolar e para a qualidade social da educação.
Questões levantadas pelos professores e gestores escolares, como: recursos, materiais e
didáticos, não oferecidos ou disponibilizados de forma insuficiente aos professores;
instalações das escolas e das salas de aula, geralmente inapropriadas para a realização do
trabalho escolar; ausência da família na vida escolar dos estudantes, geralmente
relacionada a pouca interação entre Semed/escola/família; formação continuada, em
grande medida, fora de sintonia com as reais necessidades de professores e gestores
escolares (quando existe); além de outras, representam um gargalo naquilo que as escolas
oferecem, refletindo sua qualidade operativa. Outra constatação da pesquisa é a de que
existe uma preocupação dos gestores em elevar do Ideb das escolas da sua rede ensino.
Outros depoimentos colhidos junto aos docentes e até junto aos gestores escolares
confirmam essa assertiva, o que, por si, desqualifica o objetivo concreto de qualquer
proposta voltada para a formação continuada de professores, qual seja de elevar o
| 212
universo de conhecimentos desses profissionais de modo a potencializar suas qualidades
formativas levando em conta fatores históricos e sociais que configuram a realidade
educacional, particularmente dos direitos constitucionais de uma educação pública de
qualidade àqueles que dependem da escola pública para garantir direitos sociais de
inserção aos modos produtivos e culturais que presidem a sociedade do atual século.
A análise atenta e cuidadosa dos depoimentos, assim como a observação acurada
das condições do atendimento escolar oferecem elementos para concluir que a formação
continuada no formato do PAR visa, excessivamente, colocar a escola na esteira das

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determinações neoliberais, qual seja, de apresentar dados quantitativos, a ser garantidos
pela elevação do Ideb das escolas. Por fim, o estudo pôde revelar que as expectativas
expressas pelos professores das escolas que participaram da pesquisa, embora não seja
unanimidade, denunciam uma fragilidade conceitual e metodológica que dificulta e, às
vezes, neutraliza a percepção das ações cotidianas, revelando que as ações de formação
continuada, necessariamente, precisam estar entrelaçadas no cotidiano praticado por
professores, alunos, gestores e demais sujeitos que gravitam o espaço/tempo escolar.
Talvez gestores escolares e, principalmente professores desejassem que a
formação continuada contribuísse mais para a resolução dos problemas práticos do
cotidiano, a partir de uma teoria que tratasse, principalmente, do trabalho realizado com
os estudantes, de modo a incluí-los no processo de ensino-aprendizagem e ajudá-los a
avançar no seu processo de escolarização.

Referências

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BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese das informações Censo
2010. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=ma. Acesso
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______., Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. | 213

______. Presidência da República. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007. Institui o


Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Brasília, D.O.U. de 25 de abril de
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_______. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE.
Brasília, 2007. (Caderno de divulgação doas ações do PDE)
______. Ministério da Educação. O Plano de Desenvolvimento da Educação: razões,
princípios e Programas. Brasília, 2007. (Caderno de divulgação das razões, princípios e
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BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese das informações Censo
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FONSECA, Marília. Políticas públicas para qualidade da educação brasileira: entre
o utilitarismo econômico e a responsabilidade social. Cadernos Cedes, Campinas, v. 29,
n. 78, p. 153-177, mai./ago. 2009.
FREITAS, Helena Costa Lopes. A (nova) política de formação de professores: a
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IMBERNÓN. Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a
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KRAWCZYK, Nora Rut. O PDE: novo modo de regulação estatal? Campinas, Cadernos
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NÓVOA, Antônio. As organizações escolares em análise. Lisboa: Don Quixote, 1995.
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TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 8ed. Petrópolis: Vozes,
2007.
| 214

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AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA NO BRASIL: ASPECTOS
HISTÓRICOS E OS PRINCÍPIOS DE QUALIDADE E
EQUIDADE EM EDUCAÇÃO

Edite Maria Sudbrack – URI – sudbrack@uri.edu.br


Janaíne Souza Gazzola – URI – sgjanaine@hotmail.com

Resumo: Avaliar é uma palavra complexa. A avaliação nos remete a um conjunto de


metodologias, procedimentos pedagógicos e a uma multiplicidade de fazeres e pensares
dos docentes, das escolas, da comunidade escolar em geral. A Avaliação em Larga Escala,
nas últimas décadas, insere-se em um contexto de reformas educacionais, protagonizado
pelas políticas públicas educacionais. Este artigo busca, pois, evidenciar aspectos
históricos da Avaliação em Larga Escala no Brasil, bem como trazer à tona características
desta avaliação capazes (ou não) de promover os princípios de qualidade e de equidade
educacionais. Atender aos princípios de qualidade e equidade educacionais significa a
garantia da aprendizagem efetiva, protagonizada pelas práticas avaliativas. O estudo
remeteu-nos ao entendimento de que o Brasil ainda está a longos passos de alcançar os
princípios da qualidade e da equidade, em sua totalidade, haja vista a interpretação
distorcida do significado pedagógico dos resultados da avaliação, entre outros fatores.
Palavras-chave: Avaliação em Larga Escala. Condicionantes históricos. Qualidade e
equidade.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Avaliação em Larga Escala configura-se em um procedimento amplo e


extensivo. Para sua realização, envolve diferentes modalidades de avaliação e,
concomitantemente, a participação de agências reconhecidas pela especialização técnica | 215
em testes e medidas, o que abrange um sistema de ensino. Na maioria das vezes esta
avaliação detém-se na aprendizagem dos alunos, com a finalidade de obter resultados
generalizáveis ao sistema.
Com efeito, a Avaliação em Larga Escala é uma modalidade desenvolvida no
âmbito dos sistemas de ensino com o objetivo principal de subsidiar políticas públicas na
área educacional e também, “[...] um valioso instrumento de controle social, que
contribuiu para colocar o aprendizado no foco do debate” (FERNANDES, 2013, p. 16).
Nesta linha de pensamento, faz-se pertinente um estudo acerca do histórico da

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Avaliação em Larga Escala no Brasil, com o objetivo de analisar, especificamente, os
impactos e decorrências dos processos que aconteceram desde a década de 1980, foco da
Avaliação em Larga Escala no Brasil, compreendendo, em especial, o IDEB – Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica, principal indicador de desempenho estudantil
adotado pelo Governo Federal. Por fim, indagamos se os caminhos traçados pela
Avaliação em Larga Escala são capazes de conduzir a educação para o atendimento aos
princípios de qualidade e de equidade43 educacionais.
Este texto pretende debruçar-se sobre estas questões e aprofundá-las, na medida
do possível, levando em conta conhecimentos construídos durante a realização da
disciplina de Políticas Públicas e Gestão da Educação I do Programa de Pós Graduação
stricto sensu em Educação da URI-Câmpus de Frederico Westphalen/RS. A metodologia
utilizada consistiu, principalmente, numa imersão no arcabouço teórico que aborda a
problemática em estudo. Inferimos que o Brasil ainda tem longo caminho a percorrer, no
que diz respeito ao atendimento aos princípios de qualidade e de equidade em educação,
com relação aos processos de Avaliação em Larga Escala por ele adotados.

AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA: CONDICIONANTES HISTÓRICOS

[...] o caráter histórico das políticas educacionais remete, por sua vez, à
necessidade de analisá-las com base no contexto nacional e internacional em
que se inserem, das demandas de diferentes âmbitos a que procuram responder
e da própria evolução das tradições educativas em que elas são desenhadas e
postas em prática (GATTI, BARRETTO E ANDRÉ, 2011, p. 31).

| 216
Esta seção analisa, a partir de um contexto nacional, os aspectos históricos da
Avaliação em Larga Escala, à luz dos processos pelos quais tal política pública
educacional perpassou.

43
A equidade assume função importante ao ser compreendida, em seu conceito amplo, como coirmã da
justiça, embora equidade e justiça não sejam “absolutamente idênticas nem geneticamente diferentes”
(ARISTÓTELES, 1999, 2003). John Rawls (1997), filósofo político norte americano, elaborou uma teoria
da justiça conhecida como “justiça como equidade”. A equidade, portanto, pode ser vista como uma forma
de tratar as diferenças de forma diferente para então possibilitar uma determinada igualdade. Equidade
conduz ao exercício de certas desigualdades para o bem comum.

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Embora evidências do Estado em tomar a avaliação como parte do planejamento
educacional desde a década de 1930, foi preciso um amadurecimento de cinco décadas
para que o processo tivesse início. A Avaliação em Larga Escala como política pública,
tal como é hoje concebida, foi iniciada no Brasil, no início da década de 1980, quando o
Ministério da Educação (MEC) começou a desenvolver estudos sobre a Avaliação
Educacional, movido pelo incentivo proveniente das agências financiadoras
transnacionais e, nesta perspectiva, foram lançados os pressupostos para a construção do
que veio a se tornar, mais tarde, o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica).
Nesta época, já se vivenciava no País, um processo gradual de redemocratização,
o que gerava um clima tanto de busca da universalização e qualificação da educação,
quanto de percepção da necessidade de se construir instrumentos para a Avaliação em
Larga Escala (GOMES NETO; ROSEMBERG, 1985).
Desde a década de 1960, o Brasil tem vivenciado a ampliação do uso de testes
educacionais; entretanto, foi mais precisamente no ano de 1988, de acordo com Werle
(2011) que são ensaiadas as experiências de Avaliação em Larga Escala na Educação
Básica que, com reformulações importantes, ainda hoje estão em vigor.
A partir, sobretudo, da década de 1990, no contexto da experiência da Reforma
do Estado Brasileiro e da consequente minimização do papel do Estado como ente
executor das políticas públicas brasileiras – o qual passa a assumir um papel
predominantemente regulador –, é que o debate acerca das Avaliações em Larga Escala
ganha maior força e espaço. Neste cenário, é possível dizer, ancorando-nos nos
pressupostos de Assunção e Carneiro (2012), que as Avaliações em Larga Escala foram
elaboradas de forma centralizada e padronizada e, por isso, descontextualizadas da
| 217
realidade das escolas, às quais deveriam atentar.
Em 1990, inicia o 1º ciclo do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público
(SAEP), desenvolvido de forma descentralizada pelos estados e municípios. E é a partir
de 1992 que a Avaliação em Larga Escala passa para responsabilidade do Instituto
Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão do MEC.
Nesta época, paralelamente, iniciam as primeiras experiências de avaliações em nível
estadual (BONAMINO, 2002, p. 64).

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A partir de 1995, entretanto, ocorre uma reordenação na Avaliação em Larga
Escala da Educação Básica na direção de uma centralização de decisões na União e um
correspondente afastamento da participação dos Estados – o que reforça que estes
passassem a criar suas próprias estruturas avaliativas, como é o caso dos estados de São
Paulo e de Pernambuco, os quais criaram seus próprios sistemas de Avaliação em Larga
Escala, o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
(SARESP), implantado em 1996, e o Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco
(SAEPE), realizado pela primeira vez no ano de 2000 (BONAMINO; SOUSA, 2012).
Tal reordenação, ocorrida em meados da década de 1990, acaba por induzir o
sistema de avaliação a assumir um novo perfil reforçado por empréstimos com o Banco
Mundial (BM) e pela a terceirização de operações técnicas, passando a chamar-se Sistema
de Avaliação da Educação Básica (SAEB)44. As decorrências desta situação são retratadas
por Werle (2011, p. 775):

A partir daí, as funções do MEC se restringem à definição dos objetivos gerais


do Sistema de Avaliação, os professores da Universidade passam a ter “posição
subalterna”, bem como as administrações locais veem reduzida sua ação ao
simples apoio logístico na fase de aplicação das provas.

A reestruturação pela qual a Avaliação em Larga Escala passou demonstra certo


desalinhamento de questões relacionadas ao planejamento educacional em nível nacional.
Cada vez mais, os entes aos quais as avaliações mais deveriam interessar (MEC,
universidades, administrações locais, professores, escolas), não têm direito a
questionamentos, opiniões, sugestões e transformações. As decisões mais importantes
ficam a cargo de entes transnacionais que, em sua maioria, não são capazes de traçar um | 218
diagnóstico coerente de cada realidade de modo a atender a todas as esferas envolvidas
nos processos de Avaliação em Larga Escala, primando pela equidade educacional.
A avaliação então realizada pelo SAEB passa a ocorrer de dois em dois anos,
focando dois componentes curriculares: Português (leitura) e Matemática (solução de
problemas). A característica deste sistema é ser uma avaliação amostral de 4ª e 8ª séries

44
Embora o SAEB tenha se iniciado anos antes, em 1994 é que ele foi formalmente instituído por meio da
Portaria nº 1.795, de 27 de dezembro.

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(5º e 9º anos) do Ensino Fundamental e de 3º ano do Ensino Médio45, envolvendo
estudantes das redes pública e privada, de zonas urbanas e rurais, oferecendo informações
passíveis de serem tratadas por localização, por dependência administrativa, por unidade
da federação, por região e na totalidade do país.
Cabe ressaltar que, no final do ano de 1996, a Lei nº. 9.394 (BRASIL, 1996) é
promulgada, reafirmando o papel da Avaliação em Larga Escala e tornando imperativo o
processo de avaliação, exigindo sua universalização, conforme conteúdo do

Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da


publicação desta Lei. [...] § 3º O Distrito Federal, cada Estado e Município, e,
supletivamente, a União, devem: [...] IV - integrar todos os estabelecimentos
de ensino fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do
rendimento escolar (BRASIL, 1996).

Com exigências da legislação, os processos de Avaliação em Larga Escala


ganham ainda mais espaço no Brasil, tomados por inúmeras iniciativas a partir da década
de 2000. É a partir deste ano que o Brasil passa a participar do Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes (Pisa)46, organizado pela Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico – (OCDE), o qual se realiza, a partir desta data, de três em
três anos.
Entre os documentos, o Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2011),
promulgado em 2001 pela Lei nº 10.172, indicava em suas diretrizes, suas metas e seus
objetivos, os processos extensivos de avaliação em todos os níveis e delineava formas de

| 219
45
A avaliação da Educação Básica, que se reduzia ao SAEB, amostral, focado em competências em leitura
e matemática, passa a contar, em 1998, com outro instrumento, agora instituído com o objetivo de verificar
o comportamento de saída do Ensino Médio, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). “Este extrapola
o objetivo de avaliar as aprendizagens realizadas pelos concluintes do Ensino Médio no momento em que
subsidia a engrenagem organizada nacionalmente para o ingresso no sistema federal de Educação Superior
pública, substituindo, em muitos casos, a prática do vestibular como forma de seleção para o ingresso no
Ensino Superior” (WERLE, 2011, p. 776).
46
De acordo com Werle (2011, p. 777), o Programme International Student Assessment (Pisa) avalia jovens
de 15 anos, no final da escolaridade obrigatória, qualquer que seja o tipo de escola em que estudem, focando
temas que estes jovens necessitarão no futuro e avaliando como os jovens operam com os conhecimentos
e aprendizagens. O conteúdo corresponde às áreas da leitura, matemática e ciências. “O Pisa é uma prova
que é aplicada a cada três anos, com um enfoque dominante em cada aplicação: em 2000 a ênfase esteve
na leitura; em 2003, na matemática; em 2006, em ciências; em 2009, novamente na leitura”. Entretanto, “o
Pisa não objetiva [...] medir o alcance da formação geral moderna ou delinear o perfil de um currículo
internacional” (AMARAL, 2008, p. 38 apud WERLE, 2011, p. 777).

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operacionalizá-los, indicando ações que, no decênio, algumas foram sendo desenvolvidas
e implementadas. Nas palavras de Werle (2011, p. 778),

Nas diretrizes para o Ensino Fundamental, o PNE reafirma a necessidade de


consolidar e aperfeiçoar o Censo Escolar e o Saeb e de criar sistemas
complementares nos estados e municípios, explicitando, dentre seus objetivos
e suas metas, a necessidade de articular as atuais funções de supervisão e
inspeção no sistema de avaliação.

Em 2005, é criada a Prova Brasil, em substituição ao SAEB, o qual possibilitava


apenas função diagnóstica e de monitoramento da qualidade da Educação Básica
brasileira; com a Prova Brasil, agora o País conta com um instrumento que, além de
diagnosticar, também permite agregar a noção de responsabilização (FERNANDES;
GREMAUD, 2009). Para Bonamino e Sousa (2012) a Prova Brasil foi criada dada as
limitações do SAEB em retratar as especificidades dos municípios e escolas, bem como
induzir a formulação de novas políticas educacionais.
Da mesma forma que o SAEB, a Prova Brasil acontece de dois em dois anos e é
responsável por auxiliar governantes no processo de direcionamento de recursos para as
escolas, no estabelecimento de metas e de ações pedagógicas, além de funcionar como
um “[...] instrumento de pressão, para pais e responsáveis, por melhoria da qualidade da
educação de seus filhos, uma vez que, a partir da divulgação dos resultados, eles podem
cobrar providências para que a escola melhore” (BONAMINO; SOUSA, 2012, p. 379).
As autoras (BONAMINO; SOUSA, 2012, p. 373) falam de três gerações de
Avaliação em Larga Escala da educação, a partir dos objetivos e desenhos usuais em
iniciativas implementadas no Brasil:
| 220

A primeira geração consiste na avaliação diagnóstica da qualidade da educação


sem atribuição de consequências diretas para as escolas e para o currículo
escolar. As outras duas gerações articulam os resultados das avaliações a
políticas de responsabilização, com atribuição de consequências simbólicas ou
materiais para os agentes escolares.

Quando falam na primeira geração de Avaliação em Larga Escala, estão referindo-


se ao SAEB, realizado durante cerca de dez anos; quando mencionam a segunda e a
terceira gerações remetem-se à Prova Brasil e aos Sistemas de Avaliação criados pelos
estados de São Paulo e de Pernambuco, respectivamente.

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A Prova Brasil, com característica censitária, passou a integrar, a partir do ano de
2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o qual passou a ser
referência para a definição de metas que possam aferir qualidade à educação, pelo menos
até 202147. Tal indicador possibilitou que os resultados da Prova Brasil passassem a ser
amplamente divulgados, e atualmente o IDEB configura-se no “[...] principal indicador
adotado pelo Governo Federal para traçar metas educacionais a serem alcançadas por
escolas e redes estaduais e municipais” (BONAMINO, SOUSA, 2012, p. 379).
O PNE 2011-2020, quando fala de Avaliação em Larga Escala, apregoa que o
IDEB e suas metas finais e intermediárias, atendem a todas as necessidades técnicas para
o acompanhamento e monitoramento da qualidade da Educação Básica brasileira e, por
isso, foi adotado pelo Plano de Metas, inserido no PDE. Entretanto, ele não teria impacto
algum caso não fosse conhecido pela população e reconhecido pelos gestores como
indicador de qualidade que deve nortear suas ações no âmbito educacional (BRASIL,
2011).
A legislação em vigor no Brasil anuncia questões inerentes à Avaliação em Larga
Escala, como é o caso da LDB e do novo PNE 2014-2024. O novo Plano traz dez
diretrizes, entre elas a erradicação do analfabetismo, a melhoria da qualidade da educação,
além da valorização dos profissionais de educação, um dos maiores desafios das políticas
educacionais. De acordo com o art. 7º dessa nova lei, a União, os estados, o Distrito
Federal e os municípios atuarão em regime de colaboração para atingir as metas e
implementar as estratégias previstas (BRASIL, 2014).
Quando o Plano fala de “erradicação do analfabetismo” e de “melhoria da
qualidade da educação” podemos nos remeter ao papel das Avaliações em Larga Escala,
| 221
no sentido de analisar em que medida estas são capazes de contribuir para que o processo
de alfabetização (e todas as outras etapas de ensino) priorize a aprendizagem efetiva de
todos os alunos.
Os apontamentos acerca dos condicionantes históricos da Avaliação em Larga
Escala no Brasil nos levam a buscar um maior entendimento acerca dos aspectos

47
O IDEB foi criado pelo INEP, órgão vinculado ao MEC, em 2007. A meta para os Anos Iniciais do Ensino
Fundamental é atingir um IDEB igual a 6,0 em 2021, ano do bicentenário da Independência (BRASIL,
2011, 2014). Para maiores informações, consultar: http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/portal-
ideb.

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regulatórios e/ou emancipatórios presentes nesta modalidade de avaliação, refletindo se
esta pode ser um potencial indutor de qualidade na educação e promotor de equidade
educacional.

AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA: CAMINHO PARA A QUALIDADE E


PARA A EQUIDADE EDUCACIONAL?

Os pressupostos de que a avaliação seja capaz de aferir a qualidade e a equidade


da oferta educacional, constitui uma das interrogações deste estudo a que nos prestamos
a realizar. Paradoxalmente, a escola que acolhe as classes populares é a que se vê
alcunhada de “baixa qualidade”.
A escola pública que é avaliada com escores insuficientes, no contraponto,
preocupa-se com a inclusão, com a diversidade, com a justiça social. Conforme Prestes e
Farias (2014, p. 577) “[...] parece não existir desacordo sobre a impossibilidade de que os
indicadores quantitativos e homogêneos expressem conceitos qualitativos, tais como bem
social, equidade e qualidade da educação”.
Entendemos que, para além de resultados homogeneizados, que os indicadores
sejam capazes de possibilitar a reflexão de um espaço micro – neste caso, a escola – e seu
sistema educacional considerando suas particularidades, concordando com Prestes e
| 222
Farias (2014, p. 580) quando sublinham a necessidade de “abrir espaços para subverter a
ordem dominante” e, complementando esta ideia, “fazer possível a construção de um
novo pensamento com maior inclusão e justiça social”.
Convocamos, novamente, as palavras de Prestes e Farias (2014, p. 581) quando
mencionam o desejo de que “as avaliações levem em conta que a qualidade do processo
educativo também inclui aprendizagens para a promoção da cooperação, humanização e
solidariedade nacional e internacional”.

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Nesta perspectiva, a Avaliação em Larga Escala será promotora de equidade e de
qualidade educacionais, a partir do momento em que passar a ser entendida como
alternativa para refletir sobre a prática educativa e a necessidade de informar os resultados
para todos. Penin e Martínez (2009, p. 23-24) reforçam a importância da avaliação interna
e externa:

[...] no âmbito interno, possibilita a avaliação como instrumento de ação


formativa, levando instituições e os professores a refletirem a respeito de suas
práticas e de seus objetivos e, assim, a melhorar sua ação docente e sua
identidade profissional. Por outro, em âmbito externo, oferece informações
para que tanto os pais quanto a sociedade, especialmente os sistemas de ensino,
possam efetivar um relacionamento produtivo com a instituição escolar.

Neste quesito, podemos nos apropriar de Uema (2003) ao mencionar que é preciso
fazer a ponte entre a avaliação e a ação. Não basta informar ou iniciar um processo de
reflexão na escola sobre problemas ou deficiências pelos quais ela passa, sem colocar à
sua disposição os recursos de que precisa para superar suas dificuldades, pois, nesse caso,
a avaliação tende a exercer somente o papel inútil de testemunha e não de agente
transformador da realidade.
Diante disso, frisamos a importância de avaliar para onde vão e o que é feito com
os resultados obtidos nas Avaliações em Larga Escala, quando estes retornam até as
escolas, pois, segundo Penin e Martínez (2009), apurar os usos da avaliação, comparar
resultados e comportamentos da entrada dos alunos em cada situação e em cada contexto
social e institucional, torna-se fundamental para não homogenizar processos que são de
fato diferentes.
Precisamos nos importar com a realidade dentro de cada uma das nossas escolas | 223
e deletar percepções insignificantes que, por vezes, traçamos acerca do governo e de
outras instâncias governamentais e/ou multilaterais; afinal, o trabalho desenvolvido no
dia a dia na escola é que vai retratar se o aluno, de fato, aprendeu, independentemente de
uma prova padronizada.
A qualidade e a equidade educacionais podem ser alcançadas por meio de uma
gama de fatores, a considerar desde as instâncias governamentais e/ou transnacionais, as
quais representam o espaço macro das políticas públicas, até o chão das escolas, as quais
retratam os espaços micropolíticos da educação. Ao falar nas escolas, é preciso reprisar

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que são, por excelência, lócus de aprendizagem, processo que depende de todos os
segmentos intra e extraescolares.
Sammons (2008, p. 336) levantou onze “características-chave das escolas
eficazes”, dentre as quais se destacam estrutura da escola, aspectos da gestão, valorização
de um ambiente organizado para a aprendizagem e estratégias do professor. Alves e
Franco (2008) resumem, no caso brasileiro, tais fatores em cinco categorias: recursos
escolares, organização e gestão da escola, clima acadêmico, formação e salário docente e
ênfase pedagógica. Ambas as pesquisas apontam a gestão escolar como um dos fatores
intraescolares que podem influenciar positivamente o desempenho do aluno, a qualidade
e a equidade educacional.
Com base na proposição de um modelo conceitual para abordar o processo de
aprendizagem em uma perspectiva multidisciplinar, Soares (2007, p. 153) considera que
“dentro da escola há dois importantes processos que interagem para a produção do
desempenho dos alunos: a gestão escolar e o ensino”. De acordo com o autor, a gestão da
escola, liderada pelo(a) diretor(a), compreende as tarefas relativas à garantia do
funcionamento da instituição “de forma que os recursos nela existentes possam ser usados
para atender às necessidades de aprendizagem dos alunos” (SOARES, 2007, p. 153).
Voltamos ao conceito de avaliação, entendendo-a como uma atividade política
que, através de alguns procedimentos, procura manter o controle, a organização, seja de
uma sala de aula, quando realizada pelos professores, seja de uma instituição escolar,
quando aplicada pelo Estado. A avaliação pode ser entendida como uma relação de
dominação que “[...] contribui para fabricar imagens e representações sociais positivas ou
negativas que, consoante os casos, levam à promoção ou estigmatização dos alunos,
| 224
justificando a sua distribuição diferencial na hierarquia escolar” (AFONSO, 2000, p. 21).
Diante desta colocação, concordamos com Sousa (2003) quando afirma que as
avaliações nacionais tanto podem ser um instrumento para que as escolas, gestores e
demais profissionais repensem seu trabalho – e para que os alunos, de fato, aprendam –,
quanto para se efetuar classificações que pouco contribuem para a melhora da qualidade
das escolas. Se a avaliação for concebida apenas como mecanismo de controle ou se for
ignorada, seja pelos professores, pelos gestores ou pelos responsáveis pela formação de

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docentes, pouco contribui para a melhora do ensino, e não se torna capaz de atender aos
princípios de qualidade e de equidade em educação.
Cabe mencionar que o sistema nacional “[...] busca nas avaliações externas uma
metodologia que o fotografe sob um ponto de vista amplo, que lhe apreenda certas
características, que lhe desenhe um perfil e que possa ser utilizado para mobilizar esforços
no sentido de seu aperfeiçoamento” (WERLE, 2010, p. 22-23). Esse tipo de avaliação não
pretende destacar ou particularizar os fazeres docentes, as condições de trabalho, os
recursos disponíveis, nem pretende mudar o fazer pedagógico. A Avaliação em Larga
Escala apresenta-se como um método de um foco bem definido que é o de prestar contas
à sociedade sobre a aplicação do dinheiro público em relação ao trabalho desenvolvido
pelas instituições escolares.
As empresas contratadas pelo governo para aplicar tais avaliações são apenas
protagonistas do processo e não têm conhecimento do que seja um processo avaliativo,
desconhecem a realidade de uma escola e buscam somente dados estatísticos para fazer
comparações sobre o desempenho dos alunos e assim prestar contas aos agentes
financeiros dos resultados obtidos (COCCO; SUDBRACK, 2012).
Nessa perspectiva de obtenção de resultados, elaboram provas homogêneas para
todo o país, desconsiderando os conhecimentos culturais e sociais de cada região e os
contextos nos quais se dão os processos educativos. “A avaliação baseada em provas
psicométricas referidas à norma está desenhada para selecionar e não para incluir”
(CASASSUS, 2009, p. 76). As escolas passam a ter uma autonomia muito mais retórica
do que real, sendo responsabilizadas pelos maus resultados obtidos e o Estado, por sua
vez, ausenta-se das obrigações de protetor e defensor da sociedade civil (COCCO;
| 225
SUDBRACK, 2012), passando a assumir o papel de regulador dos processos
educacionais.
Para Sobrinho (2008, p. 202), esses instrumentos utilizados pelas Avaliações em
Larga Escala “[...] não são suficientes para a compreensão de uma realidade tão complexa
como a educação e, se exclusivos, tampouco são instrumentos capazes de levar a grandes
transformações pedagógicas”. Mas elas podem ser “[...] um bem comum a serviço da
formação dos indivíduos para a vida social, do desenvolvimento institucional e dos
projetos do Estado” (idem, p. 205), desde que ajudem a “compreender e melhorar a

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realização dos processos educativos, cognitivos, psicossociais, estruturais e
organizacionais” (idem. p. 205).
Nesta perspectiva, a avaliação se faz extremamente necessária, uma vez que é ela
que possibilita identificar as falhas e dar subsídios para mudanças. Não se discute a sua
importância, porém o que é posto como falha é sua forma de controle e monitoramento
das escolas, na qual são punidas ou premiadas de acordo com o seu desempenho. Todavia,
apesar da qualidade ser hoje o centro das discussões, podemos observar, principalmente
no que se refere à questão da avaliação, que a quantidade parece mais priorizada do que
a qualidade. Se este for o pensamento prevalecente, o princípio da equidade fica,
automaticamente, olvidado.
Alguns questionamentos seriam pertinentes, como: O que se ensina? Por que se
ensina? Para quem se ensina? O que se espera com a avaliação aplicada? Avalia-se o quê?
Para quê? Qual o processo utilizado? Acontece a exclusão durante a sua verificação? A
partir dessas reflexões o professor, a escola ou o Estado teriam condições de ajudar no
desenvolvimento intelectual dos alunos e na superação de suas dificuldades, bem como
definir as prioridades do sistema educacional e aplicar os recursos de forma adequada.
A responsabilidade sobre os resultados dos alunos deve ser amplamente discutida,
bem como o controle do Estado e aquilo que se ensina e de como se ensina nas escolas
públicas. Dessa forma, a Avaliação em Larga Escala deve ser voltada para o progresso
do conhecimento, revisão ou substituição das ações que não mostraram resultados
satisfatórios. Nesse processo, todos os sujeitos envolvidos precisam participar desde a
formulação até a implementação das ações ou políticas previstas [...] (COCCO;
SUDBRACK, 2012).
| 226
Nesta conceituação, mais que definir ou estreitar os significados de qualidade e
de equidade da educação os alargamos, pois, para se alcançar tais princípios, há que se
considerar a necessidade de analisar todo o contexto que envolve a educação, bem como
a Avaliação em Larga Escala, desde as condições socioeconômicas dos alunos até a
formação de seus professores, perpassando metodologias, estruturas físicas e
pedagógicas, entre outras.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este breve estudo debruçou-se sobre questões de relevância ao campo


educacional, no sentido de trazer aportes conceituais e históricos dos processos de
Avaliação em Larga Escala no Brasil e, ainda, características capazes de retratar caminhos
para a qualidade e para a equidade educacionais.
A Avaliação em Larga Escala no Brasil, nas últimas décadas, insere-se em um
contexto de reformas educacionais, protagonizado pelas políticas públicas educacionais.
Tais medidas têm sido demandadas pela crescente democratização da sociedade
brasileira, pelos clamores da sociedade civil, debates das associações de classe, pressões
externas dos organismos internacionais, entre outros.
Concordamos com Prestes e Farias (2014, p. 578) quando afirmam que “[...] os
processos de avaliação e seus resultados não são totalmente homogêneos e nem estáticos,
mas incorporam oposições e conflitos, à comunicação, à negociação, à retórica”. Diante
desta realidade, apoiamos Gatti (2012) quando afirma a necessidade de os pesquisadores
em educação voltarem-se mais ao estudo e à discussão das Avaliações em Larga Escala,
quer quanto aos aspectos relativos às políticas e ações educacionais, quer quanto aos
aspectos teóricos e aos procedimentos implementados, à luz de uma perspectiva também
pedagógica.
Depreendemos, pois, a urgência em encarar a Avaliação em Larga Escala
vinculando-a ao desafio da aprendizagem, o que deriva do esforço de desvinculá-la dos
mecanismos de aprovação ou reprovação e, mais importante, destacar outra finalidade da
avaliação educacional, no que se concentra sua verdadeira dimensão política, pois numa
| 227
escola que se pretenda democrática e inclusiva, que assuma os princípios de qualidade e
de equidade educacionais, as práticas avaliativas deveriam se pautar por garantir que, no
limite, todos aprendam tudo.
Qualidade só se alcança no encontro da reflexão dos profissionais da educação e
da vontade política de mudar a realidade que nos cerca. E equidade, como pressuposto de
justiça social, que compreende um tratamento desigual aos desiguais, por sua vez, procura
dar oportunidades diferentes a cada um, de acordo com a realidade própria de cada sujeito,
de forma que este venha a superar seus limites de aprendizagem. Concentrando os dois

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princípios dentro da Avaliação em Larga Escala, arriscamos inferir, com base nestes
prévios estudos, que o Brasil ainda está a longos passos de alcançá-los, em sua essência,
dada a precariedade de interpretações quanto ao significado pedagógico dos resultados
colhidos com a avaliação.
Alguns desafios/sugestões estão postos para o enfrentamento das situações
explicitadas durante o texto, a saber: conquista de maior espaço, visibilidade e
protagonismo dos setores sociais, desde a formulação, execução, monitoramento e
avaliação de determinada política, neste caso, das políticas de Avaliação em Larga Escala;
criação de estratégias para a participação efetiva da sociedade nas decisões públicas,
através do enfrentamento das manobras de hegemonia e poder do Estado; além de ações
em prol de cada sujeito e de suas necessidades em sua totalidade, com vistas à qualidade
e à equidade como princípio de justiça social.

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EDUCAÇÃO LATINO-AMERICANA E A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: REFLEXÕES E DESAFIOS

Janaíne Souza Gazzola – URI – E-mail: sgjanaine@hotmail.com


Fernanda Furini – URI – E-mail: psifurini@yahoo.com.br
Cláudia Battestin – URI – E-mail: battestin@uri.edu.br

Resumo: O presente artigo, resultante de uma pesquisa bibliográfica, busca evidenciar


os principais desafios do cenário educacional latino-americano, especialmente no tocante
às políticas públicas e às políticas educacionais, bem como à formação de professores na
América Latina, abordando questões relativas à identidade docente, capazes de aproximar
as realidades entre os países. Compreender o cenário educacional latino-americano torna-
se fundamental para o próprio entendimento dos principais desafios que vêm eclodindo
nas últimas décadas, no que tange a educação em geral, em especial, a formação de
professores. Urge oferecer propostas de enfrentamento a esta problemática, entre elas a
elaboração de políticas adequadas à realidade de cada cenário, em um formato de regime
de colaboração entre os entes federados, de forma a priorizar a participação da sociedade
civil, além de pleitear ações em prol de cada sujeito e de suas necessidades em sua
totalidade, com vistas à valorização da profissão docente e da identidade humana.
Palavras-chave: Educação. América Latina. Formação de Professores.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os contadores de história, os cantadores de história, só podem contar enquanto


a neve cai. A tradição manda que seja assim. Os índios do norte da América
têm muito cuidado com essa questão dos contos. Dizem que quando os contos
soam, as plantas não se preocupam em crescer e os pássaros esquecem a
comida de seus filhotes (GALEANO, 2007, p. 9).
| 230
Escrita por Eduardo Galeano em 1994, “Las Palabras Andantes” constitui-se em
um itinerário poético e social da América Latina contemporânea, revelando algumas
dinâmicas das culturas do continente, ao mesmo tempo em que desvela as sutilezas
cotidianas de sujeitos envolvidos pelos delineamentos políticos que os circundam.
“Poderíamos dizer que talvez sejam as narrativas literárias elementos catalisadores de
novas reflexões sobre o contexto sociopolítico latino-americano, pois revelam olhares
enriquecidos pela dimensão vivida na qual o continente está situado” (SILVA, 2007, p.
1). Neste sentido, junto à epígrafe de Eduardo Galeano, fazemos um convite para

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refletirmos sobre algumas abordagens do cenário educacional latino-americano, em
interface com aquelas vinculadas ao campo das políticas públicas e políticas
educacionais, trazendo associado a isso questões identitárias da formação de professores
que aproximam os países da América Latina, inferindo desafios que emergem para a
classe docente.
A sociedade latino-americana vivencia transformações econômicas, sociais e
culturais. Tais transformações atingem todos os aspectos da vida humana chegando ao
âmbito familiar, religioso e também ao educacional, no qual essas transformações se
mostram bem visíveis. O profissional da educação sofre o impacto disso em sua sala de
aula; o docente é atingido com essas mudanças e percebe a necessidade de acompanhar
essas transformações e as necessidades atuais de aprendizagem de seus alunos.
Nos últimos anos, tem-se multiplicado estudos que abordam a questão da
docência, enfatizando diversos aspectos desta complexa atividade profissional.
Identidade profissional, competência, saberes e habilidades requeridas para o exercício
docente são algumas das problemáticas que fazem parte das preocupações dos estudiosos
que se debruçam sobre o tema. Diante disso, este artigo aborda questões relativas ao
cenário educacional latino-americano, no intuito de traçar alguns pontos que possibilitem
compreendê-lo a partir de uma breve contextualização. Ainda, nos preocupamos em
refletir sobre alguns aspectos condizentes com a formação de professores na América
Latina, enfatizando os principais desafios que aproximam a identidade docente dos latino-
americanos.
Tais questões serão aprofundadas, na medida do possível, levando em conta
conhecimentos construídos durante a realização da disciplina de Leitura Dirigida “Teoria
| 231
crítica da América Latina: um olhar contemporâneo” do Programa de Pós Graduação
stricto sensu em Educação da URI – Câmpus de Frederico Westphalen/RS. A
metodologia utilizada consistiu, principalmente, numa revisão de literatura que aborda a
problemática em estudo. Inferimos a necessidade de oferecer propostas de enfrentamento
da problemática, com vistas à valorização da profissão docente e da identidade humana.

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EDUCAÇÃO LATINO-AMERICANA E SEUS DESAFIOS: BREVE
CONTEXTUALIZAÇÃO

Ao iniciarmos a nossa trajetória, ao contextualizar a política pública educacional


em âmbito latino-americano e seus desafios, consideramos pertinente refletir sobre o
entendimento do que sejam políticas públicas, as quais, segundo Rua (2009), resultam de
atividades políticas, consistindo na resolução pacífica de conflitos, caracterizando um
processo essencial à preservação da vida em sociedade.
Desta forma, verificamos que as políticas públicas são essenciais à vida em
sociedade, inerentes à vida humana e constituem parte fundamental na organização social.
No Brasil, somente nos final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, que foram efetivados
os estudos e investigações em nível de publicações de trabalhos referente às políticas
públicas, mencionando, inclusive, a formação histórica das ações de governo, conforme
nos propõem Dias e Matos (2012, p.11):

A expressão “políticas públicas” engloba vários ramos do pensamento


humano, sendo interdisciplinar, pois sua descrição e definição abrangem
diversas áreas do conhecimento como as Ciências Sociais Aplicadas, a Ciência
Política, a Economia e a Ciência da Administração Pública, tendo como
objetivo o estudo do problema central, ou seja, o processo decisório
governamental.

Assim, as políticas públicas vêm para corresponder às necessidades e demandas


populacionais, configurando-se numa forma de o Estado agir com hegemonia sobre a
sociedade. E é mediante o poder governamental que estas são levadas através de
planejamento, avaliação e implementação, até a sua efetivação. São diferentes os tipos de | 232
políticas públicas, estando entre eles, as Políticas Públicas Educacionais. Outrora, as
políticas educacionais podem ser entendidas, como uma das formas de política pública
social e se apresentar como “formas de interferência do Estado, visando à manutenção
das relações sociais de determinada formação social” (HOFLING, 2001, p. 31). Políticas
públicas de ordem social, as políticas educacionais estão assim denominadas pelo caráter
que assumem diante da realidade. Quanto à especificidade da política pública educacional
no Brasil, Santos (2009, p. 77), aponta que:

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A inscrição da Educação como “direito de todos” já constava da Constituição
de 1934, elaborada nos primórdios da Era Vargas. Datam daquele período,
também, os primeiros esforços para a implantação de um sistema educacional
de âmbito nacional. Mas foi apenas na Constituição de 1988 que ela tornou-se
um “dever do Estado”, devendo ser provida de forma universal, ao menos no
nível básico.

Apontados estes fatores, podemos afirmar, também, que as políticas públicas de


educação no Brasil e na América Latina, apresentaram em sua trajetória, um impasse de
rupturas e descontinuidades. Uma justificativa para isto é o fato de haver duas visões de
políticas públicas no século XX. A primeira ocorreu na primeira metade do século XX,
com o Estado do bem-estar social48, momento em que a educação era um bem a ser
ofertado pelo Estado; e a segunda ocorreu com o neoliberalismo que, a partir da década
de setenta, torna-se um bem privado, que “promovia”49 a desigualdade social, isto é,
direito de poucos.
Esta conjuntura se expande em todo o contexto latino-americano, conforme
explicitado por Feldfeber (2011, p. 125): “si nos detenemos en las políticas educativas
actuales, podemos observar que contienen tanto elementos de ruptura como también de
continuidad respecto de la orientación de las políticas reformistas de la década de 1990”.
Tal ponderação nos permite inferir que a educação, na maioria das vezes, acaba
sendo prioridade apenas pelo discurso e não na formalização de políticas (OSUNA,
2011). E este é um fator de extrema importância para refletirmos, inclusive, o que se pode
conceituar por educação, considerando o que nos escreve Carbonari (2007, p.349):

Educação é mais do que soma de conteúdos ou disponibilização de bons


equipamentos – necessários para subsidiar os processos educativos -; é,
sobretudo, a construção de tempos e espaços que oportunizem a interação, o | 233
reconhecimento, a humanização. Por isso, educação que não humaniza, que
não se abre e abre à relação, é qualquer coisa, menos educação.

Pensar o viés desta relação de prioridades discursivas e não efetivas, aliadas ao


próprio conceito de educação, nos reporta à reflexão do que geralmente é o
desconhecimento da estrutura organizacional da educação por parte dos gestores que

48
Segundo Coelho (2009, p. 88), o Estado de bem-estar social sucede o Estado liberal, intervindo por meio
de políticas públicas no mercado, a fim de assegurar aos seus cidadãos um patamar mínimo de igualdade
social e um padrão mínimo de bem-estar.
49
Aqui se faz uma reflexão, indagando: será que a educação “promovia” desigualdade social, apenas no
tempo verbal do passado?

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ocupam os quadros dos ministérios. Sabemos que o respeito e a aplicação dos direitos
educacionais ainda estão em processo de implementação, ampliando assim, a ideia do
descompromisso em relação a esses direitos, ou seja, nossos direitos.
Não adianta a educação ser um direito de todos, se não há escolas suficientes. Não
precisamos de leis, mas de escolas que tenham professores e que admitam alunos
(PONTES DE MIRANDA apud VIEIRA, 2001). Corroborando com esta ideia, Carbonari
(2007, p.349), acrescenta:

Escola fechada, conteúdos fechados, currículos fechados são a morte da


educação e apequenam o humano. Em nosso tempo, no qual já se avançou
muito no acesso à escola – mesmo que ainda tenha-se que caminhar muito para
que efetivamente seja universal -, o grande desafio é exatamente esse: fazer da
escola um espaço de qualidade relacional, para que seja um espaço
efetivamente de educação.

Esta reflexão nos remete a pensar sobre o cenário educacional latino-americano,


no que tange aos seus principais desafios, perpassando pelo campo das políticas públicas
e das políticas educacionais, bem como, da formação de professores e da gestão em nível
federal. Feldfeber (2011, p. 128) menciona alguns desafios da gestão federal da educação
da Argentina (que se estende também a toda a América Latina, quando falamos em
educação), necessários para superar alguns problemas que foram:

[...] agudizados por las reformas de las últimas décadas”, além de ajudar a
garantir o cumprimento do direito à educação para todos e todas: “articular
uma estrategia educativa nacional, superar las desigualdades y respetar las
particularidades de los estados subnacionales [...].

Ainda, segundo o autor (2011, p. 129), “[...] cabe perguntarnos quién garantiza el | 234

derecho a la educación em um país federal?” Tal questionamento, nos conduz a inúmeros


desafios, os quais, se apresentam para a educação em toda a América Latina: elaborar
políticas adequadas à realidade de cada país, além de políticas de avaliação docente que
resgatem a profissão. “A su vez, debemos señalar que no todas las transformaciones
propuestas em los marcos legales han encontrado correlato em las políticas
implementadas [...]” (FELDFEBER, 2011, p. 125).
No Brasil, de acordo com Medeiros (2011), o maior desafio é saber como
implementar as políticas de educação, uma vez que falta aos gestores e planejadores

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educacionais, uma visão articulada e sistêmica do processo educacional. Esta ausência
ocasiona a elaboração de políticas de assistencialismo, que não resolvem os problemas de
forma profunda e acabam apenas por “maquilar” a realidade educacional.
Quanto ao cenário educacional da Argentina, apresentado por Feldfeber (2011),
os grandes desafios que se apontam dizem respeito à construção de um sistema de
educação; à concretização de uma base comum na escola que respeite a diversidade (um
dos grandes reptos da educação brasileira, dada a pluralidade do país); à efetivação de um
regime de colaboração entre os entes federados (desafio emergente também, no caso
brasileiro). Nas palavras de Rocha (2011, p. 136), os desafios estão assim determinados:

[...] (i) como construir um sistema de educação federal de abrangência


nacional, mas que se articule com as localidades; (ii) qual base comum a escola
deve garantir para todos e, ao mesmo tempo, assegurara o respeito à
diversidade; (iii) como aprofundar o federalismo no sentido de se atingir uma
maior articulação entre os subsistemas, as organizações escolares e a cultura
política.

Diante destas constatações, vamos ao encontro das ideias de Feldfeber (2011, p.


129) quando o mesmo indaga: “cómo se conforma um sistema nacional sobre bases
federales que respete las particularidades locales y que se articule sobre bases comunes
em países signados por la desigualdade entre las partes que lo componen?”.
O que vivenciamos na América Latina é uma cultura política de falsa ética, com
a negação de valores e princípios, uma descrença no humano e no sistema, praticamente
uma crise de valores. Enquanto isso permanecer, qualquer paradigma irá manifestar
corrupção. Neste sentido, resta superar nossas tradições culturais. Já dizia David Foster
(2015) “se a cultura é instrumento para a ditadura, também o é para a democracia”. Trata- | 235
se de educar gerações que educarão novas gerações por meio do processo pedagógico
(ROCHA, 2011). Cultura entendida como “esse encontro [...] no interior de nós mesmos”
(TODOROV apud CANCLINI, 2003, p.15), o que significa entendê-la como um campo
de inter-relações, de interpenetração, no qual não se vislumbra uma cultura de contornos
uniformes, mas multiformes, híbridos, imaginados, interculturais.
Tais pressupostos são reprisados por Maria Abádia da Silva (2011, p. 327) que
defende a necessidade de “[...] entrecruzar o conhecimento científico com as ações
políticas de modo que o saber produzido possa subsidiar gestores e políticos na tomada

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de decisões”. A tomada de decisões deve estar em todas as esferas da sociedade, somos
movidos por escolhas e decisões, o que difere e implica estar apropriadamente seguro e
moralmente correto para fazer as melhores tomadas; isto remete diretamente ao tipo de
cultura em que vivemos. As decisões do passado serão lembradas, e as que fizermos hoje,
também irão permanecer latentes. Muito do que hoje somos, como chegamos, aonde
chegamos, herdamos da história que foi feita. Entretanto, Nóvoa (1992) esclarece termos
que ousar construir um novo conhecimento histórico no domínio educativo. Afinal, não
se podem justificar os problemas atuais da educação como se fossem apenas resultados
de um tempo histórico, pois, agindo desta forma, estaríamos sendo reducionistas.
Embora tenha logrado alguns avanços, o cenário da educação latino-americana
ainda precisa passar por questões amplas e complexas. Uma, em especial, é diminuir o
“gap”50 entre as intenções políticas de universalização da educação e as ações políticas
concretas, com vistas a ampliar a qualidade educacional em todo o território da América
Latina. Quando falamos em educação, também nos reportamos à questão da formação de
professores, item que será tratado na próxima seção deste artigo.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA AMÉRICA LATINA: ABORDAGENS E


DESAFIOS

O tema da formação de professores vem alcançando e avançando em todas as


esferas da sociedade, um papel de grande destaque. O interesse sobre o assunto é notável
não somente entre pesquisadores e acadêmicos, como também entre aqueles que se
| 236
responsabilizam, de forma direta ou indiretamente, pela definição de políticas que afetam
seus sistemas de profissionalização. Além da intensa produção teórica sobre diversos
aspectos envolvidos na formação docente, um bom indicador da importância atribuída à
temática é a crescente circulação de informações sobre o assunto decorrentes do
intercâmbio entre dirigentes e técnicos de diferentes países, membros de governos
nacionais e de agências internacionais.

50
Palavra que se refere ao “distanciamento” entre o proclamado e o praticado, no caso das políticas
educacionais, de acordo com Stephen Ball em entrevista à Sanny Silva da Rosa (2013).

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O grande mote da educação, no tocante à formação de professores, deveria ser o
de fazer crescer a sensibilidade pedagógica, o prazer pela didática conscientizada e
planejada. Estas características são apresentadas por Medeiros (2011, p. 61) para a figura
do professor, quando sublinha que “[...] a identidade do professor tem duas dimensões: a
de trabalhador da educação e a de educador. Apenas uma síntese entre essas duas
dimensões será capaz de fazer justiça aos professores e fazer justiça aos alunos!”.
Nesta perspectiva, estão postos ao professor os desafios do cenário educacional
latino-americano. Mas a grande questão está em enxergar o professor como um
profissional, que deva ser preparado para enfrentar os desafios constantes do seu próprio
trabalho, os quais, não são poucos e que podem começar na apropriação do seu lugar
como professor. Gusdorf (s/d, p. 38-39) aponta um destes desafios relacionados ao espaço
escolar:

[...] É preciso repetir que, se o espaço escolar é o lugar de um confronto, o


papel do professor não se reduz à afirmação impessoal. O professor não fala
como um livro é uma presença concreta, qualitativamente diferente da
presença abstrata e ausente que as técnicas audiovisuais, tão em moda hoje em
dia, procuram. O professor fala, mas sua palavra não é somente uma palavra
diante da classe, é uma palavra dentro da, com e para a classe (...). O professor
diante da classe encontra-se na difícil situação daquele que tem sempre e
necessariamente razão. À primeira vista, essa situação pode parecer
privilegiada e confortável. É claro que, numa segunda análise, ela é
terrivelmente difícil e, sem dúvida, insustentável, pois ter sempre razão é
impossível.

Em um sentido mais amplo deste desafio, para além das relações no


ambiente/espaço escolar, das relações professor-aluno, Gatti (2011) faz uma radiografia
da carreira docente, numa conjunção de fatores, chegando à ideia principal de que “não
| 237
há consistência em uma profissionalização sem a constituição de uma base sólida de
conhecimentos e formas de ação” (p. 305). Entra em cena, pois, a formação de
professores.
A formação nacional do professorado é vista como fator imprescindível (se
mantiver uma base comum nacional), podendo assegurar uma alternativa para a superação
de desafios emergentes, conforme afirma Feldfeber (2011). A base comum nacional da
formação de professores citada por Feldfeber, na visão de Saviani (2011), será garantida
com a existência de um modelo federativo, o qual faça menção (e ação!) à formação e,

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além disso, à consolidação de uma identidade nacional, já que afirma haver diferença
entre soberania e autonomia. Neste quesito, podemos compreender identidade sendo o
que nos caracteriza como pessoa, quando buscamos responder, segundo Lane (2006), o
questionamento de quem somos, isto é, o que nos identifica ‘com’ e nos diferencia ‘de’.
Desde a nossa filiação até a nossa profissão, que acaba por nos dar um lugar social, de
representação indentitária.
Nesta perspectiva, faz-se necessário a consolidação de uma identidade
profissional latino-americana, reforçando e valorizando nossas origens e,
consequentemente, a profissão docente. Cabem as perguntas: quem somos nós
professores latino-americanos? Existe alguma similaridade que nos une ou nos aproxima?
Refletir sobre as possíveis respostas a estes questionamentos parece-nos
pertinente, considerando que o professor encontra-se na condição de mediador e seu
protagonismo nesta história relacional de ensino-aprendizagem é um forte fator
identitário aos professores latino-americanos, ao passo que, as suas práticas e os desafios
que encontram assemelham-se em seus cotidianos profissionais. Nestes termos, o
professor, segundo Marques (2013, p. 38),

[...] como todo ser humano, tende a realizar prática imitativa, reiterativa, uma
vez que esta é a forma legítima de estar e se relacionar com o mundo.
Entretanto, para conseguir avançar na práxis criadora e reflexiva, necessita ter
plena consciência de sua ação, ou seja, precisa ter clareza “do que faz”, “para
que faz”, “por que faz” e “como faz”. Esse fenômeno se relaciona aos
significados e sentidos constituídos pelos professores em atividade.

Compreender, a partir disto, um fazer cheio de sentido humano, político e


comprometido consigo e com o mundo, relacionado, em última instância, à verdadeira | 238
práxis de ensinar e de aprender. Freitas (2011) defende a ideia de que a formação de
professores deve caminhar em busca da práxis, a fim de alcançar a autonomia e a
emancipação dos sujeitos.
O desafio torna-se ainda maior quando tocamos nesse assunto, pois, para que a
práxis realmente possa permear a prática docente dos professores latino-americanos, faz-
se necessário compreender os fatores identitários que aproximam estes profissionais da
educação. Entretanto, Gatti (2011) sinteticamente apresenta alguns pontos em comum ao
cenário educacional latino-americano, os quais retratam uma situação não muito

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prazerosa acerca da formação de professores: a) ausência de uma base comum para a
formação; b) tal formação é vista como suplemento à formação específica; c) a carreira
não é atrativa; d) medo do trabalho; e) trabalhar muito e não ser reconhecido.
Essa reflexão (um tanto preocupante) vem ao encontro da dimensão cada vez mais
exigente que a educação está tomando, sendo alvo das discussões sociais, econômicas e
culturais; o resultado de tudo isso está ligado, principalmente, a questões relativas ao
papel do Estado e à influência dos organismos internacionais51, à formulação de políticas
públicas em nível nacional de cada país e à discussão de assuntos relacionados aos
aspectos da formação inicial e da formação continuada, ocorridos em fóruns, que
extrapolam os espaços dos especialistas ou gestores dos sistemas de ensino.
Nesta linha de pensamento, analisar os pressupostos da formação do professor, é
discutir como assegurar um domínio adequado da ciência, da técnica e da arte da profissão
docente, ou seja, é acreditar na profissão e valorizar a formação inicial do professor, pelo
fato de que é nesse momento de escolhas na graduação que o futuro docente norteia sua
prática, define os rumos de sua profissão, em qual tendência pedagógica se encaixa, o que
pretende atingir com seus alunos e que perfil de educação e de mestre quer adotar como
princípio do ser docente.
Tais questões dizem respeito diretamente à identidade do professor, entendida por
Lawn (2001, p. 118) como aquilo que “[...] simboliza o sistema e a nação que o criou.
Reflecte a “comunidade imaginada” da nação, em momentos em que esta é crucial para
o estabelecimento ou reformulação dos seus objectivos económicos ou sociais [...]”. Essa
perspectiva evidencia a necessidade constante de o docente se inventar e reinventar
continuamente no exercício de sua docência. É, pois, preciso pensar a educação como
| 239
“[...] um processo de humanização. Ou seja, é processo pelo qual se possibilita que os

51
Não é pretensão deste texto, alargar a discussão acerca de aspectos referentes ao Estado, mas cabe frisar
que vivenciamos uma minimização do seu papel como ente executor de políticas públicas– o qual, passa a
assumir um papel predominantemente regulador –, em consequência às inúmeras reformas educacionais
latino-americanas. Neste cenário, é possível dizer, ancorando-nos nos pressupostos de Assunção e Carneiro
(2012), que as políticas públicas (e aqui falamos das políticas públicas educacionais, focando a formação
de professores) passaram a ser elaboradas de forma centralizada e padronizada e, por isso,
descontextualizadas da realidade das escolas, às quais deveriam atentar. Ainda, merece destaque a questão
das influências dos organismos internacionais, os quais ficam a cargo das decisões mais importantes da
educação e em sua maioria, não são capazes de traçar um diagnóstico coerente de cada realidade de modo
a atender a todas as esferas envolvidas nos processos educacionais, em especial, à construção de políticas
para a formação de professores.

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seres humanos se insiram na sociedade humana, historicamente construída e em
construção” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 97).
Pensar a identidade docente a partir das propostas de Gatti (2011) não é
pessimismo, mas é a coragem de assumir novas posturas institucionais e políticas mais
vigorosas, no intuito de compreender os desafios que estão postos, a ponto de
comprometer-se e lutar para que esta profissão seja cada vez mais uma atividade
profissional permanente, específica, acreditada e reconhecida (CUNHA; ZANCHET,
2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este breve estudo debruçou-se sobre questões de relevância ao campo


educacional, no sentido de trazer à tona aspectos do cenário educacional latino-
americano, enfatizando a noção de políticas públicas, essencial para entender alguns
aportes históricos; e, ainda, preocupou-se em apresentar abordagens e desafios existentes
na formação de professores para a América Latina, perpassando pela questão da
identidade profissional docente.
A reflexão aqui exposta nos conduz à compreensão de inúmeros desafios que se
apresentam para a educação em toda a América Latina; uma vez que acreditamos que um
dos maiores desafios reside em elaborar políticas adequadas à realidade de cada país, em
um formato de regime de colaboração entre os entes federados, que admita também a
participação social democrática da sociedade em geral, além de políticas de avaliação
| 240
docente que resgatem a profissão, a começar por sua própria identidade.
Nesta mesma perspectiva, coube pensarmos na formação de professores,
considerando que um dos grandes desafios está na questão de poder enxergar o professor
como um profissional, que precisa estar preparado para enfrentar as adversidades do seu
cotidiano, no seu trabalho, as quais, não são poucas, mas, que acima de tudo, requerem a
apropriação do seu lugar como professor. Desta forma, uma das vias de possibilidades
para o enfrentamento deste desafio, é observarmos que o cenário educacional latino-
americano nos convida a um olhar atento para a construção do federalismo a nível

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nacional em cada país, de forma com que se respeitem as particularidades locais, bem
como, a cultura que nos identifica enquanto seres humanos atuantes latino-americanos.
Em suma, consideramos pertinente elencar algumas propostas capazes de auxiliar
no enfrentamento das situações e desafios explicitados durante o texto, a saber: conquista
de maior espaço, visibilidade e protagonismo dos setores sociais, desde a formulação,
execução, monitoramento e avaliação de determinada política; criação de estratégias para
a participação efetiva da sociedade latino-americana nas decisões públicas, através do
enfrentamento das manobras de hegemonia e poder do Estado; além de ações em prol de
cada sujeito e de suas necessidades em sua totalidade, com vistas à valorização da
profissão docente e da identidade humana.

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ANÁLISE DE CONTEÚDO E ANÁLISE DE DISCURSO NA
PESQUISA EM EDUCAÇÃO: DISCURSOS SOBRE
VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL NO PLANO NACIONAL
DE EDUCAÇÃO
Douglas Moraes Machado (UFSM)52
douglasmoraes.sm@gmail.com
Luiza da Silva Braido (UFSM)53
luizasbraido@gmail.com
Liliana Soares Ferreira (UFSM)54
anaililferreira@yahoo.com.br

Resumo: Considerando a importância da adequação de metodologia para análise de


materiais na pesquisa em educação, neste texto objetiva-se apontar diferenças e conceitos
sobre a técnica da análise de conteúdo e da análise do discurso. Dá-se essa importância,
pois esses tipos de análise, por vezes, são confundidos. Para isso, apresenta-se um
referencial teórico sobre Análise de conteúdo (AC) e, após, sobre Análise do Discurso de
linha francesa (AD). Posteriormente, realiza-se uma análise dos discursos e conteúdos
sobre valorização do profissional do magistério dispostas no Plano Nacional de Educação
– PNE 2014/2024, tendo como metodologias a AC e a AD, demonstrando as diferenças
entre as duas possibilidades de análise. Analisando o conteúdo presente no texto,
observou-se que a valorização do profissional da educação pelo PNE se dá através da
formação inicial e continuada e planos de carreira do profissional. Pela AD, observa-se
que, o governo, ao propor metas para valorização do profissional docente, desvaloriza
seus planos de carreiras e salários atuais. Além disso, ao elencarmos diferenças entre a
AC e a AD notou-se que a AC trabalha com a palavra concreta expressa no texto, ou seja,
o conteúdo, enquanto a AD trabalha com os sentidos que permeiam os discursos presentes
no texto.
Palavras-chave: Análise de Conteúdo; Análise do Discurso; Valorização Profissional.

INTRODUÇÃO
| 244
Atuando como bolsistas IC e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Trabalho, Educação e Políticas Públicas – Kairós – UFSM, em estudos anteriores
realizamos estudos sobre a Análise de Conteúdo (AC) a fim de aplicá-la como
metodologia de análise das publicações do grupo. Porém, notamos que algumas análises
a AC não fora suficientes para analisar os materiais com profundidade. Diante disso,
iniciamos nossos estudos sobre a AD com o objetivo de melhorar a análise de entrevistas

52 Graduando em Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa (UFSM). Bolsista IC/CNPq.


Integrante do Grupo Kairós-UFSM.
53 Graduanda em Pedagogia (UFSM). Bolsista Probic/Fapergs. Integrante do Grupo Kairós-UFSM.
54 Professora Doutora - PPGE/UFSM. Bolsista Produtividade CNPq. Lider do Grupo Kairós-UFSM.

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que fazem parte das pesquisas do grupo. Este artigo tem por objetivo apontar diferenças
e conceitos sobre a técnica da análise de conteúdo e análise do discurso. Atribui-se essa
importância, pois esses tipos de análise, por vezes, são confundidos. Para isso,
apresentamos primeiramente dois referenciais teóricos. O primeiro sobre a técnica da
Análise de Conteúdo e o segundo sobre a Análise do Discurso. Após, demonstramos as
diferenças entre as duas possibilidades, analisando as metas para valorização dos
profissionais do magistério que constam no PNE-2014/2024. Acreditamos ser importante
que pesquisadores da área da Educação tenham clareza sobre o/no que essas duas formas
de análise diferem.
Muito se tem discutido sobre a valorização dos profissionais da educação, por ser
um pilar capaz de transformar a qualidade do ensino. Mas, quando se fala em valorizar,
está-se implicando o investimento na formação inicial e continuada do profissional,
definição de um plano de carreira, de um piso salarial e igualdade, nesses aspectos, as
demais profissões com formação equivalente. Uma carreira bem estruturada torna
possível ao professor uma melhor perspectiva e qualidade de vida e de trabalho. Espera-
se com este artigo, descortinar interesses políticos e a realidade da valorização da
profissão do professor no Brasil, aplicando como metodologia de análise a Análise de
Conteúdo e a Análise do Discurso.
SISTEMATIZAÇÃO SOBRE A ANÁLISE DE CONTEÚDO
A análise de conteúdo (AC) teve seu surgimento no início do século XX, nos
Estados Unidos, com intuito de analisar materiais jornalísticos. A AC, entre 1940 e 1950
teve maior reconhecimento quando cientistas iniciaram seus interesses por símbolos
políticos, fato este, que contribui para o desenvolvimento da teoria que expandiu-se para
| 245
outras áreas entre os anos de 1950 e 1960 (CAMPOS, 2004).
A técnica é um instrumento de pesquisa científica e pode ser aplicada em inúmeras
situações. Seus procedimentos variam de acordo com os objetivos apresentados pelas
pesquisas. Para melhor compreensão da teoria, buscou-se o conceito sobre a mesma por
diferentes teóricos. A AC pode ser conceituada de várias formas uma vez que consideram-
se a vertente teórica e intencionalidade que o pesquisador lhe emprega envolvendo
conceitos associados à semântica estatística do discurso político; técnica visando a
inferência através da identificação objetiva e sistemática de características que são

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específicas da mensagem; conjunto de procedimentos que visem à produção de
inferências válidas de um texto sobre emissores, a própria mensagem ou audiência da
mensagem (OLIVEIRA, 2008) e, ainda, como um conjunto de técnicas de análise das
comunicações (BARDIN, 1977).
Observa-se uma regularidade, para a AC, no que diz respeito ao caráter descritivo
analítico segundo procedimentos sistemáticos e objetivos de descrever o conteúdo
expresso nas mensagens. Para Bardin (1977, p. 42),
A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações,
visando obter por procedimentos objetivos e sistemáticos de descrição de
conteúdos das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
destas mensagens.

A teoria pode ser abordada quantitativamente e qualitativamente. Ao se abordar o


aspecto quantitativo cabe ao pesquisador trabalhar com frequências, ou seja, investigar
com que frequência determinada característica se repete no decorrer do texto; ao abordar
o aspecto qualitativo está-se considerando “a presença ou a ausência de uma dada
característica de conteúdo ou conjunto de características num determinado fragmento da
mensagem” (MADS, 1993, p.54)
A análise de conteúdo possibilita que diversos conteúdos sejam acessados
estando, eles, explícitos ou não, mas que estejam presentes em um texto. Acessando-os
há a possibilidade de se trabalhar com diversas temáticas como, por exemplo, análise de
representações sociais, análise da comunicação cotidiana (verbal ou escrita), contexto
político e suas implicaturas, etc. Berelson (1952) estabeleceu quatro exigências
fundamentais para se trabalhar com análise de conteúdo: ser objetivo, ser sistemático,
abordar apenas o conteúdo manifesto e quantificar. Sendo assim, a AC pode ser utilizada | 246
por muitas áreas do conhecimento, uma vez que, para a teoria, todo o texto é passível de
ser analisado.
Nosso intuito neste artigo é apontar caminhos aos pesquisadores de qual técnica
adotar, se a análise de conteúdo ou a análise de discurso, uma vez que essas duas teorias
podem ser utilizadas para análise de dados na pesquisa em educação. Porém, nem sempre,
os pesquisadores conseguem distingui-las e confundem-nas no momento de analisar o
texto. Ao trabalhar-se com um texto em que marca a diferença teórica entre conteúdo e
sentido, a análise de conteúdo costuma ser realizada a partir do método de dedução

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frequencial ou análise por categorias temáticas (PÊCHEUX, 1993, p.64). A dedução
frequencial, está focada em um mesmo signo linguístico (a palavra) visando enumerar
sua ocorrência e frequência com que se repete no texto, a fim de constatar sua existência
ou a existência de determinado material linguístico (PÊCHEUX, 1993, p.65), sem se
preocupar com que sentido determinado signo ou material linguístico está empregado no
texto, nem que mudanças de sentidos estão implicadas entre um texto e outro.
(PÊCHEUX, 1993, p.65).
Para Pêcheux (1993, p.65), a análise por categorias temáticas visa identificar uma
série de significações que o codificador detecta por meio de identificadores que lhe estão
ligados”, entendendo que codificar ou caracterizar um segmento:
[...] é “colocá-lo em uma das classes de equivalências definidas, a partir das
significações, [...] em função do julgamento do codificador [...] o que exige
qualidade psicológicas complementares com a fineza, a sensibilidade, a
flexibilidade por parte do codificador para apreender o que importa.

A análise de categoria é o tipo de análise mais antiga e mais utilizada nas


pesquisas, uma vez que “funciona por operações de desmembramento do texto em
unidades, em categorias segundo reagrupamento analógicos” (BARDIN, 1977, p.153). A
autora explica que este tipo de análise pode ser temático construindo-se categorias que
surgirão conforme as temáticas provindas do texto, classificando os elementos em
categorias identificando suas características similares permitindo que se agrupem.
Considerando a AC como um conjunto de técnicas de análise de comunicações
destaca-se, assim, a importância da semântica para o desenvolvimento do método. Desta
forma, a AC está relacionada a determinados campos que permitem a utilização do
método. Como vemos no quadro elaborado por Franco (1986).
| 247
Métodos Métodos Métodos semânticos
Domínio da lógicos, lógico e semânticos Hermenêutica
Linguística estéticos e semânticos estruturais
formais
Quadro 1: Campo de métodos de análise de conteúdo. Adaptado de Franco (1986).

Assim sendo, o método da análise de conteúdo tem como base duas fronteiras: de
um lado a fronteira da linguística tradicional e do outro o locus da interpretação, do
sentido das palavras – a hermenêutica. Segundo Campos (2004):
Se o caminho escolhido voltasse para o caminho da linguística tradicional, a
análise do conteúdo abarcará os métodos lógicos estéticos, onde se busca os
aspectos formais típicos do autor ou texto. Nesse território, o estudo dos efeitos

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de sentido, da retórica (estilo formal), da língua e da palavra, invariavelmente
evolui, na linguística moderna, para a “análise do discurso”.

De acordo com os estudos de Campos (2004), está evidente que os dois métodos
de análise (conteúdo e discurso) possuem diferenças quanto a sua aplicação na pesquisa.
Entendemos, então, que a AC trabalha com o conteúdo do texto, sem preocupar-se com
sentidos e efeitos de sentidos imbricados pelo texto, já a Análise de Discurso (AD) está
focada nos sentidos dos discursos que tecem o texto.

ANÁLISE DO DISCURSO (AD) LINHA FRANCESA


No século XIX, as noções de sujeito e de linguagem, categorias nas quais se
apoiavam as Ciências Humanas e Sociais, passam a sofrer transformações significativas
devido aos estudos da linguística e da psicanálise. Segundo Eni Orlandi, essas noções
induziram estudos sobre a análise do discurso possibilitando a reflexão sobre linguagem,
sujeito, história e ideologia. Porém, somente nos anos sessenta que a AD ganha força com
a linguística, o marxismo e a psicanálise, não se atendo somente a esses campos do
conhecimento, mas indo além dos mesmos.
Não podemos dizer, que existe apenas uma maneira de se analisar o discurso, ou
então, uma linha de Análise do Discurso, existem muitos outros estilos diferentes, que
possuem em focos variados concebidos por tradições teóricas diversas e que possuem o
mesmo nome. Porém esses diferentes estilos que possuem como objeto o discurso, têm
em comum o entendimento de “uma rejeição da noção realista de que a linguagem é
simplesmente um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo, e uma convicção da
importância central do discurso na construção da vida social” (GILL, 2002, p. 244).
Sempre houve maneiras de se conceber a linguagem. Dentre elas, podemos | 248

destacar a teoria que concebe a língua como um sistema de signos (SAUSSURE, 1970).
Já a AD concebe a linguagem como mediadora entre o ser humano e a realidade social.
Esta mediação, ocorre através do discurso, forma pela qual o ser humano dá significado
ao mundo e ao mesmo tempo significa-se. Se o discurso é assim concebido, ele é, também,
o que torna possível a permanência e a continuidade, quanto o deslocamento e a
transformação do ser humano e da realidade em que está inserido. (ORLANDI, 2003).
Orlandi (2007) entende que o discurso é um processo complexo em que sujeitos e
produção de sentidos se constituem, ambos afetados pela história e não se referem a

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meramente transmitir informações. O discurso é efeito de sentidos entre locutores, uma
vez que serve para comunicar e para não comunicar. A língua, por sua vez, é uma
possibilitadora do discurso, uma vez que diz e não diz, e não só o que é dito é possibilidade
de análise, na AD, o não dito também pode ser analisado.
A AD não é uma metodologia, é uma disciplina de interpretação que se fundou
através do cruzamento de epistemologias distintas que inseriam-se nas áreas da
linguística, do materialismo histórico e da psicanálise (ORLANDI, 2003, p,4). Segundo
a autora, essa contribuição ocorreu da seguinte maneira: a partir da linguística a noção de
fala se deslocou para a noção de discurso, a teoria da ideologia surgiu através do
materialismo histórico; e, por fim, da psicanálise surgiu a ideia de inconsciente trabalhada
pela AD como o de-centramento do sujeito.
A AD tem por objetivo questionar os sentidos que se estabelecem pelos diferentes
meios de produção, que podem ser verbais e não verbais, desde que em sua materialidade
hajam sentidos para interpretação. Sendo assim, a análise do discurso pode trabalhar com
texto de diversos tipos de linguagem (orais, textuais e corporais). Sim, corporais, como a
dança por exemplo, a que alguns estudiosos da AD dedicam seus estudos.
Ao conceber o discurso como seu objeto de estudo, a AD relaciona a linguagem à
sua exterioridade, ou seja, não entende a língua como um sistema abstrato, ela trabalha
com a língua e sua relação com o mundo, em que homens se comunicam com o mundo,
produzem sentidos enquanto sujeitos, enquanto pertencentes a uma sociedade. O
discurso, para AD, é tratado como palavra em movimento, como prática de linguagem.
Assim, a língua necessita fazer sentido enquanto trabalho simbólico e a partir do trabalho
social, constitutivo do ser humano e da sua história constrói significados, uma vez que a
| 249
linguagem concebe-se como a mediação necessária entre o ser humano e a realidade
social. A linguagem é entendida pela comunicação como uma simples transmissão de
mensagens, na AD a língua não é entendida como um código pois no discurso os
elementos não são dispostos linearmente no momento em que ocorre a comunicação. As
práticas discursivas nos permitem a identificação de sujeitos, de argumentação, de
subjetividade e de construção da realidade, uma vez que nessas relações de linguagem
sujeitos e sentidos estão relacionados possuindo inúmeros e diferentes efeitos de sentido.
(ORLANDI, 2003)

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Michael Pêcheux, foi um dos fundadores dos estudos sobre o discurso e
estabeleceu a relação existente no discurso entre língua/sujeito/história ou
língua/ideologia, dessa forma, ao assumir este princípio está filiado a AD de linha
francesa. Para este artigo, tomamos como suporte teórico a linha francesa da AD que visa
a articular o linguístico com o social e o histórico, uma vez que, “é no contato do histórico
com o linguístico que [se] constitui a materialidade específica do discurso” (PÊCHEUX,
2002, p.8).
A AD trabalha com o sentido e não com o texto em seu conteúdo. O sentido não
traduzido, mas produzido. O corpus da AD pode ser constituído na relação entre
ideologia, história e linguagem. Por ideologia entende-se o posicionamento de um sujeito
ao filiar-se a determinado discurso. Por história entende-se a representação do contexto
sócio histórico e por linguagem compreende-se a materialidade do texto a qual permite a
identificação de indícios de sentidos pretendidos pelo sujeito. A linguagem, então, se
estende para além do texto, manifestando sentidos pré-construídos considerados ecos na
memória do dizer (ORLANDI, 2003). Como memória do dizer entende-se o
interdiscurso, ou seja, a memória coletiva que se constitui socialmente, em que o sujeito
ao manifestar um discurso acredita que, este, é único, inédito no qual pode ser controlado
esquecendo-se que o discurso por ele manifestado está dentro de um outro discurso, uma
vez que “todo discurso já foi dito antes” e “todo dizer é ideologicamente marcado”
(PÊCHEUX, 1993, p. 38). É no interdiscurso que os discursos se produzem e significam.
O dizer não é propriedade particular. As palavras não são nossas. Elas
significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também
significa em “nossas” palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas
não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sujeitos se constituem
nele. Por isso é inútil, do ponto de vista discursivo, perguntar para o sujeito o
que ele quis dizer quando disse “X” (ilusão da entrevista in loco). O que ele
| 250
sabe não é suficiente para compreendermos que efeitos de sentidos estão ali
presentificados (ORLANDI, 2007, p.32).

Sendo assim, claramente se entende a relação que há entre o intradiscurso e o


interdiscurso. Tudo que está sendo dito (intradiscurso) possui relação com algo que já foi
dito (interdiscurso) podendo, na união de todos os intradiscursos, ocorrer uma
transformação no interdiscurso.
Para Pêcheux, na AD “todo dizer é ideologicamente marcado” (ORLANDI, 1997,
p.38), e por isso constata-se que o sujeito não é individual, ele é assujeitado ao coletivo,

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isso porque um determinado sujeito filiou-se a um determinado conhecimento de
construção coletiva, reproduzindo tal discurso representando tal sentido. Para a AD,
assujeitamento é:
O movimento de interpelação dos indivíduos por uma ideologia, condição
necessária para que o indivíduo torne-se sujeito do seu discurso, ao livremente,
submeter-se às condições de produção impostas pela ordem superior
estabelecida, embora tenha ilusão de autonomia. (FERREIRA, 2001, p.12).

O movimento interpretativo realizado pelo analista do discurso não deve ter o


objetivo de desvelar o oculto, mas de entender as forças que estão em jogo e compreender
como as formações discursivas estão conectadas, se produzem e produzem outros novos
significados, uma vez que, a interpretação do discurso é vista por Orlandi (2007, p. 9)
como “um ‘gesto’, ou seja, um ato no nível simbólico. [...] A interpretação é o nível do
possível. É o lugar próprio da ideologia e é ‘materializada’ pela história. [...] Ela sempre
se dá de algum lugar da história e da sociedade”. Esse gesto é um gesto simbólico que dá
sentido à interpretação. E não existe sentido sem interpretação (ORLANDI, 2009, p.9).
Para Pêcheux (1983, p. 53) “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de
tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente para derivar para um
outro”, ou seja esses enunciados ocorrem na interpretação de formações discursivas
entendidas como um conjunto de enunciado que estão inscritos histórico e socialmente
relacionando-se com uma identidade enunciativa associada a uma comunidade social em
que lhes são definidos objetos do discurso, conceitos, escolhas temáticas e até mesmo,
questões de gênero. Por esse motivo podemos estar falando de uma formação discursiva
(FD) comunista, capitalista, feminista, acadêmica, científica, et al. (ORLANDI, 2007).
Por fim, na AD, a interpretação deverá ser realizada de forma com que ocorra
| 251
entre o intra e o interdiscurso objetivando chegar nas representatividades carregadas pelos
sujeitos através das marcas linguísticas. Isso porque na AD não está-se trabalhando com
a forma ou com o conteúdo do texto, mas com os efeitos de sentido que podem ser
apreendidos no momento da interpretação. A AD trabalha, então, com efeitos de sentido
relacionados ao discurso, diferentemente da AC que está fixada ao conteúdo sem ir além
do que está materializado no mesmo.

ANÁLISE DE CONTEÚDO E ANÁLISE DO DISCURSO NA PRÁTICA:


INVESTIGAÇÕES SOBRE VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL NO PNE

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Até o momento, buscou-se conceituar e caracterizar o método da análise de
conteúdo e da análise do Discurso. Sendo assim, entende-se que a AC pode ser também
chamada de “análise de texto”, uma vez que volta-se para o estudo da palavra, enquanto
materialidade linguística concreta, elencando categorias para sua interpretação. A AD,
tendo um objeto de análise diferente ao da AC, centra-se no discurso e os efeitos de
sentido provocados por ele, que é carregado de ideologia e influências socioculturais.
Enquanto a AD, tem por estudo, o discurso e seus efeitos de sentidos manifestados
por um sujeito, ou seja, preocupa-se com o sujeito que produz o discurso, a AC aborda
apenas o conteúdo do texto sem relacioná-lo a sujeitos e interpretações que vão além de
determinado conteúdo. A AD, então, busca compreender o discurso manifestado pelo
sujeito, enquanto a AC, tenta compreender o que o sujeito pensa através do conteúdo do
texto. A linguagem na AC é transparente na AD é obscura pois o analista olhará para o
texto centrando-se no sujeito buscando entender as posições atribuídas por ele ao
manifestar um discurso. O analista na AC, codifica o texto para entender suas
significações que são manifestadas pelos indicadores que permeiam o texto.
Para exemplificar os dois métodos, analisaremos no PNE 2014/2024, como se
manifestam discursos e conteúdos sobre a valorização profissional. Assim sendo, ao
abordarmos a metodologia da análise de conteúdo, estaremos analisando
quantitativamente a constância de palavras que contemplem a categoria valorização
profissional. Cabe ressaltar que, desta categoria, outras subcategorias poderão surgirão.
No PNE-2014/2024 constam apenas quatro metas referentes à valorização
profissional que seguem expostas no quadro abaixo:
Meta 15 Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação | 252
dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as
professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida
em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.
Meta 16 Formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da
educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos (as) os (as)
profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação,
considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.
Meta 17 Valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de
forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com
escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE.
Meta 18 Assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de carreira para os (as)
profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para
o plano de Carreira dos (as) profissionais da educação básica pública, tomar como

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referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do
inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.
Quadro1: Metas 15, 16, 17 e 18 - Tratam da valorização dos profissionais do magistério
(Adaptado de PNE 2014/2024).

Ao nos determos a análise do material sobre valorização dos profissionais do


magistério, encontramos apenas quatro metas que tratam da valorização quanto ao
aspecto da formação desses profissionais e, também, quanto ao plano de carreira do
profissional. A análise de conteúdo, nesse caso, realizou-se pelo viés quantitativo
evidenciando a frequência de palavras que se adequaram as subcategorias que elencamos:

Categoria:
Valorização dos profissionais do Magistério

Quanto à formação dos profissionais do Quanto ao plano de carreira dos


magistério profissionais do magistério
(Subcategoria 1) (Subcategoria 2)
Formação específica de nível superior; Equiparar seu rendimento médio;
Formação de profissionais; Valor do piso salarial nacional;
Formação de profissionais; Acompanhamento da evolução salarial;
Formação inicial e continuada de profissionais; Planos de carreira;
Formação de profissionais; Assistência financeira;
Reforma curricular; Piso salarial nacional profissional;
Renovação pedagógica; O piso salarial nacional profissional;
Formação específica; Licenças remuneradas;
Oferta de cursos técnicos;
Formação continuada;
Bolsas de estudos;
Estudos de imersão;
Modelos de formação docente;
Pós-graduação;
Formação continuada;
Formação continuada;
Política nacional de formação de professores e
professoras da educação básica;
A valorização da cultura da investigação;
Gratuidade materiais didáticos e pedagógicos | 253
suplementares;
Bolsas de estudo;
Formação dos professores;
Aprofundamento de estudos;
Quadro 2: Categorias e Subcategorias elencadas para análise de conteúdo do material

A AC nos mostra que, para o governo a formação do docente é o mais importante


para a valorização, ou seja, o investimento está direcionado ao estudo anterior e posterior
do docente na universidade, oferecendo-lhe formação inicial e continuada, bolsas de
estudos, aprofundamento em áreas específicas, e modelos a serem seguidos, como

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comprova a meta 15 que tem como uma de suas estratégias: “Desenvolver modelos de
formação docente para a educação profissional que valorizem a experiência prática, por
meio da oferta, nas redes federal e estaduais de educação profissional, de cursos voltados
à complementação e certificação didático-pedagógica de profissionais experientes”.
Assim, está-se valorizando o professor antigo e delineando o novo professor, para seguir
na mesma educação direcionada, entendo a profissão como uma vocação e não como um
trabalho bem remunerado como outros de mesma formação. Nota-se, também, na meta
17, a seguinte estratégia: “implementar, no âmbito da União, dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios, planos de carreira para os(as) profissionais do magistério
Série 82 Legislação das redes públicas de educação básica, observados os critérios
estabelecidos na Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, com implantação gradual do
cumprimento da jornada de trabalho em um único estabelecimento escolar; a valorização
em plano de carreira, oportunizando apenas o básico para o mero professor da escola
básica. Cabe ressaltar, que essas constatações se deram a partir da análise de conteúdo,
das palavras explícitas frequentemente nas metas analisadas e que geraram as
subcategorias de análise.

Propomos para este artigo analisar o enfoque dado pelo PNE à valorização dos
profissionais do magistério tendo como metodologia análise a partir da AC como
realizado anteriormente e, também, pela AD, nosso foco a seguir. Sendo assim,
focalizamos a análise das formações discursivas que estão relacionadas aos discursos
sobre valorização dos profissionais do magistério entendendo que ao tratar-se de
valorização estamos relacionando formações discursivas/ideológicas que possam
entender a ação de “valorizar” de acordo com seus interesses, sejam eles sociais, políticos, | 254
econômicos, culturais.
Concordamos com Pêcheux (1995, p. 160) que entende a Formação Discursiva
como “aquilo que, numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes,
determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um
sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.)”, pois ao enunciar o
sujeito estará falando de uma determinada FD, marcando uma posição de sujeito e
constituindo uma identidade enunciativa no momento em que se posiciona. Nossa análise,
então, partirá de entender os discursos sobre valorização dos profissionais do magistério

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a partir de duas FD’s: a primeira FD diz respeito a quem e o que está sendo dito sobre, ou
seja, o que os órgãos governamentais enunciam sobre valorização dos profissionais do
magistério e a segunda FD refere-se aos profissionais do magistério que esperam e
recebem esses discursos e que de alguma maneira estão assujeitados aos discursos do
governo devido à luta de classes.
Os discursos apresentados no PNE 2014/2024 sobre valorização dos profissionais
são sobre a formação e plano de carreira dos profissionais. Os enunciados sobre
valorização são apresentados no PNE 2014/2024 por meio de quatro metas. Na primeira
meta (meta 15), há enunciados referentes à formação desses profissionais: “que todos os
professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível
superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam”.
Outros enunciados também evidenciam que melhorar a formação dos profissionais é
também valorizar seu trabalho: “formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por
cento) dos professores da educação básica”; “garantir a todos (as) os (as) profissionais
da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as
necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino”; “realizar, em
regime de colaboração, o planejamento estratégico para dimensionamento da demanda
por formação continuada” . Pelos discursos apresentados nota-se que ao valorizar o
profissional do magistério, está-se, também, sanando interesses políticos do governo, ou
seja, oferecendo formação ao profissional, estar-se-á, também, melhorando a qualidade
do ensino no Brasil e garantindo que os profissionais aprimorem sua formação, uma vez
que, ao oferecer aumento salarial, nem sempre isso garantirá que o professor invista na
sua formação. Percebe-se, também, que para o governo valorizar o profissional é,
| 255
também, promover a formação continuada e garantir cursos de pós-graduação. No
entanto, para os profissionais, parece que valorizar está muito além de propiciar a
formação dos mesmos. Na maioria dos casos, valorizar é oferecer um salário digno para
tal profissão, algo considerado desvalorizado no país na atualidade.
Apenas um desses quatro artigos apresenta metas para valorização dos
profissionais equivalente ao plano de carreira. A meta diz respeito à atualização do piso
salarial nacional para profissionais da educação. Do ponto de vista governamental,
valorizar o profissional da educação é garantir o piso salarial nacional, que é de direito

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do trabalhador. Para professor, valorizar o seu trabalho, a sua profissão está muito além
de oferecer formação continuada e garantir o piso nacional, pois isso, é direito do
profissional e dever do governo federal. Valorizar, nesse caso, para o educador, está em
oferecer uma remuneração maior que o piso salarial, em reduzir carga horária de trabalho,
em melhorar qualidade dos ambientes onde se trabalha. Para muitos desses profissionais,
lhes oferecer o que é de direito, não significa estar valorizando seus trabalhos, mas apenas
cumprindo obrigações.
A valorização do trabalho do professor é também preocupar-se com sua carreira e
propiciar oportunidades para que o mesmo projete seu futuro tendo perspectiva de
trabalho e de vida. Além disso, faz-se necessário, que o trabalho pedagógico realizado
pelos professores, seja de alguma forma, valorizado, reconhecido, uma vez que muitas
práticas educativas executadas na educação básica, que o governo as considera como
boas, passam pelo trabalho do professor, quando as executam. Valorizar essa prática, é
também, construir a autovalorização do profissional dando aula.
A meta 17, última meta referente à valorização do profissional do magistério, diz
respeito a valorização dos (as) profissionais das redes públicas da Educação Básica, a fim
de equiparar o rendimento dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente,
até o final do 6º ano da vigência do PNE 2014/2024. Tal meta, reflete o quão
desvalorizada é a profissão do professor. Este, que possui a mesma formação que muitos
outros profissionais, muitas vezes, têm seu processo de formação mais demorado e possui
uma remuneração abaixo do considerado ideal. Isso porque a educação brasileira ainda
está em processo para se tornar uma prioridade para o governo. Quanto menos atraentes
forem salários e carreira desta profissão, menor será a procura de pessoal para formar-se
| 256
na profissão. Para que ocorra a valorização do profissional do magistério faz-se necessária
uma visão do professor como profissional da educação e não como aquele sujeito que
exerce seu trabalho por vocação, algo, silenciado nos discursos desses profissionais e que
estão assujeitados às políticas do governo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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No estudo realizado, considerando a fundamentação teórica utilizada, constata-se
que a principal diferença entre a Análise de Conteúdo e a Análise do Discurso é que a
primeira trabalha com o conteúdo do texto, a palavra enquanto signo linguístico concreto,
sem haver uma preocupação com sentidos presentes no conteúdo analisado. A segunda,
por trabalhar com o discurso, preocupa-se com os sentidos que estão imbricados pelo
discurso, uma vez que o sujeito ao enunciar está partindo de uma posição discursiva, que
se legitima a partir do social, da história, da ideologia, produzindo, assim, sentidos aos
discursos.
Ao analisarmos as metas elaboradas pelo PNE 2014/2024 demonstramos que a
AC e a AD possuem características diferentes quanto as formas de análise. Pela análise
de conteúdo, utilizamos o método quantitativo de análise, no qual elencamos palavras
com maior frequência referentes à categoria valorização dos profissionais do magistério.
A partir disso, foi possível a percepção de que, pelo PNE, o governo almeja a valorização
dos profissionais levando em consideração a formação inicial e continuada dos
professores, bem como melhoria do plano de carreira. A AD, por sua vez, permitiu-nos
uma análise além do conteúdo expresso, identificando formações discursivas envolvidas
nos sentidos produzidos pelo texto. Assim sendo, observou-se que, o governo, ao propor
metas para valorização do profissional docente, desvaloriza seus planos de carreiras e
salários atuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BERELSON, B. Content Analysis in communication research. Glencoe: Editora The
| 257
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qualitativos no campo da saúde. Rev Bras Enferm, Brasília (DF), 2004 set/out; 57(5):611-
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FRANCO, M. O que é análise de conteúdo. São Paulo (SP): PUC, 1986.
FERREIRA, L. Apresentação. In: Glossário de termos do discurso. Ferreira MCL,
coordenadora. Porto Alegre (RS): UFRGS; 2001. p.57.

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texto, imagem e som: um manual prático. 3ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2002. p.244-70.
MADS, L. Análise de Conteúdo: estudo e aplicação. Ver, Logos, 1993
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sistematização. Ver, Enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 out/dez; 16(4):569-76.
ORLANDI, E. A análise do discurso em suas diferentes tradições intelectuais: o
Brasil. In: Anais do 1º Seminário de Estudos em Análise do Discurso; 2003. Nov. 10-13;
Porto Alegre, Brasil [CD ROM]. Porto Alegre (RS): UFRGS, 2003. P.53-80
____________. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas (SP):
Pontes, 2007.
____________. As formas do Silêncio. No movimento dos sentidos. 4 ed. Campinas. Ed.
Da Unicamp, 1997.
_____________. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 5ª ed. Campinas
(SP): Pontes, 2009.
PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In. Gader F, Hak T, organizadores. Por
uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 2ª ed.
Campinas (SP): Ed. Unicamp, 1993. p. 61-105.
_____________. O discurso: estrutura ou acontecimento. 3ª ed. Campinas (SP): Pontes,
2002.
_____________. Semântica e Discurso. Uma crítica a afirmação do óbvio. Trad. Eni
Paiva Orlandi (et al.). 2ª ed. Campinas: Ed. Da Unicamp, 1995.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. São Paulo: Ed. Cultrix, 1970.

| 258

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SABER POLIDOCENTE NA EAD: A ATUAÇÃO DA EQUIPE
DE FORMAÇÃO DO PROGRAMA ESCOLA DE GESTORES
DA UFOP
Breynner Ricardo de Oliveira (UFOP)
breynner@cead.ufop.br
Adriana Otoni Silva Antunes Duarte (UFMG)
adrianasantunesduarte@gmail.com
Lídia Gonçalves Martins (UFOP)
lidia.martins30@gmail.com

Resumo: O artigo analisa os resultados preliminares da pesquisa “Saber polidocente na


formação de professores no Programa Escola de Gestores da Universidade Federal de
Ouro Preto (PNEG/UFOP)”. Pretende-se compreender como o desenho do PNEG (no
período de 2013 a 2016) incorpora os saberes docentes de sua equipe de formação e abre
espaço para o aparecimento de uma cultura de formação polidocente. Para tanto, foram
realizadas 21 entrevistas formais com a equipe de formação (supervisores, professores e
assistentes de turma) que atuam ou atuaram no PNEG entre os anos de 2013 e 2016. Como
a pesquisa ainda está em andamento, a análise concentra-se nas entrevistas realizadas com
os professores de turma. Os resultados apontam que na docência virtual o professor atua
por meio de uma interação colaborativa, permitindo que todos os envolvidos no processo
se inter-relacionem e compartilhem um saber polidocente.

Palavras-chave: formação continuada de professores; educação a distância; saber


polidocente.

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa sobre saber


polidocente na formação de professores no Programa Escola de Gestores da Universidade
Federal de Ouro Preto (PNEG/UFOP). Pretende-se, nessa pesquisa, compreender como o
| 259
desenho do PNEG (no período de 2013 a 2016) incorpora os saberes docentes de sua
equipe de formação e abre espaço para o aparecimento de uma cultura de formação
polidocente.
Para Mill (2010, p. 17), “a polidocência é compreendida como uma equipe de
educadores e assessores que – juntos, porém não na mesma proporção – mobilizam
saberes de um professor”. Ainda de acordo com o autor, esse grupo de profissionais atua
na organização dos conhecimentos, na elaboração dos materiais didáticos, no manuseio
dos artefatos e tecnologias processuais a fim de promover a aprendizagem dos estudantes.
Ao propor este conceito, Mill procura avançar em relação a proposições anteriores, como

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a de Belloni (1999; 2012), para quem, baseada nos estudos de Keegan (1983), quem
ensina é a instituição ou o professor-coletivo. Se, para estes autores, quem ensina na EaD
é a instituição ou o professor-coletivo, para Mill quem ensina é um polidocente. Ao
utilizar este conceito, Mill procura conferir uma identidade a esta equipe de formação
polidocente, focalizando o grupo de trabalhadores que respondem pelo processo de
ensino-aprendizagem na EaD e não a qualquer coletivo de trabalhadores, como sugere o
termo de Belloni.
A partir do conceito de polidocência e do problema de pesquisa aqui enunciado,
parte-se da premissa que, dado o desenho institucional, as interações que ocorrem na
equipe de formação potencializam a conformação de uma cultura polidocente que tem
identidade própria.
Para a realização da pesquisa, entrevistas formais foram realizadas com a equipe
de formação que atua ou atuou no curso de especialização em Gestão Escolar do PNEG
entre os anos de 2013 e 2016. Roteiro de entrevista foi elaborado, contemplando as
seguintes dimensões: (i) experiência docente e trajetória profissional; (ii) percepções
sobre formação continuada de professores na modalidade a distância; (iii) rotinas e
estratégias de formação e interação; (iv) percepções sobre o desenho institucional
implementado pela UFOP. Dos 34 professores que fazem parte desta equipe, 21 aceitaram
participar das entrevistas, sendo três supervisores pedagógicos, dez Professores de Turma
(PTs) e oito Assistentes de turma (ATs). Optou-se por demonstrar, neste artigo, os dados
relacionados às entrevistas realizadas com os professores de turma, considerando que o
objetivo do artigo é demonstrar resultados parciais de uma pesquisa que está em
andamento e que estes profissionais estão em maior número na amostra escolhida.
| 260
Concluída a análise das entrevistas dos professores de turma, quatro categorias
analíticas podem ser demarcadas: (i) trabalho e saberes docentes; (ii) dimensão
pedagógica e estratégias de interação; educação presencial versus educação a distância;
(iii) concepções sobre o desenho de formação e conformação institucional.

A EAD NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE


PROFESSORES

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A educação a distância (EaD) tem desempenhado, ao longo das últimas décadas,
importante papel no processo de formação e qualificação profissional em todo o mundo
e também no Brasil. Isso pode ser observado na atenção que essa modalidade de ensino
tem recebido do governo brasileiro, principalmente no que tange à formulação de políticas
públicas com o intuito de promover expansão e democratização do acesso ao ensino
superior, em especial no processo de formação de professores de educação básica em
localidades mais remotas, distantes dos grandes centros urbanos (BELLONI, 2001; 2012;
ALMEIDA, 2003; KENSKI, 2007; MOORE e KEARSLY, 2007).
Através dos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), as instituições de ensino
alcançam estudantes dispersos geograficamente por meio de conexões que “rasgam” o
espaço a todo e qualquer tempo, redimensionando as formas de ensinar e aprender. Tal
modalidade permite a ausência física do aluno em um ambiente formal de ensino-
aprendizagem, ressignificando a dimensão temporal e espacial entre o docente e o
discente através das mais diversas tecnologias, principalmente as telemáticas, como
a internet.
De acordo com Belloni (2012), algumas características podem ser observadas e
destacadas nas diversas iniciativas em EaD em curso no Brasil desde os anos 1940: (i)
todos os projetos são fruto de profundas transformações nos campos econômico, político,
social e tecnológico; (ii) as experiências realizadas, em maior ou menor grau, têm
contribuído para a transformação dos métodos de ensino e da organização do trabalho nos
sistemas “convencionais” de ensino; (iii) o processo de ensino-aprendizagem é centrado
no aluno, que emerge como um sujeito autônomo, responsável pelo seu processo de
formação através da interação com o professor, (iv) o professor passa a gerenciar o
| 261
processo de ensino-aprendizagem a partir de recursos específicos, além de assumir
diferentes papéis institucionalizados que eram desempenhados informalmente na
educação presencial e (v) a emergência desta modalidade de educação está relacionada
diretamente com a crescente necessidade de expansão do ensino/qualificação profissional
em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.
Estatísticas revelam que a “janela de oportunidades” criada pela Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) proporcionou um aumento significativo
no número de alunos, cursos e instituições na modalidade a distância desde o final dos

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anos 1990, sobretudo no setor privado (MILL, 2010). No caso deste setor, a obtenção de
retornos marginais dos investimentos em educação a distância pode ser bem maior do que
os advindos da educação presencial.
Para o caso das instituições públicas de ensino superior, entretanto, pode-se
afirmar que os retornos esperados dessa modalidade não se concentram nos “ganhos”
tangíveis e quantificáveis econômica e financeiramente, isto é, aqueles traduzidos em
compensações monetárias. Exatamente por serem instituições públicas, estão mais
comprometidas com o chamado “retorno social”, um dos principais elementos que
justificam a oferta de bens e serviços por parte do Estado. Nesse sentido, o acesso à
formação superior alcança localidades que, provavelmente, não seriam contempladas
com cursos presenciais em função do baixo retorno, vis-à-vis, elevado custo de
implantação. Daí a importância estratégica da criação de uma rede de universidades
públicas que ofertem cursos a distância nas diversas regiões do país.
É nesse contexto que ações voltadas para a formação continuada de professores
com vistas ao fortalecimento dos sistemas de ensino e das escolas públicas brasileiras
ganham contornos de política pública federal. A Secretaria de Educação Básica do
Ministério da Educação (SEB/MEC), tem investido, nos últimos anos, consideráveis
recursos voltados para a formação dos professores da educação básica através da EaD.
Ao investir nessa modalidade de ensino, potencializa-se a utilização de novas tecnologias
de interação e comunicação (TICs), além de permitir que novas redes de trocas e
disseminação de saberes sejam construídas. Emergem, nesse cenário, projetos e ações
como o Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica Pública (PNEG).
Instituído em 2004, o PNEG tem por objetivo formar gestores escolares para
| 262
atuarem na educação básica, por meio de um processo de articulação que envolve o MEC,
sistemas públicos de ensino, Universidades e entidades educacionais (BRASIL, 2009;
AGUIAR, 2010). O público-alvo do PNEG são os profissionais que integram a equipe
gestora de escolas públicas, sendo priorizadas aquelas com Índice de Desenvolvimento
da Educação (IDEB) abaixo da média nacional e municípios com baixo IDEB. Para tanto,
oferece dois cursos de especialização na modalidade a distância, um voltado para a
formação de gestores escolares e outro para a formação de coordenadores pedagógicos,
com cargas horárias de 400 e 405 horas, respectivamente.

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A EQUIPE POLIDOCENTE DO PROGRAMA ESCOLA DE GESTORES NA
UFOP

Segundo Belloni (2012, p. 85), uma das questões centrais na EaD diz respeito ao
papel do professor nessa modalidade, uma vez que este profissional é chamado a
desempenhar múltiplas funções para as quais não foi preparado. À questão “quem ensina
a distância?”, Belloni nos lembra que, para Keegan (1983), na EaD é a instituição quem
ensina.
Nesta modalidade de ensino, cuja natureza é complexa, em que a preparação de
uma “aula”/conteúdo/material se faz por várias pessoas e de modo fragmentado e
segmentado, além de dividido no tempo e no espaço, várias pessoas desempenham tarefas
direta ou indiretamente ligadas ao ensino, respaldadas pela dimensão institucional, que
deverá ser a responsável por sistematizar, articular e gerenciar tais ações a fim de
assegurar que o trabalho seja realizado de forma coletiva e cooperativa. Trata-se, portanto,
do que a autora chama de “transformação do professor de uma entidade individual em
uma entidade coletiva”.
Mas quem é esta entidade coletiva? Como ultrapassar a dimensão institucional
definida por Belloni, dando visibilidade aos sujeitos que desempenham tais papéis? Mill
(2010) avança nesta direção ao procurar responder a questão “quem é o docente da EaD?”.
Para este autor, esse trabalho, ao contrário do que se dá em uma sala de aula presencial,
não é realizado por uma única pessoa, que se encarrega de todo o processo de formação;
pelo contrário, um número diversificado de profissionais desempenha funções distintas,
tornando o processo altamente fragmentado e especializado, constrangido pelo desenho | 263

institucional, que definirá as bases sob as quais o processo se estruturará 55. Assim, na
EaD, não há docência mas polidocência.
É nos termos da polidocência que se compreende a constituição da equipe de
profissionais que atuam no PNEG/UFOP:

55
Dentre estas funções podem-se destacar as mais recorrentes: planejamento pedagógico do curso;
elaboração de documentos; seleção e organização de materiais para disciplinas; distribuição e montagem
dos materiais no ambiente virtual de aprendizagem (AVA); gestão da equipe de formação; gestão das
turmas/polos, além do suporte acadêmico, administrativo e tecnológico.

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 Coordenador de sala ambiente: professor especialista responsável pela seleção dos
conteúdos e atividades da disciplina; palestrante nos encontros presenciais na universidade. No
curso em questão, este professor não elabora os materiais, mas seleciona, a partir do material
básico disponibilizado pelo MEC, os conteúdos e materiais que serão disponibilizados no
curso, tendo autonomia para acrescentar ou alterar os conteúdos. Uma vez selecionado o
material e preparada a disciplina, o coordenador de sala ambiente não participa, ou participa
raramente, da formação.

 Professor de turma (professor formador): realiza a gestão acadêmica e a mediação dos


conteúdos junto à sua turma/polo (aproximadamente 40 alunos), juntamente com o assistente
de turma; realiza a orientação dos alunos ao longo de todas as disciplinas, dando feedback das
atividades, além de orientá-los no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC); é responsável pelas
formações presenciais nos polos.

 Assistente de turma (tutor presencial): auxilia o professor de turma na gestão acadêmica e


na mediação dos conteúdos junto à sua turma/polo (aproximadamente 40 alunos); realiza a
orientação dos alunos ao longo de todas as disciplinas, dando feedback das atividades e presta
atendimento presencial no polo; é responsável, juntamente com o professor de turma, pelas
formações presenciais nos polos.

 Supervisor: o supervisor geral é responsável pela gestão dos processos administrativos,


acadêmicos e institucionais, articulando-se diretamente com todos os profissionais que atuam
no curso. O supervisor pedagógico realiza a gestão do trabalho pedagógico, nas diversas ações
formativas do curso; responsável pela elaboração de orientações diversas para professores e
assistentes de turma e alunos.

 Equipe multidisciplinar: equipe de profissionais que oferece suporte aos coordenadores de


sala ambiente, professores e assistentes de turma e supervisores. É composta por profissionais
que trabalham com audiovisual, vídeo e webconferência (que auxiliam os professores na
gravação e edição de vídeoaulas e na realização de conferências), suporte Moodle (que
organiza o material didático no AVA Moodle do curso), web designer e designer instrucional
(que auxiliam na definição do desenho do curso).

 Equipe coordenadora (coordenador e vice-coordenador): responsáveis pela gestão do


curso, pela definição e organização da equipe técnico-pedagógica, pela coordenação dos
processos de avaliação do curso e pela articulação da relação IES/MEC.

 Equipe de apoio técnico (na UFOP e no polo): integram esta equipe os profissionais de apoio
técnico-administrativo, como as secretarias acadêmica e administrativa da UFOP, além da
secretaria do polo de apoio presencial.
| 264
Como se pode observar, em uma equipe polidocente a responsabilidade pelas
atividades é compartilhada e distribuída entre seus membros, que carregam consigo
saberes, experiências, valores e percepções distintas em relação ao trabalho docente. Esse
fazer coletivo que caracteriza a docência virtual apresenta, obviamente, suas tensões e
contradições. É preciso, então, compreender as condições em que o trabalho polidocente
é realizado na prática, ou seja, como os diversos saberes docentes se processam e
ressignificam na EaD e se constituem no que poderíamos chamar de saber polidocente.

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SABER POLIDOCENTE E A ATUAÇÃO DA EQUIPE DE FORMAÇÃO

Trabalho e saberes docentes

Segundo Tardiff (2014), um professor é, antes de tudo, um indivíduo que sabe


alguma coisa e cuja função consiste em transmitir esse saber a outros. Entretanto, esses
saberes não se resumem a uma produção institucional e acadêmica, historicamente
coordenadas pelas universidades e modelados através dos sistemas de ensino. Para este
autor, o saber docente, notadamente plural, é constituído pelo “amálgama de saberes
oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”
(p. 38). O excerto de uma das entrevistas realizadas com a equipe de professores de turma
corrobora esta afirmação sobre a dimensão dos saberes docentes:

A gente é uma pessoa só, então todo aquele conhecimento anterior que você já
tem como professor com certeza acrescenta. Os retornos que eu dou aos meus
alunos têm muito do conhecimento já adquirido, do presencial ou do outro
curso [a distância] que eu já fiz. Se eu fosse uma pessoa que não tem
experiência nenhuma como docente ou nenhuma bagagem de conhecimento
anterior, tenho certeza que teria muito mais dificuldade nessa mediação com o
aluno (ENTREVISTADO A).

Independentemente de agir dentro e/ou fora da sala de aula, a ação do professor,


de acordo com Tardif, “não é exercida sobre um objeto, sobre um fenômeno a ser
conhecido ou uma obra a ser produzida” (2014, p. 49). Pelo contrário, ela realiza-se em
uma rede de interações com outras pessoas, em um cenário largamente dependente do
fator humano, “repleto de valores, sentimentos e atitudes que são passíveis de
interpretação e decisão” (p. 50). | 265

No caso dos professores de turma que fazem parte do PNEG/UFOP, é possível


pensar que, nessa transmissão, os saberes são mobilizados a partir das questões e
demandas que o exercício cotidiano de suas funções no curso revela. Esses saberes
práticos dos professores de turma foram percebidos quando relataram sobre como fazem
para orientar os alunos através do AVA, sobre como articulam os saberes que possuem
como professores presenciais para conseguir melhor se aproximar e interagir com os
alunos:

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Eu tento imaginar aquele aluno na minha frente, o que eu falaria, como eu
orientaria esse aluno que está virtual [a partir da] experiência na relação com
o aluno presencial e tentar levar isso para o aluno virtual, pensando na
dificuldade, tentando me colocar no lugar do aluno que não está me vendo, não
tem essa relação e que de repente a forma como você orienta, as palavras que
você usa, o cuidado pode ajudar aquele aluno a interagir melhor, a entender
melhor, a fazer melhor as atividades que tem que ser feitas (ENTREVISTADO
B).

Conforme apresentado na seção anterior, cabe aos professores de turma o papel


da gestão acadêmica de seus respectivos polos. Em outras palavras, eles medeiam os
conteúdos das disciplinas, atuam no ambiente virtual dando suporte aos alunos, orientam
a realização das atividades previstas, auxiliam nas dúvidas em relação aos conteúdos
disponibilizados e, finalmente, orientam alguns trabalhos de conclusão de curso.
Tardif e Lessard (2007) afirmam que esta é uma característica inerente ao saber
docente por causa do trabalho cotidiano dos professores, que acabam definindo rotinas e
atalhos interpretativos. Uma das entrevistas realizadas reforça esta dimensão:

Eu acho que até essa questão da interação com o aluno, da forma de reconhecer
as dificuldades que os alunos têm (...) porque normalmente, na faculdade, por
exemplo, a gente trabalha a noite, os alunos trabalham o dia inteiro, [é preciso]
ter esse reconhecimento que as pessoas são completamente diferentes , alguns
vão dar mais conta que os outros, uns vão demandar mais orientação do que
outros (ENTREVISTADO C).

Seguindo nessa direção, para que essa adaptação aconteça, é necessário que os
professores de turma mobilizem constantemente o “estoque” de saberes que carregam ao
longo de sua trajetória docente. Pimenta (2005) considera que os professores reelaboram
os seus saberes em confronto com suas experiências práticas vivenciadas no cotidiano de
seu trabalho, sendo que “é nesse confronto e num processo coletivo de troca de
experiências e práticas que os professores vão constituindo seus saberes como praticum, | 266
ou seja, aquele que constantemente reflete na e sobre a prática” (p. 29). Essa reflexão na
e sobre a prática foi percebida quando os entrevistados reconheceram que também foram
formados pelo PNEG, o que contribuiu para que pudessem ressignificar suas percepções
sobre a gestão escolar e sobre o trabalho dos diretores.

Por mais que a gente seja da área da educação, eu acho que um curso voltado
para gestão, eu sempre fiz parte da equipe de gestão da escola, mas meio que
por acaso. A gente tem reunião de equipe, a gente decide muitas coisas da
escola, mas muito sem embasamento, então eu achei que ter lido todos os
textos foi fundamental. Algumas coisas eu achava interessante. Ter
acompanhado [a turma] foi fundamental (ENTREVISTADO C).

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Eu aprendi muito com eles porque eu acompanho mais ou menos o trabalho da
diretora da escola onde eu trabalho. Entender a dificuldade deles com o tempo,
com o cumprimento de prazo, perceber um pouco o que está acontecendo
nessas escolas, a partir do que pensam essas diretoras e o que que elas andam
fazendo dá para ter um panorama mais ou menos de como é essa questão nas
escolas, de como que esse grupo gerencia essas escolas (ENTREVISTADO
C).

Dimensão pedagógica e estratégias de interação

Como os professores de turma desempenham papel estratégico na polidocência,


seus saberes experienciais são fundamentais para que o processo aconteça. Construídos e
sistematizados através das certezas subjetivas acumuladas individualmente ao longo da
carreira de cada docente, também são partilhados nas relações com outros professores. A
interação com outros professores e o confronto entre os saberes produzidos pela
experiência individual vis-à-vis a experiência coletiva e as certezas subjetivas se
transformam num discurso da experiência capaz de informar e de formar outros docentes,
fornecendo uma resposta a seus problemas. Esta é outra dimensão do saber polidocente
no PNEG, conforme destacado no trecho de uma entrevistada.

Eu percebo que esses momentos são muito produtivos, é o momento em que a


gente troca, é o momento que aparecem as vivências em outros espaços, do
outro que vem somar para fazer algumas modificações. Aquilo que eu falei da
autonomia, a gente se sente à vontade para chegar, para criticar se for preciso,
para sugerir, e a gente percebe que de fato essas intervenções são realizadas
coletivamente (ENTREVISTADO D).

Uma das estratégias de acompanhamento e gestão da polidocência no


PNEG/UFOP consiste na criação de uma sala de interação pedagógica dentro do AVA,
com o objetivo de que todos os profissionais que atuam no curso possam trocar
| 267
informações sobre os polos que acompanham. Em relação a este espaço, é possível
afirmar que os professores se utilizam deste espaço para partilhar seus saberes uns com
os outros através dos “macetes”, dos modos de fazer e dos modos de organizar a rotina,
além de trocarem informações sobre os alunos, dividindo, uns com os outros, um saber
prático sobre sua atuação.

Eu gosto da equipe, parece até que eu estou falando que eu estou gravando para
o curso, mas não, é porque eu gosto mesmo da equipe, e aí eu percebo que
todos os momentos são de aprendizagem, de troca. Eu acho que é mais efetivo
na sala de interações pedagógica porque é um espaço que a gente pode acessar
o tempo inteiro (ENTREVISTADO D).

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Esta é uma dimensão importante do saber polidocente na EaD: os professores não
rejeitam os outros saberes docentes, mas os incorporam à sua prática, retraduzindo-os e
reelaborando-os em categorias do seu próprio discurso, consolidando a cultura de
formação que se tornará própria de cada instituição. Segundo Tardif (2014, p. 71), os
saberes docentes são “produzidos pela socialização, isto é, através do processo de imersão
dos indivíduos nos diversos mundos socializados, nos quais eles constroem, em interação
com os outros, sua identidade pessoal e social”.
Assim, as entrevistas realizadas com os professores de turma corroboram as
formulações de Mill (2010): na EaD, o professor não atua sozinho, uma vez que se
encontra permanentemente em interação com outras pessoas, por meio de diversos canais.
Essa é a principal premissa da polidocência. No caso do PNEG/UFOP, essas interações
ocorrem num determinado universo institucional que, à medida que o processo de
formação avança, será progressivamente descoberto, processado e interpretado pela
equipe, que tentará adaptar-se e integrar-se a ele.

Educação presencial versus educação a distância

Grande parte dos professores de turma entrevistados construíram suas trajetórias


profissionais na modalidade presencial. Como era de se esperar, a análise das entrevistas
sugere que, mesmo atuando na modalidade a distância, a educação presencial ainda é, de
longe, a principal referência para a realização do trabalho cotidiano dos professores. Por
isso, a docência virtual exige que esses professores incorporem novos saberes àqueles
propriamente pedagógicos: “o domínio das TIC, capacidade de lidar com informações
| 268
abundantes, gestão de tempo e capacidade de trabalhar em equipe” (BRIGGS, 2005 apud
MILL, 2010, p. 46). Os fragmentos abaixo evidenciam como os professores têm se
adaptado a esses desafios:

Às vezes eu percebo até melhor [a EaD] porque as pessoas são mais objetivas
na hora de discutir. A todo o momento a gente está conectado, então surgiu
uma dúvida, surgiu alguma sugestão que pode ser comum e que pode ser boa
para todo mundo, está lá na sala de interação pedagógica. Então o tempo inteiro
a gente está interagindo, trocando ideia (ENTREVISTADO D).

Eu tenho a minha dificuldade pela minha idade. Não sou da era da tecnologia.
Apanho um pouco, mas de vez em quando a gente tem contato com as outras
professoras, a gente pede socorro (ENTREVISTADO C).

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Quando comecei, não [dominava] todo o conteúdo, a gente tem que estudar
muito. Tinha que estudar muito para poder entender, para poder [pegar], para
ter condição de esclarecer dúvidas de aluno (ENTREVISTADO A).

Eu acredito muito na educação a distância, acho que é uma forma do governo


atender um maior número de professores para melhorar a educação básica.
Esse é o objetivo. Para a formação de professores eu acho que é muito válido
(ENTREVISTADO A).

Nessa perspectiva, apesar da experiência anterior da educação presencial ser


importante para fazer o trabalho docente na EaD, será necessário que esta seja
ressiginificada em direção a uma nova prática pedagógica de um trabalho em equipe.
Durante as entrevistas, os professores de turma relataram como utilizaram os saberes das
experiências que já possuíam não somente enquanto docentes presenciais, mas aquelas
adquiridas na própria EaD, por terem atuado em mais de uma turma do curso de Gestão
Escolar da UFOP. Se no início possuíam pouco domínio da modalidade, com o passar do
tempo adquiriram certa autonomia para a realização das suas atividades no curso,
conforme demonstra o excerto a seguir:
Eu pelo menos ficava muito insegura. Será que é isso mesmo, será que estou
fazendo o negócio certo? A correção? Ninguém vai lá supervisionar o meu
trabalho para saber como eu estou fazendo, então eu achei que era uma
responsabilidade muito grande (ENTREVISTADO C).

Embora favorável ao seu trabalho, a autonomia de que dispõem os professores se


reveste, com frequência, em aumento de sua carga de trabalho, como se verifica nesta
outra fala: “eu acho que a dedicação do professor ela é muito (...) preciso me planejar, me
organizar, eu preciso ler muito, eu preciso estudar (...) é engraçado que a educação a
distância... o meu tempo de dedicação é focado na plataforma” (ENTREVISTADO E).
Questionada se passa mais tempo no AVA do que o previsto “oficialmente”, outra | 269
professora responde:
muito, muito mesmo, muito mais. Na verdade, é o seguinte: nesse trabalho
agora são vinte e três alunos que postaram. Cada trabalho tem, no mínimo,
quatro laudas. Então, eu não gasto menos de uma hora para corrigir. [Isso] se
eu for pegar só para ler! Porque eu gosto de ler mais de uma vez e gosto de
fazer correções dentro do próprio texto e já faço o feedback. eu gasto mais de
uma hora, então, só com esses vinte e três eu gasto vinte e três horas. Então
não são vinte horas. Quando eu tinha cinquenta alunos...cinquenta horas
(ENTREVISTADO C).

Concepções sobre o desenho de formação e conformação institucional

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Em relação à dimensão institucional, percebe-se que os professores de turma
apropriam-se das atribuições definidas pela Coordenação Geral na Universidade,
adpatando-as e traduzindo-as em função das necessidades situacionais que encontram, de
suas experiências anteriores, da interpretação das necessidades dos alunos, dos recursos
disponíveis, do andamento das turmas, de suas preferências e valores.
Ao serem questionados se a coordenação geral e a equipe de supervisão
pedagógica do PNEG da UFOP os reconhecem como possuidores de saberes e se estes
saberes são incorporados ao desenho de formação do programa, eles concordam que há
espaço para que isso ocorra. Nesse sentido, é possível inferir que os saberes docentes
destes profissionais são a base para a formação do saber polidocente desta ação na
Universidade, conformado pelo desenho e pelas especificidades institucionais.

Enquanto profissionais da educação eles [coordenação e supervisão] se


colocam como iguais. Então você não percebe ninguém dizendo “tem que ser
assim”. Algumas coisas são normas, tem que ser mesmo, mas aquilo que não
é, o tempo inteiro as pessoas dizem "pensamos nisso, o que vocês acham?” Um
exemplo disso, antes de a disciplina ser colocada no ambiente, a gente tem a
possibilidade de dar opinião sobre ela, então a gente percebe o tempo inteiro
essa coisa do igual no sentido de melhorar as possibilidades do curso
(ENTREVISTADO D).

Conforme descreve Mill (2010), a EaD possui a especificidade de realizar um


trabalho de docência de forma coletiva, fragmentada e hierarquizada, que vincula vários
profissionais que estão envolvidos no processo de produção. O fato de ser uma docência
compartilhada, exercida por uma equipe de profissionais, pressupõe que cada membro da
equipe desenvolve certos saberes docentes que não serão, necessariamente, convergentes
e harmônicos entre si. Por isso, as tensões que emergem do desenho e dos
constrangimentos institucionais são inerentes ao processo, conforme pode ser percebido | 270

a partir do seguinte depoimento:

É importante que se tome como referência essa turma e verificar o que é


possível readequar. Mas aí você tem o discurso “ah, mas a plataforma não
aceita isso” ou “isso é uma prerrogativa do MEC” ou então “isso vai estar
difícil” (...) “a gente vai ter que pensar”, “não tem como, o professor da
disciplina não aceita”, porque tem isso também (...) o professor da disciplina
não aceita determinadas coisas aí impõe outras (ENTREVISTADO B).

Para Mill (2010), é preciso que os envolvidos nesse processo reconheçam


claramente as regras impostas pela instituição e as regras construídas para o trabalho

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colaborativo. Tardif e Lessard (2007) alertam para o fato de que há uma tensão entre os
aspectos burocráticos e institucionais do ensino e a autonomia permitida aos professores
na execução de sua função. Esses devem seguir o programa, mas adaptando-os e
transformando-os, ao mesmo tempo, em função das exigências do dia-a-dia. “Sua
autonomia e responsabilidade se situam assim bem no centro da tarefa codificada e
programada” (TARDIF e LESSARD, 2007, p. 208).
Conforme Tardif e Lessard (2007), a capacidade de adaptação dos professores
evolui de acordo com suas personalidades e experiências anteriores. “Enquanto alguns
seguirão o programa à letra, outros irão experimentar mesmo respeitando o programa” (p.
217). Nesse sentido, os professores seguem os programas concebidos, mas também
improvisam constantemente, porque a implementação é marcada por grande margem
discricionária.
A este respeito, é interessante destacar a reflexão de uma professora de turma
quando menciona as adaptações por ela realizadas nos critérios de correção
disponibilizados pelo professor coordenador de sala ambiente ou pela supervisão
pedagógica, tendo em vista as especificidades de sua turma. Ainda que a professora se
disponibilize a fazer uma primeira correção das tarefas antes de encerrado o prazo de
postagem, permitindo, assim, a correção e o reenvio, os alunos argumentam que só têm o
domingo (dia em que se encerram as postagens) para fazer a tarefa. Diante disso, a
professora ressalta:

De vez em quando eu dou uma acalmada até na correção. Eu falei “gente, a


gente não pode no começo se for rígido demais, se for corrigido demais”, então
eu corrijo tudo, mas sempre coloco um bilhetinho assim, “isso é para você
prestar atenção nas próximas atividades, eu não estou tirando pontos, não estou
penalizando, estou mostrando as coisas que você precisa observar”
| 271
(ENTREVISTADO C).

As regras institucionais, neste caso, precisam ser reelaboradas pelo professor e


adaptadas para a realidade do alunado atendido. Tardif e Lessard (2007) salientam que os
objetivos educacionais demandam, constantemente, uma interpretação e uma adaptação
em função das necessidades das situações, do tempo e dos recursos disponíveis, da
evolução dos alunos, ou seja, dos contextos variantes do trabalho do professor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Para Tardif e Lessard (2007), “o trabalho docente comporta uma dupla face; é um
trabalho regulado e flexível, um trabalho controlado e que requer, ao mesmo tempo, uma
boa dose de autonomia e de responsabilidade pessoal” (p. 197). Essa autonomia dos
professores dependerá da experiência acumulada e das situações em que são aplicados. O
que se depreende dessa caracterização é simples e direto: o professor é um indivíduo que
articula esses saberes. O professor é um “agente líquido” cuja existência e ação dependem
da sua capacidade de dominar, integrar e mobilizar esse conjunto de saberes como
condicionantes para sua prática.
Na sala de aula virtual, em que as experiências espaciais e temporais são
significativamente redimensionadas/alargadas, a figura do docente assume contornos
peculiares, não necessariamente consonantes com as reflexões de Tardif (2012), quando
afirma que, basicamente, o trabalho do professor consiste em atuar em duas grandes
dimensões: a gestão da turma e o do conteúdo. Em outras palavras, pode-se inferir que as
análises empreendidas por Tardif (2012) tem no trabalho docente presencial sua principal
premissa.
Assim, ainda que o autor reconheça que o professor não trabalha sozinho, ele
afirma, entretanto, que boa parte do seu fazer cotidiano acontece em uma sala de aula
presencial, isolado da articulação com os colegas. No que se refere a modalidade a
distância, a noção de polidocência aqui apresentada e o desenho de formação adotado
pela UFOP, as análises das entrevistas realizadas indicam que as formulações de Tardif
são importantes mas não são suficientes para se compreender o trabalho destas equipes
de formação.
De acordo com Mill (2009), quando os processos pedagógicos se estabelecem | 272

virtualmente, a natureza do trabalho docente ganha outros contornos e outras


competências passam a compor o rol de saberes docentes. Dizendo de outra forma, a
adoção de estratégias de ação, a definição de rotinas e processos cotidianos de
acompanhamento, as tensões entre as modalidades presencial e a distância, as várias
representações sobre o trabalho realizado e as dificuldades impostas pela instituição,
associadas a conjugação de tarefas que obrigatoriamente envolvem atores que não
necessariamente são do mesmo métier fornecem novas pistas investigativas, revelando a
complexidade desta análise sob a ótica da EaD.

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Pode-se assumir, então, que os saberes docentes compartilhados pelos professores
que atuam na EaD são ponto de partida para a construção de um saber polidocente, fruto
das articulações, adaptações, representações e tensões que cada membro de uma equipe
polidocente traz consigo, ao longo de seu itinerário profissional e experiencial. Não se
trata, portanto, de saberes isolados ou desarticulados, mas de um conjunto de saberes que,
constrangidos pela dimensão institucional, conformarão o saber polidocente que
caracterizará cada um dos desenhos formativos adotados pelas instituições de ensino
superior que ofertam cursos a distância.
Finalmente, as entrevistas evidenciam que, na UFOP, a polidocência é
oportunizada e potencializada por meio de uma intensa interação colaborativa, na qual
todos os envolvidos se inter-relacionam, ainda que de forma fragmentada, hierarquizada,
assíncrona e não necessariamente harmônica e linear. Caberá a instituição, representada
pelos coordenadores e supervisores, dar unidade à formação, amalgamando o processo.
Esta concertação é que definirá as bases nas quais o saber polidocente se processará,
dentro dos limites e possibilidades que o desenho das políticas nacionais de formação
continuada de professores impõe.

REFERÊNCIAS

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Gestores e o trabalho docente. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. especial 1, p. 161-
172, 2010.
ALMEIDA, M. E. B. Educação a distância na internet: abordagens e contribuições dos
ambientes digitais de aprendizagem. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 327-
340, jul./dez. 2003.
BELLONI, M. L. Educacão a distância e inovacão tecnológica. Trabalho, Educação e
Saúde, v. 3 n. 1, p. 187-198, 2005. | 273
BELLONI, M. L. Educação a distância. 6ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
BRASIL. Diretrizes Nacionais do Programa Escola de Gestores da Educação Básica
Pública. Brasília: MEC/SEB, 2009.
KENSKY, V. M. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas: SP,
Papirus, 2007.
MILL, D. Estudos sobre processos de trabalho em educação a distância mediada por
tecnologias da informação e da comunicação. Belo Horizonte: FAE/UFMG. 2002. 193p.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de
Minas Gerais.
MILL, D. R. S.; RIBEIRO, L. R. C.; OLIVEIRA, M. R. G. (Orgs). Polidocência na
educação a distância: múltiplos enfoques. São Carlos: EdUFScar, 2010.

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MOORE, M.; KEARSLEY, G. Educação a Distância: uma visão integrada. São Paulo:
Thomson Learning, 2007.
PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In:
PIMENTA, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 4º ed. São Paulo:
Cortez, 2005. pp. 15-34.
TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência
como profissão de interações humanas. 3º ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17º ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2014.

| 274

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O SISTEMA ESTADUAL DE AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA
DO RIO GRANDE SUL (SEAP/RS) – AVALIAÇÃO DOS
PROFESSORES, DIFERENÇAS E SEMELANÇAS COM
OUTROS PROCESSOS DE AVALIAÇÃO EXTERNA
Alessandra de Oliveira Mendes
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ale.oliveiramendes@gmail.com

Resumo: O presente artigo trata-se de uma análise inicial da política de avaliação externa
denominada Sistema Estadual de Avaliação Participativa do Rio Grande do Sul –
SEAP/RS e suas interposições quanto participação ou valorização docente. No que diz
respeito a esta política de avaliação, são destacadas suas característica distintas das
demais na medida em que se propõe a contextualizar a instituição de ensino ao invés de
classificar, além disso, promover uma avaliação participativa envolvendo todos os
segmentos escolares, inclusive os professores, num processo de auto reflexão. Como
material empírico foi analisada documentos legais de formulação e implementação da
política, bem como, a analise das transcrições de entrevistas com dez escolas públicas do
estado do RS que compuseram uma amostragem no levantamento do grupo de avaliadores
externos da UFRGS sobre a avaliação externa proposta no estado do RS através da
Secretaria de Educação do Estado – SEDUC. Dentre as várias possibilidades se destacam
potencialidades e desafios desta política como mais uma versão de avaliação externa e
suas implicações na visão dos profissionais da educação.
Palavras-chaves: Política de avaliação externa; participação e valorização docente.

Introdução
Organismos internacionais e, principalmente, instituições multilaterais de
financiamento a políticas de desenvolvimento e sociais, atentam para a necessidade de se | 275

construir sociedades com melhores índices de crescimento para que se fortaleça a lógica
capitalista-industrial que visa produção e consumo. Para alcançar estes objetivos, a
educação assume um papel importante na formação de indivíduos produtivos,
competentes e economicamente ativos.
Frente a isto é inegável que a educação ocupa papel de destaque no cenário
político, seja nos períodos eleitorais como pauta de campanha, seja na formulação ou
implementação de políticas públicas. É claro que não se trata de algo que vem ocorrendo
por acaso. Nas últimas décadas, as atenções tem se voltado à educação como peça chave

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para superar déficits econômicos, alavancar crescimento e garantir um país mais forte e
estável, política e socialmente.
Essa função social conferida à educação remete a outro patamar no que tange a
resultados, ou seja, não basta acesso à educação, é necessário que haja condições de
permanência e, acima de tudo, que haja qualidade de ensino. Neste sentido, numa
dimensão global a administração pública do Estado tem se voltado, também, para a
necessidade de mensurar, contabilizar, em suma, medir e classificar os serviços prestados
através de avaliações externas. É o que afirma Afonso:
Em países capitalistas centrais, como os EUA e a Inglaterra, coincidindo com a
última grande vaga de reformas de modernização conservadora, a crescente
centralidade da avaliação educacional foi, em grande medida, induzida pela
possibilidade de essa mesma avaliação se tornar um dos instrumentos mais
eficazes para introduzir mudanças em diferentes setores sociais. (AFONSO,
2007, p.12).

Assim, um novo modelo de gestão pública emerge com apelos cada vez mais
fortes pela transparência e eficiência dos serviços prestados pelo Estado aos seus
cidadãos. Portanto, sistemas de regulação vêm se tornando “indispensáveis” na visão dos
administradores públicos, apelando a instrumentos que muitas vezes situam as
instituições em níveis de qualidade.
Para tanto, os governos têm empregado esforços no sentido de desenvolver
critérios, ferramentas, dentre outros recursos, que visam avaliar instituições e serviços
públicos ligados à educação. Porém, muitas vezes esta prática incorre numa prerrogativa
do imensurável, ou seja, transformar em números um contexto complexo como é o
processo de ensino e aprendizagem, considerando que neste meio está imersa uma série
de outros entrelaçamentos da vida cultural, social e econômica parcialmente ou
| 276
dificilmente passível de representação numérica56.
Nesta lógica, no Brasil, a avaliação externa de larga escala tem sido adotada nas
três esferas de governo (federal, estadual e municipal), investindo-se em políticas

56
O índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB), criado em 2007, é um exemplo de indicador
que utiliza dados de avaliações externas de rendimento dos estudantes, além das taxas de aprovação, para
mensurar em números as realidades diversas instituições de ensino no Brasil. Numa escala que vai de zero
a dez, avalia a qualidade da educação, com base em duas fontes: a aprovação final obtida através de censo
escolar e a média de desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática, por meio, de provas
aplicadas a níveis/etapas de ensino especificas que vai dos anos iniciais ao ensino superior. Os resultados
desta avaliação são expressos em valores/ índices numéricos.

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públicas que objetivam fazer com que os índices de qualidade da educação avancem nos
diferentes níveis e etapas de ensino e que possam ser mensurados por instrumentos
avaliativos. No âmbito federal, existem alguns instrumentos de avaliação57 que são
aplicados em redes públicas e privadas de todo o país. Parte dessas avaliações compõe o
Ideb, um índice apurado a cada dois anos e com definição de metas a serem alcançadas
em cada rede de ensino. Tendo como parâmetro o desempenho de países desenvolvidos,
desta forma foi estipulada a meta de atingir as médias 6, 5,5 e 5,2 até 2021,
respectivamente, nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e no ensino médio.
Em consonância com todo este cenário nacional, recentemente, no estado do Rio
Grande do Sul, foi implementada uma política de avaliação institucional intitulada
Sistema Estadual de Avaliação Participativa (SEAP/RS), que abrange avaliar a realidade
não só das escolas, mas também das instâncias administrativas da rede estadual de ensino,
por meio da realização de um diagnóstico qualitativo que sirva de base para um
planejamento de melhoria do processo de ensino-aprendizagem e dos processos de gestão
escolar e educacional, em conjunto com a avaliação institucional, essa política ainda
prevê uma ferramenta de avaliação dos professores.
Essa proposta de avaliação, implantada no ano de 2012, tornou-se inédita, diante
do fato de que se propõe a ir além de mensurar resultados da rede estadual de ensino
através de números obtidos por meio de “provas” aplicadas aos alunos, sua base é um
diagnóstico que deve ser elaborado por todos os segmentos que compõem o espaço
escolar e as instâncias administrativas da rede.
Deste modo, o SEAP foi apresentado como uma alternativa às políticas
hegemônicas de avaliação externa na educação básica, pois visa promover melhoria da
| 277
qualidade da educação através de um diagnóstico envolvendo as comunidades escolares
e dos órgãos administrativos da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) – pais,
professores, alunos, funcionários, gestores – num espaço de reflexão sobre as realidades
das escolas, das coordenadorias regionais de educação (CRE) e secretaria (SEDUC)

57
As avaliações realizadas pelo INEP/MEC são: Provinha Brasil, aplicada aos alunos de primeira
série/segundo ano do ensino fundamental; Prova Brasil, para os alunos da quarta série/quinto ano e
oitava série/nono ano do ensino fundamental; a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB),
aplicada em amostra de alunos de quarta série/quinto ano do ensino fundamental e terceira série do
ensino médio; a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), para alunos do terceiro ano do ensino
fundamental; o Enem, para alunos egressos do ensino médio. Na composição do IDEB, são levadas em
conta as notas da Prova Brasil para o ensino fundamental e da ANEB para o ensino médio.

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considerando seu contexto e dando protagonismo aos envolvidos diretamente no
cotidiano das diferentes instituições.
Portanto, este artigo busca discutir a avaliação externa e suas semelhanças ou
diferenças com SEAP/RS, além de, apresentar parte da pesquisa que vem sendo realizada
em nível de mestrado com ênfase na implementação desta política no estado do período
de 2012 a 2014, suas significações para os espaços escolares e percepções dos professores
quanto a “efetiva” participação e protagonismo nos processos de avaliação e gestão
escolar.

Os Instrumentos de avaliação de larga escala

As práticas de avaliação que vem sendo adotadas em larga escala ainda estão
fortemente atreladas a parâmetros quantitativos e esses se estendem ao trabalho docente,
na medida, em que associam a qualidade institucional à produção e, no caso das
academias, à publicação. Faz parte deste quadro o estabelecimento de rankings das
instituições de ensino, mensuradas por notas obtidas através de exames externos:
Sob a urgência de melhoria da qualidade da educação básica, a política
nacional de avaliação sofre incrementos consideráveis, no decorrer da primeira
década dos anos de 2000, do que certamente decorrem repercussões nos
currículos, na formação docente e na própria avaliação do desempenho dos
professores, concebida, sobretudo, em função dos resultados de rendimento
dos alunos. (GATTI; BARRETTO;ANDRÉ, 2011, p.40)

Assim como ocorreu na maior parte dos países desenvolvidos e em toda a América
Latina (AFONSO, 2000; RAVELA, 2000 apud GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011 p.
39), aqui no Brasil desde a década de 1990 vêm sendo desenvolvidos políticas que visam
| 278
avaliar a educação centralizando no Estado uma espécie de controle sobre o currículo e o
aproveitamento escolar.
O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), criado pelo MEC em 1990,
inaugura esta prática, após uma reforma educacional que, por meio de um referencial
curricular nacional, organiza o ensino por competências. O Saeb contempla uma
avaliação amostral a cada dois anos em todo o território nacional, com vistas a oferecer
uma medida evolutiva da qualidade do ensino.
Seguindo esta lógica, outras modalidades de avaliação em larga escala foram
também criadas pelo MEC, na década de 2000: o Exame Nacional do Ensino Médio

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(ENEM) para os alunos concluintes do Ensino Médio, o Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Superior (SINAES) e, dentro dele, o Exame Nacional de Cursos (ENADE),
aplicado em alunos concluintes de cursos de graduação, incluindo as licenciaturas. Em
2005, esta prática é focalizada no ensino fundamental através da Prova Brasil e Provinha
Brasil, destinadas a medir o rendimento de alunos da dos anos inicias e finais do ensino
fundamental.
Em 2007 o Ministério da Educação criou o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB), um indicador utilizado para medir a qualidade do ensino de
cada escola e de cada rede escolar, calculado com base no rendimento dos alunos em
testes citados acima e em taxas de aprovação. A este modelo de avaliação pode-se atribuir
uma grave limitação, a de ferir a autonomia pedagógica conferida aos professores e
escolas, na medida em que não é levada em consideração a construção da aprendizagem.
O que ocorre é o estabelecimento de metas e a cobrança de determinados resultados, o
que cria um fator implícito: do que deve ou não e como deve ser o currículo e seus
parâmetros. É o que expressa o parágrafo abaixo:
Com o propósito de agregar qualidade social às medidas de desempenho, para
que o Ideb de uma escola ou de uma rede cresça, é preciso que o conjunto dos
alunos adquira aprendizagens significativas, frequente as aulas assiduamente e
não repita o ano. Busca-se, assim, combinar as evidências de rendimento dos
alunos com a capacidade da escola de manter o conjunto do alunado estudando
e com bom aproveitamento. O Ideb coloca, desse modo, um desafio às redes,
que é a obrigação de se empenharem para que todos, indiscriminadamente,
aprendam aquilo que a prova mede. Estabelece também metas de rendimento
e estipula prazo, até 2021, para que os estudantes das escolas brasileiras
atinjam os padrões de desempenho apresentados pelos sistemas escolares dos
países desenvolvidos, referenciando-se nos resultados do Programa
Internacional de Avaliação da Aprendizagem (PISA). (GATTI; BARRETO;
ANDRÉ 2011, p. 40)
| 279
Outro viés que este tipo de avaliação não leva em consideração é o contexto, ou
seja, avaliar a educação sem levar em conta as particularidades de cada aluno. Ademais,
a distribuição desigual do capital cultural e econômico, associada a um nível de
investimento público ainda baixo, fragiliza e potencializa a discriminação e exclusão,
reforçando a perversa lógica de desvalorização da escola pública em relação ao setor
privado. Outro problema é a culpabilização dos professores, relacionando precariedades
estruturais, tanto físicas como assistenciais, à formação e desempenho individual
(AFONSO, 2007, p.15).

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Diante desta visão mercadológica da educação, que busca medir resultados num
sentido muito estrito, a fim de alcançar eficiência e eficácia, resta saber se a proposta
implementada pelo SEAP/RS rompe com estes critérios na medida em que tende a propor
uma avaliação qualitativa e participativa do contexto.

Em que consiste o SEAP?

O SEAP foi instituído pelo Decreto Estadual nº 48.744, em 28 de dezembro de


2011, durante o governo Tarso Genro (2011 a 2014); mais especificamente, foi pensado
e desenvolvido por profissionais do setor pedagógico da Secretaria de Educação, da
equipe gestora liderada pelo Secretário José Clóvis de Azevedo.
O objetivo geral da Secretaria de Educação, no primeiro momento, era dar
resposta aos questionamentos levantados pela opinião pública quanto a qualidade da
educação e ao mesmo tempo fazer um diagnóstico da situação da rede de ensino do estado
do RS, a fim, de atuar de forma eficaz e eficiente na ação e formulação de políticas
públicas que dessem conta da real demanda da educação no estado, visando “à
democratização e a melhoria da qualidade da educação com cidadania” (caderno SEAP.
n.1; 2014; p.6).
Para alcançar esses objetivos, o órgão gestor compreendeu que era necessário
desenvolver uma ferramenta que pudesse retratar, de maneira mais fiel possível, o
contexto das instituições que compõe a educação no estado, desde os órgãos
administrativos até as escolas.
Foram desenvolvidos, para cada instância da educação (órgãos administrativos e
| 280
escolas), materiais com orientação para a elaboração de todo o processo de
implementação do SEAP que foram enviados as respectivas instituições. Estes materiais
apresentavam como eixos estratégicos da política: “A qualificação e democratização da
Educação; a valorização profissional; a modernização tecnológica e recuperação física
das instituições da rede; a reestruturação curricular da educação básica e formação
continuada.” (SEDUC, 2012, p.3).
Assim, o SEAP foi pensado para ser implementado em num ciclo anual composto
de três etapas e no que diz respeito às escolas a orientação era: Na primeira etapa o

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Conselho escolar deveria elaborar um diagnóstico preliminar; Na segunda, apresentar este
diagnóstico a todos os segmentos da, comunidade escolar (pais, alunos, professores,
servidores); e na terceira e última etapa, o diagnóstico preliminar deveria ser analisado e
aprovado por todos em conjunto, que neste momento, deveriam fazer a escolha de
representantes para cada segmento escolar que iria compor a Comissão Representativa de
Elaboração e Acompanhamento da Avaliação Institucional. Por fim, esta comissão faria
o registro da avaliação em um software58 disponibilizado on line num portal da página da
SEDUC via web.

Figura 1 – Página de entrada do Sistema do Seap na internet.


Fonte: https://eap.rs.gov.br/cte/login.php

O instrumento de avaliação do SEAP é constituído de seis dimensões e cinquenta


indicadores59 no total. Estas dimensões são organizadas em tópicos que englobam
questões especificas sobre: a gestão institucional, espaço físico, organização e ambiente
de trabalho, condições de acesso, permanência e sucesso na escola60, formação dos
profissionais da educação e as práticas pedagógicas e de avaliação. As duas maiores
dimensões são espaço físico com 14 indicadores e as práticas pedagógicas contendo 17
indicadores. | 281

58
Esse sistema foi concebido a partir do módulo Plano de Ações Articuladas (PAR) no Sistema de
Monitoramento, Execução e Controle do Ministério da Educação (SIMEC). O MEC permitiu à Companhia
de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul (PROCERGS) customizar o módulo PAR do
SIMEC para o SEAP/RS.
59
Indicadores são questões que são respondidos por meio da atribuição de uma espécie de nota que vai de
1 a 5 sendo um a situação precária e cinco a ideal incluindo a opção Não Se Aplica (NSA) para as
situações em a instituição não se enquadra, além disso, para cada indicador é necessário acrescentar
uma justificativa que se trata de um registro por escrito.
60
Esta dimensão avalia especificamente questões relacionadas aos alunos como aprovação e taxa de
permanência dos alunos, atendimento especializado em sala de recursos, alimentação escolar e
transporte escolar.

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Portanto, diante destas questões pode-se dizer que “todas” as práticas escolares e
atuação dos professores são analisadas de alguma forma. Pois, ainda temos outro bloco
que contempla a avaliação individual dos professores, que deve ser registrado no portal
pela entrada nomeada como Magistério – percurso individual conforme figura acima.
Inicialmente, o SEAP foi pensado contendo três blocos: um institucional, outro
dos professores e um terceiro para os alunos, no entanto, no decorrer da formulação e
implementação desta política de avaliação, a avaliação especifica para os alunos foi
deixada de lado. Já a avaliação dos professores permaneceu contendo vinte61 indicadores
sob a justificativa de haver a necessidade de existência de um instrumento para fins de
promoção e ascensão na carreira por “merecimento”, articulando a avaliação do SEAP
com a legislação que regulamenta o plano de carreira dos profissionais da educação do
estado do RS.
O Plano de Carreira do Magistério Estadual é regulamentado pela Lei nº 6.672/74
e garante aos professores e especialistas de educação possibilidades de ascensão na
carreira através da mudança de classe, conforme, termos do artigo 3º, III, por meio de
“promoções alternadas por merecimento e antiguidade”.
Para obter a promoção por merecimento, segundo os documentos legais, o
professor deve apresentar bom desempenho mediante “fiel cumprimento de seus deveres
e da eficiência no exercício do cargo, bem como da contínua atualização e
aperfeiçoamento para o desempenho de suas atividades.” (Art. 29, Lei nº 6.672/74).
Deste modo, a aprovação do decreto 48.743, de dezembro de 2011, regulamentou
os procedimentos para as promoções apresentando um quadro de atribuições do cargo de
professor com peso pré-estabelecido a cada item prevendo critérios de avaliação por
| 282
merecimento relacionando-os a avaliação individual previsto no SEAP/RS, conforme o
trecho a seguir retirado de um dos materiais que orienta a implementação da política:
O percurso individual articula-se ao Sistema Estadual de Avaliação
Participativa (SEAP/RS), que se constitui em um processo de avaliação
institucional, com caráter pedagógico de permanente reavaliação. No

61
Estes vinte indicadores avaliam desde o planejamento individual e suas relações com o PPP e os
instrumentos legais da educação até a prática pedagógica, avaliativa, participação no ambiente escolar
e formação continuada. Buscam mensurar o rendimento e a qualidade do trabalho pedagógico
utilizando os mesmos critérios de descritores com pontuação de um a cinco, como foi feita na avaliação
institucional. Dois integrantes da comissão, um representando a direção e outro do grupo de professores
faz esta avaliação com cada professor individualmente, sempre na presença do professor avaliado.

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SEAP/RS é a participação do membro do magistério que se agrega à avaliação
funcional por merecimento (letra E2), pois é encarada como uma parte do
processo intimamente relacionada. (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO DO
ESTADO, 2013, p.15)

Os documentos do SEAP reconhecem que para qualificar as instituições de


educação pública do Estado do Rio Grande do Sul é necessária a valorização profissional
e, para tanto, apontavam a necessidade de desenvolver um sistema capaz de acompanhar
de forma contínuo os professores e especialistas de educação, visando reconhecer o bom
desempenho e o aprimoramento destes profissionais. Deste modo, apresentaram este
programa de avaliação – SEAP- como um instrumento capaz de dar conta da avaliação,
não só, da coletiva (por meio da avaliação institucional), mas, também da avaliação
individual inter-relacionando até com a valorização profissional, conforme expressa o
trecho a seguir:
Acredita-se que a análise criteriosa do conjunto dos indicadores desdobrados
em descritores traz elementos importantes para uma autoavaliação da prática
profissional. Por isso, a importância de torná-lo um instrumento que inter-
relaciona desempenho pessoal, perspectiva coletiva e valorização profissional.
(SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO, 2013 p. 29)

Neste sentido, o modelo de avaliação do SEAP assemelha-se a propostas de outros


organismos que compreendem a educação como parte fundamental e estruturante da
sociedade e, estando dentro deste escopo encontra-se a ação pedagógica; logo, os órgãos
administrativos veem como “natural” avaliar a ação dos trabalhadores da educação.
A diferença, inicial, é que outros instrumentos de avaliação de larga escala
avaliam os alunos e, partindo, destes resultados mensuram as instituições e seu corpo
| 283
docente, no caso do SEAP/RS, a avaliação se amplia na medida em que propõe um
levantamento para a instituição e outro especifico para os professores.

O olhar pedagógico sobre a avaliação - o que “relataram” as escolas avaliadas...

A prática de avaliar não é uma novidade para os professores, visto que é parte
integrada do trabalho pedagógico desenvolvido tanto na sala de aula como na própria
escola. Porém, o que causa estranhamentos são os modelos de avaliação externa

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incorporados pela maioria dos programas de governo que ficam em oposição com as
prerrogativas do caráter humano que pressupõe a educação.
Um exemplo clássico é o sistema de rankingamento definido por notas obtidas a
partir de provas62 aplicadas aos alunos, ainda mais quando se espelha de alguma forma a
experiência de países ditos “desenvolvidos” que estão muito distante da realidade
brasileira. Outro ponto polêmico é a contradição entre as teorias pedagógicas que
embasam a formação dos professores na qual o aluno é sempre o centro do processo numa
perspectiva de avaliação “emancipatória63”, e a visão mercadológica embutida na prática
de avaliação externa que adota um padrão único quantitativo e seletivo definido a revelia
do contexto do alunado.
Nestes dois aspectos específicos, o SEAP, mesmo sendo uma política de avaliação
externa, se difere dos demais instrumentos de avaliação em larga escala, na medida em
que promove um levantamento coletivo do contexto escolar e, deste modo, viabiliza que
sejam mensurados muito mais do que o desempenho dos alunos.
Também, se torna inédito ao incluir neste processo a avaliação os órgãos
administrativos da educação, que sempre ficam de fora das práticas avaliativas, ou seja,
somente as escolas são subtidas a avaliação, seus órgãos administrativos nunca foram
incorporados de nenhuma forma em políticas de avaliações anteriores, muito embora,
estão “intimamente” ligados a “vida” das escolas.
Outro elemento que caracteriza esta proposta de avaliação institucional promovida
na rede estadual gaúcha é a existência de um grupo de avaliadores externos que se destina
a avaliar os registros institucionais e os processos do SEAP acompanhando a política na
sua formulação e implementação analisando os resultados, com vistas a dar um retorno a
| 284

62
Muitos pesquisadores dos sistemas de avaliação de larga escala argumentam que é impossível que uma
prova padrão possa contemplar os múltiplos contextos escolares, ainda mais em nível federal, dadas as
dimensões territoriais gigantescas e com uma diversidade social, econômica histórica e cultural como é
caso do Brasil.
63
A avaliação emancipatória na visão pedagógica, segundo muitos autores como Paulo Freire, Jussara
Hoffman, entre outros defendem que a avaliação deve mensurar a construção das aprendizagens
considerando todo o seu contexto, partindo sempre do próprio aluno, dos seus conhecimentos prévios e
nunca de um padrão comum ou da comparação entre alunos. Os docentes são encorajados a se desprender
das práticas de avaliações tradicionais que mensuram e quantificam os alunos. É o que apresenta Hoffmann
(2003 p. 27) quando se refere ao processo avaliativo tradicional: “A adoção de conceitos, significa maior
amplitude em termos de representação, evitando o estigma da precisão e da arbitrariedade. O emprego de
notas reforça um mecanismo de competição e seleção na escola”.

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SEDUC, no sentido de ir além de um “relatório”, mas, viabilizar que haja avanços ou
reformulações.
Considerando que este grupo, não é uma entidade aleatória ou privada, é composto
de professores e estudantes de graduação, mestrado e doutorado sob a coordenação do
Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), de certa forma, permite que profissionais da área possam atuar
de forma mais ativa sobre seu próprio escopo de trabalho, ademais, contribui para a
formação e o fortalecimento da pesquisa na medida em que estudantes e professores
acadêmicos se agregam num esforço de lançar um olhar cientifico sobre esta política de
avaliação.
Este grupo de pesquisadores que vem atuando como avaliadores externos da
política de avaliação da rede de ensino do estado desenvolveram um instrumento de
campo na forma de um questionário semiestruturado com vistas a verificar um pouco
melhor a percepção das instituições avaliadas e, mais especificamente dos professores
que estiveram mais diretamente envolvidos com a implementação desta política nas suas
escolas.
Sendo assim, a partir da análise de dez transcrições destas entrevistas foi possível
identificar algumas concepções dos professores e suas instituições sobre o SEAP na
medida em que “falas” e “relatos” semelhantes se repetiram de forma recorrente
revelando o entendimento individual ou caracterizando peculiaridades de cada instituição
de ensino.
Desta forma, com base neste material empírico destaca-se que o SEAP foi “bem”
recebido pela maioria das comunidades escolares. No entanto, algumas dificuldades
| 285
iniciais se colocaram como desafios, o que costuma ocorrer com a maioria das políticas
públicas e, com o SEAP, não foi diferente. Destacaram-se nos relatos:
 A descredibilidade, provocada pela experiência com a descontinuidade do
trabalho associada às trocas de governo;
 “certa” resistência ou desinteresse associada a “velha” prática de que os
professores não são ouvidos na construção e implementação das políticas
destinadas a educação, ou seja, as políticas são definidas na lógica de cima para
baixo;

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 a desconfiança gerada pelas dúvidas com relação aos reais interesses dos órgãos
administrativos, ou seja, as escolas sentem-se inseguras ao prestar informações
internas.
De acordo com este último item a maioria das escolas julgou insuficiente e pouco
produtiva as formações realizadas pelas coordenadorias, assim, a comunicação foi
apontada como deficiente na prestação de assessoria dos órgãos administrativos (SEDUC
e CRE) às escolas durante a implementação do SEAP. Perceberam, também, que houve
dificuldade no repasse de informações ou informações diferentes sobre um mesmo
procedimento, inclusive, dentro da secretaria. Observaram diferença entre os trabalhos
das CRES, algumas bem mais organizadas e ágeis, estando mais próximas das escolas,
enquanto, outras foram burocráticas e distantes.
Com relação ao instrumento de avaliação proposto pelo SEAP, as escolas
avaliaram que ele contemplou todas as dimensões da escola, porém, mesmo
compreendendo que há a necessidade de uma padronização devido ao tamanho da rede e
impossibilidade de contemplar todas as particularidades, avaliaram que o processo como
um todo é bastante burocratizado e extenso, ou seja, 50% das escolas acredita que poderia
haver o enxugamento de algumas questões e a inclusão de outras, à exemplo, questões
que contemplem as condições de trabalho e formação dos funcionários (merendeiras,
monitores, pessoal de serviços gerais e secretaria.)
Do mesmo modo, as escolas sinalizam que a forma de atribuir valores aos
indicadores, que vai de 1 a 5 (um representando a situação precária e cinco a ideal) leva
a respostas que não capturam por completo a realidade que envolve todo o contexto
escolar. Por vezes, o fator que precariza determinados serviços está associado a outras
| 286
carências que não ficam claras e dependem, muitas vezes, de contrapartida da
mantenedora.
Uma das escolas relatou, por exemplo, que ao avaliar as condições do laboratório
de informática não soube como responder, pois, apesar do laboratório estar em perfeitas
condições devido à carência de recursos humanos ele permanece inacessível. Segundo os
entrevistados, a secretaria não permite que haja um professor responsável por este espaço
o que inviabiliza o uso do mesmo, a escola foi orientada pelo órgão administrativo a
responder que o laboratório não apresentava condições físicas na dimensão dois, quando,

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na realidade se trata de inadequação do quadro de recursos humanos. Esse exemplo
sinaliza uma inconsistência do relatório, pois, a real necessidade foi mascarada. O mesmo
ocorreu com outra escola que possui biblioteca em excelentes condições, mas, não realiza
empréstimo de livros aos alunos porque não possui bibliotecário. Na avaliação também
foi registrado na dimensão dois, no item que avalia não ter biblioteca.
Quanto à gestão democrática, 70% das escolas ouvidas fizeram algum tipo de
queixa quanto à falta de autonomia administrativa e/ ou pedagógica relatando que não se
sentem apoiados e nem próximos dos órgãos gestores. Contudo, por outro lado, 80% das
escolas reconheceram que esta nova ferramenta de avaliação auxiliou na gestão por
potencializar mais um canal de comunicação com todos os segmentos da escola, o que
contribui, para o fortalecimento das bases de gestão democrática e o envolvimento da
comunidade, mesmo que ainda, incipiente. E, 50% das escolas, consideraram que o SEAP
contribuiu de alguma forma no plano anual e na reflexão das práticas pedagógicas.
O processo de avaliação elaborado de forma coletiva viabilizou um planejamento
mais democrático e eficiente, inclusive, no emprego de recursos que a escola já dispõe,
mas, não viabilizou o emprego de mais recursos na educação ou alavancou mudanças
significativas. Assim, 70% das escolas considerou que há uma ausência de contrapartida
do governo frente às demandas levantadas na avaliação institucional, sobretudo, com
relação a recursos humanos e manutenção das condições físicas, isso, de certa forma,
também, leva a descredibilidade da política promovida pelo SEAP.
De outro lado, as falas levam a compreensão de que o SEAP representou uma
oportunidade de auto-reflexão, um tempo para pensar sua realidade e, neste sentido se
caracterizou como um novo modelo de experiência da avaliação. Embora, também,
| 287
significou mais trabalho e acúmulos de atividades, pois, ele ocorreu junto com o termino
do ano letivo e com um tempo muito curto para que se pudesse elaborar e articular todas
as etapas.
Deste modo, sugeriram que fosse previsto um tempo maior para elaboração da
avaliação completa viabilizando que as escolas tenham autonomia para incluir no
calendário letivo de acordo com suas demandas pedagógicas e características da
comunidade, além de, estar prever na carga horária de todos os profissionais da educação

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(funcionários e professores) tempo para esta prática, pois, atualmente a avaliação teve
que ocorrer fora da carga horária.
Apesar de sinalizarem possibilidades e necessidade de melhorias nesta política
consideraram importante sua continuidade, mesmo com a troca de governo, pois,
compreendem que o processo sofreu amadurecimento por parte das escolas e avaliam que
o SEAP tornou-se uma ferramenta eficaz na elaboração de diagnostico, levantamento de
problemas e planejamento.
Para o governo, acreditam que pode servir como um instrumento que garanta
visibilidade das condições gerais da rede permitindo que se construa um histórico de
ações realizadas e prioridades a serem executadas de acordo com as reais necessidades
das unidades escolares e, neste aspecto, consideraram importante um instrumento único
que dê conta de um panorama geral.
De todo o modo, apesar de todas as fragilidades, parece unanime que o SEAP
representou um incentivo à participação e que o exercício desta prática pode resultar no
aprimoramento das políticas avaliativas. Outro aspecto eminente nestas entrevistas
analisadas foi importância de receber a visita dos pesquisadores da UFRGS, significando
nas falas um espaço importante de valorização na medida em que as escolas são ouvidas
e podem esclarecer dúvidas ou expor melhor sua realidade, suas conquistas e superações
de muitos desafios, assim como, suas frustrações diante de dificuldades em que as
soluções estão, além, de suas possibilidades de ação e de autonomia.
Por fim, diante destes relatos é possível concluir que a política de avaliação do
estado proposto por meio do SEAP apresenta vigores e fragilidades, a partir da leitura dos
atores sociais que aturam diretamente na implementação nos espaços escolares, mas, ao
| 288
fim a ao cabo se destacou como uma oportunidade de reflexão interna e uma experiência
relevante no sentido de democratizar e fortalecer a participação dos professores e da
comunidade escolar.

Referências bibliográficas
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Contrapontos, vol.7, nº1, p.11-22, Itajaí, jan/abr, 2007.

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O TRABALHO PEDAGÓGICO NAS ESCOLAS MUNICIPAIS
DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Carmen Eloísa Berlote Brenner (UFSM)
elo_brenner@hotmail.com

Resumo: As Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEI’s - passaram por uma


longa trajetória histórica, evoluindo de creche assistencialista para escolas. A presente
pesquisa buscou compreender se realmente a pertença assistencialista deixou de
caracterizar as EMEI’s. Para isso, foi utilizada uma pesquisa bibliográfica para
compreender melhor os conceitos de pertença, trabalho pedagógico e educação infantil.
Foi utilizada também uma pesquisa documental para entender como se deu essa evolução,
além de entrevista com gestoras educacionais municipais e professoras de educação
infantil, como método de produção de dados e, análise de conteúdo como maneira de
análise dos dados produzidos. Embora houve grandes avanços na constituição das
EMEI’s, o caráter assistencialista ainda se faz presente nesses ambientes, atingindo
fortemente de maneira negativa os professores que trabalham nesse locais, precisando ser
reforçado que, todo o trabalho realizado nessa instituição é pedagógico. Dessa forma, o
trabalho pedagógico se faz essencial na busca pela pertença das EMEI’s, compreendendo
que é ele que, faz a distinção entre o professor e o cuidador.

Palavras-chave: Trabalho pedagógico, Educação Infantil, Pertença.

INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, acreditou-se que o ambiente doméstico era o lugar


mais propício para uma criança se desenvolver. Mas com o ingresso das mulheres no
mercado de trabalho, esse contexto foi mudando e, as creches, de caráter assistencialista,
começaram a se expandir, inicialmente nas fábricas, até tornarem-se responsabilidade do | 290

poder público. Foi uma longa caminhada até os dias de hoje, onde as creches passaram
de instituições assistencialistas para instituições educacionais, tornando-se EMEI –
Escola Municipal de Educação Infantil.

Tais espaços são de fundamental importância, pois oferecem atendimento


educacional de forma integral, atendendo crianças dos 0 aos 5 anos de idade, normalmente
com as turmas de berçário 1 e 2, maternal 1 e 2 e jardim, estando a pré-escola, última
etapa da educação infantil, na maioria das vezes, inserida nas escolas municipais de
ensino fundamental. Compreendendo-se a importância de todas as vivências

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estabelecidas nos primeiros anos de vida de uma criança, percebe-se a relevância de tal
instituição na vida dos sujeitos inseridos nesse espaço.

A presente pesquisa buscou compreender se realmente a pertença assistencialista


deixou de caracterizar as EMEI’s. Investigou também, como acontece o trabalho
pedagógico nesses ambientes e ainda, qual é a visão que gestores de órgãos educacionais
municipais de educação têm dessas instituições, contrapondo a visão dos professores
sobre esses espaços.

METODOLOGIA

Unir teoria e prática, desde sempre, torna-se imprescindível. O trabalho do


professor deve estar pautado na reflexão sobre a sua prática e, a partir daí a produção de
conhecimento e a ação em prol da melhoria de sua realidade. Tais atitudes constituem a
práxis, que segundo Vázquez (2011, p. 398), embasado em Marx, entende “a práxis como
atividade material humana transformadora do mundo e do próprio homem.”. Dessa forma,
quando reflete-se sobre o próprio trabalho, quando se estuda e pesquisa condições para
seu aprimoramento, se está não só transformando o meio social como também se está
transformando a si mesmo.

Como educadora que trabalha em uma Escola Municipal de Educação Infantil,


proponho uma reflexão sobre a realidade na qual trabalho, buscando primeiramente uma
revisão bibliográfica a respeito dos temas: Trabalho pedagógico, pertença e a importância
da educação infantil no desenvolvimento da criança. Posterior a isso, para compreender
o processo histórico que conduziu a evolução de Creches à EMEI’s, será realizada uma
pesquisa documental, que fundamentada em Pimentel (2001, p. 180), são “estudos | 291

baseados em documentos como material primordial”.

Serão também, realizadas entrevistas, com três professoras de uma EMEI e com
duas representantes da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de uma cidade do
interior do Rio Grande do Sul, pois esse método trará a oportunidade de perceber como
cada sujeito participante vê a sua realidade. (DUARTE, 2014). Como forma de analisar
os dados produzidos, será utilizada a análise de conteúdo, que embasado em Bardin
(2011, p. 500) diz que essa maneira de analisar permite “conhecer aquilo que está por de
traz das palavras”.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. PERTENÇA, TRABALHO PEDAGÓGICO E EDUCAÇÃO INFANTIL

Pertença, segundo o dicionário Michaellis on line, significa “aquilo que faz parte
de alguma coisa”, dessa forma, encontram-se as EMEI’s, que deixaram de pertencer ao
setor assistencialista e, passaram a pertencer aos órgãos educacionais. Uma transição que
até hoje, ainda precisa se autoafirmar, encontrando-se na busca pela sua pertença, que,
embora, firmada pela lei seja do setor educacional, ainda configuram-se características
assistencialistas. Encontram-se nesse “meio termo”, professores que vivem essa crise,
pois sabem exatamente a pertença da instituição que trabalham, mas precisam reafirmá-
la a cada dia, dessa forma, “negociam suas identidades em meio a um conjunto de
variáveis como a história familiar e pessoal, as condições de trabalho e ocupacionais, os
discursos que de algum modo falam do que são e de suas funções.” (GARCIA,
HYPOLITO e VIEIRA, 2005, p. 48).
A partir desse viés, o trabalho pedagógico nas EMEI’s vem de forma a
consolidar a sua pertença, se fazendo práxis, que “é a essência do trabalho profissional
dos professores e, nessa perspectiva, torna-se científica, por isso, metódica, sistemática,
hermeneuticamente elaborada e teoricamente sustentada.” (RIBAS e FERREIRA, 2014,
p. 136), se autoafirmando através de elementos de ordem individual e coletiva.
O trabalho pedagógico nas EMEI’s se faz primordial, pois segundo as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a educação infantil, a criança é
sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas
que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina,
fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói | 292
sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2010,
p. 12).
A educação infantil, nessa perspectiva, propicia a convivência e a troca de
experiências com outras crianças, valorizando e compreendendo cada fase do
desenvolvimento infantil, entretanto, muitas vezes, pelas características próprias da faixa
etária das crianças que se encontram nas EMEI’s, esse trabalho pedagógico, precisa
também estimular a autonomia e independência de atitudes simples, do dia-a-dia, como
alimentar-se sozinho, por exemplo, o que acaba, muitas vezes, não sendo visto como
“tarefa” de escola, reforçando a visão apenas do cuidar.

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2. DA ASSISTÊNCIA À EDUCAÇÃO: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS
EMEI’s

Durante muito tempo na sociedade, foi destinado única e exclusivamente à


mulher o papel de cuidar e educar os (as) filhos (as), entretanto, “em função do
desenvolvimento industrial e comercial vivido pelo Brasil e consequente inserção
feminina no mercado de trabalho” (SPADA, 2005, p. 02), essa “responsabilidade”
precisou ser compartilhada e dessa forma surgiram as primeiras creches no Brasil. Essas
instituições não eram ligadas a educação e, prestavam serviços assistencialistas para os
(as) filhos (as) de mães operárias, (KISHIMOTO, 1988), o que acabava por reforçar as
desigualdades sociais, no momento em que, divide desde cedo a sociedade em camadas
sociais, pois os (as) filhos (as) de operária iam para as creches, os de maior poder
aquisitivo, recebiam cuidados de suas progenitoras ou cuidadoras particulares e
posteriormente ingressavam na escola.

O primeiro passo, para a conquista do direito à educação infantil, foi dado com
a Constituição Federal em 1988 que, em seu artigo 208 diz que é “o dever do Estado com
a educação será efetivado mediante a garantia de (...) atendimento em creche64 e pré-
escola às crianças de zero a seis anos de idade” (Artigo 208, inciso IV da Constituição
Federal de 1988). Entretanto, as creches ainda seguiam assistencialistas, com
profissionais sem a habilitação necessária para realizar o atendimento educacional.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB de 1996 traz em sua


seção III, nos artigos 29, 30 e 31, a educação infantil como a primeira etapa da educação | 293
básica (LDB, 1996), como parte do sistema educacional, tal instituição começou a perder
características da assistência para ganhar lugar os aspectos educacionais. Quatro anos
mais tarde em Dacar, Senegal, “para comemorar o 10º aniversário do programa Educação
Para Todos (...), reafirmou seu compromisso para com o atendimento da educação infantil
e definiu o crescimento desta área como a primeira das seis Metas de Dacar.” (BRASIL,
2009, p. 27).

64
Creche, aqui, refere-se ao atendimento de crianças de 0 a 3 anos de idade e, não a dimensão
assistencialista que antes denominava creche as Escolas Municipais de Educação Infantil.

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Além da mudança da nomenclatura para Escola Municipal de Educação Infantil,
a proposta trouxe diversos impactos sociais, entre eles, a formação pedagógica para o
profissional que já estava inserido nesse ambiente, a formação em nível de graduação
para atuação na educação infantil e o acesso a esse nível de ensino por diversas crianças
e, não mais somente pelas quais as mães precisavam de um lugar para deixar os (as) filhos
(as) enquanto trabalhavam. Entretanto, embora na teoria, as EMEI’s passaram para
instituições pertencentes às Secretarias de Educação, em muitas situações, o aspecto
assistencialista ainda se faz presente e, a dimensão do educar e cuidar, fortemente
difundida nessa etapa, abre espaço para a falta de pertença dessas instituições.

RESULTADOS

Foram realizadas um total de 5 entrevistas, com duas gestoras educacionais


municipais, que serão identificadas aqui como GA e GB e, com três professoras de
educação infantil que trabalham em EMEI’s, identificadas aqui como PA, PB e PC. Os
sujeitos de pesquisa caracterizam-se por serem todas mulheres e pedagogas, as gestoras
com mais de 15 anos de magistério, já trabalharam com anos iniciais e educação infantil,
porém somente uma trabalhou em EMEI. As professoras, todas possuem uma média de 5
anos de magistério, sendo que, somente uma trabalhou em Escola Municipal de Ensino
Fundamental - EMEF, mas com educação infantil também.

Todas veem de forma positiva o processo histórico de constituição das EMEI’s,


entretanto, é unânime a opinião delas de que, ainda há famílias que veem esse ambiente
somente de forma assistencialista, ignorando o caráter educacional e pedagógico que nele
há, tendo essa característica histórica, chegado até os dias atuais sem desfazer-se, | 294
(MERISSE, 1997, apud SPADA, 2005), PB ainda relata que, não sente sua formação
valorizada, pois muitas famílias não a veem como “a professora”, mas sim, como “a tia”.
Dessa maneira, encontra-se uma situação: o sentimento de subalternidade em relação aos
demais professores do município, mesmo possuindo a mesma formação, quando se trata,
por exemplo, dos professores dos anos iniciais, o qual a exigência é que tenham a
graduação em pedagogia e, até mesmo quando se trata das próprias professoras de
educação infantil, que trabalham nas pré-escolas em EMEF’s.

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Kosik (1976, p. 219) diz que “os homens ingressam na situação dada
independentemente da sua consciência e vontade”. Os (as) professores (as) que trabalham
na educação infantil, em especial nas EMEI’s, ingressam nesse ambiente, que carrega
consigo sua historicidade, a qual é marcada pelo caráter assistencialista e, inicialmente,
em tempos remotos, de atendimento a classe operária. Esses educadores, também trazem
a sua historicidade e sua ânsia por valorização profissional e, esses aspectos irão refletir
no trabalho pedagógico que eles realizam.

É percebido através do discurso dos sujeitos que, o trabalho pedagógico parte de


um Projeto Pedagógico e está centrado no desenvolvimento infantil. Entretanto, há uma
discordância entre as gestoras quando questionadas sobre o trabalho pedagógico das
EMEF’s, onde GA diz que há uma continuidade entre o trabalho nessas duas escolas e,
GB menciona que vê o trabalho pedagógico nas EMEI’s de forma mais “lúdica” que os
realizados nas EMEF’s. Já as professoras mencionam a preocupação de englobar no
trabalho pedagógico, as mais diversas habilidades e competências para o
desenvolvimento dos estudantes, entretanto, esse trabalho que elas realizam é muitas
vezes confundido com o “cuidar”. Por exemplo, um (a) professor (a) de berçário que
ensina seu aluno a alimentar-se de forma autônoma, está realizando o trabalho pedagógico
conforme a necessidade que a faixa etária exige, assim como o (a) professor (a) que
trabalha no primeiro ciclo do ensino fundamental, ensina seu aluno a ler e a escrever, é o
que está previsto para aquela etapa. Tudo é trabalho pedagógico, tanto o ato de estimular
a comer sozinho quanto ao de ler e escrever e, jamais deverá ser confundido com o
simples ato de cuidar.
| 295
O trabalho pedagógica é o que diferencia o professor do cuidador no ambiente
da educação infantil, é o que faz o seu trabalho ser intencional, com objetivos, por isso,
que ela parte do Projeto Pedagógico. A práxis é o centro da profissão do professor e, é
através dela que o educador consegue mostrar a importância do seu trabalho, é através
dela que o professor conegue mudar a situação em que se encontra. (KOSIK, 1976).

Sobre a forma como a sociedade vê as EMEI’s, GA e GB falam que, aos poucos,


a visão assistencialista está sendo desfeita, porém, PA, PB e PC, dizem que, ainda é muito
forte a dimensão de creche, do cuidado somente e, ainda PB menciona que, por muitas

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vezes, “a escola de educação infantil particular é vista de melhor forma que a pública”.
Frente a essa afirmação, pode-se ver mais uma vez, a historicidade dessa instituição
fortemente atrelada a sua real função atual, já que nos primórdios, “seu objetivo era
amparar a infância pobre” (KISHIMOTO, 1988, p. 44), também se pode perceber a
influência da sociedade capitalista atual, a qual divide a sociedade em classes e, mantida
essa visão, tem-se a ideia de que, os pobres mandam seus filhos para serem cuidados nas
creches enquanto trabalham e, as classes mais abastadas, mandam seus filhos para a
escola receberem instrução. Preconceito arcaico, mas que ainda se faz presente na
atualidade.

Entretanto, a mudança ou a permanência dessa realidade, encontra-se na mão


dos seres humanos, já que “com seu agir o homem inscreve significados no mundo e cria
a estrutura significativa do próprio mundo” (KOSIK, 1976, p. 220). Da mesma forma que,
com seu agir estabeleceu-se a realidade atual, com seu agir também, pode-se acreditar em
um futuro menos preconceituoso e mais igualitário.

Quanto a importância das EMEI’s para a atualidade do município onde foi


realizada a pesquisa, PA, PB, PC e GA, falam sobre a importância dos estímulos e da
vivência de uma educação infantil de qualidade nessa faixa etária, sendo essa, a primeira
etapa da vida escolar das crianças, GB menciona isso de forma secundária, respondendo
primeiramente pela necessidade das famílias de trabalhar e ter um local de qualidade para
deixar os filhos, o que vem reforçar a visão assistencialista das escolas de educação
infantil. Porém, a situação e o professor constituem o trabalho pedagógico, da mesma
forma que, o trabalho pedagógico e a situação constituem o professor e, o professor e o
| 296
seu trabalho pedagógico constituem a situação, dialeticamente, já que, “a situação dada e
o homem são os elementos constitutivos da práxis, que é a condição fundamental de
qualquer transcendência da situação.” (KOSIK, 1976, p. 220).

Dessa forma, em meio a situação de crise de pertença dessas instituições, estão


os professores de educação infantil, profissionais imersos em uma “dinâmica
contraditória e fragmentada” (GARCIA, HYPOLITO, VIEIRA, 2005, p. 54) buscando a
resignificação de seu trabalho. Marx (2014, p. 18) diz que “a sociedade atual não é um
ser petrificado, mas um organismo capaz de mudar, constantemente submetido a

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processos de transformação”. Sendo essa sociedade, capaz de mudança, encontra-se no
professor de educação infantil, que trabalha na EMEI, a possibilidade de mostrar que, a
época na qual as crianças iam para a creche apenas para serem cuidadas, passou há muito
tempo, a realidade atual é bem diferente. E essa diferença, só pode ser mostrada à
sociedade através do trabalho pedagógico realizado por esse professor, encontrando-se
aí, a chave para a mudança que tanto se quer.

CONCLUSÕES

As EMEI’s passaram por um longo percurso até a atualidade, entretanto, a


importância dessas instituições e da educação infantil de uma forma geral, ainda está em
crise. A sociedade e, especialmente os pais de crianças que se encontram na faixa etária
de atendimento precisam compreender que, educação infantil não é um local para se
deixar os (as) filhos (as) para que eles (as) sejam cuidados e alimentados enquanto se vai
trabalhar, educação infantil é algo sério, é a primeira etapa da escolarização da criança,
embora obrigatoriamente seja somente a partir dos 4 anos de idade.

Uma Escola de Educação Infantil auxilia o desenvolvimento integral de uma


criança, seu senso artístico, motricidade, fala, entre inúmeras outras habilidades e
competências, não pode ser vista apenas de forma assistencialista. A sociedade precisa
compreender que, quando uma criança ingressa em uma EMEI, ela está dando o seu
primeiro passo na vida escolar, onde estará amparada por profissionais capacitados para
estimular seu desenvolvimento, realizando um trabalho pedagógico condizente com cada
faixa etária, gerando situações de ensino e aprendizagem, mesmo que aos olhos da
sociedade pareçam unicamente atitudes de cuidado. | 297

Em uma sociedade capitalista, dividida por classes sociais e marcada pelo


preconceito, onde a historicidade das EMEI’s ainda reflete a visão assistencialista que
possuíam há muito tempo atrás, a essência da mudança encontra-se no cerne da profissão
do professor, o seu trabalho pedagógico. É com ele que, o professor de educação infantil
será capaz de mudar a situação, mostrando que, não está em uma escola apenas para
“cuidar”, mas sim, para construir conhecimentos com os demais sujeitos imersos naquela
instituição, compreendendo que, todo o trabalho realizado ali é pedagógico, pois traz um

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objetivo a ser alcançado e está de acordo com a necessidade cognitiva, social e emocional
daquela criança que está sob sua responsabilidade naquele espaço de tempo escolar.

REFERENCIAS

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| 299

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A CONTRATAÇÃO DE PROFESSORES TEMPORÁRIOS
NAS REDES PÚBLICAS ESTADUAIS DE ENSINO NO
BRASIL
Thayse Ancila Maria de Melo Gomes (COLEMARX – PPGE/UFRJ)
thaymelog@gmail.com
Vânia Cardoso da Motta (COLEMARX – PPGE/UFRJ)
vaniacmotta@gmail.com
Jessyca Caroline Vieira dos Santos (IFRJ)
jessycavieira@live.com

Resumo: O presente artigo discute sobre a questão da contratação de professores


temporários nas redes públicas estaduais de ensino, em particular aqueles contratados
para lecionar do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e no ensino médio. Tem como
objetivo socializar a análise de dados levantados em nossas pesquisas sobre os editais de
seleção para contratação de professores temporários em 27 unidades federativas
brasileiras, com informações referentes a formação mínima exigida, o valor hora/aula e a
existência de hora-atividade. Nossa hipótese é que este tipo de contratação, de caráter
provisório e emergencial, no contexto das políticas neoliberais tem se tornado prática
corriqueira, conforme o Tribunal de Contas da União, porém, crescente e, sobretudo, em
condição cada vez mais precarizada.
Palavras-chave: Professor temporário; Precarização do trabalho docente; Trabalho e
Educação.
INTRODUÇÃO

As políticas públicas sob as bases dos princípios neoliberais, em curso desde os


anos 1980, aliadas à reestruturação produtiva criaram, segundo Antunes (2013), uma
“nova morfologia do trabalho”, cuja negatividade está na tendência mundial de
informalização da força de trabalho e de aumento dos níveis de precarização dos
trabalhadores (trabalho atípico, terceirizados, “cooperativismo”, “empreendedorismo”, | 300
“trabalho voluntário”). E contribuíram, consequentemente, para a intensificação das
contradições sociais, principalmente nos países de capitalismo dependente que tem como
traço histórico acumulado um número significativo de trabalhadores em condições de
precariedade.
Outro aspecto da precarização analisado por pesquisadores diz respeito a
intensificação desse processo para além dos setores produtivos privados, atingindo
também os setores públicos. No âmbito deste artigo, faremos referência, em especial, às
análises que tratam da precarização nos sistemas educacionais públicos no Brasil.

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Conforme dados gerais do Tribunal de Contas da União (TCU, 2014), em onze estados
brasileiros, 40% à 67% dos professores das redes estaduais estão atuando
temporariamente.
Nossa hipótese é que este tipo de contratação temporária, de caráter provisório e
emergencial, tem se tornado prática corriqueira, conforme o Tribunal de Contas da União,
porém, crescente e, sobretudo, em condição cada vez mais precarizada.
A temática se encontra pouco difundida nos espaços acadêmicos e ainda é escassa
a produção científica que aborde tal questão (GOMES, 2014). Logo, se tratando de uma
temática relevante, que não só envolve a profissão docente, mas a educação e a sociedade
como um todo, é imprescindível evidenciar esses dados e contribuir para o debate sobre
o processo cada vez mais intenso de precarização do trabalho docente nas redes públicas
de ensino. Nesse sentido, o presente artigo pretende constatar esse processo e refletir
sobre alguns elementos que envolvem a questão da educação brasileira em suas
especificidades, com o intuito de somar com as discussões já existentes.
Na primeira parte, será problematizado o processo de precarização do trabalho
docente em curso nos últimos anos na educação brasileira. Na segunda, a análise dos
editais de contratação de professor temporário nas unidades federativas.

1 Problematizando o processo de precarização da condição do trabalho docente nas


redes públicas de ensino

Souza (2013), analisando a reverberação do contexto da reestruturação produtiva


neoliberal no âmbito da Educação, defende que a suposta “modernização” não só do
| 301
sistema produtivo, mas também dos sistemas educacionais públicos no Brasil,
proporcionou um processo de precarização da condição do trabalho docente reforçado,
no âmbito ideológico, pela contínua pressão da necessidade de competitividade e
produtividade como forma “eficaz” para obter resultados. Um dos mecanismos que
legitimou a reestruturação no serviço público foi a Emenda Constitucional n.19 (1998)
que, como Souza (2013) sublinha, provocou mudanças substantivas nas relações de
trabalho e emprego público, possibilitando o fim do regime jurídico único,
implementando mecanismos de avaliação dos trabalhadores do setor público, aumentando

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o tempo de experiência para três anos e tornando possível a demissão em decorrência de
mau desempenho.
Às sombras dos sistemas de avaliações e no contexto de desemprego estrutural, o
governo federal, em meio à contrarreforma do Estado, implementou políticas que seriam
contraditórias, até então, na carreira pública, já que anteriormente a concepção de trabalho
no setor público se caracterizava pela estabilidade no emprego (SOUZA, 2013).
Dentro dessas mudanças que se relacionam entre si, a contratação temporária se
evidenciou nas várias categorias trabalhistas, entrelaçando-se com a precarização do
mundo do trabalho. Sobre isso, Linhart (2014) discute que:

A modernização plantou no próprio trabalho as sementes de uma insegurança


generalizada e conseguiu desfazer tudo que foi construído para conter e
dominar a difícil sorte dos assalariados inseridos na relação de subordinação
jurídica que é constituída pelo contrato de trabalho. Todos os esforços
realizadas pelos sindicatos e pelos coletivos para dar uma dimensão comum às
vivências dos operários foram pelos ares. Agora, cada um negocia sozinho seu
destino [...], sobretudo, vê no outro uma ameaça ou um peso (LINHART, 2014,
p.52).

Tais análises constatam que no contexto neoliberal, trabalhadores de diferentes


áreas de atuação, e mesmo em empregos estáveis, estão sendo hiperexplorados, inclusive
os professores das redes públicas. Sampaio (2004), ao discutir os mecanismos de
precarização do trabalho na educação, salienta algumas das condições lamentáveis
impostas aos professores da rede pública estadual básica como os reduzidos salários,
carga horária elevada e ausência de uma infraestrutura adequada.
Em relação ao professor temporário, Miranda (2005) define como aquele
profissional com contrato por tempo de serviço determinado, em substituição aos
professores efetivos provenientes de licenças médicas, afastamentos e vacância do cargo, | 302

a fim de completar, provisoriamente, quadro efetivo.65 Na qual, como mencionado


anteriormente, possui um caráter excepcional, visando proporcionar a continuidade do
ano letivo (MARCELINO, 2008). Já o professor efetivo, conforme Miranda (2005), é o
servidor público, concursado, estável e estatutário.
Segundo Vieira e Maciel (2011), esses profissionais geralmente possuem as
mesmas funções dos professores efetivos, enquanto que o seu salário e direitos

65
Previsto na lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993.

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trabalhistas são inferiores. Essa realidade degradante, segundo as autoras (ibid.), acaba
por impulsionar o professor temporário a buscar ou manter, paralelamente, outros
empregos, seja como docente ou não. Assim, este educador vive uma constante
preocupação por não possuir um emprego fixo, na qual Milani e Fiod (2008)
problematizam que o “professor temporário vive como um nômade em busca de trabalho,
um ser descartável segundo a legislação, portanto, compelido ao desemprego” (p.86).
Comungando com essa discussão, Santos (2013) destaca que a contratação
temporária traz uma série de inseguranças ao trabalhador da educação e uma afronta a
alguns direitos, principalmente pela instabilidade e o não pagamento dos direitos
trabalhistas por tempo de serviço no estado.
Mesmo com todas as problemáticas apresentadas, a contratação temporária de
educadores na rede pública estatual de ensino é uma realidade que se encontra nos
diversos estados brasileiro (GOMES, 2013; LORENÇÃO, 2010; NOVAES, 2010;
MILANI e FIOD, 2008; VIEIRA e MACIEL, 2011). Tal contratação, que deveria se
caracterizar por preencher temporariamente, e, sobretudo, esporadicamente, o déficit de
professores no quadro do magistério, vem se naturalizando.
Marcelino (2008), ao discutir o assunto, argumenta que mesmo que a contratação
temporária nas escolas públicas seja uma estratégia fundamental para garantir a
continuidade do ensino sem comprometer o ano letivo, deve-se fazer o uso desse
procedimento apenas em situações necessárias e não de maneira habitual. Até o momento
em que ocorra um novo processo seletivo para ingresso de profissionais devidamente
efetivados. Contudo, essa solução emergencial, que deveria ser utilizada apenas em
determinados momentos, encontra-se em constante uso, inclusive ofuscando a prioridade
| 303
de concursos e seleções para profissionais permanentes.
Como apresentado pelo Tribunal de Contas da União (TCU):

Foi constatada a prática rotineira de contratações temporárias pelas secretarias


de educação, fazendo com que a excepcionalidade acabe se transformando em
habitualidade, conforme apontado por 63% dos Tribunais de Contas que
avaliaram essa questão. A partir de dados do Censo Escolar de 2012, e
considerando os professores que atuam no ensino médio público estadual, o
TCU constatou que onze estados apresentam índices de contratação de
professores temporários na faixa entre 40% e 67% (TCU, p.24, 2014, grifos
nossos).

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É importante destacar, como mencionado por Marcelino (2008) e pelo TCU
(2014), que o movimento de uma ação de excepcionalidade está se transformando em
habitualidade. Além disso, o TCU (2014), ainda indica que esse tipo de contratação “cria
verdadeiras subcategorias de professores, sem a mesma remuneração e sem outros
direitos viabilizados por meio de vínculo minimamente estável com os governos
estaduais” (p.25).
Em estudos anteriores66, se formou um indicativo de que os educadores
temporários, mesmo possuindo funções idênticas aos professores concursados, são
inseridos em condições profissionais precárias, nas quais podem ser expostos, a depender
da unidade federativa e do tipo de contratação, a ausência de direitos trabalhistas (férias,
greve, FGTS, etc), salário reduzido, carga horária elevada, ausência de representação
sindical ou qualquer segurança profissional.
Para além das condições degradantes de sobrecarga profissional e baixos salários,
conforme Milani e Fiod (2008), os professores temporários ainda sofrem pela falta de
reconhecimento e valorização social. Com isso, todas as questões apresentadas
demonstram o quanto essa categoria é precarizada, mas que o medo pelo desemprego e a
necessidade de assegurar a sobrevivência faz com que estes profissionais acabem por
aceitar as determinadas situações mencionadas (MILANI; FIOD, 2008).

2 Análise de dados sobre a contratação de professores temporários pelas Secretarias


Estaduais de Ensino (SEEs)

Nesta parte apresentaremos a análise dos editais de contratação de professores


| 304
temporários pelas Secretarias Estaduais de Ensino (SEEs), disponíveis nos respectivos
sites oficiais das 27 unidades federativas do Brasil, totalizando 26 estados brasileiros e 1
distrito federal. Constituiu-se como pesquisa documental que, segundo Pimentel (2001),
possui como procedimentos a análises de documentos, organização e interpretação dos
conteúdos reunidos no levantamento de dados.

66
GOMES, T. O professor-monitor e suas implicações no trabalho docente na rede pública de ensino de
alagoas. In: Seminário Internacional da Rede Estrado, 15, 2014, Salvador. Anais... Salvador: UNEB, 2014.

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Nesse sentido, foram localizados e analisados editais e chamadas públicas das
Secretarias de Educação para contratação de professores temporários, já que neste tipo de
arquivo geralmente encontra-se informações sobre atribuições profissionais e condições
trabalhistas. Desse modo, apenas foram analisados documentos que estavam
disponibilizados na internet, por meio dos sites oficiais das secretarias e de bancas
organizadoras de concursos.
Após reunir os materiais, foi criado uma tabela com auxilio de um editor de
planilha digital, onde foram elencadas as informações: i) ano do último processo seletivo,
ii) formação mínima exigida, iii) valor hora/aula e iv) existência da hora-atividade. É
importante destacar que os dados listados na tabela foram coletados e atualizados entre
os meses de novembro e dezembro de 2015. Evidentemente, os dados que foram
excluídos anteriormente ou que surgiram posteriormente a esse período, não entraram
nesta pesquisa.
Por fim, através do recorte analítico realizado, o foco da pesquisa foi os
professores temporários do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e o ensino médio da rede
pública estadual, sendo o recorte temporal da pesquisa os anos 2013, 2014 e 2015.
Constatamos que existe uma quantidade expressiva de processos seletivos que
foram realizados para a contratação de professores temporários. Contudo, nem todas as
Secretarias disponibilizavam informações referentes aos procedimentos adotados para
contratação, o que representou infelizmente a ausência nessa pesquisa dos respectivos
estados: Paraíba; Tocantins; Sergipe; São Paulo (Figura 1).

Figura 1
Representação dos estados que não possuem informações sobre a contratação de professores temporários
| 305

Estados excluídos desta pesquisa


Estados que compõem esta
pesquisa

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Fonte: sites oficiais das Secretarias Estaduais de Educação

É importante ressaltar que a ausência de informações disponibilizadas pela


internet dos processos seletivos desses estados não representam a inexistência da
contratação temporária nessas regiões, uma vez que a própria Secretaria pode ter aberto
processos seletivos fora do período de coleta dos dados desta pesquisa e deletado as
informações em seguida, entre outras possibilidades.
Todavia, mesmo com a ausência dos estados elencados, de 27 unidades federativa,
foram encontradas informações sobre a contratação em 23 unidades, representando uma
porcentagem considerável de 85% do total.
Com base no levantamento dos dados, observou-se também que tal contratação
além de ser uma prática constante, como apresentado pelo relatório do TCU (2014), é
uma prática atual, já que os últimos processos seletivos desenvolvidos pelas SEEs
ocorreram entre os anos de 2013, 2014 e 2015, na qual apenas em 2015 foram abertos 12
chamadas públicas e oficias para a seleção de educadores temporários, representando
52% dos processos identificados em 3 anos (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos processo seletivo por ano 2013-2015
Ano SEE

Alagoas, Amapá, Bahia, Goiás, Maranhão, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de


2015
Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima

Acre, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santos, Mato Grosso, Mato Grosso
2014
do Sul, Minas Gerais, Rondônia, Santa Catarina

2013 Ceará, Pará | 306


Fonte: sites oficiais das Secretarias Estaduais de Educação

Nessa direção, ao analisar as chamadas públicas, constatamos uma variedade tanto


da formação mínima, quanto da remuneração e existência da hora-atividade, indicando
uma falta de padronização nacional e uma possível autonomia dos estados para efetuar
tal aquisição de recursos humanos.
Sendo assim, observando a formação mínima exigida para a atuação enquanto
educador temporário, foi identificado que em alguns estados não é necessário possuir

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curso superior, sendo aceito alunos com graduação incompleta, como vem ocorrendo no:
Maranhã, Mato Grosso, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Tal situação se apresenta como ilegal, já que é previsto no artigo 62 da lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional
(LDB), que a formação de docentes para atuação na educação básica ocorre em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação (BRASIL, 1996). Ou seja, para atuação enquanto professor do 6º
ao 9º ano do ensino fundamental e para o ensino médio, se faz necessário o curso superior
completo.
Todavia, mesmo existindo tal legislação que prever uma formação mínima para o
cargo de professor, os estados mencionados anteriormente estão ofertando vagas para
estudantes ainda em formação, não mencionando nos documentos analisados nenhum
supervisão ou auxílio pedagógico específico para os mesmos. Além do mais, no
Maranhão, Paraná e Piauí, os profissionais temporários que ingressarem no cargo com
graduação incompleta recebem o salário inferior aos que possuem o ensino superior,
sendo os valores (Tabela 3):

Tabela 3
Hora-aula dos professores temporários sem graduação
Hora-aula Curso Hora-aula Curso Superior
SEE
Superior Incompleto

Maranhão R$ 11,87 R$9,06

Paraná R$13,74 R$9,62


| 307
Piaui R$10,64 R$9,85

Fonte: sites oficiais das Secretarias Estaduais de Educação

Ou seja, além dos estados estarem equivocados no requisito mínimo de formação,


conforme a LDB, esses profissionais são colocados em situação inferior salarial,
justificada pela ausência do diploma.
Bastos (2014), ao analisar a situação da contratação temporário no Maranhão,
indica o processo seletivo como precarizado, alertando para a carga horária elevada, a
existência de estudantes de graduação ainda cursando o 4º período ministrando aulas e

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aponta a contratação como mecanismo de permanência e aprofundamento do
sucateamento do ensino e do trabalho docente. Segundo o autor (ibid.) esse tipo de
contratação:
[...] pôs em prática os princípios neoliberais da desregulamentação e
flexibilização, tanto do trabalho quanto dos direitos trabalhistas,
caracterizando a precarização do ensino e do trabalho docente. Essa estratégia
retira dos contratados direitos só então concedidos aos servidores concursados,
isto é, do quadro efetivo. Torna-se, assim, uma manobra jurídica que termina
por atender e se adequar as determinações/exigências do Banco Mundial e de
toda forte onda neoliberal [...] (BASTOS, 2014, p.169, grifos do autor).

Sobre isso, Ferreira (2013) aponta o fator econômico como determinante deste
fenômeno de contratação precária, uma vez que a admissão de funcionários temporários
torna-se mais econômica para o Estado em longo prazo, já que estes profissionais
geralmente não têm acesso a planos de carreira, progressões e gratificações. Com isso:

A contratação temporária permite reduzir as despesas estatais com pagamento


de pessoal, em conformidade com as tendências neoliberais de minimização
de gastos nas áreas sociais, porém os trabalhadores arcam com as principais
consequências desta opção política do Estado, sendo severamente impactados
por esta situação, tendo suas contratações, assim como suas condições de
trabalho precarizadas, o que incide negativamente sobre suas vidas e carreiras
(FERREIRA, 2013, p.11)

Desse modo, ao pesquisar os salários que estavam sendo ofertados nos processos
seletivos, foi constatada uma variação considerável da remuneração desses profissionais
entre as regiões analisadas, como apresentado a seguir através do valor da hora-aula
referente ao curso superior completo (Figura 2):

Figura 2
Hora/aula-atividade por unidade federativa
| 308
Amapá (R$ 21,35)
Espírito Santo (R$ 19,82)
Amazonas (R$ 18,53)
R.G. do Norte (R$ 16,77)
Pará (R$ 16,66)
Bahia (R$ 15,79)
Alagoas (R$ 15)
Rio de Janeiro (R$ 14,69)
Paraná (R$ 13,74)
Roraima (R$ 13,58)
Distrito Federal (R$ 13,4)
Ceará (R$ 13,25)
Rondônia (R$ 12,6)
Maranhão (R$ 11,87)
Piauí (R$ 10,64)
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Pernambuco (R$ 8,49) BRASILEIRO DA RED ESTRADO
TRABALHO GoiásDOCENTE
(R$ 8,17) E PNE: desafios à valorização profissional
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Fonte: sites oficiais das Secretarias Estaduais de Educação

Ao analisar os editais, curiosamente, nem todos as Secretarias67 informaram o


salário que seria fornecido, o que gera um certo questionamento do motivo pela ausência
desta informação tão relevante para candidatos que se propõem a participar de processos
seletivos.
Nessa direção, como observado na figura acima, mesmo que os professores
temporários possuam a mesma função de ministrar aula, organizar atividades, entre outras
atividades comuns, não existe uma padronização específica para esses educadores. O que
mais se aproxima disso é o piso salarial para o magistério (BRASIL, 2008), lei nº 11.738,
de 16 de julho de 2008, onde em 2015 estava em R$1.917,78 correspondendo a
40hs/semanais68.
É importante destacar que o valor mínimo orientado pelo Ministério da Educação
– MEC, refere-se a remuneração dos professores das séries iniciais que possuem apenas
o curso normal ensino médio69 (BRASIL, 2008). E, também encontra-se previsto no piso
salarial a “hora-atividade”, Parecer nº 18/2012, que corresponde ao tempo em que o
professor irá passar planejando atividades (1/3 da sua carga horária), corrigindo provas,
participando de reuniões, de cursos de formação continuada, entre outras atividades
pedagógicas para além da sala de aula (BRASIL, 2012).
| 309
Desse modo, dividindo o piso salarial dos professores efetivos em hora-aula, para
efeito de comparação com os professores temporários, foi possível chegar no valor
mínimo de R$11,98 hora/aula. Assim, constatou-se que os estados do Maranhão

67
Secretarias que não disponibilizaram o valor do salário dos professores temporários no edital: Acre,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
68
BRASIL. Piso salarial do magistério é de R$ 1.917,78. O reajuste em janeiro deste ano foi de 13,01%.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/piso-salarial-de-professores?id=21042.> Acesso: 05/01/2016.
69
Segundo Brasil (1999), o curso normal médio possui a função habilitadora de formar “docentes
para atuar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, tendo como perspectiva o
atendimento a crianças, jovens e adultos, acrescendo-se às especificidades de cada um desses grupos
[...] Assim, além de assegurar titulação específica que habilita, o curso tem também a validade do
ensino médio brasileiro, para eventual prosseguimento de estudos” (p.20).

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(R$11,87), Piauí (R$ 10,64), Pernambuco (R$ 8,49) e Goiás (R$ 8,17) estão abaixo do
indicado para a função docente.
Além disso, analisando os editais, apenas duas secretarias sinalizaram a existência
de hora-atividade no edital: Distrito Federal e Mato Grosso. Desse modo, apenas podem
existir duas explicações para isso, ou os estados ocultaram tal informação no edital, ou de
fato a hora-atividade não é uma realidade para os professores temporários.
Com isso, além dos professores temporários receberem baixa remuneração, a
situação se agrava ainda mais nos estados em que eles não possuem hora-atividade, já que
todo o tempo que eles passam preenchendo caderneta, preparando aula, entre outras
atividades, não é contabilizado, o que pode indicar uma elevação da carga horário desse
docente não remunerada.
Por fim, por meio do panorama apresentado, pode-se indicar que a contratação
temporária de professores não só vem ocorrendo frequentemente, como também se
constitui como um prática atual predominante nas Secretarias de Educação Estaduais. E,
como discutido, se constitui como uma prática precária de contratação, na qual o maior
beneficiário é o Estado, através da economia com direitos trabalhistas e os baixos salários,
indicando uma claro quadro de desvalorização docente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como apresentado, a contratação por tempo determinado de professores nas redes


estaduais de ensino possui alguns elementos preocupantes, a saber: baixos salários,
indicativo de ausência de hora-atividade, ingresso ao magistério por estudantes sem
| 310
graduação completa, falta de segurança profissional, entre outros.
É um consenso entre os pesquisadores mencionados neste artigo, que esse modelo
de contratação, além de ser precário, prejudica o corpo docente, apenas beneficiando os
interesses econômicos do Estado. A partir disso, não só a profissão docente é influenciada
negativamente, mas toda a educação pública, que cada vez mais sofre processos de
sucateamento oriundos do modelo econômico vigente.
Desse modo, a pesquisa destaca um movimento de esvaziamento do real objetivo
da contratação temporária de professores pelas secretarias de educação estaduais, onde

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originalmente deveria atender as necessidades provisórias e imediatas, e atualmente está
se configurando como uma política corriqueira e permanente. Nesse sentido, resta para a
categoria docente não só desenvolver mecanismos de resistência, mas também,
mecanismos de enfrentamento contra o uso abusivo desse tipo de contratação que,
infelizmente, vem se naturalizando no ambiente escolar.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo (Org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São
Paulo: Boitempo, 2013.
BRASIL. Piso salarial do magistério é de R$ 1.917,78. O reajuste em janeiro deste
ano foi de 13,01%. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/piso-salarial-de-
professores?id=21042.> Acesso: 05/01/2016.
________. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Piso salarial para o magistério
público da educação básica. Brasília: MEC, 2008.
________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e bases da educação
nacional. Brasília: MEC, 1996.
________. Parecer 01/99. Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de
Professores na Modalidade Normal em Nível Médio. Brasília: MEC, 1999.
________. Parecer nº 18/2012. Implantação da Lei nº 11.738/2008. Brasília: MEC,
2012.
FERREIRA, D. Os professores temporários da educação básica da rede pública estadual do
paraná: a flexibilização das contratações e os impactos sobre as condições de trabalho docente.
In: Seminário Internacional de Pinhais, 5, 2013, Pinhais. Anais. Pinhais: SEMED, 2010.
| 311
GOMES, T. O professor-monitor e suas implicações no trabalho docente na rede pública
de ensino de alagoas. In: Seminário Internacional da Rede Estrado, 15, 2014, Salvador.
Anais. Salvador: UNEB, 2014.
LINHART, D. Modernização e precarização da vida no trabalho. In: ANTUNES, R.
(Org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.
LORENÇÃO, F. Professores temporários e o trabalho docente. In: Seminários de
Pesquisa em Ciências Humanas, 8, 2010, Londrina. Anais. Londrina: UEL, 2010.

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MARCELINO, P. Terceirização e ação sindical, a singularidade da reestruturação
do capital no Brasil. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de
Campinas. Anais. Campinas, 2008.
MILANI, N; FIOD, E. Precarização do trabalho docente nas escolas públicas do Paraná
(1990-2005). Roteiro, Joaçada,v.33, n.1, p.77-100, jan./jun. 2008.
MIRANDA, K. A natureza do trabalho docente na acumulação flexível. In: Colóquio
Marx e Engels, 5, 2005, Campinas. Anais. Campinas: FCH, 2005.
NOVAES, L. A formação des(continuada) dos professores temporários: provisoriedade
e qualidade de ensino. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v.10, n.30, p.247-265,
maio/ago. 2010.
PIMENTEL, A. O método da análise documental: seu uso numa pesquisa historiográfica.
Cadernos de Pesquisa. n.114, p. 179-195. 2001.
SAMPAIO, M. Precarização do trabalho docente e seus efeitos sobre as práticas
curriculares. Educação & Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1203-1225, Set./Dez.
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SANTOS, R. A escola e as condições do trabalho docente: um retrato de Maringá.
Revista Vernáculo , v. 31, p. 106-127, 201
SOUZA, A. Professores, modernização e precarização. In: ANTUNES, R. (Org.)
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TCU. Ensino médio no Brasil. Disponível em:
<http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2642558.PDF>. Acesso: 09/12/2015.
VIEIRA, R.; MACIEL, L. Repercussões da acumulação flexível no campo educacional:
O professor temporário em questão. Revista Histedbr on-line, Campinas, número
| 312
especial, p.156-169, abr. 2011.

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A CARREIRA DOCENTE NA REDE ESTADUAL DE ENSINO
DO PARÁ
Michele Borges de Souza (UFPA)
michelinhe@yahoo.com.br
Silvia Letícia da Luz (UFPA)
silvialeticialuz@yahoo.com.br

Resumo: Este artigo trata-se de um estudo documental e bibliográfico em que se analisa


a carreira docente da educação básica no Estado do Pará e suas limitações, na perspectiva
de que seja um instrumento que assegure a necessária valorização o trabalho docente.

Palavras-chave: carreira docente; trabalho; valorização profissional.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, artigo 206, incisos V e VIII, determinam a


valorização dos profissionais da educação pública e a melhoria da qualidade do ensino
como um dos princípios da educação ao tempo que orienta gestores da educação pública
dos Estados, Municípios e do Distrito Federal a construção de Planos de Carreira, Piso
Salarial Profissional e a exigência de ingresso na carreira do magistério público
exclusivamente por concurso público de provas e títulos (BRASIL, 1988). Tal medida
visa proporcionar condições dignas e de melhor remuneração profissional com o
propósito de reverter o processo social de desvalorização do professor.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996 reforça o texto
da Constituição de 1988, nos artigos 61 ao 67, TÍTULO VI, direcionado aos profissionais
da educação. Esta Lei define quem são considerados profissionais da educação e os
fundamentos para a sua formação, assegura que os sistemas de ensino devem valorizar os
profissionais interligando-se aos termos dos Estatutos e dos Planos de Carreira do | 313
magistério público.
O artigo 67 deste marco legal estabelece mecanismos para a valorização dos
profissionais da educação, relacionando valorização, remuneração e carreira. Os sistemas
de ensino devem assegurar em seus estatutos e planos de carreira para o magistério
público: admissão na carreira somente por meio de concurso público de provas e títulos;
formação continuada inclusive com concessão de licença remunerada; Piso Salarial
Profissional; progressão funcional com base na titulação ou habilitação e na avaliação de

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desempenho; tempo dedicado para estudos, planejamento e a avaliação, inclusos na carga
horária de trabalho dos docentes e condições adequadas de trabalho (BRASIL, 1996).
A carreira é parte do processo de construção do conceito de valorização
profissional, pois esta implica a adoção de critérios que vão do reconhecimento social da
atividade às efetivas condições de trabalho, inclusive materiais. Nóvoa (1995) sugere
algumas etapas no desenvolvimento da profissão, dentre as quais o estabelecimento de
um suporte legal para o exercício das atividades docentes.
Este texto analisa a carreira dos profissionais da educação da rede pública estadual
de ensino paraense tendo como referência a Lei nº 7.442/2010 que instituiu o Plano de
Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR), identificando a função desse dispositivo legal,
buscando verificar se o mesmo pode tornar a carreira no magistério da educação básica
mais atrativa, por meio do reconhecimento do profissional da educação, e de sua prática
cotidiana escolar, proporcionando a permanência dos mesmos na rede pública estadual
do Pará valorizando-o profissional e socialmente.
Mas o que deve contemplar um Plano de Carreira? Antes de qualquer coisa, este
deve favorecer a profissionalização docente. Seu objetivo deve ser de valorizar os
profissionais da educação assegurando, dentre outros direitos, o ingresso na carreira via
concurso público de provas e títulos, formação continuada (de qualidade) com direito a
licença remunerada, remuneração digna, progressão funcional, período reservado aos
estudos, planejamento e avaliação incluídos na carga horária e condições adequadas de
trabalho com a possibilidade de dedicação exclusiva em um único estabelecimento de
ensino. A articulação desses aspectos dentro de um Plano de Carreira possibilita que o
magistério público torne-se atrativo assim como uma motivação para continuar o
| 314
exercício no magistério (SOUZA, 2012).
Neste sentido torna-se importante analisar se o processo de valorização
profissional, especialmente da carreira do magistério, tem se efetivado. A carreira
fomenta o ingresso inicial e estimula a permanência na profissão? Promove a formação
profissional? Por meio de análise documental e bibliográfica, procuramos responder estas
indagações.

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O artigo divide-se em dois momentos. No primeiro são analisados os principais
aspectos legais contidos no Plano. E, no último, buscou-se identificar aspectos de
valorização na carreira a partir de sua implantação.

O Plano de Carreira como instrumento de valorização


Desde 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a valorização dos
profissionais da educação escolar (redação dada pela E.C nº 53/2006) deve ser garantida
por meio de Planos de Carreira. Portanto, desde este período o magistério público estadual
paraense deveria contar com um Plano de Carreira específico para os profissionais.
Por muito tempo, os dispositivos legais para estruturação da carreira na rede
estadual de ensino, citamos a exemplo, progressão vertical e horizontal, foram regidos
principalmente pela Lei nº 5.351, de 21 de novembro de 1986, que trata do Estatuto do
Magistério Público Estadual do Pará, regulamentada pelo Decreto nº 4.714 de 9 de
fevereiro de 1987, assim como pela Lei 5.810 de 1994, que trata sobre o Regime Jurídico
Único dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, das Autarquias e das
Fundações Públicas do Estado do Pará, ou simplesmente Estatuto dos Servidores
(BRELAZ, 2010). Essas legislações foram por muitos anos a base para progressão na
carreira e para a remuneração dos profissionais da educação da rede estadual do Pará e
que segundo Brelaz (2010) ainda vão permanecer aplicáveis naquilo em que o PCCR
atual não dispõe.
Como os profissionais da educação da rede estadual não contavam com um PCCR
e o Estatuto do Magistério não dava conta de todas as normatizações para a carreira a
| 315
Secretaria de Educação aprovou portarias, decretos, leis complementares que tinham a
finalidade de normatizar a carga horária de trabalho, a formação inicial e continuada, o
abono salarial, a criação de cargos. Procedimentos que ocasionavam problemas aos
professores, gerando insatisfação da categoria docente.
A discussão sobre os Planos de Carreira está no centro dos debates sobre a vida
funcional dos profissionais da educação. Para Abreu (2008), a instituição de mecanismos
que privilegiam a carreira conjugada à valorização profissional com oportunidades e
salário digno é uma reivindicação histórica do movimento de professores no Brasil.

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Portanto, para Luz (2008) a compreensão do que significa a profissionalização docente
para o debate sobre a carreira é fundamental, pois envolve o entendimento sobre a
natureza do trabalho e a identidade desse trabalhador.
Atualmente, a legislação que prevê a elaboração ou adequação dos Planos de
Carreira do magistério pautam-se nos artigos 6º da Lei nº 11.738/2008 (Piso Salarial
Profissional Nacional), 40 da Lei nº 11.494/2007 (Lei do FUNDEB) e na Resolução
CNE/CEB nº 2, de 28 de maio de 2009. Mesmo considerando que a Resolução do CNE
não ser equivalente à força de lei federal, as diretrizes propostas para os novos Planos de
Carreira e Remuneração devem ser seguidas pelos entes federados.
A Lei nº 7.442/2010 apresenta-se em seis capítulos, nos quais estão expostos seus
principais objetivos, princípios e garantias, assumindo como pressuposto fundamental a
valorização dos profissionais da educação básica e da qualidade do ensino público na rede
estadual. Apresenta conceitos de elementos fundamentais que a compõe; trata da estrutura
dos cargos e da carreira e o seu respectivo desenvolvimento funcional, por meio da
progressão vertical e horizontal; determina a avaliação de desempenho dos profissionais
- como um dos critérios para a progressão - e do sistema estadual de ensino. Apresenta
capítulos e sessões sobre formação e a qualificação profissional, remuneração e regime
de trabalho.
A Lei do PCCR do Estado do Pará conceitua Plano de Cargos, Carreira e
Remuneração como:
[...] o conjunto de normas que disciplinam o desenvolvimento do
servidor na carreira, correlacionam as respectivas classes de cargos com
os níveis de escolaridade e de remuneração dos profissionais que
ocupam e que estabelecem critérios para o desenvolvimento, mediante
progressão vertical e horizontal (PARÁ 2010, Artigo 4º, I). | 316

Este conceito de PCCR que a Lei Estadual apresenta se resume em um conjunto


de normas para a carreira e a remuneração dos profissionais da educação. Portanto, é um
conceito parcialmente correto visto que a Lei aborda também a qualificação profissional.
Porém, não correlaciona outro elemento que também favorece a valorização dos
profissionais da educação básica como condições de trabalho.
A partir desta compreensão é possível verificar que mesmo assegurando, por
exemplo, jornada de trabalho com hora atividade, ou seja, tempo de planejamento, o

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PCCR regulamentado em 2010, portanto depois da aprovação da Lei do Piso Salarial
Nacional Profissional, não assegura um terço de hora atividade, deixando, desta forma de
cumprir a integralidade da Lei do Piso.
Enfatizamos que apesar deste PCCR apresentar elementos de grande importância
para a carreira dos profissionais da educação este é agregado a um viés funcionalista da
profissionalização. De acordo com Cassettari (2008) as cobranças sobre os professores
para que desenvolvam um trabalho de melhor qualidade, eficiência e produtividade
aumentam tomando como base a ideia de que existe uma relação direta entre o trabalho
que desempenham e a qualidade da educação, demonstrada, principalmente, pela
aprendizagem dos alunos.

(Des) valorização da carreira no magistério público estadual paraense.

A organização na carreira, de acordo com Abreu & Balzano (2001), é feita por
distribuição dos cargos efetivos em classes, significa os degraus da carreira, que configura
o conjunto de cargos iguais em responsabilidades e vencimentos.
[...] A passagem de uma classe para outra constitui uma forma de
progressão conhecida como promoção. Assim, progressão significa
qualquer mudança de posição na carreira, e promoção implica mudança
de classe. Por outro lado, a organização da carreira deve constituir meio
de incentivo ao servidor, para que adquira novos níveis de escolaridade
e busque atualização, experiência profissional e aperfeiçoamento de seu
trabalho. Para o servidor, a carreira constitui direito à progressão
profissional regulamentada, e ele pode ocupar sucessivas posições em
graus crescentes de importância, remuneração e responsabilidades
(idem, p. 220-221)
| 317
Na Lei nº 7.442/2010 a carreira corresponde ao conjunto de classes e níveis que
definem a evolução funcional e remuneratória do servidor (profissional da educação), de
acordo com a complexidade de atribuições e grau de responsabilidade (PARÁ, 2010).
A estrutura da carreira dos professores na Lei do PCCR/PA é definida em classes,
determinadas de acordo com a formação/titulação apresentada pelo profissional e
desdobram-se em doze níveis, definidos de “A” a “L”. Representa o valor do vencimento-
base fixado para a classe, seria o crescimento funcional do servidor no plano e/ou na
carreira (PARÁ, 2010).

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A nova nomenclatura dos cargos de professor e Classes de acordo com sua
formação na Lei 7.442/2010 correlacionando ao que era no Estatuto no Magistério de
1986. O titular do cargo de professor AD-1 ou AD-2 será provido no cargo de professor
intitulado Classe Especial. O professor AD-3 e AD-4 no cargo de professor e a classe
dependerá da titulação, como mostra o quadro abaixo:

Quadro 4 Quadro permanente do grupo ocupacional do magistério da educação básica da


rede pública de ensino do estado do Pará
Classes Cargo e Código Formação
Classe Especial Professor Nível médio e licenciatura
curta
Classe I Professor I Licenciatura plena e
Especialista em Educação I Pedagogia
Classe II Professor II Especialização
Especialista em Educação II
Classe III Professor III Mestrado
Especialista em Educação III
Classe IV Professor IV Doutorado
Especialista em Educação IV
Fonte: PARÁ, 2010.

No art. 8º do PCCR/PA determina-se o ingresso para o cargo de professor na


carreira do Magistério Público que será, obrigatoriamente, sempre na Classe I, Nível A,
mediante aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. É importante
frisar que este artigo está em desacordo com o que estabelece a Constituição Federal de
1988, artigo 206, a LDB 9.394/1996, artigo 67, e a Resolução CNE/CEB Nº 02/2009,
artigo 4º, naquilo que é pertinente ao ingresso na carreira, sendo determinado nessas
| 318
legislações que o ingresso na carreira se dê exclusivamente, por concurso público de
provas e títulos e não pela realização apenas de provas para o provimento nos cargos do
magistério.
A seleção de candidatos mediante a realização de provas visa avaliar os
conhecimentos em relação à profissão e à área para a qual estão habilitados e que se
propõem a atuar, e os títulos comprovam a qualificação e experiência docente prévia.
Segundo Brelaz (2010), os concursos de provas e títulos não se dão meramente para

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privilegiar os que possuem nível de pós-graduação, representam além de tudo a
valorização e a qualificação do profissional que concorreu à vaga.
Sobre a questão da carreira única para os cargos de professor, Brelaz (2010) avalia
que a Lei do PCCR evidencia uma antinomia, pois:
Na criação do cargo de professor, se de um lado pode ser admitido como
único, aglutinando alguns cargos, de outro, não incorporou
completamente os cargos de nível médio - AD1 e AD2 - que não
poderão progredir verticalmente. Estes, se não foram alçados à
qualidade de nível superior, lhes foram destinados uma gratificação
pela obtenção dessa graduação. Em relação à titulação, embora
mantidos os mesmos percentuais previstos no Estatuto do Magistério,
passou a ser cumulativo com a progressão vertical, antes vedada.

A unificação que tanto é caracterizada como uma “vitória”, ocorre apenas em


termos de abrangência da Lei do PCCR quando prevê quem são os integrantes do
magistério da educação básica. A valorização profissional, portanto é apenas dada a
professores e especialistas em educação. Cabendo regulamentação específica com a
reformulação do PCCR atual para um PCCR Unificado de todos (as) os trabalhadores (as)
da educação.
Na Lei do PCCR/PA, artigo 9º, o desenvolvimento funcional dos profissionais da
educação é determinado a partir de dois critérios: aprovação na avaliação de desempenho
e participação em programas de desenvolvimento ou qualificação profissional.
A progressão será feita de duas formas: horizontal e vertical. A primeira concerne
ao reconhecimento pelo tempo de serviço, a cada três anos, segundo determinados
critérios (avaliação de desempenho), tendo direito a um incremento salarial, acessando
ou não um novo nível (iniciada pelo nível “A” até o último “L”), sem nenhuma alteração
| 319
de classe ou cargo.
A progressão vertical, por sua vez, caracteriza-se como uma escala hierarquizada
ao qual o docente pode progredir de uma classe para outra associada a um determinado
incremento salarial a partir de sua titulação. E a progressão horizontal, de um nível para
o outro dar-se-á ora automática, ora por meio da avaliação de desempenho e a depender
da disponibilidade orçamentária do Estado que deverá remunerar o professor que
progredir em 0,5% de acordo com o vencimento base do nível A.

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A progressão na carreira é um mecanismo de valorização dos profissionais da
educação e a Lei aprovada em 2010 sinaliza para uma flexibilização da progressão por
antiguidade ou merecimento no caso a progressão horizontal.
A Lei nº 7.442/2010 determina que para a realização da avaliação de desempenho
seja criada uma Comissão Permanente de Avaliação de Desempenho Funcional composta
por cinco servidores estáveis, integrantes do Quadro Permanente, designada por ato do
Secretário de Estado de Educação, pelo período de até dois anos, prorrogável, uma única
vez, por igual período. Esta comissão até este momento não foi formada e viabilizada.
A finalidade da criação do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração deve ser para
ampliação, e não de restrição, dos diretos do profissional da educação. Ao criar
Comissões de Avaliação e submeter estes profissionais à lógica punitiva na medida em
que a comissão, ao desempenhar sua função de “acompanhamento” do desenvolvimento
do trabalho exercido pelo docente assim como dos envolvidos com o processo de ensino-
aprendizagem, deverá emitir um relatório ou parecer para a Secretaria de Educação, no
qual constará se este ou aquele exerceu suas atividades de acordo com “as normas” para
que assim se proceda à progressão na carreira. Avaliação feita desta forma poderá
desencadear dentro do ambiente de trabalho a competitividade, pois como veremos a
seguir, a progressão na carreira é estritamente vinculada à aprovação pela Comissão de
Avaliação e mediante critérios de seleção.
Em relação às competências atribuídas à Comissão, elas são de grande
responsabilidade e também demandam um respectivo tempo para sua execução. Seria
cabível que os componentes dessa comissão fossem licenciados de seus cargos para poder
exercê-la, já que não terão nenhum tipo de gratificação ou vantagem pecuniária. Caso
| 320
isso não aconteça, a Comissão de Avaliação não terá tempo para se reunir e dar conta do
que lhe é exigido.
Como consequência se terá profissionais com sobrecarga de trabalho que
necessitam cumprir metas e critérios para poder ascender na carreira. É o que
denominamos de submissão do trabalho docente ao que é imposto pelo Governo, tendo,
entretanto, a possibilidade do próprio profissional defender a lógica da meritocracia em
sua carreira.

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De acordo com Rocha, Oliveira e Lacerda (2010, p. 4) a meritocracia pressupõe
“[...] um processo de avaliação pelo qual se discute quem merece, ou quem não merece
ter alguns ‘privilégios’, portanto o ‘prêmio’ não pode ser para todos e deve haver critérios
ou normas de corte”. Neste caso, a avaliação de desempenho faz parte do processo de
instauração de um novo modelo de gestão com uma determinada concepção de qualidade
e de excelência e com novas formas de controle envolvendo estímulos à competição que
afetam profundamente o trabalho docente e a subjetividade do professorado (idem).
A Lei do PCCR/PA prevê que a avaliação não será apenas do desempenho
funcional do professor ou do profissional do magistério, mas também do sistema de
ensino, o que caracterizamos como importante, pois as condições em que o trabalho do
professor desenvolve são também relacionadas às condições de trabalho que o sistema de
ensino oferece.
Mesmo assentado nos princípios da objetividade e transparência o PCCR/PA não
apresenta critérios claros e objetivos para a avaliação institucional e o que esta terá como
“punição” quando não tiver bom desempenho. Os incisos I, II, IV, VI correspondem
relativamente às ações do governo e à Secretária de Educação, assim como ao
estabelecimento de ensino (avaliação institucional), porém não menciona o que deve ser
avaliado e como deve ser realizada essa avaliação.
Por outro lado, a melhoria da atuação profissional é dada como mérito ao
profissional que seguir as normas impostas pelo governo, por intermédio da Comissão de
Avaliação, o qual receberá em troca a ascensão na carreira e quando é reprovado este
ficará impedido de evoluir. Os incisos III, VI e VII estão relacionados diretamente aos
profissionais da educação, sendo que o último (resultados educacionais) pode chamar
| 321
toda atenção, pois a avaliação considera os resultados obtidos pelos alunos pelas
avaliações externas. Isso está se tornando um fenômeno recorrente e que vem sendo
influenciado por diversos fatores, o que segundo Alves e Pinto (2011) vêm ocasionando
maior centralidade no papel do professor nos programas educacionais e sua
responsabilização pelos resultados do processo educativo nos sistemas públicos de
educação básica.
O poder público estadual, via Secretaria de Educação, deve considerar as
verdadeiras necessidades dos profissionais e não somente relacionar a qualidade a

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números que vem sendo divulgados pela mídia, por meio dos resultados de avaliações
externas da educação, pelo baixo índice da qualidade da educação oferecida nas escolas
públicas do Brasil, assim como no Pará, culpabilizando diretamente os professores por
esses resultados. Concordamos com Correa e Pinto (2010, p. 02-03) ao afirmarem que:
A atividade desenvolvida pelo professor é, sem dúvida, um dos fatores
mais relevantes para um bom resultado, mas apenas ele não basta. É
preciso considerar a realidade dos alunos e, fundamentalmente, as
condições de infraestrutura e funcionamento da própria escola que,
sendo pública, depende diretamente do montante de recursos garantidos
pelo governo em suas diferentes instâncias.

Estamos em tempos de Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)


que é o “termômetro” da qualidade do ensino oferecido nas escolas públicas e privadas
no Brasil, portanto baixo índice indica que os alunos não aprenderam e que os professores
não ensinaram. E como as avaliações são restritas, às disciplinas de Língua Portuguesa e
Matemática há uma tendência de que o foco do processo ensino-aprendizagem recaia
apenas sobre esses conhecimentos (SOUZA, 2012). Concordamos com Souza (2009) ao
considerar que a desqualificação do professor da escola pública e a remuneração estão de
acordo com o discurso produtivista dos Organismos Internacionais e o incentivo pela
competitividade no mercado de trabalho.
Abreu (2008, p. 59) evidencia que com maior frequência os planos de carreira
docente se estruturam a partir de privilégios, da maior habilitação, tempo de serviço e
avaliação de desempenho. A polêmica e rejeição à avaliação de desempenho recaem
justamente por essa estar condicionada:
[...] às formas de gestão da escola que, na maioria das vezes,
reproduzem práticas autoritárias e clientelistas e essas práticas
poderiam interferir no resultado da avaliação (por exemplo, punir | 322
algum posicionamento ideológico), se esta for de responsabilidade
direta da chefia imediata (não colegiada) (idem, p.59).

A avaliação de desempenho deve ser inserida em um contexto em que se pretende


envolver as partes que constituem o todo, promovendo o engajamento e melhorando as
condições de trabalho destes. Todavia, consideramos que o objetivo da avaliação de
desempenho deve ser de um instrumento para melhorar a qualidade do ensino-
aprendizagem, por meio de uma ação continuada de reflexão sobre a prática, com o
objetivo de mudar e aprimorar a qualidade do seu trabalho e não como um mecanismo de

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punição aos profissionais a educação. Partimos do pressuposto que a progressão na
carreira deve considerar o tempo de serviço e o mérito relacionado à titulação/habilitação.
Concordamos com a opinião de Abreu (2008), sobre a questão da carreira, ao
evidenciar que os próprios profissionais tendem a considerá-la por um ponto vista
individualizado e subjetivo, já que essa geralmente apresenta a possibilidade de avanços
pautados nas progressões verticais e horizontais.
Esta se torna individualista quando é apenas de responsabilidade do próprio
profissional para progredir por meio de obtenção de titulação. Por outro lado, esta autora
explica que os planos de carreira, embora se organizem numa lógica estrutural
individualizada para os trabalhadores em educação, quando estabelece que a progressão
na carreira decorra de progressão horizontal e vertical, são também um instrumento
coletivo que promove tanto a valorização profissional, quanto a efetividade do direito à
educação de qualidade para todos.
Ainda que a carreira por si só não leve, a priori, à melhoria da qualidade
da educação, esta possibilita definir padrões de formação inicial e de
avanço (tanto horizontal como vertical), além das condições de trabalho
em conformidade com as necessidades postas para a realização do
trabalho educativo, tais como: carga horária, aperfeiçoamento
profissional, hora-permanência para estudo e planejamento, etc., que
são aspectos indissociáveis para a efetivação do direito à educação.
Afinal, não há como realizar uma educação de qualidade com
profissionais mal preparados e sem condições adequadas de formação
e de trabalho. Neste sentido, um piso salarial profissional nacional,
concurso público e estabelecimento de plano de carreira são
instrumentos mínimos para a valorização do magistério (ABREU,
2008, p. 35).

Quando se privilegia alguns em detrimento de outros, o governo, que foi autor das
| 323
regulamentações iniciais do plano, propicia a desmotivação do professor em exercer sua
função o que entra em desacordo com um dos princípios do PCCR que deve promover a
motivação e retenção dos profissionais da educação que não respondem somente a um
estímulo monetário, mas a um conjunto que envolve formação inicial e continuada,
melhores condições de trabalho, progressão na carreira.
No momento em que os governantes se apoderam de tal preceito meritocrático, se
desresponsabilizam com a qualidade da educação, que passa a ser de responsabilidade
apenas do professor: centralidade do trabalho docente. O Estado regula a qualidade por
meio do trabalho do professor, com ênfase na avaliação de desempenho, assim, não cabe

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ao Estado garantir a qualidade, mas apenas controlá-la. Mesmo anunciando que o
institucional deva ser avaliado, o que este terá como penalidade? Em contrapartida, o
profissional que não for aprovado na avaliação de desempenho será penalizado com a não
progressão da carreira, a desqualificação do trabalho e a desvalorização salarial.
Para progredir serão analisados requisitos que os professores deverão atingir, tais
como: produção acadêmica; produção bibliográfica; atuação em missões institucionais;
participação em eventos científicos; participação em programas de formação e/ou
qualificação profissional relacionado à educação (PARÁ, 2010). Isto significa que o
professor além de se preocupar com a sua formação deverá também ter sempre em
“mente” que para progredir na carreira deverá seguir os critérios acima o que propicia a
concorrência entre os mesmos. A lógica do mais bem remunerado é sempre o que mais
produz, é o mais participativo e, portanto o mais reconhecido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos que as políticas de formação e de valorização do magistério no
Estado do Pará não estão articuladas, são descontínuas na medida em que o PCCR não
estimula ou valoriza o esforço por maior qualificação.
Evidenciamos que a existência de uma carreira é condição e garantia da
profissionalização dos trabalhadores da educação. Neste caso, a profissionalização dos
docentes significa levar em consideração a identidade do professor, pois como já
evidenciamos em momentos anteriores, essa discussão está dentro da atual conjuntura
educacional mundial e nacional.
O discurso da valorização e da garantia de formação de qualidade tem sua
| 324
validade, porém, a forma como ela está acontecendo compromete em demasia a formação
e a qualidade da mesma. Incentivar o professor à formação não é somente para fazer
cursos rápidos como lato sensu, que são cursos de especialização, não que esses não
possam ser feitos, mas que o governo incentive também que os docentes se formem em
cursos como de mestrado e doutorado, com direito à licença remunerada, bolsas e
garantias salariais, o que não constatamos nesse PCCR, pois mesmo a licença remunerada
que já era prevista no Estatuto do Magistério de 1986 é um direito parcial, na medida em
que o professor perde direitos na remuneração ao sair para licença estudo.

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A formação dos profissionais da educação precisa ser tratada como política
pública. Um direito de toda a categoria e, portanto, dever do Estado. Ela deve ser atrelada
à carreira, assim como uma jornada de trabalho que permita tempo para estudos e a
remuneração, todos os elementos indispensáveis à valorização profissional.
Consideramos que em relação à carreira, o PCCR/PA é restritivo, pois dá ênfase
à avaliação de desempenho como um dos mecanismos centrais de progressão funcional.
A avaliação de desempenho é unilateral, devendo os procedimentos para sua execução
ser regulamentados por lei específica do Poder Executivo. Mas abre a possibilidade para
que o servidor possa recorrer das decisões.
O atual PCCR/PA necessita ser revisto pelos trabalhadores docentes e sua
entidade de classe para que seja correspondente às regulamentações gerais como a Lei do
Piso, para que cumpra com preceitos adequados à realidade e identidade docente como o
direito à formação continuada sem ter salários diminuídos, incentivos aos estudos; salário
condizente com a formação e tempo de trabalho; tempo de planejamento e democracia
nas relações de trabalho. Enfim, os professores na rede estadual seguirão na luta
permanente por conquistar profissionalização e reconhecimento social.

REFERÊNCIAS
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municipal de ensino de Curitiba: história e impacto da política brasileira de valorização
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| 325
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Brasil e a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). 2009.
300fl. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Federal Fluminense. Niterói
(RJ): UFF, 2009.

SOUZA, Michele Borges de. Política de valorização dos profissionais da educação básica
na rede estadual de ensino do Pará. 2012. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal
do Pará. Instituto de Ciências da Educação. Programação de Pós-Graduação em
Educação, Belém, 2012.

| 327

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04, 05 e 06 de abril de 2016
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
COMPREENSÕES SOBRE A PEDAGOGIA: QUESTÕES
EPISTEMOLÓGICAS E HISTÓRICAS
Taise Tadielo Cezar, IFFarroupilha, Campus São Vicente do Sul,
taise.cezar@iffarroupilha.edu.br

Liliana Soares Ferreira, UFSM, anaililferreira@yahoo.com.br

RESUMO: Este texto apresenta uma análise específica sobre a Pedagogia, enquanto uma
Ciência Praxiológica. E foi construído a partir de uma pesquisa bibliográfica, com vistas
ao diálogo entre concepções teóricas, sob uma perspectiva histórica. Assim, tem por
finalidade abordar questões de ordem teórica que se referem à compreensão histórica
referente à Pedagogia, para então refletir sobre do trabalho de pedagogo(a) na atualidade,
sob o contexto histórico e político da educação brasileira. Tal estudo esteve orientado a
abordagem teórica e metodológica do materialismo histórico e dialético, por entender que
esta é a fonte mais coerente para apreender a realidade sob um processo dinâmico que
considera a prática social como práxis, sendo um critério de verdade na produção do
conhecimento, concebendo a ativa intervenção dos sujeitos na formação da política e da
própria História. A aprendizagem, ora expressa neste texto, se torna significativa em
relação as compreensões sobre o contexto e as perspectivas da realização do trabalho
deste trabalhador, o(a) pedagogo(a).

Palavras chave: Pedagogia. Pedagogos(as). Questões epistemológicas e históricas.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este artigo trata de um recorte de uma pesquisa de mestrado realizada, no


âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa
Maria nos anos de 2013 e 2014, sobre a constituição da historicidade do trabalho de
| 328
pedagogas em uma instituição federal de educação profissional e tecnológica, localizada
no Estado do Rio Grande do Sul. Tal estudo esteve orientado sob uma perspectiva teórica
e metodológica que releva o materialismo histórico e dialético como fonte e caminho de
apreender a realidade sob um processo dinâmico o qual prevê a importância da prática
social como práxis, sendo um critério de verdade na produção do conhecimento. Para a
dialética de base materialista, é primordial o reconhecimento sistemático da história nos

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processos de mudança, em que se concebe a ativa intervenção dos sujeitos na formação
da política e da própria História.70

O interesse em relação a este tema foi provocado pela participação em


momentos de discussões e reflexões coletivas que envolviam questões sobre o assunto,
considerando outras pesquisas que envolviam diversas problemáticas sobre o trabalho
dos(as) pedagogos(as), em diferentes situações educativas. Porém, tem-se observado
maior recorrência de pesquisas sobre o trabalho destes como professores(as), não se
evidenciando estudos sobre outros tipos de trabalho que este mesmo profissional possa
realizar dentro da escola, assim como nos múltiplos espaços de educação da sociedade.

Estas constatações são resultantes também da leitura de pesquisas locais


realizadas no âmbito do Centro de Educação da UFSM71, trabalhos estes que têm
explicitado haver uma redução da concepção da Pedagogia e do trabalho dos pedagogos
sob o aspecto formativo e subsumido nas atividades da docência em sala de aula nos
espaços escolares. Corroborando tais evidências, percebe-se a necessidade de insistir na
diferenciação conceitual no que se entende por Pedagogia, considerando-a como um
campo teórico - epistemológico, praxiológico - político e também formativo. Portanto, a
Pedagogia não pode ser entendida como Curso de Pedagogia que trata de uma formação
profissional ou significar o mesmo que trabalho pedagógico.

Nesse sentido, a seguir é apresentada uma análise específica sobre a


pedagogia, construída com vistas ao diálogo entre concepções teóricas, sob uma
perspectiva histórica. Este referencial se torna relevante para pensar sobre o contexto e as
perspectivas da realização do trabalho deste trabalhador, o(a) pedagogo(a). Tais aspectos | 329
são abordados ao final deste texto, como questões finais e provisórias de estudo.

70
Considerando, portanto, que a sociedade não está dada e que a realidade é dinâmica, marcada pela
oposição de contrários em conflito constante, Konder (2009) caracteriza a dialética como modo de
pensar, e que na acepção proposta por Marx, “precisa estar sempre disposta a questionar a si mesma, a
se reformular em seus próprios fundamentos, para não se desligar do fluxo da história” (KONDER,
2009, p. 40)
71
Projetos desenvolvidos pelo Kairós, em específico “O Curso de Pedagogia nas IES do Estado do Rio
Grande do Sul e a perspectiva da ciência da educação: convergências e divergências” financiado pelo
CNPq, conforme Edital 03/2009. E outro projeto: “O curso de pedagogia e as multifaces do
trabalho/emprego na área da educação: análises, perspectivas e desafios”, este também com
financiamento FIPE/UFSM, Pibic/CNPq, Probic/FAPERGS.

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Uma análise sobre a Pedagogia: questões epistemológicas e históricas

Refletir sobre os pressupostos que constituem a Pedagogia, exige atitude


epistemológica de pensá-la como uma ciência. Para tanto, é apresentada uma breve
análise, a qual está apoiada em leituras de pesquisadores que têm voltadas suas produções
para a constituição de fundamentos no sentido de compreender a Pedagogia como ciência
da educação. Porém, são ressaltados questionamentos relevantes para pensar sobre a
cientificização da Pedagogia, os quais vêm gerando fissuras na maneira de conceber a
mesma: Como pensar o discurso e a produção científica no âmbito da Pedagogia? Em que
tratar a Pedagogia como ciência contribui para o fortalecimento, valorização do trabalho
do(a) pedagogo(a)?

O autor do texto “Ciência(s) da educação ou sentido da educação? A saída


pedagógica” apresenta aspectos interessantes os quais podem ser refletidos em relação à
Pedagogia. Nesse sentido, Soëtard (2004) considera que o aspecto da cientificidade em
educação não é um resultado insignificante, é sim um processo histórico e político de
expressiva importância para a produção da práxis educativa.

Considerando o fato de que a Pedagogia pode se apropriar de explicações,


conhecimentos e teorias de outras áreas pertinentes às Ciências Sociais e Humanas, o que
não lhe é suficiente, uma vez que é próprio exclusivamente da ciência pedagógica
estabelecer as condições para a efetividade da prática educativa, dialeticamente
(MAZZOTTI, 2011). Desta maneira, está se tratando de uma ciência específica, cuja
origem e finalidade é a própria prática educativa, a qual é estudada também sob os | 330

subsídios teóricos “providos pelas demais ciências da educação e cuja tarefa é a


compreensão, global e intencionalmente dirigida, dos problemas educativos”
(LIBÂNEO, 2011, p. 139 [a]).

Essas problematizações são necessárias e provocativas para todos


pesquisadores e demais trabalhadores da educação, especialmente para aqueles que têm
sua práxis72 em Pedagogia, vista a realidade da educação nesta sociedade do capital, a

72
Entende-se a Práxis dentro do contexto da filosofia marxista, para designar atividade, ação material do

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qual carece da criação de alternativas educativas significativamente diferentes, uma vez
que dia após dia tal realidade apresenta diversos desafios humanos, políticos e sociais.
Como se refere Mészáros (2008), “as práticas educacionais da sociedade devem cumprir
suas vitais e historicamente importantes funções de mudança” (MÉSZÁROS, 2008, p.
25), por meio da socialização do saber que está sendo socialmente produzido e
sistematizado historicamente pelos seres humanos na sociedade.

No entanto, a educação na sua configuração institucional escolar, vem


servindo historicamente como forma de dominação estrutural dos seres humanos, pois
além de legitimar os interesses dominantes (por meio da geração e transmissão dos
saberes e valores hegemônicos), demonstrando o caráter contraditório também do
trabalho educativo que acontece na escola; implicitamente apresenta o propósito de
“fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do
sistema do capital” (MÈSZÀROS, 2008, p.35). Retomando a obra “Pedagogia Histórico
- Crítica”, de Saviavi (2012), é possível pensar no significado desse caráter contraditório
a partir da análise que faz sobre o fato de muitos teóricos trabalharem esta apenas no
âmbito da sociedade e não problematizarem a educação, não conceberem
aprofundadamente o próprio trabalho educativo como um processo contraditório. Saviani
(2012) analisa o contexto histórico em que surge a perspectiva “crítico-reprodutivista” da
educação, entre os anos de 1960 e 1970, a partir de movimentos revolucionários sociais
que pretendiam a revolução cultural e na educação, no Brasil especialmente o movimento
teve o nome de Pioneiros da Educação Nova. A partir do contexto revolucionário
acontecido na França, ressoam a origem da teoria dos aparelhos ideológicos,
representadas por Althusser, a teoria da reprodução, ou violência simbólica, de Bourdieu | 331
e Passeron, e a teoria da escola capitalista, com referência a Baudelot e Estabret (Saviani,
2012).

Dificilmente se admite que a escola possa ser “um instrumento do


proletariado na luta contra a burguesia”, como possibilidade de transgressão e
desvelamento das leis que regem a sociedade capitalista. Reforçam apenas que “a

ser humano social, elemento não só de interpretação, mas de transformação, práxis no “seu sentido
como atividade real, objetiva, material do homem que só é homem como ser social prático, não pode
ser conseguido através do retorno ao ponto de vista da consciência comum” (VÁZQUEZ, 2011, p. 30).

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educação escolar é unicamente um instrumento da burguesia na luta contra o
proletariado”. Considerando que o saber socialmente produzido “é uma força produtiva,
é um meio de produção” (SAVIANI, 2012, p. 60 - 66), a escola poderia legitimar a
instrumentalização e desenvolvimento das consciências dos sujeitos dominados para a
elaboração e produção do saber em rompimento com a cultura dominante, burguesa.

Além das implicações na educação, que a torna um processo contraditório, o


desenvolvimento do capitalismo provocou significativas mudanças no trabalho e em
outros processos sociais dos seres humanos, como a própria questão da luta de classes.
Tais mudanças, no sentido atribuído por autores como Mèszàros (2008) e Antunes (2009)
à palavra “metamorfose”, pois é justamente o que acontece com as condições de vida dos
sujeitos em ajuste com os metabolismos sociais do capital, o trabalho e as relações sociais
e de produção se metamorfoseiam, se transformam. Esta compreensão contribui com a
maneira de perceber o contexto em que se encontram historicamente os pedagogos,
entendendo-os como trabalhadores da educação. Neste propósito, Ferreira (2012)
constata que “Todas essas mutações geram processos de performatividade, precarização
e intensificação no trabalho de modo geral, atingindo também o trabalho dos pedagogos”
(FERREIRA, 2012, p 237). Considerando os processos do estudo realizado, não é
possível se eximir do reconhecimento destes movimentos no universo estudado, pois se
percebe que os documentos que regulamentam e normatizam a profissão na instituição,
manifestam-se de maneira contraditória nesse sentido, uma vez que corroboram
condições para a legitimação dos processos apontados pela autora citada anteriormente.
Destaca-se também que determinadas falas e maneiras como as pedagogas participantes
das entrevistas se expressaram, podem revelar aspectos pertinentes à performatividade, | 332
precarização e intensificação no trabalho.

Considerando que a Pedagogia tem por finalidade máxima orientar as ações


educativas, entendendo-a como produto de um trabalho em uma realidade em movimento,
o qual vai além de um exercício intelectual, pois produz sentidos e novas ações em
educação. “Pedagogia é uma experiência da mudança e – como tal – produz um saber da
mudança, uma inteligibilidade das continuidades e das rupturas, das resistências.”
(FABRE, 2004, p. 110) Entretanto, há que se procurar por melhores explicações para a

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natureza da pedagogia, superando os esvaziamentos e reducionismos que rondam a sua
legitimidade.

É constatado que tal discussão vem ganhando destaque e sendo intensificada


até os presentes dias, entre alguns profissionais da área e pesquisadores brasileiros,
especialmente desde a década de 1990, observando o período que passou desde a criação
do Curso de Pedagogia neste país, a partir do movimento de escolanovistas em
contraponto das propostas de uma educação liberal no ano de 1939, tal curso se destinava
inicialmente a formar bacharéis e licenciados. Desde então, é possível observar alguns
movimentos políticos e sociais no contexto brasileiro, desencadeados pela própria
legislação da educação da atualidade (LDB 9.394/96), que implicam uma série de
contradições, fragmentações e antagonismos sobre o campo da pedagogia, os quais se
imbricam com a própria formação, o trabalho e na própria compreensão do que é ser
pedagogo(a).

Considerando a multiplicidade de entendimentos impregnados na história da


constituição da Pedagogia, que prescindem de definições sobre seu caráter de ser ciência
ou arte, Fabre (2004), amparado pela produção teórica de Durkheim, afirma que: “... a
ciência é da ordem do saber compreender ou explicar; a arte põe em relevo o saber-fazer,
e a pedagogia do saber sobre o fazer, que é, ao mesmo tempo, um saber para fazer.”
(FABRE, p. 102) Neste contexto, é abordado o impasse apresentado até os dias atuais
referente à crise da educação e à perenidade pela reforma da escola na sociedade, em que
sob uma compreensão histórica pode-se constatar que “a necessidade de uma pedagogia
não aparece senão quando a educação apresenta problemas” (FABRE, p. 102).
| 333
No intuito de compreender o sentido legítimo da Pedagogia na sua concepção
como ciência, contrariando os que pensam esta como uma tecnologia ou um método;
Franco (2008) produziu reflexões e críticas, as quais oferecem subsídios para repensar
seus fundamentos teóricos e práticos da Pedagogia, apontando suas fragilidades e
possibilidades de renovação e reconhecimento. Esta suscita que:

Se a Pedagogia é considerada como tecnologia ela só pode produzir


conhecimentos referentes à técnica; se a Pedagogia é considerada em
seu viés metodológico, ela produzirá conhecimentos sobre métodos; se,
por outro lado, a Pedagogia é concebida como ciência da e para práxis
educativa, ela poderá produzir conhecimentos que fundamentam tal

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prática, delineados a partir dos saberes pedagógicos, construídos pelos
docentes. (FRANCO, 2008, p. 132)

Nesse sentido, é apreendida uma definição referente ao objeto central desta


ciência, que, para Franco (2008), é a práxis educativa, construída pelos sujeitos que
trabalham em educação. No entanto, este ponto é discutível entre outros estudiosos da
educação e que se dedicam a estudar e contribuir com a produção da Pedagogia, como
destaca Ferreira (2012) referindo-se à condição da Pedagogia ser uma ciência que se faz
em articulação com as demais que se dedicam à educação (fato este que parece ser
convergente entre muitos teóricos). Contudo, neste trabalho, a autora aponta uma
diferença significativa na maneira de conceber e tratar o objeto de estudo da Pedagogia:

Para Pimenta (2002 [a], 1988, 1999), a Pedagogia é a ciência da prática,


atenta à prática educativa, com o que Libâneo (2002 [a] [b]) concorda,
mas afirma que é uma ciência prática. Essa mudança no modo como é
expresso o conceito é radicalmente importante. Uma ciência da prática
é diferente de um ciência prática. Para os autores, o objetivo da
Pedagogia é: para Pimenta (2002 [a], 1988, 1999) refletir sobre as
práticas educativas, que são sociais por excelência, tornando-se
referência para o trabalho pedagógico; para Libâneo (2002 [a] [b]),
investigar sobre as condições e finalidades, o modo como se realiza a
educação e como acontece o que ele denomina de “formação do
indivíduo”, acabando por produzir os rumos, modos de organização das
práticas educativas, especialmente as escolares; para Franco (2001,
2008), objetiva refletir e esclarecer sobre a práxis educativa, portanto
um estágio superior à prática, enfatizada pelos autores anteriores.
(FERREIRA, 2012, p. 231)

Portanto, a Pedagogia envolve uma ação humana reflexiva,


comprometida, intencional, ética e crítica sobre e na produção da práxis educativa, no
sentido da transformação do senso comum. Toda prática, no seu sentido educativo,
precisa ser vista no sentido de práxis, e cabe à Pedagogia a mediação e interpretação | 334

desta atividade eminentemente humana que se produz historicamente na relação entre


os seres humanos e a sociedade, o meio em que vivem. Frigotto (2012) aponta para a
necessidade de superar o senso comum pela práxis que se origina no processo
dialético.
Cambi (1999), na obra “História da Pedagogia”, oportuniza aos seus leitores
uma viagem pela história da sociedade e da educação dos seres humanos, explicitando o
caráter orgânico e dialético da História, uma vez que as características, as problemáticas
da atualidade, em seus processos e sentidos se devem a uma historicidade, pois é a partir

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desta que se apresenta o extrato de modelos socioeducativos, com aspectos que se
sobrepõem, se cruzam e se entrelaçam para formar a educação ocidental. Assim, pode-se
compreender melhor a própria historicidade da Pedagogia ao captar, na complexa
trajetória não linear, o processo e seu sentido, significado.

É fundamental compreender que os movimentos e acontecimentos de cada


época da história imprimiram aspectos, sentidos na produção da Pedagogia até os dias de
hoje. Para uma melhor contextualização, são retomadas genericamente algumas
características da Idade Média, época marcada por um conformismo social, em que a
educação acontece sob fortes princípios da religiosidade cristã e autoridade da Igreja
Católica, o que engendra uma doutrina e os costumes de vida da época, expressos em um
ideal de fé, cultura e ritos. Logo são produzidos modelos e práticas educativas conforme
o perfil cultural medieval que demandava das necessidades de “educar, formar e
conformar” (CAMBI, 1999) de acordo com a Igreja e o Império, apresentando, portanto,
já um aspecto dual de educação de e para classes diferentes: a “aristocracia” e o “povo”.

Contudo, é nos meandros da própria Idade Média que a Modernidade passa a


ser gestada, e a tradição pedagógica e educativa desta época precede o processo de
transição e ruptura, em que é necessário outro tipo de educação, pois a Idade Moderna é
uma época notadamente caracterizada pelas “Revoluções”, pela reorganização do poder
e dos saberes, em torno de formas plurais de vida, modos sociais, de classes, de
ideologias. Logo se origina uma Pedagogia delineada como saber e como práxis de
maneira que contribua para este processo de transição do “mundo tradicional” para o
“mundo moderno” com o nascimento de uma nova ordem social, uma vez que a sociedade
| 335
se organiza sob um projeto de civilização, racionalização e institucionalização dos
processos humanos e sociais. Nesse contexto, os modos de produção da existência
humana se modificam, emergindo o processo de divisão social do trabalho, a qual é
protagonista no desenvolvimento e constituição da exploração dos sujeitos trabalhadores,
consequentemente também se apresenta a exigência de formalização e estabelecimento
de tipos de aprendizagem, logo a necessidade de um saber sobre a educação (SOËTARD,
2004).

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O modo de produção capitalista provocará decisivas mudanças na educação
até então prioritariamente confessional e colocará em posição central o protagonismo do
Estado, forjando a concepção da escola pública, universal, gratuita, leiga e obrigatória,
cujas tentativas de realização passarão pelas mais diversas vicissitudes. (SAVIANI, 2011)
Saviani apresenta, na obra “História das ideias pedagógicas no Brasil”, editado pela
primeira vez no ano de 2007; uma importante pesquisa historiográfica, destacando
inicialmente um entendimento por ideias pedagógicas, no qual suscita que estas
representam no movimento real da educação uma função orientadora, estreitamente
ligada à prática educativa. Logo, “Pedagogia” e “pedagógico”, para o autor, denominam
“o modo de operar, de realizar o ato educativo” (SAVIANI, p.07).

Ferreira (2012), no artigo “Sobre Pedagogia e algumas proposições acerca do


trabalho dos pedagogos na escola”, faz uma diferenciação entre estes dois termos
“Pedagogia” e “Pedagógico”, em face a uma cultura de imprecisão conceitual que se
transfere de maneira impactante para o cotidiano dos sujeitos e das ações políticas em
educação. Considerando a educação como um fenômeno demasiadamente humano, esta
autora argumenta que a Pedagogia é entendida como uma ciência dialógica, que visa aos
movimentos pedagógicos por excelência, uma vez que, por meio da linguagem, acontece
a interação entre os sujeitos, possibilitando assim a existência do fenômeno educativo.
Portanto “Pedagogia” e “pedagógico” possuem aspectos, conteúdos e sentidos
diferenciados, sendo de extrema relevância caracterizá-los e empregá-los diferente e
coerentemente.

Mazzotti (2011), em um artigo sobre a cientificidade da Pedagogia,


| 336
contextualiza algumas questões epistemológicas com relação à possibilidade de construir
uma teoria científica partindo da prática, desconsiderando-a como simplesmente uma
tecnologia, uma técnica ou arte, ou ainda uma filosofia. Na concepção deste autor, a
Pedagogia teria sim um lugar próprio entre as ciências modernas, tendo como objeto de
conhecimento o “fazer educativo em suas circunstâncias, em suas determinações”
(MAZZOTTI, 2011, p.21). É, assim, uma ciência do fazer educativo, a qual não pode ser
confundida com o próprio fazer, pois trata da reflexão sistemática sobre a educação em
toda sua rede de relações. É importante ressaltar, ainda, que a Pedagogia, como “condição
racional da prática educativa, se faz por meio das teorias – inclusive antagônicas – que se

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apresentam em sua história” (2011, p. 33), portanto com um enraizamento político, social
e histórico, com influências filosóficas e científicas.

Com base na literatura, é possível afirmar que a Pedagogia não se subsume a


um caráter ideológico, nem a um campo que reúne os ofícios da infância e dos adultos.
Da mesma forma, não se pode compreendê-la como um objeto (prática e concepções,
perspectiva disciplinar ou metodológica), também não se reduz a um saber-fazer, nem
somente saber e nem somente fazer. Houssaye (2004), na obra “Manifesto a favor dos
pedagogos”, entende a Pedagogia com uma abordagem específica e apresenta tal
definição:

Se a pedagogia é a reunião mútua e dialética da teoria e da prática


educativas pela mesma pessoa, em uma mesma pessoa, o pedagogo é
antes de mais nada um prático-teórico da ação educativa. O pedagogo
é aquele que procura conjugar a teoria e a prática a partir de sua própria
ação. É nessa produção específica da relação teoria-prática em
educação que se origina, se cria, se inventa e se renova a pedagogia.
(HOUSSAYE, 2004, p. 10)

É importante ressaltar nesta acepção exposta pelo autor que, na especificidade


desta produção dialética, é possível a Pedagogia ser criada, se inventando e se renovando
na relação entre teoria (entendida no sentido de construção do conhecimento) e prática,
ação humana política que produz a práxis social. É possível entender, sob esta perspectiva
de compreensão sobre a Pedagogia, que sua legitimidade vai se originar do movimento
dialético de construção do saber daquele sujeito que faz, que age sobre uma situação
educativa da realidade. Portanto, existe a necessidade de uma prática efetivamente.

No entanto, o processo histórico geral de constituição das ciências, com suas


| 337
influências na maneira de construir e compreender a realidade, implicou a própria
historicidade da Pedagogia compassada e descompassadamente. Surgem uma lista de
nomenclaturas, significados e precursores na definição da Pedagogia no contexto
mundial, para assegurar seu estatuto de ciência da educação, admitindo sua base
epistemológica em outras áreas como a Psicologia, a Filosofia, entre outras. Assim
surgem as chamadas: pedagogia científica, pedagogia experimental, ciência pedagógica,
ciência da educação, ciências da educação (HOUSSAYE, 2004).

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Franco (2008) apresenta, na obra “Pedagogia como ciência da educação”,
reflexões acerca do trajeto histórico pelo qual a Pedagogia foi se constituindo, com
referências no limiar do século XVI, quando surgem os primeiros precursores teóricos a
pensarem esta sob o viés científico. Com base nesta autora, são citados: Patrascoiu
(1930), considerando a pedagogia científica como apêndice à didática (formas de
organização das atividades de sala de aula), a qual abrange a instrução; e Herbart (final
séc. XVIII), considerado o criador da pedagogia científica, sob uma postura positivista.
Pretendendo uma cientificização que qualifique a arte pedagógica, na busca de ser uma
ciência que se organize para compreender e qualificar o fazer artístico na realização da
prática educativa, compreender e qualificar a instrução.

É importante considerar as características desta época na qual preponderava


uma esperança no progresso da humanidade, contexto socioeconômico o qual demandava
de renovação da atividade escolar e novos métodos de investigação na educação. Nesta
caminhada, o “saber-fazer” da prática educativa foi desvalorizado, ajustando-o à
atividade artesanal que por excelência faz parte da prática dos(as) professores(as), dos(as)
pedagogos(as), pois a Pedagogia era tratada ora como arte, ora como ciência e até como
ciência da arte educativa. A Pedagogia, para constituir-se ciência, “precisou adequar-se à
lógica que presidia a ciência da época e isso implicou sistematizar sua ação prática, com
base nas teorizações dos experimentos possíveis ao momento histórico...” (FRANCO,
2008, p. 31)

Em face ao momento histórico em que aconteceu o processo de expansão da


Pedagogia como ciência, há de se considerar os pressupostos de uma sociedade em pleno
| 338
processo de industrialização, em que imperava a necessidade de consensos e difusão dos
valores burgueses, portanto o movimento de constituição científica se realiza inicialmente
sob bases positivistas. Estas pretendiam uma educação laica e em acordo com o processo
de industrialização, fator este que impulsionou e fortaleceu a constituição de uma
Pedagogia de caráter pragmatista e utilitarista, sob um enfoque científico e técnico, para
a produção da conformidade social dos sujeitos. Assim, desconsiderava-se o valor social
da ciência para a educação, no seu sentido político, histórico e crítico, para criação de
alternativas à emancipação dos sujeitos sociais. Neste contexto, emerge uma duplicidade
de natureza e sentidos em relação à epistemologia e às finalidades da Pedagogia sendo,

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basicamente, de caráter Pragmatista, em um sentido utilitarista e a outra sob uma
dimensão dialética, com propósito histórico e crítico.

A Pedagogia pragmatista, também concebida como utilitarista, tem sua base


filosófica pautada na ação propriamente dita, decorrente de uma proposta socioeconômica
e ideológica do produtivismo capitalista o qual intenciona uma “reconfiguração” da
identidade da escola. Desenvolvida a partir de Dewey, esta vertente da Pedagogia é
essencialista e existencialista, preponderando no processo de construção do conhecimento
a racionalidade instrumental e a experimentação regulada. Nesse sentido, esta perspectiva
de Pedagogia tem sua centralidade no pensamento de um tipo de prática, não histórica,
de ação apenas perante os problemas educativos que surgem da realidade. Por este viés,
em interlocução com Vázquez (2011), entende-se esta prática a partir de uma consciência
comum imediatista, distanciada de uma consciência reflexiva e subjetiva do sujeito
humano, portanto esta prática-utilitarista é um “ato ou objeto que produz uma utilidade
material, uma vantagem, um benefício” (VÁZQUEZ, 2011, p. 35). Nesse viés, pode-se
perceber o impasse em relação a um sentido de pedagogia diferente, que intenciona uma
atividade social transformadora.

O ponto de vista da consciência comum coincide, neste aspecto, com o


da produção capitalista e com o dos economistas burgueses. Para a
consciência comum, o prático é o produtivo, e produtivo, por sua vez,
sob o prisma dessa produção capitalista é o que produz um novo valor
ou mais-valia. (VÁSQUES, 2011, p. 35)
Em oposição à Pedagogia descrita anteriormente, está uma outra perspectiva
de caráter dialético, fundamentada na filosofia da práxis, baseada inicialmente nos
estudos marxianos, marcada por um crescente processo de cientificização e
aprofundamento do caráter político-ideológico. | 339

[...] a partir de Marx e Engels não é mais possível falar de educação sem
estar referindo-se à realidade socioeconômica e à luta de classe que a
caracteriza e sustenta. Não mais caberá à pedagogia se uma atividade
neutra nem idealista. Quando me refiro à pedagogia marxista, estarei
reportando-me a uma pedagogia que absorve em seu fazer social a
dialeticidade da realidade sócio-histórica, apoiando-me nas bases
teóricas lançadas por Marx e Engels e por seus continuadores pós 1900.
(FRANCO, 2008, p. 45)
Tal perspectiva de teor crítico está apropriada fundamentalmente na dialética
como o aporte teórico e metodológico necessário para construção de sua epistemologia,
na sua efetividade como ciência, sob uma função eminentemente política, a partir da

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compreensão da práxis no sentido materialista histórico, abordagem tal que reconhece
neste elemento o fundamento de todo o desenvolvimento histórico dos seres humanos e
suas condições de vida na sociedade.

Libâneo (2011), ao questionar sobre o destino que os sujeitos que trabalham


em educação darão à Pedagogia, suscita que esta corresponde às intenções e processos da
ação educativa, na mediação entre “a ação educativa intencional e a dinâmica das relações
entre classes e grupos sociais” (2011, p.142[a]). Considera-se que é pertinente a esta
ciência a investigação dos elementos implícitos na constituição da formação humana
perante as particularidades de cada contexto histórico-social, no movimento dialético de
conhecer a realidade, especialmente no contexto de uma sociedade de classes, marcada
pelos antagonismos do capital. É neste horizonte que se pensa a necessidade não somente
de crítica às condições em que acontecem os processos de educação, mas é preciso e
fundamental a criação de alternativas para que aconteça a mudança.

Como é apresentado na obra “Textos sobre a educação e ensino”, de Marx e


Engels (2004), uma brochura em que os autores reúnem as principais escritas, referenciais
produzidos a partir de pensamentos e “opiniões” conjunturais sobre o tema, há uma
importante relação entre a divisão social do trabalho, a educação e o ensino no contexto
de um sistema escolar regido pelo sistema dominante capitalista. Este que concebe a
educação e o ensino ideológica, técnica e produtivamente articulados e em ajuste com as
condições de produção da força de trabalho necessária para gerar “mais-valia” e
consequentemente manter os processo de exploração e alienação dos sujeitos. Relação
esta da qual a Pedagogia precisa se apropriar e, a partir de tal compreensão, pensar a
| 340
constituição de sua epistemologia e práxis político-pedagógica:

[...] a relação entre a divisão do trabalho e a educação e o ensino não é


uma mera proximidade, nem tampouco uma simples conseqüência; é
uma articulação profunda que explica com toda clareza os processos
educativos e manifesta os pontos em que é necessário redimencionar
para conseguir sua transformação, conseguindo não só a emancipação
social, mas também, e de forma muito especial, a emancipação humana.
(MARX, 2004, p. 16)
Pensar a educação e a escola no interior da sociedade historicamente
estruturada a partir das premissas do sistema capitalista exige o entendimento deste
tempo/espaço em que se embatem os interesses contraditórios próprios da sociedade do

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capital, existindo uma disputa velada pela apropriação do conhecimento. A Pedagogia é
justamente o elemento epistemológico e político que age e se produz a partir do próprio
trabalho educativo nas suas contradições, uma vez que compete a ela a mediação teórica
e prática dos princípios e conhecimentos que organizam a educação e a escola.

Considerações Finais
A título de conclusão deste artigo, vale ressaltar que se tratam de
compreensões em processo de construção, as quais estão sujeitas ao trato dialético. Uma
vez que, há de se reconhecer que estão imbricadas às discussões sobre trabalho e a
formação de pedagogos(os), muitos dilemas da sociedade capitalista. Pairam
historicamente sob este contexto questões problemáticas, que explicitam certa confusão
em torno da Pedagogia, no que se refere à sua identidade epistemológica e profissional,
associada comumente ao curso a formação de professores e ao trabalho do(a) pedagogo(a)
como professor(a). Há de se considerar a existência de relações entre a Pedagogia e o
trabalho dos(as) pedagogos(as), estes vistos tradicionalmente como os teóricos-práticos
da educação, pois o trabalho deste profissional trata de conjugar teoria e prática a partir
de sua própria ação, uma vez que esta constitui significado mediante um enraizamento
político, social e histórico.
Contudo, a partir dos estudos realizados, é necessário pensar sobre a
construção da Pedagogia como uma ciência da educação que objetiva a reflexão e
transformação da práxis na totalidade histórica da sociedade. Assim, considerando a
Ciência Pedagógica, entendida como uma ciência da práxis educativa, os pedagogos têm
seu trabalho interpelado e implicado pelos processos políticos e socioeconômicos vividos | 341

na atualidade educacional brasileira. Logo, é possível pensar que os movimentos do


sistema de produção capitalista (esta lei econômica), compreendidos, a partir da
perspectiva teórica do Materialismo Histórico, se constituem na sistemática que
historicamente estabelecem as forças e relações que constituem os processos de vida
social, política e também intelectual dos sujeitos na sociedade.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução DCNE/CP nº 1/2006 Diretrizes

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Curriculares para o Curso de Pedagogia.
BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação .....
__________________.Sobre Pedagogia e algumas proposiçoes acerca do trabalho dos
pedagogos na escola. In: CAVALCANTE, M. A. da S; FREITAS, A. F. R; PIZZI, L. C.
V; FUMES, N. L. F; LOPES, A; FREITAS, M. L. Q.. (Org.). Formação docente em
contextos de mudanças. Maceió: Editora UFAL, 2012, v. 1, p. 1-15.
FRANCO, Maria Amélia do Rosário Santoro. Pedagogia como ciência da educação /
Maria Amélia do Rosário Santoro. 2. Ed. Ver. Ampl. –São Paulo: Cortez, 2008.
LIBÂNEO, José Carlos. Ainda as Perguntas: o que é pedagogia, quem é o pedagogo,
o que deve ser o curso de Pedagogia. In.: PIMENTA, Selma Garrido. Pedagogia e
pedagogos: caminhos e perspectivas / Selma Garrido Pimenta (org.). – 3ª ed. – São Paulo:
Cortez, 2011.
____________________. Que destino os educadores darão à Pedagogia? In.:
PIMENTA, Selma Garrido. Pedagogia e pedagogos: caminhos e perspectivas / Selma
Garrido Pimenta (org.). – 3ª ed. – São Paulo: Cortez, 2011.
LIBÂNEO, J. C. PIMENTA, S. G. Formação dos profissionais da educação: visão
crítica e perspectivas de mudança. In.: PIMENTA, Selma Garrido. Pedagogia e
pedagogos: caminhos e perspectivas / Selma Garrido Pimenta (org.). – 3ª ed. – São Paulo:
Cortez, 2011.
MARX, Karl; ENGELS, Friedreichi. 1818 – 1883. Textos sobre Educação e Ensino / Karl
Marx e Friedrichi Engels. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2004.
MAZZOTTI, Tarso Bonilha. Estatuto de cientificidade da Pedagogia. In.: Ainda as
Perguntas: o que é pedagogia, quem é o pedagogo, o que deve ser o curso de Pedagogia.
In.: PIMENTA, Selma Garrido. Pedagogia e pedagogos: caminhos e perspectivas / Selma
Garrido Pimenta (org.). – 3ª ed. – São Paulo: Cortez, 2011.
MÉSZÁROS, István, 1930. A educação para além do capital / István Mészáros; [tradução
Isa Tavares]. 2.ed. – São Paulo: Boitempo, 2008.
_______________________. Estrutura social e formas de consciência, volume II: a
dialética da estrutura da história / István Mészáros; tradução Rogério Bettoni; revisão | 342
técnica Caio Antunes. – São Paulo: Boitempo, 2011.
________________ A derrota da dialética: a recepção das idéias de Marx no Brasil, até
o começo dos anos 30 / Leandro Konder. – 2. Ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2009.
SAVIANI, Demerval. História das idéias Pedagógicas no Brasil/ Demerval Saviani. – 3.
Ed. Ver. 1 reimpr. – Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
________________. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações / Demerval
Saviani – 11. Ed. Ver. 1ª reimpr. – Campinas, SP: Autores Associados, 2012.

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_______________. O papel do pedagogo como articulador do trabalho pedagógico na
sociedade do capital. Palestra UENP Cornélio Procópio, em 8 de março de 2012.
(http://www.faficp.br/noticias/2012/1204/n101-040.pdf)

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis – 2ª ed. Buenos Aires: Consejo


Latinoamericano de Ciencias Sociales – Clacso: São Paulo: Expressão Popular, Brasil,
2011.

| 343

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DESAFIOS E ENFRENTAMENTOS DA DOCÊNCIA: OS
ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS E OS PROCESSOS
FORMATIVOS DOS ACADÊMICOS DO CURSO DE
PEDAGOGIA EAD
Andressa Wiebusch (UFSM)
andressagpfope@gmail.com
Caroline Santos (UFSM)
carolinesantosvalim@gmail.com
Vanessa Alves da Silveira de Vasconcellos (UFSM)
nessavasconcellos@gmail.com

Resumo: O presente trabalho constitui-se como possibilidade de discussão acerca do


estágio do curso de Pedagogia a distância. Nosso objetivo visa compreender os processos
formativos dos acadêmicos em formação inicial ao realizarem o Estágio Supervisionado
na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A pesquisa terá uma
abordagem qualitativa, uma vez que esta nos permite envolver significados, opiniões,
fatos, todos permeados pelas relações entre pessoas, sujeitos inseridos em um contexto
social. Propomos como categoria de pesquisa, a pesquisa documental, que permite ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia ser pesquisada diretamente com os sujeitos. Para a coleta de dados, utilizamos os
relatos de experiência dos estágios realizados pelos alunos do 7º e 8º semestre do curso
de Pedagogia EAD. O referencial teórico fundamentar-se-á em Marcelo Garcia (1995),
Pimenta e Lima (2004), Pimenta (2010), Isaia e Bolzan (2009), entre outros autores.
Assim, consideramos que compreendemos o percurso formativo vivenciado no estágio,
analisando as aprendizagens, os desafios e enfrentamentos na docência a partir dos
Relatos de Experiência do estágio realizado na Educação Infantil e nos Anos Iniciais
durante o ano de 2015.
Palavras-chave: Formação Inicial. Estágio Supervisionado. Curso de Pedagogia EAD.

| 344
INTRODUÇÃO: COMEÇANDO O DIÁLOGO

A Educação a Distância é uma modalidade de ensino que está em evidência no


cenário educacional da sociedade contemporânea. Assim, intensificou-se a oferta de
cursos de graduação à distância, devido à alta demanda de expansão do ensino superior,
possibilitando o acesso e a permanência nessa modalidade de ensino a um número
significativo de pessoas em todos os lugares do Brasil.
A Universidade Aberta do Brasil-UAB, em parceria com a Universidade Federal
de Santa Maria-UFSM, coloca em prática esta expansão e interiorização da educação

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superior, pública e gratuita, oferecendo diversos cursos de graduação e pós-graduação na
modalidade à distância. O processo formativo, em nível de graduação, visa proporcionar
estudos teórico-práticos, investigações, reflexões, planejamentos, bem como o
desenvolvimento e avaliação de práticas educativas e a aplicação de outros campos do
conhecimento à educação.
Dessa forma, se busca compreender os processos formativos dos acadêmicos em
formação inicial ao realizarem o estágio supervisionado no curso de Pedagogia EAD.
Assim, se pretende, neste trabalho, considerar o percurso formativo vivenciado no
estágio, analisando as aprendizagens, os desafios e enfrentamentos na docência a partir
dos relatos de experiência do estágio realizado na Educação Infantil e nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental no ano de 2015, pelos acadêmicos da cidade de Três Passos - RS,
um dos polos de abrangência do Curso de Pedagogia à distância, da UFSM.
Para dialogar com esses dados, utilizaremos como referencial teórico autores que
discutem sobre questões relacionadas à formação inicial de professores, assim como,
traremos contribuições das políticas públicas focadas para esta temática de discussão.
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, uma vez que esta nos
permite envolver significados, opiniões, fatos, todos permeados pelas relações entre
pessoas, sujeitos inseridos em um contexto social. Esse tipo de pesquisa toma o processo
como foco central, não se preocupando apenas com os resultados e o produto final. De
acordo com Flick (2009, p.16), a pesquisa qualitativa “parte da noção da construção social
das realidades em estudo, está interessada nas perspectivas dos participantes, em suas
práticas do dia a dia e em seu conhecimento cotidiano relativo à questão em estudo.”
Diante disso, buscaremos por meio dessa pesquisa, compreender os processos formativos
| 345
dos acadêmicos em formação inicial ao realizar um dos estágios supervisionados no curso
de Pedagogia EAD.
Gil (2008) também nos auxilia na compreensão deste exercício investigativo que
este trabalho propôs, compreendendo este como uma ação que se identifica com a
pesquisa documental, que permite ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos
muito mais ampla do que aquela que poderia ser pesquisada diretamente com os sujeitos,
além disso, este tipo de pesquisa “vale-se de materiais que não receberam ainda um

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tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da
pesquisa” (2008, p. 51).
O instrumento de coleta de dados, a partir deste delineamento investigativo, parte
de fontes documentais, que são capazes de disponibilizar ao pesquisados dados em
quantidade e qualidade suficientes para impedir a perda de tempo e, muitas vezes, o
constrangimento que algumas pesquisas comumente realizadas, geram no momento da
coleta dos dados obtidos diretamente no contato com as pessoas.
Nesta direção, a preocupação investigativa se direciona para os processos
formativos dos acadêmicos do curso de Pedagogia na modalidade de educação a distância,
com a intenção de compreender as aprendizagens, os desafios e enfrentamentos que os
constituem docentes, buscando produzir novos significados para o fazer pedagógico. É
através da ressignificação do processo de formação docente, a partir de suas escritas nos
relatos de estágio que se quer conceber a docência como objeto de investigação,
reiterando e fortalecendo o compromisso com a qualidade dessa formação.

O CURSO DE PEDAGOGIA EAD

O curso de Pedagogia Licenciatura Plena da Universidade Federal de Santa Maria


(UFSM), na modalidade à distância foi criado em 2007, com a finalidade de ofertar o
ensino superior aos diferentes municípios do RS. Ele está organizado em oito (8)
semestres letivos, com carga horária de 3.225 horas e a duração do curso é de quatro (4)
anos. O ingresso anual no curso acontece por meio de processo seletivo (vestibular),
transferência, reingresso e portador de diploma. No caso desta pesquisa, nosso foco será
| 346
o polo da cidade de Três Passos - RS.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9394/96, estabeleceu
a “docência como a base da identidade profissional de todos os profissionais da educação”
(SILVA, 2003, p.68). Segundo, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o
Curso de Licenciatura em Pedagogia em nível de graduação, mediante resolução do
Conselho Nacional de Educação, CNE/CP n.1 define a formação destinada à docência.

§1º Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico


metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e

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produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da
Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos e
culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de
socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre
diferentes visões de mundo. § 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos
teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, propiciará: I - o planejamento,
execução e avaliação de atividades educativas; II - a aplicação ao campo da
educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico,
o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o
linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural. (CNE/CP, 2006,
s/p)

Como esse curso foi organizado de modo a contemplar o que está disposto nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, ao ler o Projeto Político-
Pedagógico do curso, observamos que a ênfase é a docência. Sendo assim, o curso
direciona a formação para a atuação na docência em Educação Infantil, nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adultos (EJA), possuindo como
objetivo:

formar professores/profissionais em nível superior para a docência na


educação Infantil, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e nas etapas
iniciais do EJA, no Ensino Médio, na modalidade normal e nas demais áreas
nos quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (PPP, 2007, s/p).

Dessa forma, para que os acadêmicos tenham como base a docência e


desenvolvam seus saberes docentes ao longo do curso, é importante que a formação
inicial dê possibilidades/oportunidades para que os discentes tenham contato com o
contexto escolar e com a prática pedagógica de modo a atender o que a matriz curricular
preconiza como perfil do egresso.
Neste sentido, conforme o Projeto Político-Pedagógico (PPP) do curso de
| 347
Pedagogia Ead da UFSM, espera-se que o perfil desejado do formando desenvolva
saberes docentes que dialoguem com conhecimentos teóricos e práticos no campo da
educação e dos conhecimentos que irão mediar sua atividade nas instituições escolares e
não-escolares. Além disso, se almeja que o Pedagogo seja capaz de criar e produzir
propostas educativas para as diferentes realidades, realizando um trabalho coletivo e
apropriado às realidades nas quais estiver inserido.
Segundo o PPP do curso, se pretende que o graduando esteja apto:

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Atuar com ética e compromisso nos diversos espaços de atuação profissional;
compreender, cuidar, educar e promover o desenvolvimento da aprendizagem
das crianças da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental;
reconhecer e respeitar a diversidade manifestada por seus alunos, em seus
aspectos sociais, culturais e físicos, detectando e combatendo todas as formas
de discriminação; vivenciar criticamente as práticas educativas existentes nos
espaços escolares e não-escolares; participar na gestão das instituições,
contribuindo para a elaboração, desenvolvimento e avaliação dos seus projetos
orientadores; promover e facilitar as relações de cooperação e trabalho em
equipe nos diversos segmentos da sociedade, família e comunidade; assumir
uma postura investigativa diante do contexto profissional, social e político que
circunda os espaços escolares e não-escolares; participar coletiva e
cooperativamente da elaboração, gestão, desenvolvimento e avaliação do
projeto educativo e curricular da escola, atuando em diferentes contextos da
prática profissional, além da sala de aula; sistematizar e socializar a reflexão
sobre a prática docente, investigando o contexto educativo e analisando a
própria prática profissional; compartilhar saberes com docentes de diferentes
áreas/disciplinas de conhecimento. (PPP, 2007, p.2)

A fim de que o graduando possa construir tais capacidades, somado as disciplinas,


seminários, práticas de docência, de observação, acompanhamento, participação no
planejamento, execução e avaliação de aprendizagens, em escolas e em outros ambientes
educativos, tem-se o estágio curricular que visa garantir experiência de exercício
profissional. Tais afirmativas aplicam-se tanto às práticas pedagógicas desenvolvidas no
curso de graduação presencial, quanto na modalidade à distância.
Atuam no curso professores e tutores estabelecendo uma rede de comunicação e
aprendizagem com os acadêmicos. A dinâmica pedagógica do curso permite que o
acadêmico desenvolva as atividades propostas contando com o auxílio dos professores
das disciplinas e também de tutores, como mediadores do conhecimento por meio do uso
das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICS). O que requer um planejamento
da disciplina e das interações que serão estabelecidas com os acadêmicos, visando a
| 348
compreensão do conteúdo e a aprendizagem.
Assim, “a perspectiva de formação de professores exige esta reflexão sobre como
integrar as TICs à educação como caminho para pensar como formar os professores
enquanto futuros usuários ativos e críticos bem como os professores conceptores de
materiais para a aprendizagem aberta e a distância” (BELLONI, 2006, p.77). A autora
destaca a importância da integração das TICs na formação de professores na modalidade
à distância, a qual professores, tutores e acadêmicos precisam estar conectados ao
ambiente virtual de aprendizagem para que a interação entre ambos aconteça.

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Neste sentido, os professores e tutores que realizam o acompanhamento do
desempenho dos acadêmicos pautados no princípio da interatividade e, por meio de
orientações teórico-práticas. Tais características do ensino na modalidade a distância
firmam-se também na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado, na qual se
vivencia a interlocução entre a universidade e as escolas.

Ao transitar da universidade para a escola e desta para a universidade, os


estagiários podem tecer uma rede de relações, conhecimentos, aprendizagens,
não com o objetivo de copiar, de criticar apenas os modelos, mas no sentido
de compreender a realidade para ultrapassá-la (PIMENTA e LIMA, 2004,
p. 111).

Neste processo de interação, conta-se também com a atuação dos professores e


tutores da disciplina de estágio, os quais, por meio das orientações no ambiente moodle73,
e orientações presenciais no polo, buscando fazer com que o estagiário construa relações
entre os referenciais teóricos trabalhados e as práticas pedagógicas vivenciadas no
contexto da escola, de modo que perceba a complementariedade entre os mesmos.
Compartilhando com as ideias de Pimenta e Lima (2004), se acredita que todas as
disciplinas de um curso de formação são ao mesmo tempo “teóricas” e “práticas”. Mas se
sabe que a realidade de um curso de formação de professores não é essa, pois muitas
vezes, é somente ao final da graduação, que se espera que se concretize a relação das
disciplinas teóricas realizadas ao longo do curso, com a vivência da prática docente no
estágio. Compreendendo essa situação, pretendemos analisar de que forma se dá esse
processo formativo do acadêmico de final de curso, analisando como todas as disciplinas,
de fundamentos e didáticas, contribuem para a formação do professor, a partir da crítica
e da suposição de novas maneiras de fazer educação. | 349

É importante considerar a compreensão que se tem aqui neste trabalho sobre a


formação de professores e para isso compartilhamos das ideias de Marcelo Garcia (1995)
que traz uma profícua discussão sobre a formação de professores, considerando este um
campo de conhecimento e investigação que problematiza a questão de mudanças nos
sistemas educativos, a partir do princípio de articulação da formação com a ideia inovação
e desenvolvimento da educação.

73
Ambiente Virtual de Aprendizagem.

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O autor compreende a formação como um fenômeno complexo que necessita
compreender uma dimensão pessoal de desenvolvimento humano global frente a outras
concepções técnicas. Além disso, o autor defende que o indivíduo é o principal
responsável pela sua formação, não querendo dizer que esta é necessariamente autônoma,
pois o contexto de relações com os colegas professores são espaços de aprendizagem que
favorecem a busca de metas de aperfeiçoamento pessoal e profissional.

Formación del profesorado es el campo del conocimientos, investigación y


propuestas teóricas y practicas, que dentro de la Didáctica y organización
Escolar, estudia los procesos mediante los cuales los profesores – en formación
o en ejercicio – se implican individualmente o en equipo, en experiencias de
aprendizaje a través de las cuales adquieren o mejoran sus conocimientos,
destrezas y disposiciones, y que les permite intervenir profesionalmente en el
desarrollo de su enseñanza, del curriculum y de la escuela, con el objetivo de
mejorar la calidad de la educación que reciben los alumnos (MARCELO
GARCIA, 1995, p. 8).

A dimensão pessoal esta relacionada à subjetividade do professor, e o modo


como suas relações se estabelecem no dia a dia, dentro e fora do espaço educacional. Para
Isaia e Bolzan (2009, p.122), “na dimensão pessoal, a marca está na construção da
subjetividade decorrente do modo como os professores e o mundo se interpenetram,
influenciando-se mutuamente”. Podemos observar, nesta relação que se estabelece com
o mundo e com o outro, um processo dialógico, no qual o professor se constitui como
sujeito pensante, afinal ele não se constitui sozinho, mas no diálogo com o outro,
buscando novos caminhos que o levam há conhecer um pouco mais dele mesmo e do
outro. Nesse processo de busca, relaciona-se com os acadêmicos e a comunidade escolar
e tudo isso faz parte da constituição do professor e de seus processos formativos.
A dimensão profissional está relacionada aos processos vivenciados por esse | 350
educador dentro dos espaços onde compartilha sua profissão. Segundo Isaia e Bolzan
(2009, p.122), “na dimensão profissional o característico está no modo dos professores
transitarem em um ou vários espaços institucionais e irem pouco a pouco se inteirando
do saber fazer próprio da profissão”. É preciso pensar na dimensão profissional como um
processo construtivo, no qual o professor está em permanente aprendizagem. Assim ele
precisa experimentar o mundo da docência e perceber as inúmeras possibilidades de ser
professor e de constituir sua prática pedagógica cotidiana.

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Ser professor pressupõe assumir que o conhecimento, os acadêmicos e os
espaços se transformam a cada momento, e que estes sempre podem ensinar algo novo.
Sendo assim, o processo de tornar-se professor precisa acontecer de forma coletiva,
colaborativa e compartilhada com todos que fazem parte do espaço escolar.
Ao apresentar as questões relacionadas à dimensão pessoal e profissional,
percebemos que as duas são indissociáveis, pois compreendem o movimento construtivo
dos professores, “na unicidade da dimensão pessoal e profissional, atravessada por
espaços, tempos, lugares variados que dão o colorido e o sabor próprio á profissão de
professor, percebida idiossincraticamente por cada docente” (ISAIA e BOLZAN, 2009,
p.122).
Assim, o processo de constituição do docente está relacionado à atividade de
aprender a docência, buscando apropriação do conhecimento pedagógico, e
compartilhando as diversas experiências com os acadêmicos e a comunidade escolar.
Desse modo, essas experiências vão se transformando a cada dia em experiências
formativas, que se fazem necessárias à formação docente.
Considerando essa breve contextualização do curso de Pedagogia EAD,
identificamos os princípios orientadores que caracterizam a identidade/essência do curso,
tendo em vista a formação do pedagogo. Além disso, trazemos uma discussão sobre a
formação de professores, compreendendo esta como um campo de conhecimento
complexo, que envolve a dimensão pessoal e profissional do indivíduo.

OS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS DO CURSO

| 351
O curso de Pedagogia EAD da UFSM está organizado em dois estágios
supervisionados, sendo no 7º semestre o Estágio Supervisionado em Educação Infantil e
no 8º semestre o Estágio Supervisionado nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Cada
estágio deve ser realizado nas escolas conveniadas ao curso, possuindo uma carga horária
de 150 horas, compondo um total de 300 horas, de acordo com as DCNs.
Também de acordo com as Diretrizes Nacionais para o Curso de Pedagogia, o Art.
7º, inciso IV, define que o “estágio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo
a assegurar aos graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes escolares

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e não-escolares que ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e
competências”(BRASIL, 2006). O curso de Pedagogia EAD tem inserções no ambiente
escolar ao longo do curso e os estágios acontecem no último ano de curso.
Segundo a ementa das disciplinas, o objetivo dos estágios no curso é: “Realizar a
prática de ensino sob forma de Estágio Supervisionado, na Educação Infantil, nos Anos
Iniciais e na EJA estabelecendo a relação teoria e prática como efetivação do processo de
ensino-aprendizagem” (PROGRAMA DA DISCIPLINA, 2007). Dessa forma,
destacamos que no decorrer do curso o estudante apropria-se de inúmeros conhecimentos
teóricos e o estágio supervisionado é como um espaço de aprendizagem do ser professor,
um tempo/espaço de aprendizagem do que é a docência. “O estágio [...] é atividade teórica
de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade [...], ou seja, é no
contexto da sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se
dá” (PIMENTA e LIMA, 2004, p. 45).
Para o estudante que não trabalha em escola, o estágio do curso acaba sendo
muitas vezes, o primeiro contato do acadêmico com a realidade escolar, então o estágio é
um período de desafios e enfrentamentos da docência, bem como de aprendizagens da
profissão. O acadêmico aprende com os alunos e também com a professora regente da
turma, consolidando assim vivências e experiências docentes.
Para os acadêmicos que já são professores, que atuam em escolas, que estão
buscando uma qualificação profissional e uma formação continuada, o “[...] o estágio se
configura, para quem já exerce o magistério, como espaço de reflexão de suas práticas, a
partir das teorias, de formação contínua, de ressignificação de seus saberes docentes e de
produção de conhecimentos” (PIMENTA, 2010, p.129).
| 352
A dinâmica da disciplina de estágio está organizada com leituras e discussões
acerca do campo de atuação, para que os acadêmicos possam conhecer e compreender o
contexto e as práticas na Educação Infantil, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e
EJA. Primeiramente, os acadêmicos entram em contato com as escolas, fazem
observações na turma em que desejam realizar o estágio. Após, é o momento de
construção do projeto de estágio, que é um documento norteador da prática pedagógica
que será realizada em uma turma específica.

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Posteriormente, os acadêmicos iniciam os planejamentos das semanas de estágio,
os quais são enviados pelo moodle, para que a professora e a tutora possam dar
orientações, sugestões e complementações sobre o planejamento de cada estudante. As
orientadoras de estágio almejam que os acadêmicos estabeleçam uma reflexão acerca da
turma de estágio, sua realidade, suas características, seus interesses, suas curiosidades e
suas especificidades.
Os acadêmicos também constroem registros diários das práticas vivenciadas no
estágio, destacando aspectos relevantes da sala de aula e também para repensar a sua
prática. Assim, o registro se constitui como um instrumento de apoio à reflexão sobre a
prática cotidiana do professor. Para Freire (2015, p.164), “registrar não se esgota no puro
ato de fixar com pormenores o observado tal qual para nós se deu”, mas sim arriscar a
fazer algumas observações críticas da própria prática, assim avaliando a cada registro o
trabalho pedagógico desenvolvido. No decorrer do estágio, os professores e tutores
acompanham os registros dos acadêmicos, pois estes são de grande relevância também
para a construção do planejamento.
Ao final dos estágios, os acadêmicos organizam um relato de experiência dos
estágios realizados. Este trabalho final visa uma sistematização dos processos
vivenciados pelos acadêmicos, com intuito de que eles percebam este momento como um
processo, e assim possam aliar os pressupostos teóricos estudados no decorrer do curso,
a partir do que foi desenvolvido no estágio.
Este se constitui como um momento de reavaliar as práticas desenvolvidas pelos
acadêmicos, seus processos formativos, as experiências vividas e sua constituição como
professor. No decorrer deste trabalho vamos analisar algumas falas, que foram retiradas
| 353
dos relatos de experiências dos Estágios Supervisionados realizados na Educação Infantil
e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

ALGUMAS DISCUSSÕES ACERCA DO PROCESSO FORMATIVO


VIVENCIADO NOS ESTÁGIOS: POSSIBILIDADES PARA FORMAÇÃO
INICIAL DOS PROFESSORES

No decorrer deste estudo, ao analisarmos os relatos de experiência, evidenciamos


nas falas dos acadêmicos indícios que demonstraram os processos de “ser professor”

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(OSTETTO, 2012) dos acadêmicos do curso de Pedagogia EAD. O percurso inicial de
conhecer as crianças, de deparar-se com o planejamento, com os registros, com a escola,
suas demandas , os desafios e enfretamentos da docência, se entrelaçou ao processo de
“ser professor”, destes acadêmicos. A cada orientação era possível compreender o quanto
os acadêmicos estavam desenvolvendo-se pessoalmente e profissionalmente.
Foi possível perceber a inquietude dos acadêmicos quanto ao processo que
estavam vivenciando, suas construções no que diz respeito à proposta de estágio, quais as
temáticas dos seus estágios, o que iriam propor aos alunos, como contemplar os interesses
e as curiosidades das crianças, como iriam planejar as aulas visando as diferentes áreas
do conhecimento e os conteúdos, e o como planejar aulas prazerosas, que despertassem o
conhecimento dos alunos, tudo isso contemplam os desafios e os enfrentamentos da
docência, o processo de “tornar-se professor”, a cada dia, com cada criança, com cada
experiência.
Percebemos que os acadêmicos chegam aos cursos de formação trazendo consigo
suas culturas, suas vivencias e seus conhecimentos de mundo. Segundo Ostetto:

A formação do professor envolve muito mais que uma racionalidade teórico-


técnica, marcada por aprendizagens conceituais e procedimentos
metodológicos. Há, no reino da prática pedagógica e da formação de
professores, muito mais que domínio teórico, competência técnica e
compromisso político. Lá estão histórias de vida, crenças, valores, afetividade,
enfim, a subjetividade dos sujeitos implicados (2012, p.128).

As histórias de vida, as crenças, os costumes, os valores, a afetividade, o carinho,


o comprometimento, foram se constituindo em cada proposta de estágio, pois cada um
| 354
dos acadêmicos foi deixando nas suas escritas suas subjetividades, o modo de
compreender a escola, as crianças e o seu próprio processo de estar tornando-se professor.
Acreditamos que este momento foi um desafio pessoal, em que os acadêmicos do curso
de Pedagogia precisaram fazer suas escolhas, ousar, criar novas possibilidades, envolver-
se com as crianças e a escola, ou seja, viver o dia a dia da escola, assumindo um
compromisso que a partir de agora também será deles.
Estes processos vivenciados pelos acadêmicos no decorrer do estágio foram
marcados por aprendizagens e novos conhecimentos a respeito do cotidiano da escola, e

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principalmente sobre os seus próprios processos de reconhecer-se como professores. Em
excertos retirados dos relatos de experiência do estágio, é possível perceber isso:

Acredito que o estágio me proporcionou aprendizagens significativas da


profissão, de cultura do magistério, de aproximação investigativa da
realidade e do seu contexto social. Reafirmo o conceito de estágio, com o
campo de conhecimento, que envolve estudos, análise, problematização,
reflexão e proposição de soluções sobre o ensinar e o aprender (Acadêmica
A).

O estágio em Anos Iniciais foi um momento muito especial e diferente, pois


nunca havia trabalhado com crianças maiores de 2 anos, a não ser no estágio
em Educação Infantil, que possibilitou esse convívio e também
aprendizado(Acadêmica B).

Em relação ao meu papel de professor/estagiário me percebi como um


mediador e facilitador no processo de aprendizagem das crianças, pois
procurei planejar, organizar e desenvolver a prática pedagógica tendo como
objetivo criar condições que levassem a criança a tomar iniciativa por si só,
isto é, que ela mesma coordenasse e executasse os seus próprios passos no
caminho da aprendizagem (Acadêmico C).

Estes excertos demonstram as aprendizagens dos acadêmicos, e como eles


percebem este momento de experiências, de estar tornando-se professor na perspectiva
de aprender com o outro. Para Freire (1996, p. 25) “Quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina alguma coisa a alguém”. Na perspectiva
freiriana o ato de ensinar não acontece sem o aprender, os sujeitos precisam uns dos outros
para aprender. Logo foi possível perceber que os dois acadêmicos trazem em seus relatos
questões relacionadas ao aprender e ao ensinar. Isso tudo faz parte das experiências
cotidianas vividas pelos acadêmicos, e que foram se constituindo como forma de
aprender, e assim produzirem seus próprios conhecimentos em relação a sua formação.
| 355
Em alguns momentos também foram possível observar as questões relacionadas
aos desafios e enfrentamentos encontrados pelos acadêmicos no decorrer do estágio.
Observamos que os desafios foram muitos, mas que são necessários para a constituição
da docência, e para a ação/reflexão das práticas pedagógicas, pois a partir dos desafios e
enfrentamentos diários, os acadêmicos puderam refletir sobre suas práticas. Essa reflexão
sobre a ação isso ficou bem claro nos relatos de experiências e nos registros que os
acadêmicos realizam diariamente.

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Sendo assim, evidenciamos que os registros realizados diariamente, foram de
suma importância para a reflexão sobre a própria prática, pois sem eles seria impossível
repensar as práticas diárias. Para Freire (2015, p.118) “A prática de pensar a prática, de
estudar a prática, nos leva a percepção anterior ou ao conhecimento do conhecimento
anterior que, de modo geral envolve um novo conhecimento.” Nos fragmentos abaixo é
possível perceber os desafios dos acadêmicos, bem como, a forma que é constituída o
conhecimento com o grupo de crianças:

Vários foram os desafios enfrentados, no início do meu estágio, dos quais


destaco a minha insegurança em conduzir uma aula, a desatenção da turma,
a questão da organização das crianças em sala de aula, pois eram
acostumadas a sair da sala com frequência, onde os que terminarem primeiro
as atividades, acabavam perturbando os demais, pois não paravam quietos,
caminhando e conversando pela sala. Porém com o passar dos dias,
dialogando com a turma, os desafios foram sendo superados, e o que mais me
trouxe alegria frente a superação, foi quando consegui integrar toda a turma,
no desenvolvimento das atividades, ou seja, como havia dois alunos que não
conseguiam acompanhar os demais, muitas vezes acabavam ficando para trás
principalmente durante a cópia das atividades. Assim, desafiei a turma, a
auxiliar estes dois alunos, explicando a eles que devemos ajudar-nos uns aos
outros, assim, quem acabava a atividade, era convidado a ajudar um dos
colegas, podendo auxiliar na realização das atividades, ditando o texto, ou
questões a serem copiadas...promovendo assim, a troca de saberes.
(Acadêmica D)

O trabalho nos Anos Iniciais é gratificante, principalmente quando os alunos


conseguem estabelecer relação entre o que estão aprendendo na escola com
situações de sua vida cotidiana, assim a aprendizagem se torna significativa
para a criança. (Acadêmico E)

Um grande desafio no estágio foi elaborar as atividades, a elaboração do


plano de aula, como trabalhar e o que trabalhar em sala de aula. Ao fazer o
planejamento, busquei levar em conta a realidade das crianças, as
dificuldades e também seus interesses. (Acadêmica F)
Nos primeiro excerto, é possível perceber logo no início o desafio encontrado pelo | 356
estudante, a reflexão da sua prática pedagógica, e os caminhos percorridos com o grupo
de crianças, para a construção de conhecimentos. O acadêmico E ressalta a importância
do ensino e aprendizagem estar relacionado as vivências dos alunos, para que estes
tenham aprendizagens significativas.
Já a acadêmica F enfatiza o desafio da construção do planejamento e a escolha de
atividades para desenvolver com a turma. Para os acadêmicos, que não tiveram
experiências anteriores no contexto escolar, muitas vezes o estágio é um choque de
realidade do que é a escola e o trabalho docente, reafirmando a importância dos desafios

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e vivências para a constituição da docência. Quanto ao estágio desenvolvido, os
acadêmicos destacam que:

Durante o estágio supervisionado comprovou-se mais uma vez a importância


das práticas educativas na mediação do processo de construção de
conhecimento no processo ensino aprendizagem, ou seja, nas relações
estabelecidas entre professor e alunos no processo educativo. (Acadêmica G)

O estágio foi uma oportunidade para rever e reconstruir conceitos sobre a


prática pedagógica e o trabalho docente nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, além de ter sido um momento de reflexão sobre a importância
do planejamento pedagógico no contexto escolar. (Acadêmica H)

O estágio supervisionado foi uma experiência única no meu processo


formativo docente, que me proporcionou um contato diretamente a escola e
prática pedagógica. (Acadêmica I)

Com esses excertos, foi possível perceber a relevância do estágio nos cursos de
formação inicial de professores. Pois, o estágio permite o exercício teórico e prático, a
partir do momento em que possibilita ao acadêmico a vivência na docência, se realizando
uma leitura pedagógica do que se vivencia, problematizando a realidade educacional,
diante aos fundamentos estudados no decorrer do curso. Segundo Pimenta e Lima (2004,
p. 129), “o estágio se configura, para quem já exerce o magistério, como espaço de
reflexão de suas práticas, a partir das teorias, de formação contínua, de ressignificação de
seus saberes docentes e de produção de conhecimentos”.
Assim, destacamos que o estágio é uma possibilidade de vivências e experiências
na sala de aula, pois permite aos acadêmicos o enfrentamento de desafios da docência e
do contexto escolar, estes que só poderão ser compreendidos se o acadêmico estiver na
escola.
| 357

(IN) CONCLUSÕES

A organização e o trabalho com as práticas de ensino no curso de Pedagogia da


UFSM, na modalidade à distância, permite que se possa analisar os processos formativos
dos acadêmicos, refletindo e acompanhando a partir das orientações, reflexões e relatos,
as experiências que os estagiários vivenciam nas escolas. Considerando o percurso
vivenciado no estágio, se analisou as aprendizagens, os desafios e enfrentamentos na

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docência, com o intuito de repensar o paradigma formativo sob a possibilidade de refletir
sobre a formação de professores.
Ao refletir sobre o campo teórico da formação de professores, a partir da
constituição da docência frente aos desafios, os enfrentamentos e as aprendizagens
vividos no decorrer do estágio, se buscou compreender os processos formativos dos
acadêmicos em formação inicial. Dessa forma, foi possível problematizar o campo de
inserção profissional vivenciado pelo estudante, constatando-se que no decorrer do
estágio são enfrentados inúmeros desafios, que possibilitam o desenvolvimento de uma
atitude investigativa dos futuros docentes frente a realidade do ensino nas escolas, bem
como, de suas próprias práticas pedagógicas.
Dentro de um curso de formação inicial de professores se espera que este colabore
para o exercício profissional da docência, considerando que esta profissão não é uma
atividade burocrática, mas envolve uma compreensão de que ensinar é um processo de
humanização dos alunos historicamente situados. Defende-se, diante a esta análise dos
processos formativos dos acadêmicos que vivenciaram o estágio supervisionado no curso
de Pedagogia EAD, que a formação inicial dos professores pode desenvolver no futuro
docente conhecimentos, habilidades e valores que possibilitam a construção dos saberes
e fazeres docentes a partir dos desafios do contexto escolar.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Resolução CNE/CP 1, de 15 de maio de 2006. Institui as Diretrizes


Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília,
Diário Oficial da União (DOU), 2006. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf.> Acesso em: 13 dez. 2015. | 358

BELLONI, Maria Luisa. Educação a Distância. Campinas, Autores Associados, 2006.

FLICK, Uwe. Desenho da pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à pratica educativa;


São Paulo, Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 25 ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2015.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.

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GARCIA, C. M.. Formación del professorado para el cambio educativo. Barcelona:
EUB, 1995.

ISAIA, Silvia Maria de Aguiar; Bolzan Doris Pires de Vargas. Pedagogia


Universitária e desenvolvimento profissional docente. Porto Alegre: EDIPUCRS. p.
120 – 143, 2009.

OSTETTO, Luciana Esmeralda. Educação Infantil: Saberes e fazeres da formação de


professores. 5ª ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 2012.

PIMENTA, S. G; LIMA, M. do S. L. Estágio e docência. Paulo: Cortez, 2004.

PIMENTA, S.G. O estágio na formação de Professores: Unidade teoria e prática? 9 ed.


São Paulo: Cortez, 2010.

SILVA, C. S. B. Curso de pedagogia no Brasil: história e identidade. 2. ed. rev. e ampl.


Campinas: Autores Associados, 2003.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. Projeto Político Pedagógico do


curso de Pedagogia Licenciatura Plena Diurno (PPP). Santa Maria, 2007. Disponível
em:<http://w3.ufsm.br/pedagogia/index_arquivos/noticias1_arquivos/ppp/perfil/perfil.p
df > Acesso em: 20 dez. 2015.

| 359

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DIÁLOGOS SOBRE TRABALHO DOCENTE NA
CONTEMPORANEIDADE: EXPERIÊNCIA DO MEDIADOR
DO ENSINO MÉDIO COM INTERMEDIAÇÃO
TECNOLÓGICA EM MEIO RURAL

Susiara Moreira Reis Coutinho


UNEB, susiarareis.iat@gmail.com

Elizeu Clementino de Souza


UNEB, esclementino@uol.com.br

Resumo
O trabalho discute questões relacionadas as condições de trabalho docente das
Professoras-mediadoras que atuam no Programa Ensino Médio com Intermediação
Tecnológica (EMItec) em meio rurais, na cidade de São Sebastião do Passé, na Região
Metropolitana de Salvador, cuja proposta é atender os alunos que estão no Ensino Médio
e moram em regiões de difícil acesso. Adotamos princípios teórico-metodológicos da
pesquisa (auto)biográfica, mediante a utilização de entrevista narrativa, a fim de
apresentar o perfil biográfico das colaboradoras, aspectos relacionados ao percurso
formativo e as condições de trabalho subsidiam a prática docente no contexto do referido
programa. A partir das contribuições teóricos de Hypolito (2012) e Oliveira e Viera
(2012), objetiva-se discutir questões que envolvem o trabalho docente, como: condições
de formação, formas de contratação, carreira e remuneração, condições físicas, materiais
e subjetivas do trabalho. A discussão amplia-se na vertente da intensificação do trabalho
docente, com ênfase na análise de aspectos voltados para a ampliação da jornada de
trabalho, condições materiais, estruturais e pedagógicas que não se restringem, apenas,
ao local de trabalho, mas também aos aspectos ligados à profissionalização.
Palavras Chaves: Trabalho docente; Condições de trabalho; Professoras-mediadoras.

Para começo de conversa: o EMItec e o contexto da pesquisa

| 360
O texto desdobra-se como ação da pesquisa Multisseriação e trabalho docente:
diferenças, cotidiano escolar e ritos de passagem, financiada pela Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), no âmbito do Edital 028/2012 – Prática
Pedagógicas Inovadoras em Escolas Públicas e do MCTI/CNPq, Chamada Universal n.
14/2014, desenvolvida em regime de colaboração entre o sob a coordenação do Grupo
de Pesquisa (Auto)biografia, Formação e História Oral, da Universidade do Estado da
Bahia (Grafho/Uneb), em parceria com os seguintes grupos: Diversidade, Narrativas e
Formação (Diverso/Uneb); Educação do Campo e Contemporaneidade (Uneb);

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Currículo, Avaliação e Formação (CAF/UFRB); Observale/Observatório da Educação do
Campo no Recôncavo e Vale do Jiquiriçá/BA (UFRB); e o Laboratório Experice
(Universidade de Paris 13/Paris 8). As questões aqui apresentadas vinculam-se ao subprojeto
Ser Professor do Ensino Médio com Intermediação tecnológica: Um estudo sobre
condições de trabalho do professor-mediador, objetivando discutir condições de trabalho
docente de professores, no âmbito do Programa Ensino Médio com Intermediação
Tecnológica (EMItec) em meio rural.
O texto apresenta inicialmente a contextualização do programa e suas relações
com as condições de trabalho das professoras-mediadoras que atuam no Ensino Médio
com Intermediação tecnológica (EMITec) e, de forma abreviada, aspectos relacionados a
metodologia, perfil das colaboradoras, ao situar aspectos relacionados ao trabalho
docente, quais sejam: formação docente, condições de trabalho materiais, físicas e
subjetivas.
O EMItec foi instituído pelo governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria
da Educação em 2011, constituindo-se em uma alternativa pedagógica para atender a
jovens e adultos que, prioritariamente, moram em localidades distantes ou de difícil
acesso, onde não há oferta do Ensino Médio, em relação a centros urbanos de ensino-
aprendizagem.
A metodologia do Ensino Médio em Ação (EMITec) utiliza de multimeios: os
professores especialistas, presentes em uma sala/estúdio, localizada em Salvador, mais
especificamente no Instituto Anísio Teixeira (IAT), desenvolvem atividades pedagógicas,
que serão desenvolvidas em aulas teletransmitidas74. Nesse processo, os educandos, em
salas de aula/espaços de construção da aprendizagem, localizadas em suas comunidades,
| 361
são orientados por (um) professor-mediador.
O professor-mediador é aquele que atua presencialmente, estabelecendo o diálogo
entre o Programa e os alunos. O professor-mediador reside no local, fato que lhe permite
conhecer a realidade, interagindo com a comunidade escolar, possibilitando-lhe
desenvolver atividades didáticas, processo avaliativo e intervenções próprias no processo
de mediação presencial. Nessa perspectiva, sua atuação vai além dos aspectos técnicos e

74
Aulas ao vivo, no formato de videoconferências, realizadas diariamente durante toda a semana e
ministradas por dois professores especialistas. Disponível em: httt://www.fbb.org.br/tecnologiasocial.

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de operacionalização tecnológica, vez que assume um papel fundamental na
contextualização do conhecimento. Ele atua em todas as disciplinas, portanto, sua prática
necessita ser interdisciplinar; participa ativamente de todos os processos de
aprendizagem, inclusive do avaliativo, fazendo a correção das avaliações definidas pelo
Programa, sendo também responsável pela correção e pela emissão da nota qualitativa.
Durante a atuação no Programa EMITec, o professor-mediador convive com os discentes
em aulas intermediadas, atingindo diretamente esse público-alvo, que é
predominantemente rural.
A pesquisa busca compreender como se dão as condições de trabalho das
professoras-mediadoras que atuam no Ensino Médio na cidade de São Sebastião do Passé,
na Região Metropolitana de Salvador, no Programa EMITec. Nesse município, o
Programa está situado em duas escolas estaduais denominadas escolas de vinculação75:
Luiz Ferreira de Brito – Anexo76 Januário Ribeiro da Silva, no Distrito de Banco de Areia;
e Deputado Luís Eduardo Magalhães – Anexo Edgar Santos –, no Distrito de
Maracangalha. Ambas funcionam em anexos situados no meio rural, em salas
improvisadas e disponibilizadas pelo município, o que já atesta precárias condições e
implicações nas condições materiais do trabalho docente das professoras-mediadoras.
Os sujeitos da pesquisa são sete professoras-mediadoras que atuam no Programa
EMITec no referido município. Ressalta-se que as participantes tiveram seus nomes
originais preservados, sendo atribuído o codinome inicial “Ana” – em referência à
personagem Ana Terra, do romance de Érico Veríssimo – e o segundo ficou a critério da
escolha pessoal de cada uma delas. São todas do gênero feminino, o que é uma tendência
comum no magistério, e têm idades que variam entre 41 a 52, seis delas são casadas, com
| 362
formação universitária nos cursos de Letras, Pedagogia e Geografia, sendo que a maioria
fez especialização nas diversas áreas do conhecimento. São consideradas professoras
experientes, em função de terem entre 12 a 32 anos de exercício no magistério, com tempo
de ingresso no Programa entre quatro meses até seis anos, que é o período de implantação

75
Escola estadual instituída dentro da parceria Estado e Município, como responsável pelos alunos do
EMITec que estão nos anexos, sendo que todo provimento para esses alunos são disponibilizados por
essa instituição escolar.
76
Anexo compreende a escola vinculada a uma escola matriz, da rede municipal, de Ensino Fundamental I
e II disponibilizada pelo Programa.

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do programa. No que concerne à situação funcional e disponibilização de carga horária
para o Programa, quatro são funcionárias efetivas do município de São Sebastião do
Passé, em regime de 20 horas, uma efetiva da Rede Estadual (40 horas) e duas em regime
de Prestação de Serviço Temporário – PST (30 horas).
As experiências profissionais das professoras-mediadoras que atuam no EMITec
visibilizam questões férteis sobre condições de trabalho, possibilitando-nos apreender
através de suas narrativas modos como vivem à docência em tal espaço profissional, com
ênfase na análise de aspectos vinculados a formação docente, as condições de trabalho
materiais, físicas e subjetivas. A análise sobre as condições de trabalho toma como
referência sistematizações e contribuições teóricas de pesquisas desenvolvidas por
Hypolito (2012), Oliveira e Vieira (2012), bem como os documentos norteadores do
EMITec e o Projeto Político Pedagógico (2013).

Formação docente: o que nos dizem as professoras-mediadoras?

Tomamos como ponto de partida para a análise a formação continuada


disponibilizada pelo Programa EMITec voltada às professoras-mediadoras, no
entendimento de que o Projeto Político Pedagógico (PPP) do EMITec (2013) prevê uma
formação alinhada com as concepções e diretrizes do Ensino Médio com Intermediação
Tecnológica por área de conhecimento, princípios da contextualização e
interdisciplinaridade, conhecimentos da tecnologia adotada, estratégias de pesquisa, além
da aprendizagem e avaliação na modalidade de ensino a distância. Diante disso, buscamos
associar as diretrizes estabelecidas pelo Programa com as narrativas dessas profissionais,
| 363
através das entrevistas narrativas realizadas durante a pesquisa, implicando em uma
análise cruzada, a partir de conhecimentos experiências das professoras-mediadoras no
âmbito do programa, com princípios propostos pelo Programa EMItec, situando
disposições sobre a docência no Ensino Médio com Intermediação Tecnológica em meios
rurais.
Ao explicitar sua posição em contraposição ao que estabelece o PPP do EMITec,
a professora-mediadora Ana Amaral77 afirma que:

77
Os excertos utilizados no texto correspondem aos fragmentos das entrevistas narrativas realizadas com

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Não, não fui preparada pro EMITec! Eu não tinha nem noção do que
eu ia fazer no EMITec! Não tinha ideia! Minha formação é de Letras!
Né? Letras com Língua Portuguesa! Então, eu fiz Pós em Metodologia
do Ensino de Português e só! Né? Fiz algumas pós também em
Educação Ambiental! Fiz Pós em Gestão de Pessoas! Mas curso pra
trabalhar com mediação? [...] Só foi dois dias que levaram a gente pra
Santo Amaro! E eu nem considero que foi um curso, porque mostrou a
gente como era que ligava, como é que usava o IPTV. Né? Como é que
a gente ia usar, ligar, e desligar o IPTV78 (ANA AMARAL, 2015).

Ana Amaral, ingressou no início do Programa, em 2011, narra que teve uma
formação aligeirada com fim instrutivo e técnico, limitando-se à orientação de como
funcionam os instrumentos tecnológicos, ficando em detrimento orientações pedagógicas
que seriam fundamentais para o entendimento de uma especificidade de ensino em um
contexto rural, pautada na intermediação tecnológica. Do mesmo modo, a narrativa de
Ana Amaral, evidencia aligeiramento na formação e ausências de discussões políticas e
epistemológicas sobre o programa, o que tem implicado nas condições de trabalho, na
condição de professora-mediadora.
Tal questão é problematizada por Nóvoa (1999), ao discutir sobre a formação
docente, ao apresentar aspectos históricos relacionados ao aumento das exigências que
são feitas ao professor, quando lhe é pedido que assuma um número cada vez maior de
responsabilidades. A tarefa do professor não se restringe apenas a questões cognitivas,
vez que suas funções vão além da disciplina que leciona, ou da formação específica, sendo
este um facilitador da aprendizagem, pedagogo eficaz, organizador do trabalho de grupo.
Além do ensino, cuida do equilíbrio psicológico e afetivo dos alunos, da integração social
e da educação sexual, somados à atenção aos alunos especiais integrados na sala de aula.
| 364
Tais exigências exigem do professor explicitar seus valores e objetivos
educativos, de forma que as mudanças de papel e as transformações contextuais nas
relações interpessoais fomentam o ato de repensar a formação docente das professoras-
mediadoras, partindo do pressuposto apontado por Nóvoa (1999), ao considerar que no

as professoras-mediadoras, colaboradoras da pesquisa, t


78 Projeto Serviço Multimídia de Banda Larga para Inclusão Social tem como objetivo geral a implantação
de uma infraestrutura experimental para interoperabilidade de novos serviços multimídia de utilidade
pública, visando à inclusão social. Em particular, a ênfase será dada aos serviços IPTV. Disponível em:
iptv.br. Acessado em: 17 jan. 2016.

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processo de formação inicial desenham-se três grandes linhas de atuação: 1) O
estabelecimento de mecanismos seletivos de acesso à profissão docente baseados em
critérios de personalidade, e não apenas em critérios de qualificação intelectual; 2) A
segunda linha de atuação proposta é a substituição de abordagens descritivas79 na
formação inicial do professor.
A terceira e última linha de atuação proposta por Nóvoa (1999) é a adequação dos
conteúdos da formação inicial à realidade prática do ensino. Nesta, não se questiona a
capacidade do professor com relação ao domínio, mas sim, a articulação desses conteúdos
durante a mediação com os alunos. Desse modo, é necessário entender que a formação
prática no processo de formação inicial-continuada pudesse permitir ao professor as
seguintes habilidades: 1. Identificar-se a si próprio como professor e aos estilos de ensino
que é capaz de utilizar, estudando o clima da turma e os efeitos que os referidos estilos
produzem nos alunos; 2. Ser capaz de identificar os problemas de organização da classe
mais agudos durante o primeiro ano de exercício da profissão; 3. Ser capaz de resolver os
problemas decorrentes das atividades de ensino-aprendizagem, procurando tornar
acessíveis os conteúdos de ensino a cada um de seus alunos.
Os aspectos apresentados podem ser desenvolvidos pela professora-mediadora,
pois estas atuam de forma presencial e na interação com os alunos, sendo potencializadas
suas percepções com relação às atitudes, reações, desejos e anseios vivenciados no
contexto escolar. Outro aspecto interessante que facilita o diálogo com a comunidade é o
fato de que a professora-mediadora reside no espaço ou próximo da comunidade,
colocando-se como sujeito pertencente que conhece as dificuldades da comunidade,
podendo auxiliar ou não na resolução de problemas. Nesse caso específico, por meio da
| 365
intermediação tecnológica a professora-mediadora, partindo do seu espaço, pode
estabelecer um intercâmbio entre o local e o global, este sendo representado pelo
professor especialista, e o local, que são seus alunos. Apesar disso, “[...] a incorporação
de novas tecnologias no trabalho interfere diretamente nas práticas e modos de ensinar,
assim como na formação docente [...]” (HYPOLITO, 2012, p. 212).

79
Nas abordagens descritivas, segundo Nóvoa (1999), considera-se que o êxito na docência depende de uma
atuação correta do professor, que responde ao conjunto de condicionantes que influem na interação
professor-aluno; quando os professores principiantes enfrentam as suas primeiras dificuldades, põem
em questão a sua atuação e passam, então, em revista os possíveis erros na sua forma de enfrentar a
situação, mas não começam desde logo e pôr-se em causa a si mesmos.

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A complexidade do contexto em que as professoras-mediadoras são parte
integrante possibilita que elas reconstruam, se modifiquem e ressignifiquem por meio das
experiências, relatos, atividades que surgem a partir de demandas ou situações
emergenciais do cotidiano de sala de aula, implicando modos como desenvolvem suas
funções no espaço escolar. Assim sendo, o processo de construção do sujeito é realizado
no coletivo e, por isso, no cenário de múltiplas singularidades que se entrecruzam,
emergindo de forma implicada e cruzada suas histórias e as dos outros, na mesma medida
em que o trabalho docente é realizado por elas, sendo, portanto, produto e produtora das
condições de trabalho, simultaneamente (JOSSO, 2002). Logo, quando a formação
continuada acontece de forma aligeirada, técnica, com o caráter instrutivo, desmerece seu
objetivo maior que é de proporcionar condições para que o professor exerça sua prática
pedagógica com a autonomia, mas tendo em vista a obtenção da qualidade do seu
trabalho.

Condições de trabalho docente: dimensões materiais, físicas e subjetivas

As condições materiais, segundo Hypolito (2012), abarcam todas as


circunstâncias estruturais que permeiam a prática docente. Para clarificar o entendimento
sobre o trabalho das professoras-mediadoras, no que tange à estrutura física,
apresentamos os anexos, que são espaços cedidos pela Prefeitura Municipal de São
Sebastião do Passé, localizados nos distritos de Banco de Areia e Maracangalha.
Banco de Areia conta com uma estrutura moderna, mas não existe cobertura
telefônica e linha de Internet, somente a disponibilizada pelo EMITec. As professoras
| 366
têm em média 25 alunos por sala. Os alunos que fazem parte do Programa nessa
localidade, na maioria, estudam no turno diurno, são filhos de pessoas que trabalham nas
empresas que circundam o distrito, voltadas para o manuseio do gás e do petróleo.
Deste modo os discentes do anexo Escola Municipal Januário Ribeiro da Silva,
Fundamental I e II, que acolhe o Programa EMITec no município tem condições
favoráveis, ainda que contem com uma estrutura física própria para o Ensino
Fundamental, o que revela adaptações precárias e inapropriadas para o desenvolvimento
do projeto. Mesmo com esforço e investimentos por parte da Secretaria de Educação do

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Estado em adaptar as duas salas reservadas para o EMITec, tal ação ainda não foi
concretizada, implicando em condições inapropriadas para o desenvolvimento do
programa, seja em função da estrutura da escola, dos mobiliários, do precário acervo da
biblioteca e das exigências cotidianas que tais questões implicam nas condições de
trabalho das professoras-mediadoras.
Maracangalha, o segundo Distrito. Atualmente, o município não passa por um
momento socioeconômico próspero, os jovens deslocam-se para as cidades vizinhas de
Candeias, a capital Salvador, ou para outras capitais brasileiras que oportunizem melhores
condições de vida. Os jovens que ficam no município são desempregados, vivem de
prestação de serviços em fazendas ou desenvolvem atividades agrícolas de subsistência
em pequenos sítios.
Nesse contexto estão inseridos os alunos do EMITec que pertencem ao Anexo do
Grupo escolar de 1º Grau Professor Edgar Santos, escola municipal com sala para alunos
do Fundamental II utilizada para o EMITec, funcionando somente no turno noturno. As
professoras-mediadoras têm em média 20 alunos em sala de aula, oriundos do EJA, com
distorção idade-série, trabalhadores rurais que apresentam dificuldades na aquisição do
conhecimento. Conta com uma estrutura física inapropriada para uma clientela de adultos,
com salas pequenas, carteiras pequenas, entre outras dificuldades.
Essa realidade diverge do que preconiza o Projeto Político Pedagógico do
Programa EMITec – 2013, cujo documento define as condições básicas para a instalação
dos anexos com a presença de biblioteca, videoteca, quadra de esportes, bem como de
laboratório de informática e aquisição de material de suporte. Em síntese, as condições
físicas disponibilizadas não correspondem à realidade revelada nas narrativas das
| 367
professoras-mediadoras.
Os distritos rurais em que estão localizadas as escolas Anexo apresentam
diferenças socioeconômicas e culturais, implicando em discrepâncias nas condições de
trabalho oferecidas entre eles. Banco de Areia conta com o apoio de uma comunidade em
ascensão econômica e aproximação dos pais. Por outro lado, Maracangalha vive um
processo recessivo de poucas oportunidades, tendo jovens rurais desempregados ou com
trabalhos informais envolvidos com agricultura de subsistência.

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Esses fenômenos coexistem no espaço rural contemporâneo brasileiro que,
segundo Moreira (2005, p. 38), passa a ser compreendido não mais como um espaço
exclusivo das atividades agrícolas, mas como lugar de uma sociabilidade mais complexa
que aciona novas redes sociais regionais, estaduais, nacionais e mesmo transnacionais.
Os alunos dos dois anexos não pertencem à escola municipal que frequentam
todos os dias, pois não fazem parte dela, ou seja, os vínculos estabelecidos entre os alunos
e a escola são inconsistentes, dando sempre a ideia de passagem e não de pertencimento.
São matriculados no Colégio Estadual Luís Eduardo Magalhães e no Colégio Polivalente
Monsenhor Luiz Ferreira de Brito, com funcionamento do Programa EMItec, nas escolas
anexo, através de sessão de sala da rede municipal.
A parceria estabelecida entre Estado e Município não prevê uma legitimação
identitária dos discentes com relação ao local, comprometendo as condições de trabalho
das professoras-mediadoras, pois o diálogo e suporte para o desenvolvimento do trabalho
docente, como recurso didático, cópia de material, acesso a informações, orientações,
entre outras necessidades devem ser disponibilizadas pela escola estadual. A escola
municipal está isenta de qualquer responsabilidade com esse aluno. Assim, as
circunstâncias do trabalho docente exigem locomoção, ação esta que, no contexto rural,
está sempre carregada de muitas adversidades: transporte, situação climática, estradas,
tempo disponível, entre outros, e isso intensifica o trabalho das professoras, conforme
explicita a narrativa da professora-mediadora Ana Virginia:

Como eu moro aqui, ai eu aceitei, né eu moro aqui mesmo! Então eu


continuei vindo trabalhar! Então assim, o responsável daqui era Luís
Eduardo. A gente é vinculado ao Luís Eduardo! Como se fosse Luís
| 368
Eduardo, aqui fosse uma extensão do Luís Eduardo! Então, os aparelhos
daqui, os aparelhos que foram de uma outra escola, de um EMITec que
fechou em algum lugar! Né, Saubara! Tanto que aqui é inscrito como
Saubara, aparece Saubara Jesus. São os aparelhos nossos! Que aqui já
tinha EMITec! Quando eu cheguei já encontrei (ANA VIRGINIA,
2015).

A narrativa da professora trata de questões relacionadas a escola de vinculação,


revelando que a parceria estabelecida entre o município e o estado defina que o Programa
EMITec seja sediado pela escola municipal, a responsabilidade sobre esses alunos é das
escolas estaduais Polivalente e Luís Eduardo, o que gera incompatibilidades e as vezes

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conflitos tanto por parte dos alunos quanto dos professores-mediadores, em relação ao
espaço e ao vínculo institucional. Os anexos têm salas com “Kit tecnológico” - televisão,
antena, DVD, disponibilizados pelo Programa, conforme demonstra a Figura 1.

Figura 1 - Sala do Anexo - Escola Municipal Professor Edgar Santos Distrito Maracangalha

Fonte: Acervo Fotográfico da Pesquisa de Campo (2015)

O uso do aparato tecnológico não considera as peculiaridades geográficas dos


meios rurais, já que existem comunidades próximas da cidade e outras não. As
comunidades com difícil acesso sofrem com ausência de Internet, queda de energia, falta
de cobertura telefônica, entre outros fatores que interferem ou impedem o
desenvolvimento do Programa.
Esse panorama não condiz com o que prevê a Portaria nº 424, de 21 de janeiro de
2011, cujo documento norteador, além de garantir o acesso ao Ensino Médio, apresenta | 369

como garantia a aquisição de um ambiente propício para que sejam efetivadas as aulas
com Intermediação Tecnológica, sendo desenvolvido pela integração de aulas baseadas
em tecnologias da informática e aulas com dominância da comunicação convencional de
base oral e escrita.
As professoras-mediadoras afirmam em suas narrativas já terem ficado com
frequência uma semana inteira sem transmissão, exigindo ações alternativas, não
previstas no programa, para que pudessem continuar com o trabalho docente. Nestas
situações as professoras, geralmente, dirigem-se à cidade para fazer cópias de materiais

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relativos a todas as disciplinas que serão trabalhadas com seus alunos, criando alternativas
para garantirem a formação dos alunos. Esse é mais um desafio demonstrado pela
professora-mediadora Ana Cristina:

[...] os desafios que a gente enfrenta é que às vezes que o sinal aqui é
ruim. Como eu tô te dizendo os meninos estão fazendo prova agora,
mas a gente tem que liberar, eu tenho que levar em consideração alguns
fatores. A semana passada nós não tivemos aula porque faltou energia.
Eles são dependentes da tecnologia! Então sem energia não tem aula a
aula não repete, as aulas elas são alistadas numeradas e elas não voltam,
elas não têm retrocesso, ai tem uma revisão, mas no dia da revisão por
acaso o sistema não abre, nós não conseguimos abrir via satélite o
IPTV, ele não abre, então o que é que a gente faz? Não tem aula (ANA
CRISTINA, 2015).

Ana Cristina, que ingressou no Programa no segundo semestre de 2015, narra


desafios que persistem e comprometem diretamente o seu trabalho, como sinal da Internet
ruim e falta de energia, implicando em dispensa dos alunos. A professora lembra que o
Programa não disponibiliza essas aulas novamente, já que o sistema é programado para
não retomar a exibição, gerando angustias, ansiedade e críticas por parte das professoras
ao programa. As interrupções, ocasionadas por falta de sinal ou de energia implica
também na descontinuidade dos conteúdos do programa e em ações alternativas que
devem ser resolvidas pelas professoras, como atividades extra à docência e as suas
condições concretas e matérias de trabalho. A professora Ana, com pesar, explicita sua
frustração: “O que fazer? Não tem aula”.
Além das dificuldades apresentadas no uso dos aparatos tecnológicos,
principalmente pela ausência de manutenção e de um técnico, observamos dimensões
| 370
mais subjetivas das condições de trabalho docente, como o desgaste emocional, o
estresse, a insatisfação, a tensão gerada em função não funcionamento dos equipamentos,
os medos, sendo que tais aspectos “[...] subjetivos das condições de trabalho, relativos as
dimensões emocionais do trabalho docente impactam sobremaneira a vida e o trabalho
do professorado [...]” (HYPOLITO, 2012, p. 213).
Vale observar que, em meio a todas essas implicações na subjetividade das
professoras-mediadoras, mantém-se o desejo de desenvolver um trabalho pedagógico
implicado às necessidades dos alunos e que contemple as exigências e objetivos do
Programa.

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A despeito de todas as adversidades vividas pelas professoras-mediadoras, as
mesmas constroem cotidianamente formas de enfrentamentos das condições matérias,
físicas e subjetivas vinculadas as condições de trabalho a que estão submetidas. Muitas
vezes, transferem para o campo pessoal, os investimentos que precisam ser feitos para
garantir, minimamente, o funcionamento do programa, a aprendizagem dos alunos e a
ausência de formação continuada, que possa contribuir para a diminuição do estresse
ocasionado pelo trabalho.
Contratação, vínculo empregatício e carga horária

As professoras-mediadoras possuem vínculos empregatícios diferentes, quatro


delas são efetivas na rede pública municipal (carga horária 20 horas), uma é servidora
efetiva estadual (carga horária 40 horas) e duas atuam em regime Prestação de Serviço
Temporário (PST), oferecido pela secretaria de educação estadual. Esses vínculos
trabalhistas têm discrepâncias de condições, já que, enquanto as funcionárias públicas
efetivas municipais e estaduais têm garantidos direitos da categoria, estabilidade, piso
salarial, férias, tempo de serviço, os professoras-mediadoras com regime de PST não
contam com esses direitos trabalhistas e exercem atividades laborais precarizadas no
espaço do programa.
Esses distintos formatos de contratação no trabalho docente, segundo Hypolito
(2012), expõem dois modelos de mercantilização da educação pública escolar, baseados
em relações econômicas, sendo caracterizadas por muitos como quase mercadológicas,
em que aparecem dois tipos de privatização: endógena, que está cada vez mais presente
na administração pública e penetra com muita profundidade e abrangência na
| 371
administração escolar e educacional, e a exógena, aquela que transfere serviços públicos
para instituições privadas.
Esta última é que explica a existência de contrato como o Prestador de Serviço
Temporário (PST), seja por intermédio das parcerias público-privadas, seja pelos modelos
de terceirização de serviços, pela contratação de trabalhadores temporários, isto é, pela
contratação e/ou aquisição de esquemas de ensino (HYPOLITO, 2012). Essa forma de
contratação é precária, temporária, não agrega direitos adquiridos pelos trabalhadores, e

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abarca, além de funcionários de serviço gerais, setor administrativo, oficineiros, bem
como professores das diversas áreas do conhecimento.
No que concerne à contratação das professoras-mediadoras, a mesma ocorre
através de convites, não sendo considerados pré-requisitos ligados a competências
pedagógicas para ingressar no Programa, antes mesmo, precisam da indicação do
governante local. A contratação ocorre de forma arbitrária, sem nenhum processo
seletivo, os critérios são estabelecidos por meio da indicação/ou interesses dos
governantes locais. Do mesmo modo, a carga horária dessas docentes não é definida de
forma padrão e sim por critérios arbitrários que ignoram aspectos, como equidade na
quantificação, visto que umas têm 20 horas, 30 horas e 40 horas disponibilizadas para o
Programa, embora todas elas desenvolvam a mesma função.
As circunstâncias descritas até aqui nos permitem compreender como se dão os
vínculos empregatícios e o processo de escolha para ingresso das professoras-mediadoras
que atuam no EMITec no município de São Sebastião do Passé. Sobre esse aspecto,
Oliveira e Vieira (2012) consideram que as condições de trabalho se situam no tempo e
no espaço e estão submetidas a um momento histórico-social e ao contexto de trabalho.
As autoras afirmam que as condições de trabalho incluem as condições de emprego –
relações formais e informais entre o empregador e o empregado – e as condições objetivas
– relações presentes no ambiente em que o trabalho se realiza.
Em suma, essas condições são determinantes para uma maior ou menor
precarização do trabalho, ou seja, condições menos favoráveis para o desempenho do
trabalho são diretamente relacionados com formas intensas e cotidianas de precarização,
conforme explicitam Oliveira e Vieira (2012). De modo inverso, se as condições de
| 372
trabalho forem favoráveis aos docentes, estes poderão desenvolver uma prática
pedagógica exitosa, em que sejam estabelecidos sentidos de aprendizagem para todos os
envolvidos nesse processo, implicando em maior satisfação com o trabalho e com
melhores disposições para a vida pessoal e profissional.

Outras conversas: pistas para continuar o diálogo

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A discussão sobre trabalho docente das professoras-mediadoras do EMItec
inscreve-se numa temática que não se esgota, na medida em que todo profissional,
sobretudo aqueles que se dedicam à prática de ensinar, tem direito as condições
satisfatórias para que desenvolvam o seu trabalho. Nesse particular, ao analisar o trabalho
docente das professoras-mediadoras que atuam no Ensino Médio com Intermediação
Tecnológica em meios rurais, no Município de São Sebastião do Passé, no estado da
Bahia, evidencia-se, por meio dos textos narrativos, a constituição da identidade docente
e as crises vinculadas a atividade profissional que desenvolvem no programa.
No que se refere a formação continuada das professoras-mediadoras, o Projeto
Político Pedagógico do EMITec (2013) parte de uma concepção de formação que abarca
aspectos ligados à contextualização, interdisciplinaridade, conhecimento de tecnologia e
estratégia de pesquisa. Mas, quando as professoras-mediadoras são abordadas sobre a
questão, apresentam um contraponto, afirmando que a formação instrucional e técnica
oferecida pelo Programa fere os princípios políticos do mesmo, visto que os cursos se
configuram como um processo aligeirado, com fins instrutivo e técnico, sem efeito
pedagógico, não garantindo o que estabelece o documento norteador do programa EMItec
e Projeto Político Pedagógico do referido programa de formação.
Se levarmos em consideração o que preconiza o Projeto Político Pedagógico do
EMITec – 2013 e o que é narrado pelas professoras-mediadoras, veremos que há um
descompasso da proposta inicial com a prática, a exemplo da infraestrutura dos anexos,
cuja precariedade não condiz com o PPP. Ademais, com relação ao aparato tecnológico
que é disponibilizado para o Programa, é preciso levar em conta as circunstâncias
geográficas que circundam os distritos – falta de energia, dificuldade de acesso à rede de
| 373
Internet, locomoção etc. –, por vezes inviabilizando o fazer pedagógico.
A Portaria nº 424 institui que, a partir da data de sua promulgação, a estrutura
física disponibilizada para o Programa EMITec deveria contar com quadra esportiva,
biblioteca, laboratório, instalações compatíveis com as necessidades dos alunos do Ensino
Médio com Intermediação Tecnológica. Todavia, os anexos pesquisados, são escolas
municipais destinadas ao Ensino Fundamental I e II, e suas instalações não correspondem
aos requisitos pré-estabelecidos pelo referido documento. É nesse sentido que a parceria
estabelecida entre as gestões estadual e municipal traz implicações, na medida em que o

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Anexo se isenta de qualquer responsabilidade sobre os alunos do EMITec, visto que a
Portaria mencionada os institui alunos da Rede Estadual da Escola de Vinculação.
No que concerne às condições materiais, aquelas relativas às questões trabalhistas
e legais, as mesmas têm sido negligenciadas, na medida em que a forma de contratação,
o vínculo empregatício e a carga horária não são designados de maneira uniforme, o que,
de certa forma, sobrecarrega a atividade docente, a qual não é disponibilizada com
equidade.
O trabalho com entrevistas narrativas revela experiências formadoras que não
estão presente em nenhum documento institucionalizado, na medida em que apresenta
marcas subjetivas peculiares ao trabalho docente, através dos saberes, posturas,
sentimentos e outros aspectos relacionados a construção da identidade profissional das
professoras-mediadoras –, destacando alguns elementos dos percursos formativos e das
práticas pedagógicas das professoras em plena articulação com questões vinculadas a
ruralidade, ao Ensino Médio com intermediação tecnológica, como um campo pouco
estudado e marcado por desafios para a formação e jovens e adultos em territórios rurais.

REFERÊNCIAS
BAHIA. Portaria nº 424. Implanta em Unidades Escolares da Rede Pública Estadual de
Ensino o Programa Ensino Médio com Intermediação Tecnológica. Salvador, Bahia –
Diário Oficial do Estado da Bahia - 22 e 23 de janeiro de 2011 Ano - XCV · Nº 20.468
e 20.469.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDBEN nº 9.394 de 20/12/1996. Brasília, DF: Ministério da Educação, 1996.
HYPOLITO, Álvaro Moreira. Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil: as
condições de trabalho. In.: OLIVEIRA, Dalila Andrade; VIEIRA, Lívia Fraga (Org).
| 374
Trabalho na educação básica; a condição docente em sete estados brasileiros. Belo
Horizonte: Fino Traço, 2012, p. 211-230.
IPTV. Serviço Multimídia de Banda Larga para Inclusão Social. Disponível em:
<http:www.iptv.br>. Acesso em: 02 out. 2015.
JOSSO, Marie Christine. Experiências de Vida e Formação. São Paulo: Cortez, 2000.
MOREIRA, Roberto José. (Org.). Identidades Sociais: ruralidades no Brasil
contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
NÓVOA, António. (Org). Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 1999.
OLIVEIRA, Dalila Andrade; VIEIRA, Lívia Fraga. Condições de trabalho docente: uma
análise a partir de dados de sete estados brasileiros. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade;

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VIEIRA, Lívia Fraga (Orgs). Trabalho na Educação Básica: a condição docente em
sete estados brasileiros. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012, p. 153- 190.
SUDEB - Superintendência de Desenvolvimento da Educação Básica - Projeto Político
Pedagógico do Ensino Médio com Intermediação Tecnológica do Estado da Bahia –
EMITec, Salvador: SEC/SUDEB, 2013.
TECNOLOGIA Social. Disponível em: http://www.fbb.org.br/tecnologiasocial. Acesso
em: 20 nov. 2015.

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DIVERSIDADE CULTURAL NA ESCOLA: MÚSICA
INDÍGENA, PESQUISA E CRIAÇÃO NA EDUCAÇÃO
MUSICAL
Aline Lucas Guterres Morim (PMPA-SMED)
alinelguterres@gmail.com

Resumo: Este artigo envolve diferentes temas interligados: diversidade cultural, cultura
indígena, educação musical e contexto escolar. Tem o objetivo de relatar uma experiência
de trabalho docente atuante na educação integral do projeto Cidade Escola,
especificamente, o processo envolvido no desenvolvimento de uma proposta relacionada
com a temática indígena durante uma atividade da oficina Educação Musical da EMEF
Timbaúva, Porto Alegre. Os autores que embasam o relato tratam de estudos sobre
conhecimento musical, relações entre diversidade, educação musical e escola. Como
resultados da atividade observa-se que possibilitou o estudo mais aprofundado dos
elementos musicais da cultura indígena, principalmente, de uma aldeia Mbyá-Guarani da
região metropolitana de Porto Alegre, sua história, além de conhecer o imaginário sonoro
dos estudantes sobre a cultura indígena e auxiliar a ampliar o universo cultural e
conhecimento musical dos mesmos.
Palavras-chave: diversidade cultural, cultura indígena, educação musical na escola

INTRODUÇÃO

“Yvy Porã Porau e o Rio de Mel” é um livro infanto-juvenil escrito por Ângela
Hofmann. Conta a história de uma aldeia indígena próxima de seu fim. Simplesmente, as
mulheres não engravidavam mais, as plantações não eram férteis, o número de pessoas
deste povoado era cada vez mais escasso. Até que um dia, uma mulher desta aldeia teve
um sonho, um sonho que mudaria o futuro dos indígenas de Yvy Porã Porau. A própria
autora me contou que esta história não foi real, mas foi inspirada em seus estudos sobre
a cultura indígena. O livro é recheado de palavras em tupi-guarani. Ao final tem um
glossário com as traduções. | 376
Durante o primeiro semestre do ano letivo de 2015 a biblioteca da escola adquiriu
diversos exemplares do livro, o que possibilitaria um trabalho com várias turmas,
simultaneamente. A EMEF Timbaúva, localizada na zona norte de Porto Alegre, tem
como característica realizar projetos que envolvam todos os estudantes da escola e entre
eles estão os desenvolvido pela equipe de professores responsáveis pela biblioteca. Dentre
os projetos educacionais da biblioteca, existe um que visa receber visitas de autores de
livros infanto-juvenis, as quais são, carinhosamente, organizadas pelas professoras. Foi
assim, durante as organizações para a próxima visita de autor à nossa escola, que os

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estudantes da oficina de educação musical foram convidados a participar da visita de
Ângela Hofmann, ex-professora da escola e autora do livro “Yvy Porã Porau e o Rio de
Mel”. Este convite tornou-se um projeto que envolveu e conectou a oficina de educação
musical ao projeto da biblioteca.
O objetivo deste artigo é relatar a experiência docente da realização deste trabalho,
ou seja, relatar o processo envolvido para alcançar a atividade de composição musical a
partir de temática indígena na oficina de “Educação Musical: Composição”, além de seus
reflexos e aprendizagens.
“Educação Musical: Composição” é uma oficina de composição musical
vinculada ao projeto Cidade Escola, projeto de Educação Integral da EMEF Timbaúva,
ministrada por mim durante o ano letivo de 2015, que tem por objetivo criar/compor
músicas individuais e coletivas utilizando os diferentes instrumentos disponíveis na
escola. Incentivando a exploração sonora e gosto estético, trabalhando conteúdos
musicais como, por exemplo, elementos musicais, apreciação e análise musical e a prática
instrumental em conjunto. Além dos conhecimentos musicais, também são desenvolvidos
aspectos de convivência, como por exemplo, o escutar e respeitar o colega e suas ideias
musicais, o diálogo, discussão e processos de escolhas/tomadas de decisões a partir de
situações de práticas musicais coletivas. O grupo de estudantes que integram a oficina
pertence às turmas de B20, B30, C10 e C20 do ensino fundamental.
Embasam este relato pesquisas de etnomusicologia e cultura indígena de Lucas e
Stein (2009). Kraemer (2000) que discute o campo da educação musical como ciência.
Penna (2008), que aborda diversidade cultural e educação musical, sob a ótica das
políticas públicas envolvidas nessa temática dentro do contexto escolar. Além Maffioletti
| 377
(2014) que preocupa-se com o significado e compreensão do conhecimento musical da
criança.

Diversidade na educação musical e contexto escolar


Para entendermos o papel da educação musical relacionada com a diversidade
cultural trago, inicialmente, Kraemer (2000), pois o autor ajuda a refletir sobre a
delimitação do campo da educação musical. O autor trata sobre as dimensões e funções
do conhecimento pedagógico-musical. Ele nos explica que o conhecimento musical

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envolve diferentes áreas e que estas estão entrelaçadas e se complementam. Entre elas
estão os conhecimentos antropológicos, pedagógicos, sociológicos, estéticos,
psicológicos, históricos, filosóficos e musicológicos. Assim, afirma que o conhecimento
pedagógico-musical é complexo, pois depende de outras áreas. Além disso, a música é
constituída de relações com/entre pessoas. Dessa forma, “a produção de conhecimento
pedagógico-musical deve considerar múltiplos contextos da realidade social” (KLEBER,
2008, p. 234). Sendo assim, de forma concisa, podemos relacionar educação musical com
a concepção de que “a diversidade cultural traz no seu bojo diferentes formas de
conhecimentos, experiências, valores e interesses humanos” (KLEBER, 2008, p. 220)
interessantes e importantes para o trabalho em educação musical.
A área da educação musical vem preocupando-se com o tema diversidade desde a
década de 60, conforme explica Almeida (2012). A autora relata que a primeira utilização
do termo foi registrada em um evento internacional da área, ISME (International Society
for Music Education) no ano de 1967. E que esse tema possa ser reflexo da educação
musical desenvolvida no século XIX. A autora busca um estado da arte sobre o termo
diversidade, confrontando a legislação brasileira com as concepções da área da educação
musical. Relata que na área da educação musical, o termo diversidade está relacionado
diretamente com a cultura e diferentes autores usam termos como multiculturalismo,
intercultural e pluricultural no mesmo sentido.
Conforme Almeida (2009), já especificamente no Brasil, o debate sobre
diversidade e educação musical tem aumentado nas publicações da Associação Brasileira
de Educação Musical e os autores que tratam deste tema possuem diferentes perspectivas.
Entre esses autores estão Lazzarim (2006), Arroyo (2000), Maura Penna (2006), Oliveira
| 378
(2006), Souza (2007), Kleber (2008), Queiroz (2004).
Almeida (2009) investigou como está formação de professores de música das
universidades de federais do Rio Grande do Sul para atuarem com a diversidade. Ela
constatou, em sua tese de doutorado, que a diversidade ainda não faz parte da formação
dos futuros professores de música de forma consolidada.
Maura Penna (2012) traz o tema diversidade e educação musical para dentro do
contexto escolar brasileiro através do debate sobre a legislação vigente envolvida. Pois
em 11 de março de 2008 é sancionada a Lei Federal 11.645/08, que amplia o artigo 26-A

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da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), sobre a obrigatoriedade do ensino da
História e Cultura Afro-brasileira e Indígena no currículo oficial da rede de ensino
fundamental e médio tanto público quanto privado. Também cita os PCN (Parâmetros
Curriculares Nacionais) sobre a relação comum com a diversidade ao tratar como tema
transversal o termo pluralidade cultural. Além disso, a proposta dos PCN para música é
considerada bastante aberta, valorizando a diversidade de manifestações musicais e a
vivência do aluno. Entretanto, a autora questiona: “Como reconhecer, acolher e trabalhar
com a diversidade cultural no processo pedagógico?” (PENNA, 2012, p. 81) Penna
(2012) explica que a discussão sobre esta questão envolve todas as áreas integrantes do
currículo escolar.
A autora toma como base o multiculturalismo para discutir educação musical e
diversidade. A autora quer compreender como a educação musical pode trabalhar com a
diversidade de manifestações musicais presentes no mundo contemporâneo. Conforme
Penna (2012):
O multiculturalismo no ensino de arte implica uma concepção ampla de arte, capaz de
abarcar as múltiplas e diferenciadas manifestações artísticas, e o mesmo se coloca no
campo específico da educação musical. Uma concepção ampla de música é, por um
lado, uma condição necessária para que a educação musical possa atender à
perspectiva multicultural. Por outro lado, a concepção da multiculturalidade contribui
para a ampliação da concepção de música que norteia nossa postura educacional
(PENNA, 2012, p. 90).

A autora ainda discute as diferentes concepções sobre multiculturalismo e alerta


sobre o perigo das interpretações e ressalta que a importância do conceito está na sua
proposta dialógica de troca de experiências.
A Kleber (2008) destaca a ligação entre diversidade cultural e à “consequente
| 379
valorização e desvalorização de grupos sociais e suas inserções nos processos políticos”
ou seja, “um processo refinado de exclusão cultural e social” (p. 220).
Pesquisas etnográficas vêm auxiliando na formação e compreensão da diversidade
cultural dentro da área da educação musical como, por exemplo, a pesquisa de Prass
(2004), a qual ensina a valorizar os saberes musicais de tradição oral de uma bateria de
escola de samba. Isso significa que quando a educação musical trata de ensino formal e
informal, também está tratando sobre diversidade.
Em fim, pode-se considerar que a partir do momento em que se tem a intenção de
considerar e valorizar a música do cotidiano do estudante, e a relação das pessoas com a

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música, suas funções nos diferentes espaços e diferentes contextos e culturas, é a ocasião
em que se valoriza e se pensa em diversidade na educação musical.

Como compor uma música com a temática indígena?


Após compreender, brevemente, a relação da diversidade cultural com a área da
educação musical, direciono o texto ao desenvolvimento do relato. O relato é formado
das seguintes etapas que são narradas em sequência: pesquisa bibliográfica sobre cultura
indígena brasileira, de maneira mais ampla; pesquisa mais específica dos povos Mbyá-
Guarani do Rio Grande do Sul; pesquisa dos instrumentos musicais da cultura indígena;
apreciação e análise das músicas do livro “Yvý Poty, Yva’a/Flores e frutos da Terra”;
atividade de imaginação de sons e paisagens; criação de sons; seleção de sons;
organização dos elementos selecionados; ensaios e apresentação no dia da visita da
autora.
A partir da leitura do livro “Yvy Porã Porau e o Rio de Mel”, foi proposto, aos
estudantes da oficina, o estudo sobre aspectos e elementos que envolvem a música
indígena com o objetivo de criar composições sobre o tema, com elementos musicais
dessa cultura. Assim, fui em busca de materiais mais específicos na área da música e
educação musical para servir de base às ideias musicais e composições dos estudantes da
oficina, oferecer e proporcionar materiais e referências.
Encontrei um livro intitulado “A floresta canta! Uma expedição sonora por terras
indígenas do Brasil” das etnomusicólogas Magda Pucci e Berenice de Almeida. O livro
promete viajar por diferentes aldeias indígenas do país. As autoras contam de forma
didática, lúdica e rica em ilustrações e fotografias coloridas sua expedição em diferentes
| 380
aldeias indígenas localizadas em diferentes Estados brasileiros, como Mato Grosso,
Rondônia, Amazonas, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. As autoras trazem
dados reveladores e surpreendentes sobre a realidade indígena, um exemplo são os dados
citados do censo do IBGE de 2010 que descrevem a porcentagem da população indígena,
uma fatia de 0,47% da população total do Brasil, um total de 896.917 pessoas enquanto
antes dos colonizadores havia 5 milhões de indígenas (p.19). Os atuais 230 povos
existentes falam mais de 150 línguas diferentes. Antes da colonização eram 1200 línguas.
Estes dados servem para termos noção do que já perdemos em herança cultural e

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refletirmos em como mudar essa situação. Como afirmam as autoras, “quando as línguas
morrem, morrem junto os sons que elas produzem, morre a cultura, morre a visão de
mundo de um povo”. As autoras explicam sobre os dois troncos linguísticos responsáveis
pela diversidade sonora das aldeias e a presença cultural indígena no nosso cotidiano
através do próprio vocabulário, dos hábitos e da alimentação. O livro nos encaminha para
seu conteúdo complementar na internet com gravações de canções de diferentes povos
indígenas. Ainda nas páginas do livro, pode-se observar fotografias de instrumentos de
sopros como diferentes flautas e ocarinas, instrumentos de percussão como maracá,
fundamental na música indígena, pau-de-chuva e a rabeca, instrumento de corda, para
citar alguns. Tem explicações sobre algumas o estranhamento que pode-se perceber ao
escutar a música indígena devido as diferenças entre a música que estamos acostumados
a ouvir e a música produzida nas aldeias.
Pensei ser importante destacar e conhecer a música indígena dos povoados
localizadas no Estado do Rio Grande do Sul, especialmente, da região metropolitana de
Porto Alegre, já que são localizações mais próximas à escola, o que valorizaria a cultura
local e os estudantes ficariam cientes da cultura que os rodeia, além de que, futuramente,
este fator possibilitaria uma visita pedagógica.
Pensando em aproximar a realidade indígena dos alunos, escolhi estudarmos o
livro, organizado por Maria Elizabeth Lucas e Marília Stein, intitulado “Yvý Poty,
Yva'a/Flores e Frutos da Terra: cantos e danças tradicionais Mbýa-Guarani” e escutarmos
as canções do CD de mesmo nome. Ou seja, músicas das aldeias Mbýa-Guarani, três
aldeias localizadas no Rio Grande do Sul, uma na cidade de Porto Alegre e duas em
Viamão. Todo o material produzido foi realizado em parceria entre participantes Guaranis
| 381
e o Grupo de Estudos Musicais do Programa de Pós-Graduação em Música da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul no ano de 2008. Dois integrantes da aldeia,
coordenadores musicais Guarani, escrevem uma mensagem aos leitores relatando o
significado e a importância da gravação de suas músicas em CD. É bastante emocionante
ler suas palavras. Eles acreditam que as gravações são uma forma de perpetuar sua cultura
e uma forma de os não-indígenas respeitaram o seu modo de viver.
Conforme um dos coordenadores musicais Mbýa-Guarani, os instrumentos
tradicionais que são tocados nas apresentações são: mba’epu – violão de cinco cordas,

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ravé – rabeca artesanal, angu’á pú – tambor artesanal, hy’akuá parã – chocalho feito com
porongo e popyguá – claves de ritmo.
Através do canto e da palavra nos comunicamos com nossas divindades. O canto é
uma inspiração divina, enviada para nós, Mbyá-Guarani, através dos sonhos. O canto
tem o poder de curar as pessoas e fortalecer a vida comunitária. Todos os cantos são
repassados às gerações mais jovens através das cerimônias realizadas na opý, casa de
cerimônia (a fonte da eterna alegria) (Vherá Poty Benites da Silva apud LUCAS e
STEIN, 2009, p.17).

Durante as oficinas, observamos, os estudantes e eu, que as canções possuem uma


relação muito próxima com a dança, o movimento corporal e a música se completam. A
música está relacionada diretamente com diferentes rituais. Percebemos instrumentos
musicais influenciados pela colonização jesuíta, como o violão e a rabeca, além de
instrumentos típicos como o chocalho, por exemplo. Conhecemos a existência da Opý,
uma casa cerimonial, localizada no centro da aldeia, considerada a fonte de eterna alegria
da aldeia. Este local guarda os instrumentos musicais sagrados e são realizados rituais
com músicas tradicionais. As crianças são consideradas anjos e elas cantam e aprendem
as canções tradicionais. Para os indígenas Mbýa-guarani, o canto e a dança são caminhos
para a construção de um coletivo sagrado e aqueles que cantam são mais felizes.
Pesquisamos palavras do glossário do livro “Yvy Porã Porau e o Rio de Mel”
relacionando sons e palavras que chamavam a atenção como, palavras do cotidiano de
origem guarani e tupi-guarani, vida eko, mandioca, pi’a que significa filho e nhẽ’e que
significa som. Também estudamos, na região da Amazônia, manifestações xavantes dos
indígenas do Xingu. A flauta uruá é um instrumento de sopro utilizado em rituais em
homenagem aos mortos. Uma característica curiosa é o modo como criam suas
composições: o compositor sonha com a melodia e, logo que acorda, ensina oralmente | 382
aos outros indígenas. Eles acreditam que a música é enviada através dos sonhos por
espíritos de antepassados.
Descobrimos também que, na Amazônia, a flauta é considerada um instrumento
sagrado para várias tribos da região e podem ser tocadas pela boca ou pelo nariz,
dependendo do modelo de flauta.
Após todas as pesquisas, buscamos encontrar sons e elementos sonoros que
remetessem à música indígena estudada. Os estudantes criaram sua primeira composição
musical baseada na temática indígena, intitulada Nhẽ'e, que significa som em tupi-

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guarani, conforme a pesquisa realizada no glossário do livro infanto-juvenil de Ângela
Hofmann. Baseada na pulsação marcada, pelo surdo, e melodia nas flautas doces usando
escala pentatônica, além de ser enriquecida com percussão de chocalhos e ganzás,
lembrando o som da Maracá.
Durante o processo de criação foi usado algumas estratégias para incentivar os
estudantes ao mundo sonoro do tema envolvido. A música precisava ter início meio e fim.
Após a exposição de materiais e leituras, fizemos exercícios de imaginação. Fechar os
olhos e imaginar uma floresta, que sons havia nesta floresta, como seria um som para a
terra, para as árvores, para o vento. Imaginar o cheiro da terra, da natureza, das árvores.
Como seria a música deste lugar, das pessoas que ali viviam. Imaginamos como são os
sons das músicas indígenas em filmes e documentários. Questionei: será que a música
indígena real é semelhante aos dos filmes? Os estudantes citaram algumas semelhanças
como a pulsação marcada e algumas diferenças que não soubemos identificar.
Dickel (2013, p.70) ressalta a importância de tomarmos cuidado com os
estereótipos que envolvem a cultura indígena. A autora narra fatos vivenciados em uma
escola não-indígena, em relação a idealização do indígena kaingang e sua cultura, onde
os professores esperavam reações mais pacíficas dos estudantes indígenas. Além disso,
os estudantes não-indígenas se aproximavam dos indígenas interessados pelo exotismo,
sendo esta a característica que gerava interesse nas outras pessoas.
A partir da proposta de criação, os estudantes mostraram através de sons o que
compreendiam como sons característicos de música indígena. Conseguiram representar,
cada um a sua maneira, sonoridades que remetiam ao que significavam para eles sons de
música indígena e do local onde vivem. Cada estudante criou uma representação sonora
| 383
que foi organizada em sequência e sobreposição aos outros sons em conjunto com minha
orientação. Ao serem reconhecidos como um som que poderia fazer parte da composição
do grupo, os estudantes sentiam-se orgulhosos de ter sua criação valorizada e poder
executar com segurança o que foi criado.
Posteriormente, os próprios alunos sugeriram trocar de papéis, sendo que, cada
um executaria/interpretaria a parte e criação do outro. Pois sentiram vontade de
experimentar os outros instrumentos e motivação para fazer o que o outro fez. Essa troca
foi feita diferentes vezes durante diferentes aulas, algumas vezes bem sucedida no sentido

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de conseguirem um resultado sonoro pretendido, outras vezes ocorreram problemas de
execução.
Maffioletti (2013, p. 124) afirma que música pode ser considerada uma variedade
enorme de atividades. Segundo a autora as atividades musicais são práticas peculiares do
estudante se relacionar com outras pessoas, ou seja, fazem parte do processo de
socialização das crianças por meio da música, capaz de criar laços de amizade, aprender
a viver em grupo e formar sua identidade. As relações da criança com a música produzem
significações que possibilitam a compreensão musical (MAFFIOLETTI, 2013, p. 123).
Conforme Guterres (2012, p. 218), a atividade de “composição é um espaço pedagógico
apropriado para investigar como o aluno se sente frente ao conhecimento musical, como
investe e como aprende os seus conteúdos”. Um fato importante foi observar que a
atividade de composição proporcionou uma comunicação, uma expressão de
conhecimento de alunos menos comunicativos. Pois pude observar que aquele aluno que
não participava oralmente durante as conversas sobre o tema, demostrou através de sua
criação sonora o que ele entende como características de elementos indígenas. Isto nos
faz compreender que a atividade de composição musical revela conhecimentos musicais
e culturais, servindo de alternativa de expressão e de avaliação dos conhecimentos
construídos.
Finalmente, quando chegou a visita da autora Ângela Hofmann, teve o momento
tão esperado, a apresentação da composição coletiva intitulada Nhẽ’e criada pelos
estudantes da oficina. Antes disso, a autora conheceu diferentes trabalhos de diferentes
turmas da escola: exposições de trabalhos feitos em cerâmica, desenhos, cartazes,
recriações da história, objetos e artesanatos de diferentes povos indígenas emprestados
| 384
pelos professores. A composição chamou a atenção por remeter os ouvintes ao seu
imaginário de música indígena.

CONCLUSÕES
Após a imersão bibliográfica na cultura Mbyá-Guarani foi possível a compreensão
de alguns fatos da história de Ângela Hofmann. Um deles é o significado inerente ao
nascimento de uma criança para a cultura Mbyá-Guarani: “O nascimento de uma mitã
(criança) representa a aprovação pelos deuses do modo de ser Mbyá, e uma mitã que canta

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fortalece a relação dos Mbyá com os outros seres do cosmos” (LUCAS e STEIN, 2009,
p.30). Outro elemento, o sonho, como meio de comunicação entre entidades e os
indígenas.
Durante todo este estudo, relembrei o quão rica e instigante é a cultura indígena e
percebi o quanto eu ainda preciso aprender. É preocupante a perpetuação de preconceitos
e falta de informação/conhecimento sobre sua própria região, por isso pretendo realizar
novamente este trabalho, mas de uma forma mais ampla e aprofundada, com visitas à
aldeia. O maior benefício desta atividade foi o envolvimento de todos os participantes.
Pesquisar em conjunto com os alunos e colegas docentes sobre a cultura indígena, toda a
riqueza e mitologia, os significados e mistérios que envolvem seus hábitos e
principalmente os sons dos instrumentos musicais.
É surpreendente descobrir o número de aldeias de diferentes troncos,
consequentemente diferentes línguas e costumes como a Kaingang e a Mbyá-Guarani
dentro de um espaço geográfico tão próximo como no caso dos municípios de Porto
Alegre, Viamão e São Leopoldo, localizados na região metropolitana.
Os estudantes da oficina construíram um entendimento maior e,
consequentemente, desenvolveram apreço e respeito pela cultura indígena. Não
conseguimos esgotar o assunto, descobrimos que existe uma infinidade cultural, uma
riqueza de possibilidades sonoras, significados e relações místicas com os instrumentos
musicais e com a música em si, o que traz motivação e curiosidade para pesquisar e trazer
esses sons e esses significados para nossas composições.
Através dessa proposta de atividade pode-se observar a necessidade de formações
continuadas para professores específicas sobre educação indígena. Tanto os estudantes
| 385
quanto os professores apresentaram necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre
essa cultura e questões contemporâneas acerca da temática.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Berenice de; PUCCI, Magda. A floresta canta!: uma expedição sonora por
terras indígenas do Brasil. São Paulo: Peirópolis, 2014.

ALMEIDA, Cristiane. Por uma ecologia da formação de professores de música:


diversidade e formação na perspectiva de licenciandos de universidades federais

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do Rio Grande do Sul. Tese Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de
Artes. Programa de Pós-Graduação em Música, 2009.

ALMEIDA, Cristiane. Educação musical e diversidade: aproximações. Revista


Educação, Santa Maria, v. 37, n. 1, p. 73-90, jan./abr, 2012.

BRASIL. Lei N° 11.645 de 10 de Março de 2008. Estabelece as Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Brasília‐ DF.

DICKEL, Kátia Simone Müller. Experiências interculturais: estudantes kaingang


numa escola não-indígena. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,
Porto Alegre, RS, 2013.

GUTERRES, Aline Lucas. O processo de composição musical do adolescente: ações


e operações cognitivas. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto
Alegre, RS, 2012.

KLEBER, Magali. Projetos sociais e educação musical. In: SOUZA, Jusamara (Org.).
Aprender e Ensinar Música no Cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2008.

KRAEMER, Rudolf-Dieter. Dimensões e funções do conhecimento pedagógico-


musical. Trad. Jusamara Souza. Em Pauta, Porto Alegre, v.11, n. 16/17, p. 50-75,
abr./nov.2000.

LUCAS, Maria Elizabeth; STEIN, Marília (Orgs.). Yvý Poty, Yva’á/Flores e Frutos
da Terra: cantos e danças tradicionais Mbyá-Guarani. Porto Alegre: Iphan/Grupo de
Estudos Musicais/PPGMUS/UFRGS, 2009. Inclui CD com músicas.

MAFFIOLETTI, Leda de Albuquerque. Significações que possibilitam a compreensão


musical. In: ILARI, Beatriz; BROOCK, Angelita (Orgs.). Música e Educação Infantil.
Campinas, SP: Papirus, 2013.

PENNA, Maura. Poéticas musicais e práticas sociais: reflexões sobre a educação | 386
musical diante da diversidade. In: Música(s) e seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2012.

PRASS, Luciana. Saberes musicais em uma bateria de escola de samba: uma


etnografia entre os Bambas da Orgia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.

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A MEDIAÇÃO DOCENTE E A EDUCAÇÃO INDÍGENA:
UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO PARA ALUNOS
TICUNA DO ALTO SOLIMÕES- AMAZONAS
Michele Mendes Rocha de Oliveira (Instituto Federal do Amazonas)
michelemendesrocha@gmail.com
Bárbara Thaís Souza dos Santos (Instituto Federal do Amazonas)
barbarasouzasen1616@gmail.com

Resumo: A região do Alto Solimões apresenta um grande número de indígenas e muitos


deles quando ingressam em escolas não-indígenas apresentam dificuldades quanto ao uso
da Língua Portuguesa, visto que sua língua materna é outra. Além da mudança da língua,
eles se deparam com a questão da transição da cultura oral para a letrada, já que
necessitam não apenas compreender como também produzir textos escritos. Ademais, em
muitos casos, ao produzirem um texto escrito o fazem com fortes marcas da oralidade. O
trabalho do professor, com isso, é o de mediar esse aluno nesta transição entre a cultura
letrado do não-índio e a indígena. Considerando tal problemática esta pesquisa apresenta
uma proposta de desenvolvimento do letramento desses alunos, através da reformulação
dos preceitos da Retextualização, juntamente às Sequências Didáticas. Com isso, os
alunos indígenas serão preparados para as diferentes atividades sociais que o universo
grafocêntrico e letrado exige, levando-os ao seu desenvolvimento pleno como cidadãos
brasileiros.
Palavras-chave: Mediação Docente; Letramento; Educação Indígena.

| 387

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AS INCIDÊNCIAS DO PACTO NACIONAL PELA
ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA NO TRABALHO
DOCENTE: REFLEXO DA REGULAÇÃO EMPREENDIDA
PELO ESTADO-AVALIADOR

Ana Paula de Matos Oliveira Rocha – Inep


annapmatos@gmail.com

Resumo
O presente artigo tem como objetivo discutir algumas das possíveis implicações do Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC no trabalho docente. Considera-se
que o PNAIC é um desdobramento das políticas de regulação educacional empreendidas
por um modelo estatal, denominado por alguns estudiosos de Estado-avaliador. Para
tanto, debate-se os dados preliminares coletados em 2015, para fins de pesquisa no curso
de doutorado, que tem como objetivo geral as possíveis implicações que o PNAIC traz
para o trabalho docente. Para realização do estudo, o qual tem abordagem qualitativa,
selecionou-se a rede pública de ensino do Distrito Federal (DF). No presente artigo,
busca-se refletir a partir da percepções de professoras alfabetizadoras da Secretaria de
Estado de Educação do DF, as possíveis incidências deste programas no seu trabalho e o
quanto elas se sentem responsabilizadas por alcançar resultados nas avaliações externas.
Os resultados debatidos revelam que o PNAIC interfere no trabalho docente, imputando
a responsabilidade pelo desempenho de estudantes, das instituições e do próprio sistema
às docentes.

Palavras Chave: PNAIC, trabalho docente, avaliação.

Considerações iniciais
O presente trabalho descreve e analisa os dados preliminares da pesquisa | 388
empreendida no âmbito do curso de doutorado, do Programa Pós-Graduação em Política
Social, da Universidade de Brasília (UnB), coletados entre os meses de novembro e
dezembro de 2015. Em geral, o estudo tem como objetivo investigar como o Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), instituído pela Portaria Ministerial
nº 867, de 4 de julho de 2012, traz implicações para o trabalho docente, à medida em que
se configura como estratégia de um modelo de regulação da política educacional, o qual
se configurou a partir do fortalecimento do chamado “Estado avaliador”. O recorte para
a realização da pesquisa se dá nos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF), visto que

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este é o período destinado ao ciclo de alfabetização80, sendo escolhida a rede pública de
ensino do Distrito Federal (DF), como o campo de materialização dessa política.
Cabe registrar que o termo “Estado-avaliador”, inicialmente utilizado por Neave
(2001) para debater mudanças relativas ao campo da Educação Superior nos anos 1980,
passou a ser utilizado por demais estudiosos como Broadfoot (2000), Afonso (2005,
2013), Barroso (2006), Dupriez e Maroy (2008), Yannoulas, Souza e Assis (2009) e
Yannoulas e Oliveira (2013), para demarcar mudanças na regulação das políticas estatais,
na qual a avaliação passou a ser um instrumento central.
Parte-se, então, do pressuposto que a instituição do PNAIC é decorrente do
fortalecimento dos programas de avaliação, os quais se consolidaram e fortaleceram como
instrumentos de regulação da política educacional brasileira, sobretudo, a partir de 2005,
quando foi implementada pelo Ministério da Educação (MEC), via Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar (Anresc), conhecida com o Prova Brasil, que integrou o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb)81. Esta nova avaliação inaugurou a
divulgação de resultados por unidade escolar e, por sua vez, contribuiu para composição
do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), instituído em 2007 pelo
governo federal, sob o que podemos considerar a égide do comparativismo avaliador
(AFONSO, 2013). Cabe sublinhar que índices como o IDEB, que estabelecem um tipo
de standars educacional, acabaram por disseminar uma concepção reducionista de
educação, de natureza econômica e tecnológica, tal como discutem Dupriez e Maroy
(2008).
Neste cenário em que o debate das autoridades públicas frente a qualidade
| 389
educacional tende a se esgotar na publicação das metas das escolas no IDEB, em
novembro de 2012, o governo federal fez o lançamento nacional do PNAIC. O Pacto

80
Conforme o Art. 32, § 1º, da LDB, Lei 9394, de 1996, é facultado aos sistemas de ensino desdobrar o
Ensino Fundamental – EF em ciclos. A Resolução nº 7, de dezembro de 2010, em seu Art. 30, afirma que
os três primeiros anos do EF devem assegurar a alfabetização e o letramento. No Distrito Federal,
denomina-se este três primeiros anos do EF Bloco Inicial de Alfabetização (BIA).
81
O Saeb foi criado em 1990, como uma avaliação amostral, para coletar informações sobre a realidade da
educação básica brasileira. Os resultados divulgados retratavam o Brasil, suas regiões, unidades da
federação e redes estadual e municipal, não sendo possível apresentar dados por município ou escola.

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articula ações que compreendem a formação de professoras alfabetizadoras, avaliação e
gestão, tendo como um de seus objetivos a melhoria dos resultados do IDEB.
Em consonância com as ações na busca desenfreadas por esse Índice de qualidade,
em 2013 uma nova pauta começava a ganhar ênfase, tendo em vista o disposto no PNAIC,
com a reformulação do Saeb, por meio da Portaria nº 482, que passou contar com uma
terceira avaliação externa, a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). A ANA,
aplicada no terceiro ano do EF, tem a perspectiva de fornecer dados para o monitoramento
dos propósitos do PNAIC e, por sua vez, “mobilizar” as docentes no início dos anos
iniciais do EF a perseguir as metas de qualidade propostas pelo governo federal.
Frente a esta constatação, acredita-se que o PNAIC, é em si contraditório, pois se
de um lado expressa nos documentos oficiais uma tentativa da União e suas Unidades da
Federação, de assegurar a alfabetização das crianças até os 8 (oito) anos de idade, do outro
revela um modelo de regulação da política educacional, próprio de um “Estado-avaliador”
que é a de reforçar o controle e “colonizar as atitudes profissionais” a partir das demandas
do mercado competitivo internacional (BROADFOOT, 2000). Dessa forma, acredita-se
que o PNAIC, traz implicações para o trabalho docente, pois direta ou indiretamente: i)
direciona os conteúdos que devem ser abordados em sala de aula; ii) pressiona às docentes
a alcançarem bons resultados na ANA; iii) responsabiliza às docentes pelos resultados
alcançados pelos(as) estudantes e iv) racionaliza o trabalho docente uma vez que a ênfase
nos “teste” passa a ser o foco da ação pedagógica.
Tendo em vista o recorte mais amplo do estudo em destaque, o objetivo deste artigo
é analisar, a partir das percepções de professoras alfabetizadoras82 da Secretaria de Estado
de Educação do DF (SEEDF), que realizaram o Curso de Formação de Professoras
| 390
Alfabetizadoras no âmbito do PNAIC, o quanto elas se sentem cobradas e constrangidas
pelos resultados a serem alcançados nas avaliações empreendidas pelo MEC/Inep, como
no IDEB, e as possíveis interferências de tais ações em seu fazer pedagógico. Dessa
forma, ao refletir sobre as implicações da articulação entre formação de professoras e

82
De acordo com o Censo Escolar 2014, INEP/MEC, no Brasil, dentre os docentes que atuam nos anos
iniciais do Ensino Fundamental 83% são mulheres. No DF temos 91% de mulheres nesta etapa do ensino.
Frente a estes dados, optamos por utilizar em nosso projeto o gênero feminino, assim, nos reportaremos
a professoras, alfabetizadoras, educadoras, entre outras trabalhadoras da educação.

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avaliação no PNAIC, busca-se abrir espaço para que um novo sentido entre avaliação e
trabalho docente seja construído.
Sendo uma pesquisa com abordagem qualitativa e natureza exploratória, utilizou-
se para a coleta de dados aplicação de questionário às professoras alfabetizadoras da rede
pública do Distrito Federal que estão realizando o Curso de Formação do PNAIC. Nesta
primeira etapa do levantamento de informações 200 professoras responderam ao
questionário.
Procedeu-se uma análise descritiva dos dados levantados no questionário. Apesar
deste instrumento e análise ser mais comumente encontrado em pesquisas de abordagem
quantitativa, considera-se que seus dados não prescindem da análise qualitativa.
Compreende-se que as informações coletadas contribuem para conhecer as várias facetas
do fenômeno estudado e suas inter-relações com é singular e universal, geral e particular,
objetivo e subjetivo.
Estruturalmente, o texto está organizado em três partes. Na primeira busca-se
apresentar que o PNAIC é um desdobramento das políticas empreendidas pelo Estado-
avaliador, o qual se configura após as reformas estatais decorrente das mudanças
políticas, sociais e econômicas ocorridas simultaneamente em vários países por efeito da
globalização ou mundialização. Na segunda, focaliza-se o debate dos dados coletados por
meio da aplicação de questionário às professoras alfabetizadoras da SEE/DF, que
realizam o Curso de Formação do PNAIC. Por fim, apresentamos algumas reflexões e
proposições finais.

O PNAIC como instrumento da regulação educacional empreendida pelo Estado-


| 391
avaliador
A política educacional materializada em ações ou programas como as previstas no
PNAIC não pode ser entendida como produto de um momento estanque no tempo ou
como uma solução genuína para a educação, descolada dos condicionantes econômicos,
sociais e políticos. Como debate Saviani (2002) não é possível “compreender
radicalmente a história da sociedade e, consequentemente, a história da educação
contemporânea, sem se compreender o movimento do capital” (p. 17). Sendo assim,
compreende-se que o PNAIC é instituído em um determinado período de evolução do

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sistema capitalista, que por sua vez possui um modelo de regulação estatal específico, o
qual permite a reprodução desse mesmo sistema.
Nesta perspectiva, dados os limites deste texto, busca-se pontuar alguns dos
elementos relacionados às reconfigurações sofridas pelo Estado a partir do recorte, no
intricado campo da crise do capital e da consequente reestruturação produtiva, tendo em
vista que acarretaram a profunda reforma dos Estados Nacionais e de seus processos
regulatórios.
Dentre as distintas mudanças do papel estatal frente à condução das políticas
públicas, decorrentes das crises vivencias pelo capital, destaca-se a crise dos anos 1970,
tal como debatem autores como Anderson (1995), Behring e Boschetti (2008) e Mészáros
(2002). Nesse período, o modelo político-administrativo que orientou o desenvolvimento
econômico no chamado Welfare State ou Estado de Bem Estar Social, apresenta sinais de
esgotamento e, “configurados como crise do modelo fordista e crise fiscal do Estado”
(HYPOLITO, 2011, p.2) e com isso, as funções desempenhadas pelo Estado e a sua
eficácia passaram a ser questionadas.
De acordo com Antunes (2009), a partir da referida crise se inicia um processo de
“reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos
contornos, mais evidente foi o advento do neoliberalismo” (p.33). A saída para o
capitalismo se reerguer foi a reestruturação do Estado, a partir de orientações neoliberais
para a economia e de uma nova regulação para toda administração pública.
De acordo com Faria (2005) a avaliação de políticas públicas passou a ser
instrumento a serviço das reformas empreendidas pelos Estados, pois se acreditava que
os dados por elas produzidos dariam credibilidade às reformas e possibilitariam a
| 392
modernização do aparelho estatal. De acordo com Afonso (2013) esta vinculação da
avaliação como um dos eixos estruturantes das reformas estatais, caracteriza uma
primeira fase do que se passou a demarcar como Estado-avaliador.
Nesta nova dinâmica, a responsabilidade estatal em garantir os direitos sociais,
conforme destacam Yannoulas, Souza e Assis (2009), se reduz à “prestação de contas
sobre o desempenho e eficiências de indivíduos e instituições” (p. 65). Com isto, o Estado
passa a ter uma ação mínima no que se refere à promoção de políticas sociais educacionais

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e máxima quando se trata de controlar as instituições e seus atores empregando as
avaliações.
No caso do Estado brasileiro, o período de reforma, e início das ações deste Estado-
avaliador, se estrutura e consolida nos dois mandatos do governo de Fernando Henrique
Cardoso – FHC (1995-1998 e 1999-2002). De acordo com Oliveira (2009), esta reforma
do Estado brasileiro foi empreendida no sentido de sua racionalização e modernização,
para tanto, privatizou empresas públicas, descentralizou ações de promoção dos serviços
sociais, o que “trouxe consequências consideráveis para a educação” (p. 199).
Para levar adiante a proposta de modernização do país, a educação precisaria ser
reestruturada, pois era necessário contar com uma “força de trabalho mais bem
qualificada e adequada aos novos processos de reestruturação produtiva” (OLIVEIRA,
2009, p.200). A este respeito Kuenzer (2005) afirma que as demandas do capital exigiam
da educação a formação de um novo tipo de trabalhador(a) com formação continuada “na
linguagem toyotista, homens e mulheres flexíveis, capazes de resolver problemas novos
com rapidez e eficiência, acompanhando as mudanças e educando-se permanentemente”
(p.93).
Com a finalidade de redirecionar a prática e a política educacional aos moldes de
um “Estado-avaliador brasileiro”, o referido governo inicia seus trabalhos empreendendo
uma ampla reforma educacional redefinindo currículo, a organização escolar, o
financiamento, descentralizando a gestão e colocando como eixo central desses processos
a avaliação, para monitoramento de resultados. Como destaca Hypolito (2011, p.15), toda
reforma tem como propósito “obter o controle efetivo em sala de aula” e, para tanto, entra
em cena a “vigilância externa, via controle curricular e gerencial”.
| 393
Destaca-se, também, como aponta Mortatti (2010), que o Estado na formulação,
implementação e avaliação de políticas públicas, sobretudo as educacionais, passou a
exercer a função tanto de agente direto, responsável pela indução e regulação, quanto de
agente indireto, que também repassa a responsabilidade de execução para o setor público
não estatal e para o setor privado.
Esta reforma educacional se materializou com a instituição da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), lei nº. 9.394, de 1996 (OLIVEIRA, 2009). Assim,
dentro de um novo desenho do funcionamento do Estado e de suas políticas, que a

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avaliação nacional é efetivamente instaurada nos anos 1990 no Brasil, com a criação do
Saeb.
Para Oliveira (2004), a configuração dessa nova regulação educacional está
alicerçado nos conceitos de produtividade, eficácia, excelência e eficiência, e acabam por
alterar a estrutura e gestão das redes de ensino e, consequentemente, acarretam mudanças
no trabalho docente. Assim, temos a racionalidade econômica, baseada no mercado,
enxertada no campo educacional, sem contudo considerar a complexidade e diversidade
dos objetivos e funções da educação escolar. O discurso propagado é o da melhoria da
qualidade por meio da introdução da competitividade, produtividade e resultados,
instaurados via avaliações externas, sem contudo abrir o debate com as instituições e
docentes frente a qualidade dentro de cada contexto.
Dando prosseguimento as ações para fortalecer os programas de avaliação, o Plano
Nacional de Educação (PNE), sancionado por meio da Lei nº 10.172, de 2001, centraliza
e prioriza a avaliação nacional pela União, referendando, assim, o artigo 9º da LDB/1996
que atribuiu à União, a responsabilidade de definir os parâmetros e objetivos a serem
perseguidos pelas avaliações. Ao elencar as metas e prioridades para cada nível de ensino,
o PNE/2001 anuncia a necessidade de se definir um “parâmetro” de qualidade a ser
alcançado, sendo este possivelmente um prenúncio do IDEB, que seria criado em 2007.
O Saeb se consolidará em 2005 quando foi ampliado pela Portaria nº 931, com a
instituição da Prova Brasil, divulgando resultados desagregados por unidade escolar e
município, viabilizando tanto o monitoramento como o controle e responsabilização da
instituições escolares e seus atores. Bonamino e Sousa (2012) destacam que a Prova
Brasil demarcou a entrada do país em uma segunda geração da avaliação educacional, em
| 394
que os resultados produzidos pela avaliação externa, passam a responsabilizar de forma
branda as instituições e seus atores.
Todas estas ações demarcam um novo formato da regulação educacional,
classificada por alguns estudiosos como regulação pós-burocrática (DUPRIEZ; MAROY,
2000; BARROSO 2006; HYPOLITO, 2011). Esta nova regulação se configura sob o
ideário neoliberal e, tal como sugere Hypolito (2011), se apresenta como um modelo
gerencial de administração pública, o qual foi instaurado após o período de reformas
estatais, pautadas nos modelos pós-burocráticos de organização da gestão pública, como

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proposta que visa superar o modelo burocrático-profissional, diante de sua lentidão, falta
de resultados e falta de rumo do Estado frente a garantia de direitos sociais. Pauta-se,
então, em critérios de produtividade, eficiência de serviços e introdução de mecanismos
de mercado na administração pública e programas de responsabilização e avaliação
(SECCHI, 2009).
Nesta dinâmica de uma “gestão por resultados” tal como apregoa o mercado, em
2006 é criado o movimento denominado Todos pela Educação, o qual segundo Freitas
(2012) materializa a ação dos empresários no campo educacional. O autor debate que o
Todos pela Educação trata-se de um movimento dos “reformadores empresarias da
educação”, cuja as ideias se pautam na lógica da iniciativa privada, em que o mercado é
mais eficaz para “consertar a educação”. Dito isso, destacamos a segunda meta, dentre as
cinco traçadas por este movimento, a serem alcançadas até o ano 202283: “toda criança
plenamente alfabetização até os 8 (oito) anos”. Percebemos aí similaridade desta meta
com o objetivo do PNAIC que viria a ser instituído em 2012 o que nos sugere a influência
da lógica empresarial, pautada na racionalidade, eficiência e produtividade, próprias do
mercado, na política educacional brasileira.
A gestão por resultados e competitividade se fortalecem na gestão educacional
quando em 2007, o MEC lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
apresentando um conjunto metas para as escolas e municípios na busca da educação de
qualidade. Como parte integrante do PDE, institui-se o Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação, por meio do Decreto nº 6.094, de 2007, o qual estabeleceu um
conjunto de diretrizes para que as esferas da federação, em regime de colaboração,
conjugassem esforços em prol da qualidade educacional. Dentre as diretrizes, está
| 395
novamente o foco em alfabetizar as crianças até os 8 (oito) anos de idade, destacando o
papel das avaliações e do IDEB enquanto expressão da qualidade das escolas.
Frente ao papel atribuído à avaliação, para impelir o alcance das metas traçadas para
a política educacional, ainda em 2007, a Portaria Normativa nº 10, instaurou Provinha
Brasil, a ser aplicada às crianças no segundo ano de escolarização84. Os documentos

83
A referência do ano de 2022 está relacionada à comemoração do bicentenário da independência do Brasil.
84
Essa avaliação diferencia-se das demais até então aplicadas no âmbito do Saeb, visto que não é
centralizada no governo federal e não há a obrigatoriedade de divulgação de resultados. O MEC distribui
um Kit para as secretarias de educação, para que distribuam para escolas e podem organizar a aplicação.

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oficiais aludem que essa avaliação visa auxiliar as docentes na condução das atividades
pedagógicas, possibilitando que todas as crianças de até os 8 (oito) anos estejam
alfabetizadas, assim, vai ao encontro das metas previstas no Todos pela Educação e no
Plano de Metas. De acordo com Esteban (2009; 2012) a criação da Provinha Brasil, se
apoia na compreensão de que a prática do exame por si mesmo pode promover a
qualidade. Além disso, registra que a Provinha Brasil acabou por promover a ampliação
do sistema de controle sobre as instituições escolares e a ação das docentes, sem
efetivamente contribuir para a alfabetização das crianças.
Neste cenário de gestão por controle de resultados, prestação de contas e
responsabilização das escolas instaurado pelas práticas avaliativas, o PNAIC é instituído
pela Portaria Ministerial nº 867, de 2012, e suas ações estão articuladas em quatro eixos:
i) formação continuada de professores; ii) materiais didáticos e pedagógicos; iii) avalições
e iv) gestão, controle social e mobilização. Para o eixo da avaliação, além de utilizar os
dados da Provinha Brasil, em 2013 a Portaria nº 482, agrega nova avaliação ao Saeb, a
ANA, destinada agora às crianças do terceiro ano de escolarização.
Pode-se dizer que o PNAIC é um desdobramento e fortalecimento das políticas
empreendidas pelo Estado-avaliador, iniciadas no governo FHC e aprofundadas na gestão
dos Governos de Luís Inácio da Silva (2003-2010) e Dilma Roussef (2011-atual). Diante
disso, pode-se dizer que busca-se instaurar o “gerenciamento da força de trabalho na
escola” (FREITAS, 2012, p. 383), por meio da divulgação de resultados, definição
curricular e, consequente, responsabilização das escolas e docentes.

PNAIC: entre o aprimoramento e a responsabilização do trabalho docente


| 396
No PNAIC, um dos eixos de ação é a formação continuada de professoras
alfabetizadoras, que atuam nos três primeiros anos do EF. Esta formação consiste em um
curso presencial destinado às alfabetizadoras com duração de dois anos e carga horária
de 120 horas anuais, tendo como proposta de trabalho estudos e atividades práticas
conduzidas por orientadoras85. Para a efetivação do curso foi estabelecida parceria entre

85
Conforme Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012, as instituições de Educação Superior ministram o curso
de formação às orientadoras de estudo que formarão as professoras com tempos diferentes (200 horas de
curso para o orientador de estudo e 120 horas para o professor - destinatário e sujeito de todo programa).

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Universidades públicas86, com experiência nas áreas de alfabetização em língua
portuguesa e matemática, e as Secretarias de Estado de Educação, responsáveis pela
elaboração de materiais e formação das orientadoras de estudo.
As professoras que atuam na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
(SEE/DF), nos anos iniciais do EF, com carga horária de trabalho de 40 horas semanais
diurnas, contam com uma “jornada ampliada”, que consiste em 25 horas semanais
destinadas a regência em sala de aula, e 15 horas destinadas às coordenações pedagógicas
individual e coletiva. Sendo assim, realizam o curso, duas vezes na semana, em horário
contrário ao da regência, totalizando cerca de 8 horas semanais.
Com o propósito de conhecer as possíveis interferências do PNAIC no trabalho
docente, e, por sua vez, das avaliações que lhe estão direta ou indiretamente atreladas,
optamos por aplicar um questionário às professoras alfabetizadoras que estavam
realizando o Curso de Formação no âmbito do Pacto. O questionário aplicado, além de
traçar o perfil das professoras alfabetizadoras, teve como propósito captar suas opiniões
sobre as ações empreendidas pelo governo federal no âmbito deste programa. Os itens do
questionário selecionados para as reflexões propostas para este texto, foram construídos
utilizando uma escala de cinco pontos do tipo Likert87, assim as professoras puderam
escolher a resposta que mais se aproximava de suas opiniões.
Nesta etapa preliminar da pesquisa o questionário foi aplicado a 200 professoras
alfabetizadoras que realizavam o Curso de Formação do PNAIC no ano de 2015. Estas
professoras pertencem a três, das quatorze, Coordenações Regionais de Ensino vinculadas
a SEE/DF. Dentre elas 100% cumpre carga horária de 40 horas semanais, e 91%
pertencem ao quadro efetivo da Secretaria.
| 397
Com o propósito de investigar se o PNAIC traz implicações para o trabalho docente,
questionou-se, inicialmente, com que frequência se aplica em sala de aula o que é
estudado no Curso de Formação no âmbito do Pacto. Dentre as respostas obtidas, tem-se

Na SEE/DF são orientadoras de estudo professoras da própria rede de ensino que atuam nos Centros de
Referência para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental – CRAI.
86
A SEE/DF conta com a parceria da Universidade de Brasília.
87
A escala Likert é uma escala psicométrica, geralmente destinada a medir opiniões e atitudes. Para sua
construção, optou-se por fazer uso de diferenciais semânticos, o que indica que as expressões
utilizadas variam de sentido gradativamente num contínuum que são apresentados variando
qualitativamente em grau, desde o mais baixo nível ao mais elevado (SANCHES, MEIRELES,
SORDI, 2011).

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que 59% aplica quase sempre o que estuda no curso, enquanto 24% indica que sempre
aplica e 7% aplica as vezes. Apenas 4% responderam que nunca aplicam e 6%
responderam que raramente. Uma segunda questão, que complementa a análise desta
primeira, é se as professoras concordavam se escola, depois do início do curso, passou a
reorganizar o planejamento das atividades desenvolvidas, onde 78% responderam que
concordavam totalmente e 13% concordavam pouco. Apenas 3% informou que
discordavam totalmente dessa afirmação e 6% discordavam pouco.
Estes dados nos apresentam que dentre as professoras submetidas ao questionário,
a maioria afirma que os estudos empreendidos no Curso de Formação incidem nas
atividades que desenvolvem em sala de aula, bem como no planejamento das atividades
desenvolvidas na instituição de ensino da qual fazem parte. Não se pode negar que os
cursos de formação continuada devem colaborar para o aprimoramento da prática
docente, porém sem uma análise e debate das reais necessidades de cada instituição pode
promover certo “ideal homogêneo de escola” (ESTEBAN, 2003), de conhecimento e de
ensino. Assim, o trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas tende a se guiar pelo que
estabelece de um lado o Pacto, e por outro as próprias avaliações que medem a
aprendizagem das crianças exatamente nas áreas de conhecimento, foco do Curso (língua
portuguesa e matemática).
Estes dados também evocam o debate Mortatti (2010), que chama a atenção para as
parcerias estabelecidas entre os setores públicos e os(as) docentes das Universidades para
fins de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas.
[...] uma das características mais evidentes do tipo de parceria a que me
refiro e que hoje já está consolidada são políticas públicas
caracterizadas pela subsunção do discurso acadêmico-científico no
| 398
discurso oficial, constatáveis, por exemplo, na autoria institucional de
documentos oficiais, nos quais os docentes pesquisadores das
universidades públicas figuram como elaboradores do documento, mas
não autores de políticas públicas e propostas didáticopedagógicas
encomendadas pelo Estado o qual torna, também e indiretamente, o
detentor da autoria dessas propostas. (p. 337)

Pode-se, então, inferir, que há um forte indício de um desenho educacional


fortemente articulado e centralizado no âmbito do governo federal, o qual conta com uma
certa “legitimação acadêmica” com o propósito de incidir sobre o trabalho docente.

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Uma terceira questão apresentada às professoras buscou identificar o quanto elas se
sentem cobradas pelos resultados obtidos pelas escolas em que lecionam nas avaliações
coordenadas pelo MEC (ANA, Provinha Brasil e Prova Brasil). Dentre as docentes 62%
responderam que se sentem muitíssimo cobradas, 27% se sentem muito cobradas, e 8 %
se sentem razoavelmente cobradas. Apenas 1% respondeu se sentir pouco cobradas e 2%
responderam se sentir pouquíssimo cobradas.
Na análise desses depoimentos, verificamos como a regulação de controle,
empreendida pelo Estado-avaliador adentra, sutilmente, as instituições de ensino ditando
e controlando “o quê” e “como” deve ser organizado o trabalhado docente. As docentes
em sua maioria se sentem cobradas por atingir bons resultados, possivelmente porque está
em jogo, indiretamente, a qualidade do próprio trabalho que desenvolvem. A este respeito
Tardif (2004) discute que esta obrigação de se alcançar determinados resultados no campo
educacional reflete um esforço para fazer as organizações escolares e seus atores entrarem
na lógica da ação instrumental própria da modernidade, lógica baseada nos critérios de
eficácia e de sucesso, próprias do mercado.
O fato de as professoras se sentirem cobradas pelos alcançados nas avaliações, pode
justificar o fato de 91% das docentes terem respondido que em suas escolas são
elaboradas provas em formato similar às avaliações promovidas pelo MEC. Percebe-se,
nestas respostas uma preocupação das equipes escolares em familiarizar as crianças com
o o formato dos testes aplicados nas avaliações externas, o que é reflexo da
responsabilização decorrente das provas em larga escola, como debatem Freitas (2005) e
Sordi (2008).
Por fim, as docentes foram questionadas sobre o quanto se sentem constrangidas
| 399
com os resultados que suas escolas atingem nas avaliações do MEC/Inep. A maioria das
professoras, 76%, respondeu que se sente muitíssimo constrangidas e 11% muito
constrangidas. Apenas 4%, respondeu sentir razoavelmente constrangidas, 3% pouco e
6% responderam que se sentem pouquíssimo constrangidas. Sobre se sentir constrangidas
pelos resultados da escola no IDEB, 83% apontou que se sente muitíssimo e 10% muito
constrangidas. As que apontarem se sentir razoavelmente constrangidas foram 2%,
enquanto 2% pouco e 3% pouquíssimo.

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Estes dados revelam o quanto a regulação de controle e a responsabilização
empreendida pelo Estado-avaliador, acaba deixando as escolas expostas a críticas e
cobranças, o que gera constrangimento entre as docentes. Além disso, pode-se dizer que
tal constrangimento apontado pelas docentes revela que há uma preocupação com a
“imagem” que as demais colegas docentes e a comunidade podem ter sobre o trabalho
que desempenham.
Temos, assim, um risco destas a avaliações ocasionarem o que Broadfoot (2000)
chama de “colonização das atitudes profissionais”, pois se sentem pressionadas a atingir
as metas estabelecidas pelo governo federal. Como a qualidade educacional passa a ser
sinônimo da nota atingidas no IDEB, as instituições de ensino vão perdendo,
gradativamente, e sem perceber, a autonomia na organização do trabalho pedagógico,
pois terminam dando prioridade em seus planejamentos às questões cobradas pelas
avaliações.
Tal como analisam Dupriez e Maroy (2008), na lógica de perseguir os standars
estabelecidos, as docentes perdem gradativamente, e sem perceber, a autonomia e
diversidade do trabalho pedagógico e acabam responsabilizadas pelo desempenho dos
estudantes, das escolas e do próprio sistema escolar.

Considerações Finais
A partir do debate empreendido neste texto, compreende-se que o PNAIC em seus
quatro eixos de ação, trata a relação formação, trabalho docente e avaliação como
estratégica para atingir melhores resultados nas avaliações nacionais, como é o caso da
ANA, Prova Brasil, Provinha Brasil e, por sua vez, do próprio IDEB.
| 400
É certo que as avaliações contribuíram para as estratégias do Estado, com o
propósito de aperfeiçoar as políticas de melhorias na educação. No entanto, o problema
é que o eixo condutor das ações estão no seu foco econômico, em detrimento do caráter
político das instituições escolares. Isso denota que as ações do Estado-avaliador não
pretende solucionar ou debater as desigualdades existentes entre os vários grupos
atendidos pelas escolas. Isto fica evidente ao se estabelecer uma “idade certa” para a
alfabetização sem se quer debater com as escolas e docentes.

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Pondera-se que os dados aqui debatidos são relevantes, especialmente porque eles
permitem ampliar a compreensão sobre a regulação empreendida pelo Estado-avaliador
e de como ela interfere no trabalho docente, além de abrir margem para se investigar
como estes docentes resistem.

Referências

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Oficial da União, DF, 10 jan., 2001
BRASIL. MEC. Portaria nº 931, de 21 de março de 2005. Instituir o Sistema de Avaliação da
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| 403

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ESCOLHER SER PROFESSOR E REALIZAR-SE NA
PROFISSÃO:
DILEMAS DO TRABALHO DOCENTE

Arinalda Silva Locatelli (UFMG)


naldalli@uft.edu.br

Cleomar Locatelli (UFT)


locatelli@uft.edu.br

Resumo: A literatura sobre a profissão docente traz à tona a complexa temática referente
ao seu processo de profissionalização. Tal situação liga-se a duas questões que se
complementam e possuem vários desdobramentos: primeiro, a natureza do trabalho
docente (vocação/missão ou serviço público estatal) e a segunda, as mudanças no cenário
socioeconômico da América Latina que vem afetando as relações de trabalho e tem se
configurado na precarização do trabalho docente. O presente texto visa articular algumas
das reflexões atuais sobre a Profissão docente na América Latina com uma pesquisa
efetivada em 2012 com professores (as) da rede municipal de ensino da cidade de
Tocantinópolis – TO, objetivando perceber similitudes e diferenças entre um contexto
micro e o panorama mundial em relação a escolha e satisfação na profissão. A literatura
de referência lembra que a profissão em pauta tem um viés político, logo, a construção de
saída para os dilemas inerentes ao cotidiano docente está na construção coletiva de
alternativas, que passa pela sua organização enquanto categoria profissional.

Palavras-chave: Docência; Trabalho docente; Realização profissional.

INTRODUÇÃO
O exercício da profissão docente na América Latina, ao longo de sua trajetória
histórica e social é demarcado pela heterogeneidade e subjetividade dos profissionais que
exercem o magistério. Ancorado em uma pesquisa que desenvolveu em quatro países
| 404
latinos (Brasil, Uruguai, Argentina e Peru) Fanfani (2005), considera que a unanimidade
não é uma regra no mundo da docência, mas é possível perceber algumas similaridades
no contexto latino-americano. Trata-se de uma profissão onde numericamente prevalece
as mulheres, especialmente no nível primário; permite uma inserção mais rápida no
mercado de trabalho, em alguns casos antes mesmo de concluir a formação inicial;
compõem-se de profissionais que na sua maioria a exercem como única atividade
remunerada e que diferentemente do que se poderia pensar não desejam dedicar-se a outra
profissão; constituindo ainda, especialmente no caso do Brasil, um mecanismo de
mobilidade social.

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Ainda segundo Fanfani (2005), mesmo que o contexto evidencie questões de
desigualdades sociais, como por exemplo, o fato da maioria dos professores não terem
acesso a bens culturais, observa-se entre os docentes um grau de satisfação com a
profissão em si. Os pontos de insatisfação apontam para as condições salariais e de
trabalho, que nos encaminha para os problemas relacionados a intensificação e
precarização do trabalho docente, situações que aliadas a perda do reconhecimento social
tem sido motivo de desestímulo à profissão. Estes e outros pontos representam conteúdos
necessários nas agendas de discussão das políticas públicas voltadas para profissão
docente, pois significam, em sua maioria, desafios a serem superados rumo a uma real
valorização do trabalho docente.
Depreende-se que as reformas dos anos de 1990 buscaram transferir para os
sistemas educativos os novos modelos de organização empresarial, que se
implementaram por meio da: descentralização, “autonomia” das instituições, o diretor
como “gerente”/gestor, regulação e accountability dos docentes. Que têm sido sentidas
no cotidiano escolar por meio de programas que são, em geral, um conjunto de aferição
de resultados, definição de mínimos curriculares e níveis de aprendizagem, avaliação da
qualidade profissional dos docentes e pagamento por rendimento, conforme pontuam
Tello e Almeida (2014).
O presente trabalho visa articular algumas das reflexões atuais sobre a “Profissão docente
na América Latina” com uma pesquisa efetivada em 2012 com professores (as) da rede municipal
de ensino da cidade de Tocantinópolis – TO, objetivando perceber similitudes e diferenças entre
um contexto micro e o panorama mundial em relação a escolha e satisfação na profissão.

ALGUNS PONTOS DE REFLEXÃO SOBRE A PROFISSÃO DOCENTE NA | 405


AMÉRICA LATINA: A INTERSEÇÃO FORMAÇÃO E TRABALHO

Uma visão panorâmica da docência na América Latina evidencia que as


necessidades educativas atuais não são as mesmas que marcaram a origem da profissão
docente no período de estruturação dos Estados Nacionais. Estas mudanças são sentidas,
por exemplo, na relação com as famílias dos discentes e com as novas tecnologias de
informação. Em relação às famílias, a sua nova configuração social exige dos docentes
uma revisão do próprio conceito de família e o cumprimento de tarefas que excedem o
estritamente pedagógico. Quanto às novas tecnologias, sua inserção no cotidiano docente,

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pressupõe o desenvolvimento de novas habilidades e saberes, que acabam recaindo nas
discussões sobre o currículo das formações docente.
Cabe ressaltar ainda que ao se falar de profissão docente é importante fazer
referência ao processo de formação de seus profissionais, que embora tenha completado
180 anos no Brasil, demarcados pela criação, em 1835, da primeira Escola Normal em
Niterói – RJ, ainda é uma história pouco conhecida pelos próprios profissionais do
magistério.
Em relação a formação denominada inicial, resguardadas as especificidades de
cada país, é consensual a dificuldade da articulação com a prática. No caso do Brasil,
vemos esta situação representada no dilema entre os dois modelos de formação que
perpassa toda a história da profissão docente, conforme analisa Saviani (2009). De um
lado, tem-se a ênfase na cultura geral e conhecimentos disciplinares, presentes na
formação universitária, e do outro a prevalência das questões pedagógico-didáticas, que
esteve em pauta nas Escolas Normais. Percebe-se a partir do autor supracitado e de
Maldonado (2010) que o caminho para superação deste dilema está na constituição de
currículos de formação que indissociem as duas vertentes. Onde se valorize, no caso dos
professores já em serviço, os conhecimentos que possuem e no caso daqueles que
ingressarão na docência, que as situações escolares se transformem em “questões
analíticas” que propiciem a unidade teoria e prática.
Outro ponto que chama atenção quando se trata de formação inicial, diz respeito
a instituição responsável por executar a formação: Institutos ou Universidades? É
importante notar que este dilema tem possibilitado a proliferação de diversas instituições
de formação, muitas de caráter privado, algumas com objetivo de massificar certificados
| 406
ao invés de formar bons profissionais, atuando sem bibliotecas, laboratórios, etc.
Em se tratando da formação continuada, na maioria dos casos as propostas têm se
resumido a realização de cursos de curta duração (oficinas, seminários) que não assinalam
uma expectativa de continuidade. Ou tem significado investimento em livro didático, com
base na lógica custo-benefício, sintetizando a formação docente no “bom manejo” desse
recurso (TORRES, 2000). Uma possibilidade, em expansão, apresentada pela autora
rumo a mudanças significativas, embora ainda não represente uma ação efetiva de política
pública, diz respeito a realização de experiências conjuntas, seja entre professores da

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mesma escola, entre escolas dentro do país ou no intercâmbio com outros países.
Entendemos que uma destas perspectivas diz respeito às comunidades de práticas,
definida por Ávalos (2011, p. 239) como “grupo de pessoas que compartilham uma
preocupação ou paixão por algo que realizam e que na medida em que interagem de forma
regular aprendem como melhorar esta atividade”. O diferencial dessa ótica está no
conceito de “liderança distribuída”, onde todos os membros do grupo devem liderar em
algum momento, pressupondo o trânsito de uma participação periférica para uma
participação total nos encaminhamentos das decisões. (ÁVALOS, 2011).
É importante mencionar ainda um ponto analisado por Torres (2000) quando cita
que persiste a ideia de que só quem tem que aprender são os docentes, porém os problemas
da educação podem residir no desenho das políticas e dos programas e não exatamente
na execução delas. Tal perspectiva é reiterada por Vezub (2009) quando afirma que o
desafio está em construir ações, pensamentos e produções que atendem as necessidades
e especificidades da categoria docente e não as urgências das políticas educativas atuais.
Assim, os altos níveis de direção e administração também deveriam passar por formações
e não só o professorado.
Neste intuito, conforme assinalam Vaillant (2013) e Torres (2000), uma política
pública de qualidade deve vincular-se a atratividade pela profissão e a garantia da
permanência dos docentes nela, especialmente quando se trata do trabalho em contextos
com maiores dificuldades socioeconômicas e geográficas, como por exemplo, o meio
rural e as áreas indígenas.

A PRÁTICA DOCENTE: ENTRE A ESCOLHA E A REALIZAÇÃO


| 407
PROFISSIONAL
A literatura sobre a profissão docente traz à tona a complexa temática referente ao
seu processo de profissionalização. A este respeito Enguita (2001, p. 54) menciona que:
“temos um grupo de professores, com origem e características formais de uma profissão
burocrática, porém com ideal coletivo e a prática informal de uma profissão liberal”.
Reiterando a questão, Ludke e Boing aludem que (2004, p.1161) “há consensos entre os
especialistas ao conceituar profissões, mas há certos traços incompatíveis ao se tentar
aplicar esse conceito ao magistério”. O dilema enunciado liga-se a duas questões que se
complementam e possuem vários desdobramentos: primeiro, a natureza do trabalho

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docente (vocação/missão ou serviço público estatal) e a segunda, as mudanças no cenário
socioeconômico da América Latina que vem afetando as relações de trabalho e tem se
configurado na precarização do trabalho docente.
Quanto a primeira questão, Ludke e Boing (2004) consideram que a identidade
profissional docente está atrelada a instituição escolar, ou seja, a escola é o lugar onde,
por meio da prática, o repertório pedagógico necessário ao exercício da profissão, a
identidade se consolida. Tal afirmação, deixa claro sua diferença com as profissões de
caráter liberal, que não se prendem às instituições, mas por outro lado, reforça seu viés
burocrático, a partir de sua base estatal. Todavia, para Enguita (2001), nem a perspectiva
liberal, nem a burocrática adequam-se ao que a educação pública deveria ser. O referido
autor chama atenção para a necessidade da construção de um modelo profissional
democrático que estaria ligado ao compromisso com os fins da educação enquanto serviço
“para” e “com” o público, visando assim um trabalho de fato integrado entre escola e
comunidade.
Relativo a segunda questão, Fanfani (2007), Ludke e Boing (2004) mencionam
que a sociedade tende a ver o professor como um salvador da pátria e esperam mais do
que a escola é capaz de produzir, especialmente se considerarmos que as múltiplas
funções que lhes são atribuídas não são seguidas das condições necessárias para sua
efetivação. Instaura-se assim um forte sentimento de lacuna entre o ideal e a realidade do
ofício a ser desenvolvido. O que acaba ocasionando situações ambivalentes em que ao
mesmo tempo em que se sente gratificado pelo trabalho que desenvolve, vivencia
situações ligadas ao mal-estar docente. Soma-se a isso, a transformação da noção de
trabalho, que passa de um contexto onde se tinha uma definição explicita e prescritiva das
| 408
tarefas a serem desenvolvidas, para uma realidade de obrigações implícitas, de
investimento pessoal, cercada de incertezas e dependente da criatividade individual e
coletiva. O professor passa daquele que ensina para aquele que facilita a aprendizagem.
Emerge ainda neste cenário a noção de empregabilidade, que repassa para o indivíduo a
responsabilidade de se manter no mercado de trabalho.
Tendo em vista estas e outras questões constitutivas do cenário docente que tem
resultado na pouca atratividade pela carreira ou ainda no abandono da profissão,
procuramos tecer algumas considerações com base em uma pesquisa desenvolvida com

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professoras88 da rede municipal de ensino de Tocantinópolis no Norte do estado do
Tocantins.

O QUE DIZEM AS PROFESSORAS


A pesquisa mencionada refere-se a um estudo de caso, referente à rede municipal
de ensino, da cidade de Tocantinópolis, que possui um pouco mais de 23 mil habitantes,
segundo dados do IBGE (2010) e fica localizada ao norte do estado do Tocantins, numa
região denominada Bico do Papagaio89. Conforme dados do Censo Escolar, a rede
municipal atendeu 259 alunos de creche, 549 de pré-escola e 742 de ensino fundamental
anos iniciais em 201490.
No conjunto da pesquisa buscou-se reunir informações sobre o perfil
socioeconômico das professoras, considerando seu acesso a bens materiais e culturais,
sua satisfação com a profissão e com a sua qualidade de vida. O objetivo do levantamento
de dados foi possibilitar uma análise das condições sociais e econômicas destas
profissionais, relacionando sua vida (suas condições concretas) à sua tarefa como
docente, cada vez menos atraente para os jovens e mais complexa diante do avanço da
tecnologia, da abrangência das redes de comunicação e das diversas formas de produção
e circulação do conhecimento. O principal instrumento para coleta das informações foi a
aplicação de questionário semiestruturado, composto de questões abertas e fechadas,
junto as professoras da rede de ensino do referido município, durante os meses de maio e
junho de 2012. Ao todo foram aplicados 63 questionários o que representou, em média,
uma amostra de 41,44%, num universo de 152 professoras da rede municipal de ensino.
Vale ressaltar que embora a pesquisa realizada tenha compreendido três
| 409
dimensões (bens materiais, cultura e lazer e subjetividade docente), destacamos aqui
somente a última dimensão91 referente às respostas das professoras sobre duas questões

88 Passaremos a usar o termo somente no feminino em virtude dos respondentes da pesquisa serem todas
do sexo feminino, fator característico da profissão, especialmente nos níveis da Educação Infantil e
Ensino Fundamental.
89
Tal denominação faz referência ao desenho geográfico que delimita as fronteiras do estado por dois
importantes rios do país: Tocantins e Araguaia.
90
Cf. http://www.qedu.org.br/cidade/4252-tocantinopolis/censo-escolar?year=2014
91 A respeito das duas primeiras dimensões ver LOCATELLI, Cleomar; LOCATELLI, Arinalda S.
O financiamento para o ensino público municipal e seus impactos junto aos professores. Revista
Interfaces da Educação, Paranaíba, v.4, n.11, p.161-181, 2013.

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que buscam revelar aspectos da subjetividade docente: se escolheu ou não ser professor
e se estaria realizado com sua prática docente.

a) A escolha da profissão

A primeira questão procurou saber se as professoras escolheram ou não exercer a


profissão docente. Nas respostas constatou-se que 58,7% declaram que sim, 39,6%
responderam que não e 1,6% deixaram em branco (ver gráfico 1), verificando-se,
portanto, que mais da metade escolheu ser professora. Dado este que se assemelha ao
estudo realizado por Souto e Paiva (2013) a respeito dos alunos egressos do curso de
matemática em São João Del-Rei, onde de 94 alunos, 53% fizeram a opção pela
licenciatura, movidos pelo desejo de ser professor.
Quando solicitadas a justificar sua opção, as professoras que responderam a
questão declararam terem escolhido a profissão apresentaram as seguintes justificativas:
(10) por falta de outras opções na cidade; (08) por gostar de ensinar; (05) por identificação
com a profissão; (02) por compromisso social e (04) pelo fato da educação ser um campo
com mais oportunidade de trabalho.
Cabe destacar que das cinco justificativas apresentadas, com exceção da primeira,
três corroboram com a escolha do magistério ligada ao campo dos valores altruístas e da
realização pessoal, conforme constata Tartuce et. al. (2010) e a última confirma
informações já apresentadas por Fanfani (2005) ao mencionar que, no caso do magistério,
o acesso ao primeiro emprego se dá antes da obtenção do título ou nos primeiros seis
meses após recebê-lo. Na realidade brasileira, segundo o autor, isto representa 52,2% dos
casos. | 410
Tal fato representa um diferencial para os filhos da classe trabalhadora que em sua
maioria precisam conciliar formação e trabalho. Inclusive no lócus de nossa pesquisa,
onde a indústria e a agricultura geram poucos empregos e o comércio não tem apresentado
qualquer desenvolvimento significativo nos últimos anos, o mercado de trabalho ligado a
educação se torna um atrativo pelo número de vagas que oferece. Em relação as
entrevistadas que declararam não ter escolhido a profissão as justificativas giram em torno
dos seguintes motivos: (13) falta de opção ou oportunidade para fazer outro curso; (04)
por maior possibilidade de emprego na educação; (03) está na sala de aula por acaso; (02)

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por vontade da família. As demais não justificaram a resposta. Observa-se que duas
justificativas aparecem nos dois casos, ou seja, tanto para aqueles que declararam terem
escolhido ser professor como para os que não escolheram: “falta de opção” e “maior
possibilidade de emprego”. Cabe destacar também que a influência da família na opção
profissional, neste caso, não se apresenta como relevante, o que ratifica a ideia de que a
docência como herança familiar é um fenômeno que tende a diminuir com o tempo.
(FANFANI, 2005)

58,73%
60,00%
39,68%
40,00%
Total
20,00%
1,59%
0,00%
Branco Não sim

Gráfico 1 – Se escolheu ou não ser professora


Fonte: Aplicação de questionários (2012)

b) Definição em relação a prática educativa

A segunda questão indagou a respeito do sentimento de realização na profissão


que exerce. Sobre este aspecto as respostas foram: 15,8% se sentem realizadas, 71,4% se
dizem realizadas em parte e 12,7% não se sentem realizadas, conforme gráfico 2.
É interessante observar que, se olharmos de forma isolada o percentual das que se
declararam realizadas, os dados coletados apresentam certa diferenciação, tanto em | 411
relação à pesquisa de Fanfani (2005), onde 79,3% dos professores brasileiros se
declararam satisfeitos com a atividade docente em si, quanto da pesquisa desenvolvida
pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente – GESTRADO
(2010)92, onde 50% dos entrevistados sentem-se satisfeitos com a profissão. Todavia, se

92 A pesquisa foi realizada nos estados do Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande
do Norte e Santa Catarina, no período de setembro a dezembro de 2009. Sendo entrevistados 8.795
sujeitos docentes da Educação Básica, deste total 1.838 eram sujeitos docentes da Educação Infantil. E
teve como objetivo analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus
atores, o que fazem e em que condições se realiza o trabalho nas escolas de Educação Básica da rede
pública e conveniada tendo como finalidade subsidiar a elaboração de políticas públicas no Brasil.

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agregarmos a categoria das realizadas com as realizadas em parte podemos inferir que
temos uma maioria de professoras relativamente satisfeitas com a profissão.
Quando solicitado que justificassem sua opção, a maioria não respondeu. Apenas
três (03) das professoras que se sentem realizadas apresentaram os seguintes argumentos:
a identidade com a educação; aprendeu a gostar da profissão e a boa relação no ambiente
de trabalho.
Das professoras que se declaram não realizadas, seis (06) justificaram sua
afirmação da seguinte forma: muitas exigências e poucas condições; poucos
investimentos na área; baixa remuneração; e condições de trabalho. Sendo que o motivo
“baixa remuneração” foi apresentado por duas respondentes.
O grupo que mais justificou sua resposta foi das professoras que se declararam
realizadas em parte, os motivos apresentados foram: (12) muita cobrança e pouca
condição de trabalho; (11) baixa remuneração; (05) precisa mais conhecimento diante dos
desafios; (03) indisciplina dos alunos e omissão da família; (03) falta de reconhecimento
profissional; (01) o ambiente de trabalho é hostil e (01) não teve oportunidade de fazer
outra coisa.
Colocadas em ordem de frequência, constatamos que especialmente as duas
primeiras justificativas, para a realização em parte, estão ligadas às questões das
condições de desenvolvimento do trabalho e que se fazem presente historicamente nas
pautas de reivindicações da categoria no sentido de valorização da profissão. Outrossim,
eles aparecem também na justificativa das professoras que não se sentem realizadas na
profissão, indicando, salve engano, os fatores determinantes da resposta dada.
Sobre esta temática, Pinto (2009) explica que o Brasil pouco avançou de 1827 até
| 412
os tempos atuais em termo de valorização profissional, especialmente no que diz respeito
a questão salarial, seja em relação a pouca diferença que há entre os valores iniciais e
finais na carreira do magistério, ou sobre a perspectiva da remuneração de um professor
em comparação com profissionais de outra profissão. Para esse autor, a falta de
remuneração adequada é um dos principais desafios da educação brasileira ao longo de
sua história, e em sua opinião, a saída para tornar a carreira docente mais atrativa aos

(GESTRADO, 2010)

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jovens do ensino médio passa necessariamente pela questão salarial, haja vista ser esta
uma variável fundamental no momento de escolha da profissão.
Cabe lembrar que este é um dos desafios que figuram nas metas a serem
alcançadas pelo atual Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005, aprovada em 25
de junho de 2014. Conforme podemos observar na redação de sua Meta 17: “valorizar
os(as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a
equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade
equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE.” (BRASIL, 2014)
Vale ressaltar que, justificativas semelhantes as expressas anteriormente já haviam
sido constatadas em pesquisa feita por Penin (1985) referente a questão da satisfação ou
insatisfação do professor no trabalho. No estudo realizado a autora defendeu a tese que
este assunto deveria passar por uma reorientação teórica, devendo ser compreendido
como uma questão pública e não como dependente das idiossincrasias individuais. Suas
conclusões enunciam que,

A compreensão tradicional do fenômeno tendia a situar a


satisfação/insatisfação no trabalho na esfera privada, encerrando-a no
interior do indivíduo. É uma compreensão ‘psicologizante’,
concebendo, quando muito, que se trata de ‘efeitos’ da ordem social ao
nível individual. [...]. As manifestações de satisfação/insatisfação
encontradas, e especialmente, as representações dos professores sobre
tais manifestações, indicam estrita relação entre estas e algumas
características das condições objetivas de trabalho, assim como, da
ordem social vigente. Ou seja, os dados [...] sugerem que o potencial de
satisfação/insatisfação de um indivíduo no trabalho não depende
essencialmente do indivíduo, mas predominantemente, das condições
objetivas sociais e históricas nas quais o trabalho se desenvolve
(PENIN, 1985, p. 169) | 413

Em nossa opinião, embora tenhamos uma diferença temporal significativa, há


similaridades entre a pesquisa da autora acima citada e os dados que coletamos,
evidenciando assim que este é um assunto ainda em voga, pois a literatura a respeito da
profissão docente demonstra que há uma tendência crescente de controle sobre o fazer
docente, onde prevalece a racionalidade técnica/instrumental nos modelos de formação,
preconizadas pelas reformas dos anos de 1990 quando entrou em cena a noção de
competência, que cada vez mais focaliza no indivíduo a responsabilidade pelos resultados
de seu trabalho. A exemplo disto, temos os programas de avaliação docente

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desenvolvidos no México, na Colômbia, no Chile, no Peru e no Equador (TELLO e
ALMEIDA, 2014).

71,43%
80,00%
60,00%
40,00%
15,87% 12,70% Total
20,00%
0,00%
Realizado Não realizado Realizado em
parte

Gráfico 2 – Como se define quanto a prática educativa


Fonte: Aplicação de questionários (2012)

Ainda no tocante a este aspecto, buscamos perceber se quem escolheu ser


professora se sentia mais realizada do que quem não havia escolhido a profissão.
Percebemos então que entre aquelas que declararam terem escolhido ser professora:
21,6% sentiam-se realizados na profissão; 8,1% sentiam-se não realizados e 70, 2%
sentiam-se realizados em parte, conforme gráfico 3.

| 414
21,62%
8,11%
Gráfico 3 - Sobre a realização das professoras que disseram ter escolhido a profissão
Fonte: Aplicação de questionários (2012)

Entre as professoras que não escolheram ser professora, percebe-se que: 8%


sentiam-se realizadas; 20% sentiam-se não realizadas e 72% sentiam-se realizadas em
parte, conforme gráfico 4

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72,00%

20,00%
8,00%

Realizado Não realizado Realizado em


parte

Gráfico 4 - Sobre a realização das professoras que disseram não terem escolhido a
profissão.
Fonte: Aplicação de questionários (2012)

Os dados demonstram que existe uma significativa diferença no grau de realização


e de não realização entre quem escolheu ser professora e quem não escolheu. Mostrando
que quem escolheu ser professora tende a sentir-se mais realizada, mesmo diante dos
mesmos desafios enfrentados por todos, por conseguinte quem não queria ser professora
se sente menos realizada na profissão que exerce. Por outro lado, os índices revelam que
este fato não ocorre entre quem respondeu que está parcialmente realizada, sinalizando
para uma ínfima diferença nos percentuais.
Arriscamo-nos a dizer que esta constatação pode simbolizar uma confluência com
o novo conceito de vocação apresentado nos textos, indicando não um “dom”, “sacrifício”
ou “algo inato”, mas sim um compromisso, respeito e cuidado com o outro. Fazendo parte
da identidade social (ethos) da profissão como afirma Fanfani (2007) e integra as
características da profissionalização, segundo Ludke e Boing (2004).
| 415
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das reflexões feitas, mesmo ciente do não esgotamento das possibilidades
de análises, consideramos que é possível mencionar, à guisa de conclusão, as seguintes
considerações.
Em primeiro lugar, mesmo diante da complexidade que é o exercício da docência,
a sua escolha ainda é um atrativo para aqueles proveniente da classe trabalhadora e em
muitos casos continua a representar um fator de mobilidade social, pois é uma profissão

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que permite uma inserção mais rápida no mercado de trabalho, muitas vezes ainda sem
ter concluído a formação inicial.
Em segundo lugar, a satisfação ou insatisfação profissional envolve inúmeras
questões, referente a fatores internos e externos à escola, de ordem social, econômica e
cultural, que se referem diretamente a efetiva atuação no ambiente de trabalho e suas
consequências. Desta forma, não é um assunto de cunho exclusivamente individual ou
subjetivo. Todavia, observa-se que a responsabilização do próprio trabalhador pela sua
insatisfação se torna conveniente no sentido de camuflar as condições de trabalho e
valorização profissional dos professores. Neste sentido, torna-se pertinente a afirmativa
de Antunes (2004, p.8) quando diz que,

Se por um lado, podemos considerar o trabalho como um momento


fundante da vida humana, ponto de partida do processo de
humanização, por outro lado, a sociedade capitalista o transforma em
trabalho assalariado, alienado, fetichizado.

Em terceiro lugar, é perceptível uma acentuação dos desencantos com a profissão,


que tem sido causa de índices de adoecimentos e absenteísmos docentes ou mesmo no
abandono da profissão, colocando em tela um contexto, de uma crescente precarização
do trabalho docente e de uma crise na sua identidade.
Entretanto, diante da realidade que hora se apresenta, os autores estudados nos
lembram que a profissão em pauta tem um viés político e ideológico, logo uma saída para
seus desafios passa pela construção coletiva de alternativas, que necessita de sua
organização enquanto categorial profissional. A este respeito, no cenário brasileiro,
atualmente assinalado pela implantação das metas do novo PNE, faz-se necessário uma | 416
ampla mobilização dos diversos atores sociais no sentido de avaliar e acompanhar seu
processo de execução. Para tanto, é importante um aprofundamento constante dos
conhecimentos acerca das características, especificidades e dilemas da referida profissão
no cenário latino-americano, percebendo-os como um movimento dinâmico e complexo.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. (org.) A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo:
Expressão Popular, 2004.

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| 418

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TRABALHO DOCENTE E AUTONOMIA: POR UM
PROFESSOR ESPECIALISTA DE SEU AGIR
Michele Mendes Rocha de Oliveira (Instituto Federal do Amazonas)
michelemendesrocha@gmail.com

Resumo: O presente estudo objetiva apresentar algumas reflexões acerca do trabalho


docente e da autonomia do professor em seu agir. Para discutir tais questões utilizou-se o
exame do Caderno do Professor, parte do material do Projeto Lições do Rio Grande.
Como quadro teórico para análise do Projeto Lições do Rio Grande optou-se pelo
Interacionismo Sociodiscursivo, no que tange às reflexões sobre Linguagem e Trabalho
Educacional. Talvez as observações feitas neste trabalho acerca da problemática do agir
docente possam nos apontar caminhos para nortear para onde e por onde pretendemos
andar no processo de formação de professores e fornecer subsídios úteis para organizar
novos modos de refletir e de agir quando da profissão docente.

Palavras-chave: Trabalho do Professor. Autonomia. Agir Docente.

INTRODUÇÃO

A profissão docente tem sido objeto de inúmeros trabalhos, pesquisas,


dissertações, teses e livros. E este trabalho vem se somar a essas pesquisas já
desenvolvidas, as quais têm como objeto a problemática da formação de professores. Este
trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexões acerca do trabalho docente, a
partir da análise do material didático destinado ao professor no Projeto Lições do Rio
Grande, pelo viés do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD). Para isso, é necessário
observar o fato de que esse material do Projeto apresenta um caráter prescritivo e que,
com isso, acaba tocando no que tange à autonomia do professor.

DESENVOLVIMENTO | 419

Conforme o quadro teórico em que está inserido este trabalho, o ISD, para analisar
o trabalho docente tem-se que diferenciar os três tipos de trabalho: prescrito;
representado; real. Segundo os preceitos teóricos do ISD, o exame do chamado trabalho
prescrito “constitui-se como uma representação do que deve ser o trabalho, que é anterior
à sua realização efetiva; portanto, os projetos didáticos, os programas, os manuais e as
seqüências pertencem a esse nível” (Bronckart, 2009 p.208).

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O governo do estado do Rio Grande do Sul, através da Secretaria de Educação,
desenvolveu, no ano de 2009, o Projeto Lições do Rio Grande. A base desse projeto é a
implementação de um Referencial Curricular (doravante RC) que abrange dos anos finais
do Ensino Fundamental ao Ensino Médio para as escolas estaduais. Esse RC está
fundamentado em habilidades e competências cognitivas e apresenta um conjunto
mínimo de conteúdos que devem ser desenvolvidos em cada um dos anos letivos.
Segundo a Secretária de Educação do Estado daquele ano, Mariza Abreu, na carta
introdutória do RC, através dessa matriz curricular específica do Rio Grande do Sul,
busca-se a melhoria da qualidade de educação dos alunos.

O material do Projeto Lições do Rio Grande é constituído do Referencial


Curricular, do Caderno do Professor, dos Cadernos do Aluno de Ensino Fundamental
(5ª e 6ª séries; 7ª e 8ª séries) e dos Cadernos do Aluno de Ensino Médio. (1º ano; 2º e 3º
anos ), o qual deveria ser enviado a todas as escolas da Rede Estadual.

Tal RC é baseado na matriz do Exame de Certificação e Competências da


Educação de Jovens e Adultos (ENCEJA), que apresenta quatro grandes áreas do
conhecimento- Linguagens; Ciências Exatas; Ciências da Natureza e Matemática. Mariza
Abreu afirma que “As áreas de conhecimento e a matriz de referência do ENCEJA, são,
hoje, o que se considera como a melhor alternativa para organização dos currículos
escolares da educação básica”.

É valido ressaltar que todo o material que acompanha o RC deveria ser repassado
a todas as escolas da Rede Estadual do Rio Grande do Sul (Proposta Curricular/2009).
Desse modo, o caráter de modelo coletivo de representação do trabalho do professor no | 420
Estado, perpassado por esse material, foi o orientador das atividades e do conceito de
professor que os órgãos governamentais esperavam naquele momento.

O professor que aparentemente seria tematizado no material não é referenciado


como responsável pelo seu agir. No material, os poucos momentos em que ele aparece
não lhe é conferida a capacidade de dirigir, escolher e definir as atividades que quer
realizar com os alunos. A referência ao professor, no texto, se dá apenas no âmbito
produtor (Lições) – destinatário (professor). Há, com isso, um apagamento da figura do
professor enquanto sujeito formador. O dado mais significativo da análise, desse modo,

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é a maneira como é distribuído os papeis dos actantes, pois o professor é tão somente um
“agente”, não intenções, motivos e capacidades próprias, enquanto que o material do
Projeto Lições do Rio Grande apresenta-se como o “ator”, o responsável pelo trabalho
docente. Assim, a partir do levantamento das figuras interpretativas do agir, foi possível
concluir que os seres inanimados são postos como protagonistas do agir docente. E esse
apagamento é um aspecto bastante revelador quanto à representação de professor que este
material apresenta.

O professor, como não possui, dentro do texto, capacidades, intenções próprias e


motivos, e, muitos momentos, não é posto como promotor da aprendizagem. Os objetos
inanimados é que são colocados no papel de responsáveis pelo agir, pelo sucesso da
aprendizagem dos alunos, uma vez que são eles os mediadores do ensino, segundo o
Lições.

Os resultados da análise, com base no exame do texto introdutório do Caderno do


Professor, mostraram que o material atribui ao professor o papel de agente, deixando para
as “Competências” o papel de ator, ou seja, o responsável pelo desenvolvimento das
Habilidades e Competências nos alunos. E o destaque dentro do material vai para as
Competências de Ler, Escrever e Resolver Problemas, já que são elas que produzirão a
aprendizagem nos alunos.

Essa distribuição dos papeis aos actantes do Lições se deve ao fato de que este
documento oficial e como tal deve apresentar um caráter argumentativo. Isso porque, o
material quer que os professores da rede estadual gaúcha venham a aderir os Referencias
Curriculares, o Caderno do Professor e o Caderno do aluno como proposta válida para | 421
seu agir em sala de aula. Isso pode ser observado até mesmo no modo como o próprio
material se apresenta, como sendo algo de suma importância para o bom desempenho do
professor em sala de aula, revelando, assim, a intenção do produtor de conseguir a adesão
do destinatário – docente – ao posicionamento defendido por ele.

O material do Projeto Lições do Rio Grande não se apresente como um “livro


didático”, porém, a partir de sua análise, é possível verificar, que há nele um caráter
prescritivo. Assim, muitas das discussões feitas no meio acadêmico sobre o livro didático
podem iluminar a análise do Lições. Como nos dizem Pessoa (2009) e Silva (1996)

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quanto à influência, bem como as consequências do livro didático no agir docente e na
autonomia do professor.

Isso porque, conforme defende Pessoa (2009) o uso do livro didático pode “não
só limitar as possibilidades de ação do professor, como também comprometer as próprias
perspectivas de análise e compreensão do ensino, de suas finalidades educativas e de sua
função social” (PESSOA, 2009, p.54). Silva (1996) também tece esclarecimentos acerca
da significação do livro didático e para ele o

apego cego ou inocente a livros didáticos pode significar uma perda


crescente de autonomia por parte dos professores. A intermediação
desses livros, na forma de costume, dependência e/ou vício, caracteriza-
se como um fator mais importante do que o próprio diálogo pedagógico,
que é ou deveria ser a base da existência da escola (SILVA, 1996, p.8)

Pessoa (2009) ainda ressalta a imagem de professor que esse tipo de material
pode apresentar. Para ela, as “vantagens” trazidas pelo livro didático para o professor,
acabam indicando quem é esse professor. O docente que usa o livro didático seria aquele
que “não tem tempo de preparar suas aulas, que não tem capacidade de produzir material
utilizado em sala de aula, não conhece teorias, abordagens e pesquisas recentes da área
de ensino e aprendizagem e precisa de segurança”. (PESSOA, 2009, p. 54)

Silva (1996) é mais enfático quanto a essa questão da significância, do papel que
o livro didático pode exercer no agir do professor enquanto sujeito dono de seu fazer e
através de metáforas explica que | 422

[...] para uma boa parcela dos professores brasileiros, o livro didático
se apresenta como uma insubstituível muleta. Na sua falta ou ausência,
não se caminha cognitivamente na medida em que não há substância
para ensinar. Coxos por formação e/ou mutilados pelo ingrato dia-a-dia
do magistério, resta a esses professores engolir e reproduzir a idéia de
que sem a adoção do livro didático não há como orientar a
aprendizagem. Muletadas e muleteiros se misturam no processo...
(SILVA, 1996, p.8)

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O uso dessa “muleta”, como diz Silva (2009) se deve à própria formação desses
professores, uma vez que é insuficiente. Com isso, o livro didático deixa de ser “o meio”
e torna-se o “um fim em si mesmo”. O autor vai além dizendo que “o vigor do livro
didático advém da anemia cognitiva do professor. Enquanto este perde peso e importância
no processo de ensino, aquele ganha proeminência e atinge a esfera da
imprescindibilidade” (SILVA, 1196, p. 11).

Outro motivo da utilização do livro didático como aporte “insubstituível” é da


situação em que se encontra o magistério. A profissão de professor tem perdido muitas
qualidades de seu trabalho e, com isso, acabou equivalendo-se a uma classe operária e
não a uma profissão. Pessoa (2009), fazendo referência a tal proletarização docente,
remonta à tese de Apple (1995) de que

[...] A racionalização do trabalho levou a uma racionalização do ensino,


caracterizada pela separação entre concepção e execução, ou seja, entre
o planejamento de ensino e a prática pedagógica; pela desqualificação
ou a perda dos conhecimentos e das habilidades para planejar,
compreender e agir sobre a prática pedagógica.
A racionalização do ensino tornou os professores, então, meros
aplicadores de programas e pacotes curriculares desenvolvidos por
agentes externos. [...] (PESSOA, 2009, p. 55)

Essa racionalização do ensino pode ser facilmente relacionada com o Projeto


Lições do Rio Grande. Quanto a isso, é importante referenciar os estudos da Teoria
holística da Atividade (THA), de Marcos Gustavo Richter, que pode oferecer uma
interpretação acerca dessa questão da prescrição do agir docente e da autonomia/
| 423
responsabilização do professor. A THA remonta à Teoria dos Sistemas de Niklas Luhman
(1983) para relacionar a questão das expectativas e também da exogenia com o trabalho
docente.

Segundo essa teoria, que estuda a formação de professores, o docente, em situação


de trabalho, ao se deparar com o desapontamentos, fará uso de uma das possibilidades já
referidas (expectativas cognitivas ou normativas). E é justamente no modo como ele vai
lidar com esses desapontamentos que vai determinar o “papel”, o status social, a
representação (expectativas de expectativas) de sua profissão.

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Para a THA as estruturas sociais exigem uma construção mais complicada e
condicionada, baseada nas expectativas de expectativas e que os ajustamentos realizados
pelo indivíduo é que determinam sua inserção em um determinado grupo, seu status social
e sua capacidade de impor-se. Richter (2008) defende que há uma força autopoiética em
cada profissão que a leva a um determinado status ou não.

Richter (2208) postula que um sistema endógeno, que é de certa forma mais
organizado, cria e gera esses componentes de modo a “blindá-los” contra intromissão de
sistemas externos. Para Richter (2008), o sistema enxógeno, como é menos organizado,
é mais suscetível à multiplicidade de vozes, uma vez que é constituído “de fora para
dentro”.
Essa questão da exogenia do agir docente é uma das fragilidades desta questão do
professorar. Segundo Richter (2008), o trabalho docente sofre fortemente a influência de
outros discursos, que não os da própria classe. O mais instigante disto é que o professor
é a base da pirâmide do sistema simbólico, é ele na condição de não-emancipado quem
forma as outras profissões. Quanto a essa problemática específica da profissão docente,
Richter e Garcia esclarecem:

O professor, dentre os profissionais ligados à formação e ao


desenvolvimento humano, exerce uma semiprofissão na medida em que
seu campo de atuação caracteriza-se pela ambivalência. Ou seja,
embora seja entendido como participante ativo na organização do
empreendimento educativo – inclusive como formador das demais
profissões – ocupa um lugar social passivizado, que o constitui e
interpela como objeto de prescrição de normas. As principais variáveis
de sua esfera de ação, a saber, a identidade, as relações de trabalho entre
profissional e leigo e entre pares, e a delimitação de competências, são | 424
assenhoreadas por uma instância decisória exterior ao próprio grupo
(exogenia), caracterizando-o como não –emancipado. (Richter e
Garcia, 2006, p.07)

Ainda sobre a questão da não –emancipação do professor e da exogenia, os dois


estudiosos afirmam que de modo paradoxal e espantoso, justamente este “não
profissional” é o que acaba formando todas as outras profissões. Richter e Garcia, quanto
a isso, retomam a colocação de Ticks (2005, apud, RICHTER e GARCIA, 2006, p. 15),
na qual ela sintetiza que:

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Tanto acadêmicos quanto profissionais demonstram enorme
dificuldade em construir um perfil identitário de professor (Ticks,
2005), visto que os construtos discursivos que o interpelam são difusos
e contraditórios, além de se constituírem a partir de setores sociais
externos – fenômeno que faz parte do que propomos denominar
exogenia discursiva. (RICHTER e GARCIA, 2006, p.15)

No texto do Lições, foi possível verificar que o professor é tão somente um


executor do trabalho prescrito por especialistas, o que atesta o que diz Richter (2008). Na
observação do material fica clara a problemática do não aparecimento da
responsabilização do professor. Segundo Adam (2001, apud LEITE, 2009, p. 190), essa
falta de responsabilização do professor é recorrente em documentos normativos
elaborados por órgãos reguladores da educação para o trabalho do professor. Tal
degeneração da figura do professor em detrimento dos instrumentos/artefatos foi
discutida por Leite (2009), que entende que

[...] o fato de esses conceptores, ao supervalorizar seus objetos de


ação (artefatos e instrumentos), julgando que, com esses elementos,
poderão resolver os problemas de ensino-aprendizagem ou de
desenvolvimento de competências e habilidades requeridas aos
alunos, se esquecem de que, antes de impor “regras e prescrições”,
deveriam empenhar-se em descobrir meios de investir mais
concretamente na atividade docente, como, por exemplo, em cursos
de formação continuada que garantam ao professor um
desenvolvimento “real” de suas capacidades e habilidades para que este
actante possa ser tomar de fato um “ator de suas ações e de seu agir”.
(LEITE, 2009, p.190)
| 425

Ademais, até mesmo as prescrições ao que parecem são um tanto quanto vagas e
imprecisas. Adam elenca três propriedades enunciativas centrais dessas prescrições. A
primeira delas é que essas prescrições são produzidas por especialistas em um
determinado domínio e sua presença enunciativa é apagada. A segunda é que eles
se referem a um destinatário (ou agente das ações prescritas) através de formas
abertas que podem facilmente ser ocupada por qualquer leitor-usuário como, por
exemplo, o uso de expressões como você, nós/ a gente, seguido de verbo no infinitivo.
A terceira propriedade é que tais textos parecem ser regidos por uma espécie de contrato

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implícito de verdade e de promessa de sucesso, visto que garantem ao destinatário que,
se fizer conforme as recomendações ali apresentadas e se respeitar os procedimentos
indicados, ele atingirá os objetivos visados.

É possível, desse modo, fazer uma relação do fato de que o material objetiva uma
inserção dos professores no Projeto de renovação curricular como o de que ele busca
também convencê-los das vantagens ali oferecidas. Segundo esclarece Bronckart (2009),
a partir de estudos já realizados sobre o trabalho prescrito, esses documentos apresentam
uma lógica que pode ser sintetizada do seguinte modo:

a) a instituição declarou princípios, elaborou um programa e colocou à


disposição dos professores os meios de ensino que são novos e,
portanto, de grande qualidade; b) o professor tem de se apropriar
desses instrumentos que lhe são oferecidos e dominá-los; c) então, se
ele realizar essa tarefa, os alunos, quase que mecanicamente,
desenvolverão, sem grandes problemas, o conjunto de aprendizagens
requeridas. (BRONCKART, 2009, p. 227)

Torna-se claro, a partir disso, a importância, para a proposta do Projeto Lições do


Rio Grande, que haja um apagamento da figura do professor enquanto agente formador e
a responsabilidade ficasse a cargo dos instrumentos/artefatos. Contudo é de suma
importância que o professor assuma o seu papel de ator do trabalho docente e essa questão
pode ser melhor entendida a partir das reflexões de Nagore S. Prahbu em, A dinâmica da
aula de Língua. Para ele:

[...] é ingênuo imaginar que os especialistas possam formular um bom


método de ensino e daí amealhar professores que os ponham em prática | 426
nas suas salas. Quero sugerir que o ensino nas salas de aula só pode
melhorar se os professores agirem como especialistas de si mesmos.
(PRABHU, 2010, p.2)

Os conceitos bakhitinianos de Ética e de Estética abordam a responsabilização do


sujeito, ou seja, o ato responsável. Entretanto, ao nos depararmos com a questão da
prescrição do agir docente em documentos normativos elaborados por órgãos reguladores
da educação, como no caso do Lições do Rio Grande, muitos questionamentos acabam
surgindo. Dentre eles, o de que se o sujeito é responsável por seus atos, já que seus atos

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éticos são constituintes de seu agir no mundo, como fica, então, essa responsabilidade
quando ela vem prescrita por uma outra instância? Além disso, como pode se dar o
processo ensino-aprendizagem ditado por esses órgãos se é na interação que o processo
de constituição do sujeito acontece?

A atitude de se colocar como “especialista de si mesmo”, conforme assinala o


Prabhu (2010), nos remete à noção de ética de Bakhtin (2010). Esse agir ético é algo
inerente ao processo de constituição do sujeito (neste caso o professor), é importante que
ele assine responsavelmente por seu viver, por suas formulações didáticas em sala
enquanto educador. O professor, com isso, tem que se ver/entender como um “ser-
evento-único” e não apenas como parte do mundo natural, mas social, devido sua
condição humana. Tendo em vista que todo ser humano é único e possui seu lugar também
único na existência, não é possível escapar da sua responsabilidade existencial.

Ao encontro dessa responsabilização do professor, tem-se a abordagem


apresentada por Contreras (2002), na qual discute a autonomia dos professores. Ele
acredita na parceria professores/sociedade unindo esforços em busca da conquista de sua
autonomia conjunta. Baseada em Schön, Pessoa (2009) aborda o modelo de formação do
professor reflexivo, no qual “há um tipo de conhecimento subjacente à ação inteligente
que se desenvolve por meio da reflexão e dá conta das situações imprevisíveis e
conflituosas que não se resolvem por meio de repertórios técnicos” (PESSOA, 20009,
p.56). Para isso, é preciso ter em sala um docente que pertença à perspectiva do modelo
de formação de professores críticos. O autor enfatiza que é necessário que os professores
tomem uma postura de modo que participem
| 427

[...] ativamente do esforço para desentranhar a origem histórica e social


do que se apresenta como natural para conseguir captar e mostrar os
processos pelos quais a prática de ensino fica presa em pretensões,
relações e experiências de duvidoso valor educativo. (CONTRERAS,
2002, p. 185)

Desse modo, o professor tem de ser participante “ativo” de seu agir professoral,
deve ter um conhecimento teórico que lhe capacite a saber discernir e digerir os materiais

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que lhe são “obrigatórios”, como no caso do Lições do Rio Grande. Entretanto, esse
conhecimento teórico deve ser fornecido ao professor desde sua formação, mas que
ultrapasse esse momento, que essa atitude “pesquisadora” possa fazer parte de seu fazer
em sala. Conforme nos apresenta Pessoa (2009),

A formação voltada para o desenvolvimento teórico – entendendo tal


desenvolvimento não como algo imposto, mas como uma escolha que
pode partir de um processo reflexivo baseado nas teorias pessoais dos
professores ou em sua própria prática [...] – é fundamental para que
esses professores se tornem especialistas do processo de ensino-
aprendizagem [...] e também pesquisadores em suas salas de aula.
Assumindo esses novos papéis, é bem provável que, eles comecem a
desconfiar dos livros didáticos e das teorias formais e,
consequentemente, a romper com o processo de proletarização rumo à
profissionalização docente. (PESSOA, 2009, p. 56)

Assim, para que haja uma mudança no quadro educacional é necessário que
ocorra, entre outras mudanças, um processo de busca pela autonomia do professor, de
modo que ele seja especialista de seu agir. Isso porque, “o melhor dos livros didáticos não
pode competir com o professor: ele, mais do que qualquer livro, sabe quais os aspectos
do conhecimento falam mais perto a seus alunos, que modalidades de exercício e que tipo
de atividade respondem mais fundo em sua classe” (LAJOLO, 1996, p. 6). Consoante a
isso, Bronckart (2008) nos apresenta o que se espera do professor a partir da visão do
ISD:

O que se constitui a profissionalidade de um professor é a capacidade


de pilotar um projeto de ensino predeterminado, negociando | 428
permanentemente com as ações, os interesses e as motivações dos
alunos, mantendo ou modificando a direção, em função de critérios de
avaliação dos quais só ele é senhor ou o único responsável, isto é, no
quadro de ações das quais ele é o único ator. De forma mais geral ainda
sua profissionalidade está na capacidade de conduzir seu projeto
didático, considerando múltiplos aspectos (sociológicos, materiais,
afetivos, disciplinares, etc.), frequentemente subestimados e que,
constituem o “real” mais concreto da vida de uma classe.
(BRONCKART, 2008, p. 227).

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O agir do professor em sala de aula, assim como de outras profissões, ocorre em
uma situação histórica e social. Desse modo, o contexto e a interação se apresentam como
elementos de suma relevância para o fazer professoral quando em sala.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa, portanto, trouxe algumas reflexões acerca do trabalho do professor


e da busca da autonomia docente, para que assim seja possível supor possíveis caminhos
teóricos e, sobretudo, praxiológicos acerca da formação de educadores. Com isso, tal
discussão torna-se de grande relevância para o cenário educacional, haja vista ser
necessário haver um processo de reflexão do agir docente e não apenas de apontamentos
acerca da adequação ou não do professor às propostas didáticas em voga.

Talvez as observações feitas neste trabalho acerca da problemática do agir docente


possa nos apontar caminhos para nortear para onde e por onde pretendemos andar no
processo de formação de professores e fornecer subsídios úteis para organizar novos
modos de refletir e de agir quando da profissão docente.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João,
2010. | 429

BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano.


Campinas: Mercado de Letras, 2009.

_______. Sobre linguagem, ação-trabalho e formação: as contribuições da Démarche


ISD. Belo Horizonte, Educação em Revista, 05, mai. 2008. Entrevistador Daisy Cunha.

CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.

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LAJOLO, M. P. Livro didático: uma (quase) manual didático. Em aberto. Brasília, n.69,
p. 3-7, jan./mar. 1996.

LEITE, M. D. As diferentes facetas do trabalho do professor: dos Órgãos


Governamentais à palavra do Trabalho. Dissertação (Mestrado em Letras)
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem – LAEL. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2009.

LUHMANN, N. Sociologia do direito. v.1, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

PESSOA, R. R. O livro didático na perspectiva da formação de professores. Trabalhos


de Linguística Aplicada. Campinas, n.48, p. 53-69, Jan/Jun, 2009.

PRABHU, N. S. A dinâmica da aula de língua. Disponível em


http://www.let.unb.br/jcpaes/traducoes.html Acessado em junho de 2010.

RICHTER, M. G; GARCIA, J. R. C. A profissionalização do professor no cenário


legislativo existente. In: Linguagens & Cidadania, Nº 1, 2006. Disponível em:
www.ufsm.br/linguagem_:e_cidadania. São Paulo: Martins Fontes.
| 430

_______ . Aquisição, representação e atividade. Santa Maria: UFSM, PPGL-Ed, 2008.

SILVA, E. T. da. Livros didáticos: do ritual de passagem a ultrapassagem. Em aberto.


Brasília, n.69, p. 11-15, jan./mar. 1996.

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria e Estado da Educação. Referenciais curriculares do

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estado do Rio Grande do Sul: linguagens, códigos e sua tecnologias. Porto Alegre:
SE/DP, 2009.

| 431

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OS DOCENTES E AS POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO NO
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
Sâmara Carla Lopes Guerra de Araújo (UFMG)
samaracarla.bhz@gmail.com

Resumo: O trabalho docente é uma categoria bastante complexa. Percebe-se a


concentração, na função docente, de considerável atribuições e acúmulo de trabalho. Os
docentes estão sendo expostos à avaliação pública e responsabilizados pelo fracasso dos
estudantes, ora com maior, ora com menor intensidade. Neste texto, são apresentadas as
transformações ocorridas nas últimas décadas na política de avaliação da educação no
município de Belo Horizonte. A centralidade em metas e resultados tem se incorporado
ao cotidiano escolar da rede municipal, atingindo desde a escola como um todo até o
cotidiano da sala de aula. Também são analisadas as mudanças e implicações sobre o
trabalho docente advindas das políticas educacionais dos anos 1990, bem como a
relevância de novas pesquisas no campo das políticas de avaliação e do trabalho docente.
Palavras-chave: trabalho docente, políticas de avaliação

INTRODUÇÃO
O trabalho docente é uma categoria bastante complexa a qual, com o passar do
tempo, alcança novas dimensões e, assim, sua análise não se exaure, por mais abrangentes
e diversas que sejam as pesquisas voltadas para ele. Para além da sala de aula ou do
processo formal de ensino, o trabalho docente pode ser definido “como todo ato de
realização no processo educativo” (OLIVEIRA, 2010), compreendendo as atividades e as | 432

relações presentes nas instituições educativas e desempenhadas por sujeitos docentes.


Com o processo da universalização do ensino, a escola e seus professores têm
assumido uma importância cada vez maior e mais complexa. Estão sendo expostos à
avaliação pública e responsabilizados pelo fracasso dos estudantes, ora com maior, ora
com menor intensidade. Percebe-se a concentração, na função docente, de considerável
responsabilidade e acúmulo de trabalho, com demandas de maior compromisso com a
escola e exigências: de colaborar com as ações/ projetos/ programas; de trabalhar em
equipe; de discutir coletivamente; de participar da gestão da escola. Pode-se observar que

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a maior flexibilidade nas estruturas curriculares e nos processos de avaliação confirmam
que há novos padrões de organização do trabalho docente.
Neste texto, são apresentadas as transformações ocorridas na política de avaliação
da educação no município de Belo Horizonte, analisando as mudanças e implicações
sobre o trabalho docente.

A POLÍTICA DE AVALIAÇÃO NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE


A Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte (RME-BH)93 tem sido
reconhecida como pioneira no denominado movimento de renovação pedagógica
(Arroyo, 1999) iniciado no Brasil desde o final dos anos de 1970, bem como pela melhoria
no grau de consciência e organização dos seus profissionais e pela luta em prol da
autonomia e da gestão democrática nas escolas públicas.
Merece destaque a proposta pedagógica denominada Escola Plural, implantada na
RME-BH em 1995, em um governo municipal de cunho mais popular, e que se apresentou
como uma resposta aos profissionais, aos pais e aos alunos do retrato captado pela
administração popular das pluralidades de experiências dos Projetos Políticos
Pedagógicos das escolas (BELO HORIZONTE, 1994). Naquele momento, a Escola
Plural representou a legitimação de uma política pública que buscava priorizar as práticas
educacionais de algumas escolas. Segundo os seus proponentes, o programa surgiu de
experiências reais de trabalhadores que buscavam alternativas para melhorar seu trabalho,
garantir o acesso à educação pública e de boa qualidade, e foi resultado da construção
desenvolvida por um coletivo de diretores de educação, das Regionais e suas equipes,
equipes SMED-BH, coletivo de diretores de escola, de coordenadores de áreas, de
| 433
professores, de pais e de alunos.
Segundo Miranda (1999), a implantação efetiva do Programa Escola Plural
impunha uma participação, pois:
(...) teve inspiração na idéias de uma escola mais democrática, mais ampla, mais
flexível, mais aberta à cultura e às comunidades. (...) uma escola com

93
O perfil da RMEBH abrange um total de 165.533 alunos da educação básica, 190 escolas municipais e
127 UMEIS, totalizando 317 instituições municipais. As escolas que atendem ao Programa Escola
Integrada são 173, sendo 64.481 alunos atendidos. Quanto ao quadro de pessoal, há 10.739 professores
municipais, 4.873 professores para a educação infantil e 115 pedagogos. (Fonte: GPLI/GEOE -
Levantamento mensal da Gerência de Comunicação Social/SMED. Dados atualizados em 31/10/2015.

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características pluralistas, próprias de uma sociedade democrática socialmente
segmentada como a atual (p.161).

Como princípios, a proposta Escola Plural apresentou o direito à educação e a


construção de uma escola inclusiva (BELO HORIZONTE, 1994). Propunha-se, dentre
outros aspectos: a intervenção nas estruturas excludentes e seletivas do sistema escolar,
tendo em vista os altos índices de evasão, reprovação e fracasso escolar dos setores
populares; o resgate da função sociocultural da escola, abrindo-se à diversidade da cultura
e dos saberes dos alunos e dos profissionais; a redefinição dos aspectos da estrutura e da
organização da escola: espaços, tempos, processos, organização do trabalho, grade e
seriação, com o objetivo de tornar a escola mais formadora para a comunidade escolar.
A reorganização dos tempos escolares em Ciclos de Formação, dentro de uma
perspectiva política de inclusão social e objetivando garantir o direito à educação,
apresentou uma nova lógica temporal considerada mais democrática, eliminando a lógica
da seriação. A aprendizagem dos educandos passou a ser o centro do processo educativo,
cujo objetivo era a formação e a vivência sociocultural, próprias de cada idade.
Os processos culturais constituíram-se como um eixo da proposta curricular da
Escola Plural, incorporando a associação entre cultura e currículo e ressignificando os
conteúdos escolares, que passaram a ser contextualizados dentro da realidade dos alunos.
Nessa perspectiva, a avaliação, assumiu um caráter formativo. Na proposta da
Escola Plural, a avaliação não visava classificar, excluir, aprovar ou reprovar. Ao
contrário, deveria incidir sobre aspectos globais do processo, inserindo questões ligadas
ao ensino e à aprendizagem, como as que se referem à intervenção do professor, ao projeto
curricular da escola, à organização do trabalho escolar, à função socializadora e cultural,
à formação das identidades, dos valores, da ética, enfim, ao seu Projeto Político | 434

Pedagógico.
O processo de avaliação, em linhas gerais, constitui-se, inicialmente, com a
construção do diagnóstico, cujo objetivo é investigar os conhecimentos que o aluno traz
à sala de aula, como ele os utiliza em seu grupo, quais as formas culturalmente
constituídas para construí-los. Em seguida, a avaliação assume o caráter de continuidade,
visando ao acompanhamento das aquisições sucessivas do aluno, assim como um aspecto
formador, buscando identificar os sucessos, as dificuldades e os erros no percurso.

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A avaliação sugere, também, além da análise do professor diante do processo de
produção do conhecimento do aluno, outras instâncias, como o conselho de ciclo, as
reuniões de pais, as assembleias avaliativas e as reuniões pedagógicas.
No período de vigência da Escola Plural, a comunidade escolar vivenciou um
processo multifacetado e complexo de mudanças e inovações, no qual estiveram presentes
avanços, retrocessos, permanências, contradições, limitações, lacunas (FERREIRA,
2009).
A partir do ano de 2009, um novo governo94 assumiu a Prefeitura de Belo
Horizonte (PBH), reconfigurando a política educacional da cidade. De 2009 a 2012, a
política do município manteve várias ações, projetos e programas já consolidados no
município, sendo, aos poucos, inserida uma proposta político-pedagógica de cunho mais
conservador e avaliador.
Na gestão 2013-2016, foi implantado um modelo de gestão estratégica, o
Programa “BH Metas e Resultados- planejando o futuro, transformando o presente”, com
uma proposta de permanente avaliação dos resultados das políticas públicas, dos
programas e dos projetos em andamento.
Nesse programa, a educação está inserida no grupo das doze95 áreas definidas para
concretização dos resultados esperados e há, segundo mencionado, uma tentativa de se
reunirem esforços e recursos visando a tal fim. A função deste programa é consolidar os
resultados de forma qualitativa e quantitativa em relação aos principais componentes da
Estratégia de Desenvolvimento (BELO HORIZONTE, 2014).
“Uma escola municipal comparada às melhores do mundo” é o principal desafio,
estampado no site do programa96, apontado pela PBH para sua ação gerencial na cidade.
| 435
Tendo como público alvo os estudantes do Ensino Fundamental da Rede
Municipal de Educação de Belo Horizonte, o objetivo da área da Educação é o de

94
Márcio Lacerda, empresário e político do Partido Socialista Brasileiro (PSB), exerceu seu primeiro
mandato, como Prefeito de Belo Horizonte, entre 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012. Reeleito,
encontra-se em exercício desde 1º de janeiro de 2013.
95
As demais áreas de resultado são: Cidade Saudável, Cidade com Mobilidade, Cidade Segura,
Prosperidade, Modernidade, Cidade com todas as Vilas Vivas, Cidade Compartilhada, Cidade Sustentável,
Cidade de Todos, Cultura e Integração Metropolitana.
96
https://bhmetaseresultados.pbh.gov.br

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“aumentar a qualidade do ensino público municipal, garantindo a todos os estudantes
acesso, permanência, a habilidade de ler aos oito anos, as competências básicas dos
cálculos matemáticos e a resolução de problemas até os dez anos de idade, com equidade
de gênero, raça e classe social” (BELO HORIZONTE, 2014).
Os resultados esperados são:
 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)97 dos anos iniciais mantido em
2013 em 5,6 e ampliado para 5,9 em 2015, garantindo a melhoria constante da qualidade
da educação.
 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) dos anos finais mantido em 2013
em 4,5 e ampliado para 4,9 em 2015, garantindo a melhoria constante da qualidade da
educação.
 Observatório do clima escolar implantado até 2014.
 Plano Municipal de Segurança Escolar implantado até 2014.
 Projeto Arte na Escola implantado até 2013.
 Todas as crianças da Rede Municipal de Educação lendo e escrevendo aos oito anos de
idade, até 2013.
 Transporte escolar para atendimento a estudantes da Rede Municipal de Educação com
deficiência motora, sem capacidade de deambulação, ampliado, garantindo o atendimento
de 100% até 2016.
Cada Área de Resultado está organizada em Projetos Sustentadores que são
definidos em função da sua capacidade transformadora e da sinergia entre os resultados
finalísticos e os produtos. Na Educação, tendo como órgão responsável a Secretaria
Municipal de Educação de Belo Horizonte há três: 1) Expansão da Educação Infantil; 2)
Expansão da Escola Integrada; 3) Melhoria da Qualidade da Educação.
| 436
Aqui interessa o terceiro Projeto Sustentador, que se refere à melhoria da
qualidade da Educação, que tem como objetivo geral “aumentar a qualidade do ensino
público municipal, a fim de garantir a todos os estudantes o acesso à escola, sua
permanência, bem como a habilidade de ler e escrever aos 8 anos e as competências

97
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado pelo Inep em 2007 e reúne, em um
só indicador, dois conceitos: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. O indicador é calculado
a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas
avaliações do Inep, o Saeb- para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil- para os municípios.

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básicas dos cálculos matemáticos e resolução de problemas até os 10 anos”. E tem como
resultados esperados:
 Aumento da qualidade da educação municipal, superando os índices do IDEB, Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica, estabelecidos pelo Ministério da Educação, 5,4
para 2011, para os alunos no 5º ano do ensino fundamental, até 2011.
 Aumento da qualidade da educação municipal, superando os índices do IDEB, Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica, estabelecidos pelo Ministério da Educação, 4,1
para 2011, para os alunos no 9º ano do ensino fundamental, até 2011.
 Índice de reprovação por frequência dos alunos da RME, Rede Municipal de Educação,
reduzido, passando de 4,2% em 2008 para 3,8% em dezembro de 2012, sendo: a) redução
de 0,9% no 1º ciclo para 0,7% em 2012; b) redução de 1,1% no 2º ciclo para 1,0% em
2012 e; c) redução de 2,2% no 3º ciclo para 2,1% em 2012.
 Índice de distorção idade/ciclo reduzido, ao final do segundo ciclo, de 7,34% para 6,8%
até dezembro de 2012.
 Programa Saúde na Escola, garantindo a avaliação anual do estado de saúde de todos os
estudantes da rede municipal, implantado até 2012.
 Dietas especiais para alunos da Rede Municipal diabéticos, portadores de doença celíaca
e outros, introduzidas nas merendas escolares até dezembro de 2009.
 Programa de Reforço Escolar, em matemática e português, visando à melhora do
aprendizado dos estudantes com baixo desempenho registrado no boletim, implantado a
partir de 2009.
Observa-se, assim, nesta breve apresentação realizada, uma significativa mudança
de concepção da política educacional do município de Belo Horizonte que passou a ter,
gradativamente, a preocupação com metas e resultados. Tal centralidade tem se
incorporado ao cotidiano escolar da rede municipal, atingindo desde a escola como um | 437

todo, até o cotidiano da sala de aula.


No documento “Orientações para Ensino Fundamental e Educação de Jovens e
Adultos na Rede Municipal de Educação: tempos e espaços, pessoas e aprendizagens”
(Belo Horizonte, 2014), os processos de avaliação no ensino fundamental são conduzidos
como um recurso que permite repensar e planejar a ação pedagógica e a gestão
educacional. A SMED aponta os seguintes objetivos das avaliações:
Auxiliar o professor na compreensão do processo de ensino-aprendizagem das
capacidades/habilidades expressas nas Proposições Curriculares (2010);
incentivar os estudantes para a melhoria do desempenho e a aquisição de novas

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aprendizagens; orientar as equipes pedagógicas na construção do currículo, no
processo de monitoramento da aprendizagem e na elaboração do Plano de
Melhoria da Aprendizagem (Belo Horizonte, 2014, p. 61).

No documento, são propostas dois tipos de avaliações: as internas e as externas.


As avaliações internas permitem intervenções no processo educativo a partir do
diagnóstico da situação de cada turma e estudante.
Devem ser realizadas, de forma intencional e sistemática, para aferir o
aprendizado dos estudantes por meio de diversos instrumentos (observações,
diagnósticos, registros, provas, portfólios, etc.), verificar como o processo de
ensino-aprendizagem tem ocorrido e indicar as intervenções necessárias (Belo
Horizonte, 2014, p.61).

E as avaliações externas:
Têm como objetivo realizar um diagnóstico do sistema educacional a partir do
desempenho dos estudantes em testes padronizados, visando ao monitoramento
da aprendizagem para orientar a escola na construção de seu currículo e subsidiar
a formulação ou reformulação das políticas educacionais da RMEBH (Belo
Horizonte, 2014, p. 62).

São três os sistemas de avaliações externas nos quais os estudantes do Ensino


Fundamental da RMEBH participam: no âmbito nacional, o Sistema de Avaliação da
Educação Básica (SAEB), que inclui a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) e a
Prova Brasil; no âmbito estadual, o Sistema Mineiro de Avaliação, que inclui o Programa
de Avaliação da Alfabetização (PROALFA) e o Programa de Avaliação da Rede Pública
de Educação Básica (PROEB); e no âmbito municipal, o Avalia-BH.
Diante de tal contexto e remetendo-se ao trabalho dos professores da rede
municipal de Belo Horizonte, é importante analisar as mudanças e consequências que a
centralidade em metas e resultados têm trazido para a identidade profissional docente.

| 438
IMPLICAÇÕES SOBRE O TRABALHO DOCENTE
A reestruturação do trabalho docente, nas últimas décadas, ocasionada pelas
políticas educacionais neoliberais apresentam certa homogeneidade nas prioridades em
torno da eficiência, profissionalização e gestão na maioria dos países da América Latina.
Tais reformas impostas pelos organismos internacionais propagam a desqualificação
política e profissional dos professores de educação básica.
A centralidade atribuída à profissionalização e ao gerencialismo visa ampliar o
controle sobre a categoria do magistério e sua potencial capacidade de opor-se às reformas
e ao Estado, colocando em risco a capacidade destas políticas de promoverem justiça

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social. Nesse sentido, a noção de justiça social vê-se mesclada com os princípios de
eficácia que passam a orientar as políticas públicas. O processo de descentralização das
formas de gestão e de organização dos processos de trabalho nos sistemas escolares passa
a ser considerado como instrumento de modernização dos serviços públicos, devido à
crença em suas possibilidades de promover sua eficiência e eficácia.
O paradoxo desse modelo regulatório é que, ao mesmo tempo em que cresce a
autonomia dos sujeitos, também cresce o controle sobre eles. Esse modelo de autonomia
está centrado em maior responsabilização dos professores, que têm de responder pelo que
fazem, como fazem e para que fazem (OLIVEIRA, 2007).
Ball (2002) argumenta que tecnologias políticas da reforma da educação
colocadas pela competição, eficiência e produtividade, não são apenas mudanças técnica
e estrutural nas organizações, “mas também mecanismo para ‘reformar’ professores e
para mudar o que significa ser professor (...) A reforma não muda apenas o que nós
fazemos. Muda também quem nós somos” (p.4).
O acto de ensinar e a subjetividade do professor estão ambos profundamente
alterados dentro desta nova visão de gestão (de qualidade e excelência) e das
novas formas de controlo empresarial (através do marketing e da competição)
(Ball, 2002, p. 9).

O “professor reformado”, segundo Ball (2002), é concebido apenas como alguém


capaz de responder a exigência e objetivos específicos. A culpa, a incerteza, a
instabilidade e a emergência de uma nova subjetividade, regulam e substituem a dimensão
social e interpessoal pelas relações de julgamento, valorizando apenas a produtividade
das pessoas.
No documento do Banco Mundial “Profesores excelentes: como mejorar el
| 439
aprendizaje em América Latina y el Caribe” (Bruns e Luque, 2014), a baixa qualidade
dos professores, comparado aos parâmetros mundiais, é apontada como a principal
limitação para o avanço educativo da região da América Latina e Caribe, além de indicar
o pobre manejo dos conteúdos acadêmicos e práticas ineficazes em sala de aula.
Los países estudiados dedican un 65% o menos del tempo de clase a la
instrucción (en comparación con la práctica de referencia, del 85%), lo que
equivale a perder un día completo de instrucción por semana; hacen un uso
limitado de los materiales didácticos disponibles, especialmente de la tecnologia
de la información y las comunicaciones, y no siempre logran mantener la
atención y la participación de los estudiantes (BRUNS e LUQUE, 2014, p.2).

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De acordo com o documento, para se formar um corpo docente de alta qualidade,
é necessário recrutar, desenvolver e motivar melhores professores. O maior desafio não
seria o fiscal nem o técnico, mas o político, pois os sindicatos docentes de todos os países
da América Latina são grandes e constituem um ator politicamente ativo.
Como apontam Evangelista e Shiroma (2007), as organizações internacionais
apresentam o professor como protagonista e, ao mesmo tempo, como obstáculo à reforma
educacional, desqualificando-o teórica e politicamente.
De um lado, argumenta-se que o professor é corporativista, obsessivo por
reajustes, descomprometido com a educação dos pobres, um sujeito político do
contra. De outro, que é incapaz teórico-metodologicamente, incompetente,
responsável pelas falhas na aprendizagem dos alunos, logo – em última instância
– por seu desemprego (p. 536).

Os documentos dessa regulação delineiam um tipo ideal de docente, dotado, entre


outras qualidades, de conhecimento especializado e competências organizacionais, de
capacidade e disposição para alternar funções escolares e não escolares, de condições de
ajudar os alunos a encontrarem, organizarem e gerirem o saber, de meios de possibilitar
ao educando a inserção na sociedade da informação (Shiroma e Evangelista, 2004).
Afonso (2009) ressalta que nem tudo o que conta em educação é mensurável ou
comparável. Nesse sentido, faz crítica à accountability, um conceito polissêmico e com
três dimensões fortemente articuladas e autônomas: avaliação, prestação de contas e
responsabilização.
Como indica Afonso (2009), no cotidiano das escolas, os modos de accountability
têm ganhado importância com mensurações padronizadas de resultados e previsão de
consequências quando esses resultados não são atingidos. No caso dos resultados
acadêmicos dos alunos, utilizam-se tais critérios para a avaliação das escolas e para a | 440
avaliação dos próprios professores, numa perspectiva despolitizada e tecnicista da
educação.
Perante a focalização das questões educacionais na mensuração e comparação de
resultados educacionais, torna-se necessário a discussão sobre os fins e propósitos da
Educação.
(...) a construção de modelos democráticos e transparentes de avaliação,
prestação de contas e de responsabilização (accountability) implica
igualmente a valorização social, cultural e política dos processos de
participação, negociação e justificação, e a adopção de modelos

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explícitos de justiça e equidade (social, educacional e avaliativa)
(AFONSO, 2009, p. 25)

Maroy e Voisin (2013), ao analisar os mecanismos de accountability, consideram


o desenvolvimento de novas ferramentas de gestão e de controle a distância do
desempenho das organizações e dos atores educacionais com o propósito de avaliar os
resultados dos estabelecimentos e, indiretamente, o trabalho dos professores. Com meta
declarada de melhorar a eficácia de ensino e reduzir as desigualdades e diferenças de
desempenho entre grupos de alunos (equidade), a escola fica cada vez submetida às
políticas educacionais de obrigação de resultados e de desempenho.
Os autores apresentam quatro dimensões comuns dessas políticas de regulação
por resultados em seus diversos contextos. A primeira diz respeito ao novo paradigma
político no qual a escola é concebida, não mais como uma instituição, mas como um
sistema de produção voltada para pensar como melhorar desempenhos do sistema nos
termos de eficácia, de equidade ou de eficiência. Trata-se de melhorar as competências
dos agentes. “Os objetivos da política, é, então, definido por referência aos indivíduos
que compõem a sociedade, muito mais do que às comunidades nas quais eles se
inscrevem” (Maroy; Voisin, 2013, p.884).
A segunda dimensão se refere aos objetivos operacionais expressos num formato
quantitativo e de indicadores que se tornam padrões para se confrontar com os objetivos
efetivos. A definição dos padrões torna-se um desafio político, mesmo permeado pela
técnica, pois “interroga a possibilidade de um debate crítico e propriamente político sobre
as políticas escolares que finalmente não estejam somente ao alcance dos experts”
(Maroy; Voisin, 2013, p.884).
| 441
A terceira característica comum dessas políticas é a centralidade dos diversos
instrumentos de avaliação dos resultados e do desempenho dos alunos, marcada pela
“periodicidade dessas avaliações externas ao percurso escolar, matérias às quais elas se
referem, sua função explícita (diagnóstica, formativa, certificativa, avaliação do
‘desempenho escolar’), modo de interpretação e de comparação dos resultados,
modalidades de sua publicação e, sobretudo, monitoramento dos resultados pelas
organizações locais” (Maroy; Voisin, 2013, p.885).
A última dimensão refere-se às ferramentas de ação pública, como as
regulamentações, que organizam as consequências das avaliações e prestações de contas

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e o grau de pressão sobre os atores locais, formação contínua, desenvolvimento
profissional e recursos mobilizados.
Contudo, da mesma forma em que há dimensões comuns, existem diversidade nas
políticas de controle de resultado em cada realidade e consequências mais ou menos
negativas para os atores educativos, como apontam Maroy e Voisin (2013). Por isso, “as
ferramentas utilizadas e os mecanismos que as unem umas às outras constituem elementos
de análise chave para compreender os significados e as orientações sociopolíticas diversas
dos sistemas de accountability que eles operacionalizam” (p.886).
Para os autores, as avaliações externas têm orientado e regulado o comportamento
dos atores locais e, também, explicitam padrões curriculares e de desempenho. Os
profissionais docentes são mobilizados para justificar a colegialidade local, atender as
demandas e necessidades os alunos, ou de seus pais, na perspectiva de democracia
participativa.
Atualmente, o surgimento de modelos de mercado como uma
ferramenta de prestação de contas a todos os indivíduos/pais/clientes da
escola pode ainda contar com um discurso de satisfação das
necessidades e aspirações dos usuários/clientes. Entretanto, essa
ferramenta implantada apresenta, para os atores que devem prestar
contas, consequências significativas mais importantes que mudam o
significado das políticas atuais. (p. 896)

É nesse sentido que os autores destacam que é preciso investigar os usos efetivos
dessas ferramentas, como são recebidas e traduzidas pelos atores locais, pois existem
distâncias entre as realidades e os modelos teóricos da accountability que precisam ser
exploradas.

| 442
CONSIDERAÇÕES
Uma análise mais próxima do caso de Belo Horizonte torna-se importante e
significativa, tendo em vista a dimensão e os resultados alcançados pela rede municipal.
É certo que a complexidade da escola diante de atuais políticas educacionais, a
multiplicidade de processos de regulação e a demanda crescente por melhoria da
qualidade da educação apontam a necessidade de novas pesquisas acadêmicas sobre a
educação pública.
Evidencia-se a primordialidade de pesquisas sobre trabalho e docência no
contexto das reformas neoliberais da década de 1990 que acarretaram profundas

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mudanças nas estruturas econômicas, sociais e políticas, trazendo transformações
significativas para a educação e para o trabalho e a identidade dos professores na
atualidade, em especial, daqueles da educação básica.
É importante ressaltar que os resultados de avaliações de habilidades, alcançados
por meio de provas escritas, não servem como parâmetro de resultados educacionais, pois
qualquer nível de resultado que seja estipulado é passível de ser questionado. Metas não
podem ser impostas facilmente à educação dessa maneira, o que se deve, em parte, à
natureza intrinsicamente imprevisível da educação. Em lugar dos resultados da
aprendizagem, deve-se dar atenção aos processos educacionais nos quais os alunos se
engajam. Ao invés de se determinar resultados específicos previamente, o foco nos
processos evidencia vários conhecimentos, habilidades e valores significativos nas
práticas educativas. (MCCOWAN, 2011).
A profissão docente apresenta uma heterogeneidade crescente (TENTI
FANFANI, 2005). E, nesse sentido, torna-se necessário conhecer os aspectos objetivos e
subjetivos da condição de ser docente para a proposição de ações e políticas de contexto
social e institucional de seu trabalho.

REFERÊNCIAS

AFONSO, Almerindo Janela. Nem tudo o que conta em educação é mensurável e


comparável: crítica à accountability baseada em testes estandardizados e rankings
escolares. In: Revista Lusófana de Educação. Lisboa, v. 13, n. 2, 2009. P. 13-29
ARROYO, Miguel. Experiências de inovação educativa: o currículo na prática da escola.
In: MOREIRA, A. F. (org.). Currículo: políticas e práticas. Campinas: São Paulo:
Papirus, 1999.
| 443
BALL, Stephen J. Reformar escolas/reformar professores e os terrores da
performatividade. Revista Portuguesa de Educação, vol. 15, n. 2, p. 3-23.
BRUNS, Bárbara; LUQUE, Javier. Profesores excelentes: Cómo mejorar el aprendizaje
en América Latina y el Caribe. Serie del Foro de Desarrollo de América Latina, Resumen,
Grupo del Banco Mundial, Washington, D.C., 2014, 76 p.
EVANGELISTA, Olinda; SHIROMA, Eneida Oto. Professor: protagonista e obstáculo
da reforma. Educação e Pesquisa, v. 33, n. 3, p. 531-541, set./dez. 2007.
FERREIRA, Cláudia Silva. A Escola Plural anos depois: a voz de gestores e docentes.
Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação,
2009.

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MAROY, Christian; VOISIN, Annelise. As transformações recentes das políticas de
accountability na educação: desafios e incidências das ferramentas de ação pública.
Educação & Sociedade, vol. 34, núm. 124, jul-set, 2013, pp. 881-901.
McCOWAN, T. O direito universal à educação: silêncios, riscos e possibilidades. Praxis
Educativa. Universidade de Ponta Grossa, v.6, n°1, jan-jun, 2011.
MIRANDA, Glaura Vasquez. Experiência de gestão na Secretaria Municipal de Belo
Horizonte. In: OLIVEIRA, D. A. e DUARTE, M. R. T. Política e trabalho na escola:
administração dos sistemas públicos de educação básica. Belo Horizonte: Autêntica,
1999, p. 157-176.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Política educacional e a re-estruturação do trabalho docente:
reflexões sobre o contexto latino-americano. Educação e Sociedade, v. 28, p. 355-376,
2007.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Trabalho docente. In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE,
A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo
Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. CDROM.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de
Educação. Organização do trabalho escolar: uma contribuição ao projeto da Escola
Plural. Belo Horizonte: SMED, 1994.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Plano Estratégico de Belo
Horizonte 2030: a cidade que queremos. 2ª versão. Disponível em
https://bhmetaseresultados.pbh.gov.br (acesso em agosto/2014)
SHIROMA, Eneida Oto; EVANGELISTA, Olinda. A colonizaªo da utopia nos discursos
sobre profissionalizaªo docente. Perspectiva. Florianpolis, v. 22, n. 2, p. 525-545, 2004.
TENTI FANFANI, Emilio. La condición docente: datos para el análisis comparado
Argentina, Brasil, Perú y Uruguay. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2005.

| 444

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O TRABALHO DO GESTOR ESCOLAR FRENTE ÀS
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
Autora Rozieli Bovolini Silveira (Instituto Federal Farroupilha)
rozieli.silveira@iffarroupilha.edu.br
Co-autora Letícia Ramalho Brittes (Instituto Federal Farroupilha)
letícia.brittes@iffarroupilha.edu.br

Resumo: Refletir os desafios que perpassam a educação levam inevitavelmente às


questões macroestruturais, sendo elas, sociais, culturais, econômicas e políticas. As
políticas educacionais quando compreendidas num espaço de exclusão, desigualdades, de
contradições e de uma nova demanda do capital, podem tornar o trabalho do gestor escolar
um espaço de reflexão frente à quais objetivos a escola pretende alcançar. Dessa
problemática que esse artigo pretende explorar, compreendidas na política educacional
que inaugurou uma nova perspectiva para a educação profissional e tecnológica. A
pesquisa tem uma abordagem qualitativa, de caráter bibliográfico, realizada através da
leitura de artigos e livros que trazem construções teóricas sobre o tema da pesquisa. A
partir da análise do referencial foi possível observar contradições, pois há um contexto
social, econômico, cultural que legitima a exclusão e por outro, a criação de políticas
educacionais que marcam o maior acesso a educação profissional com a Lei 11.741/2008.
Outra contradição refere-se ao trabalho do gestor escolar, do qual é marcado por práticas
e discursos, desafiando ainda mais quem está a frente da escola. Assim, cabe a todos os
integrantes da escola refletir sobre como possibilitar momentos de emancipação e
autonomia desses sujeitos.

Palavras-chave: Educação, Políticas Educacionais, Gestão Escolar.

INTRODUÇÃO

O trabalho do gestor escolar na atualidade inclui vários aspectos desafiadores que


permeiam a educação no século XXI. Os desafios que perpassam a educação são pensados
| 445
a partir das demandas sociais, culturais, econômicas, políticos, sendo essas norteadoras
do desenvolvimento de políticas públicas no âmbito da educação. As políticas sociais,
que incluem ações na educação, são reflexos de um contexto de desigualdade social e
como salienta Höfling (2001) as ações implementadas pelo Estado tem como objetivo a
redistribuição mais igualitária dos benefícios sociais, que emergem da desigualdade
estrutural socioeconômica.
As políticas educacionais quando compreendidas num espaço de exclusão,
desigualdades, de contradições e de uma nova demanda do capital, podem tornar o
trabalho do gestor escolar um espaço de reflexão frente à quais objetivos a escola pretende

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alcançar. Sobre as perspectivas da educação para o século XXI, Gadotti (2000) faz
referência às alterações mundiais como a globalização capitalista e a era da informação
como propulsoras de uma época em que geram crises de paradigmas, em que se questiona
qual o papel da educação.
Nesse sentido que a gestão escolar ocupa um espaço decisivo na comunidade
escolar. A gestão escolar quando é baseada nos princípios da democracia, pode criar
mecanismos para que a participação da comunidade se efetive e o processo de gestão e
organização da vida escolar seja espaço de aprendizagem e construção de todos os
envolvidos. Libâneo (2008) atenta para a necessidade da escolar ser organizada e gerida
para assegurar o objetivo maior: a formação de estudantes comprometidos com a
sociedade onde vivem. Para isso são necessárias melhores condições organizacionais,
operacionais e pedagógicas da escola.
Essa pesquisa traz como questão a problemática da atuação do gestor escolar
compreendido num contexto social, político, econômico neoliberal, no qual, a partir de
2008, com a promulgação da lei nº 11.741, a educação profissional e tecnológica ganha
uma outra organização. Essa lei que faz a alteração na Lei de Diretrizes e Bases de 1996,
do qual redimensiona, institucionaliza e integra as ações da educação profissional e
tecnológica à educação de nível médio e a educação de jovens e adultos.
A pesquisa tem uma abordagem qualitativa, de caráter bibliográfico, realizada
através da leitura de artigos e livros que trazem construções teóricas sobre o tema da
pesquisa. Foram pesquisados autores que trabalham a gestão escolar democrática e a
educação profissional e tecnológica. Num primeiro momento são apresentados os autores
que discutem as políticas públicas para a educação profissional e tecnológica, Frigotto,
| 446
Ciavatta e Ramos (2012), Kuenzer (2005), Saviani (2007), entre outros que discutem de
modo geral as políticas públicas educacionais. No segundo momento são apresentados
alguns dos desafios encontrados pelo gestor escolar na sua prática cotidiana. Os principais
autores aqui referenciados são Libâneo (2008), Nóvoa (2009), Lück (2009), Veiga
(2001), entre outros.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E


TECNOLÓGICA

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É evidente que o processo de transformação social tem deixado legados marcantes
para a construção da escola nos dias atuais. Os discursos prezam por uma educação de
qualidade, de amplo acesso, preocupada com a diferença entre classes e já outros
discursos preocupam-se com a qualidade total, formação de trabalhadores tecnicistas,
práticas fragmentadas, educação conforme a classe social, etc. Essas são algumas
contradições das quais a educação enfrenta na atualidade, refletindo na escola e nas
práticas que cada gestão adotará para conduzir o seu trabalho.
Conforme Frigotto, Ciavatta e Ramos (2012), o dualismo que a educação brasileira
se encontra tem origem na sociedade escravista, que desprezava o trabalho manual.
Somente na metade do século XX, que o analfabetismo foi pauta das preocupações da
elite e assim a educação torna-se objeto de políticas de Estado. Como também corrobora
Höfling (2001), na discrepância entre detentores do poder do capital e do poder do
trabalho, o Estado atuará como regulador das relações capitalistas. E ainda a autora
complementa:
“O Estado capitalista moderno cuidaria não só de qualificar permanentemente
a mão-de-obra para o mercado, como também, através de tal política e
programas sociais, procuraria manter sob controle parcelas da população não
inseridas no processo produtivo” (HÖFLING, 33, p. 33).
É possível observar um novo discurso pedagógico como salienta Kuenzer (2005),
que busca a “formação do homem em todas as suas dimensões de integralidade com vistas
à politecnia, a superação da fragmentação do trabalho em geral”. Ou seja, as contradições
no espaço escolar são permeadas por um sistema de produção que demanda um novo de
tipo de homem trabalhador, as capacidades são chamadas de competências, referindo-se
as novas habilidades cognitivas complexas que se fazem necessárias no mercado de
trabalho atual (KUENZER, 2005). | 447
Na escola não seria diferente, a exclusão vivida no mundo do trabalho é sentida por
todos os sujeitos pertencentes a ela. Isso é percebido através da discriminação entre os
saberes aos detentores do poder do capital e do poder do trabalho. Saviani (2007) salienta
o quanto a divisão dos homens em classes sociais irá provocar uma divisão também na
educação, ou seja, o trabalho realizado na escola está intimamente ligado as questões
sociais, podendo ratificar ou retificar os preceitos da lógica neoliberal.
O trabalho pedagógico alicerçado nas bases hegemônicas do capital está fadado a
substituição do trabalhador especializado por um trabalhador tarefeiro, desconectado de

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seus compromissos sociais, esvaziado de conhecimento técnico e pouco criativo e
autônomo (KUENZER, 2005). As políticas públicas quando não compreendidas no
contexto, são meras utopias, disfarçadas nos discursos hegemônicos.
Frigotto (2012) reforça a ideia de que a educação é baseada na lógica do capital, na
medida em que tem sido usada como suporte ideológico para uma sociedade que preza
pela empregabilidade e a pedagogia das competências. Isso aparece nos discursos que
afirmam a pobreza como consequência de uma escolha de pouca educação, ou seja, os
pobres são pobres porque escolheram ser assim, são culpados por serem explorados.
Para Boneti (2011) as políticas educacionais e da gestão da escola passam pelo
momento de mudanças em que a nova organização produtiva impõe uma acelerada
mutação tecnológica, fazendo que o conhecimento aprendido logo seja obsoleto. Esta
explosão tecnológica impulsiona as pessoas a buscarem atualizações que lhe permitam o
acesso ao trabalho e as demais relações socioculturais. De acordo com Kuenzer (2005), o
momento do Toyotismo impõe processos cada vez mais flexíveis, que não basta a
memorização do conhecimento, mas sim saber usá-lo de forma criativa e inovadora.
Como corrobora Nóvoa (2009), a originalidade e individualidade são marcas importantes
da configuração contemporânea de cultura.
É possível observar as contradições nos discursos e práticas na educação, pois ainda
é visível e presente na educação a dialética entre dois paradigmas de educação diferentes.
De um lado ainda encontra-se a concepção bancária em contraponto a concepção
libertadora, modernidade em oposição ao ensino tradicional, o paradigma dominante
versus o emergente, a práxis repetitiva em oposição à práxis interventiva (CUNHA,
2008).
| 448
Nesse processo dual que a educação profissional e tecnológica vem sofrendo, em
2008, houve uma nova mudança com a promulgação da lei nº 11.741/2008. A nova
legislação faz a alteração na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, do qual redimensiona,
institucionaliza e integra as ações da educação profissional e tecnológica à educação de
nível médio e a educação de jovens e adultos, conforme o artigo nº 39 da lei 9.394/96
Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos
da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de
educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. (Redação
dada pela Lei nº 11.741, de 2008) (BRASIL, 1996).

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Os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo nº 39 organizam a educação profissional e
tecnológica, de forma que os cursos poderão ser ofertados vinculados aos eixos
tecnológicos, possibilitando diferentes itinerários formativos. Os cursos ofertados
poderão ser de formação inicial e continuada ou qualificação profissional, educação
técnica de nível médio e educação tecnológica de graduação e pós-graduação. Sobre a
educação de jovens e adultos, a alteração que a lei nº 11.741/2008 traz é que
preferencialmente, deve estar vinculada a educação profissional.
Da educação profissional técnica de nível médio, a lei estabelece que possam ser
articulada com o ensino médio ou subsequente, para estudantes que já concluíram o
ensino médio. A educação profissional técnica de nível médio articulada, poderá ser
desenvolvida na forma integrada ao ensino médio na mesma instituição de ensino ou
concomitante, realizando o ensino médio e a formação técnica em instituições diferentes
(BRASIL, 1996).
Para que esse novo marco legal seja compreendido é necessário estar inserido e
compreendido nesse contexto dual do qual faz parte, ou seja, devem estar em consonância
com as problemáticas da manutenção das desigualdades sociais ou da manutenção das
relações de poder e/ou desconectadas dos aspectos culturais, sociais e econômicos em
nível nacional e global (BALL e MAINARDES, 2011). É necessário ainda, que as
políticas educacionais captem as novas construções sociopolíticas de uma determinada
sociedade, para que assim tenham melhores resultados de suas ações.
Gadotti (2000) ao citar o mecanismo da Globalização como influenciador da
educação atual, salienta que esse processo está alterando a política, a economia, a cultura,
a história e consequentemente a educação. Para Ferretti (1997), há uma relação muito
| 449
forte entre os problemas e desafios encontrados nas formações profissionais e o âmbito
produtivo, que são regulados pela globalização da economia.
Sobre a globalização, Frigotto (2012) salienta as características atuais do
capitalismo como resultado de contradições que nas relações sociais, pois num momento
são propiciadoras de civilização e progressão em outros destroem e excluem. São
movimentos cíclicos, resultando hoje, em processos mais velozes e líquidos. O autor
acrescenta:
“A forma que assume a globalização neste fim de século tem uma
especificidade que é, em essência, o desbloqueio dos limites sociais impostos

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pelo capital pelas políticas de Estado de bem-estar social. É, também, neste
sentido, uma revanche contra as conquistas sociais da classe trabalhadora. O
ideário da globalização, em sua aparente neutralidade, cumpre um papel
ideológico de encobrir os processos de dominação e de desregulamentação do
capital e, como consequência, a extraordinária ampliação do desemprego
estrutural, trabalho precário e aumento da exclusão social” (FRIGOTTO,
2012, p. 65).
Num movimento cíclico e contraditório a educação foi influenciada e
influenciadora dessas formas de organização social, política e econômica. Isso fez com
que inicialmente os pioneiros buscassem superar os modelos empiristas e normativos até
a década de 1930, sobre a gestão da escola. Da mesma forma, a partir da década de 1980
os autores buscaram romper com a visão tecnicista e neutra da administração escolar,
procurando uma forma mais democrática e participativa, surgindo então a gestão escolar
(DRABACH e MOUSQUER, 2009).
Nesse sentido foi necessário que a educação passasse por reformulações a fim de
suprir, talvez em parte, as demandas que a sociedade impõe. À escola são endereçados
inúmeros desafios que muitas vezes são contraditórios e dialéticos, fazendo com que as
práticas na escola atravessem momentos de avanços e retrocessos, movimentos de
emancipação e dependência, democracia e autoritarismos. Nesse contexto, as políticas
públicas são inseridas num contexto de exclusão social a fim de suprir, pelo menos em
parte, algumas deficiências que o neoliberalismo deixa como resultado. O trabalho do
gestor nesse ínterim, é desafiado pelas inúmeras dificuldades e possibilidades de atuação.

O TRABALHO DO GESTOR ESCOLAR

O trabalho da gestão escolar está diretamente relacionado às políticas públicas no


momento em que decide quais as práticas nortearam o trabalho. O trabalho poderá ser
emancipatório e libertador ou de acordo com as práticas hegemônicas do capital. Nóvoa | 450

(2009) afirma haver uma renovação da educação no que diz respeito ao seu espaço,
trazendo o conceito público da educação. A escola ao se dizer democrática e participativa
deve prioritariamente estabelecer uma relação com todos os sujeitos da comunidade
escolar, recuperando a cultura da associação e do cooperativismo.
A gestão escolar democrática e participativa compõe um rol de elementos que a
caracterizam assim, entre eles o projeto político pedagógico, o organização do espaço
escolar, o trabalho pedagógico e o processo formativo dos docentes. Esses elementos se
relacionam e fazem parte de todo, sendo diferente do que a soma das suas partes. Libâneo

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(2008) ao falar da organização da vida escolar lembra que é necessário que todos os
aspectos escola sejam contemplados, como condições estruturais, físicas, de pessoal,
rotinas administrativas, assistência didático-pedagógica, serviço de limpeza e
alimentação, distribuição do tempo, participação da família, entre outros.
A organização de vida escolar é de certa forma ampla, na medida em que norteia
todo o trabalho que será desenvolvido na escola. É através da organização escolar que
será possível o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem. Aqui compõe o currículo,
o tempo escolar, as rotinas administrativas, as diretrizes e normas escolares, assistência
pedagógica e didática, formação continuada, participação da comunidade, etc
(LIBÂNEO, 2008).
Nóvoa (2009) alerta para a organização da escola, pois muitas vezes as formas de
organização do trabalho escolar são esquecidas, sendo onde e como a vida ativa, acontece
na escola. O autor salienta que “raramente nós nos interrogamos sobre a organização do
trabalho na escola: definição de espaços e tempos de aula, agrupamento de alunos e das
disciplinas” (NÓVOA, 2009, p. 9).
Lück (2009) salienta os elementos do planejamento e organização do trabalho
escolar, cabendo ao gestor estabelecer, juntamente com os demais sujeitos da escola, um
planejamento de todas as áreas da escola, para que os objetivos traçados possam
efetivados. Para isso será necessário do gestor uma visão ampla, organizada e sistemática
sobre todos os processos organizacionais que envolvem a instituição escolar. A autora
reforça o conceito de planejamento nesse contexto:
“Planejar a educação e a sua gestão implica em delinear e tornar clara e
entendida em seus desdobramentos, a sua intenção, os seus rumos, os seus
objetivos, a sua abrangência e as perspectivas de sua atuação, além de
organizar, de forma articulada, todos os aspectos necessários para a sua | 451
efetivação. Para tanto, o planejamento envolve, antes de tudo, uma visão
global e abrangente sobre a natureza da Educação, da gestão escolar e suas
possibilidades de ação” (LÜCK, 2009, p. 32).
Um dos tipos de planejamento escolar é o Projeto Político Pedagógico (PPP) da
escola, que segundo Lück (2009) pode ser entendido como um balizador de todas as ações
da escola e assim, expresso nas práticas pedagógicas e administrativas. Pode ser
entendido como um instrumento teórico e metodológico sobre quais e como serão
realizadas as ações educativas, prevendo a reflexão sistematizada dos envolvidos no
processo. O PPP deve ser orientado para uma ação em específica: o processo de ensino e

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aprendizagem de professores e estudantes, a fim de se promover uma formação integral
dos sujeitos.
Veiga (2001) reforça a ideia da ação coletiva na elaboração do PPP da escola, pois
é ele que dará a identidade ao espaço escolar, é considerado a “configuração da
singularidade e da particularidade da instituição educativa” (VEIGA, 2001, p. 187). A
construção do PPP deve sempre estar de acordo com a realidade da comunidade escolar,
incluindo essa no processo de elaboração do projeto, para que seja articulada uma reflexão
sobre todos os aspectos organizacionais. Além disso, preconizar pela formação dos
sujeitos, devendo ser responsabilidade de todos essa prerrogativa. E como se refere a um
projeto, deve ser continuamente revisado, a fim de ser correspondente as necessidades
atuais da escola e sua comunidade (VEIGA, 2001).
À coordenação escolar cabe direcionar as ações elencadas no Projeto Pedagógico-
curricular a fim de responder quais objetivos devem ser formulados e quais ações
concretas devem ser viabilizadas. O planejamento da escola será realizado com o foco
num objetivo maior, desenvolver aprendizagens duradouras e sólidas para seus estudantes
(LIBÂNEO, 2008).
Sobre a participação da comunidade Gutiérrez e Catani (2008) atentam para
problemas que persistem na gestão da escola. Os autores trazem as características da
gestão como facilitadoras ou inibidoras do processo de participação, isso quer dizer que
ainda é possível observar políticas conservadoras, que legitimam gestões autoritárias e
burocráticas, minimizando o valor da participação das pessoas. Num outro lado, há uma
política de gestão que preza pelo desenvolvimento da comunidade, para que a
participação seja responsável e condizente com os grupos do qual fazem parte.
| 452
A participação efetiva no contexto escolar é um dos aspectos importantes da
gestão escolar democrática. De acordo com Luck (2010) deve ser inerente ao trabalho
escolar um esforço compartilhado de todos os segmentos formadores da comunidade
escolar. A aprendizagem dos estudantes é resultado das ações pedagógicas e ações
administrativas, essas ações dependem da relação interpessoal entorno dos objetivos
educacionais.
Essa relação exigirá de todos os sujeitos da escola uma atenção sobre as novas
relações sociais que se estabelecem na contemporaneidade. Para o docente, em especial,

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é necessário o restabelecimento do laço com a comunidade, além de ser capaz de se
adaptar as diferenças que surgirão dessa relação. No novo espaço da educação é
necessário que o professor desenvolva três tipos de competências, saber relacionar e saber
relacionar-se, saber organizar e saber organizar-se, saber analisar e saber analisar-se.
Nesse espaço de formação, há a possibilidade de troca de experiências, que a partir de
uma reflexão individual para ser compartilhada com o coletivo (NÓVOA, 2009).
O autor Nóvoa (2009) ainda salienta que o processo de formação de professores é
essencialmente produzido num lugar compartilhado, de aprendizagem entre os pares, já
trazendo os aspectos da coletividade na cultura do professor. Além de o professor ser
reflexivo sobre sua prática, é essencial que essa reflexão seja partilhada, ou seja, feita no
coletivo.
No exercício do compartilhamento, há a necessidade de um esforço coletivo a fim
de que os objetivos traçados pela escola sejam alcançados e que a escola seja espaço de
aprendizagem para todos (LIBÂNEO, 2008). De acordo com Paro (1988) a possibilidade
do coletivo e do compartilhar diz respeito à administração escolar democrática, ou seja,
as responsabilidades administrativas são distribuídas juntamente com a autoridade. O
autor ainda salienta que essa nova forma de gestão está ligada diretamente aos interesses
da classe trabalhadora.
A gestão da escola quando alinhada ao projeto de uma pedagogia emancipatória,
reflete um caminho de contradições, de avanços e retrocessos, de exclusão e inclusão.
Porém, mesmo que esse caminho seja tortuoso, cabe aos cidadãos construírem o espaço
da escola mais democrático (SANTOMÉ, 2013).
Cabe a gestão da escola uma busca continua de diminuição das desigualdades
| 453
sociais através do aspecto emancipatório da educação, assim os sujeitos que fazem parte
desse espaço possam efetivamente se apoderar do contexto político, social, econômico e
cultural que permeia a escola na contemporaneidade. As contradições são evidentes,
discursos não encontram representação no fazer prático da escola, porém o caminho de
dualidades possibilita o questionamento sobre esse fazer e assim avançar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A partir da sistematização do referencial encontrado sobre as políticas da educação
para a educação profissional e tecnológica e o trabalho do gestor escolar foi possível
elencar aspectos que norteiam a educação na contemporaneidade. Num primeiro
momento observam-se questões políticas, sociais, culturais, econômicas inseridas no
contexto escolar de forma a reproduzir a exclusão e discriminação presentes no sistema
econômico atual. O Neoliberalismo compõe um dos entraves importantes para a
construção de uma escola democrática e emancipatória, pois os discursos que trazem a
qualidade total, tecnicismos, fragmantações, educação elitista, dão conta dos interesses
hegemônicos em relação à educação.
As contradições são resultado do movimento de avanço e retrocesso entre interesses
da classe dominante, detentora do capital contra os interesses de classe trabalhadora. No
intuito de regular essa desigualdade e redistribuir de forma mais igualitária o acesso a
educação, são criadas pelo Estado as Políticas Públicas Educacionais, dentre elas, a
educação profissional e tecnológica. A Lei 11.741/2008 marca um novo recomeço, do
qual a educação profissional e tecnológica pode ser integrada à educação básica,
possibilitando uma formação humana para o trabalho.
Embora algumas metas tenham sido superadas, como o maior acesso a educação,
ainda é possível se deparar com escolas alicerçadas nas bases hegemônicas do capital.
Nesse processo é observado a substituição de um trabalhador especializado por um
trabalhador multitarefeiro, como salienta Kuenzer (2005). A política pública perde sua
essência no momento em que utilizada para reafirmar o poder de uma classe social.
Frigotto (2012) reforça a ideia de que a educação é baseada na lógica do capital, na
medida em que tem sido usada como suporte ideológico para uma sociedade que preza
| 454
pela empregabilidade e a pedagogia das competências. Ou seja, o fazer na escola está
minado de contradições e, além disso, corrobora um sistema político e econômico que
tem como alicerce a exclusão social.
A prática na escola é formada por diversos elementos que buscam a formação
integral de todas as pessoas que fazem desse contexto. Dentro dessas ações, pode-se
destacar a construção coletiva e participativa do Projeto Político Pedagógico, as
responsabilidades da coordenação pedagógica, a formação de professores, num momento
de politizar cada vez mais os cidadãos que por ali passam, entre outros. Ou seja, o trabalho

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da gestão escolar é marcado por práticas e discursos, é possível observar uma prática que
está inserida num contexto maior de discursos hegemônicos, desafiando ainda mais quem
está à frente desse processo.
A educação na contemporaneidade é minada por inúmeros desafios, contradições,
discursos e práticas divergentes e nesse processo que muitas crianças e jovens estão
desenvolvendo suas características intelectuais, emocionais e sociais. Assim, cabe a todos
os integrantes da escola a reflexão sobre os entraves e impossibilidades desse contexto,
como também possibilitar momentos de emancipação e autonomia desses sujeitos.

REFERÊNCIAS

BALL, S. J.; MAINARDES, J. (Orgs.). Políticas educacionais: questões e dilemas. São


Paulo: Cortez, 2011.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
1996.
______. Lei 11.741, de 16 de julho de 2008. Altera dispositivos da Lei no 9.394, de 20
de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2008.
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FERREIRA, N. S. C.; AGUIAR, M. A. S. Gestão da educação Impasses, perspectivas e
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novos sentidos, novas perspectivas. São Paulo: Editora Papirus, 2008.
| 455
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90. Educação & Sociedade, ano XVIII, nº 59, agosto/97.
DRABACH, N. P.; MOUSQUER, M. E. Dos primeiros escritos sobre administração
escolar no Brasil aos escritos sobre gestão escolar: mudanças e continuidades. Revista
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KUENZER, A.Z. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de
dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In:
SAVIANI, D.; SANFELICE, J.L.; LOMBARDI, J.C. (Org.).Capitalismo, trabalho e
educação. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 77-96.

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VEIGA, I. P. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 13.a ed.
Campinas: Papirus, 2001.
LUCK, H. Dimensões de gestão escolar e suas competências. Curitiba: Editora
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NÓVOA, A. Os professores e o “novo” espaço público da educação. In.: TARDIF,
M.; LESSARD, C. (Orgs.) O ofício de professor: história, perspectivas e desafios
internacionais. 3a ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 5.ed. revista e
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SANTOMÉ, J. T. Currículo escolar e justiça social: o cavalo de Tróia da educação.
Porto Alegre: Penso, 2013.
SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista
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HOLFLING, E. de M. Estado e Políticas (Públicas) Sociais. Cadernos Cedes, ano XXI,
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FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. (Orgs.). Ensino Médio Integrado
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In.: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. (Orgs.). Ensino Médio Integrado
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PARO, V. Escola de Tempo Integral: Desafio para o Ensino Público. São Paulo:
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GUTIÉRREZ, G. L.; CATANI, A. M. Participação e Gestão Escolar: conceitos e
potencialidades. In FERREIRA, N. S. C. (org.). Gestão Democrática da Educação:
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| 456

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PERFORMANCE DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR:
PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS À LUZ DOS
PRINCÍPIOS DE REA

Elena Maria Mallmann (UFSM)


elena.ufsm@gmail.com
Juliana Sales Jacques (UFSM)
juletras.jacques@gmail.com

Resumo: Os Recursos Educacionais Abertos (REA) são materiais de apoio ao ensino-


aprendizagem disponibilizados sob licença permissiva para reter, reutilizar, revisar, remixar e
redistribuir. Sob a perspectiva da Educação Aberta, potencializam, através do compartilhamento,
a produção colaborativa em rede. Nesse contexto, tem-se como objetivo deste estudo analisar em
que medida a integração/produção de REA potencializa a performance docente no ensino-
aprendizagem mediado por tecnologias em rede. Realizou-se, diante disso, pesquisa bibliográfica
em repositórios de REA para elaboração do estado da arte, uma vez que esta pesquisa constitui-
se em uma revisão de literatura. Ademais, embasou-se no fomento das políticas públicas
educacionais, como o Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020, que prevê a integração das
tecnologias em rede na educação a fim de promover a universalização do ensino através da
democratização de acesso aos recursos educacionais. Nesse viés, argumenta-se, conclusivamente,
que a performance docente, como intervenção modificadora no Ensino Superior, requer produção
de materiais didáticos à luz dos princípios de REA. Ao escolher como o material será
disponibilizado é que se define as possibilidades de sua utilização nas práticas pedagógicas. As
opções de readaptação geram flexibilidade da ação docente e o compartilhamento dessas
readaptações promove a expansão e a democratização de recursos educacionais.
Palavras-chave: Performance Docente. Materiais Didáticos. Recursos Educacionais Abertos.

INTRODUÇÃO

A integração das tecnologias em rede na educação é ação parametrizada pelas


políticas públicas educacionais. Iniciativas de governo, como a criação do Sistema | 457

Universidade Aberta do Brasil (UAB), expandiram o acesso ao Ensino Superior através


da Educação a Distância (EaD). O fomento à integração das tecnologias em rede vai além:
induz à democratização de acesso ao ensino através da produção de materiais didáticos
abertos (em formato e condições de reuso). Exemplo disso são as metas previstas no Plano
Nacional de Educação (PNE) 2011-2020.
A proposta de produção de Recursos Educacionais Abertos (REA) é a de
possibilitar que materiais didáticos sejam disponibilizados em rede com licenças de
utilização mais permissivas. Licenças que protejem a propriedade intelectual, mas que

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permitem ampla abertura, ou seja, abertura para além do acesso aos recursos, que
contemple licença permissiva de remixagem. Nesse contexto, este estudo parte da
problematização inicial: em que medida a produção de REA potencializa a performance
docente no ensino-aprendizagem mediado por tecnologias em rede? Entendida a
performance docente como trabalho docente tendo em vista tanto os princípios
epistemológicos quanto as condições operacionais.

Para produzir reflexão em torno dessa problematização, desenvolveu-se,


inicialmente, revisão de literatura sobre a temática REA, através de pesquisa bibliográfica
em repositórios de REA disponíveis na Rede Mundial de Computadores (Internet).
Buscou-se investigar também as políticas públicas educacionais para produção de REA
no ensino-aprendizagem. Ao se estabelecer essa cartografia, entrelaçou-se o conceito, as
práticas e as propostas políticas de REA ao conceito de performance docente.

Com esse alinhamento metodológico, conceitual e teórico, organizou-se


estruturalmente o artigo em tópicos e subtópicos. Inicialmente, abordam-se as
potencialidades dos REA na perspectiva da Educação Aberta. Argumenta-se, nesse
mesmo tópico, sobre as políticas públicas educacionais, destacando, essencialmente, as
metas do PNE 2011-2020. Discorre-se, em segundo momento, sobre a performance
docente no processo de produção de materiais didáticos à luz dos princípios de REA e,
por fim, finaliza-se este artigo com as considerações sobre a temática.

1 Educação Aberta: potencialidades dos REA

Introduz-se este tópico apresentando uma esquematização, sob um viés teórico e | 458

conceitual, das potencialidades dos REA para a produção de materiais didáticos no


ensino-aprendizagem mediado por tecnologias em rede. Isso porque os REA, por seu
formato livre e aberto, potencializam a flexibilidade no (re)planejamento das práticas
pedagógicas, pois permitem a recriação livre de situações de ensino-aprendizagem98

98 Compreende-se que não há ensino sem aprendizagem, tampouco aprendizagem sem ensino. Isso
porque a apropriação do conhecimento ocorre à medida que se estabelece interação entre interlocutores, os
quais se constituem autores e coautores desse processo. Diante disso, como fundamentos epistemológicos
da performance docente, embasa-se na Educação Dialógico-Problematizadora freireana e na Teoria da Rede
de Mediadores de base latouriana. Tais aportes teóricos validam a argumentação de que ensinar e aprender
são ações indissociáveis, constituídas na relação de seres híbridos: “humanos e não-humanos inteiramente

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compartilhadas, na internet, sob domínio público ou licença permissiva de remixagem.

Figura 1: Potencialidades dos REA


Fonte: Das autoras

Historicamente, os REA, conhecidos internacionalmente como Open Educational


Resources (OER ), foram conceitualmente definidos em 2002, no Forum on the Impact
of Open CourseWare for Higher Education in Developing Countries, evento promovido
pela UNESCO no Massachusetts Institute of Technology (MIT) (DOS SANTOS, 2013),
embora, o movimento REA já existisse. No escopo conceitual, os REA, são materiais que
se apresentam sob domínio público ou são licenciados de maneira aberta, permitindo que
sejam acessados, utilizados, adaptados e redistribuídos por terceiros. (UNESCO/COL,
| 459
2011, tradução própria).
Nessa perspectiva de abertura, os REA amparam-se na concepção de educação
aberta, que Dos Santos (2012, p. 72) caracteriza, entre outros aspectos, como “o acesso
aberto a repositórios de pesquisas científicas e a utilização de software de código aberto
para fins educacionais.” Compartilhando da mesma concepção, Amiel (2012, p. 26)
destaca que a abertura
[…] implica fomentar uma cultura de compartilhamento e transparência, como
parte de um ciclo produtivo e não de uma atividade isolada. O ciclo de

conectados e em contínua mobilidade e ação performando múltiplas realidades” (CONZALES; BAUM,


2013, p. 146).

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produção de recursos educacionais abertos é uma porta de entrada e um convite
para essas atividades, e servirá de exemplo para outras.

Essa abertura diz respeito as quatro liberdades dos REA, oriundas das discussões
de Wiley, Gibson e Recker, estabelecidas desde 2002, as quais abordam a utilização e a
reutilização dos recursos educacionais em diferentes contextos, considerando as quatro
ações: reuse, review, remix e redistribute. Entretanto, David Wiley, Lane Fischer e John
Hilton III, pesquisadores do Open Education Group, avançaram nas pesquisas sobre REA
incluindo uma quinta liberdade: a de reter o material. Assim, temos
(www.opencontent.org):
Reter - o direito de fazer e guardar cópias próprias do conteúdo (por exemplo, download,
duplicar, armazenar e gerenciar);
Reutilizar - o direito de usar o conteúdo de várias formas (por exemplo, em uma classe,
em um grupo de estudo, em um site, em um vídeo);
Rever - o direito de adaptar, ajustar, modificar ou alterar o conteúdo em si (por
exemplo, traduzir o conteúdo para outro idioma);
Remix - o direito de combinar o conteúdo original ou revisado com outro conteúdo
aberto para criar algo novo (por exemplo, incorporar o conteúdo em criações
personalizadas);
Redistribuir - o direito de compartilhar cópias do conteúdo original, suas revisões, ou
seus remixes com os outros (por exemplo, dar uma cópia do conteúdo a um amigo).
Diante disso, em 2001, como uma das iniciativas precursoras do movimento
REA, foi criado o Creative Commons - projeto de licenciamento de obras que contempla
licenças mais permissivas. As licenças do Creative Commons, especificamente as que
| 460
permitem ampla divulgação e modificação dos materiais publicados, mantêm os direitos
autorais de quem produziu a obra original e potencializam o compartilhamento da
produção científica com a sociedade. Isso possibilita a apropriação dos materiais
disponíveis na rede, para utilização e adaptação em diferentes contextos.
Entretanto, algumas limitações podem ser elencadas quando se avalia as
especificidades de cada tipo de licença contido no projeto. Algumas licenças permitem
somente o acesso aos recursos publicados, o que, de fato, é um avanço em termos de
compartilhamento, mas essas opções impedem o processo de remixagem desses

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materiais. Na verdade, a escolha fica por conta do autor que disponibiliza a sua produção
intelectual (científica, didática, etc.). Nesse caso, então, a limitação está na resistência em
permitir a modificação de suas obras; está na própria cultura de autoria, mas não de
coautoria.
O quadro 3 explicita as seis licenças que o Creative Commons
(http://creativecommons.org/) contempla:

Atribuição (by): permite que outros distribuam, remixem, adaptem ou criem obras
derivadas, mesmo que para uso com fins comerciais, contanto que seja dado crédito pela
criação original.

Atribuição – Compartilhamento pela mesma Licença (by-sa): permite que outros remixem,
adaptem, e criem obras derivadas ainda que para fins comerciais, contanto que o crédito seja
atribuído ao autor e que essas obras sejam licenciadas sob os mesmos termos.

Atribuição – Não a Obras Derivadas (by-nd): permite a redistribuição e o uso para fins
comerciais e não comerciais, contanto que a obra seja redistribuída sem modificações e
completa, e que os créditos sejam atribuídos ao autor.

Atribuição – Uso Não Comercial (by-nc): permite que outros remixem, adaptem, e criem
obras derivadas sobre a obra licenciada, sendo vedado o uso com fins comerciais.

Atribuição – Uso Não Comercial – Compartilhamento pela mesma Licença (by-nc-sa):


permite que outros remixem, adaptem e criem obras derivadas sobre a obra original, desde
que com fins não comerciais e contanto que atribuam crédito ao autor e licenciem as novas
criações sob os mesmos parâmetros. | 461

Atribuição – Uso Não Comercial – Não a Obras Derivadas (by-nc-nd): permite que
outros façam download das obras licenciadas e as compartilhem, contanto que mencionem o
autor, mas sem poder modificar a obra de nenhuma forma, nem utilizá-la para fins
comerciais.

Quadro 5: Licenças do Creative Commons


Fonte - Jacques (2014), com base nas informações disponíveis em: <http://creativecommons.org.br/as-
licencas/>

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A escolha de como o material será disponibilizado é que define as possibilidades
de sua reutilização e readaptação nas práticas pedagógicas. Possibilidades de readaptação
potencializam a flexibilidade da performance docente e o compartilhamento dessas
readaptações promove a expansão de recursos educacionais. Por isso, argumenta-se sobre
a importância de conhecer as especificidades de cada tipo de licença, visto que

[…] quando o material é licenciado de maneira fechada, sob a frase “todos os


direitos reservados”, não pode ser utilizado para qualquer finalidade, nem gerar
novos usos ou ser remixado em novos produtos, ou ser distribuído para ter seu
acesso ampliado. A criatividade e a capacidade de adaptação a necessidades
locais, ou a simples correção de problemas, fica vedada. Dependendo do
formato em que for publicado um conteúdo, tais possibilidades, além de
ilegais, podem ser tecnicamente impossíveis (SANTANA, 2012, p. 140).

Como movimentos contrários aos REA, Pretto (2012) aponta alguns projetos de
leis como SOPA (Stop Online Piracy Act), PIPA (Protect IP Act) e Lei Azeredo, os quais
criminalizam o compartilhamento na internet, definindo-o, num viés pejorativo, como
ação de copiar e colar. Todavia, compartilhar é potencializar a criação, a remixagem dos
materiais para produzir conhecimentos. Essas ações além de promoverem a multiplicação
das práticas pedagógicas, superam a produção em série e possibilitam adequar os
materiais para potencializar ensino-aprendizagem em diferentes contextos. Nessa
concepção, Starobinas (2012, p. 124) ressalta que

[…] o suporte digital, atualmente, facilita o trabalho de adaptação dos


conteúdos. Na cultura digital, essa operação leva o nome de remix. Essa prática
não é nova, apenas encontra mais facilidade nesse momento em que a
digitalização dos conteúdos tornou-se uma operação relativamente simples e
acessível. Há um ganho importante a se marcar nessa situação: os conteúdos,
em si, perdem a aura de personagem principal; quem ganha a cena são os usos
possíveis dos conteúdos e suas associações a novos elementos. Essa passagem
é fundamental se pretendermos ir além da ideia de recursos educacionais
abertos para alcançarmos um panorama mais amplo, que vislumbre a | 462
possibilidade de uma prática de aprendizagem aberta.

Essa prática de aprendizagem aberta consiste nas ações de autoria e coautoria de


materiais e no seu compartilhamento com a sociedade. Para tanto, os docentes, ao
assumirem o papel de professores-autores em rede (PRETTO, 2012), necessitam
investigar suas ações de autoria e coautoria a partir do entrelaçamento de saber fazer,
poder fazer e querer fazer - princípios basilares da performance docente, elaborados por
Mallmann (2008).
O processo de produção colaborativa, sustentado nas tecnologias em rede, pode
vencer a barreira da individualidade, abrindo espaço para a não linearidade, a

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dialogicidade, a problematização e a construção mútua de novos conhecimentos. O
compartilhamento das produções, incluindo ampla licença de utilização, possibilita que
outras pessoas possam apropria-se (fazendo ou não adaptações) dos materiais produzidos
e, com isso, promover a democratização do acesso e utilização dos recursos educacionais.

1.1 Políticas públicas educacionais para produção de REA

A integração das tecnologias em rede no ensino-aprendizagem potencializa a


implementação de metodologias inovadoras, otimizando a performance docente. Nesse
viés, as políticas públicas fomentam, através da Constituição Federal de 1988, da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996) e de tantas outras sanções, como
o Decreto 5.622, de 19 de dezembro de 2005 que regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394
de 20 de dezembro de 1996, a amplificação da EaD.
Nesse contexto, em 2007, foram criados, pelo Ministério da Educação (MEC), os
Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância que, embora não tenham
força de lei, são uma política pública de orientação dos processos inerentes à modalidade.
Um dos pontos centrais abordados no documento é a produção de materiais didáticos para
a EaD. Nesse aspecto, orientam que diferentes mídias sejam integradas ao material,
compatíveis “com a proposta e com o contexto socioeconômico do público-alvo”
(BRASIL, 2007, p. 13).
Ademais, recomendam a “convergência e integração entre materiais impressos,
radiofônicos, televisivos, de informática, de videoconferências e teleconferências, dentre
outros, sempre na perspectiva da construção do conhecimento e favorecendo a interação
entre os múltiplos atores.” (BRASIL, 2007, p. 13). Essa proposta de combinação de | 463
materiais é condizente com a orientação de compatibilidade do recurso com o contexto
dos estudantes. É condizente também com o movimento REA, pois fortalece a iniciativa
de produção em formato e condições de publicação abertos.
Um avanço nas políticas públicas educacionais em termos de produção/integração
de REA no ensino-aprendizagem são as metas 5 (estratégia 5.3) e 7 (estratégias 7.11 e
7.13) do PNE 2011-2020. Na perspectiva de alfabetizar todas as crianças, no máximo,
até o final do 3º (terceiro) ano do Ensino Fundamental, a meta 5 traz como estratégia
5.3:

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Selecionar, certificar e divulgar tecnologias educacionais para
alfabetização de crianças, assegurada a diversidade de métodos e
propostas pedagógicas, bem como o acompanhamento dos
resultados nos sistemas de ensino em que forem aplicadas, devendo
ser disponibilizadas, preferencialmente, como recursos
educacionais abertos. (BRASIL, 2010, PNE - 2011-2020)

Compartilhando da mesma proposta de democratização de acesso e


utilização dos recursos educacionais, o projeto de lei, nas estratégias 7.11 e 7.13 da
meta 7, cujo objetivo é fomentar a qualidade da Educação Básica em todas as etapas
e modalidades e, diante disso, atingir determinadas médias nacionais para o Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), prevê:

7.11) Selecionar, certificar e divulgar tecnologias educacionais


para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino
médio, assegurada a diversidade de métodos e propostas
pedagógicas, com preferência para softwares livres e recursos
educacionais abertos, bem como o acompanhamento dos
resultados nos sistemas de ensino em que forem aplicadas.
7.13) Implementar o desenvolvimento de tecnologias educacionais, e de
inovação das práticas pedagógicas nos sistemas de ensino, inclusive a
utilização de recursos educacionais abertos, que assegurem a melhoria do fluxo
escolar e a aprendizagem dos (as) alunos (as).

Como se pode observar, as políticas públicas educacionais induzem a integração


das tecnologias no ensino-aprendizagem, fomentando práticas de utilização de REA. Se
as metas incluem a integração de REA para melhorar os índices de aprendizagem na
Educação Básica, necessariamente, a performance dos professores precisa convergir para
esta perspectiva. E isso traz responsabilidade de as IES incentivarem práticas pedagógicas
sob esse viés na formação inicial e continuada de professores. | 464
Dessa forma, o PNE 2011-2010, através das referidas metas, traduz-se, de fato,
em um grande avanço em termos de políticas de incentivo ao movimento REA. O que se
necessita, agora, é que as propostas sejam desenvolvidas através de investimentos nas IES
para integração de REA na formação de professores. Isso implica reformulação de
currículos, disponibilização de recursos tecnológicos livres e abertos, ações capacitativas
para que se construam redes de produção e aprendizagem colaborativas.

2 Performance docente e produção de materiais didáticos à luz dos REA

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A performance, “[...] intervenção modificadora, que visa a causar uma
transformação” (COHEN, 2007, p. 46), tem origem nas Artes, na Antropologia e na
Filosofia. Entretanto, a performance também está diretamente relacionada à educação,
uma vez que esta requer movimento, ação, articulação em torno de ações retrospectivas
e prospectivas da prática pedagógica. Essa linha de pensamento origina-se da pesquisa-
ação, em equipe multidisciplinar, realizada por Mallmann (2008).
É importante destacar que a performance é a intervenção docente no processo
ensino-aprendizagem. Por isso, Zumthor (2007) ressalta que ela vai além do saber fazer,
implica saber ser. Isso infere que performance não é desempenho - sinônimo de eficiência
- mas é ato de invenção, criação de situações que induzam os estudantes à aprendizagem.
Nesse sentido, o autor caracteriza a performance do seguinte modo:
a) como reconhecimento – como algo que realiza, materializa, que se faz
reconhecer na passagem do virtual ao atual; b) como inserida num contexto
histórico-cultural específico – embora seja um “fenômeno que sai desse
contexto ao mesmo tempo em que nele encontra lugar”; c) como
comportamento restaurado, no qual um “sujeito assume aberta e
funcionalmente a responsabilidade”, ou seja, desempenha um papel; d) como
transmissora e transformadora. (ZUMTHOR, 2007, p. 31).

Diante disso, a performance refere-se às ações e operações docentes realizadas em


cada uma das etapas cíclicas de planejamento, implementação, avaliação e
replanejamento (processos da investigação-ação da própria performance) da mediação
pedagógica sustentada pelos materiais didáticos (MALLMANN, 2008). Essas são ações
que ocorrem durante a performance. Isso porque o mediador está submerso em um
problema-limite como conceptor e avaliador do planejamento da ação e do efeito da ação
realizada. Por isso, o mediador precisa emergir e sobrevoar o local do processo
| 465
investigativo, a fim de que possa prosseguir seu processo de criação. (DE MEDEIROS,
2007)
Visto isso, tem-se uma linha argumentativa a respeito do que se entende por
performance docente. Esse entendimento iniciou-se na tese de Mallmann (2008) e se
aprimorou mais conceitualmente na dissertação de Jacques (2014). Vislumbra-se, nesse
contexto, a performance na transposição didática dos saberes no ensino-aprendizagem a
distância. Isso implica ações performativas docentes na produção de materiais didáticos
em formato aberto. É através da integração de múltiplos autores e coautores (produção
colaborativa potencializada pelo compartilhamento aberto) que as inovações nas práticas

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pedagógicas emergem transformando o ensino-aprendizagem mediado por tecnologias
em rede.
Com efeito, na linha teórica já desenvolvida em trabalhos anteriores, a
performance é intervenção modificadora que se sustenta na mediação pedagógica -
processo que se dá através dos signos, das palavras (VYGOTSKY, 2001) - por meio de
materiais didáticos em formato de REA. Nesse sentido, a performance segue princípios
basilares da Educação Dialógico-Problematizadora (FREIRE, 1987), uma vez que se
defende que as situações de ensino-aprendizagem precisam estar diretamente
relacionadas com a realidade concreta dos estudantes. Isto é, com o contexto, o mundo e
a percepção/compreensão de mundo que eles têm - diagnóstico do que eles compreendem
do contexto, verificação do conhecimento prévio (que na EaD ocorre através das
atividades de estudo) que possuem e do conhecimento adquirido sobre o conteúdo
ensinado.
Desse modo, para que se trabalhe de acordo com o contexto dos estudantes, os
materiais produzidos precisam contemplar princípios de abertura (técnica e de condições
de uso). Os materiais didáticos para a EaD, por exigência do Sistema UAB vinculado à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), são produzidos, em
AVEA, especificamente o Moodle pelas suas características de software livre, por professores-
pesquisadores em interação com equipes multidisciplinares. Essas produções didáticas
ocorrem toda vez que um curso é ofertado em primeira edição. Nas edições posteriores,
os materiais são importados para as disciplinas e reutilizados.
Nesse contexto, materiais didáticos elaborados em formato aberto, em ferramentas
de recursos como a página e o livro do Moodle (as quais possibilitam produção em
| 466
linguagem html - com integração da hipermídia), podem, nas importações para as
disciplinas, ser modificados pelo professor a fim de contemplar as necessidades
educacionais do contexto no qual serão implementados. Todavia, somente a abertura
técnica (formato) não basta. É necessário abertura nas condições de sua utilização, ou
seja, publicação dos recursos sob licenças mais permissivas (que superem a simples
licença de utilização sem adaptações). Dessa forma, materiais abertos tanto no formato
quanto nas condições de uso podem potencializar a prática de autoria e coautoria em rede
esquematizada, a partir das concepções de Pretto (2012), na figura 2.

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Figura 2 – Produção de materiais didáticos abertos: professores-autores em rede
Fonte: Das autoras, com base nas concepções de Pretto (2012)

Ao esquematizar a produção de materiais didáticos elucidando conceitos como


colaboração (ação advinda da interação) e compartilhamento (precursor da interação e
colaboração), é porque se tem como linha teórica e metodológica a Educação Dialógico-
Problematizadora (FREIRE, 1987). Nessa perspectiva freiriana, argumenta-se que a
performance docente, sustentada na dialogicidade problematizadora (que ocorre na
interação a qual funda a colaboração), crítica e reflexiva, potencializa a construção da
autonomia como ação emancipatória.
Quando se trata de autonomia como ação emancipatória, entende-se que é a
participação ativa e consciente na tomada de decisões. A performance docente como
intervenção modificadora pressupõe que “a autonomia vá se constituindo na experiência
de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas” (FREIRE, 1996, p. 67), no processo
ensino-aprendizagem a distância. Isso, na produção de materiais didáticos, implica
tomada de decisões quanto ao formato de produção e às condições de sua publicação. A
| 467
democratização dos recursos educacionais depende da epistemologia orientadora da
performance docente.
No escopo da linha teórica adotada pela pesquisadora, a produção de materiais
didáticos fundamenta-se na concepção Dialógico-Problematizadora (FREIRE, 1986), que
transcende a utilização de tecnologias educacionais (por exemplo, o Moodle) como
repositórios (concepção mais tecnicista) e/ou publicações com licenças restritivas e
avança para uma produção aberta, numa visão de educação como prática para a liberdade.
Esse entendimento converge com o princípio da performance docente que se defende:

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intervenção modificadora sustentada no diálogo-problematizador (interação- encontro
através da palavra que funda a colaboração).
A colaboração gera autoria e coautoria em rede; o compartilhamento das
produções, dependendo do tipo de licenciamento, pode democratizar seu acesso e
utilização, flexibilizando a própria performance docente. Nesse sentido, no campo da
metodologia e da didática, materiais à luz dos princípios de REA contribuem para a
superação da educação bancária assentada na alienação de professores a propostas
pedagógicas prontas e na sua passividade mediante às situações-limite da realidade
concreta. Essa flexibilização é condizente com o propósito da educação dialógico-
problematizara: libertar os oprimidos e os opressores das amarras da educação bancária,
promovendo educação “cuja prática do ensino dos conteúdos jamais se dicotomize do
ensino do pensar certo. De um pensar antidogmático, antisuperficial. De um pensar
crítico, proibindo a si mesmo, constantemente, de cair na tentação do puro improviso.”
(FREIRE, 1994, p. 168).
O ensino-aprendizagem, no contexto da EaD, é, essencialmente, através do
material didático. Por isso, defende-se sua produção em formato aberto, a fim de que se
promova um pensar certo, antidogmático, antisuperficial e crítico de acordo com a
realidade concreta dos estudantes. A preocupação central de produzir materiais didáticos
em formato REA é, justamente, promover e alavancar o acesso, a produção e o
compartilhamento de conhecimentos. Sob essa ótica, Okada (2014) apresenta quatro
níveis de coautoria em virtude das diferentes formas de reutilizar REA (Figura 3).

| 468

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Figura
3:

Coautoria: possibilidade de utilização de REA


Fonte: Okada (2014).

Os níveis de coautoria propostos pela autora, independentemente da intensidade


(nulo, baixo, médio ou alto), podem gerar inovação curricular no ensino-aprendizagem a
distância. Todavia, pode-se problematizar, em alguns aspectos, o nível nulo de coautoria
estipulado por Okada (2014): utilizar parte de um material combinando com outro já
produzido, ou integrar mídias para complementação seria um nível nulo de coautoria? | 469
Essas ações de combinação não convergem com a concepção de adequar os materiais às
necessidades de cada contexto? Essa combinação não seria produção de uma nova versão
do material didático?
Note-se que ainda há o que se avançar em termos de compreensão conceitual de
coautoria, no que se refere à produção de novas versões. Precisa-se avançar para além da
discussão teórica, através da publicação de dados mais qualitativos que ilustrem, de fato,
produções/reutilizações de REA em seus diferentes níveis de coautoria (registro da
operacionalização). Portanto, são necessárias práticas concretas de educação aberta para

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que gerem impactos na performance (através da flexibilização) e no ensino-aprendizagem
(através da democratização).

Considerações finais

Os princípios do movimento REA – retenção, reuso, revisão, remixagem e


redistribuição - potencializam a dialogicidade e a produção colaborativa de materiais
através da integração das tecnologias em rede. Nesse sentido, os REA estão diretamente
relacionados à dimensão tecnológica e pedagógica do ato educacional dialógico-
problematizador. Diante disso, necessita-se, para, de fato, sua integração nas IES, de
investimentos tanto em recursos tecnológicos livres e abertos como em qualificação
docente. Tudo isso para que se estabeleça flexibilidade nas práticas pedagógicas e
otimização da performance docente.
Esse movimento promove inovação didático-metodológica nas práticas
pedagógicas, tendo em vista que o compartilhamento dos REA, sob licenças com alto
índices de abertura, promove remixagem dos materiais para sua utilização em diferentes
contextos. Essa afirmação responde à problematização inicial deste estudo: em que
medida a integração/produção de REA potencializa a performance docente no ensino-
aprendizagem a distância?
Fortalece-se a afirmativa de resposta à problematização, através do argumento de
que os REA geram mecanismos de superação da produção em série - característica da
educação bancária - através da multiplicação da interatividade docente com as tecnologias
em rede e da interação colaborativa com seus pares. Nesse contexto, a performance
docente no ensino-aprendizagem, como intervenção modificadora, requer ações de reuso, | 470
revisão, remixagem e redistribuição de materiais didáticos (princípios dos REA). A
escolha de como o material será disponibilizado é que define as possibilidades de sua
utilização nas práticas pedagógicas. As possibilidades de readaptação potencializam a
flexibilidade da ação docente; e o compartilhamento dessas readaptações promove a
expansão e a democratização de recursos educacionais.

Referências

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O LABOR DO GESTOR ESCOLAR NO EMPENHO DO
TRABALHO DOCENTE DECENTE, RESPONSABILIDADES
PEDAGÓGICAS, PATRIMONIAIS E ADMINISTRATIVAS:
ATRIBUIÇÕES COMPLEMENTARES OU ANTAGÔNICAS?
Noemia Carneiro de Araujo Resende (UFBA/UNIJORGE/UNIFACS)
nocarocha27@hotmail.com
Antonio Ribas Reis (Faculdade Dois de Julho)
amigoribas@gmail.com

RESUMO

Este artigo aborda o exercício do gestor escolar frente aos desafios e o antagonismo
vivenciado pelos diretores e vice-diretores da rede estadual de educação da Bahia, no
processo de trabalho, refletindo sobre o acúmulo de papeis que o Estado propõe baseado
nos interesses hegemônicos. Tem, também, a intenção de levar o entendimento sobre a
mudança laboral abrupta: de professor para gestor escolar, tornando-se relevante
compreender a dimensão do trabalho, frente às múltiplas e antagônicas atribuições do seu
cargo para além do papel burocrático de constantes e relevantes interações com o corpo
docente para uma gestão harmoniosa e exequível. Ademais, o artigo busca provocar
inquietações e múltiplos olhares partindo do ambiente de trabalho e as condições deste
trabalho.

Palavras-chave: gestor escolar; ambiente de trabalho; condições de trabalho.

INTRODUÇÃO

Por meio de pesquisas em diversos bancos de dados foram encontrados trabalhos


científicos de diversos autores que aportaram distintas perspectivas ideológicas e | 473

políticas, a gestão escolar permanece com gaps (lacunas) conceituais. Partindo dessa
ausência de reflexões acerca do papel do gestor escolar, comunga-se com a afirmação de
Karl Marx (1986p.4) “nada é mais aborrecedor e árido do que o lócus communis (lugar
comum) disfarçado”. Ou seja, o tema proposto nesse artigo é, ainda, pouco discutido.

Torna-se evidente no mundo do trabalho as interferências da economia nas atribuições


das funções de cada trabalhador, independente da área de atuação, e o ambiente escolar
não foge à essa realidade, uma vez que os indivíduos são “preparados” na escola para

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conseguir entrar no mercado de trabalho, por sua vez, a escola, instituição responsável
por preparar o cidadão para as necessidades do mercado, deve ficar atenta ao cenário
globalizado e ajustar suas matrizes curriculares para acompanhar as transformações
sociais, culturais e econômicas.

Os gestores escolares passam por formação, pacotes administrativos prontos, vendidos


por empresas privadas para o governo, de forma engessada e completamente elaborada e
pensada para atender organizações privadas e ajustadas para o ambiente escolar, ou seja,
não existe o entendimento da gestão escolar como uma atuação diferenciada,
considerando o gestor como um papel de burocrata com atribuições focadas em metas e
ações distintas do primor pedagógico. A prática da gestão escolar não é pensada de forma
abstrata e, é um conjunto formal de práticas e ferramentas indispensáveis e que
correspondem ao tempo e acumulam tendências e contratendências advindas pelo
determinismo social.

Engels (1980, p. 350), brilhantemente explicou, ao refletir sobre o discurso de Karl Marx,
antes de qualquer tentativa de fazer política, religião, arte ou ciência, o ser precisa ter
condições para sobrevivência, logo a economia do pais deve se organizar para garantir a
condição de vida para os seus cidadãos e neste caminho cria-se a relação da
interdependência por diversas esferas sociais e a escola neste cenário não pode ser
enxergada como base estruturante de uma determinada sociedade, mas como uma
organização que vive numa relação dialética de causa e efeito.

| 474
Partindo da dialética de causa e efeito, as novas formas de trabalho e sistema produtivo
são elementos de manutenção do capitalismo e as classes predominantes ditam o “modus
operandi”. No sentido de exemplificar e fundamentar, basta analisar o cotidiano escolar
a forma de contratação dos profissionais, educadores horistas (a lógica é trabalhar mais
para se ter uma renda que se possa viver dignamente), celetista, dedicação exclusiva ou
no regime, perverso, do REDA, que é completamente contraditório aos direitos
trabalhistas (e realizada nem sempre por caráter emergencial), além dos educadores, os
trabalhadores que atuam no ambiente escolar como os serventes, porteiros, vigias e as

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merendeiras, são contratados de empresas terceirizadas, ou seja, um acumulo de
profissionais da educação vilipendiados pela precarização do trabalho, sobre o exercício
da lógica capital. Nasce a partir desse parágrafo a inquietação e o questionamento, como
ser a pátria educadora, se a lógica é a máxima produção e a inércia presente sobre às
condições dos trabalhadores que são os protagonistas da educação? Quais são os desafios
do gestor escolar?

O termo ”trabalho docente decente” é na verdade uma provocação, pois traz elementos
de ambiguidade e atende ao âmago do professor, o que se acredita de um trabalho docente
e decente como: exercício estimulante e pensante, construtivista, onde é frequente o
empoderamento a novas práticas pedagógicas sem ônus, apoio psicossocial, condições
estruturais para a execução do trabalho, espaço para atividades de qualidade de vida,
remuneração que atenda suas necessidades, suporte e apoio às intervenções em sala de
aula e relação harmoniosa entre todos os indivíduos. Talvez este seja o maior desafio do
gestor escolar e também a sua frustração, provocador da sensação de impotência, levando
ao estresse ocupacional, síndrome de bournout, depressão e tantas outras doenças. Neste
sentido, o gestor quando não consegue satisfazer ou realizar o seu papel com afinco perde
o total estimulo pelo labor, levando a não compreender o significado e identidade da
tarefa, intuindo o papel apenas normativo e desvencilhando o desafio de ser
transformador. Para os indivíduos que possuem pensamentos igualitários, almejam uma
sociedade sem diferenças, engajados por lutas sociais, haverá, indubitavelmente, um
sofrimento inenarrável, onde seu corpo físico e condição mental padecerão.

| 475
A qualidade da gestão não é mensurável por fatores universais, não há “receita de bolo”
que funcione nas organizações, pois dependem das determinações sociais que conduzem
o ambiente, pois não há intervenções, planejamento estratégico, ações coletivas sem
analisar o cenário e o público que está envolvido. Vislumbra-se uma gestão alicerçada na
racionalidade, impessoalidade, buscando a eficiência a partir de ações efetivas,
satisfazendo as necessidades sociais. O sentimento de pertencimento dos envolvidos é
estimulado a partir da postura do gestor frente aos desafios organizacionais, no sentido
de coordenar esforços em prol da comunidade, sem interesses pessoais ou políticos.

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A gestão escolar da rede pública torna-se um desafio ainda maior porque depende da
estrutura do Estado, onde o interesse hegemônico e a busca por indicadores quantitativos
prevalecem, infelizmente, superando a outros relacionados a qualidade. O professor no
seu labor passa por diversos conflitos internos, o primeiro é a sensação de fazer parte de
um sistema onde a sua posição é de mero figurante, ocasionado pela estrutura de avaliação
do aluno e a condição da escola que não permite alteração. É frequente que o aluno
alcance uma série avançada sem ter a mínima condição, passando o “problema” para as
instituições de ensino superior, no sistema perverso de “empurra”. O gestor em
contrapartida precisa atender aos indicadores oficializados por um órgão maior que
entende ser possível, mesmo com sua máquina ineficiente.

Por estas e outras inquietações que se torna essencial a produção de estudos em torno do
gestor escolar na perspectiva de provocar novos olhares para a necessidade real dos
trabalhadores da educação, o que deveria ser tratado como prioridade de ações pública,
pois sem educação o país não desenvolve e não há política macroeconômica que consiga
estabilidade sem o item mais importante: educação.

2. OBJETIVOS

 Conhecer os desafios dos gestores escolares e o seu respectivo processo de trabalho.


 Analisar as atribuições de sua função e as condições do ambiente de trabalho.

| 476
3. MÉTODOS

Para elaboração deste artigo foi realizado uma revisão integrativa, começando por
levantamento bibliográfico no campo da gestão escolar, análise de dados secundários e
experiência vivenciada.

Zelando pelo o rigor cientifico, foram realizadas buscas de artigos publicados na Elsevier,
Lilacs, BVS, Ebsco Host, repositório Scientific Electronic Library Online (Scielo). Foram

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selecionados cinco artigos metodologicamente qualitativos e submetido ao CRITICAL
APPRAISAL SKILLS PROGRAMME – CASP, contribuindo para avaliação destes. Os
resultados da busca pela base confirma que existe uma escassez de estudos com o tema
proposto.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Partindo para o contexto histórico, os discursos de Marx e Engels sobre a educação


(instrução) europeia nos séculos XVIII e XIX, a educação deixa de ser privilégio de
poucos e expande para toda a população, pelo menos no plano teórico, conquistando a
materialização de escolas públicas. Os homens deveriam ser instruídos e a educação
ganhou ênfase nos debates políticos e filosóficos por ser central às discussões sobre o
desenvolvimento econômico e industrial.

Inegavelmente, a modernidade apenas complementa o capitalismo e a preocupação pela


educação formativa é a base da produção, ou seja, o homem deve corresponder às
expectativas do mercado de trabalho, e a cada tecnologia que surge, ele deve se apropriar,
e as organizações que devem prever para oportunizar cursos e oficinas para preparar estes
indivíduos.

O local mais apropriado para buscar conhecimentos e educação moral e cívica é na escola,
as crianças começam a ter contato com o espaço que está inserido e será estimulada a
aprender a conviver, compartilhar e transformar-se em cidadão produtivo. Torna-se
| 477
essencial o papel de alguém para organizar a rotina escolar, surge então, o Gestor Escolar,
conhecido como Diretor ou Vice-Diretor e a forma de eleição do gestor escolar na rede
pública abarcam características peculiares. Na década de 1980, as formas mais usuais de
seleção eram: 1) diretor livremente indicado pelos poderes públicos (estados e
municípios); 2) diretor de carreira; 3) diretor aprovado em concurso público; 4) diretor
indicado por listas tríplices ou sêxtuplas; 5) eleição direta para diretor” Dourado, (2001a).

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A discussão sobre gestão democrática começou no final da década de 70 e somente a
partir de 1980 a escolha do diretor de forma mais democrática, fugindo do clientelismo
político nas indicações para assumir o cargo. Assim como o processo de transformação e
desenvolvimento da sociedade, sempre existirão momentos de retroação, e foi percebido
esse movimento na Prova Brasil, em 2007, a questão referente às formas de provimento
ao cargo de diretor traz como alternativas de resposta: “seleção; eleição apenas; seleção
e eleição; indicação de técnicos; indicação de políticos; outras indicações; outras formas”.
O que demonstra fielmente inúmeras formas de escolhas de diretores o Brasil, logo, não
é um princípio ou critério universal.

Para fundamentar as formas de provimento do cargo, podem ser resumidas em três


modalidades diferentes: a indicação; a seleção através de concurso público ou de aferição
da competência técnica e a eleição, Paro (2003).

Diversos autores que claramente vincula a imagem do gestor com quem o indicou, quase
sempre um político ou alguém influente das Secretarias de Educação, logo, nesse caso “o
papel do diretor, ao prescindir do respaldo da comunidade escolar caracteriza-se como
instrumentalizador de práticas autoritárias, evidenciando forte ingerência do Estado na
gestão escolar”, Dourado( 2001b). Souza (2007, p, 166), traz a seguinte reflexão:

Indicar política ou tecnicamente o dirigente escolar pressupõe compreender a


direção da escola pública não como uma função a ser desempenhada por um
especialista da carreira do magistério, mas como um cargo político de
confiança do governante municipal ou estadual ou como instrumento de
compensação no jogo político-eleitoral.
| 478

Essa forma não confere ao eleito a capacidade para assumir o cargo, afinal para qualquer
cargo, é preciso atender o perfil, posto as demandas técnicas que requerem conhecimento
prévio, prevalecendo a relação pessoal, tanto na admissão quanto na demissão do mesmo
indivíduo.

O concurso para a escolha de diretores está vinculado também “a uma concepção da


direção de escola como carreira e, por meio dele, a ocupação da função tem caráter
permanente” (Mendonça, 2000). Nesta perspectiva, o gestor escolar é percebido no

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sentido Weberiano, como um burocrata, esvaziando a ideia de gerir representando o seu
indicador.

A gestão escolar tornou-se muito mais complexa com a diretiva legal da democracia.
Existe um plano com metas que determinam o que deve acontecer, independente das
varáveis socioculturais e dos recursos. O princípio constitucional da gestão escolar
democrática de 1988 foi assegurado pela Lei nº 9.394/96 que instituiu a Gestão
Democrática do Ensino Público no Brasil. Surge, então, a Lei das Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, conhecida como LDB, que introduziu “um novo tipo de organização
escolar, calcado nos princípios da democracia, autonomia e construção coletiva, em
oposição ao caráter centralizador e burocrático que vinha conduzindo este campo
(Drabach e Mousquer, 2009, p. 259)”.

Na pesquisa (vide quadro abaixo) realizada sobre o trabalho do gestor escolar, verificou-
se que poucos artigos foram encontrados, demonstrando a necessidade do estudo sobre o
tema, com destaque para à saúde e a condição de trabalho deste trabalhador polivalente.

Tabela 1 – Artigos Sobre o Trabalho do Gestor Escolar

| 479

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Procedência Título do Artigo Autores Periódico (Vol, Nº. Ano) Considerações/Temática

O autor explicita e critica as atuais funções do diretor, que entram em


contradição desde o objetivo e concepção do cargo, consiste no
papel de um simples gerente, sem formação e prática. Relata o ofício
A educação, a política e a do gestor escolar, como um agente político, com a função de
administração: reflexões Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, administrar uma instituição, promovendo a educação. Ressalta que
BVS PARO, Henrique Paro
sobre a prática do diretor de n.3, p. 763-778, set./dez. 2010 “a instituição exige, para realização de seu objetivo, uma
escola mediação administrativa sui generis, tanto em termos de
racionalização do trabalho quanto de coordenação do esforço
humano coletivo ” . Existe o entendimento da complexidade de sua
função, condições estruturais pelo Estado e acúmulo de demandas.

O artigo aborda a função social da gestão e reflete os "fazeres


gerenciais" do diretor escolar, revelando a ambiguidades inerentes,
onde a posição do gestor dependerá das movimentações dos
As "artes do fazer" gestão JUNQUILHO, Gelson;
Cad. EBAPE.BR vol.10 no.2 Rio de membros. Destaca a existência de conflitos de interesses entre o
Scielo na escola pública: uma ALVARENGA, Roberta;
Janeiro jun. 2012 poder instituído que, formalmente, representa e os demais praticantes
proposta de estudo RODRIGUES, Alfredo.
na escola, em uma relação entre dominante e dominados. Aponta- se
confronto no processo do trabalho, onde existem interesses do
sistema educacional e o que pode ser possível.

Os autores trazem para o analise das demandas e divergências do


Diretores de escolas Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. papel do gestor enquanto representante da função social da escola e
SOUZA,Ângelo;BARBOSA,
BVS públicas: aspectos do especial 1, p. 173-190, 2010. Editora a cobrança por um profissional muito distante do político-
Andreia.
trabalho docente UFPR pedagógica, fazendo prevalecer a busca por uma base técnico -
administrativa da sua função.

O artigo examina de maneira detalhada sobre as diversas


Evolução do Modo de
responsabilidades que assumem e constituem em tarefas variadas.
regulação e redefinição Educ. rev. no.44 Belo Horizonte Dec.
Scielo CATTONAR, Branka. Em sua pesquisa, denota-se uma tensão entre, de um lado, o
normativa do papel dos 2006
trabalho administrativo e a gestão das relações externas, que os
diretores de escola.
diretores devem assumir e que consideram sofredoras.

Fonte: Elaboração própria, 2015.

Os artigos apontam a fragilidade, tensão e conflitos inerentes à função do gestor escolar,


preconizadas por regimentos, Leis e portarias. Ademais, a crítica que se faz é ao
reducionismo do papel do gestor que deveria focar ao pedagógico e a necessidade de uma
reorientação nas atribuições do gestor escolar, fornecendo condições favoráveis a
execução das tarefas.

De forma mais detalhada e aproximando o entendimento acerca das atividades do gestor, | 480
faz-se necessário buscar elementos para completa análise sobre as atribuições e
divergências deste profissional da educação. Segundo o Regimento Escolar da Secretária
Estadual de Educação do Estado da Bahia publicado em 2011, destaca-se abaixo alguns
pontos cruciais para compreensão sobre a complexidade do cargo:

Em seu art. 16, diz que “A direção é o órgão executivo responsável pela gestão da
unidade escolar, competindo-lhe atividades de caráter técnico-pedagógico,

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administrativo-financeiro, patrimonial, bem como de articulação com a família, com a
comunidade escolar e entorno da escola e com os poderes públicos locais”

Sobre o aspecto pedagógico, entre outras coisas: “fazer cumprir os dias letivos e horas
de aula estabelecida na legislação vigente; acompanhar e avaliar os planos, programas
e projetos voltados para o desenvolvimento do sistema e da rede de ensino e de escola,
em relação a aspectos pedagógicos, administrativos, financeiros, de pessoal e de
recursos materiais”.

Em relação ao cumprimento sobre os dias letivos, o gestor tem que gerenciar diversas
variáveis, tais como: greve dos professores, dos terceirizados e a violência, muitas vezes,
param suas atividades, consequência do “toque de recolher”, comunidades vulneráveis a
violência e ao tráfico de drogas e a ausência da Ronda Escolar. Com a relação à greve dos
professores são reivindicações sobre melhores condições de trabalho e remuneração. A
greve dos terceirizados, são salários atrasados por diversos meses, as atividades fins são
essenciais para a manutenção do ambiente: segurança, alimentação e limpeza. Existe,
também, um alto absenteísmo nas escolas, devido ao trabalho exaustivo dos professores
que em sua maioria precisa trabalhar em outras instituições para complementar a renda
familiar.

Os gestores e toda sua equipe passam por situações de risco, uma vez que a violência vem
ganhando destaque na fase juvenil oriunda de diversos fatores que dependem da realidade
social, psicológica e econômica e que tem como mola propulsora a injustiça social, o
| 481
racismo, desemprego e o desajuste familiar. O que favorece para o aumento da violência
é a insegurança também das ruas, a presença do trafico e consumo de drogas e ausência
do corpo efetivo da Ronda Escolar. Ambiente composto por eventos de violência dentro
e fora da escola que acaba impactando na rotina.

Como o diretor da escola pode trabalhar com afinco, se debruçar em ações planejadas,
com limitações orçamentárias e excesso de normas que impedem intervenções em prol
da melhoria de trabalho tanto dele quanto de sua equipe?

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O magistério é caracterizada, conforme o Decreto 53.831/64, no artigo 2º, como atividade
penosa, que afeta o organismo, com repercussões de ordem física e psicológica, em razão
da repetição de movimentos e pressões psicológicas ao trabalhador.

Uma grande contribuição que reforça a complexidade de gerir uma escola pública
confirma em muitos estudos realizados na Bahia, por meio de parceria entre o Sindicato
dos Professores da Rede Particular de Ensino, CONTEE, Universidade Estadual de Feira
de Santana (UEFS) e Universidade Federal da Bahia (UFBA), revelaram significativo
processo de desgaste físico e mental dos docentes (ARAÚJO et al., 2003; ARAÚJO &
CARVALHO, 2009).

As pesquisas revelaram a prevalência elevadas de queixas de saúde inerente a problemas


vocais, osteomusculares e de saúde mental, relacionados ao ambiente escolar e da
organização do trabalho. Neste contexto, como gerir o trabalho docente de forma decente?

Na literatura há maior ênfase em estudos sobre os processos de ensino-aprendizagem


focado sempre no aluno, sendo restrita a análise com foco nos professores, enquanto ainda
são ainda mais escassos estudos com os gestores devem estar em condições de trabalho
para que possa devolver a sociedade uma educação de qualidade.

O cenário mais frequente no âmbito escolar é o de professores adoecidos com demanda


psicológica e desgaste físico sem condições de trabalho, sobrecarregado e fatigado muitas
| 482
vezes na relação com os seus pares e alunos.

Retornando a questão da responsabilidade do gestor escolar, seu cargo tem aspectos de


caráter administrativo, conforme Regimento da Secretaria Estadual de Educação da
Bahia, em um dos itens, segue com maior destaque pela demanda de energias “gerenciar
o funcionamento da unidade escolar, responsabilizando-se pelo registro de informação
nos sistemas eletrônicos disponibilizados pela Secretaria da Educação, zelando pela

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eficiência, cumprimento das normas educacionais e pelo padrão de qualidade do
ensino”.

Partindo do pressuposto que o padrão de qualidade de ensino é altamente complexo e


distinto entre as regiões do país e que depende de recursos físicos, humanos e
patrimoniais, é um tanto quanto complicado atribuir essa responsabilidade para o gestor
e sua equipe. O caráter administrativo contemplam ações de matriculas de alunos,
definição de salas, quadro de horários e, que estes, dependem, do sistema utilizado e o
devido treinamento, condição física das salas de aula, disponibilidade de professores e
recurso para contratação, acesso a internet e rede telefônica. Nem sempre as escolas
públicas contam com condições para cumprir o caráter administrativo comum em
qualquer organização.

Sobre a estimulação dos projetos pedagógicos em laboratórios, bibliotecas e audiovisual


não é possível devido a condição exposta no parágrafo anterior e os professores acabam
anulando seus projetos e fomentando dentro do possível, ações que trabalhem com o
lúdico e gincanas como intervenção diferenciada. Logo, cumprir o caráter pedagógico
depende de variáveis que estão fora do controle do gestor escolar e do professor.

No que se refere ao caráter financeiro: “coordenar as atividades financeiras da unidade


escolar, na forma da legislação aplicável e orientações da Secretaria da Educação, sob
pena de responsabilidade; controlar os créditos orçamentários da unidade escolar
oriundos dos recursos federais ou estaduais e ao final do exercício financeiro, encerrar
| 483
a aplicação dos recursos recebidos, levantar os gastos, apurar o saldo existente em cada
conta e elaborar o processo de prestação de contas anual”

Acredita-se que é função do cotidiano escolar, altamente burocrático e não desafiante.


São funções executáveis, sem complexidade. O gestor precisa apenas controlar os
recursos utilizados para o fim administrativo, sob pena de paralisar estas atividades.

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Para quem nunca assumiu o cargo de gestão é um fator de desgaste na vida laboral, gerir
recurso limitado que não atende às necessidades da organização, chega ser perverso, uma
vez que influi nas condições básicas, ainda mais que toda redução de corte financeiro do
governo recai sempre na educação e na saúde.

Neste contexto, confirma-se então, a necessidade de formação densa para o gestor escolar.
Libâneo (2004), afirma ser essencial o desenvolvimento de estrutura adequada,
facilitadora de uma cultura favorável a mudanças e à participação, exigindo a busca de
um perfil de gestor escolar, com habilidades técnicas, humanas e conceituais. Um
profissional que também tenha clareza de suas atribuições enquanto gestor escolar, gestor
de pessoas e articulador social. Torna-se, então, uma condição sine qua non a formação
desses gestores, pois há uma gama de diversidade de saberes que não são compreendidas
apenas com a sua formação docente. Afirma Santos (2002, p.2):

“A maioria dos diretores de escola busca orientações e soluções para seus


problemas administrativos e técnicos com colegas mais experientes ou aguarda
“ordens” da Diretoria de Ensino, em vez de buscar soluções próprias, o que
exige maior conhecimento dos fatores envolvidos, capacidade de análise da
situação e discernimento, condições que não foram propriamente propiciados
em sua formação e tampouco no processo de capacitação posterior”.

Os cursos de formação para gestores acontecem geralmente na modalidade EAD,


divididos em módulos com temáticas que circulam os seguintes temas: As políticas
públicas, a escola e a gestão da educação; Gestão contemporânea da educação: marco
normativo e legal; planejamento na escola; os instrumentos de gestão da escola; o papel
do gestor escolar e avaliação na educação e na escola. | 484

Observa-se que as ações do gestor escolar devem ir além dos muros das escolas, isso de
fato, é essencial para a qualidade e manutenção do ambiente saudável pelos pais,
professores e alunos, tornando-se elementar a articulação com a família e sociedade, ainda
contido em suas responsabilidades e atribuições, segundo o mesmo Regimento, destaca-
se: articular e integrar a unidade escolar com a família e a comunidade; informar pai e
mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a

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frequência e rendimentos de estudantes, bem como sobre a execução do projeto político
pedagógico da unidade escolar.

É frequente a ausência de informação aos gestores sobre os instrumentos sociais, por isso,
agem de forma intuitiva sobre relações que envolvem relações sobre e da comunidade em
que estão inseridos, os gestores, atendem pais de alunos e alunos em situações de riscos
e acolhem utilizando a escuta individualizada e aconselhando dentro do possível. O gestor
neste momento não é um burocrata, se “transforma” em psicólogo ou assistente social e
sofre com a realidade local.

Na Bahia, a Secretaria de Educação do Estado de forma pioneira criou o Programa de


Atenção e Valorização dos Professores - PASVAP, idealizado e coordenado pela
professora Maria Regina Borges, planejando e articulando ações de promoção e
prevenção à saúde dos professores, como aporte a gestão escolar. Essas intervenções são
possíveis através de equipes multiprofissionais composta por fonoaudiólogo, psicólogo,
fisioterapeuta, assistente social e sociólogo e parcerias com a Universidade Federal da
Bahia e a Universidade Estadual de Feira de Santana. Uma das maiores dificuldades
apresentadas, são os recursos limitados e a estrutura engessada da Secretaria de Educação,
que não prevê a contratação definitiva dos profissionais da área da saúde para a prática
contínua nas escolas.

De certo, os programas sociais são abandonados frequentemente por interesses políticos.


Assim, quando há mudança dos cargos de chefia, é frequente as percepções distinta entre
| 485
gestores, e por sua vez, pode não atender a necessidade do público, e, como não há
prioridade, os recursos financeiros são destinados a depender da crença do novo gestor.
De forma grotesca, percebem-se ações mercadológicas para promover ações com grande
envolvimento de recursos financeiros que poderiam ser redirecionados para
operacionalização das escolas, que precisam de estrutura e manutenção para que funcione
de forma efetiva e também a formação continuada para gestores e professores.

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Outro fator relevante é a ausência de formação direcionada para a realidade comum
encontrada e para o alcance dos objetivos, mesmo sendo questionado o padrão da
qualidade pregada pela Secretaria de Educação. Conforme Nogueira e Bernades (2011.
p.169):

A formação profissional qualificada de gestores escolares deslocou-se, nas


últimas décadas, no Brasil, da formação em cursos de graduação em
pedagogia, nos quais era situada como habilitação específica precoce, para um
conjunto de exigências que agregam a formação pedagógica em geral à
experiência docente no “chão da escola” e não disponibilizam cursos de gestão
propriamente dita, noções de gerenciamento estratégico, ferramentas de
gestão, entre outros conhecimentos da área de gerenciamento que colaboraria
com a sua atuação.

Os treinamentos técnicos e burocráticos acontecem de forma regular, mas falta ainda


aprofundamento sobre ferramentas gerenciais com foco na esfera pública. O gestor
precisa ter condição laboral, desenvolvimento de habilidades necessárias e suporte para
problemas que sobreponha ao seu cargo.

De fato, é preciso rever as atribuições do gestor e fornecer condição conceitual, técnica e


humana para o labor, no sentido de fazer jus ao lema “educar para transformar” divulgado
de forma massiva nas mídias em todo o Estado da Bahia.

5. CONCLUSÃO

O ambiente escolar é dinâmico, plural e com muitas concepções de mundo distintos, | 486
arraigadas pela história, valores e cultura da comunidade que está inserida. É na escola e
com os professores que a criança começa a compreender o que ser ele é, deseja ser no
mundo e a conviver com as diferenças. Este ambiente não pode ser comparado com uma
empresa privada, com metas estabelecidas e indicadores precisos, pois demanda de
olhares reflexivos, pontuais e qualitativos sobre o ambiente educacional. É neste cenário
que entra o gestor escolar e seus pares, responsáveis pela qualidade educacional, nutrindo
os alunos de conhecimento e fomentando ações de transformação através da educação.
Indubitavelmente, não depende apenas da vontade e ideologia, existem variáveis

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incontroláveis, como o interesse político divergente, do olhar que o indivíduo tem de si e
dos outros, do papel e compromisso (significado e percepção do trabalho) que faz naquele
determinado ambiente. O Gestor Escolar é um profissional da Educação que muitas vezes
já atuou como professor e conhece exatamente o desafio diário do corpo docente e da
importância da relação com os seus pares. O relacionamento interpessoal é responsável
também pelo adoecimento psicofisiológico, acarretando o absenteísmo e o turnover
(rotatividade), consequentemente surgem desta situação dissabores nas relações do
professor-aluno e do professor-gestor, ocasionando sofrimento no labor. Evidentemente
que esta situação impacta na rotina da escola e no processo de ensino aprendizagem, como
efeito cascata.

As percepções acerca do trabalho do gestor escolar é a sensação de “tocar o barco pra


frente”, ou seja, viver mais um dia, como uma expressão de desanimo e que nada vai
mudar, pois é mero cumpridor de meta do governo. Será que é uma forma de lidar com o
estresse? Muitos acreditam que a educação transforma se contar com uma equipe sadia
no trabalho, o professor é o principal protagonista e este profissional de educação é o
trabalhador que exerce uma atividade penosa e constantemente é acometido de doenças
ocupacionais, também por condições desfavoráveis de trabalho. Como gerir o trabalho
docente decente?

Percebe-se nitidamente a complexidade e o acúmulo de tarefas para o gestor escolar e as


variáveis que interagem na dinâmica da escola. Outro fator que inquieta é a ausência das
ações que já constam regidos na política pública educacional e que não há controle e nem
| 487
participação social nas decisões. O fato é que o povo não exerce os seus direitos pela falta
de informação e pelo interesse do princípio hermético, como vimos anteriormente, é
essencial, que as informações não sejam acessadas pela classe desfavorável.

O fato é que a sociedade constantemente se transforma e as necessidades aumentam os


desajustes familiares por diversos motivos, acabam impactando no cotidiano escolar,
local este, que deve lidar com o coletivo de emoções, pensamentos e aspirações e
inspirações, distintas, ou seja, completamente plural. Neste sentido, é preciso focar nas

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formações dos gestores não como um simples burocrata, mas desenvolver habilidades
humanas, propor condições de trabalho favorável e menos estressante, para que este
trabalhador não adoeça e entre também no contexto dos doentes da educação, além de
fomentar ações de melhoria sobre a condição dos docentes, sem o professor, a escola não
tem o mínimo sentido.

Sem qualquer dúvida, o gestor é o principal articulador entre a escola e o Estado,


comunidade, corpo docente e discente, um verdadeiro maestro de uma grande e complexa
orquestra e que a efetividade não depende do representante do Estado, bem como sua
equipe e o exercício de liderança.

Nota-se um ambiente carregado de demandas psicológicas, complexo e dinâmico, onde


se concentram responsabilidades nas atribuições do cargo que na prática é completamente
contraditória pela própria condição de trabalho e realidade socioeconômica, cultural e
demográfica, que poderiam ser compreendidos e adaptáveis. Atribuir responsabilidade e
não fornecer condição de execução é sinônimo de vilipêndio, diminuir a capacidade do
homem ao trabalho, criar sentimento de impotência ao trabalhador, podendo levá-lo a
doenças incapacitantes.

A incivilidade é crescente entre os jovens no âmbito escolar e que demanda postura do


gestor e muita cautela devido a inúmeros elementos legais e expõe também a integridade
física do gestor. A incivilidade também é uma violência e se não houver regimento claro
e conciso pode levar a consequências piores e incalculáveis, por esta razão que a escola
| 488
deve dialogar com as famílias de modo que compactue a relação e estabeleçam vínculos
de confiança e respeito, outro desafio para o gestor.

A necessidade sentida, sem duvida, é que as escolas precisam do aporte de assistentes


sociais e psicólogos para atuação regular, garantindo apoio ao gestor, alunos e professores
com a intenção de reduzir a violência, o estresse ocupacional, garantindo um ambiente
saudável e produtivo.

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O artigo propõe a inúmeras reflexões e todas estão centradas na estrutura e a ausência de
políticas públicas que atendam e que contribuam para uma melhor condição de trabalho
para os profissionais de educação, que desempenham o papel de semeador que não espera
a colheita, mas que felicita com o resultado em que fez parte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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epidemiológicos. Educação & Sociedade, v. 30, p. 427-449, 2009.

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Doutorado em Educação (Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia
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LIMITES E POSSIBILIDADES NO PROCESSO DE
[RE]CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-
PEDAGÓGICO: INTERLOCUÇÕES ENTRE ESCOLA DE
EDUCAÇÃO INFANTIL E O CONSELHO MUNICIPAL DE
EDUCAÇÃO
Luciana Guilhermano da Silva (UFSM)
E-mail: guilhermanolu@hotmail.com
Marilene Gabriel Dalla Corte (UFSM)
E-mail: marilenedallacorte@gmail.com

Resumo: Essa produção referente ao Programa de Licenciatura - PROLICEN/2015 da


Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) está relacionada a pesquisas de um
Observatório de Educação (OBEDUC/CAPES), desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa
Elos – UFSM, e surgiu no sentido de perceber a dificuldade que as comunidades escolares
tem quanto a fundamentar, articular e organizar seus projetos político-pedagógicos
(PPPs) em conformidade com os preceitos teóricos e legais. Com o objetivo de promover
a reflexão teórico-prática acerca dos limites e das possibilidades evidentes no processo
de [re]construção dos PPPs das Escolas Municipais de Educação Infantil de Santa Maria
– RS, em sua interlocução com o Conselho Municipal de Educação (CME), esta pesquisa
foi desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa e metodologia participante, com
base na análise de documentos e na realização de entrevistas semiestruturadas com as
gestoras das escolas e assessora do CME. Diante dos limites e das possibilidades
evidenciadas, o conhecimento sobre aspectos teóricos e legais relacionados às políticas
públicas vigentes para a educação infantil, a parceria e a interdependência entre as
escolas, a Secretaria de Município da Educação e o CME apresentando-se como
imprescindíveis para o processo de construção e consecução do PPP e estão
oportunizando aprendizagens significativas para ambas as partes.

Palavras-chave: Projeto Político-pedagógico. Educação Infantil. Políticas Públicas.

1 INTRODUÇÃO
| 490
Essa produção do Programa de Licenciatura – PROLICEN da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) está relacionada a pesquisas de um Observatório de
Educação (OBEDUC) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), voltado para as “Interlocuções entre políticas públicas e ações pedagógicas:
limites e possibilidades”, o qual é desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Elos/CNPq da
UFSM.
O interesse em abordar este tema se refere, justamente, por percebermos a
dificuldade que as comunidades escolares tem quanto a fundamentar, articular e organizar

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seus projetos político-pedagógicos (PPPs) em conformidade com os preceitos teóricos e
legais promulgados e institucionalizados pelas políticas públicas para a educação básica.
Para tanto, nesta pesquisa, problematizamos sobre quais os conhecimentos e as
necessidades das equipes gestoras e demais integrantes das comunidades escolares das
Escolas Municipais de Educação Infantil de Santa Maria, quanto ao processo de
construção do projeto político-pedagógico, assim como, buscamos investigar como se dá
o processo de interlocução entre Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) e
Conselho Municipal de Educação (CME) para a construção do PPP.
Portanto, este estudo objetiva, de maneira geral, promover a reflexão teórico-
prática acerca dos limites e das possibilidades evidentes no processo de [re]construção
dos projetos político-pedagógicos das Escolas Municipais de Educação Infantil de Santa
Maria – RS, em sua interlocução com o Conselho Municipal de Educação.
Os aspectos metodológicos da pesquisa estão embasados em uma abordagem
qualitativa e metodologia participante que, segundo Thiollent (2000, p. 23) “[...] capacita
os atores, implicando-os na construção do projeto e no seu desenrolar. Com ela, procura-
se obter maior efetividade dos conhecimentos e soluções dos problemas detectados”.
Assim, o lócus de pesquisa esteve relacionado à representatividade das seguintes Escolas
Municipais de Educação Infantil do município de Santa Maria – RS: Centro de Educação
Infantil Casa da Criança, EMEI Darcy Vargas, EMEI Luizinho de Grandi, EMEI Núcleo
de Educação Infantil CAIC – “Luizinho de Grandi” e EMEI Vila Jardim. Também
participou o Conselho Municipal de Educação (CME).
Para a coleta de dados, realizamos uma pesquisa bibliográfica e análise
documental da legislação educacional municipal a partir das orientações emitidas pela
| 491
Resolução CMESM nº 29/2011 (SANTA MARIA, 2011a), que fixa as Normas para a
elaboração do projeto político-pedagógico e do regimento escolar no Sistema Municipal
de Santa Maria – RS. Lima (2004, p. 112) afirma que a análise documental é “[...] um
recurso metodológico indispensável quando desejamos explorar temas que recuperam
dimensões históricas da realidade”, portanto, aporte teórico indispensável para
analisarmos as realidades a que voltamos o olhar, para dar conta dos objetivos da
pesquisa. Também, para a coleta de dados, foram desenvolvidas entrevistas a partir de

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um instrumento elaborado e direcionado às gestoras das escolas alvo e do CME, em
conjunto com o diário de campo.
Assim, após a análise documental dos PPPs das escolas alvo foi realizada a análise
dos dados coletados em campo por meio das entrevistas, uma vez que, conforme Triviños
(2008), é necessária a interação dos materiais teóricos e empíricos, considerando que o
pesquisador não deve ficar restrito somente a análise de documentos. De posse das
informações coletadas, essas foram organizadas e tabuladas para melhor visualização e
compreensão qualitativa dos dados.

2 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: CONSTRUÇÃO E CONSECUÇÃO NO


CONTEXTO ESCOLAR
A escola precisa priorizar a [re]construção de seu projeto político-pedagógico
(PPP), tendo em vista que tal documento é o elemento norteador dos pressupostos,
princípios, prioridades, ações administrativas e pedagógicas escolares; necessário para
definir as metas que se pretende para o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças
que na escola são educadas e cuidadas.
Padilha (2003) observa que a [re]construção do PPP precisa acontecer
conjuntamente e colaborativamente, visto que este documento é decorrente de um
planejamento dialógico, alicerçado no movimento de ação-reflexão-ação, com o intuito
de estabelecer através da gestão democrática-participativa a alegria e a harmonia no
espaço educacional.
O PPP decorre de planejamento que tem o propósito de alcançar resultados, já às
ações pedagógicas e administrativas correspondem à busca de atingir os objetivos
propostos neste documento. Tais objetivos para serem alcançados efetivamente precisam | 492

priorizar alguns princípios, conforme a Resolução CNE/CEB nº 05/2009 que fixa as


Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil,

Art. 4º - As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar


que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de
direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia,
constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a
natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009).

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O projeto político-pedagógico quando discutido coletivamente torna-se um
instrumento unificador das atividades da escola, somando o interesse e o esforço coletivo
para sua execução. Este documento indica grandes expectativas e precisa retratar as ideias
e desejos da comunidade escolar em relação à escola, permitindo que a escola faça suas
escolhas para a educação de todos/as ao trazer os valores que orientam a ação educativa,
as ideologias e a discussão do contexto local, nacional e internacional (GADOTTI, 2000).
A discussão de um projeto permite à comunidade escolar construir coletivamente
perspectivas em relação a vida escolar. Tais perspectivas precisam ter embasamento nos
aspectos teóricos e legais relacionados às políticas públicas vigentes para a educação
infantil no Brasil. Dessa maneira, o projeto político-pedagógico, conforme as orientações
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, precisa estar intimamente
imbuído com sua função sociopolítica e pedagógica:

1. Oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos


civis, humanos e sociais;
2. Assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação
e cuidado das crianças com as famílias;
3. Possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças
quanto à ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas;
4. Promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de
diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às
possibilidades de vivência da infância;
5. Construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade
comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta
e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-
racial, de gênero, regional, linguística e religiosa. (BRASIL, 2010, p. 17).

A partir do PPP, a escola pode tornar-se para os/as profissionais do ensino, para
as crianças, os pais e/ou responsáveis, o prolongamento do projeto de vida de todos.
“Antes de educar, nós, educadores, nos perguntamos para que sociedade, para que país, | 493
para que mundo queremos educar. Essas são as perguntas principais que um projeto
pedagógico responde. Daí a sua dimensão essencialmente política” (GADOTTI, 2000, p.
03). Ou seja, não se constrói um projeto sem uma direção política, dessa maneira todo
projeto pedagógico da escola é também político.
O PPP da escola é sempre um processo inconcluso, em vista dos objetivos que
permanecem no âmbito escolar, e isso nos leva a compreender o significado das três
palavras que Gonçalves e Abdulmassh (2001) conceituaram: projeto – pois demanda
planejamento para que se possam atender as dimensões política e pedagógica que lhe são

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atribuídas; político – traduz pensamento e ação, exprime uma visão de mundo, de
sociedade, de educação que se deseja. Tomar decisões, fazer escolhas e executar ações,
são todos atos políticos; pedagógico – possibilidade de tornar reais os propósitos da
escola, orientando a ação educativa no cumprimento de suas decisões, que passam pela
formação do indivíduo participativo, comprometido, crítico e criativo.
Através das ações do coletivo, requer-se que no PPP se faça a previsão daquilo
que se deseja transformar, tanto nas concepções teóricas como práticas. Respaldando a
questão da participação coletiva na [re]construção do projeto político-pedagógico, tem-
se a LDBEN nº 9.394/96, em seu Art. 14, ao enfatizar que cabe aos sistemas de ensino a
definição das normas da gestão democrática do ensino público para a Educação Básica,
estabelecendo como um de seus princípios: “[...] I - participação dos profissionais da
educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das
comunidades escolares e local em conselhos escolares ou equivalentes” (BRASIL, 1996).
Além desses, amplia-se o contingente de envolvidos no processo de
[re]construção do PPP, uma vez que através da Mantenedora (Secretaria de Município da
Educação), do Conselho Municipal de Educação, Órgãos Colegiados (Conselhos
Escolares, Associações de Pais e Mestres, Agremiações de Estudantes), entre outros,
poderão estar contribuindo e emitindo opiniões para a consolidação desse documento.
Portanto, o projeto político-pedagógico está inserido em cenários demarcados pela
diversidade, não existem duas escolas iguais, por isso não existe um padrão único que
oriente a escolha do projeto das escolas. A atenção aos princípios de gestão democrática
na escola (autonomia, participação, coletividade, transparência, equidade, entre outros)
são requisitos mínimos para que o PPP se concretize um elemento norteador das práticas
| 494
escolares compartilhadas e participativas.

3 DADOS E ANÁLISES DO CONTEXTO TEÓRICO-PRÁTICO DA PESQUISA


No trabalho de campo, realizado por meio da análise de documentos (PPPs das
cinco escolas e legislação municipal) identificamos de maneira geral, os elementos que
precisam constituir o PPP, com base na Resolução CMESM nº 29/2011. De maneira
geral, as instituições pesquisadas contemplam em seus PPPs os principais elementos que
constituem a Resolução CMESM N° 29/2011, quais sejam: Contexto das escolas - estão
inseridas em comunidades com situação socioeconômica, na sua maioria de baixo poder

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aquisitivo, contemplando também famílias de melhor situação econômica. Filosofia das
escolas - alicerçada no “cuidar e educar” as crianças são vistas como sujeitos críticos e
autônomos, considerando a singularidade das mesmas e o respeito as diferenças
individuais, as virtudes morais e a compreensão dos limites como indispensáveis ao
convívio social. Prioridades das escolas - interação social com o adulto, com as outras
crianças e com o ambiente; respeito ao tempo de cada uma; a importância do brincar,
visto que, na ludicidade a criança aprende, imagina, cria, recria e elabora conceitos.
Objetivos das escolas - desenvolver as diferentes linguagens (verbal, gráfica, plástica,
corporal, entre outras); estabelecer vínculos afetivos; incentivar a criatividade e o respeito
da criança frente às diversidades, a autonomia e a cidadania (tendo noção de seus direitos
e deveres na sociedade). Concepção de gestão escolar - gestão que possibilite a
descentralização, a participação, à transparência, instituindo a democracia nos processos
educacionais. Concepção de currículo - fundamentados no planejamento das atividades,
pois torna a prática significativa para as crianças, tendo a finalidade de criar/adaptar
situações que possibilitem a expressão das diferentes linguagens, agregando temas
transversais interligados à realidade da sociedade; as áreas do conhecimento infantil são
organizadas por habilidades a serem desenvolvidas em cada um dos níveis. Formação
continuada - é incentivada pelas escolas por meio de aperfeiçoamento periódico em
palestras, seminários, cursos e encontros entre educadores/as tanto promovidos pelas
escolas quanto pela mantenedora e outras instituições. Concepção de avaliação - ocorrem
por meio de relatórios de observações, em face aos conteúdos desenvolvidos em cada
uma das etapas da Educação Infantil e é realizado mediante acompanhamento e registro
diário do desenvolvimento da criança. Avaliação institucional - realizada através da
| 495
discussão entre a comunidade nas reuniões gerais e pedagógicas; do acompanhamento
dos trabalhos em aula e na troca de experiências. Referências bibliográficas - referências
pertinentes a fundamentação de um PPP para a educação infantil, porém nem todas as
escolas priorizam fundamentar ou citar as fontes utilizadas.
Nas entrevistas semiestruturadas priorizamos recolher informações junto aos
sujeitos pesquisados (gestoras das escolas e assessora do Conselho Municipal de
Educação), a partir de questões abertas e semiabertas, com a finalidade de reconhecer os

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encaminhamentos realizados, os limites e as possibilidades quanto ao processo de
[re]construção do PPP das EMEIs de Santa Maria – RS.
Conforme a análise dos dados construídos nas entrevistas, a participação e a
representatividade dos segmentos envolvidos no processo de [re]construção do PPP se
mostrou como um ponto forte:

Gráfico 1 – Participação dos segmentos envolvidos no processo de [re]construção dos


PPPs

100%
80%
60%
40%
20%
80% 20%
0% 0 0

Não participativo
Participativo em parte
Participativo
Fonte: Entrevista Prolicen 2014

Gráfico 2 – Segmentos envolvidos no processo de [re]construção dos PPPs

100% 100% 100%


100%
80%
60%
40%
40%
20%
0%

Professores/as
Funcionários/as | 496
Pais e/ou responsáveis
Crianças

Fonte: Entrevista Prolicen 2014

De acordo com os gráficos acima, 80% das gestoras afirmaram que o processo foi
participativo, somente uma das gestoras salientou que existem dificuldades quanto aos
pais e/ou responsáveis compareceram na escola para participar desse processo. Na
entrevista cabe indicar que 40% das gestoras sinalizaram que as crianças também

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participam da construção do PPP. Uma delas, inclusive, informou que “é organizado um
projeto intitulado de ‘Conversando com a Dire’ realizado duas vezes ao ano, com duas
perguntas lúdicas a respeito de sugestões para a melhoria da escola.” (Gestora EMEI Casa
da Criança). Algo importante, pois a criança sendo o centro do planejamento curricular,
sujeito histórico dotado de direitos pode colaborar nesse processo, no entanto essa
clientela demanda de maneiras lúdicas para poder contribuir com o PPP da escola.
Segundo Gadotti (2000, p. 05) a escola atualmente encontra-se em uma crise
paradigmática na qual

[...] ela se pergunta sobre si mesma, sobre seu papel como instituição numa
sociedade pós-moderna e pós-industrial, caracterizada pela globalização da
economia e das comunicações, pela informatização da sociedade, pelo
pluralismo político, pela emergência do poder local. Nessa sociedade cresce a
reivindicação pela autonomia contra toda forma de uniformização; cresce o
desejo de afirmação da singularidade de cada região, de cada língua etc. A
multiculturalidade é a marca mais significativa do nosso tempo.

E é nesse contexto de multiculturalidade e reivindicação pela autonomia, que o


PPP torna-se significativo, justamente porque é o plano diretor personalizado da escola –
resultante de fundamentos, prioridades, objetivos, metas e procedimentos.
Diante dessas exigências e da atualização das políticas públicas todas as escolas
afirmaram que estudos, reuniões e encontros para definir os pressupostos, prioridades e
metas da escola aconteceram, no entanto, dificuldades foram evidenciadas:

Gráfico 3 – Dificuldades no processo de [re]construção do PPP

| 497

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Fonte: Entrevista Prolicen 2014

Conforme o gráfico, as dificuldades que mais se destacam se referem a


disponibilidade de horário para reunir a comunidade escolar e o tempo para escrever e
revisar o PPP. Observou-se que as escolas estão se empenhando para tornar esse processo
o mais participativo, no entanto, nem sempre os pais e/ou responsáveis podem se fazer
presentes nas reuniões. Entretanto, se sabe que esses trabalham no horário que tais
reuniões acontecem, o que, talvez, seja um fator relacionado a ausência deles na escola.
Segundo Libâneo (2004) a presença dos pais e/ou responsáveis, as entidades e
organizações paralelas à escola tem várias implicações, visto que alguns participam do
Conselho de Escola, da Associação de Pais e Mestres, no âmbito da sociedade civil –
organizações de bairro, movimento de mulheres, de minoria étnica e culturais -, para
elaborar o PPP e, além disso, esses são responsáveis para acompanhar e avaliar a
qualidade dos serviços prestados na escola ao fiscalizar a execução da política
educacional naquele espaço.

Gráfico 4 – Desafios no processo de [re]construção do PPP

| 498
Fonte: Entrevista Prolicen 2014

Como principais desafios foram sinalizados o tempo escolar por 80% das gestoras
e a participação da comunidade escolar em 60%. Sabemos que a mobilização da
comunidade é importante para se alcançar os objetivos, sendo preciso estruturar
estratégias para que o tempo escolar seja organizado e produtivo, visto que momentos de
planejamentos e reuniões existem, mas nem sempre esse horário é bem aproveitado pela
comunidade escolar.

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Aproveitar o tempo demanda visão estratégica para articular o planejamento,
organização e pautas para que todos/as possam pensar sobre as necessidades e
prioridades, bem como ações administrativo-pedagógicas no âmbito escolar. Essa
organização passa pela supervisão e responsabilidade do/a diretor/a e da equipe escolar,
que elaboram o PPP, e através do diálogo com a comunidade escolar decidem e aprovam
este documento orientador. Dessa forma, o/a diretor/a coordena, mobiliza e lidera as
responsabilidades pertinentes para cada membro da equipe, presta contas e avalia o
desenvolvimento das decisões tomadas (LIBÂNEO, 2004).
Com a melhoria da gestão do tempo, as dificuldades citadas no gráfico 3 como
disponibilidade de tempo para escrever ou revisar o PPP a partir de orientações da SMED
e/ou CME elencado por 60% das gestoras, conhecimento sobre aspectos legais e
normatizadores relacionados às políticas públicas elencado por 40% e aprofundar
estudos, discussões e fundamentação do PPP sinalizado por 20% das pesquisadas,
poderão ser sanadas nas escolas.

Nesse princípio estão presentes a exigência da participação de professores,


pais, alunos, funcionários e outros representantes da comunidade, bem como a
forma de viabilização dessa participação: a interação comunicativa, a busca do
consenso em pautas básicas, o diálogo intersubjetivo. Por outro lado, a
participação implica os processos de gestão, os modos de fazer, a coordenação
e a cobrança dos trabalhos e, decididamente, o cumprimento de
responsabilidades compartilhas conforme uma mínima divisão de tarefa e alto
grau de profissionalismo de todos. (LIBÂNEO, 2004, p. 143).

É evidente que a concepção de gestão nas escolas subsidia-se na perspectiva da


gestão democrático-participativa, tendo em vista que todas as pesquisadas destacaram
como contribuições do processo de [re]construção do PPP nas escolas a melhoria na
compreensão das políticas públicas vigentes para a educação infantil, novas práticas | 499

político-pedagógicas na escola incluindo a gestão da sala de aula e o planejamento


participativo.
Outras contribuições foram mencionadas por 80% das gestoras, como sendo
novos conhecimentos acerca da educação infantil, a integração escola e comunidade, a
descentralização do poder e a autonomia. A autonomia das escolas e da comunidade
educativa são um dos princípios básicos que justificam a concepção de gestão
democrático-participativa adotada pelas escolas.

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Uma gestora não considerou essas ações, pois uma das dificuldades na escola é
disponibilizar horários para reunir os/as professores/as da escola e os demais integrantes
da comunidade escolar, sendo que quando há a participação da comunidade escolar
muitos não opinam, ficando difícil de compreender as necessidades e possíveis dúvidas
quanto ao PPP e ao trabalho da escola. Essas eventualidades acontecem em algumas
escolas, pois nem todos da comunidade escolar conhecem e compreendem que o PPP é
um documento norteador das práticas educativas da escola, assim acabam não expondo
suas ideias. Outros fatores podem ser pontuados: a rotatividade dos/as professores/as na
escola; a falta de professores/as para rotatividade de horários nos momentos de encontros
e reuniões; a necessidade de postura flexível nas práticas político-pedagógicas por parte
de alguns gestores/professores e algumas gestoras/professoras.
No entanto, o PPP tem relação direta com a organização da ação educativa pelo/a
professor/a visto que este, segundo a da Resolução CMESM nº 30/2011, a qual Define
Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil no Sistema Municipal de Ensino de Santa
Maria – RS, no Art. 27 precisa ter “[...] a consciência e o compromisso pedagógico com
a concepção de educação e os pressupostos expressos no projeto político-pedagógico da
escola” (SANTA MARIA, 2011b), dessa forma, o PPP precisa ser um documento de livre
acesso da comunidade escolar.
Com relação à interlocução com a SMED, 40% das gestoras afirmaram que
ocorreram orientações e assessoramento, 40% responderam “em parte” e uma gestora
respondeu “não”. As gestoras que mencionaram “em parte” sinalizaram que receberam
informações e orientações da SMED quanto ao processo de [re]construção do PPP,
respondendo que as informações/orientações mais relevantes foram trabalhar em
| 500
consonância com a Legislação atual e com relação aos itens necessários nessa
[re]construção. Como dificuldade nesse processo as mesmas responderam:
disponibilidade de horário e tempo para os estudos e os planejamentos; e autonomia
relativa há alguns tópicos, como por exemplo, a inclusão.
Cabe explicar que na Resolução CMESM nº 29/2011, a qual descreve os
elementos que precisam constituir o PPP, estão explicitados os elementos que precisam
ser contemplados na escrita desse documento, possibilitando que os/as envolvidos/as no
processo de [re]construção do PPP acrescentem os tópicos que acreditam ser pertinentes

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para a sua realidade local. A gestora que respondeu “não” afirmou que a SMED não
orientou, pois quem orienta e aprova é o CME, porém esta legislação municipal assim
como as demais de âmbito nacional estão amplamente disponíveis aos gestores escolares.
Nesse sentido, é visível que a Secretaria de Município da Educação orienta e assessora as
escolas, informando e orientando as gestoras sobre as informações pertinentes nesse
processo, o que condiz com sua função de articulação desse processo, no entanto nem
todas as escolas compreendem e reconhecem suas ações, visto que constatamos pelas
falas da maioria das pesquisadas que tanto a SMED como o CME estão presentes e
proativas nesse processo.
Quanto ao processo de interlocução entre escolas e Conselho Municipal de
Educação 80% das gestoras pontuaram que houve orientações e assessoramento, e as
informações relevantes estiveram voltadas para a importância de seguir as orientações da
Resolução CMESM nº 29/2011 para a organização do calendário escolar, dos dias letivos
e do regimento escolar, sendo imprescindível que houvesse coerência com o contexto em
que a escola estava inserida. Além disso, ficou pontual que o CME salientava a
importância dos/as gestores/as conhecerem as normativas e as leis vigentes no período de
[re]construção do PPP, assim como organizava reuniões e encontros para discussão do
PPP.
Uma gestora sinalizou que a escola não recebeu informações do Conselho
Municipal de Educação, pois o mesmo, somente ouvia a escola após avaliar o PPP,
apontando o que faltava, sem discussão. No entanto, durante a entrevista com a Assessora
do CME ficou pontual que quem orienta e assessora as escolas através de memorandos
circulares e documentos anexos, bem como em reuniões/encontros periódicos com
| 501
orientações e prazos a serem seguidos é a SMED; já o CME analisa o documento e orienta
as escolas sobre os ajustes necessários considerando as normativas legais vigentes e
pertinentes. Também, ficou pontual no diálogo com a referida Assessora que o CME se
sentiu desafiado, pois precisou contribuir para a [re]organização teórica, metodológica,
filosófica e curricular das escolas da Rede Municipal de Santa Maria, já que algumas
equipes gestoras (coordenador/a pedagógico, diretor/a e vice-diretor/a) apresentaram
dificuldades em entender o processo de implementação das políticas públicas
educacionais, o que desencadeou muitas dificuldades na interpretação da legislação

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macro e micro educacional e na produção do texto dos PPPs das respectivas escolas. O
não atendimento aos prazos, previamente pactuados entre escolas, Secretaria de
Município da Educação e Conselho Municipal de Educação, também foi um fator
delimitador no processo de análise e orientações às escolas.
Constatamos que o CME agendava com as escolas um momento para analisar o
documento, no entanto a demora das escolas em entregar o documento final comprometia
o andamento das atividades, dificultando o retorno dos PPPs para as escolas, sendo que,
segundo a Assessora do Conselho Municipal de Educação, era necessário atender 22
escolas da Educação Infantil e 53 escolas de Ensino Fundamental. Tendo em vista a
atualização da Resolução CMESM nº 29/2011,

[...] a entrega da primeira versão dos PPPs foi agendada para 2012, com entrega
da segunda versão para dezembro de 2012. Os ajustes pelas escolas
aconteceram de janeiro 2013 a junho de 2014, sendo que em dezembro de 2014
das 22 escolas da Educação Infantil, oito estavam com os PPPs pendentes”.
(Assessora CMESM).

As principais dificuldades evidenciadas nesse processo segundo o CME foram:


comprometimento de algumas escolas quanto aos prazos de entrega; escassez quanto aos
recursos humanos; recursos tecnológicos falhos (problemas com e-mails, falta de internet,
computadores defasados, perdas de documentos digitais, entre outros); flexibilidade da
gestão escolar; adaptação do PPP antigo e pouco conhecimento acerca da legislação
educacional nacional e municipal. A Assessora do CME destaca que o processo de
[re]construção do PPP contribuiu para a aproximação e parceria entre escola, Secretaria
de Município da Educação e Conselho Municipal de Educação oportunizando
| 502
aprendizagem para ambas as partes, assim como conhecimento por parte das escolas
quanto as funções a atividades que a mantenedora e o Conselho realizam cotidianamente
e que são parceiros nos processos de gestão educacional e escolar.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados desse projeto possibilitaram a reflexão teórico-prática, em especial
sob o enfoque crítico-reflexivo acerca dos limites e as possibilidades presentes quanto a
importância e abrangência do projeto político-pedagógico para a cultura organizacional
da escola e sua relação com o Conselho Municipal de Educação e a Secretaria de

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Munícipio da Educação para a qualidade efetiva no processo de sua [re]construção e
consecução no contexto da gestão educacional e escolar.
Foram evidenciados tanto como limite, como possibilidade, a importância e a
necessidade das EMEIs, a SMED e o CME investirem em estratégias de [re]articulação
dos tempos e espaços que possibilitem e ampliem o diálogo e a participação nos processos
de gestão democrático-participativa, repercutindo no planejamento participativo e,
portanto, no desdobramento das decisões coletivas e comprometidas nas comunidades
escolares.
A problemática da gestão do tempo escolar para horas-atividade que envolvem
estudos, reuniões e planejamento conjunto é evidente nos contextos pesquisados, o que
requer que tal situação seja [re]pensada na conjuntura das escolas e mantenedora, com a
participação do CME como órgão colegiado, representativo e deliberativo de questões
educacionais no município; que tal decisão venha integrar o texto do plano de carreira
dos/as docentes que precisa ser revisado e atualizado desde o advento da Lei do Piso
Nacional. Nesse sentido, o Conselho Municipal de Educação poderá fortalecer os
processos de gestão educacional no que diz respeito ao apoio e proposição de novas
normativas e/ou [re]definição de legislação vigente. Tais iniciativas poderão repercutir na
melhoria das práticas político-pedagógicas, na formação e na participação dos
profissionais da educação nos processos de gestão escolar.
Como possibilidade para o processo de [re]construção do PPP destaca-se o
esforço das escolas na melhoria da gestão e da cultura organizacional, sendo evidente
uma mudança na gestão da sala de aula e no planejamento participativo. Para isso, é
imprescindível o conhecimento sobre aspectos legais e normatizadores relativos às
| 503
políticas públicas para a Educação Infantil por meio de reuniões e encontros para definir
com a comunidade escolar os pressupostos, prioridades, metas e ações político-
pedagógicas da escola, destacando-se nesse processo a construção de relações sociais
mais humanas e a valorização do trabalho coletivo e participativo que a legislação
nacional e municipal prevê.
Contudo, a escola precisa priorizar a [re]construção do PPP como um processo
contínuo e [re]articulador do cotidiano das práticas educativas, visto que esse documento
é um elemento que orienta os princípios e ações político-pedagógicas, que segundo as

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pesquisadas embasa-se na concepção democrático-participativa a qual possibilita o
desdobramento de novas decisões e o replanejamento do trabalho escolar envolvendo
toda comunidade. O projeto político-pedagógico se resume como organização e
articulação do trabalho escolar e é fundamental analisar e compreender essa conjuntura
no sentido de reduzir os efeitos da divisão do trabalho, de sua fragmentação e do controle
hierárquico presentes na concepção técnico-científica que se quer transcender nos
contextos escolares.

REFERÊNCIAS

BRASIL. LDBEN. Lei n. 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.


Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 de março 2013.

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em: 14 jul. 2015.

GONÇALVES, Glaúcia S. de Q.; ABDULMASSIH, Marília B. F. O projeto político:


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2001. Disponível em:
<http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-
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jun. 2013.

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Editora Alternativa, 2004.

LIMA, M. C. Monografia: a engenharia da produção acadêmica. São Paulo: Saraiva,


2004.

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aprendente. Revista Pátio, Ano VII, n. 25, p.12-15, fev./abr. 2003.

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SANTA MARIA. Resolução CMESM nº 29/2011. Normas para a elaboração do
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de Santa Maria. Santa Maria: Conselho Municipal de Educação, 2011a.

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a Educação Infantil no Sistema Municipal de Ensino de Santa Maria – RS. Santa
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TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a


pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2008.

| 505

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A ONTOLOGIA DO TRABALHO HUMANO E A
CONSTELAÇÃO DE SABERES DOCENTES NA EDUCAÇÃO
DOS TRABALHADORES
André Luiz de Oliveira Fagundes (PPGE/UFSM)
andrelive@bol.com.br

Resumo: O presente texto tem por compromisso central chamar a atenção para a
dimensão ontológica do trabalho na configuração da existencialidade humana, e, a seguir,
demonstrar como se manifesta a reversão dessa especificidade da sua natureza pelas
formas modernas de alienação e precarização das condições laborativas. Paralelamente a
esse compromisso, a ideia é destacar que a recomposição do trabalho em bases mais
dignamente humanas não se faz, nas condições globais do capitalismo contemporâneo,
sem uma Pedagogia da classe trabalhadora. E essa questão fica remetida a constituição
de novos saberes docentes formados no seio das necessidades formativas dos
trabalhadores.
Palavras-chave: ontologia; trabalho; educação dos trabalhadores

Notas introdutórias
O presente texto tem por compromisso central chamar a atenção para a dimensão
ontológica do trabalho na configuração da existencialidade humana, e, a seguir,
demonstrar como se manifesta a reversão dessa especificidade da sua natureza pelas
formas modernas de alienação e precarização das condições laborativas. Paralelamente a
esse compromisso, a ideia é destacar que a recomposição do trabalho em bases mais
dignamente humanas não se faz, nas condições globais do capitalismo contemporâneo,
sem uma Pedagogia da classe trabalhadora. E essa questão fica remetida a constituição
de novos saberes docentes formados no seio das necessidades formativas dos
trabalhadores. Nesse sentido, o texto em questão se dirige especialmente para os
professores que trabalham na educação profissional e na educação de jovens e adultos. A | 506
justificativa desse estudo está amparada na convicção de que a educação daqueles que
vivem do trabalho, requer a corporificação de novos saberes da docência (de cunho ético-
político) situados nas características peculiares dessa modalidade de ensino, seja no
campo formal ou informal.

Assim sendo, o texto se divide em três momentos e se ampara metodologicamente


na dialética marxiana, procurando revelar as contradições e implicações concretas que o
conceito assume numa dada realidade ao longo do seu desenvolvimento histórico.
Primeiramente, apoiado nos estudos de Engels e Marx destaca a imprescindibilidade do

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trabalho, na sua vertente ontológica, para a constituição bio-corpórea e histórico cultural
do humano no processo evolutivo da humanidade, que transformou o macaco em homem.
No segundo momento, ainda amparado nos autores citados anteriormente, demonstra em
que medida as formas e os processos evolutivos do trabalho, especialmente pelo domínio
da tecnologia, levaram a sua transformação em algoz e não em realização humana. Na
sequência, ancorado em Roberte Castel (1997), faz considerações que vão das conquistas
de direitos trabalhistas dentro da criação do Estado de bem estar social até a sua derrocada
com a crise estrutural do emprego na sociedade hodierna. No último momento, tomando
emprestado a expressão “Pedagogia da classe trabalhadora” de Peter Maclaren e a
referência teórica dos estudos de Paulo Freire (2201), Kincheloe (1999), Peter Maclaren
& Ramin Farahmandpur (2002) – pela filiação comum que eles possuem na matriz teórica
marxiana – é composta a parte propositiva do estudo através da proposta da construção
de uma constelação de saberes docentes necessários a prática educativa com os
trabalhadores, sem a qual acreditamos não ser possível a consolidação de uma Pedagogia
da classe trabalhadora.
A dimensão ontológica do trabalho na configuração da existencialidade humana

A criatura humana, evidentemente, não chegou à Terra nas dimensões intelectivas


e fisiológicas atuais, e isso não é uma assertiva em defesa de uma espécie de
evolucionismo darwiniano. Antes, é a necessidade de destacar a ação tipicamente humana
que transformou o “macaco em homem”, tanto em termos fisio-neurais quanto culturais.
O trabalho desde sua matriz mais primitiva foi o que sempre constituiu os homens em
contraponto à natureza. Enquanto as outras espécie de animais estão plasmados nela e
determinados pela sua onipotência, os homens por agirem concretamente sobre ela | 507
criaram um outro mundo, não mais natural, mas cultural. Este mundo é decorrência direta
da ação do trabalho, do fazer humano. Quando pela primeira vez no globo terrestre um
primata pegou uma lasca de pedra e viu naquilo mais do que uma simples rocha e
percebeu que já não era mais apenas um pedaço de pedra, mas um instrumento seu, o qual
poderia servir tanto para caçar ou friccionar no mesmo material para produzir fogo,
quanto para cortar galhos, ele descobre a ferramenta, o uso cultural dos objetos que mais
eficazmente lhe assegurariam a sobrevivência. Então, fora mais ou menos assim que os

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homens, aos poucos, se “descolaram” da natureza e puderam se colocar diante dela com
mais independência. Graças ao trabalho!

Antes da primeira lasca de sílex ter sido transformada em machado pela


mão do homem, deve ter sido transcorrido um período de tempo tão
largo que, em comparação com ele, o período histórico por nós
conhecido torna-se insignificante. Mas já havia sido dado o passo
decisivo: a mão era livre e podia agora adquirir cada vez mais destreza
e habilidade; e essa maior flexibilidade adquirida transmitia-se por
herança e aumentava de geração em geração. Vemos, pois que a mão
não é órgão do trabalho; é produto dele (ENGELS, 2013 p.15).
Essa ingerência do trabalho na anatomia corpórea do homem também se deu até
mesmo na criação da linguagem humana. De acordo com Engels (2013) fora na atividade
social em manada, através de trabalho cuja ajuda mútua era uma exigência, que nasceu a
necessidade de dizer algo uns aos outros. Foi justamente essa necessidade a criadora da
laringe, órgão pouco desenvolvido nos macacos e que foi se modificando lentamente,
através de modulações até atingir o som articulado. Daí também a linguagem ter, segundo
esse raciocínio, a sua gênese no trabalho.“Primeiro o trabalho e, depois dele e com ele, a
palavra articulada foram os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do
macaco foi se transformando gradualmente em cérebro humano ENGELS, 2013, p. 18).
Há indiscutivelmente aí a força propulsora do trabalho como fonte de cultura que modela
a biologia humana. Isto é:

A acumulação da cultura já estava em movimento antes do


desenvolvimento do cérebro. Ela mesma representou, na formação dos
últimos estágios do desenvolvimento cerebral, um papel ativo. O
desenvolver de instrumentos representava um prêmio para a habilidade
e a previsão. Isso agiu sobre a seleção e favoreceu o rápido crescimento
do cérebro. Desenvolvimento cultural e biológico, portanto marcharam
paralelos. Para nossa instrumentação espiritual, a cultura já era um | 508
ingrediente. Já existia uma relação criativa recíproca entre o somático e
o processo extra-somático (STEIN 2009, p.48).
A produção cultural como marca exclusivamente humana é o corolário concreto
do trabalho. Assim desde sempre ela esteve um passo à diante do desenvolvimento
encéfalo-neural, sendo inclusive parte determinante de sua força motriz, num movimento
que vale dizer: de ordem dialética na relação entre o somático e o extra-somático. A
cultura é produto do trabalho e ao mesmo tempo é também expressão da ação do modo
pelo qual ele se realiza em diferentes aspectos. Nesses termos, o trabalho constitui a
mediação homem-natureza, perfazendo-o ontológicamente na sua ação sobre o mundo. É

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o trabalho por essa razão que define o constituir-se humano. Com efeito, se alastra pelo
mundo natural as marcas humanas do trabalho. A existencialidade humana se realiza
quando se liberta da natureza pela força do trabalho. Ele emancipa o homem que tem
agora o desafio de construir um mundo que não é dado pela natureza, mas sobretudo pela
sua própria capacidade criadora e transformativa. Daí que:

Quando o homem se separa definitivamente do macaco, esse


desenvolvimento não cessa de modo algum, mas continua, em grau
diverso e em diferentes épocas, interrompido mesmo às vezes por
retrocessos de caráter local ou temporário, mas avançando em seu
conjunto a grandes passos, consideravelmente impulsionado e, por sua
vez, orientado em um determinado sentido por um novo elemento que
surge com o aparecimento do homem acabado: a sociedade (ENGELS,
2013, p.19).
O trabalho foi o elemento distintivo substancial que criou a fronteira entre a
manada de macacos e o aparecimento da sociedade humana. Ele não é somente fonte de
subsistência para a vida biológica, paralelamente, é também manancial de artefatos
culturais e simbólicos. Por meio da ação laborativa não se cumpre somente a função de
saciar a necessidade nutritiva para energia biológica do organismo, ao lado disso é
cumprido a função de saciar uma necessidade de transcendência, no sentido de lançar o
homem para frente e além de si mesmo. Aqui reside uma importante categoria para a
compreensão do trabalho como ação que não cessa de prover ao homem cada vez mais
desenvolvimento, portanto precisa ser concebido como elemento de libertação.

Ninguém conseguiu elucidar de modo mais simples e direto o processo de


objetivização da subjetividade humana na materialidade do produto do trabalho como,
magistralmente, Karl Marx fez em O capital ao expor a categoria da práxis humana
| 509
através da ilustração comparativa entre o produto da tarefa da abelha com o produto da
tarefa do mestre de obras. Dizia ele que a abelha envergonharia pela construção da sua
colméia mais de um mestre de obras, contudo, o pior dos mestres de obras supera a melhor
das abelhas na tarefa de construção, pelo fato de que antes de construir ele projeta na
mente o produto da sua ação. Eis o sentido crucial da definição do ser do homem pelo
trabalho. Enquanto no mundo animal a tarefa é uma determinação natural da espécie, no
mundo humano a tarefa realizada pelo trabalho é a criação do homem pelo próprio
homem, através do seu ímpeto de ir mais além daquilo que é possibilitado pelas condições

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do presente. Portanto, essa dimensão ontológica do trabalho na configuração da
existencialidade humana é exatamente aquilo que liberta e emancipa os humanos.

As formas evolutivas do trabalho como algoz do homem e suas implicações histórico


sociais
Em termos etimológicos o vocábulo trabalho tem sua origem no substantivo latino
Tripalium, instrumento de tortura formado por três paus cravados no chão. Na Bíblia,
aparece a condenação de Adão e Eva, o primeiro ao “trabalho com suor no rosto” e a
segunda ao “trabalho de parto”. Isso contribuiu para que o verbo trabalhar entrasse para
o imaginário como algo doloroso, penoso e cruel. Contudo, essas acepções a respeito do
trabalho se devem principalmente pelo modo que, em seu processo evolutivo, as formas
de trabalho deixaram de significar emancipação para denotar dominação. Isso se deu num
ritmo paulatino em que a mente que projeta o trabalho já conseguiria colocar mãos alheias
para realizar as tarefas da produção. Trata-se uma modificação processualmente lenta até
o momento da sua incipiente consolidação nos primeiros estágios da civilização, mas
intensificada sobretudo na formação das primeiras cidades, na linha de desenvolvimento
que se estende do trabalho primitivo, passando pelas formas servil e escrava até o trabalho
assalariado. Na extensão dessa problemática o estudo de Engels (2013) demonstra que:

À caça e a pesca veio juntar-se a agricultura e, mais tarde, a fiação e


a tecelagem, a elaboração de metais, a olaria e a navegação. Ao lado
do comércio e dos ofícios apareceram, finalmente, as artes e as
ciências; das tribos saíram as nações e os Estados. Apareceram o
direito e a política e, com eles, o reflexo fantástico das coisas no
cérebro do homem: a religião. Frente a todas essas criações, que se
manifestavam em primeiro lugar como produtos do cérebro e
pareciam dominar as sociedades humanas, as produções mais
modestas, fruto do trabalho da mão, ficaram relegadas a segundo | 510
plano, tanto mais quanto, numa fase muito recuada do
desenvolvimento da sociedade (por exemplo, já na família
primitiva), a cabeça que planejava o trabalho já era capaz de obrigar
mãos alheias a realizar o trabalho projetado por ela. O rápido
progresso da civilização foi atribuído exclusivamente à cabeça, ao
desenvolvimento e à atividade do cérebro (p.23).
A atividade pensante constituiu o ponto sob o qual assentava-se o impulso para a
posterior divisão do trabalho. Ao projetar a mecanização da produção foi dado o passo
determinante na história da sociedade moderna para o nascimento do excedente
produtivo, cuja maior conseqüência foi desalojar os artesões, e as formas de trabalho

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comunal organizadas em família, para a inserção nos primeiros barracões de trabalho
mecanizado na Europa do século XVII. Jaime Watt ao descobrir o princípio para o
funcionamento da máquina a vapor, pela observação descontraída de uma chaleira que
fervia água, não imagina que os efeitos de sua invenção representariam a definitiva
divisão de classes por concentrar um volume cada vez maior de riqueza nas mãos de
pouco enquanto o restante do povo era privado do acesso a propriedade e aos produtos da
riqueza. Nascia assim a sociedade dividida em classes e a incipiente conversão do
trabalho em alienação.

Se nos regimes de escravidão e servidão ocorrem irremediavelmente a apropriação


do trabalho alheio por seguimentos dominantes da sociedade, também assim ocorre com
o trabalho assalariado na sociedade moderna. Porém, num outro esquema de apropriação.
A instituição do sistema fabril de produção marca o início pontual do fenômeno da
alienação do trabalhador, dado que não é mais detentor do produto do seu trabalho, perde
sua posse; e assim o homem se desfigura exatamente pela perda daquilo que constitui a
identidade do seu ser: o fazer-se pelo trabalho. Nesse sentido, ele perde o direito de
determinar as condições do seu modo de trabalho, como: o horário, o valor da venda da
sua força de trabalho e o destino do seu produto. Assim, com a introdução do sistema
parcelado de produção instituído já nas primeiras fábricas, e a impossibilidade de
participar da projeção da totalidade do processo em direção a confecção do produto, se
dá, então, o fenômeno de desidentificação com o produto da produção. Em síntese, o
homem não se reconhece mais no objeto do seu trabalho. Isto é, ele não tem mais a posse
daquilo que produz, e por esse motivo somente realiza o que é projetado por seguimentos
dominantes. Tal situação se intensificou no momento em que foi instituído nas fábricas a | 511
racionalização do trabalho, tornando a produção ainda mais fragmentada. Trata-se da
ideia de seguir parâmetros do método científico na execução do processo produtivo.
Frederick Taylor concebeu o ideário dessa proposta com o livro Princípios de
Administração Científica. A expressão concreta desse movimento ocorreu no início
século XX quando Henri Ford instituiu a produção em série no sistema de linha de
montagem na indústria automobilística. Nascia assim o taylorismo, cuja preocupação
central era aumentar a produtividade, eliminando gestos e comportamentos
desnecessários, a fim de garantir a economia do tempo dentro do processo produtivo.

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O filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, é bastante ilustrativo desse
fenômeno social levado a cabo pelo capitalismo na imputação de tarefas desumanas ao
trabalho dentro das fábricas. O protagonista central do filme é obrigado a executar, num
ritmo de aceleração continua, a repetição de movimentos na esteira da fábrica por onde
passam as peças que precisam ser apertadas. A atividade é tão maçante e mecanizada,
destituída de qualquer sentido para o trabalhador que ao sair da linha de trabalho em série,
ao final do expediente, ele se encontra completamente desnorteado em relação ao controle
que mantém sobre o próprio corpo. O condicionamento das tarefas o levam a um tal ponto
de exaustão que os movimentos do ritmo produtivo no interior da fábrica, introjetados em
seu ser, pulsam involuntariamente quando ele sai à rua. Podemos depreender desse
exemplo que já não há mais atividade pensante para o trabalhador e nem identificação
com o objeto da produção. O trabalho se converte em algoz, ele está longe de constituir
realização e emancipação humana. Isso porque, a tarefa do trabalhador está esquadrinhada
como uma peça da produção e não mais como atividade humana. Nesse esquema, é
intensificado, como resultado da ação capitalista, a divisão entre aqueles que pensam o
modo de realização daquilo que vai ser produzido e aqueles que simplesmente executam
as tarefas pensadas por outros. Essa dicotomia tira do trabalhador a visão de totalidade
sobre o trabalho e o objeto produzido. Eis aí o ponto através do qual o taylorismo
estabelece controle sobre os trabalhadores por meio de um planejamento externo,
totalmente fora de qualquer possibilidade de deliberação daqueles que executam os
serviços da produção. Essa proposta se estendeu a outros setores da vida social, inclusive
na educação escolar.

Mas foi a recusa dos operários à submissão de formas opressivas do trabalho, | 512
principalmente ao longo do século XX, que permitiu amainar as condições
desumanizantes do sistema fabril e a lograr mais direitos para o trabalhador. Esse
movimento que se estendeu dos anos 30 aos 80, especialmente pela intervenção do estado
na política econômica, permitiu um conjunto de direitos mínimos aos trabalhadores, os
quais alcançaram certa estabilidade e a possibilidade de provisão e organização do futuro.
Tratava-se do nascimento da sociedade salarial, caracterizada por Robert Castel (1997)
como um período no qual foi possível criar um campo de leis que vigiavam a exploração
do trabalho humano, sobretudo pela garantia de um corpus de direitos situados no âmbito

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da cultura, moradia, saúde, transporte, aposentadoria, etc...) Essa esfera mais positiva aos
trabalhadores se deu na consolidação do Estado de bem estar social, especialmente na
Europa, realidade esta que não logrou muito sucesso em países periféricos e na América
latina na mesma proporção que nos países assim chamados de primeiro mundo. Contudo,
nesse início de milênio as conquistas trabalhistas no campo jurídico- estatal se
desmantelaram em face da imponência de um processo de globalização caracterizados
sobretudo pela expansão de novos mercados à periferia do Globo, sempre em busca de
mais lucro; e pelo avanço de uma política neoliberal concentrada na mãos de grupos
empresariais e financeiros que tem a ciência e a tecnologia aliadas ao processo de
produção, dispensando, assim, cada vez mais trabalhadores. Com efeito, é levado à cabo
uma espécie de crise estrutural do emprego. Seguindo o pensamento de Castel (1997) isso
se manifesta concretamente com: o aumento crescente de sobrantes, isto é, ocorre a
formação de um exército de desempregados à margem da escala produtiva; a
desestabilização dos trabalhadores estáveis por meio da corrosão de direitos
conquistados; a ameaça constante de perda do emprego e a instituição da precariedade do
emprego através de oscilação das necessidades de tarefas a serem realizadas, com
terceirização, contratos temporários e subemprego. Essas são algumas das características
do momento atual em que se encontram os trabalhadores em virtude da radicalização das
políticas neoliberais dessa fase do capitalismo global. Portanto, a desfiguração da
dimensão ontológica do trabalho humano continua sendo uma tônica dos tempo atuais.

Pedagogia da classe trabalhadora assentada numa constelação do saber docente na


educação dos trabalhadores

A superação de desigualdades históricas no campo social e a compreensão dos | 513


mecanismos de domínio e controle implicados nas atividades de trabalho dependem
inegavelmente de uma Pedagogia da classe trabalhadora. Recuperar em vista dos desafios
do tempo presente a dimensão ontológica do trabalho na configuração da existencialidade
humana, em termos plenos, demanda uma recriação do processo educativo dqueles que
vivem do trabalho, assentado em outras bases. É premente levar a diante em termos mais
concretos, no Brasil, a pergunta feita por Kincheloe (1999) ao abordar as bases do
trabalho e da educação profissional, a saber: “How do we tell the workers?” (Como é que
podemos falar aos trabalhadores?). A resposta a profundidade da indagação depende de

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modo crucial da especificidade dos saberes da docência que atua nessa modalidade
educacional. Então, como parte propositiva desse trabalho, pretendemos apresentar uma
constelação de saberes situados no campo da docência como forma de orientar, propor e
recriar condições para uma proposição pedagógica emergida da necessidade da educação
dos trabalhadores, tanto no âmbito da educação de jovens e adultos quanto na educação
profissional. Essa constelação foi extraída das contribuições de Paulo Freire (2001b);
Kincheloe (1999); Peter Maclaren e Ramin Farahmandpur (2002), pela filiação comum
que eles possuem na matriz teórica marxiana, e está configurada em quatro
pontos/dimensões de trabalho a serem encarados como saberes docentes na prática
educativa com os trabalhadores: a) imaginação social e civismo do trabalhador; b)
clarificação do conceito de classe c) transformação da consciência do “ser em
alienação” e d) Vocação ontológica do ser mais.
a) Imaginação social e civismo do trabalhador:
A imaginação social tem um caráter simultaneamente utópico e realista, utópico
porque é da capacidade de pensar outros mundos e realidades possíveis, que o educador
junto com os educandos pode lançar o desafio de imaginar rotas alternativas à exploração
do trabalho. Trata-se de uma aposta na capacidade criativa de homens e mulheres
conceberem novos mundos, o saber que vai decorrer desse trabalho ensina que isso não é
possível sem um esforço coletivo. Vem à reboque dessa questão a ideia de engajamento
social. Daí decorre a necessidade de resolução de problemas concretos da realidade social
enfrentados pelo trabalhador. Quanto ao caráter realista da imaginação, é necessário
sempre estimulá-la em vista de exemplos de experiências realizadas no campo da luta
social, resultantes de uma resposta contra-hegemônica aos modelos de dominação e
| 514
exploração do trabalho. O educador tem como aliado o exemplo dos movimentos sociais
de reivindicação e inconformismo e também o das propostas de criação de cooperativas
de trabalho autônomo. Nesse sentido, Kincheloe (Apudy MACLAREN e
FARAHMANPDUR, 2002, p. 81, 82) escreve que:
Docentes vocacionais críticos estimulam a imaginação social de
estudantes via seu engajamento com modelos democráticos alternativos
de economia e de desenvolvimento político da comunidade. O
imaginário é, portanto, integrado com o pragmático, considerando que
os docentes levam os/as estudantes a estudar as particularidades de
companhias gerenciadas por trabalhadores, tais como a IGP Comanhia
de seguro em Washington, as várias cooperativas de materiais no

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Noroeste Pacífico e a Valley Care Cooperative (em Waterbury, com
base em iniciativa de planos de saúde de Connecticut). Trabalhadores
da Valley Care Cooperative possuem não apenas sua própria companhia
e ganhos, mas estão constantemente aprendendo e melhorando sua
alfabetização através das estratégias educacionais freirianas. A
cooperativa consiste em 30 assistentes de saúde afro-americanos e
latinos que administram as necessidades de saúde das pessoas idosas na
área local. As trabalhadoras estudam as questões de gerenciamento
trabalhista e examinam os trabalhos dos projetos de negócios da
cooperativa.
O autor demonstra algumas práticas que podem ser encaminhadas pelos docentes
na educação dos trabalhadores como estratégias para pensar e ajudar a esclarecer o modo
pelo qual se pode construir modelos alternativos de organização do trabalho através do
esforço coletivo. Entra em jogo nessa questão aquilo que Kincheloe (1999) chama de
civismo do trabalhador, isso diz respeito a um questionamento das relações que se
estabelecem entre o trabalho e a educação na compreensão do contexto social, político,
filosófico, ético e econômico. Daí porque o foco do civismo do trabalho é a política de
questionamento de estudantes. Isto é:

Docentes levam os/as estudantes a questionar as formas pelas quais


decisões públicas e corporativas delineiam seus futuros de trabalho:
Os/as estudantes estarão aptos a obter empregos por longo tempo?
Eles/elas serão capazes de alcançar segurança econômica? Terão acesso
a avanços de carreira e mobilidades financeira? Será possível
alcançarem bom trabalho? Como, sendo cidadãos-trabalhadores,
podem ajudar a delinear regras econômicas e políticas para o próprio
beneficio e dos/das colegas trabalhadoras/trabalhadores em todo
mundo? (Apudy MACLAREN e FARAHMANPDUR, 2002,
p.82).
São questionamentos gerais em torno da inserção no mundo do trabalho que
revelam sobretudo um compromisso social mais amplo com a classe inteira de | 515
trabalhadores. É um trabalho pedagógico que remete para uma formação cívica de
responsabilidade social pelo seu grupo. Evita a vã esperança de saídas individuais do
núcleo duro da exploração do trabalho apresentada pelo capitalismo a um número cada
vez menor de pessoas.
b) Clarificação do conceito de classe
Não seria possível em termos de uma educação de bases críticas com os
trabalhadores deixar de lado a questão de classe, no contrário seria o mesmo que admitir
a inexistência completa de antagonismos e interesses conflitantes no bojo da sociedade

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capitalista. Por conseguinte, um dos primeiros passos a ser levado a cabo numa pedagogia
da classe trabalhadora seria, indiscutivelmente, reconhecer a nossa raiz social no seio do
poder das instituições e dos meios de produção. Aos poucos poderia se estabelecer uma
fronteira de posições e interesses segundo o lugar que ocupamos no contexto das relações
produtivas e da prática social. Durante esse processo o docente precisa saber ensejar o
entendimento a respeito de quais direitos dos educandos/trabalhadores estão sendo
abrogados nessa situação. Isso possibilita um esclarecimento a propósito das formas de
embate presente na luta de classe nas contextualidades específicas da época atual. Daí
que:
Acreditamos que a luta de classe é crítica para acabar com a opressão e
a exploração social, econômica e política, e defendemos uma pedagogia
da classe trabalhadora que encoraje estudantes a se engajar em
discursos e práticas transgressivas como um ponto de partida. Aqui,
educadoras/educadores críticas/críticos podem encorajar formas de
auto-reflexão, análise crítica do discurso e uma avaliação de textos
(MACLAREN e FARAHMANPDUR, 2002, p. 92).
Os discursos e práticas transgressivas contra as condições ideológica de
subordinação só se tornam viáveis na medida em que são problematizadas as
circunstâncias limitadoras e negadoras do direito a escolha e a autonomia em condições
não precárias da existência. Essa questão depende fundamentalmente do conhecimento
que se tem do nível de desenvolvimento das forças produtivas nas quais se desdobram
os conflitos de classe. Na esteira dessa ideia, Freire (2015, p. 29) defende que: “A
educação de adultos – tem a ver com esse desenvolvimento das forças produtivas e,
portanto, com a prática social: os níveis de produção, os níveis de luta e os níveis de
criatividade da sociedade”. Assim as propostas educativas dos trabalhadores precisam ter
como ponto de referência a prática social. Contudo, na contextura do tempo presente a | 516

clarificação em torno do conceito de classe necessita estar remetida às implicações dos


conceitos de não-classe como: raça, gênero e sexualidade, pois em virtude do caráter
hegemônico da linha de pensamento classista, de obstinação protetora pela posse dos
meios produtivos, é gerado uma uniformidade ideológica expressa numa bandeira que
não engloba essas questões. Assim, a classe que detém o poderio econômico ostenta a
imagem do homem branco hetero, cristão e bem sucedido por seu “próprio esforço
individual”. Essa concepção de imagem ideal daqueles que detém o poder econômico se
legitima, muita vezes, pretensiosamente acima do problema da marginalidade, da

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homofobia, das diferenças de gênero e do racismo. Com efeito, questionar o modo como
essa problemática ainda continua imiscuída na prática social representa uma maneira
profícua também de levar adiante a luta de classe, dado que os preconceitos de raça, cor
e sexo constituem também uma decorrência direta do modo como a mulher, o negro, o
homossexual e outros são vistos e situados no horizonte da escala produtiva.
c) Transformação da consciência do “ser em alienação”
O poder ideológico imputado em certas configurações do trabalho levam a
naturalização das condições de exploração e precariedade do labor. Consequentemente,
esse estado de coisas não somente destitui o trabalhador do direito de ser pela atividade
que realiza, mas sobretudo incute nele a convicção de que existir nas circunstâncias
dolorosas de assalto a sua força de trabalho constitui o seu modo de estar sendo no mundo.
Por conseguinte, ele naturaliza a “consciência de ser em alienação”. Daí que a reversão
desse quadro representa uma linha de orientação pedagógica do professor na forma de
algo que precisa compor um saber na sua prática educativa com os trabalhadores, pois:
Devemos enfatizar que alienação não é fundamentada no mundo das
abstrações hegelianas, mas envolta dentro das relações sociais e
materiais de produção. Isso levanta a questão se uma consciência
alienada é uma “totalidade inerte” e se ela pode ser transcendida. De
acordo com Mészáros (1989), a atividade alienada não produz apenas
uma consciência alienada, mas também uma consciência de ser em
alienação. Por isso é aconselhável criar condições pedagógicas que,
para a classe trabalhadora, facilitem o desenvolvimento de uma
consciência crítica para ultrapassar a alienação econômica e
transformar as condições sociais existentes da produção, através de uma
ação política de massa capaz de criar estruturas igualitárias, habilitadas
a atingir – em nível crescente e em contínua expansão – a
institucionalização da democracia popular (Apudy MACLAREN e
FARAHMANPDUR, 2002, p. 94).
A transformação da “consciência do ser em alienação” depende no campo | 517

pedagógico daquilo que Freire (2001) abordou como sendo a expulsão da sombra do
opressor introjetada no ser do oprimido. A extensão dessa atividade fica submetida a
recuperação do ser do homem pelo auto reconhecimento do seu trabalho como ação
produtora de cultura, e, portanto, de sentido para si e para os outros.
d) vocação ontológica do ser mais
Muito mais do que em qualquer outro nível de educação ou proposta educativa,
uma pedagogia ou saber docente que pretende se situar nas necessidades formativas dos
trabalhadores, precisa reconhecer, antes de qualquer coisa, que a situação dos

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trabalhadores dentro da sociedade capitalista leva ao cerceamento daquele ímpeto
histórico dos homens, o qual Freire chamava de vocação ontológica do ser mais. A prática
pedagógica que reconhece essa questão se esforça, junto com os educandos, para
problematizar e compreender as circunstâncias e mecanismos que barram as
possibilidades do ser humano vir a ser sempre mais. Como é um impulso histórico, a
condição existencial de mulheres e homens “por ser mais”, ela nunca cessa, seja em
termos filogenéticos ou ontogenéticos, com todas implicações psicossociais decorrentes
desse processo que marca a característica dos humanos de se configurar como “seres
inacabados” (FREIRE, 2001). Daí porque a recuperação da dimensão ontológica do
trabalho pela saída da alienação se faz mais do que nunca por um constante processo de
busca por ser mais, seja pela apropriação e reconstrução de conhecimentos científico
tecnológicos e históricos culturais, seja pela liberdade de se programar para deliberar
conscientemente sobre o próprio futuro, visto que é justamente pela perda da crença no
amanhã que a chamada vocação ontológica por ser mais para de pulsar no curso de
desenvolvimento da complexidade humana.
Os oprimidos, nos vários momentos de sua libertação, precisam
reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica de ser mais. A
reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende, erroneamente,
dicotomizar o conteúdo da forma histórica do ser do homem. Ao
defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre
suas condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido
em nível puramente intelectual. Estamos convencidos, pelo contrário,
de que a reflexão, se realmente reflexão, conduz à prática (FREIRE,
2002, p.52).

A reflexão conduzida a prática é o exercício por meio do qual se erige a


possibilidade de autocompreensão do homem em sua ação no mundo, na tentativa de
| 518
vislumbrar possibilidades para o seu crescimento humano. O que está em jogo é atentar
para a urgência de que os homens como seres produtores da cultura pela mediação do
trabalho se fazem sempre mais além se si mesmos. Assim, a criatividade é uma exigência
de ascensão humana e transformação histórica de homens que tomam consciência da sua
capacidade de intervenção na realidade concreta do mundo.
Os pontos constitutivos da constelação de saberes docentes remetidos a uma
pedagogia da classe trabalhadora, enunciados acima, compõem perspectivas norteadoras
de cunho ético-político, delineadas no sentido de servir de orientação teórico/prática para

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a construção de metodologias e definição de conteúdos afinados as necessidades político-
sociológicas dos trabalhadores. Por conseguinte, os saberes docente em questão situam-
se naquilo que os trabalhadores precisam aprender para compreender criticamente os
mecanismos de exploração do capital. Com efeito, a teleologia da constelação de saberes
docentes implicados indissociavelmente à prática educativa com os trabalhadores,
corporifica-se em auxiliar na recuperação da dimensão ontológica do trabalho, numa luta
incansável do trabalhador por ser mais.
Notas Conclusivas
O trabalho desde sempre foi aquilo que constituiu o ser do homem, portanto ele
representa um elemento de emancipação e libertação. No entanto, ao longo da história se
converteu em um fardo ou num motivo de sacrifício, exatamente na medida em que se
transformou em atividade alienada pertencente a outro por ocasião da exploração. O
domínio sobre a própria força de trabalho foi reportado a mãos alheias, com isso o
processo de exploração se sofisticou cada vez mais, especialmente de maneira mais
agravante quando se implantou o sistema taylorista de produção. Contudo, a luta histórica
dos trabalhadores associadas a criação do Estado de bem estar social, garantiu as
condições para eles se programem minimamente para o futuro. Esse breve período
encontra-se em decadência pelo avanço das políticas neoliberais associadas à ciência e
tecnologia entendidas como instrumentos produtores de lucro. Isso tem levado a crise
estrutural do trabalho de um modo tão crescente que se esvai a seguridade do trabalhador
a cada ano que passa. Essa tendência global de exploração e precarização do trabalho
humano, se encaminha para o amesquinhamento e vulgarização da atividade laborativa
por meio dos contratos temporários; flexibilização das condições de trabalho;
| 519
rebaixamento do salário; instabilidade nas ocupações e ofícios; controle exacerbado sob
o tempo de trabalhado realizado em função do volume da produção ou rendimento; etc...

Não há, nessas condições, como assegurar a possibilidade de realização via


trabalho, ratificando a sua dimensão ontológica na configuração da existencialidade
humana. Marx estava com razão ao afirmar que o trabalho se converte para o homem em
seu algoz. E a ciência e a tecnologia que deveriam ser meios de libertação humana, no
capitalismo hodierno, compõem o leque do domínio econômico. No contexto atual de
desenvolvimento do capitalismo, qualquer esforço ou projeto de reivindicação para o

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restabelecimento do trabalho em bases mais humanas não se faz isento de uma Pedagogia
da classe trabalhadora. Daí que aqueles professores que trabalham com a educação de
jovens e adultos ou a educação profissional, precisam fundar seus saberes para essa
modalidade educativa exatamente no bojo dessa luta. Para tanto, o preparo de suas
aulas/encontros/discussões precisam fundamentalmente estar ancorados em perspectivas
teóricas de cunho ético-político norteadoras da prática. É imprescindível munir-se com o
aparato teórico que permite uma compreensão crítico-analítica das formas de exploração
imputadas pelo capital aos trabalhadores. No horizonte dessa discussão, os ensinamentos
de Freire (2000, p.94, 95) asseveram a jamais dicotomizar “a capacitação técnico-
científica do educando dos conhecimentos necessários ao exercício da cidadania”. Por
isso, a recuperação do trabalho em bases mais humanas – na continua busca ontológica
do ser mais e na apreensão de conhecimentos de natureza científico-tecnológica e
histórico-culturais – não se dá abdicada de uma educação política. Daí a importância da
leitura teórica do capitalismo remetida à situações concretas dos trabalhadores para
auxiliar a reverter a alienação do trabalho e suas formas desumanizantes em voga na
sociedade contemporânea. Essa situação é a razão de ser de uma nova constelação de
saberes docentes na educação dos trabalhadores.

REFERÊNCIAS
CASTEL, Robert. As armadilhas da exclusão. In: Vários autores. Desigualdade e a
questão social. São Paulo: EDUC, 1997.

ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In


A dialética do trabalho: Escritos de Marx e Engels. Antunes Ricardo (org.). São Paulo:
Expressão Popular, 2013.
| 520
___Pedagogia da Indignação. São Paulo:Editora Unesp, 2000.
___Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
___& Sério Guimarães. Lições de Casa: Últimos diálogos sobre educação. São Paulo:
Paz e Terra, 2015.

KINCHELOE, J. How do we tell the workers? The socioeconomic foundations of


work and vocational education. Boulder, Colorado: westview Press, 1999.

MACLAREN, Peter; FARAHMANDPUR. Pedagogia revolucionária na


globalização. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

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STEIN, Ernildo. Antropologia filosófica. Ijuí: Editora Unijuí, 2009.

| 521

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QUILOMBOS NA SERRA DOS TAPES: A MEMÓRIA
ANCESTRAL DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS EM
PELOTAS – RS E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO
BÁSICA.
Àvila, Cristiane Bartz de (PPGE/UFPel)
crisbartz40@yahoo.com.br

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal discutir acerca da importância
do estudo sobre a memória e patrimônio de Comunidades Negras Rurais existentes no
município de Pelotas-RS pelos educadores que atendem essas mesmas Comunidades nas
escolas de educação básica. Segundos estudos empíricos, desta pesquisadora, apesar da
recente legislação em relação à educação quilombola, não há uma orientação nas escolas
municipais de educação básica sobre o assunto que coloque efetivamente em prática
conteúdos relacionados ao patrimônio cultural quilombola das Comunidades Negras
Rurais que existem em nossa Cidade. Ao longo deste texto pretendemos considerar
brevemente aspectos sobre esse patrimônio cultural bem como discutir acerca da
importância de se trabalhar com esse conteúdo à fim de valorizar a cultura local e o
sentimento de pertença dos mesmos o que poderá sobremaneira ter como resultado uma
relação com questões de identidade Comunitária.
Palavras-chave: educação, quilombola, legislação.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto discutir sobre a importância de se trabalhar


as questões locais sobre a história, a memória e o patrimônio das Comunidades Negras
Rurais para que se cumpra a legislação que reza sobre o assunto99. Esta é uma questão
recente em termos de políticas públicas que foi conquistada em meio ao engajamento de
setores interessados, principalmente àqueles que têm por foco principal a luta pelo
| 522
respeito às minorias100. Durante o desenvolvimento do texto pretendemos ainda citar a
legislação pertinente sobre as questões étnico raciais, procurando dar enfoque principal à
educação escolar quilombola, objeto principal deste estudo. Para tanto abordaremos a
questão histórica que engloba a formação do Quilombo itinerante de Manuel Padeiro
durante o século XIX em Pelotas-RS bem como as comunidades Negras Rurais da
atualidade.

99
Conforme RESOLUÇÃO Nº 8, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2012 que define Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica.
100
Sobre o uso do termo “minoritários”, ver Appadurai (2009).

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Ao final destas reflexões, pretende-se chamar a atenção para a importância de
utilizar o conhecimento das Comunidades Negras Rurais sobre o seu patrimônio e cultural
local de forma que esse conhecimento seja inserido nos currículos escolares à fim de que
se mais do que cumprir a legislação vigente, se promova uma condição identitária aos
educandos que acessam os bancos escolares existentes nas Comunidades em questão.

Contexto Histórico:
Em Pelotas no extremo sul do Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul, durante o
século XIX, a principal atividade econômica foi a charqueadora. Foram mais de 20
charqueadas, segundo relatos do botânico Auguste de Saint-Hilaire(1974)101. Ainda
segundo este pesquisador, a Cidade era aprazível e “Os víveres consumidos na região
vêm em grande parte da Serra dos Tapes, situada a 4 léguas de S. Francisco102, onde o
solo é fértil, produzindo fartamente o milho, o feijão e mormente o trigo”. (SAINT-
HILAIRE, 1974, p. 69).
Abaixo a localização da Cidade em relação ao Estado do Rio Grande do Sul e ao
Brasil ( figura 1) e em seguida (figura 2) utilizamos o mapa da Pesquisadora Ester
Gutierrez para demonstrar o local de maior concentração das charqueadas estabelecidas
em Pelotas durante século XIX, o Arroio Pelotas:

| 523

101
Auguste de SAINT- HILAIRE , esteve em viagem ao Brasil entre os anos de 1816 e 1822, publicando o
Livro: Voyage à Rio Grande do Sul —BRÉSIL — 1820-1821, [Orleáns, 1887],em francês ainda no
século XIX, foi traduzido por Leonam de Azeredo Penna e publicado em 1935(1ªed.) e em 1939(2ª
ed.). A edição utilizada por esta autora data de 1974.
102
Ao escrever São Francisco, o autor está se referindo à mesma região onde hoje está localizada a Cidade
de Pelotas, pois a mesma teve o nome de Freguesia de São Francisco de Paula, fundada em 07 de Julho
de 1812 por iniciativa do padre Pedro Pereira de Mesquita, foi elevada à categoria de Vila em 07 de
abril de 1832. Três anos depois o Presidente da Província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga,
outorgou à Vila os foros de cidade, com o nome de Pelotas, sugestão dada pelo Deputado Francisco
Xavier Pereira. O nome originou-se das embarcações de varas de corticeira forradas de couro, usadas
para a travessia dos rios na época das charqueadas, conforme
http://www.pelotas.com.br/cidade_historia/pelotas_historia.htm acessado em 26.01.2016.

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Figura 1. Localização da Cidade de Pelotas
Fonte:
https://www.google.com.br/search?q=pelotas+rio+grande+do+sul&newwindow=1&biw=1093&bih=508
&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiq7suriMjKAhWC6CYKHROBBgwQ_AUICCgC#im
gdii=yADgPR-EaOleUM%3A%3ByADgPR-
EaOleUM%3A%3Bp50npd69EwpMjM%3A&imgrc=yADgPR-EaOleUM%3A acesso em 26.01.2016.

| 524
103
Figura 2: Mapa das charqueadas nas margens do Arroio Pelotas
Fonte: Gutierrez,1993, 123.

Assim, podemos delimitar a Cidade em duas regiões econômicas que


influenciaram diretamente e mutuamente na paisagem, bem como na composição social
do município: No litoral, a atividade charqueadora, que se utilizava de mão de obra
escravizada, e que através da exportação do charque produzido conseguia os recursos

103
Segundo Gutierrez, 1993, as charqueadas foram estabelecidas às margens dos Arroios Pelotas, Santa
Bárbara, Moreira e Canal São Gonçalo, sendo o Arroio Pelotas o que teve maior concentração das
mesmas.

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necessários para abastecer a Cidade dos mais variados produtos, inclusive importados da
Europa, tais como louças, chapéus e tecidos. Essa atividade era realizada nos meses de
verão da região sul, ou seja, outubro a abril. Nos meses mais frios e úmidos, os escravos
eram alocados para atividades de olaria e construção, onde produziam os tijolos, telhas e
os próprios casarios do atual Centro Histórico da Cidade que hoje possui na principal
praça prédios com tombamento federal do IPHAN. Outro grupo de escravos era
encaminhado para a Serra dos Tapes (zona rural), local de maior altitude, de difícil acesso,
rico em nascentes, mata nativa, propício ao plantio de gêneros alimentícios e criação de
animais para o consumo, eram as chamadas chácaras que em quase sua maioria
pertenciam aos mesmos charqueadores proprietários na zona urbana.
No mapa abaixo (figura 3) podemos observar a região litorânea (urbana) em
amarelo e a região da Serra dos Tapes (rural) em cinza.

Figura 3. Mapa dos distritos de Pelotas. | 525


Fonte: Malha Digital de Pelotas (PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS, 2006), Malha
Digital RS (UFRGS, 2010). Organizado por MATTOS, Gil Passos de (2013) IN: ÁVILA, 2014, p.24.

A partir dessas atividades, com ampla utilização de mão de obra escravizada, é


que se constituiu um movimento de resistência e a formação de Quilombos na Serra dos
Tapes, sendo que hoje ainda temos o 7º Distrito denominado Quilombo. As ações
quilombolas intensificaram-se a partir de 1835, quando o aparelho repressor se

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desorganizou por conta do início da Revolução Farroupilha104 para logo em seguida
organizar-se novamente com o objetivo de capturar os aquilombados.
Ana Clara Henning, Diego Furtado Linhares, Helbio Hermes da Silva Gomes et
ali que pesquisam os quilombos em Pelotas, nos trazem algumas informações:

[...] no extremo sul do país, no decorrer da Revolução Farroupilha (1835-1845)


houve um período em que a cidade de Pelotas esvaziou-se, tendo grande parte
de seus moradores migrado para outras localidades, o que incentivou fugas de
vários escravos para a região da Serra dos Tapes. Na tentativa de fugir do
opressor, os escravos começaram a se esconder na zona rural, fundando
diversos quilombos. Nessa região, o quilombo mais famoso foi o de Manuel
Padeiro, líder da resistência, considerado pelos seus o enviado de Oxalá. Esse
quilombo foi extinto no ano de 1848, pois o término da Revolução Farroupilha
em 1845 possibilitou ao presidente da província condições logísticas de
encaminhar um efetivo militar ao local, onde se estimava haver de 600 a 800
habitantes.
Designado para destruir o quilombo de Manoel Padeiro, o Segundo Regimento
de Cavalaria de São Leopoldo, composto de alemães voluntários, somou-se à
guarda nacional com uma tropa de 200 homens e mais uma milícia local.
Efetivada organização das tropas, deu-se início a marcha para a Serra dos
Tapes, onde foi cometido um verdadeiro genocídio (HENNING, LINHARES,
GOMES et ali 2010, p. 9).

Segundo o processo crime contra o quilombola Mariano 105, o líder do Quilombo


denominava-se Manuel Padeiro, e existia um grupo de homens armados que tinha grande
mobilidade pelas matas da Serra dos Tapes. Suas atividades foram resumidamente
descritas no terceiro capítulo da dissertação de mestrado106 da professora pesquisadora

104
A Revolução Farroupilha ocorreu entre 1835 e 1845, conflito entre a elite gaúcha composta basicamente
de estancieiros e charqueadores que lutavam contra o Império. Inicialmente buscavam que o charque | 526
gaúcho tivesse proteção em relação às taxas e comercialização no que se refere ao charque Platino;
após, o movimento tomou o objetivo da independência da Província Gaúcha em relação ao Império
brasileiro.
105
As informações sobre o Quilombo de Manuel Padeiro são encontradas nas atas da Câmara Municipal de
Pelotas, nas correspondências das autoridades policiais e dos vereadores para a Capital, e no Processo
Crime contra Mariano, quilombola do grupo de Manuel Padeiro, que se encontra no Arquivo Público
do Estado do Rio Grande do Sul - APERGS. Nestes documentos as referências são de apenas alguns
homens “mal feitores”, entretanto, na memória coletiva das comunidades negras rurais da atualidade,
este grupo trabalhava como sentinelas que vigiavam as tropas que vinham da Cidade em atividades de
perseguição. Os mesmos tinham como objetivo avisar as famílias para se esconderem nos morros e
cavernas existentes na região.
106
Para aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto ler na integra a dissertação: Entre
esquecimentos e silêncios: Manuel Padeiro e a memória da escravidão no distrito de Quilombo, Pelotas,
RS. Disponível em: http://www2.ufpel.edu.br/ich/ppgmp/v03-01/wp-content/uploads/2015/04/Cristiane-
Bartz.pdf acesso em 26.01.2016.

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autora deste artigo intitulado: Origens Históricas do Distrito de Quilombo na Serra
dos Tapes em Pelotas (RS), com o subtítulo, General Padeiro na Serra dos Tapes.
Comunidades Negras Rurais na atualidade:
O termo Quilombo e o termo Comunidades Negras Rurais, carecem de uma
conceitualização quanto ao seu emprego na atualidade. Enquanto que o primeiro é
utilizado para fazer referências ao Quilombo Histórico (negros que resistiam à condição
jurídica de escravizado), o segundo refere-se a esse novo conceito de Quilombo
formulado por sociólogos, antropólogos, historiadores, no sentido de contemplar o que
determina o artigo 68 da Constituição Federal de 1988: Comunidades Negras Rurais
estão relacionadas ao passado escravista, com seus desdobramentos, e ao momento pós
- abolição. (Fiabani,2008, pg.14). Assim, embora a maioria das Comunidades Negras
Rurais da atualidade não tenham como comprovar descendência direta de ex-escravos, as
condições de vulnerabilidade e exploração que continuaram a existir no período pós-
abolição, levaram os ex-cativos a se agruparem buscando certa proteção e autonomia
frente às condições de exploração do seu trabalho. Assim, muitos ex-escravos migraram
para o campo constituindo-se novos integrantes dos antigos quilombos, outros foram em
busca de terras abandonadas, outros receberam heranças ou compraram pequenos lotes,
ou ainda ficaram trabalhando em pequenas porções negociadas com seus antigos donos.
Em todos os casos, o maior problema foi a regularização da documentação, o que teve
como consequência desdobramentos variados, de acordo com cada caso, chegando
inclusive em casos extremos como expropriação, encolhimento da área, conflitos e
ameaças armadas. Encontramos nas fontes diversas nomenclaturas utilizadas para fazer
referências às comunidades na atualidade: Remanescentes de quilombos, comunidade
| 527
negra rural, mocambos, quilombolas... Em nosso trabalho, ao nos referirmos à origem do
Distrito de Quilombo que remete aos Quilombolas de Manuel Padeiro, utilizamos os
termos quilombo ou quilombolas, e quando nos referimos às Comunidades existentes na
atualidade, utilizamos a expressão Comunidade Negra Rural107.
No campo dos estudos interdisciplinares surgiram e ainda vem sendo discutidas
diversas pesquisas sobre o Patrimônio Cultural de uma forma mais universalizada, ou

107
Atualmente existem na zona rural de Pelotas, três Comunidades negras rurais: Alto do Caixão,
Comunidade do Algodão e Vó Elvira reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares.

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seja, não somente levando em conta os monumentos de “pedra e cal”, como acontecia até
a década de 80 do século XX. Sabemos que essa mudança é “lenta e gradual” usando o
mesmo trocadilho quanto às referências da abolição da escravidão. Algumas leis e
iniciativas vêm contribuindo para fixar a ideia de que o Patrimônio Cultural é formado
por um conjunto de elementos que não dissociam patrimônio material e patrimônio
imaterial. Salientamos que os estudos e discussões sobre esta temática abrangem cada vez
mais espaços nos meios intelectuais, destacando-se que no ano de 2013 se cumpriram 10
anos da Convenção do Patrimônio Imaterial da UNESCO. Em 2003, os países membros
sistematizaram diretrizes para tratar da temática do Patrimônio Cultural Imaterial numa
dinâmica diferente do que vinha até então sendo adotado em relação ao Patrimônio
Material. Seguindo esta linha, o governo brasileiro promulgou, no mesmo ano da
Convenção do Patrimônio Imaterial, a lei 10639/2003,108 que torna obrigatório o estudo
do continente africano e da cultura afro-brasileira nas escolas de ensino básico, públicas
e particulares, principalmente nas disciplinas de História, Educação Artística e Literatura.
Podemos, ainda perceber, o início de um movimento voltado às políticas públicas
em relação aos grupos “minoritários” no Brasil, a partir da Constituição de 1988, com os
artigos 215 e 216, os quais mencionam ser o patrimônio cultural brasileiro constituído
pela natureza material e imaterial, e fazem referência à valorização das manifestações
culturais das mais diversas etnias, das quais podemos inferir a indígena, a afro-brasileira,
a alemã, a italiana, a francesa, a japonesa, enfim, os mais 26 diversos segmentos que
constituem a população brasileira.
Outro avanço significativo na legislação brasileira foi a construção das diretrizes
curriculares para a educação quilombola que segundo Haerter, Nunes e Cunha ( 2013,
| 528
p.273),tem como objetivo:

a) Garantir a elaboração de uma legislação específica para a educação


quilombola, com a participação do movimento negro quilombola, assegurando
o direito à preservação de suas manifestações culturais e à sustentabilidade de
seu território tradicional.
b) Assegurar que a alimentação e a infraestrutura escolar quilombola respeitem
a cultura alimentar do grupo, observando o cuidado com o meio ambiente e a
geografia local.
c) Promover a formação específica e diferenciada (inicial e continuada)
aos/às profissionais das escolas quilombolas, propiciando a elaboração de

108
Esta lei foi substituída pela Lei 11645/2008 para incluir o estudo da história e da cultura indígena.

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materiais didático-pedagógicos contextualizados com a identidade étnico-
racial do grupo.109
d) Garantir a participação de representantes quilombolas na composição dos
conselhos referentes à educação, nos três entes federados.
e) Instituir um programa específico de licenciatura para quilombolas, para
garantir a valorização e a preservação cultural dessas comunidades étnicas.
f) Garantir aos professores/as quilombolas a sua formação em serviço e,
quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização.
g) Instituir o Plano Nacional de Educação Quilombola, visando à valorização
plena das culturas das comunidades quilombolas, a afirmação e manutenção
de sua diversidade étnica.
h) Assegurar que a atividade docente nas escolas quilombolas seja exercida
preferencialmente por professores/as oriundos/as das comunidades
quilombolas.

As diretrizes curriculares para a educação quilombola ainda denotam a


importância:

Art. 1º Ficam estabelecidas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação


Escolar Quilombola na Educação Básica, na forma desta Resolução. § 1º A
Educação Escolar Quilombola na Educação Básica:
I - organiza precipuamente o ensino ministrado nas instituições educacionais
fundamentando-se, informando-se e alimentando-se:
a) da memória coletiva;
b) das línguas reminiscentes;
c) dos marcos civilizatórios;
d) das práticas culturais;
e) das tecnologias e formas de produção do trabalho;
f) dos acervos e repertórios orais;
g) dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o
patrimônio cultural das comunidades quilombolas de todo o país;
h) da territorialidade.

Assim, conhecer sobre a realidade das comunidades negras rurais da atualidade se


faz uma ferramenta importante para os educadores no cumprimento das legislações
mencionadas acima, além de contribuir na formação da identidade étnica dos grupos em | 529
questão.
Os moradores do Distrito de Quilombo dizem: “Os arroios Quilombo e Pelotas
serviam de referencial para os quilombolas do século XIX se orientar em direção às
charqueadas”... assim, a paisagem cultural da região tornou-se referência para os
moradores contar sua história. Dessa forma, apontaremos algumas imagens pesquisadas
que fazem referência à história da região e que foram contadas pelos moradores locais
num processo de reconhecimento da memória coletiva.

109
Grifos desta pesquisadora.

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Figura 4: Propriedade da Comunidade Negra Rural do Alto do Caixão
Fonte: acervo da pesquisadora

As fotos acima mostram que o terreno é íngreme, sendo que em alguns trechos da
estrada existem muitos buracos e pedras, o que dificulta o acesso, principalmente em
épocas de chuva. O ônibus não entra nesta estrada e no jornal Diário Popular de
25/04/2010 existe o relato de que uma moradora perdeu o bebê, pois não foi possível o
acesso do carro na sua moradia.
Podemos perceber que a agricultura praticada rende pouca quantidade e requer
muita dedicação, tendo em vista os acidentes geológicos. Segundo os ensinamentos de
Dona E. L.110, moradora local, as terras entre as pedras são mais férteis; entretanto, não
se pode plantar grande quantidade, nem plantas grandes nem certas qualidades.
Geralmente, nas propriedades, encontramos alfaces, couves, abóboras e ervas de chá.
O Sr. A. V. e Dona I. V. N., irmãos, filhos do Patriarca fundador do Quilombo P. | 530
V., são os moradores mais antigos da Comunidade, e ainda mantêm sua horta, inclusive
plantando uma erva chamada arruda,111 (v. Figura 9) a qual ele costuma ir vender no
Centro Urbano. A arruda exala um cheiro forte, e é utilizada em rituais de benzimento,
tanto em pessoas quanto em residências. Muitos têm por costume usar um galho desta
planta atrás da orelha. Quanto a suas propriedades medicinais essa planta pode ser usada

110
Optamos por preservar a identidade de nossos interlocutores.
111
A comunidade hoje se declara em sua maioria Evangélica ou Católica. Entretanto, podemos visualizar
nas propriedades ervas de cheiro e chás que remetem a uma ancestralidade rural, afro-indígena.

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como analgésica, antiasmática, anti-inflamatória, mas um de seus usos mais conhecidos
popularmente é como abortivo. Em geral, o uso dos recursos naturais é fruto de uma
tradição ancestral, de uma época em que os poucos recursos da medicina não eram
acessíveis. Porém, destacamos que até hoje, na região estudada, a população local ainda
continua enfrentando dificuldades de acesso aos diversos recursos da medicina,
precisando lançar mão desses saberes tradicionais.

Figura 5: Pé de arruda
Fonte: acervo da pesquisadora

| 531

Figura 6: Pedra no início do caminho que leva ao Morro do Quinongongo 112 localizado na
Comunidade Negra Rural do Algodão

112
Este Morro tem cerca de 380 metros de altitude. De um lado podemos visualizar a Cidade de Pelotas e
de outro a Cidade de Canguçu. Segundo relatos orais, o Morro era um dos territórios utilizados como
mirante e esconderijo, pois ele possui tuneis e caminhos que levam ao seu pé por onde passa o Arroio
Quilombo.

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Fonte: Acervo da Pesquisadora

Figura 7: Alto do Morro do Quinongongo


Fonte: acervo da Pesquisadora

Figura 8: Entrada da Caverna no alto do Moro


Fonte: Acervo da E.M.E.F. Nestor Eliseu Crochemore | 532

A partir dos relatos em pesquisa de campo e da documentação pesquisada,


elaboramos o mapa etnográfico abaixo:

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Figura 09: Distrito de Quilombo e Paisagem Cultural
Fonte: ÁVILA, 2014, p.135.

Considerações Finais:
Reconhecer-se Remanescente Quilombola não é um processo simples e tranquilo.
Durante muito tempo, Quilombo foi sinônimo de transgressão da ordem social. Terra de
fugitivos, de escravos que não queriam trabalhar!
Estudos recentes abordam a categoria Remanescente de Quilombo numa
perspectiva étnico-cultural, utilizando o termo Comunidades Negras Rurais, onde os
saberes-fazeres ligados à terra que compõem as práticas de sobrevivência dos indivíduos
tornam legítimo o processo de reconhecimento. Tais conhecimentos, que constituem o
patrimônio imaterial dos grupos, incluem a prática da agricultura familiar, o uso de | 533

plantas, de ervas de chás que remetem a um saber ancestral e à própria atribuição da


ascendência indígena e negra (no caso dos moradores da Comunidade Negra Rural do
Alto do Caixão113) – ambos os progenitores trabalhando como escravos, embora somente
a mulher o fosse –, a utilização de artesanato em palha como algo do uso cotidiano, a
necessidade de usar o fogão a lenha por ausência de recursos e a questão da alimentação
– que, embora modificada pelo modo capitalista, ainda apresenta muitas permanências,

113
Dados recolhidos durante a pesquisa de campo para elaboração da dissertação desta pesquisadora.

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com alimentos preparados tendo por base o milho, o feijão, doces feitos com frutas e
alimentos que utilizam partes do porco, sendo estes últimos característicos da população
rural.
Existem muitos relatos, principalmente orais, de que os Quilombolas trocavam
terras por alimentação e que aos poucos, sem ter o documento de propriedade, foram
expulsos de suas terras ou “espremidos” em pequenos lotes de terras de baixa
produtividade.
Na região sul do Rio Grande do Sul, o trabalho de reconhecimento de terras das
comunidades negras rurais teve início a partir das recentes políticas atreladas à
Constituição Federal de 1988. “Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os
títulos respectivos.” Entretanto, a questão da auto definição do grupo apresenta uma
especificidade: é preciso provar que o grupo está ligado à ancestralidade negra e às formas
de resistência empreendidas visando uma sobrevivência com certa autonomia perante o
grande proprietário, até mesmo no período pós-abolição. Para tanto, se faz necessário o
trabalho de uma equipe de pesquisadores, que deve emitir um relatório técnico. Dentre os
profissionais que devem trabalhar neste relatório podem mencionar-se: antropólogos,
historiadores e arqueólogos. Esse processo se dá de forma lenta, é preciso o pedido junto
à Fundação Cultural Palmares, o que demanda uma certa conscientização da
Comunidade. Muitas vezes uma ação de pedido de reconhecimento esbarra no processo
histórico de silenciamento destas Comunidades que relutam, pois suas memórias estão
associadas ao passado escravista.
Entretanto, através da pesquisa sobre o patrimônio cultural das Comunidades
| 534
Negras Rurais, poder-se-á tecer estratégias para abordar o assunto nas escolas. Com a
modificação do currículo escolar tanto das escolas que atendem as Comunidades Negras
Rurais quanto das que não atendem, há uma expectativa de que seja valorizada a cultura
dos mesmos e se oportunize reflexões sobre a importância do respeito às diferenças. Esse
é um trabalho futuro ao qual está pesquisadora pretende se debruçar na zona rural de
Pelotas, nas escolas que atendem as três Comunidades Negras Rurais citadas neste texto.

Referências
Bibliografia

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ÁVILA, Cristiane Bartz. Entre esquecimentos e silêncios: Manuel Padeiro e a memória
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Memória Social e Patrimônio Cultural). Instituto de Ciências Humanas, Universidade
Federal de Pelotas, Pelotas. Disponível em http://www2.ufpel.edu.br/ich/ppgmp/v03-
01/wp-content/uploads/2015/04/Cristiane-Bartz.pdf acesso em 26.01.2016.
FIABANI, Adelmir. Os novos Quilombos: Luta pela terra e afirmação étnica no Brasil
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HAERTER, Leandro, NUNES, Georgina H.L. & CUNHA, Deise T.R. Refletindo acerca
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V.18, n.03. Ed.especial, pg.267-278.dez.2013.
HENNING, Ana Clara Correa; LINHARES, Diego Furtado; GOMES, Helbio Hermes da
Silva et ali. Remanescentes de quilombos pelotenses: paradigma emergente, dignidade
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SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul 1820-1821. Traduzido
por Leonam de Azeredo Penna. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo. Ed. da
Universidade de São Paulo, 1974.

Endereços Eletrônicos
História de Pelotas, http://www.pelotas.com.br/cidade_historia/pelotas_historia.htm | 535
acessado em 26.01.2016.
Localização da Cidade de Pelotas,
https://www.google.com.br/search?q=pelotas+rio+grande+do+sul&newwindow=1&biw
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CYKHROBBgwQ_AUICCgC#imgdii=yADgPR-EaOleUM%3A%3ByADgPR-
EaOleUM%3A%3Bp50npd69EwpMjM%3A&imgrc=yADgPR-EaOleUM%3A acesso
em 26.01.2016
Entrevistas

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A.V. Entrevista em 12.04.2013
E.L. Entrevista em 20.07.2012.
I.V.N. Entrevista em 05.04.2013
Fontes Primárias.
APERGS, Município de Pelotas, Cartório do Júri Nº 81, Maço 3A, 141 E7, E/141c
CX:006.0300.
CORRESPONDÊNCIAS EXPEDIDAS PELA CÂMARA MUNICIPAL DE PELOTAS.
Arquivo Histórico DPM-003, emitida por Anjos em 03/10/1848.
FUNDOS DA ESCRAVIDÃO. Cópias das correspondências sobre fugas e sentença
de morte a escravos transgressores datadas de 1834 e 1835, sobre a destruição do
quilombo da Serra dos Tapes. BBP
Jornais
Diário Popular. Mulher Quilombola perde bebê por não conseguir sair de casa.
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| 536
acesso em 25.01.2016.
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Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=3794 . Acesso em
01.01.2014.

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PERSPECTIVAS DO PNE PARA O TRABALHO DOCENTE
NA EJA
Mariglei Severo Maraschin CTISM/UFSM
mariglei@ctism.ufsm.br

Resumo: Com a aprovação do Plano Nacional da Educação – Lei Nº 13005 de 24/06/


2014 pode-se observar as perspectivas para a Educação de Jovens e Adultos. Nesse
sentido, o presente artigo visa discutir as possibilidades de desenvolvimento da EJA no Rio
Grande do Sul a partir das metas do PNE. As metas aqui destacadas são as 8, 9 e 10 que englobam
a EJA. A metodologia utilizada foi análise da legislação e a relação com a perspectiva de
Educação e Trabalho. O artigo destaca três pontos conjuntamente o PNE e as metas para a EJA,
o PROEJA no RS e as perspectivas para o trabalho docente na EJA. Ressalta-se neste sentido, a
importância das metas serem assumidas pelos sistemas de ensino para que além de números e
índices se desenvolva um trabalho pedagógico coerente com as necessidades dos jovens e adultos
e uma política que articule educação e trabalho para os trabalhadores sem escolarização.

Palavras-chave: Plano Nacional da Educação; Trabalho Docente; EJA.

INTRODUÇÃO

O Plano Nacional da Educação (PNE) – Lei Nº 13005 de 24/06/ 2014 aprovado


após longas discussões e disputas políticas anuncia metas e estratégias para a próxima
década. Percebe-se um grande planejamento para a nação brasileira que envolve segundo
o documento do Ministério da Educação “Planejando a Próxima Década: conhecendo as
20 Metas do Plano Nacional da Educação” compromissos importantes:
Elaborar um plano de educação no Brasil, hoje, implica assumir compromissos
com o esforço contínuo de eliminação de desigualdades que são históricas no
País. Portanto, as metas são orientadas para enfrentar as barreiras para o acesso
e a permanência; as desigualdades educacionais em cada território com foco
nas especificidades de sua população; a formação para o trabalho,
identificando as potencialidades das dinâmicas locais; e o exercício da
cidadania. A elaboração de um plano de educação não pode prescindir de | 537
incorporar os princípios do respeito aos direitos humanos, à sustentabilidade
socioambiental, à valorização da diversidade e da inclusão e à valorização dos
profissionais que atuam na educação de milhares de pessoas todos os dias
(BRASIl, 2014, p.9).

Conforme o referido documento as 20 Metas foram organizadas em quatro grupos:


metas estruturantes para a garantia do direito à educação básica com qualidade (Metas 1,
2 e 3, 5, 6, 7 e de 9 a 11); metas que dizem respeito à redução das desigualdades e à
valorização da diversidade (Metas 4 e 8); metas que tratam da valorização dos
profissionais da educação (Metas 15 a 18) e metas que tratam do Ensino Superior (Metas

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12 a 14). As metas 19 e 20 dizem respeito a gestão democrática e ao financiamento da
educação.
Sendo assim, o presente texto visa olhar para as perspectivas para a Educação de
Jovens e Adultos, tendo como objetivo discutir as possibilidades de desenvolvimento da
EJA no Rio Grande do Sul a partir das metas do PNE. As metas aqui destacadas são as
que envolvem a EJA, sendo estas:
Meta 8: elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte
e nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no
último ano de vigência deste plano, para as populações do campo, da região de
menor escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e
igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Meta 9: elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou
mais para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015
e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e
reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional.
Meta 10: oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de
educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma
integrada à educação profissional (BRASIL, 2014).

A metodologia utilizada foi análise da legislação e a relação com a perspectiva de


Educação e Trabalho e o artigo foi organizado com o objetivo de destacar três aspectos
conjuntamente sendo eles o Plano Nacional da Educação e as Metas para a EJA, o
PROEJA no RS e as perspectivas para o trabalho docente na EJA.

Plano Nacional da Educação e as Metas para a EJA | 538

O PNE, como já foi destacado anteriormente, aprovado em 2014 e que apresenta


20 metas para a década de 2014 a 2024 liga-se com a Educação de Jovens e Adultos nas
metas 8, 9 e 10. Acredita-se que a EJA configura-se em um contexto de dialética das
disputas (MARASCHIN, 2015) e traz para o cenário educacional inúmeros desafios.
A Meta 8 ligada ao eixo da redução das desigualdades e valorização da diversidade
diz respeito a elevação da escolaridade média da população de 18 a 29 anos para alcançar
12 anos de estudo, considerando as populações do campo, da região de menor

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escolaridade do país, dos mais pobres igualando a escolaridade entre negros e não negros.
Percebe-se que ao olharmos para os dados ligados a esta meta tem-se no Brasil 9,8 anos
de estudo da população e no Rio Grande do Sul 10 anos de estudo como mostra a tabela
a seguir:
Tabela 1: Escolaridade da população de 18 a 29 anos no Brasil, Região Sul e Rio
Grande do Sul

A partir destes dados pode-se afirmar que existe público para a EJA no RS e que
se deve investir em políticas públicas para a faixa etária dos 18 a 29 anos, bem como os
trabalhadores acima dessa faixa e os idosos. Da mesma forma deve-se investir em
programas de EJA para o público do campo como ilustra a Tabela 2, para a população
economicamente mais pobre (Tabela 3) e para as pessoas da raça negra (Tabela 4):

Tabela 2: Escolaridade da população de 18 a 29 anos residente no campo no Brasil,


Região Sul e Rio Grande do Sul

| 539

Tabela 3: Escolaridade da população de 18 a 29 entre os 25% mais pobres no Brasil,


Região Sul e Rio Grande do Sul

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Tabela 4: Percentagem da população negra de 18 a 29 entre os 25% com menos de
12 anos de escolaridade no Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul

As estratégias da meta 8 são claras e dão conta das ações necessárias para atrair
os jovens, adultos e idosos para a escolarização:
A Meta 8 ancora-se em seis estratégias que devem orientar as políticas
públicas, de forma a garantir ações em áreas como: a correção de fluxo; a
ampliação dos programas de educação de jovens e adultos; o acesso gratuito
aos exames de certificação da conclusão do ensino fundamental e médio; o
acompanhamento do acesso à escola dos grupos populacionais considerados;
o apoio aos entes federativos para a garantir a de frequência e a busca ativa de
jovens fora da escola pertencentes aos segmentos populacionais em situação
de vulnerabilidade social, sem prejuízo de outras ações. (BRASIL/INEP, 2015,
| 540
p.138)

Dessa forma, os agentes públicos precisam assumir a EJA e buscar alternativas


para atrair os sujeitos não escolarizados para o aumento da escolaridade sejam eles do
campo, de comunidades em vulnerabilidade, trabalhadores ou não. Isto porque “a
consecução das seis estratégias da Meta 8, de forma particular, assim como das demais
metas do PNE, constituem requisitos para que as desigualdades sigam a trajetória de
queda”( BRASIL/INEP, 2015 P. 156)

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A meta 9 diz respeito a alfabetização e é muito ousada, visa elevar a taxa de
alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% (noventa e três
inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar
o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo
funcional. Dois problemas se entrelaçam e nos fazem questionar é possível acabar com o
analfabetismo absoluto114 e o analfabetismo funcional115? O “como” nos interroga
incessantemente.
A taxa de alfabetização da população de 15 anos ou mais em 2013 era de 91,5 %
e no Rio Grande do Sul de 95,6%. O RS está acima da média nacional, mas como em
uma década teve uma variação de 1,1% é preciso pensar em significativas estratégias para
conseguir erradicar o analfabetismo até o fim do PNE. E estas estratégias precisam ser
priorizadas na área rural que representam um número ainda maior – 79,2% de pessoas
alfabetizadas, para pessoas da raça negra que representam 88,5%, número inferior aos
brancos que é de 94,8% e para pessoas de nível socioeconômico baixo (86,2% de pessoas
alfabetizadas estão entre os 25% mais pobres enquanto entre os 25% mais ricos o índice
é de 97,6%)
Tabela 5: Taxa de alfabetização da população de 15 anos ou mais de idade no Brasil,
Região Sul e Rio Grande do Sul

114
Por alfabetização entende-se “a apropriação do sistema de escrita, que pressupõe a compreensão do
princípio alfabético, indispensável ao domínio da leitura e da escrita (Brasil. Inep, 2013). Com base em | 541
discussões acadêmicas recentes, destaca-se a necessidade de se considerar a ideia de alfabetização
articulada à de letramento, porque se entende que o processo de apreensão do código alfabético deva
ser associado à compreensão dos significados e seus usos sociais em diferentes contextos. Mesmo com
as divergências existentes a respeito dos conceitos relativos aos processos de alfabetização e
letramento, é possível afirmar que um indivíduo alfabetizado não será aquele que domina apenas
rudimentos da leitura e da escrita e/ou alguns significados numéricos, mas aquele que é capaz de fazer
uso da língua escrita e dos conceitos matemáticos em diferentes contextos (Brasil. MEC, 2012).”
(BRASIL/INEP, 2015, p. 160)
115
Para compreender o analfabetismo funcional considera-se “alfabetizada funcional a pessoa capaz de
utilizar a leitura e escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e usar essas habilidades
para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida” (IPM, 2005). A partir dessa
conceituação, na década de 1990, o IBGE passou a apresentar os índices de analfabetismo funcional,
baseando-se no número de séries escolares concluídas. De acordo com o critério adotado pelo Instituto,
são analfabetas funcionais todas as pessoas com menos de 4 anos de escolaridade. [atualmente os 5
primeiros anos de estudo]. (BRASIL/INEP, 2015, p. 160)

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A taxa de analfabetismo funcional no Brasil de 30,6% em 2012 tem como objetivo
passar para 15,3% no final do PNE. E o RS está acima da média brasileira, representando
30,0% de analfabetismo funcional brasileiro, enquanto no Brasil é de 29,4% atualmente.
É importante registrar que o analfabetismo funcional cresce quanto maior a idade. Então,
é necessário pensar políticas para os idosos:
Com a finalidade de reduzir esse quadro de desigualdade por idades, a
Estratégia 9.12 desta meta sugere considerar, nas políticas públicas de jovens
e adultos, as necessidades dos idosos, com vistas a: promover políticas de
erradicação do analfabetismo; fomentar o acesso a tecnologias educacionais e
a atividades recreativas, culturais e esportivas; implementar programas de
valorização e compartilhamento dos conhecimentos e experiência dos idosos;
e incluir os temas do envelhecimento e da velhice nas escolas (BRASIL/INEP,
2015, p. 173)

Tabela 6: Taxa de analfabetismo funcional da população de 15 anos ou mais de idade no


Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul

| 542

Portanto, em relação a meta 9 e os dados que exigem atitudes urgentes:


conclui-se que, para assegurar a oferta gratuita da educação de jovens e adultos
a todos os que não tiveram acesso à educação básica na idade recomendada,
reduzindo a taxa de analfabetismo funcional em 50% e erradicando o

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analfabetismo absoluto até o final do PNE, é necessário intensificar políticas
públicas que incentivem a alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais e que
estimulem a permanência e a conclusão da educação básica. Tal desafio
assume contornos ainda mais complexos ao se considerar a situação dos
residentes nas áreas rurais, dos mais pobres e dos negros, grupos nos quais é
preciso avançar ainda mais de forma a efetivar os objetivos da meta de forma
equitativa. (BRASIL/INEP, 2015, p.175)

Diante destes índices e da necessidade de pensar políticas para os jovens, adultos


e idosos a meta 10 vem como uma estratégia para atrair este público. Aumentar
significativamente as matrículas (em 25%) no Ensino Fundamental e Ensino Médio na
forma integrada à Educação Profissional. Percebe-se que atualmente o índice de
integração da EJA e a Educação Profissional é muito baixo, como ilustra a tabela 7. Opta-
se por trazer a região de abrangência dos Institutos Federais do Rio Grande do Sul, pois
são estas as instituições públicas que já ofertam o PROEJA e que tem potencialidade para
ofertar.

Tabela 7: Percentual de Matrículas na EJA integrada à EP, no Brasil, região Sul,


Rio Grande do Sul e regiões de abrangência dos IFs do RS

| 543

Fonte: Disponível em: http://simec.mec.gov.br/pde/graficopne.php

Sendo assim, por acreditar na política de integração da EJA com a Educação


Profissional - PROEJA é que passa-se a defende-lo como estratégia para melhorar os

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índices de escolaridade da população e por ser uma estratégia de inclusão social e de
possibilidade de acesso ao mundo do trabalho. Portanto, é fundamental pensar as
estratégias da meta ligadas ao PROEJA:
10.1) manter programa nacional de educação de jovens e adultos voltado à
conclusão do Ensino Fundamental e à Formação Profissional inicial, de forma
a estimular a conclusão da Educação Básica; 10.2) expandir as matrículas na
educação de jovens e adultos, de modo a articular a formação inicial e
continuada de trabalhadores com a Educação Profissional, objetivando a
elevação do nível de escolaridade do trabalhador e da trabalhadora; 10.3)
fomentar a integração da Educação de Jovens e Adultos com a Educação
Profissional, em cursos planejados, de acordo com as características do
público da educação de jovens e adultos e considerando as especificidades
das populações itinerantes e do campo e das comunidades indígenas e
quilombolas, inclusive na modalidade de educação a distância; 10.4) ampliar
as oportunidades profissionais dos jovens e adultos com deficiência e baixo
nível de escolaridade, por meio do acesso à educação de jovens e adultos
articulada à Educação Profissional; 10.5) implantar programa nacional de
reestruturação e aquisição de equipamentos voltados à expansão e à
melhoria da rede física de escolas públicas que atuam na Educação de Jovens
e Adultos integrada à Educação Profissional, garantindo acessibilidade à
pessoa com deficiência; 10.6) estimular a diversificação curricular da
educação de jovens e adultos, articulando a formação básica e a preparação
para o mundo do trabalho e estabelecendo inter-relações entre teoria e
prática, nos eixos da ciência, do trabalho, da tecnologia e da cultura e
cidadania, de forma a organizar o tempo e o espaço pedagógicos
adequados às características desses alunos e alunas; 10.7) fomentar a
produção de material didático, o desenvolvimento de currículos e
metodologias específicas, os instrumentos de avaliação, o acesso a
equipamentos e laboratórios e a formação continuada de docentes das redes
públicas que atuam na educação de jovens e adultos articulada à educação
profissional; 10.8) fomentar a oferta pública de formação inicial e
continuada para trabalhadores e trabalhadoras articulada à educação de
jovens e adultos, em regime de colaboração e com apoio de entidades
privadas de formação profissional vinculadas ao sistema sindical e de
entidades sem fins lucrativos de atendimento à pessoa com deficiência, com
atuação exclusiva na modalidade; 10.9) institucionalizar programa nacional
de assistência ao estudante, compreendendo ações de assistência social,
financeira e de apoio psicopedagógico que contribuam para garantir o
acesso, a permanência, a aprendizagem e a conclusão com êxito da | 544
educação de jovens e adultos articulada à educação profissional; 10.10)
orientar a expansão da oferta de educação de jovens e adultos articulada à
educação profissional, de modo a atender às pessoas privadas de liberdade
nos estabelecimentos penais, assegurando-se formação específica dos
professores e das professoras e implementação de diretrizes nacionais em
regime de colaboração; 10.11) implementar mecanismos de
reconhecimento de saberes dos jovens e adultos trabalhadores, a serem
considerados na articulação curricular dos cursos de formação inicial e
continuada e dos cursos técnicos de nível médio (BRASIL, 2014, grifos
nosso).

É importante registrar neste sentido, que essas estratégias são vistas como uma
grande conquista para o desenvolvimento da política de EP integrada à EJA. Isto porque

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diante das metas e da realidade percebe-se inúmeras disputas para que uma política de
formação dos trabalhadores se consolide. Esta política tem um grande percurso pela frente
diante dos dados de matrículas atuais, sendo que no RS existem 1,3% de matrículas e a
meta é chegar a 25% até o final do PNE.

O PROEJA NO RS

Com o objetivo de ser uma estratégia para aumentar a escolaridade dos jovens,
adultos e idosos investir em uma política de integração da EJA com a Educação
Profissional é fundamental. Isso porque “propiciar a esse público o acesso a serviços e
produtos culturais de que até então foram privados, respeitando os saberes construídos
em suas trajetórias, permitindo a organização da reflexão e de estruturação de
possibilidades de interferências na realidade é fator de democratização e justiça
distributiva” (BRASIL, 2007, p. 6). Da mesma forma, o aumento de instituições federais
com vocação para ofertar cursos de PROEJA ou para fazer parcerias foi significativo até
o ano de 2014. A seguir gráfico representando este crescimento:

Gráfico 1: Crescimento da Rede Federal 2003-2014


| 545

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Fonte: Mec - http://redefederal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal

Em uma análise do movimento dos cursos PROEJA no RS (MARASCHIN,


20015) percebeu-se que este se constituiu em movimentos históricos diferentes,
característicos a cada realidade dos câmpus dos IFs. Houve oferta de PROEJA Médio,
PROEJA FIC, CERTIFIC e interlocuções do PROEJA com o Programa Mulheres Mil.
“O PROEJA é visto como uma política que precisa de investimentos, pois colabora para
a inclusão de jovens e adultos nos IFs e para a transformação/reinvenção do professor da
Educação Profissional” (MARASCHIN, 2015, p. 286).
Nesse panorama, de um lado as metas do PNE, de outro instituições com estrutura
e função para ofertar o ensino integrado acredita-se no fomento pelo governo federal de
turmas de PROEJA e na parceria entre os sistemas de ensino: rede federal, estadual e
municipal efetivando uma política para escolarização e profissionalização de jovens e
adultos. Para isso, os fóruns de EJA precisam estar atentos ao mapeamento das realidades
e ao fomento de uma rede de parcerias para efetivação do PROEJA como política pública.
Nesse contexto, olhando para a história da EJA no país, observa-se que tanto a
legislação como a mobilização dos Fóruns de EJA116 no Brasil (SOARES, 2004) têm
contribuído para a construção de políticas para os sujeitos jovens e adultos. A professora
Maria Margarida Machado, no artigo “A educação de jovens e adultos no Brasil pós-Lei
nº 9.394/96: a possibilidade de constituir-se como política pública” analisa as principais
ações para o acesso dos jovens e adultos ao sistema escolar e reconhece que a luta pelo
direito à educação implica, além do acesso à escola, na produção do conhecimento no
mundo da cultura e do trabalho e nos diversos espaços de convívio social em que os
jovens e adultos se constituem como sujeitos. | 546
[...] o resultado da política educacional das últimas décadas focada no
atendimento a crianças e adolescentes, reforça a compreensão de que a saída
da EJA da marginalidade do sistema educacional, onde ainda se encontra,
passa pela superação dessa condição, que é uma produção histórica. Para a
maior parte dos jovens e adultos, não há qualquer oferta de educação; quando

116 A professora Maria Margarida Machado (2009) reconhece a presença dos fóruns de EJA do
Brasil nos últimos treze anos, como “organização social, com seus limites e suas
potencialidades de atuação e mediação na constituição dessa modalidade como política
pública” (p. 19-20). O que resultou dessa mistura de pessoas e instituições que atuam em
EJA, tanto no campo dos governos como no campo dos movimentos e instituições não
governamentais, é o que se chama hoje fóruns de EJA do Brasil. A questão central que se
apresenta hoje na pauta política dos fóruns de EJA no Brasil parece ser a luta pela EJA como
direito à educação (ibidem).

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há, é uma “educação de menor” e, na maioria das vezes, “de muita baixa
qualidade” (MACHADO, 2009, p.28-29).

Sendo assim, a EJA constitui-se historicamente nesse espaço de disputas, pois os


fóruns de EJA revelam que não há na história da educação brasileira uma modalidade de
ensino que tenha vivido a experiência de convivência, tensa, mas duradoura, de um
movimento permanente que luta pela institucionalização de uma política de direito aos
jovens e adultos (MACHADO, 2009). Para garantia de uma política pública de Estado,
na efetivação do acesso à educação como direito de todos:
Não basta o arcabouço legal, embora ele já exista; não bastam as condições
efetivas de financiamento, que já estão inicialmente dadas pelo Fundeb: é
fundamental a permanente inquietação e mobilização dos sujeitos que
demandam a EJA, pelos seus mais diversos motivos por meio dos fóruns. Isso
fará com que a vigilância no cumprimento e aprimoramento das leis seja uma
constante nessa modalidade (idem, p. 35).

Portanto, por meio dos fóruns de EJA e das pessoas que militam pelo PROEJA
conclama-se pelo aumento da oferta do PROEJA no RS passando dos atuais 1,3% de
matrículas aos 25% alcançando a Meta 10 e seguindo a orientação da Lei 11.741/2008
que prevê a integração das ações da EJA com a educação profissional.

PERSPECTIVAS PARA O TRABALHO DOCENTE NA EJA

Com base nas três metas do PNE 2014-2024 analisadas neste artigo com foco na
política de EJA percebe-se que três pontos se entrecruzam que são como acolher e atender
a diversidade presente no público da EJA, como alcançar os níveis de alfabetização e
vencer o analfabetismo funcional e como atingir a meta de integração da Educação
Básica com a Educação Profissional? | 547

O primeiro passo perpassa pela integração dos sistemas e o compromisso conjunto


com a construção de uma política pública de resgate dessa população. Para o
cumprimento das metas não pode haver só disponibilidade do governo federal ou dos
municípios e estados. É necessário a instituição de uma rede que ao mesmo tempo mapeia
as realidades e fomenta a construção de parcerias e a oferta de cursos. Os dados já revelam
que é preciso pensar especificamente na população do campo, pessoas da raça negra e
pessoas economicamente mais pobres. Desses dados já se tem pistas para investir de fato
em uma política de integração da escolarização seja a nível de ensino fundamental como

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de Ensino Médio com a Educação Profissional. Neste sentido, a esfera federal, estadual e
municipal precisam dialogar e construir esta política.
Na sequência, verifica-se como grande desafio, possibilitar formação para atuação
na EJA e no PROEJA considerando as especificidades da população do campo e
quilombolas. Então, várias frentes se entrelaçam para a formação: especificidades dos
jovens e adultos, características do professor da EJA e PROEJA, princípios da formação
integrada, metodologias para atendimento da população rural e grupos em
vulnerabilidade social, estudos de acesso, permanência e sucesso entre outras questões
que caracterizam o campo da EJA integrada a EP.
A EJA e o PROEJA apresentam enormes desafios educacionais. Dentre eles,
o acompanhamento do desenvolvimento da sociedade a partir do trabalho, a
recuperação da dívida social com os alunos analfabetos e sem escolarização, a
profissionalização de qualidade, o desenvolvimento de pesquisas e o
reconhecimento da importância da formação dos profissionais que atuam
nessas modalidades de ensino (MARASCHIN, 2012, p. 42)

Assim, além da integração dos sistemas e da formação de professores para atuar


na EJA e PROEJA deve ser oferecida atenção especial a população rural, pois, tanto em
níveis de escolarização, como de alfabetização os índices são maiores do que a urbana.
E, atenção especial também deve ser dada a população negra e aos 25% mais pobres,
pois são nessas camadas que as desigualdades educacionais são ainda mais evidentes.
O trabalho docente na EJA, por todas as questões destacadas neste texto carece de
investimentos e de reconhecimento, sobretudo porque quem efetivamente contribuirá
para a constituição da política e para a qualidade do ensino serão os professores. É preciso
que se identifique o porquê de historicamente a educação de adultos ficar renegada a
segundo plano:
| 548
Por isso é que, na medida em que a sociedade se vai desenvolvendo, a
necessidade da educação de adultos se torna mais imperiosa. É porque em
verdade eles já estão atuando como educados, apenas não em forma
alfabetizada, escolarizada. A sociedade se apressa em educa-los não para criar
uma participação, já existente, mas para permitir que esta se faça em níveis
culturais mais altos e mais identificados com os estandartes da área dirigente,
cumprindo o que julga um dever moral, quando em verdade não passa de uma
exigência econômica (VIEIRA PINTO, 2010, p. 84).

As metas são audaciosas, o público existe e o que se espera é que se constitua uma
política que alie educação e trabalho e que mais do que índices chegue-se em 2024 com
profissionais com grandes experiências pedagógicas junto aos sujeitos jovens, adultos e

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idosos, trabalhadores e com trajetórias que têm muito a ensinar. “A integração da EJA à
educação profissional impõe aos gestores públicos diversos desafios, como formação do
profissional para lecionar para esse público, integração curricular, desenvolvimento de
metodologias de ensino específicas, infraestrutura das escolas etc.” (BRASIL/INEP,
2015, p. 178). E que se possa acompanhar esta caminhada com desenvolvimento de
pesquisas e de forma crítica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A meta 8 do PNE visa elevar para 12 anos de estudo a população brasileira que
atualmente é de 9, 8 anos. O RS precisa aumentar dois anos que atualmente a média é 10
anos de estudo. Esta meta reforça a necessidade de construir uma política de Ensino
Médio para a EJA, políticas interligadas com o Ensino Fundamental e que resgatam a
população do campo, quilombolas e pessoas economicamente mais pobres.
Na mesma lógica para alcançar a meta 9 de elevar a taxa de alfabetização e
derrotar o analfabetismo absoluto e funcional é necessário o desenvolvimento de um
grande movimento de alfabetização e de acesso ao Ensino Fundamental as pessoas jovens,
adultas e idosas. Reduzir e erradicar são metas significativas e que exigem um trabalho
conjunto e uma perspectiva pedagógica coerente com as necessidades dos sujeitos.
Os grandes desafios são, portanto, a integração dos sistemas e uma política de
formação do professor e a meta 10 entra como estratégia para a efetivação da política de
formação e escolarização de jovens e adultos. O caminho para a construção dessa
proposta no país “é investir no trabalho pedagógico na Educação Profissional, investir no
| 549
trabalho dos professores, um trabalho coletivo que se efetiva na práxis das políticas, na
realidade, e que gera ações, relações e transformações nas instituições e, por
consequência, promove transformações nos sujeitos” (MARASCHIN, 2015, p. 284).
Para isso, é importante construir um laboratório de acompanhamento das metas e
incentivar a organização dos sujeitos que tiveram negado historicamente o direito a
escolarização e a profissionalização. A modalidade Educação de Jovens e Adultos tem
tudo para se desenvolver em termos legais, no entanto é preciso ser assumida por todos
os governos, reivindicada pela população e principalmente ser assumida a partir de uma

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perspectiva pedagógica crítica e coerente com as necessidades dos jovens, adultos e
idosos.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei 13.005 de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação e


dá outras providências.

___. Documento Base PROEJA Formação Inicial e Continuada/Ensino


Fundamental. Brasília: MEC, 2007.

___. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Plano


Nacional da Educação – PNE 2014-2024: Linha de Base – Brasília, DF, INEP, 2015.

___. Ministério da Educação / Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino


(MEC/ SASE). Planejando a Próxima Década: conhecendo as 20 Metas do Plano
Nacional da Educação, 2014.

___. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Plano


Nacional da Educação – PNE 2014-2024: Linha de Base – Brasília, DF, INEP, 2015.

___. Lei 11.741 de 16 de julho de 2008. Altera dispositivos da Lei no 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de
nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica.

MACHADO, Maria Margarida. A educação de jovens e adultos no Brasil pós-Lei nº


9.394/96: a possibilidade de constituir-se como política pública. Em Aberto, Brasília, v.
22, n. 82, p. 17-39, nov. 2009.

MARASCHIN, Mariglei Severo. Dialética das Disputas: trabalho pedagógico a


serviço da classe trabalhadora? Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa | 550
Maria, Centro de Educação, Programa de Pós Graduação em Educação, 2015.

___. As reuniões pedagógicas como espaços de formação continuada para os sujeitos da


EJA e do PROEJA. IN Formação docente, acesso e permanência na educação
profissional: estudos sobre o PROEJA. Organizado por Mariglei Severo Maraschin et al.
Pelotas: Ed. Da UFPEL, 2012.

PACHECO, Eliezer. Perspectivas da Educação Profissional Técnica de Nível Médio:


propostas de Diretrizes Curriculares. São Paulo: Editora Moderna, 2012.

SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In RIBEIRO, Vera Masagão. Letramento


no Brasil, reflexões a partir do INAF 2001, 2ª Ed., São Paulo: Global, 2004.

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VIEIRA PINTO, ÁLVARO. Sete lições sobre educação de adultos. Ed. 16°, São Paulo:
Editora Cortez. 2010.

| 551

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PROVA DO MÉRITO: VIOLAÇÃO DE DIREITOS DOS
PROFESSORES NO ESTADO DE SÃO PAULO?
Ester Duarte Gonçalves (UNICAMP)
ester.goncalves@gmail.com
Selma Venco (UNICAMP)
selma.venco@gmail.com

Resumo: A presente comunicação visa analisar a progressão na carreira do professor via


prova de mérito, instituída pela Lei Complementar n. 1097 de 27 de outubro de 2009, que
confere aumento salarial a uma parcela pré-definida de profissionais da educação à luz
das definições sobre a valorização do professor no Plano Nacional de Educação. O estudo
da referida Lei, regulamentada pelo Decreto n. 55.217 de 21 de dezembro de 2009, aponta
que os critérios para realização da restringem o uso de direitos conquistados, a exemplo
da licença saúde. Problematiza-se, ainda, o fato de que mesmo o professor sendo
aprovado e cumpra os requisitos relativos às faltas, não está assegurada a ascensão na
carreira, pois esta se limita a 20% dos aprovados. Nesse contexto, a hipótese central da
pesquisa é que há efetiva violação de direitos conquistados historicamente pela categoria
profissional, bem como pelo funcionalismo público infringindo, inclusive, o Plano de
Carreira do Magistério Paulista.
Palavras-chave: Prova-Mérito; Supressão de Direitos; valorização do magistério

INTRODUÇÃO

A presente comunicação117 visa analisar a progressão na carreira do professor via


prova de mérito, instituída pela Lei Complementar n. 1097 de 27 de outubro de 2009, que
confere aumento salarial a uma parcela pré-definida de profissionais da educação à luz
das metas referentes do Plano Nacional de Educação (PNE) acerca da valorização do
professor. Assim, intenciona-se debater a contradição entre o estabelecido no Plano e a
opção política adotada pela Secretaria de Educação do estado de São Paulo, tendo como
hipótese que o governo estadual, por medidas legais, vem gradativamente violando os | 552
direitos adquiridos e desconsidera as diretrizes nacionais sobre o magistério.

A política educacional paulista se inscreve, desde meados dos anos 1990, na


adoção da Nova Gestão Pública, cujos fundamentos remontam o liberalismo de Adam
Smith: a defesa do livre-mercado e do distanciamento do Estado no controle da economia

117 Resultado das pesquisas: “Direitos dos Professores comprometidos? Uma análise à luz da Prova do Mérito no
Estado de São Paulo” , de caráter documental e orientada pela Profª Drª Selma Venco, na Faculdade de Educação
da Universidade Estadual de Campinas ; e, Pesquisa financiada CNPq, a quem agradecemos pelo financiamento,
Processo n. nº 408885/2013-0. Jovens estudantes-professores no estado de São Paulo: fiel retrato das
precariedades objetiva e subjetiva?, coordenação Profª Drª Selma Venco.

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(HAYEK, 2010) e, são revitalizados pelas mãos de Margareth Thatcher desde 1979
(HALL e GUNTER, 2015). Tal opção política é marcada pela incorporação da lógica
privada no setor público que chega ao Brasil em 1995, no governo do então presidente
Fernando Henrique Cardoso e pelo Ministro Bresser Pereira, à frente do Ministério da
Administração e Reforma do Estado. A defesa da Nova Gestão Pública sustentava-se na
argumentação da premência em se alterar o papel do Estado, posto que o modelo até então
existente, era marcado por forte rigidez e não mais respondia, a contento, às
transformações ocorridas na base técnica do trabalho, cujos proponentes denominaram de
Terceira Revolução Industrial.

Tal proposição é reforçada na América Latina, por meio do Conselho Latino-


Americano para a Administração (CLAD) o qual preconizava:

Em resumo, eficiência, democratização do serviço público e


flexibilização organizacional são ingredientes básicos para a
modernização do setor público que o paradigma organizacional da
administração pública burocrática não contém. Não obstante, vale
ressaltar que a crítica concentra-se aqui no modelo organizacional
burocrático e não na ideia de profissionalização do corpo de
funcionários, aspecto fundamental do modelo burocrático-weberiano
(1998, s/p).

Assim, compreenderam que o Estado deveria primar pela agilidade baseada na


flexibilização das organizações e pela “implantação de um modelo contratual e
competitivo de ação estatal, a partir do qual se possa aumentar a eficiência e a
efetividade das políticas” (ibidem, s/p). Os idealizadores concluíram que esta prática
propiciaria, assim, maior fortalecimento do Estado.
| 553
Apreende-se, portanto, que tal perspectiva para triunfar deve apoiar-se no
estabelecimento de metas e, no forte controle sobre os resultados, bem como no
imbricamento entre os setores público e privado. Nessa lógica, dois marcos são aqui
destacados: a incorporação da flexibilização nas relações de trabalho, implementando
processos de terceirização, uma vez que faz amplo uso de contratação de docentes
temporários e de estudantes universitários que estejam pelo menos no 2o. semestre do
curso. Tal medida é observada na série histórica apresentada na Tabela 1:

Tabela 1 – Contingente 2000 a 2015 (prof°s da educação básica I e II em n° abs)

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Janeiro Novembro
Efetivos Não efetivos Efetivos Não efetivos
2000 49.388 132.802 81.022 109.453
2001 84.874 92.446 75.874 107.504
2002 83.432 94.547 79.846 121.335
2003 79.297 101.798 83.787 128.292
2004 83.370 105.194 88.731 123.971
2005 98.470 94.157 100.222 116.298
2006 106.324 90.541 119.436 106.272
2007 119.081 83.016 118.434 106.785
2008 118.258 84.534 125.352 95.334
2009 125.397 78.446 120.984 97.342
2010 120.931 94.809 115.987 103.844
2011 115.814 101.769 116.927 106.301
2012 123.808 81.573 117.623 115.174
2013 117.077 97.706 116.122 124.718
2014 115.668 73.926 138.708 112.028

2015 137.834 88.266 129.185 93.941

Fonte: Venco (2016)

Considerando o período compreendido entre 2000 a 2015, constata-se que a


educação pública paulista tem adotado o padrão de terceirização em seu quadro de
magistério. Observa-se que, mesmo em 2005, que o contingente é ampliado, ainda assim
| 554
em novembro os docentes temporários eram 54% do total de professores. E, em 2015, a
despeito da adoção de medidas a exemplo da limitação de contratos temporários, a
chamada “duzentena”118, a superlotação de salas e a possibilidade do docente concursado
oferecer outras disciplinas, de acordo com sua formação, o percentual referente aos
terceirizados foi de 42% em novembro, cujo jargão entre os docentes é que nesse período
eles são acometidos de novembrite (VENCO e RIGOLON, 2014).

118
Norma que impunha um intervalo de 200 dias entre uma contratação e outra do mesmo professor.

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É no contexto da flexibilização nas relações de trabalho, guiado pelo modelo da
reestruturação produtiva, que passamos a analisar outras medidas que atingem
diretamente os professores concursados.

HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO PAULISTA

A fim de reunir elementos para melhor compreender as medidas concernentes à


ascensão na carreira no referido estado, considerou-se relevante iniciar por um breve
histórico da legislação, concernente aos direitos dos docentes relativos à contagem de
faltas e tempo de serviço.

O quadro de professores do Magistério Paulista teve seu Estatuto aprovado em


1985, por meio da Lei Complementar n. 444 de 27 de dezembro de 1985, ou seja, antes
da Constituição Federal de 1988 entrar em vigor, e, assim, seu texto foi sendo
parcialmente revogado por outras leis complementares, a exemplo das: 836/97 (Plano de
Carreira), 1093/09, que trata das contratações por tempo determinado, sem concurso
público, entre outras.

Tanto o Estatuto do Magistério, em seu art. 12, quanto a Lei 10.261/68, em seu
artigo 14, estabelecem que para provimento de cargo público, é necessário ser aprovado
em concurso público. Contudo, o plano de carreira para os aprovados e/ou integrantes do
quadro do magistério paulista, somente foi aprovado em 1997, pela Lei Complementar n.
836 de 30 de dezembro de 1997.

Tal Lei Complementar contempla nos artigos 18 a 23 a possibilidade de evolução


funcional do quadro dos servidores do magistério, que ocorrerá pela via acadêmica, por
| 555
meio da apresentação de títulos de pós-graduação; e, pela não acadêmica, mediante
comprovação de conclusão de cursos de aperfeiçoamento e atualização, sendo que nos
dois casos o prazo de quatro anos entre um e outro deve ser respeitado.

Vale lembrar que a contagem do interstício de 4 anos é interrompida caso o


docente fira a Lei complementar 836 de 1997, que reza sobre o Plano de Carreira para os
integrantes do Magistério, especificamente em seu art. 23, listando as possibilidades
consideradas para interrupção, quais sejam:

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i – professor é afastado para prestação de serviços em empresa,
fundação ou autarquia;
ii – para prestar serviço em outro órgão de Poder do Estado ou outra
secretaria;
iv – afastado para outras atividades que não o magistério;
iii – licenciado para tratamento de saúde, por mais de seis meses,
referente a: doença do próprio funcionário (acidente ou doença
profissional, no exercício da docência; tratamento de saúde;
acompanhamento do cônjuge ou parentes até segundo grau (a qual os
vencimentos são reduzidos gradativamente e proporcional aos meses de
tratamento;
iiii- afastamento para cursos de pós-graduação, especialização,
aperfeiçoamento no País ou no Exterior.

Apreende-se que tal Lei de 1997 fere a anterior publicada em 1968 (no.10.261),
que dispõe que será considerado efetivo exercício os dias que o servidor estiver afastado
pelas hipóteses do art. 78. Enquanto a Lei 10.261/68, elenca dezesseis casos de faltas
computadas como efetivo exercício para todos os efeitos legais, a de 1997 não elenca a
possibilidade de falta a ser contada como efetivo exercício, por exemplo, a licença por
falecimento de pessoa da família.

Há, portanto, de um lado, o Estatuto do funcionalismo consagrando direitos para


contagem de tempo de serviço, como as licenças referentes à paternidade, prêmio,
falecimento entre outras.

A PROVA DO MÉRITO

A Prova do Mérito foi implementada pela Lei Complementar n. 1097 de 27 de


outubro de 2009, a qual dispõe sobre o sistema de promoção dos quadros do magistério
| 556
do Estado de São Paulo e prevê a realização anual de prova, com vistas a obter um
aumento salarial de 10,5%. Ela regula os requisitos para a promoção dos professores, que
se dará por meio de prova teórica e/ou prática119, a ser aplicada após respeitar o intervalo
de quatro anos para os iniciantes na carreira e três anos contados da realização da última
prova do mérito.

119 A modalidade de avaliação é feita a cada ano, de acordo com Comissão organizadora. Essa Lei não
estabelece quais seriam os requisitos que podem nortear a escolha da modalidade de prova.

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No entanto, somente o cumprimento do intervalo que possibilita a participação na
prova é insuficiente para ser classificado para realizá-la. É condição que o candidato
apresente:

i. Periodicidade (80% dos pontos da tabela de frequência); e,


ii. Permanência na unidade de ensino (80% do tempo no mesmo local), não
sendo contabilizado o tempo em caso de pedido de remoção.120

A periodicidade é calculada, segundo o Decreto n. 55.217 de 21 de dezembro de


2009, a cada mês, considerando todo o tipo de falta, com exceção de: férias, licença à
gestante, licença- paternidade, licença por adoção, serviços obrigatórios (convocação para
trabalho nas eleições, e para o serviço militar) e licença por acidente de trabalho.

Nesse sentido, todo o professor que contemple o tempo de trabalho e interstício


só poderá prestar a prova mérito se abdicar de direitos consagrados como as licenças:

120
De acordo com a Decreto 55.217/09: Artigo 6º - Para atendimento ao previsto no item 3 do § 1º do
artigo 3º deste decreto, entende-se como tempo mínimo de permanência, o período em que o
servidor estiver classificado na mesma unidade de ensino ou administrativa do cargo ou função-
atividade em que concorre à promoção, há pelo menos 80% (oitenta por cento) do tempo fixado
como interstício exigido para cada faixa, correspondente a 1.168 (um mil cento e sessenta e oito) dias
para a promoção da faixa 1 para a faixa 2 ou 876 (oitocentos e setenta e seis) dias nas faixas
subsequentes.
§ 1º - Na promoção da faixa 1 para a faixa 2 poderão ser computados para fins de tempo de permanência
os dias de exercício em que o servidor permanecer numa mesma unidade de ensino ou administrativa,
considerando-se qualquer das unidades registradas no cadastro funcional do servidor.
§ 2º - Na promoção da faixa 2 para a faixa 3 e subsequentes, a alteração da unidade de ensino ou
administrativa de classificação no período do interstício fixado para a promoção interromperá o
cômputo do tempo de permanência, reiniciando sua contabilização a partir do exercício na nova
unidade, observando-se o registro existente no cadastro funcional do servidor, no momento da | 557
promoção.
§ 3º - No cômputo do tempo de permanência de que trata o “caput” deste artigo, não serão
consideradas as transferências e remoções ocorridas a critério da Administração.
§ 4º - O servidor ocupante de função-atividade docente que permanecer no mesmo campo de atuação
em que se encontra no momento da promoção, poderá computar para o tempo de permanência, na
mesma unidade de ensino ou administrativa, os períodos que mediaram entre as admissões e dispensas,
deduzindo-se os períodos de interrupção de exercício.
§ 5º - Os integrantes do Quadro do Magistério afastados junto a CEEJA - Centro Estadual de Educação
de Jovens e Adultos ou a Centro de Estudo de Línguas - CEL e os designados nos termos do artigo 22
da Lei Complementar nº 444, de 27 de dezembro de 1985, para exercer cargo da respectiva classe e/ou
de mesma denominação deverão, para concorrer à promoção, contabilizar o tempo de permanência na
unidade de ensino ou administrativa de destino.
§ 6º - Os servidores readaptados com sede de exercício diversa da unidade de ensino ou administrativa
de classificação, deverão contabilizar o tempo de permanência na unidade de exercício para concorrer
à promoção.

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saúde, nojo, para casamento, por exemplo. Conforme pode ser observado na
sistematização que segue:

Quadro I – Cronológico e comparativo: legislações referentes ao plano de carreira

Lei 10.261/68 LC 836/97 LC 1097/09


Estatuto dos Funcionários Públicos Plano de Carreira do c/c Decreto 55.217/09
Civis Magistério Periodicidade

Considera como efetivo tempo de serviço: Interrompe o efetivo tempo Não contam como
Art. 78... de serviço para fins de assiduidade para fins de
I. férias; ascensão na carreira: ascensão na carreira, todo
II- casamento, até 8 (oito) dias; i – se afastado para tipo de falta, com exceção
III- Falecimento do cônjuge, filhos, pais e prestação de serviços em de:
irmãos até 8(oito) dias; empresa, fundação ou férias, licença à gestante,
IV- falecimento dos avós, netos, sogros, do autarquia; licença- paternidade,
padrasto, madrasta, até 2(dois) dias; ii – para prestar serviço em licença por adoção,
V – serviços obrigatórios por lei; outro órgão de Poder do serviços obrigatórios
VI – licença quando acidentado no exercício Estado ou outra secretaria; (eleição, exército...) e
de suas atribuições ou atacado de doença iv – afastado para outras licença por acidente de
profissional; atividades que não o trabalho.
VII – licença à funcionária gestante; magistério;
VIII – Licenciamento compulsório, nos iii – licenciado para
121
termos do art. 206 ; tratamento de saúde, por
XIX – licença Prêmio; mais de seis meses,
X – faltas abonadas nos termos no parágrafo referente a: doença do
122
1º do art. 110, observados os limites ali próprio funcionário
fixados; (acidente ou doença
XI – missão ou estudo dentro do Estado, em profissional, no exercício | 558
outros pontos do território nacional ou no da docência; tratamento de
estrangeiro nos termos do art. 68123; saúde; acompanhamento
XIII – afastamento por processo do cônjuge ou parentes até
administrativo, se o funcionário for segundo grau (a qual os
declarado inocente ou se a pena imposta for vencimentos são reduzidos

121
Em caso de doença transmissível.
122
“as faltas ao serviço, até no máximo 6 (seis)por ano, não excedendo a uma por mês, em razão de moléstia
ou outro motivo relevante, poderão ser abonadas pelo superior imediato, a requerimento do funcionário,
no primeiro dia útil subsequente ai da falta.”.
123
A interesse do serviço público, com autorização do Governador.

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de repreensão ou multa; e, ainda, os dias que gradativamente e
excederem o total da pena de suspensão proporcional aos meses de
efetivamente aplicada; tratamento;
XIV – trânsito, em decorrência de mudança iv- afastamento para cursos
de sede de exercício, desde que não exceda o de pós-graduação,
prazo de 8 (oito) dias; especialização,
XV- provas de competições desportivas, nos aperfeiçoamento no País ou
termos do item I, do §2º do art. 765 no Exterior.
XVI – licença paternidade, por 5 (cinco) dias.

Fonte: Secretaria de Estado da Educação de SP. Elaboração própria 124

Estando de acordo com os requisitos elencados, após o cumprimento do prazo de


quatro anos para os iniciantes na carreira e três anos contados da realização da última
prova do mérito, o funcionário poderá prestar o concurso de promoção.

Não obstante, mesmo que os requisitos tenham sido cumpridos, inscrição


realizada, avaliação prestada e resultado obtido com êxito, não significa que o servidor
público será contemplado com a promoção, pois no art. 4º, §5º, regula que:

Quando o contingente total de integrantes de cada uma das faixas das


classes de docentes, suporte pedagógico e suporte pedagógico em
extinção for igual ou inferior a 4 (quatro) poderá ser beneficiado com a
promoção 1(um) servidor, desde que atendidas as exigências legais.

Assim, apenas 20% do total do quadro de magistério, tidos como aptos, poderão
eventualmente receber a promoção da carreira. Considera-se, portanto, que a prova do
mérito passa a ser mera expectativa de promoção, pois após a avaliação (alcance dos | 559
pontos mínimos por faixa de cargo) outros requisitos passam a vigorar:

124
Lei Complementar estadual nº 1.097, de 27 de outubro de 2009, Institui o sistema de promoção para os
integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria da Educação e dá outras providências. Publicada no
Diário Oficial do Estado de São Paulo em 27 de outubro de 2009.
Decreto nº 55.217, de 21 de Dezembro de 2009. Regulamenta a Lei Complementar nº 1.097, de 27 de
outubro de 2009, que institui o sistema de promoção para os integrantes do Quadro do Magistério da
Secretaria da Educação e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo em
21 de dezembro de 2009.
Lei Complementar nº 836 de 30 de dezembro de 1997. Institui o Plano de Carreira, Vencimentos e Salários
para os Integrantes do Quadro de Magistério da Secretaria da Educação. Publicada na Assessoria Técnico-
Legislativa, aos 30 de dezembro de 1997.

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i. Maior pontuação;
ii. Maior tempo de permanência na unidade de ensino; e,
iii. Maior frequência.

O servidor que não se inserir nos 20% que receberam a promoção poderá
participar novamente da prova, mas seguindo continuamente as restrições estabelecidas
para realizá-la.

Dialogando com as metas 17 e 18 do PNE referentes à valorização dos


profissionais do magistério das redes públicas de educação básica, uma delas aponta que
esse processo deve ocorrer de forma a nivelar os rendimentos dos professores a outras
profissões que exigem a mesma escolaridade que um docente e tal política deve ser
implementada até o 6o. ano do PNE; e, a 18, indica que deve haver planos de carreira para
esse segmento profissional assegurando o Piso Nacional. Nos parece importante
problematizar alguns aspectos que carecem de maior definição e debate acerca da
compreensão sobre a valorização do magistério. Em primeiro lugar, apreende-se a
existência de significativa contradição entre ambas, posto que o Piso Nacional dos
Professores estabelece, em 2016, o valor de R$ 2.135,64125 e, indaga-se: qual governo
municipal ou estadual alavancaria os salários equivalentes a outro profissional. Em
segundo lugar, de qual equivalência se fala na meta 17 quais seriam os critérios de
escolaridade para efetiva comparação? Carga horária da graduação? Tendo em vista a
vasta possibilidade de inúmeras profissões, com distintas remunerações, nos parece que
no plano do discurso ela tem boa sonoridade, contudo, frente aos dados aqui analisados
ela se mostra longínqua e nebulosa.
| 560
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As medidas tomadas pelo governo do estado de São Paulo, norteadas pela Nova
Gestão Pública, tem viabilizado a precariedade subjetiva entre os professores (VENCO,
2014, 2016). Os abismos criados entre professores efetivos e temporários, a limitação de
direitos, as pressões pelo cumprimento de metas tem resultado em um processo de
competição entre colegas e alimentando desagregação na categoria (MATTOS, 2012).

125
Lei do Piso (n o 11738 de 16/07/2008)

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Neste sentido, um novo sulco se instala mesmo entre os professores concursados, qual
seja a aprovação na prova do mérito que, segundo Mattos (2012) tem reforçado a
individualização.

A presente análise nos remete aos desdobramentos que tais medidas estão tendo
no comportamento dos docentes. Frente aos baixos salários um aumento de 10,5% não
pode ser desprezado, mas para lográ-lo é preciso abrir mão dos direitos, da participação
em greves e usufruindo a licença médica quando necessária.

VENCO (2016) constatou em pesquisa realizada junto aos professores da rede


estadual que é comum professores trabalhando doentes. Foram presenciados professores
com dengue, febris e mesmo uma professora de educação física em aula com uma perna
engessada por fratura.

Assim, depreende-se que a “Prova do Mérito” gera apenas uma expectativa de


direito e não corresponde à uma efetiva política de ascensão na carreira dos docentes,
gerando insegurança e, sobretudo: viola direitos constituídos, a exemplo do direito à greve
e à licença saúde.

Constata-se, assim, que para alcançar os êxitos propugnados pela Nova Gestão
Pública, os docentes devem abrir mão dos seus direitos. Assim, a política educacional
paulista traz a sua contribuição para possibilidades de adoecimento e enfraquecimento
político dessa categoria profissional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CLAD, Centro Latino Americano de Administração para o Desenvolvimento. Uma nova
gestão pública para a América Latina. 1998. Disponível em | 561
http://www.bresserpereira.org.br/Documents%5CMARE%5CCLAD%5Cngppor.pdf
HALL, David e GUNTER, Helen M.. New public management in England: the
permanent instability of neo-liberal reform. Educ. Soc. [online]. 2015, vol.36, n.132
[citado 2016-02-18], pp. 743-758 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
73302015000300743&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1678-
4626. http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302015152454
HAYEK, F.A. O caminho da servidão. São Paulo : Instituto Ludwig von Mises Brasil,
2010.

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MATTOS, Rosemary. A Política Educacional no Estado de São Paulo (2007-2010) e
suas articulações com o trabalho docente. Dissertação de mestrado defendida no
Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista de Piracicaba, 2012.
MELLO de, Miriam M. Lima; RIGOLON, Walkiria de Oliveira; Trabalho Docente e a
Cultura do Desempenho: Uma análise da Relação entre trabalho e Formação Continuada
de Professoras na Rede Estadual Paulista (2005-2007). Comunicações, n. 2, pg 47-61,
2011.
OLIVEIRA, Dalila. Os trabalhadores da educação e a construção política da profissão
docente no Brasil. Educar em Revista, Curitiba, n. especial 1, p. 17-35. Editora UFPR.
_______________reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização.
Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n 89, p. 1127-1144, Set./Dez. 2004.
VENCO, Selma; RIGOLON, Walkiria de Oliveira. Trabalho docente e precariedade:
contornos recentes da política educacional paulista. Comunicações, v. 2, p. 41-52, 2014.
VENCO, Selma. Relatório de Pesquisa CNPq. Jovens estudantes-professores no estado
de São Paulo: fiel retrato das precariedades objetiva e subjetiva? Processo nº
408885/2013-0. (mimeo)
Legislação

SÃO PAULO. Lei n° 10.261, de 28/10/1968. Dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários
Públicos Civis do Estado. Publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 28 de
outubro de 1968.

______ DECRETO N. 43.047, DE 22 DE ABRIL DE 1998. Dispõe sobre a Comissão de


Gestão da Carreira instituída pelo artigo 25 da Lei Complementar nº 836, de 30 de
dezembro de 1997 e dá providências correlatas. Publicada no Diário Oficial do Estado de
São Paulo em 22 de abril de 1998.

______ Lei Complementar estadual nº 1.097, de 27 de outubro de 2009, Institui o sistema | 562
de promoção para os integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria da Educação e
dá outras providências. Publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 27 de
outubro de 2009.

______Decreto nº 55.217, de 21 de Dezembro de 2009. Regulamenta a Lei


Complementar nº 1.097, de 27 de outubro de 2009, que institui o sistema de promoção
para os integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria da Educação e dá outras
providências. Publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 21 de dezembro de
2009.

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______Lei Complementar nº 836 de 30 de dezembro de 1997. Institui o Plano de Carreira,
Vencimentos e Salários para os Integrantes do Quadro de Magistério da Secretaria da
Educação. Publicada na Assessoria Técnico-Legislativa, aos 30 de dezembro de 1997.

| 563

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TRAJETÓRIAS DA PROFISSÃO DOCENTE NA
UNIVERSIDADE EQUATORIANA: EXPERIÊNCIAS DE
PROFESSORAS COMPREENDIDAS DESDE A ANÁLISE DE
DISCURSO PÊCHEUXTIANA
María Alexandra Clavijo Loor (UFRGS)
mclavijoloor@gmail.com

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar trajetórias da profissão docente
na universidade pública e privada de professoras no Equador, a base teórica para a
abordagem é a Análise de Discurso (AD) fundada por Michael Pêcheux na década de
1960, desenvolvida e reconfigurada depois pelo mesmo autor e outros que contribuíram
com esta proposta. A metodologia está compreendida numa prática de análise de discurso
a partir de entrevistas realizadas através de um formulário digital, encaminhadas a
professoras universitárias equatorianas com trajetória no exercício profissional em
relação ao tempo e as funções, com experiência de trabalho em universidade pública e
privada. Ao longo do trabalho desenvolvo a análise me apoiando com a caixa de conceitos
de Análise de Discurso Pêcheuxtiana, este referencial teórico basicamente consiste nas
seguintes noções: sujeito, sentido, discurso, ideologia, língua e história. Porém, são outros
conceitos que ampliam e aprofundam este quadro teórico. As questões desenvolvidas no
formulário, as quais compõem este documento são: as considerações das professoras
universitárias respeito a seus inícios na carreira, funções, crises profissionais, condição
salarial e prestigio social e diferencias baseadas em gênero no exercício profissional.
Finalmente, coloco algumas conclusões respeito às informações analisadas e ao marco
teórico trabalhado.
Palavras-chave: análise de discurso, mulheres, profissão docente na universidade.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por problemática central o estudo da configuração da


identidade sócio profissional das professoras universitárias no Equador, no marco da
pesquisa de doutorado que estou desenvolvendo, ainda em andamento: Configuração da | 564
identidade docente: mulheres, universidade e cidadania; no Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Neste contexto e respeito à
temática, entendo que a identidade profissional remete desde a decisão pela qual uma
pessoa se iniciou em determinada profissão até o cotidiano que configura a trajetória
profissional ao longo do seu exercício.
Assim, as questões consideradas como principais na constituição dessas trajetórias
do trabalho docente para este análise foram: as lembranças das professoras universitárias

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respeito a seus inícios na carreira, funções, crises profissionais, condição salarial e
prestigio social e diferencias baseadas em gênero no exercício profissional.
O dispositivo de conceitos ou “caixa de conceitos” que sustentam a teoria de
Análise de Discurso (AD) da linha francesa fundada por Michael Pêcheux na década de
1960 se mobilizam de tal maneira que cada um deles se relaciona com os outros no
processo que a/o analista de discurso realiza. Os principais conceitos que fazem parte do
referencial teórico são: discurso, ideologia, sujeito, história, língua e sentido. Outros que
também são importantes para esta perspectiva de análise de discurso: formação
discursiva, formação ideológica, formação imaginária, memória discursiva, intradiscurso,
interdiscurso, condições de produção discursiva.
Desta maneira, as formulações recolhidas através das entrevistas foram analisadas
levando a consideração os seguintes aspectos essenciais da Análise de Discurso (AD):
corpus discursivo (enunciação e formulações) em relação à superfície linguística
entendida por definições no dicionário e pertencimento às famílias parafrásticas;
condições de produção do processo discursivo; forma-sujeito, considerando lugares e
posições de sujeito; formação imaginária, formação discursiva e formação ideológica,
efeitos de sentido atendendo os estranhamentos (falta-excesso); e, diálogos com
exterioridades teóricas.
O corpo do trabalho compreende no início em uma delimitação teórica
metodológica desenvolvida em os sujeitos dos discursos, depois as próprias questões do
tema de estudo, seguidas de conclusões e referências.

DISCURSOS DE PROFESSORAS UNIVERSITÁRIAS SOBRE SUAS


| 565
TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS NA UNIVERSIDADE EQUATORIANA

Os sujeitos dos discursos


Na linha de Análise de Discurso Pêcheuxtiana o discurso é: “[...] entendido como
um efeito de sentidos dentro da relação entre linguagem e ideologia.” (Santos, 2013. p.
209). Sendo o discurso a noção privilegiada deste quadro teórico, se baseia no confronto
do simbólico e o político. A multiplicidade disciplinar com a que dialoga a AD deve
concretar numa noção fundamental de discurso, mesmo que para Pêcheux foi objeto de

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busca interminável, de fato levando a conclusão de que o discurso não tem definição
acabada, senão que em cada caminhada onde se trabalha com a AD esta noção é re-
significada. Então, as possibilidades dos discursos são infinitas, assim como os sentidos
que os configuram: “[...] entendido como processo social, cuja materialidade é linguística
[...] É através do discurso que se vai compreender como um material simbólico produz
sentidos e como o sujeito se constitui.” (Ferreira, 2003. p. 193).
Por outro lado, a noção de sujeito passa por entender o individuo como sujeito
“capturado”: “[...] sujeito de uma formação social que se reconhece como sujeito por
práticas no interior de formações ideológicas, referendadas por meio de formações
discursivas.” (Santos, 2013. p. 218). Esta noção é diferenciada entre as perspectivas de
Pêcheux e Foucault mencionada por Zandwais (2009), e citada por Sonia Santos:

[...] se o sujeito de Foucault (2009a: 107) “é uma posição que pode ser ocupada por qualquer
individuo, de modo alternado”, nos diversos enunciados produzidos em situações diversas, o
sujeito de Pêcheux, por sua vez, se constitui no processo de interpelação, sendo “capturado”
pelas determinações históricas que 'o falam' antes que ele fale de si mesmo. (Santos, 2013. p.
223).

Mesmo que a AD opera com a teoria da subjetividade de natureza psicanalítica,


como salienta Maria Cristina Ferreira (2003), o sujeito do discurso não é o mesmo sujeito
da psicanálise, pois, enquanto a o sujeito da psicanálise é do desejo e do inconsciente, na
AD inconsciente e ideologia estão materialmente conectados através da linguagem, além
disso:

[...] mais do que o sujeito, interessam as posições sujeito, uma vez que o sujeito é pensado
discursivamente como uma posição entre outras [...] O sujeito do discurso, em sua relação com | 566
a língua, estabelece um processo de constituição mútua, constituindo-se e constituindo-a no seio
dos acontecimentos histórico-sociais. (Ferreira, 2003. p. 192)

Então, em relação aos sujeitos e seus discursos no presente exercício de análise,


com o objetivo de recuperar as experiências da trajetória profissional das professoras em
universidades do Equador, organizei um instrumento que recolheu a informação relevante
sobre o exercício docente na universidade com a finalidade de realizar uma leitura de tais
trajetórias através da abordagem da Análise de Discurso.

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O instrumento desenhado foi um formulário digital de google drive em espanhol,
que contem dois apartados: informação pessoal e questões sobre o tema de estudo. Ao
procurar os dados pessoais, o primeiro passo foi escolher um pseudônimo, mesmo
pedindo seus nomes e sobrenomes reais os quais para fins deste trabalho serão mantidos
no anonimato e serão referidos somente os pseudônimos. As opções para escolha dos
pseudônimos foram selecionados em homenagem às educadoras equatorianas Rita
Lecumberri, María Luisa Gómez de la Torre e Dolores Cacuango, e as heroínas da história
equatoriana: Manuela Sáenz, Manuela Espejo y Manuela Cañizares.
Então, duas professoras, Manuela e Rita, estão na faixa etária entre os 55 e 65
anos, ambas são equatorianas e casadas, com 2 e 3 filhos respetivamente, também as duas
se auto reconhecem mestiças desde o ponto de vista da identidade étnica cultural, com
formação de graduação no caso de Manuela na área das ciências sociais e de Rita da
saúde, e ambas com pós-graduação em educação superior. Respeito ao trabalho na
universidade, Manuela é professora titular auxiliar de meia jornada numa universidade
pública com experiência de 16-20 anos no exercício docente; enquanto Rita é professora
titular auxiliar de tempo parcial numa universidade privada com experiência de 6-10 anos
como docente.

Questões sobre o tema de estudo


Neste segundo apartado do formulário se colocaram perguntas, cujas respostas são
consideradas como corpus discursivo para serem analisados a partir da AD. As perguntas
se basearam nos inícios como professoras universitárias, as funções exercidas nas
instituições de ensino superior nas quais trabalham (docência, pesquisa, extensão e
| 567
gestão), experiências sobre crise profissional no exercício docente, considerações sobre a
condição salarial e o reconhecimento e prestígio social da docência universitária e
reflexões sobre as diferencias baseadas em gênero em relação ao exercício da profissão
docente na universidade. Estas questões são trabalhadas a continuação tomando em conta
os enunciados no idioma que foram preenchidos, o espanhol.

Inícios da profissão docente na universidade

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Para aprofundar nos inícios da profissão docente é importante mencionar algumas
noções sobre identidade, em geral, para assim refletir a identidade profissional de maneira
específica. Entendendo por identidade, a partir de uma base sociológica, dimensões que
acionam ao mesmo tempo:

Na primeira dimensão, trata-se das formas “especiais” de relações sociais (eixo relacional), no
segundo caso trata-se das formas de temporalidade (eixo biográfico). Essas dimensões
“relacionais” e “biográficas” da identificação combinam-se para definir o que chamo de formas
identitárias, formas sociais de identificação dos indivíduos em relação com os outros e na
duração de uma vida. (Dubar. 2009. p. 17).

Além disso, a identidade compreendida como a mais íntima dimensão da pessoa,


construída através da interação social, está determinada pelo contexto e pelas condições
de vida individual em relação com o social, a cultura, a religião, a família, o território,
entre outros aspectos próprios de cada ser humano. Não é uma qualidade estática, senão
que muda constantemente segundo as circunstancias de vida, não aparece de repente nem
desaparece do mesmo jeito, se encontra em mudança e também é composta. Está definida
pelo sentido ao que se outorga mais importância, como: “[...] una determinada jerarquía,
ésta no es inmutable, si no que cambia con el tempo y modifica profundamente los
comportamientos.” (Maalouf, 2012. p.24).
Saliento o pressuposto de identidade como todas as decisões e as circunstâncias
que involucram o eu e o nós ao mesmo tempo, é múltipla, se transforma e se refaz, e não
na concepção limitada do idêntico ou uma reprodução voluntária ou involuntária. A
identidade como uma busca constante, que distingue individualmente uns com outros,
mas também unifica coletivamente. Na pluralidade, o sentido da raiz latina ídem (o
| 568
mesmo, também/tampouco) ajuda na compreensão da identidade do eu e do nós em
mudança e conexão interminável. O qual me leva a associar os conceitos de interdiscurso
e intradiscurso no campo da AD, os quais são para a identidade a dimensão comunitária
e a dimensão individual, ambos dialogam, intervém, mudam, se reconfiguram, até se
rejeitam segundo a noção de identidades assassinas de Maalouf.
Desta maneira, já em matéria da trajetória da profissão docente, assim o início das
professoras na universidade é recuperado por elas pelos concursos, a vocação, o gosto e
a preparação como principais lembranças. O corpus discursivo que levanta o concurso é
o seguinte: “Inicié por concurso de merecimientos y oposición para la cátedra de

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Sociología [...] con nombramiento accidental.” (Manuela, 2016). O que chama a atenção
é o destaque do concurso de merecimento, questão que mais adiante aparece como
meritocracia, e referente ao mérito, significa: merecimento, aptidão, superioridade, valor
moral e intelectual. A condição de produção do processo discursivo é o concurso público
que a universidade faz para o ingresso de docentes à instituição, e o mérito da professora
para ganha-lo. A forma-sujeito, a partir da formulação, indica a validade em forma de
autoridade do discurso, da experiência e trajetória. Entendido por paráfrases merece as
funções que exerce. Em relação às formações, destaco a formação ideológica que no
discurso legitima a profissão docente, e a empodera em suas funções. Como efeitos de
sentido, o mencionado concurso permite entender que além de ter ganhado o espaço, seu
discurso é legítimo em relação a outros que não tem o referido merecimento ou mérito. A
falta de colocação do exercício trabalhista como a didática e o ensino me leva a pensar
que deixa de ser uma preocupação justamente pela formação académica da professora, e
é por isto que suas colocações na trajetória são outras, como as político-pedagógicas e
institucionais.
Por outro lado, aspectos como: vocação, carinho, gosto, preparação, atenção,
foram levantadas para lembrar o início da trajetória profissional:

En mis inicios me sentía insegura, porque mi docencia es más por vocación y cariño [...] pero
como siempre me ha gustado ser docente traté de hacerlo de la mejor manera que creí en ese
tiempo con mis clases magistrales, preparándome de antemano para dar lo mejor de mí, además
con audiencia de mucho alumnado que me veía de pies a cabeza y me observaba con atención y
respeto por un lado y con sonrisas y bullicios por otro. (Rita, 2016).

De acordo com esta última formulação, faço um recorte no sentimento de


| 569
insegurança nos inícios do exercício profissional na universidade. O qual ao conectar
com o corpus discursivo de Manuela, encontro que devido à formação acadêmica em uma
área do conhecimento que não é a educação é que ocorre tal sentimento, entre um dos
efeitos de sentido. Destaco a superfície linguística de vocação e carinho, o que significa
vocação: disposição natural do espírito ou inclinação para a vida religiosa, e o caso do
carinho é um sentimento ou gesto que se mostra. Além da disposição ou inclinação
sentimental, é importante destacar também a preparação, entendida como habilitação para
o exercício docente. A condição de produção do processo discursivo, neste caso, é o
espaço da sala de aula, o ensino, a problemática pedagógica. A forma-sujeito responde a

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inserção num espaço onde convergem todas as áreas de conhecimento e formação
profissional, mas é principalmente o espaço da educação onde as bases de conhecimento
disciplinar podem ser até consolidadas o que não significa o domínio da didática de tais
bases, o qual gera a insegurança antes mencionada. A formação imaginária que saliento
é a de uma visão de modelo da docência, ao fazer referencias de vocação o que também
revela a posição sujeito. Como principal efeito de sentido, o discurso indica que frente à
insegurança tem responsabilidade manifestada na preocupação por estar mais bem
preparada para exercer a função de ensino na sala de aula universitária.

Funções e crise profissional nas trajetórias docentes


As relações de trabalho se tecem no contexto da organização social, econômica,
política, cultural, desta maneira é importante analisar a docência como categoria sócio
profissional e suas fases de crise dentro das mudanças de projeto social, as instituições e
seus agentes.
Respeito ao contexto da modernização é necessário considerar a reflexão de
Dubar: “Partindo da dinâmica do capitalismo como “destruição criadora” e “processo de
racionalização”, focalizarei as evoluções do emprego e as transformações do trabalho do
ponto de vista de seu sentido e das relações sociais que elas põem em jogo.” (Dubar, 2009.
p. 118).
As principais funções destacadas pelas professoras na sua trajetória foram
coordenações relacionadas à pesquisa e à docência. O enunciado que levanta os cargos
de coordenação e direção é o seguinte: “Coordinadora Académica del Proyecto
Universitario [...] Coordinadora de investigación de la Carrera [...], actualmente
| 570
integrante del equipo de Investigación y Posgrado [...], integrante del Consejo Directivo
de la Facultad [...]” (Manuela, 2016).
Porém, a função de docência sem outra função articulada à trajetória profissional
na universidade, se materializa no corpus discursivo: “Únicamente docencia” (Rita,
2016). É preciso mencionar que a função de docência era a mais exercida na universidade
equatoriana há alguns anos, a sobrecarga de trabalho no âmbito do ensino era a dinâmica
geral, deixando por um lado a pesquisa, extensão e gestão. Inclusive docentes que
trabalhando tempo integral ou mais do que isso não tinham a categoria de titular, eram

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considerados trabalhos por hora, o qual mantinha condições de precarização laboral a
muitos profissionais da educação superior.
Respeito às experiências de crise profissional as duas professoras responderam
que sim atravessaram momentos de crise, resumidos nas concepções de autoridades,
limitando o exercício do posicionamento diferente, a perda da autonomia institucional e
a submissão à projetos alheios aos interesses universitários, dependência da pesquisa, e a
preocupação sobre a didática relacionada ao ensino na sala de aula.
O sociólogo francês Claude Dubar utiliza a noção de crise num sentido múltiplo,
assim: “Fase difícil atravessada por um grupo ou indivíduo [...] ruptura de equilíbrio entre
diversos componentes.” (Dubar, 2009. p. 20). E, como a identidade é composta por
múltiplas pertenças, uma dessa a profissional, é preciso compreender a concepção de
Dubar sobre a identidade profissional, então:

[...] As formas identitárias no sentido definido [...] (configurações Eu-Nós) e tais como podem
ser referidas no campo das atividades de trabalho remuneradas [...] identidades de atores num
sistema de ação [...] tipos de trajetória no decorrer da vida de trabalho [...] As identidades
profissionais são maneiras socialmente reconhecidas, de os indivíduos se identificarem uns aos
outros no campo do trabalho e do emprego. (Dubar, 2009. p. 117-118).

As limitações com as que o pensamento plural se encontra quando os espaços de


poder e toma de decisões restringem as diferentes perspectivas epistemológicas, foram
colocadas em referência à implantação de um projeto de gênero na universidade pública:
"Sí. La primera, cuando no tuvimos la posibilidad de institucionalizar el Programa
Universitario [...] por persistencia de las concepciones y visiones androcéntricas de las
principales autoridades de la Universidad.” (Manuela, 2016). A superfície linguística da
| 571
formulação que me interessa aprofundar é a das concepções e visões androcêntrica, o que
significa que a concepção é compreender, idear, imaginar, fantasiar; a visão é a percepção,
imaginação, ideia; enquanto o androcentrismo é a visão do mundo centrada no ponto de
vista masculino. A condição de produção desta formulação tem a ver com práticas que
acontecem comumente nas universidades e que limitam o seu desenvolvimento, uma
espécie de rivalidade e medição de forças de diferentes formas de conhecimento que
afetam também as funções que exercem as professoras e gera crise profissional ao ter que
enfrentar um ambiente constante de “briga”, pugna entre forças ao interior das
instituições. A forma-sujeito de Manuela é de uma mulher empoderada do seu lugar de

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mulher docente e preocupada com os assuntos de gênero na universidade. A formação
ideológica remete a um posicionamento feminista de sustento teórico e defesa política ao
pretender que a universidade trate os temas de gênero como parte da formação. Como
efeitos de sentido, destaco a resistência de posições androcêntricas nas universidades em
relação à implantação das contribuições feministas e de gênero nas universidades, não
somente de autoridades senão de diferentes agentes.
Além disso, foi colocada a questão de submissão a partir da aprovação da Lei de
Educação Superior no ano 2010 no Equador, em relação à perda da autonomia:

La segunda ocasión, que es en estos últimos años , por las evidentes dificultades para enfrentar
desde la academia, el proyecto de sometimiento a la universidad pública de los países
dependientes, desde los centros de poder de la globalización; proyecto que en el Ecuador se
consolida con la aprobación de una Ley de Educación Superior, la implementación de políticas
de Estado y el fortalecimiento de una nueva estructura de ordenamiento (sometimiento) que ha
repercutido en la eliminación de principios universitarios sustantivos [...]”(Manuela, 2016).

O mencionado pela professora responde a um projeto político pedagógico a escala


mundial, do qual podemos entender na exterioridade teórica desde o campo da sociologia:

Desde 2000, a transnacionalização neoliberal da universidade ocorre sob a égide da Organização


Mundial do Comércio no âmbito do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS). A
educação é um dos doze serviços abrangidos por este acordo e o objetivo deste é promover a
liberalização do comércio de serviços através da eliminação progressiva e sistemática, das
barreiras comerciais. (Santos, 2010. p. 33).

Além disso, a crise mesmo que institucional é também profissional, assim como
acrescenta o Prof. Boaventura de Sousa Santos: “A liberdade acadêmica é vista como um
obstáculo à empresarização da universidade e à responsabilização da universidade ante
| 572
as empresas que pretendem os seus serviços.” (Santos, 2010. p. 32). Então, as funções
profissionais se vêm afetadas em todas suas ações, como na função da pesquisa
mencionada pela professora:

Crisis profesional porque es evidente que la investigación hoy está sujeta a los intereses de un
gobierno y no se desarrolla en la perspectiva de que la universidad contribuya a través de la
investigación y la generación de conocimientos a la solución estratégica de los problemas del
país [...] (Manuela, 2016).

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Mas, a crise também foi assinalada no âmbito da didática e a inovação, pensadas
na sala de aula universitária:

Sí, algunas veces [...] cada vez quiero implementar nuevas tecnologías, nuevas formas
didácticas, innovar, crear conocimientos nuevos y me he sentido que estoy fallando y que no he
podido lograr lo que he querido, aunque por otro lado las calificaciones de mis alumnos hacen
que me motive y siento que estoy yendo bien. (Rita, 2016)

Nesta última formulação coloco em destaque a superfície linguística referida às


novas tecnologias, novas formas didáticas, inovação. Estes termos significam,
começando pela tecnologia, uma ciência cujo objeto é a aplicação do conhecimento
técnico com fins industriais ou comerciais, ou os termos técnicos referidos a uma arte ou
ciência; a didática é a arte de ensinar com método os princípios de uma ciência, ou os
métodos e técnicas para ensinar; e inovar é introduzir novidades, renovar, inventar, criar.
Com esta formulação, a condição de produção é a sala de aula universitária, e neste espaço
a função de ensino da professora. A forma-sujeito assumida reflete a preocupação pela
qualidade da aula, do ensino. A formação discursiva manifesta certa contradição ao
mencionar a insegurança, mas também os bons resultados, o que mostra instabilidade,
mas como efeitos de sentido uma posição desafiante, se sentido por um lado que falha,
mas por outro que se motiva pelos esforços e bons resultados.
Em fim, em relação às funções profissionais e as fases de crise na universidade, a
mudança dos modelos universitários de uma instituição de origem na modernidade,
coloca em este espaço o interesse peculiar pelas dimensões que a transnacionalização das
trocas universitárias na ordem da globalização do capital mundial possibilita estabelecer
como a norma de excelência, com alguns condicionamentos: | 573

Para sobreviver, as universidades têm de estar ao serviço destas duas ideias mestras – sociedade
de informação e economia baseada no conhecimento – e para isso têm de ser elas próprias
transformadas por dentro, por via das tecnologias da informação e da comunicação e dos novos
tipos de gestão e de relação entre trabalhadores de conhecimento e entre estes e os utilizadores
ou consumidores. (Santos, 2010. p. 30).

E neste mesmo sentido a crise institucional provoca uma interminável


instabilidade ao interno, às vezes manifestada como um espaço de disputa respeito ao
poder de implantar projetos político-pedagógico alternativos, mas também com a

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possibilidade de exercer o papel de “biruta”, definido pelo Prof. Pedro Goergen como o
fazer segundo o movimento do vento, ou seja, terceiros, sem critério próprio nenhum.
Finalmente, no meio das crises os fundamentos epistemológicos ainda convergem no
espaço universitário, numa relação de forças onde as identidades profissionais e
institucionais se desestabilizam: “[...] a revisão crítica dos princípios modernos representa
também uma desestabilização das bases modernas da universidade. Desestabilizada nos
seus fundamentos, a universidade vive, de certo modo, um momento esquizofrênico da
perda de identidade.” (Goergen, 2000. p. 113).

Condição salarial e prestígio social da docência universitária


A universidade até na atualidade é uma instituição com maior presença masculina,
não somente na quantidade das pessoas que a integram senão nas suas concepções
manifestas nas relações sociais que se tecem dentro dela. Assim, a universidade como
espaço de trabalho conta com mais mulheres hoje do que nos seus inícios como instituição
medieval. Mesmo assim , segundo Gilson Pereira (2001), citado por Joseane Spies e Dóris
Fiss (2015): “os integrantes do magistério [...] viveram
literalmente na pele a dura experiência da desvalorização salarial, da perda do amor-
próprio e da queda-livre do prestígio profissional, isto é, do diploma e das credenciais
simbólicas” (Spies, J e Fiss, D. 2015. p. 122). Questão que também atinge à universidade.
O principal destaque na formulação que apresento a continuação se refere à
meritocracia em relação ao plano de carreira, o qual responde ao projeto político
pedagógico das universidades:

| 574
Existe un nuevo ordenamiento respecto de lo que significa la carrera docente, se hace un
excesivo énfasis en la meritocracia [...] no es una garantía para un mejoramiento en el papel de
docente. También hay que analizar este tema en el contexto general del proyecto globalizador
para las universidades, pues ahora, "ha mejorado" el perfil académico de la planta docente de
todas las universidades del país, pero casi es nula la acción crítica y propositiva de la misma
frente a los problemas universitarios. (Manuela, 2016).

A condição de produção do processo discursivo do enunciado anterior indica a


legitimidade da profissão docente. A forma-sujeito indica uma posição de análise do
corpo docente universitário, o que leva a pensar no efeito de sentido da contradição, ao
indicar que mesmo melhorando o perfil acadêmico dos professionais universitários a ação

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crítica é nula. Mas, é preciso colocar a questão levantada anteriormente sobre as
limitações dos modelos universitários onde os méritos profissionais não garantem por si
só o desenvolvimento da instituição.
Por outro lado, no caso da universidade privada, a professora Rita levanta a
diferenciação entre o tempo de dedicação das professoras e os incentivos.

Creo que la universidad privada donde imparto mis clases paga bien, exige, pero también hay
buena retribución en especial para las profesoras a tiempo completo, las de tiempo parcial no
tenemos ciertos incentivos, pero también es de acuerdo a la ley de nuestro país. (Rita, 2016).

A formulação que considero mais importante é a exigência e a retribuição,


determinada pelo tempo de dedicação. A superfície linguística significa então, que exigir
tem a ver com reclamar em virtude de um direito que se julga ter, ordenar, precisar;
retribuir, por seu lado é gratificar, pagar, recompensar, agradecer, corresponder; e,
dedicação é oferecer, consagrar, destinar, entregar-se, aplicar-se, destinar-se, sacrificar-
se. A condição de produção é a categoria no plano de carreira, o que indica a forma-
sujeito desde um lugar mais afastado das condições cotidianas do exercício docente, o
que se entende como efeitos de sentido é o excesso do mérito acadêmico e a importância
do tempo de dedicação, com isto a condição salarial é boa. A formação discursiva afirma
a posição sujeito, pois evidenciamos um funcionamento parafrástico do discurso, que com
dedicação de tempo parcial não é boa à condição salarial e os incentivos.

Diferenças baseadas em gênero no exercício profissional na universidade


A docência em qualquer nível de educação que seja analisada, desde sua
historicidade, tem uma tradição muito marcada de diferencias baseadas em gênero, ou | 575

seja, os papeis cultural e socialmente construídos e assignados a partir do sexo, assim


como se manifesta em outras instituições sociais como o Estado e a família, acontece na
escola. No caso da imagem da docência diferenciada no feminino e no masculino:

Professoras foram vistas, em diferentes momentos, como solteironas ou “tias”, como gentis
normalistas, habilidosas alfabetizadoras, modelo de virtude, trabalhadoras da educação;
professores homens foram apresentados como bondosos orientadores espirituais ou como
severos educadores, sábios mestres, exemplos de cidadãos [...] (Louro, 1997, p.100).

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Da informação recolhida das professoras, encontro duas posições contrapostas,
uma afirma que sim tem diferencias baseadas em gênero no exercício profissional na
universidade, enquanto a outra manifesta que não encontra tais diferencias. Assim: "En
términos legales no, pero sí es evidente la persistencia de concepciones androcéntricas
en los procesos de ingreso, asignación de tareas y delegación de funciones de dirección
académica y administrativa.” (Manuela, 2016).
Outra argumentação levantada pela professora se refere aos serviços a favor das
mulheres universitárias: “[...] retrocesos en cuanto a la provisión de servicios, como por
ejemplo el Centro de atención infantil que ya no funciona [...]” (Manuela, 2016).
A formulação que destaco é a assinação de tarefas e delegação de funções
acadêmicas e administrativas. A condição de produção do processo discursivo é o
cotidiano das funções docentes no espaço universitário. A forma-sujeito faz referência a
uma posição de crítica e resistência às condições de trabalho para as mulheres na
universidade. A formação ideológica destaca questões já ditas como a submissão, o
retrocesso e as concepções androcêntricas. Os efeitos de sentido indicam que mesmo com
instrumentos legais que estipulem inclusão e igualdade, e até paridade, não garantem que
a vontade política e, portanto, as decisões nos processos internos das instituições se
acolham às normas legais. Um outro efeito de sentido que encontro no corpus discursivo
é a ação que aparenta acesso igualitário aos espaços de poder mas não é bem assim, por
exemplo, as coordenações de curso que no Equador chamaríamos de coordinaciones de
carrera, são um nível de gestão de menor autoridade mas de maior carga de trabalho,
mais administrativo do que acadêmico, esse é geralmente o lugar das mulheres, enquanto
os lugares nos decanatos, direções de departamentos ou institutos, pró-reitorias e reitorias
| 576
são ainda lugares de homens.
Do seu lado, a professora Rita afirmou rapidamente que encontra igualdade, então
diferencia nenhuma: “Creo que hay igualdad, no me parece que exista diferencias.”
(Rita, 2016). A superfície linguística que escolhi é a igualdade e as diferencias. A
definição de igualdade é relação entre coisas ou pessoas iguais, correspondência perfeita
entre as partes de um todo, organização social onde não há privilégios de classe;
diferencia significa o diverso, distinguir, discriminar, reconhecer. As condições de
produção são por um lado o tempo de dedicação e por outro as situações que o tempo

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parcial limita para enxergar o cotidiano da vida universitária, faço esta leitura pelo não
dito, pois a resposta curta e fechada sem argumentação nem crítica sobre a igualdade, pois
num contexto sócio histórico de desigualdade, a igualdade só provoca ainda mais
desigualdade. A forma-sujeito indica que o lugar de posicionamento é o de estar a favor
da igualdade quando menciona o “creo”, porém, funcionamento polissêmico do discurso
permite ampliar muitos sentidos. A formação ideológica que coloco como contraponto é
a das ações afirmativas, pois numa instituição historicamente androcêntrica a política de
igualdade só significa nos fatos a reafirmação da injustiça. Portanto, efeitos de sentido
que encontro são os dos usos do tempo baseados em gênero, menciono como principal
exemplo que ainda hoje as tarefas domésticas e do cuidado da vida humana continuam
sendo responsabilidade (obrigação) das mulheres, mesmo tendo atingido atualmente
responsabilidades profissionais importantes. Com isto, não há igualdade mesmo, os
tempos e as responsabilidades são muito diferentes para homens e mulheres, tanto fora
do local do trabalho (o qual sim contribui ao desenvolvimento do capital cultural) ou
dentro deste nos lugares e funções que geralmente são assinadas.

CONCLUSÕES
Vou me referir primeiro à tarefa de analista de discurso. Considero que a parte
mais difícil e desafiante para a elaboração do trabalho de AD é manter sempre presente a
diferenciação entre: estar interpretando o que as pessoas dizem respeito a um tema e
analisar os discursos apoiando-se com a caixa de conceitos da AD e todo o referencial
teórico existente. O exercício que se faz com a subjetividade é muito rico, sem perder de
vista a materialidade do discurso.
| 577
Coloco em destaque os diferentes lugares (forma-sujeito), preocupações e
circunstâncias que fazem que cada professora assuma sua trajetória desde distintas
condições de produção dos seus discursos. Questões diferenciadas como o projeto político
pedagógico das instituições universitárias e a sua função na sala de aula refletem tais
lugares, que ao longo do trabalho ressaltam.
Nos inícios, o concurso de méritos e a vocação, foi o mais relevante, nas funções
a coordenação e a docência, fazendo ênfase ao enfrentar visões androcêntricas e a
heterogeneidade do discurso que se mostra com a polifonia do mesmo, conceito

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produzido por Bakhtin e depois ampliado por Ducrot: “uma forma de concerto polifônico,
uma unidade, uma coerência, que harmonizando as diferentes vozes, quer “apagando” as
vozes discordantes.” (Brandão, 2004. p. 83). Pois encontrei como todas as vozes que
compõem o eu se manifestaram, assim, os medos, a razão, os conhecimentos, as
experiências, os interesses, em fim, todas essas formas indentitárias, além da profissional,
falando ao mesmo tempo.
A Crise profissional, que também tem a ver com a institucional, segundo o
dialogado entre os discursos e a exterioridade teórica, se destaca no exercício da pesquisa
e as funções na sala de aula como as principais preocupações das professoras.
Finalmente, as diferencias baseadas em gênero na profissão docente têm posições
contrapostas que dependem do tempo de dedicação e as condições de produção dos
discursos o qual também coloca as formas sujeito das professoras. Preciso manifestar
minha sincera gratidão às professoras que com seus discursos são parte importantíssima
deste trabalho de recuperação das suas trajetórias profissionais na universidade, Manuela
e Rita, muito obrigada.

REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Helena Nagamine. Introdução à análise de discurso. 2. ed. Campinas, São
Paulo: Editora da UNICAMP, 2004.

DUBAR, Claude. A Crise das Identidades: A Interpretação de uma mutação. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2009.

FERREIRA, Maria Cristina Leandro. O caráter singular da língua na análise de discurso. | 578
Organon – Discurso, língua e memória, Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, v. 17, n. 35, 2003, p. 189-200. Disponível em:
file:///D:/DORIS/MESTRADO/Biblioteca%20virtual/FERREIRA,%20M.C.L.%20O%2
0car%C3%A1ter%20singular%20da%20l%C3%ADngua%20na%20an%C3%A1lise%2
0de%20discurso..pdf

GOERGEN, Pedro. A crise de identidade da Universidade Moderna In: PEREIRA,


Elisabete Monteiro de Aguiar; SANTOS FILHOS, José Camilo. Escola e Universidade
na Pós-Modernidade. São Paulo: FAPESP, 2000, p. 101-161.

LOURO, Guacira. (1997). Gênero, sexualidade e educação. Petrópolis: Editora Vozes.

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MAALOUF, Amin. Identidades asesinas (5a. edición). Madrid: Alianza Editorial. 2012.

SANTOS, Boaventura. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e


emancipatória da Universidade. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

SANTOS, Sonia Sueli Berti. Pêcheux. In: OLIVEIRA, Luciano Amaral (org.). Estudos
do Discurso: perspectivas teóricas. 1 ed. São Paulo: Parábola, 2013. p. 209-233.

SPIES, Joseane; FISS, Dóris Maria Luzzardi. Identidades docentes, charges e crise do/no
magistério: efeitos de sentidos. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.23, n.1,
p.100-131, jan./jun. 2015. Disponível em:
http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/5637

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VIOLÊNCIA EM MEIO ESCOLAR: NECESSIDADES
FORMATIVAS PARA DESENVOLVER O TEMA NA
ESCOLA
Lívia Arruda Abranches (PPGE-UEMS)
livinharruda@hotmail.com
Prof. Dr. Elson Luiz de Araujo (PPGE-UEMS)
elsonla@gmail.com

RESUMO
Este texto é um recorte da pesquisa de mestrado em Educação que está sendo realizada
na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e se encontra no âmbito do Observatório
da Educação (OBEDUC/CAPES). Por meio da revisão bibliográfica buscamos fazer uma
reflexão acerca da formação do professor para trabalhar a temática da violência escolar
como tema transversal. Ressaltamos a importância da reorganização da escola em um
trabalho coletivo e interdisciplinar e da necessidade da formação docente para
desenvolver a temática que vem interferindo de forma negativa no processo de ensino e
de aprendizagem, bem como nas relações interpessoais e de amizade dentro da escola.
Concluímos que escola precisa se reorganizar de forma a atender as novas demandas da
sociedade contemporânea; assim como a formação docente seja capaz de refletir sobre a
fragmentação de conteúdos para uma trabalho coletivo, de respeito à diversidade e
comprometida com o desenvolvimento da sociabilidade, do respeito e da melhoria das
relações interpessoais estabelecidas na escola e no processo formativo.
Palavras-chave: Formação docente. Violência. Temas transversais

INTRODUÇÃO

Este texto é um recorte da pesquisa de mestrado em Educação que está sendo


realizada na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e se encontra no
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âmbito do Observatório da Educação/ OBEDUC-CAPES. Por meio da revisão
bibliográfica buscamos uma reflexão acerca da formação do professor para trabalhar a
temática da violência escolar como tema transversal, sua prevenção e minimização no
meio escolar. Consideramos que o conhecimento sobre a temática da violência é
preponderante para um trabalho constante na escola e eficiente por parte do professor,
que muitas vezes se vê sem ação diante de situações de incivilidade, indisciplina,
preconceito e violência.

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Não temos a pretensão de esgotar as possibilidades de reflexão sobre o tema,
entretanto, relacionamos três aspectos importantes em nossa pesquisa: violência em meio
escolar, temas transversais e a formação de professores.
A educação escolarizada tem se deparado com uma série de problemas os quais
podem influenciar a ocorrência da violência: as desigualdades sociais, os conflitos entre
raças, a discriminação de gênero, o desrespeito à diversidade sociocultural, as disputas
religiosas, e outros aspectos provenientes das transformações e da organização familiar,
das ideologias e princípios éticos e de cidadania produzidos na sociedade contemporânea.
Assim, a violência tem se constituído um tema de urgência social e atende aos
critérios da transversalidade por afetar a sociedade, as comunidades, as famílias, os alunos
e os professores em seu cotidiano, e por isso tem sido necessária a intervenção de cada
um de nós.
Por ser um problema social crescente, a violência tem despertado preocupações
nas pessoas e em diversas instituições como universidades, ONGs, escolas e igrejas. Em
busca da minimização de sua ocorrência e de compreensão desse fenômeno, tem-se
realizado estudos e pesquisas; novas leis vêm sendo instituídas e elaborados projetos que
visam a ações intervencionistas na realidade.
O fenômeno da violência sempre esteve presente na história da humanidade e
Odália (1991) destaca em seus estudos que, como fenômeno social, ela tem interferido na
organização dos espaços sociais, bem como nas relações interpessoais estabelecidas entre
as pessoas, de diversas formas e em diferentes contextos, à medida em que as sociedades
se transformam.
No âmbito da violência escolar Charlot (2002); Sposito (2001); Abramovay e
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Ruas (2002), Cubas (2007) mostram que o fenômeno não é recente e se apresenta como
uma problemática de caráter mundial, que ganha maior gravidade com a entrada de armas
brancas e de fogo na escola, com o narcotráfico e o uso de drogas.
As causas e consequências da violência em meio escolar são apresentadas por um
vasto campo de estudos nas diversas áreas do conhecimento, como na saúde, a psicologia,
sociologia, filosofia e educação, no entanto, abordamos a necessidade de o professor estar
se apropriando desse conhecimento durante seu processo de formação para trabalhar a
temática na escola com seus alunos.

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A EDUCAÇÃO FRENTE UMA REALIDADE VIOLENTA

Nas últimas décadas fomos marcados por imagens de extrema intolerância,


violência e desumanização de algumas pessoas com atitudes entre diferentes culturas e
religiões movidas pelos diferentes interesses econômicos que levam o homem a cometer
atos considerados bárbaros. A queda das torres gêmeas; o naufrágio de várias
embarcações cheias de refugiados desesperados que não suportaram a realidade de
miséria, violência e de guerra de seu país; a morte diante de câmeras mostrando a
impiedade dos extremistas islâmicos perante a vida; maníacos entrando em escolas
atirando e fazendo vítimas são alguns dos exemplos que retratam a realidade violenta.
O relatório da UNESCO, apresentado a partir da conferência de Jomtien, realizada
em 1990, quando foi discutida a urgência de se ampliar e ofertar uma educação básica de
qualidade, adota a educação como uma ferramenta fundamental para que o planeta
alcance a paz. Os termos do documento apresentam como desafio para a educação a
construção de uma humanidade preocupada com os ideais de liberdade, respeito à
diversidade, de paz e justiça social.

[...] a comissão faz, pois, questão de afirmar a sua fé no desenvolvimento


contínuo, tanto das pessoas como das sociedades. Não como um “remédio
milagroso”, não como um “abre-te sésamo” de um mundo que atingiu a
realização de todos os seus ideais mas, entre outros caminhos e para além deles,
como uma via autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social,
as incompreensões, as opressões as guerras [...]. (DELORS, 2001, p 11).

A escola como instituição que faz parte da estrutura social está sujeita a
interferências das transformações sociais e dos sujeitos que a constituem. Assim, a
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violência que permeia a sociedade vem ganhando espaço dentro das escolas, despertando
preocupação e atenção de estudiosos, autoridades e comunidade escolar.
As notícias que retratam a ocorrência da violência no espaço escolar são
recorrentes, principalmente em jornais televisivos e sites jornalísticos na internet. Dentre
os vários acontecimentos apresentamos alguns que ocorrem na realidade escolar brasileira
como brigas entre colegas de escola por motivos de namoro, fatos referindo-se a agressões
sofridas por diretores e professores por aplicarem regras e exigirem mais disciplina entre
os alunos. Depredação do espaço escolar por meio de pichações, quebra de carteiras,

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cadeiras e janelas, presença de atos de racismo dentro das instituições escolares e o
fenômeno do bulliying.
De acordo com Charlot (2002, p. 434-435) é importante conceituar a manifestação
da violência escolar. Para tanto apresenta a violência na escola, violência à escola e
violência da escola:

A violência na escola “é aquela que se produz dentro do espaço escolar”, sem


estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar: quando um bando
entra na escola para acertar contas das disputas que são as do bairro, a escola
é apenas o lugar de uma violência que teria podido acontecer em qualquer outro
lugar. A violência à escola esta ligada à natureza e às atividades da instituição
escolar: quando os alunos provocam incêndios, batem nos professores ou os
insultam, eles se entregam a violências que visam diretamente à instituição e
aqueles que a representam. Essa violência contra a escola deve ser analisada
junto com a violência da escola: uma violência institucional, simbólica, que os
próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus agentes
os tratam (modos de composição das classes, de atribuição de notas, de
orientação, palavras desdenhosas dos adultos, atos considerados pelos alunos
como injustos ou racistas...).

Além de considerarmos suas diferentes categorias e a complexidade de


conceituação do fenômeno da violência, seus diferentes agentes e dispositivos, torna-se
importante o cuidado ao relatar um episódio ocorrido na escola como um ato de violência,
ou não. O que tem ocorrido na realidade escolar retrata a dificuldade de gestores e
professores em lidar com a violência nos seus diferentes aspectos e níveis e conceituar
adequadamente se o fato está na esfera da incivilidade, da indisciplina ou da violência.
Para afirmar que existe violência, o conhecimento sobre a temática contribui
sobremaneira para que não ocorram processos de rotulação e estigmatização dos sujeitos | 583
envolvidos e por outro lado devem contribuir para evitar sua banalização no espaço
escolar.
Para Cubas (2007, p. 23, In. RUOTT, 2007), a tarefa de abordar o tema violência
nas escolas requer muito cuidado e precisão. Para a autora, é necessário “cuidado para
não estigmatizar os atores envolvidos e atribuir uma dimensão exagerada aos casos do
cotidiano e precisão para não ignorar as sutilezas que afetam de forma negativa a
comunidade escolar”.

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Diante de uma realidade vaidosa e violenta, nos perguntamos: a) A sociedade e as
pessoas tem sido preparada para utilizar de forma crítica e consciente as novas
possibilidades que se abrem com os avanços tecnológicos?; b) A escola tem cumprido
seu papel no processo formativo de sujeitos críticos, democráticos e justos? Os
professores tem recebido uma formação para atender as novas demandas de educação da
sociedade globalizada?
Precisamos avançar quanto ao processo de formação e superar a forma clássica de
educação que tem sua origem na antiguidade grega, quando os conhecimentos
considerados importantes estavam ligados a uma concepção de ciência absoluta,
distanciada das problemáticas sociais e das necessidades da vida cotidiana. (MORENO,
2003, p. 26). Assim, há que ser considerado o desenvolvimento da ciência, as demandas
sociais e a provisoriedade do conhecimento frente à sociedade em constante mutação.
Portanto, ao afirmar as necessidades de se incluir na educação escolarizada temas
de demandas sociais, Moreno (2003, p. 35), esclarece que “se a cultura, e
consequentemente o ensino, são produtos das ideias predominantes ao longo da história,
e se estas ideias avançam, é natural que estes avanços também se reflitam no ensino”.
Nesse sentido, Moreno (2003) critica que os conteúdos firmados com as ciências
clássicas, sobre cuja importância e vigência atual não há duvidas, possam vir atender as
demandas de tudo pelo que a sociedade atual clama - os seus direitos, a igualdade entre
os sexos, a preservação do meio ambiente, o desenvolvimento da afetividade, da
sexualidade e a busca de sentimento de paz nas relações estabelecidas entre os sujeitos.
Devido ao aumento dos conflitos e geração da violência, existe um consenso, por
parte de várias instâncias da sociedade, de que é preciso agir com urgência e encontrar
| 584
caminhos para por fim à cultura de violência, que tem se manifestado por vários motivos,
de várias formas e em vários lugares, inclusive nas escolas, que teoricamente seria um
lugar de aprender a conviver com as diferenças.
A realidade com a qual o professor trabalha é repleta de inúmeras transformações,
com um novo perfil de aluno, globalizado, que precisa de orientações para compreender
o meio circundante e fazer reflexões críticas de forma a transformá-lo. A educação deixou
de ser um mecanismo exclusivo de conhecimento absoluto e passou a ter a necessidade

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de discutir as temáticas sociais relacionadas à realidade do aluno, o seu entorno local e
global.
Podemos encontrar, por meio do processo formativo e da educação escolar,
algumas respostas e caminhos para contornar momentos de exacerbação de
comportamentos violentos, de crise, de falta valores morais, de falta de exercício da
cidadania, das relações humanas marcadas por conflitos, e em que a violência tem sido o
caminho escolhido para “solucionar” as demandas e necessidades sociais por boa parte
das pessoas.

A VIOLÊNCIA COMO TEMA TRANSVERSAL NA ESCOLA

Os problemas como a violência, a vulnerabilidade social, violação dos direitos


humanos, a degradação do meio ambiente, o desemprego, o racismo, a miséria, dentre
outros presentes na sociedade, que prejudicam as relações interpessoais e humanas,
tornou-se indispensável que ganhassem espaço no âmbito das discussões sociais e
educacional.
Podemos dizer que os temas relacionados a problemáticas sociais estão presentes
na vida das comunidades, das famílias, das escolas, dos alunos e educadores. São temas
associados à cidadania, que envolvem uma formação ética, ambiental cultural, étnica,
entre outros que devem ser levados à discussão durante o processo educativo, com o
envolvimento de alunos, professores, coordenadores pedagógicos, diretores e pais, pois
ganharam espaço para discussão nos lugares públicos e privados devido sua relevância
social.
Os conflitos sociais que passam a fazer parte da rotina escolar são tratados pela | 585
educação como temas transversais, que de acordo com os PCNs (1997, p. 15):

Correspondem a questões importantes, urgentes e presentes sob várias formas


na vida cotidiana. O desafio que se prepara para a escola é o de abrirem-se para
este debate. Este documento discute a amplitude do trabalho com
problemáticas sociais na escola e apresenta a proposta em sua globalidade, isto
é, a explicitação da transversalidade entre temas e áreas curriculares assim
como em todo o convívio escolar.

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A proposta globalizadora do conhecimento, que busca associar as temáticas
sociais às disciplinas do currículo é vista por muitos professores como um desafio que
requer do docente uma reflexão sobre sua prática e busca pelo aprimoramento de sua
formação, em um trabalho coletivo, interdisciplinar.
De acordo com Yus (1998, p. 19), por ser uma proposta globalizadora:

O desafio dos transversais está na possibilidade histórica, de fazer frente à


concepção compartimentada do saber que caracterizou a escola dos últimos
anos, e “fazer educação”, formar indivíduos autônomos e críticos, com um
critério moral próprio e capaz de fazer frente aos problemas colocados hoje à
Humanidade.

Essa transversalidade deve se relacionar a uma prática de interdisciplinaridade,


em que os conteúdos não devem ser trabalhados de forma isolada, pois fragmenta o
conhecimento e deixa lacunas a serem preenchidas na formação dos alunos.
De acordo com os PCNs,

Nas várias áreas do currículo escolar existem, implícita ou explicitamente,


ensinamentos a respeito dos temas transversais, isto é, todas educam em
relação a questões sociais por meio de suas concepções e dos valores que
veiculam nos conteúdos, no que elegem como critério de avaliação, na
metodologia de trabalho que adotam, nas situações didáticas que propõem
aos alunos. Por outro lado, sua complexidade faz com que nenhuma das
áreas, isoladamente, seja suficiente para explicá-los; ao contrário, a
problemática dos temas transversais atravessa os diferentes campos do
conhecimento. (BRASIL, 1998, p. 26).

Além de serem trabalhados numa perspectiva transversal, os PCNs apontam sua


relação com a interdisciplinaridade, o que envolve uma aproximação e uma articulação
| 586
entre as disciplinas e rompe com a fragmentação e isolamento dos conteúdos.
Para deixar claro que existe uma relação e uma diferença entre
interdisciplinaridade e transversalidade, o documento faz uma ressalva sobre os aspectos
conceituais que aproximam os dois termos e o que os diferencia.
Com relação a sua proximidade, ambos os conceitos de transversalidade e
interdisciplinaridade criticam a aprendizagem estática e imutável, pautada no
distanciamento entre sujeito e sua realidade (BRASIL, 1998).
Nas suas particularidades, os PCNs apontam que

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A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos do
conhecimento produzida por uma abordagem que não leva em conta a inter-
relação e a influencia entre eles, questiona a visão compartimentada
(disciplinar) da realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida,
historicamente se constituiu.
A transversalidade diz respeito a se estabelecer, na prática educativa, uma
relação entre aprender conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender
sobre a realidade) e as questões da vida real e de sua transformação (aprender
na realidade e da realidade). (BRASIL, 1998, p. 30).

Assim, com a utilização da proposta de transversalidade torna-se possível discutir


questões colocadas em debate na sociedade atual, como a violência, que merecem atenção
por serem consideradas de urgência social e exigem por parte dos sujeitos sua
compreensão, reflexão e ação acerca dessa realidade. Entretanto devemos assegurar
também que o professor está recebendo uma formação que o possibilite desenvolver essas
temáticas no contexto escolar.
Para tanto, Giorge (2004, p. 139) afirma que,

É necessário assegurar uma formação de professores que possibilite ao


profissional docente saber lidar com o processo formativo dos alunos em suas
várias dimensões, além da cognitiva, englobando a dimensão afetiva, a das
diversas linguagens, da estética da ética e dos valores universais. Para tanto, o
processo formativo deverá esta vinculado a uma formação contínua que
propicie o avanço a outras formas de trabalho com os alunos e que busque
estimular o trabalho coletivo, imprescindível para o desenvolvimento da
capacidade de romper com a fragmentação das disciplinas específicas. Exige
ainda uma formação que promova a participação ativa do professor no projeto
político pedagógico da escola, na solidariedade com os colegas e com os
alunos, no compromisso com a emancipação de nosso povo.

Neste sentido, faz-se necessária uma formação docente em que o professor esteja
atento ao desenvolvimento intelectual, cognitivo do aluno, porém, sem deixar de lado
| 587
outras dimensões que contribuem para a humanização da pessoa, em seus aspectos
afetivos, éticos e sociais. Além de desenvolver a capacidade do trabalho coletivo e
interdisciplinar, rompendo com a fragmentação de áreas e conteúdos.

FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA DESENVOLVER O TEMA DA


VIOLÊNCIA ESCOLAR
A função da escola se amplia com a necessidade de práticas educativas de
aprendizagem e respeito às diferenças, passa a ser mediadora de conflitos e busca o

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diálogo para resolvê-los. Como uma de suas funções, deve desenvolver no aluno um
pensamento reflexivo e ajudá-lo a compreender sua realidade, torná-lo capaz de
transformá-la. É preciso desenvolver atividades que resgatem os princípios éticos, o
sentimento de solidariedade, fraternidade e de convivência que parecem estar sendo
deixados de lado.
Para Camacho (2001), o jovem tem mostrado a falta de limites, de
responsabilidade pelos atos praticados e pelo outro; tem resolvido seus conflitos
utilizandoa imposição, a força, a agressão, primeiro porque não tem consciência dos
limites até onde pode ir e segundo porque tem a certeza de que não será punido e nem
responsabilizado pelos atos que cometer. Muitos são os exemplos retratados pela mídia
televisiva de jovens detidos por cometerem crimes, até mesmo de homicídios, que saem
rindo da delegacia afirmando que nada acontecerá, por eles terem menos de dezoito anos.
Camacho (2001) conclui que, consequentemente, esse estado de coisas contribui para
formar jovens alunos que se mostram pessoas desprovidas da ideia de alteridade, do
espaço democrático, do diálogo, do convencimento ou da persuasão.
Com a compreensão de que as dificuldades apresentadas em conviver
coletivamente vêm ganhando espaço dentro das escolas, Camacho (2001) defende maior
abordagem do que ocorre na vida relacional no meio pedagógico, ou seja, a inclusão no
currículo, da reflexão, da discussão e do entendimento de conceitos como identidade
cultural e social, alteridade, preconceito, discriminação, violência, dentre outros.
Essa violência constituída no espaço escolar dificulta o processo de ensino diante
de uma realidade tão adversa, o que pode desmotivar o professor de exercer a função de
ensinar face aos sentimentos de insegurança e ameaça, os quais sempre deixam marcas,
| 588
sejam eles contínuos ou não.
Ruotti (2007, p. 55) afirma que “a violência escolar constitui-se como um
problema escolar contemporâneo que vem afetando os processos educativos e colocando
em questão a própria estrutura da instituição escolar, suas práticas e relações”.
Contudo, independente das definições e abordagens adotadas, os autores alertam
que

A constante presença da violência no ambiente escolar coloca em xeque a


função primordial da escola. Assim, de instituição encarregada de socializar as

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novas gerações, a escola passa a ser vista como o ambiente que concentra
conflitos e práticas de violência, situação essa que “passa pela reconstrução da
complexidade das relações sociais que estão presentes no espaço social da
escola”. (SANTOS, 2001, apud CUBAS, 2007, p. 26).

Uma pesquisa apresentada por Abramovay e Ruas (2004), realizada em 14 capitais


brasileiras, mostram que a metade dos professores perdeu o estímulo de trabalho devido
à violência no ambiente escolar; um terço revelou diminuir o rigor das atividades; um
quarto reclamou da dificuldade de concentração em escolas violentas, o que provocava a
vontade de parar de trabalhar. Na perspectiva dos alunos, a metade tinha dificuldade em
concentrar-se; um terço afirmava ficar nervoso com as situações de violência na escola;
aproximadamente essa mesma porcentagem, afirmava perder a vontade de ir para a escola
estudar.
De acordo com Royer (2002), estudos norte-americanos e europeus apontam o
aumento de ocorrências de atitudes violentas dentro de escolas ao longo de 25 anos. Pode-
se perceber que muitas são as causas geradoras de comportamentos agressivos e atitudes
violentas entre jovens dentro da escola. Para Royer (2002, p. 253), esse comportamento

pode estar relacionado ao comportamento agressivo e punitivo dos pais em


casa; pode ser influencia de vizinhanças que oferecem a oportunidade de
associação com grupos transgressores sem oferecer a contrapartida modelos
pró-sociais e escolas que privilegiam abordagens disciplinares de natureza
punitiva, cujas regras são vagas, cujas expectativas são baixas e que
apresentam altos níveis de repetência, são fatores que contribuem para o
aumento da frequência dos comportamentos agressivos e violentos na escola.

Para Royer (2002, p. 25), a escola e todos que dela fazem parte têm um papel
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fundamental na prevenção e no tratamento da violência; todavia, o professor ganha
destaque, pois

[...] os professores, no decorrer de sua formação inicial ou mais adiante tem


que desenvolver a capacidade de intervir e de evitar comportamentos
agressivos nas escolas. Sejamos mais claros: a capacidade de ensinar a ler,
escrever e fazer operações matemáticas não é mais suficiente para educar os
jovens que hoje frequenta, nossas salas de aula.

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O autor enfatiza que as causas da violência já parecem bem claras para nossa
compreensão, e estão relacionadas a fatores diversos que podem estar ligados a condutas
violentas e punitivas a que muitos jovens estão submetidos, seja em casa ou mesmo no
espaço escolar, por meio das práticas pedagógicas adotadas por cada instituição. Pode ser
por fatores sociais excludentes ou meios sociais que oportunizam a associação com
grupos transgressores como caminho para o sucesso pessoal e de ascensão econômica.
No entanto, Royer (2002, p. 253) chama atenção para a necessidade de se formar
melhor os professores que se veem sem ação diante da realidade que trabalham, sem saber
que caminhos percorrer para lidar com a violência. Nos muitos seminários que ministrou
na Europa e na América observou que “professores, diretores e outros profissionais que
trabalham nas escolas receberam pouquíssima formação sobre como propiciar uma boa
educação aos jovens que demonstram comportamento agressivo e menos ainda, sobre
como evitar a violência nas escolas”.
Para desenvolver um trabalho de qualidade e que atenda as novas demandas
educativas, Giorge (2004) aponta a necessidade de melhorar as condições de trabalho do
professor; salários, recursos didáticos, e uma política que promova o seu desenvolvimento
profissional, por outro aponta que vários estudos tem mostrado a ineficiência das diversas
agencias formadoras em oferecer uma preparação suficiente que o prepare para enfrentar
a nova realidade da escola e assumir as novas atribuições que lhes competem.
Na realidade brasileira podemos observar que existem políticas sendo
implementadas para a prevenção e o combate dentro das escolas; no entanto, precisamos
investigar e observar, como fez Royer (2002), se os professores estão recebendo uma
formação que os capacite para lidar com as novas demandas.
| 590
Ao debater como o professor vem sendo preparado para cumprir sua atribuição
social na prevenção e no combate da violência, Royer (2002, p. 254-255) pontua que esse
trabalho só será eficiente se os professores:

1. Sabem e entendem como os comportamentos agressivos se desenvolvem


nos jovens;
2. Compartilham de que a educação e mais especificamente, a escola são
capazes de contribuir para evitar que a violência se desenvolva e tenha
continuidade;
3. Intervenham de forma ativa, e não apenas reativa com relação à violência
e aos comportamentos agressivos que ocorrem na escola;

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4. Estão convencidos de que, devido a diversidade dos problemas
relacionados à violência, as intervenções devem ser individualizadas e
formuladas sob medida para cada caso;
5. Valorizam a formação continuada ao longo de toda a sua vida profissional,
sabendo que a simples experiência não é o bastante;
6. São capazes de integrar em sua prática os novos conhecimentos surgidos
das pesquisas;
7. Desenvolveram capacidades sólidas de formar parcerias com os pais,
sabendo que a participação dos pais exerce influencia considerável sobre
a eficácia de sua intervenção em sala de aula não serão suficientes;
8. Reconhecem a importância essencial do trabalho de equipe, sabendo que
suas intervenções em sala de aula não serão suficientes.

A partir dessas colocações que o autor considera importante para um trabalho


eficiente de prevenção e combate da violência, inferimos as ideias apresentadas pelos
PCNs, que defendem todos esses aspectos em sua redação. Assim como o discutido nos
oito pontos apresentados por Royer (2002), os Parâmetros curriculares de 1997,
documento de Introdução, defendem uma valorização da realidade do aluno, com estados
e municípios atuantes na formação de seus currículos e projetos pedagógicos a partir da
realidade em que a escola está inserida.
É coerente também, com a importância da formação dos professores e sua
capacitação para adequar a sua prática às novas demandas da sociedade contemporânea,
e aponta como fundamental que exista interdisciplinaridade, trabalho em equipe, e
participação de todos, inclusive da família, na elaboração das propostas a serem
desenvolvidas na escola.
Assim caracterizamos a escola como um espaço de aprendizagem e socialização,
e não um espaço de cunho assistencialista, punitivo ou coercivo que assume o papel da
família de educar, mas sim, uma educação complementar, escolarizada e de caráter
| 591
socializador.

Uma escola é um lugar onde jovens podem desenvolver e manter relações


significativas inclusive com adultos que se preocupam com seu bem estar.
Uma escola é também, um lugar de educação, um lugar onde os alunos se
preparam para a vida social. [...] a escola pode representar uma segunda
oportunidade, ou mesmo ultima oportunidade de desenvolver as capacidades
necessárias para se integrar à comunidade [...]. (ROYER, 2002, p. 257).

Como percebemos, um dos papéis a ser desenvolvido pela escola é a formação


cidadã e o desenvolvimento de capacidades necessárias para se integrar na comunidade,

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pois nesse ambiente muitos jovens passam a refletir sobre sua realidade com a percepção
da capacidade de transformá-la. Essa instituição deve fazer a intermediação entre os
conflitos gerados em meio escolar, por uma série de fatores sociais, econômicos, culturais
dentre outros, que se fazem presente, de forma que o aluno adquira uma postura de não
violência para solucioná-los.
Outro papel a ser cumprido pela escola é o de desenvolvimento da cidadania, tão
destacado pelos PCNs. Para Pereira (2001) a educação é a chave para a cidadania, ela
deve proporcionar uma abertura social, ou seja, uma inclusão social a todos aqueles que
se vêm marginalizados.
Embora percebamos que os professores se sentem despreparados e impotentes
diante dos casos de violência, Cubas (2006, p. 46) afirma que “há quase unanimidade
entre os pesquisadores da área de educação em enfatizar o papel central desses
profissionais nas ações de intervenção e prevenção da violência ou na reconstrução da
função que a escola tem na vida dos jovens”.
Portanto, a formação do professor para desenvolver um trabalho efetivo de ação
contra a violência, deve ser valorizada e ampliada.

CONCLUSÕES

Como a sociedade passa constantemente por transformações, numa sociedade


globalizada, a escola, tem sido cobrada a assumir novas atribuições. Neste contexto é que
o professor passa para além de mediador do saber sistematizado pelas disciplinas do
currículo para ser agente colaborador no enfrentamento de situações problemáticas que
| 592
se apresentam na escola contemporânea. Assim, o professor passa a ser agente
preponderante dentro da instituição escolar para o enfrentamento de situações de
violência, tanto num trabalho preventivo e orientador na minimização de sua ocorrência
na escola, quanto sobre a responsabilização e conseqüências de um ato violento.
Para atender à exigência de uma escola comprometida com a formação cidadã
de seus alunos e desenvolver um sentimento de paz e respeito na convivência entre seus
membros, de modo a evitar atitudes de violência, é necessário que durante seu processo
de formação, o professor perceba que a violência pode ser produzida pela escola e se faz

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presente na rotina escolar. Para tanto, faz-se necessário que esse se aproprie da temática
em seu processo de formação e leve em consideração seus diferentes aspectos, ou seja,
suas causas, seus tipos, e as medidas a serem tomadas para a sua prevenção e
minimização.
É preciso levar em conta que para desenvolver tal temática o professor deve se
apropriar adequadamente do assunto que ele próprio não domina e para o qual não
recebeu formação durante seu processo de escolarização.
Embora seja um problema social crescente que permeia o espaço escolar, a
temática tem sido abordada nos cursos de formação de professores da educação básica de
forma incipiente e fragmentada. A escola precisa se reorganizar de forma a atender as
novas demandas da sociedade contemporânea; assim como é necessário repensar a
formação docente para que seja capaz de refletir sobre sua prática e transformar essa
realidade.

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Coordenação DST/ AIDS do Ministério da Saúde. Secretaria de Estado dos Direitos
Humanos do Ministério da justiça, CNPQ, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco
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VIDAS QUE SE ENTRELAÇAM... CONHECIMENTOS QUE
SE CONTROEM: A CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA NA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Marilandi Maria Mascarello Vieira (IFRS Campus Sertão)
marilandi.vieira@sertao.ifrs.edu.br
Josimar de Aparecido Vieira (IFRS Campus Sertão)
josimar.vieira@sertao.ifrs.edu.br

Resumo: Na educação profissional atuam professores oriundos de diferentes áreas que,


em sua maioria, ingressaram na profissão de forma não planejada, mas pelas
circunstâncias da vida sem disporem de formação para o exercício da docência. Diante
deste contexto, o presente trabalho investiga como esses professores se constroem como
profissionais da educação no período inicial do exercício docente, enfocando
especialmente a influência dos sujeitos com os quais convive nesse processo de
constituição docente. O locus da pesquisa foi o Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Sertão sendo que a coleta de dados
foi realizada com sete professores que atuam na educação profissional técnica de nível
médio por meio de entrevistas semiestruturadas. Analisando os dados coletados ficou
evidente que nessa profissão há interferência muito significativa dos professores
referenciais e dos pares. As influências das coordenações de cursos e gestores escolares
não parecem significativas nesse processo, pois deles não recebem orientações sobre a
condução das aulas, aspecto que mais desafia os professores iniciantes. Tem papel
significativo também os estudantes que se transformam nos principais interlocutores.
Palavras-chave: Professores iniciantes; Constituição docente; Educação Profissional.

INTRODUÇÃO

Como o professor se constitui enquanto docente? Quais os saberes necessários


para o ensino? Qual a contribuição de cada saber para o trabalho docente em sala de aula?
Essas questões têm sido objeto de estudos e de reflexões constantes formulados sob
diferentes perspectivas de análise. Entretanto, diante da complexidade da docência e dos
| 595
desafios que emergem dos contextos educativos, especialmente no âmbito da educação
profissional, esses questionamentos continuam a provocar investigações, numa aparente
replicação temática que busca conhecimentos e explicações para tão instigante faceta do
fenômeno educativo, que é a constituição docente.
Dentre os estudos sobre o tema são referenciais os de Shulman (1986, 2005),
Tardiff (2002) e Gauthier (2006) que apresentam classificações ou tipologias para abarcar
os saberes relevantes que os docentes constroem para o desempenho das suas tarefas
profissionais e um desses saberes diz respeito aos conhecimentos adquiridos com a

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experiência que, segundo Tardif (2002) são produzidos por meio da vivência de situações
e de necessidades decorrentes de situações enfrentadas relacionadas ao espaço da escola
e às relações estabelecidas com estudantes e colegas de profissão. É nesse espectro que
está circunscrito o interesse temático desse trabalho onde se analisa como as contribuições
dos diferentes agentes - “o outro”- influenciam na constituição de docentes no período
inicial do exercício profissional.
A produção dos dados empíricos para esse estudo foi realizada no IFRS - Campus
Sertão, por meio da entrevista semiestruturada, que foi gravada, transcrita126 e submetida
à aprovação dos entrevistados que autorizaram a utilização. Foram entrevistados sete
professores da educação profissional técnica de nível médio e para a composição da
amostra foram considerados critérios como: docentes com até cinco anos de exercício
profissional no magistério, efetivos ou substitutos, com níveis de formação acadêmica
diversificados, mas sem formação para o magistério. Visando preservar o anonimato, os
relatos foram identificados por números: a) P1 – atua há nove meses, graduado em
Agronomia, mestre em Agroecossistema e doutorando em Extensão Rural; b) P2 – atua
há um mês, graduado em Medicina Veterinária, especialista em Pecuária Leiteira e mestre
em Zootecnia; c) P3 – atua há um ano e meio, graduado em Zootecnia e mestre em
Produção Animal; d) P4 – atua há quatro anos, graduado, mestre e doutor em Zootecnia;
e) P5 – atua há dois anos e meio, graduado em Economia e especialista em
Desenvolvimento Regional; f) P6 – atua há três meses, graduado em Ciências
Econômicas, especialista em Estatística e Modelagem Quantitativa e mestre em
Economia e Desenvolvimento e g) P7 – atua há três meses, graduado em Medicina
Veterinária, especialista em Gestão do Agronegócio e Pecuária Leiteira.
| 596
Para caracterizar a trajetória dos entrevistados indagou-se se já haviam
desenvolvido atividades ligadas à docência antes do ingresso no IFRS - Campus Sertão.
Um professor (P5) havia ministrado aula de cursos técnicos de nível médio por seis meses,
dois professores (P4 e P7) informaram ser essa a primeira experiência na docência e
quatro (P1, P2, P3 e P6) citaram o estágio docente, atividade obrigatória nos cursos de
mestrado, pois ministraram aulas nos cursos de graduação por curto espaço de tempo.

126
Os dados foram parte da entrevista realizada para elaboração do trabalho de conclusão de curso da
licenciada Ilana Gatti, a quem agradecemos a autorização para uso das respostas.

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Atividades de origem extensionista (P1) ou de pesquisa (P6) também proporcionaram
experiências de ensino aos entrevistados.
A escolha dos professores iniciantes como sujeitos decorre da importância que se
atribui a esse período. Para Garcia (2010), é o momento em que eles transitam de
estudantes para docentes, tendo que adquirir a competência profissional para o exercício
da função em curto espaço de tempo, o que gera dúvidas e tensões. Esse tema que tem
sido objeto de pesquisas a nível internacional - como Huberman (1995), Garcia (2010),
Cavaco (1995), Veenman (1988), Tardif (2002), dentre outros – e no Brasil, como
evidenciaram os inventários produzidos por Mariano (2006) e Nunes e Cardoso (2013),
razão porque optamos por não resenhar tais estudos nesse artigo.
O trabalho foi constituído em duas partes: a primeira apresenta as motivações para
a escolha da profissão docente e a importância das experiências prévias e na segunda
analisa-se o papel dos vários agentes – “o outro” – na constituição da docência na
educação profissional que foi organizado em quatro tópicos: a contribuição dos
professores referenciais, dos colegas/pares, dos gestores das instituições de educação
profissional e por fim, a influência dos estudantes.

A INFLUÊNCIA DO OUTRO NO INGRESSO NA PROFISSÃO DOCENTE

Por que profissionais que tiveram formação acadêmica em outras áreas tornaram-
se professores? Quais as circunstâncias da vida que levaram a essa escolha? Que outras
vidas se entrecruzam às suas e influenciaram essa opção profissional? Essas foram
questões que orientaram a entrevista buscando compreender como o “outro” influencia a
escolha da profissão e o trabalho docente.
| 597
O “outro” é uma categoria referenciada nos pressupostos da psicologia sócio-
histórica, especialmente Vyotsky e Wallon, que defende que o homem se constitui
humano por meio das relações que estabelece com os outros. Assim, as interações que o
professor iniciante estabelece com as pessoas com as quais convive – seus professores,
colegas, estudantes, gestores - provocam construções e transformações no seu modo de
pensar e de agir, contribuindo para a constituição da docência, já que esse processo não
ocorre no vazio, mas permeado de relações sociais. Isso forma a subjetividade docente
que, segundo Burnier et al (2007) está marcada pelas experiências vividas pelos
indivíduos ao longo de suas vidas, pelos discursos, pelas instituições e grupos aos quais

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tiveram acesso, participantes também da construção dos significados que esses docentes
irão conferir às suas experiências em geral e à docência em particular.
Motivou-nos na pesquisa identificar em que circunstâncias e quais os motivos para
o ingresso na docência. As razões estão ligadas a experiência profissional (P1), ao curso
de formação (P2, P4, P5) ou a ideia de vocação e escolha consciente (P3, P6, P7). No
primeiro caso o ingresso foi circunstancial, conforme o depoimento de P1:

Essa escolha nunca é muito fácil, na verdade não é uma decisão muito racional, ela vai
acontecendo um pouco por escolha e um pouco por acidente de percurso também. A ideia de
ser professor foi se concretizando no meu primeiro trabalho depois do mestrado, onde eu achei
que seria um trabalho de extensão, onde iria trabalhar com projetos, algo assim. Na primeira
atividade me vi numa sala de aula, e com isso por conta própria tive que buscar informações,
porque Agronomia é bacharelado e não tem formação pedagógica, não tem nada, e a partir do
estudo de alguns autores da pedagogia comecei a gostar cada vez mais da área da docência e fui
me vendo como professor e aos longos dos anos fui me constituindo como docente.

Ao contrário dos licenciados que, ao optarem pela graduação escolhem


conscientemente o magistério, os docentes da educação profissional não planejaram isso,
foram impelidos circunstancialmente devido às experiências profissionais.
A segunda razão mencionada pelos entrevistados foi a influência do curso de
formação, conforme registram os depoimentos a seguir:

(...) quando me formei a ideia era trabalhar no campo, fiz isso durante meio ano e durante esse
tempo iniciei a especialização e vi que tinha muito que estudar ainda e optei por fazer o mestrado.
Entrando no mestrado acabei me encantando pela vida acadêmica e pela pesquisa e por isso
optei por continuar no mestrado, e a ideia ainda é fazer um doutorado para seguir na área
acadêmica. (P2)

Isso foi quando eu estava fazendo mestrado, então tínhamos um grupo de pesquisa,
(...) e às vezes tínhamos que dar aula, palestra, discutir sobre determinado tema e foi
| 598
durante esse período que vi que era gratificante poder ensinar para alguém alguma
coisa, foi devido a esse processo que eu decidi ser professor. (P4)

Foi um trabalho que fui amadurecendo ao longo do tempo, porque no primeiro


momento que tu pensa em ser professor acha que vai ser mal remunerado, então você
não vai para esse caminho. Mas o maior incentivo que tive e poderia ser uma profissão
futura pra mim foi quando, no meio da graduação, um professor começou a me
instigar para fazer alguns trabalhos com ele, aí nós tínhamos um trabalho lá nas
Instituições de ensino no município ia dar aula de reforço, com isso comecei a gostar.
Ai peguei uma disciplina numa escola técnica que o professor tinha adoecido.... (P5).

A opção de ingresso no magistério, para esses docentes, foi ocorrendo ao longo


do tempo e ficou clara a influência das experiências prévias com atividades ligadas ao

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ensinar, quer no exercício profissional, quer em atividades acadêmicas de pesquisa e
extensão que acabaram influenciando os pesquisados para a opção pela docência.
Para três entrevistados (P3, P6 e P7) o ingresso no magistério representou uma
escolha consciente que os norteou desde a infância por gostar da profissão:

(...) eu sempre quis ser professora, me sinto muito bem em sala de aula, durante a
própria graduação me sentia muito bem apresentando trabalhos, seminários. Não sei,
acho que tenho dom da docência, eu gosto (P3)

Acredito que esse foi um sonho de infância (....) E também a consciência de que a educação
ainda se constitui no melhor caminho para conduzir a melhoria da qualidade de vida das
pessoas e como forma de aprendizagem para novas vivências observacionais [...] (P6).

Os entrevistados que escolheram a profissão conscientemente demonstram prazer


de ensinar, sentem-se motivados pela docência e atribuem esses sentimentos a vocação,
ao dom de ensinar.
Para investigar se o ingresso na docência foi influenciado por outras pessoas
perguntou-se se receberam incentivo de alguém e três aspectos emergiram nas respostas:
o não reconhecimento de influência na escolha profissional (P7), o incentivo de seus
professores e da família.
Cinco entrevistados (P1, P2, P4, P5, P6) afirmaram terem sido influenciados pelos
seus professores. Exemplificamos com alguns depoimentos:

[...] acho que meu orientador do doutorado que me possibilitou a oportunidade de trabalhar à
disciplina dele, de dois anos, que foi fundamental, porque até tinha uma experiência anterior, mas
não era muito continuado, não era aquilo de fazer a gestão da turma desde a chamada até a
publicação das notas finais, cuidar as faltas, programar os conteúdos (P1).

Várias pessoas, todas as pessoas que contribuíram no mestrado, que me ajudaram a concluir | 599
esta etapa. Elas foram muito importantes para mim e são professores, então eu me espelho neles
até hoje e eles que são o meu exemplo, eles que me incentivaram e incentivam sendo exemplo de
professores profissionais pra mim (P 2).

Quem marcou bastante em relação como ser professor foi meu orientador de
doutorado, ele tinha uma boa regência até de convivência com os orientados, era
bem diferente do que tinha presenciado no mestrado (P4).

É significativo o número de docentes que reconhece ter sido influenciado pelos


seus professores, considerados exemplos e inspiração. Essa influência foi fundamental
porque tornaram-se referência de trabalho docente, como afirma Garcia ((2009, p.5).

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A identidade docente vai se configurando assim, de forma paulatina e
pouco reflexiva através do que poderíamos denominar aprendizagem
informal e mediante a observação em futuros professores que vão
recebendo modelos docentes com os quais se vão identificando pouco
a pouco, e em cuja identificação influem mais os aspectos emocionais
que os racionais

A terceira fonte de influência identificada foi a família, especialmente da figura


materna que, como profissional, também se torna referencial:

Minha mãe. Tenho exemplo de casa, minha mãe é professora alfabetizadora, alfabetiza
e fez um tempo de curso de pedagogia então ela sempre me incentivou. E o meu sogro
também é professor aposentado universitário então a gente conversa muito e são de
casa os dois exemplos que eu tenho e que me estimularam a ingressar e permanecer
no magistério (P3).

(...) porque tenho em minha família quatro tias professoras (P6).

Meu filho, no caso agora, até por acreditar que possa ser um bom profissional no futuro. Então
na mesma forma que eu passo conhecimento espero que os professores também passem da
mesma forma pra ele (P7).

Por familiar, sim teria a minha mãe, que era professora, mas só que por ela eu não seria
professor. Ela era professora do primeiro e segundo graus e se estressava
bastante (P 4).

Os dados indicam que o ingresso na profissão docente foi circunstancial, sem


planejamento e sem preparação pedagógica e influenciados, sobretudo, pela admiração
que os entrevistados nutrem pelos seus professores ou por influência familiar.

O PAPEL DO OUTRO NA CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL DOCENTE

Tendo ingressado recentemente na atividade docente na educação básica sem a


formação profissional para tal o professor da educação profissional não dispõe de | 600

conhecimento de abordagens teóricas sobre o ensinar e aprender, ou seja, não tem


concepção teórica definida, pois os cursos de mestrado e doutorado dão pouca ênfase a
esse aspecto, restringindo-se a oferta de uma disciplina obrigatória ou a realização de
estágio docente, atividade de curta duração onde o estudante desenvolve atividades
planejadas e supervisionadas pelo orientador, o que não permite a vivência plena da
docência em toda a sua complexidade. Então onde o professor iniciante busca subsídio
para exercer a sua tarefa cotidiana? Como ele busca transformar esse conhecimento do
conteúdo em atividades de ensino para seus estudantes? Essa foi a segunda questão

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norteadora da entrevista, que buscou identificar as fontes de conhecimento sobre a
docência que os entrevistados buscam para subsidiar seu exercício profissional.
Os dados coletados apontaram para a existência de quatro fontes de conhecimento
nesse processo de constituição docente: os professores referenciais, os colegas
professores/pares, os seus estudantes e os gestores das instituições educacionais.

a) Os professores referenciais

Desde sua tenra infância e especialmente nos cursos de formação profissional (da
graduação ao mestrado/doutorado) todos os entrevistados afirmaram que tiveram contato
com professores que tornaram-se parâmetros, modelos a serem seguidos, conforme
evidenciam os depoimentos anteriores e alguns que reproduzimos a seguir:

[...] tem um professor que considero que mais me marcou, que é um professor na UFSC, onde
eu fiz o mestrado. Interessante que a formação dele é toda nas ciências naturais, é agrônomo com
mestrado e doutorado em física do solo. Com o passar dos anos, a experiência docente dele foi
transformando-o num filósofo, sendo que as aulas dele era no sentido de fazer as pessoas
refletirem muito sobre aquilo que estavam estudando, não tinha muito a ver com o conteúdo
em si, o conteúdo vinha junto, mas o mais importante era o exercício da reflexão [...] ( P1).

[...] durante a faculdade alguns que ministravam as disciplinas que eu mais gostava, que tinha
mais afinidade, e o professor que me orientou durante o mestrado é até hoje uma referência
pra mim como professor e como orientador (P2).

Era um professor mais exigente, que são os que mais nos marcam. Talvez no primeiro
momento podemos até não gostar, mas são pessoas que lembramos muito mais. Pela
exigência dele e vivência que tinha, ele era muito bom, explicava muito bem, e
questão de prática também tinha bastante, acho que isso contribuiu bastante (P4).

[...] tenho lembranças muito boas da professora lá no primário. Eu era meio vadio e
ela me instigava a trabalhar, me instigava bastante, puxava mais do que eu achava
que era capaz, foi aí que comecei a ver que eu tinha condições. Depois no ensino
médio, no técnico tinha um professor que também me marcou, porque eu sempre na | 601
malandragem e ele me dizendo assim “tu é malandro porque tu quer, tu tem condições
de ser melhor”. Ele te instigava e eu ia. São professores assim que me marcaram
até para a conduta profissional e algumas coisas pra frente (P5).

Aponto meu orientador da graduação e mestrado como meu grande mentor, sempre
contribuindo de forma muito significativa para o meu aprendizado tanto como aluna como
quanto docente. Pelo dinamismo e pelo despertar que causam no aluno, pelo fomento à
curiosidade e pela capacidade de instigar o aluno a ver através dos conteúdos ministrados em
sala de aula, ou seja, aqueles que proporcionaram um aprendizado para a vida. As orientações dele
foram de vital importância, sempre quando iniciamos um novo caminho temos muitas dúvidas
e insegurança, ter alguém que nos indique um caminho ou que nos dê algumas orientações
básicas é muito encorajador (P6).

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Na educação profissional essa relação é bastante acentuada porque nos parece que,
na ausência de formação para a docência, o professor iniciante baseia sua prática nas
ações que vivenciou como estudante, reproduzindo o modelo dos seus docentes. Mas o
que faz de um professor um profissional marcante, que se distingue dos seus pares? Que
elementos um professor deixa na memória dos estudantes, para além dos conteúdos que
ensina? Que atributos da docência são valorizados por aqueles que optam por essa
carreira? Há nos depoimentos vários aspectos marcantes nos professores referenciais que
corroboram com estudos como os de Cunha (1989) e de Castanho (2001), que revelam a
indissociabilidade entre os domínios cognitivo e afetivo no exercício da docência, como
a característica mais importante de professores marcantes.
Em alguns casos os professores referenciais também se distinguiram por aspectos
negativos ou porque os iniciantes perceberam que não há fórmula para o exercício da
docência, pois estratégias de ensino utilizadas por uns podem não ser eficientes para
outros contextos, como se pode constatar nos seguintes depoimentos:

No caso desse meu professor orientador ele tem um método meio rígido, ele queria que eu
seguisse da mesma forma como ele trabalhava à disciplina. Fiz isso na primeira vez e não gostei,
porque sou diferente dele. A partir do segundo semestre adaptei o modo de trabalhar com minhas
características, com isso senti que houve uma melhora (P1).

[...] tem aqueles que eu não gostava, que não concordava os métodos didáticos de
ensinar. Então procuro não fazer igual, procuro não trazer para meus alunos o que eu
não gostava de meus professores (P3).

Essas influências positivas ou negativas contribuem para a constituição da


identidade dos professores iniciantes que vai sendo constituída através das interações com
os profissionais, já que, conforme Cunha (2006, p. 259) | 602

Todos os professores foram alunos de outros professores e viveram as


mediações de valores e práticas pedagógicas. Absorveram visões de mundo,
concepções epistemológicas, posições políticas e experiências didáticas.
Através delas foram se formando e organizando, de forma consciente ou não,
seus esquemas cognitivos e efetivos, que acabam dando suporte para a sua
futura docência.

b) Os colegas/pares

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Outra importante fonte de referência que lançam mão os professores iniciantes
é o auxílio dos colegas para realizar seu trabalho, aspecto mencionado pela totalidade
dos entrevistados, conforme expresso nos trechos transcritos:

Cada turma tem uma identidade, então procuro conversar com os colegas que também trabalham
nessas turmas pra ver como eles sentem à turma, como eles avaliam os alunos, quem são os alunos
que tem liderança, ou seja, sobre comportamento das turmas. [...]. Busco ajuda nos colegas no
sentido de tentar dialogar, pedir como eles estão se sentindo pra ver se minhas sensações são
parecidas com as deles, tento planejar atividades em conjunto, eu que trabalho a disciplina de
solo e o professor (... ) trabalha climatologia e como são áreas muito afins, tentamos trabalhar
coisas parecidas (P1)

Assim, converso com outros professores atualmente, inclusive trabalho com várias disciplinas e
encontro bastante dificuldade na busca de material e como ministrar essas aulas da melhor
forma para os alunos. Então busco pessoas mais experientes que estão acostumadas a ministrar
aulas e trabalharam com algumas disciplinas que estou trabalhando pra me ajudar, sobre qual a
melhor forma ou a mais didática para passar aquele conteúdo para os alunos. Sim, pego
materiais emprestado, buscar outras aulas de outros anos para basear minha aula (P2)

Desde material didático de sala de aula porque, como sou substituta, dou muitas
cadeiras diferentes, então às vezes tem disciplina que não tenho material, busco com
meus colegas e às vezes até conselho em relação a comportamento em sala de aula
(P3).

A gente sempre troca informações, por exemplo, no nosso núcleo de zootecnia sempre
trocamos informações, com relação a visita técnica, com relação a aula, material de
aula, então sempre estamos trocando informações (P4).

Eu gosto muito de discutir. Na Instituição dentro da nossa área tem os NIEPES que são
os núcleos das disciplinas, eu discuto bastante com o (...), a (...) e o (...) sobre atuação,
de como preparar uma aula, material, de que forma posso conseguir esse material
já que eles estão mais tempo nesse caminho (P5).

Os colegas ajudam quanto a indicações de livros e materiais para preparar aulas


em que não é minha área de pesquisa especificamente (P6).

Na troca de ideias com colegas em relação às turmas e também ao conteúdo a ser trabalhado.
Por exemplo: numa disciplina que eu dou pra uma turma um colega dá para uma turma do mesmo
nível e a gente procura conduzir da mesma forma, mesmo padrão de aula, troca de material.... | 603
(P7)

Todos os docentes entrevistados afirmaram buscam o auxílio dos colegas de


trabalho com diversos objetivos: seleção de material didático, compreender o
comportamento dos estudantes, no planejamento de atividades
interdisciplinares/integradas, estratégicas didático-pedagógicas, esclarecimento de
dúvidas, etc. A troca de ideias e o ouvir atento das narrativas dos colegas ajuda os
professores iniciantes no seu processo de formação, como afirma Lacerda (2009, p. 11):

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Contar o que se faz, no âmbito educativo, é a forma simples e autêntica de
devolver ao outro aquilo que só é possível existir de modo compartilhado. O
ato educativo, por si só, atitude e postura diante da vida, precisa ser narrado,
repartido, transformado em estórias de se contar. Aprende quem conta, quem
escuta, quem escreve, quem lê. Aprendem todos os que sabem o valor de
restituir, ao outro, um saber que não resulta de pertencimentos ou apropriações,
mas de envolvimento. A prática educativa passa a ser, assim, um
desdobramento da prática da vida em sua cotidianidade, nos afetos que
provoca, no entendimento das coisas que nos tocam.

Há pesquisas sobre as fases da vida do professor que caracterizam o período inicial


como de isolamento e solidão, como apontam Garcia (2009), Mariano (2006) e Nunes e
Cardoso (2013), situação que não foi constatada nesse trabalho, já que os excertos
expressam as trocas de experiências e os diálogos com os pares como prática cotidiana
um recurso útil aos docentes iniciantes e corrobora com o que afirma Goodson (1995): o
trabalho docente pode se transformar num fluxo rico em diálogo e dados, pois toda a troca
de informação é válida e conhecer outras vivências, outros pontos de vistas ajudam o
docente envolvido nessa discussão. Assim, os professores iniciantes vão construindo sua
identidade docente que, segundo Franco e Gentil (2008, p.47) “[...] se dá nas
interligações, entrecruzar de redes e nos espaços de interlocução nos quais a trajetória do
indivíduo, o campo disciplinar formativo, as áreas de conhecimento, o trabalho
profissional e suas práticas e os laços institucionais têm papel basilar”.

c) Os gestores das instituições de educação profissional

O professor da educação profissional, conforme mencionado, ingressa na


instituição sem formação para a docência e com pouca experiência profissional. Para
enfrentar os desafios do cotidiano a formação continuada teria um papel fundamental,
pois pode ser desenvolvida a partir de situações concretas da escola. Assim, buscou-se | 604

identificar as possíveis interferências das orientações fornecidas pelas coordenações de


cursos e dos demais gestores aos professores iniciantes, já que esses são os principais
responsáveis pela formação continuada dos docentes.
Em relação aos coordenadores dos cursos quatro docentes (P1, P2, P4, P5)
informaram que não tiveram nenhuma orientação. Ilustram essa afirmação as falas:

[...] lá durante o mestrado eram orientações muito boas, pertinentes com relação aos conteúdos
que eu tinha que ministrar e de que forma ministrar. Aqui com relação aos coordenadores eles

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não ajudaram em nada, eles realmente só me orientaram a procurar alguém que pudesse me
ajudar (P2).

Não, eu não tive orientações de como conduzir minhas aulas, eles te dão a ementa,
te dão orientações de como o Campus espera que você faça, como se fosse um
manual de atividades com teus direitos e deveres dentro da Instituição (P5)

Um entrevistado (P6) não identificou o coordenador do seu curso atual, mas fez
referência ao orientador da dissertação de mestrado e os demais (três) responderam:

Como meu primeiro emprego na área da docência está sendo aqui, desde que entrei
tive essa orientação tanto dos coordenadores dos cursos em que trabalho quanto
do coordenador geral. Essas orientações são extremamente importantes para mim, por
estar sendo meu primeiro emprego como docente, então fico muito feliz nesse
sentido por eu ter acesso a essas orientações por parte de quem realmente tem
que orientar. Então para mim foi importante e como é meu primeiro emprego vou levar
pro resto da vida essas orientações recebidas. Tive orientação de como dar aula, com
relação a material onde procurar, onde achar [...]. Então eles me orientaram bastante,
também comportamento em sala de aula com relação a alguns pequenos
problemas que poderíamos ter e também dar aula para o técnico são os alunos
adolescentes, então alguns cuidados nessa questão eles me instruíram (P3).

As primeiras orientações foram em relação às turmas, como elas são, se eram mais fáceis ou
mais difíceis de trabalhar, em relação ao número de alunos em sala de aula, como conduzir as
aulas, se tinha a necessidade de ser mais duro ou mais brando com essa turma, foram essas as
orientações. Elas ajudaram bastante no início das atividades, até por não ter tanta experiência
em sala de aula, ajudou muito assim na forma daquele impacto inicial com a turma. (P7).

Nota-se nos relatos que os coordenadores de curso têm pouca influência na


condução das atividades dos docentes, já que dos sete entrevistados apenas dois fazem
referência a eles, mencionando apenas informações sobre o contexto das turmas com os
quais o docente atuará, o que contribui para o professor iniciante situar-se no espaço
institucional, porém não parece que o coordenador seja uma referência na trajetória
posterior, já que nos excertos foram lembrados apenas no início do ano letivo. | 605

Quanto aos demais gestores, quatro entrevistados (P2, P3, P6, P7) disseram não
ter tido nenhuma orientação por parte deles e três confirmaram ter recebido:

Aqui no Instituto, trabalhando aqui tem o manual do professor, que nos deram, onde tem
algumas orientações, mas não tem muita cobrança, um manual bem geral de como proceder
aqui no Instituto, sobre as aulas especificamente, não (P1).

O único local que trabalhei foi aqui. Logo que entrei o (...) nos ofereceu o manual do
professor, e nós lemos e tiramos as dúvidas com ele, fora isso, mais nada (P4).

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Não, acho que recebi foi horário de aula e acertar tuas disponibilidades com o horário
da instituição. Mas assim, orientação de procedimentos de “como eu crio um plano
de ensino” isso não. Se você não sabe, vai ter que aprender a fazer, eles não te
orientam, te dão um modelo que está lá no manual do plano de ensino da Instituição,
com isso você tem que montar teu plano de ensino, isso acontece tanto na escola
estadual como no instituto (P5).

Neste caso também as orientações recebidas são de ordem administrativa, ou


seja, as normas de conduta, horários das aulas, ementas das disciplinas e modelo de
plano de ensino. Embora sejam aspectos necessários para a inserção do profissional
na instituição educacional, não parece ser suficiente para auxiliar o professor iniciante
nessa fase de incertezas e inseguranças. O professor ingressa numa profissão para a
qual não foi preparado e não recebe um acompanhamento sistemático por parte dos
gestores das instituições em que iniciam o exercício da docência.
Os entrevistados também não apontaram a formação continuada como
estratégia de desenvolvimento profissional, não sendo possível identificar se a
instituição não desenvolve essas atividades ou não foram lembradas pelos docentes
porque não consideram que elas contribuam para auxiliar na superação das suas
dificuldades. De fato, muito embora a formação continuada seja tema de muitos estudos
e pesquisas, muitas instituições não promovem ações que promovam o
desenvolvimento profissional dos seus docentes.
Para Rocha (2006, p.7) torna-se necessário pensar “na importância da mediação
de uma política institucional que se comprometa com o apoio ao professor iniciante, a
fim de ajudá-lo a acionar os seus diversos saberes e transformá-los em possibilidades para
a sua prática profissional”.

d) A influência dos estudantes


| 606
Garcia (2010, p. 16) comenta que o trabalho docente se caracteriza pelo
isolamento, tendo os estudantes como únicas testemunhas. Então, como as relações que
os professores estabelecem com seus estudantes em sala de aula influenciam no seu
processo de constituição docente? Os entrevistados foram questionados de que maneira
isso ocorre e o p1 respondeu:

[...] os alunos interferem muito. Na primeira experiência que trabalhei, e foi aos extremos: eu
trabalhava com professores da rede estadual e municipal, mas também fazia oficinas com
crianças, então eu trabalhava com pessoas de uma certa idade, formados, e também com
criança e comecei a perceber que trabalhar com crianças era melhor. Quando fui fazer

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doutorado, fui dar aulas na UFSM para o meu orientador na graduação e senti que, apesar de
terem uma pequena diferença daqueles que estavam no ensino médio, porque era o primeiro
semestre da Agronomia, o fato de terem passado no vestibular e numa federal, eles chegavam
muito cheio de certezas, aquela ideia que “já sei das coisas” (P1).

O trabalho docente proporciona ao professor a identificação das dificuldades dos


estudantes na apropriação dos conhecimentos e a percepção de que cada turma tem um
perfil diferenciado e por isso é preciso adaptar o trabalho para cada uma delas e cada
experiência que vivencia provoca a reflexão que lhe dá referenciais formativos – o
aprender com a experiência – que o leva a buscar formas próprias de ensinar, de modo a
conseguir êxito na aprendizagem. O entrevistado P2 também comentou:

[...] eu acho que os alunos são quem mais interferem no nosso trabalho, de várias maneiras
inclusive. Quando a gente é aluno não tem tanta consciência do trabalho que o professor tem
por trás de estar ali em sala de aula. Ele teve que preparar a aula, estudar, se dedicar e o alunos
às vezes não dão importância para isso. Então ele está pouco ligando: dorme, conversa, não se
interessa pela aula, e para o professor isso é bastante ruim. Inclusive em prova quanto vejo
que os alunos vão mal fico bastante chateada, gostaria que meus alunos sempre fossem bem, mas
também é uma forma de nós avaliarmos nossa forma de ensino. Penso que se eles estão indo
mal, se a grande maioria está indo mal, o problema talvez não seja com eles e seja comigo.
Então me ajudam a monitorar a forma como estou passando o conhecimento e, por exemplo,
alunos que interagem com aula, tornam a aula bem melhor, bem mais agradável mais
produtiva e isso ajuda tanto no meu aprendizado quanto no deles.

O contato com os estudantes se torna formativo para o professor porque permite


reconhecer e interagir com a realidade escolar e com as questões que o envolvem. No
contato com os alunos ele revisa seus conceitos, busca novas estratégias de ensino e de
atuação em função das situações vivenciadas, conforme aponta a fala dos entrevistados:

Com certeza os alunos interferem muito. Na verdade eles é que moldam o


professor. Mas depende das turmas: tem umas que a gente entra e funciona muito bem | 607
a dinâmica planejada e dá muito certo e outras turmas com a mesma disciplina, alunos
com a mesma idade não rendem a mesma coisa. Eu tento me adaptar aos alunos que
estou trabalhando. [...] muitos tem inclinação pra agronomia, pra agricultura, então nas
aulas de animais, por exemplo, eles não vão render muito, então tento me adaptar e
sempre puxo alguma coisa que envolva o que gostam (P3).

Eu acredito que os alunos influenciam porque é completamente diferente entrar


em uma sala de aula onde os alunos estão totalmente desinteressados e outras
que são bem mais interessadas, onde tem uma discussão bem melhor. Isso acaba
influenciando como você vai dar aula, até a motivação de como você entra na sala de
aula acaba interferindo. (P4)

Em relação aos alunos isso vai muito das vivências. Porque tem dias que entro na sala
de aula e dá vontade de voltar pra casa, porque tu prepara a aula e não saí nem a
metade do que tu pensa, aí tu olha tem um aluno dormindo. E pensa: é meu o

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problema ou é do aluno que está cansado, já está fadigado? Começa um conflito interno:
como que eu faço isso? Como que vou melhorar? Será que minha aula não está tão boa
assim? Então são situações que tem que levar em consideração e ter uma boa estrutura
pra começar... O que é ser um bom professor hoje? Qual a metodologia que indica que
aquele é um bom professor? Mas acredito que estou no caminho certo, porque no
ano passado teve a avaliação dos professores e gostei muito da minha, alguns alunos
fizeram críticas destrutivas, mas a crítica te diz se você está no caminho certo (P5).

Os alunos, em grande medida, também interferem no trabalho através do interesse, de provocar


o professor a trazer mais do que o básico. Na verdade acredito que o professor aprende muito
mais do que o aluno, porque cada um tem uma perspectiva ou visão de determinado fato que o
enriquece muito (P6).

Os alunos tem um papel positivo naquelas turmas que se mostram mais interessadas e
negativa nas que não tem dedicação parece que exclusiva no estudo naquele momento. [...]
você acaba mudando quando tem uma participação maior em sala de aula, vê que o pessoal está
dedicado e com certeza tua aula é melhor do que quando não tem a participação dos alunos (P7).

Os entrevistados enfatizaram a influência dos estudantes na constituição da


docência, pois eles mudam a forma de agir dependendo das turmas para atingir o objetivo
de ensinar. Ficou evidenciado que estudantes participativos tornam a aula mais
interessante e quando ocorre como planejado é um estímulo para o trabalho.
Nas falas dos docentes também há indicativos de aspectos positivos, dissabores
ou dificuldades em suas relações com os estudantes. Quanto aos aspectos positivos
transcrevemos alguns depoimentos:

O ponto positivo é quando a gente vê, não é muitas vezes, a descoberta do aluno, é uma coisa
fascinante, porque descobrir algo novo nos marca, nos chama atenção, raríssimas vezes isso
acontece, mas quando acontece fica bem claro e é talvez uns dos momentos mais gratificantes
que tem na carreira docente, pra mim. Quando eles aprendem a ver o mundo de uma forma
diferente que eles não estavam acostumados a ver. Quanto às bagunças, é relativo, às vezes
eu procuro fazer sempre a mea culpa: o que tenho feito pra modificar isso, se eles não estão
gostando da minha aula é porque ela não está boa mesmo [...] (P1).
| 608
O positivo foi como aconteceu agora, tive que, por uma questão de ajustes de
horários, deixar aulas de três turmas do técnico e agora eles me encontraram
dizendo “professora, volta!”. Então isso é legal, porque mostra que gostavam de
mim. Ano passado comecei a dar aula e já fui convidada para ser homenageada por
uma turma do técnico. Isso achei um reconhecimento do meu trabalho, da minha
dedicação com eles (P3).

Como incentivo é bem gratificante quando tu recebe certo reconhecimento. Às


vezes chega alguém e diz: “eu fiz aquilo que você ensinou ali na aula e deu certo”.
Então isso acaba motivando a gente a continuar e até melhorar (P4).

Positivo é encontrar a grande maioria dos alunos que enxerga a importância da sala de aula e
estar presente aqui, sabem que é uma grande chance na vida profissional deles (P7).

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A atividade docente é motivadora quando o professor se depara com situações de
realização e gratificação pessoal e profissional, como a satisfação de constatar que os
estudantes aprendem e são bem sucedidos no mercado de trabalho, quando são
reconhecidos por seus pares, recebem homenagens e reconhecimento pelo trabalho que
realizam, etc. Os depoimentos corroboram as conclusões de outras pesquisas, como
afirma Garcia (2010, p. 17) “Existe uma acentuada tendência que coloca a realização dos
objetivos previstos (de aprendizagem e de formação dos estudantes) como uma das
experiências mais positivas e gratificantes da profissão” e ainda Isaia e Bolzan (2010, p.7)
que afirma que o docente procura “[...] estar em sintonia com as demandas pessoais e
profissionais dele e de seus estudantes, em termos de atitudes e valores, instaurando o que
denominamos de geratividade docente’.
Quanto aos dissabores da docência, apenas dois entrevistados citam aspectos
relacionados aos estudantes:

Quanto a aspecto negativo, não tem nada. Tem algumas coisas que acontecem em sala de aula, e
às vezes acaba até te irritando com algum aluno, algo assim, mas nada que “não isso aqui vai
me fazer deixar de ser professor, não”, nunca tive nenhum problema [...]. Tem alguns tratos
que eu faço dentro da sala de aula, tem que ser cumprido até o final: celular é proibido, se
tocar vai pagar um bombom. Uns por estarem bagunçando eu digo: vai dar uma caminhadinha
na rua, baixa um pouquinho a adrenalina e depois volta (P5).

Acredito que é cada vez mais difícil ser/estar professor. Os alunos tem muitas influências
externas ou apelos tecnológicos para se entreter do que estar prestando atenção na aula. Estão
desinteressados na aula ou em aprender, a maior preocupação é notas e faltas (P6).

Os demais docentes (P1, P3, P7) identificam como dissabores da profissão


docente aspectos relacionados às condições de trabalho, especialmente o volume de aulas
e trabalhos extraclasse, que faz com que considerem a profissão desgastante. | 609

Conclusões
As pesquisas sobre professores iniciantes, realizadas geralmente com licenciados,
apontaram algumas características que marcam esse período. Uma delas é o chamado
choque de realidade, quando o professor que cursou a licenciatura enfrenta a sala de aula
e percebe que há divergências entre o que ele pensava sobre a atividade docente e o que
de fato ocorre. No caso dos professores da educação profissional não parece haver tal

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choque, já que não se prepararam para o ingresso na profissão e caracterizam-se mais pela
situação de “estar docente” do que “ser docente”.
Outro aspecto diferencial refere-se à solidão da qual se queixam os licenciados, o
que não ficou evidenciado nesse trabalho, já que os entrevistados parecem compartilhar
com os outros, pares e estudantes, suas dúvidas e dificuldades. Os entrevistados
apontaram como aspecto positivo essas interlocuções com os pares, o que indica outra
diferença entre as pesquisas com licenciados e da educação profissional, já que os
primeiros constatam, até um tanto desapontados, certa concorrência entre os pares, que
tem dificuldades de compartilhar saberes e experiências.

REFERÊNCIAS

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questões no entrecruzar de caminhos. In: FRANCO, M.E.D.P. e KRAHE E. D.(orgs)
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GARCIA, Carlos Marcelo. A identidade docente: constantes e desafios. In: Formação


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http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br. Acesso em: 23. fev. 2013. | 610

GOODSON, Ivor F. Dar voz ao professor: As histórias de vida dos professores e os seu
desenvolvimento profissional. In NOVOA, António. (org.) Vidas de Professores. 2 ed.
Porto: Porto Editora, 1995, p. 63-78.

ISAIA, Silvia M. de A.; BOLZAN, Dóris P. V. Processos Formativos e Docência:


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Rio de Janeiro, 2009.

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NUNES, Célia; CARDOSO, Solange. Professores iniciantes: Adentrando algumas
pesquisas brasileiras. Formação Docente. Belo Horizonte, v. 05, n. 09, p. 66-80, jul./dez.
2013. Disponível em: http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br. Acesso em:
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MARIANO, A.L.S. A construção do início da docência: um olhar a partir das produções


da ANPED e do ENDIPE. 2006. 142f. Dissertação - Programa de Pós-Graduação em
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ROCHA, G. A. Por uma política institucional comprometida com o início da carreira


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Caxambu. São Carlos: [s.n.], 2006. Disponível em: <
http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT08-2611--Int.pdf >. Acesso em: 10
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VILLA, A. (coord.) Perspectivas y problemas de la función docente. Madrid, Espanha:
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| 611

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VERTICALIZAÇÃO NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: ESTADO DO
CONHECIMENTO
Blenda Cavalcante de Oliveira (Instituto Federal de Brasília - IFB)
blenda.oliveira@ifb.edu.br
Shirleide Pereira da Silva Cruz (Universidade de Brasília - UnB)
shirleidesc@gmail.com

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), criados a partir da Lei nº


11.892/2008 representam uma inovação no campo da educação. São instituições voltadas
para a educação profissional e tecnológica em nível médio e superior sendo, então,
instituições que oferecem dois níveis distintos da educação escolar: educação superior e
a terceira e última etapa da educação básica, o ensino médio, sendo consideradas assim,
instituições de ensino pluricurriculares. Além disso, os IFs tem a sua estrutura
verticalizada para, em conformidade com a sua lei de criação, otimizar infraestrutura
física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão. Este trabalho analisa a
particularidade do trabalho docente na verticalização dos Institutos Federais a partir das
determinações específicas da educação profissional e tecnológica (EPT), na totalidade de
uma política pública educacional brasileira, que se insere no sistema do capital com suas
contradições e mediações. Na busca pela compreensão da realidade, que se entende como
contraditória e em permanente transformação (FRIGOTTO, 2010) investigamos
produção acadêmica que trata sobre o trabalho docente na verticalização da educação
profissional nos Institutos Federais. As pesquisas indicam que a expansão acelerada e a
falta de condições materiais de trabalho tem levado a intensificação do trabalho docente.

Palavras-chave: Instituto Federal; verticalização; trabalho docente.

INTRODUÇÃO

A partir de 2008, observa-se uma alteração e expansão da Educação


Profissional e Tecnológica (EPT) em todo o país apoiada na transformação das antigas | 612
Escolas Técnicas Federais. Essas escolas, a exemplo dos Centros Federais de Educação
Tecnológica (CEFET), escolas agrotécnicas e escolas vinculadas a universidades, em sua
maioria deixaram de existir para se transformarem em Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, também conhecidos somente como Institutos Federais (IFs). Essa
transformação significou a expansão127 da educação profissional, uma vez que as escolas

127
No período de 1909 a 2002 havia 140 escolas técnicas no Brasil. Entre 2003 a 2014 foram adicionadas
214 escolas a esse número, além de outras escolas que foram federalizadas. Atualmente há 562 escolas
em atividade no país formando a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
(RFEPCT). A Rede Federal conta, além dos 38 Institutos Federais, com outras escolas que não aderiram

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técnicas federais, muitas delas centenárias, tiveram a sua estrutura administrativa
reorganizada, transformadas em IFs e novas unidades descentralizadas, chamadas de
campus, foram criadas em todos os estados brasileiros, contemplando regiões onde antes
não havia educação profissional pública federal. Todas essas mudanças foram resultado
de um processo político, histórico e social, culminado na Lei nº 11.892, de 29 de
dezembro de 2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica (RFEPCT), conhecida como Rede Federal, e cria os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia.
Conforme a referida lei de criação dos IFs, na Seção II que trata das finalidades e
características dos Institutos Federais, em seu Artigo 6º, destacamos o inciso “III -
promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e
educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos
de gestão” (BRASIL, 2008). Assim, verticalização é uma característica dos IFs que
possibilitaria a otimização dos seus recursos, inclusive humanos. O conceito de
otimização pode ser encontrado no dicionário128 da língua portuguesa, significando tornar
ótimo. “Ótimo” é o adjetivo superlativo absoluto sintético de “bom”, ou seja, o melhor
possível. Na biologia significa o ponto onde se obtém melhor resposta a um estímulo ou
conjunto de condições de meio que sejam as mais favoráveis à realização de diversas
funções, ou seja, obter o melhor desempenho possível de um sistema, segundo critérios
de funcionamento previamente definidos. No caso dos IFs, o conceito de otimização foi
aplicado à educação, no qual os critérios de desempenho são a realização dos seus
múltiplos objetivos, finalidades e características, em conformidade com a sua lei de
criação.
| 613
Por essa característica de verticalização, os professores dos Institutos Federais
defrontam-se em seu trabalho com as distintas especificidades que envolvem o ensino na
educação básica, na educação superior e tecnológica, além do desenvolvimento de
atividades de pesquisa e extensão. Essas são características da verticalização, que por um
lado oferece aos estudantes dos IFs a possibilidade de traçar um itinerário formativo que
vai da educação básica ao nível superior e por outro leva o corpo docente a realizar ensino,

ao modelo de IF, tais como dois CEFETs, 25 escolas vinculadas a Universidades, o Colégio Pedro II e
uma Universidade Tecnológica.
128
http://michaelis.uol.com.br/

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pesquisa e extensão em diferentes níveis e modalidades de ensino simultaneamente. Tais
atributos dos IFs nos levam a entender que há implicações para o trabalho docente, visto
que é exigida dos professores uma atuação polivalente, com indicativos, nos recentes
estudos que integram o presente estado do conhecimento de sobrecarga de atividades e
justaposição de tarefas.
Compreender o trabalho do professor no contexto dessa nova instituição é
apreender as totalidades que envolvem as características próprias do trabalho docente, a
historicidade e a política de expansão da educação profissional que resultou na
reorganização de antigas escolas federais, na criação dessas recentes instituições
educacionais e os encadeamentos resultantes da verticalização no trabalho dos
professores e professoras que atuam no ensino profissional.
Com essa intenção, apresentamos o Estado do Conhecimento referente ao
trabalho docente no contexto da verticalização nos Institutos Federais, a partir do
levantamento de estudos acerca da temática que resultou em teses, dissertações, artigos e
trabalhos científicos que tratam da verticalização, do trabalho docente e da política que
criou os IFs sob diversos pontos de vista e abordagens teóricas, contribuindo para a
construção desta investigação.

O TRABALHO DOCENTE NA VERTICALIZAÇÃO

O tema do trabalho docente na verticalização da educação profissional é bastante


recente, pois teve seu início formal a partir do final do ano de 2008 com a lei de criação
dos Institutos Federais e, portanto, trata-se de um assunto ainda com poucos estudos a
| 614
respeito. Esses estudos, por tratarem de uma política com menos de uma década de
existência, têm outra característica em comum além da parca quantidade: é o fato de
serem análises iniciais sobre o tema. Por si só, esse fato sugere a necessidade de
aprofundamento. Ao mesmo tempo, os trabalhos indicam tendências no âmbito dos
Institutos Federais à medida que algumas categorias de conteúdo se repetem.
Para este levantamento utilizamos a “verticalização” como palavra-chave
principal nos filtros de busca, combinada com os termos “educação profissional”,
“Institutos Federais” e “trabalho docente”. Essas palavras-chave se justificam pelo tema

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da pesquisa, ou seja, compreender a totalidade do trabalho docente no contexto da
verticalização da educação profissional e tecnológica promovida pelos Institutos
Federais. O recorte temporal do levantamento sobre o conhecimento produzido a respeito
da verticalização teve foco no intervalo de 2009129 a 2015, por se tratar do período de
efetiva atuação dos IFs.
Analisamos aqui cinco teses e dissertações, três artigos e três trabalhos
publicados em eventos de divulgação científica.
Na pesquisa de doutorado de Elbo Lacerda Ramos, intitulada “Consensos e
dissensos em torno da alteração do centro de atuação das Instituições da Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica de origem agrícola: representações do trabalho
docente” defendida no ano de 2011 trata do processo histórico de criação dos Institutos
Federais, neste caso específico um IF surgido a partir de uma escola agrícola. O autor
desenvolve sua pesquisa a partir das representações desses docentes que viveram a
transição e se veem diante de uma nova institucionalidade vinda a partir da verticalização.
O pesquisador enfatiza ainda que, a partir da transição de escolas federais para Institutos
Federais, houve uma mudança quanto à questão da pesquisa científica. Os IFs passam a
ser produtores de conhecimento, porém “há uma propensão a constituir um mandato que
remete a uma visão puramente ancorada na perspectiva da direção ‘correta’ e
incontroversa da ciência e tecnologia como estruturas desprovidas de ideologia e de
direções humanas” (RAMOS, 2011, p. 131). Esse tipo de pesquisa, em consonância com
o Estado Gerencial, leva os professores a serem, inclusive, responsáveis pela captação de
recursos para o custeio da realização de atividades formais extraclasse. O pesquisador
finaliza enfatizando que, a partir da verticalização, há a necessidade de superar a
| 615
representação compartimentada da educação profissional de nível médio, técnico e
superior e “criar um ambiente onde o trabalho docente seja valorizado pela própria
essência do trabalho docente” (Ibidem, p. 137), ou seja, um trabalho autônomo.
A segunda tese de doutorado analisada é a de Priscila de Lima Verdum, com o
título “Formação inicial de professores para educação básica, no contexto dos IFs:

129 Apesar da lei de criação dos Institutos Federais datar de 2008, sua publicação aconteceu em dezembro
daquele ano, sendo a legislação formalmente posta em prática a partir de 2009. Esse marco temporal é
importante, pois é na lei de criação dos IFs que consta pela primeira vez o termo “verticalização” como
uma característica dos Institutos Federais.

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propondo indicadores de qualidade, a partir de um estudo de caso no IFRS” defendida em
2015. Nesta tese a verticalização é explorada como característica dos IFs que, de acordo
com a sua lei de criação, devem destinar 20% das suas vagas para os cursos de
licenciatura. A autora destaca o fato dos Institutos Federais terem pouca ou nenhuma
experiência na formação de professores, e defende a tese de que os “IFs com estrutura
verticalizada de ensino, aliada à tríade ensino, pesquisa e extensão, podem ser um meio
profícuo para a formação dos docentes, se concebidas e planejadas ações estratégicas que
considerem as características das suas licenciaturas e do seu contexto institucional”.
(VERDUM, 2015, p.7). A característica da verticalização do ensino foi enfatizada
positivamente pela pesquisadora, tendo em vista seu potencial para proporcionar
processos de formação docente inovadores e com “qualidade”. Nessa pesquisa, a
verticalização é tratada como um desafio aos IFs, pois esse modelo de instituição
representa um “largo espectro de atuação (atuação em diferentes níveis, necessidade de
elaborar e articular diferentes planos pedagógicos), e envolvimento em diferentes
programas” (Ibidem, p. 210).
A pesquisa de mestrado de Joaquim Rufino Neto, com o título “A missão
institucional do campus Crato do IFCE: percepção da comunidade escolar sobre os
avanços e desafios para desenvolver o ensino, a pesquisa e a extensão em um novo projeto
de sociedade”, defendida em 2012 trata do papel das escolas técnicas federais e a sua
transição para o modelo dos Institutos Federais a partir do estudo de caso do campus
Crato. O campus em questão tinha “mais de 40 anos” de experiência no ensino
profissional quando iniciou o chamado processo de “ifetização” em 2010 e a instituição
teve a “incumbência de desenvolver pesquisa e extensão, em similaridade com as
| 616
universidades” (RUFINO NETO, 2012, p. 2). O autor compara ao longo da pesquisa o
discurso oficial sobre o que se espera das atribuições e características dos IFs, entre elas
a verticalização do ensino, a pesquisa aplicada e a extensão e o que, de fato o campus
desenvolve dentro dos seus avanços e dificuldades. O autor destaca o caráter
“multifuncional” dos IFs, ou seja, em um curto espaço de tempo, em função da
verticalização, a instituição passou a receber um público muito diverso, enfatizando que
a verticalização “supõe que um mesmo profissional (o docente) pode atender todas estas
demandas e públicos diferenciados” (Ibidem, p. 18). O autor questiona essa possibilidade

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e se os docentes estariam realmente preparados para tal, visto que o recém-criado IF agora
tinha um acúmulo de diversas novas atribuições.
O pesquisador conclui afirmando que os desafios para a efetivação do projeto de
Instituto Federal são enormes, tanto pela falta de recursos humanos e materiais, quanto
pelo processo acelerado e pela falta de clareza “das consequências de aderir às propostas
dos documentos oficiais como estão postos” (Idem, p. 53). O autor indica que os IFs
podem se limitar a cumprir demandas ou realizar “pseudo” ensino, pesquisa e extensão
apenas para dar respostas superficiais às diretrizes que foram impostas.
A pesquisa de mestrado de autoria de Maria Regina da Silva Fernandes tem o
título “O processo de verticalização da educação profissional e tecnológica e suas
implicações na qualidade do trabalho dos docentes do Câmpus São Vicente do Sul do
Instituto Federal Farroupilha”, foi defendida em 2013 e trata da verticalização nos
Institutos Federais e as implicações para o trabalho docente. Segundo a pesquisadora “a
verticalização pode exercer influências decisivas nos métodos e técnicas de ensino, na
construção e desenvolvimento dos currículos” (FERNANDES, 2013, p. 28). A partir de
um resgate histórico, a autora relembra que a verticalização teve início nos CEFETs com
a gradual oferta de cursos de nível superior. De acordo com a pesquisadora, em termos
de organização curricular, a verticalização, prevê a interação entre vários níveis de ensino
e o diálogo entre os conhecimentos científicos e o trabalho. Sua proposta é a de superação
da escola dual e fragmentada e busca uma nova identidade para o ensino médio, última
etapa da educação básica. A autora enfatiza que a verticalização não envolve apenas o
ensino, visto que a pesquisa e a extensão também devem acontecer em todos os níveis
oferecidos pelos IFs. A autora diz que “Diante dessa pressão, o docente acaba realizando
| 617
uma atividade fragmentada e, com isso, não consegue cumprir tantas e diferentes tarefas
de forma simultânea, o que implica em alienação, privações de convívio, problemas
sociais, angústia e auto cobrança constante” (2013, p. 43). De acordo com Fernandes,
muitos professores prestam o concurso para os Institutos Federais sem estarem
preparados para a realidade que irão enfrentar, muitas vezes não tendo experiência nem
formação para atuar nos diversos níveis, nem na pesquisa, nem na extensão.
A pesquisa de mestrado de Sandra Lúcia Gonçalves intitulada “A expansão da
rede de educação profissional, científica e tecnológica: implicações nas relações e

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condições de trabalho no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás”
foi defendida em 2014. Gonçalves analisa a expansão e a reconfiguração da educação
profissional no Brasil e as implicações nas relações e condições de trabalho no IFG. A
pesquisadora afirma que há semelhanças entre o trabalho que os docentes desenvolvem
no Instituto com o trabalho realizado pelos docentes universitários, porém, os docentes
dos IF têm a pressão das demandas do mercado e o estímulo à pesquisa aplicada. No
estudo é destacada a questão da dificuldade em fixar os trabalhadores docentes em
campus menores e interioranos do IFG, resultando na desistência de alguns professores
em atuar em determinadas localidades, uma vez que os professores parecem preferir
trabalhar nos grandes centros urbanos. A autora conclui a pesquisa enfatizando que a
política de expansão da educação profissional no Brasil, atendendo às diretrizes de
organismos internacionais “têm impactado não só na relação público e privado, mas
também a natureza e as relações de trabalho daqueles que atuam nessa modalidade de
educação” (idem, p. 176).
Sobre os artigos científicos, Celso João Ferretti publicou “Problemas
institucionais e pedagógicos na implantação da reforma curricular da educação
profissional técnica de nível médio no IFSP” em 2011 e trata da reforma curricular na
educação profissional e questiona a possibilidade dos IFs realizarem a educação
politécnica na perspectiva marxiana. O autor inicia o trabalho pautando a criação dos IFs
nos discursos oficiais e no destaque que o Ensino Médio Integrado (EMI) tem nesse
cenário como o local adequado para a politecnia. O discurso oficial indica que dessa
forma haveria a superação da oposição entre ensino propedêutico e ensino
profissionalizante. Porém, apoiado em Kuenzer, o autor afirma que essa dicotomia é mais
| 618
profunda e não se revolveria no plano da educação, pois está fundada na dicotomia entre
capital e trabalho novo regime de produção flexível. Ferretti afirma que na “perspectiva
hoje concretizada, a educação profissional e tecnológica constitui-se no itinerário
formativo verticalizado que tem seu horizonte ampliado para o pós-doutorado”
(FERRETTI, 2011, p. 791) e esse itinerário pode ser percorrido em uma única instituição
pública, o IF.
O autor destaca o papel dos professores no momento da transição entre o antigo
e atual modelo de educação profissional trazido pelos IFs. O pesquisador coloca os

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docentes não como meros executores de política formulada por terceiros, mas se houver
coletividade e apropriação da política pela escola e grupos de professores seria possível
realizar algumas escolhas, mesmo limitadas. O processo histórico do IFSP revela se tratar
de uma instituição antiga, com tradição vinda do CEFET, que já realizava a verticalização
do ensino e trabalhava em relação estreita com as demandas do mercado e pesquisa
aplicada. Sobre as condições de trabalho dos professores, estes já na época da transição
entre os vários modelos de educação profissional que levaram a criação dos IFs
manifestaram-se no sentido de busca por alternativas para a diminuição do número de
aulas. O autor afirma que a maneira como estão organizados os IFs tende a isolar os
professores do ensino técnico e os professores do ensino propedêutico, que acabam não
realizando um trabalho conjunto, criando “feudos” e muitos outros conflitos dentro da
instituição causados pelas constantes mudanças e imposições das legislações
educacionais.
Além da perda de identidade trazida pelo modelo do IF ao transformar uma escola
voltada primordialmente para o ensino técnico, há ainda outras críticas dos professores
sobre a rápida multiplicação apressada dos campi pelo interior do Estado de São Paulo
sem que estivessem, no entender de alguns entrevistados, criadas as estruturas e as
condições de trabalho necessárias para a oferta de ensino de boa qualidade. Em suas
entrevistas com os docentes há mais críticas aos efeitos negativos da verticalização para
o ensino técnico, “que acabaria por perder espaço para os cursos de nível superior e, mais
que isso, tenderia a ser desvalorizado, isto implicando a desvalorização profissional dos
docentes vinculados ao primeiro” (Idem, 2011, p. 791).
O pesquisador afirma ainda que, no caso dos IFs, como há a exigência legal da
| 619
instituição oferecer 50% das vagas para o ensino médio, haveria a possibilidade de todos
os professores poderem atuar também no ensino superior, o que, obviamente, acarreta
sobrecarga de trabalho, “implicando, como assevera Hypolito (2010, p. 1346), mais
tarefas e responsabilidades extras, mais relatórios e registros escolares, maior
intensificação do trabalho, menor tempo para preparação e estudo” (Idem, 2011, p. 800).
Outro aspecto da verticalização que seria o plano de carreira dos docentes, que
passa a valorizar mais a titulação do que a experiência no trabalho. Isso faz com que
professores que realizam o mesmo trabalho recebam valores diferentes. Todas essas

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reformas vieram sem o devido debate e participação do corpo docente e técnico como
forma de minimizar as possíveis resistências à materialização da agenda reformista. O
autor finaliza o texto enfatizando a necessidade dos professores conhecerem e estudarem
o que vem a ser a formação politécnica e omnilateral, conforme proposta por Marx e
Gramsci, especialmente se a educação politécnica for entendida na perspectiva marxiana,
ou seja, como ação política e não apenas como estratégia pedagógica.
O artigo “A complexa construção de sentidos no cotidiano escolar: o caso da
área de design do campus Pelotas do Instituto Federal Sul-rio-grandense” de Jair Jonko
Araújo, publicado em 2014 discute como os professores da área de design do campus
Pelotas do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) estão produzindo sentidos em seus
processos cotidianos de (re) construção da prática curricular, especificamente no ensino,
na pesquisa e na extensão. O pesquisador buscou junto aos professores do IFRSG os
sentidos, as “relações e os movimentos de resistência, enfim, discute, em uma instituição
com privilegiado espaço de autonomia, possibilidades e limitações da autonomia docente
para construção de práticas curriculares diferenciadas” (ARAÚJO, 2014, p. 210).
Araújo destaca os conflitos internos existentes na instituição, principalmente
aqueles causados a cada reforma educacional proposta pelo MEC. O autor ainda ressalta
a fala de alguns docentes ao comparar os antigos e novos professores que vieram a partir
da transformação do CEFET em IF no qual os novos professores, apesar de terem a
titulação semelhante aos antigos, vinham com uma cultura universitária de foco na
pesquisa, enquanto os antigos professores tinham o foco no ensino técnico. O pesquisador
finaliza o texto enfatizando a falta de cultura docente para a realização da pesquisa e da
extensão e pergunta “Isto induz a questionar-se: o que é pesquisa e extensão para estes
| 620
docentes ou de que pesquisa e extensão eles estão falando?” (Idem, 2014, p. 226). Ainda
acrescenta que os professores assumem a pesquisa e a extensão como obrigação – é uma
necessidade institucional, a instituição mudou e “tem o dever de”, é uma necessidade em
função do curso superior e que essas funções ainda estão “engatinhando” no campus e
destaca a necessidade de regulamentação da carga horária docente. A verticalização é
vista como um grande processo de reestruturação curricular. O autor destaca que os
professores não se sentem intensificados, mesmo que possam se considerar cansados pelo
grande número de demandas a serem atendidas e finaliza observando a necessidade de

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respeitar os espaços e tempos e de formação coletiva dos principais sujeitos do processo
educacional: os professores e os estudantes.
O artigo de Deise Mancebo e João dos Reis Silva Júnior intitulado “Expansão
da educação superior e a reforma da rede federal de educação profissional” publicado em
2015 discute a expansão da rede federal de educação profissional no Brasil. Os autores
indicam que a expansão da educação superior por meio dos Institutos Federais repete uma
tendência mundial na educação superior, que é a diversificação de sistemas educacionais,
comportando funcionalidades e arranjos diversos e destinado a segmentos populacionais
também diferentes. Essa tendência “internacional é fortemente incentivada (praticamente
induzida) por organismos internacionais, dentre os quais, o Banco Mundial que apresenta
papel de destaque” (MANCEBO e SILVA JUNIOR, 2015, p. 74). Em documento de 1994
o Banco Mundial (BM) indica que o crescimento da educação superior deveria se dar pela
via da expansão do ensino privado, busca de recursos alternativos ao ensino público
(cobrança de mensalidade, por exemplo), busca de uma maior “eficiência” interna
(otimização do uso do espaço físico, aumento do número de alunos por professor), ênfase
na educação a distância, diversificação das instituições de ensino superior, entre outras.
Destaca-se aqui a crítica do BM ao modelo da universidade de pesquisa, muito
dispendiosa, por isso a defesa da criação de instituições de nível superior não
universitárias.
Segundo os pesquisadores, quase vinte anos depois, o Brasil praticamente seguiu
toda a cartilha do Banco Mundial, acompanhando uma tendência irreversível de
diversificação da educação superior já presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996. O que o BM chama de “educação terciária” ressignifica a educação
| 621
superior como ensino pós-secundário. Isto “parece afetar especialmente o trabalho do
professor e a formação que, com muita facilidade, pode ser deslocada para mera
capacitação ou até mesmo reciclagem” (Idem, 2015, p. 77) um ensino desvinculado da
pesquisa e da produção crítica e criativa do conhecimento, mas organicamente vinculado
ao mercado e suas demandas.
A partir da criação dos IFs o ensino superior ganha novo lócus, que é chamado
pelos autores de “hibridismo” devido a todas as novas demandas que os IFs teriam de dar
conta. Os autores destacam ainda relatório do TCU que aponta a grave falta de docentes

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para atuar nos recém-criados Institutos, chegando a 20% no ano de 2013. A falta de
docentes faz com que os professores sejam sobrecarregados e tenham de atuar em todos
os níveis, inclusive o superior, sem qualquer experiência ou formação, o que pode
comprometer a qualidade do ensino, sem contar os atritos internos entre os docentes de
maior titulação que não desejam lecionar em mais nenhum curso que não sejam os de
ensino superior.
O trabalho de Arruda e Paula intitulado “Os Institutos Federais como instituição
formadora de professores: expectativas e contradições” apresentado XVI Encontro
Nacional de Didática e Práticas de Ensino (ENDIPE) em 2012 as autoras discorrem sobre
as múltiplas funções atribuídas aos IFs, dentre elas, a oferta de licenciaturas para formar
professores para atuar na educação básica como forma de suprir a carência desses no
ensino médio, especialmente nas áreas de química, física, matemática e biologia. As
autoras se propõem a “pensar o processo de deslocamento da formação docente para os
IFs, instituições em que predomina a oferta de educação profissional e tecnológica (EPT)”
(ARRUDA e PAULA, 2012, p. 7). No texto fica clara que a nova institucionalidade
imposta às diversas escolas técnicas federais agrupadas para a criação dos Institutos
Federais e que trouxe a possibilidade de levar ensino técnico e superior para regiões
menos favorecidas do país, assim como resultou em desafios e metas calcadas em dados
quantitativos. A previsão legal de ofertar educação básica profissional e nível superior
leva as autoras a “questionar se paralelamente à verticalização das estruturas de poder,
político-administrativas, não se instala também um movimento de flexibilização e
polivalência da prática docente nestas instituições” (ARRUDA e PAULA, 2012, p. 9). As
autoras afirmam que o perfil de professor que pode atender a tantas demandas
| 622
concomitantemente se parece com o perfil do profissional exigido pelo capitalismo tardio,
ou seja, um docente “flexível, polivalente e rápido na articulação de suas competências
em prol dos objetivos da organização” (idem, p. 10).
O trabalho “Adoecimento docente na Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica em Minas Gerais. Um fenômeno possível?” apresentado no IV
Seminário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica (SENEPT) em 2014 aborda
um tema comum na educação básica brasileira, que é a síndrome da desistência, também
conhecia como síndrome de burnout. Os pesquisadores investigam até que ponto os

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professores da RFEPCT também estariam submetidos aos efeitos desse fenômeno que é
relacionado “influenciado pelo cenário capitalista de produção que, em constante
transformação, expõe o professor a extensa demanda de atividades e condições de
trabalho inadequadas, as quais são geradoras de aumento de produtividade e consequente
intensificação do trabalho (VIEIRA JÚNIOR et al, 2014, p. 1).
Trata-se de uma pesquisa quantitativa de caráter exploratório e descritivo, o
público foi composto de professores e professoras da Rede em Minas Gerais, foi utilizado
um survey com 267 professores, dos quais 90 são do sexo feminino. Após a realização da
pesquisa, foi constatado que os docentes pesquisados da RFEPCT de Minas Gerais
tiveram menos afastamentos que os professores do mesmo estado, vinculados à rede de
educação municipal e estadual. Os pesquisadores acreditam que as condições de trabalho
na Rede Federal sejam mais favoráveis. A pesquisa aponta elementos iniciais sobre esse
público, visto que há poucos estudos sobre o adoecimento dos professores que compõem
a RFEPCT. Os autores concluem indicando a necessidade de prosseguir as pesquisas
desse tipo, pois o trabalho docente está relacionado à melhoria nas condições de vida dos
professores, no trabalho e fora dele.
O texto intitulado “O trabalho docente na educação profissional técnica”
apresentado por Graziela Ninck Dias Menezes na 37ª Reunião Anual da ANPED em 2015
trata da constituição da docência, e como os sentidos de trabalho e de técnica atravessam
a profissão dos professores na EPT. A pesquisa foi desenvolvida no Instituto Federal da
Bahia (IFBA), em um campus em processo de implantação. A autora faz um breve relato
sobre as recentes mudanças acarretadas na educação profissional, em especial nos IFs e
suas novas funções e fala das consequências para o trabalho dos professores: “Assim,
| 623
surgem demandas para os docentes que implicam diretamente na organização didática do
seu ensino, bem como nas práticas educativas que perpassam dimensões do trabalho
docente intensificados no processo de implantação de novos campi (...)” (MENEZES,
2015, p.3). A pesquisadora destaca ainda a dimensão objetiva das condições de trabalho
docente e da organização do tempo como elementos para compreensão desse trabalho e
para a constituição da identidade desse professor.
A autora também fala das condições gerais do trabalho docente: “ficou evidente
que diante da necessidade de atendimento das demandas administrativas, fruto da

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implantação de novos campi ou institutos, os professores vem passando por um processo
de sobrecarga do trabalho” (MENEZES, 2015, p.7). Assim, o processo de produção de
documentações e de organização da cotidianidade da escola, além do atendimento de
alunos, implicam no trabalho docente que precisa ir se ajustando à medida que a própria
organicidade da escola vai se construindo, exigindo um modo de atuar que perpassa pela
gestão, pela elaboração de projetos, pelo desenvolvimento de atividades de ensino,
pesquisa e extensão com demais profissionais da educação.

CONCLUSÕES

Após a busca por produções acadêmicas acerca do trabalho docente na


verticalização dos Institutos Federais, foram encontrados poucos estudos sobre a
verticalização em si. Foi possível constatar que normalmente o tema da verticalização
aparece atrelado ao trabalho docente como tópico subjacente que leva o trabalho dos
professores a uma condição inédita no cenário educacional brasileiro, ou seja, os docentes
têm de dar conta das múltiplas demandas trazidas pela nova institucionalidade
verticalizada promovida pelos IFs, o que leva os professores a um trabalho polivalente.
A nova institucionalidade dos IFs foi um tema recorrente, pois agregou
instituições antigas e criou outras totalmente novas. A partir dos estudos, fica clara a
contradição dessa nova institucionalidade, pois ao mesmo tempo em que os Institutos
representam a expansão e acesso à educação profissional e de nível superior,
principalmente nos locais mais distantes dos centros urbanos, também fica evidente que
a expansão se deu de maneira acelerada, e que nem todos os campi contam com as
| 624
condições materiais de execução da tarefa a que se propõem. Os atores que compõem
essa nova instituição não sabem com clareza o que é um Instituto Federal e qual o seu
foco. Há uma demanda para que os IFs cumpram o papel das universidades e das escolas
técnicas ao mesmo tempo e no mesmo espaço físico, o que pode levar a falta de condições
de trabalho, sobrecarga e demandas excessivas.
A verticalização foi tratada nos estudos numa conjuntura mais ampla da
expansão do ensino técnico e superior aliada ao alcance de metas quantitativas
determinadas por agentes externos a aos IFs, tais como órgãos de controle. O conceito de

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otimização já surge nesse contexto como diretriz do Banco Mundial para que as
instituições de nível superior sejam diversificadas e que se tenha um sistema mais
eficiente no qual os espaços físicos das instituições sejam totalmente aproveitados, bem
como haja um aumento numérico na relação aluno/professor e, como resultado, promove
a diminuição da autonomia das instituições e intensificação do trabalho docente.
Diversos estudos destacaram o importante papel dos CEFETs nesse processo de
transição, pois indicam que o modelo de CEFET foi a base para a criação dos Institutos
Federais. Os autores assinalam que a ideia do Governo Federal era barrar a criação de
novas universidades tecnológicas, pois se acredita que o modelo de universidade tende a
se afastar da pesquisa aplicada e do ensino técnico. O modelo de CEFET, aquele que já
realizava a verticalização, pesquisa aplicada e tinha proximidade com o mercado seria o
ideal a ser seguido para todo o Brasil, porém nos moldes de uma nova instituição
denominada Instituto Federal. Contudo, as pesquisas indicaram que a historicidade dos
CEFETs foi negada a partir do momento em que se pretende repetir um modelo de escola
que foi construído ao longo de quase um século. O modelo de educação que foi atingido
pelos CEFETs não se deu espontaneamente. Surgiu por meio de circunstâncias políticas,
econômicas e históricas determinadas. Trata-se de um caminho percorrido de construção
dessa realidade de escola pública federal de educação profissional e tecnológica com
corpo docente qualificado e experiente. Alguns dos novos IFs e seus diversos campi
surgiram sem esse percurso histórico, ou a partir de uma escola agrotécnica sem as
características ideais dos CEFETs, como é o caso do Instituto Federal de Brasília, objeto
desta pesquisa.
Foi perceptível nas diversas pesquisas as tensões e os conflitos causados pela
| 625
nova institucionalidade verticalizada; o embate entre antigos docentes das escolas
técnicas federais e os novos docentes que acessaram os IFs após a sua criação por meio
dos vários concursos públicos realizados. Nos estudos apresentados, há relatos de
professores que somente querem lecionar no ensino superior, pois não se sentem
preparados para o ensino técnico nem do ponto de vista da formação inicial, nem da
experiência profissional na área. Aqueles professores que atuam prioritariamente no
ensino médio nos IFs poderiam se sentir desprestigiados ou relegados a um nível
educacional considerado “menor”.

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As questões pedagógicas voltadas para o desenvolvimento de múltiplos
currículos, a integração entre os professores de cursos e áreas diferenciadas e a falta de
formação para que o docente possa atuar na verticalização dos diversos níveis e
modalidades, principalmente, mas não exclusivamente, os bacharéis docentes também
apareceram como um fator importante na efetivação do trabalho docente nos IFs. A
formação continuada dos professores ou o estabelecimento de indicadores de qualidade
surgiram em algumas pesquisas como soluções para essa questão da atuação na
verticalização, porém, as pesquisas que enfatizam a formação ou os parâmetros de
qualidade como soluções para os problemas trazidos pela verticalização não levaram em
conta as condições objetivas de trabalho dos docentes.
Os autores pesquisados enfatizaram que a política de criação dos Institutos
Federais se caracterizou pelo fato de ser uma política de cima para baixo. O que
transparece nos textos é a maneira como os decretos e leis são editados e, parece não
haver participação dos principais interessados e envolvidos, os professores, que serão
aqueles que levarão a cabo as políticas que se concretizam na instituição. A percepção
pelos professores de que as políticas públicas para a educação são imposições geram
conflitos, contradições e embates dentro dos IFs, sem diálogo entre aqueles que pensam
e aqueles que executam as políticas educacionais.
A partir deste estudo, propomos o avanço na discussão da verticalização, do
ponto de vista do trabalho docente nos Institutos Federais, bem como da política de
expansão educacional.

REFERÊNCIAS
| 626

ARAUJO, Jair Jonko. A complexa construção de sentidos no cotidiano escolar: o caso


da área de design do campus Pelotas do Instituto Federal Sul-rio-grandense. Currículo
sem Fronteiras, v. 14, n. 3, p. 208-229, set/dez 2014.
ARRUDA, Maria da Conceição Calmon e PAULA, Lucília Augusta Lino de. Os
Institutos Federais como instituição formadora de professores: expectativas e
contradições. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro XVI ENDIPE - Encontro
Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas – 2012.
BRASIL. Institui a Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica e dá
outras providências. Congresso Nacional. Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008.

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FERNANDES, Maria Regina da Silva. O processo de verticalização da educação
profissional e tecnológica e suas implicações na qualidade do trabalho dos docentes
do Câmpus São Vicente do Sul do Instituto Federal Farroupilha. Dissertação
(mestrado) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Curso de Pós-Graduação em
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FERRETI, Celso João. Problemas institucionais e pedagógicos na implantação da
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Soc., Campinas, v. 32, n. 116, p. 789-806, jul.-set. 2011.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A dupla face do trabalho: criação e destruição da vida. In:
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (orgs.). A experiência do trabalho e a
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GONÇALVES, Sandra Lúcia. A expansão da rede de educação profissional, científica
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Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás/ Sandra Lúcia Gonçalves. Goiânia, 2014.
MANCEBO, Deise e SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Expansão da educação superior
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RUFINO NETO, Joaquim. A missão institucional do campus Crato do IFCE:
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VERDUM, Priscila de Lima. Formação inicial de professores para educação básica,
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caso no IFRS. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia
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ENTRE A CAFETINAGEM ACADÊMICA E O ASSÉDIO
MORAL: UMA AUTOETNOGRAFIA EM UMA
UNIVERSIDADE

Igor Vinicius Lima Valentim (UFRJ e SOCIUS/CSG/ULISBOA)


valentim@gmail.com

Resumo: Este artigo utiliza a autoetnografia com o objetivo de problematizar as relações


acadêmicas no contexto de uma universidade pública brasileira. O texto se apoia em
referenciais tais como Foucault, Deleuze e Guattari para investigar as subjetividades
produzidas nos cotidianos da Academia. Com atenção às experiências, ao que muitas
vezes é naturalizado e/ou dito apenas nos corredores e bastidores, as narrativas aqui
construídas são atravessadas por músicas, situações vivenciadas e afetações produzidas.
Em estórias que abordam trajetórias de um docente desde sua chegada a um novo local
de trabalho, o texto questiona os modos como nos relacionamos na universidade e seus
impactos não apenas no trabalho em si, mas na própria saúde dos envolvidos.
Palavras-chave: Educação Superior, Trabalho Docente, Saúde Docente.

Não me resta nada, sinto não ter forças para lutar


É como morrer de sede no meio do mar e afogar
Sinto-me isolado com tanta gente à minha volta
Vocês não ouvem o grito da minha revolta
[...]
O sorriso escasseia, hoje a tristeza é rainha
Não sei se a alma existe mas sei que alguém feriu a minha
[...]
Chorei
Mas não sei se alguém me ouviu
E não sei se quem me viu
Sabe a dor que em mim carrego e a angústia que se esconde
Vou ser forte e vou-me erguer
E ter coragem de querer | 628
Não ceder, nem desistir eu prometo
Busquei
Nas palavras o conforto
Dancei no silêncio morto
E o escuro revelou que em mim a Luz se esconde
Vou ser forte e vou-me erguer
E ter coragem de querer
Não ceder, nem desistir eu prometo
(Boss AC, Alguém me ouviu)

Uma autoetnografia – ou sobre produzir um texto-afetação

VIII ENCONTRO BRASILEIRO DA RED ESTRADO


TRABALHO DOCENTE E PNE: desafios à valorização profissional
04, 05 e 06 de abril de 2016
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
Este texto apresenta narrativas escritas em primeira pessoa do singular, diálogos,
pensamentos, sentimentos, desejos, análises. Em consonância com o método
autoetnográfico, as narrativas construídas são atravessadas por músicas, situações
vivenciadas e afetações produzidas.
Considerando que as estórias construídas ao longo do artigo são inspiradas por
situações vivenciadas, é importante deixar claro que em uma autoetnografia – e, portanto,
também aqui neste artigo – não existe a preocupação com a veracidade e muito menos
linearidade dessas estórias. A escrita se apresenta continuamente, acontece: “é partícipe
da realidade. Extensão da vida e do movimento que há no que está vivo” (VERSIANI,
2005, p. 224-225).
Em outras palavras, o valor de uma autoetnografia não está na representação de
um passado o mais fiel possível em relação ao modo como ele foi vivido. Ao contrário
de uma etnografia tradicional, não há um outro a ser descrito ‘tal como é’, déjà-là, à
espera dos pesquisadores e pronto para ser descrito.
Também não há neutralidade em uma autoetnografia, já que este método busca
reconhecer a importância da subjetividade (VERSIANI, 2005) nos processos de
construção de conhecimentos. No âmbito deste artigo é importante explicitar as
subjetividades estão relacionadas aos modos de pensar, ver, sentir, se relacionar com os
outros e consigo mesmo, ou seja, maneiras de acordo com as quais os sujeitos fazem
experiência de si (FOUCAULT, 1999): “a subjetivação é a produção dos modos de
existência ou estilos de vida” (DELEUZE, 1992, p. 142). É importante ressaltar também
que a subjetividade tem natureza ‘maquínica’, ou seja, ela é “fabricada, modelada,
recebida, consumida” (GUATTARI e ROLNIK, 2007, p. 33).
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Produzo neste texto estórias situadas, construídas da minha posição atual e,
portanto, “sempre parciais, incompletas e cheias de silêncios, escrita em um tempo
particular, para um propósito particular e um público particular” (ELLIS, 2009, p. 13).
As descrições em narrativas autoetnográficas são construídas com o intuito de
produzir, de afetar. Elas são pensadas e escritas em função dos efeitos que produzirão,
dos afetos que provocarão. Veiga-Neto e Lopes já alertaram (2010, p. 35) que em estudos
ligados a Foucault, não parece haver espaço para perguntas tais como ‘isso é verdadeiro?’,
mas sim para um questionamento do tipo: “que efeitos essa verdade produz?”.

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E, desta forma, o valor de uma autoetnografia está justamente naquilo que está por
vir, naquilo ela constrói, produz, suscita. Quanto a isso, não posso deixar de mencionar
que também me inspiro em Larrosa (2015, p. 40) quanto à sua ponderação de que escrever
“é colocar-se em movimento, é sair sempre para além de si mesmo, é manter sempre
aberta a interrogação acerca do que se é”.
Se, como mencionado acima, o valor de uma autoetnografia não está atrelado à
medida da veracidade ou da facticidade, é importante ressaltar que uma importante forma
de avaliá-la é quanto à sua credibilidade, sobre a qual Richardson (1997, p. 77) já
afirmava ser conseguida por meio de selecionarmos os detalhes, metáforas e localizarmos
as estórias em contextos mais amplos.
Como método, a autoetnografia vem sendo utilizada na literatura em língua
inglesa há algumas décadas. Entretanto, no Brasil ainda não são numerosos os trabalhos
que se utilizam deste método, tais como Versiani (2005) e Bossle e Molina Neto (2009).
Outro ponto importante de se ter em mente quando se lida com uma autoetnografia
é seu objetivo ético-estético-político declarado. Embora as estórias possam estar ligadas
ao que foi vivido, o objetivo não se encerra em compartilhá-las, mas em a partir delas
produzir reflexões, questionamentos, incertezas, rupturas, ações.
Um texto autoetnográfico pode nos permitir reconsiderar como pensamos,
pesquisamos e mantemos relações, ou seja, como vivemos (Adams, Holman Jones e Ellis,
2015, p. 8).
Neste texto, uso as estórias que construo para “quebrar silêncios” (Adams,
Holman Jones e Ellis, 2015, p. 103) a respeito de relações acadêmicas e assuntos
relacionados a elas que muitos conhecem e vivem e pouquíssimos parecem comentar.
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Após este início com breves entradas sobre o método autoetnográfico, construo as
estórias que abordam trajetórias de um docente desde sua chegada a um novo local de
trabalho dentro de uma universidade pública brasileira.
Este texto está apoiado em referenciais como Foucault, Deleuze e Guattari, e
dialoga com teóricos sobre assédio moral (Hirigoyen, 2005), geopolítica da cafetinagem
(Rolnik, 2006) e cafetinagem acadêmica (Valentim, 2014). Com especial atenção à
questão da produção de subjetividades nas relações acadêmicas, este artigo questiona os

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modos como nos relacionamos na universidade e seus impactos não apenas no trabalho
em si, mas na própria saúde dos envolvidos.
Ao longo do texto e de minhas vivências narradas em uma universidade pública
brasileira (UNIV), optei, sem alterar os objetivos políticos e pedagógicos do texto, por
trocar os nomes e/ou usar nomes fictícios para todos os envolvidos, sejam pessoas,
instâncias organizacionais, instituições e até mesmo disciplinas. Se ainda assim, alguém
se sentir ofendido, faço questão de desde já deixar registrado o meu pedido de desculpas.

Choque
Minhas mãos tremem. Minhas pernas balançam. Meu coração acelera e está
disparado. Sinto muito calor. Aumento a velocidade do ar condicionado e diminuo a
temperatura. Já são mais de 22h00. Deve ser culpa ainda do cansaço. Não faz muito tempo
que cheguei em casa após mais uma noite de aulas. Ou não. Sentado em frente ao monitor
do computador leio:
Prof
Conforme informação do Coordenador do Curso Dois, Prof Rosa, não consta
seu comparecimento em sala de aula para lecionar as disciplinas Bananas - 2ª
e 4ª feiras, 18:20 as 20:00 e Maçãs - 2ª e 4ª feiras, 16:30 as 18:10, ficando os
discentes do Curso – Campus 2 sem aula, por mais uma semana.
Dessa forma, solicito que assumas de imediato as disciplinas para as quais foi
designado e que compareça nesta 2ª-feira ao Gabinete da Direção da Faculdade
para assinar recebimento deste memorando abaixo reproduzido.
O e-mail tem o título ‘Falta às aulas’ e acabo de recebê-lo de Girassol, Chefe de
Departamento, com cópia para Cravo, Diretor da Faculdade, Margarida, Vice-Diretora e
também para Rosa, coordenador de outro curso.
Ao terminar de ler o e-mail, reparo que há um arquivo em anexo: o tal memorando
assinado pelo Chefe Girassol e endereçado a todos os copiados no e-mail. Não recebi | 631
nenhuma ligação telefônica, e-mail, ou qualquer outra forma de contato, nem de Girassol,
nem de Rosa, nem de Cravo ou mesmo de Margarida para saber se eu estava indo às aulas
ou não. Tampouco perguntando qualquer outra coisa. Simplesmente abri meu e-mail e
recebi esse documento. Como podem me acusar de algo sem nunca sequer ter checado
comigo as informações? E ainda por cima elaborarem e assinarem um documento oficial
me imputando faltas e sendo copiado para a Direção e Vice-Direção?

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E mais significativo ainda, como podem me acusar de estar ausente em aulas das
quais acabei de ministrar e retornar, há menos de uma hora? Me faltam palavras. Me falta
ar. É indescritível a sensação que me acomete.
Para minha ‘sorte’, eu não apenas realizei as chamadas com as turmas pelo diário
de classe, como também passei listas de presença a serem assinadas pelos estudantes.
Graças a isso respondo imediatamente ao e-mail recebido, anexando as listas de presença
assinadas pelos alunos e comprovando que eu estava trabalhando normalmente, e não
faltando como havia sido acusado indevidamente. Solicito imediata retratação.
Girassol admite o erro cometido, após jamais ter me consultado, mas todo choque
é pouco. Sempre há mais por vir. Logo na sequência da resposta do chefe, quase que em
perfeita sincronia, é a vez do diretor Cravo se manifestar copiando a todos aqueles já
copiados nos e-mails anteriores, afirmando:
Ciente, sem problemas. Tudo dentro dos dispositivos legais que regem a UNIV.
Não é possível. Devo estar delirando. Vendo coisas. Depois do que fizeram, ainda
acham que está tudo sem problemas e dentro dos dispositivos legais de uma universidade
pública?
Chega! Basta! Não dá mais para continuar tentando ficar numa boa e em paz com
quem ocupa cargos de gestão dentro da estrutura de uma instituição educacional pública
e não me permite condições minimamente dignas e saudáveis para desempenhar meu
trabalho. Meu corpo já está gritando. Implorando por atenção. Solicitando que eu faça
algo para mudar a situação. Ou melhor, algo mais radical, porque infelizmente este não é
o primeiro episódio estranho que me acomete. Faz mais de seis meses que muitas
situações estranhas – sempre com estas mesmas pessoas – vêm acontecendo no meu
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cotidiano de trabalho.

O início da vida como professor efetivo de uma universidade pública brasileira


A UNIV não foi a primeira universidade federal brasileira na qual trabalhei como
professor efetivo. Fiz meu concurso docente para outra universidade pública em 2009 e
comecei a trabalhar como professor efetivo no início de 2010. Foi lá que passei mais de
três anos lecionando, orientando alunos bolsistas de extensão, desenvolvendo projetos de
pesquisa e também fui aprovado em meu estágio probatório após três anos de efetivo
exercício profissional.

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Embora concursado para essa universidade, eu nunca havia estudado lá, não
conhecia absolutamente ninguém na instituição. Minha graduação foi feita na UNIV e
esse era um motivo que me fazia ter uma grande vontade de retornar à universidade na
qual havia estudado. Depois de cursar quase cinco anos de graduação lá, eu queria voltar
para contribuir com a instituição e com o curso no qual estudei. Por vontade minha e da
UNIV, deu-se início ao processo de minha transferência em 2013.

O início na UNIV
Eu teria imenso prazer em começar minha história na UNIV a partir da liberação
por parte da universidade da qual eu estava saindo e de minha chegada oficial à
instituição, mas algumas coisas aconteceram.
Enquanto o processo de minha transferência tramitava, fui várias vezes à UNIV
para dar uma satisfação sobre seu andamento e para tentar agilizá-lo ao máximo. Em uma
dessas visitas, encontrei Cravo, então chefe de departamento, e Girassol, coordenador de
curso à época. Ambos haviam sido meus professores quando da minha graduação.
Girassol queria que eu entrasse em sala de aula imediatamente.
- Como assim? Não posso... ainda estou lecionando na outra universidade, e além
disso ainda sou funcionário de outra universidade, dedicação exclusiva. Como vou
começar simultaneamente a lecionar aqui?
- Precisamos de você. Aqui tem um monte de professores substitutos que entram
em sala até mesmo antes de assinar o contrato.
- Bem, se você aceita isso como coordenador...
- Há há há ... imagina se a pessoa for esperar tudo certinho, a coisa não vai
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funcionar.
- Esse não me parece um jeito correto de ‘funcionar’. Se eles aceitam isso, ok, eu
não aceito e não farei isso de jeito nenhum. A partir do momento em que minha
transferência for efetivada e publicada e a outra universidade me liberar, estarei aqui, mas
fazer esse tipo de coisa nem pensar.
Se eu não me valorizar, quem irá? Onde está a preocupação com a pessoa? E se
sofro um acidente indo para lá? Que cobertura eu tenho? Que sensibilidade! E que
pressão! Desde antes mesmo de eu entrar!

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Depois de quatro ou cinco meses de tramitação, finalmente fui liberado pela outra
universidade após a publicação de minha transferência. Fui logo convidado pelo chefe
Cravo a integrar o Núcleo Docente Estruturante (NDE) do curso.
Descobri que, ao contrário do que acontecia na outra universidade, ali naquele
departamento da UNIV não haviam reuniões de departamento periódicas. Depois de
algum tempo, e dos meus comentários a respeito de ser interessante podermos reunir os
professores, conversar, debater, trocar ideias, foi marcada uma reunião do departamento.
Finalmente, depois de muitos meses, ela aconteceu.
Todos os professores – efetivos e substitutos – foram convocados, mas de um total
de mais de trinta, no máximo metade compareceu. Eu e uma outra professora que também
havia sido transferida para o departamento (cerca de quatro meses antes de mim) fomos
apresentados aos demais.
O chefe Cravo comunicou que concorreria à eleição para a direção da faculdade:
- Vou concorrer à Direção da Faculdade e, se tudo der certo, sairei da chefia do
departamento. O professor Girassol continuará na Coordenação do curso e o professor
recém-chegado, que foi nosso aluno, fez seu doutorado no exterior e agora compõe nosso
grupo, assumirá a chefia do nosso departamento.
- Como assim? Da onde você tirou isso? Estou cansado de falar e explicar que
não vou assumir a chefia do departamento agora. Como você chega agora na reunião,
na frente de todos, e fala o oposto do que conversamos? O oposto de tudo o que
dialogamos?
Tudo isso passa pela minha mente em menos de uma fração de segundo, mas não
verbalizo nada. Epifanias. Alguns momentos em nossas vidas nos quais acontecimentos
| 634
importantes, decisivos, acontecem. A passagem da fala de outros
O que faço? Me calo, deixo ele falar à vontade e depois resolvo a sós com ele?
Mas se o departamento quase não se reúne coletivamente, será muito difícil para reverter
institucionalmente a ‘verdade’ que ele anunciou para todos. E se eu levantar a mão e
explicar que não é bem assim? Será que ele vai ficar bravo? Qual será a reação dos demais
integrantes do departamento? Mas ao menos assim deixarei as coisas claras e não haverá
disse-me-disse ou mal-entendidos.

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Sinto-me em um daqueles momentos em que tenho que tomar uma decisão ultra-
rápida, em uma fração de segundo. Eu fiz concurso público. Pú-bli-co! Confio em mim,
no meu trabalho e levo a sério o que faço, até porque gosto do que faço e faço o que gosto.
Não posso aceitar ser desrespeitado assim!
- Não venha querer me tratar como massa de manobra. Nem como um boneco ou
marionete. Não sou sua prioridade e nem de ninguém!
Todas essas reflexões não demoraram mais que alguns poucos segundos em minha
mente. Levanto o braço e, assim que a palavra me é concedida, explico:
- Gente, já que fui citado sinto-me na obrigação de entrar neste assunto agora.
Para mim é uma imensa alegria poder estar aqui conhecendo alguns e reencontrando a
maioria de vocês, que foram meus professores durante os quase cinco anos de graduação.
Deixe-me esclarecer uma coisa. Eu terei toda a satisfação eu concorrer à chefia do
departamento e, se for eleito, assumir a função, mas não agora! Eu já havia deixado isso
claro para o atual chefe e para o atual coordenador do curso, mas talvez eles tenham
entendido mal. Nesse momento, em que acabei de aqui chegar, não me sentirei bem nem
à vontade em já chegar sendo imediatamente chefe de diversos de vocês que foram meus
professores há dez, quinze anos. Deixo claro desde já que, daqui a algum tempo, podem
contar comigo para concorrer a esta função.
Tanto Cravo quanto Girassol me pediram diversas vezes para que eu fosse chefe
de Departamento caso Cravo fosse eleito Diretor da Faculdade. Entretanto, sempre me
mostrei contrário à ideia no momento inicial de chegada ao novo local de trabalho, já que
não me sentiria bem de ser um superior hierárquico acabando de chegar em um
departamento.
| 635
Sempre deixei claro que poderia, sim, ser chefe do departamento, sem problema
nenhum, e até gostaria de assumir a função um dia pelo aprendizado, mas que isso não
aconteceria logo quando da minha chegada à instituição. Vários daqueles professores
haviam sido meus professores. Na verdade, a maioria deles. Então eu não me sentiria bem
em chegar já sendo hierarquicamente superior a eles na estrutura da organização.
Posteriormente, depois de algum tempo, sim, mas não logo na minha chegada.
A reunião terminou pouco depois disso e fui chamado no corredor.

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- Onde é que você está com a cabeça? Você me desdisse na frente de todo mundo,
cara! Não confia em mim? Acha que eu quero te ferrar? Diz o chefe Cravo.
- Ué, mas você falou algo que não corresponde ao que conversamos. Aliás, você
falou exatamente o oposto do que conversamos. E, claro, toda vez que você fizer isso,
terei que te desdizer.
Fico pensando em que medida a Academia vive, trabalha e se relaciona para
perpetuar e reproduzir a si mesma. Após os episódios acima narrados, diversas situações
estranhas começaram a acontecer e chamar minha atenção.

Se fosse um quartel você estaria preso


Quatro meses após minha chegada como professor à UNIV, Cravo já havia sido
eleito e ocupava o cargo de Diretor da Faculdade. E, simultaneamente, Girassol
acumulava as funções de chefe de departamento (antes ocupada por Cravo) e de
coordenador de curso.
Fui chamado por Girassol para ser testemunha em uma reunião com uma aluna
que enfrentava uma situação delicada. Ele me disse que se averiguaria o interesse da aluna
em abrir uma sindicância contra um professor. Me coloquei à disposição para ajudar,
mesmo podendo ser qualquer outro professor ou funcionário a fazê-lo. Uma primeira
reunião foi marcada e confirmada pela aluna e por Girassol, mas a aluna desmarcou no
próprio dia, cerca de trinta minutos antes do horário combinado.
Foi sugerida por Girassol uma nova reunião para a semana seguinte, mas até dois
dias antes a aluna não havia dado sinal de vida e nem confirmado se poderia ou não.
Sendo assim, tive de marcar outros compromissos.
| 636
Começou uma troca de e-mails em série. Girassol insistia em dizer que eu teria
que estar presente de qualquer jeito na reunião e que não poderia ser outro professor,
mesmo sem haver nenhuma confirmação por parte da aluna. Mesmo não podendo estar
presente naquele dia, deixei claro que eu poderia em qualquer outro dia e hora, sugeri que
poderia ser outro funcionário, mas estranhamente Girassol dizia que eu teria que estar
presente. Não me perguntou em nenhum momento o motivo de eu não poder, tampouco
se preocupou em ouvir meus argumentos. Será que sensibilidade está em extinção?
Chegamos em um momento em que ouvir o outro virou um luxo?

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A situação chegou ao extremo de em pleno domingo, Cravo, agora diretor da
Faculdade, me enviar um e-mail solicitando que eu desmarcasse meu compromisso para
o dia seguinte, alegando se tratar de uma convocação. Expliquei novamente toda a história
a Cravo por e-mail, me colocando à disposição para ajudar mais uma vez. Entretanto, o
diretor respondeu:
Ainda sendo professor espero que compreendas o que venha ser disciplina.
Convocação implica na falta em falta acadêmica. Não vou mais discutir sobre
isso. Se fosse um quartel você estaria preso.
Quartel? Preso? Lembro-me de quando fui aluno de um colégio militar e penso se
ainda estou nas forças armadas. Não estou eu no templo da liberdade e da autonomia
chamado universidade? Templo da autonomia e da liberdade? É o que dizem, mas não
provam, diria meu amado avô.
Repito que em momento nenhum me recordo de algum dos dois ocupantes dos
cargos de gestão terem buscado saber o motivo pelo qual eu não poderia ir no dia que eles
queriam e demandavam. Como eu estava com fortes dores na coluna, justifiquei minhas
ausências e segui adiante.

Você não está comigo, então está contra mim: exclusão


Cheguei à UNIV para o que parecia apenas mais um dia corriqueiro de trabalho.
Fui até a sala do Departamento por volta das 16h30 apenas para buscar um computador e
um projetor multimídia para usar nas aulas da noite. Quando cheguei à sala, enquanto
assinava o livro e pegava os equipamentos, uma funcionária administrativa veio, com
uma folha de papel nas mãos, me dizer que tinha um documento para mim. Me entregou
a folha e disse crer que eu não precisaria acusar recebimento.
Para minha surpresa, se tratava de um memorando de exoneração do NDE, | 637

assinado pelo diretor Cravo e encaminhado também para o chefe Girassol, me


substituindo por outro professor do departamento. Nunca ninguém conversou comigo a
respeito. Nunca.

Duas trocas de disciplinas em um mesmo período acadêmico


A alocação de disciplinas a serem lecionadas no primeiro semestre de 2014 foi
outro evento singular. No final de 2013, todos os professores receberam um e-mail do

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chefe Girassol com um documento: uma primeira versão da grade de horários e da
alocação dos professores em disciplinas feita única e exclusivamente por ele próprio.
Eu nunca fui consultado a respeito de que disciplinas me sentia mais confortável,
apto ou disposto a fazer um bom trabalho. Tomei conhecimento das disciplinas para as
quais fui alocado para o semestre seguinte e logo dei início à preparação dos planos de
disciplina, tendo em vista que se tratariam de disciplinas que eu nunca havia lecionado
antes na UNIV.
Um mês e meio depois, todos os professores do departamento receberam uma
versão da grade de horários. Fui trocado das duas disciplinas em que estava para outras
duas diferentes. Em meu lugar, para as duas disciplinas nas quais eu havia sido alocado
inicialmente, foi colocada uma professora que havia sido aprovada em concurso público
para outro departamento, e que até então não havia sido nem nomeada nem empossada.
Não me foi informada alguma razão para a troca das disciplinas, nem para a substituição
por esta professora. Tive de reiniciar a elaboração de novos planos de ensino, já que
seriam agora duas outras disciplinas a lecionar.
Dois meses depois da troca acima narrada, recebi por e-mail mais uma mudança
na grade de horários. Sim, de novo. Outras duas disciplinas diferentes. E mais que isso,
agora já com o semestre em andamento, na terceira semana de aulas. Ainda mais curioso
foi reparar que fui alocado em duas disciplinas pertencentes ao curso Dois, a serem
lecionadas em outro campus da UNIV, disciplinas estas que deveriam ser lecionadas pela
mesma professora não nomeada e não empossada que ficou responsável por aquelas nas
quais eu estava alocado inicialmente. E ela, concursada para o departamento do curso
Dois, continuou inexplicavelmente alocada para as disciplinas no curso onde eu estava
| 638
alocado, por decisão do chefe Girassol. Até mesmo um outro professor do departamento
chegou ao ponto de enviar um e-mail para Girassol com cópia para todos os demais
professores se colocando em minha defesa diante a com relação à situação.
Mesmo achando estranha a situação de ter sido o único professor do departamento
a ter enfrentado três mudanças de disciplinas em um mesmo semestre e a ter sido até
mudado de campus, sendo a última das mudanças já com o semestre letivo na sua terceira
semana, acatei a decisão de Girassol e comecei a lecionar nas novas turmas designadas.

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Novamente elaborei planos de disciplinas, calendários, leituras, enfim, tudo em
um espaço de quatro dias para já começar a lecionar as ‘novas’ atribuições.

De volta à cena inicial


Diante de todas essas situações, comecei a sentir fortes dores de cabeça quase que
diariamente. Não obstante, passei a sentir também o coração disparar e as mãos tremerem
toda vez que tinha de ir para a universidade lecionar ou que recebia algum e-mail escrito
por Girassol ou Cravo. Antes mesmo de abrir os e-mails, já estava tremendo e nervoso.
Eu, que sempre fui um professor com boa produtividade, com várias orientações
inclusive de alunos bolsistas, passei a ter dificuldades para escrever até mesmo textos
mais simples. E o mais surpreendente para mim é que nunca, jamais, havia sentido nada
sequer parecido com isso durante todos os anos de trabalho na outra universidade.
Não obstante o memorando me atribuindo injustamente faltas mencionado na
primeira cena narrada neste artigo, recebi ainda um outro e-mail, agora do coordenador
do curso Dois, Rosa, dizendo que tentou me localizar na faculdade e não conseguiu.
Curiosamente, todos os alunos das duas turmas sob minha responsabilidade, mesmo
estando cursando o terceiro período de suas graduações, foram unânimes em afirmar que
não conheciam seu coordenador, jamais o tinham visto.
Respondi imediatamente o e-mail de Rosa explicando que ele não tinha me visto
talvez por eu estar oficialmente afastado para participar de um evento do poder público
municipal de uma prefeitura do interior de SP como palestrante. Na sequência, Rosa me
respondeu novamente, admitindo as cobranças, a vigilância e o controle que realizou:
Profº, Não fui informado de nada, fiquei vendido. Peço desculpas pela
cobranças mas, se possível, na próxima oportunidade, entre em contato comigo. | 639
Reafirmo que preciso conversar com o senhor, 4ª feira estarei na Faculdade.
Abraços, Profº Rosa. Doutorando UNIV.

O corpo fala, sente, transborda


Cada vez as dores de cabeça se tornavam mais fortes e frequentes. Minhas mãos,
braços e pernas tremiam quando eu ia para o trabalho na universidade. Busquei auxílio
médico. Logo na primeira consulta médica me foi solicitado afastamento das atividades
laborais e licença por prazo mínimo de sessenta dias:

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Você precisa se afastar. Você não está bem. Não tem condições de continuar
assim neste momento. Tem que sair de cena. Pensar no que pode fazer com
relação à sua situação. Mas assim não tem como.
Me dirigi à perícia médica logo na sequência, mas encontrei-a fechada por motivo
de obras. O coordenador do setor, por telefone, me solicitou retornar dois dias depois.
Ainda assim, enviei e-mail com os comprovantes e comuniquei ao Departamento de
Pessoal da Faculdade, ao chefe Girassol e ao coordenador do curso Dois, no qual eu estava
lecionando, Rosa.
Surpreendentemente recebi, no mesmo dia, um e-mail enviado diretamente pelo
diretor Cravo, com cópia para Girassol:
Prezado professor,
Tomei ciência de seu pedido de afastamento por motivos psiquiátricos.
Farei o seguinte, eu o colocarei a disposição da Reitoria. Assim quando voltares
não estarás mais lotado na Faculdade, podendo escolher qualquer curso que
tenha administração. São muitos na UNIV.
Estimo melhoras e boa escolha de uma outra unidade se quiseres.
Atenciosamente,
Prof. Cravo, D. Sc.
Diretor

Entre a cafetinagem acadêmica e o assédio moral


Alguém sabe dizer o que é normal?
Pode parecer tão natural
Pode parecer tão natural
[...]
E eles têm escravos
disfarçados de assalariados
diariamente humilhados
se levantam cedo, se arrumam apressados
têm hora marcada pra falar com Deus
[...]
Alguém sabe dizer o que é normal?
Pode parecer tão natural
Pode parecer tão natural | 640
(Jay Vaquer, O cotidiano de um casal feliz)
A cafetinagem acadêmica e o assédio moral às vezes parecem duas faces de uma
mesma moeda. Embora de maneiras diferentes, utilizado de expedientes, táticas,
estratégias e meios diferentes, ambos podem estar ancorados em valores semelhantes e
possuir objetivos muito parecidos, quando não idênticos: que outros ajam de acordo com
a vontade e com os desejos do cafetão ou do assediador, dependendo do caso.
É interessante que a cafetinagem acadêmica guarda uma relação estreita com a
sedução. A partir da identificação com modelos e imagens de sucesso e reconhecimento,
o cafetinado deseja ser como os acadêmicos de sucesso com os quais se identifica, com

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os quais admira. É por isso que Rolnik (2014, p. 6) alerta que a geopolítica da cafetinagem
está relacionada ao “feitiço da sedução”, já que o seduzido é impulsionado pelo seu
próprio desejo, “na esperança de ser digno de pertencer” ao mundo do agressor.
É importante que não entendamos a cafetinagem como proveniente de
identificações estanques ou relações de causa e efeito. Ou seja, não se trata de rotular
alguém como cafetão, sempre cafetão, e alguém como seduzido, cafetinado, sempre
cafetinado. As identidades são circunstanciais, fluidas, não há essências.
O que quero ressaltar é que não há alguém que sempre age como sedutor/agressor
e alguém que é sempre o seduzido. Esses papéis sempre podem ser cambiáveis. Em
determinada situação podemos agir como cafetões, mas, em outra situação, podemos nós
estarmos na posição daquele que se nos identificamos com imagens de sucesso e
voluntariamente nos submetemos ao que é necessário fazer ter a esperança de ter acesso
aos mundos idealizados.
Seria temerário afirmar que há - e ingênuo afirmar que não há - intenções nas
atitudes dos cafetões de seduzir ou ordenhar rebanhos e seguidores. Estes devem rezar a
cartilha da sua religião acadêmica para terem acesso às benesses de seu mundo.
Entretanto, o meio utilizado para tal na cafetinagem acadêmica tem a ver justamente com
a construção do desejo no seduzido, transformar o sujeito em ‘aspirante’. Ou seja, não é
necessariamente pela coerção que opera a cafetinagem, mas pela identificação e sedução
a partir de imagens e promessas.
Já o assédio moral tem a ver com ações realizadas que buscam, como a própria
teoria já apontou (Hirigoyen, 2005) difamar, humilhar, depreciar, perseguir, ameaçar,
denegrir; tudo isso com o desejo de manter o controle na relação de poder, manter a
| 641
obediência dos assediados, fazendo com que ajam de acordo com o que é esperado pelo
assediador, uma obediência sem questionamento (Thomson, 2002).
É importante ressaltar o caráter da intencionalidade do assédio moral, enquanto
que a cafetinagem acadêmica não necessariamente opera da mesma maneira. Não há
necessariamente a intenção do cafetão em cooptar o cafetinado para o seu mundo. Mas
em uma coisa tanto a cafetinagem acadêmica quanto o assédio moral parecem coincidir:
ambos estão ligados ao comportamento do outro, para que o outro aja de determinada
maneira esperada pelo cafetão e/ou assediador.

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Enquanto que o assédio trabalha mais em prol de fazer com o que o outro aja de
determinada maneira, independentemente de seu desejo, o que em muitos casos chega a
resultar em adoecimento para aqueles que sofrem esse fenômeno, a cafetinagem
acadêmica opera com processos de subjetivação, ou seja, buscando naturalizar em nós
determinados valores, comportamentos, modos de sentir, trabalhar, ver a si mesmo e aos
outros.
No caso específico das situações narradas neste artigo, é importante estar atento
às situações vivenciadas e às afetações nelas produzidas. Passei por situações que, ao
ganharem um caráter repetido e intencional, podem ser consideradas como indicativas de
assédio moral de acordo com a literatura existente sobre o tema.
Ainda dói. Ainda é doloroso (re)visitar e (re)produzir as situações aqui narradas.
Ao mesmo tempo em que escrever e autoetnografá-las pode ter função terapêutica, sem
dúvida para mim o mais importante é buscar uma forma de investigar, explorar,
publicizar, trazer à tona e à discussão temas e assuntos que afetam as vidas de muitas
pessoas, mas que infelizmente na maior parte das vezes são jogados para debaixo do
tapete, fazendo o silêncio imperar. Sempre é possível dizer não!

Reconhecimento
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo
apoio financeiro que contribuiu para a elaboração deste trabalho.

Referências
ADAMS, Tony; HOLMAN JONES, Stacy; ELLIS, Carolyn. Autoethnography. New
| 642
York: Oxford University Press, 2015.
BOSSLE, Fabiano; MOLINA NETO, Vicente. No “olho do furacão”: uma autoetnografia
em uma escola da rede municipal de ensino de Porto Alegre. Rev. Bras. Cienc. Esporte,
Campinas, v. 31, n. 1, p. 131-146, set 2009.
BOSS AC. Alguém me ouviu (mantém-te firme). Intérpretes: Boss AC e Mariza. In:
BOSS AC. Preto no branco. Lisboa: Farol, 2009, CD, Faixa 9.
DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992.

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ELLIS, Carolyn. Revision: autoethnographic reflections on life and work. Walnut Creek:
Left Coast Press, 2009.
FOUCAULT, Michel. La creación de modos de vida. Estética, ética y hermenéutica.
Barcelona: Paidós, 1999.Deleuze 1992
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis:
Vozes, 2007.
HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. 2. ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. 5. ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
RICHARDSON, Laurel. Fields of play: constructing an academic life. New Brunswick:
Rutgers University Press, 1997.
ROLNIK, Suely. Geopolítica da cafetinagem. Núcleo de Estudos da Subjetividade,
2006. Disponível em: http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade. Acesso em: 13 ago
2014.
THOMSON, Oliver. A assustadora história da maldade. São Paulo: Ediouro, 2002.
VALENTIM, Igor Vinicius Lima. A geopolítica da cafetinagem acadêmica: quem tem
medo de investigar o cotidiano das relações universitárias? In: Seminário Internacional
de Educação Superior - Formação e Conhecimento, 2014, Sorocaba. Anais... Sorocaba:
UNISO, 2014.
VAQUER, Jay. Cotidiano de um casal feliz. In: VAQUER, Jay. Você não me conhece.
Rio de Janeiro: EMI Brasil, 2005, CD, Faixa 3.
VEIGA-NETO, Alfredo; LOPES, Maura Corcini. Há teoria e método em Michel
| 643
Foucault? Implicações educacionais. In: CLARETO, Sônia M.; FERRARI, Anderson
(Orgs.). Foucault, Deleuze e Educação. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010, p. 33-47.
VERSIANI, Daniela Beccaccia. Autoetnografias: conceitos alternativos em construção.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.

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PROGRAMA ESPECIAL DE FORMAÇÃO DE DOCENTES
PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO INSTITUTO
FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO
RIO GRANDE DO SUL - SERTÃO/RS: UMA ANÁLISE
ACERCA DAS PERCEPÇÕES DOS EGRESSOS (ANO 2010 A
2014)
Cristiane Longaray Radke (IFRS Campus Sertão)
130

radcbil@gmail.com
Daiany Rossetto (IFRS Campus Sertão)
131

daianyrossetto@gmail.com
132
Ana Sara Castaman (IFRS Campus Sertão)
ana.castaman@sertao.ifrs.edu.br

Resumo: A formação docente para a Educação Profissional constitui um dos temas


centrais nas reformas educacionais do Brasil, o que provoca debates desde o parecer do
CNE/CEB nº 02/97. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Sul - Campus Sertão, por atuar em cursos técnicos e preocupar-se com as
questões norteadoras da formação pedagógica dos professores da instituição, iniciou em
janeiro de 2010, o Programa de Formação de Docentes para a Educação Básica e
Profissional. Este estudo busca conhecer a percepção dos egressos de (2010 a 2014)
acerca de sua formação no curso de Formação de Docentes para a Educação Básica e
Profissional do IFRS Campus Sertão. A metodologia empregada remete a um estudo de
caso com abordagem qualitativa. O material de pesquisa foi produzido a partir de
questionário e entrevista que contou com 48 estudantes do curso, formados no período
supracitado. A apreciação desse material tem como baliza teórico-metodológica as
teorizações de Michel Foucault, que mostra um sujeito docente que tem sua categoria
definida mesmo antes de ingressar na instituição e um curso que atende as demandas dos | 644
estabelecimentos de ensino localizados na região norte do Rio Grande do Sul.
Palavras-chave: Educação profissional; Formação docente; Discurso pedagógico.

130
Especialista em Auditoria, Perícia e Contabilidade Gerencial na Universidade do Contestado – Campus
Concórdia (SC). Acadêmica do Curso de Pós-Graduação em Teorias e Metodologias da Educação do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Sertão.
131
Tecnóloga em Agronegócio pelo IFRS – Campus Sertão (RS). Acadêmica do Curso de Pós-Graduação
em Teorias e Metodologias da Educação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Sertão.
132
Doutora em Educação pela UNISINOS/RS. Docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Sertão. Líder do Grupo de Pesquisa de Políticas Públicas
e Formação de Professores para a Educação Básica e Profissional.

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INTRODUÇÃO

A temática da educação profissional provoca debates acerca da necessidade de


implementação de propostas em formação docente, uma vez que para essa modalidade se
leva em conta suas peculiaridades (tanto a nível inicial quanto continuado) e a articulação
entre teoria e prática da educação profissional, interligada as exigências atuais do mundo
do trabalho.
A formação para a docência é uma questão complexa, já que a mesma comporta
muitas variáveis e contradições. Numa análise mais aprofundada requer considerações de
diversos fatores que nela interferem, estando presente nas suas dimensões histórica,
social, cultural, política e econômica que incidem diretamente no currículo do curso.
Verifica-se que diante da demanda por docentes no ensino profissional e das
transformações das políticas públicas brasileiras a partir dos anos 1990, no que concerne
a esta modalidade de ensino, encontra-se na LDB 9.394/96, em seu art. 21 que a educação
profissional não se vincula nem como parte integrante da educação básica, tampouco
como parte do ensino superior, estabelecendo-se, assim, no âmbito das modalidades de
ensino. A aprovação do substitutivo consolidou a dualidade entre a última etapa da
educação básica, que passa a denominar-se ensino médio e educação profissional. A
educação profissional foi disposta no Capítulo III, sendo considerada Educação Básica.
Em 2008, a Lei 11.741 altera a LDB e localiza a educação profissional técnica de
nível médio no Capítulo II da Educação Básica, considerando que tal oferta educacional
é integrante desse nível de ensino. Assim, a exigência de titulação para a formação do
professor que atua no nível técnico passa a ser a mesma dos demais professores do nível
de Educação Básica. | 645
Quanto à formação de professores, em 1997, lança-se o Decreto Federal nº 2.208,
no qual encontramos dados que apontam à possibilidade de formação em licenciatura dos
professores, monitores e instrutores da Educação Profissional, por meio de “[...] cursos
regulares de licenciatura ou de programas especiais de formação pedagógica” (BRASIL,
1997).
Ainda nesse ano, aprova-se a Resolução CNE/CP nº 02/97 que “dispõe sobre os
programas especiais de formação pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo
do ensino fundamental, do ensino médio e da educação profissional em nível médio”

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(BRASIL, 1997). Cabe destacar que, o Decreto 2.208/97 é revogado por meio do Decreto
nº 5.154/2004.
Em 2001, apresentam-se alguns documentos oficiais com a pretensão de definir o
rumo da formação de professores para a Educação Profissional: a) A Lei nº 10.172 aprova
o PNE (Plano Nacional de Educação), o qual no eixo “Educação Tecnológica e Formação
Profissional” consta, entre seus objetivos e metas: “modificar, dentro de um ano, as
normas atuais que regulamentam a formação de pessoal docente para essa modalidade de
ensino, de forma a aproveitar e valorizar a experiência profissional dos formadores”
(BRASIL, 2001); b) O Parecer nº 9 trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura,
graduação plena.
Em 2004, iniciou-se um debate nacional sobre a formação de professores na
educação profissional, com base na crítica da legislação vigente e na realidade das
instituições que ofertam a formação. A razão desse debate se deu devido a história da
educação profissional técnica de nível médio no Brasil apresentar tensões em relação ao
estabelecimento de definição curricular, além de apresentar uma incipiente discussão
sobre a formação de seus educadores. No entanto, aponta-se que o Decreto nº 5.154/04,
possibilitou a integração curricular entre a educação profissional técnica de nível médio
e o Ensino Médio.
Posteriormente ampliou-se, em 2008, a oferta dessa modalidade de ensino com a
criação do Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na
Modalidade Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Ressalta-se que foram criados 38
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e mais recentemente, em 2011, a
| 646
criação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC).
Diante do exposto, entende-se que as políticas profissionalizantes são estruturadas
pelas questões econômicas, sociais e culturais que constituem o desenvolvimento da
sociedade brasileira; observa-se que a formação de professores para a atuação na
educação profissional ainda é embrionária no Brasil. Tal modalidade necessita de
políticas mais consistentes desde a criação dos primeiros cursos técnicos no país no início
do século passado, pois poucas foram às iniciativas governamentais para a qualificação
profissional daqueles que atuam na educação profissional sem licenciatura.

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Preocupado com as demandas da própria instituição, o IFRS Campus Sertão
integra-se a essa política com amparo no parecer do CNE/CEB nº 02/97 e na Lei nº
11.982/2008. A partir disso, passa a ofertar em 2010 o Programa de Formação de
Docentes para a Educação Básica e Profissional.
Neste contexto exposto, reafirma a importância deste artigo que objetiva conhecer
a percepção dos egressos de (2010 a 2014) acerca de sua formação no curso de Formação
de Docentes para a Educação Básica e Profissional do IFRS Campus Sertão. Na primeira
parte discorre-se sobre a origem e localização da Instituição e as especificidades no
Programa Especial de Formação para Docentes. Na segunda parte e última, verificam-se
os discursos produzidos pelos egressos que frequentaram no decorrer do período de 2010
a 2014 o curso de Formação Pedagógica no IFRS Campus Sertão, na tentativa de capturar
as relações que se estabeleceram nesta constituição docente.
A análise do discurso pedagógico trata da produção do material de pesquisa, com
base nas teorizações foucaultianas, possibilitando o reconhecimento do sujeito a partir de
sua constituição pelo saber; abordam as práticas discursivas, as interações vivenciadas e
exibe as reflexões geradas por tais indivíduos, conduzindo-os a uma autonomia intelectual
e moral, averiguadas no presente estudo.

1. A instituição e o Programa Especial de Formação de Docentes


O Campus Sertão está situado na região norte do Rio Grande do Sul e integra o
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, cuja reitoria
está localizada em Bento Gonçalves – RS. Surgiu como escola agrícola, criada pela Lei
n° 3.215/1957, em 19 de julho sob a razão social de Escola Agrícola de Passo Fundo e
| 647
iniciou seu efetivo funcionamento em 1963, tendo sido transformado, pela Lei Federal n°
8.731/1993, em Escola Agrotécnica Federal de Sertão, adquirindo autonomia
administrativa e pedagógica.
Com a Lei nº 11982/2008 a instituição passou a se denominar Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, assumindo ainda a designação de
Campus Sertão. A partir disso adquire autonomia para criar e extinguir cursos, tanto na
área do ensino médio como superior e em diferentes modalidades.
Atualmente são oferecidos os cursos de: Técnico em Agropecuária, nas
modalidades: integrado, subsequente ao Ensino Médio e concomitante, pelo

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PRONATEC; o curso Técnico em Manutenção e Suporte em Informática integrado e
subsequente ao Ensino Médio e Concomitância Externa pelo PRONATEC; Curso
Técnico em Comércio pelo PROEJA e PRONATEC. Os cursos superiores são os de
Tecnologia em Agronegócio, em Análise de Desenvolvimento de Sistemas, em Gestão
Ambiental, em Alimentos; bacharelado em Agronomia e zootecnia; Licenciatura em
Ciências Agrícolas, Ciências Biológicas e Formação Pedagógica para Graduados e a Pós-
Graduação em Teorias e Metodologias da Educação.
O curso de Formação Pedagógica de docentes iniciou em 2010 e desde o princípio
já houve várias alterações na estrutura curricular, especialmente pela validação da
Resolução nº 06/2012 que define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio. Disponibiliza-se 40 vagas anuais do curso, em
regime integral (aulas nas sextas-feiras no turno noturno e sábados nos turnos matutino e
vespertino).
No primeiro ano de funcionamento do curso, foram realizadas duas seleções de
candidatos, uma seleção para ingresso no primeiro semestre e a outra seleção para
ingresso no segundo semestre. Em ambas, foram ofertadas 40 vagas, totalizando 80 vagas
anuais. No ano de 2011, aconteceram novamente duas seleções, com ingresso nos
primeiro e segundo semestre, sendo ofertado o mesmo número de vagas do ano anterior.
A partir do ano 2012, começa a ser realizada apenas uma seleção anual ofertando 40
vagas.
O curso já habilitou cinco turmas e há duas em andamento, que totalizam 80
estudantes oriundos das mais variadas cidades do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, os
quais frequentam as aulas do programa e estão envolvidos nas atividades de ensino,
| 648
pesquisa e extensão da instituição. Quanto à área de formação inicial, 45% dos estudantes
são das ciências sociais, 36% das engenharias, 12% das ciências humanas e 9% das
ciências da saúde (CASTAMAN; VIEIRA, 2013).
O programa é destinado a alunos que já possuem diploma de curso superior, sendo
que a instituição confere a compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina
para a qual pretende habilitar-se. O concluinte do programa especial recebe certificado e
registro profissional equivalente a licenciatura plena, conforme o artigo 10º da Resolução

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CNE nº 2, de 26 de junho de 1997, ou seja, ao fim do curso, o aluno bacharel e tecnólogo
torna-se licenciado na área de formação inicial.
O objetivo do curso caracteriza-se pela qualificação dos professores que atuam na
instituição, no entanto se estende a profissionais ligados a outras instituições de educação
profissional da sua área de abrangência, conforme estabelece a Resolução CNE nº 2, de
26 de junho de 1997, a qual dispõe no parágrafo único do art. 1º que:
Art. 1º A formação de docentes no nível superior para as disciplinas que
integram as quatro séries finais do ensino fundamental, o ensino médio e a
educação profissional em nível médio, será feita em cursos regulares de
licenciatura, em cursos regulares para portadores de diplomas de educação
superior e, bem assim, em programas especiais de formação pedagógica
estabelecidos por esta Resolução.
Parágrafo único: Estes programas destinam-se a suprir a falta nas escolas de
professores habilitados, em determinadas disciplinas e localidades, em caráter
especial. (BRASIL, 1997)
De acordo com dados contidos no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) o curso de
Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e Profissional pretende
formar egressos capazes de articular diferentes conhecimentos, avaliando-os criticamente
a partir de teorias. Em resumo, destacam-se as seguintes habilidades, saberes e
capacidades almejadas para o egresso do programa:
a) Promover transformações necessárias a partir de uma visão global, crítica e
humanística no ambiente educacional, as quais possam refletir no contexto
social;
b) Dominar conteúdos e habilidades técnicas pedagógicas e ser capazes de agir
de forma lógica com método e em busca de resultados viáveis e justos;
c) Demonstrar discurso coerente que envolva a prática pedagógica,
compreendendo a contradições sociais, políticas e econômicas da sociedade;
d) Trabalhar com elementos didáticos que sirvam de motivos e propiciem o
interesse científico e a postura investigativa nos egressos;
e) Fazer a análise e compreender o fenômeno educativo a partir de
fundamentos teóricos e metodológicos;
f) Planejar, coordenar e intervir a/na ação educativa, considerando as
especificidades e necessidades da educação básica e profissional; | 649
g) Demonstrar habilidades linguísticas (comunicação oral e escrita);
h) Trabalhar com novos recursos de comunicação;
i) Localizar, selecionar e processar as informações disponíveis;
j) Valorizar o conhecimento científico, sua história e correlação com o
cotidiano;
k) Incentivar o desenvolvimento tecnológico, comprometendo a formação
ética e cidadã dos estudantes. (PPC, 2014, p. 18)
Com vistas a esse perfil de egresso, o curso tem uma estrutura curricular que
totaliza 956 horas, as quais estão organizadas em núcleos definidos pela Resolução CNE
nº 2, de 26 de junho de 1997: contextual, estrutural e integrador. O intuito da articulação
entre os núcleos constitui-se em propiciar a integração de conhecimentos e habilidades

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julgadas imprescindíveis para a formação pedagógica, de acordo com o planejamento da
instituição, como verificamos no Quadro 1.
QUADRO 1 – ESTRUTURA CURRICULAR
Módulos Componente Curricular Carga horária Semestre
Antropologia das Sociedades Indígenas e 36 1º
Afrodescendentes no Brasil
Filosofia da Educação 40 1º
NÚCLEO História da Educação Profissional 40 2º
CONTEXTUAL Sociologia da Educação 40 1º
Legislação da Educação Profissional 36 3º
Psicologia da Educação 40 2º
Estágio I 80 2º
Subtotal 312
(continuação)
Educação Inclusiva 32 3º
Educação de Jovens e Adultos 24 4º
NÚCLEO Libras 12 4º
ESTRUTURAL Teorias do Currículo 32 2º
Didática 60 2º
Estágio II 160 3º
Subtotal 320
Tecnologias da Informação e Comunicação na 40 1º
Educação
NÚCLEO Gestão da Educação 32 4º
INTEGRADOR Metodologia do Ensino da Educação 40 3º
Profissional
Educação em Direitos Humanos 12 4º | 650
Estágio III - relatório 160 4º
Subtotal 284
Total de horas componentes curriculares 516
Estágio 400
Atividades Complementares 40
TOTAL 956
Fonte: PPC do curso Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e Profissional – IFRS
Campus Sertão (2014, p. 25).

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A Resolução CNE/CEB nº 02/97, determina em seu art. 3º a estruturação
curricular articulada nos seguintes núcleos: a) núcleo contextual visa entender os
processos de ensinar e aprender na práxis educativa, atendendo “tanto as relações que se
passam no seu interior, com seus participantes, quanto as suas relações, como instituição,
com o contexto imediato e o contexto geral onde está inserida”; b) núcleo estrutural
aborda o desenvolvimento dos conteúdos curriculares, a organização sequencial, suas
avaliações e integração com as demais disciplinas; e c) núcleo integrador que centra-se
em problemas concretos vivenciados por alunos nas práticas educativas no cotidiano
escolar.
O Art. 4º da Resolução CNE nº 02/97 estabelece uma carga horária mínima de
540 horas e destas reservadas 300 horas para prática de ensino, no entanto, o curso
ofertado pelo IFRS Campus Sertão ampliou para além do que preconiza esta resolução,
já que o curso oferece 956 horas, sendo reservadas 400 horas para a prática de ensino.
O estágio supervisionado totaliza 400 horas, distribuídas em cinco etapas: I -
Elaboração da análise de conjuntura (60 horas); II - Realização de observação numa
instituição de ensino (80 horas); III - Elaboração do Planejamento de Estágio de docência
(100 horas); IV – Realização das atividades de docência (140 horas); V – Preparação e
apresentação do trabalho em seminário de socialização (20 horas).
Atualmente, o Curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação
Básica e Profissional na Instituição conta com 10 docentes atuantes, destes 3 (três) são
doutores e 7 (sete) são mestres, o que atende o Art. 66 da LDB 9.394/96.
O aumento da procura pelo processo seletivo do curso, a cada ano, evidencia a
repercussão da demanda e da possibilidade de docência aos graduados de áreas diversas
| 651
à pedagógica.
A seguir, averigua-se a produção do material de pesquisa referente aos relatos
coletados sobre as percepções dos alunos sobre o Curso de Formação Pedagógica na
instituição IFRS Campus Sertão. Nas análises das pesquisas, investigam-se as declarações
dos diplomados, utilizando fundamentos teóricos de Michel Foucault.

2. Produção do Material de Pesquisa

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Para buscar conhecer a percepção dos egressos (2010 a 1014) acerca de sua
formação, optou-se pelo estudo de caso e uma pesquisa de cunho qualitativo.
O embasamento da mesma se fundamenta na coleta de dados, constituída pelos
professores egressos do Programa de Formação de Professores para a Educação
Profissional no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Sul - Campus Sertão. Participaram da pesquisa 48 egressos do curso, sendo que até o
primeiro semestre de 2015, formou-se técnica-pedagogicamente noventa e sete docentes.
O material de pesquisa foi produzido a partir de entrevistas e questionário
semiestruturado, contendo perguntas fechadas (dicotômicas e de múltiplas escolhas),
semiabertas e abertas. Com relação aos questionários foram disponibilizados em
ambiente web, com preenchimento on-line, sendo envidado para o endereço de todos os
egressos do curso de formação em estudo, sendo respondido por 42 participantes.
Sobre as entrevistas, destaca-se que foram realizadas com 06 egressos do curso de
em estudo (contemplando dois egressos da primeira turma e um de cada uma das turmas
formadas em sequência), as quais foram gravadas e, posteriormente, transcritas.
Percebemos que cada entrevista foi um exercício de escuta sensível. Como cita
Silveira (2007a, p.81, grifos da autora), “[...] mais desligada das aparências perceptuais
da identificação de autorias, de ‘quem disse o quê’, [trata-se de] se sentir atraído (a) pela
aventura (às vezes, quase sem saída...) de desemaranhar o entrelaçamento de vozes que
se ouvem nos discursos [...]”.
Para analisar os dados buscamos realizar um tensionamento, utilizando-se de
instrumentos teóricos de inspiração foucaultiana. Tenta-se observar o funcionamento de
uma técnica em si que se efetiva na materialidade discursiva do discurso, buscando
| 652
identificar os movimentos assertivos sobre a educação profissional e a formação
pedagógica. Para tanto dividimos as análises em categorias: Diretrizes que orientam a
prática docente; Relação do curso de formação pedagógica no processo de constituição
docente; Compreender-se como professor; e Preparação na condução da prática docente.

3. Análise e Discussões dos Resultados sob a ótica de Michel Foucault


A análise do discurso dos egressos e de suas percepções sobre a formação de
professores, no âmbito do Curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação

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Básica e Profissional do IFRS Campus Sertão, possibilita, em sua origem, posicionar sua
manifestação por meio de um exercício de reconhecimento histórico e social de
constituição de um particular domínio de saber: o saber pedagógico e a consequente
construção do educador.
Procuramos identificar no discurso que circula entre os egressos como o professor
constitui-se na educação profissional, observando especialmente as informações quanto
a sua origem, história e a estruturação pessoal do sujeito docente. Foucault (1986, p. 70)
abriga-se no conceito de discurso explicando que “não residem na mentalidade nem na
consciência dos indivíduos; pelo contrário, elas estão no próprio discurso e se impõem a
todos aqueles que falam ou tentam falar dentro de um determinado campo discursivo”.
Verifica-se a partir dos excertos constantes na tabela 1, que há diretrizes que
conduzem e orientam a prática docente de uma forma distinta e singular.
TABELA 1 – Diretrizes que orientam a prática docente.
Unidades de Registros
[... tem ajudado a desenvolver habilidades para trabalhar com pessoas e perceber que precisamos estar
sempre em aperfeiçoamento, buscando renovar e ampliar os saberes].
[... o curso me deu diretrizes significativas de como se deu a construção de Educação em nosso país e
quanto ainda é preciso ser melhorado, inovado na metodologia de ensino/aprendizagem].
[... tem auxiliado muito, tanto na formação teórica (compreensão e reflexão sobre a docência), como no
exercício prático (aprimoramento da metodologia, das técnicas e da didática) em sala de aula].
(continua)
Unidades de Registros
[... tem me ajudado a perceber as demandas contemporâneas desse processo... novas tecnologias, novas
realidades de o público muito mais exigente e com sede de aprender].
[... auxiliou na compreensão da maneira como enxergamos os problemas de aprendizagem dos alunos | 653
e nos métodos pedagógicos utilizados em sala de aula].
[... tem contribuído principalmente na didática, com o direcionamento das indicações de leitura para
complementação da formação].
Fonte: Questionários e entrevistas da pesquisa (2014).
Nota-se nos depoimentos dos egressos selecionados na tabela 1 que as diretrizes
teóricas e práticas tiveram relevante influência nos modos destes se capacitarem no
processo de ensino e aprendizagem. Entende-se que durante a formação se estabelecem
códigos, que passam a ser compartilhados, os quais possibilitam a comunicação e dão
significado ao seu objeto de escopo, tanto na teoria quanto na prática.

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A prática pedagógica associa-se a produção, que precisa permitir atingir objetivos,
além de estimular a atuação dos estudantes para que possam exercer suas competências.
O desafio exige um processo de mudança conceitual que ultrapassa o papel de “dono da
verdade” para se tornar um articulador, reflexivo e crítico.
Torna-se necessário direcionar, orientar e supervisionar tanto na cognição, quanto
no processo crítico e reflexivo dos estudantes, redefinindo ideias e normas em que seja
possível propiciar ao educando outras ações e atuações.
A comunicação deve ser utilizada na educação, especialmente como instrumento
para promover a possível interação entre professores e alunos. Verifica-se na tabela 2
uma materialidade discursiva na relação do curso na constituição docente e no
direcionamento das condutas dos egressos.
TABELA 2 - Relação do curso de formação pedagógica no processo de constituição
docente.
Unidades de Registros
[... o curso vem a cada dia abrindo novos horizontes, mostrando o quão importante é a formação para
a constituição de bons professores. Professores que atuem e que despertem a vontade pelo saber].
[... o curso nos faz crescer e pensar em que cidadãos queremos formar; ... nos ajuda a entender como
funciona o ambiente de ensino, abordando as diferenças culturais, humanas e sociais].
[... apresentando um leque de possibilidades nas relações de ensinar e de aprender, com os alunos e
com a comunidade escolar; é um meio para os professores se desenvolverem como profissional].
[... está me ajudando a ter melhor compreensão do meio escolar de forma geral, ser mais crítico e
preconizar a igualdade social, perante as diferentes demandas da educação profissional].
Fonte: Questionários e entrevistas da pesquisa (2014).
Sabe-se que as práticas pedagógicas baseadas nas pedagogias críticas marcam
aspectos de ordem social e ética, fazendo com que o sujeito tenha uma conduta moral | 654
alicerçada no grupo. Explana Foucault (2011, p. 81) que “faz parte da moral, ao lado do
comportamento de cada um e dos códigos que preceituam o que é correto fazer e pensar
e que atribuem valores (positivos e negativos) a diferentes comportamentos, em termos
morais”.
Averigua-se uma materialidade discursiva que posiciona os professores quanto as
suas características próprias, abandonando as formas antigas de ministrar aula e aderindo
a novos contornos e modos de pensar, maximizando forças e otimizando o rendimento
nos múltiplos encontros que movimentam a prática em sala de aula. Assim, os materiais

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analisados pautam-se em recomendações de formas apropriadas de atuação e conexões
em que os docentes possam auto conhecer-se no mundo e se reconstruírem diante das
exigências demandadas. Constata-se este mecanismo em funcionamento nas observações
que seguem na tabela 3.
TABELA 3 – Compreender-se como professor
Unidades de Registro
[... acredito que ser professor acima de tudo é desenvolver a capacidade de estimular outras pessoas, com
as representações que nos comove, que nos faz amar o que fazemos e ser fonte de inspiração, é
maravilhoso].
[...me sinto importante por poder contribuir com o desenvolvimento das pessoas, ao ensinar e interagir na
cultura e no conhecimento].
[... me sinto um Professor comprometido com a prática pedagógica, com o pensar e o agir das ações do
dia a dia, desempenhando um papel importante para a sociedade e constantemente desafiado na busca
por conhecimento].
[... um facilitador, uma pessoa que agrega e contribui com o desenvolvimento de novos conhecimentos
teórico e prático, através de diversos métodos pedagógicos].
[... me sinto feliz por estar realizando um trabalho diferenciado que contribui na vida de muitas pessoas].
[.... me realizo pessoalmente contribuindo no desenvolvimento do conhecimento que pode proporcionar
novas oportunidades de trabalho para as pessoas e realizar sonhos de uma vida melhor para si e seus
familiares].
Fonte: Questionários e entrevistas da pesquisa (2014).
Os egressos são orientados à autorreflexão de sua prática a partir das disciplinas,
do estágio supervisionado, constituindo a experiência de si mesmos, de modo que
permitam a eles conhecer “as formas adequadas” de ser professor. Foucault (2011, p.131),
conceitua um sujeito epistêmico, lembrando o campo da Educação e “[...] Resumindo,
não é a atividade do sujeito de conhecimento que produziria um saber, útil ou arredio ao | 655
poder, mas o poder-saber, os processos e as lutas que atravessam o que o constituem, que
determinam as formas e os campos possíveis do conhecimento”.
Por meio dessa concepção a escola torna-se um espaço desvelador, no qual o
educador desenvolve limites, além da sua própria identidade. Para perceber-se professor
a formação deve aliar a teoria e a prática, permitindo mecanismos de comunicação, e em
razão disso, utiliza-se dessa formação acadêmica para reformular a postura do sujeito
docente. Os profissionais da educação utilizam estratégias para direcionar a conduta do
estudante, como se identifica na tabela 4.

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TABELA 4 - Preparação na condução da prática docente.
Unidades de Registro
[... busco melhorar e ampliar as formas e as maneiras de trabalhar com pessoas. Tenho buscado avançar
no conhecimento teórico, mas principalmente melhorar no preparo das aulas e no desempenho dessa
interação].
[... o curso me ofereceu visões diferentes, outras percepções, nas metodologias e até para buscar outras
oportunidades na área de educação].
[... tenho percebido outras possibilidades para usar meu potencial e interagir de forma mais desafiadora].

[... busco mostrar aos alunos que aquilo que as pessoas julgam difícil e chato, é uma questão de como se
vê, fazendo das aulas uma realidade do aluno].
[Fazer parte dessa política de levar conhecimento e qualificação para nossos jovens terem uma nova
perspectiva de vida no exercício da cidadania].
Fonte: Questionários e entrevistas da pesquisa (2014).
O discurso pedagógico e a instituição centram-se nos processos de subjetivação
dos estudantes. De forma individualizada, tais atos ocorrem por convicções que regulam
a conduta humana. Esses princípios constituem o perfil do profissional da educação,
devido às disciplinas estudadas durante o curso, que servem pra fundamentar as práticas
educativas com o intuito de construir o educador. Em Foucault estabelece que “por vezes,
contêm a fabricação do sujeito docente como mais possibilidades das relações de poder e de
saber que se movimentam nesses processos.” (VEIGA-NETO, 2011, p. 91)
Segundo os depoimentos pesquisados, torna-se essencial na vida profissional de
um docente aprimorar-se e atualizar-se incessantemente, pois, tais qualificações
essenciais para que se proporcione conexão entre o saber e o conhecimento. Na busca
pela educação, temos o compromisso de trabalhar coletivamente, fazendo com que os
alunos reflitam e ajam sobre sua própria realidade, alterando assim a sua história, pois | 656

somos todos seres em permanente construção.


Tanto na análise do PPC (2014), quanto nos depoimentos dos egressos está nítido
que há um discurso pedagógico que orienta para a prática. Tais narrativas foram
vislumbradas durante o curso em várias disciplinas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A composição de um professor justifica-se diante das possíveis inter-relações,
pois ao mesmo tempo em que reordena sua conduta - seu jeito de pensar, ver e agir -

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adquire a confiança para modificar sua prática pedagógica e melhorá-la, o que interage
nas construções culturais, sociais e históricas para assim, poder transformá-las.
Durante a realização da investigação para determinar a percepção dos egressos de
(2010 a 2014) acerca de sua formação no curso de Formação de Docentes para a Educação
Básica e Profissional do IFRS Campus Sertão, compreendeu-se o posicionamento de
verdades, com diretrizes que conduzem e orientam a docência e constituem o profissional
da educação profissional, que busca características de cada ser, em virtude daquilo que se
pretende conciliar para alcançar a emancipação moral e intelectual.
As reformas ocorridas no sistema educacional, mesmo que insuficientes, são
possíveis, frente às demandas observadas na região norte do Estado do Rio Grande do
Sul. O mercado está mais exigente e o desafio além de uma formação continuada e
permanente, é firmar essa análise na matriz curricular, nos objetivos do curso, bem como
nas opções metodológicas de ensino. Foucault (1996, p. 43-44) registra a educação como
um campo eficaz capaz de “manter e modificar a apropriação dos discursos, com saberes
e poderes que eles comportam”.
Essas considerações são inacabadas e requerem ser aprofundadas e melhor
validadas em outros trabalhos. Trata-se de tema fecundo para novas investigações, não só
para recriar a educação profissional como para possibilitar a formação de profissionais
mais participativos e críticos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto Federal 2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o § 2º do art. 36
e os arts. 39 a 42 da Lei Federal nº 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Portal Ministério da Educação e Cultura. Disponível em: | 657
<http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/DF2208_97.pdf>. Acesso em: 08 dez.
2015.

_______. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os


arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, e dá outras providências. Portal da Presidência da
República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/decreto/d5154.htm>. Acesso em 09 dez. 2015.

_______.Lei n° 8.731, de 16 de novembro de 1993. Transforma as Escolas


Agrotécnicas Federais em autarquias e dá outras providências. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8731.htm>. Acesso em: 09 dez. 2015.

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_______.Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 08 dez. 2015

_______.Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e


dá outras providências. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 08 dez.
2015.

_______. Lei 11.741, de 16 de julho de 2008. Altera dispositivos da Lei no 9.394, de 20


de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de
nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica.
Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Lei/L11741.htm>. Acesso em: 08 dez. 2015.

_______.Lei nº 11.982, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de


Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm>. Acesso
em 09 dez. 2015.

_______.Resolução Nº 02, de 26 de junho de 1997. Dispõe sobre os programas


especiais de formação pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo do ensino
fundamental, do ensino médio e da educação profissional em nível médio. Disponível
em: <https://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp002_97.pdf>. Acesso em: 08 dez.
2015.

_______.Resolução nº6, de 20 de setembro de 2012. Define Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=116
63-rceb006-12-pdf&category_slug=setembro-2012-pdf&Itemid=30192>. Acesso em:
08 dez. 2015.

CASTAMAN, Ana Sara; VIERA, Marilandi Maria Mascarello. Programa Especial de


| 658
Formação de Docentes para a Educação Profissional: a experiência do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande Do Sul/ Sertão/RS. Artigo
apresentado no Encontro de Coordenações Pedagógicas 18 a 20 de setembro de 2013 -
Brasília – DF.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.

_________________. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

IFRS, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul.


Projeto Pedagógico do Curso de Formação Pedagógica de Docentes para a
Educação Básica e Profissional. Sertão:IFRS Campus Sertão, outubro 2014.

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SILVEIRA, R. M. H. A entrevista na pesquisa em educação: uma arena de significados.
In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos Investigativos II: outros modos de
pensar e fazer pesquisa em educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.

VEIGA-NETO, A. Foucault & a educação. 3.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

| 659

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RELAÇÕES ENTRE CURSOS DE LICENCIATURA E PIBID:
A FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE EM FOCO

Lidiane Limana Puiati Pagliarin (Universidade Federal da Fronteira Sul)


lidiane.puiati@uffs.edu.br

Resumo: Neste texto trazemos, inicialmente, os desafios para a formação inicial de


professores frente ao Plano Nacional de Educação. Após, focamos nossa discussão na
iniciação à docência. Em seguida, trazemos os resultados de uma pesquisa sobre as
relações que se estabeleceram entre atividades desenvolvidas em dois espaços formativos
privilegiados para a aprendizagem da docência: cursos de licenciatura e Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Os resultados construídos foram
possíveis mediante análise das informações coletadas tanto com professores
universitários (bolsistas coordenadores de área do programa) que orientam a iniciação à
docência quanto com alunos de cursos de licenciatura (bolsistas de iniciação à docência
do mesmo programa). Como síntese, podemos afirmar que as relações que os bolsistas
estabelecem entre curso de licenciatura e PIBID ocorrem de maneira individualizada: ou
mediante iniciativa de um bolsista ou, no máximo, por um pequeno grupo deles, no
âmbito de um Subprojeto. Portanto, não há articulações explícitas entre esses dois espaços
formativos que são âmbitos de desenvolvimento da iniciação à docência.
Palavras-chave: Curso de licenciatura; PIBID; iniciação à docência

A FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE E O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Após muita discussão e conflito de ideias, temos aprovado um Plano Nacional de


Educação (PNE) para a década 2014 – 2024. As discussões sobre o referido Plano
iniciaram em 2010 e se estenderam até 2014, quando o referido Plano foi sancionado,
através da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014a).
Neste Plano estão definidos “os objetivos e metas para o ensino em todos os níveis | 660
– infantil, básico e superior – a serem executados nos próximos dez anos”. O referido
documento afirma que “a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios atuarão
em regime de colaboração para atingir as metas e implementar as estratégias previstas no
texto” (BRASIL, 2014b, p.07).
O PNE é composto por 20 metas e dentro dessas há muitos compromissos,
colocados em forma de estratégias. Neste texto destacamos duas dessas metas, as quais
tratam da formação inicial de professores, a saber:
 Meta 12, Estratégia 12.4, cujo compromisso assumido é “fomentar a oferta de

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educação superior pública e gratuita prioritariamente para a formação de
professores e professoras para a educação básica (...)” (BRASIL, 2014a, p.11);
 Meta 15, Estratégia 15.3, que garante “ampliar programa permanente de
iniciação à docência a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, a
fim de aprimorar a formação de profissionais para atuar no magistério da
educação básica” (BRASIL, 2014a, p.13).
Nota-se o compromisso firmado pelo governo federal em relação à formação de
professores para a educação básica em nível superior. Além disso, percebe-se o
compromisso do governo em não só permanecer com programa de iniciação à docência,
como também ampliá-lo. Ambos os compromissos são muito importantes para a melhoria
da qualidade da formação inicial de professores e da educação básica, uma por garantir
formação em nível superior e a outra por ofertar oportunidade de inserção em atividades
de iniciação à docência, para além do estágio curricular.
Em relação ao programa de iniciação à docência, atualmente há um programa
presente em boa parte das instituições de educação superior do país, tanto públicas (em
sua maioria), como privadas. Trata-se do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID), mantido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). Esse programa de iniciação à docência se caracterizou como um
espaço de inserção no ambiente escolar, não só oportunizando aos licenciandos a
formação teórica, mas também momentos de relação estreita e profunda com seu campo
de atuação: a escola de educação básica. Por isso, estudantes de cursos de licenciatura
têm aderido e permanecido no programa.
No entanto, criado em 2007, o PIBID está à luz de sofrer modificações, visto o
| 661
corte de recursos do orçamento federal para o ano de 2016. Ao que se indica, o programa
continuará sendo desenvolvido, mas com reestruturações, as quais ainda não foram
divulgadas.
Freitas (2014) ressalta que há muito tempo é necessária uma política de
valorização e profissionalização dos educadores, pois essa política é condição para uma
educação básica emancipatória. Porém, o que temos até hoje, de acordo com a autora, são
políticas isoladas e fragmentadas. A necessidade, então, dessa política é para o
fortalecimento da construção da identidade profissional dos docentes da educação básica

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e para o aprimoramento da qualidade social da escola pública, como destaca a autora.
O PIBID é uma dessas políticas que Freitas cita como programas pontuais e que
deve ser melhor estruturada, a fim de se afirmar como uma política consolidada, e não
uma política de Governo. Como aponta a autora,
O Pibid deve, portanto, consolidar-se como política de Estado extensiva a
todos os estudantes e docentes de licenciaturas e a todos os docentes das
licenciaturas, superando definitivamente a etapa de programa pontual, e com a
oferta de bolsas, às quais apenas alguns professores e estudantes possuem
acesso (FREITAS, 2014, p.432).

Nesse sentido, a Meta 15, Estratégia 15.3, que trata da iniciação à docência, impõe
a demanda de criar mecanismos de incluir todos os licenciandos em programa desta
natureza, assim como estreitar a parceria com as escolas, lócus de formação docente.
Implica também ter orientadores para esses licenciandos, bem como avaliar
constantemente as ações realizadas como de iniciação à docência. Além disso, demanda
refletir sobre as diversas dimensões do trabalho docente, pois a iniciação à docência não
se caracteriza somente como a hora da prática, mas sim de reflexão dos anseios, dúvidas,
dilemas dos licenciandos.
Assim, cursos de licenciatura e PIBID são espaços formativos importantes para
aprendizagem da docência. O programa PIBID não isenta os cursos de licenciatura de
desenvolverem atividades de iniciação à docência; as ações desses dois espaços
formativos devem estar interligadas. Ou seja, devemos repensar a concepção de que cabe
aos componentes curriculares dos cursos de licenciatura a parte teórica da formação
docente e aos estágios curriculares e ao PIBID a parte prática da formação inicial de
professores.
Partindo desse pressuposto, o objetivo deste trabalho é compreender as relações | 662
que se estabelecem entre atividades de iniciação à docência desenvolvidas nos cursos de
licenciatura e àquelas desenvolvidas nos projetos por área do PIBID (Subprojetos).

METODOLOGIA DE TRABALHO

De modo a atingir nosso objetivo, coletamos informações com dez (10)


professores universitários que estavam na condição de coordenadores de área
responsáveis pelos Subprojetos PIBID e vinte e oito (28) alunos de diferentes cursos de
licenciatura, que estavam atuando como bolsistas de iniciação à docência dos diversos

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subprojetos por área de uma instituição pública federal. Para os coordenadores de área
realizamos entrevistas individuais e para os bolsistas de iniciação à docência realizamos
quatro (04) grupos focais, sendo cada um desses grupos com uma área/subprojeto
diferente.
Para os professores que são coordenadores de área perguntamos: Durante o
desenvolvimento das atividades no âmbito do subprojeto, que relações os Bolsistas de
Iniciação à Docência têm estabelecido com as atividades regulares de seus Cursos de
Licenciatura? Já nos grupos focais, discutimos com os bolsistas de iniciação à docência,
duas questões: 1) Que relações você percebe entre as ações desenvolvidas no âmbito do
seu Subprojeto e as atividades/disciplinas das quais você participa/participou no seu
Curso de Licenciatura? 2) Em que medida as aprendizagens obtidas no seu curso estão
sendo úteis para a realização das atividades como Bolsista de Iniciação à docência neste
subprojeto? Você poderia dar exemplos dessas aprendizagens realizadas?
O material coletado foi transcrito; seus textos foram enviados àqueles que
cederam as informações, para concordância de seu conteúdo e assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. O Termo garante o anonimato daqueles participantes
e autoriza a utilização do conteúdo exposto nas entrevistas e nos grupos focais.
Partindo de nossa intenção de compreender o fenômeno em estudo e atribuir
significados a ele, invés de trazer dados isolados sem entender a realidade que o cerca, a
pesquisa se caracteriza como de natureza qualitativa (FLICK, 2009). Para esse autor, esse
tipo de pesquisa pode ser feita de diversas maneiras, dentre elas, analisando experiências
de indivíduos ou de grupos, analisando interações e comunicações que estão ocorrendo
no momento e investigando documentos ou traços semelhantes de experiências ou
| 663
interações. Embora diversas, essas maneiras têm em comum o fato de detalharem a forma
como as pessoas constroem o mundo a sua volta, o que estão fazendo ou o que está
acontecendo a essa volta. Permitem ao pesquisador desenvolver modelos, tipologias,
teorias como forma de descrever e explicar as questões sociais.
Para a análise das informações coletadas, fizemos uso do método da Teoria
Fundamentada, o qual pode ser utilizado em pesquisa qualitativa e quantitativa. Esse
método se baseia em diretrizes sistemáticas, mas flexíveis, para “coletar e analisar os
dados visando à construção de teorias “fundamentadas” nos próprios dados (...). Assim,

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os dados formam a base da nossa teoria, e a nossa análise desses dados origina os
conceitos que construímos” (CHARMAZ, 2009, p.15).
Para a operacionalização desse método utilizamos quadros, de modo a fazer a
síntese do material coletado, a categorização/codificação inicial, a construção de níveis
de abstração desse material (quanto mais avançamos na análise, as categorias tornam-se
mais sistematizadas), a reunião de dados adicionais para verificar e refinar nossas
categorias e, por fim, a culminância: uma teoria fundamentada, ou seja, uma compreensão
teórica do material coletado.
Na próxima seção apresentamos os resultados decorrentes desta investigação,
trazendo, inicialmente, a análise das informações coletadas com os coordenadores de área
entrevistados e, após, a análise das informações coletadas nos grupos focais realizados
com os bolsistas de iniciação à docência.

RELAÇÕES ESTABELECIDAS ENTRE ATIVIDADES DE INICIAÇÃO À


DOCÊNCIA DESENVOLVIDAS EM CURSOS DE LICENCIATURA E NO PIBID
Os professores coordenadores de área entrevistados declararam que os bolsistas
de iniciação à docência estabelecem algumas relações entre ações desenvolvidas em curso
de licenciatura e no PIBID. Para esses coordenadores, o que os bolsistas mais estabelecem
de relações referem-se às lacunas dos cursos de licenciatura que frequentam. Essas
lacunas são percebidas, em parte, ao participarem de algum dos subprojetos PIBID e, em
parte, antes mesmo de ingressarem no PIBID, sendo este o motivo mais citado pela
procura pelo programa. Metade dos professores entrevistados relata esse tipo de relação,
como veremos abaixo133:
Uma coisa é o aspecto teórico, por exemplo, [nome de uma disciplina] é uma | 664
disciplina básica e está no meio do curso, ela está no sexto semestre. Então até
lá, quem entra até o sexto semestre não tem essa teoria. Então, em algum
momento eles se ressentem da falta dessa teoria. Eles dizem: “ah, a gente não
sabe, não viu”. Quem está fazendo ela agora: “ah, se eu tivesse feito essa
disciplina antes, eu teria aproveitado mais, eu teria feito mais” (...). Então, tem
uma relação de deficiência com o que eles aprendem aqui e que eles têm que
aplicar lá (BCA01).

Ah, tem todo o tipo de relação, tanto relações positivas quanto negativas, até o
próprio questionar-se sobre alguns conteúdos, algumas disciplinas, né, não vou
dizer quais, mas se colocam em xeque algumas dessas questões (BCA07).

133
Neste texto utilizaremos códigos para não identificar aqueles que concederam as informações para esta
pesquisa. Assim, Coordenadores de Área entrevistados serão nomeados como “BCA” e os Bolsistas de
Iniciação à Docência, como participaram de Grupos Focais, serão reportados como (GF).

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Algumas questões que os bolsistas têm colocado é que o que temos discutido
nas reuniões do grupo de estudo e problematizado com eles passa muito longe
da formação inicial deles. Tem alguns depoimentos bem interessantes. Esses
dias um bolsista me disse: “olha, professor, eu não estou entendendo mais nada,
aqui no grupo a gente discute as formas de ensinar, a relação professor-aluno,
planejar e depois nós saímos dali e vamos para uma aula de ensino de alguma
[disciplina] e é totalmente diferente. Então, não sei mais quem está certo”.
Então, eles têm colocado que há uma distância entre a formação inicial na
graduação e o que está sendo vivenciado e problematizado na escola (BCA08).

Eles dizem: “mas porque os professores não fazem isso? Porque as coisas não
são aplicadas assim?”. Aí eu digo que na realidade as coisas não são postas da
maneira como estão nos livros porque os professores nossos, eles não
receberam formação adequada para o desenvolvimento daquelas atividades.
São professores que (...) são formados para pesquisar na fronteira avançada da
área do conhecimento, sem formação complementar no âmbito pedagógico.
(BCA09).

Eles sempre trazem a referência ao curso, mas eles dizem: “Olha, lá eu tive o
conteúdo, mas é a primeira vez que estou tendo a oportunidade de pensar
aquele conteúdo em uma realidade” (BCA10).

Por esses extratos percebe-se que os bolsistas estão vivenciando um confronto


entre sua formação inicial e o PIBID, confrontos esses proporcionados pelo conhecimento
da realidade escolar ou pela relação que estão estabelecendo entre formação recebida e
aportes estudados.
De acordo com as Normativas Nacionais que orientaram os cursos de licenciatura
no Brasil até meados do ano de 2015 (BRASIL, 2002, p.02), a formação de professores
deveria observar, dentre outros, o princípio de “coerência entre a formação oferecida e a
prática esperada do futuro professor”, observando a “simetria invertida”, ou seja, o
preparo do professor, por ocorrer em lugar similar àquele em que vai atuar, necessita de
consistência e coerência entre suas ações na formação inicial e o que dele se espera.
| 665
Na nova redação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de
licenciatura, em vigor desde o segundo semestre de 2015, também há, como um dos
princípios da formação de professores, “a articulação entre a teoria e a prática no processo
de formação docente, fundada no domínio dos conhecimentos científicos e didáticos,
contemplando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 2015, p.04).
Outras relações entre curso de licenciatura e PIBID citadas pelos coordenadores
de área entrevistados foram: as atividades desenvolvidas no âmbito do PIBID contribuem
para as discussões nas disciplinas de seu curso por já terem discutido no PIBID; em

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apresentações em disciplinas do curso, os bolsistas se sentem bem preparados em relação
à preparação de apresentações, controlar o tempo quando estão em exposições etc.
Um dos entrevistados demonstrou que há alguma articulação em processo de ser
consolidada: há dois anos a Semana Acadêmica do Curso de Licenciatura de origem dos
bolsistas do subprojeto que coordena tem, na programação, discussões sobre assuntos
relacionados à Licenciatura e não somente ao Bacharelado, como acontecia em anos
anteriores. A declaração desse professor é muito interessante:
Houve, no Curso de [nome do curso], um relativo, incipiente e inicial
desabrochar para a docência, tanto é que nós tivemos o ressurgimento da
Semana Acadêmica da [área de referência do curso], que não acontecia há
muito tempo e nos dois últimos anos têm acontecido, ano retrasado e ano
passado e a temática tanto do ano retrasado quanto do ano passado foi o Ensino
de [área de referência do curso], com abertura de espaço para comunicação de
trabalhos, para discussão e reflexão desses trabalhos e muito disso estimulado
pelos pibidianos, como a gente chama os bolsistas. Então, nesse sentido, a
gente tem percebido uma mudança, eu não diria uma mudança de paradigma
porque não chegamos a tanto, mas uma certa exigência por parte dos bolsistas
e um contágio dessas exigências que eles fazem aos demais acadêmicos em
relação ao trabalho dos outros professores, fazendo com que (...) os outros
professores percebam que eles estão e que têm responsabilidade também sobre
isso, formando professores de Educação Básica, além de pesquisadores
(BCA05).

Percebe-se, por essa declaração, uma mobilização por parte dos bolsistas de
iniciação à docência para a discussão de assuntos relacionados à formação de professores,
tanto no dia a dia do curso, nas aulas, como também em eventos que reúnem grande
número de alunos que cursam alguma Licenciatura, como por exemplo, as Semanas
Acadêmicas. Não podemos afirmar que essa mobilização por parte dos alunos está
trazendo impactos consideráveis na formação inicial desses futuros professores, mas,
certamente, é um passo importante para alcançar uma articulação, de fato, entre curso de | 666
licenciatura e PIBID.
Para os bolsistas de iniciação à docência, há pouca relação entre ações
desenvolvidas em cursos de licenciatura e em Subprojetos PIBID. Três dos quatro grupos
estabelecem relações de comparação entre o curso e o PIBID, identificando as lacunas
vivenciadas no curso. É importante ressaltar que os coordenadores de área também
percebem esse tipo de relação. Vejamos abaixo algumas das declarações desses
licenciandos bolsistas:

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A principal lacuna citada em três dos quatro grupos focais é a falta de relação entre
universidade e escola:
Eu acho que entra muito no que a [nome de uma bolsista] falou sobre entrar
em contato com a escola no final do curso. Está ligado também ao que ela falou
em relação ao Estágio e PIBID se complementarem porque o Estágio é muito
pouco tempo, tu conhece a realidade, tu aprende a lidar com a realidade, mas
tu não tem tempo para refletir e pensar em modificar. É muito pouco tempo
(GF01).

(...) parece que tem uma distância muito grande entre o sistema escolar básico
e o sistema superior. É muito diferente um do outro (GF02).

C: eu vejo que o curso de [nome de um curso de licenciatura] é muito distante


da escola, nós vemos muita teoria, teoria, teoria... (...). E aí, na hora de chegar
na escola tem que aprender junto com os alunos.
D: no meu curso de [nome de outro curso de licenciatura] também existe esse
distanciamento. Os acadêmicos geralmente vão para a escola em uma
disciplina, que é do terceiro semestre, para fazer uma visita ou uma pesquisa
na escola, ou então nos Estágios. E para quem está se formando professor,
deveria ter desde o primeiro semestre uma disciplina que levasse os
acadêmicos na escola porque é aonde a gente vai estar (GF04).

Percebe-se, nesses fragmentos acima, que não há relações estreitas entre


universidade (cursos de licenciatura, nesse caso) e escolas, concepção essa totalmente
oposta ao que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
orientam e que tantos autores da área educacional defendem: uma parceria entre
universidade e escola em que ambas sejam entendidas como espaços importantes e
necessários à aprendizagem da docência, ou seja, ambos são lócus de formação docente.
Além disso, nos relatos acima fica claro que os licenciandos veem um
distanciamento entre a formação recebida na universidade e a realidade educacional das
escolas brasileiras. Diante disso, eles reforçam, em vários momentos dos grupos focais,
| 667
que o PIBID está proporcionando esse conhecimento da realidade educacional. Gatti et
al (2014, p.49) realizou uma pesquisa nacional com licenciandos participantes do PIBID
e concluiu, mediante análise das informações dos próprios bolsistas, que a participação
no programa os fez “tomar consciência de todos os problemas que surgem na realidade
do atual sistema educacional brasileiro”.
Em consequência dessa primeira lacuna ocorre uma segunda: distanciamento
entre teoria e prática, citada em três dos quatro grupos focais realizados.
Quando você está na universidade, pelo menos em algumas cadeiras que eu
tive de educação, era só mais uma... era algo distante, porque se trabalha a parte
teórica muito distante da realidade e é como você chegar lá, falar com os alunos

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da forma que tu acha a melhor forma e deu. E aqui [no PIBID] não, aqui tu tem
o contato com a realidade, com as crianças correndo, brincando, às vezes
brigando e tu está naquele meio real e humano (GF01).

Eu acho que é muito distanciado aqui com a realidade da escola, tudo o que a
gente estuda é teoria, na hora da prática, é outra coisa totalmente diferente
(GF02).

A maior lacuna do curso é essa distância que está ocorrendo entre a prática e a
teoria, que aqui no nosso curso é grande (...). Tem matérias que a gente faz que
não são levadas em conta questões importantes da prática, que a gente que
conhece a realidade sabe (GF03).

A concepção de que na universidade aprende-se a teoria e na escola (ou no PIBID)


aprende-se a parte prática precisa ser superada, pois teoria e prática devem caminhar
juntas, para que possamos estabelecer relações entre ambas. De acordo com Marcelo
Garcia (1999), essa separação não pode mais acontecer, pois é o próprio professor em
formação que tem de fazer a integração entre essas duas dimensões.
Dutra é enfática ao afirmar que
(...) teoria e prática são componentes indissociáveis, pois, apesar de diferentes,
a teoria, como pensamento da prática, é fundamental para a compreensão, a
elucidação e a própria transformação da sociedade e para a prática
continuamente se volta como seu ponto de partida e finalidade. Nesse sentido,
teoria e prática estabelecem relações de interdependência e reciprocidade, pois,
se é na prática que a teoria tem sua fonte de desenvolvimento, é na teoria que
a prática busca seus fundamentos de existência (DUTRA, 2010, p.42).

Para um dos grupos a relação que eles percebem é de um pequeno “aproveitamento”


de aprendizagens de um espaço para o outro:
C: a única relação são os planos de aula, que agora no Estágio foi mais fácil de
elaborar, a gente aprendeu o que precisava, colocar os objetivos, objetivo geral,
objetivos específicos. Acho que isso foi a única coisa que a gente aprendeu em
Didática e que facilitou um pouco depois para a gente fazer, eu acho que só.
(...) | 668
C: na verdade foi o PIBID que ajudou no resto porque nas aulas de reforço a
gente já estava no PIBID e já tinha um conhecimento um pouco maior e agora
no Estágio também.
A: é porque, por exemplo, a Metodologia de Ensino em Educação que a gente
faz, eu não aprendi fazer artigo, não aprendi fazer trabalho nenhum. A
professora quase nem vinha dar aula.
Coord.Discussão: qual disciplina?
A: Metodologia da Pesquisa em Educação. Não aprendi nada e foi no PIBID
que a gente conseguiu ter uma base (GF02).

Para esse grupo, as aprendizagens obtidas no curso estão sendo úteis para o
planejamento de atividades didáticas, como por exemplo, a aprendizagem que obtiveram
nas disciplinas de pesquisa, na medida em que agora é preciso pesquisar para elaborar os

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planejamentos didáticos e preocupar-se com a qualidade das informações que está
compartilhando.
Ressaltamos que uma das estratégias apontadas no PNE refere-se à estreita relação
que deve existir entre formação pedagógica geral, formação pedagógica específica e
didáticas. O Plano apresenta como estratégia:
promover a melhoria da qualidade dos cursos de pedagogia e licenciaturas,
(…) permitir aos graduandos a aquisição das qualificações necessárias a
conduzir o processo pedagógico de seus futuros alunos (as), combinando
formação geral e específica com a prática didática (…) (BRASIL, 2014a, p.12).

Dessa forma, deve-se repensar as configurações curriculares de cursos de


licenciatura que privilegiam apenas disciplinas de cunho específico e relegam a segundo
plano as disciplinas de cunho pedagógico. Vimos, acima, pelos relatos dos próprios
licenciandos, o quanto é importante uma formação acadêmica que articule os diversos
saberes docentes.
Outro grupo entende que há relações entre curso de licenciatura e PIBID, sendo
que as ações desenvolvidas em um auxiliam no desenvolvimento do outro:
C: o curso, com certeza, auxilia. Claro que muitas coisas a gente não relaciona
tanto, até pelo nível de formação que a gente encontra, mas vários
conhecimentos que são passados pela graduação a gente relaciona.
B: é, digamos que o PIBID é nosso laboratório, o que a gente aprende na
graduação a gente vê se acontece de fato ou se a coisa é de forma diferente.
Digamos que é uma via de mão dupla: tanto o PIBID ajuda na graduação
quanto a graduação ajuda no PIBID, mas eu acredito que o PIBID seja o
diferencial porque tu consegue ver a aplicação daquilo que tu aprende (GF03).

Em outros momentos, eles relatam que as aprendizagens obtidas no curso estão


sendo úteis para o conhecimento das modalidades de ensino, dos conteúdos, de teorias do
ensino e da aprendizagem. No entanto, percebe-se que há uma separação clara entre
ambos: no curso tem-se uma formação teórica e no PIBID tem-se a parte prática, sendo | 669

esse considerado um “laboratório” onde se “consegue ver a aplicação daquilo que tu


aprende”.
Por fim, um dos grupos discutiu que há muito pouca relação do curso com as ações
desenvolvidas no PIBID. Uma única bolsista declarou ver relações entre seu curso e o
PIBID, pois, segundo ela, várias disciplinas do curso deram base para a elaboração e a
implementação de atividades didáticas desenvolvidas no âmbito do Subprojeto que
participa. Então, o coletivo de licenciandos participantes desse grupo focal chegou a um
consenso de que o estabelecimento de relações acontece de forma individual, pois não é

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o professor formador (que atuam em disciplinas do curso ou na coordenação de área do
Subprojeto PIBID) que estabelece essas relações, é o próprio bolsista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando nosso objetivo de pesquisa, que se propôs a compreender as relações


que se estabelecem entre atividades de iniciação à docência desenvolvidas nos cursos de
licenciatura e àquelas desenvolvidas nos Subprojetos do PIBID, os resultados da pesquisa
nos permitem afirmar que ainda há diversas lacunas na formação inicial de professores,
principalmente em relação à falta de relação entre universidade e escola, falta de interação
entre teoria e prática, dentre outros.
Infelizmente essas lacunas são problemas identificados há muitos anos nos cursos
de licenciatura. Estrutura curricular fragmentada, com conteúdos genéricos,
principalmente em relação às disciplinas de conhecimento pedagógico, dissociação entre
teoria e prática, ausência de discussão sobre “escola” nas ementas dos cursos de
licenciatura e formação com caráter abstrato foram lacunas apontadas claramente por
Gatti, Barretto, André (2011).
Ressaltamos que a lacuna mais citada entre os bolsistas licenciandos envolvidos
nessa pesquisa refere-se à falta de interação entre universidade e escola. Não por acaso, a
expectativa mais citada por eles para a sua inscrição nos processos seletivos do PIBID é
justamente o conhecimento/inserção da/na escola.
Nesse sentido, vemos ainda o quanto temos que avançar na concepção dos espaços
onde acontece a formação inicial de professores. Certamente ela não deve acontecer
exclusivamente na universidade; a escola é um lócus de formação tão importante quanto | 670
a universidade, com saberes distintos, mas necessários para a aprendizagem da docência.
Por vivenciarem esse problema, parece que muitos alunos elencam o programa PIBID
como o dispositivo principal de aprendizagem da docência.
Para finalizar, podemos concluir que não há articulações consolidadas de
atividades desenvolvidas em cursos de licenciatura e no PIBID. O que há são relações
que os próprios bolsistas estabelecem, sendo essas, muitas vezes, de comparação do que
se faz em um ou em outro espaço formativo. Essas relações não ocorrem de forma inata
ou coletiva, ou seja, cabe a cada bolsista estabelecer essas relações.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação


– PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2014a.
BRASIL. Documento Referência do Plano Nacional de Educação 2014-2024 - Lei nº
13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá
outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014b.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP 01, de 18 de Fevereiro de 2002 –
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário
Oficial da União, 09 Abr. 2002, Seção 1, p.31. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/ arquivos/pdf /rcp01_02.pdf. Acesso em: 22 fev. 2007.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP 02, de 01 de julho de 2015 -
Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior
(cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de
segunda licenciatura) e para a formação continuada. Diário Oficial da União, Brasília,
2 de julho de 2015 – Seção 1 – pp. 8-12. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=1771
9-res-cne-cp-002-03072015&category_slug=julho-2015-pdf&Itemid=30192. Acesso
em: 20 jul 2015.
CHARMAZ, K. A construção da teoria fundamentada: guia prático para a análise
qualitativa. Tradução de Joice Elias Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009.
DUTRA, Edna Falcão. Possibilidades para a articulação entre teoria e prática em
Cursos de Licenciatura. Santa Maria/BR: Programa de Pós-Graduação em Educação,
Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Maria, 2010.
FLICK, Uwe. Qualidade na pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.
FREITAS, Helena. PNE e formação de professores: contradições e desafios. In: Revista
Retratos da Escola, Brasília, v.8, n.15, p.427-446, jul./dez. 2014
| 671
GATTI, Bernadete [et al…]. Um estudo avaliativo do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação à Docência (Pibid). São Paulo: FCC/SEP, 2014.
GATTI, Bernadete; BARRETTO, Elba Siqueira; ANDRÉ, Marli. Políticas docentes no
Brasil: um estado da arte. Brasília/BR: UNESCO, 2011.
MARCELO GARCIA, Carlos. Formação de professores: para uma mudança
educativa. Tradução de Isabel Narciso. Porto: Porto Editora, 1999.

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REVISÃO SISTEMÁTICA: A FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA
Aline Bona Omelczuk - UFSM - alinebonapsico@gmail.com

Jaiane de Moraes Boton - UFSM - jaiambbio@gmail.com

Luiz Caldeira Brant de Tolentino-Neto - UFSM - lcaldeira@smail.ufsm.br

RESUMO: A Formação Inicial de Professores vem se tornando motivo de pequisa em


todo o país, com isso, foi realizado um levantamento, no segundo semestre de 2015, na
Revista Brasileira de Pesquisa em Ensino de Ciências (RBPEC), sobre o assunto
Formação Inicial e Ensino de Ciências/Biologia, a fim de verificar quais os aspectos que
estão sendo tratados em pesquisas com esse foco. Foram analisados e categorizados 13
artigos, e verificou-se que existem inúmeras relações que podem ser realizadas a partir
deste tema, relativos ao grau de aprimoramento de metodologia, processo de
desenvolvimento da identidade do professor e no reconhecimento da importância da
tutoria. Nota-se que a continuidade de estudos, pesquisas e intervenções no contexto da
Formação Inicial de Professores é extremamente importante para a melhoria do ensino,
assim como a profissionalização dos docentes.

PALAVRAS-CHAVES: Formação Inicial de Professores, Ensino de Ciências/Biologia,


Estado da Arte.

INTRODUÇÃO | 672

As pesquisas denominadas Estado da Arte têm a função de “mapear e de discutir


uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando
responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes
épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido produzidas certas
dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações
em anais de congressos e de seminários” (FERREIRA, 2002).

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Essas pesquisas são realizadas quando os pesquisadores não tem um
conhecimento total dos estudos de determinada área do conhecimento, ou querem
atualizar-se de tais estudos. Segundo Ferreira (2002), isso ocorre pois há um “crescimento
tanto quantitativo quanto qualitativo, principalmente reflexões desenvolvidas em nível de
pós-graduação, produção esta distribuída por inúmeros programas de pós e pouco
divulgada” (p.258-259).

Movidas pelo desafio de ter o conhecimento dos estudos realizados na área de


Formação Inicial de Professores, foco dos trabalhos de pós-graduação das pesquisadoras,
buscou-se realizar um levantamento sobre esse tema.

Apesar de salientarmos a importância da pesquisa do tipo estado da arte,


salientamos que não pretendemos fazê-la neste trabalho, temos como objetivo realizar um
levantamento de trabalhos sobre Formação Inicial de Professores, acreditamos não ser
uma pesquisa deste tipo pelo fato de o recorte ser somente de uma Revista da área de
Educação em Ciências, área em que as autoras estão inseridas.

Acreditamos que a Formação de Professores tenha um papel importante na


formação da sociedade contemporânea, pois o ato de ensinar é uma atividade complexa,
quando falamos em ensinar devemos ter em mente que

“não é apenas conhecer os conteúdos e expô-los num determinado momento


ao outro, mas sim realizar a mediação pedagógica, o que exige dos professores
um amplo leque de conhecimentos: da história e das finalidades sociais e
políticas da educação escolar, dos conteúdos escolares, dos processos
psicológicos de aprendizagem e dos métodos e técnicas didáticas adequadas”
(SILVA, LIMONTA, 2012, p.183-184) | 673

Destacamos, assim, a importância da Formação de Professores, visto que é uma


etapa fundamental para o desenvolvimento desses profissionais, pois

“A formação assume papel que transcende o ensino que pretende uma mera
atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na possibilidade
de criar espaços de participação, reflexão e formação para que as pessoas
aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e a incerteza.”
(IMBERNÓN, 2011, p.15)

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Segundo este autor a formação também auxiliará aos profissionais a constatarem
criticamente as contradições existentes na profissão, e permitirá que tentem trazer
elementos que superem tais situações que persistem há tanto tempo na profissão
(IMBERNÓN, 2011, p.15).

Desenvolvemos tal pesquisa, pois acreditamos que seja a Formação Inicial a etapa
fundamental para que o profissional desenvolva capacidades reflexivas e abra caminho
para uma verdadeira mudança na autonomia e identidade profissional.

METODOLOGIA

Este trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa bibliográfica. Entendemos


que esta pesquisa é realizada “a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas
anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc.” (SEVERINO,
2007). Para este autor, esses textos tornam-se fonte de temas a serem pesquisados
(SEVERINO, 2007).

Como fonte de pesquisa utilizou-se os artigos publicados na Revista Brasileira de


Pesquisa em Ensino de Ciências (RBPEC) online (INSS 1806-5104), publicada pela
Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC), tal revista
“tem como objetivo disseminar resultados e reflexões advindos de investigações
conduzidas na área de Educação em Ciências, com ética e eficiência, de forma a contribuir
para a consolidação da área, para a formação de pesquisadores, e para a produção de | 674
conhecimentos em Educação em Ciências, que fundamentem o desenvolvimento de ações
educativas responsáveis e comprometidas com a melhoria da educação científica e com
o bem estar social”. Além disso, possui acesso gratuito e contém publicações relacionadas
a área da Educação em Ciências, e suas subáreas, tais como: Educação Ambiental,
Educação em Astronomia, Biologia, Física, Geociências, Química e Saúde134. A pesquisa

134
REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS. Capa. São Paulo, 2015. Disponível em:
<http://revistas.if.usp.br/rbpec>. Acesso em 25 de jan. de 2016.

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foi realizada na segunda quinzena de Setembro de 2015, tendo sido investigados somente
artigos completos.

Para desenvolvermos este estudo, traçamos, resumidamente, os seguintes passos:


(1) buscamos no web site da revista os artigos sobre Formação de Professores; (2)
inserimos em uma tabela as informações de todos os artigos encontrados; (3) a seguir,
foram interligados aos descritores Ensino de Ciências Biológicas, Ciências da Natureza,
Biologia e Ensino de Ciências. (4) refinamos nossa busca para Formação Inicial de
Professores; (5) lemos os artigos na íntegra; (6) inserimos as informações coletadas em
uma nova tabela; (7) organizamos e tratamos as informações coletadas; e (8) construímos
e interpretamos os resultados.

Todos os descritores foram inseridos no campo de pesquisa ‘todos os índices’,


com o método de modelo integrado e selecionando somente publicações nacionais.
Devido a pesquisa ter como foco uma revista, optamos em não delimitar um período de
publicações.

A seguir, explicamos melhor a realização de cada um dos passos. No momento de


buscar os artigos na Revista (passo 1) procuramos na revista os artigos no campo de
“busca” com a palavra-chave “Formação de Professores”, neste momento encontramos
um total de 44 artigos, inserimos todos os trabalhos encontrados em uma tabela que
continha as seguintes informações: Título, Autores, Palavras-chaves, Resumo, Ano,
Nome da Revista, Classificação Qualis e Link para acesso (passo 2). Após interligamos
os artigos com os descritores secundários que se relacionam com o Ensino de Ciências
Biológicas, obtivemos 22 artigos (passo 3). Posterior a essa etapa, refinamos nossa busca | 675
lendo o Título, as Palavras-chaves e o Resumo a fim de localizar somente os artigos
relacionados a “Formação Inicial de Professores”, o número de artigos caiu a 13 (passo
4). Após ter o número definido de artigos, passamos a lê-los na íntegra (passo 5) para
determinar as categorias as quais eles se encontrariam (passo 6, 7 e 8).

RESULTADOS E CONTATAÇÕES

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Para desenvolver uma análise completa dos artigos encontrados, os mesmos foram
avaliados e classificados segundo sete critérios de análise, a saber: (1) Ano de Publicação;
(2) Desenho Metodológico; (3) Tema do Artigo; (4) Tipo da Amostra; (5) Região dos
Autores; (6) Instituições dos Autores; e, por fim, (7) Modelo de Colaboração.
Posteriormente, foram realizadas análises descritivas por categoria. Tais categorias foram
criadas a posteriori, ou seja, após a leitura completa dos artigos selecionados.

Com isso, de acordo com o critério Ano de Publicação, a maioria dos artigos
encontrados foram publicados no ano 2001 (N=5, 38,4%), seguido de 2004 (N=2, 15,4%)
e 2012 (N=2, 15,4%), os anos de 2008, 2009, 2010 e 2014 apresentaram somente um
trabalho em cada ano (7,7%). Mostrado assim, que esse assunto vem sendo tratado a
algum tempo, porém sem a constância e o crescimento de discussões de que a temática
necessita.

Salientamos que no ano de 2001, o qual teve maior número de publicações,


ocorreu a aprovação do Plano Nacional de Educação, que prevaleceria por 10 anos (até
2010), podendo ter sido esse, o incentivador de pesquisas no ano com o foco na Formação
de Professores. Pois diversas atividades e atitudes frente a educação teriam um período
para se adaptarem as novas normas e legislações aprovadas pela Lei 10.172, de Janeiro
de 2010.135

O segundo critério analisado buscou identificar o Desenho Metodológico,


encontramos 11 metodologias diferentes utilizadas com 14 aparições nos artigos, visto
que em alguns artigos foi utilizada mais de uma metodologia para desenvolvê-la. Em vista
disso, as metodologias que tiveram maior participação nos artigos foram a Análise do | 676
Discurso Francesa, presente em três artigos (N=3, 21,5%), já a Análise do Conteúdo e
Pesquisa Participante estava presentes em dois artigos cada um (N=2, 14,4%) as demais
metodologias aparecem uma vez cada uma, a saber: Análise textual; Estado da Arte;
Estudo de Caso; Investigação-ação; Pesquisa naturalista; Pesquisa-ação; Relato de
experiência (N=1, 7,1%). No entanto, em análise, observamos que um dos artigos não

135
Plano Nacional de Educação, Brasília: Senado Federal, UNESCO. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001324/132452porb.pdf> Acesso em 17 de fev. de 2016

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apresentou metodologia de análise, relatou somente o instrumento de coleta de dados, no
caso, a Entrevista, desconsideramos tal trabalho para a análise deste critério.

Destacamos, aqui, as “novas” metodologias que estão surgindo, como é o caso da


Pesquisa Naturalista, a qual busca a confiabilidade como orientação e não a validade
externa e interna, como a maioria das pesquisas. De acordo com os autores essa
metodologia, “trata-se, pois, de um auto-estudo, cujos autores são também alguns dos
participantes. Assim, os dados têm origem nas histórias dos próprios autores e as análises
permitem uma compreensão da cultura da comunidade onde estão inseridos” (RIBEIRO;
MUNFORD; PERNA, 2012, p.137)

Com relação ao critério Tema do Artigo, diversos temas estão relacionados a


Formação de Professores e ao Ensino de Ciências, sendo esses, Evolução, Leitura,
Educação Ambiental, Tutoria, Interdisciplinariedade, Educação Inclusiva, Aprendizagem
Significativa, Diário de Aula, sendo que, cada um desses temas estão contidos em um
artigo. A partir disso, compreende-se que o educador que está em Formação Inicial em
Ensino de Ciências recebe na graduação uma base de conceitos ampla e extensa.
Consideramos isso sendo um dos grandes desafios da graduação, pois a formação inicial
necessita abranger diversos conceitos para que os futuros professores possam transmitir
tal conhecimento de forma adequada e de fácil compreensão aos alunos. Diante disso,
Araujo & Pedrosa (2014) mencionam que as razões dadas para justificar as dificuldades
em ensinar múltiplos conceitos são ligadas a aspectos educacionais, como a falta de
qualificação do professor ou à complexidade conceitual do próprio tema.

Após isso, analisamos o Tipo de Amostra encontrada nos artigos. Constatamos | 677
que, com exceção de um artigo que fez uso de documentos, todas as pesquisas foram
realizadas com alunos de Licenciatura. Em sua grande maioria, aparecem os alunos de
Ciências Biológicas (N=7, 35%), seguido de Física (N=2, 10%), e Ciências Naturais e
Biologia/Geologia apresentando um trabalho cada um (N=1, 5%), alguns trabalhos não
falaram a quais cursos os alunos pertenciam (N=3, 15%), alunos de mestrado também
participaram de pesquisas (N=2, 10%) e em quatro artigos ocorreu a participação de
Professores da Educação Básica (N=4, 20%).

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Salientamos nessa análise a interação existente entre diferentes cursos, tais como
Biologia e Física, assim como entre diferentes níveis de formação, em que alunos de
graduação e mestrado participam do mesmo trabalho, e chamamos a atenção aos cursos
interdisciplinares, Biologia/Geologia e de Ciências da Natureza. Além disso, a
participação de professores da Educação Básica, também foi significativa, e sendo uma
interação de grande importância, já que os futuros professores entrarão em contato com
profissionais da área que atuarão.

Os artigos possuem um total de 33 autores, lembrando que um artigo pode conter


mais de um autor. Analisamos a Região dos Autores, e verificamos que a região que
apresentou maior destaque foi a Sudeste (54,5%), seguido de Centro-oeste (21,2%) e Sul
(18,2%). Não encontramos nos trabalhos analisados autores das outras duas regiões do
Brasil, no entanto haviam duas autoras de Portugal (6,1%).

Diante disso, o maior número de autores encontram-se no Estado de São Paulo


com o total de 13 autores (39,4%), seguido de Goias (N=7, 21,2%) e de Minas Gerais
(N=4, 12,1%). Tivemos autores de outros Estados, porém com número reduzido, como o
caso do Estado do Paraná (N=3, 9,1%), do Rio Grande do Sul (N=3, 9,1%) e o do Rio
de Janeiro (N=1, 3,0%), assim como duas autores de Portugal (N=2, 6,1%). A partir dessa
análise observa-se que a preocupação com a Formação Inicial dos professores de Ensino
de Ciências/Biologia se expande por todo o Pais, tornando-se assim, possivelmente, uma
temática presente em eventos, congressos, cursos e até mesmo em discussões nas
Instituições de Ensino Superior.

Verificamos, também, que dos 33 autores, 30 (N=30, 91%) são professores e | 678
alunos de Instituições de Ensino Superior e somente três (N=3, 9,0%) dos autores são
professores de Instituições da Rede Básica de Ensino. Demonstra-nos assim, que as
pesquisas científicas geralmente são desenvolvidas nas Instituições de Ensino Superior,
sem grande participação, colaboração e conhecimento dos Professores do Educação
Básica. Com isso, de acordo com Lima (2003), a universidade deve estar presente
constantemente na comunidade, proporcionando trocas de experiências, conhecimentos,
valores e ideias, fazendo com que a comunidade se sinta pertencente, se identifique como

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sujeito de sua própria história, auxiliando em mudanças nas condições de vida, e
ultrapassando, assim, problemas encontrados na própria comunidade.

Com relação às Instituições dos Autores, constatamos a presença de 17 diferentes


instituições, sendo três delas Escolas de Educação Básica (N=3, 17,6%), e 14 Instituições
de Ensino Superior (N=14, 82,4%). Dentre as Instituições de Ensino Superior, as que
possuem mais autores estão a Universidade Federal de Goiás - UFG (N=6, 20%) e a
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar (N=4, 13,4%), seguidas da Universidade
Estadual Paulista - UNESP, vale salientar que a consideramos como uma instituição, não
consideramos os campi existentes, e Unidade Integrada Vale do Taquari de Ensino
Superior -UNIVATES, ambas com três autores cada (N=3, 10%). Com dois autores temos
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Universidade Federal do Paraná - UFPR,
Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP e Universidade de São Paulo - USP
(N=2, 6,7%), Apresentando apenas um autor: Faculdades Integradas de Guarulhos – FIG,
Universidade Federal de Londrina – UEL, Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI e, as instituições de Portugal,
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro - UTAD e a Universidade do Minho -
UMinho (N=1, 3,3%).

Diante disso, verificamos o quanto essa temática, Formação de professores e


Ensino de Ciências/Biologia, vem abarcando diferentes regiões, categorias, classes e
instituições, pois há a presença de Instituições Públicas, Federais e Estaduais, quanto de
Particulares, mostrando assim, a relevância do assunto.

Por fim, o último critério a ser analisado, Modelo de Colaboração, tem como | 679
objetivo constatar se os trabalhos foram produzidos Interinstitucional ou Intra-
institucional, ou seja, se os artigos foram desenvolvidos em parceria, entre duas ou mais
instituições, ou se foi produzido somente por uma instituição. Com base nisso,
constatamos que sete artigos apresentaram trabalhos Intra-institucionais (53,8%) e seis
Interinstitucionais (46,2%).

Esses dados refletem os vínculos que estão ocorrendo entre pesquisadores, que
advêm de encontros em congressos, bancas de trabalhos, grupos de estudo, cursos e entre
outros. Sendo assim, “essas e outras formas de trabalho colaborativo contribuem para

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que as instituições de ensino superior e pesquisa se sustentem mutuamente na construção
do saber científico” (GAZDA; QUANDT, 2010).

Os dados aqui apresentados até o momento representam uma das etapas


fundamentais para o estudo do tipo “estado da arte”, pois os mesmos possibilitam a
identificação do contexto onde os artigos foram obtidos e possibilita a formação da
amostra representativa da produção existente no período (MORAES, 2003). A seguir,
apresentaremos as análise feitas sobre os assuntos apresentados nos trabalhos.

EIXOS TEMÁTICOS

Além dos critérios de análise já apresentados, desenvolvemos categorias para cada


um dos artigos encontrados. Identificamos três categorias, a saber:

1. Profissionalização Docente: contém pesquisas que realizam o levantamento de


Concepções, Conceitos, Metodologias e Estratégias, além de estudos específicos
sobre a Prática Docente. (69,2%)
2. Identidade Profissional: apresentamos trabalhos que procuram elencar quais os
aspectos necessários a um profissional do ensino, tais como: suas habilidades,
conhecimentos, atitudes e valores. (15,4%)
3. Relevância do Tutor: essa categoria originou-se a partir de um artigo que traz
como foco a importância que o profissional exerce ao ocupar o papel de Tutor.
(15,4%) | 680

Explicaremos, a seguir, cada uma das análises realizadas nos artigos selecionados.

PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

Este eixo temático é composto por nove artigos, correspondendo a 69%. A fim de
organizarmos melhor a nossa análise vimos a necessidade de desenvolver subcategorias,
a saber: (A) Metodologia e Estratégias de Ensino; (B) Formação de Professores e a

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relação com Conceitos; (C) Prática docente; (D) Educação Inclusiva; (E)
Interdisciplinariedade; (F) Concepções de aprendizagem.

Com relação à categoria Metodologia e Estratégias de Ensino, selecionamos os


artigos que possuem relação com métodos ou estratégias que auxiliam o professor em
suas atividades tanto em sala de aula, como em sua formação. Um artigo trouxe a
importância da Leitura no ensino, pois considera que esse método é que torna possível a
capacidade de argumentação e de conhecimento, assim como facilita a escrita, seja ela
científica ou cotidiana. Possuindo assim, importante papel nos processos de ensino-
aprendizagem (RIBEIRO; MUNFORD; PERNA, 2012).

Outro artigo apresenta o Diário de Aula como uma estratégia de formação


reflexiva de professores. Tal trabalho ocorre através de atividades e relatos, os quais
provocam a investigação e a auto-observação como fatores indissociáveis da ação do
professor. Sendo assim, as autoras Silva & Duarte (2001) relatam que,

[...]o acto de escrever e a posterior leitura reflexiva do conteúdo do diário


possibilita ao professor construir uma visão mais objectiva e completa da
realidade que constitui a sua acção.[...] Mais, não deve apenas problematizar a
prática mas procurar hipóteses bem fundadas que constituam alternativas de
acção. (SILVA; DUARTE, 2001, s/p)

A Produção de Textos como Metodologia e Estratégia de Ensino também é


apresentada em um artigo. Tal método é visto pelos autores como um processo tão
valoroso que traz uma relação da autonomia de textos com a autonomia do sujeito, nesse
caso o professor. Pois possibilita que o mesmo desenvolva abordagens legítimas para o | 681
seu grupo de alunos, auxiliando a compreensão de conceitos e facilitando o
conhecimento. (NASCIMENTO; REZENDE-JUNIOR, 2010)

O último artigo a constar nessa categoria, traz a utilização de Mapas Conceituais


como provedor da aprendizagem-significativa, através da vivência com os processos de
estruturação e explanação dos significados. Com isso a autora Silveira (2004) menciona
que,

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Os mapas conceituais, traçados por professores ou alunos refletirão a sua própria
maneira de ver, sentir e agir. Isto quer dizer que, tanto os mapas usados por
professores como recurso didático ou mapas elaborados por alunos, apresentam
estes componentes. (SILVEIRA, p.32, 2004)

Na subcategoria, Formação de Professores e a relação com Conceitos, os


artigos analisados exibem conceitos que são trabalhados na Formação Inicial dos
professores, a fim de verificarem o seu grau compreensão e como se dá o ensino a partir
dos mesmos. Os conceitos que foram apresentados respectivamente são Educação
Ambiental e Evolução, ambos são descritos como conteúdos que possuem características
particulares, que podem ser influenciados pela educação, religião e mídia, tornando-os
assim, mais trabalhosos e difíceis. (SOUZA; SALVI, 2012; PALCHA; OLIVEIRA,
2014)

O artigo que se categorizou na subcategoria Prática Docente refere-se a reflexão


da prática docente, tanto na formação inicial, quanto na formação continuada, e busca
contemplar os anseios dos professores em relação a aspectos conceituais e pedagógicos.
A partir disso, os Echeverria & Belisário (2008) revelam que “Ao se disporem a realizar
transformações no intuito de melhorar a prática pedagógica, os professores promovem
ações conscientes que podem resultar em melhorias na qualidade do ensino”
(ECHEVERRIA; BELIÁRIO, s/p, 2008).

Já a subcategoria Educação Inclusiva, abarcou a relação entre o trabalho do


professor de Ciências/Biologia com alunos portadores de necessidades especiais, quais as
exigências e requisitos que o profissional deve desenvolver ao estar em sala de aula.
Menciona-se no artigo, o desejo de uma formação mais prática, com olhar crítico e com | 682
vínculo com a realidade. pois de acordo com os autores “a complexidade dos problemas
que se colocam à escola na atualidade exige cooperação, olhares multidimensionais e uma
atitude de investigação na ação e pela ação” (BENITE; PEREIRA; BENITE;
PROCÓPIO; FRIEDRICH, s/p, 2009).

Com relação à Interdisciplinariedade, o artigo traz uma reflexão ao modelo de


produção do conhecimento aplicado hoje em sala de aula, ou seja a fragmentação do
conhecimento, cada vez mais especializada por áreas, causando assim, de acordo com
Pierson & Neves (2001, p.121) “[...] problemas complexos gerados pelo desenvolvimento

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das sociedades, difíceis de serem resolvidos por especialistas de forma isolada [...]”. Com
isso, a busca pela Interdisciplinariedade vem crescendo cada vez mais, para que se
estabeleça o diálogo entre as disciplinas e este ultrapasse a superficialidade. A partir disso,
os autores mencionam a necessidade de repensar a Formação Inicial pois,

Repensar esta formação numa perspectiva interdisciplinar nos convida a


promover o confronto do futuro professor com pontos de vista de
especialidades diferentes da sua para possibilitar uma mudança na sua relação
com os conhecimentos científicos, de modo a favorecer as trocas de
conhecimentos com especialistas de outras áreas para a construção de uma
percepção mais integrada das ciências e de uma disponibilidade para elaborar
e implementar projetos interdisciplinares no seu campo de atuação.
(PIERSON; NEVES, p.122, 2001)

Por fim, a subcategoria nomeada de Concepções de Aprendizagem, analisa


como as concepções de aprendizagem, implícitas na consideração do conhecimento
prévio, relacionam-se com o potencial das estratégias didáticas propostas para a evolução
conceitual dos estudantes. (HARRES; ROCHA; HENZ, 2001)

IDENTIDADE PROFISSIONAL

A categoria Identidade Profissional traz como foco o profissional, o sujeito que


está frente ao aluno, ou seja, faz menção à necessidade do autoconhecimento, para que
assim, esses educadores possam, através de uma autoavaliação, perceberem através de
um olhar crítico, as suas necessidades, fragilidades, habilidades, e assim buscar seja na
| 683
Formação Inicial ou na Formação Continuada, subsídios para a construção da sua
identidade profissional (BAROLLI; FRANZONI; VILLANI; FREITAS, 2001). De
acordo com isso, Diniz & Campos mencionam que,

“o processo de formação do professor é dialético, sendo que o professor é


formado e se forma pela discussão e enfrentamento de problemas comuns, pela
análise de suas representações, pela participação em situações propostas por
seus professores, pelo questionamento individual e coletivo, pelo diálogo com
a realidade e pelo reconhecimento de sua inserção nela como sujeito social.”
(DINIZ; CAMPOS, p.38, 2004)

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RELEVÂNCIA DO TUTOR
Essa categoria surgiu a partir de um trabalho que coloca como relevante a
atividade de Tutoria, tanto para o professor quanto para os alunos em Formação Inicial,
pois proporciona a experimentação e a reflexão de modo compartilhado. Com isso Rosa,
Medeiros & Shimabukuro mencionam que,

[...] a tutoria pode contribuir para uma transformação, ou seja uma mudança
do estado de imitação para o de autogestão. Para isto, é preciso haver uma
reciprocidade entre o(a) professor(a) tutor(a) e o(a) principiante- estagiário(a).
(ROSA; MEDEIROS; SHIMABUKURO, s/p, 2001)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos neste trabalho verificar as tangentes que se referem a Formação Inicial


de Professores do Ensino de Ciências/Biologia através da análise e categorização de
artigos da Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, a fim de, por meio
dessa categorização, perceber a amplitude das pesquisas que estão sendo realizadas.
Ressaltamos que, não tivemos a pretensão de realizar na íntegra um Estado da Arte, porém
buscamos os princípios norteadores dessa metodologia.

De acordo com isso, Romanowski & Ens (2006, p.39), mencionam que o Estado
da Arte “[...] não se restringem a identificar a produção, mas analisá-la, categorizá-la e
revelar os múltiplos enfoques e perspectivas”. Em vista disso, constatamos que por meio
dessa categorização foi possível perceber a dimensão das pesquisas com foco na temática | 684

em questão, assim como, dentre outras, a diversa abrangência das regiões e das
instituições dos autores.

Através da pesquisa verificamos que existem inúmeras relações que podem ser
realizadas a partir do tema Formação Inicial de Professores e o Ensino de
Ciências/Biologia, tanto no grau de aprimoramento de metodologia, quanto no processo
de identidade do professor e no reconhecimento da importância da tutoria. O que ressalta
a relevância que o presente estudo possui, pois ainda há campo para essa temática,

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Sendo assim, salientamos a necessidade de um “olhar” mais apurado para esses
profissionais, pois existem diversas vertentes que os envolvem, da mesma maneira que,
há a necessidade de incentivar a realização de trabalhos em conjunto, entre universidade
e escola, como forma de dar um suporte e um retorno aos professores que estão em sala
de aula, além de estimular o professor da Educação Básica a produzir novos
conhecimentos. Do mesmo modo, concluímos que, a continuidade de estudos, pesquisas
e intervenções no contexto da Formação Inicial de Professores é extremamente
importante para a melhoria do ensino, assim como a profissionalização dos docentes.

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Acesso em: 20.jan.2016.

| 688

VIII ENCONTRO BRASILEIRO DA RED ESTRADO


TRABALHO DOCENTE E PNE: desafios à valorização profissional
04, 05 e 06 de abril de 2016
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
PIBID E A NOVA REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO
Caroline Correia Maciel (UFMS)
carol.maciel85@hotmail.com
Margarita Victória Rodriguez (UFMS)
poroyan@uol.com.br

Resumo: O presente trabalho objetiva analisar a implementação do Programa


Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), a partir das relações
estabelecidas entre a nova reestruturação do trabalho do séc. XX e a valorização do ensino
básico, por meio do incentivo de políticas de formação de professores. Para tanto, é
definido um estudo documental, que pretende analisar os objetivos e histórico do PIBID,
mediante o Relatório de Gestão (2013), disponível no site oficial do Programa. As
discussões em torno do objeto estão atreladas às temáticas da constituição do modelo
toyotista de produção e da influência das políticas neoliberais, no Brasil, em especial no
governo do Luiz Inácio Lula da Silva, período da gênese do referido Programa. Desse
modo, evidencia-se que a implementação do Programa expressa o fomento à
competências polivalentes, e sua expansão remete, gradativamente, à características
privatistas e filantrópicas, típicas das políticas neoliberais. Em contrapartida, seu recurso
central, que é o intelectual professor, aparenta oportunizar possibilidades de construção
de um novo projeto social contra-hegemônico.
Palavras-chave: PIBID; Reestruturação do Trabalho; Políticas de Formação
Profissional.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a implementação do Programa


Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) em relação ao processo de
reestruturação do trabalho no final do séc. XX. Para tanto, é apresentado o movimento
histórico da organização do trabalho a partir dos anos de 1980, e a política de formação
estabelecida, no Brasil, conforme o controle social dos setores financeiros para o | 689
fortalecimento do modo de produção capitalista.
Para realizar a análise da implementação do Programa, são apresentados seus
objetivos e histórico, a partir do estudo do Relatório de Gestão (2013), disponível no site
oficial. E, para refletir os motivos e interesses da criação do PIBID, são abordados os
períodos de influências da nova organização do trabalho e da política neoliberal no Brasil,
principalmente do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Como forma de sistematizar o conhecimento para a compreensão do objeto
definido, o estudo está organizado em três tópicos. O primeiro refere-se ao processo

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histórico da reestruturação do trabalho iniciado nos anos de 1980, até o momento em que
se inicia a implementação do Programa. O segundo discute a forma com que as políticas
de formação foram incentivadas, conforme o controle social estabelecido pelos setores
financeiros. E no último tópico, é realizada uma discussão a respeito das possíveis
relações entre os interesses da reorganização do trabalho, as políticas de formação
docentes desenvolvidas e os objetivos e histórico do PIBID.

A NOVA REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO NO SÉC. XX.


A década de 1970, abalada por uma crise estrutural do capital, a partir do modelo
taylorista/fordista136, sofreu um processo de reestruturação da organização do trabalho,
desencadeado a partir dos anos de 1980. Para tanto, na contínua condição de alienação,
um novo modelo foi pensado e efetivado para superar a crise do capitalismo, a chamada
organização toyotista137.
O processo de hipertrofia dos setores de serviços, como o comércio e as finanças,
e o baixo crescimento econômico em geral, obrigou as empresas a reverem suas
estratégias de gestão, entre elas agregar importância às novas tecnologias, a redução de
custos de produção e a personalização de seus processos e produtos. Sendo assim, as
iniciativas exigiram patamares mínimos de 138flexibilidade, 139qualidade, 140baixos preços
finais e 141atendimento preciso. (OLIVEIRA, 1996)
Com referência, na indústria automotiva, o modelo organizacional do trabalho de
Taiichi Ohno, proprietário da Empresa Toyota Motor Company, denominado como
sistema toyotista, adequou-se perfeitamente a conjuntura econômica dos anos de 1970, e
abriu as fronteiras a partir de 1980. (ANTUNES, 2009)

| 690
136
Sistema de produção em série com pouca variação, pois dessa forma reduziria os gastos. Para tanto,
Henry Ford criou uma esteira rolante, a qual possibilitou produção em grande escala, e Taylor
concebeu sua técnica que permitiu que cada trabalhador executasse somente uma parte do todo.
(KURZ,1993, p. 236)
137
Modelo de produção com rígidos critérios: redução dos “estoques”, seja no setor maquinário, na força
de trabalho ou no tempo de operação. Investimento ao máximo nas instalações das empresas a partir de
inovações organizacionais, desde a hierarquia de cargos e salários até as atividades desempenhadas em cada
posto de trabalho. (MONDEN, 1984)
138
Capacidade de ofertar diferentes tipos de produtos e serviços num curto período de tempo, mantendo-
se ou não a larga escala. (OLIVEIRA, 1996)
139
Redução de custos do retrabalho, eliminando-se falhas em processo (OLIVEIRA, 1996)
140
Preços obtidos não apenas pela qualidade e flexibilidade, mas pelo enxugamento, ou seja, a redução de
toda capacidade ociosa em termos de equipamentos e força de trabalho. (OLIVEIRA, 1996)
141
Exigência no momento, na quantidade e nas características exatamente estipuladas pela clientela, sem
gerar atrasos, tampouco estoques. (OLIVEIRA, 1996)

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O novo tipo de trabalho tecnológico, aos moldes do referido modelo, chama
atenção por sua drástica mudança e pelo sentimento expresso por um operário:

Hoje têm máquinas que não são mais o trabalho que você tinha antes.
Um torneiro, antigamente, ele catava uma peça bruta, ele tinha que
trabalhar, lapidar até chegar numa ferramenta. Hoje, as máquinas, os
tornos, são todos automáticos, então você aprende com mais facilidade,
você opera apertando o botão. Então, não é mais aquele serviço
artesanal que era, você catar uma peça e construir ela. 142(ANTUNES,
2013, p. 170)

É observado, pela expressão do operário, a desfamiliarização dos trabalhadores


com a nova forma de trabalho. Por isso, a formação em massa foi significantemente
143
necessária para o labor intelectualizado que se manifestava na chamada Terceira
Revolução Industrial.
Rullani (2000, p.88) estudioso do capitalismo cognitivo, afirma que “o
conhecimento se transformou em um fator de produção necessário tanto como o trabalho
e o capital. A valorização deste fator intermediário obedece a leis muito particulares,
como funcionamento diferente do capitalismo comum”. Ou seja, o trabalhador não utiliza
instrumentos como meios de trabalho, mas carrega em si o seu fator de produção
fundamental, seu cérebro.
É por meio dessa significativa forma de “trabalho morto”, desenvolvido no âmbito
intelectual do sujeito, que o investimento e financiamento na qualidade do ensino básico
foi um fator primordial para os governos como mecanismo para o desenvolvimento
econômico. Sobre isso, Andrade (2008, p. 60) cita que “o campo da educação, assim, vai
paulatinamente, se tornar, ao longo dos últimos anos, um objeto de cada vez maior
atenção por parte da burguesia industrial brasileira”. | 691
Com o fortalecimento da neoliberalização nas políticas educacionais, a qual previa
o impulso do modelo toyotista e de suas consequências no campo do trabalho, é possível
notar o incentivo à formação de um novo tipo de homem para o trabalho, com novos
valores e uma renovada forma de agir.
Para efetivação desse moderno regime, novas metodologias, sistemas de análises
de trabalho, gerenciamentos e equipes multidisciplinar se inovaram, visando a melhoria

142
Marcos Augusto (nome fictício), trabalhador da esfera da produção da American Company do Brasil;
entrevista realizada em 2006, por Ricardo Antunes.
143
Sobre a Terceira Revolução Industrial: ver Coutinho (1992).

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da capacidade do trabalhador. A capacidade de inovação e adaptação a variações
constantes de metas e tecnologias, tomada de decisões e prevenção de falhas, atualização
permanente e autonomia na solução de problemas cotidiano também são competências
necessárias para os trabalhadores. (PINTO, 2013)
Os estudos ainda indicam, mediante o processo de capacitação de competências
necessárias no âmbito do novo tipo de trabalho, a elevação da escolaridade nas empresas
a fim de atender a certificações, como a International Standard Organization (ISO) ou
permitir o manuseio de máquinas e execução de tarefas mais complexas. Assim, o
desaparecimento do fordismo/taylorismo, faz alvorecer o trabalhador polivalente na nova
reestruturação do trabalho. (PINTO, 2013)
Dessa forma, observa-se as evidências, a partir do trabalho, de novas políticas
sociais. O país e o mundo, inicia, nesse período de reestruturação do trabalho, novas
maneiras de operar, de manuseio de ferramentas, e consequentemente, uma nova cultura
ideológica começa ser inserida na sociedade.

NEOLIBERALIZAÇÃO E POLÍTICAS DE VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL


DOS ANOS 2000.

O Brasil, nos anos 1980 e 1990, assim como outros países periféricos da América
Latina, sofreram com a herança da neoliberalização iniciada nos países de capitalismo
avançado. A renegociação da dívida externa com os setores financeiros acarretou o
desenvolvimento de um novo projeto social, o qual visou estratégias para o fortalecimento
da nova reestruturação do trabalho, do livre comércio e o livre mercado, das privatizações,
entre outras características desse regime de governo.
Segundo Leher (1999a) a partir dos anos de 1980 a crise de endividamento dos | 692

países periféricos gerou a imposição do BM e FMI com programas de estabilização e


ajuste da economia Latino-Americana, e especificamente na economia brasileira. A
condição de renegociação da dívida externa abriu as portas para esses organismos para a
realização de um ajuste estrutural. Nesse contexto está inserido a reforma do Estado e o
controle econômico, cultural e político dos países credores, em especial o Brasil.
No Brasil, a política neoliberal se consolidou nos anos de 1990, e foi
consubstanciada pelos governos do Fernando Collor de Mello (1990-1992), Itamar
Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), e ainda, pelas vastas

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legislaturas conservadoras do Congresso Nacional. No âmbito da educação escolar, quer
na educação básica ou ensino superior, esse tipo de organização política tinha como
objetivo fundamental contribuir para o aumento da produtividade e da competitividade
empresariais. Dessa forma, cabia a escola brasileira desenvolver competências para
executar tarefas simples e complexas da produção, garantindo a reprodução ampliada do
grande capital. (NEVES, 2002)
De acordo com Torres (1996), a qualidade do ensino para o BM depende da
presença de alguns fatores determinantes de um processo mais efetivo de aprendizagem.
Dentre esses fatores, o referido organismo bilateral prioriza três: o aumento do tempo de
instrução, a melhoria do livro didático e a capacitação em serviço dos docentes. Percebe-
se, então, de forma mais consistente, a composição das políticas educacionais e de
formação como prioridades de investimento, já que o retorno moral e econômico seria
certo.
Dessa forma, o Governo FHC, por exemplo, mesmo que na contramão dos direitos
e garantias estabelecidos na Constituição de 1988, desenvolveu um conjunto de reformas
implantadas na educação brasileira. Houve, nesse período, a redefinição dos currículos
por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o incremento do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Exame Nacional de Cursos, além do Fundo
de Manutenção de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (FUNDEF). Diante da imensa reconfiguração das políticas da educação, a
legislação também sofreu uma significativa expressão mediante a maior Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/1996. (OLIVEIRA, 2011)
Na mesma condição estrutural e em continuidade ao projeto neoliberal, porém,
| 693
com algumas diferenças, o Governo do Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), apesar de
apresentar promessas de um governo de oposição, de fazer parte do Partido dos
Trabalhadores (PT), e ter sido um líder sindical, o seu primeiro mandato foi marcado mais
por permanência do que por mudanças em relação ao governo que antecedeu.
No entanto, devido às medidas restritivas ao crescimento econômico ocorridas a
partir das políticas neoliberais instituídas nos anos de 1990, que ocasionaram uma
profunda desnacionalização do parque industrial, privatizações, redução de investimentos
e serviços públicos, o Partido dos Trabalhadores (PT) elaborou um Programa de Governo,

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mediante uma coalisão de forças que tinha como propósito reverter o desenvolvimento
econômico do capitalismo brasileiro, porém, sem renunciar ao projeto neoliberal. Esse
nova estratégia de governo ficou conhecida entre as discussões acadêmicas como
neodesenvolvimentismo. (LAMOSO, 2012)
As possibilidades de consolidação desse novo projeto de desenvolvimento
econômico do PT só se estabeleceu no segundo mandato do governo Lula (2007-2010).
Desse modo, considera-se que o seu primeiro mandato, entre 2003 a 2006, foi marcado
por raras mudanças, com políticas pouco criativas e mais afastadas do espectro político
proposto pela esquerda. Somente em meados de 2006 iniciou-se uma prática com maior
intervenção do Estado nas decisões produtivas, econômicas, educacionais e sociais.
(Ibdem, 2012)
Oliveira (2011) ao realizar uma discussão sobre a educação brasileira, considera
os primeiros anos do governo Lula marcado muito mais por permanências do que por
mudanças em relação ao governo que antecedeu. Dessa forma, a autora indica seu
governo caracterizado por promoções de políticas assistenciais e compensatórias, a partir
de programas sociais focalizados para as camadas mais pobres, e sem proporcionar
condições de ampliação de políticas e ações de interesses universais previstos pela
Constituição de 1988. Os programas Bolsa Família (2004)144, Programa Nacional de
Inclusão de jovens (PROJOVEM) (2006)145 e o Programa Universidade para Todos
(Prouni) (PROUNI) (2004)146, são exemplos das implementações efetivadas em seu
governo, com escassas intenções regulares e permanentes com direção à toda população.
No âmbito da valorização do ensino básico, ainda com o mesmo caráter
fragmentado no setor administrativo do governo anterior, Lula manteve a qualificação
| 694
dos futuros trabalhadores por meio da escolarização, assim como previsto pelos setores

144
O Bolsa Família prevê o combate à fome, à emancipação sustentada das famílias que vivem em
situação de pobreza e extrema pobreza e o combate à pobreza como objetivos principais. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/acoes-e-programas> Acesso em: 10/10/2015.
145
O Programa tem como objetivo contribuir especificamente para a re-inserção do jovem nas atividades
escolares, a identificação de oportunidades de trabalho e sua qualificação inicial para o exercício
profissional. <http://portal.mec.gov.br/acoes-e-programas> Acesso em: 10/10/2015.
146
É um programa que prevê o oferecimento de bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em
instituições privadas de educação superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação
específica, a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior. <http://portal.mec.gov.br/acoes-e-
programas> Acesso em: 10/10/2015.

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financeiros. Nesse contexto, os parâmetros, leis e diretrizes definidas para uma formação
padrão, aos moldes do capital, foram premissas fundamentais para seu governo.
A partir das estratégias neodesenvolvimentistas, novas propostas e ações no
segundo mandato de Lula foram implementadas. Sendo assim, instituiu Planos e
Programas com intenções de aprimorar o avanço do ensino básico. Para tanto, como
iniciativa, apresentou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), e a implantação
do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), ambos em 2007, como novas
propostas para o desenvolvimento e avaliação. (OLIVEIRA, 2011)
A formação docente foi outro mecanismo de investimento do governo para
qualificar o ensino básico e fornecer condições de atingir uma massa de profissionais
competentes técnica e moralmente, para assim, obter um custo-benefício positivo para o
sistema econômico. Sendo assim, com maior intervenção estatal, esse setor também foi
atingido por políticas de incentivo em suas diferentes condições, seja na formação inicial
ou continuada.

Sendo assim, evidencia-se a implementação de vários programas de formação no


período do governo Lula, com vistas tanto ao desenvolvimento do ensino básico como do
ensino superior, ou ainda, à parceria entre os dois. Os programas implementados foram:
Alfabetização e formação continuada (2003); o Programa de Educação Tutorial (PET)
(2005); Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) (2007); o
Programa de Apoio a Extensão Universitária (Proext) (2007); Ensino profissional e
tecnológico (2008); o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (2012) o Pacto
Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (2013); os Programas de Formação
Continuada para Professores147; a Tecnologia a Serviço da Educação Básica148. | 695
149
(BRASIL , __)
De acordo com essa conjuntura de ampliação e incentivos de Programas para o
desenvolvimento da educação que o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à

147
e-Proinfo (2001); Gestar II (2004); Rede Nacional de Formação Continuada de Professores (2004);
Proinfantil (2006); Pró-letramento (2006); Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica – Parfor (2009); Formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (2012).
(BRASIL, __)
148
TV Escola (1995); Portal do professor; Salto para o futuro; Banco Internacional de Objetos
Educacionais (BIOE); Domínio Público; Guia de Tecnologias (2009). (BRASIL__)
149
Disponivel em <http://portal.mec.gov.br/acoes-e-programas> Acesso em: 10/10/2015.

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Docência (PIBID) (2007) se originou. E aí, surge a indagação? Conforme seus objetivos
e histórico, a que interesses o PIBID pretende atender? Valorização da formação
profissional ou valorização do desenvolvimento do capital?

PIBID NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL

O contexto político neoliberal, consolidado no Brasil após os anos de 1990,


priorizou a qualificação da educação básica, com proposito de formação técnica e
ideológica para a nova forma de trabalho que se organizava no país e no mundo. Sendo
assim, com uma dose a mais de intervenção estatal, o fomento à implementação de vários
programas de formação, os quais apresentam suas singularidades em suas gêneses, foi
uma das características significativas apresentadas nos anos 2000, principalmente no
segundo mandato do governo Lula.
Para realizar uma reflexão sobre os interesses políticos e econômicos no
desenvolvimento da implementação de tais programas de formação de professores, foi
escolhido como objeto do presente trabalho, o PIBID. Em consideração a sua
singularidade, que se refere à formação inicial, foi realizada uma análise dos objetivos e
histórico do Programa, a partir do estudo do Relatório de Gestão (2013), disponível no
site oficial. Para tanto, será mediada uma discussão com intenções de identificar as
tensões e contribuições no processo de qualificação do ensino básico.
Sendo assim, cabe lembrar que o PIBID foi disposto no âmbito do Ministério da
Educação (MEC) e pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior | 696
(CAPES) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a partir da
Portaria normativa n. 38, de 12 de dezembro de 2007, e regulamentado pelo Decreto n.
7219 de 24 de junho de 2010. Teve como finalidade fomentar a iniciação à docência e
contribuir para o aperfeiçoamento de formação de docentes em nível superior, além da
expectativa de melhoria da qualidade da Educação Básica (BRASIL, 2010ª).
Seus objetivos são: constituir-se como elemento integrador entre o Ensino
Superior e o Ensino Básico; inserir os licenciandos no cotidiano das escolas da rede
pública de educação, para assim, proporcionar-lhes oportunidades de participação e

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criação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter
inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no
processo de ensino-aprendizagem; incentivar as escolas públicas de educação básica
mobilizando seus professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as
protagonistas no processo de formação inicial para o magistério; contribuir para a melhor
articulação entre teoria e prática, elevando a qualidade de ações acadêmicas nos cursos
de licenciaturas. (BRASIL, 2010ª, artigo 3º, incisos IV, V e VI)
Sendo assim, observa-se que os objetivos do Programa abarcam questões
compatíveis às necessidade de reestruturação do trabalho. Tal afirmação está pautada nas
expressões “participação e criação em experiências metodológicas, tecnológicas e
práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar”, e “incentivar as escolas públicas
de educação básica mobilizando seus professores como coformadores dos futuros
docentes”. Desse modo, é previsto que a formação inicial, agregada de competências
polivalentes, como a criatividade, inovação, interdisciplinaridade e tecnologia se
aproximam das competências dos trabalhadores exigidas pelas empresas.
Sobre isso, Antunes (2002), esclarece que com a instauração de uma nova forma
de organização industrial e de relacionamento entre o capital e o trabalho, o toyotismo e
suas consequências estruturais exigiram um trabalhador mais qualificado, participativo,
multifuncional, polivalente, dotado de uma “maior realização no espaço do trabalho”.
E, em relação ao incentivo à escola pública, Torres (1996) e Neves e Fernandes
(2002), destacam que a qualificação do ensino básico foi estratégia dos setores financeiros
que acordaram o desenvolvimento da política neoliberal, a partir do financiamento ao
avanço do ensino, e da regulação das políticas sociais, entre elas as políticas educacionais.
| 697
No entanto, sob o objetivo que presume “articulação entre teoria e prática,
elevando a qualidade de ações acadêmicas nos cursos de licenciaturas” é possível
identificar outras possibilidades, como por exemplo a oportunidade de articulações
contra-hegemônicas. Mesmo que os parâmetros e diretrizes curriculares apresentam um
engessamento do padrão hegemônico, as possibilidades de diálogos e reflexões na
abertura de ações acadêmicas podem fomentar propostas de um novo projeto social para
educação.

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Sobre isso, Gramsci (1999) destaca que as articulações entre as prestigiadas
elaborações teóricas, a formação do novo intelectual e a construção do senso comum são
uma tarefa política, mais especificamente uma tarefa da “repolitização da política”. Desse
modo, os conhecimentos científicos ordenados politicamente podem tornar referência
para o ordenamento da conduta moral de base da sociabilidade dominante.
Apesar do documento oficial do Programa não apresentar como objetivo do PIBID
o caráter econômico estabelecido diante das concessões das bolsas150, é possível verificar
uma relação de rendimento, principalmente dos bolsistas acadêmicos, pois acabam por
perder sua renda com o início da vida acadêmica. Diante disso, a expectativa de adquirir
bolsa na condição de estudante pode ser determinante para o ingresso do aluno no
Programa.
A respeito desse assunto, Sposito e Corrochano (2005) desvelam um caráter
assistencialista no processo de concessão de bolsa do Governo Federal. Para os autores,
as transferências de renda, conduzida pelas normas dos programas de formação de
professores, assim como a proposta do Bolsa Família, configuram um potencial
assistencialista, numa dimensão de resignação e dependência.
Na mesma perspectiva, Matheus (2011) denomina esse procedimento de bolsas
destinadas, especificamente ao PIBID, como “uma forma compensatória frente à novas
demandas que são colocadas”. Formas essas que Freitas (2007, p. 1209) esclarece ser
“alterações radicais às concepções do trabalho docente”, tanto no ensino básico como
superior.
Sobre o histórico da implementação do PIBID, é verificado, inicialmente, os
editais do PIBID abertos de maneira gradativa. Sendo assim, em dezembro de 2007 o
| 698
Edital MEC/CAPES/FNDE nº 01/2007 contemplou apenas as instituições federais de

150
Iniciação à docência – para estudantes de licenciatura.Valor: R$ 400,00 (quatrocentos reais).
Supervisão – para professores de escola pública da educação básica. Valor: 765,00 (setecentos e
sessenta e cinco reais).
Coordenação de área – para professores da licenciatura que coordenam subprojetos. Valor: 1.400,00
(um mil e quatrocentos reais).
Coordenação de área de gestão de processos educacionais – para o professor da licenciatura que auxilia
na gestão do projeto na IES. Valor: R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais).
Coordenação institucional – para o professor da licenciatura que coordena o projeto Pibid na IES.
Valor: R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais). (BRASIL, 2013)

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ensino superior (IES) e algumas licenciaturas, por identificarem a carência de professores
nessas disciplinas. São elas: Física, Química, Biologia e Matemática. (BRASIL,2013151)

Em relação a prioridade das disciplinas, observa-se que, o cenário dos anos de


1990 demonstrava protagonismo e preocupação sobre o pouco acesso aos conhecimentos
de raciocínio abstrato, interação em grupo na intenção de dar suporte aos conhecimentos
recentes desenvolvidos no campo tecnológico. Desse modo, as disciplinas que não
possibilitavam conformidade às características determinadas, teve como consequência
posição descartável no currículo. (SILVA ,1997)
Desse modo, verifica-se a iniciativa do PIBID, em 2007, em abrir seu primeiro
edital somente para as licenciaturas de Matemática, Física, Química e Biologia. Porém, o
sucesso indicado pelos relatórios de gestão, diante dos objetivos propostos, resultou na
ampliação do programa até o presente momento histórico. Segue abaixo o histórico dos
editais e da expansão de bolsas. (BRASIL,2013152)
Histórico de editais:
 Edital MEC/CAPES/FNDE nº 01/2007 - para instituições federais de ensino superior -
IFES;
 Edital CAPES nº 02/2009 - para instituições federais e estaduais de ensino superior;
 Edital CAPES nº 18/2010 para instituições públicas municipais e comunitárias,
confessionais e filantrópicas sem fins lucrativos;
 Edital Conjunto nº 2/2010 CAPES/Secad - para instituições que trabalham nos programas
de formação de professores Prolind e Procampo.
 Edital nº1/2011, para instituições públicas em geral - IPES.
 Edital nº 11/2012 CAPES, de 20 de março de 2012: para instituições de Ensino Superior | 699

que já possuem o Pibid e desejam sua ampliação e para IES novas que queiram
implementar o Pibid em sua instituição.
 Edital nº 61/2013 CAPES, de 02 de agosto de 2013: para instituições públicas
comunitárias e privadas com bolsistas do ProUni;

151
Disponível em: http://www.capes.gov.br/images/stories/download/bolsas/1892014-relatorio-
PIBID.pdf. Acesso em: 15/10/2015.
152
Disponível em: http://www.capes.gov.br/images/stories/download/bolsas/1892014-relatorio-
PIBID.pdf. Acesso em: 15/10/2015.

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 Edital nº 66/2013 CAPES, de 06 de setembro de 2013: Pibid-Diversidade.
(BRASIL,2013153)
Como exemplo da expansão de bolsas do Programa, segue a tabela abaixo:
1.PIBID Nacional: Bolsas Concedidas
Editais 2007 2009 2010 2011 2012 2013 Total/2014
Nº Bolsas 3.088 10.606 3.020 13.292 22.403 37.845 90.254

Fonte: Relatório de Gestão (2009-2013) e Número de IES e projetos participantes em 2014 –


CAPES/PIBID Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/ Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência.

Um primeiro apontamento observado, mediante o histórico dos editais refere-se


ao caráter apresentado referente ao desenvolvimento que o governo estabeleceu em
relação aos interesses do capital internacional. A respeito disso Neves, Fernandes (2002)
esclarecem a tendência privatista das empresas estatais, e de prestação de serviços e de
organização social das empresas privadas no governo neoliberal. Que, no âmbito da
educação, essas políticas, por meio de programas de educação profissional focalizados,
com execução para além do foco neoliberal, atribui determinados parceiros, ora para
prestação de serviços educacionais, ora em organizações sociais, representadas, na maior
parte, pelas escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas.
Diante disso, verifica-se que, apesar do número de bolsas que beneficiam os
estudantes participantes do Programa ser um avanço significativo em um curto período,
os editais do PIBID indicam, em contrapartida, uma considerável ampliação com
determinadas características de enfoque liberal. Em 2010, por exemplo, sua
implementação inicia-se em instituições municipais e comunitárias, confessionais e
filantrópicas sem fins lucrativos. E, em 2013, o Programa é ampliado para instituições | 700

privadas.
Desse modo, tais informações reforçam o caráter da implementação do PIBID
como produto de um contexto que almeja a formação para uma nova organização do
trabalho, e que, a partir da dependência e subordinação de setores financeiro que detém a
hegemonia política, determinam “todo andar da carruagem”. No entanto, na mesma
medida em que o Programa demonstra esse caráter dependente e conservador, também

153
Disponível em: http://www.capes.gov.br/images/stories/download/bolsas/1892014-relatorio-
PIBID.pdf. Acesso em: 15/10/2015.

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demonstra suas possibilidades de transformação. Por ser desenvolvido por intelectuais
profissionais, tanto do ensino básico, como do ensino superior, apresenta sob reflexão em
Gramsci (2002) “ambiente propício para disputas de projeto de sociedade e de
sociabilidade.
De acordo com Martins (1996), assim como o professor desfruta de um papel
estratégico na consolidação da hegemonia burguesa nas formações sociais capitalistas,
também possui um peso substancial na elaboração de projetos contra-hegemônicos em
especial nas formações sociais capitalistas dependentes.
Por isso, evidencia-se que o PIBID, em sua formação, em seus objetivos e
histórico, demonstra atender aos interesses voltados para a lógica da nova reestruturação
do trabalho tecnológico, e por conseguinte, às perspectivas da neoliberalização. Porém, o
seu recurso central, que se trata do intelectual professor, lhe fornece possibilidades de
disputas contra-hegemônicas na construção de um novo projeto social e de uma nova
moral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que, o novo tipo de trabalho organizado no modo de produção


capitalista no final do séc. XX, determinou algumas reformas políticas no contexto
mundial. No Brasil, país financeiramente dependente e subordinado ao ditames
econômicos, é observado um importante investimento e financiamento na qualidade do
ensino básico como proposta de qualificação profissional.
As políticas de formação de professores foi umas das propostas previstas nesse
processo de qualificação do ensino básico, e que contemplou a criação de uma proporção
significativa de programas nesse campo, entre eles, o PIBID. Cada um com sua | 701

singularidade na condição de formação, o PIBID caracterizou-se pelo orientação em


formação inicial.
Diante do contexto de sua gênese, é possível considerar alguns apontamentos entre
a organização produtiva e a implementação do Programa. A partir dos seus objetivos e
histórico, identifica-se contribuições para qualificação do ensino básico, referente ao
incentivo de capacitação de competências para o trabalho. Exemplo disso, é o objetivo
que prevê a participação e criação dos licenciandos em experiências metodológicas,
tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar.

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Da mesma forma, são evidenciadas possibilidades de disputa de um novo projeto
social contra-hegemônico, por meio de particularidades definidas em seus objetivos.
Como referência, observa-se a atuação do professor como intelectual orgânico, e a
articulação entre teoria e prática na elevação de ações acadêmicas.
Desse modo, percebe-se que a implementação do Programa indica uma formação
inicial marcada pelas necessidades da reestruturação do trabalho e pela influência das
políticas neoliberais. Porém, as suas ações internas previstas nos objetivos, podem
permitir o movimento de uma nova lógica social, uma vez que seu instrumento
fundamental é o professor intelectual.

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| 704

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TRABALHO PEDAGÓGICO E O USO DAS TECNOLOGIAS
NA EDUCAÇÃO: ANALISANDO O ESTADO DA ARTE NO
WIE 2015
Edilma Machado de Lima (UERGS)
edilmalima@gmail.com

Resumo: Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa bibliográfica que teve como
objetivo verificar, nas produções acadêmicas, o estado da arte sobre o trabalho
pedagógico e o uso das tecnologias na educação. Para tanto, foram identificados,
categorizados e analisados os trabalhos publicados nos Anais do Workshop de
Informática na Escola (WIE 2015), evento anual que integra pesquisadores da Informática
na Educação e professores das escolas, desde 1995. Como instrumento metodológico
adotamos a análise de conteúdo, buscando identificar, a partir das categorias escolhidas,
as mais citadas. Os resultados apontaram que dentre o universo de cento e cinquenta e
sete trabalhos submetidos ao WIE 2015, apenas oito abordavam a formação de
professores e o uso das tecnologias; e que diretamente ligado ao tema do trabalho, nenhum
artigo foi encontrado.

Palavras-chave: Trabalho Pedagógico. Formação de Professores. Estado da Arte.

INTRODUÇÃO
Segundo Teruya e Moraes (2009, p. 303) “A utilização de computadores na
educação brasileira já era pensada na década de 1970” e se intensificou nas décadas de
80 e 90, a fim de atender a demanda da sociedade tecnológica digital globalizada.
O processo de informatização das escolas teve início com a criação do Programa
Nacional de Informática na Educação - PROINFO com o objetivo de “promover o uso
pedagógico das tecnologias de informação e comunicação nas redes públicas de educação
básica” (BRASIL, 1997). Com a publicação do Decreto 6.300, de 12 de dezembro de
| 705
2007 ― instituindo os objetivos do PROINFO ― ficou estabelecido, em seu Artigo 4º,
parágrafo II, um regime de colaboração entre a União e os Estados, Distrito Federal e
municípios, mediante adesão, sendo responsabilidades destes “viabilizar e incentivar a
capacitação de professores e outros agentes educacionais para utilização pedagógica das
tecnologias da informação e comunicação” (BRASIL, 2007).
Mobilizaram-se, então, esses entes federados para dar cumprimento ao que
norteava a Lei e logo os recursos tecnológicos e seu uso na educação passaram a ser alvo
de estudos e pesquisas por parte das universidades, visando, entre outros objetivos,
adaptar o currículo de formação inicial e continuada no sentido de proporcionar aos

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graduandos e professores em exercício a aquisição das habilidades e competências
básicas necessárias à fluência tecnológico-pedagógica (MALLMANN, SCHNEIDER E
MAZZARDO, 2013) que passou a ser exigida. Estes estudos e pesquisas geraram
dissertações e teses, defendidas em programas de pós-graduação; produzindo, também,
artigos publicados em periódicos, seminários e congressos na área de Educação e é sobre
esse material que nos debruçamos a fim de verificar o nível em que se encontram as
investigações acadêmicas sobre o trabalho pedagógico e o uso das tecnologias na
educação.
Na área alvo deste artigo ocorreram, no ano de 2015, o IV Congresso Brasileiro
de Informática na Educação (CBIE); a X Conferência Latino-Americana de Objetos e
Tecnologias de Aprendizagem (LACLO); o XXVI Simpósio Brasileiro de Informática na
Educação (SBIE); o XXI Workshop de Informática na Escola (WEI 2015); o Concurso
de TCC, Dissertações e Teses do IV Congresso Brasileiro de Informática na Educação
(CBIE 2015); a Jornada de Atualização em Informática na Educação (JAIE); o Painel de
Políticas e Diretrizes em Informática na Educação (PPDIE); o X Latin American
Community on Learning Objects (LACLO).
Dentre esses diversos eventos realizados no corrente ano e disponíveis em meio
eletrônico, elegemos mapear as publicações apresentadas no XXI Workshop de
Informática na Escola (WEI 2015).
Organizamos o trabalho apresentando inicialmente um aporte teórico sobre o
trabalho pedagógico ligado ao uso das tecnologias na educação e o estado da arte ―
enquanto uma metodologia de caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica
e científica sobre o tema que busca investigar (FERREIRA, 2002). Após, apresentamos
| 706
e analisamos os artigos publicados no Workshop e, por fim, tecemos algumas
considerações.

REFERENCIAL TEÓRICO
Em nenhum outro momento da história as tecnologias trouxeram modificações tão
diversas e tão rapidamente como nos dias atuais. O impacto dessa revolução tecnológica
na sociedade contemporânea globalizada vem causando profundas alterações nas relações
sociais e no modo de produção capitalista. Essas transformações interferiram nas mais

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diversas instituições, as quais tiveram que se adaptar a este novo mundo digital e,
consequentemente, proporcionar aos seus elementos a apropriação de habilidades
inerentes à integração dessas novas tecnologias.
Dentre as instituições sociais, os estabelecimentos de ensino enfrentam o enorme
desafio de se adaptar velozmente aos tempos atuais, segundo Belloni, as “[...] mudanças
sociais ocorrem em ritmo acelerado, sendo especialmente visíveis no espantoso avanço
das tecnologias de informação e comunicação (TIC), e provocando, senão mudanças
profundas, pelo menos desequilíbrios estruturais no campo da educação” (BELLONI,
2012, p. 1).
As exigências quanto à empregabilidade, nesta fase do capitalismo, demandam
novos métodos de ensino-aprendizagem, trazendo para o trabalho dos educadores a
necessidade de adaptação a processos de formação que acompanhem as necessidades de
uma sociedade em transformação, pois

[...] as transformações científicas e tecnológicas, que ocorrem de forma


acelerada, exigem das pessoas novas aprendizagens, não somente no período
de formação, mas ao longo da vida. Há também a questão da necessidade de
aprendizagens ampliadas – além das novas formas de aprendizagem. [...] Com
relação ao mundo do trabalho, sabe-se que um dos fatores de produção
decisivos passa a ser o conhecimento e o controle do meio técnico-científico-
informacional, reorganizando o poder advindo da posse do capital, da terra ou
da mão-de-obra (BRASIL, 2001).

Esses novos conhecimentos e habilidades, além de atenderem aos imperativos do


mercado de trabalho, abrem a possibilidade de oferecer uma educação mais justa e
igualitária “a todos e não a uma minoria privilegiada” (LIBÂNEO, 2003, p. 24). A
aquisição desses novos saberes ― alfabetização digital ― se presta como uma forma de | 707
se minimizar a desigualdade e a exclusão sociodigital em nossa sociedade. Certamente
que,

[...] não é o acesso à tecnologia que promoverá a inclusão, mas sim, a forma
como essa tecnologia vai atender às necessidades da sociedade e comunidades
locais, com uma apropriação crítica, pois o papel mais importante do processo
de inclusão digital deve ser a sua utilidade social. É preciso pensar na
contribuição para um desenvolvimento contínuo e sustentável, com a melhoria
da qualidade do padrão de vida da população, através da redução das
desigualdades sociais e econômicas (SCHWARZELMÜLLER, 2005).

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A escola, enquanto instituição social, tem o dever de oferecer acesso às
tecnologias inclusive, porque, para muitas pessoas, será somente nesse espaço que terão
a possibilidade de dispor de computadores e Internet. Logo, a escola “tem um papel que
nenhuma outra instância cumpre” (LIBÂNEO, 2003, p. 26), sendo o professor peça
fundamental para instaurar “[...] um processo de relações cujo horizonte histórico seja a
equalização no plano do conjunto de condições necessárias à emancipação humana”
(FRIGOTTO, 1995, p. 37). Libâneo lembra ainda que “sua presença torna-se
indispensável para a criação das condições cognitivas e afetivas que ajudarão o aluno a
atribuir significados às mensagens e informações recebidas das mídias, das multimídias
e formas variadas de intervenção educativa urbana” (2003, p. 27-28).
Entendemos que a apropriação das tecnologias pelos professores para o uso na
educação é de extrema importância, pois devido ao aumento exponencial de
conhecimentos e informações aliado à velocidade de sua propagação através das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) necessário se faz que o professor,
enquanto educador, tenha conhecimento sobre esses aparatos para repassá-lo a seus
educandos, a fim de que esses tenham condições de assumir uma posição crítica,
selecionando e filtrando as informações. Pois, como traz Dantas,

Sociedades que não desenvolvem tecnologias de informação com todas as


relações e agenciamentos sociais nelas envolvidos, tendem não somente a ser
subinformadas em relação aos países capitalistas centrais, como também a
erigir, dentro de suas fronteiras, divisões ainda mais fundas entre suas minorias
um tanto ricamente informadas e suas grandes maiorias pobremente
informadas. Aquelas minorias, de algum modo buscarão ser parte da
“sociedade da informação” global [...] Quanto às maiorias, não lhes restará
muito mais do que uma violenta e abjeta exclusão social (2002. p. 198).
| 708
A constatação de que as mudanças mais recentes na organização escolar apontam
para uma maior flexibilidade, tanto nas estruturas curriculares quanto nos processos de
avaliação, corrobora a ideia de que estamos diante de novos padrões de organização do
trabalho pedagógico, exigentes de novo perfil dos trabalhadores docentes. Porém, cabe
salientar que esse trabalho pedagógico não deve ser no sentido de “transformar os sujeitos
[...] em objetos, ao reduzir a produção do conhecimento escolar em produção da
mercadoria força de trabalho [...] tampouco como um conhecimento visando a

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‘empregabilidade como princípio’” (FRIZZO, RIBAS, FERREIRA, 2013, p. 558). Ainda,
é importante destacar que

[...] trabalho é ação humana voltada à produção das condições materiais de


existência, além de ser também possibilidade de produção da historicidade e
da sociabilidade humana. Pedagógico, então, é a característica que esse
trabalho assume, no caso, escola capitalista, e que o modula (FRIZZO, RIBAS
E FERREIRA, 2013, p. 563).

É necessário, portanto, pensar em um “processo formativo abrangendo a


totalidade do ser humano, nas suas dimensões física, afetiva, cognitiva, não se reduzindo
à dimensão econômica” (LIBÂNEO, 2003, p. 21).
Após análise e apresentação dos autores que embasam nossa perspectiva quanto
ao tema trabalho pedagógico ligado ao uso das tecnologias na educação, abordaremos,
resumidamente, o estado da arte que, de acordo com Messina,

[...] es un mapa que nos permite continuar caminando; un estado del arte es
también una posibilidad de hilvanar discursos que en una primera mirada se
presentan como discontinuos o contradictorios. En un estado del arte está
presente la posibilidad de contribuir a la teoría y a la práctica de algo (1999, p.
145)154.

Como em qualquer trabalho acadêmico, a organização e análise dos materiais


selecionados para compor o estado da arte devem atender ao rigor científico. Para tal, se
faz necessário adotar certos procedimentos que, segundo elencam as autoras Romanowski
e Ens (2006, p. 43), são:
● definição dos descritores para direcionar as buscas a serem realizadas;
● localização dos bancos de pesquisas, teses e dissertações, catálogos e
| 709
acervos de bibliotecas, biblioteca eletrônica que possam proporcionar
acesso a coleções de periódicos, assim como aos textos completos dos
artigos;
● estabelecimento de critérios para a seleção do material que compõe o
corpus do estado da arte;
● levantamento de teses e dissertações catalogadas;
● coleta do material de pesquisa, selecionado junto às bibliotecas de sistema
COMUT ou disponibilizados eletronicamente;

154
[...] é um mapa que nos permite continuar caminhando; um estado da arte é também uma possibilidade de tecer discursos que à
primeira vista se apresentam como descontínuos ou contraditórios. Em um estado da arte está presente a possibilidade de
contribuir para a teoria e prática de algo. (Tradução nossa).

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● leitura das publicações com elaboração de síntese preliminar,
considerando o tema, os objetivos, as problemáticas, metodologias,
conclusões, e a relação entre o pesquisador e a área;
● organização do relatório do estudo compondo a sistematização das
sínteses, identificando as tendências dos temas abordados e as relações
indicadas nas teses e dissertações;
● análise e elaboração das conclusões preliminares.

Neste trabalho utilizamos alguns desses procedimentos visto que se trata de um


recorte sobre o tema abordado e, neste contexto, cabe destacar ainda a importância da
Internet e as ferramentas disponíveis na Web 2.0, facilitando o acesso e a pesquisa nos
repositórios, nos quais “Existem hoje centenas de ferramentas para busca de informações
nas cerca de um bilhão de páginas HTML que se estimam existir na Web” (CENDÓN,
2001, p. 39).
Antes de passar à metodologia utilizada em nosso trabalho, reiteramos a
relevância do tema deste artigo lembrando Moran (2006, p. 36), que nos diz que

A educação escolar precisa compreender e incorporar mais as novas


linguagens, desvendar os seus códigos, dominar as possibilidades de expressão
e as possíveis manipulações. É importante educar para usos democráticos, mais
progressistas e participativos das tecnologias, que facilitem a evolução dos
indivíduos.

DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO
Adotamos para o tratamento dos dados, a análise de conteúdo baseado em Moraes,
que destaca, “A análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para
descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos (1999, p. 8). A
análise foi realizada através de uma revisão bibliográfica com o objetivo de destacar o | 710
Trabalho Pedagógico e o Uso das Tecnologias na Educação.
Seguindo os procedimentos anteriormente’ elencados ― importantes para a
organização do processo de filtro, seleção e análise ― iniciamos a seleção dos artigos
observando os títulos e as palavras-chaves dos trabalhos publicados que tratassem de:
formação de professores para o uso das tecnologias, trabalho pedagógico, uso de
tecnologias na educação, docência, uso das TICs na educação. Em um segundo momento
realizamos a leitura dos resumos para identificar, nesse item do trabalho, algo relacionado
as categorias que elencamos como critério. O banco de dados foi o site dos anais do

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referido evento e a leitura e análise foram apenas dos resumos dos artigos publicados. As
fases acima são denominadas por Bardin (2009) de pré-analise, exploração do material e
tratamento dos resultados.
No sentido de mapear o que está sendo produzido em termos de publicação de
artigos fizemos um levantamento desse tipo de material nos anais do XXI Workshop de
Informática na Escola (WIE 2015).
Segundo o CBIE & LACLO,

O Workshop de Informática na Escola (WIE) é promovido anualmente pela


Comissão Especial de Informática na Educação (CEIE), tendo como principal
objetivo a divulgação de iniciativas nacionais de aplicação das Tecnologias da
Informação e da Comunicação nas Escolas. Os trabalhos selecionados para
publicação e apresentação no evento possuem um caráter aplicado, como
transferência de resultados de pesquisa para a escola ou o relato sistematizado
de experiências, envolvendo o uso de tecnologia no espaço escolar (2015).

No evento deste ano (2015), o WIE recebeu um total de 157 submissões das quais
foram selecionados e publicados 67 (sessenta e sete) artigos, distribuídos entre três
subtemas: Relatos de Experiência de uso de Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (TDIC) na Educação; Formação de Recursos Humanos para o Uso das
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) na Educação e Impactos das
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) na sociedade.
Esse evento acontece anualmente sob a organização da Comissão Especial de
Informática na educação e tem como objetivo divulgar iniciativas nacionais e
internacionais de aplicação das Tecnologias da Informação e da Comunicação nas
Escolas.
| 711

ANALISANDO OS ARTIGOS SELECIONADOS


Após a análise do título, leitura das palavras-chaves e do resumo identificamos,
dentre esses artigos, oito que apresentavam os termos formação de professores para o uso
das tecnologias, trabalho pedagógico, uso de tecnologias na educação, docência, uso das
TICs na educação e políticas públicas. Os demais, que não atendiam os requisitos, foram
descartados. Na tabela abaixo elencamos os trabalhos selecionados para análise.

Tabela 1

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Trabalhos Selecionados
XXI Workshop de Informática na Escola (WIE 2015)

WIE 2015 – Trabalhos selecionados

Tecnologias Computacionais na Educação: Desafios na Prática Docente.

Análise do engajamento no contexto da formação de professores de Música utilizando


a Openredu.

Formação Inicial Docente em Questão: O PIBID na Licenciatura em Informática.

A integração entre Docência e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação na


Formação de Licenciandos.

Formação continuada de educadores e as tecnologias digitais da informação e da


comunicação em escolas de governo: conceitos e práticas do Estado de São Paulo.

Formação Continuada de Professores para as TIC: Análise a Partir dos Cursos


Ofertados pelo NTE-Natal.

Formação Inicial Docente para as TDIC: Análise a Partir do Curso de Pedagogia do


Campus Central da UFRN.

Concepções de Inclusão Digital na Formação Inicial de Educadores.


Fonte: Anais do WIE 2015 (http://www.br-ie.org/pub/index.php/wie/index)

Na tabela a seguir apresentamos a análise de conteúdo com as unidades: Formação


de professores, Uso das TICs na Educação, Trabalho pedagógico, Docência e Tecnologia
na Educação e Políticas Públicas e o número de vezes que ocorrem nos artigos
selecionados. | 712

Tabela 2
Categorias eleitas
Categorias Quantidade
Formação de professores 4
Uso das TICs na Educação 7
Trabalho pedagógico 0

VIII ENCONTRO BRASILEIRO DA RED ESTRADO


TRABALHO DOCENTE E PNE: desafios à valorização profissional
04, 05 e 06 de abril de 2016
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
Docência e tecnologia na educação 2
Políticas Públicas 1

Na análise realizada nos oito artigos publicados no XXI Workshop de Informática


na Escola (WIE) 2015 a categoria formação de professores aparece 4 vezes. Essa temática
é discutida nos artigos fazendo menção à sua importância para a atualização das práticas
pedagógicas dos professores, visto que as tecnologias já estão na escola, faltando, porém,
conhecimentos por parte dos docentes para aplicá-las no trabalho pedagógico. Ainda, em
um deles, as autoras apresentam os resultados de uma pesquisa doutoral onde analisaram
dados sobre a compreensão e a prática da inclusão digital na formação inicial de
educadores na modalidade a distância das Universidades Abertas do Brasil e de Portugal.
Os resultados desses trabalhos apontam que um dos maiores desafios para os
professores é a carência de recursos humanos com conhecimento pedagógico para lhes
dar suporte nos laboratórios de informática.
A categoria “Uso das TICs na educação” é a mais mencionada. Sobre esse tema e
seus resultados os autores destacam as dificuldades, por parte dos professores, de explorar
as potencialidades dos recursos disponíveis nas escolas, a falta de profissionais para a
gestão e manutenção dos laboratórios e de infraestrutura física e tecnológica dos
laboratórios. No que diz respeito as dificuldades dos professores, de acordo com Libâneo,

É difícil aos professores assumirem os requisitos profissionais e éticos da


profissão com os baixos salários, com a preparação profissional deficiente,
com a baixa autoestima que vai tomando conta de sua personalidade. Além
disso, estão ausentes programas de formação continuada em serviço e, quando
existem, são inadequados, não motivam os professores, não se traduzem em | 713
mudanças na sala de aula (2003, p. 90).

Trabalho pedagógico, como categoria, não foi mencionado em nenhum artigo.


Podemos inferir que sua ausência nos trabalhos analisados pode estar relacionada ao
desconhecimento de seu real significado que, segundo Ferreira,

[...] é a produção do conhecimento, mediante crenças e aportes teórico-


metodológicos escolhidos pelos sujeitos, que acontece em contextos sociais e
políticos os quais contribuem direta ou indiretamente. Diretamente, porque
perpassam o trabalho pedagógico. Indiretamente, quando não são explícitos,

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todavia, todo trabalho pedagógico é intencional, político e, de algum modo,
revela as relações de poderes que nele interferem (2010).

“Docência e tecnologia na educação” é citada duas vezes e de forma muito


semelhante à categoria “Formação de professores”. Os resultados dos trabalhos que
mencionam essa categoria apontam para indícios de engajamento discente e consequente
melhoria da qualidade do ensino quando os professores usam tecnologias. Almeida
destaca que,

O professor que associa as TIC aos métodos ativos de aprendizagem


desenvolve a habilidade técnica relacionada ao domínio da tecnologia e,
sobretudo, articula esse domínio com a prática pedagógica e com as teorias
educacionais que o auxiliem a refletir sobre a própria prática e a transformá-
la, visando explorar as potencialidades pedagógicas das TIC em relação à
aprendizagem e à consequente constituição de redes de conhecimentos (2008).

Na categoria “Política públicas”, que é referida em apenas um artigo, os autores


tratam sobre as políticas públicas nacionais de formação continuada de educadores,
analisando o caso de uma Escola de Formação com a conclusão de que os resultados
indicam convergência entre as práticas desta escola e as políticas públicas educacionais,
bem como a promoção da apropriação das tecnologias pelos educadores e a realização de
ações que privilegiam a formação no contexto.

CONSIDERAÇÕES
Após análise do Workshop de Informática na Escola (WIE), concluímos que
dentre os 157 trabalhos apresentados em 2015, apenas oito tratavam sobre temas
relacionados à formação de professores e o uso das tecnologias na educação. Com relação | 714
ao tema “Trabalho pedagógico” não identificamos nenhuma submissão. De uma forma
geral os trabalhos apontam que o uso das tecnologias para fins pedagógicos ainda não é
devidamente explorado e que se faz necessário mais investimentos, no âmbito das
políticas públicas, para a formação de professores. Sabemos que juntamente com a falta
de fluência tecnológico-pedagógica dos professores há outros problemas que perpassam
a educação e que refletem diretamente a pouca ou inexistente utilização desses recursos
de forma pedagógica.

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PEDAGOGICAL WORK AND THE USE OF EDUCATIONAL TECHNOLOGY:
ANALYZING THE STATE OF THE ART ON THE WIE 2015

ABSTRACT: This article presents the results of a literature review that aimed to verify,
in academic productions, state of the art on the pedagogical work and the use of
technology in education. To this end, have been identified, categorized and analyzed the
studies published in Proceedings of the Workshop de Informática na Escola (WIE 2015),
an annual event which includes researchers in Education and teachers of schools, since
1995. We adopted, as a methodological instrument, the content analysis in order to
identify, based on the chosen categories, the most cited. The results showed that among
the universe of a hundred and fifty-seven papers submitted to WIE 2015, only eight were
related to the training of teachers and the use of technologies; and directly linked to the
theme of this work, no product was found.

KEYWORD: Pedagogical work. Training of teachers. State of the Art.

REFERÊNCIAS
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18.07.2008. Disponível em: <http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/material/
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BRASIL. PORTARIA Nº 522, DE 9 DE ABRIL DE 1997. Criação do PROINFO pelo


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CBIE & LACLO. Anais do 21º Workshop de Informática na Escola (WIE 2015)

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| 717

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TRABALHO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR: O ETHOS
MERITOCRÁTICO DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS
Leonice Matilde Richter (UFU/Facip)
mrleonice@gmail.com
Maria Célia Borges (UFU/Facip)
mariacelia@ufu.br
Vânia Maria de Oliveira Vieira (Uniube)
vaninhaarquivos@gmail.com

Resumo: O debate acerca da Educação Superior no Brasil, no contexto da


internacionalização da educação e da avaliação externa, está diretamente relacionado às
reconfigurações das políticas públicas, especialmente, a partir da década de 1980,
submergida pela reestruturação do capitalismo e do papel do Estado. No presente artigo
apontamos como objetivo tecer reflexões acerca da inserção da avaliação da educação
superior na reestruturação da/na Educação Superior. Para tal propósito desenvolvemos
estudos bibliográficos e análise documental, especialmente, dos documentos oficiais
emanados pelo Ministério da Educação. Dentre as nossas ponderações, geradas pela
reflexão em torno da presente temática, destaca-se a compreensão de que a Educação
Superior, nas últimas décadas, passou a ser assumida por orientações internacionais e
nacionais como um serviço, o qual deve estar enquadrado à lógica do mercado e, como
tal, se mostra necessário sua avaliação a fim de tornar público a qualidade das instituições
e permitir a livre escolha dos “consumidores”. Gera, assim, um padrão de controle,
regulação, classificação e ranking que tem direcionado a gestão das instituições de Ensino
Superior afetando o trabalho acadêmico.
Palavras-chave: Educação Superior. Avaliação externa. Regulação.

A reflexão acerca da Educação Superior no Brasil, no contexto da


internacionalização da educação e da avaliação externa, está diretamente relacionada às
reconfigurações das políticas públicas, especialmente, a partir da década de 1980,
submergida pela reestruturação do capitalismo e do papel do Estado. Nesta trama de
| 718
relações aparecem os organismos internacionais, como a Organização Mundial do
Comercio (OMC), na qual fica evidente a reforma universitária pelo viés comercial e
passível de regulação por meio da avaliação externa. A Educação Superior passa a ser
assumida como um serviço que deve estar enquadrada à lógica do mercado e, como tal,
se mostra necessário sua avaliação a fim dos possíveis estudantes, agora definidos como
consumidores/clientes, terem parâmetros para escolher o que lhes atende, tanto em nível
nacional quanto internacional.

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O propósito do presente artigo é refletir sobre as políticas de avaliação em larga
escala e a reforma da educação superior, com o ensejo de compreender os seus impactos
sobre o trabalho do acadêmico. Para tanto, recorremos ao estudo bibliográfico e pesquisa
documental para a fundamentação de nossas discussões. Vale salientar que a discussão
acadêmica acerca deste nível de avaliação é recente no Brasil, apenas na década de 1980
aparecem artigos relacionados à Avaliação Institucional e Avaliação Sistêmica no Ensino
Superior (MOROSINI, 2004). Fato este que está relacionado à reação ainda tímida das
universidades em relação às diferentes propostas de avaliação na Educação Superior.
Dentre os fatores está a resistência ao próprio processo avaliativo que historicamente se
limitou à avaliação da aprendizagem realizada pelo professor. Como destaca Sordi &
Ludke (2009) os professores assumiram ao longo da história uma postura de avaliadores
e apontam resistência ao processo que direta ou indiretamente os avaliam, assim, poucas
instituições de ensino superior buscaram por sua iniciativa gerar um processo de
autoavaliação.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) foi criado pela
Lei nº. 10.861 em 2004 e, posteriormente, regulamentado pela Portaria Ministerial 2.051
de 9 de julho de 2004. Indicava a avaliação das instituições de ensino superior; avaliação
dos cursos e do desempenho acadêmico dos estudantes. Segundo apontamentos no site
do MEC a finalidade do Sinaes é utilizar as informações obtidas para a
[...] orientação da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e
social; pelos órgãos governamentais para orientar políticas públicas e
pelos estudantes, pais de alunos, instituições acadêmicas e público em
geral, para orientar suas decisões quanto à realidade dos cursos e das
instituições. (BRASIL/MEC/SINAES; acessado 01-07-2015)

Fica evidente a perspectiva do governo em apontar, por meio da avaliação | 719

sistêmica, o panorama de qualidade, tanto dos cursos quanto das instituições de Educação
Superior no Brasil, e, de forma indireta, do trabalho docente. O destaque desta avaliação
no país está relacionado à ideia de gerar uma forma de assegurar a qualidade da educação
oferecida. Essa preocupação é apontada pela própria Comissão Especial de Avaliação da
Educação Superior (CEA)155 no caderno dos Sinais lançado em setembro de 2003 e posto
em avaliação por diferentes segmentos da Educação Superior. Neste material se evidencia

155
A Comissão Especial de Avaliação da Educação Superior foi instalada pelo ministro da educação,
Cristovam Buarque, a qual foi presidida pelo professor José Dias Sobrinho (Unicamp).

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a premência da avaliação diante da expansão do Ensino Superior, inicialmente, pelo setor
privado e, posteriormente, pelo próprio setor público. Seria necessário avaliar para
garantir a expansão de qualidade.

Com o escopo de compreender as relações e configurações da avaliação da


Educação Superior propomos, ao longo do texto, trilhar o processo de implementação da
avaliação na realidade da Educação Superior brasileira. Para tanto, buscamos estudos
bibliográficos delimitados temporalmente entre a década de 1980 ao contexto atual,
devido à própria limitação da discussão do tema antes da referida década. Desenvolvemos
também a análise documental, especialmente, dos documentos oficiais emanados pelo
Ministério da Educação.

Percurso e Experiência das Instituições de Ensino Superior com a Avaliação


Institucional e Externa

As experiências em torno da avaliação da Educação Superior brasileira em nível


externo assumiram contorno a partir da década de 1980. Ao longo desta trajetória tivemos
diferentes posições políticas, assim como diferentes ações e reações das universidades,
ora mais ativas ora mais passivas em relação ao tema avaliação do Ensino Superior.

Um marco desse percurso avaliativo foi 1983, quando ocorreu a criação do


Programa de Avaliação da Reforma Universitária (Paru), com o qual se objetivava avaliar
o impacto da Lei nº 5.540/1968 quanto à estrutura administrativa, à expansão das | 720

matrículas, à relação entre atividades de ensino, pesquisa e extensão, características do


corpo docente e técnico-administrativo e vinculação com a comunidade.
(BRASIL/MEC/SINAES, 2003). O princípio era criar uma forma para as IES prestarem
conta à sociedade dos investimentos efetuados pelo setor público.

Nesse entremeio, no ano de 1985 o MEC assume postura fortemente reguladora


diferenciando as instituições de Ensino superior. Apresenta, via Comissão de Alto Nível:
Grupo Executivo para a Reforma da Educação Superior (GERES, 1996), uma concepção

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de avaliação meritocrática, especialmente ao relacionar a avaliação com a distribuição de
recursos.

Apresentava a avaliação como contraponto à autonomia das IES, dando


relevo às dimensões individuais, seja do alunado, seja dos cursos e
instituições (...). Os resultados da avaliação – como controle da
qualidade das instituições (públicas ou privadas) – implicariam a
distribuição de recursos públicos, que deveriam ser direcionados para
‘Centros de Excelência’ ou instituições com padrões internacionais de
produção acadêmica e de pesquisa (BRASIL/MEC/SINAES, 2003,
p.17).

A avaliação passa a assumir um caráter regulador e de ranking entre as


instituições, o que promove o processo de diferenciação do Ensino Superior no país. Cada
instituição assumiria as consequências da sua realidade, visto que o próprio caráter de
“Centros de excelência” estaria relacionado à ampliação de verbas. Em contrapartida
teríamos a maioria das instituições que adotariam um papel diferente, especialmente de
reprodução do conhecimento construído nos centros de excelência. Neste sentido, ainda
que não anunciado oficialmente, começamos a perceber a desestabilização do tripé
ensino, pesquisa e extensão para algumas instituições. E o processo de
competição/concorrência entre as próprias IES passou a ser cada vez mais visível, uma
vez que a entrada de recursos dependia dos resultados de cada instituição.

Contrariamente a esta concepção de avaliação ocorriam as primeiras experiências


da avaliação institucional formativa nas universidades, iniciada por algumas instituições
públicas de Ensino Superior como a Unicamp; USP; UFMG e UnB, mas estas | 721
experiências foram pontuais, pairavam, ainda, poucas manifestações de avaliação
institucional das universidades, ou seja, foram poucas as iniciativas para ampliar a
avaliação para além das avaliação da aprendizagem concernente à prática docente em sala
de aula.

Foi com o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras


(Paiub), em 1993, que as universidades apresentaram maior envolvimento com a prática
avaliativa. Havia uma proposta oficial e esta apresentava uma concepção de avaliação
participativa e pautada na autoavaliação. Destarte, garantir a adesão voluntária das

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instituições e a participação da própria comunidade universitária no processo de reflexão
e avaliação da instituição era uma perspectiva.

Esse resultado da avaliação institucional seria complementado com a avaliação


externa. Outra característica que influenciou a participação das instituições no Paiub foi
a proximidade dessa proposta com as experiências de avaliação institucional já iniciada
por algumas universidades, como destacado anteriormente. Entretanto, é perceptível que
a avaliação institucional aparece de forma muito tímida na universidade brasileira, o que
de certa forma representava um caminho aberto para as proposições mais regulatórias que
se fortaleceram no governo do então Presidente da República Fernando Henrique
Cardoso. A condução da política pública de educação a partir 1995 interrompeu a
experiência do Paiub e novos rumos foram delineados para a avaliação no Ensino
Superior no Brasil.

A centralização da avaliação no Ministério da Educação já é visível na Lei nº


9.131/1995 que altera dispositivos da Lei nº 4.024/61. O Art. 1º; § 1º destaca que “no
desempenho de suas funções, o Ministério da Educação e do Desporto contará com a
colaboração do Conselho Nacional de Educação e das Câmaras que o compõem”. Quando
compete à Câmara de Educação Superior, dentre outras atribuições, “analisar e emitir
parecer sobre os resultados dos processos de avaliação da educação superior” (BRASIL;
Lei nº 9.131/1995; Art. 9º, § 2º; a). Como salienta Morosini (2004) esta regulamentação
fortifica o papel da Comissão de Especialistas e inicia-se um amplo processo de
divulgação dos resultados das avaliações em larga escala na mídia.
| 722
Seguindo o mesmo princípio a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9394/96) complementa a normatização e definições avaliativas. Assim, mais
especificamente no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002) o então ministro
da Educação, Paulo Renato de Souza, implantou uma sistemática de avaliação com o
Sistema Nacional de Avaliação (SNA), envolvendo desde a educação básica às
instituições de ensino superior, tanto a graduação quanto a pós-graduação. O sistema de
avaliação foi composto pelo Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), pelo Exame

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Nacional do Ensino Médio (Enem), pelo Exame de Capacitação do Ensino de Jovens e
Adultos (Enceja) e pelo Exame Nacional de Cursos (ENC).

No Ensino Superior os novos mecanismos de avaliação envolveram o ENC


(conhecido como provão), a Avaliação das Condições de Ensino (ACE), a Avaliação das
Condições de Oferta (ACO) e a Avaliação Institucional dos Centros Universitários (AI).
O reconhecimento dos cursos passou a estar relacionado aos resultados ENC e da ACE.
Neste processo a avaliação passa a focar efetivamente nos resultados e em proposições
como a produtividade, o controle de desempenho, a prestação de contas, a classificação e
a eficiência. Tais conjecturas delineiam a concepção de avaliação meritocrática que passa
a influenciar o percurso da Educação Superior.
Com essa configuração avaliativa o Estado passa a fiscalizar, controlar e,
consequentemente, regular de modo propositivo a Educação Superior. Desta forma, é
condição sine qua non para a compreensão das políticas de avaliação externa a análise do
papel do Estado, especialmente porque nas últimas décadas este passou a admitir como
característica o crivo avaliador/regulador, no qual os valores do mercado privado são
celebrados. Segundo Ball (2004) se implementa com essa perspectiva avaliativa o
compromisso com o espírito empresarial, a competição e a excelência em detrimento da
justiça social e da tolerância. Há nesse contexto o que o autor denomina de política do
Pós-Estado da Providência, onde o Estado de provedor passa para regulador e “como
usuário de mecanismos de avaliação e definição de alvos que lhe permitem dirigir as
atividades do setor público ‘à distância’” (Ibid., p.1107).
O Estado adota “um ethos competitivo, neodarwinista, passando a admitir a lógica
do mercado, através da importação para o domínio público de modelos de gestão privada, | 723

com ênfase nos resultados ou produtos dos sistemas educativos” (AFONSO, 2005, p.49).
É neste contexto de reconfiguração do papel do Estado que a avaliação externa aparece
como forma estratégica de gerar produtos, adotando uma concepção neopositivista, na
qual os indicadores mensuráveis aparecem como verdades inquestionáveis.

A lógica instaurada é da avaliação, prestação de contas e responsabilização. O


Estado torna público o ranking das instituições e legitima o discurso da garantia à
sociedade civil do conhecimento sobre a qualidade da educação ofertada. Neste sentido,

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os testes estandardizados passam a assumir um caráter de responsabilização das
instituições pelos resultados avaliativos obtidos e instiga a competição e o individualismo.
Processo que traz para dentro do sistema público a lógica do mercado, engendrando
mecanismos de privatização que faz parte das políticas neoliberais.

A emergência de políticas neoliberais e neoconservadoras veio dar novo


impulso aos mecanismos de responsabilização em grande medida
porque se tornou evidente a convergência de valores entre alguns
modelos de prestação de contas e os pressupostos daquela política,
nomeadamente entre o direito de escolha da educação (educational
choice) por parte dos pais, redefinidos como consumidores, e a sua
relação com a divulgação e escrutínio público dos resultados (ou
produtos) da educação escolar necessárias para fundamentação dessas
mesmas escolhas. (AFONSO, 2005, p. 44)

Para Ball (2004) se organiza no setor público o incentivo aos valores dos negócios
e a “moralidade utilitária” que atuam para destruir os valores da ética profissional. É,
nesse contexto, que vale questionar quais decisões e objetivos envolvem a avaliação da
Educação Superior no país? Pois, a necessidade da avaliação sistêmica é inquestionável,
o que se indaga é o sentido incorporado por ela. Para Freitas (2007, p.974) o sentido da
avaliação em larga escala deveria ser, preferencialmente, a “avaliação das próprias
políticas públicas” de educação e não da instituição em si como vem ocorrendo.
Entretanto, o mesmo autor, enfatiza que a crítica ao modelo vigente não pode ser
entendido como defesa da não avaliação. É necessário, inclusive, garantir que todos os
envolvidos com a educação desenvolvam efetivamente seu trabalho com compromisso, | 724
garantindo uma educação pública de qualidade para todos, ou seja, o Poder Público é
obrigado a ‘regular’ para intervir em uma parcela do serviço público que não se engaja
com o trabalho oferecido a sociedade. Isto não significa que o seu papel fique restrito a
esta função, mas que declare a responsabilidade partilhada dos resultados entre governo
e instituições e apresente os fatores que ficam ocultos no atual processo de avaliação em
larga escala, como a diferença social historicamente construída em nosso país (FREITAS,
2007) e que cabe a ele intervir.

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A institucionalização e concepção de avaliação vigente até 2003 foram postas em
discussão no início do governo do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva
(2003 a 2011). Um dos principais pontos destacados pautava-se na crítica de que a
avaliação da Educação Superior existente no Brasil não constituía um sistema nacional
de avaliação, mas representava apenas a justaposição de verificação de determinadas
condições. Naquele contexto o governo lançou as diretrizes do Sinaes. Este sistema é
acompanhado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) que
é um órgão colegiado de coordenação e supervisão. O Sinaes propõe uma avaliação
institucional integrada pelos seguintes instrumentos,

Autoavaliação: conduzida pela CPA (Comissão Própria de Avaliação)


Cada instituição realizará uma autoavaliação, que será o primeiro
instrumento a ser incorporado ao conjunto de instrumentos
constitutivos do processo global de regulação e avaliação. [...].
Avaliação externa: essa avaliação é feita por membros externos,
pertencentes à comunidade acadêmica e científica, reconhecidos pelas
suas capacidades em suas áreas e portadores de ampla compreensão das
instituições universitárias. Censo: [...] Os dados do Censo também
farão parte do conjunto de análises e estudos da avaliação institucional
interna e externa, contribuindo para a construção de dossiês
institucionais e de cursos a serem publicados no Cadastro das
Instituições de Educação Superior. Cadastro: [...] também serão
levantadas e disponibilizadas para acesso público as informações do
Cadastro das IES e seus respectivos cursos. Essas informações, que
também serão matéria de análise por parte das comissões de avaliação,
nos processos internos e externos de avaliação institucional, formarão
a base para a orientação permanente de pais, alunos e da sociedade em
geral sobre o desempenho de cursos e instituições. (MEC/INEP,
Acessado: 02/02/2012)

| 725
A composição de um governo historicamente de esquerda fez coadunar posições
apontando inicialmente a reestruturação dos diferentes setores, dentre eles o educacional.
Assim, se a indicação da Comissão Especial de Avaliação (2003) destacava as bases para
uma nova proposta de avaliação da Educação Superior Brasileira, em 2004 tivemos a
oficialização dos Sinaes com características, ainda que peculiares, que não se diferenciava
significativamente da lógica avaliativa presente no país até aquela data, ao contrário,
surpreendia pelo aprofundamento das políticas liberais da era FHC agora sob o governo
de Lula. Como aponta Freitas (2007, p.966) os que nele votaram esperavam, “já no

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primeiro mandato, uma mudança significativa de rota. Não ocorreu.” Assistimos “à sua
conversão plena às propostas liberais de ‘responsabilização’ e de privatização do público”
(Ibid, p.966). A avaliação no Ensino Superior também não mudaria de rumo, ao contrário,
de certa forma, intensificou ainda mais a concepção vigente.

Portanto, ainda que as orientações iniciais do Sinaes apontassem para a tentativa


de articulação de propostas avaliativas mais formativas e globais (institucional e do
governo), a tônica recaiu sobre o sentido regulatório seguindo, ainda, os ditames do
mercado e sem a efetiva participação das universidades na definição de critérios e
processos de avaliação. Assim como, permanece a intensa divulgação dos dados na mídia
dos rankings das instituições.
Segundo Rothen (2011) a elaboração e a implantação do Sinaes foram marcadas
por percalços e embates nos bastidores do governo. De acordo com o Plano de
Desenvolvimento da Educação (BRASIL/PDE, 2007) o Sinaes busca o diálogo entre três
componentes: a avaliação institucional, avaliação de cursos e a avaliação de desempenho dos
estudantes, mas o princípio da regulação se avulta mesmo nos documentos oficiais.

A avaliação se tornou a base da regulação, em um desenho institucional


que criou um marco regulatório coerente, assegurando ao Poder Público
maior capacidade, inclusive do ponto de vista jurídico, de supervisão
sobre o sistema federal de educação superior, o que abre às boas
instituições condições de construir sua reputação e conquista de
autonomia (BRASIL/MEC/PDE, 2007, p.31)

Nessa lógica cria-se no Ensino Superior a possibilidade de oferta de diferentes | 726


perspectivas de formação aos brasileiros. Cabe indagarmos: qual instituição será
reservada aos diferentes grupos sociais? As “boas” instituições vão assumir quais funções
e atender a quem? Se tivermos as “boas” significa que também será legítimo as
instituições ruins? Estas instituições assumiram qual incumbência? O tripé
ensino/pesquisa/extensão será fundamento de todas? Quem assumirá a chancela pelos
resultados obtidos?

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Marcos políticos da avaliação da Educação Superior: interferências no trabalho
docente
As questões anteriores discutidas no texto apontam para a própria reforma
universitária em curso, especialmente, a partir da década de 1990. Com o PDE (2007)
observa-se a acelerada reformulação da Educação Superior, o que dificulta até mesmo o
acompanhamento e reação sistemática dos professores, mesmo diante das reformulações
em curso nos princípios desse nível de ensino. Segundo Dias Sobrinho,

[...] a Educação Superior é levada a assumir uma função mais orientada


ao individualismo possessivo e ao pragmatismo econômico que aos
ideais do conhecimento universal, da pertinência e da justiça social. Isto
equivale a dizer que o conhecimento e a formação estão crescentemente
perdendo seus sentidos de bens públicos e direitos de todos e adquirindo
mais e mais o significado de bens privados para benefício individual.
(DIAS SOBRINHO, 2010, p. 199)

Dentre os pontos de desestabilização está a desarticulação ensino, pesquisa e


extensão que caracterizava uma conquista da Constituição Federal de 1988 (Art.207),
ainda que esta tríade não tenha sido efetivada na maioria das universidades. Em grande
medida a possibilidade de instituições com característica diferenciadas já se encontrava
presente deste a LDB (9394/96) que aponta diversas modalidades de instituições de
Ensino Superior. O PDE segue esta trilha da diversificação, especialmente, ao tratar o
Plano de Reorganização e Expansão, das Universidades Federais (Reuni). Tais
possibilidades vêm acompanhadas da defesa da avaliação externa como medida para
garantia da qualidade, ou mesmo do mapeamento da qualidade das diferentes instituições
de ensino superior. Silva, JR e Sguissardi (2005) questionam,
| 727
[...] quais são as dimensões essenciais do processo avaliativo: a auto-
avaliação, a autoformação, a responsabilização perante suas funções ou
finalidades históricas, ou sua regulação, seu controle, segundo os
cânones da heteronomia? Se a avaliação fortalecer tão somente a
dimensão mais instrumental e pragmática da identidade universitária,
ela estará contribuindo para a destruição da instituição. Isso novamente
coloca em destaque a natureza imprescindível da sociedade e da
comunidade universitária para, em seu movimento, acentuar o pólo
público da contradição, e jamais seu antitético. (SILVA, JR;
SGUISSARDI; 2005, p.20)

A visão do controle e da regulação das políticas públicas do Estado brasileiro


acompanha uma dinâmica internacional, marcada por um capitalismo híbrido que é capaz

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de constituir diferentes engrenagens para manter-se vigente. Ora identificamos um
Estado mais ameno quanto à interferência no mercado, ora com ações mais propositivas,
mas fica evidente que no processo atual nos distanciamos do Estado de bem-estar social
presente até a década de 1970 (considerada as idiossincrasias de cada país, como o Brasil
não tive a efetivação desta configuração de Estado). O novo modelo renovou seu
conteúdo e segundo Bernardo (1998) desorientou o movimento operário, dentre outros
fatores pelo principio de corte dos gastos públicos, denso processo de privatização e
flexibilização do mercado de trabalho.
A precarização da vida do proletariado se estende a patamares de diferentes
dimensões diante das necessidades básicas como saúde, moradia e educação. Setores no
Brasil que embora de forma tímida se constituíam como responsabilidade do Estado passa
a ser proclamados como campo aberto para o mercado, não apenas para a exploração do
mercado sobre estes setores, como também pela própria incorporação dos pressupostos
mercadológicos no corpo da máquina estatal.
Na Educação Superior este processo se configura em torno da reforma das últimas
décadas. Neste sentido, discutir sobre os impactos da atual reforma universitária nos
conduz às novas abordagens da relação Estado/capital e ao movimento de
transnacionalização das definições acerca no Ensino Superior. A política internacional de
inclusão da educação superior enquanto serviço, incluída no Acordo Geral de Tarifas e
Comercio (GATT) da Organização Mundial do Comercio (OMC), tem forte influencia
sobre essa demanda da avaliação das instituições de ensino superiro. O processo de
acreditação de instituições e cursos passa a ser cobrada para viabilizar “mercado do
ensino superior”.
| 728
Organismos internacionais como o Banco Mundial e a UNESCO
(United Nations Educational,Scientific and Cultural Organizations),
embora apresentando variações nos discursos, têm desempenhado um
papel importante na consolidação dos estilos avaliativos adotados pelos
diferentes países. [...] Em ambos os casos, a avaliação tem como vetor
a responsabilização das instituições de ensino superior de prestarem
contas à sociedade e se orienta para o aperfeiçoamento permanente no
cumprimento de suas funções.(PEIXOTO, 2004, p.174)

Segundo Peixoto (2004) é nesta vertente que estas organizações insistem na


necessidade da verificação da aprendizagem dos estudantes, do mérito dos professores,
dos cursos e das produções científica e tecnológica. Como consequência dos interesses e

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orientações internacionais ocorre a constituição de uma avaliação padronizada, alegando
a objetividade passa a ser organizada em torno de índices, os quais facilitam a divulgação
dos resultados; a compreensão dos mesmo por parte da sociedade civil e vendem a ideia
de fidedignidade nos resultados avaliativos.
No Brasil os índices do Sinaes são publicados no site do Inep, assim como
amplamente difundidos na mídia.

O Índice Geral de Cursos da Instituição (IGC) é um indicador de


qualidade de instituições de educação superior, que considera, em sua
composição, a qualidade dos cursos de graduação e de pós-graduação
(mestrado e doutorado). No que se refere à graduação, é utilizado
o CPC (conceito preliminar de curso) e, no que se refere à pós-
graduação, é utilizada a Nota Capes. O resultado final está em valores
contínuos (que vão de 0 a 500) e em faixas (de 1 a 5).
(BRASIL/MEC/INEP, acessado em: 03-07-2011)

O uso dos índices segundo Rothen (2011) fundamenta-se em dois aspectos: eles
simplificam realidades complexas e a sua legitimidade baseia-se no caráter técnico dos
órgãos que fazem a medição, neste caso, o Inep. A acentuada utilização dos índices
representa a permanência da visão de neutralidade da avaliação.
A constituição de indicadores que garantam a competição entre as instituições de
Ensino Superior marcam a proposta da Reforma do Estado, o qual assume o papel de
realizar e publicar índices. O próprio Estado garante que o mercado funcione com
parâmetros que permitam a concorrência e a decisão de escolha dos “consumidores”.

A racionalidade economicista e tecnocrática que se imprimiu à


avaliação da Educação Superior brasileira também se coaduna com as
determinações de organismos e agências multilaterais. A avaliação
deveria ser isenta de valores e exercer, sobretudo, função controladora. | 729
Daí o privilégio quase exclusivo de sua dimensão técnica e objetiva,
com a finalidade de informar e orientar tanto a administração central
como os usuários e consumidores do sistema educacional superior.
Informações objetivas e supostamente não contaminadas por
subjetivismos e interesses seriam fundamentais para a livre escolha dos
clientes. (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 202)

Para Catani, Oliveira e Dourado (2004, p.251) a avaliação vem adquirindo forte
centralidade no movimento de reestruturação da educação superior, “desencadeando
alterações substantiva no padrão de regulação, gestão e controle da produção do trabalho
acadêmica.” Se contextualiza um tempo em que os Centros de Excelência se limitam a

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poucas instituições, as quais permanecem no topo do ranking e atendem a uma pequena
parcela da população brasileira. Enquanto a grande maioria dos brasileiros se avoluma
em instituições com condições de trabalho que a pesquisa. Assim, embora tenhamos
expandido o número de pessoas que chegam à universidade, a diferença da formação
garante e mantém a antiga divisão das classes sociais vigentes.

Considerações finais

A perspectiva assumida pela avaliação no Ensino Superior aponta para as


diferentes concepções de qualidade, avaliação e regulação. Os impactos no trabalho
acadêmico se fazem sentir pela classificação, ranking, responsabilização, controle,
competição e empenho da comunidade universitária na busca de projetos/verbas.
A própria categoria docente tem se fragmentado visto a lógica individualista
instituída pelo processo de financiamento de pesquisa e projetos na educação superior,
gerando inclusive, remunerações extremamente diferentes entre os professores. Suscita,
assim como as instituições de “excelência”, o professor de “excelência”, os quais são
contemplados com bolsas e financiamento de pesquisa de acordo com sua “produção
científica”. Instaura a lógica produtivista e a competição entre os pares.

Nos últimos anos, a avaliação vem tendendo a perder seu caráter


educativo de diagnóstico e melhora, relacionando-se mais com as metas
políticas e econômicas dos governos e adquirindo a função de controlar
a eficiência e produtividade das instituições educacionais. Instalou-se
como tecnologia de vigilância e controle sobre rendimentos de
estudantes e professores, portanto, sobre os produtos das instituições
(DIAS SOBRINHO, 2010, p. 218)

Nesse entremeio o próprio trabalho coletivo é prejudicado, visto que todos estão | 730
individualmente voltados para as suas produções (artigos - se possível Qualis A –,
relatórios de pesquisa e novas solicitações de bolsa). Esse percurso teve forte influencia
da avaliação dos programas de pós-graduação, que buscam atingir as “metas” da Capes
para se manterem com uma boa pontuação. Os professores passam a ter suas pesquisas e
produções reguladas, o que afeta a autônima tão cara à Universidade. A avaliação externa
permite que o Estado modifique e direcione as práticas e subjetividades das instituições
e dos professores sem um confronto direto, mas sim de forma sutil e camuflada pelo
discurso da qualidade.

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Neste panorama a competição se estabelece tanto no interior das instituições
quanto entre elas. Na lógica regida pelo sistema capitalista nem todos assumem as
melhores posições, pois a regra de jogo é a diferença, então, certamente alguns vão estar
na linha do fracasso.
No nexo meritocrático o resultado depende dos sujeitos e das instituições, visto
que as possibilidades estão “abertas para todos”. Assim, no contexto das instituições fruto
da expansão universitária isto é ainda mais crítico, visto que por vezes estas são iniciadas
sem as mínimas condições de efetivar o ensino, a pesquisa e a extensão, devido às
condições precárias do espaço físico; o número de professores e a relação carga horária
de trabalho e tantas outras demandas.
A participação das IES no Sinaes não tem indicado que o sentido da avaliação seja
a base para a própria análise do Estado em relação à Política Pública de Educação
Superior. Ainda que os índices coletem dados acerca da infraestrutura, do ensino, da
pesquisa, da extensão, etc. estes não são base para a intervenção do Poder Público no
sentido de reconfigurar estruturalmente esta realidade, ao contrário, lançam na mídia os
índices atribuídos às instituições e comunidade universitária a responsabilidade.

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O SENTIDO DAS EXPERIÊNCIAS DO BRINCAR NA
EDUCAÇÃO INFANTIL- A PERSPECTIVA DAS
PEDAGOGAS
Autor: Huberdam Pedro (UFSM)
E-mail: huberdamstamaria@hotmail.com
Co-autora: Maria Cecília Camargo Günther (UFSM)
E-mail: mcceciliacg6@hotmail.com

Resumo: O presente estudo tem como objetivo analisar e compreender o


sentido/significado atribuídos pelas acadêmicas do curso de pedagogia do CE/UFSM às
experiências corporais presentes no brincar nas rotinas escolares. Este trabalho tem em
vista, entender a experiência do brincar, através da ideia que se faz do brincar segundo as
colaboradoras. Como podemos observar no Centro de Educação Física e desportos
CEFD/ UFSM poucas são as disciplinas que tratam da infância, e entendendo que a
infância também faz parte de nosso processo formativo como seres humanos,
estabelecemos a partir daqui um diálogo com o curso de Pedagogia procurando
compreender como a infância foi experienciada pelas acadêmicas do referido curso.
Juntamente com o PIBID destinado a Educação Infantil (EI), pretendemos buscar mais
dados para que se possa avançar no sentido de melhorias na Educação Infantil. Este estudo
tem a intenção de atribuir um sentido que possibilite uma superação da concepção a qual
se faz de que o brincar, como uma via de conhecimento não propicia aprendizagens as
crianças. Dessa maneira acreditamos que pelo brincar as crianças também produzem
conhecimento, sendo o brincar um direito de toda criança, ele também deve ser assunto
de fundamental relevância nos cursos de formação de professores.

Palavras-chave: Brincar; Experiências; Formação de Professores.

INTRODUÇÃO

O objetivo central desse estudo consiste em analisar e compreender o


sentido/significado atribuídos por estudantes do Curso de Pedagogia (Diurno) do Centro
| 734
de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (CE/UFSM)156 às experiências
corporais presentes no brincar nas rotinas escolares. Desse modo, espera-se, por meio
dessa investigação, produzir conhecimento relativo às experiências corporais do brincar
na educação infantil, segundo as concepções de professoras/ pedagogas que atuam com
nível de ensino na educação infantil. As colaboradoras escolhidas para o estudo atuam
como professoras de Educação Infantil na região do município de Santa Maria, no
Estado do Rio Grande do Sul.

156
Desse ponto em diante, as estudantes investigadas serão nomeadas como colaboradoras do estudo.

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O estudo integra um projeto mais amplo que tem como foco as experiências do
brincar e a formação de professores de Educação Física (EF) e pedagogas, o qual inclui
também o Programa de Iniciação à Docência (PIBID) subprojeto Educação Física na
Educação Básica, desenvolvido no Centro de Educação Física e Desportos da
Universidade Federal de Santa Maria (CEFD/UFSM) como lócus de investigação e
delimita a Educação Infantil (EI) como campo de estudo157.
Sem a pretensão de esgotar o tema, nosso esforço nesse estudo é de fornecer
alguns elementos que possam contribuir para uma maior compreensão sobre o brincar e
sua importância na infância, a partir das experiências corporais vividas por estudantes
de pedagogia que atuam com educação infantil, em um momento histórico no qual a
Educação Infantil começa a ganhar maior visibilidade e atenção por parte das políticas
públicas voltadas à Educação.
Às informações sobre as experiências de brincar vividas pelas professoras
investigadas, será acrescentado o que as colaboradoras entendem por “brincar”, e que
implicações tais experiências podem ter na formação humana, tangenciando a forma
como o brincar na infância vem acontecendo e sendo tratado nas sociedades
contemporâneas. A coleta de informações, tanto aplicação de questionários quanto
realização de entrevistas, estão sendo realizadas de acordo com a disponibilidade das
colaboradoras. Visando assegurar os cuidados éticos previstos em pesquisas científicas,
as colaboradoras foram devidamente esclarecidas sobre os procedimentos de coleta, sua
participação nesse processo e as medidas adotadas para preservar o sigilo das fontes158.

A pesquisa está se desenvolveu na forma de estudo de caso descritivo, com o uso


de narrativas biográficas, através de questionários e entrevistas de narrativas orais | 735
gravadas em áudio com as acadêmicas colaboradoras. A base conceitual do estudo se
assenta em autores que, entendemos, sejam pertinentes ao trabalho de acordo com a
abordagem teórico-metodológica e adequação ao tema investigado. Esperamos, com o
presente estudo, oferecer subsídios que possam contribuir para um debate sobre o

157
Projeto registrado no Gabinete de Projetos sob o número 037545, intitulado “Experiências corporais na
infância e suas relações com a formação de professores para a Educação Infantil”, desenvolvido no
Grupo Pátio de Estudos Qualitativos sobre Formação de Professores e Prática Pedagógica em Educação
Física.
158
Para isso foi adotado o uso de um Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE) entregue a cada
colaboradora e assinado pelas mesmas.

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brincar na EI, com um direcionamento para os processos formativos de futuras
professoras.

JUSTIFICATIVA

Investigar nas relações sociais/histórico/ culturais, como vem ocorrendo as


experiências corporais por meio do “Brincar”, uma vez que estás últimas também se
configuram como linguagens que ocorrem por processos nas mais diversas instâncias
sociais, em diferentes contextos em distintas interações pessoais e que também não passa
despercebida diante das sociedades contemporâneas. Com o intuito de dialogar com
outros cursos como a Pedagogia, pretendemos buscar uma melhor compreensão, que nos
dê um respaldo para continuarmos desenvolvendo trabalhos pedagógicos os quais possam
atender cada vez mais significativamente a (EI).

Tendo em vista, as perspectivas do Plano Nacional de Educação (PNE), 2010-2020


conforme seus aspectos legais, nota-se que entre suas metas e estratégias, pretende-se até
ano de 2016, universalizar o atendimento escolar da população dos 4 aos 5 anos de idade,
e ampliar até 2020 a oferta de (EI) de forma a atender a 50 % da população de 3 anos de
idade. No Brasil, é notório o esforço com vistas a superação de preocupações como elevar
a qualidade da educação, assim bem como aumentar a frequência à escola, esforço esse
que o nosso país tenta suprir, quando relacionado aos países desenvolvidos.

A tentativa de aumentar a frequência à escola, tem como meta a universalização do


atendimento dos 4 anos de idade aos 17 anos, o que já é um desafio superado na maioria
dos países desenvolvidos. Com base nestes dados para que se consiga atingir essa meta
em especial citada acima, segundo estudos realizados pelo Ministério da Educação para | 736

atender o grupo de 0 a 3 anos seria necessário elevar o número de vagas em creches a


uma velocidade que está acima da atualmente praticada, seria necessário o atendimento
crescer a uma taxa de 9,7 % ao ano para atingir tal meta. Conforme pesquisas realizadas
entre os anos de 2005 a 2009, a frequência nessa faixa etária subiu de 13,4% para 18,4%
com o crescimento médio de cerca de 8,5 % ao ano, estipulando estes dados até o ano de
2020, a manutenção dessa faixa anual, levaria um atendimento de 44,5 % ao ano, o que
não alcançaria a meta desejada, pois este possivelmente é um grande desafio a ser
alcançado (PNE, 2010-2020).

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Com relação a universalização ao atendimento das crianças de 4 a 5 anos de idade,
o que se sabe é que o percentual de frequência dessa faixa etária aumentou entre os anos
de 2005 a 2009. No ano de 2005 o atendimento as crianças de 4 a 5 anos, índice de
frequência das mesmas era de 62,8%, já em 2009, o índice de frequência dessa faixa etária
cresceu em 74,8%, o que representa um aumento de 4,5% ao ano. Mesmo com esse
aumento, em termos relativos é um crescimento pequeno quando comparado ao da creche,
o qual em números é de 8,5% ao ano. Com bases nas informações do Ministério da
Educação, a manutenção da meta de crescimento das matrículas de 4 a 5 anos de idade é
muito importante para se atingir a universalização até 2016, porém se observa uma outra
preocupação no que diz respeito ao atendimento desigual entre os grupos de renda.

Uma das justificativas para a essa desigualdade do atendimento de 4 a 5 anos de


idade, ocorre pelo fato de que, quando existe a possibilidade da família escolher colocar
as crianças na pré-escola, independente da oferta pública, aquelas que dispõem de
recursos, optam por colocar as crianças na pré-escola, ou seja, existiria uma carência de
vagas gratuitas para essa faixa etária o que corrobora o senso comum sobre a questão.
Desta maneira um maior aumento deve se dar na rede pública pois está seria a opção feita
pelas famílias de menor poder aquisitivo e de maior carência de vagas.

Entendemos por meio desta investigação que a carência de vagas, assim bem
como de modo geral a desigualdade no atendimento, resulta em uma das formas de
violência contra crianças, uma vez que, estas não deixam de ser excluídas, de um direito
que deveria ser-lhes assegurado, que é a educação. Mais do que isso nos intriga/ aflige é
forma como estas questões são tratadas, pelos sistemas educacionais e órgãos
| 737
competentes os quais tratam a questão, embora também reconheçamos que hajam
instituições as quais façam o possível e não meçam esforços para assegurar tal direito.

DESENVOLVIMENTO
Ao longo da história podemos observar diferentes entendimentos sobre o
fenômeno da infância e, decorrente disso, a criança tem ocupado diferentes posições na
sociedade ocidental. Estamos considerando o entendimento de criança de modo amplo
pois, o tratamento dado a ela apresenta nuanças específicas em diferentes culturas.
Segundo Postman (1999, p. 51), ao separarmos o mundo adulto do mundo das crianças,

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separamos os indivíduos uns dos outros, criando classes de pessoas, das quais as
crianças são exemplos disso. Com base nas ideias do autor acima com relação a infância,
é notório que não foi fácil chegar-se à condição das crianças serem consideradas
crianças, uma vez que a história sobre o surgimento da infância e seu possível
desaparecimento nos revelam um árduo caminho de transformações, até que este grupo
social, se consolidasse tal como, o entendemos na atualidade.

Quando nos referimos às experiências, em especial as vividas pelas crianças por


meio do brincar, entendemos que as mesmas também se fazem nas/pelas relações sociais
em diversos contextos em que experimentam ao longo de um determinado tempo de
suas vidas, ganhando diferentes sentidos. Devemos lembrar que a infância, nas mais
diversas culturas, não se constrói da mesma maneira, embora possam apresentar
algumas semelhanças entre algumas delas. Tal afirmação pode ser melhor explicada nas
palavras de Postman (1999, p.66):
Como cada nação tentou entende-la e integrá-la na sua cultura, a infância
assumiu um aspecto singular, conforme o cenário econômico, religioso e
intelectual em que apareceu. Em alguns casos foi enriquecida; em outros
negligenciada; em outros, degrada.

Entre muitas transformações ocorridas ao longo do processo histórico da


sociedade ocidental, algumas merecem destaque como a entrada da mulher no mundo de
trabalho, fato que pode ser situado como um dos principais motivos para pensarmos a
origem de creches e pré-escolas. Além dos novos meios de comunicação e informação os
quais também trouxeram, e continuam gerando impacto sobre o processo de
desenvolvimento das crianças.

No que diz respeito ao papel e condição da criança em nossa sociedade, Gomes | 738
(2013, p. 205) cita que:
Tais papéis estão modificando-se: a criança pequena é hoje compreendida
como um ser com capacidades, sujeito de direitos desde a gestação no útero
materno, um ser produtor de culturas, já não um “infante” que precisa da voz
do outro, do adulto, para fazer-se perceber socialmente.

Na afirmativa acima nos fica claro a importância da criação de espaços para debate
e reconhecimento destas transformações as quais acontecem em nossas sociedades, como
podemos perceber a família assim como outras instituições sociais também passam por
grandes mudanças, inclusive em relação aos papéis de homem, de mulher e de criança
que também se inserem na ordem do dia-a-dia, como já lembrava a autora.

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Tendo em vista que o brincar também ocorre pelas experiências corporais e o
caráter lúdico que as mesmas podem ter, acrescentamos considerações de Rocha (2005,
p. 171) sobre o jogo. Para a autora, a compressão do que é entendido como a evolução do
jogo pode ser notada com o declínio do jogo de faz-de-conta, em detrimento ao jogo de
regras e, a partir dos jogos de faz-de-conta pelo brincar, ainda é perceptível que estes
últimos sejam compreendidos pelos sistemas de ensino como perda de tempo, os quais
não produzem conhecimento. As análises da autora são fundamentais no que se refere a
identificar as intercorrências que acontecem nas culturas. O brincar materializa-se, em
grande medida, por meio de distintas experiências corporais que representam ainda
formas relevantes de interação entre as crianças e também de apropriação do mundo
adulto.
Por meio de Craidy & Kaercher (2001). P. 103 é evidenciado: “A criança
expressa-se pelo ato lúdico e é através desse ato que a infância carrega consigo as
brincadeiras”. Sobre os benefícios do brincar é possível perceber o quanto é importante,
e assim fica compreendido por meio de Craidy & Kaercher (2001), P. 104: “O brincar é
uma forma de linguagem que a criança usa para compreender e interagir consigo, com o
outro e com o mundo.” Ainda por meio da auroras estas salientam que P.105:
“O brincar proporciona a troca de pontos de vistas diferentes, ajuda a perceber como os
outros o veem, auxilia a criação de interesses comuns, uma razão para que se possa
interagir com o outro...lidar com o respeito mútuo, partilhar brinquedos, dividir tarefas,
assim como tudo aquilo que implica uma vida coletiva.”

Ao longo deste projeto será realizada uma ampla análise de como tem ocorrido as
relações/ interações sociais por meio do movimentar-se, partindo de que o mesmo
também é parte do outro estado, em que o “não movimentar-se” também tem sido
| 739
compreendido como experiência, também presentes no processo de desenvolvimento dos
sujeitos. Mais do que isso, em todas experiências as quais experimentamos em um dado
tempo, e também levando em conta os diferentes contextos que essas experiências
ocorrem, de um sujeito para outro, ou do “eu” em interação com o “outro” nas mais
diversas instâncias sociais, sabemos que estas últimas são frutos das relações sociais as
quais são construídas ao longo de nossas vidas.
De acordo com Belloni (2009, p.81), o pensamento não está presente na cabeça
de um indivíduo como algo inato, mas é uma construção que se dá por meio das interações
sociais, as quais são atividades materiais, individual e coletivamente constituídas e

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historicamente situadas. A cultura é criada nas e por meio das experiências. Com base
nisto é visível que a linguagem é ferramenta indispensável para socialização e que além
dela o corpo se manifesta também como meio de comunicação e sendo assim entendemos
que se fazem necessários estudos que venham a contribuir para um conhecimento mais
amplo do que de fato representam as experiências corporais no público em questão, no
caso das crianças.
Conforme Benjamin (2002, p. 21), a máscara do adulto chama-se “experiência”,
mas o fato de que todo adulto um dia também já foi criança e jovem, assim nos fica
evidente o que o autor nos quer dizer, com relação aos conflitos entre adultos e crianças
tanto no âmbito da escola quanto fora dela. Umas das preocupações de muitos educadores
com relação à qual propósito serve a escola hoje, nos deixa a mostra que esta também é a
preocupação de muitos professores, pais e sistemas de ensino mediante o crescente
avanço das novas tecnologias da informação e comunicação (TICs)159. Mas se
analisarmos com cuidado os fatos que nos rodeiam no dia-a-dia, ancorados em Benjamin,
encontraremos talvez não a resposta diretamente, mais possíveis caminhos que nos levem
a ela.
Outro fator que nos parece peculiar ao brincar, especialmente no que diz respeito
as brincadeiras, quando criadas e recriadas por meio da imaginação de contextos, pessoas,
profissões, objetos com os quais as crianças interagem e manipulam quando brincam, é
que as diferentes formas de brincadeira despertam na criança um outro ver, sentir, estar e
interagir no e com o mundo. Muitas vezes, no entanto, nos âmbitos educacionais tais
momentos parecem não condizerem com um fim objetivo para uma finalidade educativa.
O brincar, o universo do faz de conta, nas rotinas escolares, podem ser tratados como
| 740
momentos de descontração de menor importância e não como formas geradoras de
aprendizagens significativas. Pensando no processo formativo ao longo da vida, vale citar
Josso (2004, p.263), para quem as histórias de vida ao longo da formação tocam as
fronteiras do racional e do imaginário.

159
Idem as Tics mencionadas na apresentação da obra de Belloni (2009), utilizada como referência neste
trabalho, considerando “tecnologias da informação e comunicação” (TIC), as seguintes mídias:
Televisão e suas variante (Videocassete, DVD, antena aberta, por assinatura); jogos de vídeo
(videogames) e de computador; máquinas fotográficas e filmadoras de vídeo; ipods, MP3; telefones
celulares; e redes telemáticas. Quando dizemos “mídias de massa” nos referimos principalmente à
televisão e ao rádio.

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Indo um pouco mais além, teríamos que nos responder, se os adultos seriam tão
racionas e objetivos a ponto de não considerar um mundo imaginativo? Ou os adultos
após esta etapa de suas vidas tornaram-se tão intolerantes, ao imaginativo, que chegaram
a ponto de odiar o sentimento de não terem experimentado os sonhos de sua juventude?
Aos atentos olhos da ordem e sistematização podemos entender conforme Josso (2004,
p.266):
Os modelos educativos são testemunho desta dominância do pensar racional em
detrimento das outras vias de conhecimento, porque, apesar dos discursos de
intenções, os planos de estudos, os orçamentos e as saídas profissionais mostram
que o sensível, o imaginário e a afetividade estão regulados para o último plano,
para não dizer desconsiderados.

A história de vida da própria Josso (2004) nos pode auxiliar na compreensão dessa
abordagem de formação quando, segunde a própria autora, na escola básica ela não se
interessava pelas aulas e se aborrecia, exceto quando havia entre ela e algum (a) professor
(a) uma relação de afetividade, havia uma enorme capacidade de implicar-se nas aulas,
tirando boas notas e até fazer mais do que a professora pedia, num sentido de esforçar-se
e empenhar-se no aprendizado. A partir disto poderiam surgir mais perguntas a serem
respondidas, por exemplo como desenvolver a criatividade no pensar e no fazer sem a
imaginação? Ou ainda, através da imaginação é possível atribuir e/ extrair valor
formativo? Além destas outras como por exemplo, a imaginação poderia auxiliar na
capacidade comunicativa? Seria possível o desenvolvimento de habilidades
instrumentais, mentais/ afetivas, relacionais e sociais por meio do incentivo à imaginação
através do brincar? Enfim são muitas perguntas as quais muitas vezes podem passar
despercebidas na situação do brincar.
Por assim dizer pensando em experiências, lembremos de Larrosa (2002), P. 21: | 741
“Experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa,
não o que acontece, ou o que toca.” O brincar deveria ser pensado nesta perspectiva de
experiência, pois a experiência sendo “algo como uma superfície sensível que aquilo que
acontece afeta de algum modo, produz alguns efeitos, inscreve algumas marcas, deixa
alguns vestígios, alguns efeitos, como já lembrado por Larrosa.
Sobre o quanto é importante a curiosidade se manter viva na criança, já conforme
citado, por Kunz (2015), P.103 a criança é por natureza curiosa, tem desejo de conhecer,
tocar e experimentar. Por vezes tenho me perguntado o que se passa com a curiosidade

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ao longo de nossa vida e como a cultura familiar e a escola tem compreendido a
curiosidade da criança nos dias atuais, em relação a este fato, Kunz (2015), P. 103/ 109,
coloca que:
“A curiosidade da criança muitas vezes acaba muitas vezes incomodando e
preocupando os pais. Eles não querem que seus filhos sejam inconvenientes na
casa dos outros, mexendo ou perguntando coisas que devem perguntar, e também
por desorganizarem a casa ou também oferecer perigo a sua vida (como produtos
de limpeza e objetos cortantes), por conta disso reprimem a criança, quando esta
pergunta demais, procurando meios de impedir o seu acesso a determinados
locais e objetos” P.103

“Na escola, a curiosidade pouco tem chance de se manter porque lá já existem


os conteúdos predeterminados que a criança deve aprender, em um tempo
também já estabelecido, e um espaço delimitado. É preciso ficar a maior parte
do tempo sentando e em silêncio, fazer demasiadas perguntas pode “atrapalhar”
a aula.” P. 109

Lembrando que atualmente jogos por meio de mímicas e jogos de faz-de-conta se


tornam cada vez mais raros em nosso cotidiano, tanto nas escolas como fora delas, pois
entendemos que por meio do brincar é possível ceder a criança o tempo de ser criança, de
viver o presente como já mencionado por Kunz (2015). Como evidenciado por estudos
de Kunz (2015), P. 117/ 120:
“O que os professores, pais, e adultos de uma maneira geral ensinam está pautado
em uma lógica de aprendizagem fechada, pois em relação ao movimento se
enfatiza muito mais a sua reprodução já previamente conhecida e denominada
do que o estímulo à criação de novos movimentos ou formas de se movimentar.”
P.117

Não me parece absurdo dizer que os professores na atualidade são os trabalhadores


da contradição, é pertinente lembrar em relação ao professor na sociedade contemporânea
o que já afirma Charlot (2013), p. 94: “Parece possível superar a dificuldade analisando
as contradições que o professor atual e as injunções dirigidas ao futuro professor ideal.
| 742
São elas, a meu ver, que levam ao “excesso dos discursos”. Não nos poderia escapar
despercebido as condições que muitas vezes os professores são submetidos ao
cumprimento de um cronograma já preestabelecido, cabe aqui reflexão sobre autonomia.
Neste ponto também devemos considerar o que já é nos exposto por meio das palavras de
Pimenta e Ghedin (2002), p. 46:

“No âmbito desse processo à docência não é encarada como uma profissão,
podendo vir em evidências mais a questão da proletarização. Cabe lembrar que
no momento atual, apesar de médicos, advogados, ou engenheiros terem
autonomia profissional, código de ética, corpo de conhecimento, entre outras

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coisas, os mesmos também não escapam de grupos corporativos ou de um
trabalho assalariado.”

Deixo claro que mais tarde sustentarei nas páginas que seguem aquilo que vejo
como possíveis respostas para tais perguntas, que muito nos inquieta como educadores.
Onde as relações sociais promovem experiências as quais ocorrem por relações desiguais
no sentido de negar aquilo que se entende por necessidades do ser humano, entendemos
que as escolas, assim como os professores (as) de alguma forma entrarão em conflito com
a juventude, e principalmente com a infância que aqui muito nos interessa como foco de
estudo. Como podemos perceber os novos meios de entretenimento, somados as TICs,
nos tem mostrado que o brincar de outrora não será mais o mesmo, quando relacionado
ao brincar da atualidade.
O brincar em meio a esse emaranhado de circunstâncias, passa a ter um aspecto
semelhante a ideia de que se tem de lúdico, como se o lúdico não propiciasse
conhecimentos, ambos têm sido compreendidos como um vazio, algo sem importância
para o desenvolvimento das crianças. A gratuidade do brincar acaba, muitas vezes, sendo
solapada por um processo de pedagogização do mesmo através de seu uso, direcionado,
como recurso pedagógico em função de aprendizagens consideradas produtivas por seu
caráter funcional.
Poucas são as disciplinas que abordam a infância no (CEFD/UFSM), conforme
estudo de Brum (2014, p 8,9), menos da metade das disciplinas da grade curricular do
curso de Educação Física/Licenciatura da UFSM se referem a termos específicos para o
trabalho com a Educação Física nos anos inicias, estes dados são encontrados através de
uma análise do PPP do referido centro citado acima. Mesmo que no Estado do Rio Grande
do Sul, não esteja prevista a presença de professor de (EF) nas turmas de (EI) entendemos | 743
que o direito à cultura corporal não deva ser negada aos anos inicias, pois este trato com
a (EI) inviabiliza o desenvolvimento através de distintas experiências, até mesmo pelo
brincar o qual deve ser considerado.

O estudo realizado por Fratti (2014, p.16), também revela um desconhecimento


da concepção de Infância no currículo do (CEFD/UFSM), onde não se tem uma ideia do
que de fato representa infância. De acordo com Fratti constata-se que a infância, por se
tratar de fenômeno amplo e complexo, deveria ser repensada neste contexto, onde fosse
possível reorganizar o currículo no sentido de pensar disciplinas, práticas curriculares,

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projetos de pesquisa, ensino e extensão, que propiciassem subsídios conceituais para um
processo de reflexão sobre as experiências de Educação Física na infância.

Em pesquisas realizadas por Figueiredo (2007, p.89,90), emergiram evidências de


que as formas como são experienciadas as aulas de Educação Física na infância, podem
ter grande relevância para assegurar ou, ao contrário, limitar, as experiências corporais
vividas pelos colaboradores do estudo. O uso do tempo da Educação Física para ensaio
de festividades ou a ausência da Educação Física na EI está presente na memória dos
sujeitos no período que compreende de (0 a 6 anos). Muitos colaboradores relatam não
terem nem ao menos lembranças a esse respeito, o que de certa maneira revela as marcas
que uma educação pode carregar na história de vida pessoal/ profissional.
Prosseguimos apresentando consideração sobre aspectos metodológicos
caracterizando essa investigação como um estudo descritivo, de cunho qualitativa, no
qual está sendo o uso de narrativas biográficas, apor meio de entrevistas com os sujeitos
investigados. A investigação em questão é constituída por duas etapas: a primeira diz
respeito à aplicação de questionários, já a segunda se refere as entrevistas gravadas em
áudio. Vale ressaltar que para a segunda etapa foi feita uma seleção de acordo com os
seguintes critérios: a) disponibilidade e interesse dos colaboradores (as) investigados (as);
b) que o(a) colaborador(a) ter atuado ou estar será ter atuando com a EI, mesmo que por
um curto intervalo de tempo.
Entendendo que as experiências humanas em formação como parte tanto da vida
pessoal/ profissional sendo indissociáveis, isto é, uma não podendo ser separada da outra,
e não dependendo única e exclusivamente da formação de outrem, aqui os participantes
desta pesquisa são convidados a refletir, dialogar e compartilhar sobre suas vidas e | 744
algumas de suas experiências vividas por meio do brincar.
Como se já refere Bolívar (2002, p.178):

Ter presentes o passado e as preocupações próprias de cada etapa do desenvolvimento


profissional é um passo prévio para se saber a que problemas a pessoa tem que fazer frente
(quer em relação profissional, pessoal, quer em relação aos problemas sobrevindos no
ambiente de trabalho e social), e portanto, para o planejamento de ações adequadas que
satisfaçam pessoalmente.

A escolha dos (as) formandos (as) participantes foi pautada por estarem prestes a
exercerem sua profissão nas escolas, justo pelo fato de já terem vivenciado o currículo
em quase sua total formação acadêmica. Ser criança, viver experiências diferentes,

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experiências, em diferentes contextos, com distintas interações sócio-culturais que
também se configuram históricas, mostra um possível indício, da escolha pela formação
de professores (as) e possibilita a elaboração de lembranças que se vinculem ao processo
de como vêm se constituindo pessoal e profissionalmente. Recordar os primórdios de
nossa educação, remete-nos a incluir passado e presente e ver possivelmente o que se
pode ou não acontecer no futuro, embora todos nós saibamos que o futuro, nem sempre é
algo dado e pronto, é nada mais nada menos que nosso passado, vingando no presente,
nossas escolhas e decisões frente a circunstâncias.
Embora esta investigação pareça não propiciar benefício direto as colaboradoras
participantes, por ser já considerado um procedimento tradicional de pesquisas, o uso das
“entrevistas”, devemos dizer que também tem importância, uma vez que formar também
é forma-se, e este é um espaço do narrador distanciar-se de sua vida, é forma do
pesquisador aproximar-se dela, sem impor quadros de julgamento conceituais externos, é
neste momento que ocorrem trocas de conhecimento, que resinificam nossas maneiras de
pensar, este é também considerado por Bolívar (2002. P.182), um modelo dialógico,
porque estabelece uma relação de conhecimento por meio do diálogo escutado. Pois
mesmo este modelo dialógico sendo o mais apropriado nas histórias de vida profissional,
também não podemos separar a vida pessoal da vida profissional em um diálogo.
Devemos também compreender que narrar a experiência exige questionar-se
como já mencionavam Molina Neto e Molina (2010, p. 168):
Entendemos experiência no sentido hermenêutico e qualitativo do tema, ou seja, um
conjunto de ações no mundo da vida que, ao ganhar sentido, passa a fazer parte de nossa
consciência e, daí, a integrar nossas pautas cotidianas de ação, incorporando-se como
conhecimento.

Dessa maneira o que esperamos com os objetivos de nosso trabalho é aprender | 745

uns com os outros, tendo consciência de construções de diversas identidades, por meio de
nossos sonhos, condutas, pelos nossos hábitos os quais também construímos ao longo de
nossas vidas. A citação acima nos deixa evidente que o sentido hermenêutico se constitui
de interpretações, e relações que podem se estabelecer entre as diferentes formas de ser,
estar, pensar e conviver num mundo histórico, social e cultural.
Muitas vezes ao longo de nosso percurso formativo pessoal e profissional é
preciso identificar as singularidades e pluralidades que as identidades possam apresentar
as quais também se formam, querendo ou não nós nos formamos, para não dizer que não

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aprendemos com nós mesmos, neste viés todo ser humano, é ator da construção de seu
conhecimento. Para não dizer que isto possa parecer um pensamento individualista é
preciso, reconhecer que auto-formação é algo como mesmo cita Josso (2004, p.58) assim
definido:
O que está em jogo neste tipo de conhecimento de si mesmo não é apenas compreender
como nos formamos por meio de um conjunto de experiências, ao longo da nossa vida,
mas sim tomar consciência de que este reconhecimento de si mesmo como sujeito mais
ou menos ativo, ou passivo segundo circunstâncias, permite à pessoa daí em diante,
encarrar o seu itinerário de vida...

A perspectiva aqui, é de regressar ao tempo de infância, como um caminhar para


si, o que a autora, compreende como um processo o qual se desenvolve pela tomada de
consciência. Neste processo, poderão ou não desenvolver um melhor conhecimento de si
mesmas, o que dependerá delas, reconhecerem-se no interior de uma vida como se está
fosse um projeto.
Ainda por meio de (Lima e Gomes, 2002), devemos compreender que o esta ação
nos cursos de formação de educadores, teria um efeito significativo ao considerar
educadores como trabalhadores intelectuais, capazes de articular o processo e o produto
de seu trabalho, criando condições para a reflexão em proveito da emancipação humana.
O que não maioria das vezes não acontece em nossas sociedades, o preconceito e até
mesmo o isolamento de universidades e da escola básica, assim como de instituições de
Educação infantil são fatores os quais dificultam um trabalho interdisciplinar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, por meio desta pesquisa, enfatizamos que o brincar durante a infância das
pedagogas entrevistadas de modo geral não foi contemplado na escola, de uma forma | 746
livre e espontânea. O movimento corporal nas escolas por onde estudaram ao longo de
suas infâncias seja por meio do brincar, ou não, foi desconsiderado como via de
conhecimento a qual promove aprendizagens. Sendo que a alfabetização foi marcante em
grande parte dos casos investigados estado presente nas narrativas das colaboradoras.
Em contrapartida, nota-se pelas quatro falas, que o brincar está ganhando mais
espaço no meio escolar, fato observado por meio dos relatos relacionados as suas atuações
nas instituições de EI, porém percebe-se no presente momento que o brincar não tem sido
abordado nas instituições de ensino superior em sua total importância. Em diálogo com

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as pedagogas, sendo unânime por consenso de ambos os cursos que os estudos sobre a
criança, o brincar e a infância pouco tem sido abordados, pelas grades curriculares de
ambos os cursos. Sendo assim, ainda hoje nota-se pelas falas a dificuldade, de ceder o
espaço para brincadeira na escola, pois não se trata de uma crítica aos atuas sistemas de
ensino, mas vale ressaltar que é um conjunto de fatores que vem ao logo dos anos
contribuindo para que as crianças não brinquem mais ou brinquem pouco.
Em suma, podemos analisar que as falas também revelaram uma concepção de
resgate do brincar, uma vez que este parece ter sido esquecido não somente por nós
adultos, mas também pelas crianças, as instituições escolares de EI, tanto de creches e
pré-escolas, pelas famílias, pelo uso indevido das TICs. Mais do que isso parece que ainda
a infância vive um futuro, um aceleramento pela ascensão da idade adulta, e a isso
também soma-se os impactos de informações que as crianças recebem das novas
tecnologias da informação e comunicação. Em geral grande parte das colaboradoras
tiveram pouco contato com brinquedos industrializados, sendo que grande parte delas
viveram suas infâncias em meio urbano.
Devemos considerar que não há considerações conclusivas e definitivas para o
estudo, pois por tratar-se de um assunto amplo, o mesmo não acabará aqui, este pode
apenas ser um ato de reflexão sobre o que nos tem acontecido, as crianças e a nós adultos.
Acreditamos que por meio de programas como o PIBID é possível aproximarmos mais
as realidades dos centros de formação de professores, a escola básica assim como em
instituições e EI, pois quanto a isso os esforços são visíveis e notáveis, mas ainda
consideramos que é preciso mais, mais no sentido de entender qual o lugar do brincar e
se movimentar dentro e fora da escola.
| 747

REFERÊNCIAS
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Campinas, SP: Autores Associados, 2009. (Acadêmico de Bolso).

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BRASIL. Ministério da Educação. Emenda Constitucional nº 59/2009- Educação Básica,
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CHARLOT, Bernard. Da Relação com o Saber ás Práticas Educativas/ Bernard Charlot


– 1ª.Ed. – São Paulo: Cortez, 2013. – (Coleção Docência em Formação: Saberes
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PERSPECTIVAS DE ANÁLISE DA CONSTITUIÇÃO DA
PROFISSIONALIDADE DO BACHAREL DOCENTE NA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

Shirleide Pereira da Silva Cruz


GEPFAPE-UnB-shirleidesc@gmail.com
Blenda Cavalcante de Oliveira
GEPFAPE-UnB-blendaoliveira@gmail.com
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva
GEPFAPE-UnB- katiacurado@unb.br

Resumo

Este trabalho faz parte de uma pesquisa sobre as dimensões constitutivas da


profissionalidade dos professores, bacharéis docentes, de Educação Profissional e
Tecnológica (EPT) no Instituto Federal de Brasília (IFB). Apresentamos aqui elementos
preliminares do estudo sobre a produção acadêmica sobre o bacharel docente na EPT e
no nível superior considerando a institucionalidade de nível superior que ganha após a
lei da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica e contexto da
verticalização. A pesquisa foi feita a partir das teses e dissertações defendidas no período
de 2008 a 2014, ou seja, a partir daquela lei. Os estudos identificados apontaram que
existem muitas semelhanças entre a docência tanto no IFs como em outros tipos de
instituições de ensino superior, contudo, o referencial epistemológico da relação entre o
mundo do trabalho e a educação parece ser um diferencial a ser aprofundando dada a
particularidade da modalidade da EPT. As limitações e contradições existentes entre o
reconhecimento positivo e negativo do campo pedagógico para a formação e atuação do
bacharel docente destaca a categoria profissional que aponta para as instituições e espaços
formativos como um elemento significativo para reconfigurar a profissionalidade docente
para aquela modalidade.

Palavras-chave: profissionalidade; bacharel docente; educação profissional.


| 750
Introdução

A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica foi instituída


pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 criando os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia. Estas instituições comumente têm sido chamadas de
Institutos Federais (IFs) e são voltadas para a educação profissional e tecnológica (EPT)
em nível médio e superior. São, então, estabelecimentos de ensino que oferecem dois
níveis distintos da educação escolar: educação superior e ensino médio, atuando também
nas modalidades educação de jovens e adultos (EJA), educação profissional e tecnológica,

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educação especial inclusiva e educação a distância (EaD). De acordo com Silva (2009, p.
22) a denominação instituições de educação superior (IES), básica e profissional confere
aos IFs uma natureza singular, na medida em não ser comum no sistema educacional
brasileiro atribuir a uma única instituição a atuação em mais de um nível de ensino.

Os docentes destas instituições se defrontam, então, com uma oferta educativa


diversificada no âmbito dos Institutos Federais. A característica dos IFs em oferecer
diversos níveis de ensino é chamada de verticalização em "diferentes níveis e
modalidades da educação profissional e tecnológica, tomando para si a responsabilidade
de possibilidades diversas de escolarização como forma de efetivar o seu compromisso
com todos" (BRASIL, 2008, p. 27). Da mesma forma os docentes se veem diante de uma
situação de trabalho que exige a verticalização das suas atividades pedagógicas.
O presente texto traz, então, dados preliminares da pesquisa mais ampla sobre a
construção da profissionalidade docente no Instituto Federal de Brasília. Partimos do
pressuposto de que o conceito de profissionalidade está em construção. Nesse sentido,
analisamos o conceito a partir da tríade, profissionalização, profissionalidade e
profissionalismo entendendo-a como a sistematização da dinâmica de construção dos
modos de ser e estar na profissão na interface das demandas de regulação social do
exercício profissional e as formas subjetivas do sujeito que se faz professor.
No caso dos bacharéis docentes que atuam ou vão atuar na educação profissional
essa relação entre a construção da profissionalidade e os aspectos mais amplos da
profissionalização se complexifica uma vez que a identidade profissional inicialmente
adquirida pelos sujeitos é a oriunda da formação de bacharel e a identidade docente vai
| 751
sendo construída tomando por base diversos elementos que nem sempre rompem com a
visão bacharelizante sob as quais aqueles foram formados.

Análise das pesquisas sobre a profissionalidade e o bacharel docente na educação


profissional

O estudo foi realizado a partir do levantamento bibliográfico de teses e


dissertações defendidas no período de 2008 a 2014 na base de dados da Capes e do
IBCTI. Esse recorte temporal se refere a lei que institui a rede federal e cria os Ifs. A

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partir das palavras-chave: profissionalidade docente, professor da educação
profissional e bacharel docente, identificamos um universo de 45 trabalhos referentes ao
período em estudo.
Com a palavra-chave bacharel docente identificamos 12 (doze) trabalhos nesse
período,dentre eles, 1 (hum) estudo foi realizado no contexto da educação profissional.
Assim, o trabalho de Moreira (2012) analisou os processos de formação e atuação de onze
bacharéis do Instituto Superior de Santa Catarina identificando que estes buscam soluções
individuais para as questões de ensino aprendizagem calcadas em suas experiências de
vida, sendo os conhecimentos didático-pedagógicos minimizados e até mesmo
desvalorizados pela maioriados bacharéis docentes.
Nos outros 11 (onze) trabalhos no contexto das demais instituições de ensino
superior além dos IFs , foi possível identificarmos alguns aspectos do estudo de Cruz e
Ramos (2015) ao destacar como a docência universitária tem sido estudada,
principalmente, após a implementação do sistema de avaliação do ensino superior, o
SINAES. As autoras, identificaram, então, três categorias analíticas principais, a saber:
i) uma profissional que desvela o reconhecimento da docência como campo profissional
do qual o professor bacharel necessita se apropriar; ii) uma institucional que reconhece
o espaço universitário como espaço socializador e de formação da profissão docente e
iii) uma humana, ou seja, que apresenta a docência como uma construção interativa tanto
com os pares como com os alunos (p.8).
A categoria profissional desvela o reconhecimento da docência como campo
profissional a ser apropriado e indica ainda a contradição entre a negação desta como
referencial para a atuação dos docentes universitários e, ao mesmo tempo, a afirmação do
| 752
conhecimento pedagógico como definidor do ser professor nesse nível de ensino. Esse
aspecto é referendado pela característica da docência universitária ter como principais
referenciais o domínio do conhecimento de referência da formação de bacharel e a
experiência profissional paralela ou anterior a atividade de ensino.

Dessa forma, o estudo de Santos (2011) teve como objetivo compreender como os
professores sem formação para a docência mobilizam seus saberes e quais as implicações
para a formação continuada do professor reflexivo-crítico. Contudo, chega à conclusão
de que o professor bacharel dos cursos investigados se baseia mais por uma racionalidade

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técnica que gera a constituição de uma pedagogia própria pautada na transmissão de
conteúdo não considerando a formação pedagógica como base para a docência, mas sim
os saberes da área específica da sua formação profissional.
Já o estudo de Machado (2012) buscou entender como os docentes veem sua
prática profissional em sala de aula e identificou que os docentes investigados veem
comodeterminante para sua atuação em sala de aula um bom conhecimento técnico, e
uma experiência rica no mercado de trabalho. A docência far-se-ia mediante a
transmissão desses conhecimentos técnicos e a própria prática pedagógica docente parece
ser ignorada em sua profissionalidade.
Saber as representações que os professores bacharéis fazem de si próprios como
professores e como atuam na configuração da sua prática docente foi o objetivo do estudo
de Rolindo (2011). A pesquisadora, então, identificou que os docentes universitários não
consideram a formação pedagógica como base para a identidade profissional e nem de
sua prática pedagógica docente. Esta tem como peso significativo os saberes da área de
formação. Contudo, há uma motivação favorável à profissão de professor.
O estudo de Guimarães (2008) teve como objetivo investigar que saberes
pedagógicos norteiam a docência de bacharéis docentes do curso de direito de uma
instituição de educação superior privada em Brasília concluindo que os saberes
pedagógicos dos docentes se pautam nos saberes disciplinares. Já os saberes da prática
vêm do contato com os alunos, da prática jurídica, ou seja, da formação de origem e de
modelos de professores que são copiados, negados ou adaptados.
Em síntese estes estudos se relacionam à categoria profissional de análise da
docência universitária uma vez que desvela que o campo pedagógico para o
| 753
reconhecimento do bacharel como um profissional do ensino ainda se apresenta de
maneira frágil e bastante contraditória.
Já a categoria institucional, cunhada por Cruz e Ramos (2015), reconhece o
espaço universitário/institucional como espaço socializador e de formação da profissão.
Nessa categoria, então, identificamos o trabalho de Lapini (2012) buscou analisar de que
forma os cursos stricto sensu tem formado os professores da área contábil partindo do
pressuposto que estes não têm atendido a contento o objetivo de preparação para a
docência daqueles professores. A pesquisadora pode identificar que os programas de pós-

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graduação se utilizam de três métodos principais visando à formação de professores:
disciplinas com preparação pedagógica, prática docente supervisionada, e atividades
complementares. Do universo de 19 programas analisados para a autora apenas 6 (seis)
poderiam ser considerados como espaços que formam docente destacando assim as
fragilidades que ainda permanecem frente à prerrogativa legal.
Nessa mesma linha de analisar a pós-graduação como espaço formativo para a
docência universitária o estudo de Mazilli (2008) procurou conhecer e analisar as
contribuições de processos formativos realizados por professores bacharéis em
Programas de Pós-Graduação em Educação, para o trabalho docente desses
profissionais. Assim, para os professores sujeitos desta pesquisa, a formação adquirida
no Mestrado em Educação contribuiu significativamente para qualificar o trabalho
acadêmico, confirmando a importância da pesquisa em Educação para a prática docente.
Para estes, então, a formação de professores universitários não se resume ao mero
oferecimento de disciplinas, como ocorre, via de regra, em cursos de licenciatura ou de
especialização (lato sensu), mas sim através da formação do pesquisador, capaz de
problematizar o conhecimento em sua utilização na prática social.
O estudo de Oliveira (2011) teve como objetivo compreender os sentidos
atribuídos pelos professores bacharéis à docência e a sua atuação na universidade,
buscando indicativos sobre as relações estabelecidas por eles, entre a sua formação
profissional e o ser professor. Os professores bacharéis participantes da pesquisa
destacaram que, por meio de formação continuada, os bacharéis docentes podem rever
suas ações e ressignificar os sentidos que atribuem à docência como profissão, denotando
que estariam assim abertos a se apropriarem de outras perspectivas de construção de sua
| 754
docência.
Ainda na perspectiva da categoria institucional para a análise da docência o
trabalho de Venturini (2009) aborda a importância dos saberes pedagógicos por bacharéis
que se tornam professores e a partir cinco etapas da Metodologia da Problematização com
o Arco de Charles Maguerez (VENTURINI, 2009, p. 14) visando refletir criticamente a
respeito da formação pedagógica de professores bacharéis. A problematização partiu de
três perguntas centrais: "Qual a importância da construção dos saberes pedagógicos pelos
bacharéis que se tornaram professores? Como tem ocorrido a construção dos saberes

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pedagógicos por esses professores? O que as IES poderiam realizar para suprir a ausência
de formação pedagógica de seus professores?" (p. 19). Destacando-se esta última
questão o estudo indicou a partir da problematização realizada pelos participantes da
pesquisa, que é necessário às instituições de ensino tanto requeiram quanto assumam o
compromisso de suprir a ausência de formação pedagógica de seus professores. Para
tanto, estas devem se utilizar de diferentes meios, tais como a avaliação institucional
como instrumento de verificação do desempenho do professor e dos resultados obtidos, a
realização de programas de formação de professores, a constituição de equipes pedagógicas
para subsidiar colegas em diferentes fases da carreira, entre outras.
A categoria a humana para a análise da docência universitária ou no ensino
superior a destaca como uma construção interativa. Essa construção se dá tanto com os
pares como com os alunos (CRUZ; RAMOS, 2015). As autoras apontam ainda que tal
categoria descreve estudos que resgataram processos formativos nos quais o referencial
de docentes significativos em suas trajetórias profissionais e de sua vivência de
estudantes, bem como outros espaços sociais são elementos constituidores da docência.
Assim, o estudo de Carvalho (2012) ao refletir sobre as tendências da prática
pedagógica do bacharel professor do curso de bacharelado na área de Comunicação
Social destacou que o professor aprende a ser professor a partir da sua experiência como
aluno e que a influência de outros professores tem sido tanto positiva quanto negativa
nesse processo de aprendizagem desenvolvido pelos sujeitos.

O estudo de Castro Júnior (2008) segue a mesma linha, ao investigar em que


saberes pedagógicos docentes bacharéis do curso de administração de empresas de uma
instituição privada de educação superior alicerçam sua docência, chegando a conclusão | 755
de que tais saberes se pautam nas experiências adquiridas no contato com a docência e
com a vida, contudo, os saberes pedagógicos devem ser acessados por meio de cursos de
técnicos, de especialização e mestrado. Ou seja, observa-se que o professor tem
construídos seus saberes pedagógicos docentes, mas, parece que precisaria ainda passar
por um processo formativo formal para o qualificar ainda mais.
Já o trabalho de Abdu (2011) ao estudar como se dá a construção da identidade
docente do professor de direito destaca que tal construção se pauta na clara compreensão
da função do direito na sociedade e como o professor vai contribuir com o entendimento

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do aluno para a sua apreensão. Assim, aquele pesquisador aponta que o professor de
Direito terá sua identidade quando assumir efetivamente o papel docente, preparando-se
para o seu exercício. Essa preparação culminará na utilização de metodologias que
despertem nos discentes o espírito investigativo e crítico, com o qual terão legitimidade
para procurar soluções que tragam melhores condições para a sociedade.
Em relação à palavra-chave profissionalidade docente dos 25 (vinte e cinco)
trabalhos apenas 2 (dois) tratavam do contexto universitário, 3 (três) analisaram o
contexto da educação profissional e 1 (hum) analisou a pós-graduação como lócus
formativo para a docência universitária.
Do contexto universitário o trabalho de Ellery (2009) buscou refletir sobre o uso
da imagemvisual dos docentes como um elemento adicional a constituir a imagem
profissional docente e identificou que alunos participantes da pesquisa consideraram
fundamental o cuidado da imagem profissional dos docentes, uma vez que a entenderam
como um componente da profissionalidade docente que interfere no processo de
empatia e motivação. Essacaracterística, então, endossa o caráter humano da análise e da
formação da docência.
O trabalho de Azevedo (2011) buscou compreender os processos de
aprendizagem para a docência universitária decorrentes da integração dos saberes do
ensino e da pesquisa na atividade de orientação da monografia e percebeu que as
estratégias desenvolvidas na orientação revelam a prática e a experiência como campo
pedagógico de aprendizagem servindo como suporte para o desenvolvimento da ação
docente, contudo, estas nem sempre contribuem para o desenvolvimento da
profissionalidade necessária ao docente universitário parecendo dar mais ênfase ao papel
| 756
de pesquisador.
Do contexto da educação profissional o trabalho de Florentino (2013)
problematiza o tema da formação continuada no âmbito do ensino técnico
profissionalizante tendo como referência uma visão complexa da ação docente frente às
mudanças na educação. Chega à conclusão de que os professores querem mudar sua ação,
mas muitas vezes não conseguem desenvolver caminhos metodológicos para a renovação
de sua prática por diferentes fatores. Percebe-se também que a formação continuada é
questionada por alguns professores, alegando ser necessário repensá-la. Esses últimos

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aspectos endossam a categoria institucional de análise e construção da docência
destacando, assim, o quanto a escola e demais espaços de formação continuada precisa
ainda ser mais bem estudados e ressignificados.
O estudo de Nicolodi (2008) buscou analisar como a identidade da profissão
docente se constitui em professores do ensino técnico concluindo que estes ancoram
sua identidade profissional na profissão de origem e não na profissão docente,
considerando os saberes da sua prática profissional como imprescindíveis para o
exercício do magistério, contudo, veem que a formação específica para a docência pode
fazer diferença na qualidade da sua atuação como professor.
Já o estudo de Helmer (2012) ao compreender o processo de constituição da
profissionalidade de professores do IFSP em um contexto de construção identitária
vivenciado atualmente pela instituição apontando que as dificuldades e dilemas desses
professores se assemelham aos dos professores de nível superior, sobretudo na questão
da identidade docente, a aprendizagem para a docência, o percurso formativo e a
necessária mudança de paradigma.
Por fim, o trabalho de Ferraz (2012) analisou a pós-graduação como um espaço
particular de atuação dos docentes no ensino superior e que tem nele implicado a forma
de avaliação da Capes a qual, por sua vez, influencia na configuração da
profissionalidade docente ao fomentar o exercício individualizado fragilizando o
desenvolvimento de um trabalho coletivo. Como enfrentamento e crítica dessa condição
os docentes da pós-graduação destacaram a importância de valorizar outros espaços de
formação, para além da pesquisa nos programas, como as aulas, as atividades extensão e
a gestão.
| 757
Com a palavra-chave professor da educação profissional identificamos 6 (seis)
trabalhos sendo que um deles já figurava no universo da palavra-chave profissionalidade
docente totalizando, assim, 5 (cinco) trabalhos relacionados àquela palavra-chave.
Desses cinco trabalhos 2 (dois) trabalhos versavam sobre a docência da educação
profissional de forma geral sem destacar um nível ou modalidade específica. Outros 2
(dois) trabalhos focalizaram a análise na educação básica em cursos técnicos de nível
médio e no PROEJA ou seja, a educação profissional articulada a modalidade da EJA, e,
apenas 1 (hum) focalizou o ensino da língua portuguesa num curso superior tecnológico.

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O estudo de Urbanetz (2011) problematizou como formar professores para a
educação profissional considerando as características dessa modalidade de ensino e o
compromisso com a classe trabalhadora destacando que nesse processo de formação urge
a necessidade de vinculação da ação docente ao mundo do trabalho e não somente ao
mundo do emprego tal qual se encontra na atualidade. Já Gomes (2012) buscou traçar o
perfil do professor da educação profissional tendo por base um questionamento central:
Quem é o professor da educação profissional compreendendo também seu processo de
formação e sua visão da docência como profissão. A autora, então, conclui que apesar do
"pré-conceito" inicial em relação à pedagogia, após vivenciarem cursos de licenciatura,
em sua maioria de complementação pedagógica, os professores perceberam mudanças em
suas práticas docentes. Gomes destaca ainda a definição do professor da educação
profissional como um profissional em formação contínua se aproxima mais da sua
realidade e pode romper com uma visão de senso comum que o define como um "não
professor". Argumenta, então, que

[...] os cursos realizados, a vivencia em sala de aula e a troca de


experiências com outros docentes é quem determinam este professor,
que, por sua individualidade e autonomia, não pode ser considerado com
um padrão único (p. 107).

Os estudos que se referiram à educação básica (técnico integrado e PROEJA)


foram os de Auarek (2012) e Fernandes (2012). O primeiro buscou analisar como é
composta a qualidade das relações de cooperação entre professor e aluno em um
laboratório de ensino, e algumas influências dessa relação para a atividade de trabalho
docente de um professor da educação profissional técnica de nível médio. O pesquisador, | 758
baseado em Paulo Freire destacou que tal vivencia aponta para valores e saberes
estudados em suas dimensões epistemológica e ética com vistas à construção da
autonomia. Já o segundo trabalho analisou dos processos identitários docentes de
professores que lecionam no PROEJA, do IFCE, campus Fortaleza, evidenciando, entre
os professores, percursos dinâmicos de encontros com a docência, ora por ato de
pertencimento ou identificação, ora por atribuição. Observou ainda a existência de
processos inconclusos e alguns momentos contraditórios, permeados por uma
reflexividade sobre o ato de ensinar a pessoas jovens e adultas, caracterizado por um jogo

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de identificação entre as identidades para outro, atribuídas pelos sistemas peritos - ser
professor de EJA - e a identidade para si - ser professor da educação profissional.
O último trabalho dessa palavra-chave professor da educação profissional foi o
de Valezi (2014) que investigou o agir do professor de língua portuguesa em um contexto
de ensino superior tecnológico de uma Instituição Federal de educação profissional
identificando que esse agir não tem prescrições claras, é constantemente reconfigurado
pelas transformações institucionais em níveis nacional e local, pelas coerções do mundo
do trabalho e da modernidade tardia decorrente das novas tecnologias.

Sínteses e considerações

Diante do exposto foi possível percebermos que há pouca pesquisa sobre o


trabalho do bacharel docente no contexto dos IFs em detrimento dos estudos sobre o
bacharel docente em outros contextos, tais como instituição universitárias e faculdades
privadas, isso se justifica por ser uma política pública recente na qual a natureza
institucional que a criação da Rede Federal de Educação Profissional trouxe, fazendo-os
se equivaler às demais IES. Essa política não completou nem uma década de existência.
Percebemos também certo silenciamento em relação à verticalização como uma
questão importante a ser estudada. Considerando-a como um princípio legal a serem
seguidos pelos IFs, uma vez que, na Lei de criação da Rede Federal essa verticalização
tem o objetivo de otimizar recursos físicos e humanos, não foi identificado nenhum estudo
que a problematizasse como um elemento constituidor da profissionalidade docente na
educação profissional e tecnológica que estabelece relações com o contexto da educação
| 759
básica e o do ensino superior.
Assim como Helmer (2012) concluímos que não existe grandes diferenças dos
resultados de estudos que analisaram a docência tanto no IFs como em outros formatos
de instituições superiores. Contudo, destacamos que os estudos de Gomes (2012) e de
Abdu (2011) aponta para um princípio epistemológico interessante para a análise da
docência na educação profissional. Esse princípio diz respeito ao estabelecimento de uma
relação adequada entre a pratica educativa e o mundo do trabalho, destacando-se assim, a
compreensão clara da função social da formação profissional que o docente da EPT está

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implicado.
Por fim, percebemos como ponto em comum, tantos nos estudos do contexto
universitário de forma geral como o da educação profissional tecnológica a importância
da categoria profissional pelo reconhecimento do papel das instituições/espaços de
formação e de atuação profissional dos docentes como lócus relevantes para que estes se
apropriarem de outras perspectivas de construção da docência para além de uma
perspectiva empírica que ainda está fortemente presente nas análises de modo a qualificar
os saberes e práticas docentes desenvolvidos. Dessa forma, o conhecimento e a pesquisa
sobre educação se revelaram como um elemento significativo assim como a assumência
das instituições do processo de formação continuada e em serviço de modo a atenuar os
individualismos e, por vezes, a solidão sob a qual muito professores da EPT tem
construído a sua profissionalidade. Assim, das limitações e contradições existentes entre
o reconhecimento positivo e negativo do campo pedagógico para a formação e atuação
do bacharel docente destaca-se a categoria profissional que aponta para as instituições e
espaços formativos, tais como os da pós-graduação stritcto sensu, como um elemento
significativo para reconfigurar a profissionaldiade docente para aquela modalidade.

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| 762

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AS REFORMAS EDUCACIONAIS NA REDE ESTADUAL
PAULISTA E AS ALTERAÇÕES LEGAIS NO TRABALHO
DO PROFESSOR COORDENADOR PEDAGÓGICO:
AVANÇOS E RECUOS

Maria José da Silva Fernandes

UNESP/FC

mjsfer@fc.unesp.br

Resumo

Este artigo apresenta os resultados de um estudo bibliográfico-documental que teve como


principal objeto de análise a legislação relativa à função de “Professor Coordenador Pedagógico”
na rede pública estadual paulista, especialmente as resoluções publicadas pela Secretaria de
Estado da Educação. O período de análise foi definido a partir da resolução inicial que, em 1996,
estabeleceu os critérios para a designação da função até o presente ano, 2016, considerando-
se neste interstício as sucessivas medidas educacionais de natureza neoliberal que ocorreram
na referida rede de ensino e que impactaram o exercício do trabalho docente. A análise dos
documentos legais nos permite o acompanhamento das mudanças legais que afetaram a
coordenação pedagógica no âmbito de um amplo projeto educacional marcado por princípios
performáticos e gerencialistas. A função de coordenação pedagógica originada em contextos
democráticos e disseminada em meio a uma nova possibilidade de gestão, foi apropriada pelas
reformas com fins de controle do trabalho docente e disseminação de medidas oficiais. Neste
contexto, profundas alterações ocorreram na natureza da função notadamente no que se refere
à sua denominação, à justificativa para sua existência e às suas atribuições legais.

Palavras-chave: Coordenação pedagógica; reformas educacionais; alterações legais.


| 763

A coordenação pedagógica no contexto de duas décadas de reformas educacionais

A rede estadual paulista, a maior do país, vivenciou a partir da segunda metade da


década de 1990 a implantação sucessiva de medidas educacionais que impactaram o trabalho
docente e a organização escolar. As mudanças provocadas no campo educacional ocorreram de
forma gradual, porém, bastante articuladas e em grande número, características estas dos
próprios princípios adotados pelo gerencialismo e pela performatividade, como expresso por
Ball (2005). A ocorrência das mudanças, que contraditoriamente acarretaram profundas

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permanências, foi favorecida pelo governo de quase duas décadas de um mesmo partido
político. As medidas educacionais implementadas desde a segunda metade da década de 90
foram parte de um amplo projeto de reestruturação baseado na reforma do Estado. Em alguns
momentos as medidas tomadas pareceram diferenciadas e com certo toque “inovador”, o que
se conseguiu por conta da retórica dos reformadores e da apropriação de bandeiras políticas
caras aos movimentos em defesa da escola pública. No entanto, neste período vivenciou-se, de
maneira geral, um projeto educacional bastante conservador, cerceador e favorecedor dos
processos de privatização.

Ao analisar as medidas reformistas implementadas no período, notamos que as


primeiras grandes alterações chegaram às unidades via “Escola de Cara Nova” (São Paulo,
1996a), projeto que incluiu, em um amplo espectro, alterações que envolveram desde os
aspectos pedagógicos e organizacionais até a gestão dos recursos financeiros pelos agentes
escolares, iniciativas baseadas no que Ball (2002) denominou “gestão baseada no local”. Entre
a série de mudanças vivenciadas pelos docentes paulistas no âmbito desta denominada reforma,
nos detivemos na expansão da função de Professor Coordenador Pedagógico (PCP). A partir da
Resolução 28 (São Paulo, 1996a), a função passou a estar presente em todas as unidades
escolares com mais de dez classes em funcionamento, em acordo com o artigo nº 21 da Lei 444
(São Paulo, 1985). Neste momento inicial, a função guardou vários dos princípios destinados à
coordenação pedagógica, devendo ser responsável, entre outras coisas, pela organização do
horário de trabalho pedagógico coletivo e pela articulação colegiada das atividades pedagógicas.

Nesse sentido, a expansão da função160 no âmbito da reforma educacional


neoliberal atendeu, contraditoriamente, as reivindicações dos movimentos docentes
organizados que há vários anos defendiam a presença da coordenação pedagógica | 764
nas escolas da rede estadual, especialmente, enquanto função, já que a carreira
aberta poderia permitir aos professores a designação para exercício de suas
atribuições, não constituindo-se a mesma como cargo vinculado à estrutura
hierárquica da SEE. Os estudos realizados por Teixeira (1988) e Fernandes (2004),
corroborados pelas publicações sindicais (São Paulob) apontaram que, desde meados

160
É importante registrar que a função já existia na rede estadual, mas, antes de 1996, estava limitada a
projetos específicos da pasta da Educação, tais como o Ciclo Básico, CEFAM e Escola Padrão
(Fernandes, 2004)

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da década de 70, ocorreram em São Paulo reivindicações para garantir nas escolas a
presença de professores responsáveis pela articulação do trabalho pedagógico, numa
clara menção à possibilidade de uma gestão democrática.

Porém, se inicialmente a incorporação da função reivindicada coletivamente


foi por um lado vista como um avanço, por outro, esta mesma função foi sendo
moldada (pelo menos do ponto de vista legal) aos interesses dos projetos oficiais da
SEE/SP. A partir da “Escola de Cara Nova”, a rede pública estadual conheceu outros
dois amplos programas governamentais: a “Escola do Acolhimento” e “São Paulo faz
escola”. De maneira geral, estes novos programas lançaram outras medidas e
projetos que complementaram e intensificaram a gestão gerencialista e performática
no interior das escolas. A partir destes, foram aprofundados, por exemplo, os
elementos voltados para a política de avaliação do desempenho das escolas e dos
professores, definindo padrões de conduta e de trabalho dentro das escolas.

Neste cenário de sucessivos programas e projetos, a função de professor


coordenador não passou ilesa e se num primeiro momento incorporou elementos
voltados à autonomia e ao trabalho coletivo, passou, com as várias resoluções
publicadas no período, a ser “mecanismo de apoio à gestão pedagógica da escola
para implementação de ações estabelecidas pelo Programa Educação – Compromisso
de São Paulo” (São Paulo, 2013). Consideramos que as várias resoluções explicitaram
claramente posições assumidas pela SEE/SP, como já abordado em artigo anterior
(Fernandes, 2012). Desta forma, a análise geral das principais resoluções relativas à
| 765
função que aqui iremos considerar – 28/1996, 76/1997, 35/2000, 66/2006, 88/2007,
90/2007, 53/2010, 21/2010, 22/2012, 35/2013, 75/2014, 03/2015 e 19/2015 – nos
levaram a inferir que as sucessivas alterações legais reduziram as margens de
autonomia dos coordenadores pedagógicos e geraram dúvidas nos ocupantes da
função ao estabelecer processos, atribuições e denominações distintas.

Dados os limites estabelecidos por um artigo, nos propomos aqui a apresentar


apenas alguns aspectos principais das resoluções.

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Da função articuladora à função gerencial/controladora: os caminhos legais

A partir da análise das supracitadas resoluções publicadas pela Secretaria de Estado da


Educação que versam sobre a função de coordenação pedagógica, identificamos aspectos
relativos ao trabalho que passaram por alterações legais muito significativas, mudanças estas
que provocaram implicações diretas para a organização escolar, aproximando o PCP de
atividades gerenciais e controladoras.

Um aspecto central é que a partir da resolução inicial (São Paulo, 1996a), a


coordenação pedagógica centrada nas escolas foi assumida como coordenação de
programas e projetos – Escola Integral, Centro de Línguas, Centro de Educação de
Jovens e Adultos – e até mesmo como função lotada nos Núcleos Pedagógicos das
Diretorias de Ensino161. Ponderamos que assim como dividiu os professores em
diversas categorias, fragmentando-os e contribuindo para a fragilização da noção de
classe profissional (Santos, 2016), a SEE/SP fez o mesmo com a coordenação
pedagógica, publicando distintas resoluções com atribuições díspares para situações
e projetos com objetivos diversos, destoando da concepção inicial da função que
houvera sido apresentada em 1996 (Fernandes, 2012).

Ao analisar a legislação, observamos que a denominação atribuída à função de


coordenação pedagógica ao longo das duas décadas foi alterada. Na Resolução 28/1996, o
docente era designado para o exercício da função de professor coordenador pedagógico –
PCP162. A partir da Resolução 35/2000, a função passou a ser denominada apenas professor
coordenador – PC. Consideramos que a supressão do termo pedagógico não foi uma alteração
insignificante na denominação (Fernandes, 2012), mas uma mudança substancial no principal
| 766
elemento de identidade da função, uma vez que a coordenação pedagógica se ocupa da
mediação dos processos mais amplos ocorridos na escola com vistas à melhoria das atividades
pedagógicas realizadas em sala de aula. A essência da função é o trabalho pedagógico como
expressão do projeto definido coletivamente. A supressão do termo alterou, portanto, aquilo
que caracterizava o trabalho, institucionalizando-se a possibilidade da atuação do PCP em outras

161
As escolas da rede estadual paulista estão vinculadas às Diretorias Regionais de Ensino as quais
apresentam Núcleos Pedagógicos que funcionam como polos de divulgação e acompanhamento das
políticas internas da Secretaria.
162
Pela importância do termo “pedagógico” na constituição e identidade da função, utilizamos ao longo do
texto a denominação PCP, mesmo após as alterações legais.

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e variadas tarefas que nem sempre correspondiam ao necessário e devido campo de trabalho
do coordenador pedagógico.

O que inicialmente era uma hipótese que levantávamos (Fernandes, 2012), foi de fato
se efetivando nas diretrizes legais, uma vez que foi possível, posteriormente, identificarmos
como atribuição específica do coordenador de área “substituir, em situações excepcionais, os
professores da escola em suas ausências e impedimentos legais de curta duração, exceto quando
se tratar de aulas da disciplina de Educação Física” e “responder pela direção da unidade escolar,
em caráter excepcional e somente em termos operacionais, em ocasional ausência do Vice-
Diretor, nos períodos em que o Diretor estiver atuando como agente difusor e multiplicador do
modelo pedagógico da respectiva escola” (São Paulo, 2015b).

Consideramos que tais alterações são graves ataques à coordenação pedagógica, pois,
além de retirarem parte de um tempo já insuficiente que deveria ser voltado para a organização
e formação do trabalho coletivo, estabeleceram como atribuições atividades diretamente
relacionadas à docência e à direção escolar. No caso específico da docência, identificamos o
risco eminente do PCP assumir uma situação precária como professor volante, ocupando as
horas destinadas às funções pedagógicas para trabalhar com conteúdos diversos à formação
inicial.

Registramos que estudos já realizados na rede paulista (Santos, 2016; Barbosa, 2011;
Aranha, 2007) indicaram o elevado número de professores que se ausentavam recorrentemente
das atividades docentes pelos mais diversos motivos, exigindo a atuação diária de professores
substitutos, sempre em número menor que as ausências. Santos (2016), apresentou dados
alarmantes acerca destas ausências dos professores. Ao considerar dados do sindicato oficial, a
referida autora apontou que no ano de 2010, durante seis meses, 19 mil professores saíram em | 767

licença médica, sem contar as faltas diárias (abonadas, justificadas etc.). Levando-se em conta
dados desta natureza, inferirmos que o professor coordenador pedagógico (muitas vezes
concursado e com vários anos de trabalho na docência) poderia vir a ser um professor precário
exercendo um trabalho decorrente de uma situação histórica para a qual o Estado não tem
criado alternativas viáveis. Desta forma, entendemos que abriram-se brechas legais para que o
já denominado “faz tudo” ou “Bombril” assumisse novas atribuições “tapando buracos”
estruturais na rede pública paulista.

Mas, se essas atribuições nos chamaram atenção, outras também não poderiam

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deixar de ser consideradas, principalmente aquelas estabelecidas a partir de 2007 quando
se efetivou o programa “São Paulo faz Escola”. O referido programa foi um incisivo
projeto neoliberal para a educação paulista, estabelecendo dez metas que envolveram
aspectos como redução das taxas de evasão, retenção e desempenho escolar; ampliação
da alfabetização e dos processos de recuperação; estabelecimento de um currículo oficial;
ampliação dos programas de formação continuada; melhoria da infraestrutura da rede e
ampliação da municipalização e descentralização do ensino e da merenda. Para cumprir
as mencionadas metas, a SEE estabeleceu ações e medidas que tiveram impacto direto na
organização escolar (Russo e Carvalho, 2012). No contexto deste Programa alguns
aspectos foram ressaltados, tais como a política curricular, por meio da publicação dos
Cadernos do Aluno e do Gestor, e a atuação do Professor Coordenador nos processos de
mudança vivenciados pelas escolas.

A partir da Resolução 88/2007, publicada como parte do Programa São Paulo faz
Escola, a coordenação pedagógica deu uma grande guinada do ponto de vista legal no
sentido de afinar-se às medidas reformistas. Neste ano, inclusive, foi aprovada a Lei
Complementar nº 1018, ironicamente no dia destinado aos professores, que “instituiu a
Gratificação de Função aos servidores”. Ou seja, os integrantes de classes de docentes
do Quadro do Magistério, que estivessem em exercício nas unidades escolares designados
como professores coordenadores receberiam a partir daquele momento a importância
percentual de 15% sobre a escala de vencimentos. Apesar de parecer uma forma de
valorização da função, a criação da gratificação contribuiu para reestabelecer a combatida
hierarquia na rede pública de ensino e o enquadramento do trabalho a partir da maior
aproximação entre a coordenação pedagógica e os órgãos centrais e intermediários da | 768
SEE/SP. A carreira aberta que, desde 1985, com a aprovação do Estatuto do Magistério,
tornava possível aos professores assumirem a coordenação pedagógica sem alteração
salarial (a variação dava-se apenas pelo maior número de horas trabalhadas) era defendida
pelo sindicato como forma de democratização das relações de trabalho, combatendo a já
existente diferença entre executores e executantes que era tão marcante na rede estadual.

Foi também a partir do ano de 2007 que a competição, a eficiência e a


produtividade introduzidas na rede ganharam condições legais para efetivar novas
formas de disciplina e novos sistemas éticos nas escolas, favorecendo o controle

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docente e o enquadramento ao modelo administrativo proposto. Neste sentido, a
coordenação pedagógica foi sendo assumida como necessária na gestão e
implementação das políticas oficiais. A tão defendida autonomia, por exemplo,
ganhou outro significado neste contexto e, contraditoriamente, passou a justificar a
dimensão individual do trabalho em detrimento da organização coletiva como
aprendizagem social e política. Para novos projetos, foram atribuídas novas tarefas
aos coordenadores pedagógicos, alterando-se as regras e os rumos do trabalho
realizado nas escolas, o que impôs aos ocupantes da função atribuições diferentes
daquelas inicialmente apresentadas e partilhadas pelos professores ao longo dos
anos.

Alterações significativas, neste sentido, foram identificadas nos objetivos e


justificativas legais apresentados para a existência da função na rede estadual. A
função inicialmente se justificava por sua importância na realização de ações voltadas
para a articulação do trabalho coletivo e para a construção do projeto político
pedagógico (São Paulo, 1996a), aproximando-se do ideário progressista que via na
coordenação pedagógica uma possibilidade de fortalecimento da gestão escolar
democrática, bem como de construção da autonomia docente. Como apontado por
Russo (2012), a coordenação é uma prática específica no âmbito da gestão que se
contrapõe ao modelo burocrático e autoritário de administração. Posteriormente, a
função passou a ser apresentada como um dos “pilares estruturais da atual política
de melhoria da qualidade do ensino” (Resolução 88/2007) e os professores
responsáveis pelo trabalho como “gestores implementadores das políticas oficiais” | 769

(Resolução 53/2010), afinando-se a função do ponto de vista legal aos propósitos


gerenciais e performáticos das reformas educacionais recentes. A Resolução 22/2012
justificou que a coordenação pedagógica tinha a incumbência de intervir na prática
docente, incentivando os professores a diversificarem os meios e as técnicas de
aprendizagem, com vistas à melhoria e eficácia do trabalho, posição ratificada pela
Resolução 75/2014.

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Observamos que de responsável pela ação articuladora e do papel central ocupado no
aprimoramento do processo ensino-aprendizagem nas unidades escolares (Resoluções 28/1996
e 76/1997), os PCPs passaram a cuidar da otimização dos recursos e das parcerias escola-
comunidade (Resolução 35/2000), a ter espirito de liderança e dinamismo (Resolução 75/2014)
para analisar índices e indicadores externos de avaliação de sistema e desempenho das escolas,
propagando os projetos e programas da SEE/SP (Resoluções 88/2007, 90/2007, 75/2014 e
19/2015). Nas resoluções, os PCPs passaram a ser responsabilizados pela elevação dos níveis de
desempenho escolar expressos nos resultados das avaliações externas, indicando mais
claramente para a atuação dos mesmos como “gerentes” das reformas educacionais, a quem
coube o monitoramento do trabalho docente e a disseminação das propostas oficiais.

Em estudo voltado para a análise do programa “São Paulo faz Escola”, Rodrigues (2011)
identificou o papel de monitoramento direto e indireto dos PCPs junto aos professores dos anos
iniciais, cerceando a autonomia docente:

Uma vez por semana os professores coordenadores passaram a receber


orientações elaboradas pela SEE através de reuniões semanais na Diretoria
de Ensino. Após as reuniões os professores coordenadores repassam aos
professores, através das HTPC, a formação recebida. Se por um lado a reunião
coletiva passa a ter mais discussões e troca de experiências, o que pode ser
considerado um ponto positivo, por outro, todas as discussões e orientações
caminham unilateralmente no sentido de que sejam colocadas em prática as
orientações e projetos desenvolvidos pela SEE, o que pode significar
impositividade e cerceamento da autonomia docente (RODRIGUES, 2011, P.
148).

No cotidiano, tornaram-se comuns as entradas nas salas de aula para verificação e


adequação da metodologia e conteúdos ensinados à proposta pedagógica oficial do Estado de
| 770
São Paulo, uma “proposta” imposta verticalmente sem a participação efetiva dos professores
(Cação e Mendonça, 2011). Nesta situações passaram a ser exigidos dos PCPs o preenchimento
de cadernos de bordo com o monitoramento docente e as avaliações das ações cotidianas,
apontando mais para uma atuação de inspeção e supervisão no sentido clássico da
administração do que de parceria e apoio pedagógico. Sobre este aspecto, a Resolução 75/2014
apresentou elementos no mínimo interessantes, uma vez que definiu como atribuições dos
coordenadores que atuavam nos Núcleos Pedagógicos em relação aos coordenadores que
atuavam nas escolas: “verificar os registros de observação realizados pelo PC da unidade escolar
sobre a gestão da sala de aula, para análise e monitoramento de ações de formação” e também

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“verificar o plano de formação continuada do PC, bem como os registros das reuniões nos
horários de trabalho pedagógico coletivo, para identificação das formas de implementação do
currículo”.

Dada a proximidade com o trabalho realizado nas escolas pelos professores, os PCPs
passaram a ser, sob o ponto de vista legal, os “olhos e ouvidos do rei”, facilitando “o papel de
monitoramento do Estado, que governa à distância - governando sem governo” (Ball, 2005, p.
548). Num claro movimento de controle e monitoramento das escolas para implantação do
currículo oficial e obtenção de índices de desempenho nas avaliações externas, as reformas
gerencialistas e performáticas se apropriaram da função, reduzindo os espaços
tradicionalmente marcados pela autonomia e atuação ativa dos PCPs. Se nas resoluções iniciais
(28/1996 e 76/1997) o foco do trabalho era a elaboração e desenvolvimento do projeto político
pedagógico definido a partir do diagnóstico da própria escola, passou, com o tempo, a ser o
atendimento às determinações estabelecidas externamente. Desta forma, os espaços de
desenvolvimento profissional e fortalecimento da autonomia escolar foram não só reduzidos,
mas também controlados de fora para dentro.

Os momentos de encontros coletivos – antes HTPC163 e agora ATPC164 - que eram


espaços de atuação privilegiada dos ocupantes da função, passaram a ser organizados em torno
dos materiais elaborados pela SEE/SP e, portanto, das exigências postas pelas medidas
reformistas. A partir de 2007, os PCPs passaram a utilizar (quase obrigatoriamente) como base
para as reuniões coletivas o “Caderno do Gestor” (São Paulo, 2007a), espécie de manual oficial
de trabalho que apresentava desde as temáticas que deveriam ser abordadas nas escolas até a
definição do tempo para as atividades e a duração da pausa para o café durante os encontros
(Fernandes, 2012; Russo e Carvalho, 2012). O Caderno do Gestor, parte dos documentos que
| 771
compunham a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (São Paulo, 2007b) desconsiderou
tanto a importância do exercício da autonomia docente no planejamento das ações pedagógicas
como as necessidades específicas de cada unidade escolar neste processo. Na Proposta, o PCP
foi identificado como “líder e animador da implementação dessa proposta curricular nas
escolas” (São Paulo, 2007b). Na Resolução 03/2015, foi estabelecido que os momentos coletivos
deveriam “ter como prioridade o planejamento, a organização e o desenvolvimento de

163
HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo.
164
ATPC – Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo.

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atividades pedagógicas, utilizando os materiais didáticos, impressos ou em DVD, e os recursos
tecnológicos, sobretudo os disponibilizados pela Secretaria da Educação”.

Obviamente que a legislação tem um peso muito forte na organização do trabalho do


PCP, principalmente se este não tiver uma formação voltada para os aspectos críticos e
autônomos da função. Aconteceu, porém, que neste período que analisamos, foram reduzidos
os espaços de formação dos coordenadores pedagógicos165, além de ampliados os mecanismos
de controle de seu trabalho. Se dos PCPs passou a ser cobrado o controle docente, para os
gestores e supervisores166 sobrou o monitoramento da coordenação pedagógica nas escolas.
Neste sentido, a participação dos professores nos processos de escolha e avaliação dos
coordenadores pedagógicos foi extinta. A partir de 2007, todas as resoluções publicadas
definiram que a decisão pela entrada e permanência dos PCPs na função gratificada seria
responsabilidade única dos diretores e supervisores, um forte golpe nos procedimentos
democráticos de escolhas que foram estabelecidos nas resoluções iniciais, como apontamos em
artigo anterior (Fernandes, 2012). Esta alteração comprometeu a articulação do trabalho
coletivo e a corresponsabilidade docente na composição da equipe gestora e, mais sério,
estabeleceu como critério prioritário para continuidade na função a correspondência às
atribuições do posto de trabalho – atribuições estas voltadas para a disseminação de propostas
da SEE/SP e controle/monitoramento do trabalho docente.

Acompanhando as alterações no processo de escolha e avaliação dos PCPs, observamos


que este teve relação com a ampliação do controle externo sobre as escolas, favorecendo a
concentração de poderes nas mãos daqueles que hierarquicamente tinham uma posição
superior na organização do sistema educacional e que, muitas vezes, no trabalho cotidiano,
manifestavam traços e ranços herdados de uma administração escolar burocratizada e
| 772
centralizadora. As alterações indicaram o distanciamento dos órgãos centrais/intermediários e
dos gestores escolares das necessidades e desejos docentes. Do ponto de vista da gestão
democrática tal fato foi grave, já que a escolha do coordenador se constituía num dos raros

165
É importante registrar que os ocupantes da função são sempre professores que não receberam uma
preparação específica para atuação na coordenação pedagógica. As pesquisas que realizamos
(Fernandes, 2008 e 2012) indicaram claramente que a formação continuada oferecida pela SEE/SP
aproximou-se mais de uma “deformação”, já que nestes momentos os PCPs são estimulados a seguir
preceitos da Secretaria.
166
No Estado de São Paulo a supervisão é um cargo lotado nas Diretorias Regionais de Ensino e os
supervisores são responsáveis pelo acompanhamento das atividades pedagógicas em várias unidades
escolares ligadas às DEs.

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momentos em que a “voz” (Giroux, 1997) e a decisão docente eram consideradas. Até o ano de
2010, as resoluções garantiram a participação docente na escolha e avaliação dos PCPS,
proporcionando o aprimoramento das relações democráticas e o fortalecimento do trabalho
coletivo, bem como o surgimento de novas e ricas formas de gestão escolar marcadas pela
partilha de poderes. A partir da Resolução 53/2010, a participação docente foi extinta, bem
como a necessária e exigida inicialmente proximidade entre o projeto de trabalho do
coordenador pedagógico com as necessidades escolares.

A partir do ano de 2010, a centralização da escolha foi exigindo dos coordenadores


pedagógicos uma preocupação com o atendimento ao oficialmente estabelecido. Até mesmo a
aprovação em avaliação escrita do processo seletivo exigida desde a Resolução 28/1996 caiu por
terra, assim como a necessidade de elaboração e apresentação de uma proposta de trabalho
que atendesse ao projeto pedagógico da escola. Aliás, o projeto pedagógico, exigência legal
posta pela LDB/1996, tornou-se mero instrumento burocrático num contexto em que as
decisões foram tomadas a partir de metas e ações vinculadas a programas específicos da pasta
da Secretaria. Assim, por que atender a um projeto se não será mais ele a determinar ações da
escola? A Resolução 75/2014, por exemplo, estabeleceu os critérios que atualmente estão em
vigor para escolha dos coordenadores pedagógicos, dentre os quais destacamos: “a
compatibilização do perfil e qualificação profissional do candidato com a natureza das
atribuições relativas ao posto de trabalho a ser ocupado” e “a valorização dos certificados de
participação em cursos promovidos por esta Secretaria da Educação”. Num contexto de novos
programas e projetos de natureza gerencial e performática, a coordenação pedagógica voltou-
se mais para o cumprimento de determinações externas, sendo este o perfil exigido para a
função. Ao ser incorporada a novos contextos educacionais, a coordenação pedagógica
| 773
desprendeu-se de seus objetivos e princípios iniciais – articulação do trabalho coletivo –
voltando-se ao monitoramento e controle das atividades docentes, especificamente aquelas
que destoam do programa São Paulo faz Escola para o qual os professores não foram chamados
a discussão.

Considerações Finais

A análise da legislação específica acerca da coordenação pedagógica no


Estado de São Paulo nos remeteu a uma série de reflexões sobre a função, agora

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gratificada, mas, também, sobre os rumos das medidas políticas tomadas nas duas
últimas décadas. A função eminentemente articuladora e voltada para o exercício de
atividades pedagógicas relacionadas às necessidades específicas das escolas foi
apropriada com outros objetivos e intenções ao longo de vários anos de implantação
de uma perniciosa política educacional gerencialista. Por meio de diferentes
resoluções, a coordenação pedagógica foi vinculada a formas tradicionais e
burocráticas de administração escolar, embora disfarçadas sob um discurso
democrático e autônomo. Os aspectos legais conduziram a função para o controle e
monitoramento docente, assumindo múltiplas tarefas que alteraram a natureza do
trabalho e fragilizaram sua identidade.

Ao alterar a natureza da função, as reformas recentes a vincularam à realização de


tarefas atreladas aos propósitos oficiais determinados numa relação vertical,
evidenciando um distanciamento entre o que os professores esperavam – e que houvera
ocorrido em experiências democráticas ocorridas nas décadas de 60 e 80 - e o oferecido
pelas medidas educacionais implementadas. Desta forma, mais do que reformas técnico-
estruturais, aspecto discutido por Ball (2002), as medidas legais levaram à reforma do
próprio significado do trabalho realizado pelos professores coordenadores pedagógicos.
Neste artigo, consideramos apenas a questão legal relativa à função, o que
nos levou a confirmar a apropriação da coordenação pedagógica pelas medidas
reformistas vinculadas a um amplo projeto educacional em vigor na rede estadual
paulista. Porém, se por um lado tal fato se confirmou comprovando hipóteses que
antes levantávamos (Fernandes, 2008) sobre a função, por outro nos remete à | 774
discussão sobre as possibilidades ainda existentes no trabalho de coordenação
pedagógica. Neste sentido novas questões surgem e com elas novas possibilidades
de pesquisa, principalmente para identificar as estratégias de trabalho adotadas
pelos ocupantes da função, uma vez que estes são sujeitos que podem apresentar
atuação autônoma frente ao legalmente estabelecido pelas sucessivas resoluções.
Convencidos da importância da função, defendemos que além das estratégias é
fundamental reconhecer as formas de interpretação e reinterpretação das

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determinações legais a partir do trabalho cotidiano dos professores coordenadores
pedagógicos.

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Dispõe sobre o processo de seleção, escolha e designação de docente para exercer as
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Dispõe sobre o processo de seleção, escolha e designação de docente para exercer as
funções de Professor Coordenador, em escolas da rede estadual de ensino. SP, 2006.

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Institui gratificação de função aos servidores que especifica e dá outras providências
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Dispõe sobre função gratificada de professor coordenador nas quatro séries finais do
Ensino Fundamental e no Ensino Médio, em escolas da rede estadual de ensino. SP, 2007.

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SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE nº 53/2010.


Altera dispositivos da Resolução SE nº 88/2007, e da Resolução SE nº 21/2010, que
dispõem sobre a função gratificada de professor coordenador. SP, 2010.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE nº 22/2012.


Dispõe sobre as atribuições de Professor Coordenador nas Escolas Estaduais de Ensino
Médio de Período Integral. SP, 2012.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE nº 35/2013.


Altera dispositivo da Resolução nº 3, de 18 de janeiro de 2013, que dispõe sobre
mecanismos de apoio à gestão pedagógica da escola para implementações de ações
estabelecidas pelo Programa Educação – Compromisso de São Paulo. SP, 2013.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE nº 75/2014.


Dispõe sobre a função gratificada de Professor Coordenador. SP, 2014.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE nº 03/2015. | 777


Altera dispositivos da Resolução SE 75, de 30-12-2014, que dispõe sobre e a função
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APANHADO HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES NO BRASIL E POSSIBILIDADE DE
INSERÇÃO DE PRÁTICAS FORMATIVAS EM EDUCAÇÃO
POPULAR
Tatiane Fernanda Gomes (UFFS)
e-mail: tatiane@ufsm.br

Resumo:
Considerando a temática central do VIII Encontro Brasileiro da Rede Estrado, apresento
um apanhado das políticas de formação inicial de professores no Brasil, destacando a
importância da articulação teoria-prática e identificando a forma como essa articulação
se apresenta em diferentes períodos. A discussão converge para a reflexão em torno de
espaços de educação não formal e popular, como espaços possíveis de desenvolvimento
de práticas que auxiliem na formação de professores, com base em estudiosos como Freire
(1987), Freitas (2010), Gohn (2011), Pereira e Pereira (2010), apresento aspectos
históricos e legais da formação inicial de professores no Brasil, mudanças geradas por
novas propostas de organização da Educação Básica e suas implicações nos processos de
formação de professores, com base nos estudos de Saviani (2009), Gatti (2010 e 2012) e
Dourado (2015), além da legislação conexa. Inicialmente, apresentarei alguns dados
históricos relativos à Formação inicial e continuada de Professores, a seguir, abordarei
questões relativas às características e potencialidades das práticas educativas em
educação popular e educação não formal, com o objetivo de identificar de que forma esses
espaços podem ser auxiliares na formação de professores. Finalmente, serão tecidas as
considerações finais, levando-se em conta o que foi discutido ao longo do texto.
Palavras-chave: Formação de Professores; Educação não formal; Educação Popular.

INTRODUÇÃO

O Brasil apresenta um cenário bastante diverso em se tratando da formação de


professores. A extensão territorial e o sistema de organização política, bem como a
diversidade cultural exercem papel determinante nesse panorama e uma das formas de se | 779
compreender a origem dessa diversidade é a retomada das políticas de formação de
professores criadas e implementadas no Brasil ao longo do tempo, considerando-se o
contexto histórico e político nos quais tais políticas foram propostas. Um aspecto
considerado relevante nessa retomada e no qual é dada ênfase nesse trabalho, é a
importância da articulação teoria-prática na formação de professores, percebe-se que a
mesma recebe diferente grau de importância ao longo do tempo e o que se sugere é que
práticas educativas em educação popular e educação não formal possam ser adotadas
como auxiliares na formação de professores.

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1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL – ASPECTOS GERAIS

Para se discutir as políticas de formação de professores no Brasil, faz-se necessária uma


retomada histórica a respeito da constituição dos sistemas formativos ao longo do tempo. A opção
adotada aqui foi a de seguir a divisão proposta por Demerval Saviani (2009). O autor identifica
seis períodos da história da formação de professores no Brasil:

1. Ensaios intermitentes de formação de professores (1827-1890). Esse período


se inicia com o dispositivo da Lei das Escolas de Primeiras Letras, que
obrigava os professores a se instruir no método do ensino mútuo, às próprias
expensas; estende-se até 1890, quando prevalece o modelo das Escolas
Normais.
2. Estabelecimento e expansão do padrão das Escolas Normais (1890-1932),
cujo marco inicial é a reforma paulista da Escola Normal tendo como anexo a
escola-modelo.
3. Organização dos Institutos de Educação (1932- 1939), cujos marcos são as
reformas de Anísio Teixeira no Distrito Federal, em 1932, e de Fernando de
Azevedo em São Paulo, em 1933.
4. Organização e implantação dos Cursos de Pedagogia e de Licenciatura e
consolidação do modelo das Escolas Normais (1939-1971).
5. Substituição da Escola Normal pela Habilitação Específica de Magistério
(1971-1996).
6. Advento dos Institutos Superiores de Educação, Escolas Normais Superiores
e o novo perfil do Curso de Pedagogia (1996-2006) (SAVIANI, 2009, p.144).

Segundo o autor, a preocupação com a preparação dos professores no Brasil


“emerge de forma explícita após a independência, quando se cogita da organização da
instrução popular” (idem, p. 143). Até esse momento, a educação era um privilégio das
elites e para ensinar bastava saber. Com a promulgação da Lei das Escolas de Primeiras
Letras, em 15 de outubro de 1827, que visava regulamentar o financiamento e a expansão
do sistema de ensino, surge a menção ao papel do professor e as competências a serem
| 780
desenvolvidas em sala de aula, estabelecendo as diferenças entre o que deveria ser
ensinado para meninos e meninas, bem como estabeleceu as condições para o provimento
do cargo, através de exame de aprovação. Definia, também, a aplicação do método de
ensino Lancaster, ou ensino mútuo (BRASIL, 1827)167.
Anos mais tarde, a promulgação do Ato Adicional de 1834 estabeleceu que a
instrução primária seria de responsabilidade das províncias, para tanto seria necessária a
adoção “para a formação de professores, a via que vinha sendo seguida nos países

167
O método Lancaster estava pautado na oralidade, na repetição e na memorização.

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europeus, a criação de Escolas Normais” (SAVIANI, 2009, p. 144). Apesar desse tipo de
escola ser destinada à preparação de professores para as escolas primárias, o que se
constatava, de acordo com Saviani (2009) era a:

preocupação com o domínio dos conhecimentos a serem transmitidos nas


escolas de primeiras letras. O currículo dessas escolas era constituído pelas
mesmas matérias ensinadas nas escolas de primeiras letras. Portanto, o que se
pressupunha era que os professores deveriam ter o domínio daqueles conteúdos
que lhes caberia transmitir às crianças, desconsiderando-se o preparo didático-
pedagógico. (p. 144)

As escolas normais foram o local de formação de professores até a reforma


instituída pelo Decreto n. 3.810, de 19 de março de 1933, quando foram criados os
Institutos de Educação. A criação dos institutos foi defendida por Anísio Teixeira, na
intenção de erradicar algo que este considerava como um “vício de constituição”
(SAVIANI, 2009 p. 145), que era a pretensão das escolas normais em ser “ao mesmo
tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falhavam lamentavelmente nos
dois objetivos” (VIDAL, 2001, p. 79-80 apud SAVIANI 2009, p. 145). Os institutos
caracterizavam-se por ter um currículo que contemplava as seguintes disciplinas:

1) biologia educacional; 2) sociologia educacional; 3) psicologia educacional;


4) história da educação; 5) introdução ao ensino, contemplando três aspectos:
a) princípios e técnicas; b) matérias de ensino abrangendo cálculo, leitura e
linguagem, literatura infantil, estudos sociais e ciências naturais; c) prática de
ensino, realizada mediante observação, experimentação e participação. como
suporte ao caráter prático do processo formativo, a escola de professores
contava com uma estrutura de apoio que envolvia: a) jardim de infância, escola
primária e escola secundária, que funcionavam como campo de
experimentação, demonstração e prática de ensino; b) instituto de pesquisas
educacionais; c) biblioteca central de educação; d) bibliotecas escolares; e)
filmoteca; f) museus escolares; g) radiodifusão (SAVIANI 2009, p. 146) | 781

Esse currículo sugere que os institutos foram organizados com a finalidade de


incorporar as exigências da pedagogia, que, nesse momento, “buscava se firmar como um
conhecimento de caráter científico” (idem, p. 146). Era um grande avanço em direção a
uma formação voltada a um modelo pedagógico-didático que caminhava no sentido de
“corrigir as insuficiências e distorções das velhas Escolas Normais” (ibid, p. 146).
O quarto momento consistiu na estruturação dos Institutos de Educação e a
vinculação dos Institutos de Educação do Distrito Federal e de São Paulo às universidades
de São Paulo e do Distrito Federal, respectivamente. A partir de então, os cursos de

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formação de professores foram generalizados para todo o país, seguindo o que definia o
decreto-lei n. l.190, de 4 de abril de 1939 que:

deu organização definitiva à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade


do Brasil. Sendo esta instituição considerada referência para as demais escolas
de nível superior, o paradigma resultante do decreto-lei n. 1.190 se estendeu
para todo o país, compondo o modelo que ficou conhecido como “esquema
3+1” adotado na organização dos cursos de licenciatura e de Pedagogia.
(SAVIANI, 2009, p. 146)

Nos três primeiros anos deste sistema educativo, priorizava-se as várias


disciplinas dos currículos das escolas secundárias, enquanto o período final dedicava-se
à formação dos professores para exercer a docência nas Escolas Normais. Além da falta
de articulação entre esses dois “momentos” da formação, essa nova legislação implicou
a perda da referência da formação de professores em nível superior de vinculação às
escolas experimentais “às quais competia fornecer uma base de pesquisa que pretendia
dar caráter científico aos processos formativos” (p. 146). Também os cursos normais
sofreram alteração, a partir do decreto-lei n. 8.530, de 2 de janeiro de 1946, conhecido
como Lei Orgânica do Ensino Normal (BRASIL, 1946) que determinava que os cursos
normais fossem divididos em dois ciclos, o primeiro, com duração de quatro anos,
correspondia ao ciclo ginasial do curso secundário, objetivava a formação de regentes do
ensino primário e funcionaria em Escolas Normais Regionais. Já o segundo ciclo tinha
duração de três anos e correspondia ao ciclo colegial do curso secundário, o curso normal,
então assumia o objetivo de formar os professores do ensino primário e funcionaria em
Escolas Normais e nos Institutos de Educação.
| 782
Estes, além dos cursos citados, contariam com jardim de infância e escola
primária anexos e ministrariam também cursos de especialização de
professores primários para as áreas de Educação Especial, Ensino Supletivo,
Desenho e Artes aplicadas, música e canto e cursos de administradores
escolares para formar diretores, orientadores e inspetores escolares.
(SAVIANI, 2009, p. 146-147)

Aqui, encontra-se também uma preocupação com a formação não apenas do


professor, mas também dos demais trabalhadores em educação: diretores, orientadores e
inspetores escolares, o que indica o reconhecimento das especificidades de cada uma
dessas funções.

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A próxima etapa, conforme a organização proposta por Saviani, é a de substituição
da Escola Normal pela Habilitação Específica de Magistério (1971-1996), que se deu a
partir de 1971, com a modificação dos ensinos primário e médio que, conforme a lei n.
5.692/71, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), passaram a ser denominados primeiro e
segundo grau, respectivamente (BRASIL, 1971). A novidade foi o abandono das escolas
normais, substituídas pela habilitação específica para o exercício do magistério de
primeiro grau – HEM. O parecer n. 349/72 apresenta a organização da habilitação
específica do magistério dividida em duas modalidades, a primeira, com duração de três
anos o equivalente a 2.200 horas, habilitaria a lecionar até a 4ª série, a outra cuja duração
seria de quatro anos e 2.900 horas daria a habilitação para o trabalho até a 6ª série do 1º
grau. O antigo curso normal, por sua vez, cedeu lugar a uma habilitação de 2º Grau
(SAVIANI, 2009). Essa mudança normativa implicou numa precarização da formação
para o antigo ensino primário, uma vez que a mesma foi reduzida a uma habilitação
dispersa em meio a tantas outras, configurando um quadro de precariedade bastante
preocupante.
De acordo com Saviani (2009), a LDB de 1971 previu que a formação dos
professores em nível superior se daria em cursos de licenciatura curta (3 anos de duração)
ou plena (4 anos de duração). Além disso, ao curso de Pedagogia competiria não só a
formação de professores para habilitação específica de Magistério (HEM), mas também
a formação dos “especialistas em Educação, aí compreendidos os diretores de escola,
orientadores educacionais, supervisores escolares e inspetores de ensino.” (SAVIANI,
2009, p.147).
O último dos períodos definidos por Saviani corresponde ao advento dos Institutos
| 783
Superiores de Educação, Escolas Normais Superiores e o novo perfil do Curso de
Pedagogia (1996-2006). Esse período tem início com a promulgação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB), de 1996, que substitui a lei de 1971. Nela, é introduzida
“como alternativa aos cursos de pedagogia e licenciatura os institutos superiores de
educação e as Escolas Normais Superiores, a LDB sinalizou para uma política
educacional tendente a efetuar um nivelamento por baixo” (p. 147). O autor sinaliza que
os Institutos Superiores de Educação seriam instituições de nível superior de segunda
categoria, nos quais seria dada uma formação mais rápida e barata, realizada em cursos
de curta duração.

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Para Saviani (2009), essa leitura histórica indica que a formação de professores
no Brasil sofreu sucessivas mudanças que configuram “um quadro de descontinuidade,
embora sem rupturas”(p. 148), ele também destaca a inserção gradual da questão
pedagógica, que ganha centralidade a partir das reformas propostas nos anos 1930,
entretanto, constata que ainda hoje não há “um encaminhamento satisfatório”(p. 148).
Outra constatação apresentada pelo autor é a de que as políticas formativas de todos os
períodos elencados foram precárias, pois suas “sucessivas mudanças não lograram
estabelecer um padrão minimamente consistente de preparação docente para fazer face
aos problemas enfrentados pela educação escolar em nosso país.” (p. 148).

2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL – TENDÊNCIAS RECENTES

A formação de professores tem recebido mais atenção dos pesquisadores nos


últimos anos, o que se constata pela ampliação de trabalhos a ela relacionados. Bernardete
Gatti realizou um levantamento dos trabalhos sobre formação de professores e aspectos
de sua profissionalização, publicados pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos
entre os anos 1998 e 2011, perfazendo 38 artigos (GATTI, 2012 p. 423). De acordo com
a autora, a partir de 2006 há um aumento expressivo na quantidade de trabalhos relativos
à docência publicados no periódico. Uma das motivações apontadas pela autora para o
expressivo aumento no número de trabalhos é atribuída à questão da qualidade na
educação escolar informada através da divulgação de indicadores de qualidade obtidos
por meio de políticas de avaliação do Ministério da Educação (MEC). A ampliação de
políticas de avaliação e, principalmente, a difusão de seus resultados suscitaram a
preocupação com o baixo rendimento dos estudantes e se ampliam para vários aspectos
| 784
da educação como um todo, dando destaque a questões como a formação e valorização
dos professores.
Esse contexto viabiliza e promove a criação de políticas públicas tanto por órgãos
centrais nacionais como por governos regionais e locais, percebe-se que: “(...)há um
realinhamento de programas voltados à docência e a institucionalização em nível federal
de um aparato administrativo, técnico e computacional que permite melhor acompanhar,
ordenar e relacionar as diferentes ações implementadas.” (GATTI, 2012, p. 427).
Foram criados diversos programas visando a valorização e fortalecimento da
formação de professores e a superação dos problemas e demandas identificados nas redes

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de ensino. São exemplos disto o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica (Parfor), o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), o
Exame Nacional de Concurso de Professores, a oferta de formação em ensino a distância
(EaD) pela Universidade Aberta do Brasil (UAB), entre outras iniciativas específicas.
(GATTI, 2012 p. 427).
Para a autora, o Brasil tem uma tradição conservadora, que não aceita rupturas e
reorganizações significativas, não cede espaço às inovações “em consonância com as
necessidades sociais e culturais que a sociedade contemporânea coloca” (GATTI, 2012
p. 429) a estrutura formativa é qualificada como arcaica e que tem sido aligeirada. Os
trabalhos analisados indicam:

(...)o peso da tradição histórico-cultural e das relações sociais e econômicas


reificadas em situações específicas. Nessa tradição, observa-se, de um lado, os
interesses de hegemonias dominantes na estruturação da formação de
professores e, de outro, uma cultura que favorece tanto a manutenção de um
modo de formação clássico de inspiração positivista como a distância entre
teoria e prática escolar. (GATTI, 2012, p. 429)

Apesar dessa tradição que fragmenta a formação de professores e a desenvolve


sem integração com a sociedade, a autora aponta a necessidade de criação de “políticas
sistêmicas, inter-relacionadas, com durabilidade no tempo, e de uma política consistente
de avaliação das instituições formadoras que permita retroalimentar os processos
formativos.” (GATTI, 2012, p. 433) essas políticas deveriam ser formuladas e planejadas
consonância com novas formas de sociabilidade e trabalho.
A mesma autora, em trabalho voltado às características e problemas da formação
de professores no Brasil (GATTI, 2010), indica a necessidade de se repensar as estruturas
| 785
e currículos institucionais formativos, a fim de superar a fragmentação existente, para ela:
É preciso integrar essa formação em currículos articulados e voltados a esse
objetivo precípuo. A formação de professores não pode ser pensada a partir das
ciências e seus diversos campos disciplinares, como adendo destas áreas, mas
a partir da função social própria à escolarização – ensinar às novas gerações o
conhecimento acumulado e consolidar valores e práticas coerentes com nossa
vida civil. (p. 1375)

A identidade docente brasileira, cabe ressaltar, está marcada fortemente por uma
tradição disciplinar, o que acarreta resistências a soluções e propostas curriculares com
caráter interdisciplinar, apesar de ações com essas características já tenham sido

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experimentadas com sucesso em vários países (p. 1375). Ainda de acordo com Gatti
(2010):
A formação de professores profissionais para a educação básica tem que partir
de seu campo de prática e agregar a este os conhecimentos necessários
selecionados como valorosos, em seus fundamentos e com as mediações
didáticas necessárias, sobretudo por se tratar de formação para o trabalho
educacional com crianças e adolescentes. (p. 1375)

Indo ao encontro das considerações de Gatti, percebe-se que recentemente, o


debate em torno das políticas de formação de professores ganhou fôlego, principalmente
com “a rediscussão das Diretrizes e outros instrumentos normativos acerca da formação
inicial e continuada” (DOURADO, 2015 p. 299). A Lei nº 13.005/2014, oriunda da
aprovação do Plano Nacional de Educação pelo Congresso Nacional e da sanção
Presidencial, sem vetos, marcam o início de uma nova fase para as políticas educacionais
brasileiras, pois,

Além das diretrizes que são sinalizadoras de busca de maior organicidade para
a educação nacional no decênio 2014/2024, o PNE apresenta 20 metas e várias
estratégias que englobam a educação básica e a educação superior, em suas
etapas e modalidades, a discussão sobre qualidade, avaliação, gestão,
financiamento educacional e valorização dos profissionais da educação.
(DOURADO, 2015, p. 301)

As metas e estratégias definidas estão direcionadas à construção de uma maior


organicidade na formação de profissionais da educação. A Política Nacional de Formação
dos Profissionais da Educação Básica,

tem por finalidade organizar e efetivar, em regime de colaboração entre a


União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em estreita articulação
com os sistemas, redes e instituições de educação básica e superior, a formação | 786
dos profissionais da educação básica. Essa política nacional, a ser coordenada
pelo MEC, se constituiu como componente essencial à profissionalização
docente. (DOURADO, 2015, p. 301)

Essa política articula-se com uma das metas do PNE – a meta 12, que “prevê a
ampliação efetiva de vagas na educação superior, definindo que 40% destas vagas
deverão ser oferecidas pelo setor público” (p. 302).
Um grande avanço em direção à consolidação da Política Nacional de Formação
de Professores foi iniciado com a aprovação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs), aprovadas pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação - CP/CNE.

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Dentre os considerandos indicados como aportes e concepções fundamentais para a
melhoria da formação inicial e continuada e suas dinâmicas federativas, destacamos dois,
que tem relação direta às práticas educativas, sobretudo no que concerne à educação
popular e à educação não formal:

3. A igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola; a


liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a
arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; o respeito
à liberdade e o apreço à tolerância; a valorização do profissional da educação;
a gestão democrática do ensino público; a garantia de um padrão de qualidade;
a valorização da experiência extraescolar; a vinculação entre a educação
escolar, o trabalho e as práticas sociais168; o respeito e a valorização da
diversidade étnico-racial, entre outros, constituem princípios vitais para a
melhoria e democratização da gestão e do ensino;
9. O currículo como o conjunto de valores propício à produção e à socialização
de significados no espaço social e que contribui para a construção da
identidade sociocultural do educando, dos direitos e deveres do cidadão, do
respeito ao bem comum e à democracia, às práticas educativas formais e não
formais e à orientação para o trabalho; (DOURADO, 2015, p. 305)

Para o autor, as novas DCNs buscam a construção de uma “maior organicidade


nas políticas”, o que implica:

repensar e avançar nos marcos referenciais para formação inicial e continuada


por meio de ações mais orgânicas entre as políticas e gestão para a educação
básica e a educação superior, incluindo a pós-graduação e, nesse contexto, para
as políticas direcionadas à valorização dos profissionais da educação.
(DOURADO, 2015, p. 306)

O destaque à necessária organicidade no processo formativo e sua


institucionalização se concretizarão apenas com a efetivação de um regime de cooperação
que inclui a “consolidação de Fóruns Estaduais e Distrital Permanentes de Apoio à
| 787
Formação Docente” (DOURADO, 2015, p. 307). Nesse sentido, as novas DCNs apontam
que o egresso da formação inicial e continuada deverá possuir um

repertório de informações e habilidades composto pela pluralidade de


conhecimentos teóricos e práticos, resultado do projeto pedagógico e do
percurso formativo vivenciado cuja consolidação virá do seu exercício
profissional, fundamentado em princípios de interdisciplinaridade,
contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e
sensibilidade afetiva e estética, de modo a lhe permitir: o conhecimento da
instituição educativa; a pesquisa; atuação profissional no ensino, na gestão de

168
Grifo nosso.

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processos educativos e na organização e gestão de instituições de educação
básica(DOURADO, 2015, p. 307)

Nessa perspectiva, valorizam-se tanto os conhecimentos teóricos quanto práticos,


dando-se ênfase à práxis, proporcionando também questões como a pesquisa e a gestão,
além do ensino. É possível considerar, ainda, a aprovação das DCNs como um
significativo avanço na busca por qualidade na formação inicial e continuada de
professores, uma vez que é dada ênfase à articulação entre educação básica e superior,
tão necessária e tão distante historicamente. Outro aspecto que merece destaque é a
adoção de “concepção de docência que inclui o exercício articulado nos processos ensino
e aprendizagem e na organização e gestão da educação básica.” (DOURADO, 2015, p.
316).
Os períodos relatados indicam uma mudança significativa na formação de
professores que inclui a preocupação com o “como” ensinar. Percebe-se que, em muitos
dos períodos analisados, a ênfase formativa era dada aos conteúdos e as questões didáticas
eram relegadas a um segundo plano e mereciam menos tempo para serem desenvolvidas.
Outro elemento que chama a atenção é em relação aos demais “sujeitos” da educação,
constata-se uma maior preocupação com a formação de gestores educacionais a formação
desses profissionais foi ganhando espaço nas novas legislações.
Entretanto, cabe salientar, o sucesso da melhoria da formação inicial e continuada
de professores é perpassado pela efetiva colaboração dos entes federados, sistemas de
ensino e fóruns permanentes, mas depende também da valorização da carreira e da
garantia de recursos, infraestrutura, salários e condições dignas de trabalho.

3 EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL | 788

A Educação Popular pode ser caracterizada como uma prática educativa que
valoriza saberes não acadêmicos e promove o estímulo à emancipação pessoal dos
educandos. Uma das principais características de um educador popular é a ação
pedagógica pautada na problematização, reflexão e combate de mecanismos opressores,
sem colocar em momento algum o educando em posição subalterna, valorizando seus
conhecimentos prévios.
A pesquisa em torno da educação popular também tem se intensificado e há alguns
estudos que relacionam as práticas educativas oriundas da Educação popular ao ensino

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formal e à formação de professores. A porta de entrada da Educação Popular na Escola
foi a alfabetização de jovens e adultos, até por que foi o método de alfabetização criado
por Paulo Freire que deu visibilidade à educação popular no Brasil, ainda nos anos 70.
Ao propor a alfabetização de adultos partindo de palavras geradoras, valorizando o
universo vocabular dos educandos e considerando sua origem social, Freire trouxe uma
visão inovadora de educação que não coloca o educador como o que tudo sabe e o
educando como o que nada sabe. A essa postura verticalizada é atribuída, muitas vezes a
evasão do estudante com distorção idade série da escola regular, daí a adoção por parte
da Educação de jovens e Adultos de práticas inspiradas na educação popular.
A Educação Popular é, na perspectiva de Brandão (1994), apud Zitkoski (2011)
“ao mesmo tempo, um movimento sociocultural e uma concepção de educação.” (p. 14)
nesse sentido, se comporta como movimento sociocultural na medida em que

expressa uma infinidade de práticas complexas que emergem associadas aos


Movimentos Sociais, grupos comunitários, articulações em torno de
alternativas de sobrevivência, entre tantas outras, que apontam para a
necessária transformação social, sendo produto da história latino-americana.
(p. 14)

E, como concepção de educação que “contrapõe-se às concepções hegemônicas e


vai sendo construída no acúmulo de experiências de organização das classes populares e
nas lutas travadas por elas na busca de libertação do sistema opressor”. (p. 14), ou seja, a
Educação Popular tem força tanto como uma concepção de educação que cria
metodologias e práticas que respeitam os educandos e seus saberes prévios e também é
forte como movimento sociocultural, na medida em que abriga uma série de práticas
| 789
oriundas dos movimentos sociais e voltados à transformação social.
Uma das categorias centrais da Educação Popular é a conscientização necessária
à emancipação individual através da educação, da mesma forma que busca o combate à
“educação bancária”, promove o estímulo à problematização, ao diálogo e à relação
horizontal professor-aluno. Importa ao educador popular valorizar os saberes dos
educandos e reconhecer que o “saber de experiência feito” não deve ser ignorado nos
processos educativos. Pereira e Pereira (2010) traçaram uma retrospectiva histórica da
Educação Popular no Brasil e apontaram que a mesma nasceu fora dos muros da escola,
mas não permaneceu lá:

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A Educação popular nasceu fora da escola, no seio das organizações populares,
mas seus princípios e sua metodologia, com bases emancipatórias, tiveram
uma repercussão tão grande na sociedade que acabaram cruzando fronteiras e
os muros das escolas, influenciando práticas educativas, tanto as que
acontecem nos espaços escolares, como as que ocorrem em outros espaços
educativos (p. 73)

Um exemplo da inserção da Educação Popular na Escola Pública foi a gestão


democrática e popular do PT na cidade de São Paulo, em 1989. Na ocasião, a prefeita
eleita Luiza Erundina convidou Paulo Freire para ser Secretário de Educação,
possibilitando a construção de uma proposta de educação pública popular, com uma
gestão democrática e participativa através da construção de mecanismos de participação
da comunidade.
Pereira e Pereira (2010) apontam a possibilidade de a Educação Popular ser vista
como um território de reinvenção do modo como estamos vivendo, o que pode ser
entendido como viabilizar a transformação do mundo. Importa ao educador popular
valorizar os saberes dos educandos e reconhecer que o “saber de experiência feito” não
deve ser ignorado nos processos educativos.
Com relação à educação não formal, cabe mencionar nos pressupostos da mesma,
destacados por Gohn (2011), que a aprendizagem se dá por meio da prática social, dessa
forma, o aprendizado na educação não formal emerge das experiências vivenciadas em
trabalhos coletivos, “As ações interativas entre os indivíduos são fundamentais para a
aquisição de novos saberes” tais ações ocorrem essencialmente “no plano da
comunicação verbal, oral, carregadas de todo o conjunto de representações e tradições
| 790
culturais que as expressões orais contém.” (p.15).
Freitas (2010), nesse sentido, esclarece: “Aprender na partilha da experiência é,
pois, um princípio estruturante da EP e se realiza como práxis que nos convida ao diálogo
de saberes, mediante a qual, os sujeitos tanto se autorizam a dizer a sua palavra quanto se
dispõem à escuta da palavra do outro”. (p. 137-138). O diálogo promove um duplo
movimento formativo, tanto o educador ensina ao educando quanto o educando ensina ao
educador. A Educação Popular, conforme Streck et al (2014), com o passar do tempo,
“veio assumindo uma perspectiva mais ampla e, de todos os modos, veio reforçando seus

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diferentes lugares e as suas capacidades criativas em propostas metodológicas,
resistências e diálogos conforme seus objetivos.” (p. 48).
Com relação às práticas educativas, a Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, que
Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior
(cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de
segunda licenciatura) e para a formação continuada, apresenta a preocupação com os
espaços não formais, ao considerar o currículo como “o conjunto de valores propício à
produção e à socialização de significados no espaço social e que contribui para a
construção da identidade sociocultural do educando, dos direitos e deveres do cidadão,
do respeito ao bem comum e à democracia, às práticas educativas formais e não formais
e à orientação para o trabalho; (2015, s/p)”.
Além da menção às práticas educativas não formais, a referida resolução também
considera a “valorização da experiência extraescolar; a vinculação entre a educação
escolar, o trabalho e as práticas sociais” (Brasil, 2015, s/p). Percebe-se, pois, um
movimento que reconhece as aprendizagens adquiridas fora do âmbito do sistema de
ensino, também há um cuidado em preconizar a articulação entre teoria e prática, grande
queixa de muitos estudiosos das políticas de formação de professores ao longo do tempo.
Considerando que os espaços de educação popular e não formal fazem parte do
contexto social contemporâneo, e que apresentam características salutares aos
profissionais da educação, como o diálogo, respeito aos saberes não escolares, a
problematização da realidade, a coletividade, a esperança, a superação das condições de
opressão. Apontamos os espaços de educação popular e de educação não formal como
possibilidades de práticas educativas auxiliares da formação inicial e continuada de
| 791
professores. Esse contato com espaços não formais ou de educação popular pode ser
importante na formação de professores éticos, críticos, cidadãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da legislação referente à formação de professores indicou um


descompasso histórico entre teoria e prática, além de uma supervalorização dos conteúdos
em detrimento das formas de ensinar, constantemente relegadas a um segundo plano. A
preocupação com a qualidade da formação dos professores tem se ampliado com base nos
resultados de avaliações aplicadas aos estudantes. Percebemos também, que há um

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movimento recente que busca a valorização da formação inicial e continuada dos
professores e a efetivação de uma rede de colaboração envolvendo os entes federados e
órgãos de participação local.
Destaco positivamente a criação de programas voltados à valorização da formação
de professores (Parfor, Pibid, UAB, etc.) como um incentivo à carreira docente,
entretanto, é necessário que se tenha cautela em relação a esses programas, uma vez que
são políticas criadas para sanar dificuldades do contexto atual de formação de professores.
Essa particularidade implica que sua implementação, embora apresente resultados
benéficos, não deve ser considerada perene.
Partindo da história da formação de professores no Brasil, entendo que assume
atualmente um direcionamento em busca da organicidade necessária à consolidação de
uma política nacional de formação de professores, uma vez que essa consolidação
depende da colaboração entre união, estados e municípios, articulados aos sistemas e
redes educacionais. Atualmente, a implementação de programas voltados ao
fortalecimento e valorização da formação de professores dá visibilidade e a concepção de
currículo que articula valores voltados à socialização de significados no espaço social e
que contribui para a construção da identidade sociocultural do educando, além de
considerar os direitos e deveres dos cidadãos, promovendo o respeito ao bem comum e à
democracia, respeitando da mesma forma, as práticas educativas formais e não formais e
à orientação para o trabalho. Tal concepção está orientada nos aspectos que Gatti (2012)
destacava como imprescindíveis: as necessidades sociais e culturais postas pela sociedade
contemporânea.
Dentro do contexto social encontramos as práticas educativas de fora da escola.
| 792
Isto posto, há a indicação, ainda que provisória, de que a atuação em espaços de educação
não formal e popular, seria uma possibilidade de contribuição à formação de professores,
principalmente se considerarmos um dos princípios da Formação de Profissionais do
Magistério da Educação Básica presentes na resolução nº 2/2015 “compromisso com
projeto social, político e ético que contribua para a consolidação de uma nação soberana,
democrática, justa, inclusiva e que promova a emancipação dos indivíduos e grupos
sociais, atenta ao reconhecimento e à valorização da diversidade e, portanto, contrária a
toda forma de discriminação;(s/p)”. Emancipação e participação política são elementos
presentes tanto nos espaços de educação não formal quanto nos espaços de educação

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popular, que, muitas vezes são criados a partir da mobilização de grupos sociais, na busca
por espaços educativos não oferecidos pelo poder público.
Acredito que a consolidação do Plano Nacional de Educação depende de muitos
esforços dos diferentes agentes envolvidos na concretização das Diretrizes Curriculares
Nacionais. Entretanto, a presença de elementos como o reconhecimento da importância
da articulação entre teoria e prática, a valorização da diversidade de elementos culturais
e sociais, são alguns dos fatores que indicam a evolução na concepção das politicas de
formação inicial e continuada de professores.

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| 794

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FUTURAS PEDAGOGAS E DISCURSOS SOBRE
TRABALHO: VOCAÇÃO OU FALTA DE OPÇÃO?
Taís de Jesus Arruda (UFSM)
taistazinha@hotmail.com
Larissa dos Santos Dutra de Lima (UFSM)
larissa.sdutra@gmail.com
Liliana Soares Ferreira (UFSM)
anaililferreira@yahoo.com.br

Resumo
Esse artigo é um recorte de um trabalho maior, que foi realizado com cinco
acadêmicas do 8º semestre de um Curso de Licenciatura em Pedagogia, de uma
Universidade Federal gaúcha. A pesquisa teve como objetivo investigar quais os sentidos
de trabalho, evidenciados nos discursos das acadêmicas. Para a pesquisa, optou-se pela
metodologia de cunho qualitativo, realizando-se um estudo, em que foram feitas
entrevistas semiestruturadas, e, posteriormente, a análise de conteúdo de todas as
respostas, entendidas como discursos das interlocutoras acerca de suas compreensões
sobre o trabalho dos pedagogos. Percebeu-se que os sentidos de trabalho como vocação
estão presentes nos discursos das acadêmicas entrevistadas e que suas justificativas são
as mais diversas, desde “o exemplo familiar” até “sempre quis ser”, incluindo “por eu
gostar de crianças”. Desta forma, compreendeu-se que as acadêmicas veem a profissão
de pedagoga com um sentido romântico, percebendo o seu trabalho como o de uma
“segunda mãe”, alguém que tem uma missão social a cumprir.

Palavras- chave: Trabalho; Vocação; Feminização do magistério.

1. INTRODUÇÃO

O interesse acerca do artigo é decorrência de uma análise reflexiva sobre a


trajetória da pesquisadora, na graduação e participação no Kairós – Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Trabalho, Educação e Políticas Públicas. Em um processo de encontros | 795
e desencontros, teve a oportunidade, em seu 3º semestre, de ingressar como bolsista de
Iniciação Científica do Grupo de Pesquisa mencionado anteriormente, no qual iniciou
pesquisas sobre a temática “Trabalho dos Professores”. Primeiramente, pensou que suas
indagações seriam sanadas. No entanto, seu desejo de pesquisa somente aumentou,
criando assim novos questionamentos sobre o assunto. Em análise de pesquisas realizadas
anteriormente pelo Grupo, foi possível identificar no discurso dos sujeitos entrevistados
(professoras aposentadas e atuantes), a internalização de vocação para o seu trabalho, e
que estas se desconsideravam trabalhadoras.

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Assim, elaborou-se o projeto de pesquisa com vistas à produção do Trabalho Final
de Curso, cujo objetivo central foi o de investigar quais os sentidos de trabalho
evidenciados nos discursos de cinco acadêmicas do 7º semestre do Curso de Licenciatura
Plena em Pedagogia (Diurno) da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. A
escolha das acadêmicas do 8º semestre se deu pelo fato de estas estarem em fase de
conclusão do Curso, já tendo experiências como pedagogas (embora a maioria como
estagiárias), assim poderiam falar a partir do lugar de trabalhadora. Também foram
escolhidas cinco mulheres para um resgate histórico a partir de aspectos relacionados à
feminização do magistério, já que este espaço como professora nem sempre foi dominado
pelas mulheres. Nesse texto, serão analisados os sentidos de vocação e profissão, vocação
e trabalho, além de descrever os percursos de pesquisa e os achados de pesquisa que se
evidenciaram.

2. CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA PESQUISA


A feminização do magistério ou mais especificamente da educação primária,
segundo Tambara (2008), ocorreu no final do século XIX e início do século XX. Por
muito tempo, a educação dos Anos Iniciais estava sob a responsabilidade do homem, que,
por sua vez, nada tinha de profissionalização ou qualificação propriamente dita na área,
ascendendo ao cargo por indicação ou mérito e nele permanecendo até se aposentar. No
entanto, era o sujeito que tinha maiores possibilidades de estudar, tendo acesso e
incentivos da família e da sociedade. Desses estudos, resultavam a transmissão do pouco
conhecimento que havia recebido na escola, para agora os seus estudantes, evidenciando-
se na maior parte das vezes um apego à Pedagogia Tradicional, pela qual, o professor
| 796
sabe e o aluno ignora, mas mediante a transmissão de conhecimento daquele, este pode
vir a conhecer. Já a mulher, por ser considerada menos reconhecida social e
culturalmente, ficava destinada aos afazeres domésticos e, por consequência, sobretudo
nas classes médias, a casar e a ser mãe, ficando assim, cada vez mais excluída e privada
de uma educação de qualidade, como também de um espaço social de trabalho valorizado
e reconhecido pela sociedade.
O processo de (re) construção do papel de professor(a) dos Anos Iniciais foi,
segundo Hypolito (1997), historicamente formado pelas relações sociais que se
desenvolveram no interior do trabalho na escola. Em outras palavras, essa mudança

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somente aconteceu, quando o homem (sujeito de maior reconhecimento social) viu-se
“prejudicado”, pois o emprego como professor lhe exige maior dedicação. No entanto,
para poder chegar a essa situação que se trata de uma consequência de outros fatos, é
preciso, antes, fazer um resgate breve, mas na tentativa de ser esclarecedor, da
historicidade do sujeito professor(a) dos Anos Iniciais.
Até a Idade Média, a Igreja era a única detentora de poder sobre a educação,
exercendo tal posse da forma que melhor podia, mas esta foi perdendo sua “força” aos
poucos e dando espaço para que outros sujeitos assumissem a educação, mesmo que fosse
de forma indireta. Eis que surgem os leigos. Estes assumiram o trabalho de professor,
porém a Igreja, em seu discurso encoberto, atribuiu um sentido vocacionado e sacerdotal
para esses sujeitos, tratando-lhes como predestinados ao ato de ensinar. Com esse
argumento, distinguiam esses sujeitos e os aproximavam do divino, na Terra,
representado pela Igreja. Desta forma, a Igreja continuava a exercer sua força,
manipulando os novos professores e mantinha-se controladora da educação através desse
seu discurso de “vocacionados”.
Com as mudanças nos meios e modos de produção, após o advento da fábrica
como local de trabalho e das relações sociais de emprego que se originaram, produziram-
se diversas modificações sociais. Surge a escola moderna, seriada e organizada por
idades. A educação pública se torna necessária e alfabetizar a população implica garantir
trabalhadores mais “qualificados” para o sistema fabril incipiente. Sendo assim, o
professor não mais deveria ensinar por em ensinar, gratuitamente, mas receber pelos
serviços que estaria prestando para a sociedade. Então, a educação deixa de ser
“proveitosa” para o Estado, já que este deveria qualificar e pagar melhor os professores,
| 797
pois estes não mais aceitavam as imposições e o modelo de trabalho que lhe era oferecido.
Outro fator que teve extrema relevância na decisão de os homens afastarem-se da
educação, foi que estes não mais poderiam exercer o professorado como uma renda
complementar, mas sim como uma profissão com dedicação exclusiva. Segundo Hypolito
(1997), o Estado, então, começa a procurar novas soluções, “não tão caras, mas
eficientes” para solucionar seu problema com a educação e começa a perceber a mulher
como uma opção barata e eficaz para tal. Desta forma, a mulher inocentemente, ou
melhor, dizendo, fragilmente, encontra nesse convite de professora dos Anos Iniciais, a
possibilidade e um provável caminho de sair do único ambiente oferecido (o lar) para

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inserir-se na sociedade como trabalhadora, pois assim poderia aliar os afazeres
domésticos e os cuidados dos seus filhos com o seu trabalho, já que teria apenas que fazer
o que sempre fez, mas com uma pequena diferença, a de que teria de cuidar do filho dos
outros também.
Desta forma, o Estado reforça o discurso de sacerdócio para a educação, utilizado
pela igreja, atribuindo-o não mais para os homens leigos, mas sim para a mulher, já que
esta não precisaria de muita instrução, pois cuidava dos seus filhos, e ser professora não
era muito diferente de ser mãe. É com esse discurso que Bruschini e Amado (1988, p.7)
destacam que o conceito de vocação:
[...] foi aceito e expresso pelos próprios educadores e educadoras, que
argumentavam que, como a escolha, da carreira devia ser adequada à natureza
feminina, atividades requerendo sentimento, dedicação, renuncia e paciência
deveriam ser preferidas. Ligado a ideia de que as pessoas têm aptidões e
tendências inatas para certas ocupações, o conceito de vocação foi um dos
mecanismos mais eficientes para induzir as mulheres a escolher as profissões
menos valorizadas socialmente. Influenciadas por essa ideologia, as mulheres
desejam e escolhem essas ocupações, acreditando que o fazem por vocação.
(BRUSCHINI e AMADO, 1988, p.7).

Hypolito (1997) acrescenta que o desempenho das atividades do magistério como


perfeitamente adequado às mulheres nem sempre foi aceito tranquilamente, e comenta
que muitas polêmicas foram geradas em torno desse conflito. É possível identificar na
fala de Araújo (1990, p.46) essa negação de “que o ensino não deveria ser
majoritariamente desempenhado por mulheres”, quando este afirma que:
[...] tomadas pelas associações de professores contra a progressiva feminização
da ocupação, que atribuem ao fato de “os homens [procurarem e encontrarem]
funções mais lucrativas”. Segundo essa perspectiva, assistir-se-ia a uma
degradação do estatuto do professorado, devido à feminização da ocupação.
Mais, esta não causava apenas a degradação do estatuto profissional, mas a
própria qualidade do ensino se ressentia com este processo. (ARAÚJO. 1990, | 798
p.46).

É visivelmente perceptível, que a mulher não foi aceita pela maioria dos
professores homens como uma “vocacionada”, mas sim um sujeito que estaria ocupando
o seu lugar pelo fato de que este não mais lhe servia, pois não estaria recebendo o que
realmente “merecera”. Com tais argumentações, percebe-se que a mulher não foi
chamada para ser professora aleatoriamente ou simplesmente pelo fato de ser
“vocacionada”, mas por ser um sujeito menos reconhecido no campo do trabalho,
consequência de um processo social e econômico. Assim, o Estado utilizou desse discurso
de “vocacionada” para unir o útil e o agradável: não deixaria a sociedade sem educação,

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já que o homem não mais queria ensinar gratuitamente, então se pagaria menos pela mão
de obra para a mulher e esta ainda teria a “oportunidade” de inserir-se no campo de
trabalho, mesmo que recebendo pouco para isso.
É sobre a perspectiva de que a professora (mulher) é uma trabalhadora e não uma
vocacionada, que o trabalho foi desenvolvido. Penso que a mulher não reproduz aula,
pelo contrário, estuda e prepara as aulas dando-lhe flexibilidade para a produção do
conhecimento, ou seja, não é algo sem sentido ou feito aleatoriamente. Sendo assim,
destaco Ferreira (2010, p. 206), quando esta afirma que “o trabalho dos professores é
imerso em condições políticas e sociais que lhe exigem agir, planejar, avaliar a produção
do conhecimento sua e dos seus estudantes”, não podendo, desta forma, exercer apenas
os mesmos cuidados que daria ou dá aos seus filhos. Foi nesse sentido, que me questionei
durante a elaboração do trabalho e análise das entrevistas.

3. METODOLOGIA APLICADA NA PESQUISA


Tal pesquisa foi realizada com cinco acadêmicas do 8º semestre da Universidade
Federal de Santa Maria – UFSM. A escolha por esses sujeitos ocorreu devido aos
inúmeros discursos presenciados pela pesquisadora durante sua graduação. Utilizou-se
como aspectos metodológicos para pesquisa os seguintes passos: pesquisa bibliográfica
(com levantamento e leitura de materiais sobre a respectiva temática); posteriormente
foram elaborados perguntas, para a realização de entrevistas semiestruturadas; em
seguida foram transcritas todas as perguntas para a realização da análise de conteúdo,
segundo Bardin (2011). Todas as perguntas elaboradas tentaram dar subsídios para
responder à problematização de pesquisa.
| 799
Para organização das entrevistas semiestruturadas, primeiramente foram criadas
categorias a priori, sendo elas: “profissão, trabalho, salário, escola, Curso de Pedagogia,
infância”, com o fim de proporcionar subsídios para a investigação dos sentidos de
trabalho nos discursos das entrevistadas. Por conseguinte, foram criadas as perguntas a
seguir para a realização das entrevistas: 1) Por que você escolheu trabalhar como
professora-pedagoga? 2) Qual o sentido de trabalhar como professora-pedagoga para
você? 3) Quais elementos você considera fundamentais para o trabalho como professora-
pedagoga? 4) E o salário, é importante? Por quê? 5) Na sua opinião, quais são os
principais desafios que você enfrentará como professora-pedagoga? 6) Qual o sentido da

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escola, como lugar de trabalho para você? 7) O Curso de Pedagogia, segundo as Diretrizes
Curriculares para o Curso de Pedagogia no Brasil, formam o professor da infância. Era
esse mesmo o curso que você deseja realizar? Quais suas impressões sobre o curso
realizado? 8) Descreva o trabalho com a infância realizado pelos professores-pedagogos
na escola..
A fim de organizar o texto, selecionaram-se então as categorias orientadoras de cada
questão e organizou-se em forma de tópicos. A seguir, será discorrido sobre cada uma,
trazendo na escrita as falas das entrevistadas. As categorias não estão avulsas, mas
emersas em um contexto, sendo foram divididas em subitens a fim de dar conta de abordar
todas. Outro aspecto importante na organização da escrita foi o como falar sobre cada
categoria. Optou-se, então, por utilizar as marcas de repetição de “conceitos” das
entrevistadas, pois, para muitas delas, as respostas apresentavam sentidos parecidos,
porém expressos de formas diversificadas.

3.1. Sentidos de vocação na categoria Profissão


Na discussão sobre a categoria profissão, inegavelmente a questão do “romantismo”
que cerca a profissão de pedagoga aparece como um fator influenciador no momento de
justificar a opção pela profissão, pois foi quase unânime o argumento “sempre quis ser”
e “sempre quis ser, desde pequena”. Percebe-se, implícito nesse argumento, uma
idealização, um sonho que se evidencia nos discursos das acadêmicas, algo que foi
sonhado desde pequena e que estavam concretizando no Curso de Pedagogia.
A1 - “Eu escolhi essa profissão, porque, eu acho que é o que mais se encaixa,
no meu modo de ser e é o que eu realmente sempre quis ser, desde pequena.”
A2 – “(Silêncio) Bom! Hãm...desde pequena eu sempre quis ser professora.
Acho que foi o exemplo da minha mãe, de, em casa e quando eu fui | 800
adolescente eu dei catequese por 10 anos. E isso fez com que eu me
apaixonasse muito por, por ensinar, por transmitir conhecimento, coisa
assim. Aí, um tempo eu dei uma parada, eu não pensava em fazer um
graduação nem nada, e de repente veio a oportunidade de eu fazer um Curso e
eu escolhi a Pedagogia em primeiro lugar.”
A3 - Hãm... eu escolhi trabalhar como, com a Pedagogia, pela, pela influência
dos meus familiares, porque eu já sou a terceira pedagoga da família. E
também, porque eu sempre quis desde pequena, hãm, a dar aula, sempre, as
minhas brincadeiras, eram dar aulas pros primos, os irmãos que tinham. Então,
eu foquei nessa área de trabalho.”

Também é possível perceber outro aspecto importante nos discursos acima, o


“exemplo da família”. E é relevante, pois seguir os passos da mãe ou de outras pessoas

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da família pode ser uma idealização ou romantismo da profissão, já que se vê, nessas
pessoas, um “espelho”, algo ou alguém que se gostaria de ser. Idealiza-se, na carreira,
tudo de bom e de motivador que os “exemplos familiares” passam e tira-se “lições” dos
“mas exemplos ou frustrações”, que os mesmos sofreram e sofrem na carreira, tentando
fazer diferente ou aprender com os erros.
Embora nos dias atuais as mulheres ocupem diferentes espaços no campo de
trabalho, muitas ainda encontram no magistério a inclusão mais rápida nesse meio, pois
permanece o pensamento de que a mulher tem um “dom” para ser professora, afinal ela é
mulher e provavelmente será mãe. É sobre esse viés, que se destaca outro discurso de
uma acadêmica entrevistada, pois esta traz o “gostar de crianças”, como motivo para a
escolha da profissão.
A4 - “(Silêncio) Por...que eu, primeiro por gostar de crianças, e achar que.
Não sei, primeiro eu acho que é por gostar de crianças e eu não me vejo
fazendo outra coisa”.

“Gostar de crianças”, obviamente, na profissão de professora pedagoga, tem uma


relevância muito grande, porém esta não pode ser entendida como única para a realização
desse trabalho. Uma professora pedagoga que não gosta de crianças, provavelmente será
uma pessoa frustrada na profissão, pois embora esta área de diferentes possibilidades de
trabalho, a primeira e a mais recorrente é a aula. Especialmente e em acordo com as
políticas públicas nacionais para a área, o Curso de Pedagogia analisado habilita e licencia
para a Educação Infantil e Anos Iniciais. Caso se queira outro campo de trabalho, é
preciso realizar cursos de capacitação, especialização, entre outros. Porém, se o trabalho
for reforçado sempre com esse argumento, estar-se-á reforçando o conceito de que
“qualquer mulher poderá ser professora, afinal se tem o ‘dom’ da maternagem”. | 801
Considerando-se em relevo o trabalho com crianças pequenas, da Educação Infantil, o
vínculo afetivo é muito importante, quase que fundamental, porém é preciso toda uma
preparação e um trabalho pedagógico para a realização dos planos de aula, das atividades,
dos objetivos a serem alcançados, etc. As aulas não são ou não devem ser elaboradas
aleatoriamente, sem propósitos a serem alcançados,já que se trabalha com crianças e se
quer produzir com elas conhecimentos, saberes, vivências, experiências.
É nesse sentido que adentra a profissionalização, a necessária e contínua
dedicação e estudos para tornar-se cotidianamente pedagogo ou pedagoga, do mesmo

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modo como seria em qualquer outra profissão. Em toda a profissão há necessidade de
manter-se em estudo para o trabalho. No caso da Pedagogia, tal profissão deve ser vista
como algo que nunca estará completa, afinal nunca se saberá o suficiente, deve-se sempre
estar em busca de aprimorar-se, conhecer, reconhecendo que o conhecimento nunca
estará pronto ou acabado. É nesse sentido que o discurso de outra acadêmica, que iniciou
seu estudo no Curso Normal, em nível de Educação Básica, porém para estar melhor
preparada para inserir-se nas escolas, optou por continuar seus estudos no Curso de
Pedagogia, no nível de Ensino Superior.
A5 – “Hãm... Como eu já fiz o magistério, sempre foi, hãm, um gosto pelo, por
trabalhar como professora, e eu quis seguir depois do magistério, eu quis
seguir a carreira de Pedagogia”.

A acadêmica acima já poderia trabalhar como professora, afinal já havia “se


capacitado” para isso, porém, optou por dar continuidade os seus estudos. Atualmente,
não basta estar “apta” para uma profissão, precisa-se estar em busca de um diferencial,
destacar-se em algo ou então estar sempre buscando. Vale ressaltar que essa diferença
nem sempre acontece em cursos, palestras, oficinas, etc. A verdadeira formação inicial e
continuada de uma professora pedagoga acontece na escola, dentro e fora da sala de aula,
pois é esse o espaço de convivência e prática de tudo o que se estuda durante a graduação.
Em suma, o real preparo e inserção na profissão acontecem no trabalho, na vivência
cotidiana da profissão. É sobre essa direção que se adentra o novo subitem desse capítulo,
sobre a categoria “trabalho”.

3.2 Sentidos de vocação na categoria Trabalho


A categoria trabalho contempla toda a problemática e contextualização desse | 802
estudo. Pode-se ainda afirmar que seja a mais relevante, pois a partir dela problematiza-
se as demais categorias. Contudo, nos discursos das acadêmicas, a mesma parece estar
confusa, por vezes, sendo até negada ou não compreendida como relevante.
A falta de um reconhecimento do que o que faz é trabalho e de si como
trabalhadora, por vezes pode estar imerso em uma concepção e rótulo estipulados pela
sociedade e, por vezes, aceitos e não criticados por parte das professoras. O trabalho com
a Educação Infantil principalmente é visto como apenas uma “recreação” ou “cuidar”.
Embora o cuidar seja parte desse nível, ele não pode ser aceito como o único fator

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importante nesse processo. É com referência a esse contexto que as professoras desse
nível de educação são conhecidas e chamadas de “tias”, algo que reduz o trabalho dessas
profissionais, afinal essa profissional estudou, qualificou-se para estar trabalhando nesse
espaço. Embora esse espaço exija o carinho, a dedicação, o cuidado, o mesmo também
exige pedagógico e esse não pode ser desenvolvido por qualquer pessoa. As atividades
realizadas com crianças desse nível devem ser todas planejadas com objetivos que
propiciem momentos de produção de conhecimentos, estímulos, interação e socialização.
A2 - “Hãm... Assim, agora que eu tô fazendo o meu estágio, né? Na Educação
Infantil, trabalhando com crianças pequenas, eu não consigo, bem, ver um
trabalho de professora. Porque, hãm... Nós usamos muito o vínculo afetivo
com as crianças, muito o carinho, pode ser que seja pela Educação Infantil,
eu não consigo me enxergar como uma trabalhadora. Nesse momento, na
Educação Infantil. Quem sabe se eu tivesse nos Anos Iniciais, dando conteúdo
eu conseguiria enxergar o trabalho do professor diferente.”

Pode-se perceber que a acadêmica acima sente uma dificuldade de reconhecer-se


como trabalhadora, pois internalizou conceitos que a sociedade historicamente elaborou.
Também é possível perceber que a mesma acredita que ao se inserir nos Anos Iniciais,
talvez possa reconhecer-se com trabalhadora, pois estará lidando com conhecimentos
formais como centralidade. Embora ela não esteja equivocada em falar que a Educação
Infantil exija muito o vínculo afetivo, parece esquecer-se de todo o trabalho pedagógico
que realiza durante seus dias de trabalho, para além dos vínculos e considerando-os como
base para tal trabalho. Isto porque a Educação Infantil, diferentemente dos Anos Iniciais,
não apresenta conteúdos obrigatórios, tão pouco uma lista de conteúdos a serem
trabalhados. Porém, esta possibilita que o professor, no dia a dia, na rotina e tendo como
base a curiosidade dos estudantes, desenvolva atividades lúdicas que possibilitem a
produção do conhecimento, como também a sua, já que o trabalho pedagógico é um | 803

espaço e tempo para a produção do conhecimento também dos professores.


Não fugindo da importância do cuidar e do vínculo afetivo, as demais acadêmicas
apresentaram, em seus discursos, uma enorme preocupação com o “mudar” e
“transformar” a vida dos seus estudantes. Para essas acadêmicas, o sentido de trabalhar
como professora pedagoga é um sentido de “doação”.
A1 - “O sentido é justamente estar frente ao aluno e ver a...o percurso dele na
escola, de poder ajudar a, a..a cidadãos a criarem consciência dos seus atos
perante a sociedade.”

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A3 - “(Silêncio) Ah! O sentido é... é, dar uma direção pro cidadão, pras
crianças que tão aprendendo, mas o sentido principal, de uma pedagoga é
transformar, hãm... a vida da criança em algo significativo.”
A4 - “(Silêncio) Eu acho que a gente tem o, um, um dom assim que é de, hãm,
melhorar e preparar as crianças pro futuro. Que depende de nós!”.
A5 - “Eu acho que, como professor é a única chance que a gente tem, de, de
mudar alguma coisa, dessas crianças serem um pouco diferente do que a
gente vê hoje em dia, né?”

Embora o professor tenha um papel fundamental em ajudar o estudante a


encontrar-se e reconhecer-se como um cidadão de direitos e deveres, de torná-lo e motivá-
lo a ser crítico e argumentativo, os professores não podem relegar essas responsabilidades
para o âmbito individual, pois assim assumirão um papel de “mãe”. Se assim agirem,
podem acabar, muitas vezes, trabalhadores frustrados, pois já é difícil mudar-se quem dirá
transformar uma turma, uma escola, uma sociedade toda. Reitera-se que não se está
afirmando os professores devam desistir de mudar e de transformar, porém estes não
devem e não podem assumir para si todos os problemas que os seus estudantes trarão para
a escola e sala de aula.
Como professoras pedagogas os desafios da profissão serão os mais diversos,
como; desvalorização, salário baixo, jornadas de trabalho exaustivas, reconhecimento,
infraestrutura das escolas, diferentes tipos de estudantes dentro da mesma sala de aula,
entre tantos outros que irão se apresentar pelos caminhos. É nesse sentido que se pensa
que as professoras pedagogas devem conhecer o seu trabalho, o sentido de trabalhar como
professoras pedagogas, reconhecer-se como trabalhadoras e não aceitar rótulos de “tias”,
“missionárias”, “trabalho de doação” e tão pouco o sentido de “vocação” sem melhor
explorar o conceito que existe e está sendo usado para esses discursos.
Ao indagar as acadêmicas sobre os elementos fundamentais para o seu trabalho | 804
de professoras pedagogas, diferentes foram os pontos de vistas. Duas acadêmicas (A1 e
A2) trouxeram “a importância do estudo”, duas também (A3 e A4) destacaram “a
importância do gostar do que faz” e a “dedicação”, e a outra acadêmica (A5) enfatizou a
”criatividade, vontade e confiança”.
O estudo é certamente um elemento muito importante no trabalho de professora
pedagoga, como foi dito no subitem acima. A profissão exige o pensamento de que o
conhecimento nunca estará acabado, de que se precisa sempre buscar o novo, ampliar o
atual e refletir sobre o velho.

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A1 - “Acho que o professor pedagogo ele tem que estar sempre estudando,
se aprimorando perante as... dificuldades dos seus alunos, perante a educação
como um todo. Isso é o que faz o sentido maior, o estudo.”
A2 - “(Silêncio) Eu acho que, tu estudar, tu saber o que tu ta transmitindo, tu
ter atitude de professora, o respeito com teus alunos e assim oh, sempre tentar
desenvolver o melhor trabalho possível com as crianças.”

A busca pelo saber não deve se deter apenas nos estudantes. Há necessidade de o
professor deve querer aprender com o estudante, não se prender apenas em “transmitir”
algo. A produção do conhecimento acontece em uma socialização, na qual professores e
estudantes aprendem de forma conjunta, pois não existe saber acabado.
Ainda pensando nos elementos fundamentais do trabalho de professora pedagoga,
existem outros que também são importantes e que apareceram nos discursos das
acadêmicas. A criatividade, vontade e confiança, devem estar presentes no dia a dia. Não
se deve deixar abater, aceitar e acomodar diante dos desafios que a rotina reserva. Sendo
assim, a importância do “gostar do que faz” e a “dedicação” do trabalho são elementos,
fatores, que irão fazer ou não a diferença. Se for professora e pedagoga que preferem
fazer o mesmo sempre, sem incentivar e motivar os estudantes, o trabalho será cumprido
apenas e com pouco ou nenhum significado para os envolvidos:
A3 - “(Silêncio) Ah! Primeiramente a pessoa tem que gostar do que faz.
Segundo, eu acho que, a responsabilidade, que, que uma profissão exige, da
Pedagogia no caso, é, é acima de qualquer outra profissão. Hãm, além da
responsabilidade, de gostar do que faz, eu acho que ela tem que ter dedicação
e empenho, porque são muitos os percalços que a, que um pedagogo enfrenta
hoje. Desde a questão salarial, desde da, da jornada de trabalho. Então, eu acho
que tem que gostar mesmo, do que faz.”
A4 - “Acho que dedicação, ao que tu vai, ao teu trabalho. O, o afeto com as
crianças que é o principal, a relação com eles, e o teu respeito por eles e com
a tua profissão”.

Quando questionei as acadêmicas sobre os desafios da profissão de professora | 805


pedagoga, suas respostas foram variadas, mas todas sobre a realidade que na profissão se
vivencia. Para que o trabalho de professora pedagoga seja de qualidade, precisa-se
avançar os desafios do dia a dia, desafios esses que acompanham há tempos e que
provavelmente continuarão a acompanhar, até que a sociedade como um todo dê o
reconhecimento que a profissão merece, assim como a educação precisa ter.
A1 - “(silêncio) Os desafios, eu acho que é..o reconhecimento, o professor é
deixado muito de lado, sempre é...a última profissão que é pensada, des do,
desde quando tu faz o vestibular, quando tu fala que vai fazer vestibular pra
alguma licenciatura, todo mundo já te olha e já, com aquele olhar de há isso é
fácil. Então, é isso que eu acho, é um reconhecimento de um professor, é o
principal desafio.”

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Há uma visão para o trabalho de professora pedagoga, como sendo uma falta de
opção ou de “qualificação” para trabalhar em outro curso, gerando uma baixa autoestima.
As pessoas julgam a opção de Curso das outras pela pontuação alcançada ou até mesmo
pelo número de candidatos vagas, mas onde está o direito de escolha? Esse julgamento
acaba por gerar um não reconhecimento da profissão de professora pedagoga, devido aos
pré-julgamentos citados acima. Para que haja uma mudança na valorização desse
profissional é preciso antes que a sociedade mude seus pré-conceitos, que aceite as
escolhas das pessoas e que as pessoas não se deixem desmotivar por esses julgamentos
“pobres”. A opção é de quem a faz e não dá direito de crítica alheia. Talvez o
reconhecimento dessas trabalhadoras possa começar pela própria noção de reconhecer-se
como trabalhadora.
Como se já não bastasse o preconceito das pessoas, as professoras pedagogas
ainda têm em suas salas de aulas estudantes diversificados, com problemas e
comportamentos diferentes, às vezes, excesso de crianças em uma mesma sala e precisa
saber lidar com todos eles e, por vezes, não se está preparada.
A5 - Ah, eu acho que, essa diversidade que tem de alunos hoje em dia, né?
A gente ta numa sala de aula, bem,... que não é homogênea, né? Se tem alunos
de vários tipos e tu tem que saber lidar com todos esses tipos, coisa que a gente
não ta preparada.

Precisa-se também todos os dias retomar o entusiasmo pelo aprender, resgatar os


valores que a sociedade atual está distorcendo. Porém, é preciso estar atento para que isso
não se torne um trabalho realizado sempre da mesma forma. Cada escola, cada turma,
cada estudante, necessita de um trabalho pedagógico diferenciado, compatível com uma
leitura de sua realidade, de sua cultura e de seu modo de produzir conhecimento. Esses | 806

são os grandes desafios dos pedagogos, entender, analisar, interpretar os fenômenos


educativos e, com base nessa interpretação, propor, avaliar e produzir conhecimento.
A4 - Eu acho que os principais desafios é, é passar todos os dias, tentar passar
todos os dias as mesmas coisas pras crianças, a valorização, os valores da
vida, as, os, hãm, passar as mesmas coisas todos os dias pras crianças, nunca
deixar a peteca cair, assim, que eles sempre lembrem das coisas que são
principais na vida deles.

Em suma, percebeu-se que o sentido de vocação para o trabalho de professora


pedagoga é muito forte, pois estas acreditam que tenham uma “missão” de “transformar”
e mudar, ser o diferencial, ser a diferença e fazer a diferença. Este pareceu ser um

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argumento que mascara outros, a saber, a necessidade de realizar um trabalho pedagógico
coerente com a realidade e eficaz na produção de conhecimento. Do mesmo modo,
embora seja característica do trabalho dos pedagogos, ensinar e aprender com os
estudantes, que são encontrados desafios diários e é visível a desvalorização profissional,
não se pode esquecer do salário, pois ele é importante, porém não está ainda o “ideal”.
A2 - “Acredito que o salário, acredito que a desmotivação, acredito que assim
oh, a falta de informação dos pais em te chamarem de tia, hãm, não sabendo
direito assim, não sei se é porque eu tô na Educação Infantil, mas eles me
consideram mais uma cuidadora, do que uma professora. E isso me incomoda
bastante. Então, eu acho que esses são os grandes desafios, né? Hãm, a
desqualificação do trabalho do professor.”
A3 - “A questão salarial é uma delas, mas não só esta. A questão da jornada
de trabalho, também eu acho, que dai vem de encontro, com a questão
salarial que o professor tem que dobrar a jornada de trabalho, pra poder
tirar um bom salário, que seja considerável. A questão da infraestruturas, das
escolas, das condições de trabalho, E também da, do estilo do modelo que é
os alunos hoje, na sala de aula. Que, tão mais agressivos, tão cheios de
problemas, mas, que muitas vezes, os problemas tem que ser solucionados ou
então são vistos pelo professores dentro da sala de aula.”

Todos esses aspectos, destacados nos discursos das pedagogas entrevistadas,


reforçam a necessidade de continuar estudando esses temas, desvelando os discursos que
fazem crer que as pedagogas, ao se apresentarem como vocacionadas ou missionadas,
estariam em um estágio além do de se apresentar como trabalhadoras. Contrariamente,
acredita-se que, dizendo trabalhadoras e tendo condições de descrever o trabalho
pedagógico que realizam, efetivamente, essas profissionais denotam entender o estágio
atual de sua profissão e o quanto têm condições de realizá-la, agindo de modo político e
transformador, diferentemente de um agir romantizado.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS | 807


Com as entrevistas realizadas percebeu-se que as acadêmicas pareciam não estar
à vontade, sentindo-se, por vezes, incomodadas em falar sobre o que fazem com o
trabalho e de si como trabalhadoras, embora as perguntas fossem simples e pontuais.
Todas demonstram discursos assentados em aspectos relacionados à vocação para o
trabalho de pedagoga. Esse romantismo que as acadêmicas demonstraram ao
descreverem sua profissão foi algo muito forte, e percebido no momento de análise.
Entretanto, sabe-se que esse romantismo, essa “idealização da profissão”, pode gerar uma

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frustração no exercício da mesma, pois esta está marcada por desafios, que, por vezes,
são esquecidos ou lembrados apenas quando estão sendo vivenciados.
O gostar de crianças também foi algo recorrente em seus discursos, como uma
justificativa para a escolha da profissão ou para o trabalho que será realizado. Estas
pareceram esquecer o pedagógico do seu trabalho e a formação e estudos que precisam
ter para desenvolver o mesmo. O pedagógico é elemento distintivo no trabalho que
realizam e tem perspectivas políticas, sociais e culturais que o tornam complexo, um
trabalho caracteristicamente marcado pela inserção e busca da transformação do social.
A escola apareceu nos discursos como uma extensão do lar, como um lugar de
“salvação” ou “preparação” do estudante para a vida, para o mundo. Se a escola tem um
lugar de segundo lar, a professora pedagoga passa a ter um papel de “segunda mãe”. Tanto
se critica o não reconhecimento do trabalho da profissão de professora e de pedagoga nos
dias atuais, porém esse não reconhecimento aparece no discurso de futuras professoras,
pois elas desconhecem o seu trabalho e se percebem como “mães” dos estudantes. Se a
maternagem, fosse o principal da profissão, não se necessitaria de pagamento, afinal, uma
mãe não recebe por cuidar dos seus filhos, ela faz isso por “amor, dedicação, missão”.
Sendo assim, o salário não teria importância, e as acadêmicas justificaram o mesmo como
importante, porém não fundamental para o trabalho de professora e de pedagoga.
Embora as concepções atuais tenham sido reelaboradas das de séculos atrás, a
vocação ainda é muito presente no discurso dos sujeitos dessa profissão. Está-se referindo
à vocação no sentido etimológico da palavra, no sentido de “doação”. Para um melhor
reconhecimento da profissão é preciso, antes de mais nada, que essas profissionais
conheçam o real sentido do seu trabalho, a história dessa profissão e da entrada na mulher
| 808
na mesma. Para que esse objetivo seja alcançado, essa profissional, assim como qualquer
outro profissional, precisa estar preparado, através de estudos e práticas pedagógicas
contínuas.
Como relatado no decorrer desse trabalho, a mulher “viu” na profissão de
professora pedagoga uma forma de inserir-se no mundo do trabalho, de exercer uma
profissão e ocupar um lugar de “reconhecimento e aceitamento” na sociedade. O
problema ocorreu na forma como isso tudo aconteceu. Essa “entrada” no mundo do
trabalho foi de uma forma que essas professoras pedagogas perdessem o reconhecimento
como trabalhadoras, dando assim, a si próprias um sentido relacionado ao de

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“maternagem e vocação”. Também como já relatado no trabalho, foram conceitos
historicamente elaborados, mas que, na atualidade, podem e devem ser “criticados” e
“revistos”, pois a pedagoga é uma trabalhadora e merece um reconhecimento como tal.
É sobre esse viés que a temática foi escolhida para realização do Trabalho de
Conclusão de Curso. O maior objetivo foi o de tentar desconstruir concepções
historicamente elaboradas pela sociedade e aceitas pelos pedagogos como verdades
evidenciadas em seus discursos. Percebeu-se o quanto isso é pouco questionado quando
foi resolvido abordar essa temática no trabalho, pois foram poucos os encontrados para
dar suporte, houve a necessidade de se fazer interpretações a partir de diferentes textos,
trazendo “ganchos” e “costuras” para essa temática. É pretendido contribuir para pessoas
que assim como a pesquisadora, no decorrer da graduação, identificaram-se com a
Pedagogia, e passaram a acreditar que, independente do gênero, um pedagogo (a) faz de
suas aulas um momento de produção de conhecimento, tanto sua quanto de seus
estudantes, e que a vocação é apenas um conceito historicamente “distorcido”, utilizado
para justificar essa escolha por um trabalho que torna os pedagogos trabalhadores, ainda
que seu trabalho seja com o conhecimento, e não uma produção fabril concreta e material.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Helena Costa G. “As mulheres professoras e o ensino estatal”. Educação e


Realizadade nº 2. Porto Alegre, jul./dez. 1990, vol. 15, PP. 45-57.
BARDIN, L. Análise de conteúdo / Laurence Bardin; tradução Luiz Antero Reto,
Augusto Pinheiro. – São Paulo: Edições 70, 2011.
BRUSCHINI, C.; AMADO, T. Estudos sobre mulher e educação: algumas questões
sobre o magistério. Disponível em:
<http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100- | 809
15741988000100001&lng=pt&nrm=iso> (Acesso em: 19/10/2015)
FERREIRA, L. S. Gestão do pedagógico na escola: possibilidades para o trabalho dos
professores. Disponível em:
<http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/2324> (Acesso em:
19/10/2015).
_______. Gestão do pedagógico, trabalho e profissionalidade de professoras e
professores. Disponível em: < http://www.rieoei.org/rie45a10.pdf> (Acesso em:
19/10/2015).
_______. Gestão do pedagógico: de qual pedagógico se fala?. Disponível em:
<http://www.curriculosemfronteiras.org/vol8iss2articles/ferreira.pdf> (Acesso em:
19/10/2015).

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_______. O trabalho dos professores e o discurso sobre competências: questionando
a qualificação, a empregabilidade e a formação. Disponível em:
<http://www.curriculosemfronteiras.org/vol11iss2articles/ferreira.pdf> (Acesso em:
19/10/2015).
_______. O trabalho dos professores em contextos de gestão escolar. Disponível em:
<http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/rpe/v23n1/v23n1a05.pdf> (Acesso em:
19/10/2015).
_______. O trabalho dos professores na escola: quando o tempo se trai. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/38e/art13_38e.pdf>. (Acesso em:
19/10/2015).
_______. Pedagogia como ciência da educação: retomando uma discussão necessária.
Disponível em: <http://rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/viewFile/1493/1319>.
(Acesso em: 19/10/2015).
_______. Trabalho, profissionalidade e escola no discurso das professoras dos Anos
Iniciais do ensino fundamental. Disponível em: < http://hdl.handle.net/10183/7090>
(Acesso: 19/10/2015).
HYPOLITO, A. M. Trabalho docente, classe social e relações de gênero / Álvaro
Moreira Hypolito. – Campinas, SP: Papirus, 1997. (Coleção Magistério: Formação e
Trabalho Pedagógico).
TAMBARA, Elomar. A feminização da feminilização do profissional da educação no
Brasil. Disponível em: <
http://www.fae.ufmg.br/estrado/cdrom_seminario_2008/textos/trabajos/A%20FEMINIL
IZA%C7%C3O%20DA%20FEMINIZA%C7%C3O%20DO%20PROFISSIONAL%20
DA%20EDUCA%C7%C3O%20NO%20BRASIL.pdf> ( Acesso em: 19/10/2015).
_______. Profissionalização, escola normal, e feminilização: Magistério sul rio-
grandense de instrução pública no século XIX. Disponível em: <
www.seer.ufrgs.br/asphe/article/download/30720/pdf> (Acesso em : 19/10/2015).

| 810

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APRENDENDO A PROFISSÃO: PROFESSORES INICIANTES
E AS CONDIÇÕES DO TRABALHO DOCENTE NO
DISTRITO FEDERAL
Ma. Deise Ramos da Rocha
Doutoranda em Educação, UFPel
(deise.rocha@hotmail.com)

Dra. Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva


Professora Adjunta, UnB
(katiacurado@unb.br)

Me. Rodrigo Fideles Fernandes


Professor, PUC-GO/Doutorando em Educação, UnB
(Rodrigo.fideles@hotmail.com)

Resumo: O presente trabalho origina-se de preocupações voltadas para a prática docente


de professores que se iniciam na docência e dos desafios e dilemas mais frequentes que
esses professores enfrentam, na fase de inserção à carreira. Esta pesquisa tem por objeto
de estudo o professor iniciante na Secretaria de Educação do Distrito Federal, discorrendo
sobre a importância de olhar para o docente nesta fase. Os resultados no permitem trazer
um debate sobre a direção do olhar das pesquisas levantadas sobre as iniciativas para a
formação continuada do professor iniciante, e que permitem compreender empiricamente
o que estudiosos da área tem levantado acerca da temática: um quantitativo relevante de
desistentes na carreira, anunciando questões objetivas ligadas as condições de trabalho, e
a necessidade de políticas de formação pensadas a partir da realidade do trabalho docente.
Apontamos para um projeto de formação de professores intelectuais, autores de uma ação
pedagógica contra hegemônica e ciente do significado de seu trabalho. A pesquisa é
fomentada pelo CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico e pela FAP-DF – Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal.
Vincula-se ao GEPFAPe – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação e Atuação de
Professores/Pedagogos.
Palavras-chave: Professor iniciante. Formação de Professores. Trabalho docente. | 811

IDEIAS INTRODUTÓRIAS
Esta pesquisa é financiada pela CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior. Está vinculada à pesquisa Aprendendo a Profissão:
professores em início de carreira, as dificuldades e descobertas do trabalho pedagógico
no cotidiano escolar, do GEPFAPe – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação e
Atuação de Professores/Pedagogos, financiada pelo CNPq – Conselho Nacional de

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Desenvolvimento Científico e Tecnológico e pela FAP-DF – Fundação de Apoio à
Pesquisa do Distrito Federal.
A motivação para a pesquisa origina-se das inquietações que, ao longo da
trajetória profissional e de investigações na formação de professores surgem sobre os
docentes no início de carreira. Essa etapa da profissão – compreendida geralmente pelos
três primeiros anos de magistério – é identificada como o período mais difícil, por ser a
fase de transição de aluno a professor, no qual é comum o sentimento de insegurança,
medo e de despreparado profissional. O período de iniciação é a etapa em que o professor
busca conhecer a sua própria situação e definir os comportamentos que serão adotados no
exercício da atividade profissional.
Huberman (2000) ressalta que este momento do início da docência é caracterizado
pelos estágios de sobrevivência e descoberta. Este momento de sobrevivência está
relacionado com o choque do real, no qual entre tantas experiências, o professor passa
por um tatear constante, percebe distância entre os seus ideais e as realidades cotidianas
da sala de aula. Segundo o autor, o professor só consegue enfrentar este primeiro aspecto
por acontecer paralelamente à descoberta, que é o entusiasmo do professor por estar em
uma situação de responsabilidade. Em outras instâncias que provocam sofrimento e
dificuldades, pode levar o professor a desistência da carreira docente.
Apesar de a aprendizagem ocorrer em várias etapas do desenvolvimento
profissional docente, é no exercício do trabalho, e especificamente, nos primeiros anos de
ingresso, que os conhecimentos apreendidos são acionados para desenvolver
competências e saberes necessários no cotidiano escolar. Nesse movimento vão se
constituindo modos próprios de ser, estar, pensar e agir na profissão, num processo que
| 812
envolve aspectos coletivos e subjetivos e que pode ser compreendido pelo conceito de
profissionalidade docente, tendo em vista, que as especificidades do trabalho realizado
pelos professores impossibilita compreendê-lo sob a perspectiva das demais profissões.
Considerando que os professores ao iniciarem a sua atuação profissional têm que
constituir a sua profissionalidade em meio à tensão existente entre conflitos, descobertas
e realizações. A profissionalidade pode ser compreendida como o processo que decorre
do ato de ensinar e consiste na apropriação e reconfiguração, de acordo com a dinâmica
e vivencia de cada professor, de elementos que resultam da sua relação com os alunos,

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com seus pares e com a instituição escolar, numa dinâmica de intensa articulação com a
profissionalização e com a produção material da vida social.
Assim a presente pesquisa propõe estudar este processo da profissionalidade, no
intuito de contribuir com a análise da realidade do trabalho docente, a fim de trazer
elementos que possam subsidiar propostas de acompanhamento e fortalecimento da ação
docente no início da carreira, apoiando o professor iniciante e possibilitando a formação
de um profissional com maior segurança, desenvoltura e habilidade para lidar com o
cotidiano do trabalho pedagógico.
Neste artigo, especificamente, iremos trazer as etapas que já foram desenvolvidas
na pesquisa, revelando um olhar sobre a rede pública de ensino do Distrito Federal,
analisando o que os dados das convocações dos últimos concursos públicos revelam, e
ainda trazer um perfil do professor iniciante na carreira do magistério público do Distrito
Federal.
A partir de uma articulação das abordagens metodológicas quantitativas e
qualitativas, esta pesquisa apresenta duas fases retradas para este trabalho:
1. Levantamento quantitativo do número de professores ingressantes nos últimos
concursos públicos (2010 e 2013) realizado no Distrito Federal, buscando identificar
o número de professores selecionados para cada área/disciplina do currículo da
Educação Básica, e posteriormente relaciona-se o quantitativo de professores
desistentes após a posse nos concursos e suas áreas de atuação, realizando a pesquisa
a partir da leitura do Diário Oficial do Distrito Federal; e
2. Aplicar um quantitativo de questionários que nos permita traçar um perfil social,
acadêmico e profissional destes docentes. O questionário é um importante
| 813
instrumento de coleta de dados tanto quantitativos como qualitativos. Nesta pesquisa
utilizamos de questionários com questões fechadas e abertas, utilizadas no que
chamamos de fase exploratória e que ainda se encontra em desenvolvimento, e que já
nos permite trazer o perfil dos professores que ingressaram nos concursos públicos de
2010 e 2013.

PROFESSORES INICIANTES NA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DF


Mapeando as discussões já levantadas no Brasil, há uma insipiência na
proposição de uma política pública em vigor, voltada para o professor iniciante na

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carreira, sobretudo, da sua formação política e a constituição de sua identidade fortalecida
por uma categoria e por princípios pensados a partir do trabalho docente. Os estudos
alcançados até então, tem se voltado para os processos dos saberes e da prática
pedagógica, socialização profissional, identidade, dificuldade, dilemas, todos centradas
no professor individualmente (PAPI; MARTINS, 2010).
Chamamos a atenção para o fato de que a omissão quanto a posicionamentos
concretos à realidade da condição de trabalho, ocasionam na ampliação das
responsabilidades docentes, da jornada de trabalho sem reajustes e da intensificação do
trabalho, reforçando a condição da proletarização da categoria do professorado
(KUENZER e CALDAS, 2009; OLIVEIRA, 2004), além de causar uma objetividade no
desinteresse e na desistência da profissão.
É preciso entender o trabalho como instância ontológica à produção de
conhecimento, e, evidenciar, que é essa ontologia como parte da formação da classe, uma
característica propiciadora para a consciência de classe e das pressões insanas lançadas
sobre o trabalho do professorado. A produção de conhecimento e a pesquisa como parte
do trabalho ontológico dos sujeitos professores não podem se prender ao imediato
(MORAES e TORRIGLIA, 2003), o que cabe posturas de resistência e resiliência.
Dando continuidade ao diálogo levantado, Marx caracteriza o trabalho como
uma interação do homem com o mundo natural, de tal modo que os elementos deste
último são conscientemente modificados para alcançar um determinado propósito. O
trabalho é a forma pela qual o homem se apropria da natureza a fim de satisfazer suas
necessidades, e dialeticamente, é também por tal ação, transformado. A atividade de
objetivação possui uma dimensão ontológica fundamental, pois por meio dele o homem
| 814
cria, livre e conscientemente, a realidade, bem como o permite dar um salto da mera
existência orgânica à sociabilidade.
É também pelo trabalho que a subjetividade se constitui e desenvolve-se
constantemente, num processo de autocriação de si, pois ao modificar a realidade natural
que o circunda e, ao modificá-la, cria uma nova realidade, da qual os demais homens
usufruem, engendrando assim um feixe de relações sociais. É nessa relação com a
natureza e os demais homens, mediada pelo trabalho, que o ser humano constrói
sociedades, reconfigura a história e, simultaneamente, molda a sua essência. Marx (2006)
ainda admite que o trabalho humano é distinto da atividade produtiva dos demais seres

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vivos porque ele envolve consciência, e um determinado comportamento próprio de seu
gênero. Nesta perspectiva, ao trabalhar, o homem não realiza uma mera atividade animal,
instintiva, para satisfazer suas necessidades imediatas:

É verdade que também o animal produz. Constrói para si um ninho, habitações,


como a abelha, castor, formiga etc. No entanto, produz apenas aquilo de que
necessita imediatamente para si ou sua cria; produz unilateral[mente],
enquanto o homem produz universal[mente]; o animal produz apenas sob o
domínio da carência física imediata, enquanto o homem produz mesmo livre
da carência física, e só produz, primeira e verdadeiramente, na [sua] liberdade
[com relação] a ela; (…) O animal forma apenas segundo a medida e a carência
das espécies à qual pertence, enquanto o homem sabe produzir segundo a
medida de qualquer espécie, e sabe considerar, por toda a parte, a medida
inerente ao objeto; o homem também forma, por isso, segundo as leis da beleza.
(MARX, 2006, p. 85).

É o trabalho na sociedade capitalista o propiciador da divisão de classes e a


provocadora da ação alienante, mas também, da educação conscientizadora das
aparências e das essências, e que permite o sujeito fazer o movimento entre o abstrato e
o concreto pensado (MARX, 2014). Cabe-nos então, uma pergunta: onde está o
afastamento do trabalho da relação natural do homem? Para entender a resposta
possibilitada a esta pergunta, é preciso voltar ao conceito de que é o trabalho que
estabelece as relações humanas.
A partir dessa discussão levantada, os professores convocados nos editais de
2010 e 2013 para professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal, nos revela uma
incidência de 923 candidatos que não chegam a assumir a vaga/cargo, representando 16%
pelo edital de 2010 e 10% pelo edital de 2013, observando na “Tabela 1: Professores
convocados por área de atuação – Editais de 2010 e 2013” que neste último edital, há um
| 815
número menor de convocados, representando uma porcentagem consideravelmente
maior, em proporção aos quantitativos obtidos pelo edital de 2010. Nas disciplinas de
exatas, como física e química, podemos observar que esse quantitativo de nomeações sem
efeito atinge uma proporção grande e equivalente ao total de convocados, observando que
a porcentagem de desistentes atinge 18% e 28% respectivamente, no edital de 2010, e
100% de desistentes pelo edital de 2013. Ao observarmos a área de atividades,
correspondente aos graduados em pedagogia, obtemos um percentual de 12% pelo edital
de 2010 e 13% pelo edital de 2013.

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Tabela 1: Professores convocados por área de atuação – Editais de 2010 e 2013
Nomeações Nomeações sem Efeito Posse
Concurso / Área
2010 2013 2010 2013 2010 2013
Artes 258 35 47 2 211 33
Artes cênicas/teatro -- 47 -- 6 -- 41
Artes música -- 38 -- 2 -- 36
Artes visuais -- 29 -- 7 -- 22
Artes/dança -- 18 -- 6 -- 12
Atividades 1936 1165 248 162 1688 1003
Biologia 272 90 93 14 179 76
Ciências naturais -- 26 -- 1 -- 25
Educação Física -- 470 -- 13 -- 457
Filosofia 91 4 22 0 69 4
Física 81 1 15 1 66 0
Geografia -- 222 -- 27 -- 195
História -- 246 -- 14 -- 232
LEM/espanhol 97 -- 11 -- 86 --
LEM/francês 20 -- 3 -- 17 --
LEM/inglês 162 74 30 8 132 66
Letras/libras -- 17 -- 0 -- 17
Língua portuguesa 513 158 49 20 464 138
Matemática 274 119 73 6 201 113
Música/ diversas áreas 39 4 4 0 35 4
Química 78 1 22 1 56 0
Sociologia 84 5 14 2 70 3
Total por edital 3905 2769 631 292 3274 2477
TOTAL 6674 923 5751
Fonte: DODF. Organização: GEPFAPe, 2016.

O número de desistentes empossados também assusta. Ao solicitar para a


Secretaria de Educação do Distrito Federal o quantitativo de professores em exercício, e
as sua locações, nos deparamos com um total de 2680 professores em atuação, dentre os
3274 que tomara posse pela convocação do edital de 2010, e 1983 em exercício, entre os
2477 que assumiram a vaga pelo edital de 2013. Ao colocar esses dados em porcentagem, | 816

teremos um quantitativo de 18% e 19%, respectivamente, de desistentes. Do universo de


total de professores convocados pelo edital de 2010, 34% desistiram da carreira, e pelo
edital de 2013, esse número representa em 29%.
Para entender a conjuntura de trabalho na SEDF, a instituição é divida em 15
regionais de ensino, aglutinando as escolas pela região geográfica. Nessa divisão, há uma
separação entre as regionais de ingresso no trabalho e as regionais de transferência
(destinada aos professores com um tempo considerável de carreira). Um fator interessante
a ser observado é que o professor em período de estágio probatório, e, portanto, no início

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da carreira possui lotação efetiva na regional, e provisória na escola de atuação. Essa
mesma divisão recai sobre as chamadas escolas modelo, que tem melhores condições de
trabalho, e na qual, professores mais experientes tem preferência para atuar.
A escolha de turma é realizada uma única vez no início do ano letivo (ou
semestre letivo, de acordo com a formação disposta pela unidade escolar), conforme dia
e horário disposto pela SEDF, em que se observados os componentes curriculares e o
cargo concursado ou habilitações para as quais o professor está em disposição de trabalho.
A própria lei prioriza os professores que tem mais tempo de serviço na SEDF, Regional
de Ensino e/ou na unidade de ensino (escola).
Há, ainda, gratificações oferecidas para atuações com o ciclo da alfabetização,
educação especial e sala inclusiva e para unidades localizadas em zonas rurais. Em nosso
entendimento, turmas multisseriadas ou que concentram alunos repetentes, ou mesmo
escolas localizadas em zonas periféricas deveriam ter a oferta de uma gratificação extra,
por compreendermos que são os professores experientes que deveriam lecionar nessas
turmas e escolas, para contribuir com a oferta de uma educação de qualidade ao público
atendido nesses critérios.
Esse pensamento coaduna com a mesma lógica da oferta de gratificações para as
que já constam na lei, atendendo ao raciocínio de que as especificidades do público da
zona rural e turmas de alunos em alfabetização, inclusiva ou especial exigem a presença
de professores experientes. Porém, a realidade revela um massivo ingresso de professores
iniciantes para lidar com as complexidades apresentadas em zonas periféricas e em turmas
multisseriadas e de alunos repetentes, o que agrava as condições de professores iniciantes,
na fase da aprendizagem da docência.
| 817
As regionais de Taguatinga, Sobradinho e Plano Piloto/Cruzeiro são as regionais
de ensino de transferência, os quais professores com mais tempo de carreira possui
preferência. As regionais de Santa Maria, São Sebastião, Samambaia, Recanto das Emas,
Paranoá, Planaltina e Ceilândia concentram as maiores áreas periféricas do Distrito
Federal, e portanto, demandaria maiores recursos sociopolíticos da profissão, e são as que
mais recebem professores ingressantes, totalizando cerca de 3070 professores,
representando 65% dos ingressantes.
As tarefas e funções docentes são assumidas pelos aprendentes da profissão com
as mesmas responsabilidades, e com a mesma carga horária que docentes mais

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experientes, e ainda subjugados a condições de turmas enredadas com dificuldades
variadas. Aos docentes iniciantes, estão incumbidas, na maioria dos casos, a prova de
fogo de trabalhar em instituições escolares mais complexas, e em condições e horários
descartados para os que têm mais tempo de casa. Essas eloquências geram, inclusive, um
alto custo social e político, principalmente para a classe que vive do trabalho, e que
frequenta a escola pública.
Indo em encontro com esses professores que ingressaram pelos editais de 2010
e 2013, foram aplicados até o momento 283 questionários, nos permitindo traçar um perfil
geral dos professores e fazer uma distinção quantitativa de professores que estão
ingressando na carreira no DF, mas que já possuem experiência, e professores que
possuem menos de cinco de ano de carreira.
Trabalhamos com um quantitativo 72% respondentes do sexo feminino e 27%
do sexo masculino, e 1% que não especificou o sexo. Cruzando com os dados de
convocados, 69% do total de convocados nos editais de 2010 e 2013 são do sexo
feminino, e 30% do sexo masculino, e 1% não foi possível identificar, pela leitura dos
nomes no Diário Oficial do Distrito Federal. Esses números afirmam as pesquisas que
trazem dados de um perfil de professorado predominantemente feminino, principalmente
por área de conhecimento disciplinar.
Apoiando-nos no recorte temporal de cinco anos para o início da docência, com
apoio em Tarde (2002), e em consideração aos professores que vão ingressando ao longo
do período entre 2010 e 2015, e por considerar este um período de consolidação da
identidade docente, obtivemos que 57% de nossos respondentes têm até 5 anos de
carreira, e que 42% já tem mais tempo de experiência de docência, no entanto, estão na
| 818
fase de ingresso na carreira na SEDF.
Numa ação de acompanhar, monitorar e avaliar o professor ingressante, a Lei nº
5.105, de 03 de maio de 2013 reestrutura a carreira do magistério público, que em síntese,
dispõe sobre quem pode ocupar os cargos públicos e reafirma as formas de ingresso, das
habilitações e da lotação do cargo. No capítulo III, a seção I trata da qualificação
profissional, especificando nos artigos 11, 12 e 13 implementações que a SEDF deve
realizar um curso de integração a carreiro Magistério Público e programas de
acompanhamento e avaliação, para os servidores em estágio probatório, e ainda incentiva
a produção técnico-científico dos professores:

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Art. 12. Aos servidores da carreira magistério Público do Distrito Federal em
exercício são proporcionados programas de formação continuada, sem
prejuízo das atividades pedagógicas, com o objetivo de reelaborar os saberes
iniciais da formação docente e de fomentar práticas educativas para a melhoria
da qualidade do ensino, mediante norma própria. § 1º Os programas de
formação continuada são oferecidos, com base em levantamento prévio das
necessidades e prioridades da Secretaria de Estado de Educação, pela Escola
de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Distrito Federal –
EAPE, por entidade de classe ou instituição externa, preferencialmente
pública, aprovada em processo de credenciamento, e devem ser realizados no
horário de trabalho do servidor. (…)
Art. 13. Constituem incentivos profissionais a ser estabelecidos pela Secretaria
de Estado de Educação as produções técnico-científicas e culturais dos
servidores da carreira Magistério Público, desde que voltadas para a melhoria
da qualidade do ensino e a valorização do magistério. § 1º Os servidores da
carreira magistério Público terão apoio para publicar os trabalhos de conteúdo
técnico-pedagógico objeto de pesquisa ou produção acadêmica (DISTRITO
FEDERAL, 2013).

Pelo regimento interno da Secretaria de Educação – que é dividida em gerências


de acordo com as aglutinações de eixos administrativos, a EAPE (Escola de
Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação) é uma destas unidades, que tem como
função e responsabilidade em proporcionar a formação continuada dos profissionais da
educação, de acordo com as demanda das unidades educativas da SEDF, integrando a
proposta de colaborar com a qualidade da educação. A EAPE é a propiciadora, então, dos
cursos de capacitação em diversas etapas e modalidades, ofertada aos docentes, aos
funcionários da assistência educacional e aos funcionários readaptados.
Nesta proporção, nos debruçamos sobre o curso de formação “Integração à
Carreira Magistério – Educação Infantil e Anos Iniciais”, elaborado especificamente para
professores que ingressaram a partir de 2013, no magistério público. O curso objetiva
| 819
discutir os aspectos que orientam a educação pública da SEDF, a atuação docente de
professores ingressantes, contribuindo para a construção da identidade profissional
favorecedora de um sujeito-docente propiciador de uma educação de qualidade, coerente
com a política educacional vigente.
Numa perspectiva quantitativa e qualitativa, as duas últimas chamadas e posse
de 1.688 professores convocados e empossados no ano de 2013 e 2.362 no ano de 2014,
totalizando 4.050 ingressantes no magistério da educação básica pública169. A EAPE

169
Dados coletados no próprio site da SEDF: < http://www.se.df.gov.br >.

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ofertou em 2014, 120 vagas para o curso “Integração à Carreira Magistério – Educação
Infantil e Anos Iniciais”. Em 2015, serão ofertadas 180 vagas para a mesma modalidade
de professores. O curso tem uma carga horária de 60 horas, e é ofertado na modalidade
presencial. Com os mesmos objetivos, porém, com o foco na área especializada que o
profissional atua, a EAPE também oferta o curso “Integração à Carreira Magistério –
Anos Finais: Área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”, disponibilizando 90
vagas; e o curso “Integração à Carreira Magistério – Anos Finais: Matemática, Ciências
Humanas e Ciências da Natureza”, com 125 vagas; todos os dois com carga horária de 60
horas, e na modalidade presencial.
Se pegarmos os dados apenas do último concurso em que houve a nomeação de
2.362 professores para o magistério público, dos quais, 1.016 professores são
direcionados para a etapa da educação infantil e séries iniciais, isso significa que se o
curso fosse ofertado somente a esse total, 29% dos professores ingressantes nas etapas da
educação infantil e ensino fundamental 1, teriam tido acesso ao curso, contabilizando as
vagas ofertas em 2014 e 2015. Os outros 1.346 professores distribuídos nas especialidades
estariam representados no quantitativo de 32% que obteriam acesso ao curso, nos anos de
2014 e 2015. Esses dados revelam que o curso não garantido acessibilidade ao total de
professores ingressantes na rede pública de ensino, mesmo garantido em lei. Essa
defasagem nos preocupa quanto aos professores iniciantes que não tem acesso ao curso,
mas que também, não tem a garantia de uma política pública e um programa
governamental que acompanhe esse professor, citados na Lei de reestruturação do
magistério público do DF.
O impacto da desistência da carreira na fase inicial pode ser pensada a partir
| 820
dessa insipiência de um programa oficial de acompanhamento da inserção à carreira,
como condicionante da intensificação do trabalho docente e as desistências da profissão.
Ao fazermos uma comparação entre a escolha da carreira, o interesse em realizar outro
curso de graduação ou concurso público, e os fatores de dificuldades, vão nos permitir
afirmar que a centralidade da problemática em trabalhar com a docência e o ensino do
conhecimento, são agravados e ocasionados por uma condição objetiva de trabalho.
Entre as variantes que levam à escolha profissional pelo curso de licenciatura,
47% revela que o fator incentivador foi a identificação com a área de conhecimento. Do
universo total entre os professores respondentes, 41% por interesse pela profissão. As

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outras variantes caem em quase metade, revelando que 26% escolheu a profissão pela
acessibilidade ao curso, 23% por vocação, 19% por um objetivo de realização pessoal,
14% pelas possibilidades de oferta de emprego. Com um representativo pequeno em
relação às outras respostas, 8% revela que fez a escolha profissional pelo interesse em
trabalhar e por gostar de crianças, 6% por influência de familiares, 4% por falta de opções,
e 3% por influência de amigos ou por questões financeiras quanto aos custos com o curso
de ensino superior. Para responder a esta pergunta, cada respondente poderia marcar mais
de uma opção.
Ao indagarmos sobre possíveis interesses por cursar outra graduação, 49%
afirmaram ter interesse em fazer outro curso superior, enquanto que quase a metade disse
não possuir vontade. Outros 26% disseram não saber ainda se quer se formar em outra
especialidade profissional. Comparado com o questionamento se desejam fazer outro
concurso para sair da SEDF, 43% disseram que sim, justificando o desinteresse na
profissão ligado às questões de desvalorização profissional, condições de trabalho e
desgaste físico e emocional. Enquanto que 34% afirmaram querer permanecer na SEDF.
Outros 23% não souberam responder.
Esses dados nos revelam ser preocupantes, ao nos atentarmos que, conforme já
expusemos aqui nesta pesquisa, cerca de 30% desistiram da profissão, o que corresponde
a um terço dos professores convocados para o magistério público nos últimos cinco anos.
Pelas respostas obtidas, outros 30% revelaram desânimo e desinteresse pela atuação
profissional na escola.
Pelos questionários, vamos descobrindo que as relações com prazer estão nas
descobertas ligadas ao ofício do conhecimento. 71% dos professores afirmaram ter muito
| 821
prazer em lidar com o conhecimento, 60% muito prazer em ensinar. 61% relaciona que
as maiores descobertas estão na relação com a criatividade pedagógica, 65% na relação
do saber com o aprender. Lembrando que de acordo com Vaillant e Marcelo (2012),
Huberman (2000), entre outros teóricos, o termo “descoberta” na aprendizagem no início
da carreira está diretamente ligado ao prazer.
Coadunando com estes mesmos dados, 68% dos respondentes afirmam ter
nenhuma ou pouca dificuldade em estabelecer relação entre a teoria e a prática. 84% alega
ter nenhuma ou pouca insegurança com o domínio do conteúdo, 73% afirma ter nenhuma
ou pouca dificuldade em planejar, organizar e gerir a aula, 82% tem nenhuma ou pouca

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dificuldade em realizar a seleção do conteúdo, 80% afirma ter nenhuma ou pouca
dificuldade com o conhecimento pedagógico, e 68% tem nenhuma ou pouca dificuldade
em variar os métodos de ensino.
Os questionários revelam em número que 84% dos professores apresentam como
aspecto negativo da profissão o desgaste emocional, contra 61% apontam também ser o
desgaste físico. Os professores ingressantes da SEDF que estão entre os cinco primeiros
anos da carreira estão cansados e desgastados. Esse dado revela como fenômeno
importante pare entender as condições de trabalho, e o impacto que isso causa na
qualidade de um ensino-aprendizagem
Ao indagarmos quais são as informações repassadas ao professor, em sua
chegada a escola, nós temos um dado de que 69% dos ingressantes obtiveram acesso a
informações sobre a Estrutura física da escola, se tratanto sobre os ambientes, material
pedagógico, materiais didáticos de apoio, entre outros fatores que pudessem aparecer;
35% tiveram informações sobre a estrutura pedagógica, correspondendo ao planejamento
curricular ou da escola, as formas de avaliação que a escola adere, o Projeto Político
Pedagógico, sobre os encontros pedagógicos, documentos, currículo, etc.; 27% foram
informados sobre serviços de apoio ao professor e ao aluno; 67% foram informados sobre
regras funcionais como horário, regimento, procedimentos administrativos, pedagógicos,
disciplinares, etc; a 56% desses professores foram repassadas informações sobre a rotina;
33% foram informados sobre o perfil da turma.
Entretanto, queremos chamar a atenção para o número que contradiz ao fator
positivo das respostas. Mesmo que corresponda a uma porcentagem que represente menos
da metade do total de respostas obtidas, queremos chamar a atenção, alarmando para o
| 822
fato de que 31% dos professores não foram informados sobre a estrutura física, 33%
informados sobre as regras funcionais, 44% não foram informados sobre a rotina da
escola. Agravando a situação, 67% de nossos respondentes não foram informados sobre
o perfil da turma que iria assumir, 73% não foram informados sobre os serviços de apoio
ao professor e ao aluno; 65% não obteve informações sobre a estrutura pedagógica.
E um percentual pequeno, entretanto, bastante representativo de 4% que não teve
acesso a nenhuma das informações listadas. Supondo que esses 4% correspondem aos
53% que assumiram a turma no primeiro dia de aula, há de se imaginar sobre quais
condições esse professor teve que trabalhar, e as possíveis dificuldades com o ensino dos

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conteúdos e a relação com a turma, tão veemente apontados nas pesquisas levantadas,
como um fator sério a ser considerado no acompanhamento pedagógico.
A conjuntura a que chegamos é de que o estranhamento está, então, na relação
com outros sujeitos e com as determinantes das condições do trabalho, que vão provocar
a perca de sentido de ser professor, e, consequentemente, a perca do sentido de uma
escola. E a responsabilidade desta nossa hipótese não está diretamente no outro, sujeito e
colega de trabalho desse professor iniciante. Mas nas relações objetivas de trabalho
estabelecidas, que fazem com que os professores não se reconheçam na sua atividade
profissional.
O ofício da docência nos aparece dentro do que Marx chama de trabalho
estranhado. O “trabalho estranhado” é uma reflexão sobre o lugar do trabalho na
composição da sociedade humana. O trabalho estranhado tem relação com o que o próprio
termo sugere: o trabalho é uma coisa estranha, não pertence à essência do indivíduo, seja
de ascendência material/manual ou de procedência espiritual/intelectual. A consequência
direta disso é a propriedade privada: se a coisa não lhe pertence, pela lógica do
capitalismo, tal coisa deverá pertencer a outro alguém. Na mesma lógica, só se faz com a
coisa que não é sua, o que lhe é ordenado em fazer. O produto não pertence a quem
produz, mas a quem lhe paga.
Como o conhecimento se encontra no plano abstrato da matéria – embora, a
resultante da forma sobre como se trabalha com essa ciência tenha consequências no
plano real abstrato e concreto – fica mais difícil a percepção da forma como esse trabalho
pode se tornar estranho ao trabalhador-professor. O professor, mesmo trabalhando com o
conhecimento, se torna um servo do que produz para se manter. Mantém-se sob o domínio
| 823
do estado capitalista. Outra relação que o trabalho estranhado causará ao trabalhador é a
falsa sensação de prazer com o seu trabalho, o que podemos perceber sobre como se
manifesta no plano aparente, ou mesmo a sensação de desgosto, de não reconhecimento
e do não prazer em seu trabalho. Para o trabalho docente, essa ótica se manifesta não na
relação direta do conhecimento com o aluno, mas nas instâncias da relação de trabalho.

IDEIAS CONCLUSIVAS
Problematizamos a formação de professores neotecnicista – com base nas
competências, em um sistema aligeirado, com a intenção de se formar um quantitativo

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grande de professores, em um espaço curto de tempo e de modo barato, sob a alegação
de que a demanda é grande, em virtude da formação que se precisa. “Argumentos desta
natureza nos permitem inferir que a reforma da formação de professores teve o objetivo
deliberado de reduzir custos e ao mesmo tempo aumentar o controle sobre esta categoria
profissional; em outros termos, visa proletarização dos docentes” (SHIROMA, 2003, p.
65).
Os sujeitos não vivenciam na formação inicial a perspectiva de uma escola do
trabalho ou contra-hegemônica, que reconheça a classe e as lutas imbricadas. Nesse
sentido, é preciso defender uma política de formação continuada, que embase um
programa de recepção, acompanhamento, formação e avaliação do professor iniciante na
carreira, que dê sentido à formação inicial e ao trabalho pedagógico. Entretanto, diante
de tantas pressões impostas ao trabalho docente, dadas pelas avaliações de larga escola
(FREITAS, 2011), o que nos alarma não é falta de uma política pública que pense no
professor em início de carreira, mas sim, a omissão diante do caso: agravar a situação do
professor na fase das descobertas e choques de realidade, ao iniciar no magistério, agrava
ainda mais as condições de trabalho docente, tal como a condição deste professorado lidar
com os filhos da classe trabalhadora, em zonas periféricas e que apresentam maiores
desafios de ensino-aprendizagem, diante do modelo neotecnicista, que as escolas
enfrentam.
Defendemos o espaço escolar como a instituição social responsável pelo
desenvolvimento intelectual científico do sujeito. Essa é a função da escola. A escola,
enquanto instituição isolada não consegue desenvolver esse papel por se sobrecarregar
com as múltiplas diversidades e situações vivenciadas cotidianamente. Tão pouco o
| 824
professor que tem sua formação realizada apenas em um único espaço como a faculdade
em que cursou seu ensino superior, poderá ter sua formação condicionada a limitações
teóricas e práticas.
Por isso, a defesa de uma escola como um ambiente propiciador que se relaciona
com a comunidade, com as atualidades e com a conjuntura histórica dos sujeitos. Do
mesmo modo, levamos esse sentido à formação do professor – condicionada a limitações
de saberes sistematizados. A formação inicial tem que dar conta dos conceitos teóricos
fundamentais e de fazer a relação com a prática. É o momento de vivências e pensar. Mas
a iniciação na carreira, outro nível de aprendizagem da profissão, fazendo a mesma

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relação só que de forma mais profunda, responsabilizada, relacionada com o choque de
realidade e descoberta. E também, constituindo a identidade profissional.
Todas essas são ideias que, a partir dos dados já obtidos, se espera que na fase
de conclusão dessa pesquisa possamos produzir conhecimentos na área de formação de
professores no que se refere aos dilemas vividos pelo professor iniciante, visando
contribuir para a fundamentação de propostas sobre acompanhamento profissional dos
docentes iniciantes da educação infantil e educação básica. E apresentar critérios e
princípios relativos aos maiores desafios vivenciados pelo professor iniciante e as
possibilidades de acompanhamentos como base para pensar e propor programas de
formação contínua dos professores da educação básica.

REFERENCIAS
CUNHA, M. I. Pedagogia universitária : energias emancipatórias em tempos neoliberais.
Araraquara: Junqueira e Marin Editores, 2006.

DISTRITO FEDERAL. Lei nº 5.105, de 03 de maio de 2013; Reestrutura a carreira


Magistério Público do Distrito Federal.

FREITAS, Luís Carlos de. Responsabilização, meritocracia e privatização:


conseguiremos escapar ao neotecnicismo? Texto apresentado no III Seminário de
Educação Brasileira promovido pelo CEDES no Simpósio do PNE – Diretrizes para
avaliação e regulação da educação nacional, em fevereiro de 2011. Disponível em
<www.cedes.unicamp.br/seminario3/luiz_freitas.pdf>

HUBERMAN, Michael. O Ciclo de Vida Profissional dos Professores. In: NÓVOA,


António (Org.). Vida de Professores. Porto: Porto Editora, 2000, p. 31-62.

KUENZER, Acácia Zeneida e CALDAS, Andrea. Trabalho docente: comprometimento


e desistência. In: OLIVEIRA, Maria Auxiliadora M. e FIDALGO, Nara Luciene Rocha | 825
(Orgs.). A intensificação do trabalho docente: tecnologias e produtividade. Campinas,
SP: Papirus, 2009, p. 19-48.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006.

______. O Capital: crítica da economia política [Vol. I, capítulo V e VIII; Vol. II,
capítulo XIV]. Tradução de Reginaldo Sant’ana. 33 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2014.

MORAES, Maria Célia Marcondes de; e TORRIGLIA, Patrícia Laura. Sentidos de ser
docente e da construção de seu conhecimento. In: MORAES, Maria Célia Marcondes de

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(Org.). Iluminismo às avessas. Produção de conhecimento e políticas de formação
docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 45-60.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. A reestruturação do trabalho docente: precarização e


flexibilização. Educação & Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1127-1144, Set./Dez.
2004.

PAPI, Silmara; MARTINS, Pura Lúcia. As Pesquisas sobre Professores Iniciantes:


algumas aproximações. In: Educação em Revista. v. 26, n. 02, 2010, p. 39-56.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n. 227. Brasília, 2007. Disponível em:


<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=80855>.
Acesso em agosto de 2014.

SHIROMA, Eneida Oto. O eufemismo da profissionalização. In: MORAES, Maria


Célia Marcondes de (Org.). Iluminismo às avessas. Produção de conhecimento e políticas
de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 61-79.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes,


2002.

| 826

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A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO E A AVALIAÇÃO
INSTITUCIONAL DO ENSINO SUPERIOR: LIMITES E
POSSIBILIDADES NA PRÁTICA EDUCATIVA
Mônica de Souza Trevisan (Unipampa)
monicastrevisan@gmail.com
Naila Cohen Pomnitz (UFSM)
naila.cohen@gmail.com
Daiane Lanes
daiahlanes@hotmail.com
Nathana Fernandes (UFSM)
nathanafernandes.nf@hotmail.com

Este trabalho tem apoio do Programa Observatório da Educação, da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), objetiva compreender o
processo de formação do pedagogo sob o viés da complexidade da prática educativa com
base nas dimensões da avaliação institucional, considerando as ofertas do Curso de
Pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A pesquisa permitirá
compreender como ocorre o processo de articulação entre as disciplinas dos cursos
ofertados e a atuação profissional, identificando o perfil do profissional formado a partir
dos elementos pedagógicos e epistemológicos da formação, considerando a avaliação
institucional. Será realizado um estudo multicasos (YIN, 2001) de abordagem quanti-
qualitativa, constituindo-se a partir da análise de dados estatísticos e dados qualitativos,
no que concerne ao Exame Nacional de Desempenho do Estudante (ENADE) 2014; os
dados da avaliação interna da Comissão de Avaliação Institucional do Centro de
Educação (CAICE) 2014 e entrevistas com egressos atuantes na Educação Básica,
interpretadas pelo referencial da análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Como base
teórica considera-se: legislação dos Cursos de Pedagogia, Morin (2001) e Ristoff (2011).
Espera-se refletir e compreender sobre limites e possibilidades da atuação do egresso em
sua efetiva prática educativa a partir das relações estabelecidas na sua formação.
Palavras-chave: Avaliação Institucional; Pedagogia; Prática educativa.

| 827

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PROFISSIONALIZAÇÃO PEDAGÓGICA:

UM DESAFIO NA FORMAÇÃO COM PROFESSORES PARA


A REDE FEDERAL DE ENSINO BÁSICO, TÉCNICO E
TECNOLÓGICO

ESTIVALETE, Emerson Bianchini. IFC – Campus Rio do Sul, SC; Aluno de Doutorado
no PPGEdu da PUCRS. Bolsista CAPES/PROEX. E-mail:
emersonestivalete@gmail.com

Resumo: Este trabalho tem o propósito de abordar ideias sugerindo possíveis reflexões no
sentido da valorização da profissionalização pedagógica na carreira docente do magistério
público federal. O campo de investigação se compôs dos depoimentos de dois grupos de
interlocutores, os quais totalizaram quatorze participantes. A coleta de dados estendeu-se de
agosto de 2012 a outubro de 2013, mediante observação participante, análise documental e
entrevista semiestruturada. Os dados foram analisados através de Análise Textual Discursiva,
conforme ensinam Moraes e Galiazzi (2011) e resultaram em seis categorias, das quais somente
duas são aqui exploradas. Os achados da pesquisa apontaram para a necessidade de valorização
da profissionalização pedagógica dos servidores públicos docentes na carreira do ensino básico,
técnico e tecnológico da rede federal como forma de melhorar a qualidade a partir do
aprofundamento da compreensão das especificidades do campo da educação quando do seu
embricamento com as diferentes áreas do saber.

Palavras-chave: Educação Profissional. Profissionalização Docente. Formação de Professores.

Eixo Temático: Formação docente: políticas e processos

Introdução | 828

O presente resumo expandido é resultado, em parte, do estudo que deu origem a uma
dissertação de mestrado defendida em 2014, no Programa de Pós-Graduação em Educação da
PUCRS, cujo objeto de análise foi o currículo integrado170, suas proposições legais e seus efeitos

170
Para Santomé (1998, p. 112), a denominação de currículo integrado pode resolver a dicotomia e/ou o
debate colocado na hora de optar por uma denominação do currículo que por sua vez integre os
argumentos que justificam a globalização e os que procedem da análise de defesa de maior parcela de
interdisciplinaridade no conhecimento e da mobilização das inter-relações sociais e políticas. A isso me
permito agregar a possibilidade de pensar um currículo que leve em consideração os sujeitos para os quais
se volta, considerando suas vivências pessoais, sociais, culturais e, no nosso caso específico, de trabalho.

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práticos em âmbito de um Curso Técnico Integrado171 de Nível Médio em Agropecuária, mantido
por um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.
Na instituição investigada, encontramos cursos técnicos integrados de nível médio e
subsequentes, além de formação superior que envolve os cursos de bacharelados e
licenciaturas, realidade também encontrada, respeitando as especificidades, nos outros trinta e
oito Institutos Federais172 que compõem a Rede Federal, uma vez que todos foram criados e são
regulamentados pela Lei 11.892 de 29/12/2008.
Nos mais de cem anos de existência da rede, pudemos observar avanços, sobretudo
nos últimos dez anos em relação à expansão e nos últimos sete quando levamos em conta a
nova legislação que redimensiona o papel social dessas instituições agregando-as a possibilidade
de oferecerem além de cursos técnicos, formação superior e pos-graduções Lato sensu e Stricto
sensu equiparando-as às universidades.

Objetivo
Atentar para a necessidade da profissionalização pedagógica do docente, especialmente
para o ensino técnico de nível médio de modo que, a partir do reconhecimento da importância
desses saberes para a profissão, no sentido da aproximação entre teoria e prática possa-se
vislumbrar melhora da qualidade nos processos de ensino e aprendizagem.

Referencial Teórico
Quando nos propomos refletir sobre a educação, muitos são os pontos que merecem
relevo na análise, porém, a qualidade173 tem se mostrado um dos temas mais discutidos,
principalmente quando levamos em conta seu contexto mais contemporâneo, marcado pelas
tentativas governamentais, através de políticas públicas, de ampliar o acesso à educação e a | 829
permanência nas Instituições tanto em âmbito privado, através de bolsas e financiamentos,
quanto público com a criação e ampliação das Instituições Federais de Ensino.

171
Entre outras questões que mobilizaram a pesquisa, busquei entender de que forma acontecia essa
integração anunciada no nome do curso.
172
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm acesso em: 10/12/2015
173
Alinhado a Rios (2010, p. 64), entende-se neste estudo que “o conceito de qualidade é totalizante,
abrangente e multidimensional. É social e historicamente determinado, porque emerge em uma
realidade específica de um contexto concreto. Portanto, uma análise crítica da qualidade deverá
considerar todos esses aspectos, articulando aqueles de ordem técnica e pedagógica aos de caráter
político-ideológico”.

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De acordo com Leite (2010, p. 02), “um professor bem formado, motivado, com
condições de trabalho adequadas e envolvido em um processo de formação contínua que
lhe forneça elementos para a constante melhoria da sua prática é o elemento mais
importante para educação de qualidade”.
Levando em conta a afirmação da autora no contexto dos Institutos Federais, têm-
se observado carências quanto a um trabalho de profissionalização do ofício da docência,
aliada a formação continuada com professores174 capaz de promover formas de atuação
que articulem com maior intensidade o coletivo e a interdisciplinaridade. Autores como
Veiga (1998) e Fernandes (2001) têm se dedicado a mostrar a relevância de tal postura, e
Leite (2010, p.3) corrobora tais posicionamentos ao afirmar a importância dos professores
sentirem-se elementos chaves na construção e implementação dos Projetos Pedagógicos
de Curso de suas Instituições. Assim, ao escrever que é necessária “uma formação que
promova a participação ativa do professor no projeto político pedagógico, na
solidariedade com os colegas e com os alunos, no compromisso com a emancipação de
nosso povo” confere àquele, um papel de autor de sua profissionalidade175 e promotor de
espaços que concorrem para a construção da cidadania.
Retomando as contribuições de Leite (2010) com o contexto investigado,
pudemos perceber diferenças profundas nos encaminhamentos desde a acolhida aos
professores novos, perpassando os assessoramentos ao trabalho cotidiano e as práticas
que permitem aos professores se sentirem coautores de um projeto pedagógico
institucional.
Neste sentido, Freire (2001, p. 42-43) nos alerta sobre a necessidade de incentivar
para que a “curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, vá se tornando crítica” de modo
| 830
que “a prática docente, implicante no pensar certo, movimente-se de forma dialética entre
o fazer e o pensar sobre o fazer”. Entendo que, para o autor, a reflexão é um movimento

174
A substituição da expressão “formação continuada de professores” para “formação continuada com
professores” (grifo do autor) é uma tentativa de valorização do trabalho coletivo e solidário que deve
ser a marca de toda e qualquer atividade na escola. Penso que nos encontros de formação o grupo de
educadores necessita da mútua colaboração tanto para o estudo teórico quanto para a reflexão sobre
práticas. Há que avançar na antiga postura através da qual um especialista “ensina” aos demais
professores o que devem fazer, como deve ser feito e quando deve ser feito, mediante prescrições que,
na maioria das vezes, não encontram sustentação nas atividades cotidianas realizadas em sala de aula .
175
Segundo Santos e Duboc (2005, p. 4) “a profissionalidade se constrói na relação com o campo semântico
das formas de expressão das identidades e das construções, nas trocas sociais e simbólicas estabelecidas
entre os sujeitos. Constitui-se pela autonomia que exerce na escola, diante de seu trabalho; pela
responsabilidade de sua formação permanente; pela capacidade de aprender e refletir sobre sua ação”.

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realizado entre o fazer e o pensar, que não deve alcançar somente o pensar para o fazer
mas sim, o pensar sobre o fazer, de modo que as possíveis e necessárias correções sejam
feitas ao longo do processo de convívio entre o aluno e o professor. Por isso, no
pensamento de Freire (1997), a busca pela profissionalização, aliada a formação
permanente é resultado do conceito da condição de incompletude do ser humano, e, mais
do que isso, é a consciência desta incompletude que deve se projetar na sua atuação, pois:
A educação é permanente não por que certa linha ideológica ou certa posição
política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na
razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele
tem de finitude. Mas ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado
à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber
que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí.
(FREIRE, 1997 p. 20).

Com base nisso, torna-se indispensável aliarmos a reflexão da prática pedagógica


docente ao cultivo de um espírito crítico construtivo que possa viabilizar a abertura de
caminhos no sentido de fortalecer a visão político-emancipatória do professor, de modo
a garantir maior significado humano a sua prática, que deve estar associada à formação
de novos líderes e não de novos seguidores.

Metodologia
Nas últimas décadas, os estudos de caso têm ganhado significado cada vez mais
relevante no campo da educação. Dessa forma, essa modalidade de pesquisa tornou-se
viável diante das particularidades do objeto, bem como a complexidade que um tema
educacional representa numa investigação.
Ao analisar os tipos de estudo de caso, optei pelo etnográfico que, em que pese ter
surgido recentemente em pesquisas no campo da educação, propõe, entre outras formas, | 831

a adoção de princípios da etnografia, usada tradicionalmente por antropólogos. Vale


destacar que nas palavras de André (2008) a diferença de enfoque nas duas áreas pode ser
assim explicada
certos requisitos da etnografia não sejam - nem necessitem ser - cumpridos
pelos investigadores das questões educacionais. [...] O que se tem feito, de fato,
é uma adaptação da etnografia à educação, o que me leva a concluir que
fazemos estudos de caso do tipo etnográfico e não etnografia no seu sentido
estrito (ANDRÉ, 2008, p. 25).

A coleta de dados estendeu-se de agosto de 2012 a outubro de 2013, mediante


observação participante, análise documental e entrevista semiestruturada. Os dados foram

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analisados através de Análise Textual Discursiva, conforme propõem Moraes e Galiazzi (2011) e
resultaram em seis categorias das quais somente duas são pertinentes a esse resumo expandido,
quais sejam: articulação teoria e prática e enfrentamento aos desafios da docência, cuja análise
dos resultados passaremos a apresentar.

Resultados
O estudo constatou ausência de formação pedagógica ou fragilidades que contribuem
consideravelmente para minar a qualidade dos processos de ensino e aprendizagem quando a
prática educativa esta ancorada na tradição reprodutivista do senso comum e não se deixa
iluminar pela teoria que se faz presente no processo de profissionalização do docente. Ao
examinarmos as categorias que emergiram das análises dos dados coletados, o resultado
encontrado aponta para inexistência ou dificuldade na articulação entre a teoria pedagógica e a
prática educativa na medida em que a profissionalização docente deixa de ser valorizada assim
com também, equivocadamente, despreza-se o contínuo processo formativo pedagógico ao
longo de toda a carreira docente. A retomada dessas discussões no sentido do reconhecimento
do seu valor pelos gestores e professores que ministram aulas nas diferentes áreas do saber tem
se configurado num dos grandes desafios para o enfrentamento da docência quando se busca
um trabalho de excelência.

Conclusão
Pelo exposto, o que se espera é que as ideias aqui colocadas auxiliem nas reflexões
acerca da importância da profissionalização docente em âmbito pedagógico, no sentido de que
a formação inicial e continuada possam oferecer condições para o aumento do senso de
pertencimento do profissional ao campo educativo e com isso oportunizar condições | 832
diferenciadas de acesso à qualidade face ao aprofundamento dos conhecimentos específicos da
área pedagógica e suas relações com as diferentes áreas do saber representadas pelos diversos
componentes que integram o currículo.

Referências
ANDRÉ, Marli E. D. Afonso de. Estudo de caso em Pesquisa e Avaliação Educacional. Brasília:
Liber, 2008.
BRASIL, Lei 11.892 de 29/12/2008. Disponível em http://www4.planalto .gov.br/legislação

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http://www.scielo.br/pdf/icse/v5n9/22.pdf acesso em 10 de fevereiro de 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2001.
___________. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1997.
LEITE, Yoshie Ussami Ferrari etall. Necessidades formativas e formação continuada de
professores de redes municipais de ensino. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação, 33, 2010, Caxambu. Disponível em:
‹http://www.anped.org.br/33encontro/app/webroot/file Acesso em: 25 de maio de 2013.
RIOS, Terezinha Azerêdo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São
Paulo: Cortez, 2010.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e Interdisciplinaridade: o currículo integrado. Trad.
Cláudia Shiling. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998.
SANTOS, Solange Mary Moreira; DUBOC, Maria José Oliveira. A profissionalidade e a articulação
dos saberes e a autonomia no exercício da profissão docente. V Colóquio Internacional Paulo
Freire – Recife, 2005.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto Político-pedagógico da Escola: uma construção possível.
Campinas: Papirus, 2003.

| 833

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EDUCAÇÃO MUSICAL NO CURSO DE PEDAGOGIA/UFSM:
O QUE DIZEM AS EGRESSAS?
Leonardo Martins Sperb (UFSM)
leo.sperb@hotmail.com
Iara Cadore Dallabrida (UFSM)
iara.ufsm@gmail.com
Cláudia Ribeiro Bellochio (UFSM)
claudiabellochio@gmail.com

Resumo: O trabalho apresenta a articulação de pesquisas de um projeto guarda-chuva


desenvolvido no grupo de pesquisa FAPEM: Formação, Ação e Pesquisa em Educação
Musical. As duas pesquisas que se articulam nesta exposição investigaram as relações
entre formação musical e práticas docentes de professoras unidocentes atuantes em
escolas de educação básica, egressas do curso de Pedagogia/UFSM. Por meio de um
estudo com entrevistas, analisadas pela Analise Textual Discursiva, percebemos que as
doze entrevistadas, que cursaram disciplinas de Educação Musical no Curso,
demonstraram satisfação por terem tido experiências musicais. Entretanto, foi unânime
relacionarem a formação musical a uma atividade: tocar um instrumento. Percebemos que
os conteúdos e reflexões mobilizados no decorrer das disciplinas pareceram não motivar
a construção de sentidos se comparados às atividades práticas com instrumentos musicais.
Com base nas pesquisas realizadas apontamos a necessidade de novas experiências
musicais e pedagógico-musicais serem realizadas no curso de Pedagogia, a fim de que
todos os indivíduos desenvolvam relações mais extensas com música e ressignifiquem
suas concepções acerca da relevância deste campo do conhecimento na sua formação e
de seus alunos. | 834

Palavras-chave: Pedagogia, Educação Musical e Formação Acadêmico-profissional.

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DESVENDANDO O CONCEITO DE PRÁXIS
Janaíne Welter
Daiane Dalla Nora
Jaqueline Welter

Resumo: O objetivo deste estudo consiste em conceituar a práxis e caracterizar os


diferentes tipos a práxis. Esta investigação tem como encaminhamento metodológico a
Pesquisa Bibliográfica e Exploratória, com base no livro de Sánchez Vázquez, intitulado
“Filosofia da Práxis”. Os tipos de práxis: criadora, imitativa/reiterativa, espontânea e
reflexiva, revolucionária, produtiva, burocrática, política, social.
Palavras- Chave: Práxis. Trabalho pedagógico. Escola.

INTRODUÇÃO

Este estudo é fruto das reflexões sobre a temática trabalho pedagógico produzidas
pelo Grupo de Estudos Praxiológicos (GEP-Brasil) e Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Trabalho, Educação, Políticas Públicas (KAIRÓS). O trabalho pedagógico tem como
marco teórico o Materialismo Histórico Dialético, que considera o trabalho como
fundante do ser humano, sendo entendido na educação como princípio educativo,
materializado na escola pelo trabalho dos professores.
O trabalho pedagógico tem como características a Formação Omnilateral; processo
crítico de apropriação do conhecimento; a relação dialética entre o individual e o coletivo; | 835
orienta-se pelos pares dialéticos objetivo/avaliação e conteúdo/método; prática social tem
por finalidade a produção do conhecimento que visa a transformação social e a
emancipação humana; práxis pedagógica como essência do trabalho do professor na
escola (KONDER, 1981; MANACORDA, 1991; TAFFAREL, 1993; PISTRAK, 2000;
DUARTE, 2003; SAVIANI, 2006; FREITAS, 2012; ; FRIZZO, 2008, 2012; MARX,
2011; RIBAS; FERREIRA, 2014).
Dentre estes elementos do trabalho pedagógico percebe-se a práxis como
componente central. Sánchez Vázquez (2011) afirma que a práxis não é somente uma

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teoria, mas uma prática que transforma a realidade, orientada por uma consciência crítica
da mesma. O trabalho pedagógico do professor não deve ser abordado apenas como uma
prática, mas sim como práxis, caracteriza por Ribas e Ferreira (2014, p. 139) como “[...]
uma ação singular, responsável e produtiva em relação ao conhecimento. Se tratado como
prática, é minimizado em sua potencialidade e reduzem-se as implicações do trabalhador
com sua produção, diminuindo as implicações políticas desse trabalho.”
O objetivo deste estudo consiste em conceituar a práxis e caracterizar os
diferentes tipos de práxis. A realização deste estudo justifica-se pela a necessidade de
aprofundar o conhecimento, proporcionando um avanço teórico sobre essa temática, em
virtude das inquietações, dificuldades de compreensão e de um real desenvolvimento da
práxis pedagógica.
Esta investigação tem como encaminhamento metodológico a Pesquisa
Bibliográfica e Exploratória. Para Severino (2007, p. 122), a pesquisa bibliográfica “[...]
é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrentes de pesquisas anteriores,
em documentos impressos, como livros, artigos, teses [...]”. Exploratória à medida que
“[...] busca apenas levantar informações sobre determinado objeto, delimitando assim um
campo de trabalho, mapeando as condições de manifestação desse objeto” (SEVERINO,
2007, p. 123). Este trabalho tem como suporte teórico o livro do filosofo Adolfo Sánchez
Vázquez, intitulado “Filosofia da Práxis”, no qual consiste em evidenciar os diferentes
tipos de práxis.

FILOSOFIA DA PRÁXIS
Para Sánchez Vázquez (2011, p. 221) “Toda práxis é uma atividade, mas nem toda
| 836
atividade é práxis”. A atividade é compreendida como um conjunto de atos que se
articulam, estruturam num processo de totalidade, na qual possibilita uma ação do sujeito
com intuito de transformar uma matéria, ou seja, a atividade é sempre ativa. A atividade
humana sempre deve estar adequada a uma finalidade, e somente existe porque o ser
humano é produtor de sua consciência. A transformação da matéria parte sempre do ideal
e seu produto é real. A atividade apresenta características como: objetiva, material,
transformadora e adequada a fins (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011).
Um dos primeiros entendimentos e associações que fazem da práxis é a relação
entre teoria e prática. É importante ressaltar que a práxis vai além dessa relação, mas

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por hora, convém entendê-la também. Segundo o autor, a teoria para ser práxis precisa
ser materializada na prática, ou seja, somente teorizar não possibilita o acontecimento da
práxis, pois apenas ocorre à conscientização dos fatos/coisas. É necessário agir com
intuito de transformar “[...] a prática não fala por si mesma e exige, por sua vez, uma
relação teórica com ela: a compreensão da práxis” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p.
261). Atividade teórica não é considerada uma práxis, sendo que ela deriva da abstração.
Para ser práxis é necessário uma atividade prática que materialize-se. No entanto, a
atividade teórica é essencial, pois proporciona um conhecimento indispensável para
transformar a realidade (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011). Ficar apenas na prática é algo
utilitário e do senso comum (sentido da prática); Praticismo (prática sem teoria ou no
mínimo dela) e na filosofia é considerada pragmatismo (reduz o prático ao utilitário e
dissolve o teórico no útil).
A teoria e a prática precisam realizar o movimento que parte do concreto-abstrato-
concreto pensado. A prática é o fundamento e a finalidade que vai determinar a teoria. A
teoria e prática estabelece uma relação de unidade e não de identidade, mas de mútua
dependência, sendo que a teoria tem uma relativa autonomia sobre a prática e a prática
tem primazia sobre a teoria. A Prática e teoria tem a mesma relevância para a
materialização da práxis (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011).
A práxis enquanto atividade prática tem características de objetividade e
subjetividade. A prática é entendida como uma “[...] atividade objetiva e transformadora
da realidade natural e social, e não qualquer atividade subjetiva” (SÁNCHEZ
VÁZQUEZ, 2011, p. 260). É objetiva pois apresenta um processo, meio e instrumento,
produto/resultado objetivos. E atividade prática subjetiva, pois é uma atividade da sua
| 837
consciência.
A práxis, enquanto atividade prática humana, vai além de sua subjetividade, pois
é necessário materializar-se, transformar uma realidade concreta, sendo que o subjetivo o
compõe nesse processo. Nas palavras de Sánchez Vázquez (2011, p. 265): “O sujeito por
um lado não prescinde de sua subjetividade, mas também não se limita a ela; é prático na
medida em que se objetiva, e seus produtos são a prova objetiva de sua própria
objetivação”.
Tem-se diferentes tipos de práxis:

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Práxis criadora é uma atividade prática fundamental do ser humano, à medida
que possibilita a “autocriação do próprio homem” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p.
269). Em continuidade, o autor expõe que criar é uma necessidade humana, pois é
necessário se adaptar a situações e satisfazer suas necessidades. É justamente na
capacidade de criar que o ser humano foi transformando a natureza e a si mesmo. A
criação é um elementos central para o ser humano para diferenciar-se dos animais.
Exemplo ao qual Marx distingue a abelha do arquiteto.
Sánchez Vázquez (2011) destaca três elementos que constituem a práxis criadora.
O primeiro deles é relação estabelecida entre consciência e a sua realização, subjetividade
e a objetividade, o interior e o exterior (estética) como um modelo indissolúvel. Essa
separação só pode acontecer no plano abstrato. Outra característica presente na práxis
criadora é sua indeterminação e imprevisibilidade que ocorre no seu processo de criação
e no produto final, pois a partir da consciência que tenho da matéria, se traça um resultado
que é a ideal, no entanto este processo não está isolado, é passível de modificações, por
isso o sempre será real. Outro elemento central é a unicidade e a irrepetibilidade do
produto, ou seja, o produto final terá sempre um caráter único, construído de maneira
incerta, indeterminada, imprevisível e sem caráter repetitivo. Se a práxis não apresentar
este elementos ela será reiterativa e/ou imitativa, sendo que o produto ideal é igual ao
real.

É uma práxis de segunda mão que não produz uma nova realidade; não provoca
uma mudança qualitativa na realidade presente, não transforma
“criadoramente”, ainda que contribua para ampliar a área do já criado e,
portanto, para multiplicar quantitativamente uma mudança qualitativa já
produzida. Não cria; não faz emergir uma nova realidade humana, e nisso
reside sua limitação e sua inferioridade com respeito à práxis criadora.
| 838
Contudo, esse lado negativo não exclui um lado positivo que é, como
acabamos de mostrar, ampliar o já criado (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p.
277).

A práxis criadora exige uma elevada atividade da consciência que se materializa


durante todo o processo, resultando em um novo produto, fruto da criação (SÁNCHEZ
VÁZQUEZ, 2011, p. 291). A consciência está presente em todo tipo de práxis, o que se
diferencia é o grau de consciência de uma práxis a outra. Por exemplo, na práxis
reiterativa ou imitativa este grau de consciência é reduzida em relação à práxis criadora.
A consciência prática é resultante de um processo do ideal ao real e se qualifica ao

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materializar-se na prática, projeta a consciência da práxis, mas não estão no mesmo nível.
A consciência da práxis é autoconsciência da consciência da prática, ou seja, “[...] pode
contribuir para enriquecer a atividade real, material e, com isso, elevar a consciência
(prática) que nela se plasma”, assim o processo se qualifica ainda mais (SÁNCHEZ
VÁZQUEZ, 2011, p. 295).
É a partir deste grau de autoconsciência prática que surgem dois níveis de práxis:
espontânea e reflexiva. A práxis reflexiva, com alto grau de consciência, e a práxis
espontânea, com baixo ou nulo grau de consciência, ambas podem assumir características
de práxis criadora. A práxis espontânea não pode ser confundida com a práxis reiterativa,
imitativa, que também apresenta baixo nível de consciência, já que está é mecânica e
repetitiva. A consciência da práxis não se deve deter apenas na relação estabelecidas entre
elas (espontânea e reflexiva) e nem no problema de como avançar de um nível para o
outro, já que a práxis é um problema de ordem prática indo além dessa problemática
(SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011).
A práxis para ser revolucionária precisa ser reflexiva com alto grau de
consciência. A revolução social de Marx baseou-se numa relação entre a práxis
espontânea e a reflexiva:

A empresa de Marx, no que diz respeito à transformação revolucionária da


sociedade, tem como base uma justa relação entre o espontâneo e o reflexivo.
Os proletários só podem subverter a ordem economia e social que os aliena
mediante uma práxis consciente, reflexiva. Daí a necessidade de que o
movimento operário adquira uma consciência de sua missão histórica, de seus
fins, da estrutura social capitalista e da lei que a rege, assim como das
condições e possibilidades objetivas de sua emancipação ao chegar em
determinada fase o desenvolvimento histórico-social. O proletariado só pode
libertar-se ao adquirir consciência de sua exploração, assim como da | 839
necessidade de desenvolver uma práxis revolucionária para eliminá-la.
Necessita, por conseguinte, de uma práxis que se desenvolva no marco de uma
série de condições objetivas dadas e com uma elevada consciência da referida
práxis, tanto de seus limites como de seus fins e possibilidades. Nesse sentido,
essa práxis tem um aspecto objetivo (na medida em que se acham
objetivamente determinadas sua necessidade, suas limitações e possibilidades,
como práxis fundamentada exigida pela história e pela sociedade), e um
aspecto subjetivo, na medida em que o proletariado é consciente dessa
necessidade histórico-social, de seus limites e possibilidades, e se traçam fins
para transformar a sociedade (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p. 297-298).

Ou seja, de nada adianta ao proletariado ter esse alto grau de consciência se ele
não agir praticamente, e no caso não basta apenas destruir as máquinas, essa mudança vai

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ser apenas substancial Muitas vezes, a luta da classe dos oprimidos se dá de forma
espontânea. “O proletariado é uma classe revolucionária ou nada é”. (SÁNCHEZ
VÁZQUEZ, 2011, p. 300).
A prática burocrática não pode ser considerada como uma práxis específica, ou
seja, não possui um objeto próprio, mas deveria, por exemplo, da práxis social, política,
educativa de modo burocratizado. A práxis burocrática se encontra na prática estatal e
opõe-se a práxis criadora. Uma atividade política ou sindical também pode assumir
características de uma práxis burocratizada (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011).
A práxis criadora no trabalho possibilita ao ser humano se apropriar do produto
criado, ou seja, é uma atividade consciente do produto, por exemplo, o artesanato. Quando
o trabalho assume as características impostas pelo desenvolvimento tecnológico, o
trabalho perde seu caráter unilateral, ocorre divisão e especialização do trabalho que passa
a ser fragmentado. O trabalhador não se identifica com o produto, fruto de seu trabalho,
assim, o trabalho assume característica de uma práxis reiterativa. Taffarel (2010) relata
que o trabalho passa a ser alienado ao seu produto e a si mesmo.
A práxis produtiva seria uma atividade prática de sentido produtivo e/ou material
e de caráter transformador que se dá mediante a relação estabelecida entre o homem e a
natureza através de seu trabalho, determinante das relações sociais que são estabelecidas
nesse processo de produção. A práxis produtiva se torna é uma práxis fundamental, a
medida que o ser humano produz objetos para satisfazer suas necessidades, ao mesmo
tempo, em que vai transformar a si mesmo pois “[...] o homem como um ser social e
consciente humaniza os objetos e se humaniza a si mesmo (SÁNCHEZ VÁZQUEZ,
2011, p. 234).
| 840
A práxis política que nas palavras de Sánchez Vázquez (2011, p. 233) é
conceituada: “[...] enquanto atividade prática transformadora alcança sua forma mais alta
na práxis revolucionária como etapa superior da transformação prática da sociedade”.
Percebe-se que a práxis política está diretamente relacionada ao sentido de transformar a
realidade. Para Ferreira e Ribas (2015) a práxis nunca é neutra e está diretamente
relacionada a critérios políticos.
Outro tipo de práxis que existe e que está vinculada a práxis política refere-se a
práxis social entendida como “[...] atividade de grupos ou classes sociais que leva a
transformar a organização e direção da sociedade, ou a realizar certas mudanças mediante

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atividade do Estado. Essa forma de práxis é justamente a atividade política” (SÁNCHEZ
VÁZQUEZ, 2011, p. 232-233).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurou-se neste estudo desvendar os diferentes tipos de práxis bem com o


conceito que a rege. No livro Filosofia da Práxis, Sánchez Vázquez conceitua a práxis a
partir do embasamento teórico e metodológico do materialismo histórico dialético. Pode-
se evidenciar também que a práxis vai além da relação estabelecida entre teoria e prática
e que possui diferentes tipos de características que a contempla.
Para Chavez-Gamboa (2009, p. 42): a práxis é a relação entre teoria e prática, é o
pensar e a ação sobre determinada realidade, na busca pela sua transformação. Bem como
é a “orientação para a consecução de maiores níveis de liberdade das sociedades concretas
e da humanidade como um todo que, em seu projeto histórico, tende a superar as relações
de domínio e de exploração do homem com o mundo e dos homens entre si (interesse
crítico emancipador)”.
Evidenciou-se, anteriormente, os diferentes tipos de práxis (criadora,
imitativa/reiterativa, espontânea e reflexiva, revolucionária, produtiva, burocrática,
política, social), no entanto para compreendermos o real significado da práxis é necessário
entender este conceito em sua totalidade e não em partes fragmentadas. Desta forma, os
tipos de práxis apresentam elementos centrais que auxiliam para o entendimento e
materialização da práxis.
Este trabalho será o ponto de partida para relacionar a práxis como o trabalho
pedagógico do professor na escola, já que a mesma pode ser considerada a centralidade | 841

do trabalho pedagógico dos professores, por isso, a necessidade de entender estes


conceitos para materialização do trabalho pedagógico. Para Ribas e Ferreira (2014, p.136)
a práxis pedagógica é a “essência do trabalho profissional dos professores e, nessa
perspectiva, torna-se científica, por isso, metódica, sistemática, hermeneuticamente
elaborada e teoricamente sustentada”.

REFERÊNCIAS

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SÁNCHEZ VÁZQUEZ, A. Filosofia da Práxis. 2.ed. Buenos Aires: Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO): São Paulo: Expressão Popular, Brasil,
2011. 448 p.

MANACORDA, M. A. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Cortez: Autores


Associados, 1991.

PISTRAK, Moisey Mikhaylovich. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo:


Expressão Popular, 2000.

FREITAS, L. C. Crítica da Organização do trabalho pedagógico e da Didática.


Papirus; Campinas, SP: 2012.

FRIZZO, G. O trabalho pedagógico como referência para a pesquisa em educação física.


Pensar a prática, Góias, v. 11, n. 2, p. 159-167, maio/ago, 2008. Disponível
em:<http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/viewFile/3535/4097>. Acesso em:
nov. 2015.

FRIZZO, G. F. E. A Organização do Trabalho Pedagógico da Educação Física na


escola capitalista. 2012. 264 f. Tese (Doutor em Ciências do Movimento)- Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.

RIBAS, J. F. M.; FERREIRA, L. S. Trabalho de professores na escola como práxis


pedagógica. Movimento, Porto Alegre, v. 20, n. 01, p. 125-143, jan/mar de 2014.
Disponível em:< http://www.seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/40235>. Acesso em:
nov. 2015.

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Cortez, 2007. | 842

TAFFAREL, C. Do Trabalho em geral ao Trabalho Pedagógico: contribuição ao debate


sobre o trabalho pedagógico na educação física. Motrivivência, Ano XXII, Nº 35, P. 18-
40 Dez./2010. Disponível em:<
https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/view/2175-
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KONDER, Leandro. O que é dialética? 25. Ed. São Paulo: Editora Basiliense, 1981.

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da Silva; RIBAS, João Francisco Magno; CALHEIROS, Vicente Cabrera. Conhecimento
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2015, p.

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BASE NACIONAL COMUM: O ALICERCE DO SISTEMA DE
ENSINO BRASILEIRO?
Micheli Bordoli Amestoy (UFSM)
micheliamestoy@gmail.com
Natália Borba Possebon (UFSM)
natypossebon@gmail.com
Luiz Caldeira Brant de Tolentino-Neto (UFSM)
lcaldeira@gmail.com

Resumo:
Uma das estratégias estabelecidas pelo novo Plano Nacional de Educação (PNE) é a
formulação e implementação da Base Nacional Comum (BNC) para melhorar a educação
básica. Até o momento, a elaboração e a futura aplicação dessa ‘base’ é polêmica e divide
opiniões entre pesquisadores, docentes, e políticos em todo o país. Porém, não se pode
deixar de mencionar a lógica mercadológica que hoje domina a política e a sociedade e
que também invade os meios acadêmicos, influenciando a formulação de políticas
públicas e a concepção de perspectivas de gestão do Estado e de administração da
educação. Independentemente da opinião de gestores e especialistas sobre a elaboração
da BNC, é consenso entre eles que um documento dessa natureza terá impacto na
formação docente. Futuras transformações no alicerce curricular da educação básica
brasileira trará alguns reflexos não apenas no conteúdo a ser aprendido, mas também na
orientação da formação inicial e continuada de professores, que demanda um debate com
toda a sociedade. Será que a busca da homogeneização curricular associada a uma
avaliação educacional regulamentar e sufocante tanto para os alunos e para os professores
é a fórmula para promover a educação de qualidade com equidade no Brasil?

Palavras-chave: Currículo, Políticas Públicas, Formação Docente.

INTRODUÇÃO

| 844

As Políticas Educacionais são de grande importância para a História da Educação,


pois ajudam no processo de compreensão do contexto social e cultural em que são
elaboradas, bem como das concepções de educação estabelecidas em um dado período de
tempo. Segundo Possolli (2009), as políticas educacionais fazem parte das políticas
sociais, juntamente com os fatores saúde, habitação, previdência social, entre outros. As
políticas educacionais têm por função reger todas as decisões que dizem respeito às
instituições de ensino, em todas as suas modalidades.

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O novo Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) traça diretrizes e metas para
a educação brasileira para a próxima década (2014-2024). Entre suas metas, destaca-se a
meta 7, a qual se relaciona com o fomento da qualidade da Educação Básica, do fluxo
escolar e da aprendizagem. Uma das estratégias estabelecidas pelo novo PNE é a
formulação e implementação da Base Nacional Comum (BNC) para melhorar a educação
básica, abrangendo a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, tanto de
escolas públicas quanto privadas do país. A proposta de um currículo nacional comum
deve ser encaminhada ao Conselho Nacional de Educação (CNE) até junho de 2016.
A proposta preliminar vem sendo discutida por meio de um sistema virtual,
permitindo a participação da comunidade escolar e da sociedade civil, que podem oferecer
contribuições ao texto. Esse documento deve orientar o debate sobre a elaboração e
implementação da BNC, que prevê o que os estudantes brasileiros devem aprender a cada
etapa escolar em todo o território nacional.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais (2010) - Base
Nacional Comum - significa o conjunto de

“conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente,


expressos nas políticas públicas e que são gerados nas instituições
produtoras do conhecimento científico e tecnológico; no mundo do
trabalho; no desenvolvimento das linguagens; nas atividades
desportivas e corporais; na produção artística; nas formas diversas e
exercício da cidadania; nos movimentos sociais” (Resolução nº 4, de
13 de julho de 2010, Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
para a Educação Básica, Art. 14).

Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio


devem observar não só a Base Nacional Comum, como também a parte diversificada que
| 845
prevê que:

“cada sistema de ensino e estabelecimento escolar complementa a base


nacional comum, prevendo o estudo das características regionais e
locais da sociedade, da cultura, da economia e da comunidade escolar,
perpassando todos os tempos e espaços curriculares constituintes do
Ensino Fundamental e do Ensino Médio, independentemente do ciclo
da vida no qual os sujeitos tenham acesso à escola”. (Resolução nº 4,
de 13 de julho de 2010, Define Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Básica, Art. 15).

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Embora prevista na Constituição de 1988 e no Art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB 9394/96), a Base Nacional Comum nunca foi implementada, ainda
que seja considerada por alguns especialistas como fundamental para o avanço
educacional e para a garantia da qualidade do ensino. A BNC, é um texto que teve suas
primeiras escritas no ano de 2011, foi arquitetado e pensado por um grupo de trabalho do
MEC. Até o momento, a elaboração e a futura aplicação dessa ‘base’ é polêmica e divide
opiniões entre pesquisadores, docentes, e políticos em todo o país.
Uma das questões que se apresenta é a não conformidade entre os discursos
governamentais, acadêmicos ou da sociedade civil, sobre a criação de uma base curricular
nacional. Embora exista uma demanda dos setores acadêmicos, em ampliar esse debate,
há também uma forte demanda por parte de esferas governamentais no sentido de estancar
(parcialmente) a discussão exercendo seu papel institucional de propor novos caminhos.
Porém, tais proposições sinalizam uma operação complexa que necessita levar em conta
não só o tamanho como a diversidade de um país como o Brasil.
Diante desse cenário no contexto educativo, se fazem necessárias discussões e
reflexões acerca das perspectivas e das mudanças que estão sendo projetadas para a
Educação Básica e, consequentemente, para a formação dos professores. Além disso, nos
leva, também, a indagarmos sobre as possíveis alterações que se direcionam a partir das
Políticas Públicas.

BASE NACIONAL COMUM: DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA EDUCAÇÃO


BÁSICA BRASILEIRA

| 846
O texto da ‘base’, por ser um documento ainda em processo de construção, é o
início para incitar a discussão sobre o currículo que se tem e o que currículo que se quer
no Brasil. Porém, dentre os vários desafios a ser enfrentados pela base, destacamos alguns
que consideramos serem fundamentais para o prosseguimento e finalização desse
documento: como a BNC irá se articular com questões, tais como, a avaliação em larga
escala, a produção de material didático e a formação de professores.
Logo após a determinação oficial de uma base nacional comum, é possível inferir
que, também, surgirão mudanças nas avaliações nacionais (ANA, Prova Brasil e ENEM)

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a fim de adequar no país o que será ensinado, bem como o que será cobrado nestes testes
de desempenho.
A emergência de um ‘Estado –avaliador’ é considerada, atualmente, uma nova
fase nos desdobramentos do papel do Estado. Em sentido amplo, essa expressão significa
que o Estado passou a incorporar “a lógica do mercado, através da importação para o
domínio público de modelos de gestão privada, com ênfase nos resultados e nos produtos
dos sistemas educativos.” (AFONSO 2009, p. 49). Isso porque a implementação de
mecanismos de um “quase-mercado” educacional, concretiza a remodelação do papel do
Estado na condução das políticas públicas e o fortalecimento nas formas e estratégias de
controle educacional. A expressão ‘Estado-avaliador’ está intrinsicamente relacionada
com o fortalecimento de referenciais neoliberais, representados pela adesão de medidas
tanto políticas quanto administrativas adaptadas às leis do mercado e a responsabilização
dos resultados alcançados pelos sistemas educacionais. Porém, não se pode deixar de
mencionar a lógica mercadológica que hoje domina a política e a sociedade e que também
invade os meios acadêmicos, influenciando a formulação de políticas públicas e a
concepção de perspectivas de gestão do Estado e de administração da educação.
Segundo Sander (2005), as palavras-chave que caracterizam a atual proposta da
administração educacional brasileira são: eficiência econômica, competitividade e
lucratividade, descentralização e privatização, qualidade total, estândares
internacionais e avaliação de desempenho. O seu objetivo declarado é atingir elevados
padrões de qualidade institucional e desenvolvimento humano, para garantir a
competitividade na nova sociedade do conhecimento. Diante disso, é de se pensar se não
estamos deixando de lado o exercício da administração educacional e estamos nos
| 847
encaminhando para uma administração gerencial – na busca de desempenhos que
garantam a sonhada qualidade de educação.
Tendo em vista uma unificação curricular, os sistemas de avaliações nacionais irão
ganhar ou perder força? Será que insistir na padronização do ensino, vai ser suficiente
para abrandar a injustiça social no cenário brasileiro? Será que a busca pela
homogeneização curricular, associada a uma avaliação educacional reguladora e
sufocadora tanto para alunos quanto para professores (redução da autonomia docente) é
a fórmula para promover uma educação de qualidade com equidade?

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Com a proposta de um currículo comum nacional, se desenha, também, um novo
futuro para a produção de materiais didáticos no país, onde os sistemas de apostilamento
exercerão, juntamente com os sistemas de ensino das grandes corporações, grandes
pressões para a elaboração e distribuição de apostilas da base nacional.
Na visão de AFONSO (2009) o que estamos vivendo na educação hoje se trata
de um novo darwinismo social que tem na avaliação um dos pontos centrais das reformas
da administração pública atualmente em ascensão em muitos países. A adoção de critérios
de qualidade pautados em processos de avaliação como é o caso do PISA, tem sinalizado
para o fato de que esses sistemas de avaliação têm se tornado a porta de entrada e o celeiro
de políticas ou sistemas formais de accountability, o que tem sido chamada pelos autores
SCHNEIDER e NARDI (2015) de “nova gestão pública”.
Independentemente da opinião de gestores e especialistas sobre a elaboração da
Base Nacional Comum, é consenso entre eles que um documento dessa natureza terá
impacto na formação docente. Para Moreira (2007),

[...] os conhecimentos pedagógicos [disciplinares] norteadores das


decisões curriculares podem inscrever certa seletividade no modo
como os docentes pensam, sentem e falam sobre os estudantes. Podem
orientar seus discursos no sentido de classificar a criança, construindo-
se um espaço em que a criança jamais pode ser uma criança “padrão”,
“normal” (p. 287).

A formação de professores vem sendo discutida e destaca-se os Decretos nº


2.306/1997, nº 3.860/2001/ e, atualmente, o Decreto nº 5.773/2006, que flexibilizam a
estruturação da educação superior no país e, como decorrência, o princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como seu parâmetro básico. Tais | 848
Decretos incidiram, substantivamente, na organização acadêmica, com desdobramentos
efetivos na formação de professores.
Ao levarmos em consideração que as movimentações e os processos de mudanças
na agenda da educação refletem nas instituições de educação superior e na formação de
professores, se torna pertinente fortificarmos essa reflexão acerca das próximas possíveis
e importantes mudanças que se projetam a partir da implementação da BNC. Os cursos
de formação de professores, baseados na legislação vigente, sinalizam, ao mesmo tempo,
para uma parte comum e outra diversificada. Assim, acredita-se na necessidade de maior

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convergência nas orientações e diretrizes curriculares para os cursos de licenciatura, com
realce para a base comum nacional, no sentido de estimular concepções norteadoras,
construídas a partir da complexa relação educação e diversidade e não como padronização
curricular.
Outro ponto que consideramos importante ressaltar é a importância de um olhar
crítico e incentivor para os cursos de formação continuada que contemplem essas
demandas. Diante dessas mudanças no contexto educativo, movimentadas pela BNC, a
formação continuada vista como estratégia para a melhoria permanente da qualidade da
educação, tendo como principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca
do aperfeiçoamento técnico, ético e político tornam-se - ainda mais- essencial.

CONCLUSÕES

Na atual conjuntura brasileira, após a aprovação do novo PNE (2014-2024),


surgem momentos para refletir e rediscutir o currículo na tentativa de desmitificar o
dilema que existe entre um currículo único ou desigualdade social, regulação escolar ou
autonomia escolar. É preciso refletir sobre as relações existentes entre o mercado e as
forças que esse exerce sobre as ‘bases’, guiado pela ideia da privatização da educação.
É possível pensarmos que com uma base nacional comum obrigatória em âmbito
nacional, está criada uma base ‘mercadológica’ para a atuação de empresas de avaliação,
assessorias e consultorias, além de produtoras de material didático em grande escala
nacional. Será que o que está havendo neste momento é um posicionamento de mercado,
com interesses muito mais econômicos do que educacionais?
Seria então a Base Nacional Comum a solução para atender as demandas por
| 849
qualidade e equidade da educação brasileira? Consideramos que banalizar a ideia de
comum (universal) ou para todos, não pode ser simplesmente tomada como a resposta
para todos os problemas e entraves da educação.
A ‘base’ resumidamente significará que qualquer aluno, em qualquer estado, em
qualquer município, em qualquer escola, tenha o mesmo direito de aprendizagem e se
mudar de um estado para outro, tenha o mesmo currículo. Consequentemente essas
futuras transformações no alicerce curricular da educação básica brasileira trará alguns
reflexos não apenas no conteúdo a ser aprendido, mas também na orientação da formação
inicial e continuada de professores, que demanda um debate com toda a sociedade.

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Partindo da ideologia de Paulo Freire, que coloca o aluno como o centro do
processo educacional, idealizamos que esse processo de transformação no cenário
educacional do Brasil contribua para as melhorias que o contexto tanto carece. Para Freire
(1991, p.44-45):

(...) não há prática educativa sem conteúdo, quer dizer, sem objeto de
conhecimento a ser ensinado pelo educador e apreendido, para poder
ser aprendido pelo educando. Isto porque a prática educativa é
naturalmente gnosiológica e não é possível conhecer nada a não ser que
nada se substantive e vire objeto a ser conhecido, portanto vire
conteúdo. A questão fundamental é política. Tem que ver com: que
conteúdos ensinar, a quem e a favor de que e de quem, contra quê,
como ensinar. Tem que ver com quem decide sobre que conteúdos
ensinar, que participação têm os estudantes, os pais, os professores, os
movimentos populares na discussão em torno da organização dos
conteúdos programáticos.

Dessa forma, reitera-se a importância de adequar a formação inicial e expandir e


qualificar a formação continuada a partir das mudanças que a Base Nacional Comum
desencadeará. Os conteúdos a serem trabalhados serão pré-estabelecidos, entretanto,
ainda sim, cabe a nós, educadores, estabelecermos o caminho a ser seguido, tendo em
vista a mesma finalidade e objetivarmos a aprendizagem dos educandos.
Até o momento, temos muito mais dúvidas do que certezas com relação a essa
nova mudança no cenário da educação básica brasileira, porém, algumas inquietações são
inevitáveis. Com todos os problemas existentes na educação do Brasil, será que articular
todo o currículo da educação básica a partir de uma base nacional comum, que implicará
em futuros gastos com trocas e reformulações de materiais didáticos, processos
avaliativos e cursos de capacitação de professores serão suficientes para melhorar a
| 850
educação brasileira? É disso que precisamos? Será esta uma tendência mundial, uma vez
que países como os EUA e a Austrália têm adotado um currículo nacional comum? Será
que seguiremos o mesmo caminho e vamos ter os mesmos - controversos- resultados?

REFERÊNCIAS

AFONSO, Almerindo Janela. Políticas avaliativas e accountability em educação:


subsídios para um debate ibero-americano. Sísifo, Lisboa, n. 9, p. 57-69, maio/ago. 2009.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/96. 1996.
Disponível:

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<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12907>.
Acesso em: 19 jan. 2016.
______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação
Básica.
Resolução Nº 4, de 13 de Julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
para a Educação Básica. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_10.pdf.> Acesso em 20 jan. 2016.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino,
2014. Plano Nacional de Educação, Brasília: MEC/SASE, 2014. Disponível em:
< http://pne.mec.gov.br/>. Acesso em: 26 jan. 2016.
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
MOREIRA, Antonio F. B. A importância do conhecimento escolar em propostas
curriculares alternativas. Educ. rev. [on line], Belo Horizonte, v. 45, p. 265-290, jun.
2007.
POSSOLI, G. E. Políticas educacionais e seus agentes definidores: pressupostos para a
definição de políticas para a educação profissional Educação Profissional: Ciência e
Tecnologia volume 3, número 2, p. 237-247, jan./jun. 2009.
SANDER, Benno. A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO EM POLÍTICAS E
GESTÃO DA EDUCAÇÃO. Linhas Críticas, Brasília, v. 11, n. 20, p. 41-54, jan./jun.
2005.
SCHNEIDER, M. P.; NARDI, E. L. Accountabilty em educação: mais regulação da
qualidade ou apenas um estágio do Estado-Avaliador? ETD. Educação Temática Digital,
v. 17, p. 58-74, 2015.

| 851

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TEORIAS DE CURRÍCULO E ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO DOCENTE

Letícia Ramalho Brittes (IF Farrpupilha)


brittesleticia@gmail.com

Resumo: Este trabalho, de cunho bibliográfico, objetiva desenvolver um estudo


sobre algumas teorias curriculares ao longo do tempo e as relações destas com a
organização do trabalho docente.Partindo-se do pressuposto de que o currículo não
apenas organiza aquilo que deve ser ensinado, como também influencia a organização do
trabalho docente no que diz respeito ao como deve ser ensinado. Além disso, entende-se
o currículo como "uma tarefa política, como uma prática que envolve momentos
enunciatórios, vários sujeitos, díspares interesses e múltiplas relações de força”
(MACEDO, 2006). Esse espaço, por ser político, será sempre demarcado por relações de
luta hegemônica e pela precariedade e contingência dos discursos. Havendo aí lugar para
novas negociações que poderão resultar em novas propostas curriculares que
influenciarão o trabalho docente nos variados contextos educacionais.

Palavras-chave: Teorias de currículo. Trabalho docente.

INTRODUÇÃO

A importância de investigar o currículo, entendendo-o no percurso de sua


historicidade, ajuda a esclarecer as conexões entre o mesmo com os diferentes elementos
que compõem o campo educacional e a partir daí ajuda a significar sua relação com o
trabalho docente. Nesse sentido, partindo-se do pressuposto de que o currículo não apenas
organiza aquilo que deve ser ensinado, como também influencia a organização do
trabalho docente no que diz respeito ao como deve ser ensinado. Este trabalho, de cunho | 852
bibliográfico, tem por objetivo desenvolver um estudo sobre algumas teorias curriculares
ao longo do tempo e as relações destas com a organização do trabalho docente.
O termo currículo apresenta múltiplas definições, visto que pode ser entendido
com base em diferentes concepções, perspectivas ou teorias. Os vários conceitos e
perspectivas atuais que embasam a compreensão de currículo não invalidaram os
anteriores. Eles convivem harmonicamente ou não no campo, podendo ser observada uma
tensão de disputa de significados para o termo no âmbito educacional.
Em meio a tantas transformações pelas quais o currículo passou ao longo do
tempo, percebe-se que na contemporaneidade as teorias curriculares oscilam entre
diferentes concepções e abordagens e, por isso, o currículo é considerado um “território

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contestado” (SILVA, 2006, p. 201). No campo discursivo, trata-se de uma arena, em que
se travam a todo momento debates, discussões e confrontos na negociação de sentidos
atribuídas ao termo.
Desse modo, de acordo com a fundamentação teórica em que se baseia uma
determinada análise, currículo pode representar um conjunto de experiências, que os
estudantes devem ter para aprender capacidades, atitudes e formas de conhecimentos
(BOBBITT, 2004) ou pode ser compreendido como um espaço de poder em que são
travadas disputas em torno do conhecimento considerado realmente válido e autorizado
de ser ensinado (SILVA, 2006).
Para tanto, independente do enfoque dado ao termo e sua base teórica, pode-se
entender, em linhas gerais, que o currículo também pode ser um estudo do conhecimento
escolar e das experiências escolares, caracterizando-se, portanto, como uma área, um
campo de estudo. Tendo em vista que o conhecimento escolar é um dos meios pelo qual
o professor busca atingir um dos objetivos de seu trabalho, que é a aprendizagem dos seus
alunos, cabe entender qual a influência do currículo no trabalho docente.

DESENVOLVIMENTO

As diferentes teorias e concepções de currículo relacionam-se conforme seus


pressupostos teóricos em relações ao trabalho docente. Silva (1999), ao apresentar as
diferentes teorias curriculares, destaca duas grandes vertentes: as teorias tradicionais de
currículo e as teorias críticas e pós-críticas de currículo. As primeiras concebem o
currículo como algo neutro, estritamente científico e objetivo. Já o segundo grupo entende
que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada. Elas implicam relações de
poder e demonstram a preocupação com as conexões entre saber, identidade e poder.
As teorias tradicionais de currículo enfatizavam seu papel no processo de
racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados e
medidos. A fábrica serve de modelo institucional dessa concepção de currículo, fazendo
| 853
com que o mesmo se torne um processo similar ao industrial e administrativo. Bobbitt e
Tyler são os principais autores desta vertente que compreendia o currículo como o
conjunto de matérias escolares exteriores aos alunos e professores (currículo como fato -
currículo pré-ativo - currículo escrito).
A segunda metade do século XX constituiu um período em que tem início uma
série de análises acerca do currículo e das propostas curriculares. Neste momento, vários
autores realizam uma série de denúncias em relação ao papel da escola e do currículo na
reprodução da estrutura social, além de demonstrar o interesse destes em construir uma
escola e um currículo interligados aos interesses dos grupos oprimidos. Para tal, buscaram
apoio em teorias sociais, desenvolvidas em especial na Europa para embasar suas
reflexões e propostas.

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Assim, novos referenciais passaram a servir a diversos teóricos preocupados
com questões curriculares, tais como: a teoria crítica da Escola de Frankfurt, o
neomarxismo, as teorias da reprodução, a fenomenologia, a nova Sociologia da Educação
Inglesa, a psicanálise, entre outras. Iniciando-se a partir dessas teorias um período de
diversas investigações no campo que resultaram em novos debates e novos conceitos em
torno do termo currículo. Novas tendências foram surgindo a partir dos anos 1970
contrapondo-se ao que vinha sendo desenvolvido nos estudos curriculares até então,
colaborando para a análise e compreensão de outras questões. Estes novos referenciais
curriculares se referem às teorias críticas e pós-críticas, que apesar de suas diferenças,
têm em comum a negação da perspectiva curricular até então dominante, seu caráter
técnico, aparentemente apolítico e prioritariamente instrumental.
Neste sentido, a partir das teorias críticas, o currículo é visto como um espaço
de poder e com um papel decisivo na reprodução da estrutura de classes da sociedade
capitalista. Constituiu-se, portanto, como um aparelho ideológico do Estado capitalista,
transmitindo a ideologia dominante. Em síntese o currículo passa a ser considerado um
território político.
Silva (2006), abordando este período, destaca a elaboração do currículo, como
reflexo de uma ação política permeada por oposições e resistências. Ao se considerar que
a articulação entre o sujeito visado, os conhecimentos eleitos para concretização do
projeto educativo e as atividades de ensino compõem a essência do currículo, questões
como: “quem queremos formar?”, “como ensinamos?” e “o que ensinamos?” constituem-
se como eixos norteadores da proposta curricular.
Portanto, nessa linha o currículo é um conjunto de conteúdos cognitivos e
simbólicos (saberes, competências, representações, tendências, valores) a serem
transmitidos (de forma explícita ou implícita) através das práticas educativas. Constitui-
se como um processo historicamente condicionado com a capacidade de incidir sobre a
sociedade, configurando-se em um campo em que interagem práticas e teorias
reciprocamente.
Currículos, como construções sociais que são, sofrem as influências dos
conhecimentos que ensinam e das culturas da sociedade na qual estão inseridos. Em seus | 854
estudos, Silva (2006), sobre esses embates do campo, relata que a cultura e o currículo
são antes de tudo relações sociais e o currículo como relação social pode ser percebido
por intermédio de suas marcas, advindas de disputas por predomínio cultural, das lutas
entre, de um lado, saberes oficiais, dominantes e, de outro, saberes subordinados,
desprezados.
Assim, o currículo se constitui por meio de relações sociais, que necessariamente
são relações de poder e denominam quais são os conhecimentos considerados socialmente
válidos. Por meio das relações sociais do currículo é que as diferentes classes sociais
aprendem quais são seus respectivos papéis nas relações sociais mais amplas. Portanto,
vincular a educação e o currículo às relações de poder tem sido central para a construção
de um projeto educacional crítico.

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Moreira e Silva (1995) concebem o currículo como um terreno de produção e de
política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de
criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão. O currículo e a educação
estão profundamente envolvidos numa política cultural, sendo, portanto, tanto campo de
produção ativa de cultura quanto um campo contestado.
Assim, diferentes currículos produzem diferentes sujeitos, estando tais
diferenças associadas a diferenças sociais, ligadas à classe, à raça, ao gênero, sendo o
currículo um fator de produção de sujeitos dotados de classe, raça e gênero. Nessa
perspectiva, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, produz
identidades individuais e sociais particulares. Portanto, ao se analisar os elementos
constituintes do currículo deve-se levar em conta não apenas as condições de acesso à
educação, mas também as condições do acesso diferencial a diferentes tipos de
conhecimento (SILVA, 1996).
Por isso, como afirma Silva (2006), o currículo é um dos pontos centrais dos
atuais projetos de reforma social e educacional, ocupa um espaço estratégico nessas
reformas, pois é um dos espaços em que ocorrem lutas decisivas por hegemonia, por
predomínio, e pelo domínio do processo de significação. Assim, é por meio do currículo,
concebido como elemento discursivo da política educacional, que os diferentes grupos
sociais, em especial, os dominantes expressam sua visão de mundo, seu projeto social,
sua verdade. A esse respeito, Hypolito esclarece que:

As políticas que têm definido o desenho curricular para a educação brasileira


vêm sendo delineadas e implementadas desde o final dos anos de 1980,
marcadamente como políticas educativas de caráter neoliberal, que passaram a
ser cotidianas não somente na educação, como também na cultura, na política
e, principalmente, na economia. (HYPOLITO, 2010, p. 1338)

A presença dos organismos internacionais e suas diretrizes tem sido uma marca
nas atuais reformas educacionais, que preveem uma formação voltada para as
necessidades do mercado e que implementam uma lógica empresarial no campo
educacional. Hypolito (2010, p. 1339) aponta que os modelos de gestão são adequados
para a consecução dessas políticas, todos dedicados a formas regulativas do trabalho | 855
docente, do currículo e da gestão escolar. Com isso, modelos gerencialistas baseados nos
conceitos de eficiência, eficácia, produtividade e avaliação penetram nas políticas
educacionais com repercussão na gestão escolar, no trabalho docente e no currículo.
Na abordagem gerencialista, o currículo fica submetido às exigências dos
sistemas de avaliação e aos materiais didáticos pré-estabelecidos, desconsiderando o
contexto escolar e as particularidades dos alunos, já “[...] o trabalho dos professores torna-
se extremamente padronizado, racionalizado e policiado” (APPLE, 2003, p. 62).
Além disso, a tradição curricular tem em um de seus pontos centrais a
disciplinaridade, pois, apesar de todas as transformações ocorridas na natureza e extensão
da produção do conhecimento, o currículo continua fundamentalmente centrado em
disciplinas tradicionais. Nesse sentido, a disciplinaridade não só é a tradução lógica e

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racional de campos de conhecimento, mas também, a inscrição e recontextualização
desses campos num contexto em que processos de regulação moral e controle tornam-se
centrais.
Nessa perspectiva, tem-se a construção de um currículo pautado nas reformas de
cunho neoliberal que, desde a década de 1990, vêm orientando a elaboração e aplicação
das políticas para a educação. Tais reformas impuseram uma revisão nos currículos e têm
influenciado a organização do trabalho docente inserindo esses profissionais na lógica da
performatividade que, segundo Ball (2004) “funciona de diversas maneiras para “atar as
coisas” e reelaborá-las, facilitando o papel de monitoramento do Estado, que governa a
distância – permitindo sua inserção nas instituições do setor público e de seus
trabalhadores.
Nesses termos, concorda-se com Ball quando o teórico afirma que a
performatividade atua na organização do trabalho docente através do currículo para

mudar significados, produzindo novos perfis, garantindo o "alinhamento". Ela


objetifica e mercantiliza o trabalho do setor público, e o trabalho com
conhecimento (knowledge-work) das instituições educativas transforma-se em
"resultados", "níveis de desempenho", "formas de qualidade". Os discursos da
responsabilidade (accountability), da melhoria, da qualidade e da eficiência
que circundam e acompanham essas objetivações tornam as práticas existentes
frágeis e indefensáveis — a mudança torna-se inevitável e irresistível, mais
particularmente quando os incentivos estão vinculados às medidas de
desempenho. "Conseqüentemente, o ensino e a aprendizagem são reduzidos a
processos de produção e de fornecimento que devem cumprir os objetivos de
mercado de transferência eficiente e de controle de qualidade" (BALL, 2004,
p. 120).

É no contexto dessa problemática que se inserem as atuais políticas que


organizam e escola e o trabalho docente, gerando uma série de contradições nos campos
de atividades do setor público, provocando, segundo Ball, uma fragilidade nos papéis, nas
identidades e nas relações de trabalho que estão sendo criadas em conformidade com essa
lógica mercadológica, ocorrendo assim [...] a instauração de uma nova cultura de
performatividade competitiva que envolve uma combinação de descentralização, alvos e
incentivos para produzir novos perfis institucionais (BALL, 2004). | 856

Assim, as políticas curriculares, inseridas no contexto neoliberal, têm incluído o


princípio da competência do sistema escolar, que visa a uma subordinação do sistema
educativo ao mercado, ao mesmo tempo em que propõe modelos gerencialistas de
avaliação do sistema.
Nessa perspectiva observa-se que a concepção de currículo no decorrer das
últimas décadas tem acompanhado as reformas neoconservadoras, tomando a forma de
uma proposta curricular que prioriza a relevância que conteúdos escolares possam ter para
o mercado. No que tange à organização do trabalho docente, observa-se, ainda conforme
Hypolito que “o ato de ensinar e a subjetividade do professor sofrem profundas mudanças
com as novas formas de controle empresarial” (HYPOLITO, 2002, p. 278).

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Dentre os efeitos causados por essa lógica empresarial, no controle das
atividades pedagógicas, destaca-se o desenvolvimento de um processo de
individualização crescente, que inclui a destruição das solidariedades baseadas numa
identidade profissional comum.
Frente às “novas” exigências importadas do campo produtivo, os profissionais
da educação têm sofrido um processo de minimização de autonomia em seu trabalho
frente às políticas públicas regulamentadas por organismos internacionais, seguindo
orientações de reformas curriculares e educativas que acompanham as reformas
neoconservadoras.
O discurso educacional torna-se multifacetado. Conforme Bernstein, revela-se
um “discurso cada vez mais especializado e separado”176, ocasionando uma ruptura entre
aquele que conhece e aquilo que é conhecido (1990, p. 218). Dessa maneira, a educação
implica em um processo de desumanização, como se o conhecimento e os conhecedores
atuassem em mercados independentes. No entanto, tais declarações operam na lógica do
controle simbólico, ou seja, são reguladas por um conjunto de agências e agentes que se
especializam nos códigos discursivos das instituições que dominam. Tais agentes regulam
os meios, os contextos e as possibilidades dos recursos discursivos (BERNSTEIN, 1990,
p. 190).
No que tange à estrutura curricular, pode-se observar que as reformas
educacionais instauradas no país a partir da década de 1990 apresentam, segundo
Berenblum,

[...] a defesa de uma concepção otimista acerca da educação, centrada na


exaltação de suas virtudes, tanto como garantia de superação da miséria e do
atraso em nível nacional, contribuindo para situar os países numa posição
mundialmente mais competitiva, quanto como certificado de ascensão social
dos indivíduos. Ao mesmo tempo se registra uma forte ênfase na construção
de uma escola que vise à formação para uma nova cidadania, entendida como
a capacidade de se “adaptar de forma flexível e produtiva” aos requerimentos
que exige a nova sociedade do conhecimento. A escola deve fornecer os
conhecimentos, as destrezas, enfim, as “competências” necessárias para que
essa adaptação possa ser realizada (BERENBLUM, 2003, p. 163).
| 857
Nessa proposta curricular percebe-se o apagamento da ação dos professores e
demais sujeitos da comunidade escolar nas decisões e escolhas a serem tomadas. Os
conteúdos selecionados para preencher as grades curriculares das escolas são previamente
desenvolvidos fora do contexto escolar, geralmente com a intervenção de organismos
internacionais.
Além disso, desde a implementação da lógica empresarial na elaboração

176 Bernstein considera uma disciplina um discurso separado, especializado, com seu
próprio campo intelectual de textos, práticas, regras de admissão, modos de exame e
princípios de distribuição de sucesso e privilégios. O autor acrescenta ainda que elas são
orientadas para o seu próprio desenvolvimento e não para aplicações fora delas mesmo
(BERNSTEIN, 1990, p. 218).

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das políticas educacionais, a escola passou a ter a responsabilidade de atuar no
desenvolvimento de competências para inserção dos estudantes no mercado de
trabalho. A palavra competência ressignificou-se, veiculando sentidos de
produtividade, agilidade e competitividade. Com o dever de qualificar para o
trabalho, insere-se no discurso educacional, uma série de articulações com os
interesses de mercado.
Assim, percebe-se o desafio com que se deparam os profissionais da
educação em relação ao seu trabalho e ao currículo escolar: entre a reprodução do
instituído pelo conjunto das políticas orientadas por valores neoliberais e a decisão
de ruptura e deslocamento do que foi imposto pela estrutura mercadológica através
da defesa de um currículo que seja capaz de abarcar aspectos de uma formação
literalmente cidadã e humanizadora.
Ao encontro disso, o que se evidencia nos próprios cursos de formação de
professores, a partir dos movimentos das reformas curriculares, é um ajuste aos
imperativos da cultura da performatividade, expressa através de uma proposta curricular
que volta a dicotomizar a relação teoria e prática, em que a segunda sobressai-se em
detrimento da primeira. São as novas formas regulativas - que derivam deste novo
discurso de poder - para delinear o perfil do profissional que está prestes a ingressar no
trabalho escolar. Um discurso embasado no enaltecimento da prática para solucionar a
lacuna da formação docente. Nesses termos, conforme Ball,

[...] a questão não é sobre a possível certeza de ser sempre vigiado, como ocorre
no panóptico. [...] trata-se, ao contrário, da incerteza e da instabilidade de ser
julgado de diferentes maneiras, por diferentes meios, por meio de diferentes
agentes; para atender [...] o fluxo de demandas, expectativas e indicadores em
constante mudança que nos fazem continuamente responsáveis e
constantemente registrados. [...] esta é a base do princípio da incerteza e da
inevitabilidade; é uma receita para a insegurança ontológica, que coloca
questões tais como: estamos fazendo o suficiente? Estamos fazendo a coisa
certa? Nosso desempenho será satisfatório? (BALL, 2010, p. 39).

Nessa perspectiva, concorda-se com Garcia quando a autora afirma que estamos
diante de um processo em que “o trabalho docente está se transformando em uma
ocupação flexível que se caracteriza por habilidades de cunho eminentemente
instrumental” (GARCIA, 2010, p. 234). O que, ainda em acordo com a autora, corrobora | 858
com a tese de Freitas, que defende ser este um processo de desprofissionalização docente.
Segundo ela, “[...] essa tendência se expressa na medida em que o documento oficial
privilegia centralmente a avaliação e a certificação de competências, enfatiza habilidades
e conteúdos de cunho eminentemente instrumental relacionados à gestão do ensino e da
sala de aula”. (apud GARCIA, 2010).
Com base neste modelo performativo de formação docente, percebe-se a
ausência do sentido de profissionalismo, em que, segundo Ball, individualmente, mais
uma vez, fabricamos a nós mesmos, na tentativa de nos articular dentro dos jogos
representacionais de competição, intensificação e qualidade (2010, p. 39).
Tais práticas estão atreladas a um processo de autonomia imaginada, o que irá
garantir maior controle e adesão por parte do professorado às políticas de

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responsabilização docente. Nesse sentido, o professor é peça fundamental para
implementação das políticas, pois estará nele a resposta tanto para o sucesso quanto para
o fracasso escolares.

CONCLUSÃO
Diante do exposto cabem algumas preocupações sobre as pesquisas em torno do
currículo e do trabalho docente: como lidar com os limites do determinismo econômico
em última instância? Como não ficar desesperançoso frente aos imperativos das políticas
neoconservadoras e neoliberais? Como romper com a imobilidade e a incapacidade de
agência, modificando, assim, nossos currículos e nossas escolas? Conforme Lopes e
Macedo, “[…] se a diferença habita todos os processos culturais, também habita os
processos curriculares, de forma associada aos discursos homogeneizantes e opressivos,
mas não como mera oposição ao homogêneo, em um novo par binário (LOPES;
MACEDO, 2011, p. 181).
Assim, os processos de regulação/emancipação, reprodução/resistência,
opressão/emancipação não se configuram como polos opostos entre os quais transita a
produção curricular. Além do que não se pode considerar que o currículo seja construído
de forma linear. Trata-se de uma luta por hegemonia em um campo contestado que requer
contínua negociação de sentidos. Através do embate discursivo protagonizado pelos
professores é que serão fundamentadas as propostas para o currículo que se quer na
escola.
Há que se garantir esse lugar de protagonismo (agência) considerando que os
antagonismos são inerentes ao diálogo. A esse respeito Hall afirma

O dialógico enfatiza os termos variáveis do antagonismo, a interseção de


diferentes valências no terreno discursivo, em vez das bifurcações da dialética.
O diálogo expõe rigorosamente a falta de garantia de uma lógica ou lei para o
jogo da significação, os posicionamentos infinitamente variáveis dos locais de
enunciação, em contraste com as posições dadas do antagonismo de classe
concebidas de forma clássica. A noção de articulação/desarticulação
interrompe o maniqueísmo ou a rigidez binária da lógica da luta de classe, em | 859
sua concepção clássica, como figura arquetípica da transformação (HALL,
2003, p. 235).

Nesse viés de compreensão o poder não se define como algo tão evidentemente
identificável, mas como lugar de negociação e ambivalência. Assim, apresenta-se a noção
de currículo com a qual se identifica este trabalho. No entendimento do termo como lugar
de enunciação que envolve a produção de variados significados que são oriundos tanto da
tradição como das novas ações discursivas. Isso inclui condições de produção variadas e
se dá num movimento contínuo de construção curricular. Superando-se a prática
dicotômica entre currículo escrito e currículo implementado.
A partir daí o currículo passa a ser entendido como uma “[…] tarefa política,
como uma prática que envolve momentos enunciatórios, vários sujeitos, díspares

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interesses e múltiplas relações de força” (MACEDO, 2006). Esse espaço, por ser político,
será sempre demarcado por relações de luta hegemônica e pela precariedade e
contingência dos discursos. Havendo aí lugar para novas negociações que poderão
resultar em novas propostas curriculares.
As políticas curriculares são políticas discursivas. Apesar de sua incompletude
inerente, a articulação hegemônica configura-se em um movimento de inúmeras
tentativas tanto de recomposição quanto de rearticulação de elementos da própria tradição
e das formas de representação de poder. Assim Laclau afirma que “[…] a questão não é
dizer quem é o agente da hegemonia, mas como alguém passa a ser sujeito por meio da
articulação hegemônica (LACLAU, 1993).

REFERÊNCIAS

APPLE, M. W. Educando a direita: mercados, padrões, Deus e desigualdade. São


Paulo: Cortez, 2003.
BALL, S. Performatividade e fabricações na economia educacional: rumo a uma
sociedade performativa. In: Educação e Realidade, v. 35, n. 2, p. 37-55, ago/set. 2010.
BALL, S. Performatividade, privatização e o pós-estado do bem-estar. In: Educação &
Sociedade. Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1105-1126, set./dez. 2004. Disponível em:
http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 12 de julho de 2012.
BERENBLUM, A. A invenção da palavra oficial: identidade, língua nacional e escola
em tempos de globalização. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle.
2. ed. Petrópolis: Vozes, 1990.
BOBBITT, John Franklin. O método científico na construção do currículo. O currículo.
Porto: Didáctica Editora. 2004. p. 73-81.
| 860
GARCIA, M. M. A. Textos e contextos na reforma das Licenciaturas: o caso da UFPel.
In: Educação e Realidade, v. 35, n. 2, p. 229-252, ago/set. 2010.
HALL, S. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG,
2003.
HYPOLITO, A. M.; PIZZI, L. C. V. Reestruturação educativa e trabalho docente:
autonomia, contestação e controle. In: HYPOLITO, A. M. Trabalho docente:
formação e identidade. Pelotas: Seiva Publicações, 2002.
HYPOLITO, A. M. Políticas curriculares, Estado e regulação. Educação & Sociedade,
Campinas, v. 31, n. 113, p. 1337-1354, out.-dez. 2010.

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LACLAU, E. Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo. Buenos
Aires: Ediciones Nueva Visión, 1993.
LOPES, A. C.; MACEDO, E. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011.
MACEDO, E. Por uma política da diferença. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 128, p.
327-356, maio/ago. 2006.
SILVA, T. T. Identidades terminais. Petrópolis: Vozes, 1996.
______. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.

______. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo


Horizonte: Autêntica, 2006.

| 861

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Mutações no mundo do trabalho e suas repercussões no trabalho
docente no ensino superior
Maria da Conceição Rosa Cabral
UFPA
mcrosa@uol.com.br

Resumo: As mutações no mundo do trabalho, iniciadas nos anos 70 e, segundo Ricardo


Antunes, em grande medida ainda em curso, teriam sido responsáveis por uma nova forma
de relacionamento entre o capital e o trabalho, gerando transformações no processo
produtivo, cuja reestruturação trouxe implicações e uma nova conformação para a classe
trabalhadora, o que resultou, entre outros, em intensificação da exploração sobre a força
de trabalho. Na interpretação de alguns pesquisadores como Vieira e Maciel (2011), o
trabalhador da educação não está imune às mudanças pelas quais passa o conjunto dos
trabalhadores, estando submetidos às duras regras do jogo do mundo da produção
capitalista. O presente artigo tem como objetivo identificar, por meio de uma revisão de
literatura, as repercussões no setor educacional, advindas das mudanças no mundo do
trabalho, e as interfaces com a intensificação da exploração sobre a força de trabalho.
Palavras-chave: Intensificação do trabalho docente; mutações no mundo do trabalho;
reestruturação produtiva.

INTRODUÇÃO

Vários estudos têm mostrado que o trabalho docente vem sendo permeado por
precarização, baixos salários, desvalorização profissional, sobrecarga de trabalho e
estresse, sendo estes dois últimos consequências da intensificação do trabalho, um
fenômeno já tratado em estudos de Silva (2004), Leda (2006), Assunção e Oliveira
(2009), Mota Júnior e Maués (2010), entre outros. Os professores do magistério superior
estiveram sujeitos, nos últimos tempos, a um processo de intensificação cada vez maior | 862

do trabalho. Tal intensificação é interpretada por pesquisadores, como por Ricardo


Antunes e Giovani Alves (2004), como consequências das mudanças no mundo do
trabalho e a consequente reestruturação produtiva.
Tal interpretação, segundo Antunes (2009, p.37), se fundamenta na tese de que o
capitalismo viu-se em frente a uma crise cujo entendimento dos elementos constitutivos
dessa crise é de grande complexidade, uma vez que ocorreram mutações com
repercussões no ideário, na subjetividade e nos valores daquele que vive do trabalho. Essa

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crise estrutural teve como uma das consequências a implantação de um processo de
reestruturação do capital.
O processo de reestruturação produtiva em curso tem causado alterações na
organização do trabalho e, conforme os estudiosos acerca das mudanças contemporâneas
no mundo do trabalho, tem levado a consequências como a flexibilização dos processos
e mercados de trabalho (HARVEY, 1992) e à fragmentação, complexificação e
diversificação da classe trabalhadora, enfraquecimento do poder sindical e aumento do
trabalho precarizado e terceirizado (ANTUNES, 1999).
Este artigo se propõe a construir – à luz dos estudos de pesquisadores como
Ricardo Antunes e Giovanni Alves (2004) e Vieira e Maciel (2011) – um cenário da
restruturação produtiva e as implicações na classe trabalhadora, buscando situar as
mudanças ocorridas no mundo do trabalho e suas repercussões no setor educacional e,
mais especificamente, as implicações dessas mudanças no trabalho docente de ensino
superior.

Mudanças no mundo do trabalho e suas repercussões no setor educacional

No cenário dessa restruturação produtiva, Antunes e Alves (2004) afirmam que a


classe trabalhadora, em sua conformação atual, vem presenciando um processo
multiforme, cujas principais tendências são: a) redução do conjunto de trabalhadores
estáveis que se estruturavam por meio de empregos formais, e a flexibilização e
desconcentração dos espaços físicos produtivos; b) aumento significativo do trabalho
feminino, preferencialmente no universo do trabalho part-time, precarizado e
| 863
desregulamentado; c) expansão do trabalho terceirizado, uma das alternativas de trabalho
crescentemente desregulamentada e “informais”; d) expansão do setor de serviços que,
inicialmente, incorporou trabalhadores expulsos do mundo produtivo industrial, resultado
das políticas neoliberais, da desindustrialização e privatização; e) exclusão de jovens do
mercado de trabalho que, sem perspectiva de emprego, engrossam as fileiras do trabalho
precário; f) os trabalhadores da “cultura fordista”, fortemente especializados, sendo
substituídos pelos trabalhador polivalente e multifuncional da “era toyotista”; g) expansão
do trabalho do chamado “terceiro setor”, por intermédio de empresa de perfil comunitário,
motivada pelo trabalho voluntário, abarcando atividades predominantemente de caráter

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assistencial, sem fins diretamente mercantis, e incorporando trabalhadores expulsos do
mercado de trabalho formal; h) expansão do trabalho em domicílio, por meio da
telemática; e, i) transnacionalização do capital e de seu sistema produtivo, a configuração
do mundo do trabalho é cada vez mais transnacional (p.336-341).
Segundo Antunes e Alves (2004), essa nova conformação do trabalho abrange
tanto o núcleo do proletariado industrial – trabalhadores produtivos que participam
diretamente do processo de produção de mais-valia e valorização do capital – quanto os
trabalhadores improdutivos – que não geram diretamente mais-valia, uma vez que são
utilizados como serviço para o público (p.342). Assim, para o autor, o trabalhador
improdutivo vivencia situações muito aproximadas com as que experimentam os
trabalhadores improdutivos. Assim, algumas dessas tendências serão retomadas adiante,
como exemplos n setor educacional.
Com base na ideia de que a restruturação produtiva se estendeu aos demais
trabalhadores, Vieira e Maciel (2011) afirmam que “[...] o trabalhador da educação não
está imune às mudanças pelas quais passa o conjunto dos trabalhadores”. Acrescentam,
ainda, que os docentes “[...] também estão submetidos às duras regras do jogo do mundo
da produção capitalista” (p.160). É sobre as repercussões da restruturação produtiva no
setor educacional, advindas das mudanças no mundo do trabalho, e as interfaces com a
intensificação da exploração sobre a força de trabalho, que buscarei discorrer a seguir.
Tomando as tendências da nova conformação da classe da classe trabalhadora, já
citadas aqui e apontadas por Antunes e Alves (2004), trago alguns exemplos das
implicações da reestruturação produtiva no trabalho docente do ensino superior.
Um dos efeitos das mutações no mundo do trabalho é a flexibilização da
| 864
contratação e do regime de trabalho, que buscam diminuir despesas com docentes e
técnico-administrativos nas universidades. Ou seja, o que Antunes e Alves (2004)
identificaram como redução do conjunto de trabalhadores estáveis que se estruturavam
por meio de empregos formais. Tais contratações, diferente do regime de trabalho dos
servidores públicos federais que é estatutário, podem se dar por meio de empresas
terceirizadas, em regime celetista. O governo federal vinha tentando, sem sucesso,
regulamentar a terceirização de atividades-fim no serviço público, por meio do PL
4330/2004, aprovado na Câmara dos Deputados e remetido ao Senado. No entanto, as
atividades-meio, como segurança e limpeza, já ocorrem há algum tempo e retiram direitos

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dos trabalhadores. Para Antunes e Alves (2004), essa expansão do trabalho terceirizado é
uma das alternativas de trabalho crescentemente desregulamentada e “informais”.
Alan Bihr (1998 apud Alves, 2011, p.48), ao tratar da nova ordem produtiva,
caracteriza o novo empreendimento capitalista baseado na “produção difusa”, “produção
fluida” e “produção flexível”. Para o autor, são todos elementos constituídos pela nova
morfologia técnico-organizacional da toyotista.
A execução de serviços essenciais, como a educação, por meio das Organizações
Sociais se constitui em terceirização e subcontratação, o que representa mais uma perda
para o trabalhador docente, haja vista que, segundo Alves (2011), pode haver uma “[...]
flexibilidade na contratação, isto é, um afrouxamento das condições jurídicas (legais ou
convencionais) que regem o contrato de trabalho” (p.49)
Os termos “flexibilidade” e “flexibilização” tornaram-se, segundo Alves (2011),
a expressão das novas tendências do trabalho do século XXI, e é nesse sentido que David
Harvey (1992) caracteriza o novo regime de acumulação capitalista como sendo o regime
da “acumulação flexível”.
Ainda no ensino superior, temos vivenciado outro fenômeno que não podemos
ignorar, e que também se expressa, de alguma forma, ao processo de flexibilização da
contratação, que é a privatização, um processo que expressa o caráter mercantil que
tomou a educação, seja no setor público, seja no setor privado. Esse caráter
mercantilizado revela-se, entre outras coisas, “[...] pela crescente parceria entre
universidades e empresas privadas, submetendo a estas a direção da produção do
conhecimento”, um conhecimento fruto do trabalho do profissional docente. Em relação
ao trabalhador, esse caráter mercantil se denuncia pela instituição de aumento de salário
| 865
baseado em gratificações, o que o torna precário e instável; a exemplo a GED, um claro
“instrumento da lógica empresarial, incompatível com a autonomia da universidade
pública” (TONET, 2007, p. 88).
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal publicou Acórdão177 relativo à Ação
Direta de Inconstitucionalidade, que reconhece que os chamados serviços essenciais –
atividades relacionadas à saúde, educação, pesquisa, cultura, proteção e defesa do meio

177
Ação Direta de Inconstitucionalidade n.1923/98, ajuizada em dezembro de 1998 pelo PT e PDT, buscava
a inconstitucionalidade da Lei 9.637/98, que viera dispor sobre a qualificação de entidades privadas
como “organizações sociais”.

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ambiente – podem ser executados de forma indireta por meio de convênios com
organizações sociais, ou seja, por meio da celebração de ‘parcerias’ com o setor privado.
Uma terceira implicação da nova conformação da classe trabalhadora no campo
educacional é a valorização do professor polivalente e multifuncional, bem nos moldes
da “era toyotista”. A rotina mais comum do trabalho docente, especialmente nas
instituições públicas, é ministrar aulas, corrigir trabalhos e provas, realizar pesquisas,
redigir artigos, participar de eventos, orientar a produção de trabalhos científicos,
participar de projetos de extensão, além da busca de atualização de novos conhecimentos,
tentando acompanhar as velozes mudanças do mundo globalizado (LEDA, 2006). Aliado
a essas tarefas de rotina, a ampliação e a complexidade de demandas de políticas para a
educação passam a exigir do professor um envolvimento para o qual, muitas vezes, ele
não foi preparado profissionalmente e nem tem experiência, por exemplo, a implantação
de currículos que buscam integração de saberes, por meio de eixos temáticos, nas
atividades de ensino, pesquisa e extensão. No artigo “A função docente: perspectivas na
nova sociabilidade do capital”, Silva (2004) fala da “desprofissionalização” e
intensificação do trabalho em função da sobrecarga de funções alheias à tradicional tarefa
de ensino, quais sejam: educação contra as drogas; prevenção da Aids; educação para a
saúde; manutenção do patrimônio cultural e ecológico etc, enfim, “[...] questões que são
transferidas para a responsabilidade do professor, mas sem o devido acompanhamento
dos fundos econômicos necessários para enfrentar tais encargos”.
Ainda na linha de multifuncionalidade e polivalência – uma característica da
“produção fluida” do toyotismo (ALVES, 2011) – Maués (2010) menciona que, diante
do turbilhão de inovações tecnológicas-organizacionais nas últimas décadas e em tempos
| 866
da informatização, houve uma ampliação do trabalho docente no ensino superior, que
passou a incluir o preenchimento de inúmeros formulários administrativos, antes de
responsabilidade exclusiva de profissionais técnico-administrativos.
Essa nova conformação do mundo do trabalho ou, como dizem Antunes e Alves
(2004) “mutações no mundo do trabalho” – implicações do processo de reestruturação
produtiva no campo educacional – trouxe como consequência novas regulações e controle
que contribuíram para um processo de intensificação no trabalho docente. Antes, faz-se
importante clarificar o conceito de “regulação”, tomada da acepção de Maroy (apud
Maués, 2008, p. 1). Para o autor, regulação representa:

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Diferentes arranjos institucionais, definidos, promovidos ou
autorizados pelo Estado, tais como as regras e leis, o poder e as
competências delegadas a autoridades locais, às hierarquias
dos estabelecimentos escolares ou às organizações
profissionais, os dispositivos de controle e de avaliação, mas
também os dispositivos de coordenação pelo jogo do mercado,
do quase mercado, constituem então os modos de regulação do
sistema. Eles contribuem a coordenar e orientar a ação dos
estabelecimentos, dos profissionais, das famílias pela
distribuição de recursos e interdições.

No âmbito das IFES – Instituições Federais de Ensino Superior – tomo aqui dois
exemplos de regulação que trouxeram implicações diretas e imediatas à intensificação
do trabalho docente: a GED e o REUNI.
De caráter produtivista, a Gratificação de Estímulo à Docência (GED) foi
instituída pela lei 9.678/98, no governo FHC, e estabelecia que só teriam direito à
gratificação em seu valor integral os docentes que atingissem 120 pontos, contabilizados
em relação a uma série de atividades acadêmicas, mas principalmente à quantidade de
horas em sala de aula. Isso motivou muitos professores a aumentarem o número de aulas-
hora ministradas por semana, de modo a atingir a pontuação integral (BOSI, 2007). A
GED estabeleceu um sistema em que o docente ficava refém dessa gratificação para
aumentar seu salário; criou a competição entre os pares, pois “[...] para obter os pontos, a
disputa por horas era tão intensa que, independentemente de sua especialidade, o docente
queria pegar qualquer aula para pontuar” (LISBOA, 2013, p.38). O movimento docente
organizado conseguiu acabar com a GED, que agora parece ameaçar voltar em outra
roupagem. | 867
Outra regulação sofrida pelas IFES foi o REUNI. Por meio do Decreto 6.096 de
abril de 2007, o governo Lula criou o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais – REUNI, que estabelece uma série de metas,
dentre as quais constam a redução de taxas de evasão, ocupação das vagas ociosas,
aumento de número de vagas de ingresso, ampliação da mobilidade estudantil e a
circulação de estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior,
diversificação das modalidades de graduação e ampliação das políticas de inclusão e
assistência estudantil (MAUÉS, 2008). A autora, em artigo que trata do trabalho docente

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frente às novas regulações educacionais, afirma que essas metas viriam promover a
intensificação do trabalho docente, com implicações na qualidade do ensino, pois:

Para o cumprimento dessas “metas” (resultados) o professor será


altamente envolvido, devendo se adequar a esse novo formato de
graduação, além de ver aumentada a relação professor/aluno, precisará
adotar medidas que permitam a aprovação de 90% dos alunos
matriculados. Isso significará a intensificação do trabalho (salas com
maior número de alunos), assim como a flexibilização das atividades,
na medida em que o professor terá dificuldades, pelas condições
objetivas, de manter uma qualidade da educação que possa atender às
demandas sociais (MAUÉS, 2008, p.11).

Essas políticas foram apenas dois exemplos das regulações sofridas pelo ensino
superior, trazendo intensificação ao trabalho docente. Sobre esse fenômeno, Maués
(2010) diz que a intensificação de trabalho – expressa por aumento de atividades, maior
número de turmas por professor e turmas cheias – vem produzindo sofrimento aos sujeitos
envolvidos que se veem pressionados a aderir ao modelo mercantilizado de universidade,
que atende, entre outros, à “cultura da produtividade” e a busca de recursos para “manter”
suas pesquisas e, por vezes, as unidades acadêmicas, enfim, “[...] a precarização, a
intensificação, o sofrimento, o adoecimento são expressões hoje que permeiam a vida do
trabalhador docente” (p.10).

A intensificação do trabalho docente

Considerando que o objeto de estudo do presente artigo envolve o trabalho


| 868
docente na educação superior, trago a definição do termo, de modo a situar a concepção
aqui adotada e elencar o conjunto de atividades pelas quais esse profissional é
responsável. No Dicionário “Trabalho, profissão e condição docente” o verbete trabalho
docente na educação superior, elaborado por Maués (2010a) refere-se:

[...] ao conjunto de atividades desenvolvidas pelo professor/


pesquisador no âmbito das relações estabelecidas com a instituição de
ensino [...]. Esse trabalho envolve o processo de ensino presente na sala
de aula, nas orientações de alunos; o desenvolvimento e a divulgação
dos resultados de pesquisa por meio de publicação de artigos, de

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realização de seminários, elaboração de relatórios, pareceres; a
realização de atividades extensionistas como cursos, eventos,
consultorias, prestação de serviços e outros, que visam articular o
ensino e a pesquisa para favorecer a socialização do saber acadêmico.

Definido trabalho docente na educação superior, importante situar, no sistema de


produção, o processo de intensificação do trabalho pelo qual passa o docente. Segundo
Vieira e Maciel (2011, p.159), no que pesem as diferenças do padrão fordista-taylorista
do novo padrão flexível de acumulação capitalista, este busca

“[...] alcançar os mesmos objetivos que os precedentes [padrão fordista-


taylorista], quais sejam, a superação da crise e a decorrente
continuidade da acumulação capitalista, sob um novo patamar,
sobretudo através da intensificação da exploração sobre a força de
trabalho” (grifo meu).

A “intensificação da exploração sobre a força do trabalho”, conforme Tumolo


(2002, apud Vieira e Maciel, 2011, p. 159), pode ser resumidamente assim traduzida:
 aumento das exigências em termos de habilidades e conhecimentos;
 crescente insegurança no emprego;
 rebaixamento de salários;
 evolução do desemprego a níveis sem precedentes;
 ampliação do ritmo e quantidade de trabalho exigida do empregado por jornada
laboral;
 contratos empregatícios precários, isto é, uso crescente do trabalho em tempo
parcial, temporário ou subcontratado (terceirizado, por exemplo), em prejuízo do
emprego regular, que sofre redução.
| 869

Além das funções tradicionais da carreira, outras atividades contribuem para a


intensificação do trabalho docente, como a participação em reuniões e representação em
comissões e órgãos colegiados, produzindo situações estressantes e consumindo tempo e
energia dos professores. Esse conjunto de atividades, por si só, quando não adequadamente
distribuído, gera uma intensificação do trabalho docente. Para os docentes que atuam nos
programas de pós-graduação, mais especificamente, a pressão por produtividade para atender
às regras das instituições reguladoras contribui, sobremaneira, para esse quadro de
intensificação e estresse no trabalho.

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Para os docentes que atuam nos programas de pós-graduação, mais
especificamente, a pressão por produtividade para atender às regras das instituições
reguladoras contribui, sobremaneira, para um quadro de intensificação e estresse no
trabalho.
Conceitualmente, o processo de intensificação do trabalho também pode resultar
do aumento da produção – sem alteração do efetivo de pessoal – e da diminuição desse
efetivo – sem mudança na produção ou das mudanças organizacionais da evolução dos
sistemas e suas reformas (MELCHIOR, 2008, apud ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009).
Assunção e Oliveira (2009), no artigo “Intensificação do trabalho e saúde dos
professores”, ressaltam que “[...]à medida que se tornam mais complexas as demandas às
quais as escolas devem responder, também se complexificam as atividades dos docentes”
(p.354). Para as autoras, diante de um contexto de sobrecarga, hipersolicitação e
demandas crescentes, o processo de intensificação pode, além de comprometer a saúde,
pôr em risco a qualidade da educação e os fins últimos da escola.
Apontado por muitos pesquisadores que estudam as implicações das novas
formatações do trabalho na saúde da classe trabalhadora, encerro este texto trazendo
alguns elementos que dizem respeito ao tema.
Sobre adoecimento docente, Assunção; Oliveira (2009) buscaram interpretar
resultados de estudos contemporâneos originados de fontes epidemiológicas e
ergonômicas, para problematizar as articulações entre as dimensões do fenômeno de
intensificação e a saúde dos professores. A sobrecarga de tarefas pode explicar o cansaço
físico, vocal e mental dos professores. Distúrbios vocais ou disfonia, em função de
hipersolicitação vocal – esforço do professor em sobrepor a intensidade de sua voz a
| 870
ruídos ambientais – tiveram prevalência em estudos realizados em Vitória da Conquista
(BA) e Belo Horizonte (MG). Os dados sobre afastamento para tratamento de saúde têm
sido usados nos estudos sobre adoecimento docente. Para as autoras, embora as licenças
médicas não possam determinar relações diretas dos problemas de saúde com o trabalho
desenvolvido pelos professores, “O professor, extenuado no processo de intensificação
do trabalho, teria a sua saúde fragilizada e estaria mais susceptível ao adoecimento” e
concluem o trabalho dizendo que:

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[...] o processo de intensificação do trabalho vivido pelos docentes das
escolas públicas brasileiras na atualidade pode, além de comprometer a
saúde desses trabalhadores, pôr em risco a qualidade da educação e os
fins últimos da escola, na medida em que tais profissionais se
encontram em constante situação de ter de eleger o que consideram
central e o que pode ficar em segundo plano diante de um contexto de
sobrecarga e hipersolicitação, cujas fontes estão nas infindáveis e
crescentes demandas que lhes chegam dia após dia (ASSUNÇÃO;
OLIVEIRA, 2009, p.367).

No Brasil, o trabalho docente tem sido permeado, nas últimas décadas, por condições
desfavoráveis que geram a insatisfação da categoria, uma insatisfação que resultará em um
sentimento que pode ser entendido como um dos sintomas do chamado “mal-estar docente”,
expressão cunhada pelo pesquisador espanhol José Manuel Esteve (LAPO; BUENO, 2003).

Considerações Finais

Os estudos aqui trazidos permitiram identificar as repercussões das mudanças no


mundo do trabalho no setor educacional, e as interfaces com a intensificação da
exploração sobre a força de trabalho docente. Dentre os efeitos das mutações no mundo
do trabalho está a flexibilização da contratação e do regime de trabalho, por meio da
terceirização. Outra implicação importante é a privatização e caráter mercantil que atinge
o trabalhador docente, com aumento de salário baseado em méritos e gratificações. Uma
terceira implicação da nova conformação da classe trabalhadora no campo educacional é
a valorização do professor polivalente e multifuncional, bem nos moldes da “era
| 871
toyotista” que, em tempos de inovações tecnológicas e telemática, passa a realizar
atividades anteriormente delegadas ao outros profissionais.
As implicações das novas configurações no mundo do trabalho, aqui reunidas, ajudaram
a compor um quadro interpretativo da intensificação, precarização e desvalorização do trabalho
docente no ensino superior, em um cenário de novas conformações do trabalho e da
reestruturação do capital.

Não obstante a oposição e resistência coletiva a todo este quadro de implicações, sua
reversão tem sido difícil, mas não impossível, haja vista a retirada, em abril de 2015, das

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empresas públicas e sociedades de economia mista da mira da terceirização indiscriminada, no
PL 4330/2004, por pressão da sociedade civil e entidades de classe.

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| 874

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PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: LIMITES E
POSSIBILIDADES PARA O ACESSO A EDUCAÇÃO
INFANTIL178

Daiane Lanes de Souza


Universidade Federal de Santa Maria
daiahlanes@hotmail.com

Naila Cohen Pomnitz


Universidade Federal de Santa Maria
naila.cohen@gmail.com

Nathana Fernandes
Universidade Federal de Santa Maria
nathanafernandes.nf@hotmail.com

Resumo:
O presente trabalho, realizado com apoio do Programa Observatório da Educação, da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil, tem
como objetivo analisar o conteúdo do atual Plano Nacional de Educação (PNE) e as metas
referentes a Educação Infantil, especialmente o que se refere à efetivação do acesso à
educação infantil de qualidade. A metodologia proposta contempla uma abordagem
quanti-qualitativa e análise documental das políticas públicas educacionais atuais para a
Educação Infantil, bem como o documento do Plano Nacional de Educação (PNE) e as
inter-relacionados com os dados estatístico-educacionais do Censo da Educação Básica
referentes a Educação Infantil (INEP, 2014). A base teórica do presente trabalho está
fundamentada em estudos de Kuhlmann Jr. (1998) trazendo aspectos da infância e
Educação Infantil, abordado historicamente os conceitos da mesma, em relação as
políticas públicas que foram surgindo para a infância, Kramer (2011) tratando da política
do pré-escolar no Brasil e suas máscaras em torno da política pública e Rizzo (2003)
dialogando sobre os aspectos de organização, currículo, montagem e funcionamento das | 875
creches, entre outros autores. Para tanto, espera-se compreender as necessidades e
melhoramentos analisados e apontados nos dados do Censo Escolar (INEP, 2014) através
das políticas públicas vigentes no Brasil, a fim de contribuir para as demais pesquisas,
nas quais, serão utilizados os dados como sustentação e constatação das interlocuções
com a realidade da Educação Infantil.

Palavras-chave: Educação infantil. Plano Nacional de Educação. Políticas públicas

178
Este trabalho foi orientado por Rosane Carneiro Sarturi, Professora Associada I do Departamento de
Administração Escolar da Universidade Federal de Santa Maria. Professora do Programa de Pós-graduação
em Educação, Linha de Pesquisa 2: Práticas escolares e políticas públicas – LP2. Coordenadora do projeto
Interlocuções Entre Políticas Públicas e Ações Pedagógicas: Limites e Possibilidades - Observatório da
Educação OBEDUC/CAPES. rcsarturi@gmail.com

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INTRODUÇÃO

A Educação Infantil (EI), primeira etapa da educação básica brasileira, nas últimas
décadas, passou por diversas reformulações, modificações na faixa etária que atende e na
obrigatoriedade do ensino. Desde a promulgação da Lei 9.394 - Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), a Educação Infantil passa a ser vista
como efetivamente uma etapa da educação básica, tornando-se obrigatória a partir da
sanção da Lei 12.796, de 04 de abril de 2013 (BRASIL, 2013).
O Plano Nacional de Educação (PNE), lei no 10.172, de 9 de janeiro de 2001.com
validade de dez anos, a partir do reconhecimento de que “[...] os progressos nesse campo
necessitam de esforços continuados e coordenados, que não alcançam resultados em
prazo curto” o que leva a necessidade de um plano que seja compromisso de Estado e não
apenas de um governo. O PNE definiu como seu objetivo e meta a “elaboração de
diretrizes nacionais e de padrões mínimos de infra-estrutura, para as instituições de
Educação Infantil” (2001, p. 65), tendo como pressuposto aspectos quantitativos e
qualitativos.
O PNE define também que a qualidade do ensino só poderá ocorrer se houver a
valorização dos profissionais do magistério, a qual só será alcançada por meio de uma
política global capaz de articular a formação inicial, as condições de trabalho, o salário,
a carreira e a formação continuada. Assim, a melhoria da qualidade da educação básica
depende da formação de seus docentes, o que decorre diretamente das oportunidades
oferecidas a eles. A melhoria na qualidade da formação dos professores com nível
superior, por sua vez, está condicionada à qualidade da escolarização que lhes foi | 876

oferecida no nível básico, fechando um ciclo de dependência mútua, evidente e positiva


entre os níveis educacionais.
O atual Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005, de 25 de junho de
2014, define como primeira meta universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-
escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de
educação infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento)
das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.

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Neste sentido, este artigo tem analisar o conteúdo do atual Plano Nacional de
Educação (PNE) e as metas referentes a Educação Infantil, especialmente o que se refere
à efetivação do acesso à educação infantil de qualidade.

METODOLOGIA
A metodologia proposta contempla uma abordagem mista, ou seja, quanti-
qualitativa, através da análise documental das políticas públicas educacionais atuais para
a educação infantil.
Segundo Triviños (1987), a pesquisa qualitativa permite analisar os aspectos
implícitos ao desenvolvimento das práticas organizacionais e a abordagem descritiva é
praticada quando o que se pretende buscar é o conhecimento de determinadas
informações, sendo este um método capaz de descrever com exatidão os fatos e
fenômenos de determinada realidade. Já a pesquisa quantitativa, segundo Richardson
(1989) oportuniza maior confiabilidade aos resultados ao estabelecer uma estrutura
definida ao respondente, diminuindo, deste modo, a heterogeneidade dos dados. De
acordo com Vergara (2006), a pesquisa quantitativa busca mensurar os dados e
generalizar os resultados para a população estudada.
Desse modo, a metodologia será baseada na relação dos dados estatísticos
educacionais do Censo da Educação Básica, Educação Infantil, creche e pré-escola de
2007 a 2013, com os dados estatísticos do Censo demográfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatístico (IBGE) com dados de crianças de zero a cinco anos, dos anos de
2007 a 2010, visto que nos anos de 2011 a 2013 ainda não há dados disponíveis,
embasando-se na análise bibliográfica do conceito de qualidade (DOURADO, 2007) e
| 877
suas relações com as políticas de educação infantil no Brasil.
Como base de dados, o censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) (BRASIL, 2014). Espera-se que Para gerar seus
dados e estudos educacionais o Inep realiza levantamentos estatísticos e avaliativos em
todos os níveis e modalidades de ensino, promove encontros para discutir os temas
educacionais e disponibiliza também outras fontes de consulta sobre educação.

QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTEXTO HISTÓRICO E


POLÍTICO

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A qualidade da educação pode ser definida como uma forma de variados aspectos,
no qual abrange todas as realidades de sociedade. Esses aspectos podem perpassar pelo
âmbito econômico, cultural, social, inter-relacional. Qualidade é o que se precisa para
toda e qualquer ação dentro de qualquer ambiente que tenha a Educação em seu foco,
desde a gestão escolar, os professores, o ambiente escolar, etc. Segundo Dourado (2007),
estas são impeditivas para que todos tenham condições de acesso a uma educação de
qualidade. Isto se refere a pensar a qualidade em uma perspectiva ampla e, no contexto
social de modo geral, perpassando pelo contexto escolar como sendo um dos principais
desafios da realidade atual. A partir disto, atentamo-nos à Educação Infantil, sendo ela o
foco de nossa pesquisa, a fim de compreender a efetivação da Educação Infantil no Brasil,
bem como sua evolução do assistencialismo a conquista do direito, que serão abordados,
temas históricos e políticos nos tópicos a seguir.
No Brasil, a Educação Infantil já garantia como direito a crianças de zero a seis
anos de idade uma educação de qualidade na Constituição Federal de 1988, no seu art.
206º, no qual se afirmam os princípios sob os quais o ensino deve ser ministrado (contido
no inciso VII, que aponta a “garantia de padrão de qualidade”), como um dos norteadores
também para as instituições de educação infantil (BRASIL, 1988). Desta forma, com base
neste artigo percebe-se que, no plano legal, a oferta da educação infantil não deve ser uma
obrigação do Estado, apenas, mas necessita ser oferecida com qualidade. (CORRÊIA,
2001).
A EI hoje, frente às novas necessidades educacionais da população e a concepção
educativa que vem arraigada, a partir da promulgação da LDB em 1996 (BRASIL, 1996),
| 878
necessita ter o compromisso com a educação e a formação global dos educandos,
deixando claro o papel do professor neste processo.
Zabalza (1998, p. 40) destaca que a Educação Infantil pode e deve potencializar o
desenvolvimento global da criança acrescentando que “a Educação Infantil é uma etapa
eminentemente educativa e, portanto, destinada a tornar possíveis progressos pessoais
que não seriam alcançados se a escola não existisse”.
Em 1998 é sancionado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI) que consiste em um “conjunto de referências e orientações pedagógicas, não se
constituindo como base obrigatória à ação docente” que define as Diretrizes Curriculares

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Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), estas sim, com um caráter normativo (1999)
“[...] reforça a faixa etária de 0 a 6 anos como um todo íntegro e delimitador das matrículas
nas unidades de Educação Infantil” e estabelece os “fundamentos norteadores que devem
orientar os projetos-pedagógicos desenvolvidos nas instituições” (BRASIL, 2004, p. 63).
A criança, vista como um sujeito de direitos.
Em 2006, o Ministério da Educação MEC publica o documento Parâmetros de
Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006), versão definitiva, que tem por
objetivo “[...] estabelecer padrões de referência orientadores para o sistema educacional
no que se refere à organização e funcionamento das instituições de Educação Infantil”
(BRASIL, 2006, p. 8), assegurando a qualidade na educação, a fim de propiciar aos
educandos um desenvolvimento global em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social.
O documento é organizado em dois volumes: o primeiro aborda aspectos para a
definição de parâmetros de qualidade para a EI no país, apresentando concepções
necessárias para esta definição como os conceitos de criança, de pedagogia, de educação,
bem como a trajetória e tendências da qualidade na educação infantil. No segundo,
apontam-se as competências dos sistemas de ensino e a caracterização das instituições de
Educação Infantil a partir de definições legais.
Neste sentido, o desdobramento dos Parâmetros de Qualidade para a Educação
Infantil (BRASIL, 2006) seria a definição dos indicadores de qualidade. Com efeito,

Quando pensamos em qualidade [...] o mais importante é entendermos que,


para superar as marcas da tradição histórica, não podemos sair apressadamente
atrás de soluções fáceis, de adotar os novos preceitos sem uma profunda
reflexão sobre as nossas propostas e práticas. (KUHLMANN JR., 1998, p. | 879
189).

O Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005/2014, é um instrumento de


planejamento pelo Estado democrático de direito que orienta a execução e o
aprimoramento de políticas públicas. O PNE 2014-2024 traz dez diretrizes, entre elas a
erradicação do analfabetismo, a melhoria da qualidade da educação, além da valorização
dos profissionais de educação, um dos maiores desafios das políticas educacionais, dentre
elas, destacamos a meta 1:
Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4
(quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em

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creches, de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das
crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE (BRASIL, 2014)

A primeira meta do PNE trata especificamente do direito à educação infantil.


Antes de se considerar o conteúdo das estratégias previstas para o seu alcance, vale
registrar que, no que se refere à população com idade até 3 anos, essa meta acabou por
repetir quase que integralmente o texto do PNE 2001–2011, como se pode verificar no
quadro a seguir.

Quadro 1 – Redação da meta de atendimento na educação infantil, Brasil, PNE 2001–2011 e PNE
2014–2024. Fonte: Lei 10.172/2001 e Lei 13.005/2014 .

A principal diferença refere-se ao atendimento da população de 4 e 5 anos.


Enquanto o PNE anterior projetava alcançar 80% de atendimento nessa faixa etária, o
novo PNE se propõe a universalizá-lo até 2016, de forma a atender o previsto na Emenda
Constitucional 59/2009, que ampliou a faixa de obrigatoriedade do ensino para a
população com idade entre 4 e 17 anos, a ser implementada progressivamente.
Nesse sentido, a meta não inova, apenas reafirma o que já havia sido estabelecido | 880

na Constituição. Como veremos, nesse ponto a inovação do PNE aparece nas estratégias
a serem adotadas para alcançar a universalização pretendida. Com relação à meta final de
atendimento das crianças até 3 anos de idade, agora a ser alcançada até 2024, manteve-se
o mesmo texto do PNE 2001–2011. Com isso, prorrogou-se esse objetivo por mais 13
anos.

Gráfico 1: Relação de crianças em idade escolar e matriculadas na Educação Infantil no


Brasil.

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Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos Relatórios do Censo Escolar (2007-2013)

De acordo com o gráfico 1, percebe-se que no ano de 2007 existiam 10.956.920


crianças aptas para frequentar a creche, ou seja, com idade entre zero e três anos. Destes,
apenas 1.579.581 frequentaram a creche, o que representa 14,41% do total. Dentre os
anos de 2008 a 2013 verifica-se um crescimento constante na quantidade de crianças que
frequentaram a creche, atingindo um total de 2.730.119 de matrículas em 2013. Quando
analisado o censo populacional entre os anos de 2007 a 2011, nota-se uma redução no
número de crianças nessa faixa etária dos anos de 2007 a 2009. Em 2010, em comparação
a 2009, verifica-se um crescimento, que não se mantem no ano de 2011, em que ocorre
um significativo decrescimento, atingindo o nível de 10.485.209 de crianças com idade
entre zero e três anos.
Vale mencionar que embora o acesso à pré-escola tenha crescido
significativamente na última década, em 2012 era de 17,8% a taxa de exclusão de crianças
de 4 e 5 anos, sendo que alcançava 22,4% entre os pobres, contra 5,4% no ¼ mais rico da | 881
população.

Tendo em vista a observação dos dados, percebemos um aumento no número de


matriculas de 7,5%, entre 2012 e 2013, correspondendo a 89.328 novas matriculas é
resultado do reconhecimento desta como primeira etapa da educação básica, bem como
de políticas públicas educacionais, tais como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e o
Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de
Educação Infantil (ProInfância).

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No que se refere à pré-escola, constata-se que, no ano de 2007, existiam 5.928.375
crianças aptas para frequentar essa etapa de ensino, destes 4.930.287 frequentavam a pré-
escola, o que equivale a 83,16%. Quando analisado ao longo do tempo 2007 a 2013
percebe-se que em 2009 houve um aumento no número de matrículas nessa etapa de
ensino, seguido por períodos de decrescimento entre os anos de 2010 e 2011, voltando a
crescer nos anos de 2012 a 2013. No entanto, quando analisado o crescimento
populacional nos anos de 2007 a 2011 verifica-se um decrescimento entre os anos de 2007
a 2009 e um crescimento no ano de 2010, voltando a decrescer no ano de 2011. Já na pré-
escola, entre 2012 e 2013, observou-se que o número de matrículas aumentou de
4.754.721 para 4.860.481, totalizando um aumento de 2,2%. Isso se deve principalmente,
a Emenda Constitucional n. 59/2009 (BRASIL, 2009) e da aprovação da Lei n. 12.796
(BRASIL, 2013), homologada em 04 de abril de 2013, que tornou obrigatória a entrada
de crianças na educação infantil aos quatro anos de idade.
A partir das análises, percebe-se que apesar da legitimação das políticas públicas
para a EI, garantindo o direito ao acesso a pré-escola, o número de vagas ofertadas não
apresenta significativo crescimento quando comparado ao crescimento populacional.
Outro dado relevante disponibilizado pelo Censo Escolar (2011,2012 INEP)
mostra o percentual de professores com formação inicial de ensino superior atuantes na
Educação Infantil, no ano de 2011 o número com formação superior era de 56,9 %, no
ano de 2012 o número chega 63,6 %, o que equivale a um aumento de 6,7% de professores
com formação de nível superior atuando nessa etapa de ensino. Isso se deve dentre outras
políticas de formação continuada municipais, a também a grande expansão do ensino
superior no Brasil nesse período.
| 882
Frente a esse contexto, Rosemberg (2010, p. 171) defende que ponto de partida,
deve ser “[...] a expansão da oferta de vagas em creches e pré-escolas de qualidade para
as crianças de 0 a 6 anos, que cumpram, com equidade, o direito à educação das crianças
e o direito dos pais”. Essa oferta de vagas com qualidade está alicerçada a formação inicial
do docente em exercício, o que legitima a formação inicial em nível superior nessa etapa
de ensino.
A educação possui um papel fundamental e tem um valor social reconhecido que
ainda encontra grandes desafios para melhorar em nosso país. A discussão sobre os
desafios enfrentados, para melhorar a qualidade do ensino e as políticas que orquestram

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a educação brasileira, será sempre um tema constante enquanto encontrarmos muitas
dificuldades para garantir o direito à educação de todos.
Os métodos antiquados ainda instituídos, a desvalorização social da classe
docente, pouquíssimos recursos para investimento em infraestrutura nas escolas, ligadas
às avaliações externas e a competição entre as escolas, tecnologias obsoletas, salas de
aula superlotadas são realidades que acabam afastando os professores do ambiente
participativo escolar, ou seja, todos são gestores no âmbito escolar e que não renovam as
ideias e metodologias educativas para suas práticas tradicionais e pouco inovadoras.
Em vista disto, o Estado e seus órgãos de governo traçam metas, elaboram planos
e projetos com o intuito de promover novas metodologias e superar concepções
pedagógicas tradicionais. Muitas escolas fazem sua parte discutindo essas metas e planos,
fazendo adaptações, atualizações ou novos currículos que atendam as demandas com o
intuito melhorar o que é primordial no processo ensino e aprendizagem. Pois:

[...] a análise da(s) política(s) de educação requer uma compreensão que não
se contenta com o estudo das ações que emanam do Poder Público em suas
diferentes esferas (União, Estados, Municípios). Esta deve alcançar a escola e
seus agentes e, num movimento de ida e volta, procurar apreender como as
idéias se materializam em ações, traduzindo-se, ou não, na gestão educacional
e escolar (VIEIRA, 2007, p. 58).

Refletir e dialogar sobre a importância das políticas que estão sendo instituídas
dentro das escolas e através disto, propor novos planejamentos para conseguir atender a
demanda de crianças que aumentará com a nova legislação, é um caminho que pode ser
seguido quando o assunto é buscar alternativas que permitam visualizar melhorias na
educação e na qualidade de ensino.
| 883

Conclusão
A partir do objetivo analisar o conteúdo do atual Plano Nacional de Educação
(PNE) e as metas referentes a Educação Infantil, especialmente o que se refere à
efetivação do acesso à educação infantil de qualidade. Não há a possibilidade de pensar
a qualidade na educação, aqui especificamente na educação infantil sem considerar o
contexto escolar: estrutura física das instituições, aspectos culturais da comunidade
escolar e formação de professores.

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A expressão “qualidade em educação”, no marco dos sistemas educacionais,
admite uma variedade de interpretações dependendo da concepção que se
tenha sobre o que esses sistemas devem proporcionar à sociedade. Uma
educação de qualidade pode significar tanto aquela que possibilita o domínio
eficaz dos conteúdos previstos nos planos curriculares; como aquela que
possibilita a aquisição de uma cultura científica ou literária; ou aquela que
desenvolve a máxima capacidade técnica para servir ao sistema produtivo; ou,
ainda, aquela que promove o espírito crítico e fortalece o compromisso para
transformar a realidade social, por exemplo (DAVOK, p. 506, 2007).

Desse modo, é possível perceber que a garantia do direito ao acesso a Educação


Infantil a partir da lei nº 12.796 de 03 de abril de 2013 (BRASIL, 2013) e o PNE 2014-
2024 são passos importantes para a implementação da qualidade na educação infantil, em
contrapartida exige que além do acesso sejam pensadas políticas de permanência, a fim
de garantir uma educação de qualidade para as crianças de zero a cinco anos.
Os dados estatísticos educacionais (INEP, 2011,2012, 2013, 2014) evidenciam
que apesar da legitimação das políticas públicas para a educação infantil e todas as
discussões sobre a efetivação do direito a educação de qualidade, o número de vagas
ofertadas para essa etapa de ensino ainda é insufienciente quando comparadas ao número
de crianças com idade de zero a cinco anos no Brasil, o que demonstra que ainda há muito
a refletir, pesquisar e propor acerca da qualidade deste nível da educação.
Determinar qualidade para a Educação Infantil não pode acabar em uma redução
de conceito, ou em apenas alguns padrões mínimos, a qualidade da Educação Infantil
requer a implementação de atos que garantam que todas as ações sejam educativas, de
modo que promovam o desenvolvimento global, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, bem como a ampliação de vagas, a fim de atender a totalidade da
população de zero a cinco anos. Assim, a melhoria da qualidade da educação básica está | 884
alicerçada a formação inicial do docente em exercício, o que legitima a formação inicial
em nível superior nessa etapa de ensino.

7 Referências

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1 – Anexo.

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BRASIL. Lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro


de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a
formação dos profissionais da educação e dar outras providências. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, DF, Ano CL nº 65. Seção I, p.1.

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| 887

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CONDIÇÕES DE TRABALHO E SAÚDE NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: UM ESTUDO ACERCA DO MAL-ESTAR
DOCENTE EM TRÊS CIDADES DA REGIÃO SUL DO RIO
GRANDE DO SUL.

Vanessa Bugs Gonçalves


UFPel –nessabugs@gmail.com
Sandra Maria Orben
UFPel - sandra@inforede.inf.br
Maria de Fátima Duarte Martins
UFPel - duartemartinsneia@gmail.com

Introdução
Os primeiros estudos sobre as repercussões do trabalho na saúde dos professores
e professoras surgiram na década de 80. No Brasil aparecem no final da década de 90,
quando se elevou consideravelmente a prevalência de problemas de saúde do
professorado, ocasionando o aumento das solicitações de licenças de saúde. Anterior a
esse período a maioria dos estudos dedicados à saúde do trabalhador estavam focados em
outras atividades laborais. (APPLE, 1997; CARLOTTO, 2002; DELCOR, N., S. et.al,
2004; GASPARINI et.al, 2005 & ARAUJO et.al., 2008). Essa emergência de estudos
justifica-se pela necessidade de estudar as relações entre o conflito para adequaram-se as
situações de trabalho educacional, na sua maioria conflituosa e pouco favorável, e as
tentativas de atenuar os efeitos prejudiciais dessa condição sobre a saúde.
| 888
Para atuar na Educação Infantil, no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN 9394/96) trouxe um conjunto de exigências, como a integração ao
sistema de ensino até o ano de 1999. Para tanto os novos cargos para atuar no magistério
exigiam formação: para o cargo de monitor ou auxiliar, a exigência era a conclusão do
Ensino Médio. As professoras precisavam comprovar a conclusão do Curso Normal e as
administradoras de creches, que passaram a ser diretoras, possuir o Curso de Pedagogia.
Uma década depois que a Educação Infantil foi transformada em política pública,
e quatro anos após a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) – 2006 –, se fez

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necessário um balanço de seus efeitos sobre a Educação Infantil, em especial naquilo que
pode ter relação com o processo de trabalho docente e, mais particularmente – de forma
mediata –, com a saúde de seus professores e professoras.

Mal-estar docente
José Esteve (1999) cunhou o termo - mal estar docente - para designar o conjunto
de consequências negativas que afetariam o professorado a partir da ação combinada das
condições psicológicas e sociais em que se exerce a docência. Para este autor, as
repercussões psicológicas do mal-estar docente, percorrem uma ampla escala que inclui
sentimentos de desconcerto e insatisfação ante os problemas reais da prática do
magistério, em franca contradição com a imagem ideal do que é ser professor e o que
gostariam de realizar; desenvolvimento de esquemas de inibição, como forma de cortar a
implicação pessoal no trabalho realizado; pedidos de transferência de escola para fugir de
situações conflitivas; desejo de abandonar a docência; absentismo trabalhista como
mecanismo para cortar a tensão acumulada;, esgotamento e cansaço físico permanente;
depreciação do ego, depressão e auto culpabilização ante a incapacidade para melhorar o
ensino.
A combinação desse conjunto de consequências negativas psicológicas e sociais
em que se exerce a docência afetam o cotidiano do professorado e com o passar do tempo
conduz a um desgaste emocional e físico, estranhamento de seu lugar de trabalho, seus
colegas, seus estudantes e sua profissão. Nesse sentido, de acordo com Vieira (2009), o
consumo de medicamentos apresenta-se como uma alternativa pela busca de reequilíbrio
e readaptação frente às intensas exigências das atividades educativas, as inúmeras
| 889
demandas e a falta de suporte social. Os docentes buscam, nos medicamentos, prescritos
ou não, fórmulas que produzam disposição e energia para enfrentar a rotina diária, não
somente na escola, mas em casa e em outros espaços sociais que atravessam a profissão
docente e a vida privada. Não são poucas as pesquisas e os discursos governamentais que
relacionam o absenteísmo docente à qualidade dos sistemas educacionais de muitas
regiões do Brasil, o que afeta sobre maneira o trabalho docente e tem sérias implicações
com a qualidade da educação.
Não se trata de considerar o trabalho docente como naturalmente relacionado ao
adoecimento do professorado, mas mostrar que nas atuais condições de trabalho, como

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mostram muitos estudos e pesquisas, o mesmo se encontra marcado pela intensificação e
auto intesificação, pelas pressões sociais crescentes sobre a categoria e pelo caráter cada
vez mais mercantil das políticas públicas dirigidas à educação, - a docência está quase se
confundindo com mal-estar, com doença.
Para Silvio Costa (2005), o fato dos educadores e das educadoras constituírem
uma categoria profissional destacada pela sociedade para lidar, como linha de frente, com
a dura realidade da miséria, da violência e da exclusão, bem como seus perversos efeitos,
também pode ser um fator de adoecimento docente. Para este autor, “ser professor”,
“educar” e “formar educadores”, por exemplo, tornam-se atividades, à primeira vista,
valorizadas socialmente, ou seja, significadas como dignas e importantes.
Em face de sua desmedida missão civilizadora, a tarefa de educar parece ter
assumido uma extrema gravidade, podendo facilmente associar-se o educador à figura de
um soldado e de um salvador, não sendo menos correto associá-lo também a figura de um
carregador de fardos: voluntarismo, abnegação, renúncia e culpa. Quando as coisas não
vão bem no contexto escolar costuma-se imputar ao professorado despreparo,
ineficiência, desinteresse ou mesmo falta de civismo.
Diante de tantas dificuldades que podem gerar o mal-estar docente, as professoras
e professores colocam em jogo diversos mecanismos de defesa para preservar sua
identidade, como são os esquemas de inibição da rotina ou o absentismo trabalhista, que
apresentam o aspecto negativo de rebaixar o trabalho para aliviar a tensão cotidiana
sofrida na escola.
Não é estranho, portanto, encontrarmos, entre o professororado, sentimentos de
indiferença com o trabalho combinados com reduzida realização profissional e exaustão
| 890
emocional. Isso acaba incidindo na ação dos docentes, seja pela desmotivação gerada pelo
pouco (ou nenhum) reconhecimento do seu esforço, seja, também, pelas escassas
respostas que obtêm de seu grupo de estudantes. Trata-se de uma experiência subjetiva,
envolvendo atitudes e sentimentos que acarretam problemas de ordem prática e
emocional.
No caso da Educação Infantil isso é ainda mais verdadeiro, na medida em que o
professorado, nesse nível de educação, vem se deparando com a necessidade de
desempenhar vários papéis, muitas vezes contraditórios, somados à conjunção de diversos
fatores sociais e psicológicos presentes na situação em que exerce a docência,

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principalmente em escolas públicas da periferia urbana. Assim se produz o que Blasé
(ESTEVE, 1999, p.57), chamou de “um ciclo degenerativo da eficácia docente”,
interpretado como mal-estar docente.

Origem do estudo
Ser professora da Educação Infantil é relativamente novo, pois as creches
municipais foram substituídas pelas Escolas de Educação Infantil através do Decreto
4003/1999 do prefeito municipal.
Na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil foi realizada uma pesquisa com
todas as professoras e professores da rede municipal (VIEIRA et.al., 2009) que teve como
objetivo analisar o processo de trabalho docente e a repercussão sobre a saúde de todas
as professoras da rede pública municipal. Esse estudo encontrou serem as professoras da
Educação Infantil as que mais solicitaram licença de saúde, sendo os transtornos
psiquiátricos menores os que aparecem em primeiro lugar como motivo de afastamento.
Nesse sentido, para entender a complexidade do trabalho das professoras dessa
modalidade, realizou-se um novo estudo apenas com as professoras de Educação Infantil
da cidade de Pelotas (VIEIRA, 2012). O estudo indicou que as professoras da Educação
Infantil, em termos de saúde, parecem andar na contramão da ideia de que o trabalho é
um elemento fundamental para fazer com que as pessoas se sintam úteis e importantes –
um sentimento sadio de pertencer e de contribuir para a sociedade. Um novo
estudo (VIEIRA ET.AL.,2012) tem como foco todas as cidades que compõem o polo
regional de Educação Infantil da zona Sul do Estado do Rio Grande do Sul, totalizando
16 cidades: Arroio Grande, Arroio do Padre, Canguçu, Capão do Leão, Cerrito, Herval,
| 891
Cristal, Jaguarão, Morro Redondo, Pedro Osório, Pelotas, Pinheiro Machado, Piratini,
Santana da Boa Vista, São Lourenço do Sul e Turuçu, divididas em microrregiões de
acordo com a localização geográfica.
O trabalho aqui apresentado é parte da pesquisa citada anteriormente (VIEIRA,
2012). A mesma encontra-se em andamento e nesse artigo trazemos alguns resultados a
partir dos dados coletados até o momento. Para o presente artigo, optou-se por apresentar
os resultados parciais de três cidades: Arroio Grande, Jaguarão e Herval. Sobre essas
cidades encontrou-se uma rede de Ensino distante do que é proposto pela Lei de Diretrizes
e Bases (LDB/96) Neste cenário encontraram-se estruturas físicas inadequadas e

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profissionais sem qualificação pedagógica. Nesse sentido, observou-se que as condições
de trabalho na Educação Infantil dessas cidades podem comprometer a saúde das
professoras.

As cidades do Estudo
A cidade de Jaguarão localiza-se no extremo sul do país e faz fronteira com a
cidade Uruguaia de Rio Branco. O município fica às margens do Rio Jaguarão, que liga
os dois países. Sua população estimada é de 30.000 habitantes. A economia é baseada na
pecuária, agricultura com a predominância da cultura de arroz e comércio diversificado.
Possui uma Universidade Federal e duas Instituições Federais de Ensino Médio, a
Rede Estadual é composta de oito escolas e a Rede Municipal de Ensino Fundamental de
sete escolas. Jaguarão conta com sete escolas públicas de Educação Infantil.
Herval localiza-se na região Sudeste e está próxima à fronteira com o Uruguai. O
nome é uma referência à grande quantidade de ervais nativos existentes na região. A
população da cidade é de 6757 habitantes (IBGE, 2010). Possui uma Escola Estadual e
uma Escola Municipal de Ensino Fundamental. No que diz respeito à Educação Infantil,
Herval conta com uma escola, sendo ela uma escola padrão do Governo Federal.
O município de Arroio Grande localiza-se entre as cidades de Herval e Jaguarão
e, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – estima-se que
o número de habitantes seja de 18.368. A economia baseia-se na agricultura, tendo como
principais cultivos arroz e soja e na pecuária destaca-se a criação de bovinos e ovinos.
Arroio Grande conta com seis Escolas Estaduais, três Escolas Municipais de Ensino
Fundamental e três escolas de Educação Infantil.
| 892

Metodologia
A pesquisa da qual faz parte este estudo, se desenvolveu adotando procedimentos
quantitativos e qualitativos. Para este trabalho, utilizamos a dimensão quantitativa. Nessa
medida, atualizamos o banco de dados da pesquisa anterior (VIEIRA ET.AL, 2012) com
informações sociodemográficas, funcionais e médicas das professoras que atuam na
Educação Infantil do município de Pelotas. Aplicamos, nas cidades do estudo, o
instrumento Job Content Questionnaire (JCQ) (KARASEK, 1979), traduzido para o
Português como Questionário sobre Conteúdo do Trabalho.

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A versão utilizada do JCQ é composta de 49 questões que contemplam as
dimensões psicossociais do trabalho: o controle sobre o trabalho e a demanda psicológica
dele advinda. O controle no trabalho refere-se ao uso de habilidades – o grau pelo qual o
trabalho envolve aprendizagem de coisas novas. O desenvolvimento de habilidades
especiais individuais também envolve autoridade de decisão, que abarca a habilidade
individual para a tomada de decisão sobre o próprio trabalho, a influência do grupo de
trabalho e a influência na política gerencial (ARAÚJO, 2003). A demanda psicológica se
refere às exigências psicológicas que o trabalhador enfrenta na realização de seu trabalho.
Envolve pressão do tempo, nível de concentração requerido, interrupção das tarefas e a
necessidade de esperar pelas atividades realizadas por outros trabalhadores.

Resultados
A pesquisa está em andamento, portanto, os resultados aqui apresentados são
preliminares. Nas três cidades deste estudo encontramos os seguintes dados: Na cidade
de Arroio Grande existem três escolas de Educação Infantil nas quais 16 professoras estão
em sala de aula. Em Herval há somente uma Escola de Educação Infantil e 06 professores
exercem a função. No município de Jaguarão existem sete Escolas de Educação Infantil
e 18 professoras trabalham nessas instituições.
Todas as professoras dessas cidades fizeram parte do estudo.. O número de
mulheres representa a maioria absoluta, totalizando 38 no total. A média de idade dessas
mulheres, assim nos referiremos por ser maioria, é de 37 anos e sete meses. Dessas, 18
são casadas, 16 são solteiras e as demais com outras situações conjugais.
Em relação à escolaridade, mais da metade (21) é Pós-graduada, 14 possuem
| 893
Curso Superior Completo, quatro estão possuem o Ensino Superior incompleto uma tem
Ensino Médio Completo.
Referente aos problemas de saúde, sete professoras tiraram licença de saúde no
período de janeiro de 2012 a junho de 2014. Os principais problemas apontados foram:
doenças do aparelho Respiratório, viroses, problemas ósseos, vocais e emocionais. Uma
professora afastou-se por motivo de Licença maternidade.
Em relação aos dados obtidos através do JCQ, no que diz respeito à autoridade
decisória, as professoras quando perguntadas se tinham influência significativa sobre as
decisões tomadas na escola, responderam, em sua maioria 60% e 12,5% (concordo e

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concordo fortemente, respectivamente) que existe participação democrática na escola. As
professoras que discordam ter influência significativa sobre as decisões tomadas na escola
resultam em 27,5%.
Ainda sobre autoridade decisória, a maioria diz que sua escola toma decisões
democráticas, representando 57,5% de professoras que concordam e 22,5% de
professoras que concordam fortemente. No entanto, 20% das professoras ainda não se
sentem incluídas nesse processo, pois elas discordam que são tomadas decisões
democráticas na escola.
Em relação aos aspectos físicos exigidos no trabalho das professoras, 52,5%
discorda que o trabalho exige manter seu corpo, por longos períodos, em posições
fisicamente incomodas. Um percentual de 30% e 5% das professoras concordam com a
afirmação de que o trabalho docente pressupõe manter o corpo em posições incomodas,
isto é, 30 % e 5%, concordam e concordam fortemente, respectivamente, com a
afirmação.
Sobre o suporte social advindo da diretora mais da metade concorda (57,5%) e
concorda fortemente (35%) que a diretora preocupa-se com o bem-estar de suas
professoras e funcionárias. 2,5 % discordam que suas diretoras preocupam-se com seu
bem-estar, enquanto que 5% não responderam a essa afirmação. No que diz respeito ao
suporte social advindo das colegas de trabalho, isto é, se as pessoas com quem trabalham
encorajam umas as outras a trabalharem juntas, as professoras concordam (65%) e
concordam fortemente (27,5%) com essa afirmação, restando 7,5% que discordam que
suas colegas de trabalho são encorajadoras com as outras.
Utilizando o mesmo instrumento, analisamos a demanda psicológica e controle
| 894
sobre o trabalho utilizando o modelo demanda/controle (MDC), elaborado por Karasek
(1979). O modelo é referência para análises relacionadas ao trabalho, E privilegia duas
dimensões psicossociais no trabalho: o controle sobre o trabalho e a demanda psicológica
dele advinda. Partindo da combinação dessas duas dimensões, o modelo distingue
situações de trabalho específicas que, por sua vez, estruturam riscos diferenciados à
saúde.
O Modelo Demanda/Controle (MDC) distingue quatro tipos básicos de
experiências no trabalho, gerados pela interação dos níveis alto e baixo da demanda
psicológica e do controle:• Alta Exigência do trabalho – caracterizado como alta demanda

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e baixo controle;• Trabalho Ativo – alta demanda e alto controle; Trabalho Passivo –
baixa demanda e baixo controle;• Baixa Exigência – combinando baixa demanda e alto
controle

O Modelo Demanda Controle de Karasek (1979) – Figura 1 – indica a necessidade


de traçar duas diagonais: uma – Diagonal A –, que vai do quadrante 3 (Baixa Exigência)
ao quadrante 1 (Alta Exigência), indicando os grupos com riscos de exigência psicológica
e adoecimento psíquico; outra – Diagonal B –, que vai do quadrante 4 (Trabalho Passivo)
até o quadrante 2 (Trabalho Ativo) para encontrar os grupos que apresentam motivação
para desenvolver novos tipos de comportamento no trabalho, portanto, mais protegidos
de adoecimento De acordo com a análise do controle de trabalho e a demanda psicológica | 895

representada pelo modelo demanda controle (MDC), destas três cidades, encontramos os
seguintes resultados:

Arroio Grande:
Nesta cidade, as professoras ocupam destacadamente o Quadrante 1 (alta exigência)
78,6%, enquanto 14,3% ocupam o Quadrante 2 (trabalho ativo) e ainda 7,1%o Quadrante
3 (baixa exigência). Neste caso o percentual da Diagonal A aumenta ainda mais: 85,7%,
um número muito significativo indicando assim, um alto risco de adoecimento e pouca

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possibilidade de desenvolver novos padrões de comportamento. Enquanto que na
Diagonal B apenas 14,3% das professoras encontram motivação para o
desenvolvimento de novos padrões de comportamento.

Herval:
Em Herval, as professoras ocupam 50% do Quadrante 1 – Alta Exigência –,seguido por
33,3% no Quadrante 2 – Trabalho Ativo – e 16,7% no Quadrante 3 – BaixaExigência. O
Quadrante 4 – Trabalho Passivo – não contém nenhum sujeito. Seguindo o modelo, 66,7%
das professoras encontram-se na diagonal A, apresentando risco de adoecimento e pouca
possibilidade de desenvolver novos padrões de comportamento.

| 896

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Jaguarão:
Encontramos em Jaguarão, equilíbrio dos quadrantes 2, 3 e 4 Trabalho Ativo, baixa
exigência e Trabalho Passivo, respectivamente com 21,4% das respondentes inseridas em
cada um dos quadrantes. No quadrante 1 – Alta Exigência, tivemos 35,7% das
respondentes. Obtivemos então, o seguinte quadro: 57,1% em risco de exigência
psicológica e adoecimento psíquico (diagonal A) e 42,8% com motivação para
desenvolver novos tipos de comportamento (diagonal B).

Considerações: uma análise preliminar


A partir da análise dos dados coletados até o momento observamos uma rede
formada quase que totalmente por mulheres, indo ao encontro das estatísticas (VIEIRA
2012) que referem ser a maioria nas escolas de Educação Infantil. Encontrou-se uma rede
qualificada, na qual a maioria possui graduação e pós-graduação. Identificou-se uma rede
| 897
de professoras que consideram sua relação com a direção e com a escola como
democrática, pois referiram que são escutadas e a diretora não possui atitude autoritária,
do total, 22% das professoras não se sentem participativa nas decisões da escola. Em
relação à exigência de força física para a realização constatou-se que metade referiu que
seu trabalho não exige esforço físico, embora tenha se observado nas visitas as escolas
que as professoras que trabalham no berçário passam boa parte do dia com as crianças no
colo.
Sobre o suporte recebido da direção, as respostas corroboram com as anteriores
no que se refere à participação nas decisões da escola e na gestão democrática, entretanto

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as 5% das professoras que responderam que a direção não se importa com o bem estar de
seu grupo de trabalho, podem estar indicando a existência de conflitos dentro da escola.
Quando perguntadas sobre a as relações entre os pares na escola, a maioria
considerou que as colegas são solidárias em relação ao trabalho. Pode-se considerar que
as boas relações entre os pares podem criar vínculos positivos dentro da escola e diminuir
as tensões ocasionadas por divergências.
Nessa primeira análise não encontramos um número expressivo de licenças de
saúde. Assim, podemos inferir como positivas as relações com a direção e com as colegas,
podendo ser um fator de proteção para o adoecimento.
Encontramos diferenças entre o coletado e o observado, pois existem conflitos
entre os pares que não se refletem nas respostas dos questionários, mas que são visíveis
nos discursos informais que as professoras tiveram conosco. Além disso, um dado
importante constado são as condições físicas das escolas; encontramos algumas escolas
em condições precárias as quais precisam de muitas melhorias, no que diz respeito à
estrutura física e material didático disponível,: escolas de difícil acesso, escolas com
espaço apertado para as crianças, pátios pequenos, salas escuras
Em algumas escolas o atendimento as crianças é feito por estagiárias ou
profissionais não habilitadas, o que vai contra as Leis de Diretrizes e Bases para a
Educação Nacional (LDB), que prevê que as professoras de Educação Infantil devem
possuir Licenciatura em Pedagogia.
A LDB coloca a Educação Infantil dentro do debate da escola pública de qualidade
para todos. Nessa perspectiva as professoras são importantes agentes na construção das
Escolas de Educação Infantil – Escolas para as crianças pequenas – que se diferenciam
| 898
das antigas Creches pela sua proposta de conciliar a educação e o cuidado, conforme a
legislação já citada. Para tanto a atuação dessas mulheres possui uma importância, tanto
no que diz respeito a sua pratica educativa e pedagógica quanto a melhoria das condições
de trabalho através das reivindicações junto ao poder público municipal, o que ainda é
uma conquista a ser realizada. Pesquisas nessa área contribuem para dar
visibilidade ao trabalho das professoras da Educação Infantil, ofício que tem sido
analisado e problematizado pela mídia e por políticos que não fazem mais do que jogar a
culpa do fracasso escolar para o colo das professoras, desconhecendo o seu cotidiano
escolar.

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Numa tentativa de finalizar, pode-se dizer que as respostas foram, na sua maioria,
positivas em relação ao seu trabalho. Entretanto, há uma parcela de professoras, que
referiu conflitos e obstáculos pra desempenhar o seu trabalho, principalmente a questões
que remetem a falta de suporte social da diretora e das colegas de trabalho, aspectos que
de acordo a Esteve (1999) podem levar ao adoecimento. Nesse sentido, atentamos para
essas professoras que sinalizam a necessidade de mudanças para melhor atender as
crianças pequenas e, consequentemente, melhorar as condições de seu trabalho, pois
podem influir diretamente na relação do trabalho com a sua saúde.

Referências Bibliográficas

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| 900
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VENZKE, Lourdes Helena Dummer (2004). Professoras das escolas municipais de
Educação Infantil de Pelotas: identidades em construção. Pelotas : UFPel, (Dissertação
de Mestrado).

| 901

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PROFESSORES BACHARÉIS E IDENTIDADE DOCENTE NO
ENSINO SUPERIOR
Maria de Jesus Batista dos Santos
UEPA; marydije@hotmail.com
Emmanuel Ribeiro Cunha
UEPA; emmanuelrcunha@gmail.com

Resumo: O artigo apresenta resultados de pesquisa descritiva, qualitativa que


problematizou a prática dos professores bacharéis de um Curso de Medicina, sobre a ótica
da gestão acadêmica, do período de 2000 a 2012. O objetivo geral da pesquisa foi analisar
a avaliação da gestão acadêmica sobre as práticas de professores-bacharéis. O estudo
utilizou entrevistas semiestruturadas com oito gestores que atuaram no período de 2000
a 2012 e análise documental. Os dados foram sistematizados e analisados mediante às
discussões de Bardin (2011). O referencial teórico se assentou nos debates de Masetto
(1998), (2012), Masetto (org.) (2012), Cunha (2005), Franco (2012), Pimenta (2011) e
(2012), Nóvoa (1992) e (1999), Almeida (2012), Dias, Ramalho, Veiga e Fernandes (org.)
(2009), Veiga (org.) (2012) e Ramalho (2004) que abordam a formação dos professores-
bacharéis. Os resultados apontam que a prática dos professores do Curso e a formação
dos mesmos necessitam ser discutidos além da Coordenação, assim como apontam a
necessidade da construção de um programa de formação continuada na Universidade. A
prática dos professores foi caracterizada como um processo repleto de dúvidas, desafios
e dificuldades, que deve ser analisado pela Instituição e envolvido com a comunidade
acadêmica do Curso.

Palavras-chave: Professores Bacharéis; Ensino Superior; Identidade Docente.

INTRODUÇÃO

A Educação passa por muitos desafios, políticos, econômicos e sociais em todos | 902
os seus segmentos. Diante desta premissa, a Educação Superior também vem sendo algo
de muitas contradições, principalmente ao que concerne sobre o processo de ensino-
aprendizagem nos cursos de graduação.
A formação docente não poderia deixar de ser foco nos debates e discussões
acadêmicas por diversos autores e tema de pesquisas, principalmente nos cursos em que
o corpo docente é formado, basicamente, por bacharéis oriundos de diversas áreas do
conhecimento, como o Curso de Medicina de uma universidade pública, localizada na

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Amazônia brasileira, que foi objeto de pesquisa no período 2011-2013 e será discutido
neste artigo.
A pesquisa considerou os estudos em ensino em saúde, mais especificamente a
formação do médico docente no curso. Costa (2007, p. 3) destaca que: “os professores de
Medicina tendem a encarar com ceticismo ou descaso os aspectos pedagógicos da
docência universitária”.
Essa é uma discussão abordada por Gaeta (2012) que afirma que o processo identitário
está intimamente relacionado ao moral do profissional, sendo ele docente ou médico, o
que remete a discussão para a docência por parte dos profissionais-bacharéis.
É nessa perspectiva de ultrapassar a limitação técnica e estar preocupado muito
mais com o saber viver que a educação superior discute novos olhares no que concerne à
formação dos professores. Nessa linha de debate, destacamos as discussões de Pimenta;
Almeida (2011, p. 19):
Como decorrência da importância do ensino nos cursos de graduação e o
frequente despreparo dos docentes para essa atividade, a formação de
professores para o ensino superior vem ganhando relevância no cenário
mundial. Pesquisas e experiências institucionais têm sido objeto de análise em
congressos científicos.
Nesse sentido, para destacar como esses professores-bacharéis se tornaram
professores do Curso de Medicina e como desenvolvem sua prática docente, foi realizada
pesquisas em 44 dissertações e 17 teses disponíveis no Banco de Teses e Dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, relevante ao
tema. Após a pesquisa, nos assegura informar de que esses profissionais se tornaram
professores sem receber nenhuma formação pedagógica para atuar em sala de aula e
enfatizam a necessidade de mais estudos na área pedagógica, para os docentes das
| 903
instituições de ensino superior. A análise nas pesquisas concluiu que não basta saber o
conteúdo específico da sua área de conhecimento e formação em bacharelado, mas que é
preciso ter domínio de conhecimentos pedagógicos, conhecimentos que não são
adquiridos nos cursos de pós-graduação.
Foi nessa perspectiva que o estudo procurou analisar junto aos gestores
acadêmicos que atuaram e atuam no Curso de Medicina, debater e compreender qual a
percepção dos docentes sobre a sua prática docente no referido curso.
Consideramos que a experiência e a visão dos gestores poderia ser fundamental
para levantar as informações necessárias, por estarem eles, na maior parte do tempo, à

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frente das atividades acadêmicas, o que lhes assegura uma condição especial para
conhecer as práticas docentes.
O estudo realizado teve como objetivos: a) analisar a avaliação da gestão
acadêmica sobre as práticas de professores-bacharéis do Curso de Medicina; b) identificar
as exigências de titulação e experiências pedagógicas para o exercício da docência pelos
professores-bacharéis do curso de Medicina; c) revelar as dificuldades detectadas pela
gestão acadêmica na prática desses profissionais; d) identificar e analisar a política de
formação continuada visando ao aprimoramento da prática desses docentes.
A pesquisa foi qualitativa descritiva tendo como sujeitos 5 (cinco) professores que
desempenharam/desempenham a função de Coordenador do Curso no período de 2000 a
2012, e 3 (três) Pedagogos, que atuam como Assessores Pedagógicos. Para a coleta dos
dados, utilizamos a entrevista semiestruturada e um questionário que teve o objetivo de
levantar o perfil dos informantes do estudo.
O referencial teórico considerou as contribuições de Fernandes (1998) e Cunha (2006)
que discutem sobre a docência no ensino superior; de Masetto (2012) que discute sobre a
formação dos profissionais para atuar no ensino superior, e de Almeida (2012) que se
reporta à preparação pedagógica dos professores para atuação no ensino superior.
Na perspectiva deste artigo os resultados estão sendo apresentados em 3 (três)
seções: a primeira trata da discussão acerca dos professores que são bacharéis que atuam
no ensino superior no Curso de Medicina; a segunda explicita o debate sobre a Identidade
docente e, a terceira evidencia sobre a profissionalização da docência por parte dos
professores-bacharéis.

| 904
1 - PROFESSORES BACHARÉIS NO ENSINO SUPERIOR
A educação superior é foco de muitas discussões, principalmente no que concerne
à formação do professor. Para isso, muitos autores estão na linha de frente desse debate,
como Fernandes (1998), Masetto (1998), Therrien (2012), Behrens (1998), Gaeta (2012),
D’Ávila (2012). A princípio, precisamos entender quem são os profissionais da educação
que atuam no ensino superior. Para Therrien (2012, p. 111-112), esse profissional pode
ser assim destacado:
apresentar o docente como profissional de educação supõe vê-lo como detentor
de três requisitos fundamentais ao exercício de uma profissão na qual se lida
com seres humanos. Esta ótica contempla um sujeito que domina saberes, que

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produz significados, transformando pedagogicamente esses saberes, e que atua
numa práxis regulada pela ética profissional.
O trabalho desse profissional se situa num determinado campo disciplinar de
formação e conhecimento científico onde ele adquiriu o domínio
teórico/prático de conteúdos específicos: o conhecimento/saber da matéria de
ensino. O “saber ensinar”, por sua vez, supõe o domínio de outro campo, o
campo pedagógico, com fundamentação também em conhecimentos e saberes
teóricos e práticos; neste caso, a formação específica necessária é voltada
primordialmente para o domínio da relação intersubjetiva de mediação no
acesso ao saber. O trabalho do educador, profissional de aprendizagem,
decorre de uma dupla competência necessária ao saber ensinar: competência
num determinado campo disciplinar e competência no campo pedagógico.
Nesse caso, o autor nos remete a um novo paradigma na docência no ensino
superior, pois não seria mais necessário somente os conhecimentos referentes à sua
disciplina, ao conteúdo da formação inicial, mas sim um conhecimento voltado à
competência do saber “ensinar”, dos saberes pedagógicos, competência esta que,
teoricamente, é o desafio do professor bacharel, que inicia a carreira docente.
A discussão sobre os novos paradigmas da formação docente parte exatamente do
momento em que o profissional que atua no mercado de trabalho de uma determinada
área do conhecimento passa a integrar o corpo docente das universidades brasileiras.
Behrens (1998, p. 62-63) faz uma análise em relação aos professores que atuam
no ensino superior e que estão inseridos no mercado de trabalho simultaneamente:
Cabe enfatizar que existem docentes que ensinam o que nunca experimentaram
e, nesse caso, não se coloca em questão a competência do professor, mas a
pertinência da proposta a ser desenvolvida com os alunos. Esse fato se torna
desafiador quando o docente está distante do mercado de trabalho e não está
habituado a fazer leitura especializada que traga a produção de conhecimento
moderno para a área em que atua no curso.
Agrava-se a situação quando os professores não têm nenhuma formação
pedagógica. Sua ação docente, normalmente, reflete e reproduz a proposta dos
professores que atuaram em sua formação. Em alguns casos, superam as
dificuldades e tornam-se autodidatas em virtude do interesse e do entusiasmo
que os envolve na docência.
Os profissionais liberais que atuam no mercado de trabalho específico do curso
| 905
que lecionam, nesse caso, dedicam algumas horas ao magistério universitário.
São profissionais que se apresentam na comunidade, por exemplo, como
médicos renomados, advogados conceituados no mundo jurídico, enfermeiros
respeitados nos meios hospitalares, psicólogos e farmacêuticos que souberam,
pela competência, criar espaços na sua área de trabalho, engenheiros que
gestam obras com propriedade, cientistas da informática com habilidades
geniais para construir e fazer funcionar complexos sistemas de computação.
Optam pela docência paralela a sua função de profissionais liberais.
A autora demonstra a preocupação com esses professores, tanto os que possuem
dedicação exclusiva nas universidades e que não vivenciam o mercado de trabalho,
quanto os docentes que atuam no mercado de trabalho liberal, que passam a se dedicar ao

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magistério superior com apenas algumas horas por semana e, consequentemente, sem
possuir formação pedagógica para atuar em tal atividade.
Para Fernandes (1998, p. 103-104), nos anos de 1990 já havia essa preocupação,
mas pouca coisa se escrevia acerca dos profissionais que ingressavam no ensino superior
para atuar na docência. Nesse sentido,
o tema é complexo e tem sido pouco abordado em pesquisas e em seminários
e, ainda, pouco discutido no interior das instituições universitárias. O próprio
critério de ingresso na universidade revela que não há preocupação com a
formação pedagógica do professor universitário. A exigência legal para a
docência é cumprida, ressaltando-se, porém, que ela se restringe à formação
no nível de graduação ou pós-graduação na área específica em que o docente
vai atuar, conforme a categoria funcional em que se dá seu ingresso. O
encaminhamento desses profissionais para o magistério tem sido, na maioria
das vezes, uma situação circunstancial.
A autora enfatiza que há uma grande preocupação em não reduzir a formação
docente a “pendores naturais” ou apenas ao “domínio do conteúdo específico de seu
campo científico” Fernandes (1998, p. 105). Mesmo quando esse professor realiza uma
formação com a orientação do seu departamento, esta não está voltada para a atuação da
docência e sim à sua área específica de conhecimento, ficando secundarizada no meio
acadêmico, não permitindo que esse docente faça reflexões acerca de sua prática em sala
de aula.
Segundo a autora, o debate deve fluir entre as dimensões epistemológicas,
pedagógicas e políticas, sem deixar a desejar em nenhuma área do conhecimento, pois o
professor transita com seus alunos por todas essas áreas para colocar em prática o projeto
de universidade e a formação da cidadania que a educação superior se propõe. Assim,
ainda nas reflexões de Fernandes (1998), o profissional domina e conhece seu conteúdo
da área de conhecimento ao qual foi selecionado para se tornar docente, mas, ao se deparar
| 906
com a discussão teoria e prática junto com seus alunos, se vê diante de outro dilema: o de
saber gerenciar esse conhecimento da melhor forma possível, pois é um excelente
profissional, mas nesse momento – o da sala de aula – o que teoricamente mais importa
para o aluno é o saber docente, o saber do profissional professor.
Nesse aspecto, o debate avançou e atualmente os autores abordam a temática
demonstrando essa afirmativa. Gaeta (2012, p. 37) enfatiza que
o interesse e a preocupação com a formação dos docentes para o ensino
superior têm mobilizado educadores, pesquisadores e os próprios professores.
Constantemente e em números cada vez mais expressivos são publicadas
pesquisas relevantes e artigos específicos sobre o tema. Obras sobre didática
para o ensino superior sofreram significativo aumento de produção tanto no

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Brasil como no exterior. Os congressos nacionais de educação (ANPED –
Associação Nacional de Pesquisa em Educação e Didática e ENDIPE –
Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino) e muitos eventos
internacionais abrem cada vez mais espaços para o debate sobre formação
docente. Dissertações e teses têm sido produzidas tanto na área educacional
como nas de medicina, odontologia, engenharia, direito, entre outras. Discute-
se formação docente a partir de diferentes abordagens, mas em comum as
pesquisas apontam para a clara necessidade de formação, principalmente
pedagógica, para os professores do ensino superior.
O desafio nesse momento é saber como o professor vai compartilhar esse
conhecimento, que não está “solto” no espaço, mas está intimamente relacionado a um
contexto bem maior, como o político, o econômico e o social.
D’Ávila (2012, p. 15-16) também é enfática ao debater sobre os profissionais que
atuam no ensino superior quando faz a seguinte afirmação:
(...) têm sido frequentes estudos no campo da docência universitária,
principalmente provindos de países europeus, como Espanha (Garcia 1999;
Zabalza 2004), Portugal (Nóvoa 2002; Alarcão 1998), e da América do Norte,
como Canadá (Langevin 2007; Gervais e Portelance 2005; Riopel 2006). No
Brasil, não passamos incólumes e, principalmente, do final dos anos 1990 para
cá, essa discussão vem sendo bem aquecida (Cunha 1998; Veiga 2000; Veiga
e Amaral 2005; Pimenta e Anastasiou 2002; Pimenta e Lima 2004). Em muitos
desses estudos, o calcanhar de aquiles tem sido a precariedade da formação
pedagógica dos docentes universitários. Mas, o problema tem situado, via de
regra, na docência universitária daqueles sujeitos que não tiveram formação
inicial ou de pós-graduação na área educacional e pedagógica, ou seja,
docentes provindos principalmente da área das ciências exatas, da natureza e
das ciências médicas. O problema que trazemos é que, mesmo em faculdades
de educação, com professores mestres e doutorados na área educacional, nós
percebemos o quanto os professores e seus alunos parecem se ressentir de
formação pedagógica específica.
As discussões sobre os professores bacharéis que atuam no ensino superior
iniciaram e se estendem nas diversas áreas em que esses profissionais se encontram. Ao
empreendermos o estudo das pesquisas que estão sendo realizadas com a temática dos
professores bacharéis no ensino superior, verificamos que muitas dissertações e teses
| 907
abordam o tema, nas diversas áreas do conhecimento.
Nessa perspectiva, para Bagnato e Monteiro (2006, p. 255), a educação na área da
saúde merece destaque no campo das pesquisas, pois a educação e o ensino têm chamado
a atenção para uma discussão até então pouco reconhecida nos meios acadêmicos, que é
a formação dos professores para formar novos profissionais.
Dessa forma, as autoras destacam que
vários elementos confluem para que os educadores tenham dificuldades e/ou
resistam ao desenvolvimento de práticas pedagógicas nestas perspectivas,
como a lógica de sua formação profissional; as formas de organização da
estrutura dos cursos (geralmente em departamentos), do trabalho docente e dos
currículos nas universidades; a distribuição dos tempos e dos espaços dos

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processos educativos e de produção de conhecimentos; a disputa por recursos
e territórios; as relações de poder e saber, entre outros.
O isolamento de pessoas e conhecimentos que geralmente ocorre sob a égide
disciplinar, dificulta a emergência de novos conhecimentos, bem como a
possibilidade de outras leituras ou inter-relações dos conhecimentos existentes,
confluindo para outros entendimentos, num processo de comunicação
constante entre sujeitos, e entre sujeitos e conhecimentos, levando-se em conta
as condições estruturais.
É importante nesse momento que tenhamos a compreensão do que consideramos
como pedagógico. Libâneo (2010, p. 30), ao falar de pedagógico, afirma que:
o pedagógico refere-se a finalidades da ação educativa, implicando objetivos
sociopolíticos a partir dos quais se estabelecem formas organizativas e
metodológicas da ação educativa. Nesse entendimento, o fenômeno educativo
apresenta-se como expressão de interesses sociais em conflito na sociedade.
Ainda segundo Libâneo (2010, p. 30), a ação educativa tem a ver com educação.
E esta, segundo o mesmo autor, pode ser assim conceituada:
Educação é o conjunto das ações, processos, influências, estruturas, que
intervém no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação
ativa com o meio natural e social, num determinado contexto de relações entre
grupos e classes sociais. É uma prática social que atua na configuração da
existência humana individual e grupal, para realizar nos sujeitos humanos as
características de ‘ser humano’. Numa sociedade em que as relações sociais
baseiam-se em relações de exploração de uns sobre outros, a educação só pode
ter cunho emancipatório, pois a humanização plena implica a transformação
dessas relações.
Sobre a prática pedagógica, Fernandes (1998, p. 106) destaca que a
prática pedagógica aqui compreendida como prática intencional de ensino e
aprendizagem, não reduzida à questão didática ou às metodologias de estudar,
mas articulada à educação como prática social e ao conhecimento como
produção histórica, datada e situada, numa relação dialética entre prática-
teoria, conteúdo-forma.
Assim, a prática pedagógica não pode ser compreendida apenas como execução
da teoria, mas como a construção e reconstrução desta. A formação pedagógica também
perpassa pela concepção de educação que acreditamos. Para ratificar essa concepção,
destacamos Masetto (2012, p. 199), que faz uma análise acerca da formação pedagógica, | 908
ao indagar: “onde e como desenvolver essa formação pedagógica? que é necessária para
docentes do ensino superior, na busca de uma docência universitária com
profissionalismo.” Ou seja, uma formação calcada numa prática pedagógica consistente
que vise instaurar mudanças de paradigmas para a atuação docente.
O autor chama a atenção para os cursos de pós-graduação, stricto sensu, que são
“responsáveis” pela formação dos pesquisadores e docentes para o ensino superior.
Almeida (2012), também faz os seguintes questionamentos: “Como é formado o
professor do ensino superior? Sua preparação dá conta das múltiplas dimensões

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implicadas na sua atuação, como as atividades de produção do conhecimento e também
as atividades de ensino?”
Para dar conta desses questionamentos a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 – LDB
aponta exatamente para os cursos de pós-graduação, conforme foi apontado por Masetto
(2012) e, estando de acordo com o autor, a prioridade é voltada para a pesquisa,
secundarizando o processo de ensino-aprendizagem. Mas, não podemos dizer que nada
está sendo feito, pois, segundo Almeida (2012, p. 64),
os aspectos relativos à preparação pedagógica para o ensino raramente são
parte desses cursos, em que pesem alguns avanços importantes, ainda que
insuficientes, como a disposição de alguns cursos de pós-graduação stricto
sensu de incluir nos seus currículos a disciplina de Metodologia do Ensino
Superior e a criação do estágio de docência, iniciado pela Universidade de São
Paulo (USP) em 1992 e instituído pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) como obrigatório a todos os seus bolsistas
a partir de 1999.
Cunha (2006, p. 20-21) faz a seguinte análise sobre a formação do professor
universitário:
É importante fazer uma reflexão mais rigorosa da formação do professor
universitário. Diferentemente dos outros graus de ensino, esse professor se
constitui, historicamente, tendo como base a profissão paralela que exerce ou
exercia no mundo do trabalho. A ideia de que “quem sabe fazer sabe ensinar”
deu sustentação à lógica do recrutamento dos docentes. Por outro lado, a
Universidade, pela sua condição de legitimadora do conhecimento
profissional, tornou-se tributária de um poder enraizado nas macro-estruturas
sociais do campo do trabalho, dominadas, fundamentalmente, pelas
corporações. A ordem “natural” das coisas encaminhou para a compreensão de
que são os médicos que podem definir currículos de medicina, assim como os
economistas o farão para os cursos de economia, os arquitetos para a
arquitetura e etc. O pedagogo, quando chamado a atuar nesses campos, é um
mero coadjuvante. (...) Muitas vezes, assume apenas a função de dar forma
discursiva ao decidido nas corporações, para que os documentos (planos
curriculares, projetos pedagógicos, processos avaliativos e etc.) transitem em
órgãos oficiais. (grifos da autora).
| 909
A autora justifica essa primazia do conhecimento específico às “ciências exatas e
da natureza, que possuía a condição definidora do conhecimento socialmente legitimado”
(CUNHA, 2006, p. 21).
É nessa perspectiva de educação, enquanto ação pedagógica, que o estudo se
desenvolveu, buscando sempre a formação de opinião de cidadãos e o docente, como
multiplicador de saberes e conhecimentos de uma determinada área do conhecimento.
Com o objetivo de revelar as dificuldades detectadas pela gestão acadêmica na
prática dos professores-bacharéis, fizemos o seguinte questionamento aos gestores,

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coordenadores e pedagogos: “Com a experiência que você possui como gestor (assessor),
que dificuldades tem encontrado ou encontrou no desenvolvimento da prática dos
professores-bacharéis?”.
Diante disso, os gestores revelam duas grandes dificuldades: a falta de
compromisso com o ser professor e a falta de formação pedagógica, ou seja, a primeira
está intimamente relacionada ao processo identitário docente (NÓVOA, 2007).

2 - IDENTIDADE DOCENTE

Para discutir sobre identidade docente, partiremos das falas dos gestores, ao serem
indagados sobre como avaliam as dificuldades encontradas ao longo da atuação em que
estiveram no curso.
Uma das grandes dificuldades encontradas é a falta de identificação do médico
como docente.

O que ouvia muito eram queixas em relação a compromisso, a horário de


alguns professores, a mudanças de horário de aula por conta própria, essas
coisas. E acho a falta de compromisso e até a falta desse entendimento de que
a profissão de professor não é um “passatempo”. Que é um compromisso de
formação, de uma pessoa, de um grupo que tá se formando, que vai ser um
profissional e tem que ter exemplo; e acho que esse exemplo, em alguns,
faltava. (G1)
Na verdade, com a Medicina, a nossa dificuldade é a seguinte: é deixar o
professor na sala de aula, querer que ele fique ali digamos de 14h às 18h. Não
fica: ele chega, ele dá uma excelente aula, mas ele entra correndo e sai
correndo. E talvez pelo corre-corre da vida dele, os meninos acabam se
acostumando. E isso é muito ruim. O professor poderia utilizar melhor o tempo
de aula dele, trocar ideias, jogar mais casos clínicos. Mas a gente precisa
resgatar muito a presença, o ficar do professor na sala de aula, o vivenciar
mesmo as práticas de maneira geral: as práticas, a prática hospitalar, a prática
ambulatorial, as tutorias. Sabe, acho que tem sim a melhorar muito. (G2)
| 910
Concordando com os gestores anteriores, G4 enfatiza que:
Como ele é um técnico específico, ele é médico, na vida prática. A docência
muitas vezes não é específica. Ele não fica só com a docência, ele fica também,
com o desempenho técnico, lá no consultório particular, ou no hospital. E isso
às vezes atrapalha, porque ele deixa um horário, talvez menor, pra docência.
Isso dificulta! Se fosse só docente, talvez, não sei se isso, perderia um
pouquinho da prática técnica. (G4)

Ao ser questionado pela pesquisadora sobre como ele (gestor) percebia essa
dificuldade, mencionou que:
Pelas faltas, pelas ausências de alguns professores no horário de aula, talvez,
pouca importância que às vezes ele dá para a docência, deixando-a um pouco
de lado, ficando muito mais com a parte técnica. (G4)

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O gestor G5 é categórico ao avaliar as dificuldades:
Professor que coloca mil dificuldades. Existem dificuldades, sim, de ser
professor, mas as dificuldades são triplicadas pelo professor. (G5)

Isso demonstra a imensa insatisfação do gestor para com os professores do curso,


pois considera a docência um compromisso com a formação dos futuros médicos, o que
lamentavelmente muitos professores não levam a sério.
Claro que não são todos os gestores que avaliam dessa forma, mas há a
preocupação no sentido do agir profissionalmente, da escolha em ser professor e não
“assumir” esse papel integralmente, ou seja, o que está em jogo é sua consciência em
relação a sua ação. Ação de assumir o compromisso a partir do momento em que ele
adentra o espaço acadêmico, na condição de docente concursado, já que o aluno, a
Instituição, os pares, todos esperam um compromisso desse professor.
E, então, vem mais um questionamento: Será que o professor bacharel não
considera a docência como profissão?
Para P2, a relação professor-aluno, com caráter ético e profissional, também é
destacada:
[...] continuo falando da relação professor-aluno. Essa foi a principal queixa,
principal conflito, solicitação até do próprio professor pra como se lidar, tratar
de determinados casos, situações, problemas que surgiram em sala.
Pouquíssimos foram os casos em que chegaram solicitando ajuda sobre
metodologia, análise numa questão de prova. Chegaram também esses casos,
mas a maioria foi sobre a relação professor-aluno.
De aprendizagem mesmo, é [...] tudo que envolve aprendizagem do aluno e aí
entra a metodologia do professor que gera esse conflito nessa relação, porque,
às vezes, eram queixas de que o professor era muito inflexível, de que o
professor só passava prova, de que o professor não usava outro método. Às
vezes, até reclamação de livro, que não era aberto a outros livros. Quando o
aluno vinha com respostas de outro assunto, outro autor, ele não aceitava | 911
porque não era aquele autor. Há muita inflexibilidade em o professor aceitar
outras [...]. Mas, como falei, hoje a gente já vê a quebra desse ritual e a
mudança tá no sentido positivo. Claro que ainda não ta no ponto exato. (...)
Ainda existe esse tipo de professor na Universidade, mas ainda é uma minoria
pelo que eu vejo. (P2)

Na entrevista com os gestores, estes deixam claro que os professores-bacharéis


preferem suas outras atividades como técnicos, do que à sala de aula, ou seja “o ser
docente”. Pois, muitos docentes possuem cargos na Instituição e atuam como médicos em
outros locais.

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Por que esses profissionais preferem atuar mais como médico a ser professor?
Recorremos a Nóvoa (2007, p. 16) que faz a seguinte indagação acerca do processo
identitário docente:
Como é que cada um se tornou no professor que é hoje? E por quê? De que
forma a acção pedagógica é influenciada pelas características pessoais e pelo
percurso de vida profissional de cada professor? As respostas levar-nos-iam
longe demais. Mas, talvez, valha à pena mencionar brevemente os três AAA
que sustentam o processo identitário dos professores: A de adesão, A de Ação,
A de Autoconsciência.

Assim, segundo o autor, os três As remetem às escolhas pessoais que cada


indivíduo pode fazer ao eleger um caminho profissional a seguir. E isso inclui a adoção
de valores e princípios para atuar com pessoas, ou seja, exige o aderir a um projeto pessoal
ou profissional, que também está ligado ao agir de cada indivíduo, à maneira de ser
pessoal e profissional e na reflexão acerca da profissão docente. Nóvoa (2007). O autor
destaca ainda que:
A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um
produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de
construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado
falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a
maneira como cada um se sente e se diz professor.
A construção de identidades passa sempre por um processo complexo graças
ao qual cada um se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional
(Diamond, 1991). É um processo que necessita de tempo. Um tempo para
refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar mudanças. (p.
16)

Nesse processo identitário, os professores ficam entre o “ser médico e o ser


professor”, como bem destaca um gestor ao avaliar a possibilidade de o médico sair dos
consultórios para atuar somente na docência: ele perderia a “prática” médica. Assim, para
que possamos entender os meandros das ações do médico docente, é importante que
| 912
conheçamos, primeiro, a profissão e sua formação.
É importante que conheçamos o trabalho do médico, pois é a maioria da categoria
profissional que atua no curso como docente; o que de fato acontece para que esses
profissionais não tenham tempo para dar aulas, para assumirem o compromisso docente.

3 - Profissionalização da docência

Os gestores e pedagogos foram enfáticos ao destacar a falta de “profissionalismo”


de alguns docentes com o cumprimento do horário, com o relacionamento professor-
aluno e com o próprio respeito no ato da docência.

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Sobre profissionalização da docência, Ramalho (2004, p. 19-20) destaca que
A discussão em relação à profissionalização docente é hoje uma das
problemáticas centrais para a mudança educativa. O fenômeno traz consigo a
necessidade de uma revisão profunda dos modelos formativos e das políticas
de aperfeiçoamento e fortalecimento da profissão docente. Pensar no professor
como um profissional, trabalhar na perspectiva da docência como profissão,
implica reconhecê-lo como produtor de sua identidade profissional. A
preocupação de se discutir a profissionalização docente e sua identidade
enquanto profissão constitui um desafio teórico e prático, já que a docência
tem características e se desenvolve em situações específicas, o que lhe outorga
uma dada singularidade em relação a outras atividades reconhecidas como
profissão.

Ainda, em Ramalho (2004 apud ENGUITA, 2001, p. 39), é enfatizado que:


A profissionalização é mais que qualificação ou competência, é uma questão
de poder, de autonomia face à sociedade, ao poder político, à comunidade, aos
empregadores; de jurisdição face aos outros grupos profissionais; de poder e
autoridade face ao público e às potenciais reflexões ou grupos ocupacionais
subordinados. Para os professores, uma nova visão de profissionalização se faz
necessária, ao considerar a natureza social e educativa do trabalho. O professor
constrói saberes, competências, não para uma autonomia individualista e
competitiva, ou para um poder autoritário, mas para educar segundo
perspectivas de socialização, de favorecer a inclusão pelo saber, e não a
exclusão.
Assim, profissionalização está intimamente relacionada à autonomia, processo de
aquisição de conhecimentos específicos de uma determinada profissão.
Para o professor, a profissionalização é a construção de saberes, competências
coletivas, políticas, econômicas e sociais com o objetivo da inclusão.
Os depoimentos foram enfáticos sobre a necessidade de uma prática docente mais
comprometida com o pensar, o sentir e o fazer pedagógico na sala de aula. Uma realidade
que muitos professores não possuem nem mesmo tempo para estar nesse espaço que a
autora destaca como espaço de diálogo social. Isso, certamente, é preocupante, pois o
ensino fica comprometido e o diálogo, ferramenta de mudança social, não acontece. | 913
Perrenoud (2002) também discute sobre “profissionalização” e entende que essa
é uma discussão ainda recente, pois, gradualmente, o que era considerado “ofício” está
passando para o que considera formação.
Para Ramalho (2004, p. 38),
a questão da construção de um referencial para se compreender o professor
como profissional é um processo complexo mediado por diversos fatores e
problemas ainda sem resolução. A procura de critérios para uma atividade a
ser considerada como profissional se depara com situações diversas, como a
massificação, a desvalorização, as diferentes inferências dos mais diversos
elementos (pais, Estado, administradores, etc.) ao trabalho do professor,

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natureza social da base de conhecimentos que caracteriza a profissão e leva a
uma autonomia profissional compartilhada com o contexto.

Esse debate vai ao encontro do pensamento de Contreras (2002, p. 31),


enfatizando que:
Uma das razões que torna esse assunto problemático é que a palavra
“profissional”, e suas derivações, embora em princípio pareçam apenas referir-
se às características e qualidades da prática docente, não são sequer expressões
neutras. Escondem em seu bojo opções e visões do mundo, abrigando imagens
que normalmente são vividas como positivas e desejáveis e que é necessário
desvelar se quisermos fazer uma análise que vá além das primeiras impressões.

Assim, a profissão de professor está intimamente relacionada à discussão sobre a


autonomia profissional, o que inclui os aspectos intelectual, social e político
(RAMALHO, 2004).
Imbernón (2000 apud RAMALHO, 2004, p. 50) completa que:
A profissionalização é entendida como o desenvolvimento sistemático da
profissão, fundamentada na prática e na mobilização/atualização de
conhecimentos especializados e no aperfeiçoamento das competências para a
atividade profissional. É um processo e não apenas de racionalização de
conhecimentos, e sim de crescimento na perspectiva do desenvolvimento
profissional. A profissionalização reúne em si todos os atos ou eventos
relacionados direta ou indiretamente para melhorar o desempenho do trabalho
profissional. A profissionalização é um processo socializador de construção
das características da profissão, fundamentada em valores de cooperação entre
os indivíduos e o progresso social.

O autor é mais enfático ao afirmar aquilo que os gestores consideram como


dificuldades e que deve ser urgentemente modificado em relação à prática do professor,
principalmente, no que tange à relação professor-aluno, que muitas vezes é pouco
valorizada pelos docentes, mas que deve ser fundamental no processo de ensino-
aprendizagem, conforme destaca Imbernón (2011, p. 30):
A profissão docente comporta um conhecimento pedagógico específico, um
compromisso ético e moral e a necessidade de dividir a responsabilidade com | 914
outros agentes sociais, já que exerce influência sobre outros seres humanos e,
portanto, não pode nem deve ser uma profissão meramente técnica de
“especialistas infalíveis” que transmitem unicamente conhecimentos
acadêmicos.

Lessard e Tardif (2011, p. 26) contribuem com a discussão acerca da temática


“profissionalização do ensino”, que vem ganhando espaço nos debates, tanto na Europa
quanto na América do Norte. Para os autores, profissionalização é:
Promover uma ética profissional fundamentada no respeito aos alunos e no
cuidado constante de favorecer seu aprendizado; construir com as pesquisas
uma base de conhecimentos ao mesmo tempo rigorosa e eficiente que possa
ser realmente útil na prática; derrubar as divisões que separam os

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pesquisadores e os professores experientes e desenvolver colaboração
frutuosa; valorizar a competência profissional e as práticas inovadoras mais
que as ações realizadas segundo receitas ou decretos; introduzir nos
estabelecimentos escolares uma avaliação do ensino que permita uma melhora
das práticas e dos atores; fortalecer a responsabilidade coletiva dos professores
e favorecer sua participação na gestão da educação; (...) reduzir a burocracia
que desvia, muitas vezes, as reformas a seu favor; introduzir no ensino novos
modelos de carreira favorecendo uma diversificação das tarefas; valorizar o
ensino na opinião pública (...).

Entretanto, o que se observa, segundo os autores, é um afastamento desses


aspectos envolvendo a prática dos profissionais do ensino, pois o que se vê é uma total
desarticulação desses propósitos, como desvalorização profissional, perda da autonomia,
formação ineficiente. Por esse motivo, Lessard e Tardif (2011) consideram que os
professores não possuem uma profissionalização séria, pois se fecham em suas práticas
individuais, o que os levaria ao processo de proletarização.
De certa forma é o que acontece no curso, segundo as falas dos gestores, quando
os professores consideram não ter tempo para dar aula, buscam sua formação de forma
individualizada, apenas para conseguir a titulação para subir uma categoria no plano de
cargos e salários ou mesmo por realização pessoal em determinado campo da pesquisa;
sem levar em consideração todo um processo coletivo de formação e aquisição de novas
experiências para o coletivo ético e social que envolve toda uma nova formação
profissional – os novos médicos.

CONCLUSÕES
Consideramos que muito ainda há de ser discutido, pois o processo de elaboração
do conhecimento é complexo, bem como o tema discutido e os resultados são
desafiadores para a própria Universidade. | 915

Acreditamos que a discussão referente aos professores-bacharéis na Instituição


deve ser feita com mais frequência, uma vez que a UEPA possui muitos cursos cujos
professores, em sua maioria, são bacharéis e, consequentemente, muitos dos profissionais
formados retornam à instituição como professores dos variados cursos.
Compreendemos que a discussão da formação dos professores do ensino superior
ainda é pouco debatida, mas toma maiores proporções na Academia, nos eventos
científicos e nas produções bibliográficas. Isso demonstra preocupação com a formação
do docente das universidades brasileiras.

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Voltamos a afirmar que muitos profissionais se tornam docentes e que nesse
‘tornar-se docente’ levam em consideração as práticas de seus ex-professores, como eles
atuavam na graduação, na Residência. Isto é, os docentes são “espelhos” para outros
profissionais que venham a atuar na área.
Os resultados apontam para uma reflexão interna da formação docente, como bem
avaliam os gestores, e de sua necessidade urgente de transformar as ações isoladas em
uma política institucionalizada de formação continuada para todos os cursos superiores.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria Isabel. Formação do professor do ensino superior: desafios e
políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012. (Coleção docência em formação: Ensino
Superior / coordenação Selma Garrido Pimenta)
BAGNATO, Maria Helena Salgado. MONTEIRO, Maria Inês. Perspectivas
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saúde.<http://www.revista.epsjv.fiocruz.br/upload/revistas/r140.pdf>. Acesso 29 de out.
2012.
BEHRENS, Marilda Aparecida. A formação pedagógica e os desafios do mundo
moderno. In: MASETTO, Marcos (Org.).Docência na universidade. 11. ed. Campinas,
SP: Papirus, 1998. (Coleção Práxis)
CONTRERAS, José. Autonomia de professores. Tradução: Sandra Trabucco
Valenzuela; revisão técnica, apresentação e notas à edição brasileira Selma Garrido
Pimenta. São Paulo: Cortez, 2002.
| 916
CUNHA, Maria Isabel da. A universidade: desafios políticos e epistemológicos. In:___.
(Org.) Pedagogia universitária: energias emancipatórias em tempos neoliberais.
Araraquara, SP: Junqueira & Marin. 2006.
D’ÁVILA, Cristina Maria; SONNEVILE, Jaques. Trilhas percorridas na formação de
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Passos Alencastro. ; D’AVILA, Cristina (Orgs.). Profissão docente: novos sentidos,
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04, 05 e 06 de abril de 2016
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| 918

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PROFESSORES COMO SUJEITOS DE SEU TRABALHO:
CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O SUJEITO E O
TRABALHO.
Juliana Carvalho Guedes179 (Universidade Federal de Santa Maria)
julianacarvalhoguedes@gmail.com
Marcos Britto Corrêa180 (Universidade Federal de Santa Maria)
marcoscorrea.filosofia@gmail.com
Liliana Soares Ferreira181 (Universidade Federal de Santa Maria)
anaililferreira@yahoo.com.br

Resumo: Este texto aborda uma questão fundamental para a educação escolar: entendê-
la como eminentemente social, um modo de sociedade dentro de outra sociedade, maior
e mais complexa, a sociedade capitalista. E, como tal, constituída por sujeitos, em um
movimento do individual para o coletivo. Esses sujeitos na escola se apresentam
conforme sua posição em relação ao conhecimento. Na comunidade escolar dois grupos
destacam-se na realização do trabalho pedagógico, os sujeitos-professores e os sujeitos-
estudantes e, na relação que estabelecem entre si, produzem ou não conhecimento. Neste
contexto, escolheu-se pensar sobre a condição de sujeito dos professores e os impactos
sobre o trabalho pedagógico que realizam, já que cada sujeito se impõe com a sua forma
de ser, parte de princípios e leis culturais os quais estruturam seu espaço e tempo, e o fato
é que tudo tem efeito sobre nós, efeito como instrumentalização para novas elaborações,
novas instituições simbólicas, imaginárias e reais. O objetivo é aprofundar conceitos de
sujeito aplicados ao trabalho pedagógico na escola. Este texto trata-se de um estudo, uma
sistematização de leituras e argumentos já elaborados com o intuito de registrar esses
argumentos e, desse modo, planejar a continuidade de estudos sobre o tema.
Palavras-chave: Sujeito; Professor; Trabalho pedagógico.

INTRODUÇÃO

O texto pretende abordar uma questão fundamental para a educação escolar:


| 919
entendê-la como eminentemente social, um modo de sociedade dentro de outra sociedade,
maior e mais complexa, a sociedade capitalista. E, como tal, constituída por sujeitos, em

179
Acadêmica do Curso de Pedagogia (UFSM) e do Curso de Psicologia (UNIFRA); bolsista
PIBIC/CNPq do Kairós- Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Políticas Públicas e Educação
– UFSM; julianacarvalhoguedes@gmail.com
180
Graduando em Filosofia Licenciatura; Mestrando em Educação no Programa de Pós-graduação em
Educação da UFSM; participante do Kairós- Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Políticas
Públicas e Educação – UFSM; marcoscorrea.filosofia@gmail.com.
181
Doutora em Educação; Professora do Programa de Pós-graduação em Educação e do Mestrado em
Educação Profissional e Tecnológica da UFSM; líder do Kairós- Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Trabalho, Políticas Públicas e Educação – UFSM; Bolsista Produtividade CNPq.
anaililferreira@yahoo.com.br

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um movimento do individual para o coletivo, constituindo-se como tal, sujeitos. Esses
sujeitos na escola se representam em acordo com sua posição em relação ao
conhecimento. A comunidade escolar é composta por sujeitos-professores, sujeitos-
professores-gestores, sujeitos-técnicos em assuntos educacionais, sujeitos-estudantes,
sujeitos-famílias, sujeitos-externos à escola, sujeitos-governantes e tanto mais. Nessa
confluência entre sujeitos, para a realização do trabalho pedagógico, dois grupos
destacam-se, os sujeitos-professores e os sujeitos-estudantes e, na relação que
estabelecem entre si, produzem ou não conhecimento. Para este texto, escolheu-se pensar
sobre a condição de sujeito dos professores e os impactos sobre o trabalho pedagógico
que realizam.
Pode-se pensar a condição de sujeitos, considerando as apropriações subjetivas
feitas ao longo da vida e que passam a reger, assim como se faz relevante a vigência
simbólica e jurídica de razão já constituída ou instituída no sentido da pré-existência em
relação a nós. O fato é que tudo tem efeito sobre o que se é, efeito como
instrumentalização para novas elaborações, novas instituições simbólicas, imaginárias e
reais. Então, por que não dizer que viver é propor uma nova elaboração do mundo, ou
seja, uma elaboração singular da estrutura social? Cada sujeito se impõe com a sua forma
de ser, parte de princípios e leis culturais os quais estruturam seu espaço e tempo, e é
nesta realidade que buscam formas de se representar. Sim, pois até os imperativos da lei
jurídica sofrem negligências na interioridade de cada ser, talvez, por isso, alguns aceitem
ou neguem as leis mais que outros, e isto permite pensar sobre as diferentes racionalidades
que se estabelecem.
Este texto, nessa perspectiva, objetiva refletir sobre os sentidos de sujeito quando
| 920
se aborda sobre o trabalho pedagógico, que, se entende, é o trabalho dos professores e
este é pedagógico por excelência. Para tanto, estar-se-á estabelecendo um diálogo com
autores da Pedagogia e da Psicologia, em uma sequência que, imbricada, visa a expor
sistematizações quanto à concepção de sujeito, à relação sujeito e trabalho, e ao trabalho
pedagógico, como trabalho específico de professores entendidos como sujeitos em
interação. Para tanto, realizou-se estudo de natureza qualitativa, aplicando técnicas de
pesquisa bibliográfica, sistematização e análise de conteúdo. Resultaram argumentos
abaixo esboçados com o intuito de responder a uma questão que intriga: de qual sujeito
se fala quando se refere aos professores, em seu trabalho pedagógico?

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O QUE É O SUJEITO?

Essa é a pergunta que tem orientado nosso trabalho. Tem-se discutido o trabalho
dos professores, tratando-os como sujeitos. Porém, o que se diz quando se afirma que os
professores são ou deveriam ser “sujeitos do seu trabalho”. O que é um sujeito e o que o
diferencia, semanticamente, e a partir daí com todas as implicações decorrentes, de um
indivíduo ou de um ser humano. Entende-se, primeiramente, que a diferença básica não
está no ser em si, mas na sua relação com o entorno. Inicia-se, portanto, por afirmar que
se entende que o sujeito o é ou não é por sua pertença à cultura.

Como um indivíduo só existe como um ser social, como um membro


de algum grupo social em cujo contexto ele segue a estrada do
desenvolvimento histórico, a composição de sua personalidade e a
estrutura de seu comportamento reveste-se de um caráter dependente da
evolução social cujos aspectos principais são determinados pelo grupo.
(VIGOTSKY, 1930, p. 02)

Há implícita nessa afirmação uma pertença social também, já que a cultura se


produz no social. Então, todo sujeito se constitui cultural e socialmente. Acontece que a
cultura e a sociedade se modificam no tempo e no espaço. Vive-se um tempo que alguns
chamam de pós-moderno, outros de neomoderno, ultramoderno, etc. prefere-se
denominá-lo contemporâneo, pois se acredita manterem-se aspectos da modernidade e,
ao mesmo tempo, o Brasil, lugar onde se vive, ainda não suplantou em suas características
sociais a modernidade: por exemplo, há uma dificuldade em lidar com os valores da
Modernidade, quais sejam: a democracia, o progresso, o desenvolvimento, as
metanarrativas. Assim, falar em sujeito, significa falar em sujeito moderno, também. Na
tentativa de expressar uma concepção de cultura escolar, para além do que denomina | 921
“transposição didática” e entendendo que toda cultura é produção humana, Forquin
descreve o sujeito moderno, com base em literatura francesa da época: “[...] não é mais o
homem que sofre a ruptura entre o passado e o presente, ente o antes e o depois, mas o
homem que carrega em si mesmo a ruptura como o objeto mesmo de sua vontade”
(FORQUIN, 1993, p. 18). O sujeito moderno, então, pauta-se por sua subjetividade (esse
aspecto será abordado na seção seguinte), por seu desejo, enquanto se relaciona com o
mundo externo.

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Contudo, devemos reforçar que o sujeito não é um “local” onde se representam os
condicionantes históricos-sociais, determinando consequentemente seus desejos e seu
agir. No sentido de superar esta concepção de ser humano, é preciso defini-lo por aquilo
que produz enquanto práxis em um tempo-espaço determinados. Marx em “A Ideologia
Alemã” descreve o sentido em que o sujeito se constitui em indivíduo, isto é, em uma
unidade singular, porém participante da humanidade em geral:

"Os indivíduos partiram sempre de si mesmos, mas, naturalmente, de si


mesmos no interior de condições e relações históricas dadas, e não do
indivíduo "puro" no sentido dos ideológicos. Mas no decorrer do
desenvolvimento histórico, e justamente devido a inevitável
automatização das relações sociais no interior da divisão do trabalho
surge uma divisão da vida de cada indivíduo, na medida em que há uma
diferença entre sua vida enquanto subsumida a um ramo qualquer do
trabalho e as condições a ele correspondente." (MARX, 2007, p. 64)

Essa vida subsumida na divisão do trabalho afeta sobretudo a capacidade o sujeito


produzir sua práxis intencional e assim interferir, conscientemente, em seu trabalho.
Segue o autor agora a fazer um contraponto entre a divisão do trabalho e uma sociedade
sem classes, onde a consciência intencional sobre o trabalho seria característica:

"Ao contrário com a coletividade dos proletários revolucionários, que


tomam sob seu controle as condições de existência e as de todos os
membros da sociedade dá-se exatamente o inverso: nela os indivíduos
participam como indivíduos. É precisamente essas associações de
indivíduos que coloca sob seu controle as condições do livre
desenvolvimento e do movimento dos indivíduos." (Ibid, 2007, p. 64)

| 922
Ao propor uma diferença dos indivíduos “puros no sentido dos ideológicos”, onde
se pode vincular ao sujeito certas características como que em uma base fixa; Marx
qualifica o sujeito como produto e produtor de sua realidade efetiva. Esta concepção
reconhece o desejo como uma construção histórica que determinada pelos sujeitos
determina também dialeticamente este.
Poder-se-ia, desse modo, afirmar, com a Psicanálise de Freud, que há um “sujeito
do desejo e com a filosofia de Kant, que há um “sujeito da razão”. Quanto ao primeiro,
ser sujeito, conforme depreende-se da Psicanálise, é estar perpassado pelo desejo, o qual
se constitui na e pela linguagem, no e pelo (O)outro. Desejo que designa, entre outros

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aspectos, os caminhos pela qual se busca a satisfação. Esta possível satisfação é o
resultado da produção na historicidade do eu em ação. É a representação desse eu. E em
termos de ideais, é a vivência contínua com e para a obtenção do prazer. “O que revela a
própria conduta dos homens acerca da finalidade e intenção de sua vida, o que pedem eles
da vida e desejam nela alcançar? É difícil não acertar a resposta: eles buscam a felicidade,
querem se tornar e permanecer felizes. “ (FREUD, 2014, p. 19)
Isto é a vida, ou o ideal de uma possibilidade. Tratam-se de determinações que
não se fundam na consciência do sujeito, ou seja, ninguém opta em desejar ou não, todos
desejam algo, de alguma forma possuem ímpetos que desconhecem, porém com desfrute.
Este é o ser em si, só. Na solidão permaneceria inócuo, sem sentido, muito embora a
cultura não permita seu abandono. Sempre se é alguém. Porém, ainda não se possui a
garantia de se representar no mundo, eis o valor fundamental do trabalho para o sujeito.
Esta é sua forma de garantir sua sobrevivência, produzir história e se representar
socialmente.

O SUJEITO E O TRABALHO

Para pensar sobre o tema do trabalho é interessante compreender com maior


atenção o conceito de práxis e, portanto, sua relação com o trabalho. Ao tratar sobre o que
ele chama de uma Filosofia da Práxis, Vázquez (2011), caracteriza o agir humano, no
sentido de constituir sua existência em um ato que “é violação constante da natureza”
(Ibid, 2011, p. 374). Ou seja, seguindo as palavras de Marx, com auxílio de Vázquez,
percebemos que aquilo que vai se constituindo como realidade humana, pressupõe antes,
a ação do ser humano no mundo. Ação que transformando a natureza, transforma também
o homem. Para Marx, no Manuscritos de 1844: | 923

E como tudo o que é natural tem de começar, assim também o homem


tem como seu ato de gênese a história, que é, porém, para ele, uma
[história] sabida e, por isso, enquanto ato de gênese com consciência, é
ato de que se suprassume. A história é a verdadeira história natural do
homem. (MARX, 2010, p. 128)

A práxis, portanto, é efetivada de modo a ser gênese consciente do ser humano,


ou seja, agir consciente em vista de um fim. Neste sentido o Materialismo Histórico
Dialético utiliza o “termo práxis para designar a atividade consciente e objetiva, sem que,
no entanto, seja concebida com o caráter estritamente utilitário” (VÁZQUEZ, 2011, p.

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30). Compreendemos que a realidade humana, enquanto ser genérico que age sobre o
mundo constituindo-se efetivamente é o que fundamentalmente Marx evidencia nos
Manuscritos de 1844. Neste texto de sua juventude temos o pressuposto para construir
uma reflexão acerca da relação entre sujeito e trabalho, sendo mais uma vez importante a
contribuição de Vázquez (2011) para a compreensão acerca dessa “essência” humana
fundamentada na práxis. A partir dessa concepção de práxis como condição de o ser
humano produzir sua realidade temos um contexto presente que em grande medida subtrai
a condição de intencionalidade nesta ação; isto é: partindo da realidade concreta atual do
nosso sistema econômico, temos o Capitalismo como forma hegemônica de produção,
assim, não há neste sistema um trabalho que se realiza intencionalmente em vista de um
fim pelo trabalhador, portanto, não é práxis intencional, mas sim alienação desta essência
humana no seio da divisão do trabalho:

Como trabalho é a essência do homem, essa essência só se realiza como


alienada ou negada nas relações concretas reais que os homens mantêm
com seus produtos, com sua própria atividade e com os outros homens
(os não trabalhadores) na produção. (Ibid, 2011, p. 406)

Em cada período histórico, os valores e as tendências engendram o discurso social


vigente, o qual oferece bases de sustentação normalmente imperativas à constituição
subjetiva, delineando, psicanaliticamente, o sintoma do sujeito. Em referência ao papel
do discurso social na determinação do sintoma, Alfredo Jerusalinski descreve:

[...] o sintoma não é mais do que o ponto de articulação entre o discurso


social e o sujeito, no qual o sujeito tenta criar uma forma legítima de
gozar, uma forma legítima de usufruto. Ou seja, uma forma de poder
desfrutar de sua presença no mundo. Legítima no sentido de encontrar
um modo em que essa formação inconsciente seja aceita pelo conjunto | 924
social, pelos seus semelhantes. (2000.p.46)

Portanto, é crível que não se seja máquinas, há algo de subjetivo nas ações que se
pratica, ou talvez, seja este algo o grande responsável por essas ações. Mas, o que se faz
sintoma na atualidade, ou então, o que “toma” o sujeito na contemporaneidade? Podem
ser os fatos históricos e suas consequências que delineiam formas e características de uma
época, de um tempo, ou ainda, de um momento, já que as mudanças ocorrem mais
rapidamente na atualidade.

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Assim, cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em
permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias
que ligam outras pessoas, assim como todas as demais, direta ou
indiretamente, são elos nas cadeias que a prendem. Essas cadeias não são
visíveis e tangíveis como grilhões de ferro. São mais elásticas, mais
variáveis, mais mutáveis, porém não menos reais, e decerto não menos
fortes. E é essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em
relação as outras, a ela e nada mais, que chamamos sociedade. (ELIAS,
1994, p. 23)

Nesse sentido, um indivíduo torna-se sujeito na medida em que aceita e ocupa seu
lugar social. Ou seja, na relação entre o eu e a “ordem”, a moral, as leis. De todo,
representar-se é poder ser aquilo que se constitui no decorrer das relações, na apropriação
da realidade naturalmente peculiar em uma determina época ou período, sendo esta
peculiaridade somente possível nos trâmites da cultura.

O trabalho é, então, um modo de o sujeito produzir cultura, socializar-se, ou seja,


autoproduzir-se. Entende-se que, pelo trabalho, o ser humano se autoproduz e se
desenvolve livre:
O desenvolvimento da liberdade está, pois, ligado ao desenvolvimento
do homem como ser prático, transformador ou criador, isto é, está
vinculado ao processo de produção de um mundo humano ou
humanizado, que transcende o mundo dado, natural, bem como ao
processo de autoprodução do ser humano que constitui precisamente a
sua história (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1977, pp. 129-130).

Como dito anteriormente, paradoxalmente, a maneira como o trabalho se


apresenta na contemporaneidade é uma afronta à condição de sujeito, tendo em vista o
imperativo da qualidade, essa concepção representativa do ideário neoliberal, sobre a
natureza do trabalho que deve ser desenvolvido e sobre, em decorrência, o trabalhador,
| 925
que, nesse âmbito, deve ser sempre competente. Percebe-se, nesse contexto, a exclusão
de características básicas a qualquer sujeito, sendo as mais relevantes e humanas, a
condição de desejo, de sonho, ou ainda, a necessidade de evoluir, pertencer e se
autoproduzir, através do que produz. Então, qualquer sujeito, independentemente do
emprego e cargo que ocupa, sem muito esforço, consegue perceber sua condição
desejante, que se mostra através do ímpeto por mudanças, por resultados e resulta na
aposta incondicional no trabalho que está sendo realizado. Neste caso, os proprietários
dos meios de produção e da força de trabalho ou simplesmente aqueles que são “classe
que não vive do trabalho” (ANTUNES, 2005) e altos escalões encontram-se em

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vantagem, pois desfrutam de uma autonomia maior na operacionalização de suas
atividades, determinando uma descarga psíquica decorrente dos anseios e desejos que
lhes estão impregnados. Em outras palavras, deve-se dizer que, em ambientes ou tarefas
em que prevalece a possibilidade de criatividade, naturalmente o bem-estar será maior.
Se não for, convoca-se um dos integrantes da “classe que não vive do trabalho”
(ANTUNES, 2005) para o trabalho operacional por alguns dias, a título de exemplo.
Imagina-se que realizará um bom trabalho, porém com desprendimento psíquico maior,
ou então exercerá a função impondo o princípio que lhe toma, ou seja, o da flexibilidade
e liberdade de pensamento que perpassa sua função de origem. Imagina-se que na
operacionalização de uma máquina prevalecem as metas e a qualidade, portanto esta é
uma imposição de “fora”, que não obedece a princípios do sujeito, apenas ao mercado. O
trabalhador, nesta perspectiva, é uma máquina cujo motor é o mercado e o regulador são
as políticas de gestão da empresa. São raras as condições estabelecidas por trabalhadores
para que seu trabalho se realize. A liberdade ofertada normalmente vem acompanhada
com os limites até onde pode se chegar, sejam estes de ordem externa (mercado) ou
gerencial. Nesse mundo do trabalho, o que se oferece para as pessoas é o não desemprego,
pois, embora não seja regra, admite-se a possibilidade do trabalho não mais ser uma fonte
de satisfação interna, apenas o caminho para se ganhar a vida. Naturalmente, aqueles que
detêm os meios de produção do seu trabalho irão encontrar formas de satisfação interior.
É o caso do artesão, do poeta, do artista, enfim das formas de trabalho em que o sujeito
organiza e gerencia sua produção.
É por isso que o trabalho visa a ser uma categoria necessária para justificar o
desejo. O trabalho do sujeito permite fazer eco a subjetividade como forma de anunciá-la
| 926
no social em busca de reconhecimento. Mesmo nos dias atuais, em que tantos defendem
o fim do trabalho como categoria central de explicação do social, o trabalho é fonte de
satisfação e esta intimamente ligada à questão da saúde. Saúde mental relacionada ao
trabalho é simplesmente o valor que se confere ao trabalho. Um valor que não é moeda
e, sim, bem-estar, sendo este uma determinação subjetiva que não significa se sentir bem
apenas. Trata-se de uma condição em que o agir viabiliza a realização do desejo, ou seja,
a satisfação através de um sentimento prazeroso que se trata da liberação da energia
psíquica que ordena a busca pelo prazer. O trabalho permite encontrar em espaço onde a
energia pulsional seja traduzida em arte, em obra, em produto que, por assim ser,

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configura o valor subjetivo do trabalho. Pelo trabalho, enfim, se toma o social de modo
particular, ou seja, se oferece de alguma forma sentido a ele, a partir do que constitui tudo
aquilo que se julga ou incorpora como importante para realizar o eu ideal. Cada um da
sua forma. Então, no momento em que se chega em um local de trabalho, será estabelecida
uma relação com o meio, com os outros sujeitos, que poderá ou não apresentar
viabilidade. Daí, decorrem conflitos, mal-estares, não realizações. Esses são os impactos
dos sujeitos no mundo.
Alan Vanier comenta no trecho abaixo, utilizando de Lacan e Marx, a respeito do objeto
na contemporaneidade:

O sujeito vai assim de objeto em objeto, de significante em significante,


já que esses objetos só valem por sua captura no campo significante.
Porém, remetem ao que foi inicialmente perdido, o gozo, ao qual o
sujeito renunciou, do qual ninguém usufrui: o que não quer dizer que o
sujeito não vá, imaginariamente, atribuir a um outro este gozo do qual
ele se sente despossuído.

O objeto não é mais resultado do trabalho humano, de sua arte, de seus anseios.
Na contemporaneidade, é o objeto que organiza o trabalho e as relações de produção. A
Pedagogia tradicional possui participação direta na cultura de valorização do objeto, pois
passa de um trabalho pedagógico com ênfase no sujeito para a ênfase no objeto. Um
objeto que representa o saber, o que lhe confere o poder de organizar um currículo, de
articular os caminhos a serem seguidos. Vê-se que o que se lança é um discurso de ideal,
de algo a ser descoberto, ou, em outras palavras, o que rege o social é a busca pela
compreensão do objeto que contempla a verdade sobre o mundo. Não é o ser humano que
possui a saída para os problemas, e sim, o objeto. O saber depende do objeto, isto é, é ele
| 927
que revela a verdade, sendo que atrás desta verdade todos nós necessitamos correr. O
objeto escolhido define o que é para saber. Desta forma não há nenhuma relação entre o
artesão e o aprendiz já que a relação fundamental é de cada um com seu objeto. Os
professores não são mais que um meio, enquanto o estudante entra a formar parte da
categoria de instrumento:

[...] Mas o que interessa em tudo isso é esse deslocamento que se produz
da importância do sujeito como transmissor de um saber, para esse lugar
do objeto como detentor de um saber e que, então, obriga o conjunto
dos sujeitos, dos indivíduos, a acoplar-se às novas formas de trabalho.
(JERUSALINSKI, 2000, p. 42)

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Vale dizer, a Pedagogia tradicional tira o sujeito de sua convivência, na família, acomoda-
o na escola, esse lugar socialmente reservado ao conhecimento, e lhe mostra que conhecer
significa lidar com um objeto que lhe é externo, à escola e a si, tornando a produção do
conhecimento também um trabalho, o que antes era um modo de participar do cotidiano.

O TRABALHO PEDAGÓGICO COMO TRANSCENDÊNCIA DO SUJEITO DO


INDIVIDUAL PARA O COLETIVO.
É nesse contexto que surge o trabalho pedagógico, um trabalho realizado para a
produção do conhecimento, pelo qual se amalgamam trabalho e educação, resultando em
uma produção que pode ser assim descrita:

[…] o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo


singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um
lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser
assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem
humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas
mais adequadas para atingir esse objetivo. (SAVIANI, 2003, p. 13)

Com base nessa argumentação, pode-se apresentar a compreensão de trabalho


pedagógico. Trabalho pedagógico, entendido como o trabalho dos professores na escola,
portanto, práxis pedagógica que é a essência do trabalho profissional dos professores e,
nessa perspectiva, torna-se científica, por isso, metódica, sistemática, hermeneuticamente
elaborada e teoricamente sustentada. Pode se dizer uma práxis pedagógica, então, uma
práxis social, porque “[...] socialmente elaborada e organizada conforme
intencionalidades, conhecimentos” (FERREIRA, 2008, p.184). Em todo trabalho
pedagógico há um objetivo a atingir: produzir educação o que implica produzir
conhecimento. Educação é constitutiva do humano, uma perspectiva ontológica do | 928

humano, e, nesse aspecto, é indissociável do trabalho. Educação e trabalho, portanto,


fazem o humano e permitem atingir a condição de sujeito:

A educação se define por uma forma particular de trabalho, o trabalho


não-material, mas isso não significa que seus métodos de ensino devam
ter, obrigatoriamente, a mesma natureza, senão pelo contrário, o
trabalho material, concreto e socialmente útil deve ser o ponto de
partida dos processos educativos como trabalho não-material. Nesta
concepção, além do produto do trabalho não ser material
(conhecimento), o produto da atividade não se separa do ato de sua
produção, no qual o ser humano atribui um valor de uso particular que

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é imediatamente consumido concomitantemente à sua produção.
(FRIZZO, FERREIRA, RIBAS, 2013, p. 557).

Ao realizar seu trabalho, os professores, investidos da condição de sujeitos, estão


se (auto)produzindo como seres, dimensionados histórica e socialmente, e agindo como
trabalhadores, seres humanos e sujeitos. O trabalho, como já mencionado, que é a
produção da aula e, nela, a produção do conhecimento, junto com outros sujeitos, o que
inclui também participar em toda as interações que integram os tempos e espaços da
escola, de modo político e profissional, lhe permite elaborar um tempo e um lugar de
trabalhadores, de onde pode advir satisfação:

Supomos que a busca de satisfação ocorra permanentemente na vida do


indivíduo, da infância à velhice; assim, também nas relações de
trabalho, onde o sujeito busca inserir-se no mundo cultural e conviver
com outras pessoas torna-se lugar do encontro entre o desejo e a
angústia. Isto é, a busca pela vivência de satisfação e o sofrimento. O
sujeito em questão é o sujeito de desejo e sofrimento. (BERTÃO &
HASHIMOTO, 2006, p. 149)

Assim entendido, é no trabalho que o ser humano se autoproduz, porque cria, em


função de seu desejo e, ao mesmo tempo, diminui a angústia de permanecer no anonimato.
Então, pode se pensar o trabalho como a manifestação de um desejo e de uma necessidade,
pois o que ele representa é a condição de cada sujeito, agora inserido em uma produção,
em algo que o constitui por seu desejo, que passa a ser socializado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações aqui apresentadas sobre a relação entre sujeito e trabalho
formam uma aproximação inicial desta temática. Dado a complexidade e as
possibilidades de abordagem sobre o tema, consideramos este texto como um produto | 929
introdutório nestes estudos a fim de subsidiar maiores incursões futuras. Neste mesmo
sentido a relação entre o trabalho dos professores como processo para efetivação
consciente de seu trabalho pedagógico é fruto, pois, de determinadas condições histórico
sociais produzidas por pessoas em determinadas classes; este fato, por sua vez implica
diretamente na formação destes sujeitos no contexto do trabalho nas escolas.
Os sujeitos concretos, isto é, professoras e professores; seus desejos e
principalmente, seus discursos sobre o trabalho que desempenham configuram um campo
fértil para a análise das reais condições que determinam a Educação no país. São, sem

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dúvida, o ponto de partida para a compreensão acerca dos sentidos que possibilitam ou
não, o trabalho pedagógico consciente por parte de professoras e professores em escolas
e espaços de educação.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho – Ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho. 7ª reimpressão. São Paulo: Boitempo Editorial. 2005
BERTÃO, F. R. B. M; HASHIMOTO, F.”Entre o desejo e o sofrimento psíquico no
trabalho: um estudo de caso com professora de educação infantil”. In: Psicologia em
Revista, Belo Horizonte, v. 12, n. 20, p. 141-163, dez. 2006
ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Zahar. v. 1., 1994.
FERREIRA, L. S. “Gestão do pedagógico: de qual pedagógico se fala?” In: Currículo sem
Fronteiras, v.8, n.2, pp.176-189, Jul/Dez 2008.

FORQUIN, J.C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento


escolar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993.
FRIZZO, G. F. E; RIBAS, J. F. M; FERREIRA, L. S. “A relação trabalho-educação na
organização do trabalho pedagógico da escola capitalista”. In Educação, v. 38, n. 03,
set./dez/2013. pp. 553-564. (http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-
2.2.2/index.php/reveducacao/article/view/8987, acessado em 21 de dezembro de 2014).

FREUD, S. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo, Companhia das Letras, 1ª. Edição,
2011.
JERUSALINSKY, A.; MERLO, A. C; GIONGO, A. L. (orgs). O valor simbólico do
trabalho e o sujeito contemporâneo. Porto Alegre, Artes e Ofícios, 2000.
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, A. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2ª. Edição,
1977.
| 930
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8. ed. Campinas:
Autores Associados, 2003.
VYGOTSKY, L. S. “A transformação socialista do homem”. 1930, p. 02 IN:
http://marxists.anu.edu.au/portugues/vygotsky/1930/mes/transformacao.htm (acessado em 23
de maio de 2015).
VANIER, A. “O Sintoma Social” Ágora (Rio J.) vol.5 no.2 Rio de
Janeiro July./Dec. 2002.IN:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1
516-14982002000200001 - not (acessado em 10 de fevereiro de 2016).

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PROFESSORAS/MONITORAS DE UMA ESCOLA PÚBLICA
DE MACEIÓ/AL: PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E
PROFISSIONAL

Manuella Souza de Oliveira Pereira - UFAL


(manuellajr@gmail.com)
Laura Cristina Vieira Pizzi - UFAL
(lcvpizzi@hotmail.com)

RESUMO
Este artigo é resultado de uma pesquisa que trata sobre o trabalho docente precário, utilizando de
narrativas de professoras-monitoras de uma escola estadual do 1º ao 5º ano situada no município
de Maceió/AL. O objetivo desse texto é debater especificamente o tema das professoras
contratadas na forma de Monitoras, em um contexto político neoliberal e de reestruturação
produtiva, intensificada a partir dos anos 90 no Brasil. Nosso foco foi analisar o impacto causado
na profissão docente e na qualidade do ensino das professoras-Monitoras participantes da
pesquisa, com esse tipo de contratação temporária, uma estratégia utilizada pelo governo estadual
de Alagoas para suprir a carência de docentes nas escolas públicas estaduais. A restruturação
produtiva, incluindo suas mazelas, tais como subemprego, terceirizações, desemprego e contrato
temporário predominaram no país a partir desse período. No caso da educação pública do Estado
de Alagoas, se configuraram na contratação das Monitoras, afetando seu desempenho e sua
inserção profissional no espaço escolar onde atuam.

Palavras-chave: Professoras-Monitora; Trabalho Docente; Precarização

Reestruturação produtiva, neoliberalismo e educação

A reestruturação produtiva iniciada no Brasil no contexto de uma crise global do


capital, desencadeou um processo de desvalorização do trabalho e de suas formas de luta
coletiva. No entanto, como afirmam Neves e Almeida (2001), no “decorrer do processo
histórico da sociedade capitalista, sempre existiram em maior ou menor grau, a exclusão | 931

social, a desigualdade social e o desemprego” (NEVES ALMEIDA, 2001, p.58). Neste


sentido Antunes (2001) alude que nos anos 70, ocorreu uma manifestação crítica do
capitalismo.
A reestruturação produtiva do final século XX teve como principal foco a questão
do trabalho, colocando os temas do emprego, subemprego e desemprego como centrais.
Essas formas de valorização da produtividade com base na acumulação de capital,
desvaloriza os direitos dos trabalhadores, pois só tendem a priorizar a acumulação de bens
dos empregadores, sem levar em conta os direitos e a qualidade de vida do trabalhador.

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“[...] a reestruturação produtiva do capital afeta irremediavelmente a questão do trabalho
e em particular a questão do emprego” (ANTUNES, 2001, p.38).
A reestruturação produtiva é iniciada em um contexto de recessão econômica e
vem produzindo a crescente precarização do trabalho e de implantação de políticas
neoliberais que visam favorecer o processo produtivo. O desemprego no âmbito do senso
comum tende a ser visto como algo natural e não como consequência de políticas
neoliberais, pois há uma conformidade por parte da sociedade. “O conformismo da
sociedade e o acatamento das explicações dadas pelo discurso oficial, como o desemprego
existe no mundo inteiro [...] irão alimentar a lógica da destruição de postos de trabalho”.
(HORTA, 2001, p.16).

O fato de o desemprego ser visto com tanta naturalidade termina por


fortalecer as condições de sua permanência e do conformismo diante de
suas consequências, em termos de perda da qualidade da vida, da
dignidade dos trabalhadores e até da sua cidadania (HORTA, 2001,
p.15).

O desemprego institucionalizado é fortemente reforçado pelo neoliberalismo,


flexibilizando assim o trabalho. Os trabalhadores assalariados são os que mais sofrem
com essa política neoliberal no contexto da reestruturação produtiva, fazendo com que
muitos trabalhadores desempregados procurem o trabalho do setor informal
(subemprego) para sua sobrevivência.

Ao tentar se estabelecer na economia informal, o desempregado perde


substancialmente na sua cidadania e na sua dignidade, pois aqui são
maiores as dificuldades para que ele se constitua como sujeito coletivo,
através, por exemplo, de uma vida sindical organizada. Uma vida
associativa institucionalizada é importante para se obter um lugar no | 932
sistema, para se obterem direitos e condições satisfatórias para o
exercício de seu trabalho (HORTA, 2001, p.15).

Com o neoliberalismo, o Estado desobriga-se da responsabilidade no que diz


respeito ao desemprego, pois “[...] o plano neoliberal de refundação do Estado brasileiro
incorporou um ataque generalizado à lógica dos direitos dos trabalhadores”
(GUIMARÃES, 2004, p.137). A política neoliberal não favorece os trabalhadores. O
desemprego e todas as formas derivadas de trabalho flexibilizado fazem parte do
problema da injustiça social. Segundo Buonfiglio (2001) nunca é demais insistir na
questão de que o desemprego no capitalismo é algo inerente, próprio, verdadeira

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necessidade. E isso, antes de tudo pela velha questão de que os desempregados constituem
o “exército industrial de reserva”. E, enquanto tal, nesses tempos de produção flexível, de
furacão neoliberal, embora cada vez mais prescindível enquanto reserva de força de
trabalho, sua função de mecanismo de rebaixamento dos salários foi revitalizada.
O desemprego não é uma escolha aleatória ou individual, é o resultado de uma
decisão política, sendo que essa faz parte das políticas alocadas pelo neoliberalismo que,

[...] tiveram como matriz o desmantelamento das políticas de bem-


estar-social. O desemprego é, em parte, o resultado de uma escolha
política, sendo, objetivamente, em última análise, nos países de regime
democrático, resultado de uma escolha eleitoral (HORTA, 2001, p.17).

É evidente que os indivíduos (os políticos, empresários, instituições) que aderem


e defendem o neoliberalismo não declaram que as medidas adotadas através do contexto
neoliberal irão criar altas taxas de desemprego, sendo assim desfavorável ao trabalhador.
Além disso, o governo usa essas táticas no seu discurso, através de mecanismos de
controle, como, por exemplo, o IBGE, que só faz reforçar e disfarçar a realidade dos
trabalhadores desempregados. Horta (2001) destaca que,

O IBGE considera empregado todo aquele que trabalhou, ainda que


temporariamente, ou como biscate ou bico, nos últimos sete dias, e não
incluindo como desempregados aqueles que não procuraram emprego
durante a semana, contribui grandemente para documentar discursos
que reforçam o informal e, consequentemente, a evasão fiscal, além de
mascarar uma realidade que se torna mais dramática, a cada dia. (p.21)

Neste sentido, o IBGE contribui para camuflar os danos sociais causados pelas
políticas neoliberais. Por ser uma instituição pública de domínio federal que trabalha com | 933
pesquisas e estatísticas, produz discursos de verdade que dissemina e causa efeitos na
sociedade brasileira. Assim, o IBGE poderia estar contribuindo para a concretização de
políticas que defendem o encolhimento/enfraquecimento do Estado, atendendo, em parte,
as disposições que também interessam ao ideário neoliberal, ao produzir discursos de
verdade que tendem a reforçar a ampliação do subproletariado do mercado informal
(HORTA, 2001, p.22).
É fato que a descentralização e a privatização aumentaram o acesso à educação
escolar, como por exemplo, a construção de escolas em várias comunidades, porém

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mesmo com esse aumento de construção de escolas, por vezes não há boa qualidade na
educação disponível para os atores pertencentes ao espaço escolar, pois falta estrutura
física, materiais didáticos, salários compatíveis com a função, como é o caso dos
docentes, que em sua maioria estão com os salários abaixo do piso nacional, como é o
caso de contratos temporários.
Esse tipo de contratos causa uma desestabilidade na profissão, uma vez que há
uma rotatividade de profissionais no trabalho, além dos salários, que geralmente, são
mínimos, não há garantias trabalhistas e falta de recursos para exercer seu trabalho, este
pode ser chamado de subemprego.
A partir desse tipo de contratação temporária, em um contexto de desemprego e
recessão econômica, o governo procura garantir um controle maior sobre o trabalhador,
à medida que este profissional terceirizado, não tem o direito à participação de
movimentos políticos em prol da categoria, como por exemplo, os sindicatos. Outra forma
de controle ocorre através de discursos, que funcionam para desqualificar o trabalhador.
Tende a haver uma culpabilização sentida pelos trabalhadores, pois muitas vezes não
conseguem realizar com êxito o seu trabalho. Mas na verdade não lhes são dadas as
devidas condições. Além disso, há também uma competitividade, promovida para
desqualificar e reforçar que a educação pública precisa ser privatizada, para ter uma
melhor organização e eficiência.
Essa forma de controle, por parte das políticas neoliberais sobre as escolas, tende
a visar uma educação imediatista e sem qualidade. Lembrando que nos detemos aqui
sobre a educação pública, já que é um dos focos centrais do neoliberalismo. As escolas
privadas têm outras formas de controle do plano de carreira, uma vez que seu vínculo
| 934
com a instituição escolar é regulado através da CLT e outras formas de contratação. As
Monitoras são profissionais terceirizadas e flexibilizadas, uma vez que não são quadro de
efetivos - docentes, ou seja, concursadas.
A terceirização acontece através da contratação temporária. Portanto, as monitoras
não têm direitos trabalhistas, visto que não há comprovação de vínculo empregatício com
a instituição através da CLT. Ao adotar essa forma de contratação de profissionais, o
Estado passa a atuar diretamente na promoção da terceirização.
[...] o Estado-cúmplice do desemprego, ao promover reduções de
pessoal no setor público, além de precarizar os serviços que deveria

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prestar à sociedade, vai na contramão de uma de suas mais importantes
funções sociais e históricas, ligada à necessidade de se promover o bem
comum e a harmonia na sociedade. (HORTA, 2001, p.22 e 23)

A contratação temporária surgiu como uma forma amenizar a crise do emprego


dos anos 90 especialmente, mas não dá direito ao trabalhador, deixando-o a mercê dos
contratantes. Buonfiglio (2001) enfatiza que, nessa nova lógica do mercado de trabalho,
poucos trabalhadores escapam, pois,

Na nova segmentação do mercado de trabalho, pouquíssimos estão


livres de serem atingidos por esse processo que, preservando um núcleo
protegido e cada vez mais reduzido, lança os demais na precariedade,
através da terceirização, da subcontração, que mostra uma criatividade
sem igual na criação de novas formas: trabalhadores a tempo parcial,
contratos temporários [...]. (BUONFIGLIO, 2001, p. 51)

Ao tornarem-se terceirizados, os trabalhadores podem a qualquer momento ser


dispensados do trabalho, além de serem considerados com poucas qualificações, uma vez
que são meros contratados.

Ou seja, todos os trabalhadores foram atingidos pela “flexibilização”:


aqueles que têm um trabalho regular, com contrato por tempo
indeterminado sofrem, cada vez mais, a intensificação do trabalho, a
flexibilidade no uso de sua força de trabalho (bancos de horas, horários
flexíveis, maiores cargas de trabalho). (BUONFIGLIO, 2001, p.51,
grifos da autora)

Uma prova disso é a contratação das monitoras para o Ensino Fundamental I.


Podemos afirmar que a contratação das monitoras aprofunda o processo da precarização | 935

e proletarização do trabalho docente “[...] precárias formas de emprego, remunerações e


relações de trabalho, têm ampliado o desemprego e as inseguranças do trabalho.”
(MATTOSO, 1996, p.34).

As Monitoras

Essa pesquisa foi desenvolvida com seis professoras/monitoras e para preservar a


identidade das monitoras pesquisadas, criamos nomes fictícios: Maria, Neuza, Cleide,

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Silvia, Valéria e Luciana que atuam na rede estadual de ensino em um bairro periférico
na cidade de Maceió, nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
A escola em que foi realizada a pesquisa foi fundada há mais de 50 anos, surgiu
com um nome, e desde 2000 passou a adotar outro, em vigor até hoje. A escola está
localizada no litoral Norte do Município de Maceió, a cerca de 20 quilômetros da região
central da cidade. O bairro onde a escola está situada conta com um posto de saúde, uma
creche municipal, uma igreja católica, várias igrejas evangélicas e uma praça182.
As monitoras entrevistadas em sua maioria são formadas em Pedagogia, e só
Maria é formada em letras, porém cursou magistério.

Atualmente, a docência é um trabalho socialmente reconhecido


realizado por um grupo de profissionais específicos, que possuem uma
formação longa e especializada (geralmente de nível universitário ou
equivalente) e que atuam num território profissional relativamente bem
protegido: não ensina que quer; é necessária uma permissão, um
credenciamento, um atestado, etc. Este trabalho é executado
normalmente dentro de um quadro organizacional relativamente estável
e uniforme (TARDIF, 2005, p.42).

Este aspecto nos mostra que a profissão docente, só pode ser desempenhada por
um profissional com formação acadêmica na área, pois se trata de um campo de trabalho
especifico e que lida com um determinado público, as crianças. O que merece ser
destacado aqui é o elevado nível de qualificação dessas monitoras.
A maioria das professoras/monitoras entrevistadas trabalhava unicamente como
monitoras. Somente uma delas trabalhava em outra escola da rede particular. O salário de
monitora é mínimo e ainda há desconto para o INSS. Elas não tinham direito ao 13º
terceiro e só recebiam por dia trabalhado, ou seja, só receberiam o salário integral se | 936
cumprissem com a carga horária total durante o ano letivo. Duas das seis monitoras
entrevistadas disseram que era sua primeira experiência profissional como professora.
Todas as outras já exerceram a profissão, seja na rede pública, seja na privada.
Prosseguimos perguntando sobre as suas perspectivas profissionais após seu
trabalho na monitoria. As monitoras demonstraram clareza sobre o trabalho precário em
que estavam inseridas, uma vez que eram contratadas via seleção e não efetivas via
concurso público.

182
Dados obtidos através do PPP (Projeto Político Pedagógico) da escola pesquisada.

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A falta de estabilidade não favorece as monitoras enquanto categoria docente, pois
nesse caso formam uma categoria distinta, já que não tinham o mesmo direito, as
monitoras não participavam do movimento sindical, além disso, não podiam aderir à
greve em prol da melhoria da educação e dos direitos trabalhistas dos docentes. As
monitoras têm a mesma formação que as professoras efetivas, atuam na sala de aula,
fazem o mesmo trabalho, ainda que em condições extremamente adversas.
Todas as monitoras relataram que estavam esperando concurso público na área da
educação, porém algumas delas mencionaram o desejo em atuar em outra área e/ou mudar
só de categoria, além desses aspectos muitas delas pretendiam dar continuidade em sua
formação acadêmica, como o mestrado, doutorado, especializações na área da educação
ou outra licenciatura. Duas monitoras desejavam mudar de profissão, já as outras
monitoras permanecem na área da educação básica atuando como professora.
A maioria das monitoras eram mulheres solteiras, majoritariamente com idade a
partir dos 30 anos e viviam ainda com os pais. A partir das narrativas, percebemos que
pelo fato de morarem com os pais, elas estão acolhidas. Além disso, ajudavam e eram
ajudadas de certa forma por eles e não percebemos nenhuma cobrança pelo fato de
estarem solteiras. Algumas das monitoras tiveram incentivos dos pais para seguir a
carreira docente, sendo alguns casos os próprios pais que deram a ideia da profissão.
Observamos também que, em sua maioria, a escolha pela profissão docente ocorreu
quando eram crianças.

A participação das Monitoras na Escola

As professoras/monitoras responderam que participavam de todas as reuniões da | 937


escola, tanto em reuniões pedagógicas como em festividades. Já no Projeto Político
Pedagógico, as mesmas relataram que nunca participaram, acreditavam que era pelo fato
de serem monitoras.
Com relação às diferenças entre o trabalho do/a professor/a efetivo e o trabalho
das monitoras, relataram que não há diferenças. Complementaram sobre alguns
acontecimentos que implicavam diretamente no seu trabalho, mostraram que há uma
diferença no trabalho e os direitos da/o professor/a efetiva para o da monitora.

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Podemos destacar algumas diferenças através das narrativas relatadas pelas
monitoras. Segundo os relatos, as professoras efetivas tinham mais autonomia no
trabalho, pois faltavam e não eram penalizadas quanto esse acontecimento, não eram
cobradas quanto a sua atuação profissional. Já as monitoras eram visadas no modo como
trabalhavam, pois eram cobradas quanto ao seu planejamento das aulas, assiduidade,
comprometimento com a escola, questão salarial, direitos, como por exemplo, carteira
assinada, décimo terceiro, instabilidade na relação com os alunos, etc.
Portanto a diferença estava na forma como as monitoras eram tratadas pela gestão
da escola e algumas professoras efetivas, pois segundos os relatos, pelo fato de serem
monitoras, só estariam na escola por um tempo, ou seja, pelo período do contrato.
Portanto não eram valorizadas enquanto professoras do quadro da escola. Esse fato levou
a uma instabilidade na harmonia dos docentes da escola. No entanto, no que se refere à
sua atuação pedagógica em sala de aula com os/as alunos/as, observaram que não havia
diferenças significativas. Suas aulas e todas as atividades relacionadas às aulas não
sofreram alterações pelo fato de serem monitoras.
Podemos destacar, portanto, no que concerne ao trabalho como professora, as
obrigações não alteravam. O que alterava era a condição de inserção dessas profissionais
no contexto escolar, que ocorria com muito mais pressão, instabilidade, cobranças e
trabalho nas salas de aula. Desenvolviam o mesmo trabalho em condições muito mais
desfavoráveis. Havia uma angustia e uma instabilidade maior no desenvolvimento do seu
trabalho e segundo algumas monitoras esse fato foi percebido por alguns alunos.
As monitoras informaram que não existia uma organização sindical para
monitoria, pois sendo monitora não tinham direito a participar do sindicato. Há, no
| 938
entanto, sindicato dos trabalhadores docentes em Alagoas, o SINTEAL. Segundo
algumas falas das monitoras entrevistadas sobre o sindicato dos docentes, relataram que
estavam ligados apenas com o quadro de professores efetivos, ou seja, os concursados.
As monitoras não informaram se vivenciaram alguma greve, porém mesmo que houvesse
não participariam de forma efetiva, pois eram contratadas e não podiam aderir à greve.
Cada falta diminuiria os seus salários.
Os sindicatos foram legitimados com a constituição de 1988, “a Constituição de
1988 produziu efeitos sobre o sindicalismo, primeiramente, por ampliar acesso à

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organização sindical a grupos sociais dela excluídos” (DAL ROSSO, 2013, p.42). Pois
antes eram conhecidas como associações como frisa o autor:
Também é certo afirmar que muitas grandes categorias organizativas no
setor da educação já existiam sob a forma de associação antes daquela
data. Vários desses sindicatos preservam em seu nome as marcas de
associações, formato organizativo no qual foram criados (Idem, ibidem,
p.42).

O referido autor menciona que atualmente há uma fragmentação nos sindicatos, e


que esse processo acaba não sendo favorável a luta e/ou força sindical, por melhor que
seja a intenção para conseguir os objetivos dos trabalhadores. Devido a essa fragmentação
sindical, os trabalhadores da educação perdem sua força na luta pelos seus direitos. No
caso das monitoras que não fazem parte do sindicato dos professores, fica notável a
fragilidade causada da classe docente, pois o trabalho das monitoras não era reconhecido
pelo sindicato. Por ser um trabalho feito através de um contrato temporário, de um ano,
podendo ser prorrogado ou não por mais um, totalizando dois anos estas monitoras não
encontravam meios de se fazerem ouvir na esfera sindical. Neste sentido, Dal Rosso
(2013) chama atenção para,
Outro processo em curso pode ser identificado por grupos de
trabalhadores que não se sentem adequadamente representados pela
estrutura sindical vigente. A motivação para o desmembramento
provém da crítica pelo descaso e pelo abandono de grupos de
trabalhadores cujas reivindicações não são levadas à frente por parte
dos sindicatos (p.44).

Percebemos o quanto a categoria docente das monitoras era enfraquecida, pois


estavam à margem das lutas da categoria e não tinham direito de reivindicar no que diz
respeito os aspectos contratuais e educacionais dentro das escolas e junto à Secretaria de
| 939
Educação.
Conforme os depoimentos, a participação das monitoras no sindicato da categoria
era praticamente inexistente, pois as monitoras não eram consideradas professoras. Por
não serem concursadas, não faziam parte do quadro de professores efetivos e não existia
nenhuma organização de classe alternativa que pudessem acolher suas reivindicações
trabalhistas. Sabemos que o sindicato dos trabalhadores docentes é importante para
categoria, uma vez que, através do sindicato a classe docente pode trazer à tona os
problemas da educação, isto é nas escolas, reivindicando seus direitos, além de ser uma

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forma de organizar-se para conquistar o que lhes é de direito, para garantir e melhorar a
educação.
O fato das monitoras terem seu salário vinculado aos dias trabalhados havia um
forte controle e pressão financeira sobre sua adesão às greves, fruto da sua instabilidade
contratual. O mesmo não ocorre com as docentes concursadas. É importante lembrar que
apesar da grande maioria das monitoras participantes desta pesquisa morar com os pais,
a renda delas colabora na renda familiar. E mais, por não encontrarem meios de participar
do sindicato, aparentemente suas agendas não eram reconhecidas ou incorporadas nas
lutas sindicais da categoria, agravando ainda mais sua instabilidade.
Essa forma de contratação da figura da monitora é extremamente benéfica para os
cofres do estado, porque além de economizar recursos, garante que parte significativa dos
docentes não só não participa como está nas salas de aula em períodos de greve. Os custos
sociais, no entanto, são graves para docentes, estudantes e a qualidade do ensino de uma
maneira geral.
A realidade do estado de Alagoas apresenta um quadro na política educacional
adverso aos trabalhadores da educação, agravado com as contratações temporárias para o
cargo de professor. E a própria designação de Monitora é infeliz, por enfraquecer e
fragmentar ainda mais a categoria docente, deixando-as a mercê de um Estado omisso
com relação à educação institucionalizada e as políticas educacionais.
Ficam prejudicados a categoria docente e os estudantes, uma vez que eles
dependem da figura do professor para aprenderem. Essa forma de contratação, faz com
que eles sejam prejudicados, à medida que a monitora seguinte, muitas vezes não sabe
quais assuntos a monitora anterior estava dando em sala de aula, e por vezes como foi
| 940
relatado nas entrevistas, esse aluno não se adapta a nova metodologia da monitora novata,
já que há sempre um rodízio de monitores nas escolas. Lembrando aqui que esses
alunos/as eram do 1º ano ao 5º ano do Ensino Fundamental, isto é, a maioria era criança
e por isso, às vezes essa adaptação é mais lenta e difícil, dada à necessidade de estabelecer
vínculo com a professora para que o processo didático seja bem-sucedido.

As Monitoras e seu trabalho pedagógico com os/as alunos/as

No geral as monitoras consideravam sua atuação profissional frente aos alunos/as


como um trabalho igual ao de um professor/a efetivo. Afirmaram que, no geral, a relação

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com os alunos era boa, porém algumas monitoras relataram que alguns alunos não
respeitavam as regras da escola além do mau comportamento, a falta de respeito com elas
e com os colegas da turma. Mas que esse tipo de ocorrência não tinha relação com o fato
de serem monitoras.
A falta de material pedagógico também influenciava na realização do seu trabalho
na sala de aula, além da estrutura física da escola, principalmente as salas de aula.
Popkewitz (2001) menciona a importância da organização de um plano de aula,
que ele chama de “tecnologia de administração”.

O plano de aula é parte da sabedoria popular de ensino. É uma maneira


de organizar o que o professor quer, faz e alcança. Ele determina os
objetivos de uma aula, estabelece uma seqüência de instrução que
conduz ao cumprimento dos objetivos e depois acrescenta algum
esquema de avaliação para estabelecer o grau de sucesso alcançado no
exercício do ensino. (POPKEWITZ, 2001, p.91)

Tardif (2005, p55) lembra que a escola “como lugar de trabalho, ela não é apenas
um espaço físico, mas também um espaço social que define como o trabalho dos
professores é repartido e realizado, como é planejado, supervisionado, remunerado e visto
por outros”. (TARDIF, 2005, p.55).
Já sobre a questão da organização da sala de aula, o autor denomina como classe,

A ordem nas classes fundamenta-se numa dupla realidade: numa


estrutura organizacional estável (as classes são fechadas, não entra
quem quiser, os alunos são dispostos em filas para serem observados
simultaneamente pelo mestre, etc.) e num trabalho sistemático do
mestre (vigilância, advertências, punições, intervenção, chamada à
ordem, etc.) (TARDIF, 2005, p.65).
| 941

Então, concordando com o autor, entendemos que uma aula afeta diretamente a
relação professor e aluno. Além disso, temos também a relação do ensino e da
aprendizagem. Neste sentido, Popkewitz (2001, p.27) destaca que “o ensino e a
aprendizagem (os dois estão ligados) produzem uma individualidade autogovernada. Os
efeitos do conhecimento exibido no currículo “fazem” as regras que definem e resolvem
os problemas pessoais”. Portanto, a relação professor e aluno estão intrinsecamente
ligadas no processo contínuo durante ano letivo escolar, sabendo que tanto professor

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quanto aluno são sujeitos que obedecem às regras da instituição, uma vez que define os
conteúdos que serão abordados no decorrer das aulas.
A partir dos depoimentos das monitoras, entendemos que na visão dos alunos a
diferença de uma monitora para uma professora efetiva, era a questão de saberem que
elas só passam um período e que podiam sair da escola a qualquer momento, já os
professores efetivos permanecem na escola. Todavia, os alunos entendem que
independente de serem denominadas de monitoras, reconhecem que as monitoras são
professoras iguais aos do quadro efetivo na condução das aulas.
Algumas monitoras relataram ainda sobre o assunto do seu trabalho na escola,
sobre a questão do material e/ou suporte pedagógico para realização de suas aulas. Tardif
(2005) enfatiza que

[...] o contexto escolar constitui, concretamente, um verdadeiro


ambiente cuja contingência pesa enormemente sobre as condições de
trabalho dos professores. Por exemplo, veremos que a falta de recursos
e de tempo e a escassez de instrumentos pedagógicos são fatores
“materiais” freqüentemente mencionados pelos professores como
estando as maiores dificuldades dessa profissão. (p.55).

Concordando com Tardif (2005), diríamos que a falta de material pedagógico é


um dos grandes problemas enfrentado pelas professoras de uma maneira geral.
Nesse caso, as monitoras disseram que até tinham ajuda com materiais, mas só
com livros, e que isso era muito pouco, apesar de jogos pedagógicos em pequena
quantidade e incompletos. Elas precisavam que a escola tivesse condições de trabalho
para realização das atividades com seus alunos, seja com materiais, e/ou espaço escolar,
isto é, a estrutura física da instituição. | 942
Todavia, as monitoras relataram que se sentiam sozinhas com relação à
aprendizagem dos alunos, uma vez que, os pais não ajudavam os filhos nas tarefas
escolares, mas ressaltaram que sabiam das dificuldades dos pais, pois alguns como
mencionaram não tinham condições de ajudar seus filhos porque não em sua maioria não
possuíam escolaridade.
Enfim, as monitoras atuavam e vivenciavam a precariedade no cotidiano do
trabalho docente como os demais profissionais da categoria docente, ou seja, como os
professores efetivos, com relação ao modo de trabalhar, uma vez que todas sem exceção

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têm formação para atuar na sala de aula, com o agravante de verem seu trabalho ser
interrompido a qualquer momento pela sua instabilidade contratual.

Algumas considerações

Partimos do entendimento de que a reestruturação produtiva e a política


neoliberal e seus efeitos na educação, contribuíram para o desenvolvimento de formas
precárias de trabalho que vêm avançando na educação pública, provocando impactos
negativos na qualidade do trabalho docente e na sua inserção profissional.
As análises que realizamos foram com seis monitoras, as quais estas fazem parte
de um contexto mais amplo e é uma pequena amostra dentre tantas Monitoras contratadas
pelo Estado de Alagoas, sejam elas para o Ensino Fundamental I e II ou o Ensino Médio.
Profissionalmente não se sentiam reconhecidas e valorizadas enquanto docentes,
causando certo desânimo devido ao fato de não terem o mesmo status que os do quadro
efetivo da escola. Enfim, a maioria das monitoras apesar de algumas insatisfações
queriam continuar na área da educação, apenas uma informou que tinha vontade de mudar
de profissão. Fica claro, que essas docentes, almejavam concurso público, pois terão
garantias trabalhistas; além da insatisfação com a função de monitoras, uma vez que, não
tinham salário compatível com a função exercida e que lhes seria de direito em condições
regulares de contratação. A precarização do trabalho docente causa desânimos na
profissão, além de outros fatores.
A flexibilização contratual de docentes é um fenômeno que vem avançando no
| 943
sistema público de ensino em todos os níveis. Observamos o crescimento de novos postos
com nomes diversos, tais como monitores, tutores, substitutos, recreadores, estagiários,
entre outros, como forma de negar as conquistas trabalhistas e profissionais históricas da
categoria docente. Tem havido uma significativa redução dos cargos e concursos para
professores que mereceriam ser melhor dimensionada, para podermos avaliar suas
implicações na qualidade do ensino oferecido, bem como para os rumos da profissão
docente no Brasil.

Referências:

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ANTUNES, Ricardo. A questão do emprego no contexto da reestruturação do trabalho
no final do século XX. In: HORTA, Carlos Roberto e CARVALHO, Augusto Alves.
(Orgs). Globalização, trabalho e desemprego: processos de inserção, desinserção e
reinserção: enfoque internacional. Belo Horizonte: C/Arte, 2001. p. 48-57.

BUONFIGLIO, Maria Carmela. Dilemas do trabalho no final do século XX: desemprego


e precarização. In: HORTA, Carlos Roberto e CARVALHO, Augusto Alves. (Orgs).
Globalização, trabalho e desemprego: processos de inserção, desinserção e
reinserção: enfoque internacional. Belo Horizonte: C/Arte, 2001. p. 48-57.

DAL ROSSO, Sadi. Fragmentação sindical. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 48,
p. 39-52, abr./jun. 2013. Editora UFPR. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/er/n48/n48a04.pdf>.

GUIMARÃES, Juarez. A crise do paradigma neoliberal e o enigma de 2002. São Paulo


Perspec. [online]. 2001, vol.15, n.4, pp. 136-144. ISSN 0102-8839. Acesso em 15 de
outubro de 2012.< http://www.scielo.br/pdf/spp/v15n4/10380.pdf>

HORTA, Carlos Roberto. Desemprego e cultura: uma leitura política da desconstrução


da cidadania do trabalhador. In: HORTA, Carlos Roberto e CARVALHO, Augusto
Alves. (Orgs). Globalização, trabalho e desemprego: processos de inserção,
desinserção e reinserção: enfoque internacional. Belo Horizonte: C/Arte, 2001. p. 48-
57.

MATTOSO, Jorge Eduardo Levi. Emprego e concorrência desregulada: incertezas e


desafios. In: OLIVEIRA, Carlos Eduardo Barbosa de, e MATTOSO, Jorge Eduardo Levi.
(Orgs). Crise e trabalho no Brasil, modernidade ou volta ao passado?.São Paulo:
Scritta, 1996, p. 27-54.

NEVES, Magda de Almeida. Trabalho, exclusão social e direitos. In: HORTA, Carlos
Roberto e CARVALHO, Augusto Alves. (Orgs). Globalização, trabalho e desemprego:
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Horizonte: C/Arte, 2001. p. 48-57.

POPKEWITZ, Thomas S. Lutando em defesa da alma: a política do ensino e a | 944


construção do professor. Trad. Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed Editora
LTDA, 2001.

TARDIF, Maurice. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como
profissão de interações humanas. Maurice Tardif, Claude Lessard. (Orgs); tradução de
João Batista Kreuch. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

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POR QUE É TÃO DIFICIL A UNIVERSIDADE BRASILEIRA
IMPLEMENTAR NO CURRICULO DE SUAS
LICENCIATURAS UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA?
Doutoranda Maria Rita Py Dutra e Professor Dr. Jorge Luiz da Cunha – UFSM

RESUMO:

O artigo “Por que é tão difícil implementar, no currículo dos cursos de licenciaturas das
Universidades brasileiras, uma educação antirracista?” é parte das reflexões dos autores
acerca do processo de implementação da disciplina de Educação Étnico-Racial no Ensino
Superior, dando cumprimento às exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos
de Formação de Professores, conforme a Resolução do CNE/CP02/2015, tendo como referência
a pesquisa empírica realizada no decorrer do mestrado, sobre a relação entre capital cultural e
consciência racial de professoras negras residentes em Santa Maria/RS, complementada por
pesquisa bibliográfica. A Educação das Relações Étnico-Raciais em Instituições de Ensino
Superior está prevista no §1º da Lei 10.639/03, ficando na competência das referidas Instituições
a formação das futuras professoras. Nosso objetivo é demonstrar que velhos conceitos racistas
persistem no mundo acadêmico, impedindo a implementação de uma educação antirracista. A
questão norteadora que desejamos responder é em que medida concepções racistas que vicejaram
no final dos séculos XIX e início do XX poderão influenciar cursos superiores de licenciatura a
não adotarem a disciplina de Educação das Relações-Raciais ou Diversidade Racial?
Palavras chaves: Racismo; relações étnico-raciais; educação antirracista

1.A EDUCAÇÃO DE NEGROS UM VALOR ALMEJADO, NEM SEMPRE


ALCANÇADO

Ao recorrermos à legislação educacional que contemplasse escravizados ainda no | 945


Brasil Colônia, encontramos o Decreto 1331 A de 13 de fevereiro de 1854, que se refere
à reforma do ensino primário e secundário do Município da Corte, assinado pelo Ministro
e Secretário de Negócios do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Fixava a
obrigatoriedade do ensino dos 5 aos 15 anos, regulamentava desde as funções do inspetor
geral, as competências dos professores, até os conteúdos a serem trabalhados.
Deste decreto, destacamos o Art. 69,onde consta quem não será admitido na
escola:
§1º. os meninos que padecem moléstias contagiosas;

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§2º. os que não estiverem vacinados;
§3º os escravos.
A lei diz que meninos portadores de doenças contagiosas, não vacinados e
escravos estão proibidos de irem à escola. O fato de o decreto 1331/1854 proibir o acesso
de escravos à escola não significa que crianças negras não frequentassem escola naquele
período. Há uma série de pesquisas demonstrando a presença de estudantes negros na
escola, o que não significa que a educação se realizasse isenta de racismo, estereótipos
ou com sucesso, isto é, com conclusão de cursos, uma vez que estudantes negros acessam
o mundo do trabalho muito cedo.
Mesmo no período escravista, a educação era pensada como possibilidade de
emancipação social, como se verifica em algumas histórias de negros que buscavam
assegurar que seus filhos estudassem, como foi o caso do tropeiro Custódio Júnior, que
na metade do século XIX, fixou residência na cidade de Campinas, fundando o Colégio
Perseverança, destinado a moças da elite local, subsidiando os estudos para algumas
estudantes negras. Dona Balbina, esposa de Custódio, era alfabetizadora, havia também
as filhas professoras Bernardina e Balbina. O colégio encerrou suas atividades em 1876,
e as professoras foram incorporadas à rede pública. A descendência do antigo tropeiro
constituiu uma conhecida família de professores negros de Campinas, destacando-se o
professor da Universidade de São Paulo, Antonio Ferreira Cesarino Junior (1906-1992),
um caso de estudos e análises sobre a educação enquanto possibilidade de superação das
desigualdades, pesquisa realizada por Barbosa (1997).
Em 1867, o jurista Perdigão Malheiros preocupado com as conseqüências da Lei do
Ventre Livre, se perguntava “que educação deverão receber essas crianças que se tornarão os
| 946
futuros cidadãos do Império, uma vez que no Art. 7 º da Lei constava que as crianças filhas de
escravizadas, nascidas após a publicação da Lei seriam livres, mas ficariam em poder dos
senhores das mães que as criariam e sempre que possível, ofereceriam a instrução elementar. Se
a responsabilidade pela criação dessas crianças seria dos senhores que sempre que possível
proporcionariam educação, essa educação seria ocasional, contudo Fonseca (2001, p.13-14) vê na
expressão “sempre que possível” uma brecha que futuramente poderia se abrir para normatizar a
educação dos libertos, antevendo sua importância, apesar de que os senhores de escravos viam
essa responsabilidade como um problema que não desejavam assumir.

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Na região de Cuiabá, atual estado do Mato Grosso, também há registro da preocupação
com a educação de crianças negras livres, logo após a Lei do Vente Livre, em que a elite local via
na educação um meio de combater a barbárie e para inserir esses alunos na sociedade e no mundo
do trabalho, como atestam as pesquisas de Sá e Miranda (2011).

O mesmo Fonseca (2007) analisando a documentação censitária da população mineira,


de 1831, traçou o perfil racial das escolas mineiras, constatando a presença majoritária de alunos
negros, classificados como negros, pardos, crioulos ou cabras, comprovando assim o quanto a
instituição escola era acionada por esse grupo étnico com objetivo de afirmação no espaço social.
A presença de negros na escola é importante, pois derruba a explicação sociológica de que negros
ficaram à margem da sociedade por não terem valorizado a escola. Hoje, as pesquisas comprovam
o contrário: - não! Crianças negras iam, sim, a escola.

No período pós-abolição a educação não saiu de pauta e organizações negras, tomaram


para si a tarefa de priorizarem de alguma forma, entre suas metas, ações nesse sentido, como
registra Dutra (2012, p.40). Em 1930, José Correia Leite fundou a Frente Negra Brasileira (FNB),
em que eram oferecidos cursos de alfabetização, foi criada uma escola, em que professores e
alunos eram negros. A escola oferecia um currículo que contemplava a formação político-social,
moral e cívica, música, línguas e história, para estimular o negro a continuar seus estudos. Abdias
do Nascimento foi um intelectual negro que fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN), na
década de 40 e que aliado à formação em dramaturgia, destinado a militantes negros, oferecia
curso complementar de alfabetização. Nesse grupo formaram-se os primeiros atores nacionais,
como Haroldo Costa, Ruth de Souza, Léa Garcia, entre outros.

A União dos Homens de Cor – UHC, criada em Porto Alegre, em 1943, tinha por
finalidade, no prazo de 10 anos, erradicar o analfabetismo entre os negros e prestar assistência
social a jovens estudantes negros, mantendo-os em cursos superiores, através da oferta de roupa, | 947
alimentação, livros para que pudessem concluir seus estudos, registra Domingues (2009, p.979).

A criança negra carrega em suas memórias histórias de dor, resistência e superação a


serem exorcizadas desde as primeiras experiências de convívio com grupos diferenciados.
Recordo o dia em que decidi ser professora: minha mãe era lavadeira, eu devia ter uns 7- 8 anos,
e costumava ajudá-la na entrega das trouxas de roupas, nas residências das patroas. Naquele dia,
a patroa muito estressada, antes de conferir o rol, isto é, a relação das roupas, acusava a falta de
um lençol amarelo. Assisti aquela situação vivenciada por Dona Lucila, minha mãe, constrangida.
Chorei com ela, e jurei que não passaria pelo que ela passava. Ao deixar a residência, disse-lhe

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que queria estudar e ser professora! Minha mãe me abraçou e confirmou: - Você vai ser
professora, filha!

2.A LEI 10.639/03: UMA EDUCAÇÃO QUE DÁ VISIBILIDADE AO NEGRO

O fato de ter escolhido a profissão do magistério não me isentou de conviver com o


discurso racista, o quê o estudante negro desde cedo aprende a conviver em sala de aula, na escola
ou na sociedade envolvente. Lembro como se fosse hoje, dos olhinhos assustados do menino
Romualdo ao gritar, do fundo da sala, à aluna que sonhava um dia se tornar uma boa mestra: -
“Professora, ele está me chamando de Noite!”Foi chocante, eu tinha 16 anos, cursava o 1º ano da
Escola Normal. O mês era setembro. O ano, 1967. Senti a angústia do educando e busquei uma
saída pelo coração, analisando o que uma noite estrelada oferece aos olhos do espectador. Não sei
se lucrei, só lembro que Romualdo acabou sorrindo. Jamais havia pensado em um problema e
argumento nesses moldes. Hoje, os discursos se atualizaram, estão fluídos, com cores de pós-
modernidade, bem mais agressivos, persistentes e reincidentes.

O Movimento Social Negro (MSN) tem toda sua história ligada à luta contra o racismo e
a discriminação e, a “Frente Negra Brasileira” (FNB), primeira organização negra com
abrangência nacional, nos anos 30, fundou uma escola visando estimular o aluno negro ingressar
no ensino superior, registra Ribeiro (2001, p. 32). Desde essa época os Movimentos Sociais
Negros vêm indicando a necessidade de o Estado brasileiro garantir políticas públicas, com uma
educação democrática e inclusiva, desenvolvendo conteúdos referentes à história da África, dos
africanos, da contribuição dos negros na formação sociedade nacional, sua influência na cultura, | 948
nas artes, nas letras, na música, na literatura e assim por diante. Essas reivindicações, 70 anos
depois, passaram a ser atendidas com a homologação da Lei Federal 10.639/03, que obriga o
Ensino da História e da Cultura Africana e Afro-Brasileira no sistema nacional de ensino,
conteúdo a ser ministrado no currículo escolar, em especial, nas áreas de artes, literatura e história.
Cinco anos depois, a legislação definiu comportamento semelhante para os conteúdos referentes
à história e cultura dos povos indígenas, com aprovação da Lei 11.645/08, destacando-se ainda a
inclusão no calendário escolar do Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, a partir
de 2003.

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Através da Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, o Conselho Nacional de Educação
buscou regulamentar de que forma poderia ocorrer a implementação da Lei 10.639/03. Esta
resolução, assinada pelo presidente do Conselho Nacional de Educação, entrou em vigor no dia
de sua publicação, e dela, destacamos os artigos: 1º - § 1° - § 2°-§ 4°

“Art. 1° A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para


a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas Instituições de ensino,
que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por
Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de
professores.

§ 1° As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas


e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações
Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem
respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP
3/2004.

§ 2° O cumprimento das referidas Diretrizes Curriculares, por parte das


instituições de ensino, será considerado na avaliação das condições de
funcionamento do estabelecimento.

Art. 4° Os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão estabelecer canais


de comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros,
instituições formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, como
os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade de buscar subsídios
e trocar experiências para planos institucionais, planos pedagógicos e projetos
de ensino.

Apesar de o Marco Legal brasileiro prever a obrigatoriedade de conteúdos referentes à


Educação das Relações Étnico-Raciais, isto é, à reeducação das relações entre negros e brancos,
existe uma imensa resistência para o cumprimento dessa legislação e novembro, se transformou
num verdadeiro martírio para os militantes do MSN, que são chamados para discorrer sobre o | 949
tema nos quatro cantos do município, em escolas, emissoras de rádio, televisão, associações
comunitárias, sindicatos, jornais, etc. E a Semana da Consciência Negra virou mês, que se
transmutou em Novembro Negro. Daqui a doze meses, o filme se repete. A nosso favor temos o
trabalho do Tribunal de Contas do Estado que tem o papel de avalizar ou não as atividades
realizadas pelos gestores públicos, que muitas vezes, apesar de inconsistentes, tentam enganar a
si próprios, comprovando pseudo-atividades.

Entendemos que ao propor trabalhar com “educação das relações étnico-raciais”


ou (re)educação como prefere a professora Petronilha Beatriz (2013, p. 86), o professor

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deverá estar preparado para intervir positivamente em situações que fazem parte do
cotidiano da sociedade, da escola e da sala de aula de nossos alunos. Mas como o
professor desempenhará essa função se as Instituições de Ensino ainda não conseguiram
vencer suas próprias dificuldades e conservadorismo, se negando a ministrar a disciplina
de Relações Étnicos Raciais?
A Lei Federal 10.636/03 em 09/03/2016 completou 13 anos. A Resolução
1/2004/CNE/CPe as orientações para sua implantação completaram 12 anos, sem
esquecermos a que acrescenta a temática indígena, que já tem 7 anos, período em que o
mesmo CNE, através de seu Conselho Pleno (CP) colocou no centro do debate a temática
da formação e valorização do profissional da educação. Desde setembro de 2012, o
CNE183 vem reestruturando a Comissão Bicameral de Formação de Professores, a qual é
constituída pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, com objetivo de
estabelecer as diretrizes para a formação dos profissionais do magistério para a educação
básica e sua valorização profissional, culminando com a elaboração e aprovação de
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais
do Magistério da Educação Básica, resultando no Parecer CNE/CP Nº 2/2015, em
9/6/2015.
O processo de construção do parecer se deu a partir de encontros, seminários e
debates, dentre os quais destacamos o Seminário sobre Formação de Professores no
Conselho Nacional de Educação, realizado em maio/2012; a reunião ampliada da
Comissão Bicameral de Formação de Professores, em março/2014 já com apresentação
da minuta do texto das Diretrizes Curriculares, pelo relator da matéria; reunião técnica,
em 15 e 16 de julho/2015. Ainda em 2015, a Comissão Bicameral realizou reuniões
| 950
técnicas com representantes do MEC e Capes nos dias 26/1/2015 e 4/5/2015, e uma
reunião técnica ampliada em 9/3/2015, conforme registro contido no Parecer 02 (2015,
p.2), o que demonstra que não está sendo uma iniciativa precipitada do MEC ou o que
considero, pior, que seja uma orientação ideológica de esquerda. O mesmo Parecer prevê
que:

183
Para maiores informações é interessante ler a introdução do Parecer 2/2015 onde consta o histórico
desta caminhada e o nome dos conselheiros das Câmaras de Educação Básica e Educação Superior.

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Os cursos de formação de professores deverão garantir nos currículos
conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento e/ou
interdisciplinar, seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos
relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas
públicas e gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos
humanos, diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa
geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras) e direitos educacionais de
adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas (2015,
p.30).

Se os nossos universitários continuarem diplomando-se, sem receberem uma


formação antirracista nos cursos de graduação e as universidades continuarem resistindo
a implementarem as resoluções do CNE que tratam não só questões de gênero, direitos
humanos, sexual, faixa geracional, como da diversidade étnico-racial, poderemos afirmar,
como Santos (2015) que a universidade brasileira constitui-se em um dos instrumentos
de reprodução da violência racial.
O discurso racista na forma de expressões e piadas faz parte do cotidiano da
escola, em que os profissionais da educação se mostram despreparados para enfrentá-los
e/ou erradicá-los. Crianças negras relatam o martírio que sofrem desde os primeiros dias
de aula, sendo chamadas de nega maluca, frango de macumba, picolé de piche,
macumbeiro, bombril, cabelo pixaim e assim por diante. Diante das agressões racistas,
cresce o desejo de abandono da escola, sem falar das referências negativas ao fenótipo
negro.
Incluímos algumas situações concretas para pensarmos sobre a importância da
formação acadêmica em Relações Étnico-Raciais; perguntamo-nos como, a futura
professora ou professor de Educação Infantil será instrumentalizada para conversar com
Júnior, um garoto de 4 aninhos que foi chamado de negro por um coleguinha de aula, e
| 951
que a partir desse momento, nega-se a ir à escola?
Como a(o) aluna(o) de licenciatura poderá incidir positivamente ao se deparar
com as situações registradas nos anos iniciais de diferentes escolas, como as relacionadas
a seguir:
Situação A– “Professora, ele está me chamando de Tição!
[Digite uma
E a professora, despreocupadamente, responde: citação do
- Não liga, não, ele está só brincando”. documento ou o
resumo de um
Situação B– “Professora, ele me chamou de negro sujo! ponto
E a professora, no intuito de consolar, responde: interessante.
Você pode
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- Não liga menino, você não é negro! Você é moreninho!”
Situação C- Layla foi agredida pelo pai da colega Valquíria que chegou à porta da sala de aula e
ordenou:
-Professora, eu não quero que minha filha sente ao lado de uma macaca!

A perversidade do racismo e do preconceito tem marcado as vidas de crianças nas escolas


brasileiras, memórias subterrâneas, que afloram depois de muito tempo, como se estivessem
totalmente esquecidas, como foi o relato a seguir obtido por Dutra (2012) num grupo focal, em
que as professoras participantes lembravam de situações da infância.

“Sabe o que eu lembro? Eu lembro de uma coisa, quando eu era pequena e


estudava no Marieta, no dia da apresentação das mães. Era um teatrinho onde
tinha uma mãe negra, uma mãe italiana, alemoa, aquela função toda, né. E eu me
lembro, que ninguém queria ser a mãe negra. E daí as crianças, todas apontavam
pra mim:

- “Mas tem que ser a S, porque a S, ela é negra”! Sabe, ficou uma (...) Eu me
lembro que as crianças brigavam.

-“Mas pode ser qualquer um”! e ninguém queria. Aí acabou sendo(...) mas que
eu não queria também que ela me pintasse, eu queria me aparecer, da cor da
minha pele, mesmo, né! Não!Daí eles disseram assim:

- Não, professora, tem que pintar ela, mais preta ainda, pra ser a mãe, ne - gra!
Isso aí, eu nunca esqueci! Aí, a ideia da professora! Ela realmente, ela me pintou
de tinta guache, me pintou toda: braço, rosto, tudo. (...). Não (lembro o que senti),
eu só lembro que eu não queria me pintar. Porque eu tinha 7 anos, primeiro ano!
Eu não queria que me pintassem. E a condição de negritude! Eu queria mostrar
a cor da minha pele, e eu não! eles queriam que eu fosse mais negra (risos)”.
Professora nº 2 (DUTRA, 2012, p.117).

A aluna teve sua identidade violada, pois foi o grupo que a classificou como negra e, por | 952
não ter a pele, como imaginavam, a professora ainda a pintou com tinta guache, talvez numa
referência ao velho blackface americano ou ao riso Y’abon banania francês184, em que passavam
carvão de cortiça em personagens negros ou não, sempre com uma visão estereotipada.

184
Black face se refere a atores brancos, coloridos com carvão para representarem personagens negros, de
forma estereotipada, de gozação. A expressão y’abon banania refere-se ao rótulo publicitários
criados no início do século XX, por De Andreis para uma farinha de banana açucarada, em que
aparecia um soldado senegalês com um amplo sorriso abestalhado, denunciado por Senghor em 1940
no prefácio do poema Hóstias Negras.

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No campo educacional, justificativas sobre fracasso escolar185de crianças negras
encontram-se calcados até hoje, no racismo biológico, onde professoras e instituições reproduzem
de forma implícita ou explicita, o estereótipo do negro como alguém que possui dificuldade de
aprendizagem, escreve Nascimento (2003, p. 166).

É ao ingressar na escola, geralmente, que a criança negra começa a se perceber como


negra e, a maneira como a escola e a sociedade veem o negro e a negra, comentam sobre seu
corpo, seu cabelo, sua estética, deixam marcas profundas na vida desses sujeitos, conclui Gomes
(2002) em seus estudos sobre corpo e cabelo negros. A autora propõe que estudos sobre as
representações do corpo negro sejam uma forma de compreender a importância do corpo na
construção da identidade de indivíduos negros. Kenneth Bancroft Clark psicólogo panamenho,
juntamente com sua esposa Mamie Phipps Clark ao estudar os efeitos do racismo sobre a
identidade e a autoestima de crianças negras em idade escolar, realizou pesquisas na área da
psicologia e da educação sobre os efeitos psicológicos do racismo, sendo um dos idealizadores
do “Teste de Autopercepção” que aqui no Brasil chamamos de Boneca Branca X Boneca
Negra186. Para analisar a patologia do racismo e os danos psicológicos por ele causados,
psicólogos mostravam à crianças brancas e negras, quatro bonecos idênticos, sendo dois brancos
e dois pretos, perguntando a elas qual a boneca boa, qual a boneca má e com qual elas se pareciam.
Os testes aplicados em diferentes regiões dos EUA demonstraram que as crianças submetidas ao
teste preferiam as bonecas brancas, rejeitando as negras. Esses dados foram a base de sustentação
do Caso Brown187 Versus Conselho de Educação de Topeka, Kansas, na Suprema Corte
Americana, em 1954, que acabou com a segregação racial nas escolas dos Estados Unidos,
sustentando que a separação de crianças negras acarretava danos psicológicos, sentimentos de
inferioridade, além de não possuírem as mesmas oportunidades das crianças brancas, sofrendo

185
Nascimento (2003, p. 216) na nota de roda pé 7 cita algumas pesquisadoras, como: Patto, 1993; | 953
Gomes, 1995; Silva, C. D., 1995; Lima e Romão, 1997; Cavalleiro, 2000, etc.
186
Ver: https://www.youtube.com/watch?v=15bUmKFWxnw&feature=youtu.be&t=1m7s
Tema Racismo - Testes com crianças negras. Encontrado em:
http://www.recantodasletras.com.br/artigos/4097954 Acessado em: 13/01/2016.

187
Ação judicial ajuizada pelo pai da estudante Linda Brown(8 anos) que teve sua matrícula negada em
uma escola pública para brancos, em Topeka. A escola baseava-se numa decisão da Suprema Corte de
1892 que negava aos negros o direito viajar no mesmo vagão de trem dos brancos, baseada na doutrina
do separados mas iguais. Encontrado em: https://jus.com.br/artigos/11777/a-luta-em-defesa-da-
igualdade-e-das-liberdades-publicas-no-direito-norte-americano Acessado em 13/01/2016.

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prejuízos em suas aprendizagens. O interessante é que quase 60 anos, depois, uma equipe da
Universidade de Chicago retoma os estudos de Clark encontrando algumas melhorias nos índices.
Para a coordenadora Dra.Margaret Spencer coordenadora da pesquisa, “as crianças nos refletem
como sociedade, porque nós colocamos afirmações e elas nos dão retorno. Perguntamos e elas
respondem188”.

Se deixarmos a problemática racial que afeta crianças e formos para o outro extremo do
iceberg, procurando o mundo adulto, encontraremos as reflexões do professor José Jorge de
Carvalho da UnB (2005-2006, p.90), que passou uma década tratando do racismo brasileiro, sem
perceber, conforme suas próprias palavras, que não tinha nem colegas, nem alunos negros,
concluindo que as teorias e interpretações raciais no Brasil, sempre foram racializadas. Nossas
universidades negaram ou dificultaram o acesso de pensadores negros, sendo alguns ilustres
desconhecidos até a bem pouco tempo, como foi o caso do sociólogo piauiense Clovis Moura,
que negou a noção de passividade do escravizado propagada por Gilberto Freyre, demonstrando
sua capacidade de resistência à escravidão nos quilombos. Do geógrafo baiano Milton Santos,
especialista em estudos sobre urbanização do Terceiro Mundo, trabalhou com Noam Chomsky, e
ao tentar ingressar na Universidade da Bahia, teve sua inscrição cancelada, precisando inclusive
recorrer à justiça. Milton Santos continua um ilustre desconhecido no Brasil, porém um cidadão
do mundo. Por fim, citamos o historiador e escritor carioca Joel Rufino recentemente falecido,
uma referência nos estudos sobre cultura africana, professor de literatura da UFRJ; o antropólogo
congolês Kabengele Munanga, esse mais conhecido, por atuar em pesquisas de temas atinentes à
educação e racismo.

As teorizações a respeito do negro feitas por pensadores brancos correm o risco de uma
visão unilateral do intelectual branco, como a emitida por Celso Furtado, na obra Formação
Econômica do Brasil, em que apresenta o negro inferiorizado intelectualmente, e responsável pelo
| 954
atraso econômico do país. Sendo Celso Furtado uma autoridade econômica, mesmo sem ter
realizado qualquer pesquisa que o avalizasse falar sobre desenvolvimento mental de homens
negros, afirma ter o negro fraqueza mental e suas teses são leitura obrigatória, nos cursos de
Ciências Sociais, pelo menos na UnB, ressalta Santos (2015, p. 664). Com uma visão
brancocêntrica, baseada na hierarquização dos seres humanos, o professor universitário legitima
pensamentos racialistas. No mesmo viés, Santos (2015,p. 663) refere uma entrevista do Ex-
Ministro da Fazenda Delfim Neto, professor Emérito da Faculdade de Economia e Administração

188
Conferir em: https://www.youtube.com/watch?v=CkcpROCiolA

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da USP, ocorrida no Programa Canal Livre de 03/04/2011, quando perguntado se a indexação no
Mercado de Trabalho não estava pressionando a inflação, respondeu que sim,

mas que há uma ascensão visível, pois a empregada doméstica, infelizmente


não existe mais, está desaparecendo. Quem teve esse animal, teve! Quem não
teve, nunca mais vai ter. Essa senhora que era empregada doméstica hoje é
manicure. A manicure está no Call Center,está sendo gerente de uma loja de
modas. SANTOS (2015, p. 663).

De acordo com Delfim Neto, trabalhadoras domésticas são ainda animálias, como eram
denominadas as escravizadas, e com todo seu conhecimento, prevê, acertadamente, o fim dessa
categoria. Para entender o pensamento de Delfim, devemos lembrar que até início do século XX
teorias racialistas e teses eugenistas ,com base no determinismo racial e evolucionismo social e
cultural, influenciaram fortemente o pensamento acadêmico brasileiro, como as elaborações do
Dr. Nina Rodrigues, médico-legista, psiquiatra e criminologista, responsável por consolidar no
Brasil uma ciência (medicina/psiquiatria/psicologia) embasadas na medicina social e na teoria da
degenerescência, que vinculavaa loucura com crime, e a criminalidade com a raça, consolidando,
segundo Nascimento (2003, p.169), ao estereótipo racista não apenas do “crioulo doido”, como
do negro degenerado criminoso, graças à influencia lombrosiana do Dr. Rodrigues. Segundo ele,
negros eram “degradados” natos cuja condição racial já configurava um “desvio doentio”, em
respeito ao padrão de normalidade do branco.

Oliveira Vianna outro pensador, seguidor das teses do determinismo racial, de Lombroso,
defendia que do tipo físico do indivíduo, podia-se inferir as predisposições patológicas,
temperamento e inteligência. Ao avaliar “o valor mental do negro”, afirmava que este não tinha
condições de competir com as raças brancas ou amarelas, dizendo que era o que a observação e
os resultados das pesquisas de “psycologia experimental” pareciam confirmar, sem jamais ter
| 955
feito qualquer pesquisa sobre a “mente dos negros”, registra Nascimento (2013, p.173).

Se esse era o pensamento dos homens que faziam ciência, na época, imaginemos o quanto
o atendimento terapêutico psicológico bebeu nessas fontes! Na pesquisa sobre o Hospício
Juquery, instituição pioneira em psiquiatria no país, fundado por Franco da Rocha, Maria
Clementina Pereira da Cunha, trouxe dados reveladores: a população do manicômio era
predominantemente negra e os prontuários, estavam praticamente em branco, onde apareciam
informações sobre o fenótipo racial do paciente, considerados fonte de degeneração: “possuía os
estigmas de degeneração física comuns de sua raça: lábios grossos, nariz esborrachado, seios
enormes, pés chatos, um perfeito tipo de símio”. Assim foi diagnosticada, Martha, C., negra,

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internada no Juquery em 1902. (NASCIMENTO, 2003, p. 175). Geralmente o diagnóstico era
reduzido a uma lacônica expressão: -“idiotia” ou “imbecilidade”. O fato de ser negro já era indício
da possibilidade de o indivíduo ser louco, vem daí a origem da expressão crioulo doido.

No campo da educação, vamos encontrar alunos negros reforçando as Classes Especiais,


num tempo não tão distante, em que os indicadores de encaminhamento a essas turmas eram as
precárias condições sociais, o baixo desempenho escolar, os comportamentos considerados
inadequados, influenciado ainda por uma visão distorcida de professoras, como constata Omote
(2000, p.45). Quesitos em que crianças negras se enquadravam como uma luva. A escola
descartava alunos com “dificuldades de aprendizagens”, de “relacionamento” ou
“indisciplinados”, formando turmas “verdadeiros quartos de despejos”, e ali os alunos
permaneciam por dois, três, quatro ou mais anos. Não aprendiam nada, não rendiam nada. Nunca
ninguém se perguntou por que isso acontecia. Por que essas crianças ficavam ali anos a fio, sem
nada renderem?

Mais tarde, esse tipo de encaminhamento foi sendo barrado, as Universidades assumiram
seu protagonismo contribuindo com pesquisas e debates, formando-se uma nova geração de
docentes e pesquisadores; houve avanços e hoje, vivemos a fase da inclusão. Nas Universidades
a palavra de ordem é acessibilidade, o Ensino de LIBRAS189 acontece, barreiras físicas são
removidas, construção de rampas para cadeirantes e pistas com identificadores para deficientes
visuais são pensadas. Porém ainda faltam remover as barreiras invisíveis do preconceito e do
racismo, em especial da resistência para trabalhar com a diversidade e implementar as
determinações da Resolução CNE 02/2015.

Ao comentar sobre a presença e participação desigual de alunos negros no sistema


educacional brasileiro, Cavalleiro (2005, p. 68) afirma que no cerne desse sistema existem
práticas racistas, discriminatórias e preconceituosas190, que prejudicam o pleno desenvolvimento | 956
bio-psico-social de todos os alunos, em especial os considerados “diferentes”, destacando os
negros. À medida que a escola reproduz uma ideologia que desvaloriza o aluno negro, legitima
uma forma de tratamento que poderá dificultar, e até certo ponto, impedir sua permanência ou
sucesso escolar.

189
Língua Brasileira de Sinais.
190
A autora se refere a ações que resultam em tratamento desigual, violação de direitos e julgamentos
negativos em virtude da etnia ou origem da pessoa.

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CONCLUSÕES

Porque estamos tratando de educação das relações raciais? Porque é preciso enfrentar o
discurso racista na escola e em sala de aula. Logo ali, escondida em um canto está Mariana. Ela
foi chamada de macaca por um colega. E daí? Como o professor deve agir? Outro educando não
foi convidado para as festinhas de aniversários e outro, passa isolado, não consegue estabelecer
vínculos com os colegas, apresentando os trabalhos, que deveriam ser realizados, em grupo,
sempre individualmente, com alguma desculpa; além de haver um grupo que costuma empregar
apelidos. Como administrar tudo isso?

A Educação das Relações Étnico-Raciais serve para isso, para o estudante dos cursos de
licenciatura entender que educação e escola sempre foi valor para as famílias negras e que
princípios do racismo biológico, do determinismo racial e evolucionismo social e cultural
continuam alimentando concepções acadêmicas sobre negros, como a fraqueza para os estudos,
a pouca habilidade de pensamento formal, a tendência à criminalidade, à patologias de cunho
psicológico como doenças mentais, loucura, idiotia, e assim por diante. Não é por acaso que a
maioria da população carcerária é negra, nem é acidental o genocídio da juventude negra
brasileira: ambos os dramas são alimentados por teses evolucionistas e/ou deterministas e a
disciplina de Educação das Relações de Étnico-Raciais precisa debater, analisar e realizar
pesquisas de extensão com os alunos para termos esperança em reverter esse cenário.

A Educação das Relações Raciais possibilitará também que se analise a política de cotas
sob as luzes do princípio da justiça social e da equidade, revertendo-se o problema da
| 957
invisibilidade do negro nos nossos cursos superiores, em especial ainda, em cursos de pós-
graduação. Ainda falta remover as barreiras invisíveis do preconceito e do racismo, em especial
as resistências para trabalhar com a diversidade e implementar as determinações da Resolução
CNE 02/2015.

A disciplina de Educação das Relações Raciais vai servir inclusive para questionarmos a
branquitude das nossas Universidades! “A nossa educação é branca e colonizada”.

REFERÊNCIAS

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Unicamp, 1997.
BRASIL. Decreto nº 1331, de 17 de fevereiro de 1854. Approva o Regulamento para a reforma
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Rio de Janeiro, Tomo 17,parte 2ª, Secção 12ª, p. 45 – 68.
____________. Lei nº10.639 de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e
dá outras providências. Brasília, DF, DOU de 10.01.2003.
____________. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das
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Brasília: MEC, 2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/
____________. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília, DF, DOU de 11.3.2008.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
________________. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
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Disponível em
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pdf&Itemid=30192
_____________. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. Brasília: MEC, SECADI, 2013.
_____________. Parecer CNE/CP Nº 2/2015, de 9/6/2015. Diretrizes Curriculares
Nacionaispara a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação
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CARVALHO, José Jorge. O Confinamento racial na Universidade Brasileira.Revista da
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CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Discriminação racial e pluralismo nas escolas


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RIBEIRO, Maria Solange Pereira. O romper do silêncio: história e memória na trajetória


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ENEM: EFEITOS SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO
DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
SILVA, Simone Gonçalves – UFPEL
simonegonsilva@yahoo.com.br

HYPOLITO, Álvaro Moreira - UFPEL


alvaro.hypolito@gmail.com

Resumo: O artigo objetiva-se discutir os efeitos sobre o trabalho docente na educação de


jovens e adultos do processo de certificação do Ensino Médio proporcionado pela
aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Para tanto, adota-se
pressupostos da abordagem qualitativa, que tem como técnica de coleta de dados
entrevistas semi-estruturadas realizadas junto à professores da rede pública estadual de
Ensino Médio/EJA, na cidade de Rio Grande, e para análise dos dados utiliza-se os
pressupostos da análise de conteúdo (BARDIN, 1979). A discussão tem como
fundamentação teórica os estudos de Apple, Ball, Di Pierro e Hypolito e dentre outros,
que são referências teóricas sobre políticas educacionais, trabalho docente e educação de
jovens e adultos. A análise dos dados permitirem compreender as implicações do ENEM
como uma política avaliativa e certificadora, entre elas, destaca-se o ingresso e
permanência na docência; modificações no exercício docente. Por fim, percebe-se que
essa política educacional para a educação de jovens e adultos vem disseminando sentidos
e significados de responsabilização nos processos educativos institucionalizados e
alteram a constituição da organização no trabalho docente na Educação de Jovens e
Adultos.
Palavras-chave: educação de jovens e adultos; políticas educacionais; trabalho docente.

INTRODUÇÃO

O artigo objetiva discutir os efeitos sobre o trabalho docente na educação de


| 960
jovens e adultos do processo de certificação do Ensino Médio proporcionado pela
aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. A pesquisa teve como locus
investigativo as quatro Escolas Públicas Estaduais que ofertam Ensino Médio/EJA, na
cidade de Rio Grande.
A partir de pressupostos da pesquisa de abordagem qualitativa e o artigo teve um
diálogo teórico embasado em estudos de Apple, Ball, Di Pierro e Hypolito, dentre outros,
na busca de uma articulação entre referenciais teóricos da educação de jovens e adultos,
das políticas educacionais e avaliativas e do trabalho docente como subsídio à discussão.

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No campo sociológico, o trabalho docente não se limita ao fazer pedagógico e está
relacionado às modificações na organização do trabalho. Nesse sentido, a temática do
trabalho docente é problematizada como profissão e suas condições de trabalho e de
qualificação profissional, assim como a relação dos docentes com as classes sociais e com
as relações de gênero e de raça.
A argumentação desse estudo está elaborada da seguinte maneira: no primeiro
momento discute-se as reformas educacionais no contexto em que emerge a política
avaliativa e certificadora, o ENEM. Posteriormente, busca compreender como o ENEM
implica em novas relações de interferências na transformação e no processo do trabalho
docente, e como esse movimento articula-se com as categorias encontradas: o ingresso e
permanência na docência e as modificações no exercício docente na educação de jovens
e adultos. Por fim, busca uma reflexão da instituição da política avaliativa e certificadora
que dissemina sentidos e significados de responsabilização nos processos educativos
institucionalizados e altera a constituição da organização no trabalho docente na
Educação de Jovens e Adultos.

POLÍTICAS AVALIATIVAS E TRABALHO DOCENTE


A partir dos anos 1980 o Brasil vem sendo caracterizado pela redefinição do papel
do Estado e por reformas educacionais significativas relacionadas com os processos de
redemocratização do país, sob ajustes econômicos de orientação pelo Fundo Monetário
Internacional – FMI, pelo Banco Mundial e pelo Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OCDE. Esse novo paradigma é denominado de
capitalismo neoliberal, uma estratégia de administração pública gerencial das políticas,
| 961
cujas políticas possuem como premissa a redução do papel do Estado e introduzem o
gerencialismo, caracterizado pela descentralização da gestão e dos custos, focalização de
programas, pela privatização de serviços, pelas parcerias público-privado, pelo quase-
mercado, pela responsabilização, pela avaliação, pela flexibilização, dentre outros
aspectos presentes nas atuais políticas (DI PIERRO, 2001; HYPOLITO, 2011).
Nesse cenário, a educação vem sendo constituída no interior de um conjunto de
reformas que privilegia o desempenho orientado pelos resultados das políticas avaliativas.
Tais políticas compõem ações nacionais e internacionais que pretendem averiguar a
atuação e o nível de conhecimento desenvolvido nas escolas.

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Nesse âmbito, encontram-se as políticas avaliativas destinadas à Educação de
Jovens e Adultos, como a instituição das avaliações nacionais unificadas para EJA, que
também funcionam como mecanismo de certificação. A avaliação nacional
problematizada nesse estudo foi estabelecida através da Portaria Ministerial nº 109, de 27
de maio de 2009, que orienta a certificação do Ensino Médio que passa a ser garantida
pelo Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, deixando de ser de responsabilidade do
Exame Nacional de Certificações e Competências e Habilidades de Jovens e Adultos -
ENCCEJA, o qual passa a certificar somente o Ensino Fundamental; política de oferta
rápida da certificação do ensino fundamental e médio a jovens e adultos que almejavam
a avaliação e a comprovação da conclusão dos níveis de ensino da Educação Básica.
A organização educativa igualmente ancorada em novas práticas pedagógicas,
subsidiadas por determinadas políticas educacionais, curriculares e avaliativas na
Educação de Jovens e Adultos, altera as relações no trabalho docente. Conforme descreve
Hypolito (1997, p.105) “o trabalho docente no atual momento histórico é resultado de
modificações importantes e profundas na organização do trabalho escolar”.
O modelo gerencialista vivenciado pelas políticas neoliberais de reestruturação
educacional estabelece uma nova relação nos sistemas educativos e no currículo, impondo
uma nova discussão sobre os efeitos significativos que exercem no processo do trabalho
docente, como apontam Hypolito e Vieira (2002, p.279),
Nas estratégias educacionais neoliberais três proposições podem provocar
mudanças significativas para o trabalho docente: processos de avaliação
externa, currículo nacional e as políticas de formação docente. As duas
primeiras tendem a buscar uma padronização do ensino à medida em que
definem qual deve ser a educação mais adequada para toda a sociedade e, ao
mesmo tempo, o que deve ser ensinado para que o padrão desejado seja
atingido. A terceira proposição refere-se à formação docente necessária para | 962
que os professores e professoras realizem uma educação em consonância com
a avaliação do sistema e com o currículo nacional.

Segundo Ball (2002, p.5), “as tecnologias políticas da reforma da educação não
são simplesmente veículos para a mudança técnica e estrutural das organizações, mas
também mecanismos para ‘reformar’ professores e para mudar o que significa ser
professor”.
De acordo com Hypolito (2010, p.1341), o trabalho docente sofre as implicações
dessas tecnologias políticas da reforma:

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Os efeitos dessas tecnologias são inúmeros e em escala, atingem desde
aspectos relacionados à pressão emocional e ao estresse, com o aumento do
ritmo e da intensificação no trabalho, até aspectos que ocasionam mudanças
nas relações sociais, tais como a maior competição entre docentes e entre
setores, a redução da sociabilidade na vida escolar, as ações profissionais mais
individualizadas, o distanciamento das comunidades e o aumento da carga de
trabalho burocrático (produção de relatórios e seus usos para comparações que
contribuem com o aumento do terror).

Essas tecnologias de reforma – mercado, gestão e performatividade – têm


sustentado as políticas avaliativas, e, neste caso em estudo, podemos fazer menção aos
exames certificadores destinados à EJA, nos quais pode se perceber a intervenção na
orientação das práticas dos professores, na organização escolar e curricular. De acordo
com Apple (2011, p.76),
Existindo ou não tal currículo nacional disfarçado, há, entretanto, um
sentimento crescente de que um conjunto padronizado de diretrizes e metas
curriculares nacionais é indispensável para “elevar o nível” e fazer com que as
escolas sejam responsabilizadas pelo sucesso ou fracasso de seus alunos.

A partir desse fragmento destacado, percebe-se que as políticas avaliativas têm


determinado o currículo como dispositivo de controle das práticas pedagógicas. As
avaliações também avaliam os professores com base nos resultados dos alunos, essa
responsabilização do sucesso e fracasso do processo educativo por parte das avaliações
exige uma discussão sobre o trabalho docente. Essas imposições externas podem alterar
a constituição das identidades docentes, ao exigir um determinado tipo de profissional
que siga as orientações das políticas curriculares na formação do alunado de acordo com
as metas e os objetivos de ensino e de aprendizagem.
A identidade docente é permeada por diversos fatores e principalmente pelos
discursos que envolvem a educação e os modos de ser e agir docnte. Diante disso, não | 963

existe uma identidade docente fixa, pois o trabalho docente não se encontra dissociado
dos conhecimentos constituídos durante a vida e as experiências no ambiente escolar.
Nesse sentido, a identidade docente pode ser compreendida como uma construção
social marcada por múltiplos fatores, como as histórias de vida, as condições de trabalho,
o imaginário sobre a profissão e os discursos sobre os docentes e a escola (GARCIA;
HYPOLITO; VIEIRA, 2005). Nessa perspectiva, destaca-se o lugar que o professor
ocupa na sociedade e o processo de constituição da identidade. Reconhecer e compartilhar
os saberes e fazeres na construção das propostas de ensino-aprendizagem significativas,

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na mediação do processo entre o conhecimento socialmente produzido e os educandos,
nas formações específicas e continuadas dos professores, possibilita o movimento de
problematizar a educação e suas especificidades.

ENEM: INTERFACES COM O TRABALHO DOCENTE

Neste contexto das políticas avaliativas, especificamente a certificação pelo


ENEM, é que se busca pensar a docência que vem sendo constituída no Ensino
Médio/EJA. Trata-se de compreender os vínculos com a profissão docente nesta
modalidade e como os professores vêm construindo o ingresso e os motivos que os levam
a permanecer na educação de jovens e adultos. Na pesquisa foram definidos treze (13)
docentes selecionados para as entrevistas semiestruturadas. Estes docentes entrevistados
pertencem à rede pública estadual, em sua maioria são concursados, alguns foram lotados
diretamente nas escolas que ofertam EJA, e para outros o trabalho nesta modalidade
surgiu como maneira de complementação de carga horária e salarial, por meio de
convocação.
Sendo assim, no que se refere à escolha para lecionar nesta modalidade, a grande
maioria afirma que não foi uma escolha. Assumir a EJA está relacionado às formas de
efetivação no concurso, à possibilidade de contrato de trabalho e de convocação e à
disponibilidade somente para trabalho no noturno. Apenas um entrevistado alegou que
conhecia o trabalho com jovens e adultos, e que partiu dele, junto com a escola, a oferta
| 964
da EJA na instituição escolar.
A partir dos depoimentos percebe-se que são poucos os professores que possuem
entendimento sobre a EJA, ficando limitados a uma faixa etária e a uma oferta com carga
horária reduzida. Particularmente destaca-se somente um professor que demonstra
reconhecer algumas especificidades, e todos se remetem ao envolvimento na EJA como
não sendo uma escolha. Os relatos também possibilitam conhecer um pouco sobre os seus
processos formativos e constitutivos da docência e os limites e possibilidades do fazer
pedagógico e do ser docente nessa modalidade.

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A valorização docente tem sido uma das grandes questões levantadas pelos
professores na permanência na EJA. Apesar de todos os desafios, o magistério encontra,
nesta modalidade, o reconhecimento social do papel do professor pelos estudantes no
âmbito do respeito, do prestígio pelo seu trabalho, da gratificação e da afetividade. Estes
fatores configuram uma nova dimensão do ser docente, pelas compensações que o
exercício do magistério provoca nesta modalidade. Principalmente pela desvalorização
profissional que os professores vêm sofrendo, em relação ao apelo sacerdotal e
vocacional, as condições precárias de trabalho e os baixos rendimentos. Como percebe-
se nas falas que seguem sobre o trabalho na EJA:
O que posso dizer é que temos dois lados, os mais jovens que não estão a fim
de aprender e muitas pessoas de mais idade que estão a fim de aprender. [...]
Então imagina ele está dando valor, eles comentam sobre a aula, “professora
lembrei da sua aula, da prova, daquela”, então isso que deixa a gente contente
(professor 3 da escola A).

Eu trabalho com o Ensino Médio regular e com EJA, eu gosto e tenho


preferência pela EJA [...] O tipo de aluno que temos, são pessoas adultas e se
mostram mais interessadas, justamente por que tem mais idade, passaram um
tempo sem estudo, então eles são mais próximos ao professor, eles pedem mais
ajuda, solicitam mais a presença do professor do que o aluno do Ensino Médio
regular que é mais jovem e não está ligando muito, o professor tem que estar
correndo atrás do aluno no Ensino Médio (professor 3 da escola C).

Conforme os relatos destacados, reitera-se a valorização do professor pelos


estudantes na educação de jovens e adultos, o que nem sempre ocorre dessa forma
marcante nas outras modalidades. Entretanto, com a redução da carga horária e da procura
pela EJA, com a instituição da certificação dos conhecimentos através do ENEM, com a
possibilidade de aulas semipresenciais e com as facilidades propostas pelas instituições
privadas, podem constituir uma condição de desvalorização dos docentes. Percebe-se que
| 965
os estudantes reconhecem o trabalho dos docentes, mas a política de certificação via
ENEM vem desqualificando e alterando esse reconhecimento. O que também pode ser
observado no depoimento do professor 1 da escola D:
A certificação também é uma forma de desvalorização do professor, a todo o
trabalho que é feito na escola, com professores e alunos.

As mais diversas ofertas de EJA, seja a presencial, a semipresencial, a distância e


os exames supletivos, reforçam a insignificância da profissão. A docência vem sendo
minimizada no seu valor, em função de uma carga horária reduzida ou de cursos a
distância, que necessitam cada vez menos da presença do professor. Também vem sendo

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depreciada a profissão no sentido de tarefa ou atividade que pode ser desenvolvida por
qualquer pessoa ou até mesmo por um exame que reforça a perspectiva utilitarista dos
conhecimentos. Os aspectos mencionados prejudicam todo o esforço empreendido na
discussão de garantia de formação docente específica e continuada do educador de jovens
e adultos.
Cumpre esclarecer que o trabalho e a carreira docente vêm sofrendo um processo
de precarização do trabalho dos educadores. Os fenômenos que contribuem para este
processo estão relacionados à desqualificação da formação profissional docente centrada
nas competências, à intensificação do trabalho docente em consequência do aumento das
funções na escola e do aumento do tempo da jornada de trabalho, aos baixos salários
docentes decorrentes de anos anteriores, à predominância da orientação centralizada dos
currículos e à instituição das avaliações externas, que favorecem a padronização e o
controle do ensino e da formação dos professores. Em virtude de uma fiscalização dos
resultados vêm sendo intensificadas estratégias de desempenho, de culpabilidade, da
auto-responsabilização e do autoempreendedorismo dos docentes. Corroboram com esse
processo as péssimas infraestruturas físicas das escolas, as difíceis condições de trabalho
dos professores decorrentes dos problemas sociais vivenciados nas escolas e salas de aula,
o que tem demandado novas tarefas, atividades e responsabilidades (GARCIA;
ANADON, 2009).
A organização do trabalho docente na EJA não se encontra indiferente a essa
situação de precarização e de marginalização, acredita-se até mais intensa. A situação dos
docentes em Educação de Jovens e Adultos abre espaço para um processo de
precarização, em termos de baixos salários que, muitas vezes, nem podem ser
| 966
considerados salários, resumindo-se por vezes a uma bolsa auxílio oriunda de programas
de Educação de Jovens e Adultos. Condições de trabalho com aulas que acontecem em
outros espaços, com sistemas de parceria. Situações em que o professor leciona em três
turnos por dia conduzem a EJA a uma possibilidade de aumento da renda, mas com uma
intensificação pelo excesso de trabalho com diversas turmas e disciplinas, diminuindo o
tempo de elaboração das aulas, formação e estudo nessa modalidade.
Diante disso, percebe-se que existem muitos desafios para ser professor da EJA,
não somente no âmbito das políticas que depreciam o trabalho docente a atividades menos
importantes, mas também o contexto apontado pelos professores entrevistados, como o

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perfil dos alunos cada vez mais jovens e cada vez mais desinteressados e indisciplinados;
a diversidade multicultural e social presente nas turmas em função das diversas faixas
etárias, do desenvolvimento cognitivo em ritmos diferentes, das motivações, anseios e
objetivos variados; e também a estrutura organizacional da carga horária do EM/EJA, que
é reduzida comparada ao EM. Todos estes fatores dificultam a docência e também o
possível trabalho com base na proposta do ENEM.
Os professores destacam as dificuldades do trabalho docente na EJA, algumas em
razão da complexidade nas práticas pedagógicas de articular a necessidade de valorização
dos saberes dos estudantes. Frente a esse quadro apresentado pelos docentes, eles
ressaltam a importância da escola e do professor, como principais responsáveis pela
formação integral e plena do cidadão, já que consideram os desafios na organização de
suas propostas com base nas necessidades de aprendizagem dos estudantes. Sendo assim,
como uma avaliação certificadora poderia dar conta dessas questões e relacionar os
conhecimentos prévios com os conhecimentos considerados científicos? Isto implica em
compreender que os educadores procuram destacar a ação docente como uma maneira de
valorização do seu próprio trabalho, principalmente quando questionados sobre a
problemática que envolve a certificação pelo ENEM, mesmo tendo como justificativa a
importância dessa avaliação aos jovens e adultos que nunca frequentaram o Ensino Médio
ou que nele não obtiveram êxito.
Diante disso, questiona-se quais os significados e sentidos constituídos
socialmente acerca de como se compreende ensinar e aprender nesse nível de ensino,
considerando que em um curto período seja possível certificar os mesmos aprendizados
que deveriam ser construídos na escola durante um período muito mais longo. Cabe
| 967
destacar que não se tem o intuito, com este breve estudo, de compreender o papel social
desempenhado pela instituição escolar, mas indagar sobre como os professores passaram
a entender o seu fazer cotidiano na formação dos estudantes do Ensino Médio com relação
à existência de um exame que promete certificar competências em uma única prática
avaliativa, como alternativa contraditória ao trabalho que realizam durante três anos,
investindo em práticas pedagógicas, em metodologias diversificadas e múltiplas
avaliações.
Nessa perspectiva o papel do professor vem sofrendo uma intensa desvalorização,
principalmente no que se refere à desqualificação de suas práticas que passam a ser

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reestruturadas a partir da lógica de novas matrizes de referência. Como afirma Sousa
(2003, p.183): “o ENEM apresenta-se com um potencial maior de condicionar os
currículos escolares, (...) ensina-se para obter bons resultados no exame”.
Também pode-se perceber que o interesse dos estudantes faz com que o docente
constitua sua prática pedagógica com base na proposta do ENEM, conforme o relato a
seguir,
Os alunos cobram, e aqui no colégio nós temos esse costume, não adianta tu
ensinares algo que não terá uma finalidade prática, mas o que prende a
atenção do aluno, “isso aqui vai cair no ENEM, tu estudas isso aqui que é
prioridade”. Então tu acabas enfatizando teus conteúdos naquilo que o ENEM
mais pede, então ele te pergunta “por que estou vendo isso aqui professor, isso
cai no ENEM?” Desde que o ENEM foi implantado eu e vários outros colegas,
fomos nos adaptando, então o aluno fala porque vai assistir essa aula, esse
conteúdo chato, se isso nem cai no ENEM. (professor 4 da escola C).
A partir da instituição do ENEM, como certificador, o professor passa a ter que
preparar os alunos para um melhor desempenho no exame, reorientando a organização
curricular e influenciando sobremaneira a prática pedagógica e as opções metodológicas
dos docentes. Acabam por diminuir seu valor no tempo e espaço escolar, percebe-se a
desqualificação dos investimentos pedagógicos realizados na escola ao serem instituídas
maneiras de controlar e regular os docentes, estas implicam na constituição do ser e do
fazer docente como: a autonomia enfraquecida diante do planejamento das práticas; a
racionalização pela redução do seu trabalho mental; a reorientação do trabalho docente
em relação ao aperfeiçoamento de técnicas, aos conceitos e funções da EJA, com
mudanças em suas práticas anteriores; a padronização dos conteúdos, dos conhecimentos
e das práticas pedagógicas.
Em relação à padronização, Hypolito e Vieira (2002, p.280) argumentam que “a
padronização do ensino e da formação docente tende a excluir outras formas de ensinar e | 968
outros modos de produção cultural, negando assim os próprios sujeitos e as possibilidades
de afirmação de suas identidades”. Esse processo de uniformização imbricado nas
políticas avaliativas, acaba por constituir uma série de dispositivos sobre a prática docente
e a relação com o seu próprio trabalho. O que pode ocorrer é a instituição de uma cultura
de controle, tanto nas metodologias, nos planejamentos, quanto no processo de trabalho
docente a partir da determinação de um currículo oficial para a Educação de Jovens e
Adultos. A definição de um currículo nacional, tendo como base a avaliação em questão,

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o ENEM, vem causando um desconforto em relação aos princípios das práticas
pedagógicas na EJA.
A problemática da certificação também implica na desqualificação do papel do
professorado e na maneira como o docente se percebe profissionalmente na Educação de
Jovens e Adultos. Para os professores pode haver uma redução do seu conhecimento, por
encontrar seus saberes e a importância destes para a formação dos alunos, sob
interferências dos modos de produção e das políticas regulatórias do Estado, o que pode
resultar num processo de proletarização, em função da perda de controle sobre seu
trabalho (APPLE, 1987). Esta condição traz uma sensação de perda da autonomia dos
seus saberes e dos seus fazeres pedagógicos. O relato que se segue demonstra a situação
e o sentimento de desqualificação e desvalorização do trabalho docente:
Tem interferido no planejamento, na burocracia, no processo de sala de aula,
tu preparas alguma coisa e não consegues desenvolver porque não temos
alunos. “Ah, o que houve com fulano?” “Ele eliminou pelo ENEM” (professor
2 da escola B).
A redução das turmas sob interferências do ENEM implica na desqualificação e
desvalorização da ação docente, e faz com que a intervenção do professor se constitua de
estratégias para eficácia no ENEM. A caracterização da EJA e a estruturação curricular
com tempo reduzido podem intensificar o trabalho docente, na tentativa de atentar essas
orientações curriculares.
Concomitantemente, a perda da autonomia e da autoridade e a responsabilização
pelo sucesso e fracasso das propostas de reestruturação curricular implicam nas
subjetividades dos docentes, o que pode resultar no processo de autointensificação do
trabalho docente. Os depoimentos dos docentes referem-se ao seu sentimento sobre seu
próprio trabalho e também apresentam as reclamações em relação às transformações | 969
estruturais e organizacionais curriculares pela qual a educação de jovens e adultos vem
sendo orientada.
Considerando as análises das falas dos docentes, ocorre uma perda da autonomia
e o trabalho docente passa a ser regulado pelo ENEM e pelas políticas que se propõem a
consolidar a proposta pedagógica de tal avaliação. Essa regulação pode ocasionar
modificações na auto-imagem dos docentes, em virtude de que os professores passam a
perceber o seu fazer como mero cumprimento de objetivos externos, tornando-se um

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tarefeiro, perdendo a possibilidade de produção de conhecimentos, de saberes e de fazeres
pedagógicos (GARCIA; ANADON, 2009).
Os docentes também ressaltam que não possuem a formação exigida pelo ENEM,
mas estes se comprometem a fazer o possível em virtude do ideário que as avaliações têm
propagado como uma reestruturação curricular qualificadora do processo de educar, de
ensinar e de aprender. O ENEM vem enfatizando o processo formativo como
responsabilidade dos estudantes e dos docentes pelo êxito.
Em relação às repercussões dos exames, nota-se que o ENEM pode passar a exigir
uma nova perspectiva e um novo paradigma de pensar a formação e pode implicar na
necessidade de se assumir uma inovação na docência, se o foco for a melhoria do trabalho
realizado. Isto poderá causar uma auto-intensificação no processo de trabalho docente
pela busca incessante pelo aprimoramento e pela profissionalização, pelo fato de fazer
com que os professores se sintam como os únicos responsáveis por este processo de
transformação e de reorientação no aprendizado escolar qualificado. Trata-se também de
uma cultura de performatividade, entendida segundo Ball (2001; 2004), como uma
maneira de expor resultados e desempenhos como parâmetros de produção de qualidade,
implicados na responsabilização e na culpabilização docente pelo sucesso e insucesso dos
estudantes.
Parece que esta cultura do ENEM, também faz com que os professores reafirmem
sua prática como maneira de valorização do seu papel de professor, pois pode se constatar
um sentimento de reconhecimento profissional quando os estudantes identificam e fazem
relações do estudado com as questões cobradas no exame. Os docentes sentem-se
compensados pelo esforço empreendido na constituição da sua prática sob orientação do
| 970
ENEM. Pelo depoimento é possível fazer esta análise:
Até mexi com eles: “Quando é o ENEM?” Eles responderam que será sábado.
Então afirmei que se cair uma questão sobre isso vocês irão lembrar de mim.
É interessante quando tinha essa certificação de supletivo ou foi do ENEM,
não lembro, caíram umas questões de república e um aluno me disse:
“professora eu lembrei da senhora na hora da prova do que estávamos
falando na aula caiu uma questão igual”. Claro que não é intencional, mas
acaba que muitos assuntos eles acabam lembrando sobre o que falamos e
conversávamos, isso que é interessante (professor 3 da escola D).

Percebe-se que as políticas avaliativas educacionais, especificamente o ENEM,


pode ter efeitos na organização do trabalho docente na EJA. Discutiu-se durante a escrita

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alguns aspectos em relação à especificidade e às modificações da docência em EJA,
contribuindo para o destaque de alguns efeitos: a precarização, a marginalização, a
desvalorização, a desqualificação, a intensificação e autointensificação docente como
repercussões desta avaliação unificada e certificadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme anunciado inicialmente e reiterado durante toda a escrita, este artigo,


que teve a certificação do Ensino Médio/EJA através do ENEM como objeto de
investigação, almejou discutir efeitos do ENEM, como exame certificador, sobre o
processo de trabalho docente na educação de jovens e adultos. Para realizar tal análise
propôs-se discutir como a instauração dos sistemas de avaliações, especificamente
ENEM, que também é sistema de certificação, possui relações de interferências na
transformação e no processo do trabalho docente, a fim de compreender uma articulação
com o ingresso e a permanência na docência de EJA e as modificações no exercício
docente.
Percebe-se que os docentes entrevistados vêm constituindo uma identidade social
e profissional, e que seus vínculos com a docência na educação de jovens e adultos estão
relacionados à valorização do profissão. O trabalho vem sendo considerado central nas
propostas pedagógicas para a EJA, o que também aproxima o docente da permanência no
trabalho dessa modalidade. As práticas e as experiências constituem uma identificação
com a EJA e a preferência para lecionar nesta modalidade. Pode-se dizer que a grande
maioria dos docentes afirma que não foi uma escolha. O assumir a EJA está relacionado
às formas de efetivação no concurso, à possibilidade de contrato de trabalho e de
| 971
convocação e à disponibilidade somente para trabalho no noturno.
Percebe-se que ainda existe a necessidade de formação específica do educador
de EJA, em virtude de que poucos docentes possuem entendimento sobre a EJA, e seus
critérios para área de trabalho ficam limitados à faixa etária e a uma oferta com carga
horária reduzida. Há ainda a necessidade de os professores discutirem as transformações
e mudanças nas práticas pedagógicas e curriculares, tal afirmativa torna-se importante
quando os docentes depõem que não tinham conhecimento da certificação e souberam
disso ao trabalharem nesta modalidade.

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Compreender quem são os professores no Ensino Médio/EJA possibilitou
algumas percepções em relação ao ENEM e ao processo de modificação da docência. Os
docentes são reconhecidos socialmente e profissionalmente pelos estudantes nesta
modalidade, o que não sentem no Ensino Fundamental e Médio. No entanto, alegam que
a política de certificação via ENEM vem contribuindo para desvalorização do professor,
pelo fato de que o interesse dos estudantes na aprovação e na certificação faz com que o
docente constitua sua prática pedagógica com base na proposta do ENEM.
Também cabe ressaltar, segundo as análises, que esta avaliação vem alterando a
constituição das identidades docentes, ao ser exigido um determinado tipo de profissional
que segue as orientações das políticas curriculares na formação dos estudantes jovens e
adultos de acordo com as metas e os objetivos de ensino e de aprendizagem. Frente a este
contexto, também se reconhece uma desqualificação do papel do professorado na
educação de jovens e adultos, em virtude da redução do seu conhecimento e da sensação
de perda da autonomia dos saberes e dos fazeres pedagógicos no Ensino Médio de jovens
e adultos.
Os docentes argumentam que suas decisões curriculares estão conectadas ao
ENEM, por acreditarem que possa ser uma proposta qualificadora e inovadora na
construção do conhecimento no Ensino Médio. Sendo assim, observa-se que o trabalho
docente vem sendo regido por um processo de autointensificação, pois os professores
sentem-se responsáveis pelo êxito dos estudantes no ENEM, já que esta avaliação vem se
configurando como indicadora de parâmetros de qualidade da educação brasileira.
Observou-se que os docentes sentem-se desvalorizados. Em função disso, os
professores constituíram estratégias de retomada desse reconhecimento social e
| 972
profissional. Percebe-se que ocorre uma cultura de performatividade em função da
necessidade do docente expor que sua prática pedagógica e curricular vem possibilitando
aos alunos o êxito no exame, pelo fato de identificarem o que foi estudado com os
conhecimentos exigidos.
O que se constatou dessa pesquisa, a partir dos dados obtidos, que a educação de
jovens e adultos ainda ocupa uma posição secundária pela insuficiência de políticas
coerentes e consensuais na esfera social. Principalmente pela necessidade de reflexão dos
distanciamentos e a falta de comprometimento nas propostas políticas do governo,

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ficando na subalternidade da gama de políticas de iniciativas paliativas como os exames
supletivos como solução para os baixos índices de escolarização.
Por fim, percebe-se que as políticas educacionais para a educação de jovens e
adultos, neste caso os exames supletivos, reiteram o caráter compensatório e aligeirado
do processo de ensino e aprendizagem nessa modalidade educativa e alteram aspectos
relacionados ao trabalho docente. Em relação ao trabalho de ensinar essas questões vêm
disseminando sentidos e significados de responsabilização nos processos educativos
institucionalizados e alteram a constituição da organização no trabalho docente na
Educação de Jovens e Adultos.

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intensificação do trabalho docente. Currículo sem Fronteiras, v.9, n.2, pp.100-112, 2009.

SOUSA, Sandra. Possíveis impactos das políticas de avaliação no currículo escolar. Cadernos
de Pesquisa, n. 119, p. 175-190, 2003. | 974

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04, 05 e 06 de abril de 2016
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POLÍTICAS E PROCESSOS NA FORMAÇÃO CONTINUADA
DE PROFESSORES CONSIDERANDO O JOVEM DO ENSINO
MÉDIO NO ATUAL CONTEXTO EDUCACIONAL
BRASILEIRO

Ana Lucia da Luz Mazzardo – UFSM


analuciamazzardo@gmail.com
Jane Makosky-UFSM
janemakosky@gmail.com
Rosane Carneiro Sarturi-UFSM
rcsarturi@gmail.com

Resumo:
Este artigo é parte de um estudo do Grupo de Pesquisa Elos da Universidade Federal de
Santa Maria realizada com apoio do Programa Observatório da Educação (OBEDUC), da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil. O objetivo é
analisar o processo de implantação das políticas de formação continuada de professores nas
estruturas simbólicas, considerando os valores, saberes e linguagens em relação às apropriações
didáticas para mediações no uso das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC. Este
trabalho é de cunho quanti-qualitativo e analisa dados coletados por meio de questionários,
conversas e observações nas relações com os sujeitos da pesquisa, professores e jovens do
Instituto Estadual de Educação Vicente Dutra, bem como analise de documentos legais, dados
estatísticos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa – INEP e autores relacionados à temática.
Concluiu-se que as políticas e processos previstos para o sistema educacional, que estão na
legislação, nem sempre encontram-se imbricadas no contexto educacional, desencadeando
| 975
problemas sociais em comunidades brasileiras, bem como em relação ao projeto político-
pedagógico em suas articulações com as concepções de juventude e direito à qualidade social da
educação.

Palavras-chave: Políticas públicas. Formação Continuada de Professores. Ensino médio.

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INTRODUÇÃO
Esse artigo propõe a socialização de parte de um estudo do Grupo de Pesquisa
Elos da Universidade Federal de Santa Maria, que está sendo realizada com apoio do
Programa Observatório da Educação (OBEDUC) e da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil.
A pesquisa realizou-se no contexto escolar do Ensino Médio Politécnico do
Instituto Estadual de Educação Vicente Dutra, na cidade de Julio de Castilhos no RS,
aborda relações relativas à qualidade social da educação do jovem estudante no ensino
médio e de seus professores, bem como oportunidades de formação continuada desses
professores especialmente em relação à dimensão das Tecnologias de Informação e
Comunicação – TIC e as apropriações didáticas para a mediação com os estudantes.
Algumas das dificuldades destacadas pelos estudantes para constituir a própria
formação foram as desigualdades sociais, culturais e econômicas; também a – formação
dos professores em relação à apropriação das TIC –no que concerne as mediações,
didática e de linguagens.
Entretanto na escola pesquisada, assim como possivelmente em muitas escolas
brasileiras, houve a distribuição de Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC.
Porém a previsão para a formação docente com vistas ao trabalho pedagógico com essas
tecnologias não contemplou minimamente as necessidades da realidade. A comunidade
escolar, receber equipamentos eletrônicos é uma antiga reivindicação e solução para a
acessibilidade, mas que se confronta com a continuidade do problema de acesso as
linguagens, saberes, valores e desenvolvimento de autoria.
Parece haver uma contradição atribuída à formação de professores, “[...] falar da
| 976
formação de professores neste tempo-espaço exige, mais do que nunca a análise de um
feixe de contradições que a definem, na sua relação com os projetos de sociedade e
educação em disputa” (BARRETO, 2001, p. 11), pois, as questões de formação de
professores continuam no centro das políticas, seja em nível nacional, tal como na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei n. 9394/96 (BRASIL, 1996) Plano
Nacional de Educação – PNE, Lei n. 13.005 (BRASIL, 2014) nos programas no âmbito
do Ministério de Educação e do Desporto, Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação – FNDE, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB e nos programas em nível

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internacional, como Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura – UNESCO, Fundo Monetário Internacional – FMI, Banco Mundial – BM.
As políticas são elaboradas por diferentes grupos em meio a disputas que se
articulam em torno de seus interesses e sobre a influência de organismos internacionais
em que o contexto macrossocial predomina sobre o microssocial. “Contextos macro e
micro, no âmbito educacional, estão profundamente imbricados [...]” (LIMA e GANDIN,
2012, p. 13).
No Brasil o governo permitiu a oferta das TIC a grupos sociais e escolas,
entretanto muitos grupos ainda estão excluídos, seja por ainda não terem acesso as TIC
fisicamente ou porque quando têm o acesso físico parece não se socializar meios
cognitivos da sua utilização para integrar pedagogias ativas de modo a aproveitar as
tecnologias potenciais inerentes a esses artefatos de modo reflexivo, crítico, criativo e
autoral. As distâncias geográficas, sociais e econômicas são formas de exclusão em
relação à apropriação das tecnologias da inteligência, mas, – é a falta de mediação para a
constituição cognitiva que impede pessoas de aproveitar as TIC – quando têm o acesso.
Portanto, além das distâncias que já existem, há outra distância do tipo cognitiva a ser
superada (LINARD, 2000).
A formação de professores em países em desenvolvimento parece priorizar ‘os
meios em detrimento das mediações’ a novidade e inovação está no fato de que “[...] pela
primeira vez não estaríamos recebendo as máquinas de segunda mão!’ porém receber
máquinas novas não [...] encobre a não-contemporaneidade entre objetos e práticas, entre
tecnologias e usos, impedindo-nos assim de compreender os sentidos que sua apropriação
adquire historicamente” (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 255-6).
| 977
É preciso desenvolver estratégias de conhecimento e aprendizagem apropriadas às
demandas de consumo de TIC, pois parece ser fato o consumo e o gosto pelas mesmas,
em geral, as pessoas que têm acesso e as que gostariam de ter. Em relação às TIC, ao
modo como forem utilizadas, pode-se afirmar “[...] estar a serviço do ‘bem’ ou do ‘mal’–
e ressaltar que o meio é a mensagem e que as linguagens (inclusive a linguagem
audiovisual e a informática) são fundamentos do pensamento e estruturam o
conhecimento”. (BELLONI, 1998, p. 156).
Cabe à educação explorar e colocar as TIC a serviço do conhecimento e
desenvolvimento humano. As TIC podem levar com pertinência a usufruir das pedagogias

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ativas que existiam muito antes delas e assim elas seriam utilizadas como tecnologias da
inteligência para rever às dimensões simbólicas de modo mais autônomo (LINARD,
2000). Antever essas potencialidades é missão das políticas e processos do sistema
educacional para a formação de professores.
Na análise das políticas e processos do sistema educacional para a formação de
professores adotou-se como referência partir de um modelo organizado a partir de
estruturas: estrutura formal, representada por teorias, práticas e objetivos; estrutura
substantiva, representada por atores, interesses e regras; estrutura material, representada
por financiamentos, suportes, custos, economia; estrutura simbólica, representada por
valores, saberes e linguagens (DI GIOVANNI, 2009). Essas estruturas atuam
conjuntamente e se interferem.
Este trabalho é de cunho quanti-qualitativa, atenta para autores relacionados à
temática e analisa dados coletados através de questionários, conversas e observações nas
relações com os sujeitos da pesquisa, professores e jovens estudantes do ensino médio do
Instituto Estadual de Educação Vicente Dutra inserido no atual contexto educacional
brasileiro.
Para dar suporte teórico ao trabalho foram utilizados, também, documentos legais, dados
estatísticos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa – INEP e documentos que dão
suporte aos estudos na área educacional de nível médio.
O objetivo é analisar o processo de implantação das políticas de formação
continuada de professores nas estruturas simbólicas, considerando os valores, saberes e
linguagens em relação às apropriações didáticas para mediações no uso das Tecnologias
de Informação e Comunicação – TIC.
| 978

Contexto educacional de jovens do Ensino médio


Com a intenção de facilitar a melhor compreensão de alguns dos atores sociais:
professores, funcionários, famílias e – especialmente os jovens do ensino médio, também,
procurou-se socializar mais informações referentes ao contexto de relações de
convivência.
O Instituto Estadual de Educação Vicente Dutra, tem porte médio, possui uma
estrutura física considerada boa para os padrões esperados no momento; os professores
na totalidade possuem graduação, alguns são especialistas e um é mestre; os alunos são

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de nível social e econômico médio; eles são oriundos da zona rural e da zona urbana,
sendo estes últimos da região central e de diferentes vilas da cidade de Júlio de Castilhos.
Segundo dados do INEP (2014) dos 571 alunos matriculados, 130 alunos possuem
bolsa família e 50 deles utilizam o transporte escolar custeado pelo estado e município.
Jovens de distintas realidades sociais são as novas demandas do ensino médio. Os
jovens oriundos de um meio desfavorecido nesta escola são uma minoria, mas somados
a outras comunidades representam a maioria que desafiam o trabalho de professores no
cotidiano escolar. Pois ir à escola, aprender e ter uma formação com qualidade deve ser
um direito exercido por todos. Por isso a necessidade de estratégias de inclusão constitui
um dos desafios a toda comunidade escolar, visto que as demandas do ensino médio já
não são as mesmas da década anterior.
Os professores e os alunos que chegam às escolas são outros, com novas
identidades e demandas que precisam ser levadas em conta e por isso há necessidade de
um processo de inovação educacional, na qual o currículo precisa ser outro e na
reconstrução curricular é necessário refletir em diálogo com as novas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio nas quais consta como indispensável á
apropriação das Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC (ARROYO, 2014).
Pois as TIC devem integrar a apropriação de pedagogias ativas, bem como serem
‘ferramentas pedagógicas’ e “[...] objeto de estudo complexo e multifacetado, exigindo
abordagens criativas, críticas e interdisciplinares”. (BELLONI, 2001, p. 9). Portanto,
pode-se afirmar que em relação às TIC cabe “[...] dominá-las, sujeitando-as aos princípios
emancipadores da educação, eis aí o desafio que está posto”. (BELLONI, 1998, p. 156).
O consumo de TIC é constante e intenso, interfere na constituição cognitiva e
| 979
sociocultural da população em geral. Conforme demonstra a pesquisa realizada pela
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, 2015, são hábitos de
consumo de mídia pela população brasileira: rádio (55%); jornal 7% leem diariamente,
sendo a 2ª-feira o dia da semana mais mencionado pelos leitores (48%), e o sábado o
menos mencionado (35%); televisão, 95% dos entrevistados afirmaram ver TV, sendo
que 73% têm o hábito de assistir diariamente. Em média, os brasileiros passam 4h31min
por dia expostos ao televisor, de 2ª a 6ª-feira, e 4h14min nos finais de semana; internet,
49% conectados 4h59min por dia durante a semana e 4h24min nos finais de semana;
celular para acessar a internet compete com o uso de computadores ou notebooks, 66% e

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71%, respectivamente entre os internautas. O uso de redes sociais influencia esse
resultado. Pois entre os internautas, 92% estão conectados por meio de redes sociais,
sendo as mais utilizadas o Facebook (83%), o Whatsapp (58%) e o Youtube (17%). Por
isso, as TIC são meios de socialização.
Observa-se assim, que cresce a importância dos conhecimentos que vêm das
experiências sociais (ARROYO, 2014).
A importância atribuída às experiências sociais parece estar presente entre os
valores dos jovens da escola pesquisada. Foram entrevistados 74 jovens do ensino médio
e revelaram: valorizar a escola, também, por ser um espaço de convivência e interação
entre pares; consideram os conteúdos escolares muito difíceis e alguns desinteressantes,
embora reconheçam a necessidade e importância do conhecimento; a dificuldade dos
professores para ensinar e a falta do uso de tecnologias no ensino.
Os dados do Censo escolar demonstram que a dificuldade em relação aos
conteúdos e a reprovação é algo presente nas relações desses jovens.
Tabela 1: Matrículas no Ensino Médio Regular do Instituto Estadual de Educação Vicente
Dutra.
ANO 1ª Série 2ª Série 3ª Série TOTAL

2010 234 121 86 669

2011 227 139 97 660

2012 224 170 83 701

2013 179 135 105 652

2014 169 126 105 571

Fonte: Censo escolar. Secretaria da Escola. (2015).Elaborada pelas autoras.


Ao observar a tabela 1 percebe-se que no ano de 2012 foram 224 matrículas no 1º
ano e em 2014 apenas 105 concluíram o 3º ano do ensino médio. Portanto, em torno de
| 980
45% dos matriculados não concluíram o ensino médio em três anos.
Tal fato, possivelmente, é muito frustrante para o jovem e suas famílias. Pois, na
entrevista, entre outras significações e sentidos atribuídos pelo jovem à escola, surgiram
expectativas de realizar aspirações de futuro profissional e de sucesso, embora a maior
atribuição de valor a escola tenha sido por ser um espaço para travar relações, fazer
amigos e constituir crescimento pessoal pela socialização.
Pelos relatos e dados pesquisados infere-se um distanciamento cognitivo de
muitos jovens em relação a conteúdos curriculares e a cultura da escola tradicional, o que
dificulta as relações entre estudantes e professores. Portanto, possivelmente, outras

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formas de socialização como as linguagens das TIC, desde que integradas a práticas
pedagógicas ativas, são potenciais para: pesquisar; compreender; interagir com interesses
simbólicos diversos; constituições cognitivas e socioculturais, bem como a condução
docente com êxito em relação ao jovem se inserir na participação social baseada em
princípios da cidadania. Assim, observa-se a necessidade de caminhar lado a lado com os
jovens, na interação com diferentes mídias dominadas por eles, na constituição de
aprendizagens significativas. No entanto “[...] respeitar a leitura de mundo do educando
não consiste em concordar com ela ou a ela se acomodar, assumindo-a como sua. É a
maneira que tem o professor de, com o educando e não sobre ele, tentar a superação de
uma forma de ver o mundo mais ingênua por outra mais crítica de interligar o mundo’
(FREIRE, 2015, p. 120).
Os jovens precisam de pares entre os quais possam contar com mediadores com
formação de qualidade para o auxilio às estratégias de seleção de: informações,
aprendizagens e conhecimentos apropriados à cidadania. Entretanto, o “[...] problema
básico do conceito de cidadania está hoje em ‘se qualificar para poder exercê-la. Torna-
se necessário entender o discurso da mídia, das tecnologias, para que a população possa
exercer plenamente sua participação na sociedade (AAVV, 2000)’ (PRETTO, 2001, p.
34). Porém, nem sempre os jovens encontram pares que possam ser considerados como
referencias para o desenvolvimento favorável ao exercício pleno da cidadania.
Em questionário aplicado aos alunos da escola para melhor conhecer a
comunidade escolar percebeu-se as diferentes realidades em que estão inseridos.
Gráfico 1: Situação da comunidade escolar.

| 981

Fonte: Questionário. Elaborado pelas autoras


Dentre os jovens pesquisados observou-se que não há dúvidas em relação à
influência de fatores do contexto em que estão envolvidos, especialmente, considerando
a escolaridade e a renda familiar como mostra o gráfico 1.

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A escolaridade dos pais é basicamente o ensino fundamental incompleto e a renda
familiar fica entre 1 e 2 salários mínimo mensais.
Dos 74 alunos entrevistados a maioria não trabalha em atividade remunerada,
alguns residem no interior e auxiliam os familiares nas atividades diárias, a maioria já
reprovou, porém está na idade adequada, o que faz pensar que os mesmos tenham
ingressado na escola com idade inferior a seis anos conforme legislação vigente na época.
A heterogeneidade constatada na escola pesquisada é um dos fatores que talvez
dificulte um trabalho que leve a melhores resultados.
Para fazer frente a essas demandas, o Brasil, segundo o Relatório Educação Para
Todos (BRASIL, 2014), implantou mudanças significativas na última década e algumas
merecem registro: o fortalecimento do financiamento da Educação Básica, através da
criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, segundo a Emenda
Constitucional nº 53/06 e Lei nº 11.494/07 (FONTE) que contribuiu para aumentar
significativamente o volume de recursos para este nível da escolaridade.
Outra mudança importante foi á ampliação da escolaridade obrigatória de 7 a 14
anos para 4 a 17 anos, tal como mostra a Emenda Constitucional nº 59/2009 (FONTE),
em processo de implantação gradativa até 2016.
Tais mudanças implementadas no país trouxeram algumas melhorias nas taxa de
frequência à escola, do atendimento de 81,1% (2001) para 84,2% (2012).
Outro resultado positivo vem sendo alcançado, no ensino médio, relacionado à
taxa de distorção idade/série como mostra o gráfico 2.
Gráfico 2 – taxa de idade/série distorção
| 982

100
38,2 37,6
32,4 Brasil
29,6
28,2 26,6
31,1
29,5 RS
0 28,2
Brasil VICENTE DUTRA
2012 2013
2014

Fonte: Indicadores Educacionais – INEP 2015- Elaborado pela autora

Observa-se que a taxa de distorção idade/série no Brasil e no estado do Rio Grande


do Sul diminuiu em torno de 3% no período de 2012 – 2014. Já na escola pesquisada essa

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taxa foi em torno de 6% justificando-se o trabalho intenso implementado na escola junto
às famílias dos alunos reprovados e/ou com problemas de frequência.
Os indicadores apontam para um encaminhamento do enfrentamento de
problemas históricos na educação brasileira, em especial o ensino médio apontado como
o nível de ensino que sofre com a estagnação ocorrida entre 2001 – 2010, conhecida como
a década perdida, mediante a desqualificação da oferta (KUENZER, 2010).
O protagonismo docente é imprescindível para as questões sociais serem bem
encaminhadas, bem como inserir a comunidade escolar na participação das políticas e
suas práticas; nestes processos a participação social dos estudantes como agentes de
transformação de suas unidades de ensino e de suas comunidades são apontamentos das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (MEC, 2012). Este é um desafio
para todas as escolas.

Políticas e Processos na Formação Continuada de Professores


Para a superação de desafios educacionais a formação profissional é essencial.
A formação do professor integra fundamentos e parâmetros na constituição
cultural e social que vem sendo abordado nas políticas orientadas pela legislação
conforme observa-se a seguir:
Quadro 1: Resumo dos documentos legais que mencionam a valorização e formação de
professores no Brasil.
Ano Documento Fragmentos de Textos
A formação de profissionais da educação .terá como fundamentos: I – a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação /Art. associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em
1996 61, 62, 67 serviço;
Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da
educação,...
Do Plano de Metas Compromisso Todos ...instituir programa próprio ou em regime de colaboração para formação
| 983
2007 pela Educação/Art .2 inicial e continuada de profissionais da educação...

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais São elementos constitutivos para a operacionalização destas Diretrizes ...
2010 para a Educação Básica /Art. 42 à 60 o professor e o programa de formação docente.
O Professor e a Formação Inicial e Continuada
O Pacto Nacional Pelo Fortalecimento do ..Compromisso com a valorização da formação continuada dos
2013 Ensino Médio/Art.1 professores e coordenadores pedagógicos que atuam no ensino médio
público...
Documento Orientador das Ações de ...promover a valorização da formação continuada dos professores e
Formação Continuada de Professores e coordenadores pedagógicos que atuam no Ensino Médio público...
2014 Coordenadores Pedagógicos do Ensino
Médio em 2014/ Íntegra
10 Desafios do Ensino Médio no Brasil Para ...valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de
2014 Garantir o Direito de Aprender de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos
Adolescentes de 15 a 17 Anos (P.41; 89) (as) demais profissionais com escolaridade equivalente

..Apenas 53% dos professores que atuam no ensino médio têm


formação compatível com a disciplina que lecionam...

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2014 10 Desafios do Ensino Médio no Brasil Para ..faltam professores qualificados e motivados para dar aula para os
Garantir o Direito de Aprender de adolescentes nessa etapa de ensino ..
Adolescentes de 15 a 17 Anos (P.41; 89)

Ao analisar os documentos legais orientadores da educação brasileira, nos últimos


anos, observou-se que os mesmos trazem perspectivas de encaminhamentos para o
enfrentamento dos desafios, em especial do ensino médio, em grifos nossos, destaca-se a
importância da formação de professores associada a algumas políticas de valorização
profissional bem como promessa de comprometimento dos governantes em garantir a
lotação dos professores em uma única escola. Entende-se ser indispensável para melhorar
a qualidade desse nível de ensino: formação continuada; valorização da profissão; os
professores pertencerem a uma única comunidade escolar, o que possivelmente, facilitaria
reconhecer os desafios locais e intensificar o comprometimento com resultados a partir
de uma comunidade coesa.
Entre as políticas para a formação de professores, implantada no Ensino Médio
Politécnico, pautado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, (MEC,
2012) proposto pelo governo federal às escolas públicas do país em 2014 está o Pacto
pelo fortalecimento do Ensino Médio, instituído pela Portaria nº 1.140 de 22 de novembro
de 2013 (MEC, 2014), tendo como objetivos: promover a melhoria da qualidade da
educação; ampliar os espaços de formação de todos os professores; desencadear um
movimento de reflexão em relação às práticas curriculares; fomentar o desenvolvimento
de práticas educativas com foco na formação integral; implantação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (MEC, 2012), documento que aponta o
trabalho, a cultura, a ciências e a tecnologia como dimensões que devem estar
contempladas nos currículos do Ensino Médio e deverão integrar os conhecimentos das | 984
diferentes áreas que compõem o currículo.
O Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio aconteceu no Instituto
Estadual de Educação Vicente Dutra conforme o Documento Orientador das ações de
formação continuada de professores e coordenadores pedagógicos do Ensino Médio em
2014. O curso utilizou a hora-atividade, privilegiou a articulação entre teoria e a prática
no processo de formação docente. Para participar do Pacto os professores receberam bolsa
de R$ 200,00 durante dez meses, além de acesso aos cadernos de formação digitais,
disponibilizado pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC. Foram utilizadas três

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horas semanais, já destinadas à formação, a realização das discussões na própria escola
articulado com Instituições de Ensino Superior – IES para a orientação do processo de
formação. O processo formativo apresentou como eixo estruturante a temática ‘Sujeitos
do Ensino Médio e Formação Integral’. Foi uma proposta que – aconteceu apenas em
2014, mas não teve continuidade, embora alguns efeitos permaneçam.
Ao buscar compreender a relevância da implantação do Pacto na escola
pesquisada foi realizada entrevista com a coordenação pedagógica e aplicação de
questionário a treze professores que relataram como pontos positivos do processo:
socialização leituras referentes à educação; reflexão sobre as práticas; discussões
coletivas sobre o contexto escolar; troca de experiências pedagógicas; novas
metodologias para aprimoramento de práticas; avaliação das atividades realizadas.
Quando questionados sobre os pontos negativos do Pacto os professores disseram ser
pouco o tempo destinado à realização das atividades propostas e que nem sempre elas
convergiam para a sequência de conteúdos programados, as leituras eram muito extensas
para o tempo disponível e, no início, houve muita resistência por parte dos professores.
O professor precisaria ter tempo dentro da escola para: elaborar material didático;
fazer pesquisa; ler; orientar os alunos de forma satisfatória. E ter um salário digno para
que não precise trabalhar, muitas vezes, em três turnos sem condições para manter-se
estudando. No artigo 3º a LDB diz que um dos princípios que servirá de base para o ensino
será a “valorização do profissional de educação escolar” (MEC, 1996).
Foi solicitado aos professores a atribuir uma nota de um a cinco para os conteúdos
dos cadernos de formação e 70% deles deram nota quatro, 15% avaliaram em três e 15%
em cinco. Quando questionados sobre o impacto que o pacto causou nas práticas
| 985
educativas três dos trezes professores perguntados disseram que não mudaram suas
práticas, dois não responderam e oito disseram que sim, o pacto mudou suas práticas
pedagógicas.
Outra política de formação de professores e uso das mídias nas escolas
implantadas pelo governo do estado do RS através da Secretaria Estadual de Educação e
Cultura – SEDUC/RS – Departamento Pedagógico, em 2014, foi o Programa Província
de São Pedro – RS Mais Digital. Foram – 8 horas de formação – para os professores
regentes de classe e supervisão de escola. Esse foi um programa do governo estadual com
a participação da União, não foi oportunizado pelo Pacto. O programa foi dividido em

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duas partes: uma foi implantada em algumas escolas polos (na região de fronteira e de
risco na região metropolitana de Porto Alegre); a outra parte distribuiu um tablet para o
coordenador pedagógico e para cada professor que estava em sala de aula do ensino
médio.
Para analisar o processo de implantação do uso pedagógico de tecnologias digitais
pretendidas pela Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul – SEDUC-RS
foram consultados treze professores regentes do Ensino Médio Politécnico no Instituto
Estadual de educação Vicente Dutra. Dos treze professores em sala de aula como regentes
dez informaram terem sido contemplados com o tablet do governo estadual em 2014
através do Programa Província de São Pedro – RS Mais Digital. Entre os dez professores
que receberam o tablet foi questionado se o equipamento está funcionando: sete disseram
que atualmente não. Outro questionamento aos dez professores que tem o tablet: “Você
usa ou usou, pedagogicamente, o tablet?” As alternativas eram: sempre, esporadicamente,
raramente ou nunca. As respostas, dos dez, foram: cinco nunca, três esporadicamente e
dois raramente.
Uma das dificuldades enfrentada ao uso pedagógico dos equipamentos de mídia
digital existentes na escola foi o serviço de internet lenta, apenas de 2GB, essa velocidade
não seria suficiente para colocar em funcionamento 15 computadores ao mesmo tempo.
Por isso, atualmente a escola paga com recursos próprios, via Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação – FNDE, outro provedor de internet. A internet funciona
para toda a escola, especialmente para o laboratório onde os alunos frequentam, mas com
um custo alto para a escola.
As iniciativas tiveram como objetivo a melhoria da qualidade da educação através
| 986
da qualificação tecnológica visando à modernização de equipamentos e de espaços, bem
como a formação pedagógica dos professores para o uso das mídias no ambiente escolar
para: conhecer; aprender; ensinar e resignificar as aprendizagens e as relações
interpessoais com o conhecimento de novas ferramentas tecnológicas inserindo a escola
no mundo digital. Entretanto os objetivos não foram alcançados por não atingir todos os
professores, pois: a inserção a este programa foi oportunizada somente para quem estava
em sala de aula no ano de 2014; as poucas horas de formação; as dificuldades com a
velocidade da internet.

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Assim, os dados demonstram uma intenção inicial, em documentação legal, de
formalizar a necessária formação continuada e valorização de professores. Porém, na
prática pouco se efetivou. Tal fato é lamentável, pois o Brasil encaminha questões sociais
e culturais através do ambiente escolar que acumula fracassos por falta de estruturas.
Nesse sentido deve-se atenção a recente regulamentação da Educação à Distância
– EaD para a educação básica, através da Resolução nº1, de 02 de fevereiro de 2016
(BRASIL, 2016) define Diretrizes Operacionais Nacionais para o credenciamento
institucional e a oferta de cursos e programas de Ensino Médio, de Educação Profissional
Técnica de Nível Médio e de Educação de Jovens e Adultos, nas etapas do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio, na modalidade Educação a Distância, que poderá
adentrar ao ambiente escolar com as estruturas deficitárias para atender satisfatoriamente
a demanda. Portanto, as oportunidades de formação com mais qualidade para os
profissionais, professores e tutores, com vistas a constituir relações de ensinar e aprender,
é tema que merece discussões.
Considerações Finais
As políticas educacionais são elaboradas, com intencionalidades muitas vezes
divergentes aos desafios que as originaram e implantadas nas escolas quando deveriam
ser gestadas e elaboradas a partir da escola, pelo coletivo da comunidade escolar
respeitando as diversidades culturais locais.
Ao analisar o processo de implantação das políticas de formação continuada de
professores nas estruturas simbólicas, considerando os valores, saberes e linguagens em
relação às apropriações didáticas para mediações no uso das Tecnologias de Informação
e Comunicação – TIC, constatou-se que há intensa necessidade de oportunizar aos
| 987
professores a constituição de significações e sentidos às relações de ensinar e aprender
utilizando pedagogias ativas pelas TIC. Pois os jovens aprendem ao socializarem-se pelas
linguagens das TIC ‘[...] se apropriam do social e reelaboram práticas, valores, normas e
visões de mundo a partir de uma representação dos seus interesses; interpretam e dão
sentido ao mundo [...]’ (DAYRELL e CARRANO, 2014, p. 104). Por isso nos programas
de formação de professores, além da distribuição ou facilitação da aquisição de TIC, como
os tablets, os programas devem ser prenhes de possibilidades para as apropriações
pedagógicas com vistas a recriar meios didáticos e de mediação. O que, possivelmente,
facilitaria ao professor a condução com êxito a inserção do jovem à participação social

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baseada em princípios de cidadania e reduziria o distanciamento cognitivo de muitos
jovens em relação aos conteúdos escolares. Porém, as políticas e processos do sistema
educacional mostram-se em contradições com a realidade das estruturas da escola bem
como com a formação de professores e sua condição de vida. Tais contradições facilitam
a constituição de problemas sociais em comunidades brasileiras e ao projeto político-
pedagógico em suas articulações com as concepções de juventude e direito à qualidade
social da educação. Por fim, conclui-se que nem sempre a legislação está imbricada no
contexto escolar.

REFERÊNCIAS
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| 990

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PLANEJAMENTO E TRABALHO DOCENTE COM A
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: REFLEXÕES A PARTIR DO
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO A
DOCÊNCIA – PIBID – CEFD/UFSM191

Bhianca Conterato Patias ( UFSM)


bhiancacz@yahoo.com.br
Andressa Aita Ivo (UFSM)
dessaaita@gmail.com
Caroline Foggiato Ferreira (UFSM)
cfoggiato@gmail.com
Renata Nascimento Duarte (UFSM)
renata_duarte05@yahoo.com.br

Resumo: Como objetivo do trabalho buscamos compreender a elaboração e


desenvolvimento do planejamento para prática pedagógica com a Educação Física (EF)
no contexto do PIBID EF do CEFD/UFSM. Para levantamento dos dados foi realizado
entrevistas com doze bolsistas, seis supervisores e dois coordenadores. Os dados foram
analisados segundo Franco (2005) e demonstraram que apesar de historicamente o
planejamento pedagógico na EF escolar possuir fragilidades, e as vezes se resumir ao
cumprimento de obrigações burocráticas, no contexto do subprojeto PIBID Educação
Física o planejamento tem assumido relevância nas reuniões e na prática pedagógica dos
envolvidos.
| 991
Palavras Chaves: Educação Física, Planejamento, PIBID.

INTRODUÇÃO
Diversos autores, com diferentes perspectivas, têm dedicado atenção ao
planejamento no processo educativo formal. Gauthier (2014), por exemplo, aponta que o
trabalho do professor é mediado por duas grandes funções: a gestão de classe e a gestão
da aprendizagem. A função pedagógica da gestão de aprendizagem diz respeito a todos

191
Está pesquisa foi financiada pelo Programa das Licenciaturas da Universidade Federal de Santa Maria
(PROLICEM/UFSM) , sob a orientação da Profª Drª Elizara Carolina Marin.

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os enunciados relativos ao planejamento, ao ensino e a avaliação do processo de ensino e
aprendizagem. Ou seja, conjuga o conjunto de operações que o professor lança mão para
levar os alunos a aprender o conteúdo. O autor situa que essas duas grandes funções são
complementares e necessárias para o trabalho do professor.
Canfield (1996) considera o planejamento como "pedra fundamental", como a
razão de todo trabalho pedagógico consciente. Diz respeito a todas as ações e decisões do
professor na sua relação com a comunidade escolar, por isso, trata-se de uma programação
realizada e avaliada pelo professor cotidianamente, como processo, flexível, inacabado,
aberto a mudanças e reestruturações.
Para Libâneo (2013, p. 245) o planejamento de ensino:
“É uma tarefa docente que inclui tanto a previsão das atividades
didáticas em termos de sua organização e coordenação em face
dos objetivos propostos, quanto a sua revisão e adequação no
decorrer do processo de ensino. O planejamento é um meio para
se programar as ações docentes, mas é também um momento de
pesquisa e reflexão intimamente ligado a avaliação”.

Nessa direção, ao elaborar o planejamento o professor deve buscar responder os


seguintes questionamentos: como? Com quê? O quê? Para quê? Para quem? Tais
perguntas devem estar relacionadas com as necessidades e características das turmas e do
perfil dos alunos. Esses elementos são adotados como ponto de partida para o professor
começar a formular o seu planejamento.
Assim esta pesquisa tem como objetivo compreender a elaboração e o
desenvolvimento do planejamento para o trabalho docente com a Educação Física no
contexto do PIBID Educação Física.
| 992

METODOLOGIA
Este estudo insere-se na perspectiva da pesquisa exploratória que, de acordo com
Deslandes (2007), consiste na produção do projeto de pesquisa e de todos os
procedimentos necessários para a entrada em campo. Segundo Marin (2006), esse
primeiro contato exploratório possibilita diversos encaminhamentos em termos de
recortes de pesquisa.

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Os colaboradores da pesquisa foram os Coordenadores (CO) de Área, Professores
Supervisores (PS) e os Bolsistas de Iniciação a Docência (BID)192 do PIBID Educação
Física na Educação Básica, dos Subprojetos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, e Anos
Finais do Ensino Fundamental (a escolha pelo Ensino Fundamental se deu por este
abranger a maior parte dentro da Educação Básica).
Para coleta de dados realizamos entrevista semi-estruturada que, conforme
Minayo (2007), combina perguntas fechadas e abertas e em que o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender a indagação
formulada. Para a análise de dados utilizamos análise de conteúdo, que, com base em
Franco (2005), trata-se de um procedimento que leva em consideração a mensagem (oral,
escrita, gestual, silenciosa, figurativa, documental ou diretamente provocada), e as
condições contextuais dos seus produtores.
Foram entrevistados 20 sujeitos, desses, 12 são Bolsistas de Iniciação a Docência,
sendo 6 de cada subprojeto; 6 Professores Supervisores, sendo 3 de cada subprojeto; e 2
coordenadores, 1 de cada subprojeto. Seguindo pressupostos éticos todos foram
convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, onde contém
informações sobre os objetivos da pesquisa e garante o sigilo da identidade dos
entrevistados, também dando liberdade para que o sujeito possa desistir da pesquisa a
qualquer momento. Visando o sigilo dos nomes dos colaboradores, os Bolsistas de
Iniciação a Docência foram nomeados BID 1,2,3,4...; os Professores Supervisores de PS
1,2,3,4...; e os Coordenador de CO 1 e 2.
Para realização da entrevista foi estabelecido anteriormente diálogo com os
colaboradores a fim de explicar os objetivos da pesquisa e posterior agendamento dos
| 993
dias e horários com os entrevistados. As entrevistas foram gravadas mediante a
autorização dos colaboradores.

192
O critério de seleção dos BID foi de estar vinculado ao subprojeto a no mínimo dois semestres, este
recorte justifica-se pela experiência desenvolvida pelos mesmos na escola. Tendo em vista, que cada
subprojeto atua em três escolas, foram selecionados dois BID de cada escola, totalizando 12 BID. O
semestre que os BID estão cursando varia do 1° ao 8°.

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O PLANEJAMENTO PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO COMPONENTE
CURRICULAR EDUCAÇÃO FÍSICA
Para entendermos o planejamento para o trabalho docente do componente
curricular Educação Física, é importante que façamos um apanhado histórico (ainda que
de modo breve), de como ela se constituiu dentro do processo Educacional e no contexto
escolar.
Segundo Bracht (1999) desde meados dos séculos XVIII e XIX, a Educação Física
era fortemente influenciada pelas instituições militares e pela medicina. A primeira,
detentora das práticas e dos exercícios, e, a segunda, deu novos significados aos
conhecimentos. Para Bracht (1999, p.73) “isso era feito numa perspectiva terapêutica,
mas principalmente pedagógica, Educar o corpo para a produção significa promover
saúde e educação para a saúde”.
A Educação Física, nesse sentido, tinha o papel de desenvolver corpos saudáveis,
robustos, bonitos esteticamente para que estes estivessem em condições de servir aos
sistemas de produção da época. Junto a isto, entre os séculos XIX e XX, emergiu como
prática corporal o esporte, que estava ligado a conceitos como o de rendimento, recordes,
vitórias, dentre outros, o qual veio a se incorporar dentro da Pedagogia da Educação
Física, sem modificações. Ou seja, houve reprodução da forma como o esporte estava
sendo imposto na sociedade. Os professores adotavam isso como meta, delimitando
objetivos e traçando caminhos para atingi-los (JAHN 2004).
Conforme Bracht (1999) o fenômeno esportivo, tinha como um dos sentidos,
preparar gerações para representar o país no campo esportivo internacional. Nas palavras
do autor:
| 994
“Pelos documentos da política de desenvolvimento dos esportes
e da educação, aliás, extremamente abundantes nesse período,
fica claro que a EF (no sentido lato) possuía um papel importante
no Projeto de Brasil dos militares, e que tal importância estava
ligada ao desenvolvimento da aptidão física e ao
desenvolvimento do desporto: a primeira, porque era considerada
importante para a capacidade produtiva da nação (da classe
trabalhadora) e o segundo, pela contribuição que traria para
afirmar o país no concerto das nações desenvolvidas (Brasil
potência) e pela sua contribuição para a primeira, ou seja, para a
aptidão física da população” (p.75)

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Foi então no século XX, a partir dos anos 80, que começa a surgir novas
perspectivas teóricas a partir das quais se questiona na Educação Física a reprodução de
atividades, de esportes, e propõem-se pensa-la como um amplo conhecimento sobre a
cultura corporal (BRACHT 2010).
Apesar da ampliação teórica da área, o planejamento voltado à reprodução do
esporte, ao rendimento continua presente. Segundo Krug (2002), muitos professores têm
dificuldade em colocar no papel aquilo que desejam. Em pesquisa realizada identificou
que os professores fundamentam suas práticas pedagógicas a partir de suas experiências,
de suas vivências, pelo que consideram dar ou não resultado, portanto, planejar é
entendido como tarefa para os mais novos.
Outros aspectos que também influenciam no planejamento, referem-se às
condições de trabalho, falta de materiais didáticos, infraestrutura inadequada para a
prática pedagógica, o acúmulo de funções, a baixa remuneração e a elevada carga horária
laboral. Ou seja, vários aspectos interpelam a realização do planejamento para a Educação
Física escolar, uma tarefa que exige esforços, e contribui para a legitimidade desse
componente curricular “através de práticas com intencionalidade no ensino dos
conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais” (SILVA, 2015, p.18-19).

O PLANEJAMENTO DE ENSINO NO SUBPROJETO EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA


CEFD/ UFSM
O PIBID é um Programa proposto pelo Ministério da Educação no ano de 2007,
com vistas à valorização da formação de professores para atuação na educação básica,
que visa promover a inserção de acadêmicos de licenciatura no contexto das Escolas
Públicas, desde o inicio da sua formação, desenvolvendo atividades didático-pedagógicas | 995
sob orientação de um docente da licenciatura (Coordenador de área) e de um professor da
escola (Professor Supervisor).
O Subprojeto PIBID Educação Física na Educação Básica edital 61/2013, está
estruturado de maneira a atender todos os níveis de ensino da Educação Física Escolar,
subdividido em: Educação Infantil, Anos Inicias e Anos Finais do Ensino Fundamental e
Ensino Médio. Cada nível de ensino possui um Coordenador de Área responsável,
docente do Centro de Educação Física e Desporto (CEFD/UFSM).

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O Subprojeto possui sessenta Bolsistas de Iniciação Docência, doze Professores
Supervisores e quatro Coordenadores de Área. Os Bolsistas de Iniciação a Docência
devem cumprir dois turnos (cada turno de 4hs frente aluno) na escola, juntamente com o
Professor Supervisor, responsável por sua atuação no âmbito escolar. Ademais, os
Coordenadores de área por cada nível de ensino realizam reuniões de estudos193,
semanalmente, para acompanhamento e orientação dos seus bolsistas.
“As reuniões são semanais. A gente está fazendo, primeiro o
planejamento, ter uma direção metodológica para o trabalho, ou
seja, ter um objetivo e estar bem amarrado com o conteúdo, com
as atividades que vai trabalhar, com o processo de avaliação, ou
seja, com o objetivo, com o conteúdo X, com o que eu estou me
propondo. A gente está se formando pra isso, trabalhamos textos
teóricos sobre isso. Eu trouxe pra eles alguns planejamentos no
sentido de como se pode elaborar esses planejamentos. E agora
está na fase deles trazerem os planejamentos e nós discutirmos
esses planejamentos já desenvolvidos por eles na escola. Dentro
dessa lógica que nós aprendemos.” (CO 2 AI)

“[...] então nós trabalhamos com leituras básicas, principalmente


relativas as abordagens da Educação Física. O nosso projeto esse
ano definiu uma abordagem, a crítico-superadora, então
normalmente as leituras são direcionadas para essa abordagem.
Mas também fizemos neste horário o processo de apresentação
das dificuldades dos alunos, a gente tem seminários mensal de
cada escola. Cada escola apresenta o seu programa e um exemplo
do seu planejamento e abre para as discussões. Nós começamos
a fazer isso no segundo semestre.” (CO1 AF)

Ambos os coordenadores abordam o planejamento de ensino nas reuniões, o qual


segundo Bossle (2002) pode ser subdividido em plano de disciplina, ou de curso, que é o
plano que se faz para um ano ou semestre; o plano de unidade, que é o planejamento de
| 996
um item ou tópico de um programa (unidade de trabalho); e o plano de aula, que nada
mais é do que um detalhamento do plano de ensino para a prática da sala de aula.
Ainda que o planejamento de ensino não seja o principal tema tratado pelo
coordenador CO1 AF, visto que ter preocupação maior com o desenvolvimento da
abordagem de ensino, a definição e clareza da abordagem auxilia os BID no
planejamento, pois como adverte Libâneo (2013), para que um planejamento seja

193
Participam das reuniões os coordenadores, supervisores e bolsistas de iniciação a docência. As reuniões
tem em média à duração de 3 horas.

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efetivamente um instrumento para a ação, entre outros aspectos, exige coerência entre as
ideias e a prática, entre objetivos, conteúdos, métodos e avaliação.
O planejamento é elaborado/pensado conforme a realidade que os BID encontram
no contexto escolar em que estão inseridos, conforme suas falas:
“O planejamento que a gente faz é em cima de coisas que eles
conhecem, a gente trabalha um pouco de esportes coletivos, e
agora estamos dando um enfoque para os jogos cooperativos, que
é para fazer com que eles tenham uma integração maior, a
questão da aula mesmo” (BID 11 AF)

“A gente faz um planejamento conforme a gente vê que eles


precisam na hora do jogo, que eles não estão sabendo, não estão
conseguindo entender, procuramos enfatizar. Nós começamos a
planejar, a partir das necessidades que a gente vê neles” (BID 12
AF)

Libâneo (2013) assinala que o planejamento não se restringe a sala de aula, ele vai
além, está ligado a exigências socais e também as experiências dos alunos. Portanto, ao
planejar os BID necessitam atentar ao contexto escolar e social dos alunos e da escola.
Participam da elaboração e desenvolvimento do planejamento os coordenadores,
supervisores e bolsistas, todavia com ações diferentes, mas complementares.
“O professor lá da escola auxilia nas reuniões, dando dicas.
Como ele já conhece a turma, ele diz: talvez isso aqui não vai
funcionar, porque a turma é mais agitada ou menos. E o
Coordenador atua de uma forma mais geral, mais ampla, falando
mais sobre as abordagens, como que tem utilizado dentro do
plano de aula” (BID11 AF)

“O coordenador é nas reuniões, no mínimo uma vez por mês. Nós


chegamos na reunião e a gente apresenta o planejamento, aí o
coordenador questiona se aquilo que nós estamos trabalhando é | 997
o correto segundo a nossa concepção e por que que aquilo é
importante. O supervisor, auxilia na reunião também, junto com
a coordenadora, mas principalmente na escola. A gente reelabora
o plano e manda pra ele, e ai se tiver alguma coisa que não está
seguindo uma ordem, que esteja errado, ele nos questiona, ele faz
praticamente quase a mesma coisa que a coordenadora, só que
na escola, ele está ali, está vendo como tá funcionando, e também
durante a aula, ele questiona será que é assim, como que vocês
vão trabalhar dessa forma” (BID 2 AI).

Os coordenadores nas reuniões possibilitam aos BID a discussão e a compreensão


mais ampla e teórica acerca do planejamento (do pensar e elaborar) e do trabalho

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desenvolvido na escola (posterior). Já os supervisores, em grande medida articulados com
os Coordenadores, acompanham o processo de execução, a ação do planejamento. Por
estarem juntos com os BID no contexto escolar, auxiliam no desenvolvimento das aulas
e na avaliação do planejamento. Nesta relação entre CO, PS e BID o PIBID dos
subprojetos analisados favorece uma experiência cuja práxis permite aos discentes do
curso de licenciatura em Educação Física apropriação do processo do fazer docente e a
pensar, situar e se construir como professores. Os participantes do subprojeto ressaltam a
importância do planejamento para o desenvolvimento das aulas, como elucidam os
seguintes relatos:
“[...] considero muito importante, porque o planejamento é uma
base pra ti chegar na escola, eu não consigo chegar na escola e
trabalhar sem ter um planejamento, fica sem chão. Esse tempo
também é importante pra refletir. Claro a gente usa reflexão
depois também do planejamento mas antes no que tu vai planejar
é importante saber porque vou trabalhar certo conteúdo, a gente
começa a pensar o porque que a gente vai trabalhar, o que que
nós vamos desenvolver” (BID 2 AI)

“O planejamento vai ser a tua referencia, de ver se foi possível,


não foi possível, pra inclusive replanejar novos conhecimentos,
novos objetivos, a partir daquilo que tu tens, é o teu fio, é onde
tu consegue dar continuidade para aquilo. Então o planejamento
pra mim é essencial, alguém que vai para um prática pedagógica
sem planejamento o que quer desenvolver ali, eu acho que assim,
acaba trabalhando os conhecimentos de forma muito
fragmentado, se perde”. (CO2)

“O planejamento é algo primordial para que todo um trabalho


seja bem desenvolvido e que realmente esteja voltado para o
desenvolvimento da aprendizagem da criança. Um planejamento
é tudo, dentro de uma escola, pra toda uma sequencia de trabalho, | 998
então nós estamos procurando fazer o possível, para que aconteça
esses planejamentos (PS2AI)”.

Os relatos deixam evidente a centralidade que o planejamento assume na práxis


docente, contrapondo-se ao trabalho realizado em muitas escolas identificadas nos
estudos desenvolvidos por Krug (2002); Bossle (2002); Silva (2015) quando o
planejamento tem por principal objetivo cumprir exigências formais ao invés de ser ação
fundamental para as práticas diárias dos professores. Aparentemente, o ensino para
muitos professores se constitui numa prática que não necessita ser pensada. Como pontua

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Silva (2015) as chamadas “semanas de planejamento escolar”, são momentos, de
preenchimento de formulários, cumprimento de deveres burocráticos, onde os professores
colocam o que vai ser trabalhado durante o ano, ou semestre, seus objetivos, conteúdos,
atividades, materiais didáticos, métodos de ensino, avaliação e cronograma.
Entretanto, assim como Bossle (2002) concebemos o planejamento de ensino,
como uma construção orientadora da ação docente, que como processo, organiza e dá
direção à prática coerente com os objetivos a que se propõe. Nesse sentido os supervisores
entendem que o planejamento não pode ser algo fixo,
“Quando eles planejam a aula, eu não acredito que a aula vai sair
da forma que está no papel. Mas ao menos eles terão um norte,
no mínimo uma base para conseguirem seguir, conforme for
acontecendo a aula. As vezes são necessárias algumas alterações,
algumas observações, pra que a aula transcorra da melhor forma
possível (PS 5 AF).

“Eu acho que enriqueceria muito mais o trabalho pedagógico se


tu usar o planejamento como um apoio, como um norte que tu
tem que seguir, mas ele não pode sobremaneira, ser a ultima
palavra. Olho pro papel o que está ali tenho que fazer, não! É um
norte de quais atividades tu tem que fazer, tu tem que perceber a
turma, o que os alunos estão gostando. O professor também tem
que perceber como é que ele está trabalhando aquilo e se os
alunos não estão conseguindo fazer aquilo, mas não está no
planejamento, quem sabe ele organiza uma atividade facilitadora
para aquele exercício que o aluno está fazendo, mesmo que não
esteja no planejamento. Parte do professor perceber o que os
alunos não conseguiram realizar na atividade, por que era muito
difícil, e aí elaborar uma nova estratégia” (PS 1, AI)

As ponderações dos Supervisores corroboram com Libâneo (2013) ao advertir que


o planejamento precisa ter flexibilidade, pois se trata de um guia e não de uma decisão | 999
inflexível. Portanto, é primordial adequar as propostas previstas no planejamento ao
modo como os conteúdos vão sendo desenvolvidos , uma vez que, durante a aula, podem
surgir situações que não estavam previstas, tendo em vista a dinamicidade presente no
contexto educacional.
É possível identificar por meio das falas que a preocupação na compreensão e
elaboração do planejamento de ensino por parte dos Coordenadores leva em consideração
o conhecimento a ser trabalhado na Educação Física. Já nas falas dos Supervisores e
Bolsista, a concepção de planejamento está centrada no executar, na atividade, no gosto

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do aluno, entre outros, historicamente assentado numa concepção de Educação centrada
na ação motora. Evidenciando que tanto há avanços do PIBID em análise no que tange
ao planejamento na EF quanto reprodução ao historicamente instituído (SAUER, 2014).
Outro aspecto importante a se considerar no planejamento refere-se à avaliação do
mesmo, pois como sustenta Luckesi (2011, p. 184) “enquanto o planejamento traça
previamente os caminhos, a avaliação subsidia os redirecionamentos que venham a se
fazer necessários no percurso da ação”. Nessa direção a avaliação do planejamento se
mostra como aspecto importante para os BID:
“Praticamente todas as aulas eu faço uma autoavaliação após a
aula. Faço anotações, isso foi importante, isso foi legal, isso não
foi legal, entendeu, não rendeu.E acontece em todas as aulas, nem
sempre tudo vai dar certo, mas a reflexão ela sempre acontece. E
eu penso que seja de forma positiva, porque é importante para
dar sequencia no trabalho” (BID 2 AI).

“A gente faz essa avalição com os alunos todo final da aula, e


depois da aula nós mesmos escrevemos, fazemos um relatório no
final do plano com tudo que aconteceu. É semanal, e tem
avaliação também do grupo em geral, que a gente fala como foi
o semestre digamos, das atividades” (BID 12 AF)

Apesar das dificuldades encontradas pelos BID na elaboração e desenvolvimento


do planejamento, como a falta de infraestrutura adequada; o comportamento dos alunos;
a escolha e continuidade dos conteúdos e o pouco tempo para planejar as aulas, todos
consideram que a participação no subprojeto contribuiu significativamente para seu
aprendizado sobre os elementos que envolvem o planejamento.
“O PIBID me ajuda muito, me ajudou e está me ajudando muito.
Com a questão de aprender a fazer o planejamento, porque eu | 1000
tenho o apoio da professora da escola e o apoio do coordenador
que nos ajudam. Não que no dia a dia das aulas da graduação não
tenha isso, mas é que é quase como uma aula particular,
atendimento especial separado, tipo na quinta-feira que a
professora atende eu e a minha colega” (BID 12 AF).

“Em relação ao planejamento, eu penso que nas disciplinas que a


gente tem na graduação ele é trabalhado, mas de uma forma
muito superficial e digamos fictícia, entende, tu planeja, mas tu
não executa, o PIBID é diferente, tu planeja, tu vai lá e executa,
ai a partir disso tu consegue ver se está dando certo, se a tua
abordagem, teu método de ensino está dando certo, se é o melhor
método ou não” (BID 2 AI).

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Como diversos estudos tem apontado (Dalla Nora, 2015; Mundt, 2014;
Welter, Welter e Sawitzki; 2012) o PIBID tem assumido um importante espaço na
formação inicial dos acadêmicos, pois proporciona práticas educacionais de docência no
contexto escolar. No âmbito do planejamento de ensino, a experiência no PIBID
possibilita elaborar/pensar o ensino e refletir/avaliar a prática pedagógica como apontam
os seguintes relatos:
“O PIBID me auxilia principalmente para o fato de eu estar junto
com pessoas que já fazem planejamento [...] o PIBID ele me
possibilita estar inserido na escola antes de formado, então estar
nesse meio junto com professores que fazem isso a mais tempo
que tem um conhecimento maior que o meu acadêmico , me
auxilia na questão do planejamento e poder ver as aulas.” (BID
11 AF)

“Eu acho que é um espaço onde a gente está na escola, a gente


aprende a planejar junto com os outros, pode trocar ideias, então
é muito importante sim, é um espaço a mais de formação.” (BID
5 AI)

Ainda que, nas reuniões com os Coordenadores o planejamento seja tratado de


modo mais abrangente, o suporte teórico é fundamental para que os BID construam seus
planos de aula. Outro aspecto pontuado pelos BID condiz à possibilidade de articular os
conhecimentos teóricos com a prática pedagógica, de modo que as discussões nas
reuniões dos subprojetos instrumentalizam a práxis docente, entendida essa como
atividade de transformação social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos o Planejamento como processo essencial no trabalho que o professor


desenvolve na escola, como direção no caminho a ser seguido para alcançar os objetivos | 1001

que se pretende.
Historicamente o planejamento de ensino na Educação Física escolar, possui
fragilidades, centrado num rol de atividades a ser desenvolvidas, isolado dos demais
aspectos que evolvem o trabalho pedagógico – método, objetivos, avaliação – e muitas
vezes se resume ao cumprimento de obrigações burocráticas, todavia no contexto do
subprojeto PIBID Educação Física o planejamento tem assumido relevância nas reuniões
e na prática pedagógica dos BID.

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É possível identificar que tanto os bolsistas quanto os supervisores e
coordenadores trazem como principais aspectos que o planejamento serve de base, de
referência para a atuação na escola, é o que o professor se utiliza para traçar um caminho
a seguir, e que como tal deve ser construído a partir do contexto social dos alunos, e da
escola onde o mesmo será desenvolvido, além de ser um processo que está em constantes
mudanças (flexível) conforme as necessidades individuais e do coletivo da turma de
alunos.
Identificamos que há diferenças no tratamento destinado ao planejamento pelos
Coordenadores participantes da pesquisa, e que direta ou indiretamente influência na
maneira como os Supervisores e Bolsistas conduzem a elaboração, a organização e o
desenvolvimento do planejamento.
A partir do exposto concluímos que o PIBID CEFD/UFSM, é um espaço
importante dentro da Formação Inicial dos acadêmicos, pois proporciona oportunidade
do fazer junto, experimentando, discutindo, tencionando, avaliando, possibilitando
compreensão mais aprofundada sobre o planejamento no processo de ensino escolar,
assim como a construção desse conhecimento através das reuniões e trocas de
experiências.
REFERÊNCIAS

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possível e necessário. 4° Ed. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2014.
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Docência UFSM. Proposta - Edital nº 61/2013. CAPES, 2013.
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| 1002
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BRACHT, V. A Educação Física no Ensino Fundamental, ANAIS DO I SEMINÁRIO
NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO – Perspectivas Atuais, Belo Horizonte,
novembro de 2010. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=71
70&Itemid . Acesso em Novembro de 2015.
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coletivo docente. Revista Movimento, Porto Alegre, V.8, n.1, p. 31 - 39, janeiro / abril
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| 1003
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| 1004

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PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA INGLESA DE
ESCOLA PÚBLICA SOBRE A PROFISSÃO DOCENTE

Luciana Specht (UCPel)


luspecht@bol.com.br

Resumo: Neste artigo, busca-se analisar as percepções de professores de Língua Inglesa


de escola pública sobre a profissão docente. Para tanto, contou-se com a participação de
três professoras de diferentes escolas públicas municipais de uma cidade do interior do
Rio Grande do Sul. Elas produziram, individualmente, um texto narrativo na versão
escrita, cujo tema era: “Eu, professora de Língua Inglesa”. Como referencial teórico e
metodológico, foram utilizados os pressupostos teóricos acerca dos estudos identitários
(HALL, 2006, 2004, 1997); do ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (BOHN,
2013; PAIVA, 1997; CELANI, 1987) e das políticas linguísticas (ASSIS-PETERSON e
SILVA, 2010 e BOHN, 2000). O estudo revelou algumas percepções recorrentes nos
textos analisados, tais como: a imensa dificuldade de se trabalhar na escola pública, a
desvalorização profissional e a desmotivação em relação ao futuro profissional do
professor de Língua Inglesa de escola pública de ensino básico. Todas essas percepções
tendem a indicar identidades profissionais conflituosas, fragmentadas, decorrentes das
mudanças socioeconômicas, denotando um sujeito em crise identitária profissional. Essa
crise reitera a necessidade de políticas públicas de valorização do professor como um todo
e a relevância do professor retomar a sua voz no contexto educacional.
Palavras-chave: Inglês; Percepções; Professor.

INTRODUÇÃO

Atualmente, há uma crise identitária instaurada na modernidade, decorrente do


impacto das revoluções culturais nas sociedades globais e na vida cotidiana local no final | 1005
do século XX (HALL, 2006). Segundo o autor (idem: ibidem), essa crise identitária é tida
como um processo amplo de mudança no qual os sujeitos estão perdendo as referências
que permitiam uma ancoragem estável no mundo social, ou seja, nas palavras desse autor
“as velhas identidades estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno”. Nesse sentido, a sociedade e, indubitavelmente, a
educação vem sendo afetada de um modo geral.
Envolto a essa complexidade, encontra-se, por exemplo, o professor de línguas
estrangeiras, que necessita conviver com todas as mudanças sociais e culturais, advindas

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dos avanços relacionados à tecnologia, às teorias e às concepções metodológicas de
ensino e aprendizagem de línguas, entre outras. Essas mudanças podem contribuir para
modificar as percepções que os docentes têm acerca de sua profissão. Assim, parece
importante o estudo acerca das percepções, uma vez que elas tendem a influenciar na
construção da identidade profissional, bem como na elaboração de políticas educacionais
que possibilitem a valorização do professor.
Nesse sentido, o presente artigo busca analisar as percepções de professores de
Língua Inglesa (LI) de ensino básico de escola pública municipal de uma cidade do
interior do Rio Grande do Sul. Para a realização desse estudo, contou-se com a
participação de três professoras de faixa etária correspondente a 38 e 44 anos, cujo tempo
de atuação em sala de aula corresponde a 12 e 16 anos. Elas produziram individualmente
um texto na versão escrita, cujo tema era: “Eu, professora de LI”. Como referencial
teórico e metodológico, foram utilizados os pressupostos teóricos acerca dos estudos
identitários (HALL, 2006, 2004, 1997); do ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras
(BOHN, 2013; PAIVA, 1997; CELANI, 1987) e das políticas linguísticas (ASSIS-
PETERSON e SILVA, 2010 e BOHN, 2000).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Atualmente, o professor de LI necessita conviver com as mudanças sociais e


culturais, advindas dos avanços relacionados à tecnologia, às teorias e às concepções
metodológicas de ensino e aprendizagem de línguas, entre outras, que estão afetando,
| 1006
indubitavelmente, sua identidade profissional. Essas mudanças resultariam na ascensão
de novas identidades que apontariam para a existência de um sujeito moderno
fragmentado (HALL, 2004). Se antes acreditávamos que éramos sujeitos integrados,
estáveis e centralizados, hoje percebemos que essa compreensão não parece mais ser
aceita, uma vez que, na concepção de Hall (2006, p. 13) “a identidade plenamente
unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia” e o autor complementa (2003, p.
44) que “as identidades, concebidas como estabelecidas e estáveis, estão naufragando nos
rochedos de uma diferenciação que prolifera”.

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Envolto a complexidade no que tange à identidade profissional do professor de
LI, sabemos que o mesmo deveria, em termos profissionais, ter uma consciência política,
dominar o idioma (oral e escrito) e apresentar uma sólida formação pedagógica com
aprofundamento em linguística aplicada (PAIVA, 1997). No entanto, isso está longe da
realidade, uma vez que a formação dos professores ainda é muito deficitária (CELANI,
1987; PAIVA, 1997). Para agravar ainda mais a situação, os professores mencionam que
sofrem discriminação nas escolas, pois, de acordo com uma pesquisa realizada por Paiva
(1997) acerca do professor de LI de escola pública, essa disciplina é considerada
secundária, apresentando carga horária reduzida, ou seja, parece ser desvalorizada na
sociedade.
Sendo assim, muitos professores sentem-se desanimados e, na maioria das vezes,
frustrados, tendo em vista as péssimas condições da sala de aula, o elevado número de
alunos por turma, o número reduzido de horas-aula semanais, a falta de recursos didáticos,
sem falar dos termos financeiros. Além disso, muitas são as críticas que incidem sobre
esses profissionais devido aos problemas detectados, por exemplo, no ensino básico da
escola pública, tais como: a exclusão social, o baixo IDEB (Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica), entre outros, tornando-se evidentes com o lançamento do Projeto
Ciências sem Fronteiras194. Para suprir essas “carências” dos professores e dar uma
resposta a essas críticas, o governo está convocando os professores a se atualizarem, a
fim de atender às demandas de uma competição nacional e global.
Porém, as propostas do governo têm sido desacreditadas pelos professores, uma
vez que elas não refletem os reais interesses dos mesmos e são impostas de cima para
baixo (ASSIS-PETERSON e SILVA, 2010, p. 151). Em outros termos, os professores
| 1007
não são convidados a opinarem, apenas convocados a seguirem determinações
governamentais. Nesse sentido, os professores se “veem como implementadores ou
aplicadores de políticas de planejamento que não foram decididas por eles” (MÓR, 2013,
p. 221), implementando as ideias ou propostas pensadas por outras pessoas. Envolto a
tudo isso, o professor de LI procura resistir a essas demandas e lutar pelo seu papel na
sociedade atual, uma vez que, segundo Bohn (2013), o professor é:

194
Para maiores informações sobre este Programa, consultar o site
http://www.cienciasemfronetiras.gov.br/web/csf/o-programa.

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O grande tecelão que organiza essa complexidade de fios que tecem a
construção do saber. Os professores lidam com a linguagem, com as coisas do
espírito, com o conhecimento, com a cultura, com a formação da consciência,
mas também lidam com as emoções e a construção de uma profissão.

Sendo assim, após a explicitação dos princípios teóricos que norteiam esse
estudo, a seguir, serão apresentados os procedimentos metodológicos adotados para a
realização do mesmo.

METODOLOGIA

Para a realização desse estudo foram convidadas a participarem três professoras


de ensino básico de LI de diferentes escolas públicas municipais de uma cidade do interior
do Rio Grande do Sul, cuja faixa etária corresponde a 38 e 44. O tempo de atuação em
sala de aula dessas professoras corresponde a 12 e 16 anos. Essas professoras escreveram
individualmente um texto narrativo, cujo tema era “Eu, professora de LI”. Para os
critérios de produção do texto, foram estabelecidos entre meia a uma página e elas
puderam escrever tudo que considerassem importante comentar acerca do tema proposto,
tendo em vista que esse tema era amplo. Esses textos foram produzidos na residência de
cada uma das participantes e enviados por e-mail para a pesquisadora.
As participantes foram nomeadas ficticiamente a fim de preservar a identidade
de cada uma delas. Cabe destacar que as participantes são todas do sexo feminino, tendo
em vista que elas constituem a maioria do quadro de professores dessa rede municipal.
No desenvolvimento da análise, serão utilizados os pressupostos teóricos acerca dos | 1008
estudos identitários (HALL, 2006, 2004, 1997); do ensino/aprendizagem de línguas
estrangeiras (BOHN, 2013; PAIVA, 1997; CELANI, 1987) e das políticas linguísticas
(ASSIS-PETERSON e SILVA, 2010 e BOHN, 2000).

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ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Apresento, a seguir, a análise dos textos escritos pelas participantes deste estudo,
destacando as percepções mais recorrentes na maioria desses textos que versam sobre: 1)
a escola pública municipal e 2) o futuro profissional do professor de LI de escola pública
municipal de ensino básico.
Os excertos, a seguir, foram destacados dos textos escritos realizados pelas
participantes: Paula, Ana e Beatriz195, cujo tema era: “Eu, professora de LI”.

Percepções acerca da escola pública municipal

A realidade da escola pública no ensino da LI é muito complicada. Nas diversas escolas


que trabalho, no total são quatro, sempre tenho todas as turmas no ensino médio e no
ensino fundamental. A dificuldade em desenvolver determinado conteúdo está
diretamente relacionado ao tempo e ao interesse dos alunos, principalmente do Ensino
Médio noturno. (...) O interesse em aprender é de poucos alunos por turma, porém o
conteúdo é dado e depois vejo o que aproveito da produção diária de cada um.
(Beatriz)196

Com um ano de formação prestei concurso para professor de LI para o ensino


fundamental da rede pública estadual. Tive contato com uma realidade bastante triste,
um sistema que não havia tempo para planejamento das aulas, para a leitura e estudo.
Resolvi viajar, fiquei um ano trabalhando e estudando por minha própria conta em
| 1009
Londres. Voltei prestei concurso público para professor de LI para a rede pública
municipal. Convivi e ainda convivo com alunos com muitos problemas sociais, familiares
e emocionais. Percebi que ensinar apenas o sistema linguístico da LI não melhoraria a
vida de nenhum dos meus alunos da escola pública. Nos cursos livres o objetivo era
ensinar o aluno a falar, se comunicar em LI, na escola era formá-lo, educá-lo. (Ana)

195
Os nomes são fictícios, com o intuito de preservar a identidade das participantes deste estudo.
196
Os excertos foram transcritos sem nenhuma alteração quanto à forma ou ao conteúdo.

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(...) a dificuldade de trabalhar com os alunos dos anos finais (...) Os alunos apresentam
sérias dificuldades para fazer tarefas e estudos e até mesmo na execução de exercícios,
por falta de estudo. O trabalho vai se desenvolvendo, em alguns dias positivos e outros
negativos, alguns dias com retorno com motivação para retornar e fazer novos trabalhos
e outros com retorno a não querer voltar. (Paula)

As percepções das professoras Beatriz, Paula e Ana demonstram a difícil


realidade da escola pública brasileira de ensino básico, denotando a dificuldade de se
trabalhar com os alunos, uma vez que: “o interesse em aprender é de poucos alunos por
turma” (Beatriz), sendo que eles apresentam “muitos problemas sociais, familiares e
emocionais” (Ana) e “sérias dificuldades para fazer tarefas e estudos e até mesmo na
execução de exercícios, por falta de estudo” (Paula). Ana também menciona que “não
havia tempo para planejamento das aulas, para a leitura e estudo” na escola estadual e,
ao que tudo indica, nas escolas públicas municipais, a realidade não é muito diferente. A
situação na escola pública é tão preocupante que Paula menciona que, em determinados
momentos, falta motivação para exercer a sua atividade profissional. Podemos perceber
isso em sua fala: “alguns dias com retorno com motivação para retornar e fazer novos
trabalhos e outros com retorno a não querer voltar”.
Nesse sentido, percebemos que as identidades profissionais dessas professoras
tendem a ser construídas de modo negativo, de acordo com os inúmeros problemas
enfrentados por essas professoras em seus contextos escolares, isto é, no interior de uma
cultura brasileira que desvaloriza o professor (PAIVA, 1997). No entanto, sabemos que
existem tentativas de melhorias na educação brasileira como um todo, mas elas ainda são
| 1010
muito escassas. Podemos mencionar, por exemplo, as reformas governamentais que
procuram atuar nesse sentido. Essas reformas, segundo Assis- Peterson e Silva (2010, p.
151), convocam os professores a se atualizarem continuamente com o intuito de atender
às demandas de uma competição nacional e global. Tais reformas incluem uma série de
documentos educacionais, como por exemplo: PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais,
1998), PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, 2000), cursos de
formação continuada, programas de avaliação (Provinha Brasil, Prova Brasil, ENEM -
Exame Nacional do Ensino Médio) que foram criadas com o intuito de produzir mudanças
no ensino básico.

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Porém, essas reformas têm sido desacreditadas pelos professores de ensino
fundamental e médio de educação básica, mediante o argumento de serem herméticas e
impositivas (de cima para baixo), desrespeitando os anseios e as reais necessidades desses
professores. Em outros termos, na percepção de Mór (2013, p. 225), os professores
acabam apenas implementando políticas de planejamento que não foram decididas por
eles.
Assis-Peterson e Silva (2010, p. 169), ressaltam que:

Os documentos oficiais oferecem diretrizes curriculares, mas não fornecem


suportes para sua concretização. Ignoram as prementes condições em que atua
o professor: total desvalorização da profissão, baixo salário, ausência de tempo
para estudar e de programas de formação continuada, baixo status da língua
estrangeira na grade curricular, currículos de Letras conservadores, relação
disfuncional entre teoria e prática, apartheid entre universidade e ensino básico
e entre pesquisa e ensino, tudo isso convergindo para o nonsense do ensino de
língua estrangeira na escola pública regular. A visão do malogro do ensino de
línguas e do desprestígio do professor da escola pública é também onipresente
na mídia, repercutindo fortemente nas crenças populares.

Tudo isso tende a afetar negativamente a identidade do professor e,


consequentemente, a mesma poderá entrar em crise, se é que já não se encontra (HALL,
2006), uma vez que, segundo Peterson e Silva (2010, p. 169), citando Beiijard, Meijer &
Verloop (2004), atuam na construção da identidade profissional do professor a percepção
de autoeficácia, a motivação, o comprometimento e a satisfação no trabalho. Parece que,
ao menos, a última está bastante prejudicada nos dias atuais, tendo em vista os inúmeros
problemas enfrentados pelos professores de ensino básico de escola pública, tais como:
os baixos salários e condições insatisfatórias de trabalho, como, por exemplo, a
insuficiência de recursos didáticos básicos. | 1011

Percepções acerca do futuro profissional do professor de LI de escola pública


municipal de ensino básico

Muitos fatores me fazem repensar a minha carreira: a desvalorização do governo, o


exagero da carga horária frente aos alunos, 32 horas para um regime de 40 horas, o
trabalho operário, o afastamento da entidade família com a escola. No entanto, não faço

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da minha profissão um fardo. Tento ter forças para lutar contra um sistema esmagador
e ver um ponto positivo no meu dia de professora. (Ana)

E como professora de LI há dezesseis anos, hoje, repenso a minha função. (...) Me


defronto com uma grande desmotivação, pelo menos em relação à escola em que trabalho
no momento. E o pior é que não vejo perspectivas de melhoras. (...) Mas tenho esperança
que aos poucos as coisas melhorem e que os alunos dos anos finais vejam a necessidade
de estudar e procurar novos conhecimentos. (Paula)

Os excertos demonstram que a profissão de professor está sendo bastante


negligenciada atualmente no Brasil, uma vez que há a falta de investimento público e,
consequentemente, há uma desvalorização profissional. Sendo assim, tudo isso acaba
propiciando uma desmotivação por parte desses profissionais. Essa desmotivação conduz,
muitos deles, a repensarem suas profissões, partindo em busca de novas oportunidades
profissionais, como podemos perceber no excerto de Ana: “Muitos fatores me fazem
repensar a minha carreira: a desvalorização do governo, o exagero da carga horária
frente aos alunos, 32 horas para um regime de 40 horas, o trabalho operário, o
afastamento da entidade família com a escola” e de Paula quando ela menciona que: “Me
defronto com uma grande desmotivação, pelo menos em relação à escola em que trabalho
no momento. E o pior é que não vejo perspectivas de melhoras”.
É possível observar que as percepções dessas professoras denotam uma posição
de desprestígio e desconforto delas mesmas em relação a sua atividade profissional. Suas
identidades são, portanto, construídas nessa relação entre a busca de algo e a frequente
| 1012
falta de algo para se atingir esse ideal. Sendo assim, a construção da identidade dessas
professoras de LI parece ser estabelecida numa relação de “falta de”, conforme menciona
Fernandes em sua dissertação intitulada “Representações e construção da identidade do
professor de inglês”, defendida no ano de 2006. Nessa dissertação, a autora (2006, p. 86)
ressalta que apesar da LI ser importante num mundo globalizado, as professoras tendem
a se colocarem numa posição de ainda ter que chegar lá197, o que parece deixar suas
identidades profissionais comprometidas. Na verdade, isso vem a complementar a ideia

197
Grifo da autora.

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de que o sujeito pós-moderno vive em estado de constante insegurança, incompletude e
insatisfação (BAUMAN, 2005, p. 17), denotando a liquidez do mundo pós-moderno. Em
outros termos, há uma busca incessante de preenchimento de lacunas, como por exemplo,
das próprias identidades.
Essa falta de valorização profissional do professor parece fazer parte da cultura
brasileira, refletindo uma pesquisa conduzida por Paiva (1997) acerca do professor de LI
de ensino básico de escola pública, que denota a desvalorização desse profissional, uma
vez que essa disciplina é considerada secundária, apresentando carga horária reduzida, ou
seja, parece ser desvalorizada na sociedade. Cabe ressaltar que essa pesquisa foi realizada
há um tempo atrás e de lá para cá, parece que muito pouca coisa mudou na realidade do
professor de LI.
Outra pesquisa, porém, mais recente, também reforça a desvalorização docente
no país. A Varkey GEMS Foundation sediada em Londres, no ano de 2013, realizou uma
pesquisa, cujos resultados são alarmantes, porém já previstos, no qual o Brasil fica em
penúltimo lugar no ranking de valorização do professor entre 21 nações avaliadas. Os 21
países analisados foram selecionados de acordo com o desempenho no Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Em cada nação foram feitas 1 mil
entrevistas que levaram em conta o status do professor, a recompensa recebida pelo
trabalho e a organização do sistema de ensino. Na China, 50% dos entrevistados disseram
que incentivariam seus filhos a seguir carreira no magistério, apenas 8% fariam o mesmo
em Israel. Já no Brasil, cerca de 20% afirmaram que encorajariam seus filhos a seguir a
profissão. Com relação ao salário, 95% dos entrevistados em todos os países disseram
que acreditam que o educador deve ganhar mais do que recebe atualmente.
| 1013
Essa pesquisa reflete a falta de políticas públicas de investimento na educação
brasileira, sendo decisiva para contribuir para o mau desempenho da educação no
contexto educacional brasileiro (BOHN, 2000), particularmente na escola pública e tais
políticas precisam ser consideradas quando mencionamos baixos desempenhos dos
alunos, enfim, do ensino de línguas no país como um todo. Isso decorre do fato de que,
segundo Bohn (2000, p. 2), “as prioridades econômicas, de produção e de lucro, ditam os
objetivos da educação nas escolas, ignorando valores humanos como a tolerância, a
cidadania, a expressão e variedade culturais”.

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Além disso, uma política de ensino de línguas estrangeiras, segundo Bohn (2000,
p. 2-3), demanda a participação de professores, linguistas aplicados, pesquisadores,
administradores, líderes comunitários e autoridades do governo. Em outros termos, a
implementação de uma política de ensino de línguas estrangeiras necessita de
participação política, de engajamento das lideranças comunitárias, educacionais e
governamentais em prol do valor educacional e profissional da aprendizagem de línguas
estrangeiras.
Outro aspecto interessante a ser salientado em relação às percepções das
professoras diz respeito ao tema dos textos “Eu, professora de LI”. Esse tema era amplo,
com o intuito de que as professoras discorressem livremente sobre o mesmo,
mencionando os aspectos que, provavelmente, mais lhes afligissem. Percebemos, então,
que não surgiram percepções acerca do processo de ensino/aprendizagem de LI. As
percepções centralizaram-se em torno do descontentamento acerca da profissão, a nítida
falta de valorização profissional, interferindo, provavelmente, de modo negativo em suas
identidades profissionais e no contexto no qual estão inseridas.
Retomando o excerto de Paula, também podemos perceber a existência de
identidades conflituosas, contraditórias entre si, quando essa participante menciona: “não
vejo perspectivas de melhoras. (...) Mas tenho esperança que aos poucos as coisas
melhorem”. Ou seja, ao mesmo tempo em que ela não encontra perspectivas de melhora
na profissão, ela também tem esperanças de que algo possa ser feito em relação à
educação como um todo, seja em termos de políticas de valorização profissional, ou em
termos de uma sociedade mais consciente acerca do valor simbólico do professor. Isso
denota a contradição nos dizeres da participante, indicando, de acordo com Hall (1997) e
| 1014
Silva (2004), como pode ser conflituosa a identidade de um sujeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho revelou algumas percepções recorrentes nos textos analisados, tais
como: a imensa dificuldade de se trabalhar na escola pública, relatada pelas participantes
desse estudo, tornando-se evidente quando Paula menciona que, em determinados
momentos, falta motivação para exercer a sua atividade profissional. Podemos perceber

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isso no momento em que ela relata: “alguns dias com retorno com motivação para
retornar e fazer novos trabalhos e outros com retorno a não querer voltar”.
Também foram reveladas percepções acerca da desvalorização profissional e da
desmotivação em relação ao futuro profissional do professor de LI de escola pública de
ensino básico, evidenciando-se com a pesquisa da Varkey GEMS Foundation sediada em
Londres, no ano de 2013, no qual o Brasil fica em penúltimo lugar no ranking de
valorização do professor entre 21 nações avaliadas. Tudo isso propicia que algumas
professoras como, por exemplo, Ana e Paula repensem suas profissões, conforme
percebemos nas falas dessas professoras: “Muitos fatores me fazem repensar a minha
carreira: a desvalorização do governo, o exagero da carga horária frente aos alunos, 32
horas para um regime de 40 horas, o trabalho operário, o afastamento da entidade
família com a escola” (Ana) e “como professora de LI há dezesseis anos, hoje, repenso
a minha função” (Paula).
Sendo assim, percebemos identidades profissionais conflituosas, fragmentadas,
decorrentes das mudanças socioeconômicas, ou seja, sujeitos em crise identitária. Essa
crise reitera a necessidade de políticas públicas de valorização do professor como um todo
e a relevância do professor retomar a sua voz no contexto educacional, o que não é uma
tarefa muito fácil nos dias atuais. Além disso, a crise identitária profissional, pela qual
passa o professor de LI, ocasionada por todos esses fatores já expostos e refletida nas
percepções deste estudo, pode possibilitar a esse professor, conforme nos lembra Dubar
(2009, p. 255), a “reflexão, a mudança, a possibilidade de libertação e de invenção de si
mesmo, juntamente com os outros”, o que, talvez, para alguns professores seja um alento,
enquanto que para outros, um contínuo tormento. Nesse sentido, concordamos com
| 1015
Fernandes (2006, p. 83) quando ela enfatiza a necessidade de se discutir as
representações/percepções construídas pelos professores, a fim de que “estes se assumam
como cidadãos e sejam efetivamente atuantes na sociedade”, isto é, que eles retomem
suas vozes na sociedade brasileira e assumam o valor social que eles têm direito.

REFERÊNCIAS

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de sonhos para me manter em pé”: construção de identidades de uma professora de inglês.
In: BARROS, Solange Maria; ASSIS-PETERSON, Ana Antônia. Formação crítica de
professores de línguas: desejos e possibilidades. São Carlos: Pedro & João Editores,
2010. p. 145-174.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecci. Traduzido por Carlos


A. Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

BOHN, Hilário I. Os aspectos ‘políticos’ de uma política de ensino de línguas e literaturas


estrangeiras. Linguagem & Ensino, Pelotas, 2000, v. 3, n. 1, p.117-138.

______. As representações de professor na pesquisa em linguística aplicada no Brasil: as


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<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4727299A6>. Acesso em:
02 abril 2013.

CELANI, Maria Antonieta Alba. A ideologia subjacente aos Currículos de Língua


Estrangeira na escola pública brasileira. In: I Congresso Internacional da Faculdade
de Letras: Discurso e Ideologia, 1987.

DUBAR, Claude. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. Traduzido


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por Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2009.

FERNANDES, Claudia Sousa. Representações e construção da identidade do


professor de inglês. São Paulo: PUC, 2006. Dissertação (Mestrado em Linguística
Aplicada), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. 108 p.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais de nosso


tempo. In: THOMPSON, Kenneth. Media and Culture Regulation. London: The Open

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Silva e Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

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PAIVA, Vera Lúcia Menezes de Oliveira e. A identidade do professor de inglês.


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<https://www.varkeygemsfoundation.org/sites/default/files/documents/2013GlobalTeac
herStatusIndex.pdf>. Acesso em: 15 out. 2013.

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OS PROFESSORES NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO:
MUTAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE NA ÚLTIMA
DÉCADA

Cleomar Locatelli
Universidade Federal do Tocantins (UFT)
E-mail: locatelli@uft.edu.br

Resumo:
O presente estudo, sobre o professor do ensino superior, tem como objetivo analisar a
composição e as transformações do trabalho docente na última década, considerando as
mudanças que ocorrem no mundo do trabalho em função dos interesses econômicos e
políticos dominantes. Do ponto de vista teórico, apresenta-se algumas definições
conceituais sobre a reestruturação produtiva e sobre os processos de regulação (ou
reformas educacionais), no propósito de discutir sobre a realidade do trabalho de forma
geral e do trabalho docente em especial. Do ponto de vista empírico levantam-se alguns
dados referentes ao quadro de professores do ensino superior no Brasil, observando o
ocorrido na última década, mais precisamente entre 2003 e 2013. Constata-se que as
condições atuais do trabalho docente no ensino superior continuam fortemente
impactadas pelas transformações do mundo do trabalho e que, em suas particularidades e
singularidades residem contradições próprias de um setor com objetivos e finalidades não
necessariamente alinhadas às regras do mercado.
Palavras-chave: Reestruturação produtiva. Trabalho docente.

INTRODUÇÃO

Partimos da compreensão inicial que a educação superior no Brasil tem se


transformado num gigantesco campo de investimento, foco de significativas
possibilidades de realização de negócios e aferição de lucros. Como afirma Santos (2004),
em todo o mundo, as despesas com educação cresceram significativamente, mais que o
dobro do mercado mundial de automóveis. E a receita dos especialistas do mercado para
esse imenso campo de oportunidades não poderia ser outra: torná-lo cada fez mais | 1018
produtivo (do ponto de vista de quem quer investir), criando oportunidades de lucros em
instituições públicas e privadas.
Muito se tem falado também na crise da universidade. Diversos são os estudos
que se debruçam sobre esta temática, constatando tendências e manifestações que
explicam a crise. Além da crise financeira, que parece agravar-se mais recentemente, em
grande parte, as discussões são pertinentes à sua relação com a sociedade, referindo-se a
seus objetivos, que abandonaram uma perspectiva mais ampla direcionada ao bem
comum da sociedade para uma finalidade voltada para o mercado (CHAUÍ, 2003) e
referindo-se ao abandono de questões da alta cultura, da filosofia e do pensamento crítico,
para voltar-se às questões meramente técnicas, buscando resolver problemas práticos e
localizados (SANTOS, 2004).

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No entanto, sem negar a importância do diagnóstico já apresentado, e até em certa
medida para complementá-lo ou para explicitá-lo a partir de outro ângulo, busca-se aqui
uma análise que considera as mudanças ocorridas em relação ao trabalho docente do
ensino superior, mais recentemente, entre 2003 e 2013, no sentido de discutir a
continuidade ou não dos processos e mudanças iniciadas nas décadas anteriores, pautados
num conjunto de orientações que têm origem nas formas atuais de gestão e organização
do trabalho, que se constituem pelos interesses do mundo dos negócios.
Como se sabe, pelo balanço histórico de décadas anteriores, sobretudo nos anos
1990, junto com a reforma do Estado brasileiro, tivemos a reforma do ensino e, de modo
particular a reforma do ensino superior. Segundo Silva Jr. & Sguissardi (2001, p. 193)
[nessa década] o Brasil inicia um processo de ajustamento de seu projeto
político nacional à nova ordem mundial. Esse movimento que se acentua
sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, expressar-se-á em todas
as esferas da atividade humana, em particular na educação superior,
mediante tentativa de reconfiguração desse espaço social, segundo a ótica
e a racionalidade econômica.
O resultado desse processo, descrito pelos autores, resultou no crescimento
vertiginoso do setor privado e o surgimento de um conjunto de normas, avaliações e
controles, que por diversos caminhos repercutiu nos acontecimentos da década posterior.
De certa forma foram essas iniciativas que impulsionaram o crescimento deste nível de
ensino, mobilizando um grande contingente de professores que passaram a se “enquadrar”
neste novo ambiente de trabalho.
A política de educação superior adotada no Brasil nas últimas décadas do século
XX, segundo os autores acima citados, representou não só a possibilidade de expansão
desse nível de ensino, como também trouxe consequências importantes para o trabalho
docente na universidade. Entre as principais consequências, observa-se a constituição de
um professor de tempo parcial, que cada vez mais vai perdendo sua capacidade crítica e
seu status de intelectual. E, como tendência, observa-se um docente universitário sem
autoridade, massacrado por um conjunto de regulações, submetido a um fazer quase que
repetitivo do ato de dar aulas, com preocupações voltadas para os indicadores de
produtividade, que geralmente são insensíveis às condições concretas do fazer | 1019
pedagógico.
Nesse sentido, as principais questões que norteiam o presente estudo deverão
direcioná-lo na busca de informações sobre esse universo de trabalhadores da educação.
Quantos são e quais têm sido as principais movimentações “adequação” nos últimos
anos? Até que ponto as tendências descritas acima se confirmaram ou se aprofundaram?
E quais as perspectivas para esse seguimento diante dos aspectos gerais da reestruturação
produtiva em curso, inclusive nas instituições públicas?
A seguir faremos uma breve incursão sobre a chamada reestruturação produtiva,
no sentido de buscar compreender alguns aspectos relevantes das transformações do
mundo do trabalho que podem ser relacionados ao trabalho docente no ensino superior;

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tratamos, brevemente também, da questão das reformas que podem ser compreendidas
com processos de regulação, comportando, portanto, particularidades que não limitam a
este ou aquele aspecto em particular; e por fim, apresentamos um conjunto de dados
relacionados à composição do quadro de professores do ensino superior no Brasil, com
destaque para aqueles referentes ao aumento do contingente de trabalhadores, sua
formação, regime de trabalho e controle de produtividade.

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS REFORMAS DO ENSINO: DEFINIÇÕES


CONCEITUAIS

Compreende-se que para uma análise do trabalho docente no ensino superior


brasileiro das últimas décadas, não devemos ignorar sua inserção ou determinação pelo
conjunto das mudanças trazidas pela chamada reestruturação produtiva. Da mesma forma,
consideramos que as medidas políticas e administrativas que regulamentam e reformam
o setor guardam importantes relações com o conjunto dos interesses dominantes e/ou em
disputa na sociedade, segundo Santo (2012),

[...]o trabalho docente inscreve-se em meio a duas problemáticas centrais: a


primeira refere-se às transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho
devido à nova configuração que o capitalismo vem assumindo nas últimas
décadas, no que diz respeito à sua estrutura produtiva e ao seu universo de
ideários e valores; e a segunda refere-se a uma série de medidas que, geralmente
denominadas como “reformas”, afirmam-se sob a hegemonia das concepções
neoliberais e redefinem o papel do Estado na sua relação com a educação.
(SANTOS, 2012, p. 234)

Sobre a reestruturação produtiva, de forma bastante breve, podemos considerar


que se refere à continuidade do processo de subordinação do trabalho pelo capital. Uma
revisão (continuação) do modelo taylorista-fordista visando recompor taxas de lucro
dentro de um cenário de desenvolvimento tecnológico e de crise do próprio sistema de
produção capitalista. Em grande medita, podemos considerar também, que a
reestruturação produtiva está relacionada a uma contraofensiva do capital aos avanços
| 1020
políticos, sociais e econômicos conquistado pelos trabalhadores através de suas lutas
sindicais e dos avanços democráticos.
De forma concisa, com base em Dias (2006), destacamos os efeitos da chamada
reestruturação produtiva sobre o comportamento do trabalhador, considerando três
aspectos em especial: a relação do trabalhador com seu ambiente de trabalho; a
perspectiva da qualificação; e as novas formas de gestão.
Observa-se que o ambiente de trabalho, dentro das perspectivas atuais da gestão,
sofre mudanças importantes, não é mais considerado um local fixo e totalmente
previsível. O tempo de trabalho não se limita mais ao espaço da empresa, mediado pelas
tecnológicas de comunicação, a qualquer tempo e lugar se pode resolver questões
relativas ao trabalho. As delimitações entre o individual e o coletivo se tornaram
contraditórias, visto que o outro se tornou adversário estimulado pela competição que se

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generalizou como fundamento do “espírito empreendedor” e, ao mesmo tempo, as metas,
que também são coletivas, exigem uma vigilância constante que agora é feita pelo próprio
trabalhador.
Um trabalhador que, por medo de perder o emprego, defende não apenas a
produtividade do capital, mas até mesmo, a demissão dos seus companheiros. O
caso das ilhas de produção é exemplar: faz-se com que um trabalhador vigie o
outro, dispensando assim a vigilância do patrão. (DIAS, 2006, p. 50)

A qualificação agora deve ser algo permanente, sempre insuficiente e capaz de


gerar no trabalhador uma contínua culpa, pois nesse novo modelo se valoriza a formação
polivalente, geral e diversificada. “E, ao mesmo tempo, afirma-se a qualificação como
elemento vital: se o trabalhador não é qualificado, capaz, o problema e a culpa é dele e
não do mercado. ” (DIAS, 2006, p. 51)
A nova forma de gestão e organização do trabalho, chamada de pós-fordismo ou
toyotismo buscou maior identidade do trabalhador com a empresa e a absorção total de
suas forças físicas e mentais. E é “caracterizada cada vez mais pela precariedade, pela
flexibilização e desregulamentação, de maneira sem precedente para os assalariados”
(VASAPOLLO, 2006, p. 45).
Segundo Dias (2006, p. 51) “As novas formas de gestão — de tipo japonês — são
colocadas como as únicas alternativas, exige-se mais e mais a incorporação passiva dos
trabalhadores à ordem. ” Ou seja, as atuais condições de organização do trabalho e de
exploração dos trabalhadores se apresentam de forma a adequar a produtividade do
trabalho ao controle da ordem e à manutenção da concentração da riqueza.
O chamado pós-fordismo tem se caracterizado como um processo em que o
sistema produtivo deve buscar se adequar aos ditames do mercado, a uma situação em
que a “preferência do cliente” se torna o a tônica principal na orientação dos modelos de
gestão.
Para o trabalhador, a lógica desse processo produtivo traz a ideia de um novo
trabalhador, chamado de polivalente, multifuncional, precarizado. Não significando, de
forma alguma, o fim do trabalho ou do trabalhador.
| 1021
Muito diferente da ideia de fim do trabalho ou dos trabalhadores, nas últimas
décadas pôde-se presenciar um conjunto de mutações que resultaram numa
classe trabalhadora ainda mais heterogênea, mais multiforme e mais
fragmentada. (ANTUNES, 2005, p. 75)

O trabalhador requerido pelos processos produtivos: empreendedor, motivado


para o sucesso e autoconfiante, é também o sujeito ideal para engrossar as filas do
desemprego, para o subemprego e para o trabalho informal, pois além de fazer parte do
enorme exército de reserva, atribuirá à “ligeira” dispensa do trabalho formal que está
submetido, a motivos de ordem pessoal: necessidade de alguma formação a mais,
estratégia errada na hora da entrevista ou, inadequação para a qualificação específica
exigida. Uma realidade que tem demandado uma busca interminável por agregar
condições de competitividade. De forma que nada chega a ser satisfatório para garantir

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ao trabalhador que ele esteja suficientemente seguro quanto a sua permanência no
emprego.
Sobre as reformas no ensino, compreende-se que este setor tem sido afetado por
um processo de regulação que se traduz por um conjunto normas e orientações que
buscam direcioná-la em um determinado sentido e que, nas particularidades de cada
instituição, ou de cada forma de organização acadêmica e administrativa, teremos
convergências e divergências que levam à constituição de uma determinada realidade.
O processo de regulação, segundo Barroso (2005, p. 733),
[...] compreende, não só, a produção de regras (normas, injunções,
constrangimentos etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também
o (re) ajustamento da diversidade de acções dos actores em função dessas
mesmas regras.

No que se refere aos sistemas educativos, Maroy (2010, p. 1) destaca que a


regulação “[...] designa os processos múltiplos, por vezes contraditórios, de orientação
das condutas dos atores e de definição das ‘regras do jogo’ no sistema social. ” E que,
segundo o autor, tais processos assumem múltiplas dimensões em que não se podem
desprezar a existência de uma grande variedade de fontes, e que há interesses dos grupos
e sujeitos envolvidos direta ou indiretamente, bem como as racionalidades ou concepções
que buscam a hegemonia.
No entanto, para Maroy (2010, p. 3) a regulação é “primeiramente, institucional e
política”,
Visto estarem compreendidos, diversos arranjos institucionais promovidos pelo
Estado (as regras e as leis editadas pelas autoridades públicas, o poder
discricionário atribuído a autoridades escolares locais ou às direções dos
estabelecimentos escolares, dispositivos de consenso, de avaliação ou de
financiamento, exercendo funções de incitação ou de coordenação) contribuem
para coordenar e orientar a ação dos estabelecimentos, dos profissionais e das
famílias no sistema educativo, pela distribuição dos recursos e limitações
(dinheiro, conhecimentos e principalmente regras). (MAROY, 2010, p. 3)

Barroso (2005) considerando a diversidade dos processos de regulação chama


atenção para o fato de que o processo normativo e de controle exercido pelo Estado, ou | 1022
pelas autoridades constituídas, mesmo que continue sendo uma fonte essencial de
regulação, não pode ser considerada a única e nem necessariamente a mais efetiva. O
autor destaca as possibilidades de efeitos contraditórios e, por vezes, imprevisíveis das
normas e orientações oficiais.
A regulação do sistema educativo não é um processo único, automático e
previsível, mas sim um processo compósito que resulta mais da regulação das
regulações, do que do controlo directo da aplicação de uma regra sobre acção
dos “regulados”. (BARROSO, 2005, p. 733-4)

Nessa linha de raciocínio o autor chega a uma importante relativização dos


resultados que se pode ter em função da direção (política, ideológica e ética) adotada
pelos sistemas educativos, afirmando que,

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os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de regulação dão lugar
não resultam de um qualquer imperativo (político, ideológico, ético) definido a
priori, mas sim dos interesses, estratégias e lógicas de acção de diferentes grupos
de actores, por meio de processos de confrontação, negociação e recomposição
de objectivos e poderes. (BARROSO, 2005, p. 734)

Por esta conclusão e pela observação do avanço do “Estado avaliador” e de “quase


mercado”, como estratégia de governança e regulação dos sistemas de ensino atuais, o
autor constata ter havido uma convergência que tende a deslocar de um modelo de
regulação burocrático-profissional para outro denominado pós-burocrático198.
Assim, compreende-se que a burocracia universitária, enquanto organização
política-administrativa, de controle e de relação de poder, precisa ser analisada na sua
historicidade, na sua manifestação efetiva, como processo dialético e contraditório, que
se situa num tempo e espaço específico. E que na instituição de um modelo de gestão e
organização do trabalho, que passa a ser hegemônico no âmbito do ensino superior,
precisa ser estudas como parte de uma estrutura com novas perspectivas de controle e de
diversos interesses estabelecidos.
Diante de tais discussões nos indagamos sobre como cada uma destas questões
poderia estar afetando ou redefinindo o trabalho do professor? Até que ponto estas
questões (burocracia-gerencial e reformas educacional), no contexto da reestruturação
produtiva, constituem as possibilidades e limites atuais para o trabalho do professor no
ensino superior?

O TRABALHO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO


Quando se verifica a situação do trabalho docente no ensino superior, não é
possível ignorar seus grandes problemas, principalmente relacionados ao efetivo de
trabalhadores que atendem às instituições privadas. Não é desconhecida a ação de parte
dessas instituições que procuram superlotar salas de aula, reduzir a carga horária
presencial e optar por professores menos experientes ou com formação mais baixa, como
forma de reduzir custos aumentando os lucros dos investidores.
| 1023
Um fenômeno bastante observado é o fato de um docente assumir várias
disciplinas, às vezes em instituições diferentes, tendo que fazer grandes deslocamentos,
reduzindo significativamente o seu tempo para estudos e planejamentos. Pois, “[...] como
o valor hora-aula costuma ser baixo, o docente vincula-se a diferentes instituições de
ensino, simultaneamente, ministrando várias disciplinas (algumas delas incompatíveis

198
Embora não seja o foco principal de nossa discussão no momento, ressaltamos que a designação desse
modelo de regulação como “pós-burocrático” não nos parece adequado. A aceitação de tal designação
como paradigma resultante da emergência de novas orientações, em parte, é aceitar que referenciais
como o “Estado avaliador” e “Quase mercado”, entre outros, levariam à desburocratização dos sistemas
de ensino, sejam eles públicos ou privados, algo que não consideramos factível quando consideramos
que a burocracia, acima de tudo, tem um papel fundamental nas manutenções das relações de poder. E
que o modo de produção capitalista não pode prescindir da burocracia, tendo em vista a necessidade
do cálculo e da previsibilidade que são seus fundamentos principias.

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com a sua formação acadêmica) e deslocando-se de um extremo a outro para poder
cumprir a sua jornada de trabalho. ” (SANTOS, 2012, p. 236)
Em pesquisa realizada com professores de instituições privadas, essa autora
constata que,
[...] os professores vivenciam uma realidade extenuante marcada: pelo medo
constante do desemprego; pela ausência de garantia de seus direitos sociais; pela
impossibilidade de construção de uma carreira; pela sua desvalorização social;
pela perseguição às práticas de organização sindical; pela submissão ao poder
do “cliente” (no espaço acadêmico da rede particular também se difunde a
máxima empresarial: “o cliente tem sempre razão”); pelas represálias ao
exercerem a autonomia e a expressão de suas ideias; e pela estranha exigência
de se transformarem em “animadores de auditório” e de ministrarem “aulas-
show” que tornam o seu “produto” (ensino) mais atraente, de fácil apreensão e
em consonância com as exigências do mercado. Todos esses elementos
impactam o trabalho docente, com consequências devastadoras de diversas
ordens, tanto para os professores quanto para os alunos e a sociedade de um
modo geral. (SANTOS, p. 236-7)

Em sua análise, a autora chama atenção para uma consequência dos professores
não terem tempo para preparação de aulas, para estudos e pesquisas, que é a apresentação
de uma prática que não condiz com o discurso, onde se exige uma postura dos estudantes
que ele mesmo não pratica. Ao mesmo tempo em que esses mesmos professores são
pressionados para a obtenção de títulos, melhorando a qualificação. Mas como fazer isso
numa realidade de tempo extremamente escasso e de poucos recursos pessoais? As
alternativas tem sido, em muitos casos, procurar cursos de pós-graduação à distância, nos
finais de semanas e nas férias, quando não, oferecidos por instituições estrangeiras sem o
reconhecimento do órgão competente no Brasil. A autora cita ainda práticas
inescrupulosas que vão surgindo entre os professes, como a organização de grupos para
elaboração de trabalhos, que serão apresentados em eventos ou publicados em periódicos
como se todos tivessem participado da elaboração, devido à pressão por apresentar
produtividade, ou no caso de professores que aceitam elaborar trabalhos acadêmicos,
como resenhas, artigos e monografias como uma forma de aumentar sua renda.
Em fim, como se percebe, do ponto de vista dos princípios da educação ou de um | 1024
comportamento ético profissional, no caso do professor, levando-se ao extremo esse
comportamento requerido pelo trabalhador dos tempos atuais, vamos encontrar situações
extremas que no médio ou longo prazo constituirão problemas evidentes para os
indivíduos e para a sociedade. De forma que se torna necessário compreender e
reconhecer as especificidades do campo educacional que em grande medida não se
coadunam aos princípios do mercado.

OS PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR: 2003 A 2013


Como última parte do trabalho destacaremos alguns dados referente a educação
superior no Brasil, fazendo um comparativo que considera um período de 10 anos, de
2003 a 2013. Optamos pelo recorte de uma década por considerarmos ser um tempo

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mínimo necessário para a observação de modificações e tendências na composição do
quadro docente do ensino superior, da mesma forma que optamos pelo período de 2003
a 2013, dado a disposição de informações junto aos órgãos oficiais do governo brasileiro.
Recorremos especificamente ao banco de dados do Censo do Ensino Superior
levantando informações sobre o quantitativo de funções docente no ensino superior, sua
diferenciação em relação ao regime de trabalho, ao grau de formação e ao sexo.
Levantamos também informações sobre a relação matrícula/função docente e sua
especificação em relação à organização acadêmica administrativa.
O gráfico 1, mostrando o total de docentes do ensino superior no país, revelando
que em dez anos houve um crescimento significativo do número de professores no ensino
superior, passando de 268.816 para 367.282, um acréscimo de quase 100 mil novos
professores. Em termos percentuais isso significou um aumento de 36,62%.

Gráfico 1 - Total de função docente em exercício.


Fonte: INEP/MEC, 2003-2013

Quando observado esse quantitativo de professores em relação ao regime de


trabalho, considerando, tempo integral, tempo parcial e horista, vamos perceber que não
foi um crescimento linear. O gráfico 2, mostra que em 2003, 35,83% tinham contrato de
trabalho de tempo integral, 23,23% tinham contrato de tempo parcial e 40,92% eram
horistas. Já em 2013 o quadro passa a ser o seguinte: 48,84% com contrato de tempo
integral, 25,36% de tempo parcial e 25,78% eram horistas. Observando-se que, embora
ainda significativo o número de professores horistas, quase 100 mil professores (94.699),
comparado a 2003, apresenta uma leve queda em termos numéricos e uma redução
significativa em termos percentuais. Se antes os professores contratados por hora | 1025
trabalhada representavam quase a metade de todos os professores do ensino superior no
Brasil, em 2013 os professes com esse regime de trabalho não chegam a 26% do total.

Gráfico 2 - Função docente conforme o regime de trabalho.

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Fonte: INEP/MEC, 2003-2013

Ainda sobre a função docente, conforme o regime de trabalho, faz-se necessário


destacar o aumento de contrato em tempo integral, que em 2003 representava apenas
23,23% e que em 2013 passou a representar 48,84%, sendo o regime de trabalho que mais
cresceu durante essa década. Porém, devemos considerar que ainda é bastante
significativo, mais da metade se considerarmos professores horistas e tempo parcial, o
número de docentes que não se dedica integralmente às atividades docentes.
Sobre o grau de instrução podemos observar no gráfico 3 que diminuiu o número
de professores com apenas a graduação, de um total de mais de 37 mil em 2003, passamos
para pouco mais de nove mil em 2013. Havendo aumento em todos os demais níveis de
formação: especialização, mestrado e doutorado. O número de especialistas em dez anos
passou de 78.075 para 91.240, um crescimento de 16,86%; o número de mestres passou
de 96.510 para 145.831, um crescimento de 51,10%; e o número de doutores que era de
56.238 passou para 121.190, um crescimento de 115,49%. Percebendo-se, portanto, que
embora em números absolutos a quantidade de mestre ainda é predominante, foi o número
de doutores que teve o crescimento mais expressivo durante o período observado.

Gráfico 3 – Número Total de Funções Docentes Em Exercício por Grau de Formação.


Fonte: INEP/MEC, 2003-2013

Em relação ao sexo percebe-se que, de 2003 a 2013 o quadro não se alterou


significativamente. No ensino superior brasileiro a maioria dos professores continua
sendo do sexo masculino. Porém, se considerarmos o crescimento em termos percentuais,
vamos perceber que neste período houve uma alteração nas proporções, visto que em | 1026
2003, 57,77% eram homens e 43,23% eram mulheres e em 2013, 54,74% eram homens
e 45,26% mulheres, observa-se, portanto, uma ligeira mudança em favor da representação
feminina na categoria docente do ensino superior brasileiro.

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Gráfico 5 – Número total de Funções Docentes (Em Exercício e Afastados) por sexo .
Fonte: INEP/MEC, 2003-2013

Outra questão importante para compreender a composição e as condições docentes


no ensino superior brasileiro está relacionada à relação entre matrículas e função docente,
visto que, parte das discussões sobre a produtividade, eficiência e desempenho das escolas
e redes de ensino, principalmente na ótica dos investidores, trás a quantidade de alunos
por professor como um requisito importante para determinar o bom uso dos recursos, e a
solidez econômica da instituição. E neste caso, como se percebe, a preocupação maior
está na elevação da proporção, ou seja, quanto mais alunos por professor melhor, isso
diminuiria os custos da educação, permitindo a redução de mensalidades e a diminuição
do quadro docente.
Do mesmo modo, considerando a relação entre matrícula e função docente um
fator importante, mais sobre a ótica oposta, a quantidade de aluno por professor tem sido
questionada como um fator negativo, sobretudo por parte dos movimentos docentes, visto
que trás grandes dificuldades para elevação da qualidade do ensino e tem sido apontada
como um dos fatores preponderantes na deterioração das condições de trabalho docente.
Embora já se tenha definições legais e orientações oficiais sobre a questão,
continua, portanto, aberta a discussão sobre a definição de um número ideal de aluno por
professore em cada nível ou modalidade de ensino, principalmente no ensino superior,
com suas especificidades relacionadas a cada uma das áreas do conhecimento e em
relação a definição do trabalho acadêmica pelo ensino, pesquisa e extensão.
No presente estudo percebamos que a relação entre matricula e função docente no
ensino superior brasileiro apresentou uma mudança entre 2003 e 2013, siando de 13,3
alunos por professor para 16,7, como podemos observar no gráfico 4. | 1027

Gráfico 4 – Relação matrícula/função docente.


Fonte: INEP/MEC, 2003-2013

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Se considerarmos apenas a relação geral de matriculas/função docente não fica
perceptível as grandes diferenças que esta relação acarreta quando observada a partir das
especificidades de cada forma de organização acadêmica. No gráfico 05 percebe-se que
em 2003 os centros universitários já apresentavam a relação mais alta, 19 alunos por
professor e os centros de educação tecnológica a menor, 13,7 alunos por professor, já em
2013 essa diferença se acentua ainda mais, visto que os centros universitários passaram a
uma relação de 22,7 alunos por professor enquanto os centros de educação tecnológica
reduziram para 7,6 alunos por professor.

Gráfico 4 – Relação matrículas/função docente por organização acadêmica .


Fonte: INEP/MEC, 2003-2013

De modo geral podemos observar que, com exceção dos Centros de Educação
Tecnológica, em todas as outras formas de organização acadêmica a relação
matrícula/função docente, nos dez anos em estudo aumentou, sendo mais acentuada nos
centros universitários e nas faculdades integradas. No primeiro a diferença observada em
2013 foi de 3,7 pontos e no segundo de 1,1 em relação a 2003. Já no âmbito das
universidades podemos notar uma modificação bem menor, de 15,5 em 2003 para 15,8
em 2013, uma diferença para maior de 0,3 pontos.
Importante destacar ainda que em 2003 os professores estavam assim distribuídos:
59% em universidades, 29% em faculdades, 10,15% em centros universitários e 1,75%
em centros tecnológicos de educação. Já em 2013, observamos a seguinte composição:
53% em universidades, 32,70% faculdades, 10,30% centros universitários e 4% centros
tecnológicos de educação. Percebemos que em termos percentuais, durante estes 10 anos,
houve redução do número de professores em universidade e aumento nas faculdades, | 1028
centros universitários e centros tecnológicos de educação. Sendo que as faculdades e os
centros universitário em sua grande maioria pertencentes a iniciativa privada e as
universidades os centros tecnológicos em sua maioria ao setor público.
Qual o significado desses dados para a determinação de uma relação adequada de
alunos por professor no ensino superior? O que esses números nos dizem sobre as formas
de organização acadêmica e as pressões do mercado sobre a educação? Em que medida
se pode relacionar, qualidade de ensino e condições de trabalho docente com as formas
de organização acadêmica, considerando as diferenças na relação matrícula/função
docente em cada uma?
Essas e outras questões, relacionadas às mudanças recentes no ensino superior
brasileiro merecem atenção e podem contribuir de forma significativa para que possamos
avaliar os avanços do processo de reestruturação produtiva, ou pós-fordismo no conjunto
das determinações do trabalho docente na universidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem uma análise mais aprofundada das relações de trabalho que se estabelecem
em cada uma das formas de organização administrativas e acadêmicas do ensino superior
brasileiro, talvez não nos seja possível conduzir nossas conclusões para uma vinculação
mais detalhada entre as redefinições mais recentes, relacionadas ao conjunto dos
professores do ensino superior no Brasil e os determinantes políticos e ideológicos que se
inscrevem na chamada reestruturação produtiva. Porém, os dados que apresentamos
inicialmente, extraídos do censo da educação superior brasileira, referente a um recorte
temporal de dez anos (2003 a 2013), nos permitem destacar alguns indicativos, de que o
trabalho docente neste segmento, tem caminhado, indiscutivelmente, para um processo
de massificação e adequação às regras atuais do modo capitalista de produção atua,
principalmente se tomarmos os espaços com mais diretamente afetados pelos interesses
do mercado.
No entanto, dado às especificidades do campo educacional e do processo
educativo em geral, que não se coadunam com os princípios do mercado, bem como, a
existência e permanência da atuação de instituições públicas no ensino superior,
apresentando condições que são próprias do pessoal do Estado (POULANTZAS, 2004),
percebe-se como fator de resistência, a persistência de um conjunto de contradições e
redirecionamentos que não seguem, necessariamente, o curso e as determinações
relacionadas ao mundo dos negócios.
No período estudado percebeu-se que o contingente de professores continuou
crescendo, porém se considerarmos a divisão por organização acadêmica, podemos
verificar que as faculdades e centros universitários aumentaram proporcionalmente em
número de professores enquanto as universidades diminuíram. Isso confirma uma
tendência de crescimento mais acentuado nos setores privados, visto que em sua grande
maioria centros universitários e faculdades pertencem a esse segmento. O aspecto
contraditório a essa tendência foi o crescimento do número de professores nos centros de
tecnologia educacional, onde predomina o setor público.
| 1029
Outra questão a ser observada nos dados que levantamos é que houve um aumento
dos contratos de tempo integral diminuindo o professor horista. E essa mudança foi
significativa, de forma que em dez anos o percentual de professores com contrato de temo
integram passou de pouco mais de 23% para quase 50%, no entanto, é preciso destacar
que a maioria dos professores são contratados por tempo parcial ou por hora e que nas
universidades e nos centros tecnológicos predominam os contratos de tempo integral
enquanto nas faculdades e nos centros universitários o predomínio de contrato por hora
ou em tempo parcial.
Observamos também que professores com mestrado continuam sendo a maioria,
mas o número de doutores teve o maior percentual de crescimento no período observado.
E mais uma vez destacamos que nas universidades e nos centros tecnológicos de educação
os professores com doutorado são a maioria, enquanto que nas faculdades a maioria dos

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professores são mestres ou especialistas. Nas faculdades, em 2013 apenas 13,78% dos
professores eram doutores e nos centros universitários 18,95%.
A relação matrícula/função docente aumentou de forma geral, porém foi mais
acentuada nos centros universitários e nas faculdades. Enquanto a média de alunos por
professor nas instituições públicas, em 2013, foi de 11,94, representado um queda em
relação a 2003, que foi de 12,8, nas instituições privadas a média, em 2013, foi de 21,22,
representando um aumento em relação a 2003 que era de 16,6.
Como se percebe, em se tratando de educação superior, os acontecimentos que
destacamos, de forma geral refletem o que aconteceu em anos anteriores, sobretudo nos
anos 1990. Com isso, podemos afirmar que em grande media, as tendências em relação
ao trabalho docente do ensino superior no Brasil, observadas na última década do século
X, tiveram continuidade e, em alguns aspectos foram aprofundadas. De forma que, em
nossa compreensão, o processo de reestruturação produtiva, com todas as suas
implicações para as relações de trabalho, continua sendo determinante para definição do
trabalho docente no ensino superior.
Porém, como apresentamos através dos dados coletados junto ao censo do ensino
superior, nesta última década, alguns aspectos com potencial contraditório nos chamam
atenção, entre eles o crescimento do número de professores dos centros tecnológicos de
educação através das instituições públicas, o aumento de contratos de tempo integral, a
diminuição de horistas e o aumento do número de doutores, ainda que em sua maioria em
instituições públicas. As causas e consequências destes fatos são questões importantes
para novas pesquisas.
Por fim, consideramos que em relação ao trabalho docente no ensino superior,
para que possamos discutir suas condições atuais, de precarização, profissionalização ou
de realização enquanto atividade humana auto realizadora (MÉSZÁROS, 2008), devemos
considerar ainda a urgência de enfrentar outros temas diretamente relacionados com a
ação educativa: a) caraterização do público que adentra a universidade atualmente, b)
especificidades do processo de ensino e aprendizagem que se impõe pelas formas de
relacionamento do presente, e c) características dos novos conteúdos socializados pela
mídia (principalmente a mídia digital) que se distanciam em diversos aspectos dos | 1030
conteúdos tradicionais da universidade. Todas, em nossa compressão, questões que
interferem direta ou indiretamente no trabalho docente no ensino superior atualmente.
REFERÊNCIAS

BARROSO, L. O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Educ. Soc.,


Campinas, vol. 26, n. 92, p. 725-751, Especial - Out. 2005 <Disponível em
http://www.cedes.unicamp.br
CHAUÍ, M. A universidade pública sob nova perspectiva. Conferência de abertura, XXVI
Reunião Anual da ANPEd, 2003. Disponível em: http://reuniufpr.forumativo.com/t46-a-
universidade-operacional-marilena-chaui Acesso em: 18 de agosto de 2011

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CUNHA, Maria Isabel da; SILVA, Cátia R. de Marco da. O espaço da pós-graduação em
educação: uma possibilidade de formação do docente da educação superior. In:
COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE ENSINO SUPERIOR, 1., 2008, Feira de
Santana. Anais... Feira de Santana: UEFS/Unisinos, 2008.
DIAS, Edmundo Fernandes. “Reestruturação produtiva”: forma atual da luta de classes.
Revista Outubro, São Paulo, n° 3, p.45-52, 2006.

MAROY, C. Regulação dos sistemas educativos. In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE,


A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. DICIONÁRIO: trabalho, profissão e condição docente. Belo
Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. CDROM
MÉSZÁROS. Istvan. A educação para Além do Capital. 2 ed. SP: Boitempo, 2008.
POULANTZAS, N. Poder político e classes sociais. São Paulo: Cortez, 2004.
SANTOS, B. S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e
emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2004 (coleção questões da nossa
época; v. 120)
SANTOS, S. D.M. dos. A precarização do trabalho docente no Ensino Superior: dos
impasses às possibilidades de mudanças. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 46, p.
229-244, out./dez. 2012. Editora UFPR
SILVA JR, J. dos R. & SGUISSARDI, V. Novas Faces da Educação Superior no
Brasil: reforma do Estado e mudanças na produção. 2. ed. ver. São Paulo: Cortez, USF-
IFAN, 2001.
VASAPOLLO, L. Trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico determinante
do capital no paradigma pós-fordista. In: ANTUNES, R. (org.). Riqueza e miséria do
trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.

| 1031

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OS CURSOS DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS NATURAIS
E MATEMÁTICA A DISTÂNCIA NOS INSTITUTOS
FEDERAIS DO BRASIL: OLHAR DOCENTE SOBRE OS
PROJETOS PEDAGÓGICOS DE CURSO
Roberta Pasqualli (IFSC)
roberta.pasqualli@ifsc.edu.br
Marie Jane Soares Carvalho (UFRGS)
marie.jane@ufrgs.br

Resumo: Este artigo analisa as percepções e influências acerca dos projetos pedagógicos
de curso (PPC) e a relação teoria-prática dos professores dos cursos de Licenciatura em
Ciências Naturais e Matemática na modalidade de Educação a Distância nos Institutos
Federais no Brasil. O método de investigação foi organizado em três momentos e
constituiu-se de: (a) localizar, entre todos os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia do Brasil, os cursos objeto da pesquisa; (b) analisar os ordenamentos das
instituições ofertantes destes cursos; (c) analisar, cotejar e refletir, por meio da análise
ideográfica e nomotética, os olhares acerca dos projetos pedagógicos de curso como
fenômeno em questão. A partir das análises realizadas, foram observadas, seis ideias
nucleares: (a) PPC é levado em consideração mas não é o único elemento norteador; (b)
PPC direciona as ações do curso; (c) PPC direciona as ações do curso porém está mal
elaborado (d); desconhecimento do PPC; (e) PPC mal elaborado; e (f) PPC não é levado
em consideração. Sendo assim, entende que é urgente e necessário que as discussões
acerca dos nortes referenciados nos PPC e suas repercussões na formação dos estudantes
sejam abraçados como princípio fundamental para a construção de processos críticos de
formação de professores.
Palavras-chave: Formação de Professores; Educação a Distância; Projeto Pedagógico de
Curso.

INTRODUÇÃO
| 1032
Os debates acerca da formação de professores por meio da modalidade de
Educação a Distância (EAD) vem, nos últimos anos, sendo incluídos nas agendas das
Instituições de Ensino Superior (IES), seja pela urgência da modalidade ou forjados pelas
políticas públicas e pelas necessidades e contradições que cercam os cursos de
Licenciatura no Brasil.
Tendo como foco a formação de professores por meio da modalidade de EAD no
contexto dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), destaca-se a
complexidade da tarefa, dado o volume de discussões que a subjazem. Quando os IFs

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foram criados, em 2008, a EAD já se destacava no país por meio de experiências em
instituições públicas e privadas. Desde 1996, quando a LDB, em seu Artigo 80, destacou
que o Poder Público incentivaria o desenvolvimento e a veiculação de programas de EAD,
em todos os níveis e modalidades de ensino, ela vem sendo implementada com vistas a
encontrar uma identidade própria, que a diferencie da educação presencial. Entretanto,
foi somente a partir de 2002, com a implantação do programa Pró-Licenciatura, que a
EAD passou a ter o status de política pública de ampliação ao acesso à Educação
Superior. Desde então, regulamentações foram criadas visando ordenar e qualificar o
processo de ensino-aprendizagem na EAD. Estas normatizações também vieram com o
intuito de transformar a EAD em uma modalidade que fosse vista além de uma formação
paliativa para camadas sociais menos favorecidas, tornando-se assim reconhecida como
uma nova conformação de fazer educação.
Em 2006, todas as atividades que estavam sendo realizadas por meio do programa
Pró-Licenciatura foram transferidas para um novo sistema, chamado de Universidade
Aberta do Brasil (UAB), que até hoje é responsável por grande parte da oferta de cursos
na modalidade a Distância em instituições públicas de ensino superior.
O sistema UAB foi instituído pelo Decreto 5.800, de 08 de junho de 2006 e, de
acordo a UAB/MEC (2011), busca "o desenvolvimento da modalidade de educação a
distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de
educação superior no País". O sistema dá subsídios para a implantação da modalidade de
EAD em instituições públicas de ensino superior e apoia as pesquisas destinadas à
descoberta e à publicização de metodologias inovadoras aplicadas ao ensino superior.
Quase 15 anos após a EAD ser estimulada pela LDB, os IFs foram criados. De
| 1033
acordo com o Art. 8º da Lei n˚ 11.892, de 29 de dezembro de 2008, os IFs devem oferecer,
entre outros, 20% de suas vagas para cursos de Licenciatura, bem como programas
especiais de formação pedagógica, com vistas à formação de professores para a Educação
Básica, sobretudo nas áreas de Ciências e Matemática e para a Educação Profissional.
Os IFs, apesar de serem estruturas educacionais relativamente novas, tiveram sua
origem na união dos antigos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) e das
Escolas Agrotécnicas Federais (EAFs), com muita experiência em ensino médio e
técnico, mas com pouca experiência na oferta de cursos de formação de professores. A
partir de então, com a obrigação conceitual de formar professores de forma diferenciada

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da praticada pelas Universidades clássicas, os IFs assumiram mais um desafio: o de
formar professores por meio da modalidade de EAD.
No que tange à orientação pedagógica, os IFs devem, segundo Pacheco (2010):
[…] recusar o conhecimento exclusivamente enciclopédico, assentando-se no
pensamento analítico, buscando uma formação profissional mais abrangente e
flexível, com menos ênfase na formação para ofícios e mais na compreensão
do mundo do trabalho e em uma participação qualitativamente superior neste.
Um profissionalizar-se mais amplo, que abra infinitas possibilidades de
reinventar-se no mundo e para o mundo, princípios estes válidos inclusive para
as engenharias e licenciaturas. (PACHECO, 2010, p. 14).

Nesta direção, percebe-se o propósito de os IFs abandonarem o hábito de


reproduzir os modelos de formação historicamente construídos. Para os cursos de
formação de professores, espera-se então que sejam observadas a reais demandas do
mundo do trabalho e da cidadania, as características próprias de cada região do país e sua
correlação com o contexto global, além da subjetividade inerente à formação de cada
estudante.

Sendo assim, articular as experiências e os conhecimentos prévios dos estudantes,


utilizando-os como insumos para a elaboração de propostas curriculares que propiciem a
formação do homem e do profissional é apenas um dos desafios para os quais os IFs foram
criados. Entretanto, democratizar o acesso ao conhecimento científico e apresentar sua
aplicabilidade no mundo do trabalho não é possível sem que haja uma ruptura
paradigmática de se fazer educação.
| 1034
É neste contexto que o recorte da pesquisa se constrói, dando espaço à
investigação das percepções e influências acerca dos projetos pedagógicos de curso (PPC)
e a relação teoria-prática dos professores dos cursos de Licenciatura em Ciências Naturais
e Matemática na modalidade de Educação a Distância nos Institutos Federais no Brasil.

METODOLOGIA

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Considerando o recorte, 'você acredita que o PPC do curso influencia na sua
prática pedagógica? Suas práticas são influenciadas por outros elementos que não
sejam os nortes previstos no ordenamento institucional? Que elementos são esses?',
a investigação analisou as percepções e influências acerca dos projetos pedagógicos de
curso (PPC) e a relação teoria-prática dos professores. O lócus da pesquisa foram sete
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia que ofertavam, até março de 2013,
os cursos de Licenciatura em Física, Química, Biologia e Matemática na modalidade de
EAD.
A investigação, delineada pela pesquisa fenomenológica, foi estruturada em três
momentos: (a) localizar, entre todos os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia do Brasil, os que possuíam, até março de 2013, cursos de Licenciatura em
Ciências Naturais e Matemática na modalidade de EAD ofertados pela UAB ou pela
própria instituição os cursos; (b) analisar os ordenamentos institucionais – Projeto
Político Institucional (PPI), Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI) e onze
Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) de Matemática, Física, Química e Biologia dos sete
IFs investigados e, (c) analisar, cotejar e refletir, por meio da análise ideográfica e
nomotética, o fenômeno em questão.
Participaram da pesquisa 12 gestores de EAD – G, 16 professores pesquisadores
– PP, 26 professores formadores – PF e 31 tutores – T. Cabe aqui destacar que alguns dos
sujeitos investigados exerciam mais de uma função no momento da pesquisa.
Sobre os sujeitos investigados, destaca-se:
1. quanto ao gênero: (a) 54% de mulheres; e (b) 46% de homens;
2. quanto ao tempo de trabalho na educação: (a) 24% até 5 anos; (b) 22% até 10
| 1035
anos; (c) 19% até 15 anos; (d) 19% até 20 anos e; (e) 16% mais de 20 anos;
3. quanto à formação acadêmica: (a) 9% graduados; (b) 30% especialistas; (c)
52% mestres e; (e) 9% doutores.
Na análise ideográfica, os resultados foram produzidos a partir das falas de
professores formadores, professores pesquisadores, tutores e gestores, dos cursos de
Ciências Naturais e Matemática oferecidos na modalidade de EAD pelos IFs do país. Os
depoimentos foram individuais, sem a interferência de terceiros, baseados em
questionamentos previamente elaborados. Contudo, elementos não existentes nos
questionamentos diretos foram apresentados sem que houvesse interferência do

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pesquisador. Foi o momento de olhar as frestas, aquilo que se anuncia como saber sem
necessariamente perguntar.
Na análise nomotética, as falas dos sujeitos foram encaminhadas em direção das
generalidades, ou seja, de características básicas compreendidas nas formas de
manifestação do fenômeno, passíveis de interpretação.
É esse movimento de pesquisa, no que se refere as percepções e influências acerca
dos projetos pedagógicos de curso (PPC) e a relação teoria-prática dos professores dos
cursos de Licenciatura das Ciências Naturais e Matemática nos Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia por meio da modalidade de EAD e seus desdobramentos
analíticos, que explora-se a seguir.

ALGUNS RESULTADOS

Do cruzamento entre a análise documental e as falas dos sujeitos investigados para


a pergunta: 'você acredita que o PPC do curso influencia na sua prática pedagógica?
Suas práticas são influenciadas por outros elementos que não sejam os nortes
previstos no ordenamento institucional? Que elementos são esses?', articulados,
apropriados, refletidos e esclarecidos na dimensão científica, seguiu-se para uma síntese
de compreensão do fenômeno investigado por meio das análises ideográfica e nomotética.
Na análise ideográfica, as falas foram transcritas na íntegra. Ao ouvir as falas
durante a transcrição, foi produzido o episódio ideográfico denominado conversa sobre
o PPC dos cursos.
Deste episódio ideográfico, foram geradas seis ideias nucleares, a saber: (a) PPC
é levado em consideração mas não é o único elemento norteador; (b) PPC direciona as | 1036
ações do curso; (c) PPC direciona as ações do curso porém está mal elaborado (d);
desconhecimento do PPC; (e) PPC mal elaborado; e (f) PPC não é levado em
consideração. A partir das ideias nucleares identificadas nas falas dos sujeitos
investigados, buscou-se um entrelaçamento conceitual para a compreensão do fenômeno.
Tendo em vista o que destaca Veiga (1998, p. 12) sobre o PPC ser “um
instrumento clarificador da ação educativa da escola em sua totalidade”, observou-se,
como primeiras ideias nucleares, a importância dado ao PPC, quando, observa-se ideias

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nucleares como: 'PC direciona as ações do curso' e que o 'PPC é levado em
consideração mas não é o único elemento norteador' do trabalho docente.
Desta forma, na sequência, apresentam-se algumas das falas que remetem ao
apontado anteriormente.
Em geral, a função da escola é uma só: formar cidadãos críticos capazes de
intervir numa sociedade em busca de uma sociedade mais justa que prima por
valores. Mas cada instituição vai ter suas peculiaridades para que possa
atender a esses fins, e é neste momento que o Projeto Político vai direcionar
isso, mostrar os caminhos a seguir para obter êxito. (T21).

O Projeto Político fornece um mapa para nortear nossa ação, mas se você
entende um projeto político como o germe de processo em andamento. Ele é
dinamicamente influenciado pelas particularidades das várias comunidades
discentes envolvidas. (PF37, PM37).

É óbvio que influencia e muito, como fazer o planejamento da aula, a


caracterização dos objetivos a serem obtidos em cada aula. O conhecimento
de todo arcabouço do curso e saber para que serve cada disciplina e porquê
essas disciplinas se encontram no curso. (PF28).

O projeto Político é o documento que norteia todas ações de uma instituição.


Logo, se não tiver monitoramentos, as ações se perdem no princípio da
descontinuidade. A minha prática é alicerçada em três elementos:
planejamento, execução e avaliação. (T29).

Sim, ele direciona o planejamento do curso e a integração entre as disciplinas.


A experiência profissional contribui para agregar a visão de mercado que os
ingressantes em curso de licenciatura devam adquirir. (PF2, PM2).

Ele determina em linhas gerais a maneira de conduzir a disciplina e como


avaliar os alunos. Outros elementos são a minha experiência pessoal-
profissional e interpessoal, (PF10, PM10, T10).

Sem sombra de dúvidas o PPC é fundamental para dar clareza e discernimento | 1037
sobre os caminhos que os profissionais envolvidos no processo ensino-
aprendizagem sigam. Sobre minha prática, acredito que a organizo de modo
a seguir o que foi pensado, sem deixar de lado os saberes que adquiri durante
estes anos de experiência. (T44).

A prática do professor deve, sim, ser orientada pelo Projeto Pedagógico do


curso, mas não apenas por ele. A história de vida do aluno, o seu contexto, a
realidade do polo, entre outros elementos que constituem a EAD, também
podem influenciar essa prática e sugerir diferentes caminhos para que os
momentos de aprendizagem se concretizem.(T31).

Certamente, o PPC influencia o docente, pois faz todo o delineamento do


planejamento docente. Entretanto, o referencial que subsidia o fazer

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individual do docente é norte para a geração de novos discursos que
ultrapassam o PPC. (PM 50).

Um PPC bem construído é um pilar para o desenvolvimento de uma educação


de qualidade, mas por si só não faz educação. São necessários outros pilares:
formação profissional, capacitação em serviço, avaliação de resultados e
comprometimento e o aperfeiçoamento constante buscando a realização no
que faz. Esses elementos juntos contribuem definitivamente para a oferta de
uma educação de qualidade. (PF4, PM4).

Todo PPC deve nortear o andamento de um curso, e com o do EAD não é


diferente. Você deve observá-lo para que sua prática pedagógica além
favorecer o aprendizado da sua disciplina sirva de subsídios para outras do
próprio curso. Além do PPC, tudo o que vivencio na minha vida profissional
seja no EAD como na modalidade presencial e nos projetos de pesquisa
colaboraram na minha prática educativa.(PF13, PM13).

Influencia indiretamente, pois permeia as ações mais gerais. A minha prática


é influenciada pelas turmas e suas dificuldades. Isso realmente me faz, a cada
momento, repensar quais são as melhores formas de proporcionar produção
do conhecimento e consequentemente, aprendizagem. (PF15, PM15, T15).

É possível ampliar as atividades do PPC do curso, mas deve ser seguido um


roteiro de atividades semanais por conta dos prazos rigorosamente definidos
pela coordenação do curso. As datas são definidas no Calendário Acadêmico
do curso semestralmente. É possível ampliar os conhecimentos dos alunos que
são orientados a pesquisar sobre vídeos, artigos, etc.. Mas é imprescindível
seguir o livro do componente curricular.(PF19).

O Projeto Pedagógico com certeza influencia na prática pedagógica. Contudo


minha prática docente, independente da modalidade de atuação é influenciada
por outros elementos como a cobrança dos conteúdos abordados, o estímulo
psicológico para a aprendizagem e a importância do estudo. (G3, PF39).

Observa-se, nas falas acima que o PPC é reconhecido como instrumento norteador
| 1038
dos processos de ensino-aprendizagem, indiferentemente da modalidade de ensino em
que se atua. Também cabe o destaque as observações de que alguns 'outros' elementos
também carecem de um olhar mais apurado, já que, para os sujeitos da pesquisa, são
complementares para a garantia de um processo formativa crítico e consciente.
Entende-se que a elaboração do projeto pedagógico é o ponto de referência para a
construção da identidade de um curso e é também a base para a formação de cidadãos
críticos, profissionais éticos e qualificados. Frente a essas exigências Vasconcellos (1995,
p. 143), destaca que o PPC, enquanto instrumento teórico-metodológico, “visa ajudar a
enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, consciente,

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sistematizada, orgânica e, o que é essencial, participativa. E uma metodologia de trabalho
que possibilita ressignificar a ação de todos os agentes da instituição”. Sedo assim,

O projeto político pedagógico, […] passa a ser o único instrumento


democrático para que a comunidade escolar possa se organizar e construir
dentro de seu espaço, a sua autonomia, que será o impulsionador da
descentralização de suas ações e o fortalecimento de atitudes democráticas e
comunicativas. (VEIGA e RESENDE, 1998, p. 113).

Ainda sobre isto, Souza e Carnielli (2003, p.142),

O projeto político-pedagógico, portanto, apresenta-se como um instrumento de


clara natureza democrática, ao possibilitar a apropriação coletiva pelos sujeitos
da comunidade escolar, da competência de planejar o trabalho pedagógico que
será realizado na escola e de lhe conferir a sua dimensão política. (SOUZA &
CARNIELLI, 2013, p. 142).

Sendo assim, compreende-se que o PPC é um instrumento de mediação entre a


proposta de natureza científica e organizacional da instituição de ensino e as necessidades
da comunidade de um modo geral. E, para a formação de sujeitos com uma visão crítica
de mundo, de sociedade e de cidadania, o PPC precisa colaborar para a efetivação de uma
prática reflexiva e a implementação de novas ideias, implicando na busca de saberes
concretos, onde a teoria-prática estejam inter-relacionadas.
Na sequência com base no movimento ideográfico da pesquisa, constituíram-se
mais duas ideias nucleares: 'PPC direciona as ações do curso porém, está mal
elaborado' e ' PPC mal elaborado'. As falas destacadas abaixo apontam fragilidades
no processo de elaboração e execução do PPC.
| 1039

Um bom plano de curso pode ser o sul para qualquer curso, e a distância a
importância é igual. A organização com os prazos é de fundamental
importância. Tudo o que for marcado precisa se realizar, senão cai no
descrédito. Porém, o projeto político está diretamente ligado às questões
econômicas, muitas vezes por questões de logísticas ou por falta de repasse do
governo. Não tínhamos passagens para ir até ao polo e nem diária, já
aconteceu de irmos aos polos, no interior do Estado, como recursos próprios,
e alguns casos não nos foi ressarcido.(PF5, T5).

Muitas vezes, o Projeto Político de Curso é construído a toque de caixa, sem


envolver profissionais de todas as áreas ou ainda para atender interesses
político-eleitoreiros. Depois, quando aparecem os problemas, aí são

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chamadas outras pessoas para ajudar a corrigir os erros. Portanto, há
instituições que visam mais interesses pessoais do que institucionais. (PF8,
PM8).

Apesar do reconhecimento destacado nas ideias nucleares anteriores, percebe-se


que ainda exista a necessidade de que seja dava a devida importância ao PPC para que
ele não seja considerado um mero documento burocrático, mas sim, uma ferramenta que
norteia todo o trabalho pedagógico no curso e que instigue qualidade de ensino-
aprendizagem.
É fundamental atentar ao que Veiga (2003) nos diz quando afirma que o PPC, “na
esteira da inovação regulatória ou técnica, está voltado para a burocratização da
instituição educativa, transformando-a em mera cumpridora de normas técnicas e de
mecanismos de regulação convergentes e dominadores.” (VEIGA, 2003, p. 272).

O PPC não deve ser um documento de autoria individual. É um instrumento de


construção coletiva que indica, de forma organizada, as direções do trabalho pedagógico
para que todos tenham acesso a uma formação crítica e qualificada. Também não pode
estar a mercê de decisões políticas partidárias nem tampouco vinculado a grupos que
detêm controle econômico sobre a instituição de ensino. Gadotti (2001, p.40) enfatiza que
“todos não terão acesso à educação enquanto todos – trabalhadores e não trabalhadores
em educação, estado e sociedade civil – não se interessarem por ela. A educação para
todos supõe todos pela educação”.

Por fim, as duas últimas ideias nucleares, embora apareçam em menor quantidade
nas falas, encaminham nossas reflexões para a preocupação com a formação dos
| 1040
estudantes dos cursos de Licenciatura em Ciências Naturais e Matemática na modalidade
de Educação a Distância nos Institutos Federais no Brasil. São elas: 'desconhecimento
do PPC' e 'PPC não é levado em consideração'
O PPC não influencia em minha prática pedagógica. Até porque na IES onde
atuo eu desconheço este instrumento. Na escola onde leciono no Ensino
Fundamental também não o conheço. Minhas práticas são influenciadas
através do convívio com outros colegas professores. Observando posturas
favoráveis ao ensino e aprendizagem. Além da influência que tive enquanto
aluna, muitas vezes levamos para a sala de aula a metodologia que fomos
formados. (T42).

A maior parte das vezes o PPP do curso é deixado de lado no dia a dia.(PF33,
PM33, G2).

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Às vezes o que está no PPP não é aplicado na prática. (T30).

Como afirma Gadotti (2001), as instituições de ensino, enquanto espaços de


discussão e formulação de ideologias, tem papel fundamental na transformação da
sociedade. Rodrigues (1991) corrobora:
A escola não é um lugar onde cada um pode fazer o que quer: ela é um lugar
onde todos trabalham para a realização de um projeto coletivo de sociedade,
em primeiro lugar, e de um projeto coletivo de uma dada comunidade, em
segundo, projeto este a que todos se obrigam e ao qual têm o dever de respeitar
(RODRIGUES, 1991, p. 78).

O autor aponta o PPC como um instrumento que possibilita a articulação do


trabalho escolar, superando o individualismo e contribuindo assim para a realização de
um projeto de educação. Na mesma direção, Vasconcellos (2002) destaca que além do
PPC possibilitar a melhor articulação das ações desenvolvidas pela escola, o diálogo
necessário para sua elaboração possibilita uma maior aproximação com a realidade e a
construção de uma proposta que seja marcada, de fato, pela identidade do grupo.
Para Vasconcellos,
A identidade se constrói na alteridade e não na confusão de ideias,
posicionamentos e personalidades. Cada instituição deverá traçar o seu
caminho; porém, este caminho poderá ser tanto mais interessante quanto maior
a oportunidade de diálogo com outros sujeitos também posicionados
(VASCONCELLOS, 2002, p.17).

Finalizando a articulação das percepções e influências acerca dos projetos


pedagógicos de curso (PPC) e a relação teoria-prática dos professores dos cursos de
Licenciatura em Ciências Naturais e Matemática na modalidade de Educação a Distância
nos Institutos Federais no Brasil, na sequência, apresenta-se uma síntese da pesquisa | 1041

realizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a caminhada da pesquisa documental e de campo, o fenômeno foi tratado


de forma a trazer à luz discussões sobre as percepções e influências acerca dos projetos
pedagógicos de curso (PPC) e a relação teoria-prática dos professores dos cursos de
Licenciatura em Ciências Naturais e Matemática na modalidade de Educação a Distância
nos Institutos Federais no Brasil.

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No que diz respeito aos ordenamentos institucionais – Projeto Político
Institucional (PPI), Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI) e os onze Projetos
Pedagógicos de Curso (PPC) de Matemática, Física, Química e Biologia dos sete IFs
investigados, pode-se afirmar que todos os documentos, de alguma forma, contribuíram
para que a elucidação do problema fosse alcançada, especialmente no que tange à
identificação de que a escrita documental, por vezes, foge da práxis.
Os PPCs apresentam-se em consonância com a legislação vigente, mas não
agregam elementos capazes de dar conta da diversidade oriunda da modalidade de EAD.
São, na sua maioria, réplicas dos documentos de criação dos mesmos cursos oferecidos
na modalidade presencial. Pôde-se observar, também, a partir do confronto entre as falas
dos sujeitos investigados e dos documentos institucionais, o distanciamento entre o que
se planeja e o que se realiza.
Nas falas sobre o 'você acredita que o PPC do curso influencia na sua prática
pedagógica? Suas práticas são influenciadas por outros elementos que não sejam os
nortes previstos no ordenamento institucional? Que elementos são esses?', ficou clara
a importância que os sujeitos da pesquisa depositam no instrumento mas também afirmam
ser influenciados por outros elementos como, por exemplo, a formação profissional, a
capacitação em serviço e a avaliação de resultados. Cabe destaque negativo ao fato de
alguns sujeitos 'não conhecer o PPC' do curso em que atua e, ainda 'não levar em
consideração o que o PPC aponta' em sua prática diária.
Também surgiram relatos de experiências negativas quanto ao processo de
elaboração e execução do PPC. A fragilidade destacada se dá por interesses individuais
na elaboração do documento e também por problemas de ordem financeira, de natureza
| 1042
da própria modalidade, descaso político, ou mesmo pelas questões geográficas
desfavoráveis. Em um país de dimensões continentais como é o Brasil, ousar formar
professores por meio da modalidade de EAD em locais onde é preciso viajar por dias de
barco para se chegar ao polo presencial não é uma tarefa simples. As dificuldades de
infraestrutura e de acesso à internet também merecem destaque. A falta da contrapartida
dos poderes estaduais e municipais também foram destaque como fator de prejuízo à
formação.
Em síntese, é urgente e necessário que as discussões acerca dos nortes
referenciados nos PPCs e suas repercussões na formação dos estudantes sejam abraçados

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como princípio fundamental para a construção de processos críticos de formação de
professores.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11892.htm>. Acesso
em: 28 jan. 2015.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 28 jan. 2015.

GADOTTI, M; ROMÃO. E. J. Autonomia da Escola: Princípios e Propostas. 4 ed –


São Paulo: Cortez, 2001.

GADOTTI, M. Um legado de esperança. São Paulo: Cortez, 2001

PACHECO, E. Os Institutos Federais: Uma Revolução na Educação profissional e


Tecnológica, 2010. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14428>.
Acesso em: 28 jan. 2015.

RODRIGUES, N. Por uma nova escola: O transitório e o permanente na educação. São


Paulo: Cortez, 7.ª ed. 1991.

SETEC/MEC. Um Novo Modelo em Educação Profissional e Tecnológica: Concepções


e Diretrizes, 2010.

SOUZA, R. A., & CARNIELLI, B. L. (2003) Os Efeitos do Projeto Político Pedagógico


na Gestão Escolar, segundo a concepção dos Alunos. Estudos em Avaliação
Educacional, nº 28, jul-dez .

UAB/MEC. Universidade Aberta do Brasil (2011). Disponível em: | 1043


<http://www.uab.capes.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6&Ite
mid=18>. Acesso em: 28 jan. 2015.

VASCONCELLOS, C. S. Planejamento: Plano de Ensino-Aprendizagem e Projeto


Educativo. São Paulo: Libertat, 1995.

VASCONCELLOS, C. S. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político


pedagógico ao cotidiano da sala de aula. São Paulo: Libertad, 2002.

VEIGA, I. P. A. (org.). Perspectivas para reflexão em torno do projeto político-


pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 1998.

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VEIGA, I. P. A., RESENDE, L. M. G, (Orgs.). Escola: espaço do projeto político-
pedagógico. Campinas: Papirus, 1998.

VEIGA, I. P. A. Inovações e projeto Político-Pedagógico: uma relação regulatória ou


emancipatória? Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dezembro 2003.

| 1044

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“OLHOS COLORIDOS”: UMA EXPERIÊNCIA DE
EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM
UMA ESCOLA PÚBLICA DE SANTA MARIA-RS

João Heitor Silva Macedo (Museu Comunitário Treze de Maio)199


joaoheitorsm@gmail.com

Resumo: O presente artigo apresenta um relato de experiência referente a um projeto de


educação para as relações étnico-raciais implementado em uma escola da rede pública de
Santa Maria – RS. Apresenta-se também uma breve revisão do processo de construção da
Lei 10.639/03, entendida neste trabalho como um dos principais instrumentos para a
efetivação de uma educação para as relações étnico-raciais, do reconhecimento da
diversidade e de combate ao racismo no contexto escolar.

Palavras-chave: Experiência – educação – relações étnico-raciais.

“Os meus olhos coloridos


Me fazem refletir
Eu estou sempre na minha
E não posso mais fugir

Meu cabelo enrolado


Todos querem imitar
Eles estão baratinados
Também querem enrolar

Você ri da minha roupa | 1045


Você ri do meu cabelo
Você ri da minha pele
Você ri do meu sorriso

A verdade é que você,


Tem sangue crioulo
Tem cabelo duro
Sarará crioulo
Sarará crioulo

Doutorando em História na Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Professor da Rede


Estadual de Ensino e Diretor Técnico do Museu Comunitário Treze de Maio
(http://museutrezedemaio.com.br), na cidade de Santa Maria-RS.

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Sarará crioulo...”

(Osvaldo Rui da Costa - Macau)

Por que educação para as relações étnico-raciais no Brasil?

A resposta pode parecer óbvia para alguns, mas, muitas pessoas, principalmente
aquelas que ainda acreditam no mito da democracia racial, guardam ressalvas e dúvidas
sobre essa necessidade. Existe, na sociedade brasileira, um processo de negação do
racismo. A crença numa suposta igualdade racial, em que pessoas de diferentes etnias
convivem harmoniosamente, com liberdades e oportunidades iguais para todos e todas,
acaba por mascarar o racismo estrutural, institucional e interpessoal explícito que
permeia todas as esferas da nossa vida.

Mesmo o Brasil sendo o país com a segunda maior população negra do mundo
e, segundo dados do IBGE de 2014, tendo 54% de sua população composta por negros
(pretos e pardos), as desigualdades raciais são contundentes e persistentes na sociedade
brasileira. As estatísticas200 mostram que os negros são as maiores vítimas da
violência e os que mais sofrem com a pobreza no país. A população negra tem pouca
representatividade nas esferas políticas, e afrodescendentes raramente ocupam cargos
ligados a chefias. Cabe mencionar ainda, no universo midiático e publicitário, o
racismo, a exclusão e a invisibilidade em relação ao negro, cuja representatividade
é quantitativamente desproporcional ao número de negros no país.

O combate ao racismo implica imperiosamente uma mudança cultural em que a | 1046

escola tem papel fundamental. Na medida em que é, por dever de ofício, a instituição
responsável pela formação do cidadão, ela precisa estar em sintonia com as políticas
públicas destinadas a garantir e instituir, conforme reza a Constituição Brasileira (1988),
em seu Preâmbulo,

200
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios –
PNAD: Síntese de Indicadores 2014. Disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000024052411102015241013178
959.pdf

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um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (...).
Nessa perspectiva, propõe-se, com este artigo, apresentar uma breve revisão do
processo de construção da Lei Federal 10.639/03, entendida aqui como um dos principais
instrumentos para a efetivação de uma educação para as relações étnico-raciais, para o
reconhecimento e a valorização da diversidade e para o combate ao racismo. Em seguida,
apresenta-se um relato de experiência de um projeto didático-pedagógico de educação
para as relações étnico-raciais em uma escola da rede pública da cidade de Santa Maria –
RS.

Inclusão, resgate histórico-cultural e combate ao racismo a partir das Leis


10.639/03 e 11.645/08

O modelo educacional brasileiro é reconhecidamente excludente, visto que


impede a visibilidade de milhões de jovens nas escolas públicas, seja pela falta de
acesso ou por conteúdos que não contemplam suas realidades e não dialogam com uma
História que lhes faça sentido. Nem a Constituição Federal de 1988, nem a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal 9394/96) ou a criação da SECAD foram
suficientes para transformar esse modelo secular.

Era necessário forjar um novo parâmetro para a educação brasileira exigindo


então conteúdos que permitissem essa visibilidade. Em 2003, cria-se então a Lei
Federal 10.639/03, que

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes


e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de
| 1047
Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e
dá outras providências.

Em uma postura mais propositiva, que resulta na efetivação de direitos, o


Estado abandona então sua posição de neutralidade e assume seu protagonismo como
propositor e executor de ações de combate ao racismo. O reconhecimento da
desigualdade social e racial exige uma postura crítica e um questionamento acerca do
nosso próprio processo de construção histórica. Nossos livros didáticos são um
exemplo da representação de sentimentos de inferioridade, preconceito e racismo

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contra o negro. Esses sentimentos são reproduzidos em discursos que retratam a
superioridade do colonizador branco sobre o escravo negro subalterno, representado
negativamente como um ser inferior. Representações essas que acabam por se
reproduzir na sala de aula, não só no discurso do professor, mas também na postura
dos alunos.

A aprovação da Lei 10.639/03 corrobora e ratifica a tendência presente em


nossa Carta Magna e compõe um conjunto de dispositivos legais indutores de uma
política educacional voltada para a afirmação da diversidade cultural e da concretização
de uma educação das relações étnico-raciais nas escolas. A lei visa aproximar o povo
brasileiro de suas origens africanas e favorecer o resgate, a promoção e a valorização
da história e da cultura africana e afrobrasileira.

Em 2004, o MEC publica as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação


das Relações Étnico-Racias e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, que reconhece a função do estado de promover políticas de reparação
voltadas para o povo negro, oferecendo, assim, garantias de acesso e permanência na
escola. As diretrizes propõem uma verdadeira educação das relações étnico-raciais,
com o reconhecimento das diversidades e novos parâmetros de aprendizagens com
trocas, vivências pluriversais e métodos menos cartesianos de ensino e aprendizagem.

Em 2008, então, é promulgada a Lei Federal 11.645/08, que altera a 10.639/03,


inserindo a História e Cultura indígenas no currículo oficial, contemplando assim
efetivamente os três pilares que formaram a Cultura brasileira, a Europeia, a Indígena
e a Africana. A aprovação dessa legislação é tida como forma de romper com a
| 1048
tendência eurocêntrica que desde sempre esteve presente em nossa formação escolar.
Tendência essa que privilegiava uma história europeia, contada sob a perspectiva do
colonizador, o qual impunha aos colonizados, negros e ameríndios, o seu “modus
vivendi”.

O MEC adota três abordagens quando trata das políticas públicas para a
implantação da Lei 10.639/03. A primeira pauta-se pelo binômio inclusão/exclusão, que
usa a abordagem socioeconômica desconsiderando especificidades culturais. A segunda
trata das ações afirmativas ou discriminação positiva, isto é, selecionar pessoas que

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estejam em situação de desvantagem tratando-as desigualmente e favorecendo-as com
alguma medida que as tornem menos desiguais. A terceira aborda a política das
diferenças, questionando o mito da democracia racial. O MEC defende o
desenvolvimento da terceira abordagem ao valorizar as diferenças e, a partir delas,
construir uma igualdade de fato.

A admissão dessas diferenças é o reconhecimento da Diversidade Cultural que


forma nosso país, já consagrado em nossa Carta Magna. O Artigo 242, § 1º, de nossa
Constituição diz que o ensino da História do Brasil deverá levar em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro. O
ensino de uma história que coloque em pé de igualdade as diferentes culturas que
contribuíram para a formação do povo brasileiro é dar voz aos excluídos da história
tradicional e eurocêntrica. O reconhecimento da diversidade cultural brasileira,
demanda do Movimento Negro há mais de um século, é uma das formas de reparação
e se reflete efetivamente na adoção de estratégias metodológicas diferenciadas que
tragam para a sala de aula outros saberes, realidades e necessidades dessas
comunidades por muito tempo negligenciadas pelo Estado.

A realidade nas escolas

A Lei 10.639/03 vem para atender uma demanda do Movimento Negro desde a
abolição, pois a realidade da escola brasileira nunca atendeu as demandas dos povos
marginalizados no processo colonial e que ainda hoje vivem a margem da sociedade. No
entanto, a efetivação da lei encontrou uma série de obstáculos que fazem com que ela | 1049
ainda hoje, 13 anos após sua promulgação, tenha dificuldade para sair do papel.
Infelizmente, as Leis 11.645/08 a Lei 10.639/03 encontram-se ainda no âmbito das
discussões e do relato de algumas experiências de professores militantes e simpatizantes
da causa.

A escola e a sala de aula são espaços de representações e construção de


identidades, e essas deveriam contemplar toda a diversidade cultural brasileira. Nesse
sentido, a implantação da Lei 10.639/03 pode ser considerada um instrumento de
promoção da inclusão social, ao apresentar aos alunos um referencial histórico que

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reconhece a participação do negro e do indígena na construção da sociedade brasileira.
No entanto, os desafios são ainda muito grandes e passam por um choque de realidade
nas escolas ao nos depararmos com alguns aspectos já naturalizados por nosso sistema
educacional.

Destacamos primeiramente o material didático, que, em grande parte, para não


dizer a totalidade, reproduz uma perspectiva etnocêntrica, adotando como referenciais
personagens brancos e a imposição de valores eurocêntricos e ocidentalizados. Outro
aspecto muito comum nas escolas e que merece destaque especial é o universo
semântico pejorativo. Sabe-se que a escola reproduz a sociedade tal como ela é, e, por
isso, termos preconceituosos são reproduzidos em sala de aula como algo natural.
Expressões como “coisa de preto”, “a coisa ficou preta”, “macaco”, “negrice”, etc, -
ditos sempre em tom de piada inofensiva - fazem parte do cotidiano de toda escola, em
qualquer parte do país.

Por último, a ausência de parceiros negros em posições de profissionais liberais,


advogados, médicos, palestrantes, professores e diretores nas escolas não dá aos alunos
um referencial positivo para que se motivem e busquem uma formação mais elevada,
inspirada na carreira desses profissionais.

Nesse sentido, a aplicação da Lei 10.639/03 exige pedagogias de combate ao


racismo e a eliminação do mito da democracia racial da ideologia de branqueamento
da raça. A escola deve assumir o debate contra o racismo e contra toda e qualquer forma
de discriminação que atinjam negros e não negros.

| 1050
Uma experiência metodológica de reconhecimento da diversidade na
escola: o caso da Escola Estadual de Educação Básica Irmão José Otão

O filósofo Renato Nogueira (2014), em sua defesa da perspectiva Afrocentrada,


ou Afrocentricidade201, dialoga claramente com os princípios e as determinações das

201
“Em linhas bem gerais, uma abordagem filosófica afroperspectivista é pluralista, reconhece diversos
territórios epistêmicos, é empenhada em avaliar perspectivas e analisar métodos distintos. Tem uma
preocupação especial para a reabilitação e o incentivo de trabalhos africanos e afrodiaspóricos em prol
da desconstrução do racismo epistêmico antinegro e da ampliação de alternativas para uma sociedade
intercultural e não hierarquizada.” (NOGUERA, 2014, p. 68)

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Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Ele
propõe que o ensino da filosofia (entenda-se aqui também as disciplinas da área das
Ciências Humanas) precisa encarar um enorme desafio: ampliar as possibilidades de
leitura, reescrever a História, incorporar novas epistemologias e abrir os olhos para
novas possibilidades.

Seguindo essa abordagem, no ano de 2015, um grupo de professores da Escola


Estadual de Educação Básica Irmão José Otão se propôs a um trabalho diferenciado
dentro da perspectiva de uma educação para as relações étnico-raciais e para o
reconhecimento da diversidade na escola. Acompanhando as orientações do Plano
Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, o grupo de docentes do Ensino Médio do turno da manhã da escola propôs
uma série de ações com os seguintes objetivos:

- debater os temas que envolvem Diversidade Cultural na Escola com os


professores e especialistas na área;
- fomentar o debate interdisciplinar para uma educação inclusiva;
- realizar oficinas de trocas de boas práticas pedagógicas;
- promover, em sala de aula, trabalhos com metodologias que possibilitassem
o debate e a identificação das diversidades no ambiente escolar;
- possibilitar ao aluno a convivência com militantes do Movimento Negro e
com elementos da cultura negra por meio da arte e da cultura e dos movimentos
sociais;
- debater e problematizar a situação do negro no Brasil a partir da abolição da
escravatura; | 1051
- reformular o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, contemplando a
temática étnico-racial;
- propor trabalhos pedagógicos interdisciplinares que contemplassem a
questão da diversidade.
O desenvolvimento das ações seguiu o seguinte cronograma:

Etapa Ação desenvolvida


1ª etapa “Educação Étnico-Racial”
“Religiosidade Afro em sala de aula”

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Formação “Educação e Direitos Humanos”
continuada de
professores
2ª etapa Sensibilização dos Filme 1: “Cabra marcado para morrer” -
alunos do ensino Mostra Nacional de Direitos Humanos
médio politécnico
Filme 2: “Nas Margens do Riso: Quilombos
por meio de filmes
de Alegria e Luta”
3ª etapa “Aulões” mediados Filme 3: “Hotel Ruanda”
por recursos
Músicas: “Nego Drama”, entre outras.
audiovisuais.
Leitura e debate de obras como: “O Cortiço”
e “O Mulato”.
4ª etapa Oficina de confecção de turbantes e de poemas, ministradas pelos
dinamizadores do Museu Comunitário Treze de Maio.
5ª etapa Reformulação do PPP da escola pelos professores e gestores, com o
objetivo de incorporar no documento o tema da Educação para as
Relações Étnico-Raciais.
6ª etapa Construção e apresentação da peça “Olhos Coloridos”.

A primeira etapa da proposta foi realizada em forma de seminários com


debates, em que os dinamizadores foram professores e pesquisadores da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). Entre os meses de maio e agosto de 2015, os
professores foram contemplados por temas pertinentes à Lei 10.639/03 e puderam
dialogar e debater as problemáticas inerentes a esses temas.
| 1052
Em seguida, na segunda etapa, que ocorreu concomitantemente à primeira, os
alunos do Ensino Médio passaram por um processo que se convencionou chamar de
sensibilização inicial, em que participaram de duas mostras de vídeo. A primeira
compreendeu a Mostra Nacional de Direitos Humanos, na qual assistiram ao filme
“Cabra marcado para morrer”. O filme retrata capítulo recente de nossa história: o
período da Ditadura civil-militar, e possibilitou um intenso debate sobre direitos
humanos, política e liberdades individuais. O segundo filme, o documentário “Nas
Margens do Riso: Quilombos de Alegria e Luta”, consistiu em um trabalho mais
elaborado, com a presença dos atores e produtores do Teatro Vagamundo, e trouxe

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aos alunos a realidade das comunidades quilombolas, suas visões de mundo,
problemáticas e história.

Na terceira etapa, os professores de História, Sociologia, Filosofia, Arte,


Literatura e Física propuseram “Aulões” em que todos os docentes participavam da
proposta. A metodologia da proposta envolveu a apresentação aos alunos de filmes,
músicas e textos de literatura, todos com temas relacionados à Lei 10.639/03 e
diversidade cultural. A seguir, cada grupo de alunos discutia entre si sobre os filmes,
músicas e obras literárias. Com a mediação dos professores, os alunos então passaram
por um processo de estranhamento e questionamento das realidades apresentadas.

Na quarta etapa, os alunos conheceram um dos projetos do Museu


Comunitário Treze de Maio: a oficina de turbantes e poemas. A partir da intervenção
dos dinamizadores do museu, os alunos aprenderam e participaram de uma oficina de
turbantes que abordou a estética afro e a cultura afro-brasileira. Ao mesmo tempo,
trabalharam a poesia de Oliveira Silveira e conheceram a história da data 20 de
Novembro, dia nacional da Consciência Negra.

Na quinta etapa, os professores participaram de uma discussão sobre o PPP da


escola e apresentaram uma proposta de incorporação, no documento, da temática das
Leis 10.639/03 e 11645/08 e a Educação para as Relações Étnico-Raciais.

Por último, os alunos foram desafiados a realizarem uma intervenção


relacionando tudo o que foi discutido e abordado ao longo do projeto. O resultado foi
a peça teatral “Olhos Coloridos”. A peça extrapolou as expectativas, tornou-se um
sucesso e fez parte da programação da 27ª Semana da Consciência Negra de Santa | 1053
Maria.

Intervenção mediada, percepções e considerações, mas não finais...

O trabalho ao longo do ano de 2015 consistiu de provocações aos alunos e


professores. Inicialmente os professores, a partir das palestras e debates mediados por
professores e pesquisadores da UFSM, foram desafiados a vislumbrar outra realidade,
outro mundo, novas metodologias e novas formas de ensinar e aprender.

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Desafiados, nós, professores, nos deparamos com os entraves metodológicos
institucionais e tradicionais de nosso sistema educacional. Questões nos assaltaram:
Como transformar as provocações em conteúdos? Como sair do método cartesiano e
provocar nos alunos uma nova forma de pensar? Como causar o estranhamento e chegar
a um novo conhecimento?

As ações desenvolvidas entre maio e dezembro de 2015 não contagiaram a


todos os professores, mas provocaram reação positiva em um grupo que se propôs a
realizar algo diferente. Os professores de História, Filosofia, Sociologia, Literatura e
Arte (e Física em alguns momentos) desconstruíram seus espaços tradicionais,
debateram, dialogaram e, principalmente, ouviram os alunos. Como resultado disso,
foram realizadas aulas integradas, com debates, e, por fim, uma intervenção no formato
de esquete teatral que sintetizou todo o debate realizado e protagonizado pelos alunos.

Como síntese dos debates, aulas, músicas apresentadas, filmes assistidos, a


esquete apresenta quatro episódios retratando casos do cotidiano de pessoas vítimas de
racismo, intolerância religiosa e homofobia. Ao final da peça, os alunos interpretam a
música “Olhos Coloridos”. De forma sensível e contundente, os alunos interpretam o
que eles veem à luz da sua realidade. O título da peça, “Olhos Coloridos”, foi escolhido
pelos alunos.

A Professora de Artes, uma das integrantes do projeto, em entrevista, relatou


que a

“Produção artística, gerada pelo teatro, música, história, arte ativista e direitos
humanos; Interação e construção do trabalho pelo grupo de educandos e
educadores; Discussão, confronto, entendimento e respeito entre todos os
| 1054
componentes, pois os temas desenvolvidos estão presentes na turma; e
Protagonismo, autoconfiança, empoderamento, possibilidade de sonhar e
realizar; Politização, informação, cultura, tomada de decisão, reação ao aqui
e agora (atitude), através do processo teatral; é Introdução e respeito à cultura
do educando”.

O espaço pulsante de socialização jovem frente à realidade ao seu redor foi o


resultado material de uma formação que transcendeu o espaço sala de aula e as
disciplinas formatadas. Os alunos trouxeram o seu olhar (a sua perspectiva) a respeito
do que lhes foi proposto e do que queriam falar.

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Ao mesmo tempo, os olhares dos professores da escola tangenciam uma realidade
comum a muitas outras escolas públicas de periferia do estado do Rio Grande do Sul,
reflexo de políticas públicas que sucumbem à falta de metodologia, carência de estrutura
e infraestrutura, de planejamento dos gestores públicos. As escolas estão fragilizadas
pela falta de investimentos e pela crise estrutural do estado neoliberal. Elas são a prova
do desmonte da escola pública e do sucateamento das escolas de periferia em detrimento
de “outras” escolas, conforme rege a cartilha neoliberal.

Segundo um dos professores de História, também membro da equipe do projeto,


as dificuldades encontradas em se trabalhar de forma trans e interdisciplinar ficam claras.
Ele afirma que

“O projeto desenvolvido pelos professores de história, sociologia, literatura e


artes referente ao mês da Consciência negra nasceu das discussões acaloradas
de um ano voltado para a educação étnico-racial, e responde as demandes de
um tempo de intolerâncias, tão visíveis na contemporaneidade”.

O referido professor também apontou algumas dificuldades enfrentadas durante a


realização do projeto

O espaço escolar e horário, no contra turno e no momento de recuperação de


greve, representaram dificuldades de ampliação da proposta. Aqui, penso a
infraestrutura. Também penso que o tempo de planejamento e a construção de
práticas de ensino carecem de um tempo maior, incitando, dessa forma,
possibilidades para quebrar a cultura tradicional de aula tão arraigada. É
perceptível a dificuldade dos alunos compartilharem espaços comuns com
turmas diferentes das suas, a partir da ideia de oficinas, causando certo
estranhamento e dificuldade de expressão, contornadas a partir da figura
mediadora dos professores. Sendo assim, evidencia-se a dificuldade dos
mesmos em romperem o espaço tradicional de sala de aula.“ | 1055

Apesar das dificuldades, percebem-se, a partir da fala dos professores, pontos


positivos na realização de um trabalho que fuja do “tradicional” e que aborde a
diversidade e as questões raciais. O professor de História afirma ainda:

“... penso ser esse um ponto de investimento para a aproximação a realidade


do educando e escola. Partimos do presente para referenciar um assunto tão
complexo: a questão racial no Brasil. O transitar interdisciplinar permitiu o
dialogo e aproximação da realidade vivenciada por nossos alunos. O debate,
os textos escritos, os comentários daqueles que se embrenharam de nossa
proposta iluminaram o nossa fazer talvez tão fustigado pela desvalorização

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profissional, pelas dificuldades estruturais e financeiras vivenciadas nesse
momento. Tão paradigmático disso: essa proposta ocorreu em contexto de
recuperação de greve. Com presença maciça dos educandos, vivenciamos uma
prática de ensino contextualizada, e capaz de despertar o senso crítico a partir
diferentes fontes de expressão de realidade social, histórica e cultural
utilizadas. Algo que me deixou bastante feliz, onde o debate, a diversidade e a
expressão de cada jovem fez-se presente, servindo de estímulo e força-motriz
para encarar as dificuldades do exercício docente no Estado do Rio Grande do
Sul.”

O trabalho docente encontra nitidamente uma quebra de paradigmas


oportunizada pelo exercício dialógico que inverte o protagonismo cartesiano dos
processos de ensino e aprendizagem em uma linha linear e verticalizada do professor
para o aluno. O trabalho docente dinamizado por práticas inovadoras de ensino vai ao
encontro das políticas públicas do MEC (Pacto para o fortalecimento do Ensino Médio)
ao provocar no aluno a desnaturalização, o estranhamento e a sensibilização.

Durante todo o processo, os alunos foram protagonistas na percepção da


realidade e na escolha dos temas a serem abordados. Desde a definição da música tema
da peça (“Olhos Coloridos”), é perceptível a sensibilização dos jovens, “rompendo-se
assim com atitudes de indiferença e incompreensão na relação com o outro e com os
problemas que afetam comunidades, povos e sociedades.” (Pacto do Ensino Médio). Em
entrevista, um dos alunos explicou o porquê da escolha da música “Olhos Coloridos”:

“Nossa colega (...) sugeriu e achamos que tinha tudo haver com a peça, pois
a música é clara quando expande o sentimento do negro, quando mostra o
preconceito, mas também escolhemos porque ela também é clara quando diz
que o negro tem orgulho da sua cor.”

| 1056
O processo de desnaturalização, estranhamento e sensibilização é uma via de mão
dupla que atinge tanto professores quanto alunos e causa efeitos imprevisíveis. A
experiência realizada demonstrou as dificuldades impostas a nós mesmos e, muitas
vezes, por nós mesmos, pois é difícil para um docente se desatrelar de manuais, diários,
planos cartesianos, “conteudismo”. O rompimento com os velhos métodos desacomoda,
provoca e desafia o professor a navegar em novas águas, mas o resultado extrapola a sala
de aula.

O resultado mais significativo, que salta aos olhos do mais meticuloso etnógrafo,
está no brilho dos olhos dos educandos e na sua fala:

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“Este trabalho me fez enxergar as coisas de uma forma diferente, e nem tão
diferente daquilo que eu gostaria de ver, eu vi que cada pessoa tem coisas
incríveis pra demonstrar, e que apenas não tem oportunidade de mostrar (...)
E eu me senti honrada em ser convidada pra apresentar esse trabalho,
individualmente sei que não sou tão boa quanto qualquer outra pessoa, e a
própria musica já diz "olhos coloridos" (...) por que sempre haverá um brilho
em cada olhar, e sempre será visto como "diferente" algo que simplesmente é
normal, e que tudo aquilo que se deve falar é "favorável.” (Aluna do segundo
ano do Ensino Médio)

A Lei 10.639/03 pode ser considerada o maior avanço no campo educacional do


último século, pois é na fala dos alunos que a percebemos como instrumento de educação
para as relações étnico-raciais, como grande mecanismo de combate ao racismo e de
reconhecimento de nossas diferenças. Em uma sociedade onde as diferenças têm levado
ao radicalismo e à violência, precisamos de mais pessoas que vejam o mundo de forma
diferente, que reconheçam a diversidade e o direito que todos têm de ser diferentes. É
preciso perder o medo, lutar por um mundo melhor e confiar no brilho dos “olhos
coloridos” das crianças e jovens que não têm medo de serem diferentes.

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O TRABALHO DOCENTE EM ORGANIZAÇÕES NÃO
GOVERNAMENTAIS: VALORIZAÇÃO OU
PRECARIZAÇÃO?
Janine Oliveira Cardeal – UFAL202
ninecardeal@gmail.com
Elione Maria Nogueira Diógenes – UFAL203
elionend@uol.com.br

RESUMO

Neste artigo discute-se o trabalho docente em ambientes de educação não escolarizados,


particularmente, nos espaços das Organizações Não Governamentais (ONGs). Tal
temática vem sendo trabalhada desde o curso de Mestrado e permanece central em
pesquisa, ainda em andamento, realizada no curso de Doutorado pelo Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas. Tendo em vista a
concretização do estudo, tomaram-se os seguintes procedimentos: a) levantamento
cadastral das instituições atuantes no estado de Alagoas, b) investigação de duas
organizações situadas em dois municípios alagoanos que desenvolvem processos
educativos, e c) discussão da produção de cientistas que abordaram as temáticas: ONGs
e Educação não formal. Conclusivamente, aponta-se que as ONGs desempenham papel
importante como mediadoras entre os órgãos estatais e a sociedade civil, entretanto, essas
relações necessitam ser investigadas. Especificamente, no campo do trabalho docente as
ONGs oferecem possibilidades diferenciadas de profissionalização, que vão desde a
gerência dessas instituições até a atuação como educador social. Destarte, esses espaços
têm se consolidado como um campo de valorização profissional no qual as possibilidades
para o exercício da docência têm sido ampliadas e, portanto, coloca-se como questão para
debate uma formação profissional que se aproxime da Educação não formal.

Palavras-chave: Organizações não governamentais; Trabalho Docente; Educação não


formal.

| 1059
1. Introdução

202
Mestre em Educação, atualmente é aluna do Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira no
CEDU/UFAL, onde desenvolve sua pesquisa de doutorado na linha de história e política da educação. É
membro do grupo de pesquisa sobre Estado, Políticas Sociais e Educação Brasileira (GEPE). Bolsista da
CAPES. E-mail: ninecardeal@hotmail.com.
203
Professora Doutora leciona no Curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação em Educação
Brasileira no Centro de Educação (CEDU/UFAL). É a líder do grupo de pesquisa sobre Estado,
Políticas Sociais e Educação Brasileira (GEPE). E-mail: elionend@uol.com.br.

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TRABALHO DOCENTE E PNE: desafios à valorização profissional
04, 05 e 06 de abril de 2016
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
No atual contexto educacional brasileiro os debates e discussões sobre a formação
docente tem se constituído no principal veículo de reflexão acerca dessa categoria
profissional, cuja “identidade” apresenta e se desenha de forma complexa e contraditória.
Com razão, a temática relacionada ao trabalho docente, bem como o seu papel na
formação do sujeito e no desenvolvimento dos processos educativos, tem sido
amplamente discutida em diversos cenários de discussões e objeto de análise de
estudiosos e interessados em compreender a educação.
Diante desse interesse em discutir o trabalho dos profissionais da educação, se
coloca como necessário o ato de refletir sobre a formação desse sujeito educador, tendo
em vista que os aspectos formativos não podem ser dissociados do desenvolvimento da
docência.
Estudos realizados por investigadores que tem se debruçado sobre a temática tem
apontado que o modo como esse profissional é formado influencia a forma como ele irá
se enxergar e conduzir o seu trabalho enquanto educador, mediador, formador. É
exatamente nesse ponto que se introduz a questão das Organizações Não Governamentais
(ONGs), sabendo que essas já compõem o cenário social e educativo brasileiro. Daí que
se colocam os seguintes questionamentos: por se diferenciarem dos espaços
marcadamente escolarizados, tais instituições não se configuram como um espaço de
desenvolvimento de processos educativos? Quais são as possibilidades, em meio a esses
processos, para a atuação da docência?
A reflexão acerca dessas e de outras questões sugere que se perceba a educação
para além dos limites dos muros e bancas escolares. Essa compreensão a respeito do
desenvolvimento dos processos educativos nos âmbitos formais e não formais remete a
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uma discussão sobre a abrangência da atuação desses profissionais, sugerindo que essa
não pode e nem deve se restringir ao âmbito formal das escolas.
A ampliação da atuação dos pedagogos tem se apresentado como favorável para
os campos não formais que passam a contar com o desenvolvimento de um trabalho cada
vez mais profissional, do mesmo modo professores que tem se relacionado com outros
campos tem tornado suas áreas mais propensas à empregabilidade.
Dito isto, é necessário que os cursos de formação garantam espaços para o diálogo
e a experiência com o campo não formal, no qual as ONGs tem se assegurado por conta
dos serviços educacionais à sociedade. Trabalho esse, que no campo da não formalidade

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requer seriedade, compromisso e competência profissional. Nesse sentido, os cursos de
pedagogia e outras licenciaturas precisam proporcionar uma formação que corresponda
às demandas postas no cenário social e educativo contemporâneo.
2. Organizações Não Governamentais (ONGs): contextualização histórica e
compreensão conceitual

Fazendo uma leitura política do momento em que as ONGs surgem no Brasil, na


década de 60, percebe-se que ele estava marcado pela exclusão social onde não havia
espaço para as liberdades democráticas. Isso resultava de relações desiguais de poder, nas
quais determinadas alianças que representavam determinados grupos políticos utilizavam
o Estado a serviço dos seus interesses, reproduzindo sua dominação e se impondo por
meio da coerção sobre os dominados.
Nascimento (1994) argumenta que essa condição de exclusão é a impossibilidade
de acesso a bens materiais e simbólicos; a falta de condições de participar da vida política
da sociedade; a estigmatização, a negação do direito a ter direitos, derivada do não
reconhecimento da igualdade, da liberdade e da fraternidade como axiomas de relações
entre os homens e mulheres.
Nesse cenário social, essas organizações desenvolviam atividades ligadas à
educação popular. Tratava-se da manifestação de uma prática educativa dirigida aos
militantes de base dos movimentos sociais e políticos da época. As ONGs se envolviam
com esses movimentos no sentido de assessorá-los politicamente, visando fortalecer as
atuações autônomas e críticas dos mesmos. Eram ações nascidas dentro dos Movimentos
Sociais e, portanto, as ONGs conviviam sob uma combinação dos elementos políticos,
ideológicos, econômicos e sociais, caracterizando um determinado momento histórico do
| 1061
país. Nesse sentido, os movimentos eram dinâmicas sociais e público-alvo das suas ações.
As instituições de caráter não governamental surgem com um marco político que
as relaciona com a luta pela cidadania, portanto, é interesse das mesmas gerar
possibilidades para que mudanças sociais aconteçam. No que diz respeito à população
excluída, o que as ações desenvolvidas pelas ONGs pretendem é dar possibilidade para
que um conjunto de pessoas marginalizadas torne-se, em nossa sociedade, portadoras de
direitos.
O trabalho desenvolvido pelas ONGs conquista certa visibilidade nos anos 80,
principalmente pelo seu caráter de luta pela democracia, entretanto, a sociedade ainda não

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possuía um conhecimento bem definido acerca dessas organizações. Influenciadas por
esse interesse da sociedade em conhecer quem eram e o que pretendiam, as ONGs não se
limitaram ao assessoramento e desenvolvimento da educação popular e deram início a
um processo reflexivo sobre o papel que desempenhavam na sociedade. Tal processo
tinha por objetivo não somente dar maior visibilidade as ONGs, mas carregar de sentido
as ações que elas executavam. Respaldando suas ações em reflexões acerca dos seus
perfis e atuações na sociedade as organizações civis passaram a direcionar melhor o
trabalho realizado.
Em meio à perspectiva de conhecer efetivamente as ações que desenvolviam e de
serem reconhecidas, essas organizações adotaram a denominação “Organizações Não
Governamentais”, sendo esta um empréstimo da terminologia utilizada no sistema das
Nações Unidas. Terminologia essa que traduz certa imprecisão conceitual, uma vez que,
em uma primeira leitura, temos a tendência de considerar que esse termo se refere a toda
e qualquer entidade civil promotora de ações em que, o Estado ou o governo não tenha
ingerência sobre o planejamento, monitoramento e a avaliação das mesmas. Porém, não
pode se abrigar sobre essa sigla “ONG” qualquer entidade, posto que, a rigor, o campo
das Organizações Não Governamentais está diretamente vinculado à perspectiva do
Estado.
Assim sendo, são aparelhos coletivos de ação não estatal, mas que interagem com
as políticas públicas implantadas em um determinado tempo histórico de uma
determinada sociedade. Não por acaso, as ONGs relacionam-se com a esfera estatal. Por
conta disso, podem servir de instrumentos de implantação e implementação de políticas
públicas, tanto no setor social quanto educacional. Além do mais, essas organizações
| 1062
podem sugerir um entendimento da ampliação do interesse coletivo em face à
participação social que não pode prescindir da organização civil. Desse modo, as
instituições não governamentais podem personificar uma ação estatal.
Comumente, o conceito de ONG é relacionado com o de outras organizações que
compõem o Terceiro Setor, a saber: movimentos sociais, sindicatos, associações de
bairros, dentre outros. A própria utilização do termo Terceiro Setor para diferenciar aquilo
que não diz respeito nem ao Estado e nem ao Mercado tem sido objeto de discussão entre
os estudiosos da área. Segundo Fernandes:

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O conceito denota de um conjunto de organizações e iniciativas
privadas que visam à produção de bens e serviços públicos. Esse é o
sentido positivo da expressão, bens e serviços públicos, neste caso,
indicam uma dupla qualificação: não geram lucros e respondem a
necessidades coletivas. (FERNANDES, 1994, p.21)

Assim como se esclarece que nem tudo que não é governamental é de fato uma
ONG, ratifica-se que o Terceiro Setor não se resume as ONGs. Observa-se, ainda, que
tais organizações têm acompanhado o fenômeno do crescimento do Terceiro Setor como
nenhuma outra organização que o compõe tem feito.
Sobre a conceituação do Terceiro Setor, a Associação Brasileira das Organizações
Não Governamentais (ABONG) o descreve como sendo um universo de instituições que
se reconhecem como distintas do Estado. Cabe diante desse universo, o delineamento
específico das ONGs de acordo com as suas ações.
Quanto ao desenvolvimento de suas ações ratifica-se que elas não podem
substituir ou se sobrepor àquelas geridas pelo poder público estatal. As ONGs não podem
perder de vista a característica primordial do seu trabalho, que se constitui na construção
de um elo político no que tange à prestação de serviços envolvendo o Estado e as
populações locais. Nesse caminho da parceira, acredita-se que as ONGs têm procurado
manter uma postura crítica diante das problemáticas sociais. O que revela que tais
instituições, apesar das mudanças que sofreram em sua trajetória histórica, desenvolvem
um trabalho regido pela luta democrática.
Em tal sentido, nesta pesquisa trabalha-se com o seguinte conceito de ONG: é uma
instituição comprometida com uma função de atuar como agente democrática de
desenvolvimento político e social, desempenhando um papel de caráter público diante da
| 1063
sociedade civil.

3. As organizações Não Governamentais e o envolvimento com o campo da Educação


Não Formal

O envolvimento das ONGs com o campo educativo não é algo novo e na


historicidade dessas organizações percebemos que a educação não formal sempre foi uma
área para o desenvolvimento das ações não governamentais. Nas décadas de sessenta e
setenta, cenário onde surgiram, já existiam iniciativas na área.

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Em verdade, segundo Oliveira e Haddad (2001), a grande maioria das instituições
já atuava no âmbito da educação, entretanto, não tinha a visibilidade, pois se tratava de
uma ação militante desenvolvida silenciosamente por conta da repressão e da censura
impostas pelo regime militar.
Sobre o desenvolvimento das ações educativas nessa época Oliveira e Haddad
esclarecem que:
Os processos educativos sofriam grande influência do pensamento
pedagógico desenvolvido no período anterior ao golpe, durante os
primeiros anos da década de 60, quando as ideias do educador brasileiro
Paulo Freire se disseminaram entre centenas de experiências de
educação popular, denominadas na oportunidade como “movimentos
de cultura popular”. (OLIVEIRA; HADDAD, 2001, p. 77)

Tendo em vista que esses processos educativos eram desenvolvidos no âmbito não
formal, aqui especificamente nas organizações não governamentais, cabe uma reflexão
sobre esse campo de desenvolvimento de aprendizagens e troca de saberes (GOHN,
2010).
As organizações não governamentais estão inseridas no campo da educação não
formal. Diante disso, é preciso de acordo com Gohn (2010), autora que tem contribuído
para o diálogo sobre os processos educativos não escolarizados, caracterizar brevemente
os outros campos educativos, sendo eles: o da educação formal e o da educação informal.
Tal caracterização possibilita o esclarecimento acerca dos espaços em que se realizam os
processos educativos, da forma como o trabalho educativo é realizado e ainda permite
conhecer a atuação dos mediadores de tais processos.
Sobre os espaços onde se desenvolvem ações educativas Gohn escreve:
Na educação formal estes espaços são os do território das escolas, das
instituições regulamentadas por lei, certificadoras, organizadas segundo | 1064
diretrizes nacionais. Na educação não formal, os espaços educativos
localizam-se em territórios que acompanham as trajetórias de vida dos
grupos e indivíduos, fora das escolas, em locais informais, locais onde
há processos interativos intencionais. Já a educação informal tem seus
espaços educativos demarcados por referências de nacionalidade,
localidade, idade, sexo, religião, etnia etc. (GOHN, 2010, p. 17).

Tal concepção sugere que se pense a educação informal como um campo


favorável para o desenvolvimento de aprendizagens significativas para os sujeitos que o
integram. Nesse sentido, diferentemente do campo formal, no qual, ainda segundo a
autora, o papel do educador é ocupado pelos professores e no campo informal pelos pais,

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amigos, líderes religiosos e outros, na educação não formal os educadores são todos
aqueles que interagem dentro de determinado grupo.
Há de se reconhecer que o campo educativo não formal se difere em muitos
aspectos dos campos formal e informal. Entretanto, quando um estudo se remete a pensar
sobre esse campo específico da não formalidade deve considerar que o mesmo possui
objetivos e finalidades peculiares que permeiam todos os processos educativos.
Autores que tem se debruçado sobre esse campo como objeto de estudo tem
defendido que é justamente essa especificidade quanto à pretensão de desenvolver
determinadas ações que caracterizam esse campo e que, portanto, o distingue do campo
informal.
Diante disso, as Organizações Não Governamentais que se caracterizam não
apenas pelo fato de desenvolver ações sem a ingerência do Estado, mas, sobretudo, pela
função de atuar como agente democrática de desenvolvimento político e social, tem
ampliado as suas participações no campo educativo não formal.
Não à toa cada vez mais tais instituições tem se aproximado da educação não
formal, tendo em vista que este campo tem possibilitado a ampliação e o fortalecimento
das ações dessas organizações. A Associação Brasileira das Organizações Não
Governamentais (ABONG), tem confirmado, por meio de pesquisas realizadas no
território nacional, que as ONGs tem se destacado à medida que tem atendido
determinadas demandas sociais através do desenvolvimento de processos educativos.
Mediante ao crescimento das organizações da sociedade civil por conta,
sobretudo, do envolvimento com a educação não formal, ressalta-se a necessidade de
refletir a respeito não somente das ações desenvolvidas, mas também sobre as
| 1065
possibilidades de desenvolvimento do trabalho docente nessas instituições de caráter
educacional.

4. Possibilidades do trabalho docente em Organizações Não Governamentais de


caráter educacional

Assim como por vezes o conceito de educação não formal tem sido confundido, a
sua finalidade ainda não tem sido amplamente discutida a ponto da academia e da própria
sociedade compreender o que tencionam as organizações que atuam por meio da

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educação não formal, de que forma será realizado o trabalho, a motivação para a
realização dessas ações, dentre outras questões.
No âmbito acadêmico ainda se percebe uma ausência quanto ao estabelecimento
de espaços, até mesmo nas disciplinas da graduação dos cursos de pedagogia, para
estudar, investigar e discutir a educação não formal. A própria Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/96 destaca em seu artigo primeiro: “A educação
abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Entretanto, membros da
academia ainda tem resistido quando se trata de discutir tal temática.
Diante dessa restrição do desenvolvimento do trabalho educativo ao espaço
escolar e especificamente a sala de aula. Limitação que pode ser observada nas próprias
grades curriculares de cursos de formação de professores que ainda não direcionam o
olhar para os diversos espaços onde a educação acontece, dentre eles as Organizações
Não Governamentais. Desta forma, as possibilidades de atuação dos professores acabam
sendo silenciadas, quando no atual contexto precisariam ser cada vez mais discutidas para
além das salas de aula e dos muros escolares.
Do mesmo modo se faz necessário delinear para a sociedade: o papel, a intenção,
os meios para o desenvolvimento do trabalho, neste caso o educativo, a fim de que os
sujeitos tornem-se mais do que público-alvo das ações de ONGs, mas sujeitos que
interagem e que constroem coletivamente propostas de intervenção social.
Assim como a academia e a sociedade precisam refletir sobre o papel formativo
dos processos educativos não formais, coloca-se como um ponto fundante a necessidade
| 1066
de repensar as possibilidades do trabalho docente. É preciso que os alunos em período de
licenciamento ampliem a concepção acerca das formas como pode atuar de acordo com
os diversos espaços.
Pensar sobre os processos educativos não formais desenvolvidos nas organizações
da sociedade civil, remete a uma reflexão sobre os profissionais que atuam nesse campo.
Gohn (2010) apresenta outra questão, a saber: necessidade de reflexão sobre a formação
desses profissionais que atuam nesse campo. Discutir a formação dos professores, não é
a pretensão do presente estudo, embora se reconheça aqui que tal ponto é relevante para
enriquecer o diálogo sobre as possibilidades docente.

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Gohn sugere ainda que é preciso pensar sobre para que está se formando um
profissional. No caso dos educadores, é necessário questionar uma formação que
possibilite a atuação “junto às comunidades organizadas, onde as práticas de educação
não formal estão presentes” (GOHN, 2010, p.50).
Diante do reconhecimento das ONGs como campo de desenvolvimento
significativo de processos educativos não formais, cabe uma reflexão sobre as
possibilidades de atuação dos profissionais da educação nesse espaço. É preciso primeiro
ter clareza quanto às especificidades educativas nesse âmbito, para então poder propor
um trabalho pedagógico diferenciado que acorde com as finalidades pretendidas pela
instituição.
A atuação do docente nesse âmbito não governamental precisa ser conduzida com
seriedade e o compromisso com os sujeitos a quem se dirige o seu trabalho. O esforço do
educador deve estar apoiado em um fazer planejado. Entretanto, algumas características
se colocam como possibilitadoras dessa atuação pedagógica. A primeira delas diz respeito
à capacidade de colher informações, dados relevantes sobre determinada realidade para
que dessa forma sejam propostas ações interventivas. Nesse processo é fundamental que
os educadores sejam capazes de realizar uma atividade de escuta das perspectivas,
necessidades e dessa forma perceber as demandas da comunidade.
Outra característica se apresenta como a prática dialógica, posto que o trabalho
nesses espaços requer todo um esforço do educador de promover o diálogo com os
sujeitos das ações, não somente na proposição de ações, mas na construção,
desenvolvimento e avaliação dessas ações. Esse diálogo na prática é um ponto fundante
para que se possa estabelecer uma real interação, segundo a qual o sentido do ensinar está
| 1067
no aprender com o outro.
Por fim, Gohn apresenta uma característica dos educadores que é a capacidade de
“desenhar cenários futuros; os diagnósticos servem para localizar o presente, mas também
para estimular imagens e representações sobre o futuro” (GOHN, 2010, p. 54). Ou seja,
o trabalho educativo deve ter claramente definido os seus objetivos baseados em
perspectivas de transformações sociais. O trabalho docente nesse campo só é possível
mediante a expectativa que determinadas ações contribuirão para o desenvolvimento dos
sujeitos envolvidos em todo o processo educativo.

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Dito isto, ressalta-se que o interesse pelo campo educativo tem crescido por parte
das ONGs, bem como as suas ações estão alcançando um quantitativo bastante
representativo em nosso contexto alagoano. Desta forma, é interessante pensar na forma
como os educadores podem atuar nesses espaços. Tendo em vista que já foi traçado a
partir do que eles desenvolvem seu trabalho, que é a partir das características específicas
acimas citadas, cabe nesse momento dialogar sobre a possibilidade desses docentes,
desenvolverem seu trabalho.
Os profissionais que atuam nas ONGs são conhecidos como educadores sociais
(Gohn, 2010), porque, sobretudo, o seu trabalho educativo não pode se apresentar como
indiferente às demandas sociais de comunidades. São educadores que realizam um
trabalho de intervenção em problemáticas sociais diagnósticas em determinada
localidade. Tem crescido o interesse e envolvimento de pedagogos nesse campo não
governamental. Envolvimento esse que não tem sido incentivado pela academia, mas
pelas próprias experiências desses sujeitos com as ONGs.
Além da atuação enquanto docentes nesses espaços, os profissionais da educação
tem a oportunidade de atuar em diversos âmbitos. Dentre eles destaca-se a gerência dessas
instituições. É certo que o campo não formal possui as suas especificidades, deste modo,
a forma como são geridas, conduzidas e executadas as ações nessas organizações possui
características distintas daquelas desenvolvidas no campo formal escolar. A compreensão
dessas novas possibilidades de atuação contribui para a profissionalização desses sujeitos.
Portanto, as ações educativas, desenvolvidas no espaço não formal, corroboram para a
compreensão da amplitude não somente da atuação dos sujeitos educadores, mas do papel
formador, que esses possuem, no processo de construção do conhecimento.
| 1068
Como educadores sociais os pedagogos e professores de outras licenciaturas tem
a oportunidade de desenvolver um trabalho pedagógico diferenciado, que agrega
características particulares desse campo. Portanto o trabalho docente será realizado de
acordo com objetivos específicos, dentre eles: adentrar a uma realidade propondo
atividades condizentes com o interesse e a realidade dos sujeitos envolvidos. Seja
desenvolvendo ou coordenando projetos, participando e dirigindo roda ou sessões de
conversa ou, ainda, engajado nas mais diferentes ações das instituições não
governamentais é preciso que os pedagogos tenham clareza do seu papel enquanto sujeito

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mediador, que compreendam que “quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina
ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 25).
Os processos educativos desenvolvidos nas ONGs pesquisadas: Semeador; Paz e
Amor204 foram acompanhados no sentido de compreender como são pensados e
desenvolvidos. As instituições atuam no âmbito municipal, desenvolvem trabalho voltado
para crianças e adolescentes, realizam parcerias com o poder público para a
implementação de projetos, e ambas contam uma diversidade na formação dos
profissionais envolvidos.
Quadro 6: Quadro geral da formação dos colaboradores – Paz e Amor
Nível Médio Completo 02
Curso Técnico e/ou Profissionalizante 05
Nível Superior Incompleto 10
Nível Superior Completo 02
Pós-Graduação 03
Quadro 9: Quadro geral da formação dos colaboradores – Semeador
Nível Fundamental Completo 02
Nível Médio Completo 06
Curso Técnico e/ou Profissionalizante 02
Nível Superior Incompleto 16
Nível Superior Completo 02
Pós-Graduação 02

Percebe-se que os processos formativos nesses espaços não são pensados somente
a partir da perspectiva dos educandos, portanto, consideram as questões que se voltam à
formação dos educadores envolvidos. Os processos educativos não formais
desenvolvidos tanto na Paz e Amor, quanto na Semeador têm contribuído de forma
relevante em diversos sentidos. A respeito dessa contribuição, a partir da entrevista | 1069
realizada com vinte educadores, sendo dez de cada ONG,identificou-se suas impressões.
O trabalho da instituição tem agregado à minha vida saberes muito
específicos que tem contribuído para o meu desenvolvimento enquanto
sujeito, enquanto educadora, e educanda. Porque aqui eu tenho
aprendido muito, com as vivências, com as posturas, com os colegas e
ainda mais com as crianças e adolescentes (Educador 5).

Antes eu não tinha cuidado no trato com as crianças. Mudou meu jeito
de olhar e falar aqui na minha vida pessoal (Educador 11).

204
Nomes fictícios. Usamos tais expedientes no sentido de preservar a identidade e a privacidade dos
sujeitos envolvidos na pesquisa.

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Na minha construção enquanto ser, o instituto tem influenciado nas
minhas decisões. Me tornei uma pessoa protagonista (Educador 18).

O trabalho interventivo, no qual esses sujeitos participam como protagonistas, tem


desenvolvido também os princípios de coletividade, cooperação, construção social, e
desta forma, tem colaborado para a formação dos educadores como sujeitos de relações,
capazes de pensar e agir coletivamente. De acordo com os respondentes, dentre os
diversos conhecimentos possibilitados, essas questões que envolvem a percepção dos
aspectos da vida comunitária tem influenciado suas construções. A respeito dessa
questão, os educadores afirmam:
Aprendi muito aqui. Contribuiu até para o meu desenvolvimento como
designer. Tive mudanças de percepção na minha vida pessoal, com
relação ao meu futuro e na vida comunitária, aprendi que sozinho não
podemos nada. (Educador 13).

O instituto tem influenciado na minha forma de conduzir as minhas


práticas. Tenho aprendido nesse espaço que posso realizar um trabalho
formativo que seja realmente significativo para os sujeitos. Tenho
aprendido com as experiências de cada dia a ser um educador que
constrói junto com os educandos. (Educador 6)

O instituto foi um grande aliado na minha construção de mundo,


concepção de viver. Abriu a minha mente para a minha formação,
influenciou no meu curso. Me ajudou a enxergar o próximo (Educador
17).

Essa contribuição na forma de se perceber e de perceber o mundo tem corroborado


para a formação de sujeitos que se enxergam como cidadãos, com direitos que precisam
ser assegurados e efetivados por políticas públicas. Políticas estas, que podem ser
cobradas a partir do engajamento dos sujeitos nas questões sociais. Portanto, o trabalho
desenvolvido nos espaços não governamentais também favorece a formação desses | 1070

educadores, enquanto cidadãos, que exercem a sua cidadania, e que, portanto, percebem
a importância de sua participação ao se engajar nas questões de interesse social.
O trabalho desenvolvido na instituição tem ajudado a minha
compreensão de mundo e de sociedade. Tenho aprendido muito mais
do que tenho ensinado. Hoje, percebo que as questões sociais estão
presentes em todo processo educativo. E daí a importância de tratar
essas questões para desenvolver ainda mais a educação. (Educador 8)

A partir desse trabalho eu tive um esclarecimento sobre a sociedade.


Encontrei um lugar na sociedade. Mudou a minha forma de enxergar o
mundo, as pessoas. (Educador 10).

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O trabalho no qual eu estou envolvida me permitiu desenvolver, crescer
o meu olhar em torno da sociedade. Me permitiu esse conhecimento
crítico sobre a sociedade. (Educador 14).

O conhecimento crítico em torno das questões sociais tem possibilitado que esses
sujeitos mais do que se posicionem, se envolvam nas lutas pelos direitos sociais, que
tomem a frente, que se desenvolvam enquanto educadores comprometidos em realizar
uma prática para a transformação social. Neste sentido, os processos educativos
desenvolvidos nesses espaços desempenham um papel importante junto a essa formação
de sujeitos preocupados com a dimensão política, econômica e social, e comprometidos
com a transformação de determinada realidade.
As possibilidades para o trabalho docente são ampliadas no cenário das ONGs e
dialogam de forma mais orgânica com as questões sociais. Os educadores nesses espaços
desenvolvem a sua identidade profissional ao passo que se caracterizam enquanto
interventores sociais, sujeitos que vivenciam processos que influenciam na criticidade e
humanização de suas formações e atuações.
O trabalho docente nesses espaços não é percebido, nesse estudo, a partir da
perspectiva de precarização ou mercantilização da educação. Pelo contrário, é observado
a partir da possibilidade de valorização dos sujeitos docentes quanto o desenvolvimento
de seus papéis na tessitura social. Visto que, não é salutar que a presença de tais
profissionais se limite aos muros e bancas escolares, em meio a uma diversidade de
organismos sociais nos quais o trabalho docente desempenha papel preponderante para o
desenvolvimento político, econômico, social e, sobretudo, humano.

4. Considerações Finais | 1071

A expansão do desenvolvimento do trabalho das ONGs no país e especificamente


em Alagoas tem desencadeado, no âmbito acadêmico e em outras esferas da sociedade, o
interesse pelo conhecimento com relação a: quem são, o que fazem e quais as perspectivas
que essas organizações possuem.
Percebe-se que alguns fatores tem assegurado cada vez mais o domínio dessas
organizações no campo da prestação pública dos serviços no âmbito da educação,
portanto se faz necessário analisá-los a fim de refletir sobre as mudanças sociais
ocasionadas por tal aproximação com a educação. Nesse sentido ressalta-se a importância

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de refletir sobre quem são os profissionais que atuam nesses espaços da sociedade civil
organizada, bem como delinear as possibilidades de desenvolvimento de um trabalho
docente voltado para as especificidades do campo.
Apresenta-se como necessário à prática dos pedagogos e profissionais da
educação compreender o campo onde será desenvolvido o seu trabalho, mais ainda é
preciso que esses sejam capazes de realizar um movimento de escuta dos sujeitos para
dessa forma atuar de acordo com as demandas humanas e sociais.
Não se pode desconsiderar o fato que as organizações não governamentais têm
fortalecido os seus papéis sociais, inclusive pelo caráter educativo, vez que desde as suas
gêneses elas se relacionam com a educação. Diante disso é preciso que se discutam as
possibilidades de atuação do trabalho docente para além das bancas e muros escolares.
Os processos educativos desenvolvidos nessas instituições não têm por pretensão
se opor aos processos educativos desenvolvidos no espaço escolar formal, tampouco
substituí-los. Essas organizações jamais tencionaram ocupar um espaço ou realizar um
dever que compete ao Estado no que diz respeito à prestação de serviços públicos
educacionais.
O objetivo de tais instituições se configura como sendo o de é trabalhar junto às
comunidades a fim de promover o desenvolvimento da sociedade como um todo, atuando
pelo viés educativo. Viés esse que deve privilegiar uma formação diferenciada no sentido
de contribuir para que os envolvidos nas ações se construam enquanto sujeitos.
Em tal sentido, reconhece-se que é importante discutir a relação ONGs e educação
para além do espaço acadêmico, oportunizando assim, o engajamento da sociedade nesse
diálogo que diz respeito, primeiramente, a luta democrática. O estudo abre, no âmbito
| 1072
educativo, um caminho no campo investigativo que diz respeito à reflexão acerca das
possibilidades dos profissionais desenvolverem um trabalho docente condizente com as
propostas da educação não formal. Entende-se que essa discussão não pode mais ficar
silenciada entre aqueles que atuam e se interessam por compreender o processo
educacional alagoano sob pena de não se apreender (em sua totalidade) o
desenvolvimento social em curso.
Referências

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ABONG. Sustentabilidade das ONGs no Brasil: acesso a recursos privados. Rio de
Janeiro :Abong, 2010.

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| 1073

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PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAR) E A FORMAÇÃO
DOCENTE: DESAFIOS E IMPLICAÇÕES NA REGIÃO DO
TRIÂNGULO MINEIRO PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Lázara Cristina da Silva - UFU/MG/Brasil
lazara@ufu.br
Vilma Aparecida de Souza - UFU/MG/Brasil
vilmasouza@pontal.ufu.br

Introdução

Este trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais
- Fapemig e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
Cnpq. Compõe o universo de uma pesquisa coletiva que desenvolveu pelo grupo de
professores pesquisadores da Linha Estado, Política e Gestão do Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, viculando-se a uma
pesquisa, também de âmbito nacional, denominada Avaliação do Plano de Ações
Articuladas (PAR): um estudo em municípios dos estados do Rio Grande do Norte,
Pará e Minas Gerais no período de 2007 a 2011, originando um observatório da
educação. Tem como objetivo analisar o dispositivo legal PAR (Plano de Ações
Articuladas) do governo federal, como mecanismo indutor de mudanças na gestão
educacional nos sistemas/redes de ensino e nas unidades escolares em Minas Gerais.
Dentro desta pesquisa macro, este estudo buscou analisar a relação do Plano de
Ações Articuladas (PAR) e a Rede de Formação continuada de Professores em Educação
Especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, | 1074
por meio da Diretoria de Políticas de Educação Especial do MEC (Secadi/Dpee/MEC).
As questões basilares do estudo foram: Quais as concepções de educação inclusiva
e de educação especial presente nas políticas e práticas educacionais dos municípios lócus
do estudo na região do Triangulo Mineiro, contidas nos projetos financiados por recursos
financeiros decorrentes do PAR? De que maneira as demandas por formação continuada
de professores originarias do PAR, nestes municípios, foram atendidas pelos cursos da
Rede de Formação de Professores em Educação Especial no período entre 2008 a 2013?

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Quais os impactos dos cursos para as políticas de gestão educacional nestes municípios
estudo?
Sua relevância encontra-se justamente no fato de procurar compreender os
sentidos que a formação continuada de professores para a escolarização das pessoas com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação,
público da educação especial, relacionadas com as ações do PAR nos municípios em
estudo, tem assumido na atualidade. Pretende-se contribuir com as reflexões sobre os
papéis desempenhados pela Rede de Formação Continuada de Professores em Educação
Especial da Secadi/Dpee/MEC, através do mapeamento de resultados e concepções
existentes no interior das ações desenvolvidas na referida rede articuladas com as ações
do PAR nos municípios lócus do estudo na Região do Triangulo Mineiro. Outro fator de
alta relevância está na articulação e produção de reflexões coletivas dos resultados e
dificuldades vivenciadas pelas instituições públicas envolvidas no processo, no sentido
de respaldar a tomada de decisões das mesmas para os anos seguintes.
Assim, como objetivo geral da pesquisa, se propôs a refletir sobre as políticas e as
ações destinadas à formação continuada de professores para atuar nos processos de
escolarização de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, no contexto de ascensão e consolidação da educação inclusiva
na realidade da região do Triângulo Mineiro, regularizadas pelo PAR do Governo
Federal, no período de 2008-2013.
Ao final do estudo, pretendeu-se nos municípios lócus do estudo, no período de
2008-2013: compreender os sentidos atribuídos às ações desencadeadas pela Rede de
Formação Continuada de professores em Educação Especial da Secadi/Dpee/MEC
| 1075
articuladas com o PAR, acerca dos processos de escolarização das pessoas público da
educação especial; identificar e analisar as ações relacionadas no PAR e contempladas
pela rede de formação continuada de professores em educação especial da
Secadi/Dpee/MEC nas demandas e descrições apontadas no PAR, as compreensões
acerca dos conceitos de educação inclusiva e de educação especial, o percentual de
atendimento das questões da educação inclusiva em suas políticas de educação básica e
as políticas e ações desencadeadas para atender ao movimento de estruturação,
organização e desenvolvimento do Atendimento Educacional Especializado presentes no
PAR.

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O Par e a formação continuada de professores para a educação especial
No segundo mandato do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010) houve
uma focalização nas ações desencadeadas pelo Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), que tem sido considerado um marco fundamental para definição e condução das
políticas educacionais no país.
O PDE configurou como um como esforço coletivo do governo, desempenhado
pelo Ministério da Educação, como atividade estratégica. Definido como um a articulação
de um conjunto de ações e programas, com capacidade para abranger todas as
modalidades e níveis de ensino público, visando construir uma prática governamental
integrada e articulada, sustentada por uma visão sistêmica e de longo prazo da educação.
Em 2007, como desdobramento do Decreto 6.094/2007, inseriram-se de forma
direta e incisiva para o centro das políticas para educação básica, quatro ações que se
tornaram centrais aos atos do governo federal, em sua articulação com os governos
municipais, estaduais e do Distrito Federal: a) o estabelecimento de diretrizes a serem
assumidas e trabalhadas por todos aqueles aderissem ao Plano de Metas; b) a criação do Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que tornou-se o indicador para a avaliação da
qualidade da educação básica e, principal referência para os processos de proposição,
controle e acompanhamento das metas educacionais definidas; c) o intento de promover
a adesão ao Plano de Metas, de natureza voluntária, por parte dos entes da federação, e
que essa adesão fosse fruto de uma formulação e apresentação ao MEC do respectivo
Plano de Ações Articuladas (PAR) e; d) o apoio da União foi estruturado e organizado
em torno de quatro eixos de ação: gestão educacional; formação de professores e
profissionais de serviços e apoio escolar; recursos pedagógicos; infraestrutura física.
| 1076
Portanto, as diretrizes definidas no Plano de Metas abrangiam várias extensões da
gestão da educação, envolvendo questões relativas à institucionalização da gestão
participativa nas redes de ensino e de órgãos colegiados no âmbito dos sistemas de ensino
como Conselho de Educação e o Comitê Local do Compromisso. Além disso, indicavam
a construção de práticas de transparência e difusão das informações e dados educacionais
junto à comunidade escolar e a sociedade em geral, ao mesmo tempo em que destacavam
aspectos relativos à gestão da escola como o apoio à criação de Conselhos Escolares, a
definição de regras para escolha do diretor de escola, o envolvimento dos professores na
construção da proposta pedagógica da escola e a composição do núcleo gestor da escola.

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Neste contexto, o PAR tornou-se dispositivo legal substancial para a articulação
da União com os Estados, Municípios e o Distrito Federal, objetivando a realização de
convênios e cooperação técnica e financeira junto a esses entes federados, com vistas a
alcançar as metas definidas no referido Plano. Passou a funcionar como mecanismo de
diagnostico da realidade, por meio do qual, o ente federado define as demandas e ações
que comporão seu Plano. Destaca-se que, neste período, houve adesão de 5.561
municípios, dos 26 estados e do Distrito Federal ao Plano de Metas previsto no Decreto
6.094/2007, segundo dados divulgados pelo ministério da educação.205
Como parte desse contexto das políticas educacionais nacionais relacionadas ao
PAR, no segundo mandato do Governo Lula, a Secretaria de Educação Especial do
Ministério da Educação - SEESP/MEC206, diante do um conjunto de temáticas que se
constituíam em desafios para a formação dos profissionais da educação, resolveu-se criar
uma rede de formação continuada de professores, que conseguisse abranger as
universidades públicas e o universo da educação básica. A preocupação central era criar
e favorecer as condições básicas para a consolidação e ampliação de práticas pedagógicas
capazes de tornar reais as condições de escolarização das pessoas público da educação
especial, no universo de uma educação inclusiva.
A Secadi/Dpee/MEC, por sua vez, colocou em relevo as necessidades da formação
continuada voltadas para a educação inclusiva, que ainda são lacunares, carecendo, no
caso brasileiro, de maiores pesquisas nesta direção. A educação especial 207, por meio do
movimento de inclusão educacional desencadeado no país, desde o início da década de
1990, vem modificado à realidade das escolas brasileiras demarcando que toda escola
brasileira é naturalmente inclusiva.
| 1077
Mediante esta realidade, os processos de formação docente, seja inicial e/ou
continuada, precisam assumir a responsabilidade de formar profissionais com condições
teóricas e práticas condizentes com as demandas de escolarização de todos. Para atender

205
Dados disponibilizados na página eletrônica do Ministério da Educação. Consultado em 17 de junho de
2010.
206
Atualmente a SEESP se tornou a Diretoria de Políticas de Educação Especial, ligada a Secretária de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – Dpee/Secadi/MEC
207
Torna-se importante diferenciar os dois conceitos, considerado por alguns como sinônimos. Entende-se
por inclusão educacional, o movimento de garantia do direito de todos os cidadãos brasileiros à
escolarização. Educação Especial é uma modalidade de ensino, de natureza complementar e suplementar,
que perpassa todos os níveis e modalidades de ensino, garantindo as condições necessárias à escolarização
das pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

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a esta configuração de escolarização que foi sendo construída, pelas políticas
educacionais no país, pós década de 1990, presenciam-se ações direcionadas à
organização e estruturação de um aparato legal que fundamente este modelo educacional,
aliadas a criação e ampliação das condições de financiamento para a gestão da educação
publica.
Na década de 1990, com a inserção oficial do paradigma da educação inclusiva
no Brasil, referendado pelas proposições da lei 9.394/96, intensificou-se, também, a
necessidade de se desenvolver ações de pequeno, médio e longo prazos, visando garantir
a qualificação dos profissionais da educação, não só docentes, mas gestores, pessoal do
administrativo, etc, para assegurar o direito do acesso e da permanecia de todos os alunos
nos contextos escolares comuns.
Com o passar dos anos, após avaliações desencadeadas pela própria SEESP/MEC
se verificou que estes projetos não estavam, em muitos casos, atendendo às necessidades
apontadas pelos profissionais. Essa formação estava sendo assumida por instituições
privadas, com fins lucrativos deixando as universidades públicas à margem do processo.
Diante desta realidade, a SEESP/MEC, motivada pelos dados representativos do
INEP/2006 que demonstrava a ampliação do número de ingresso de estudantes público
da educação especial na rede pública de ensino, resolve através do edital 02/2008, criar a
Rede de Formação Continuada de Professores em Educação Especial. A atuação desta
rede está na oferta de cursos de formação continuada de professores lacto sensu e/ou de
aperfeiçoamento e extensão, na modalidade a distância para professores da rede pública
de ensino.
A oferta de cursos de formação continuada que iriam compor a Rede de Formação
| 1078
Continuada de Professores em Educação Especial, em um primeiro momento, aconteceu
a partir do acolhimento das propostas emitidas pelas universidades que responderam à
chamada publica constante no edital 02/2008. No entanto, a seleção dos professores que
iriam compor o grupo de participantes dos cursos, aconteceu de maneira a atender as
demandas dos municípios das diferentes regiões do país,
No ano seguinte, o PAR foi tido como indicador de demandas para as ofertas de
cursos para as universidades que desejassem aderir às atividades da referida rede e como
fonte indicativa de cursistas para preencher as vagas disponibilizadas nos cursos
ofertados. Posteriormente, em 2009, o PAR foi tomado apenas como indicativo de curso,

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mas não como fonte receptora, pois esta passou a ser a Plataforma Freire, desenvolvida
por órgãos do próprio MEC, para realizar a gestão de esses processos de formação inicial
e continuada de professores. No entanto, para os próximos anos, há indicativo da
Dpee/Secadi/MEC, de se retornar a utilizar o PAR, como lócus gerador de demandas e
fonte de participantes para os cursos para a sua Rede de Formação Continuada de
Professores em Educação Especial.

A formação continuada: novas perspectivas e desenhos possíveis.

A formação continuada no Brasil, apesar de estar prevista na legislação nacional,


inclusive na LDB Lei 9394/96, arts.62, 62ª e 67, na maioria dos casos, foi tratada, pelos
sistemas de ensino, como uma responsabilidade do profissional, isentando os de sua
responsabilidade para a qualificação continuada de seus profissionais.
No entanto, a formação continuada é um dever e uma obrigação de ambos. Cabe
aos professores e demais profissionais da educação buscarem por sua qualificação, como
é de responsabilidade dos sistemas de ensino garantirem condições para que está se
efetive, conforme expresso pelo art. 67 da Lei 9394/96. Neste caso, o PAR enquanto um
instrumento de gestão pública contribui com está perspectiva à medida que ao
diagnosticar a realidade do município, cria as condições necessárias para o planejamento
de ações que contribua com a realizações de ações que venha modificar esta realidade,
visando ampliar as condições de ensino e aprendizagem, melhorando em contrapartida os
resultados da escolarização das crianças e jovens de cada município, conforme
estabelecido na lei 13.005/14 (PNE 2014/2014).
Ainda, neste aspecto destaca-se que o 2º parágrafo do art. 62, da LDB, oportuniza
que os processos de formação continuada e a capacitação dos profissionais do magistério | 1079

poderão ocorrer utilizando-se dos recursos e tecnologias de educação a distância, o que


legitima a política desencadeada pela Rede Nacional de Formação de Professores em
educação especial. Entretanto, os municípios desconsideraram no preenchimento do PAR
esta realidade e possibilidade.
Destacam-se, entretanto, os riscos desta prática, que caso não planejada pela
equipe das secretarias de educação dos municípios com os seus gestores, possam
fortalecer na sua aplicabilidade, a transferência da responsabilidade da qualificação
apenas para o profissional, que precisa aderir a planos de internet banda larga em suas

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residências, adquirir computador com boa capacidade de trabalho e investir tempo para
sua qualificação, muitas vezes, tempo de descanso e convívio familiar. Isto devido ao fato
de que, os gestores, em grande parte, não permitem que sejam utilizados os espaços
coletivos da escola que possuem recursos tecnológicos para tal finalidade, pois
compreendem que foram adquiridos para uso dos discentes.

Resultados da pesquisa: a realidade e seus desafios

O objeto desta pesquisa são os cursos da Rede de Formação continuada de


Professores em Educação Especial perante a sua oferta correlacionada à demanda
originária no PAR dos municípios da região do Triângulo Mineiro: Uberlândia, Ituiutaba,
Monte Alegre de Minas e Indianópolis, durante o período de 2008 a 2011.

Uberlândia208 é um município brasileiro do estado de Minas Gerais, localizado no


Triângulo Mineiro, é o mais populoso da região do Triângulo Mineiro e o segundo com
mais habitantes em Minas Gerais, depois da capital Belo Horizonte. Possui 338
estabelecimentos de ensino registrados e ativos na Superintendência Regional de Ensino
(SRE). Destes, 69 são estaduais, 03 são federais, 115 são municipais, e 152 são escolas
particulares.

No tocante a evolução da matrícula de estudantes público da educação especial


identifica-se em 2010 um total de 1.125 estudantes matriculados na rede pública
municipal, destes 1047 na zona urbana e 78 na rural. Em 2011 houve um aumento no
quantitativo de estudantes passado a 1.318 estudantes, sendo 1.232 na zona urbana e 86
na rural. A expansão continuou em 2012 que passou a ter 1.353 estudantes, dos quais
| 1080
1.264 na zona urbana e 89 na rural. Este quantitativo representa 2,05% do total de
estudantes matriculados na rede pública. A rede estadual está totalmente ausente no
espaço da zona rural, que é absorvida pela rede municipal.

Os dados evidenciam a maior quantidade de estudantes no ensino fundamental


anos iniciais e finais, com sensível redução no ensino médio, sinalizando as baixas

208
Dados sobre o município de Uberlândia . Disponível em http://www.uberlandia.mg.gov.br/. Dados sobre
os estabelecimentos de ensino. Disponível em http://sreuberlandia.educacao.mg.gov.br Dados gerais
sobre a cidade. Disponível em http://www.ibge.gov.br Dados sobre o PAR. Disponível em
http://simec.mec.gov.br/cte/relatoriopublico/principal.php

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expectativas pedagógicas e preparo dos docentes para o trabalho cotidiano com estes
estudantes. Nota-se sintonia com os dados nacionais do Inep, pelos quais se observa um
crescimento significativo no quantitativo de estudantes público da educação especial
matriculados nas redes públicas de ensino.

No documento do PAR não se verificou a presença de demanda do município para


cuidar de suas questões formativas, especifica para os docentes da educação especial,
sobre a justificativa de que todos os professores que atuam na educação especial possuem
formação ofertada pelo próprio município, no entanto, desejavam receber apoio da
SEESP na área da educação inclusiva.
Não se localizou nem a demanda por instalações de salas de Recursos
Multifuncionais como apareceu nos demais munícipios estudados. Ainda, no sitio
eletrônico da Prefeitura Municipal de Educação, não há nenhum linque link que divulgue
os cursos de formação continuada de professores da Rede Nacional de Formação
Continuada de Professores em Educação Especial da Dpee/Secadi/MEC.
No levantamento realizado nas planilhas dos Cursos ofertados pela referida rede,
foi possível identificar que a presença do seguinte perfil dos professores inscritos209: De
maneira geral foram 442 (quatrocentos e quarenta e dois) professores de Uberlândia que
se inscreveram nos Cursos de formação de professores da rede nacional de formação em
Educação Especial, representando um percentual de aproximadamente 8,98% do
quantitativo de profissionais da rede pública, com um aproveitamento de 3,2%,
considerando que apenas 143 foram certificados.
Considerando que, segundo dados do Censo Escolar de 2013, houve um
crescimento considerável de matrículas do público da educação especial na rede regular | 1081

de ensino, esse espaço vem se constituindo como principal lócus responsável pelo seu
processo de escolarização. Considerando ainda que a formação inicial não consegue
responder a esta demanda, pois os currículos quando abordam esta temática o fazem de
forma reduzida210, a realidade encontrada gera preocupação, pois não se trata apenas de

5 Não foi possível identificar nos cursos se estes pertencem a rede estadual ou municipal, pois os mesmos
não informaram o Código do Inep da Escola.
210
A formação inicial de grande parte destes profissionais, dos municípios lócus, deste estudo ocorre nas
redes particulares de ensino, uma pequena parte na Universidade Federal de Uberlândia, campus de
Uberlândia e Ituiutaba/MG instituições nas quais seus projetos pedagógicos não sofreram grandes
alterações no sentido de garantir uma formação que abarque os aspectos necessários à escolarização do

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garantir a formação continuada dos profissionais que atuam no Atendimento Educacional
Especializado, como de fato existe um trabalho contínuo e planejado na rede municipal
de Educação de Uberlândia desde o ano de 1993. Por outro lado, as possibilidades de
trocas de conhecimento e experiências entre os profissionais que atuam nos dois espaços
formativos, são escassas em decorrência das condições objetivas de trabalho, conforme
foi registrado na fala dos professores entrevistados em uma escola do município. A
necessidade de formação não reflete os dados colocados no PAR da cidade neste período,
mas pode ser verificada na pesquisa, uma vez que apenas 8,2% dos profissionais desta
rede participaram nos cursos ofertados pela Rede Nacional de Formação em Educação
Especial, no período correspondente entre 2008 a 2012.
De acordo com os depoimentos colhidos por meio de entrevistas com os
responsáveis pelo preenchimento do PAR, no ano de 2008 demonstra uma posição muito
confortável do município em relação à educação inclusiva, inclusive declarando o
financiamento de ações decorrentes do PAR como pontos fortalecedores da política de
educação inclusiva do município.
A segunda cidade lócus do estudo foi Ituiutaba-MG. Localiza-se no Triângulo e
Alto Paranaíba, especificamente no centro-norte do Triângulo Mineiro (Minas Gerais -
Brasil). A cidade conta com 31 escolas públicas de ensino fundamental e 07 de ensino
médio.
Os dados educacionais da cidade em geral, demonstram ainda um recuo
significativo no comput geral de matrículas passando de 17.147 matrículas e 2010 para
15.685 em 2013, ou seja 1.462 estudantes. Não nos parece que esta redução seja pelo
fator conclusão do ensino médio, considerando que o quantitativo de estudantes do ensino
| 1082
médio se manteve neste período, havendo inclusive um recuo em 2013 de 200 (duzentas)
matriculas. Nesse sentido, questiona-se: o que aconteceu com os demais? Provavelmente
evadiram da escola. Situação preocupante em tempos de inclusão escolar. É preciso
estudar detalhadamente este contexto para compreender os fatores que as provocam. A
formação docente pode ter alguma vinculação com esta variável.
Assim, observa-se uma flutuação significativa entre os números de matrículas nos
diferentes níveis e modalidades parcial e integral, bem como na localização urbana ou

público da Educação Especial.

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rural. Tal situação não é diferente entre as duas redes de ensino, a estadual e a municipal.
Evidencia-se também uma ausência da rede estadual na zona rural e uma assunção do
município da responsabilidade em ofertar o ensino fundamental anos finais e ensino
médio, que seria de responsabilidade do estado.
Na educação especial, em 2010 a rede municipal de ensino de Ituiutaba contava
com 434 estudantes matriculados, destes 429 na zona urbana e 05 na rural, distribuídos
da educação infantil ao ensino médio e EJA. Não havia estudantes na zona rural
matriculados nos anos finais do ensino fundamental, no ensino médio e na EJA.
Em 2011 a rede municipal de ensino de Ituiutaba contava com 397 estudantes
matriculados, destes 386 na zona urbana e 11 na rural, distribuídos da educação infantil
ao ensino médio e EJA. Não havia estudantes na zona rural matriculados no ensino médio
e na EJA.
Em 2012 a rede municipal de ensino de Ituiutaba contava com 360 estudantes
matriculados, destes 359 na zona urbana e 11 na rural, distribuídos da educação infantil
ao ensino médio e EJA. Dos estudantes matriculados na zona urbana, na educação
infantil, na creche, havia 03 em regime parcial e 01 em regime integral; na pré-escola
havia 13 em regime parcial e 13 em regime integral. No ensino fundamental, na zona
urbana 196 nos anos iniciais em regime parcial e 59 em regime integral; nos anos finais
54 nos anos finais em regime parcial e 08 em regime integral. No ensino Médio havia 03
estudantes em regime parcial e na EJA ensino fundamental 09 estudantes. Na Zona rural,
08 nos anos iniciais do ensino fundamental em regime parcial e 03 nos anos finais do
ensino fundamental em regime parcial. Não havia estudantes na zona rural matriculados
no ensino médio e EJA.
| 1083
É possível observar que também no tocante ao público da Educação Especial a
rede estadual de educação se encontra ausente. Evidencia-se também o fator flutuante no
número de matriculas de um ano para o outro, indicando a prática de abandono e/ou de
transferências frequentes entre os estudantes nas referidas redes de ensino. Nota-se
ampliação da oferta de ensino integral.
Existe como nos demais municípios maiores concentrações do público da
educação especial no ensino fundamental, principalmente nos anos iniciais. Este dado
sinaliza para a necessidade de maior concentração da formação de professores no referido

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nível de ensino, visando garantir as condições de evolução no processo de escolarização
deste grupo de estudantes.
Outro aspecto levantado foi relacionado às condições das funções docentes no
município211, o qual demarca que, em 2011, havia 793 professores na cidade, destes 583
de cargos efetivos, 207 temporários e 01 terceirizado. Em 2012, houve uma ampliação do
quadro que passou a 863 profissionais, sendo 576 efetivos e 287 temporários. Evidencia-
se aqui, a redução do número de profissionais efetivos e a ampliação dos temporários, o
que implica na piora nas condições de trabalho, bem como, pode indicar maiores
dificuldades para o trabalho na escola envolvendo o público da educação especial. Esta
situação ainda se alia ao modelo econômico, no qual busca-se desonerar o estado de
compromissos sociais e econômicos, provocando a perda de direitos trabalhistas
conquistados a tempos.
No Par do Município de Ituiutaba evidenciou-se a necessidade de qualificação dos
professores que atuam em educação especial, escolas do campo, comunidades
quilombolas ou indígenas oferecidos pela própria secretaria municipal de educação.
Também, se evidencia a necessidade de se implantar salas de recursos multifuncionais
para educação especial nas escolas da rede.
Na dimensão 2 - formação de professores e de profissionais de serviço e apoio
escolar. Área 3 – formação de professores da educação básica para atuação em educação
especial, escolas do campo, comunidades quilombolas ou indígenas. Indicador 1
“Qualificação dos Professores que atuam em Educação Especial, Escolas do Campo,
Comunidades Quilombolas ou Indígenas. Foi atribuída a pontuação 1. Traçou-se como
demanda potencial “Implementar cursos de formação específica para professores que
| 1084
atuam na Educação Especial”, com a justificativa que “os professores que atuam na
Educação Especial não participaram de cursos de formação específicas”, sendo gerada a
ação de “promover programas de formação e habilitação específica para professores que
atuam em educação especial, em escolas do campo, em comunidades quilombolas e em
comunidades indígenas, e que contemplem também as temáticas: educação ambiental,
educação para os direitos humanos, educação integral e integrada. Gerou-se 04 (quatro)
sub ações, relacionadas a formação, inclusive para os profissionais que atuam na

211
Nos micros dados do Inep se encontrou registro apenas de 2011 e 2012.

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educação especial, embora a preocupação central esteja relacionada às escolas do campo,
em indígenas contendo nome do profissional e demanda específica por formação. As
estratégias destacam ações envolvendo os materiais desenvolvidos pela
Secadi/Dpee/MEC.
A análise dos documentos coletados evidencia que a rede municipal de educação
se propõe a utilizar os cursos da rede nacional de formação continuada de professores em
educação especial para qualificar seus profissionais que atuam na educação especial, no
entanto, a participação dos profissionais é ínfima, talvez por não terem conhecimento de
sua existência e/ou por não acreditarem na proposta de formação à distância. Não há
preocupação com os professores da rede como um todo que são os responsáveis pela
escolarização deste público na escola.
Foram inscritos, no período da pesquisa, 29 professores nos Cursos de formação
de professores da rede nacional de formação em Educação Especial, representando um
percentual de aproximadamente 0,42% do quantitativo de profissionais da rede pública
dos 6.908 profissionais existentes, com um aproveitamento de 51,2%, considerando que
apenas 15 foram certificados.
A terceira cidade estudada foi Indianópolis/MG, sua população estimada em 2011
era de 8.181 habitantes. O Município conta com uma rede educacional pequena, com 76
estudantes na educação infantil, 1.185 estudantes no Ensino Fundamental, 199 no ensino
médio. Possui aproximadamente 06 docentes na educação infantil, 64 no ensino
fundamental e 14 no ensino médio, distribuído em uma escola de educação infantil, cinco
de ensino fundamental e uma de ensino médio.
No relatório do PAR do município não foram geradas ações e sub ações envolvendo
| 1085
a formação continuada de professores na área da educação especial. Foi identificada a
necessidade de se implantar o atendimento aos alunos com dificuldades de aprendizagem,
com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento ou altas habilidades/
superdotação, com ações desencadeadas pela secretaria Municipal de Educação, aliadas
às dispostas no indicador 3, dimensão 4, relativa a Infraestrutura Física e Recursos
Pedagógicos é que aparece a demanda por salas de recursos Multifuncionais, por meio do
Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, estando prevista uma
para 2009, outra para 2010 e mais uma para 2011, totalizando no final do período três
salas.

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No referido documento, por sua vez não se evidenciou a existência de preocupação
em formar profissionais para atuar nestes espaços. Os dados do censo escolar também
não apresentam quantitativo de estudantes com deficiências nas escolas da cidade. Onde
estão estas crianças? Matriculadas em instituições filantrópicas? É provável que sim. No
sitio da página da Prefeitura Municipal de Educação, também não há linque que divulgue
os cursos de formação continuada de professores da Rede Nacional de Formação
Continuada de Professores em Educação Especial da Dpee/Secadi/MEC.
No levantamento realizado nas planilhas dos Cursos ofertados pela referida rede,
foi possível identificar que a presença de apenas 01 (um) professor inscrito no Curso de
Especialização em Atendimento Educacional Especializado, na modalidade de
especialização lato sensu, ofertado pela Universidade Estadual de Maringá durante o ano
de 2010 e 2011.
Os dados evidenciam uma necessidade de se aproximar mais da cidade e conhecer
a realidade educacional do público da educação especial daquele município contribuindo
com a formação continuada do seu corpo docente, bem como, com a população em foco.
Não foram realizadas entrevistas com professores e gestores do PAR do
Município devido a dificuldades da coordenação da pesquisa em obter resultado positivo
diante de aproximadamente seis tentativas realizadas, via carta da pesquisadora
apresentando a pesquisa e solicitando disponibilização de profissional responsável pelo
preenchimento do PAR no período do estudo para entrevista e levantamento de dados,
por meio de ligações telefônicas sem obtenção de resultados positivos. Neste caso, os
dados aqui apresentados foram frutos de estudos documentais do relatório público do
PAR, micro dados do Censo Escolar do Inep e página eletrônica do município disponível
| 1086
online.
O quarto município que compõe o estudo foi Monte Alegre de Minas Gerias, com
uma população total de 19.616 habitantes.
Em 2010 havia 58 matrículas de estudantes público da educação especial na
cidade nos anos iniciais do ensino fundamental, em 2011, este quantitativo caiu para 19
e em 2012 para 18. Em síntese, de 2010 a 2012 houve um recuo de matrículas em
aproximadamente 31%. Nos anos finais do ensino fundamental, não se percebe grande
incorporação dos estudantes dos anos iniciais, considerando que a ampliação de matrícula
foi irrisória, sendo que em 2010 havia 05 estudantes nas duas redes, em 2011 esse

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quantitativo se manteve, havendo ampliação em 2012 para 11 matriculas. Os números
preocupam, se for considerado o total de estudantes público da educação especial na rede
pública no geral, considerando que não se percebe indicadores que demonstram que
houve a troca de redes passando da municipal para estadual e vice versa, pois, em geral,
não há ampliação do quantitativo de matriculas na rede estadual, pelo contrário, se indica
uma retração significativa, no número de matrículas nos anos iniciais do ensino
fundamental, Logo, os dados parecem sinalizar para um regresso destes às instituições
filantrópicas denominadas de educação Especial, como a APAE e a rede Pestalozzi.
No eixo destinado à Formação de Professores da Educação Básica para atuação
em educação especial, escolas do campo, comunidades Quilombolas ou Indígenas, na
descrição da demanda é colocado que menos de 10% dos professores da rede tem contato
com formação para o trabalho com este grupo, primeiro pela pequena expressão de
estudantes oriundos de comunidades quilombolas e/ou indígenas, com relação ao público
da educação especial estes são atendidos pela APAE, com exceção daqueles que residem
na zona rural, reforçando a ideia de que o Município está recuando na perspectiva de
educação inclusiva. Prevê ainda a instalação de Implantação de salas de recursos
multifuncionais, nas escolas da rede com matrículas de alunos público da educação
especial, conforme Censo Escolar MEC/Inep 2013, por meio do Programa de
Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais.
Foram matriculados 09 profissionais da cidade em um dos cursos da ofertados
pela Dpee/Secadi/MEC, sendo que os mesmos nunca acessaram, por conseguinte, não
houve aproveitamento algum.
Considerando os dados relacionados se percebe que este município precisa ser
| 1087
melhor assessorado no sentido de buscar apoio para formação dos seus profissionais para
o trabalho com os estudantes público da educação especial, que precisam sair da APAE
e se inserir na rede pública municipal de ensino e lá encontrando profissionais capacitados
para recebe-los.

Considerações finais

O desafio que assumido com este estudo foi em partes conseguido, considerando
que sua relevância se encontrava justamente no fato de procurar compreender os sentidos
que a formação continuada de professores para a escolarização das pessoas com público

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da educação especial relacionadas com as ações do PAR nos municípios em estudo tem
assumido na atualidade, pois a análise dos documentos não possibilitou esta
compreensão. Como na análise documental constatou-se tal impossibilidade, houve a
tentativa de levantar esta compreensão nas entrevistas realizadas. Nestas percebe-se a
presença da percepção de inclusão enquanto introdução dos estudantes público da
educação especial na escola, uma perspectiva restrita do termo, que se trata do direito de
todos à escolarização.
Nos documentos analisados a preocupação com a formação continuada dos
profissionais da educação para o trabalho relacionado à escolarização do público da
educação especial, aparece de forma incipiente nas demandas. Apesar desta situação, se
identificou 481 inscritos nos cursos ofertados pela Dpee/Secadi/MEC de 2008 a 2012,
destes 158 foram aprovados, um percentual de 33,6% de aprovação, índice muito baixo.
A Rede de Formação Continuada de Professores em Educação Especial da
SECADI tem assumido um papel insignificante na formação de professores dos quatro
municípios Região do Triangulo Mineiro investigados.
No caso dos Programas do Ministério da Educação, investir, na qualificação exige
acompanhar e cobrar a contrapartida dos municípios e entes federados assumidos durante
a assinatura do convênio. Aliás os resultados positivos destes programas deveria ser
interesse comum, logo, resultado de uma articulação e produção de reflexões coletivas
dos resultados e dificuldades vivenciadas pelas instituições públicas envolvidas no
processo, no sentido de respaldar a tomada de decisões das mesmas para os anos
seguintes. Não foi possível no documento do PAR a identificação do conceito de inclusão,
pois o documento é muito direcionado.
| 1088
Os estudos em seu conjunto demonstram que existe uma grande caminhada para
se construir uma realidade de escolarização de estudantes público da educação especial,
capaz de proporcionar lhes condições reais para seu desenvolvimento educacional, pois
os dados indicam que o PAR não tem contribuído com o diagnóstico da realidade da
formação docente, bem como, com o fortalecimento da Rede Nacional de Formação
Continuada de Professores em Educação Especial criada pela Dpee/Secadi.

Referências

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ANDRADE, Dalila Oliveira. As políticas educacionais no governo Lula: rupturas e
permanências. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Porto
Alegre : ANPAE, v. 25, n. 22, p. 197-210, maio-ago/2009.
BRASIL, Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre
as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm Acesso em 22/01/2012.
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de
educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. DECRETO Nº
7.611, de 17 de setembro de 2011. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7611.htm. Acesso
em 22/01/2012.
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
Acesso em 20/10/2012.
BRASIL. Decreto 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano
de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de
colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e
da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando
a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. Disponível em
http://noticias.uol.com.br/politica/2011/01/03/analise-o-governolula-e-a-ascensao-de-
classes-no-brasil.jhtm. Acesso em 25/04/2011.
BRASIL, Lei No. 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2007/lei/l11494.htm. Acesso em 25/04/2011.

| 1089

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POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS NO TRABALHO
DOCENTE EM SALA DE AULA
Liane Nair Much (UFSM)
lianemuch@gmail.com
Eduardo A. Terrazzan (UFSM)
eduterranec@ymail.com

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo evidenciar as possibilidades de mudanças


nas práticas docentes que vêm ocorrendo em algumas escolas da Educação Básica. Nesse
sentido, trata-se de um relato circunstanciado e reflexivo sobre prática docente
desenvolvida por um dos autores (LNM). Para que possam ocorrer efetivas mudanças na
educação escolar, faz-se necessário que as práticas docentes ultrapassem a mera
transmissão de conteúdos. É preciso oportunizar situações contextualizadas de construção
de conhecimentos, pois informações podem ser adquiridas em diferentes lugares,
utilizando-se diferentes veículos (internet, livros, televisão, etc). Com a finalidade de
contextualizar os conteúdos programáticos, alunos do 1º Ano do Ensino Médio de uma
Escola Estadual sediada em Santa Maria/RS, no ano de 2015, foram desafiados a mapear
o bairro em que vivem, identificando aspectos positivos e negativos existentes, sua
história, além de levantar sugestões de melhorias para a comunidade local. As aulas foram
diversificadas e as aprendizagens de conceitos geográficos e históricos ficaram evidentes.
Podemos afirmar que essas práticas docentes foram exitosa, permitindo aos educandos se
percebessem como potenciais agentes de mudança em suas casas e no bairro. As reflexões
aqui expressas evidenciam que alguns professores estão buscando diferentes estratégias
de ensino, contextualizando-as para tornar as aprendizagens significativas aos alunos.
Palavras-chave: Prática Docente; Estratégias de Ensino; Conhecimentos Escolares.

INTRODUÇÃO

O presente artigo foi elaborado a partir das reflexões e estudos realizados no


âmbito do Grupo de Estudos, Pesquisas e Intervenções “Inovação Educacional, Práticas
| 1090
Educativas e Formação de Professores” (INOVAEDUC). Este trabalho é caracterizado
como uma reflexão crítica que tem por objetivo evidenciar as possibilidades de mudanças
nas práticas docentes que vêm ocorrendo em uma escola da Rede Escolar Publica
Estadual (REPE/RS), situada no município de Santa Maria/RS, no ano de 2015. Tem
como objeto de estudo as práticas pedagógicas que ocorreram em escola da Educação
Básica (EB).

É sabido que a formação docente não se encerra ao final da graduação, muito pelo
contrário, essa é a etapa inicial da formação, e se estende ao longo da sua vida

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profissional. A formação dos professores deve ser permanente, pois a sociedade está em
constante mudança/modificação, e os professores devem se atualizar, estudando sempre,
para oferecer uma educação de qualidade aos alunos, que venha ao encontro dos anseios
e necessidades que a sociedade impõe.

Com o intuito de aprofundar seus conhecimentos e enriquecer sua prática


pedagógica, muitos professores participam de seminários, cursos, palestras e oficinas.
Também aprendem muito com colegas na própria escola, trocando materiais, ideias e
experiências. No entanto, uma das mais importantes formas de aprendizagens e mudança
de atitudes profissional é a reflexão sobre a própria prática. Por meio dela, professor tem
a oportunidade de analisar suas ações, melhorá-las, ou modificá-las. Infelizmente essa
reflexão crítica sobre o próprio trabalho não é uma prática habitual. Para que a formação
profissional seja completa, é necessário que os professores se assumam como
protagonistas de suas formações. Os professores têm de se tornar produtores da sua
profissão (NÓVOA, 1995).

TRABALHO DOCENTE: LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES

A educação escolar nas diversas sociedades contemporâneas precisa desempenhar


um importante papel na vida das pessoas e da sociedade, para estar a serviço de um
desenvolvimento sócio-cultural e ambiental mais harmonioso. Por meio dela deveria ser
| 1091
possível acreditar em um mundo mais fraterno e democrático, com menores índices de
desigualdade econômica e social entre as pessoas. Porém na prática isso não é visível,
tendo em vista que as instituições escolares ainda produzem e reproduzem ideologias das
classes dominantes.

Para que possam ocorrer efetivas mudanças na educação faz-se necessário que as
instituições de ensino (escolas, universidades) reavaliem suas ações, para cumprir
satisfatoriamente sua função social, que além de orientar para a cidadania, e para o mundo
do trabalho, é transmitir os conhecimentos historicamente produzidos. Porém a mera
transmissão de informações, não garante aprendizagens. É tarefa do professor oportunizar

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situações contextualizadas de construção de conhecimentos para os alunos, pois
informações podem ser adquiridas em diferentes lugares por meio de diferentes veículos
(internet, livros, rádio, televisão, etc). Segundo Porlán, ”El professor es el mediador
fundamental entre la teoria y la práctica educativa”(1997, p.15). Para que a aprendizagem
realmente se efetive, é necessário que o aluno perceba sentido/significado para tal
informação. Para Saviani

A escola, portanto, há de ser criadora o suficiente para, além de transmitir os


conhecimentos científicos, dotar o aluno da capacidade de buscar informações,
segundo as exigências de sua atividade principal e de acordo com as
necessidades do desenvolvimento individual e social. (1994, p.86)

A cada ano, a cada geração de educandos que chegam à escola para aprender
formalmente os conhecimentos historicamente acumulados, percebe-se que estas
instituições não conseguem cumprir a sua função satisfatoriamente, seja devido à falta de
preparo de seus profissionais, seja pela falta de autonomia das instituições, falta de
adequação das políticas públicas, ou desmotivação/desilusão dos educandos e da
comunidade escolar em buscar e exigir uma educação de qualidade para seus filhos.

Entende-se que as instituições escolares estão vinculadas hierarquicamente a


esferas superiores. No caso das escolas públicas estaduais, elas estão vinculadas as
coordenadorias regionais de educação, e esta a Secretaria de Educação do estado. Muitas
das determinações e projetos são definidas nas instâncias superiores, e devem ser
executadas pelas instituições de ensino, o seja, as escolas.

Mesmo envolvida com uma série de funções predeterminadas, as escolas tem certo
grau de autonomia para realizar o seu trabalho cotidiano, para desenvolver seu projeto
junto à comunidade local. O termo autonomia significa, segundo o dicionário Aurélio | 1092

“1.Faculdade de se governar por si mesmo. 2. Direito ou faculdade que tem uma nação
de se reger por leis próprias.” (2010,p. 81). A escola além de estar subordinada a
legislação federal e estadual, tem autonomia de elaborar normas e leis próprias que a
regem e a amparam. Estas são construídas pela comunidade escolar e documentadas no
Regimento Escolar.

Nas escolas, o ambiente que oferece maior autonomia para o professor é a sala de
aula. Nela o professor tem a oportunidade de desenvolver o seu trabalho fundamentado
em conhecimentos didáticos e pedagógicos que possui, e utilizando-se de diferentes

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estratégias e metodologias de ensino para facilitar a construção da aprendizagem dos
discentes.

A escola é o melhor ambiente para refletir sobre a prática docente, pois junto com
seus pares, os professores têm oportunidade de buscar formas de superação de
necessidades/dificuldades. Melhorando com isso, suas práticas pedagógicas.

“A escola, assumindo a função que lhe é específica, a de ensinar, deve propiciar


às classes populares a conquista do saber sistematizado. Isto exige,
evidentemente, dos educadores, um compromisso político, que deve se
expressar na sua capacidade de ultrapassar as aparências e captar distorções —
o que é impossível sem o domínio do conteúdo a ser trabalhado e dos métodos
e técnicas que possibilitem sua transmissão-assimilação/apropriação” (
SAVIANI,1994,p.81)

O trabalho docente envolve funções complexas e trabalhosas, pois os educandos


da atualidade podem ter acesso às informações em diferentes lugares, e por meios que
muitas vezes são mais atrativos do que no espaço da sala de aula, se comparados a aulas
tradicionais de transmissão passiva de informações, onde o professor passa a aula inteira
expondo o conteúdo didático sem possibilitar a interação e interpretação destes por parte
dos alunos. Sabe-se que a quase totalidade alunos não são autodidatas, ou seja, não
conseguem sozinhos construir suas aprendizagens. Eles necessitam da mediação do
professor para elaborarem suas aprendizagens. E para favorecer a construção dos
conhecimentos dos alunos, o professor precisa utilizar-se de diferentes estratégias de
ensino. Para Vieira (2005, p.16) o “termo estratégia de ensino/aprendizagem reporta-se a
um conjunto de acções do professor ou do aluno orientadas a favorecer o desenvolvimento
de determinadas competências de aprendizagem que se tem em vista”.
Entre as estratégias ou metodologias de ensino que podem ser utilizadas em sala
| 1093
de aula para facilitar o processo de ensino/aprendizagem destacam-se: discussão de
pequenos grupos; debates; estudo de caso; jogos pedagógicos, dramatizações, estudo
orientado em equipes, seminário, exploração de recursos, método de projetos, oficinas,
círculo de estudos, pôster, entre outros. Por meio de diferentes estratégias de ensino, é
possível desafiar o educando a buscar informações para resolver situações problemas,
construindo assim novas aprendizagens.

Intervenção - o trabalho em sala de aula

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Esta pesquisa baseou-se em depoimentos de professores, análise de materiais
produzidos pelos alunos e de apontamentos em Diário da Prática Pedagógica (DPP).
Porlán defende o uso do DPP como documento para coleta de informações em pesquisa
educacional, afirmando que “El Diário deja de ser exclusivamente um registro escrito del
processo reflexivo, para converterse progresivamente em el eje organizadr de uma
autentica investigacón professional” (1997, p.52).

A escola de EB investigada, da qual resultou o presente trabalho, localiza-se na


periferia do município de Santa Maria/RS, presta serviços educacionais à comunidade
local em três turnos de trabalho, a saber: de manhã atendendo as turmas dos anos finais
do EF, (6º ao 9ª Anos) e ao 1º Ano do EM; a tarde, os alunos dos Anos Iniciais (1º ao 5º
Anos) e a noite trabalha com turmas de Ensino Médio (1º ao 3º Anos), e ainda com turmas
da modalidade EJA/EF. Abrangendo um total de 780 alunos matriculados.

Uma atividade que norteia o trabalho escolar nesta instituição de ensino é a


pesquisa sócio antropológica, que é realizada pelos professores e alunos na comunidade
escolar, em média a cada triênio, geralmente no início do ano letivo (mês de março) com
o objetivo de conhecer as famílias dos alunos, principalmente dos novos que estão
chegando na escola, e consultar os pais para saber o que estes esperam dessa instituição,
e ainda sobre as temáticas que gostariam que seus filhos estudassem.

Após essa coleta de informações, os professores são convidadas a participar da


construção “interdisciplinar/integrada” de um projeto pedagógico relacionado a alguma
temática de interesse da comunidade escolar. Esta temática escolhida norteará o trabalho | 1094
pedagógico ao longo do ano letivo. No ano de 2015, a escola esteve comemorando 70
anos. E para contemplar essa comemoração, foi decidido em reunião pedagógica que a
temática central do trabalho do referido ano letivo estaria relacionada à “Escola e
Comunidade local”. As diferentes áreas de ensino (disciplinas) além de cumprirem seus
currículos, tinham a autonomia de planejar sequências didáticas ou subprojetos que
tivessem relação com a temática principal.

Este tipo de trabalho escolar é defendido por diferentes pensadores. Imbernón


enfatiza que

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A instituição que educa deve deixar de ser “um lugar” exclusivo em que se
aprende apenas o básico (as quatro operações, socialização, uma profissão) e se
reproduz o conhecimento dominante, para assumir que precisa ser também uma
manifestação de vida em toda a sua complexidade, em toda sua rede de relações
e dispositivos com uma comunidade, para revelar um modo institucional de
conhecer e, portanto, de ensinar o mundo e todas as suas
manifestações.(2011,p.8)
Considerando a temática do projeto norteador da escola no ano letivo de 2015, a
professora da disciplina de Geografia elaborou um subprojeto que foi desenvolvido com
a turma do 1ª Ano do EM matutino, cujo título era “Cartografando a comunidade
Castellana”. O termo “Castellana” foi utilizado por identificar a comunidade. Este
trabalho tinha como objetivo incentivar os alunos a valorizarem o lugar onde vivem e
constroem seu cotidiano. Este trabalho justificou-se tendo em vista que a quase totalidade
do corpo discente reside na comunidade, e muitas vezes alguns alunos denigrem a
imagem do lugar onde vivem. Para mudar isso, pretendeu-se mostrar o lugar em que
vivem sob outra perspectiva. Pois como afirma Cavalcante, o espaço transforma-se em
lugar de pertencimento na medida em que se conhecer melhor e atribuir a ele um valor,
um sentimento, utilidade. “O lugar é um espaço que se torna familiar ao indivíduo. Lugar
é o espaço do vivido, do experienciado.” (1998, p.89)

O lugar, do ponto de vista geográfico descreve uma posição, mas, também uma
experiência humana, sobre a qual carregamos determinados valores. Cada lugar tem suas
próprias características, o que o torna diferente de outros lugares. Ele pode mudar com o
tempo, dependendo das relações humanas que ali se estabelecem, por isso da importância
e conhecê-lo, para preservá-lo ou reconstruí-lo.

A prática docente que se pretende analisar foi desenvolvida no mês de abril de


| 1095
2015. Utilizaram para tal, seis períodos de aula da disciplina de Geografia. Foram usadas
diferentes estratégias de ensino-aprendizagem como pesquisa; entrevistas; confecção de
mapa; coleta de fotografias antigas,; levantamento de pontos comerciais e de prestadores
de serviços existentes na comunidade; levantamento dos endereços de todos os alunos da
escola. Para isso, os alunos foram distribuídos em grupos de no máximo quatro alunos, e
cada grupo ficou responsável por realizar uma etapa do projeto. Assim, como eram 28
alunos na turma, formaram-se 7grupos.

Cada grupo teve participação mais efetiva em uma das etapas do trabalho,
conforme mencionado acima. Um dos grupos elaborou um mapa que contemplou as vilas

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próximas da escola. Para essa tarefa utilizaram além de materiais básicos (cartolina,
canetas, lápis-de-cor, canetas hidrocor) .a ferramenta do google maps, projetor e
microcomputador. Identificaram no mapa os nomes das ruas.

Outro grupo de alunos, coletou os endereços dos alunos das turmas da escola,
desde os alunos do 6º Ano do Ensino Fundamental ao 3º Ano do Ensino Médio, para que
pudessem ser identificados no mapa construído. Para coletar informações sobre endereço
dos alunos dos Anos Iniciais do E.F.(1º ao 5º), precisaram recorrer a secretaria da escola.
Tendo em vista que essa parcela dos alunos ainda são pequenos e muitos não sabiam
dizer/escrever o seu endereço.

Os demais grupos se organizaram para fazer o levantamento na comunidade sobre


comércios existentes, serviços de saúde, lazer, hortas e pomares comunitários e também
imagens de fotografias antigas para mostrar as mudanças que ocorreram no bairro. Essas
diferentes informações levantadas pelos estudantes foram discutidas, analisadas em aula
e representadas no mapa construído. Os endereços dos alunos, professores e funcionários
da escola foram identificados no mapa com diferentes cores (para isso foram usados
pequenos quadrados de E.V.A de diferentes cores, medindo 1x1cm) e construída uma
legenda para explicar as diferentes representações no mapa.

Segundo o depoimento da professora de Geografia, o trabalho realizado na turma


de 1º Ano do Ensino Médio foi de grande valia, pois oportunizou aos alunos se
perceberem membros de uma comunidade; a valorizarem o lugar onde vivem e interagem
no dia-a-dia. Eles conseguiram refletir sobre as coisas boas que o bairro oferece como
segurança, tranquilidade, cortesia entre as pessoas que ali residem. Identificaram alguns
| 1096
pontos comerciais e de lazer, que para alguns alunos eram desconhecidos. Também
permitiu elencar serviços que não existem, e que fazem falta no bairro. Além de favorecer
a compreensão dos conteúdos geográficos que estavam envolvidos neste trabalho como
Orientação, Importância dos endereços completos, Localização Espacial, Coordenadas
Geográficas, Elementos dos Mapas como legendas, escalas.

Depois de terminado o mapa, foi possível fazer a interpretação das informações


coletadas como por exemplo, em que vila residiam mais alunos, quantos moravam mais
distantes da escola, qual a variedade de serviços prestados na comunidade e onde se

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localizam. Este mapa foi exposto para a comunidade escolar, em novembro de 2015, na
Mostra Pedagógica da escola. Neste dia, uma professora ao analisar o mapa construído,
comentou que agora ela compreendeu porque determinado aluno sempre chegava
atrasado à aula (1º período da manhã), pois ele morava longe, e vinha caminhando para a
escola.

Esses exemplos de práticas docentes diferenciadas demonstra que a construção do


conhecimento ocorre na interação entre professor-aluno, enquanto se ensina também se
aprende. Porém são aprendizagens distintas. O aluno adquire conhecimentos por meio de
conteúdos específicos pré-determinados, e o professor aprende a conhecer seu aluno, seus
anseios e potencialidades. Saviani afirma que:

(...) o processo de ensino-aprendizagem que se desenvolve na educação escolar


deve lidar, fundamentalmente, com o conhecimento, na sua ligação com a
prática. Esta, inclui as experiências imediatas do cotidiano, mas a elas não se
restringe: trata—se da prática social, objetiva, o trabalho humano, enquanto
experiência generalizada da humanidade.(1994,p.91)

Nas práticas docentes nem sempre as tarefas transcorreram conforme o planejado.


Ao longo das ações docentes, as professoras se depararam com alguns imprevistos,
dificuldades. Para Tardif e Lessard, “Nunca se pode controlar perfeitamente uma classe
na medida em que a interação em andamento com os alunos é portadora de
acontecimentos e intenções que surgem da atividade ela mesma (2012, p. 43)”. Para
melhor compreender esses desafios encontrados pelas professoras, eles foram divididos
em: dificuldades de planejamento e dificuldades de execução.

Entre as dificuldades relacionadas ao planejamento foram citadas a falta de tempo


para melhor programar a aula, tendo em vista que a professora trabalha em dois turnos | 1097
tendo uma turma de Anos Iniciais em um turno e no outro turno mais 8 turmas de alunos
para ministrar aula de Geografia. Isso porque as disciplinas de Geografia tem pequena
carga horária semanal (dois períodos por série), e para cumprir a carga horária de
dezesseis horas/aula semanal em sala de aula, precisa assumir várias turmas. E às quatro
horas restantes (hora atividade), são insuficientes para planejar diferentes estratégias de
aula, e corrigir trabalhos de todas as turmas. Outra dificuldade levantada pela professora
é a inexistência de espaço específico para troca de ideias com colegas para favorecer um

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trabalho integrado entre as áreas do conhecimento. Quando ocorrem reuniões, grande
parte destas é destinados a assuntos administrativos.

Entre as dificuldades relatados em relação a execução do trabalho destacaram-se:


a recusa de alguns alunos em participar de tarefas; reclamações de grupos quanto à
irresponsabilidade de colega do grupo na execução de seu trabalho; falta de
comprometimento de alguns alunos, várias faltas as aulas. Tardif e Lessard explicam
esses fatos afirmando que “(...)lidando com seres humanos, os docentes se confrontam
com a irredutibilidade do indivíduo em relação a regras gerais, aos esquemas globais e as
rotinas (2012,p.43).”

CONCLUSÃO

A análise feita sobre a ação pedagógica desenvolvida na escola de EB é um


exemplo de que a mudança na prática pedagógica é possível e viável. No entanto exige
competência, condições favoráveis de trabalho e ainda compromisso por parte dos
professores. Os educandos precisam e merecem uma educação de qualidade, que favoreça
o protagonismo discente, e os prepare para o viver em sociedade de modo solidário e
consciente.

A escola tem papel fundamental na construção do conhecimento e na promoção


de aprendizagens. Para esse processo pedagógico ser significativo é importante que seus
| 1098
docentes adotem práticas de ensino diferenciadas e condizentes com a necessidade
contemporânea, que façam a diferença no cotidiano dos alunos.

Para que a escola consiga resgatar a qualidade da educação, necessita que a


formação de seus profissionais seja revista, adequando-se a realidade do mundo atual que
é acelerado e imediatista. Pois muitas práticas pedagógicas adotadas no século XIX, não
podem ser aplicadas no contexto contemporâneo. O aluno de hoje questiona, quer saber
o porquê de determinados conteúdos, e para quê estes são estudados. Para auxiliar os
educandos a crescerem cognitivamente, os docentes devem ter clareza dos objetivos que

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pretendem alcançar em suas aulas. Apenas transmitir a informação pela informação, não
significa que ocorreu aprendizagem.

Por meio de práticas inovadoras e contextualizadas, os professores conseguem


atrair a atenção dos alunos, favorecendo as aprendizagens. Outro elemento de
fundamental importância para a mudança da educação relaciona-se as condições de
trabalho. O professor precisa de tempo para planejar diferentes estratégias de aulas. E
oportunidade de espaço para trocar experiências e ideias com colegas. Pois muitas vezes
a integração de diferentes disciplinas não ocorre por falta de comunicação entre seus
respectivos professores.

REFERÊNCIAS

CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia, Escola e Construção do conhecimento.


Campinas: Papirus, 3ª.ed, 1998.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: dicionário de língua


portuguesa. 8ªed. Curitiba: Positivo, 2010.

NÓVOA, António. Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice-versa. In.: FAZENDA,
Ivani. (Org.). A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento.
Campinas, SP: Papirus, 1995.

PORLÁN, Rafael, MARTÍN, José. El Diário del Profesor: um recurso par la


investigación em el aula. Sevilla,PRT;Díada, 4ed,1997

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e


a incerteza.9.ed.São Paulo: Cortez, 2011. | 1099

SAVIANI, Nereide. Saber escolar, currículo e didática: problemas da unidade


conteúdo/método no processo pedagógico. Campinas: Autores Associados,1994.

TARDIF, Maurice, LESSARD, Clause. O trabalho docente: elementos para uma teoria
da docência como profissão de interações humanas.Trad 7ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

VIEIRA, Rui Marques, VIEIRA, Celina. Estratégias de Ensino/Aprendizagem: o


questionamento promotor do pensamento crítico. Lisboa: Instituto Piaget.2005.

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ENTRE AS LEIS QUE REGEM O ENSINO DAS ARTES E A
REALIDADE DOS PROFESSORES NAS ESCOLAS DA 8ª
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL

Mariete Taschetto Uberti, (S. E. E. RS, Brasil)


mariete.uberti@bol.com.br

RESUMO:

O estudo trata de questões referentes à inserção dos professores de artes nas escolares a partir da
implantação da Lei 12.287/2010 que determina a obrigatoriedade da disciplina de artes nos currículos
escolares. A discussão parte de pesquisa realizada sobre a área nas escolas da 8º Coordenadoria de
Educação do Estado do RS entre 2011/2012, que instigou a retomada no ano de 2015. Em cuja análise
pode-se observar as alternativas encontradas pelo Estado do RS para a inserção da mesma nos currículos
após 2011 e os profissionais que a ministram. A pesquisa qualitativa foi usada com o objetivo de
contextualizar a realidade das escolas, tendo como aportes a documentação dos concursos de 2001, 2005,
2012 e 2013 para professores de artes da 8º Coordenadoria e o material coletado junto à mesma sobre os
profissionais que ministram a disciplina. A pesquisa mostrou que nos últimos anos, através dos concursos
realizados, alguns/novos professores de arte se inseriram nas escolas públicas do Estado do RS, mas a
forma como é organizada a disciplina, carga horária e horas/aula dificultam o trabalho desses
profissionais, mesmo quando buscam alternativas para uma educação de qualidade.

Palavras-chave: Professores de Artes; Escolas da Rede Estadual de Educação do RS; Leis.

Introdução

A Arte Educação Brasileira desde o início da colonização foi usada como instrumento
| 1100
para educar e evangelizar. O seu reconhecimento e inserção no contexto educacional Brasileiro
se deu lentamente, uma vez que, somente na década de 1970 o ensino das artes e da cultura foi
implantada como Lei que regia sua obrigatoriedade nas escolas. Na década seguinte tiveram início
os primeiros estudos sobre a educação em artes e pesquisas referentes às novas metodologias que
contribuíram com seu ensino. Nesse período a disciplina começou a ter um maior
comprometimento com a cultura e a história da arte, pois até então, o principal compromisso era
o do desenvolvimento da expressão pessoal (BARBOSA, 2002). Assim, sua inserção no ensino
básico vem se concretizando no decorrer das últimas décadas. Nesse contexto, juntamente à
implantação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei 9.394/96 (BRASIL, 2010), foi instituída a
arte como componente curricular nas escolas de educação básica. Nesse mesmo período foram

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criados os Parâmetros Curriculares Nacionais/artes212 que têm influenciado em pesquisas e
projetos nas escolas.

A implantação e estudo do PCNs, assim como de Leis que visam à inserção das artes nos
espaços escolares têm instigado a pensar como essas políticas são desenvolvidas na prática e sua
influência na atualidade, na inserção das artes e dos arte/educadores. Premissa que tem como base
as autoras Barbosa (2002) e Fuzarri e Ferraz (2001, 2004) que abordam sobre a docência em artes.
As quais me permitem traçar analogias com a docência nas escolas da Rede Estadual de Educação
do Estado do Rio Grande do Sul213. Estudos que possibilitam tratar sobre a educação em artes, o
papel e a realidade dos docentes nas escolas. Como a inserção dos professores de artes se dá na
prática, a qual diz respeito aos processos que possibilitam sua incoração nas escolas, turmas e
horas/aulas da disciplina com relação a carga horária.

A pesquisa está direcionada a discorrer sobre a arte/educação e os professores de artes,


propondo discutir sobre a Lei 12.287/2010 e seus pressupostos na realidade das escolas, que
definem seus currículos e a carga horária das disciplinas, onde as Leis nem sempre são seguidas,
mas sujeitas a interesses sociais que deliberam sobre as prioridades de conteúdos nos bancos
escolares. Premissas que me acompanham desde 2011, quando realizei meus primeiros estudos
sobre a Lei e sua implantação nas escolas e que agora necessitam serem revistos e reavaliados,
considerando a realidade atual. Integrada a esse contexto, objetivo analisar como tem se
consitutido a inserção dos professores de artes nas escolas da 8ª Coordenadoria de Educação do
Estado do RS214 que coordena as cento e oito (108) escolas da Rede Estadual de Educação da
Região Central do Estado do RS, onde está localizada a cidade de Santa Maria/RS, cidade que
também a sedia. Concluindo com uma análise dessas conjunturas, buscando destacar seus
direcionamentos no presente com vistas em estudos e Políticas Públicas que adentrem os espaços
escolares.
| 1101
As análises e discussões propostas para este artigo têm base na observação participante,
a qual vem se constituindo desde minha inserção nas escolas em 2009/2010 com os Estágios
Supervisionados, as pesquisas para a especialização entre 2011/2012 e minha inserção no serviço
público, como professora de artes desde 2011 até o presente momento. As entrevistas com as
professoras de artes e supervisoras das escolas, em 2011, juntamente com as pesquisas realizadas

212
No decorrer do artigo irei usar a abreviatura PCNs artes para tratar dos Parâmetros Curriculares
Nacionais/artes.
213
O nome do Estado será citado com a abreviatura RS.
214
No decorrer do texto usarei a abreviatura de 8ª Coordenadoria para tratar da 8ª Coordenadoria de
Educação do Estado do RS.

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junto à 8ª Coordenadoria, no ano de 2015 me ajudam a projetar uma análise sobre a realidade da
disciplina de artes desde aquele período a atualidade. As bibliografias referendadas, ao lado dos
PCNs artes, possibilitam discorrer sobre o desenvolvimento da disciplina de artes e entendimento
dos contextos escolares. A pesquisa qualitativa é usada para análise da realidade da disciplina e
dos professores que a ministram e suas cargas horárias. E a quantitativa para interpretação do
quadro e dos números apresentados nas listas de nomeações dos concursos públicos da Secretaria
de Educação do Estado do RS, sobre a inserção dos professores de artes nas escolas, turmas e
cargas horárias.

O ensino das artes na educação brasileira: entre as Leis e a realidade

Com o intento de situar a prática vivenciada em grande parte das escolas


públicas da Região Central do Estado do RS, referente à disciplina de artes, serão
abordadas algumas Leis criadas a partir da segunda metade do século XX, que se
fazem pertinentes para as discussões no decorrer do texto.

Ao analisar as políticas criadas e direcionadas à educação no Brasil, foi possível


perceber que até a década de 1970, eram norteadas pelos interesses do governo e do
comércio. Naquele contexto o ensino das artes era marcado pela falta de professores
formados na área, que pudessem ministrar a disciplina com metodologias que
abrangessem a arte, sua história e contextualização (BIASOLI, 1999). Pois foi entre as
décadas de 1960 e 1970 que grande parte das Universidades Públicas Brasileiras
implantaram os primeiros cursos de artes, que estavam, também, direcionados a formação
| 1102
de arte/educadores, que foram os primeiros professores de artes formados no a se
inserirem nas escolas públicas. Concomitantemente, em 1971 foi implantada a primeira
Lei que instituía as artes nas escolas, com a nomenclatura de educação artística. A Lei nº.
5.692/71 (BRASIL, 2011), em sua redação definia que, "Será obrigatória a inclusão de
Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos
currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus [...]", a qual foi entendida por
muitas instituições como atividades extraclasses sem a obrigatoriedade de se criar uma
disciplina específica para as artes (GOMES e NOGUEIRA, 2008). Os professores que
iam para as escolas tinham que dar conta de trabalhar uma arte polivalente, ou seja, que

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abrangia artes visuais, teatro, música e dança que deveria ser planejada como proposta
criativa sem ênfase nos conteúdos de artes. Neste sentido, as autoras Fusari e Ferraz
afirmam que

Dentre os problemas apresentados no ensino artístico, após a Lei 5.692/71,


encontram-se aqueles referentes aos conhecimentos básicos de arte e métodos
para apreendê-los durante as aulas, sobretudo nas escolas públicas. O que se
tem constatado é uma prática diluída, [...], na qual métodos e conteúdos de
tendência tradicional e novista se misturam, sem grandes preocupações, com o
que seria melhor para o ensino de Arte (2001, p. 43).

Ou seja, uma prática que tinha a função de auxiliar na distração em relação às outras
disciplinas. No início da década de 1980, enfatizaram-se pesquisas sobre a arte educação, suas
práticas e como era trabalhada nas escolas, reafirmando, desse modo, a realidade, ou seja, que as
artes não eram trabalhadas como disciplina obrigatória, uma vez que, eram poucos os
profissionais formados em artes que haviam se inserido nas escolas brasileiras. Na maior parte
das instituições de ensino quem ministrava a disciplina eram professores de outras áreas que não
tinham formação para exercer a função de arte/educadores. Os poucos professores da área, que
estavam inseridos nas escolas, tinham a incumbência de desenvolver um trabalho direcionado ao
campo artístico como um todo (artes visuais, teatro, dança e música). Como consequência do
restrito número de docentes da área nas instituições a prática/metodologia que passou a
predominar como atividade nas aulas de artes foi a do desenho estereotipado, trabalhos dedicados
a datas comemorativas, desenho livre e de decoração das escolas. Os quais não auxiliavam na
formação do educando em artes, mas ao contrário, em muitos casos, contribuíram para a
desvalorização das artes.
| 1103
Diante dessa realidade, objetivando por mudanças no ensino das artes nas escolas
brasileiras que, na década de 1980, Ana Mae Barbosa juntamente com arte educadores
desenvolveram a Proposta Triangular que teve como base os estudos feitos por Eisner nos Estados
Unidos, o qual criou a DBAE (Arte-Educação Baseada em Disciplinas), que definia como
metodologia a produção, a crítica, a História e a Estética da arte nas escolas americanas (EISNER,
2001). Essas quatro operações foram codificadas por Barbosa, na arte educação brasileira, por
meio da Proposta Triangular, em três subdivisões que orientavam os trabalhos de artes nas
escolas, que eram a articulação pela ênfase na interação entre o fazer e a leitura da obra de arte
(apreciação interpretativa) e a contextualização histórica, social, antropológica e/ou estética da

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obra (BARBOSA, 2002). Aqui se propunha para os estudantes um aprendizado consciente
através de conhecimentos sobre as artes e não mais e/ou apenas a mera prática que priorizava a
livre expressão.

A Lei 9.394/96 (BRASIL, 2011), estabeleceu em seu Art. 26, § 2º, “O ensino da arte
constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a
promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. Com a implantação da Lei as instituições
criaram um espaço restrito à disciplina, sem muita valorização, com uma carga horária mínima
no Ensino Fundamental, de uma a duas horas/aulas semanais, e na maioria das escolas de Ensino
Médio, uma hora/aula restrita ao primeiro ano. Uma vez que a Lei não determina que a disciplina
de artes devasse ser inserida em todas as séries/anos, mas nos níveis de Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Médio mantendo, de certo modo, o que já vinha ocorrendo até então.

Em 1997 foram elaborados os PCNs para todas as disciplinas, que delineavam


os conteúdos a serem trabalhados nas escolas. No campo da arte/educação foram
embasados na Proposta Triangular, os quais definem que a arte nas escolas “estabelece
vínculos entre o cotidiano e todas as outras formas de saber” (PCNs/artes, 2008, p.
168). Para tanto, faz-se necessário um processo contínuo de experimentação e pesquisa
por parte dos professores, que deixam de ser meros transmissores do conhecimento e
passam a ser educadores, pesquisadores e animadores instigando em seus educandos à
criação do conhecimento e sua valorização enquanto sujeitos ativos na sociedade.

Nesse sentido, acredita-se que, atualmente os conhecimentos precisam ser


construídos em conjunto, por meio de alternativas de aprendizado com os
estudantes e demais professores. Levando em consideração o grupo, ao
trabalhar a partir do cotidiano, da vida, interligada com o passado, com a
comunidade e a sociedade, levando a formação de sua história, quando se | 1104
busca “verificar como tais relações culturais mobilizam valores,
concepções de mundo, de ser humano, de gosto e de grupos sociais”
(FUSARI e FERRAZ, 2004, p. 18).

A educação possibilita o estudo dessas inter-relações com os jovens, fazendo–os


pensar e analisar suas culturas, valores e posições enquanto grupos sociais e sujeitos que
interagem entre si. Produzindo cultura por meio da interação entre os indivíduos e dos
conhecimentos que cada um possui, das relações com as imagens que eles carregam
consigo. Saberes estes, que podem ser mediados pela escola, quando a mesma
compreende o que é importante para o estudo da arte, criando valores sociais e

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individuais, que estão presentes na cultura e na vida dos educandos (PCNs, 2008).
O estudo inicial, realizado em 2011, teve como objetivo analisar como estavam
se constituindo as mudanças no ensino das artes, a partir dos PCNs artes e da Lei 12.
287/2010 (BRASIL, 2011) tanto no âmbito de sua inclusão nos currículos escolares,
como na sua valorização nesses espaços, em relação às demais disciplinas e a sua
didática e conteúdos. Pela desmistificação de paradigmas que foram se formando
durante décadas sobre a “função” das artes nos bancos escolares, como a de decoração
para os dias festivos do ano letivo. Realidade que ainda se faz presente em muitas
instituições de ensino brasileiras, mesmo com as leis, a busca por mudanças e
valorização das artes que no decorrer das últimas três décadas têm se articulado por parte
de muitos arte/educadores.
Ao mesmo tempo, também com o objetivo de mudanças no ensino das artes,
instituições formadoras de professores de artes têm almejado propiciar uma formação
ampla que dê conta de articular arte e cotidiano e que ao se inserirem nas escolas sejam
capazes de desenvolver práticas que envolvam “valores estéticos mais democráticos,
o que se chama de alfabetização cultural: possibilitando que o aluno desenvolva
competências em múltiplos sistemas de percepção, avaliação e prática da arte” (PCNs,
2008, p. 177). Mas ao observar de maneira mais detalhada essas proposições,
principalmente ao que a LDB de 1996 e os PCNs propõem, pode-se perceber que não
há um direcionamento no que se refere aos quatro campos das artes, pois em nenhum há
menção sobre suas distinções e desenvolvimentos, com a inserção de profissionais das
quatro áreas nas escolas.
A Lei 12.287/2010 não rege sobre os profissionais e suas formações para
| 1105
ministrarem a disciplina, sua redação, apenas, define que “O ensino da arte,
especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular
obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o
desenvolvimento cultural dos alunos” (Brasil, 2011). A Lei estabelece que todos os
níveis de educação do Ensino Básico devam ter em seu currículo as artes, no entanto,
deixa vago como se dará sua inserção e obrigatóriedade em todas as séries. Assim como
foi observado na redação da Lei 9.394/1996. Ficando a critério das instituições a
inserção da disciplina por série e/ou ano escolar. A única direção que se tem é por meio
da Lei 11.769/2008 que define: “A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não

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exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2o deste artigo” (idem, 2011), do
artigo 26 da Lei 9.394/1996, cujo § foi complementado pela Lei 12.287/2010
(anteriormente mencionada) e pela Lei 11.645/2008, que define “Os conteúdos
referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação
artística e de literatura e história brasileiras” (ibidem, 2011). As referidas Leis, assim
como a realidade que está sendo contextualizada sobre o ensino de artes têm
demonstrado a complexidade nas escolas, onde há um professor por turma que deve dar
conta de trabalhar as diferentes áreas de artes, como relata a Lei 11.769/2008 e as
diferentes culturas e suas artes em uma carga horária que se restringe em média, de uma
a duas horas aula semanais215.
Ao perpassar por esses momentos, observou-se que uma das principais colaborações dos
PCNs artes foi direcionado às proposições entre arte e cotidiano, como observado em sua redação,
“objetivo último da educação (...) é capacitar o aluno a interpretar e a representar o mundo a sua
volta (...)” (2008, p. 173). Procurando oportunizar aos estudantes uma gama de conhecimentos
que incluam desde a história da arte, cinema, TV, música, dança, cênicas e artes visuais,
interligadas a temas contemporâneos que digam respeito aos seus interesses e subjetividades.

Professores de artes: Leis versus realidade nas escolas da Rede Pública do Estado do RS

Em 2011, em entrevistas cedidas à pesquisadora, professoras e supervisoras de


três escolas216 da Rede Pública do Estado do RS, em Santa Maria/RS, destacaram que
tinham dificuldades para o cumprimento da Lei 12.287/2010, pois nem todas as escolas
possuíam profissionais com carga horária que possibilitasse atender a todas as turmas. | 1106
Apesar das solicitações feitas junto à 8ª Coordenadoria de Educação, as quais, naquele
período, raramente eram atendidas, segundo relato das supervisoras, por não ser de
competência das escolas a admissão dos professores, mas das Coordenadorias de
Educação, ficando assim os estabelecimentos de ensino submissos às políticas de

215
Cada hora aula equivale entre 40 e 50min. dependendo da organização dos horários de cada instituição.
216
As quais trabalhavam nas três escolas da rede Estadual de Santa Maria, Escola Estadual de Educação
Básica Augusto Ruschi, Escola Estadual de Educação Básica Érico Veríssimo e Escola Estadual de
Educação Básica Coronel Pilar; com turmas de Ensino Fundamental e Médio. As observações se
limitaram a turmas de 1° e 2° anos do Ensino Médio.

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governo, mesmo quando este alega dar autonomia às escolas para o desenvolvimento de
seus currículos. Porém, segundo Barroso “não basta ‘regulamentar’ a autonomia. É
preciso criar condições para que ela seja ‘construída’ em cada escola, de acordo com as
suas especificidades locais” (2000, p.19). Mesmo com a implantação das Leis e a
obrigatoriedade em sua efetivação, as escolas ficavam condicionadas a
liberação/contratação/nomeação por parte do Governo Estadual de um corpo docente
para ministrar a disciplina.
O quadro constatado naquele período foi o de professores sobrecarregados, com
excesso de turmas e alunos, onde os que tinham carga horária semanal de 20h atendiam
em média dez (10) turmas e os com 40h, vinte (20) turmas. Turmas estas, onde havia em
média de vinte e cinco (25) alunos matriculados por turma (cenário vivenciado por
grande parte dos professores na atualidade como veremos adiante). Das três escolas
pesquisadas somente em uma a disciplina fazia parte do currículo de todos os anos do
Ensino Médio, apresentando uma carga horária média de duas horas semanais. Nas
outras duas escolas, era destinado somente uma hora/aula semanal de artes por turma.
Observando–se que em uma delas a disciplina no Ensino Médio era ofertada somente no
primeiro ano. Na outra, estava sendo implantada nos dois últimos anos, pois até então,
sua oferta era restrita ao primeiro ano. O ano de 2011, pelo que foi averiguado tanto nas
observações realizadas junto aos estabelecimentos de ensino, quanto nas entrevistas com
as professoras, foi de adaptações, de estudos e lutas por parte dos professores que
trabalhavam nas escolas para a ampliação da carga horária e da contratação de mais
profissionais da área para ministrar a disciplina.
Diante do quadro averiguado nas escolas pesquisadas e a avaliação feita através
| 1107
das informações coletadas junto à 8ª Coordenadoria em 2015, sobre o número de
professores de artes lotados nas escolas da região, optei por fazer uma análise dos
últimos concursos realizados no Estado para o provimento de vagas para professores.
Dos quais, constatou-se que somente os dois últimos concursos (2001 e 2005) realizados
anteriomente à implantação da Lei 12.287/2010 têm seus editais ou listas de noemações
disponíveis na internet. Os quais, devido ao tempo, foram delimitados para análise deste
artigo, juntamente com os concursos de 2012 e 2013, realizados após a implantação da

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referida Lei. Onde foi possível analisar que no edital do concurso de 2001217 foram
disponibilizadas seis vagas para professor de artes junto à 8ª Coordenadoria. Os
aprovados no referido certame, foram nomeados218 entre os anos de 2002 e 2003.
Naquela oportunidade, o número de nomeações de professores de artes foi bem superior
ao anunciado no edital, pois no decorrer das listas, constatou-se um número total de
desseseis nomeações219, com carga horária de 20h semanal. A maioria desses professores
ficou concentrada nas escolas da cidade de Santa Maria, outros foram para cidades
próximas do município. As escolas que não receberam esses professores e não possuiam
professores de artes, a disciplina continuou sendo ministranda por docentes formados
em outras áreas, principalmente pedagogos. Não foi possível ter acesso ao edital 220 de
seleção de 2005. No entanto, encontrei na lista de nomeados apenas uma nomeação para
o provimento do cargo de professor de artes para a 8º Coordenadoria221.
Passaram-se sete anos para que um novo concurso fosse realizado, o que veio a
ocorrer em 2012222. Para a 8ª Coordenadoria foram anunciadas seis vagas para a
disciplina (artes visuais, teatro, dança e música)223, sem especificação para cada área.
Na relação dos aprovados constaram, dois aprovados em música, um em teatro e cinco
em artes visuais224, sendo que todos os professores aprovados foram nomeados.
Devido ao baixo número de aprovados no concurso de 2012, cinco mil e
quinhentos candidatos, número bem inferior ao ofertado, que fora de dez mil vagas, para
cento e trinta e uma habilitações225, a Secretaria de Educação do Estado do RS optou por
realizar novo concurso no ano seguinte. Desta vez, na área das artes foram ofertadas
treze vagas, divididas em: três vagas para artes visuais, teatro e dança, e quatro para
música226. Nele, foram aprovados, onze professores de artes visuais, quatro de música e
| 1108

217
Concursos anteriores a 2001 não tem registro no site da Coordenadoria de Educação do Estado do RS.
218
Fonte: http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/conc_magisterio.jsp?ACAO=acao4 – 22/03/2002;
15/04/2002; 05/06/2002; 04/07/2002; 13/03/2003; 29/04/2003. O concurso teve validade até fevereiro
de 2006, período onde houve listas de nomeações de professores de outras áreas, mas não de artes.
219
Nas listas de nomeações não é possível averiguar a formação especifica na área das artes.
220
Fonte: http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/noticias_det.jsp?PAG=741&ID=1143
221
Fonte: http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/conc_magisterio.jsp?ACAO=acao4 - 22/05/2007;
222
Fonte: https://www.pciconcursos.com.br/concurso/seduc-secretaria-de-estado-da-educacao-rs-10000-
vagas
223
Fonte: http://www.educacao.rs.gov.br/dados/conc_mag_edital_20120201_02.pdf
224
Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/pdf/13459873.pdf
225
Fonte: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2012/05/lista-dos-aprovados-no-concurso-do-
magisterio-no-rs-e-divulgada.html.
226
Fonte: http://www.educacao.rs.gov.br/dados/conc_mag_edital_20130227_02.pdf.

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um de teatro227, totalizando dezesseis aprovações, dos quais, quatorze professores
assumiram a vaga ao serem nomeados228.
Nos três concursos ( 2001, 2012 e 2013 ) a cujos editais tive acesso ao número
de nomeações, foi observado que ( em todos) o número de nomeados foi superior ao
anunciado nos editais. Esses resultados em números de nomeações sugere que há um
déficit entre o número de escolas (108) da 8ª Coordenadoria com o de professores da
área. Constatação resultante, da análise, primeiramente dos concursos e num segundo
momento do número de professores de artes que atuam na rede e a carga horária de
cada profissional, comparado ao número de professores contratados e de profissionais
outras áreas que ainda ministram a disciplina, conforme quadro abaixo:

Quadro 1. Referente ao número de professores que ministram a disciplina de artes, carga


horária e formação:

Número Carga horária Carga Nomeados/ Área de Obs.:


de completa horária contratados formação
professor em
es artes
40 20h 20h N Artes
20 40h 40h N Artes Em média 50% desses
professores têm duas
nomeações de 20h e os
demais têm uma
nomeação de 20h e uma
convocação de 20h.
1 60h 60h N Artes O professor tem duas
nomeações no concurso
de 2001, de 20h cada e
mais uma convocação de | 1109
20h. Leciona em três
escolas.
8 Entre 30h e De 30h N Artes Os professores têm uma
32h às 32h nomeação de 20h e as
demais horas são
convocação.
9 40h 40h C Artes A maioria desses
professores são
contratados para trabalhar
em mais de uma escola,

227
Fonte: http://www.fdrh.rs.gov.br/upload/20131022083913final_geral.pdf
228
Somente dois desses nomeados não assumiram. Informações obtidas diretamente com os concursados.

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muitas vezes em cidades
diferentes
15 Entre 15h e De 15h C Artes Contratos que variam
37h às 37h entre 15h e 37h
13 40h Entre N Outras áreas Completam suas cargas
4h e (Pedagogia, horárias na disciplina de
22h português, artes.
Ed. Física,
ciências,
espanhol e
matemática).
25 20h Entre N Outras áreas Completam suas cargas
2h e 9h (Pedagogia, horárias na disciplina de
português, artes.
história,
magistério,
matemática,
e Ed. física).
4 22h e 39h Entre N Outras áreas Completam e/ou
1h e 9h (Pedagogia, complementam suas
português, cargas horárias na
história, disciplina de artes.
magistério,
matemática,
espanhol,
ciências e
Ed. física).
32 Entre 15h e Entre C Outras áreas Completam suas cargas
40h 1h e (Pedagogia, horárias na disciplina de
22h português, artes.
geografia,
matemática,
espanhol,
ciências e
| 1110
inglês)
Fonte: Arquivos da 8ª Coordenadoria de Educação do RS. Pesquisa realizada em ago. de 2015
(total de 166 professores de diferentes áreas ministram a disciplina de artes nas escolas).

Os dados contidos no quadro possibilitam que sejam feitas algumas análises


sobre os professores que trabalham na rede. Primeiramente o que se destacou foi à
diferença entre o número de professores nomeados nos concursos citados, que juntos
somam quarenta e dois com o número total de efetivos, averiguado no quadro, de
sessenta e nove professores. Esses números, a princípio, sugerem que essa diferença de
vinte e sete professores pode advir de concursos anteriores a 2001, dos quais não se

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obteve informações.
No que diz respeito às áreas específicas (de artes visuais, música, teatro e dança)
nessa primeira pesquisa não foi possível apurar o número de docentes de cada área, em
virtude de nos concursos de 2001, 2005 e 2012 na lista geral de nomeações não constar
a especificidade da área. E também, porque não estava inserido na pesquisa esse item,
quando solicitamos os dados sobre os professores de arte e suas cargas horárias junto à
8ª Coordenadoria. Pois as informações, tanto oficiais (da Coordenadoria) quanto extra-
oficiais, com colegas das áreas das artes e por minha própria experiência como
professora de artes na rede, é a de que independentes de nossa formação em artes têm
de trabalhar de forma polivalente, atendendo a um currículo que prevê artes visuais,
música, dança e teatro nas escolas. Nesse ínterim, pode-se concluir que a especificidade
das áreas não tende a ser considerada como critério quando da nomeação ou contratação
dos professores, mas somente a colocação no resultado final dos concursos e nas
seleções para contrato.
Outro dado que merece destaque é o número de professores contratados da área
e de professores outras disciplinas que complementam sua carga horária em artes. O que
ratifica a observação feita anteriormente sobre o déficit de concursados. Pois, o quadro
apresenta um número total de cento e sessenta e sete professores que ministram a
disciplina, num número de apenas sessenta e nove concursados, que totalizam um
percentual de 41%, desse total. Somando esse número aos vinte e quadro contratados da
área, o percentual passa para aproximadamente 55%. Os outros 45% são de professores
de outras áreas. Considerando esses números, pode-se verificar que poderiam ser
realizados concursos para o provimento de aproximadamente oitenta vagas para
| 1111
professores para as artes, sem adentrar no mérito das especificidades.
Essa diferença é resultado de um longo processo, pois outros valores que
chamam a atenção dizem respeito entre o número total de nomeações dos concursos
citados (42), com o total de professores nomeados (69). A diferença apresentada no
resultado de vinte e sete professores instiga várias proposições sobre esse valor, que ele
primeiramente possa ser resultado de concursos anteriores aos analisados, mesmo sendo
um número inferior. Esse baixo valor pode, no caso, também, sugerir falta de concursos
para área, ou falta de profissionais que se inscreviam ou ainda restrito número de
nomeações ou, o que considero menos provável, resultado de aposentadorias

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significativas de profissionais da área, ou até mesmo a transferência desses profissionais
para outras coordenadorias do Estado. Esses números também são sugestivos para que
se pense na hipótese de que não havendo a obrigatoriedade da disciplina, não se fazia
necessário um corpo docente da área nas escolas públicas. Essas suposições foram
levantadas, no que se refere aos números para que se pude-se visualizar a realidade da
disciplina e dos docentes que a ministram. A qual é resultado de um processo que vai
além da implantação da LDB, dos PCNs/artes e da Lei 12.287/2010, que diz respeito às
artes como um todo, professores, disciplina, horas/aulas, materiais, qualidade na
educação, espaço físico. Pois, o número de horas/aula por turma, segundo o que foi
observado em 2011, se mantém, com professores que mantêm média, visualizada
naquele ano, de no mínimo dez turmas para os profissionais com carga horária de 20h e
de vinte turmas para quem tem 40h. Um exemplo bem significativo, dessa variável, é o
caso de uma professora com 40h, que para preencher sua carga horária atende trinta e
três turmas.
É necessário, diante das análises propostas, que se façam revisões dessa realidade
observada, principalmente no que concerne às escolas de outras cidades (que não Santa
Maria) que fazem parte da 8ª Coordenadoria, pois foi nelas que encontramos o maior,
ou quase que a totalidade de professores de outras disciplinas ministrando o ensino de
artes229. Uma vez que, não basta implantar Leis, se não são ofetados recursos humanos,
tempo e espaço para que se possa desenvolver o que as Leis propõem com qualidade.

Considerações finais

| 1112

No decorrer destas laudas discorri sobre a relevância da Proposta Triangular para


os professores de artes e sua inserção nos PCNs artes para o desenvolvimento da
disciplina nas escolas às artes que vieram culminar nas Leis 11.769/2008 e 12.287/2010.
Num segundo momento, trabalhei com o quantitativo de professores e horas aulas nas
escolas da Rede Estadual de Educação, mais especificamente da 8ª Coordenadoria de
Educação.

229
Informação fornecida pela funcionaria da 8ª Coordenadoria, mas que ainda não está registrada no quadro.

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Não há e nem se pretende dar sentido e resposta a um contexto que ainda tem
longos caminhos a serem percorridos, seja na incorporação dos PCNs artes, da Proposta
Trianguar e da Cultura Visual nas escolas, seja na valorização do ensino de artes e dos
professores, que no caso, formados na área. Pois o que foi constatado com as
informações coletadas e apresentadas no artigo, seja pelos autores referendados, pelas
propostas metodologicas sugeridas por eles, ou nas realidades dos professores, é a de
que mudanças, lentas, têm acontecido, mais professores da área estão ingressando nas
instituições de ensino, mas que, no entanto, essa inserção não pode ser definida como
um processo qualitativo, por prevalecer os quantitativos opostos, em número de horas
aula, de turmas e alunos. A carga horária baixa requer dos professores um elevado
número de turmas e alunos para suprir suas horas/aulas.
Realidades que muitas vezes se apresentam díspares, onde as Políticas Públicas nem
sempre são vivenciadas na prática, resultado de uma sociedade onde a educação nem sempre foi
prioridade. No que diz respeito às artes, mesmo com todos os esforços que vêm se protagonizando
desde a década de 1980 com estudos e “lutas” para sua valorização e inserção no currículo das
escolas de ensino básico, ainda é possível visualizar situações onde a disciplina de artes continua
sendo vista como secundária e como objeto de decoração das escolas nas datas comemorativas.
Ainda precisa-se pensar, propor e criar Políticas Públicas que adentrem os espaços escolares no
sentido de valorização da educação como um todo, relacionando vida, cultura e conhecimentos
de forma conjunta e num patamar onde todos os conteúdos devam ser valorizados sem a
priorização das ditas disciplinas “mais importantes”.

No que concerne às Leis, pode-se constatar que há prioridade a sua implantação, para
depois se “analisar” como se dará sua inserção na prática e as consequências que as mesmas
acarretam. Referente à inserção das linguagens das artes no contexto escolar, a Lei foi implantada; | 1113
no entanto, de fato não há um corpo docente especializado para trabalhar em todos os campos de
abrangência no curriculo escolar, resultando em incertezas sobre sua implantação na íntegra nas
escolas e de um professor por turma que é o responsável por todas às áreas mesmo sem possuir
formação.

O objetivo do quadro retratado foi o de demonstrar quem são os professores que


ministram a disciplina de artes, como se dá sua inserção e a carga horária frente turma, a fim de
propor um entendimento sobre realidade e Leis, suas contradições e as possibilidades e brechas
que podem ser articuladas a partir de suas redações. Introduzi muitas questões que ficaram em

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aberto, que podem articular outros estudos e análises sobre as artes nas redes estaduais de ensino
para possíveis proposições sobre a educação em artes.

Referencias

BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 2 ed. São Paulo:
Cortez, 2002.

BARROSO, J. O reforço da autonomia das escolas e a flexibilização da gestão escolar em


Portugal. In: FERREIRA, N. S. C. Gestão democrática da educação: atuais tendências,
novos desafios. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2000.

BIASOLI, Carmen Lúcia Abadie. A formação do professor de arte: do ensaio... a encenação.


Campinas: Papirus, 1999.

BRASIL. Lei 5.692, de 15 de agosto de 1971. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/L5692.htm. Acesso em 30 abr. de 2011.

BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece Diretrizes e Bases da Educação


Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, 2011(Atualizado). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acessado em 05 abr. 2011.

_______. LEI Nº 11.645, DE 10 DE MARÇO DE 2008. Estabelece Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, 2011(Atualizado). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11769.htm. Acesso em 05
abr. 2011

_______. LEI Nº 11.769, DE 18 DE AGOSTO DE 2008. Estabelece Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, 2011(Atualizado). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11769.htm. Acesso em 05
abr. 2011.

_______. LEI Nº 12.287, DE 13 DE JULHO DE 2010. Estabelece Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, 2011(Atualizado). Disponível em | 1114
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12287.htm. Acesso em 05
abr. 2011EISNER, Elliot. Estrutura e Mágica no Ensino da Arte. In: BARBOSA, Ana Mae
(org.). Arte – educação: Leitura no subsolo. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

FUSARI, M. F. R.; FERRAZ, M. H. C. T. Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 2001.

_________________________________. Metodologia do Ensino de Arte. São Paulo: Ed.


Cortez, 2004.

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GOMES, Karina B.; NOGUEIRA, Sonia M. A. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em
Educação. Revista Ensaio: aval.pol.públ.Educ. vol.16 no.61 Rio de Janeiro Oct./Dec. 2008.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-40362008000400006. Acesso em maio de 2015.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Orientações curriculares para o Ensino Médio.


Brasília: Ministério da Educação, 2008.

| 1115

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O LUGAR DA MÚSICA NO CURSO DE PEDAGOGIA: O
CASO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA –
UFSM
Laila Azize Souto Ahmad (UFSM)
lailasoutoahmad@gmail.com

Cláudia Ribeiro Bellochio (UFSM)


claubell@terra.com.br

Resumo: O texto tem por objetivo tecer reflexões acerca de uma pesquisa que está em
andamento no curso de Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em
Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Educação –
PPGE/CE/UFSM. O foco é investigar a constituição de lugar e/ou lugares da Música no
curso de Pedagogia diurno da UFSM. A abordagem metodológica da pesquisa é
qualitativa, tendo como método o estudo de caso. Participarão da pesquisa professores
egressos e efetivos do curso de Pedagogia da UFSM que também terá a produção de dados
em análise documental. O referencial teórico-metodológico está sendo orientado pela
abordagem do ciclo de políticas (BALL, et. al., 1992). Os dados parciais, apresentados
no momento, consistem na análise documental realizada a partir de contextos do ciclo de
política: contexto de influência e produção do texto das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Cursos de Pedagogia - DCNP (2006) e da análise do contexto de produção do texto
do Projeto Político-Pedagógico do curso de Pedagogia da UFSM (2007). Por fim, destaca-
se que pesquisa encontra-se na fase de produção das entrevistas semiestruturadas que
serão desenvolvidas com os professores.

Palavras-chave: Curso de Pedagogia; Música/Educação Musical; Abordagem do Ciclo


de Políticas

INTRODUÇÃO
O artigo apresenta reflexões acerca de uma pesquisa que está sendo desenvolvida | 1116
no curso de Doutorado em Educação, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, na linha de pesquisa Educação e Artes,
e, vincula-se ao grupo de pesquisa Formação, Ação e Pesquisa em Educação Musical –
FAPEM.

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O objetivo da pesquisa é investigar a constituição de lugar 230 e/ou lugares231 da
Música no curso de Pedagogia diurno da UFSM. Especificamente objetiva-se (a)
conhecer o contexto de influência da constituição da Música/Educação Musical no curso
de Pedagogia diurno da UFSM; (b) analisar o contexto de influência e produção do texto
das Diretrizes Curriculares Nacionais para Cursos de Pedagogia (2006), tendo por base,
a constituição dos conhecimentos a serem trabalhados na formação acadêmico-
profissional232 do curso de Pedagogia; (c) conhecer as relações estabelecidas no âmbito
macro das DCNP (2006) na construção e produção do texto do Projeto Político-
Pedagógico do Curso de Pedagogia – Licenciatura Plena diurno da UFSM/RS e a
presença da Música na matriz formativa do Curso a partir do documento local; (d)
compreender, na arena da prática, a constituição do lugar/lugares da Música no curso de
Pedagogia – Licenciatura Plena diurno da UFSM.
Justifica-se a temática e o lócus da pesquisa, tendo a referência de que a Música é
uma particularidade do curso de Pedagogia da UFSM, muito antes das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (2006)233 e da Lei 11.769/2008234, o
que confere pioneirismo a esta instituição na formação musical e pedagógico-musical de
estudantes do curso de Pedagogia (BELLOCHIO, 2000; SPANAVELLO, 2005). Na

230
A partir dos estudos de Cunha (2008) e Schwan (2009) delineia-se que “[...] lugar se constitui quando
atribuímos sentido aos espaços, ou seja, reconhecemos a sua legitimidade para localizar ações,
expectativas, esperanças e possibilidades” (CUNHA, 2008, p. 184). Assim sendo, compreende-se lugar
como um conjunto de relações que significam, tocam, mobilizam os sujeitos que estão imersos em
determinados espaços. Dessa maneira, entende-se que a Música ocupa um espaço na matriz curricular
do curso de Pedagogia diurno da UFSM, porém sua constituição de lugar no Curso vai se configurar a
medida que a dimensão humana, os sujeitos que fazem parte desse Curso, atribuem sentido para “este
espaço” da matriz curricular, desse modo irá se constituir como lugar de reconhecimento e pertença
(CUNHA, 2008 e SCHWAN, 2009). | 1117
231
Por lugares compreende-se as ocupações diferenciadas da Música no Curso, além da institucionalizada
na matriz curricular, sendo que a Música pode ser percebida em outros momentos e movimentos
formativos além daqueles institucionalizados no currículo com as duas disciplinas.
232
Este termo foi cunhado por Diniz-Pereira (2008), o qual compreende que a formação em nível superior
é empreendida como acadêmico-profissional, pois a formação inicial ocorre desde o momento que
adentramos no espaço escolar, nos primeiros anos de escolarização.
233
As DCNP (2006) trazem em seu art. 5 as diversas áreas do conhecimento que os egressos dos cursos de
Pedagogia precisaram atuar, dentre elas fica destacado o campo das Artes com as suas linguagens
específicas que são Música, Teatro, dança, Artes Visuais.
234
A presente Lei institui a obrigatoriedade da Música nas escolas de Educação Básica, a qual alterou o art.
26, inserindo § 6º na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. Embora essa Lei não se
refira diretamente ao Ensino Superior, compreendendo que ela de algum modo poderá orientar as
práticas pedagógicas e curriculares nos cursos de Pedagogia no país. Destaco isso por entender que a
formação de professores em nível superior é o ponto de intersecção entre as políticas educacionais
formuladas para este nível de ensino e as políticas educacionais e práticas a serem desenvolvidas na
Educação Básica.

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realidade, a Música no curso da Pedagogia UFSM, não vem cumprir uma agenda da
política educacional que está sendo instituída, ela vem antes disso, em meados de 1984
(OESTERREICH, 2010). Porém, por sua existência já ser de longa data, destaca-se a
necessidade de investigar a constituição de lugar/lugares da Música no Curso, pois por
mais que já exista a longos anos na matriz curricular, desde 2006 e mais especificamente
de 2008 sua legalidade é instituída nas instituições educacionais.
Diante disso, acredita-se que poderá existir uma mudança de perspectiva, de sua
importância, sentido e significado no curso de Pedagogia da UFSM atribuído até o
momento. Entendendo que hoje se tem uma obrigatoriedade do conteúdo da Música nas
escolas de Educação Básica, para tanto, como isso vem sendo percebido pelos professores
que estão imersos no processo formativo do curso de Pedagogia da UFSM? Como este
movimento das políticas educacionais está influenciando o processo de redefinição da
Música no curso de Pedagogia da UFSM? E qual o seu lugar e/ou lugares neste espaço
formativo?
Atualmente, de acordo com o PPPc (2007) tem duas disciplinas na matriz
curricular do curso de Pedagogia diurno da UFSM, as quais são denominadas de
Educação Musical (60h), ministrada no 6º semestre e Educação Musical para a Infância
(30h) desenvolvida no 7° semestre do Curso. Respectivamente, têm por objetivo:
Compreender a educação musical como conhecimento na infância e da
educação de jovens e adultos; conhecer a educação musical em seu
processo histórico; compreender a relação do professor unidocente na
construção do conhecimento musical; construir propostas de educação
musical para diferentes níveis; conhecer os fundamentos da linguagem
musical, e planejar e desenvolver aulas de educação musical (UFSM,
PPPC, 2007, s/p.).

Aprofundar estudos sobre a educação musical e a infância; criar jogos | 1118


musicais para a infância; desenvolver repertório musical para crianças, e
utilizar instrumentos musicais alternativos e convencionais na educação
musical (UFSM, PPPC, 2007, s/p.).

A partir das disciplinas e de seus objetivos, pode-se entender que, inicialmente,


há uma preocupação com o processo de apropriação e construção de conhecimentos por
parte dos estudantes, potencializando o processo de compreensão e relevância da
educação musical em âmbito teórico e prático. Após esse momento inicial, nota-se com
base nos objetivos que a segunda disciplina envolve questões metodológicas e de
instrumentalização dos estudantes para o desenvolvimento de atividades musicais em

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suas práticas pedagógicas nas escolas de Educação Básica, sobretudo na educação
infantil.
Salienta-se que o grupo de pesquisa FAPEM, ao longo dos anos tem se debruçado
em estudos que visam compreender as relações estabelecidas entre a Música, Educação
Musical, o curso de Pedagogia e a formação de professores para a Educação Infantil e
Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Estudos de doutorado como os de Bellochio (2000)
e de mestrado como Spanavello (2005), Corrêa (2008), Werle (2010), Storgatto (2011),
Araujo (2012), Dallabrida (2013, 2015), entre outros vem em direção a este objeto de
pesquisa. É com base nestas pesquisas que pretende-se pesquisar em que medida a Música
constitui lugar e/ou lugares no curso de Pedagogia diurno da UFSM, a partir da agenda
de políticas educacionais que foram instituídas com as DCNP (2006) e posteriormente
com a Lei 11.769/2008?
Mediante o exposto, o referencial teórico-metodológico que orientará a pesquisa,
será a abordagem do ciclo de políticas de Stephen J. Ball e colaboradores. O referencial
irá subsidiar a teorização e categorização dos dados nos contextos de influência, produção
do texto, prática, resultados/efeitos e da estratégia política pois, se há mudanças ou não,
isso repercutirá, de algum modo, no contexto dos resultados e efeitos e no contexto da
estratégia política para a mudança ou permanência das práticas vivenciadas no processo
formativo do curso de Pedagogia da UFSM. Entende-se que o ciclo gera os movimentos
de tensão entre as arenas/contextos das políticas e práticas educativas, nele não existe a
subordinação de um contexto sobre o outro ou sucessivo ao outro. Mas eles possuem
conexão e se articulam para o acompanhamento e análise da política elaborada desde sua
formulação até a sua implantação na prática.
| 1119
A abordagem metodológica da pesquisa é qualitativa, tendo como método o
estudo de caso (STAKE, 2007), e como instrumentos de produção dos dados análise a
documental e a realização de entrevista semiestruturada. Os participantes da pesquisa
serão professores efetivos e egressos do curso de Pedagogia da UFSM. Justifico sua
escolha por compreender que o contexto da prática do ciclo ocorre, geralmente, em
instituições de ensino e os “atores”235, geralmente, são os professores, e o contexto da
prática na pesquisa é o curso de Pedagogia diurno da UFSM. Desse modo, será possível

235
Essa expressão “atores” é utilizada por Ball (2009a) e faz parte da abordagem do ciclo de políticas.

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entender as tensões geradas ao longo desses anos, para esta constituição e legitimação de
lugar ou lugares da Música no Curso.
Este texto está organizado em referencial teórico-metodológico do ciclo de políticas, que
é o referencial escolhido para a pesquisa, sendo este, composto por cinco contextos de análise: (a)
contexto da influência, (b) contexto da produção do texto, (c) contexto da prática, (d) contexto
dos resultados/efeitos e (e) contexto da estratégia política.
Por fim, destacam-se alguns dos resultados parciais encontrados inicialmente pela análise
documental realizada entre os meses de março e maio de 2015, dos contextos de influência e
produção do texto das DCNP (2006) e do PPPc (2007) do curso de Pedagogia diurno da UFSM.

ABORDAGEM DO CICLO DE POLÍTICAS


A abordagem do ciclo de políticas tem como propósito analisar a trajetória através
da qual se constituem as políticas educacionais desde o seu surgimento, o que Ball, Bowe
e Gold (1992) denominam de contexto da influência, até sua ação no contexto da prática.
Em 1994, Ball propôs mais dois contextos, para se articularem ao ciclo de políticas, os
contextos dos resultados/efeitos e da estratégia política.
No contexto brasileiro, pesquisadores têm buscado trabalhar com as contribuições
da “abordagem do ciclo de políticas”, dentre estes se destacam de Lopes (2004, 2005),
Lopes e Macedo (2011), Mainardes (2006, 2007, 2009), Mainardes e Gandin (2013), Dias
(2007), Borborema (2008), Arosa (2008), Souza (2008), Wolffenbüttel (2009), Matheus
(2009), Alferes (2009), Costa (2009), Dias (2009), Duso e Sudbrack (2010), Stremel
(2011), Sobreira (2012), Cunha (2013), Oliveira (2013), Cotrim (2015), entre outros.236
Os contextos que fazem parte da abordagem do ciclo de políticas são: contexto
da influência, contexto da produção do texto, contexto da prática, contexto dos | 1120
resultados/efeitos e contexto da estratégia política. Estes cinco contextos, não devem
ser compreendidos de modo isolado, são processos cíclicos e dinâmicos, portanto,
articulados a uma prática social no campo das relações sociais (MAINARDES e
MARCONDES, 2009).
O contexto da influência se refere ao lugar onde as “políticas são iniciadas e os
discursos políticos construídos” (MAINARDES, 2006, p. 51). Nesse contexto, os grupos

236
Para um conhecimento e aprofundamento das ideias de Ball, sugiro pesquisas nos links, disponíveis em:
<http://www.pitangui.uepg.br/gppepe/>, no <http://www.curriculo-uerj.pro.br/> e no
<http://gepeto.ced.ufsc.br/>. Acessados em 25 de fevereiro de 2015.

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interessados em formular uma política educacional se unem e colaboram com seus
princípios de educação, de ensino e de aprendizagem. É na arena de influência que os
“[...] conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso de base para a política”
(MAINARDES, 2006, p. 51) que está sendo formulada.
Esse contexto, conforme Ball (2009b) e Mainardes (2006) sofre influência dos
“suspeitos” (BALL, 2009b), os quais são constituídos pelos órgãos internacionais como
o Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização das Nações
Unidas para Educação, Cultura e Ciência (UNESCO), Organização Mundial do Comércio
(OMC) e pessoas influentes, dentre elas os empresários, que têm interesse na elaboração
de políticas no meio educacional. Diante disso, não se pode pensar as políticas
educacionais, sem refletir sobre os acordos que os grupos de influência tecem para
compor as políticas elaboradas.
O contexto de influência tem uma forte relação com o contexto da produção do
texto. Contudo, essa relação não é explícita e de visível entendimento, pois o contexto de
influência tem em sua base de elaboração ideologias que geram uma política; e o texto
produzido, geralmente é redigido com uma linguagem acessível para a leitura do público
em geral (MAINARDES, 2006).
O contexto da produção do texto é o momento em que “[...] são elaborados os
textos que vão dar forma e norma à política pública, não apenas as leis, mas também
decretos, documentos-base, diretrizes, até mesmo discursos governamentais”
(OLIVEIRA, 2013, p. 44). Desses “textos” emergem os comentários formais e informais,
qualquer tipo de reação que possa ser subjacente ao contexto da influência, os textos
políticos, são a representação da política que está sendo elaborada.
| 1121
No entanto, a política não pode ser finalizada no momento em que os textos são
definidos, pois estes precisam ser “[...] lidos com relação ao tempo e ao local específico
de sua produção” (MAINARDES, 2006, p. 52). Os textos são resultados de lutas e
conflitos de interesses, pois os grupos que estão no momento de produção dos textos,
buscam um lugar de legitimação das suas ideias, interesses e ideologias na política, como
texto (BALL, 2009b).
Para tanto, quando esse texto da política entra no contexto da ação, ocorrem
mudanças, pois neste espaço existem os profissionais que “[...] estão na escola
[instituições de ensino superior] e enfrentam os textos da política amparados por suas

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histórias, experiências, valores e propostas podendo atribuir outros significados ao texto”
(MATHEUS, 2009, p. 32).
O contexto da prática é compreendido como o momento em que as políticas são
postas em ação, espaço no qual, “[...] elas ganham interpretações, recriações e ocorrem
os efeitos e suas consequências, que podem trazer mudanças para a política original”
(MAINARDES, 2006, p. 53). É nesse cenário que a política ganha “forma”, ela entra em
ação junto aos seus “atores”, profissionais da educação dentro dos micros contextos das
instituições educativas, as salas de aula, nas quais, os professores não são seres passivos,
mas, sim, ativos no processo de (re)construção das políticas educacionais.
Sobretudo,
Os profissionais inseridos neste contexto [da prática] atuam na interpretação
dos textos, elaboram sua compreensão acerca dos mesmos, levando em
consideração suas histórias de vida, seus valores enquanto pessoa, os
propósitos, as experiências adquiridas ao longo de sua trajetória, não assumem
uma posição ingênua para interpretá-las. Esses aspectos contribuem para que
as políticas sejam analisadas tendo presente a possibilidade de reinterpretá-las
e recriá-las, pois no momento em que os textos são lidos pelos indivíduos, os
mesmos têm autonomia para dar o significado e o sentido que lhes convém. Os
autores dos textos não podem controlar o seu significado, podem mascarar a
linguagem, mas o sentido interpretado pelos leitores não podem interferir e
nem manipular, já que o entendimento varia de acordo com suas histórias,
experiências, valores e propósitos, cada um compreendendo de uma maneira
diferente. Considerando que os autores não podem manipular ou controlar os
sentidos dos textos, pode gerar rejeição de algumas partes da escrita, ou até
mesmo diferentes interpretações e conclusões (DUSO e SUDBRACK, 2010,
p. 72).

Diante do exposto o contexto da prática pode ser caracterizado como um micro


processo da política, no qual podem ser potencializados todos os contextos do ciclo dentro
da prática, ou seja, os contextos de influência, produção do texto, prática,
resultados/efeitos. Sendo que, este contexto se caracteriza não pela implementação, mas | 1122
por espaços de resistências, diálogos, relocações e modificações pelas quais a política
passa (BALL, 2009b).
Os dois últimos contextos: resultado/efeitos e estratégia política foram pensados,
mais tarde, em relação ao processo de elaboração inicial do ciclo de políticas. O contexto
dos resultados/efeitos por estar voltado às questões de “justiça social, igualdade e
liberdade individual” (MAINARDES, 2006a, p. 54) preocupa-se com os efeitos e
mudanças que as políticas propiciam na prática educativa. Nesse contexto, entende-se
que, ao invés das políticas gerarem resultados, elas precisam ser entendidas como

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geradoras de efeitos nos contextos em que estão imersas (MAINARDES, 2006). Assim,
as políticas precisam ser “[...] analisadas em termos do seu impacto e das interações com
as desigualdades existentes” (MAINARDES, 2006, p. 54). O contexto dos
resultados/efeitos está articulado diretamente ao contexto da prática educativa.
Por fim, o contexto da estratégia política, o qual se refere ao conjunto de ações
sociais e políticas que a nova política irá se integrar, para a diminuição dos efeitos
negativos que possam emergir da análise e compreensão do quarto contexto de
resultados/efeitos, envolvendo “a identificação de um conjunto de atividades sociais e
políticas” (MAINARDES, 2006a, p. 55), criadas ou produzidas pela política investigada.
Essa arena da estratégia política está relacionada ao contexto de influência.
Os cinco contextos expostos acima, são discutidos e organizados nos macro e
micro contextos políticos e sociais. Desse modo, o macro contexto refere-se às teorias
“estadocêntricas”, nas quais se integram as questões relacionadas à economia, ao sistema
econômico, às relações sociais nacionais e internacionais, entre outras (POWER, 2011).
Essas teorias “[...] procuram desvendar a relação emaranhada e contraditória entre o
Estado, classe e capital [a qual se relaciona] com as políticas educacionais e as práticas
escolares” (POWER, 2011, p. 58). Micro contexto, ou o “detalhe” (POWER, 2011) é o
espaço no qual as políticas educacionais são postas em ação, são contextos específicos,
como por exemplo, as instituições de ensino, universidades, escolas, as práticas dos
professores, etc.
A articulação entre macro e micro contextos poderá possibilitar a compreensão de
como as teorias do Estado, a economia e o capital influenciam na elaboração e
constituição de políticas educacionais e as práticas educativas decorrentes, provocando a
| 1123
mobilização e/ou modificação em contexto específico.
Salienta-se a importância da relação entre macro e micro contextos na produção
de políticas educacionais, para que se tenha a efetividade dessas nas práticas educativas,
tanto para as escolas básicas quanto para a formação no Ensino Superior. Contudo,
destaca-se que, mesmo ocorrendo essa articulação, poderão ocorrer as resistências,
readequações e modificações nos contextos específicos, tendo em vista os sujeitos da
arena prática.
Um exemplo disso pode ser visualizado na Lei 11.769/2008, a qual institui a
obrigatoriedade do conteúdo Música no Ensino de Arte na escola básica e das Diretrizes

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Operacionais para o Ensino de Música na Educação Básica – DOM (2013), que orientam
o ensino de Música no âmbito micro das escolas, da formação acadêmico-profissional e
continuada de estudantes da Pedagogia e, ainda, nos âmbitos macro nas secretarias,
ministério e conselhos de educação. Estas tiveram, em sua elaboração, a participação de
grupos de influência da área da Música.
Desse modo, a Lei e as Diretrizes precisam estar articuladas às práticas
educativas, tanto da formação acadêmico-profissional quanto nas escolas de Educação
Básica, para poder ter um impacto na formação acadêmico-profissional dos estudantes do
curso de Pedagogia, para que se tenha um desenvolvimento significativo em relação à
Educação Musical dos sujeitos que estão na escola básica.
Em síntese, considera-se relevante utilizar o referencial teórico-metodológico do
ciclo para as análises do contexto de influência e produção do texto nas arenas legais das
DCNP (2006) e do Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia - Licenciatura
Plena diurno da UFSM, para visualizar a presença da Música nestes documentos. Por
intermédio dessas análises será possível dialogar em âmbito micro, contexto da prática
do curso de Pedagogia diurno da UFSM e, posteriormente, dos contextos dos
resultados/efeitos e da estratégia política.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: RESULTADOS PARCIAIS

A análise documental inicial foi realizada a partir do mês de março do ano de


2015, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para curso de Pedagogia - DCNP (2006), para
conhecer o contexto de influência e produção do texto da referida política educacional.
Salienta-se que estes contextos são pertencentes à abordagem do ciclo de política. Para | 1124
esta análise, algumas questões237 foram organizadas, a fim de orientar a análise referente
ao contexto de influências. Quais influências geraram a formulação das DCNP (2006)?
Que grupos participaram de sua elaboração? Ocorreram tensões? Por que ocorreram?
Como poderão ser evidenciados?
Já para a análise do contexto, da produção do texto, foram propostos outros
questionamentos: Quando foi iniciado o processo de construção do texto da política? Que

237
As questões foram elaboradas a partir das indagações tecidas por Mainardes (2006, p. 66-67), o qual traz
problematizações específicas para cada contexto da Abordagem do ciclo de Políticas.

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grupos manifestaram interesses para a produção do texto da política? Alguns grupos
podem ser considerados excluídos na produção do texto? A análise documental
possibilitou o conhecimento das arenas de lutas, resistências, tensões e silenciamentos
ocorridos no debate do curso de Pedagogia, os quais culminaram na aprovação das DCNP
(2006).
Para buscar reflexões aos questionamentos traçados na análise dos contextos de
influência e produção do texto das DCNP (2006) foram selecionados documentos oficiais
da Pedagogia como: Pareceres e Resoluções, além disso foi realizado um estado da arte
em artigos, dissertações e teses, dossiês de revistas da área, os quais foram produzidos
antes, durante e depois da aprovação e homologação das diretrizes.
Os materiais utilizados trazem a história do curso de Pedagogia e a luta da área
pela aprovação das Diretrizes específicas para o Curso, as quais instituem como base
formativa à docência. Para tanto, as características que foram encontradas, a partir da
análise do texto preconizadas nos documentos e nas DCNP (2006) são:
(a) a amplitude da docência como base formativa: constituindo essa formação para
o professor, gestor e pesquisador;
(b) relação teoria e prática para a formação acadêmico-profissional;
(c) generalização dos processos formativos; e
(d) a constituição da identidade profissional do pedagogo em âmbito nacional.
Ainda, nesta primeira análise dos documentos oficiais, buscou-se visualizar a
presença da Música nas linhas e entrelinhas do texto dos Pareceres 5/2005 e 3/2006, e na
Resolução 1/2006 que institui as DCNP (2006). Nos documentos analisados, a presença
da Música fica articulada ao campo maior do componente curricular Arte, o que de certa
| 1125
forma já era esperado, tendo em vista que pela LDB 9394/96, é o Ensino de Arte que se
torna componente curricular obrigatório em todas as etapas da Educação Básica. Somente
a partir de 2008, com a Lei 11.769/2008, é que a Música se torna conteúdo obrigatório no
componente curricular Arte.
A análise documental também ocorreu no Projeto Político-Pedagógico do Curso
de Pedagogia (2007). Essa análise foi realizada no final do mês de maio e início do mês
de junho de 2015. Para esta análise buscou-se compreender:
(a) a proposta formativa contida no PPPc;
(b) o Perfil profissional objetivado pelo Curso de Pedagogia diurno da UFSM;

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(c) a Matriz Curricular do Curso;
(d) as relações estabelecidas no âmbito macro das DCNP (2006), na construção e
produção do texto do PPPc (2007); e
(e) a presença da Música na matriz curricular do Curso no documento legal.
A análise primeira desse documento possibilitou conhecer as relações
estabelecidas no âmbito macro das DCNP (2006), na construção e produção do texto do
PPPc (2007), porém, este documento contempla um discurso específico institucional,
respeitando as peculiaridades e singularidades – locais e regionais – para a formação do
estudante do curso de pedagogia, o qual objetiva a formação de professores/profissionais
para atuarem no exercício da docência em Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, tendo como organização curricular a centralidade dos processos de ensinar
e aprender, nessas etapas da Educação Básica.
Percebeu-se que, na matriz curricular do PPPc, a Música está presente em dois
Núcleos, a primeira disciplina no “Núcleo Básico de Estudos” no 6° semestre, com a
disciplina de Educação Musical; e no “Núcleo Aprofundamento e Diversificado de
Estudos”, no 7º semestre, com a Disciplina de Educação Musical para a infância (UFSM,
PPPC, 2007). Diante disso considera-se que a Música ocupa um espaço no currículo do
curso de Pedagogia da UFSM. Contudo, como já salientado anteriormente busca-se
investigar a sua constituição de lugar e/ou lugares neste Curso a partir do contexto da
prática junto aos professores.
Saliento que até o momento, os resultados obtidos foram mobilizados de análises
documentais, visando compreender os contextos que influenciaram e produziram os
textos legais para a formação em cursos de Pedagogia em âmbito nacional e no
| 1126
documento local o PPPc do curso de Pedagogia da UFSM. Estas análises iniciais
auxiliarão nas etapas seguintes do desenvolvimento da pesquisa da tese, como análise do
contexto da prática, a partir de entrevistas que serão desenvolvidas com professores
egressos e efetivos do Curso. Posteriormente aos resultados obtidos desta análise, será
possível visualizar os resultados e efeitos gerados no Curso pelas diretrizes e pela Lei
11.769/2008 e o lugar/lugares da Música no curso de Pedagogia da UFSM.
Por fim, destaca-se que o referencial do ciclo de políticas é de relevância para a
pesquisa, pois ele auxilia a construção da investigação em seus processos de teorização e
categorização dos dados obtidos por documentos até o momento. Diante disso,

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compreende-se de modo cíclico a análise dos dados, ou seja, inicialmente se tem
contextos que influenciam e produzem textos para que sejam vivenciados,
problematizados e de certo modo tensionados na prática educativa, para que se possa
mobilizar em resultados/efeitos, e posteriormente no contexto da estratégia política que
seguirá, ou melhor (re)significará o contexto de influência para que ocorram as
modificações necessárias.

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04, 05 e 06 de abril de 2016
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
WERLE, Kelly. A educação musical na Pedagogia: uma pesquisa com estagiárias da
UFSM. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Santa Maria/RS, 2010.

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OS SABERES DOCENTES E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
ENGENHEIROS
Leandro Bordin (Universidade Federal da Fronteira Sul)
lbordin@uffs.edu.br

Resumo: O presente texto tem a intenção de discutir estratégias de formação continuada à luz
dos saberes docentes que devem ser mobilizados no processo educativo em Engenharia. Num
sentido amplo o termo saberes docentes representa o conjunto de conhecimentos que integram a
prática profissional dos professores. Contemplam, resumidamente, o conhecimento específico
da área que vai ser ensinada, o saber da ciência da educação e da própria prática docente.
Alicerçado na compreensão de que para ser docente universitário é necessário vivenciar processos
específicos de formação para o magistério superior, os saberes docentes se apresentam como uma
possibilidade para que professores engenheiros gerenciem suas carreiras com vistas a uma
educação mais integradora, reflexiva, crítica e libertadora. Afinal, para ser professor num curso
de Engenharia não basta dominar os aspectos técnicos da profissão. É preciso, também, conhecer
e utilizar metodologias e procedimentos didático-pedagógicos estruturados, consistentes,
conscientes e constantemente atualizados.
Palavras-chave: Educação Tecnológica; Saberes docentes; Professor Engenheiro.

INTRODUÇÃO

As discussões sobre os saberes docentes na/para a educação superior vêm


tomando, a cada dia, uma dimensão mais complexa quando se trata especialmente da
educação tecnológica, na qual atuam, quase que exclusivamente, profissionais formados
em cursos de bacharelado. No fazer docente desses bacharéis, o equilíbrio entre os
conhecimentos tecnocientíficos (específicos de cada área) e a prática didático-pedagógica
é necessário e determinante para a formação de profissionais que atuarão em um mundo
do trabalho cada vez mais competitivo e dinâmico.
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Nos corredores das Escolas de Engenharia não é incomum ouvir que o professor
sabe muito sobre a disciplina e o conteúdo ministrado, mas não consegue 'transmiti-lo' de
forma satisfatória ao aluno. Neste contexto, pergunta-se: Quais conhecimentos (saberes),
para além daqueles adquiridos durante o processo formativo (graduação e pós-
graduação), são necessários para que o professor conduza o processo educativo em
Engenharia? Onde e quando o professor engenheiro deve buscar, no âmbito do seu
processo de profissionalização docente, tais conhecimentos?

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Com vistas a responder tais questionamentos, o presente texto tem a intenção de
discutir estratégias de formação continuada à luz dos saberes docentes que devem ser
mobilizados no percurso formativo em Engenharia. Ao (re)pensar o papel, as
competências e as responsabilidades do professor engenheiro se pretende criar condições
para uma educação tecnológica mais dinâmica e comprometida com os desafios da
contemporaneidade.
Neste sentido, há que se romper com os paradigmas dominantes na forma de
ensinar. Para além dos “conceitos, regras e padrões” a educação em Engenharia deve
proporcionar aos estudantes oportunidades de vivenciar “princípios, procedimentos e
atitudes”(BAZZO et al. 2014b, p. 220). Sabe-se que a relação dialógica entre professor e
aluno se faz primordial nesse contexto, mas é preciso destacar o papel fundamental do
professor na condução do processo formativo. É correto, então, que este (o professor)
invista em sua profissionalização e se reconheça como um educador em tecnologia.

O PROFESSOR E A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

A educação tecnológica vem sendo refletida, há muitos anos, nos trabalhos de Walter
Bazzo (BAZZO, 2008; BAZZO et al. 2014a; BAZZO et al. 2014b; BAZZO, 2015),
engenheiro mecânico que se dedica a pesquisas no âmbito da educação tecnológica, mais
especificamente à educação em Engenharia. À frente do NEPET238 – Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Educação Tecnológica – tem disponibilizado importantes reflexões acerca
das implicações da tecnologia na sociedade contemporânea. Seus trabalhos têm pensando
a educação tecnológica no âmbito do binômio desenvolvimento humano e progresso
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tecnológico.
Bazzo et al. (2014b, p. 13), destaca o baixo número de professores das áreas
tecnológicas com formação didático-pedagógica. Credita isso ao atual sistema de ensino,
as instituições formativas e aos próprios professores que, muitas vezes, desconsideram
tais reflexões. Conclui que nos atuais moldes da educação tecnológica se estabelece um
“círculo vicioso” uma vez que os profissionais formados em tal realidade e que atuam
como professores “perpetuam não só os aspectos positivos necessários à manutenção do

238 http://nepet.ufsc.br/

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estilo de pensamento da comunidade profissional, mas também os seus desacertos”. E
esses desacertos estão relacionados a reprodução de um modelo de transmissão de
conhecimentos que tiveram contato durante sua própria formação. Lecionam por intuição
e não acessam os procedimentos didático-pedagógicos já sistematizados e consolidados.
Neste contexto, Menestrina (2008) defende que é necessário que o professor de
modo geral e, principalmente o professor engenheiro, abandone a prática conformista e
acomodada, que se preocupa somente com o repassar das teorias, e transforme seu
trabalho numa proposta libertadora, por meio de uma metodologia apropriada e
condizente para o tempo em que se vive. Na mesma direção, Schwertl et al. (2012, p. 10),
após análise de algumas concepções e reflexões no âmbito da Educação Científica e
Tecnológica, questiona a razão que impede a maioria dos professores de romperem com
os tradicionais métodos de ensino e adotarem ações e concepções que venham ao encontro
dos novos desafios impostos pela sociedade contemporânea. Os autores argumentam que
esta resistência se dá por algumas razões, dentre as quais destacam: “as concepções
epistemológicas dos professores no que se refere à aquisição de conhecimento, à
resistência a inovações, ou ainda, à necessidade de uma formação que auxilie o
professor engenheiro a reconhecer e a enfrentar os desafios pertinentes à Educação
Científica e Tecnológica”.
A emergência das discussões acerca da formação do professor engenheiro é
percebida tanto em fóruns da própria Engenharia239 quanto em eventos específicos de
educação240. As questões didático-pedagógicas parecem ser consideradas por todos como
uma necessidade emergente para que se enfrentem os desafios da contemporaneidade.
Menestrina (2008, p. 67) defende que “este debate, muitas vezes, aparece desvinculado | 1134
da raiz de toda a problemática: a formação dos formadores dos engenheiros”. Nessa área
as discussões sobre inovação pedagógica estão, via de regra, associadas a projetos de
reformulações curriculares, a novos procedimentos metodológicos, a reformulações no
processo de avaliação, na revisão de referências bibliográficas a serem utilizadas e na
utilização de novas tecnologias de ensino. No entanto, a autora afirma que se não houver

239 Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia (COBENGE).

240 Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE) e Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd).

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modificações na atuação do docente dos cursos de Engenharia, não serão as mudanças
curriculares, as melhorias dos laboratórios, os avanços tecnológicos ou mesmo a
utilização de procedimentos inovadores que propiciarão melhorias expressivas no
processo de ensino-aprendizagem. Bazzo et al. (2014a, p. 61) corrobora com a autora e
se refere às mudanças superficiais como sendo “remendos curriculares” e dá destaque a
ações mais efetivas, dentre elas a formação docente.
Ao acompanhar trabalhos que visam à atualização de professores engenheiros, em
paralelo a pesquisas didático-pedagógicas relacionadas ao processo de ensino-
aprendizagem neste campo, é possível perceber a necessidade de investimento no/do
professor formador. Alicerçado na compreensão de que para ser docente universitário é
necessário vivenciar processos específicos de formação para o magistério superior faz-se
fundamental o estabelecimento de práticas de formação continuada que reflitam para
além dos aspectos técnicos e formais da profissão. Neste sentido, os saberes docentes se
apresentam como elemento direcionador de práticas e políticas de formação continuada
nas Escolas de Engenharia.

OS SABERES MOBILIZADOS NO TRABALHO DOCENTE

Ser professor de Engenharia não se restringe a ter os conhecimentos técnicos bem


estruturados e ministrar aulas delimitadas com conteúdos definidos e estanques. É
preciso antes de tudo ser um educador (BAZZO et al. 2014b). Menestrina (2008, p. 69)
afirma que para o “aperfeiçoamento de práticas de ensino-aprendizagem a educação deve
ser continuada e direcionada permanentemente para a atualização pedagógica”. Deve ser
um processo permanente, compreendendo várias etapas consecutivas, com o objetivo de | 1135

levar o educador ao alargamento de sua consciência profissional.


É nesse novo panorama que o conhecimento dos saberes docentes mobilizados no
trabalho de educadores de forma geral, mas nesse caso, especificamente direcionado aos
engenheiros docentes, se torna de fundamental importância, uma vez que permite, com
mais consciência, que esses profissionais reflitam criticamente sobre suas práticas. É o
paradigma, citado por Nóvoa (2001), do professor reflexivo – aquele que reflete sobre a
sua prática, que pensa e que elabora a partir dela.

As discussões sobre a temática dos saberes docentes têm ocupado papel de

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destaque na produção sobre a formação de professores. O trabalho de Nunes (2001) indica
que o tema nasce em âmbito internacional nos anos de 1980 e 1990, com as pesquisas de
autores, como, por exemplo, Tardif, Gauthier e Pimenta. Na perspectiva de analisar a
constituição do trabalho docente, tendo como forte característica a valorização dos
diferentes aspectos da sua história individual e profissional, é que os estudos sobre os
saberes docentes ganham impulso e começam a aparecer na literatura, numa busca de
identificar os diferentes saberes implícitos na prática docente. Ao delinear um panorama
sobre o assunto, Nunes concluía que, ao repensar a concepção da formação dos
professores - que até há pouco tempo objetivava a capacitação através da transmissão do
conhecimento, a fim de que 'aprendessem' a atuar eficazmente na sala de aula -, as décadas
de 80 e 90 foram marcadas pela abordagem da análise/reflexão da prática que este
professor desenvolve, enfatizando a temática do saber docente e a busca de uma base de
conhecimento considerando os saberes da experiência. A autora salienta, em 2001, que
estudos sobre os saberes docentes impulsionariam pesquisas que buscassem identificar e
analisar os saberes docentes numa perspectiva de contribuir para a ampliação do campo
e para a implementação de políticas que envolvam a questão da formação do professor, a
partir da ótica dos próprios sujeitos envolvidos.
Considerando que a relação dos docentes com os saberes não se reduz a uma
função de transmissão dos conhecimentos constituídos e que sua prática integra diferentes
saberes, com os quais o corpo docente mantém diferentes relações, Tardif (2012, p. 36)
define saber docente como “um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos
coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares,
curriculares e experienciais.” Ao elencar os saberes docentes, o autor apresenta uma
| 1136
explicação dos elementos que interagem no processo de constituição dos mesmos e
sinaliza como são construídos ao longo de trajetórias pessoais e profissionais dos
docentes. Na obra de Tardif (2012), os saberes são denominados de:
a) Saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia
pedagógica): os saberes profissionais são o conjunto de saberes transmitidos pelas
instituições de formação de professores; são saberes legitimados pelo mundo das Ciências
(no caso específico, das Ciências Humanas e das Ciências da Educação); dentro dessa
mesma categoria, o autor inclui os saberes pedagógicos que, segundo ele, se apresentam

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como doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no
sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas de
representação e orientação da atividade educativa.
b) Saberes disciplinares: são saberes que correspondem aos diversos campos do
conhecimento e se integram à prática docente através da formação (inicial e continuada)
dos professores nas diversas disciplinas oferecidas pela universidade; os saberes
disciplinares (por exemplo, matemática, física, literatura, etc.) são transmitidos nos cursos
e departamentos universitários independentemente das faculdades de educação e dos
cursos de formação de professores.
c) Saberes curriculares: são saberes que vão sendo apropriados pelos professores
ao longo de suas carreiras; esses saberes correspondem aos discursos, objetivos,
conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os
saberes sociais; os saberes curriculares apresentam-se concretamente sob a forma de
programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores devem aprender
e aplicar.
d) Saberes experienciais: são saberes que os próprios professores desenvolvem,
no exercício de suas funções e na prática da profissão; são saberes específicos, baseados
em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio; esses saberes brotam da
experiência e são por ela validados; são construídos de forma individual e coletiva e
incorporam-se à experiência sob a forma do saber-fazer e do saber-ser.
Nessa mesma linha de conceituação, Gauthier (2006) apresenta sua compreensão
sobre os saberes docentes, destacando:
a) Saberes disciplinares: saberes produzidos por pesquisadores e cientistas nas | 1137

disciplinas científicas; para o autor, o professor não os produz, mas, para ensinar, extrai
o saber produzido; o saber disciplinar refere-se ao conhecimento do conteúdo a ser
transmitido.
b) Saberes curriculares: saberes selecionados e organizados nos programas
escolares, que servem de guia para o planejamento do trabalho do professor.
c) Saberes das ciências da educação: saberes profissionais específicos ligados às
questões do ofício da docência, do próprio sistema escolar.

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d) Saberes da tradição pedagógica: saberes das representações da docência, que
servem de molde para guiar o comportamento do professor.
e) Saberes experienciais: saberes produzidos na própria experiência da sala de
aula.
f) Saberes da ação pedagógica: resultado da discussão e reflexão do saber
experiencial vivenciado em sala de aula.
Já o trabalho de Pimenta (2009, p. 19) aborda a discussão sobre a identidade
profissional do professor, fazendo menção aos saberes que configuram a docência. No
seu estudo, a autora destaca a necessidade da mobilização dos saberes da experiência para
a construção da identidade profissional do professor, uma vez que essa identidade
constrói-se, também, pelo “significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere
à atividade docente no seu cotidiano a partir de valores, de seu modo de situar-se no
mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias
e anseios e do sentido que tem em sua vida o ser professor”. Considerando que o professor
vai se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a prática, Pimenta (2009, p. 25)
enfatiza a “importância de superar a fragmentação entre os diferentes saberes,
considerando a interação de três dimensões: conhecimento, experiência e saber
pedagógico”. Sendo assim, a autora conceitua:
a) Saberes da experiência: correspondem aos saberes que os professores trazem
de suas experiências de alunos que foram de diferentes professores no percurso de sua
trajetória escolar; são também aqueles que os professores produzem no seu cotidiano
docente, num processo permanente de reflexão sobre sua prática, mediatizada por seus
colegas de trabalho e por textos produzidos por outros educadores. | 1138

b) Saberes do conhecimento: contemplam a capacidade do professor de discutir a


questão dos conhecimentos nos quais são especialistas (matemática, física, artes, etc.)
considerando a análise, contextualização e reflexão no cenário das exigências
contemporâneas.
c) Saberes Pedagógicos: os saberes pedagógicos e didáticos revelam que para
saber ensinar não bastam a experiência e os conhecimentos específicos (do
conhecimento); representam o contato e a articulação entre os saberes da educação e da
pedagogia capazes de gerar instrumentos para os profissionais se interrogarem e

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alimentarem suas práticas; para a autora, é aí que se produzem saberes pedagógicos: na
ação.
Para Nóvoa (2001), os saberes necessários ao professor giram em torno da
organização e da compreensão do conhecimento. Na condição de organizador da
aprendizagem, o professor precisa compreender a organização do ponto de vista mais
amplo como, por exemplo, a organização da turma e/ou da sala de aula. Já como detentor
da compreensão do conhecimento, não basta deter o conhecimento para saber transmitir
a alguém, é preciso compreendê-lo, ser capaz de reorganizá-lo, de reelaborá-lo e de
transpô-lo em situação didática em sala de aula.
Considerando os conceitos citados, faz-se necessário levar em conta que a
complexidade das situações nas quais os professores estão envolvidos em seu trabalho
cotidiano faz com que os saberes docentes estejam em constante movimento. Os saberes
não estão prontos e acabados e são acessados e mobilizados com diferentes intensidades,
de acordo com a trajetória e o momento profissional do docente. Tardif (2012), Gauthier
(2006), Pimenta (1999) e Nóvoa (1992, 2001), de uma maneira ou de outra, destacam
que o domínio do saber docente abrange, além do conhecimento específico da área que
vai ser ensinada, o saber da ciência da educação e da própria prática docente. O saber
docente é um saber social e se manifesta nas relações complexas entre professores,
estudantes e espaços (organizações) formativos.

O PROFESSOR ENGENHERIO E SEU PROCESSO DE


PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

A formação pessoal e profissional, como processo de aprendizagem, acontece | 1139

durante a vida toda. “A formação, como um caminho de diversas possibilidades, permite


às pessoas que o transitam desenvolver-se, construir as relações que as levam a
compreender continuamente seus próprios conhecimentos e os dos outros e associar tudo
isso com suas trajetórias de experiências pessoais” (ALVARADO-PRADA et al. 2010, p.
370).
Neste sentido, é possível entender a formação profissional docente como um
processo contínuo de desenvolvimento que compreende a formação inicial do professor
e sua atualização tanto em termos de conteúdos e métodos, quanto de práticas educativas.

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Sendo assim, é possível entender a formação continuada como uma “ferramenta que
auxilia os educadores no processo de ensino-aprendizagem de seus alunos, na busca de
novos conhecimentos teórico-metodológicos para o desenvolvimento profissional e a
transformação de suas práticas pedagógicas” (ALVARADO-PRADA et al. 2010, p. 374)
Ao confrontar tais enunciados com a realidade das Escolas de Engenharia é fácil
encontrar alguns desencontros. Os professores engenheiros estão em constante
atualização técnica. As situações de sala de aula, os 'abrigam' a isso, afinal a tecnologia
(objeto da Engenharia) está em constantes transformações. No entanto, a
profissionalização docente, entendida pelo aspecto das práticas didático-pedagógicas são
relegados a um segundo plano, quando não, como mencionado anteriormente, são
desconsideradas pelos professores. A ideia de construir-se coletivamente em termos de
saberes experienciais também fica 'sufocada' pelos tantos distanciamentos que o
professorado - e a instituição - se impõe.
Neste contexto se perde importantes oportunidades no que concerne o
estabelecimento de uma educação tecnológica mais fundamentada e contextualizada,
mais humana e emancipadora e com menores índices de evasão e retenção. Para auxiliar
o professor em seu processo de profissionalização docente é possível alicerçar-se em
Bazzo et al. (2014b, pg. 17) que recomenda a “implantação de programas de formação de
professores de tecnologia, tendo como meta criar uma cultura de formação, o que por
certo deverá resultar em melhoria de qualidade de ensino.”
Cunha (2010, p. 28) propõe uma reflexão interessante acerca da formação do
professor universitário: de forma diferente dos outros graus de ensino, este docente se
constitui tendo como base a profissão paralela que exerce ou exercia no mundo do | 1140
trabalho. Sendo assim, destes professores “costuma-se esperar um conhecimento do
campo científico de sua área, alicerçado nos rigores da ciência e um exercício profissional
que legitime esse saber no espaço da prática”. Ancorados na suposta maturidade e
autonomia dos alunos universitários e tendo como prática a transmissão de
conhecimentos, “não se registra, historicamente, uma preocupação significativa com os
conhecimentos pedagógicos”.
Neste sentido, é possível vislumbrar como os saberes docentes contemplados,
resumidamente, pelo conhecimento específico da área que vai ser ensinada, pelo saber

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da ciência da educação e da prática docente podem orientar práticas de formação
continuada voltadas aos professores engenheiros. A ideia neste texto é apontar alguns
caminhos que possam ser adaptados e redimensionados de acordo com a realidade do
corpo docente e da própria instituição.
No primeiro aspecto, o dos conhecimentos disciplinares, acredita-se que a
formação de fato aconteça, considerando que os professores investem na realização de
cursos de Doutorado e Pós-doutorado. Como mencionado anteriormente, por trabalhar
com a área tecnológica os professores, via de regra, mantêm-se atualizados em relação as
inovações pertinentes as suas disciplinas. Como salienta Pimenta (2009), o
desenvolvimento de saberes disciplinares diz respeito a capacidade do professor de
discutir os conhecimentos dos quais é especialista tendo como horizonte a análise,
contextualização e reflexão frente ao cenário atual. O desenvolvimento contínuo desse
saber é de responsabilidade, primordialmente, do próprio professor. Formações técnicas
poderiam ser pensadas no âmbito dos cursos de Engenharia estimulando a participação
de todos os professores do colegiado. Tais atividades poderiam se refletir em práticas
inter/multidisciplinares, nas quais os professores consigam, minimamente, 'transitar' fora
da sua disciplina. Eixos de formação no âmbito do curso também podem ser usados para
a aproximação citada.
Com relação aos saberes didáticos-pedagógicos, que são os que os professores
engenheiros mais carecem, entende-se que a instituição em seus ordenamentos precisa
promover momentos de formação. Uma instância importante, nesse aspecto, é o Núcleo
de Apoio Pedagógico (NAP) ou seu correspondente. É preciso clarear o entendimento
sobre educação e ensino e trabalhar fortemente com aspectos da relação entre | 1141
conhecimento, professor e aluno. Importante considerar que os saberes da ciência da
educação devem, como destaca Tardif (2012), servir de instrumentos para os professores
se interrogarem e (re)orientarem suas atividades educativas. Neste sentido, é pertinente
destacar que as referidas formações precisam, em algum momento, pensar nas
especificidades dos professores engenheiros. Sendo assim, formações e formadores que
possuem aproximações com o estilo de pensamento da Engenharia são igualmente
importantes. Cunha (2010) destaca que a organização dos saberes relacionados ao campo
pedagógico pode obedecer a diferentes critérios de agrupamento dependendo do contexto

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encontrado. No entanto, sinaliza alguns núcleos que podem orientar o processo de
formação: prática pedagógica, dimensão relacional e coletiva das situações de trabalho e
dos processos de formação, ambiência da aprendizagem, planejamento de atividades de
ensino, condução da aula nas suas múltiplas possibilidades e avaliação de aprendizagem.
Mobilizar, conscientizar e sistematizar saberes da prática docente é uma tarefa
coletiva. Afinal, o trabalho docente precisa ser articulado entre diferentes disciplinas.
Como apontam Tardif (2012), Gauthier (2006) e Pimenta (2009), as experiências -
individuais e coletivas - vividas no cotidiano do espaço escolar são incorporados no
repertório do professor e alicerçam e fundamentam muito do seu trabalho. Neste sentido,
cabe ao colegiado de curso, ao núcleo docente estruturante (NDE) e por consequência aos
próprios professores a organização de encontros de socialização de experiências e
vivências sobre suas práticas. Compartilhar casos de sucesso e avaliar insucessos são
estratégias para que o grupo de professores se fortaleça conjuntamente. Nessa direção, as
práticas inter/multidisciplinares e os trabalhos integradores também se apresentam como
um momento profícuo de aprendizado.
É importante salientar que essa aparente separação entre os saberes é puramente
para fins de organização textual. Acredita-se que intercalar, entrelaçar, aplicar, testar e
avaliar diferentes momentos e reflexões formativas auxilia o professor (e seu coletivo) a
construir suas próprias concepções. Também sucinta novas demandas por formações que
por sua vez, ampliam, cada vez mais, o repertório do professor e alicerçam seu trabalho
como educador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS | 1142

O desenvolvimento dos saberes docentes acontece durante a vida do professor. A


necessidade de formação continuada vem ao encontro dessa dinamicidade que é o espaço
acadêmico. As realidades mudam, os projetos pedagógicos de curso são revisados, novos
colegas são incorporados ao colegiado e novas gerações de alunos chegam à
Universidade. As adaptações e atualizações do trabalho docente, nesse cenário, são
fundamentais e necessárias. Torna-se mister a manutenção de uma dinâmica de
desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional na/da profissão docente. E não há
fórmula – algo que é familiar à Engenharia – para esse processo.

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O que precisa ser assumido é que não basta ser engenheiro para ensinar. Ser
docente universitário requer outros saberes que precisam ser construídos por uma
formação continuada. Isso denota que o professor engenheiro precisa responsabilizar-se,
conjuntamente com a instituição de ensino e seus colegas, por sua profissionalização
docente. Dessa forma será possível caminhar ao encontro de uma educação tecnológica
mais condizente com as demandas contemporâneas.
Há exemplos positivos relacionados a professores engenheiros que se dedicam ao
estudo sobre educação tecnológica. Possivelmente há cursos e instituições que possuem
programas de formação continuada para docentes dos cursos de Engenharia. Fernandes
et al. (2010) apresenta o resultado de iniciativas importantes no âmbito de cursos e
disciplinas de formação didático-pedagógica para a docência universitária. Apesar de
comporem um pequeno universo, tais experiências apontam um caminho promissor no
que concerne a profissionalização do professor. São experiências que demostram a
necessidade de um esforço intencional e sistemático com vistas a qualificação da docência
universitária.

REFERÊNCIAS

ALVARADO-PRADA, Luis Eduardo; FREITAS, Thaís Campos; FREITAS, Cinara


Aline. Formação continuada de professores: alguns conceitos, interesses, necessidades e
propostas. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v.10, n. 30, p. 367-387, maio/agos.
2010.
BAZZO, Walter Antonio; PEREIRA, Luiz Teixeira do Vale; LISINGEN, Irlan Von.
Educação Tecnológica: enfoques para o ensino de engenharia. 2. ed. rev. e ampl. -
Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.
BAZZO, Walter Antonio; PEREIRA, Luiz Teixeira do Vale; BAZZO, Jilvania Lima | 1143
dos Santos. Conversando sobre educação tecnológica. Florianópolis: Ed. da UFSC,
2014a.
BAZZO, Walter Antonio. Ciência, Tecnologia e Sociedade e o contexto da educação
tecnológica. 4. ed. rev. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014b.
BAZZO, Walter Antonio. De Técnico e de Humano: questões contemporâneas. 4.
ed. rev. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2015.
GAUTHIER, Clermont. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber
docente. 2. ed. Francisco Pereira: Unijuí, 2006. 457p.
CUNHA, Maria Isabel da. A docência como ação complexa. In: CUNHA, Maria Isabel da
(Org). Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva

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individual ao espaço institucional. Brasilia , DF: CAPES: CNPq; Araraquara, SP: Junqueira &
Marin, 2010. p. 19-34.
FERNANDES, Cleoni Maria Barboza; BASTOS, Amélia Rota Borges de; SELBACH, Paula
Trindade da Silva. Cursos e disciplinas de formação pedagógica do professor universitário:
movimentos em aberto. In: CUNHA, Maria Isabel da (Org). Trajetórias e lugares de
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Brasilia , DF: CAPES: CNPq; Araraquara, SP: Junqueira & Marin, 2010. p. 125-145.
MENESTRINA, Tatiana Comiotto. Concepção de Ciência, Tecnologia e Sociedade na
formação de engenheiros: um estudo de caso das engenharias da UDESC Joinville. 2008. Tese
(Doutorado em Educação Cientifica e Tecnológica) - Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2008.
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| 1144

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A AUTOESTIMA NA RELAÇÃO CUIDAR E EDUCAR:
CONCEPÇÕES DE PEDAGOGAS ACERCA DO TRABALHO
DESENVOLVIDO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Larissa dos Santos Dutra de Lima (UFSM)
larissa.sdutra@gmail.com
Taís de Jesus Arruda (UFSM)
taistazinha@hotmail.com

Resumo: Este artigo é recorte de um Trabalho de Conclusão de Curso onde, a


partir de estudos realizados acerca do trabalho dos professores e sua pertença profissional,
surgiram muitas dúvidas em relação ao trabalho de Pedagogas em sala de aula com
crianças pequenas. A dúvida mais salientada durante o tempo de estudos foi em relação
à autoestima das professoras durante sua prática na Educação Infantil, ou seja, qual (is) a
(as) concepção (ões) de autoestima profissional de pedagogas que trabalham na Educação
Infantil, considerando a função de educar e cuidar. Para dar sentido à investigação, foi
necessário fazer um levantamento histórico sobre a Educação Infantil, e, posteriormente,
contatar professoras de uma Escola privada de Educação Infantil, na cidade de Santa
Maria – RS, que estivessem disponíveis em participar da pesquisa através de um
questionário com questões objetivas e discursivas.

Palavras-chave: Autoestima; Professoras; Educação Infantil.

1 INTRODUÇÃO
| 1145
O tema escolhido para essa investigação241 é decorrência de um estudo que foi
realizado pelo grupo de pesquisa Kairós242, do 2° semestre de 2012 até a metade do ano
de 2013. Participou-se do mesmo durante todo o tempo de sua realização, como bolsista
de Iniciação Científica. A partir de estudos realizados acerca do trabalho dos professores
e sua pertença profissional, surgiram muitas dúvidas pelo assunto em questão.

241
Trabalho orientado pela Profª Drª Liliana Soares Ferreira – UFSM.
242
Grupo de Pesquisas e Estudos sobre Trabalho, Educação e Políticas Públicas.

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As leituras realizadas ao longo da pesquisa foram sobre o trabalho dos professores
e estes considerados como sujeitos gestores do pedagógico. Este conceito é entendido,
partindo das concepções de Ferreira (2008):

A gestão constitui-se em soma de processos, e, se sabe, no cotidiano, esses


processos são conectados e têm nos sujeitos os protagonistas dos rumos da
escola. [...], o pedagógico é a dinâmica da escola, da educação, por isso mesmo,
é resultante da colaboração de todos, nos diversos espaços e tempos do
ambiente e da convivência escolar (2008, p.177).

Como objetivo geral do estudo, pretende-se: sistematizar concepções de


autoestima profissional e sua relação com o trabalho de Pedagogas (os) na Educação
Infantil, na qual a conexão entre cuidar e educar são inerentes à Prática Pedagógica de
crianças muito pequenas.
Através da pesquisa bibliográfica, como primeira parte para o entendimento de diferentes
teorias acerca da autoestima, analisou-se textos, artigos e livros sobre este assunto, entendendo a
autoestima como parte fundamental no trabalho de pedagogas e pedagogos/professoras e
professores, relacionando este estado pessoal como primordial para um bom relacionamento no
espaço escolar e consigo mesmo.
A escola, como lugar de pluralidade de sentidos, denota inúmeras características de seres
de palavra que se expressam diariamente sobre suas vontades, mesmo as crianças muito pequenas.
Desta forma, foi necessário fazer um levantamento bibliográfico que tratasse sobre a Educação
Infantil brasileira, quais foram seus obstáculos no passado e os impasses atuais, como surgiram
as primeiras Instituições Escolares e quais os autores que escrevem sobre este assunto.
Pensando em como as pedagogas e pedagogos sentem-se dentro das escolas de
Educação Infantil atualmente, pretendeu-se: levantar dados a partir de um questionário | 1146

com perguntas objetivas e discursivas em que os sujeitos entrevistados pudessem escrever


sobre como se sentem dentro da escola, diante da autonomia como podem realizar o
planejamento de atividades; como compreendem o seu trabalho pedagógico e a
autoestima que mantêm diariamente nas questões que embasam a Educação Infantil,
como as necessidades infantis que abarcam o educar e o cuidar. Além disso, nas questões
objetivas, pretendeu-se conhecer o perfil pessoal das pedagogas entrevistadas.

1.1 Metodologia

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Para iniciar a pesquisa e, posteriormente, o estudo de caso, o questionário
elaborado, através de suas perguntas, procurou relacionar questões objetivas de caráter
pessoal que questionavam sobre idade, sexo, se possuíam ou não pós graduação e qual a
carga horária semanal que trabalhavam nesta escola.
Através de questões discursivas, que também faziam parte do questionário,
procurou-se comtemplar desde como o sujeito entrevistado entende o seu Trabalho
Pedagógico com crianças pequenas até se, diante de dificuldades profissionais
enfrentadas diariamente, há influências na sua própria autoestima.
Para a realização do estudo de caso, cinco pedagogas foram contatadas a fim de
serem convidadas a disponibilizar um espaço do seu tempo para responder as questões.
As egressas da Pedagogia, após assinarem o Termo de Consentimento para a realização
da pesquisa, tiveram os questionários em mãos para responder e foram assistidas durante
esta ação.
A análise dos dados foi realizada com base em Bardin (2011) e as respostas foram
divididas em categorias, cuja elaboração foi feita após a análise das mesmas. A
categorização, segundo Bardin (2011): “É uma operação de classificação de elementos
constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento
segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos” (2011, p. 147).

2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Conceitos de autoestima e sua relação com o trabalho do professor
Diante de acontecimentos que envolvem violência física e verbal, que algumas
professoras e professores vivenciam nas diferentes escolas espalhadas pelo Brasil, acaba
| 1147
que o resultado destes fatos é o desânimo do professor em relação a seu trabalho. Como
se não bastassem estes fatos, há também as condições físicas precárias em que alguns
professores vivenciam diariamente nas instituições de ensino em que trabalham. Portanto,
o professor fica com sua autoestima extremamente abalada, e isso interfere diretamente
no seu trabalho frente ao estudante, comprometendo sua excelência como produtor de
conhecimento e o modo como o professor se enxerga dentro da sociedade.
Segundo Mosquera (p. 55, 1984), “a autoestima responde ao tipo de apreço,
consideração, amizade e, digamos assim, benevolência, que a pessoa tem para consigo
mesmo”. Mosquera (p. 56, 1984) ainda se refere a dois tipos de autoestima: positiva e

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negativa. “A autoestima positiva é uma visão o mais realista possível das possibilidades,
defeitos e virtudes que a pessoa possui”, assim sendo, este tipo de autoestima seria a mais
conveniente para o sujeito. Em contraponto, a autoestima negativa causa “maior rigidez
comportamental, mecanismos de fuga de si e especialmente desconfiança das outras
pessoas” (MOSQUERA, p. 56, 1984). Na perspectiva de trabalho como forma de
descoberta e autoafirmação pessoal, entra a questão de autoestima, como:

A autoestima é um dos principais construtos da personalidade, que está


alicerçada na imagem (o mais real possível) que a pessoa tem de si mesma, que
é construída em base ao que os outros comentam de como a veem, como a
pessoa se sente e percebe (como realmente é), aceitando ou rejeitando estas
informações [...] (MENDES, p. 6-7, 2012).

Para Mosquera, temos o autoconceito como a “capacidade do ser humano poder


ver a si mesmo, é uma elaboração interna feita através de elementos externos provenientes
da socialização” (p. 55, 1984). Portanto, pode-se concluir que a autoestima só se
concretiza como positiva quando o autoconceito que o indivíduo tem de si mesmo é
positivo, ou seja, a autoestima é o “reflexo do autoconceito” (NASCIMENTO, p. 3,
2007).
A autoestima, portanto, é extremamente importante para o trabalho do professor,
sendo esta condição de bem-estar consigo mesmo que faz com que a ação docente seja
satisfatória. É necessário pensar que o quesito de autoestima alta e o trabalho
desenvolvido na escola são resultados de elementos afetivos e o próprio envolvimento no
trabalho, e que a autoestima baixa tem relação direta com fatores sociopolíticos.
A autoestima das professoras que trabalham com a Educação Infantil, com o
| 1148
passar dos tempos, acaba sendo diminuída pelo fato de não obterem em seu trabalho diário
medidas que possibilitem que estas docentes compreendam o seu fazer dentro da escola.
O cuidar e o educar, condições essenciais para o desenvolvimento de crianças muito
pequenas, acabam deixando o trabalho da pedagoga desprestigiado pela falta de
conhecimento e de argumentos que possibilite o esclarecimento de dúvidas acerca da
condição de Educadora Infantil.
Ser professora da Educação Infantil, muitas vezes, é compreendido apenas com o
cuidado das crianças referente ao sono, à alimentação e à higiene, no entanto, a pedagoga
que honra a sua opção por seguir no Magistério, deve, indiscutivelmente, argumentar

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sobre sua escolha e sobre o que norteia a Prática Pedagógica que se baseia a Educação
Infantil.

2.2 A história da Educação Infantil, a criança e os desafios vividos


A Educação Infantil, hoje conhecida como a primeira etapa da Educação Básica,
nem sempre teve a importância que tem atualmente. Muitas questões contribuíram para a
constituição deste nível educacional como a preocupação com a infância, a maternidade
e o trabalho feminino e este como constituição da sociedade capitalista, na qual as
mulheres começaram a trabalhar fora da casa para ajudar no sustento dos lares, e não
tinham com quem deixar seus filhos. Para Kuhlmann Jr.:

A história das instituições pré-escolares não é uma sucessão de fatos que se


somam, mas a interação de tempos, influências e temas, em que o período de
elaboração da proposta educacional assistencialista se integra aos outros
tempos da história dos homens (KUHLMANN Jr, p. 77, 2007)

Para Pinto (1997), o papel da criança na sociedade só começa a ganhar atenção, a


partir do século XVI:

[...] a infância constitui uma realidade que começa a ganhar contornos a partir
dos séculos XVI e XVII. [...] As mudanças de sensibilidade que se começam a
verificar a partir do Renascimento tendem a deferir a integração no mundo
adulto cada vez mais tarde e, a marcar, com fronteiras bem definidas, o tempo
da infância, progressivamente ligado ao conceito da aprendizagem e de
escolarização. Importa, no entanto, sublinhar que se tratou de um movimento
extremamente lento, inicialmente bastante circunscrito às classes mais
abastadas (1997, p. 44).

| 1149
Esta atenção à infância, apesar de ainda muito crua, já é um avanço frente às
considerações que havia com as crianças, consideradas, anteriormente aos séculos XVI,
por Rousseau, como “adulto em miniatura”.
Com o crescimento das cidades, resultado da migração para a zona urbana, inicia-
se, então, iniciativas de proteção à infância.
As instituições pré-escolares, como denominadas antigamente, surgiram a partir
da segunda metade do século XIX, na Europa, como uma medida assistencial, abarcando
aspectos como a alimentação e habitação dos trabalhadores e dos pobres. Nesta mesma
época, iniciaram as creches, para crianças de 0 a 3 anos, apresentadas de maneira

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opositiva às Casas de Expostos, para crianças abandonadas, evitando que mais mães
abandonassem seus filhos. Em 1889, como uma estratégia mercadológica para aproximar
famílias abastadas, as escolas denominadas Jardins de Infância serviam para crianças
ricas, enquanto os asilos, com caráter assistencialista, para crianças pobres
(KUHLMANN, 2007).
Com a criação das creches, muitos conflitos vieram à tona, “tais como a defesa da
atribuição de responsabilidade primordial à mãe na educação da pequena infância”
(KUHLMANN, p. 87, 2007). Porém, com a creche, as mulheres pobres poderiam
trabalhar, ajudando no cuidado dos filhos, sem deixar de ser “mãe”.
No Brasil, já no século XX, as mulheres começaram a sair de casa para trabalhar,
e como as mães não tinham com quem deixar seus filhos, estas começaram a reivindicar
melhores condições de trabalho e na criação de lugares específicos para o cuidado de seus
filhos. Apesar de todo este conflito, este pedido não foi atendido prontamente, então a
sociedade teve que criar, por si só, métodos que possibilitassem que as mulheres
pudessem continuar no mercado de trabalho, sem ter que abandonar seus filhos
(KUHLMANN, 2007).
Já, em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
(LDB), de número 4.024/61, que os seus artigos incentivavam as empresas e indústrias à
criação de instituições pré-primárias. Foi só a partir da Constituição Federal de 1988 que
a criança começou a ser tratada como sujeito pensante, estabelecendo “caráter
diferenciado para a compreensão da infância, impondo-lhe uma dimensão de cidadania
[...] a criança passa a ser entendida como sujeito de direitos e em pleno desenvolvimento
desde seu nascimento” (SANTA CATARINA, p. 3, 1998).
| 1150
Em 1996, com a LDB vigente, Lei de número 9394/96, propõe-se aos municípios
que sejam incumbidos de oferecer a Educação Infantil.
No artigo 29, 30 e 31, a LDB 9394/96 estabelece as finalidades da Educação
Infantil:
Art. 29- A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade.
Art. 30- A Educação Infantil será oferecida em:
I- creches ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II- pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.

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Art. 31- Na Educação Infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento
e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para
o acesso ao Ensino Fundamental.

De acordo com este novo contexto de infância, não mais voltado à criança como
ser não diferenciado do adulto, mas sim como sujeito em desenvolvimento intenso que
faz um movimento entre o ser e o querer, mediado pelas interações sociais e
simbolicamente onde a criança se apropria das práticas culturais e se constitui delas,
formando sua singularidade.

2.3 Educar e cuidar é só começar!

O cuidado com crianças pequenas, além de abarcar princípios pedagógicos,


também baseia-se em cuidados pessoais de higiene, alimentação, sono, etc. Esta relação
entre o educar e cuidar, ações indissociáveis, devem estar em toda a proposta de Educação
Infantil, sendo tarefas que sustentam o desenvolvimento e a aprendizagem da infância.
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1988),
que propõe que as ações de educar e cuidar de crianças de 0 a 6 anos sejam indissociáveis,
trás o significa de educar e de cuidar.
Educar:
(...) propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas
de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das
capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em
uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, a educação
poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e
conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas,
na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis
(RCN/I, vol. I, 1998, p.23). | 1151

O cuidar, portanto, é definido como:

(...) parte integrante da educação, embora exigir conhecimentos, habilidades e


instrumentos que extrapolam a dimensão pedagógica, ou seja, cuidar de uma
criança em um contexto educativo demanda integração de vários campos de
conhecimentos e a cooperação de profissionais de diferentes áreas (RCN/I,
vol.I, 1998, p.24).

O desenvolvimento infantil pleno nas Instituições de Educação Infantil deve


compreender a criança como um todo, ou seja, auxiliar no seu desenvolvimento pleno e

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sadio, abarcando aspectos que compreendem a educação de crianças pequenas e
considerando a importância dos cuidados com a higiene, alimentação e sono da criança,
proporcionando seu bem-estar.

3 OS DADOS E AS CATEGORIAS ANALISADAS

Nesta seção, os dados produzidos a partir do questionário semiestruturado,


realizado com cinco pedagogas de uma referida escola particular de Santa Maria – RS,
foram analisados. O que as pedagogas, sujeitos da pesquisa, escreveram referente às
perguntas de caráter discursivo, foram lidas e levantadas categorias para a análise das
mesmas. São elas: Trabalho, criança, família (pais) e vínculo. Para a categoria de
“trabalho”, duas subcategorias surgiram: trabalho como cuidado e trabalho como prática
pedagógica. Para que as pedagogas tenham suas identidades preservadas, nomes fictícios
foram usados durante toda a explanação da análise, ou seja, estas pedagogas serão
denominadas de “A”, “B”, “C”, “D” e “E”.
As pedagogas entrevistadas, basicamente, trabalham somente nesta escola, sendo
apenas uma, a professora C, que trabalha 30 horas semanais, ou seja, meio turno, ficando
responsável por auxiliar no desenvolvimento infantil das crianças da turma do Maternal
II. O restante das pedagogas trabalha entre 40 a 42 horas semanais nesta escola, ou seja,
vivenciam mais os afazeres do âmbito escolar durante a semana, do que o lazer e o
cotidiano familiar, portanto este é o motivo de os questionários terem sido realizados na
escola onde trabalham.
A primeira parte do questionário tinha questões objetivas de caráter pessoal, para
que os sujeitos da pesquisa pudessem ser conhecidos não somente pelo o que vivenciam | 1152

na escola, mas sobre sua idade, formação e carga horária trabalhada na escola.
A segunda parte do questionário, com questões discursivas, visava em fazer a
pedagoga entrevistada a refletir e escrever sobre o seu trabalho perante crianças pequenas,
ou seja, abrangendo o educar e o cuidar, prática pedagógica esta que, por muitas pessoas,
ainda ocorrem separadamente. A primeira pergunta discursiva feita foi: “Como você
compreende o seu trabalho pedagógico dentro de sala de aula com crianças tão
pequenas?”.

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A professora A escreveu que seu trabalho pedagógico “[...] transcende o fazer
pedagógico ou o cuidado, ou seja, não posso focar minha prática só em atividades ou
“conteúdos” nem só na higiene ou alimentação [...]. Muitas vezes, temos que dar conta
de aspectos que envolvem a família [...]” (PROFESSORA A, 2014). Nessa perspectiva
vale ressaltar sobre a importância da família no ambiente escolar, para que a pedagoga
que atua como professora possa se sentir confiante frente à criança que tem em mãos, pois
sabe que dentro do lar do seu aluno, há pessoas que apoiam a sua prática na escola.
Para a professora B, o seu trabalho pedagógico é complexo, exigindo
responsabilidades, dedicação, atenção e conhecimento, sendo que o professor deve fazer
um trabalho que prime pelo desenvolvimento integral da criança, trabalhando sempre com
amor e carinho. Desta forma, entende-se o trabalho pedagógico como base para o
desenvolvimento físico, cognitivo e psicológico da criança. Ela ainda complementa
dizendo que conforme a especificidade de cada criança, o professor deve procurar
estratégias que contribuam para o seu progresso.
A professora D acredita que fica muito a realizar frente a seu trabalho pedagógico:

“[...] Por serem crianças pequenas o trabalho pedagógico está associado ao


cuidar, sei que poderia desenvolver melhor este cuidar de maneira mais
pedagógica “didática”, porém me sinto por vezes “amarrada, presa” aos
cuidados e frustrada por não desenvolver tudo como gostaria” (PROFESSORA
D, 2014).

A partir desse relato, Costa (2011) complementa:


O cuidar e o educar refletem seu significado no auxilio à criança para
desenvolver sua capacidade de conhecer-se e valorizar-se, compreendendo a
importância do “eu” em uma dimensão tanto afetiva quanto biológica, e
também compreender e respeitar o diferente, o outro, cultivando valores de | 1153
solidariedade, cooperação e amizade. Tanto o cuidar quanto o educar
transparecem na ação pedagógica quando há conscientização do professor
sobre o desenvolvimento da criança de forma integrada, quando valoriza a
individualidade, as particularidades, os momentos e espaços característicos da
infância. Portanto, o professor precisa interagir o cuidar e o educar na sua
prática de uma forma criativa e dinâmica, onde todos os espaços e momentos
vivenciados na escola favoreçam a construção da aprendizagem e da
autonomia num ambiente que, embora real, ofereça oportunidades e
possibilidades lúdicas e interativas (2011, p.06).

Fazendo um paralelo entre o que a professora D relatou e a citação de Costa


(2011), entende-se que a prática pedagógica na relação cuidar e educar na Educação

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Infantil só é realizada com sucesso, quando o professor entende esse processo como uma
relação que compreende a criança e seu desenvolvimento em todos os sentidos. Com
uma escrita mais objetiva, a professora E fala que seu trabalho “[...] é muito gratificante,
a cada descoberta é uma realização [...]” (PROFESSORA E, 2014), e finaliza dizendo
que precisa adaptar muitas atividades para realizar com as crianças de sua turma, pois são
muito pequenos.
A partir da análise desta primeira pergunta, percebe-se que o trabalho pedagógico
destas pedagogas está embasado no desenvolvimento integral da criança, entendendo a
Educação Infantil, neste caso, a creche, alicerçada no cuidado da criança pequena e na
falta de alternativas amplas e ricas em sentidos para tornar o ato de cuidar mais pleno em
relação às práticas que abranjam o educar.
A segunda questão que foi feita é: “Conforme Ávila (2002, p. 126) “A creche é o
espaço do cuidado e da educação indissociados e indissociáveis”. A partir desta
afirmação, você, como pedagoga (o) formada (o), acredita que trocar fraldas, ajudar a ir
ao banheiro e outras práticas que englobam a higiene infantil, diminuem o seu trabalho
como pedagoga (o)? Por quê?” – teve, de modo geral, respostas que negavam o fato das
ações de cuidar e educar, indissociáveis, como diminuidoras do trabalho das pedagogas
entrevistadas. Desta forma, pode-se inferir que os sujeitos da pesquisa compreendem a
importância das funções de cuidar da higiene, sono e alimentação de crianças pequenas e
aliar estas ações à uma prática pedagógica fundamentada no desenvolvimento pleno de
seus alunos.
A professora B, por exemplo, relata que a higiene é necessária e faz parte do
processo educativo, influenciando no desenvolvimento da criança. Para ela “[...] este é
| 1154
um momento em que o professor ensina e estabelece vínculos com a criança, reforçando
na criança um sentimento de segurança, confiança e bem-estar” (PROFESSORA B,
2014). Nesta perspectiva, a afetividade se faz presente durante o processo de higiene das
crianças, ou seja, a professora pode desenvolver vínculos positivos com as crianças em
momentos de cuidado através do diálogo e da demonstração de carinho, e assim criar um
“suporte afetivo do conhecimento” (SALTINI, 1997, p. 89).
Para a professora A, o ato de educar e cuidar não diminuem o seu trabalho como
pedagoga, pois ela relatou que entende que, a partir do momento que um sujeito se
compromete como professor de Educação Infantil, as questões de higiene, educação,

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planejamentos e outros cuidados, precisam fazer parte do cotidiano docente, e que procura
conciliar os aspectos de cuidado e educação sempre.
Para as professoras C e D, o ato de cuidar e educar não diminuem o seu trabalho,
mas que a escola como um todo precisa contribuir na realização destas duas ações. Elas
relatam: “Não diminui, mas no momento em que temos também outra pessoa que auxilie
contribui para podermos atender a todas as crianças” (PROFESSORA C, 2014). Aqui, é
necessário pensar na organização das escolas de Educação Infantil que não possuem
pessoas suficientes para atender a demanda, sendo que algumas professoras ficam
sobrecarregadas, pois são responsáveis por inúmeras crianças, todas ao mesmo tempo.
“Acredito que também nestes momentos poderíamos desenvolver práticas pedagógicas
com a criança, porém seria necessário mais apoio do ambiente escolar para estes
momentos acontecerem na prática” (PROFESSORA D, 2014).
É importante perceber que na escrita destas duas professoras, o papel da escola é
fundamental para que a prática do educar e cuidar sejam efetivamente realizados, e que
há muita importância em conseguir conciliar os cuidados da infância com a educação,
assim como é essencial ter outra pessoa presente em sala de aula em quase toda a parte
do tempo frente às crianças, para ajudar nas trocas de fraldas, roupas, entre outros
aspectos que abarcam o cuidado.
Na próxima questão, de número 3, se especificou melhor a relação do trabalho
realizado pelas pedagogas com a autoestima. A questão, portanto, era: “Perante inúmeras
situações que você passa diariamente na escola, como: elaboração de planejamentos
(aceitos ou não); disposição de espaço físico; rotina; relacionamento com pais e alunos;
salário; carga horária; como você descreve a sua relação de autoestima consigo própria
| 1155
(o):”. Através desta pergunta, obtiveram-se respostas bem divididas. Algumas pedagogas
disseram que passam por situações que elevam sua autoestima, e estas estão diretamente
ligadas à convivência infantil e o retorno afetivo que as crianças proporcionam, e outras
pedagogas relataram que o que deixa a autoestima baixa é quando os pais as tratam como
babás, “tias” ou cuidadoras. Freire (1997) faz uma relação entre “tia” e professora:

A professora pode ter sobrinhos e por isso é tia da mesma forma que qualquer
tia pode ensinar, pode ser professora, por isso, trabalhar com alunos. Isto não
significa, porém, que a tarefa de ensinar transforme a professora em tia de seus
alunos da mesma forma como uma tia qualquer não se converte em professora
de seus sobrinhos só por ser tia deles. Ensinar é profissão que envolve certa

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tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser
tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma
profissão enquanto não se é tia por profissão. Se pode ser tio ou tia
geograficamente ou afetivamente distante dos sobrinhos mas não se pode ser
autenticamente professora, mesmo num trabalho a longa distância, “longe” dos
alunos (FREIRE, 1997, p.9).

A professora A, por exemplo, escreveu que “[...] Algumas situações abalam a


autoestima como, por exemplo, ser chamada de tia, ou ser considerada “babá” pelos pais
[...]”. Ela ainda complementa que algumas funções que são condizentes com a obrigação
dos pais, quando são delegadas a sua responsabilidade, também abalam a sua visão
positiva de si mesma.
O próprio Paulo Freire, no trecho citado mais acima, do livro “Professora sim, tia
não”, ao final deste parágrafo, coloca uma nota onde diz: “Esta análise do mote
“professora-tia” é mais um capítulo da luta contra a tendência à desvalorização
profissional representada pelo hábito, que se cristaliza há cerca de três décadas, de
transformar a professora num parente postiço” (1997, p 9).
A professora D também relata que “[...] Os pais ainda veem muito o pedagogo
como babá ou somente cuidadora, tem uma visão distorcida do que é a Educação
Infantil.”. Complementando este raciocínio, a professora E diz que “[...] muitas vezes não
somos compreendidas e encontramos dificuldades com os pais.”.
Na última questão, que relaciona as facilidades e as dificuldades que as pedagogas
entrevistadas encontram em seu trabalho diário com crianças pequenas e de que maneira
estes fatos contribuem para a visão de si mesma. As pedagogas, na sua maioria,
consideram como facilidades os vínculos que constroem com as crianças no decorrer do
ano, relatando que ver o desenvolvimento dos seus alunos, fazendo um comparativo do | 1156

que era no início do ano, até o final, é extremamente gratificante. As dificuldades ficam
enquadradas em alguns comportamentos infantis, na adaptação, onde as crianças ainda
não sentem confiança na professora, e isso deixa a pedagoga um pouco abalada e em
como falar de algum acontecimento negativo que aconteceu na escola para os pais. Além
disso, uma pedagoga relatou que entende a sua carga horária semanal como um grande
empecilho na hora de aprimorar seus conhecimentos teóricos acerca da turma que
trabalha.

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A professora B relata que a maior dificuldade é em relação aos pais, quando
precisa conversar com eles sobre algum comportamento do filho ou filha, sem que os pais
se sintam repreendidos:

[...] As maiores dificuldades surgem quando se percebe alguma “alteração” no


desenvolvimento ou no comportamento de alguma criança e de que forma falar
isso com os pais, para que compreendam sem nenhuma negação ou repreensão
[...] (PROFESSORA D, 2014).

No geral, é perceptível que a maior preocupação das pedagogas varia entre como
as crianças vão ficar no ambiente escolar, se vão se adaptar ao novo espaço e as novas
regras e de como os pais vão interpretar ao serem chamados à escola para conversar sobre
alguma mudança de comportamento, geralmente negativa, de seus filhos.
A professora D, por outro lado, escreveu que suas dificuldades perpassam o
planejamento e o tempo livre para ler e estudar sobre os assuntos que trata na escola,
referente às crianças: “Dificuldades- com planejamentos práticos e que realmente
contemplem o desenvolvimento infantil [...]” e “[...] em conciliar o horário de trabalho
com a vida pessoal pois sempre há muito para desenvolver fora da escola”.
As facilidades que as pedagogas relataram tem ligação direta com o
relacionamento com as crianças:

A construção do dia a dia e as experiências junto às crianças me fazem repensar


a educação, a minha prática [...] e cada dia querer mudar e buscar algo que
realmente venha a acrescentar, contribuir de forma positiva (PROFESSORA
C, 2014).

| 1157
A professora E relata que: “As facilidades é que eles são abertos a todas as
novidades, são carinhosos, felizes, autênticos. [...] as crianças são abertas a tudo que é
novo e que nos faz bem”. Neste seguimento, a professora D complementa que “o
relacionamento com bebês é mais próximo, mais afetivo, os vínculos que se estabelecem
são sinceros [...]”.
Através das escritas das professoras, pode-se inferir que as categorias de trabalho,
criança, família (pais) e vínculo estão muito presentes em seus discursos, e que aparecem
e reaparecem em perguntas diferentes, mas quase que com o mesmo sentido.

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O trabalho, por exemplo, tem sentido de Pedagógico. Algumas pedagogas relatam
que não conseguem aliar este Pedagógico ao ato de cuidar, e também o trabalho é a real
função destinada ao professor de Educação Infantil, sendo que os cuidados com a higiene
e outras atribuições que envolvem a criança em sua totalidade, são indispensáveis ao
exercício da docência na Educação Infantil.
Em relação à criança, pode-se realizar uma generalização, pois todas as pedagogas
relataram o quanto é gratificante trabalhar com crianças pequenas, pois elas são receptivas
a novas ideias, carinhosas, demonstrando empenho na realização das mais diferentes
tarefas a que são solicitadas. Esta categoria tem relação direta à categoria denominada por
“vínculo”, pois boa parte das pedagogas considera que os vínculos que se criam durante
o fazer pedagógico na Educação Infantil, auxiliam no andamento da turma, pois através
da conquista deste vínculo entre pedagoga e criança que a participação, a colaboração e a
expressão, ajudam na construção da autonomia em sala de aula.
Percebe-se, então, que as pedagogas compreendem o seu trabalho na escola de
Educação Infantil como indissociável ao momento de cuidar e educar crianças pequenas,
e é pertinente levar o conceito de trabalho pedagógico até mesmo numa troca de fraldas.
Estes conceitos e práticas, no entanto, não acabam denegrindo a sua visão de si mesmas
frente a sua autoestima profissional, pois compreendem que trabalhar na Educação
Infantil requer que as crianças sejam cuidadas de forma integral, ou seja, cognitivo, físico
e psicologicamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

| 1158
Nesse trabalho, portanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica para um maior
aprofundamento acerca dos assuntos apresentados ao longo do texto, ou seja: A
autoestima, os conceitos de diferentes autores e a relação que esta condição psicológica
tem na prática docente; Uma contextualização sobre a Educação Infantil, primeira etapa
da Educação Básica, seus desafios e a relação de educar e cuidar; Por fim, a análise de
dados que foram produzidos através de um questionário e, posteriormente, a análise de
categorias criadas a partir destes dados.
A escolha deste tema, ou seja, da autoestima de pedagogas no espaço escolar,
surgiu no decorrer do ano a partir de vivências em escolas de Educação Infantil. Pensar,

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portanto, nas pedagogas que trabalham como professoras e estão inseridas em escolas que
cuidam e educam crianças pequenas, foi um modo de desmistificar aquela velha visão de
“quanto menor é a criança que a professora tem em mãos, maior o seu desprestígio
social”.
Durante as análises dos dados, embasando-se em Bardin (2011), inúmeras
considerações importantes são dignas de serem discutidas.
Segundo as pedagogas entrevistadas, a prática de cuidar da higiene, da
alimentação e do sono dos seus alunos, não as faz sentir que tal prática desprestigia o seu
trabalho, no entanto, faltam algumas condições melhores para a realização de um trabalho
mais pedagógico e didático.
A relação entre cuidar e educar crianças pequenas, para os sujeitos da pesquisa,
faz parte do trabalho em Educação Infantil, portanto o pedagogo que está inserido nesta
etapa da Educação, deve primar por esta prática, que visa cuidar do educando como
indivíduo integral e que merece as melhores condições possíveis.
É pertinente ressaltar, também, que as pedagogas entendem que os vínculos que
criam com as crianças e ver o desenvolvimento delas no decorrer do ano, as deixa com a
autoestima elevada, pois os bebês estão abertos a inúmeras possibilidades e adoram
novidades, portanto, participam das atividades que são propostas. Todavia, segundo as
pedagogas, a escola precisa dar mais apoio e ideias que contemplem as práticas de educar
e cuidar como ações que integram a criança pequena à sociedade e a vida escolar.

REFERÊNCIAS
ÁVILA, Maria José Figueiredo. As professoras de Crianças Pequenininhas e o Cuidar e
Educar. Um estudo sobre as práticas educativas em um CEMEI de Campinas/SP. | 1159
Dissertação (Mestrado Educação) UNICAMP.2002.

BARDIN, L. Análise de conteúdo /Laurence Bardin; tradução Luís Antero Reto,


Augusto Pinheiro. – São Paulo: Edição 2011, Editora 70.
BRASIL, Ministério da Educação – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil, Resolução CNE/CEB 5/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de dezembro
de 2009, Seção 1, p.18.

________., Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394 de 20 de


dezembro de 1996, Brasília, 2005.

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COSTA, A. L. G. da. O pedagogo no espaço não- escolar: o caso da Companhia
Metropolitano do Distrito Federal. Universidade de Brasília – UnB, Brasília, 2013.

FERREIRA, L. S. Gestão do pedagógico: de qual pedagógico se fala?. Disponível em:


<http://www.curriculosemfronteiras.org/vol8iss2articles/ferreira.pdf>, 2008. Acesso em:
19/08/2012.

FREIRE, P. Professora sim, tia não – cartas a quem ousa ensinar. OLHO d’água, 1997.

KUHLMANN JR., Moysés. Infância e Educação Infantil uma abordagem histórica.


Editora Mediação, 4° Edição, Porto Alegre, 2007.

MENDES, A. R. Autoimagem, autoestima e autoconceito: contribuições pessoais e


profissionais na docência. IX ANPED SUL – Seminário de Pesquisa em Educação da
Região Sul. 2012.

MOSQUERA, J. J. M. et. Al. STOBÄUS, C. D. Psicologia do desporto. Porto Alegre:


Editora da Universidade, 1984.

NASCIMENTO, C. T. et. Al. BRANCHER V. R. A satisfação profissional, as relações


interpessoais e a autoestima do professor. Revista do Centro de Educação, edição 2007
– N° 29.

PINTO. M. A infância como construção social. In: PINTO. M SARMENTO, M. J. As


crianças – contextos e identidades. Braga: Centro de Estudos da Criança/ Universidade
do Minho – Portugal, 1997.

SALTINI, C. J. P. Afetividade & inteligência. Rio de Janeiro: DPA, 1997.

| 1160

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SABERES DOCENTES:
ALGUMAS REFLEXÕES
Jussania Basso Bordin-URI
jussaniab@gmail.com
Neusa Maria John Scheid-URI
Scheid.neusa@gmail.com
Arnaldo Nogaro-URI
narnaldo@uri.com.br

Resumo: O artigo em pauta buscou refletir acerca do tema formação de professores e os


saberes docentes, bem como a necessidade de construir uma prática docente reflexiva.
Metodologicamente desenvolveu-se através de pesquisa bibliográfica, à luz de
pensadores como Tardif, Gauthier, Nóvoa e Pimenta. Recorrente em seus estudos, os
“saberes docentes” representam o conjunto de conhecimentos que integram a prática
pedagógica dos professores. Conhecer os saberes docentes mobilizados no trabalho
possibilita aos professores refletirem criticamente sobre sua prática para buscarem o
enfrentamento dos desafios educacionais da contemporaneidade. Os saberes construídos
no percurso das trajetórias profissionais necessitam ser considerados nos processos de
formação de professores, visto que esta não se constrói por acúmulo de técnicas ou
teorias, mas pela possibilidade de refletir criticamente as práticas vivenciadas nos
diferentes espaços educativos para, então, reconstruí-las a partir de bases teóricas sólidas
que sustentem o trabalho pedagógico. Assim, refletir acerca da formação de professores
e os saberes docentes constitui importante ponto de partida para a proposição de ações
cujo foco investigativo seja a ação docente e o trabalho escolar, incitando os professores
a refletirem sobre sua própria prática e, a partir dessas reflexões, produzirem teorias que
os qualifiquem como autênticos pesquisadores e produtores de saber. | 1161

Palavras-chave: Formação de professores; saberes docentes; prática reflexiva.

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A POLÍTICA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES NO CONTEXTO DA REFORMA DO
ESTADO NOS ANOS DE 1990
Jorismary Lescano Severino (UFMS)
jorismary_lescano@hotmail.com

Margarita Victoria Rodríguez (UFMS)


poroyan@uol.com.br

Resumo: O artigo objetiva apresentar o marco regulatório da implementação dos planos


de cargos e carreiras e as políticas de formação continuada de professores no Brasil. Os
procedimentos metodológicos iniciaram com uma breve caracterização histórica do
período neoliberal mediante um estudo bibliográfico com a finalidade de compreender os
acontecimentos históricos e suas implicações para política educacional, o levantamento
das legislações que regulamentam a implantação dos Planos de Cargos e Remuneração
do Magistério Público e compreender as políticas de formação continuada de professores
no país. Observou-se que os planos de cargos e carreiras devem assegurar aos
profissionais de educação condições mínimas de trabalho, proporcionando-lhes garantias
adequadas de trabalho, bem como explicitam o direito à formação continuada dos
docentes que atuam na educação básica.

Palavras-chave: Estado; Plano de Carreira; Formação Continuada

INTRODUÇÃO
O artigo tem como objetivo apresentar o marco regulatório da implementação dos
planos de cargos e carreiras no Brasil e as políticas de formação continuada de professores
para tanto foi realizado uma descrição da organização do Estado Neoliberal nos anos de 1990
que definem dominantemente a primeira década do século XXI. Essa discussão é relevante
| 1162
na medida que acrescenta elementos para a análise teórica do objeto de estudo que analisa
a formação continuada dos professores como um mecanismo de valorização dos
trabalhadores da educação mediante a implantação e implementação dos Planos de
Cargos e Carreira dos profissionais de educação no país.
A compreensão dos acontecimentos históricos que ocasionaram mudanças na
organização do Estado e no modo de produção capitalista no Brasil são relevantes para
investigação do objeto pesquisado. O procedimento metodológico utilizado partiu de uma
revisão bibliográfica com o intuito de realizar uma caracterização histórica da década de
1990 período marcado pela ideologia neoliberal no Brasil e dos anos 2000 que segue com

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a mesma organização estrutural, mas com maior participação do Estado na elaboração e
implementação de políticas sociais, dado que na avaliação do Banco Mundial, após o
equilíbrio e saneamento da economia experimentado mediante as políticas de ajuste
fiscal, se fazia necessário investir em programas e planos com vistas a diminuir as
desigualdades sociais.
Primeiramente, apresentaremos um levantamento histórico dos principais
acontecimentos para a organização do Estado no âmbito internacional, bem como, suas
implicações para o Brasil. Posteriormente, faremos o levantamento das legislações que
regulamentam o trabalho dos profissionais de educação e instituem a obrigatoriedade de
um plano de cargos e carreira para os professores.
Desta forma, o artigo integra a pesquisa de mestrado, vinculada a Linha de
Pesquisa “Estado e Políticas Públicas de Educação” do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, constituído e cadastrado no
diretório do CNPq como também ao projeto de pesquisa “Remuneração de Professores
de Escolas Públicas da Educação Básica no contexto do FUNDEB e PSPN”, coordenado
pela professora doutora Maria Dilnéia Espíndola Fernandes.
As políticas educacionais dos anos recentes têm destacado a valorização do
magistério como condição para a qualidade da educação. Embora esteja estabelecida na
Constituição Federal de 1988, no Art. 208, Inciso V, como um dos princípios
educacionais, a instituição de planos de carreira, ocorre somente a partir dos anos 1990
há alterações na legislação para impor dispositivos para sua efetivação. Para tal, os itens
a seguir tratarão dos condicionantes históricos e legais que estabelecem as políticas
educacionais para a formação continuada de professores.
| 1163

ASPECTOS HISTÓRICOS DO ESTADO NEOLIBERAL NO BRASIL


No século XX, a partir da década de 1970, o regime de acumulação de capital
introduziu um novo padrão tecnológico de produção e organização de trabalho que
provocou “mudanças substanciais que resultaram no aumento da pobreza, do desemprego
e do subemprego e na precarização do trabalho” (MOTTA, 2008, p. 01)
Os países industrializados adentraram a uma crise que se prolongou pela década
de 1980, atingindo a economia internacional com desequilíbrios macroeconômicos,
financeiros e de produtividade. As manifestações dessa crise global foram a crise

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financeira do comércio internacional e a inflação crônica em decorrência do baixo
crescimento econômico.
Dessa forma, os impactos e consequências da crise se diferenciaram entre os
países capitalistas em decorrência dos seus desenvolvimentos históricos, da sua economia
e algumas particularidades, que determinam respostas sociais e políticas específicas
(SOARES, 2002). Desencadeando mudanças, como por exemplo, na educação com novos
debates e modelos de organização do ensino.
Assim, a crise global produziu transformações estruturais que não são apenas de
natureza econômica como afirma Soares (2002) que dão lugar a um novo modelo
denominado de neoliberalismo243 que redefine as políticas sociais no campo político-
institucional e das relações sociais.
Trata-se de uma crise global de um modelo social de acumulação, cujas
tentativas de resolução têm produzido transformações estruturais que
dão lugar a um modelo diferente – denominado de neoliberal – que
inclui (por definição) a informalidade no trabalho, o desemprego, o
subemprego, a desproteção trabalhista e, consequentemente, uma
“nova” pobreza (SOARES, 2002, p. 12).

Na década de 1970, as políticas neoliberais, introduzidas pelo governo de


Margareth Thatcher, no Reino Unido, foram disseminadas, internacionalmente, por
órgãos multilaterais, como Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a
Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida na cidade de Jomtien, Tailândia,
em 1990, foi um dos principais eventos onde se discutiram e indicaram recomendações
para adequar os sistemas de ensino às novas exigências na nova fase do capitalismo
financeiro.
| 1164
Nesse contexto, se adotaram diversas ações entre as que se destacam: elevação da
taxa de juros, ajuste fiscal, terceirização da produção e dos serviços públicos, altos níveis
de desemprego, diminuição da liberdade dos sindicatos dos trabalhadores, criação de
programas de privatização afetando diretamente o setor público, reduzindo os gastos com
políticas sociais, ou seja, diminuindo os recursos para a educação.

243
O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da
América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente
contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da
Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. (ANDERSON, 1995, p. 9)

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Verifica-se uma acentuada tendência de diminuição dos gastos públicos, na
América Latina interferindo diretamente na educação, como destaca os dados do Banco
Mundial entre o início da década de 1970 e final da década de 1980.
Pode-se exemplificar, mostrando que os gastos governamentais
com educação diminuíram na Argentina de quase 20% do PIB a
menos de 7%; no Brasil, de mais de 8% a menos de 5%; na Costa
Rica, de 28% a 16%. (VILAS,1991, p. 110)

Especificamente, no sistema educacional ocorreu a precarização do trabalho


docente com alterações na legislação que interferiram diretamente no plano de carreira
que regulamenta o trabalho do professor: jornada de trabalho, formação continuada,
progressão na carreira e salário.
Na década de 1990, as políticas neoliberais interferem ideologicamente no
direcionamento da política econômica latino-americana. No Brasil, em 1995 iniciou a
reforma do aparelho de Estado promovida por Bresser Pereira então titular do Ministério
da Administração e da Reforma do Estado (MARE), durante o governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso (FHC).
O governo instituiu o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE),
essa política de gestão ganhou dimensão nacional (OLIVEIRA, 2003). O plano introduziu
a gestão gerencial nas instituições de ensino e consequentemente interferiu no trabalho
dos professores desencadeando perdas de garantias trabalhistas.
Adotadas pelo Brasil, essas concepções neoliberais, impuseram à educação uma
lógica de desvalorização dos trabalhadores na qual os investimentos foram reduzidos, o
que produziu a diminuição consequentemente do salário dos profissionais de educação e
precarização das condições de trabalho, contraditoriamente ao discurso de qualificação. | 1165

(FREITAS, 2002)
Posteriormente, a vigência do sistema capitalista pós-década de 1990 no início
do século XXI, segundo Frigotto (2011) ocorre um movimento de mudança na conjuntura
brasileira e especificamente no campo educacional, mas não há mudança no tecido
estrutural que rompa com o modo de produção
Desta forma, surgiram novas normas para regulamentar os sistemas de ensino no
país. A lei que instituiu o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF)
mediante a Lei Nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que entre outras disposições destaca

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a criação do Plano de Carreira do Magistério como uma exigência do Ministério da
Educação (MEC), prevista no Art. 9º que instituiu a criação e aprovação de um plano de
carreira que regulamente o trabalho dos profissionais de educação, que deveria ser
implantado depois de 1° de janeiro de 1998.
A alteração da legislação do FUNDEF intensificou o processo de
municipalização da educação no Brasil. As responsabilidades de organizar e manter as
instituições de ensino foram delegadas aos Estados e Municípios, mas a União manteve
o comando das políticas de financiamento.
Em 2007, a lei que normatiza o fundo recebe uma nova denominação pela Lei
Nº 11.494, de 20 de junho de 2007 que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB) que continua afirmando no Art. 40 que os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios devem implantar Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais da
Educação Básica.
Assim, Estados e Municípios assumiram a responsabilidade de implementar em
seus sistemas de ensino um Plano de Cargos e Carreiras que regulamente a atividade dos
profissionais de educação. A seguir, apresenta-se as legislações que regulamentam a
instituição de planos de carreiras nas redes de ensino.

MARCO REGULATÓRIO: PLANOS DE CARGOS E CARREIRAS DOS


PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO
A instituição de planos de carreiras para os profissionais de educação aparece
nas legislações que regulamentam a educação no país com o intuito de garantir a
| 1166
valorização dos trabalhadores em educação. A Constituição Federal de 1988, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) aprovada pela Lei nº 9.394/96 de 20
de dezembro de 1996, FUNDEF/1996, FUNDEB/2007 e a lei que regulamenta o Piso
Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação
Básica (PSPN) instituído pela Lei 11.738, de 16 de julho de 2008.
A Constituição Federal de 1988 no artigo 60 define diretrizes a serem seguidas
pelos sistemas de ensino, com o objetivo de valorizar dos profissionais da educação:
dispor de boas condições de trabalho e de planos de carreira e remuneração, que

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contemplem, piso salarial profissional e a disponibilização de meios para sua constante
formação, capacitação e aperfeiçoamento (BRASIL, 1988).
No artigo 206, inciso V, apresenta um novo marco de luta pela valorização do
magistério e enfatiza a necessidade de implantação de Planos de Cargos e Carreiras aos
profissionais docentes das escolas públicas brasileiras. Esse marco jurídico acarretou
desdobramentos em legislações nacionais, estaduais e municipais, que possibilitam
compreender o processo de materialização dos direitos dos profissionais de educação nos
diferentes municípios e estados do Brasil (BRASIL, 1988).
A Constituição alterada pela Emenda Constitucional nº 53 de 2006, descreve no
inciso V que a valorização dos profissionais de educação escolar deverá ser garantida por
meio da legislação, como o ingresso dos docentes nas redes públicas de ensino,
exclusivamente por concurso público de provas e títulos. Destaca a obrigatoriedade de
instituição de Planos de Cargos e Carreiras para a efetivação desses direitos para os
profissionais de educação no Brasil.
A referida emenda também acrescenta à Constituição Federal de 1988, a
importância da fixação de um prazo para elaboração ou adequação dos planos de carreira
para os profissionais de educação básica em âmbito municipal, estadual e federal.
A LDBEN pelo artigo 67 institui que os sistemas de ensino mediante os termos
dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público deverão garantir a valorização
dos profissionais da educação. Também, assinala que os planos de carreira devem
assegurar formação continuada para os profissionais de educação, inclusive com
licenciamento remunerado para esse fim, e progressão funcional baseada na titulação e
na avaliação do desempenho. (BRASIL, 1998)
| 1167
As legislações que regulamentam o financiamento da educação básica o
FUNDEF/1996 entre outras disposições destaca a criação do Plano de Carreira do
Magistério como uma exigência do Ministério da Educação (MEC), prevista no artigo 9º
que instituiu a elaboração e aprovação de um plano de carreira que regulamente o trabalho
dos profissionais de educação, a ser implantado depois de 1° de Janeiro de 1998.
Na Resolução nº 03/1997 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação - CEB/CNE, publicada no Diário Oficial da União em 13 de outubro de 1997
são considerados profissionais do magistério aqueles que “exercem atividades de
docência e os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades, incluídas as de

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direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação
educacional”.
Além destes, a Lei nº 9.394/1996 refere-se a trabalhadores da educação,
profissionais que exercem atividades de natureza técnica administrativa e de apoio, nas
escolas ou nos órgãos da educação.
Assim, Fernandes e Oliveira (2011) esclarecem que os recursos do FUNDEF
foram distribuídos automaticamente para contas únicas e específicas dos governos
estaduais, do Distrito Federal e dos municípios, ou seja, para cada unidade federada, entre
o governo estadual e os governos municipais, com base no número de alunos matriculados
nas respectivas redes, no ensino fundamental, conforme os dados do censo escolar
registrados no ano anterior.
A instituição do FUNDEB/2007 – substitui o FUNDEF/1996 – continua
afirmando no artigo 40 que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão
implantar planos de carreira e remuneração dos profissionais da educação básica com o
objetivo de assegurar a remuneração condigna dos profissionais na educação básica da
rede pública e a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem.
A formação continuada dos docentes é descrita como condição de melhoria da
qualidade do ensino pela lei que instituiu o FUNDEB/2007. Assim, os Planos de Carreira
deverão contemplar capacitação profissional com vistas a avançar na qualidade da
educação pública (BRASIL, 2007).
O FUNDEB manteve os recursos destinados ao aperfeiçoamento e capacitação
profissional dos docentes em serviço. Segundo Gatti (2008, p. 64) o fundo ofereceu, “pela
primeira vez na história educacional do país, respaldo legal para o financiamento
| 1168
sistemático de cursos de formação de professores em serviço” não titulados que exerçam
funções nas redes públicas.
Após um longo debate, e muitos anos de lutas dos trabalhadores da educação,
foi aprovada a lei que regulamenta o piso salarial dos professores PSPN/2008. A mesma,
também afirma a necessidade da implantação de planos de carreiras nas redes municipais
e estaduais de ensino, tendo em vista o cumprimento do piso salarial profissional nacional
para os profissionais do magistério público da educação básica.
O Parecer CNE/CEB nº 9/2009, que estabelece as Diretrizes para os Planos de
Carreira e Remuneração para o Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos

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Municípios, enfatiza que a valorização profissional se dá na articulação de três elementos
constitutivos: carreira, jornada e piso.
Desta forma, constata-se nas legislações que regulamentam a organização do
ensino a obrigatoriedade para a instituição de planos de cargos e carreiras como um
instrumento que garante a valorização dos profissionais de educação. A seguir uma breve
análise histórica sobre a política educacional de capacitação em serviço estabelecida nas
legislações educacionais e nos planos de carreiras.

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


As políticas de formação continuada foram desenvolvidas nas últimas décadas
suscitando desdobramentos de natureza política, econômica e social, discutidos por
pesquisadores da educação com o intuito de compreender a imposição de tendências e
orientações nas políticas educacionais, que influem nas formas de pensar da sociedade e
na atuação política mais ampla.
No período final a década de 1970, a formação de professores era tratada como
uma questão de formação de recursos humanos para a educação dentro da ótica tecnicista
que imperava no pensamento oficial, concepções que iriam se romper na década de 1980.
(FREITAS, 2002)
No início da década de 1980, o movimento de luta dos trabalhadores em educação
e no quadro geral de democratização da sociedade trouxeram relevantes contribuições
para educação. Nesse período, segundo Freitas (2002) em consequência dos movimentos
de luta dos trabalhadores surgiram no âmbito da formação do educador instituições
nacionais que articulam as lutas dos trabalhadores. A autora ainda argumenta que:
Os princípios gerais do movimento manifestavam, em sua construção, a | 1169
compreensão dos educadores sobre a necessidade de vincular a concepção da
forma de organização da escola à formação do educador, vinculando-a, por
sua vez, às grandes questões sociais e ao movimento dos trabalhadores pela
construção de uma nova sociedade, justa, democrática e igualitária. Entendia-
se – e entende-se – a luta pela formação do educador, portanto, inserida na
crise educacional brasileira, parte de uma problemática mais ampla, expressão
das condições econômicas, políticas e sociais de uma sociedade marcada pelas
relações capitalistas de produção e, portanto, profundamente desigual,
excludente e injusta, que coloca a maioria da população em uma situação de
desemprego, exploração e miséria. (FREITAS, 2002, p. 139)

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Durante esse período surgiram entidades e/ou associações educacionais
organizadas pela sociedade civil para representar os profissionais de educação no Brasil
a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) (1948), a Associação
Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED) (1976), o Centro de Estudos
Educação e Sociedade (CEDES) (1979), a Associação Nacional dos Docentes do Ensino
Superior (ANDES) (1981) e a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da
Educação (ANFOPE) (1990) esta que têm papel fundamental no redirecionamento das
discussões travadas no âmbito oficial sobre formação de professores.
No decorrer dos anos de 1980, a formação dos professores foi um dos temas
discutidos a partir da reabertura democrática no Brasil, seguindo as tendências
internacionais. Durante a década de 1990, surgiram várias ações governamentais,
regulatórias, legislativas, direcionadas a formação dos professores. Segundo Moon (2008,
p. 802), “[...] a impressão geral é de que mais atenção política foi dada à educação dos
professores na década de 1990 do que nas centenas de anos de história que a precederam,
e que a maior parte dessas ações enfocou a qualidade”.
Em decorrência da preocupação com a formação desses profissionais e a
qualidade do ensino, no final do século XX, houve uma preocupação em criar estruturas
institucionais que pudessem fornecer o grande número de professores exigido pela
obrigatoriedade do ensino nas escolas primárias e secundárias (SCAFF, 2011). Nesse
contexto, Scaff (2011) argumenta baseada em Lewin (2002) que as políticas para a
formação dos professores são fragmentadas, incompletas e, via de regra, simplesmente
subdesenvolvidas.
Nesse período, aumentaram-se as expectativas a respeito do que os professores
| 1170
deveriam saber e ser capazes de fazer no momento de sua qualificação. Em muitos países,
um dos maiores desafios a ser enfrentado pela educação dos professores é fornecer uma
base política estável para o desenvolvimento da carreira docente (SCAFF, 2011).
No Brasil, a partir da década de 1990, a formação dos professores recebe uma
relevância estratégica para a efetivação das reformas educativas que culminaram na
homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica em Nível Superior, por meio da Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de
fevereiro de 2002. (SCAFF, 2011)

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Ainda, os anos 1990, apresentou uma centralidade no conteúdo da escola, ou seja,
nas habilidades e competências. Desta forma, foram abandonadas a “categoria trabalho
pelas categorias da prática, prática reflexiva, nos estudos teóricos de análise do processo
de trabalho, naquele momento histórico da abertura política e da democratização da
escola” (FREITAS, 2002, p. 141) retomando a construção de professores sujeitos de suas
práticas e desconstruindo a construção de professores sujeitos históricos. Freitas (2002,
p. 142) afirma que
a ênfase no caráter da escola como instituição quase que exclusivamente
voltada para a socialização dos conhecimentos históricos e socialmente
construídos terminou por centrar a ação educativa na figura do professor e da
sala de aula, na presente forma histórica que ela tem, tornando-se alvo fácil
das políticas neoliberais baseadas na qualidade (da instrução, do conteúdo),
em detrimento da formação humana multilateral.

As instituições educativas focadas na qualidade do ensino e dos conteúdos


facilitaram a introdução das políticas neoliberais evidenciam aos resultados e abandonam
a formação humana dos profissionais da educação. Assim, a formação continuada de
professores era defendida pelos trabalhadores da educação como uma obrigação do
Estado, que deveria promover cursos de formação continuada para os profissionais da
educação.
No final da década de 1990, foram concebidos vários programas de formação de
professores em diversas regiões do país, como no centro-oeste o Programa de Capacitação
de Professores – Procap, realizado em Minas Gerais e o Programa de Formação de
Professores em Exercício (Proformação), desenvolvido pelo MEC para formar os
professores leigos das região; no sudeste o Programa de Educação Continuada – PEC,
| 1171
oferecido inicialmente pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e,
posteriormente, oferecido às redes municipais paulistas (PEC-Municípios) e no Norte e
Nordeste; o Projeto Veredas, resultante da parceria entre o governo de Minas Gerais e
instituições de ensino superior (GATTI, 2008).
Nos primeiros anos do século XXI, as percepções neoliberais se perpetuam
ampliando a dualidade estrutural educacional entre o setor público e privado, adentrando
as instituições públicas com maior intensidade mediante a privatização dos serviços como
a execução de programas de formação de professores. Segundo Frigotto (2002, p. 243)

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Em relação às políticas educacionais da presente década, uma
análise antinômica que trabalhasse com base na continuidade ou
descontinuidade não seria capaz de captar as diferenças de
contexto e o alcance delas em relação ao passado, especialmente
em relação à década de 1990.

As políticas educacionais de formação continuada de professores direcionadas a


educação básica à pós-graduação resulta das práticas e concepções educacionais
mercantis da década de 1990 seja para controlar o conteúdo do conhecimento, seja nos
métodos de sua produção ou na socialização, autonomia e organização dos docentes.
(FRIGOTTO, 2011)
No ano de 2002, assume a presidência da república Luiz Inácio Lula da Silva,
popularmente chamado de Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), sofreu múltiplas
determinações dando continuidade às políticas neoliberais, retomando ao mesmo tempo
a programa da social-democracia renovada ou da chamada terceira via, enfatizando a
parceria entre a sociedade civil e o estado, principalmente no campo social. (NEVES,
2010)
Durante a gestão do presidente Lula o governo federal por meio do Ministério da
Educação (MEC) institui programas de formação continuada para docentes dos diferentes
níveis da educação como infantil, fundamental e médio. instituiu o Plano Nacional de
Formação de Professores com o intuito de reformular as políticas de formação de
professores inicial e continuada para superar as políticas fragmentadas de formação de
docentes dos anos de 1990 (RODRÍGUEZ; BRITO, 2013).
Nesse contexto, o MEC desenvolveu alguns programas de formação continuada
de professores presentes nos anos 2000 como Proinfo Integrado (1997), e-Proinfo (1997), | 1172
Pró-letramento, Gestar II, Rede Nacional de Formação Continuada de Professores (2004),
ProInfantil (2005), Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica –
PARFOR (2009) e o Formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(2012), alguns foram criados na década de 1990 e continuaram nos anos 2000.244
Porém, com a implementação das políticas neoliberais na educação, as instituições
privadas assumiram de forma maciça a execução dos cursos de formação no lugar da

244
Os programas de formação continuada estão descritos na página da internet do MEC.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/formacao Acesso em: 30 jan 2016

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secretaria de educação, isto é, do setor público. Segundo Freitas (2007) a formação do
grandioso número de professores em serviço começa a ser visado como um lucrativo
negócio para o setor privado e não como uma política pública educacional de
responsabilidade do Estado e dos poderes públicos, ou seja, das secretarias de educação.
A formação para o aprimoramento do trabalho docente, recebe interferência da
ideologia neoliberal que responsabiliza o indivíduo pela sua qualificação profissional e
os setores privados pela execução dos cursos de formação continuada nas instituições
públicas de ensino. (FREITAS, 1999)
A formação continuada deve estar articulada com a materialização de uma política
global para o profissional da educação, a formação inicial do professor e as condições de
trabalho, carreira e salário, fatores que ofereçam condições e estímulos para que o
profissional continue estudando (FREITAS, 2007). Assim, os cursos de formação devem
dar continuidade a formação inicial do professor
proporcionando novas reflexões sobre a ação profissional e novos
meios para desenvolver e aprimorar o trabalho pedagógico; um
processo de construção permanente do conhecimento e
desenvolvimento profissional, a partir da formação inicial e vista como
uma proposta mais ampla, de hominização, na qual o homem integral,
unilateral, produzindo-se a si mesmo, também se produz em interação
com o coletivo. (ANFOPE, 1998 apud FREITAS, 2002, p.149).

A formação continuada dos profissionais de educação no período de


desenvolvimento e implantação das políticas neoliberais na educação com o objetivo de
melhorar a qualidade da educação no país, assumiu uma importância estratégica pelos
diferentes setores governamentais e empresariais, pois encontraram condições de
aprimorar o processo de acumulação de riquezas e crescimento do capitalismo | 1173

(FREITAS, 2002).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A instituição do princípio da valorização do magistério a partir de 1988 vai além da
discussão salarial, ela a transcende e se inter-relaciona ao atendimento de vários outros
fatores dinâmicos e complexos, nos quais se sustentam as deliberações da sociedade do
capital.

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E o movimento sindical docente deve ter por objetivo defender esse princípio e
compreender sua importância no movimento pela garantia de direitos trabalhistas,
melhores condições de trabalho e salários, contrapondo-se ao processo de desvalorização
profissional fortemente adotado pelos governos em função da política liberal adotada
marcadamente nos anos 1990.
Essas garantias têm por vistas assegurar a esses profissionais condições mínimas de
trabalho, proporcionando-lhes Estatutos e/ou Plano de Cargos e Carreiras com
atendimento do Piso Salarial Profissional; ingresso exclusivamente por concurso público
de provas e títulos; formação continuada e licenças para esse fim; progressão funcional
por titulação ou habilitação; avaliação de desempenho; período de estudos, planejamento
e avaliação inclusos na carga horária de trabalho e condições adequadas de trabalho.
Nessa direção, evidencia-se que o Governo Central, por meio da implantação de
políticas públicas educacionais, cumpre função decisiva, pois induz os Estados e
Municípios a concretizarem as políticas educacionais nas esferas locais a partir de suas
deliberações jurídicas. Um exemplo desse movimento se deu a partir de 1990 no Brasil,
por meio da política de descentralização dos processos administrativos que acabou por
municipalizar a educação nos Estados.
Os sindicatos e movimentos sociais, em geral, têm papel fundamental nesse processo
de desalienação dos trabalhadores. Ainda que sejam também constantemente
bombardeados pelas condições materiais de existência que, inúmeras vezes, dificultam o
trabalho de resistência e de luta. Entretanto, essas instituições existem enquanto
mecanismos de pressão e travam embates ideológicos contra a classe dominante.
A Constituição Federal de 1988, a LDBEN de 1996, o Plano Nacional de Educação
| 1174
de 2001 (PNE), assim como as proposições locais em torno dos Planos de Cargos e
Carreiras docentes são resultantes das lutas partidárias e ideológicas que ora avançam em
relação a conquista de garantias jurídicas aos trabalhadores, ora recuam e favorecem
aqueles que exploram a força do trabalho.

REFERÊNCIAS
ANDERSON, Perry. “Balanço do neoliberalismo”. In: SADER, E. & GENTILI, P.
(Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1995.

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deputados, coordenação de publicação, 2001.
______. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP nº 1.
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília: 18 de
fevereiro de 2002.
______. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
______. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
Brasília, 2007.
______. Lei 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do
caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso
salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Brasília,
2008.
______. Resolução CNE/CP nº 2. Dispõe sobre os programas especiais de formação
pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo do ensino fundamental, do ensino
médio e da educação profissional em nível médio. Brasília: 26 de junho de 1997.
FERNANDES, Maria Dilnéia; OLIVEIRA, Regina Tereza. O Fundef no Estado de Mato
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FREITAS, Helena Costa Lopes de. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate
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20 set 2015.
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FRIGOTTO, Gaudêncio. Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na
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| 1176

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INFRAESTRURA PARA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E AS
POSSIBILIDADES DA PRÁXIS PEDAGÓGICA COM O
CONTEÚDO JOGO245
Caroline Foggiato Ferreira (UFSM)
cfoggiato@gmail.com
Andressa Aita Ivo (UFSM)
dessaaita@gmail.com
Bhianca Conterato Patias (UFSM)
bhiancacz@yahoo.com.br

Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo analisar as possibilidades de práxis pedagógica
com o conteúdo jogo a partir da infraestrutura disponível para Educação Física Escolar.
Para tal realizou-se observação dos espaços e materiais didáticos de quatro escolas, sendo
duas públicas e duas privadas de Santa Maria- RS, bem como entrevista semi-estruturada
com os docentes do componente curricular Educação Física que atuam no Ensino Médio
dessas instituições e os gestores das mesmas. Tornou-se evidente que a infraestrutura
disponível para as aulas de Educação Física denota uma concepção esportivista, que
contribui para submissão da práxis pedagógica com jogo à prática esportiva, bem como à
negação das especificidades desse conteúdo, principalmente no Ensino Médio e Anos
Finais do Ensino Fundamental.
Palavras-chave: Infraestrutura; Práxis Pedagógica; Jogo;

INTRODUÇÃO

As instituições escolares surgiram da necessidade do homem em sistematizar a


ação de educar, a fim de que os conhecimentos já produzidos fossem apreendidos pelos
demais. A partir disso, a escola foi se forjando como uma das principais instituições
sociais do processo histórico da humanidade sendo influenciada, conforme adverte
Saviani (1984, p.93) por determinantes sociais que subordinam “a educação à prática | 1177
política”, principalmente no que diz respeito às condições objetivas, tais como:
prioridades orçamentárias, que refletem na constituição, consolidação e expansão da
infraestrutura dos serviços educacionais.
Atualmente a sociedade está estruturada sobre a égide do sistema capitalista
neoliberal instaurada pelo poder privado, onde o lucro e o capital são o principal ideal, e
são alcançados através da exploração da força de trabalho das classes mais baixas, que

245
Projeto financiado pelo Programa de Licenciatura da Universidade Federal de Santa Maria
(PROLICEN/UFSM) sob orientação da Profª Drª Elizara Carolina Marin.

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por sua vez fica relegada a políticas e serviços públicos cada vez mais precários. Neste
sentido, a educação e as escolas são influenciadas a medida que sofrem com a
precarização de suas instalações devido ao corte de verbas pelo setores governamentais,
a desvalorização do trabalho pedagógico e a submissão a políticas públicas que impõem
a reverbalização dos fundamento do sistema econômico vigente, e acabam servindo como
reprodução das desigualdades sociais.
Bem como os demais componentes curriculares, a Educação Física tem sido
utilizada como um meio para difusão de projeto políticos e sociais que em supremacia
não denotam um caráter democrático político, social e econômico (Castellani Filho, 2013,
p.9). Desta forma, a infraestrutura disponível para a sua abordagem pedagógica reflete a
hegemonia de determinados conteúdos, além de sofrer com a precarização no que diz
respeito à manutenção dos espaços e a diversidade de materiais. Entretanto para que o
acesso a este conhecimento seja democratizado demanda tanto atenção aos processos
pedagógicos quanto às condições de infraestrutura da escola. Como esclarece Souza Lima
(1998, p.31), a
“escola não é estacionamento de crianças. O espaço físico é material
riquíssimo e está sendo totalmente desprezado. Nos projetos de
construções escolares não há lugar para bibliotecas, laboratórios e
quadras de esportes, o que limita as possibilidades de aprendizado”.

Lançamos mão de Soares, et al. (1992), por compreender a Educação Física como
o componente curricular com o dever de socializar o conhecimento histórico produzido
na dimensão do movimento humano, que supera os reducionismos até então difundidos
uma vez que, considera o Homem um ser portador de uma cultura corporal. Tal dimensão
cultural é tomada como uma área de conhecimento que tematiza o movimento humano | 1178
como forma de expressão através de práticas corporais como o jogo, o esporte, a dança,
a ginástica e a capoeira.
Assim a Educação Física Escolar (EFE) por tratar da cultura corporal socialmente
produzida, diferencia-se, em grande medida, dos demais componentes curriculares, em
função de que a apropriação do seu conhecimento, esclarecem Soares et al. (1992, p. 64),
“supõe a adequação de instrumentos teóricos e práticos (...)". Ou seja, supõe também
experimentação, movimentação, interação com o outro, com o espaço e com materiais
específicos e diversos.

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O jogo enquanto uma produção cultural humana e anterior a própria cultura, é
caracterizado por Huizinga (2008, p.16) como“uma atividade desligada de todo e
qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro
de limites espaciais e temporais próprios, segundo certa ordem e certas regras.” A partir
disso ele agrega a capacidade praticam, e nesse sentido caracteriza-se como um conteúdo
pertinente a realidade das escolas e da Educação Física.
A proposta crítico-superadora da EF apresentada por Soares, et al (2012, p.65),
defende o jogo como um dos conhecimento da Educação Física e o considera como “uma
invenção do homem, um ato em que sua intencionalidade e curiosidade resultam num
processo criativo para modificar, imaginariamente, a realidade e o presente”. Através da
liberdade experimentada por meio do jogo os alunos conscientizam-se de suas escolhas e
decisões, pois conforme aponta Elkonin (2013, p.19) “o jogo é uma atividade em que se
reconstroem, sem fins utilitários diretos, as relações sociais”. Todavia dada a hegemonia
de alguns conteúdos na EFE, este conteúdo tanto é desconsiderado quanto sofre com a
falta de infraestrutura.
Nesse sentido, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar as possibilidades de
práxis pedagógicas com o conteúdo jogo na EFE a partir da infraestrutura. E como
objetivos específicos analisar a relação entre infraestrutura e gestão escolar; identificar a
infraestrutura e os materiais didáticos disponíveis para a Educação Física de Escolas da
Rede Pública Estadual e Privada de Ensino; analisar os elementos que são levados em
consideração na escolha dos materiais didáticos para a EF.

METODOLOGIA
| 1179
A presente pesquisa designou-se sob as características da abordagem qualitativa,
na qual fizemos uso do trabalho de campo que, segundo Mynaio (2007, p.61) “permite a
aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual formulou uma pergunta”. A
observação dos espaços e recursos materiais apresentou-se como um procedimento
metodológico pertinente que permitirá compreender o cenário da infraestrutura da Escola
para a Educação Física.
O contexto de investigação se deu em quatro escolas, sendo duas delas Privadas e
as outras duas Estaduais, na cidade de Santa Maria – RS. Todas as instituições atendiam

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os níveis Fundamental e Médio da Educação Básica. Tais critérios se deram em virtude
de limitar o estudo a duas realidades contrastantes, e que pudessem dispor de um maior
número de materiais pedagógicos para Educação Física.
Nesse sentido, o diário de campo, que conforme Mynaio (2007) nada mais é que
um caderno ou arquivo eletrônico onde são anotados os dados encontra-se como outro
recurso crucial. Na construção deste recurso a fim de manter em sigilo as instituições as
escolas foram identificadas como, Escola Laranja, Escola Branca, Escola Azul e Escola
Verde, sendo as duas primeiras públicas e as últimas privadas.
Também realizamos entrevista semi-estruturada, que consiste, conforme Mynaio
(2007, p.64), em “perguntas fechadas e aberta, em que o entrevistado tenha a
possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação
formulada”, com os envolvidos no processo educativo – em especial diretores/vice-
diretores e professores atuantes Ensino Médio das escolas. Para posterior análise dos
dados, as entrevistas foram gravadas com o consentimento dos participantes de que seus
nomes seriam trocados por nomes fictícios.
O contato inicial foi realizado com os diretores e vice-diretores das instituições
através de visitas às escolas a fim de apresentar os objetivos da pesquisa e esclarecer que
todas as escolas e os nomes dos pesquisados seriam mantidos em sigilo conforme o
consentimento dos participantes através de um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
Para tratamento dos dados utilizamos análise de conteúdo, sob os pressupostos de
Franco (2005), que assinala como ponto de partida para esse procedimento a mensagem
em variados âmbitos (oral, escrita, gestual, silenciosa, figurativa, documental ou
| 1180
diretamente provocada), levando em consideração significados e sentidos emitidos a
partir do contexto no qual o emissor se insere.

INFRAESTRUTURA ESCOLAR PARA EDUCAÇÃO FÍSICA: RECURSOS


FINANCEIROS E GESTÃO ESCOLAR
Segundo Castellani Filho (2013) as primeiras inserções pedagógicas da Educação
Física Brasileira se deram através das instituições médicas e militares por conta disso, as
aulas eram destinadas à promoção da saúde através do ensino da ginástica e de exercícios
físicos sistematizados em forma de treinamento. Assim a infraestrutura (espaço e

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materiais) relegada à Educação Física não recebia tanta atenção nos projetos
arquitetônicos das escolas, ficando restritos a pátios ou galpões, como aponta Damazio e
Silva (2008).
Atualmente a preocupação com a consolidação de conhecimentos específicos da
cultura corporal pela Educação Física resulta na necessidade de oferta de espaços e
materiais, neste sentido, diversas pesquisas (DAYRELL (1996); GASPARI et. al. (2006);
OLIVEIRA e MOLINA (2008) SEBASTIÃO e FREIRE (2009); BARTHOLO, SOARES
e SALGADO (2011); OLIVEIRA (2011) chamam atenção para essa especificidade.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) (BRASIL,
1996) estabelece que a aquisição, construção e conservação das instalações e
equipamentos direcionados ao ensino devem ser consideradas despesas direcionadas a
manutenção e ao desenvolvimento da educação pelos governos. A LDB também
caracteriza a Educação Física como um componente curricular obrigatório à proposta
pedagógica, portanto deve estar previsto no orçamento da escola os investimentos em
infraestrutura e aquisição de material didático pedagógico.
De acordo com os dados do Censo Escolar 2014, divulgados pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), das 29.635
escolas pública e privadas com Ensino Médio Regular no Brasil cerca de 74% são
contempladas com quadra de esportes (BRASIL, 2014). Das quatro escolas investigadas,
apenas a Escola Laranja não conta com ginásio poliesportivo, devido a entraves
burocráticos.246 A Escola Laranja possui uma quadra poliesportiva sem cobertura, uma
sala de dança e um saguão coberto. Para as aulas de Educação Física o professor também
utiliza a praça em frente à Escola e o ginásio do bairro247. Já a Escola Branca, conta com
| 1181
um ginásio poliesportivo, uma quadra de basquete sem cobertura e um campo de futebol.
As escolas investigadas possuem sala específica para guardar os materiais didáticos.
O principal recurso recebido pelas escolas Laranja e Branca é proveniente do
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), os demais recursos estão relacionados a

246
A verba para a construção do ginásio já foi aprovada, todavia a Secretaria Estadual de Educação precisa
encaminhar a documentação necessária para o Ministério da Educação, para liberação da verba.
247
Como a Escola não possui ginásio, o Diretor da Escola aluga um ginásio próximo a Escola para as aulas
de Educação Física, e o valor é dividido entre os alunos. Somente participam dessas aulas aqueles que
têm condições de pagar o valor estabelecido, os demais participam das aulas de Educação Física
realizadas no espaço disponível na escola. Cabe ressaltar que a Educação Física é organizada no
formato de clubes esportivos, e os alunos optam pelo clube e pelo local das aulas (ginásio ou na escola).

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diversos Programas coordenados pelo Governo Federal. Nas escolas investigadas, no
âmbito da Educação Física, identificamos os seguintes Programas: Mais Educação, o
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID) e o Programa Atleta na
Escola que auxiliam no financiamento para aquisição de materiais didáticos e melhorias
dos espaços.
O PDDE configura-se como uma assistência financeira às escolas da rede pública
de educação básica e às entidades privada de educação especial que são mantidas por
instituições sem fins lucrativos. Estes repasses tem o intuito de promover a qualificação
da infraestrutura física e pedagógica, reforçar a autogestão escolar financeira,
administrativa e didaticamente, e assim melhorar os índices da educação básica. Os
repasses do PDDE acontecem de acordo com o número de alunos das instituições, e com
o censo escolar do ano anterior.
O Programa Mais Educação faz parte de iniciativas do Plano de Desenvolvimento
da Educação que promovem a Educação Integral, com ampliação da jornada escolar por
mais 7 horas, através da integração entre políticas públicas educacionais e sociais que
oportunizam a realização de diferentes atividades optativas de acordo com o plano
educativo das escolas, que abrangem no âmbito da Educação Física ações relacionadas
com o Esporte e Lazer.
O PIBID é um programa que promove a iniciação, o aperfeiçoamento e a
valorização dos professores da educação básica, através da concessão de bolsas à
estudantes de licenciatura para que estes atuem nas escolas da educação básica. Desta
forma, a iniciativa compromete-se com o repasse de recursos para aquisição dos materiais
necessários para que estas ações pedagógicas se desenvolvam.
| 1182
E, o Programa Atleta na Escola instiga as práticas esportivas nas escolas, através
da democratização do esporte, difusão dos valores olímpicos e paraolímpicos, e
estimulação e identificação de atletas escolares. Neste sentido, o programa direciona seus
investimentos somente a compra e melhoria da infraestrutura voltada ao esporte na escola.
No caso das escolas Azul e Verde, instituições privadas, os recursos são
provenientes da mensalidade dos alunos e demais receita orçamentária de cada
mantenedora.
A realidade das escolas acima mencionadas em termos de espaços e infraestrutura
para as aulas de Educação Física se assemelha as Escolas Laranja e Branca, sendo que a

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principal diferença condiz à manutenção e investimentos. Como ilustram os seguintes
relatos:
“Nós temos um espaço de área verde bem grande no fundo da escola,
que tem uma quadra. Ela necessita de revitalização. Nós temos um
espaço também que é um campo aberto, só que a grama está muito alta
e, em virtude da chuva, a gente não consegue manter o corte. A
antigamente a gente tinha quadras de areia depois a grama veio, tomou
conta e não houve a manutenção. Hoje nem existe mais, nem o desenho
da quadra(...)” – Profª. Bruna, Escola Branca.

“Ah em termos de espaço a escola tem bastante espaços, alguns


precários, as quadras, por exemplo são de cimento.” - Prof. Davi, Escola
Laranja.

“Os espaços poderiam ser melhorados. Devido ao projeto do ginásio as


coisas ficam paradas, mas acho que poderia ser melhorado bastante. A
quadrinha poderia estar em melhores condições, com a pintura melhor,
ser menos perigosa. O espaço da praça poderia ser revitalizado que tem
uma pista em torno da quadrinha lá de fora e também um espaço pra
arremesso de peso. Tinha uma caixa de areia também, todas essas coisas
poderiam ser revitalizadas, estão lá.” - Prof. ª Fátima, Escola Laranja

Desse modo fica evidente o sucateamento das escolas da Rede Pública de Ensino
e a falta de investimentos. Conforme pesquisa divulgada pelo Centro dos Professores do
Rio Grande do Sul (CPERS, 2010) a falta de verba para a infraestrutura é o maior
empecilho, repercutindo na insatisfação de 57,9% dos envolvidos no processo educativo
nas escolas. A pesquisa também aponta que o item pior avaliado é o espaço esportivo,
quadras e ginásios, como o recurso de maior carência.
Em relação aos materiais didáticos pedagógicos há uma grande disparidade entre
as Escolas, enquanto nas Escolas Azul e Verde os professores de Educação Física têm a
sua disposição diversos materiais didáticos para o uso em aula, tais como: bolas, cones, | 1183

cordas, bambolês, pneus, perna de pau, tacos, tatames, jogos de boliche, pé-de-lata, tênis
de mesa, conjunto de bocha, chinelões, material para atletismo, jogos de tabuleiro e
colchonetes. As Escolas Laranja e Branca contam com uma diversidade menor, e os
materiais didáticos estão relacionados à prática das modalidades esportivas, sobretudo o
vôlei, handebol, basquete e futsal.
Neste sentido, observamos que a qualificação da infraestrutura também tem
relação com o dos docentes na Gestão Escolar para além da sala de aula. Por meio da
formulação e inserção em projetos que valorizem a Educação Física Escolar e

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participação em Conselhos Escolares, os docentes podem arrecadar recursos e demonstrar
justificativas para melhorar os espaços e materiais das escolas.
Todavia, cabe salientar que nas quatro escolas investigadas, no inicio de cada ano
letivo os gestores solicitam aos professores de Educação Física uma lista com as
principais necessidades, e conforme as condições financeiras a compra é realizada.
Fica evidente que a especificidade dos materiais existentes na escola e que os
professores fazem uso, tem relação com a concepção de Educação Física adotada
“Geralmente a gente pede todo mundo junto, bolas de vôlei, bolas de
futsal, bolas de handebol, bolas de basquete, rede, inflador, cones”-
Profª. Carla, Escola Laranja.

“Primeira prioridade dos professores, não adianta, ainda é a concepção


esportivista, então são bolas pra todas as modalidades. Agora a gente tá
pedindo tênis de mesa, raquetes. Materiais de atletismo que a gente
tinha pouco. Ah, jogos de tabuleiro, pra jogar em dias de chuva.” - Prof.
João, Escola Azul

“Bolas, que a gente usa muito a questão da bola para com relação ao
jogo (desporto). Arcos, cones, são os materiais que geralmente nós
precisamos de um ano para o outro” - Prof. José, Escola Verde

Os relatos dos professores denotam uma orientação esportiva nas aulas de


Educação Física, que corrobora com Castellani (2013) sobre a hegemonia histórica do
conteúdo esportivo na Educação Física Escolar. Aspecto que será aprofundado no tópico
a seguir sobre as possibilidades de práxis pedagógicas com o conteúdo jogo na EFE a
partir da infraestrutura.

MATERIAL DIDÁTICO E PRÁXIS PEDAGÓGICA DO JOGO NA EDUCAÇÃO


| 1184
FÍSICA
Ao analisar a história da Educação Física o autor Castellani Filho (2013) observou
a existência de ao menos três dimensões de ensino. Dentre elas estão aquelas que seguem
um viés crítico preocupando-se em trazer avanços em relação ao cenário pedagógico da
Educação Física Escolar a partir de reflexões antropológicas, sociológicas e filosóficas
de ordem marxista.
No que diz respeito às abordagens de ensino da Educação Física, observamos que
alguns professores se identificam com determinadas abordagens e, dentro do possível,

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mediam seu trabalho pedagógico a partir de tais pressupostos teóricos, como segue nos
relatos:
“Eu procuro me basear na crítico-emancipatória. Não é tão fácil, tem
vezes que a gente não consegue levar ao pé da letra, mas pra tomar
decisões sempre é importante” – Prof. João, Escola Azul.

“A Crítico-Superadora porque pra mim é a abordagem que mais


consegue fazer a articulação do específico da Educação Física com toda
a estrutura social.” – Prof. Davi, Escola Laranja.

“Olha eu confesso que não, eu vou desenvolvendo de acordo com o que


eu estou trabalhando, às vezes vou trabalhar algum esporte, vou
trabalhar um pouquinho da técnica, aí já vai pra um método mais
tradicional, quando eu vou trabalhar até as concepções de jogo e esporte
dá para utilizar um pouco da crítico-superadora, mas não posso dizer
que eu vou seguir” – Prof.ª Julia, Escola Branca.

Ainda que alguns professores se aproximem das abordagens críticas, que


defendem a apropriação de conteúdos produzidos historicamente percebemos que, para a
maioria, o esporte é o principal conteúdo trabalhado em aula
“A gente trabalha sempre com o predomínio do esporte, acho que uns
60% dos conteúdos são esportes, os demais são jogos, brincadeiras,
atividades de aventura na natureza, aulas teóricas, conhecimento sobre
o corpo humano, fisiologia.” - Prof. João, Escola Azul.

“No Ensino Médio a gente trabalha com clubes de vôlei, o handebol, o


futsal, xadrez, e de ginástica” - Prof.ª Fátima, Escola Laranja.

“Bom eu trabalho basicamente os quatro esporte coletivos né? Volei,


handebol, futsal e basquetebol. Também em função de ter a participação
em jogos escolares o futebol de campo, que a gente tem o campo ali,
deu pra ver ali, meio critico a coisa, mas dá pra usar. Trabalho também
com atletismo, esse ano foi a primeira coisa que eu trabalhei” - Prof.ª
Julia, Escola Branca. | 1185

A partir das teorias progressistas (Bracht 1999), considera-se que na


esportivização o esporte de rendimento, quando isento de uma dimensão pedagógica,
assim como dos demais movimentos produzidos culturalmente pelo homem, reproduz
paradigmas de uma sociedade capitalista moderna, onde “a linguagem corporal
dominante é ‘ventríloqua’ dos interesses dominantes” (p. 81). Essa hegemonia segundo
Faria (2004) deriva de fatores culturais inerentes ao modelo societal difundido
atualmente, e acaba resultando na submissão dos demais conteúdos da Educação Física

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em função do desenvolvimento das habilidades esportivas, assim o jogo e as brincadeiras
assumem um caráter pré-desportivo.
Desta forma, conforme Ribas (2011); Marin e Stein (2011), o jogo perde sua
legitimidade enquanto conteúdo, pois assume uma dimensão educativa que o denota
como meio de aprendizagem, desvinculado de suas origens culturais e que possui um
conhecimento a ser vivenciado, apreendido e reformulado nas aulas de Educação Física.
Nestes mesmos estudos constatou-se a partir da análise dos Parâmetros Curriculares
Nacionais e dos Referenciais Curriculares dos Estados Federativos, o jogo e o jogo
tradicional surgem enquanto proposta pedagógica direcionada majoritariamente aos anos
iniciais do Ensino Fundamental, fator este que também identificamos nos seguintes
relatos das professoras,
“Eu confesso que os jogos eu trabalho mais no ensino fundamental, até
por se tratar de um conteúdo que não é atraente para o ensino médio,
pelo menos aqui na escola. Mas sempre que eu trabalho esporte
coletivo, eu trabalho o jogo inevitavelmente, muitas vezes ali
desenvolvendo alguma questão de fundamento do esporte em si, jogos
adaptados sempre tentando improvisar, com as próprias dificuldades
que a escola tem em questão de materiais.” - Prof.ª Julia, Escola Branca.

“Como no fundamental eu trabalho toda a questão do jogo, da


diferenciação do jogo e do esporte, o jogo tradicional, o jogo popular,
eles confeccionam material também. No ensino médio, eu não trato
mais essa questão.” - Prof.ª Fátima, Escola Laranja.

Ainda que o jogo esteja presente nas aulas de Educação Física no Ensino Médio
como um conteúdo desvinculado do esportivo e da produção cultural, observamos que o
trabalho pedagógico com o mesmo se destina a poucas aulas em relação aos demais
conteúdos e está estritamente relacionado ao programa do Exame Nacional do Ensino | 1186
Médio (ENEM),
“A gente trabalhou recentemente com os jogos tradicionais gaúchos que
cada grupo ficou responsável por trazer um jogo pra mostrar pra turma.
Foi bem interessante a atividade, eles trouxeram vários tipo de jogos. A
gente trabalha nesse sentido, assim não só de trazer, mas deles também
trazerem os jogos deles.” - Prof. João, Escola Azul.

“Eu trabalhei o conteúdo jogo, a questão do conceito de jogos


populares, de jogos tradicionais. Trouxe vivências e construímos jogos.
Eu peguei o geral, pra eles entenderem as características dos jogos,
diferença do esporte, eu trabalhei muito a questão de criação, pra eles
verem a liberdade, a adaptação dos espaços, a flexibilidade das regras,
mas foram poucas aulas.” - Prof. Davi, Escola Laranja.

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O afastamento ou a negação do jogo enquanto conteúdo para o Ensino Médio
justifica-se, entre outros fatores, pela associação deste ao universo das crianças e aos
paradigmas da sociedade que preza pelo lucro, pelo consumo e pela produtividade. Assim,
neste nível de ensino onde a preparação para o mundo adulto e para o trabalho é o que se
torna relevante, a espontaneidade, a liberdade e a alegria experimentadas no jogo são
consideradas dispensáveis.
O autor Rogers Caillois(1990) identificou que o jogo constitui-se a partir de seis
qualidades, sendo elas:
1) livre: uma vez que, se o jogador fosse a ela obrigado, o jogo
perderia de imediato sua natureza de diversão atraente e alegre; 2)
delimitada: circunscrita a limites de espaço e de tempo, rigorosas e
previamente estabelecidos; 3) inserta: já que o seu desenrolar não
pode ser determinado nem o resultado obtido previamente, e já que
é obrigatoriamente deixada à iniciativa do jogador uma certa
liberdade na necessidade de inventar; 4) improdutiva: porque não
gera bens, nem riqueza nem elementos novos e espécie alguma; e,
salvo alteração de propriedade no interior do circulo dos jogadores,
conduz a uma situação idêntica à do inicio da partida; 5)
regulamentada: sujeita a convenções que suspendem as lei normais
e que instauram momentaneamente uma legislação nova, a única
que conta; 6) fictícia: acompanhada de uma consciência especifica
de uma realidade outra, ou de franca irrealidade à vida normal.
(CAILLOIS, 1990)

Em consonância, Soares et. al. (2012) e Elkonin (2009) demonstram que através
das intencionalidades presentes no jogo os homens, sejam crianças ou adultos, modificam
e reconstroem a realidade social nas quais estão inseridos, uma vez que a criatividade e a
representatividade do ato de jogar variam de acordo com cada contexto. Deste modo o
| 1187
jogo se torna um elemento cultural da humanidade, afinal ele é passado através das
gerações e transformado pelas mesmas, a fim de possibilitar a práxis pedagógica, entre a
teoria atrelada ao seu desenvolvimento e a realidade representada através dele.
Ribas e Ferreira (2014) assinalam que o trabalho dos professores não deve ser
reduzido a uma prática pedagógica desvinculada de um projeto pedagógico
transformador. Desta forma, encontramos na práxis pedagógica uma atividade individual
e coletiva dotada de intencionalidade, que busca a mediação do conhecimento a fim de
causar uma reflexão transformadora.

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Para que esta práxis seja realmente uma ação pedagógica superadora, assim como
os demais conteúdos da Educação Física o jogo demanda espaços e materiais adequados.
Como esclarece Dayrell (1996) os espaços físicos escolares não são neutros, pelo
contrário são regidos por princípios racionais e concepções educativas que condicionam
o comportamento dos seus usuários. Assim por mais que ocorra a resignificação destes
espaços e materiais “existe um limite que muitas vezes restringe a dimensão educativa da
escola” (Dayrell 1996, p. 8).
Neste sentido identificamos que nas realidades investigadas a infraestrutura –
materiais e espaços – não se mostra como o principal empecilho para o trato pedagógico
com o jogo no Ensino Médio, conforme o relato a seguir:
“O jogo é um conteúdo que tu não precisa de muito material. Claro, que
se tu for trabalhar algum jogo em específico, como a bocha é mais
difícil, mas também se tu tiver um pouco de criatividade tu consegue
trabalhar na realidade da escola, afinal de contas o jogo se adapta a
realidade, ao espaço, enfim acho que (...) É prejudicado pelo espaço?
Sim. É prejudicado por alguma dificuldade com os materiais? Sim. Mas
também depende do professor.” - Prof. Davi, Escola Laranja.

Desta maneira corroboramos com Darido e Rangel (2005) quando apontam que a
facilidade em trabalhar o jogo no ambiente escolar se dá pela possibilidade de adaptação
e construção de espaços e materiais que possibilitam a vivência, a transformação e a
criação dos jogos durante as aulas de Educação Física. Também acreditamos que para
que este processo ocorra é necessário que haja diversidade nos materiais e nos espaços, a
fim de assegurar a qualidade do ensino de todos os conteúdos relativos a Educação Física.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
| 1188
A educação é um ato conjugado com um ideal político e social, que tem por função
socializar os conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade. Neste cenário
a Educação Física aparece como um componente curricular obrigatório, que cumpre com
a apropriação daqueles conteúdos correspondentes à cultura corporal humana, e em
decorrência disso necessita de uma especificidade quanto aos materiais, espaços e à
infraestrutura.
Os espaços e materiais devem ser tomados sob uma dimensão social, pois estes
são apropriados pelos alunos e contribuem na abordagem de determinados conteúdos.
Entretanto, a subordinação das escolas e, consequentemente, da Educação Física aos

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sistemas políticos e econômicos contribui para a precarização da infraestrutura,
principalmente nas instituições públicas.
Evidenciou-se a disparidade quando a diversidade de materiais didáticos
disponíveis para Educação Física entre as Escolas Públicas Estaduais e as Escolas
Privadas. Entretanto também identificamos que independente da Rede de Ensino no qual
as escolas estão inseridas ocorre a supremacia de espaços e materiais relacionados com a
prática pedagógica dos esportes.
Acreditamos que tal hegemonia está de acordo com a gestão escolar e o
posicionamento dos professores quanto a escolha dos materiais e espaços. Neste sentido,
notamos que as diretrizes dos Programas Federais nos quais as escolas estão inseridas e
os critérios de escolha pautados pela necessidade de materiais para conteúdos
hegemônicos denotam uma concepção esportivista, da Educação Física Escolar. Fator
que contribui para a inferiorização ou negação do conteúdo jogo, principalmente, no
Ensino Médio.
Além disso, a resistência do jogo como conteúdo atribuído ao Ensino Médio pode
estar relacionada com a concepção equivocada de ser algo relativo ao universo infantil;
aos paradigmas sociais vigentes; a centralidade do conteúdo esporte na Educação Física
Escolar; a ausência ou ineficiência de processos de formação continuada para os
professores; a formação inicial que referenda o esporte como conteúdo central da
Educação Física; e, consequentemente, a trabalho pedagógico que não leva em conta o
pressuposto conceitual de cultura corporal. Desta forma o jogo perde sua especificidade
enquanto conhecimento produzido e transformado socialmente pelo homem, que integra
as diferentes culturas, faixas etárias e condições sociais.
| 1189
Cabe ressaltar que não adotamos a Educação Física ou o jogo como tábua de
salvação para as mazelas sociais que assolam a educação, bem como não é de nossa
intenção demonizar o esporte. Mas acreditamos que a negação de conteúdos
historicamente construídos e reconhecidos pela humanidade restringe a possibilidade dos
professores e alunos de ampliar conhecimentos e experiências, de se reconhecer neles e
de modificá-los. Portanto, assinalamos que a adequação e a qualificação de materiais e
espaços são de suma importância para a socialização dos conteúdos da Educação Física.

REFERÊNCIAS

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GESTÃO DEMOCRÁTICA, FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES E A ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E
PRÁTICA NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE
DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL (PDE) NO PARANÁ:
BREVES COSIDERAÇÕES

Maria Josélia Zanlorenzi – UNICENTRO


mjzanlorenzi@hotmail.com

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar o resultado de estudos sobre a
formação continuada de professores desenvolvida por meio de projeto de extensão.
Abordamos primeiramente as mudanças na educação na década de 1990 no Brasil,
oriundas das determinações dos Organismos internacionais no mencionado período.
Discorremos sobre as bases legais da educação brasileira, em específico a Lei de
Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN) 9.394/96 e o que determina esta lei
sobre os princípios da gestão democrática, a importância da elaboração do Projeto Político
Pedagógico, a participação da comunidade na escola e formação continuada de
professores de forma a atender as necessidades que emergem no interior da própria escola.
Na sequência relatamos como se deu a formação continuada de professores nas
instituições envolvidas como parte do resultado do projeto desenvolvido pelos
professores alunos do Plano de Desenvolvimento Educacional (PDE) no Estado do
Paraná em consonância com o projeto de extensão.

Palavras-chave: Políticas Educacionais; Gestão Democrática; Formação Continuada de


Professores.

INTRODUÇÃO

| 1192
Discutir a formação continuada de professores na atual conjuntura das políticas
educacionais se faz necessário diante do que fora estabelecido pelas bases legais da
educação brasileira, bem como das necessidades que emergem no cotidiano escolar frente
a realidade em que cada instituição encontra-se inserida.
Bem sabemos da importância da relação da Universidade com a Educação
Básica no que concerne a formação docente por meio dos cursos de licenciaturas.
Sabemos ainda do papel da universidade em estabelecer relação com a sociedade em
preparar para o trabalho e para o exercício da cidadania. Cabe, pois à instituição de ensino
superior instigar o pensar dos docentes numa perspectiva que os leva a refletir sobre a

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sociedade na atualidade e nas diferentes questões que estão direta ou indiretamente
relacionadas aos seus afazeres docentes.
Com o intuito de atender os determinantes das bases legais da educação
brasileira, no que concerne a formação continuada de professores e, seguindo os
princípios da gestão democrática, apresentamos na sequência deste texto parte da
execução da proposta de formação continuada para professores da Educação Básica,
realizada por meio de um projeto de extensão.
A realização das atividades ocorreu em parceria com professores do sexto ao
nono da educação Básica de algumas escolas localizadas no Estado do Paraná o qual teve
por objetivo: “Desenvolver ações de formação continuada aos gestores e professores na
Educação Básica, de modo a articular ensino, pesquisa e extensão nos contextos
escolares; Contribuir para a melhoria da gestão democrática e do trabalho pedagógico dos
professores de modo a refletir no processo ensino aprendizagem dos alunos da educação
básica”.
O trabalho está estruturado em três momentos: primeiramente apresentamos
uma discussão sobre o papel do Estado e a educação e as influências dos organismos
internacionais nas reformas educacionais na década de 1990 no Brasil. No segundo
momento discorremos sobre a gestão democrática na atual Lei de Diretrizes e Base da
Educação Nacional (LDBEN) 9.394/96, e a questão da formação continuada de
professores e profissionais da educação, bem como a importância da participação da
comunidade na escola. Por fim apresentamos as atividades desenvolvidas e alguns
apontamentos com o intuito de contribuir com a efetivação da gestão democrática na
escola.
| 1193

1 . O cenário político e econômico e as reformas educacionais no Brasil na década de 1990

A história da formação de professores no Brasil é marcada pelas demandas da


sociedade no que concerne ao modelo de profissional exigido para cada momento da
história da educação brasileira. Conhecer e compreender a realidade educacional, a qual
é resposta da realidade política, econômica e social, pressupõe o entendimento da
totalidade. Daquilo que determina as mudanças sofridas pelas políticas educacionais, pois

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as reformas educacionais não se dão simplesmente pelo mero acaso, mas sim, respondem
a interesses que trazem em si as demandas mais fortes e influentes na sociedade, as quais
são comandadas pelas transformações no mundo do trabalho.
O cenário das mudanças sociais e políticas nos levam a compreender as
intenções que delineiam as reformas educacionais e direcionam a formação dos
profissionais do magistério. Para compreender os liames em que se dão essas reformas é
necessário ir além do fenômeno aparente e chegar ao real do objeto.
Nesse sentido, refletir sobre a formação continuada de professores exige estudar
o contexto em que a mesma é determinada. Conhecer as bases materiais em que se dão as
relações dos homens é o ponto de partida para se chegar ao entendimento da estrutura em
que se apresenta o contexto, ou seja, a sociedade e as relações de produção:

[...] na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações


determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui
a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma
superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas
de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o
desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; é o ser social que,
inversamente, determina a sua consciência. (MARX, 2003, p.5).

Nesse sentido, para compreender as recentes discussões em relação a formação


de professores e as atuais políticas regulamentadoras dessa atividade, deve ser lembrado
o contexto em que a LDB foi elaborada.
No mencionado cenário de elaboração da atual LDBEN 9.394/96, o Brasil,
juntamente com toda a América Latina, estavam inseridos na atmosfera hegemônica das | 1194

políticas neoliberais, obedecendo aos interesses do capital financeiro liderados pelo


Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), os quais impunham a
reforma e minimização do Estado e as regras do mercado.
Estes organismos representantes dos interesses dos países credores atuam no
Brasil desde a década de 1980. Foi seguindo os ditames desses organismos que o Brasil
assinou o acordo entre os países em desenvolvimento realizado na Conferência Nacional
de Educação para Todos em Jomtien, na Tailândia em 1990. Neste acordo foi estabelecido

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a elaboração de novas diretrizes e políticas para a educação e a eliminação do
analfabetismo.
As mudanças no mundo do trabalho, segundo as determinações dos organismos
internacionais, devem permear todos os espações da sociedade, inclusive as ações
educacionais, o que nos leva a compreender o modelo de educação posta pelas atuais
reformas da educação, em específico as que se referem a formação docente. Mudanças
que nos leva a refletir nas intenções que determinaram o modelo de formação oferecida
aos professores da Educação Básica no Brasil, formação esta inicial ou continuada.
Tais determinações nortearam a trajetória das reformas educacionais na década
de 1990, e orientou a elaboração de uma nova Diretriz para a educação brasileira a qual
culminou na aprovação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 9.394/96, com
mudanças significativas no currículo nacional, na profissionalização dos professores, a
gestão educacional e a avaliação institucional (LIBÂNEO, 2008).

2. A Lei de Diretrizes e Base 9.394/96, os princípios da gestão democrática e


formação continuada de professores

Quanto as bases legais da educação brasileira, no que concerne a gestão


democrática, apresenta o artigo 3º da LDB/96 ser a educação democrática um dos
princípios da educação brasileira. E no artigo 14º define-se os princípios da gestão
democrática da escola pública da seguinte maneira “I participação dos profissionais da
educação na elaboração do projeto pedagógico. II – participação das comunidades escolar
e local em conselhos escolares ou equivalentes” (BRASIL, 1996). Este tipo de gestão
garantido pela LDB/96 assegurou a escola autonomia pedagógica, administrativa e | 1195
financeira.
Sendo a gestão democrática pensada para trazer toda a comunidade local em
participar da gestão da escola na busca de aproximar a escola da comunidade, atender as
necessidades que desta emergem e ainda planejar juntos nas possibilidades de alcançar a
aprendizagem do aluno e sua formação para a cidadania, objetivo central da escola.
Para ser consolidada na escola, a gestão democrática exige que ocorra a
participação e o comprometimento de todos que se encontram envolvidos com a escola,
diretores, coordenadores, professores, agentes educacionais, instâncias colegiadas e

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alunos na elaboração e execução do que fora planejado para a escola. Visto que é pela
participação de todos nas decisões que se garante a materialização da gestão democrática
na escola. Pela participação proporciona-se o conhecimento ou aprofundamento dos
objetivos e metas da escola sua estrutura organizacional e suas relações com a
comunidade.

[...] por meio de canais de participação da comunidade, a escola deixa de ser


uma redoma, um lugar fechado e separado da realidade, para conquistar o
status de comunidade educativa que interagem com a sociedade civil. Vivendo
a participação nos órgãos deliberativos da escola, os pais, os professores e os
alunos vão aprendendo a sentir-se responsáveis pelas decisões que os afetam
em um âmbito mais amplo da sociedade (LIBÂNEO, 2008, p. 329-330).

Pela gestão democrática, oportuniza-se aos sujeitos envolvidos a questionarem


o processo de administrar a instituição de ensino, bem como opinar e planejar juntos as
transformações almejadas pelas comunidades locais. Concretiza-se desta forma, a
democracia dentro da escola pela integração das ideias e do diálogo, trocas de
experiências e vivências, articulando ações na buscada da melhoria da educação.
Ao atender estes princípios, a escola pública brasileira, conforme as suas
especificidades, age na busca de atender e efetivar os determinantes da lei, bem como
alcançar seu maior objetivo, o qual seja a aprendizagem dos educandos. Para tal
finalidade, a elaboração do Projeto Político Pedagógico propicia o planejamento coletivo
entre escola, comunidade escolar e local.

O projeto político-pedagógico (PPP) é proposto com o objetivo de


descentralizar e democratizar a tomada de decisões pedagógicas, jurídicas e
organizacionais na escola, buscando maior participação dos agentes escolares. | 1196
Previsto pela nova LDB/96 como proposta pedagógica (art. 12 e 13) ou como
projeto pedagógico (art. 14, inciso I), o PPP pode significar uma forma de toda
a equipe escolar tornar-se corresponsável pelo sucesso do aluno e por sua
inserção na cidadania crítica (LIBÂNEO, 2008, p. 178).

O Projeto Político Pedagógico na escola pública não pode ser considerado apenas
a organização de atividades planejadas, mas sim partir do pressuposto que este documento
sustenta toda a organização de gestão da escola. Para este fim, parte da realidade estudada
na busca de transformar esta realidade com ações que perpassam todas as instâncias da
escola. Insere professores, gestores, profissionais da educação, pais e responsáveis e

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comunidade no planejamento sobre o que se quer oferecer para os educandos e o que se
espera alcançar com as ações propostas na elaboração do Projeto Político Pedagógico.
A participação das famílias e da comunidade na escola, por meio dos conselhos,
favorece o estreitamento dos laços da comunidade com a escola. Contribui na elaboração
dos objetivos e metas da instituição em relação ao educando que se pretende formar.
Atendendo desta forma, aos anseios da comunidade em relação ao que esperam do ensino
que a escola oferece àqueles que a frequentam. Decisões e ações tomadas e realizadas em
conjunto ao aproximar a escola da realidade da comunidade e facilita o êxito dos objetivos
e metas pré-estabelecidos.
Ao entendermos a gestão democrática e seus princípios pautados na autonomia
da escola e da comunidade educativa, da relação orgânica entre a direção e os membros
da equipe escolar, do envolvimento da comunidade no processo escolar, do planejamento
das ações, das decisões tomadas e, objetivos pré-estabelecidos, compreendemos que estes
princípios direcionam as ações da escola para que realmente aconteça a aprendizagem
dos educandos. Guiados por esta linha de pensamento, compreendemos, pois que estes
princípios e ações direcionam o planejamento e a organização da formação continuada a
ser oferecida ao professor no interior desta mesma escola.
A formação continuada, bem sabemos, tende a alcançar com maior segurança
seus objetivos, quando planejada de forma articulada com as necessidades da escola e em
busca de atender os objetivos estabelecidos para sua finalidade última, o ensino
aprendizagem. Visto que: “Apesar dos problemas, os professores continuam sendo os
principais agentes da transformação dos alunos e, portanto, a qualidade dos resultados de
aprendizagem é inseparável da sua qualificação e competência profissional” (LIBÂNEO,
| 1197
2004, p. 77). Atender a necessidade da comunidade escolar e a aprendizagem do
educando no interior da escola requer pensar na formação continuada do docente. Torna-
se a escola um espaço educativo e formativo não só para os educandos, mas
fundamentalmente para os docentes, pois neste espaço os profissionais desenvolvem seu
profissionalismo.
A formação continuada está garantida no artigo 62 da atual LDB/96, pela qual
determina-se que este tipo de formação pode acontecer no local de trabalho, em
instituições de Educação Básica e superior, incluindo cursos de educação profissional,

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cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação (BRASIL,
1996).
A formação continuada realizada no interior da própria escola possibilita focar
de forma específica as dificuldades encontradas pelos docentes ao realizar seu trabalho
pedagógico. Propicia o acompanhamento da equipe gestora no planejamento da formação
e nos resultados alcançados, possibilitando uma avaliação mais precisa na aprendizagem
do aluno e nos objetivos da escola.
Reconhecer a importância da formação continuada de professores no interior da
escola requer o reconhecimento que a realidade em que esta instituição está inserida
altera-se constantemente. Isso exige que a escola, juntamente com os professores e
comunidade devem ater-se à alguns pontos elementares ao planejar a formação
continuada e estar conscientes de que: a sociedade está sempre em movimento; a prática
do professor necessita ser revista constantemente; novas estratégias necessitam ser
buscadas, analisar a sua prática à luz da teoria é fundamental e que a troca de experiências
é um instrumento significativo na formação docente.
Norteados pelas reflexões quanto a formação docente e a gestão democrática,
delineamos na sequência o desenvolvimento das atividades propostas com professores da
Educação Básica do Estado do Paraná.

3. Desenvolvimento das atividades dos grupos de estudos na formação continuada


de professores PDE

A realização da formação continuada de professores se deu por meio de reuniões


e encontros nos quais se objetivou aprofundar nas discussões teóricas, por meio de grupo | 1198
de estudo e questões pertinentes com reflexões sobre a gestão democrática na escola,
formação de professores e dos profissionais do magistério da Educação Básica, visando
influenciar positivamente a prática pedagógica dos docentes.
Para alcançar tal finalidade, consideramos nesta atividade a variedade da atuação
dos profissionais da educação a qual abrange não somente a sala de aula, mas estende-se
à todas as ações dentro do espaço escolar e que visam contribuir com processo de ensino
aprendizagem.

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O desenvolvimento do presente trabalho aconteceu em consonância com alguns
dos professores alunos do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do
Paraná248, e envolveu cinco escolas no mencionado Estado249. A formação oferecida pelo
Estado do Paraná aos professores da Educação Básica visa voltar-se aos problemas e
dificuldades encontradas no interior da escola, conforme regulamento do Plano de
Desenvolvimento Educacional (PDE) art. 4º: “Todas as atividades, estudos e produções
do PDE darão prioridade à superação das dificuldades com que se defronta a Educação
Básica das escolas públicas paranaenses” (PARANÁ, 2010), oportunizando ao professor
- PDE desenvolver sua pesquisa, elaboração de projeto e sua execução para a superação
dos problemas detectados no interior da escola.

A definição da temática desenvolvida em cada escola se deu pelo levantamento


realizado em cada instituição, por meio de observações e questionários junto aos
professores e demais funcionários das instituições. Este levantamento direcionou a
escolha dos temas a serem trabalhados, a organização e planejamento das ações realizadas
em cada grupo de estudos nas escolas envolvidas.
As atividades desenvolvidas em cada escola tiveram como norte: “A gestão
democrática na escola e a formação continuada de professores”, e envolveu as seguintes
temáticas: “O papel do Pedagogo na EJA”, “As tendências pedagógicas e o processo
ensino aprendizagem na escola”, “O papel do conselho escolar na gestão democrática”,
“Gestão democrática e a organização escolar”, A avaliação nos pressupostos teóricos e
na prática pedagógica. Sendo parte de um estudo mais amplo o qual visa discutir e estudar
as Políticas de formação continuada de professores e o papel do pedagogo frente à
complexidade do trabalho pedagógico. | 1199
A formação se deu por meio de encontros dos grupos de estudos, os quais
aconteceram em cada uma das cinco escolas participantes. Nestes encontros contamos
com o total de noventa e quatro participantes, todos profissionais envolvidos com a

248
Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, O PDE é uma política pública de Estado
regulamentado pela Lei Complementar nº 130, de 14 de julho de 2010, pela qual se estabelece o diálogo
entre os professores do ensino superior e os da educação básica da rede pública do Estado do Paraná, por
meio de atividades teórico-práticas orientadas. Este Programa visa como resultado a produção de
conhecimento e mudanças qualitativas na prática escolar da escola pública paranaense. Os trabalhos aqui
citados foram realizados no ano de 2015, pelas alunas ingressantes no PDE em 2014.
249
As entrevistas realizadas pelos professores PDE com os participantes da formação continuada não
foram utilizadas neste trabalho por pertencerem a Secretaria Estadual de Educação do Paraná.

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Educação Básica. Foi organizado em torno de oito encontros em cada escola, totalizando
trinta e duas horas de estudos em grupos em cada unidade escolar, somando um total de
cento e sessenta horas de estudos e reflexões na busca de aprofundar o entendimento sobre
a gestão democrática, estreitando as discussões referentes as temáticas específicas e acima
apresentadas.
Diante da especificidade de cada escola e do público atendido, foi selecionado
para as discussões textos com os seguintes temas: políticas de educação e as influências
das políticas neoliberais (SHIROMA, 2011); a gestão da educação ante as exigências de
qualidade e produtividade da escola pública (PARO, 1998); Caderno nº 1 do Programa
Nacional de Conselhos Escolares - Conselhos Escolares: democratização da escola e
construção da cidadania (2004); Caderno Temático – PDE – UEL “ A Função Social da
Escola” (2008); Notas sobre a definição da identidade e das políticas públicas de educação
de jovens e adultos no Brasil (DI PIERRO, (2005); Pedagogia como ciência da educação
(FRANCO, 2003); O espaço acadêmico da pedagogia no Brasil (SAVIANI, 2005);
Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala
de aula (VASCOSELLOS, 2009).
Como resultado parcial das ações realizadas nas escolas, observamos que os estudos
realizados possibilitaram a ampliação do conhecimento dos participantes sobre o que é
gestão democrática, como ela acontece e a importância dos conselhos escolares e sua
função dentro da escola. Evidenciou-se ainda a necessidade de estudos mais aprofundados
para esclarecimento por parte da comunidade de qual seja a função do conselho escolar
na gestão democrática.
Quanto ao papel do pedagogo na Educação de Jovens e Adultos – EJA, o excesso
| 1200
de funções atribuídas ao pedagogo, a falta de esclarecimento de suas funções e a falta de
um plano de ação que atenda a especificidade da EJA, fragilizam o seu trabalho e
descaracteriza suas ações.
Sobre as tendências pedagógicas na formação docente, apreendeu-se que os
educadores apresentam certa dificuldade em diferenciar as tendências pedagógicas.
Evidenciou-se no grupo de estudos que as discussões realizadas possibilitaram o
esclarecimento, a diferenciação e o domínio dos conceitos que definem algumas das
tendências pedagógicas aos participantes, instrumentalizando-os para identificar qual
concepção pedagógica se faz presente em sua prática docente.

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Ao observar os dados apresentados pelo desenvolvimento das atividades de
formação continuada de professores nas escolas, confirmam-se as palavras de Libâneo ao
discorrer sobre a formação continuada no contexto de trabalho:

[...] Atualmente, o desenvolvimento profissional não se restringe mais ao mero


treinamento. A ideia é que a própria escola é lugar de formação profissional,
por ser sobretudo nela, no contexto de trabalho, que os professores e demais
funcionários podem reconstruir suas práticas, o que resulta em mudanças
pessoais e profissionais (LIBÂNEO, 2004, p. 375).

Diante dos dados apresentados podemos observar que a formação continuada de


professores, ao acontecer no espaço de trabalho e na busca de atender as necessidades que
emergem no ambiente escolar, possibilita o aprimoramento profissional do docente.
Assim sendo, o resultado positivo do desenvolvimento de atividades formativas
planejadas em consonância com o ambiente de trabalho do professor e demais
profissionais da educação vem a ser uma das possibilidades de formação continuada que
contribui com a formação docente envolvendo todas as instâncias colegiadas da própria
instituição. Visto que estas acontecem atendendo as ações ligadas a própria cultura
organizacional de cada escola a qual responde pelo ensino aprendizagem dos alunos que
pertencem a comunidades específicas.

CONSIDERAÇÕES

Conhecer os princípios da gestão democrática na escola e a importância de sua


efetivação para que aconteça realmente o que fora proposto no próprio Projeto Político
Pedagógico é basilar para uma escola que visa romper as barreiras entre escola e | 1201
comunidade local e atender seu objetivo último, o qual seja o ensino aprendizagem
doseducandos.
Para alcançar tais objetivos, a observância dos princípios da gestão democrática
se materializa em ações que envolvem todos os aspectos da escola, toda sua organização
e membros. Não podendo deixar de lado a participação da comunidade, dos profissionais
da educação, dos professores, dos conselhos escolares, enfim de tudo aquilo que compõe
a escola para seu funcionamento.

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Dentro deste cenário de acontecimentos, definições, encaminhamentos,
planejamentos e execução de planos, propostas e projetos, tomamos como foco a
formação continuada dos professores como algo em permanente construção,
planejamento e replanejamento diante das mudanças que ocorrem não só na questão do
sistema de ensino e na organização escolar, mas fundamentalmente frente as alterações
que ocorrem no contexto social em que está inserida a escola juntamente com toda a
comunidade.
Assim sendo, tomar a formação continuada dos professores como proposta que
emerge dentro da própria escola, ligada com a cultura organizacional de cada instituição
possibilita a aprendizagem do professor e atende a necessidades mais amplas que
emergem da proporia comunidade escolar e local. Com tais procedimentos a escola atende
suas necessidades ao analisar e constatar os problemas da realidade em que está inserida,
colocando-os como objetivos a serem alcançados no seu planejamento.
Planejamentos e ações coerentes os quais visam atingir os objetivos propostos
em benefício da escola como um todo, diretores, coordenadores, professores, agentes
educacionais, instâncias colegiadas, alunos e, destacando-se aqui a participação da
comunidade. Ação em que a escola deixa de ser algo distante da realidade, passando a
assumir-se como comunidade educativa junto a toda a comunidade/sociedade
concretizando-se desta forma pela participação de todos a gestão necessária pensada para
a escola pública pautada nos princípios da cidadania.

| 1202
REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.

_______. Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares. 2004


Apresentação S/d. Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/programa-nacional-de-
fortalecimento-dos-conselhos-escolares/publicacoes/ >; Acesso em: 09 abril 2014.

LIBÂNEO, Luiz Carlos. OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra.
Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

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______. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 5ºed. – revisada e ampliada.
Goiânia: Editora Alternativa, 2004.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pedagogia como ciência da educação. Campinas:


Papirus, 2003.

MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. 3. ed. São Paulo: Martins


Fontes, 2003.

TONET, Ivo. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto
Lukács, 2013.

PARO, Vitor Henrique. A gestão da educação ante as exigências de qualidade e


produtividade da escola pública. A escola cidadã no contexto da globalização.
Petrópolis: Vozes 1998.

PARANÁ, Súmula: Regulamenta o Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE,


instituído pela Lei Complementar nº 103/2004, que tem como objetivo oferecer Formação
Continuada para o Professor da Rede Pública de Ensino do Paraná, conforme especifica.
Disponível em:
http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=561
84&codTipoAto=&tipoVisualizacao=original. Acesso em: 20 de fev. 2016.

_______. Caderno Temático – PDE 2008 – UEL. Disponível em:


<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1857-6.pdf >; Acesso em:
10 out. 2014.

SAVIANI, Dermeval. Texto elaborado no âmbito do projeto de pesquisa. O espaço


acadêmico da pedagogia no Brasil, financiado pelo CNPq, para o “projeto 20 anos do
Histedbr”. Campinas, 25 de agosto de 2005.

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Coordenação do trabalho pedagógico: do


projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. São Paulo: Libertad Editora, | 1203
2009. 11ª ed.

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O TRABALHO DOCENTE E O COMPROMISSO SOCIAL DE
EDUCAR NO INSTITUTO FEDERAL FARROUPILHA
Juliana Mezomo Cantarelli (Instituto Federal Farroupilha)
juliana.cantarelli@iffarroupilha.edu.br

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar a produção de currículo pelos docentes
do Instituto Federal Farroupilha em relação à humanização do sujeito, considerando as
novas políticas educacionais brasileiras. Ou seja, compreender a produção de currículo e
os efeitos dos projetos educacionais na humanização do sujeito, visto que, percebe-se que
tais ações seguem sendo desenvolvidas à luz das políticas neoliberais. Todavia, a
educação é uma prática humana usada para manutenção ou transformação social e com a
“missão de formar cidadãos críticos, autônomos e empreendedores, comprometidos com
o desenvolvimento sustentável e um papel ativo na sociedade em prol do coletivo” é que
foi criado, em 2008, o IF Farroupilha. Atuando em vários níveis e modalidades de ensino,
ocupa espaços fundamentais na constituição do desenvolvimento local e regional, por
isso, devendo ir além da educação para o mercado de trabalho. A educação profissional
tem o trabalho como princípio educativo, e, para tal, a intervenção social deve ser
percebida como prática pedagógica, entrelaçando homem – cultura – tecnologia. Logo,
percebe-se que o professor é fundamental, pois é ele quem vai nortear o trabalho em sala
de aula. Trabalho que será desenvolvido conforme seu próprio entendimento em relação
ao seu papel, sua função dentro da Instituição.

Palavras-chave: Compromisso Social; Trabalho docente; Instituto Federal Farroupilha

INTRODUÇÃO
A educação é uma prática humana usada para manutenção ou transformação
social. Sendo direcionada por uma determinada concepção teórica que ordena os
elementos para a prática educacional (LUCKESI, 2011).
Desse modo,
| 1204
as instituições escolares são um elemento a mais na produção e reprodução de
discursos discriminatórios; mas, na medida em que estes institutos têm o
encargo social de educar, eles podem e devem desempenhar um papel muito
mais ativo como espaço de resistência e denúncia dos discursos e das práticas
que continuam a legitimar a marginalização no mundo de hoje e, em particular,
dentro de seus muros (TORRES, 2010, p.227).

Com a “missão de formar cidadãos críticos, autônomos e empreendedores,


comprometidos com o desenvolvimento sustentável e um papel ativo na sociedade em
prol do coletivo”, fora criado o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Farroupilha - IF Farroupilha, através da lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Uma
instituição de educação superior, básica e profissional, pluricurricular e multicampi,

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especializada na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades
de ensino, tendo como base a conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com
a sua prática pedagógica.
Os Institutos Federais ocupam espaços fundamentais na constituição do
desenvolvimento local e regional. Desse modo, devem ir além da compreensão da
educação profissional e tecnológica como mera instrumentalizadora de pessoas para
ocupações determinadas por um mercado (PACHECO, 2011).
Para tal,
derrubar as barreiras entre o ensino técnico e o científico, articulando trabalho,
ciência e cultura, na perspectiva humana é um dos objetivos basilares dos
Institutos Federais. Sua orientação pedagógica deve recusar o conhecimento
exclusivamente enciclopédico, assentando-se no pensamento analítico,
buscando uma formação profissional mais abrangente e flexível, com menos
ênfase na formação para ofícios e mais na compreensão do mundo do trabalho
e em uma participação qualitativamente superior nele (PACHECO, 2011, p.
14).

Portanto, a educação profissional tem o trabalho como princípio educativo, e, para


tal, a intervenção social deve ser percebida como prática pedagógica, entrelaçando
homem – cultura – tecnologia. Com isso, proporcionar-se-á condições para a construção
de cidadãos críticos e autônomos, que percebam o ser humano como motivo primeiro e
principal de suas ações.
Tendo oficialmente o ser humano como motivo primeiro e principal de suas ações,
o Instituto Federal Farroupilha oferta uma grande variedade de cursos em diversas
modalidades. Porém, o curso de Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio é o
que aqui vem a se destacar, pois, entende-se que para muitos alunos esta etapa pode ser a
última oportunidade de humanizar-se, transformando não só a sua própria realidade, mas
| 1205
a do seu entorno.
Para tal, o Documento Base da Educação Profissional Técnica de Nível Médio
Integrada ao Ensino Médio
expressa uma concepção de formação humana, com base na integração de
todas as dimensões da vida no processo educativo, visando à formação
omnilateral dos sujeitos. Essas dimensões são o trabalho, a ciência e a cultura.
O trabalho compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido
ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao modo de
produção); a ciência compreendida como os conhecimentos produzidos pela
humanidade que possibilita o contraditório avanço das forças produtivas; e a
cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas
de conduta de uma sociedade. (BRASIL, 2007, p. 41)

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Porém, ainda segundo este documento, as políticas públicas deveriam partir das
fragilidades, dilemas e potencialidades dos sistemas educacionais, buscando a superação
de todos os obstáculos. Assim, percebe-se como fundamental a figura do professor, pois
é através dele que as políticas educacionais serão mais ou menos concretizadas, bem
como, o aluno terá mais ou menos oportunidade de humanizar-se.
Logo, percebe-se que o professor é fundamental, pois é ele quem vai nortear o
trabalho em sala de aula. Trabalho este, que será desenvolvido conforme seu próprio
entendimento em relação ao seu papel, sua função dentro da Instituição, visto que, os
professores acabam incorporando ideologias às suas práticas e adaptando seu
comportamento de acordo com as mesmas. Porém, segundo Torres (2003, p. 239), “as
instituições escolares possuem possibilidades e autonomia suficiente para que outras
visões de mundo, ideias, conceitos e práticas alternativas possam enfrentar as dominantes
e oficiais”.
Nesta perspectiva, apresenta-se como objetivo deste artigo investigar a produção
de currículo pelos docentes do Instituto Federal Farroupilha em relação à humanização
do sujeito, considerando as novas políticas educacionais brasileiras. Ou seja,
compreender a produção de currículo e os efeitos dos projetos educacionais na
humanização do sujeito, visto que, percebe-se que tais ações seguem sendo desenvolvidas
à luz das políticas neoliberais. Essas ações continuam produzindo “modificações na
concepção de escola, de educação e do próprio papel dos professores e professoras nesse
processo” (HYPÓLITO; VIEIRA, 2002, p. 272).

DESENVOLVIMENTO
| 1206
Vivemos em um tempo, no qual novos valores, costumes, regras, etc., dividem
espaços com velhos hábitos que “naturalmente” são considerados corretos, e por isso,
muitas vezes, inquestionáveis no cotidiano social. A educação não se difere desse
contexto e muitas de suas antigas concepções ainda se fazem presente no cotidiano escolar
e são pouco questionadas por seus integrantes.
Concepções defendidas pelos conservadores que
exige mais disciplina nas instituições e salas de aula, e que insiste na
aprendizagem de conteúdos culturais reinterpretados a partir de concepções
muito tradicionais do saber, em grande parte para tentar construir identidades
pessoais que não questionem velhos e classistas modelos de sociedade. Essas
mesmas políticas, porém, não farão nada para promover o desenvolvimento de

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capacidades de análise, de avaliação e de crítica, bem como não facilitarão o
trabalho de outros conteúdos culturais com maior poder de mobilização social,
que possam dotar cidadãos e cidadãs de uma maior quantidade de recursos para
corrigir as disfunções das atuais sociedades (TORRES, 2003, p. 28).

Com isso, percebe-se que frente às possibilidades na qual a educação se apresenta,


a que possui mais força e espaço é a que prioriza o ensino em relação às necessidades do
mercado. Nesse modelo o ensino é extremamente utilitarista, tendo valor somente o que
apresenta algum benefício material para a vida do aluno (TORRES, 2003).
Esse modelo de educação enfatiza a qualidade entendida como produtividade, o
fracasso, sucesso, problemas disciplinares, aprendizagem, etc., como uma situação
individual, de responsabilidade de cada um. Com isso, desresponsabiliza o Estado e os
professores do seu compromisso social. São desconsiderados também outros fatores
importantes, como o contexto familiar, cultural, econômico e social em que se encontra
o aluno. Para os adeptos dessa forma de pensar, adaptar os currículos às necessidades dos
alunos seria o mesmo que diminuir os níveis de exigência do ensino. Isso iria contra as
propostas do mercado, contrariando os interesses neoliberais (TORRES, 2003).
A escola transmite e consolida, algumas vezes de forma explícita e em outras
implicitamente, uma ideologia cujos valores são o individualismo, a
competitividade e a falta de solidariedade, a igual forma de oportunidades e a
desigualdade natural de resultados em função de capacidades e esforços
individuais. Assume-se a ideia de que a escola é igual para todos e de que,
portanto, cada um chega onde suas capacidades e seu trabalho pessoal lhes
permite (GÓMEZ, 1998, p. 16).

Todavia, “a educação é uma prática moral e política, e sempre pressupõe uma


introdução e preparação para formas específicas de vida social, uma interpretação
particular das noções de comunidade e daquilo que o futuro pode trazer.”
| 1207
Consequentemente, deve-se educar para a autonomia, para o desenvolvimento do humano
e do cuidado com o outro de “menos sorte”(GIROUX, 2003, p. 61).
Assim,
mais do que transmitir informações, a função educativa da escola
contemporânea deve ser orientar para provocar a organização racional da
informação fragmentária recebida e a reconstrução das preconcepções
acríticas, formadas pela pressão reprodutora do contexto social, por meio de
mecanismos e meios de comunicação cada dia mais poderosos e de influência
mais sutil (GÓMEZ, 1998, p. 26)

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Em função disso, a educação profissional e tecnológica deve ser entendida como
política pública, não só porque é fonte de financiamento e manutenção, mas “por seu
compromisso com o todo social” (PACHECO, 2011, p. 18).
A educação profissional e tecnológica tem um papel no contexto social não só
ligado ao desenvolvimento econômico, mas na inserção cidadã de milhões de brasileiros,
sendo por isso, um novo tipo de instituição. Uma instituição que tenha compromisso de
modificar a vida humana e transformar a sociedade. Por isso, é “incompatível com uma
visão conservadora da sociedade. Trata-se, portanto, de uma estratégia de ação política e
de transformação social” (PACHECO, 2011, p. 19)
Entretanto, de acordo com o pensamento conservador e neoliberal “todos possuem
as mesmas oportunidades, aqueles que fracassam são incompetentes e sofrerão o processo
de seleção natural (darwinismo social)” (GANDIN; HYPOLITO, 2003, p. 61).
Corrobora Gómez (1998, p. 21), expondo que
Viver na escola, sob o manto da igualdade de oportunidades e da ideologia da
competitividade e meritocracia, experiências de diferenciação, discriminação
e classificação, como consequência do diferente grau de dificuldade que tem
para cada grupo social o acesso à cultura acadêmica, é a forma mais eficaz de
socializar as novas gerações na desigualdade.

A lógica do pensamento conservador, influenciado pelo modelo neoliberal, faz


com que a escola priorize as questões relacionadas ao emprego, ao mercado de trabalho.
Escolas e professores que não se adaptam a esse sistema são criticados, afinal a ideia de
outro mundo, outra possibilidade de ser e agir são percebidas como utopia, ilusão. Assim,
“parece existir mais preocupação em memorizar fórmulas, dados e generalizações
descontextualizadas que em chamar a atenção para realidades concretas, tanto longínquas
quanto locais” (TORRES, 2003, p. 203). Portanto, torna-se necessária outra forma de | 1208

lidar com o conhecimento que supere o modelo hegemônico disciplinar. “Pensar um


profissional da educação capaz de desenvolver um trabalho reflexivo e criativo e
promover transposições didáticas contextualizadas que permitam a construção da
autonomia dos educandos” (PACHECO, 2011, p 27).
Nesse sentido, afirma Freire (1996, p.22) que cabe ao professor se assumir como
sujeito da produção do saber que, “se convença definitivamente de que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar a possibilidade para a sua produção e construção”. Não

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se pode ser um professor crítico e democrático agindo de forma mecânica, sem desafiar
seus alunos a pensar criticamente.
Afirma Giroux (2003, p. 155), que se os estudantes “não estiverem prontos para
defender seus direitos à liberdade e à igualdade em suas relações pessoais, eles também
não irão lutar de maneira consistente por seus interesses econômicos.” Por isso, a prática
docente se torna importante, pois é uma atividade que inclui diversos saberes pedagógicos
que deveriam ser provenientes de reflexões, inclusive sobre a própria prática. Desse
modo, “é impossível compreender a natureza do saber dos professores sem colocá-lo em
íntima relação com o que os professores, nos espaços de trabalho cotidiano, são, fazem,
pensam e dizem” (TARDIF, 2012, p. 15).
Porém, no sistema atual, muitas vezes, o professor ainda é mero agente de
transmissão de conteúdos e os alunos receptores dos mesmos. Como consequência,
produzem-se discursos em que todo aquele que não se adapta ao sistema é considerado
fracassado; afinal, a educação é pública e acessível a todos, ou seja, “não estuda quem
não quer”, “não aprova quem não se esforça o suficiente”, “todos tem as mesmas
oportunidades, o que diferencia uns dos outros é à força de vontade”, ou seja, o aluno que
é considerado desajustado.
A esse respeito, afirma Bourdieu,
Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos
os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no
âmbito dos conteúdos do ensino médio que transmite, dos métodos e técnicas
de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as
crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os
educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos
e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais
diante da cultura. ( ) A igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve
como máscara e justificação para a indiferença no que diz respeito às | 1209
desigualdades reais diante do ensino e da cultura transmitida, ou, melhor
dizendo, exigida (BORDIEU, 2007, p.53).

O sistema educacional trata a aprendizagem como dom e/ou mérito,


transformando as desigualdades de fato em desigualdades de direito. Assim, a
justificativa da “ideologia do dom” contribui para que as classes menos favorecidas se
percebam e sejam percebidas naturalmente inaptas, ou seja, “com falta de dons”
(BOURDIEU, 2007, p.59).
Soma-se a isso o discurso neoliberal, de ideologia fatalista e imobilizante que,
com “ares de pós-modernidade, insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a

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realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar ‘quase
natural’”(FREIRE, 1996, p. 19).
Todavia, mesmo sabendo que os discursos podem ser reproduzidos, sabe-se
também que se pode resistir a eles, desde que as pessoas tenham condições de perceber,
analisar e pensar outras formas e condições de trabalho, relacionamento, ideias e ações.
Afinal, “as crenças e ações humanas são construídas e modificadas em função das
circunstâncias em que se vive e se trabalha” (TORRES, 2003, p. 240).
Porém, é ingenuidade esperar que organizações sociais estejam dispostas a
oferecer aos novos cidadãos condições para que desenvolvam o pensamento autônomo e
crítico sobre a sociedade em geral. “Seu interesse, mais ou menos legítimos, orientam-se
em outras direções mais próximas da inculcação, persuasão ou sedução do individuo a
qualquer preço do que da reflexão racional e da comparação crítica de pareceres e
propostas. Somente a escola pode cumprir esta função (GÓMEZ, 1998, p. 25)”.
A escola e a educação do professor são elementos cruciais no processo de
realização de uma sociedade mais justa. Para isso, a escola deve propor como
objetivo prioritário o cultivo, em estudantes e docentes, da capacidade de
pensar criticamente sobre a ordem social. O professor é considerado como um
intelectual transformador, com claro compromisso político de provocar a
formação da consciência dos cidadãos na análise crítica da ordem social da
comunidade em que vivem (SACRISTAN, 1998, p. 374).

Para tal, segundo Gómez (1998, p.22), a função educativa da escola


contemporânea deve-se embasar e considerar dois eixos complementares de intervenção:
- organização do desenvolvimento radical da função compensatória das desigualdades de
origem, mediante a atenção e o respeito pela diversidade;
- preparação dos alunos para pensar criticamente e agir democraticamente numa
| 1210
sociedade não democrática.
Acreditando nessa perspectiva de educação, entende-se como currículo,
(a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; (b)as experiências de
aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos; (c)os planos
pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais; (d)
os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; (e) os
processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos
procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização
(MOREIRA, CANDAU, 2007, p. 18).

Porém, é importante lembrar que a palavra currículo tem sido também utilizada
para indicar ações e efeitos não explicitados nos planos e propostas educacionais, ou seja,

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o currículo oculto. Este envolve atitudes, valores, ideias, etc., que muitas vezes, não são
considerados, e até mesmo percebidos pela comunidade escolar, nem tem seus efeitos e
influências identificado pelos mesmos (MORAES, CANDAU, 2007). Contudo, é o
currículo oculto que “vai-nos permitir captar o significado de práticas e hábitos que até
ao momento vinham passando despercebidos (TORRES, 1995, p. 65)”. Entretanto, “um
currículo que se pretende democrático deve visar à humanização de todos e ser desenhado
a partir do que não está acessível a todos (LIMA, 2007,p. 18)”.
Concomitante à produção do currículo, está à concepção de ser humano e o papel
da escola no desenvolvimento do aluno. “Não há, portanto, currículo ingênuo: ele sempre
implica em uma opção e esta opção poderá ou não ser favorável ao processo de
humanização (LIMA, 2007, p. 20).”
Humanização entendida como a
preparação de crianças e adolescentes para serem pessoas autônomas, capazes
de tomar decisões e elaborar julgamentos arrazoados e razoáveis, tanto sobre
sua conduta como sobre a conduta dos demais; torna-los capazes de dialogar e
cooperar na resolução de problemas e nas propostas de soluções encaminhadas
para a construção de uma sociedade mais justa. (TORRES, 2013, p. 216).

Porém, sabe-se que a produção de currículo e o próprio entendimento de


humanização do ser humano não podem ser considerados de forma isolada, ou seja,
sofrem os efeitos das políticas educacionais estabelecidas pelos governos. Portanto, não
se pode analisar as questões que se referem à escola, sem verificar os rumos que o governo
aponta para a educação através de suas políticas.
Afinal,
Quando as intenções e finalidades da educação tornam-se pouco claras, surge
um descontentamento, tratando de denunciar a perda de sentido e a inutilidade
das propostas educacionais. E logo aparecem suspeitas de que as instituições | 1211
de ensino na verdade conseguem o contrário daquilo que pregam os discursos
oficialistas (SANTOMÉ, 1998, p. 26).

Desse modo, acredita-se que para alcançar os objetivos da Educação Profissional


Integrada ao Ensino Médio, exposto no Documento Base, ainda se tenha um longo
caminho a percorrer. Afirma Torres que,
As práticas escolares, tal como tem vindo a realizar-se nas ultimas décadas,
salvo raras excepções, costumam reger-se pelo esquema simplista de um
professor que sabe muito e de um corpo de alunos que quase não sabe nada, e
que, por conseguinte, necessita aprender, através do ensino, uma série de
disciplinas... Tudo isso acompanhado por uma estratégia metodológica muito
condicionada por recursos didáticos, como manuais escolares, assim como por

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um sistema de avaliação reduzido quase exclusivamente ao que conhecemos
como exames, que garantem perante o resto da sociedade os méritos e
deméritos alcançados pelo aluno. Um modelo em que não se costumam
questionar de forma explícita outras possíveis responsabilidades que não sejam
as do próprio estudante; que esquece, por exemplo, de interrogar-se acerca de
quais são as obrigações do Ministério, da instituição docente e, inclusivamente,
do próprio professorado no resultado daquilo que acontece dentro das salas de
aula (TORRES, 1995, p 14)

Todavia, no referido documento, preparar exclusivamente para o exercício do


trabalho não é formar profissionalmente. Formar profissionalmente “é proporcionar a
compreensão das dinâmicas sócio produtivas das sociedades modernas, com as suas
conquistas e os seus revezes, e também habilitar as pessoas para o exercício autônomo e
crítico de profissões, sem nunca se esgotar a elas (BRASIL, 2007, p. 45).
Todavia, para tal, cabe aos professores assumirem uma postura profissional que
valorize o humano, a reflexão, a criticidade e a autonomia, preparando o aluno para o
mundo do trabalho. Afinal,
Esquecer-se de refletir sobre o presente a partir da história é um perigo que
transporta de uma forma oculta a mensagem da inevitabilidade e da
impossibilidade de transformar a realidade. Isto supõe também, por
conseguinte, uma perda de confiança no ser humano como controlador e
definidor do seu destino. Ou, o que é a mesma coisa, aceitar de modo
irremediável que os que se beneficiam sempre de uma coisa na actualidade
continuarão a fazê-lo no futuro, e vice-versa, que os desfavorecidos de hoje
são os mesmos de ontem e de amanhã (TORRES, 1995, p.15).

Além disso, acredita-se, que “a educação não corrige necessariamente as


estruturas e os comportamentos desiguais, mas poderia chegar a ser um importante
mecanismo se os cidadãos e cidadãs pudessem desenvolver as suas capacidades de crítica
e de luta por uma sociedade mais justa e democrática” (SANTOMÉ, 2007, p 160).
| 1212

CONCLUSÃO
A educação foi sendo modificada ao longo dos tempos, e essas transformações
trouxeram um novo tempo e novas esperanças para a sociedade, especialmente para os
menos favorecidos. Novos princípios educacionais prometem mudanças, novas práticas
e instituições com objetivos de fazer da educação uma ferramenta visando não só o
conhecimento, mas também justiça social e, consequentemente, uma sociedade mais
igual.

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Todavia, diferentes modos de pensar e interpretar essas transformações também
faz parte desses “novos” tempos. Com isso, colocar em prática os princípios e leis
estabelecidos depende das posturas adotadas não só pelos dirigentes educacionais, mas
também, daqueles que no cotidiano escolar, executam essas diretrizes, ou seja, os
docentes através do seu trabalho.
De acordo com o referencial teórico defendido pelo docente seu caminho
pedagógico vai sendo trilhado em sala de aula e a educação, na prática, vai se efetivando.
Desse modo, percebe-se que o trabalho docente é o que orienta os rumos da educação, e
essa, influencia os rumos da sociedade.
Assim sendo, percebe-se que há um longo caminho a percorrer. Caminho de luta
por uma educação que cumpra com os objetivos legalmente estabelecidos e proporcione
a todas as crianças e jovens do país a oportunidade de se construir como um ser humano
livre não só de direito, mas também de fato. Liberdade essa que vai muito além de um
regime político, mas que se fundamenta na oportunidade de aprender na escola a discernir
criticamente fatos e acontecimentos que envolvem não somente a vida do indivíduo
isoladamente, mas a vida da sociedade em geral.
Desse modo,
o desafio que se impõe ás escolas públicas e a outras instituições de educação
é o de promover um contexto para o desenvolvimento de outros meios de
tornar-se alguém – modos mais fortalecedores do individuo e da coletividade,
e mais condizentes com uma concepção democrática de eu e de comunidade
(APPLE, 2003, p. 35).

Entretanto, se os professores não forem capazes de construírem outras


perspectivas mais democráticas, participativas e humanas para o futuro educacional dos
estudantes, outras forças menos democráticas continuarão a fazê-lo. Desse modo, | 1213

continuaremos vivendo em uma sociedade onde o mérito é o discurso utilizado pela classe
dominante para, disfarçadamente, justificar o descaso pelas minorias e as desigualdades
sociais, inclusive dentro dos Institutos Federais.

REFERÊNCIAS
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. 10 ed.
Petrópoles, Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

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BOURDIEU, Pierre; CHAMPAGNE, Patrick. Os excluídos do interior. In: Nogueira, M.
A.; Catani, A. Escritos de educação. 9 ed. Petrópoles, RJ: Vozes, 2007.

BOURDIEU, Pierre; SAINT-MARTIN, Monique de. As categorias do juízo professoral.


In: Nogueira, M. A.; Catani, A. Escritos de educação. 9 ed. Petrópoles, RJ: Vozes, 2007.

BOURDIEU, Pierre. A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura.


In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. Escritos de educação. 9 ed. Petrópoles, RJ: Vozes,
2007.

_________________ O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz (português de


Portugal). 11 ed. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2007.

BRASIL, Congresso Nacional. Lei Federal nº 8.948 de 08 de dezembro de 1994.


Brasília, 1994.

________________________ Lei Federal nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008.


Brasília, 2008.

BRASIL, Secretaria de Assuntos Estratégicos. Pátria Educadora: a qualificação do


ensino básico como obra de construção nacional. Brasília, 2015.

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica.


Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio – Documento
Base. Brasília, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31ª


ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIROUX, Henry A. Atos impuros: a prática política dos estudos culturais. Trad:
Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2003.

GÓMEZ, A. I. Pérez. As funções sociais da escola: da reprodução à reconstrução crítica


do conhecimento e da experiência. In: SACRISTÁN, J. Gimeno. Compreender e
transformar o ensino. 4ªed. Artmed, 2007. | 1214

HYPOLITO, Álvaro Moreira, GANDIN, Luís Armando. Educação em tempos de


incertezas. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

LIMA, E. S. Indagações sobre currículo: currículo e desenvolvimento humano.


Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.
LUCKESI, Cipriano. Filosofia da Educação. 2 ª ed. Editora Cortez: SP, 2011.

MOREIRA, A. F. B; CANDAU, V. M. Currículo, Conhecimento e Cultura. Brasília:


Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

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PACHECO, Eliezer (org.). Institutos Federais: uma revolução na educação profissional
e tecnológica. Ed Moderna Ltda, 2011.

SACRISTÁN, J. Gimeno. Compreender e transformar o ensino. 4ªed. Artmed, 2007.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado.


Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

____________________ A educação em tempos de neoliberalismo. Porto Alegre:


Artemed, 2007.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 13ª ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2012.

TORRES, S. J. Currículo escolar e justiça social: o cavalo de troia da educação. Porto


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_____________ Currículo oculto. 3ª ed. Portugal: Porto editora, 1995.

| 1215

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FORMAÇÃO DOCENTE E CURRÍCULO: POLÍTICAS,
PROCESSOS E PERSPECTIVAS DE APERFEIÇOAMENTO
Maria Célia Borges - UFU/Facip
mariacelia@ufu.br
Leonice Matilde Richter - UFU/Facip
rleonice@pontal.ufu.br
Vânia Maria de Oliveira Vieira - Uniube
vaniacamila@uol.com.br

Resumo: A investigação buscou compreender a estrutura curricular dos cursos de


licenciatura de uma nova Universidade Federal no interior de Minas Gerais (NUFMG),
do Programa de Expansão das Universidades Federais, suas concepções pedagógicas e
políticas; e a consonância com os princípios do novo PNE e diretrizes atuais. Recorreu-
se à pesquisa bibliográfica para a fundamentação teórica e, em seguida da análise
documental e aplicação da técnica de entrevista semiestruturada. A análise dos dados foi
orientada pela técnica de triangulação. Os dados revelaram as dificuldades para a
viablização de projetos inovadores, como a falta autoria nos Projetos, ausência de
assessoria com diálogo e formação conjunta dos formadores, falta de investimentos
adequados na infraestrutura, dentre outros. Contudo, se por um lado houve dificuldades
e controvérsias para a inovação curricular, por outro, houve conquistas. Por fim, ao
considerar o novo PNE fica claro que há, ainda, muito a se fazer para a melhoria dos
Currículos para a formação de professores exigindo aperfeiçoamento tanto nas
orientações políticas e diretrizes, quanto na sua concretização no contexto da
Universidade. Melhorar a qualidade da formação docente incidirá na qualidade da
Educação Básica.
Palavras-chave: Políticas. Formação Docente. Currículos.

INTRODUÇÃO

A formação de professores é um tema recorrente no debate educacional nas | 1216


últimas décadas no Brasil e, no contexto atual, ainda configura-se como foco de
preocupação, seja entre teóricos de diferentes vertentes epistemológicas, quanto ao nível
das políticas públicas de educação. No âmbito do currículo, recentemente o Ministério da
Educação (MEC) publicou a Resolução Nº 2, de 1º de julho de 2015, a qual “define as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada”. Esta resolução explicita a preocupação com
a formação, pois, no

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Art. 1º Ficam instituídas, por meio da presente Resolução, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em Nível
Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica,
definindo princípios, fundamentos, dinâmica formativa e
procedimentos a serem observados nas políticas, na gestão e nos
programas e cursos de formação, bem como no planejamento, nos
processos de avaliação e de regulação das instituições de educação que
as ofertam. (p.2)

Quanto aos cursos de formação inicial de professores para a Educação Básica em


nível superior, em cursos de licenciaturas, objeto de nossa investigação, a resolução
ressalta no Art. 13, em seu caput, diz que a importância da formação deve ser organizada
em áreas especializadas, por componente curricular ou por campo de conhecimento e/ou
interdisciplinar, e considerar
[...] a complexidade e multirreferencialidade dos estudos que os
englobam, bem como a formação para o exercício integrado e
indissociável da docência na educação básica, incluindo o ensino e a
gestão educacional, e dos processos educativos escolares e não
escolares, da produção e difusão do conhecimento científico,
tecnológico e educacional, estruturam-se por meio da garantia de base
comum nacional das orientações curriculares.(p.11)

A Resolução traz, ainda, no parágrafo primeiro do Artigo 13, que os cursos de


licenciatura devem ter, "[...] no mínimo, 3.200 (três mil e duzentas) horas de efetivo trabalho
acadêmico, em cursos com duração de, no mínimo, 8 (oito) semestres ou 4 (quatro) anos, todos
os currículos das licenciaturas devem revisar os seus currículos, adequando-os com o
mínimo de 3.200 horas aulas". (p.11).
Essa orientação legal explicita a exigências dos cursos de Licenciatura que
formam professores para a Educação Básica, em suas diferentes áreas e especificidades,
| 1217
adequarem seus currículos e carga horária com o propósito de garantir sólida formação
aos licenciados.
Destarte, mobilizadas pela preocupação da qualidade da formação do profissional
docente, o objetivo geral da pesquisa consiste em compreender a estrutura curricular dos
cursos de licenciatura de uma nova Universidade Federal no interior de Minas Gerais
(NUFMG)1, do Programa de Expansão das Universidades Federais. Analisa-se o
percurso histórico, concepções pedagógicas e políticas que as sustentam o currículo e a
coerência em relação aos princípios orientadores do novo PNE e diretrizes atuais.

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Nessa perspectiva cabe problematizar: quais são os referenciais teóricos utilizados
para a construção dos currículos dos cursos de Licenciatura na expansão Universitária?
Até que ponto essas propostas curriculares apresentam coerência com sua materialização
na prática pedagógica? Como se efetivam a formação sólida na área de conhecimento
específico e a formação humanística e pedagógica na realidade dos cursos? As
orientações e práticas estão em consonância ou não em relação às propostas do novo
PNE e diretrizes atuais?
A pesquisa pode ser classificada como exploratória e descritiva, uma vez que tem
como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema e buscar nova visão,
com preocupação na atuação prática.
No contexto da NUFMG, Universidade nova e em processo de expansão, há seis
Cursos de Licenciatura criados em 2009, com o apoio do Reuni. Tomamos como amostra
dois Cursos de Licenciatura, o que representa quase 30% dos Cursos acima citados.
Adotamos, como critério de escolha, um Curso da área de Ciências Humanas (História)
e um Curso na área de Ciências Exatas (Matemática). Outro ponto comum é que ambos
tiveram notas iguais - 4 - na primeira avaliação do MEC, realizada em 2013.
A pesquisa se desenvolveu em quatro etapas: 1) Pesquisa bibliográfica e
documental para a revisão aprofundada da literatura e os estudos precedentes sobre a
teoria de Currículo, formação inicial de professores (específica e pedagógica), análise dos
PPPs e políticas de formação docente. 2) Pesquisa empírica com aplicação de entrevistas;
3) Análise dos dados coletados. 4) Elaboração dos resultados da pesquisa.
A técnica da entrevista semiestruturada, apoiando-se em um roteiro norteador,
auxiliou na complementação e cruzamento dos dados bibliográficos e documentais.
| 1218
Escolhemos a entrevista, pois valoriza a presença do investigador e os sujeitos
investigados.
Por amostragem, foram selecionados os coordenadores dos Cursos de História e
Matemática, quatro professores dos cursos de Licenciatura, e oito licenciandos,
totalizando quatorze sujeitos informantes. O critério de escolha dos sujeitos foi que, tanto
os alunos, quanto os professores, deveriam ter mais de dezoito meses de permanência
(atuação e frequência) nos respectivos cursos.

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Por fim, os depoimentos dos professores e alunos participantes da pesquisa foram
computados e confrontados com todas as informações, submetidos ao método da
triangulação, prosseguindo com a análise descritiva dos dados.

Desenvolvimento: referencial teórico e análise de dados

As inovações na área de formação de professores, propostas pelas políticas


educacionais, são muitas. Contudo, na estrutura das instituições e currículos da formação
de professores no Brasil, Gatti e Barretto (2009) ponderam que qualquer proposta de
inovação esbarra na representação tradicional e nos interesses instituídos; o que dificulta
repensar essa formação de modo mais integrado e em novas bases, bem como a
implementação de formatos novos que trariam avanços qualitativos nos cursos de
formação, com reflexos nos trabalhos pedagógicos desenvolvidos nas escolas, como
ocorreu em vários países nos últimos anos, como exemplo de Cuba, Coreia e Irlanda.
Partimos da ideia de que os cursos de Licenciatura que graduam o professor que
vai atuar nas diferentes áreas do conhecimento, para serem realmente de qualidade e
formarem o profissional competente, precisam de um Currículo inovador e crítico, que
dê conta da formação necessária para os tempos hodiernos. Todavia, ainda evidencia-se
muitas questões problemáticas no processo de formação nos cursos de licenciatura e,
como destacam Gatti et al. (2010, p.116), as questões debatidas no ambitos de varias
associações (como a ANFOPE; ANPED, CEDES) como nos documentos oficiais não
encontram “eco nos processos curriculares da grande maioria dos cursos de formação de
professores”, como a “relação teoria-prática tão enfatizada em documentos e normas” e a
| 1219
“concepção curricular integrada” não se concretiza no cotidiano das diferentes
licenciaturas.
Em pesquisa recente sobre as experiências curriculares, na perspectiva dos
estudantes de licenciatura, André (2012, p. 47) destaca os problemas da “fragmentação
dos currículos, a falta de articulação entre os conhecimentos específicos e as questões da
prática pedagógica, as experiências do estágio”. Analisa, ainda, que a formação
profissional é considerada importante pelos estudantes, “mas insuficiente para os desafios
do exercício profissional, especialmente porque ao longo do curso passam a compreender
melhor a complexidade do trabalho docente” (Idem). De acordo com os dados da referida

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pesquisa as atividades curriculares que mais favorecem a formação, segundo os alunos,
são as que oportunizam a observação e vivência de práticas bem sucedidas e que garantam
o protagonismo na organização da prática pedagógica.

Quanto o curso oferece oportunidades de práticas curriculares que


permitem a vivência em atividades organizadas e orientadas, como a
participação em projetos de extensão que favoreçam a inserção do aluno
em escolas, atividades de iniciação científica e pesquisa envolvendo o
conhecimento da realidade escolar, experiências de monitoria nas quais
os alunos possam exercer funções docentes, tais práticas contribuem
decisivamente para a aproximação e identificação com a docência.
(ANDRÉ, 2012, p, 48)

Garantir um currículo que atenda às demandas de formação de licenciados


comprometidos com a Educação Básica de qualidade é um grande desafio, especialmente
diante da conquista histórica da expansão da educação no Brasil. Os cursos de licenciatura
devem enfrentar tal desafio, contudo como indica Gatti (2010 p. 1375):
A forte tradição disciplinar que marca entre nós a identidade docente e
orienta os futuros professores em sua formação a se afinarem mais com
as demandas provenientes da sua área específica de conhecimento do
que com as demandas gerais da escola básica, leva não só as entidades
profissionais como até as científicas a oporem resistências às soluções
de caráter interdisciplinar para o currículo, o que já foi experimentado
com sucesso em vários países. A formação de professores profissionais
para a educação básica tem que partir de seu campo de prática e agregar
a este os conhecimentos necessários selecionados como valorosos, em
seus fundamentos e com as mediações didáticas necessárias.

Vale destacar que os licenciandos em História e Matemática vão atuar como


docentes, especificamente nos anos finais da Educação Básica e Ensino Médio. Portanto,
é para este nível que devem ser preparados. Concentra-se no período da pré adolescência | 1220

e adolescência, que é exige atenção especial nos aspectos afetivos e formativos.


Na pesquisa empírica, analisamos documentos e realizamos entrevistas com os
coordenadores dos cursos, e os professores e alunos participantes. Na investigação sobre
quais "Os referenciais teóricos utilizados para a construção do Currículo do seu Curso
de Licenciatura", encontramos os seguintes depoimentos:
a) Tratado de Bolonha, forma de organização de cursos superiores e de
pós-graduação stricto sensu da Europa; b) Textos de Edgar Morin (A
cabeça bem feita, Sete saberes necessários à educação do futuro...); c)
PBL – Estudo por problemas de aprendizagem, a partir da experiência
desenvolvida na Universidade de S.P. d) Faculdade de Medicina da

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Universidade de Harvard; e) Textos de Ivani Fazenda sobre
interdisciplinaridade; f) Pareceres do CNE para cursos de licenciatura
no país; g) Decreto que instituiu o Reuni. (Coord.1)
Também na experiência da Universidade Federal da Bahia. (Prof.2).
- Os professores atuais não participaram da construção do PPP do curso.
(Prof.1)

Evidenciou-se que o contexto da Instituição, bem como seus atores, não foram
considerados para orientar a construção dos Currículos. As ideias e formato adotados
foram copiados de uma realidade alhures, mais precisamente da Europa (Bolonha) e uma
mistura com a experiência brasileira da Universidade Federal da Bahia UFBA. Antes dos
cursos existirem, organizou-se uma equipe, com apenas um professor de cada curso, para
elaboração da proposta curricular. Como matriz epistêmica, citaram vários autores como
Edgar Morin e Ivani Fazenda, o que sugeria a teoria da complexidade como corrente
filosófica orientadora. Entretanto, são citados, no PPP, vários autores de outras correntes,
explicitando, na verdade, um grande ecletismo teórico.
Neste prisma, constatamos que na política educacional brasileira, traduzida pela
atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, bem como nos textos
legais que a regulamentam, percebe-se a incorporação de tendências diversas, com fontes
teóricas diferentes, algumas vezes até contraditórias, procurando legitimar discursos e
posições presentes na academia e direcionando para interesses e finalidades que são
definidas para a educação. (MATOS, 2006, p.02)
Destarte, acreditamos não ser promissor construírem-se Currículos ou técnicas
sofisticadas, desprovidos do necessário investimento na capacitação do professor,
somados à sua valorização profissional e boas condições de trabalho. Outrossim, a
"formação técnica não pode ser desvinculada da formação político-pedagógica". | 1221

(PORTO, 2002, p. 04)


A forma de organização do currículo dos cursos aponta para a estruturação dos
ciclos de formação . Contudo, a perspectiva dos ciclos configura-se mais como uma
forma de divisão entre formação inicial generalista e, posteriormente, formação no
conteúdo específico, como evidencia-se abaixo.

Em decorrência dos princípios propostos na concepção dos Cursos, que


prevêem como fundamentos essenciais: flexibilidade curricular;
metodologias de ensino que tenham como foco a aprendizagem;
interdisciplinaridade; construção de postura crítico-reflexiva acerca das

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discussões contemporâneas mundiais; e indissociabilidade entre teoria
e prática, é importante destacar dois momentos. O primeiro diz respeito
aos dois semestres iniciais, chamado de Ciclo Comum de Formação,
que tem caráter de formação generalista, proporcionando ao aluno uma
ampla visão das relações entre o homem e o mundo. (NUFMG,
Fundamentos. 2008 p.23)

Deste modo, a organização curricular do Ciclo Comum de Formação expressa a


ideia de que é necessário partir de uma visão ampla sobre as relações entre o Homem e o
Mundo. Para isso, o aluno desenvolverá diferentes habilidades para construir a formação
necessária. Só a partir do terceiro semestre, o Currículo do curso dá ênfase à formação
específica de cada área de saber e agrega a formação pedagógica.
As disciplinas (conteúdos) receberam outro nome: Unidades Temáticas. Estas,
assim se explicam:
Em cada Unidade Temática deverão ser selecionados conteúdos
articulados de modo a não perder de vista o ensino interdisciplinar, a
autonomia do aluno para desenvolver investigações em áreas diversas
de estudo e pesquisas, em parceria com outras instituições que
investigam as mesmas temáticas. (NUFMG, Fundamentos. 2008 p.23).

A intenção de adesão a uma prática inovadora fica esclarecida, no PPP, nos


seguintes dizeres:
Dessa forma, as estratégias de ensino devem ser ricas e variadas,
buscando superar o ensino livresco, a transmissão mecânica do
conhecimento, através da aula tipicamente expositiva, da cópia, da
decoração e do uso de instrumentos de verificação memorativa.
Portanto, buscam-se processos relacionais mais complexos, nos quais
as ações docentes e discentes superam as ações de dar e assistir
passivamente as tradicionais aulas expositivas, recorrendo a outras
estratégias que permitam a ação ativa do aluno, favorecendo a
construção de diversas habilidades e a real apreensão do conhecimento. | 1222
(PPP, 2007, p. 56)

As ideias de Pimenta e Anastasiou também estão em destaque, uma vez que, nessa
concepção, "ensino e aprendizagem são processos indissociáveis, pois a aprendizagem é
consequência do bom ensino". (PPP, 2007, p. 54).
E a formação humanística e pedagógica, também está garantida no projeto e na
prática?
Quanto à formação pedagógica pode-se dizer que nem na proposta
inicial houve avanços, pois ficou com o formato da maioria das
licenciaturas do país. Poucas disciplinas e poucos professores

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responsáveis por elas, dificuldade de articulação com as demandas das
áreas específicas, desvalorização, foram dificuldades enfrentadas na
formação chamada pedagógica. (Coord.2)

Mediante as controvérsias, desejou-se saber também: Quais as vantagens da


proposta curricular?
[...] seria um Currículo que romperia com a fragmentação verificada
atualmente na educação superior de forma geral, contribuindo para as
pessoas trabalharem de forma coletiva. Além disso, pensávamos que a
formação dos alunos seria mais abrangente, crítica, sem se preocupar
apenas com a especificidade das áreas. Mas não foi o que se
concretizou, de fato. (Prof.2).
-O curso possui um núcleo de formação que dialoga com outras áreas
do conhecimento. Porém, restringe-se ao primeiro ano do curso, em
seguida, volta-se para a especificidade; corre-se o risco de perder o
diálogo interdisciplinar com outras áreas. (Disc,3)
-Devido às especificidades da área, em algumas situações os conteúdos
são fragmentados, enquanto em outras situações os conteúdos
englobam conhecimentos trabalhados em várias disciplinas, de modo
que representam uma evolução ao longo de uma linha de pensar.
(Disc.5).

Embora a proposta era dita inovadora, percebemos que houve muito mais
resistência à materialização da proposta do que apoio à sua realização plena. A temática
de um Currículo, sua orientação filosófica, recursos e infraestrutura, a formação dos
professores e perspectivas metodológicas fazem parte de um todo, mais ainda, de um
projeto político pedagógico que deverá ser construído coletivamente em cada espaço de
educação. Constata-se, ainda, que não adianta produzirem-se Currículos ou técnicas
sofisticadas sem o devido investimento na capacitação do professor, na sua valorização
profissional ou na sua formação técnica, a qual não pode ser desvinculada de sua
| 1223
formação político-pedagógica. (PORTO, 2002)
Dando sequência ao nosso trabalho de investigação, questionamos se "a proposta
curricular apresentava coerência com sua materialização na prática pedagógica"

O que foi pensado inicialmente acabou não se consolidando, mesmo


com a insistência das primeiras tentativas de se realizar um trabalho
coletivo. Os conflitos foram tantos, que a proposta acabou se
desfazendo e, aos poucos, modelos mais tradicionais, semelhantes aos
que imperam na maioria das universidades, foram se organizando.
Reclame geral sobre a carência da formação específica e veio a aversão,
que foi maior do que a aceitação. (Coord.1)

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Mesmo o PPP sendo incisivo com a questão da interdisciplinaridade, depoimentos
afirmam que [...] não vejo integração entre as disciplinas. Só no 1º período ou Ciclo
Básico. Depois, nem os professores das pedagógicas conversam ou planejam juntos. [...]
tivemos textos repetidos em disciplinas diferentes, e chegamos até a ver o mesmo filme
3 vezes. (Disc.7).
Nos projetos, registrou-se a firme intenção de se trabalhar com o ensino ancorado
na pesquisa e na extensão. Assim, está presente o propósito de formar dentro da missão
tríplice da Universidade, pois [...] destaca-se a ideia de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, utilizando variadas e ricas estratégias, cuidadosamente planejadas
com o objetivo de garantir a efetivação do binômio ensinar/aprender. (PPP, 2007, p. 57,
sic)
Outro foco de atenção ao longo das entrevistas refere-se à orientação do Currículo
dos Cursos quanto à formação sólida na área de conhecimento específico. Os sujeitos
assim se manifestaram:
-[...] a formação preocupa-se em apresentar teorias. Parece que não há
uma preocupação clara e de todos os professores envolvidos com a
materialidade dessas teorias na Educação Básica. Este movimento é
melhor nas disciplinas ditas “pedagógicas”, (...) tarefa árdua, e
desvalorizada por professores e alunos. (Prof.4)
-Eu não tenho a mínima noção onde chegar com essa formação, pois
temos o conteúdo de 4 anos em 3 agora; o primeiro ano inteiro não se
vê nada da área específica, só aquelas que visam o caráter crítico do
professor. Tem Universidades nas quais esse mesmo curso é em 4 anos
e no período integral, sem o ciclo comum (...)já perdemos por fazer
curso noturno, e ainda temos que fazer em 3 anos? Creio que temos que
correr atrás, para ter conteúdo. (Disc. 08).

| 1224
Observamos que alguns professores, advindos de uma formação orientada pelo
positivismo, por isso com disciplinas isoladas e fragmentadas, avaliação classificatória,
voltada para a formação do bacharel, rejeitam essa proposta de formação mais humanista,
que exige diálogo, intercâmbios e integração entre os conteúdos.
Outra questão séria, confirmada pelos depoentes, é que a maioria dos professores
rejeitou a proposta dita "inovadora", bem como a formação pedagógica. Defendem uma
formação com maior peso nas disciplinas específicas, voltados para a formação do
bacharel.

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A seguir, a questão que se coloca é: o Currículo do seu Curso garante a formação
nos fundamentos educacionais em Pedagogia e Didática?
Os depoimentos dos professores da formação pedagógica confirmam que "[...]
quase não há diálogo, nem mesmo entre as professoras que trabalham com a formação
pedagógica, muito menos ainda, entre os professores das específicas " (Prof.3). Percebe-
se que a falta de diálogo, planejamento conjunto, formação contínua coletiva e específica,
dificultam ou mesmo comprometem o trabalho integrado ou disciplinar.
Outro participante diz acreditar “[...] que pode ser melhorada a formação
pedagógica, acrescentar Psicologia da Educação, faz falta no Currículo; trabalhar as
disciplinas pedagógicas mais integradas, sem repetição”. Retomamos a importância de
se conhecer a faixa etária dos alunos que serão atendidos pelos licenciandos, os quais
estarão situados nos períodos da pré adolescência e adolescência, onde, comumente,
vivenciam conflitos afetivo/emocionais e da personalidade.
Nessa perspectiva, Libâneo (2009) afirma a importância da formação na área
pedagógica, uma vez que a Didática é o principal ramo da Pedagogia, pois investiga os
fundamentos, as condições e os modos de realização da instrução e do ensino. O mesmo
autor afirma, ainda, que a Didática desenvolvimental propõe que o ensino visa promover
e ampliar o desenvolvimento mental. Em outras palavras, a finalidade do ensino é a
formação de ações mentais (capacidades intelectuais), por meio dos conteúdos.
Há outros fatores que atrapalham o desenvolvimento pleno de um Currículo e
prejudica a boa qualidade de ensino. Os docentes reclamaram de grande intensificação
do trabalho docente, pois, devido ao número reduzido de professores, comumente têm de
ministrar várias disciplinas concomitantemente, as salas de aula são lotadas, há falta de
| 1225
livros na biblioteca, falta de laboratórios, etc.
A seguir, indagou-se: já houve reestruturação do Currículo do Curso? Por quê?
Se houve, quantas e em que aspectos?

Houve várias, determinadas pelo movimento dos grupos que se


organizaram após a implementação da proposta inicial. Mas foram
mudanças pontuais, especialmente de matriz curricular, demandando
uma mudança mais profunda – que é o desejo dos grupos... Não sei
quantas foram as modificações realizadas. (Coord.1)

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Outros depoimentos neste sentido mostram que, na maioria dos cursos, foi
eliminado o Ciclo Comum, que era contemplado nos PPPs inicialmente e, em especial,
na estrutura curricular. O desejo dos professores que iam chegando e conhecendo a
proposta, era comum. Mobilizavam-se, para que, nos colegiados de cursos, pudessem
reestruturar os Currículos, diminuindo a carga horária ou mesmo eliminando as
disciplinas ditas "humanistas", como também as "pedagógicas", visando reforçar a
formação específica, voltada para investimento maior na formação de um bacharel, em
detrimento da formação docente.
Prosseguimos a investigação indagando se o depoente estava satisfeito com a
estrutura curricular de seu curso ou acreditava que ela ainda pudesse ser aperfeiçoada
e, se tinha sugestões para o aperfeiçoamento do Currículo.
Os depoimentos explicitaram que ninguém está totalmente satisfeito com as
mudanças e colocam-se em aberto para novos aperfeiçoamentos. Demonstram, também,
a percepção sobre a falta de articulação entre a teoria e a prática, [...] a dissociação entre
formação para a especificidade de cada área e a formação chamada pedagógica, a
dificuldade de trabalho coletivo nos grupos, a falta de política institucional para a
formação de professores, a desvalorização da área, entre outros". (Coord.2). Sugeriram
mudanças no Trabalho de conclusão de curso para memorial, flexibilidade no horário e
construção coletiva do Projeto Curricular.
Outro fator preocupante, que ficou evidente nos depoimentos, é que não existe
uma equipe pedagógica, com autoridade no assunto, que seja responsável pela orientação
e coordenação das discussões sobre Currículos. Desse modo, "[...] tudo corre muito solto
e os cursos ficam sem apoio e com falta de alguém que tenha argumentos teóricos válidos,
| 1226
que possam contribuir com o aperfeiçoamento dos Currículos" (Prof.1).
Verificou-se, ainda, que na NUFEMG não existe um projeto institucional para
garantir a formação contínua dos professores. "A atualização dos professores acontece
de maneira individual, conforme o interesse de cada um, em participar de congressos,
conferências ou colóquios, onde possam "arejar" a cabeça e se atualizar". (prof. 6)
Outro fator dificultador é a mentalidade e representações vigentes nas instituições e
seus membros, que se acham impregnadas pela conformação que historicamente se instituiu
entre nós quanto à formação de professores. Deve-se, também, considerar a tensão entre

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acadêmicos, tecnólogos e educadores, em que a questão da dicotomia entre a teoria e a prática,
que ainda não foi superada.
Como perspectivas para o aperfeiçoamento da formação docente, merecem destaque aqui
as propostas contidas no Decreto Presidencial 6.755/2009, que na visão de Gatti e Barretto (2009),
buscaram responder a desafios apontados por décadas nas análises realizadas nos países, sobre o
processo de formação de docentes, entre eles: conseguir articulação entre níveis de gestão e
também entre interinstituições, bem como dessas com as redes de ensino, escolas e outros espaços
educativos não formais; dar organicidade à matriz curricular e processos formativos; repensar
currículos e suas formas de implementação, revendo estruturas das instituições formadoras e dos
cursos; estudar mais a fundo os próprios processos formativos em suas diversas modalidades.
A necessidade de busca de inovação e aperfeiçoamento do Currículo de formação
docente sempre vai existir e, agora tornou-se uma exigência para atender a Resolução Nº 2,
de 1º de julho de 2015, apresentada acima e, ainda mais, para cumprir as metas do PNE/2014.
Mediante tal contexto, destacamos que o novo Plano Nacional de Educação PNE
- 2014-2024 - (Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014) traz entre suas diretrizes no Art.2º,
no ítem IV - a garantia da "melhoria da qualidade da educação" e no ítem IX, a garantia
de "valorização dos (das) profissionais da educação".
Ademais, destacamos a Meta 13, na estratégia 13.4 garante
[...] promover a melhoria da qualidade dos cursos de pedagogia e
licenciaturas, por meio da aplicação de instrumento próprio de
avaliação aprovado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação
Superior - CONAES - integrando-os às demandas e necessidades das
redes de educação básica, de modo a permitir aos graduandos a
aquisição das qualificações necessárias a conduzir o processo
pedagógico de seus futuros alunos (as).

Formar professores bem formados é uma exigência para se alcançar uma educação
| 1227
pública de qualidade e acessível a toda população brasileira. E, como disse Saviani (2014,
p.104) o foco da melhoria da educação pública está na defesa de que "[...] a qualidade
será assegurada pela instituição de um sólido Sistema Nacional de Educação operado
segundo metas claras definidas no Plano Nacional de Educação, que também deverá
garantir os meios pelos quais as referidas metas serão atingidas."
Por isso subsidiados pelas ideias de Saviani (2014) defendemos a premissa de que
não bastam as leis, é preciso oferecer meios como recursos, apoios e condições para que
elas se concretizem, de fato.

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Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) afirmam que, para dar conta dos desafios
postos ao campo da formação de professores, a organização curricular precisa pensar em
novas dinâmicas de construção da profissão como redes complexas, que nos levem a
novas concepções sobre as disciplinas, as relações disciplinares e as disciplinas, as
relações disciplinares e a formação de competências. O Currículo, mais que um conjunto
de "competências que devem ser formadas", constitui-se de experiências significativas,
nas quais se constrói o fazer-pedagógico, em um contexto sócio histórico dado, que se
organiza de diversos modos para aproximar-se à intenção formativa do "modo
profissional" de cada agência formadora, como espaço de inovação pedagógica.
Destarte, a tomada de consciência, por parte dos professores formadores a respeito
da importância de refletir sobre suas ações, poderia contribuir para a formação de
cidadãos críticos, reflexivos e comprometidos efetivamente com a educação, pois a ação
(modelo) do professor formador tem papel fundamental na formação dos futuros
professores.

Conclusões

É certo que a expansão das universidades, especialmente nos cursos de


licenciatura, necessita de avaliação, reestruturação, acompanhamento e maiores
investimentos para garantir a inclusão dos educandos na entrada da educação superior,
como também na saída, com uma formação sólida nos conteúdos específicos e nos
pedagógicos, bem como na formação humana, ética e cidadã.
Na formação inicial, exige-se um currículo que garanta a construção do perfil do
| 1228
professor pesquisador é condição sine qua non para a formação de educadores e cidadãos
conscientes, preparados e prontos a se posicionar de modo crítico, face à evolução do
instrumental teórico em sua área de atuação.
Neste prisma, é importante reafirmar que os PPPs - e sua estrutura curricular de
um curso devem ser construídos pelo grupo que vai concretizá-los, num processo de
estudos, diálogos, reflexões e debates, até se chegar a um consenso. Tem-se muito mais
desejo da realização concreta de uma prática quando se é autor de um planejamento e
expressa suas ideias e valores. E, ainda, projetos inovadores precisam de investimentos
e condições para viabilização.

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Como se trata de uma pesquisa exploratória e descritiva, a pretensão foi trazer
uma contribuição para a área dos Currículos de formação de professores, com o olhar na
possibilidade de abrir espaços para novas investigações, tendo em vista o
aperfeiçoamento da formação dos futuros docentes para a Educação Básica.
Nossa esperança é que as metas do novo PNE sejam colocadas em prática, contando com
o apoio firme do Sistema Nacional de Educação, a ser instituído, brevemente.
Insistimos, por fim, que é imprescindível a instituição e regulamentação de um sólido
Sistema Nacional de Educação para operar e garantir os meios para que as metas do novo Plano
Nacional de Educação (2014-2024) possam ser efetivadas. Assim, fazer valer as políticas sobre
a formação de professores, concretizando suas propostas com relação ao investimento e
proposições em prol da melhoria da qualidade da formação do professor da Educação Básica e,
consequentemente, a melhoria da qualidade desta.

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controvérsias e perspectivas. Campinas, SP: autores Associados, 2014. (Coleção Polêmicas do
Nosso Tempo)TEORIA E PRÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE COMPUTAÇÃO:
ARTICULAÇÃO DE SABERES NOS COMPONENTES CURRICULARES

Adão Caron Cambraia – Instituto Federal Farroupilha e-mail:


adao.cambraia@iffarroupilha.edu.br

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TRABALHO DOCENTE E PNE: desafios à valorização profissional
04, 05 e 06 de abril de 2016
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria - RS
Eliana Regina Fritzen Pedroso – Instituto Federal Farroupilha e-mail:
eliana.fritzen@iffarroupilha.edu.br

RESUMO: O presente artigo visa discutir a relação teoria e prática na formação docente, mais
especificamente dos licenciandos em computação. Esse estudo primeiramente estabelece um diálogo com
a legislação que trata da temática já apresentada e de uma breve análise do Projeto Pedagógico do Curso
(PPC) no que tange a Prática enquanto Componente Curricular no esforço em identificar aspectos que
marcam uma maior aproximação da escola de educação básica e a criação de uma identidade do professor
de computação. Assim, o objetivo é compreender de que modo se articula a relação teoria e prática a partir
de um relato de experiência da Prática enquanto Componente Curricular, que foi coordenada pelos
professores das disciplinas de Linguagem de Programação I e de Metodologia Cientifica.

Palavras-chave: Teoria e prática; Formação de professores; Prática enquanto Componente Curricular.

1 Considerações Iniciais
O presente artigo visa discutir a relação teoria e prática na formação docente, mais
especificamente dos licenciandos em computação250. Nesse sentido, esse estudo
primeiramente estabelece um diálogo com a legislação que trata da temática já
apresentada e de uma breve análise do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) no que tange
a Prática enquanto Componente Curricular no esforço em identificar aspectos que
marcam uma maior aproximação da escola de educação básica e a criação de uma
identidade do professor de computação. Assim, o objetivo é compreender de que modo
se articula a relação teoria e prática a partir de um relato de experiência da Prática
enquanto Componente Curricular, que foi coordenada pelos professores das disciplinas
de Linguagem de Programação I e de Metodologia Cientifica 251. Utilizou-se uma
abordagem qualitativa para compreender e analisar a experiência produzida, como | 1231

professores do curso de Licenciatura em Computação (LC). Essa experiência teve como


culminância a construção de saberes entre professores formadores e os alunos do curso,

250
O curso de Licenciatura em Computação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Farroupilha (IF Farroupilha) atende à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao Decreto n° 3276
de 06 de dezembro de 1999, que dispõe sobre formação em nível superior de professores para atuar na
Educação Básica. Bem como, responde a uma demanda de novos profissionais para trabalhar o ensino da
computação de forma interdisciplinar e na inclusão digital para que diferentes disciplinas se apropriem das
tecnologias digitais como uma ferramenta cognitiva (JONASSEN, 2007), privilegiando uma formação
integral e pensamento crítico nos sujeitos, para realizarem uma transformação da realidade social,
principalmente da escola e da universidade.
251
Ambos autores desse texto.

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dentro do contexto da formação de professores realizada no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Campus Santo Augusto.
Em grande parte dos cursos de Licenciatura do Brasil e, em especifico, nos cursos
de LC, existe dificuldades em construir uma identidade profissional de professor. Em
outras palavras, o que concerne ao campo didático-pedagógico desta formação, era
centrado apenas em docentes da área pedagógica, o que dificultava por vezes, a
interligação com os docentes da área tecnológica. Percebemos que isso passou a refletir
na construção identitária dos alunos de licenciatura, pois os alunos se percebiam
professores a partir da metade do curso, quando frequentam disciplinas relacionadas à
metodologias do ensino e/ou nos estágios curriculares. Algumas das causas que levam a
essa dificuldade são: i) a intensa fragmentação dos conhecimentos - em que cada
disciplina desenvolve seu plano de ensino e em muitos casos pouco se diferencia de um
curso de bacharelado. Isso ocorre, principalmente, devido aos professores-formadores
serem acadêmicos-pesquisadores e não professores-pesquisadores252, demonstrando a
necessidade de criação de novos espaços de formação continuada de professores que
privilegiem a constituição do professor-pesquisador (ZEICHNER, 1993); ii) a
dicotomização entre teoria e prática – em que o contato com a escola de educação básica
(espaço de trabalho do futuro professor) é evidenciado somente no estágio e em grande
parte se desenvolve um trabalho sobre a escola e não com a escola (MIRA, 2012).
Essas dificuldades não ocorrem apenas em cursos de LC, em outras
licenciaturas também ocorrem. Conforme Maldaner (2008) essas problemáticas também
são evidenciadas em cursos de Química, pois se percebe uma falta de educadores
químicos e a presença do químico educador nas salas de aula no Brasil. Destaca que a
| 1232
desvalorização da Educação Química ocorre devido à inexistência de reflexões acerca da
educação nos cursos que formaram os atuais químicos professores, o que potencializa um
trabalho de pesquisa mais direcionado para a Química do que para a Educação em
Química.

252
Essa divisão entre professores-pesquisadores e acadêmicos-pesquisadores é desenvolvida por Zeichner
(1998) nos chama a atenção para o desenvolvimento de novos espaços de formação de professores em que
priorizem a formação de um professor-pesquisador critico e reflexivo. Essa questão é aprofundada em um
texto intitulado “A constituição de espaços de formação para interlocução entre pesquisadores‐acadêmicos
e professores‐pesquisadores”, de autoria de Adão Caron Cambraia e Cristhian Moreira Brum apresentado
na X ANPED SUL, Florianópolis, Outubro de 2014.

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Conforme o PPC, a LC é composta por disciplinas específicas da
Computação, matemática, dos Fundamentos da Educação (Psicologia da Educação,
História da Educação, Filosofia da Educação e Sociologia da Educação), disciplinas
político-pedagógicas e didáticas que tem como objetivo a formação de um professor de
Computação. O curso tem um total de 3268 horas, dessas 400 de Estágio Curricular, 200
de Atividades Acadêmico-Científico Cultural e 400 horas de Prática enquanto
Componente Curricular253.
Em todos os cursos de Licenciatura do IF Farroupilha, a Prática enquanto
Componente Curricular é um Componente Curricular Articulador e na Licenciatura em
Computação é denominado de Prática do Ensino da Computação (PEC)254 I a VIII, com
50 horas cada e articula o conhecimento “de no mínimo 02 (duas) disciplinas do semestre,
pertencentes, preferencialmente, a núcleos distintos do currículo” (BRASIL, 2014, p.35).
Trata-se de um esforço de proporcionar a formação de um professor reflexivo e
pesquisador, presente na escola, desde o primeiro semestre.
Para isso, no tópico 2 se elaborou um pano de fundo demonstrando a
importância de romper com a racionalidade técnica e construir uma proposta de
formação de professores pautada na reflexão sobre a prática para uma relação dialética
entre teoria e prática.
O terceiro tópico analisa o PPC da LC com intuito de identificar como a PEC
promove uma relação dialética entre teoria e prática na constituição de professores, e ao
mesmo tempo, romper com uma ideia ainda muito presente, a racionalidade técnica. Essa
racionalidade acaba por desconsiderar aspectos essenciais da formação do docente,
considerando-o muitas vezes um mero executor prático a serviço do conteúdo de sua
| 1233
disciplina.
O tópico 4 objetiva demonstrar como a PEC proporciona aos professores e alunos
do curso de LC um diálogo permanente entre as diferentes disciplinas do curso e com as
escolas, contribuindo na construção de saberes docentes. Para isso, foi construído um
relato das atividades realizadas na PEC II255.

253
Conforme Resolução CNE/CP 02/2002.
254
No decorrer do texto ao se referenciar ao Componente Curricular Articulador da Licenciatura em
Computação utilizaremos a sigla PEC – Prática do Ensino da Computação.
255
O relato reflexivo foi facilitado devido a sistematização e interação realizada em uma rede social de
aprendizagem (www.edmodo.com). Nessa ficou registrado as atividades desenvolvidas, as dúvidas dos

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2 Relação Teoria e Prática na Formação Docente

Na atual configuração das sociedades, se presencia inúmeras manifestações para


as soluções dos problemas educacionais. A educação brasileira é ainda hoje refém de
modelos educativos e formativos que se sucederam em outros países, em especial países
considerados potências econômicas. Nessa perspectiva, é implantada a Reforma
Educacional de 1990, conforme Dias e Lopes (2003). Na busca pela melhoria da
qualidade na educação, o foco passou a ser o professor, ou seja, a formação de
professores. A Reforma veio carregada com influências teórico-metodológicas bem
sucedidas de experiências estrangeiras, influenciadas pelo Banco Mundial, o que recaiu
diretamente sobre as DCN de Formação de Professores. As Diretrizes Curriculares
Nacionais de Formação de Professores - Parecer CNE/CP 09/2001 (DCN), representam
uma256 das orientações do que se deve desenvolver nos cursos de formação de professores
no Brasil.
Na tentativa de ampliar a qualidade da formação de professores e, por
consequência, da educação, instituiu-se uma configuração dos cursos de licenciatura que
os diferenciavam dos bacharelados. Assim, estabeleceu-se “a definição de currículos
próprios da Licenciatura que não se confundam com o Bacharelado ou com a antiga
formação de professores que ficou caracterizada como modelo ‘3+1’” (BRASIL, 2001,
p. 06). O antigo modelo de formação 3+1 era caracterizado por três anos de disciplinas
teóricas ligadas principalmente aos fundamentos da educação, no caso do curso de
Pedagogia. Já nas outras licenciaturas das áreas humanas, naturais, científicas e
tecnológicas, os três anos eram referentes às disciplinas específicas da área, além de um | 1234
ano de estágio e/ou disciplinas pedagógicas, formando professores baseado num modelo
da racionalidade técnica.

alunos, a evolução do componente articulador, o programa e o cronograma de estudos propostos. Esse


ambiente virtual faz parte de um espaço de formação chamado DPDLIC – Desenvolvimento
Profissional Docente na Licenciatura em Computação. Mais informações sobre o DPDLiC ver
Cambraia, Bender (2014).
256
Atualmente existem outras Diretrizes que foram aprovadas recentemente e que participam da discussão
teoria e prática, entretanto, optamos por analisar as DCNs de 2001 por esta ser umas das primeiras
legislações que dão prioridade a necessidade de articular teoria e prática.

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Donald Schön (2000) ilustra o conceito de racionalidade técnica, através da
metáfora da topografia, em que há um terreno alto e firme, de onde se pode ver um
pântano. Assim, “no plano elevado, problemas possíveis de serem administrados prestam-
se a soluções através da aplicação de teorias e técnicas baseadas em pesquisa” (SCHÖN,
2000, p.15). Já na parte pantanosa, “os problemas caóticos e confusos desafiam as
soluções técnicas” (idem). De um lado, a resolução de problemas através da utilização de
um conhecimento explícito, que pode ser codificado, sistematizado e compartilhado.
Geralmente é explicitado em manuais, relatórios e pesquisas. Conforme Schön (2000,
p.15) trata-se da “ideia estabelecida de um conhecimento profissional rigoroso, baseado
na racionalidade técnica”. De outro, a presença da incerteza, da indeterminação, da
singularidade, que exigem um conhecimento tácito, que está além do rigor da
racionalidade técnica e que “em suas ações é incoerente com sua descrição” (SCHÖN,
2000, p.31). Com isso, a epistemologia da prática dominante tem limites para agir na
incerteza e indeterminação, pois os problemas no cotidiano das profissões são únicos e
não encontramos a solução apenas na caixa de ferramentas de soluções oferecidas pela
racionalidade técnica. Nas formações pautadas apenas na racionalidade técnica a
formação é compreendida a partir de seres meramente executores de tarefas descartando
a criticidade no papel da formação humana.
A reforma no âmbito do currículo de formação de professores ainda carrega uma
pesada tarefa, conforme um dos subtítulos das Diretrizes “Reforma curricular: um
instrumento para transformar em realidade as propostas da educação básica” (BRASIL,
2001, p. 08). Isso traz, implicitamente, a ideia de que o antigo modelo de formação não
estava dando conta de modificar a realidade da educação básica, pois o viés formativo
| 1235
que enfatizava o saber teórico, não alcançava o interior das dinâmicas sociais presentes
no ensino.
Ainda no contexto das reformas que, por sua vez, inspiraram a Lei que rege a
Educação Nacional (LDBEN 9.394/96), são retomados, nas Diretrizes, alguns aspectos
que demonstram a relação entre teoria e prática a ser desenvolvida na formação de
professores:

Mas há dois aspectos no Art. 61 que precisam ser destacados: a relação entre teoria e
prática e o aproveitamento da experiência anterior. Aprendizagens significativas, que

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remetem continuamente o conhecimento à realidade prática do aluno e às suas
experiências, constituem fundamentos da educação básica, expostos nos artigos
citados. Importa que constituam, também, fundamentos que presidirão os currículos
de formação continuada de professores. Para construir junto com os seus futuros
alunos experiências significativas e ensiná-los a relacionar teoria e prática é preciso
que a formação de professores seja orientada por situações equivalentes de ensino e
de aprendizagem (BRASIL, 2001, p. 14).

Essas divergências entre saber teórico e saber tácito na formação de professores


estão longe de serem resolvidas segundo os parâmetros de análise concebidos pelas
Diretrizes. Percebe-se que, muitas vezes, há uma extrema valorização de experiências
intraescolares bem sucedidas, as quais acabam sendo vistas como um modelo a ser
aplicado, não existindo, contudo, um espaço para a reflexão sobre a teoria, isso se
configura como um simples ‘aprender fazendo’.
Sendo a reflexão sobre a prática um dos componentes que caracterizam a práxis
pedagógica, é importante compreender que “a ação competente no trabalho é guiada por
um tipo de saber próprio que é síntese entre o conhecimento teórico aprendido na
formação e a experiência” (CIAVATTA e RAMOS, 2012, p. 24). A ideia de uma ação
medida pela teoria é um dos meios que conduzem algumas propostas de formação docente
no Brasil. Assim a ideia de articulação entre teoria e prática está presente na legislação,
pois “não basta a um profissional ter conhecimentos sobre seu trabalho. É fundamental
que saiba mobilizar esses conhecimentos, transformando-os em ação” (BRASIL, 2001,
p. 29).
Existe uma preocupação nas Diretrizes sobre a desconsideração do repertório dos
conhecimentos de senso comum, além dos conhecimentos provenientes das vivências
escolares e cotidianas, as chamadas narrativas de formação (autobiográficas). Nesse | 1236
sentido, novamente, se manifesta a necessidade de o conhecimento docente ser advindo
da prática – não se trata de valorizar apenas a prática, mas sim provocar uma relação
dialética entre teoria e prática (com reconstrução de ambas) - , tendo em vista que muitos
dos alunos dos cursos de formação “já têm experiência como professores e, portanto, já
construíram conhecimentos profissionais na prática e, mesmo assim, estes conhecimentos
acabam não sendo considerados/tematizados em seu processo de formação” (Ibid., p.19).
Assim, por vezes, “são, frequentemente desconsideradas a distinção e a necessária relação

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que existe entre o conhecimento do objeto de ensino, de um lado e, de outro, sua expressão
escolar, também chamada de transposição didática” (Ibid., p. 20).
Sabe-se que um conhecimento contextualizado pode demonstrar uma
aprendizagem mais significativa. Assim a PEC se mostra um processo relevante para
contribuir com aspectos que constroem uma relação dialética entre teoria e prática. O
próximo tópico analisa o PPC da LC com intuito de identificar como a PEC foi pensada
para promover essa relação entre teoria e prática na constituição de professores de
computação, e ao mesmo tempo, romper com uma ideia ainda muito presente na formação
de professores, a racionalidade técnica.

3 O papel do componente curricular articulador na licenciatura em computação

A construção de uma identidade docente é um desafio nos cursos de


licenciatura, pois, dificilmente os ingressantes estão motivados ou tem intensões de se
tornarem professores, o que ocasiona um esvaziamento das licenciaturas (ARANHA,
SOUZA, 2013). Assim, por meio de diferentes experiências pedagógicas, o componente
curricular articulador, que na LC é a PEC, proporciona aos licenciandos e
professores/formadores um maior contato com escolas de Educação Básica desde o
primeiro semestre, propiciando um maior vínculo com a licenciatura e uma maior
identificação com a profissão docente, também possibilita troca de experiências com
professores em serviço. Isso é facilitado nos Institutos Federais (IF), pois, nesse
contexto, os professores/formadores tem experiência com Educação Básica, Técnica e
Tecnológica, o que facilita um intercâmbio entre as diferentes modalidades.

De acordo com o PPC da LC, a PEC tem o objetivo de | 1237

proporcionar experiências de articulação de conhecimentos construídos ao


longo do curso em situações de prática docente; oportunizar o reconhecimento
e reflexão sobre o campo de atuação docente; proporcionar o desenvolvimento
de projetos, metodologias e materiais didáticos próprios do exercício da
docência, entre outros, integrando novos espaços educacionais como locus da
formação dos licenciandos (IF Farroupilha, p. 35, 2014).

A PEC tem um papel fundamental na LC, pois, em cada semestre, o coletivo


docente, pensa um projeto integrador que ao desenvolvê-lo promove uma maior
articulação entre os professores/formadores e entre os alunos e professores da Educação
Básica na construção do conhecimento. Assim, facilita a criação de uma linguagem

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comum entre os docentes dos diferentes núcleos que compõe o curso (todos são
professores e ao se identificar como tal dialogam sobre o ensino/aprendizagem da
computação), contribuindo para minimizar a dicotomização entre teoria e prática.

Essa é uma questão importante na concretização das PEC, pois conforme


explicitado no PPC, ela

se difere das demais atividades práticas desenvolvidas no processo de ensino


de determinado conteúdo, uma vez que esta não se restringe à aplicação dos
conhecimentos científicos, mas constitui um espaço de criação e reflexão
acerca do trabalho docente e do contexto social em que se insere, com vistas à
integração entre a formação e o exercício do trabalho docente. (IF Farroupilha,
p. 35, 2014)

Conforme o PPC (2014), as atividades desenvolvidas na PEC têm como foco


Identidade Docente e Campo Profissional, com diferentes especificidades de acordo com
cada semestre: 1º - “Diagnóstico e análise do contexto global, Estado da Arte sobre
Informática na Educação e o Ensino de Computação”; 2º - “Diagnóstico e análise do
contexto regional/local, a informática na educação e/ou o ensino da Computação nas
escolas”; 3º - “Políticas Públicas de inclusão digital”; 4º - “Conceitos e reflexões sobre o
uso de tecnologias como ferramenta pedagógica e a ciência da computação como um
conhecimento para todos”; 5º - “Pesquisa e metodologias no Ensino da Computação.
Proposta pedagógica para o ensino de computação para os níveis/modalidades
fundamental, médio e técnico. Práticas do Ensino da Computação”. 6º - “Pesquisa e
metodologias no ensino da computação. Uso e construção de Tecnologias de Informação
e Comunicação para o ensino da computação. Práticas do Ensino da Computação”; 7º -
“Interação no campo profissional. Identificação, diálogo e interação entre os sujeitos
(professores, gestores, alunos, pais), potencializando as relações pedagógicas para | 1238

promover uma formação permanente”. 8º - “Interação no campo Profissional e


Sistematização das Práticas Pedagógicas. Relação entre Escola e Instituto de Educação.
Cabe ainda ressaltar que longe de querer delinear e particionar a formação trata-se de um
percurso dinâmico, que responde há uma construção diferente do ser professor, até que o
mesmo se perceba como um sujeito em permanente formação e responsável por constituir
espaços interativos no seio das escolas de educação básica onde atuará, mantendo um
diálogo permanente com teoria e prática, construindo-as e reconstruindo-as. Ou seja, os

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saberes não chegam prontos, precisam ser contextualizados e resignificados conforme a
realidade da comunidade escolar.

Destarte, a ideia é proporcionar desde o 1º semestre do curso uma formação


pautada na reflexão com a escola, de forma a pensar as dificuldades, os problemas e
possíveis soluções. Colocando em um movimento de reconstrução de saberes docentes.
Trata-se da construção e reconstrução permanente de uma “espinha dorsal” que sustenta
a constituição do professor de Computação mediante uma religação de saberes docentes
com a produção técnica e científica. O grande ganho da PEC é que o coletivo docente do
curso se percebe como formadores de professores. Um cientista da computação precisa
saber que está formando um professor na LC e precisa se sentir responsável pelos
professores que forma. Essas preocupações são perceptíveis quando o grupo planeja de
forma participativa os projetos integradores e sugerem alterações na condução desse
processo (nas discussões surgem ideias para modificar e aperfeiçoar o projeto integrador
e, as vezes, o próprio PPC do curso). Demonstrando mais comprometimento com a
proposta de formação de professores.

O próximo tópico objetiva demonstrar como a PEC proporciona aos


professores e alunos do curso de LC esse diálogo permanente entre os diferentes núcleos
e com as escolas, contribuindo na construção saberes docentes. Para tal, segue um relato
das atividades realizadas na PEC II257.

4 Do currículo prescrito ao currículo em ação: dinâmicas de articulação curricular

A busca pela articulação curricular com diálogo entre os professores | 1239

formadores, licenciandos e professores da Educação Básica está entre as preocupações


do curso de LC, pois se propõe um desenvolvimento curricular através da criação de
projetos integradores e, ao mesmo tempo, um desenvolvimento profissional docente
(PANDERA-DE-ARAÚJO, AUTH, MALDANER, 2007). Para que isso ocorra, é

257
O relato reflexivo foi facilitado devido a sistematização e interação realizada em uma rede social de
aprendizagem (www.edmodo.com). Nessa ficou registrado as atividades desenvolvidas, as dúvidas dos
alunos, a evolução do componente articulador, o programa e o cronograma de estudos propostos. Esse
ambiente virtual faz parte de um espaço de formação chamado DPDLIC – Desenvolvimento
Profissional Docente na Licenciatura em Computação. Mais informações sobre o DPDLiC ver
Cambraia, Bender (2014).

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necessário uma atuação coletiva, reflexiva, solidária e colaborativa dos professores para
criar condições de superar modelos de educação que não mais respondem as necessidades
da sociedade. Como apresentado no tópico anterior, no 2º semestre do curso, a PEC II
objetiva fazer um diagnóstico e análise do contexto regional/local sobre o trabalho
desenvolvido nas escolas do município e região sobre a presença ou não de uma cultura
tecnológica.

Para isso, se planejou o projeto integrador de forma participativa entre os


professores formadores. Esse diálogo articulado com a prática docente se constituiu como
um importante elemento de formação continuada, pois pensar o projeto integrador
necessita um conhecimento da realidade escolar, esclarecimento dos objetivos a serem
alcançados no coletivo, bem como um envolvimento entre os pares para
permanentemente dialogar e reconstruir essa proposta. Assim, se construiu um projeto
integrador que teve como objetivo principal - identificar a presença e o trabalho
desenvolvido com as Tecnologias Digitais (TD) e a cultura tecnológica nas escolas da
região.

Para cumprir com esse objetivo, se propôs interlocuções nas escolas: 1) visita
na escola para registro fotográfico da interação proporcionada nos espaços imersos em
tecnologias (laboratórios de informática, salas de aula com tablets, etc); 2) Fotocópia do
Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola; 3) Aplicação de questionário com diretor
para entender como o PPP está sendo construído e se não existe alguma referência em
relação a tecnologias, propor um exercício de indagar os docentes da instituição sobre
como contemplar esse tema no PPP; 4) Construção de um artigo sobre o que foi
| 1240
vivenciado na escola e sobre a percepção dos professores sobre a importância do uso de
tecnologia em sala de aula.

Como atividade inicial, foi realizada uma leitura coletiva de um texto intitulado
“Projeto Político Pedagógico da escola: uma construção coletiva” de Ilma Passos de
Alencastro Veiga. Nesta leitura se passou a compreender o significado do PPP na escola,
seu propósito e princípios norteadores. Durante a leitura, a discussão foi marcada pelo
entendimento de que esse documento é algo construído de forma democrática, por todos
os envolvidos com a comunidade escolar: professores, alunos, funcionários e pais. Trata-

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se de um documento para utilizar no dia-a-dia da escola e que não possui uma regra para
sua elaboração, mas sim se destacou a importância de permanentes atualizações. O que
levou os licenciandos a observar aspectos no PPP ou na interação com os docentes nas
escolas.

Esse debate também perpassou pelo ciberespaço, permitindo aos colegas ler as
preocupações de seus pares e contribuir com novas ideias, pois em quase todas as
disciplinas do curso, os professores utilizam recursos tecnológicos para tornar a sala de
aula mais comunicacional (SILVA, 2001). Trata-se de desenvolver um trabalho com as
TD de forma que os futuros professores percebam a importância dessas tecnologias no
âmbito educacional e evitem assim uma incorporação de tecnologias apenas pela
novidade de seu uso.

Em algumas escolas, na visita para solicitar o PPP ocorreram situações que


demonstraram abertura da instituição para realizar uma interlocução com os licenciandos,
o que proporcionou uma melhor contextualização e significação dos conhecimentos.
Assim, os futuros professores tiveram a oportunidade de vivenciar, refletir e reorganizar
os conceitos estudados. Conseguiram identificar PPPs bem escritos, quais comunidades
se envolvem com a formação do cidadão crítico, onde ocorre uma maior articulação
docente para documentar as ações importantes para a escola. Mas também vivenciaram
momentos de frustrações, quando perceberam pouca participação da comunidade na
organização, acompanhamento das ações e revisões do PPP. Com isso, entende-se que a
inserção do licenciando na escola faz com que ele tematize e traga discussões para a
licenciatura, pois essas ocorrências geraram novas discussões em sala de aula, na
| 1241
tentativa de superar os desafios encontrados258.

Conforme Prates e Romanowski (2014, p. 97) “à medida que o licenciando


consegue refletir sobre a realidade, poderá mudar e se constituir enquanto professor e
decidir mudar ou resistir à mudança que é permeada por nosso conhecimento, crenças,
características pessoais e interesses”. Diante disso, é interessante salientar que os futuros

258
Diversas discussões permearam a construção do conhecimento, como por exemplo, em relação a
possibilidades de que as escolas disponibilizassem o documento na biblioteca, bem como promovessem
discussões em diferentes momentos com a comunidade escolar para possibilitar uma reconstrução
democrática desse material.

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professores não só aprendem, mas também tem a oportunidade de ensinar o que
estudaram na medida em que interagem na escola, ou seja, tem oportunidade de produzir
novos conhecimentos pedagógicos pautados numa discussão crítica.

Durante a visita nas escolas, constataram que todas as escolas possuem


laboratórios de informática e em duas das cinco visitadas possuem um professor para
atuar de forma interdisciplinar com educação e tecnologias. Mas, no PPP não se encontra
referências a tecnologias. Com exceção das escolas que possuem o PIBID (Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência). Nessas são desenvolvidas oficinas e
projetos que contemplam a utilização das TD de forma interdisciplinar e esses projetos
foram registrados no PPP. Além disso, em uma das escolas foi encontrado o registro de
uma atividade de extensão realizada em conjunto com o IF Farroupilha, chamada “Pé na
estrada”, que tem como finalidade desenvolver oficinas de inclusão digital para
professores e alunos das escolas da região. Diante desse registro, percebemos que a escola
possui uma política de atualização permanente do PPP, pois o “Pé na estrada” iniciou no
próprio ano em que as visitas propostas pela PEC II foram realizadas.

Essas atividades permitiram uma contextualização e significação dos conceitos


estudados. Com isso, se percebeu como os alunos valorizam mais a aula, pois conseguem
relacionar os conceitos, passam a discutir mais, se colocam como sujeitos da produção
do conhecimento, sugerem e interferem nas discussões em sala de aula e na escola em
que vivenciam esse trabalho. Dessa forma professores e alunos ensinam e aprendem
coletivamente. Ampliam-se os trabalhos com a escola e não sobre a escola. Não se trata
apenas de escrever e criticar a escola e os professores e sim se perceber parte do processo
| 1242
e promover debates que transformem as ações nas escolas e no curso de licenciatura.

Além disso, se articulou com os professores da disciplina de Linguagem de


Programação I, Arquitetura de Computadores as possíveis contribuições de suas
disciplinas às escolas. Na disciplina de Linguagem de Programação I foi organizado um
plano de ensino para o desenvolvimento de estudos de linguagens de programação na
Educação Básica. Selecionou-se reportagens e utilizou-se o Scratch como uma
possibilidade de intervenção através de oficinas ou desenvolvimento de projetos com

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professores de outras áreas259. O professor de Arquitetura de Computadores propôs uma
atividade para os alunos pensarem em atividades didáticas utilizando metodologias que
possibilitem ensinar aos alunos da educação básica conhecimentos da computação.
Trata-se de uma proposta de democratização do conhecimento da computação através de
atividades que são pensadas de forma a possibilitar que crianças de qualquer idade
compreendam alguns conceitos da computação e desenvolvam um pensamento
computacional. Essas atividades são pensadas tendo como referência o livro Computação
Desplugada (BELL, WITTEN, FELOWS, 2011).

Como atividade avaliativa final da PEC II ficou definido a construção de um


artigo científico orientado pela professora de Metodologia Científica e Linguagem de
Programação I. Este trabalho foi construído a partir do questionário que os alunos
aplicaram a uma professora da escola, da observação do espaço físico e das intenções
pedagógicas dos professores da escola, e ainda, do resultado das pesquisas realizadas na
PEC I. Esses elementos contribuíram para a articulação dos componentes teoria e prática,
pois ao mesmo tempo que os alunos estavam pesquisando em artigos científicos e livros
digitais sobre educação e tecnologia puderam unir isso a experiência de conhecer as
escolas e o que leram ou estudaram sobre o tema. Foi realizada a socialização dessas
vivências em uma apresentação no Seminário Integrador, que foi realizado no final do
semestre em que participaram todos os alunos da LC.

5 Considerações Finais

Diante do exposto, destaca-se que a PEC na LC se mostra uma importante aliada


para facilitar uma relação dialética entre teoria e prática. Assim como previsto na DCN | 1243
de Formação de Professores percebemos que há um elemento articulador entre teoria e
prática, que é sem dúvida, a escola ou a realidade escolar. O contato com a realidade
escolar não pode ser conhecida apenas pela dimensão teórica nas licenciaturas é

259
Mais informações sobre a utilização do Scratch na educação básica ver: CAMBRAIA, Adão Caron;
OLIVEIRA, M. A. F. . Learning to program: a game or a boogeyman. In: 2nd International Conference on
Design and Modeling in Science, Education, and Tecnology, 2012, Orlando, Florida, USA. Multi-
Conference on Complexity, Informatics ans Cybernetics, 2012.
RISKE, M. A. ; WINCK, J. A. ; CAMBRAIA, Adão Caron ; FINK, M. ; AVOZANI, M. . CLUBE DE
PROGRAMAÇÃO NAS ESCOLAS: novas perspectivas para o ensino da computação. In:
SEMINÁRIO INSTITUCIONAL DO PIBID IF FARROUPILHA, 2014, São Vicente do Sul.
Arquitetando saberes e fazeres da/na docência. Santa Maria: IF Farroupilha, 2014.

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necessário que esse conhecimento também passe pela dimensão da experiência, assim
como os alunos de LC puderam vivenciar no componente curricular articulador PEC.

Os aspectos destacados no texto que permitem uma conclusão nesse sentido


demonstram que uma formação de professores pautada na reflexão sobre a prática - para
a construção de uma relação dialética entre teoria e prática - permite uma melhor
contextualização e significação dos conhecimentos teóricos-práticos próprios da
docência, o que propicia um rompimento com a racionalidade técnica, pois nessa visão o
saber docente está situado apenas na instância da prática.

Ao trazer para análise excertos do PPC do curso de LC se propôs uma reflexão


sobre um compromisso já assumido quando se escreveu o PPC através de um
planejamento participativo. Os excertos selecionados destacam aspectos importantes que
não podem ser esquecidos pelos professores formadores, como por exemplo: i) a
aproximação do espaço da escola, como um espaço de formação privilegiado desde o
primeiro semestre do curso; ii) a constituição de uma “espinha dorsal” desenhada ao
longo dos semestres que permitem construir e reconstruir a identidade do professor de
computação (é importante destacar que não se trata de uma linha estática, mas de algo
em permanente construção como se entende o ser professor); iii) A articulação curricular
construída pelos professores nas PEC. Aspectos que se interligam para uma identificação
com a profissão docente.

A articulação curricular é proporcionada pelo diálogo comprometido com a


formação de professores. A criação do projeto integrador permite uma ampliação do
diálogo entre os pares e com a comunidade externa, alavancando uma formação pautada | 1244
na realidade escolar. Diante disso, ocorre uma maior articulação dos diferentes núcleos
do conhecimento. Essa abertura para o diálogo também fundamenta uma formação
continuada de professores, pois ao se desenvolver o currículo ocorre um desenvolvimento
profissional docente e vice-versa. Essa proposta é concretizada na medida em que os
professores/formadores do curso de LC se percebem como formadores de professores e
se assumem como tal, se envolvem e se responsabilizam pela própria formação e pela
constituição do futuro professor.

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Por fim, espera-se que esse texto sirva como uma proposta de reflexão aos
professores/formadores de cursos de licenciaturas, e em específico, aos professores da
LC, para que na próxima edição da PEC II se faça tudo diferente, pois essa é justamente
a característica desse componente curricular articulador, construir um permanente
movimento na formação. Para isso, destaca-se a necessidade de permanecer com a
utilização de espaços coletivos de formação continuada de professores, como o DPDLiC,
para que cada vez mais disciplinas se envolvam. A participação das demais disciplinas
na construção do componente curricular articulador é essencial, pois a maioria das
disciplinas tem uma dimensão teórico-prática.

6 Referências

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ZEICHNER, K. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa,
1993.

| 1246

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A DOCÊNCIA E A FORMAÇÃO CONTINUADA NA
VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE260
Adriana Cristina Gomes – IEEOB-
driccagomes@yahoo.com.br*

RESUMO: O presente estudo trata de uma pesquisa que respondeu a seguinte questão: Como a formação
continuada do professor reflete em sua prática cotidiana? Essa indagação procurou desvelar as concepções
a respeito da formação continuada e sua implicação na docência e na valorização do trabalho docente dos
colaboradores pontos significativos abordados pelo Plano Nacional de Educação. Os colaboradores fazem
parte de uma escola estadual de Santa Maria/RS. O movimento metodológico foi permeado por escutas e
discussões relacionadas à valorização das práticas educativas desenvolvidas por esses sujeitos bem como
revelar a da docência através de encontros nos quais os saberes dos professores foram a matéria-prima
dessas discussões. Fiz uso de uma abordagem qualitativa, permeada por pesquisa ação. Verificou-se como
a formação continuada ocorria e como era percebida pelos envolvidos como forma democrática de auxiliar
na emancipação social dos sujeitos e em sua docência, além da valorização do trabalho docente. Dessa
maneira era necessário primar pelo reconhecimento dos espaços formativos e sua qualificação para que se
tornassem locais de trocas e de vivências, organizados de forma adequada ao ambiente escolar no qual
educadores e educandos pudessem vir a constituírem os saberes que na escola circulam.
Palavras-chave: Formação; Docência; Valorização.

INÍCIO DA CONVERSA

Basear esse estudo em uma temática na qual a escola dá o principal aporte teórico
relacionando-o diretamente com a prática produzida nesse espaço demandou leituras
sensíveis carregadas de significado para esse local e para quem colaborou com essa
escrita. A relação com as políticas públicas e com a Lei 13005/14 e suas metas e estratégia
para implantação, entre outras coisas, relacionadas à formação inicial e continuada
assegurando-as, tendo em vista a valorização docente e a tendência de as estratégias
| 1247
poderem ser esquecidas ao longo da vigência do Plano Nacional de Educação (PNE), pois
precisam ultrapassar a morosidade e buscar a plena implantação da lei e do plano
educacional, um desafio a ser superado.

Artigo decorrente de pesquisa realizada para elaboração da monografia de especialização em Gestão


260

Educacional UFSM da autora desse artigo, intitulada: “Gestão Escolar e a Formação Continuada no
Cotidiano da Escola” orientada pelo professor Doutor Vantoir Roberto Brancher.
*Pedagoga pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em PROEJA- Instituto Federal
Farroupilha/São Vicente do Sul e UFRGS Especialista em Gestão Educacional – UFSM. Professora
dos Anos Iniciais no Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac.

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Essa investigação, além da fundamentação teórica foi alicerçada nos
colaboradores e trouxe uma breve base para os que pretendam traduzir a partir das
concepções relacionadas à formação continuada, os saberes docentes produzidos na
escola.
A pesquisa que aqui segue visou responder à questão que afligia o meu fazer
docente: Como a formação continuada do professor reflete em sua prática
cotidiana?
Ao perceber que o trajeto dos colaboradores da pesquisa foi de encontro ao
pensamento de Oliveira (2001) que ressalta o que é o cotidiano261 e as relações daqueles
que convivem no mesmo ambiente surgiram algumas necessidades, dessa maneira:

[...] nesse intenso processo de relações e de trocas de conhecimentos, ouvimos


histórias de vida que nos mostraram alguns dos fios da rede de saberes que
levou cada membro dessas equipes a pensar o que pense e a agir como age, o
que permitiu, identificando trajetórias comuns ou diferentes de praticantes de
currículo, nos reconhecermos como humanos, com sentimentos múltiplos e
complexos e com muitos interesses ora comuns, ora divergentes. (OLIVEIRA,
2001, p. 7-8)

A busca por esse tecido em alguns momentos não pareceu evidente, mas
aconteceu no convívio diário e nas palavras ouvidas e silenciadas por aqueles que se
envolveram no processo dessa pesquisa. Esse cotidiano esteve permeado pelo outro,
diverso, ao mesmo tempo plural e singular com a docência que mediou as relações de
trocas e de possibilidades à renovação do conhecimento.
Essa renovação ocorreu a partir da convivência e do aprendizado com outros
educadores e do reconhecimento de si através do outro. Oliveira (2001, p.29-30) avança
| 1248
em sua concepção, quando afirma que “ [...] é preciso uma outra escrita para além da já
aprendida, [...] uma escrita com múltiplas linguagens, [...] não linear e que teça múltiplos
fios, que pergunte antes de dar respostas. ” O múltiplo olhar, aquele que pode revelar ao
indagar e que buscou o entrelaçar dos trajetos dos autores dessa pesquisa, que pode

261
Cotidiano segundo Inês Barbosa de Oliveira e Paulo Sgarbi (2008, p.69) [...] campo no qual as
estruturas se efetivam, sempre com as possibilidades e circunstâncias de cada espaçotempo. Se
reconhecemos [...] a impotência e a efetividade dos saberespoderes tecidos cotidianamente pelos
diferentes sujeitos sociais, temos como reconhecer a relevância social e política desses mesmos
saberespoderes para os fazeres emancipatórios.

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encontrar no outro e em suas falas (e escrita, palavras ditas e não ditas) as possibilidades
da formação continuada, mesmo que informalmente e a revelação da docência.
Essa docência revelada durante os processos destacados por esse trajeto cotidiano
trouxe para esse estudo questões relacionadas à formação continuada e mais
especificamente aos saberes docentes e neles se identificaram como fazedores do mundo
sendo e estando nele, constituindo assim, história.
Segundo Freire (2015, p.57):

[...] Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura,
sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem
musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem
esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência,
ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar,
sem ideias de formação, sem politizar não é possível.

A formação docente passa, portanto, por inúmeras possibilidades de constituir-


se a partir dos fazeres dos que nela estão envolvidas. Fazer parte da história e fazer
educação pode ser considerado o “ser” e o “estar” docente.
Com o objetivo de encontrar respostas nas próprias indagações dos envolvidos na
pesquisa, se foi além e se vislumbrou conhecer as concepções de formação continuada de
um grupo de educadores de uma Escola Estadual de Santa Maria/RS.
Essa insatisfação, esse cuidado curioso e a busca pela (re)inovação, desafiando e
sendo desafiado pelo tecer do mundo e das trajetórias que nele são vivenciadas e o não
contentamento com aquilo que se diz pronto foi o impulsionador para o desenvolvimento
desse estudo.
Os seres humanos sensíveis são os que também não se contentam com as respostas
prontas, buscam diferentes fios e tecem suas concepções a partir do vivenciado e do | 1249

constituído em conjunto. Sonhos e ideais compartilhados cotidianamente. São essas


pessoas fazedoras de suas trajetórias e sensíveis a admiração e viver dos outros que
constituem o coração pulsante da escola.
Freire (2014, p.126) traz o conceito de sonho humanizador a partir de suas
palavras que aproximam e trazem a esperança para a formação docente:
Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação
da forma histórico-social de estar sendo de mulheres e homens. Faz parte da
natureza humana que, dentro da história, se acha em permanente processo de
tornar-se. [...] não há mudança sem sonho, como não há sonho sem esperança.

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Considero ineficaz o fazer por fazer, em se tratando de atividades de formação
continuada, pois como afirma Silva (2001, p.10) acredito que: “as experiências de
formação continuada desvinculadas do universo escolar”, fora do cotidiano da escola,
como cursos, seminários e outras formas de “reciclagem”, têm suscitado muito mais
insatisfação do que propriamente mudanças positivas na prática pedagógica.
Consequentemente, questiono a qualidade da participação dos educadores tanto no
processo educacional que afetam suas conquistas pessoais e profissionais quanto na
possibilidade de renovação das vicissitudes no âmbito da docência. O reconhecimento do
local, de seu cotidiano e daquilo que o estrutura diariamente, sua compreensão e a visão
daqueles que o constituem significa vivenciar a escola e poder reinventá-la.
Os saberes da escola circulam nela e dela saem a partir das relações que afloram
do convívio com as diferentes concepções que nela existem. Essa foi outra questão
analisada nesse movimento de pesquisa, no qual se procurou adentrar nas reflexões
necessárias à formação continuada com ligação ao ambiente da escola.
Ambiente esse, permeado por (re)inovações e que quer não mais que refletir o
saber docente que nele circula, mas também aflorar aquele que cotidianamente é
compartilhado a partir de reuniões, momentos de consagração e de pertença nos quais são
promovidos os saberes produzidos por todos os envolvidos no processo, os profissionais
docentes. Esses momentos de compartilhar as ideias, as concepções e de fazer as trocas
das experiências e das vivências aconteceram durante as reuniões.
Todo e qualquer trabalho realizado na escola, depende da participação do grupo
que a permeia: sua comunidade escolar, além das decisões que o grupo toma. Tais
decisões, sejam do consenso de todos ou das relações que se (re)afirmam no cotidiano
| 1250
vivenciado são importantes, como destaca Silva (2001, p.41), pois é necessário acreditar
que:
[...] o desenvolvimento profissional do docente está vinculado a projetos
centrados na própria escola, onde professores, especialistas e demais
funcionários estejam comprometidos e envolvidos, coletivamente com a
construção do projeto educacional de cada escola.

A escola tem que ser reconhecida por aqueles que a organizam. Se a escola está
organizada e essa organização é conhecida, na qual cada um participa efetivamente das
coisas e das relações que ali acontecem essas podem ser ampliadas a favor da constituição
desse local.

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Estudar o cotidiano da escola, local do educador, reconhecer-se ator dos fazeres e
saberes desse lugar está em cada um. O estudo de como é a formação continuada em uma
Escola Pública Estadual de Santa Maria/RS e a sua relação com a prática ajudou na
compreensão de algumas ações que ocorrem nesse “lócus” e dos conhecimentos nele
produzidos.
As pessoas mudam, mudando o próprio contexto em que trabalham. O
pensamento tanto de auto-formação quanto de formação para a transformação individual
e coletiva traz uma aproximação com a mudança necessária e constante na organização
do ambiente de trabalho.
Valorizar a formação continuada e promovê-la no ambiente escolar é a base de
uma gestão escolar voltada para uma sociedade em constante transformação e que recebe
na escola os profissionais que desenvolvem nela os princípios da cidadania. A democracia
e a democratização da educação evidenciam conceitos que levam a escola a formar
cidadãos conscientes de suas responsabilidades: social, política, cultural, econômica e
educacional. Esses princípios fundamentais para a valorização profissional foram
destaque no Plano Nacional de Educação, mais que isso, precisam constituir as discussões
na formação continuada docente em todos os ambientes escolares para garantir a sua
aplicabilidade e buscar a qualidade da educação pública meta e desafio desse plano para
o próximo decênio.
Quando se fala em formação continuada ou permanente Freire contribui (2015,
p.24):
Se, na experiência da minha formação, que deve ser permanente, começo
aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto,
que ele é sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me considero
como um paciente que recebe os conhecimentos – conteúdos – acumulados | 1251
pelo sujeito que sabe e que são a mim transferidos. Nesta forma de
compreender e de viver o processo formador, eu, objeto agora, terei a
possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da “formação” do futuro
objeto de meu ato formador.

No momento em que o professor está desempenhando seu papel para que a


implantação das políticas públicas relacionadas à educação seja encarada com seriedade
e efetivada pelos responsáveis por sua sanção ele está realizando seu trabalho como um
profissional consciente e comprometido com sua profissão e com aqueles que dela
dependem. Ele não está apenas transmitindo o acúmulo de suas aprendizagens, ele está

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em formação permanente. Ele está compreendendo o mundo, vivenciando e realizando
trocas de saberes e experiências.
De acordo com Lück (2008, p.17) [...] “é pela gestão que se estabelece unidade,
direcionamento, ímpeto, consistência e coerência à ação educacional” [...], com
embasamento teórico e ideológico. Essa gestão seria o ideário de uma educação de
qualidade e permeada por igualdade social. A busca pelo contato da formação continuada
com a gestão escolar é um processo de responsabilidade em relação à gestão do ambiente
escolar.
A escola é um local de promoção da participação dos envolvidos no processo
educativo e isso influencia nos processos sociais, políticos e culturais. Avaliando-se que
a gestão escolar é além de uma ação educacional também uma atividade política que deve
priorizar o trabalho participativo no ambiente escolar seria fundamental alcançá-la na
escola. Encará-la com posicionamento claro é dar atenção às atitudes promovedoras de
uma educação voltada para a transformação e isso se faz necessário para se atingir a
qualidade na educação.
Esse conjunto de pressupostos para uma gestão democrática e participativa
necessita de um grupo com pessoas comprometidas e preocupadas com a melhor
organização do espaço escolar. Por conseguinte, poderia dar destaque para as relações
interpessoais, pois essas dão a base para um trabalho organizado onde todos são os
responsáveis pelo processo educativo de ações educativas eficientes, conhecedores de
seus deveres e de seu direito à valorização profissional.
São gestores na escola todos os membros da comunidade escolar, mas são
responsáveis legais e respondem pelas as ações desenvolvidas no ambiente escolar a
| 1252
equipe diretiva. Importante salientar que os educadores, profissionais que trabalham com
a educação possuem um dever ético de serem participantes e participativos dos processos
educativos partilhando as decisões e buscando um avanço social daqueles inseridos em
seu grupo.
O posicionamento dos educadores, gestores do seu local de trabalho pode vir a
mudá-lo positivamente e transformá-lo em um lugar realmente participativo e
democrático, com um trabalho constante e fortalecido nas práticas decididas pelo grupo.
Ou ao contrário pode trazer em sua base uma falta de comprometimento e de
possibilidades de mudanças.

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O movimento metodológico

Nesse movimento metodológico houve o intuito de aproximação com o processo


de pesquisa ao tentar interligar alguns pontos usando uma abordagem qualitativa visando
à descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da
realidade (ANDRÉ, 1995, p.30). Além disso, ocorreu a conformidade dos objetivos
propostos com o cotidiano da escola.
Essa pesquisa passou por etapas distintas: observação participante, análise teórica
e entrevistas. Esse processo teve um ir e vir constante, pois a cada momento se realizou
novas interações com os colaboradores a fim de elucidar dúvidas e proporcionar a
compreensão do estudado. Elas são, portanto, importantes instrumentos da pesquisa, pois
usadas na educação destaca a cunho sócio histórico-cultural fundamental fonte de tempos
em que se busca a compreensão do mundo.
A observação participante permite que o autor analise flexivelmente seus dados e
com suas anotações informais construa a base de informações pertinentes e que não fazem
parte dos documentos legais do ambiente estudado. Realizar a interação entre os
pesquisados e o autor do estudo pode vir a torná-lo mais próximo de suas indagações.
Esse contato foi afetual262, e se entrelaçou a partir do convívio diário, ao estabelecer essa
relação, as conversas informais também serviram de base para as considerações relativas
ao tema pesquisado.
Para que ocorresse a aproximação com o grupo que fez parte dessa pesquisa foram
usadas de entrevistas semiestruturadas. Esse movimento chamado entrevista segundo | 1253
Minayo (2007, p.64):
[...] é acima de tudo uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores,
realizada por iniciativa dos entrevistados. [...] tem o objetivo de construir
informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo
entrevistado, de temas igualmente pertinentes com vista a este objetivo.

Essa forma de obter dados através da entrevista teve como objetivo a aproximação
com o colaborador e o reconhecimento de seu pensamento em relação à formação

262
As práticas afetuais constroem redes de relações que se estruturam a partir do “sentimento de
pertença”, em função de uma “ética específica”. (Michel Maffesoli, 2006)

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continuada. Ao mesmo tempo foi sugerida a escrita de textos/vidas que poderiam ser
compartilhados a partir das reflexões que permitiram revelar como ocorria a formação
continuada no ambiente pesquisado e as concepções que ali circularam.
Nesse entremeio buscou-se realizar uma descrição dos pensamentos dos
colaboradores. Alicerçando esse estudo esteve a sensibilidade que auxiliou na iteração
das relações que puderam ser compartilhadas onde revelou tanto o cotidiano quanto a
formação continuada.
Fazer uso da análise de dados como procedimento importante e criterioso fazendo
aquilo que Bardin destaca (1979, apud MINAYO, 2007, p. 89) “o analista é como um
arqueólogo”, ele organiza seu processo de observação nas mensagens do dito e daquilo
que ficou nas entrelinhas da mensagem. Esse procedimento de ir e vir, fazer uso daquilo
que foi dito e escrito foi fundamental para dar a credibilidade indispensável à pesquisa.
Cabe a quem está interpretando e analisando ser conhecedor daquilo que está escrevendo
e do novo conhecimento que está sendo produzido.
Oliveira (2001, p.21) destaca que [...] “o estudo de espaços/tempos cotidianos que
faço parte de questões muito amplas e com um total envolvimento com os sujeitos do
cotidiano” [...] esse estudo aproxima os envolvidos na pesquisa. Envolve mais os
conceitos que circulam no meio escolar, interagem com as diferenças e ações
pedagógicas.
Os encontros com os colaboradores foram marcados e desmarcados por diversas
vezes, pois o tempo para as conversas formais (entrevistas) ficou prejudicado pelo
trabalho incessante dos mesmos. Tempo. Motivo de alguns desencontros. O trabalho
acumulado em horas seguidas de atividade docente acabou impedindo mais encontros
| 1254
formais, ficando restrito aos encontros periódicos, além daqueles momentos que
ocorreram informalmente e as reuniões que semanalmente aconteceram. Questão que
prejudica a qualidade da ação educativa e demonstra a desvalorização dos governantes
em relação ao trabalho docente. Mais um desafio para a aplicação do Plano Nacional de
Educação (PNE), vislumbrando a qualidade na educação.
Saviani (2014, p.82) afirma que:
O plano educacional é exatamente o instrumento que visa introduzir
racionalidade na prática educativa como condição para se superar o
espontaneísmo e as improvisações que são o oposto da educação sistematizada
e de sua organização na forma de sistema.

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O entendimento do plano educacional precisa permear os ambientes escolares, ser
do entendimento de todos os integrantes desse processo. A organização sistemática para
o desenvolvimento das práticas educativas podem auxiliar no desenvolvimento de um
processo educacional qualitativo.
Os teóricos deram suporte para a conclusão e análise do conteúdo da pesquisa
conforme o tema aqui escolhido. Os passos seguidos foram realizados de maneira
organizada, com análise cuidadosa e com a sensibilidade indispensável ao trabalho de
pesquisa.

Os colaboradores de um processo e a formação continuada

Os colaboradores dessa investigação foram três educadores de uma escola,


convidados a participarem desse estudo e que se dispuseram a conceder uma entrevista
na qual o eixo principal foi a concepção da formação continuada dos mesmos, suas
identidades foram mantidas em sigilo, bem como seu local de trabalho e o material
coletado através de suas falas e escritas foi usado com adequação, garantindo assim, o
cuidado ético e estético da pesquisa.
O colaborador 1263 ao falar sobre seu pensamento em relação a formação
continuada destaca que ela [...] “é busca... (silêncio- respiração profunda, suspiros) é
renovação... é estudo... é troca...é transformação”. A profundidade com que ele se coloca
em relação ao seu trabalho e a organização da formação continuada produz uma intensa
| 1255
interação com o outro, com o grupo. Aprende-se e forma-se no processo das trocas de
experiências e saberes docentes.
Para Tardif (2002, p.17) o saber do professor:
[...] está a serviço do trabalho. Isso significa que as relações estritamente
cognitivas são permeadas pelo trabalho que lhes fornece princípios para
enfrentar e solucionar situações cotidianas. [...] o trabalho do professor traz em
si mesmo marcas de seu trabalho, que ele não é somente utilizado como um
meio no trabalho, mas é produzido e modelado no e pelo trabalho.

263
Colaborador 1: Coordenadora pedagógica dos Anos Iniciais e Vice diretora geral. Formada em Letras,
tem o curso normal e possui especialização em Educação Infantil e Gestão Escolar. Atualmente tem
23 anos de magistério.

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A definição tanto do trabalho como dos saberes docentes, que são base do falar e
do fazer desse colaborador, foi explicitado. Mostrar a partir do teórico que o saber do
trabalho é produzido em conjunto no cotidiano e no local do mesmo e que diariamente
são reformulados e produzidos de acordo com as necessidades desse lugar amplia as
relações da teoria com a prática e leva à reflexão dos fazeres pedagógicos dos educadores.
O colaborador 2264 descreveu dessa maneira seu pensamento em relação a
formação continuada [...] “é aquela que realmente forma, que discute temas pertinentes
à sala de aula [...] que amenize a angústia do professor, tornando-o sujeito das
transformações sociais [...]. Obviamente as relações desse colaborador com a formação
continuada estão presentes no seu cotidiano. Seus princípios são baseados em conceitos
sólidos. Sua fala declara a lucidez e a clareza em relação a formação continuada e
descreve-a como um trabalho que pode estar mais próxima aos problemas enfrentados
cotidianamente, a prática reflexiva e embasada nela para a busca de soluções e possíveis
transformações sociais.
Dessa maneira Nunes (2001, p. 30) contribui para a ampliação dessas ideias e
sobre os saberes docentes destacando:
Assim seus saberes vão-se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a
prática. Essa tendência reflexiva vem-se apresentando como um novo
paradigma na formação de professores, sedimentando uma política de
desenvolvimento pessoal e profissional dos professores e das instituições
escolares.

A importância de concretizar a reflexão sobre a ação, interagindo com os


profissionais que fazem o local de trabalho, tendo como objetivo uma formação pautada
na prática realizada traz a aproximação da teoria com a prática. Ser reconhecedor daquilo
| 1256
que ocorre em sala de aula nas relações e na busca de transformações das intervenções
pedagógicas amplia a formação continuada nesse ambiente escolar.
O colaborador 3265 quando diz da formação continuada explicita seu pensar
dizendo: [...] “é uma formação ao longo da vida do ser humano-professor, vai além da
escola. Que contribua para fortalecer o professor na sua atuação”, ele assume uma

264
Colaborador 2: Coordenadora pedagógica geral e professora de inglês. Formada em Letras e
Geografia. Possui especialização em Metodologia da Língua Portuguesa, Inglesa e Literaturas,
Literatura Brasileira e Pedagogia Gestora. Atualmente com 31 anos de magistério.
265
Colaborador 3: Professora Anos Iniciais. Formada em Pedagogia Séries Iniciais e especializanda em
Psicopedagogia. Atualmente tem 9 anos de magistério.

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postura de rigorosa sensibilidade em relação ao seu trabalho acreditando ser possível
fortalecer-se no seu cotidiano pessoal e profissional.
A conexão do pessoal com o profissional, o ser professor/educador, um ser total,
com as identificações com os outros e com a interação de seus fazeres pedagógicos com
seus pensamentos e ações. A profissão encarada com seriedade oportuniza a compreensão
dos processos educativos e formativos.
Saviani (2014, p. 86) destaca em relação ao trabalho docente e a formação no
Plano Nacional de Educação que:
O entendimento de que o trabalho docente é condicionado pela formação
resulta uma evidência lógica, assumindo caráter consensual o enunciado de
que uma boa formação se constitui em premissa necessária para o
desenvolvimento de um trabalho docente qualitativamente satisfatório.

A busca pela qualidade no trabalho docente passa pela formação. A formação


considerada como vetor inicial do processo de constituição da docência que se faz ao
longo da carreira profissional.
A relação da escolha profissional com o simbolismo da profissão inerente no seio
familiar pode ser elucidada por Narvaes (2000, p. 50) quando a autora revela:
Nota-se que, [...] a escolha não é livre, a tomada de decisão foi marcada, em
geral, por influências da família e/ou da escola. A influência familiar se dá
através dá orientação dos pais ou porque tinha algum parente (prima ou tia)
professora. O peso do meio escolar aparece através da identificação com algum
professor especialmente marcante. São fatos que relativizam a autonomia do
sujeito, que acaba por fazer suas escolhas de frente ao leque de opções que a
sociedade lhe oferece.

Na ocasião em que se faz essa retrospectiva para buscar onde nasceu a vontade de
tornar-se professor, se vasculha os lugares da memória e as identificações pessoais e
profissionais afloram. O fato é que em algum lugar, guardado na lembrança existe a figura | 1257
de um professor o qual é lembrado e também influencia na formação continuada.
O lugar/escola deveria ser um local de encontros, de trocas, de práticas
partilhadas. Ele sofre com a burocracia exigida pela sociedade. Padece sem a autonomia
e a participação democrática necessárias aos processos de reestruturação (que devem ser
constantes e flexíveis) do ambiente escolar e demandam uma reflexão consistente da
prática realizada por esses educadores.
É evidente que existe uma urgência em repensar a forma como a formação
continuada ocorre nos locais onde os saberes circulam. Rever o como e o que se trabalhar

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nesses momentos de formação é segundo os colaboradores um ponto a ser reorganizado
para que o trabalho docente ganhe em qualidade, tanto pessoal quanto profissional.
Em relação a formação continuada Marques (1998, p. 197) afirma:
Faz-se mister, portanto, se dê a formação continuada como obra de um
empenho coletivo dos educadores situados no seio das instituições, organismos
e movimentos sociais, sob a forma de programas ao mesmo tempo
participativos, orgânico-sistemáticos e continuados.

Essa visão de formação continuada tendo como base a instituição onde o professor
está e os problemas da sala de aula, as dificuldades surgidas no cotidiano de seu trabalho,
significa a formação com base no próprio trabalho. A formação continuada e realizada a
partir de um planejamento amplo e sistematizado pode vir a ser importante para o
desenvolvimento da educação.
O Plano Nacional de Educação (2014-2024) traz em seu texto os desafios
relacionados a formação dos professores. Tanto a inicial quanto a continuada. Uma
formação para além dos muros escolares, formalizando questões de pós-graduação,
ampliando o número de matrículas em mestrados e doutorados, mas para isso retoma-se
os planos de carreira, pois os mesmos precisam se adequar a perspectiva dos professores
em relação a remuneração.
Os colaboradores da pesquisa possuíam um conceito em relação à formação
continuada dos educadores como processo consistente, constituinte do ser educador
fazedor e produtor de saberes quanto do local em que ele trabalha. A formação está
imbricada na vida do educador.
Adentrar no mundo do trabalho do educador é saber que como afirma Tardif
(2002, p. 11):
[...] que é impossível compreender a natureza do saber dos professores sem
| 1258
colocá-lo em íntima relação com que os professores, nos espaços de trabalho
cotidianos, são, fazem, pensam e dizem. [...] o saber dos professores depende,
por um lado das condições concretas nas quais o trabalho deles se realiza, por
outro, da personalidade e da experiência profissional dos próprios professores.

O posicionamento do professor frente ao seu trabalho e de como ele se organiza


em relação as suas vivências faz a produção dos saberes. Os saberes que são constituídos
nas relações cotidianas dos educadores em seu local de trabalho constituem a formação
continuada nesse local. O que deve ser reorganizado são as formas de realizar essa
formação.

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Esse lugar onde a pesquisa ocorreu é um ambiente com mais de uma centena de
educadores, os encontros semanais acontecem por setores, modalidades de ensino. A
interação do grupo todo apenas se dá em reuniões gerais, eventos promovidos para toda
a escola participar ou nos cursos de formação. Num local tão diversificado, com inúmeros
educadores com as mais singulares vivências fica prejudicada a gestão participativa com
o comprometimento indispensável para um trabalho que visa a ação reflexiva e
transformadora de um meio social.
Conforme a narrativa dos colaboradores existe a preocupação da formação
continuada partir daquilo que os educadores querem, envolvendo assuntos de seu
interesse, sem ter preocupação apenas com o cumprimento de calendários desconectada
da realidade vivenciada na sala de aula. Nesse sentido o colaborador 1 destaca: [...] penso
que a formação continuada tem que continuar abrindo mais espaços de troca de
experiências [...], onde os estudos sejam com todos e que todos os que fazem parte da
comunidade escolar fizessem parte da formação.
A sala de aula novamente permeando o ambiente da formação. A sala de aula
como um local onde acontecem as práticas educativas e que pedem as inovações a partir
das reflexões que ocorrem diariamente e que se efetivam nas trocas de experiências nos
tempos da formação continuada.
A educação a partir da formação, e mais especificamente aqui da continuada pode
ser reorganizada através da participação ativa de todos os participantes da escola. Ela
pode servir de base para as possíveis mudanças que visem uma ação reflexiva e
transformadora preocupada com aqueles que completam o processo educativo, os
educandos. São possíveis as constituições dos saberes docentes na escola. O cotidiano
| 1259
escolar desse local no qual esse estudo ocorreu é passível de outros estudos mais
aprofundados e tem muito a contribuir para o enriquecimento e a revelação de um
ambiente de inúmeras pluralidades.

A INCONCLUSÃO DO PERCURSO

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A importância da formação no processo de constituição do educador está evidente,
mas o que fica claro tanto nas falas dos educadores quanto na observação do cotidiano do
ambiente escolar é que o espaço para os estudos está quase inexistente. Existe a falta de
um tempo produtivo dedicado para essa formação, discussões necessárias para alcançar a
qualidade na educação.
Essa pesquisa poderia ter seguido por outros caminhos. A escuta das histórias dos
educadores se encaminhou para que esses se descobrissem formadores e transformadores
de sua profissão. Reflexão sobre suas escolhas profissionais e pessoais.
Acreditar ser possível transformar e contribuir para as mudanças sociais do grupo
no qual estão inseridos é algo a ser pensado pelo professor. Cada um com as ações que
desenvolve em seu local de trabalho pode (re)organizar seu ambiente num processo de
partilha e trocas de experiências.
Um fato diagnosticado nessa pesquisa é que a organização atual da escola está
promovendo encontros semanais que servem apenas para as lamentações dos educadores
em relação às dificuldades apresentadas em seu trabalho na sala de aula e do desempenho
dos alunos em relação à aprendizagem. As reflexões são mínimas e o estudo teórico para
dar aporte às práticas quase inexistentes. Necessidade de buscar conhecer por exemplo, o
PNE, para dar aporte a necessidade de resgatar a profissão com a valorização dos
profissionais docentes.
A transformação desse momento de reunião deveria ocorrer a partir da
implantação via governantes da lei que garante um terço da jornada de trabalho para
estudos. Assim, o educador teria um tempo disponível para a troca de experiências, a
reformulação de suas práticas e a intervenção pedagógica (re)inovada. A adequação desse
| 1260
tempo depende muito de cada escola.
Se a formação ocorresse através das reflexões sobre a escola, sua realidade, o
reconhecimento da comunidade onde se está inserido, seria um avanço para o processo
educativo. Os avanços sociais não são acompanhados pela escola, essa está ainda atrasada
em relação às inovações que a sociedade exige.
Existe um retrocesso na identidade profissional docente. Alguns se preocupam
com sua formação, outros, infelizmente não se interessam por ela. E quem sofre com isso?
Certamente são os educandos, seres em constituição que necessitam de reflexões e
práticas atualizadas, revitalizadas, adequadas a um mundo em constantes mudanças. A

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formação profissional docente percorre toda a vida do educador. Ele está em constante
formação e de constituição de saberes e isso começa a acontecer desde muito cedo.
O resgate desses saberes docentes e seu significado para a constituição das
identificações nesse cotidiano em estudo, pois realizar uma análise minuciosa do local
onde se dá o cotidiano escolar torna-se esvaziado. Considero essencial que os professores
na escola se conheçam se contemplem e se vejam como iguais. Sabedores de suas
capacidades, habilidades e competências desenvolvam possibilidades de formação no
grupo do qual fazem parte.
Acreditar que a formação no cotidiano escolar deva ser garantida pela gestão
escolar que prime pela democracia e participação dos agentes do processo educativo é
fundamental. Infelizmente, esse processo fica prejudicado pelo próprio diário permeado
por inúmeros afazeres.
Inundar esse local com os trajetos de cada um e usar essas experiências e esses
saberes para produzir os conhecimentos desse lugar pode ser considerado um avanço
humanitário em função da educação pública, de qualidade, diferenciada e que visa uma
sociedade mais justa e socialmente igualitária, formando e transformando a docência dos
educadores que circularam nesse espaço de pesquisa, a escola em provocação para a luta
pela valorização do profissional docente: o professor e de seu trabalho.

Referências
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Campinas: Papirus, 1993.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 50. | 1261
ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2015.
__________. Pedagogia da esperança: um encontro com a pedagogia do oprimido. 21.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
BRASIL, Lei nº 13005, de 25 de junho de 2014.
BRASIL. Plano Nacional de Educação (PNE). Plano Nacional de Educação 2014-2024
[recurso eletrônico] : Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional
de Educação.

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LÜCK, Heloisa. Concepções e professores democráticos de gestão educacional. Série
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MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2006.
MARQUES, Mario Osório. A formação do profissional da educação. Ijuí: Ed. UNIJUÍ,
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MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Org.) DESLANDES, Suely Ferreira. GOMES
Romeu. Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 2007.

NARVAES, Andréa Becker. Significados da profissão professor. In. Oliveira, Valeska.


Fortes de. (Org.). Imagens de professor: significações do trabalho docente. Ijuí: Ed.
UNIJUÍ, 2000.

NUNES, Célia Maria Fernandes. Saberes docentes e formação de professores: um breve


panorama da pesquisa brasileira. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v22n74/a03v2274.pdf> Acesso em: 14
agos. 2011.

OLIVEIRA, Inês Barbosa de. ALVES, Nilda. (Orgs.). Pesquisa no/do cotidiano das
escolas. Sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

_____________________. SAGARBI, Paulo. Estudos do cotidiano &Educação. Belo


Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

SAVIANI, Demerval. Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação:


significado, controvérsias e perspectivas. Campinas, SP: Autores Associados, 2014.

SILVA, Moacyr da. A formação do professor centrada na escola. São Paulo:


EDUC, 2001.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ. Vozes,


2002. | 1262

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POLÍTICAS DOCENTES DA ESCOLA: O CASO DO “PACTO
NACIONAL PELO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO”
Susana Schneid Scherer (Doutoranda em Educação, UFPEL)
E-mail: susana_scherer@hotmail.com

Resumo: O estudo apresentado investigou elementos sobre o trabalho docente na política


educativa de formação de professores do “Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio”,
no bojo do Estado do Rio Grande do Sul. Com o objetivo de exprimir parâmetros sobre
democratização educacional e social, utilizaram-se fontes documentais tais que: o texto
legal da política, afora de ofícios secretariais e sindicais e apontamentos em pesquisas.
Tecendo, daí, relações entre essa política em particular, o Estado e as políticas e o
horizonte mercantil do programa capitalista.

Palavras-chave: Estado; Políticas educacionais; Trabalho Docente.

INTRODUÇÃO.
Este estudo se interessa pelas políticas docentes escolares brasileiras,
especificamente, daqueles atuantes na fase da Educação Básica obrigatória que
compreende da Educação Infantil ao Ensino Médio.
Parte do pressuposto de que pesquisar políticas educativas no contexto social em
que acontecem aponta compreensões da realidade, potencializando subsídios para
democratização da educação e sua extensão ao corpo social.
Em uma sociedade no seio de projetos de classe em disputa importa conhecer seus
compromissos sociais, inclusive educacionais. Sobretudo, haja vista que o emblema
capitalista busca se validar pelo mote capital através da tomada do trabalho e da
humanidade da imensa maioria dos homens, pautando na escolarização um meio para
isso.
| 1263
Os estudos político-educacionais têm registrado o enlace entre capital e Estado,
com este último assumindo papel legitimador do programa capitalista 266 não apenas via
privatização ou mercantilização direta, mas por meio de parcerias público-privadas,
incutindo a lógica mercantil na provisão pública, inclusive, escolar (PERONI, 2010).
A pesquisa levada a efeito delineou os desdobramentos do “Pacto Nacional pelo
Fortalecimento do Ensino Médio” (PNEM). Política docente enquanto “Curso de
Formação Continuada para Professores” (MEC, 2013, p.2) para rediscussão das práticas

266
Para aprofundar o tema do papel do Estado na normatização do projeto capitalista, veja-se Wood (2014).

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docentes à luz das novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL,
2012).
O contexto do PNEM foi estudado no seio da rede estadual do Rio Grande do Sul
(RS) a partir de fontes de dados documentos legais e oficiais, de certames teóricos à
materialidade política no bojo microescolar, enfocando, basilarmente, exprimir aspectos
acerca do trabalho docente.

METODOLOGIA.
Adotou-se um olhar sociológico do professor, assumindo-o dentro de
particularidades trabalhistas e atravessamentos microescolares e macro-conjunturais
(OLIVEIRA, 2004). A linha de Ball (2009) aponta uma proposta perspicaz para
investigações das relações macro e micro das políticas educacionais e a ação dos
professores neste entremeio, especialmente, observando aspectos de democratização e
justiça social. Apresenta, para tanto, a ideia do “ciclo” analítico composto por cinco
contextos majoritários de ação política: (1) da prática, (2) da produção; (3) de influência;
(4) dos resultados/efeitos e (5) da estratégia política (BALL e MAINARDES, 2011).
Ball (2009) assemelha o processo de uma política à atuação em uma peça teatral,
onde se têm as palavras do texto que devem ser transformadas em ação, e os professores
são os atores principais: os protagonistas. Segundo Mainardes (2006), políticas podem
ser consideradas regimes de verdade e nelas, apenas algumas vozes serem consideradas
e legitimadas. Então, um discurso não é simplesmente o que “parece ser” e o que se “vê”
em sua superfície. Discursos são interdependentes de história, poder e interesses. Uma
política, consequentemente, não é, pois, um discurso harmônico ou neutro, e sim um
| 1264
produto e produtor de orientações, travados dentro do liame das políticas educacional e,
sobretudo, docente.
Nesta tônica, propôs-se uma reflexão da política do PNEM sobre as práticas
docentes no chão-escolar, apreendendo dados e relacionando-os através de fontes
documentais em três instâncias: apontamentos teóricos do PNEM; dados de pesquisas; e
ofícios da Secretaria de Educação do Estado do RS (SEDUC/RS) e do Sindicato do
Centro dos Professores do RS (CPERS).

ESTADO, POLÍTICA DOCENTE E O PROJETO CAPITALISTA.

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O campo teórico das políticas educativas vem ilustrando as movimentações do
contexto macrossocial particular capitalista, perpassado por uma crise tendo como
principais estratégias para manutenção hegemônica e controle social via competitividade
mercantil: o neoliberalismo, a globalização e a reestruturação produtiva (HARVEY,
2013; MÊSZÁROS, 2011), concretizando mudanças, que “redefinem o papel do Estado,
principalmente para com as políticas sociais e entre elas a política educacional”
(PERONI, 2010, p.1), e assim também a docente.
De acordo com Antunes (2001), o capitalismo contemporâneo condiciona uma
nova “forma de ser” do trabalho, consecutivamente, do próprio trabalhador. Sedimenta-
se (1) por um modo de acumulação flexível e desregulamentado embasado no modelo
japonês toyotista, e; (2) um modelo de (des) regulação neoliberalista, privatizante e
antissocial, avançando por sobre a modelagem reguladora social-democrática que
prevaleceu até a metade inicial do século XX no chamado “Estado de bem-estar”. De
modo que, as pautas dessa dupla mudança advogam a retração do operariado industrial
taylorfordista contratado e regulamentado característico do século X, em contrapartida da
ampliação de flexibilidade-robotizada e informalização do trabalho com funcionários
terceirizados, precarizados, subcontratados, flexibilizados e de tempo parcial pelas vias
do modo toyotista: poucos funcionários multifuncionais.
Pelas ideias do “empreendedorismo”, “cooperativismo” e do “trabalho
voluntário”, este programa empresarial se legitima exigindo o envolvimento do
trabalhador “por dentro”, unindo-se a individualismo e subjetividade exacerbados e à
apropriação saber fazer operário, no discurso do trabalho em equipe e coletivo por maior
produtividade. Centrado, em suma, em que cada operário controle a si mesmo e a seus
| 1265
pares (ANTUNES, 1999).
Tais redimensionamentos no mundo do trabalho afetam a classe trabalhadora das
esferas propriamente subjetivas, política, ideológica ao nível dos valores e ideários das
suas ações e práticas laborais. Pois, a “adesão de fundo” prepõe um “envolvimento
manipulatório” do trabalhador que “deve pensar e fazer pelo e para o capital, o que
aprofunda (ao invés de abrandar) a subordinação do trabalho ao capital” (ANTUNES,
2001, p.42).
As repercussões ecoam no setor dos serviços públicos, as áreas da educação e nos
setores público-estatais gerais, induzindo desmontagem de direitos sociais, salários e

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condições de trabalho, afora do combate cerrado ao sindicalismo classista. Conforme
Antunes (2008), o neoliberalismo se une à reestruturação produtiva e se impõe por meio
de privatização acelerada, enxugamento do Estado e políticas em sintonia com
organismos mundiais e de hegemonia capital.
Segundo Peroni (2010) aponta, o capitalismo contemporâneo via
neoliberalização, globalização e reestruturação produtiva redefine o papel do Estado para
com as políticas sociais, especialmente, educacionais. Sendo que, Ball (2001; 2005)
contextualiza o processamento de um novo paradigma de governo educacional focado na
competitividade e absento de princípios sociais democráticos e de justiça, viabilizado pela
privatização político-social, em uma série de sentidos, das esferas constituintes da
educação até aos modos de ser do professorado.
Dentro dessa norma, o Estado assume um papel diretamente regulador das escolas
ao mercado capitalista, tendo como finalidade o controle político e técnico da educação
para vinculação dos fins educativos aos desígnios mercantis. Para isso, evoca um modo
de controle da realização do trabalho docente, isto é, das especificidades “do quê” e do
“como” ensinar (HYPÓLITO; VIEIRA E PIZZI, 2009). Organizando um método que faz
o professorado se sentir responsabilizado e culpado pelo seu desempenho, medido e
avaliado desde fora do que acontece em seu espaço de trabalho além de suscitado à
procura de formação privadamente para melhorar o seu desempenho, como se isso não
fosse responsabilidade coletiva de escolas e sistema de ensino (HYPOLITO, 2011).
De acordo com Hypólito; Vieira e Pizzi (2009) o programa capitalista
contemporâneo tem no trabalho docente uma de suas centralidades, e por isso produzido
mudanças que “não somente interferem nos corpos, mas também, e talvez principalmente,
| 1266
no emocional [...]” (p.108). Ball (2001) explana as transformações na constituição dos
professores a fim da sua “coação” à lógica competitiva. Demonstra que a introdução da
forma mercantil na provisão pública legitima que professores se mercantilizem, a partir
de duas tecnologias: a performatividade para regulamentação e medição de desempenhos
de sujeitos ou organizações como parâmetros de produtividade; e o modo gerencialista
de gestão (CLARKE e NEWMAN, 2012), enquanto meio principal para incutir a cultura
performática na alma do trabalhador.
A performatividade e o gerencialismo fornecem um tipo de “governo da alma”
(POPKEWITZ, 2001), referente a um modo de gerência do professor. Que, para além de

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impor regras e procedimentos busca “determinar como empregados deveriam pensar e
sentir sobre o que produzem” (BALL, 2013, p. 522). Com isso, a sensibilidade
profissional do professor muda em níveis subjetivos e econômicos, pedindo-se obediência
a regras que relegam o profissionalismo a uma forma de desempenho e performance. A
prática profissional é resumida a satisfazer julgamentos fixos e impostos a partir de fora,
cabendo, pois, ao professor à responsabilidade por seu desempenho, mas não o
julgamento sobre o desempenho ser “correto” ou “apropriado”. Para Ball (2005), os
artefatos gerencialismo-performatividade são como irmãs perversas no conto de fadas,
definem “estados de desempenho e perfeição que jamais podem ser alcançados; pela
ilusão que se desfaz de uma finalidade a ser modificada. Elas são amargas, implacáveis,
incansáveis e impossíveis de satisfazer” (p.546).
Sinteticamente, os objetivos da performatividade e do gerencialismo, como
mecanismos de reforma do setor público escolar e docente, supõem não mudar apenas o
que é feito no chão-escolar, mas, essencialmente, o que os professores são e aquilo que
podem “vir a ser”. Como diz Ball (2005), uma reforma de educação é sobre “os poderes
que passaram a influenciar a existência subjetiva das pessoas e suas relações umas com
as outras” (p.546). Então, o controle das relações e subjetividades docentes a espécie de
um tipo de “ventriloquismo” pressupõe falar pelos professores dizendo “o quê” e “como
lecionar”. Potencializando, no caso do ideal mercantil, a confirmação de formas de
identidade que tratam professores em termos meramente performativos, que ao cabo
incitam a perpetuação do metabolismo capitalista.
Não obstante, a performatividade e o gerencialismo na medida em induzem
maneiras de descrever aquilo que os professores “devem fazer”, restringem as
| 1267
possibilidades da ação docente e impotencializam práticas e relações autênticas.
Materializando, disso, um estado permanente de alienação do “eu” e que ruiu as potências
de compromissos humanísticos educacionais e discursos e pedagogias filosóficas e
sociais de democratização.
A execução de uma forma de trabalho em qual a “profissionalidade é substituída
por responsabilização, coleguismo por competição e comparação interpessoal de
performances” (BALL, 2006, p. 15), peticionam aumento da individualização ao passo
da destruição da solidariedade baseada numa identidade profissional comum, na filiação
sindical e na construção de novas formas de filiação institucional. O que faz erigir, enfim,

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nuances de sentimentos de angústia, sofrimento e desestímulo trabalhista sobre a
subjetividade do “eu” docente e pessoal.

APONTAMENTOS SOBRE O PNEM.


O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (PNEM) foi instituído
pelo Decreto n. 6.755/2009 para oferecer cursos para professores, através da adesão de
secretarias estaduais (sendo que os 26 estados e o Distrito Federal já o aderiram) e de
universidades públicas. A promulgação aconteceu em 22 de novembro de 2013, pela
Portaria n 1.140 do Diário Oficial da União (2013). Tão logo a isso o processo de
execução iniciou, já que todos os estados nacionais haviam aderido ao programa.
Em conformidade as orientações bases (MEC, 2013), o PNEM se trata de um
Curso de Formação Continuada para Professores do Ensino Médio, “com propostas
viáveis para iniciar um processo de rediscussão das práticas docentes” (p.3), consonante
às novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2012).
Em um processo a partir de “grupos de estudos, na escola” (p.2), contemplando
“escolas como espaço privilegiado de discussão das práticas pedagógicas” (p.3), dois
vértices são assumidos: (1º) Que “a escola é o lócus para o desenvolvimento da formação
continuada” (MEC, 2013, p.7); (2º) O “professor como um sujeito epistêmico, que
elabora e produz conhecimentos com base na compreensão da realidade e nas
possibilidades de transformação da sociedade” (p.7).
Assim sendo, projetam-se duas objetivações primordiais do programa: (1) Que “o
professor deverá realizar (pelo menos) uma das atividades propostas no material de estudo
no contexto de sala de aula” (MEC, 2013, p.6); e (2) A incitação de “reflexão coletiva
| 1268
acerca da prática docente e da importância da participação de todos os atores do processo
educativo na reescrita do Projeto Político Pedagógico da escola (PPP)” (p.6).
Para tanto, o curso prevê uma carga horária total de 200 horas distribuídas em
atividades individuais e atividades coletivas (Vide Quadro I) e a criação de espaços
virtuais, com “tempos e espaços institucionais, bem como as possibilidades de rearranjos
da hora-atividade, de forma a privilegiar o trabalho coletivo” (p.6). Tablets e cadernos de
estudos do PNEM servindo de bases para estudo, presencial e coletivamente, dentro de
escolas em “encontros semanais com duração de três horas, utilizando-se a hora-
atividade” (p.6). Cabendo aqui, refletir sobre a aplicabilidade dos tempos de estudos

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previstos, tanto individuais como coletivamente, bem como acerca da responsabilização
da escola para com os provimentos das proposições destes tempos. Especialmente,
efetivando os ordenamentos da Lei do Piso Nacional para os profissionais do Magistério
público da educação básica (BRASIL, 2008), sobre o tocante de provisão de hora-
atividade, ou seja, de momento sem aula efetiva para o professor se dedicar a
planejamento, formação e capacitação.
É destacado, ainda, pelas bases do PNEM, tanto o papel do gestor escolar, em
“assegurar as condições necessárias à realização do curso de formação” (MEC, 2013,
p.10), organizando a hora-atividade e toda a logística necessária à realização dos
encontros; quanto à responsabilidade da direção escolar em "controlar" o processo e
viabilizar que “as atividades coletivas serão realizadas semanalmente, na escola” (p.16);
além da figura dos “Orientadores de Estudo, responsáveis por ministrarem a formação
aos professores do Ensino Médio nas escolas” (p.13), a serem escolhidos em processo de
seleção aberto na escola, tendo a função basilar de ser “articulador das ações de redesenho
do currículo da escola” (p.14).
Não menos importante, é apresentada como proposição do PNEM, elevar as
reflexões para além do espaço escolar em “Seminário de articulação das Licenciaturas
com a Educação Básica”, a realizar-se mês de novembro de 2014, em âmbito nacional,
com a finalidade, “não somente de avaliação do curso de formação, mas também de
discussão de políticas de formação inicial e continuada dos Professores do Ensino Médio”
(MEC, 2013, p.4). Que precisa de atenção especial para que não se esvazie, e aconteça
restrita e isoladamente, tornando raso o movimento de ampliação das reflexões aos
Cursos de Formação Inicial e de trocas entre academia e escola.
| 1269

Quadro I: Cronograma do PNEM (MEC, 2013).


ETAPA I: Curso De Formação com o estudo dos seis Cadernos Temáticos
Março a julho (I) Atividades individuais do professor: Carga Horária (CH) = 50 horas
de 2014 (II) Atividades coletivas na escola: CH= 45 HORAS (+ 3 horas de Abertura de
Seminário + 2 horas de Seminário de Avaliação da 1ª etapa) = 50horas
ETAPA II: Curso de Formação com Estudo das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino
Agosto a Médio (BRASIL, 2012) nas Áreas do Conhecimento e de Reescrita do PPP = 80
Dezembro de horas.
2014 (I) Seminário Nacional de Articulação entre Formação Inicial e Continuada –
“Discussão sobre as Licenciaturas” (Novembro/2014).
(II) Seminário Final de Avaliação da Formação Continuada na Escola: Relatos de
Experiência e Sugestões (Dezembro/2014)

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Carga Horária 1ª etapa 100 horas + 2ª etapa 100 horas = 200 horas
Total

OBSERVAÇÕES DO PNEM NO CHÃO-ESCOLAR.


O estado do RS completou no ano de 2014 o processo de três anos de
implementação do Ensino Médio Politécnico (SEDUC/RS, 2011). Nisso, o PNEM foi
assumido como subsídio formativo às expectativas de novas projeções aos 23.281
docentes das 1063 instituições estaduais de Ensino Médio. A SEDUC/RS (2014a)
anunciou a adoção do PNEM junto do apoio das universidades federais da região como
parceiras na formação dos orientadores de estudo. Ainda em 2014, o Secretário de
educação, José de Azevedo, declarou o investimento R$ 100 milhões para a formação
continuada via PNEM, bem como a entrega de mais de 100 mil computadores, tablets e
netbooks para docentes e alunos, além da reforma de 1495 escolas, a partir de recursos na
ordem de R$ 400 milhões (SEDUC/RS, 2014b).
Uma pesquisa realizada por Flores, Sisti e Narvaes (2014), com 60 professores
cursistas do PNEM, em município do interior do RS, delatou altos graus de expectativas
quanto ao curso (15 docentes expuseram suas expectativas como média e 38 anotaram-
na como alta). Além disso, os respondentes contornam a oportunidade de maior
aproximação entre professores, de trabalho coletivo dos estudos de temáticas,
oportunizando reflexões sobre a prática. Quando questionados acerca de mudanças em
relação à sua prática e na percepção de seus alunos, após o início do PNEM, 18 relataram
não terem notado, porém 35 anotaram: sim, que observaram modificações.
No entanto, o mesmo grupo problematizou (FLORES, SISTI E NARVAES,
2014), por exemplo: a forma de implementação do PNEM; a consideração de baixo | 1270

subsídio formativo fornecido; a falta de cursos direcionados à produção de projetos,


avaliações, e atividades para serem aplicados no dia-a-dia; o parco tempo para a
realização dos estudos, devido às cargas-horárias e jornadas trabalhistas exercidas pela
maioria dos professores, impelindo-lhes devido comprometimento às propostas; o não
engajamento de demais agentes escolares, para além de docentes, aproximando a
comunidade escolar dos ensejos e elevando a motivação estudantil.
O Sindicato do Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS,
2014) também se manifestou quanto a determinados pontos do PNEM, tais que:

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(1) Considerando o início já equivocado, que desde a “sua elaboração não tem
nenhuma participação dos trabalhadores em educação, caracterizando, portanto, mais
uma proposta de cima para baixo”;
(2) Apontando uma cultura que “distorce a lógica da formação continuada ao não
garantir a todos os professores a possibilidade real de qualificação, já que impõe critérios
e remuneração diferenciados, estabelecendo uma concepção de cunho meritocrático” 267;
(3) Aclarando como não condizentes os anúncios de valorização dos educadores
e garantia de melhores condições de trabalho, haja vista que não tem havido verdadeiras
intervenções dos poderes federativos em nível de provisão e obrigação quanto à
legitimidade de uma verdadeira política de valorização profissional. Veja-se que sequer
a Lei do Piso (BRASIL, 2008), que depõe bases salariais e cargas-de-trabalho, vem sendo
cumprida pelo RS, assim como a maioria dos estados brasileiros, e acontecendo sem
qualquer tipo de sanção.
(4) Declarando ilegalidade na aplicação do programa não disponibilizando o
acesso universal ao curso e dentro da jornada do professor. Porque, o aperfeiçoamento
profissional é direito do professor na mesma medida em que é o dever da sua proposição
dentro da carga horária de trabalho e em condições laborais dignas. Assim, o texto
decretador determinando horas e prazos para a realização do PNEM, incita estudos em
período fora da jornada de trabalho, finais de semana e até feriados, uma vez que muitos
profissionais já possuem suas cargas-horárias preenchidas por mais de um vínculo e turno
trabalhista. Quer seja, apresenta-se um método distorcido de formação, sem mobilização
de apoio político e legislativo, que exigem sacrifícios em diferentes graus e acabam, por
certo, frustrando as expectativas docentes.
| 1271
(5) Delineando o PNEM enquanto “forma enganosa” de desoneração das
obrigações governante de provimento de formação docente continuada. Sendo, pois, uma
política não pautada da melhora da qualidade do trabalho dos professores escolares.
Sobretudo, pelo modo programático acarretando sensível intensificação e sobrecarga nas

267
Conforme ilustrou o CPERS 15º núcleo (2015), educadores das instituições de ensino superior, das
secretarias educacionais e os professores cursistas do PNEM recebem bolsas mensais, em sete grupos: R$
2 mil para o coordenador-geral da instituição de ensino superior; R$ 1,4 mil para o coordenador-adjunto da
instituição de ensino superior; R$ 1,2 mil para o supervisor; R$ 1,1 mil para o formador da instituição de
ensino superior; R$ 1,1 mil para o professor formador regional do pacto nos estados e Distrito Federal; R$
765 para o orientador de estudo; R$ 200 para o professor cursista e para o orientador pedagógico da escola.

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cargas trabalhistas, produzindo uma série de inferências graves e obstáculos que
demonstram falta de compromisso governante com a qualificação do educador e total
descaso com a educação estadual e nacional.
Cabe ressaltar o que Moll e Garcia (2013), representantes do Ministério da
Educação (MEC), quando apresentaram o PNEM no RS salientaram. Quer seja: o
objetivo de “promover a valorização do professor da rede pública estadual” (p.1) desde o
“chão da escola” a partir da “valorização dos saberes produzidos no cotidiano escolar e
construção de caminhos para a autonomia escolar” (p.12). Destacando, para isso, “a
importância de pensar a formação na escola, com o conjunto dos professores” e da “a
hora atividade [...] ser um espaço para formação do professor” (SEDUC/RS, 2013).
Na mesma linha, Leite Lima Filho (2014), pesquisador do campo político-
educacional, enalteceu o lançamento do PNEM dentro das necessidades de
desenvolvimento de uma educação de qualidade que ainda o Brasil precisa alcançar. Mas
sinalizou o histórico de reformas, medidas e programas implementados na educação
brasileira, em muito, sem espaço e prazos necessários para reflexão e condições materiais
para sua pedagogização. Compreendendo, majoritariamente, as limitações dessas ações
resultantes dos seus tempos, em geral, vinculados ao tempo de determinado governo, que,
outrora, nem sempre coincide com o tempo pedagógico necessário para o
desenvolvimento conceitual e organizacional das práticas educativas.
Assim sendo, analisando os documentos erijam-se certos questionamentos: Da
duração do PNEM em dois anos (2013 e 2014) e das relações com os tempos de estudos
individuais e coletivizados, para com a consolidação de uma mudança de paradigma; A
incumbência dada a “cada” escola para a efetivação do PNE, que pode deixar o projeto
| 1272
num simples "faz de conta" e quando chegar às escolas se esvaziar. Atentando aqui,
especialmente, para o possível movimento de fuga e negação docente frente ao PNEM,
face às condições de trabalho, em muito, negativas e precarizadas assim como apontou
recente relatório “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” (FLEURI 2015) e
que contou com dados levantados desde 2009 em diferentes regiões do país.
Corroboramos com Leite Lima Filho (2014, p.9), de que precisamos “pensar no
significado da palavra “pacto” como um sério acordo entre duas ou mais partes” (Que no
caso do PNEM erige do acordo institucional envolvendo agentes federais e estaduais em
torno do “objetivo comum” de fortalecimento do Ensino Médio brasileiro). Importa que

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afiramos o papel do Estado, federal, estadual ou municipal instrumentalizando o
cumprimento dos direitos subjetivos educacionais públicos e universais com qualidade.
Que dar-se à pela formalização de um efetivo Pacto educacional, que prescinde imbricar-
se a outras políticas, prioritariamente, de qualificação e investimento humano e
infraestrutural, afora dos tocantes: diálogo e união. Pois, “a assinatura de um pacto
demanda o compromisso com uma série de ações, o desafio começa agora, pois tais ações
precisam ser implementadas por todos (as) os (as) participantes do Pacto” (LEITE LIMA
FILHO, 2014, p.21).

CONCLUSÃO.
Esta foi uma pesquisa que se propôs a investigar o campo político-docente,
sobretudo, escolar por incluírem-se neste espaço os agentes basilares do ensino básico e
obrigatório nacional. Dos quais, as práticas configuram pedagogias que formam sujeitos
e sociedade. Que para o programa capitalista constituem-se através de vias como
individualidade e competitividade, meritocracia e eficácia, etc. em detrimento a
princípios de cooperação, coletividade, igualdade e socialização.
O trabalho docente foi uma latente categoria analítica, uma vez o professor perfilar
como trabalhador social. A partir do diagnóstico das bases do PNEM, iniciativa federal
de formação para professores, observou-se anunciações de protagonismo e emancipação
docente, a partir da afirmação de um “pacto”. No entanto, no estudo da efetividade
política no chão-escolar do RS foram delatados desvios, prioritariamente, face à falta de
“pilares” de sustentação para o desfrute pleno do curso pelos professores.
O que se mostrou claro é que o magistério público seduz-se por projetos
| 1273
formativos em grau como o PNEM que propõem incrementos salariais. Contudo, ações
desta medida acabam frustrando-os densamente ao verem-se impedidos de realizar a
formação com qualidade, gerando sentimentos de mal-estar do seu eu profissional ao
pessoal. Manifestam-se, até mesmo, posturas antiéticas e sabotagens (de avaliações, dos
tempos de dedicação pedidos e dos encontros, etc) para ganhar as bolsas de “dinheiro”.
Afinal, elas tornam-se, por certo, os verdadeiros motivos para continuidade no curso.
Foi possível identificar o PNEM como instrumento funcional de
autointensificação (OLIVEIRA, 2004), segundo vertente responsabilitória de docentes e
escolas ao passo da desresponsabilização governante. Estratégia, essa, que tem sido uma

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das principais ferramentas de inferência do projeto mercantil-capitalista contemporâneo
no cerne social, sobretudo, político. No caso do PNEM, delatou-se que o governo
executou-o sem antever bases sólidas para professores cursarem-no, como por exemplo,
no descumprimento da Lei do Piso (BRASIL, 2008) e suas normatizações acerca de
salários, horas-aulas e hora-planejamento magisteriais (CNTE, 2014). Além do que,
podem-se enumerar especificidades do programa, que seu notou que não tiveram a
atenção que mereciam: como a preparação de orientadores sensivelmente capacitados; e
à profícua articulação com os campos da pesquisa, ensino e extensão da Universidade e
da troca com os cursos de formação inicial e Licenciatura; entre outros pontos não
evidenciados pelos limites deste ensaio.
Enfim, a política do PNEM, embora que lançada como um “Pacto” para suplantar
a qualidade pedagógica pela capacitação de docentes escolares, ao ser posta dentro de um
Estado social fracassado e por um governo não realmente posicionado como incentivador
da melhora social do seu povo, não poderia se encaminhar diferentemente. O Brasil tem
compactuado com os interesses do mercado internacional de competência, eficiência e
desempenho (PERONI, 2013, p-18-28). Políticas dentro da lógica mercantil, sobretudo,
de educação vêm sendo concretizadas, alicerçadas no discurso de um Estado
“incompetente” que para melhorar deve seguir os ordenamentos do mercado. Então, as
escolas públicas são atingidas, sendo assemelhadas a empresas e os alunos a
consumidores/clientes. Os professores funcionam como operários expostos a um seio
laboral amplamente sobrecarregador e responsabilizador, imbuído de objetivos
praticamente inalcançáveis, como na mitológica procura pelo pote de ouro no final do
“arco-íris”. Concretizando, em verdade, no desmantelamento do sistema público, da
| 1274
educação, dos serviços pedagógicos e do próprio professorado.

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A DIVISÃO LICENCIATURA/BACHARELADO NO CURSO
DE EDUCAÇÃO FÍSICA: O OLHAR DOS EGRESSOS
Adelina Lorensi Prietto – UFSM - adelina_prietto@hotmail.com

Jacob Alfredo Iora – UFSM - jacobiora07@gmail.com

Resumo: Este estudo investigou as demandas relativas à formação encontradas pelos


egressos dos Cursos de Educação Física Bacharelado e Licenciatura, ao se defrontarem
com o mercado do trabalho. Para realizar esta pesquisa utilizou-se o levantamento de
dados quantitativo/qualitativo nos cursos ofertados por uma instituição de ensino
superior. A análise e interpretação dos dados foram realizadas através da triangulação de
dados considerando as categorias metodológicas da dialética materialista. As respostas
expressaram que a divisão da EF tem gerado inúmeros problemas para os profissionais
no mercado de trabalho, ocasionada pela fragmentação de conhecimentos, falta de
articulação entre teoria e prática e pela gerencia Conselho Regional de Educação Física e
Conselho Nacional de Educação Física (CREF/CONFEF).
Palavras chaves: Formação, currículo, Trabalho.
2- INTRODUÇÃO

Este estudo tem como “observatório” a vivencia do cotidiano enquanto acadêmica


do curso de EF licenciatura em uma instituição pública do Sul do País, em que percebe-
se, uma grande demanda de egressos dos cursos de Educação Física (EF) Licenciatura e
Bacharelado que retornam à formação inicial . Isso nos faz refletir sobre quais os fatores
que levariam os profissionais a retomarem sua formação em áreas de conhecimento que
são afins.
Esse processo de transformação na formação inicial inicia-se com as Diretrizes
Nacionais para a Formação das Licenciaturas instituídas pelo Conselho Nacional de | 1278

Educação (CNE) no ano de 2002. O principal objetivo de tais mudanças era fortalecer os
conhecimentos da área da licenciatura, pois os professores formados nos cursos
unificados, durante a formação inicial, pouco adquiriam experiência na área da Educação
Básica.
Em relação ao Curso de Bacharelado em EF estudado, as justificativas
apresentadas para a sua criação estão aparadas legalmente na Resolução CNE/CES
07/2004 e no Parecer CNE/CES 058/2004. Nesse sentido, Morschbancher (2012), coloca
que naquele momento histórico a divisão do Curso justificou-se pela crescente expansão

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do mercado de trabalho e pelas mudanças na legislação referente à formação de
professores para a atuação na educação básica, em sintonia com o sistema
CONFEF/CREF268.
Neste mesmo período, Nozaki (2004), já realizava uma análise crítica da
regulamentação da profissão relacionada às questões do mundo do trabalho e formação
profissional, apontando o reordenamento no campo educacional e da Educação Física
brasileira. Pelo agravamento da crise do capital são retomados projetos neoconservadores,
através de políticas neoliberais, que atingiram também o campo educacional.
Segundo Taffarel (2012), ao elaborar a crítica sobre a divisão na formação inicial,
o principal objetivo que está inserido nessa tendência é desregulamentar o trabalho,
através do ajuste especializado da formação inicial. Estes mecanismos fragilizam o
trabalhador pelas vias do esvaziamento teórico e pela delimitação nos campos de trabalho.
Um estudo que demonstra claramente isso é o de Both (2011, p. 60) que, de
maneira sintética, analisou as mediações das mudanças no mundo do trabalho, no marco
da luta de classes e na Educação Física. O autor, em seus estudos, aponta a perda da
centralidade do componente curricular da EF no âmbito educacional e alerta para a
realidade da EF como parte de um mercado de “prestação de serviços, terceirizado e
precário, com poucos direitos trabalhistas que se concentra na lógica da privatização e da
mercadorização dos conteúdos da Cultura Corporal”.
Atualmente, a EF está dividida em dois campos: o campo escolar e o não-escolar,
e essa divisão se constitui numa importante mediação entre a EF e as novas necessidades
do trabalho. Os trabalhadores estão tendo de se adaptar às necessidades que o mercado de
trabalho exige, o que os leva ao trabalho informal, precário e com poucos direitos.
| 1279
A justificativa deste processo dual de formação é que o profissional formado a
partir do novo currículo iria se sentir seguro e competente para atuação no campo
específico ao qual é direcionado. A conseqüência das reformas curriculares, apontadas
por Morschbancher (2012), é a fragmentação da formação do trabalhador em EF, tendo
como parâmetro fundamental a divisão dos espaços de trabalho: escolares e não-
escolares.

268
Conselho Federal de Educação Física e Conselho Regional de Educação Física.

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Este argumento é questionado por autores como Taffarel; Santos Júnior (2010,
p.35) que afirmam que a pretendida distinção entre licenciados e bacharéis em Educação
Física, tendo como referência esse aspecto, desconsidera o elemento unificador destes
trabalhadores que é o trabalho pedagógico e/ou docente: “No caso da Educação Física
significa, em última análise, o reconhecimento de que onde quer que atuemos (escola,
academias, clubes, praças, etc.) o que nos unifica e nos dá identidade é o trabalho
docente”.
Apresentamos como objetivo geral deste estudo, investigar as demandas relativas
à sua formação, encontradas pelos egressos dos cursos de EF Licenciatura e Bacharelado
ao se defrontarem com o mundo do trabalho, bem como, de forma específica, entender o
motivo pelo qual os estudantes egressos retornam para complementar sua formação no
sentido ampliado, verificar se os Currículos dos cursos estão correspondendo às
necessidades dos futuros professores em relação a suas atuações no campo de trabalho e
compreender, no sentido subjetivo269, qual o sentimento do acadêmico ao prolongar-se
por até oito anos a formação em EF.
Sendo assim, a partir do grande número de egressos que retornam para
complementar a sua formação inicial, consideramos importante analisar essas questões
com o intuito de avaliar e relacionar a formação oferecida pelo centro com as demandas
e necessidades encontradas pelos professores no mercado de trabalho. Diante disso, este
estudo se justifica por buscar entender como está sendo este retorno à formação
acadêmica.

3- METODOLOGIA
| 1280
O presente trabalho caracteriza-se como um estudo de caso (Lüdke & André,
1986). Este estudo de caso é um estudo da complexidade, que tem como objetivo o
entendimento das peculiaridades dos cursos de formação em EF da instituição, de uma
realidade situada historicamente, a qual possui um valor em si mesmo por ser particular
e única.

269
Compreender o conhecimento subjetivo significa, neste trabalho, o ponto de vista pessoal, individual,
sentimento e sensações dos egressos da Educação Física que retornam a formação inicial. Porém,
nossas análises estão fundadas nas análises objetivas, concretas deste trabalho.

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Na análise e interpretação foi utilizado o procedimento de triangulação de dados
que Segundo Triviños (1987);

“tem por objetivo básico abranger a máxima amplitude na descrição,


explicação e compreensão do foco em estudo. Parte de princípios que
sustentam que é impossível conceber a existência isolada de um fenômeno
social, sem raízes histórias, sem significados culturas e sem vinculações
estreitas e essenciais com uma macrorrealidade social.” ( Triviños, 1987,
p.138).

Partindo desse procedimento, realizamos a análise dos Projetos Pedagógicos dos


Cursos de graduação em Educação Física Licenciatura e Educação Física Bacharelado na
instituição investigada, e das Resoluções CNE/CP 01/2002 e CNE/CES 07/2004 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os respectivos cursos. Combinamos o
levantamento bibliográfico com a pesquisa de campo, primeiramente no aspecto
quantitativo, que expressou o número de alunos que retornaram para complementar sua
formação no sentido ampliado. Para compreender a parte qualitativa foram realizadas
entrevistas com nove egressos de Cursos de Educação Física, que retornam para a
formação inicial.
O presente trabalho visa contrastar as análises das entrevistas realizadas com os
egressos com as análises dos documentos sobre o Curso de Educação Física. No primeiro
momento, foram realizados estudos referentes ao referencial teórico, utilizando-se de uma
literatura que abordou os seguintes temas: Processo histórico da formação de professores
do centro em questão e as transformações no mundo do trabalho.
As categorias de conteúdo, o objetivo do retorno dos estudantes; formação e
mundo do trabalho e a ampliação no tempo de permanência (subjetivo), foram construídas
levando em conta Minayo (1993), que nos diz que esta técnica de tratamento de dados | 1281

pode ser entendida com o seguinte conceito “significa agrupar elementos, idéias ou
expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso” (p.70). Para a análise e
discussão dos resultados, serviram de base as leis e categorias metodológicas da dialética
materialista: quantidade e qualidade, luta de classes, abstrato e concreto, lógico e
histórico.
4- O TRABALHO, SUAS TRANSFORMAÇÕES E A RELAÇÃO COM A
EDUCAÇÃO FÍSICA

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Para Marx (1989), o trabalho, antes de qualquer coisa e independente da formação
social a que está submetido, é indispensável e a essência para a existência humana. Ao
mesmo tempo em que o ser humano transforma a natureza, ele se apropria do
conhecimento construído transformando a si mesmo. Para Antunes (2005), “esse processo
de transformação recíproco faz com que o trabalho social se converta em elemento central
do desenvolvimento da sociabilidade humana” (p.68).
Para Marx (1989), o ser humano, encontra no trabalho em sua dimensão
ontológica a possibilidade de modificar uma realidade natural e criar uma nova realidade,
interferindo nas relações sociais. Através dessa relação com a natureza e com os outros
homens, ele constrói sociedades, reconfigura a história e, simultaneamente, molda a sua
essência.
Com o surgimento da produção industrial, a força de trabalho torna-se uma
mercadoria como outra qualquer a serviço da exploração da classe proprietária dos meios
de produção, ao ponto do limite do ritmo e da intensidade do trabalho serem medidos pela
exaustão física e psíquica do trabalhador. A busca do lucro passou a ser o principal fim
da atividade econômica. A condição de exploração colocada para os trabalhadores no
sistema econômico que ascende, o capitalismo, consolida o acirramento entre trabalho e
donos dos meios de produção, pela luta de interesses e direitos.
Segundo Antunes (2002), a partir da década de 1980 houve grandes
transformações no mundo do trabalho270, desde suas formas de inserção na estrutura
produtiva até na sua representação sindical e política. Para o autor, esta crise afetou a
forma de ser da classe que vive do trabalho. Essas mudanças ocorreram num período em
que houve um enorme avanço tecnológico, onde a automação, a robótica e a
| 1282
microeletrônica entraram no processo produtivo, influenciando as relações de trabalho e
a própria produção do capital. Como conseqüência da organização legal do capitalismo
moderno e da divisão social do trabalho, ocorreu a alienação objetiva do homem, do
produto e do processo de seu trabalho, porque o produtor não detém, não possui e nem
domina os meios da produção.

270
Para Nozaki (2003, p. 2), a noção de mundo de trabalho analisa os “aspectos centrais e estruturais a
cerca das relações de confronto entre capital e trabalho que determinam justamente o campo e o mercado
de trabalho”.

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Essas transformações foram ocasionadas pela crise do sistema produtivo
fordista271 e o taylorista272, dominantes no capitalismo industrial da primeira metade do
século XX. Esta crise de acumulação do capital, no contexto da globalização, gerou
formas transitórias de produção que modificaram e interromperam muitos direitos e
conquistas históricas dos trabalhadores.
Novas experiências de trabalho começaram a mesclar-se com outros processos
produtivos existentes dando origem ao modelo Toyotista273. O principal loco de
desenvolvimento são as empresas japonesas, onde os elementos principais constituem-se
na “cooperação gerentes-trabalhadores”, mão de obra multifuncional, controle de
qualidade total e redução de desperdícios.
Para Antunes (2005), a partir da crise, surge um novo caráter multifacetado do
trabalho. É uma noção contemporânea e ampliada de classe trabalhadora que tem o
potencial de dar uma maior vitalidade teórica e política ao mundo do trabalho em
contraponto à desconstrução intentada nas últimas décadas.
As características dessa destrutividade do mundo do trabalho se expressa na
execução de trabalhos parciais, precarizados e no aumento do número de desempregos.
Isso acontece porque o capital precisa cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais
de trabalho part-time, terceirizado, que cresce a cada dia no mundo produtivo industrial
de serviços.
No Brasil, todas essas mudanças estruturais acontecem em meados da década de
1990 com a implementação dos propósitos neoliberais pelo governo Federal, em especial
no mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Dentro desse processo os

| 1283
271
Fordismo: Criado pelo norte-americano Henry Ford em 1914, é um processo de trabalho baseado no
modelo de produção em massa, cujas principais características eram: redução dos custos; divisão das
funções de trabalho; trabalho em cadeia, repetitivo e contínuo, através de linhas de montagem;
especialização técnica, visando produção em série de produtos mais homogênios. Esses elementos
geram uma alienação do trabalhador no processo de produção.
272
Taylorismo: Criado por Frederick Winslow Taylor, cujo processo de trabalho caracterizava-se pela
fragmentação das funções do trabalho, presença de um gerente supervisor e gratificação pela produção
em menor tempo.

273
O modelo de trabalho Toyotista é baseado em mecanismos flexíveis do trabalho atual. A partir de Faria
(2004), trabalhar-se-á cooperação gerencial, os círculos de controle de qualidade (CQC), os quais
constroem grupos de trabalho responsáveis por corrigir ou tomar providências em relação à produtividade
e reformulações desenvolvidas nas matrizes japonesas que atingiram os objetivos de aumentar a qualidade
e produtividade e baixar o custo da produção.

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desempregados, os mais necessitados do campo e das cidades, os assalariados
precarizados, começam a buscar um lugar no novo mercado de trabalho.
Segundo Nozaki (2004), o mercado de trabalho diz respeito aos espaços onde é
mais fácil aos trabalhadores vender a força de trabalho, provendo a sua subsistência.
Porém, a forma alienada e precarizada que a classe trabalhadora se submete aos ditames
do mercado de trabalho fazem com que ela continue reproduzindo e perpetuando a entrega
da sua própria força de trabalho para o capital.
A educação nesse novo propósito, sob a ótica da formação profissional, busca
adaptar o futuro trabalhador num mundo globalizado e competitivo. Segundo Gentili
(1995), no campo educacional, a busca da qualidade assume grande parte dos conteúdos
que esse debate possui no campo produtivo – empresarial. Esta lógica, que busca ajustar
a educação ao mercado pressupõe três premissas:

“a. que a educação (nas atuais condições) não responde às demandas e às


exigências do mercado; b. que a educação (em condições ideais de
desenvolvimento) deve responder e ajustar-se a elas; c. que certos instrumentos
(científicos) de mediação nos permitem indagar acerca do grau de ajuste educação-
mercado e propor os mecanismos corretivos apropriados.” Gentili (1995, p. 156).

Neste sentido, seguindo as demandas do mercado de trabalho, “ajusta-se” a


formação em Educação Física sob o viés da promoção da saúde e da melhoria da
qualidade de vida, pois multiplicam-se as atuações dos professores de Educação Física
em espaços como academias de ginástica, clubes e demais espaços de lazer. Porém
Nozaki (2004), alerta para a precarização do trabalho, que parte do trabalho assalariado
(trabalho formal) nas escolas para o setor de bens e serviços que muitas vezes acontece
na informalidade.
| 1284
5- O QUE REVELAM OS EGRESSOS

Buscando abranger o universo da totalidade, realizamos o levantamento de dados


de forma quantitativa, contando com o auxílio do Departamento de Registro e Controle
Acadêmico (DERCA). Foi apurado o número total de 42 pessoas que durante o período
de 2008 a 2015 realizaram ou estão realizando a formação inicial em ambos os Cursos. O
levantamento realizado pelo DERCA remete a sujeitos somente do centro, que possuem,
ou possuíram duplas matrículas, sendo 21 professores que retornam ao Curso de
Educação Física Bacharelado e 21 profissionais que retornam ao Curso de Educação

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Física Licenciatura, com o objetivo de complementar a sua formação no sentido
ampliado.
Buscando demonstrar que esta divisão alcança o universo de formação inicial da
Educação Física para além da instituição estudada, realizamos o levantamento de dados
quantitativos em relação a acadêmicos egressos de outras Instituições de Ensino Superior,
que se encontram neste semestre realizando a sua segunda formação inicial. Este
levantamento remete ao acréscimo de 9 estudantes, totalizando 51 egressos que retornam
aos Cursos de Graduação em Educação Física.
Durante a investigação qualitativa, realizada a partir da entrevista semi-
estruturada, os acadêmicos nos revelaram que os problemas do Curso vão além da divisão
Bacharelado/Licenciatura. Para eles, algumas disciplinas contribuem pouco para a sua
formação, e esta precariedade torna-se mais aparente à medida que o acadêmico progride
no Curso. Na opinião da Professora F, os professores do centro deveriam ter uma maior
sensibilidade, já que “eles estão formando futuros profissionais”.
Dando continuidade ao processo de análise e interpretação dos dados, definimos
as categorias de análise que melhor respondiam aos propósitos da investigação. Assim,
foram definidas as seguintes categorias: o objetivo do retorno dos estudantes; formação e
mundo do trabalho e a ampliação no tempo de permanência (subjetivo). Dentre as
informações levantadas, agrupamos as respostas mais incisivas e expressivas sobre cada
categoria, sendo que todas foram significativas para este trabalho.
Tendo em vista o processo de construção dos currículos dos Cursos de Educação
Física Licenciatura e Bacharelado que denotou o direcionamento dos conhecimentos a
serem adquiridos em cada área, o primeiro aspecto revelado pela análise qualitativa foi a
| 1285
negação do conhecimento gerado pela divisão, expressada da seguinte forma pelos
professores graduados nos Cursos de Licenciatura e Bacharelado:
“Ah, formação inicial, hoje em dia, ela deixa muitas lacunas, assim, tipo
Educação Física Licenciatura nega um pouquinho o conhecimento biológico.
Tu vai ser professor, tu tens também que ter conhecimento quando tu fores
trabalhar com o teu aluno na escola.” (Professor E, licenciatura).

Já na área do bacharelado a negação do conhecimento se situa com o trato


pedagógico expressado no relato:
“Estou tendo muita cadeira, agora, teórico pedagógica que é o que faltou no
bacharelado, mas teve algumas cadeiras no bacharelado que os professores

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foram muito bons ali em mostrar uma parte de pedagogia ali, mas é deficiente.”
(Professor A, bacharelado).

Esta situação já vinha sendo denunciada por autores que discutem a fragmentação
da formação a partir do conhecimento, como Taffarel (2012, p.6) que nos diz que “as
lacunas na formação dizem respeito à negação do conhecimento”, desqualificando o
professor em sua formação acadêmica, rebaixando a formação omnilateral e privilegiando
a divisão social do trabalho na formação inicial.
Os relatos dos professores demonstram que formação inicial esta atrelada as
necessidades de terminada parte da sociedade, em especial as ambições do sistema
CREF/CONFEF. A divisão da EF restringe o campo de atuação, mantém os professores
refém de competências aplicadas ao mercado de trabalho e promove a realização do
registro no conselho da categoria. A formação fragmentada abdica os trabalhadores de
pensar as necessidades da sociedade de forma ampliada em favor do trabalhador que
reproduz o estabelecido na sociedade atual.
Na perspectiva de uma crítica a formação voltada aos nichos de mercado, uma
expressão contundente apresentada pelos estudantes foi a necessidade de vincular a
formação inicial às necessidades do mundo do trabalho. Observamos, através da análise
qualitativa, que alguns egressos têm a percepção da formação fragmentada, do trabalho
independente e desarticulado entre as disciplinas como também do distanciamento dos
dois Cursos Educação Física da realidade concreta.

“Eu acredito que a formação inicial necessita articular mais as disciplinas,


muitas vezes, temos dificuldades de articular esses conhecimentos para o
desenvolvimento das aulas. A gente sente dificuldade de fazer essa articulação
de teoria e prática. Muito fragmentado (...), pouca articulação entre os | 1286
professores, né? (...) É necessário discutir e debater sobre a formação inicial e
a reestruturação curricular do Curso de Educação Física na instituição,
objetivar uma formação omnilateral.” (Professor E, licenciatura)

Em nossa análise, esse distanciamento se estabelece, no caso do Curso de


Bacharelado, pela falta de disciplinas que abordam a questão pedagógica do trato com a
cultura corporal, além da falta de algumas disciplinas como musculação, por exemplo,
que segundo alguns entrevistados faz muita falta na atuação profissional. Outro aspecto
relevante é o grande leque de possibilidades de atuação na área fitness e dentro desta as
constantes mudanças de estilos e dos hits do momento (Zumba, Power mix, etc.), o que
exige uma constante atualização.

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No caso da Licenciatura, os entrevistados evidenciaram a desarticulação entre
metodologias de ensino e os esportes e a carência de conhecimentos acerca do ser humano
naquilo que compete à Educação Física, contemplando o biológico, o psicológico e o
social. Sentem necessidade de uma maior articulação entre os saberes conceituais da área
para atuar e intervir com segurança nas suas práticas pedagógicas.

“Eu fiz esse reingresso porque eu sentia necessidade de trabalhar na escola e


ver a realidade da criança, como é isso no dia a dia, porque aqui dentro, no
bacharelado, eu trabalhei com idosos, nos grupos de hipertensão, nos grupos
de cardíacos, trabalhei com treinamento e aí lido com pessoas adultas. Meu
estágio foi na ASH, na liga Nacional de Handebol, então eu trabalhei com
adultos, mas eu não tive essa experiência de escola que eu to tendo agora no
estágio I, aliás, são dois estágios, um do PIBID.” (Professor A, bacharelado)

Sobre este aspecto, Taffarel (2006, p. 93) faz uma reflexão, questionando “em que
bases deve-se formar professores para uma realidade complexa e contraditória que exige
a formação humana na perspectiva da omnilateralidade, da emancipação humana e da
transformação social”.
Quando apresentamos os objetivos do desenvolvimento desta pesquisa
observamos que a tese defendida para a divisão entre Licenciatura e Bacharelado é
desenvolver as competências para que o profissional sinta-se seguro para atuar no
mercado de trabalho. Nesse sentido é necessário observar, na análise qualitativa, que uma
das causas da divisão da formação também vem a ser a necessidade do retorno ao Curso,
ou seja, o próprio mercado de trabalho da Educação Física.
Embora um dos professores expresse que a formação inicial tenha proporcionado
alcançar os objetivos pretendidos: “Eu me senti preparada, mas foi por buscar os projetos
de extensão que a Universidade proporciona e na participação de grupos de estudo” | 1287

{...}(Professor F, bacharelado), a questão legal, relacionadas à Resolução que institui as


Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Educação Física, os
impede de atuar.
“(...) aí eu voltei e fiz o reingresso, mas por causa de motivo, digamos assim,
uma estabilidade financeira, porque o bacharel são poucos os concursos
públicos que tem né, pra bacharel. E pra licenciatura tem mais. E se eu um dia
quiser voltar para a minha cidade, provavelmente seria como professora de
escola, pra atuar na área, senão seria trabalhando em outro campo.” (Professor
D, bacharelado)

E;

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“Pra complementar a graduação né, porque não pode atuar, por exemplo, em
academia e centros de treinamentos sem ter o bacharelado e eu sempre fui pra
esse lado então tem que complementar pra poder atuar legalmente.” (Professor
I, licenciatura)

Neste sentido, Souza, Fuchs & Ramos (2014, p.20) afirmam que quando a área da
Educação Física se apropriou da legislação para elaborar suas diretrizes curriculares,
prevaleceram concepções de Conhecimento e de Mundo/Mercado do trabalho, aderindo,
deste modo “a uma determinada visão de conhecimento e de perfil profissional”. Para os
autores, a lei não limita o licenciado a atuar somente no âmbito escolar, porém “o
entendimento equivocado desta questão acarretou em uma lógica formativa, nesses
últimos dez anos de fragmentação do conhecimento” (p.21).
Durante a análise qualitativa, algumas respostas dadas pelos entrevistados nos
remetem às falas de autores como Both (2011) e Nozaki (2004) que nos dizem que as
atuais mudanças no mundo do trabalho vêm ampliando o desemprego e a precarização do
mesmo, no que diz respeito aos salários, condições de trabalho e terceirização dos
serviços. Neste sentido, os profissionais da área de Educação Física estão sendo
desvalorizados, tendo de trabalhar em mais de um local para garantir o seu sustento ou
ampliar o tempo de permanência no local de trabalho para garantir o emprego.
“Me formei em bacharel, fiquei dois anos contratada em uma academia aqui
em Santa Maria, carteira assinada. Pedi demissão ano passado, final do ano
passado. Foi mais por desgaste, muitas horas, era tipo faz tudo. Eu fazia 10
horas, as vezes até 12 horas. Porque tipo, pra ti ganhar um salário bom... com
bastante trabalho, o que eu ganhava era em cima daquela parte do responsável
técnico, sabe? Daí não era de acordo com o piso, era de acordo com o
responsável. (...) Fixo na carteira era 8 horas, daí as vezes eu fazia 10, 12 horas
por dia. Daí, comecei a cansar...” (Professor B, bacharelado)

| 1288
Neste contexto de perda da centralidade da Educação Física como componente
curricular da Escola, esta vem estendendo cada vez mais a sua atuação em um espaço
não-escolar. Por este motivo, os Cursos de formação vêm passando por um processo de
reestruturação curricular, em que se tem como desfecho a formação de profissionais que
atuarão nessa esfera. Esse processo se constitui numa importante mediação entre a
Educação Física e as novas necessidades do mundo do trabalho.
Em relação ao retorno ao Curso percebemos um sentimento de descontentamento
da maioria dos egressos, pois estes retornaram para complementar sua formação inicial e
obter a certificação para atuar no mercado de trabalho, porém, quando recomeçam as

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atividades acadêmicas, estas, na maioria das vezes, não correspondem às suas
expectativas. A ampliação do tempo de permanência no Curso parece não ser bem
aproveitado devido ao fato de alguns conteúdos não serem aprofundados e estarem
desassociados da realidade.
“Eu acho que por mais que tu tenhas conteúdos, é importante os professores,
sei lá, -avançarem nisso, sabe? Não ficarem só no debate e exposição em aula.
Acho que essa parte de inserção na sociedade e no mundo, acho que na
licenciatura se tem bem mais a partir dos estágios e sei lá, acho que é
apresentado mais com clareza isso para os acadêmicos. (Professor F,
bacharelado)

Os egressos, na sua maioria, já tiveram uma experiência profissional ou já atuaram


como estagiários, expressam que em algumas disciplinas esperavam um maior
aprofundamento e criticidade. Também é relatado o distanciamento dos conteúdos da
realidade prática, da sua inserção como futuro profissional na sociedade.

“Em relação a cursar os dois cursos (...) Eu queria dizer que é perda de tempo,
sabe? É, eu acho que tipo, quando é tudo novidade, o professor vai colocando
e tu diz amém, só que a partir de um certo ponto tu começa a ser mais crítico e
tu vê que está bem precário, eu acho que as pessoas tinham que ter mais noção
que eles estão formando futuros profissionais.” (Professor F, bacharelado)

Percebe-se que a ampliação no tempo de permanência vem gerando desgaste


desnecessário e um despendido de tempo não produtivo. A falta de discussão do currículo
em âmbito acadêmico provoca um “mal estar”, “incômodo” nos egressos e estes apontam
para a reestruturação curricular, traçando um novo perfil de professor de Educação Física,
rumo a uma formação unificada.

| 1289
“Na formação de um professor de Educação Física (...) eu acho que tem que
abranger no momento inicial. Depois você tem que ver o que realmente tem
afinidade e aí afunilar mais pra frente (...) eu acho que tem que fazer um
currículo pra cinco anos, aproveitar mais os horários aqui dentro, dá pra fazer
uma formação bem feita em cinco anos.” (Professor A, bacharelado)

Essa relação se estabelece, pois a formação inicial em EF está organizada pela


teoria das competências, que buscam apresentar para o graduando conhecimentos
baseados no progresso da técnica. Esta formação está relacionada às novas exigências do
chamado “mundo globalizado” que canaliza um novo discurso para a Educação, tendo
esta, o papel fundamentalmente de adaptar-se às mudanças no sistema produtivo.

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Desse modo, os conhecimentos orientadores da formação são de razão meramente
instrumental. Toda esta relação acaba gerando para o trabalhador uma constante
adaptabilidade nas suas competências para manter-se na empregabilidade nos campos de
trabalho. Isso significa que, periodicamente, o trabalhador despende tempo para atualizar-
se às novas necessidades geradas pelo mercado.
6- CONSIDERAÇÕES FINAIS

As constatações expressadas demonstram que a divisão do Curso em Licenciatura


e Bacharelado desqualificou a formação do profissional pela visão fragmentada do campo
de conhecimento apresentada nos respectivos Cursos. Além disso, indiretamente vem
atendendo as demandas da regulamentação e gerência de uma pequena parcela da
sociedade, o conselho da categoria (CREF/CONFEF).
Podemos perceber que o motivo do retorno dos egressos é fundamentalmente
determinado pelo mercado de trabalho, para ampliar o seu campo de atuação. Para os
entrevistados que realizaram sua primeira formação inicial no Bacharelado em Educação
Física, retornar ao Curso se faz necessário para ter maiores oportunidades de realizar um
concurso público, contribuindo assim para uma maior estabilidade financeira. No caso da
Licenciatura, o objetivo deve-se à necessidade de ter a possibilidade de atuação no
mercado liberal, complementando o seu rendimento financeiro.
De acordo com as entrevistas, é muito restrito o espaço para a discussão do
currículo, no momento que se constituíram as novas Diretrizes para a Formação dos
Cursos de Licenciatura. Neste sentido, será fundamental o diálogo em âmbito acadêmico
para refletir sobre qual o perfil e identidade de professor de Educação Física que o Curso
quer formar. | 1290
A maioria dos acadêmicos entrevistados é favorável a uma formação unificada,
mais abrangente, pois percebem que a sua segunda formação na graduação, apesar de
estabelecer uma ampliação no ganho de conhecimento, poderia ser trabalhada em um
curso único, pois o objeto de estudo é o mesmo. Nesse sentido compartilham a opinião
de que haveria de ter uma rediscussão do currículo e do perfil de profissional a ser
formado. Almejam a formação que lhes desse a possibilidade de atuação legal nos
espaços escolares e informais.

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7- REFERÊNCIAS

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Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES


07/2004, de 31 de março de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para
os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena.
Brasília, 2004.

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2/2015, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação
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RODAS DE CONVERSA COMO ALTERNATIVA PARA A FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORAS QUE FAZEM A EDUCAÇÃO DO CAMPO

Darieli Daltrozo Ilha (PPGE/UFJF)


darieli.ilha@gmail.com
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da UFJF.

Simone da Silva Ribeiro (C.A. João XXIII/UFJF)


simonerib@gmail.com
Professora Doutora do Colégio de Aplicação João XXIII.

Dileno Dustan Lucas de Souza (FACED/UFJF)


dilenodustand@gmail.com
Professor Doutor da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Resumo: A escola do campo e a formação continuada dos professores que nela atuam é
a temática que permeia este trabalho. O que pretendemos é apresentar a roda de conversa
como uma ferramenta na prática da formação continuada de professores de escolas do
campo a partir da experiência possibilitada pela pesquisa com as professoras de
Miradouro – Minas Gerais. Para isso, abordaremos a definição de campo como território
material e imaterial, entendendo-o não apenas como um espaço geográfico de produção
agrícola ou de gestão do Estado, mas um espaço onde se revelam as dimensões da vida
humana, na cultura, na política, na economia e no convívio social. A educação nesse
contexto deve ser tratada de modo mais amplo, voltada aos interesses e ao
desenvolvimento social, cultural e econômico destas populações. Introduzimos as rodas
de conversa mostrando seu caráter participativo, tornando o ato de organizar a rotina de
trabalho e momentos de estudo e reflexões sobre questões pessoais e profissionais uma
construção coletiva onde todos constituem papel ativo e fundamental. A dinâmica da roda
de conversas configurou-se num momento efetivo de formação continuada, onde foi
possível, dentre outros desdobramentos, o fortalecimento da identidade de professores da
escola do campo.
Palavras-chave: Campo. Educação do Campo. Formação de Professores. | 1293

PALAVRAS INTRODUTÓRIAS

O campo brasileiro é o cenário em que foram tecidas as discussões que embasaram


este texto e as protagonistas foram professoras que fazem acontecer a escola pública
inserida nesse espaço. A pesquisa274 que deu origem a tais discussões e reflexões tem

274
“A construção da escola pública do campo: fuxicando o cotidiano com as professoras nas escolas da
rede pública municipal na cidade de Miradouro - MG”. Pesquisa realizada na cidade de Miradouro -
MG com o apoio da Fapemig entre 2010 e 2013.(SOUZA, D.L. & RIBEIRO, S., 2013)

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como foco a implementação de uma política municipal de Educação do Campo no
município de Miradouro - Minas Gerais, sistematizada a partir de rodas de conversas com
professoras que atuam nas escolas públicas em meio rural. Mediante o contexto, como
um dos desdobramentos da pesquisa, decidimos refletir acerca da Educação do Campo e
a formação continuada de professores.

Essa reflexão faz-se necessária porque os docentes que atuam no campo precisam
ter uma formação que, além dos aspectos inerentes a sua prática, compreendam as
peculiaridades do campo e da escola deste espaço. Que campo é esse? Que escola? Como
pode ser configurada a prática de formação continuada no próprio lócus de trabalho?

A partir da compreensão de Fernandes (2012), os cursos de graduação são


deficitários quando se trata da formação de professores para atuar em escolas do campo.
Normalmente os cursos acadêmicos consideram a escola urbana, seu currículo e os
desafios que ela apresenta. A formação dos professores de escolas do campo têm
acontecido na e pela prática, na interação com os alunos, comunidade e o contexto, e
conta, em muitos casos, com a colaboração de movimentos sociais ligados aos
agricultores.

O que pretendemos é apresentar a roda de conversa como uma ferramenta na


prática da formação continuada de professores de escolas do campo a partir da experiência
possibilitada pela pesquisa com as professoras de Miradouro. Para isso, abordaremos num
primeiro momento a definição de campo como território material e imaterial. Na
sequência, apresentaremos as rodas de conversa com suas definições e como foi a
experiência na prática, que se configurou num momento efetivo de formação continuada. | 1294

O CAMPO COMO CENÁRIO


Antes de delinearmos o assunto convêm explicitar o campo do qual estamos
falando. Ao olhar para a história, este território foi concebido como um espaço marcado
pelo estigma do atraso, da necessidade, do abandono, o qual contradiz os preceitos ditados
pelo paradigma científico moderno. A trajetória dos sujeitos que lá vivem foi marcada
pela discriminação e descaso, a começar pelas políticas públicas. Hoje se apregoa que
este é apenas um espaço de produção, onde ainda há ausências, principalmente na garantia

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de serviços básicos. Também se tem olhado para o campo sob a ótica econômica do
agronegócio, entendendo que esse modelo de desenvolvimento é o sinônimo da
modernização. Mas a visão sobre esse espaço deve ir muito além da paisagem geográfica
e da capacidade de produção de mercadorias, pois o campo é feito de gente. É o que será
discutido mais adiante.
A caminhada percorrida pelos diversos movimentos sociais, universidades e
instituições ligadas aos trabalhadores e trabalhadoras do campo foi intensa durante
décadas, em especial, a partir dos anos 80. O objetivo era colocar na pauta da agenda
política brasileira o campo e a educação que a ele deve ser vinculada. Os eventos e atos
que possibilitaram um novo olhar ao campo foram, principalmente, o 1º Encontro
Nacional de Educadores da Reforma Agrária (I ENERA) em 1997 e a 1ª Conferência
Nacional por uma Educação Básica do Campo em 1998, além das Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo (DOEBEC - Parecer nº36/2001 e
Resolução nº1/2002 do Conselho Nacional de Educação), considerada um grande avanço.
Isso porque a partir das diretrizes propõe-se a construção de uma escola definida em
função dos sujeitos que vivem no campo, seu contexto e suas necessidades, ou seja,
definida pelas questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de
ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as soluções exigidas por essas questões a realidade social da vida
coletiva no país. Surge nesse contexto a terminologia “Educação Básica do Campo”,
contrapondo-se ao modelo de educação rural, que prezava pela formação de mão de obra
para o agronegócio, dentro do contexto capitalista (CALDART, 2012).
| 1295
O espaço do campo é assim definido nas diretrizes:

A educação do campo tratada como educação rural na legislação


brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da
pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si
os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo
neste sentido é mais que um perímetro não-urbano, é um campo de
possibilidades que dinamizam a ligação dos seres com a própria
produção das condições de existência social e com as realizações da
sociedade humana (BRASIL, 2002, p. 4).

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A partir dessas discussões o campo passa a ser compreendido como “território
material e imaterial, modificado pelas relações sociais” (FERNANDES, 2006), indo além
da idéia deste ser apenas um espaço geográfico de produção agrícola ou de gestão do
Estado, mas um espaço onde se revelam as dimensões da vida humana, na cultura, na
política, na economia e no convívio social. Fernandes (2012: p. 744) argumenta que o
campo é um espaço vivo e dinâmico com características próprias. “a unidade espacial se
transforma em território camponês quando compreendemos que a relação social que
constrói esse espaço é o trabalho familiar, associativo, comunitário, cooperativo, para o
qual a reprodução da família e da comunidade é fundamental”.

Nesse território multidimensional revela-se a essência de um novo modelo de


educação. O antigo modelo de escola rural precária e desprovida de recursos essenciais,
definitivamente, deve ser banido. O projeto de escola do campo que se pretende está
vinculado a concepção de que o campo é território de sujeitos de direitos conquistados
historicamente e que querem seu contexto e interesses contemplados nesse projeto, ou
seja, uma escola do campo e não no campo, que possua identidade como tal. A educação
deve ser tratada de modo mais amplo, voltada aos interesses e ao desenvolvimento social,
cultural e econômico destas populações.

O que vocês estão colocando é outra compreensão e prática da educação


básica: a escola rural tem que dar conta da educação básica como direito
do homem, da mulher, da criança, do jovem do campo. Ou seja, estamos
colocando a educação rural onde sempre deve ser colocada, na luta
pelos direitos. A educação básica, como direito ao saber, direito ao
conhecimento, direito à cultura produzida socialmente. (ARROYO,
1999, p11)
| 1296
Caldart (2012) também apresenta suas contribuições, tecendo algumas
características da Educação do Campo, prática social que revela consciência de mudança:

 Constitui-se como luta social pelo acesso dos trabalhadores do campo à


educação feita por eles mesmos, ou seja, é dos camponeses.
 Assume a dimensão de pressão coletiva por políticas públicas mais
abrangentes e luta pelo acesso à educação dos grupos sociais que a compõem.
 Combina luta pela educação com luta pela terra, pela reforma agrária, pelo
direito ao trabalho, à cultura, à soberania alimentar, ao território.

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 Defende a especificidade desta luta e das práticas que ela gera tanto no debate
da educação quanto às lógicas de produção da vida.
 Suas práticas reconhecem e buscam trabalhar com a riqueza social e humana
da diversidade de seus sujeitos, não esquecendo de reafirmar o confronto que
objetiva superar as relações sociais capitalistas.
 A educação do campo nasceu a partir de questões práticas e reafirma uma
concepção de educação de perspectiva emancipatória.
 Pressupõem o direito de pensar a pedagogia na totalidade dos sujeitos.
 Tem como objeto central das lutas e reflexões pedagógicas a escola e as
relações sociais perversas que sua ausência no campo reflete.
 Os educadores são considerados sujeitos fundamentais da formulação
pedagógica e das transformações da escola (CALDART, 2012, p. 261-262).

AS PROFESSORAS NOS MOMENTOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA:


INTERAGINDO NAS RODAS DE CONVERSA
Tendo definido o campo e a educação que a ele deve ser vinculada e aproveitando
a afirmação de Caldart (2012) sobre o papel fundamental dos professores deste espaço,
prosseguiremos a reflexão trazendo argumentos teóricos, bem como a experiência das
professoras de Miradouro nas rodas de conversas.

É sabido que existe uma política nacional de formação de professores,


contemplada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96),
redefinidas novas propostas e ações em cada elaboração do Plano Nacional de Educação, | 1297
e tratada especificamente em Decretos como o de n° 6.755/2009, onde as oportunidades
de formação inicial e continuada devem ser equalizadas nacionalmente, com apoio e
colaboração dos estados, Distrito Federal, municípios e instituições públicas como as de
ensino superior, por exemplo. (Gatti e Barreto, 2009). O foco aqui é refletir sobre a
formação continuada trazendo a roda de conversas como uma possibilidade. É claro que
é imprescindível aos professores e professoras uma formação que contemple as mudanças
que vêm ocorrendo na sociedade e os conhecimentos tecnológicos e científicos que ela
demanda, bem como as especificidades de cada área do conhecimento. Porém, em tempos

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onde a desvalorização social, problemas físicos e emocionais decorrentes da profissão são
cada vez mais comuns, torna-se necessário trazer mais uma temática à formação desses
profissionais, que a torne mais subjetiva e reflexiva. Quem são? O que pensam e sentem?
Quais suas dificuldades e necessidades? Quais suas histórias?

Como uma possibilidade para trabalhar questões como essas, queremos destacar
aqui a prática das rodas de conversas, devido a multiplicidade de caminhos que ela nos
permite andar.

A partir da sua pesquisa com professoras sobre o fazer acontecer a educação do


campo na escola pública, trabalho realizado através das rodas de conversa, Ribeiro (2016)
argumenta que o círculo facilita a conversa e o exercício do trabalho em grupo. Através
das rodas foi possível às professoras deixar emergir as suas experiências e trazê-las para
o centro do estudo.

Estar em roda possibilitava a todas as pessoas presentes se olharem nos


olhos, possibilitava que a fala circulasse e, principalmente, colocava,
pelo menos em termos físicos, as pessoas no mesmo nível. Assim é o
círculo, a forma que abole as assimetrias, sem divisão, sem hierarquias
(RIBEIRO, 2016, p.82).
Nesse sentido, ao falar sobre a dinâmica das rodas, podemos fazer referência ao
seu caráter dialógico e relacional. Freire, nas suas palavras sobre os saberes necessários
à prática educativa, chama a atenção para o ato de saber escutar:

Se na verdade o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é


falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos
os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos
a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com (FREIRE,
1996, p. 127). | 1298
Ouvindo o que nossos pares têm a dizer, todo o grupo se descentraliza e se refaz.
A marca da escola tradicional e da academia foi o monólogo, que não abria espaço para
o diálogo. Fomos moldados a pensar partindo do princípio da memorização e não da
construção, recebendo depósitos do conhecimento pronto e acabado daquele que sabe
mais e é o único que tem tudo a dizer. A inexperiência com o diálogo e a construção
coletiva de saberes muitas vezes impede as pessoas de aceitarem com facilidade as
dinâmicas participativas, mas o fato é que “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros
inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e

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curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História” (FREIRE, 1996,
p.154). Saber escutar, estar aberto ao diálogo, construir e partilhar conhecimentos
entendendo-se como sujeito inconcluso são práticas que tornam-se essenciais numa
sociedade cada vez mais individualista e materialista.

Warschauer (2001) apresenta várias experiências a partir das rodas e suas


implicações educativas em sala de aula e na formação para professores, definindo-as
como um espaço para o trabalho coletivo na escola. Segundo ela, as rodas de professores
diferem-se das reuniões típicas realizadas nas escolas em função do caráter participativo.
A partilha é a ação que move a dinâmica das rodas, tornando o ato de organizar a rotina
de trabalho e momentos de estudo e reflexões sobre questões pessoais e profissionais uma
construção coletiva onde todos constituem papel ativo e fundamental.

Cada roda é o espaço em que seus participantes tramam sua história


através das partilhas. Cada um, com sua história individual, seu
processo identitário, suas características e talentos singulares, contribui
na construção partilhada de uma história comum. Individualidades que,
tal como a urdidura na tecelagem ou no trançado de cestos, são a base
sobre a qual a história partilhada é construída através da trama de suas
vivências (WARSCHAUER, 2001, p. 300)
A roda de conversas possibilita a construção de sentidos partilhados e as artes de
fazer próprias de cada um, fazendo fluir emoções e raciocínio. É importante frisar que as
conversas das rodas não são simplesmente palavras lançadas ao vento como num
momento de happy hour, elas se originam de um tema decidido de acordo com a
necessidade do grupo e a partir de dinâmicas, textos, figuras, objetos, falas ou situações
do dia a dia que estejam em evidência na escola e na rotina dos professores a conversa
flui podendo seguir um roteiro ou não. | 1299

Warschauer (2001) ainda argumenta que é muito importante a sistematização do


que foi produzido. A construção de significados que seguem a conversa pode ser
partilhada oralmente ou através do registro escrito. Este recurso permite a teorização das
práticas e pode ter uma variada lista de opções como textos com narrativas de
experiências, escritas autobiográficas, diários de bordo, portfólios, cartazes, álbuns de
fotos, desenhos, linhas do tempo... Enfim, as variações são múltiplas e dependem da
disponibilidade dos participantes, da criatividade e dos objetivos para o qual as rodas
foram pensadas. Seguindo essa lógica, podemos imaginar a riqueza de um material

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produzido ao final de um ano letivo e o prazer dos professores em saber que foi uma
produção própria de suas vivências, estudos e reflexões a partir da própria realidade da
escola e dos seus desafios diários.

Um exemplo do que estamos falando foi vivenciado nas escolas do campo de


Miradouro. Como parte da pesquisa já citada, as rodas com suas dinâmicas e atividades
potencializaram falas e reflexões integrando estudantes universitários e as professoras.
Em um dos encontros o tema foi a trajetória escolar de cada uma resumida em três grandes
momentos. Para desencadear a conversa, os estudantes que coordenaram as atividades
apresentaram um cartaz com a figura de um rio e logo depois instigaram as participantes
a definir quais as suas características. As respostas iniciais fluíram...

Rio transmite vida. É contínuo, mas pode ser sinuoso. Tem momentos
que ele pode ser mais agitado, (...) mais calmo. Pode ter pedras.
Cachoeiras. Grandes quedas. (Falas entrepostas).
Na sequência, foi sugerido que cada participante pensasse no rio relacionando-o a
três momentos da sua vida escolar e representasse através de desenhos, símbolos,
palavras, frases, além do relato oral que seria gravado em vídeo.

O ambiente descontraído e de integração entre todos possibilitou o envolvimento


na atividade e a descoberta de lindas histórias de mulheres que sempre estiveram ligadas
ao campo. Nos seus relatos durante as atividades na roda, o sentimento de pertença a esse
território cheio de significados foi o marco comum nas diferentes trajetórias de vida, bem
como o orgulho da identidade de ser hoje uma professora de escola do campo. Para chegar
até aqui a trajetória foi longa, e assim como o caminho do rio utilizado na dinâmica
motivadora, foi em diferentes momentos sinuosa, de altos e baixos, com pedras, quedas, | 1300
mas também calma e tranqüila.

Como protagonistas das suas histórias, apresentaram ao grupo diferentes


caminhos trilhados que culminaram na escola do campo a qual estão construindo.
Surgiram memórias da infância e da escola, carregadas de significados que permanecem
vivos e influenciaram atitudes e decisões, inclusive de tornar-se professora.

Tive uma professora que me marcou muito... que talvez fez eu ter esse
sonho de ser professora um dia (Prof. Eliciane).

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Algumas tiveram a experiência de estudar em escola urbana quando crianças
mesmo morando no campo, e enfrentaram as dificuldades inerentes a uma época de
escassez e abandono às pessoas que viviam no campo.

Aqui eu coloquei umas pedrinhas porque foi muito difícil pra estudar,
desde menina, de primeiro ao quarto ano até que não porque tinha as
escolas na zona rural. Depois eu andava de bicicleta pra ir na escola e
tive que morar na casa da minha avó aqui em Miradouro. (...) Todo
mundo falava: Ah, se eu fosse você não faria isso, porque são muitas
barreiras, mas eu consegui (Prof. Flávia).
Outras histórias elucidaram as limitações de se iniciar a carreira nas escolas do
campo de outros tempos - e em alguns locais ainda hoje - onde uma ou duas professoras
desempenhavam todos os papéis na escola.

Eu e minha amiga Dorinha começamos juntas lá na Serrania. Quando


eu cheguei lá, era uma dificuldade enorme, muito distante. Como eu ia
trabalhar? Como eu ia começar? Não tem tudo isso que temos hoje. (...)
Diretora era eu e a Dorinha era minha supervisora e eu era supervisora
dela. As turmas eram multisseriadas. Eu dava aula pro pré, primeiro e
segundo. Dorinha pegava o terceiro, o quarto e o quinto. Então a gente
tinha que trocar entre a gente e não tinha essa troca boa que temos hoje
(Prof. Valquíria).
As experiências das rodas criam um ambiente inclusive para extravasar
descontentamentos, frustrações, indignações, mas também anseios e projetos de futuro
pessoais e profissionais como construir novos saberes junto com as pessoas, valorizando
o conhecimento que cada um traz consigo.

Sabedoria, plantar essa semente... eu volto muito para o conhecimento.


Eu tenho lido muito e tenho conversado com muitas pessoas antigas,
pessoas mais velhas aqui da comunidade, que quando a gente fala em
sabedoria, a quantidade de coisas boas que esse povo tem pra passar pra | 1301
gente. Desde aquele matuto lá da roça até um profissional, uma
supervisora de escola. Então cê pode comparar, o que você aprende com
o matuto é tão importante do que quando eu aprendo com a Roseli aqui
na escola. Então essa sabedoria aí é uma coisa que eu tenho aprendido
com o povo, com as companheiras de trabalho (Prof. Luceni).
E assim vai sendo tecida a rede de interações que enriquecem a identidade da
escola e fortalece os laços de confiança e amizade entre os professores. As histórias de
vida e os conhecimentos construídos ao longo de uma jornada são ressignificados e
enriquecidos com as trocas. O caso aqui descrito permitiu uma profunda reflexão sobre

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os processos escolares que marcaram a vida das professoras, os quais permitiram que elas
se tornassem as pessoas e profissionais que são hoje, com um desejo comum...

Eu quero muito que o mundo seja um lugar melhor, que as pessoas


respeitem umas às outras e tratem melhor umas às outras, com amor.
Que assim a gente vai ter um mundo melhor, com menos violência,
menos guerra. E pra ter um mundo melhor a gente tem que começar
primeiro... dentro da escola! (Prof. Maria João).
A roda de conversas possibilita a construção de sentidos partilhados e as artes de
fazer próprias de cada um, fazendo fluir emoções e raciocínio. É importante frisar que as
conversas das rodas não são simplesmente palavras lançadas ao vento como num
momento de happy hour, elas se originam de um tema decidido de acordo com a
necessidade do grupo e a partir de dinâmicas, textos, figuras, objetos, falas ou situações
do dia a dia que estejam em evidência na escola e na rotina dos professores a conversa
flui podendo seguir um roteiro ou não.

Warschauer (2001) ainda argumenta que é muito importante a sistematização do


que foi produzido. A construção de significados que seguem a conversa pode ser
partilhada oralmente ou através do registro escrito. Este recurso permite a teorização das
práticas e pode ter uma variada lista de opções como textos com narrativas de
experiências, escritas autobiográficas, diários de bordo, portfólios, cartazes, álbuns de
fotos, desenhos, linhas do tempo... Enfim, as variações são múltiplas e dependem da
disponibilidade dos participantes, da criatividade e dos objetivos para o qual as rodas
foram pensadas. Seguindo essa lógica, podemos imaginar a riqueza de um material
produzido ao final de um ano letivo e o prazer dos professores em saber que foi uma
produção própria de suas vivências, estudos e reflexões a partir da própria realidade da | 1302
escola e dos seus desafios diários.

Um exemplo do que estamos falando foi vivenciado nas escolas do campo de


Miradouro. Como parte da pesquisa já citada, as rodas com suas dinâmicas e atividades
potencializaram falas e reflexões integrando estudantes universitários e as professoras.
Em um dos encontros o tema foi a trajetória escolar de cada uma resumida em três grandes
momentos. Para desencadear a conversa, os estudantes que coordenaram as atividades
apresentaram um cartaz com a figura de um rio e logo depois instigaram as participantes
a definir quais as suas características. As respostas iniciais fluíram...

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Rio transmite vida. É contínuo, mas pode ser sinuoso. Tem momentos
que ele pode ser mais agitado, (...) mais calmo. Pode ter pedras.
Cachoeiras. Grandes quedas. (Falas entrepostas).
Na sequência, foi sugerido que cada participante pensasse no rio relacionando-o a
três momentos da sua vida escolar e representasse através de desenhos, símbolos,
palavras, frases, além do relato oral que seria gravado em vídeo.

O ambiente descontraído e de integração entre todos possibilitou o envolvimento


na atividade e a descoberta de lindas histórias de mulheres que sempre estiveram ligadas
ao campo. Nos seus relatos durante as atividades na roda, o sentimento de pertença a esse
território cheio de significados foi o marco comum nas diferentes trajetórias de vida, bem
como o orgulho da identidade de ser hoje uma professora de escola do campo. Para chegar
até aqui a trajetória foi longa, e assim como o caminho do rio utilizado na dinâmica
motivadora, foi em diferentes momentos sinuosa, de altos e baixos, com pedras, quedas,
mas também calma e tranqüila.

Como protagonistas das suas histórias, apresentaram ao grupo diferentes


caminhos trilhados que culminaram na escola do campo a qual estão construindo.
Surgiram memórias da infância e da escola, carregadas de significados que permanecem
vivos e influenciaram atitudes e decisões, inclusive de tornar-se professora.

Tive uma professora que me marcou muito... que talvez fez eu ter esse
sonho de ser professora um dia (Prof. Eliciane).
Algumas tiveram a experiência de estudar em escola urbana quando crianças
mesmo morando no campo, e enfrentaram as dificuldades inerentes a uma época de
escassez e abandono às pessoas que viviam no campo.
| 1303
Aqui eu coloquei umas pedrinhas porque foi muito difícil pra estudar,
desde menina, de primeiro ao quarto ano até que não porque tinha as
escolas na zona rural. Depois eu andava de bicicleta pra ir na escola e
tive que morar na casa da minha avó aqui em Miradouro. (...) Todo
mundo falava: Ah, se eu fosse você não faria isso, porque são muitas
barreiras, mas eu consegui (Prof. Flávia).
Outras histórias elucidaram as limitações de se iniciar a carreira nas escolas do
campo de outros tempos - e em alguns locais ainda hoje - onde uma ou duas professoras
desempenhavam todos os papéis na escola.

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Eu e minha amiga Dorinha começamos juntas lá na Serrania. Quando
eu cheguei lá, era uma dificuldade enorme, muito distante. Como eu ia
trabalhar? Como eu ia começar? Não tem tudo isso que temos hoje. (...)
Diretora era eu e a Dorinha era minha supervisora e eu era supervisora
dela. As turmas eram multisseriadas. Eu dava aula pro pré, primeiro e
segundo. Dorinha pegava o terceiro, o quarto e o quinto. Então a gente
tinha que trocar entre a gente e não tinha essa troca boa que temos hoje
(Prof. Valquíria).
As experiências das rodas criam um ambiente inclusive para extravasar
descontentamentos, frustrações, indignações, mas também anseios e projetos de futuro
pessoais e profissionais como construir novos saberes junto com as pessoas, valorizando
o conhecimento que cada um traz consigo.

Sabedoria, plantar essa semente... eu volto muito para o conhecimento.


Eu tenho lido muito e tenho conversado com muitas pessoas antigas,
pessoas mais velhas aqui da comunidade, que quando a gente fala em
sabedoria, a quantidade de coisas boas que esse povo tem pra passar pra
gente. Desde aquele matuto lá da roça até um profissional, uma
supervisora de escola. Então cê pode comparar, o que você aprende com
o matuto é tão importante do que quando eu aprendo com a Roseli aqui
na escola. Então essa sabedoria aí é uma coisa que eu tenho aprendido
com o povo, com as companheiras de trabalho (Prof. Luceni).
E assim vai sendo tecida a rede de interações que enriquecem a identidade da
escola e fortalece os laços de confiança e amizade entre os professores. As histórias de
vida e os conhecimentos construídos ao longo de uma jornada são ressignificados e
enriquecidos com as trocas. O caso aqui descrito permitiu uma profunda reflexão sobre
os processos escolares que marcaram a vida das professoras, os quais permitiram que elas
se tornassem as pessoas e profissionais que são hoje, com um desejo comum...

Eu quero muito que o mundo seja um lugar melhor, que as pessoas


respeitem umas às outras e tratem melhor umas às outras, com amor. | 1304
Que assim a gente vai ter um mundo melhor, com menos violência,
menos guerra. E pra ter um mundo melhor a gente tem que começar
primeiro... dentro da escola! (Prof. Maria João).
PALAVRAS FINAIS

A compreensão da professora Maria João de que a mudança começa na escola nos


dá indícios do papel social que esse espaço representa. Isso ainda é mais relevante quando
se está falando do campo, onde muitas vezes a escola é um dos principais locais, - em
muitos casos o único - de convívio social da comunidade, carente de outros espaços onde
isso possa ocorrer. O mesmo vale para a formação continuada dos professores, visto que

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falta às redes mantenedoras o olhar mais atento para as escolas localizadas no campo e
para os anseios, sentimentos e necessidades dos professores que lá trabalham.

A reflexão decorrente da atividade trouxe subsídios para novos planejamentos e


planos de ação para a escola, pois as memórias trouxeram à tona questões referentes à
escola e a educação rural de outrora, os erros que não devem ser repetidos e quais os
desafios para a escola do campo dos dias atuais. Num outro sentido, fortaleceu o vínculo
entre o grupo, promoveu a identidade de professor de escola do campo e também denotou
a importância do trabalho em equipe e a motivação pessoal para dar continuidade ao
trabalho.

Numa visão mais ampla, podemos dizer que a partir destas experiências estão
sendo explicitados outros conhecimentos que foram marginalizados durante muito tempo,
considerados insignificantes numa sociedade urbana e industrial. Ao dar visibilidade a
vozes que foram silenciadas, um paradigma histórico está sendo redesenhado, os saberes
do campo, e em especial, das professoras que também são sujeitos desse espaço estão
aparecendo e podem configurar uma nova maneira de ver esses personagens e esse
cenário.

A experiência da roda de conversas trouxe mais uma ferramenta de capacitação


ao grupo de professoras, visto que conseguiram articular as diferentes histórias que
convergiram num ponto comum: os sujeitos que vivem no campo, sua escola, benefícios
e dificuldades de viver ali, que educação se pretende. Elementos estes permeados pela
subjetividade e emoção vivida por cada professora. As rodas possibilitam esse exercício,
criam um ambiente de respeito mútuo e a busca coletiva de soluções e forças para seguir
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trabalhando no que se acredita.

REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel G.; FERNANDES, Bernardo Mançano. A educação básica e o
movimento social do campo. Brasília DF: Articulação nacional por uma educação básica
do campo, 1999. Coleção por uma educação básica do campo nº 2.

BRASIL, Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo –


Resolução CNE/CEB nº1 de 03 de abril de 2002 – Ministério da Educação Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD).

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CALDART. Roseli Salete. Educação do campo. In: Dicionário de Educação do Campo.
São Paulo: Expressão Popular, 2012.

FERNANDES, Eduardo Mançano. Os campos da pesquisa em educação do campo:


espaço e território como categorias essenciais. In: MOLINA. Monica Castagna.
Educação do campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do
Desenvolvimento Agrário, 2006.

____________________________. Território Camponês. In: CALDART, Roseli Salete


(org). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio


de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

GATTI, Bernardete Angelina (Coord.). Professores do Brasil: impasses e desafios.


Brasília: UNESCO, 2009.

RIBEIRO, SZ
imone. Quem faz a educação? Narrativas, conhecimentos e táticas de professoras da
escola pública. Curitiba: Appris: 2016.

SOUZA, D.D.L & RIBEIRO, S. Relatório de Pesquisa. FAPEMIG, 2013.

WARSCHAUER, Cecília. Rodas em rede: oportunidades formativas na escola e fora


dela. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2001.

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