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A especial Providência de Deus para com os missionários

Em 1929, o Papa Pio XI escreveu uma carta a todos os seminaristas, especialmente a seus “filhos
jesuítas”, pedindo-lhes que ingressassem em um novo seminário que acabava de começar em
Roma para preparar jovens sacerdotes para um possível trabalho missionário na Rússia. Walter
Ciszek, que havia ingressado na Companhia de Jesus nos Estados Unidos no ano anterior,
ofereceu-se para ir. Ali estudou sua teologia e aprendeu a celebrar a missa em rito bizantino, mas,
depois que foi ordenado1 –e, diga-se de passagem, o Pe. Ciszek foi o primeiro sacerdote
americano ordenado segundo o rito bizantino– era impossível mandar sacerdotes para a Rússia.
Então o mandaram para a Polônia, a uma missão de rito oriental que os jesuítas tinham em
Albertyn. A guerra começou em 1939.

Na confusão e como resultado das invasões, o Pe. Ciszek ingressou na Rússia em 19 de março
de 1939 –festa de São José– acompanhando os refugiados poloneses, com a esperança de poder
servi-los espiritualmente. Mas logo, em 1941, a polícia secreta soviética o descobriu e o
prenderam –com apenas 4 anos de sacerdócio– sob a falsa acusação de ‘ser um espião do
Vaticano’ e o enviaram para o cárcere. Esteve 5 anos detido em Lubianka e a maior parte desses
anos esteve em confinamento solitário. Ademais, em 1942 o culparam de espionagem e, portanto,
acrescentaram mais 4 anos à sua sentença. Já por volta de 1947 nos Estados Unidos o haviam
declarado ‘legalmente morto’. Depois foi sentenciado a 15 anos de trabalhos forçados nos
campos de prisioneiros na Sibéria. Puseram-no para trabalhar na construção ao ar livre com um
frio ártico extremo, e também trabalhou em minas de carvão, mal vestido, mal alimentado e
agasalhado em condições miseráveis, em quartéis cercados por arames farpados. Ele mesmo dá
testemunho de como os homens, especialmente aqueles que abandonavam a esperança, morriam.
Quando se passaram os 15 anos, ficou vivendo em povoadinhos siberianos, porque não podia
sair da Sibéria, nem sequer ir às principais cidades da Rússia. Então trabalhou como mecânico e
outros ofícios deste estilo até que o governo americano no dia 12 de outubro de 1963 –festa de
Nossa Senhora do Pilar– o trocou por dois espiões russos. Haviam passado 24 anos, seus
primeiros 24 anos de sacerdócio. Quando ao voltar as pessoas lhe perguntavam como havia
sobrevivido, como havia perseverado, ele afirmou: “eu confiava em Deus, nunca me senti
abandonado ou sem esperança, e sobrevivi junto com muitos outros. Nunca pensei que minha
‘sobrevivência’ fosse algo especial ou extraordinário, mas dou graças a Deus por me ter
sustentado e preservado durante todos esses anos”2.

A respeito de sua experiência em Lubianka e depois de relatar a situação desumana em que viveu
e a injustiça de ter sido encarcerado sem razão e de contar com detalhes como no cárcere era
desprezado precisamente por ser sacerdote, ele escreve: “Nenhuma situação carece de valor ou
de sentido na providência divina. É uma tentação muito humana sentir-se frustrado pelas
circunstâncias, sentir-se afligido e indefeso ante a ordem estabelecida, seja esta uma prisão, ou o
sistema soviético em seu conjunto, ou todo este mundo angustioso e podre! Nas piores
circunstâncias imagináveis, o homem segue sendo homem, dotado de uma vontade livre, e Deus
sempre está disposto a lhe ajudar com sua graça. E não só isso, Deus espera dele que aja nessas
circunstâncias, nessa situação, como Ele quer que aja. Porque também essas situações, essas
pessoas, esses lugares e essas coisas são o que Deus quer para ele nesse momento. Pode ser que
não esteja em suas mãos mudar o ‘sistema’, como não estava nas minhas mudar as condições da

1 Em 24 de junho de 1937, na Basílica de São Paulo Extramuros, festa de São João Batista e por ocasião do 400° aniversário da ordenação

de Santo Inácio de Loyola.


2 WALTER CISZEK, He Leadeth Me, Prólogo. [Traduzido do inglês]. Em espanhol o livro se chama Caminando por valles oscuros.

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prisão, mas isso não é uma desculpa para deixar de agir. Muitos homens se sentem frustrados, ou
desalentados ou, inclusive, derrotados quando se encontram frente a uma situação ou um mal
contra o qual não podem fazer muito. A pobreza, a injustiça social, o ódio e o ressentimento, a
guerra, a corrupção e a opressiva burocracia das instituições: tudo pode gerar uma amarga
frustração e, às vezes, um sentimento de absoluta desesperação. Mas Deus não espera que o
homem mude o mundo sozinho, que acabe com todos os males ou cure todas as enfermidades.
O que sim espera dele é que aja como Ele quer que o faça nas circunstâncias dispostas por sua
vontade e sua providência. Para agir assim não lhe faltará a ajuda da graça divina.

O sentimento de desesperação que todos experimentamos em circunstâncias como estas nasce,


em realidade, de nossa tendência a introduzir muito do ‘nosso eu’ na cena. [...] Tendemos a nos
concentrar em nós mesmos, a pensar no que podemos ou não podemos fazer, e nos esquecemos
de Deus, de sua Vontade e de sua Providencia. Deus, entretanto, nunca se esquece da importância
de cada um, de sua dignidade e seu valor e do papel que nos pede que desempenhemos na obra
da Providencia. Para Deus, todo indivíduo tem a mesma importância em cada momento. Para
Ele sim nós importamos. Mas também espera que cada um aceite, como vindas de suas mãos, as
situações diárias que nos envia e que ajamos como Ele quer que ajamos, com a graça que nos
concede para isso”3.

O Pe. Walter Ciszek morreu no dia 8 de dezembro de 1984 –solenidade da Imaculada Conceição–
em New York, Estados Unidos.

É certo que a sua foi uma experiência extrema: entretanto, quem de nós nunca experimentou –
em maior ou menor medida– circunstâncias que puseram à prova sua confiança na Divina
Providência? Assim, não se espera de nós menos que a atitude de fé e abandono na Providência
de Deus, porque “só Ele conhece todos os secretos artifícios que é preciso mover para nos levar
ao céu”4.

Portanto, quaisquer que sejam as circunstâncias particulares em que nos encontremos,


pessoalmente ou como Instituto, convém seguir a 11ª regra de discernimento que nos dá Santo
Inácio em seus Exercícios Espirituais: “Quem está em consolação procure humilhar-se e abater-
se tanto quanto possível, lembrando-se de quão pouco é capaz no tempo da desolação, quando
privado dessa graça ou consolação.

Pelo contrário, quem está desolado lembre-se de que muito pode com a graça que lhe basta para
resistir a todos os seus inimigos, procurando forças em seu Criador e Senhor”5. É por isso que
nos pareceu ser muito saudável às nossas almas refletir sobre a especial Providência que Deus
tem sobre seus missionários. Providência que experimentamos não apenas individualmente, mas
também como Instituto missionário ao longo destes 37 anos de existência. De fato, nos
atreveríamos a dizer que o nascimento, o crescimento e a vida de nosso Instituto é obra contínua
da misericordiosa Providência Divina e da “maternal providência de Maria” 6, por cujas mãos
descem até nós todas as graças.

3 He Leadeth Me, cap. 4. [Traduzido do inglês]


4 Diretório de Espiritualidade, 67.
5 Exercícios Espirituais, [324].
6 Constituições, 83.

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1. A Providência Divina na vida e obras de nosso Instituto

Queremos, então, começar recordando –embora não seja a grandes traços– as bênçãos que Deus
se dignou derramar sobre o nosso Instituto, apesar de nossas grandes misérias, quando se
levantavam punhos ameaçadores à nossa caminhada, quando tivemos que superar fortes
dificuldades, quando os espetáculos sem conta semeavam temor em nossas almas... e em tudo
isso, o Instituto, para a glória e honra da Divina Providência, saiu são e salvo, seguiu adiante e
pudemos dizer depois com São João da Cruz: “que tudo é breve, que tudo perdura até levantar a
faca, e depois Isaac fica vivo, com a promessa do filho multiplicado”7.

Pois quem pode negar a especial Providência de nosso Senhor quando o Mons. Kruk, bispo de
San Rafael, autorizou no dia 7 de outubro de 1983 a experiência de vida religiosa e encomendou,
ao mesmo tempo, ao nosso Fundador que começasse também a obra do Seminário diocesano?
Como não ver a delicada mão maternal de Maria Santíssima que dispôs que o Instituto fosse
fundado na providencial data de 25 de março de 1984, quando na conclusão do “Ano Santo da
Redenção”, São João Paulo II consagrava o mundo ao Imaculado Coração de Maria junto com
todos os bispos do mundo, e publicava a Exortação apostólica Redemptionis donum sobre a
consagração religiosa à luz do mistério da redenção?

Como não ver o entrelaçado de diferentes circunstâncias providenciais no fato de que, no ano
seguinte, em 1985, se fundasse a Vila de Luján –nossa querida Finca– onde ficou estabelecida a
nossa Casa Mãe, certamente em grande pobreza e, no entanto, em superabundância de alegria e
entrega, sendo até hoje a casa do Instituto que deu à luz mais missionários para a Igreja?

E assim poderíamos seguir enumerando as primeiras fundações em Suncho Curral (Santiago del
Estero, Argentina) e depois em Cusco, Peru; a fundação do Seminário menor com os primeiros
adolescentes que foram chegando –que já são hoje sacerdotes missionários em diferentes partes
do mundo–; a fundação da rama contemplativa, a fundação do Bacharelado Humanista “Alfredo
Bufano” –o primeiro estabelecimento acadêmico humanista em San Rafael e o primeiro colégio
do Instituto–. Como não mencionar que em 16 de abril de 1990 se fundou a primeira Casa de
formação maior do Instituto: o Seminário “María Madre del Verbo Encarnado” em San Rafael?
E assim sucessivamente ao longo dos anos, como contínuos elos da admirável Providência de
Deus sobre o Instituto, seguiram-se abrindo fundações, novos projetos, chegaram mais vocações
–inclusive provenientes de países nos quais nem sequer estamos–, iniciaram-se mais
oportunidades de apostolado, houveram mais ameaças de inimigos e mais intervenções de
amigos, erros de nossa parte e acertos indubitavelmente providenciais, provas que comprimiam
ao máximo a esperança, e intervenções do céu que tornavam a dilatar a confiança e afastavam de
nossos rostos o temor; podendo dizer, por fim: Bendito seja Deus pelas provas às quais nos
submete e pelas graças que nos concede!

Além disso, não podemos deixar de ver o fato de que Deus não apenas quis que nosso Instituto
nascesse sob o pontificado de São João Paulo II, mas que o mesmo Santo Padre tivesse um rol
providencial na jovem vida de nossa pequena Família Religiosa. Com efeito, quando muitos se
opuseram a nós ele soube dizer com firmeza “independente do que outros disserem, eu quero
que este instituto vá adiante”8. Isso significa que a aprovação de nosso Instituto foi promovida e
discernida pelo Santo Papa com tudo o que isso implica. Mas suas intervenções não apenas foram

7 SÃO JOÃO DA CRUZ, Epistolário, Carta 11, A dona Joana de Pedraza (28/01/1589).
8 Como testemunham ao menos um cardeal da Cúria Romana e um bispo, que foram testemunhas presenciais.

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providenciais, atuando como um instrumento ‘externo’ ao Instituto, ocupando-se de nós com
uma solicitude paternal deleitosa, mas inclusive intrinsecamente, posto que nosso Fundador
escreveu as Constituições, em 1992, tendo como guia para muitos dos temas tratados o magistério
do Papa Magno. De fato, há mais de 1.000 citações explícitas de São João Paulo II em nosso
direito próprio, e muitas implícitas. Isso é algo com o qual talvez nos acostumamos com os anos,
mas quando recentemente alguém comentou ao Cardeal Dziwisz 9 a respeito desse dado, ele se
surpreendeu com agrado.
Mais uma coisa: devemos inclusive reconhecer, com profundo agradecimento e na mais genuína
humildade que, mesmo que “vivamos em um tempo caracterizado, a seu modo, pelo desprezo
da Encarnação”10, nosso bom Deus –que conhece os tempos e os momentos– suscitou dentro
de sua Igreja e para a sua Igreja nosso querido Instituto que, embora pequeno e escasso de meios,
tem a nobilíssima tarefa de testemunhar ao mundo que o Verbo se fez carne! E “assumir em
Cristo todo o humano”11 para elevá-lo, dignificá-lo, e aperfeiçoá-lo12. Portanto, podemos dizer
que nosso Instituto com nosso carisma específico e sua missão própria é uma ‘obra de Deus’
para o bem de sua Igreja, o qual não só requer fidelidade de nossa parte, custodiar nossa
identidade com todos os seus elementos não negociáveis, transmitir todo esse riquíssimo
patrimônio com toda a sua força às gerações futuras, mas também –e isto queremos enfatizar–
requer confiança na Divina Providência. Porque se a congregação é uma obra de Deus, e como
diz o Apóstolo os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis13, Ele vai saber defendê-la diante
das diferentes vicissitudes que possamos passar agora ou no futuro.

Devemos ser realistas: nossa vida como Instituto que é “do Verbo Encarnado” e que quer seguir
sempre o caminho que Ele nos indicou, reclama de nós que aprendamos a viver entre espinhos,
sem ter onde reclinar a cabeça, atribulados por todos os lados, mas não esmagados; postos em
extrema dificuldade, mas não vencidos pelos impasses; perseguidos, mas não abandonados;
prostrados por terra, mas não aniquilados14; antes, confortados por Deus que está disposto a
realizar portentos nos humildes que a Ele se abandonam de coração.

Por sua vez, devemos ter grande confiança na graça fundacional, especialmente nos tempos de
prova, porque muitas vezes pode vir a tentação de querer mudar as coisas, quer dizer, de querer
mudar o carisma que Deus inspirou, e nisso muitas vezes está a ruína das congregações: em
querer reformar os propósitos do Fundador referentes ao carisma do Instituto. Assim, a alguns
parece melhor outras coisas porque as veem em outros Institutos, entretanto, não é isso o que
Deus nos pede. Devemos ter grande confiança em nosso carisma, porque foi para viver isso que
Deus chamou este querido Instituto e não para viver outra coisa. E se fizermos isso, se vivermos
segundo o carisma que Deus, em sua Providência, nos confiou ao nos conceder a vocação
religiosa, temos que ter confiança de que vamos nos santificar. Só assim chegaremos a ser os
membros do Instituto “idôneos para o Amo”15. Por isso, São João Bosco dava esta
recomendação aos salesianos, que também vale para nós: “fujamos do anseio de reforma.
Procuremos observar nossas regras sem pensar em sua melhora ou reforma”16.

Quando aprendemos ou repassamos a história do Instituto, não resta outra opção senão
confessar que nós temos motivos de sobra para nos regozijar e agradecer a Deus pela delicada

9 Foi secretário pessoal de João Paulo II durante quarenta e seis anos.


10 SÃO JOÃO PAULO II, Carta por ocasião do Capítulo Geral da Ordem dos Pregadores, (28/6/2001).
11 Constituições, 11.
12 Cf. Diretório de Espiritualidade, 50.
13 Rm 11, 29.
14 2 Cor 4, 8-9.
15 Constituições, 217; op. cit. 2 Tm 2, 21.
16 Obras fundamentais, Parte III, Regras ou Constituições da Sociedade de São Francisco de Sales, [15].

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Providência que guiou os nossos passos, que foi refúgio nas tempestades, que tantas consolações
nos deu em meio às perseguições dos homens, que foi mão bondosa e carícia terna quando os
espinhos nos rodeavam e pareciam fechar-se todas as portas. Por isso, podemos dizer com o
Doutor São João de Ávila: “Deus seja em tudo bendito, seus juízos adorados, pois por onde a
nós [nos] parece perda, Ele vence com seu alto saber, e isto para nos dar a entender nosso pouco
saber e insuficiência e para que de coração nos ofereçamos cheios de fé em suas mãos, esperando
remédio, sem saber o modo por onde há de vir”17.

Também é certo que cada um de nós tem anedotas e histórias –algumas das mais incríveis– nas
quais a Divina Providência se manifestou de maneira patente, pois outra explicação não caberia.
Além do mais, podemos afirmar sem temor de nos equivocar que cada missão do Instituto, cada
casa, cada obra começada –os Seminários, os larzinhos, as escolas, os mosteiros, etc.–, as
vocações que Deus se dignou nos enviar –das culturas mais diversas, de países nos quais o
Instituto nem sequer se encontra, dos mais diversos estratos sociais e educativos–, as muitas e
diferentes atividades organizadas pela Família Religiosa, inclusive a nível internacional, surgiram,
foram sustentadas e cresceram indubitavelmente graças à Divina Providência. Sem ir mais longe:
a imensa maioria de nós conheceu o Instituto de maneira providencial e experimentou já desde
o ingresso como característica própria viver realmente pendentes da dádiva divina, porque como
diz o Santo de Fontiveros “não há de esquecer-se de ti aquele que toma cuidado das bestas”18.
De modo tal que se cumpriu em nós o que o Beato José Allamano dizia aos seus: “A Divina
Providência pensa em vocês e nunca lhes faltará o necessário” 19. E estamos persuadidos de que
isto foi assim, porque Deus não abandona quem se lança no seguimento de Cristo, deixando para
trás todas as coisas, confiando-se em tudo à divina Providência20.

Isto que acabamos de dizer, todas essas graças e favores divinos, convém ter muito presentes,
sendo sempre agradecidos por elas, para que sua lembrança nos sirva para ornar a alma frente a
desesperação, sobretudo quando atravessamos tempestades e “a alma acredita que todos os bens
estão acabados para sempre... e que não voltará a ser como antes”21.

“Os tempos são difíceis”, dizia São João Paulo II, “e, às vezes, o ânimo se sente turbado e
deprimido”22. Mesmo assim, e mesmo que as circunstâncias sejam as piores e se prolonguem
indefinidamente, “mantende o espírito fervoroso, apesar das adversidades e tentações,
recordando o que dizia Dom Orione: ‘Para nós não há outra escola, nem outro mestre, nem outra
cátedra senão a da cruz. Vivei a pobreza de Cristo, o silêncio e a mortificação de Cristo, a
humildade e obediência de Cristo, com pureza e santidade de vida; pacientes e mansos,
perseverantes na oração, unidos todos a Cristo com a mente e o coração; em uma palavra, vivei
a Cristo’”23. Essa deve ser a nossa atitude.

Temos que fazer o exercício de cravar na alma a verdade revelada de que todas as coisas se
dispõem para o bem dos que amam a Deus24. “Ao dizer todas as coisas”, como bem explica o
direito próprio, “não excetua nada. Portanto, aqui entram todos os acontecimentos, prósperos
ou adversos, o que concerne ao bem da alma, os bens de fortuna, a reputação, todas as condições

17 SÃO JOÃO DE ÁVILA, Obras completas de São João de Ávila , IV, Carta XLI, A uma donzela afligida pelo desamparo espiritual que

sentia, pág. 385.


18 SÃO JOÃO DA CRUZ, Cautelas, 7.
19 Assim vos quero, cap. 2, 36.
20 Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, S. Th., II-II, 186, 3 ad 2; citado em Constituições, 63.
21 Cf. SÃO JOÃO DA CRUZ, Noite escura, l. 2, cap. 7, 6.
22 Aos religiosos e religiosas de Dom Orione, (22/10/1980).
23 Cf. Ibidem; op. cit. Carta de Dom Orione de 22 de outubro de 1937.
24 Rm 8, 28.

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da vida humana (família, estudo, talentos, etc.), todos os estados interiores pelos quais passamos
(gozos, alegrias, privações, securas, desgostos, tédios, tentações, etc.), até as faltas e os próprios
pecados. Tudo, absolutamente tudo. Ao dizer cooperam para o bem, entende-se que cooperam,
contribuem, acontecem, para o nosso bem espiritual. Deve-se ter esta visão e não a do [homem]
carnal ou mundano. Deve-se ver tudo à luz dos desígnios amorosos da Providência de Deus” 25.
E quando as tempestades aumentarem e tudo pareça derrubar-se “deixemos de lado o pesar e
fraqueza que nos mantém paralisados e corramos com paciência para a guerra, que diante nos
está posta, olhando sempre a Jesus Cristo para conseguir ânimo pois, assim como Ele é o autor
de nossa fé, a levará a cabo e a aperfeiçoará em nós; e assim como Ele, podendo não morrer, de
boa vontade não se desdenhou de passar todo trabalho e afronta até padecer de tão vergonhosa
morte como a da cruz”26, também nos disponhamos a morrer, se for preciso, pelo bem da Igreja
e do Instituto, a serviço de Jesus Cristo27.

O Beato Allamano fazia esta petição aos Missionários da Consolata, petição que hoje quiséramos
tomar como dirigida também a nós: “Quisera que nossos Institutos em geral, e vocês em
particular, tivessem sempre esta grande confiança em Deus [porque]: quem confia no Senhor não
será decepcionado”28.

“A confiança é uma familiaridade amorosa com a Divina Providência que nos acompanha em
cada passo de nossa vida. Abandonemo-nos em Deus e deixemos tudo em suas mãos. É pai e
faz todo o melhor para o nosso bem. Nunca devemos temer nem pelo Instituto, nem por cada
um em particular. Em tudo, inclusive nas coisas mais pequenas, elevemo-nos a Deus e confiemos
somente n’Ele, qualquer que seja o curso dos acontecimentos. Não fundemos nossa confiança
nos meios humanos que estão em nós: talento, fortaleza, virtudes, etc., ou que estão nos outros.
Façamos sempre o que podemos de nossa parte, depois deixemos tudo nas mãos do Senhor, sem
temor. Ele nunca deixa sua obra pela metade”29.

Entendamo-lo bem: nossa vida como religiosos missionários implica dificuldades e obstáculos
consideráveis. É normal que isso nos assole: entretanto, ao mesmo tempo essa situação deve ser
um estímulo providencial para o nosso Instituto, a fim de que, com um ardor cada vez maior,
superemos as tentações do desânimo e nos dediquemos com vigor e entrega à maravilhosa tarefa
de inculturar o evangelho, sem retroceder nisso nem um ponto. Antes, nossa resposta deveria ser
a de aprofundar as características peculiares da vocação missionária que nos distingue e renovar
cada vez mais o compromisso carismático que recebemos, aferrados cada vez mais aos elementos
não negociáveis adjuntos ao carisma, em uma palavra: sendo cada vez mais religiosos do Verbo
Encarnado.

“Não temais! Nunca duvideis... jamais percais a confiança na ‘consistência’ de vossa missão. A
cotidiana e generosa profissão de fé –eu creio em Vós, Senhor, pois me quisestes vosso sacerdote
[ou vosso monge, ou vosso irmão religioso, ou vosso seminarista ou vosso noviço do Instituto
do Verbo Encarnado] e continuador de vossa missão– deve infundir-vos a cotidiana e firme
confiança para permanecer em vosso posto, para refrescar as energias nas fontes inesgotáveis da
graça, para resistir à tentação do desalento e do abandono”30.

25 Diretório de Espiritualidade, 67.


26 Cf. SÃO JOÃO DE ÁVILA, Obras completas de São João de ávila, IV, Carta II, A um religioso pregador.
27 Cf. Constituições, 113.
28 BEATO JOSÉ ALLAMANO, Assim vos quero, cap. 5,95; op. cit. Ecle 32,24.
29 Ibidem, 94.
30 SÃO JOÃO PAULO II, Aos sacerdotes, religiosos e religiosas em Bérgamo (26/04/1981).

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2. Para consolar os aflitos

No início citávamos o Pe. Ciszek que testemunhava como os homens, especialmente os que
abandonavam a esperança, morriam. É certo que em tempos de particular tribulação a tentação
mais comum é deixar-se levar pelo desalento e pela perda da esperança. Até aí, nada novo.

O que sim deve ser novo, no sentido de ser distinto, é a atitude com a qual enfrentamos a
provação, a aflição, a tribulação, a perseguição, as contínuas privações, enfim, tudo ‘o que não dá
gosto’ e, antes, dá-nos grande pesar.

Muitos religiosos, não poucas vezes com justa razão, vivem demasiadamente ‘preocupados’ e até
angustiados a respeito ‘do que vai acontecer com o Instituto’, ‘como vai seguir isto’, ‘quanto mais
se pode prolongar isto’, e se sentem abatidos porque não veem ‘escapatória’ esquecendo-se que
os intuitos da Providência de Deus transcendem nossa ignorância e limitação humana, e muito
provavelmente a ajuda, a solução, ‘o alívio’ esperado venha de onde menos o pensamos.

O grande Doutor da Igreja, São João de Ávila, em uma de suas cartas dirigidas “a uma donzela
aflita” contém um tesouro de avisos que pensamos poderem bem se aplicar a esta classe de
preocupação que acabamos de mencionar (e certamente a qualquer tribulação, especialmente de
ordem espiritual). Não vamos transcrever a carta em sua integridade, mas alguns extratos que
depois comentaremos.

Pode ser que muitas vezes nos vejamos em tão grande apuro que nos pareça estar na angústia em
que o povo de Israel esteve quando, saindo do Egito, viu-se cercado de montanhas muito altas
pelos lados, pelo mar adiante, e pelos inimigos que vinham às suas costas (cf. Ex 13, 9); e sentireis
muitas vezes o que Davi disse e sentiu em si mesmo: Eu disse na angústia de minha alma: sou
desprezado ante a face de teus olhos (Sl 30, 23). [...] E vos acontecerá chamar e não ser ouvidos;
e naquilo que buscáveis e esperáveis remedeio, suceder-vos maior desconsolo [...] Mas entre estas
coisas, o que vos parece que se deve fazer? Acaso perderemos a confiança em nosso remédio,
que Cristo tantas vezes nos mandou ter? Seguiremos os desmaios que o demônio e nossa carne
nos trazem ou a esperança que podemos ter na benignidade daquele que, quando estiver irado,
se lembra de sua misericórdia? Não há nisto muito que deliberar, mas se deve executar; não há
porque deprimir, mas esforçar-se”31.

Eis a primeira lição: quanto mais aumenta a provação, quanto mais duro é o padecimento, não
há muito que deliberar, mas se deve executar; não há porque se deprimir, mas esforçar-se. Quer
dizer, quanto mais hostil se apresente a luta, quanto mais ameaçadoras forem as armadilhas, mais
se deve saber ver nisso um incentivo que nos incita ao combate. Deve-se ‘pôr a cara’ na situação,
no sentido de aceitar a prova e enfrentá-la com “atitude”. Porque há alguns que têm tanta
paciência nesta atitude de querer “sair adiante” que, como diz São João da Cruz, “Deus não
gostaria de ver neles tanta”32. Persuadamo-nos de que o que “se necessita [é de] Santos sacerdotes
e religiosos que sejam... soldados... que lutem”33, “não com ânimo infantil, mas com vontade
robusta”34. Não se deve esperar que alguém mais o faça por nós, não se deve esperar que só os
superiores se encarreguem, mas cada um desde seu lugar deve cumprir com zelo, humildade e
confiança em Deus o que deve fazer, sem acovardar-se se tiver de fazer algum sacrifício, pensar

31 SÃO JOÃO DE ÁVILA, Obras completas de São João de ávila, IV, Carta XLI, A uma donzela afligida pelo desamparo espiritual que sentia,

pág. 385.
32 Noite escura, lib. 1, cap. 5, 3.
33 Cf. Diretório de Espiritualidade, 108.
34 SÃO JOÃO DA CRUZ, Epistolario, Carta 16, A Me. Maria de Jesus (18/07/1589).

pg. 7

acima de tudo que seus trabalhos redundarão em utilidade para o Instituto ao qual nos
consagramos.

Muitas vezes dissemos que devemos ter ‘espírito de corpo’, funcionar como ‘um corpo’, o qual
não se reduz exclusivamente a estar unidos e ‘na mesma página’ a respeito de nossos princípios
e valores, mas também a que o esforço, a luta, é algo de todos. Pois não poucas vezes alguns,
embora com bom coração se angustiam pela situação presente, acreditam e exigem que a solução
venha de outros quando, em realidade, se deve “reconhecer-se capazes de ajudar”35 e, de fato,
executá-lo, cada um em seu lugar, com seus próprios deveres e levando suas próprias cruzes.

Deve-se saber ver a “graça da provação” em que Deus, diz São João de Ávila, “como bom pai,
esconde o amor que tem por seus filhos, para que não se tornem frouxos e falsamente seguros,
mas tenham sempre um pouco de receio, para que não se descuidem e percam o dom e a herança
que no céu lhes tem reservado. E embora saiba quão grande trabalho é para eles sentir que não
está saboroso e quantas tentações se levantam quando Ele parece que vira a cara, quer que passem
por estas angústias; e vendo-os e amando-os, dissimula o amor que lhes tem e ensina-os o que,
embora lhes dói, os mantém seguros”36. Convém então, ante a prova, encher o coração de valor
e o valor de confiança em Deus, porque o que chamou a esta vocação jamais abandonará, se não
nos soltarmos de sua mão. Se deve rejeitar as tentações de desconfiança na Providência Divina
que jamais nos teria encomendado tantos apostolados, enviado tantas vocações, eleito para cuidar
e assistir a tantos de seus pobres e marginalizados em nossos larzinhos se, ao mesmo tempo, não
nos tivesse destinado uma ajuda, um auxílio, uma graça suficientíssima e abundante para nosso
apoio e para seguir adiante.

O Mestre de Ávila continua dizendo: “E o que mais é de maravilhar, que não só os deixa padecer
perseguições levantadas pelo demônio e outras pessoas, mas o próprio Pai das misericórdias (2
Cor 1, 3) e verdadeiro amante de seus filhos acima de todos os pais que existem, [...] não só vê o
que padecemos de nossos inimigos e se cala, mas Ele mesmo nos submete aos trabalhos e nos
insere na guerra. É Ele quem costuma dar-nos gozo depois de muita tristeza, como deu a Abraão
e a Isaac. [...] E assim como mandou que o pai matasse o filho que Ele mesmo lhe tinha dado (cf.
Gn 22, 2), e submeteu à angústia àquele que tinha antes consolado, assim costuma tirar dos seus
o gozo, e dizer que o matem e que vivam em contínua tristeza.

[Mas] por que, pois, estaríeis angustiados por aquilo que nosso Senhor vos envia? Por que vos
parece mau o remédio que recebestes das mãos de vosso Pai piedoso? Acaso pensais que tem
rigor para vos afligir, e não tem poder para vos levantar de qualquer lugar em que estejais caídos,
e misericórdia para vos perdoar e realizar maiores misericórdias que antes? [...] Deus vos conserva
envolvidos entre esses espinhos, para vos poupar dos que nunca se hão de acabar, segundo o que
Ele diz a respeito de sua vinha: De noite e de dia a guardo (Is 27, 3s); não tenho irritação com
ela; [...] pois agora a consola, e depois a aflige; sua sagrada vela* está sobre nós, e ainda mais perto,
quando nós a temos mais apartada”37.

É o que tantas vezes repetimos: “Deus não nos abandona, mas sim nos governa”. Com atitude
valente e tranquila frente ao mal que nos ataca e as provas que Deus permite que nos ocorram

35 Diretório de Vida Fraterna, 37.


36 SÃO JOÃO DE ÁVILA, Obras completas de São João de Ávila, IV, Carta XLI, A uma donzela afligida pelo desamparo espiritual que
sentia, pág. 386.
* No sentido de vigilância.
37 Cf. SÃO JOÃO DE ÁVILA, Obras completas de São João de ávila , IV, Carta XLI, A uma donzela afligida pelo desamparo espiritual que

sentia, pág. 387.

pg. 8

repitamos com São Bonifácio: “Já que as coisas são assim e a verdade pode ser combatida, mas
não vencida, nem enganada, nossa mente fatigada se refugia naquelas palavras de Salomão: Confia
no Senhor com toda a tua alma, não confies em sua própria inteligência; em todos os teus
caminhos pensa nele, e Ele aplainará teus caminhos. E em outro lugar: Torre fortíssima é o nome
do Senhor, nele espera o justo e é socorrido”. “Mantenhamo-nos na justiça e preparemos nossas
almas para a provação; saibamos aguentar até o tempo que Deus quiser e lhe digamos: ‘Senhor,
fostes Vós o nosso refúgio de geração em geração’. Tenhamos confiança n’Ele, que é quem nos
impôs este fardo. O que não pudermos levar por nós mesmos, levemo-lo com a força d’Aquele
que é todo-poderoso e disse: o meu jugo é suave e o meu fardo é leve. Mantenhamo-nos firmes
na luta no dia do Senhor, pois vieram sobre nós dias de angústia e aflição. Morramos, se assim
Deus o quiser, pelas santas leis de nossos pais, se assim Deus o quiser, para que mereçamos como
eles conseguir a herança eterna”38.

Em outra passagem de sua carta diz o Doutor de Ávila: “Não podereis, com todo o vosso pensar
e esforço, acrescentar, como diz o Evangelho, um só côvado à duração da vossa vida (cf. Mt 6,
27). [...] E quanto mais vos parece não achar solução para vossos males, nem por onde nem como
se vão remediar, tanto mais há esperança de remédio; pois onde falta o conselho e força humana,
ali costuma Deus pôr sua mão, e aquela é a hora própria que esperava para fazer misericórdia,
para que os homens saibam que não com espada nem arco deles (cf. Jos 24, 12), mas na agradável
e amorosa vontade de Deus está seu remédio. E por isso, quanto mais cheia de misérias vos
verdes, mais vos considereis preparados e dispostos para que Deus realize em vós sua
misericórdia, porque a compaixão de nossas angústias o move a pôr em nós os seus olhos. Onde
mais abundam as misérias, mais abundam as suas misericórdias [...]. E se este dia não vier tão
pronto como desejais, não vos perturbeis, pois tardar não é privar, principalmente quando o
doador é verdadeiro.

[...] Lembrai-vos que o povo de Deus nunca foi tão afligido, sobrecarregado e cruelmente
açoitado, quanto ao estar nas vésperas da liberdade. E assim como depois da noite e chuva
costuma vir o dia e o sol muito claro; depois da tempestade, a bonança; e depois das dores do
parto, o gozo do filho nascido; assim pensai que vossos grandes trabalhos são mensageiros de
grande alegria”39.

Quão proveitoso é este conselho, sobretudo para aqueles religiosos que se espantam ante os
possíveis cenários, que querem retroceder ante as dificuldades objetivas que se apresentam ou
que ficam de braços cruzados esperando que a solução ‘venha de cima’. Estes esquecem-se que
aquele Navega mar adentro!40 pronunciado pelo Verbo Encarnado no lago de Genesaré e
repetido até o fim dos tempos a incontáveis almas, implica “tomar a sério e a fundo, as exigências
do Evangelho”41 pois requer “homens humildes, laboriosos, que não temam os perigos,
vigilantes, pacientes nas prolongadas vigílias, constantes em repetir suas saídas para o mar...
dispostos a morrer”42. Portanto, é necessário nutrir a esperança, encher a alma de valor tendo
consciência de ser amado por Deus, fortalecer-se interiormente, pensando que “a medida da
Providência Divina sobre nós é a confiança que nós tivermos nela” 43 e que, à medida em que
cheguem as penosas circunstâncias, Deus, de quem somos e a quem pertencemos, libertar-nos-á

38 Citado na Homilia “Avatares” pregada na Igreja de Nossa Senhora das Dores para a renovação do quarto voto de escravidão Mariana

(15/09/1999).
39 SÃO JOÃO DE ÁVILA, Obras completas de São João de Ávila , IV, Carta XLI, A uma donzela afligida pelo desamparo espiritual que

sentia.
40 Lc 5, 4.
41 Diretório de Espiritualidade, 216.
42 Cf. Ibidem.
43 São Francisco de Sales, citado por F. VIDAL, Nas fontes da alegria.

pg. 9

delas. E se Ele nos protegeu até o presente; se continuarmos bem aferrados em sua mão
Providente, Ele mesmo nos assistirá em toda ocasião, e se não pudermos seguir adiante, Ele nos
sustentará. Não se deve desanimar! Não se deve olhar para trás! O reconhecimento de nossos
limites e debilidades –que parecem transparecer ainda mais em tempos de prova– pode
transformar-se em uma ocasião para experimentar a força e a riqueza extraordinária da graça de
Deus, como de fato já o experimentamos tantíssimas vezes ao longo da vida do Instituto.

“Deus vos está provando”; continua a carta de São João de Ávila, “sede-lhe fiel ao obedecer em
tudo o que vos enviar; amai-o, embora vos açoite; segui-o, embora vos esconda o rosto;
importunai-o, embora não vos responda; e sabei que não trabalhareis em vão, porque Ele é fiel,
não pode negar-se, e não desprezará até o fim a oração do pobre (2 2, 13; cf. Sl 101, 18). Ele se
levantará e ordenará que o mar se acalme; Ele vos devolverá vivo o vosso Isaac, e transformará
vosso choro em canto, e vos dará abundância de paz pelas guerras que sofrestes. E se vós não
mereceis este bem, Ele tem bondade para fazê-lo. O que Ele vos pede é que aprendais a viver
entre os espinhos, sem ter onde reclinar a cabeça; e se pouco podeis fazer, supri-lo padecendo; e
que estejais firmes no caminho de Deus, pois só perde a coroa aquele que foge e o deixa; pois o
Senhor vos dará o vosso remédio quando e como vós não sabeis; e pelo presente trabalho vos
dará abundância de gozo com o qual o glorificareis aqui e, no céu, a perpétua honra de sua
Majestade”44.

Já o dissemos em outra ocasião: o “não lutar”, o “fugir”, o “deixar de lado” as coisas pelas quais
vale a pena morrer, já é perder antes mesmo de ter iniciado a luta. No-lo diz o direito próprio:
“os covardes morrem muitas vezes antes de sua morte”45. Devemos permanecer firmes. Sejamos
homens de fé, de “uma fé viva, firme, intrépida, eminente, heroica; uma fé convencida de que
Deus não seria Deus se fôssemos capazes de abrangê-lo com nossa inteligência limitada, se
compreendêssemos todos os seus juízos e caminhos”46. Sejamos homens que agem como Ele
quer que o façamos nas circunstâncias dispostas por sua vontade e sua providência, movidos por
essa fé que “triunfa sobre o mundo e o mal, que constrói coisas grandes, que ilumina a vida e lhe
dá sentido, que fortalece, anima, conforta e exclui o medo: Não tenhais medo! Sou eu47. E com
essa confiança filial que nos inspira a mesma fé, “arranquemos as graças do Senhor. [Pois]
Necessita-se muita confiança para poder ser um pouco audazes, um pouco ‘prepotentes’, para
pedir milagres. O Senhor não se ofende por isso. [...] Rezemos com perseverança, sem nos
desanimar se Deus não responder em seguida às nossas orações. Golpeemos a sua porta: se não
nos abrir, golpeemos mais forte; se isso não bastar, arrombemos a porta!”48.

* * * * *

Esta é a mensagem final: não vivamos acovardados, temerosos, diminuídos, mas com confiança
nos intuitos misericordiosos de Deus e nos lancemos ousadamente para restaurar em Cristo todas
as coisas49.

Não devemos temer! Atentai-vos ao que diz São João da Cruz e que bem podemos aplicar ao
Instituto e a cada um de seus membros fiéis: “porque, sendo Ele onipotente, te faz bem e te ama
44 SÃO JOÃO DE ÁVILA, Obras completas de São João de Ávila , IV, Carta XLI, A uma donzela afligida pelo desamparo espiritual que

sentia, págs. 388-389.


45 Diretório de Espiritualidade, 76.
46 Ibidem.
47 Ibidem, op. cit. 6, 50.
48 Cf. BEATO JOSÉ ALLAMANO, Assim vos quero, cap. 10, 177.
49 Diretório de Espiritualidade, 1; op. cit. Ef 1, 10.

pg. 10

com onipotência; e sendo sábio, te faz bem e te ama com sabedoria; e sendo imensamente bom,
te ama com bondade; e sendo santo, te ama e te faz mercês com santidade; e sendo Ele justo, te
ama e te faz mercês com justiça; sendo Ele misericordioso, piedoso e clemente, [te faz
experimentar] sua misericórdia e piedade e clemência; e sendo forte, elevado e delicado, te ama
forte, elevada e delicadamente; e como é limpo e puro, te ama com pureza e limpidez; e, como é
verdadeiro, te ama seriamente; e como Ele é liberal, te ama e te faz mercês com liberalidade, sem
nenhum interesse, só para te fazer bem; e como Ele é a virtude da suma humildade, com suma
bondade e com suma estima te ama, dizendo-te, não sem grande júbilo: Eu sou teu e para ti, e
gosto de ser como sou por ser teu e para me dar a ti”50.

E recordemos que em tudo contamos com o auxílio efetivíssimo de Maria Santíssima, Mãe da
Divina Providência. Ela “cuida de nosso desenvolvimento humano” 51. Por este motivo,
confiamos que Deus que, olhando-a, fez nela “grandes coisas”, fará outro tanto para conosco,
seus filhos do Instituto do Verbo Encarnado que a Ele entregaram tudo e se entregaram a si
mesmos pelas mãos de sua Santa Mãe, para a sua glória e de sua Santa Igreja.

Rezemos com confiança filial à Mãe de Deus que não se reserva nada para si 52, por nós mesmos
e pelo Instituto a oração ‘prepotente’ com que São Francisco de Sales ‘importunava’ à Virgem
Maria:

Lembrai-vos, dulcíssima Virgem,


de que sois minha Mãe e eu sou vosso filho;
de que sois poderosíssima
e eu sou pequeno, pobre, miserável e débil.
Eu vos rogo, minha doce Mãe,
que me governeis e defendais
em todas as minhas empresas e ações.

Não me faleis, Virgem graciosa, que não podeis;


porque vosso amado Filho vos deu todo o poder.
Tampouco me faleis que não deveis,
porque sois a Mãe comum
de todos os pobres seres humanos,
e, singularmente, minha.

Se não o pudésseis, eu vos desculparia dizendo:


-É verdade que Ela é minha Mãe
e que me ama como seu filho,
mas lhe falta o poder.
Se não fôsseis minha Mãe, com razão teria paciência, dizendo:
-Ela é muito rica para me socorrer;
mas ai! Como não é minha Mãe, não me ama.

Mas, oh dulcíssima Virgem,


como sois minha Mãe
e sois poderosa, como vos desculparia, se não me amparásseis?

50 Cf. SÃO JOÃO DA CRUZ, Chama viva de amor, canção 3, 6.


51 SÃO JOÃO PAULO II, Homilia na Praça das Américas de São João de Porto Rico (12/10/1984).
52 Cf. Constituições, 85.

pg. 11

Vede, minha mãe, que estais obrigada a atender a todas as minhas petições.

Pela honra e glória de vosso Filho,


Aceitai-me como vosso filho,
sem atender às minhas misérias e pecados.
Libertai minha alma e meu corpo de todo o mal,
e dai-me todas as vossas virtudes, principalmente a humildade.

Enfim, alcançai-me todos os dons,


bens e graças que agradam à Santíssima Trindade,
Pai, Filho e Espírito Santo. Assim seja.

Que a Virgem Santíssima, que na mais profunda obediência aos intuitos divinos concebeu
virginalmente e deu à luz o Filho do homem nos conceda a graça de ter uma visão providencial
de toda a vida, de ser homens verdadeiramente “abandonados à divina Providência” 53 e que sua
providência maternal dirija e proteja hoje e sempre a barquinha de nossa vida, individualmente
falando e como Instituto.

Eia pois! Ânimo! Pois nós somos da Virgem e a Virgem é nossa.

53 Constituições, 231.

pg. 12

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