Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
Neste artigo, pretendemos apresentar, a partir de pesquisa bibliográfica e estudo da
constituição Dogmática Dei Verbum e da obra teológica do pensador alemão Paul Tillich, um
cotejo sobre o conceito de Revelação em ambas obras. Abordaremos, de maneira objetiva, os
principais pontos referentes aos métodos utilizados e dos principais pontos de baliza para as
teorias utilizadas. Não se pretende, aqui, fazer uma grande explanação, muito menos uma
avaliação dos sistemas de pensamentos seguidos tanto pelo Concílio Vaticano II quanto pelo
autor estudado, mas fazer, de maneira abrangente e simples, a apresentação dos pontos que
dão base a tais conceitos, como as fontes da Revelação, o meio com o qual Deus se revela, e
outros aspectos específicos de cada obra.
RESUMEN
En este artículo, pretendemos presentar, a partir de la investigación bibliográfica y el estudio
de la Constitución Dogmática Dei Verbum y la obra teológica del pensador alemán Paul
Tillich, una comparación sobre el concepto de Revelación en ambas obras. Abordaremos, de
forma objetiva, los puntos principales referentes a los métodos utilizados y los principales
objetivos de las teorías empleadas. No se pretende, aquí, hacer una gran explicación y mucho
menos una valoración de los sistemas de pensamiento seguidos tanto por el Concilio Vaticano
II como por el autor estudiado, sino hacer, de forma comprensiva y sencilla, la presentación
de los puntos que sustentan estos conceptos, como las fuentes de la Revelación, el medio por
el cual Dios se revela, y otros aspectos específicos de cada obra.
1
* Artigo apresentado como requisito avaliativo obrigatório para conclusão da disciplina de Teologia
Fundamental.
Acadêmico do Curso de Bacharelado em Teologia pela Faculdade Católica de Rondônia. E-mail:
orlandinferreira@hotmail.com
2
Possui Mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (2019), Graduação em
Teologia pela Universidade Católica de Salvador (2017), Curso Livre de Teologia pelo Seminário Maior São
João XXIII de Porto Velho (2005-2008), e Curso Livre de Filosofia pelo Seminário Maior São João XXIII de
Porto Velho (2003-2004). Atualmente é professor na Faculdade Católica, na disciplina de Teologia
Fundamental. E-mail: radsjk@yahoo.com.br
2
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem a intenção de fazer uma explanação sobre os mais diversos
aspectos do conceito de Revelação na Constituição Dogmática Dei Verbum, do Concílio
Vaticano II e na teologia do autor alemão Paul Tillich. Para chegar a tal fim, conduziremos
uma pesquisa bibliográfica utilizando o documento oficial da Dei Verbum, além de
comentários e estudos a respeito dela, e obras e artigos de e sobre Paul Tillich.
Este estudo não tem por objetivo classificar entre certo e errado as definições
encontradas tanto em um quanto em outro conceito. Para tanto, preservaremos as citações e
levaremos a cabo todas as explicações dos aspectos abordados. Nas considerações finais,
faremos algumas comparações de temas abordados ao longo do artigo.
O conceito de Revelação é um dos pilares da teologia, tanto protestante quanto
católica. Não raro, encontramos estudos que tem por objetivo discorrer acerca da Revelação
de Deus na história. Esta Revelação pode ser vista por vários ângulos, variando de acordo
com a linha metodológica e doutrinal.
Na teologia católica, a Revelação é vista como um caminho que Deus faz com seu
Povo (pedagogia), a fim de manter, no fio da história, essa relação de amor. Mesmo com o
pecado do homem, Deus leva a cabo seu plano de Salvação, transmitindo sua
autocomunicação antes mesmo de o homem pecar. Essa ação se plenifica em Jesus Cristo,
através do Mistério Pascal, que é o cume da Revelação de Deus Uno e Trino (o Pai ressuscita
o Filho pela ação do Espírito).
Na teologia protestante, o tema da Revelação é mais amplo e complexo, nas várias
linhas que seguem rumos de reflexões opostos ou paralelos. Existem alguns com espírito
reformado, dentre estes aqueles que são mais ortodoxos ou liberais, outros de linha
pentecostal ou neopentescostal. Entre tantos, definimos o teólogo Paul Tillich para seguirmos
a pesquisa, visto que este autor é amplamente conhecido na linhagem luterana e calvinista.
Em sua linha teológica, a Revelação é vista não somente como a Revelação do Pai na História
da Salvação, mas é contínua e recorrente no cotidiano do ser humano. Entra aqui o aspecto
existencialista de sua teologia, que dialoga com a filosofia (e por isso é acusado de
“ontologizar” a teologia).
Dentre tantos aspectos a serem observados, colocaremos em evidência o modo como
ambas as obras conceituam a Revelação, quais as fontes que cada uma considera como
3
autêntica para a Revelação, como Deus se comunica com o ser Humano e outros aspectos
específicos. Vale recordar que as perspectivas iniciais de cada uma das obras são diferentes,
portanto, ao compará-las o leitor deve ter em conta o prisma pelo qual é vista a realidade de
Deus e de sua Divina Revelação.
Esta palavra atinge o ápice do amor quando o Filho de Deus se encarna e assume a
linguagem humana. Esta dimensão coloquial e dialógica não pode ser banalizada,
com a intenção de reduzir o inefável [...] Deus se revela para convidar os seres
humanos para uma comunhão de vida. (LOPES, 2012, p.90)
Amor de Deus e a sua misericórdia, que precisam ser anunciados e vividos nos tempos atuais.
Conforme afirma João Batista Libanio:
Este belo caminho feito pela Dei Verbum visa compreender a relação de amor presente
na autocomunicação de Deus com a humanidade através de Seu Filho Jesus Cristo na ação do
Espírito Santo e como essa relação é perpetuada na história da humanidade nas mais diversas
formas e aspectos do mistério contido na Revelação.
A dimensão da autocomunicação de Deus é presente na Igreja como manifestação do
Seu amor para com a humanidade e integra um diálogo que passa pelos séculos e acontece a
partir de um depósito da fé preservado no coração da Igreja, tendo duas principais formas de
transmissão.
Por isso, o Cristo Senhor, em quem se completou toda a revelação de Deus altíssimo
(cf. 2Cor 1,20) comunicou aos apóstolos os dons divinos e os encarregou de pregar a
todos o Evangelho [...] Esta disposição foi fielmente cumprida. Primeiro pelos
apóstolos que haviam aprendido diretamente com as palavras, o convívio e a atuação
de Cristo e pela ação do Espírito Santo o transmitiram pela pregação, pelo exemplo
6
e pelas instituições que criaram. Depois, pelos apóstolos e homens apostólicos que,
sob inspiração do mesmo Espírito Santo, escreveram a mensagem da salvação. (DV
7)
Amplia-se a percepção das realidades e das palavras, quer pela contemplação e pelo
estudo dos fiéis, que as guardam em seu coração (cf. Lc 2,19.51), quer pela
compreensão que provém da experiência das coisas espirituais, quer ainda pela
pregação daqueles que, sucedendo aos apóstolos, receberam o carisma de certificar a
verdade. (DV 8)
Nesta mesma linha de raciocínio, o teólogo Valério Manucci ratifica a reflexão de que
o mistério de Cristo nunca deixa de iluminar as situações mutáveis da história dos homens:
A teologia protestante como um todo, e em relação à teologia católica, tem uma maior
gama de linhas de pensamentos em seu seio. Não raro, encontramos autores que seguem
vieses diferentes ou opostos uns dos outros. Para a maioria dos autores, a teologia protestante
está dividida em cinco grandes períodos, são eles: Fundadores; Ortodoxia ou Escolástica;
Aufklärung ou Iluminismo; Liberalismo e Neo-ortodoxia (MONDIN, 2003, p.19)
Considerado como um dos maiores teólogos do século vinte, Paul Tillich, que é de
origem alemã, tem sua obra baseada na filosofia existencial. Passando pelo período da
primeira guerra mundial como capelão do exército alemão, teve suas bases de pensamento
profundamente abaladas naquele processo de confronto e teve a oportunidade de repensar seu
fazer teológico com marcas de novas percepções da vida e do humano (CUNHA, 2015,
p.103).
Sua obra, dentro do campo protestante, situa-se no espectro entre o protestantismo
liberal e a neo-ortodoxa barthiana, fazendo uma teologia voltada para a dimensão da relação
do homem com Deus e uma metodologia chamada de correlação. Battista Mondin define a
teologia de Tillich da seguinte maneira:
[..] não é difícil identificar os temas dominantes em seu pensamento [de Tillich].
Estes podem ser reduzidos a dois: um, metodológico; o outro, de conteúdo. O
primeiro é constituído pelo princípio da correlação, o segundo pelos problemas do
homem e as respostas de Deus. [...] No entanto, é possível reduzi-lo a três pontos
principais, na medida em que três são os maiores problemas que angustiam o
homem: o ser das coisas, a própria existência e a história. (MONDIN, 2003, p.115)
Como já explicitado, o tema da correlação marca toda a teologia de Paul Tillich. Para
a temática da Revelação, de interesse do nosso artigo, não seria diferente. O caminho feito por
Tillich em seu conceito de Revelação é marcado por uma reflexão que, como já exposto, é
integrada com elementos da filosofia existencialista. Não à toa, Tillich é alvo de críticas no
que se refere à sua “ontologização” da teologia, correndo risco de leva-la a um panteísmo
(MONDIN, 2003, p.130).
Sem apegar-nos a tentativa de sermos juízes de sua teologia, ou de subestimar em
detrimento de outro tipo de teologia (mais especificamente, neste artigo, da teologia católica),
faremos uma breve explanação acerca do conceito de revelação na obra teológica de Paul
9
“Método da correlação” como uma forma de unir mensagem e situação. Ele tenta
correlacionar as perguntas implícitas na situação com as respostas implícitas na
mensagem. Não deriva as respostas das perguntas, como o faz uma teologia
apologética autossuficiente, mas tampouco elabora respostas sem relacioná-las com
as perguntas, como o faz uma teologia querigmática autossuficiente. Ele
correlaciona perguntas e respostas, situação e mensagem, existência humana e
manifestação divina. (TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. 5.ed.rev. São
Leopoldo: Ed. Sinodal, 2005. p.25 apud CUNHA, 2015, p. 142)
O teólogo, em resumo, é determinado por sua fé. Toda teologia pressupõe que o
teólogo se encontra no círculo teológico. Isso contradiz o caráter aberto, infinito e
mutável da verdade filosófica. Difere também da forma na qual o filósofo é
dependente da pesquisa científica. O teólogo não tem relação direta com o cientista
(incluindo o historiador, sociólogo, psicólogo). Lida com ele só na medida em que
estão em jogo implicações filosóficas. Se ele abandona a atitude existencial, como o
fizeram alguns teólogos “empíricos”, será levado a afirmações cuja realidade não
será reconhecida por ninguém que não participe das pressuposições existenciais do
teólogo pretensamente empírico. A teologia é necessariamente existencial, e
nenhuma teologia pode escapar do círculo teológico (TILLICH apud CUNHA,
2015, p.144)
Não é necessário muito esforço para encontrar na obra de Tillich e nos estudos a
respeito dela a estreita relação que o autor dá para a Razão e a Revelação. Para ele, A
Revelação só é possível para o ser humano por que existe a Razão, que permeia toda a
realidade. Conforme afirma Battista Mondin:
Deus vem ao encontro do homem com a luz da Revelação. Esta, segundo o nosso
autor, representa o momento em que o sujeito humano é aferrado pelo poder do Ser
(ou seja, de Deus) e imerso no milagre de sua automanifestação. O arrebatamento
que se segue descobre o significado último das coisas, isto é, aquele que não é
12
Visto isso, se torna mais fácil entender a relação existente entre razão e Revelação para
Tillich. Entendemos, através do exposto acima, que a fé é intrínseca ao ser humano e que a
capacidade de se correlacionar com o infinito faz da fé uma capacidade intrinsecamente
humana. Deus se revela diretamente à razão humana, superando o que já está dado no
cotidiano, já que segundoTillich:
Não se deve, porém, abranger todo o tipo de experiência como Revelação de Deus. É
necessário o cuidado quando se interpreta o termo “razão” como conhecimento. Porém, para
Tillich, a Palavra de Deus ao encontrar-se com a Igreja, torna-se revelação (não por si só, mas
em contato com a comunidade espiritual) e transforma a pergunta mais profunda do ser
humano (o que é o Ser?), fazendo com que aconteça o que ele chama de “choque ontológico”,
resultando em um processo de êxtase e de milagre:
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que o presente artigo teve por objetivo fazer uma comparação entre os
conceitos de Revelação para a Constituição Dogmática Dei Verbum e a teologia protestante de
Paul Tillich, percorremos um itinerário que leva em consideração os principais aspectos neste
conceito em cada uma delas.
Observamos que ambas as obras têm concepções muito diferentes no conceito de
Revelação. Para a teologia católica da Dei Verbum, a Revelação é concluída com a morte do
último apóstolo, que gera o depósito da fé deixado para a humanidade até os dias atuais; já
para Tillich, a Revelação nunca se conclui, de forma que se ela estivesse presa à letra da
bíblia, nunca surtiria os efeitos em todos os espaços e épocas da humanidade.
Já nos aspectos da transmissão deste Revelação, a Dei Verbum considera que existe
uma única fonte, que é o próprio Deus, mas duas formas de transmissão ao decorrer do tempo,
que é a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição. Já para o teólogo protestante, vimos que não é
possível que a Revelação seja transmitida por elementos que não sejam existenciais (tanto que
nega, a despeito dos reformadores, o princípio da sola scriptura, tendo por argumento que a
Bíblia por si só não pode falar aos homens de todos os tempos – negando, inclusive, os
círculos hermenêuticos, sobrepondo-os com o princípio da correlação), sobre a Sagrada
Tradição, não refere palavra alguma, já que parte de uma visão reformada.
Na Constituição Dogmática, a Revelação não é totalmente estática no passado. Com
um grande processo de evolução na discussão da temática, o Concílio Vaticano considerou a
Deus fala aos seus filhos através da Bíblia e da Tradição, que são interpretadas pelo
Magistério da Igreja. Este, por sua vez, com a assistência do Espírito, tem a primazia na
confirmação da Verdade implícita na história, ao longo do tempo. Já na teologia de Tillich, a
Revelação continua se dando na experiência humana, muitas vezes extática (de êxtase), em
que o Ser se abre de tal maneira ao Ser que, sem suspender as faculdades da razão, se torna
capaz de vislumbrar realidades de mistério, pouco a pouco revelada aos homens de todos os
tempos. Para isso, ele se utiliza do argumento de que não é possível para os homens de hoje,
por exemplo, contemplarem piamente todas as verdades contempladas há dois mil anos.
Ao longo deste artigo, percebemos que as teologias contidas nas obras estudadas têm
vieses muito diferentes e particularidades que não seguem o mesmo parâmetro de análise.
Neste sentido, concluímos que a Revelação é um tesouro que os cristãos precisam guardar e
viver, de forma que atinjam os objetivos deste caminho traçado pelo Pai, em seu Filho e pelo
Espírito.
14
15
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONCÍLIO VATICANO II. Vaticano II: Mensagens, discursos e documentos. São Paulo:
Paulinas, 2007.
LOPES, Geraldo. Dei Verbum: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2012.
MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século vinte. São Paulo: Teológica, 2003.