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História do Anglicanismo
Antigo e Medieval
I. Sua Origem
1
Kickhöfel, Oswaldo. Notas Para Uma História da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil,p.19
2
Stephen Neill, El Anglicanismo, p.7
2
sagrado bispo da Inglaterra ... e no Natal deste mesmo ano teria convertido e
batizado mais de 10 mil pagãos nas redondezas de Cantuária”3.
Mesmo reconhecendo que a fé cristã foi praticamente salva da destruição na
Britânia graça ao trabalho dos enviados de Roma, houve por parte dos cristãos
autóctones, uma certa resistência à romanização da Igreja na Inglaterra. Os
problemas não eram de natureza teológica, mas prática e giravam em torno, por
exemplo, da forma correta de calcular a data da celebração da Páscoa. Este
impasse só foi resolvido no Sínodo de Whitby (663) quando ficou decidido que a
Igreja inglesa se submeteria ao calendário litúrgico romano.
3
Kickhöfel, Op.Cit. ., p.20
4
A era Viking pode ser datada a partir do saque efetuado na cidade de Lindisfarne, no inverno de 793.
5
Kickhöfel, O., Notas Para Uma História da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, p.21
6
A História da Igreja da Inglaterra, Apostilha da série Partilha Teológica nº1, p.27
7
Ibid., p.28
3
Oito anos depois de sua morte, a monarquia inglesa é restaurada, sendo coroado
rei, Eduardo o confessor, em 1043.
Eduardo era conhecido pela sua piedade e por isso tomou o nome de “o
confessor”. Tendo vivido na Normandia desde a sua infância, possuía uma
cosmovisão e lealdades próprias dos normandos. Aos ingleses não via como
compatriotas, mas como bárbaros. Por causa de sua formação, sua cosmovisão e
suas lealdades eram normandas, o que fez com que ele se acercasse de
cortesãos normandos e com que preenchesse os altos cargos eclesiásticos com
pessoas provenientes daquela região. O resultado foi o estabelecimento de uma
elite normanda poderosa que se acercava do trono.
Obviamente que os resultados desta “invasão” normanda da Inglaterra
influenciou profundamente a Igreja. De fato “o efeito mais significativo da
conquista normanda foi o de dar nova vida e vigor à Igreja da Inglaterra e trazê-la,
ainda mais, para o alinhamento com a Igreja do continente”.8 Uma das áreas que
pode ser apontada como sendo profundamente desenvolvida durante este período
foi a da vida religiosa. Até então só haviam mosteiros beneditinos na Inglaterra. É
só com o domínio normando que a Igreja inglesa se abre para receber outras
ordens em seu território. O alinhamento com o continente possui também
conseqüências negativas. É a partir desta data que a Igreja da Inglaterra passa a
se submeter de forma mais profunda à Igreja Romana. Esta subserviência, no
entanto, vai gerar reações em várias áreas, o que ensejará, no futuro, em um
clima propício para a Reforma Protestante.
Como sabemos, sempre houve uma certa insatisfação na Igreja Inglesa por
ter que se submeter a uma Igreja estrangeira (romana). Esta animosidade se
intensifica a partir do décimo segundo século e dá início a tensões que se tornam
inevitáveis. No século XII, por exemplo, o rei Henrique II limitou o poder do clero
inglês quando proibiu-lhe a possibilidade de apelo a Roma, quando limitou a
autoridade da Igreja em imprimir censuras e quando subordinou à permissão do
rei as viagens dos bispos ao exterior. Em 1164, ficou estabelecido, na Dieta de
Cherendon que a eleição dos prelados só se faria com a aprovação do rei, a quem
os eleitos, antes da sagração deveriam prestar juramento de vassalagem e
fidelidade. O Ato de Provisão (1351) e o estatuto praemunire (1353) proíbem
respectivamente a entrada em território britânico de qualquer bula ou sentenças
papais e impedem a apelação a tribunais eclesiásticos estrangeiros, declarando
ilegítimas todas as nomeações feitas pelo papa.
É preciso que se destaque que esta relativa autonomia da Igreja da
Inglaterra não dizia respeito a questões de ordem teológica ou doutrinária. O que
estava acontecendo era o surgimento de ideais nacionalistas, que acabariam por
atingir toda Europa no fim da Idade Média. Ao povo inglês desagradava enviar
dinheiro para um papa em Avignon, que estava sob influência do inimigo da
Inglaterra, o rei francês. Este sentimento nacionalista natural aumentou o
ressentimento real e da classe média por causa do dinheiro desviado do tesouro
inglês. Citando as palavras de Cairns, ao descrever a situação já no século XVI,
8
Ibid., p. 30
4
“fortalecia-se a tendência por uma consciência nacional que apoiaria o
rei em seu esforço de separar a Igreja inglesa do papado. O controle de
muitas propriedades por parte da Igreja Romana, na Inglaterra, os
impostos papais, que levavam muito dinheiro inglês para Roma e as
cortes eclesiásticas, que rivalizavam com as cortes do reino, irritavam
tanto a governantes como a governados”9.
9
Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, p.266, 267
10
Silva, N. Durval, A Igreja Militante, p. 118
11
Ibid., p. 117
5
Capítulo 2
História do Anglicanismo
Moderno e Contemporâneo
12
Neill, Stephen, El Anglicanismo, p.33
6
separa oficialmente de Roma e estabelece a Igreja nacional na Inglaterra. Foram
muitas as reações contrárias a este ato que incluía a secularização dos bens
eclesiásticos, o que acabou gerando, infelizmente, a morte por decapitação de
muitos monges cartuxos, do bispo John Ficher e do pensador Thomas More.
A postura de Henrique era no mínimo contraditória. Pois enquanto aceitava
as sugestões de Cranmer para se aproximar do luteranismo (o que o levou a
aceitar uma confissão de fé –Os Dez Artigos- marcadamente protestante)
impunha, sob pena de morte, a aceitação dos Seis Artigos: a transubstanciação; a
comunhão sob uma só espécie (o pão); o celibato eclesiástico; a validade dos
votos monásticos; as missas privadas e a confissão auricular. Sua morte em 1547
aconteceu em meio a um sentimento de indefinição religiosa por parte do povo
inglês.
Depois da morte de Henrique VIII, assume o trono Eduardo VI, que por ser
ainda muito jovem, recebe como “protetor” o duque de Somerset. Este período
será marcado por uma grande influência protestante principalmente em questões
litúrgicas. Os Seis Artigos foram abolidos e a comunhão passou a ser recebida
nas duas espécies; o celibato clerical foi revogado; as imagens foram retiradas e
da missa foi eliminado seu caráter sacrificial através da aprovação pelo
Parlamento do Livro de Oração Comum (1549) redigido por Cranmer.
Com a substituição de Somerset por Warwick, a Igreja da Inglaterra recebeu
uma influência calvinista ainda maior. Esta influência se manifestou principalmente
na reforma do Livro de Oração Comum – na substituição dos altares de pedra por
mesas de madeira, abolindo a oração pelos mortos e reduzindo as vestes
litúrgicas – e na publicação de uma confissão de fé conhecida como Os Quarenta
e Dois Artigos. O que estava por traz de tudo isso era o desejo de Cranmer de
simplificar a complexa estrutura das cerimônias medievais aproximando a liturgia
inglesa o mais possível da práticas da Igreja primitiva.
Com a morte de Eduardo VI (1553), sobe ao trono sua irmã Maria Tudor.
Profundamente católica, ela consegue a reconciliação com Roma a 30 de
novembro de 1554 e a absolvição do pecado de heresia para toda a nação
inglesa. Seu reinado, no entanto, ficará tão marcado pela perseguição que ela
receberá o epíteto de “a sanguinária”. De fato as mais de trezentas execuções –
dentre as quais Cranmer e Latimer- imprimiram na consciência dos ingleses um
profundo sentimento antipapista. A perseguição imposta por Maria fez com que
inúmeros líderes reformados fugissem para o continente, uns para a Alemanha de
Lutero e outros para a Genebra de Calvino.
Em 1558, sobe ao trono Elizabete, que em menos de um ano aprova no
parlamento dois atos que caracterizarão daí para frente a Igreja Anglicana: o Ato
de Supremacia e o Ato de Uniformidade. Com o primeiro, a rainha se declarava
“suprema regente” da Igreja e do Estado, abolindo assim a jurisdição de qualquer
estrangeiro –seja príncipe, prelado ou potentado- sobre a Igreja; e com o segundo,
impunha como “único livro oficial” de culto o Livro de Oração Comum (1559), com
algumas modificações: sancionava as antigas vestes litúrgicas e limitava a
ostensiva influência calvinista nos ritos.
Os estudiosos são unânimes em afirmar que com estes dois atos a Igreja
anglicana define-se conscientemente como uma Via Média, que não pretendia
voltar à Roma nem ceder às pressões de Genebra. Um exemplo dessa postura
7
ocorrerá em 1563 quando os Quarenta e Dois Artigos são reduzidos para trinta e
nove, declarando assim uma fé simultaneamente Católica (P.e. Trindade, Duas
Naturezas de Cristo, etc.) e Reformada (Justificação imputada por fé, falibilidade
dos concílios, etc.). No seu excelente livro Christianity: Essence, History and
Future, Hans Kung tenta explicar como esta Igreja consegue combinar os
paradigmas católicos e reformados, dizendo que o anglicanismo conseguiu
guardar as Escrituras e ao mesmo tempo a tradição; a ordem litúrgica tradicional e
ao mesmo tempo a reforma flexível e finalmente, uma estrutura episcopal oficial
de ministério ao lado de uma tolerância generosa.
A morte de Maria, a sanguinária, representava a volta de inúmeros
protestantes à Inglaterra. Os que vinham da Alemanha não sentiram muita
diferença entre a experiência eclesial luterana e a anglicana. Já os que
regressaram de Genebra desejavam uma mudança mais profunda nas estruturas
da Igreja da Inglaterra. O que eles pretendiam era 1) uma doutrina mais pura; 2)
uma liturgia mais pura; 3) um governo mais puro e 4)uma vida mais pura. Enfim,
eles queriam tirar todos os “trapos do papado” que ainda existiam na Igreja
Anglicana. Por causa destes postulados passaram a ser conhecidos como
Puritanos. Ao assumir o trono, Elizabete claramente optou por favorecer os
clamores do povo, que não queria um sistema como o imposto por Maria, e
portanto, estabeleceu uma constituição moderada. A postura radical dos puritanos
acabou por ensejar ,em 1593, na promulgação de uma ato que lhes impusesse
limites à atuação.
Com a morte de Elizabete, sobe ao trono, em 1603, seu sucessor, James VI
da Escócia, que passa a ser chamado James I da Inglaterra. Ele era visto, pelos
puritanos, como aquele que finalmente estabeleceria um sistema de governo
presbiteriano na Igreja Anglicana. Uma vez coroado rei da Inglaterra deixou bem
claro que para ele o presbiterianismo “se harmonizava tanto com a monarquia
como Deus com o diabo”.13 As diferenças entre James I e os puritanos iam além
das questões meramente teológicas. Haviam profundas diferenças políticas e
econômicas – mormente sobre os direitos do rei e do Parlamento na arrecadação
dos impostos- que geravam muitas tensões.
Depois de James I, sobe ao poder Carlos I, em 1625. Profundamente
convencido da relação entre a monarquia e o episcopado, também pretendeu
subjugar o Parlamento ao Rei.14 As relações entre Carlos I e os puritanos também
foram tensas e se agravaram em 1637, quando ele pretendeu impor um novo Livro
de Oração Comum à Igreja da Escócia, na tentativa de unificar o culto, a fé e a
administração das igrejas dos dois países. Em 1638 os escoceses constituíram
uma aliança nacional em defesa do presbiterianismo e invadiram a Inglaterra.
Houve então uma guerra civil que acabou por ser vencida pelos puritanos, graças
às habilidade de Oliver Cromwell. Em 1646, o rei foi feito prisioneiro pelo
parlamento e executado em 1649, após sua fuga e uma rápida Segunda guerra
civil em 1648.
Com o domínio do Parlamento (desde 1643) e a abolição do
episcopalianismo, foi logo convocada uma Assembléia composta de 151 teólogos
13
Citado por Cairns em O Cristianismo Através dos Séculos, p.277
14
Quando ele viu que não conseguiria a subordinação do Parlamento, governou sem ele de 1629 até 1640.
8
que se reuniram na Abadia de Westminster para confeccionar um Guia de Culto,
uma Confissão de Fé, um Pequeno e um Grande Catecismo. O estabelecimento
compulsório do presbiterianismo e o atraso no pagamento dos soldos, fez com
que o exército, juntamente com Cromwell, articulasse o “expurgo ”do Parlamento
em 1648. Com a execução de Carlos I em 1649, Cromwell dissolve o Parlamento
(que só será restaurado em 1653) cria uma comunidade governada por ele
mesmo como ditador (o protetorado) com o auxílio do exército até 1658. Com sua
morte, este Parlamento chamado de “extenso”, vota sua auto dissolução em 1660.
Neste mesmo ano, o povo inglês, farto da rigidez mortal dos puritanos15chamou a
Carlos II para assumir o reinado e para restaurar o sistema episcopal e o uso do
Livro de Oração Comum. Através do estabelecimento de leis conhecidas como
Código de Claredon, ficou estabelecido que todos os cargos públicos, aqui
envolvendo a Igreja e o Estado, ficariam nas mãos de anglicanos, ficando também
proibidas as reuniões dos puritanos16.
Perto de sua morte, em fevereiro de 1685, Carlos II abraça o catolicismo.
Seu irmão James o sucede, e sendo católico, não podia comungar em Igreja
Anglicana, o que criava um impasse. Embora prometesse proteger a Igreja da
Inglaterra, havia rumores de que em breve restabeleceria o catolicismo romano,
nem que para isso usasse a força. Por causa deste receio, figuras importantes da
Inglaterra entraram em contato com Guilherme de Orange e com Maria, sua
esposa e filha de James, ambos protestantes, para que, pacificamente ou não,
viessem à Inglaterra, ocupar o trono. A 18 de dezembro de 1688, James foge, e
Guilherme entra triunfante em Londres, pondo fim à “revolução gloriosa” sem que
houvesse derramamento de sangue.
De origem calvinista, Guilherme tentou, sem sucesso, algumas modificações
no LOC. Sua maior contribuição, contudo, foi o Ato de Tolerância, que isentava
todos os súditos protestante de “sua majestade”, dissidentes da Igreja da
Inglaterra de certas penalidades. “Ele garantia liberdade de culto público aos
dissidentes protestantes que afirmassem a Santíssima Trindade, cujas casa de
reuniões fossem registradas adequadamente e cujos ministros subscrevessem as
porções doutrinárias dos 39 artigos”.17
9
capelão desta primeira expedição que batizou o primeiro nativo americano
convertido, chamado Manteo, e a primeira criança branca nascida neste lado do
mundo, que recebeu o nome de Virgínia Dare. Em 1606 a Virginia Company
recebeu uma licença para estabelecer e explorar as novas terras da América, e
para lá enviou colonos em 1607.
19
Cairns, p. 309
20
Cairns, p. 318
21
Dentre os quais se destacavam George Washington, Patrick Henry e Benjamim Franklin.
22
Silva, N. Durval, A Igreja Militante, p.137
10
episcopado e em 1787 foram sagrados bispos os reverendos Provost e White,
sendo o quarto bispo, James Madson, sagrado cinco anos depois. Com estes
primeiros bispos estava garantido o episcopado na nascente Igreja Protestante
Episcopal dos Estados Unidos da América.
Foi neste contexto que Wesley se levantou pregando por todos os lugares a
mensagem do arrependimento e a necessidade do novo nascimento, associados
ao estudo bíblico metódico e à oração. Este movimento influenciou a Robert
Raikes, fundador do movimento de escolas dominicais, John Howard, o líder das
reformas penitenciárias e o deputado W. Wilberforce, paladino da libertação dos
escravos e da reforma penal e educacional. Outra pessoa que foi influenciada pelo
movimento evangélico, foi Antony Cooper, eleito parlamentar em 1826 e que
militou em favor dos loucos e das crianças que trabalhavam nas fábricas e nas
chaminés. É certo que o reavivamento evangélico fez mais pela transformação do
caráter moral da Inglaterra que qualquer outro movimento organizado na história
britânica, atingindo igualmente a pobres e lavradores e a classe alta, bem como a
Igreja Oficial.
23
Cairns, p.328, 329
11
O século XIX ficará marcado na história do anglicanismo como o período
histórico que viu nascer, dentro de seu seio, outro grande movimento, o
“movimento de Oxford”. Conhecido também como Movimento Tractariano.24 Sua
origem está associada à reação de certos setores da Igreja contra basicamente
dois inimigos comuns: o domínio da Igreja pelo estado e o liberalismo teológico25.
Quanto ao primeiro inimigo, os tractarianos, diante da garantia de liberdade
religiosa plena concedida aos não-conformistas e aos católicos romanos - por
decisão do Parlamento, respectivamente em 1828 e 1829 - associados à
concessão de privilégios à classe média, temiam que a Igreja Anglicana fosse
desoficializada pelo Parlamento, que estava dominado por forças divergentes. O
segundo inimigo atingia a fé da Igreja, à medida que levantava dúvidas sobre a
existência e a possibilidade de milagres.
O principal líder deste movimento foi John H. Newman (1801-1890). Ele foi o
autor de 20 dos Tracts, tendo como o mais famoso o de número 90, que tratava
dos 39 Artigos e do Livro de Oração Comum. Sua tese neste Tract era a de que
todos estes documentos oficiais da Igreja da Inglaterra, embora condenassem
certos abusos, em nada atingiam o catolicismo romano.
Newman notabilizou-se por dar muita importância ao estudo dos Pais da
Igreja e à tradição. Outra marca do Movimento de Oxford foi o profundo apego que
nutriu pela elaboração da liturgia. Os ritos precisavam ser belos para fazer jus a
um Deus igualmente belo e criativo. Em função desta ligação com a liturgia, seus
adeptos têm sido apontados como ritualistas e sacramentalistas. Por causa da
ênfase que deu à sucessão apostólica, à presença real e corpórea de Cristo na
Missa e a regeneração batismal, ele acabou por abandonar o anglicanismo e se
converter ao catolicismo romano, onde depois foi reordenado e feito Cardeal.
24
Este nome vinha da expressão Tracts for the Times, que significa, Folhetos do Momento.
25
Refiro-me ao Racionalismo e ao Deismo.
12
desiste antes de chegar, por causa de um naufrágio, e este fica no Brasil até 1864,
trabalhando em Belém do Pará e na Bahia.26
O estabelecimento definitivo do anglicanismo em terras brasileiras se dá, de
fato, graças ao trabalho realizado pela filha do fundador do presbiterianismo no
Brasil (Asbel G. Simonton) ao incentivar novas missões nestas terras, junto aos
estudantes do seminário de Virgínia, então um bastião do evangelicalismo. De lá
saem em 1889, Lucien Lee Kinsolving e James Watson Morris, que viajam para o
Brasil e, com o apoio dos presbiterianos, estudam português em São Paulo e são
orientados para se dirigiram a Porto Alegre. A fundação da Igreja se dará no
primeiro Domingo de Junho de 1890 com a realização do primeiro culto em
português para os brasileiros.
O trabalho de evangelização entre os brasileiros cresce ainda mais com a
chegada de William Cabel Brown e John Meem, que abrem novas congregações e
escolas dominicais, apesar de toda a perseguição. Tudo isso, no entanto, não era
suficiente, já que era preciso a presença de um bispo, que confirmasse os
convertidos e que ordenasse os primeiros obreiros locais, o que só ocorrerá em
1893, com a vinda do bispo de West Virgínia, George W. Peterkin.27
O primeiro bispo residente foi o Rev. Kinsolving, que sagrado a 6 de Janeiro
de 1899, ficará na ativa por mais 27 anos. Kinsolving era um incansável
missionário. Ao se aposentar, por causa da saúde, deixou a Igreja com os
seguintes números: 13535 batizados, 4997 confirmados, 2537 alunos de escolas
dominical e 25 templos ou capelas construídos.
A Igreja Episcopal Brasileira só terá o primeiro bispo brasileiro em 1940,
quando é sagrado bispo sufragâneo D. Athalício Theodoro Pithan. A autonomia da
província se dará em 1964 e em 1965 tem seu nome mudado para Igreja
Episcopal do Brasil. Entre 1973 e 1982 entra em curso o plano decenal de
emancipação financeira, que acabou por colocar a Igreja em crise por falta de
recursos, pela dependência do clero de recursos externos e pela falta de
mordomia dos membros.
A Diocese de Recife (anteriormente chamada de Setentrional) foi
oficialmente criada pelo sínodo em junho de1975. Contudo, desde março do
mesmo ano que o bispo Edmund Sherrill havia enviado para Recife o Rev. Paulo
Garcia com a finalidade de incrementar o crescimento da Igreja naquela região. Lá
chegando, o Rev. Paulo Garcia “encontrou apenas dez pessoas ligadas à igreja:
oito ingleses e um casal de brasileiros. Mas, em dois anos, surpreendentemente, a
paróquia já tinha mais de 200 membros”.28 Hoje, a Catedral da Santíssima
Trindade é a maior congregação anglicana da América do Sul, com cerca de 3000
membros.
O crescimento da Diocese do Recife foi incrementado ainda mais com a
posse de D. Robinson Cavalcanti, primeiro bispo anglicano nordestino e primeiro
bispo anglicano evangélico em quase meio século. Cientista político e profundo
26
Sua maior contribuição para a Igreja Nacional foi a primeira tradução do Livro de Oração Comum para o
português.
27
Os primeiros reverendos anglicanos ordenados no Brasil foram Vicente Brande, Antônio Machado Fraga,
Américo Vespúcio Cabral e Boaventura de Souza Oliveira.
28
Kickhöfel, O., p. 295
13
conhecedor do mundo anglicano, para ele, o declínio que marcou a Igreja
Episcopal Anglicana do Brasil nas décadas de 80 e 90 deve-se basicamente à
conjunção dos seguintes fatores: 1) Uma profunda carência financeira; 2) Uma
conseqüente carência de obreiros; 3) Uma visão soteriológica sacramentalista que
valoriza mais o rito em si do que a operação individual e pessoal do Espírito
Santo; 4) Uma soteriologia universalista onde não há pecado pessoal mas apenas
social e estrutural (Liberais, TL); 5) Ausência de renovação litúrgica, confundindo o
simplesmente “antigo”, com o “eterno” e, por fim; 6) Uma visão de “missão”
apenas como “presença” e “serviço”, associando todo tipo de evangelização com
proselitismo. O conjunto destes itens se mostrou fatal para muitas comunidades
que literalmente agonizam, esperando que alguma coisa nova aconteça para
mudar sua perspectiva de futuro.
14
Capítulo 3
Quadrilátero de Lambeth I
As Escrituras
29
Os quatro princípios apresentados neste documento foram primeiramente desenvolvidos por William Reed
Huntington como parte dos Princípios Anglicanos, que se distingia do Sistema Anglicano.
15
Nenhum anglicano jamais questionaria a origem divina das Escrituras. Ela é
o produto da revelação de Deus e registra o plano de Deus para nossa salvação.
No entanto, da mesma forma que ela é fruto da ação de Deus, é também o
resultado do trabalho, do esforço e dos condicionamentos humanos. Escrevendo
sobre este tema, o Rev. John Stott nos diz o seguinte: “Porque a Escritura é
palavra de Deus, nós a lemos como a nenhum outro livro, humildemente, de
joelhos, clamando ao Espírito Santo por iluminação. Porque a Escritura é também
a palavra dos homens, nós a lemos como qualquer outro livro, tendo atenção pelo
seu pano de fundo histórico e geográfico, seu contexto cultural, seu gênero
literário, sua gramática, sintaxe e vocabulário. Nós a estudamos diligentemente.30
Com base nesta citação de Stott, é possível afirmar que nenhum dos atores da
formação do texto sagrado foi preterido em sua ação. Nem Deus deixou de por ali
sua mensagem para os homens, nem o homem foi obliterado de sua forma de ser,
do seu vocabulário, enfim, dos seus condicionamentos.
30
Stott, J., The Anglican Communion and Scripture, p.26
31
Holmes III, Urban T., What is Anglicanism?, p.20
32
Coggan, Donald. The Heart of the Christian Faith, p.88
33
Doctrine In The Curch of England, p.27
16
“nós não cremos que cada palavra (da Bíblia) foi ditada por Deus”.34 Ou seja,
parece haver um certo consenso entre as diversas linhas do anglicanismo,
segundo o qual, o homem não foi um mero objeto ou máquina inconsciente usada
no processo de inspiração, mas, pelo contrário, participou ativamente dele.
Mas como poderemos demonstrar a inspiração das escrituras? No
anglicanismo há os que se valem dos chamados “textos-prova” para fundamentar
a inspiração.35 Há também aqueles que pretendem demonstrar a inspiração
usando as profecias do Antigo Testamento que se cumpriram no Novo,
particularmente na vida de Jesus, mas historicamente o anglicanismo tem adotado
o argumento da Reforma: o testemunho interior do Espírito Santo.
34
Holmes III, Op. Cit., p.20
35
Eles são basicamente os seguintes: 2 Tm 3:16; 2 Pd 1:20,21; 2 Pd 3:16.
36
Prince, C. & Weil, L., Escritura ,Jesus Cristo e Palavra de Deus, apostila preparada por D. Sumiu Takatsu,
p.6 contendo parte da tradução do livro Liturgy for Living.
37
Discurso traduzido pelo Bispo D. Robinson Cavalcanti.
17
seja composta de narrativas, poesias, sagas, mitos, etc., o conteúdo da sua
revelação é composto de uma mensagem bem clara: “ela desvela os pecados do
homem e o julgamento de Deus; mas ela também revela a salvação que Cristo
conquistou quando foi crucificado e ressuscitou dos mortos”.38 Um resumo muito
bem feito sobre o conteúdo da Bíblia nos é apresentado por Urban Holmes,
quando ele diz que a escritura contém a história do amor de Deus pela
humanidade, nos confrontando, nos convencendo do pecado e nos chamando a
uma nova vida.39
Já nos 39 Artigos de Religião a Bíblia assumia uma posição privilegiada. Lá
se diz que “A Escrituras Sagradas contêm todas as coisas necessárias para a
salvação; de modo que tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode provar,
não deve ser exigido de pessoa alguma seja crido como artigo de fé ou julgado
como requerido ou necessário para a salvação.”(Artigo VI). Aqui o ângulo de visão
se desvia da perspectiva existencial e se volta para a dimensão teológica. A Bíblia,
nos diz o Artigo VI, nos apresenta as únicas coisas que podem ser exigidas de um
cristão que deseja ser salvo. É obvio que por trás desta frase se esconde uma
crítica às inúmeras obrigações que o fiel precisava cumprir para poder alcançar a
salvação, segundo a visão romanista. Longe de concordar com as obrigações que
vão além das Escrituras, os anglicanos entendem que nada pode ser imposto
sobre a consciência do cristão, como matéria de fé ou prática, que como tal não
possa ser provado pelas Escrituras.
Interpretar as escrituras não é uma atividade que deva ser feita de qualquer
forma. Pelo contrário. Exige de quem interpreta, pelo menos duas posturas
aparentemente contraditórias, porém complementares: (a) humildade reverente e
(b) acuidade diligente.
Quanto a primeira atitude, creio ser desnecessário dizer que desde a
patrística que o texto sagrado é usado nos exercícios espirituais como objeto de
diligente e humilde meditação. Ler Teresa d’Ávila ou S. João da Cruz, é perceber
como estes santos estavam plenos ou submergidos na Escritura. A atitude orante
é fundamental quando nos achegamos à Bíblia. Aproximar-se da Escritura com o
coração aberto, e com humildade é expor-se à ação do Espírito Santo. E isto pode
gerar mudança e revisão de vida. A oração daquele que se aproxima das
Escrituras deve ser aquela exposta no hino de H. Maxwell Wright:
38
The Anglican Communion and Scripture, p.3
39
Holmes, Op. Cit. P. 20
18
Mas esta reverência não significa que vamos desconsiderar o caráter
humano do texto. Ele foi escrito por seres humanos, em uma língua humana, em
contextos socio-político-religiosos bem “humanamente” definidos e deixa
transparecer a cada página a humanidade e os condicionamentos dos seus
escritores.
Por causa de tudo isso, não vemos porque não utilizar todo instrumental
científico que está a nossa disposição para que possamos compreender melhor o
texto das Escrituras. O método histórico-crítico, aliado à leitura socio-literária da
Bíblia possui uma infinidade de contribuições a dar a qualquer estudante sério que
queira se aprofundar no texto da Escritura. Mas, somos lembrados pela
conferência de Lambeth/88.78, que a
Por “tradição”, Lambeth 88, entende a “vida contínua da Igreja” guiada pelo
Espírito Santo. É ainda a “mente” viva e crescente da Igreja que se formou de
geração em geração e que pode ser encontrada na pregação, ensino, padrões de
oração comum e individual, exegese erudita, hábitos de conduta e ação, e ainda,
as definições dogmáticas.
Por “razão”, a Conferência entende ser a dádiva divina que nos capacita a
ordenar, compartilhar e comunicar a experiência. Desta forma, Escritura e tradição
são inconcebíveis aparte da razão. Mas Lambeth/88 vai mais além, quando afirma
que o apelo à razão se torna o apelo ao que o povo, num dado lugar e tempo,
considera bom senso ou senso comum. Resumindo, a razão é a “mente” de uma
cultura particular com suas maneiras características de ver as coisas, indagar a
respeito e explaná-las. “Então, se a tradição for a mente que os cristãos
compartilham como crentes e membros da Igreja, a razão é a mente que eles
compartilham como participantes de uma cultura particular” (Lambeth/88.82)
V. Sua Importância
19
(Resolução III.5.b) Dizendo isso, Lambeth reafirma que é a Bíblia o registro fiel e
autoritativo da revelação de Deus ao homem. Ela é a bússola que orienta o cristão
em direção ao que é imprescindível na crença e na prática, para se chegar à
salvação.
Em segundo lugar, ela alimenta o cristão. As palavras vindas de Deus
sempre foram comparadas com alimento. Com o leite, que alimenta o neófito e o
faz crescer sadio; com o mel, que é doce e que fortalece e com o pão, que é
comum, cotidiano e que faz parte da mesa de todos. Como “nem só de pão vive o
homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”, a Bíblia desde cedo foi
identificada na Igreja como o “alimento” que deve nutrir e fortalecer a todos os
crentes. A negligência nesta atividade, invariavelmente implica em nanismo e
subnutrição espiritual. Esta é a razão de termos tantos cristãos que vivem uma
vida imatura, mas que freqüentam os cultos semanalmente.
Por fim, a importância da Bíblia reside também no fato de ela estabelecer o
caminho da missão da Igreja. É a Escritura que nos fornece o mandato, o motivo,
a mensagem e o modelo da missão.40 É, portanto, com base nas Escrituras que
devemos confrontar, iluminar, mudar e transformar as culturas, as estruturas e os
padrões de pensamento que predominam hoje (CL/98.III.1.b), em estruturas e
paradigmas que reflitam os valores do reino de Deus. Resumindo, a credenda da
Igreja – o que ela crê, e a agenda da Igreja –o que ela faz, precisam basear-se na
Bíblia, sob pena de nos transformar apenas em pios e infrutíferos clubes
religiosos.
40
Estou citando os tópicos do texto do Rev. Dr. Cyril C. Okorocha (Nigéria), secretário de evangelismo do
Conselho Consultivo Anglicano, apresentado na primeira consulta internacional da EFAC, e editada com o
título “Scripture, Mission and Evangelism” no livro The Anglican Communion And Scripture, p. 61-81.
20
Capítulo 4
Quadrilátero de Lambeth II
Os Credos
I. O Termo “credo”
41
Krischke, E.M., A Estrutura da Fé, p. 14
21
objeto da crença de alguém. Este corpo de doutrina pode tanto aparecer de forma
variável e flutuante, quando ligado à tradição oral, quanto aparecer de forma mais
fixa, quando posta na forma escrita. A experiência da Igreja foi a de optar, assim
que pode, por uma forma fixa e escrita que passou a se chamar “Credo”.
Mas o que seria portanto um Credo? Utilizaremos aqui a apropriada definição
do bispo Krischke, quando ele nos instrui dizendo que um Credo é “uma confissão
pessoal de fé que a igreja de Cristo preserva para testemunho a todas as
gerações”.42 A Igreja também adotou outra palavra para designar os Credos, é a
palavra “símbolo”. Esta palavra foi adotada porque se entendia que “o credo era
“símbolo” (symbolum), sinal, marca, lembrança do Deus em nome do qual os
cristãos eram batizados”43 Fala-se, portanto, tanto dos credos, quanto dos
símbolos de fé.
Crer, como sabemos, é uma condição inerente a todo ser humano. Desde
muito cedo que a humanidade passou a criar e estabelecer doutrinas próprias e
relativas à sua vida metafísica. Para nossa discussão, no entanto, o que é
importante é destacar qual o papel desenvolvido pelos Credos dentro da tradição
religiosa judaico-cristã. Para tanto nos limitaremos a pesquisar dentro dos textos
que tanto judeus quanto cristãos consideram canônicos, portanto, sagrados.
Comecemos com o Primeiro Testamento.
1. No Primeiro Testamento
2. No Novo Testamento
42
Krischke, E.M., A Estrutura da Fé, p. 17
43
Fiorenza, F.S.& Galvin, J.P., Teologia Sistemática – Perspectivas Católico-Romanas, Vol.I, p. 218
22
cristalizar o ensino apostólico em resumos convencionais”.44 Paulo, escrevendo
aos Coríntios, cita certos textos que parecem ter a estrutura credal, vejamos
alguns destes textos:
- I Co 8:6: “Há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas, e
para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as
coisas, e nós também por ele”.
- I Co 15: 3,4. “Antes de tudo vos entreguei o que também recebi; que
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi
sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as escrituras”.
Há muitos outros textos que dão pistas claras da existência da tendência que
tinha a igreja primitiva de formular a fé de forma mais sistemática45
3. Na História da Igreja
44
Op. Cit., p. 218
45
Outros textos que poderiam ser citados como exemplo são: Mt 28:19; I Tm 3:16.
46
Citado por Bernhard Lohse em A Fé Cristã Através dos Tempos, p.39
23
“Eu creio em Deus, o Pai, o Todo-Poderoso;
E em Jesus Cristo, seu Filho unigênito, nosso Senhor, o qual nasceu do
Espírito Santo e da Virgem Maria, o qual foi crucificado sob Poncio
Pilatos e sepultado, e no terceiro dia ressurgiu da morte, subiu ao céu,
está sentado à direita do Pai, donde virá para julgar os vivos e os
mortos;
E no Espírito Santo, na santa igreja, no perdão dos pecados e na
ressurreição da carne.”47
47
Citado por Lohse, Op. Cit. P. 39
48
Fiorenza, F.S.& Galvin, J.P., Teologia Sistemática – Perspectivas Católico-Romanas, Vol.I, p. 218
24
3.1.2. O credo Niceno
O Credo Niceno foi produzido pelo concílio de Nicéia, que “foi cedo
reconhecido como a primeira reunião ‘ecumênica’ ou concílio universal”49 e se
constitui no primeiro Credo conciliar, sendo mais tarde aprovado definitivamente
pelo Concílio de Calcedônia em 451. O contexto de Nicéia era a discussão
cristológica acerca da doutrina de Ário. Partindo dos princípios de que a divindade
tem de ser necessariamente incriada e inata, Ário deduziu que: a)o Filho de Deus,
o logos, não podia ser verdadeiro Deus; b) que o Filho é a primeira das criaturas
de Deus, portanto não é da mesma substância de Deus; c)Houve, portanto, um
tempo em que o Filho não existia e d)a filiação do filho é apenas por adoção e não
por participação na divindade. Esta será a matéria dos debates do concílio.
O desenvolvimento do concílio é muito bem descrito por James Orr, em seu
livro “El Progresso Del Dogma”. Ali ele nos fala deste concílio que se reuniu em
Nicéia, na Bitínia, entre maio e junho de 325 DC. Nos diz Orr, que os trabalhos
foram abertos com muita pompa graças à presença do imperador em pessoa.
Tradicionalmente se afirma que participaram 318 bispos, embora Orr nos informe
que havia uma multidão de presbíteros, diáconos e acólitos, que poderia significar
uma assistência de quase duas mil pessoas. Quem inspirava os debates era um
jovem diácono de Alexandria chamado Atanásio, que ali estava para ajudar seu
bispo. Obviamente os partidários de Ário eram poucos e os eusebianos não
passavam de vinte. O credo proposto pelos arianos foi recusado de pronto.
Eusébio de Cesaréia logo assumiu uma posição intermediária, apresentando um
credo alternativo que, segundo ele, havia aprendido quando era catecúmeno em
Cesaréia. Seu conteúdo é como se segue:
49
Chadwick, Henry, A Igreja Primitiva, p. 140
25
maioria do concílio percebeu que a fórmula segundo a qual o Filho era “da mesma
substância” que o Pai, expressava exatamente aquilo por que lutavam e ainda por
cima evitava as ambigüidades levantadas pela solução proposta pelos
eusebianos. O imperador também percebeu que a maioria só poderia ser
conseguida em torno desta fórmula, e por isso, deu o peso de seu apoio a ela. Um
novo credo foi redigido, tendo por base o apresentado por Eusébio, e sua
aceitação foi feita obrigatória por um decreto imperial. Apesar disso, a história
registra que dois bispos arianos que se negaram a aceitar, junto com Ário, foram
expulsos. “Eusébio de Nicomedia e outros aceitaram o credo, porém recusaram
aceitar os anátemas e foram expulsos mais tarde.”50 O conteúdo deste famoso
símbolo eusebiano, alterado com a sugestão de Eusébio de Nicomedia, é como se
segue:
50
Orr, James, El Progresso Del Dogma, p. 110, n.1
51
Bettenson, H., Documentos da Igreja Cristã, p.56
26
mundos/ Deus de Deus,/ Luz de Luz,/ Verdadeiro Deus de verdadeiro
Deus/ gerado, não feito/ Consubstancial com o Pai/ por quem todas as
coisas foram feitas;/ o qual por nós homens e pela nossa salvação
desceu da céu/ e encarnou, por obra do Espírito Santo, da virgem
Maria/ e foi feito homem/ foi também crucificado por nós,/ sob o poder
de Pôncio Pilatos;/ padeceu e foi sepultado:/ e ao terceiro dia
ressuscitou, segundo as escrituras:/ e subiu ao Céu,/ e está sentado a
direita do Pai:/ e virá outra vez, com glória, a julgar os vivos e os
mortos;/ e o seu Reino não terá fim./ E cremos no Espírito Santo,
Senhor, Doador da vida,/ procedente do Pai e do Filho;/ o qual com o
Pai e o Filho juntamente é adorado e glorificado;/ o qual falou pelos
profetas:/ e cremos na Igreja Única, Santa, Católica e Apostólica:/
reconhecemos um só batismo para a remissão de pecados:/ e
esperamos a ressurreição dos mortos:/ e a vida do mundo vindouro.
Amém
52
Rosenthal, James, The Essential Guide to the Anglican Communion, p.76
53
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol 1. p. 364
54
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol 1. p. 364
27
Nos tempos da Reforma, este credo era visto como um dos três credos
clássicos do cristianismo. Todas as declarações reformadas e luteranas, exceto a
Confissão de fé de Westminster, reconhecem seu caráter autoritativo. Seu
emprego litúrgico, no entanto, está limitado às Igrejas romana e anglicana.
28
conversão da Divindade em carne, mas pela assunção da Humanidade
em Deus; Um totalmente, não por confusão de Substância, mas por
unidade de Pessoa.
Pois como a alma racional e a carne são um só homem, assim Deus e
Homem é um só Cristo;
O que padeceu por nossa salvação, desceu aos infernos, ressuscitou
ao terceiro dia dentre os mortos. Subiu aos céus, está sentado à destra
do Pai, Deus Todo-Poderoso, de onde há de vir a julgar a vivos e
mortos.
Em cuja vinda todos os homens ressuscitarão com seus corpos e darão
conta de suas próprias obras.
E os que tiverem feito o bem irão para a vida eterna; e os que tiverem
feito o mal, ao fogo eterno.
Esta é a Fé Católica, e quem nela não crê firmemente, não poderá se
salvar.”
55
Inúmeras Confissões de Fé foram formuladas por Luteranos e Reformados, e dentre elas a mais conhecida
foi a Confissão de Fé de Westminster. Contudo gostaria de registrar que os primeiros protestantes que
aportaram no Brasil em 1555, confeccionaram aqui uma confissão denominada Confissão de Fé Fluminense.
56
Neill, S., El Anglicanismo, p. 77
29
Hoje, o status dos 39 Artigos varia de província para província, mas sempre
está presente no LOC e é sempre alvo de estudo nos seminários da igreja.
Um outro aspecto importante a ser ressaltado é que uma igreja que confessa
os Credos, é uma igreja que crê. A recitação dos símbolos da fé em nossos cultos,
não pode ser encarado apenas como a expressão de uma “pia tradição da Igreja”,
mas como o resultado e a conseqüência necessárias de uma assentimento de fé e
de convicções profundas. A igreja anglicana, a cada Conferência de Lambeth,
30
reafirma o valor dos Credos históricos, e isto era importante nas décadas de
sessenta e setenta, porque afirmar a fé era uma forma de lutar contra o
secularismo que campeava naqueles dias; hoje, em meio ao que um filósofo
chamava de “a revanche de Deus”, já não precisamos “afirmar a fé” em meio a um
mundo secularizado, nosso desafio hoje é o de “definir a fé”, num mundo onde
quase tudo –principalmente o mercado- é deificado.
31
Capítulo 5
Quadrilátero de Lambeth III
Os Sacramentos
I. Definição
Seus Elementos.
57
Assis, Francisco, in Reflexões 04- Sacramentos, p.6
58
Takatsu, Sumio, in Reflexões 04- Sacramentos, p.2
59
Pike, James A. & Pittengr, Norman, A Fé Que Professamos, p.185
32
Esta citação feita por Pike e Pittenger, nos faz vislumbrar no sacramento,
pelo menos três elementos que nos parecem indispensáveis para sua existência:
“um sinal externo e visível”, “uma graça interna e espiritual” e “a Instituição pelo
próprio Cristo”. Vejamos cada uma destas partes.
1. A Instituição
2. O Sinal visível
3. A Realidade simbolizada
60
Catecismo da Província do Sul da África, citado por James Rosenthal em The Essential Guide to the
Anglican Commuion, p. 84
33
espiritualmente e, em função disso, são ordinariamente necessários para a
salvação.
Deus, em seu amor pela Igreja, providenciou meios através dos quais
comunicaria sua graça para todos os fiéis. Estas realidades passaram a ser
chamadas de “Meios de Graça”, e se referem à oração, `as Escrituras e aos
Sacramentos. Negligenciar qualquer um destes canais divinos de fortalecimento,
implica necessariamente em fraqueza espiritual.
A importância dos sacramentos reside, também, no fato de que eles são
ordinariamente necessários à salvação. Em sua Palavra Deus nos revela que os
sacramentos são também formas de anúncio do Kerigma da Igreja. Ao nos
submetermos ao batismo, ou ao participar da Ceia do Senhor, estamos
anunciando a morte e a ressurreição de Cristo, e estamos também nos
comprometendo em segui-lo pelo mesmo caminho. Portanto, creio ser impossível
para um cristão que tenha Cristo como Senhor de sua vida, negar o primeiro sinal
visível de sua pertença à Igreja de Cristo (o Batismo) e recusar obedecer
sistematicamente às ordens de seu Senhor: “tomai e comei, tomai e bebei”. Mas
como a Igreja não pode se identificar com o Reino, que é maior que ela, e como
Deus, em sua soberania, é livre para agir da forma que quer, é obvio que alguém
pode ser salvo sem nem mesmo conhecer a Igreja, muito menos os sacramentos.
Se assim for, no entanto, o será pela graça de Deus em Cristo Jesus.61
61
Há pelo menos três posições sobre a salvação dos não-cristãos: os exclusivistas, os pluralistas e os
inclusivistas. Particularmente me inclino para o inclusivismo.
62
Anglicanos 37 – Boletín Internacional Missionero, p.14
34
tempo e no espaço). Para fazer isso Ele se encarnou, porque humanos são
essencialmente criaturas encarnadas”. 63
Pike e Pittenger são felizes quando afirmam que “Jesus Cristo de fato é o
sacramento supremo. Pois nEle o externo e visível – uma vida humana em toda a
sua riqueza – é o meio pelo qual uma realidade interna e espiritual – Deus mesmo
– nos é dado e manifestado”.64
Este ponto de vista não é novo. O bispo Sumio Takatsu nos lembra que a
visão da encarnação como paradigma e modelo do sacramento já estava presente
em Richard Hooker65. Vejamos o que este bispo pensa do assunto:
1. Sacramentalização
Este é um dos perigos mais constantes por que passa nosso povo. E isto
acontece porque
“aqui na América Latina, por desvios da formação cristã que nos foram
legados pelo catolicismo popular, o Sacramento pode tomar formas
diabólicas, de separar, escandalizar e levar a desvios. O Sacramento
63
Holmes III, Urban T., What is Anglicanism?, p.36
64
Pike, James A. & Pittengr, Norman, A Fé Que Professamos, p.185
65
Ilustre teólogo anglicano do século XVII.
66
Takatsu, Sumio, in Reflexões 04- Sacramentos, p.3
35
pode ser deturpado em sacramentalismo. O Sacramento se celebra
sem a ‘metanoia’, a conversão”.67
2. Banalização
3. A Magicização
67
Lima, Glauco Soares, in Somos Anglicanos – Ensayos Sobre El Anglicanismo Latino Americano, p.46
68
Lima, Glauco Soares, in Somos Anglicanos – Ensayos Sobre El Anglicanismo Latino Americano, p.46
69
Lima, Glauco Soares, in Somos Anglicanos – Ensayos Sobre El Anglicanismo Latino Americano, p.47
70
Doctrine InThe Church Of England, p.128
71
Holmes III, Urban T., What is Anglicanism?, p.38
72
Assis, Francisco, in Reflexões 04- Sacramentos, p.7
36
V. Sua Validade e Eficácia
73
Holmes III, Urban T., What is Anglicanism?, p.38
74
Krischke, Egmont Machado, A Estrutura da Fé, p.99
37
Igreja os adotou, sob a direção do Espírito Santo, para que a santificadora graça
de Deus melhor envolvesse a vida dos fiéis, tanto individual como
coletivamente”.75
1. Os Sacramentos Plenos
75
Krischke, Egmont Machado, A Estrutura da Fé, p.99
76
Lima, Glauco Soares, in Somos Anglicanos – Ensayos Sobre El Anglicanismo Latino Americano, p.39
77
Podemos citar como exemplo os seguintes: Jo 3:5; At 2:38; I Co 12:13; Tit 3:5, etc.
78
Krischke, Egmont Machado, A Estrutura da Fé, p.102
38
236) faz menção em De Baptismo XVIII e Orígenes (185-254) diz que “a igreja
tinha, desde os apóstolos, uma ordem de batizar também as crianças” (Epístola
aos Romanos). O primeiro concílio a tratar do assunto foi o de Cartago (253), mas
ele não discute sua legitimidade. A questão levantada ali é se as crianças devem
ser batizadas antes de 8 dias de vida. A legitimidade do batismo infantil nunca foi
discutida até os dias da Reforma, com os anabatistas, e mesmo assim é aceita
hoje pela esmagadora maioria dos cristãos, sejam eles romanos, ortodoxos, ou
protestantes de linha anglicana, luterana, metodista, presbiteriana, reformada ou
congregacional (exceto no Brasil).
Há entre os anglicanos três maneiras de legitimar o batismo infantil. Há os
que o aceitam porque entendem que esta é uma prática histórica da Igreja
universal e indivisa e que, portanto, deve ser preservada como sendo satisfatória e
legítima.
Há os que o aceitam como legítimo porque entendem que a Igreja primitiva
fez uma adaptação do costume judaico de se batizar por imersão todos os
membros da família dos prosélitos vindos do paganismo, em referência direta à
lavagem cerimonial do Antigo Testamento.
E há os que praticam o pedobatismo porque acreditam existir uma “teologia
do pacto” que une os crentes do Antigo e do Novo Testamento e que exigem uma
marca externa para a fé em Deus.
79
Krischke, Egmont Machado, A Estrutura da Fé, p.106, 107
39
Não há dúvidas entre os anglicanos sobre a presença de Cristo nos
elementos consagrados. Os problemas surgem quando discutimos a “natureza” da
presença. Ao que parece, a posição hegemônica entre os anglicanos é a de que
Cristo está presente “realmente” nos elemento, mas esta presença, embora real, é
“espiritual” e não “física”.
2. Os Ritos Sacramentais
2.1. Confirmação
2.3. Matrimônio
80
Takatsu, Sumio, in Reflexões 04- Sacramentos,p.2
81
Krischke, Egmont Machado, A Estrutura da Fé, p.111
40
O Catecismo do LOC americano (p 721) nos diz que o santo matrimônio “é o
enlace cristão pelo qual uma mulher e um homem entram em uma união para o
resto da vida, fazem seus votos perante Deus e a Igreja e recebem a graça e a
bênção de Deus a fim de ajudá-los a cumprir seus votos”. Somos lembrados pelo
bispo Krischke que, em seu aspecto sacramental, o sinal externo e visível é a
recepção das alianças com a união das mãos; e a graça espiritual é a força que os
capacita a cumprir, com fidelidade, os propósitos de Deus enquanto casal.
2.4. Ordenação
2.5. Unção
A unção dos enfermos com óleo é um dos ritos mais antigos da Igreja. Ele
consiste em untar, com óleo de oliva (sinal visível), a testa e as mãos do enfermo
com a finalidade de vê-lo fortalecido (graça invisível) no espírito e do corpo.
41
Capítulo 6
Quadrilátero de Lambeth IV
O Episcopado Histórico
1. o termo
A primeira questão levantada por alguém que jamais discutiu este assunto
diz respeito à palavra “episcopal”. Qual seu significado? Qual sua origem? Qual a
relevância de seu modelo para os dias de hoje? Estas questões, extremamente
importantes, precisam de resposta.
Primeiramente vamos nos deter sobre o significado da palavra “episcopal”. O
termo tem a ver com o sistema de governo da Igreja e significa que ela é
governada pelos bispos (do grego episkopos). A palavra episkopos é um
substantivo composto de duas outras palavras: Epi, que significa “em ou sobre
alguma coisa” e “skopeo”, que quer dizer “por atenção em”. Assim como
“periscópio” significa literalmente “ver ao redor”, episkopos significa “ver de cima”
ou “supervisionar”. O bispo, portanto, é o supervisor.
No tempo do Novo Testamento, a noção de um supervisor não era estranha,
pelo contrário, era até muito comum. No período helenístico, o termo episkopos
estava antes de tudo, ligado à esfera política. Ela descrevia um oficial que,
enviado pelo rei, poderia supervisionar a administração da cidade. Desta forma,
lemos que o rei Átalo enviou um episkopos a Pérgamo para fiscalizar a
administração da cidade.
No ambiente filosófico a palavra também era usada. Sabemos que os
Estóicos falavam de um episkopos tou kosmou para se referirem ao responsável
pela administração do cosmos e pela ordem no mundo.
42
No mundo Romano sabemos que o senado (assembléia de anciãos) elegia
dentre seus membros, tanto os mais altos dignitários (supervisores – cônsules e
legados) como também os oficiais subalternos (questores e tribunos). No início,
todos deveriam prestar contas ao senado (conselho); depois de César, porém,
surge no senado o cargo de imperador, que acabou se sobrepondo a ele.
Entre os judeus essênios havia também a figura forte do mebaqqar. O
Documento de Damasco encontrado em Qumrân descreve as atividades desta
autoridade da seguinte forma: “Esta é a regra para os supervisores do
acampamento. Ele deve instruir todos nas obras de Deus, ensinar-lhes seus
maravilhosos feitos...e deve compadecer-se deles em todas as dificuldades como
um pastor do rebanho. Deverá desatar os laços...para que não haja nenhum
oprimido...E qualquer um que se juntar a sua comunidade deverá ser por ele
examinado em seus atos e em relação a suas forças, capacidades e posses”(XIII,
7-11). Seria exagero sugerir que o episkopos do Novo Testamento nada mais
fosse do que uma apropriação da figura do mebaqqar essênio. O paralelismo, no
entanto, existe.
2. sua importância
82
Neill, S., A Necessidade do Episcopado, artigo na revista Concilium 1972/10, p 1314
83
Ibid., p 1315
43
sucessão apostólica”.84 Se entendermos que o episcopado é necessário para a
plena esse, então todas as comunidade que não possuírem bispos não são igrejas
“plenas”. Talvez a postura mais adequada fosse aquela que afirma que o
episcopado é importante para o “bom ser” da Igreja. Concluindo este tópico,
vejamos o que diz o bispo Stephen Neill,
84
Holmes, U.T., What is Anglicanism? P 54
85
Neill, S., A Necessidade do Episcopado, artigo na revista Concilium 1972/10, p 1316
86
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, p. 195
44
claramente no seu capítulo 42 e 44 que a igreja era governada por bispos e
diáconos (42:4) e que os dois termos são sinônimos (44: 4,5) já que, citando o
texto, “nosso pecado não será pequeno, se expulsarmos do episcopado os que
irrepreensíveis e têm realizado os serviços divinos. Felizes são aqueles
presbíteros que antes disso findaram a carreira”. O Didaquê, com uma confecção
de textos variando entre 70 e 110 dC, nos transmite a mesma informação quando
nos diz no seu capítulo 15 “Elegei, então, para vós mesmos bispos e diáconos
dignos do Senhor, varões mansos e não amantes de dinheiro, verdadeiros e
aprovados, porque também eles vos ministram os serviços (liturgia) dos profetas e
mestres”. A partir daqui, contudo, desaparece o duplo ministério de
presbítero/bispo e diácono e surge abrupta e definitivamente as três ordens de
forma bem distintas.
Os primeiros textos a testemunharem cabalmente das três ordens de
ministério são as cartas de S. Inácio de Antioquia. Somos informados por
Jerônimo que Inácio foi o “terceiro bispo, depois do apóstolo Pedro, da Igreja de
Antioquia” e que ele “foi enviado a Roma, condenado às feras durante a
perseguição movida por Trajano”. (De Viris Illustribus, XVI) Ao que sabemos,
durante seu trajeto em direção a Roma (que ocorreu durante os anos 107 e 110)
Inácio, nas paradas que fazia para descanso, escrevia para as comunidades que o
recebiam pelo caminho. Estas cartas, no total de sete, possuem um inestimável
valor histórico e dogmático, já que tratam de um período relativamente
desconhecido da maioria dos cristãos modernos.
Na maior parte das cartas, S. Inácio faz uma referência especial e pessoal
ao bispo da cidade. É assim, por exemplo, que ele se refere a S. Policarpo de
Esmirna, Onésimo, Damas e Políbono. Suas cartas estão eivadas de
recomendações às comunidades para que se submetam ao seu bispo, bem como
aos presbíteros e aos diáconos. Para ilustrar citaremos algumas passagens
selecionadas:
45
que onde está Jesus Cristo, aí está a Igreja católica87. (...) É bom
reconhecer a Deus e ao bispo. Quem respeita o bispo é respeitado por
Deus; quem faz algo às ocultas do bispo, serve ao diabo”. Inácio aos
Esmirniotas 8:1,2; 9:1
“Justifica tua dignidade episcopal com toda solicitude física e espiritual.
Preocupa-te com a unidade, acima da qual nada existe de melhor”.
“Atendei ao bispo para que Deus vos atenda. Ofereço minha vida para
os que se submetem ao bispo, aos presbíteros e aos diáconos”. Inácio
a Policarpo 1:2; 6:1
“Podemos ainda lembrar Policarpo, que não somente foi discípulo dos
apóstolos e viveu familiarmente com muitos dos que tinham visto ao
Senhor, mas que foi estabelecido bispo na Ásia, na igreja de Esmirna,
pelos próprios apóstolos. Nós o vimos na nossa infância porque teve
vida longa e era muito velho quando morreu com glorioso e esplêndido
martírio. Ora ele sempre ensinou o que tinha aprendido dos apóstolos,
que também a Igreja transmite e que é a única verdade. E é disso que
dão testemunho todas as igreja da Ásia e os que até hoje sucederam a
Policarpo, que foi testemunha da verdade bem mais segura e digna de
confiança de que Valentin e Marcião e os outros perversos doutores”.
(Adv. haer., 3: 2-4)
Quase nada temos das mãos deste grande mártir do cristianismo, a não ser
fragmentos de sua primeira carta aos Filipenses e a íntegra em latim de sua
segunda carta à mesma Igreja. Neste segundo texto, Policarpo se revela bastante
diferente de Inácio. Seu tratamento, mais pastoral e menos apologético, faz com
que ele se revele mais sensível com o povo, bem como com os líderes daquela
comunidade. Na saudação, muito próxima da fraseologia dos apóstolos, ele se
apresenta: “Policarpo e os presbíteros que estão com ele”. No corpo da carta ele
faz referência às ordens do presbiterato e do diaconato, afirmando que os jovens
precisavam se abster de certas coisas (fornicação, sodomia, etc.) e se
submeterem “aos presbíteros e diáconos como a Deus e a Cristo”(5:3). A ausência
87
Este é o mais antigo emprego da expressão “católica” no sentido de Igreja universal em oposição à igreja
particular que se conhece.
46
de referência ao bispo da cidade é explicada pelos comentadores como um sinal
de vacância do cargo, o que ensejou suas cartas àquela cidade e portanto seu
cuidado pastoral.
Tudo o que foi colocado acima deve nos levar a fazer um exame acurado
dos fatos. Como pode ser claramente visto, há uma significativa mudança da
realidade eclesial, se compararmos as cartas de Inácio e o testemunho que temos
sobre Policarpo, com o texto do Novo Testamento. De fato, Walker nos lembra
que “por volta de 160, o episcopado monárquico tinha se tornado quase
universal”.88 O Dr. Peter Toon, concorda afirmando que as cartas de Inácio dão
testemunho do surgimento do que se costuma chamar de episcopado monárquico.
Cada comunidade, nos diz o Dr. Toon, “tinha seu bispo, que era assistido por
vários presbíteros e diáconos. Assim, havia uma ordem tríplice de ministério
ordenado. O bispo era visto como o celebrante principal do culto, o pastor principal
do rebanho e o administrador principal do povo de Deus e de suas posses”.
Segundo este professor de Oxford, neste momento
88
Walker, W., História da Igreja Cristã V.I, p. 71
89
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, p. 195, 196
47
desta função desenvolveu-se plenamente; em seu conjunto, pode-se
descrevê-la da seguinte maneira. A dualidade de funções de bispos e
diáconos, procedente do cristianismo dos gentios, fundiu-se com a
função judaico-cristã dos presbíteros, para formar o tríplice ministério:
bispo-presbítero-diácono; mas foi necessário certo tempo para
conseguir o equilíbrio e a distinção entre ‘bispo’ e ‘presbíteros’, que não
se realizou, na mesma medida , em todos os ambientes do cristianismo
nascente”.90
90
Citado por Juan L. Segundo em O Dogma que Liberta, p. 240, 241
91
Ibid., p. 239
92
Ibid., p. 242
93
Walker, W., História da Igreja Cristã, p. 71
48
presença de bispos de outras dioceses nas cerimônias de sagração,
demonstrando com isso que o novo bispo tem o consenso da Igreja de Deus
representada pela comunhão dos bispos.
Ver a história com os olhos voltados para o alto, no entanto, nos fará ver que
por trás destas mudanças estava a providência de Deus. Crendo desta forma
poderemos concordar com Peter Toon quando assevera que “sem negar estas
realidades humanas, é também possível ver este desenvolvimento como parte da
vontade de Deus, e iniciado pelos apóstolos ao chegarem ao fim dos seus
respectivos ministérios”.94
94
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, p. 196
95
Takatsu, S., Autoridade e Eclesiologia numa perspectiva Anglicana, p.80
96
Krischke, E. M., A Estrutura da Fé, p.91
49
2. conferir ordens sacras
3. administrar a confirmação
V. O Episcopado Histórico
97
Sabemos que no século XV há alguns exemplos de ordenações diaconais e presbiterais feitas por abades,
com autorização do Papa.
98
O Cânon 882 do Código de Direito Canônico em vigor afirma que: “O ministro ordinário da confirmação é
o bispo; administra validamente este sacramento também o presbítero que tem essa faculdade em virtude do
direito comum ou de concessão especial da autoridade competente”.
99
Shepherd, Massey H. Adoração E Vida, p.197
100
Laços de Afeição – Nigéria 84, 7.8
101
Neill, S., A Necessidade do Episcopado, artigo na revista Concilium 1972/10, p. 1314
102
Carey, G., Hind, J. & outros no artigo “Marcas Teológicas” em Partilha Teológica nº 2 p.51
50
Estas considerações, dentre outras, são discutidas por exemplo por
teólogos como Hans Küng e Maurice Villain, em artigos da revista Concilium em
abril de 1968, portanto em plena efervescência do Vaticano II, e num clima que
favorecia o diálogo ecumênico.
103
Doctrine in The Church of England, p.121,122
104
Takatsu, S., no artigo “Autoridade e Eclesiologia numa perspectiva Anglicana” em Partilha Teológica nº 3
p.81
51
Capítulo 7
Correntes do Anglicanismo 1
Católica
105
Soares, S.G., in Anglicanos – nº 41, Maio de 1998
52
propriedade, ser apresentada com as ênfases acima. Um bom resumo destes
temas que marcam o anglo-catolicismo pode, com certeza, ser encontrado nas
palavras de Massey Shepherd, num artigo escrito para a revista Concilium, no
qual ele afirma que:
Esta vertente conhecida então por anglocatolicismo teve sua origem ligada
ao Tractarianismo ou Movimento de Oxford. Este movimento que teve sua origem
em 1833 foi uma reação de setores da Igreja da Inglaterra contra dois inimigos: o
domínio da igreja pelo Estado e o liberalismo teológico. O principal líder desde
movimento foi John H. Newman (1801-1890), autor de vinte dos Tracts e que mais
tarde se tornaria cardeal na igreja romana.
Antes de iniciarmos propriamente nosso estudo acerca das características
desta vertente do anglicanismo um lembrete: Ser anglo-católico não significa de
forma alguma ser um católico romano. Em que pese haverem semelhanças nas
tendências e nas ênfases, como veremos logo adiante, um anglo-católico continua
sendo um protestante.
I. Sacramentos.
106
Shepherd, M., in Concilium – 1972/4, p 502
53
invisivelmente em nós, e não só vivifica, mas também fortalece e
confirma a nossa fé nele.”(Artigo XXV)
II. Liturgia
107
Livro de Oração Comum, p. 162
108
Shepherd Jr., Massey H., Adoração e Vida, p. 163
54
A primeira verdade é que a liturgia é um ato de adoração. E se assim é, ela
não pode ser feita de qualquer forma, apressadamente, descuidadamente ou
relaxadamente. Além disso um Deus belo e criativo não deve ser adorado de uma
forma pobre e feia. As realidades espirituais nos falam de sentimentos (pe. a
alegria, o júbilo e a tristeza) que trazemos para o culto. Estes sentimentos podem
muito bem ser traduzidos em gestos, posturas ou símbolos e cores, que nos
auxiliam na adoração. Para tanto, símbolos, dias santos e épocas especiais nos
ajudam a entender e a viver essas realidades espirituais. Tudo feito para tornar a
adoração um ato relevante e significativo.
Outra verdade que deve ser destacada, é a de que a liturgia não é um ato
isolado do sacerdote, ou um diálogo entre o celebrante e o coro. Não vamos ao
culto para “assistir” alguém cultuar. Vamos para, como povo de Deus e como
comunidade, celebrar a nova vida em Cristo e as bênção advindas desta
realidade. Na liturgia a participação de todas os atores (clérigos e leigos) deve ser
prevista estabelecida e esperada.
A liturgia anglicana está reunida no Livro de Oração Comum. Este livro, que
como tal surgiu em 1549, possui, dentre outros elementos, a ordem para as
orações matutinas e vespertinas, o rito da eucaristia, do batismo, do matrimônio,
da confissão, da ordenação, etc. Ordem e forma são importantes porque nos
mantêm no caminho de uma adoração plena e equilibrada.
III. Tradição.
55
e até hoje. Entende, no entanto, que estas opiniões, decisões conciliares e
afirmações precisam se conformar e se submeterem à autoridade das Escrituras
como a base de toda nossa prática e crença. Desta forma, ritos, usos e costumes,
oriundos da Idade Média ou ainda do período patrístico, não são necessariamente
errados em si mesmos. Pelo contrário, eles fazem parte da rica herança que o
anglicanismo herdou de seus pais e que não está disposto a abrir mão de forma
alguma.
109
Bettenson, H., Documentos da Igreja Cristã, p 352
56
o episcopado é o único meio de providenciar este ministério. Ouçamos as palavra
de Shepherd;
110
Shepherd, M., in Concílium, - 1972/4, p 503
57
com o papel do leigo e com a sinodalidade como opção de administração
participativa da Igreja.
Com toda a segurança o tema que mais marcou presença nos círculos anglo-
católicos nas ultimas décadas, foi aquele relacionando com a ordenação feminina.
Este assunto acabou gerando tanta discussão que, apenas nos Estados Unidos
cerca de doze (12) igrejas cismáticas surgiram por causa da rejeição desta prática.
Além disso, tanto os Estados Unidos quanto a Inglaterra, presenciaram uma
grande migração de clérigos anglicanos para as Igrejas Ortodoxas ou mesmo para
a Igreja Romana.
Em terceiro lugar sua postura sacramentalista. Os anglo-católicos precisam
rever esta postura onde, a ortodoxia do rito e da fórmulas históricas, muitas vezes
passas a ser mais importante do que o alvo para onde os ritos e as fórmulas
apontam.
Para encerrar gostaria de me reportar a excelente sistematização feita pelo
bispo D. Robinson Cavalcanti sobre as correntes anglicanas, onde ele nos lembra
que a fonte teológica que o anglo-catolicismo privilegia é a patrística. Lá ele
também nos innforma que, como sua afinidade eclesial é com o catolicismo
romano e com a ortodoxia oriental, eles tendem a uma soteriologia
sacramentalista, a uma liturgia ritualista; e que, apesar de suas preocupações
sociais filantrópicas, normalmente possuem uma inserção socio-política
conservadora. No que diz respeito às posturas teológicas, os anglo-católicos
também se inclinam ao conservadorismo, mormente nas questões mais tensas
como a teologia do divórcio, da ordenação feminina e da ordenação de
homossexuais. A bem da verdade, deve-se registrar que, dentro da ala católica da
Igreja anglicana, há também setores que se inclinam para o carismatismo e outros
que se inclinam para o liberalismo.
58
Capítulo 8
Correntes do Anglicanismo 2
Reformada
59
O primeiro grande princípio da religião reformada é aquele que afirma que a
verdadeira religião está baseada nas Escrituras.
Além da leitura da Bíblia ser proibida aos leigos – por medo de se criar
doutrinas heterodoxas, sua tradução para a língua do povo era obstaculada pelos
prelados que só permitiam o uso da Vulgata Latina de S. Jerônimo.
Os reformadores, no entanto, se empenharam, com toda a força, para
colocar a Bíblia nas mãos do povo e na língua do povo. Foi assim com Martinho
Lutero, que completou a tradução da Bíblia para o alemão em 1534; com Calvino,
que lançou-se a empreendimento similar em Genebra e também com Cranmer na
Inglaterra.
Outra novidade trazida pela Reforma foi o “livre exame das Escrituras”. Os
reformadores defendiam que qualquer homem, por mais simples que fosse, tinha
o direito de ler as Escrituras e examiná-las como quisesse. Além disso, os
reformadores deixaram bem claro para a posteridade, que apenas a Bíblia poderia
ser apontada como regra última de fé e de prática. Como exemplo desta postura,
podemos citar os Trinta e Nove Artigos de Religião da Igreja da Inglaterra, que em
seu sexto e décimo Artigos, assim se expressam sobre as Escrituras sagradas:
111
Livro de Oração Comum de 1950, p. 603, Artigo VI
60
contrária à Palavra de Deus escrita, nem expor um lugar da Escritura
que repugne a outro. Portanto, se bem que a Igreja seja testemunha e
guarda da Escritura Sagrada, todavia, assim como não é lícito decretar
coisa alguma contra ela, também não deve obrigar a que seja
acreditada coisa alguma, que nela não se encontra, como necessária
para a salvação” (Artigo XX).112
“Esta Conferência
(a) afirma que nosso Deus criador...,se comunica conosco
autoritativamente através das Sagradas Escrituras do Antigo e Novo
Testamento; e
(b) de acordo com o Quadrilátero de Lambeth,...afirma que esta
Sagrada Escritura contêm todas ‘as coisas necessárias para a
salvação’ e são para nós a ‘regra e padrão último’ de fé e prática”.
1. Doutrinas irracionais.
112
Livro de Oração Comum de 1950, p. 607, Artigo XX
113
O eminente teólogo escolástico, como assim entende o cardeal Belarmino, João Duns Scoto, diz que “antes
do concílio de Latrão a transubstanciação não era crida como ponto de fé” (Unus addit Scotus, quod minime
probandum, quod ante lateranense concilium non fuisset dogma fidei). Citado por Carlos Hastings Collette
em Innovações do Romanismo, p. 56, n.3
61
“A Transubstanciação (ou mudança da substância do Pão e Vinho) na
Ceia do Senhor não se pode provar pela Escritura Sagrada; mas antes
repugna as palavras terminantes da escritura, subverte a natureza de
Sacramento, e tem dado ocasião a muitas superstições. O Corpo de
Cristo é dado, tomado, e comido na Ceia, somente de um modo celeste
e espiritual. E o meio pelo qual o corpo de Cristo é recebido e comido
na Ceia é a fé” (Artigo XVIII).114
2. Pretensões absurdas
114
Livro de Oração Comum de 1950, p. 606, ArtigoXVIII
115
Bettenson, H., Documentos da Igreja Cristã, p.234
116
Bettenson, H., Documentos da Igreja Cristã, p.234
117
Bettenson, H., Documentos da Igreja Cristã, p.237
62
uma vez para, de uma vez para sempre, tirar os pecados do mundo.(Hb
9:24,25,28) Ou seja, sacramento sim, mas não sacrifício.
3. Costumes supersticiosos
Ainda que oficialmente a Igreja romana faça distinção entre o culto de Latria,
Dulia e Hiperdulia119, afirmando que o culto de Latria só pode ser rendido a Deus,
os fiéis não estão muito apercebidos destas diferenças semânticas. Eles, de fato,
se ajoelham ante as imagens, as adoram, clamam e confiam que o “santo”
intercederá a Deus por eles.
Sobre este assunto e sobre outros que foram colocados acima, os Trinta e
Nove Artigos de Religião assim se expressa:
118
O autor já teve a oportunidade de ter nas mãos dois destes fragmentos, com selo do Vaticano.
119
O culto de latria é aquele que é devido exclusivamente a Deus. O culto de Hiperdulia é aquele que é
reservado à Virgem Maria e o de dulia é aquele reservado a qualquer outro grande personagem, santo, anjo ou
mártir.
63
em testemunho algum da Escritura, mas ao contrário repugna à Palavra
de Deus”. ( Artigo XXII)120
1. O acesso a Deus
120
Livro de Oração Comum de 1950, p. 607, ArtigoXXII
121
Hurlbut, Jesse L., História da Igreja Cristã, p. 149
122
Hurlbut, Jesse L., História da Igreja Cristã, p. 149
64
Deus era a fonte de perdão, o que levava o penitente diretamente a Ele, e não a
outros; segundo, porque deixou bem claro que somente Deus pode ser o alvo das
orações, portanto não devo elevar minhas preces a mais ninguém; e terceiro,
porque apregoou por toda Europa o sacerdócio universal dos fieis, dizendo que
cada crente era seu sacerdote, e que por isso, podia pedir o perdão direto a Deus.
2. O excesso de ritualismo
65
que eu me aproprio dos benefícios de Jesus; as obras não são mais meios de
salvação, mas conseqüências dela. Vejamos o artigo XI que trata da relação entre
a fé e as obras:
Um dado que não pode jamais ser negado por quem quer que seja é aquele
que aponta para o fato de que o Protestantismo tentou preservar as características
da cada país em que chagava.
A Reforma, na medida do possível, preservou a língua e os costumes de
cada povo que recebeu a mensagem protestante. Os Artigos de Religião assim se
expressavam:
123
Livro de Oração Comum de 1950, p. 605, ArtigoXI
124
Livro de Oração Comum de 1950, p. 608, ArtigoXXIV
125
Livro de Oração Comum de 1950, p. 610, ArtigoXXXIV
66
Em primeiro lugar, aquilo que Paul Tillich chama de “Princípio protestante”.
De uma perspectiva negativa, o princípio protestante pode ser encarado como
aquele protesto contra “qualquer reivindicação absoluta feita por realidades finitas,
quer sejam uma igreja, um livro, um símbolo, uma pessoa ou um evento”.126 Ou
seja, para um protestante, nada é intocável.
Em segundo lugar, a corrente protestante do anglicanismo tem a ensinar aos
demais irmãos que a Igreja reformada deve estar sempre se reformando. Isto
significa que precisamos estar sempre atentos para as evidências do abandono
daquilo que pode se considerar o cerne do evangelho e que está registrado em I
Co 15: 3,4.
126
Harvey, Van A., A Handbook of Theological Terms, p. 197,198
67
Capítulo 9
Correntes Anglicanas 3
Evangélica
68
O evangelicalismo130, por seu turno, não tem origem nos Estados Unidos,
mas na Inglaterra; Ele não é um movimento originado neste século, mas tem sua
origem nos idos do século XVIII. Além do mais, sempre esteve associado com o
intelectualismo e sempre demonstrou uma enorme consciência social. Identificar e
catalogar o evangelicalismo, no entanto, não é uma coisa fácil131. Rowland
Croucher, citando uma pesquisa do Instituto Gallup (1977-78), diz que um
evangelical é alguém que “passou pela experiência do novo nascimento, aceita
Jesus como seu Salvador pessoal, crê nas escrituras como a autoridade para
todas as doutrinas e se sente desafiado a divulgar a fé”. 132O Dr. Peter Moore, por
sua vez, citando o Dr. D.W. Bebbington em seu livro Evangelicalism in Modern
Britain, a History from the 1730’s to the 1980’s, procura definir o caráter do
evangelicalismo como sendo o produto de quatro ênfases: conversionismo,
ativismo, biblicismo e crucicentrismo.133 Já o Dr. Richard Quebedeaux, profundo
conhecedor do movimento evangélico, nos diz que os evangelicais são aqueles
que afirmam no mínimo três princípios teológicos: “(1) a plena autoridade das
Escrituras em matéria de fé e prática; (2) a necessidade da fé pessoal em Jesus
Cristo como Salvador e Senhor (conversão); e (3) a urgência da busca de homens
e mulheres para a conversão a Cristo (evangelismo).134 Ou, como ele resume em
seguida, “o cristianismo evangelical é um termo que se refere a um grupo de
crentes que aceitam a absoluta autoridade da Bíblia, foi convertido a Cristo (novo
nascimento), e que compartilha sua fé com outros”.135 Neste trabalho utilizaremos
a sistematização apresentada por Quebedeaux, vez que se apresenta, ao mesmo
tempo, como mais simples e abrangente.
O evangelicalismo dentro da Comunhão Anglicana é um dos movimentos
que cresce com mais vigor, particularmente no terceiro mundo. Este crescimento,
que acabou por mostrar suas proporções na Conferência de Lambeth 1998, nem
sempre foi acompanhado de instâncias reflexivas. Hoje, no anglicanismo mundial,
é possível distinguir duas grandes tendências. Uma fraternidade chamada EFAC
(Evangelical Fellowship in the Anglican Communion) que, “fundada nos anos
sessenta por iniciativa do teólogo John Stott”136 congrega as associações
nacionais de anglicanos evangélicos e promove regularmente encontros para
reflexão sobre temas teológicos e pastorais, e a Reform, que representa a ala
mais radical dos evangelicais e que tendem para posturas que beiram o
fundamentalismo. A EFAC está associada ao movimento de Lausanne e tem
um forte compromisso com a proposta de “Missão Integral da Igreja”.
130
Estou usando os termos evangélico e evangelical como sendo sinônimos.
131
O bispo D. Robinson Cavalcanti nos diz que Richard Quebendeaux, analisando o cenário evangelical
norte-americano, chegou a catalogar 28 tendências diferentes, que iam dos Amish (menonitas pacifistas
isolacionistas) e dos ‘black evangelicals’ e ‘radical evangelicals’ aos ‘gay evangelicals’ (movimento The
Other Sheep), passando obviamente pela conservadora ‘Maioria Moral’.
132
Croucher, R., Os Inimigos De Si Mesmos, p.7
133
Moore, Peter, C., A Church to Believe in, p. 38, n. 21
134
Quebadeaux, R., The Worldly Evangelicals, p. 7
135
Quebadeaux, R., The Worldly Evangelicals, p. 7
136
Aquino, Jorge. Pequeno Vocabulário Anglicano, p. 26
69
Uma vez estabelecida a diferença entre os fundamentalistas e os
evangelicais, passaremos agora a estudar alguns dos postulados característicos
do movimento evangelical:
“nem tudo o que a Escritura contém é afirmado por ela. Para dar um
exemplo extremo, o Salmo 14:1 contém a seguinte afirmação: ‘não há
Deus’. Essa declaração é falsa. Mas não é a Escritura que afirma isso.
O que a Escritura afirma neste versículo não é o ateísmo, mas a
loucura do ateísmo: ‘Diz o insensato em seu coração: não há Deus’.
Importa, pois que em todo o nosso estudo da Bíblia, consideremos a
intenção do autor, e o que ele afirma. Qualquer que seja o assunto de
que trata a afirmação, é isso que é verdadeiro e infalível”.138
137
Croucher, R., Os Inimigos De Si Mesmos, p.20
138
Stott, John, Exposição do Pacto de Lausanne, p.16
70
vida constantemente nos lança. Aquele que negligencia a leitura regular das
Escrituras caminha a passos largos em direção à imaturidade e à insegurança
existencial.
O zelo dos evangelicais em se investir no conhecimento da Bíblia os leva a
afirmar que a melhor pregação é aquela que melhor expõe as Escrituras. Por isso,
numa igreja anglicana de tendência evangelical os membros, com freqüência,
ouvirão sermões expositivos sobre trechos inteiros da Bíblia, em vez de sermões
tópicos.
71
pecados, os meus mesmos, e me salvou da lei do pecado e da
morte.”139
Mas como pode Deus aplicar às nossas vidas o perdão e a justificação, uma
vez que nada do que façamos poderá nos tornar dignos de receber tais dons? A
139
The Jornal of The Rev. John Wesley, Vol. 1, p. 102, citado por Peter Moore in A Church to Believe In, p.
31
72
resposta está na fé. Somos salvos pela fé. Sabemos pelas Escrituras que a fé é o
firme fundamento das coisas que se esperam e a convicção das que não são
vistas (Hb 11:1). A fé, portanto, embora veja o invisível, não vê o inexistente. Todo
o Novo Testamento, e particularmente conta a forma como o homem pode ser
salvo. Na carta de Paulo aos Romanos aprendemos no capítulo um que os gentios
estão condenados; no capítulo dois, que os judeus também estão perdidos, enfim,
aprendemos no capítulo três que “todos pecaram e estão destituídos da graça de
Deus”. (3:23). O capítulo quatro, no entanto, marca a virada, à medida que
apresenta a fé como única forma de justificação do homem perante Deus. O
quinto capítulo nos explica como: assim como Adão foi o cabeça de um pacto de
obras envolvendo a humanidade, Jesus é o cabeça do segundo pacto, o da graça,
feito entre Deus e os homens, e que em vez de obediência, exige fé. Aquele que
crê no filho tem a vida eterna.
Fé em Cristo é, assim, um sentimento de dependência ultima e completa
naquele que morreu em nosso lugar satisfazendo a justiça divina e pagando
substitutivamente nossa dívida. É uma entrega completa e incondicional ao seu
projeto e uma total submissão a seu senhorio.
“Pai e Filho são os títulos distintos que Jesus deu a Deus e a Si mesmo,
e eles são os próprios nomes que Ele nos permite que utilizemos!
Através da união com Ele é-nos permitido participar de sua própria
relação intima que ele tem com o Pai”.140
140
Stott, John, Cristianismo Básico, p. 160
73
Esta relação que o crente pode gozar com Deus, além de ser apresentada
pela Escritura como uma relação íntima, pode também ser apresentada como uma
relação segura. Esta segurança, contudo, não provém dos nossos próprios
sentimentos. O Rev. John Stott, ressaltando esta verdade nos lembra, que
“Cristãos ainda jovens, no início de sua vida Cristã, cometem este erro.
Confiam em demasia em seus sentimentos superficiais. Num dia
sentem-se perto de Deus; já no dia seguinte, sentem-se apartados dEle
novamente. Imaginam que seus sentimentos refletem com toda a
segurança a condição espiritual em que se encontram, e assim caem
em uma certa excitação de incerteza”141.
III. Evangelismo
141
Stott, John, Cristianismo Básico, p. 161
74
venham a depositar sua confiança em Deus através d’Ele, aceitando-o como seu
Salvador e servindo-o como seu Rei na comunhão de Sua Igreja”.142
Evangelizar é proclamar as “boas novas”. Num mundo em que as más novas
nos vêm constantemente através dos meios de comunicação, somos chamados a
transmitir com denodo e dedicação as boas novas de Jesus Cristo. De fato, uma
vez que as informações existem para serem passadas adiante e as boas
novas/informações de salvação devem ser compartilhadas com muito mais
ímpeto, Peter Moore conclui que “o evangelismo é inerente à natureza do
evangelho”.143 Se, faz parte da natureza da boa nova, ser compartilhada, portanto
“compartilhar” é inerente à boa nova. Não há evangelho sem evangelização. Não
há boa notícia que se quede ensimesmada e se recuse a ser compartilhada com
os que dela precisam. Não, evangelizar é dever de todos aqueles que receberam
a marca da cruz no dia do batismo.
Uma vez que a evangelização é inerente à natureza do evangelho, já que há
milhões que ainda não ouviram esta mensagem, a evangelização é extremamente
necessária. Há inúmeros obstáculos que impedem a evangelização mas, sem
sombra de dúvida, os principais são a imaturidade espiritual e o comodismo.
Evangelizar não é outra coisa senão apresentar a pessoa de Jesus aos que
ainda não o conhecem. E nisto a verdadeira evangelização se diferencia do
proselitismo. A evangelização deve, por isso, ser cristocêntrica. Peter Moore nos
lembra que “o autêntico evangelismo é a proclamação de Jesus Cristo em cujo
caminho os indivíduos são confrontados e chamados ao arrependimento e à fé”.144
Não somos chamados para divulgar uma denominação ou mesmo um estilo
alternativo de vida. O conteúdo da nossa mensagem deve ser Jesus Cristo,
lembramos de Paulo quando disse: “mas nós pregamos a Cristo e este
crucificado”( I Co 1:23).
O Bispo Jubal P. Neves, no prefácio a um texto sobre a Década da
Evangelização nos diz que “Evangelização envolve proclamação (evangelismo) e
serviço (compromisso social), e corresponde à nossa fidelidade ao Senhor”.145
Somos chamados a construir o Reino de Deus pela transformação tanto dos
corações das pessoas individualmente, quanto e pela transformação das
estruturas injustas da sociedade. Isto significa que, conquanto haja no
evangelicalismo uma clara inclinação em direção ao indivíduo e ao subjetivo, “O
evangelho é que deve ser o centro do testemunho primário da Igreja e não uma
experiência subjetiva”.146 Este evangelho, que é o centro do testemunho da Igreja,
desinstala e desestabiliza também as estruturas vigentes. Isto significa que há
sim, no discurso evangelical, espaço para a crítica bíblica da sociedade. Num dos
documentos reputado pelos evangelicais como básicos para seu movimento – o
Pacto de Lausanne, se diz que:
142
Packer, J.I., Evangelização e Soberania de Deus, p.28
143
Moore, Peter, A Church to Believe In, p. 30
144
Moore, Peter, A Church to Believe In, p. 24
145
McCoy, Michael, O Povo das Boas Novas, p.8
146
Moore, Peter, A Church to Believe In, p. 26
75
“A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo
sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não
devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que
existam”.147
147
Stott, John, Exposição do Pacto de Lausanne, p. 27
148
Explica D. Robinson em “Em Busca da Unidade dos Evangélicos”: “O que o Arcebispo quis dizer é que,
nas décadas anteriores ao Congresso de Kelle (quando o número dos evangelicais conheceu seu ponto mais
baixo na nossa história) os evangelicais anglicanos pareciam dar mais valor aos seus assemelhados das outras
denominações, não levar a sério as nossas marcas, não participar do cotidiano institucional da Igreja, agindo,
frequentemente, como corpos estranhos, puros e auto-isolados dentro das nossas Províncias”.
76
sentido de pertença levou os evangelicais a uma maior participação na vida da
Igreja e à redução das barreiras por parte das outras correntes do anglicanismo.
Não devemos, no entanto, imaginar que este movimento está isento de
problemas. Embora tenha pontos fortes, como por exemplo, a ênfase em doutrinas
como a Queda, as Alianças, a Lei, a Expiação, a Grande Comissão, a
Ressurreição, o Pentecostes, etc., por causa de sua relação com o
fundamentalismo em algumas áreas do mundo e pela natureza humana de
qualquer movimento, os evangelicais têm desenvolvido alguns defeitos básicos,
muito bem apontados por D. Robinson Cavalcanti, quando ele nos diz que:
149
Cavalcanti, D. Robinson, em “Em Busca da Unidade dos Evangélicos”
77
Capítulo 10
Correntes Anglicanas 4
Carismática
78
liturgia que nos diferenciam” (grifo dele). Isto significa que ser carismático e ser
pentecostal, ou neo-pentescostal, não significa ser a mesma coisa.
As diferenças existentes entre os pentecostais clássicos e carismáticos
podem ser encontrada, de forma sintética, num texto de Russell P. Spitler que
assim se expressa:
150
Citado por Peter Moore in A Church to Believe in, p.99
79
recebido o batismo com o Espírito Santo acompanhado de sua evidência inicial de
falar em línguas. Isto ocorreu na cidade de Topeka, no Kansas, em 1 de janeiro de
1900. Ela estudava em um instituto bíblico dirigido pelo jovem pastor metodista
Charles F. Parham quando se convenceu da necessidade de receber o batismo
com o Espírito Santo. Lendo as escrituras ela compreendeu que o Espírito era
dado quando havia imposição de mãos, desta forma ela pediu a Parham que
impusesse as mãos sobre ela e orasse. “imediatamente saiu dos lábios dela um
fluxo de sílabas em voz baixa, que nenhum deles podia entender”.151 Para os
pentecostais esta hora – 19,00 horas da véspera do ano novo de 1900, é a data
inicial do movimento.
Do Kansas o movimento se espalhou em direção oeste e alcançou Los
Angeles na Califórnia, chegando assim à famosa rua Azusa. Frederick dale
Bruner, eminente estudioso do movimento pentecostal, cita uma narrativa dos
fatos que ocorreram naqueles dias dizendo o seguinte:
151
Sherrill, John L., Eles falam em outras línguas, p.53
152
Citado por Bruner, F. D., in Teologia do Espírito Santo, p.35
80
Para os pentecostais, batismo com o Espírito Santo é (a) uma Segunda
experiência, (b) diferente e subseqüente à salvação, que (c) tem como evidência
externa o falar em outras línguas.
Para os pentecostais, o cristão precisa de batismo com o Espírito Santo,
porque esta é a única forma de se tornar um crente forte e cheio de poder.
Qualquer que não tenha passado por esta experiência continua sendo um crente
fraco e que pode, a qualquer momento cair sob a ação do Diabo. Esta é a razão
porque os pentecostais não aceitam para o ministério ordenado, e nem mesmo
para cargos considerados menores, aqueles que ainda não tenham sido batizados
com o Espírito.
Segundo os pentecostais, ninguém que não tenha passado por esta
experiência pode afirmar que possui completamente, totalmente e definitivamente
o Espírito Santo. Fica então instaurado na igreja de Jesus dois tipos de cristãos,
os que passaram pela experiência, os fortes, os aptos a exercer cargos e os
fracos, os inaptos, aqueles que ainda não possuem o Espírito Santo em suas
vidas.
Um anglicano tem dificuldade de assumir a identidade pentecostal,
justamente porque tem dificuldade de afirmar tudo o que foi colocado acima. Para
um anglicano, o batismo com o Espírito Santo não é uma segunda experiência,
mas a primeira e fundamental experiência. Ela ocorre no exato momento em que
você é colocado no corpo de Cristo. Paulo nos diz que “todos fomos batizados em
um só Espírito, formando um corpo” (I Co 12:13). Isto significa que “todo” membro
do corpo de Cristo é batizado com o Espírito. Ora se isto é verdade, então,
segundo a doutrina pentecostal, todos deveriam falar em línguas. Mas veja o que
Paulo diz em I Coríntios 12: 29, 30 “ Porventura, são todos apóstolos? ...Têm
todos dons de curar? Falam todos em outras línguas? Interpretam-nas todos?”. A
resposta esperada pelo apóstolo é um retumbante Não!. Aqui está a contradição.
Todos somos batizados no Espírito Santo, mas nem todos falamos línguas. Um
anglicano carismático pode crer e até ter o dom de línguas, mas jamais dirá que
somente eles, os que têm este dom, são batizados com o Espírito Santo. Vejamos
o que diz o Rev. John Stott sobre o assunto:
153
Stott, John. Batismo e Plenitude do Espírito Santo, p. 31
81
Uma outra dificuldade que afasta os anglicanos dos pentecostais, consiste
na prática de impedir os que não falam em línguas de assumir qualquer cargo na
comunidade local, criando assim dois tipos de crentes. A Bíblia nos diz que quem
tem o Espírito de Deus é filho de Deus. Portanto não pode haver uma subclasse
de cristãos na igreja. Ou temos ou não temos o Espírito Santo em nossas vidas.
Ou somo ou não somos filhos de Deus. Deus não tem filhos de segunda classe.
Não seríamos honestos conosco mesmos nem com nossos irmãos
pentecostais, se deixássemos de apontar aquele ponto que julgamos mais
perigoso dentro desta cosmovisão, que é o perigo de se criar um evangelho sem
graça.
Explico. Se por um lado é verdade que o movimento pentecostal trouxe uma
renovação na nossa forma de cultuar e na nossa maneira de olhar para a igreja e
para as realidades espirituais, é também verdade que o pentecostalismo também
pode ser identificado com uma atitude legalista e inflexível no que diz respeito à
moral.
O movimento pentecostal, infelizmente, confunde uma moral local, temporal
e condicionada, com “a moral” do reino de Deus. Fazendo assim, ele confunde
uma moral burguesa, ocidental e contemporânea, com uma pretensa “moral
bíblica”, desconsiderando que a própria Bíblia foi escrita por pessoas
condicionadas por seu tempo, por sua história e por sua cultura. A dificuldade que
os pentecostais têm de discutir este assunto é proveniente de um certo anti-
intelectualismo que graça em seu meio.
Mas, como íamos dizendo, ao assumir uma postura legalista, os pentecostais
infelizmente invertem a ênfase do próprio Novo Testamento, colocando-a no
“carisma” (Dom) ao invés de pô-la na “caris” (graça). Na prática temos um
evangelho da lei, moralista, cheio de normas a serem cumpridas. O movimento
pentecostal, via de regra, dá sustentação à moral social, identificando-a com a
moral da Bíblia e estabelecendo as normas e os padrões sem os quis não
poderemos viver uma vida santa.
Para alguns, embora o primeiro milagre de Jesus tenha sido transformar
água em (bom) vinho, o verdadeiro cristão não pode permitir que o álcool “toque
seus lábios”. Para outros, embora o casamento civil seja uma instituição que tenha
pouco mais de um século, qualquer pessoa que, embora casado no religioso, não
esteja ainda casado no civil, “está sob a maldição de Deus”.
O surpreendente nisto tudo, é ver como a experiência de Corinto se repete
na história. Naquela igreja havia muito “carisma”, mas muito pouco “caráter”. Ao
lado dos dons espirituais, irmãos se odiavam, se julgavam e se desprezavam. Não
podemos nos calar diante do perigo de que muitas igrejas capitulem sob um
evangelho sem graça. Um evangelho onde não há perdão, só lei e julgamento. Um
evangelho onde as minhas obras, e não a graça de Deus, acabam por me fazer
digno de entrar no Reino.
82
movimento acabou por ser o resultado do grande crescimento e inumeráveis
cismas do movimento pentecostal. Muitas foram as igrejas que surgiram dentro
deste novo padrão pentecostal, sendo as mais famosas a Igreja Universal do
Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus154.
Longe das antigas práticas inibidas de conversão do protestantismo histórico
e mesmo do pentecostalismo, no diz o Teólogo Presbiteriano José R.L. Jardilino,
“está ocorrendo nos últimos anos uma prática ofensiva e até agressiva destas
novas igrejas que povoam todas as capitais e cidades do interior do país”.155
Estes novos movimentos têm desenvolvido uma nova metodologia na prática do
proselitismo e isto vem assegurando sua presença constante na grande imprensa.
Todos se surpreendem como estes novos movimentos em tempo record (grifo
nosso) conseguem criar e manter um tão vasto império na área de comunicação.
Área que aliás, tem sido vista como um verdadeiro filão de ouro por estas igrejas
neo-pentecostais que se especializaram em religião eletrônica.
Além de todas as estranhas idiossincrasias teológicas e litúrgicas que este
movimento neo-pentecostal acabou por apresentar ao conjunto da comunidade
religiosa de nosso país, acreditamos que alguns perigos bem específicos, rondam
os que se envolvem com estes movimentos.
154
A primeira ligada ao bispo Macêdo e a Segunda ao seu cunhado R.R. Soares.
155
Jardilino, José R.L. Sindicatos dos Mágicos, p.15, 16
83
gasto com propaganda em torno do diabo, que acaba por ser super-valorizado. O
teólogo C.S. Lewis, no prefácio da primeira edição do seu livro “Cartas do Inferno”
nos diz que
“Há dois erros semelhantes e opostos nos quis nossa raça costuma cair
em se tratando de diabos. O primeiro é não acreditar na sua existência.
O segundo é crer e sentir um interesse excessivo e doentio por eles. Os
diabos mesmos agradam-se de ambos os erros e saúdam com o
mesmo deleite tanto a um materialista como ao feiticeiro.”156
156
C.S. Lewis, Cartas do Inferno, p.21
157
C.S. Lewis, Cartas do Inferno, p.7
84
obrigado pelas promessas que fez, a fazer isso ou aquilo. Pessoalmente já assisti
pessoas “reivindicando” de Deus o que, por direito, é delas. Esta teologia
transforma o Senhor num grande “gênio da lâmpada de Aladim” que nada mais faz
do que cumprir nossos desejos.
158
Mendes, Naamã, Igreja, Lugar de Vida, p.33
159
Em nível internacional existe o Anglican Renewal Ministries, uma organização que, além de outras
atribuições, publica materiais como o Anglicans for Renewal. Em nossa diocese o líder deste Ministério
Anglicano de Renovação é o Venerável Arcediago Rev. Miguel Uchoa.
160
O Rev. Dennis Bennett da Igreja Episcopal de S. Marcos en Van Nuys, Califórnia, recebeu o "batismo do
Espírito Santo" através do ministério de alguns amigos Pentecostais, e logo passou a ensinar a teologia que
havia recebido.
85
É importante que se ressalte aqui que os carismáticos possuíam uma
elevada identidade denominacional, ou seja, eles estavam interessados apenas
em renovar a liturgia e os cultos das diversas denominações. Eles queriam apenas
uma vida mais dedicada a Deus e mais santificada. Eles queriam apenas falar
línguas, nada mais. No Brasil, no entanto, eles foram mal interpretados. O
movimento carismático em nosso país foi chamado de “renovação”, e durante as
décadas de sessenta e setenta, inúmeras igrejas se dividiram em nome do
Espírito que deveria unir. Surgiram assim as denominações “renovadas”: os
presbiterianos renovados, os batistas nacionais, os metodistas wesleyanos, etc.
todos cantando o mesmo refrão: “ninguém detém, é obra santa”.
Na quase totalidade dos países, as igrejas Anglicanas e Luteranas, assim
como a igreja Romana, conseguiu assimilar o movimento carismático de tal forma
que seu aparecimento não implicou em cismas ou em rupturas. Além do que,
estes nunca pretenderam provocar cismas ou rupturas, antes uma redinamização
pneumatológica da vida eclesial.
No que diz respeito à Comunhão anglicana, podemos dizer que os
carismáticos estão organizados em tono de associações e ministérios que
possuem representantes em quase todas as Províncias.
No Brasil, apesar da declarada resistência a este ramo legítimo do
anglicanismo, os carismáticos continuam crescendo e se multiplicando. Existe hoje
uma representação formal junto ao movimento internacional que é exercida pelo
Venerável Arcediago Rev. Miguel Uchôa, da Diocese do Recife e fundador do
Ministério Anglicano de Renovação – MAR. O MAR tem trabalhado na
organização de conferências e encontros e na promoção e realização de
Seminários de Vida no Espírito Santo, com o propósito de espalhar a visão de
renovação espiritual em toda igreja anglicana. Os carismáticos brasileiros estão
espalhados majoritariamente pelas Dioceses de Recife e de Brasília, sendo que
no caso de Recife, a grande maioria do clero e do laicato se identifica com uma
postura evangelical de influência carismática.
Nos Estados Unidos, o movimento carismático anglicano é atuante. Ele está
internamente ligado ao ERM (Episcopal Renewal Ministries) que desenvolve o
papel de divulgação desta corrente dentro da igreja americana. Hoje, as principais
igrejas episcopais americanas estão ligadas à corrente carismática, como
acontece em outras Províncias da Comunhão Anglicana.
Os Estados Unidos viu surgir também o SOMA (Sharing of Ministries
Abroad), um ministério que promove missões de curta duração e que é muito
importante especialmente na área de divulgação da visão carismática em todo o
mundo. Como uma entidade legitimamente anglicana, SOMA, em suas missões,
respeita a territorialidade canônica e jamais investe em uma determinada região
sem o consentimento dos respectivos diocesanos. o SOMA mundial possui uma
diretoria composta de membros (clérigos e leigos) das mais diversas Províncias da
Comunhão Anglicana.
O movimento carismático anglicano possui também periódicos, revistas e
jornais que levam esta perspectiva teológica a todo o mundo. A Anglicans For
Renewal é a revista trimestral do Anglican Renewal Ministries e que traz artigos e
reportagens de alto nível, incluindo uma coluna chamada Skepsis que trabalha
exclusivamente as questões teológicas e bíblicas do movimento. Além deste
86
periódico, o SOMA também produz um jornal regular com notícias de suas
atuações em todo o mundo. O ERM, da mesma forma, também possui sua
produção chamada de “Acts 29” que divulga e promove o pensamento carismático
dentro da igreja americana.
Dentre os nomes de grande expressão dentro do anglicanismo e que
participam do movimento de renovação, podemos citar os de Diniz Singulane,
Bispo de Moçambique e presidente de SOMA internacional; Rev. Terry Fullan,
clérigo americano e conferencista internacional; Bispo John Howe, atual diocesano
para o centro da Flórida; Revmo. Moisés Tay, Arcebispo da Ásia; Bispo David
Pytaches, ex bispo do Chile; Bispo Cyril Okorocha, da Nigéria; Bispo Maurice
Sinclair, do norte da Argentina e muitos outros nomes que têm ajudado a construir
e expandir a Comunhão Anglicana em todo o mundo e que militam também nas
hostes carismáticas. Para encerrar, devemos registra que o atual Arcebispo de
Cantuária George Carey, de origem evangelical, também tem testemunhado
publicamente de sua “experiência carismática”.
3. Revalorização da santificação
87
O terceiro elemento da cosmovisão carismática é a ênfase dada na
santificação da vida. Para os carismáticos, o Espírito Santo trabalha nos corações
do seu povo, transformando, santificando e compartilhando sua alegria aos seus
servos, para a sua glória e para a construção do seu Reino.
88
Vivemos em um país onde a esmagadora maioria se diz cristã, isto, no
entanto, parece não trazer nenhuma mudança significativa no comportamento ou
nas relações pessoais. Pelo contrário, para a mesma esmagadora maioria, a única
parte da vida que merece atenção e cuidado é a que diz respeito ao sustento, ao
trabalho, ao lucro, etc. muito pouca gente gasta algum tempo do seu dia para orar
ou mesmo para refletir sobre questões religiosas ou espirituais. Ficamos de tal
forma envolvidos pelos “cuidados deste mundo” que nos esquecemos de Deus.
Jesus, no entanto já nos falava que nem só de pão vive o homem. Os
carismáticos, não obstante, em geral têm gasto tempo com Deus. Eles conhecem
mais sobre nossas lutas espirituais do que a maioria dos cristãos. Eles se dedicam
em guardar um tempo para dedicar a Deus. Eles oram e lêem a Bíblia com mais
freqüência e denodo do que a maioria dos demais cristãos, e creio que esta é uma
lição que os carismáticos podem ensinar às demais correntes internas do
anglicanismo.
O culto, em geral, é visto como algo emblemático pelo anglicano. Boa parte
dos rótulos e dos títulos que atribuímos aos outros irmãos tem a ver com a forma
de culto que eles preferem. Pois bem, para os carismáticos, o culto é também
fundamental.
161
Moore, Peter, A Church to Believe in, p.110
89
Capítulo 11
Correntes Anglicanas 5
Liberal
162
Moore, Peter C., A Church to Believe in, p.121, 122
90
Para fins didáticos, vamos rever um pouco sobre o liberalismo teológico do
século XIX163 e, em seguida observar que, apresentando algumas características
e ênfases (no mínimo oito) uma igreja pode ser liberal em seu ethos e permanecer
ortodoxa em sua teologia.
I. A Teologia Liberal
Aqueles que assumem esta tendência não rompem com a igreja oficial mas se
mantêm fieis a ela. Esta postura aberta, embora seja uma forma de discordar tanto
das posturas assumidas pela igreja baixa quanto das assumidas pela alta,
significavam sim uma tentativa de conciliar e trazer paz ao conflito existente entre
163
A tradição católico-romana prefere usar o termo “modernismo” para se referir ao que aqui chamamos de
“liberalismo teológico”.
164
Ramm, Bernard, Diccionario de Teologia Contemporanea, p.89, 90
165
Gomez-Heras, Jose M. G., Teologia Protestante – Sistema e História, p.235
91
a fé e a cultura. Este sim é o problema que traz inquietação a todos os membros
do grupo. Para superar esta tensão, eles: “tendem a recortar e minimizar a
revelação, tentando assim um acordo entre ela e os dados da filosofia e da crítica
racionalista”166. Na realidade eles nunca desejaram renunciar à fé e aos ideais da
religião cristã, pelo contrário, o que queriam era validá-la diante de uma nova
situação no mundo intelectual. Esta aspiração, no entanto, se chocou contra as
posturas puritanas evangelicais e contra o tradicionalismo autoritário dos anglo-
católicos. As tensões foram inevitáveis.
Durante este século as idéias liberais tiveram bastante espaço nas igrejas
anglicanas. Sem dúvida, a igreja episcopal americana pode ser apresentada como
um exemplo de igreja que neste século assumiu posturas liberais. Estas posturas
liberais, segundo alguns estudiosos, acabaram por ser apontados como a principal
razão do declínio numérico daquela igreja. O quadro de estatística da Igreja
Episcopal nos últimos trinta anos demonstra um vertiginoso e intrigante declínio.
De acordo com o The Episcopal Church Annual, de um pico de 3.615.643
membros batizados em 1965, o número dos membros da igreja despencou para
2.446.050 em 1990 — uma perda que representa um terço dos membros.
3. Seus pressupostos
166
Gomez-Heras, Jose M. G., Teologia Protestante – Sistema e História, p.235
167
Tillich, P. in The Presente Theological Situation in the Light of the Continental European Development,
Theology Today, 7:299, outubro de 1949, citado por Ramm, Op. Cit., p.91
92
4. Suas conseqüências
168
Revista Teológica da SETE Vol. VII – nº 18, p. 31
93
incompatíveis, cada qual com suas próprias visões e propósitos,
coexistem na nossa igreja. Este é nosso problema fundamental. Ele tem
nos levado a um terrível tipo de paralisia institucional. Nenhuma
instituição pode continuar neste estado por muito tempo”.169
Já que rejeitamos a postura liberal clássica e uma vez que a igreja deve se
encarnar em todas as gerações e em todas as culturas, sempre preservando a fé
que de uma vez por todas foi dada aos santos, “ele precisa de uma modelo de
como ser simultaneamente liberal no ethos e conservadora em teologia”.170 Peter
Moore nos apresenta oito características de uma igreja liberal no ethos.
169
Eves, George R., Two Religions One Church, p. 46
170
Moore, Peter C., A Church to Believe in, p.131
94
Uma das afirmações mais fortes do sermão da Montanha é aquela que
afirma que somente os que perdoam poderão obter perdão. Jesus assim se
expressou sobre este assunto: “se, porém, não perdoardes aos homens as suas
ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas”. (Mt 6: 15) este
texto obviamente não significa que “o perdão que concedemos aos outros garante-
nos o direito de sermos perdoados. Antes, Deus perdoa somente o arrependido, e
uma das principais evidências do verdadeiro arrependimento é um espírito
perdoador”.171
A Reforma do século XVI nos lembrou que a Igreja é um povo simul justus et
peccator, ou seja, simultaneamente justo e pecador. Aqui está o maravilhoso
“paradoxo” (Barth) que anunciamos. somente quando somos capazes de
compreender nossa real condição de pecadores e desta forma caímos ante um
Deus poderoso e justo, recebemos dele, não a condenação, mas a declaração de
nossa justiça feita pelos méritos de Jesus.
Só uma igreja que reconhece ser ela mesma pecadora, e que já recebeu o
perdão de Deus, pode abrir os braços para recebe pecadores como ela e
transformá-los em cristãos atuantes na luta contra todas as expressões das
trevas. Esta igreja é liberal porque não escolhe a classe de pecadores que quer
atingir. Ninguém é suficientemente mal que não possa ser alvo da graça de Jesus.
A maior prova disso é a salvação de sua própria igreja.
Se uma igreja se diz cristã ela precisa pelo menos tentar seguir o exemplo
daquele que chamam de Senhor e Salvador. Infelizmente não tem sido assim. A
171
Stott, J.R.W., A Mensagem do Sermão do Monte, p.154
95
história da Igreja está cheia de exemplos de arrogância e prepotência cometidos,
muitas vezes, em nome de Jesus Cristo. Nossa arrogância foi a culpada pelas
guerras religiosas, pela tortura, pelo desterro, pelo assassinato de milhares de
pessoas que apenas tinham cometido o crime de ser diferentes.
Uma outra esfera que revela nossa arrogância é na relação ecumênica.
Particularmente aqui, estamos diante de lutas intermináveis por questões
secundárias. Igrejas parecem se considerar “mais” igrejas que outras por causa de
elementos insignificantes e reles.
Uma igreja é liberal quando tem uma visão mais humilde diante do “outro”.
Quando está disposta não apenas a conversar, mas a aprender com a outra
igreja. Se pensarmos, contudo, que somos senhores e donos da verdade, não
apenas estamos abandonando a postura de humildade ensinada por Jesus, mas
também deixamos de ser, numa linguagem sociológica, “religião estabelecida”
para assumir contornos de “seita”.
Alguém já disse que igreja anglicana não surgiu com a Reforma, mas ela não
seria a igreja anglicana sem a Reforma. Dentre as inúmeras contribuições da
Reforma do século XVI, uma permanece até hoje: a noção de que precisamos
sempre nos reformar.
Uma igreja que se pretende liberal não pode engessar ou ossificar aspectos
secundários e temporais como se fossem eternos. Há comunidades que elegeram,
por exemplo, a década de sessenta como paradigma litúrgico e não admitem que
outra coisa possa ser cantada nos ofícios que não estejam no Hinário ou que não
venha acompanhada de órgão de tubos. Um outro erro muito comum, praticado
fortemente na África e na América Latina, foi a dependência cultural. Os cultos
pareciam que estavam sendo realizados na Inglaterra e não no sertão ou em outro
lugar. O Arcebispo George Carey disse certa vez que precisamos ser mais
anglicanos e menos ingleses.
Nesta virada de milênio já não vemos o mesmo embate político e social que
agitou o fim do século XIX. Hoje há uma posição hegemônica –o capitalismo- que
aparece nos meios de comunicação como a posição vitoriosa diante da “queda” do
muro de Berlim e do esfacelamento da União Soviética.
O que parece não ter mudado foi a condição dos pobres e necessitados da
nossa sociedade. A aparente vitória do capitalismo não resolveu as questões
cruciais da humanidade como a fome, o desemprego e a má distribuição de renda.
Pelo contrário, hoje além dos desempregados há os excluídos, ou seja, aqueles
que ainda que quisessem não poderiam conseguir emprego algum, vez que são
desqualificados para qualquer trabalho.
Uma igreja liberal não pode calar e consentir com a exploração e com a
dominação, não pode concorrer para que o homem seja visto apenas como
“objeto” ou “meio” para que governantes ou empresários inescrupulosos alcancem
seus fins.
96
6. Uma igreja liberal é uma igreja enternecida
172
Jornal do Psicólogo, Ano IV, nº14, outubro/99, p.3
173
Mendes, Naamã, Igreja, Lugar de Vida, p. 47
174
Citado por Peter Moore em., A Church to Believe in, p.138
97
É em meio à grande escuridão que aprendemos a valorizar a pequena luz.
Neste novo milênio é clara a ausências de referenciais. Já não há mais utopias
porque lutar e morrer. Já não há mais verdades “absolutas” para nortear nossas
vidas. As bandeiras perderam seu significado. Parece que caminhamos para uma
completa situação de niilismo, onde não há sentido em nada mais.
Uma igreja liberal apresenta proposições e resposta. Ela é pró-ativa e não re-
ativa. Ela não pode esquecer que só a ela foi dada a honra de apregoar as
verdades eternas apresentadas por Jesus Cristo. E estas verdades que precisam
ser apresentadas agora são as mesmas que mudaram as vidas de todos os
grandes homens de Deus da história. O Dr. J.I. Packer é de opinião de que, sem
perceber,
175
Packer, J.I., O “Antigo” Evangelho, p.2
98
Capítulo 12
O Ethos Anglicano
176
O Temperamento Anglicano, Apostila traduzida pelo bispo D. Robinson e distribuída no encontro de
ministros em trânsito.
99
o Dr. John H. Leith, professor emérito de teologia do Seminário Teológico “Union”
de Virgínia:
Não há como fugir. Somos uma denominação com um ethos bastante claro e
definido. E este ethos, mais do que a qualquer outra palavra, se traduz e está
intimamente ligado com a palavra compreensividade e com outras idéias que a ela
estão ligadas.
Neste capítulo veremos sucintamente a noção que temos de
compreensividade, para desta forma compreender o ethos anglicano. Veremos
também algo sobre sua necessidade e seus limites. Este não é um assunto fácil,
mas mais do que em qualquer outro, conto com a compreensão dos meus irmãos.
177
Leith, John H., A Tradição Reformada, p.109
178
Brooks, Ashton Jacinto, Ed. Eclesiología – Presencia Anglicana en la Región Central de América, p. 19
179
Apostila traduzida pelo bispo D. Robinson e distribuída no encontro de ministros em trânsito.
180
McGrath, Alister, The Renewal of Anglicanism, p.99
100
“Palavra inglesa usada para designar um certo espírito liberal existente
na Comunhão Anglicana especialmente na Igreja da Inglaterra que
permite a coexistência, no seu seio, de tendências protestantinizantes e
catolicizantes”.181
181
Guia Ecumênico, p.72
182
Soares, Sebastião G., artigo em Anglicanos-41, maio de 1998, p15
101
Comunhão Anglicana maneiras de compreender a verdade que outras
igrejas professam em separado.”183
102
2. Nos Enriquece
188
Palestra proferida dia 8 de abril de 1999 em Cheston, Carolina do Sul, EUA
189
Enciclopédia Histórico-Teológica, Vol 1, p.17
190
McGrath, Alister. The Renewal of Anglicanism, p. 31
103
as reais necessidades da igreja neste terceiro milênio. Ou seja, desenvolva
mecanismos que tornem relevantes e produtivas a tensão existente entre
fundamentalistas e liberais, apresentando o evangelicalismo como uma nova Via
media. Hans Küng já falava da necessidade da igreja em “encontrar um novo
caminho entre o modernismo sem fundamentos e o fundamentalismo sem
modernidade”191.
Uma correta visão da história nos fará ver que o propósito dos documentos
elizabetanos do século XVI era unir a nação em uma Igreja nacional
comprometida com a supremacia das Escrituras e com os credos católicos. Roger
Beckwith, de forma muito feliz, afirma que “os Artigos eram a expressão
191
Citado por Alister McGrath em The Renewal of Anglicanism, p.130, n.59
192
Stott, John, Kinds of Comprehensiveness, EFAC Bulletin, 35, p. 10
193
Atkinson, Peter & Buchanan, Colin em “À Procura de uma Identidade Anglicana”, p. 74. Na série Partilha
Teológica nº 2
104
confessional desta fé, e o Livro de Oração, sua expressão litúrgica”.194 Estes
documentos podem até apresentar uma modéstia doutrinária, mas, como já
afirmou J.I. Packer, nunca uma indiferença doutrinária.
James C. Fenhagen, Deão do Seminário Geral de Nova York, nos dá seu
testemunho dizendo que:
194
Citado por John Stott em Kinds of Comprehensiveness, EFAC Bulletin, 35, p. 11
195
Fenhagen, James C., A Maneira de Ser dos Anglicanos.
196
Sykes, Stephen W., em “Autoridade na Comunhão Anglicana”, p. 20, na Série Partilha Teológica nº 3
197
Citado por George Eves em Two Religions One Church, p.47
105
O que deveria ser apresentado com essencial ou seja, aquilo sem o qual
deixamos de ser o que somos? Qual é o “mínimo” possível? Diante destas
perguntas devemos ter humildade, mas também devemos ter coragem para
vivenciar na prática aquelas antigas palavras de Richard Baxter que dizem “no
essencial unidade, no secundário liberdade, em tudo amor”. O Seminário Pré-
Lambeth 88, quando trata do diálogo interreligioso apresenta uma base mínima
possível. Assim se expressa o documento:
“Há um único, verdadeiro Deus vivo, Criador de tudo que é. Ele nos
chamou a conhecê-lo e adorá-lo. Ele nos chamou à comunhão com Ele,
em Jesus Cristo. Devemos adorá-lo, só a Ele, e rejeitar todos os
‘deuses’ falsos. Pela Encarnação, Deus, por nosso Senhor Jesus
Cristo, entrou numa relação especial com tudo que é criado, e isso foi
de sua vontade e agrado antes da criação do mundo (Ef 1:10). Aqui
está a vindicação exclusiva de Deus, para a adoração, e a profundeza
inclusiva de seu amor. A Escritura e a Tradição da igreja e a
experiência de inúmeros cristãos dão testemunho destas verdades e
não podemos sacrificá-las”.198
198
Seminário Pré-Lambeth’88 – Dogmática e Pastoral, Série Partilha Teológica nº 3, p. 33
199
Seminário Pré-Lambeth’88 – Dogmática e Pastoral, Série Partilha Teológica nº 3, p. 42
200
Seminário Pré-Lambeth’88 – Dogmática e Pastoral, Série Partilha Teológica nº 3, p. 41
201
Palestra proferida dia 8 de abril de 1999 em Cheston, Carolina do Sul, EUA
202
Palestra proferida dia 8 de abril de 1999 em Cheston, Carolina do Sul, EUA
106
Capítulo 13
Liturgia Anglicana
I. Definição de Liturgia.
203
Hahn, Carl Joseph, História do Culto Protestante no Brasil, p. 73
107
A palavra liturgia, vem do grego leitourgia e encontra sua origem na união de
duas outras palavras: laos, que quer dizer povo, e ergon, que significa trabalho.
Desta forma liturgia é o trabalho do povo ou para o povo. William e Betty Gray nos
informam que esta palavra “é muito usada para descrever serviços municipais, os
trabalhos públicos que são necessários para a comunidade”.204
O termo liturgia, portanto, vez que foi recebido pelo cristianismo, nos fala
primeiramente do nosso dever de prestar culto e de render adoração ao único
Deus verdadeiro e Senhor de tudo. Ao cultuarmos, estamos envolvidos neste
grande, maravilhoso e relevante trabalho.
Quando aplicamos a palavra liturgia para descrever os atos sacramentais da
Igreja, estamos querendo com isso, dizer que o povo é também alvo da ação do
trabalho. Através da liturgia, somos também nós abençoados pelos meios de
graça que Deus estabeleceu em sua Palavra. A prática litúrgica, portanto, é uma
atividade que existe para a honra de Deus e para o bem do homem.
1. Ritos Orientais
204
Gray, William & Betty, The Episcopal Church Welcomes You, p. 51
108
(da família Antioquena) e o atribuído a S. João Crisóstomo, celebrado entre os
Bizantinos.
2. Ritos Ocidentais
a. Rito Romano
O Rito Romano tem seu nome obviamente por causa da cidade de Roma. Já
no século V, este rito exerce uma considerável influência em toda a Itália e fora
dela. Este rito ficou preservado em muitos documentos que atestam sua
importância. Dentre tantos, destacaremos: os Sermões de S. Leão (440-461), que
demonstravam que os principais tempos e festas do ano litúrgico (exceto o
advento) já estavam estabelecidos, e os Sacramentários Leonino, Galesiano e
Gregoriano (360?). Este ultimo continha pelo menos 80 orações, revelando que a
oração eucarística romana se distinguia claramente das equivalentes galicanas e
hispânicas, bem como das anáforas orientais. Sua cristologia é calcedoniana e a
soteriologia é agostiniana.
b. Rito Galicano
O rito Galicano foi, sem duvida, o rito mais importante que surgiu no ocidente,
durante este período de criação litúrgica. Sua origem pode ser encontrada no
século V, e ele é o resultado da confluência de práticas comuns à Gália, Espanha,
Inglaterra, Irlanda e Itália do norte.
O rito Galicano possuía algumas características. Enumeraremos apenas
algumas aqui. (i) o rito Galicano, principalmente através das músicas e das
respostas, valorizava a presença e a participação da congregação; (ii) o diácono
foi conservado na sua primitiva função de dirigente das devoções, guiando as
litanias e o cálice na comunhão; (iii) as orações Galicanas são mais prolixas e
menos austeras que as Romanas; (iv) o rito era mais simbólico, extenso,
dramático e flexível que o Romano e (v) o cerimonial era muito elaborado, com o
uso de muito incenso.
c. Rito de Sarum
Este é o nome dado ao rito que surgiu junto à catedral de Salisbury e que é
atribuído à pessoa do bispo Osmund em 1085. Esta liturgia era composta
basicamente do (i) Breviário, que continha os ofícios diários; (ii) o Missal, que
continha a Santa Eucaristia juntamente com as coletas, epístolas e evangelhos;
(iii) o Manual, que continha o rito Batismal e outros ofícios ocasionais e (iv) o
109
Pontifical, que tinha os ritos próprios dos bispos, ou seja, a confirmação e as
ordenações.
(i). Objetivos
“Por esta ordem, os curas não necessitarão de outros livros para seus
serviços públicos, mas este livro e a Bíblia, por meio dos quais povo
não necessitará de tantos livros como sucedia em tempos passados. E
de onde antes, havia tanta diversidade em recitar e cantar dentro deste
reino (alguns seguindo o rito de Salisbury, alguns o de Hereford, outros
o de Bangor, alguns o de York e outros o de Lincoln), de agora em
diante todo o reino terá um só rito”205.
205
citado por Stephen Neill em El Anglicanismo, p. 62
110
da doutrina da transubstanciação, do sacrifício da missa, da proibição da
comunhão nas duas espécies, etc.
Para poder atingir todos estes objetivos propostos, Cranmer se valeu de seu
conhecimento de liturgista e de inúmeros textos litúrgicos que existiam à época. O
Professor W. Walker nos diz que em grande parte Cranmer,
206
Walker, W., História da Igreja Cristã, p. 88
111
Confirmação, Casamento e Sepultamento revelam extenso débito às
origens luteranas. O Batismo e o Casamento estão muito próximos, na
estrutura geral e em numerosos detalhes, das sugestões feitas por
Lutero, com alguns traços do Batismo extraídos de Bucer. Expressões
no Serviço de confirmação e no uso da seqüência ‘em meio a vida’, no
Serviço se Sepultamento, são exemplos da influência geral dos
antecedentes luteranos definitivamente estabelecidos nas igrejas
alemãs e escandinavas antes de 1546”.207
(ii). Estrutura.
(2). Eucaristia
207
Citado por Carl Joseph Hahn em História do Culto Protestante no Brasil, p. 79
208
Neill, Stephen, El Anglicanismo, p. 63
209
Neill, Stephen, El Anglicanismo, p. 65
112
(3). Confirmação. Manteve a mesma linha de ensino, compreendendo este
rito como a confirmação dos votos do Batismo. Somente o bispo poderia exercer a
confirmação.
b. O 2º LOC (1552)
210
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã Vol II, p. 445
211
Gonzalez, Justo L., Uma História Ilustrada do cristianismo, Vol 6, p. 129, 130
113
mas sem fazer qualquer referência à “entrega de símbolos nas ordenações,
exceto a Bíblia”.212
Este livro não teve mais de um ano de vigência, uma vez que Maria, a
sanguinária, subiu ao trono, para substituir seu irmão Eduardo VI, e logo restaurou
a comunhão plena com a Igreja de Roma e o Rito de Sarum.
c. LOC de 1559
d. LOC de 1604
e. O LOC de 1662
Entre os anos de 1643 e 1660, houve uma guerra civil na Inglaterra com a
com a subida ao poder dos puritanos presbiterianos. A conseqüência lógica foi a
abolição da monarquia e também do episcopado.
Com a restauração, houve a reintrodução do livro de Oração Comum na vida
dos ingleses. Este era basicamente o mesmo do de 1552, com as mesmas
ênfases teológicas.
212
Silva, Francisco de Assis da, Evolução dos Livros de Oração Comum (apostila) p. 2
213
Takatsu, Sumio, Breve História da Liturgia Anglicana (apostilha) p. 8
114
O Rev. Francisco de Assis descrevendo o livro de 1928 nos diz que, neste
livro, a ênfase na ressurreição do rito batismal foi ampliado, “estabeleceu-se leitura
alternativa do Evangelho e bênção alternativa foi acrescentada”.214 No rito do
matrimônio, a paridade entre os votos do homem e da mulher foi acrescentada,
além da bênção das alianças e da oração pela descendência do casal. O
Catecismo e os Artigos de Religião foram publicados como apêndice.
h. O LOC de 1979
i. O LOC Brasileiro
214
Silva, Francisco de Assis da, Evolução dos Livros de Oração Comum (apostilha) p. 3
215
Hahn, Carl Joseph, História do Culto Protestante no Brasil, p. 71
115
ainda jovem numa aventura comercial, e depois se sentiu chamado ao ministério
ordenado. Durante os anos de 1859 e 1860, estudou num seminário episcopal em
Gambier, Ohio e mais tarde traduziu o LOC para o português.
O Rev. Francisco de Assis nos diz que em 1893, “através do trabalho de dois
pioneiros, Rev. Brown e Rev. Cabral realizou-se uma tradução mais completa do
LOC americano, impresso nos Estados Unidos”.216 O primeiro livro brasileiro
completo só surgiria em 1930, através da grande contribuição do Bispo Thomaz.
Ele continha todos os ofícios e criava, pela primeira vez, um padrão litúrgico para
toda Igreja.
Em 1984 surge o novo LOC brasileiro. Ele pretende representar, nas
palavras de D. Agostinho Sória, Presidente da Comissão de Liturgia do Sínodo, “o
equilíbrio harmonioso entre a nossa preciosa herança anglicana e as
necessidades do presente momento”.
Os Ofícios diários, contrariando toda a tradição da Igreja, foram sintetizados
em uma só estrutura.
A Eucaristia pode ser celebrada em dois ritos com mais duas Orações
Eucarísticas alternativas.
O Lecionário que procura seguir a tendência ecumênica de harmonizar as
leituras feitas pelos cristão de diversas tradições, é composto de dois anos para os
ofícios diários e de três anos para os ofícios dominicais.
O rito do Batismo é produto do trabalho autóctone e não uma simples
tradução do LOC americano, como muitas vezes este LOC demonstra ser. Há,
aqui, uma tendência marcadamente sacramentalista, particularmente visível na
oração da Bênção sobre a água.
O atual LOC brasileiro possui algumas lacunas. Nota-se nele a falta do
Ordinal e de outros ofícios importantes e percebe-se também a ausência dos
documentos dogmáticos históricos da Igreja, como por exemplo, os Trinta e Nove
Artigos de Religião, o Credo Atanasiano, bem como, de um Catecismo.
216
Silva, Francisco de Assis da, Evolução dos Livros de Oração Comum (apostilha) p. 4
116
Na América Latina, os anglicanos têm enfrentado muita dificuldade para se
desvencilhar das tradições do passado e exercitar uma reforma litúrgica que os
torne mais anglicanos e menos ingleses. A grosso modo, as liturgias que nos
chegaram às mãos depõem que nosso anglicanismo se caracterizou por um
apego às formas e às práticas trazidas pelos missionários, fazendo de nossos
textos litúrgicos meras traduções dos livros ingleses ou dos livros americanos.
Esta dificuldade de se trabalhar criticamente as tradições nos faz lembrar o desejo
do Rev. Prof. Jaci Maraschin que nos diz:
217
Somos Anglicanos, p. 26,27
117
- Ritos da Igreja Primitiva
Romano Galicano
Uso Inglês
(Sarum)
Ordens 1ºLOC
Luteranas 1549
2ºLOC
1552
Edição
1559
Edição
1604
Livro
Escocês
1637
Livro de
Oração Inglês Ofícios comuns Escoceses, 1764
1662
1ºLOC
Americano
1789
Revisão de
1892
118
Proposto 1928
1928 Revisado, 1929
LOC Americano
1979
Capítulo 14
A Estrutura do Anglicanismo
A Igreja de Jesus Cristo vive, desde sua fundação, uma tensão dialética. Isto
significa que ela é uma instituição simultaneamente divina e humana. De um lado
ela pode ser identificada com um organismo vivo, desta forma ela é chamada de
“corpo de Cristo”, de “a noiva do cordeiro”, ou de a “comunidade dos fiéis”.
Quando assim a observarmos, vemos com facilidade que ela opera milagres,
salva vidas, transforma circunstâncias e é instrumento da ação de Deus. Mas, por
outro lado, a Igreja é também uma organização, e como tal é composta de
instâncias organizacionais, possui administração, CGC, governo, eleições, etc.
Vendo desta forma, logo percebemos que ela é feita de seres humanos
pecadores. Ela erra, se engana e pode ser inflexível ou não nas circunstâncias da
história. Nosso desafio é compreender que estes dois lados inevitavelmente
caminham juntos e o que precisamos fazer é equilibrá-los para que nenhuma
tendência elimine a outra. Foi isso que quis dizer o bispo D. Robinson Cavalcanti
quando disse que:
119
iconoclástica, eivada de pessimismo, maximizando-se os defeitos e
desconhecendo-se as virtudes”218.
1. O Arcebispo de Cantuária
218
Cavalcanti, Robinson, Jesus Cristo: Senhorio, Propósito e Missão, p.64
120
O Arcebispo de Cantuária ocupa um lugar único na igreja anglicana mundial. É
ele quem convoca:
- os seus pares (os demais bispos) para a conferência de Lambeth, que
ocorre a cada dez anos;
- aos principais bispos das Províncias (bispo presidente ou arcebispo) para
a reunião dos Primazes;
- aos representantes de cada igreja provincial para as reuniões do
Conselho consultivo Anglicano.
Como se pode perceber, estes três órgãos constituem um foro privilegiado
para realizar debates e consultas e para criar oportunidades de apoio mútuo para
a totalidade da Comunhão. Não existe na Comunhão Anglicana um corpo
legislativo internacional já que cada Província é autônoma. A presença do
Arcebispo de Cantuária representa, desta forma, a expressão visível de uma
liderança espiritual. Ele é, como se costuma dizer, o primeiro ente iguais.
Um Segundo tipo de atividade desenvolvida pelo Arcebispo de Cantuária
atinge a dimensão ecumênica. Os anglicanos sempre se consideraram parte da
única Igreja Santa, Católica e Apostólica de Cristo. Portanto, investem no
movimento ecumênico fazendo parte do Conselho Mundial de Igrejas e
desenvolvem diálogos com as principais denominações do mundo. É o Arcebispo
de Cantuária que acaba por encarnar a Comunhão Anglicana nestes encontros
com os demais líderes eclesiásticos.
Além de sua função como líder espiritual da comunhão Anglicana, o
Arcebispo de Cantuária é também bispo da diocese de Cantuária na Inglaterra e
arcebispo da Província de Cantuária, que inclui as dioceses do sul, do centro da
Inglaterra e a diocese da Europa, além de primaz de toda Inglaterra. Ele exerce
autoridade sobre algumas outras pequenas dioceses autônomas ao redor do
mundo. Finalmente, o Arcebispo de Cantuária também ocupa um lugar na Câmara
dos Lordes no Parlamento Britânico, recebendo assim honras de chefe de Estado.
2. A Conferência de Lambeth
121
todos os povos cristãos". Um documento enviado a todos os líderes de todas as
comunidades cristãs do mundo convidando-os à união em Cristo. Desde então, as
questões relativas à unidade têm ocupado um lugar de muita importância em cada
Conferência. A Conferência de 1968 incluiu vários observadores de outros
organismos cristãos além de assessores anglicanos não bispos, como ocorre até
hoje.
Até 1958 as Conferências de Lambeth eram sempre celebradas em
Lambeth, Londres. Contudo, em virtude do crescimento do número de bispos
participantes, em 1968 a Conferência se realizou na Church House e a partir de
1978, passou a ser celebrada na Universidade de Kent, em Cantuária.
A 12ª Conferência de Lambeth se realizou em 1988 e, além dos 520 bispos
presentes, assistiram todos os membros do Conselho Consultivo Anglicano e
bispos representantes das Igrejas Unidas de Bangladesh, Norte da Índia e Sul da
Índia e Paquistão. Nas primeiras Conferências de Lambeth havia o domínio dos
europeus de fala inglesa, refletindo a liderança da Comunhão Anglicana da época.
À Conferência de 1988 afluiu o dobro do número dos bispos da Conferência
anterior. A partir de 1998 todos os bispos das Igrejas Unidas foram aceitos como
membros plenos.
Para o mundo em geral e os meios de comunicação, a Conferência de 1988
foi dominada pela questão da ordenação das mulheres ao episcopado. Embora
esta tenha sido de fato um assunto importante para toda a Comunhão Anglicana,
outros temas importantes como a dívida internacional, a opressão política, a
pobreza e o fundamentalismo islâmico também ocuparam uma posição central
entre os temas tratados pela Conferência. Apesar de tudo isso, a decisão mais
importante dos bispos foi a convocação de toda a Igreja para a Década da
Evangelização.
Quanto à Conferência de Lambeth de 1998, muita coisa pode ser destacada.
Esta Conferência congregou 730 bispos (11 mulheres). Um resumo de suas
atividades pode ser encontrado num documento apresentado por D. Robinson
Cavalcanti ao grupo de ministros em trânsito, onde se afirmava que
219
Cavalcanti, Robinson, Lambeth – 98, texto apresentado no curso de Ministros em Trânsito em setembro de
1998.
122
Os temas mais importantes e polêmicos discutidos na Conferência foram
sem sombra de dúvida, os relativos à dívida externa e à sexualidade humana.
Quanto ao primeiro tema, a conferência chama a atenção para os males sociais
trazidos para os países pobres em decorrência do pagamento da dívida externa e
apóia seu cancelamento imediato. Quanto ao segundo assunto, o bispo presidente
da Província do Cone sul, D. Maurice Sinclair, nos diz que “não há dúvida de que
o assunto da sexualidade humana foi o mais atacado tema discutido em
Lambeth”.220 O documento final que rejeitava a prática homossexual como
“incompatível com as Escrituras”, e que desaprova a ordenação de homossexuais
praticantes e a bênção de uniões do mesmo sexo, foi aprovada por 526 bispos,
com 40 abstenções e 70 votos contra.
3. O CCA
A Comunhão Anglicana não tem uma estrutura tão grande e tão dispendiosa
quanto a que existe no Vaticano. Porém conta com um Conselho composto por
clérigos e leigos, homens e mulheres, jovens e anciãos, vindo de diversas partes
do mundo e que se reúne a cada dois ou três anos para tratar de assuntos de
interesse das igrejas membros Este Conselho - o Conselho Consultivo Anglicano
(CCA) - se formou por sugestão da Conferência de Lambeth em 1968. Lá os
bispos perceberam a necessidade de um encontro mais representativo e mais
freqüente entre as igrejas, e que fosse além daqueles encontros que só reuniam
os bispos de dez em dez anos.
A composição do conselho é feita com a presença de três membros de cada
Província da Comunhão. Até hoje, o CCA já se reuniu dez vezes. O presidente é o
Arcebispo de Cantuária e o trabalho do Conselho é supervisionado por um
presidente executivo, um vice-presidente e uma Comissão Permanente.
No interregno de suas reuniões, as atividades do CCA são responsabilidades
do seu Secretário Geral. É importante registrar que o CCA também possui um
representante junto às Nações Unidas, o bispo Paul Reeves, antigo arcebispo de
Nova Zelândia e Governador Geral do dito país. O CCA contribui financeiramente
com o Centro Anglicano em Roma, que é encarregado de promover o diálogo
ecumênico entre ambas as comunidades. As tarefas do CCA compreende a
missão, comunicação, liturgia, preocupação social e a unidade da Igreja. Na
qualidade de órgão internacional, com representante em cada Província, o CCA
assume um papel importante, assumindo a postura de órgão consultor ou até
coordenador dos mais diversos assuntos anglicanos.
220
EFAC Bulletin, Reflections on Lambeth 1998, January 1999.
123
algum momento especial. Muitas da estruturas internacionais se desenvolveram
nos últimos trinta anos.
Una das mais recentes é a Reunião dos Primazes. Na Conferência dos
bispos que teve lugar em Lambeth em 1978, o então Arcebispo de Cantuária, o
Dr. Donald Coggan, propôs que os bispos primazes de cada Província se
reunissem com a finalidade de "refletir, sem pressa, orar e realizar consultas
profundas". Ele imaginou estas reuniões como um lugar próprio para o intercâmbio
real de "opiniões, vontades e desejos". Também fez questão que as reuniões
trabalhassem em estreito contato com o Conselho Consultivo Anglicano.
Desde 1979 os Primazes das Igrejas autônomas da Comunhão vêm se
reunindo a cada dois ou três anos para consultas sobre temas teológicos, sociais
e internacionais. Hoje em dia os Moderadores das Igrejas Unidas também fazem
parte da reunião. Como a Comunhão cresceu muito e o número dos bispos se
multiplicou, a Conferência de Lambeth se transformou em uma assembléia
enorme, o que acabou por fazer com que a Reunião dos Primazes se constitua em
um meio muito importante para que a Comunhão "se mantenha em contato" com
maior freqüência.
Ao longo da história do anglicanismo tem havido tensões no que se refere
ao local onde está a autoridade e a forma como ela é exercida. Para alguns seria
bom que a Reunião dos Primazes tivesse uma autoridade específica sobre certos
aspectos, embora outros sustentem que a autoridade deve estar em cada uma
das igrejas ou Províncias anglicanas.
A igreja anglicana, conquanto seja uma igreja internacional, não resume suas
instâncias a esta dimensão. Há uma segunda instância, menos abrangente, mas
nem por isso de menor importância: a dimensão provincial.
Para iniciarmos esta discussão, é mister que saibamos logo de início o que é
uma Província. Poderíamos dizer resumidamente que “Província” é o nome dado
às igrejas nacionais ou regionais que se encontram autônomas. Existem hoje 39
províncias autônomas na Comunhão Anglicana espalhadas pelos cinco
continentes, atingindo 165 países.
O órgão máximo da Província do Brasil (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil)
é o Sínodo. A ele compete: prover a igreja da Constituição, dos Cânones Gerais;
criar dioceses, fixar seus limites e dar-lhes nome; revisar o Livro de Oração
Comum; estabelecer convênios; criar departamentos; eleger comissões, etc. Ele é
composto da Câmara dos Bispos e das Câmaras dos Clérigos e Leigos, e se
reúne ordinariamente de três em três anos.
No interregno dos trabalhos, o Sínodo é representado pelo Conselho
Executivo. Este Conselho Executivo é composto pelo Bispo Primaz, pelo
Secretário Geral da Província, por dois bispos diocesanos eleitos pela Câmara dos
Bispos e dois clérigos e dois leigos membros do Sínodo. O conselho Executivo se
reúne pelo menos uma vez por ano.
124
Compete ao Bispo Primaz, na qualidade de vínculo de unidade e liderança
espiritual da Província, presidir, não apenas a Câmara dos Bispos, mas também
ao Sínodo e ao Conselho Executivo.
A terceira instância que precisa ser citada aqui é a instância diocesana. Cada
Província é dividida em dioceses, que poderão ser autônomas ou missionárias.
Uma diocese, portanto é uma área eclesiástica, autônoma, sob a orientação de
um bispo e é composta, no mínimo de três paróquias autônomas, quatro
paróquias subvencionadas e sete presbíteros221. No caso do Brasil, a 19º
Província da Comunhão Anglicana, existem sete dioceses, sendo uma, diocese
missionária. As dioceses da IEAB são:
221
Algumas dioceses são divididas em arcediagados ou seja, áreas geográficas administradas por
arcediagados, que prestam relatórios diretamente aos bispos.
125
classificadas de Paróquias Autônomas, Paróquias subvencionadas, missões e
pontos de missão.
1. Paróquia Autônoma
2. Paróquia Subvencionada
3. Missão
4. Ponto Missionário
5. Assembléias
222
Os dados que tratam das Paróquias Autônomas, das Paróquias Subvencionadas, das Missões e dos Pontos
Missionários, dizem respeito à realidade da Diocese Anglicana do Recife.
126
6. Membros
Capítulo 15
Espiritualidade Anglicana
Falar sobre qualquer assunto fica muito difícil quando não se sabe ao certo
do que se está falando. Por isso é preciso uma palavra introdutória sobre este
termo “espiritualidade”. Durante toda a Idade Média, a Igreja se satisfazia em
distinguir doutrina, ou seja, a fé em seu aspecto dogmático e normativo, da
disciplina, que era a sua prática, normalmente ligada a uma regra religiosa. A
palavra spiritualitas, que surge a partir do século XII em textos de cunho filosófico,
não possuirá um caráter religioso, vindo a designar apenas a qualidade daquilo
que é espiritual, ou seja independente da matéria.
O conceito que temos de espiritualidade é muito recente, sendo utilizado
somente a partir do século XIX. Para boa parte de autores, este conceito “exprime
a dimensão religiosa da vida interior e implica uma ciência da ascese, que conduz,
pela mística, a instaurações de relações pessoais com Deus”.223
O estudo ou a reflexão sobre nossa espiritualidade deve ocupar um lugar de
extrema importância em nossa vida. A espiritualidade não pode jamais ser
223
Vauchez, André, Espiritualidade na Idade Média Ocidental, p.7
127
encarada como uma ciência ou ainda como apenas mais uma prática dentro da
igreja. Ela é a seiva que alimenta toda a nossa pastoral, toda a nossa teologia e,
em decorrência disso, toda a nossa comunidade. Segundo Galilea ouviu de um
operário a seguinte parábola usada para explicar como ele via sua vida cristã:
Do que foi dito acima podemos legitimamente deduzir que é possível viver
toda uma vida dentro da comunidade da igreja e , ainda assim, nunca ter passado
por uma experiência com Deus. Em resumo, a espiritualidade é a seiva que
alimenta nossa prática. Sem ela não somos muito diferente de um papagaio que
repete frases decoradas. Mas com ela, poderemos azeitar melhor a estrutura das
comunidades com o óleo do Espírito em nossas vidas.
Quando iniciamos os estudos de teologia, aprendemos logo nos primeiros
dias a compreender que a revelação de Deus é gradativa e progressiva. Isto
significa que Deus não revelou tudo de uma só vez, mas que os autores sagrados
refletiriam em seus textos a cosmovisão que eles já tinham recebido. E, à medida
que Deus lhes revelava mais, a compreensão espiritual e doutrinária seria mais
aprofundada. Isto significa que seria, portanto, muito difícil encontrar
fundamentação veterotestamentária para doutrinas que só se desenvolveram a
partir do Novo Testamento, como por exemplo a doutrina da Trindade. Há aqui o
224
Galilea, Segundo, O Caminho da Espiritualidade, p.14, 15
225
Citado por Ricardo Barbosa de Sousa em O Caminho do Coração – Ensaios Sobre a Trindade e a
Espiritualidade Cristã, p. 15
128
que o cardeal Newman chamou de “revelação ininterrupta”, ou seja, há um tipo de
desenvolvimento na revelação. Com a espiritualidade ocorre basicamente o
mesmo. Citando mais uma vez o cardeal Newman:
226
Citado por Jordan Aumann em Espiritualidad como experiencia, p.91
227
Holmes, Urban T.,What is Anglicanism?, p65
228
J.M.Houston in Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã Vol. II, p.65
129
Assim é a espiritualidade anglicana: cheia de exemplos maravilhosos. Nela,
como disse muito apropriadamente o professor William Stafford, “poetas,
puritanos, profetas, misturam-se com quietistas e o pensamento católico”.229
Neste capítulo veremos um pouco de história, passearemos pelo Livro de
Oração Comum e veremos mais de perto duas expressões de espiritualidade
anglicana contemporâneas, o anglo-catolicismo e o evangelicalismo.
229
Stafford, William. No artigo Anglican Spirutuality, na revista Anglican World Nº 80, p.8
230
Vinay, Valdo, Espiritualidad como experiencia, p.137
130
espiritual medieval existente na Inglaterra ou na Alemanha. O escritor Valdo Vinay
nos diz que os luteranos, assim como os anglicanos, “conservaram a missa
eliminando apenas aquelas partes que não eram de acordo com sua interpretação
da Escrituras (alusões aos méritos, invocação à Maria e aos santos, a idéia da
missa como sacrifício)”.231
A Reforma, como bem falou Valdo Vinay, foi um projeto de renovação da
cristandade ocidental sem nenhuma intenção cismática. Esta renovação foi feita
através de um redescobrimento em profundidade do que se entendia por
“evangelho da livre graça de Deus”.232
131
Quando compreendemos a exortação de Paulo aos romanos “não se
conformem com este mundo mas se transformem para a renovação da vossa
mente” (Rm 12:2) então percebemos que a espiritualidade tem a ver com a
recepção da “mente de Cristo”, ou seja, a ótica e a perspectiva da visão de Cristo.
Mais uma vez o bispo Marshall nos auxilia quando diz que espiritualidade “é a
habilidade de ver todas as coisas (matéria e espírito) através dos olhos do Cristo
encarnado e com a mente de Cristo”.237
Olhar para o Cristo encarnado significa reconhecer que não há esfera da
nossa humanidade que não possa ser atingida pela dimensão do Espírito. Não há
nada que separe a oração do trabalho. Nenhum muro há entre o serviço ao templo
e o serviço ao próximo, entre o sagrado e o profano ou entre o céu e a terra. A
encarnação derrubou todas as barreiras que nos separavam de Deus e faz com
que Ele assumisse nossa condição para nos levar de volta até Ele.
237
Marshall, Michael E., The Anglican Church –Today and Tomorrow, p. 108
238
Stafford, William. No artigo Anglican Spirutuality, na revista Anglican World Nº 80, p.8
239
Stafford, William. No artigo Anglican Spirutuality, na revista Anglican World Nº 80, p.8
240
Stafford, William. No artigo Anglican Spirutuality, na revista Anglican World Nº 80, p.8
132
O Livro de Oração Comum é também um livro com profundo respaldo bíblico.
Não apenas por conter todos os salmos, nem ainda por trazer (em algumas
versões) as leituras bíblicas dos ofícios já impressas, o LOC contém em cada
frase, cada oração, cada rito, uma alusão à Bíblia. Isto sem falar dos lecionários
diários, que contemplam exercícios para as Orações Matutinas e Vespertinas.
1. Evangelical
1.1. Só a Escritura
A expressão Sola Scriptura, tão comum à Reforma, não deve ser entendida
de forma literalista (exceto em alguns movimentos da reforma radical como os
anabatistas) e sim como a mensagem das Escrituras, estudada e interpretada
pelos teólogos e pregada pelos pastores. Nas palavras de Valdo Vinay, “o sola
Scritura não significa Scriptura solitária”.241 Muito pelo contrário. A tradição não foi
desconsiderada, mas colocada como intérprete da Escritura que tinha, esta sim, o
status de juiz na verdade doutrinária e na ética.
Quando a Reforma apregoou a Sola Scriptura ela estava afirmando que a
Escritura era reconhecida agora como a “pedra de toque” para todas as doutrinas
que se devia crer e para todas as práticas que se devia exercitar, inclusive o culto.
O Livro de Oração Comum está pleno das Escrituras em cada um de seus Ritos.
Isto levou a uma espiritualidade com profundo lastro escriturístico.
1.2. Só a Graça
241
Vinay, Valdo, Espiritualidad como experiencia, p.138
133
que ele fizesse poderia ser apresentado diante de Deus como algo através do qual
ele pudesse receber algum tipo de retribuição. De fato, para a Reforma “nem a
oração, nem a leitura da Bíblia, nem a participação no culto é obra meritória, nem
sequer uma boa ação. Nada disso leva a salvação. A salvação está no princípio e
não no final do caminho ético”.242
Concordando com esta exposição está a recente declaração conjunta sobre
a doutrina da justificação realizada pela Igreja Católica Romana e a Federação
Luterana Mundial quando eles afirmam: “Confessamos juntos: somente por graça,
na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa de nossos méritos, somos
aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que nos renova os corações e nos
capacita e chama para boas obras”.243
Esta espiritualidade evangelical encontra seus primórdios no movimento
puritano, mas tem sua maior expressão no avivamento wesleyano que tanto bem
produziu na Inglaterra. Vejamos o que nos diz o Rev. Prof. William Stanfford sobre
este momento e sobre esta espiritualidade simultaneamente horizontal e vertical:
2. Anglo-católica
Outra experiência espiritual que surgiu no seio da Igreja da Inglaterra foi aquele
que teve a ver com o conhecido Movimento de Oxford. Este movimento incentivou,
em meados do século XIX, um redescobrimento da experiência religiosa do tipo
comunitário monástico. Estas ordens variavam desde o tipo contemplativo até as
que tinham um caráter mais assistencial. Estas comunidades resgataram regras
antigas da tradição cristã, como por exemplo as de S. Agostinho, S. Bento e S.
Francisco de Assis. A Comunidade de santa Maria virgem, por exemplo, segue a
regra de são Francisco de Sales, sendo uma das comunidades monásticas
femininas mais antigas da Comunhão Anglicana.245
Uma outra bonita expressão de espiritualidade que vem surgindo nestes
últimos cinqüenta anos é a iconografia. Muitas são as pessoas e comunidades que
passaram agora a desenvolver trabalhos ligados mais à espiritualidade oriental.
Na Inglaterra há muitas possibilidades de se obter ícones devocionais tanto para
casa como para igrejas. Um exemplo desta atividade pose ser encontrada em
242
Vinay, Valdo, Espiritualidad como experiencia, p.141
243
Declaração Conjunta Sobre a Doutrina da Justificação, 15
244
Stafford, William. No artigo Anglican Spirutuality, na revista Anglican World Nº 80, p.9
245
O Anglican Religious Communities Year Book – 1999, registra cerca de 100 comunidades religiosas
anglicanas em todo o mundo. Digno de nota foi também o ato recente do Arcebispo George Carey em aceitar
ser o patrono da Sociedade Ecumênica da Bendita Virgem Maria.
134
Wendy Kington, uma artista popular anglicana na Nova Zelândia que expõe toda a
sua jornada espiritual através da pintura de cópias da Cruz de S. Damião246.
V. Um projeto comum
Neste século, o ecumenismo foi um dos elementos que mais contribuiu para o
enriquecimento do anglicanismo. Tendo como elemento básico a fé na Trindade, o
anglicanismo se acercou com as demais comunidades cristãs e com elas
aprendeu sobre a beleza e a profundidade que havia nas outras tradições cristãs
irmãs.
246
Ver a edição de número 81 da Anglican World, p.6
247
Stafford, William. No artigo Anglican Spirutuality, na revista Anglican World Nº 80, p.9
248
Um livro que pode dar uma boa introdução a este assunto é o clássico “Relatos de um Peregrino Russo”. A
“Pequena Filocalia – o Livro Clássico da Igreja Oriental” também pode ser encontrada em português, e ambos
fazem parte da coleção “a oração dos pobres”, das Edições Paulinas.
249
William Stanfford nos diz que “O diálogo interconfessional permitiu às monjas anglicanas aprenderem
técnicas meditativas budistas do Tibet e aos liturgistas anglicanos aprender sobre as orações diárias do
judaísmo rabínico”. Anglican World, nº80
135
meditação250 que caiu em desuso por causa da intelectualização da teologia
ocorrida com o Iluminismo.
Capítulo 16
Anglicanismo e Missão
250
Para um estudo mais aprofundado sobre as diferenças fundamentais entre a meditação oriental e a cristã
ver o capítulo “Meditación en las Religiones Orientales y en el Cristianismo” de autoria do Dr. Ernst Benz, no
livro La Meditación Como Experiência Religiosa. Ver também o capítulo sobre meditação no excelente texto
Celebração da Disciplina, de autoria do Prof. Richard Foster, que já está em português.
136
A primeira grande verdade a respeito da relação entre o anglicanismo e o
movimento missionário é que nossa igreja nasceu como resultado da confluência
do trabalho missionário de leigos no fim do primeiro e início do segundo século.
Não sabemos se foram os soldados cristão que serviam ao Império Romano na
Bretanha, se foram os escravos cristãos fugitivos da Gália ou se foram os
comerciantes que espalhavam víveres pela grande ilha. O fato digno de nota aqui
é que a origem da igreja inglesa está associada ao trabalho missionário dos leigos
e não dos clérigos.
A igreja na Inglaterra passa então por um momento de crescimento
intimamente ligado ao trabalho missionário de monges em meio a comunidade
celta. Columba representará, no século VI, um exemplo do vigor das comunidades
celtas. Ele vai até a Escócia para pregar o evangelho e lá funda o mosteiro de
Iona, de onde sairão outros missionários.
Finalmente, depois que os pagãos destroem quase que completamente a fé
cristã do centro sul da “grande ilha”, vemos que o cristianismo é re-introduzido na
Inglaterra graças à visão missionária do Papa Gregório, o grande, que enviou um
monge beneditino chamado S. Agostinho de Cantuária.
251
Não devemos esquecer que este período de expansão foi tão grande que surgiu um ditado que afirmava que
o sol nunca deixava de brilhar sobre o reino britânico.
252
O poder da coroa britânica se estendia entre a nova Zelândia, Austrália, índia, china, vários países da
África e América do Norte.
137
o anglicanismo missionário demorou muito a chegar.253 Os primeiros missionários
episcopais que aqui chegaram, em 1889, foram Lucien Lee Kinsolving e James
Watson Morris.
Este texto, inserido no relatório do CCA reunido em Dublin 73, fala de forma
muito atual sobre três aspectos da missão da Igreja que têm sido preteridos (não
no mesmo grau) pelas nossas comunidades no Brasil: o diálogo, o evangelismo e
a renovação.
Estes três elementos são importantes porque “a tarefa da Igreja relaciona-se
com o contexto cultural e social e precisa levar em consideração a natureza das
estruturas de que dispõe e da eficácia de seus instrumentos”.254 Quanto ao
primeiro tópico (diálogo), somos convidados veementemente pelo documento a
evitar todo tipo de monólogo e tecermos um diálogo com aqueles que não
pertencem a nenhuma religião, com aqueles que são membros de outras religiões
e com a cultura na qual estamos inseridos. Este encontro não deve ser feito de
qualquer forma, mas, diz o texto, “no espírito do genuíno respeito, prontos a ouvir
o relato de sua experiências religiosas e estudar os efeitos dessas no seu caráter,
na sua vida diária, no espírito de comunidade e nas expressões da vida
cultural”.255 Este diálogo com a cultura deverá, dentro da esfera da liturgia, se
traduzir, não apenas em novos modelos de edifícios eclesiásticos, mas também na
confecção de uma hinologia autóctone e ainda no uso de elementos sagrados
provenientes da cultura religiosa do país.
Quanto ao segundo tópico (evangelismo), é ressaltado pelo documento de
Dublin, logo no início do texto, que “a evangelização tem que levar em
consideração as estruturas onde o evangelho é pregado”.256 Isto significa em
primeiro lugar que a igreja deve manifestar-se sobre as questões políticas e
colaborar com os governos na promoção de sociedades mais justas; significa, em
segundo lugar, que ela deve superar a apatia eclesiástica por meio de um maior
envolvimento pessoal e individual, e terceiro lugar, lutando por retirar da igreja
253
Havia naquele momento muita discussão sobre se a América Latina deveria ser vista como campo
missionário, vez que a maior parte da população confessava a religião cristã na sua vertente católica romana.
254
Companheiros na Missão, p.148
255
Companheiros na Missão,p. 149
256
Companheiros na Missão,p. 150
138
paroquial o mero status de clube social e transformando-a num lugar onde todos
tenham vida em abundância e, portanto, onde se exercite o amor, a compaixão e a
tolerância. O documento está explicitamente convocando a igreja a assumir sua
condição de comunidade terapêutica.
Por fim, sobre o item renovação, o texto nos convida a entender o
evangelismo como um “ compartilhar com os outros o que recebemos por meio de
Jesus Cristo, de modo agradecido, humilde e amável”.257 Precisamos para tanto,
resgatar a importância dos meios de graça e suplementar o culto litúrgico com
reuniões mais informais. Precisamos também valorizar o laicato como o “principal
meio de ação de Deus no mundo” 258 e reformar nossa linguagem e categorias
para que possam ser entendidas e ouvidas hoje. Por fim, precisamos revisar com
freqüência nossos programas de missão e entender que nossa fé se fundamenta
num Deus que se revela na história e que nos convida a participar da sua ação no
mundo.
Este texto é surpreendentemente atual, principalmente porque entende que a
missão da Igreja não se resume a trabalhar apenas este ou aquele aspecto.
Missão envolve tanto anúncio quanto denúncia. Missão é Kerigma, profetismo e
diaconia. Esta visão madura de se fazer missão precisa, na minha apreciação,
atingir todos os espaços em nossa igreja.
257
Companheiros na Missão,p. 152
258
Companheiros na Missão,p. 153
259
Laços de Afeição, p.145
139
a. Proclamar as boas novas do reino,
b. Ensinar, batizar e instruir novos crentes,
c. Responder às necessidades humanas, por serviço em amor, e
d. Procurar transformar estruturas injustas da sociedade.
a. O ministério da compaixão
b. Desenvolvimento comunitário
c. Transformações sociais (atividades sócio-política)
260
Laços de Afeição, p.147
261
Laços de Afeição, p.153
262
Laços de Afeição, p.153
140
Boa parte das igrejas cristãs viram como emblemática a última década do
século XX. A maior denominação evangélica do Brasil – a Assembléia de Deus - a
denominou de “Década da Colheita”. Os romanos, centrados nos três últimos
anos, se prepararam para uma grande festa do “jubileu”. E os anglicanos? Bem,
desde a Conferência de Lambeth/88 que os bispos vinham pensando sobre um
grande movimento em conjunto que marcasse a virada do milênio. Este
movimento ficaria conhecido como a “Década da Evangelização”. Vejamos quais
foram, de fato, as recomendações de Lambeth/88:
263
Resolução 43 da Conferência de Lambeth/88, Partilha Teológica nº 8, p18
264
McCoy, Michael, O Povo Das Boas Novas, p.17
141
Mas nem tudo está perdido. As ênfases apresentadas tanto pelas
Conferências de Lambeth quanto pelos encontros do Conselho Consultivo
Anglicano permanecem atuais e devem continuar norteando a missão de toda a
Igreja. Estas ênfases foram resumidas em cinco pontos.
Como se pode perceber claramente as “boas novas” que a Igreja deve levar
ao mundo dizem respeito à pessoa de Jesus Cristo. Mas não qualquer informação
sobre Jesus Cristo. Evangelizar é afirmar sua morte vicária e expiatória para
nossa salvação. Por mais piegas que isto possa parecer para muita gente, não
podemos jamais esquecer das sérias recomendações que nos são dadas pelo
relatório da “Missio”, quando nos adverte que:
265
Relatório da Missio Para a Conferência de Lambeth de 1998, Partilha Teológica nº 8, p18
266
citado por Packer, J.I., Evangelização e Soberania de Deus, p.28
267
Stott, John. Exposição do Pacto de Lausanne p.23
268
Relatório da Missio Para a Conferência de Lambeth de 1998, Partilha Teológica nº8, p19
142
2. Ensinar, Batizar e Nutrir os Novos Crentes
269
Citado por John R.W. Stott in Cristianismo Equilibrado, p 57
270
Packer, J.I., Teologia Concisa, p. 209, 210
143
A experiência tem demonstrado que a diaconia, por mais importante que
seja, não pode ser vista como o último elemento da missão da Igreja. Servir aos
necessitados é fundamental para a missão. Mas a Igreja precisa compreender que
há um sistema iníquo que gera e multiplica a miséria no mundo. Há um modelo
econômico que se entende último, absoluto e final. Há uma realidade de
exploração e de alienação do “outro” contra a qual a Igreja é conclamada pelo
Espírito de Deus a combater. Não podemos, como os reis da terra, nos prostituir
com a “grande meretriz que se acha sentada sobre muitas águas”. (Ap 17:1) Não
podemos beber o vinho de sua devassidão (Ap 17:2) porque este é o “sangue dos
santos” (Ap 17:6)e das “testemunhas” de Jesus. pelo contrário, devemos nos
retirar para não sermos cúmplices de seus pecados (Ap 18:4), mas devemos
também, à semelhança dos profetas do passado, denunciar toda as injustiças dos
poderosos. Ou, usando a letra da maravilhosa composição do Rev. João Dias de
Araújo:
Francisco nos convida a olhar para a criação não da mesma forma que ela
tem sido vista pelas grandes corporações econômicas de nossa sociedade, ou
seja, como meio de enriquecimento, mas como criatura de Deus e portanto, como
nossa irmã.
Outro tema de interesse para o cristão quanto à ecologia está em se estudar
“onde “ se encontra o valor da natureza. Alguns dizem que a natureza é
importante porque ela é uma emanação de Deus, caindo assim num panteísmo.
Francis Schaeffer nos lembra que:
271
Steuernagel, Valdir, Obediência Missionária e Prática Histórica – Em Busca de Modelos, p.83
144
“O princípio da perspectiva cristã da natureza encontra-se em seu
conceito da criação: que Deus existia – o sentido bíblico afirma que
Deus é – antes do princípio e que esse Deus criou todas as coisas do
nada. Portanto, concluímos que a criação não é uma extensão da
essência de Deus. As coisas criadas têm existências em si mesmas.”272
O que Schaeffer quer ressaltar é que o cristão deve lutar por proteger a
natureza, não porque ela é divina nem por interesse próprio, mas pela dignidade
que ela tem em si mesma de ter sido criada por Deus, como nós.
Capítulo 17
Anglicanismo e Ecumenismo
I. O Que é o Ecumenismo
272
Schaeffer, F.A., Poluição e a Morte do Homem, p.51
145
A palavra “ecumenismo” em alguns círculos conservadores chega a ser vista
como algo ligado à ação do diabo. Há um profundo desconhecimento em muita
gente sobre o movimento ecumênico, e isto acaba gerando caricaturas que, ao
invés de ajudar, acabam por prejudicar ainda mais as relações entre comunidades
religiosas que se entendem, ainda que confessionalmente, irmãs.
1. O Significado do Termo
2. O Que não é
273
Almeida, Abraão de. Israel, Gogue e o Anticristo, p.230
146
sequer é membro do Conselho Mundial de Igrejas. A presença de representantes
romanos aos do CMI, no entanto, é estimulada e bem vinda.
c. Não é proselitismo
Para lutar pelo ecumenismo não precisamos abrir mão da nossa identidade.
Até porque se o ecumenismo também pretende enriquecer a visão do “outro” com
a “minha” perspectiva, abrir mão dela implica em empobrecimento mútuo.
Ecumenismo não implica em sacrifício de identidade em nome da unidade, mas
em unidade apesar das diferenças.
Não podemos “tapar o sol com a peneira”. As diferenças existem, estão aí,
não podemos fazer de conta que elas não existem. Quem pretende trabalhar com
o “outro” terá que aprender a “trabalhar” estas diferenças, a fim de que elas não se
tornem empecilhos ao diálogo, mas temas a serem estudados, com amor,
compreensão e humildade.
f. Não é o mesmo que diálogo religioso
274
Almeida, Abraão de. Israel, Gogue e o Anticristo, p.230
147
“Um outro patamar é constituído pelas ações cívicas ou pelo diálogo
inter-religioso com os que não confessam a fé apostólica, e que não
constitui ecumenismo, mas que deve ter o seu lugar na promoção da
cidadania, dos Direitos Humanos e na defesa da paz, da justiça e da
natureza, sem prejuízo da verdade revelada”.275
3. O Escândalo da Divisão
275
Cavalcanti, D. Robinson., Diretrizes Gerais Sobre Ecumenismo, 10
276
Karl Barth citado por Júlio H. de Santa Ana em Ecumenismo e Libertação, p. 72
148
Para que o cristão se sinta de fato inclinado a se comportar ou a crer em
certas verdades, ele deveria buscar a fundamentação para esta prática ou para
esta crença. Com o ecumenismo não deve ser diferente. A Bíblia e a teologia
apresentam inúmeras razões com base nas quais os cristãos deveriam
fundamentar sua prática ecumênica. Veremos agora seu fundamento bíblico e
teológico. As Sagradas escrituras apresentam muitos textos que poderiam ser
usados para fundamentar a prática ecumênica. No entanto, para fins didáticos,
utilizaremos apenas dois.
Este primeiro texto registra uma oração feita por Jesus na qual ele ora por
aqueles que haveriam de crer. Aqui o texto diz: “a fim de que todos sejam um;
como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o
mundo creia que tu me enviaste”. Neste texto encontramos três grandes verdades.
Em primeiro lugar, encontramos uma grande motivação para o ecumenismo.
O verso vinte começa com a expressão “não rogo somente por estes”. Ou seja. O
que deve nos motivar é o fato de que este texto revela uma oração, um desejo, um
rogo de Jesus. É o seu desejo. É de sua vontade. É o seu querer. Logo, como
servos, não podemos obstacular o cumprimento do desejo do mestre. Antes
devemos dizer sempre “seja feita a tua vontade, tanto na terra como no céu”.
Em segundo lugar, este texto nos revela um modelo de ecumenismo. O
versículo diz: “como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti”. Aqui Jesus revela o grande
modelo para a relação ecumênica: a Santíssima Trindade. Na Trindade há um
pleno e perfeito relacionamento de três pessoas iguais em tudo, mas sem dividir a
substância nem misturar as pessoas. Não há maior nem menor na Trindade.
Todos agem igualmente no plano de salvação motivados pelo amor. Não há
modelo mais profundo e inesgotável do que a Trindade.
Por fim, este texto revela as conseqüências do ecumenismo. O texto diz:
“para que o mundo creia”. Como apregoar uma mensagem tão dividida e
fragmentada? Como pode o não cristão se convencer da veracidade da
mensagem da cruz se seus portadores se comportam como adversários, ou
melhor (pior?), como concorrentes na luta para conquistar mais um cliente para
sua empresa?. Não estamos no negócio de sabonetes. Estamos apregoando a
mensagem que pode mudar o mundo e transformar vidas. Se você não acredita
nisso, então jogue a toalha e vá vender sabonetes e Deus te abençoará. Mas
Deus escolheu e vocacionou pessoas para pregar a mesma mensagem que foi
pregada no início. “Jesus morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e
foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as escrituras”. (I Co 15: 3,4)
O apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios revela muitas verdades neste
texto. Mas basicamente ele nos mostra três ensinamentos básicos sobre o corpo.
Em primeiro lugar ele nos diz que um corpo tem muitos membros.
Obviamente a figura do “corpo” aqui se refere à Igreja de Cristo. Paulo está
querendo amenizar os grandes problemas por que passa a igreja em Corinto. Para
149
fazer isso ele se utiliza da figura do corpo para mostrar primeiro que na Igreja não
pode haver uniformidade. Todos são diferentes e é bom que assim seja.
Em segundo lugar, que num corpo cada membro é importante. Até aquele
que ninguém valoriza ou até aquele que ninguém sabe da existência, todos são
indispensáveis à saúde do corpo. Todos são importantes e necessários. Ninguém
é descartável e substituível.
Finalmente ele nos ensina que cada membro existe para o bem do outro. Há
uma grande finalidade em jogo aqui. O bem estar e a felicidade do outro. Quando
Deus dispôs cada parte no seu lugar, Ele não estava atentando necessariamente
no bem daquele membro em particular, mas no bem que traria para o restante do
corpo.
Assim é a Igreja de Cristo. Multiforme, rica e variada. Mas Deus se utiliza de
cada pequena estrutura eclesiástica, com seus dons e carismas próprios, para o
bem de uma outra parcela do corpo.
277
Citado em Caminhos Para a Unidade Cristã – Pastoral de Ecumenismo, p.54, 55
150
2. Os movimentos
278
Santa Ana, Júlio H. de, Ecumenismo e Libertação, p. 234
279
Neill, Stephen, El Anglicanismo, p.364
280
Neill, Stephen, El Anglicanismo, p.364
151
A algum tempo atrás, o famoso teólogo jesuíta americano Avery Duller, fez
uma bonita conferência sobre o ecumenismo na Universidade Católica de
Washington. Com a intenção de promover o diálogo, ele propôs dez princípios que
se tornaram clássicos. Eles são os seguintes:
V. O Anglicanismo e o Ecumenismo
281
Caminhos Para a Unidade Cristã – Pastoral de Ecumenismo, p.45-47
282
Conc. Vat.II, Decr. Unitatis Redintegratio, nº 8
152
Conselho consultivo Anglicano que coordena todo o trabalho ecumênico
internacional da Comunhão.
Do trabalho apresentado pelas seções ecumênicas das Conferências de
Lambeth e das resoluções finais por elas produzidas, se pode deduzir com
segurança que a tarefa ecumênica no anglicanismo não é um programa a mais
entre muitos, mas é um programam que norteia todo nosso diálogo teológico,
nosso cuidado pastoral, nossa missão e nossa ação social. O ecumenismo não é
um agregado opcional para os anglicanos, pelo contrário, ele ocupa uma posição
central em nossa agenda e em nossa credenda.
Outra coisa importante que precisa ser ressaltada é que para os anglicanos o
ecumenismo não é alguma coisa que só ocorre em nível de diálogo internacional.
A atividade ecumênica não se limita a uma busca de unidade estrutural entre as
diversas igrejas cristãs, mas compreende também a participação conjunta em
questões de interesse comum na busca da harmonia social e racial e na
conservação do meio ambiente. Muitas igrejas anglicanas têm colaborado em
projetos ecumênicos locais e quase todas pertencem ao seu respectivo conselho
nacional de igrejas, bem como enviam seus delegados provinciais ao Conselho
Mundial de Igrejas.
283
Cavalcanti, D. Robinson., Diretrizes Gerais Sobre Ecumenismo, 01
153
Autoridade” produzido pela ARCIC – Comissão Internacional Anglicana Católica
Romana. No Brasil a IEAB também desenvolve um diálogo bilateral com a igreja
romana. Esta Comissão Nacional Anglicano-Católica Romana, foi formalmente
organizada em 1982.284
Outro produto deste trabalho são os acordos que garantem mútua
hospitalidade sacramental e reconhecimento mútuo das ordens. Como exemplo
deste tipo de documento, podemos citar aquele que foi produzido pelas Igrejas da
Inglaterra, Escócia, Irlanda e Gales com as Igrejas Luteranas na Escandinávia em
novembro de 1993. Este documento chamado de “Declaração de Porvoo”
reconhecia que as igrejas participantes eram membros da Única, Santa, Católica e
Apostólica igreja de Cristo; reconhecia que nestas igrejas a palavra era
corretamente pregada e os sacramentos devidamente administrados; reconhecia
que estas igrejas compartilhavam de uma confissão de fé comum à fé apostólica;
reconhecia que os ministros ordenados destas igrejas eram chamados por Deus, e
finalmente, que a supervisão pessoal, colegial e comunal toma corpo e exercício
em todas estas igrejas em uma diversidade de formas, em continuidade com a
vida apostólica, a missão e o ministério.285 Em decorrência disto, a declaração
fazia com que as igrejas signatárias se comprometessem com uma vida comum
na missão e no serviço, a receber aos membros respectivos na administração dos
sacramentos e outros atos pastorais, a receber os ministros ordenados de cada
uma destas igrejas, a estabelecer vias de contato e de consulta colegial e
conciliar, e a trabalhar por um entendimento comum do ministério diaconal.
284
A comissão editou um importante texto chamado Unidos no Diálogo para comemorar seus dez anos, em
1992. Este texto foi publicado pelas Edições Loyola.
285
La Luz, Enero- Marzo 1999, p.9
154
Além destes dois fóruns, a IEAB também faz parte da CESE e tem vários de
seus ministros associados à Sociedade Bíblica do Brasil, AEVB e a inúmeros
outros organismos e ordens de ministros locais e regionais.
Capítulo 18
Teologia Anglicana
155
eminente teólogo romano René Latourelle, para quem “por ‘teologia’, em sentido
lato, entende-se a ciência de Deus”.286 Este conhecido teólogo jesuíta entende
que esta definição encobre um duplo sentido: um objetivo e outro subjetivo. “No
sentido objetivo, significa a ciência que tem Deus por objeto; no subjetivo, a
ciência que Deus mesmo possui e comunica aos homens por graça”.287Uma
segunda definição, bem mais simples, encontraremos nos textos do conhecido
teólogo anglicano J.I. Packer, para quem “Teologia é, primeiramente, a atividade
de pensar e falar a respeito de Deus (teologização), e, em segundo lugar, o
produto desta atividade”.288 Estamos conscientes das críticas que podem ser
levantadas sobre este tipo de definição, particularmente por parte daqueles que
foram influenciados ou pela escola mística fruto do Pseudo-Dionísio e mais tarde
Meister Eckhart, ou pelo gênio romântico de Friedrich Schleiermacher, no entanto,
entendemos que elas servem muito bem para o fim a que nos propomos, que é
simplesmente o de falar de uma “teologia” anglicana.
Devemos por fim, ressaltar que a teologia não deve ser encarada como algo
meramente teorético e árido. Ela é mais do que isso. A teologia é um
conhecimento de Deus. Mas este “de Deus” não deve ser entendido simplesmente
como “sobre Deus”, e sim como “proveniente de Deus”. A teologia deve agir tanto
sobre nosso coração quanto sobre nossa mente. J.I. Packer nos diz que “a
teologia é doxologia e devoção, isto é, louvor a Deus e prática da piedade. Ela
deve, pois, ser apresentada de forma que desperte a consciência da presença
divina”.289
286
Latourelle, R., Teologia, Ciência da Salvação, p11
287
Latourelle, R., Teologia, Ciência da Salvação, p11
288
Packer, J.I., Teologia Concisa, pi
289
Packer, J.I., Teologia Concisa, pi
290
Maraschin, J.C., A Teologia Anglicana da Década de 60, p3
291
Neill, Stephen, El Anglicanismo, p.395
292
Apostila entregue no curso sobre Teologia Anglicana e Ecumenismo, Recife, 1995.
156
A dificuldade de se entender isto reside no fato de que, para cada grande
confissão cristã ocidental, há alguém que pode ser apontado como seu “fundador”.
O catolicismo romano, por exemplo, está indelevelmente ligado à pessoa de
Tomás de Aquino, da mesma forma que Lutero marcou a ênfase da teologia
luterana e Calvino a teologia reformada.
A mesma coisa não ocorre no anglicanismo. Em que pese o fato de termos
grandes teólogos que marcaram nossa história.293
O bispo Sumio Takatsu nos apresenta quatro fatores que, segundo ele,
contribuíram para a ausência de uma teologia sistemática anglicana.294
293
Podemos citar desde um Richard Hooker no século XVI até um J.A.T. Robinson no século XX, passando
ainda por nomes expressivos como Lancelot Andrewes, Jeremy taylor, e Frederick Denison Maurice, no
século XIX.
294
Aula ministrada num curso sobre Teologia Anglicana e Ecumenismo no Seminário Teológico Anglicano
do Recife em 1995
157
apenas corrigir as distorções medievais e não pretendiam ser um
tratado sistemático da fé”.295
1. Forma
2. Tensões
295
Apostila apresentada por D. Sumio Takatsu no curso Teologia Anglicana e Ecumenismo, ministrado em
Recife, em 1995
296
Devo lembrar que os Artigos de Religião são muitas vezes citados pelos teólogos como parte das
Confissões de Fé Históricas, como faz , por exemplo Wayne Grudem em sua Teologia Sistemática., ou como
um dos maiores teólogos de todos os tempos, o Dr. A. A. Hodge, em seu comentário à Confissão de Fé de
Westminster. É importante, além do mais, que se leve em consideração as considerações do Dr. J.I. Packer,
segundo as quais, a Confissão de Fé de Westminster pretendeu ampliar os Trinta e Nove Artigos, vez que a
maior parte de seus autores era do clero anglicano.
158
Esta tensão, no entanto, não é prejudicial, mas tem se revelado gestadora de
possibilidades e de alternativas criativas.
3. O Essencial e o Secundário
4. Apologética
5. Pragmática e Racional
6. Ênfase moral
297
Maraschin, J.C., A Teologia Anglicana da Década de 60, p5
298
Maraschin, J.C., A Teologia Anglicana da Década de 60, p5
299
Apostila apresentada pelo bispo D. Robinson durante o curso para ministros religiosos provenientes de
outras denominações cristãs.
159
“manifestação” de Deus entre nós. “A fruição dessas dádivas vai repercutir em
todos setores da vida humana”. Daí a razão porque as Conferência de Lambeth
não se furtam em sugerir comportamentos nas mais diversas áreas da vida
humana, desde a moral sexual até a genética e às questões macroeconômicas.
7. Comprometida
1. As Escrituras
300
Atkinson, James. & Williams, Rowan, Fazendo Teologia, Série Partilha Teológica, nº 2, p. 19
301
Seminário Pré-Lambeth 88. Série Partilha Teológica, nº3, p.36
160
3.6. Os anglicanos afirmam a autoridade soberana das Sagradas
Escrituras como meio através do qual Deus, pelo Espírito, comunica
sua palavra à Igreja e deste modo permite que o povo possa responder
com entendimento e fé. As Escrituras são "um testemunho
singularmente inspirado da revelação divina" e "a norma primária para a
fé e a vida cristãs".
3.7. Contudo, é necessário traduzir, ler e compreender as Escrituras, e
perceber seu significado por meio de um processo contínuo de
interpretação. Desde o século XVII, os anglicanos têm sustentado que é
necessário entender e ler as Escrituras à luz dos contextos "da
tradição" e "da razão".
2. A Tradição
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Alocução presidencial do Arcebispo de Cantuária à XIII Conferência de Lambeth, 20 de julho de 1998,
traduzido pelo bispo D. Robinson Cavalcanti.
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pelo próprio Deus, dois testamentos, três credos, quatro Concílios Gerais, cinco
séculos,...determinam os limites de nossa fé”.
Quando os anglicanos falam de “tradição” eles podem estar se referindo ao
depósito da fé encontrado nas Escrituras e nas antigas confissões batismais. No
entanto, há um segundo sentido, mais importante, que traduz mais acertadamente
o que os anglicanos entendem por “tradição”. Neste segundo sentido “tradição” se
refere “à vida contínua da comunidade cristã – os modelos de comportamento e
de hábitos de crença transmitidos de geração em geração na igreja”.303 Esta
tradição é repassada adiante principalmente através das liturgias, quando o povo
está reunido para adorar. No momento do culto, a Escritura e os credos, uma vez
recitados e explicados, ficam novamente habilitados a “falar” ao povo. A liturgia da
igreja tem a capacidade de guardar a “mente” comum dos fiéis reunidos. E, visto
que “a ‘mente’ em questão tem sido formada ao longo de muitas gerações por
meio de compromisso com as mesmas Escrituras e Credos que interpretam para
nós, seu testemunho é ponderável”.304
Vejamos o que diz o Informe de Virgínia sobre esta temática:
3. A Razão
303
Relatório da Comissão Internacional Anglicana de Teologia e Doutrina, nº 60
304
Relatório da Comissão Internacional Anglicana de Teologia e Doutrina, nº 60
305
Relatório da Comissão Internacional Anglicana de Teologia e Doutrina, nº 61
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Em segundo lugar, “razão” pode se referir mais especificamente “à
manifestação particular desta capacidade”306 de aprender e compartilhar os
significados das coisas.
Mas ainda há um outro sentido para “razão”. E o documento aqui se refere
àquilo que nos parece “razoável”. Em outras palavras, razão aqui se refere ao
“senso comum” em seu sentido mais próprio de um “certo conjunto de
compreensões e idéias que todos têm”.307 A razão passou a ser vista, a partir do
anglicanismo do século XVII, tanto como um instrumento de compreensão da
realidade, como também um Dom de Deus para toda a humanidade. Era uma
espécie de “mente comum” que unia a igreja a toda humanidade.
Modernamente, os pensadores possuem uma visão diferente de “razão”.
Com segurança podemos afirmar que o que os anglicanos do século XVII
chamavam de “razão”, hoje não passaria de “cultura”. Mas “mesmo quando
caracterizada desta maneira, a razão continua sendo importante fator na
compreensão e interpretação da fé cristã como o fora para os teólogos do século
dezessete”.308
Por meio da razão entendemos que as Escrituras não podem ser lidas ou
interpretadas num vácuo ou seja, sem o respaldo e a influência dos
condicionamentos tanto dos autores como dos leitores.
Conclusão
306
Relatório da Comissão Internacional Anglicana de Teologia e Doutrina, nº 61
307
Relatório da Comissão Internacional Anglicana de Teologia e Doutrina, nº 62
308
Relatório da Comissão Internacional Anglicana de Teologia e Doutrina, nº 63
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Dentro dos espaços acadêmicos de hoje têm-se propagado que estamos
entrando em um novo momento histórico que alguns especialistas chamam de
Pós-Modernidade. Sem querer tecer comentários sobre a veracidade desta tese, é
importante ressaltar que de fato houve uma grande mudança em muitos
paradigmas nos últimos trinta anos. Uma das mudanças mais significativas é que
nossa sociedade deixou de ser “logocêntrica” ou seja, centrada na palavra, no
discurso, para ser “iconocêntrica”, ou seja, centrada na imagem, naquilo que se
vê. Os atos e gestos concretos falam mais alto que as palavras. No novo milênio,
o maior discurso é aquele que se traduz em gestos reais.
Mas me parece que a valorização da obras e dos atos concretos ao invés
das meras palavras já era algo afirmado há muito. Padre Antônio Vieira em seu
sermão da sexagésima, pregado na Capela Real em Lisboa, 1655, já dizia:
“Antigamente convertia-se o mundo: hoje por que não se converte ninguém?
Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos; antigamente pregavam-se
palavras e obras. (...) Para falar ao vento bastam palavras; para falar ao coração
são necessárias obras”. Em resumo, o mundo Pós-Moderno clama e anseia por
coerência entre o discurso e a prática
Como conclusão deste trabalho, quero reafirmar que o anglicanismo não é
tanto um somatório de doutrinas específicas, embora sejamos uma igreja que as
tenha e que as valoriza; o anglicanismo é na realidade, uma forma de ser e de
agir. No anglicanismo também há discurso, como a rigor há em qualquer
comunidade propositiva e relevante. Mas precisamos marcar nosso espaço
também com nossa prática, com nosso ethos.
Num mundo em que a exclusão a cada dia se torna mais natural e a
distância entre os mais pobres e os mais ricos aumenta em função da hegemonia
de um só paradigma econômico, o anglicanismo precisa, de fato e de verdade,
assumir seu inclusivismo. Ele precisa de obras e não só de palavras. Ele precisa
aprender a ministrar aos economicamente excluídos.
Num mundo em que a ausência de paradigmas éticos universais parece ter
cedido espaço para as éticas de grupo, o que gera cada vez mais exclusão e
solidão, já que me reservo o direito de só me relacionar com meus iguais, o
anglicanismo se vê desafiado a ministrar às minorias socialmente excluídas.
Num mundo que parece ter se cansado da “Razão Pura” e que se inclina
agora para um misticismo crescente aliado ao recrudescimento do
fundamentalismo religioso, o anglicanismo pode significar uma alternativa
simultaneamente aberta à razão e ao sagrado, à confessionalidade e à
racionalidade, um equilíbrio necessário e bem vindo num mundo de tantos
extremos.
Infelizmente muitos dos nossos eclesianos mal conhecem a igreja na qual
adoram e se congregam. Da mesma forma muitos dos nossos ministros conhecem
apenas o “seu“ anglicanismo e ignoram as outras ricas tradições em outros
rincões do mundo. Vivem como que dentro de uma bolha de sabão, para usar a
figura de Rubem Alves, achando que aquele mundo no qual foram batizados e
cresceram, onde conheceram seus cônjuges e casaram, onde criaram seus filhos
e os confirmaram, é o único e o mais bonito mundo que existe. “A folha na qual
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vive a lagarta é, para ela, um mundo, um espaço infinito”309 já afirmava Feuerbach.
E este desconhecimento prejudica tanto nosso discurso quanto nossa prática. À
medida que nos acomodamos com a parcialidade da visão e, como os homens
acorrentados na caverna da Platão, nos acomodamos com as sobras, corremos o
perigo de confundi-las com a realidade.
Este texto teve o despretensioso objetivo de apresentar, de forma simples
mas sistemática, o anglicanismo conforme nossa visão limitada nos permite ver.
Se o leitor passou a ver esta “parte provisória do corpo de Cristo” como algo mais
amplo e mais rico, como algo relevante e como um caminho instigante e
encantador, meu alvo foi alcançado.
Antes de encerrar, quero chamar sua atenção para um texto das Escrituras.
O capítulo 26 de Gênesis possui muitas verdades importantes para nós ainda
hoje. Lá vemos como Isaque, em um momento de fome na terra, foi procurar os
mesmos poços que seu pai, Abraão, havia aberto e que os Filisteus haviam
fechados. Neste capítulo lemos que Isaque “tornou a abrir os poços” e “lhes deu
os mesmos nomes que seu pai lhes havia dado”. (vers. 18)
Creio firmemente que, diante da aridez e da secura nas almas que pode ser
vista nesta sociedade tão consumista, os “velhos poços” dos nossos pais precisam
ser reabertos; os “velhos nomes” precisam ser de novo pronunciados e esta igreja
cumprirá seu papel não apenas neste “pais do futuro”, mas também neste mundo
globalizado.
309
Citado por Rubem Alves em Dogmatismo e Tolerância, p.26
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