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N. n. 52.
Assim, no conceito da revelação, o Vaticano II recupera o evento salvífico inteiro na sua
substância e no seu fundamento e o concebe como Auto comunicação de Deus: o mesmo
Deus é, na sua eterna essência trinitária, o Deus da revelação. Isto significa que os
conceitos de ‟evento de salvação ˮ e ‟evento de revelação ˮ se interpretam mutuamente.
O vaticano II, portanto, com esta ampliação semântica integra o conceito de revelação
dentro do evento salvífico com o seu inteiro conteúdo e com o seu carácter essencial.
Do outro lado, o mesmo conceito, regista uma radicalização teocêntrica: o Deus da
revelação, não revela alguma coisa, revela bem sim si mesmo como Pai em Jesus Cristo,
que é o mediador e a plenitude da revelação (DV 4), segundo a forma de revelação
própria dos livros do Antigo Testamento e do Novo Testamento (DV 14.17), e continua a
estar presente na Igreja por meio do Espírito (DV 7.8). Se trata, portanto, de uma Auto
comunicação ao homem como participação à mesma realidade salvífica de Deus. De tudo
isto, sai ou brota o modelo teorético-comunicativo-participativo que sublinha seja o
aspeto de ‟comunhão – comunicação ˮ, enquanto gera uma relação pessoal (DV 1.2), seja
o aspeto de «participação» enquanto oferece os «bens divinos» (DV 6), tais com: a
verdade, a justiça, o amor, a paz…Este modelo transparece em outros textos conciliares
decisivos como GS 22.58; LG 1-8, em particular em LG 8, e AG 9.
A partir desta ideia da revelação, a mesma concepção do cristianismo como religião – do
– livro, vai superada, pois que a revelação cristã tem o seu fundamento numa comunhão
pessoal-vital que comporta um empenho pessoal, e, portanto, vai além da pura fidelidade
formal a um texto. Daqui sai ou brota a radical diferença com o conceito de revelação do
hebraísmo e do islamismo, conhecidos propriamente como religiões do livro.
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Nota n. 54.
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Nota n. 55.
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Nota n. 56.
ou a mete em relação com a fé. De facto, a palavra ʻ revelar ʼ designa o acto revelador de
Deus, e a expressão ʻ revelação sobrenatural ʼ designa o conjunto dos ministérios contidos
na palavra de Deus escrita e transmitida, propostos pelo magistério da Igreja (DH 3006.
3011. 3015). ---------
O Vaticano I, do outro lado, para favorecer uma perspetiva do sobrenatural como
acréscimo (cfr. a mesma palavra ʻ sobre-natural ʼ: DH 3005), em linha com uma certa
teologia pós-tridentina que, a partir de Caetano e sobretudo por Fr. Suárez, começou a
conceber o natural e o sobrenatural como dois planos sobrepostos, sem muita relação
interna, ao contrário de são Tomás que os ligava mediante o desejo natural de ver Deus.
E assim, a emergente teoria moderna da revelação se vai desenvolvendo junto com a
concepção do sobrenatural, concepção que pressupõe, de um lado, que se dê a
possibilidade de um conhecimento natural de Deus, segura de si mesmo e, do outro, que
exista uma verdade misteriosa ʻ sobrenatural ʼ, que é garantida pela autoridade divina das
Escrituras e da Igreja.
Esta colocação de caracter extrincicista pelo influxo do nominalismo, que queria
salvar a absoluta gratuidade do sobrenatural, favorecia um genérico deísmo, vale a dizer,
uma certa concepção da divindade abstrata, mais facilmente atacável da parte da crítica
do iluminismo. Favorecia, ainda mais, uma concepção mais autoritária e literal da
revelação e tornava mais necessário a contribuição do milagre como prova da revelação,
fazendo, em tal modo, o jogo do sobrenaturalismo. Da outra parte, surpreende, a menção
de Jesus Cristo não era qualificada como decisiva, a parte as nuas citações presas ou
tomadas do concílio de Trento. Nada de estranho então: as dificuldades internas desta
concepção explodirão um dia com a crise modernista, e os esforços de muitos teólogos
que queriam responder a este desafio se chocarão imediatamente com os suspeitos: para
superar uma semelhante situação foi necessário esperar a Dei Verbum do Vaticano II 5.
A constituição Dei Verbum fez próprio do texto proposto pelo tridentino, citando-o em
forma mais extensa e precisando-o em modo diverso de como tinha feito a constituição
Dei Filius: vem estabelecida a relação entre evangelho e verdade salvífica; esta vem
subordinada à menção do Cristo plenitude da revelação divina, e se elimina a qualificação
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CFR. J. A. DE SOUSA, O conceito de Revelação na controvérsia modernista 1898-1910, Lisboa 1972.
de ʻ sobrenatural ʼ adotada pelo Vaticano I. Neste modo, a revelação não aparece mais
como um corpo de verdades doutrinais comunicadas por Deus, contidas nas Escrituras e
ensinadas pela Igreja. Essa se apresenta invés como a Auto comunicação de Deus na
história da salvação, da qual Cristo constitui o culmine. É este que, transmite o evangelho,
confiado na Escritura e confiado à Tradição eclesial e interpretado autenticamente pelo
magistério da Igreja. Vejamos agora os pontos principais.
1) A revelação é o ato de Deus que se revela a si mesmo (Deum se ipsum revelare:
DV 6) para introduzir os homens na sua vida. Mais ainda, é o acto do Pai que se manifesta
mediante o Filho seu encarnado, com o intento ou fim, de reunir os homens nele, no seu
Espírito. Tal acto, que se identifica com o movimento da Trindade na história da salvação,
assume o dom de conhecimento e aquele de libertação para a vida eterna (DV 2).
2) O elemento mediador são, juntamente, os gestos e as palavras que se interpretam
reciprocamente (gestis verbisque intrinsece inter se connexis). Deus não se dá a conhecer
num corpo de verdades abstratas, bem sim, numa história dotada de sentido. Gestos e
palavras, facto e sentido, são indissociáveis nesta comunicação (DV 2.17).
3) Cristo é, ao mesmo tempo (simul) mediador e plenitude da revelação (DV 2.4).
Aquilo que Deus fez conhecer por meio de Moisés e dos profetas era uma preparação
para o seu evangelho (DV 3). Jesus Cristo, Verbo incarnado, o homem enviado aos
homens, pronuncia as palavras de Deus e realiza a obra de salvação que o Pai lhe confiou.
Na sua presença e manifestação, nas suas palavras e obras, na sua morte e ressurreição,
graças ao dom do Espírito, leva a realização a revelação, testemunhando que Deus é com
connosco para nos libertar do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna.
Além disso, não se dá alguma outra revelação pública que se possa esperar antes da
parusia (DV 4).
4) Além disto, a revelação realizada na história é colocada em relação com a
manifestação de Deus no universo. No texto célebre de Rm 1,19s, a constituição Dei
Verbum manifesta não somente (como a constituição Dei Filius) a possibilidade de um
conhecimento de Deus mediante a razão humana a partir das realidades criadas, bem sim
também, e principalmente, mediante o testemunho que Deus que dá de si mesmo nas
criaturas. Referindo-se, por um outro lado, a Jo 1,3, recorda que Deus criou todas as coisas
por meio do Verbo. Graças a estas duas observações bíblicas (DV 3) vem estabelecida um
ligame interno entre revelação histórica (Jo 1,3) e manifestação de Deus na criação (Rm
1,19s). vem além disso, evitado, o uso da palavra supernaturalis, substituída com a
expressão salus superna própria dos Padres e dos teólogos medievais 6.
Aqui aparece o conceito de revelação do Vaticano II em modo muito breve com uma
mudança de perspetiva claro e preciso. Do neutro «coisas reveladas» e «bens divinos»
(revelata e bona divina), como qualificativo da revelação (DH 3008. 3005) se passa,
citando o mesmo texto, à «revelação» e ao «Deus que se revela a si mesmo» (revelatio e
Deum seipsum revelavit: DV 5-6). Resulta claro o carácter mais pessoal e cristocêntrico,
e também a dinâmica trinitária de todo o processo revelador (DV 2.4). A autoridade da
Igreja vem colocada como subordinada a Jesus Cristo (DV 1; cfr.n. 10). Além disso, o
carácter sacramental da revelação nos indica a nova prospetiva que deve assumir o tratado
dos sinais da credibilidade (milagres, profecias…): mais que provas à margem do seu
sentido, são sinais ou gestos que, iluminados da Palavra, tornam significativos (DV
2.4.14).
Portanto, o ensinamento do Vaticano II sobre a natureza da revelação consagra toda uma
reflexão levada a frente por alguns teólogos e exegetas católicos que durante este século,
as vezes com dificuldades, se inspirarão a um melhor conhecimento da Bíblia e dos
Padres, tinham procurado de responder aos novos desafios da cultura moderna e às
sugestões recolhidos da e na teologia protestante contemporânea. A Dei Verbum quer
sintetizar, ainda mais, o conceito de história da salvação – agradável a certos teólogos
protestantes e relançado por O. Cullmann – e o conceito de Auto manifestação de Deus,
derivado do idealismo alemão, de Hegel em particular, dos tubinguenes católicos J.S.
Drey, J. E. Kuhn… e, em certo sentido, pelo mesmo K. Barth. A junção ou a união das
duas ideias de história da salvação e de Auto manifestação de Deus que permitiu ao
Vaticano II de exprimir a substancia da Bíblia num conceito moderno e contemporâneo:
La revelação, Auto comunicação de Deus na história da salvação, culmine da qual é
Jesus o Cristo.
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Cfr. m. Flick – Z. alszeghy, Antropologia Teologica, Salamanca 1971, p. 609 (945).