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SEMINÁRIO MAIOR «SÃO JOSÉ DE ANCHIETA»

GNOSIOLOGIA
R.P. JOSÉ ANTONIO GONZALEZ, IVE

CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO

1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO
Perguntamo-nos qual é o problema do conhecimento, não porque pretendamos
definir a questão desde um princípio, mas porque tentamos determinar, ao menos, a
direção da busca.
O problema não consiste em descobrir uma primeira verdade, porque nada autoriza
a pensar que as verdades metafísicas se deduzam umas de outras, como os teoremas de
geometria (Prejuízo racionalista).
Tampouco se reduz ao problema da existência da realidade, porque é absurdo
começar negando a existência do que estamos conhecendo (Prejuízo idealista).
Tampouco consiste em indagar se são possíveis as ciências e se a metafísica é
possível como ciência. Esta é a consideração kantiana, a qual nasce de um absurdo, dado
que busca investigar a razão pura sem ter em conta sua referência à realidade.

O problema do conhecimento se expõe nestes termos:

O que é o conhecimento? Em que consiste nosso perceber e nosso julgar?

Partimos da certeza que conhecemos. Di fato é absurdo requerer que o pensamento


filosófico, sem ter conhecido nada antes, comece por demonstrar que pode conhecer. A
isto chama Santo Tomás “stultae quaestiones” comentando a carta de São Paulo a Tito:
“Stultas quaestiones... Item quando manifestum proponitur ut dubium, scilicet
quaecumque debet aliquis per se tenere in scientia”1.
Contudo, quando o pensamento começa a exercitar-se e a filosofar, a adquirir
certezas das ciências e da sabedoria sobre as coisas e sobre a alma e sobre sua primeira
causa, pode e deve retornar sobre si mesmo e aplicar-se a conhecer o que é o
conhecimento, a julgar de si mesmo. Tal é o trabalho da gnosiologia.
Sua obra será sempre um conhecimento reflexivo do nosso conhecimento, que tem
como fundamento o conhecimento direto das coisas; compreendida esta condição, o
principal perigo já foi salvo: estamos livres dos pré-juízos idealistas.

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Questões tolas... Também quando se duvida do manifesto, ou seja, da aquilo que qualquer deveria considerar como
ciência.
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2. NOME DA MATÉRIA
Alguns nomes não são apropriados para designar o estudo do problema do
conhecimento. Alguns chamam a esta matéria “criteriologia”: este termo é inadequado
por ser insuficiente, pois reduz a gnosiologia ao estudo dos critérios da verdade. Outro
termo usado é “epistemologia”: tampouco é conveniente, pois, esta palavra em grego,
significa ciência, e a ciência não é o único modo de conhecimento. A epistemologia é só
uma parte desta matéria, ocupando-se só das ciências e seus métodos. Muita vigência tem
ainda o nome de “crítica”, introduzido por Kant. Não há problema para a adoção deste
termo, sempre que se tenha em conta a necessidade de não cair no equívoco da crítica
kantiana.
Mas como nesta matéria se expõe especificamente o problema do conhecimento e se
reflete a respeito do mesmo, o termo mais exato para designá-la parece ser o de
gnosiologia.

3. MÉTODO GNOSIOLÓGICO
O método da gnosiologia não pode ser a dúvida porque não se pode duvidar de
tudo -menos ainda do evidente- e porque, mesmo que a dúvida metódica me permitisse
chegar a uma verdade primeira, não se segue que todas as demais verdades se deduzam
desta, segundo o modelo matemático.
Por outra parte não pode ser, a busca das condições de possibilidade para o
conhecimento científico porque, além de cair no anterior, cairíamos em um reducionismo,
pois nem todo conhecimento é científico.
Tampouco pode ser só a introspecção. A introspecção é necessária para descobrir e
descrever os conhecimentos; mas não pode explicá-los, nem descobrir seu valor.
Então o método gnosiológico é complexo. Em um primeiro momento exige uma
descrição do fenômeno do conhecimento (fenomenologia do conhecimento), logo a
determinação do que é o conhecimento, apoiados nos dados obtidos no estudo
fenomenológico do mesmo.
Em definitiva, o método da gnosiologia não é distinto do método da metafísica; é
fenomenológico-resolutivo porque parte da descrição de seus objetos à fundamentação
destes nos seus princípios. Trata-se da passagem do fenômeno ao fundamento.

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CAPÍTULO II
AS CORRENTES PRINCIPAIS DA GNOSIOLOGIA
Não é possível enumerar todas as correntes gnosiológicas.
Reduzimo-las ás principais:
A primeira questão que se expõe é a seguinte: se o espírito humano pode conhecer a
verdade (se tem certezas legítimas); logo, se a resposta for afirmativa, pergunta-se como é
essa verdade? (se é objetiva ou não); depois nos perguntamos com o que se conhece a
verdade? (se com uma parte da consciência ou com todas suas partes conjuntamente); por
último nos perguntamos qual é o fundamento da verdade? (a realidade ou a consciência).

1) Existe a verdade? Pode ser conhecida?


Afirmando-se que a verdade não existe ou que não pode ser conhecida, temos o
“ceticismo”. Se nos decidirmos pelo ceticismo já não há problemas, a gnosiologia terminou
antes de começar.
Pelo contrário, se alegamos que a verdade existe e que pode ser conhecida, temos o
que os antigos chamavam “dogmatismo”2.

2) Como é a verdade? a verdade é objetiva?


Se afirmarmos que não existem verdades objetivas e universalmente válidas, mas
que toda verdade depende da pessoa ou grupo que a percebe (por ser a verdade relativa a
ela/s), temos o “relativismo”.
Há distintos tipos de relativismo conforme se afirme que a verdade depende da
relação com cada pessoa (relativismo subjetivo ou subjetivismo) ou com cada grupo de
pessoas (relativismo cultural, relativismo social, relativismo político, etc.).
Por outra parte, se dissermos que a verdade é objetiva e universalmente válida,
independentemente das pessoas ou grupos que a percebem, temos o “objetivismo”.

3) Com que se conhece a verdade? Somente com uma parte da


consciência ou com todas suas partes conjuntamente?
Se respondermos que a verdade se conhece somente com uma parte da consciência,
temos um reducionismo gnosiológico. Esta postura tem duas correntes distintas:
 Se dissermos que a única parte da consciência pela que se conhece a verdade
é a experiência sensível, temos o “empirismo”;

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Dogmatismo vem da palavra “dogma” do grego δογμα (dogma = pensamento, princípio, doutrina). Dogma deriva do
verbo δοκειν (dokein = opinar, parecer bom).
3
 Se, pelo contrário, afirmamos que a única parte da consciência pela que se
conhece a verdade é a razão, temos o “racionalismo”.

Por outra parte, se respondermos que a verdade se conhece pelo trabalho conjunto
de todas as partes da consciência, temos o que poderíamos chamar uma “unidade
cognoscitiva”.

4) Qual é o fundamento da verdade? A realidade ou a consciência?


Se respondermos que o fundamento da verdade não é a realidade, e sim a
consciência, porque o ato de conhecer é o mais evidente, e é preciso duvidar da realidade,
temos o “idealismo”.
Se respondermos que a realidade, como “ato de ser”, se manifesta por si mesmo à
consciência, e que não há fundamentos para negar essa evidência, temos o “realismo”.

* * *
Deste modo, ficam enunciadas as principais correntes da gnosiologia: ceticismo e
dogmatismo; relativismo e objetivismo; empirismo e racionalismo; idealismo e realismo.

Nós, por nossa parte, afirmamos que a verdade existe e que pode ser conhecida por
nós; que ela é objetiva, que a conhecemos pela experiência e a razão conjuntamente; e que
tem como fundamento o ser real.

A seguir apresentamos um quadro sinóptico destas principais correntes


gnosiológicas e logo, nos deteremos brevemente na análise de cada uma delas.

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Pode ser conhecida a
verdade?

sim não

dogmatismo ceticismo

como é a verdade?

relativa à
objetiva
conciencia

relativismo objetivismo

com que se
individual ou
conhece a
subjetivo verdade?

com uma parte com toda a conciência


grupal o cultural (unidade cognoscitiva)
(reducionismo)

qual é o
empirismo fundamento da
verdade?

racionalismo idealismo

realismo

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1. O CETICISMO

1.1. Noção de Ceticismo


Doutrina que afirma que a verdade não existe, ou se existir, o homem é incapaz de
conhecê-la. O cético é alguém que professa dúvida ou está em desacordo com o que
geralmente está aceito como verdade.
A palavra "cético" vem do grego σκεπτικοί (skeptikoi = examinar), este foi o nome
dado aos seguidores do filósofo grego Pirro de Élida (360 - 270 A. C.) que foi o primeiro e
mais radical cético. Não deixou nada escrito, mas a ele atribuem frases como: “nunca
chegarás a conhecer a verdade”; “não digas: ‘assim é’, mas sim: ‘me parece que é’”.
Professou a doutrina da εποχή (epojé) que consistia na suspensão de todo juízo sobre a
realidade, já que se não se pode conhecer nada, tampouco se pode afirmar nada.
Outros modos de ceticismo são o probabilismo e o fenomenismo:
 O Probabilismo: afirma que não estamos seguros de estar em posse da
verdade. Nenhuma representação é evidente, mas algumas são prováveis, e
isto basta para a vida.
 O Fenomenismo: aceita acreditar nas aparências, porque se encontram
imediatamente presentes à consciência, mas se abstém de julgar sobre a
realidade. “Tenho frio; disto não posso duvidar. Mas faz frio? Não temos
meio para sabê-lo”. Segundo este modo de ceticismo, não podemos dizer: “a
neve é branca”, “o mel é doce”, mas sim: “neste momento a neve me parece
branca”; “o mel o sinto doce”.
O ceticismo é, em alguns casos, tão radical que inclui o próprio ceticismo: “nem
sequer sabemos com certeza se o próprio ceticismo é verdadeiro”, disseram Arcesilau e
Carnéadas.

1.2. Argumentos do Ceticismo

Os argumentos do cepticismo foram agrupados por Enesidemo de Cnosos em 10


tropos (argumentos céticos). Estes 10 argumentos podem ser reduzidos a três:
1) A influência das circunstâncias particulares do sujeito que conhece na percepção
do objeto conhecido (tropos 1-4, 10).
As disposições ou condições particulares dos sujeitos determinam de modo
diverso o que será conhecido: como por exemplo, o sono, as diferentes idades da
vida, o amor ou o ódio, as disposições orgânicas dos sujeitos, a situação
histórica, social e religiosa dos distintos sujeitos.
2) A influência das relações que tem o objeto com outros objetos na percepção do
mesmo (tropos 5-9)

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O sol se vê como um disco de pequeno tamanho; a luz de uma lâmpada
parece perder seu brilho ao sol e se vê brilhante nas trevas. As cores parecem
distintas, segundo se os veja a luz do sol ou a luz de uma vela. Alguma coisa
não está à direita ou à esquerda de se mesmo, mas sim em relação a outras
coisas. O alto é relativo ao baixo; o grande ao pequeno; o pai ao filho. Nada
se conhece em si mesmo, mas sim tudo se conhece em relação a outra coisa.
3) As diferentes e contraditórias experiências de conhecimento entre os homens,
como mostram a diversidade de costumes, leis e crenças na vida comum e de opiniões na
filosofia, ou as diferentes sensações que provocam os mesmos objetos a diferentes pessoas
(tropo 10).
Os egípcios embalsamavam a seus mortos, os romanos os queimavam, os
peonios os jogavam nos rios. Os persas permitiam o matrimônio entre filhos
e mães, os egípcios entre irmãos; a lei grega proibia ambas uniões. Assim,
pois, os homens seguem o que lhes parece verdadeiro, não o que é
verdadeiro.

1.3. Refutação do Ceticismo

Como já temos visto, para os céticos, as contradições entre os filósofos, a


diversidade de opiniões humanas, os erros no conhecimento, a influência das
circunstâncias particulares do sujeito no conhecimento, etc..., são um indício de que o
espírito humano não pode alcançar a verdade; embora para que estes fatos sejam
argumentos válidos de que não se pode alcançar a verdade, é necessário que sejam
conhecidos como feitos verdadeiros (verdades legítimas), por isso, os mesmos argumentos
dos céticos constituem uma prova indiscutível, de que pode-se alcançar a verdade.
Contudo, a refutação mais firme desta doutrina consiste em mostrar que o ceticismo
chega à contradição total no pensar e à incoerência total no obrar:
1. Contradição total no pensar: a postura mais lógica do cético seria deixar de falar,
e inclusive de pensar, posto que todo falar ou pensar consiste em afirmar (ou negar) algo, e
tem como base a hipótese de que o afirmado ou negado é verdadeiro.
2. Incoerência total no obrar: um cético coerente teria que reduzir-se à imobilidade,
porque nenhum ser humano se move se não possui certezas (ex: ninguém caminha por um
lugar se não está seguro de que pode suportar seu próprio peso). Por isso, se houvesse um
cético realmente coerente com o que professa, teria que comportar-se como uma planta.

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2. O DOGMATISMO

Dogmatismo vem do grego δογμα (dogma = pensamento, princípio, doutrina), que


a sua vez, deriva do verbo δοκειν (dokein = opinar, parecer bom). Com este termo
queremos significar a doutrina filosófica que afirma que podemos conhecer a verdade.

Na filosofia moderna a partir de Kant em diante este termo tomou um significado


pejorativo: a profissão de uma doutrina que tem uma confiança ingênua na verdade e uma
ausência de reflexão crítica. Porém este significado pejorativo proveio de uma crítica
injusta, feita por filósofos que tem uma concepção idealista da realidade.

A prova mais forte de que a verdade existe, e que ela pode ser conhecida por nós, é
a contradição em que cai quem quer afirmar o contrário. Em efeito, se alguém afirmar que
a verdade não existe, ou que se existir, não pode ser conhecida, poderíamos perguntar-lhe:
“e você como é que conheceu esta verdade?”

3. O RELATIVISMO

3.1. Noção de Relativismo

O relativismo afirma que não existem verdades objetivas e universalmente válidas,


senão que toda verdade depende da pessoa ou grupo que a percebe.
É preciso ser cuidadoso na hora de definir o que é relativismo; assim, por exemplo,
não é relativismo aceitar que existem muitas opiniões a respeito das mesmas coisas; isto é
óbvio e ninguém o nega. O relativismo aparece quando, ademais disso, dizemos que tais
opiniões são todas verdadeiras porque às pessoas que as defendem lhes parecem
verdadeiras.
Os sofistas foram os primeiros filósofos que defenderam o relativismo. E é
precisamente Protágoras de Abdera (480 - 410 A. C.), o primeiro sofista de que temos
notícia, quem expressou de modo gráfico a essência do relativismo com a seguinte frase:
“o homem é a medida de todas as coisas”. A filosofia platônica pode entender-se como
uma tentativa de superar de forma radical e completa o relativismo sofista.

3.2. Os Tipos mais Comuns de Relativismo

Há distintos tipos de relativismo:


1. Quando se afirmar que o conhecimento certo é relativo a condições próprias do
sujeito (interesses pessoais, crenças prévias, estado de ânimo, etc.) então se fala de
relativismo subjetivo ou subjetivismo;

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2. Quando se afirmar em troca, que o conhecimento certo é relativo a condições
próprias do grupo que conhece, temos diversos tipos de relativismo (segundo os distintos
grupos), entre os quais um dos mais famosos é o relativismo cultural (a verdade é relativa
a condições próprias de cada cultura. Cada cultura tem suas verdades).

3.2.1. Subjetivismo

Alega que a determinação da verdade de alguma afirmação depende de cada


indivíduo, portanto, haverá (ou poderia haver) tantas verdades quantos homens existam.
Algo pode ser verdadeiro para João e não para José, e ambos têm razão: “sua razão”.
É fácil dar-se conta de que isto está muito difundido em nossa sociedade; nós o
escutamos sob o título de “ponto de vista”: cada um tem seus “pontos de vista. E assim
tem mais valor a opinião que a verdade. E não somente cada um tem sua verdade, mas
sim cada um tem direito a formar sua verdade. Por isso em nossos tempos relativistas, já
não pode haver professores que ensinem a verdade, nem tampouco se pode apresentar
uma afirmação como se fosse uma verdade absoluta, mas sim cada um deve oferecer aos
outros sua opinião por se acaso alguém queira fazê-la própria.

3.2.2. Relativismo cultural

É a doutrina que faz depender a verdade de uma cultura histórica. Cada cultura - a
chinesa, hindu, egípcia, babilônica, greco-romana, árabe, americana, ocidental – realiza sua
própria valoração da realidade, tem seu próprio modo de compreender o universo,
distinto das demais culturas e irredutível a qualquer uma delas.
Nenhuma cultura pode aspirar a que sua valoração seja absoluta, universalmente
válida. Segundo este tipo de relativismo não se pode julgar um elemento cultural desde
outra cultura, sociedade, ou momento histórico, já que não há um ponto de comparação
objetivo entre minha cultura e a que quero julgar. Possivelmente o último e mais sutil
expoente desta doutrina é a chamada “filosofia hermenêutica” do Hans-Georg Gadamer
(1900 - 2002).

3.3 Argumentos do Relativismo

Há várias razões que permitem compreender por que muitos filósofos consideram
adequado o relativismo. Podem-se destacar as seguintes:
1. A influência de elementos físicos, psicológicos, ou culturais nos juízos das
pessoas;
2. A observação das muitas ideias ou concepções diferentes (inclusive opostas),
que têm os distintos grupos ou culturas;
3. A observação da mudança de ideias através dos tempos.

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Tudo isso pode favorecer a convicção de que realmente é impossível deixar de lado
a subjetividade na aquisição da verdade.

3.4. Refutação do Relativismo3

É verdade que os juízos das pessoas estão influenciados per elementos físicos,
psicológicos, ou culturais, e por isso distintas culturas tem concepções diferentes, e estas
vão mudando através dos tempos. Contudo estas concepções e juízos de distintas pessoas
e culturas fazem referência a algo em comum e objetivo, porque senão as ditas concepções
não teriam ponto de comparação e seria impossível a comunicação.
A refutação mais evidente do relativismo é que ser relativista implica uma tríplice
contradição:

1. Contradição no sentido comum


A existência da verdade (da verdade como algo objetivo e universal, invariável e
superior a qualquer opinião humana) é uma certeza de sentido comum; tanto é assim que
apoiando-nos em que há verdades objetivas nos casamos, semeamos, subimos a um navio
ou a um avião, compramos e vendemos e nos deixamos matar defendendo a pátria ou as
pessoas que amamos… Quem se casaria se aceitasse que uma coisa será a fidelidade para
mim e outra para ti? Quem embarcaria se não estivesse seguro do princípio pelo qual um
corpo sólido pode flutuar em definidas condições, ou quem subiria a um avião apoiando-
se só em que o piloto opina que seu avião é capaz de manter-se no ar?

2. Contradição na razão
Mas não só temos uma certeza comum do valor objetivo da verdade, mas também
temos uma certeza científica. A verdade objetiva existe e não pode ser negada sem
contradizer-se. Com efeito, se “não houvesse verdade absoluta”, nada se poderia «afirmar
de modo absoluto», por isso, quem «afirmasse de modo absoluto» que “não há verdade
absoluta”, se estaria contradizendo.

3. Contradição na vida real


O maior negador de que possamos conhecer a verdade absoluta das coisas, é capaz
de mover céu e terra para que lhe paguem seu salário. Como sabe que é dele? E se o patrão
opina que não lhe tem que pagar? E cuidado com que lhe toquem sua esposa ou seus bens,
e nisto não valem opiniões, nem o que cada um tenha sua verdade. Também o ladrão diz
ter sua verdade, e é que ele gosta mais do meu carro que do seu, e por isso decide
apropriar-se dele. Que lhe responderei eu, miserável relativista? “Senhor, se você o vê

3
Este ponto foi tirado da tradução ao português do livro Las verdades robadas, P. Miguel Ángel Fuentes. O texto foi
modificado para sua melhor exposição. Cfr. Fuentes M. A. (2007) As verdades roubadas, São Paulo: IVEPRESS, pp.17-
24.
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assim, aqui tem as chaves. Desculpe se pensei mal de você”. Todo relativista é,
necessariamente, inconsequente na vida real.
Para terminar, se nós chegarmos a encontrar com um relativista que tentando negar
a objetividade da verdade, diz-nos: “não se pode estar seguro de nada”, então temos que
lhe perguntar: Você está seguro do que diz?

3.5. Anexo: A guerra como consequência do relativismo

Se não houver uma verdade objetiva, a verdade subjetiva ou opinião que se impõe é
a do mais forte. Nesta linha dizia a Papa Francisco:

Mas há outra pobreza. É a pobreza espiritual de nossos dias, que afeta gravemente também
aos Países considerados mais ricos. É o que meu Predecessor, o querido e venerado Papa
Bento XVI, chama a «ditadura do relativismo», que deixa a cada um como medida de si
mesmo e põe em perigo a convivência entre os homens. Chego assim a uma segunda razão
de meu nome. Francisco de Assis nos diz: esforce-se em construir a paz. Mas não há
verdadeira paz sem verdade. Não pode haver verdadeira paz se cada um for a medida de si
mesmo, se cada um pode reclamar sempre e só seu próprio direito, sem preocupar-se ao
mesmo tempo do bem de outros, de todos, a partir já da natureza, que acomuna a todo ser
humano nesta terra. (Discurso do santo padre Papa Francisco, audiência ao corpo
diplomático acreditado ante a Santa Sé, sexta-feira 22 de março de 2013, Cidade do
Vaticano).

4. O OBJETIVISMO

O objetivismo afirma que a verdade é universalmente válida, independentemente


das pessoas ou grupos que a pensem.
A prova mais clara de que a verdade é universalmente válida, é a contradição em
que cai o que quer afirmar o contrário.
Com efeito, é contraditório «afirmar de modo absoluto» que “não há verdade
absoluta”, porque se “não houver verdade absoluta”, nada se poderá «afirmar de modo
absoluto».

5. O RACIONALISMO

5.1. Noção de Racionalismo

O racionalismo do latim ratio (ratio = razão) é uma corrente gnosiológica que


sustenta que a fonte de todo conhecimento válido é a razão (em contraste com o
empirismo, que põe a fonte do conhecimento na experiência). Foi desenvolvida na Europa
continental durante os séculos XVII e XVIII, pelo René Descarte, e logo por Spinoza,
Leibniz, Wolff e Kant.

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Caracteriza-se por uma firme confiança em que podemos alcançar verdades
objetivas e universalmente válidas (objetivismo) e pela convicção de que só podemos
alcançar estas verdades pela razão, já que nossos sentidos nos enganam. Manifestava que
estas verdades que conhecia a razão como evidentes em si, eram inatas (porque não
podiam vir da experiência), e que a partir delas, é possível deduzir o resto dos conteúdos
da filosofia e das ciências.

5.2. Argumentos do Racionalismo

O racionalismo inicia a sua especulação apoiando-se numa firme confiança em que


podemos alcançar verdades objetivas e universalmente válidas. Esta confiança lhe vem do
fato de que existem as ciências (que têm como conteúdo verdades objetivas e
universalmente válidas). Especialmente mostra uma grande admiração pelo método das
ciências exatas, especialmente a matemática, a qual tem princípios tão evidentes e um
método dedutivo tão rigoroso, que ninguém pode duvidar nem de seus princípios, nem de
suas conclusões.
Estes princípios tão evidentes, que ninguém possa duvidar deles, não podem provir
da experiência, já que se pode duvidar da experiência, porque muitas vezes nos conduz ao
erro; Além disso, estes princípios devem ser universais e necessários, no entanto a
experiência só apresenta-nos objetos particulares e contingentes. Logo estes princípios, não
provêm da experiência, mas estão gravados na razão (como ideias inatas), e é a partir deles
que devemos deduzir o resto dos conteúdos da filosofia e das ciências.

5.3. Refutação do Racionalismo

É verdade que podemos alcançar verdades objetivas e universalmente válidas.


Mas essas verdades não estão gravadas de modo inato na nossa mente.
Porque as crianças, os selvagens e os loucos, teriam as mesmas ideias do
homem culto. Ninguém precisaria estudar para aprender alguma coisa.
Além disso, todas as pessoas estariam de acordo nas mesmas verdades.
Tampouco existem virtualmente (de modo latente)
Já que o pensamento é consciente, isto quer dizer que falar que uma coisa
está no entendimento, significa que aquela coisa foi entendida pelo
entendimento. De sorte que se afirmamos que uma coisa está no espírito sem
que o espírito a perceba, é o mesmo que dizer que não está no espírito.
Pelo que o espírito ao princípio está vazio como uma folha em branco, o qual prova
que todas nossas ideias provêm da experiência sensível, e por isso o conhecimento
intelectual precisa do conhecimento sensível.

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6. O EMPIRISMO

6.1. Noção de Empirismo

O empirismo do grego ἐμπειρία (empeiría = experiência). É a corrente gnosiológica


que reduz o objeto de nosso conhecimento às percepções da experiência sensível. Levando
a negar o conhecimento de tudo que não seja desse âmbito (como a realidade extra mental,
a razão, as ideias universais, etc.).
Historicamente, na filosofia antiga, existiram algumas correntes de pensamento
empirista (ex: Sexto Empírico4 160 - 210), com tudo, comumente se entende por empirismo,
a corrente gnosiológica que se desenvolveu durante os séculos XVII e XVIII na Grã-
Bretanha (empirismo inglês), que surge como uma oposição ao racionalismo da época,
defendendo contra este que todo conhecimento se desenvolve no âmbito da experiência, e
cujos representantes mais destacados foram Locke, Berkeley e Hume.
Para o empirismo, o inicio de todo conhecimento são as impressões simples
(movimento, figura, cor, aroma, temer, duvidar, etc.). Eles sustentam que a experiência
sensível manifesta que o único imediatamente dado à consciência são as impressões
simples, não obstante, do fato que também se percebe a existência de impressões
complexas, afirmam que é necessário que estas últimas sejam elaboradas pelo espírito
humano, associando impressões simples, graças a um certo hábito ou costume. Esta teoria
empirista se chamou: “associacionismo”.

6.2. Argumentos do Empirismo

O empirismo se apoia em dois princípios fundamentais, a partir dos quais se


deduzem outros princípios.
Os dos primeiros princípios são os seguintes:

1) O objeto de nossa consciência são as nossas percepções.


Os empiristas sustentam que a mente, em todos seus pensamentos e raciocínios, não
tem nenhum outro objeto imediato que suas próprias percepções. Embora tentemos de
conceber objetos exteriores, não poderemos ir além de nossas próprias percepções. Pelo
que resulta evidente que nosso conhecimento está dirigido só a elas.

2) Todas as percepções provêm da experiência sensível.

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Sexto Empírico foi um médico e filósofo grego, considerado como um dos mais importantes representantes
do ceticismo pirroniano, entretanto seu cepticismo não era radical, como o de Pirro, porque aceitava como válido o
conhecimento empírico e por isso pode ser considerado como o primeiro empirista. Em uma de suas obras afirma: “Nós
não rejeitamos as coisas que, segundo uma imagem sensível e sem mediar nossa vontade, induzem-nos ao
assentimento... E isso precisamente são os fenômenos” (Sexto Empírico, Hipotiposis Pirrónicas, I, X, 19).
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Porque nossa mente ao princípio está vazia como uma folha em branco, já que como
temos dito, se em nossa mente existissem ideias inatas, as crianças, os selvagens e os
loucos, teriam os conhecimentos do homem culto; ademais não precisaríamos aprender; e
também todas as pessoas estariam de acordo nas mesmas verdades.
Outra alternativa a favor das ideias inatas, é que as ideias existem em nossa mente
virtualmente (escondidas), e com o tempo as vamos descobrindo uma por uma. Mas as
ideias que estão na nossa mente não podem existir desse modo, já que o pensamento é
consciente e por isso, estar no entendimento significa ser sabido pelo entendimento. De
modo que se se afirmar que uma coisa está na mente sem que a mente a perceba é o
mesmo que dizer que não está na mente.
Logo, ao comprovar que no início, nossa mente está vazia, se faz necessário afirmar
que os conhecimentos que ela tem, vieram da experiência sensível.

3) Partindo da experiência, advertimos que temos duas classes de percepções: os


empiristas chamam as primeiras “impressões” e “ideias” as outras.
Sua diferença consiste no grau de força e de vivacidade com o qual impressionam o
espírito.
 Impressões: são as percepções mais fortes. Podem ser tanto externas (som,
cor, etc.) como internas (desejar, temer, etc.)
 Ideias: São mais fracas que as impressões, por serem cópias destas.

4) As ideias provêm das impressões, porém não é possível demonstrar se as


impressões provêm de outro lugar fora da nossa mente.
Os empiristas afirmam que é um fato de experiência que toda ideia é uma cópia de
uma impressão, por isso toda ideia será igual à impressão da qual provém, em troca,
asseveram que as causas das impressões são totalmente inexplicáveis à razão humana.

5) Não existem ideias abstratas, mas sim todas são particulares.


Todas as ideias são particulares, por serem cópias de nossas impressões, as quais
são particulares. Com tudo as ideias, sem deixar de ser particulares, poderiam ser gerais
por sua representação. Assim como a imagem na mente não é mais que um objeto
particular, embora possamos fazer que essa imagem seja sinal (representação) de muitas
coisas (ex: a imagem da bandeira).

6) As impressões, e por conseguinte suas respectivas ideias, podem ser simples


ou complexas: se uma impressão é simples, sua ideia será simples; se uma impressão for
complexa, sua ideia será complexa.
 Impressões simples: (chamam-se simples porque a análise psicológica não
pode ir além, expl.: uma impressão simples é olhar uma cor vermelha).
Provêm de duas fontes:

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o A experiência externa (sensação): A sensação nos permite perceber
qualidades, que podem ser “primárias”, como o movimento, a forma,
a extensão, o “secundárias” (como a cor, o aroma, o gosto, etc.).
o A experiência interna (reflexão): Pela experiência interna percebemos
nossas operações psicológicas (como entender, acreditar, pensar,
duvidar, etc.).
 As impressões complexas: formam-se pela associação de impressões
simples, expl.: se terá a impressão complexa de “maçã” se ao mesmo tempo
se a ver, se a tocar e se degustar. A partir dessa impressão complexa se
obterá uma ideia complexa de “maçã” que combina tal forma, cor, gosto,
dureza, etc.

7) As impressões simples se apresentam por si mesmas ao espírito humano, que


as recebe de um modo passivo; no entanto as impressões compostas são elaboradas de
modo ativo pelo espírito humano, associando impressões simples, segundo um certo
hábito ou costume.
Os empiristas asseguram que a vinculação de nossas ideias entre si é um fato de
experiência, evidente, e que se funda em elementos que funcionam como princípios desta
associação, chamadas relações5. Destas, as mais importantes são a semelhança, a
contiguidade no espaço e no tempo, e a relação de causa e efeito, e a estas se reduzem
quaisquer outras no plano da vida prática.
Estas três leis ou princípios da associação de ideias são diversas formas de uma
única raiz: o hábito ou costume.
Disto se segue que tanto as impressões como as ideias complexas não são
universalmente válidas, por não se apoiar em algo objetivo, mas sim no costume.

6.3. Refutação do Empirismo

É verdade que ao princípio, nossa mente está vazia como uma folha em branco, e
por isso todo conhecimento que agora tem, proveio da experiência sensível.
Mas não é verdade que o objeto de nossa consciência, são as nossas percepções
sensíveis:
1. Já que os objetos que conhecemos são mais perfeitos e complexos do que suas
simples manifestações sensíveis.
2. Ademais, temos conceitos universais e objetivamente validos, o que se deduz
do fato que existem as ciências.

5
“Em total há sete relações filosóficas: identidade, quantidade e número, qualidade, contrariedade ou oposição,
semelhança, contiguidade de espaço e tempo, casualidade. As quatro primeiras são filosóficas puras, (não são simples
tendências espontâneas); as três últimas podem ser tanto naturais (quer dizer, como tendências espontâneas à
associação), quanto relações entre conceitos”. Cf. Hume, D. Tratado da natureza humana, Iº libro, 1ª parte, 5ª seção.
15
O erro inicial do empirismo é colocar o começo de nosso conhecimento nas
impressões simples, isoladas entre si, o que obriga que seja a nossa experiência, quer dizer,
a nossa faculdade cognitiva sensível, a encarregada de associar essas impressões simples,
para formar impressões compostas e assim determinar a estrutura habitual de nossas
ideias particulares.
Este ponto de partida errado do empirismo, foi refutado pela Gestalt-Theorie6
(teoria da forma), a qual mostrou de modo experimental, que o imediatamente dado à
consciência não são impressões isoladas, mas sim um objeto configurado, qualificado e
unificado.

7. O IDEALISMO

7.1. Noção de Idealismo

O idealismo não consiste - como alguns pensaram- na simples negação da


«realidade exterior», mas na determinação do que é a realidade (se for exterior ou interior,
se for noumênica ou fenomênica, etc.) a partir da consciência.
Isto supõe a afirmação da consciência como princípio e fundamento do ser, e,
portanto, do conhecer (já que o ser é o objeto do conhecimento). Neste sentido é a
consciência a que se dá a si mesma seu próprio objeto, permanecendo fechada em seu
círculo interminável de manifestar-se no ser e conhecer-se em sua manifestação.
Esta corrente de pensamento teve seu início em 1781 com o filósofo alemão
Immanuel Kant, o qual tenta superar a dialética que naquele tempo havia entre a posição
racionalista e a empirista. Kant superou o racionalismo e o empirismo focalizando desde
outro ponto a questão do conhecimento, porque afirmava que o erro destas correntes era
ter posto o acento no objeto de conhecimento e não no sujeito que conhece. Com efeito,
aqueles afirmavam que conhecemos ideias por meio da razão e estes fenômenos através
dos sentidos; mas ambos coincidiam em que conhecer é receber as coisas de um modo
passivo, deixando-se impressionar por elas. Para Kant o centro do problema não era “o
que conhecemos?” (o objeto), mas sim, “como conhecemos?” (o sujeito). Na visão de Kant
o sujeito já não é o que recebe seu objeto do mundo, de um modo passivo, mas sim o
sujeito passa a ser o que de modo ativo, “constrói” o objeto de seu conhecimento7.
Assim nasceu a doutrina chamada “idealismo transcendental”, para o qual o
fundamento da objetividade da verdade é a consciência, no entanto o mundo exterior (ou
noumênico) permanece desconhecido para o sujeito.

6
Cfr. Fabro, C. La fenomenologia della percezione, Vol. 5 de Opere complete, segni 2006: EDIVI
7
A esta câmbio o chamaram "giro copernicano" ou "revolução copernicana". Porque assim como Copérnico
revolucionou a Astronomia ao sustentar que não era a Terra o centro ao redor do qual giravam os corpos celestes, mas
sim era o Sol o astro ao redor do qual giravam a Terra e todos os planetas do sistema solar, do mesmo modo Kant
sustentou que não era o objeto o centro do conhecimento, mas sim o sujeito.
16
A obra de Kant deu início ao idealismo alemão, escola que afirma a consciência
como o fundamento de todo ser, e que teve como maiores expoentes os filósofos Fichte,
Schelling e Hegel.

7.2. Argumentos do Idealismo

Para os idealistas é evidente que conhecemos a partir de nossa consciência que


realizando o ato de conhecer, faz presente a si mesma seu objeto. Por isso é preciso
determinar primeiro qual é a natureza da consciência, para especificar depois a natureza
do objeto que ela faz presente a si mesma. Neste sentido dizia Descartes: “Não podemos
conhecer nada antes de conhecer a inteligência, pois por ela conhecemos as demais
coisas”8.
Começando então da consciência constatamos que o seu objeto não está fora dela,
mas pelo contrário, revela-se provindo de esta, como uma manifestação da mesma. Assim,
o ser, que é o objeto próprio da consciência, é o ser de consciência e não um ser
independente dela.

7.3. Refutação do Idealismo

O conhecimento é presença do ser à consciência9: com efeito, em todo conhecimento


se apresenta primeiramente, o ato de ser; e é nesse mesmo apresentar-se do ato de ser,
onde distinguimos a presença de outro ato, diverso do ser: o ato de conhecer. Ato de ser e
o ato de conhecer estão presentes, então, em todo conhecimento, como condições
constitutivas e necessárias para que se produza o conhecimento.
No conhecimento, o ato de conhecer se apresenta pobre de conteúdo inteligível, só
diz conhecer o ser, todo o resto de conteúdo inteligível provém do ato de ser, do qual

8
Podemos dizer que o princípio idealista tem como primeiro defensor o racionalismo de Descartes, o qual procurou por
todos os meios uma verdade evidente que lhe dê uma certeza máxima. Com efeito, para Descartes, nossa razão pode
alcançar a verdade, contudo constatava que entre os homens havia uma multidão de opiniões opostas. Entre estas
opiniões opostas só uma tinha que ser verdadeira e as demais erradas. Como encontrar a verdade? Temos que duvidar
de tudo - dizia - até encontrar um princípio tão evidente que ninguém possa duvidar dele, e a partir desse princípio
devemos deduzir as outras verdades. Até aqui os argumentos apresentados por Descartes são bem mais racionalistas. O
que segue, em troca, é o começo da reflexão idealista. Esta ideia muito evidente e indubitável que Descarte procurava,
princípio sólido a partir do qual poderia se deduzir as outras ideias, é que “penso e portanto, existo” (“cogito ergo
sum”). Deste modo, é a partir deste princípio que se devem deduzir o resto de conteúdos da filosofia e das ciências.
Assim, a consciência (cogito) constitui-se no ponto de partida a partir do qual deve ser determinada a natureza da
realidade. Com efeito escrevia Descartes em seu Regulae “Nada me parece mais absurdo que discutir ousadamente
sobre os segredos da natureza sem haver antes examinado se a inteligência humana é capaz de penetrá-los”; ou também:
“Não podemos conhecer nada antes de conhecer a inteligência, pois por ela conhecemos as demais coisas”. Cfr.
VERNEAUX, R., Epistemología general o crítica del conocimiento, Herder, Barcelona, 19816, pag. 9.
9
“Sabemos que a experiência humana apresenta desde seu começo uma constituição bifrontal assim que é o
lugar do dar-se recíproco do espírito e do ser, do eu e do mundo, de tal maneira que ambos resultam constituídos
mediante esta complementariedade. O mundo só pode ser conhecido enquanto diverso do eu, e o eu só aparece como tal
enquanto aparece como conhecedor do mundo. A consciência se constitui em ato por essa dupla presença do eu e do
mundo, de caráter irredutível e dialético”, (Cfr. texto extraído da apostila em espanhol de filosofia moderna do
seminário “María Madre del verbo Encarnado”, escrita pelo Padre Christian Ferraro, san Rafael, 2006).
17
podemos aferrar sua natureza e estrutura interna. Por isso só o ato de ser pode manifestar
sua essência, a qual se presenta já desde o princípio do conhecimento, como um ato
independente do ato de conhecer.
O erro idealista consiste em duvidar da veracidade do ato de ser (tirar-lhe a
autoridade) sem ter outro fundamento para fazê-lo, que o querer fazê-lo10, e dar certeza e
autoridade somente ao ato de conhecer, a partir do qual se determinará posteriormente, a
natureza do ato de ser (ao idealista não lhe importa o que o ser diga de si mesmo, mas sim
o que a consciência diga do ser).

8. O REALISMO

O realismo é a doutrina que afirma que é “a realidade”, como “ato de ser”, a que
põe em ato a consciência, lhe permitindo realizar seu ato próprio, que consiste em
conhecer “o ser” e ao mesmo tempo, conhecer “que conhece”. Disto se segue que é só a
partir da presença do ser, que podemos determinar a natureza do mesmo e não a partir da
consciência.

9. JUÍZO CRÍTICO SOBRE AS CORRENTES GNOSEOLÓGICAS11

Vimos que cada corrente gnosiológica tem uma concepção própria do que é o
conhecimento, distinta das outras. Apesar de ter um mesmo objeto de estudo a
determinação da natureza do mesmo é diferente. Onde está o engano? Certamente que
não está no objeto (o conhecimento). Provavelmente o erro esteja no método com que
estudamos o objeto. Com efeito, se manifesta em várias correntes gnosiológicas expostas,
uma tendência a determinar o objeto de estudo (neste caso o conhecimento) sendo
influenciadas por pré-juízos e problemas anteriores ao estudo do objeto e que não surgem
deste.

Se estudarmos o conhecimento em si mesmo, quer dizer, deixando de lado todos


nossos prejuízos e problemas (isto se chama método fenomenológico), o conhecimento
aparece como o ato de aferrar todo ato que se lhe faz presente, seja o ato de ser, como seu
mesmo ato de aferrar o ser. Com efeito, o momento originário do conhecimento se

10
“A dúvida absoluta que pretende erigir-se em começo para o idealismo, é um ato absurdo, porque consiste
em suprimir a dualidade originária do atuar-se da consciência e, por conseguinte, a vazão total do conteúdo. O ato de
consciência de que parte o idealismo é um cogito completamente vazio e, por conseguinte, não é ato de nada, nem é ato,
nem nada. Se o ato com que começa a consciência é reflexão, a consciência fica abolida em seu ponto de partida, fica
encerrada no círculo dos círculos e na unidade analítica de um absoluto que se identifica com um nada, de um ser vazio
que se identifica com o pensamento vazio e do qual a ciência, a arte, a técnica, a religião, etc., não são mais que
desenvolvimentos analíticos”, (Cfr. texto extraído da apostila em espanhol de filosofia moderna do seminário “María
Madre del verbo Encarnado”, escrita pelo Padre Christian Ferraro, san Rafael, 2006).
11
Para aprofundar esta temática: Cfr. Fabro, C., Dall'essere all'esistente, Morcelliana, Brescia 19571, pags. 11-
70; Idem, «San Tommaso e il pensiero moderno», em Tomismo e pensiero moderno, Ed PUL, Roma 1969, pags. 428-
429; Idem, appunti di un itinerario, EDIVI, segni 2011, pag. 158.
18
manifesta como uma dupla presença (de “ato de ser” e “ato de conhecer”), a qual aparece
como irredutível e dialética. Si mostra como o lugar do dar-se recíproco do ser e do
espírito; do mundo e do eu, porque é um fato muito evidente que em todo conhecimento
se apresenta primeiramente, o ato de ser; e que nesse mesmo apresentar do ato de ser,
distingue-se a presença de outro ato, diverso do ser: o ato de conhecer.
Começar o estudo do conhecimento reduzindo um destes atos ao outro, manifesta a
existência de pré-juízos que influem negativamente no estudo certo do fenômeno do
conhecimento.
Agora podemos enumerar alguns pré-juízos que a nosso parecer, influem
negativamente na concepção que as correntes referidas têm do conhecimento:
O ceticismo: Começa do prejuízo de que o ser dado à consciência, não é evidente e,
portanto, a consciência não pode conhecê-lo.
O relativismo: Inicia do preconceito de que o ser dado à consciência, não está
determinado de maneira estável e, portanto, a determinação última do ser, depende das
condições próprias de cada consciência particular.
O racionalismo: Principia do pressuposto de que o ser dado à consciência são as
ideias simples (claras e distintas) e, portanto, o trabalho da razão será o deduzir dessas
ideias simples, ideias complexas, e assim conhecer de modo certo o objeto de nossa
consciência: nossas ideias.
O empirismo: Começa do preconceito de que o ser dado à consciência, são as
impressões simples e, portanto, o trabalho da experiência sensível será associar tais
impressões, para formar impressões compostas e assim determinar a estrutura habitual de
nossas percepções particulares.
O idealismo: Nasce do prejuízo de que provavelmente o ser não é dado à
consciência, como se fosse um ato independente dela, mas pertence à consciência como
uma manifestação desta, por isso o trabalho da nossa consciência será o determinar a
natureza do ato de conhecer, para depois definir a essência do objeto que esta produz: “o
ser”, que sempre ficará “ser de consciência”.
Tudo isto nos adverte que se não queremos errar na determinação da natureza do
conhecimento, é preciso deixar de lado todos nossos prejuízos e problemas gnosiológicos e
estudar o conhecimento em si mesmo. Isto se chama fenomenologia ou método
fenomenológico. No próximo capitulo, tentaremos definir a natureza do conhecimento
usando este método.

19
CAPÍTULO V
NATUREZA DO CONHECIMENTO

O conhecimento é um ato pelo qual, quem conhece, faz intencionalmente presente em si


mesmo, uma região da realidade.
Isto é o que os escolásticos chamavam “fazer-se o outro”, de modo intencional.

a) Ato
Cada vez que o homem passa da ignorância ao conhecimento, ou de um
conhecimento a outro há um movimento. Entretanto o conhecimento não se identifica com
esse movimento. O conhecimento é o ato que está ao término desse movimento.
Santo Tomas muitas vezes emprega a palavra actio para designar o conhecimento.
Mas o Angélico entende tal ação como uma ação metafísica imanente (quer dizer, ação que
permanece no sujeito e o aperfeiçoa), e não como ação transeunte.

b) Intencionalmente Presente
O subsistir de modo real diz-se de um ente existente na realidade, que possui sua
própria forma, sustentada por seu ato de ser. O subsistir de modo intencional pelo
contrário, diz-se de um ente de razão, que há uma forma abstraída de um ente real e que
está sendo sustenido pelo ser da substância que conhece, por exemplo, quando
conhecemos uma árvore, não colhemos o mesmo ato de ser da árvore, de modo que a
árvore entre em nossa consciência (o que seria doloroso), senão que obtemos somente uma
representação de sua forma, em nossa consciência12.

c) Uma Região da Realidade


Só pode ser conhecido aquilo que é real, quer dizer, aquilo que é algo (ente), já que
só podemos conhecer o que se nos manifesta, só se nos manifesta o que atualiza nossa
consciência, y só pode atualizar nossa consciência o que existe atualmente na realidade.

12
Assim o afirma Santo Tomam dizendo: «Aquilo que se entende não está no intelecto segundo si mesmo, mas
sim segundo sua similitude, pois a pedra não está na alma, mas sim a espécie da pedra, como se diz no livre III sobre a
alma. E entretanto aquilo que se conhece é a pedra, e não (conhece-se) a espécie da pedra, mas sim por reflexão do
intelecto sobre si mesmo, de outro modo a ciência não seria (ciência) da coisas, mas sim das espécies inteligíveis»; «Id
enim quod intelligitur non est in intellectu secundum se, sed secundum suam similitudinem, lapis enim non est in
anima, sed species lapidis, ut dicitur in III de anima. Et tamen lapis est id quod intelligitur, non autem species lapidis,
nisi per reflexionem intellectus supra seipsum, alioquin scientiae non essent de rebus, sed de speciebus intelligibilibus»
(Summa Theologiae I, q. 76 a. 2 ad 4).
20
CAPÍTULO III
A VERDADE E O ERRO

1. A VERDADE

Definição de Verdade

A verdade se define como a adequação entre o intelecto e a cosa.


Quando conhecemos produzimos em nosso intelecto, uma representação intelectual
da realidade conhecida. Essa representação é conforme a realidade, enquanto a
representação se adequa à coisa conhecida. Essa relação de adequação entre nosso
intelecto que conhece e a coisa conhecida, é o que chamamos verdade. Por isso Santo
Tomás de Aquino a define como “a adequação entre a coisa e o intelecto” (“adaequatio rei et
intellectus”).
Esta representação que se realiza em nosso intelecto, alcança sua perfeita adequação
com a coisa no ato do juízo, porque é nesse ato que se atribui ou se nega a atribuição, de
uma perfeição a um sujeito, conforme se dê na realidade, de onde se diz que tanto a
verdade como o erro estão no juízo, já que este é o responsável último de que o intelecto se
adeque à coisa. Se o Juízo for correto, se dá a adequação, e por isso haverá verdade, se
falha e não há adequação, haverá erro.
Logo a relação de adequação chamada verdade, tem como um de seus términos o
intelecto, e mais precisamente, ao fruto do juízo (chamado verbum), onde se expressa
perfeitamente a adequação; e por outro lado, tem como término a coisa, e mais
precisamente a atualidade da coisa à qual se adequa o verbum.

Definições erradas de verdade

Kant define a verdade como o acordo do juízo com as leis imanentes da razão, ou
simplesmente, o acordo do pensamento consigo mesmo. Esta definição não pode ser
aceita, pois falta o fator de realidade, como ponto de referência da verdade.
Para Durkheim, sociólogo francês, a verdade consiste na conformidade não do
entendimento com a realidade, mas sim no acordo dos espíritos entre si. Aqui se substitui
o subjetivismo de Kant, pelo subjetivismo social, definindo a verdade como a aceitação
coletiva. O que penso só eu é subjetivo, mas o que pensa a sociedade é verdadeiro.

21
2. O ERRO

2.1. Natureza

Assim como a verdade é a “adequação entre a coisa e o intelecto”, podemos definir


o erro (que é o oposto à verdade), como a “não adequação entre a coisa e o intelecto”. Isto
se dá propriamente no juízo, por ser este o responsável último de que o intelecto se adeque
à coisa, e por isso é onde se dá a última adequação ou inadequação.
Tudo o que une ou separa o juízo se nos apresenta como verdadeiro, por isso para
conhecer o erro necessitamos da memória, pela que podemos descobrir que um juízo que
tínhamos acreditado verdadeiro, é falso, porque conhecemos em outro juízo a verdade de
seu oposto.
O erro não é simples ignorância, porque na ignorância não há adequação entre o
intelecto e a realidade, pelo fato de que o intelecto não há uma ideia ou verbum que se
adeque à mesma; No erro, pelo contrário, produzimos um verbum, que não se adequa à
realidade. Diz Santo Tomás a respeito:

O erro é passar o falso pelo verdadeiro, de onde adiciona certo ato sobre a
ignorância. Pois pode haver ignorância sem que alguém afirme uma sentença sobre
o que ignora e então se é ignorante e não errado. Mas quando se afirmar uma
sentença falsa sobre aquilo que se ignora, então se diz propriamente errar.

2.2. Causas do Erro

É verdade que o homem pode falhar, mas isto não implica que necessariamente se
equivoque, nem que se equivoque em algum caso particular determinado. Porque errar é
antinatural. É uma exceção à regra. Diz Santo Tomás:

Todo defeito e corrupção não são naturais: porque a natureza tende ao ser e à
perfeição da coisa. Por isso é impossível que haja uma virtude cognoscitiva que
naturalmente erre no reto juízo sobre seu objeto. E como o objeto próprio do
intelecto é o verdadeiro. É impossível que haja algum intelecto que naturalmente
erre em relação ao conhecimento do verdadeiro.

Portanto para passar da possibilidade de errar, ao ato de errar, é necessário que haja
uma causa. Devemos ver então, quais são as causas de um juízo falso, quer dizer, o que é
que conduz à inteligência a fazer um juízo falso:
* O único que pode atuar diretamente sobre a inteligência é a vontade. Portanto
podemos dizer que o erro provém principalmente da vontade de julgar apesar da ausência
de evidência. Quanto menos evidência houver, se precisa de mais firmeza na vontade para
determinar-se a afirmar algo como verdadeiro.

22
Como no juízo há graus de firmeza, está claro que cai menos no erro quem, ante a
falta de evidência, dá o próprio juízo como opinião, em vez de como certeza.
* Mas também indiretamente a afetividade pode ser causa de erro. Embora esta, por
ser de ordem material, não pode influir diretamente sobre nossas potências espirituais,
pode, contudo, exercer sobre estas um influxo indireto, influindo sobre seus objetos.
Nossos afetos desordenados, portanto, influem sobre a razão através da imaginação e da
cogitativa. Uma determinada paixão desordenada se for muito veemente, fixa de algum
modo a imaginação em um objeto e isto predispõe para o juízo racional favorável à paixão,
o qual pode levar a que julguemos erroneamente. Isto é mais forte ainda quando a paixão
se arraigou -pela repetição de atos passionais- a modo de hábito passional. Neste caso é
capaz de exercer um predomínio absorvente sobre a razão, cegando-a a tal ponto, de
poder chegar a negar até o evidente.

23
CAPÍTULO IV
A CERTEZA

1. NATUREZA DA CERTEZA

A certeza é o estado que tem a mente quando se adere firmemente e sem temor a
uma verdade. É algo subjetivo, um estado do espírito e por isso não deve confundir-se
com a verdade (eu posso ter certeza e estar no erro).

2. CAUSAS DA CERTEZA

Então surge a pergunta sobre o que é aquilo que produz em nós a certeza, quer
dizer, que coisa causa em nós a segurança de nos achar na verdade?
Respondemos que o que pode causar em nós a segurança de nos achar na verdade
é, por um lado, a notoriedade do objeto que se apresenta claramente à nossa consciência, o
qual se chama evidência; por outro, o impulso da vontade que, acreditando firmemente na
autoridade de que sustenta algo como verdadeiro, move à inteligência a afirmar com
segurança, que o sustentado é verdadeiro, o qual se chama fé. Logo as duas causas
possíveis de certeza são a evidência ou a fé.
Vejamos mais detalhadamente estas duas causas de certeza:

2.1. A evidência

Evidente se diz daquele objeto ou verdade que aparece à consciência de modo


manifesto.
Os objetos que percebemos aparecem de modo claro à nossa consciência, ainda
antes de fazer juízos para obter verdades a partir deles, logo há uma primeira evidência,
que compete aos objetos que conhecemos por percepção, [este tipo de evidência imediata
se obtém por intuição perceptiva].
Também ao julgar há verdades que se apresentam de modo evidente, já seja porque
vemos claramente a conveniência ou desconveniência que o predicado tem com respeito
ao sujeito, em um juízo particular (ex: este homem está vivo), [este tipo de evidência
imediata se obtém por intuição especulativa], ou a pertença ou não do predicado à razão
do sujeito, em um juízo universal (ex: o homem é vivente), [este tipo de evidência imediata
se obtém por indução essencial que é também uma espécie de intuição especulativa].
Por último, também são evidentes as verdades que são conclusões de um raciocínio
correto, que parte de verdades evidentes. Mas estas últimas não são evidentes “por si
mesmas” como as anteriores, mas sim se chamam “evidentes por outro”, [este tipo de
evidência mediata se obtém pelo discurso de raciocínio]. As proposições que são evidentes

24
“por outro”, são evidentes em um sentido verdadeiro e não só figurado, pois se a
demonstração está bem feita e o princípio do que parte é evidente, a inteligência tem que
admitir a evidência da conclusão.

2.2. A fé

A fé é o ato da vontade que move à inteligência a assentir a alguma verdade não


evidente, apoiada na autoridade do que afirma dita verdade. A fé pode ser natural quando
apoiamo-nos na autoridade de um homem, e esta fé alcança uma certeza chamada “de fé
natural”, que não vai além da probabilidade. A certeza também pode ser “de fé
sobrenatural” quando tem como fundamento a autoridade de Deus, o qual confere à
vontade uma firmeza total, para que mova à inteligência a assentir com uma certeza
indubitável.

3. GRAUS DE CERTEZA

A certeza de que um conhecimento é verdadeiro pode ser maior ou menor. Vejamos


quais são os distintos graus de certeza.

3.1. A dúvida

É a ausência de certeza, já que é o estado no qual o intelecto flutua entre a afirmação


e a negação de uma determinada proposição, sem inclinar-se mais a um extremo da
alternativa do que ao outro. Habitualmente se distingue entre dúvida positiva e negativa.
Nesta última, a mente não admite nenhuma das duas partes da contradição por falta de
motivos para fazê-lo: não há razões concludentes nem em favor de uma nem da outra. Na
dúvida positiva, ao contrário, têm-se razões para escolher uma ou outra possibilidade,
mas as razões que nos movem a assentir uma ou outra parecem ter igual peso.

3.2. A opinião

É um assentimento débil, já que é dado sem ter ainda certeza. Neste caso o
entendimento se inclina mais a uma possibilidade do que à outra, mas as razões que o
impulsionam não são determinantes para ele. Afirma-se algo com temor a equivocar-se,
quer dizer, admitindo a possibilidade de que o juízo contrário seja verdadeiro.

3.3. Certeza moral (Provável)

A certeza moral tem como fundamento o obrar dos seres humanos, o qual, embora
seja livre e, portanto imprevisível, na maioria dos casos obra de modo estável, segundo a
sua natureza, o qual gera em nós uma certeza.

25
Em efeito, sabemos que o homem é livre, e, portanto que pode em todo momento
fazer fracassar os prognósticos mais seguros por meio de uma decisão imprevisível. Não
obstante, não se exclui toda certeza porque a liberdade humana não é absoluta, mas sim
está contida dentro dos limites da natureza humana. Por exemplo, tenho certeza moral de
que quando sair da classe ao recreio, ninguém virá a me assassinar, por isso saio da sala de
aula sem medo.

3.4. Certeza de fé natural (Provável)

Esta certeza se apoia na veracidade dos seres humanos, os quais podem nos
manifestar de modo oral ou escrito as verdades que eles alcançaram e que para nós ainda
não são evidentes.
O grau de certeza é similar ao da certeza moral, quer dizer, é uma certeza provável,
já que é provável que o que afirma alguém como verdadeiro, seja verdadeiro, embora
exista a possibilidade de que a pessoa que afirma alguma coisa esteja errada ou que me
esteja enganando. Esta certeza, sem sair da probabilidade, tem graus, segundo a
autoridade de quem afirma algo como verdadeiro. Quando a autoridade do que afirma
algo é total, como é o caso de Deus, a certeza já não é provável, mas sim total, como
veremos mais adiante que ocorre com a fé sobrenatural.

3.5. Certeza física (Segura, embora haja uma possibilidade mínima de


cair no erro).

Esta certeza surge quando se conhece por indução empírica a essência como causa
dos fatos de experiência. Ex: Sempre que aproximamos a mão ao fogo, este queima nossa
pele, logo “o fogo queima”.
Seu fundamento é a manifestação externa (entre elas o obrar), dos seres materiais,
os quais seguem leis estáveis, pelas que podemos conhecer suas naturezas: O obrar segue
ao ser, quer dizer, o obrar constante das coisas não é casual, mas sim procede sempre de
uma natureza.
Este fundamento é certo, e permite a enunciação de juízos universais e seguros para
o progresso das ciências experimentais. Dentro da certeza física pode haver graus,
segundo a multiplicidade de casos em que se constatou o fato afirmado, (quanto mais
casos mais certeza). Mantém-se a proposição universal até que algum feito demonstre o
contrário.

26
3.6. Certeza metafísica (Segurança total)

É a certeza absoluta, pois resulta do conhecimento das leis do ser, que são
estritamente necessárias e não admitem nenhuma anulação. É a segurança que surge em
todo conhecimento intuitivo já seja perceptivo (quando percebo “algo que é”, ex: “uma
árvore”, “uma pedra”, “um cão”) ou especulativo (quando julgo que, ex: “eu existo”, “está
chovendo”, ou sustento algum dos primeiros princípios, como: “algo não pode ser e não
ser ao mesmo tempo sob o mesmo respeito”). Também é produzida pelas conclusões de
um raciocínio correto, que parte de verdades evidentes. Todo aquilo que produz este tipo
de certeza em nossa consciência é chamado “evidente”.

3.7. Certeza de fé sobrenatural (Segurança total)

Esta certeza se apoia na veracidade de Deus, o qual pode nos revelar verdades que
não são evidentes para nós. O grau de certeza desta fé é total, já que se apoia na
autoridade absoluta de Deus, o qual, não pode enganar-se nem nos enganar. Além disso, o
mesmo Deus confere à vontade uma força sobrenatural, para que mova à inteligência a
assentir com uma certeza indubitável, eliminando todo temor a equivocar-se.
Do ponto de vista do conhecimento a certeza que vem da evidência é mais perfeita
do que a certeza de fé sobrenatural, com tudo a certeza de fé pode ser mais perfeita do que
a certeza de evidencia seja porque a firmeza da adesão é maior, seja porque o objeto
conhecido é superior.

27
CAPÍTULO VI
TIPOS DE CONHECIMENTO

1. PERCEPÇÃO E PENSAMENTO

1.1. Percepção

O termo percepção deriva do latim: perceptio, e designa o processo pelo qual uma
pessoa tem conhecimento imediato de uma coisa exterior a partir da informação que lhe
brindam os sentidos.
Não é o mesmo que sensação, já que esta é o conhecimento experiencial de um
estímulo, no entanto a percepção é a unificação dos estímulos sensíveis (síntese sensorial)
segundo o conteúdo destes, realizada pelos sentidos internos em continuidade com o
intelecto, para conhecer de modo imediato o objeto apresentado por ditos estímulos. Fabro
diz a respeito: “A percepção não é nem sensação pura, nem pensamento puro; mas sim ela é sobre
tudo, um “pensamento vivido”, ao qual entretanto, não pode ser estranho o mesmo pensamento
puro, e sem o qual não é possível alguma forma de pensamento puro”13.

1.2. Pensamento

O termo pensamento designa os atos que realiza a razão, por meio dos quais
produz representações intelectuais do conhecido. Existem três operações da razão, as
quais produzem cada qual seu fruto:

1. A primeira operação da razão se chama simples apreensão, que é o ato pelo qual
a inteligência concebe a essência de uma coisa. Seu fruto é o conceito. É realizada pela
razão no mesmo momento que se percebe uma coisa. Não se deve confundir simples
apreensão com o “processo abstrativo” que, como veremos adiante, é uma indução.
2. A segunda operação se denomina juízo, ou também “composição e divisão”,
enquanto afirma (unindo um predicado a um sujeito), ou nega (separando um predicado
de um sujeito). Seu fruto é a proposição.
3. A terceira operação é o raciocínio, a qual consiste em um movimento ou discurso
da mente pela qual passamos de juízos conhecidos – comparando-os entre si – à
formulação de um novo juízo, que necessariamente segue dos anteriores. Seu fruto é a
argumentação.

13
“A percepção portanto, não é nem sensação pura, nem pensamento puro, mas sim ela é sobre tudo um “pensamento
vivido”, ao qual entretanto, não pode ser estranho o mesmo pensamento puro, e sem o qual, não é possível alguma forma de
pensamento puro”. FABRO C. Percezione e pensiero, EDIVI, Segni, 2008, pags, 10-11.
28
Uma simples reflexão sobre o conhecimento humano nos confirma a necessidade de
que o pensamento tenha estas três operações:

Os conceitos que produz o entendimento humano são imperfeitos porque a


inteligência humana não pode captar em um só ato apreensivo todas as perfeições de um
objeto nem de uma espécie, mas sim vai captando uma por uma. Por isso, é necessária
outra operação do entendimento que unifique as perfeições conforme se deem unidas na
realidade e as separe conforme se deem separadas na mesma. Esta operação do
entendimento é o juízo. Além disso, necessitamos outra operação que passe de um juízo a
outro, o qual é raciocinar. Santo Tomás de Aquino o explica do seguinte modo:

Respondo, deve dizer-se que o entendimento humano tem necessidade de conhecer


compondo e dividindo. Pois como o entendimento humano passa da potência ao
ato, guarda certa semelhança com os seres suscetíveis de geração, os quais não
possuem imediatamente toda sua perfeição, mas sim a adquirem gradualmente. Do
mesmo modo o entendimento humano não adquire de repente o conhecimento
perfeito de uma coisa ao percebê-la pela primeira vez, mas sim começa por conhecer
algo dela, como por exemplo, sua essência, que é o objeto primeiro e próprio do
entendimento. Depois conhece as propriedades, acidente e relações que
acompanham à essência. Segundo isto [o entendimento humano] tem necessidade,
ao perceber uma coisa, de compô-la ou dividi-la com outra; e além de passar de uma
composição ou divisão, a outra, o qual é raciocinar14.

2. INTUIÇÃO E DISCURSO

A intuição se distingue do discurso, enquanto esta é um conhecimento imediato, no


entanto o discurso é mediato, porque as verdades que conhecemos por discurso não se
apresentam imediatamente à consciência, mas sim seu conhecimento deriva de outras
verdades que sim são imediatas. A intuição se dá tanto na percepção como no
pensamento, no entanto o discurso se dá somente no pensamento.

2.1. A Intuição

a) Natureza

O termo intuição deriva do latim intuere que significa “ver” e por isso se utiliza este
termo para designar o conhecimento onde se apreende um objeto de modo imediato, como
acontece na visão.
A intuição, enquanto conhecimento imediato, pode ser aplicada de modo geral ao
conhecimento que toda potência cognitiva tem de seu objeto (o ver, o ouvir, o observar
com o sentido comum, o recordar com a imaginação ou a memória, o entender a essência

14 S. Th. I, q. 85, a. 5, co.


29
com o intelecto, etc…), já que todas estas potências conhecem imediatamente seus objetos.
Contudo, o sentido preciso do termo intuição, designa o conhecimento imediato de um
“objeto”, entendendo “objeto” como aquilo que se apresenta a nossa consciência e não só a
um de nossos sentidos ou faculdades. Por isso podemos definir intuição como “o
conhecimento imediato do objeto presente à nossa consciência”. Só falta adicionar que o objeto de
nossa consciência é o ente, o qual simplifica ainda mais nossa noção de intuição, definindo-a
como “o conhecimento imediato do ente”.

b) Tipos de Intuição (perceptiva e especulativa)

De dois modos a consciência conhece imediatamente seu objeto.


De modo perceptivo, quando a consciência conhece o objeto de modo intelectual-
sensível, através do conhecimento simultâneo que o intelecto tem, tanto do objeto concreto
percebido pela cogitativa na síntese sensorial, como das essências abstraídas dessa síntese.
De modo intelectual, quando a consciência conhece o objeto de modo intelectual-
reflexivo, através da síntese especulativa e explícita que realiza o juízo.
Esta é então a diferença entre a intuição perceptiva e a especulativa.

2.2. O Discurso

Dá-se o conhecimento discursivo quando de verdades conhecidas passamos ao


conhecimento de verdades que antes ignorávamos. O discurso se encontra no âmbito do
pensamento, e mais precisamente, do raciocínio.
O raciocínio é um movimento da mente pelo que passamos de vários juízos –
comparando-os entre si – à formulação de um novo juízo, que necessariamente segue dos
anteriores. Por exemplo: a partir das proposições “o homem é animal” e “o animal é mortal”,
pode-se concluir que “o homem é mortal”. Esta nova verdade é conhecida neste caso por
meio das verdades anteriores, pois nelas há algo em comum (o conceito “animal”) que
permite relacionar os conceitos de “homem” e “mortal”. Por outro lado, de dois enunciados
que nada têm haver ver entre si (ex: “o fogo queima” e “a água é incolor”) nada pode
concluir-se. O chegar a uma conclusão que se segue, de modo necessário, das proposições
anteriores é o que chamamos inferência. Há dois tipos de conhecimento discursivo ou
raciocínios: a indução e a dedução.

30
3. INDUÇÃO E DEDUÇÃO

3.1. Indução

a) Natureza da indução
A indução é verdadeiro discurso, enquanto que é a passagem de determinadas
verdades inteligíveis conhecidas, até outras ainda não conhecidas. Parte-se dos juízos
particulares que se manifestam verdadeiros a nossa experiência, e destes juízos se extrai
um juízo universal, cuja verdade se encontrava implícita neles.
Podemos definir a indução como: o discurso da razão, que a partir de verdades
particulares, suficientemente enumeradas, infere uma verdade universal.
Não confundir indução com “generalização”: a generalização é também um discurso
da razão que infere uma verdade universal a partir de verdades particulares. A diferença está em
que o número das verdades particulares a partir do qual se infere o universal não é
suficiente para inferir o universal, expl.: “Este cão mordeu ao carteiro, e este também, e também
aquele; logo, todos os cães mordem aos carteiros”.
Tampouco confundir indução com simples apreensão (o que poderia chegar a dar-
se se se define a indução, como um mero passo do sensível ao inteligível).
Pela simples apreensão produzimos os conceitos das cosas e si dá o primeiro
conhecimento intelectual das mesmas. Entretanto, pela indução se obtêm as verdades
universais que constituem o conteúdo inteligível dos conceitos obtidos por simples
apreensão.
b) Exemplos de indução:
“Esta porção de água ferve a 100°C, e esta outra, e esta outra, e esta outra também...,
logo a água ferve a 100°C”.
“Este homem é racional, e este outro, e este outro, e este outro, etc., logo os homens
são racionais”.

c) Tipos de Indução

I. Indução essencial

- Natureza

A indução essencial é o descobrimento, realizado pelo intelecto em sua união com a


experiência, de um vínculo necessário e universal entre um sujeito e um predicado. Por
exemplo, assim descobrimos que: “O todo é maior que as partes”.

31
O fruto deste processo indutivo são juízos universais e certos, com uma certeza que
não depende da abundância de juízos particulares, mas sim da evidência dos mesmos. À
certeza que provém destes juízos se lhe chama certeza metafísica.
Deste modo são conhecidos não só os primeiros princípios, mas também muitos
outros juízos filosóficos, éticos, antropológicos, etc., que se conhecem com certeza deste
modo, e muito dificilmente possam fundamentar-se de outra maneira (Ex. “o homem é
livre”, “todo agente obra pôr um fim”).

- Fundamento

O fundamento desta indução se encontra na captação intelectual de um vínculo


necessário entre um Sujeito e um Predicado. Capta-se que o Predicado convém ao Sujeito,
não simplesmente porque é assim em uma multidão de casos semelhantes, mas sim
porque se percebe intelectualmente que tal predicado convém necessariamente à natureza
do sujeito.
A repetição de casos observados não aumenta a certeza da verdade inferida, mas
sim volta a inferir por repetição de casos o que do primeiro momento se tinha inferido
com certeza. Deste modo, sobre a base da experiência de uma só verdade particular, bem
penetrada intelectualmente, pode-se chegar à certeza da proposição universal induzida.
Por isso neste tipo de indução, a verdade universal se conhece primeiro por intuição (no
primeiro juízo), e posteriormente por discurso (na repetição de juízos).

II. Indução empírica

- Natureza

A indução empírica é uma universalização de um fato repetido na natureza, não


sendo evidente para nós desde o primeiro momento a conexão necessária entre o sujeito e
a propriedade, ex: Sempre que aproximamos a mão ao fogo, este queima nossa pele, e
formulamos o juízo “o fogo queima”, nos apoiando na repetição de um fenômeno, não na
compreensão imediata da natureza.
A partir desta indução se enunciam juízos universais, mas com uma universalidade
“aproximada”. O assentimento do espírito, e a certeza dos juízos que surgem desta classe
de indução, repousam sobre a multiplicidade de casos. Mantém-se a proposição universal
até que algum feito demonstre o contrário. Disto se segue claramente que a certeza destes
juízos é menor que a que corresponde aos juízos que são fruto da indução essencial.

- Fundamento

O fundamento da indução empírica é nosso conhecimento indutivo da essência


como causa dos fatos de experiência: O obrar segue ao ser, quer dizer, o obrar constante

32
das coisas não é casual, mas sim procede sempre de uma natureza. Este fundamento é
certo, e permite a enunciação de juízos universais e certos para o progresso das ciências
experimentais.
Podemos dizer que a indução empírica conclui em certeza plena se se elaborar por
“contagem completa”, e só alcança certeza imperfeita, chamada física, se apoiar-se em
uma “contagem incompleta”, embora suficiente para sustentar que tal natureza possui de
modo estável tais propriedades.

3.2. Dedução

A dedução (ou raciocínio dedutivo) é o discurso que parte de princípios conhecidos


pela inteligência, dos quais ao menos um é universal, inferindo a partir desses princípios,
uma conclusão. Manifesta-se a verdade de uma proposição, na medida em que esta esteja
contida nas proposições anteriores, expl.: “Todo o espiritual é indestrutível. A alma
humana é espiritual. Logo, A alma humana é indestrutível”.
O raciocínio dedutivo pode ser categórico, quando está formado por proposições
simples (como o silogismo que acabamos de ver); ou hipotético, quando está formado por
proposições compostas, sobretudo condicionais, ex.: “Se estuda aprovará o exame. Estuda.
Logo, aprovará o exame”.

33
CAPÍTULO VII
AS FACULDADES COGNOSCITIVAS E O PROCESSO DO
COGNOSCIMENTO

1. SENTIDOS EXTERNOS: EXISTÊNCIA E NATUREZA15

Santo Tomás trata este tema no art. 3 da q. 78 (Primeira Parte). Podemos dividir a
análise deste artigo nos seguintes pontos:

1.1. A distinção dos sentidos externos

Diz santo Tomás que “a razão do número e distinção dos sentidos se tem que
extrair daquilo que é próprio e essencial aos mesmos”.

Os sentidos são essencialmente potências passivas, suscetíveis de serem alterados


pelos objetos sensíveis exteriores. Toda potência passiva se distingue por seu objeto
próprio. Portanto, o critério de distinção dos sentidos é a diversidade essencial de seus
objetos próprios.

Assim, segundo seus objetos, podemos distinguir 5 sentidos externos:


O tato: que tem como objeto o imediatamente sensível.
O paladar: que tem como objeto o sabor.
O olfato: que tem como objeto o aroma.
O ouvido: que tem como objeto o som.
A visão: que tem como objeto a luz.

1.2. Estrutura dos sentidos externos

Cada sentido está composto de faculdade e órgão, ambos formam uma unidade
particular, como a alma e o corpo, formando um só princípio operativo (uma só potência
cognoscitiva), e realizando um único ato cognoscitivo, pelo qual apreende seu objeto
próprio.

Para que o sentido externo possa realizar seu ato de sentir, e apreender seu objeto, é
preciso que este tenha a capacidade de receber toda a gama de imutações que constituem
seu objeto próprio.

15
Cfr.S. Th., I, q. 78, a. 3.
34
2. SENTIDOS INTERNOS16

2.1. DISTINÇÃO DOS SENTIDOS INTERNOS

Para distinguir os sentidos internos, santo Tomás começa com o seguinte raciocínio:

- o animal deve ser capaz de realizar aquelas operações necessárias para sua vida;
- os princípios dessas operações são as potências ou faculdades;

Mas acontece que temos potências que realizam mais de uma operação, o que é o
mesmo que dizer, que há operações que são realizadas por uma mesma potência.

Logo, o animal terá tantas potências, quantas operações que não sejam realizadas
por uma mesma potência.

2.1.1. Sentidos internos formais

Ao argumento anterior temos que acrescentar que para a vida do animal perfeito
não é necessário somente que perceba a realidade sensível presente, mas também a
ausente. Caso contrário, o animal não se moveria para procurar coisas distantes, já que
tanto o movimento como a ação do animal segue a uma percepção.
Portanto, é necessário que o animal receba não só as espécies dos objetos sensíveis
que está percebendo atualmente, mas também que possa conservar essas espécies. Porém
receber e conservar- nos seres corporais- é algo que se atribui a princípios distintos
(Porque um corpo que está continuamente recebendo impressões não pode conservá-las, já
que ao receber uma nova impressão perde a que tinha anteriormente). Por isso, como a
potência sensitiva é ato de um órgão corporal, é necessário que sejam diferentes a potência
que recebe e a potência que conserva as espécies sensíveis.

Por isso, para receber as formas sensíveis tem-se o sentido comum, que recebe o
captado por nossos sentidos externos. Para reter e conservar tem-se a fantasia ou
imaginação, que são o mesmo, pois a fantasia ou imaginação é como um depósito das
formas recebidas pelos sentidos externos.

2.1.2 Sentidos internos intencionais

Por outra parte, temos que agregar também que, se o animal só se movesse pelo que
deleita ou desgosta sensivelmente, não seria necessário atribuir-lhe mais operações e
faculdades das que já enumeramos.
Mas é necessário que o animal procure umas coisas e fuja de outras, não só porque
sejam convenientes ou prejudiciais ao sentido, mas por outras conveniências, utilidades,

16
Cfr. S. Th., I, q. 78, a. 4.
35
ou prejuízos. Exemplo: A ovelha, ao ver vir o lobo foge, não porque a figura ou a cor do lobo seja
repulsiva, mas sim porque o que vem é um inimigo de sua própria natureza. O pássaro recolhe
palhas não para ter um prazer, mas sim porque são úteis para a construção de seu ninho.
Para fazer isso, é necessário que o animal possa perceber essas intenções que não
percebe os sentidos externos. Por isso é necessário que as receba em uma potência
diferente do sentido comum, já que este recebe as espécies que percebem os sentidos
externos.
Para perceber as intenções que não se recebem pelos sentidos, tem-se a faculdade
estimativa (que no homem se chama cogitativa). Para conservá-las, tem-se a memória, que
é como um arquivo de ditas intenções. Por isso, os animais lembram-se do que é nocivo ou
conveniente para eles. Também a mesma razão de passado, considerada pela memória,
entra dentro das intenções.

2.1.3. Diferença entre sensibilidade humana e sensibilidade animal

Quanto aos sentidos formais (sentido comum e imaginação) não há diferença, mas
sim quanto aos sentidos intencionais (cogitativa-estimativa e memória).

- O animal, através da estimativa, percebe as intenções por certo instinto natural,


sem um trabalho de comparação entre as diferentes experiências.
- O homem, pelo contrário, através da cogitativa capta os valores concretos dos
objetos por certa dedução ou comparação, pelo que recebe o nome de “ratio particularis”.
- Quanto à memória, o animal recorda imediatamente, porque não investiga nem
busca os conteúdos já captados.

- O homem, pelo contrário, recorda como raciocinando, investigando e procurando as


intenções individuais.

2.1.4. Diferença entre sentidos internos formais e intencionais

A distinção entre sentidos internos formais e intencionais dá-se pela diferente


qualidade do conteúdo perceptivo que estas potências recebem e organizam.

- Os sentidos internos formais (sentido comum e imaginação), recebem e conservam


as formas sensíveis, que são as qualidades sensíveis tal como existem na realidade.
- Os sentidos internos intencionais (cogitativa e memória), recebem e conservam as
intenções, que são o conteúdo de valor real que se funda na natureza do objeto e interessa à
natureza do sujeito. É sempre um conteúdo concreto, particular, ligado a objetos e sujeitos
particulares.
Nestes sentidos internos se realiza a organização do conteúdo perceptivo. Nos
sentidos internos formais se realiza a organização sensorial primária (das formas), e nos

36
sentidos internos intencionais se realiza a organização sensorial secundária (das
intenções).

2.2. NATUREZA DOS SENTIDOS INTERNOS

2.2.1. ORGANIZAÇÃO SENSORIAL PRIMÁRIA

Prenotandos.
Sensível per se: São os que atualizam e modificam realmente o órgão do sentido,
dividem-se em próprios e comuns:
- Sensíveis per se próprios: São aqueles que não podem ser percebidos por mais de
um sentido, sobre eles não há engano.
- Sensíveis per se comuns: São aqueles que são captados por mais de um sentido, no
mesmo sensível próprio. Estes são o movimento, a quietude, o número, a figura, a
magnitude.

Sensíveis per accidens: São aqueles que não exercem nenhuma causalidade real
sobre o sentido; como por exemplo, quando digo ver o filho do João ao ver uma cor
branca.

2.2.1.1. Os sentidos internos formais

1. Sentido comum; definição e funções

Santo Tomás atribui ao sentido comum duas funções:

Uma, enquanto percebe os atos dos sentidos externos, por exemplo, sentimos que
vemos e que ouvimos. Outra, enquanto unifica o que recebe dos sentidos externos.

Primeiro percebe: Nenhum sentido externo se conhece si mesmo, nem sua


operação, pois a visão não se vê a si mesma, nem vê que ela vê, mas sim isto pertence a
uma potência superior a ela: o sentido comum.

Segundo unifica: O sentido comum não só é consciente da ação de outros sentidos,


mas também une os conteúdos formais que eles captam, e assim pode começar uma
espécie de “reconstrução” da realidade. Seu trabalho consiste então em devolver à
realidade a unidade que esta perdeu ao ser captada fragmentariamente pelos sentidos
externos.

O sentido comum começa a organização primária dos dados sensoriais, mas não
começa de zero, pois como diz o Padre Fabro “o objeto já está estruturado na primeira

37
apreensão, feita pelos sentidos externos, enquanto cada sensível próprio é inseparável e
está acompanhado sempre por algum sensível comum”17. A visão, por exemplo, não
capta uma cor sozinha, mas sim com um determinado tamanho, figura, etc. Para o Padre
Fabro: “o sentido comum... apreende com um só olhar uma forma atual que os sentidos
particulares veem “aqui e agora” desde vários lados”18.

2. Imaginação ou Fantasia; definição e funções

Uma vez que as qualidades sensíveis, que imutam os sentidos externos, foram
unificadas pelo sentido comum, a fantasia elabora em si mesmo, uma representação
daquelas qualidades unificadas pelo sentido comum.

Esta representação não é criação pura da fantasia, mas sim é produzida graças à
sensação em ato do sentido comum.

Podemos resumir esquematicamente as funções da fantasia:

- elaboração de uma representação das qualidades sensíveis unificadas pelo sentido


comum.
- reprodução daquelas coisas representadas em ausência das mesmas.
- contribuir como instrumento da cogitativa, na elaboração do “fantasma”, do qual
será abstraída a essência universal de uma coisa.

2.2.1.2. Natureza da organização sensorial primária

É a organização dos conteúdos formais, realizada pela ação dos sentidos externos, o
sentido comum e a fantasia.

Esta organização se dá através das diferentes fusões ou unificações dos dados


sensíveis formais. Estas são necessárias porque é impossível que uma potência se aplique a
distintos objetos ao mesmo tempo, já que, nenhuma potência pode receber muitas formas
simultaneamente, a não ser que estas se encontrem unificadas.

1. Fusão simultânea

É a que se dá ao mesmo tempo e consiste na percepção em um só ato, de muitas


qualidades em conjunto. Pode haver duas fusões simultâneas:

- Uma homogênea: é a fusão ou unificação simultânea de qualidades sensíveis do


mesmo gênero, ou seja, que pertencem ao mesmo sentido. Esta unificação vem dada desde

17
C. FABRO, Percezione e Pensiero, in Opere Complete, t. 6, Edivi, Segni 20083, 93.
18
Cfr. C. FABRO, Percezione e Pensiero, in Opere Complete, t. 6, Edivi, Segni 20083, 94.
38
fora, do exterior, não a faz o sentido. Exemplo: as cores que vêm unificadas formando uma
figura.

- Uma heterogênea: é a fusão dos dados dos distintos sentidos externos. Esta é
realizada pelo sentido comum que tem como objeto o conteúdo apresentado pelos
sentidos externos. Exemplo: a unificação da cor com a temperatura de uma coisa. Esta
unificação é realizada pelo sentido comum, mas a partir dos dados proporcionados pelos
sentidos externos, os quais fornecem ao sentido comum a informação suficiente para
realizar a unificação.

2. Fusão sucessiva

É a fusão de sensações que se dão com sucessão no tempo, pode ser homogênea ou
heterogênea.

Já dissemos que a imaginação elabora uma representação das qualidades sensíveis


unificadas pelo sentido comum, quer dizer, que guarda uma representação das fusões
simultâneas do sentido comum. Agora bem, essas fusões simultâneas são unificadas de
modo sucessivo na imaginação. A isso chamamos fusão sucessiva. Exemplo: uma melodia
(sucessão de sons unificados), um vídeo (sucessão de sons e imagens unificados).

2.2.2. ORGANIZAÇÃO SENSORIAL SECUNDÁRIA

Vimos como os sentidos formais realizam a organização de seus conteúdos, mas


isto não basta para o conhecimento que precisam os animais. É necessário que captem
também o valor concreto das coisas, ou seja, o significado que tem cada substância
singular para o sujeito que conhece. Esta organização dos conteúdos de valor é a que
realiza a cogitativa.

2.2.2.1. Funções da cogitativa

A cogitativa cumpre três funções principais:

1) Captar a substância singular e os “sensíveis per accidens”, ou seja,


aqueles conteúdos de valor concreto da realidade (“intentio”). Este conteúdo
não é sensivelmente apreendido pelos sentidos internos formais. Por
exemplo, capto que vejo o filho do João quando vejo branco.
2) Com a ajuda da imaginação (ou fantasia) e da memória,
elabora o fantasma, do qual o intelecto abstrairá os conteúdos inteligíveis. É
o mais acabado e perfeito que pode produzir o sentido.
3) Só mediante a cogitativa o entendimento dispõe das coisas em
concreto e por isso pode realizar o silogismos que tenham premissas
particulares. Exemplo “Pedro é homem”.
39
2.2.2.2 Formação dos esquemas

A cogitativa capta os valores concretos dos objetos (sensíveis per accidens) e os


guarda de modo organizado na memória. Por isso, esta captação da cogitativa se
aperfeiçoa com a repetição de atos, ou seja, a cogitativa vai captando cada vez melhor os
conteúdos perceptivos, graças à organização que faz destes, enquanto elabora “sínteses
sensoriais”, que ajudarão a perceber melhor os conteúdos futuros. Estas sínteses sensoriais são
chamadas por Fabro: “esquemas perceptivos19”.

3. AS POTÊNCIAS INTELECTIVAS

3.1. O intelecto é uma potência diferente da essência da alma?

Efetivamente, o intelecto é uma potência diferente da essência da alma:

- Porque sempre deve haver proporção entre uma faculdade e a operação que esta
realiza.
- no homem, o ato de entender é um acidente. Portanto, a faculdade que realiza esse
ato também deve ser um acidente. E por isso a faculdade intelectiva não se identifica com
a alma, mas sim é um acidente desta, e mais precisamente, uma potência operativa desta.

3.2. O intelecto é potência passiva?

O intelecto humano, por sua imperfeição, não contém atualmente todo o


cognoscível, mas sim ao princípio de sua atividade, está vazio como uma folha em branco
(tabula rasa), e vai adquirindo progressivamente o cognoscível. Portanto, o intelecto
humano se acha em potência com respeito a seu objeto (o cognoscível), enquanto este o
atualiza. Disto se segue que o intelecto humano é uma potência passiva.

3.3. É necessário um intelecto distinto do intelecto possível?

A existência de um intelecto agente é necessária, porque o fantasma, produzido


pela cogitativa não pode imutar ao intelecto, já que este é imaterial, enquanto aquele está
ligado às condições materiais.

Para o fantasma não é possível imutar em ato o intelecto possível, embora esteja em
potência para fazê-lo. Por outro lado, o intelecto possível também se encontra em potência
de conhecer, já que sem a presença da espécie inteligível não pode realizar seu ato
cognoscitivo. De tudo isto se segue a necessidade, para que se dê o conhecimento, de que
exista uma faculdade que atualize o fantasma produzido pela cogitativa, Abstraindo a
espécie inteligível contida neste, de suas condições materiais, permitindo assim que esta

19
Não confundir com os esquemas perceptivos de Kant.
40
espécie inteligível imute o intelecto possível para que este possa conhecer. A faculdade
que realiza isto se chama: “intelecto agente”.

3.4. O intelecto agente é algo próprio da alma?

Por experiência temos consciência de que somos nós mesmos os que abstraímos e
conhecemos intelectualmente. Isto não seria possível se não tivéssemos um princípio
operativo próprio e inerente a nós, pois a nenhum ser se atribui uma ação se não a realizar
mediante um princípio próprio e inerente a ele. Portanto, é necessário que cada sujeito que
conhece, possua seu próprio intelecto agente.

3.5. A memória se acha na parte intelectiva da alma?

É um dado evidente que nosso intelecto não só conhece atualmente as essências das
coisas, mas também as retém. Por conseguinte, se por memória entendemos a faculdade
de conservar as espécies, é preciso afirmar que a memória reside na parte intelectiva e é o
mesmo intelecto. Se pelo contrário entendemos por memória a faculdade de conservar as
intenções (dados sensoriais), é preciso afirmar que esta memória reside na parte sensitiva
intencional e é o que comumente chamamos memória.

3.6. A memória intelectiva é potência diferente do entendimento?

Como já vimos, nas faculdades cognoscitivas que se dão em um órgão material,


receber e conservar não se dá na mesma faculdade, porque uma faculdade que se encontra
unida à matéria, ao receber uma espécie nova perde a que tinha, já que a matéria permite
uma só forma de uma vez. Por isso, nas faculdades que se encontram unidas à matéria, é
necessário que seja uma a faculdade que receba e outra a que retenha. Entretanto, nas
faculdades cognoscitivas que não se dão em um órgão material, nada impede que seja a
mesma potência a que recebe e a que retém, por isso não é necessário que o intelecto
possível (que recebe as espécies) e a memória intelectiva (que as retém) sejam potências
diferentes.

Contudo o intelecto agente e o possível se distinguem como potências diferentes,


porque respeito a um mesmo objeto, é diferente a potência ativa (que põe ao objeto em
ato), da potência passiva (que é movida pelo objeto em ato).

3.7. A razão e o intelecto são potências diferentes?

-Entender: consiste na simples apreensão da verdade.


-Raciocinar: é mover-se de uma verdade a outra para conhecer.

O raciocinar respeito ao entender é como o mover-se respeito ao repousar.

41
Agora bem, o movimento parte do repouso e termina no repouso, assim o homem
parte de uma verdade para voltar a repousar em uma verdade.

Logo, como o repouso e o movimento não se reduzem a potências distintas, segue-


se que é em virtude de uma mesma potência que entendemos e raciocinamos.

3.8. A inteligência e o intelecto são potências diferentes?

“Inteligência” é o ato de entender, e “intelecto” é a potência que produz esse ato:


Assim a inteligência não se distingue do intelecto, como uma potência de outra, mas sim
como o ato da potência. Por isso não são potências distintas.

3.9. Intelecto especulativo e prático são potências diferentes?

Distinguem-se pelo fim ao que se ordena o conhecido.


-Intelecto especulativo: ordena o aprendido à contemplação da verdade.
-Intelecto prático: ordena o aprendido à ação.
E é acidental ao conhecido, que se ordene à ação ou à contemplação.
O que é acidental ao objeto de uma potência, não diversifica à potência.
Logo, intelecto especulativo e prático não são potências diferentes.

3.10. A consciência e o intelecto são potências diferentes?

O termo “consciência” (cum alio scientia = ciência com outro) indica relação de um
conhecimento com uma coisa, agora bem, a aplicação de um conhecimento a uma coisa se
faz mediante um ato, portanto por seu mesmo conceito nominal a consciência é um ato.
Analisando as funções que realiza a consciência vemos que: testemunha, instiga,
acusa, remorde etc...., todas coisas que se seguem da aplicação de um conhecimento ao que
fazemos. Esta aplicação pode ser de três modos: 1) Quando reconhecemos que fizemos ou
não fizemos uma coisa, aqui a consciência “testemunha”. 2) Quando julgamos que deve
fazer-se ou não tal ou qual coisa, assim “instiga” ou “obriga”. 3) Quando julgamos que o
fato foi bom ou mau, assim “desculpa”, “acusa”, “remorde”.
É evidente que tudo isto é aplicação atual do conhecimento ao que fazemos, por
isso a consciência é um ato e não uma potência. Na linguagem moderna também se usa
este termo para designar a potência que realiza este ato, quer dizer o intelecto. De uma ou
outra forma, a consciência não é uma potência distinta do intelecto.

4. A ABSTRAÇÃO

Em geral abstrair é “separar” uma coisa de outra. Nós aqui aplicaremos o termo
abstração ao ato pelo qual se passa do sensível concreto ao inteligível abstrato pela ação do
42
intelecto agente.

4.1. Etapas da abstração:

1) Sensibilidade

A primeira etapa dispositiva é realizada pela sensibilidade, mais precisamente pela


cogitativa com a ajuda da memória e da fantasia. A cogitativa elabora o “fantasma” de um
objeto concreto e singular, no qual se encontram em potência os conteúdos inteligíveis. A
sensibilidade conhece só o particular, é por isso que não pode captar os conteúdos
inteligíveis e universais, estes só podem ser captados pela inteligência. Mas, como
dissemos, tais conteúdos estão em potência, e o intelecto possível (que é o que conhece)
também está em potência. Portanto se requer da ação do intelecto agente, que é atual,
porque nada passa da potência ao ato, se não ser por algo em ato. Aqui vem a 2ª etapa.

2) Intelecto agente

O intelecto agente ilumina o fantasma, abstraindo dele o conteúdo inteligível, o


qual imuta o intelecto possível imprimindo-se nele (espécie impressa). Nesta etapa se dá
propriamente o que chamamos “abstração”.
A espécie impressa, não é o conhecimento, mas sim é “a presença do conteúdo
inteligível” na potência cognoscitiva.

3) Intelecto possível

Logo da abstração, dá-se uma assimilação por parte do intelecto possível da


essência contida na espécie impressa e a produção de um “verbum”, ou “espécie expressa”.
Isto é o que chamamos “simples apreensão”.

4.2. Os modos de abstração

1) Abstração do universal a partir do particular (abstractio totius)

Nesta abstração se considera as essências das coisas particulares, de modo


universal. Deste modo são objeto de ciência e definição. Esta é a abstração das ciências
naturais.

2) Abstração da forma a partir da matéria (abstractio formae)

Esta corresponde à matemática. Abstrai-se uma forma a partir da matéria. Esta


forma abstraída é a quantidade, que enquanto é o primeiro acidente dos corpos, pode ser
entendida por si mesma sem relação ao sensível.

43
5. O JUÍZO

5.1. Definição

A segunda operação do entendimento se denomina juízo, ou também “composição


e divisão”, enquanto afirma (unindo um predicado a um sujeito), ou nega (separando um
predicado de um sujeito)20. Seu fruto é a proposição.
Os conceitos que produz o entendimento humano são imperfeitos porque a
inteligência humana não pode captar em um só ato apreensivo todas as perfeições de um
sujeito nem de uma espécie, mas sim vai captando uma por uma. Por isso, é necessária
outra operação do entendimento que unifique as perfeições conforme se deem unidas na
realidade e as separe conforme se deem separadas nesta. Esta operação do entendimento é
o juízo.

5.2. Aspecto psicológico do juízo

Veremos aqui brevemente a gênese do juízo:

a) Por meio da Simples Apreensão se captam os conceitos.


b) Quando a inteligência volta para o fantasma se dá conta que os distintos
conceitos que conhecemos, dão-se na realidade unidos ou separados.
c) Assim o juízo une ou separa os conceitos conforme se deem unidos ou separados
na realidade. Com este ato o espírito conhece que o que tem em si, é conforme à realidade.
e) Uma vez realizada a composição ou divisão, dá-se o momento cognoscitivo da
segunda operação do intelecto, a qual produz um “verbo mental” que “expressa” o que
conheceu. Este verbo enriquece o conteúdo intelectual do conceito.

5.3. No juízo se dá a verdade ou a falsidade

Santo Tomás afirma em muitas de suas obras, que a verdade se encontra


propriamente no juízo, ou seja, no intelecto que compõe ou divide. Brevemente veremos
como o afirma na questão 1 do tratado De Veritate.

20
«Respondo: deve dizer-se que o entendimento humano tem necessidade de conhecer compondo e dividindo.
Pois como o entendimento humano passa da potência ao ato, conserva certa semelhança com os seres suscetíveis de
geração, os quais não possuem imediatamente toda sua perfeição, mas a adquirem gradualmente. Do mesmo modo o
entendimento humano não adquire imediatamente o conhecimento perfeito de uma coisa ao percebê-la pela primeira
vez, mas sim começa conhecendo algo dela, como, por exemplo, sua essência, que é o primeiro e próprio objeto do
entendimento. Depois conhece as propriedades, acidente e relações que acompanham à essência. Por isto [o
entendimento humano] tem necessidade, ao perceber uma coisa, de compô-la ou dividi-la com outra coisa; e, além
disso, passar de uma composição ou divisão, a outra, o que chamamos raciocínio» (S. Th. I, q. 85, a. 5, co).
44
1º artigo: O que é a verdade.

Quando realiza a dedução dos transcendentais, ao chegar à verdade a define como


a adequação entre a coisa e o intelecto (“adecuatio rei et intellectus”). Adequação significa
assimilação, conveniência entre dois termos. Logo a verdade é a conveniência entre a coisa
e o intelecto.

2º artigo: Se a verdade estiver principalmente no intelecto ou nas coisas.

Aqui afirma que a verdade está principalmente no intelecto, porque o verdadeiro


diz ordem ao intelecto e o movimento da virtude cognoscitiva termina no intelecto.
Portanto a verdade deve estar principalmente no intelecto.

3º artigo: Se a verdade está no juízo.

Responde que sim, porque é nesta operação onde se dá a adequação entre o


intelecto e a coisa. Já que nas operações anteriores (sensação e simples apreensão) o
intelecto não se adequa totalmente à coisa tal qual está na realidade.
É no juízo onde o espírito, através da composição ou divisão, se adequa à coisa tal
qual está na realidade.
Isto não quer dizer que nas outras operações antes nomeadas não haja nada de
verdade. Nelas está a verdade como materialmente; no juízo está a verdade formalmente.

6. O RACIOCÍNIO

O raciocínio é um movimento da mente pelo que passamos de vários juízos –


comparando-os entre si – à formulação de um novo juízo, que necessariamente segue dos
anteriores. Por exemplo: a partir das proposições “o homem é animal” e “o animal é
mortal”, pode-se concluir que “o homem é mortal”. Esta nova verdade é conhecida neste
caso por meio das verdades anteriores, pois nelas há algo em comum (o conceito
“animal”) que permite relacionar os conceitos de “homem” e “mortal”. Por outro lado, de
dois enunciados que nada têm haver ver entre si (ex: “o fogo queima” e “a água é incolor”)
nada pode concluir-se. Chegar a uma conclusão que se segue, de modo necessário, das
proposições anteriores é o que chamamos inferência. Há dois tipos de conhecimento
discursivo ou raciocínios: a indução e a dedução.

45
CAPÍTULO VIII
OBJETO PRÓPRIO DO INTELECTO E CONHECIMENTO DO SINGULAR

1. INTRODUÇÃO

O problema sobre o objeto próprio do intelecto sempre foi de grande importância


para o estudo gnosiológico. Umas das maiores dificuldades que preocupa aos que tratam
este tema é o de resolver como seja possível conjugar a exigência de um intelecto imaterial,
que conhece as essências abstraídas da matéria, com a necessidade de que esse intelecto
conheça também o singular concreto.
Se aferrarmo-nos a uma visão fragmentária do intelecto, que separa a sensibilidade
do entendimento, o problema será insolúvel.
Os racionalistas dirão que o objeto próprio do intelecto são as essências abstratas das
coisas. Já que isso é o que apreende imediatamente o intelecto. Passando por cima a
necessidade de que esse intelecto conheça o singular concreto.
Os empiristas, por sua parte, afirmarão que o objeto próprio do intelecto são as
percepções concretas das coisas, que o sentido unifica por associação. Eliminando a exigência de
um intelecto imaterial que conhece as essências abstraídas das condições materiais
concretas.
O estudo detalhado deste problema sugere que solo adotando uma visão unitária e
total do intelecto, que agrupe tanto a sensibilidade, como o entendimento na unidade de
uma mesma consciência, poderá dar uma resposta satisfatória. Segundo esta visão integral
do intelecto, o objeto próprio deste, não seriam as essências abstratas das coisas, mas sim, as
essências das coisas existindo de modo concreto em ditas coisas, quer dizer, os entes, ou coisas que
são (ens est “id quod est”).
Neste sentido santo Tomás afirma que o ente é, não só o primeiro que conhecemos,
mas também o objeto próprio de nosso intelecto.
O primeiro que cai na concepção do intelecto é ente, já que uma coisa é cognoscível
enquanto está em ato […]. Desde onde se segue que ente é o objeto próprio do
intelecto, e assim é o primeiro inteligível como o som é o primeiro audível21.
Estas afirmações do ente como objeto próprio da consciência por um lado, e da unidade
ontológica e operativa de nossa consciência pelo outro, são verdades mais que evidentes, e que
se reclamam reciprocamente.
Com efeito, se o objeto próprio do intelecto fossem as essências abstratas das coisas
e não as essências realizadas de modo concreto, quer dizer, os entes, a ação não seria

21
S. Th., I, q.5, a.2, c.: «Primo autem in conceptione intellectus cadit ens, quia secundum hoc unumquodque
cognoscibile est, inquantum est actu […]. Unde ens est proprium obiectum intellectus, et sic est primum intelligibile,
sicut sonus est primum audibile»; De veritate q.1, a.1, c.: «Illud autem quod primo intellectus concipit quasi
notissimum, et in quod conceptiones omnes resolvit, est ens, ut Avicenna dicit in principio suae metaphysicae».
46
possível, já que o intelecto não poderia conhecer os singulares, nem interagir com eles,
nem raciocinar sobre estes, nem lhe pôr nomes próprios, nem pensar que Sócrates é
homem, nem fazer um julgamento prudencial, etc. Coisas que evidentemente fazemos.
Quanto à unidade de consciência, além de ser um fato de experiência interna,
segue-se também do fato de que o objeto da consciência seja a essência realizada de modo
particular. Já que para que se dê um conhecimento deste tipo, não basta o intelecto tomado
isoladamente, mas sim é necessário que este esteja inclinado para a sensibilidade e em
continuidade com esta para conhecer através dela a essência existindo de modo particular.
Santo Tomás explica claramente:
Uma potência cognitiva é proporcionada ao objeto cognoscível [...]. O intelecto
humano, que está unido ao corpo, tem como objeto próprio a quididad ou natureza
que existe na matéria corporal [...]. Agora bem, é da razão de este tipo de natureza
que exista em algum indivíduo, o qual não se dá sem matéria corporal; assim como
é da razão da natureza de pedra que esteja nesta pedra; e é da razão da natureza de
cavalo que esteja neste cavalo, etc. De onde a natureza da pedra, ou de algo
material, não pode conhecer-se completa e verdadeiramente, a não ser enquanto se
conhece como existente em particular. Agora bem, apreendemos o particular pelo
sentido e a imaginação. E por isso é necessário, a fim de que o intelecto entenda em
ato seu objeto próprio, que se converta ao fantasma (representação da
sensibilidade), para que veja a natureza universal como existente no particular22.

2. A PERCEPÇÃO INTELECTIVA DOS SINGULARES

É necessário então que o intelecto se volva à sensibilidade para conhecer o singular.


Isso é o que Santo Tomás chama conversio ad phantasmata (conversão para o fantasma), que
consiste em um inclinar-se do intelecto sobre a sensibilidade para conhecer o singular. Esta
necessidade do intelecto de conhecer o singular faz surgir novamente o problema, ainda
não resolvido, do modo em que um intelecto imaterial que naturalmente conhece as
essências abstraídas da matéria, possa conhecer o singular concreto.
A resposta de santo Tomás vem através da noção de participação. A
interdependência das potências cognitivas tem seu fundamento na derivação das
potências a partir da alma. Com efeito, da alma derivam as demais potências ao modo em
que os acidentes próprios derivam da substância por emanação natural. Esta emanação se
dá de um modo ordenado, as primeiras em emanar são a inteligência e a vontade, depois

22
S. Th., I, q.84, a.7, c.: «Huius autem ratio est, quia potentia cognoscitiva proportionatur cognoscibili. [...].
Intellectus autem humani, qui est coniunctus corpori, proprium obiectum est quidditas sive natura in materia corporali
existens; et per huiusmodi naturas visibilium rerum etiam in invisibilium rerum aliqualem cognitionem ascendit. De
ratione autem huius naturae est, quod in aliquo individuo existat, quod non est absque materia corporali, sicut de ratione
naturae lapidis est quod sit in hoc lapide, et de ratione naturae equi quod sit in hoc equo, et sic de aliis. Unde natura
lapidis, vel cuiuscumque materialis rei, cognosci non potest complete et vere, nisi secundum quod cognoscitur ut in
particulari existens. Particulare autem apprehendimus per sensum et imaginationem. Et ideo necesse est ad hoc quod
intellectus actu intelligat suum obiectum proprium, quod convertat se ad phantasmata, ut speculetur naturam
universalem in particulari existentem».
47
os sentidos e o apetite sensível. A inteligência e a vontade derivam diretamente da alma,
mas os sentidos e o apetite sensível não emanam imediatamente da alma, mas sim cada
uma o faz da faculdade correspondente. Assim o sentido deriva do intelecto, e consiste em
uma certa participação deficiente do mesmo.
Respondo: Naquelas coisas que, segundo uma ordem natural, procedem de uma
mesma coisa, acontece que, assim como a primeira é causa de todas as demais,
assim também a que está mais próxima à primeira, de algum modo é a primeira
causa da que está mais afastada. Foi demonstrado anteriormente que entre as
potências da alma há uma ordem múltipla. Deste modo, uma potência da alma
procede da essência da alma através de outra potência. [...]. Aquelas potências da
alma que são as primeiras segundo a ordem de natureza e perfeição, também são a
origem das demais enquanto ao fim e princípio eficiente. Também o sentido existe
em razão do intelecto, mas não ao reverso. Por ser o sentido como uma participação
incompleta do intelecto, sua origem natural tem que estar no intelecto como o
imperfeito no perfeito23.
A esta ordem natural de emanação das potências corresponde à ordem da operação,
que é inverso, já que as primeiras potências em atualizar-se são as mais imperfeitas (os
sentidos externos).
Aqui vemos como se dá a continuidade necessária para que a inteligência possa
dirigir ou acionar as demais potências sensitivas de conhecimento e possa voltar sobre as
imagens para conhecer o singular.
A mente per accidens se interna no singular, enquanto se continua com as potências
sensitivas, que versam a respeito do particular. Tal continuação é dupla, primeiro:
enquanto o movimento da parte sensitiva termina na mente, como acontece no
movimento que vai das coisas à alma. E deste modo a mente conhece o singular por
certa reflexão […]. Segundo: enquanto ao movimento que vai da alma à coisa,
começa na mente, e se dirige à parte sensitiva, enquanto a mente rege as potências
inferiores. E assim se interna no singular mediante a razão particular, que é uma
potência da parte sensitiva que compõe ou divide as intenções individuais, a qual se
chama também cogitativa…24.

23
S. Th., I, q.77, a.7, c.: «Respondeo dicendum quod in his quae secundum ordinem naturalem procedunt ab
uno, sicut primum est causa omnium, ita quod est primo propinquius, est quodammodo causa eorum quae sunt magis
remota. Ostensum est autem supra quod inter potentias animae est multiplex ordo. Et ideo una potentia animae ab
essentia animae procedit mediante alia. […]. Consequens est quod potentiae animae quae sunt priores secundum
ordinem perfectionis et naturae, sint principia aliarum per modum finis et activi principii. Videmus enim quod sensus
est propter intellectum, et non e converso. Sensus etiam est quaedam deficiens participatio intellectus, unde secundum
naturalem originem quodammodo est ab intellectu, sicut imperfectum a perfecto».
24
De veritate q.10, a.5, c.: «mens per accidens singularibus se immiscet, inquantum continuatur viribus
sensitivis, quae circa particularia versantur. Quae quidem continuatio est dupliciter. Uno modo inquantum motus
sensitivae partis terminatur ad mentem, sicut accidit in motu qui est a rebus ad animam. Et sic mens singulare cognoscit
per quamdam reflexionem […]. Alio modo secundum quod motus qui est ab anima ad res, incipit a mente, et procedit in
partem sensitivam, prout mens regit inferiores vires. Et sic singularibus se immiscet mediante ratione particulari, quae
est potentia quaedam sensitivae partis componens et dividens intentiones individuales quae alio nomine dicitur
cogitativa».
48
3. DOIS MODOS DE CONHECER O SINGULAR

Deste texto se segue que há dois modos em que a mente pode conhecer o singular.
- O primeiro se dá por certa reflexão do intelecto sobre as potências sensitivas, que se
realiza -como o afirma o texto anterior- no movimento que vai da coisa à alma. Isto significa
que dita reflexão, onde se dá o conhecimento intelectivo dos singulares, não se considera
uma reflexão de natureza especial, mas sim é a que acompanha ordinariamente no
exercício do ato (in actu exercito) a todo ato de entender, e que se tem, portanto em
qualquer abstração do universal. Em efeito parece ser doutrina do Angélico que o intelecto
abstrai o universal sem perder o contato com o singular, de tal modo que conhece o
universal “com” e “no” singular:
Como já foi dito, ainda depois que (nosso intelecto) abstraiu as espécies inteligíveis,
não pode entender em ato por meio delas a não ser convertendo-se aos fantasmas, nos
quais entende as espécies inteligíveis25.
Disto se deduz que esta abstração e reflexão pela que se conhece o universal no
singular, dá-se no âmbito da percepção. Em efeito, é na percepção onde o intelecto conhece
o universal sem deixar de estar voltado ao particular. Por isso podemos concluir que este
contato da mente com o singular se dá no momento inicial de cada conhecimento.
De tudo isto, se segue que o primeiro modo de conhecimento, que o intelecto tem
dos singulares na percepção, é instantâneo: porque cronologicamente primeiro (dá-se no
âmbito da percepção); direto, porque intencionalmente inicial (conhece-se de modo
espontâneo sem necessidade de discorrer); mas mediato, porque é realizado por meio da
sensibilidade (o intelecto conhece o singular através do fantasma da cogitativa).
- O segundo modo de conhecer o singular se dá por certa reflexão do intelecto sobre as
potências sensitivas, que se realiza no movimento que vai da alma à coisa.
Este é um movimento propriamente reflexivo enquanto é uma reflexão realizada
intencionalmente, sob o impulso da vontade e a direção do intelecto.
O padre Cornelio Fabro comentando o texto de santo Tomás, que fala dos dois modos
em que a mente pode conhecer o singular, enfatiza mais a distinção, chamando ao
primeiro modo: reflexão in actu exercito e ao segundo reflexão in actu signato:
Deve-se concluir então, que a reflexão da qual ordinariamente se fala nos textos tomistas
quando se trata do conhecimento intelectivo dos singulares, não é considerada uma
reflexão de natureza especial, mas sim é aquela que acompanha ordinariamente (in actu
exercito) todo ato de entender e que se tem, portanto em qualquer abstração do universal
metafísico. É este o conhecimento do singular que o intelecto se forma a primeira vez no
movimento que vai «a rebus ad animam», e que deve distinguir-se, como nota

25
«Quia, sicut supra dictum est, etiam postquam species intelligibiles abstraxit, non potest secundum eas actu
intelligere nisi convertendo se ad phantasmata, in quibus species intelligibiles intelligit, ut dicitur in III de anima». S.
Th., I, q.86, a.l, c.
49
expressamente o mesmo santo Tomás, daquele que o intelecto pode ter no movimento
propriamente reflexivo (in actu signato) que vai «ab anima ad res» (Del alma a la cosa).26
Concluímos então que o singular pode ser objeto per se do intelecto de dois modos.
Primeiro de modo implícito no exercício do ato de conhecer (na simples apreensão que se
dá no âmbito da percepção), depois de modo explícito27 no juízo28.

26
«Si deve conchiudere allora che la riflessione di cui ordinariamente si parla nei testi tomisti quando si tratta
della conoscenza intellettiva dei singolari, non va ritenuta una riflessione di natura speciale, ma è quella che
accompagna ordinariamente (in actu exercito) ogni atto di intendere e che si ha quindi in qualsiasi astrazione
dell'universale metafisico. È questa la conoscenza del singolare che l'intelletto si forma la prima volta nel movimento
che va “a rebus ad animam”, e che è da distinguere, come nota espressamente S. Tommaso stesso , da quello che
l’intelletto può avere nel movimento propriamente riflessivo (in actu signato) che va “ab anima ad res”»(C. FABRO,
Percezione e Pensiero, in Opere Complete, t. 6, Edivi, Segni 20083, 263).
27
Tudo parece indicar que este conhecimento explícito que o intelecto tem do singular no juízo (reflexão in
actu signato) é possível graças a que no conhecimento abstrativo do universal, o singular tinha passado o limite da
inteligência e tinha entrado em seu domínio, através da reflexão in actu exercito que acompanha toda intelecção..
28
Una confutazione in anticipo della conclusione del P. S. (Sladeczek) ci pare sia stata fatta dal suo confratello,
il Rahner, con il quale anch'io ritengo di riprendere, quasi sine glossa, la posizione di S. Tommaso, ammettendo la
funzione di fondamento della cogitativa, ed insieme tenendo che il singolare può esser oggetto per sé dell'intendere e
questo due volte: una prima implicita e confusa nello stesso processo di astrazione (reflexio exercita) ed una seconda,
esplicita e distinta, nell'azione pratica, sotto l'impulso della volontà e la direzione dell'intelletto (reflexio signata).
337-338 Nota Nº 39
50
CAPÍTULO IX
O CONHECIMENTO DO ESPIRITUAL29

1. O CONHECIMENTO DO ESPIRITUAL DEPENDE DO CONHECI-


MENTO DA NOSSA ALMA.

Na Summa Contra Gentes diz o Angélico: «Admitido que saibamos que as substâncias
separadas são certas substâncias intelectuais, bem seja por demonstração ou por fé, de
nenhuma das duas maneiras poderíamos conhecê-las, se nossa alma não pudesse conhecer
por si mesma o que é “ser intelectual”. De onde é preciso servir-se do conhecimento sobre
o intelecto da alma como princípio para conhecer quanto conhecemos das substâncias
separadas»30.
Da alma conhecemos experimentalmente uma de suas operações próprias: o entender,
que revela perfeitamente sua natureza e a partir da qual podemos deduzir suas
propriedades fundamentais: a liberdade de sua vontade, sua imaterialidade, sua
incorruptibilidade, sua imortalidade... Logo isto pode ser aplicado, por comparação
análoga, a outros seres espirituais.

2. O CONHECIMENTO DA NOSSA ALMA NO TOMISMO.

A posição tomista sobre o conhecimento da nossa alma se desenvolve através da tensão


de dois princípios antagônicos, um aristotélico e o outro agostiniano. Segundo Aristóteles
a alma se conhece a si mesma depois de conhecer outras coisas, e mediante o
conhecimento de outras coisas (o conhecimento que tem de si mesma é mediato). Segundo
Santo Agostinho, a alma se conhece a si mesma por si mesma (o conhecimento que tem de
si mesma é imediato).
Santo Tomás admite que a alma está sempre presente a si mesma, enquanto que as
outras coisas não se fazem presentes à alma, a não ser através de uma espécie intencional.
Contudo afirma que a natureza da alma não se conhece de modo imediato31.
Para tratar o problema, devemos distinguir o conhecimento da existência da alma (an
sit), do conhecimento de sua essência (quid sit). O primeiro está ao princípio, e o outro ao
final do processo de investigação; O primeiro considera a presença em concreto da alma
no conhecer, o outro seu conteúdo ontológico universalmente considerado (sua essência, e
suas propriedades).

29
Cf. CORNELIO FABRO, Percezione e Pensiero, Morcelliana, Brescia, 1962, especialmente pp. 351ss.
30
SANTO TOMÁS DE AQUINO, Summa Contra Gentiles, lib.III, c.46 «Cum enim de substantiis separatis hoc
quod sint intellectuales quaedam substantiae cognoscamus, vel per demonstrationem vel per fidem, neutro modo hanc
cognitionem accipere possemus nisi hoc ipsum quod est esse intellectuale, anima nostra ex seipsa cognosceret. Unde et
scientia de intellectu animae oportet uti ut principio ad omnia quae de substantiis separatis cognoscimus».
31
Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, De Veritate, q.X, a.8.
51
1. O conhecimento da existência da alma. Pode ser habitual ou atual:
a. Conhecimento habitual. A alma está presente em cada ato espiritual que
fazemos, por exemplo, ao perceber alguma coisa, co-percebe-se o ato de
perceber, o princípio desse ato (o intelecto) e também o fundamento de esse
princípio (a alma).
b. Conhecimento atual. Distingue-se do conhecimento habitual em que nesse
mesmo ato de conhecer algo, já não fica a atenção no objeto que se está
conhecendo, mas sim no ato de conhecer, em seu princípio (o intelecto) e no
fundamento desse princípio (a alma).
2. O conhecimento da essência da alma. Pode ser espontâneo ou científico:
a. Espontâneo. A essência de nossa alma se manifesta na natureza de suas
operações, a qual, por sua vez, é determinada pelo objeto próprio de cada
operação. Por exemplo: ao realizar o ato de entender alguma verdade
abstrata, damo-nos conta que este ato é imaterial, já que este objeto dela é
imaterial. E se o ato é imaterial, também a inteligência é imaterial (porque ela
é a potência que realiza este ato) e também a alma é imaterial (porque é o
fundamento desta potência).
b. Científico Este conhecimento procura afirmar, mediante o juízo, que a alma é
assim como se apreendeu anteriormente. Segue-se o mesmo caminho que o
conhecimento anterior, mas se argumenta com rigor científico.
Então o conhecimento da existência da alma se dá enquanto a alma está sempre
presente a si mesma, e assim a alma se conhece a si mesma, por si mesma como dizia
Santo Agostinho.
Contudo, o conhecimento da essência da alma se dá enquanto conhecemos a
natureza dos atos da alma e dos objetos próprios desses atos, e assim a alma se conhece a
si mesma depois de conhecer outras coisas, e mediante o conhecimento de outras coisas,
como dizia Aristóteles.
De este modo santo Tomás consegue romper a aparente oposição que apresentavam
estas duas posturas.

52

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