Você está na página 1de 116

Diretora Fundadora:

Sara Maria Alves Gouveia Bernardes


Coordenação Científica
Amelia Imbriano
Cilas Bernardes Rosa
Enrique Coscarelli
Joaquim José Miranda Júnior
José Luis Fliguer
Kaminsky Mello
Manoel Felizardo
Mario Secchi
Nicolás Rodríguez León
Raphael Silva Rodrigues
Sara Maria Alves Gouveia Bernardes
Conselho Editorial:
Cilas Bernardes Rosa
Daniela Bessa
Eliane Bernardes Rosa de Miranda
Francis Albert Cotta
Joaquim José Miranda Júnior
Josinaldo Leal
Manoel Felizardo
Sara Maria Alves Gouveia Bernardes
Thiago Perez
Valéria Fernandes
Editor Responsável:
Dr. Cilas B. Rosa

Diagramação e Revisão Textual:


Amanda Gama

Estagiário de Edição:
Thiago Florêncio

Capa:
Sandra Cotta
2019 Editora Edições Superiores

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer


meio
ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos
, fonográficos, e videográficos. (Lei n. 9.610, de 19.02.1998).

Av. Miguel Perrela, 698 - Castelo - Belo Horizonte /MG CEP: 31.330-290
http://edicoessuperiores.com.br/
Impresso no Brasil/ Printed in Brazil
C846 Cotta, Francis Albert.

Vozes das Ruas[Livro Eletrônico]: Ressentimentos Sociais e Manifestações em Junho


de 2013/Francis Albert Cotta._ Edições Superiores: Belo Horizonte, 2019.

115p.
ISBN: 978-85-66165-47-0

1. Política e Movimentos Sociais; 2. Processos Sociais; Dinâmicas Sociais; 3.


Ressentimentos Sociais e Manifestações Populares: olhares sobre as Jornadas de Julho.
II. Francis Albert Cotta

CDU: 329:316.4
CDD: 323.4
Apresentação

Vozes das Ruas trata da pluralidade das manifestações populares


que eclodiram em junho de 2013 no Brasil. mais especificamente nas Minas
Gerais e em Belo Horizonte, um horizonte que não foi belo para todos. No
inicio da caminhada construiu-se uma base interpretativa na qual se lançou
luz sobre os conceitos: ressentimentos sociais, discursos, ações dialógico-
comunicativas e longa duração. Em seguida, procurou-se desvelar a
construção da história de negação à palavra e à escuta, por meio de temas
que ligavam os ressentimentos sociais ao processo sócio-histórico brasileiro. à
democracia e à memória coletiva. Ao caminhar pelas ruas da cidade se observou
atentamente a polifonia dos atores sociais e dos cartazes de protesto, vistos
como imagens que falam, bem como das ações dialógicas na esfera pública
enquanto um exercício possível na construção da cidadania ativa.
Prefácio
Em livro recente, Pierre Dardot e Christian Laval analisam o atual momento
do mundo sob a hegemonia do neoliberalismo, principiado nos governos
de Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Asseguram que ele se mantém pelo
assentimento de uma lógica governamental, econômica e antropológica que lhe
são próprias. O valor dessa obra se adensa por situar a questão antropológica
às analises duras dos esgotamentos dos edifícios políticos e econômicos. A
autocompreensão, a construção das identidades e os modos de produzir sentidos
e significados para o existir humano em determinado momento histórico
precisam compor, de maneira complexa, os empenhos de compreensão. E deve
ser assim porque o real histórico é complexo em sua efetividade. Não há êxito
intelectual em fragmentar a análise de realidades complexas.
Os ambientes políticos e econômicos mantem-se na medida em que
encontram simetria de seus valores nas mentalidades. O neoliberalismo é a
expressão do capitalismo contemporâneo absorvido como regra geral de vida. Sua
antropologia organiza o estar humano das pessoas fazendo-as compreenderem-
se como realidades atomizadas, numa sanha individualista capaz de atrofiar as
manifestações públicas de cuidado com o espaço público, a casa comum.
Estamos assistindo a diversas formas de anúncios da crise desse modo político,
econômico e antropológico de organização da vida, da economia e de solução dos
conflitos da sociedade. Esses autores asseguram que o neoliberalismo, por um lado,
corrói regras, instituições e direitos, e, por outro, produz certas maneiras de viver,
certas relações sociais e subjetividades. Ele elabora em nós os sentidos de uma vida
que se reduz a um ato de competição generalizada. A livre competição do mercado é
a chave reguladora de todos os modos da sociedade existir. O capital, que foi criado
pelo ser humano, se apresenta ao seu criador de maneira emancipada impondo-
lhe sua lógica. O sacerdote e o milagre. O professor e o conhecimento. Todos são
reduzidos à condição de mercadoria. Estamos vivendo a tragédia de um Frankstein
real que surge vivo e mata seu criador. A razão planetarizada no mundo é a razão
do capital.
As instituições tradicionais como o estado, os partidos políticos e os sindicatos
não estão conseguindo serem lugares de mediação das demandas políticas
da sociedade por sofrerem dois tipos de atentados. O primeiro é a corrosão do
poder do capital de comprar as consciências, instituições e de subordinar a si os
interesses individuais, públicos e políticos. O segundo é a defasagem do tempo.
Essas instituições estão mais afeitas ao mundo do século XIX. Os modos de existir
atuais apresentam demandas novas de uma sociedade cada vez mais plural nos
modos de existir dos distintos grupos.
Esses novos modos de uma sociedade que se constitui cada vez mais complexa
são tratados por este livro de Francis Albert Cotta. Trata-se de um trabalho potente
que se debruça sobre o tema dos movimentos de junho de 2013. Esses eventos
eram imprevistos até sua véspera. Aconteceram em um momento em que a política
e seus modos de ação pareciam estar numa crise profunda sem lograr êxitos nas
mobilizações de cidadãos nos espaços públicos.
Esses movimentos começam a ganhar seus intérpretes de maneira ainda muito
tímida. Francis figura entre aqueles que se arriscam a interpretar a história antes
que a coruja de minerva desça de seu vôo e pouse segura. Antes que caia a noite,
ou, em plena noite escura, esse trabalho constrói modos de análise que permitem
que o leitor saia do texto (a)crescido das interpretações do autor sobre seu objeto
e, também, de modos de organizar o pensamento e a interpretação de um evento
social.
Como um historiador do tempo presente, o autor, por meio de um particular
percurso de análise, identifica aquilo que chama de ressentimentos sociais
nesses movimentos, situando-os dentro um arco temporal de longa duração nas
mentalidades de nossa história política. Marcada pelo autoritarismo, a nossa
“cidadania a porrete”, segundo José Murilo de Carvalho, funda-se no cidadão que
reconhece sua subalternidade e a recebe como uma dádiva. O choque dessa cultura
política marcada pelo nosso iberismo e coronelismo encontra a mentalidade
concorrencial do neoliberalismo importada por nós no princípio da década de
1990, promoveu uma síntese de impressionante potência e alcance que ainda nos
absorve em seus movimentos, inseguranças e imprevisibilidade.
O trabalho é escrito dentro de um quadro interpretativo que coloca distintas
ciências das humanidades em uma dinâmica inter e transdisciplinar. Ele faz a história,
a psicologia social, a psicanálise e o direito movimentarem seus instrumentos de
investigação com um resultado que permite ao leitor sair com a boa sensação de
que a leitura valeu a pena. O ambiente, as subjetividades e os dados objetivos da
conjuntura sócio-política-cultural são manejados com rigor e leveza.
Além da contribuição de seu conteúdo o trabalho também é uma lição de
método de investigação. Ele está disposto em quatro momentos teóricos centrais
precedidos pela introdução e encerrado pelas considerações.
Principia pela construção da base conceitual que vai orientar a condução do texto.
Nesse momento, a definição de ressentimentos sociais é elaborada bem como os
modos dos discursos e das ações comunicativas e dialógicas. E isso é situado no
tempo, revelando que as mãos que conduzem a pena pertencem a um historiador.
A seguir, passa para o momento brasileiro. Apresenta uma descrição de nosso
processo histórico no qual se constroem os ressentimentos sociais. Seguindo o
caminho de Jacques Le Goff, que demostra que o historiador pode/deve transformar
aquilo que for útil para a sua pesquisa em documento, Francis lança mão das
“imagens que falam” analisando os cartazes presentes no movimento e das “outras
falas ‘nas ruas’”.
Por fim, conduzindo o leitor para o caso específico da capital mineira,
Francis conduz um texto onde o leitor sente-se participando dos eventos e da sua
interpretação. O leitor sente-se colaboradordas interpretações que ele propõe.
Este é um livro corajoso. Escrito ainda antes que o dia amanheça. Creio que
quando amanhecer (e amanhecerá!) este trabalho permanecerá como interpretação
relevante e como testemunho de um autor que participou desses eventos como seu
pesquisador acadêmico e como um participante de seus fatos. É resultado de quem
viu como ator intérprete.

Wellington Teodoro da Silva


Professor do programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC Minas
Professor convidado pela Universidade de Havana
PRÓLOGO EN ESPAÑOL
“Porque es necesario aprender ambas cosas a la vez, lo
verdadero y lo falso de la entidad entera, a costa de mucho
trabajo y mucho tiempo […] cuando después de muchos
esfuerzos se han cotejado unos con otros cada uno de
ellos: nombres, definiciones, […] cuando se han sometido
a discusiones benévolas […] entonces de repente el
discernimiento (phrónesis) y el intelecto (noûs), echan luz
sobre cada objeto con toda la intensidad que les es posible a
la capacidad humana”.
Platón. Carta VII a, 344b

Educar é um exercício de imortalidade. De alguma forma


continuamos a viver naqueles, cujos olhos aprenderam a ver
o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não
morre jamais...
Rubem Alves

El primer epígrafe citado acompaña al elegido por nuestro autor y permiten


orientarnos respecto al sentido de lo que ha llegado a ser en nuestros días la
forma más universal, representativa y prestigiosa del saber: la investigación.
El témino investigatio proviene del verbo latino investigare, “seguir la pista”,
significa perseguir un rasgo original en la impresión de la huella, tratar de descubrir
el golpe de la pisada en los residuos, en alusión a vestigium que se refiere a la
planta del pie, y por extensión a “seguir la huella”.
El investigador llamado por el deseo del descubrimiento y consagrado a
él, es un ser humano sui generis: es primariamente una persona signada por la
particularidad inquisitiva. A nuestro autor-investigador, los hechos se le aparecen
como interrogantes, indicios o señales que reclaman un desciframiento. De este
modo, en su afán de conocer y experimentándose como sujeto del conocimiento,
no se contenta sólo con indagar y describir los fenómenos, sino que también
construye métodos y técnicas heurísticas para anticiparse, ampliar y efectivizar
el campo de sus objetos de estudio.
Francis Albert Cotta en “Vozes da Rua” tiene la posibilidad de ejercitar su
actividad de investigación ante un horizonte que se amplía cada vez más, pudiendo
orientarse, desde hechos acontecidos y visibilizados, hacia lo no detectable por
su pequeñez y fugacidad y logra, en su producción, producir nuevas entidades de
estudio y de trabajo. Tiene, además, la característica determinante de ajustarse a
un objeto preciso de estudio, de construir un método de exploración ubicuo, de
utilizar un lenguaje o tipo de enunciados apropiados y de comprobar su validez
con criterios de prueba que también le son afines. Es en este sentido, nuestro
autor merece propiamente la denominación de “investigador”. Él sabe que en
Psicología, la actividad investigativa es su raigambre, su origen, su desarrollo y su
porvenir, por ello no ha cesado, y he aquí su esfuerzo y su deseo de transmitir sus
conocimientos, cumpliendo una función social superlativa. Destacamos la misma,
pues consideramos que esta obra en su esfuerzo por responder por el compromiso
socio-cultural con el padecimiento humano, que el autor logra con un avance
disciplinar riguroso. Se trata de “una producción responsable”. ¡Su espíritu nos
entusiasma para invitar al lector!
El autor no necesita oscurecer aguas para que parezcan profundas, sino lo
contrario, puede plantear lo más profundo e íntimo del sujeto con sabia simplicidad.
Comprobamos que trabaja en función de la indagación de los procesos anímicos
comprometidos en los actos sociales, procede y progresa (del latín procedere-
processus) según los modos, la forma y el orden que requiere una disciplina en donde
existen precedentes y cada noción o concepto debe guardar un orden respecto de
los otros.
El libro presenta un análisis sobre las Jornadas de Junio, que tuvieron lugar
en Brasil en 2013, respecto a las manifestaciones acaecidas en el estado de Minas
Gerais, presentando interpretaciones posibles de los motivos que llevaron a
ciudadanos indignados a ocupar las calles de las ciudades. A través de afrontar
sus preocupaciones, logra una serie de intelecciones referidas a los modos del
funcionamiento de la persona y los grupos sociales, los fenómenos en los que
se precipitan, velando encontrar una coherencia rigurosa entre cada uno de los
conceptos de los cuales se sirve. En este sentido, las diversas experiencias de las
Jornadas de Junio, resultaron pedagógicas.
Es de destacar que el trabajo producido, en términos metodológicos, es
novedoso y muy laborioso: optó por realizar un estudio de casos múltiples
integrados, de naturaleza descriptiva y explicativa, buscando desde los modos a
las causas de determinadas acciones de los actores sociales. Para ello, utilizó el
método indiciario y el análisis iconográfico a partir de imágenes vehiculadas por
los medios de comunicación impresos y digitales. Ha realizado el análisis de 31
imágenes. ¡Maravilloso análisis! ¡Ejemplar!
Respecto del tema que lo ocupa, propone dos hipótesis: la primera, relacionada
con los resentimientos sociales, gestados en la no concretización de las propuestas
republicanas como una respuesta posible; la segunda, presenta una posibilidad
interpretativa en relación con el proceso de madurez democrática en Brasil, que se
traduce en la construcción de una perspectiva dialogal y comunicativa en la arena
pública, por determinados actores sociales con cierto lastre de prácticas engendradas
históricamente.
En una tarea infatigable de interrogar por los fundamentos, y construir bases
sólidas a sus interpretaciones, realiza una revisión de la literatura relacionada con
temas tales como: Resentimiento Social, Larga Duración, Acción Comunicativa y
Acción Dialogal.
Su trabajo se despliega desde la observación de fenómenos hasta su hermenéutica.
Su punto de partida es la observación al respecto que las Jornadas de Junio en Brasil
fueron plurales; los actores en escena fueron múltiples: entre ellos se identificaron
aquellos que se sienten vilipendiados en sus derechos y que no se perciben como
co-autores de un pacto social que ya no legitiman, juzgándolo perverso y desigual,
considerando que algunas acciones y visiones de mundo pueden generar pasividad
y cinismo.
El lector encontrará que con gran respecto por cada hombre en particular,
Francis Albert considera que “ese ciudadano inactivo”, que se ve como objeto
pasivo, blanco de la protección del Estado, fue construido con una perspectiva
de larga duración por un Estado paternalista y asistencialista, que forjó un
sentimiento de dependencia, generando una apatía crónica. Coherentemente con
esta idea encontraremos en la lectura del libro sus explicaciones de los modos en
que históricamente se construyó un modelo político que incentivó la represión al
derecho de la palabra y de la participación política efectiva, como mostró la historia
de la República en Brasil.
Al utilizar la perspectiva dialogal y comunicativa, ha sido posible para Francis
Albert identificar la presencia de movimientos sociales que convierten las nuevas
formas organizativas de las Jornadas de Junio de 2013, en una oportunidad para
repensar sus ajustes internos y redefinir las estrategias de lucha por los derechos, a
la luz de esa nueva dinámica.
Si las manifestaciones populares, que eclosionaron en todo Brasil, fueron
espontáneas y efímeras, caracterizadas por la pluralidad de reivindicaciones, muchas
contradictorias entre sí, nuestro autor considera que los movimientos sociales son
coherentes, con demandas específicas y lastran en términos de organización y ritos
propios en el campo de los embates políticos.
La finalidad de la labor del autor es advertir que la participación de los
ciudadanos en el control de la acción del Estado depende de la destitución de esa
fantasía infantil respecto a un Otro que protege a los súbditos por amor.
El libro sostiene una propuesta con la cual consideramos se construye la
democracia: que la República debe sustituir el arbitrio del soberano por la voluntad
colectiva y que el ciudadano debe tomar las riendas de su propio destino, escudado
por los derechos individuales y sociales expresados en la Constitución de Brasil.
Decir que felicitamos al autor ¡es poco!
Decir que lo felicitamos como investigador ¡es poco!
Proponemos llamarlo Ciudadano con mayúsculas, y por ello, como
latinoamericana, le estaré siempre agradecida.
Buenos Aires, 25 de febrero de 2017.

Dra. Amelia Imbriano


Decana del Departamento de Psicoanálisis y Directora de Post Doctorado en
Psicología de la Universidad John F. Kennedy.
Para Sandra Cotta, por sua determinação, entusiasmo e
esperança no ser humano. Por exercitar cotidianamente a fala e
a escuta de maneira humanística e humanizadora.
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Pai, afasta de mim esse cálice


Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga


Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Pai, afasta de mim esse cálice


Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado


Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda


De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Pai, afasta de mim esse cálice


Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno


Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

Cálice. Chico Buarque e Gilberto Gil. 1973


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
PREFÁCIO
PRÓLOGO EN ESPAÑOL
1 INTRODUÇÃO
1.1. Contextualização e caracterização do objeto de pesquisa
1.2. Problema de pesquisa e hipóteses
1.3. Síntese do arcabouço teórico e conceitos
1.4. Breve percurso metodológico
1.5. Estruturação do trabalho e apresentação dos dados
2 CONSTRUINDO UMA BASE INTERPRETATIVA
2.1. Ressentimentos Sociais: em busca de um conceito
2.2. Discursos e ações dialógicas e comunicativas
2.3. Longa duração nos processos históricos
3 UMA HISTÓRIA DE NEGAÇÃO À PALAVRA E À ESCUTA
3.1. Processo sócio-histórico brasileiro e os ressentimentos sociais
3.2. Democracia e ressentimentos sociais
3.3. Ciências Sociais e Memória Coletiva
4 PLURALIDADE DE FALAS E AÇÕES
4.1. Imagens que falam: “Cartazes de Protesto”
4.2. Outras falas “nas ruas” e “redes” de expressão
4.3. Massa e multidão: violência coletiva num sistema violento
5 AS JORNADAS DE JUNHO NA CAPITAL DE MINAS GERAIS
5.1. A cidade e a lei: construções sócio-históricas
5.2. Discursos da lei e a instrumentalização das forças de segurança
5.3. Ações dialógicas na esfera pública: um exercício possível
5.4. Discursos da lei e a instrumentalização das forças de segurança
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGRADECIMENTOS
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE GRÁFICOS E QUADRO
1. INTRODUÇÃO

1.1. Contextualização e caracterização do objeto de pesquisa

Em meados de 2013, diante do evento esportivo mundial denominado “Copa


das Confederações”1 , realizado no “País do Futebol”,
eclodiram inumeráveis manifestações populares. Pessoas
de diversas localidades ocuparam as ruas das cidades.
Esses eventos ficaram conhecidos por “Jornadas de
Junho” (e dessa forma serão tratados no presente estudo).
A logo oficial da Copa das Confederações (FIG. 1), da
Fédération Internationale de Football Association (FIFA),
tem a seguinte descrição: ao centro e em primeiro plano,
um sabiá-laranjeira, ave típica do Brasil, com suas asas
abertas. Na parte superior direita uma bola de futebol.
Figura 1 – Logotipo oficial da Copa das
Confederações no Brasil. 2013. Abaixo está a inscrição “FIFA Confederations Cup”. Ao
Fonte:<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Copa_das_Confedera%C3%A7%- centro, e em segundo plano: “Brasil 2013”2.
C3%B5es_FIFA_de_2013>
Invertendo a lógica oficial da idealização iconográfica é
possível a interpretação de que nas “Jornadas de Junho” o
brasileiro sabiá-laranjeira, em seu vôo, dá as costas para
o futebol (bola em movimento) e passa ao largo da FIFA, com olhos fixos em outra
direção. A ideia de movimento é percebida na imagem. “Movimentos” não faltaram
na Copa das Confederações. Uma das maiores manifestações ocorreu no dia 22 de
junho de 2013, durante o jogo entre México e Japão, realizado em Minas Gerais.
Sobre o incidente assim noticiou o jornalista Marcos Castiel (2013):

1 A Copa das Confederações é um campeonato internacional de futebol organizado pela FIFA. Esse torneio é
realizado de quatro em quatro anos, nos anos anteriores ao da Copa de Mundo de Futebol. Participam da Copa
das Confederações oito seleções, que representam as seis confederações de futebol, mais o país sede da Copa do
Mundo e o último campeão mundial da Copa do Mundo. Os jogos acontecem sempre no país que irá sediar a Copa
do Mundo no ano seguinte.
2 Revista Placar. 1º de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://placar.abril.com.br/materia/fifa-lanca-logotipo-
-oficial-da-copa-das-confederacoes>
Cenário de guerra no entorno do Mineirão mostra o que espera o Brasil em Belo Horizonte

Manifestantes e Polícia Militar mineira entraram em choque no entorno do Mineirão

O teste final para esperar o Brasil em Belo Horizonte mostrou que a capital mineira está
preparada para duas copas: a das Confederações e a das Manifestações.
A velocidade do japonês Honda e a habilidade do mexicano Chicharito (autor dos dois
gols) desfilavam em campo no 2 a 1 que marcou a despedida de japoneses e mexicanos.
Ambos os times entraram em campo eliminados. Tudo no padrão Fifa, horário do jogo
respeitado, fair play e estádio cheio e animado.
A poucos quilômetros dali, a indignação e os protestos de manifestantes desfilavam
entre o Centro e a Avenida Antônio Carlos, que
leva à Pampulha, região do Mineirão. Tudo no novo
padrão social brasileiro: maioria pacífica, porém
com confrontos violentos na tentativa de invadir o
perímetro proibido pelo governo a pedido da Fifa.
Se configuram dois mundos distintos em uma
Figura 2 – Cenário de Guerra em torno do Mineirão. 22 Jun área muito próxima. Nas imediações do estádio
2013.
Fonte: Diário Catarinense. famílias, estrangeiros e muita organização; fora
dela, a tropa de choque entrando em ação para
impedir o avanço da multidão no perímetro de três
quilômetros reservado pelo governo do Estado.
Na mata que circunda a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também na
Pampulha, vizinha do Mineirão, homens da Força Nacional de Segurança, camuflados,
cuidavam para não haver invasão. Dentro do estádio, aproximadamente 45 mil torcedores.
Fora dele, 60 mil protestantes, segundo a Polícia Militar, 100 mil segundo anunciam as
redes sociais.
O uso de spray de pimenta e as bombas de gás foram constantes para dispersar a
multidão. Alguns mascarados atacavam com pedras e bombas caseiras. Quatro policiais
ficaram feridos, um deles hospitalizado ao ser atingido com uma pedra na cabeça. Três
manifestantes e um repórter fotográfico também foram atingidos.
Os protestos terminaram com um ferido grave, um adolescente de 16 anos que caiu
de um viaduto. Houve ainda depredações no bairro da Pampulha, com uma concessionária
de veículos destruída. A Cavalaria entrou em cena e mascarados atacavam com coquetéis
molotov. As cenas que aconteceram no jogo Taiti e Nigéria se repetiram. Novamente o
futebol perdeu de goleada para o momento delicado que vive Belo Horizonte na relação
com a Copa das Confederações3.

A narrativa de uma testemunha ocular dos fatos ocorridos traz ao leitor um


pouco do ambiente tenso que marcou aquele fatídico dia de junho de 2013. Mas
não somente de enfrentamentos com as forças de segurança se fizeram as Jornadas
de Junho em Belo Horizonte.
Na Capital Mineira as manifestações seguiam uma lógica semelhante:
pela manhã e tarde, um público diferente dos
enfrentamentos (entre eles, crianças, adolescentes e
idosos) se reunia no obelisco da Praça Sete (centro
de Belo Horizonte) e iniciava uma caminhada até as
mediações do estádio Mineirão.
Ao se aproximar do Estádio Magalhães Pinto
(Mineirão) outros atores entravam em cena portando
máscaras, bombas caseiras, bolinhas de gude e coquetéis
molotov. Esses estavam preparados para os confrontos.
Figura 3 – Manifestantes no obelisco da Praça
As forças de segurança, por sua vez, mantinham a
Sete. Belo Horizonte. Minas Gerais. 22 Jun
2013.
área isolada em cumprimento ao acordo firmado entre
Foto: Futura Press. o governo do Brasil e a FIFA, por meio do Ministério do
Esporte em 29 de abril de 20114. O acordo foi enviado ao
Congresso Nacional, na forma de um projeto de lei, sendo divulgado pela mídia.
À época, o Ministro do Esporte, Orlando Silva, afirmou que não esperava
resistência do Congresso à Lei Geral da Copa. Assim se expressou: “A minha
expectativa é que a haja um grande entendimento, porque este não é um tema que
divide base e oposição, mas é um tema que une o Brasil”5. Entretanto, esse não foi
3 Disponível em: http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/esportes/copa-2014/noticia/2013/06/cenario-de-guerra-no-
entorno-do-mineirao-mostra-o-que-espera-o-brasil-em-belo-horizonte-4178528.html>
4 A polícia não tem vontade, ela deveria ser instrumentalizada pela vontade popular, por meio do arcabouço legal vigente, que por
sua fez é elaborado por representantes escolhidos pelo voto direto e secreto do cidadão. Sobre essa questão, (instrumentalização
da polícia), que seria o cerne de uma teleologia de emprego da polícia, já se expressava a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão (1789), em seu artigo 12: “A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é,
pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada”. Sobre as matrizes do sistema
policial brasileiro e a essência do “Mandato Policial” ver Cotta (2012). Ao interpretar as manifestações ocorridas em 2011, nível
mundial, Slavoj Zizek (2012) coloca as seguintes questões: “Que organização social pode substituir o Capitalismo atual? De que
tipo de novos líderes precisamos? E de que órgãos, incluindo aqueles de controle e repressão? (p.16).
5 Dois anos antes do evento o acordo foi assinado pelos representantes eleitos pelo povo brasileiro e enviado ao Congresso
Nacional, conforme consta no site oficial do governo brasileiro. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/esporte/2011/04/
governo-brasileiro-e-fifa-fecham-acordo-sobre-lei-geral-da-copa>.
o entendimento de boa parte da Academia e da população brasileira.
Em Belo Horizonte, a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais promoveu o Seminário “Copa da Exceção: desvios autoritários e resistências
populares na pátria das chuteiras”. De acordo com
o coordenador do evento, Prof. Dr. Andityas Costa
Matos, o objetivo era promover discussões críticas
sobre diversos aspectos envolvidos na realização da
Copa do Mundo de futebol, como transformações
políticas, jurídicas e sociais. O evento foi organizado
pelo grupo de pesquisa “O Estado de Exceção no Brasil
Contemporâneo” e pelo Centro Acadêmico Afonso
Pena. Durante os dias do evento, pesquisadores,
advogados e membros de entidades civis trataram de
Figura 4 – Cartaz do Seminário Copa da Exceção.
Fonte: Faculdade de Direito UFMG, 2013. temas tais como: mudanças na legislação relacionadas
a grandes eventos, mobilidade urbana, atuação da
polícia e papel da mídia6.
As Jornadas de Junho no Brasil podem ser vistas como um desdobramento de
um sentimento maior, em nível mundial, que teve seus prelúdios em 2011, com a
eclosão simultânea e contagiosa de movimentos sociais e manifestações de protestos
com reivindicações particulares em várias regiões do planeta, mas com formas de
luta muito assemelhadas e consciência de solidariedade mútua.
A “Primavera Árabe” começou no norte da África, derrubando ditaduras na
Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen. Posteriormente, os protestos estenderam-se
à Europa, com ocupações e greves na Espanha (Os Indignados da Puerta del Sol),
Portugal (Geração à Rasca), Grécia (Ocupação da Praça Syntagma) e a revolta nos
subúrbios de Londres. Manifestações eclodiram no Chile e nos Estados Unidos, o
Ocuppy Wall Street. Nos finais de 2011 várias manifestações ocorreram na Rússia.
Maria da Glória Gohn (2014) apresenta um estudo minucioso das “Praças dos
Indignados” mostrando os casos do Oriente Médio (Tunísia/Túnis – Egito/Cairo),
Europa (Grécia/Atenas – Espanha/Madri – Alemanha/Frankfurt) e Estados Unidos
(Nova York).

6 Disponível no site oficial da UFMG: <https://www.ufmg.br/online/arquivos/033131.shtml>.


Em todos os países houve um modus operandi semelhante: ocupações de
praças, uso de redes de comunicação alternativas e articulações políticas que
recusavam o espaço institucional tradicional. Zizek (2012) acrescenta: organização
horizontal, solidariedade igualitária e debates livres e abertos (p.16). Também
ocorreu, em vários momentos, uma falta de definição estratégica, programática e
teórica (Carneiro, 2012).
Para Carneiro (2012), algumas ações dos movimentos demonstraram para
“além de desespero individual, (...) o esgotamento psicológico de muitos povos em
um mesmo momento” (p. 8). O pano de fundo objetivo seria uma crise social,
econômica e financeira que se arrasta desde 2008.
No sentido psicanalítico, Zizek (2012) afirma que “os protestos são efetivamente
um ato histérico, provocando o mestre, minando sua autoridade, e a questão ‘o que
você quer?’ O ponto central é: “Fale nos meus termos ou cale-se!” (p. 23).
No Brasil, várias manifestações podem ser mapeadas na região sul do país ainda
em 2008. O estopim das manifestações de 2013 teria ocorrido no dia 6 de junho, na
cidade de São Paulo, com protestos mobilizados, inicialmente, pelo “Movimento
Passe Livre”, contra o aumento nas tarifas dos ônibus (certamente um reducionismo
em termos da ação política). Essas reivindicações se alastraram por todo o Brasil,
abarcando outros tipos de insatisfações. Entre elas: altos investimentos financeiros
do Estado brasileiro em estádios de futebol; corrupção política; má gestão da coisa
pública; descaso com a educação e a saúde. Enfim, desencantamento com a esfera
política e com o modelo tradicional.
Durante as manifestações surgiram indivíduos que utilizaram ações
violentas7 para exteriorizar seus sentimentos de insatisfação. Esse fenômeno veio
acompanhado de perplexidade por parte considerável dos gestores públicos,
políticos e da mídia tradicional. Como resposta surgiram tendências, tais como:
criação de leis específicas em virtude de discursos que identificaram nessas ações
uma “ameaça anarquista”; o medo de estagnação do processo democrático; e ações
de desumanização de pessoas e instituições (numa concepção maniqueísta).
Assim, confirmou-se, na prática, o brocado: “violência gera violência”. Percebeu-
se, gradualmente, que a radicalização das ações não seria a melhor alternativa para
solução dos problemas sociais, fundamentalmente num Estado Democrático de
7 Sobre a violência, Zizek (2012) retoma o pensamento de Mahatma Gandhi de que “São violentos porque querem dar
um basta no modo como as coisas são feitas – mas o que é a violência quando comparada àquela necessária para sustentar
o suave funcionamento do sistema capitalista global”? (p.17).
Direito, construído num passado recente com o sacrifício de vidas de cidadãos. A
despeito de ser uma das possibilidades para mudanças de regimes, a experiência
histórica brasileira mostrou que a violência física, motivada por paixões ideológicas,
deixou muitas sequelas8.
O Brasil passa por um processo de construção democrática iniciada em
meados da década de 1980. O grande marco desse processo foi a Constituição de
1988. A Carta Magna garante aos seus cidadãos o exercício de direitos políticos, a
participação popular e, a manifestação pacífica e de pensamento.
O fio condutor da proposta interpretativa apresentada neste livro é a relação
entre a fala e a escuta na esfera pública. A interdição à fala ou a negação da escuta,
atrelada a uma cultura política autoritária marcada por práticas patrimonialistas,
paternalistas, assistencialistas e, sobretudo, pela corrupção na construção sócio-
histórica da República brasileira engendraram ressentimentos sociais. Entretanto,
as manifestações das Jornadas de Junho não foram apenas a exteriorização de
ressentimentos sociais, também foram oportunidades para apresentação de
propostas de diversos movimentos sociais já consolidados e com lastro de lutas na
esfera pública.
Mesmo em ações de enfrentamento com uso da violência, deliberada ou não,
por parte de vários manifestantes, a lógica de uma tentativa de diálogo com esfera
estatal não foi abandonada. Os apelos, exigências e desejos de mudança tinham um
alvo: o Estado, em suas diversas instâncias. Varias outras ações que se negavam a
ação e o diálogo com o Estado, ocorreram. Caso tenham sido identificadas, teriam
sido alvo de esquecimento proposital ou desqualificação intencional, seja pela mídia
tradicional ou pelas instâncias estatais.

1.2. Problema de pesquisa e hipóteses


Diante do processo de construção da cidadania no Brasil e do gradual
fortalecimento da sociedade civil, o presente livro busca responder a seguinte
pergunta: o que motivou, dentro das regras do jogo democrático9, a participação
de cidadãos nas “Jornadas de Junho de 2013”?
8 Optou-se, no presente estudo, por não tratar de embates políticos em termos de partidos e nomes de pessoas envolvidas.
Na mesma linha, não serão nomeados os “coletivos” que emergiram ou movimentos sociais já consolidados na arena
política brasileira.
9 A democracia requer: instituições, eleições, partidos políticos, regras, leis, poder judiciário... Por outro lado Zizek (2012) adverte que
é necessário “questionar a moldura institucional democrática do Estado de direito (burguês)” (p. 22). Para ele é preciso estar atento
para a “ilusão democrática”, a aceitação dos mecanismos democráticos como a moldura fundamental de toda mudança, que evita a
transformação radical das relações capitalistas (p.23). Entretanto, a proposta do presente estudo partirá desse arcabouço (democrático,
ou da tentativa de construí-lo) que sustenta a sociedade brasileira, que há pouco menos de duas décadas saiu de um regime de exceção.
Como respostas provisórias ao problema propõem-se as seguintes hipóteses,
a serem testadas por meio do diálogo do arcabouço teórico e da empiria (coleta
e interpretação dos dados concretos selecionados): 1º) ressentimentos sociais,
historicamente construídos como reflexo da não concretização das propostas
republicanas; 2º) amadurecimento democrático que se traduziu na construção de
uma perspectiva dialogal e comunicativa na arena pública; 3º) rompimento com
a ordem liberal considerada injusta, portanto um questionamento à estrutura e
modelo atual.
Para a primeira hipótese parte-se do pressuposto de que os ressentimentos
sociais seriam fruto de um processo histórico marcado pela exclusão sócio-espacial
de parcela significativa da população brasileira; de uma crise de representatividade
política; dos descasos com a res publica (coisa pública), em termos de falta de
políticas nas áreas de saúde, educação, entre outras; da corrupção de certos políticos
e, fundamentalmente, da falta de canais para a participação popular. Eles emergem
de uma memória coletiva.
Nessa linha interpretativa tais ressentimentos sociais não são breves explosões
de raiva, não são fugazes. São sentimentos duradouros, cultivados e acalentados.
Eles remetem a um tempo repetitivo, gerador de fantasmas e pensamentos hostis,
vividos na percepção de uma impotência, de uma construção sócio-histórica
permeada pela interdição à fala, ao direito de se expressar e, sobretudo, da recusa
em ouvir.
Para a segunda hipótese, entende-se que a “esfera pública” representa uma
dimensão do social que atua como mediadora entre o Estado e a Sociedade, na qual
o público se organiza como portador da “opinião pública”, mediante o exercício do
direito de expressão, da reunião e da associação. Assim, a esfera pública oferece
possibilidades de emancipação humana em torno da ideia de racionalidade gerada
comunicativamente.
A perspectiva dialogal e a prática transformadora que propõe rupturas
paradigmáticas de normas instituídas exigem a autonomia do sujeito de linguagem.
Esse sujeito emancipado, ao exercer sua liberdade, mobiliza-se politicamente. Seu
agir é permeado pelo conhecimento de suas responsabilidades diante da comunidade
e pelo respeito ao “outro” e à res publica. Dessa forma, humaniza-se no processo e
fortalece a proposta de uma sociedade democrática.
Para a terceira hipótese, que trata de uma proposta radical com rompimento
com a ordem liberal considerada injusta, baseada numa filosofia radial e utopias da
inapropriabilidade, uma aposta anárquica na multidão. Uma experiência que aposta
numa comunidade humana sem divisões verticais e discute o papel da violência
revolucionária, tanto em suas formas ativas quanto passivas. Um olhar que percebe
a realidade social como estado de exceção econômico permanente (Matos, 2015).
Uma advertência é necessária, parafraseando Andityas Costa Matos (2010),
não se busca com este livro oferecer ao leitor respostas prontas e definitivas, para
um evento tão complexo e plural como as Jornadas de Junho de 2013 no Brasil.
Ao lançar o olhar sobre o fenômeno propõem-se mirar algumas facetas, algumas
possibilidades interpretativas para o problema, e ensaiar propostas plausíveis para
seu entendimento.

1.3. Síntese do Arcabouço Teórico e Conceitos


Os referenciais teóricos utilizados para a interpretação do fenômeno à luz dos
conceitos de “ressentimento social”, “ação dialógica e comunicativa” e memória
coletiva serão tecidos por autores clássicos das Ciências Sociais e Humanas.
A abordagem é, portanto, transdisciplinar. Dessa forma, busca-se ampliar as
possibilidades da pretensão de “conhecer”’ alguns pontos do fenômeno “Jornadas
de Junho” de 2013 no Brasil, e, em especial, no Estado de Minas Gerais.
Esse exercício de transdisciplinaridade também é tributário das advertências
da Psicanálise de que há um descompasso entre o real e o que se pensa a respeito
dele e, por esse motivo, é importante ir além da análise dos dados imediatos,
fazendo perceber também o descompasso entre a linguagem (o simbólico e o
imaginário) e aquilo que os sujeitos pensam, realizam e onde agem (real).
Assim, o real não é algo que se atinja. Apenas se tangencia por meio de
diferentes leituras que se fazem dos recortes apreendidos em leituras simbólicas
e imaginárias. Trata-se, pois de olhares que nunca são totais, nem completos e
que lidam apenas com vislumbres do que foi praticado.
O início da caracterização de um dos conceitos-chave desta investigação se fará
a partir da arqueologia do complexo e multifacetado conceito de “ressentimento
social”, buscando lançar o olhar de como são tecidas as relações entre os afetos e o
político, entre os sujeitos individuais em sua efetividade e as suas práticas sociais e
políticas. Em seguida, busca-se caracterizar as contribuições de Jürgem Habermas
sobre a esfera pública, a razão dialógica-comunicativa e o agir comunicativo.
Na esfera pública a sociedade discute e reinvindica com as autoridades, ou seja,
com o “poder dominante”. A esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente
como a esfera das pessoas privadas reunidas em um público (Habermas, 1984).
As pessoas afetadas pelas leis devem tomar decisão com base num
entendimento alcançado mediante um diálogo entre os agentes em condições
iguais de racionalidade. A razão moral não é uma razão monológica, mas uma
razão dialógico-comunicativa. É pelo diálogo e não individualmente que se deve
chegar à conclusão se uma norma moral é correta ou não. Trata-se de um diálogo
entre todos aqueles que são afetados pelas normas e que os leva ao convencimento
de que as normas em discussão são as melhores para todos. “As argumentações
servem para tematizar e examinar as pretensões de validez que as pessoas erguem
a princípio implicitamente e levam consigo ingenuamente no agir comunicativo”
(Habermas, 1989, p. 193).
É esse consenso que confere autoridade à norma de modo que ela possa ser
considerada obrigatória para todos. “O conceito da legitimidade das normas de
ação”, diz Habermas “é decomposto nos componentes do reconhecimento factual
e da qualidade de ser digno de reconhecimento” (Habermas, 1989, p. 196). Trata-
se, portanto, de uma forma de legitimação de normas e valores que passa não pela
autoridade externa, nem simplesmente pela autoridade das práticas objetiva e
positivamente existentes, mas pelo agir comunicativo das pessoas que, mediante
o discurso, buscam consensos a respeito daquilo que, do ponto de vista do
comportamento moral, é melhor para cada um e para todos.
Num tempo em que todos se questionam a respeito dos fundamentos das
normas e dos valores, Habermas procura ancorar a ética nos pressupostos pragmáticos
da linguagem, sugerindo, por esta via, uma fundamentação intersubjetiva e racional
das normas. Habermas enfrenta o modelo subjetivista e monológico da razão e da
ética, substituindo-o por um modelo dialógico que somente a ética do discurso ou,
melhor, a ética da discussão tem condições de sustentar (Goergen, 2005). “É só na
qualidade de participantes de um diálogo abrangente e voltado para o consenso,
que somos chamados a exercer a virtude cognitiva da empatia em relação às nossas
diferenças recíprocas na percepção de uma mesma situação” (Habermas, 2004, p. 10).
Mesmo sem negar a subjetividade, Habermas insiste que “a vontade de uma pessoa é
determinada por motivos que deveriam igualmente ser levados em conta por todas
as outras pessoas” (Habermas, 1989, p. 12).
A própria autonomia não pode ser alcançada individualmente. Ela só pode
explicitar-se dentro de uma estrutura intersubjetiva. A partir desses pressupostos
intersubjetivos da própria subjetividade, Habermas (1989, p. 13) pode “conceber a
comunidade moral como uma comunidade abrangente que faz suas próprias leis,
uma comunidade formada de indivíduos livres e iguais que se sentem obrigados a
tratar uns aos outros como fins em si mesmos”.
Essa posição de Habermas tem duas implicações importantes. Primeiro
que a proposta da ética da discussão pressupõe a existência de participantes (da
discussão) que sejam dotados de autoridade epistêmica, ou seja, tenham condições
de emitir juízos argumentados; e segundo, que tais sujeitos estejam dispostos a
procurar acordos racionais aceitáveis para todos os envolvidos e todos os que forem
afetados por eles. Tal pressuposto teórico representa, em termos práticos, a tarefa
política de se buscar uma sociedade na qual haja as melhores condições possíveis
de participação de todos no agir comunicativo, fundamento da moral e da própria
organização social (Goergen, 2005).
A essa proposta acrescenta-se a necessidade de se levar em consideração
o método linguístico que busca problematizaras estruturas inconscientes do
pensamento e da vida social, por meio da compreensão do discurso linguístico.
Parte-se do pressuposto que as pessoas, na maioria das vezes, não têm consciência
de todos os fatores que intervém em suas relações sociais, nem da maneira que
esses fatores se articulam na estrutura social. O problematizar dessas implicações
só é possível pelo método linguístico, que identifica justamente a organização
inconsciente e significativa da linguagem.

1.4. Breve percurso metodológico


Em virtude da natureza complexa do objeto, por enfocar eventos
contemporâneos sociais no qual não se possui controle sobre os comportamentos
dos atores sociais, na busca de possíveis interpretações, será utilizado o método de
pesquisa denominado Estudo de Casos Múltiplos Integrados, com coleta de dados
e observações. Esse método possibilita reter parte considerável das características
holísticas e significativas dos eventos, buscando dar respostas para questões “como”
e “por que” de determinadas ações dos atores sociais (Yin, 2010). A pesquisa tem
como objetivo identificar fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência
do fenômeno.
Serão utilizadas estratégias qualitativas mistas de investigação, buscando fazer
dialogar a pesquisa narrativa, a teoria fundamentada e fenomenológica (Creswell,
2010). Na análise de dados será feita a caracterização da relação existente entre os
dados encontrados e as teorias de base, buscando, assim, possíveis alternativas de
interpretação da realidade social.
Utilizar-se-á também o método indiciário, buscando identificar, acumular e estudar
indícios, signos e traços. Entre os rastros e traços deixados, as imagens são traduções
figurativas possíveis do “real”, que se apresentam, no caso do presente estudo, em formas
de fotografias publicadas nas mídias impressas e digitais (Paiva, 2001; Cotta, 2010;
Schwengber, 2012). Focar-se-á na análise iconográfica, especialmente por meio dos
cartazes de protesto conduzidos pelos manifestantes das Jornadas de Junho de 2013.
Para Sandra Pesavento (2008) as imagens são frutos da ação humana, que
interpreta e recriao mundo como representação. As imagens pelo apelo visual
carregam consigo essa condição especial que se realiza no plano dos sentidos, ao
serem captadas e fixadas por certo tempo na retina de quem vê. Imagens, são, pois,
traços de uma experiência sensorial emotiva (Pesavento, 2008, p. 18).
Além da instância das sensações que produzem o efeito visual, as imagens são
mentais, pois são fruto de uma percepção, o que remete aos processos da esfera
cognitiva de reconhecimento, identificação, classificação e atribuição de significados.
As imagens apreendidas pela vista são postas em relação como o museu imaginário
interior, no arquivo de memória que cada um carrega consigo. E nesse processo,
elas recebem uma carga de sentido que as permite perdurar na memória, podendo
ser recuperadas pelo pensamento (Pesavento, 2008).
Quanto ao uso da imagem nesta pesquisa, tomado no seu valor de traço, dele
se espera que transmita uma espécie de testemunho do passado. Buscam-se nas
imagens selecionadas traços visíveis daquilo que teve lugar durante as Jornadas
de Junho, como marcas que restaram de um tempo vivido e que podem dizer algo
sobre o presente de sua elaboração e de sua leitura pelas pessoas daquela época.
A “verdade” buscada, contida nas imagens, não se aproxima do conceito de
veracidade, mas sim de sintoma ou “rastro”, constituindo como que uma pegada ou
impressão de vida e energia deixada pelo passado recente, a atestar a presença do
humano, de suas experiências e sensibilidades (Vecchi, 2008).
As imagens se prestam a um processo hermenêutico, para além do figurativo ou
do nominativo, uma vez que comportam a dimensão simbólica. Elas são portadoras
de tensões e das sensibilidades, que desde o passado, podem ser captadas no presente
por meio de um intérprete atento que pode, com elas, compor narrativas. Nesse
processo são exigidos diálogos interdisciplinares não somente para interpretar as
imagens, mas também os discursos.
Com a pós-modernidade e proposta interdisciplinar entre as áreas de conhecimento,
a Análise do Discurso se apresentou como um método de pesquisa. O discurso é
prática da linguagem, isto é, uma narrativa construída a partir de condições históricas
e sociais específicas. Nenhum discurso é de autoria exclusiva de seu autor, já que os
indivíduos fazem parte de uma mesma memória coletiva (que por sua vez, também
são várias). Os discursos não são fruto de opiniões e visões particulares, mas uma
partícula do imaginário dominante que abarca cada indivíduo e pode ser usado
para reformular as relações sociais (Orlandi, 1999).
O discurso é uma representação do imaginário no qual seu autor está inserido;
ele trás em seu bojo certos direcionamentos políticos que lhe dá sentido. Na Análise
do Discurso a interpretação vai além do conteúdo do texto ou da fala. Ela relativiza
e historiciza os significados impregnados nos textos (Silva, 2005).

1.5. Estruturação do trabalho e apresentação dos dados


O material coletado para a realização do livro foi dividido em cinco capítulos. O
primeiro fornece ao leitor a caracterização geral do objeto de pesquisa, o problema,
as hipóteses a síntese do arcabouço teórico e o percurso metodológico realizado
pelo autor.
No segundo capítulo, intitulado “Construindo uma base interpretativa”, realiza
uma revisão da literatura dos conceitos de ressentimentos sociais, discursos e ações
dialógicas e comunicativas, e, longa duração. Para tanto, discorre, brevemente, sobre
os pensamentos de Nietzsche, Scheler, Merton, Michel Foucault, Habermas, Paulo
Freire e Fernand Braudel.
O terceiro capítulo: “Uma história de negação à palavra e à escuta”, trata da
construção, na longa duração, de uma cultura política que rejeita a participação
popular na esfera pública, que se utilizou da violência para imposição de modelos e
de uma democracia republicana debilitada, engendrada em meio a ressentimentos
sociais. Nesse contexto, mostra as possibilidades de construções de memórias
coletivas.
“Pluralidade de falas e ações” é o título do quarto capítulo. Nele são
operacionalizadas as teorias interpretativas diante dos dados selecionados,
especialmente os “cartazes de protesto” que emergiram durante as manifestações.
Ao dialogar com a produção do Cientista Político Rudá Ricci, do Antropólogo
Patrick Arley e da Cientista Social Regina Helena Alves da Silva, busca-se lançar luz
sobre outras falas “nas ruas” e as “redes” de expressão construídas. Por fim, oferece
subsídios teóricos para pensar a ideia de massa e multidão na teoria clássica.
No capítulo 5 “Jornadas de junho na capital de Minas Gerais”, realiza um
breve histórico da cidade de Belo Horizonte e a suas Leis, vistas como construções
sociais Segue-se o discurso da Lei e a instrumentação das forças de segurança numa
perspectiva liberal. Por fim as ações dialógicas estabelecidas na esfera pública como
um exercício possível.
Nas considerações finais é realizada a síntese de algumas percepções sobre as
Jornadas de Junho de 2013, que foram construídas a partir de interpretações de
comportamentos num dado contexto histórico, político e cultural.
Este livro constituiu-se inicialmente uma tese apresentada ao programa de
pós doutorado em Psicologia da Universidad Kennedy, em Buenos Aires. Ela foi
supervisionada pela Dra Amélia Imbriano, com o título “Entre ressentimentos
sociais e ações dialógicas e comunicativas”. O tribunal examinador foi presidido
pelo Dr. Oscar Oro, tendo como membros avaliadores a Dra Mabel Levato e Dr
José Luis Speroni. Após defesa pública, a tese foi aprovada por unanimidade com
o conceito “sobresaliente”, no dia 17 de junho de 2015. Após a defesa, a editora
“Edições Superiores” convidou o autor a transformá-la em livro, sob o título:
“Vozes das Ruas”. Após o lançamento do livro, outras interpretações surgiram que
perceberam as ações políticas que se seguiram no Brasil como uma continuidade
das manifestações de Junho de 2013. Como os escritos de “Vozes das Ruas” possui
historicidade, optou-se por manter o “espírito do seu tempo”, uma vez que o processo
de sua construção encerrou-se antes das rupturas políticas que se iniciaram em
dezembro de 2015. Portanto, o foco se constitui exclusivamente nas manifestações
populares de 2013.

2 - CONSTRUINDO UMA BASE INTERPRETATIVA

Neste capítulo serão tratados os conceitos empregados no esforço interpretativo


do fenômeno complexo, permeado por aspectos culturais, sociais, políticos,
históricos e psicológicos que se denomina “Jornadas de Junho”. Inicialmente resgata-
se a tradição teórica que tratou do ressentimento e, em especial, o ressentimento
social. Em seguida, trata-se dos discursos e das ações comunicativas e dialógicas.
Posteriormente, lança-se luz sobre os conceitos de longa duração e memória coletiva.
Esses conceitos serão acionados gradualmente na construção do presente trabalho
e servirão para interpretação do fenômeno.

2.1. Ressentimentos Sociais: em busca de um conceito


A noção de ressentimento é sistematizada em 1887 por Friedrich Nietzsche
em sua obra “Genealogia da Moral”. A perspectiva nietzschiana de ressentimento
emerge do cruzamento de três abordagens complementares: histórica, psicológica
e sociopolítica. Assim, será com base nesse tripé interpretativo, ouvindo-se outros
pensadores, que a presente pesquisa avançará na busca de uma arqueologia simbólica
do conceito de “ressentimento social”.
Pierre Ansart (2001) ressalta que historicamente o ressentimento seria o
resultado longínquo de um conflito, de uma ação conduzida pela religião judaico-
cristã contra os guerreiros aristocratas que possuíam o privilégio de poder exprimir
livremente e realizar sua vontade de poder no exercício de sua dominação. Nietzsche
evoca, sucessivamente, o declínio do Império Romano, a degenerescência do Império
Germânico, a Reforma Luterana, a Revolução de 1789 e a ascensão napoleônica
(NIETZSCHE, 1887/2000).
Para Nietzsche essa é uma história dos sentimentos e, essencialmente, a história
do ódio. O que anima os padres contra os nobres guerreiros, os escravos contra
seus senhores, é o ódio e seus corolários: a inveja, o ciúme assassino, o desejo de
vingança. Vários mitos e teologias e vários autores, antes de Nietzsche, haviam
descrito o ódio e suas devastações: a Bíblia faz do assassinato de Abel o símbolo do
ciúme delirante; Platão faz do ódio social a paixão dominante dos pobres contra os
ricos em uma constituição oligárquica; Maquiavel faz da inveja rancorosa a paixão
mais perigosa para o poder do príncipe (MAQUIAVEL, 1513/2010).
Porém não é a história desse ódio direto e assumido que Nietzsche descreve,
mas, ao contrário, a de sua interiorização e denegação. O ponto central de sua
denúncia designa e analisa o trabalho psicológico por meio do qual o ódio foi ao
mesmo tempo interiorizado e recalcado pelos inferiores, denegado por aquilo que
representa e metamorfoseado em valor positivo: a inferioridade transformada em
humildade resignada, a fraqueza disfarçada em amor da justiça, o ódio recalcado
transformado, eventualmente em ódio de si mesmo (ANSART, 2001).
Para Pierre Ansart (2001) Nietzsche faz do ressentimento uma configuração
psíquica e cultural, um habitus próprio à civilização judaico-cristã, a sua pretensa
moral que teria consequências sociais e políticas múltiplas e socialmente decisivas.
Para ele o “ressentimento estaria na base do igualitarismo democrático destruidor,
na raiz dos movimentos populares, socialistas e anarquistas e, em uma só palavra,
na origem da decadência das sociedades ocidentais” (p. 17). Portanto a “Genealogia
da Moral” mescla à concepção do ressentimento uma filosofia da história, uma
crítica das religiões, uma denúncia da moral, um conjunto de juízos sobre a vida
política da Europa no final do século XIX e um diagnóstico sobre sua decadência.
Por outro lado, opondo-se ao niilismo de Nietzsche e sua filosofia de valores, no
início do século XX o sociólogo Max Scheler em seu “O homem do ressentimento”,
de 1912, focou-se numa descrição fenomenológica do ressentimento. Para Scheler
(1912/1998) o ressentimento seria uma atitude mental duradoura, um auto-
envenenamento psicológico, causado pela repressão sistemática de certas emoções
e afetos que são componentes normais da natureza humana. A repressão dessas
emoções leva a uma tendência constante de se permitir atribuir valores incorretos
e juízos de valor correspondentes. As emoções e afetos primordialmente referidos
são vingança, ódio, malícia, inveja, o impulso a diminuir e desprezar (SCHELER,
1998).
Ainda sob a matriz interpretativa sociológica Robert K. Merton, em “Elementos
de Teoria e de Método Sociológico”, de 1953, descartou as hipóteses provenientes
da filosofia da história, assim como a polêmica anti-religiosa, e afastou os juízos
generalizantes sobre a decadência do Ocidente, mantendo unicamente o sistema
socioafetivo designado pelo termo ressentimento. Ele evitou entrar no debate sobre
a filosofia de valores e o niilismo, remetendo implicitamente essa discussão à reflexão
metafísica ou à religião. Sua interpretação era composta por três elementos: 1º)
sentimentos difusos de ódio, de inveja e de hostilidade; 2º) sensação de ser impotente
para exprimir de forma ativa esses sentimentos; 3º) experiência continuamente
renovada de impotente hostilidade.
Essa interpretação faz do ressentimento, em conformidade com da percepção
de Nietzsche, um conjunto de sentimentos em que predominam o ódio, o desejo de
vingança e, por outro lado, o sentimento, a experiência continuada da impotência,
a experiência continuamente renovada da impotência rancorosa. Diferente da
rebelião, o ressentimento não leva a uma verdadeira mudança de valores (MERTON,
1953/1997).
Ansart (2001, p.19) adverte para a diversidade das formas de ressentimento.
Portanto, não haveria um ressentimento que tomaria as dimensões de uma essência
universal. Se admitir, como faz Max Scheler, que pode existir, por exemplo, um
ressentimento ligado às relações entre grupos de idade, convém especificar
precisamente os caracteres de tal sentimento e sublinhar tudo aquilo que separa
tais afetos difusos do ressentimento recíproco que pode opor, por exemplo, classes
sociais ou, ainda, etnias
Na “Genealogia da Moral”, Nietzsche apresenta dois tipos opostos de
ressentimentos: o primeiro é o dos fracos e dos dominados. O segundo é expresso pelo
ódio recalcado dos dominantes quando se encontram em face da revolta daqueles
que consideram inferiores. Ressentimento reforçado pelo desejo de reencontrar a
autoridade perdida e vingar a humilhação experimentada (ANSART, 2001, p. 19).
Existiria uma intensidade dos ressentimentos. Tanto Nietzsche como Scheler
parecem pensar que o ressentimento existe como um todo e que um indivíduo ou
um grupo são, ou não, portadores desse sentimento. Mas a experiência comum
coloca em presença de intensidades variáveis e graduais.
Em “De quelques mécanismes névrotiques dans la jalouise, la paranoia
et l’homosexualité” , Freud (1932) propõe distinguir, ao menos, três níveis de
intensidade de ciúme: primeiramente, o ciúme que qualifica de “comum” e do qual
todos seriam, em geral, portadores; a seguir, o ciúme “constituído”, ligado a uma
situação de rivalidade e passível de tratamento e reflexão; e, enfim, o ciúme “delirante”,
que pode eventualmente conduzir ao suicídio. Essas distinções poderiam servir de
inspiração na abordagem das situações concretas de ressentimento.
Os sentimentos, afetos e, de forma complementar, as representações, ideologias,
imaginários, crenças e os discursos, desempenham papel relevante no devir dos
ressentimentos. O estudo da duração e, eventualmente, das transformações dos
ressentimentos pode remeter à história das imagens, das palavras e dos conteúdos
imaginários (ANSART, 1983).
Pierre Ansart (2001, p. 20) destaca o papel desempenhado por certos indivíduos
e grupos – porta-vozes, escritores, líderes carismáticos, seitas e minorias ativas – no
interior dos movimentos sociais e das sensibilidades comuns. É preciso, portanto,
refletir com mais acuidade sobre o papel daqueles que se poderia chamar de
“provocadores” de ressentimento.
Quanto às consequências e manifestações dos ressentimentos todas destacam o
caráter de inibição e impotência do ódio. Nietzsche opõe o que denomina de “ódio
recalcado”, próprio do ressentimento, à agressividade direta do guerreiro quando em
combate. Max Scheler ressalta a “ruminação” própria do homem do ressentimento.
Robert Merton, por sua, associa o ressentimento à impotência, caracterizando-o
como a experiência continuamente renovada de impotente hostilidade.
O ódio recalcado de que fala Nietzsche é dinâmico, indissociável de certas
aspirações, particularmente dos desejos de vingança. É próprio do ressentimento
santificar a vingança sob o nome de justiça. Scheler, por sua vez, ressalta que o
desejo de vingança é a mais importante das fontes de ressentimento (ANSART,
2001, p. 21).
O ressentimento social atinge os sujeitos de formas diferentes e por sua vez,
provoca respostas distintas, motivações e reações particularizadas. Têm-se as
perspectivas do sujeito individual e do sujeito coletivo, sempre marcadas por
antagonismos e contradições.
A hipótese de que a dimensão vingativa do ressentimento, que aparece sob a
forma passional, pode ser analisada em termos de ferimento moral, que por meio
do sentimento de indignação indica certa ideia de justiça. Se a necessidade de justiça
parece universal, seus conteúdos (o justo, o injusto, o legítimo, o ilegítimo) variam
em função das escolhas e das orientações culturais. Assim é preciso distinguir inveja
(paixão) e ressentimento (sentimento moral). A inveja não é um sentimento moral.
Para considerá-la, não é necessário citar nenhum princípio moral. Basta dizer que
a situação vantajosa dos outros atrai nossa atenção. Desconfia-se de sua sorte. É
preciso cuidado para não confundir inveja e ressentimento.
Se o indivíduo experimenta ressentimento porque tem menos que os outros,
isto deve ser atribuído a instituições injustas ou uma conduta desonesta que lhes
permitiram obter tais vantagens. Aqueles que exprimem o ressentimento devem
estar preparados para demonstrar por que certas instituições são injustas ou como
os outros lhe prejudicaram (RAWLS, 1971/1987, p. 575).
O advento da Democracia dá origem a um novo conflito, colocando em
confronto concepções divergentes de justiça e legitimidade, produzindo ao mesmo
tempo duas grandes formas de ressentimento, de significados opostos (igualitário e
anti-igualitário). A reflexão sobre as expressões políticas e sociais do ressentimento
conduz a regiões incertas em que razões e afetos se tornam dificilmente dissociáveis.
Considerando como argumento central a questão da justiça e mostrando que o
ressentimento diz respeito ao sentimento de ter sido injustamente tratado. Assim,
seria possível explorar a dimensão (subjetivamente) racional e compreensível do
ressentimento?
Além da intensidade afetiva que ele parece traduzir e de sua irracionalidade
aparente, interessa, nesta pesquisa, analisá-lo como um sentimento moral ligado
a uma racionalidade cognitiva, tal como crenças coletivas, tão frequentemente
reduzidas a explicações emotivas ou sociológicas (culturalistas). Em particular,
os sentimentos de justiça ou de injustiça merecem o nome de “sentimento”, pois
comportam uma dimensão afetiva essencial: nada é mais difícil de suportar do que
a injustiça. A reação afetiva é mais forte quando as razões parecem mais sólidas ao
sujeito social.

2.2. Discursos e ação comunicativa e dialógica


Sendo na linguagem que o ser se revela, desde que a escuta possa se abrir à
experiência da “verdade” no interior de quem fala e discernir o ser como é e a
aparência tal como se mostra.
O discurso é “um conjunto de temas e figuras que materializa uma dada visão
de mundo” (FORIN, 2005, p.32). Explícita ou implicitamente todo discurso defende
ideias com relação às quais procura persuadir o interlocutor. Se dá, linguisticamente,
por meio de estratégias discursivas que se desenvolvem articuladamente em dois
planos do discurso: o plano do enunciado (ou seja: do texto) e o da enunciação.
A enunciação é o “conjunto de operações constitutivas de um enunciado”
(MAINGUENEAU 2004, p. 193). As ideias defendidas integram o intradiscurso, o
conjunto de textos que manifestam um discurso e que está sempre relacionado –
explícita ou implicitamente – com outros discursos, em oposição a alguns deles e em
afinidade com outros. Essa relação entre discursos é conhecida como interdiscurso.
Assim, o texto situa-se simultaneamente em pelo menos dois discursos: um, no
plano do enunciado; outro, no da enunciação. Em ambos, os aspectos históricos do
discurso abrangem desde os explícitos lexicais até a relação entre eles e os aspectos
implícitos e silenciados. É na articulação entre os aspectos linguísticos e os históricos
que se constrói o discurso, que se produzem os sentidos, as significações.
Em uma concepção de linguagem em que se consideram os discursos com
práticas sociais e como resultados do trabalho do sujeito sobre a língua, é necessário
estar atento ao processo de construção do universo discursivo e às relações que
acabam por ser estabelecidas entre os interlocutores.
Para saber sobre algo mais do que o que se diz literalmente (enunciado), e
identificar o sujeito no discurso (enunciação), há que apelar às informações de
fundo, às informações mutuamente compartilhadas pelos interlocutores sobre os
fatos, ou seja, considerar os elementos de um item constitutivo da interpretação:
o contexto (GODOI, 2005, p. 6). O contexto, então, é a dimensão mais ampla do
texto, suporte das interpretações, que envolve subjetividades, as ações, os objetos
e os efeitos discursivos. O contexto é criado pelo próprio texto para constituir o
discurso, donde também emerge a ideologia. A ideologia funciona na desordem,
uma vez que os discursos não se constituem como corpos de pensamentos únicos
ou como um conjunto de ideias a serem estudadas e observadas, mas antes, e acima
de tudo, sob a forma do embate em que as diferentes posições estão em luta.
Therborn (1989) ressalta que o funcionamento da ideologia deve ser
compreendido como “processos sociais em curso”, em que os indivíduos são
interpelados e qualificados como sujeitos para exercer, a partir dessas posições
determinadas atividades e responder aos apelos da interpelação. A luta ideológica
não ocorre apenas entre visões rivais do mundo. É também uma luta pela afirmação
de uma determinada subjetividade.
Como desvelar as lutas discursivas que colocam face a face grupos minoritários
e majoritários em busca de conformidade ou mudança? Como as instâncias de
produção e de recepção se integram a unidades reguladoras das práticas discursivas?
Qual o papel exercido pelo poder e pelas relações de dominação nas práticas de
linguagem?
Para Foucault (1998, p. 60) “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz
as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder do
qual queremos nos apoderar”. Foucault concebe o discurso como um espaço sem
origem e sem autoria que se responsabilize pelo dizer, negando a sua continuidade e,
portanto, afirmando o discurso como uma dispersão de enunciados. O procedimento
de negação da autoria e de afirmação da dispersão requer o reconhecimento de que
a relação entre o mundo e aquilo que se denomina acontecimento discursivo, o
reconhecimento de que não há no mundo algo que seja legível, que faça sentido.
Esse papel de responsabilizar-se pelo acontecimento discursivo foi assumido pela
mídia, o papel de fazer a mediação, no sentido lato do termo.
As práticas discursivas, desse modo, fundam o real. Pela mediação afirma-o
como objeto discursivo, como acontecimento e, como tal, passível de legibilidade,
de interpretação. Desse postulado, emerge a condição de que não há sentido oculto,
mas que os sentidos se produzem sob as condições da emergência do discurso.
Sob as condições do acontecimento discursivo, podem-se pensar, então, as práticas
sociais discursivas compreendendo-as como práticas sociais fundadoras da esfera
pública, dos espaços públicos, dos embates de sentidos que constituem a sociedade.
O papel reservado aos discursos é aquele dos embates sociais, de acordo com o qual
a luta pelo sentido ocorre, em que as vozes se sobrepõem.
Jürgen Habermas ao elaborar o conceito de “razão comunicativa” ressalta a
necessidade de a razão ser implementada socialmente num processo de interação
dialógica entre os atores envolvidos em uma mesma situação. Nessa perspectiva, a
racionalidade é vista como um procedimento argumentativo pelo qual dois ou mais
sujeitos se põem de acordo sobre questões relacionadas com a verdade, a justiça e a
autenticidade (FREITAG, 1993, p. 59).
A ação comunicativa pressupõe simetria de oportunidades de fala, em situação
ideal de fala e comunidade ideal de comunicação. Os participantes da ação
comunicativa explicitam pretensões de validez, buscando entendimento, acordo
comunicativamente alcançado, por força do melhor argumento.
No “discurso” o sujeito que fala deve mobilizar argumentos que justifiquem
ser suas asserções verdadeiras (discurso teórico), ou que uma determinada ação
ou norma de ação seja correta (discurso prático), ou ainda na busca de explicação
sobre algo incompreendido pelo ouvinte (discurso explicativo). Assim, as relações
sociais são consideradas como resultado de uma negociação na qual se busca o
consenso e se respeita a reciprocidade, fundados no melhor argumento.
Sobre o conceito de “agir comunicativo”, diz Habermas (1997, p. 35):

leva em conta o entendimento linguístico como mecanismo


de coordenação da ação, faz com que as suposições
contrafactuais dos atores que orientam seu agir por pretensões
de validade adquiram relevância imediata para a construção
e a manutenção de ordens sociais: pois estas mantêm-se
no modo do reconhecimento de pretensões de validade
normativas. Isso significa que a tensão entre facticidade e
validade, embutida na linguagem e no uso da linguagem,
retorna ao modo de integração de indivíduos socializados -
ao menos de indivíduos socializados comunicativamente -
devendo ser trabalhada pelos participantes.

Para o educador Paulo Freire (1979, p. 92) “Existir, humanamente, é pronunciar


o mundo, é modificá-lo” O homem, ser de palavra, pronuncia o mundo, criando-o
e recriando; forma e transforma em comunhão. Formação e transformação
compreendidas em coletividade, cooperação e colaboração. Os pressupostos
de uma ação fundamentada no diálogo são: co-laboração; união; organização;
síntese cultural. A ação dialógica é coletiva, colaborativa e organizada. Os sujeitos
exercem seu direito existencial de dizer a sua palavra, em respeito e diálogo com
outros sujeitos; visões de mundo são compartilhadas e discutidas, não impostas,
em construção coletiva.
A ação dialógica configura-se como ação cultural para a liberdade, oposição
à cultura dominante, em momento de teorização da prática social. Exige postura
teórica, unidade dialética entre subjetividade e objetividade e trabalho criador
e recriador (Freire, 2002). Freire (2003, p.98) afirma que “A própria essência da
democracia envolve uma nota fundamental, que lhe é intrínseca: a mudança”.
Por sua vez a ação antidialógica compreende a conquista de um ser pelo
outro, a divisão para dominar, a manipulação e a invasão cultural. Tais aspectos
corroboram a desumanização, a opressão, a contradição opressor-oprimidos – em
que o oprimido introjeta o opressor. O diálogo constitui essência da resistência à
ação anti-dialógica, desumanização, opressão.
A ação dialógica e comunicativa deve se operacionalizar na esfera pública. Ela
não se confunde com a esfera estatal (que se refere ao poder constituído: os governos
federal, estadual e municipal). A esfera pública abrange tudo aquilo que se faz na
sociedade e interfere no destino, nos interesses, nas atividades e nas ações de todas
as pessoas de uma sociedade (Souza, 1994).

2.3. Longa Duração nos processos históricos


Partindo-se da hipótese de que os ressentimentos sociais não são breves
explosões de raiva e sim sentimentos duradouros, cultivados e acalentados num
processo sócio-histórico de longa duração, fundamentado na exclusão do direito à
fala e à escuta, busca-se fazer dialogar diversas áreas do conhecimento, lançando o
olhar sobre as subjetividades de outros tempos, que se fazem presentes.
A longa duração é um conceito histórico cunhado pelo francês Fernand
Braudel, da Escola dos Annales, sendo utilizado por ele em sua tese de doutorado
defendida em 1949.10 Ele propôs um modelo de pluralidade dos tempos históricos:
estrutural, conjuntural e factual. A contribuição especial de Braudel às Ciências
Sociais é a consciência de que todas as “estruturas” estão sujeitas a mudanças,
mesmo que lentas. Braudel alertava que os ciclos, os interciclos, as crises estruturais,
ocultam as permanências de sistemas, isso é velhos hábitos de pensar e de agir,
quadros resistentes, por vezes contra toda a lógica.
Para Braudel a história seria decomposta em planos sobrepostos: tempo
geográfico, tempo social e tempo individual. Ele aprofunda sua proposta de
pluralização do tempo histórico e propõe pensar a Longa Duração, um dos
fundamentos da Nova História Social e Cultural. No âmbito da Longa Duração,
estão os ciclos, tendências seculares, mas principalmente as estruturas. As
“estruturas” seriam sustentáculos e obstáculos sociais: regularidades, permanências,
resistências.
10 La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II.
Pesquisar essas estruturas silenciosas implica em uma proteção contra os
eventos barulhentos. Assim, para Braudel, o estudo histórico deve ser feito tomando
a profundidade obscura do “tempo longo” como seu eixo, nunca a superfície clara
do acontecimento, pois esse não passa de ilusão, de aparência. É preciso trilhar as
estradas monótonas e tranquilas da longa duração.
Braudel afirma que a longa duração deveria ser o porto comum a todas as
Ciências Sociais para onde deveriam convergir reflexões multidisciplinares.
Observa-se, assim, que o sentido da pluralização dos tempos proposta por Braudel
é apontar a longa duração estrutural como o tempo histórico a ser privilegiado, em
contraposição ao tempo curto do acontecimento. Na presente pesquisa o tempo
acontecimental é o das Jornadas de Junho de 2013, o tempo da longa duração será
composto por processos históricos que a gestaram e permitiram sua eclosão.
A longa duração não é apenas uma ampliação regressiva do campo de visão
a partir de um acontecimento; ela é uma dimensão da história que dá sentido e
seleciona os acontecimentos significativos. Os movimentos repetitivos configuram
as permanências, a longa duração é, pois, o movimento que envolve e enquadra os
demais ritmos da história: as conjunturas e os acontecimentos.
Com Braudel, a noção de longa duração passa a imantar a totalidade histórica,
de modo que os objetos escolhidos em seu interior devem ser narrados levando-
se em conta a marca de sua atração pelo todo. Trata-se de considerar o tempo
da longa duração na perspectiva de tempo das estruturas (dos velhos hábitos de
pensar e de agir, os quadros resistentes) como elementos estáveis de uma infinidade
de gerações.
Braudel lança as bases de uma concepção história fundamentada em diversas
realidades e fenômenos e em distintas temporalidades. A longa duração, que tem
sua expressão máxima no esquema tripartido (sendo um critério para ordenar o
material histórico), evidencia que o seu método pode ser considerado empírico-
estruturalista. Prima pela descrição de observações e por pesquisas baseadas em
observações concretas.
Essa percepção tem amparo nas reflexões de Simiand (2003) que ao tratar
da constituição das Ciências Sociais em bases científicas, afirma que à ciência
interessa as regularidades dos fenômenos em relação à nossa ação (ou consciência)
particular. Uma velha disputa interna nos campos da Sociologia e da História entre
as perspectivas que privilegiam, por um lado, a abordagem estrutural e, por outro,
a análise da ação e da interação entre os indivíduos.
Fernand Braudel dialoga com Claude Levy-Strauss e Lucien Febvre no seu
argumento de que a História é uma dialética da duração, ciência do passado e
do presente. Embora a História se situe em muitos níveis, é possível identificar
três níveis fundamentais: na superfície, uma história episódica que se inscreve no
tempo curto, trata-se de uma micro-história. A meia profundidade, uma história
conjuntural de ritmo mais amplo e mais lento; e a história estrutural ou de longa
duração que determina séculos inteiros: encontra-se no limite do móvel e do imóvel.
Uma estrutura atravessa imensos espaços de tempo sem se alterar, e os
seus traços só mudam muito lentamente. É necessário aprender o conjunto, a
totalidade do social, assim é necessário por em contato distintos níveis, durações,
acontecimentos, conjunturas e estruturas. Assim, evoca-se a parte sombria,
inquietante e frequentemente terrificante da história do Brasil, pois existe uma
tendência que se dirige às dimensões positivas das relações humanas, esquivando-
se dos ódios e das hostilidades ocultas que fazem parte do processo sócio-histórico.
3 UMA HISTÓRIA DE NEGAÇÃO À PALAVRA E À ESCUTA

3.1. Processo sócio-histórico brasileiro e os ressentimentos sociais

A questão do “ressentimento social” faz parte da Longa Duração da História


do Brasil, podendo ser identificado no início do processo de colonização do Brasil,
especialmente com a escravidão de pessoas e as expropriações, espoliações e
violações daí resultantes. Esse contexto possibilitou um terreno fértil para as pulsões
negativas de hostilidade, desejos de vingança, rancores, sentimentos de inveja de
grupos em relação a outros, de raiva em relação às instituições.
O ressentimento remete a um tempo repetitivo, gerador de fantasmas e
pensamentos hostis, vividos numa raiva
impotente. Ele designa um afeto associado
a formas de agressividade, ciúme, inveja,
provocando desejos de vingança, que
são recalcados. Diante do quadro social
em que se encontram os escravos, a
documentação coesa permite verificar
Figura 5 – Debret. Aplicação do Castigo. Rio de Janeiro. Brasil. Início
que muitos possuíam uma sensação
do século XIX.
de serem impotentes para exprimir de
forma ativa esses sentimentos, outros
buscavam a “utopia vivida” (quilombos) e alguns o enfrentamento (COTTA, 2010).
Assim, a maioria da população brasileira foi alvo de um processo de negação
que foi sentida por meio de humilhações físicas, como a tortura, que lhes privou da
autonomia corporal. A palavra também lhes foi recusada. Essa recusa corresponde
à rejeição do ser humano, pois esse humano se realiza no diálogo fecundo e não no
monólogo estéril (ARDUINI, 2009, p. 7). As pessoas tiveram seus direitos negados.
Essa exclusão, que se fez social, afetou a dignidade daqueles impedidos de atuar
como pessoas plenas na sociedade. Por fim, as pessoas tiveram depreciado o seu
estilo de vida, suas matrizes culturais e visões de mundo. Daí estava preparado
o terreno fértil para o ressentimento, pois ele nasce de uma impossibilidade de
esquecer, de uma ruminação das injúrias e injustiças sofridas.
Para Homnneth (2007) a negação do indivíduo ou do grupo, por meio de
humilhações, violência física, privação de direitos e discriminação, desencadeia
três padrões de reconhecimento: amor, ordem legal e solidariedade; que garantem
a dignidade, a autoconfiança, o autorrespeito, a autoestima e a autorrealização.
Assim, o sentimento de injustiça estaria associado à privação do amor, de direitos
e de auto-estima.
Alguns registros das condições geradoras de ressentimento no Brasil foram
possíveis graças, entre outros artistas, nas imagens do francês Jean Baptiste Debret
(1768-1848)11. Por meio de suas aquarelas, o francês reproduziu parte do cotidiano
da cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império Português. As imagens
possibilitam olhares sobre como foram engendradas as relações sociais no Brasil,
que fizeram emergir uma sociedade injusta.
Honneth (2003) considera uma sociedade injusta quando as pessoas: 1) fossem
vítimas de humilhações físicas, torturas e toda forma de violência ao corpo que os
impedissem a autonomia corporal e perdessem a autoconfiança ou o amor próprio;
2) tivessem seus direitos negados, fossem impedidos de buscar novos direitos ou
ainda vítimas de exclusão social que os impedissem a participação por meio do
reconhecimento legal, padecendo em sua dignidade por não terem concedidos os
direitos morais e as responsabilidades de uma pessoa legal e plena em sua própria
comunidade; 3) fossem vítimas de depreciação do valor social das formas escolhidas
por eles para sua autorrealização, não permitindo que os sujeitos se relacionem com
as habilidades adquiridas por eles ao longo de sua vida e, neste caso, é importante
frisar o vínculo entre injustiça e desvalorização do trabalho, como forma de
autoconservação de todas as pessoas.
Por ser recalcado, diante do poderoso, o ressentimento suscita, assim, sintomas
recorrentes, repetitivos, de natureza frequentemente obsessiva, na medida em
que o sujeito é incapaz de exteriorizar seus afetos. Mendonça (2006) argumenta
que o negro-mestiço foi alvo de todo tipo de violência no período da escravidão,
condenado à indiferença quando da abolição da escravatura e constituindo a maior
parte dos miseráveis da sociedade contemporânea.

11 Debret era um parisiense expatriado, protegido do imperador Napoleão Bonaparte e aluno de Jacques-Louis David
(1748-1825) – grande artista neoclássico engajado no processo da Revolução Francesa, de seus primórdios ao período
napoleônico. Em 1816 foi contratado, pelo período de seis anos, como professor de pintura histórica na Real Escola de
Ciências, Artes e Ofícios, futura Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Em julho de 1831 regressa à Paris,
onde, entre 1834 e 1839 publica a Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, pela casa Firmin Didot. Nessa obra ele
retrata, por meio das aquarelas, a vida no Rio de Janeiro.
Para o sociólogo Hebert de Souza (1994, p. 27) “a nossa história escravocrata
não fez do negro um diferente, mas um desigual, dominado pelo branco e excluído
da sociedade por ser negro. No Brasil, a cultura dominante tenta ignorar e negar
essa desigualdade. Por isso sempre se diz que no Brasil não há racismo, que existe
democracia racial12.

Figura 6 – Castigo Público na Praia de Santana. Rio de Janeiro. Brasil. Início do século XIX.
Autor: Johann Moritz Rugendas. Viagem pitoresca através do Brasil. Paris, 1827 e 1835.

O olhar da Longa Duração Estrutural possibilita pensar na permanência de


um ressentimento social construído por diversos atores, por meio de uma memória
coletiva, que engendrou as relações sociais no Brasil, em especial no campo da
cultura política.

Figura 7 – Debret. O Negociante de Tabaco. Figura 8 – Luiz Morier. Blitz Policial. Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro. Brasil. Início do século XIX. Brasil. 1982.

12 De acordo com dados apresentados por Flávio Lobo (2002), ainda hoje, a maioria dos negros vive em favelas e áreas
marginais da sociedade, sendo excluída da escolarização (o analfabetismo é três vezes maior entre os negros; a média de
estudo para jovens negros com menos de 25 anos é 6,1 anos contra 8,4 dos brancos; e constituem menos de 16% dos
graduados em universidades públicas), do mercado de trabalho (segundo o Dieese, os índices de desemprego em São
Paulo no ano de 2002 eram de 22% para negros e 16% para brancos) e de condições adequadas de vida (o Brasil ocupa o
74º lugar no ranking de qualidade de vida da ONU. Se se computasse apenas a população branca, subiria para o 43º. Se só
a negra, desceria para o 108º).
Obs.: Em termos da narrativa histórica, a partir da proposta da Longa Duração, observa-se
a permanência, em termos de mentalidade e mesmo de práticas culturais. A FIG. 7 mostra o
flagrante do fotógrafo Luiz Morier, tomado em 1982 durante uma blitz policial numa favela do
Rio de Janeiro. A imagem causou indignação à consciência republicana. Publicada na primeira
página do Jornal do Brasil, fez e ainda faz refletir sobre a perversa permanência de certas práticas
numa sociedade marcada pela experiência da escravidão.

A Proclamação da República no Brasil (1889), a despeito de sua proximidade


com a lei que determinava o fim da escravidão (1888), não inaugurou o respeito à
alteridade, à diferença de pensamentos e de visões de mundo. A República capitalizou
e remodelou cidades, mas não permitiu que formassem cidadãos.
Na cidade do Rio de Janeiro, sede idealizada do projeto republicano, boicotou-
se as possibilidades de consolidação da cidadania. Uma República aberrante sem
participação pública. O historiador e cientista político José Murilo de Carvalho
(1987), em seu “Os Bestializados” afirma que a República “consolidou-se sobre
um mínimo de participação eleitoral, sobre a exclusão do envolvimento popular
no governo. Consolidou-se sobre a vitória da ideologia liberal pré-democrática,
darwinista, reforçadora do poder oligárquico” (p.161). Os acontecimentos políticos
eram representações em que o povo aparecia como espectador ou no máximo, como
figurante.
Essa experiência dos primeiros anos da República
não foi um privilégio do Rio de Janeiro. Na Bahia,
cerca de 20.000 mil brasileiros foram mortos por
discordarem do novo regime político. Ao abordar
o tema de modo aprofundado , constata-se que a
dimensão do ressentimento é inseparável da gênese
das atitudes revolucionárias ou de resistências.
Figura 9 – Caricatura representando Antonio
Conselheiro tentando barrar a República. A nascente República Brasileira se viu diante de
Fonte: Revista Ilustrada. Angelo Agostini. In:
BrHistória, n. 4, junho de 2007. movimentos sociais de resistência à nova ordem
e de práticas de violência herdadas e construídas
historicamente, na longa duração, foram empregadas para mantê-la.
Entre 1896 e 1897 o Estado Brasileiro instrumentalizou seu poderio bélico
contra integrantes de um movimento popular de fundo sócio-religioso liderado
por Antônio Conselheiro, na então comunidade de Canudos, no interior da Bahia.
A região, historicamente caracterizada por latifúndios improdutivos, secas cíclicas
e desemprego crônico, passava por uma grave crise econômica e social.

Figura 10 – Arraial de Canudos. Bahia. Brasil.1897.


Foto: Flávio de Barros. Fotógrafo do Exército Brasileiro.

O conflito mobilizou aproximadamente 12.000 soldados Os militares


incendiaram o arraial, mataram grande parte da população e degolaram centenas
de prisioneiros. A narrativa das ações e operações foi escrita por Euclides da Cunha,
em Os Sertões.
Entre 1912 e 1916 ocorreu no sul no Brasil (Estados do Paraná e Santa
Catariana) o movimento conhecido como Contestado.Este movimento expôs
as práticas de políticos e governantes diante de questões sociais no início da
República por meio do embate entre os interesses financeiros de grandes empresas
e proprietários rurais e as necessidades das populações mais pobres.

Figura 11 – Contestado. 1912-1916.


Foto: Flávio de Barros. Fotógrafo do
Exército Brasileiro.

Não havia espaço para a tentativa de solucionar os conflitos com negociação.


Quando havia organização daqueles que eram injustiçados, as forças oficiais, com
apoio dos coronéis, combatiam os movimentos com repressão. O conflito mobilizou
aproximadamente 20 mil camponeses que enfrentaram as forças dos governos
federal e estadual.
Ainda no início do século XX acentuou-se no nordeste do Brasil o Cangaço.
Para alguns ele é fruto do estado de subserviência, ignorância, exploração dos
pequenos e humildes, das relações políticas perversas focadas no latifúndio e
na indiferença nacional. O maior representante do cangaço foi o pernambucano
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
O Cangaço foi enquadrado pelo historiador britânico Eric Hobsbawm (1969)
como um “banditismo social”. Em seu livro “Bandidos”,
Hobsbawm relata a história de criminosos, rebeldes, ladrões
e outros desafiadores das leis. Para o autor, os foras da lei são
frutos da ausência e da instabilidade do Estado. Bandito, do
italiano, significa banido. O banditismo social é um fenômeno
oriundo do mundo rural, que abarca a ideia de defender
os mais fracos da opressão dos mais fortes (HOBSBAWM,
1969).
Figura 12 – Região do Nordeste brasileiro onde No dia 28 de julho de 1938, na localidade de
surgiu o Cangaço, nos finais do século XIX e início
do XX. Angico, no Estado de Sergipe, Lampião foi apanhado
Nota-se que sua área de operação era o sertão e
não o litoral dos Estados, o que fortalece a tese de em uma emboscada das autoridades, onde foi morto
Hobsbawm.
junto com sua mulher, Maria Bonita, e outros
cangaceiros.
Os cangaceiros foram degolados e suas cabeças colocadas em latas contendo
aguardente e cal, para conservá-las. Foram expostas por todo o Nordeste.

Figura 13 – Lampião, Maria Bonita e seu bando. Figura 14– Cabeças de cangaceiros expostas
Início do século XX
Durante o governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945), mais
especificamente com o início da ditadura do Estado Novo (1937 a 1945) houve
um refinamento da violência por parte dos aparelhos estatais em nome de uma
determinada ordem política. Essa estratégia passou da “teatralização do poder”
para a atuação nas mentes e corações.

Figura 15 – Representação iconográfica de uma forma


de tortura usada pelo Estado Novo.Início do século
XX

A esse respeito Eliana Dutra (1997), em seu livro “O Ardil Totalitário”, apresenta
o imaginário político no Brasil dos anos 30, ao mostrar como ele se organizou numa
dinâmica de imagens e operou com as oposições que articulam as forças efetivas.
Tudo se ligava a uma rede de significados a ser esclarecida : a simbologia do mal e
a do sagrado, as imagens da luz e da verticalidade, as representações relacionadas
ao bestiário, as metáforas orgânicas, mitos e utopias. Nessa lógica o ressentimento
pode ser orientado contra inimigos imaginários, designados pelo poder totalitário.
Sobre esse período o “Relatório sobre a Tortura”, elaborado pela Pastoral
Carcerária Nacional menciona que:

No Estado Novo a tortura se abate sobre brancos, a classe


média e mesmo até a classe dominante, os intelectuais, os
dissidentes, representando um aumento considerável do
contingente dos torturados. Após as transições democráticas
a tortura continua a campear para as suas vítimas rotineiras.

Com o fim do Estado Novo ocorreu um curto período de democratização do


Brasil, interrompido com os embates ideológicos que fizeram eclodir o Golpe Civil-
Militar de 1964. Entre 1969 e 1974 organizações internacionais de direitos humanos
obtiveram provas da existência de locais onde torturas eram praticadas, sendo que
em alguns casos pessoas desapareciam. Depoimentos de torturados podem ser
encontrados em relatórios de organismos internacionais, tais como: Organização
dos Estados Americanos, Conselho Mundial das Igrejas e Vaticano. No Brasil, os
testemunhos estão arquivados na Ordem dos Advogados do Brasil e na Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil.
Maria Helena Moreira Alves (1985), no seu livro “Estado e Oposição no Brasil
(1964-1984)”, afirma que nesse período a tortura foi institucionalizada como método
de interrogatório e controle político. Assim como no Estado-Novo era negado ao
cidadão o direito à fala que era contrária à ideologia oficial e, consequentemente
inexistia canais apropriados para a escuta. Essa dinâmica fez consolidar no Brasil
uma “cidadania” que proporcionou um terreno fértil para o ressentimento social e
a construção de uma memória coletiva deste ressentimento.
Uma brilhante interpretação crítica sobre o processo de construção do que seria
o cidadão brasileiro é feita pelo cientista político José Murilo de Carvalho (1988).
O intelectual afirma, reportando-se a uma entrevista do ex-marinheiro Adolfo
Ferreira dos Santos, contemporâneo de João Cândido (líder da revolta contra o uso
da chibata na Marinha do Brasil, em 1910), que o cidadão brasileiro é o indivíduo
que tem o gênio quebrado a paulada, dobrado, moldado, enquadrado, ajustado a
seu lugar. O bom cidadão não é aquele que se sente livre e igual, é o que se encaixa
na hierarquia que lhe é prescrita.
Métodos mais refinados para moldar o cidadão teriam sido utilizados sob o
governo dos militares (1964-1984): o enquadramento sindical, a lei de segurança
nacional, o decreto-lei, a censura. Mudam-se as técnicas, permanece o espírito da
lei: o bom cidadão é o cidadão amansado, inativo. Ironicamente José Murilo afirma
que “nada disso impede que o brasileiro seja um povo pacífico, extrovertido, amigo
e cordial” (p. 6). Pelo contrário, a função do “cacete” (violência física) é exatamente
dissuadir os que tentam fugir ao espírito nacional de camaradagem, de cooperação,
de patriotismo. Assim, assevera José Murilo (1988, p. 6):

O cacete é a paternal admoestação para o operário que faz


greves, para a empregada doméstica que responde à patroa,
para o aluno rebelde, para a mulher que não quer cuidar de
casa, para o crioulo que não sabe o seu lugar, para o malandro
que desrespeita a “otoridade”, para qualquer um de nós que
não saiba com quem está falando. O porrete é para quebrar o
gênio rebelde e trazer de volta ao rebanho todos os extraviados.
A experiência da humilhação e, igualmente, a experiência do medo. A
humilhação não provém apenas de uma inferioridade. Ela é a experiência do amor-
próprio ferido, experiência de negação de si e da auto-estima suscitando o desejo
de vingança.
Para o sociólogo Hebert de Souza (1994, p. 21) a história da política no Brasil
é a história da dominação de alguns grupos sobre a maioria

Trata-se de uma relação complexa, porque não apenas o senhor


domina, como também o dominado se deixa dominar pelo
senhor. Há certa cumplicidade na relação poder. Muitas vezes
o dominado quer a proteção de quem tem o poder, de quem
domina. Por isso se submete. E, ao se submeter, perpetua a
situação de dominação.

A breve narrativa de alguns aspectos engendrados em cinco séculos da história


do Brasil mostra, em linhas gerais, uma nação fundada em instituições, ações e
valores geradores de ressentimentos sociais tais como: escravidão (do século XVI
ao final do século XIX); hierarquização das pessoas inicialmente por questões
aristocráticas e, posteriormente pelo poder financeiro, redes clientelares e de
apadrinhamento (Colônia); “processo civilizatório” etnocêntrico em termos de
crenças religiosas e práticas culturais, classificação de seus cidadãos de acordo com
o seu poder econômico (Império); exclusão deliberada de parcela significativa da
participação da população no processo político e do direito de expressão de suas
ideologias e visões de mundo, má distribuição da riqueza socialmente produzida e
vestidos do direito de votar (República). Em todos os momentos históricos percebe-
se a negação em escutar vozes destoantes do padrão estipulado para o momento.
Assim, ocorre o recalque.
Ora, o que se obtém a partir do recalque não é o esquecimento, é a repetição.
O recalcado é o passado que nunca se apaga e retorna nas formações de linguagem,
nos lapsos, nas fantasmagorias, no sintoma. Como o inconsciente é atemporal,
o recalcado permanece vivo, preservado na forma de representações psíquicas
relacionadas indiretamente ao vivido por meio de cadeias associativas.
Lembrar como se produziu uma ordem injusta é condição para transformá-la
ou reparar socialmente o mal que ela causou. Em psicanálise, a pergunta sobre a
memória refere-se, sobretudo, ao trauma: aquilo que não se consegue esquecer,
mas que, ao mesmo tempo, é intolerável recordar, ou impossível de se transmitir.
Sendo impossível ser feito apenas por aqueles que passaram pelo trauma; ele requer
o testemunho de um terceiro, o endereçamento à escuta de alguém de "fora". O
terceiro institui o campo simbólico a partir do qual a narrativa pode se abrir para
novas significações, rompendo o aprisionamento repetitivo da cena traumática.
Muitas das características expostas, a despeito de terem um momento histórico
específico de institucionalização, consolidaram-se nos momentos posteriores, num
processo de longa duração e de construção de uma memória coletiva. Mesmo o
arcabouço legal vigente para coibir as práticas consideradas discriminatórias,
elas permanecem dissimuladas no cotidiano das relações pessoais, profissionais e
sociais.
A Constituição da República de 1988 inaugurou uma nova fase da história
política e social no Brasil. Em virtude das violações de direitos humanos ocorridas
nas décadas de 1960 e 70, o poder constituinte originário colocou em destaque
como um dos princípios do texto constitucional o respeito e defesa da “Dignidade
da Pessoa Humana”. Esse princípio norteará também a aplicação dos demais ramos
do direito pátrio. Para o jurista brasileiro Rogério Grego (2014, p. 13):

Embora o princípio da Dignidade da Pessoa Humana tenha


sede constitucional, sendo, portanto, considerado como um
princípio expresso, percebemos, em muitas situações, a sua
violação pelo próprio Estado. Assim, aquele que deveria
ser o maior responsável pela sua observância, acaba se
transformando em seu maior infrator.

A Constituição brasileira, de matriz social, reconhece o direito à saúde, educação,


moradia, lazer, alimentação. Isto é, direitos mínimos, básicos, necessários para que
a pessoa tenha uma condição de vida digna. No entanto, em maior ou menor grau,
esses direitos são negligenciados pelo Estado (Greco, 2014).
A proposta da Carta Magna é romper com a ordem estabelecida e subverter
alguns pressupostos anteriores. Assim, o Estado Democrático de Direito, que tem
como base a participação dos cidadãos na esfera pública, se desdobra, entre outras
ações, na fiscalização das instituições públicas e dos atos de seus servidores (sejam
eles representantes democraticamente escolhidos pelo voto direto dos cidadãos ou
aqueles que prestaram concursos para os cargos e funções públicas).
Cidadania é um vínculo político que gera para o cidadão deveres e direitos
políticos, uma vez que o liga ao Estado. Para José Maciel (2012, p. 336) a cidadania
deve gerar um sentimento de pertencimento e participação em determinada
comunidade, sendo a junção dos seguintes elementos:

a) participação política: sujeitos ativos do processo de tomada


de decisões coletivas (Art. 1º § único, CF 1988);
b) participação jurídico-moral, sujeitos de direitos voltados à
proteção da dignidade e realização da autonomia;
c) participação social e econômica: sujeitos produtores e
beneficiários das riquezas (e demais recursos) socialmente
produzidos.

Em seu preâmbulo, diz a Constituição brasileira (1988):

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em


Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL (BRASIL, 1988).

Não havendo reconhecimento, os conflitos sociais eclodiriam como um


grande sentimento de injustiça e pela percepção de que o pacto social formulado
em torno da liberdade, da propriedade e da dignidade igual para todos não teria
sido cumprido na totalidade. A busca por reconhecimento evidenciaria que o
pacto e as normas jurídicas e institucionais que inicialmente o assegurariam
foram somente o ponto de partida e a chegada não teria se efetivado.
O artigo 3º da Constituição Brasileira esclarece que constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.

Para Herbert de Souza (1984) são cinco os princípios definidores de uma relação
democrática: liberdade, igualdade, participação, diversidade e solidariedade.

3.2. Democracia e Ressentimentos Sociais


O regime atualmente existe no Brasil é a Democracia Republicana. Nela todos
teriam, igualmente, direito de cultivar seus próprios valores e modos de vida, desde
que isso não importe em subordinar ou oprimir outros grupos e pessoas. Seria o
regime político que mais garante e promove os direitos humanos. Deveria estar
fundado na soberania popular, na separação e na desconcentração dos poderes, na
alternância e na transparência no poder, na igualdade jurídica e na busca da igualdade
social, na exigência da participação popular na esfera pública, na solidariedade,
no respeito à diversidade. Seus pilares em termos de valores democráticos são: a
liberdade para o acesso e a reivindicação a direitos individuais e coletivos; a igualdade
na dignidade da pessoa; a solidariedade e o dever de contribuir com o todo.
De acordo com Pierre Ansart (2001, p. 23) para os defensores da democracia
ela seria capaz de substituir as violências pelo respeito à alteridade; o enfretamento,
fruto dos ódios, pelo confronto de opiniões; construir espaços de diálogos e de
reflexão, tendo como efeito liberar as expressões e superar ódios por meio do
reconhecimento das pessoas e de seus direitos. Assim, o diálogo democrático
teria como consequência permitir a expressão das hostilidades e, portanto, sua
transformação em reivindicações racionalizadas e o seu abrandamento pela tomada
de consciência das opiniões e interesses. A eficácia da democracia permitiria romper
os sentimentos de impotência, arrancando os indivíduos de suas ruminações
rancorosas, fazendo deles seres responsáveis por si próprios e membros ativos de
uma sociedade participativa.
Trata-se aqui de um ideal, de um conjunto de valores a serem perseguidos e
de uma ideologia política, ou seja, de um conjunto de representações e objetivos
que constituem modelos de ação, mas ultrapassam consideravelmente as realidades
do presente e têm, em geral, como finalidade ou resultado ocultar seus limites e
fracassos. Tanto a Psicanálise como a Antropologia convidam a temperar aquilo
que poderia constituir as ilusões nesse domínio (ANSART, 2001, p. 24).
Para Sigmund Freud seria ilusório esperar, a não ser no mundo da utopia, a
erradicação completa dos ressentimentos. Ele insiste em que a análise das pulsões
inconscientes conformam o sujeito à dualidade pulsional do amor e do ódio. Em
O Mal-estar na Civilização Freud (1930) demonstra que o exame do masoquismo,
dos processos de identificação, dos comportamentos de agressão ou de ciúme
conduzem à redescoberta dessa dualidade incessante posta e recomposta. Deve-se
duvidar de que algum tipo de sociedade possa fazer desaparecer a experiência do
ódio, do ciúme, da inferioridade, da humilhação e das potencialidades permanentes
de agressividade (ANSART, 2001, p. 24).
Da mesma maneira, se considerar a formação do eu, a estruturação da
personalidade, a elaboração dos mecanismos de defesa, não se pode imaginar a
eliminação da agressividade. O sujeito busca, da melhor forma, integrar as pulsões
de agressão e, assim, o ódio lhe é parcialmente estruturante (FREUD, 1930/2010). O
ressentimento, por seu aspecto mais sombrio, procede das pulsões mais agressivas e
destrutivas, pulsões de morte, como as chamou Freud, e admite-se, na psicanálise,
que elas estão presentes em todos os indivíduos. Essas pulsões agressivas podem
ser manipuladas e canalizadas.
Para um grupo, a ideologia política, designando claramente os alvos do ódio
e do desprezo, pode fornecer aos membros do coletivo um reforço da auto-estima
e da segurança interior. Essa dinâmica geral é encontrada nos grandes grupos. A
exaltação do grupo nacional fornece ao sujeito um objetivo para suas necessidades
de vínculo, embasamento para sua auto-estima e orgulho pessoal, ao mesmo
tempo que equilibra esse vínculo pela difamação dos rivais. Esse fenômeno pode
ser observado nos nacionalismos, nas comunidades religiosas, nas seitas e em toda
coletividade que se encontra em rivalidade com outras (ANSART, 2001, p. 25).
Para Freud, não importa quais sejam as particularidades das transformações
históricas, deve-se esperar que as hostilidades e o ódio, assim como sua inibição,
renovam-se sob formas variadas em todas as sociedades e em todas as culturas.
Ao tratar da Revolução Comunista de 1917, Freud exprime seu ceticismo em
relação à esperança e à ilusão de que a supressão da propriedade privada, colocando
um fim ao ressentimento dos pobres contra os ricos, marcaria o fim de todo o
ressentimento coletivo. Afirma que, em virtude da necessidade permanente dos
homens e das sociedades de encontrar inimigos a serem odiados, uma sociedade
comunista não se furtaria a recriar outros inimigos e outros ressentimentos
(ANSART, 2001, p. 25).
Ao seguir o pensamento de Freud se perderia as ilusões sobre o fim do
ressentimento e não esperaria de uma organização política, e, portanto, da democracia
a erradicação das invejas, ciúmes e dos ódios impotentes. Em sociedades fundadas
sobre o interesse individual e a busca incessantemente insatisfeita de igualdade, os
ressentimentos podem mais facilmente se exprimir.
Tocqueville (1835) esclarece que a democracia não garante o desaparecimento
da desigualdade e sim sua desnaturalização. Nas democracias modernas as diferenças
sociais não deixam de existir, mas não se estabelecem na forma de estamentos sociais
determinados pela origem de sangue dos cidadãos. A igualdade, nas democracias
liberais, é meramente contratual, e pressupõe que as partes negociem em iguais
condições de autonomia e liberdade — feito que, dadas as brutais desigualdades
econômicas, nem sempre se verifica (KEHL, 2005).
Pode-se acrescentar que os regimes totalitários, fascista ou comunista, tiveram
como estratégia ideológica favorecer a formação de um ódio dominante, um ódio
exclusivo e exarcebá-lo com fins de mobilização coletiva. Para o regime nazista,
ódio dos governantes e das nações vitoriosas em 1918; para o regime stanilista,
ódio dos capitalistas e proprietários. Esses regimes tiveram em comum integrar em
sua ideologia um ódio dominante, um ressentimento de Estado, que possibilitava
a ocultação de ressentimentos internos contra os dominantes e governantes no
interior do regime estabelecido (ANSART, 2001, p. 26).
Nessa comparação entre os regimes políticos, a democracia ocupa, portanto,
um lugar particular distante das cidades de outrora, dos regimes de castas ou ordens,
sem falar das pequenas comunidades com forte integração estudas por etnólogos.
Instituindo o individualismo político, a liberdade de expressão, a pluralidade
reconhecida das opiniões em um regime de economia de mercado, a democracia
torna possível as expressões de ciúme e inveja, suas manifestações, sua projeção
sobre inimigos diversos, econômicos, políticos ou religiosos, sobre as instituições
ou representações individuais (ANSART, 2001, p. 25).
O regime democrático, repousando sobre a pluralidade dos partidos em situação
de concorrência, constrói e coloca em cena o encontro conflituoso das frustrações
e das hostilidades. Cada partido é levado pela concordância política a insurgir-
se contra a injustiça fundada ou suposta da situação que limita o poder, ao qual,
segundo ele, teria direito em razão da justeza da causa. É levado a acusar os partidos
adversos de torpezas reais ou imaginárias, a denunciá-los de incapazes, desonestos e,
finalmente, de perigosos para a coletividade. Assim, o apelo aos ressentimentos e sua
gestão constituem um verdadeiro manancial para os líderes políticos desenvolverem
ressentimentos para mobilizar eleitores a seu favor (ANSART, 2001, p. 27).
A referência aos ressentimentos e insatisfações constitui um fundo, um capital
indefinido de argumentos no interior do campo político, nas lutas que lhe são
inerentes. A gestão democrática dos ressentimentos é menos simples do que pensam
os ideólogos da democracia. Esse sistema, possuindo a vocação de respeitar certa
liberdade de expressão e de tolerar as manifestações de hostilidades, é levado a
organizar o que se pode chamar de uma gestão dos ressentimentos, entendendo
por isso não uma iniciativa premeditada de alguns manipuladores de opinião, mas
a ação não programada, embora relativamente coerente, das instituições e seus
agentes (ANSART, 2001, p. 27).
O regime democrático, contrariamente aos regimes autoritários e absolutistas,
possui a vocação de ouvir os ecos dos ressentimentos, dar-lhes certo direito de
expressão, nos limites das leis, e favorecer a superação dos ódios pela discussão e
pelas concessões. Os ressentimentos têm um lugar, um papel no mecanismo político:
por exemplo, a manifestação pública constitui-se em um procedimento legalizado
de expressão dos descontentamentos e uma ameaça simbólica aos representantes
que permanecem indiferentes a essa expressão (ANSART, 2001, p. 28).
A história das políticas sociais é feita das manifestações múltiplas de
ressentimento das classes operárias e desfavorecidas, e das ações, ora evasivas, ora
efetivas, que tentam responder às revoltas e acalmar sua violência. Legislações de
trabalho, instituição de salário mínimo, entre outras, procuram acalmar os ânimos
e são respostas aos ressentimentos, além de se apresentarem como tentativas de
transformar o Estado em providência tranquilizadora. Os regimes social-democratas
apresentam esta vocação especial para gerir ressentimentos econômicos e moderá-
los. As políticas sociais são práticas que visam atenuar as indignações, visam
impedir que os descontentamentos transformem-se em ressentimentos perigosos.
(ANSART, 2001, p. 28).
Confirmando a perspectiva freudiana, Kehl (2005) afirma que o ressentimento
é uma constelação afetiva que serve aos conflitos característicos dos indivíduos
e dos grupos sociais no contexto democrático. Na democracia a desigualdade é
sentida como injusta diante de uma ordem simbólica fundada sobre o pressuposto
da igualdade. Nessa lógica, o Estado seria o mediador das disputas de interesse e da
rivalidade entre esses iguais/desiguais; e responsável por prover segurança e justiça.
Vianna e Carvalho (2000, p. 136) afirmam que em contextos como o do caso
brasileiro não bastam as instituições e os procedimentos do Estado Democrático
de Direito. É necessário a anima dos personagens que podem promover vitalidade
à dialética procedimental, convertendo interesses em direitos e levando à inclusão
dos marginalizados. Sem isso, não convergem democracia política e os impulsos e
expectativas de democratização social.
De forma crítica, Slavoj Zizek (2012, p. 23) afirma que o capitalismo global
mina a democracia. Para ele é necessário expandir a democracia para além de
sua forma política estatal pluripartidária, vista nos termos atuais, como uma
“ilusão democrática”. Assim, a desigualdade econômica corrói sistematicamente o
funcionamento democrático. Para Peschanski (2012, p. 30), os ricos têm acesso
mais fácil aos tomadores de decisão e capacidade de influenciá-los. Haveria um
viés nas arenas políticas para atender aos integrantes da parcela da população que
controla os fluxos de investimento.

3.3. Ciências Sociais e Memória Coletiva


A República no Brasil consolidou-se sobre um mínimo de participação
eleitoral, sobre a exclusão do envolvimento popular no governo. Foi engendrada
sobre a ideologia liberal pré-democrática (influenciada pelo darwinismo social)
reforçadora do poder oligárquico. O peso da tradição escravista e colonial
obstruíram o desenvolvimento das liberdades civis ao mesmo tempo que viciava as
relações citadinas com o governo. A Cidade, a República e a Cidadania continuavam
dissociadas, quando muito perversamente entrelaçadas.
O poder político no Brasil foi marcado pelo patrimonialismo, substância
intrinsecamente não-democrática, particularista, baseada em privilégios e
desenvolveu-se do personalismo. Na perspectiva patrimonialista a solidariedade
grupal é constituída a partir de sentimentos e deveres de amizade e compadrio
e nunca pela força intrínseca de interesses objetivos e ideais impessoais. Essa
lógica impede o desenvolvimento de um Estado Racional Democrático. O Estado
permanece como mera generalização do princípio de sociabilidade familiar baseada
na preferência particular de afetos. Essas reflexões sobre o Brasil foram feitas por
clássicos das Ciências Sociais a partir da década de 1930.
Entre os intérpretes do Brasil da primeira metade do século XX estão
historiadores, antropólogos e juristas tais como: Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior,
Sérgio Buarque de Hollanda, Raymundo Faoro, seguidos, na segunda metade do
século XX por José Murilo de Carvalho e Roberto Da Matta, entre outros. Suas
interpretações se consolidaram como matrizes interpretativas possíveis para
entender o Brasil13.
Enquanto as Ciências Sociais possuem métodos específicos permeados por
epistemologias comprometidas com o pensamento cientificamente conduzido, a
Memória Coletiva é livre para (re)apropriações, (re)significações e (re) construções
no campo das subjetividades, dos afetos.
A memória é sempre do presente. Um presente que se lança ao passado numa
dialética entre lembrança e esquecimento. O indivíduo ou grupos sociais que (re)
constroem a memória partem sempre do presente com suas inquietações, angústias
e ideologias. Assim como afirma Paul Ricoeur (1996) e Pierre Nora (1984) a memória
deve ser vista como dialética entre lembrança e esquecimento.
É no presente que os indivíduos que os indivíduos escolhem o que deve ser lembrado
e o que precisa ser esquecido. Assim a memória se apresenta como uma forma de
produção simbólica e, sobretudo, um espaço de luta pelo poder (Barros, 2009).
Como campo dinâmico, vivo e político a memória coletiva realiza a releitura
de vestígios deixados por homens e mulheres de um tempo vivido na busca de
construções identitárias. Nesse processo ativo, interativo e complexo, ocorrem, de
forma deliberada ou não, omissões, parcialidades, hesitações e mesmo distorções.
13 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. José Olympio Editora, 1933. JUNIOR, Caio Prado. Evolução Política do Brasil.
1933. HOLLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. José Olympio Editora, 1936; FAORO, Raymundo. Os donos do Poder.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. DA MATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil?
São os grupos sociais que determinam o que será lembrado. Para o sociólogo
francês Maurice Halbwachs (1968/2006) ao examinar o seu passado, o grupo social,
percebe que tem continuado o mesmo e, dessa forma, adquire consciência de sua
identidade ao longo do tempo. Dessa forma é possível a afirmação do Movimento
Negro, do Movimento Gay, do Feminismo, de seitas religiosas e grupos étnicos,
entre outros.
No imbricado jogo da construção da memória é preciso estar atento aos
traumatismos da memória, aos recalques e retornos de recalques. O recalque pode
se expressar por meio do silêncio relativo a um acontecimento vergonhoso ou
traumático da memória nacional, mas o retorno do recalque pode produzir um
excesso de memória (RICOEUR, 1996).
4 PLURALIDADE DE FALAS E AÇÕES

4.1. Imagens que falam: “cartazes de protesto”

Imagem é linguagem. As imagens participam da constituição da relação dos


sujeitos com o mundo. Elas constroem simbolicamente esse mundo. A construção
simbólica remete às representações que dão sentido à vida dos indivíduos,
produzindo significados, somando à experiência àquilo que são14.
Para Jacques Aumont (2001) as imagens visuais podem ser classificadas como
imagens em movimento (vídeo, cinema, televisão) e como imagens fixas (pinturas,
gravuras, desenhos, fotografias). Neste livro optou-se por lançar o olhar sobre as
imagens visuais fixas, especificamente sobre as fotografias jornalísticas e as charges,
veiculadas em formato digital e impresso. A partir dessas imagens identificam-se
os “cartazes de protesto”, vistos como uma nova forma de manifestação discursiva
na esfera pública.
Os cartazes de protesto são dotados de uma materialidade marcadamente
simbólica, e não foram concebidos simplesmente para ilustrar ou informar.
Eles produzem uma “impressão de realidade”, uma “impressão de verdade”. São
discursos que representam e re-significam a “realidade”, de acordo com percepção
e subjetividades de seu idealizador. O cartaz de protesto pode ser elaborado e
transportado com facilidade, não necessita de um investimento financeiro grande
e pode ser feito em qualquer suporte.

Figura 16 – Cartazes de Protesto - Jornada de Junho. 2013 Figura 17 – Faixa - Passeata dos Cem Mil.
Fonte: <http://www.aecapixaba.org.br/2014/02/instituicoes- 1968
-e-geracao-democratica-as.html> Fonte:< http://pcb.org.br/portal/>

14 A esfera do simbólico está no domínio das produções socializadas, utilizáveis em virtude das convenções que regem as
relações interindividuais (Aumont, 2001, p. 81).
Ao realizar uma análise comparativa entre manifestações ocorridas durante o
Regime Militar (Passeata dos Cem Mil, em 1968) e as Jornadas de Junho de 2013,
em termos de visibilidade, é possível compreender a novidade dos “cartazes de
protesto” em relação às tradicionais “faixas”. O indignado carrega seu cartaz com
suas próprias mãos. Os cartazes de protesto são uma mescla de indignação “racional”,
exteriorização de subjetividades, de emoções e de exteriorização de uma memória
coletiva.
Por sua vez, essas emoções exteriorizadas podem ser percebidas como um idioma
ou um código que define e negocia relações do eu com uma ordem social ou moral e
cujo significado não pode ser separado do papel que desempenham na interação social
ou das implicações do cenário cultural das quais participam. Assim, a maneira como os
indivíduos sentem em uma determinada situação não é, necessariamente, uma reação
natural, mas uma resposta socialmente esperada ou necessária.
Esse movimento que conduz à ação, à exteriorização esclarece-se ao considerar as
satisfações e benefícios secundários que os ressentimentos podem proporcionar. Os
sentimentos compartilhados de hostilidade são um fator eminente de cumplicidade
e solidariedade no interior dos grupos, e suas expressões, as manifestações podem
ser gratificantes para seus membros.
O ódio recalcado e depois manifestado cria uma solidariedade afetiva que,
extrapolando as rivalidades internas, permite a reconstituição de uma coesão, de
uma forte identificação de cada um com seu grupo. Daí a facilidade com a qual
indivíduos se reagrupam para gritar sua agressividade e inventar signos festivos
que exprimam seu desejo de vingança: apedrejar os símbolos do inimigo, queimar
personagens representadas em efígies.
Na Figura 15 observam-se “cartazes de protesto” que possuem componentes
que podem indicar traços de sentimentos de injustiças, sofridas ou percebidas.
A figura representa alguns sentimentos de manifestantes durante as Jornadas de
Junho de 2013. As frases escritas nos cartazes podem ser agrupadas em cinco áreas
temáticas: 1) sentimento de injustiça e de desrespeito à Constituição do Brasil; 2)
Falta de participação popular na vida da República e na vida democrática da Nação;
3) Insatisfação com a corrupção; 4) Necessidade de investimento em áreas básicas;
5) Reafirmação do valor individual e da força coletiva dos cidadãos.
1ª) Sentimento de injustiça e de desrespeito à Constituição do Brasil

“Todos os brasileiros são iguais, mas uns são mais iguais que os outros”.
“Igualdade, Liberdade, Justiça”.
“Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da Nação”

2ª) Falta de participação popular na República e na vida democrática da Nação

“Democracia seria se eu fosse ouvido sem precisar gritar”


“Brasil, um país de poucos” (crítica ao slogan oficial do governo federal:
“Brasil, um país de todos”).
“Desculpem o transtorno, estamos mudando o Brasil”
“Se o governo não vai ao povo, o povo vai ao governo”

3ª) Insatisfação com a corrupção na arena política

“Ou pára a roubalheira ou paramos o Brasil”


“Corrupção, basta”
“Entre outras mil és tú Brasil a mais roubada”
“Estou cansado desta merda”

4ª) Necessidade de investimentos do governo em áreas básicas

“Paz, Educação, Comida” (PEC) (Crítica às inúmeras PEC – Proposta de


Emenda à Constituição que estão a tramitar no Congresso Nacional)
“Queremos educação padrão FIFA”
“Reforma tributária”
“Da Copa eu abro mão, eu quero educação”
“A melhor maneira de ajudar uma pessoa é ensiná-la a pensar”
“Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”
“Por transporte público de qualidade e preço justo”

5ª) Reafirmação do valor individual e da força coletiva dos cidadãos

“Sou muito mais do que futebol e carnaval”


“Há homens que não se vendem”
“Jogaram Mentos na geração Coca-Cola”
“Verás que um filho teu não foge à luta”
“Me organizando posso desorganizar”
“Vocês não contavam com nossa astúcia”
Para Kehl (2005), o ressentimento é o avesso da política. Ele é o fruto da
combinação entre promessas não cumpridas e a passividade que elas promovem.
Os ressentidos são aqueles que abriram mão de sua condição de agentes da
transformação social para esperar por direitos e benesses garantidos por antecipação.
Assim, o ressentimento só pode ser curado pela retomada do sentido radical da
ação política. O ato político implica sempre um risco de desestabilizar a ordem. Ele
nasce da aposta na possibilidade de modificar as condições estruturais presentes
em sua origem.
A indignação seria a primeira expressão do sentimento de justiça. O convite
à fala nas ruas das cidades sintetiza dois pontos fundamentais da democracia: a
apropriação simbólica e física do espaço da cidade pelo cidadão; e o exercício do
direito à fala e a efetiva escuta pelo Estado.
Os cartazes de protesto representados na Figura 17 trazem as seguintes
mensagens: “Fale agora ou cale-se para sempre” e “Não sofra calado”. Ambos
são carregados de significados e remetem o leitor a uma carga de ressentimento
social. Um convite ao agir, à reação diante das
feridas morais sofridas.
A proposta do “falar” liga-se à linguagem,
que é composta pela imagem e pela palavra.
Assim, busca-se o “rastro”, resíduo que não escoa,
mas é objeto – parcial e sobrevivido, fragmentado.
O “rastro” não se simboliza e perdeu a referência
Figura 18 - Fale agora ou cale-se para sempre. Não
Sofra calado.São Paulo. 22 Jun2013. REUTERS/Junior
ao todo que fazia parte, podendo manter uma
Lago
Fonte: http://www.portugues.rfi.fr/brasil/20130628-le-
conexão com ele, que pode ser originário da dor,
-monde-diz-que-movimento-social-no-brasil-e-criati-
vo-e-efervescente
de um evento corpóreo, de um ressentimento.

Figura 19 – Um país mudo, não muda.


Fonte: http://www.publikador.com/politi-
ca/guipires/2014/09/as-manifestacoes-de-
-2013-por-um-olhar-critico-de-2014/
cente
A tarefa que se coloca é a decifração dos rastros, colocado no eixo da concretude
do contato com o real. Assim é a narração que confere sentido aos rastros, que os
insere em uma série coerente de eventos. Os rastros fundam a narração, mas por
sua vez são significados por essa. Muito além da superfície retórica talvez se possa
encontrar um eixo profundo que combina narração e imagem. Eis o desafio a seguir,
realizar narrações “possíveis” por rastros: imagens e palavras.
As experiências passadas são expressas por meio de lembranças e não podem
ser testemunhadas, observadas, reconstruídas realmente. O tempo não retrocede e
aquele que hoje se recorda não é o mesmo que viveu algo no passado. Não é possível
reconstruir fidedignamente o que foi ou o que está sendo vivido, o tempo desbota
os episódios e depende de quem recorda e do grau de envolvimento emocional
desta pessoa, do grau de deformação daquilo que foi experimentado por ela, o que
ela chama de verdade, de realidade.
De acordo com a proposta psicanalítica, as lembranças são sempre fontes
suspeitas. Numa avaliação importa a análise da realidade psíquica, ou seja, daquilo
que tem um sentido de verdade e de realidade para o sujeito, daquilo que ele
testemunha, ou não, e que para ele ganha o valor de verdade. Muitas vezes aquilo
que uma pessoa ouve ganha o estatuto de fato, de realidade, de verdade, ainda que
ela não tenha nenhum registro imagético, mnêmico da referida experiência.
O cidadão é aquele que vive na cidade, que usufrui das comodidades da vida na
cidade. Entretanto, historicamente, parcelas significativas da população brasileira
foram excluídas do direito à cidade. Um exemplo desse processo de exclusão socio-
espacial se deu na cidade do Rio de Janeiro logo no início do século XIX, com a
chegada da família portuguesa e mesmo em momentos posteriores. Os cidadãos
foram obrigados a ocupar as periferias e morros, formando-se as favelas. O mesmo
ocorreu em outras cidades, como Belo Horizonte, primeira capital planejada do
Brasil Republicano e sede do governo do Estado de Minas Gerais. A cidade é o local
onde deve estar o cidadão.
Figura 20 – A cidade é nossa, ocupe-a.
Fonte:< http://luizgeremias.blogspot.com.br/2013/10/licao-das-jornadas-de-junho-ou.html>
Obs.: Observa-se uma grande “faixa” nos moldes clássicos, ladeada pelos “Cartazes de Protesto”.

Não basta habitar a cidade. É preciso ter direitos que permitam a participação
na vida política do país. A cidadania, no aspecto político da liberdade, é o ápice das
possibilidades do agir individual (MACIEL, 2012, p. 336).

Figura 21 – Charge Bora pra rua protestar.


Fonte: Duke, 2013.

O repúdio à corrupção na esfera política e pública é um tema recorrente


durante as Jornadas de Junho de 2013. Os cidadãos, por meio de diversos cartazes,
expressaram seus ressentimentos a esse respeito. O momento do ressentimento
dura tanto quanto o tempo da impotência. É um tempo penoso, a ser pacientemente
suportado. Um tempo que eterniza a infelicidade de sentir e se ressentir, a infelicidade
de sentir e nada poder. Um tempo penoso em que a energia da consciência infeliz,
incapaz de extravasar alegremente no mundo.
Figura 22 - Contra a corrupção
Fonte: http://permanecerecompartilhar.blogspot.com.br/2013/06/melhores-cartazes-e-frases-das.
html#.VFGFhSLF_fI

Figura. 23 – Charge: Corrupção pública


Fonte: Duke, 2013.

A carga tributária imposta aos brasileiros é uma das maiores do mundo. O


cidadão é tributado sobre seu salário e sobre os serviços e produtos que consome.
Em média, por ano, três meses de seu salário é destinado
ao pagamento de impostos. O sentimento de defraudação
sentido pelo cidadão brasileiro em virtude da não
aplicação social dos impostos exorbitantes arrecadados e,
fundamentalmente, de sua apropriação ilícita por pessoas
ligadas às instâncias governamentais gera ressentimentos
sociais, que foram exteriorizados em cartazes como:
Figura 24 – Chega de Corrupção + Saúde,
Educação “Aqui não é o Pelé que tá falando. Chega de corrupção +
Fonte: Foto de João Godinho. Jornal o
Tempo 21 Jun 2013. Saúde, Educação. Então Copa do mundo pra quem?
http://www.otempo.com.br/galeria-de-fo-
tos/manifesta%C3%A7%C3%B5es-em- Em continuidade à temática da corrupção na esfera
-bh-22-de-junho-1.668847
política e pública no Brasil, observa-se o cartaz escrito por
uma jovem cidadã da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais com os dizeres “Um
dia o sol ainda vai nascer quadrado”. Tal frase remete ao desejo de que aqueles que
furtam o dinheiro dos impostos dos contribuintes sejam encarcerados e paguem
por seus delitos contra a coletividade.

Figura 25 – Um dia o sol ainda vai nascer quadrado!


Fonte:Jornal O Tempo. Belo Horizonte. Caderno Cidades.
Foto de Uarlen Valério. 22 Jun 2013.
< http://www.otempo.com.br/galeria-de-fotos/manifesta%-
C3%A7%C3%B5es-em-bh-22-de-junho-1.668847>

A indignação com o comportamento antiético de vários políticos foi outro


tema recorrente nas Jornadas de Junho de 2013. Um descontentamento com o
estado atual das instituições políticas e com o modelo de representatividade foi
exteriorizado por meio do exercício do direito à fala do cidadão que se manifestava
nas ruas das cidades.

Figura 26 - Direita, Esquerda? Eu quero é ir pra frente


Fonte: http://permanecerecompartilhar.blogspot.com.br/2013/06/me-
lhores-cartazes-e-frases-das.html#.VFGFhSLF_fI

Algumas prerrogativas dos deputados federais e senadores da República,


tais como a imunidade parlamentar, são interpretadas como um elemento
dificultador para a efetiva punição dos políticos que se desviam de suas funções de
servir ao povo ao se corromperem.
Figura 27 – Fim da imunidade parlamentar
Jornal o Tempo. Caderno Cidades. Belo Horizonte. Foto de Mariela Guimarães. 22 Jun2013.
Fonte: http://www.otempo.com.br/galeria-de-fotos/manifesta%C3%A7%C3%B5es-em-bh-22-de-ju-
nho-1.668847

Educação é um conceito amplo, que engloba o processo de ensino-aprendizagem


em vários níveis e se desenvolve com a participação de diversos atores sociais. No
processo histórico brasileiro, a escolarização – entendida como educação formal
- sempre foi deixada em segundo plano pelas autoridades, inicialmente por uma
questão de dominação.

Figura 28 - Nois num priciza di istadios tamo pricizando é di iscolas


Fonte: <http://permanecerecompartilhar.blogspot.com.br/2013/06/melhores-cartazes-e-frases-das.html#.
VFGFhSLF_fI>

Até o século XIX, aqueles que tinham condições financeiras iam estudar na
Europa, especialmente em Coimbra. Uma das provas dessa assertiva é que as
primeiras escolas de ensino superior (Faculdades de Medicina e Direito) foram
institucionalizadas em terras brasileiras somente no século XIX, com a chegada
da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro. Por outro lado, na América Espanhola as
universidades existiam desde o século XVI.
Figura 29 - Não quero Copa, quero Educação
Fonte: http://www.ebc.com.br/sites/default/files/mcsp061720130004.jpg

O processo de exclusão ao saber durou séculos. O analfabetismo era uma


realidade brasileira do século XX e ainda no século XXI o número de analfabetos
funcionais é considerável. A despeito dos programas de acesso às universidades e
da melhoria da educação de nível básico e médio há muito para se fazer por partes
dos governos, nos níveis municipal, estadual e federal.
Herbert de Souza (1994, p. 28) afirma que o “Brasil tem condições de fazer
uma revolução cultural e de modificar a percepção que tem de si. O que define o
futuro de um país são suas propostas de humanidade”.
Nessa proposta, a figura do professor é vista pela maioria dos brasileiros como
fundamental no processo. Sua valorização em
termos de respeito social e de remuneração
digna são pontos pacíficos. O atual estado
de descaso pelos profissionais da educação
gera indignação e foi motivo de cartazes
indignados.
De acordo com o pensamento psicanalítico,
Figura 30 - Professor, salário de um deputado e o prestígio de não há evento, relato, narrativa, comportamento
um jogador de futebol
Fonte: http://ligadonafacul.com.br/noticias/4321-entenda_o_ ou pensamento puros e indiferentes às
contexto_das_manifestaes_de_junho_.html
g subjetividades ou insentos da implicação da
pessoa. Para a Psicanálise, importa como os
eventos afetam a pessoa, como eles são significados, interpretados e dimensionados
por esta.
Para Freud, o “trauma” é psíquico e se refere à sobrecarga emocional e de afetos
não tolerada que confere o tom dramático ao conteúdo da lembrança. Na lembrança
Nela intervêm as sensações, a qualidade e a intensidade dos afetos, as angústias e
suas defesas, as fantasias e as alucinações que constituem os pensamentos, mitos
pessoais, o grau de desenvolvimento emocional, a história das relações do sujeito com
ele mesmo, com os outros, com o mundo à sua volta e a história das identificações
deste sujeito com outros, que lhes conferem forma e sentido. (CYMROT, 2010,
p. 337). Para Vecchi (2008, p. 80), o trauma e a ferida fundam a memória mais
resistente, indelével.

Figura 31- Fome, miséria e opressão. O Brasil é penta campeão


Fonte: http://permanecerecompartilhar.blogspot.com.br/2013/06/melhores-cartazes-e-
-frases-das.html#.VFGFhSLF_fI

Os “cartazes de protesto” são carregados de indignação e representam a fala


de cidadãos indignados durante as Jornada de Junho no Estado de Minas Gerais,
e em especial nas ruas de Belo Horizonte. A completar esse quadro busca-se ouvir
as interpretações constantes nos livros “Nas Ruas” e “Ruas e Redes”, que serão
apresentados a seguir, e que foram publicados em 2014. Portanto, são frutos de
olhares de atores sociais que vivenciaram e experienciaram as Jornadas de Junho.

4.2. Outros falas “nas ruas” e “redes” de expressão


O livro “Nas Ruas: a outra política que emergiu em Junho de 2013”, trata das
interpretações do sociólogo Rudá Ricci e do antropólogo e fotógrafo Patrick Arley.
Os autores mesclam uma refinada análise sócio-política da realidade contemporânea
brasileira com uma clara opção política, especialmente quando lançam o olhar
sobre determinados movimentos sociais15(e outros “coletivos”) e ao dar voz a
determinadas lideranças, já consolidadas e em atuação em Minas Gerais.
15 Movimentos Sociais são caracterizados como ações coletivas associadas à luta por interesses orientados para
mudanças na esfera social e cultural. O Movimento é caracterizado por certa permanência, enquanto as ”Manifestações
Sociais” são passageiras (Ricci & Arley, 2014, p. 82).
Figura 32 – Livro “Nas Ruas: a outra política que emergiu em junho de 2013.
Fonte: http://www.editoraletramento.com.br/nasruas.html

Na capa do livro (FIG. 31), observa-se a pluralidade de atores sociais em cena


que ocuparam as ruas da cidade. Ao fundo, um dos símbolos de Belo Horizonte,
a Serra do Curral. Bandeiras e “cartazes de protesto” fazem parte do contexto.
A imagem possibilita uma leitura dentre tantas outras possíveis, com relação
ao uso de “cartazes de protesto” em detrimento de faixas. Em vários momentos
da história das manifestações no Brasil observaram-se as faixas, nas Jornadas
de Junho, a marca foram os “Cartazes de Protestos”, como se os manifestantes
estivessem a dizer: “essa é a minha questão, minha indignação pessoal”.
A escolha de “coletivos” em Belo Horizonte e o detalhamento das dinâmicas
em termos de organização realizadas pelos autores permite o teste da segunda
hipótese da presente investigação: “as ações coletivas de protesto seriam um reflexo
da construção de uma perspectiva dialogal na arena pública” (ação comunicativa e
dialógica)?
Iconograficamente o livro “Nas Ruas” é ricamente ilustrado com fragmentos
das Jornadas de Junho na cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Todos
os quatro cadernos iconográficos apresentam fotografias que retratam confrontos
ou possibilidade de enfrentamentos entre os manifestantes e as forças de segurança.
Como afirma Boris Kossoy (2001, p. 42-43), não existe neutralidade na atitude
daquele fotografa, pois o que é selecionado é fruto do desejo do fotógrafo:

O registro visual documenta, por outro lado, a própria atitude


do fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e sua
ideologia acabam transparecendo em suas imagens.
Essas escolhas e olhares são “lugares de memória” que ajudam a construir a
memória coletiva de grupos sociais.
Na fotografia que abre a apresentação,
observa-se uma jovem branca com o rosto
pintado, que fita os olhos de um policial
negro. A última imagem do livro apresenta
um jovem de costas observando uma fogueira
em via pública e numa posição mais distante
estão alguns policiais agrupados e com seus
Figura 33 – Manifestante e Policial. Foto de Patrick Arley
escudos. São olhares, recortes possíveis do
Fonte: <http://rudaricci.blogspot.com.br/2013/07/fotos-de-pa- evento, fruto da concepção política, visão
trick-arley-sobre.html>
de mundo e da escolha do fotógrafo. Outras
visões e olhares seriam igualmente possíveis, pois a realidade é multifacetada.
Ademais, como afirma Roland Bhartes (1984, p. 16-17) “uma foto é sempre
invisível: não é ela que vemos. Em suma, o referente adere. E essa aderência singular
faz com que haja uma enorme dificuldade para acomodar a vista à fotografia”.
Para Ricci e Arley (2014) , “nas ruas, a expressão do desencanto e ressentimento
se transfigurava, vez por outra, em ataque a toda militância partidária (RICCI &
ARLEY, 2014, p. 172). A ideia de “coletivo” foi operacionalizada pelos manifestantes,
demonstrando uma crise do sistema tradicional de representação.
Essa ação demonstra um desencantamento com o modelo político burocrático
tradicional. Assim, os manifestantes propunham, por meio de suas práticas
organizativas, uma democracia radical, com decisões tomadas de baixo para cima
e novos espaços institucionais (RUBIÃO, 2013).
A mobilização desencadeada é “fortemente lastreada na emoção coletiva, na
indignação e no sentimento de autonomia do coletivo que se forma a partir da
certeza da possibilidade de mudança, ao menos, de denúncia e intimidação ou
coibição do autor da ação injusta” (RICCI & ARLEY, 2014, p. 215).
Ricci & Arley (2014, p. 219) convidam a refletir sobre a “Sociedade de Consumo”
no Brasil atual e afirmam que “os tempos atuais aceleraram as desilusões da classe
média, ressentida e frustada com a incapacidade de atingir seus ideiais”. Segundo
os autores essa classe média se ressente pela perda de seu poder de formação de
opinião pública a partir das eleições presidenciais de 2006, pelo rebaixamento
da qualidade de vida, e acesso das camadas populares aos serviços e bens que
antes eram privativos aos mais abastardos, tais como: transporte aéreo, acesso aos
shoppings centers e áreas nobres das capitais (RICCI & ARLEY, 2014, p. 55). Os
autores ressaltam que essa inclusão social se deu pelo consumo e não pelos direitos
ou pela ação política organizada (p. 48).
Corroborando interpretações de outros estudiososo como Matos (2015) os
autores afirmam que os elementos que norteavam os “coletivos” que se fizeram
parte das Jornadas de Junho em Belo Horizonte/Minas Gerais foram: autonomia,
horizontalidade, ação direta e autogestão, provisoriedade sem lideranças nos moldes
tradicionais. Tais características foram obtidas por meio da análise do processo
de organização, mobilização, convocação e métodos de tomada de decisão das
mobilizações de junho (RICCI & ARLEY, 2014).
Tradicionalmente os fenômenos de hostilidade nas suas múltiplas formas foram
tomados como fenômenos de massa, como consequência de uma irracionalidade
moral, psicológica e, não raras vezes, patológica. Quase todas as análises, das
psicológicas às sociológicas, consideravam a ação da massa o caminho da destruição
de valores universais das democracias ocidentais. Os legados de Gustave Le Bom
e do pensamento liberal sobre o político instalaram a impossibilidade de pensar
os antagonismos sociais fora do que se definiu como emancipatório e do que se
denominou racionalidade universal (PRADO, 2006).
Nesse contexto, Prado (2006) destaca o antagonismo como uma reação social
politizada pelo estabelecimento de uma relação de reconhecimento do caráter
opressivo que sustenta desigualdade sociais e pela demarcação das fronteiras
políticas que garantem o pluralismo democrático, uma vez que esta demarcação
impõe o paradoxo do fenômeno identitário: a lógica da diferenciação. Assim, a
identidade coletiva passa a ser compreendida como um processo objetivo-subjetivo
de negociação constante, que redefine as práticas e posturas grupais.
Ricci & Arley (2014), num exercício que busca lançar luz sobre a emergência de
novos sujeiros políticos que denunciam novas formas de opressão e novos projetos
emancipatórios, reproduzem a “Memória” da 1ª Assembleia Popular Horizontal,
realizada em 19 de junho de 2013, na cidade de Belo Horizonte. A “Memória”
mostra a dinâmica utilizada pelos participantes. O relato se dividiu em: agenda,
definições prévias, formação de grupos horizontais e permanentes de articulação
(comunicação, saúde e jurídico) e discussão de temáticas nos níveis local (Belo
Horizonte), estadual (Minas Gerais) e nacional (cenário brasileiro).
A Assembleia Popular Horizontal trás à memória a perspectiva psicanalítica
da morte do pai e da comunidade de irmãos. A palavra de ordem expressa por
manifestantes traduz parte dessa premissa “somos todos líderes de sua luta, de sua
própria voz”. Cuidados eram tomados para que a Assembleia Popular Horizontal não
se tornasse uma espécie de liderança ou movimento social clássico, mas um espaço
coletivo de decisão horizontal, decisões tomadas por consenso (RICCI & ARLEY,
2014, p. 175). O antagonismo é visto como algo permanente, uma tensão necessária
para o espaço democrático evitando, assim, um sujeito coletivo totalizado.
No livro “Ruas e Redes. Dinâmicas dos ProtestosBR”, a Cientista Social e
Historiadora Regina Helena Alves da Silva (2014, p. 7) esclarece que “a diversidade
de opiniões, reivindicações e pontos de vista embaralhou as compreensões dos
movimentos sociais”. Os cientistas sociais estavam acostumados a movimentos
bem definidos em relação à reinvindicação e ao campo de atuação. Nas Jornadas
de Junho novos atores sociais entram em cena.

Figura 34 – Livro “Ruas e Redes: dinâmicas dos protestosBR.


Fonte: http://grupoautentica.com.br/autentica/livros/ruas-e-
-redes/1060

A capa do livro (FIG. 33), em que se vê uma mão que porta um telefone
móvel a registrar o flagrante de uma manifestação, possibilita compreender as
novas dinâmicas que as Jornadas de Junho apresentaram ao Brasil. Entre outras
interpretações, ressaltam-se a imediatez na troca de informações e a consequente
socialização das ações, que ultrapassam fronteiras, com uma celeridade nunca antes
vista. Não é mais o computador pessoal ou o notebok, são celulares que cabem nos
bolsos e estão conectados à internet com facilidade.
Os sentidos são bombardeados (“Vemos, ouvimos e lemos...”16) por meio de
redes sociais (Facebook, Whats App, Telegran, entre outros) que são acessadas
por um simples toque na tela dos aparelhos. Elas permitem a interação, críticas,
postagens e arranjos em fração de segundos; influenciar e ser influenciado; indignar-
se e provocar indignação; falar e ser ouvido.
Para Regina Silva (2014, p. 8) as Jornadas de Junho foram um acontecimento-
núcleo de diversas questões que se fundiram em um deteminado intervelo de tempo.
Nessa ótica, esclarece:
Vários tempos foram às ruas. Os tempos dos movimentos que
surgiram por volta dos anos 1960, de luta por direitos civis
como o LGBT e o das mulheres. Movimentos que seurgiram
nos anos 1990 ligados ao direito à cidade como Movimento
Passe Livre e também os movimentos por moradia que
surgiram na cena das lutas contra o déficit habitacional.
Grupos de ação direta ligados a movimentos anarquistas,
como os Black Blocs, que foram trazidos para o Brasil. E
grupos dispersos como o que ficou conhecido como o dos
“cochinhas”, que são principalmente jovens de classe média
que foram às ruas ou para a “festa” ou reinvindicar privilégios
e extinção de direitos coletivos.

Alzamora, Arce e Utsch (2014, p. 63) pensam as Jornadas de Junho como um


dispositivo agenciado na interface entre a rua e as mídias sociais, em especial o
Facebook, que constituíram-se de acontecimentos em rede regidos pela cultura da
convergência, que integra mídias tradicionais e mídias sociais por meio da lógica
das conexões. Eles interpretam os eventos como uma dimensão mais lúdica que
racional.
As redes sociais digitais configuraram-se como teias complexas, capazes de
promover a articulação das relações políticas e sociais coletivas, muitas vezes a partir
de iniciativas pessoais que, por sua vez, extrapolaram uma dimensão particular ao
se juntar a outras iniciativas, tecendo, assim, uma cadeia de ações comunicativas
horizontais (Pessoa, 2014, p. 68). As redes exteriorizam práticas concretas que
emergiram dos contatos físicos, dos olhares, dos diálogos e das caminhadas nas
ruas da cidade. Entretanto, algumas dessas ações tiveram componentes de violência.

16 Expressão de Sophia de Mello B. Andresen, em Cantata de Paz, citada por Carlos Fortuna, da Universidade de
Coimbra nas orelhas do livro Ruas e Redes.
4.3. Massa e Multidão: ações violentas num sistema violento

Ricci & Arley (2014, p. 33) afirmam que “o discurso e atos violentos que marcaram
o final de muitas manifestações gigantescas sugeriam a ruptura com a ordem, mas
não efetivavam”. Nessa lógica, a psicanalista Maria Kehl (2009), reportando-se ao
conceito de “revolta submissa”, elaborado por Pierre Bourdieu (1996, p. 196), afirma:

a revolta submissa é uma reivindicação de direitos, ou de


justiça, ou de proteção, que não enfrenta a necessidade de
alterar a correlação de forças que produz a falta de direitos, a
injustiça, o desamparo.

Ainda nessa lógica, o ressentido não deseja mudar a correlação de forças


na sociedade em que vive, nem luta para se empoderar. Ele prefere manter seus
opressores no poder e luta apenas para que eles reconheçam seu sofrimento.
Numa perspectiva clássica a Psicologia das Massas e da Multidão foi alvo das
reflexões de Sigmund Freud (1921), em seu livro “Psicologia das Massas” e Gustave
Le Bon (1895), em “Psicologia das Multidões”.
Para Freud (2010) o indivíduo está sempre integrado ao “outro”, seja como
modelo, objeto, auxiliar ou adversário. Assim, a Psicologia é social. A relação do
indivíduo com os outros passa a ser fenômeno social. Para entender essa imbricada
relação, Freud dialoga com os escritos de Le Bon (1980) destacando dois princípios
na obra de Le Bon: a inibição coletiva da função intelectual e a intensificação da
afetividade da Multidão.
Para Le Bon (1980) a Massa Psicológica é uma modificação psíquica que se impõe
ao individuo. Qualquer que sejam os indivíduos que compõe a Massa Psicológica e
por mais diversos que sejam seu modo de vida, suas ocupações, seus caracteres ou
suas inteligências, o simples fato de terem se transformado em uma “Multidão” os
dota de uma espécie de Alma Coletiva. A Alma Coletiva faz com que os indivíduos
sintam, pensem e ajam de maneira completamente diferente de como pensaria,
sentiria e agiria cada um isoladamente. Certos sentimentos e ideias somente surgem
e se transformam em atos na multidão. A Massa Psicológica é um ser provisional
composto por elementos heterogêneos, soldados por um instante, exatamente
como as células de um corpo vivo formam pela reunião um novo ser que mostra
características muito diferentes das que cada célula individualmente possuía.
Para Freud, se os indivíduos que fazem parte e formam a Multidão se fundiram
em uma unidade, tem que existir algo que os enlacem uns aos outros. E esse “algo”
poderia ser aquilo que caracteriza a Massa. Le Bon argumenta que na Multidão
se esquecem as aquisições individuais, desaparecendo, assim, a personalidade de
cada um dos que a integram. O inconsciente social surge em primeiro lugar. O
heterogêneo se funde no homogêneo. A superestrutura psíquica, tão diversamente
desenvolvida em cada indivíduo, é destruída aparecendo a uniforme base
inconsciente comum a todos. Dessa forma é construído um caráter médio dos
indivíduos da Multidão.
Le Bon (1980) argumenta que um indivíduo integrado na Multidão adquire,
pelo fato do número, um sentimento de potência invencível diante do qual
pode permitir-se ceder a instintos que, antes, como indivíduo isolado, refreou
forçosamente. Ele se entregará a tais instintos, pois a multidão é anônima e,
em consequência, irresponsável. Dessa forma desaparecerá o sentimento de
responsabilidade, poderoso e constante freio dos impulsos individuais.
O indivíduo que forma a Multidão se situa em condições que lhe permite
suprimir as repressões de suas tendências inconscientes. O desaparecimento da
consciência, nessas circunstâncias, ou do sentimento de responsabilidade, é um
fato cuja compreensão está na relação entre a consciência moral e a “angústia social”
(FREUD, 2010).
Dentro da multidão todo sentimento e todo ato são contagiosos17 até o ponto
de que o indivíduo sacrifica muito facilmente seu interesse pessoal ao interesse
coletivo (atitude contrária a sua natureza). A personalidade consciente desaparece,
a vontade e o discernimento ficam abolidos. Sentimentos e pensamentos são
orientados no sentido de determinado hipnotizador. Não tem consciência dos seus
atos. Sob influência de uma sugestão se lançará com ímpeto irresistível à exceção de
certos atos. Perdidos todos os seus traços pessoais, o indivíduo passa a converter-se
em autômato sem vontade (LE BON, 1980).

17 Atribui-se o contágio a ação recíproca exercida pelos membros de uma Multidão, uns sobre os outros, derivados do
fenômeno de sugestão (Freud, 2010).
Figura 35 - “Destruição de concessionárias de veículos em Belo Horizonte”. Minas Gerais. 26 Jun 2013.
Fontes:< http://www.df.superesportes.com.br/app/noticias/campeonatos/copa-das-confederacoes/copa2013-noti-
cias/2013/06/26/noticia,46101/clima-tenso-entre-manifestantes-e-pm-em-bh.shtml> <http://noticias.r7.com/mi-
nas-gerais/fotos/bh-serve-de-palco-para-destruicao-na-pampulha-durante-jogo-do-brasil-26062013#!/foto/1>
Pe l o
simples fato de formar parte da multidão, o homem desce vários escalões na escalada
da civilização. Isolado, talvez era um indivíduo culto, na multidão, um bárbaro.
Tem a espontaneidade a violência, a ferocidade, o entusiasmo e o heroísmo dos
seres primitivos (LE BON, 1980).

Figura 36 - Manifestante utilizando estilingue para arremessar esferas de vidro e chumbadas


Fonte: Seminário Gestão de Multidões, Manifestações e Distúrbios Civis em Grandes Eventos. Experiência do Estado de Minas Ge-
rais. Copa das Confederações. 2013.

A multidão é impulsiva, versátil e irritável. Deseja se guiar quase exclusivamente


pelo inconsciente. A personalidade e o instinto de conservação desaparecem. Nada
nela é premeditado. Ainda quando deseja algo apaixonadamente, nunca o deseja
por muito tempo, pois é incapaz de uma vontade perseverante. Não tolera demora na
realização do desejo. Abriga um sentimento de onipotência. A noção de impossível
não existe para o indivíduo que forma parte da multidão. É extraordinariamente
influenciável e crédula. Necessita de sentido crítico e o inverossímil não existe
para ela. Pensa em imagens que se entrelaçam umas às outras associativamente,
como naqueles estados em que o indivíduo dá liberdade a sua imaginação sem
que nenhuma instância racional intervenha para julgar até que ponto se adapta a
realidade a sua fantasia (LE BON, 1980).
Os sentimentos da Multidão são sempre simples e exaltados. Desse modo, não
conhece dúvidas nem incertezas. As multidões chegam rapidamente ao extremo. A
suspeita anunciada se transforma ipso facto em indiscutível evidência. Um princípio
de antipatia passa a constituir em segundos ódio feroz. Naturalmente inclinada a
todos os excessos, a Multidão não reage senão a estímulos muito intensos (LE BON,
1980).

Figura 37 - “Destruição, lixo e pelo menos R$ 5,2 milhões em prejuízos”. 26 Jun 2013.
Fontes:<http://www.hojeemdia.com.br/polopoly_fs/1.140348.1372339304!/image/image.jpg_gen/derivati-
ves/landscape_714/image.jpg>< http://www.hojeemdia.com.br/horizontes/destruic-o-lixo-e-pelo-menos-
-r-5-2-milh-es-em-prejuizos-na-av-antonio-carlos-1.140340 <http://www.hojeemdia.com.br/horizontes/

Para convencê-la é inútil argumentar logicamente. Assim, será preciso


apresentar imagens em várias cores e repetir várias vezes as mesmas coisas. Tendo
clara consciência do seu poderio, a Multidão é tão autoritária quanto intolerante.
Respeita a força e vê na bondade uma espécie de debilidade, que impressiona muito
pouco. O que a multidão exige de seus heróis é a força e incluso, a violência (LE
BON, 1980).
Na reunião dos indivíduos integrados numa Massa desaparecem todas as
inibições individuais, enquanto todos os instintos cruéis, brutais e destruidores –
resíduos de épocas primitivas, latentes no indivíduo - despertam e buscam sua livre
satisfação. As massas são capazes de ações desinteressadas e de sacrifício por um
ideal. Pode falar-se de uma moralização do indivíduo pela Massa (FREUD, 2010).
Enquanto no nível intelectual, a Multidão aparece sempre muito inferior ao
do indivíduo, sua conduta moral pode sobrepassar o nível ético individual como
descer abaixo dele. A multidão se mostra muito acessível ao poder verdadeiramente
mágico das palavras, as quais são suscetíveis tanto de provocar, na Alma Coletiva,
as mais violentas tempestades, como de apaziguá-la e devolvê-la a calma. A razão e
os argumentos não podem nada contra certas palavras e fórmulas (FREUD, 2010).

Figura 38 - Destruição, retirada de barreiras de proteção e invasão de concessionária


Fonte: Seminário Gestão de Multidões, Manifestações e Distúrbios Civis em Grandes Eventos. Experiência do
Estado de Minas Gerais. Copa das Confederações. 2013.

As multidões não conheceram a sede pela verdade. Pedem ilusões, as quais


não podem renunciar. São sempre preferência ao irreal e este atua sobre eles com
a mesma força do real. Tem uma visível tendência a não fazer distinção entre
ambos18(FREUD, 2010).
Sobre a questão da liderança na multidão, Freud (2010) afirma que a Multidão é um
dócil rebanho incapaz de viver sem amo. Tem tal sede de obedecer que se submete
instintivamente àquele que se erige em chefe19.
Tanto os líderes de multidões quanto as ideias possuem um poder misterioso
e irresistível chamado “prestígio”. O prestígio é uma espécie de fascinação que um
indivíduo, uma obra ou uma ideia exercem sobre nosso espírito. Essa fascinação
paralisa todas nossas faculdades críticas e enche nossa alma de assombro e de
respeito. Os sentimentos então provocados são inexplicáveis, como todos os
sentimentos, mas provavelmente da mesma ordem que a sugestão experimentada
por um sujeito magnetizado. O prestígio depende sempre do êxito e desaparece
diante do fracasso (LE BON, 2010).
O filósofo do direito Andityas Matos (2015) pensa a violência a partir de outra
chave interpretativa. Amparado no pensamento de Michael Hardt e Antônio Negri
18 O predomínio da vida imaginativa e da ilusão sustentada por um desejo insatisfeito foi destacado por Freud como um
fenômeno característico da Psicologia da Neurose.
19 Para Freud, são características do chefe: estar fascinado por uma intensa fé em uma ideia, para fazer surgir a fé na
multidão; possuir uma vontade potente e imperiosa suscetível de animar a Multidão, carente, por si mesma de vontade.
(2005), em “Multidão”, esclarece que o “reforço da orden estabelecida funciona
como justificativa retroativa absoluta para o uso da violência” (MATOS, 2015, p.
116).
Sua interpretação é construída no diálogo com Hobsbawm (2010), em “As
regras da violência” e Benjamim (2011), em “Para uma crítica da violência”, na qual
o sistema liberal-capitalista é uma forma de violência de classe que, para controlar
a violência extralegal (…), lança mão de outra modalidade de violência, autorizada
e centralizada pelo Estado; que todo poder político-jurídico não passa de violência
constituída. Haveria, assim, duas formas de violência: uma que mantém o sistema
de poder atual e a violência que o destrói, a violência instituída e a violência
instituidora (Matos, 2015, p. 117).

Figura 39 - “Manifestantes em protesto pela tarifa zero em Belo Horizonte”. 2013.


Fonte: < http://jornalggn.com.br/noticia/o-legado-das-manifestacoes-de-junho-segundo-o-mpl>
5 AS JORNADAS DE JUNHO NA CAPITAL DE MINAS GERAIS

5.1. A cidade e a lei: construções sócio-históricas


Inicialmente, a exemplo das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (capitais
do Estado de São Paulo e Estado do Rio de Janeiro), a capital de Minas Gerais se
chamaria Cidade de Minas. Posteriormente, optou-se pelo nome Belo Horizonte.
Ela foi a primeira cidade planejada da nascente República brasileira. Sua construção
foi determinada pela Constituição Mineira de 1891. Os trabalhos se iniciaram em
1891, sendo inaugurada em 1897. O engenheiro responsável pelo planejamento
e construção, Aarão Reis, tomou como exemplos as experiências urbanísticas de
Washington, Londres, Paris e La Plata na Argentina (ARRUDA, 2013, p. 78).
Belo Horizonte pretendia romper com a lógica do período colonial português e do
Império Brasileiro. A mudança da capital do Estado de Minas Gerais, que outrora
era Ouro Preto, pretendia inaugurar um novo momento da história do Brasil: a
República. Entretanto, a Belo Horizonte não se mostrou um horizonte belo para
todos. A cidade, apesar de possuir beleza, salubridade e conforto, nasceu sob o
signo da exclusão sócio-espacial.
Os trabalhadores que construíram a cidade foram excluídos de viver e usufruir
de sua beleza e comodidades. Pedreiros, eletricistas, carpinteiros, marceneiros e
auxiliares invadiram áreas periféricas da cidade para construção de suas moradias.
Áreas que ficavam fora dos limites oficiais da cidade, assim formaram as primeiras
favelas de Belo Horizonte. Durante as décadas subsequentes várias foram as
mobilizações e os movimentos sociais que reivindicaram direitos sociais, tais como:
habitação, saúde, educação, transporte público e, sobretudo, participação nas
questões da República. Mas uma cultura política autoritária e paternalista, gestada
sob a égide do patrimonialismo crônico, insistiu em silenciar a participação cidadã.
Parte-se do pressuposto de que as manifestações populares não devem
ser “enfrentadas”, pois constituem uma exigência da democracia num estado
democrático de direito. O conjunto de regras fundamentais do Estado deve nortear
tudo o que é feito e estabelecido no país. Assim as leis precisam se conformar à
Constituição da República. Nenhuma lei, portaria, resolução, etc, pode valer se não
estiver conforme a Constituição. Todo poder só pode ser exercido na medida em
que estiver de acordo com a Constituição. Toda autoridade só é autoridade porque a
Constituição assim o diz. Ela não se autonomeia. Ela é instituída pela Constituição.
A Lei 12.663/2012, apelidada de “Lei Geral da Copa”, foi uma lei talhada para os
eventos da FIFA, especificamente para a Copa do Mundo e a Copa das Confederações,
embora mencione a Jornada Mundial da Juventude. A primeira impressão é a de que
se trata de uma lei de exceção num Estado Democrático de Direito. O Ministério
Público, a Defensoria Pública e movimentos sociais já percebiam isso desde o seu
nascedouro, mas não havia ressonância social dessa percepção (COUTO, 2013).
Muitas denúncias feitas durante as Jornadas de Junho mostraram os gastos
públicos mal feitos e as restrições aos direitos fundamentais, sem nenhuma
contrapartida na melhoria dos serviços públicos. Tornou-se lugar comum dizer
que as manifestações espontâneas não tinham pauta de reivindicações definidas,
mas, o relacionamento estabelecido entre a FIFA e o Brasil explicaria, em grande
medida, a indignação de parcela dos manifestantes.
Segundo o defensor público federal Dr. Estêvão Ferreira Couto (2013)
vários manifestantes procuraram a Defensoria relatando algumas situações
e solicitando providências. Em Belo Horizonte se destacava o “Fator Linha da
Copa” ou “Território da FIFA”; discursos de manifestantes que teriam reprimido
os vândalos; decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cassada pelo Supremo
Tribunal Federal e utilização das Forças Armadas nas atividades de policiamento
no entorno do evento.
A Defensoria Pública da União entendeu que o exercício dos direitos
fundamentais é mais importante do que a simples realização do evento. O Estado
não poderia trabalhar com a ideia de que o evento deveria acontecer a qualquer
custo, mesmo atropelando os direitos fundamentais. O Brasil não se encontrava
em uma situação de guerra que justificasse excepcionalidades extremas. O foco,
então, deveria ser a garantia dos direitos fundamentais: liberdade de manifestação
e de reunião e liberdade de ir e vir, incluindo para os que quisessem ir e tivessem
dinheiro para adquirir os ingressos para ir aos jogos.
As forças de segurança trabalhariam para garantir o direito dos cidadãos
brasileiros e dos estrangeiros que desejam ver os jogos. O foco seria não a realização
do evento que, é algo apenas indireto. Quanto ao direito fundamental da livre
manifestação, as forças de segurança atuariam para garanti-lo em qualquer espaço
dentro do território nacional (COUTO, 2013).
Figura 40 – Perímetro de Segurança da FIFA.
Fonte: Dum, 2013.

O entendimento da Defensoria Pública da União era que não existia


perímetro territorial-legal para o exercício do direito de livre manifestação.
Não existiria um “território FIFA”. Diz a Lei 12.663/2012 em seu art. 11º:

Art. 11. A União colaborará com os Estados, o Distrito Federal


e os Municípios que sediarão os Eventos e com as demais
autoridades competentes para assegurar à FIFA e às pessoas
por ela indicadas a autorização para, com exclusividade,
divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade
ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como
outras atividades promocionais ou de comércio de rua,
nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e
principais vias de acesso.

§ 1o Os limites das áreas de exclusividade relacionadas


aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente
estabelecidos pela autoridade competente, considerados os
requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados,
atendidos os requisitos desta Lei e observado o perímetro
máximo de 2 km (dois quilômetros) ao redor dos referidos
Locais Oficiais de Competição.

Essa disposição legal, nem se fosse essa a sua intenção, não poderia superar o
texto constitucional que é reforçado e mais elaborado em normas internacionais
dos direitos humanos, que podem até ser analisadas por tribunais internacionais.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais
abertos ao público, independentemente de autorização, desde que
não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo
local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
...
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.

A mobilização social e os protestos, muitas vezes, são os únicos que provocam


mudanças institucionais efetivas e profundas em benefício de todo o povo (daí a
essencialidade do direito de livre manifestação e reunião). A mobilização social
e os protestos são verdadeiras ferramentas de petição às autoridades públicas,
bem como vias para reclamações coletivas contra abusos e violações de direitos
humanos, especialmente para aqueles setores da sociedade que sofrem políticas e
ações discriminatórias por grupos particulares e pelo poder público.
Para a Defensoria Pública da União o ânimo beligerante da manifestação
não se presumiria. Nesse sentido, a própria manifestação ou seus organizadores
não deveriam ser considerados, automaticamente, responsáveis por eventuais
comportamentos ilícitos cometidos. Pelo contrário, a polícia tem o dever de remover
indivíduos violentos ou que praticassem crimes na multidão, de forma a permitir
que os manifestantes exercitassem seus direitos básicos de reunião e de se expressar
pacificamente.
Na restrição dos direitos de reunião pacífica, de manifestação, de expressão
e de associação, os meios menos intrusivos de se alcançar os objetivos legítimos
pretendidos pelas autoridades deveriam sempre ser utilizados.
A liberdade de organizar e participar de protestos são considerados regras, e
as limitações, exceções. A proteção dos direitos e liberdades de outrem não deveria
ser utilizada como vago pretexto para limitar o exercício de protestos pacíficos.
Restrições que consubstanciam proibições gerais relativas a tempo ou local não estão
de acordo com direitos humanos no contexto de protestos pacíficos, exceto como
último recurso, quando adotadas para proteger o próprio direito à vida.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou em
importantes casos envolvendo o direito de reunião. O primeiro caso teve por objeto
o Decreto emanado pelo Distrito Federal, que restringia manifestações públicas em
determinados locais, como na Praça dos Três Poderes. Assim se decidiu:
Decreto 20.098/1999 do Distrito Federal. Liberdade de reunião
e de manifestação pública. Limitações. Ofensa ao art. 5º, XVI,
da CF. A liberdade de reunião e de associação para fins lícitos
constitui uma das mais importantes conquistas da civilização,
enquanto fundamento das modernas democracias políticas.
A restrição ao direito de reunião estabelecida pelo Decreto
distrital 20.098/1999, a toda evidência, mostra-se inadequada,
desnecessária e desproporcional quando confrontada com a
vontade da Constituição (Wille zur Verfassung)." (ADI 1.969,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 28-6-2007,
Plenário, DJ de 31-8-2007.)

Na decisão proferida na Reclamação 15.887/MG, o Ministro Luiz Fux, em


19/06/2013, entendeu “legítimas as manifestações populares realizadas sem
vandalismo, preservado o poder de polícia estatal na repressão de eventuais abusos”
e cassou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que determinara “que o
reclamante se abstivesse de realizar manifestações em vias e logradouros públicos
em qualquer parte do território estadual” (Ação Cautelar nº 1.0000.13.041148-
1/000, ajuizada pelo Estado de Minas Gerais). Na lição do Ministro Celso de Mello:

a) o direito de reunião constitui faculdade constitucionalmente


assegurada a todos os brasileiros e estrangeiros residentes
no País; b) os agentes públicos não podem, sob pena de
responsabilidade criminal, intervir, restringir, cercear ou
dissolver reunião pacífica, sem armas, convocada para fim
lícito; c) o Estado tem o dever de assegurar aos indivíduos
o exercício do direito de reunião, protegendo-os inclusive,
contra aqueles que são contrários à assembleia; d) o exercício
do direito de reunião independe e prescinde de licença da
autoridade policial; e) a interferência do Estado nas reuniões
legitimamente convocadas é excepcional, restringindo-se,
em casos particularíssimos, à prévia comunicação do ato à
autoridade ou à prévia comunicação designação, por ela, do
local da assembleia; [...] h) o direito de reunião, permitindo
o protesto, a crítica e a manifestação de ideias e pensamento,
constitui instrumento de liberdade dentro do Estado Moderno.

No contexto internacional, no que tange a reunião e a manifestação pacífica


de pessoas, observam-se os preceitos contidos na Declaração Universal de Direitos
Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José, adotada e aberta à assinatura
na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San
José de Costa Rica. Assim, verifica-se que o direito brasileiro assegura, tal como o
direito internacional, as manifestações, as passeatas e os protestos. Apesar de ser
constitucional, o direito de reunião não é absoluto. Ele possui limites jurídicos na
própria Constituição, em leis infraconstitucionais e nos direitos das demais pessoas.

Figura 41 – Progresso.
Fonte: Lute, 2013.

Nesse contexto, invocando o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,


este limita o exercício do direito de reunião quanto aos aspectos de segurança e
ordem pública, ou como forma de proteção à saúde ou à moral pública ou aos
direitos e liberdades das demais pessoas:
Artigo 21 - O direito de reunião pacifica será reconhecido.
O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições
previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade
democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança
ou da ordem pública, ou para proteger a saúde ou a moral
pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

A Lei 12.663/2012 (Lei Geral da Copa) se mostrou problemática quando


pretendeu estabelecer limitação legislativa e abstrata à liberdade de expressão em
locais de competição:
Art. 28. São condições para o acesso e permanência de qualquer
pessoa nos Locais Oficiais de Competição, entre outras:
...
§ 1o É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de
manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da
dignidade da pessoa humana.

A utilização das Forças Armadas deveria ser sempre o último recurso. A leitura
do art. 144, § 5º, em conjunto com o caput do art. 142, da Constituição da República
revela que a atribuição das Forças Armadas para preservação da ordem pública
deve ser exercida em caráter excepcional e subsidiário, e por iniciativa de um dos
poderes constitucionais. Além disso, quanto maior for o potencial de violência de
uma instituição, mais restrito deverá ser seu âmbito de atuação. As Forças Armadas
se valem de armamento pesado, que não pode ser utilizado por outras instituições
encarregadas de garantir a segurança pública (polícias militares, civis e federais).
A Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999, esclarece ainda mais
a situação: o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem é
medida excepcional que somente se justifica em casos de grave comoção interna,
devendo ficar demonstrado, no caso concreto, que as forças policiais estaduais
estão indisponíveis, são inexistentes ou insuficientes para fazer frente à situação.
Essa demonstração ensejará então que o Chefe do Executivo declare formalmente
a situação. Diante dessa declaração, o Presidente da República emitirá mensagem
autorizando o emprego daqueles órgãos militares para o fim pretendido, devendo
a autoridade competente transferir o controle dos órgãos de segurança pública à
autoridade encarregada das operações.
Sem a prática de qualquer dos atos antes descritos, não se terá verificado o
iter procedimental legalmente estabelecido, sendo inconstitucional o emprego das
Forças Armadas para a garantia da ordem pública. Ou seja, só a presença de grande
número de pessoas não justifica, por si só, a necessidade de emprego das Forças
Armadas.
Caso ocorra a utilização das Forças Armadas, esta deve ser bem fundamentada,
e essa fundamentação deve estar bem explícita para o público. Tendo em vista os
direitos e garantias constitucionais é importante avaliar as possibilidades de se
potencializar a força dos manifestantes pacíficos.
Não pode haver “acordo” para afastar direitos fundamentais. A montagem de
perímetros deve ser amparada tecnicamente em aspectos de segurança. As forças de
segurança devem possuir protocolos e diretrizes próprias de atuação, desvinculadas e
independentes da FIFA, além de buscar previsibilidade de ações por meio de um eficiente
serviço de Inteligência.
As Jornadas de Junho de 2013, em Belo Horizonte, foram compostas de três
grandes manifestações, ocorridas nos dias 17, 22 e 26. Cada uma delas reuniu mais
de 50 mil pessoas nas ruas. Elas saíram do centro da cidade de Belo Horizonte em
direção ao estádio de futebol Mineirão. Durante esses dias ocorreram conflitos,
feridos e óbitos.
Todas as caminhadas iniciaram-se pacificamente, tendo ocorrido os conflitos
nos momentos em que os manifestantes tentavam ultrapassar as barreiras policiais
que impediam o acesso ao estádio20.
20 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Fundamentais, Igualdade Racial, Apoio
Comunitário e Fiscalização da Atividade Policial (CAO-DH). A experiência do Ministério Público do Estado de Minas Gerais/
CAO-DH nas manifestações populares.
Figura 42 – Manifestantes deslocando do centro de Belo Figura 43 – Encontro dos manifestantes com os cordões
Horizonte, pela Avenida Antônio Carlos, em direção ao de isolamento realizados pela Polícia Militar Fonte:
Estádio Mineirão. 2013. Ministério Público de Minas Gerais. Defesa dos Direitos
Fonte: Ministério Público de Minas Gerais. Defesa dos Humanos e Apoio Comunitário.
Direitos Humanos e Apoio Comunitário.

As forças de segurança, entre elas a Força Nacional, utilizaram munições de


menor potencial ofensivo no processo de controle dos manifestantes que buscaram
romper os perímetros de isolamento e alguns que utilizaram da violência para
destruição de patrimônios públicos e privados.

Figura 44 – Destruição de veículo e policial ferido.


Fonte: Ministério Público de Minas Gerais. Defesa dos Direitos Humanos e Apoio Comunitário.
GRÁFICO 1 - Pessoas mortas e feridas durante as Jornadas de Junho
Belo Horizonte – Minas Gerais. 2013

Obs.: No dia 22/6/13 um manifestante sofreu uma queda do viaduto José Alencar (Av.
Presidente Antônio Carlos / Av. Abrahão Caran), sendo assistido para o Hospital de Pronto
Socorro XXIII.
No dia 26/6/13 outro manifestante sofreu queda do viaduto José Alencar (Av. Presidente
Antônio Carlos / Av. Abrahão Caran), vindo a óbito. Na mesma data um manifestante foi vítima
de mal súbito em via pública (Avenida Carlos Luz / Coronel Oscar Pascoal). 26/6/13 - Policial
Militar vítima de pedrada que atingiu a cabeça, encaminhado para Posto Médico Avançado do
CBMMG no parque municipal.
26/6/13 – Incêndios: em frente a Concessionária OSAKA que pertence a empresa TOYOTA;
na Concessionária KIA com 04 veículos incendiados dentro da loja e 02 veículos do lado externo
da loja; em veiculo na Av. Presidente Antônio Carlos em frente à empresa Telha Norte; dentro da
empresa Minas Motos. Foi ateado fogo em 04 motocicletas que estavam na área externa da loja.
Foram registradas 56 ocorrências pela Delegacia de Eventos.

Fonte: Sistema de Defesa Social de Minas Gerais. 2013.

De acordo com dados do Sistema de Defesa Social de Minas Gerais os principais


grupos organizados presentes nas Jornadas de Junho em Belo Horizonte foram: o
Sindicato dos policiais civis de Minas Gerais, Sindicato dos Metroviários, Sind-
UTE, Movimento Popular Horizontal, Comitê Popular dos Atingidos pela Copa,
Movimento Passe Livre BH, Brigadas Populares.
O Quadro 1 apresenta dados relativos a aspectos sociais e de ativismo dos
manifestantes presentes nas Jornadas de Junho de 2013, em Belo Horizonte.
QUADRO 1
Perfil dos Manifestantes presentes nas Jornadas de Junho de 2013
Belo Horizonte – Minas Gerais

Fonte: http://www.otempo.com.br/infogr%C3%A1ficos/raio-x-do-manifestante-de-bh-1.669356

GRÁFICO 2 - Idade dos indivíduos presos durante as manifestações da Copa das Confederações em
Belo Horizonte – Minas Gerais. 2013

Fonte: Armazém de Dados. Sistema de Defesa Social de Minas Gerais. 2013


GRÁFICO 3 – Escolarização dos indivíduos presos durante as manifestações da Copa das Confederações
em Belo Horizonte. Minas Gerais. 2013

Fonte: Armazém de Dados. Sistema de Defesa Social de Minas Gerais. 2013

5.3. Ações dialógicas na esfera pública: um exercício possível


Após as manifestações ocorridas em 17 de junho, foi constituída a Comissão
de Prevenção à Violência em Manifestações Populares, a partir da articulação e
mobilização de diversos atores: Ministério Público; Defensoria Pública; Polícia
Militar; Polícia Civil; Sociedade civil organizada; CONEDH; Fórum de Direitos
Humanos; Escritório de Advocacia Popular; Programa Pólos de Cidadania;
DCE, União Brasileira de Estudantes. Os principais objetivos da Comissão eram:
acompanhar, com a máxima proximidade possível, as manifestações populares em
Belo Horizonte; evitar abordagens inadequadas, constrangimentos e ações violentas
(PM e manifestantes); garantir o direito à livre manifestação popular.
A Comissão trabalhou, sobretudo, na recomendação e na pactuação de medidas
preventivas em relação à atuação das forças de segurança nas manifestações
populares. Após as manifestações mais vultuosas a comissão trabalhou na avaliação
do cumprimento, por parte da polícia e dos demais grupos e instituições presentes
nas reuniões, das medidas sugeridas e acordadas. Após cada manifestação, foram
trazidos ao debate os casos de violência, sendo encaminhados para a devida apuração
e tomada de medidas pelos órgãos competentes.
A Comissão de Prevenção à Violência em Manifestações Populares, por meio
de seus integrantes realizou diversas reuniões, em busca de identificar aspectos que
violassem os direitos constitucionais e forma a coibi-los.
Figura 45 – Reunião da Comissão de Prevenção à Violência em Manifestações Populares.
Fonte: Ministério Público de Minas Gerais. Defesa dos Direitos Humanos e Apoio Comunitário.

Os principais relatos apresentados à Comissão foram: uso abusivo de bombas


de gás lacrimogêneo pela polícia; abordagens e prisões indevidas, sem resguardo
das garantias constitucionais; solicitações de informações relativas à localização
de pessoas presas; recolhimento forçado e não registrado de máscaras anti-gás,
de recipientes contendo leite de magnésia e/ou vinagre, bem como de máquinas
fotográficas e aparelhos de telefone celular; informações de que a polícia teria fechado
“rotas de fuga” que deveriam estar abertas, encurralando manifestantes; pedidos
de que ambulâncias fossem enviadas, com urgência, a determinados locais para
possibilitar o socorro de manifestantes vitimados pela ação da polícia; manifestantes
solicitaram a presença da polícia para que atuasse a fim de coibir ações depredatórias;
disparos desnecessários de elastômeros; atos de depredação de patrimônio público
e particular por parte de manifestantes; lançamento de artefatos explosivos, bolas
de gude, pedras e outros objetos contra policiais; agressões verbais contra policiais,
manifestantes, advogados e jornalistas e atos de incitação a violência praticados
por “mascarados”21.
Diante das reivindicações surgiram as seguintes pactuações: demarcação de
perímetro alternativo para as manifestações; designar contingente policial suficiente
para acompanhar as manifestações e garantir a efetiva proteção dos participantes e do
patrimônio público e particular; comunicar todas as prisões ocorridas à Comissão, de
forma imediata; dispersar as multidões apenas em casos extremos, e que observassem
21 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Fundamentais, Igualdade Racial, Apoio
Comunitário e Fiscalização da Atividade Policial (CAO-DH). A experiência do Ministério Público do Estado de Minas Gerais/
CAO-DH nas manifestações populares.
o uso progressivo da força, conforme o Manual da Prática Policial, adotando as
cautelas necessárias para preservação da integridade física dos manifestantes; não
escalar integrantes do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas e Batalhão de
Polícia de Choque no acompanhamento contínuo das manifestações; banimento e/
ou limitação ao uso de armamento não letal (elastômero) como forma de dispersão
de multidões; disponibilizar o mapa de demarcação das zonas de segurança e as
diretrizes de dispersão de multidões e distúrbios elaborados pela polícia; afastar
da atividade de policiamento do Batalhão-Copa todos os policiais eventualmente
identificados como autores de violência injustificada contra os manifestantes;
garantir o diálogo entre polícia e manifestantes durante as manifestações, por meio
de megafone, carro de som ou outro meio, para orientar os manifestantes quanto
ao percurso a ser feito, e quanto às ações a serem adotadas pela polícia no decorrer
das manifestações em caso de conflito, de forma a possibilitar a dispersão segura
das pessoas; garantia de atendimento médico a eventuais feridos, com número
suficiente de equipamentos e profissionais do Corpo de Bombeiros e Serviço de
Atendimento Médico de Urgência.
O Gráfico 4 mostra que na segunda quinzena do mês de junho ocorreram
diversas manifestações, sendo as mais expressivas nos dias 20, 22 e 26.

GRÁFICO 4 - Total de Manifestantes em Minas Gerais - 16 Jun13 a 30 Jun13

Fonte: Sistema de Defesa Social de Minas Gerais. 2013.

A Comissão avaliou que, embora a prevenção absoluta da violência nas


manifestações não tenha sido alcançada, a disposição para diálogo dos movimentos
sociais com as forças de segurança foi fundamental para minimizar os danos. Nesse
sentido, a iniciativa foi considerada positiva. Um dos pontos destacados foi que
a Comissão contribuiu para que a sociedade civil e o poder estatal (Legislativo e
Executivo Estadual e Municipal) estabelecessem, diretamente, um diálogo sobre as
demandas que motivaram os protestos.
Outro evento que emergiu na esfera pública e demonstrou a força da fala e da
escuta numa perspectiva dialógica e comunicativa e que encerrou cronologicamente
as Jornadas de Junho foi a ocupação da Prefeitura de Belo Horizonte.
Entre 29 de junho a 1º de agosto de 2013 as instalações da Prefeitura de
Belo Horizonte foram ocupadas por integrantes de
movimentos de luta pela moradia e representantes
de diversas ocupações urbanas de Belo Horizonte,
que reivindicaram atenção do poder estatal sobre o
acesso a serviços urbanos e regularização fundiária.
Nesse contexto ocorreu a atuação imediata do
Figura 46 – Reunião da Comissão de Prevenção Ministério Público para evitar cumprimento de
à Violência em Manifestações Populares.
Fonte: Ministério Público de Minas Gerais. liminar de reintegração de posse e evitar episódios
Defesa dos Direitos Humanos e Apoio Comuni-
tário. de violência.
Minas Gerais. 2013.
Os membros do Ministério Público participaram
de reuniões de negociação com o judiciário, polícia, Prefeitura de Belo Horizonte
e manifestantes. Houve o compromisso firmado pela Prefeitura em atender às
demandas dos moradores e ocorreu a desocupação realizada de forma voluntária e
pacífica. Foi aberto um canal direto das “lideranças” com o Ministério Público para
acompanhamento das ações.
Nota-se que a cultura permeia as ações dos manifestantes, assim como as de
todos os atores os quais eles interagem tais como juízes, policiais, parlamentares,
repórteres e outros. É necessário, pois, entender os muitos lados do conflito.

5.4. Discursos da lei e a instrumentalização das forças de segurança


O consenso entre atores e segmentos são obras do artifício. Refletem a
permanente negociação na realidade social de desejos, paixões, expectativas e
interesses diversos e divergentes entre os atores sociais na cena interativa.
Na ordem artificial ou oral das coisas da vida em sociedade, a unidade
de valores, comportamentos e atitudes encenada pelos grupos sociais resulta
de construções histórico-culturais. Por essa razão, as identidades sociais são
dinâmicas, estão em processo, sendo, pois, ressemantizadas na experimentação da
diversidade humana, do dissenso, matéria-prima pra a emergência dos conflitos.
A Constituição do Brasil em seu artigo 144 diz que a segurança pública é dever
do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação
da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio.
De acordo com Nota Técnica do Ministério Público de Minas Gerais passeatas,
assembleias, reuniões, atos reivindicatórios em geral, desde que pacíficos e sem a
presença de armas, constituem ações legítimas de manifestação do pensamento e
integram o catálogo de direitos fundamentais assegurados pela Constituição da
República de 1988. Não se exige autorização das autoridades competentes, mas
tão somente comunicação formal prévia, em tempo razoável, para que as agências
de segurança pública se organizem com o objetivo de garantir a manifestação e
coordenar questões de interesse público, com o mínimo de intervenção possível
em outros direitos.
As formas de expressão de um modo geral, a exemplo da fixação de cartazes,
faixas, camisetas com dizeres, manifestações corporais, gritos e cantos de ordem,
charges, estão juridicamente protegidas pelo texto constitucional.

Figura 47 – Charge Camisas de


protesto
Fonte: Duke, 2013.

Para o Ministério Público na medida em que a liberdade de expressão se


converte em atos de violência, deixa de ser exercício de um direito constitucional
e passa a ser abuso de direito e violação do direito alheio, que não se compatibiliza
com o Estado Democrático. Cabe às forças de segurança valer-se dos meios
estritamente necessários para reprimir comportamentos ilícitos.
Figura 48 – Charge Vândalos
Fonte: Duke, 2013.

O Manual Técnico Profissional de Operações de Controle de Distúrbios da


Polícia Militar de Minas Gerais, que trata dos princípios das atividades de controle
de distúrbios amparadas nas normas internacionais de Direitos Humanos,
determina que:

- antes de aplicar a força devem ser tentados meios não violentos;


- a força só deve ser usada quando estritamente necessária para
as finalidades legítimas de cumprimento da lei;
- as vítimas de tumultos, que estiverem feridas e doentes devem
ser recolhidas e cuidadas, e as pessoas desaparecidas devem ser
procuradas (MINAS GERAIS, 2013, p. 73).

Os princípios e recomendações do Manual corroboram outras experiências


da América Latina, em especial da Argentina. Em 2011 a República Argentina
estabeleceu o “Protocolo do Ministério de Segurança”, que constitui diretrizes para
a atuação das forças de segurança em manifestações públicas.
No que diz respeito ao uso das balas de borracha, ou elastômeros, elas somente
poderão ser empregadas com fins defensivos em caso de perigo para a integridade
física de algum membro das instituições de segurança, de manifestantes ou de
terceiras pessoas. Em nenhum caso poderá se utilizar desse tipo de munição como
meio para dispersar uma manifestação.
Os agentes agressivos químicos e antitumultos (granadas de gás lacrimogêneo,
de efeito moral e gás pimenta) somente poderão ser utilizados como última instância
e sempre mediante ordem prévia do chefe da operação, que será responsável pelo
uso indevido dos mesmos. Em tais casos, o emprego da força permanecerá restrito
exclusivamente ao pessoal especialmente treinado e equipado para tal fim22.

Figura 49 – Charge Bomba de Gás


Fonte: Duke, 2013.

O protocolo estabelece a obrigatoriedade, para todo o pessoal policial e das


forças de segurança intervenientes na operação, portar uma identificação clara que
possa ser vista a olho nu nos respectivos uniformes. Essa determinação também faz
parte de normas internas na polícia ostensiva em Minas Gerais.
Em operações programadas, devem ser colocadas barreiras físicas quando
contribua a salvaguardar a integridade dos manifestantes, efetivos policiais e
terceiros não envolvidos, proteger determinados setores ou espaços, e/ou aumentar a
eficiência na demarcação de espaços de circulação dos manifestantes (concentração
e desconcentração) sem afetar direitos de outros cidadãos.

Figura 50 – Charge Protesto


Fonte: Duke, 2013.

Os efetivos das instituições de segurança devem respeitar, proteger e garantir


a atividade jornalística. (...) Os efetivos policiais e as forças de segurança devem
abster-se de realizar ações que impeçam o registro de imagens ou a obtenção de
depoimentos nessas circunstâncias.
22 Tais recomendações também são encontradas no Manual Técnico-Profissional nº 3. 04.12/2013-CG, que regula a uti-
lização de armamentos e equipamentos e munições de menor potencial ofensivo na PMMG. Belo Horizonte: Comando
Geral, 2013.
Figura 51 – Charge Jornalistas
Agredidos
Fonte: Lute, 2013.

Deve ser alvo de zelo especial os grupos vulneráveis que estejam envolvidos
nas manifestações ou próximo ao local de sua ocorrência, incluindo idosos, pessoas
com deficiência, mulheres, crianças, dentre outros.

Figura 52 – Charge Aprendeu a


protestar
Fonte: Duke, 2013.

De acordo com o Protocolo Argentino devem ser resguardados os direitos dos


funcionários envolvidos na segurança pública no que diz respeito à sua condição
de trabalhadores, devendo ser observadas as condições necessárias de alimentação,
instalações sanitárias, atenção médica, dentre outros, em acordo à duração e
complexidade da operação.
Após o Ocuppy Wall Street o governo norte-americano recomendou aos
gestores de segurança pública ter alguém em campo com autoridade para tomar
decisões. Ao tratar dos manifestantes que violam as regras, deveria partir do
pressuposto de que a maioria não é violenta e que estão nas ruas para exercer um
direito assegurado pela Constituição. O documento destaca que o maior desafio
é quando os “infratores” se incorporam no meio da multidão pacífica23.
O Police Executive Research Forum recomenda que quando se empregar
policiais de fora, deve ser considerar usar treinamento via web, além do
presencial quando estiver mais próximo do evento, para deixar clara a política e
os procedimentos que serão empregados. Ser flexível e adaptar o planejamento
durante um evento é algo necessário24. Certamente tais recomendações emergiram
de situações concretas.
Stott, Hoggett e Pearson (2012) ressaltam que a legitimidade policial aumenta
diante do exercício do diálogo e do engajamento, e quanto menor for o uso
desproporcional da força. Eles partem do pressuposto de que a maioria dos
manifestantes são pacíficos, assim não se deve permitir que um pequeno número de
“agitadores” provoque uma resposta agressiva dos policiais. Por sua vez, o policial
deve relacionar com o público de maneira amistosa, sem confronto. Argumentam
que o respeito com a multidão pode agir como uma força multiplicadora para a
polícia.
As forças de segurança devem ser proativas se aproximando dos manifestantes
informando sobre os recursos disponíveis para a realização pacífica da manifestação
e o apoio da polícia ao evento. A nova dinâmica apresenta o “coletivo” e não mais o
líder, numa perspectiva tradicional.

Figura 53 – Charge Onde estão os


líderes?
Fonte: Lute, 2013

Para os autores, numa perspectiva liberal, a multidão tende a regular o seu


próprio comportamento quando a polícia atua com legitimidade e quando os
manifestantes apóiam e confiam nas suas forças de segurança, dessa forma é
23 POLICE EXECUTIVE RESEARCH FORUM. Managing Major Events: best practices from the field, 2011.
24 Idem
menos provável que ocorram atos violentos. A violência tende a se agravar se os
manifestantes pensam que foram tratados injustamente pela polícia, que por sua
vez pode desencadear uma espiral ascendente de conflito que pode resultar em um
tumulto. As pessoas respeitam a lei quando percebem que as autoridades agem
com justiça e legitimidade (STOTT; HOGGETT; PEARSON, 2012).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo partiu da seguinte indagação: o que motivou a participação de


brasileiros nas Jornadas de Junho de 2013? Como respostas provisórias delinearam-
se as seguintes hipóteses: essas participações foram motivadas por:

1º) ressentimentos sociais historicamente construídos como reflexo da não concretização


das propostas republicanas no Brasil;
2º) amadurecimento democrático que se traduziu na construção de uma perspectiva dialogal
e comunicativa, operacionalizada por determinados “coletivos” no que diz respeito às ações de
planejamento para intervenções na arena pública, e
3º) tentativa de rompimento com a ordem liberal considerada injusta.

As Jornadas de Junho foram plurais, assim como múltiplos foram os atores


em cena. Não foram movimentos hegemônicos. Nem mesmo quando se observam
ações ocorridas na mesma cidade e no mesmo momento de concretização. Dessa
forma, são plausíveis as interpretações que abarcam as duas hipóteses delineadas
inicialmente, e, certamente outros olhares.
Os cartazes utilizados por vários manifestantes são interpretados como uma
estratégia para fazer uso do direito de expressão, da palavra por meio de uma
linguagem carregada de simbolismo, que ultrapassa o escrito e revela subjetividades
e o desencantamento pela não concretização das propostas republicanas, o que
enfraqueceu a democracia e em alguns casos, gerou ressentimentos sociais. A
catarse coletiva se apresentou como uma possibilidade.
Diante dessa perspectiva interpretativa, muitos daqueles que se sentem
vilipendiados em seus direitos não se percebem como co-autores do pacto social,
do qual não mais legitimam. Essa visão pode gerar passividade e cinismo. A dar
crédito a formas e culturas políticas construídas na longa duração o “cidadão
inativo” continuará a se ver como alvos da proteção do Estado. Esse “cidadão” foi
construído historicamente por um Estado paternalista e assistencialista, que forjou
o sentimento de dependência e apatia. Esse modelo patrocinou a repressão ao
direito da “palavra” e da participação popular.
Por um lado, historicamente o povo brasileiro foi sistematicamente alvo de
tentativa de exclusão da ação na vida republicana, seja pelo uso da força ou por
uma cultura política assistencialista e da dádiva. A historicidade das relações de
poder no Brasil seria a expressão exemplar do ressentimento social. Por outro lado,
construí-se um modelo de democracia que não é capaz de construir os espaços
da escuta e da fala. Colônia, Império, Republica, em cada tempo histórico, o
Brasil construiu seus ressentidos, alimentou-os. Desde a força até uma legalidade
permeada por interesses de determinados grupos sociais.
Em virtude de uma pedagogia perversa da interdição à palavra e à expressão,
em suas mais variadas formas, atualmente os cidadãos desconfiam dos princípios
que estiveram na origem da identidade política. Uma nação forjada a “pancadas”
desde o seu nascimento vivenciou experiências de violências de toda ordem, o
que levou muitos a cultivarem um ódio recalcado, expressos em ressentimentos e
desencantamentos, portanto, sentimentos carregados de subjetividades.
A participação dos cidadãos no controle da ação do Estado depende da
destituição dessa fantasia infantil a respeito de um “Outro” que protege os súditos
por amor. A República deveria substituir o arbítrio do soberano pela vontade
coletiva. O cidadão ativo deve tomar o destino em suas mãos, escudado pelos direitos
individuais e sociais expressos na Constituição do Brasil. Muitas das experiências
ocorridas durante as Jornadas de Junho mostraram que o povo tem as respostas nas
mãos e na capacidade de expressar por meio da palavra.
O processo de autonomia política do cidadão é algo que se constrói
pedagogicamente diante dos eventos sócio-políticos concretos até que possam,
na expressão do filósofo e psicanalista Slavoj Zizek (2012), querer de volta os
compromissos políticos que foram terceirizados.
Como afirma o antropólogo Junenal Arduini (2002) para superar barreiras e
responder desafios é necessário combinar , articular pensamento crítico com ação
concreta, associar subjetividade autônoma com visão pluralista. Nesse processo a
audácia madura é indispensável para elaborar a história da emancipação. Mais do
que “reinvidicar a voz daqueles que são obrigados a sofrer calados” é necessário
construir uma via de emancipação e de autonomia política.
REFERÊNCIAS

ALVES, M. H. M. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1985.


ALZAMORA, G.; ARCE, T.; UTSCH, R. Acontecimentos agenciados em rede.
Os eventos do Facebook no dispositivo protesto. In: Silva, R. H. A. Ruas e Redes.
Dinâmicas dos ProtestosBR. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
ANSART, Pierre. La gestion des passions politiques. Paris: L’Age d’Homme, 1983.
ANSART, Pierre. Les cliniciens des passions politiques. Paris: Editions du Seuil,
1997.
ANSART, Pierre. História e Memória dos Ressentimentos. In: BRESCIANI,
Stella; NAXARA, Márcia (Org.). Memória e (Res) sentimento. Campinas: Editora
Unicamp, 2001.
ARRUDA, R. P. Cidades-capitais imaginadas pela fotografica: La Plata (Argentina),
Belo Horizonte (Brasil), 1880-1897. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013.
ARDUINI, Juvenal. Antropologia. Ousar para reinventar a humanidade. São Paulo:
Paulus, 2002.
AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas: Papirus. 2001.
BARROS, J. D. A. História e Memória. Uma relação na confluência entre tempo e
espaço. Museiom, vol. 3, n. 5, Jan.-Jul/2009, p. 35-67.
BENJAMIN, Walter. Para uma crítica da violência. In: BENJAMIN, Walter. Escritos
sobre o mito e linguagem (1915-1921). São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, p. 121-
156, 2011.
BHARTES, R. A. Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho
original publicado em 1992). 1996.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. 1988.
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. 2. ed. São Paulo: Perspectiva.
(Trabalho original publicado em 1958). 1992.
CARNEIRO, H. S. Rebeliões e Ocupações de 2011. In: Harvey, D. et al. Occupy.
Movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo: Carta Maior,
2012.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania a Porrete. Jornal do Brasil. 18 dez. Caderno
Especial, p. 6. Rio de Janeiro, 1988.
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não
foi. São Paulo: Compahia das Letras, 1987.
CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da
internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
COTTA, Francis Albert. Iconografia e representação visual. In: Cotta, F.A. Negros
e mestiços nas milicias da América Portuguesa. Belo Horizonte: Crisálida, 2010.
COTTA, Francis Albert. Cidadania: um proceso em construção. Jornal A Razão.
Ano V, n. 40, p.7. 1998.
COTTA, Francis Albert. Matrizes do Sistema Policial Brasileiro. Belo Horizonte:
Crisálida, 2012.
COUTO, E. F. A atuação da Defensoria Pública da União nas manifestações populares
espontâneas de junho de 2013 na cidade de Belo Horizonte. In: Seminário de Gestão
de Multidões, Manifestações e Distúrbios Civis nos Grandes Eventos. Secretaria
Extraordinária de Segurança de Grandes Eventos. Centro Integrado de Comando
e Controle. Rio de Janeiro. 16 a 20 de setembro de 2013.
CRESWELL, J. W. (2010). Projeto de pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo e
misto. Porto Alegre: Artmed, 2010.
CYMROT, P. Nossas lembranças: guardam intimidade com as ficções e são sempre
fontes suspeitas? In: Zimerman, D.; Coltro, A. C. M. Aspectos psicológicos na
prática jurídica. Campinas, SP: Millennium, 2010.
DE GOEDE, M. Ideology in the US welfare debate: neo-liberal representation of
poverty. Discourse and Society. London, v. 7, n. 3, p. 317-357, 1996.
DUMONT, L. Homo hierarchicus. Le système des castes et ses implications. Paris:
Gallimard. . 1979.
DUTRA, Eliana. O Ardil Totalitário. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997.
FORIN, J. L. Linguagem e Ideologia. 8. ed. São Paulo: Ática, 2005.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida
Sampaio. 11 ed. São Paulo: Ed. Loyola, 2004.
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho
original publicado em 1966), 1997.
FREITAG, B. A teoria crítica ontem e hoje. 4 ed. São Paulo: Brasiliense. (Trabalho
original publicado em 1986), 1993.
FREUD, Sigmund. Psicología de las masas. Madrid: Alianza Editorial. (Trabalho
original publicado em 1921), 2010.
FREUD, Sigmund (2010). O Mal-estar na Civilização. São Paulo: Companhia das
Letras. (Trabalho original publicado em 1930), 2010.
FREUD, Sigmund. De quelques mécanismes névrotiques dans la jalouise, la paranoia
et l’homosexualité. Revue Française de Psychanalyse, nº 3, 1932, pp. 391-401, 1932.
GRECO, Rogério. Atividade Policial. Aspectos penais, processuais penais,
adminsitrativos e constitucionais. 6 ed. Niteroi/RJ: Impetus, 2014.
GODOI, C. K. Possibilidades de Análise do Discurso nos Estudos Organizacionais: a
perspectiva da interpretação social dos discursos. In: Encontro anual da Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, XXIX. Brasília. Anais.
Brasília, 2005.
GOHN, Maria da Glória. Manifestações de Junho de 2013 no Brasil e Praças dos
Infignados no Mundo. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.
GIRARD, R. A violência e o sagrado. São Paulo: Paz e Terra. (Trabalho original
publicado em 1972), 1990.
HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1984.
HABERMAS, J. Morale et communication: conscience et activité communicationnelle.
Paris: Editions du Cerf. (Trabalho original publicado em 1983), 1986.
HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Trad. Guido A. de Almeida.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, Volume I. (Trabalho original publicado em 1992), 1997.
HABERMAS, J. A ética da discussão e a questão da verdade. Trad. Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do
Império. Trad. Clóvis Marques. Ver. Técnica Giuseppe Cocco. Rio de Janeiro:
Record, 2005.
HARVEY, David. et al. Occupy. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2012.
HARVEY, David. et al. (2013). Cidades Rebeldes. Passe livre e as manifestações que
tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2013.
HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução
Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
Hobsbawm, E. (1969). Bandits. London: Weidenfeld & Nicolson, 1969
HOBSBAWM, Eric. J. Las reglas de la violência. In: HOBSBAWN, Eric J.
Revolucionarios. Trad. Joaquim Sempere. Barcelona: Crítica, p. 294-303, 2010.
HONNETH, A. Luta por reconhecimento. São Paulo: Editora 34, 2003.
HONNETH, A. Sofrimento de indeterminação. São Paulo: Esfera Pública, 2007.
IMBRIANO, Amelia Haydee. Tratamiento desde el alma. Lectura introductoria a la
obra de Freud. Buenos Aires: Letra Viva, 2013.
IMBRIANO, Amelia Haydee. ¿Por qué matan los niños? Aportes del psicoanálisis a
la prevención del delito y la justicia penal. Buenos Aires: Letra Viva, 2012.
IMBRIANO, Amelia Haydee. La odisea del siglo XXI. Efectos de la globalización.
Buenos Aires: Letra Viva, 2010.
JESUS, M. G. M; Jesus Filho, J. Relatório sobre a Tortura: uma experiência de
monitoramento dos locais de detenção para prevenção da tortura. São Paulo:
Pastoral Carcerária, 2010.
KEHL, M. R. Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
KEHL, M. R. O ressentimento camuflado da sociedade brasileira. Novos Estudos.
CEBRAP, n.71, março, p. 163-180, 2005.
KEHL, M. R. A Passividade. In: Novaes (org.). A. Vida, vício, virtude. São Paulo:
Editora Senac São Paulo, Edições Sesc SP, 2009.
KLEIN, M.; Rivière, J. L’Amour et la haine. Paris: Payot. (Trabalho original publicado
em 1937), 1968.
KOSSOY, B. Fotografia e História. São Paulo: Ateliê, 2001.
JENNINGS, Andrew (et al). Brasil em Jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas.
São Paulo: Boitempo, 2014.
LE BON, Gustave. Psicologia das Multidões. São Paulo: Edições Roger Delraux.
(Trabalho original publicado em 1895), 1980.
LOBO, F. Mais desigualdade. Carta Capital, 175, 24-29, 2002.
MACIEL, J. F. R. Formação Humanística em Direito. São Paulo: Saraiva, 2012.
MATOS, A. S. M. C. Filosofia radical e utopias da Inapropriabilidade. Belo Horizonte:
Fino Traço, 2015.
MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto,
2004.
MAQUIAVEL. N. O Príncipe. São Paulo: WMF Martins Fontes. (Trabalho original
publicado em 1513), 2010.
MARICATO, E. et. al. Cidades rebeldes: Passe Livre e manifestações que tomaram
as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2013.
MENDONÇA, R. F. Identitidade e representação: as marcas do fotojornalismo na
tesitura da alteridade. In Vaz, P. B. Narrativas fotográficas. Belo Horizonte: Autêntica,
2006.
MERTON, R. K. Eléments de théorie er de méthode sociologique. Paris: A. Colin.
(Trabalho original publicado em 1953), 1997.
MERTON, R. K. Social theory and social structure. Nova York. (Trabalho original
publicado em 1953), 1968.
MINAS GERAIS. Ministério Público. Centro de Apoio Operacional às Promotorias
de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, 2013.
NIETZSCHE, F. Para a Genealogia da Moral. Lisboa: Relógio d’Água. (Trabalho
original publicado em 1887), 2000.
NORA, Pierre. Entre mémorie et histoire: la problematique des lieux. In: GEROM,
C. (Org.). Le lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1984.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise do discurso: principios e procedimentos.
Campinas: Pontes, 1999.
PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Imagem, memoria, sensibilidades: territórios do
historiador. In: RAMOS, A. F., PATRIOTA, R.; PESAVENTO, S. J. Imagens na
História. São Paulo: Hucitec, 2008.
PESSOA, S. C. A marcha nas ruas e o movimiento nas redes. Autocomunicação de
massa e mise en scène. In: Silva, R. H. A. Ruas e Redes. Dinâmicas dos ProtestosBR.
Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
PLATÃO. La République. Livro III. Paris: Les Belles Lettres, 1989.
PRADO, M. A. M. Movimentos Sociais e Massa: identidades coletivas no espaço
público contemporáneo. In: Castro, M. C. P. S. (org.). Mídia, esfera pública e
identidades coletivas. Belo Horizonte: UFMG, 2006, p. 193-212, 2006.
POLICE EXECUTIVE RESEARCH FORUM. Managing Major Events: best practices from
the field, 2011.
RAWLS, John (1987). Théorie de la justice. Paris: Seuil. (trabalho original publicado
em 1971), 1987.
REIS, J. C. Wilhelm Dilthey e a autonomía das ciencias histórico-sociais. Londrina:
Eduel, 2003.
RICCI, R; ARLEY, P. Nas Ruas. A outra política que emergiu em junho de 2013.
Belo Horizonte: Editora Letramento, 2014.
RICOEUR, Paul. Entre mémoire et histoire. Projet. Paris: nº 248, 1996.
SCHELER, M. L’Homme du ressentiment. Paris: Gallimard. (Trabalho original
publicado em 1912), 1958.
SCHELER, M. Ressentiment. Milwaukke: Marquette University Press. (Trabalho
original publicado em 1915), 1998.
SEMINÁRIO DE GESTÃO DE MULTIDÕES, MANIFESTAÇÕES E DISTÚRBIOS
CIVIS NOS GRANDES EVENTOS. Secretaria Extraordinária de Segurança de
Grandes Eventos. Centro Integrado de Comando e Controle. Rio de Janeiro. 16 a
20 de setembro de 2013.
SILVA, Kalina V.; SILVA, Maciel H. Discurso. Dicionário de Conceitos Históricos.
São Paulo: Contexto, 2005.
SIMIAND, F. Método Histórico e Ciência Social. Bauru/SP: Edusc, 2003. (Trabalho
original publicado em 1903.), 2003.
SCHIEFFELIN, E. L. Anger, grief and shame: toward a Kaluli ethnopsychology.
In: White, G. M; Kirpatrick, J. Person, self and experience: exploring pacific
etnopsychologies. Berkeley, 1985.
SCHWENGER, M. S. V. O uso de imagens como recurso metodológico. In: Meyer,
Dagmar Estermann; Paraíso, Marlucy Alves (Org.). Metodologias de pesquisas pós-
críticas em educação. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012.
SILVA, R. H. A. (Org.). Ruas e Redes. Dinâmicas dos protestos BR. Belo Horizonte:
Autêntica, 2014.
SOUZA, H., RODRIGUES, C. Ética e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1994.
STOTT, C; HOGGETT, J.; PEARSON, G. Social Identity, Procedural Justice and
the Policing of Football Crowds. British Journal of Criminology, vol. 52, pp. 381-
399, 2012.
THERBORN, Göran. La ideología del poder y el poder de la ideología. Tradução
Eduardo Terén. 2 ed. México: Siglo Veintiuno editores, 1989.
TOCQUEVILLE, A. Da Democracia na América. Lisboa: Relógio d’Água. (Trabalho
original publicado em 1835), 2008.
VECCCHI, R. Imago Mortis: o texto, a imagen, o rastro dos subalternos. In Ramos,
F.R.; Patriota, R.; Pesavento, S. J. (org.). Imagens na História. São Paulo: Hucitec,
2008.
VIANNA, L. W.; CARVALHO, M. A. R. República e Civilização Brasileira. In:
Bignotto N. (Org.). Pensar a República. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
ZIZEK, S. O violento silêncio de um novo começo. In: Harvey, David et al. Occupy.
Movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo: Carta Maior,
p. 15-26, 2012.
YIN, R. K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2010.
WHITE, G.M; Kirpatrick, J. Person Self and experience: exploring pacific
etnopsychologies. Berkeley, 1985.
WHITE, G.M.; LUTZ, C. The anthropology of emotions. Ann. Review of
Anthropology, 15, 1986, pp. 417 e ss, 1986.
AGRADECIMENTOS
Estes escritos não seriam possíveis sem a supervisão cuidadosa da Doutora
Amelia Haydée Imbriano, da Universidade John F. Kennedy. Minha gratidão aos
mestres do Programa de Pós doutorado em Psicologia da mesma universidade,
doutores Oscar R. Oro, Mabel Levato, José Luis Speroni e María Ester Jozaami.
Meus agradecimentos ao Dr Wellington Teodoro da Silva, da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais pelas valiosas observações no campo da
política. À Dra Marcilene Silva, da Universidade do Estado de Minas Gerais, pelo
diálogo no campo cultural e nas ações pedagógicas. Ao amigo e intelectual Oséias
Silas Ferraz, meu muito obrigado pelas indicações de leituras e pelas valiosas
discussões.
Ao poeta e diplomata espanhol Dr. Ignácio Martínez-Castignani, diretor do
Instituto Cervantes em Belo Horizonte, Minas Gerais, meus agradecimentos pelos
diálogos e por me fazer apaixonar pela cultura e língua de Cervantes.
Enquanto muitos se esforçam para fortificar muros, vocês ajudam a construir,
com leveza e simplicidade, pontes resistentes e duradouras.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Logotipo oficial da Copa das Confederações no Brasil. 2013.


Fonte:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Copa_das_Confedera%C3%A7%C3%B5es_
FIFA_de_2013>

Figura 2 – Cenário de Guerra em torno do Mineirão. 22 Jun 2013.


Fonte: Diário Catarinense.

Figura 3 – Manifestantes no obelisco da Praça Sete. Belo Horizonte. Minas Gerais.


22 Jun 2013.
Foto: Futura Press.

Figura 4 – Cartaz do Seminário Copa da Exceção.


Fonte: Faculdade de Direito UFMG, 2013.

Figura 5 – Debret. Aplicação do Castigo. Rio de Janeiro. Brasil. Início do século


XIX.

Figura 6 – Castigo Público na Praia de Santana. Rio de Janeiro. Brasil. Início do


século XIX.
Autor: Johann Moritz Rugendas. Viagem pitoresca através do Brasil. Paris, 1827 e
1835.

Figura 7 – Debret. O Negociante de Tabaco.


Rio de Janeiro. Bra

Figura 8 – Luiz Morier. Blitz Policial. Rio de Janeiro. Brasil. 1982.


Brasil. Início do século XIX.

Figura 9 – Caricatura representando Antonio Conselheiro tentando barrar a


República.
Fonte: Revista Ilustrada. Angelo Agostini. In: BrHistória, n. 4, junho de 2007.

Figura 10 – Arraial de Canudos. Bahia. Brasil.1897.


Foto: Flávio de Barros. Fotógrafo do Exército Brasileiro.
Figura 11 – Contestado. 1912-1916.

Figura 12 – Região do Nordeste brasileiro onde surgiu o Cangaço, nos finais do


século XIX e início do XX.
Nota-se que sua área de operação era o sertão e não o litoral dos Estados, o que
fortalece a tese de Hobsbawm.

Figura 13 – Lampião, Maria Bonita e seu bando. Início do século XX


Figura 14 – Cabeças de cangaceiros expostas

Figura 15 – Representação iconográfica de uma forma de tortura usada pelo Estado


Novo.

Figura 16 – Cartazes de Protesto - Jornada de Junho. 2013


Fonte: http://www.aecapixaba.org.br/2014/02/instituicoes-e-geracao-democratica-
as.html

Figura 17 – Faixa - Passeata dos Cem Mil. 1968


Fonte:< http://pcb.org.br/portal/>

Figura 18 - Fale agora ou cale-se para sempre. Não Sofra calado.São Paulo. 22
Jun2013. REUTERS/Junior Lago
Fonte: http://www.portugues.rfi.fr/brasil/20130628-le-monde-diz-que-
movimento-social-no-brasil-e-criativo-e-efervescente

Figura 19 – Um país mudo, não muda.


Fonte: http://www.publikador.com/politica/guipires/2014/09/as-manifestacoes-
de-2013-por-um-olhar-critico-de-2014/

Figura 20 – A cidade é nossa, ocupe-a.


Fonte:< http://luizgeremias.blogspot.com.br/2013/10/licao-das-jornadas-de-
junho-ou.html>
Obs.: Observa-se uma grande “faixa” nos moldes clássicos, ladeada pelos “Cartazes
de Protesto

Figura 21 – Charge Bora pra rua protestar.


Fonte: Duke, 2013.

Figura 22 - Contra a corrupção


Fonte:http://permanecerecompartilhar.blogspot.com.br/2013/06/melhores-
cartazes-e-frases-das.html#.VFGFhSLF_fI

Figura 23 – Charge: Corrupção pública


Fonte: Duke, 2013.

Figura 24 – Chega de Corrupção + Saúde, Educação


Fonte: Foto de João Godinho. Jornal o Tempo 21 Jun 2013.
http://www.otempo.com.br/galeria-de-fotos/manifesta%C3%A7%C3%B5es-em-
bh-22-de-junho-1.668847

Figura 25 – Um dia o sol ainda vai nascer quadrado!


Fonte:Jornal O Tempo. Belo Horizonte. Caderno Cidades. Foto de Uarlen Valério.
22 Jun 2013.
< http://www.otempo.com.br/galeria-de-fotos/manifesta%C3%A7%C3%B5es-
em-bh-22-de-junho-1.668847>

Figura 27 – Fim da imunidade parlamentar


Jornal o Tempo. Caderno Cidades. Belo Horizonte. Foto de Mariela Guimarães. 22
Jun2013.
Fonte: http://www.otempo.com.br/galeria-de-fotos/
manifesta%C3%A7%C3%B5es-em-bh-22-de-junho-1.668847

Figura 28 - Nois num priciza di istadios tamo pricizando é di iscolas


Fonte: http://permanecerecompartilhar.blogspot.com.br/2013/06/melhores-
cartazes-e-frases-das.html#.VFGFhSLF_fI

Figura 29 - Não quero Copa, quero Educação


Fonte: http://www.ebc.com.br/sites/default/files/mcsp061720130004.jpg

Figura 30 - Professor, salário de um deputado e o prestígio de um jogador de futebol


Fonte: http://ligadonafacul.com.br/noticias/4321-entenda_o_contexto_das_
manifestaes_de_junho_.html

Figura 31- Fome, miséria e opressão. O Brasil é penta campeão


Fonte: http://permanecerecompartilhar.blogspot.com.br/2013/06/melhores-
cartazes-e-frases-das.html#.VFGFhSLF_fI

Figura 32 – Livro “Nas Ruas: a outra política que emergiu em junho de 2013.
Fonte: http://www.editoraletramento.com.br/nasruas.html

Figura 33 – Manifestante e Policial. Foto de Patrick Arley


Fonte: http://rudaricci.blogspot.com.br/2013/07/fotos-de-patrick-arley-sobre.
html

Figura 34 – Livro “Ruas e Redes: dinâmicas dos protestosBR.


Fonte: http://grupoautentica.com.br/autentica/livros/ruas-e-redes/1060

Figura 35 - “Destruição de concessionárias de veículos em Belo Horizonte”. Minas


Gerais. 26 Jun 2013.
Fontes:< http://www.df.superesportes.com.br/app/noticias/campeonatos/copa-
das-confederacoes/copa2013-noticias/2013/06/26/noticia,46101/clima-tenso-
entre-manifestantes-e-pm-em-bh.shtml> http://noticias.r7.com/minas-gerais/
fotos/bh-serve-de-palco-para-destruicao-na-pampulha-durante-jogo-do-
brasil-26062013#!/foto/1

Figura 36 - Manifestante utilizando estilingue para arremessar esferas de vidro e


chumbadas
Fonte: Seminário Gestão de Multidões, Manifestações e Distúrbios Civis em Grandes
Eventos. Experiência do Estado de Minas Gerais. Copa das Confederações. 2013.

Figura 37 - “Destruição, lixo e pelo menos R$ 5,2 milhões em prejuízos”. 26 Jun


2013.
Fontes:<http://www.hojeemdia.com.br/polopoly_fs/1.140348.1372339304!/
image/image.jpg_gen/derivatives/landscape_714/image.jpg>< http://www.
hojeemdia.com.br/horizontes/destruic-o-lixo-e-pelo-menos-r-5-2-milh-es-
em-prejuizos-na-av-antonio-carlos-1.140340 http://www.hojeemdia.com.br/
horizontes/videos-vandalos-infiltrados-causam-destruic-o-na-avenida-antonio-
carlos-1.140349

Figura 38 - Destruição, retirada de barreiras de proteção e invasão de concessionária


Fonte: Seminário Gestão de Multidões, Manifestações e Distúrbios Civis em Grandes
Eventos. Experiência do Estado de Minas Gerais. Copa das Confederações. 2013.

Figura 39 - “Manifestantes em protesto pela tarifa zero em Belo Horizonte”. 2013.


Fonte: < http://jornalggn.com.br/noticia/o-legado-das-manifestacoes-de-junho-
segundo-o-mpl>

Figura 40 – Perímetro de Segurança da FIFA.


Fonte: Dum, 2013.

Figura 41 – Progresso.
Fonte: Lute, 2013.

Figura 42 – Manifestantes deslocando do centro de Belo Horizonte, pela Avenida


Antônio Carlos, em direção ao Estádio Mineirão. 2013.
Fonte: Ministério Público de Minas Gerais. Defesa dos Direitos Humanos e Apoio
Comunitário.

Figura 43 – Encontro dos manifestantes com os cordões de isolamento realizados


pela Polícia Militar Fonte: Ministério Público de Minas Gerais. Defesa dos Direitos
Humanos e Apoio Comunitário.

Figura 44 – Destruição de veículo e policial ferido.


Fonte: Ministério Público de Minas Gerais. Defesa dos Direitos Humanos e Apoio
Comunitário.

Figura 45 – Reunião da Comissão de Prevenção à Violência em Manifestações


Populares.
Fonte: Ministério Público de Minas Gerais. Defesa dos Direitos Humanos e Apoio
Comunitário.

Figura 46 – Reunião da Comissão de Prevenção à Violência em Manifestações


Populares.
Fonte: Ministério Público de Minas Gerais. Defesa dos Direitos Humanos e Apoio
Comunitário.

Figura 47– Charge Camisas de protesto


Fonte: Duke, 2013.

Figura 48 – Charge Vândalos


Fonte: Duke, 2013.

Figura 49 – Charge Bomba de Gás


Fonte: Duke, 2013.

Figura 50 – Charge Protesto


Fonte: Duke, 2013.

Figura 51 – Charge Jornalistas Agredidos


Fonte: Lute, 2013.

Figura 52 – Charge Aprendeu a protestar


Fonte: Duke, 2013.

Figura 53 – Charge Onde estão os líderes?


Fonte: Lute, 2013.
LISTA DE GRÁFICOS E QUADRO

Gráfico 1 – Mortos e feridos nas Jornadas de Junho. Belo Horizonte – Minas Gerais
Gráfico 2 – Idade dos indivíduos presos durante as Manifestações da Copa das
Confederações em Belo Horizonte – Minas Gerais. 2013
Gráfico 3 – Escolarização dos indivíduos presos durante as manifestações da Copa
das Confederações em Belo Horizonte – Minas Gerais
Gráfico 4 – Total de Manifestantes em Minas Gerais (16 a 30 de junho de 2013)
Quadro 1 – Perfil dos manifestantes nas Jornadas de Junho de 2013 em Belo
Horizonte – Minas Gerais
SOBRE O AUTOR

Francis Albert Cotta

Doutor em História pela Universidade Federal de


Minas Gerais, sob orientação do Dr Douglas Cole
Libby, tendo defendido tese sobre as matrizes do sistema
policial brasileiro. Realizou estágio de doutoramento
no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa, sob a orientação do Dr Nuno Gonçalo Monteiro.
Sob a supervisão do Dr Eduardo França Paiva realizou
residência pós-doutoral em História Cultural, na
UFMG, onde estudou a mobilidade social de homens
negros e mestiços nas milícias da América Portuguesa. Como integrante do Centro
de Estudos da Presença Africana no Novo Mundo foi pesquisador convidado na
Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Realizou pós-doutorado em
Direito Penal e Garantias Constitucionais na Universidade Nacional de La Matanza
(Argentina), onde se debruçou sobre a criminologia cautelar, a partir do pensamento
do Dr. Eugénio Raul Zaffaroni. Defendeu tese de pós-doutoramento em Psicologia
na Universidade John F. Kennedy, sobre ressentimentos sociais e manifestações
populares, sob a supervisão da Dra Amelia Haydée Imbriano. Realizou estudos
pós doutorais em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais sob a supervisão do Dr. Luis Flávio Sapori. É licenciado em História pela
PUC Minas e especialista em Filosofia (UFOP), Antropologia (UCAM) e História
do Brasil Contemporâneo (UNI BH). Foi professor e orientador de dissertações
nos mestrados em Administração na Faculdade de Estudos Administrativos de
Minas Gerais e na Fundação Pedro Leopoldo. É professor na Faculdade de Direito
da Fundação Pedro Leopoldo, onde leciona as disciplinas Antropologia Jurídica,
Psicologia aplicada ao Direito, História do Direito e Metodologia da Pesquisa e
também professor do Instituto de Educação Superior Latino-Americano - IESLA.
Atua há mais de 20 anos em Minas Gerais como negociador de crises e mediador
de conflitos.

Você também pode gostar