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Teologia Fundamental hoje: Identidade e Articulação


(…1 Pedro 3,15)
Já desde os inícios do cristianismo, a função apologética no modo com o qual interpreta
o texto de 1 Pedro 3,15, era entendido como um «dar resposta» ou «fazer defesa» (em
grego: apologhia), sendo uma função própria do mesmo testemunho de fé. Em realidade,
as palavras “ razão ˮ e “ resposta ˮ, podem designar uma explicação raciocinada,
(pensada, refletida) dada aos interessados, sobre o tema da ʻféʼ ou da ʻesperançaʼ. Se
temos presente a missão na igreja antiga, devemos imagina-la concretizada, no período
pós-apostólico, nos contatos provocados pela convivência dos cristãos e, com os não
cristãos, o interrogatório ao qual os cristãos se veem submetidos acerca do fundamento
das suas novas condutas e do seu “bem operar ˮ (em linguagem cristão: a razão da
esperança), o podemos considerar como uma situação relativamente normal»1.
Neste sentido, é significativo o uso antigo deste texto petrino, que encontramos já no fim
do segundo século nas obras de Clemente de Alexandria, e seguida logo depois de
Origeneses, o qual à “esperançaˮ acrescenta também a “féˮ (c. Celsum VII, 12),
continuado por Eusébio e, mais tarde, pelo Crisóstomo e Cirílo de Alexandria. Será santo
Agostinho – e, com ele, são Jerónimo – a retomar 1 Pd 3,15 como ponto de referência
para o mundo latino – e de novo com o acréscimo da «fé» - na sua carta ad Consentium
que é a primeira obra sistemática sobre as relações entre a fé e razão (Ep. 120). A
consagração teológica deste texto, será no pleno século XII, com o surgimento da
escolástica. Como se vê, a função apologética da fé a podemos constatar já desde o inicio
do cristianismo com variantes muito diversos. Mas não obstante isso, no momento na
qual aparece teologia como ciência, nos séculos XII/XIII, essa função nas “Sumas
Teológicasˮ não se constitui como disciplina em si e especifica, também se a preocupação
de argumentar a fé e aprofundar a sua relação com a razão, oferece pontos de referimento
invencíveis. Trata-se do período de ouro da «fides quaerens intellectum» (Anselmo,
Tomás, Boaventura, Duns Scoto…), infelizmente interrompido a partir do nominalismo
de Guilherme de Ocam (1285-1347), que a transcura, considerando-a uma via antiqua e,
em compenso, opta pela via moderna, baseada sobre o positivismo e o historicismo da fé.
Não existe dúvida: tais pressupostos estão no fundo da sucessiva dura negação que Lutero
opôs à filosofia e a teologia natural, «a vantagem da fé», com a problemática que tudo
isto provocará para a apologética nascida, enquanto tal, com a Contra reforma. Nos

1
N. Brox, La primeira carta de Pedro, Salamanca 1994, 214-216.
2

encontramos, portanto, diante de uma disciplina – chamada originalmente “Apologética


e conhecida também e em geral hoje, como “ Teologia Fundamental ˮ - que tem enquanto
tal, uma história recente dentro da história da teologia, mesmo que os seus componentes
não o sejam, e é ao mesmo tempo uma disciplina continuamente sacudida, abalada, por
diversas focalizações – filosóficas, hermenêuticas, linguísticas, bíblicas, dogmáticas,
pragmáticas, pastorais, etc. -, visto que desde as suas origens tem uma clara vocação de
fronteira e de diálogo. De facto, se olhamos atentamente àa sua história mais recente,
nos redemos conta que, surpreendentemente, uma tal disciplina não mereceu uma menção
no concílio Vaticano II (1962-1965), nem nas primeiras normas de aplicação conciliar
para o ensinamento teológico de 1968 (Normae Quaedam). Só após quinze anos que, o
Vaticano II, com um documento solene, qual é, a constituição apostólica, a ʻSapientia
Christianaʼ (29. IV. 1979), que sucedia à Deus Scientiarum Dominus (14.V. 1931), fará
uma menção explícita à “Teologia Fundamentalˮ como disciplina obrigatório e,
sublinhando que, essa, deve ter em conta a dimensão do diálogo: tratando do ecumenismo,
das religiões não cristãs e do ateísmo (n. 51). E quase vinte anos depois, a encíclica Fides
et Ratio (14.IX. 1998), dedicará a esta disciplina, um amplo parágrafo no qual é descrita
a sua missão específica e o faz em seguintes termos: «a teologia fundamental, pelo seu
carácter próprio de disciplina que tem a responsabilidade de dar razão da fé (1 Pt 3,15),
deverá tomar a peito de justificar e explicitar a relação entre a fé e a reflexão filosófica
(…). A teologia fundamental deverá mostrar a íntima compatibilidade entre a fé e a
exigência essencial de explicitar-se mediante uma razão em grau de dar em plena
liberdade o próprio consentimento. A fé saberá assim “ mostrar em plenitude, o caminho
a uma razão em busca sincera da verdade ˮ. Em tal modo, a fé, dom de Deus, mesmo não
fundando-se sobre a razão, não pode certamente fazer a menos dela; ao mesmo tempo,
surge a necessidade para a razão, em fazer-se forte da fé, para descobrir os horizontes aos
quais sozinha não poderia chegar ou atingir» (Mensagem aos participantes ao Congresso
internacional de Teologia Fundamental de 1995; FR 6).
Nesta introdução geral, vamos começar com um balanço histórico, que parte do início
propriamente dito da disciplina chamada apologética ou teologia fundamental, até á
encíclica Fides et Ratio (1998), analisando os dois concílios decisivos para esta
disciplina: o Vaticano I (1870) e o Vaticano II (1962-1965).
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UM BALANÇO HISTÓRICO
I. Evocação histórica desta disciplina
O uso mais antigo da expressão “teologia fundamental ˮ, o podemos encontrar no início
do século XVIII, mesmo que a sua formulação como disciplina não aparece até XIX, em
particular com o título de «apologética». Não obstante isto, devemos ter presente que a
teologia fundamental ou apologética, assim como apareceu no século passado, afunda as
suas raízes mais propriamente no tratado de “ lugares teológicos (loci theologici) da fé e,
ainda, nas “ questões disputadas ˮ medievais referidas em modo particular as analises da
fé (analysis fidei), nonché nas controvérsias contro o luteranismo e o calvinismo até em
1550 – com um testemunho clara na Catecismo Romano de 1556, no capítulo dedicado
às quatro notas da Igreja – pelos quais vem desenvolver uma apologética a dois níveis : o
tratado De Vera Religiao e, em seguida, aquele De Vera Ecclesia.
Mas o movimento filosófico e cultural representado pelo iluminismo no século XVIII,
refuta ou nega os fundamentos do pensar teológico e prepara o “ nascimentoˮ
propriamente dito, já no século XIX, de uma nova disciplina académica, com o nome ou
de teologia fundamental ou, de apologética. Como consequência da nova situação
espiritual, cultural e política do iluminismo, no qual o cristianismo e a religião de
identificar-se e o cristianismo tornou-se alguma coisa de particular em relação à
sociedade, nos inícios do século XIX, a apologia veio a constituir-se como disciplina
teológica autónoma. O que se verificou seja em campo protestante, onde F.D.E.
Schleiermarcher (1768-1834), foi o primeiro a falar de prolegomeni apologéticos a toda
a teologia, sendo ele o iniciador da filosofia da religião, seja em campo católico, com o
fundador da Escola de Tubinga e verdadeiro iniciador da apologética, J.S. Drey (1777-
1853). Contemporaneamente, no Colégio Romano – a Universidade Gregoriana daquele
tempo – G. Perrone S.J. (1794-1876), e a Escola Romana, isolaram definitivamente a
apologética. Mas vejamos, agora, mais detalhadamente, o contexto do nascimento desta
disciplina, para compreender melhor a sua impostação e as suas características iniciais.
II. O contexto do nascimento desta disciplina: o iluminismo
O iluminismo tornou-se um termo que não só indica uma época (do século XVIII até ao
XIX), mas também um movimento histórico-cultural. Este movimento se
autocompreende como o início de uma transformação mundial, como uma nova época
que quer mudar radicalmente o pensamento e o comportamento dos homens, mas também
as instituições estatais e sociais. Neste modo, a história da humanidade vem entendida
4

como história do progresso e da liberdade que se faz sempre mais grande, tanto que razão
e liberdade se unem numa forte aliança: a razão se coloca ou se põe como fim, a liberdade
e a liberdade entende ligar-se só á razão. Com o iluminismo, o Ocidente cessa de ser
inequivocamente cristão e emergem tendências de tipo «deístico» - vale a dizer um
«deus» só natural – e sucessivamente tomada de posições filosóficas e científicas de
inspiração ateia ou quanto menos agnóstica. Se produz, de consequência, uma grande
fratura e contraposição entre o universo religioso de uma parte e, da outra, o universo
cultural no qual, também quando permanece a referência à transcendência, é prevalente a
evocação à autonomia da razão crítica. Neste sentido, é emblemático o título da obra de
I. Kant (1724-1804), A religião entre os limites da só razão (1793), como a realização da
religião seguindo o insistente convite do iluminismo: Sapere aude ! (osa pensar!), vale a
dizer: tenha a coragem de usar a tua cabeça!), convite este que em seguida assumirá um
tom muito mais ameaçador nas paginas do pai do ateísmo de massa, L. Feuerbach (1804-
1872).
Ora bem, a crítica iluminística, enquanto verificação da condição da possibilidade da
revelação, do reconhecimento do seu acontecer histórico da determinação do seu valor
referido ao conhecimento e relação com Deus, não tem um significado exclusivamente
negativo e destrutivo da revelação, mas também um significado positivo. De facto, as
repercussões da moderna crítica da religião e da revelação sobre a autoconsciência da fé
cristã, são enormes: se pode dizer que o interesse para a revelação, se fez mais forte
próprio por causa da insistência desta critica, também se não é esta a causa última,
naturalmente. E então, em concomitância com esta critica iluminista, aparecem os
primeiros tratados sistemáticos sobre a revelação, e vem assim configurando-se uma nova
disciplina: a apologética da religião e da revelação. De facto, o que interessa tanto ao
iluminismo quanto à revelação, é a iluminação; neste sentido, ambos evocam a
experiência de luz e, em definitiva, à Deus como fonte de qualquer luz, ambos perseguem
o próprio empenho ao serviço da verdade. A este ponto, se coloca como problema
permanente a questão acerca da relação entre a fé revelada e pensamento iluminado.
Se nota, pois de facto, que a critica iluminista do conceito de revelação, se move numa
relação de odie t amo (odio e amor) em relação ao cristianismo, passando frequentemente
por uma posição inicialmente mais reducionista a um final mais aberto, como
testemunham por exemplo Fichte e Schelling, e o mesmo Kant. Tudo isto mostra ou
evidencia claramente aquilo que tinha sido dito a «dialética» do iluminismo, segundo a
definição de M. Horkheimer e Th. Adorno, isto é, a necessidade intrínseca da sua
5

superação, também se em tal superação, pode realizar-se, e facto se é realizado, com


resultados diversos e até opostos. Não resulta, portanto, estranho, que a passagem a uma
nova apologética, tinha sido iluminado pela critica de Kant. O seu dualismo entre a razão
especulativa e a razão prática, chega a ser o asse filosófico para muito apologistas do
século XIX, sobretudo protestantes. Muitos seguem a sua sugestão que, a fé deva basear-
se sobre a voz da consciência e sobre o sentimento da obrigação moral. O efeito mais
claro de uma tal reflexão tinha sido aquele de estabelecer a religião como forma específica
de conhecimento, distingui-la das ciências puramente especulativas.
Para alguns apologistas, isto levou a um certo fideísmo, como impossibilidade de
justificar o assenso da fé mediante um processo racional, sobretudo no mundo protestante:
por exemplo Kierkegaard e discípulos. Para outros, a influência da filosofia critica levou
a uma apologética do coração, por exemplo F.D.E. Schleiermarcher na Alemanha,
Kierkegaard (1813-1855) em Dinamarca. Em França, a apologética baseada sobre a
inspiração do espirito humano, iniciada já em B. Pascal (1623-1662).
III. Os fundadores da nova disciplina: J.S. Drey e G. Perrone
1) Johann Sebastian Drey (1777-1853), o iniciador da escola católica de Tubinga,
publicou o seu Die Apologetik als Wissenscaftliche Nachweisung der Christentums 1-3
(1838-1848), no qual a apologética vem concebida como uma nova disciplina («neue
Disziplin»: vol. 1, IV) que tem qual objectivo, como diz o título, a demonstração científica
da divindade do cristianismo. O nascimento desta jovem disciplina, ou pelo menos a sua
nova estruturação, era para Drey fruto de um «sentimento geral da sua necessidade»
(allemeinen Gefuhl iher Notwendigkeit: vol.1, IV). Tríplice é a sua articulação:
Apologetik 1: filosofia da revelação; Apologetik 2: a religião na sua evolução histórica até
à realização na revelação de Cristo; os dois tratados combinam-se entre eles por causa da
interdependência dos conceitos de religião e de revelação; Apologetik 3: a revelação cristã
na Igreja católica, tratado que, em compenso, segue a forma clássica de De Vera Ecclesia.
Como método, J.S. Drey articula aquele dogmático-positivo referido à revelação, a Cristo
e à Igreja, com o método razional- expositivo, de carácter apologético – intrínsecista,
como via para uma demonstração científica. O influxo de J.S. Drey e da Escola de
Tubinga se fez sentir, e esta nova disciplina, com o nome de Teologia Fundamental,
tomou progressivamente pé. Em Praga, por exemplo, a partir de 1857 surge a primeira
Cátedra específica desta disciplina, com J. N. Ehrlich, Fundamentaltheologie (1859-
1862). Entanto, para esta nova disciplina, teológica se experimenta o uso do objetivo “
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fundamental ˮ, em paralelo com a criação da filosofia fundamental, graças à grande


ressonância que teve entre os teólogos católicos alemãs a tradição alemã em 1855 da
Filosofia fundamental do filósofo J. Balmes (1846), não só a investigação de uma
disciplina semelhante à filosophia prima.
2) Giovanni Perrone S. J (1797-1876), fundador da “Escola Romanaˮ, no Colégio
Romano – a atual Universidade Gregoriana de Roma. Com o primeiro volume da sua
obra, Praelectiones theologicae 1: De Vera Religione/De locis theologicis (1835-1841),
desenvolve um modelo teológico sistemático no qual trata da religião como fundamento
- se note o termo – da teologia (fundamentum tractatus de religione: vol. 1p. LII) e se põe
ou se coloca o objetivo de demonstrar a necessidade e a existência da revelação, visto que
o iluminismo, segundo Perrone, promove «o divorcio entre a ciência e a fé» (scientiam
inter ac fidem complevit divortium: vol. 1, p. 39). Dúplice é a sua articulação: o De Vera
Religione, como estudo das fontes da revelação. O seu método é controverso na linha de
uma argumentação extrinsecista e logico-apologética, com uma orientação atenta à
história de carácter prevalente positivista.
Não há dúvida que foi a tendência de G. Perrone aquela que prevaleceu no panorama da
nascente disciplina, graças sobretudo à sua colaboração nas declarações do magistério,
quais, o dogma da Imaculada Conceição de 1854, o Sillabo (1864) e as definições do
concílio Vaticano I (1870). Os outros membros da Escola Romana, entre os quais C.
Passaglia, C. Schrader e, em particular, J.B. Franzelin, tiveram uma influência sempre
maior. Todos afastavam a crítica kantiana, insistiam sobre a demonstrabilidade da
existência de Deus e sobre a credibilidade da revelação. Todavia, um pensador como o
cardeal J.H.Newman (1801-1890) se exprimia sobre a epistemologia do conhecimento
religioso, falando com grande cautela. No entanto, um grupo significativo de teólogos
deste século, preferiam basear a racionalidade da fé sobre a realidade presente na Igreja
– a assim dita via empírica: entre estes J. Balmes (1810-1848) e a cardeal V. Dechamps
(1810-1883).
IV. O Concílio Vaticano I (1870)
O concílio Vaticano I – com De Filius- representa a confirmação da orientação
apologética, também se a sua interpretação e receção inicial acentuou o caráter
extrinsecista e demonstrativo, como mostra o juramento anti-modernista que o
transformou o certo cognosci posse do concílio (DH 3004). Outrossim, na famosa
afirmação recta ratio fundamenta demonstret (DH 3019), que serviu como base para os
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manuais apologéticos mais difusos, na explicação que dão as mesmas Atas do concílio, o
verbo demonstrar aparece mitigado pelas palavras «em certo sentido» (aliquo vero
sensu). E ainda: a fórmula, também essa muito difusa, sobre «credibilidade evidente» da
revelação (DH 3013), foi lida como «evidência racional vinculante», enquanto nas Actas
conciliares, essa vem explicada nestes termos: «credível é enquanto se pode acreditar
prudentemente (prudenter credi potest): podemos e devemos acreditar alguma coisa se é
moralmente certo que, foi revelada, ou que existem motivos moralmente certos (moraliter
certum). Podemos dizer, que alguns outros aspectos de Dei Filius, favoreceram uma
leitura estrinsecista da revelação. Por exemplo, a afirmação que existe uma «dupla
ordem» de conhecimento (DH 3015; 3004s.) favoreceu uma visão sobreposta da
revelação. Também a definição da fé como «obséquio da inteligência e da vontade» e
«credente com a razão» (DH 3008.) consolidou uma certa visão prevalente intelectualista
da fé. Do outro lado, a falta de referência explicita a Jesus Cristo, se se acentua a única
citação de Hebreus 1,1 (DH 3034), deixou na sombra o cristocentrismo da revelação. Em
compenso, teve a sorte de melhorar a recta ratio fide illustrata que abriu a estrada à
tríplice missão específica da reflexão teológica – reconhecido agora como clássico –
centrado sobre a «analogia», sobre a conexão dos mistérios entre eles e com o fim último
do homem (cfr. Dh 3016). Assim, a teologia dos manuais mais difundido, sem um
conhecimento das Actas conciliares, viu no Vaticano I uma confirmação da orientação
apologético – demonstrativo, radicado numa compreensão literal deste concílio. E uma
tal orientação neo-escolástico contribui para consolidar a mais nota e influente
apologética católica de tipo especificamente defensivo, inspirada ao estrinsecismo
nominalístico: a assim dita “ via modernaˮ, iniciada no século XIX, que foi a mais difusa
na ensinamento da teologia até ao Vaticano II2. O esquema habitual desta apologética
demonstrativa, é, aquela dividida em três partes: 1) a existência de Deus e da religião
(demonstrativo religiosa); 2) a existência da verdadeira religião (demonstrativo
christiana); 3) a existência da verdadeira Igreja (demonstrativo catholica). É, desde os
inícios do século XX que, aparecem tratados consagrados a justificar
epistemologicamente as suas posições, tanto respeito à filosofia, quanto em relação com
a teologia dogmática. Assim, os escritos de A. Gardeil, La crédibilité et l´apologétique
(1908) e de R. Garrigou, De Revelatione (1930), com o influente Dictionnaire

2
Nota n. 20..
8

Apologétique de la Foi Catholique (1909-1928), junto ao diversos manuais mais difusos


nos centros teológicos (A. Tanquerey, 1896,; C. Mazzella, 1896, etc).
Para A. Gardeil, a apologética é, a ciência da «credibilidade racional» da revelação divina.
O seu objecto é a credibilidade do dogma católico, dado que a propriedade que
corresponde ao dogma católico em virtude do seu testemunho divino, é aquele de ser
naturalmente demonstrável. Esta colocação, teológica enquanto ao seu objecto formal é,
portanto, uma ciência rigorosamente racional e demonstrativa quanto ao seu método. Por
isso, nesta linha, segundo Garrigou-Lagrange, a função própria da apologética é
aquela de representar a religião revelada «da prospetiva da evidência da credibilidade»
(sub ratione credibilitatis evidentiae). Uma semelhante função supõe a fé e, não obstante
isto, não utiliza se não argumentos de razão3.
A caraterística fundamental desta apologética dominante deriva do seu caracter
fortemente anti deísta, dado que se tratava, antes de tudo, de afirmar a revelação, seja na
sua ideia como nas suas manifestações. E assim, o tratado sobre Deus, que na teologia
medieval se tinha tornado o tratado “ fundamental ˮ, deixa lugar ao tratado sobre a
revelação teologia fundamental. A segunda caraterística da apologia clássica é, o
intento de estabelecer o facto da revelação divina sem ter presente o sentido do seu
conteúdo. Esta separação de facto e do sentido, é explicado pelo sistema dualístico
deixado como herança pela teologia pós- tridentina e da influência do mesmo deísmo que
se queria combater. De um lado, a religião natural, demonstrável mediante razões
filosóficas, e do outro, a religião revelada que a deve completar, formada por um corpo
de verdades sobrenaturais e preceitos positivos. Em tal modo, para demonstrar a
credibilidade não era necessário considerar a natureza da religião, nem da revelação, nem
da divindade de Cristo. Era suficiente demonstrar o facto da atestação divina que garante
o magistério. Se vem assim a acentuar uma posição «estrinsecista» que já M. Blondel
tinha denunciado, mas que o ambiente anti modernista favoreceu.
Enfim, vai sublinhado um terceiro carater desta apologética neoescolástica: a pretensão
em dar uma demonstração racional rigorosa. Nisto, se manifesta a influência do
iluminismo e das tendências positivistas nas ciências humanas. Um silogismo no qual a
preposição maior era evidência racional e a menor, uma pura constatação de facto, devia
gerar o consentimento do espírito como conclusão necessária. Neste modo, os “sinais ˮ
da revelação (milagres, profecias…) tornavam argumentos “ científicosˮ, em margem dos

3
Nota 21
9

seus significados de fé. Era esta, portanto, a colocação dominante nos manuais até ao
Vaticano II.-----------------------------------------------------p. 23.

V. O concílio Vaticano II (1962-1965)


Com razão se pode afirmar que, a constituição Dei Verbum concílio Vaticano II (1962-
1965), consagrou um progresso realizado na teologia fundamental durante os últimos
trinta anos. Também, a teologia fundamental não tem mais o seu ponto de partida, como
a apologia clássica, um conceito prévio de revelação geral, essa, invés, parte
imediatamente do evento concreto da revelação realizada em Jesus Cristo e o faz com o
método histórico e teológico4.
É aqui que, se coloca o contributo decisivo do concílio Vaticano II, a esta postura da
teologia fundamental. De um lado, sobre a revelação, o concílio apesenta como novidade
a mesma estrutura da economia da salvação numa perspetiva claramente sacramental (DV
2.4). outrossim, traz o princípio da incarnação como parâmetro para a compreensão da
revelação (DV 4) e da mesma Igreja (LG 8). Aparece também decisiva a centralidade
absoluta de Cristo na revelação e na fé (DV 2.4; NA 2). Doutro lado, o Vaticano II propõe
uma teologia renovada dos sinais de credibilidade a partir de uma postura personalizada,
centralizada sobre Cristo que é a plenitude e o sinal que é ao mesmo tempo da
autenticidade da própria revelação (DV 4) e ao mesmo tempo realização das Escrituras
(DV 16). Todos os sinais particulares são irradiações Dele entre os homens e em modo
central a Igreja “sinal – sacramento ˮ de Cristo no mundo (LG 1.9.48.59).
Neste contexto recebem uma nova colocação os milagres, os quais vêm sempre colocados
em relação com a de Cristo (DV 2.4; LG 5; AG 12), dado que na sua pregação, vinham,
operados para suscitar e fortalecer a fé dos escutadores, mas não para exercitar sobre esses
uma coação (DH). Do outro lado, a categoria do testemunho, retoma a proposta do
Vaticano I sobre a Igreja «como grande e perpetuo motivo de credibilidade» (DH 3013),
fruto da concentração e personalização dos sinais operada pelo Vaticano II. O
testemunho, é um tema importante e privilegiado e, torna, a verdadeira via de acesso à
credibilidade da Igreja (LG 13.35.38-42; AG 6.11.15.21.24.37; GS 43; PO 3; PC 25).
Enfim, o Vaticano II mete em claro que a revelação é credível não só a partir dos sinais
externos que a acompanham, mas também porque essa é a chave da inteligibilidade do
mistério do homem, dado que «somente no mistério do Verbo incarnado encontra a

4
Nota 22.
10

verdadeira luz o mistério do homem. Cristo (…) desvela plenamente o homem ao


homem» (GS 22)5. Acerca da relação entre a ʻféʼ e a ʻrazãoʼ, aparecem dois aspetos. De
um lado, DV 5 une à definição do Vaticano I sobre a fé, a fórmula bíblica «a obediência
da (= que é a) fé» e sublinha o empenho global da pessoa com o seu carater livre, dado
que «o homem abandona tudo si mesmo a Deus livremente» e o Espírito Santo torna
possível que «a inteligência da revelação seja sempre mais profunda». Em segundo lugar,
DV 6, citando o Vaticano I, muda a ordem - como tinha acontecido em DV 3 – e coloca
em primeiro lugar o «conhecimento de Deus mediante a revelação», e e em segundo
lugar o «conhecimento natural de Deus», mostrando, nesse modo o primado da revelação
e o momento interior representado pelo conhecimento “ naturalˮ.
P. 73-160
I. Introdução: que coisa é a fé?
Noção Bíblica da fé: Síntese

A raiz hebraica fundamental que exprime o crer: “ amanˮ, significa «ser estável e
seguro» e é expressa com Ámen que indica um empenho solene, preciso e irrevogável,
sempre num teológico. Analogamente, o verbo grego pistéuein, presente nos LXX e no
Novo contexto Testamento, conserva o significado hebraico do ato total da pessoa que
descreve a reta relação com Deus e, portanto, a essência da religião6. Como síntese da
visão do Antigo Testamento e do Novo Testamento, se pode afirmar que a fé é adesão
total – o Amén7 - do homem à palavra definitiva e salvadora de Deus. E na totalidade
humana deste ato, aparecem estes três aspetos:
1) o conhecimento e confissão da acção salvífica de Deus na história;
2) a confiança e submissão à palavra de Deus e aos seus preceitos, se não que
3) a comunhão de vida com Deus, e junto orientada para a escatologia. Existe, porém,
uma clara diferença de acento entre a fé antigo testamentária e aquela neotestamentária,
pois que na primeira o aspeto de confiança é aquele dominante e, invés, na segunda é
primordial o aspeto de conhecimento e de confissão. Esta diferença é determinada pela
singularidade do evento de Cristo, que a define como fé propriamente cristã8.

5
Nota n. 23.
6
Cap. I p. 160, nota n. 157
7
N. n. 158.
8
Nota n. 159.
11

2. textos bíblicos “ tradicionais ˮ na teologia da fé


A tradição teológica especialmente aquela medieval, tinha acentuado uma série de textos
bíblicos sobre a fé com uma compreensão que partia do sentido espiritual-alegórico da
Bíblia9. Nós, nos concentraremos sobre alguns textos, pela sua importância na tradição
teológica.

1Pt 3,15
«prontos sempre a dar resposta (απολογίαν)
A qualquer que vos pergunte a razão (λόγον)
da (fé e da) esperança que está em vós»

απολογίαν: ʻresposta/defesaʼ: o contexto pressupõe que fosse àquele de hostilidade


(rivalidade), para com àqueles que professavam a fé cristã, com o risco que fossem para
a prisão. Durante as acusações, os processos, «de defesa», se transformavam numa
autêntica e inspirada possibilidade de proclamação missionária e, 1Pt 3,15, era uma e
própria declaração missionária da esperança – o núcleo mesmo da fé cristã – proclamada
diante do tribunal de Justiça ou em conversações privadas10. O paralelismo com a mesma
expressão do Contra Apinem II, 147, de Giuseppe Flávio, sublinha o seu carácter
apologético – defensivo, que porém em 1Pt 3,15 levava «no terreno social da convivência
cristã, onde tinha um espaço, a provocação da esperança»11.
λόγος: em paralelismo com 1Pt 4,5 (dar conta render, exprimir, expor…..(dar conta….)
rendere conto) e Rm 14,12 (rendere conto), significa dar conta rendere conto de, razão,
reflexão racional, resultado da reflexão, motivo racional bem ponderado, particularmente
importante para o uso quotidiano e para a filosofia como reflexão, motivo, condição e,
em latim, ratio no sentido de explicação, consideração, motivo e causa ʼ. A expressão
«que está em vós» referida à esperança, se refere a Col 1,27, onde é «Cristo em vós, a
esperança da glória»12.
A tradição latina da Vulgata, na sua variante da Sistina (edição do Ano 1590), acrescenta
à menção da esperança também aquela da fé, situação que fez com que este texto viesse
utilizado na apologética: o ʻ dar razão ʼ da fé. De facto, dar razão, dar razão da fé ou dar

9
Nota 160.
10
Nota n. 161 --------------------------
11
Ibid, nota 162
12
Ibid, nota 163.
12

resposta podem indicar uma explicação raciocinada ou pensada, a àqueles que mostram
interesse para o tema da fé ou da esperança. Talvez, estas expressões seriam explicadas
aqui a partir de uma terminologia de diálogo explícito, e então, significariam o desenrolar
de um debate. Partindo da missão da Igreja antiga, que no período pos-apostolico devia
consistir, em diálogos em provocados pela convivência dos cristãos e com os nãos
cristãos, acerca o fundamento da sua conduta nova e do seu ʻ bem operar ʼ, que para a
linguagem cristã é, exatamente, a razão sua esperança, se pode pensar que a necessidade
de dar estas explicações, representasse uma situação relativamente normal. Parece que
isto, se refira o texto, visto que a carta fala constantemente do comportamento estimulante
dos cristãos: um comportamento muito fecundo, como testemunho da fé para os outros
(1,12; 3, 1s.). de facto, numa situação de calúnia e de difamação, o eventual sofrimento a
renúncia à vingança (v.9) não eram suficientes em todos os casos e se impunha, além
disto, a confissão pública da fé. Por este motivo, o nosso texto exige expressamente a
disposição a dar uma resposta à pergunta sobre a esperança e sobre a fé. Neste modo se
compreende a presentação da comunidade cristã como « estirpe eleita, sacerdócio real,
nação santa, povo que Deus --------------» 1 Pt 2,9) que se transforma em «casa para
aqueles que não têm casa»13.
Desde antiguidade este texto tinha sido usado numa perspetiva apologética graças à sua
aureola apostólica. Assim, o encontramos em Clemente de Alexandria (Strom. IV, 7, 46),
em Origenes (contra Celsum III, 33; VII, 12, com fé e esperança), em Eusébio (Praep.
Evang. I, 3,5) e, mais tarde, em Crisostomo (De sacerdotio IV,3) e em Cirilo de
Alexandria (In Zach. VIII, 16s;. Exp. Simboli Nicaeni, 6).
Entre os latinos, encontramos em santo Agostinho um
uso inicial e muito significativo na sua epístola ad Consentium, na qual sintetiza as
relações entre a fé e a razão. Mostra, assim, a diferença segundo o pedido de dar razão da
própria fé – e aqui Agostinho se refere a 1 Pt 3,15 – provenha de um não crente ou de um
crente. No primeiro caso, se deve em modo de «de dar uma razão na qual se possa ver, se
é possível, que coisa se pressupõe primeiro ou antes da fé» (rationem in qua, si fieri
potest, videat quam praeponere ante fidem poscat rationem); no segundo caso, se deve
tornar possível «uma inteligência da fé» (ut quod credit intelligat: Ep. 120, 1,4). Não
muito tempo depois, também são Jerónimo, se rifará brevemente a 1 Pt 3, 15 (Ep 52,7).

13
Ibid, nota 164.
13

Pouco mais de um século depois, encontramos o nosso texto bíblico citado


também numa carta do papa Pelágio I, conhecida como a Fides Pelagii, ao rei
Childeberto I no ano 557. Nesta profissão de fé a referencia a 1 Pt 3,15 , se encontra na
conclusão e como síntese dos diversos capítulos da profissão e diz assim: « esta é,
portanto, a minha fé e a minha esperança, como nos impõe o beato Pedro apostolo, ser
plenamente em grau de dar explicações a qualquer que nos peça razão (1 Pt 3,15)».
Será no século XII que as preocupações apologéticas forçarão a um uso difuso e
desproporcional de Pt 3,15, citado também segundo a edição da Vulgata Sistina com a
ajunta sobre a fé. Pedro Abelardo, é aquele que pronunciará a palavra de ordem numa
questão claramente formulada que a sua obra Sic et Non que atrai a atenção do leitor e se
referirá ao texto petrino nestes termos: «a fé apoia sobre questões humanas, ou não?»
(quod fides humanis rationibus sit astruenda, et contra: n. 1). Em seguida o usará de novo
para justificar a investigação da sapiência (Theol. Christiana III; Ep. XIII). Da sua parte,
santo Anselmo, ao inicio do seu Cur Deus homo, apoiará as suas perguntas com o texto
petrino numa perspetiva que é coerente com a sua orientação teológica porque afirma que
os leitores «não acederão à fé por meio da razão, mas se deleitarão pela inteligência de
quanto acreditam» (I,1). É assim que o século XII, vê a consagração do uso apologético
de 1 Pt 3,15, que torna emblemático também por outros autores significativos desta época
(por exemplo, Berengario, Hugo de São Vittore, Pietro o Venerável, Ricardo de São
Vittore)14
Será são Tomás de Aquino, aquele que fará uma referência mais ampla a este texto
emblemático de 1 Pt 3,15, citando-o sempre unido à fé. Os seus três comentários na Suma
teológica, são significativos para a compreensão deste texto bíblico. No primeiro ele
sublinha em forma muito rigorosa e densa, a função da razão na fé, com estas palavras:
«o homem, no seu acreditar, ama a verdade acreditada e reflete sobre essa mesma, e
aceita, por quanto pode, as razões adequadas que pode encontrar» (rationes ad hoc
invenire potest: II-II ae, q.2, a. 10). No segundo mete em ressalto que as disputas (debates)
com os infiéis têm o fim ou intento de «manifestar a verdade» e de «confirmar a fé» (II-
IIae, q. 10, a. 7, ad 3). Enfim, no tratar a questão da ciência pedida por àqueles que devem
receber as ordens sagradas, cita 1 Pt 3,15 e comenta: «a razão que um deve dar da fé e da
esperança não vi entendido como suficiente para demonstrá-la», bem sim basta que
«sabemos manifestar em forma genérica a probabilidade de uma e da outra» (sciant in

14
Nota n. 165.
14

communi probabilitatem ostendere: Suppl.q.36 a. 3 ad 2). Em síntese, as expressões


especifique de Tomás sobre esta apologia, entendida como satisfactionem ou justificação
da fé – que é a Nova Vulgata (edição reelaborada em 1979, base dos textos litúrgicos
latinos) mudará em defensionem – são àquelas relativas as «razões adequadas», as quais
«manifestam e confirmam a fé», razões não tanto ʻ probativas ʼ, quanto ostensivas da
probabilidade que não vem contradita a razão: e isto seria o dever específico da
apologética.
O texto de 1 Pt 3,15, será mais citado até pelo Vaticano II, onde aparece citado uma vez
se bem num contexto muito significativo da Lumen Gentium. Em efeito, tratando do
sacerdócio comum de todo povo de Deus, se diz, que todos os discípulos de Cristo devem
dar «em toda a parte o testemunho à Cristo, e dar razão, a quem o peça, da esperança da
vida eterna que está neles (cfr. 1Pt 3, 15)» (LG 10 CFR) A novidade está na equivalência
que aparece entre o ʻdar razãoʼ e o ʻtestemunhoʼ, sendo este último uma categoria decisiva
no Vaticano II para exprimir a dimensão histórica e existencial da vida cristã e do seu
carácter decisivo de testemunho da vida, como ʻ razão ʼ e ʻ resposta ʼ histórica –
antropológica.
Para a Evangelii Nuntiandi 22 de Paulo VI, o texto de 1 Pt 3,15, é a base para que «o
evangelho proclamado com o testemunho de vida, seja proclamado também com a palavra
da vida».
A Fides et Ratio, tratando da teologia fundamental, se refere a 1 Pt 3,15 e afirma
o seu carácter próprio de disciplina que tem a missão de dar razão da fé (n.67). Neste
sentido, recolhe o sentimento comum dos especialistas recentes que vêm neste texto a ʻ
Magna Cartaʼ da teologia fundamental actual (R. Fisichella, M. Scckler, S. Pié-Ninnot,
H. Verweyen, etc).
Isaías 7,9
«se não acrediteis, não compreendereis».
Palavras dirigidas à casa de David para assegurar ou garantir estabilidade, a condição que
essa tenha confiança na promessa de Deus (vv. 9-25); por isso diz, segundo o texto
hebraico original: se não acrediteis, não tereis estabilidade». Este texto original usa todas
e duas as vezes o mesmo verbo ʻ amanʼ: acreditar, mas a tradução do segundo verbo, seja
grego que latino, o interpretou como compreender ---------------------------------------p. 166
15

Hebreus 11,1:
«a fé é o fundamento (ύπόϭταϭις /substantia)
De realidade que se esperam (sperandarum)
e prova (argumentum)
de realidade que não se veem (não apparentium)».
Dentro do capítulo dedicado às realizações da fé, encontramos o primeiro versículo
considerado desde à antiguidade como a definição da fé (Cfr. por ex, Clemente de
Alexandria, nos seus Stromata, que são o primeiro tratado cristão sobre a fé; Gregório de
Nissa, João Crisóstomo, Gregório Magno).
De facto, insistindo sobre a fé e sobre o testemunho (vv. 2ss), o texto, dá o princípio de
interpretação que virá aplicado a todos os eventos que serão recordados ao longo de todo
o capítulo. Aqui a fé vem definida em forma impessoal em relação com a esperança,
porque tende para o futuro e para o invisível15.
ύπόϭταϭις /substantia: palavra que teve um grande número de possíveis interpretações.
Para João Crisostomo, Agostinho e Tomás, significa ʻ substância ʼ que equivale a ʻ
fundamentoʼ ou garantia, como para Gregório de Nissa, Calvino e um número de
comentadores contemporâneos e significa que a fé torna possível que em nós existam os
bens espirituais esperados. Invés, Erasmos, Lutero, Zwingli e muitos comentadores
sobretudo de tradição luterana, preferem o significado subjetivo sólido, segura
confiançaʼ16.
argumentum : significa ʻ provaʼ, e ʻargumento ʼ, entendida não em forma demonstrativa
mas sim como ʻ meio de conhecimentoʼ. Lutero, entende em forma subjetiva como
«fidúcia e ausência de dúvida». Os Padres gregos insistem sobre a evidência que dá a fé
como «visão do invisível», segundo 11,27, como «um ser conhecidos» do poder do
mundo futuro prometido por Deus17
------------------------p. 168---…………………………….

15
Nota 170.
16
Nota 171.
17
Nota 172.
16

AFIRMAÇÕES DO MAGISTÉRIO DA IGREJA


Concílio de Trento: a sua preocupação não é aquela de explicitar a fé, mas sim de mostrar
a relação entre a fé e a justificação e neste contexto, oferece uma afirmação central para
toda a teologia da fé de inspiração agostiniana: «a fé é o principio de salvação humana
(fides humanae salutis initium: Fulgêncio de Ruspe, De Fide , prol. I. ), o fundamento e
raíz de toda ou qualquer justificação; ʻ sem essa, não é possível agradar à Deusʼ (Hebr
11,6)» (DH 1532)18.
Concílio Vaticano I: A sua preocupação central é a relação entre a fé e a razão, com
estas afirmações19.
1/ a fé vem definida como «a plena submissão da inteligência e da vontade a Deus que se
revela» (plenum revelanti Deo intellectus et voluntatis obsequium: DH 3008). Esta
submissão é «conforme à razão» (rationi consentaneum: DH 3009), mas em nenhum
modo conclusão necessária de um raciocínio constringente (DH 3035), porque se trata de
uma «razão criada por Deus» (DH 3008): em síntese, vem sublinhada a submissão plena
da fé, a sua conformidade com a razão e a sua liberdade;
2/ os «sinais externos» da revelação (milagres e profecias: DH 3009); a Igreja: DH 3013.;
os sinais em geral: DH 3033) manifestam o evento dar revelação e a mostram ʻ credível
ʼ, e são normalmente necessários porque o consenso livre da fé seja «conforme à razão»
e «não seja um movimento cego do espírito» (nequaquam sit motus animi caecus: DH
3010);
3/ o Vaticano I, não dá uma definição destes sinais externos, mas os qualifica como ʻ
sinaisʼ (e não provas) que mostram o acto de acreditar como «conforme à razão» e, ainda,
sublinha que são «adaptas a toda e qualquer inteligência» (DH 3009);
4/ o Vaticano I afirma ainda mais «que os milagres podem ser conhecidos com certeza»
(certo conosci posse: 3034) e podem servir para «provar eficazmente a origem divina da
religião cristã» (rite probari posse: DH 3034), porque «a reta razão demonstra os
fundamentos da fé» (recta ratio fidei fundamenta demonstret: DH 3010);
5/ O Vatino I, define a possibilidade de uma prova da razão acerca o evento da revelação
cristã através os sinais. Mas uma tal prova não é ʻ evidente ʼ, no sentido de constringente,
visto que nos Actos do mesmo concílio esta expressão vem mitigada com a formula «em
certo sentido» (aliquo vero sensu) e a expressão paralela «credibilidade evidente» (DH

18
Nota 177.
19
Nota 178.
17

3013) vem explicada como fruto de uma certeza unicamente moral, porque «é credível
aquele que pode ser acreditado prudentemente e por isso podemos e devemos acreditar
alguma coisa se, moralmente é certa que tinha sido revelado ou se existem razões
moralmente certas que o aconselham»20. Se trata da evidência da boa vontade da opcão
de fé, pela qual é suficiente uma certeza moral do facto da revelação. Em síntese, portanto,
a partir da discussão conciliar sobre esta fórmula resulta claro que, o concílio Vaticano I
não afirmou que existe uma demonstração ʻ evidenteʼ do facto da revelação através dos
sinais;
6/ enfim, é preciso observar que o Vaticano I tinha considerado a situação real e concreta
do homem chamado à fé não exclusivamente pelos sinais externos, mas bem sim também
pela graça interna: de facto, «Deus quis que às interiores ajudas do Espírito Santo se
acompanhassem também provas exteriores da sua revelação» (DH 3009), e «a este
testemunho [aquela da igreja como ʻsinalʼ] se acrescenta a ajuda eficaz da graça que vem
do alto» (DH 3014). Tudo isto, significa que a graça interna é sempre presente na situação
existencial do homem. Se trata de facto, do mesmo princípio aplicado à questão do
conhecimento natural de Deus, princípio do qual se afirma a possibilidade teórica de iure,
mas, pois, se constata a necessidade prática da revelação de facto, porque «é graças a esta
revelação que todos os homens podem, na presente condição do género humano, conhecer
facilmente, com absoluta certeza e sem algum erro o que nas coisas divinas não é de por
si inacessível à razão» (DH 3004.).
Concílio Vaticano II: mesmo se não trata explicitamente a relação entre fé e a razão, se
podem encontrar nele, três indicações significativas que já assinalamos21:
1/DV 5 acrescenta à definição do Vaticano I sobre a fé, como «plena submissão da
inteligência e da vontade à Deus revelante» (DH 3008), a formula bíblica «obediência da
(=que é a) fede»: Rm 1,5; 16,26 e, para sublinhar o empenho global da pessoa e da
liberdade que isto comporta, acrescenta que «o homem abandone livremente tudo de si
mesmo». Além disso, o concílio afirma que é o Espírito Santo a tornar possível que «a
inteligência da revelação seja sempre mais profunda»;
2/DV 6, citando o Vaticano I, muda a ordem e coloca ao primeiro lugar o conhecimento
de Deus por revelação (cfr. DH 3005) e envia ao segundo lugar o conhecimento natural
de Deus através as criaturas (cfr. DH 3004). Esta significativa mudança, põe em relevo o
primado do conhecimento por revelação sobre o conhecimento “naturalˮ.

20
Nota n. 179
21
Nota n. 180.
18

3/ em DV 3, a referencia à revelação ʻnaturalʼ através das criaturas, com a citação de Rm


1,19s. como no Vaticano I (DH 3004), vem precedido por uma citação de Jo 1,3, em clara
referencia à criação por meio do Verbo. Aparece, assim, também o primado da revelação
de Cristo, que inclui a revelação “ naturalˮ através das criaturas, pelo qual no texto se
inclui uma referencia à única meta final de ʻambosʼ: «a salvação suprema» (salus
superna), fórmula patrístico-medieval anterior ao uso do adjetivo ʻsobrenaturalʼ. Esta
orientação unitária da salvação o encontraremos na afirmação da GS 22 nestes termos: «a
vocação última do homem é, efetivamente uma só, aquela divina» (vocatio hominis ultima
reverá una sit, scilicet divina).
Encíclica ʻFides et Ratioʼ: é toda dedicada à relação entre a fé e a razão e, na sua
estrutura global sobressaem ou emergem os dois capítulos com o título de raiz agostiniano
– anselmiana: o capítulo II, Credo ut intelligam, nn. 16-23, e o capítulo III, Intelligo ut
credam, nn. 24-35. No capítulo V, vêm depois, recolhidos as intervenções do Magistério
em questões filosóficas, sobretudo aquelas relativas a crítica ao racionalismo e ao
fideísmo (nn. 49-56) e no capítulo sucessivo se debate a questão da interação entre a
teologia e a filosofia – responsabilidade dada em modo específico à teologia fundamental
(cfr. n. 67) – e se oferece o modelo de relação «ao símbolo da circularidade» onde resulta
clara a prioridade da revelação, dado que «o ponto de partida e a fonte originária deverá
ser sempre a palavra de Deus revelada na história, enquanto o objecto final não poderá
que ser a inteligência desta» (n. 73).
p. 175…….212
19

II CAPÍTULO
A REVELAÇÃO CRISTÃ: A PALAVRA «UNIVERSAL E
DEFINITIVA» DE DEUS

«A Revelação é a verdadeira
estrela de orientação para o
homem» (FR 15)

A teologia fundamental tem o seu centro no tratado da revelação. Os inícios desta


disciplina apologética clássica eram, de facto, concentrados sobre este conceito que
afunda as suas raízes no espírito do humanismo dos séculos XV e XVI, no qual o primeiro
representante é J.L. Víves de Valência (1492-1540)22, e se desenvolve progressivamente
em seguida, também se será a partir do iluminismo (séculos XVIII-XIX) que aparecerá
um tal tratado. De facto, os primeiros documentos eclesiásticos que tratam explicitamente
da revelação são já da primeira metade do século XIX: em 1835 com a breve pontifício
Dum acerbíssimas Gregório XVI contra G. Hermes e L. Bautain, e em 1846 com a
encíclica Qui pluribus de Pio IX (DH 2775-80). Será o concilio Vaticano I, que
consagrará definitivamente o conceito de revelação, termo que recorre nove vezes nos
seus textos (oito na constituição De Filius, uma vez na Pastor Aeternus: DH 3000-
3075)23.
O contexto no qual se veio formando em maneira mais consistente o tratado da
revelação é o iluminismo: foi de facto a partir desta época, e com o movimento histórico-
cultural, que essa gerou, que a teologia cristã se encontrou diante à necessidade de
responder às suas duras críticas que podem ser reassumidas em dois núcleos. De um lado,
o crescimento da consciência por parte da razão, da importância do seu exercício a partir
da opção que caracteriza a modernidade, que consiste no seu concentrar-se sobre o
sujeito. Esta opção afunda as suas raízes na tradição bíblico-cristã, enquanto esta, dá valor
à pessoa humana como «imagem e semelhança» de Deus, valoriza a incarnação do Filho
de Deus e vê o cristianismo como o início da história da liberdade (a Freiheitsgeschichete
de Hegel). O segundo núcleo se refere à vontade iluminística de ʻ emancipação em
confronto da revelação, vista como uma imposição do externo e sem nenhum significado
ʻ antropológico. De consequência, a intencionalidade que inspira a crítica do iluminismo

22
NOTA 1.
23
Ibid. 2.
20

ao conceito da revelação é dúplice: se trata de uma crítica ideológica, enquanto quer


desmascarar o carácter da revelação como factor de legitimação e como o fundamento
que permite de ʻ de-monstrarʼ o aspecto vinculante de certas doutrinas ou pretensões, e,
se trata de uma crítica epistemológica, enquanto nega uma revelação intendida como
fundamento que permite de conhecer uma verdade e uma realidade que transcende a
razão24.
À toda esta problemática, quer responder o concílio Vaticano I, com a constituição sobre
a revelação De Filius e é, neste contexto que se formam os tratados sobre a revelação com
uma postura claramente apologética, mesmo antes da celebração do concílio: vê a visão
mais histórica da Escola de Tubinga com J.S. Drey (1777-1853), vê uma postura mais
polémica na Escola romana com G. Perrone (1794-1876). Estes dois autores, já
representam duas formas diferenciadas de apresentar a revelação: de um lado, J.S. Drey,
coloca a revelação em modo especial na segunda das três clássicas ʻ demonstrações
(religiosa/cristã/católica)25, do outro, invés G. Perrone, identifica todo o tratado De Vera
Religião
Com a revelação, e se concentra na confutação dos incrédulos e dos heterodoxos26.
É necessário, portanto, que já poucos anos antes, dava inicio um certo estudo da
recvelação, mais positivo-fundante de carácter intra-teológico e de postura nacionalístico
para garantir os princípios da teologia e da fé. Esta nova finalidade teológico-
fundamental, presente sobretudo nos teólogos protestantes (Ch. M. Pfaff, 1686-1760, e
J.F. Buddeus, 1667-1729) se andou aos poucos combinando com aquela apologética-
fundamental que predominava entre os católicos com a sua postura sobre a revelação (por
ex. a Escola austríaca de P.M. Gazzaniga, 1722-1779, e St. Wiest, 1748-1797)27.
Em seguida, de facto, até à proximidade do concílio Vaticano II (1962-1965), o
tratado da revelação se responsabilizou, ou em forma global ou em forma parcial, tanto
da demonstratio religiosa quanto da demonstratio christiana, como se pode constatar em
diversos manuais nos quais, prevalece uma forte colocação apologética clássica, na qual
têm uma particular relevância as “provasˮ, quais esses sobretudo os milagres e as
profecias que ʻdemonstramʼ a revelação28.

24
Nota n. 3
25
Nota n. 4
26
Nota 5.
27
Nota 6.
28
Nota 7.
21

Portanto, já antes do concílio Vaticano II, aparecem elementos de renovamento


para este tratado da revelação, especialmente em teólogos conscientes dos limites do
conceito que vem usado nos manuais habituais. Estes fermentos de renovação podem
sintetizados principalmente nos seguintes três: o primeiro nasce da crítica ao iluminismo
e contém ou compreende uma aproximação a uma concepção mais antropológica da
revelação, na qual tem uma função decisiva a teologia transcendental de K. Rahner 29; o
segundo fermento de renovação parte do diálogo com K. Barth e a sua concepção dialética
da revelação e tem na teologia de H.U. Von Balthasar30 e na ʻnouvelle théologieʼ de H.
Bouillard31 uma aproximação muito significativa; o último fator de renovamento vem do
amplo campo dos estudos bíblicos32. Em todo este contexto podemos ver também, entre
outras, as influentes obras de R. Guardini33, as propostas mais académicas de W. Bulst34,
É. Dhanis35 e aquela mais sistemática de H. Fries…36.
Será a partir do concílio Vaticano II que o tratado sobre a revelação encontrará
uma nova colocação dentro da teologia, tornando um tratado dogmático, e será R.
Latourelle o seu mais significativo e influente promotor, o qual escreve: «se está
elaborando, parece, um novo tratado dogmático, um tratado sobre a revelação, destinado
a ter um lugar entre os grandes tratados teológicos, como aqueles sobre a fé e sobre os
sacramentos. Tal dogmática da revelação aparece como um complemento do tratado
apologético e também como uma preparação ao tratado da fé»37. Este tratado se apresenta
com uma clara estrutura dogmática a qual a partir da sua história (Bíblia, Padres, tradição
teológica, Magistério) propõe uma reflexão teológica a partir da tríplice via que sugere o
Vaticano I para chegar uma certa compreensão dos mistérios (DH 3016): a via da
analogia, com as categorias da palavra, testemunho e encontro, a via da conexão dos
mistérios entre eles, metendo a revelação em relação com a criação, a história, a
incarnação, a fé, o milagre, a Igreja e a visão de Deus; e a via da finalidade38.
Esta postura de Latourelle, promotor daquela que chamamos «Escola da
Gregoriana», o leva a uma compreensão da teologia fundamental com as duas dimensões:

29
Nota 8.
30
Nota 9.
31
Nota 10.
32
Nota 11.
33
Nota 12.
34
Nota 13
35
Nota 14.
36
Nota 15.
37
Teologia della rivelazione (1966).
38
Nota 17.
22

aquela dogmático.fundamental, representada pelo citado tratado sobre a revelação, é


aquela apologético-fundamental, que já assina-la em 1971 com o seu Cristo e a Igreja,
sinal de salvação, como postura que tem presente a apologética clássica e gostaria
estabelecer «a credibilidade da revelação cristã ou, se se quer, do ponto de vista do crente,
a racionalidade da opção de fé…O presente ensaio, trata do problema clássico na teologia
fundamental dos sinais da revelação, mas entre uma perspetiva de uma busca, ou
investigação do sentido do cristianismo e da afirmação cristã»39. Uma semelhante
postura, portanto, tornou possível a articulação típica da teologia fundamental da «Escola
Gregoriana» numa primeira parte dogmática, centrada sobre a teologia da revelação e
sobre a sua transmissão eclesial, e uma segunda apologética, entorna à credibilidade, onde
aparece o tratado da fé e dos sinais, sobretudo de Jesus Cristo, mas em alguns casos
também da Igreja40.
Da sua parte, também a teologia alemã se é concentrada sobre este conceito
dogmático da revelação e P. Eicher o mete em ressalto com a sua monografia de 1977
sobre a revelação como princípio da teologia moderna. Ele apresenta seis tipos de
aplicação deste princípio: o tipo apologético (Vaticano I), aquele dialético (K. Barth),
aquele fenomenológico (R. Guardini, H.U von Balthasar), aquele teológico-
transcendental (K.Rahner), aquele teológico-histórico (W. Pannenberg) e aquele católico
(Vaticano II), para concluir que o conceito de revelação caracteriza a identidade da
teologia cristã moderna41.
No mundo alemão, aparecem diversas e importantes monografias, quais por
exemplo, o estudo sobre o Vaticano I de H.J. Pottmeyer 42, sobre Vaticano II de H.
Waldenfels43 e, os novos estudos sistemáticos do professor de teologia fundamental, M.
Seckler, promotor daquela que chamamos «Escola de Tubinga»44, e a também a breve
síntese académica de J. Schmitz45. A postura portanto, reflete a opção inicial de J.S. Drey,
na qual se estabelece a diferença entre demontratio religiosa e demonstrativo christiana,
opção claramente confirmada nos diversos manuais alemãs pós-conciliares de . Kolping
(1968: I/ 1974: II…).

39
Nota 18.
40
Nota 19.
41
Nota 20.
42
Nota 21.
43
Nota 22.
44
Nota 24
45
N. 25
23

De um lado, e em forma mais autónoma respeito às duas escolas de teologia fundamental


recordadas, aparece em 1977 um primeiro ensaio de reflexão filosófico-hermenêutico no
qual ressaltam um texto que depois se tonará clássico para o tema sobre a hermenêutica
da ideia da revelação, obra de P. Ricoeur, as colaborações sobre a revelação na tradição
judaica de É. Lévinas e um ensaio de teologia de teologia da revelação de Cl. Gef-fré46.
Da sua parte, o teólogo norte americano A. Dulles, completa em 1983 as suas duas inicias
monografias históricas47 com um tratado sobre a revelação, na primeira parte do qual
descreve cinque modelos: a revelação como doutrina, como história, como experiência
interna, como presença dialética e como nova consciência. A partir disso, a na segunda
parte, propõe uma reflexão que mete em relevo a atualidade deste conceito: a mediação
simbólica (que é seu asse epistemológico), Cristo cúlmine da revelação, religiões, a
Bíblia, a Igreja, a escatologia, a aceitação da revelação e o seu valor atual48.
Recordamos, outrossim, diversas perspetivas na reflexão teológica recente
significativa para a compreensão da revelação. Vai evidenciado, por exemplo, o
significativo contributo de W.Pannenberg na sua Revelação como história, relançada em
seguida na sua mais recente Teologia Sistemática I, que origem a uma concepção da
revelação intendida antes de tudo como fenómeno hermenêutico do proceder significativo
da história49. Sobre esta linha se coloca ou se põe a proposta de A. Torres Queiruga, o
qual a aplica com a ajuda do conceito de ʻmaieticaʼ histórica que lhe dá um alone mais
imanentístico50. Uma segunda observação, se refere ao mesmo conceito de revelação e à
sua compreensão, ou como ʻauto-revelaçãoʼ, na linha de K. Barth (KD I/1, 332s).

51
Entrando ora na estrutura do presente capítulo sobre a revelação cristã, e uma vez
situado o tema a partir da introdução sobre o nascimento desta trattazione e seus
contributos mais significativos sobre este tema em teologia fundamental, se apresentam
as seguintes partes:
a) A Revelação cristã: a palavra ʻuniversal e definitivaʼ de Deus : o
homem procura uma palavra última na sua existência e, a revelação se apresenta
como «a verdade universal e última» (FR 14). Se faz uma breve síntese bíblica do

46
Nota 26.
47
A. Dulles, Revelation Theology . A History, London 1969, e A History of Apologetics, London 1971.
48
A. Dulles, Models of Revelation, New York 1983, 19932 .
49
Nota n. 29.
50
A Revelação de Deus na realização do homem, Vigo 1985.
5151
24

conceito, para aprofundar pois, nos três modelos históricos de compreensão da


revelação, e, portanto desenvolver o conceito apresentado pelos concílios
Vaticano I e Vaticano II, num caminho que vai da revelação como doutrina, à
pessoa de Cristo como revelador do Pai. Para aprofundar aquilo que quer dizer a
revelação, vêm apresentadas três analogias: a palavra, o encontro, a presença.
Enfim, vêm desenvolvidas as formas desta revelação: a vontade salvífica
universal como revelação ʻgeralʼ ou secreta de Deus presente na manifestação
ʻnaturalʼ de Deus, na preparação cristã e evangélica da humanidade, e na doação
divina e interior de Deus; enfim vem apresentada a revelação cristã em si, como
palavra ʻuniversal e última ˮ de Deus transmitida, por meio de Jesus Cristo, na
Igreja.
25

b) A categoria fundamental da revelação: o universal concreto: a partir da


história desta expressão – filosofia e teologia – vêm apresentados elementos de reflexão
para poder delinear a resposta às outras três grandes perguntas teológico- fundamentais:
«porquê é que existe uma economia histórica da revelação?»; porque é que um Deus se
fez homem»» e «porque a igreja é sacramento universal de salvação?»; aparece claro, em
tal modo, a validade da expressão universal concretum persoal para o Cristo, e de
universal concretum sacramental para a igreja; formulações que serviram de introdução
para os capítulos seguintes sobre cristologia e eclesiologia fundamental.
c) O valor filosófico da revelação em alguns autores recentes : em chave de
auditus temporis et alterius se sintetizam os contributos contemporâneos em duas vias: a
via da interioridade (G. Vattimo, M. Henry, L. Ferry e E. Trías), e a via da alteridade (F.
Rosenzwig, É. Lévinas e J.L. Marion), para concluir com algumas pistas sobre a revelação
e alteridade no diálogo actual com este pensamento.
d)Os ʻsinaisʼ: expressão ʻsacramentalʼ da revelação: vem traçado o clássico capítulo
dedicado aos ʻmilagresʼ, mas em chave ʻsacramentalʼ, em linha com a impostazione
dada pelo Vaticano II à revelação, tendo presentes as formas basilares da acção de Deus,
entre as quais se colocam os ʻsinaisʼ da revelação. Jesus Cristo aparece como «o sinal por
excelência» e os «sinais milagrosos» vêm sempre referidos a ele. Estes sinais últimos vêm
analisados nos seus aspetos ontológico, psicológico e semiológico, depois vêm
apresentados reflexões complementares sobre a teologia do milagre, sobre a sua
epistemologia, sobre a relação entre fenómenos naturais e milagre, sobre a relação de
circulariedade entre milagre e fé, para terminar com a apresentação dos «sinais dos
tempos» como novo sinal profético. Como conclusão, se acena ao sinal – total da
revelação que é Cristo – na – igreja a partir da afirmação conciliar que auspica que «sobre
o rosto da Igreja resplenda mais claramente o rosto de Cristo» (LG 15).

A.
A REVELAÇÃO CRISTÃ: A PALAVRA ʻ UNIVERSAL E
DEFINITIVA ʼ DE DEUS
26

O homem tem a capacidade de escutar uma palavra que resulta definitiva e, por isso a
revelação cristã se apresenta precisamente como àquela que « emite na nossa história uma
verdade universal e última» (FR 14). De facto, a vida humana não pode prescindir desta
realidade ʻpolifónica ʼ qual é, o homo loquens, onde a centralidade da palavra humana
entendida em sentido comunicativo global que abraça a totalidade das diversas
expressividades por meio dos quais, o ser humano conhece e se conhece, as quais não
podem reduzir a ʻ palavra ʼ nem à pura expressão oral, nem ao discurso puramente ʻ lógico
ʼ, bem sim, à sua realidade global de ʻ sinal ʼ oral e gestual juntos, como comunicação
realizada em chave de palavra - imagem52.
No primeiro capítulo, nos tínhamos concentrado sobre o acesso do homem à revelação e
a sua passagem de ouvinte a crente. Agora devemos analisar que coisa é esta revelação,
para a qual o homem manifesta uma capacidade radical graças à sua abertura ao
transcendente e à questão do sentido definitivo que o inquieta, representado no proverbio
delfico «conhece-te a ti mesmo» - relançado na Fides et Ratio 1- e na fórmula cristã «o
homem capaz de Deus» - retomada pelo Catecismo da Igreja Católico n. 27-, abertura
e questão do sentido, analisadas ambas no capítulo precedente. Mais ainda: a adesão por
meio da fé que dá ao homem esta capacidade e o dom de Deus graças ao qual pode realizá-
la são os rostos ou rostos para aquela que vem habitualmente qualificada como revelação
de Deus, entendida como palavra ʻ universal e últimaʼ de Deus através Jesus Cristo na
Igreja. Mas: que coisa é a revelação e em que modo se apresenta como palavra última de
Deus e «verdadeira estrela de orientação para o homem» (FR 14s.)?53.
A palavra revelação deriva do latim revelar, que corresponde ao grego ἀποκαλύτειν. Um
e o outro significam, etimologicamente, remover, tirar o véuʼ (velum-κάλυμνα), mas
graças ao duplo sentido presente no prefixo ʻre-ʼ (e ἀπ-), que é tanto re – petição quanto
re-mocão, podem significar também ʻ velar de novo ʼ. Neste sentido, se manifesta já
dialética inicial na mesma palavra que distancia a revelação de uma simples exibição,
dado que se trata de um ʻ desvelar /velar ʼ54. Na linguagem comum, fora da linguagem
religiosa, a revelação implica usualmente uma comunicação surpreendente e inesperada
de um conhecimento que tem um significado profundo para a vida e, eventualmente, para
o circunstante. Frequentemente, designa também a ação com a qual uma pessoa confia
livremente os próprios pensamentos íntimos a uma outra, introduzindo-a assim no seu

52
Nota n. 41.
53
Nota 42
54
Nota n. 43.
27

mundo espiritual. No âmbito estreitamente teológico e cristão, este conceito tardou a


estruturar-se, também se a sua realidade reflete em todo caso e em definitivo, um dos
factos teológicos centrais do cristianismo: Deus, o se conhece através do mesmo Deus.

I. Nota bíblica55
No Antigo Testamento, a noção dominante para a compreensão da
revelação, é o conceito de ʻ palavra de Deusʼ, seja presente na
criação, seja direta á Israel através da história. A palavra de Deus,
em efeito, é precisamente uma força dinâmica que pede ou requer
obediência e induz o homem a agir. O ponto central desta revelação
vetero-testamentária é a aliança de Deus com o seu povo, que torna
a ʻ palavra de Deus ʼ por excelência, plasmada na Lei, anunciada
pela Profecia e mediada como Sapiência. Se deve notar que a
fórmula da revelação é sempre dada pelo evento e palavra,
expressão recuperada da DV 2.4.14.1556.
No Novo Testamento, a comunicação de Deus, qual ponto central
da revelação se realiza plenamente em Jesus Cristo como «logos
incarnado» (Jo 1,14), palavra de Deus (λόγος τοΰ θεοΰ: Jo 1; Ap
19,13) por excelência, que não só revela, mas é Auto comunicação
pessoal de Deus em Jesus Cristo por meio do Espírito Santo. E esta
revelação é oferecida tanto aos judeus quanto a todos os homens
que neste modo podem fazer parte da comunidade dos crentes em
na comunidade cristã qual é a igreja, que deve pregar «esta palavra

55
Nota 44.
56
NOTA 45.
28

de salvação» (At 13,26). Dada a característica central da revelação,


seja do Antigo, seja do Novo Testamento como Palavra, podemo-
nos aproximar à sua análise a partir das categorias que a linguística
vê na palavra. Em efeito, a palavra, informa sobre os eventos e
realidade, realizando uma função objetiva (a palavra como
símbolo); a palavra, do outro lado, exprime a interioridade de
aquele que fala com os seus sentimentos e emoções (a palavra
como sintoma); enfim, a palavra interpela provocando uma
resposta (a palavra como sinal). Se trata de três funções que
respondem às três pessoas do verbo: a palavra exprime, em
primeira pessoa, interpela em segunda pessoa, e narra em terceira
pessoa57. A partir destas funções, podemos caracterizar o conceito
bíblico de revelação em chave de síntese através de três dimensões
que podem englobar todos os aspetos que emergem na Bíblia:
1. Dimensão dinâmica: revelando, Deus age: ele cria e age
realizando sinais ʻ milagrosos no cosmos e na história
pessoal e coletiva do povo de Deus;
2. Dimensão poética: revelando, Deus ensina: ele revela e
ensina, da lei, a profecia e sapiência até às beatitudes
(bem-aventuranças) e ao Reino de Deus;
3. Dimensão pessoal: revelando, Deus se Auto comunica:
progressivamente se auto-comunica em maneira total em
Jesus Cristo, «palavra de Deus» (cfr. Jo 1; Apocalipse
19,13): «o seu nome é palavra de Deus»).

57
Nota n. 46.
29

Existe, não obstante tudo, uma clara diferença entre a


revelação antigo-testamentário (A.T) e aquela
neotestamentária, diferença que consiste no acento da
segunda sobre dimensão pessoal, graças ao ʻlogosʼ
incarnado representado no prologo de s. João como
máxima expressão de Jesus Cristo revelador. Nele como
pessoa se concentram as outras dimensões típicas do
dabar hebraico58: aquela dinâmica, pela força operante
que manifesta no seu ministério e na sua pregação, e
aquela noética , para o anúncio e proclamação do Reino
de Deus que apresenta. Por isso, o logos de Jo aparece
como a síntese de toda a relação da Escritura e o resumo
daquele que nessa é mais essencial: o Antigo e o Novo
Testamento, tendo presente que «a escolha de Lógos se
presta melhor ao tema da revelação que Jesus nos trás
sobre Deus Pai e sobre a vida (eterna) de aqueles que
acreditam nele»59.

II. Modelos históricos de compreensão da revelação

A ideia da revelação conquistou uma importância sempre maior na teologia


cristã, até à sua consagração nos dois concílios Vaticanos, confirmada
fortemente pela encíclica Fides et Ratio de 1998, a qual afirma que a
revelação é «ponto de referência e verdadeira estrela de orientação para o
homem» (FR 14s.). Mas a sua conceção tem acompanhado toda a longa

58
Nota n. 47.
59
Nota n. 48.
30

história do cristianismo. Por isso, se podem distinguir três modelos


fundamentais que são num certo sentido uma consequência do outro, tal,
porém de não se excluir reciprocamente, bem sim, de ser complementar em
diversos aspetos. Na Dei Verbum, se encontram elementos deste modelos,
também se a sua orientação privilegia claramente o terceiro, aquele ʻ Auto -
comunicativo ʼ, com aspetos do primeiro, aquele ʻ epifánico ʼ, mas também
o mais comum na teologia até ao Vaticano II60.

1. A REVELAÇÃO COMO EXPERIÊNCIA DE EPIFÂNIA


Desde antiguidade até à época medieval ou idade média, o termo ʻ revelaçãoʼ
designava primeiramente experiências de ʻiluminação ʼ e era sempre
utilizado ao plural: ʻ revelações ʼ. Por isso, o conceito de epifania, como
manifestação divina, é muito útil para qualificar melhor o Deus vivo que se
manifesta e se torna experimentável na sua santidade como realidade
concretamente presente, como força que cria, guia, julga e salva. Se trata de
um conceito próprio do Novo Testamento que interpreta a história da
salvação como a epifania de Deus e de Jesus Cristo (cfr. Tit, 2,13; 1 Tim 6,
14). Caraterístico deste modelo epifânico de revelação é que o essencial não
vem dado nem mediante um ensinamento de tipo teórico, nem mediante a
revelação de uma verdade escondida, bem sim, mediante o evento e a
manifestação histórica da nossa salvação. Neste caso, portanto, revelação
divina e epifania da salvação se identificam. Ao início da DV 2, se pode
encontrar esta prospetiva: a revelação, de facto, vem associada à
«manifestação do mistério da sua vontade», a partir da importante citação do
hino de Efésios 1,9. Confirma depois esta orientação e repetida visão da
revelação como «economia e história da salvação» em «gestos e palavras»
(DV 2.4.7.8.14.15), senão que, a visão iluminativa da fé (cfr. DV 5)61.

60
NOTA n. 49.
61
Nota n. 50
31

2. A REVELAÇÃO COMO INSTRUÇÃO


Durante a idade média se experimenta uma importante tendência – já iniciada sob
a influência do helenismo e da gnose – a ler o conteúdo da revelação em chave
intelectualista: disto tudo brota o modelo teórico – instrutivo da revelação, que se
focalizou sobre informe doutrinalmente acerca os fatos e conteúdos do ensinamento
divino sobre a redenção. Assim, por exemplo, são Tomás definirá a revelação como
«manifestação da verdade» (STh III, q. 40, a.1). Neste caso, revelação e salvação veem
separadas, enquanto a primeira se reduz à parte informativa e doutrinal da história da
salvação a qual serve como lugar para manifestar as «verdades reveladas». Este modelo
está presente na DV, dado ou pelo facto que era aquele do Vaticano I e aquele
predominante até ao Vaticano II, por exemplo, quando se coloca a ʻ verdade ʼ como
primeiro conteúdo da revelação (DV 7.8), e também na concepçao abstrata da ʻ revelação
ʼ (DV 6.9.11.26) e no mesmo tríplice uso da expressão clássica do «deposito da fé» (DV
10). Uma tal compreensão se manifesta também nos outros textos conciliares (GS
12.13.18.22.33.44; OT 4.16; UR 4.16.17; CD 12). Este modelo a partir dos séculos XIV
e XV, se acentuou com força o seu sentido doutrinal e conceptual: assim a revelação vem
entendida quase exclusivamente como comunicação de uma doutrina sobrenatural e o
processo da revelação vem explicado como manifestação divina de proposições
conceptuais. Será esta visão, que a moderna crítica da revelação, encontrará o seu ponto
de partida decisivo (cfr. J.G. Fichte, I. Kant, G.F. Hegel, K. Jaspers, Th. Adorno…)62.

3. A REVELAÇÃO COMO AUTOCOMUNICAÇÃO

62
N. n. 52.

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