Você está na página 1de 10

gregorio duvivier

Caviar é uma ova


Copyright © 2016 by Gregorio Duvivier

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Capa
Alceu Chiesorin Nunes

Ilustração do peixe
Ivan Kotliar/ Shutterstock

Preparação
Silvia Massimini Felix

Revisão
Adriana Bairrada
Ana Luiza Couto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)


(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Duvivier, Gregorio
Caviar é uma ova / Gregorio Duvivier. — 1a ed. — São Paulo
: Companhia das Letras, 2016.

isbn 978-85-359-2816-7

1. Crônicas brasileiras i. Título.

16-07514 cdd-869.8
Índice para catálogo sistemático:
1. Crônicas : Literatura brasileira 869.8

[2016]
Todos os direitos desta edição reservados à
editora schwarcz s.a.
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 —­ São Paulo — sp
Telefone: (11) 3707-3500
Fax: (11) 3707-3501
www.companhiadasletras.com.br
www.blogdacompanhia.com.br
facebook.com/companhiadasletras
instagram.com/companhiadasletras
twitter.com/cialetras
Sumário

Triste balneário, 9
Desculpa, São Paulo, 11
O que aprendi com quem, 13
Serhumanidade, 15
Terra estrangeira, 17
Chupa, Dado, 19
Perdemos, 21
Estágios do assalto, 23
Ator e autor, 25
Sísifa feliz, 27
Empatia é quase amor, 29
Todos atentos olhando pra tv, 31
A cerimônia do adeus, 33
Sábado, 35
Capricha no chorinho, 37
Somos todos pinguins, 39
Viva a falta de respeito, 41
O grande romance do século xxi, 43
Minha avó Ivna, 45
Lembrar de esquecer, 47
Abraço caudaloso, 49
O sangue que corre nas nossas veias, 51
O céu fica aqui pertinho, 53
Haters gonna hate, 56
Neologismos, 58
Bíblia secreta — parábolas apócrifas, 60
Vergonha parcelada, 62
Viver pra postar, 64
Contra a corrupção!, 66
Calvofobia, 68
Álvaro, me adiciona, 70
Social das redes sociais, 72
Crônica de raiz, 74
O novo pau-de-selfie, 76
Que ódio, 78
Querido pastor, 80
A privada e a bicicleta, 82
rip Rio, 84
Não quer ajudar, não atrapalha, 86
Não entendo, 88
Por que odiar o pt, 90
Não era amor, era cilada, 92
Aquele mamão mofado, 94
Do outro lado da folha, 96
Luisa, 98
Mundo, Brasil, Rio, Casa, 101
O folgado e o ilunga, 103
Carteira cheia, carteira vazia, 105
Só neste país é que se diz neste país, 107
Dois mil e crise, 109
A mesa de cabeceira, 111
Aforismos pra sabedoria de vida, 113
Achados e perdidos, 115
Alô. Som. Testando., 117
Contratempos, 119
O certo, o justo e o imbecil, 121
Adeus, Facebook, 123
Festa estranha, gente esquisita, 125
Os ignorantes do Leblon, 127
Até que a morte nos separe ainda mais, 129
Dietas do verão, 131
Carnaval: modo de usar, 133
Potenciais assassinos, 135
O bloco que não acabou, 137
Um dia vai ser muito estranho, 139
Dúvidas de um ignorante, 141
Do que é que se tem saudade, 143
O sequestro das palavras, 145
Festejando no precipício, 147
Amanhontem, 149
WhatsApp: modo de usar, 151
Nunca é tarde pra abrir os olhos, 153
Faltou combinar com os russos, 155
Permissão pra sonhar, 157
House of Soraya, 159
Não se mate ainda, não, 161
O que é que ele tem, 163
Barbara, 165
Cacarecos da língua, 167
O relacionamento aberto, 169
Lambança do Datafolha revela Folha mais conservadora que ca-
pitalista, 171
Dona Folha, tá difícil te defender, 173
Desculpe o transtorno, preciso falar da Clarice, 175
Triste balneário

Vim fazer um filme em São Paulo. Aluguei um apê no Co-


pan. Com o preço do aluguel, compraria uma esfiha no Rio.
Acordo todo dia às seis da manhã com gosto. Posso ver a cidade
inteira amanhecendo. No apartamento, tem uma bicicleta em
perfeito estado. Ligo pro dono, ele diz que é só encher o pneu. No
Rio, ele teria cobrado uma taxa extra: setecentas esfihas.
Aqui, ando de bicicleta pela cidade inteira. A cada dia surge
uma nova ciclovia. No Rio, a prefeitura acha que bicicleta é uma
espécie de pedalinho — uma ótima maneira de passar o domin-
go. Em São Paulo, ela está sendo tratada como um meio real de
transporte. Até 2015 vai ter ciclovia na Paulista.
Clarice reparou que, quando alguém te recomenda alguma
coisa em São Paulo, a coisa geralmente é boa de verdade. No Rio,
as pessoas gostam de gostar ironicamente. “Você tem que comer
aquela pizza ruim. É tão ruim que é boa.” Carioca se apega ao
péssimo. Gosta porque gosta da ideia de gostar — não tem nada
a ver com qualidade. A prova disso é que a Pizzaria Guanabara
segue de vento em popa.

9
Eduardo Paes importou a lei Cidade Limpa — paulistana.
Tirou todos os outdoors da cidade. Muito legal. Proibiu também
os cartazes na fachada do teatro. Menos legal. Fiquei meses em
cartaz, ironicamente sem cartaz. Pra piorar: no lugar dos cartazes,
o prefeito espalhou autopropaganda. Agora, nas eleições, degrin-
golou. A cidade está abarrotada de cavaletes políticos irregulares
— inclusive e principalmente dos cúmplices do prefeito que se
vangloria de ter feito o tal choque de ordem. Em São Paulo, a
prefeitura proibiu o outdoor. No Rio, ela garantiu o monopólio.
Enquanto em São Paulo a polarização se dá entre pt e psdb,
no Rio é entre o tráfico e a milícia. O carioca vota num candi-
dato pra evitar que o outro se eleja. “Vou votar no pastor pra não
ganhar o miliciano.” “Vou votar no traficante pra não ganhar
o homicida.” Já vi gente discutindo qual candidato era menos
assassino. “A diferença é que seu candidato mata. O meu é dife-
rente. Ele só manda matar.”
Resumindo a tragédia, a disputa atual se dá entre um can-
didato chamado Pezão e outro chamado Garotinho. Não, não é
uma história infantil de péssimo gosto. É terror da pior espécie.
O Haiti não é mais aqui. Ao contrário do Rio, o país mais
pobre da América já saiu da guerra civil e está passando por um
processo civilizatório. Já o Rio tem se transformado num califa-
do ultrarreligioso governado ora por traficantes, ora por milicia-
nos — onde um cafezinho ruim pode custar oito reais.

10
Desculpa, São Paulo

Na última coluna, falei mal do Rio e bem de São Paulo.


Ofendi profundamente muitos paulistanos. Recebi uma enxurra-
da de e-mails: “Você fala assim porque não mora aqui. É fácil
falar bem, quero ver se mudar pra cá”. Não se elogia São Paulo
impunemente. Elogiar a cidade é trair o espírito paulistano.
Parece que existe um acordo telepático: “Pessoal, vamos combi-
nar que a gente odeia isso aqui? Ótimo”.
Desculpa, São Paulo. Quando te elogiei, não quis te ofender.
A intenção era falar mal, não sei o que deu em mim, acabei falan-
do bem. Sim, sei que você tem problemas. Mas acho que estou
meio gostando de você. Desculpa. Calma. Não bate em mim.
Em minha defesa: sou carioca. O ufanismo é uma tradição
local, assim como o biscoito Globo, o mate de galão e aquele atra-
so de meia horinha. A cidade que inventou o aplauso ao pôr do
sol popularizou o autoaplauso — também conhecido como bei-
jinho no ombro. O cancioneiro popular carioca é uma sucessão
de autorreverências: sou foda, o Rio de Janeiro continua lindo,
meu exército é pesado, a gente tem poder, cidade maravilhosa,

11
na cama te esculacho, coração do meu Brasil. Os hinos paulis-
tanos são muito mais modestos: a deselegância discreta de suas
meninas, São, São Paulo, quanta dor, não existe amor em sp,
entre você e a Angélica encontrei a consolação.
São Paulo inventou o um-beijinho-só, essa coisa de gênio.
O beijinho do cumprimento é uma formalidade que não envol-
ve nem prazer nem afeto real — então que passe rápido. Acordo
telepático: “Vamos combinar que é um beijinho só? Ótimo”.
São Paulo tem medidor de poluição nos relógios. Não vejo
nenhuma justificativa pra isso a não ser o prazer no autoflagelo.
O que vai mudar na sua vida agora que você sabe que o ar está
péssimo? Nada. Você não vai comprar uma máscara de oxigênio.
Não vai plantar uma árvore. Mas agora você pode reclamar que
o ar está péssimo. Ótimo.
O excesso de amor-próprio do carioca gerou uma cidade
insuportável — cega pros seus problemas. O hábito da autopicha-
ção acabou fazendo o paulistano ter sérios problemas de autoes-
tima. Deixa um carioca deslumbrado te amar, São Paulo.

12

Você também pode gostar