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01/07/13 Manifesto Neo-Ortodoxo | Teologia Hoje

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Teologia Hoje
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jul José Luiz Martins C arvalho Artigos

No início do século XX, a teologia cristã estava dominada por um movimento denominado liberalismo
teológico, como implicação religiosa de todo o racionalismo e relativismo advindos do iluminismo europeu.
Este movimento havia exacerbado a noção de imanência divina a tal ponto de não mais se considerar
necessária a Revelação de Deus para que o homem pudesse conhecê-lo. Para o pensamento teológico
liberal, há continuidade entre Deus e o mundo, não havendo, portanto, impossibilidade ontológica de o ser
humano conceber o conhecimento de Deus pelas vias da Razão. Foi precisamente contra isto que um grupo
de teólogos capitaneados por Karl Barth, Eduard Thurneysen, Friedrich Gogarten, Rudolf Bultmann, Paul
Tillich, entre outros, levantou a sua voz.

Inicialmente denominado de “teologia dialética” na Europa e, mais tarde, de “neo-ortodoxia”, nos Estados
Unidos, este movimento tem a Palavra de Deus como princípio arquitetônico de todo o restante de seu
labor teológico, que é classificada por historiadores de quaisquer confissões cristãs como uma “teologia
kerigmática”, que solapou o liberalismo secularizante e o fundamentalismo árido. É o resultado da crise
política, estrutural e cultural que surgiu no pós-guerra (1ª Guerra Mundial): reação à teologia liberal e seu
mito do “progresso” humano (desenvolvimentismo ou progressivismo, mormente defendido pelas ciências
naturais no evolucionismo).

A neo-ortodoxia não é uma corrente doutrinária, mas uma forma de fazer teologia, caracterizada,
sobretudo, pelo método dialético, que se desdobrou mais tarde na analogia de Barth, na correlação de
Tillich e no existencialismo de Bultmann, e pela ênfase na Revelação, como uma resposta ao liberalismo
clássico, seja conforme expressa na versão cristológica de Barth, na resposta de Tillich ou no querigma de
Bultmann.
TODOS OS TEXTOS
As Escrituras são reconhecidas pelos neo-ortodoxos como Sagrada Escritura, isto é, como documento
original do evento conhecido como “Jesus, o C risto”, que é o critério de toda Escritura e a manifestação do A Pergunta Sobre Deus (3)
princípio protestante. O Evento C risto não é entendido meramente como fato historicamente observável, Artigos (16)
mas como fato real, como a intervenção salvífica de Deus na História. Enquanto o liberalismo e o C ristologia (1)
fundamentalismo buscam a segurança para a veracidade da Revelação Bíblica na comprovação científica e C TM – C atedral (3)
histórica, a neo-ortodoxia caminha plenamente de acordo com o princípio reformado de que a capacidade Reflexões (6)
de reconhecer a Bíblia como Palavra de Deus não provém de estudos históricos ou arqueológicos, mas pela
Resenhas (6)
ação do Espírito que outorga a fé, conforme afirma C alvino: “procedem insipientemente, porém, aqueles
Sermões (8)
que desejam que se prove aos infiéis que a Escritura é Palavra de Deus, pois que, a não ser pela fé, [isso]
se não pode conhecer” (Institutas I, VIII, 13). Soteriologia (2)
Teologia Bíblica (1)
Não obstante, é necessário esclarecer que esta subjetividade não elimina a segurança da revelação bíblica, Teologia para Iniciantes (5)
pelo contrário, ela a reforça sobremaneira, porque a coloca sobre a base correta, que não é a da Teólogos C ontemporâneos (6)
verificação histórica ou científica, mas a do testemunho e da testificação do Espírito Santo! O mesmo Traduções (1)
agente da inspiração é aquele da testificação. Essa é a nossa única segurança e ela é plenamente
subjetiva. É por isso que a neo-ortodoxia entende a Revelação de forma extremamente dinâmica: ela se
expressa nos atos e palavras de Deus na história, especialmente em Jesus C risto, conforme testemunhado
nas Escrituras e proclamado pela Igreja. Em todos estes níveis, Deus se Revela através da ação do Seu
ARQUIVO DE TEXTOS
Espírito!
July 2010 (1)
Sendo assim, a teologia neo-ortodoxa é sempre um fundamento à proclamação do Evangelho ao mundo,
March 2010 (1)
isto é, ao Querigma. E o Querigma é sempre um apelo a uma decisão existencial, de fé, para aqueles que
October 2009 (1)
não viram, mas que devem crer, sem nenhuma outra segurança além da própria ação do Espírito no
coração. E deve-se dizer que o Quérigma não nasce a-historicamente, antes é expressão de uma postura September 2009 (1)
existencial, caso contrário, segundo o apóstolo Paulo, é verborragia. August 2009 (8)
July 2009 (4)
Para a neo-ortodoxia, a fé como comprovação de fatos é algo meramente racional, diferente da fé bíblica. June 2009 (4)
A fé fundada na verificação de fatos exige a razão, mas a fé bíblica exige a pessoa inteira, na verdade o May 2009 (7)
sentido da sua vida. Se faltar esta verdade, faltam os motivos e sentidos de viver. A fé bíblica é a que April 2009 (6)
solicita participação, engajamento, envolvimento, não de uma parte do ser humano, mas dele todo. Não é
March 2009 (6)
ter uma verdade, é, antes, estar tomado por esta verdade. O chamado da fé é, por isso, incondicional em
February 2009 (7)
sua exigência. Não é só para “acreditar” que Deus existe ou que Ele é o C riador, mas para amá-lo de todo
o entendimento, alma e coração. Não exige e pede só a razão, mas, acima de tudo a existência do crente, January 2009 (9)
sendo Deus a sua preocupação primeira e última, o seu sentido primeiro e último.

No que se refere à interpretação bíblica, um neo-ortodoxo não despreza a escola histórico-crítica, mas
entende, com Barth, que este método não chega aos objetivos, pois detém-se nas folhas e não vai ao MELHORES TEXTOS
caule, fica na periferia e não desce ao centro. Assim como o “filologismo” da crítica-textual. C om isso, a
neo-ortodoxia volta-se às Escrituras como princípio primeiro da teologia, sem desprezar seus dois A Substância C atólica e o Princípio Protestante
elementos de entendimento (histórica e textual), mas não limitando-se a seus resultados. Busca, então, na Igreja
nos clássicos (reformadores, como Lutero e C alvino, além de Agostinho e o Padres Antigos) para resgatar Manifesto Neo-Ortodoxo
os valores destruídos pela análise meramente histórica da teologia liberal. Os contrastes entre a Ira e a Palavra e História: Um diálogo entre Barth e
Graça de Deus, entre o Pecado do Homem e a Justiça, colocados sempre sob o prisma do Tempo e da Pannenberg na Teologia da Revelação
Eternidade, fascinaram o movimento. Tempo e eternidade, homem e Deus, céu e terra, estarão sempre O Sofrimento Humano na Perspectiva C ristã
dialeticamente colocados, assim como Igreja Visível e Invisível (C alvino), Instituição e Movimento (Lutero). João C alvino e a Missão da Igreja no Mundo

Paralelamente, esta perspectiva vai confrontar também a visão fundamentalista em relação à Bíblia, que
despreza a tensão dialética entre a letra (as condições do texto escrito) e sua mensagem (o Logos Eterno).
C omo o totalmente transcendente (Deus) pode ser encontrado na imanência (história), o absoluto (Deus) NOVIDADES
no efêmero (homem). Donde logo se vê que a síntese é Jesus C risto. Palavras divinas e ações divinas não
podem ser confundidas com palavras humanas e ações humanas (a distância entre céu e terra, tempo e Imortalidade da Alma ou Ressurreição da
eternidade, permanece), Deus é transcendente. A Escritura é testemunho sobre Deus: aponta para a Vida?

teologiahoje.blog.com/2009/07/27/manifesto-neo-ortodoxo/ 1/3
01/07/13 Manifesto Neo-Ortodoxo | Teologia Hoje
verdadeira revelação, o Logos Divino, Jesus C risto (síntese do tempo e da eternidade, do absoluto e do Hermenêutica e Exegese nos dias atuais
efêmero, do permanente e do transitório: Deus-Homem). C om isso, nega-se também a Teologia Natural, Um canal para ligar dois rios
tão querida dos escolásticos e dos liberais. Esta teologia não existe como tal. Qualquer teologia nasce e A Dupla Predestinação: os eleitos e a multidão
alimenta-se nas Escrituras, quando a sabe abordar de modo profundo (leia-se dialético). Esta dialética é dos condenados
feita assim: de um lado a história, de outro a Escritura e, desta síntese nasce a palavra divina para o Esaú, Jacó, a primogenitura e a Teologia
contexto vital. C ontemporânea

Destarte, a hermenêutica neo-ortodoxa vai nortear-se pela famosa assertiva de Karl Barth, que diz que um
teólogo só pode fazer teologia com um jornal na mão (tempo) e a Escritura (eterno) na outra. Seu trabalho
é elaborar esta síntese. Teologia é, assim, Quérigma: proclamação! Senão permanece como a teologia
COMENTÁRIOS RECENTES
liberal, a idéia, pela idéia, sobre a idéia, sem confrontar a realidade, sem questionar, sem incomodar, ou
seja, sem proclamar. A Bíblia, assim, torna-se aquilo que deve ser: Palavra de Deus ao mundo; na medida Mestrado a Distancia on Libertando Gondim e
em que questiona seu ouvinte e o confronta, exigindo-lhe mudança ou engajamento. Pregar é, pois, a Teologia Relacional
chamar, conclamar, desafiar. A Palavra deve gerar uma crise e a crise de Deus neste mundo se dá por Roberto on Libertando Gondim e a Teologia
Jesus C risto. No efêmero do Seu rosto humano, aparece a face oculta do Deus Vivo. Por isso o mundo o Relacional
rejeitou e matou: rejeitou a Sua pregação, pois era por demais crítica, questionadora, revelando a miséria wescley rony on C ursos Online
humana e chamado os homens à vontade divina.
Josias Silva on Arquivos e Mídias
ronaldo aureliano on Uma crítica social do
Por seu turno, os fundamentalistas vão assemelhar-se aos liberais, pois fazem o caminho inverso ao
poder religioso
proposto pela neo-ortodoxia: eles submetem a hermenêutica bíblica às categorias de verdade do
modernismo, especialmente as de “fato histórico” e “fato científico”. E assim o fazem porque baseiam-se
nos seguintes pressupostos: 1) O ser humano pode conhecer a verdade; 2) A verdade é conhecida; 3) O
que a comunidade ou grupo confessa corresponde à verdade. Desse modo, acreditam que professam a
verdade naquilo que afirmam, pois seguem o mesmo pensamento dos que dizem que a verdade encontra-
TEOLOGIA HOJE NO TWITTER
se nas coisas e pode ser apreendida totalmente pela razão e, sendo todos racionais, todos podem chegar a
este conhecimento. A isto denomina-se senso-comum: todos podemos experimentar, todos podemos Follow @teologiahoje
observar e, por isso, todos podemos chegar às mesmas conclusões, visto que não há idéias prévias mas,
somente, os fatos em si que só podem expressar uma única verdade. O conhecimento está ao alcance de
qualquer pessoa, visto que não depende de nenhuma outra mediação (seja filosófica, seja científica, ou
mesmo de idéias inatas): basta observar e deduzir.

Aqui está o grande problema da compreensão dos fundamentalistas que os aproximam dos liberais e os
levam para longe da neo-ortodoxia: eles desprezam o que é, de fato, a Revelação Divina. Acreditam que
ela está subserviente ao conhecimento científico. Deste modo, sua visão se estreita ao ponto de deificar o
texto bíblico, pelo que jocosamente Karl Barth os acusa de fazer da Bíblia um “papa de papel”. A salutar
compreensão neo-ortodoxa, que somente evoca o pensamento cristão mais básico, é a de que Deus se
revela primordialmente em ações e palavras dirigidas ao seu propósito salvífico na vida e na história
humana, ações e palavras estas que, só mais tarde, vão ser dispostas num relato escrito.

Desta forma, assegura-se a singularidade da Revelação C ristã e preserva-se um critério universal e


insuperável para a ética: o Evento C risto! Tanto em Barth, como em Tillich, Bultmann e, especialmente, em
Bonhoeffer, Jesus C risto, a plena Palavra de Deus, é o critério e a medida da ética cristã. E isso é universal
e insuperável, não havendo o menor espaço para relativização. Ao contrario do liberalismo e do
fundamentalismo, na neo-ortodoxia, portanto, a Revelação de Deus em Jesus C risto é o único fundamento
de fé e de prática, de doutrina e de ética para a Igreja. Mais ortodoxo? Impossível!

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4 RESPONSES

Igor
1 10-Aug-2009

Maravilhoso texto. É um primeiro contato com neo-ortodoxia muito bom.


Gostaria de saber do senhor, prof. José Luiz, se o livro Dádiva e Louvor editado pela Sinodal é uma boa
introdução ao pensamento de Karl Barth. Pois o adquiri recentemente e já senti dificuldade de
compreensão logo no primeiro artigo do livro.

José Luiz Martins Carvalho


2 11-Aug-2009

Olá, Igor!

Em primeiro lugar, não precisa me chamar de “senhor” e nem de “prof. José Luiz”. Pode me chamar de
José Luiz, ou até de Zé (rs)…

Em segundo lugar, o “Dádiva e Louvor” era até algum tempo atrás uma das únicas obras do Barth
traduzida para o português. Entretanto, a partir do fim da década de 90, especialmente pelo trabalho da
Editora Novo Século, que depois mudou de nome para Fonte Editorial. Em 2006, inclusive, eles publicaram
“Esboço de Uma Dogmática”, que desempenha um papel de leitura introdutória muito bom, pois Barth
propõe fazer uma pequena dogmática a partir das declarações do C redo Apostólico. Outra boa leitura
introdutória é o “Introdução à Teologia Evangélica”, também publicado pela Sinodal. Foi o último curso
dado por Barth na Basiléia e é uma espécie de “testamento intelectual” do teólogo suíço.

Agora, foi bom mesmo saber que você se identificou com a Neo-Ortodoxia. Isto porque existe muito
desconhecimento acerca desta corrente teológica e, por conseguinte, algum preconceito em certos grupos.
C ontinue lendo o blog e você encontrará bastante coisa de Barth…

Um grande abraço!

José Luiz (ou somente Zé…)

Igor
3 11-Aug-2009

Obrigado pela rápida resposta.


Mais uma vez quero parabenizá-lo pelo texto – de uma clareza prazerosa.
Na medida do possível descobrirei mais do blog.

teologiahoje.blog.com/2009/07/27/manifesto-neo-ortodoxo/ 2/3
01/07/13 Manifesto Neo-Ortodoxo | Teologia Hoje
Mudando de assunto, gostaria de saber se você é o Zé que sempre posta comentários na comunidade da
Igreja Presbiteriana do Brasil no orkut. Alíás, descobri seu blog num fórum sobre a base católica comum de
nossa fé (palavras minhas), onde você defendia que não há problemas em nos declararmos como católicos
reformados. C aso seja a mesma pessoa não me surpreenderá, pois seus comentários fazem justiça à
substância de seu blog. C aso não seja a mesma pessoa me perdoe a confusão.

Grande abraço Zé!

Igor

José Luiz Martins Carvalho


4 12-Aug-2009

Igor, sinta-se em casa! rs

E você matou a charada (ou é xarada? rs)! Sou eu mesmo. O Zé da IPB… rs

A propósito, este texto, inclusive, nasceu a partir de um tópico daquela comunidade…

[ ]‘s

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