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Será possível sentirmos cada segundo que demoradamente não passa?

O agora que se arrasta para sempre e sempre.


Gosta de ir ver os avós, não da viagem, que nunca mais acaba, dura, dura, dura…
Não dá para brincar, não tem sono para dormir, o jogo de contar carros brancos é
chato.
Se voltar a perguntar à mãe se ainda falta muito, leva: “já não te posso ouvir
mais, cala-se senão levas”.
Levaria um açoite ou uma bofetada. Será que a mãe conseguiria chegar até ele?
Preso na cadeira não dá lá muito para fugir, podia encolher as pernas, voltá-las
mais para o lado. Imagina a mãe virada para trás, de cara fechada – não gosta quando
ela fica assim – a tentar acertar-lhe. Não lhe ia doer no corpo, mas na alma, sim.
Ainda mais à frente do pai.
O pai trabalha muito, mas às vezes fala com ele como se fossem os dois crescidos,
são os dois homens para ir ao futebol, e quando lhe dá mão ou quando o coloca sobre os
ombros, sente-se seguro, no topo do mundo.
Também o pai está com um ar severo. Devem estar os dois tão chateados quando
ele com aquela viagem que nunca mais acaba.
Quando era pequeno lembra-se de terem cantado no carro, mas algo lhe diz que se
começasse ele a cantar sozinho agora não seria boa ideia.
Talvez a mãe querer bater-lhe os pudesse animar a todos. Ou talvez não.
Vê os olhos da mãe no espelho retrovisor a olhar para ele. Não consegue perceber
se ainda está zangada.
Olha de novo pela janela, árvores correm de um dos lados, do outro raramente
passam carros. E começa a escurecer. Ouve o barulho do pisca e sente o carro a
abrandar. Não diz nada, espera apenas que seja porque finalmente chegaram.

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