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USP 8983311
FLF0268 – História da Filosofia Medieval I
Prof. José Carlos Estevão
I. Introdução
Guilherme de Ockham, filósofo inglês que viveu entre o final do século XIII e
início do XIV, é considerado um expoente de uma fase crítica da filosofia escolástica.
Phioteus Boehner1 traça essa distinção, chamando fase sintética aquela de sistematização
da filosofia grega, e incorporação de seus fundamentos à teologia católica. A fase crítica,
à qual pertence Ockham segundo essa divisão, consistiria na rejeição de alguns dos pilares
da filosofia grega, em especial da metafísica aristotélica.
1
William of Ockham (translated By Philotheus Boehner) - Philosophical Writings _ A Selection-Bobbs-
Merrill Company, Inc. The Library of Liberal Arts (1964).
O percurso, portanto, será o de apresentar o que Ockham entende por
conhecimento científico, para então chegar à noção de termo e à teoria da suposição, e
enfim às noções de conhecimento intuitivo e conhecimento abstrativo. Por fim,
demonstraremos como todo esse arcabouço teórico sustenta a formulação da metafísica
nominalista, em clara ruptura com o aristotelismo dos escolásticos anteriores.
... no statement of actual fact about this world is in this sense truly
a scientific statement.4
2
Idem, pp. 2 – 16.
3
Idem, p. xxiii.
4
Idem, p. xxiv.
Essa conclusão se faz clara na sequência dos argumentos de Ockham no Prólogo
à exposição sobre o livro VIII da Física, em que tratando das ciências naturais, em
particular a física, o filósofo diz:
Sabemos, ainda, que a ciência lida com universais. Mas pelo que foi dito acima,
ela não lida com coisas, e sim com conteúdos mentais (ou atos do intelecto) que supõem
pelas coisas. Logo, universais não são coisas que existem na realidade, mas termos que
se aplicam conjuntamente a diversos termos singulares.
Resta saber, entretanto, o que exatamente são esses atos do intelecto que supõem
pelas coisas e, ainda, o que são essas “coisas” que causam esses atos do intelecto. Pois
parece, a princípio, que se há coisas produzindo atos do intelecto, então seria possível
5
Idem, pp. 12 – 13.
afirmar que não é sequer possível distingui-las do intelecto, e concluir que a ciência trata
das coisas mesmas.
Este não é o caso. Conforme vimos, a ciência lida com conclusões necessárias
obtidas por meio de um processo silogístico a partir de proposições evidentes e
necessárias. Por outro lado, o conhecimento dessas “coisas”, acerca dos quais os termos
supõem, é necessariamente contingente (conforme veremos abaixo). Logo, conheço
verdades contingentes acerca de singulares e, a partir delas, verdades necessárias. Ou seja,
a ciência não é a do conhecimento de coisas singulares, que conheço apenas
contingentemente, mas das proposições acerca dessas coisas singulares que obtemos por
meio do conhecimento intuitivo e abstrativo.
6
Idem, p. 26.
Conhecimento intuitivo ou, para evitar possíveis confusões com a noção forte de
conhecimento para Ockham, cognição intuitiva, é um contato epistêmico direto com as
coisas. Nas palavras de Eleonore Stump:
7
Stump, Eleonore. The Mechanics of Cognition: Ockham on Mediating Species, In The Cambridge
companion to Ockham / edited by Paul Vincent Spade. Cambridge University Press: 1999, p. 184.
8
William of Ockham (translated By Philotheus Boehner) - Philosophical Writings _ A Selection-Bobbs-
Merrill Company, Inc. The Library of Liberal Arts (1964), p. 26.
conhecimento evidente de contingentes é possível por meio da cognição intuitiva, e diante
dessa evidência produzo termos que supõem por eles. Esses termos, abstraídos da
existência ou não-existência da coisa intuitivamente conhecida, são objetos do
conhecimento abstrativo.
O conhecimento abstrativo se dá por um hábito do intelecto, uma repetição de atos
de cognição intuitiva acerca do mesmo objeto. Do mesmo modo, o conhecimento
intuitivo de objetos similares produz um hábito (conhecimento abstrativo) no intelecto
cuja consequência é a formulação de termos comuns a esses objetos. Nesse sentido, o
conhecimento intuitivo sempre precede o conhecimento abstrativo.
9
Idem, p. 31
outro lado, são necessariamente comuns. Se não é possível conhecer senão singulares pela
cognição intuitiva, então os termos que supõem por relações de comunidade ou quaisquer
outras são dados pelo conhecimento abstrativo, e que não se referem a coisas extra-
mentais.
Logo, toda a proposição que lida com universais é produzida por um
conhecimento abstrativo, e se opera exclusivamente em relação a termos que supõem, por
sua vez, outros termos ou conteúdos extra-mentais, mas nunca diretamente em relação a
coisas extra-mentais. Até mesmo porque, para Ockham, o conhecimento intuitivo não é
proposicional.
Para concluirmos nosso trabalho, pretendemos lidar com as consequências dessa
distinção entre conhecimento intuitivo e abstrativo, a saber, o estatuto dos universais
segundo Ockham. Dado que existem conceitos universais, ou seja, nós os conhecemos de
alguma forma, mas que ao mesmo tempo eles não se referem a objetos extra-mentais,
necessariamente singulares, como Ockham os pensou?
IV. Conclusão
V. Bibliografia