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O Rei Peste

Título original: King Pest

Publicado em 1835

Era no mês de outubro, sob o reinado cavalheiroso de Eduardo III. Aí por

volta da meia noite, dois marujos da tripulação do Free and Easy, escuna de

comércio que fazia o serviço entre Ecluse (Bélgica) e o Tamisa, e que estava

então ancorada neste rio, achavam-se sentados na sala de uma taverna da

paróquia de Santo André, em Londres, a qual tinha por insígnia Alegre lobo do

mar.

Essa sala, mal construída, com tetos em cima da cabeça, denegrida pelo

fumo: semelhante enfim a todas as tavernas daquela época, agradava apesar

disso aos diferentes grupos de bebedores que a ocupavam.

Dentre esses grupos, os dois marinheiros formavam, a nosso ver, o mais

interessante, se não o mais notável.

O que parecia mais velho e a quem o outro dava o nome caraterístico de

Legs (pernas), era também o mais alto dos dois. Tinha bem uns seis pés e meio

de cima até abaixo e, consequência necessária de tão prodigiosa estatura, andava

um pouco curvado. A superfluidade de altura era, contudo, mais que compensada

por défices noutras dimensões; era por exemplo tão excessivamente magro que o

seu corpo, diziam os companheiros, poderia substituir perfeitamente o mastro do

navio ou o pau da giba. Mas evidentemente essas brincadeiras e outras análogas

nunca tinham podido fazer sorrir o lobo do mar. Com um grande nariz de falcão,

um queixo fugente o deprimido, uns enormes olhos brancos protuberantes, a sua

fisionomia, posto que exprimindo uma espécie de indiferença geral, não deixava

de ser séria e solene além de toda a imitação ou descrição.


O segundo marujo era, pelo menos aparentemente, a inversa e a recíproca

do primeiro. O seu corpo carnudo e pesado assentava sobre um par de pernas

arqueadas e rechonchudas, enquanto que os braços, singularmente curtos e

grossos, terminados por pulsos mais que ordinários, pendiam-lhe aos lados,

balançando-se no ar como as barbatanas de uma tartaruga. Tinha os olhos muito

pequenos, sem cor definida e profundamente cravados nas órbitas. O nariz ficava

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