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GNOSIOLOGIA
R.P. JOSÉ ANTONIO GONZALEZ, IVE
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO
Perguntamo-nos qual é o problema do conhecimento, não porque pretendamos
definir a questão desde um princípio, mas porque tentamos determinar, ao menos, a
direção da busca.
O problema não consiste em descobrir uma primeira verdade, porque nada autoriza
a pensar que as verdades metafísicas se deduzam umas de outras, como os teoremas de
geometria (Prejuízo racionalista).
Tampouco se reduz ao problema da existência da realidade, porque é absurdo
começar negando a existência do que estamos conhecendo (Prejuízo idealista).
Tampouco consiste em indagar se são possíveis as ciências e se a metafísica é
possível como ciência. Esta é a consideração kantiana, a qual nasce de um absurdo, dado
que busca investigar a razão pura sem ter em conta sua referência à realidade.
1
Questões tolas... Também quando se duvida do manifesto, ou seja, da aquilo que qualquer deveria considerar como
ciência.
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2. NOME DA MATÉRIA
Alguns nomes não são apropriados para designar o estudo do problema do
conhecimento. Alguns chamam a esta matéria “criteriologia”: este termo é inadequado
por ser insuficiente, pois reduz a gnosiologia ao estudo dos critérios da verdade. Outro
termo usado é “epistemologia”: tampouco é conveniente, pois, esta palavra em grego,
significa ciência, e a ciência não é o único modo de conhecimento. A epistemologia é só
uma parte desta matéria, ocupando-se só das ciências e seus métodos. Muita vigência tem
ainda o nome de “crítica”, introduzido por Kant. Não há problema para a adoção deste
termo, sempre que se tenha em conta a necessidade de não cair no equívoco da crítica
kantiana.
Mas como nesta matéria se expõe especificamente o problema do conhecimento e se
reflete a respeito do mesmo, o termo mais exato para designá-la parece ser o de
gnosiologia.
3. MÉTODO GNOSIOLÓGICO
O método da gnosiologia não pode ser a dúvida porque não se pode duvidar de
tudo -menos ainda do evidente- e porque, mesmo que a dúvida metódica me permitisse
chegar a uma verdade primeira, não se segue que todas as demais verdades se deduzam
desta, segundo o modelo matemático.
Por outra parte não pode ser, a busca das condições de possibilidade para o
conhecimento científico porque, além de cair no anterior, cairíamos em um reducionismo,
pois nem todo conhecimento é científico.
Tampouco pode ser só a introspecção. A introspecção é necessária para descobrir e
descrever os conhecimentos; mas não pode explicá-los, nem descobrir seu valor.
Então o método gnosiológico é complexo. Em um primeiro momento exige uma
descrição do fenômeno do conhecimento (fenomenologia do conhecimento), logo a
determinação do que é o conhecimento, apoiados nos dados obtidos no estudo
fenomenológico do mesmo.
Em definitiva, o método da gnosiologia não é distinto do método da metafísica; é
fenomenológico-resolutivo porque parte da descrição de seus objetos à fundamentação
destes nos seus princípios. Trata-se da passagem do fenômeno ao fundamento.
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CAPÍTULO II
AS CORRENTES PRINCIPAIS DA GNOSIOLOGIA
Não é possível enumerar todas as correntes gnosiológicas.
Reduzimo-las ás principais:
A primeira questão que se expõe é a seguinte: se o espírito humano pode conhecer a
verdade (se tem certezas legítimas); logo, se a resposta for afirmativa, pergunta-se como é
essa verdade? (se é objetiva ou não); depois nos perguntamos com o que se conhece a
verdade? (se com uma parte da consciência ou com todas suas partes conjuntamente); por
último nos perguntamos qual é o fundamento da verdade? (a realidade ou a consciência).
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Dogmatismo vem da palavra “dogma” do grego δογμα (dogma = pensamento, princípio, doutrina). Dogma deriva do
verbo δοκειν (dokein = opinar, parecer bom).
3
Se, pelo contrário, afirmamos que a única parte da consciência pela que se
conhece a verdade é a razão, temos o “racionalismo”.
Por outra parte, se respondermos que a verdade se conhece pelo trabalho conjunto
de todas as partes da consciência, temos o que poderíamos chamar uma “unidade
cognoscitiva”.
* * *
Deste modo, ficam enunciadas as principais correntes da gnosiologia: ceticismo e
dogmatismo; relativismo e objetivismo; empirismo e racionalismo; idealismo e realismo.
Nós, por nossa parte, afirmamos que a verdade existe e que pode ser conhecida por
nós; que ela é objetiva, que a conhecemos pela experiência e a razão conjuntamente; e que
tem como fundamento o ser real.
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Pode ser conhecida a
verdade?
sim não
dogmatismo ceticismo
como é a verdade?
relativa à
objetiva
conciencia
relativismo objetivismo
com que se
individual ou
conhece a
subjetivo verdade?
qual é o
empirismo fundamento da
verdade?
racionalismo idealismo
realismo
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1. O CETICISMO
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O sol se vê como um disco de pequeno tamanho; a luz de uma lâmpada
parece perder seu brilho ao sol e se vê brilhante nas trevas. As cores parecem
distintas, segundo se os veja a luz do sol ou a luz de uma vela. Alguma coisa
não está à direita ou à esquerda de se mesmo, mas sim em relação a outras
coisas. O alto é relativo ao baixo; o grande ao pequeno; o pai ao filho. Nada
se conhece em si mesmo, mas sim tudo se conhece em relação a outra coisa.
3) As diferentes e contraditórias experiências de conhecimento entre os homens,
como mostram a diversidade de costumes, leis e crenças na vida comum e de opiniões na
filosofia, ou as diferentes sensações que provocam os mesmos objetos a diferentes pessoas
(tropo 10).
Os egípcios embalsamavam a seus mortos, os romanos os queimavam, os
peonios os jogavam nos rios. Os persas permitiam o matrimônio entre filhos
e mães, os egípcios entre irmãos; a lei grega proibia ambas uniões. Assim,
pois, os homens seguem o que lhes parece verdadeiro, não o que é
verdadeiro.
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2. O DOGMATISMO
A prova mais forte de que a verdade existe, e que ela pode ser conhecida por nós, é
a contradição em que cai quem quer afirmar o contrário. Em efeito, se alguém afirmar que
a verdade não existe, ou que se existir, não pode ser conhecida, poderíamos perguntar-lhe:
“e você como é que conheceu esta verdade?”
3. O RELATIVISMO
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2. Quando se afirmar em troca, que o conhecimento certo é relativo a condições
próprias do grupo que conhece, temos diversos tipos de relativismo (segundo os distintos
grupos), entre os quais um dos mais famosos é o relativismo cultural (a verdade é relativa
a condições próprias de cada cultura. Cada cultura tem suas verdades).
3.2.1. Subjetivismo
É a doutrina que faz depender a verdade de uma cultura histórica. Cada cultura - a
chinesa, hindu, egípcia, babilônica, greco-romana, árabe, americana, ocidental – realiza sua
própria valoração da realidade, tem seu próprio modo de compreender o universo,
distinto das demais culturas e irredutível a qualquer uma delas.
Nenhuma cultura pode aspirar a que sua valoração seja absoluta, universalmente
válida. Segundo este tipo de relativismo não se pode julgar um elemento cultural desde
outra cultura, sociedade, ou momento histórico, já que não há um ponto de comparação
objetivo entre minha cultura e a que quero julgar. Possivelmente o último e mais sutil
expoente desta doutrina é a chamada “filosofia hermenêutica” do Hans-Georg Gadamer
(1900 - 2002).
Há várias razões que permitem compreender por que muitos filósofos consideram
adequado o relativismo. Podem-se destacar as seguintes:
1. A influência de elementos físicos, psicológicos, ou culturais nos juízos das
pessoas;
2. A observação das muitas ideias ou concepções diferentes (inclusive opostas),
que têm os distintos grupos ou culturas;
3. A observação da mudança de ideias através dos tempos.
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Tudo isso pode favorecer a convicção de que realmente é impossível deixar de lado
a subjetividade na aquisição da verdade.
É verdade que os juízos das pessoas estão influenciados per elementos físicos,
psicológicos, ou culturais, e por isso distintas culturas tem concepções diferentes, e estas
vão mudando através dos tempos. Contudo estas concepções e juízos de distintas pessoas
e culturas fazem referência a algo em comum e objetivo, porque senão as ditas concepções
não teriam ponto de comparação e seria impossível a comunicação.
A refutação mais evidente do relativismo é que ser relativista implica uma tríplice
contradição:
2. Contradição na razão
Mas não só temos uma certeza comum do valor objetivo da verdade, mas também
temos uma certeza científica. A verdade objetiva existe e não pode ser negada sem
contradizer-se. Com efeito, se “não houvesse verdade absoluta”, nada se poderia «afirmar
de modo absoluto», por isso, quem «afirmasse de modo absoluto» que “não há verdade
absoluta”, se estaria contradizendo.
3
Este ponto foi tirado da tradução ao português do livro Las verdades robadas, P. Miguel Ángel Fuentes. O texto foi
modificado para sua melhor exposição. Cfr. Fuentes M. A. (2007) As verdades roubadas, São Paulo: IVEPRESS, pp.17-
24.
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assim, aqui tem as chaves. Desculpe se pensei mal de você”. Todo relativista é,
necessariamente, inconsequente na vida real.
Para terminar, se nós chegarmos a encontrar com um relativista que tentando negar
a objetividade da verdade, diz-nos: “não se pode estar seguro de nada”, então temos que
lhe perguntar: Você está seguro do que diz?
Se não houver uma verdade objetiva, a verdade subjetiva ou opinião que se impõe é
a do mais forte. Nesta linha dizia a Papa Francisco:
Mas há outra pobreza. É a pobreza espiritual de nossos dias, que afeta gravemente também
aos Países considerados mais ricos. É o que meu Predecessor, o querido e venerado Papa
Bento XVI, chama a «ditadura do relativismo», que deixa a cada um como medida de si
mesmo e põe em perigo a convivência entre os homens. Chego assim a uma segunda razão
de meu nome. Francisco de Assis nos diz: esforce-se em construir a paz. Mas não há
verdadeira paz sem verdade. Não pode haver verdadeira paz se cada um for a medida de si
mesmo, se cada um pode reclamar sempre e só seu próprio direito, sem preocupar-se ao
mesmo tempo do bem de outros, de todos, a partir já da natureza, que acomuna a todo ser
humano nesta terra. (Discurso do santo padre Papa Francisco, audiência ao corpo
diplomático acreditado ante a Santa Sé, sexta-feira 22 de março de 2013, Cidade do
Vaticano).
4. O OBJETIVISMO
5. O RACIONALISMO
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Caracteriza-se por uma firme confiança em que podemos alcançar verdades
objetivas e universalmente válidas (objetivismo) e pela convicção de que só podemos
alcançar estas verdades pela razão, já que nossos sentidos nos enganam. Manifestava que
estas verdades que conhecia a razão como evidentes em si, eram inatas (porque não
podiam vir da experiência), e que a partir delas, é possível deduzir o resto dos conteúdos
da filosofia e das ciências.
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6. O EMPIRISMO
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Sexto Empírico foi um médico e filósofo grego, considerado como um dos mais importantes representantes
do ceticismo pirroniano, entretanto seu cepticismo não era radical, como o de Pirro, porque aceitava como válido o
conhecimento empírico e por isso pode ser considerado como o primeiro empirista. Em uma de suas obras afirma: “Nós
não rejeitamos as coisas que, segundo uma imagem sensível e sem mediar nossa vontade, induzem-nos ao
assentimento... E isso precisamente são os fenômenos” (Sexto Empírico, Hipotiposis Pirrónicas, I, X, 19).
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Porque nossa mente ao princípio está vazia como uma folha em branco, já que como
temos dito, se em nossa mente existissem ideias inatas, as crianças, os selvagens e os
loucos, teriam os conhecimentos do homem culto; ademais não precisaríamos aprender; e
também todas as pessoas estariam de acordo nas mesmas verdades.
Outra alternativa a favor das ideias inatas, é que as ideias existem em nossa mente
virtualmente (escondidas), e com o tempo as vamos descobrindo uma por uma. Mas as
ideias que estão na nossa mente não podem existir desse modo, já que o pensamento é
consciente e por isso, estar no entendimento significa ser sabido pelo entendimento. De
modo que se se afirmar que uma coisa está na mente sem que a mente a perceba é o
mesmo que dizer que não está na mente.
Logo, ao comprovar que no início, nossa mente está vazia, se faz necessário afirmar
que os conhecimentos que ela tem, vieram da experiência sensível.
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o A experiência externa (sensação): A sensação nos permite perceber
qualidades, que podem ser “primárias”, como o movimento, a forma,
a extensão, o “secundárias” (como a cor, o aroma, o gosto, etc.).
o A experiência interna (reflexão): Pela experiência interna percebemos
nossas operações psicológicas (como entender, acreditar, pensar,
duvidar, etc.).
As impressões complexas: formam-se pela associação de impressões
simples, expl.: se terá a impressão complexa de “maçã” se ao mesmo tempo
se a ver, se a tocar e se degustar. A partir dessa impressão complexa se
obterá uma ideia complexa de “maçã” que combina tal forma, cor, gosto,
dureza, etc.
É verdade que ao princípio, nossa mente está vazia como uma folha em branco, e
por isso todo conhecimento que agora tem, proveio da experiência sensível.
Mas não é verdade que o objeto de nossa consciência, são as nossas percepções
sensíveis:
1. Já que os objetos que conhecemos são mais perfeitos e complexos do que suas
simples manifestações sensíveis.
2. Ademais, temos conceitos universais e objetivamente validos, o que se deduz
do fato que existem as ciências.
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“Em total há sete relações filosóficas: identidade, quantidade e número, qualidade, contrariedade ou oposição,
semelhança, contiguidade de espaço e tempo, casualidade. As quatro primeiras são filosóficas puras, (não são simples
tendências espontâneas); as três últimas podem ser tanto naturais (quer dizer, como tendências espontâneas à
associação), quanto relações entre conceitos”. Cf. Hume, D. Tratado da natureza humana, Iº libro, 1ª parte, 5ª seção.
15
O erro inicial do empirismo é colocar o começo de nosso conhecimento nas
impressões simples, isoladas entre si, o que obriga que seja a nossa experiência, quer dizer,
a nossa faculdade cognitiva sensível, a encarregada de associar essas impressões simples,
para formar impressões compostas e assim determinar a estrutura habitual de nossas
ideias particulares.
Este ponto de partida errado do empirismo, foi refutado pela Gestalt-Theorie6
(teoria da forma), a qual mostrou de modo experimental, que o imediatamente dado à
consciência não são impressões isoladas, mas sim um objeto configurado, qualificado e
unificado.
7. O IDEALISMO
6
Cfr. Fabro, C. La fenomenologia della percezione, Vol. 5 de Opere complete, segni 2006: EDIVI
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A esta câmbio o chamaram "giro copernicano" ou "revolução copernicana". Porque assim como Copérnico
revolucionou a Astronomia ao sustentar que não era a Terra o centro ao redor do qual giravam os corpos celestes, mas
sim era o Sol o astro ao redor do qual giravam a Terra e todos os planetas do sistema solar, do mesmo modo Kant
sustentou que não era o objeto o centro do conhecimento, mas sim o sujeito.
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A obra de Kant deu início ao idealismo alemão, escola que afirma a consciência
como o fundamento de todo ser, e que teve como maiores expoentes os filósofos Fichte,
Schelling e Hegel.
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Podemos dizer que o princípio idealista tem como primeiro defensor o racionalismo de Descartes, o qual procurou por
todos os meios uma verdade evidente que lhe dê uma certeza máxima. Com efeito, para Descartes, nossa razão pode
alcançar a verdade, contudo constatava que entre os homens havia uma multidão de opiniões opostas. Entre estas
opiniões opostas só uma tinha que ser verdadeira e as demais erradas. Como encontrar a verdade? Temos que duvidar
de tudo - dizia - até encontrar um princípio tão evidente que ninguém possa duvidar dele, e a partir desse princípio
devemos deduzir as outras verdades. Até aqui os argumentos apresentados por Descartes são bem mais racionalistas. O
que segue, em troca, é o começo da reflexão idealista. Esta ideia muito evidente e indubitável que Descarte procurava,
princípio sólido a partir do qual poderia se deduzir as outras ideias, é que “penso e portanto, existo” (“cogito ergo
sum”). Deste modo, é a partir deste princípio que se devem deduzir o resto de conteúdos da filosofia e das ciências.
Assim, a consciência (cogito) constitui-se no ponto de partida a partir do qual deve ser determinada a natureza da
realidade. Com efeito escrevia Descartes em seu Regulae “Nada me parece mais absurdo que discutir ousadamente
sobre os segredos da natureza sem haver antes examinado se a inteligência humana é capaz de penetrá-los”; ou também:
“Não podemos conhecer nada antes de conhecer a inteligência, pois por ela conhecemos as demais coisas”. Cfr.
VERNEAUX, R., Epistemología general o crítica del conocimiento, Herder, Barcelona, 19816, pag. 9.
9
“Sabemos que a experiência humana apresenta desde seu começo uma constituição bifrontal assim que é o
lugar do dar-se recíproco do espírito e do ser, do eu e do mundo, de tal maneira que ambos resultam constituídos
mediante esta complementariedade. O mundo só pode ser conhecido enquanto diverso do eu, e o eu só aparece como tal
enquanto aparece como conhecedor do mundo. A consciência se constitui em ato por essa dupla presença do eu e do
mundo, de caráter irredutível e dialético”, (Cfr. texto extraído da apostila em espanhol de filosofia moderna do
seminário “María Madre del verbo Encarnado”, escrita pelo Padre Christian Ferraro, san Rafael, 2006).
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podemos aferrar sua natureza e estrutura interna. Por isso só o ato de ser pode manifestar
sua essência, a qual se presenta já desde o princípio do conhecimento, como um ato
independente do ato de conhecer.
O erro idealista consiste em duvidar da veracidade do ato de ser (tirar-lhe a
autoridade) sem ter outro fundamento para fazê-lo, que o querer fazê-lo10, e dar certeza e
autoridade somente ao ato de conhecer, a partir do qual se determinará posteriormente, a
natureza do ato de ser (ao idealista não lhe importa o que o ser diga de si mesmo, mas sim
o que a consciência diga do ser).
8. O REALISMO
O realismo é a doutrina que afirma que é “a realidade”, como “ato de ser”, a que
põe em ato a consciência, lhe permitindo realizar seu ato próprio, que consiste em
conhecer “o ser” e ao mesmo tempo, conhecer “que conhece”. Disto se segue que é só a
partir da presença do ser, que podemos determinar a natureza do mesmo e não a partir da
consciência.
Vimos que cada corrente gnosiológica tem uma concepção própria do que é o
conhecimento, distinta das outras. Apesar de ter um mesmo objeto de estudo a
determinação da natureza do mesmo é diferente. Onde está o engano? Certamente que
não está no objeto (o conhecimento). Provavelmente o erro esteja no método com que
estudamos o objeto. Com efeito, se manifesta em várias correntes gnosiológicas expostas,
uma tendência a determinar o objeto de estudo (neste caso o conhecimento) sendo
influenciadas por pré-juízos e problemas anteriores ao estudo do objeto e que não surgem
deste.
10
“A dúvida absoluta que pretende erigir-se em começo para o idealismo, é um ato absurdo, porque consiste
em suprimir a dualidade originária do atuar-se da consciência e, por conseguinte, a vazão total do conteúdo. O ato de
consciência de que parte o idealismo é um cogito completamente vazio e, por conseguinte, não é ato de nada, nem é ato,
nem nada. Se o ato com que começa a consciência é reflexão, a consciência fica abolida em seu ponto de partida, fica
encerrada no círculo dos círculos e na unidade analítica de um absoluto que se identifica com um nada, de um ser vazio
que se identifica com o pensamento vazio e do qual a ciência, a arte, a técnica, a religião, etc., não são mais que
desenvolvimentos analíticos”, (Cfr. texto extraído da apostila em espanhol de filosofia moderna do seminário “María
Madre del verbo Encarnado”, escrita pelo Padre Christian Ferraro, san Rafael, 2006).
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Para aprofundar esta temática: Cfr. Fabro, C., Dall'essere all'esistente, Morcelliana, Brescia 19571, pags. 11-
70; Idem, «San Tommaso e il pensiero moderno», em Tomismo e pensiero moderno, Ed PUL, Roma 1969, pags. 428-
429; Idem, appunti di un itinerario, EDIVI, segni 2011, pag. 158.
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manifesta como uma dupla presença (de “ato de ser” e “ato de conhecer”), a qual aparece
como irredutível e dialética. Si mostra como o lugar do dar-se recíproco do ser e do
espírito; do mundo e do eu, porque é um fato muito evidente que em todo conhecimento
se apresenta primeiramente, o ato de ser; e que nesse mesmo apresentar do ato de ser,
distingue-se a presença de outro ato, diverso do ser: o ato de conhecer.
Começar o estudo do conhecimento reduzindo um destes atos ao outro, manifesta a
existência de pré-juízos que influem negativamente no estudo certo do fenômeno do
conhecimento.
Agora podemos enumerar alguns pré-juízos que a nosso parecer, influem
negativamente na concepção que as correntes referidas têm do conhecimento:
O ceticismo: Começa do prejuízo de que o ser dado à consciência, não é evidente e,
portanto, a consciência não pode conhecê-lo.
O relativismo: Inicia do preconceito de que o ser dado à consciência, não está
determinado de maneira estável e, portanto, a determinação última do ser, depende das
condições próprias de cada consciência particular.
O racionalismo: Principia do pressuposto de que o ser dado à consciência são as
ideias simples (claras e distintas) e, portanto, o trabalho da razão será o deduzir dessas
ideias simples, ideias complexas, e assim conhecer de modo certo o objeto de nossa
consciência: nossas ideias.
O empirismo: Começa do preconceito de que o ser dado à consciência, são as
impressões simples e, portanto, o trabalho da experiência sensível será associar tais
impressões, para formar impressões compostas e assim determinar a estrutura habitual de
nossas percepções particulares.
O idealismo: Nasce do prejuízo de que provavelmente o ser não é dado à
consciência, como se fosse um ato independente dela, mas pertence à consciência como
uma manifestação desta, por isso o trabalho da nossa consciência será o determinar a
natureza do ato de conhecer, para depois definir a essência do objeto que esta produz: “o
ser”, que sempre ficará “ser de consciência”.
Tudo isto nos adverte que se não queremos errar na determinação da natureza do
conhecimento, é preciso deixar de lado todos nossos prejuízos e problemas gnosiológicos e
estudar o conhecimento em si mesmo. Isto se chama fenomenologia ou método
fenomenológico. No próximo capitulo, tentaremos definir a natureza do conhecimento
usando este método.
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CAPÍTULO V
NATUREZA DO CONHECIMENTO
a) Ato
Cada vez que o homem passa da ignorância ao conhecimento, ou de um
conhecimento a outro há um movimento. Entretanto o conhecimento não se identifica com
esse movimento. O conhecimento é o ato que está ao término desse movimento.
Santo Tomas muitas vezes emprega a palavra actio para designar o conhecimento.
Mas o Angélico entende tal ação como uma ação metafísica imanente (quer dizer, ação que
permanece no sujeito e o aperfeiçoa), e não como ação transeunte.
b) Intencionalmente Presente
O subsistir de modo real diz-se de um ente existente na realidade, que possui sua
própria forma, sustentada por seu ato de ser. O subsistir de modo intencional pelo
contrário, diz-se de um ente de razão, que há uma forma abstraída de um ente real e que
está sendo sustenido pelo ser da substância que conhece, por exemplo, quando
conhecemos uma árvore, não colhemos o mesmo ato de ser da árvore, de modo que a
árvore entre em nossa consciência (o que seria doloroso), senão que obtemos somente uma
representação de sua forma, em nossa consciência12.
12
Assim o afirma Santo Tomam dizendo: «Aquilo que se entende não está no intelecto segundo si mesmo, mas
sim segundo sua similitude, pois a pedra não está na alma, mas sim a espécie da pedra, como se diz no livre III sobre a
alma. E entretanto aquilo que se conhece é a pedra, e não (conhece-se) a espécie da pedra, mas sim por reflexão do
intelecto sobre si mesmo, de outro modo a ciência não seria (ciência) da coisas, mas sim das espécies inteligíveis»; «Id
enim quod intelligitur non est in intellectu secundum se, sed secundum suam similitudinem, lapis enim non est in
anima, sed species lapidis, ut dicitur in III de anima. Et tamen lapis est id quod intelligitur, non autem species lapidis,
nisi per reflexionem intellectus supra seipsum, alioquin scientiae non essent de rebus, sed de speciebus intelligibilibus»
(Summa Theologiae I, q. 76 a. 2 ad 4).
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CAPÍTULO III
A VERDADE E O ERRO
1. A VERDADE
Definição de Verdade
Kant define a verdade como o acordo do juízo com as leis imanentes da razão, ou
simplesmente, o acordo do pensamento consigo mesmo. Esta definição não pode ser
aceita, pois falta o fator de realidade, como ponto de referência da verdade.
Para Durkheim, sociólogo francês, a verdade consiste na conformidade não do
entendimento com a realidade, mas sim no acordo dos espíritos entre si. Aqui se substitui
o subjetivismo de Kant, pelo subjetivismo social, definindo a verdade como a aceitação
coletiva. O que penso só eu é subjetivo, mas o que pensa a sociedade é verdadeiro.
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2. O ERRO
2.1. Natureza
O erro é passar o falso pelo verdadeiro, de onde adiciona certo ato sobre a
ignorância. Pois pode haver ignorância sem que alguém afirme uma sentença sobre
o que ignora e então se é ignorante e não errado. Mas quando se afirmar uma
sentença falsa sobre aquilo que se ignora, então se diz propriamente errar.
É verdade que o homem pode falhar, mas isto não implica que necessariamente se
equivoque, nem que se equivoque em algum caso particular determinado. Porque errar é
antinatural. É uma exceção à regra. Diz Santo Tomás:
Todo defeito e corrupção não são naturais: porque a natureza tende ao ser e à
perfeição da coisa. Por isso é impossível que haja uma virtude cognoscitiva que
naturalmente erre no reto juízo sobre seu objeto. E como o objeto próprio do
intelecto é o verdadeiro. É impossível que haja algum intelecto que naturalmente
erre em relação ao conhecimento do verdadeiro.
Portanto para passar da possibilidade de errar, ao ato de errar, é necessário que haja
uma causa. Devemos ver então, quais são as causas de um juízo falso, quer dizer, o que é
que conduz à inteligência a fazer um juízo falso:
* O único que pode atuar diretamente sobre a inteligência é a vontade. Portanto
podemos dizer que o erro provém principalmente da vontade de julgar apesar da ausência
de evidência. Quanto menos evidência houver, se precisa de mais firmeza na vontade para
determinar-se a afirmar algo como verdadeiro.
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Como no juízo há graus de firmeza, está claro que cai menos no erro quem, ante a
falta de evidência, dá o próprio juízo como opinião, em vez de como certeza.
* Mas também indiretamente a afetividade pode ser causa de erro. Embora esta, por
ser de ordem material, não pode influir diretamente sobre nossas potências espirituais,
pode, contudo, exercer sobre estas um influxo indireto, influindo sobre seus objetos.
Nossos afetos desordenados, portanto, influem sobre a razão através da imaginação e da
cogitativa. Uma determinada paixão desordenada se for muito veemente, fixa de algum
modo a imaginação em um objeto e isto predispõe para o juízo racional favorável à paixão,
o qual pode levar a que julguemos erroneamente. Isto é mais forte ainda quando a paixão
se arraigou -pela repetição de atos passionais- a modo de hábito passional. Neste caso é
capaz de exercer um predomínio absorvente sobre a razão, cegando-a a tal ponto, de
poder chegar a negar até o evidente.
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CAPÍTULO IV
A CERTEZA
1. NATUREZA DA CERTEZA
A certeza é o estado que tem a mente quando se adere firmemente e sem temor a
uma verdade. É algo subjetivo, um estado do espírito e por isso não deve confundir-se
com a verdade (eu posso ter certeza e estar no erro).
2. CAUSAS DA CERTEZA
Então surge a pergunta sobre o que é aquilo que produz em nós a certeza, quer
dizer, que coisa causa em nós a segurança de nos achar na verdade?
Respondemos que o que pode causar em nós a segurança de nos achar na verdade
é, por um lado, a notoriedade do objeto que se apresenta claramente à nossa consciência, o
qual se chama evidência; por outro, o impulso da vontade que, acreditando firmemente na
autoridade de que sustenta algo como verdadeiro, move à inteligência a afirmar com
segurança, que o sustentado é verdadeiro, o qual se chama fé. Logo as duas causas
possíveis de certeza são a evidência ou a fé.
Vejamos mais detalhadamente estas duas causas de certeza:
2.1. A evidência
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“por outro”, são evidentes em um sentido verdadeiro e não só figurado, pois se a
demonstração está bem feita e o princípio do que parte é evidente, a inteligência tem que
admitir a evidência da conclusão.
2.2. A fé
3. GRAUS DE CERTEZA
3.1. A dúvida
3.2. A opinião
É um assentimento débil, já que é dado sem ter ainda certeza. Neste caso o
entendimento se inclina mais a uma possibilidade do que à outra, mas as razões que o
impulsionam não são determinantes para ele. Afirma-se algo com temor a equivocar-se,
quer dizer, admitindo a possibilidade de que o juízo contrário seja verdadeiro.
A certeza moral tem como fundamento o obrar dos seres humanos, o qual, embora
seja livre e, portanto imprevisível, na maioria dos casos obra de modo estável, segundo a
sua natureza, o qual gera em nós uma certeza.
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Em efeito, sabemos que o homem é livre, e, portanto que pode em todo momento
fazer fracassar os prognósticos mais seguros por meio de uma decisão imprevisível. Não
obstante, não se exclui toda certeza porque a liberdade humana não é absoluta, mas sim
está contida dentro dos limites da natureza humana. Por exemplo, tenho certeza moral de
que quando sair da classe ao recreio, ninguém virá a me assassinar, por isso saio da sala de
aula sem medo.
Esta certeza se apoia na veracidade dos seres humanos, os quais podem nos
manifestar de modo oral ou escrito as verdades que eles alcançaram e que para nós ainda
não são evidentes.
O grau de certeza é similar ao da certeza moral, quer dizer, é uma certeza provável,
já que é provável que o que afirma alguém como verdadeiro, seja verdadeiro, embora
exista a possibilidade de que a pessoa que afirma alguma coisa esteja errada ou que me
esteja enganando. Esta certeza, sem sair da probabilidade, tem graus, segundo a
autoridade de quem afirma algo como verdadeiro. Quando a autoridade do que afirma
algo é total, como é o caso de Deus, a certeza já não é provável, mas sim total, como
veremos mais adiante que ocorre com a fé sobrenatural.
Esta certeza surge quando se conhece por indução empírica a essência como causa
dos fatos de experiência. Ex: Sempre que aproximamos a mão ao fogo, este queima nossa
pele, logo “o fogo queima”.
Seu fundamento é a manifestação externa (entre elas o obrar), dos seres materiais,
os quais seguem leis estáveis, pelas que podemos conhecer suas naturezas: O obrar segue
ao ser, quer dizer, o obrar constante das coisas não é casual, mas sim procede sempre de
uma natureza.
Este fundamento é certo, e permite a enunciação de juízos universais e seguros para
o progresso das ciências experimentais. Dentro da certeza física pode haver graus,
segundo a multiplicidade de casos em que se constatou o fato afirmado, (quanto mais
casos mais certeza). Mantém-se a proposição universal até que algum feito demonstre o
contrário.
26
3.6. Certeza metafísica (Segurança total)
É a certeza absoluta, pois resulta do conhecimento das leis do ser, que são
estritamente necessárias e não admitem nenhuma anulação. É a segurança que surge em
todo conhecimento intuitivo já seja perceptivo (quando percebo “algo que é”, ex: “uma
árvore”, “uma pedra”, “um cão”) ou especulativo (quando julgo que, ex: “eu existo”, “está
chovendo”, ou sustento algum dos primeiros princípios, como: “algo não pode ser e não
ser ao mesmo tempo sob o mesmo respeito”). Também é produzida pelas conclusões de
um raciocínio correto, que parte de verdades evidentes. Todo aquilo que produz este tipo
de certeza em nossa consciência é chamado “evidente”.
Esta certeza se apoia na veracidade de Deus, o qual pode nos revelar verdades que
não são evidentes para nós. O grau de certeza desta fé é total, já que se apoia na
autoridade absoluta de Deus, o qual, não pode enganar-se nem nos enganar. Além disso, o
mesmo Deus confere à vontade uma força sobrenatural, para que mova à inteligência a
assentir com uma certeza indubitável, eliminando todo temor a equivocar-se.
Do ponto de vista do conhecimento a certeza que vem da evidência é mais perfeita
do que a certeza de fé sobrenatural, com tudo a certeza de fé pode ser mais perfeita do que
a certeza de evidencia seja porque a firmeza da adesão é maior, seja porque o objeto
conhecido é superior.
27
CAPÍTULO VI
TIPOS DE CONHECIMENTO
1. PERCEPÇÃO E PENSAMENTO
1.1. Percepção
O termo percepção deriva do latim: perceptio, e designa o processo pelo qual uma
pessoa tem conhecimento imediato de uma coisa exterior a partir da informação que lhe
brindam os sentidos.
Não é o mesmo que sensação, já que esta é o conhecimento experiencial de um
estímulo, no entanto a percepção é a unificação dos estímulos sensíveis (síntese sensorial)
segundo o conteúdo destes, realizada pelos sentidos internos em continuidade com o
intelecto, para conhecer de modo imediato o objeto apresentado por ditos estímulos. Fabro
diz a respeito: “A percepção não é nem sensação pura, nem pensamento puro; mas sim ela é sobre
tudo, um “pensamento vivido”, ao qual entretanto, não pode ser estranho o mesmo pensamento
puro, e sem o qual não é possível alguma forma de pensamento puro”13.
1.2. Pensamento
O termo pensamento designa os atos que realiza a razão, por meio dos quais
produz representações intelectuais do conhecido. Existem três operações da razão, as
quais produzem cada qual seu fruto:
1. A primeira operação da razão se chama simples apreensão, que é o ato pelo qual
a inteligência concebe a essência de uma coisa. Seu fruto é o conceito. É realizada pela
razão no mesmo momento que se percebe uma coisa. Não se deve confundir simples
apreensão com o “processo abstrativo” que, como veremos adiante, é uma indução.
2. A segunda operação se denomina juízo, ou também “composição e divisão”,
enquanto afirma (unindo um predicado a um sujeito), ou nega (separando um predicado
de um sujeito). Seu fruto é a proposição.
3. A terceira operação é o raciocínio, a qual consiste em um movimento ou discurso
da mente pela qual passamos de juízos conhecidos – comparando-os entre si – à
formulação de um novo juízo, que necessariamente segue dos anteriores. Seu fruto é a
argumentação.
13
“A percepção portanto, não é nem sensação pura, nem pensamento puro, mas sim ela é sobre tudo um “pensamento
vivido”, ao qual entretanto, não pode ser estranho o mesmo pensamento puro, e sem o qual, não é possível alguma forma de
pensamento puro”. FABRO C. Percezione e pensiero, EDIVI, Segni, 2008, pags, 10-11.
28
Uma simples reflexão sobre o conhecimento humano nos confirma a necessidade de
que o pensamento tenha estas três operações:
2. INTUIÇÃO E DISCURSO
2.1. A Intuição
a) Natureza
O termo intuição deriva do latim intuere que significa “ver” e por isso se utiliza este
termo para designar o conhecimento onde se apreende um objeto de modo imediato, como
acontece na visão.
A intuição, enquanto conhecimento imediato, pode ser aplicada de modo geral ao
conhecimento que toda potência cognitiva tem de seu objeto (o ver, o ouvir, o observar
com o sentido comum, o recordar com a imaginação ou a memória, o entender a essência
2.2. O Discurso
30
3. INDUÇÃO E DEDUÇÃO
3.1. Indução
a) Natureza da indução
A indução é verdadeiro discurso, enquanto que é a passagem de determinadas
verdades inteligíveis conhecidas, até outras ainda não conhecidas. Parte-se dos juízos
particulares que se manifestam verdadeiros a nossa experiência, e destes juízos se extrai
um juízo universal, cuja verdade se encontrava implícita neles.
Podemos definir a indução como: o discurso da razão, que a partir de verdades
particulares, suficientemente enumeradas, infere uma verdade universal.
Não confundir indução com “generalização”: a generalização é também um discurso
da razão que infere uma verdade universal a partir de verdades particulares. A diferença está em
que o número das verdades particulares a partir do qual se infere o universal não é
suficiente para inferir o universal, expl.: “Este cão mordeu ao carteiro, e este também, e também
aquele; logo, todos os cães mordem aos carteiros”.
Tampouco confundir indução com simples apreensão (o que poderia chegar a dar-
se se se define a indução, como um mero passo do sensível ao inteligível).
Pela simples apreensão produzimos os conceitos das cosas e si dá o primeiro
conhecimento intelectual das mesmas. Entretanto, pela indução se obtêm as verdades
universais que constituem o conteúdo inteligível dos conceitos obtidos por simples
apreensão.
b) Exemplos de indução:
“Esta porção de água ferve a 100°C, e esta outra, e esta outra, e esta outra também...,
logo a água ferve a 100°C”.
“Este homem é racional, e este outro, e este outro, e este outro, etc., logo os homens
são racionais”.
c) Tipos de Indução
I. Indução essencial
- Natureza
31
O fruto deste processo indutivo são juízos universais e certos, com uma certeza que
não depende da abundância de juízos particulares, mas sim da evidência dos mesmos. À
certeza que provém destes juízos se lhe chama certeza metafísica.
Deste modo são conhecidos não só os primeiros princípios, mas também muitos
outros juízos filosóficos, éticos, antropológicos, etc., que se conhecem com certeza deste
modo, e muito dificilmente possam fundamentar-se de outra maneira (Ex. “o homem é
livre”, “todo agente obra pôr um fim”).
- Fundamento
- Natureza
- Fundamento
32
das coisas não é casual, mas sim procede sempre de uma natureza. Este fundamento é
certo, e permite a enunciação de juízos universais e certos para o progresso das ciências
experimentais.
Podemos dizer que a indução empírica conclui em certeza plena se se elaborar por
“contagem completa”, e só alcança certeza imperfeita, chamada física, se apoiar-se em
uma “contagem incompleta”, embora suficiente para sustentar que tal natureza possui de
modo estável tais propriedades.
3.2. Dedução
33
CAPÍTULO VII
AS FACULDADES COGNOSCITIVAS E O PROCESSO DO
COGNOSCIMENTO
Santo Tomás trata este tema no art. 3 da q. 78 (Primeira Parte). Podemos dividir a
análise deste artigo nos seguintes pontos:
Diz santo Tomás que “a razão do número e distinção dos sentidos se tem que
extrair daquilo que é próprio e essencial aos mesmos”.
Cada sentido está composto de faculdade e órgão, ambos formam uma unidade
particular, como a alma e o corpo, formando um só princípio operativo (uma só potência
cognoscitiva), e realizando um único ato cognoscitivo, pelo qual apreende seu objeto
próprio.
Para que o sentido externo possa realizar seu ato de sentir, e apreender seu objeto, é
preciso que este tenha a capacidade de receber toda a gama de imutações que constituem
seu objeto próprio.
15
Cfr.S. Th., I, q. 78, a. 3.
34
2. SENTIDOS INTERNOS16
Para distinguir os sentidos internos, santo Tomás começa com o seguinte raciocínio:
- o animal deve ser capaz de realizar aquelas operações necessárias para sua vida;
- os princípios dessas operações são as potências ou faculdades;
Mas acontece que temos potências que realizam mais de uma operação, o que é o
mesmo que dizer, que há operações que são realizadas por uma mesma potência.
Logo, o animal terá tantas potências, quantas operações que não sejam realizadas
por uma mesma potência.
Ao argumento anterior temos que acrescentar que para a vida do animal perfeito
não é necessário somente que perceba a realidade sensível presente, mas também a
ausente. Caso contrário, o animal não se moveria para procurar coisas distantes, já que
tanto o movimento como a ação do animal segue a uma percepção.
Portanto, é necessário que o animal receba não só as espécies dos objetos sensíveis
que está percebendo atualmente, mas também que possa conservar essas espécies. Porém
receber e conservar- nos seres corporais- é algo que se atribui a princípios distintos
(Porque um corpo que está continuamente recebendo impressões não pode conservá-las, já
que ao receber uma nova impressão perde a que tinha anteriormente). Por isso, como a
potência sensitiva é ato de um órgão corporal, é necessário que sejam diferentes a potência
que recebe e a potência que conserva as espécies sensíveis.
Por isso, para receber as formas sensíveis tem-se o sentido comum, que recebe o
captado por nossos sentidos externos. Para reter e conservar tem-se a fantasia ou
imaginação, que são o mesmo, pois a fantasia ou imaginação é como um depósito das
formas recebidas pelos sentidos externos.
Por outra parte, temos que agregar também que, se o animal só se movesse pelo que
deleita ou desgosta sensivelmente, não seria necessário atribuir-lhe mais operações e
faculdades das que já enumeramos.
Mas é necessário que o animal procure umas coisas e fuja de outras, não só porque
sejam convenientes ou prejudiciais ao sentido, mas por outras conveniências, utilidades,
16
Cfr. S. Th., I, q. 78, a. 4.
35
ou prejuízos. Exemplo: A ovelha, ao ver vir o lobo foge, não porque a figura ou a cor do lobo seja
repulsiva, mas sim porque o que vem é um inimigo de sua própria natureza. O pássaro recolhe
palhas não para ter um prazer, mas sim porque são úteis para a construção de seu ninho.
Para fazer isso, é necessário que o animal possa perceber essas intenções que não
percebe os sentidos externos. Por isso é necessário que as receba em uma potência
diferente do sentido comum, já que este recebe as espécies que percebem os sentidos
externos.
Para perceber as intenções que não se recebem pelos sentidos, tem-se a faculdade
estimativa (que no homem se chama cogitativa). Para conservá-las, tem-se a memória, que
é como um arquivo de ditas intenções. Por isso, os animais lembram-se do que é nocivo ou
conveniente para eles. Também a mesma razão de passado, considerada pela memória,
entra dentro das intenções.
Quanto aos sentidos formais (sentido comum e imaginação) não há diferença, mas
sim quanto aos sentidos intencionais (cogitativa-estimativa e memória).
36
sentidos internos intencionais se realiza a organização sensorial secundária (das
intenções).
Prenotandos.
Sensível per se: São os que atualizam e modificam realmente o órgão do sentido,
dividem-se em próprios e comuns:
- Sensíveis per se próprios: São aqueles que não podem ser percebidos por mais de
um sentido, sobre eles não há engano.
- Sensíveis per se comuns: São aqueles que são captados por mais de um sentido, no
mesmo sensível próprio. Estes são o movimento, a quietude, o número, a figura, a
magnitude.
Sensíveis per accidens: São aqueles que não exercem nenhuma causalidade real
sobre o sentido; como por exemplo, quando digo ver o filho do João ao ver uma cor
branca.
Uma, enquanto percebe os atos dos sentidos externos, por exemplo, sentimos que
vemos e que ouvimos. Outra, enquanto unifica o que recebe dos sentidos externos.
O sentido comum começa a organização primária dos dados sensoriais, mas não
começa de zero, pois como diz o Padre Fabro “o objeto já está estruturado na primeira
37
apreensão, feita pelos sentidos externos, enquanto cada sensível próprio é inseparável e
está acompanhado sempre por algum sensível comum”17. A visão, por exemplo, não
capta uma cor sozinha, mas sim com um determinado tamanho, figura, etc. Para o Padre
Fabro: “o sentido comum... apreende com um só olhar uma forma atual que os sentidos
particulares veem “aqui e agora” desde vários lados”18.
Uma vez que as qualidades sensíveis, que imutam os sentidos externos, foram
unificadas pelo sentido comum, a fantasia elabora em si mesmo, uma representação
daquelas qualidades unificadas pelo sentido comum.
Esta representação não é criação pura da fantasia, mas sim é produzida graças à
sensação em ato do sentido comum.
É a organização dos conteúdos formais, realizada pela ação dos sentidos externos, o
sentido comum e a fantasia.
1. Fusão simultânea
17
C. FABRO, Percezione e Pensiero, in Opere Complete, t. 6, Edivi, Segni 20083, 93.
18
Cfr. C. FABRO, Percezione e Pensiero, in Opere Complete, t. 6, Edivi, Segni 20083, 94.
38
fora, do exterior, não a faz o sentido. Exemplo: as cores que vêm unificadas formando uma
figura.
- Uma heterogênea: é a fusão dos dados dos distintos sentidos externos. Esta é
realizada pelo sentido comum que tem como objeto o conteúdo apresentado pelos
sentidos externos. Exemplo: a unificação da cor com a temperatura de uma coisa. Esta
unificação é realizada pelo sentido comum, mas a partir dos dados proporcionados pelos
sentidos externos, os quais fornecem ao sentido comum a informação suficiente para
realizar a unificação.
2. Fusão sucessiva
É a fusão de sensações que se dão com sucessão no tempo, pode ser homogênea ou
heterogênea.
3. AS POTÊNCIAS INTELECTIVAS
- Porque sempre deve haver proporção entre uma faculdade e a operação que esta
realiza.
- no homem, o ato de entender é um acidente. Portanto, a faculdade que realiza esse
ato também deve ser um acidente. E por isso a faculdade intelectiva não se identifica com
a alma, mas sim é um acidente desta, e mais precisamente, uma potência operativa desta.
Para o fantasma não é possível imutar em ato o intelecto possível, embora esteja em
potência para fazê-lo. Por outro lado, o intelecto possível também se encontra em potência
de conhecer, já que sem a presença da espécie inteligível não pode realizar seu ato
cognoscitivo. De tudo isto se segue a necessidade, para que se dê o conhecimento, de que
exista uma faculdade que atualize o fantasma produzido pela cogitativa, Abstraindo a
espécie inteligível contida neste, de suas condições materiais, permitindo assim que esta
19
Não confundir com os esquemas perceptivos de Kant.
40
espécie inteligível imute o intelecto possível para que este possa conhecer. A faculdade
que realiza isto se chama: “intelecto agente”.
Por experiência temos consciência de que somos nós mesmos os que abstraímos e
conhecemos intelectualmente. Isto não seria possível se não tivéssemos um princípio
operativo próprio e inerente a nós, pois a nenhum ser se atribui uma ação se não a realizar
mediante um princípio próprio e inerente a ele. Portanto, é necessário que cada sujeito que
conhece, possua seu próprio intelecto agente.
É um dado evidente que nosso intelecto não só conhece atualmente as essências das
coisas, mas também as retém. Por conseguinte, se por memória entendemos a faculdade
de conservar as espécies, é preciso afirmar que a memória reside na parte intelectiva e é o
mesmo intelecto. Se pelo contrário entendemos por memória a faculdade de conservar as
intenções (dados sensoriais), é preciso afirmar que esta memória reside na parte sensitiva
intencional e é o que comumente chamamos memória.
41
Agora bem, o movimento parte do repouso e termina no repouso, assim o homem
parte de uma verdade para voltar a repousar em uma verdade.
O termo “consciência” (cum alio scientia = ciência com outro) indica relação de um
conhecimento com uma coisa, agora bem, a aplicação de um conhecimento a uma coisa se
faz mediante um ato, portanto por seu mesmo conceito nominal a consciência é um ato.
Analisando as funções que realiza a consciência vemos que: testemunha, instiga,
acusa, remorde etc...., todas coisas que se seguem da aplicação de um conhecimento ao que
fazemos. Esta aplicação pode ser de três modos: 1) Quando reconhecemos que fizemos ou
não fizemos uma coisa, aqui a consciência “testemunha”. 2) Quando julgamos que deve
fazer-se ou não tal ou qual coisa, assim “instiga” ou “obriga”. 3) Quando julgamos que o
fato foi bom ou mau, assim “desculpa”, “acusa”, “remorde”.
É evidente que tudo isto é aplicação atual do conhecimento ao que fazemos, por
isso a consciência é um ato e não uma potência. Na linguagem moderna também se usa
este termo para designar a potência que realiza este ato, quer dizer o intelecto. De uma ou
outra forma, a consciência não é uma potência distinta do intelecto.
4. A ABSTRAÇÃO
Em geral abstrair é “separar” uma coisa de outra. Nós aqui aplicaremos o termo
abstração ao ato pelo qual se passa do sensível concreto ao inteligível abstrato pela ação do
42
intelecto agente.
1) Sensibilidade
2) Intelecto agente
3) Intelecto possível
43
5. O JUÍZO
5.1. Definição
20
«Respondo: deve dizer-se que o entendimento humano tem necessidade de conhecer compondo e dividindo.
Pois como o entendimento humano passa da potência ao ato, conserva certa semelhança com os seres suscetíveis de
geração, os quais não possuem imediatamente toda sua perfeição, mas a adquirem gradualmente. Do mesmo modo o
entendimento humano não adquire imediatamente o conhecimento perfeito de uma coisa ao percebê-la pela primeira
vez, mas sim começa conhecendo algo dela, como, por exemplo, sua essência, que é o primeiro e próprio objeto do
entendimento. Depois conhece as propriedades, acidente e relações que acompanham à essência. Por isto [o
entendimento humano] tem necessidade, ao perceber uma coisa, de compô-la ou dividi-la com outra coisa; e, além
disso, passar de uma composição ou divisão, a outra, o que chamamos raciocínio» (S. Th. I, q. 85, a. 5, co).
44
1º artigo: O que é a verdade.
6. O RACIOCÍNIO
45
CAPÍTULO VIII
OBJETO PRÓPRIO DO INTELECTO E CONHECIMENTO DO SINGULAR
1. INTRODUÇÃO
21
S. Th., I, q.5, a.2, c.: «Primo autem in conceptione intellectus cadit ens, quia secundum hoc unumquodque
cognoscibile est, inquantum est actu […]. Unde ens est proprium obiectum intellectus, et sic est primum intelligibile,
sicut sonus est primum audibile»; De veritate q.1, a.1, c.: «Illud autem quod primo intellectus concipit quasi
notissimum, et in quod conceptiones omnes resolvit, est ens, ut Avicenna dicit in principio suae metaphysicae».
46
possível, já que o intelecto não poderia conhecer os singulares, nem interagir com eles,
nem raciocinar sobre estes, nem lhe pôr nomes próprios, nem pensar que Sócrates é
homem, nem fazer um julgamento prudencial, etc. Coisas que evidentemente fazemos.
Quanto à unidade de consciência, além de ser um fato de experiência interna,
segue-se também do fato de que o objeto da consciência seja a essência realizada de modo
particular. Já que para que se dê um conhecimento deste tipo, não basta o intelecto tomado
isoladamente, mas sim é necessário que este esteja inclinado para a sensibilidade e em
continuidade com esta para conhecer através dela a essência existindo de modo particular.
Santo Tomás explica claramente:
Uma potência cognitiva é proporcionada ao objeto cognoscível [...]. O intelecto
humano, que está unido ao corpo, tem como objeto próprio a quididad ou natureza
que existe na matéria corporal [...]. Agora bem, é da razão de este tipo de natureza
que exista em algum indivíduo, o qual não se dá sem matéria corporal; assim como
é da razão da natureza de pedra que esteja nesta pedra; e é da razão da natureza de
cavalo que esteja neste cavalo, etc. De onde a natureza da pedra, ou de algo
material, não pode conhecer-se completa e verdadeiramente, a não ser enquanto se
conhece como existente em particular. Agora bem, apreendemos o particular pelo
sentido e a imaginação. E por isso é necessário, a fim de que o intelecto entenda em
ato seu objeto próprio, que se converta ao fantasma (representação da
sensibilidade), para que veja a natureza universal como existente no particular22.
22
S. Th., I, q.84, a.7, c.: «Huius autem ratio est, quia potentia cognoscitiva proportionatur cognoscibili. [...].
Intellectus autem humani, qui est coniunctus corpori, proprium obiectum est quidditas sive natura in materia corporali
existens; et per huiusmodi naturas visibilium rerum etiam in invisibilium rerum aliqualem cognitionem ascendit. De
ratione autem huius naturae est, quod in aliquo individuo existat, quod non est absque materia corporali, sicut de ratione
naturae lapidis est quod sit in hoc lapide, et de ratione naturae equi quod sit in hoc equo, et sic de aliis. Unde natura
lapidis, vel cuiuscumque materialis rei, cognosci non potest complete et vere, nisi secundum quod cognoscitur ut in
particulari existens. Particulare autem apprehendimus per sensum et imaginationem. Et ideo necesse est ad hoc quod
intellectus actu intelligat suum obiectum proprium, quod convertat se ad phantasmata, ut speculetur naturam
universalem in particulari existentem».
47
os sentidos e o apetite sensível. A inteligência e a vontade derivam diretamente da alma,
mas os sentidos e o apetite sensível não emanam imediatamente da alma, mas sim cada
uma o faz da faculdade correspondente. Assim o sentido deriva do intelecto, e consiste em
uma certa participação deficiente do mesmo.
Respondo: Naquelas coisas que, segundo uma ordem natural, procedem de uma
mesma coisa, acontece que, assim como a primeira é causa de todas as demais,
assim também a que está mais próxima à primeira, de algum modo é a primeira
causa da que está mais afastada. Foi demonstrado anteriormente que entre as
potências da alma há uma ordem múltipla. Deste modo, uma potência da alma
procede da essência da alma através de outra potência. [...]. Aquelas potências da
alma que são as primeiras segundo a ordem de natureza e perfeição, também são a
origem das demais enquanto ao fim e princípio eficiente. Também o sentido existe
em razão do intelecto, mas não ao reverso. Por ser o sentido como uma participação
incompleta do intelecto, sua origem natural tem que estar no intelecto como o
imperfeito no perfeito23.
A esta ordem natural de emanação das potências corresponde à ordem da operação,
que é inverso, já que as primeiras potências em atualizar-se são as mais imperfeitas (os
sentidos externos).
Aqui vemos como se dá a continuidade necessária para que a inteligência possa
dirigir ou acionar as demais potências sensitivas de conhecimento e possa voltar sobre as
imagens para conhecer o singular.
A mente per accidens se interna no singular, enquanto se continua com as potências
sensitivas, que versam a respeito do particular. Tal continuação é dupla, primeiro:
enquanto o movimento da parte sensitiva termina na mente, como acontece no
movimento que vai das coisas à alma. E deste modo a mente conhece o singular por
certa reflexão […]. Segundo: enquanto ao movimento que vai da alma à coisa,
começa na mente, e se dirige à parte sensitiva, enquanto a mente rege as potências
inferiores. E assim se interna no singular mediante a razão particular, que é uma
potência da parte sensitiva que compõe ou divide as intenções individuais, a qual se
chama também cogitativa…24.
23
S. Th., I, q.77, a.7, c.: «Respondeo dicendum quod in his quae secundum ordinem naturalem procedunt ab
uno, sicut primum est causa omnium, ita quod est primo propinquius, est quodammodo causa eorum quae sunt magis
remota. Ostensum est autem supra quod inter potentias animae est multiplex ordo. Et ideo una potentia animae ab
essentia animae procedit mediante alia. […]. Consequens est quod potentiae animae quae sunt priores secundum
ordinem perfectionis et naturae, sint principia aliarum per modum finis et activi principii. Videmus enim quod sensus
est propter intellectum, et non e converso. Sensus etiam est quaedam deficiens participatio intellectus, unde secundum
naturalem originem quodammodo est ab intellectu, sicut imperfectum a perfecto».
24
De veritate q.10, a.5, c.: «mens per accidens singularibus se immiscet, inquantum continuatur viribus
sensitivis, quae circa particularia versantur. Quae quidem continuatio est dupliciter. Uno modo inquantum motus
sensitivae partis terminatur ad mentem, sicut accidit in motu qui est a rebus ad animam. Et sic mens singulare cognoscit
per quamdam reflexionem […]. Alio modo secundum quod motus qui est ab anima ad res, incipit a mente, et procedit in
partem sensitivam, prout mens regit inferiores vires. Et sic singularibus se immiscet mediante ratione particulari, quae
est potentia quaedam sensitivae partis componens et dividens intentiones individuales quae alio nomine dicitur
cogitativa».
48
3. DOIS MODOS DE CONHECER O SINGULAR
Deste texto se segue que há dois modos em que a mente pode conhecer o singular.
- O primeiro se dá por certa reflexão do intelecto sobre as potências sensitivas, que se
realiza -como o afirma o texto anterior- no movimento que vai da coisa à alma. Isto significa
que dita reflexão, onde se dá o conhecimento intelectivo dos singulares, não se considera
uma reflexão de natureza especial, mas sim é a que acompanha ordinariamente no
exercício do ato (in actu exercito) a todo ato de entender, e que se tem, portanto em
qualquer abstração do universal. Em efeito parece ser doutrina do Angélico que o intelecto
abstrai o universal sem perder o contato com o singular, de tal modo que conhece o
universal “com” e “no” singular:
Como já foi dito, ainda depois que (nosso intelecto) abstraiu as espécies inteligíveis,
não pode entender em ato por meio delas a não ser convertendo-se aos fantasmas, nos
quais entende as espécies inteligíveis25.
Disto se deduz que esta abstração e reflexão pela que se conhece o universal no
singular, dá-se no âmbito da percepção. Em efeito, é na percepção onde o intelecto conhece
o universal sem deixar de estar voltado ao particular. Por isso podemos concluir que este
contato da mente com o singular se dá no momento inicial de cada conhecimento.
De tudo isto, se segue que o primeiro modo de conhecimento, que o intelecto tem
dos singulares na percepção, é instantâneo: porque cronologicamente primeiro (dá-se no
âmbito da percepção); direto, porque intencionalmente inicial (conhece-se de modo
espontâneo sem necessidade de discorrer); mas mediato, porque é realizado por meio da
sensibilidade (o intelecto conhece o singular através do fantasma da cogitativa).
- O segundo modo de conhecer o singular se dá por certa reflexão do intelecto sobre as
potências sensitivas, que se realiza no movimento que vai da alma à coisa.
Este é um movimento propriamente reflexivo enquanto é uma reflexão realizada
intencionalmente, sob o impulso da vontade e a direção do intelecto.
O padre Cornelio Fabro comentando o texto de santo Tomás, que fala dos dois modos
em que a mente pode conhecer o singular, enfatiza mais a distinção, chamando ao
primeiro modo: reflexão in actu exercito e ao segundo reflexão in actu signato:
Deve-se concluir então, que a reflexão da qual ordinariamente se fala nos textos tomistas
quando se trata do conhecimento intelectivo dos singulares, não é considerada uma
reflexão de natureza especial, mas sim é aquela que acompanha ordinariamente (in actu
exercito) todo ato de entender e que se tem, portanto em qualquer abstração do universal
metafísico. É este o conhecimento do singular que o intelecto se forma a primeira vez no
movimento que vai «a rebus ad animam», e que deve distinguir-se, como nota
25
«Quia, sicut supra dictum est, etiam postquam species intelligibiles abstraxit, non potest secundum eas actu
intelligere nisi convertendo se ad phantasmata, in quibus species intelligibiles intelligit, ut dicitur in III de anima». S.
Th., I, q.86, a.l, c.
49
expressamente o mesmo santo Tomás, daquele que o intelecto pode ter no movimento
propriamente reflexivo (in actu signato) que vai «ab anima ad res» (Del alma a la cosa).26
Concluímos então que o singular pode ser objeto per se do intelecto de dois modos.
Primeiro de modo implícito no exercício do ato de conhecer (na simples apreensão que se
dá no âmbito da percepção), depois de modo explícito27 no juízo28.
26
«Si deve conchiudere allora che la riflessione di cui ordinariamente si parla nei testi tomisti quando si tratta
della conoscenza intellettiva dei singolari, non va ritenuta una riflessione di natura speciale, ma è quella che
accompagna ordinariamente (in actu exercito) ogni atto di intendere e che si ha quindi in qualsiasi astrazione
dell'universale metafisico. È questa la conoscenza del singolare che l'intelletto si forma la prima volta nel movimento
che va “a rebus ad animam”, e che è da distinguere, come nota espressamente S. Tommaso stesso , da quello che
l’intelletto può avere nel movimento propriamente riflessivo (in actu signato) che va “ab anima ad res”»(C. FABRO,
Percezione e Pensiero, in Opere Complete, t. 6, Edivi, Segni 20083, 263).
27
Tudo parece indicar que este conhecimento explícito que o intelecto tem do singular no juízo (reflexão in
actu signato) é possível graças a que no conhecimento abstrativo do universal, o singular tinha passado o limite da
inteligência e tinha entrado em seu domínio, através da reflexão in actu exercito que acompanha toda intelecção..
28
Una confutazione in anticipo della conclusione del P. S. (Sladeczek) ci pare sia stata fatta dal suo confratello,
il Rahner, con il quale anch'io ritengo di riprendere, quasi sine glossa, la posizione di S. Tommaso, ammettendo la
funzione di fondamento della cogitativa, ed insieme tenendo che il singolare può esser oggetto per sé dell'intendere e
questo due volte: una prima implicita e confusa nello stesso processo di astrazione (reflexio exercita) ed una seconda,
esplicita e distinta, nell'azione pratica, sotto l'impulso della volontà e la direzione dell'intelletto (reflexio signata).
337-338 Nota Nº 39
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CAPÍTULO IX
O CONHECIMENTO DO ESPIRITUAL29
Na Summa Contra Gentes diz o Angélico: «Admitido que saibamos que as substâncias
separadas são certas substâncias intelectuais, bem seja por demonstração ou por fé, de
nenhuma das duas maneiras poderíamos conhecê-las, se nossa alma não pudesse conhecer
por si mesma o que é “ser intelectual”. De onde é preciso servir-se do conhecimento sobre
o intelecto da alma como princípio para conhecer quanto conhecemos das substâncias
separadas»30.
Da alma conhecemos experimentalmente uma de suas operações próprias: o entender,
que revela perfeitamente sua natureza e a partir da qual podemos deduzir suas
propriedades fundamentais: a liberdade de sua vontade, sua imaterialidade, sua
incorruptibilidade, sua imortalidade... Logo isto pode ser aplicado, por comparação
análoga, a outros seres espirituais.
29
Cf. CORNELIO FABRO, Percezione e Pensiero, Morcelliana, Brescia, 1962, especialmente pp. 351ss.
30
SANTO TOMÁS DE AQUINO, Summa Contra Gentiles, lib.III, c.46 «Cum enim de substantiis separatis hoc
quod sint intellectuales quaedam substantiae cognoscamus, vel per demonstrationem vel per fidem, neutro modo hanc
cognitionem accipere possemus nisi hoc ipsum quod est esse intellectuale, anima nostra ex seipsa cognosceret. Unde et
scientia de intellectu animae oportet uti ut principio ad omnia quae de substantiis separatis cognoscimus».
31
Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, De Veritate, q.X, a.8.
51
1. O conhecimento da existência da alma. Pode ser habitual ou atual:
a. Conhecimento habitual. A alma está presente em cada ato espiritual que
fazemos, por exemplo, ao perceber alguma coisa, co-percebe-se o ato de
perceber, o princípio desse ato (o intelecto) e também o fundamento de esse
princípio (a alma).
b. Conhecimento atual. Distingue-se do conhecimento habitual em que nesse
mesmo ato de conhecer algo, já não fica a atenção no objeto que se está
conhecendo, mas sim no ato de conhecer, em seu princípio (o intelecto) e no
fundamento desse princípio (a alma).
2. O conhecimento da essência da alma. Pode ser espontâneo ou científico:
a. Espontâneo. A essência de nossa alma se manifesta na natureza de suas
operações, a qual, por sua vez, é determinada pelo objeto próprio de cada
operação. Por exemplo: ao realizar o ato de entender alguma verdade
abstrata, damo-nos conta que este ato é imaterial, já que este objeto dela é
imaterial. E se o ato é imaterial, também a inteligência é imaterial (porque ela
é a potência que realiza este ato) e também a alma é imaterial (porque é o
fundamento desta potência).
b. Científico Este conhecimento procura afirmar, mediante o juízo, que a alma é
assim como se apreendeu anteriormente. Segue-se o mesmo caminho que o
conhecimento anterior, mas se argumenta com rigor científico.
Então o conhecimento da existência da alma se dá enquanto a alma está sempre
presente a si mesma, e assim a alma se conhece a si mesma, por si mesma como dizia
Santo Agostinho.
Contudo, o conhecimento da essência da alma se dá enquanto conhecemos a
natureza dos atos da alma e dos objetos próprios desses atos, e assim a alma se conhece a
si mesma depois de conhecer outras coisas, e mediante o conhecimento de outras coisas,
como dizia Aristóteles.
De este modo santo Tomás consegue romper a aparente oposição que apresentavam
estas duas posturas.
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