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Apontamentos de Epistemologia 1º Ano Filosofia Ano Académico 2020


APONTAMENTOS DE EPISTEMOLOGIA

I. O CONHECIMENTO COMO PROBLEMA FILOSÓFICO


a) É possível conhecer a realidade?

Um dos problemas comummente postos pela tradição filosófica ocidental é o que


se refere à possibilidade de conhecermos a realidade. Era problema de que já
tinham consciência os grandes pensadores da antiguidade: Heráclito, Parménides,
Sócrates, Platão e Aristóteles, para não citar senão alguns. Neles encontramos
respostas diferentes, que vão desde a atitude extrema dos que pensam não ser
possível conhecer nada com certeza e de modo absoluto (cépticos e sofistas) até
aqueles que pensam ser possível conhecer a realidade e apreender a sua
essência, adquirindo assim um verdadeiro conhecimento científico (Platão e
Aristóteles). Pode-se dizer mesmo que no pensamento grego estão antecipadas,
ao menos em germe, as principais soluções que ao longo da história do
pensamento viriam a ser propostas para o problema do conhecimento.

b) Importância do problema do conhecimento a partir da época


moderna

Mas foi sobretudo a partir do séc. XVII, com filósofos como Descartes, Leibniz,
Locke, Hume, Kant, que o problema do conhecimento passou a ocupar o primeiro
plano na reflexão filosófica e se constituiu como questão prévia ao tratamento de
qualquer outro problema filosófico, fosse de natureza metafísica ou de natureza
moral. O racionalismo e o empirismo dos séculos XVII e XVIII têm essa
característica comum de fazerem depender da solução do problema do
conhecimento a solução de qualquer outra questão filosófica e, em última análise, o
próprio estatuto da realidade ou do ser. De facto, na filosofia clássica e medieval, o
problema do conhecimento esteve sempre subordinado ao problema do ser e por
ele suportado. O ser determinava o estatuto do conhecimento e da verdade. A
verdade concebia-se como adequação entre o conhecimento e o ser. Aristóteles
dizia: “não é por pensarmos de uma maneira verdadeira que tu és branco; mas é
por seres branco e pelo facto de assim o afirmarmos que dizemos a verdade”.

Perguntar se podemos conhecer a realidade é algo que pode parecer estranho,


sem sentido e até paradoxal para o senso comum das pessoas. Com efeito, que há

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de mais seguro do que a certeza que vem do que os olhos vêem e os ouvidos
ouvem? Mesmo que se tenha a experiência de nos havermos por vezes enganado
ao pensarmos que uma coisa era algo que mais tarde verificamos não ser, isso não
chega para destruir a confiança natural que depositamos no nosso conhecimento.
No entanto, é ultrapassando esta opinião comum (a que os filósofos gregos
chamavam doxa) que os filósofos desde muito cedo insistem no paradoxo de
perguntar se a realidade é mesmo aquilo que o nosso conhecimento nos diz ser ou
se é outra coisa, ou ainda, se podemos conhecê-la ou não. Quando se questiona
deste modo, o conhecimento converte-se em problema filosófico e exige, por
conseguinte, um exame aprofundado.

II. NÍVEIS DO CONHECIMENTO

Ao reflectirmos sobre o conhecimento, a primeira dificuldade que se nos depara é a


de saber de que tipo de conhecimento falamos. Com efeito, podemos distinguir:

1. Um conhecimento que nos chega através da percepção sensorial


(conhecimento sensível) e um conhecimento fruto já da elaboração do
entendimento (conhecimento racional);
2. Um conhecimento que se satisfaz com uma descrição superficial das coisas
(conhecimento vulgar) e um tipo de conhecimento que aspira a dar conta da
razão de ser profunda das coisas, explicando-as (conhecimento científico);
3. Um conhecimento de tipo directo ou imediato (conhecimento intuitivo) e um
conhecimento a que se chega através de uma cadeia de raciocínios
(conhecimento discursivo).
a) O conhecimento sensível e o conhecimento racional
- Deficiência do conhecimento sensível

Assim, a primeira modalidade que a resposta ao problema do conhecimento


revestiu foi precisamente a do estabelecimento da distinção entre o conhecimento
sensorial – aquele que nos advém dos sentidos – e conhecimento racional (o que
nos vem da razão, mesmo que trabalhando sobre o material fornecido pelos
sentidos). Esta foi uma das primeiras grandes conquistas da filosofia. Platão e
Aristóteles reclamaram, embora por vias diferentes, a necessidade de ultrapassar o
plano do conhecimento sensível para chegar ao plano do conhecimento intelectual.
O conhecimento sensível não oferece garantia de segurança, pois está sujeito à

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mobilidade das impressões sensoriais desencadeadas pelos objectos; só o
conhecimento intelectual ou racional garante uma concepção estável da realidade,
simultaneamente de acordo com os objectivos da ciência (que exige um
comportamento uniforme – segundo leis estáveis - por parte da realidade) e de
acordo com as leis lógicas da razão humana (nomeadamente o princípio de não
contradição e o princípio de identidade). Assim, julgavam Platão e Aristóteles,
terem ultrapassado o problema do relativismo dos sofistas, afirmando a concepção
científica da realidade, segundo a qual esta aparece não como algo que procede
ao acaso, ou sujeito a uma permanente mobilidade de orientação imprevisível, mas
como algo que age segundo leis imutáveis, correspondentes, aliás, as mesmas leis
por que se rege a razão humana.

b) Opinião (Doxa) e Ciência (Episteme)

A distinção entre o conhecimento sensível e o conhecimento inteligível conduziria


assim a uma outra distinção não menos importante: a distinção entre o
conhecimento vulgar (ou opinião - doxa) e o conhecimento científico (ou ciência -
episteme). O primeiro não se preocupa com objectividade nem com a coerência; o
segundo, pelo contrário, não se contenta com ver o que acontece, mas procura a
razão de ser ou o porquê do que acontece.

Nos tempos modernos o problema do conhecimento não só assumiu uma maior


relevância como também, isso levou à constituição de uma disciplina filosófica
designada por Teoria do Conhecimento, onde são abordados de uma forma
sistemática os vários problemas relativos ao conhecimento: problema da sua
origem, do seu valor e limites, da sua possibilidade, da sua natureza, etc.

III. ASPECTOS DO PROBLEMA DO CONHECIMENTO


a) Na perspectiva da Psicologia, o conhecimento ora é considerado
como uma vivência do sujeito, ora é visto e estudado como uma das
respostas do ser humano aos estímulos do seu meio;
b) Na perspectiva da Lógica, o conhecimento é visto enquanto expresso
em enunciados ou proposições;
c) Na perspectiva gnosiológica considera-se o conhecimento em si
mesmo, como acto no qual um objecto se faz presente a um sujeito
ou a uma consciência;

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d) Na perspectiva metafísica, trata-se de verificar se o objecto se esgota
no plano subjectivo – enquanto objecto conhecido por uma
consciência -, ou se mesmo esse plano do sujeito só ganha sentido
dentro de um plano mais vasto que é o plano do ser;
e) Na perspectiva da sociologia, o conhecimento é considerado como
estado afectado historicamente;
f) Na perspectiva epistemológica é um tipo qualificado de conhecimento
que é considerado, a saber o conhecimento científico.

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O CONHECIMENTO COMO PROCESSO

Relativamente a questão de se saber o que será o acto de conhecer, as várias


respostas apresentadas por diferentes filósofos não logram consensos contudo, é
possível encontrar em todas elas, alguns elementos comuns.

1. O conhecimento é o acto no qual um sujeito e um objecto entram em


relação, verificando-se a apreensão do objecto por parte do sujeito.
2. A imagem ou representação do objecto no sujeito não se confunde com o
objecto enquanto exterior ao sujeito: ela é uma construção do sujeito
realizada segundo as propriedade do objecto.
É necessário distinguir no acto de conhecimento os seguintes elementos:
um sujeito, um objecto, uma imagem e o próprio acto de conhecer. A
imagem é uma tentativa para captar o objecto. Mas, o objecto enquanto tal
não se deixa reduzir à imagem que dele formamos.
3. O objecto em si, sendo embora transcendente em relação ao sujeito e ao
próprio objecto de conhecimento (imagem ou representação), tem uma
função determinante na constituição da imagem objectiva.
A imagem é simultaneamente objectiva e subjectiva: objectiva, porque
reproduz as características do objecto e a ele se refere; subjectiva, enquanto
o modo de ser da imagem é o ser para um sujeito, numa consciência, e não
no objecto.

CONHECIMENTO E REALIDADE

Na análise do processo de conhecimento, este revelou-se-nos como a relação


entre o sujeito e objecto, não se dando conhecimento fora de tal relação. A
contribuição de um e de outro torna-se indispensável em ordem à elaboração do
conteúdo do conhecimento – a representação do objecto. Da parte do objecto
exige-se que ele se dê a conhecer, que seja dado na experiência a um sujeito. Da
parte do sujeito exige-se que ele se abra ao objecto, mas também que esteja
equipado com determinadas condições que lhe possibilitem captar e conhecer o
objecto. Com efeito, ao contrário do que pensamos vulgarmente, o nosso
conhecimento da realidade não é um espelho fidelíssimo da mesma: toda a
realidade é realidade para um sujeito. Se considerarmos que um objecto só é

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verdadeiramente conhecido quando se relaciona com outros, isto é, quando se
insere numa relação universal, trata-se de pensar, então, as possibilidades ou
condições subjectivas (a priori) do estabelecimento de tais relações, que não
podem provir da experiência, por se tratar de relações universais e necessárias.

Em segundo lugar, tornou-se manifesta a distinção entre objecto real e objecto


conhecido e, apesar disso, a necessária referência deste último ao primeiro. O
conhecimento não é, por conseguinte, uma construção arbitrária do sujeito ou da
razão; deve reproduzir as propriedades do objecto, pelo que exige o concurso da
experiência. Daí que o conhecimento humano nunca se considera definitivo, sendo
a ciência a tentativa permanente da razão humana para explicar a totalidade da
realidade.

A realidade para o homem só é tal enquanto conhecida ou, quando muito,


enquanto horizonte possível de objectivação, de conhecimento.

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O PROBLEMA DA VERDADE

O que é a verdade?

Por ela se morre, por ela se mata. Em nome da verdade trabalham a religião, se
faz a ciência e a filosofia. Para fundar e legitimar a verdade se invocam ora a
ordem divina, ora a ordem das coisas e da natureza, ora a ordem da razão, ora o
testemunho, ora, enfim, a ordem da vontade e do desejo dos homens.

À primeira vista, nada parece ser mais evidente para os homens do que a noção de
verdade. E, todavia, quando invocam a verdade, sobretudo quando se obstinam
ferreamente na sua verdade, parece ser precisamente o sentimento da sua
carência e da insegurança daí resultante o que os move e determina, mais do que
uma especial certeza a seu respeito. A verdade é, no entanto, uma noção obscura.

Verdade e juízo

Vejamos, antes de mais, alguns dos principais sentidos em que se usa a expressão
para, finalmente, considerarmos, mais em pormenor, aquele sentido em que a
verdade constitui problema para a filosofia e para a ciência.

1. No sentido jurídico: se funda nas provas e testemunhos apresentados,


apreciados e julgados perante uma instância – o juiz – o qual decide de que
lado está a razão, a justiça, a verdade;
2. No sentido moral: é a veracidade, a sinceridade, a autenticidade; o não
mentir nem a si próprio nem aos outros. O seu contrário não é o erro, mas
sim, a mentira, a má-fé, a duplicidade;
3. No sentido religioso: é uma verdade de salvação, uma revelação do sentido
último da existência humana, do plano de Deus em relação ao mundo e aos
homens e do compromisso que se exige da pessoa na realização desse
plano. por vezes liga-se com a verdade no sentido moral: é então, a voz da
consciência que julga o homem no seu interior, que sonda as motivações
profundas dos seus actos, as suas intenções, e as aprova (declara boas) ou
condena (declara más).

Nestas três acepções da noção da verdade, encontramos algum elemento em


comum, é que a verdade é nelas concebida como um veredicto, como um juízo

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que se pronuncia, no primeiro caso, por um juízo instituído, no segundo e no
terceiro, pela consciência moral.

Aspectos da noção filosófica de verdade

Considerando a noção de verdade tal como ela é exposta nas obras dos filósofos,
deparamo-nos com uma variedade de significados.

1. A verdade lógica: é a verdade entendida como a coerência formal do


pensamento consigo mesmo, segundo o princípio de não contradição. Esta
noção de verdade é indiferente da coerência do pensamento com a
realidade por isso se lhe chama também, verdade formal.
2. A verdade metafísica: é a verdade entendida como adequação do pensar
(e do dizer que o exprime) ao ser (adequação do entendimento à realidade).
É este o conceito de verdade que encontramos nas filosofias antigas e
medievais. Parte do suposto de que o entendimento humano tem como seu
objecto próprio o ser e é naturalmente capaz de conhecer a realidade tal
como ela é. Aristóteles dizia na sua metafísica, o seguinte: não é porque
pensamos de uma maneira verdadeira que tu és branco, mas é porque és
branco que, ao dizermos que tu o és, dizemos a verdade.
3. A verdade como certeza: com Descartes depara-se-nos um novo conceito
de verdade, segundo o qual é verdadeira toda a ideia que se revela ao
pensamento como clara e distinta. Já não é o ser que determina a verdade
do pensamento e que é o seu critério, mas sim o modo como as ideias são
vistas ou intuídas pelo pensamento. Desde que as ideias se revelam claras
e distintas ao pensamento não podem ser se não verdadeiras. As leis que
regem o pensamento são as mesmas que regem o ser. Verdade em
Descartes, é ter certeza e, a certificação vem de Deus que é absoluto. Ele
dá à consciência ideias claras e distintas.
4. A verdade como objectividade. Também na filosofia de Immanuel Kant
(1724-1804) é central o pro lema da verdade. Kant aborda esse problema a
três níveis, dois dos quais já conhecemos: o nível lógico, o nível metafísico e
finalmente o nível transcendental. O nível lógico diz respeito apenas ao
plano formal, coerência do pensamento consigo mesmo; a verdade
metafísica consistiria, segundo Kant, na concordância do nosso

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conhecimento com os objectos supra-sensíveis ou ideias (Deus, Alma,
Mundo), se fosse possível que esses objectos fossem dadas na experiencia.
Para Kant esta verdade metafísica é inatingível por isso, problemática,
porque aqueles objectos supremos nunca são dados ao homem em
nenhuma experiência.
Mas entre a verdade lógica e a verdade absoluta ou metafísica, segundo o
qual a pensar coincidiria com o ser, há lugar para um tipo intermediário de
verdade que está verdadeiramente ao alcance do entendimento humano e a
que se exibe na ciência. é o que se pode chamar de verdade
transcendental ou a objectividade do conhecimento. Consistiria na
concordância do pensar com os objectos, os quais devem ser dados na
experiencia, apreendidos no espaço e tempo) e depois pensados pelas
categorias puras do entendimento.
5. A verdade é o todo. Hegel, na sua filosofia, pretende fazer a síntese da
concepção antiga e da concepção moderna da verdade; isto é, daquela
concepção que fundava a verdade no ser e daquela que a fundava no
pensar, no sujeito e na sua certeza. Portanto, para Hegel, a verdade é
adequação do pensar ao ser mas também, adequação do pensar a si
próprio, subjectivo.
6. A verdade como praxis. Esta noção de verdade é desenvolvida na obra
dos filósofos Karl Marx e Friedrich Engels. Para eles, a verdade deve estar
intimamente ligada a prática do homem.
Diz Karl Marx, o problema de saber se o pensamento humano pode alcançar
uma verdade objectiva não é um problema teórico, mas sim um problema
prático. É na prática que o homem deve procurar a verdade, ou seja, a
verdade e o poder do seu pensamento.
7. A verdade como apropriação, domínio e manipulação do real pela
ciência e pela técnica. A ciência não consiste apenas no conhecimento da
natureza ou de objectos dados, para em seguida os reproduzir, imitando a
sua forma natural. Consiste sim, sobretudo, na invenção de naturezas novas
que podem ser, em seguida, fabricadas e produzidas. A ciência tem assim
um carácter antecipador e a técnica é o seu braço executor. Entre a ciência
e a técnica há uma íntima relação, desde a modernidade.

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Assim, esta noção de verdade é concebida como aquilo que dá os
resultados pretendidos. Trata-se de uma concepção pragmática da
verdade: será verdadeira, numa tal perspectiva, a teoria ou explicação que
permita obter os resultados que se pretendem. Os efeitos validam a teoria,
tanto como a teoria explica ou justifica os efeitos.

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ESTADOS DO ESPÍRITO PERANTE A VERDADE

Muito embora o objecto da inteligência seja a verdade, esta nem sempre lhe
aparece clara e, por vezes, só passando por diversos estados é que chega a
adquiri-la e mesmo assim com grande esforço.

São quatro os principais estados do espírito em relação à verdade de um


enunciado: a verdade pode apresentar-se-lhe como se não existisse – é o estado
da ignorância; pode aparecer-lhe como possível – é o estado da dúvida; pode
surgir-lhe como provável – é o estado de opinião; e, finalmente, pode deparar-se-
lhe como evidente – é o estado de certeza.

1. Ignorância – a ignorância é a ausência de todo o conhecimento relativo a


um enunciado. Não se sabe se um enunciado é verdadeiro ou falso.
A ignorância pode ser vencível ou invencível, consoante está ou não em
nosso poder fazê-la desaparecer; culpável ou inculpável, conforme tivermos
ou não o dever de a dominar; a culpável (não saber o que deveria saber) é
considerada ignorância verdadeiramente dita e a não culpável (não saber o
que nunca aprendeu), considera-se nesciência.
2. Dúvida – a dúvida é um estado de equilíbrio entre a afirmação e a negação.
O espírito não adere, ou porque os motivos para afirmar e negar se
equilibram (dúvida positiva) ou não se equilibram, mas não são suficientes
para excluir o medo de errar (ainda dúvida positiva); ou não tem razão
alguma nem para afirmar, nem para negar (dúvida negativa que equivale à
ignorância). Não se imite ainda juízo.
As principais espécies de dúvida são metódica ou cartesiana e a sistemática
ou céptica.
A metódica ou cartesiana consiste na suspensão voluntária, fictícia ou real,
mas sempre provisória, do assentimento a uma verdade tida por certa, com
o fim de verificar o seu valor. Esta dúvida é necessária à constituição de
qualquer ciência; Descartes foi o primeiro a estabelecê-la como método.
A dúvida céptica ou sistemática é o estado definitivo do espírito
relativamente a toda a verdade; é impossível legitimar as nossas verdades
espontâneas que devemos ter sempre como incertas.

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A dúvida metódica é provisória e é um meio para chegar à verdade; a
céptica é definitiva e é um fim.
3. Opinião – a opinião é a adesão receosa do espírito à afirmação ou à
negação de um enunciado. O espírito adere, porque razões mais graves
pesam para uma parte; no entanto, não excluem o temor de o oposto ser
verdadeiro; é um estado intermédio entre a dúvida e a certeza. O motivo que
se impõe ao espírito e determina nele o estado de opinião tem o nome de
probabilidade e, por isso, o enunciado a que se dá a adesão é
provavelmente certo. O valor da opinião depende do grau de probabilidade
e, portanto, dos motivos em que se baseia.
4. Certeza – a certeza é a adesão firme e inabalável do espírito a uma verdade
conhecida, sem receio de errar. A certeza supõe, pois, a manifestação
completa da verdade, isto é, da conformidade do enunciado com a
realidade, emitindo um juízo seguro. Esta manifestação faz-se mediante a
evidência que é o motivo e o fundamento da certeza como a probabilidade é
o motivo da opinião.
Divisões da certeza
Apesar de haver vários critérios para a divisão da certeza, aqui iremos tomar
em conta o critério do seu fundamento.
Quanto a este critério, fundamento ou grau, a certeza divide-se em
metafísica, física e moral.
a) Certeza metafísica ou matemática funda-se na própria essência das
coisas, que é imutável; por conseguinte, a contraditória é não só falsa,
mas absurda e inconcebível. É a certeza das ciências matemáticas. Ex. o
todo é maior que as partes.
b) Certeza física funda-se nas leis da natureza, por isso o oposto é
simplesmente falso, mas não é absurdo, nem inconcebível, porque as
leis podem ser alteradas pelo Autor da Natureza, por meio do milagre,
embora este seja tão raro que não abala a ciência. é a certeza das
ciências da natureza. Ex. o metal é bom condutor de electricidade.
c) Certeza moral ou psicológica funda-se numa lei moral, ou psicológica,
em que entra o factor liberdade. É a certeza das ciências humanas. Ex.
toda a mãe ama seus filhos.

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A certeza moral é uma certeza hipotética que admite mais excepções do
que a física. Na metafísica, o contrário é impossível, na física, o
contrário, é possível só para Deus e na moral é possível até para o
homem.

O Erro – se a verdade lógica consiste em dizer que é, o que é, e que não


é, o que não é, o erro consistirá em dizer que é, o que não é, e que não
é, o que é; é a não conformidade do espírito com a realidade ou com as
coisas. Erro é adesão firme àquilo que objectivamente é falso, mas que
subjectivamente nos parece verdadeiro.
O erro distingue-se da ignorância, pois enquanto a ignorância consiste
em nada saber e nada afirmar, aquele consiste em não saber e afirmar,
julgando saber. A ignorância é uma limitação da verdade: o ignorante
não sabe; o erro é a negação da verdade: quem erra não sabe e julga
saber.
Causas do erro
As causas do erro podem ser de duas espécies: psicológicas e morais.
Entre as causas psicológicas temos a falta de penetração do espírito que
interpreta mal os dados dos sentidos, estendendo a adesão além daquilo
que foi apreendido. É o caso de um homem que vê num estranho o
amigo esperado com impaciência. Ordinariamente isto acontece por falta
de irreflexão e precipitação. A paixão também arrasta muitas vezes ao
erro, pois nos impede de raciocinar correctamente.
São causas morais: a vaidade, proveniente da demasiada confiança na
nossa pessoa; o interesse de qualquer natureza, tanto económico e
social como ideológica, pelo qual preferimos o que nos é favorável e se
harmoniza com as nossas ideias; a preguiça intelectual, que não nos
deixa inquirir o valor dos motivos e, por isso, nos leva a aceitar sem
reflexão certas asserções ligeiramente formuladas.
Remédios do erro
Para evitar o erro, é preciso combate-lo nas suas causas. Assim o
homem bem formado procede sempre com método e com reflexão;
acautela-se contra as sugestões da paixão e da imaginação; suspende o
juízo e duvida, quando o julga necessário, não aceitando nada como

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verdadeiro senão o que conhece como tal, através dos meios legítimos
que são a intuição e o raciocínio.
Noção de critério
Dá-se o nome de critério, em geral, ao sinal pelo qual distinguimos uma
coisa de outra. Por isso, quando tratamos de conhecimento, critério é a
norma pela qual distinguimos o conhecimento verdadeiro do falso; é o
sinal que nos permite reconhecer a verdade da falsidade – critério da
verdade.
A evidência
É a clareza com que a verdade se impõe ao nosso espírito; espécie de
luz que ilumina a realidade e nos permite ver que aquilo que temos no
espírito está conforme a essa mesma realidade patenteada. A evidência
é uma característica da própria coisa e não uma marca exterior a ela.

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