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ª série
Sumário: As declarações feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária com res-
peito pelo disposto nos artigos 141.º, n.º 4, al. b), e 357.º, n.º 1, al. b), do Código de
Processo Penal, podem ser valoradas como prova desde que reproduzidas ou lidas em
audiência de julgamento.
I.
Arguido AA:
Termos em que somos do entendimento que deve ser fixada jurisprudência no sentido
seguinte:
Não constando dos autos que o tribunal tenha procedido à leitura ou reprodução em audiên-
cia das declarações do arguido prestadas perante autoridade judiciária, existe valoração de prova
que não foi produzida ou examinada na audiência, incorrendo violação do disposto no artigo 355.º,
n.º 1, do CPP, integrando as mesmas prova proibida, sendo a consequência processual inerente
a da exclusão dessa prova do conjunto das que foram valoradas na fundamentação da matéria de
facto levada a cabo na decisão recorrida».
Ministério Público:
Colhidos os vistos e reunido o Pleno dos juízes das Secções Criminais, cumpre decidir.
II — Fundamentação
A. Oposição de julgados
1 — É entendimento uniforme neste Supremo Tribunal de Justiça que o acórdão preliminar
proferido pela composição que em conferência decidiu afirmativamente a questão da oposição de
julgados não vincula o Pleno das Secções Criminais, impondo-se reapreciar essa questão.
2 — O arguido tem legitimidade e interesse em agir, porquanto a decisão recorrida negou
provimento ao recurso que interpôs da condenação proferida em primeira instância, pela prática
de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts 131.º, 22.º e 23 do CP, num caso
em que o tribunal de 1.ª instância valorou as declarações que prestou em 1.º interrogatório judicial
de arguido detido, sem que conste da ata da audiência de julgamento que as declarações tenham
sido reproduzidas ou lidas em audiência.
3 — Em tema de tempestividade do recurso, importa considerar que o acórdão recorrido foi
proferido em 03.11.2020; interposto recurso para o TC, a decisão aí proferida transitou em julgado
no dia 10.02.2021 (pedido de informação de 15.04.2021 referência...59; informação de 20.04.2021,
referência...57). O presente recurso deu entrada em 04.03.2021 (certidão referência...57), pelo que
a sua interposição ocorreu dentro do prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão
recorrido (art. 438.º/1).
4 — No requerimento de interposição do recurso o recorrente identificou o acórdão com o
qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão fundamento) e mencionou o lugar da
publicação. Quanto ao trânsito em julgado do acórdão fundamento, consta dos autos que transitou
em julgado no dia 07.11.2018 (certidão de 19.08.2021, referência...11).
Diário da República, 1.ª série
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B. Princípios
9 — O processo criminal português tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento
subordinada ao princípio do contraditório (art. 32.º/5, CRP). A todos é assegurado que a causa
em que intervenham é decidida mediante processo equitativo (art. 20.º/4, CRP). Num processo
de estrutura acusatória, a audiência de julgamento, em especial a produção de prova que nele se
realiza, assume um lugar central no processo penal, «princípio de dominância do processo por
uma audiência de julgamento pública, oral, contraditória e imediata» (J F D
«Por onde vai o Processo Penal Português: por estradas ou por veredas?» in As Conferências do
Centro de Estudos Judiciários, 2014, p. 68).
10 — Regra basilar do nosso processo penal em matéria de produção de prova em audiência
de julgamento é a de que a prova suscetível de fundar a convicção do julgador só pode ser a que
é realizada na audiência e segundo os princípios naturais de um processo de estrutura acusatória:
imediação, oralidade e da contraditoriedade na produção dessa prova (J D C ,
O regime processual de leitura de declarações, RPCC, ano 7, Fasc. 3, p. 405-6). Essa regra, con-
sagrada no art. 355.º/1, dita a proibição de valoração de prova não produzida em audiência. Regra
que consente exceções (art. 355.º/2), uma delas consta do artigo 357.º cuja epígrafe, alterada pela
Lei n.º 20/2013, diz sugestivamente «[r]eprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido».
Artigo 357.º
a) [...];
b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o
arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do
artigo 141.º
17 — A redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, e ainda vigente, veio a consagrar a utiliza-
bilidade das declarações prestadas pelo arguido nas fases preliminares do processo (arts. 141.º,
143.º e 144.º/1/2) nos seguintes termos (realce a negrito dos trechos alterados):
Artigo 357.º
a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido
prestadas; ou
b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido
tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º
18 — Do que antecede resulta que o legislador de 2013 deixou cair a anterior exigência
quando houver contradições ou discrepância entre elas e as feitas em audiência (redação anterior
do art. 357.º/1/b). A inovação da alteração de 2013 foi a de alargar os casos de possibilidade de
reprodução ou leitura, quer diminuindo as exigências para ela ocorrer, quer possibilitando a utiliza-
bilidade de declarações anteriores, passando a permitir, o que antes estava vedado: a reprodução
ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo, sem a sua solicitação e
mesmo contra a sua vontade, quando preenchidos os requisitos enunciados pelo legislador (a)
«tenham sido feitas perante autoridade judiciária», (b) «com assistência de defensor» e (c) «o
arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do
artigo 141.º» (art. 357.º/1/b), mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em
audiência de julgamento. O legislador de 2013 veio também dizer, inovatoriamente, no n.º 2, que
«[a]s declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em audiência não
valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º». O legislador não se bastou
com a estatuição de que as declarações anteriormente prestadas pelo arguido não valem como
confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º, reforçou e esclareceu que as declarações
anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em audiência não valem como confis-
são o que é relevante em termos interpretativos. Isto no seguimento da Proposta que enfatizava
«[a]s declarações que, nos termos legais, possam e venham a ser utilizadas em julgamento, estão
sujeitas à livre apreciação da prova, assim se autonomizando da figura da confissão prevista no
artigo 344.º» (itálico da nossa responsabilidade). E ainda «A fiabilidade que devem merecer tais
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declarações, enquanto suscetíveis de serem utilizadas como prova em fase de julgamento, impõe
que sejam documentadas através de registo áudio visual ou áudio, só sendo permitida a documen-
tação por outra forma quando aqueles meios não estiverem disponíveis».
19 — Para garantir a fiabilidade dessa prova na audiência de julgamento o legislador de 2013,
aditou ao art. 141.º, um n.º 7 do seguinte teor: «[o] interrogatório do arguido é efetuado, em regra,
através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente
estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução
integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem dis-
poníveis, o que deverá ficar a constar do auto». O remate no cuidado em manter a obrigação de
reprodução ou leitura é a alteração da epígrafe do art. 357.º pela Lei n.º 20/2013, onde se passou
a dizer sugestivamente «[r]eprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido». Se o legis-
lador tivesse querido romper com o regime da reprodução ou leitura teria consagrado de modo
inequívoco a dispensa de reprodução ou leitura e não o fez.
20 — A partir desta alteração, com aplicação direta no caso, passaram a poder ser utilizadas
as declarações anteriores do arguido no processo quando feitas perante autoridade judiciária
com assistência de defensor e o arguido informado pelo juiz (art. 141.º/4/b) ou Ministério Público
(art. 143.º/1/2) «[d]e que não exercendo o direito ao silêncio [nesse interrogatório] as declarações
que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não
preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova»
(arts. 141.º/4/b, e 357.º/1/b). O mesmo ocorre com os interrogatórios de arguido preso e os de
arguido em liberdade feitos no inquérito pelo magistrado do M.º P.º, pessoalmente e sem delegação,
(art. 144.º/2, in fine) e na instrução pelo JI (art. 144.º/1).
21 — A consequência da alteração legislativa foi a de que prestando o arguido declarações nas
fases preliminares do processo, com respeito do disposto nos arts. 141.º/4/b, e 357.º/1/b), prescinde
voluntariamente do direito ao silêncio e, como consequência, — na expressão da Proposta —,
prescinde do seu controlo sobre o que disse já que essas declarações podem ser utilizadas e
valoradas como prova em audiência de julgamento. Numa outra formulação, o exercício do direito
ao silêncio por parte do arguido em audiência de julgamento, continuando a ser um direito indis-
cutível, deixou de ter a consequência pregressa de inviabilizar a possibilidade de valoração das
declarações prestadas na fase preliminar do processo. Na parte que ao caso interessa foi esta e
só esta a alteração de 2013.
22 — A revisão de 2013 e principalmente a alteração em questão foi precedida de amplo
e vivo debate. A discussão centrou-se na sua legitimidade constitucional. Na «Consulta» sobre
a iniciativa legislativa o Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais, da FDUL, afirmava «5. A
necessidade de novas alterações ao CPP só pode ser sentida, segundo cremos, por quem se
proponha contrariar o sentido da Reforma de 2007». Neste mesmo sentido se pronunciou também
P S M (A questão do aproveitamento probatório das declarações processuais do
arguido anteriores ao julgamento). Discutiu-se a alteração do paradigma, a constitucionalidade
da alteração legislativa (Parecer de 20.12.2011 da Ordem dos Advogados), o direito ao silêncio, o
princípio da não auto-incriminação, a imediação e a oralidade, mas ninguém questionou que a essa
prova tinha necessariamente de ser reproduzida ou lida em audiência, pois essa obrigação era e
continuava isenta de dúvida. Estava tão claramente pressuposta a continuidade da obrigação de
leitura perante o texto da Proposta, com articulado idêntico ao que veio a ser consagrado na Lei,
que essa não foi questão debatida. Exemplo deste entendimento e intencionalidade, G
M S «Notas avulsas sobre as propostas de reforma das leis penais», ROA, ano 72,
II/III, abril — setembro, 2012, p. 531) dizia que «a proposta de alteração alarga a leitura às declara-
ções prestadas anteriormente quer perante juiz quer perante o Ministério Público e quer o arguido
preste declarações em audiência ou não. Trata-se de uma extensão, embora muito importante, do
actual regime do art. 357.º, al. b)».
(a) As declarações do arguido constam dos autos e são equiparadas a documento pelo que
podem ser valorados sem reprodução ou leitura em audiência;
(b) O paralelo com as declarações para memória futura e a possibilidade de convocar, por
maioria de razão, a jurisprudência fixada no acórdão do Pleno do Supremo Tribunal de Justiça
n.º 8/2017, de 11-10-2017, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 21-11-2017;
(c) O arguido conhece as declarações que prestou e a valoração sem leitura não viola prin-
cípios constitucionais.
rações para memória futura, prestadas nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal,
não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas
em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos
termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código — o
que fazem o acórdão do TRL de 06.02.2019, e o acórdão do STJ de 27.01.2021 (ambos disponíveis
http://www.dgsi.pt), também não é procedente. A decisão que fixa jurisprudência tem eficácia no
processo, não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, devendo estes funda-
mentar as divergências relativas à jurisprudência fixada (art. 445.º/1/2). Acontece que a questão
jurídica posta nestes autos é diversa da que foi decidida no acórdão do Pleno do Supremo Tribunal
de Justiça n.º 8/2017, nem se descortina qualquer paralelismo. Enquanto no acórdão do Pleno do
Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2017, estava em causa a reprodução ou leitura em audiência de
declarações da ofendida tomadas nos termos do art. 271.º, no caso estão em causa declarações
prestadas em 1.º interrogatório pelo arguido. São diversos os sujeitos processuais, é diversa a
constelação normativa aplicável, no caso das declarações do arguido os arts. 355.º, 357.º e 141.º,
nas declarações para memória futura da vítima os arts. 271.º, 355.º e 356.º
28 — Além disso, há uma diferença radical que obsta a qualquer paralelismo e que tem a ver
com o desenho da estrutura processual que recebe as declarações. As declarações para memória
futura são prestadas perante um tribunal, naquilo que é uma produção antecipada de prova (M
J A , Direito Processual Penal, 2022, p. 213 e 214), com a finalidade de ser utilizada em
julgamento, enquanto as declarações anteriores do arguido, prestadas nas fases preliminares do
processo, são prestadas em interrogatório que não é uma antecipação da audiência, nem como tal
pode ser visto, nem está funcionalmente dirigido em primeira linha à utilização futura em julgamento,
com um princípio de contraditório incipiente de meros «pedidos de esclarecimento das respostas
dadas pelo arguido» (art. 141.º/6) em momento processual que, em regra, o objeto do processo apa-
rece delineado a traço grosso. Enquanto na tomada de declarações para memória futura ocorre uma
verdadeira antecipação de prova segundo o figurino vigente em audiência de julgamento, o mesmo
não se verifica nas declarações prestadas no interrogatório de arguido. Na verdade, o figurino das
declarações para memória futura é mais dialético que o interrogatório, tem mesmo um contraditório
mais vincado e direto do que o consagrado para a própria audiência de julgamento, pois a letra da
lei permite um contrainterrogatório direto da pessoa que presta depoimento — podendo em seguida
o Ministério Público, os advogados do assistente e das partes civis e o defensor, por esta ordem,
formular perguntas adicionais art. 271.º/5 —, e não mediado pelo juiz, como ocorre em audiência
de julgamento (art. 346.º/1, 347.º/1, 349.º). Depois estão em causa declarações do arguido que tem
um estatuto garantístico (art. 32.º/1, CRP) diverso da vítima, ofendido ou assistente.
29 — A favor da dispensa de reprodução ou leitura afirma-se também que o arguido mais do
que qualquer outro sujeito processual sabe o que disse pelo que essa leitura será inútil. Esta pers-
petiva peca por simplista e não responde à nossa questão que é a de saber qual o regime legal e
não, de modo imediato, a de ser fundada a solução legislativa. De qualquer modo importa referir
que não raro os momentos das declarações são de grande pressão e ansiedade não se podendo
dar por adquirido que o arguido saiba ao certo o que disse, tanto mais que as audiências podem
decorrer vários meses ou anos depois. Por outro lado, temos de encarar com realismo o que é a
defesa de muitos arguidos.
30 — O desenho legislativo em processo penal é consabidamente exigente em face dos
interesses antagónicos de difícil ou impossível concordância que nele se fazem sentir. E neste
desenho não se acautelam só os interesses do arguido, mas também da acusação, no fundo a
realização da justiça. Não sendo processualmente admissível a produção privada de uma prova,
com a atual gravação o tribunal só se inteira dela se ela se produzir em audiência. Pensemos num
julgamento com júri e a reprodução de declarações em privado… Depois, como também hoje todos
começamos a ter plena consciência, a reprodução não substituindo a imediação dos depoimentos
ao vivo é algo mais que a leitura da declaração reduzida a escrito. Se é verdade que o escrito, nas
certeiras palavras de G M S , não ruboriza, a reprodução vale mais que a
leitura (S O eS , A proteção de testemunhas no processo penal, 2007, p. 245) e
fornece um sem número de elementos relevantes, quer no sentido dos interesses da acusação quer
da defesa. Importa que o tribunal do julgamento saiba como é que foi realizado o interrogatório e
Diário da República, 1.ª série
nos termos dos artigos seguintes. A prova em causa é admissível, mas como prova pré-constituída
só pode ser adquirida validamente depois de reproduzida em audiência (art. 357.º/1/b). Se o legis-
lador dedica toda uma norma à reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido (cuja
epígrafe — do artigo 357.º —, não por mero acaso, foi também alterada pela L 20/2013) torna-se
claro que essas declarações só podem ser valoradas como prova desde que reproduzidas em
audiência, entendimento pacífico deste STJ até 2017 e da doutrina (além do já referido, P
P A , Comentário do Código de Processo Penal, 2.ªed. 2008, p. 899, S
O S , «A Centralidade do Julgamento na Economia do Processo», RPCC, 28, janei-
ro — abril, 2018, p. 54). A proibição de valoração de declarações não reproduzidas ou lidas resulta
tão clara da constelação normativa que autores como M J A (Direito Processual
Penal, 2022, p. 214-215) e G M S (Direito Processual Penal Português,
2014, p. 243) dedicam-lhe uma breve referência. O M (Código de Processo Penal,
3.ª edição, 2021, p. 1098 e 1099) é perentório no sentido de que a valoração de declarações do
arguido não lidas na audiência constitui violação do disposto no n.º 1 do artigo 355.º, inquinando
a sentença de vício que determina a prolação de nova decisão. P D M (Comentário
Judiciário do Código de Processo Penal, IV, anotação aos arts. 355.º e 357, p. 579 a 581, 588,
593 624 a 628), centrando a sua atenção na constitucionalidade da valoração sem reprodução ou
leitura acaba por sustentar como solução legal ordinária, como a melhor prática, a possibilidade
de valoração sem reprodução em audiência.
35 — A alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013 no art. 141.º/4/b — [o juiz informa o arguido]
de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no
processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de jul-
gamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova — não pode ser vista isoladamente, como
parece ser o entendimento do acórdão recorrido, mas no contexto de um propósito legislativo
reformador e deve ser lida no contexto das alterações introduzidas e considerar a sistemática do
diploma onde se inseriu. A meia alteração do art. 141.º só ganha sentido e por isso tem de ser lida
em conjugação com a ocorrida no art. 357.º, pois só assim temos uma alteração com sentido e
ambas devem ser lidas no contexto sistemático do CPP.
36 — Conhecido o propósito do legislador de 2013, só podia ter sido escolhido para acolher
as alterações a norma que regula as exceções à regra do art. 355.º As declarações do arguido que
não podem ser reproduzidas também não podem ser valoradas. E as que podem ser reproduzidas,
para poderem ser validamente valoradas, precisam de ser reproduzidas em audiência. A reprodu-
ção ou leitura não é, como o incauto intérprete desconhecedor do lastro histórico da norma pode
ser tentado a concluir, uma mera faculdade; a permissão de reprodução ou leitura significa que
só aquelas declarações cuja reprodução ou leitura é permitida podem, depois de reproduzidas ou
lidas em audiência, ser valoradas como prova. A reprodução/leitura em audiência é condição da
possibilidade e validade da valoração. Acresce, como exigência de outra natureza, a consignação
em ata da reprodução ou leitura (arts. 357.º/3 e 356.º/9).
37 — A novidade de 2013 em matéria de leitura de declarações anteriormente prestadas é a
de que o silêncio do arguido em audiência de julgamento não obsta, como até aí acontecia, a que
elas possam ser valoradas, obviamente, depois de lidas ou reproduzidas. E a obrigatoriedade de
leitura era tão indiscutível que não foi tópico de debate. Não há confusão possível entre acabar com
a regra da intransmissibilidade das declarações prestadas nas fases preliminares do processo — o
que fez o legislador de 2013 — e a valoração como prova dessas declarações sem reprodução ou
leitura em audiência; são realidades processuais distintas que não podem ser confundidas.
38 — Este foi também o entendimento de J F D (ob. cit. 2014, p. 67,
68) quando se pronunciou, já na vigência da Lei n.º 20/2013, sobre os problemas que mereceram
a atenção do legislador ao identificar como um deles «o do valor em audiência de declarações
produzidas pelo arguido na fase de inquérito». Mas se dúvidas restassem quanto ao sentido da sua
afirmação elas dissipam-se quando afirma «[m]ais significativa [...] terá sido a que tem a ver com os
arts 356.º, n.os 3 e 4 e 357.º do Código de Processo Penal, relativos às restrições feitas à leitura em
julgamento e consequente valoração judicial de anteriores declarações do arguido. O regime agora
instaurado conduz a que deixe de ser proibida aquela leitura no caso de as declarações terem sido
proferidas não perante o juiz, mas perante o magistrado do Ministério Público».
Diário da República, 1.ª série
39 — Quando se rompe com a regra antecedente conhece o legislador a exigência de ser claro.
O legislador foi muito claro no propósito de acabar com a inutilizabilidade das declarações anteriores
em consequência do silêncio em audiência, já quanto à dispensa da reprodução ou leitura nada
disse, bem ao contrário deu indicações, que julgamos inequívocas, no sentido da continuação do
regime anterior fazendo as alterações que reputou pertinentes na norma que exige a reprodução,
tendo ainda o cuidado de atualizar de modo condizente a epígrafe da norma.
E. Conclusão
40 — A afirmação de que a regra do n.º 1 do artigo 355.º, do CPP, «não valem em julgamento,
nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tive-
rem sido produzidas ou examinadas em audiência»], cede, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito,
«quando estão em causa as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou
audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes», não pode esquecer
que os arts. 141.º, 143.º, 355.º e 357.º, em matéria de utilizabilidade de declarações prestadas em
inquérito são uma constelação normativa que o intérprete não pode considerar de modo desgarrado.
O legislador de 2013 manteve a regra do art. 355.º/1, apenas alargou o âmbito da exceção, permi-
tida no n.º 2 do art. 255.º, no novo 357.º/2, na expressão de M J A (2022, p. 214)
há aqui um alargamento manifesto dos casos em que as declarações do arguido podem ser repro-
duzidas ou lidas na audiência de julgamento. Sabia o legislador que ao alargar a exceção estava
ao mesmo tempo a alargar as possibilidades da acusação e a estreitar a oralidade e a imediação,
propósito confessado na exposição de motivos. Tendo ele consciência de que sempre que alargar
ou estreitar a consistência de um direito fundamental processualmente relevante está inversamente
a estreitar ou alargar a consistência de direitos fundamentais conflituantes (J F
D , 2014, p. 52), a opção legislativa de tentar minorar até onde é possível a falta de imediação e
oralidade é congruente com a manutenção da obrigação de reprodução ou leitura.
41 — A reprodução ou leitura apenas da parte reputada relevante das declarações satisfaz
obviamente o desígnio legislativo. Aceita-se como possível limite à obrigação de reprodução ou
leitura das declarações a aceitação livre, inequívoca e esclarecida do seu conteúdo por parte do
arguido e a subsequente renúncia, por parte de todos os sujeitos processuais, a essa reprodução
ou leitura, sem que tal signifique obstáculo à sua valoração como prova.
42 — Abrir a porta para que o tribunal aceda, fora da audiência de julgamento e à revelia e sem
o concurso dos demais sujeitos processuais, nomeadamente acusação e defesa, às declarações do
arguido, naquilo que já foi apodado de produção privada de prova, e possa valorar as declarações
para o efeito da decisão, constitui uma guinada na direção do inquisitório, numa fase processual
dominada pelo contraditório, e consequente enfraquecimento do contraditório, dado que este impõe
a produção das provas dialeticamente em audiência (art. 32.º/5, CRP).
Só o acentuar das exigências da descoberta da verdade e da realização do interesse punitivo
do Estado pelo legislador em 2013 abriu a porta a que essas declarações também pudessem ser
utilizáveis como prova em julgamento, desde que lidas ou reproduzidas em audiência. Se antes já
era obrigatória a leitura, com a nova funcionalidade permitida pelas alterações de 2013, por maio-
ria de razão ela se justifica. Só a exigência da leitura/reprodução se adequa ao processo justo e
equitativo.
III — Decisão
As declarações feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária com respeito pelo
disposto nos artigos 141.º, n.º 4, al. b), e 357.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, podem
ser valoradas como prova desde que reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento;
Sem tributação.
Supremo Tribunal de Justiça, 04.05.2023. — António Gama (relator) — Sénio Alves — Ana
Maria Barata de Brito — Orlando Manuel Jorge Gonçalves — Maria do Carmo Silva Dias — Pedro
Branquinho Ferreira Dias — Leonor do Rosário Mesquita Furtado — Ernesto Carlos dos Reis Vaz
Pereira — Agostinho Soares Torres (com declaração em anexo) — José Eduardo Miranda San-
tos Sapateiro — Helena Moniz — Nuno António Gonçalves — Paulo Jorge Fonseca Ferreira da
Cunha — Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida — Eduardo Almeida Loureiro — Teresa de
Almeida (com voto de vencida) — António Latas (com o voto de vencido anexo) — José Luís Lopes
da Mota (com declaração de voto de vencido).
***
Declaração de voto:
Votei a decisão e seus fundamentos mas considero que, face ao referido no ponto 41 do pro-
jecto, seria preferível que a alínea a) do dispositivo tivesse uma redacção que reflectisse melhor
o conteúdo clarificador daquele.
Assim, proporia a seguinte redacção da alínea a) do dispositivo:
“a) As declarações feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária com
respeito pelo disposto nos artigos 141.º, n.º 4, al. b, e 357.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo
Penal, podem ser valoradas como prova desde que reproduzidas ou lidas em audiência de
julgamento, sem prejuízo da dispensa por todos os sujeitos processuais, dessa reprodução
ou leitura.”
Agostinho Torres
***
Declaração de voto
O n.º 2 do artigo 355.º do CPP contém as exceções à regra de proibição de valoração da prova não
produzida ou examinada em audiência, regra essa que materializa o princípio da imediação da prova.
O texto da norma contém uma cláusula geral de exceção: “as provas contidas em atos pro-
cessuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos arts.
seguintes”.
Diário da República, 1.ª série
Note-se que o n.º 7, do art. 141.º estabelece como regra o interrogatório do arguido é efetuado
através de registo áudio ou audiovisual.
Ou seja,
A autonomização do tratamento das declarações prestadas pelo arguido, no quadro das exce-
ções ao princípio da imediação da prova, tem como fundamento a necessidade de respeito pelo
quadro de garantias constitucionais do seu estatuto processual penal, especialmente, do direito ao
silêncio. Mantendo intacto o direito aos silêncio, de que o arguido pode fazer uso quando quiser,
o legislador permitiu o não apagamento de declarações por aquele prestadas em determinadas
condições e mediante a advertência da possibilidade de valoração.
Contudo, o regime não apresenta diferenças substanciais, nem mesmo relevantes, relativa-
mente ao regime do art. 256.º
O que se compreende, considerando, por ex., a exceção relativa às declarações para memó-
ria futura que pode representar uma compressão de mais elevado grau dos direitos de defesa: a
ausência do assistente ou da testemunha em julgamento, com contraditório necessariamente limi-
tado face ao conhecimento global da prova entretanto produzida, o ambiente informal e reservado,
o afastamento de presença física da defesa no espaço da inquirição, constituem elementos que
diminuem a posição do arguido.
No caso das declarações do arguido, na quase generalidade das situações, ele estará em
julgamento para as contextualizar, referenciar a circunstâncias, alegar a sua invalidade, comple-
mentar.
A lei não impõe a leitura das declarações.
Aliás. tais declarações não são novidade para o arguido, o respetivo acesso (leitura, audição,
visualização) mostra-se, permanentemente, disponível e pode exercer o direito de solicitar a leitura.
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Voto de vencido
1 — Não subscrevo a presente fixação de jurisprudência, não obstante a ampla maioria que a
decide, por se me afigurar que a exigência de leitura das declarações do arguido a se que reporta
o artigo 357.º n.º 1 b) CPP, sem qualquer limitação, acolhe interpretação jurídica que não tenho
por clara nos seus fundamentos, dado que o n.º 2 do artigo 355.º exceciona as provas contidas em
Diário da República, 1.ª série
atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas nos termos
dos artigos seguintes, entre as quais se contam aquelas declarações.
Ou seja, parafraseando parcialmente o AFJ 8/2017, numa interpretação literal e conjugada dos
artigos 355.º e 357.º n.º 1 b), do CPP, pode concluir-se que sendo a leitura das declarações prestadas
perante autoridade judiciária expressamente permitida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 357.º, nos
termos aí previstos, situação que se integra na ressalva do n.º 2 do artigo 355.º, está-se perante
uma exceção à regra do n.º 1 deste mesmo art. 355.º Assim, mesmo não tendo sido produzida ou
examinada em audiência, tal prova poderá ser valorada para o efeito de formação da convicção do
tribunal, porque estão em causa declarações do arguido que, nos termos do n.º 2 do artigo 357.º,
podem ser lidas sem outros condicionalismos, para além dos respeitantes ao momento da prestação
das declarações perante autoridade judiciária (141.º n.º 4).
Diferentemente, o n.º 1 do artigo 357.º apenas admite que sejam valoradas declarações do
arguido, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas, se tais declarações forem
reproduzidas ou lidas a solicitação do arguido, o que traduz opção legislativa clara no sentido de
aquela hipótese ser abrangida pela regra geral do art. 355.º e não pela exceção do seu n.º 2.
Por outro lado, a obrigatoriedade de leitura das declarações do arguido em audiência em
qualquer hipótese, e não apenas nos casos de ausência do arguido, mesmo contra a vontade
deste (na formulação do dispositivo), apesar de o arguido, que é obrigatoriamente representado
por advogado em audiência, poder tomar a iniciativa de requerer com toda a amplitude a leitura ou
reprodução em audiência das suas declarações anteriormente prestadas, parece-me — em linha
com a argumentação do voto de vencido conjunto aposto no Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 770/2020 — estarmos perante solução marcadamente paternalista que contraria, na sua essên-
cia, a consideração do arguido como verdadeiro sujeito processual.
Por último, parecem-me claramente desproporcionadas as consequências desta solução
do ponto de vista da celeridade processual e do regular decurso da audiência de julgamento,
particularmente sentidas nos processos de maior complexidade e volume, designadamente nos
casos de grande número de arguidos, pois é lição da prática judiciária que a reprodução ou leitura
daquelas declarações do arguido tenderá a ser feita de forma exaustiva, na generalidade dos casos,
para acautelar eventuais nulidades.
António Latas
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Proc. 660/19.9PBOER.L1-A.S1
DECLARAÇÃO DE VOTO
O auto de declarações (ou gravação) deve ser apresentado em audiência e a produção da prova
nele contida, mediante leitura ou audição, só pode ter lugar se for permitida (art. 355.º do CPP).
A utilização ou exame das declarações a que se refere o art. 357.º, n.º 1, al. b), do CPP implica
necessariamente a sua leitura ou audição pelos sujeitos processuais que o pretendam ou devam
fazer, na totalidade ou em parte, para que se possa trazer à discussão o seu conteúdo e permitir
ao arguido que as confirme, altere, complete ou esclareça, no pleno exercício dos seus direitos
processuais, com total realização do contraditório. O conhecimento do conteúdo das declarações em
audiência, onde deve ser produzida e examinada toda a prova, pode ser obtido por várias formas,
assegurando o tribunal a sua integridade e disponibilidade e fazendo constar em ata a permissão
de leitura ou audição e a sua justificação legal, condição de validade e eficácia da prova (art. 356.º,
n.º 9, e 357.º, n.º 3).
A obrigação de ler (ou ouvir) há de justificar-se pela sua necessidade, na dinâmica da produção
de prova em julgamento, permitida que seja a leitura, e não por imposição legal de leitura. Imposição
que não resulta da lei e que pode traduzir-se em formalidade rígida, excessiva ou desnecessária
(casos de macroprocessos, com declarações várias prestadas durante vários dias, que devessem
ser lidas ou reproduzidas em audiência, em cumprimento de mera formalidade, sem justificação
concreta).
Diário da República, 1.ª série
O que a lei visa é assegurar a imediação e o contraditório em audiência sobre este meio de
prova previamente constituído e o respeito pelo processo equitativo, em todas as suas dimensões.
Daí que, na sua formulação, se limite a dizer que a reprodução ou leitura de declarações anterior-
mente feitas pelo arguido no processo “só é permitida” nas condições referidas na alínea b) do
n.º 1 do artigo 357.º do CPP.
Como referi no voto de vencido no AFJ n.º 8/2017 (DR, Série I, 21.11.2017), a propósito da
leitura de declarações para memória futura (art. 356.º do CPP), a lei não diz quem deve ler, a quem
o tribunal deve mandar ler, o quê e de que modo; defendi que equivale à “leitura” o “dar a ler”,
o facultar a leitura aos demais sujeitos processuais, e a indicação de que o meio de prova será
utilizado para a decisão (citando, a este propósito, norma do art. 511.º do CPP italiano, que julgo
poder ter-se como implícita no nosso sistema, na falta de regulamentação expressa e completa e
em harmonia com idênticos princípios). Não me parecem relevantes as diferenças de regime de
produção das declarações e do estatuto de quem as profere, para efeitos do artigo 355.º, que as
equipara e as sujeita a idênticas condições (obrigatórias) para que possam ser valoradas como
prova. Sendo certo que a leitura (audição) sempre será obrigatória para o tribunal, para que possa
valorar o seu conteúdo e formar a sua convicção.
Assim, concordando em que as declarações podem ser valoradas como prova desde que lidas
ou reproduzidas em audiência de julgamento, parece-me que, na concretização desta afirmação,
se deveria esclarecer ou interpretar esta conclusão no sentido de que podem ser valoradas como
prova desde que, durante o julgamento, sendo permitida a leitura ou audição e observado o disposto
no artigo 356.º, n.º 9, do CPP, sejam lidas ou ouvidas pelo tribunal e dadas a ler ou proporcionada
a sua leitura ou audição aos demais sujeitos processuais.
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