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PARA PESSOAS
TRANS,
TRAVESTIS E
NÃO BINÁRIAS
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA
À SAÚDE
1ª edição
Versão Profissional
Série F. Comunicação e Educação em Saúde
1.ª edição
Rio de Janeiro/RJ
2024
Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons — Atribui-
ção Não Comercial 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total des-
ta obra, desde que para uso não comercial e com a citação da fonte. A responsa-
bilidade pelos direitos autorais de textos e imagens dessa obra é da área técnica.
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// Subsecretaria de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde (SUBPAV)
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Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro Elaboração
Eduardo Paes Afonso Celso de Oliveira Senos
Anderson Martins da Rocha
Secretário Municipal da Casa Civil
Átila Mourão Lima
Eduardo Cavaliere Gonçalves Pinto
Bruno Alves Brandão
Coordenador de Diversidade Sexual Daniela Murta
Carlos Alberto Tufvesson Débora Silva Teixeira
Fillipe Teixeira Tinoco Rodrigues
Secretário Municipal de Saúde
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Daniel Soranz
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Subsecretário Executivo Jéssica Iaci Cruz de Andrade
Rodrigo Prado João Pedro Silva Tonhá
Larissa Souza Carvalho Rosa e Silva
Subsecretário de Promoção, Atenção
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Primária e Vigilância em Saúde
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Assessoria de Comunicação Social da SMS-Rio
Superintendente de Atenção Primária
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Coordenadora das Linhas de Cuidado dos
Supervisão Editorial
Ciclos de Vida
Aluisio Bispo
Aline Rodrigues de Aguiar
Capa
Coordenação Técnica
Aluisio Bispo
Aline Rodrigues de Aguiar
Livia Esteves Reis Projeto Gráfico e Diagramação
Patricia Dias Mondarto Sandra Araujo
APRESENTAÇÃO............................................................................. 4
INTRODUÇÃO................................................................................. 4
Conceitos básicos relacionados a gênero e sexualidade............................... 5
HORMONIZAÇÃO FEMINILIZANTE............................................. 21
Escolha dos Fármacos...................................................................................... 22
Abordagem clínica para redução de riscos relacionados à
hormonização feminilizante............................................................................ 27
Prescrição e ajuste de doses........................................................................... 31
Monitorização laboratorial e rastreamentos................................................ 34
HORMONIZAÇÃO MASCULINIZANTE......................................... 37
Formulações da Testosterona......................................................................... 39
Abordagem clínica para redução de riscos relacionados à
hormonização masculinizante........................................................................ 40
Prescrição e ajuste de doses........................................................................... 43
Monitorização laboratorial e rastreamentos................................................ 47
REFERÊNCIAS............................................................................... 54
4
APRESENTAÇÃO
Com o objetivo de orientar profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), com
ênfase em médicas e médicos, para a realização de hormonização em pessoas
trans, travestis e não binárias, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro
(SMS-Rio), a Subsecretaria de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde
(SUBPAV) e a Superintendência de Atenção Primária (SAP) apresentam a cartilha
de “Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias”.
INTRODUÇÃO
A atenção às necessidades em saúde da população LGBTI+, a ser realizada de
forma integral e acolhedora, é uma das atribuições dos profissionais da APS, que
devem desenvolver competências relacionadas à abordagem da sexualidade hu-
mana, atentos à ampla diversidade nas suas manifestações.
Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias na Atenção Primária à Saúde 5
Por outro lado, existem experiências exitosas, em âmbito local, nacional e inter-
nacional, em que a APS é o principal nível de atenção onde se prescreve e acom-
panha pessoas em hormonização. Essas experiências têm ampliado significati-
vamente o acesso dessa população a cuidados de saúde adequados (DEUTSCH,
2016; ROGERS et al., 2016; SEMPOL et al., 2016; BOURNS, 2019; SÃO PAULO/SP.
SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE, 2020). Esta cartilha, portanto, tem como ob-
jetivo trazer as evidências científicas e essas experiências exitosas para o cenário
mais amplo da APS carioca.
Fonte: BOURNS, 2019; SÃO PAULO/SP. SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE, 2020; AMORIM
et al., 2022.
O PROCESSO DE
HORMONIZAÇÃO PARA
PESSOAS TRANS, TRAVESTIS
E NÃO BINÁRIAS NA APS
No contexto da APS, deve-se sempre compreender a oferta de hormonização
como um elemento inserido em um processo mais amplo e longitudinal de aco-
lhimento e acompanhamento em saúde em uma unidade de saúde preparada
para lidar com as especificidades da população trans, travesti e não binária.
ETAPAS TAREFAS
Compreensão de conceitos;
Qualificação Respeito ao nome social e pronome;
da equipe e
da unidade Ambiência;
Registro adequado da identidade de gênero.
Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias na Atenção Primária à Saúde 9
ETAPAS TAREFAS
ELEMENTO DESCRIÇÃO
Compreensão de Consultar a seção “Conceitos Básicos Relacionados ao
conceitos relacio- Gênero e Sexualidade” nesta cartilha (página 6).
nados a gênero e
sexualidade
O acolhimento e a atenção em saúde de pessoas tran-
sexuais, travestis e não binárias deve respeitar o uso do
nome social de escolha da pessoa, quando não realizada
ou não desejada a retificação de documentos oficiais. O
nome social deve estar presente em todos os seus regis-
tros, como cartão do SUS, cadastro em prontuário eletrô-
nico, receitas e requisição de exames. O direito ao uso do
nome social em unidades do SUS é garantido pela Porta-
Respeito ao
ria n.º 1.820 do Ministério da Saúde de 2009 (BRASIL. MI-
nome social
NISTÉRIO DA SAÚDE, 2009). A Lei Municipal n.º 6.329/2018
e pronome
corrobora o direito ao uso do nome social por travestis e
transexuais na administração direta e indireta do municí-
pio do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO/RJ, 2018). Pessoas
trans, travestis e não binárias que acessam a APS também
devem ser questionadas sobre os pronomes (femininos,
masculinos ou neutros) pelos quais preferem ser tratadas
e serem respeitadas nessa decisão por toda equipe de
saúde (DEUTSCH, 2016).
Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias na Atenção Primária à Saúde 11
ELEMENTO DESCRIÇÃO
Algumas estratégias de ambiência podem ser importan-
tes para o acolhimento de pessoas trans, travestis e não
binárias. As salas de espera podem apresentar cartazes
informativos e panfletos sobre respeito ao uso do nome
social, bem como outras informações relacionadas aos
direitos da população LGBTI+. Uma vez que constran-
Ambiência
gimentos ou impedimentos relacionados ao uso de ba-
nheiro representam uma importante violação de direito
da população trans, travesti e não binária, é interessante
também sinalizar que o serviço respeita o direito ao uso
do banheiro de acordo com o gênero com o qual a pessoa
se identifica (DEUTSCH, 2016).
Para fins de cadastramento de pessoas trans, travestis e
não binárias de forma qualificada, recomenda-se que seja
utilizada a coleta de dados sobre gênero em dois passos
(TATE; LEDBETTER; YOUSSEF, 2013):
Registro
a. Qual é a sua identidade de gênero?
adequado de
b. Qual gênero lhe foi atribuído ao nascimento?
dados sobre
Deve-se respeitar o desejo de não responder a qualquer
identidade
uma dessas questões, quando presente. Contudo, o re-
de gênero
gistro inadequado ou não registro desses dados leva à
invisibilização de minorias sexuais, impactando de forma
negativa a criação de ações e políticas de saúde voltadas
a esse público (DEUTSCH, 2016).
Fonte: Elaboração própria a partir das referências citadas no quadro.
BOAS PRÁTICAS
É essencial evitar qualquer tipo de suposição em relação à identida-
de de gênero ou à orientação sexual de alguém. Somente a própria
pessoa tem o direito de determinar e expressar esses aspectos, de
acordo com suas experiências pessoais, sem sofrer julgamento ou
discriminação. Uma abordagem acolhedora e empática sobre essas
vivências e seus impactos em diferentes momentos (infância, puber-
dade, vida adulta) contribui para o entendimento da subjetividade
e cria um ambiente de confiança no atendimento. A escolha de pa-
lavras desempenha um papel de extrema importância na comunica-
ção. A seguir (Quadro 4), apresentamos algumas orientações sobre
expressões a serem evitadas e alternativas mais adequadas.
12
EVITAR RECOMENDADO
Assexuado Assexual
Intersexual/hermafroditismo Intersexo
1 Apesar de haver uma recomendação para se evitar o termo “terapia”, uma vez que
não é um tratamento de doença, isso não é consensual. Por exemplo, o termo “terapia
hormonal cruzada” é frequentemente utilizado, especialmente na endocrinologia.
Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias na Atenção Primária à Saúde 13
ABORDAGEM INICIAL
Como parte de uma abordagem integral, também cabe abrir um canal de diá-
logo acerca de modificações corporais desejadas e/ou em curso. Pessoas trans,
travestis e não binárias podem não desejar realizar procedimentos para afirma-
ção ou transição de gênero. Esses procedimentos podem ter finalidade de obter
14
maior conforto com a imagem corporal, reconhecimento social dentro dos pa-
drões de gênero com o qual se identifica, ou mesmo, menor exposição às violên-
cias transfóbicas (SÃO PAULO/SP. SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE, 2020), po-
rém, não são necessários para que a autodeterminação quanto ao gênero seja
legitimada. É importante que profissionais da APS tenham conhecimento sobre
transformações corporais caracterizadas como definitivas, transformações tran-
sitórias e as que ocorrem dependente ou independentemente de serviços médi-
cos. Dessa forma, é possível oferecer acompanhamento profissional para esses
processos, bem como auxiliar a pessoa na construção do repertório de métodos
a serem utilizados de modo mais seguro. Essa discussão deve ocorrer de forma
realística, compreendendo os efeitos esperados, riscos, benefícios, reversibili-
dade ou irreversibilidade de determinada técnica (SÃO PAULO/SP. SECRETARIA
MUNICIPAL DA SAÚDE, 2020).
Deve-se atentar para o fato de que é comum que pessoas trans, travestis e não
binárias já realizem, de forma autônoma, procedimentos para obter as mudan-
ças corporais desejadas. Tanto os procedimentos transitórios (p.ex.: ocultação
de mamas e testículos), como procedimentos permanentes (p.ex.: aplicação de
silicone industrial e hormonização sem acompanhamento profissional prévio)
em curso também devem ser abordados para fins de orientação, incluindo,
quando necessário, uma perspectiva de redução de danos. Orientações especí-
ficas sobre a abordagem de modificações corporais transitórias e modificações
cirúrgicas são apresentadas em maior profundidade na seção “Outras Transfor-
mações Corporais”.
PRESCRIÇÃO
No retorno, deve-se realizar a revisão dos pontos importantes sobre o TCLE, es-
timular a discussão sobre as possíveis dúvidas e, quando esclarecidas, solicitar
a assinatura do TCLE em duas vias, arquivar uma das vias no serviço e registrar
o consentimento esclarecido em prontuário (SÃO PAULO/SP. SECRETARIA MUNI-
CIPAL DA SAÚDE, 2020).
Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias na Atenção Primária à Saúde 17
Deve-se realizar exame físico focal com aferição de peso, altura, pressão arte-
rial e circunferência abdominal, além de oferecer a inspeção de caracteres se-
xuais secundários. O registro das medidas de exame físico das transformações
corporais esperadas (p.ex.: escala de estágios de Tanner, descrições de forma
e tamanho de estruturas, diâmetro de porções do corpo, distribuição de pelos
e gordura corporal) podem ser úteis para fins de comparação com os efeitos
posteriormente alcançados. Desse modo, são registrados parâmetros mais ob-
jetivos da evolução dessas características com a hormonização. Recomenda-se
muito diálogo, a fim de prevenir expectativas intangíveis e um possível uso de
hormônios em doses elevadas associadas a maiores riscos e sem benefícios em
termos de velocidade ou intensidade das transformações corporais (SÃO PAU-
LO/SP. SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE, 2020).
ACOMPANHAMENTO LONGITUDINAL
IMPORTANTE:
� Os objetivos da hormonização são os efeitos de transformação cor-
poral, e não valores laboratoriais específicos. Orienta-se, porém,
como medida de segurança, a não exceder os níveis fisiológicos
correspondentes ao gênero de identificação.
� Se o gênero identificado nos laudos de exames laboratoriais não
corresponder à identidade de gênero da pessoa, os valores de refe-
rência apresentados podem ser do gênero atribuído ao nascimen-
to. Valores de referência podem variar entre laboratórios, deven-
do-se sempre considerar a referência do laboratório em questão.
Hormonização Hormonização
feminilizante: masculinizante:
Realizar plano conjunto Realizar plano conjunto
decidindo sobre uso decidindo sobre
isolado ou em associação formulação e via
de estrógenos e de administração
antiandrógenos; Decidir mais adequada.
sobre formulação e
via de administração
mais adequada.
HORMONIZAÇÃO
FEMINILIZANTE
Para pessoas transfemininas, o que inclui tanto mulheres trans como pessoas
não binárias que desejam expressar características mais femininas, a hormoni-
zação tem o objetivo de reduzir os efeitos endógenos da testosterona e induzir o
surgimento de caracteres sexuais secundários femininos de acordo com os obje-
tivos apresentados pela paciente que busca tal procedimento. Fisiologicamente,
esse processo requer a supressão de hormônios androgênicos e/ou a adição
de estrógenos. Os resultados da hormonização feminilizante correspondem a
transformações reversíveis e irreversíveis, com tempo variável para seu apareci-
mento (Figura 2), e não é esperado que a hormonização produza mudanças no
tom de voz (BOURNS, 2019; COLEMAN et al., 2022).
IMPORTANTE:
Estrógenos sintéticos, como o etinilestradiol, devem ser evitados, por
aumentarem gravemente o risco cardiovascular e de eventos trom-
boembólicos, especialmente quando combinados com progestágenos
sintéticos (p.ex.: medroxiprogesterona, ciproterona e noretisterona)
(BOURNS, 2019; SÃO PAULO/SP. SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE,
2020; COLEMAN et al., 2022). Considerando a alta disponibilidade dos
estrógenos sintéticos no mercado, e que estrógenos combinados com
progestágenos são historicamente usados por mulheres trans e tra-
vestis, recomenda-se que pacientes que busquem acompanhamento
já em uso desse fármaco recebam orientações sobre os riscos, possi-
bilidades de substituição e/ou estratégias de redução de danos.
ANTIANDRÓGENOS
A suplementação isolada de estrógenos em doses fisiológicas pode ser insufi-
ciente para suprimir os efeitos da testosterona endógena em pessoas transfe-
mininas que não passaram por procedimento de gonadectomia. A fim de evitar
potenciais efeitos adversos relacionados a altas doses de estrógenos nessas pa-
cientes, agentes antiandrogênicos são incorporados ao regime de hormonização
feminilizante. Os antiandrógenos mais utilizados para essa finalidade são a es-
pironolactona e a ciproterona (BOURNS, 2019). Os mecanismos de ação, efeitos
esperados, efeitos adversos e contraindicações desses fármacos estão apresen-
tados no Quadro 6.
Não há evidências disponíveis que apontem para uma maior segurança no uso
da espironolactona ou da ciproterona (desde que respeitadas doses diárias de
12,5–25mg). A escolha entre esses fármacos deve considerar a história clínica, to-
lerância e outras individualidades da pessoa que busca modificações corporais.
Em pacientes que realizaram a orquiectomia, o uso de antiandrógenos pode ser
suspenso logo após a cirurgia ou retirado gradualmente (considerar desmame
gradual em pacientes com Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) ou insuficiência
renal em uso de espironolactona) (BOURNS, 2019). Além da ciproterona, outros
progestágenos também são frequentemente utilizados por mulheres trans e
travestis, como medroxiprogesterona, dienogeste e algestona acetofenida, com
experiências positivas, principalmente relacionadas ao aumento do volume ma-
mário e à preservação da libido. Entretanto, os protocolos atuais geralmente
recomendam apenas a ciproterona, devido à escassez de evidências científicas
sobre os demais progestágenos na população transfeminina e ao risco teórico
aumentado da associação de progestágenos/estrógenos, extrapolado a partir
de estudos realizados em mulheres cis na pós-menopausa (TELESSAÚDE/RS/
UFRGS, 2022). A opção pelo uso de outros progestágenos deve envolver uma
avaliação cautelosa de possíveis fatores de risco, além de uma discussão clara
sobre riscos, benefícios e incertezas em termos de evidência científica.
Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias na Atenção Primária à Saúde 25
Crescimento mamário;
Redução da função erétil;
Efeitos Diminuição da fertilidade;
esperados Redução do volume prostático e testicular;
Redução do crescimento de pelos faciais e corporais;
Redução da alopecia androgenética.
Hipercalemia; Hepatotoxicidade
Dano renal; (insuficiência hepática aguda
Poliúria, polidipsia e risco de é raro);
desidratação; Humor deprimido
Redução da pressão arterial (especialmente nas
e tontura; primeiras 6 a 8 semanas);
Sonolência; Possível aumento no risco
Alterações gastrointestinais; de tromboembolismo
Efeitos venoso;
Rash cutâneo;
adversos Anemia, trombocitose e
Hiperprolactinemia.
mielossupressão (raro);
Hiperprolactinemia
com possível risco
de prolactinoma
(principalmente se associada
a estrógeno);
Meningioma;
Piora do perfil lipídico.
Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias na Atenção Primária à Saúde 27
ESTRÓGENOS
17ß Estradiol
Não há benefícios relata-
(ou Estradiol
2,0–4,0 dos em prescrições acima
bioidêntico) 2,0mg/dia 6,0mg/dia
mg/dia da recomendação de dose
— oral
máxima.
1mg
200mcg/
Estradiol 25mcg/
50 a 200 dia (2
hemi- dia (1
mcg/dia adesivos Via preferencial para pa-
hidratado adesivo
(adesivos de cientes com maior risco
— adesivo de 25mcg
trocados 100mcg cardiovascular, porém, me-
transdérmico trocado
2x/ trocados nos acessível pelo custo.
25; 50; a cada 2
semana) 2x por
100mcg semanas)
semana)
Dificilmente disponível no
20mg a
mercado brasileiro de forma
cada 4
10mg isolada. O valerato de estra-
Valerato de semanas
a cada diol é comumente encon-
estradiol — 10mg a (quan-
semana trado em associação com
injetável in- cada 4 do não
ou 30mg enantato de noretisterona,
tramuscular semanas associado
a cada 2 que apresenta recomenda-
10mg/mL com an-
semanas ção restrita pelo alto risco
tiandró-
de evento tromboembólico
geno)
e doença cardiovascular (2).
ANTIANDRÓGENOS
(1) O valerato de estradiol é encontrado em formulações combinadas que podem ser op-
ções convenientes em termos de custo: a) Valerato de estradiol + acetato de ciproterona
(2mg + 1mg) — a cartela possui 11 drágeas brancas contendo apenas valerato de estradiol
34
MONITORIZAÇÃO LABORATORIAL E
RASTREAMENTOS
Exames laboratoriais para monitoramento devem ser realizados idealmente an-
tes do início da hormonização, no 3.º, 6.º e 12.º mês. Posteriormente, devem ser
solicitados semestralmente ou anualmente. Uma frequência maior na solicitação
de exames deve ser considerada a depender das condições clínicas e individuali-
dades da paciente. A rotina de acompanhamento está sumarizada no Quadro 9.
compartilhado.
Câncer de próstata: Como adotado para a população de homens cisgênero,
não se recomenda rastreamento de câncer de próstata para pessoas com
próstata submetida a hormonização feminilizante. A opção por rastreio em
populações assintomáticas deve ser uma decisão esclarecida e compartilha-
da. Recomenda-se que solicitação de PSA e toque retal devam ser individuali-
zados para pacientes sintomáticos (HEMBREE; COHEN-KETTENIS, 2017).
EXAMES LABORATORIAIS
Solicitar antes
do início em
todos os casos
e regularmente
com o uso de
ciproterona,
Hemograma 4 4 4 4 4 uma vez que é
esperado que
os parâmetros
de eritrograma
reduzam com
o bloqueio de
testosterona.
36
Um alvo
frequentemente
utilizado
(HEMBREE;
COHEN-KETTENIS,
2017) é de
Testosterona
4 4 4 4 4 < 50ng/dL,
total
mas deve-se
priorizar a
satisfação da
pessoa com
os efeitos
alcançados.
Solicitar antes
do início em
todos os casos
e regularmente
com o uso de
TGO e TGP 4 4 4 4 4 ciproterona.
Nos demais
casos, dosar
anualmente ou
semestralmente.
Prolactina deve
ser medida
ao menos
anualmente
Prolactina 4 — — 4 4 com o uso de
ciproterona
e com maior
frequência se
houver elevação.
Ofertar testes
rápidos de
rastreio de IST
no início, a fim
Testes de oportunizar
Rápidos para abordagem
HIV, sífilis, 4 4 4 4 4 prévia à
hepatite B e hormonizção.
hepatite C Posteriormente
a cada consulta
a depender da
avaliação de
risco.
Fonte: Adaptado de BOURNS, 2019; SÃO PAULO/SP. SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE,
2020; TELESSAÚDE/RS/UFRGS, 2022.
HORMONIZAÇÃO
MASCULINIZANTE
Para pessoas transmasculinas, o que inclui homens trans e pessoas não binárias
que desejam expressar características mais masculinas, a hormonização é reali-
zada com a suplementação de testosterona, com o objetivo de atingir a viriliza-
ção dos caracteres sexuais secundários. A hormonização masculinizante promo-
ve mudanças corporais reversíveis e irreversíveis, com tempo variável para seu
aparecimento (Figura 3) (BOURNS, 2019).
38
FORMULAÇÕES DA TESTOSTERONA
As formulações de testosterona comumente usadas no processo de hormoni-
zação são injetáveis (intramuscular) ou de uso transdérmico. O Quadro 10 apre-
senta as contraindicações absolutas e os efeitos adversos relacionados ao uso
de testosterona.
Quadro 10. Efeitos adversos e contraindicações absolutas ao uso de testos-
terona para hormonização masculinizante.
Gestação e amamentação;
Câncer sensível a andrógenos em atividade (p.ex.: mama e
endométrio);
Cardiopatia isquêmica instável;
Contraindi- Transtorno psicótico não estabilizado ou grande irritabilidade
cações com ideação homicida;
Condições psiquiátricas que limitem a capacidade em
fornecer consentimento livre e esclarecido;
Hipersensibilidade a componentes da formulação;
Policitemia, com hematócrito > 55%.
Fonte: Adaptado de Bourns 2019 e Telessaúde/RS 2022.
40
Undecanoato
(ou 1.000mg 1.000mg 1.000mg Excipiente oleoso (2) —
Undecilato) de (1 ampola (1 ampola (1 ampola óleo de rícino. Produz
Testosterona de 4ml) de 4ml) de 4ml) níveis de testosterona
— injetável a cada a cada a cada séricos estáveis por 10
intramuscular 120 dias 90 dias 90 dias a 14 semanas.
250mg/mL
Aplica-se no abdômen
ou braços, sobre a pe-
le limpa e seca. Aguarda-
-se secar antes da pele
50mg ter contato com pessoas,
Testosterona (1 sachê 50mg/dia 100mg/dia tecidos ou outros mate-
em gel de 5mg) (1 sachê (2 sachês riais. Pode estar relacio-
10mg/g em dias de 5mg) de 5mg) nado a um ritmo mais
alternados lento nas transforma-
ções corporais. Tende a
produzir níveis séricos
mais estáveis de testos-
terona.
(1) Formulações orais não são recomendadas devido à sua maior metabolização hepática.
(2) As formulações injetáveis com excipientes oleosos podem ter administração dolorosa
por serem mais viscosas. Aquecer a ampola um pouco entre as mãos antes da aspiração
pode contribuir para uma aplicação mais cômoda. Além disso, o conteúdo da ampola pode
ser aspirado com agulha de maior calibre e ser ofertada injeção com agulha de menor cali-
bre, considerando uma aplicação que pode ser mais lenta, porém menos dolorosa. Fonte:
BOURNS, 2019; SÃO PAULO/SP. SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE, 2020; COLEMAN et al.,
2022; TELESSAÚDE/RS/UFRGS, 2022.
IMPORTANTE:
A receita para prescrição de testosterona deve seguir normas especí-
ficas apresentadas na Lei n.º 9.965/2000 e na Portaria MS n.º 344/1998,
para que a pessoa consiga retirar a medicação nas farmácias:
1. Ser feita em receituário de controle especial (branco), em duas
vias, com a quantidade de medicação a ser dispensada e o tempo
de tratamento junto à posologia;
2. Conter endereço da pessoa que recebe a prescrição;
3. Informar o CID-10 F64;
4. Conter o CPF do prescritor;
5. Não exceder a quantidade de cinco ampolas por receita.
Ver exemplo a seguir.
46
USO INTRAMUSCULAR
CID10: F64
29 11 2023
Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias na Atenção Primária à Saúde 47
MONITORIZAÇÃO LABORATORIAL E
RASTREAMENTOS
Exames laboratoriais para monitoramento devem ser realizados idealmente an-
tes do início da hormonização, no 3.º, 6.º e 12.º mês. Posteriormente, devem ser
solicitados anualmente. Uma frequência maior na solicitação de exames deve
ser considerada a depender das condições clínicas e individualidades do pacien-
te. A rotina de acompanhamento está sumarizada no Quadro 13.
EXAMES LABORATORIAIS
A elevação do
hematócrito
para além
do valor de
referência
máximo
padronizado
para homens
cis (> 50%) está
Hemograma 4 4 4 4 4 relacionado
a maior risco
cardiovascular,
devendo-se
considerar
redução da dose
ou troca para
formulação
de uso
transdérmico.
48
Dosar uma
TGO e TGP 4 4 4 4 4 vez a cada 6
ou 12 meses,
com maior
frequência a
depender dos
fatores de risco
individuais.
Glicemia 4 — 4 4 4
Lipidograma 4 — 4 4 4
O nível alvo de
testosterona
geralmente
está entre
400 e 700ng/dL
(HEMBREE;
COHEN-
Testosterona KETTENIS, 2017),
total 4 4 4 4 4 mas deve-se
priorizar a
satisfação da
pessoa com
os efeitos
alcançados,
evitando níveis
suprafisiológios.
Deve ser
monitorado
anualmente
somente após
Hormônio gonadectomia,
Luteinizante 4 — — 4 4 considerando
(LH) que a elevação
do LH pode ter
repercussão no
metabolismo
mineral ósseo.
Hormonização para Pessoas Trans, Travestis e Não Binárias na Atenção Primária à Saúde 49
O nível sérico
de estradiol
pode ter papel
nos quadros
de dor pélvica,
menstruações
persistentes
Estradiol 4 — — — —
e alterações
de humor,
podendo ser
dosado na
abordagem
dessas
questões.
Considerar a
depender das
Teste rápido práticas sexuais
4 — — — —
de gravidez da pessoa
que busca
hormonização.
Ofertar testes
rápidos de
rastreio de IST
no início a fim
Testes de oportunizar
Rápidos para abordagem
HIV, sífilis, 4 4 4 4 4 prévia à
hepatite B e harmonização.
hepatite C Posteriormente
a cada consulta
a depender da
avaliação de
risco.
Fonte: Adaptado de BOURNS, 2019; SÃO PAULO/SP. SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE,
2020; TELESSAÚDE/RS/UFRGS, 2022.
50
IMPORTANTE:
O momento da dosagem de testosterona deve considerar a formula-
ção em uso:
� Undecilato de Testosterona: dosar imediatamente antes da próxi-
ma dose;
� Cipionato de Testosterona e Decanoato + Fempropionato + Propio-
nato + Isocaproato de Testosterona: dosar na metade do tempo
entre as administrações;
� Testosterona em gel: dosar após, pelo menos, uma semana de uso
e 2 horas após a aplicação diária.
OUTRAS TRANSFORMAÇÕES
CORPORAIS
Deve-se ressaltar que o processo de modificações corporais alinhadas à identi-
dade de gênero de pessoas trans não se resume àquelas relacionadas à hormo-
nização. Quaisquer que sejam as motivações de uma pessoa trans para trans-
formações corporais, é importante que profissionais de saúde legitimem essa
demanda e ofereçam acompanhamento e orientações adequadas. As transfor-
mações corporais podem ser transitórias (Quadro 14) (p.ex.: ocultação das ma-
52
REFERÊNCIAS
AMORIM, A. P. A. et al. Abordagem integral da sexualidade e cuidados
específicos da população LGBTI+. Em: DUNCAN BB, SCHMIDT MI, GIUGLIANI
ERJ, DUNCAN MS, GIUGLIANI C (Ed.). Medicina ambulatorial: condutas de
atenção primária baseadas em evidências. 5ed. ed. Porto Alegre: Artmed, 2022.
BOURNS, A. Guidelines for gender-affirming primary care with trans and non-
binary patients. [s.l.] RHO: Rainbow Health Ontario, 2019.
COLEMAN, E. et al. Standards of Care for the Health of Transgender and Gender
Diverse People, Version 8. International journal of transgender health, v. 23, n.
Suppl 1, p. S1–S259, 6 set. 2022.
GÓMEZ, P. L.; FORRISI, F.; GELPI, G. Salud y diversidad sexual: guía para
profesionales de la salud. [s.l.] Facultades de Medicina y Psicología de la
Universidad de la República, 2016.
TRANS,
TRAVESTIS E
NÃO BINÁRIAS
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA
À SAÚDE
1ª edição