AgRg no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 150343 - GO (2021/0217561-8)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR AGRAVANTE : DANIEL MESSAC DE MORAIS AGRAVANTE : LIBINA ALVES MACHADO ADVOGADO : GILLES SEBASTIAO GOMES - GO046102 AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
VOTO-VOGAL
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por DANIEL MESSAC
DE MORAIS e LIBINA ALVES MACHADO contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás no Habeas Corpus n. 5173389-80.2021.8.09.0000. O Tribunal de origem julgou válida prova consistente no registro audiovisual de diálogos realizado por um de seus interlocutores com o auxílio do Ministério Público. Segundo constou no acórdão impugnado, o interlocutor Natã Michael Pereira Cruvine procurou espontaneamente o Ministério Público para fornecer informações sobre os delitos em apuração, oportunidade na qual "os promotores com atuação junto ao GAECO, o muniram com instrumento apto a permitir a gravação de áudio, sendo registrados os diálogos havidos entre ele e o processado Adailton Ferreira Campos, ocasião em que o primeiro teria entregado ao segundo uma quantia em dinheiro, o que havia sido previamente combinado (e ocorreu por duas vezes)." (fl. 803). O Exmo. Ministro Relator negou provimento ao recurso ordinário, sob o fundamento de que a captação audiovisual de diálogos por um de seus interlocutores é uma prova válida e de que a prévia intervenção do Ministério Público não afasta a validade da prova produzida. O Exmo. Ministro Sebastião Reis Júnior apresentou voto divergente, destacando que, nos termos do art. 2.º, inciso IV, da Lei n. 9.034/95, com a redação vigente à época da produção probatória, a captação e a interceptação ambiental exigiriam circunstanciada autorização judicial. Sob a ótica da divergência, a prévia participação do Ministério Público na produção da prova tornaria aplicável ao caso o referido regramento, tornando nula a prova produzida sem autorização judicial. É o breve relatório. Após examinar os cuidadosos votos já proferidos, bem como as razões apresentadas em memoriais pela douta advogada que foi recebida em meu gabinete, peço vênia ao entendimento divergente para acompanhar o voto do Exmo. Ministro Relator. O processo penal rege-se pelo princípio da ampla liberdade na produção probatória, sendo possível à partes empregar todos os meios de prova que não sejam ilícitos, nos termos do art. 157, caput, do Código Penal. Por essa razão, salvo na hipótese de haver um regramento legal explícito determinando a observância de procedimento determinado para a produção da prova pretendida, não se pode subtrair o conteúdo da prova da apreciação judicial por ausência formalidades que não possuem previsão legal, sob pena de ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5.º, inciso XXX, da CF/88) e ao princípio da legalidade (art. 5.º, inciso II, da CF/88). No caso em apreço, em que pese as razões lançadas no voto divergente, acredito não ser possível equiparar a prova aqui produzida a uma captação ambiental, a fim de atrair a aplicação do regramento previsto na Lei 9.034/95, vigente à época dos fatos. Com efeito, na captação ambiental, um terceiro que originalmente não teria acesso ao conteúdo da comunicação ingressa nessa esfera de intimidade à revelia de seus participantes, o que não ocorreu na hipótese destes autos. No caso ora em apreço, um dos interlocutores da conversa, que já possuía acesso lícito ao conteúdo do diálogo, decidiu compartilhá-lo com terceiros. Não houve, portanto, invasão da comunicação, mas compartilhamento de seu conteúdo por quem legitimamente já possuía acesso a ela. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 583.937/RJ, sob o regime da repercussão geral, sedimentou a compreensão de que a captação de uma conversa por um de seus participantes não pode ser equiparada a uma captação ambiental, pois o interlocutor do diálogo "apenas dispõe do que também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à comunicação." Como se sabe, normas que estabelecem restrições devem ser interpretadas restritivamente. Por essa razão, não reputo adequada a criação por analogia de restrições à produção probatória, especialmente quando ela ocorre a posteriori. De fato, não visualizo identidade de situações entre a situação ora em apreço e a captação ambiental prevista na Lei n. 9.034/95 capaz de justificar o raciocínio por analogia. Em todo caso, ainda que assim não fosse, o raciocínio analógico jurisprudencial deve ser restringido diante da redação do art. 157, caput, do Código de Processo Penal, que exige violação de uma norma legal ou constitucional taxativa para a exclusão da prova. De outra parte, o fato de o interlocutor do diálogo haver decidido compartilhar o conteúdo da conversa antes ou depois de realizá-la não é relevante para definir o regime jurídico a ser aplicado à produção da prova. Não vejo razão para tratar diferentemente a gravação fornecida ao Ministério Público com ou sem a sua prévia ciência de que esta gravação seria realizada. Em ambos os casos, preservada a voluntariedade do ato, trata-se de compartilhamento de uma informação à qual o interlocutor tem acesso lícito. Por essa razão, não constato motivos para alterar a jurisprudência de ambas as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior, que é pacífica ao admitir a gravação de diálogo por um de seus interlocutores com o auxílio de equipamento fornecido pelos órgãos da persecução penal. Nesse sentido: AgRg no HC n. 547.920/RJ, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 19/9/2022; e REsp n. 1.689.365/RR, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/12/2017, DJe de 18/12/2017. De fato, em razão de o registro audiovisual de diálogo por um de seus interlocutores ser um meio de produção probatório atípico, que não possuía regramento legal específico ao tempo dos fatos, não há como se impor jurisprudencialmente e a posteriori requisitos para sua validade. A prova que não violou norma legal ou constitucional expressa não pode ser excluída em razão da opinião pessoal do julgador sobre qual seria a melhor maneira de se conduzir a investigação. Como bem destacado pela Exma. Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgRg no HC n. 141.157/PE, o entendimento firmado pela Corte Suprema acerca da licitude de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro em momento algum condicionou a validade da prova ao elemento anímico do agente. De toda forma, eventuais abusos, na produção desta prova, como vícios de consentimento do agente responsável pela gravação, poderão, à luz dos contornos específicos do caso concreto, dar azo à invalidação da prova, justamente pela ausência de vontade livre e consciente de dispor a respeito daquilo que lhe compete. Todavia, essa análise não pode ser feita de forma genérica e certamente exigiria dilação probatório incompatível com a via processual do habeas corpus. O que não se pode é reputar inválida, de forma genérica e irrestrita, todas as gravações promovidas por participantes do diálogo com a ciência prévia dos órgãos da persecução criminal. Essa solução, além de não encontrar amparo legal e de violar os princípios constitucionais supracitados, afronta a ratio decidendi que orientou a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral, no julgamento do RE n. 583.937/RJ. Ante o exposto, renovadas as vênias à divergência, acompanho o voto do Exmo. Ministro Relator para NEGAR PROVIMENTO ao recurso ordinário. É como voto.
Da não violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) em face da execução provisória da pena após condenação em segunda instância