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Pelo Reino dos Céus1


Constituições, 257

A cada ano nós, os membros do Instituto do Verbo Encarnado, realizamos os Exercícios


Espirituais de Santo Inácio do Loyola, onde o santo espanhol “convida à grande conquista da
santidade”2. Durante a ‘segunda semana’ dos ditos Exercícios nos é dada a ocasião de realizar a
contemplação do “chamado do Rei”3, já que a vida cristã não é a simples adesão a uma doutrina,
mas o seguimento e a companhia de uma Pessoa.

Ali escutamos como um refrão a pergunta “O que devo fazer por Cristo?”4, que denota a
tonalidade singularmente ‘prática’ do chamado e do consequente seguimento de Cristo. Porque
como bem ensina Santo Inácio, “o amor deve consistir mais em obras do que em palavras”5. Disto se
segue a importância de renovar constantemente as disposições de magnanimidade e generosidade
em nossa adesão à vontade do Rei. Isto inclui, certamente, um frequente retorno às primícias e
frescor daquele chamado que um dia Cristo fez pessoalmente a cada um e um novo
pronunciamento decidido do nosso sim ao Amado. Isso inclui, ao mesmo tempo, o ‘abrir mais
espaço’ em nossa vida, em nossas almas, em nosso coração para que Deus reine em nós.

1. Jesus Cristo é Rei

Diz o Diretório de Espiritualidade: “O Senhor é Rei de toda a humanidade em sentido estrito, literal
e próprio, já que recebeu do Pai a potestade, o poder e o reino 6, por isso é Rei dos reis e Senhor
dos senhores7. Como vocês sabem o fundamento deste reinado é quadruplo:

- Em primeiro lugar, compete-lhe por ser Deus, o Verbo Encarnado, e assim diz São Cirilo
de Alexandria: “Cristo obtém o domínio de todas as criaturas, não arrancado pela força nem
tomado por nenhuma outra razão, senão por sua mesma essência e natureza”8;

- em segundo lugar, compete-lhe em virtude da Redenção, por direito de conquista, por nos
haver comprado com seu sangue: Não fostes resgatados... com coisas perecíveis, isto é, com prata ou com
ouro, mas pelo sangue precioso de Cristo 9;

- em terceiro lugar, por ser Cabeça da Igreja, pela plenitude da graça: cheio de graça e de verdade10;

- em quarto lugar, por direito de herança: a quem constituiu herdeiro de todas as coisas11.

Sua autoridade régia inclui a plenitude do tríplice poder: legislativo, judiciário e executivo” 12.

1 Mt 19, 12.
2 PE. CASANOVAS, Comentário e explanação dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, vol. 1, pág. 105.
3 Cf. Exercícios Espirituais, [91] e [100].
4 Exercícios Espirituais, [53].
5 Exercícios Espirituais, [230].
6 Dn 7, 13.
7 Ap19, 16.
8 SÃO CIRILO DE ALEXANDRIA, In Ioh., XII, 18, 38: MG 74, 632.
9 1 Pd 1, 18-19.
10 Jo 1, 14.
11 Hb 1, 2.
12 Diretório de Espiritualidade, 222.

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Além disso, “o âmbito de seu reinado é duplo: pessoal e social. Reina sobre as inteligências porque
é a Verdade, ‘e é necessário que os homens recebam com obediência a verdade d’Ele’13; reina
sobre as vontades porque é a Bondade, ‘de tal modo que nos inflama para as coisas mais nobres’ 14;
e reina sobre os corações porque é o Amor. E reina também socialmente, já que ‘não há diferença
entre os indivíduos e o consórcio civil, porque os indivíduos, não por estarem unidos em
sociedade estão menos sob a potestade de Cristo que o está cada um deles separadamente. Ele é
a fonte da saúde privada e pública’15”16.

“Certamente o Seu reino não é temporário nem terreno: meu Reino não é deste mundo17, mas é um
Reino eterno: seu Reino não terá fim18, e é universal: foi dado todo o poder no céu e na terra19; Reino de
verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz20”21.

2. Uma realeza efetiva

Pois bem, tendo ouvido livremente o chamado do Senhor para segui-lo onde quer que vá: “quem
quiser vir comigo”22, aceitamos estar com Ele, porque queremos nos embeber de sua presença e ser
pouco a pouco “outros Cristos”23. Quer dizer, nós os religiosos, abraçamos “a forma de vida que
Jesus, supremo consagrado e missionário do Pai para seu Reino, abraçou e propôs aos discípulos
que o seguiam”24.

Isto implica −como dissemos anteriormente− que Cristo deve reinar em nossas vidas, e isso não
é outra coisa que “não antepor nada a Cristo”25. Porque “está claro − ensina São João da Cruz−
que quanto mais alguém pusesse os olhos nos criados do rei e mais reparasse neles, menos caso
faria do rei e tanto menos o estimaria; […] pois quanto mais põe [os olhos] nos criados, tanto
mais tira de seu senhor; então, este não julgaria muito altamente sobre o rei, pois os criados lhe
parecem ser algo diante do rei, seu senhor. Assim acontece à alma para com seu Deus quando
faz caso de ditas criaturas”26.

Neste sentido, “o estado religioso [...] revela de maneira especial a superioridade do Reino sobre
todo o criado e suas exigências radicais. Mostra também a todos os homens a grandeza
extraordinária do poder de Cristo Rei e a eficácia infinita do Espírito Santo, que realiza maravilhas
em sua Igreja”27.

Muitos de vocês devem conhecer a história de São Rafael Arnáiz Barón (1911-1938), monge
trapense que, por causa de sua enfermidade (diabete), viu interrompida a sua vida monástica por
três vezes. Rafael acabava de pedir pela terceira vez ao abade para retornar ao mosteiro, e esta
seria a última. Então num dia de novembro de 1937 escreveu uma carta ao irmão Tescelino −que

13 PIO XI, Encíclica sobre a Festa da realeza de Jesus Cristo, Quas Primas (1925), 4.
14 Ibidem.
15 Ibidem, 16.
16 Diretório de Espiritualidade, 223.
17 Jo 18, 36.
18 Lc 1, 33.
19 Mt 28, 18.
20 Missal Romano, Prefácio de Cristo Rei.
21 Diretório de Espiritualidade, 224.
22 Exercícios Espirituais, [95].
23 Constituições, 7.
24 Vita Consecrata, 22.
25 SÃO CIPRIANO, Sobre a oração do Senhor, 13-15; CSEL 3, 275-278. Citado em Diretório de Espiritualidade, 8.
26 Subida ao Monte Carmelo, Livro 3, cap. 12, 2.
27 Lumen Gentium, 44.

pg. 2

havia sido seu enfermeiro na Trapa− contando-lhe que o Pai Abade dissera que podia voltar para
o convento quando quisesse… mas que o pensasse bem e não se precipitasse, porque agora não
teria enfermeiro (já que o irmão Tescelino havia sido incorporado ao serviço militar). Então
Rafael reflete: “Humanamente falando, [o Abade] é muito prudente, tu não achas? Mas o que
devo fazer? Olha, eu penso da seguinte maneira, veja o que te parece:

Supõe que estás em tua casa doente, cheio de cuidados e atenções, quase aleijado, inútil…, em
uma palavra, incapaz de sustentar-te a ti mesmo. Mas um dia tivesses visto Jesus passar por
debaixo de tua janela. […] Se visses que Jesus te chamava e te dava um posto em sua comitiva, e
te olhava com aqueles olhos divinos do qual jorravam amor, ternura, perdão, e te dissesse: por
que não me segues? … Tu, o que farias? Acaso responderias… Senhor, te seguiria se me desses
um enfermeiro…, se me desses meios para te seguir com comodidade e sem perigo de minha
saúde… te seguiria se eu estivesse são e forte o suficiente para sustentar-me…?

Não, […] certamente lhe terias dito: Vou, Senhor, não me importa minhas doenças, nem a morte,
nem comer, nem dormir … Se tu me admitires, vou. Se tu quiseres podes curar-me… Não me
importa que o caminho por onde me vais conduzir seja difícil, seja abrupto e esteja cheio de
espinhos. Não me importa se quiseres que eu morra contigo em uma cruz […]. Me são feitas
prudentes advertências… mas, de que vale tudo isso, em comparação com o olhar de um Deus
como Jesus da Galileia, que oferece um lugar no céu, e um amor eterno? Nada, irmão… nem
mesmo sofrer até o fim do mundo merece a pena de deixar de seguir a Jesus”28.

Analogamente, cada um de nós −assistidos certamente pela graça de Deus− respondemos ao


chamado de nosso Senhor deixando tudo para trás para segui-lo. É a radicalidade que se impõe
se tivermos que amar com amor indiviso ao Verbo Encarnado. Pois a nossa foi e deve seguir
sendo “a opção por um amor maior e indiviso a Cristo e à sua Igreja”29. Isso é o que nos permite
“oferecer um ‘testemunho privilegiado de uma busca constante de Deus e uma dedicação
absoluta ao crescimento de seu Reino”30. Isso é algo que convém ter muito presente, sobretudo
quando se sente a pobreza mais asperamente; quando a saúde não acompanha o ímpeto
apostólico; quando, apesar de nossa dedicação, somos criticados; quando a solidão se torna mais
densa; quando os auxílios divinos parecem ter acabado para nós; quando as tentações de pactuar
com o mundo aumentam.

Em outras palavras, nossa consagração implica –de fato– uma vida de senhorio.

Um religioso do Verbo Encarnado deve exercer esta vida de senhorio:

- Sobre si mesmo: à medida em que o homem triunfa sobre o pecado, domina os impulsos da
carne, e governa sua alma e seu corpo. O religioso, na medida em que submete perfeitamente sua
alma a Deus, chega a uma situação de indiferença e desapego às coisas do mundo, o que não quer
dizer impotência, mas, ao contrário, uma vontade dominadora e livre, capaz de se dedicar às
coisas sem se deixar dominar por elas31.

- Sobre os homens: à medida em que o religioso se entrega generosamente ao serviço de Jesus


Cristo, o único Rei que merece ser servido, adquire uma realeza efetiva, embora espiritual, sobre os
homens, até sobre os que têm poder e autoridade, e até sobre os que abusam dela. Porque tomam
28 SÃO RAFAEL ARNÁIZ BARÃO, Da carta ao Irmão Tescelino, desde Villasandino, 1 de novembro de 1937.
29 Cf. Pastores Dabo Vobis, 50. Citado em Diretório de Vida Consagrada, 145.
30 Evangelica Testificatio, 3.
31 Cf. Diretório de Espiritualidade, 34.

pg. 3

sobre si o fardo de seus pecados e suas penas, por um amor humilde e serviçal, que chega até o
sacrifício de si mesmo 32.

- Sobre o mundo, que se dá de dois modos, a saber: 1) colaborando com o mundo da criação
pelo trabalho, e com o mundo da redenção pelo apostolado. Para que esta realeza seja efetiva,
será necessário que, junto a uma dedicação às coisas haja, ao mesmo tempo, um desprendimento
e desapego das mesmas; 2) rejeitando o mundo, quer por lealdade ao próprio mundo, que deve
ser tido como meio e não como fim, quer por lealdade a Deus, resistindo às concupiscências,
tentações e pecados do mundo; sendo independentes frente às máximas, burlas e perseguições
do mundo, dependendo somente de nossa reta consciência iluminada pela fé; dispostos ao
martírio por lealdade a Deus, o que constitui a rejeição plena e total do mundo mau 33.

- Sobre o demônio, diz o direito próprio: “Necessitamos de religiosos convencidos não somente
de que têm, por graça de Deus, poder para resistir ao demônio, mas também para poder exorcizá-
lo”34.

Devemos persuadir-nos de que fomos “consagrados para o Reino” e, portanto, somos


verdadeiros religiosos na medida em que estivermos consagrados totalmente ao serviço de Deus
nos oferecendo a Ele em holocausto35, o que se obtém a través da prática fiel e constante dos
votos religiosos. Com efeito, o Magistério da Igreja ensina que “a vocação das pessoas
consagradas a buscar acima de tudo o Reino de Deus é, principalmente, um chamado à plena
conversão, na renúncia de si mesmo para viver totalmente no Senhor”36. Portanto, é nossa
oblação a través da obediência, da pobreza e da castidade que faz com que nossa existência seja
“memória vivente do modo de existir e de atuar de Jesus, o Verbo feito carne37, diante do Pai e
diante dos homens”38, e uma contribuição efetiva para o reinado de Cristo.

3. Eu faço minha oblação39

O convite de Cristo “quem quiser vir comigo” traz emparelhado o de “trabalhar comigo”, e Santo
Inácio põe nos lábios de Cristo a razão disso: “a fim de que, seguindo-me nos trabalhos,
acompanhe-me também na glória”40.

E, embora já o dissemos muitas vezes e é conhecido por todos, cremos que vale a pena voltar a
mencionar que o seguimento de Cristo, “não é a promessa de êxitos fáceis. Não promete a
ninguém uma vida cômoda. É exigente. E, ao mesmo tempo, é uma Grande Promessa: a
promessa da vida eterna para o homem, submetido à lei da morte; a promessa da vitória, por
meio da fé […]. Para encontrar a vida, se deve perder a vida; para nascer, se deve morrer; para
salvar-se, se deve tomar a Cruz”41.

32 Cf. Diretório de Espiritualidade, 35.


33 Cf. Diretório de Espiritualidade, 36.
34 Diretório de Espiritualidade, 38.
35 Cf. Diretório de Espiritualidade, 161; op. cit. Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, S. Th., II-II, 186, 7.
36 Cf. Vita Consecrata, 80.
37 Cf. Jo 1, 14.
38 Constituições, 254.257.
39 SANTO INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais, [98].
40 Ibidem, [95].
41 Cf. SÃO JOÃO PAULO II, Cruzando o limiar da esperança, pág. 114.

pg. 4

Nossa consagração é sinônimo de holocausto, de oblação. Isto, dito em um tom mais inaciano,
seria equivalente a dizer que nossa consagração ao reino de Cristo “suporta a aceitação do
combate espiritual”42.

Por isso nos parece possível traçar um paralelo entre a oração de oblação do reino de Santo
Inácio e nossa fórmula de profissão religiosa, sobre a qual sempre convém aprofundar. É notável
como ambas se correspondem de uma maneira que nos admira, vejamos:

Oblação do reino43 Fórmula de consagração no IVE44


Por amor ao Pai, origem primeira e fim
supremo da vida consagrada;
Eterno Senhor de todas as coisas a Cristo, que nos chama à sua intimidade;
ao Espírito Santo, que dispõe o ânimo a
acolher suas inspirações.

Nossa consagração tem origem na iniciativa de Deus e a Deus mesmo tendemos, pois “para a
glória da Santíssima Trindade, maior manifestação do Verbo Encarnado e honra da Igreja
fundada por Cristo”45 abraçamos este estado de vida que “imita mais de perto … aquela forma
de vida que o Filho de Deus assumiu ao entrar no mundo…”46 com o “fim de buscar unicamente
a Deus”47. Deste modo, nossa vida religiosa, enquanto promove uma existência transfigurada
através da prática dos conselhos evangélicos, converte-se em uma manifestação de Deus e uma
confessio Trinitatis, quer dizer, em uma das pegadas concretas que a Trindade deixa na história 48.

“Concretamente, a castidade é o reflexo do amor infinito que une as três Pessoas divinas, a
pobreza é expressão da entrega total de si que as três Pessoas divinas se fazem reciprocamente, a
obediência é reflexo na história da amorosa correspondência própria das três pessoas divinas” 49.
Assim, a partir de uma existência transfigurada, queremos participar da vida da Trindade e
confessar o amor que salva50.

Com efeito, nossa fórmula de profissão51 e as Constituições52 mesmas, que regem nosso estilo
particular de santificação e apostolado, começam com uma invocação Trinitária e terminam com
ela; porque não é outro o princípio nem o fim de nossa consagração senão “Só Deus”53. E assim,
como Santo Inácio começa dizendo: “Eterno Senhor de todas as coisas”, nossas Constituições
começam dizendo: “Confessamos que Deus é o Senhor e Pai de todas as coisas, princípio e fim
de todas elas” e a todas elas queremos “restaurar, integralmente, em Cristo” 54, já que isso é,
precisamente, “prolongar a Encarnação em todas as coisas”55.

42 Cf. Vita Consecrata, 38.


43 SANTO INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais, [98].
44 Constituições, 254.257.
45 Constituições, 1.
46 Cf. Constituições, 2; op. cit. Lumen Gentium, 44.
47 Constituições, 61.
48 Diretório de Vida Consagrada, 231; op. cit. Cf. Vita Consecrata, 20.
49 Diretório de Vida Consagrada, 232; op. cit. Cf. Vita Consecrata, 21.
50 Diretório de Vida Consagrada, 233; op. cit Constituições, 9.
51 Cf. Constituições, 254.257.
52 Cf. Constituições, 1.380.
53 Constituições, 380.
54 Constituições, 13.
55 Constituições, 17.

pg. 5

Por isso, entendemos que a prática de nossos votos religiosos é uma “manifestação da entrega a
Deus com um coração indiviso56 e reflexo do amor infinito que une a Ele”57.

Isto requer uma “Santa familiaridade com o Verbo feito carne”58 e ser formados em uma
profunda intimidade com Deus59 que nos dispõe o ânimo para acolher suas inspirações60, “de
modo que pertençamos cada vez mais a Cristo e, por conseguinte, ao seu Corpo místico, já que
quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a ele61”62.

Desse modo, nossa “consagração religiosa se torna imagem da Trindade: ‘é anúncio do que o Pai,
por meio do Filho, no Espírito, realiza com seu amor, sua bondade e sua beleza… Por isso, seu
primeiro objetivo é fazer visíveis as maravilhas que Deus realiza na frágil humanidade das pessoas
chamadas’63”64.

Em outras palavras: “Abraçamos este estado de vida para poder mais facilmente nos entregar às
coisas divinas, alcançando com maior segurança a eterna bem-aventurança e, finalmente, nos
dedicar com mais liberdade à obra de conduzir outros ao Reino dos céus”65, de modo tal que
nossa consagração “há de ser útil ao próximo enquanto for um testemunho vivente das realidades
sobrenaturais”66.

Oblação do reino Fórmula de consagração no IVE


eu faço a minha oblação, Eu N.N., livremente, faço a Deus oblação
com vosso favor e ajuda de todo meu ser […]

“A consagração é a base da vida religiosa. Ao afirmá-lo, a Igreja quer pôr em primeiro lugar a
iniciativa de Deus e a relação transformadora n’Ele que implica a vida religiosa. A consagração é
uma ação divina. Deus chama uma pessoa e a separa para dedicá-la a si mesmo de modo
particular. Ao mesmo tempo dá a graça de corresponder, de modo tal que a consagração expresse,
por parte do homem, uma entrega de si mesmo profunda e livre”67, segundo ensina o Magistério
da Igreja.

Pois bem, esta “consagração a Deus da vida religiosa é uma consagração total, que ‘exige, segundo
São Gregório, consagrar a Deus ‘toda a vida’”68, o qual só se pode levar a cabo por meio do voto,
já que não possuímos a vida toda inteira, em um momento. O homem por meio do voto renuncia
livremente ‘à liberdade mesma de abster-se do que se refere ao serviço divino’”69.

É por isso que nossas Constituições explicitam que nossa oblação consiste principalmente no
cumprimento dos três votos de castidade, pobreza e obediência, impulsionados pela caridade 70.

56Cf. 1 Cor 7, 32-34.


57Cf. Diretório de Vida Consagrada, 147.
58 Constituições, 231.
59 Cf. Constituições, 203.
60 Constituições, 254.257.
61 Rm 8, 9.
62 Diretório de Espiritualidade, 235.
63 Cf. Vita Consecrata, 20.
64 Diretório de Vida Consagrada, 12.
65 Diretório de Vida Consagrada, 130; op. cit. Sacra Virginitas, pág. 9.
66 Cf. Diretório de Vida Consagrada, 146.
67 CONGREGAÇÃO PARA OS RELIGIOSOS E INSTITUTOS SECULARES, Elementos essenciais da doutrina da Igreja sobre a vida religiosa, 5. Citado no

Diretório de Vida Consagrada, 10.


68 Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, S. Th., II-II, 186, 6, ad 2.
69 Diretório de Vida Consagrada, 46.
70 Constituições, 48.

pg. 6

E, portanto, a profissão religiosa constitui um verdadeiro holocausto de si mesmo, já que em
virtude dos votos se entrega a Deus todo o próprio, sem reservar-se nada: pelo voto de castidade,
o bem próprio do corpo; pelo voto de pobreza, as coisas exteriores; e os bens da alma pelo voto
de obediência71.

Esta consagração realmente abrange a vida inteira e por isso dizemos “de todo meu ser”. Por
este motivo podemos dizer que “a vida religiosa consiste essencialmente nos três votos: de
pobreza, castidade e obediência72; pelos quais se entrega a Deus os bens exteriores, o direito de
formar uma família e a liberdade, que é o mais querido para o homem. De tal modo que, ao
religioso, não resta absolutamente nada.

Ensina Santo Tomás que ‘se chamam por antonomásia religiosos os que se consagram totalmente ao
serviço de Deus, oferecendo-se a Ele em holocausto. […] No holocausto a vítima oferecida a Deus é
imolada. A imolação implica a destruição total da vítima em honra a Deus. O religioso se imola
a Deus em holocausto seguindo a Cristo pobre, virgem e obediente até a morte de cruz” 73.
“Porém, mais que uma destruição, devemos falar de uma positiva transformação. O religioso
entrega tudo para alcançar a caridade perfeita que fará com que possua a Deus íntima e
plenamente”74.

Então, “trata-se de entregar tudo, mas não como fim em si mesmo, mas para ver-se livre de todos
os impedimentos que poderiam apartá-lo da caridade perfeita75 e, portanto, em ordem a uma
consagração mais íntima a Deus e uma entrega nova e especial ao serviço de Deus e à missão
salvífica da Igreja”76.

Mais ainda, nossa fórmula de profissão menciona explicitamente que fazemos a oblação de todo
o nosso ser “livremente”:

- Livremente escolhemos ser dos eunucos que se fizeram tais por causa do Reino dos Céus (Mt 19,
12)77.

- Livremente escolhemos a pobreza para proclamar “o Absolutismo de Deus, que é nossa


única riqueza”78.

- Livremente escolhemos ser obedientes e submeter a própria vontade aos legítimos


Superiores, que fazem as vezes de Deus quando mandam algo segundo as Constituições79, imitando
nisto a Jesus Cristo, que se fez obediente até a morte e morte de cruz80.

Portanto, “os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência, vividos por Cristo e
abraçados por seu amor, aparecem como um caminho para a plena realização da pessoa em
oposição à desumanização; proclamam a liberdade dos filhos de Deus e a alegria de viver segundo

71 Constituições, 51; op. cit. Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, S. Th., II-II, 186, 7.
72 Ensina o CIC, C. 607, § 2 que: “Um instituto religioso é uma sociedade em que os membros, segundo o direito próprio, emitem votos
públicos, perpétuos ou temporários (…), e vivem vida fraterna em comum”.
73 Cf. Diretório de Vida Consagrada, 13.
74 Diretório de Vida Consagrada, 14.
75 Cf. Lumen Gentium, 44. Cf. também Constituições, 23.
76 Diretório de Vida Consagrada, 15.
77 Constituições, 55.
78 Mensagem do Sínodo, IX° Assembleia Geral Ordinária, sobre “A Vida Consagrada e sua missão na Igreja e no mundo”, OR (04/12/1994), 5. Citado

no Diretório de Vida Consagrada, 100.


79 Constituições, 74; op. cit. Cf. CIC, cân. 601.
80 Fl 2, 8.

pg. 7

as bem-aventuranças evangélicas”81. Longe de ser uma renúncia que empobrece, mais bem nos
enriquece, porque nos libertam “dos impedimentos que poderiam nos apartar do ardor da
caridade e da perfeição do culto divino, consagrando-nos mais intimamente ao serviço de Deus”82
para chegar a possuir a Deus íntima e plenamente83.

Dito de outro modo, escolhemos pertencer totalmente ao Verbo Encarnado e isso nos faz
prazerosamente livres. E livremente consentimos pertencer-lhe, fazendo oblação de todo o nosso
ser84 mediante a prática dos conselhos evangélicos segundo o “caminho evangélico traçado nas
Constituições do Instituto do Verbo Encarnado”85, porque estamos convencidos de que, como
diz o Místico Doutor, “os imensos bens de Deus não cabem nem caem senão em coração vazio
e solitário”86.

Oblação do reino Fórmula de consagração no IVE


[…] Por isso, diante de Deus nosso Senhor
diante da vossa infinita bondade,
e de todos os seus Santos, […]
e diante da vossa Mãe gloriosa,
Peço a intercessão de Nossa Senhora,
e de todos os santos e santas
dos Doze Apóstolos
da corte celestial.
e dos outros Santos padroeiros, […]

Nossa fórmula de profissão se reveste de toda a solenidade ao nos apresentar “diante de Deus
nosso Senhor e de todos os seus Santos” e invocar a intercessão de “Nossa Senhora, dos Doze
Apóstolos e dos outros Santos padroeiros”. E isto é assim, porque a oblação que fazemos é, ao
mesmo tempo, uma realidade histórica e sobrenatural, de modo tal, que tanto a profissão quanto
a mesma prática dos votos se torna uma realidade que transcende o plano terreno ao mover-nos
a praticar as virtudes da transcendência: fé, esperança e caridade87.

Por outro lado, dá à nossa consagração uma configuração e um brilho que nos distingue de outros
religiosos, e é na grande veneração à Mãe do Verbo Encarnado e aos Santos, obras mestras de
Deus, que honramos ao próprio Deus88.

Parece-me apropriado afirmar que, estando nossa espiritualidade ancorada no mistério da


Encarnação a ponto de podermos dizer que “se deriva da Pessoa do Verbo e de sua Mãe”89, a
devoção Mariana é inerente à nossa consagração e sem ela não pode ser entendida, pois dizemos
que somos “essencialmente missionários e marianos”90. Por isso, elevamos nossas preces à Mãe de
Deus para que nos obtenha a graça “de alcançar esta disposição de suma, total e irrestrita
docilidade ao Espírito Santo”91 “a fim de ensenhorear para Jesus Cristo todo o autenticamente
humano”92. De modo tal que nossa consagração manifeste “um senhorio sobre todas as coisas,
junto com uma vontade libérrima, pronta para agradar só a Deus”93. E da Virgem Mãe esperamos
obter todo o auxílio necessário para cumprir com o honroso dever de “prolongar a Encarnação

81 Diretório de Vida Consagrada, 55; op. cit. Caminhar desde Cristo: um renovado compromisso da vida consagrada no terceiro milênio, 13.
82 Constituições, 49.
83 Diretório de Vida Consagrada, 14.
84 Cf. Constituições, 254.257.
85 Ibidem.
86 SÃO JOÃO DA CRUZ, Epistolário, Carta 15 a M. Leonor de São Gabriel, OCD (18/07/1589).
87 Constituições, 40.
88 Cf. Diretório de Espiritualidade, 257.
89 Constituições, 36.
90 Constituições, 31.
91 Constituições, 19.
92 Constituições, 30.
93 Constituições, 56.

pg. 8

em todas as coisas”94. Consequentemente, nossa consagração está emoldurada, impregnada e é
difusiva da devoção a Maria Santíssima sendo “consequência natural o [fato de] marianizar toda
a vida”95. A Virgem Maria se converte, então, no modelo que guia ‘todas as nossas intenções,
ações e operações’96”97 e é, além disso, o fim para o qual se dirigem os nossos atos, o objeto que
atrai o nosso coração e o motivo dos trabalhos empreendidos98.

Sendo assim, se nossa consagração implica a oblação de todo o nosso ser ao Verbo Encarnado,
queremos fazer essa oferenda −“para melhor servir a Jesus Cristo”99− pelas mãos de Maria
Santíssima “a fim de que Ela disponha de tudo segundo o seu beneplácito100, seguros de que por
Maria, Mãe do Verbo Encarnado, devemos ir a Ele, e que Ela fará de nós ‘grandes Santos’ 101”102.

Por outro lado, a veneração dos Santos – como “os melhores membros do Corpo místico de
Cristo e o maior e mais completo fruto da Encarnação e da Redenção” 103−, o estudo de sua
doutrina sapiencial, as riquezas com as quais embelezaram a obra da Igreja, suas virtudes heroicas
e exemplos de vida, sua intercessão ante o trono de Deus “nos impulsionam a buscar a cidade
futura... a perfeita união com Cristo, ou seja, a santidade” 104. “Eles nos recomendam
constantemente o céu, a vida eterna, o prêmio dos méritos, Deus! […] Empurrando gerações
inteiras ao heroísmo no seguimento de Jesus Cristo” 105. Por este motivo nossa entrega a Cristo
acha, nos Santos, inspiração, ajuda e sábia doutrina para que alcancemos o céu que eles já
alcançaram.

Oblação do reino Fórmula de consagração no IVE


comprometo todas as minhas forças
para não ser esquivo à aventura missionária,
para inculturar o evangelho na diversidade de
todas as culturas, para prolongar a
Eu quero e desejo
Encarnação do Verbo “em todo homem, em
e é minha determinação deliberada,
todo o homem e em todas as manifestações
contanto que seja vosso maior serviço e
do homem” assumindo todo o
louvor,
autenticamente humano, para ser como outra
humanidade de Cristo,
para realizar com maior perfeição o
serviço de Deus e dos homens.

E isto é assim, simplesmente porque “o amor deve consistir mais em obras do que em palavras”106.

“Comprometer todas as forças” é “determinar-se seriamente”107 a imitar a Cristo em seu padecer,


do qual fala São João da Cruz e que o direito próprio expressa de diversas maneiras: “Queremos

94 Constituições, 17.
95 Constituições, 85.
96 Cf. SANTO INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais, [46].
97 Constituições, 86.
98 Cf. Diretório de Vida Consagrada, 222.
99 Constituições, 82.
100 Cf. SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT, Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, 121-125.
101 Cf. Ibidem, 47.
102 Constituições, 84.
103 Diretório de Espiritualidade, 257.
104 Diretório de Espiritualidade, 256; op. cit. Lumen Gentium, 50.
105 Cf. Diretório de Espiritualidade, 257.
106 SANTO INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais, [230].
107 Subida ao Monte Carmelo, Livro 2, cap. 7, 7.

pg. 9

imitar o mais perfeitamente possível a Jesus Cristo”108; “firmemente resolvidos a alcançar a
santidade… com ‘uma grande e muito determinada determinação de não parar até chegar a ela
(a santidade)’”109, etc. Porque a consagração religiosa neste Instituto implica a imitação mais
próxima do mistério do Verbo Encarnado e das atitudes que implica110, o qual traz consigo a
exigência de conversão e de santidade, de uma existência transfigurada, de contemplar e
testemunhar o rosto transfigurado de Cristo111. O Verbo Encarnado se ofereceu ao Pai sem
restrição; se ofertou vitimalmente, imolou-se em expiação, entregou-se sem reservas e
precisamente essa deve ser a atitude sacerdotal de todo membro de nossa pequena Família
Religiosa112.

Portanto, todos nós, os membros do Instituto, buscamos nos aperfeiçoar “sendo, em Cristo,
‘uma oferenda eterna para Deus’113, ‘uma vítima viva e perfeita para o louvor de sua glória’ 114.
Pois essa é a atitude sacerdotal própria do ‘terceiro binário’ dos Exercícios Espirituais de Santo
Inácio do Loyola115. E nessa atitude queremos “viver permanentemente, sem diminuições nem
retratações, sem reservas nem condições, sem subterfúgios nem demoras, sem desdobramentos
nem lentidões. Tanto nos empenhos do íntimo, como nos altos empenhos históricos”116. Já que
“não existe nos institutos dedicados ao apostolado, um caminho de santidade nem de profissão
dos conselhos evangélicos, nem de vida dedicada a Deus e a seu serviço, que não estejam
intrinsecamente ligados ao serviço da Igreja e do mundo117, todo o nosso trabalho missionário e
apostólico se fundamenta na convicção de que é necessário que Ele reine118.

Pois bem, nesta obra de apostolado o testemunho de vida ocupa o primeiro lugar, já que “se é
missionário acima de tudo pelo que se é… antes de sê-lo pelo que se diz ou se faz”119, e essa é,
para nós, a “primeira e insubstituível forma de missão”120, a fim de que resplandeça entre os fiéis
a caridade de Cristo121. Neste sentido, “todos os membros de nosso Instituto não só devem
cumprir com a maior perfeição possível os conselhos evangélicos e a entrega a Jesus por Maria, mas
também ‘ordenar a sua vida segundo o direito próprio do Instituto e esforçar-se, assim, por
alcançar a perfeição de seu estado’122”123. Não obstante, não só através de nossa consagração,
mas também através de nosso trabalho apostólico procuramos nos associar à obra da redenção
e à dilatação do reino de Deus124, transfigurando o mundo desde dentro, com a força das Bem-
aventuranças.

Confessando que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem que, em sua única pessoa
divina, une ambas as naturezas, estamos no mundo sem ser do mundo e assumimos, em Cristo,
todo o humano já que “o que não é assumido não é redimido”125. Por conseguinte, é nosso

108 Diretório de Espiritualidade, 44.


109 Diretório de Espiritualidade, 42; op. cit. SANTA TERESA DE JESUS, Caminho de Perfeição, 35, 2.
110 Ou seja: “a prática das virtudes do anonadar-se: humildade, pobreza, dor, obediência, renuncia a si mesmo, misericórdia e amor a todos

os homens”. Diretório de Espiritualidade, 45.


111 Cf. Diretório de Vida Consagrada, 234.
112 Cf. Diretório de Espiritualidade, 73.
113 Cf. Missal Romano, Oração Eucarística III.
114 Cf. Missal Romano, Oração Eucarística IV.
115 Cf. SANTO INÁCIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais, [155]. [157].
116 Cf. Diretório de Espiritualidade, 73.
117 Cf. Perfectae Caritatis, 5
118 Cf. Diretório de Espiritualidade, 225; op. cit. 1 Cor 15,25.
119 Redemptoris Missio, 23.
120 Redemptoris Missio, 42.
121 Cf. Ef 3, 19.
122 CIC, cân. 598 § 2.
123 Constituições, 378.
124 Cf. Diretório de Vida Consagrada, 246; op. cit. Perfectae Caritatis, 5.
125 SANTO IRINEU, Citado no Documento de Puebla, 400.

pg. 10

sublime empenho o de “‘assumir’ as culturas, purificando-as e elevando-as a partir de Cristo e de
seu Evangelho, entendido ‘em Igreja’”126, e queremos fazer isto “ainda nas situações mais difíceis
e nas condições mais adversas”127.

O Verbo assumiu a natureza humana outorgando-lhe a dignidade de sua pessoa divina. Do


mesmo modo, este encargo de toda a realidade dos homens e suas culturas “só é real quando
verdadeiramente transforma o humano em Cristo, elevando-o, dignificando-o, aperfeiçoando-o.
O que se deixa só ao nível humano, só aparentemente foi assumido”128. Então, em todo o nosso
trabalho missionário nos guiamos pelo princípio que diz que “a verdadeira inculturação é desde
dentro: consiste, em última instância, em uma renovação da vida sob a influência da graça” 129.

Por sua vez, estamos convencidos de que “é tarefa da vida consagrada difundir o Reino de Cristo
até as regiões mais longínquas, à multidão crescente daqueles que não conhecem a Cristo. Por
este motivo, também “nos urge trabalhar nos lugares mais difíceis (aqueles onde ninguém quer
ir)”130.

Mais ainda, longe de considerar o trabalho pastoral como motivo de escapismo que levou alguns
a cair no ativismo, para nós o trabalho missionário é cruz, e como tal nos une mais a Cristo. Além
do mais, a fonte interior de nosso apostolado é, e desejamos que seja sempre, nossa comunhão
cada vez mais profunda com a caridade pastoral de Jesus Cristo 131. Ao contrário do que alguns
pensam, nós estamos persuadidos de que “a missão reforça a vida consagrada, infunde-lhe um
renovado entusiasmo e novas motivações, e estimula a sua fidelidade”132, já que o ato com o qual
se ama a Deus e o ato com o qual se ama ao próximo é especificamente o mesmo 133.

“Por tudo isto, os membros de nossa Família Religiosa devem colaborar com todo o entusiasmo
no trabalho missionário134, realizando a doação de si mesmos a Deus por amor a tantos homens
e mulheres de nosso tempo que não conhecem a Jesus Cristo, e que parecem estar suplicando
como aquele macedônio: Vem para a Macedônia, e ajuda-nos!135”136. O zelo pela instauração do Reino
de Deus e a salvação dos homens por parte de nossos membros se converte na melhor prova de
uma doação autenticamente vivida137.

126 Diretório de Espiritualidade, 65.


127 Constituições, 30.
128 Diretório de Espiritualidade, 50.
129 Cf. Diretório de Espiritualidade, 51.
130 Diretório de Espiritualidade, 86.
131 Cf. Diretório de Vida Consagrada, 261.
132 Diretório de Vida Consagrada, 268; op. cit. cf. Vita Consecrata, 78.
133 Cf. Diretório de Vida Consagrada, 252; op. cit. Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, S. Th., II-II, 25, 1c.
134 Cf. Diretório de Missão Ad Gente, 72.
135 At 16, 9.
136 Diretório de Vida Consagrada, 271.
137 Cf. Diretório de Vida Consagrada, 265.

pg. 11

Oblação do reino Fórmula de consagração no IVE
[…] para que minha vida seja memória
vivente do modo de existir e de atuar de
Jesus, o Verbo feito carne (cf. Jo 1,14),
imitar-Vos em passar por todas as diante do Pai e diante dos homens. […] faço
injúrias voto de viver para sempre casto, pelo Reino
e todas as humilhações e toda a pobreza, dos Céus, pobre, manifestando que Deus é a
assim atual como espiritual, única riqueza verdadeira do homem, e
obediente, até a morte de cruz para seguir
mais intimamente ao Verbo Encarnado
em sua castidade, pobreza e obediência

Estas palavras de nossa consagração –tão profundas e tão ricas de conteúdo– nos indicam a razão
mesma da profissão religiosa, a saber: levar à plenitude a consagração do Batismo e representar
perpetuamente na Igreja aquela forma de vida que o Filho de Deus escolheu ao encarnar-se138 .

Portanto, se antes dizíamos que nossa profissão religiosa era uma imagem da Trindade, agora
devemos dizer que é, ao mesmo tempo, cristocêntrica já que nossa vocação implica “uma adesão
que nos permite conformar com Cristo toda a existência, mediante a prática dos conselhos
evangélicos como o modo mais radical de viver o Evangelho e de seguir a Cristo” 139. E, embora
“isto corresponda a todo religioso, ‘com muito maior razão corresponde a nós viver esta realidade
como religiosos da Família do Verbo Encarnado’140. Por isso, mesmo sendo essencial a todo
religioso, queremos que não passe por despercebido em nossas vidas. Mais ainda, queremos que
esta estampagem cristocêntrica fique marcada a fogo em nós e em nosso apostolado de
evangelizar a cultura. Posto que esta realidade de ser outros Cristos é central em nossa
espiritualidade”141.

Por isso, “queremos imitar o melhor possível a Jesus Cristo, já que Ele nos ensina: Dei-vos o
exemplo142, e São Paulo exorta: Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus...143, de modo tal que
sejamos o bom aroma de Cristo144, embaixadores de Cristo145... do mistério do Evangelho146, carta de Cristo147,
revestidos de Cristo148, firmemente convencidos de que somos predestinados a ser conformes `a imagem
de seu Filho149, reproduzindo-o150, fazendo-nos semelhantes a Ele151, configurando-nos com
Ele152, sabendo que refletimos a mesma imagem153 do Filho Único de Deus”154. Em poucas
palavras: “Se somos religiosos é para imitar ao Verbo Encarnado casto, pobre, obediente e filho
de Maria”155.

138 Cf. Lumen Gentium, 44. Citado em Diretório de Espiritualidade, 43.


139 Cf. Vita Consecrata, 16.18.
140 Diretório de Espiritualidade, 29.
141 Cf. Diretório de Espiritualidade, 30.
142 Jo 13, 15.
143 Fl 2, 5.
144 2 Cor 2, 15.
145 2 Cor 5, 20.
146 Ef 6, 19.
147 2 Cor 3, 3.
148 Gl 3, 27.
149 Rm 8, 29.
150 Cf. Rm 8,29.
151 Cf. Fl 3, 10.
152 Cf. Fl 3, 21.
153 2 Cor 3, 18.
154 Diretório de Espiritualidade, 44.
155 Diretório de Vida Consagrada, 326.

pg. 12

Cada um de nós, os membros do Instituto, sabemos que somos chamados a unir-nos a Deus pela
prática da caridade perfeita e, portanto, pela profissão dos três votos procuramos remover
radicalmente todos os obstáculos que poderiam nos impedir de chegar à perfeição da caridade.
Estes obstáculos, como claramente ensina o direito próprio, “podem ser três: o amor aos bens
exteriores, que se destrói pelo voto de pobreza; o desejo dos gozos sensíveis, sobre tudo dos
carnais, e se destrói pelo voto de castidade; e, finalmente, a desordem da vontade humana, que
se remedeia pelo voto de obediência”156. Por conseguinte, se os conselhos evangélicos constituem
essencialmente a vida religiosa, a caridade é sua alma e sua razão de ser mais íntima, é seu fim.

Pela prática da pobreza evangélica nós, os membros do Instituto do Verbo Encarnado,


procuramos imitar a Cristo pobre: “pobre em seu nascimento, mais pobre em sua vida e
paupérrimo na cruz”157, até chegar a conquistar o desprendimento total, não só dos bens materiais
mas sim de tudo o que não for Deus mesmo, o que supõe a perfeição da caridade e a santidade
completa e consumada. Como diz São João da Cruz, “amar é despojar-se por Deus de tudo o
que não é Deus”158.

Pela prática da castidade consagrada oferecemos a Deus o holocausto de nosso corpo e de todos
os nossos afetos naturais, o qual implica uma eleição preferencial do amor exclusivo a Deus.
Sendo nosso desejo o de viver a castidade vitoriosa triunfal, como desejado e alegre sacrifício
para obter a íntima união com Deus daquele matrimônio espiritual e virginal que caracteriza a
vida consagrada, no qual o coração não fica sufocado, mas entregue, feito sagrado 159.

Além disso, e muito principalmente, seguindo o exemplo do Verbo Encarnado nós, os membros
do Instituto, entregamo-nos a Deus totalmente pelo voto de obediência, mediante o qual
queremos fazer dom de nossa vontade160. “Nada melhor pode o homem oferecer a Deus que a
submissão da própria vontade a outro por amor a Deus”161, ensina Santo Tomás de Aquino.
Portanto, a exemplo do Verbo Encarnado, que se fez obediente até a morte e morte de cruz162 –pela qual
redimiu e santificou os homens– nós procuramos viver a obediência cooperando com Cristo para
a salvação do próximo, quer dizer, participando da Redenção de Cristo.

Oblação do reino Fórmula de consagração no IVE


O amor e a graça da Santíssima Trindade
se Vossa Santíssima Majestade me quiser
me ajudem a ser fiel na obra
escolher e receber em tal vida e estado.
que tem começado.

Por último, digamos que “a vida religiosa é um seguimento de Cristo, mas não de qualquer modo,
‘mas com o propósito de não voltar atrás. Por isso disse nosso Senhor: Quem põe a mão no arado e
olha para trás não é apto para o Reino de Deus163. E é com esse firme propósito de seguir a Cristo que
fazemos os votos’”164. Mas, sendo conscientes da sublimidade de tal empresa e das misérias e
debilidades que nos afligem não só pedimos a intercessão da Virgem e dos Santos, mas também
pedimos ao próprio Deus que nos ajude a ser fiéis na obra que começou165.

156 Diretório de Vida Consagrada, 52; SANTO TOMÁS DE AQUINO, S. Th., II-II, 186, 7c.
157 Constituições, 66; SÃO BERNARDO, Vitis mystica, cap. II.
158 Subida ao Monte Carmelo, II, 5, 7.
159 Cf. Constituições, 59.
160 Cf. Constituições, 72.
161 SANTO TOMÁS DE AQUINO, S. Th., II-II, 186, 5, ad 5.
162 Fl 2, 8.
163 Lc 9, 62.
164 Cf. Diretório de Vida Consagrada, 44; SANTO TOMÁS DE AQUINO, S. Th., II-II, 186, 6, ad 1.
165 Cf. Constituições, 254;257.

pg. 13

Em nome da Igreja e do Instituto, quem recebe a profissão dos votos religiosos reconhece o
desejo explícito do religioso de uma total conformação com Cristo, o Verbo Encarnado 166.
Desejo que deve fazer-se efetivo e no qual se deve perseverar precisamente “para uma mais
abundante santidade da Igreja”167 e expansão do reino de Deus.

* * *

O caminho que conduz à santidade, a conquista do reino, implica, pois, a aceitação do combate
espiritual.

“A transformação do mundo e a construção do reino de Cristo, reino de justiça e de paz, só pode


realizar-se pela graça e pelo poder do amor de Deus em nós. Só o amor pode transformar os
corações… A única violência que leva à construção do reino de Cristo é o sacrifício e o serviço
que nascem do amor”168.

Por isso a clamorosa ideia segue sendo: sacrificar-se. Assim se dirige a história, ainda que
silenciosa e ocultamente169.

Que Maria Santíssima, Rainha dos Céus, alcance-nos a graça de “saber morrer”170 para viver171.

166 Ibidem.
167 Lumen Gentium, 47
168 SÃO JOÃO PAULO II, Às religiosas em Manila (17/02/1981).
169 Cf. Diretório de Espiritualidade, 146.
170 Diretório de Espiritualidade, 173.
171 Diretório de Espiritualidade, 178.

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