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Lucas Ferla

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra


2º Ciclo de Estudos em Direito
Mestrado em Direito: Especialidade em Ciências Jurídico-Forenses

A valoração probatória como requisito de validade da sentença no processo declarativo

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria José Capelo

Coimbra, 2018
1. Definição do Tema

A sentença é a derradeira decisão proferida pelo juízo singular de primeira


instância; ato cujo escopo é o julgamento dos pedidos formulados pelos litigantes
(delimitados pelo objeto processual), dando às partes, assim, a resposta jurisdicional
quanto às suas pretensões. Pela definição do art. 152, n.º 21, “diz-se <sentença> o ato
pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de
uma causa”.
É possível afirmar que todos os atos processuais anteriores (à sentença) são
tomados em sua direção e com tal objetivo: o alcance à fase de julgamento e
proferimento da decisão resolutiva de mérito, onde cada parte espera pelo acolhimento
das suas razões e, senão, ao menos, o enfrentamento das matérias suscitadas com
suficiente fundamentação, dando azo ao manejo do incidente recursal competente e
permitindo a sua reanálise na instância subsequente.
Neste ínterim é que o artigo 607 do Código de Processo Civil disciplina acerca
da estrutura da sentença, regulando as partes em que se decompõe e o conteúdo que
deve estar presente para validade e produção dos efeitos que lhe são inerentes.
Dentre os tópicos necessários para a validade de uma sentença atentaremos à
análise crítica das provas na fundamentação da sentença e o mister do magistrado em
declarar os fatos provados e não provados à luz de tal exame, - comando legal que está
inserto no número 4 do supracitado artigo.

2. Delimitação do Tema

É corolário do que enuncia o artigo 154, na esteira do artigo 205 da


Constituição da República Portuguesa, que as decisões, com exceção dos meros
expedientes que visam tão somente o impulso processual, devem (sempre) serem
fundamentadas sob pena de não surtirem efeitos por falta do pressuposto necessário à
sua constituição.
Se decompormos a sentença em partes, à luz do artigo 607, podemos identificar
três figuras bem delineadas: (i) o relatório, (ii) a fundamentação e (iii) a decisão ou
conclusão.

1
Quando houver citação de um disposi vo de lei sem menção de diploma, se entende que pertence ao
Código de Processo Civil Português vigente.
Dentro de cada componente, entretanto, cabe um estudo acerca do seu
conteúdo e forma, importando, para este trabalho, os atributos que a fundamentação
deve conter acerca da valoração probatória como projeção de verdade acerca dos fatos
articulados pelas partes, tanto para sua confirmação como negativa.
Parece cristalino que a opção do legislador por este regime de estrutura
sentencial visa não somente assegurar às partes a correta interpretação que o juízo deu
ao caso, como também fornecer à sociedade um instrumento de gerência das decisões
judiciais. Pois, se de um lado temos, consubstanciado no n.º 5 do 607, a inserção do
princípio da livre apreciação das provas, há o contraponto essencial que é o mister de
analisá-las criticamente (n.º 4), atenuando-se, assim, o risco da discricionariedade nas
decisões judiciais; não permitindo que a decisão seja emanada por um sentimento
pessoal, exteriorizado ou não, mas de difícil controle em relação à legalidade.

3. Problematização

Delineadas as questões sumárias quanto a necessidade de fundamentação das


decisões judiciais como requisito para a sua validade, mormente em relação a sentença
proferida em processo de declaração (que é objeto do estudo), o problema que se
prioriza solucionar é o de saber até que ponto a valoração probatória precisa se
exteriorizar para dar respaldo à conclusão que lhe sucede.
Extraímos da exegese do artigo 607 n.º 3 de que na sentença o juiz deve
“discriminar os factos que considera provados”; do n.º 4 que “o juiz declara os factos
provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas,
indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais
fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”; e do n.º 5 que “o juiz aprecia
livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Tendo em vista o conteúdo das normas em referência é que se suscita o
problema de quantificar o conteúdo da fundamentação e o dever do juiz ao analisar
criticamente cada uma das provas existentes nos autos do processo, harmonizando as
mesmas entre si e proferindo sua decisão com base no peso de cada uma em relação aos
fatos que delimitam o objeto processual.
As hipóteses de nulidade da sentença estão contidas no rol do artigo 615, sendo
oportuno trazermos à discussão o enunciado da alínea b), do n.º 1 que dispõe como nula
a sentença que: “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a
decisão”, em descumprimento ao n.º 3 do artigo 607.
A falta de fundamentação gera nulidade da sentença, porém, apenas nas
hipóteses em que o magistrado se abstenha por completo de especificar os fatos
provados (inteligência da alínea b) do n.º 1 do art. 615º). O dever da motivação da
matéria de facto, consubstanciado nos n.ºs 3 e 4 do art. 607º, atrai, quando deficiente e
para fins de invalidade, a regra do art. 195º, vez que o defeito pode ter “influência no
exame ou na decisão da causa”, não se confundindo, portanto, com a primeira situação.

4. Fundamentação

Fala-se de error in procedendo quando uma decisão parta de um processo onde


ocorreu uma falha na aplicação de algum dos comandos processuais que o regulam, e de
error in iudicando quando se transgrida norma substantiva ou se faça mau uso do seu
emprego. Em ambas hipóteses a decisão será errada2.
De outra banda, podemos falar em decisão injusta quando o magistrado
julgador, no uso do mister, inadequadamente valore o conjunto probatório dos autos,
analisando erroneamente os fatos articulados com base nesta inadequação; utilize
abusivamente o seu poder discricionário; fixe imprecisamente os fatos relevantes.
Situações estas que podem atrair a incidência do art. 662 e permitir à Relação que
modifique a decisão.
Após a conclusão da audiência final, com o encerramento da instrução, o
julgador se pronunciará, quando da prolação da sentença, sobre os temas de provas,
julgando (por completo ou parcial) provados ou não os fatos que fundam a ação.
Na sequência do trabalho é que que se apresenta o dever de imposto pelo art.
607º, n.º 4, de analisar criticamente as provas indicando as ilações tiradas dos factos
instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua
convicção, tendo observado a norma o dever geral de fundamentação das decisões
judiciais, corolário do n.º 1 do art. 205º da CRP e dos n.ºs 1 e 2 do art. 154º do CPC.
Fica evidente que, para preenchimento do requisito imposto, não basta uma
simples remissão de que o veredicto foi dado de determinada forma em atenção ao
conjunto probatório, impondo-se que a análise verdadeiramente indique os elementos
propulsores do convencimento.
2
FERREIRA, Fernando Amâncio, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Almedina, 2009, p. 72.
Importante que se consigne, desde já e para fins de compreensão do objetivo do
trabalho, que o magistrado, por vinculação ao que determina a norma em referência, não
é obrigado a extensivamente se pronunciar sobre cada elemento de prova existente nos
autos, mas, sim, de forma transparente e compreensível, explicar os motivos que o
levaram a optar por uma ou outra na solução do litígio.
É válido referir ainda que o conceito de análise crítica, do ponto de vista
abstrato, vai ter maior ou menor relevância para fins de se averiguar a validade da
sentença, a partir de um exame casuístico, onde a complexidade dos fatos e provas vai
variar, para mais ou para menos, a importância de se exteriorizar o itinerário percorrido
pelo julgador na busca da verdade.

5. Objetivos

É importante para o processo, bem como, por uma visão mais ampla, a um
Estado Democrático de Direito, a existência de instrumentos legais que permitam
averiguar os motivos de determinada decisão judicial, com a clara exposição dos
elementos probatórios que a fundam. A correta exteriorização do convencimento do
juiz, com a análise crítica das provas e a declaração dos fatos provados e não provados,
à luz da norma adjetiva, legitima a rediscussão em segunda instância e o controle por
parte do órgão jurisdicional hierarquicamente superior, fornecendo, de um lado, os
requisitos à parte interessada para manejo do seu recurso e correta impugnação e, de
outro, evitando-se o risco de uma supressão de instância, com a devolução ao órgão ad
quem de matéria (a ser reapreciada) não suficientemente fundamentada.
Valendo-nos dos ensinamento do nobre jurista António Geraldes3: “O
importante é que o juiz exponha com clareza os motivos essenciais que o determinaram
a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida contida nos temas de prova,
garantindo que a parte prejudicada pela decisão (com a aludida sustentação) possa
sindicar, perante a Relação, o juízo probatório formulado relativamente a tal
factualidade, designadamente na medida em que foi sustentada em factos instrumentais
e nas regras de experiência que foram expostas”.
Neste quesito, o objetivo do estudo é levantar as hipóteses em que há
deficiência na análise crítica do conjunto probatório e uma errônea valoração das

3
GERALDES, António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., Almedina,
2016, p. 249.
mesmas em face dos fatos articulados pelos litigantes, gerando, de um lado a injustiça
na decisão e possível reforma pelo órgão ad quem competente, e, ainda, a uma provável
invalidade, à luz do que preconiza o art. 195º.
As modificações introduzidas no código de processo civil ao longo das últimas
décadas, denota a preocupação do legislador em aproximar o órgão colegiado revisor à
realidade fática, melhor experimentada pelo julgador de primeiro grau, tendo em vista
sua proximidade com as partes e participação direta na instrução, possibilitando, assim,
ao final, um julgamento mais justo.

6. Metodologia

O propósito do tópico em referência é abordar as vias metodológicas que serão


utilizadas ao longo da dissertação, pormenorizando os passos investigativos, as opções
de busca qualitativa e as técnicas e procedimentos a serem usados.
Como exposto anteriormente pretende-se investigar sobre o regime das
invalidades da sentença por carência/deficiência de fundamentação quanto ao conjunto
probatório dos autos, fazendo um contraponto interessante, que é o regime adotado pela
legislação brasileira e verificar, deste enfretamento, os aspectos positivos e negativos de
cada ordenamento.
Para tal desiderato, o método de abordagem na construção do trabalho visa, de
um modo crítico e interpretativo da norma, trazer à discussão a importância e o peso da
valoração probatória como pressuposto constitutivo para a validade de uma sentença
civil no ordenamento português.
Quanto às técnicas e procedimentos utilizados no levantamento das
informações, no fito de se alcançar o resultado que se propõe, se priorizou a pesquisa
bibliográfica e jurisprudencial.
Em relação à pesquisa bibliográfica a mesma desenvolveu-se com o uso de
artigos científicos publicados em periódicos nacionais e livros (de autores nacionais e
internacionais) que versavam sobre o tema da orientação.
A jurisprudência comporta arestos oriundos dos Tribunais da Relação e
Supremo Tribunal de Justiça Português, bem como dos Tribunais de Justiça, Tribunais
Regionais e Cortes Superiores brasileiras.

7. Índice Provisório da Dissertação


Notas Introdutórias
Capítulo 1: Sentença no Processo de Declaração
1.1 Estrutura e elaboração da sentença
1.2 Verificação dos pressupostos processuais para enfrentamento do mérito
Capítulo 2: Vícios da Sentença no Processo Civil
2.1 Espécies de vício no sistema português
2.2 Análise crítica das provas à luz da livre convicção e a declaração dos fatos provados
e não provados
2.3 Valoração probatória como requisito de validade da sentença
Conclusão

8. Bibliografia

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