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A maldição da moleira

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Sumário
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7. Prólogo
11. Minha vida íntima com Laa-Laa
15. Baby Pop
19. Eu tenho um pai
23. Palhaços voadores
27. O mundo além do berço
31. Um passo de cada vez
35. O cubo se manifesta
41. Eu não estou sozinho
45. Nunca subestime o poder de um bebê!

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49. O pequeno grande homem
55. Navegando por novos mares
61. O teste do pêndulo
65. Álvaro
71. Ferimentos leves
75. A conversa na cozinha
79. Temos direitos
85. Ganhamos um espetáculo!
93. Novos sentidos
97. Assim pensa um Pikachu
103. Nasce um artilheiro
107. A verdade sobre Comandante Oscar
111. Pequerrucho em ação!
115. O verdadeiro valor de um bebê
119. A maldição da moleira
123. Epílogo
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A maldição da moleira
Índigo
ilustrações Alê Abreu
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Para Matheus e seus Pokémons
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Prólogo

Eu era o equivalente a uma alface quando minha vó

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fechou meu cérebro. Algumas latinhas de molho de
tomate têm um ponto saliente na tampa. Ao apertar
esse ponto, a lata se abre. Os bebês funcionam ao con-
trário. Nosso ponto se chama “moleira”, e quando vo-
cê aperta a cabeça do bebê se fecha. O cérebro da pes-
soa adulta é protegido por um crânio, que é como um
capacete. No caso dos bebês, o capacete não está cem
por cento fechado. Bem no topo tem um buraquinho
que será fechado aos poucos. Se a moleira fecha natu-
ralmente, o bebê amadurece no tempo certo. Mas se
a moleira fecha antes do tempo, coisas estranhas po-
dem acontecer. Vovó sabia de tudo isso. Sabia tam-
bém que não devia apertar, pois estaria cutucando o
cérebro do bebê. Sete netos passaram pelo colo da mi-
nha vó e ela sempre ali, de olho no cérebro pulsando
ao alcance do dedo. É a mesma tentação provocada
por casquinhas de machucados, pedindo para serem
cutucadas. Vovó se controlou durante sete netos. Só
Deus sabe o martírio que foi nunca ter apertado uma
daquelas moleiras. Eu era o último. Se não fosse co-
migo, ela teria que pegar os netos da vizinha. A medi-
cina ainda não entende direito como funciona a mo-
leira. Na dúvida, dizem para não ficar apertando, pelo
menos até a gente completar dois anos de idade. Vovó
se controlou durante sete netos. Agora ela queria uma
recompensa. Esperou que papai e mamãe saíssem pa-
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ra o cinema, tirou-me do berço e apalpou minha ca-


beça até encontrar. Então ela encostou o dedão e foi
apertando, apertando... até que ploct! Bem nessa hora
a porta de casa se abriu. Eles tinham perdido a sessão.
— Tudo bem por aqui? — perguntou mamãe.
— Tudo ótimo — respondeu vovó. — Eu estava bo-
tando ele pra dormir.
Mamãe me pegou no colo. Falou algumas coisas que
deviam me tranqüilizar, como: “A mamãe chegou”.
O que ela não sabia é que eu não era o mesmo be-
bê de antes do cinema. Com aquele ploct! eu adquiri
consciência.

Eufórico com o mundo recém-descoberto, eu queria


me agarrar a cada objeto que passava por mim: parede,
sofá, samambaia, mamadeira, cortina, cabelo. Eu que-
ria chupar tudo aquilo e me deliciar com os novos sabo-
res que a vida oferecia. Queria sentir um nariz. Enfiar o
dedo num olho. Pegar numa orelha. Enfim, viver!
Fui colocado no berço e, evidentemente, não conse-
gui dormir. Eu era como um paciente que acorda de-
pois de cinco anos em coma. Precisava me inteirar das
coisas. Engatei um choro manhoso.
— Deixe ele chorar um pouco. Já vai parar — disse
vovó.
Mamãe apagou a luz e saiu do quarto. Pouco depois

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eu parei de chorar.
O motivo que me levou a calar a boca foi o que en-
contrei no meu berço. Eu não estava só! Ali, dividindo
berço comigo, havia um cubo, um coelho, um croco­­
dilo verde e Laa-Laa. O coelho era sem graça. O cro­
codilo me pareceu interessante, vestia um colete verme-
lho. No entanto, não foi possível estabelecer contato.
A maior parte do seu corpo estava embrenhada debai­
xo da minha manta. O cubo era uma incógnita e Laa-
Laa ainda não significava nada para mim. Até então
eu havia vivido num estado de completa alienação.
10.
Minha vida íntima com Laa-Laa

Minha vida íntima com Laa-Laa

Depois de uma semana de Teletubbies eu não podia

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mais fingir que não sabia quem ela era. Ela dormia co-
migo todas as noites. Minha própria mãe a empurrava
para meus braços. Enquanto Crocodilo Verde, Cubo e
Coelho alinhavam-se ao meu pé, ela sempre grudava
em mim. Dividíamos travesseiro. Era excitante ter Laa-
Laa só para mim, longe de Po, Tinky Winky e Dipsy.
Para muitos adultos, a única coisa que diferencia um
Teletubbie de outro é a cor do pijama. Na verdade, ca-
da um deles é uma entidade em si.
Dipsy (pijama verde) não tem nenhum tipo de preo-
cupação na vida. Ele é como um desses europeus que
bota uma mochila nas costas e sai viajando pelo mundo.
Se Dipsy tivesse cabelo, sem dúvida seria comprido e
despenteado. Ele vive cantarolando um raggae, e nada
estraga seu bom humor. Se um dia oferecessem um pro-
grama exclusivo para ele, tenho certeza que Dipsy aban-
donaria Tubbieland. E se os outros pedissem para ele
ficar, ele mandaria todo mundo passear e esfregaria o
cheque na cara deles. Eu não confio muito em Dipsy.
Depois vem a Po, que é louca (pijama vermelho).
Não quero usar o termo “histérica”, mas Po pula bas-
tante, fala bastante, canta bastante, sorri bastante, corre
bastante e só não tem ataque de falta de ar por causa do
patrocinador. Ela deve tomar remédios fortes. Ela tem
uma patinete e dirige feito uma desvairada. Se algum
dia Dipsy esfregar um cheque na cara da Po, ela é bem
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capaz de rasgar o chegue e engolir os pedacinhos.


O Tinky Winky é o que todo mundo conhece. Ele é
gay: pijama roxo. Assumiu num episódio em que vestiu
um tutu rosa, pegou uma bolsa vermelha de velhinha
inglesa e saiu rebolando pelas colinas. Ninguém preci-
sou dizer nada. Mesmo quando ele não está vestido de
mulher, ele chama atenção. É desengonçado, gordo e
muito mais alto que o resto da turma.
E por fim tem a Laa-Laa, que é a única que salva, não
fosse pelo fato de ela ser meio burrinha. Teve um episó-
dio em que surgiu uma corneta em Tubbieland, e Laa-
Laa se assustou, pois ela nunca tinha visto uma corneta
na vida. Então Po mostrou como o instrumento funcio-
nava. Mas Laa-Laa começou a tremer de medo. Ela não
entendia como alguém pode soprar dentro de um obje-
to e emitir um som.
Po foi paciente, e mostrou, umas vinte e cinco vezes,
como a corneta funcionava. Daí Po dizia a palavra “cor-
neta” e Laa-Laa repetia: “corneta”. Po soprava a corne-
ta e Laa-Laa se assustava. Então Po dizia “corneta”, e
Laa-Laa repetia. Isso durou uns dez minutos, aproxima-
damente. Eu, com quatro meses de idade e nenhuma
capacidade de fala, estava a ponto de dizer “saxofone”
para que aquilo chegasse ao fim. Tem dia em que eles
me levam à loucura.

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