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RBL: O campo que se tem chamado 'pedagogia de projetos', 'educação por projetos'
ou 'projetos de trabalho' tem se revelado de difícil definição, podendo abrigar
concepções muito distintas de trabalho. Como, no momento atual, o senhor definiria
a sua concepção do trabalho com projetos em sala de aula, isto é, o que tem
norteado o seu trabalho?
Fernando Hernandez: Faz tempo que não utilizamos estas denominações, pois não
representam o que fazemos nas aulas e distorcem nossa visão da educação. Falamos
da perspectiva educativa de projetos de trabalho (PEPT) que é uma visão a respeito
das relações pedagógicas e do aprendizado por meio do diálogo e da indagação. Nossa
Fernando Hernandez: Estamos falando de uma perspectiva educativa que não segue o
que é hegemônico e dominante na educação, que agora é guiado pelos resultados de
provas padronizadas, confundindo, novamente, instrução com educação.
Recentemente, foram concluídas duas teses de doutorado que tratam das
contribuições dessa perspectiva, e o mais importante é que se torna evidente, nas
observações, a formação e a vida em sala de aula, que se geram transformações que
mudam não só as relações, mas também o sentido da escola e o lugar dos sujeitos.
Neste processo, tem um papel muito importante o fato de que tanto docentes e
estudantes, assim como as famílias, sintam-se e entendam-se como autores que geram
conhecimento e saber pedagógico.
Isso significa que não se pode propor a PEPT como uma fórmula que se adota em sala
de aula sob o guarda-chuva de uma moda. Ou se compartilha aos poucos a mudança
que supõe (pois é uma transformação que não ocorre somente em um dia) e se realiza
junto com outros, ou não tem sentido.
Por isso, faz tempo que não “vendemos” a PEPT, nem tentamos convencer os outros.
Pedimos que se aproximem e compartilhem o que fazemos. Se eles veem que pode ter
sentido para eles, podemos caminhar juntos, se não, há muitos caminhos para a
educação que podem ter sentido.
RBL: Parece-nos que há uma associação muito frequente entre o trabalho com
projetos e inter/trans/multidisciplinariedade. Como o senhor vê a relação entre o
trabalho ancorado em projetos e um fazer docente inter/trans/multidisciplinar?
Fernando Hernandez: As perguntas que você faz são como uma volta ao túnel do
tempo. Nós aprendemos com livros, com relatos de experiências, com o que
procuramos na internet, com o que outras pessoas nos trazem para a escola. Nossas
aulas estão cheias de livros, mas não de livros didáticos, que têm um olhar homogêneo
e uma forma de considerar o conhecimento e o modo de aprender simplificadores. Por
isso, já não nos perguntamos sobre a utilização ou não dos livros didáticos. Cada um
tem suas necessidades. Se considerarmos nossa sala de aula como um lugar para
sentir-nos e saber-nos autores, estamos abertos para aprender a partir de múltiplas
fontes, não só de uma.
RBL: Alguns colegas criticam o trabalho com projetos por conta de suas dificuldades
de planejamento (já que o docente nunca sabe como o projeto será recebido pelos
alunos) e de avaliação. Na sua experiência, como o docente pode minimizar as
dificuldades no campo do planejamento? Quais são as possibilidades em termos de
avaliação?
Fernando Hernandez: O que você me pergunta é uma visão dos projetos baseada em
uma concepção do conhecimento, do aprender e do fazer docente que não
compartilhamos. Seria necessário muito espaço para explicar como enfrentamos o
planejamento e a avaliação. Mas lhe digo que a frase “o docente nunca sabe como o
projeto será recebido pelos alunos” implica uma concepção dos projetos que não faz
parte de nossa bagagem. Não é algo que o docente “leva ou dá” aos alunos. É algo que
se constitui de maneira conjunta. Por isso, o planejamento vai sendo construído assim
como a avaliação. Não é uma prova feita no final para ’medir’ um resultado, mas é algo
RBL: Quais as principais diferenças no trabalho com projetos entre diferentes faixas
etárias e níveis de ensino?
Fernando Hernandez: Não sei, pois sua pergunta sugere que existe uma
sequencialidade estável que deve ser seguida e que está vinculada a uma concepção
particular do desenvolvimento e da estrutura da escola. Esta é uma visão que não
compartilhamos, porque parece uma forma de colonizar a infância e a vida em sala de
aula. Cada vez mais tentamos produzir cruzamentos e tecer relações entre os
diferentes grupos de uma escola. Por isso, pensamos que se aprende melhor em
grupos heterogêneos e não homogeneizados pela idade ou nível. Algo que, sem
dúvida, supõe uma falsa homogeneização que reflete mais interesse no controle dos
alunos do que em sua aprendizagem.
RBL: O trabalho com projetos parece ser muito bem recebido na educação básica,
sobretudo com crianças e adolescentes. Entretanto, no ensino superior, o trabalho
com projetos pode ser visto como algo trabalhoso e que desvia a atenção do
'conteúdo'? A partir de sua experiência, como pode funcionar o trabalho com
projetos no ensino superior?
Fernando Hernandez
Professor do setor de Pedagogias Culturais da
Faculdade de Belas Artes da Universidade de
Barcelona. É membro do grupo de investigação
consolidado ESBRINA (http://www.ub.edu/esbrina) e
coordenador do grupo de inovação docente INDAGA-T
(http://www.ub.edu/indagat). Autor de obras como
Cultura visual, mudança educativa e projeto de
trabalho, A organização do currículo por projetos de trabalho e Transgressão e
mudança na educação: os projetos de trabalho, atualmente acompanha processos de
mudança em escolas e investiga sobre novas formas de aprender.
William Kirsch
Mestre em Linguística Aplicada (UFRGS), especialista em
TESOL (ensino de inglês como língua estrangeira) pela School
of International Training (Brattleboro, Vermont, EUA) e
licenciado em Letras Inglês-Português (UFRGS). Tem lecionado
desde 2004, tendo trabalhado em diversas escolas
particulares e públicas, e cursos de idiomas.