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BX

4815
•R277
1908
PRINCETON • NEW JERSEY

FROM THE LIBRARY OF


ROBERT ELLIOTT SPEER

BX 4815 .R277 1908


Reis, Alvaro
As conferencias do Padre
Julio Maria ref utamc ~ao
:
1/
ALVARO REIS

AS CONFERENCIAS
DO

Padre Jixlio Maria

REFUTAÇÃO
I —O Catholicisnio Protestante não é uma ne-
gação religiosa.

II — O Cat/wlicismo Protestante não é uma ne-


gação das verdadeiras e legitimas auctori-
dades da Egrcja. \

III — O Cat/wlicismo Protestante não importa uma


?iegação politica.

RIO DE JANEIRO
Typographia de G. MORAES & C, Rua de S. Pedro N. 192

1908
— :

PRIMEIRA CONFERENCIA

O Catholicismo Protestante não é uma negação


religiosa

Senhores
Cicero, o grande tribuno da antiga Roma, assim defi-

niu o orador: Um homem honrado, hábil na arte de faliar.


Para o grande Padre Lacordaire, um dos mais bellos
ornamentos do púlpito catholico, este titulo de —-«homem
honrado» — já não é sufficiente para o homem evangélico;
é necessário que este possua a sanctidade e a manifeste por
uma explosão sensível da verdade em todas as suas ex-
a
pressões e em todo o seu ser. (24 Conferencia).
Infelizmente, senhores, eu sou obrigado a dizer-vos
que o illustre orador da Cathedral, o Sr. Padre Dr. Julio
Maria, não realiza no seu ministério o homem evangélico,
segundo a definição do seu mui illustre collega — porque
S. S., sem o menor escrúpulo, fez estas asserções que
peccam por falta de respeito á vei'dade.
a a
I , O Protestantismo é uma negação religiosa ;
2 , O
Protestantismo é uma negação da auctoridacle da Egreja, e,
a
3 , O Protestantismo importa uma negação politica.
:

Contando com a vossa benévola attenção, e exorando


ao Deus Altíssimo para que me assista com a sua illumina-
dora graça, na defensa, que passo a fazer, da verdade,
principio.

*
* *

Senhores, para bem comprehendermos o alcance das


palavras do Sr. Padre Julio Maria, quando, pela segunda
vez, nesta Capital, affirmou que o Protestantismo é uma
negação religiosa, recordemos attenciosamente suas bem
explicitas asserções, a esse respeito, registradas na Sexta

Conferencia da Assumpção, á paginas 2, 12 e 13.


Eil-as
« O philosophismo protestante, apagando toda a influ-

encia do Espirito Sancto, e substituindo-a pela rebeldia,


a discórdia e o orgulho; enfraquecendo a religião, obli-

terando nos espiritos a noção do Evangelho, abalando nos


corações o sentimento de humildade, tornou-se o maior
dissolvente da hierarchia social... E' preciso deixar, se-
nhores, as nossas incoherencias.
Quem combate o Christianismo mente a si próprio.
Um diz: eu não sou catholico, mas também não sou pro-
testante. Como? Não é protestante e acceita e pratica todos

os dias, na vida privada e na vida publica, o principio fun-


damental do Protestantismo, isto é, a revolta contra a au-
ctoridade da Egreja?
Outro diz : eu não sou catholico, mas também não sou
socialista ; Deus me livre de attenuar siquer esses horrores
que hoje estão apavorando o mundo. Como ? Não é socia-
lista, e a todo o momento, na família, nos jornaes, na tri-

buna, defende, ardente e calorosamente, os princípios


fundamentaes do Socialismo, isto é, a perfeição original do
homem e a negação da vida futura?!
:;

—5—
Oh! meus amigos, quem quer que vós sejaes, por
muito que eu vos respeite e ame, eu não seria digno do
meu apostolado, si não vos dissesse, com toda a franqueza
aceeitar similhantes principios, ainda que se não queiram
as suas consequências, é collaborar com o Protestantismo

e o Socialismo ; é ser verdadeiro discípulo desses philoso-


phos frivolos, desses estadistas inconsequentes, desses
ricos insensatos que, na Europa, querem debellar, o Anar-
chismo, mas sem o auxilio da religião.
Elles o querem, mas ao mesmo tempo, em palácios
magníficos, esplendidamente illuminados, em banquetes
opíparos, repletos de iguarias exquisitas, em colloquios li-
vres, em dansas voluptuosas, nos seus salões, nos seus jor-
naes ou nos seus livros, dia e noite repetem : gozemos, go-
zemos depressa, porque a vida é curta; desfolhemos as rosas

do prazer ; esta é a nossa partilha ; este o nosso destino


porque Deus é uma hypothese, o céu uma illusão, Jesus
Christo um simples philosopho, a Egreja uma hypocrita.»
Claro fica, portanto, senhores, que o Rev. Dr. Julio
Maria, calculadamente insistindo em confundir o Socialis-
mo e o Anarchismo com o Protestantismo, e affirmando
que este é uma negação religiosa, não tem tido outro in-
tuito sinão fazer crer, áquelles que o ouvem, que — o Pro-
testantismo é uma negação do sentimento religioso.
Ora, que isto não é verdade, que o Protestantismo
não é uma negação religiosa, qualquer alumno de collegio
o sabe. Não necessito citar os volumosos auctores clássicos.
Basta abrir o compendio de Historia Universal, de Web-
ber, prefaciado pelo illustre homem de lettras, o Dr. João
Ribeiro, obra adoptada no Gymnasio Nacional, para qual-

quer menino certificar-se da estupenda falta de amor á


verdade no illustre orador da Cathedral. Ahi, á pagina 225,
se registra : « O grito que no século decimo quinto se
ergueu em toda a Europa, pedindo a reforma da Egreja
»

—6—
no chefe e nos membros, não fora ouvido pelos papas e os
grandes concílios não tinham produzido nenhum fruto.
Nem os abusos diminuíram com o correr do tempo. A
corte de Roma extorquia grossos tributos das egrejas de
outros paizes ; o baixo clero era em grande parte negli-
gente, ignorante e desmoralizado, e tomava pouco ou ne-
nhum interesse na nova cultura e no espirito que delle

emanava ; o alto clero levava vida inteiramente mundana,


com as pompas
deleitava-se principescas, e, occupando-se
demasiado com as obras de arte e litteratura e com a phi-
losophia da idade pagã, perdia de vista as doutrinas do
Evangelho. Uma forte indisposição reinava contra a

Egreja, e contra o sacerdócio de toda a ordem, e a vida


pouco christã de alguns papas contribuiu não pouco para
augmental-a. Era, apenas, necessário um impulso para re-

unir os ânimos em violenta opposição contra a Egreja de


que já se tinham alienado. E este impulso se deu quando
Leão X, para sustentar as despezas do templo de S. Pedro
e de outros monumentos, poz em venda, por intermédio
do eleitor Alberto de Monguncia, uma indulgência (1517).
Alberto, a quem tocava a metade do ganho, encarregou da
transacção, em Saxonia, ao dominicano Tetzel, o qual se
poz á obra com tal desfaçatez, que Martinho Luthero.
monge agostiniano, vendo por aquella fórma adulterada a
verdadeira penitencia e offendida a dignidade do confis-
sionario, se sentiu impellido na vigilia de Todos os Sanctos
de 1517, a affixar na basílica de Wittemberg, noventa e
cinco theses, com a declaração de que estava prompto a
defendel-as contra quem quer que fosse. Nellas oppugnava
a efficacia da indulgência sem o arrependimento : assegu-
rava que ellas valiam sómente para livrar das penas eccle-
siasticas e não para obter a graça divina ;
indicava, além

disso, a diversidade entre as falsas praticas e a verdadeira

penitencia, entre a hypocrisia e as obras boas.


!

Eis ahi o inicio da Reforma ou do Protestantismo, e si

alguma cousa significa, o que claramente refere o insus-


peito historiador, é que o Protestantismo, longe de ser uma
negação da crença christã, foi, muito pelo contrario, zeloso
defensor da pureza da doutrina evangélica ; manifestou-se
cioso de purificar a Egreja do execravel e escandaloso
mercadejamento de indulgências, que remiam e purificavam
todos os peccados!
Talvez, senhores, esse livrinho seja considerado indi-
gno de fé pelo Dr. Julio Maria. S. Revdm \ está empenhado
na grande propaganda de tornar a Egreja Romana, a nego-
ciante de indulgências e bençams, que alcançam até a ter-
ceira e quarta geração, unida ao Estado. Talvez seja
mesmo o uso desses compêndios, que faliam a verdade
contra Roma Papal, um dos motivos dessa enérgica pro-
paganda !

Pois bem, appellemos para os insuspeitos testemu-


nhos de auctores ecclesiasticos catholicos romanos e veja-
mos si elles, porventura, confirmam a opinião do orador
da Cathedral.
Abramos Bergier, em seu Diccionario Theologico,
obra clássica e de reconhecido e incontestável mérito. E
que diz esse auctor? Eil-o: — «No começo do século dezeseis
se elevou um grande numero de prégadores que publica-
ram que a Egreja Catholica havia degenerado e não pro-
fessava mais o Christianismo em sua pureza; que sua dou-
trina era errónea ; seu culto supersticioso ; sua disciplina
abusiva, e que era necessário reformal-a.»
Basta.
Portanto, o intuito desses reformadores protestantes
não foi negar, destruir o sentimento da religião, mas vin-

dicar a pureza primitiva da Egreja Christã


Tenho aqui o Diccionario das Herezias, obra catho-

lica, bastante conhecida, e que declara, á pagina 630, que


— «A Eacriptura só era, segundo Luthero, a regra de fé —


e cada um estava no direito de a interpretar ; esse prin-
cipio reduziu um numero infinito de pessoas na Allenianha,
na Bohemia e na Hungria ; mas era sobretudo na Saxonia
e na baixa Allemanha que os sectários de Luthero se
tinham multiplicado e que ei'am animados de um zelo ar-
dente e capaz de tudo emprehender.»
A' pagina 641, refere o auctor os assumptos da Con-
—que os protestantes apresentaram na Dieta de
fissão de fé
Augsburgo, cuja primeira parte — era grandemente con-
«

forme a fé catholica, mas negava a necessidade da confis-

são; estabelecia que a Egreja era só composta de eleitos;


Httribuia somente ás disposições dos fieis os effeitos dos
sacramentos e negava a necessidade de obras pias para a

salvação. A segunda parte — era muito mais contraria á


doutrina da Egreja ;
exigia a abolição das missas rezadas
e os votos monásticos; o restabelecimento da communhão
só em duas espécies; declarava que a tradição não era
uma regra de fé e que todo o poder ecclesiastico não con-
sistia sinão em pregar e administrar os sacramentos.»

A' pagina 649, o auctor fez o resumo do Systema Theo-


logico de Luthero, e registrou esta verdade sustentada pelo

grande reformador alleinão : — «A fé que nos justifica é um


acto pelo qual cremos que Jesus Christo morreu por nós.»
E mais: — «Luthero concebia, pois, a satisfação e os mere-
cimentos da morte de Jesus Christo como um thesouro im-
menso de graça e justiça, preparado para todos os homens,
em geral, e cuja applicacào os fieis determinam, formando
um acto de fé, por meio do qual cada fiel diz :
— eu creio

que Jesus Christo morreu por mim. »

Basta, senhores. Logo, o Protestantismo não foi c

não é uma negação religiosa!

Uma das accusações feitas contra o Protestantismo,


e procurando-se, talvez, assim comprovar ser elle uma ne-
!

—9—
gação religiosa —é porque Luthero sustentou a doutrina
do livre exame das Sagradas Escripturas.
Pois bem, sob este ponto de vista, attendamos ao que
diz o illustradissimo Padre de Saint-Sulpice, o proeminente
assyriologo, F. Vigouroux, em sua obra clássica — La Bible
et les découvertes modernes — obra precedida de um enco-
miástico c approbante breve do Papa Leão XIII: — «O
racionalismo bíblico é filho de Luthero ;
porém, de Luthero
aos incrédulos de nossos dias, o caminho percorrido é im-
menso. O monge de Wittemberg rompeu com o Catholi-
cismo; os livres pensadores actuaes rejeitam toda a

religião.

O pae da Reforma crê na inspiração da Biblia, nas


prophecias, nos milagres, na graça, na justificação, na di-

vindade de Jesus Christo, no céu e no inferno. . . O dogm.i


fundamental do Lutheranismo e do Calvinismo é a aucto-
ridade exclusiva da Biblia, interpretada individualmente,
segundo as luzes interiores que a cada um lhe communica
o Espirito Sancto.

Todos os antigos reformadores são unanimes em re-

conhecer na Escriptura um livro divino, vindo do céu para


revelar aos homens seus deveres para com o Creador e
para com os seus similhantes, regra infallivel de fé e de
costumes. A Biblia é tudo para o verdadeiro protestante.
Elie a considera como o boulevard da liberdade.
Nem no presente, nem no passado, pessoa alguma tem
o direito de explicar a Palavra de Deus sinão á luz da
própria consciência. A tradição é sem valor para inter-

pretar o Sagrado Livro, elle commenta-se a si mesmo,


ninguém o deve limitar, nem fixar o seu sentido, elle é era

si só a tradição, a auctoridade, o padre, o doutor. Eis ahi


a essência da Reforma.» (Vol. I, paginas 3 e 4).

Não podia encontrar mais flagrante desmentido a in-


Bidiosa asserção do Sr. Padre Julio Maria
! —

— 10 —
Não, senhores, o Protestantismo não é, nunca foi uma
negação religiosa, muito pelo contrario, elle é a positiva
asserção do poder de Jesus Christo, único que é capaz
para salvar e sanctificar para sempre o pobre peccador.
Senhores, que o Protestantismo não é uma negação
religiosa, é intuitivamente provado com a simples leitura
dos 39 artigos da Confissão de fé, da Egreja Anglicana e
da Egreja Episcopal Americana. Basta que eu vos leia

—Artigo I. Da fé na Sancta Trin-


os titulos desses artigos:
dade ; Do Verbo ou Filho de Deus, que se fez verda-
JJ.

deiro homem III. Da descida de Christo em Hades IV.


; ;

Da resurreição de Christo V. Do Espirito Sancto VI. Da


; ;

Sufficiencia das Escripturas Sagradas para a salvação. . .


»

E será preciso que continue a ler esta série de artigos


que plenamente proclamam o Sr. Julio Maria uma verda-
deira negação religiosa, por isso que, sem escrúpulos e
consciência, publicamente ensina o que não é e nunca foi
verdadeiro ?
Senhores, qual será o conferente religioso que, antes
de se propor a evangelizar as massas populares, não deva
criteriosamente bem informar-se do assumpto que vae
combater? Mas, será crivei que o Padre Julio Maria nem,
ao menos, tenha ouvido fallar nas celebres — Instituías —
de Calvino, esse gigante da theologia, verdadeiro propu-
gnador da eschola theologica do grande Sancto Agostinho ?
Será crivei que o Sr. Julio Maria não tenha ouvido, ao
menos, fallar na grande Confissão de Fé — da Assembléa
de Westminster — a maior e melhor synthese da theologia
christã ?
Parece incrível
Mas, si não nos conhece, si não conhece o nosso Credo,
como nos poderá combater ?

Si o Protestantismo, por ventura, merece o titulo de


negação religiosa — porque favoreceu o livre-exame das Sa-
! :

— 11 —
gradas Escripturas, porque proclamou a plena liberdade de
consciência, — neste caso, o primeiro criminoso é S. Paulo!
A primeira negação religiosa são as suas Epistolas, porque
ahi se encontra esta ordem, este mandamento inspirado
pelo divino Espirito Sancto : — Examinae tudo, conservae
o que é bom! I Epistola aos Thess. cap. 5, v. 21, Novo
Testamento approvado pelo Papa Pio IX.
Mas, neste caso, Jesus Christo incidiu no mesmo pec-
cado, pois, ordenou aos judeus, ao povo que o ouvia
— Examinae as Escripturas, pois julgaes ter nellas a vida
eterna, e são ellas que dão testemunho de mim. Evangelho
de S. João 5:39. Novo Test. approvado pelo Papa Pio IX.
Não, senhores, a diffusão, a leitura, o exame das Sa-
gradas Escripturas, longe de produzir os damnosos efteitos
imaginados pelos sacerdotes romanos. «E' a Bíblia, disse
a gloriosa Rainha Victoria, o segredo da grandeza e pros-
peridade da Inglaterra.» E nós podemos acerescentar :

é o segredo e a grandeza de todos os paizes protestantes,
que são os mais cultos, os mais prósperos e os mais mora-
lizados do mundo
E que isto é verdade, vae nos dizer o eminente Se-
nador Ruy Barbosa :
— «Em toda a parte, até hoje, tem
sido o sentimento religioso a inspiração, a substancia, ou

o cimento das instituições livres, onde quer que ellas

duram, enraizam-se e florescem. Mas esse principio vital


das nacionalidades modernas, longe de lucrar, é incompa-
tível com as religiões de estado. Buscae-o nos povos que
não conhecem a liberdade religiosa, e buscal-o-eis em vão.

Delle ahi o que existe é a pompa, os abusos e o nome : na


verdade, porém, está morto. Percorrei toda a Europa neo-
latina; contemplae toda a America hespanhola; estudae o
Brasil; e da piedade christã não achareis nada. Por toda
essa área immensa o joio do fanatismo, da beataria, do
pharisaismo religioso.
— 12 —
A verdadeira piedade, a flor celeste da caridade
christã definhou, perdeu-se no meio da semente maldicta.
Apenas nas regiões mais altas, como detrictus fosseis, de
um mundo exhausto e, granitificada, estende a incredu-

lidade a sua superfície árida e nua.


E' debaixo dessa superfície que dormem os vulcões
inextinguíveis, as revoluções sinistras do servilismo, da
intolerância ou da corrupção.
Por cima, o sólo talado e inerte. Por baixo a chamma
sanguinolenta dos maus instinctos populares, as conjura-
ções do odio, da superstição e da rapina. «Nós», dizia, vae
por alguns annos, num discurso que foi um dos grandes
acontecimentos do tempo, um fervorosissimo defensor da
Egreja, «os que não somos jovens, conhecemos, antes de
cahirem, esses governos absolutistas e catholicos. Que
é que resultou delles? Um torpor universal das almas e
intelligencias nos homens de bem num exiguo numero de
;

zelosos, uma cólera impotente ; nos outros, a paixão fa-


nática do mal. Tinha-se estrangulado e abafado o espirito
publico, que não despertou, sinão para render-se ao ini-
migo. A tempestade veiu encontrar somente corações
atrophiados pela suppressão da vida politica e incapazes
de arrostar as circumstancias emergentes. O falso libera-

lismo, a descrença, o odio á Egreja tinham invadido tudo.


Sob a crosta exterior da união entre a Egreja e o Estado,

ou até da subordinação do Estado á Egreja, a lava revolu-


cionaria excavara o seu leito e consumira em silencio as

almas, de que fizera presa. Ao primeiro encontro tudo des-


abou, tudo, e para nunca mais se reerguer. Esses paraísos
do absolutismo religioso tornaram-se a licção e o escândalo
de todos os corações catholicos.» O Papa e o Concilio,

Jntroducção, pag. CCXXXI. Com alguma alteração nos


toques é o esboço do nosso estado moral. . . Mas os sym-
ptomas do flagello estão comnosco.
;

— Vô —
A plebe é ignorante e crendeiva; as outras classes,
indifferentes ou incrédulas. Entrae numa casa de oração.
Lá está o luxo, a adoração mechanica, a devoção sensual
profundo recolhimento da alma deante de Deus vivo, não.
Observem os assistentes : distinguirão perfeitamente
o curioso distrahido, o conversador, o peralta, o beato, o
observador correcto das conveniências sociaes; mas o fiel,

absorto, alheio ao mundo exterior; mas, como nas cathe-

draes americanas, essas assembléas ferventes, anniquilla-


das na prece, por onde apenas perpassa o murmúrio da
emoção intima, como o balbuciar mysterioso do abysmo
invisível no oceano, contemplativamente immovel e silen-

cioso, — isso é o que embalde buscareis. Educação reli-

giosa, insti-ucção christã, privada ou commum, absoluta-


mente não n'a conhecemos. Penetrae sob o mais respeitável
tecto: haveis de encontrar o oratório, o terço, a cinza
benta, o jejum com as pingues consoadas; haveis de ver
esperada, com alvoroço ou frieza, como horas festivas

entre a quotidiana monotonia domestica ou simples satis-


fação de um habito material, a missa, a procissão, a
prédica. Mas esse preoccupar-se seriamente com os in-
teresses superiores da alma, essa fé espiritualista, repas-
sada de esperanças immateriaes, esse perfume de um sen-
timento ao mesmo tempo severo e consolador, essencial-
mente embebido em todas as affeições, em todos os pen-
samentos, em todos os actos todas essas condições divinas
:

do verdadeiro christianismo são extranhas aos nossos cos-


tumes. Visitae agora a eschola : a que se reduz ahi o ensino
christão ? Ao catechismo apenas, embutido machinalmente
á memoria, como o alphabeto ou os algarismos. Que ge-
rações sincera e utilmente christãs não ha de gerar um
mundo apparelhado assim? De grau em grau, nos engol-
phamos progressivamente na funesta incúria desses deveres
supremos. Nas necessidades espirituaes, nos destinos
! !

— 14 —
eternos da humanidade, ninguém reflectidamente medita.
A não ser que o negror de alguma calamidade geral apa-
vore os ânimos ou que um desses golpes Íntimos, que
prostram o homem até ao pó, e enluctam o lar, enchem de
fel inconsolavelmente os corações, a não ser sob a pressão
deprimente da agonia ou a do terror, o culto não existe
sinão sob as suas apparencias pagãs.» O Papa e o Concilio.

Introducção, paginas CCXXXI-IL


Deante desta monumental exposição — é incontestável

que, no Brasil e nos paizes catholicos, o Romanismo tem


sido praticamente uma completa e apavorante negação

religiosa

Emquanto que o verdadeiro culto evangélico, a ver-


dadeira espiritualidade religiosa — se evidenciam na vida
e no culto do Protestantismo
Não obstante este facto vivo, eloquente, incontestável,

universal — porque se realiza em todos os paizes protes-


tantes e suas numerosissimas colónias — sim, não obstante
este facto universal, o Sr. Padre Julio Maria friamente

asseverou que o Protestantismo é uma negação religiosa!

Que me resta fazer, senhores, depois de tudo isto ?


Somente, unicamente perdoar a esse Padre e pedir a
Deus que tenha compaixão de sua alma!
Senhores, é admirável quanto de calumnioso se tem
dito de Luthero e do Protestantismo. E' justo, pois, que a
respeito desse mui celebre reformador ouçamos o teste-

munho do grande Padre Lacordaire que, certamente, não


rezava pela mesma cartilha do Sr. Padre Julio Maria.
«Seja como fôr, houve um homem que pretendeu re-

formar-nos, e por que não? Nós também não falíamos ao


mundo sinão em reformas. Nos claustros, nas sedes epis-
copaes, na cadeira apostólica, na mais alta hierarchia dos
sanctos, vejo em logar distincto os reformadores; e, por
toda a parte, onde se encontram homens, mais dia menos
— 15

dia, é necessárioque esse poder da reforma abra novos


caminhos, que se mostre, como no oceano, quando, depois
de prolongada bonança que nem faz sentir, aos baixeis

que o sulcam, a força de seu poder e a temeridade dos que


o afFrontam, rompe de improviso no horizonte o inespe-
rado tufão, que adverte á equipagem ser chegado o mo-
mento de entrai", armada de sciencia e valor, em lucta com
esse inimigo, que afinal não é mais do que o reformador
de sua adormecida indolência.
A reforma, graças ao céu, não é cousa extranha á
Egreja, e até o titulo de reformador é um dos mais bellos
que, depois do de fundador, ella concede a seus filhos;

havendo casos em que um pouco ou mesmo nada cede ao


outro, e S. Bernardo pai*ece não estar mal ao lado de
S. Bento.

Ora, no século decimo sexto, em um cantinho da Sa-


xouia, appareceu um homem que se lembrou de reformar-
nos, e, na verdade, nenhum outro do seu tempo tinha mais
direito do que elle para o emprehender; porque tinha re-
cebido de Deus uma eloquência que com igual fecundidade

rebentava de seus lábios ou cahia de sua penna : homem


de uma alma ardente, tão capaz de captivar pelo amor
como de subjugar pela vehemencia de sua doutrina, e a
cujo caracter nada faltava para assegurar o domínio de
seu espirito. Accrescentae a tudo isto a qualidade de
cenobita.
A Egreja o tinha ido buscar ao século, o tinha coberto
com um habito, o tinha deitado sobre o cilicio e a cinza,

esse homem tinha passado pelo ditoso jugo da obediência,


e pelas alegrias da humildade, e esse conjuncto de um feliz

natural e de uma graça efficaz o tinha maravilhosamente


preparado para communicar aos outros todos os dons
do céu, engrandecidos por terem passado pelo seu co-
ração.
!

— 16 —
Que rriais ? Sim, era um homem de génio, um orador,
um escriptor, um monge, todos os poderes e todas as
gloriasestavam fechadas nessa mão de poucos annos!
Deixemol-o trabalhar na sua obra.
A obra deste homem está concluída, senhores... Onde,
porém, vou eu encontral-o? no sagrado recinto de uma
cella cenobita? não : — no lar domestico de uma habitação
vulgar, aquecendo-se a um fogão de família, com uma
mulher sentada a seu lado !...

«Toda a grandeza desse coração, toda a transcendência


desse génio, todo o prestigio dessa eloquência, toda a força
dessa alma, todos esses planos de refonna foram dar, não
em um diluvio, mas em um casamento.» 23 a Conferencia.
Senhores, será o facto de Luthero ter-se casado que
fez o Protestantismo tornar-se uma negação religiosa?
Importará o casamento de Luthero um estygma para
a religião ? Então essa macula, essa negação religiosa pesa
igualmente sobre o pretenso primeiro papa, porque S. Pe-
dro era casado
Ha poucos dias, perorando o Padre Julio Maria, re-

feriu o milagre que fizera Jesus quando curou uma mulher


em casa de S. Pedro, e teve o cuidado de não referir que
essa mulher, curada de febre — era a sogra de S. Pedro!
(Evangelho de S. Matheus, capit. VIII e versiculos 14-16.
Oh! Luthero ter-se casado, eis o grande escândalo!
Então, os Srs. Padres devem escandalizar-se com S. Pedro,

que viajava em companhia de sua esposa e irmã de

crenças ! E' o que diz o apostolo S. Paulo, em sua Primeira

Epistola aos Corinthios, capitulo nove, versículo cinco:


— «Acaso não temos direito para levar por toda a parte

uma mulher irma, assim como os outros apóstolos e os

irmãos do Senhor e Cephas.» (Pedro)?


Oh si é porque Luthero se casou que o Protestan-
!

tismo se tornou uma negação religiosa — então os demais


! :

— 17 —
apóstolos e os irmãos de Jesus, que fizeram o mesmo, tor-

naram o Christianismo uma negação religiosa também!


Senhores, que digo eu ? Luthero, casando-se, longe de
tornar o Protestantismo uma negação religiosa, muito pelo
contraiio, tornou o Protestantismo obediente ás ordenanças

do Divino Espirito Sancto.


Sim, o apostolo Paulo, escrevendo por divina inspi-
ração, deu este conselho :
— «Eis uma verdade innegavel
si algum aspira ao episcopado, boa obra deseja. Portanto,

é necessário que o bispo seja irreprehensivel, ter esposado



uma só mulher, ser sóbrio, prudente, concertado, casto,

hospitaleiro, capaz para ensinar; não dado ao vinho, não


espancador: mas moderado, inimigo de contendas, não
cubiçoso, mas sobretudo que saiba governar bem a sua

casa, que tenha os seus filhos em sujeição com toda a ho-

nestidade. Porque si algum não sabe governar a sua casa,


como terá cuidado da Egreja de Deus ?

«Os diáconos que tenham desposado uma só mulher,


que governem bem os seus filhos e as suas casas. » (Novo
Test. approvado pelo Papa Pio IX — Timotheo, capitulo
III e versículos 1 a 5 e 12. Essa mesma ordem é repetida
na Epistola de S. Paulo a Tito, capitulo I, versículos 5 a 8).

Não, senhores, o facto de Luthero ter-se casado, de


modo algum importa uma irreverência sequer ás prescri-
pções divinas ou religiosas.
Casados foram os sacerdotes da Egreja de Deus, quer
na dispensação patriarchal, quer na dispensação judaica,
quer mesmo nos dias de Jesus Christo. O Novo Testa-
mento abre-nos o thesouro de sua revelação, communican-
do-nos que o Summo Sacerdote Zacharias era casado com
Sancta Isabel — e que ambos eram justos e viviam irre-

prehensivelmente
Não, senhores, o celibato é que tem concorrido para
a negação do sentimento religioso. Innovação do século de

— 18 —
Gregorio VII, segundo o nobre e erudicto parecer do Padre
Diogo Feijó, Regente do Império, tem somente concorrido
para «a immoralidade publica». Disse-o elle em pleno
Parlamento ! E os factos o confirmam. Não serei eu quem
o afiirme, será o emérito brasileiro Dr. Ruy Barbosa :

«A politica é a paixão de Roma. Enlaçal-a por meio de
privilégios temporaes ao Governo do Estado é crear-lhe

em derredor a atmosphera mais conveniente á expansão


dessa tendência fatal á liberdade, á moralidade, ao desin-
volvimento das nações.
Exemplo a : Áustria. Eis aqui a estatistica dos nasci-
mentos sob a concordata ul tramontana. Ver-se-á que o
numero dos filhos illegitimos chegou a sobrepujar o dos
legitimos.

Annos Legitimos fflegit.

1862 12.120 11.113


1863 13.401 12.393
1864 12.865 12.849
1865 13.199 12.424
1866 12.937 13.272

(Extr. do Papa e o Concilio, pag. CCXL).

O Padre Guilherme Dias em sua obra Vozes da


Historia — refere que, em Roma, em 1876, tendo sido o
numero de nascimentos 4.373 e o numero de expostos
3.160, houve: 1.213 legitimos e 3.160 illegitimos! (Pa-
gina 173.)
Isto, senhores, na terra dos frades e das freiras, na
terra dos padres e dos cardeaes, onde está o throno de sua
santidade o Papa!
Estes factos clamam altisonantemente, que o roina-
nismo é que é, na verdade, uma completa negação da vir-

tude religiosa! (Applausos.)


:

— 19 —
E sào estes os homens que vociferam contra as leis

vigentes do casamento civil!

E são elles que qualificam essa lei fundamental d;i

Família, e conseguintemente da Sociedade, — como « con-

cubinato civil», < amancebia civil » ! (Applausos.)


Onde em toda a Biblia o ritual religioso do casa-
mento? Onde o caso de um sacerdote, de um levita, de
um apostolo ou de um evangelista celebrar acto religioso
de matrimonio? Porque esse silencio sobre um tão im-

portante acto da vida, sinão porque elle não é, jamais foi

um acto propriamente da religião, mas sim e unicamente


um acto civil ?
Entretanto, esse clero anti-patriota, que vocifera
contra o casamento civil, é elle mesmo que se casa civil-

mente e, depois, abandona legitimas esposas ! E' elle mesmo


que, condemnando a Luthero, porque se casou, entretanto,

vive... geralmente... como vós sabeis, por toda a parte


onde o Romanismo impera! (Applausos.)
Eis ahi, na vida corrupta do clero, no século XVI,
uma das causas da Reforma, assim como hoje, no Brasil,

uma das causas da indifferença e negação religiosa de


nosso povo ! (Vozes, muito bem !)
Senhores, além dos auctores citados, não posso deixar
de invocar, em favor desta refutação que estou fazendo —
o testemunho valiosíssimo de um clássico historiador eccle

siastico, cuja obra mereceu a approvação do Papa Pio VI


Escutemos o depoimento do Abbade Ducreux
«Quando Julio II formava o admirável projecto de
reedificar a antiga Basílica do Vaticano, e fazia publicar

por toda a christandade varias indulgências a favor dos


que contribuíssem com suas esmolas para a reedificação
deste edifício, não antevia que esta empreza, de que elle
esperava muita gloria, dentro em pouco tempo custaria á
Egreja Romana parte das regiões a que se estendia sua
— 20 —
auctoridade. Todavia é necessário remontar ao pontificado
deste papa para descobrirmos a primeira origem da es-
pantosa revolução, que no curso do século XVI roubou ao
Catholicismo metade da Allemanha, toda a Inglaterra, dois
reinos do norte, a Hollanda, parte da Suissa e outros
paizes menos consideráveis. Tinha Julio II feito grandes
despezas nas guerras que emprehendera com o pretexto
de conservar ou restaurar os dominios da Egreja e na rea-
lidade não era outro o motivo sinão uma inclinação mani-
festa ás expedições militares. Leão X, seu successor,
acabou de exhaurir o Thesouro para satisfazer seus gostos
e sustentar o luxo de sua corte. Os fundos que a pia libe-

ralidade dos fieis consagrava á construcção da nova egreja


de Roma, eram para ambos uma abundante mina, de cujos
fructos o ultimo principalmente intentava aproveitar-se o
mais que podia. As indulgências serviam de canal por
onde o ouro, que sahia desta mina, corria para os cofres
do Pontifice. A distribuição, ou por nos servirmos do termo
próprio, a venda das indulgências estava a cargo dos reli-
giosos mendicantes ; e as disputas, que se moveram entre
estes religiosos no exercício de um emprego em que era
tão fácil grassar grandes abusos, foram causa de levantar-
se uma herezia, a mais funesta nas suas consequências de

quantas tinham havido já na Europa... Em 1517, á ins-


tancia de seus superiores, como dizem, começou Luthero
contra os dominicanos a guerra, que em tão pouco tempo
fez tantos estragos. Leão X, magnifico, liberal, mas sem
regra, nem economia nas despezas que fazia, fez publicar

uma nova bulia de indulgências, em todos os paizes su-


jeitos á sé apostólica, nos quaes tinha produzido tanto
fructo, em utilidade da maior parte dos seus antecessores,

este meio de ajuntar muito dinheiro, sem vexar as egrejas.


Mas desperdiçando lucros, como fazia de outras rendas,

dava a varias pessoas, a quem queria gratificar, as 30111 mas


;

— 21 —
que haviam de render as indulgências em certas provín-

cias. Tocaram a sua irmã, a Saxonia, e outras províncias


mais da Allemanha, que ella arrendou, como praticaram
todos aquelles a quem eram concedidas similhantes graças,
e estava a cargo dos dominicanos fazel-as bem rendosas.

A estes rendeiros, pregadores da indulgência, presidia um


religioso allemâo chamado Tetzel, homem attrevido, de zelo

pouco commedido, mal instruído nas regras da Egreja e


muito dedicado quanto aos meios de fazer fructincar o ta-

lento que se lhe confiara. Os que o ajudavam nem eram


mais illustrados, nem mais prudentes, antes muitos delles
eram viciosos, devassos, bebiam e jogavam nas tavernas
de um modo pouco decente a seu estado e ao ministério
que exerciam. Exageravam a virtude das indulgências
serviam-se de comparações indecentes para mostrar a effi-

cacia delias, segundo o modo com que as concebiam, e de


seus discursos podia-se facilmente concluir que todas as
virtudes christãs e obras satisfatórias eram inúteis, aos
que por uma módica quantia de dinheiro ganhavam o bem
inestimável da indulgência.
Tanto não era necessário para dar a um homem como
Luthero, matéria para as mais vivas declamações.
. . . Assim foram arrastando estas matérias encadeadas

umas com outras o espirito curioso e temerário deste


monge para discutir successivamente todos os pontos da
doutrina catholica, e chegou a formar o novo systema de
religião, que substituiu as verdades que a Egreja ensinava
quando elle começou a dogmatizar, e que até então tinha
sempre ensinado.»
. . . Não era outra regra, que seguiu, sinão a Escriptura
para discernir as verdades, que pertencem á fé, das doutri-
nas falsas, que os homens inventaram, nem outro juiz mais
que a razão para fazer escolha entre os diversos sentidos,
que se podem dar á Escriptura.» (Vol. VII, pags. 360-2).
!

Basta. Estão confirmadas as asserções anteriores.


Luthero não promoveu uma negação religiosa : combateu
um grande escândalo religioso! C~>Jibateu o vil mercanti-
lismo que ainda impera no Romanismo e que constituo
mais outra perenne e permanente fonte de incredulidade,
de negação religiosa!
Até hoje! Sim, até hoje! os pobres catholicos, ou são
ludibriados em sua fé, ou são conniventes na ignóbil farça
de actos religiosos, cujos resultados são pratica e comple-
tamente negativos.
Em o Romanismo tudo salva, e cousa alguma salva
Um bom catholico, desde a infância educado esmera-
damente no ensino da Egreja, assistindo regularmente ás
missas aos domingos e dias sanctos de guarda, sacramen-
tando-se regular e piamente, sendo um óptimo catholico,
adoece, confessa-se, é sacramentado, e torna-se sacrário de
Christo ; é ungido, e expira ao eccoar contricto do officio

dos agonizantes. Ao exhalar do ultimo alento, na mão se

acha a vela benta e o crucifixo junto aos arroxeados lá-

bios, como a querem os circumstantes que aquella alma


se desprenda do corpo a roçar pela imagem de Jesus P0Í3 !

bem. Qual o destino dessa alma sanctificada por todas as


indulgências e virtudes sacramentaes do Romanismo?
Para onde se dirigiu essa alma após á morte do
corpo ?

Não ha outra resposta — Foi para c purgatório!


E assim, completamente se annullaram todos os actos
religiosos, todas as graças sacramentaes da Egreja Papal!..
E que é ma*is? Si o sacerdote pia e sinceramente crê
que a alma daquella fervorosa ovelha do seu aprisco se
deve achar nos terriveis soífrimentos do purgatório (e que
só differem dos do inferno por serem de temporal duração)
porque não se apressa elle mesmo em dizer por caridade a
missa, que deverá alliviar aquella pobre alma? Como ex-
!

— 23 —
plicar-se que o Sr. Vigário durma, passeie e viva indiffe-

rente á sorte das almas dos seus parochianos, e ainda


espere friamente que venham os parentes para negociar
as missas suffraganeas em favor de seus desditosos fieis ?

E quantas missas poderão conseguir a salvação dessas


almas? Sim, quantas? Uma, duas, dez, cem ? Oh! senhores,
facto notável, não consta que os padres jamais passassem
recibos por saldo de taes intermináveis contas! (Risos e
vozes : muito bem!)
Senhores, os factos, que ahi estão, clamam altivamente
que o romanismo é uma estupenda negação religiosa

Incontestavelmente, senhores, o Romanismo é um


verdadeiro conto do vigário ! (Applausos.)
O Protestantismo, porém, — que não mercadeja com
os sacramentos, que não mercadeja com as sanctas institui-

ções de Christo, — por toda a parte, no ardor de sua propa-


ganda criteriosa e intelligente ;
explicando as Sagradas Es-
cripturas, a verdade que instrue, que liberta, que sanctifica;

vencendo o analphabetismo ; moralizando e sanctificando


os costumes; regenerando o caracter; adorando a Deus em
espirito e verdade; o Protestantismo, repito — por toda a
parte assim attesta que não é uma negação religiosa, mas
antes, e incontestavelmente, é a gloriosa aífirmação do

poder de Christo para salvar a todo aquelle que nElle crê.

Onde impera o Romanismo, imperam a superstição, o


fanatismo, a ignorância, a desordem, o espirito revolucio-
nário e o anarchismo.
Onde impera o Protestantismo, em vez de 60 por
cento de analphabetos, é, no máximo, 4 por cento e, no
minimo, é menos que um Em! vez de 20, 25 e 50 por
cento de filhos illegitimos, é 4 por cento!... Em vez do
espirito revolucionário, tão caracteristico das republicas

neo-latinas, é a ordem e o progresso a resplandecerem a glo-


riosa civilização de uma Suissa; é a estupenda actividade a
!

— 24 —
glorificar a maravilhosa republica Norte Americana ! Em
vez da dynamite, a explodir por entre manifestações de
odio, de oppressões, de tyrannias e injustiças nas nações

ultramontanas, é a paz, é a justiça, é o trabalho a glori-


ficarem as nações protestantes, por excellencia cultas do
Velho Mundo, e a attestarem o poder civilizador, bemfeitor

e regenerador do Catholicismo Evangélico !

São os factos que positivamente desmentem ao Sr.

Julio Maria e nos alentam esperanças de que esta amada


Patria, em cujo céu treme-brilha a constellação do Cru-
zeiro, um dia também sobre o seu grande coração ha de
resplandecer Jesus Christo, o Sol de Justiça, triumpho glo-
rioso da propaganda bemdicta e sancta do Evangelho
(Ao descer da Tribuna, foi o orador calorosamente fe-
licitado e abraçado por innumeras pessoas.)
:

SEGUNDA CONFERENCIA

O Catholicismo Protestante não é uma negação da


auctoridade da Egreja

« Senhores
Refutando, e com o apoio de auctoridades catkolicas
romanas, de incontestável e justo renome, que o Protes-
tantismo não é, nunca foi, uma negação religiosa — mas,
antes, um victorioso esforço para que a Egreja se conserve
fiel aos puros e sanctos ensinamentos das Sagradas Escri-
pturas —a divina doutrinação, revelação da Egreja de
Nosso Senhor Jesus Christo; demonstrado que o Roma-
nismo, pelos seus dogmas absurdos, perante a própria
razão, contrários á lettra e ao espirito dos Sanctos Evan-
gelhos, por seus resultados funestissimos, patentes na con-
servação dos povos, em pleno século XX, com uma
porcentagem até mais de sessenta por cento de analpha-
betos ;
patentes na immoralidade attestada por mais
elevada porcentagem de filhos adulterinos que legitimos,
como em 1866, em Vienna d' Áustria, como em Roma
Papal, em 1876 ;
patentes e attestados no espirito revolu-
cionário, até o terrorismo, especialmente, entre os povos

— 26 —
considerados, os mais ultramontanos — sim, demonstrado
com factos, que plenamente se impõem, que o Romanismo,
a Egreja Papal é que verdadeiramente tem cultivado a
descrença e importa ama verdadeira negação religiosa,
hoje cumpre-me refutar a segunda asserção do Rev. Padre
Dr. Julio Maria, quando fria e calculadamente afiirmou
que o Protestantismo é uma negação da auctoridade da
Egreja.
Mais uma vez agradecendo a vossa benévola attenção,
e supplicando do Pae das Luzes seu divinal e gracioso

auxilio, principio.

* *

Senhores, quando o Rev. Dr. Julio Maria asseverou


que o Protestantismo é uma negação da auctoridade da
Egreja, naturalmente, creio, quiz dizer que o Protestan-
tismo é a negação da auctoridade da Egreja Christã, a
única Egreja que verdadeiramente é catholica e apostólica,
a Egreja de Deus.

Isto, porém, senhores, é inexacto, como vos passo a


demonstrar.
Vejamos, primeiro, o que se deve entender por
Egreja.
E, como já tenho feito, e hei de fazer, vamos com-
pulsar um auctor catholico romano — Huré — em seu
Diccionario de Phylologia Sagrada, vol. II, columnas 14-
16. E aqui aprendemos que do grego —
— egreja — vem
bcclesia — termo usado pelos Septenta, que assim tradu-

ziram os termos hebreus — cahal — ou — edah. A' de luz

passagens biblicas do Velho e Novo Testamento, egreja


o
quer dizer, segundo este celebrado auctor romano: I .

Uma assembléa, uma grande multidão de povo, quer crente,


quer descrente. 2
o
.
— Uma assembléa de magistrados que
— 27 —
governam o povo. 3 o — O povo de Deus. Números 19:20;
.

Actos 7:38; 3
o
Reis 8:14, 4 — Assembléa de pes-
etc.
o
.

soas congregadas para adorar a Deus, I Cor. 4:17 e 14:33,


i 5:34, etc. 5
o
. — Assembléa dos fieis, desde o começo do
mundo, Ephesios 5:32 ; a Egreja de Jesus, composta dos
verdadeiros christãos, entre os quaes também surgem hy-
pocritas. 6
o
.
—Egreja significa assembléa de fieis que vivem
sob a direcção de um pastor, I Cor. 1:2; 16:1; II Cor. 1:1;

Gaiatas, 1:2; Coloss., 4:16. A's vezes até designa o ajunta-


mento de uma só familia christã. Rom. 16:5. Coloss. 4:13.

Philemon versiculo 2. 7°. — Os pastores, exercitando o go-

verno, a disciplina, são chamados — Egreja. Matheus 18:


17. 8°. O POVO CONSIDERADO COMO DISTINCTO DE SEUS PAS-
TORES. Actos 20:28. 9 — O logar destinado ás assembléas
o
.

dos crentes. 10°. — A egreja considerada como militante e


triumphante. I Thim. 3:15; Actos 5:11; Ephesios 5:27 e
1:10; Coloss. 1:20; Apoc. 21:2-4, etc.»
Ora, a tudo isso, nada necessitamos objectar — sinão
o que este auctor refere — ao apostolo Pedro — que
e

daqui ha pouco refutaremos.


Não resta a menor duvida que, segundo este auctor,
a Escriptura affirma que a Egreja é o povo de Deus ; é
a assembléa dos crentes em Christo, é visivel e militante,
invisivel e triumphante.

Ora, tudo isso, nós protestantes, sinceramente cremos.


Logo, nem somos negação religiosa, nem muito menos
ainda, negação da Egreja.

O Padre Julio Maria affirma, porém, que nós somos


negadores da auctoridade da Egreja!
Quaes são essas auctoridades ?
Vejamos.
A Egreja é o povo de Deus — acabamos de apren-
der isto do erudicto catholico Sr. Huré. Logo, Deus é a
sua suprema auctoridade. E nós cremos de todo o nosso
:

— 28 —
coração, de toda nossa alma, de todo o nosso entendimento
e de todas as nossas forças — em Deus.
A Egreja também se chama christã, o que quer dizer
que a Egreja é de Christo. E nós igualmente cremos que
Jesus Christo é, como escreveu S. Paulo, Deus bemdicto
por todos os séculos.
E que Jesus Christo é a suprema auctoridade da
Egreja Evangélica, da Egreja Universal, é claríssimo das
Sagradas Escripturas, pois diz o Apostolo Paulo, fallando
de Jesus : — «E todas as cousas submetteu debaixo dos seus
pés, e a elle mesmo constituiu cabeça sobre toda a Egreja».
Ephesios 1:22. E, ainda nesta mesma Epistola, repete
« Submettidos uns aos outros no temor de Christo. As mu-
lheres sejam sujeitas a seus maridos, como ao Senhor,
porque o marido é a cabeça da mulher, assim como Christo
é a cabeça da Egreja ; e elle mesmo é o Salvador do seu
corpo. Assim como a Egreja está sujeita a Christo, assim
as mulheres o estejam em tudo a seus maridos». Ephesios
5:21-24. Logo, Jesus Christo é o soberano chefe, a su-
prema e verdadeira auctoridade da Egreja.

Attendamos, ainda, ao testemunho do próprio Apos-


tolo S. :

Porque éreis como ovelhas desgarradas,
Pedro «

mas agora vos haveis convertido ao Pastor e Bispo de


vossas almas.» E isto o Apostolo dizia de Jesus. I Epistola
de São Pedro 2:25. Novo Testamento approvado pelo
Papa Pio EX.
Ora, é isto precisamente o que nós protestantes
cremos. Logo, não somos negação da auctoridade da
Egreja.
Além da Sanctissima Trindade, que ainda governa a
Egreja, pelo seu Sancto Espirito, nós protestantes, temos
e cremos na auctoridade da Palavra de Deus, as Sagradas
Escripturas, que são a infallivel regra de fé da Egreja
Christã.
. —

— 29 —
Jesus disse aos seus discípulos: — «Si vós me amaes,
guardae os meus mandamentos o que me ama guarda a —
minha palavra». Disse aos judeus que não queriam crêr no
seu caracter messiânico: — «Examinae as Escripturas, pois,
julgaes ter nellas a vida eterna e são ellas que dão teste-
munho de mim». Disse mais aos sadduceus do seu tempo:
— « Erraes, não sabendo as Escripturas nem o poder de
Deus »

Asseverou mais :
— «Nem só de pão vive o homem, mas
de toda a palavra que sahe da boca de Deus.» E que mais ?
Disse aos judeus tradicionalistas: — «E vós por que razão
transgredis o mandamento de Deus, por causa da vossa
tradição ?. . . Hypocritas, bem prophetizou de vós Isaias,
dizendo : este povo me honra com os lábios, mas o seu co-
ração está longe de mim. Em vão, pois, me honram elles,

ensinando doutrinas e mandamentos de homens». Evan-


gelho de S. Matheus 15:3-9. Novo Testamento, approvado
pelo Papa Pio IX.
Ora, isto que Jesus condem na é justa e precisamente
o que faz o Romanismo, que não só de modo algum favo-
rece ao povo a leitura das Sagradas Escripturas, antes as
occulta e até as queima, como, na verdade, tem substituído
osmandamentos divinos por humanos preceitos! Sim, já
vimos como o Novo Testamento, approvado pelo Papa Pio
IX, a pedido de cincoenta bispos, dá este conselho:
— «Convém que o bispo ou presbytero seja casado, é ne-
cessário que o diácono seja esposo de uma só mulher». Não
obstante, a Egreja Romana prohibe —o casamento do
clero, e — exige — que elle seja, contra as leis naturaes, que
são de Deus, celibatário ! O segundo mandamento da lei

de Deus, ordena :
— « Não farás para ti imagem de escul-

ptura, nem figura alguma do que ha em cima no céu, e do


que ha embaixo na terra, nem de cousa que haja nas aguas
debaixo da terra: não as adorarás nem lhes darás culto»,

— — 30

ou — como traduz Chateaubriaud — «não reverenciarás taes

imagens » Biblia do Padre Antonio Pereira de Figueiredo


.

— Êxodo : cap. 20:4-6. Génio do Christianismo, vol. I,

pagina 72.
Pois bem, a Egreja Romana, em completa epntradicção
com essa divina auctoridade, faz imagens de tudo que ha
no céu, na terra e debaixo da terra, e até de maneira a
mais ridicula e desrespeitosa possivel. E' assim que a
imagem de Deus, o Pae, ella o representa como um velho
com os cabellos e barbas longas em completo desalinho.
Na verdade, não é a imagem de um venerando -pae, é a de
um papão! (Risos.)
Jesus Christo, ora tem o typo de um germano, tal o

ruivo de sua barba, o rubro de suas faces, o azul de seus


olhos ; ora o representam amarello como um mongolico e

ora com a tez morena, bronzeada de um verdadeiro cabo-


clo ! Que direi das imagens da Virgem Maria? Basta lem-
brar os seus titulos estupendamente ridículos: — Nossa
Senhora da Penha, do Rosario, das Candeias, do Parto, do
Muquem, da Volta Grande, do Pantano, da Boca Aberta,
do O', e tantas outras! E quão ridículas são as imagens
dessa veneranda e bemdicta Mãe de Jesus Christo ?
Basta lembrai'-vos uma das que dizem ser mais extra-
ordinariamente milagrosas ! Refiro-me á imagem do muito
celebre Sanctuario de Nossa Senhora Bem Apparecida.
Pois bem, esta imagem de Nossa Senhora é cor de cuia —
QUASI PRETA — É FU LA!... (RÍSOs)

Razão, pois, teve o Padre Severiano de Rezende de


vociferar contra a arte dos imaginários catholicos ro-

manos !

O resultado desse completo desrespeito á auctoridade


da Palavra de Deus, é, como vedes, o cultivo da super-
stição e do fanatismo, que extraordinariamente degradam
e aviltam o povo, tornando-o fetichista.
!

— 31 —
Ainda essa infallivel e divina auctoridade da Egreja
Christã — a Biblia — por intermédio do grande Apos-
diz

tolo Paulo: — «Eu mais estimo na Egreja cinco pala-


falar

vras, que eu entenda, para instruir também aos outros, do


que dez mil palavras em uma língua extranha.» I Cor.
capitulo 14:19.
Pois, apesar de não haver uma reeommendação maia
razoável do que esta — a Egreja Romana — em completo

desrespeito á auctoridade apostólica do grande Paulo, em


completo desrespeito á Sagrada Escriptura, — que é a Pala-

vra de Deus — prefere fallar as dez mil palavras na lingu. i

extranha e morta, a lingua latina, que o mesmo clero, do


modo que a engrulha, não a entende !

Seria um nunca acabai', senhores, si tivéssemos de


perpassar todos os preceitos doutrinários e actos lithur-
gicos do Romanismo, que estão em flagrante desrespeit o

a esta divina e infallivel auctoridade da Egreja de Nosso


Senhor Jesus Christo.
Não, senhores, o Protestantismo não é a negação desta
auctoridade da Egreja, da Palavra de Deus. O Roma-
nismo, porém, como vós sois testemunhas, o tem sido, é e

continua a ser
Temos ainda outras auctoridades.
O Novo Testamento claramente revela que Deus em
sua Egreja, estabeleceu, apóstolos, prophetas, evangelis-
tas, doutores, bispos ou presbyteros e diáconos.
Ora, quanto aos apóstolos, prophetas e evangelistas,
segundo a significação restricta desses termos, já não exis-
tem mais na Egreja.
Mas existiram sempre os presbyteros ou bispos e os
diáconos.
Segundo a Sagrada Escriptura, os presbyteros ou
bispos eram de duas categorias, uns que ensinavam, ou-
tros que governavam.
— 32 —
Destes, os que eram docentes pregavam o Evangelho
ministravam os sacramentos e presidiam ao divino serviço
na Egreja.
Que o termo presbytero é synonimo de bispo, e que
o cargo ou officio de presbytero é o mesmo do de bispo,
provamos com a mesma auctoridade catholica romana do
Sr. Huré, em seu Diccionario de Philologia Sagrada,
vol. II, verbo — Episcopus, e vol. III, verbo — Presbyter.
E o próprio S. Pedro o confirma em a sua Primeira
Epistola, capitulo quinto, que assim começa :
— « Esta é,

pois, a rogativa que eu faço aos presbyteros que ha entre


vós, eu, presbytero, como elles, e testemunha das penas

que padeceu Christo, e que hei de ser participante daquella


gloria, que se ha de manifestar para o futuro : apascentae
o rebanho de Deus. . . » Logo, presbytero e bispo verdadei-
ramente são synonimos.
Como, porém, foram estabelecidas estas auctoridades

na Egreja Apostólica?
Vae nos responder o Novo Testamento, approvado
pelo Papa Pio IX.
Abrindo os Actos dos Apóstolos, cap. VI e versiculos
3 a 7, lemos que os sete primeiros diáconos foram esco-
lhidos e « eleitos » pelos christãos, e foram ordenados, não

pela imposição das mãos de S. Pedro, mas pela imposição


das mãos de todos os apóstolos.
Ainda deste mesmo Livro Sagrado, capitulo XVI, ver-

sículo 2, sabemos que Timotheo — presbytero ou bispo —


foi designado pelo bom testemunho dos irmãos, que esta-

vam em Lystra e Iconio, e foi ordenado pela imposição das


mãos, não de S. Paulo só, mas pela imposição das mãos do
presbyterio, como explica o grande Apostolo dos Gentios
em sua I Epistola a Timotheo, cap. IV e versículo 14.

Segundo refere o Novo Testamento, approvado pelo


Papa Pio IX, na Epistola de S. Paulo a Tito, cap. I e vers.
!

— 33 —
5°-9°. « — Os presbyteros deveriam ser eleitos», pois or-
dena o Apostolo : — «Si te deixei em Creta foi para que
regules o que falta e estabeleças presbyteros nas cidades,
do mesmo modo que eu te ordenei. «Elege » o que estiver
sem crime e for marido de uma só mulber, que tenha seus
filhos fieis, que não possam ser accusadoa de luxurias ou
insubordinados.»
Logo, fica bastante evidente que os presbyteros ou
bispos eram « eleitos » pelo povo, e ordenados, não por um
só bispo, mas pelo presbyterio, ou por um presbytero, de-
legado de um presbyterio.
Senhores, até o Apostolo Mathias foi apresentado e
escolhido pela Egreja, como se vê em Actos dos Após-
tolos 1:21.

Ora, as Egrejas Reformadas não só reconhecem essas


auctoridades da Egreja, mas as estabelecem precisamente
como o fizeram os sanctos apóstolos. Aquelles que se
sentem vocacionados pelo Espirito de Deus para o diaco-
nato ou presbyterato são eleitos pelo povo, e, depois, são
solemnemente ordenados pela imposição das mãos dos
presbyterios e assim investidos e installados nos seus
respectivos cargos.
Isto que as Egrejas Reformadas procuram realizar em
plena obediência do Evangelho, a Egreja Romana deixa
de praticar! Ahi, como vós sabeis, não ha eleição de
diáconos, nem de presbyteros, nem de bispos ! Ahi preva-
lece a influencia despótica das nomeações episcopaes, sem
base alguma nas Sagradas Lettras, e cujo resultado é esse
clero imposto ao povo que cada dia mais o desrespeita
Senhores, o fim principal do Padre Julio Maria,
quando accusou o Protestantismo de ser uma negação da
auctoridade da Egreja, certamente foi verberar o nosso es-
pirito de revolta contra o papado. Ora, não achareis real-
mente admirável que, sendo o Papa a suprema auctoridade
3
! !

— 34 —
da Egreja, entretanto não registre a Sagrada Escriptura
esse glorioso e sancto titulo ?
E que mais?
Curioso por saber o que o erudicto Sr. Huré dizia a
respeito desse sagrado termo, procurei-o em vão. Não dá
Não pertence, portanto, á philologia sagrada!... As
palavras papa, purgatório, limbo, missa, cardeal, além de
muitas outras, também ahi não se encontram, porque, de
facto, essas palavras representam auctoridades e logares
que absolutamente não têm razão de ser á luz da Palavra
de Deus
Não obstante, porém, a Egreja Romana assim define

syntheticamente a Egreja: — «Ubi Petrus ibi ecclesia»,

ou «onde está o Papa ahi está a Egreja».


Qual a base bíblica para essa absurda asserção ?

Eil-as : — «Disse-lhes Jesus : Vós, porém, quem dizeis


que eu sou?»
E tomando Pedro a palavra, respondeu : Tu és o
Christo, Filho de Deus vivo. E respondendo então Jesus,
lhe disse : Bemaventurado és Simão Bar-Jona, porque não
foi a carne e o sangue que a ti o revelou, mas sim meu
Pae, que está nos céus. E eu te digo que tu és Pedro, e
sobre esta pedra edificarei a minha Egreja e as portas do
inferno não prevalecerão contra ella. E a ti darei as chaves

do reino dos céus. «Evangelho de S. Matheus, capitulo


XVL15-19.»
Não obstante esta passagem nada absolutamente affir-
mar em referencia ao papado, á supremacia de Pedro e á
sua infallibilidade, ainda assim é ella que serve de base a
todas essas innovações do Romanismo.
Para os catholicos, esta passagem é tão difficil que
muitas vezes a citam falsificadamente! E aqui estão as
provas : Curso Abreviado dc Religião, pelo Padre Jesuíta
P. X. Schouppe, pag. 61. «Christo confirmou estes oráculos
» .

— 35 —
dizendo a Pedro : Sobre ti Pedro edificarei a minha Egreja,
e as portas do inferno não prevalecerão contra ella »

Ontra... «Mais il dit en particulier a S. Pierre : Vous étes

la pierre sur laquelle je batirai mon Église, et les portes

de 1'enfer ne prévaudront point contre elle.>= Bergier, Di-


ctionnaire Theologique, vol. II, pag. 384. Ainda outra:
«Vous étes Pierre, et sur eette pierre je batirai mo»
Église». Huré, vol. II. Dictionnaire de Phylologie Sacrée,
columna 15.

Parece incrível, mas ahi estão as insophismaveis fal-

sificações do texto da Vulgata Latina!


Entretanto, um simples gesto intuitivamente solve a
grande difficuldade do texto ! Podemos sem grande esforço
de imaginação suppôr que na occasião que Jesus proferiu
estas celebres palavras, apontando para o Apostolo Pedro,
dissesse: «Tu és Pedro»; e virando o seu braço em direc-

ção do seu corpo, que haveria de ser sacrificado por nós,


espalmando a mão por sobre o seu magnânimo coração,
accrescentasse : « e sobre esta pedra edificarei a minha
Egreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra
ella.

Ah ! Talvez digaes, sim, as Escripturas Sagradas nada


absolutamente referem sobre este gesto. Tendes razão.
Mas, como vos passo a demonstrar, o propicio texto nos dá
a certeza de que Jesus Christo, e não Pedro, é a pedra
fundamental da Egreja.
E, sinão, vejamos.
Diz o texto :
— «e as portas do inferno não preva-
lecerão contra ella», a pedra, porque se prevalecessem os
poderes infernaes contra o alicerce, a base fundamental da
Egreja, claro fica que esta não poderia subsistir.
Ora, pela expressão «portas do inferno» entendem os
mesmos commentadores catholicos, que significa o poder
do inferno, o poder de Satanaz.
: : !

— 36 —
Conseguinteniente, si S. Pedro tivesse sido de facto a
pedra fundamental da Egreja, jámais o poder, a tentação
de Satanaz haveria de prevalecer contra elle. Elie, Pedro,

o teria sempre resistido, prevalecido e vencido


Entretanto, meus senhores, neste mesmo capitulo, um
facto bem triste vem pôr completamente por terra a pre-
tendida theoria romanista.
Eil-o
— « Desde então começou Jesus a declarar a seus

discipulos, que convinha ir a Jerusalém e padecer muitas


cousas da parte dos anciãos e dos escribas, e dos principes
dos sacerdotes, e ser morto e resuscitar ao terceiro dia. E
tomando-o Pedro á parte, começou a increpal-o, dizendo :

longe isso de ti, Senhor, não acontecerá isso comtigo.


Jesus, voltando-se, disse a Pedro : Retira-te de mim Sa-
tanaz, que me serves de escândalo, pois não sabes as
cousas que são de Deus, mas sim aquellas que são dos ho-
mens.» Versículos 21-23.
Logo, as portas do inferno prevaleceram contra Pedro,
a quem Jesus chamou — Satanaz.
«Retira-te de mim Satanaz.»
Logo, Pedro não é a pedra fundamental da Egreja,
porque contra ella jámais as portas do inferno preva-
lecerão !

Infelizmente deu-se, com o Apostolo Pedro, o se-

guinte facto
— «Então lhes disse Jesus : — Todos vós padecereis
escândalos em mim, esta noite. Porque está escripto : fe-

rirei o pastor e as ovelhas do rebanho serão dispersas. Mas,


depois que eu resuscitar, irei adeante de vós para a
Galiléa.

E respondendo Pedro lhe disse :


— Ainda quando
todos se tenham escandalizado a teu respeito, eu nunca me
escandalizarei.
— 37 —
Jesus lhe tornou: — Em verdade te digo, que nesta
noite, antes que o gallo cante, me has de negar tres vezes.
Pedro lhe disse : — Ainda que seja necessário que eu
morra comtigo, não te negarei.» S. Matheus XXVL31-35.
Não são estas palavras de humana e peccaminosa pre-
sumpção, e até delatoras contra seus companheiros de
apostolado, mais um outro tristíssimo facto attestador de
que os poderes diabólicos da tentação ainda prevaleciam
contra o caracter do Apostolo Pedro ? ! Logo, Pedro não é
a pedra fundamental daEgreja, porque contra ella as portas

do inferno — jámais — prevalecerão !

Continuemos a leitura deste mesmo capitulo, ver-


sículos 50-54 : — « E Jesus lhes disse : Amigos, a que
viestes? Ao mesmo tempo chegaram os outros e lançaram
mão de Jesus e o prenderam. E logo um daquelles que es-
tavam com Jesus, mettendo mão á sua espada, a desem-
bainhou, e ferindo a um servo do príncipe dos sacerdotes,
lhe cortou uma orelha. Então, lhe disse Jesus : — « Mette a
espada no seu logar; porque todos os que tomarem espada,
morrerão á espada. Acaso julgas que não posso rogar a
meu Pae e me enviará em um momento mais de doze
legiões de anjos? Como, pois, se cumprirão as Escripturas,
que assim convém que se faça?» (Vide Ev. de S. João
XVIII-10.)
Portanto, mais uma vez reprehendido o Apostolo, por
um proceder impróprio da caridade christã, que deve amar
os seus inimigos, os poderes da tentação prevaleceram
contra elle e, conseguintemente, não é a pedra fundamen-
tal daEgreja, — porque contra ella as portas do inferno
não prevalecerão.
Ha, senhores, neste mesmo capitulo, outro facto ainda
muito mais triste!

Quando o Senhor Jesus estava sendo alvo de atroz


zombaria no pretório da casa de Caifaz, «estava Pedro
! — :

— 38 —
assentado fora do pateo ; e chegou a elle unia servente, di-
zendo: — Tu também com Jesus Galileu Mas
estavas —
elle negou deante de todos, dizendo: Não sei o que tu
dizes. E sahindo elle á porta, outra servente o viu e disse
para os que alli estavam: Este também estava com Jesus
Nazareno. E segunda vez negou com juramento, dizendo
Não conheço esse homem. Pouco depois chegaram aquelles
que alli estavam e disseram a Pedro : Verdadeiramente tu
também és delles, porque a tua falia te dá a conhecer.
Então começou a fazer imprecações e a jurar, que não
havia conhecido aquelle Homem. E immediatamente
cantou o gallo». Versiculos 69 a 74.
Logo, o pobre Pedro, que tão tristemente cahiu na
tentação diabólica de negar, até com juramento, que co-
nhecia o seu Divino Mestre, — não é a pedra fundamental

da Egreja, porque contra ella, disse Jesus, as portas do

inferno — não prevalecerão !...

E' certo que Pedro chorou amargamente o seu vilis-

simo e até blasphemo proceder.


Jesus caridoso, como divino ser que é, o perdoou —
e Pedro foi rehabilitado de modo a poder exercer o pas-
como os demais apóstolos, na Egreja, quer sobre
torado, as

membros maiores, quer sobre os cordeiros,


ovelhas, os os

membros menores. Ev. S. João XXL15-19.


Senhores, os catholicos romanos, não podendo con-
testar estes factos, que claramente provam que os poderes
infernaes prevaleceram contra Pedro e que não pôde ser
elle e não é a pedra fundamental da Egreja, fazem iniciar
a existência histórica da supremacia do Apostolo desde a
descida do Espirito Sancto. Ora, da passagem que estamos
analysando não se pôde inferir tal supposição, porque alli

claramente se affirma que as portas do inferno — não pre-

valecerão contra a Pedra da Egreja, em todo e qualquer


tempo
! ! —

— 39 —
Também os commentadores catholicos fazem uma so-

phistica distincção entre — impeccabilidade e infallibili-

dade. Dizem elles que Pedro não era impeccavel como


homem, mas era infallivel quando tinha de decidir ques-
tões de fé, de doutrina: questões dogmáticas. Ora, que esta
distincção de termos é sophistica, percebe-se intuitiva-
mente, porque todo o peccado importa fallibilidade, assim
como ser infallivel importa ser impeccavel.
Peccado é, não sómente um acto concreto, um delicto
consummado, mas é qualquer falta de conformidade com a
Lei de Deus, ou qualquer transgressão dessa Lei. E si o
apostolo Pedro podia peccar, e de facto peccou, logo, era
e foi fallivel

Mas, por amor do argumento, concedamos que assim


fosse.

Os factos ainda esmagam e destroem a theoria


papal
Abrindo-se a Epistola de S. Paulo aos Gaiatas, encon-
tramos o seguinte :
— «E tendo conhecido a graça, que me
foi dada, Jacob, Cephas e João, que pareciam ser (notae a
força desta forma verbal: pareciam ser!) as columnas,

nos deram a mão, a mim e a Barnabé, em signal de par-


ceria, para que nós pregássemos aos gentios e elles aos
circumcidados.. Ora, tendo vindo Cephas (Pedro) á An-
tiochia lhe resiste em sua face, porque era reprehensivel.
Porque antes que chegassem os que eram enviados por
Jacob (Thiago) comia com os gentios ; mas depois que
chegaram, substrahia-se, e separava-se temendo escanda-
lizar aos que eram circumcidados. E os outros judeus con-
sentiram na sua dissimulação, de sorte que Barnabé foi
induzido por elles áquella dissimulação.
Mas quando vi que não andavam directamente con-
forme a verdade do Evangelho, disse a Cephas (Pedro),
diante de todos : Si tu, sendo judeu, vives como os gentios
:!

— 40 —
c não como judeu, por que obrigas os gentios a judaizar
Epist. de S. Paulo aos Gaiatas, 11:9-14.
S. Pedro, não procedendo, em uma questão de dou-
trina, de accordo com a verdade do Evangelho ; dissimu-
lando com os judaizantes, e arrastando Barnabé e outros a
tão triste quão perturbadora dissimulação, por tal modo
deixou prevalecer a tentação contra o seu caracter christão,
que o Apostolo Paulo foi constrangido a publicamente re-
prehendel-o ! Logo, Pedro peccou e falliu ! Peccou, porque
«dissimulou com os judaizantes» ;
falliu, porque judaizar
era praticamente manter a necessidade do ritualismo ju-
daico, que não mais tinha razão de ser, visto ter Jesus

cumprido toda a Lei. Esse ritualismo era a sombra de


Christo. Jesus, porém, proclamara do alto do Calvário —
Consummatum est. Tudo está cumprido ! Assentir com o

partido judaizante era acoroçoar o principal elemento per-


turbador que tanto mal fez á Egreja Apostólica ! Falliu,
— porque
assevera S. Paulo, inspirado pelo Espirito Sancto
não se conduziu na conformidade do Evangelho Logo — !

Pedro não é a pedra fundamental da Egreja, porque


«contra ella», disse Jesus, «as portas do inferno não pre-
valecerão» !

A segunda accepção da palavra — inferno — na Es-


criptura Sagrada, é a de sepultura. E certamente todos os
romanistas sabem que os poderes da morte prevalecem
sobre a sepultura de S. Pedro — porque elle ainda não
resuscitou. Logo, as portas do inferno, ou da sepultura,
ainda prevalecem contra Pedro ! E, portanto, elle não é a
pedra fundamental da Egreja !

Senhores, os característicos distinctivos da pedra fun-


damental da Egreja, não os realiza Pedro, nem Apostolo
algum, mas os realizou Christo que, nos últimos dias de
sua vida, levantando altisonantemente a sua voz, clamava
— Quem me pôde arguir de peccado ?
! — :

— 41 —
Logo, Jesus foi, é e será impeccavel e infallivel!

E unicamente Elie é a Pedra Fundamental da Egreja!


A maldicta serpe infernal, por mais que em suas
doudas espiraes procurasse sequer ferir o calcanhar do
Divino Mestre, jamais o pôde conseguir!
Plenamente vencedor da morte e de Satanaz, eil-o que
resurge, confirmando as palavras do nosso texto : —E as
portas do inferno não prevalecerão contra ella!..,
E' simplesmente espantoso que espiritos illustrados,
como o do Sr. Padre Julio Maria, possam acceitar uma
doutrina que Jesus Christo persistentemente procurou
banir, e de facto baniu, dos espiritos de seus apóstolos.

Referem os evangelistas S. Matheus e S. Marcos que


a mãe de Thiago e João solicitara de Jesus que os seus
filhos se assentassem, um á direita, outro á esquerda, no
seu reino. Jesus não accedeu ao pedido dessa boa e pie-
dosa mãe, mas, notando que os outros apóstolos se haviam
indignado, disse-lhes :
— «V ós sabeis que os príncipes das
gentes dominam os povos, e que os que são maiores exer-

citam poder sobre elles. Não ha de ser assim entre vós


mas o que quizer entre vós ser o maior, seja o que vos
sirva, e o que quizer ser de vós o primeiro, seja o vosso
servo. Assim como o Pilho do Homem não veiu para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em redempção
por muitos». Matheus XX:20-28, Marcos X:32-45.
Apesar de Jesus — o Cabeça da Egreja — emphatica-
mente dizer, ordenar — «não ha de ser assim entre vós»
não obstante, a Egreja Papal insiste em proclamar a Pedro
— príncipe dos apóstolos !

Referem, ainda, os evangelistas S. Matheus, S. Marcos


e S. Lucas, que certa occasião veiu ao pensamento dos
apóstolos querer saber qual delles seria o maior no reino
do céu, isto é, na Egreja. «Mas Jesus vendo o que se pas-

sava nos seus corações, tomou um menino, e o poz no meio


— 42 —
delles e disse : Em verdade vos digo que se vos não con-
verterdes e fizerdes como meninos, não entrareis no reino
dos céus.
Qualquer, pois, que se humilhar, como este menino,
este é maior no reino dos céus.» S. Matheus XVIII:l-4;
S. Marcos IX:32-37 ; S. Lucas IX-.46-48.
Apesar dessa bellissima exhortação, a estulta vaidade

humana de Gregorio VII sonhava ver os reis da terra de


joelhos a lhe beijarem os pés!
Não procedeu assim e não ordenou tal proceder Jesus
Christo, Nosso Senhor. Muito pelo contrario.
Approximava-se a hora do martyrio do Divino Mestre.
Reunidos no Cenáculo, para celebrar a redeinpção de
Israel, pela ceia paschoal, na occasião, talvez, de se assen-

tarem á mesa, eis que novamente invade o espirito dos dis-

cípulos de Jesus a idéa de saber qual delles seria o maior!


O Divino Mestre, ao presentir, naquella ultima hora,
a maldicta persistência de tão vaidoso sentimento, «levan-
tou-se da mesa, depoz suas vestiduras e, pegando em uma
toalha, se cingiu. Depois, deitou agua em uma bacia e co-
meçou a lavar os pés dos seus discípulos e a limpar-lh'os
com a toalha com que estava cingido. Chegando logo a
Simão Pedro, este lhe disse: — Senhor, tu a mim me lavas
os pés?
Respondeu Jesus e lhe disse: — O que eu foço tu não
o sabes agora, ao depois o saberás. Disse-lhe Pedro (mais
uma vez deixando prevalecer as portas da tentação!...) —
Não me lavarás os pés jámais.
Respondeu-lhe Jesus : — Si eu te não lavar os pés, não
terás parte commigo.
Disse Simão Pedro : — Senhor, não somente os pés,
mas também as mãos e a cabeça !...

E depois que lhes lavou os pés e tomou as suas vesti-


duras, tornando-se a pôr á mesa, lhes disse: — Sabeis©
! ! ! !

— 43 —
que vos fiz? Vós me chamaes Mestre e Senhor; e dizeis
bem porque o sou. Si, pois, eu, sendo Senhor e Mestre,
vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos
outros. Porque vos dei o exemplo, para que assim como eu
vos fiz, assim também o façaes. Em verdade, em verdade
vos digo: Não é o servo maior que o seu senhor, nem o
enviado é maior que aquelle que o enviou. Si sabeis estas
cousas, bemaventurados sereis, si as praticardes.» Evan-
gelho de S João XIIL4-17 e S. Lucas, XXIL24-30.
Certamente, jamais desappareceu da memoria dos
apóstolos aquella tocante e impressionantíssima licção de
humildade
Oh ! Jesus, de joelhos, a lavar os pés de seus dis-
cípulos !

Foi tão profunda essa inesquecível impressão, que


nunca mais questionaram qual delles seria o maior!

Não, assim, meus senhores, com os pretensos succes-


sores de Pedro e vigários de Christo
Estes entram na cathedral de S. Pedro, carregados aos
hombros dos homens, como si fossem deuses Proclamam
!

sua realeza e infallibilidade e mui humildemente ainda


julgam que os reis da terra, de joelhos,, lhes devem beijar
os pés! !...

Que elles, cégos pela miserável estultícia da ambição


humana, o queiram, não nos admira tanto, mas que homens
illustrados como o Sr. Padre Julio Maria pretendam crel-o,
é de se pasmar
Entretanto, não resta a menor duvida que, durante o
ministério de Christo, não houve tendência mais com-
batida do que esta de primasia, entre os discípulos de
Jesus.
Como, pois, a Egreja Romana não escrupuliza de
affiraal-a? E' que as portas do inferno, verdadeiramente,

estão prevalecendo contra ella!


— 44 —
Senhores — que Jesus Christo é de facto a pedra fun-
damental da Egreja, temos sobejas provas no Velho e Noto
Testamentos. E, para que a este respeito não perdure em
vosso espirito o menor resquicio de duvida, vejamos os
ensinos apostólicos revelados neste Novo Testamento ap-
provado pelo Papa Pio IX.
S. Paulo, em sua Epistola aos Ephesios, capitulo se-
gundo e versiculo vinte, assevera o seguinte : — «Edificados
sobre o fundamento dos apóstolos e prophetas, sendo Jesus
Christo a principal pedra angular».
O Sr. Huré refere, que por esta pedra angular se en-
tende aquella da qual depende a estabilidade e segurança
do edifício. (Obr. cit., vol. HE, pag. 1.316.)
Logo, Jesus, e não S. Pedro, é a pedra fundamental
da Egreja.
Ainda, o grande Apostolo dos Gentios assim se exprime
em sua Primeira Epistola aos Corinthios, capitulo III e
versículos 9 a 11 : «E ninguém pôde pôr outro fundamento
sinão o que foi posto, que é Jesus Christo.» A nota a esta
passagem, commentando o texto, diz: — « O fundamento
da Egreja de Deus è Jesus Christo e a sua doutrina, ou a
fé que nelle obra pela caridade.»
Não obstante este bom commentario, approvado pelo
Papa e pela Egreja, eis que o clero persiste em ensinar
que Pedro é a pedra fundamental da Egreja! !...

Realmente, não vos parece incrível ! ?

Attendamos ao testemunho do próprio Apostolo


Pedro.
Quando elle, como os demais apóstolos, usou do poder
dos chaves — pela pregação do Evangelho — para receber
ao grémio da Egreja os primeiros convertidos, fallando do
Salvador, disse : « Este Jesus é a pedra que foi reprovada
por vós, que edificáveis, a qual tem sido posta na cabeça
do angulo.» Actos dos Apost. IV:11.
! ! !

— 45 —
O commentario, feito a este versículo, pelo Padre
Glaire, diz: — «esta pedra é jesus. Coxvfronte-se Matheus
XXI:42-45.»
Attendendo á vontade do bom Padre, eis o que en-
contrámos : — «Jesus lhes disse : Nunca lestes nas Escri-
pturas: A pedra que reprovaram os que edificavam, essa
foi posta por cabeça do angulo. Pelo Senhor foi feito isto e

é cousa maravilhosa aos nossos olhos !

Por isso vos digo que vos será tirado o reino de Deus
e será dado a um povo que faça os fructos delle.

E aquelle que cahir sobre esta pedra será quebrado


sobre quem ella cahir ficará esmagado.»
Não admira, pois, a queda assombrosa da Egreja
Papal
Ella, fria e persistentemente, tem repudiado a Christo,
como seu fundamento, e eis que, depois de perder os paizes
— que hoje são protestantes — os seus frades, as suas frei-

ras, o seu clero estão sendo expulsos daquelles paizes


que eram considerados como os seus mais predilectos
filhos

A' luz de todos os Sagrados Auctores, não resta a


menor duvida, esta é uma verdade incontestável : Jesus
Christo é a pedra fundamental da Egreja !

Senhores, que os suppostos successores de S. Pedro


jamais poderão ser o infallivel fundamento da Egreja —
porque as portas do inferno têm prevalecido contra elles
— é um facto centenas, milhares de vezes comprovado na
historia do papado !

Abramos os auctores ecclesiasticos do Romanismo, e

elles nos dirão que os Papas Zepherino (217) e Calixto I

(232) se deixaram corromper pelas doutrinas de Praxea>


de Neocio e de Sabelio, segundo o depoimento de S. Hip-
polyto, (Vide Revelações do Século III, primeiros ca-
pítulos).
! !

— 46 —
Logo, elles foram não só peccaveis mas extraordinária
e herecticamente falliveis ! Logo, as portas do inferno pre-
valeceram contra elles

Antes destes, o Papa S. Victor, no Concilio Ronia-


num (197), excommungou os asiáticos quartodecianos.
Essa excommunhão, mal fundamentada, foi desprezada, e
até S. Irineu, do Concilio Lugdunense, escreveu uma carta
ao Bispo de Roma, aconselhando-o a seguir o exemplo dos
seus predecessores e a não romper a communhão com os
asiáticos. Ducreux, Historia Ecclesiastica, vol. I, pags. 163
a 167.
Eis ahi como era peccavel e fallivel o tal São
Victor!
O Concilio Carthaginense III, presidido por S. Cy-
priano, reprehendeu o Bispo de Roma, S. Estevão, por ter
tido a presumpção de intitular-se Bispo dos Bispos ! Obr.
cit. vol. I, pag. 233.
Mas hoje... si S. Cypriano resuscitasse, que não diria

do Bispo de Roma, que é Bispo Universal —Vice Christo,


etc, etc. ?
Liberio (352) e Felix I (483) foram dous Papas que
eahiram na heresia de Ario ! (Ducreux, vol. I, pags. 374,
395 e vol. II, pag. 135).

Quando estes Papas chegaram a esposar a heresia de


Ario, que importava a negação da Divindade de Christo,
é porque não só elles eram peccaveis e muitíssimo falliveis

mas é porque os poderes do inferno já tinham prevale-


cido, e até já haviam conquistado a cadeira episcopal
de Roma!
Os Papas S. Simplicio e Zózimo também foram ludi-

briados pelos arianos e pelos pelagianos, apesar de suas


pretensas infallibilidades ! Isto é: — as portas do inferno

também prevaleceram contra elles!... (Ducreux, vol. II,

pags. 126 e 131).


! ! !

— 47 —
Os Papas Gregorio Magno e Pelagio II protestaram
contra o Bispo de Constantinopla intitular-se Bispo Uni-
versal. Aquelles Papas disseram que similhante titulo era

diabólico, infernal e ara ti-christão ! Mas o Papa Bonifacio


III não seguiu esse parecer e, apesar da infallibilidade de
seus antecessores, acceitou — não da Escriptura Sagrada,
nem de alguma miraculosa revelação do céu — mas do
usurpador e tyranno Imperador Phocas — o titulo de Bispo
Ecuménico /... (Ducreux, vol. III, pags. 308 a 435).
Logo, as portas do inferno prevaleceram e completa-
mente venceram
O Papa Honorio (625) foi tão hereje que o sexto
concilio geral de Constantinopla excommungou sua exe-
cra vel memoria ! (Ducreux, vol. III, pag. 430).

Portanto, senhores, os poderes infernaes triumpkaram,


comprovando que o Papa Honorio, além de peccavel, foi

fallivel até a mais execravel heresia anti-christã


Em pleno Concilio Romcunum (896), Estevam IV
mandou desenterrar o cadáver do seu predecessor, o Papa
Formoso, reprehendeu-o, despojou-o dos hábitos sagrados,
mandou cortar-lhe os tres dedos da mão, com os quaes
costumava abençoar os seus amigos, talvez até á terceira e

quarta geração ;
apunhalou diversas vezes o cadáver,
mandou decepar a cabeça e, depois, ordenou que lanças-

sem o profanado corpo do sanctissimo e infallivel collega

no rio Tibre ! !

Não satisfeito com todo esse execravel proceder, de-

clarou ainda, por essa occasião, nulla a eleição de Boni-


facio VI, por ter sido degredado duas vezes ! (Ducreux,
Historia Eccl., volume III, pag. 363).
Como tudo isto proclama, senhores, numa tremenda
ironia, a infallibilidade papal ! Oh certamente, mais uma
!

vez as portas do inferno provaram estar em pleno e com-


pleto dominio da cadeira papal occupada, não por uni
! !

— 48 —
representante de Christo, mas por um fidelíssimo repre-
sentante do Diabo
Para coroar essa celeberrima infallibilidade de papas
e concílios, João IX em pleno concilio (Roma 898) annullou
tudo quanto fez o sancto e infallivel Estevão VI ! ! (Du-
creux, vol. III, pag. 364).
Ah ! senhores, lêde a historia ecclesiastica do século
decimo em diante, e vós vos horrorizareis dos monstros,
que occuparam a cadeira papal
Papas, filhos de papas, vassalos das desbriadas Maro-
sias e Theodoras ! !

Papas libidinosos como Sergio III, como João XII,


como Benedicto IX, que foi eleito aos 12 annos! !...
Papas, caridosos como Gregorio V, que depoz João
XVI, o despiu de seus hábitos pontificaes, mandou cortar-
lhe o nariz e, neste miserabilissimo estado, o fez montar
num jumento (virado para trás) a segurar a cauda do animal
á guiza de rédea!...
Papas como Alexandre VI, o celebre Borgia — o Ca-
tilina dos Papas que teve dezeseis filhos illegitimos e
QUE SÓ PROCUROU ENRIQUECEL-OS ! !...

Papas,como Innocencio III, o fundador da negregada


Inquisição Papas, como Gregorio XIII, que, com um
! !

Te-Deum, festejou, em Roma, a matança dos Hugue-


notes! !...

Senhores, todos estes factos negrejantemente ma-


culando para sempre as paginas da Historia, que é que
affirmam sinão que a fallibilidade e a peccabilidade dos
papas plenamente, insophismavelmente attestam que as
PORTAS OU PODERES DO INFERNO TRIUMPHARAM SOBRE A
EgREJA DE ROSIA ?

A' luz desse maldicto amontoado de factos, como é


possível crêr-se, confiar-se, em similhante usurpadora e
monstruosa auctoridade papal ?
! !

— 49 -
Senhores, á luz dos escriptores evangélicos, jámais
S. Pedro esteve sequer em Roma ! !...

Da cidade de Roma, onde esteve preso por duas vezes


e onde foi martyrizado, o grande Apostolo Paulo escreveu
diversas epistolas e em nenhuma fez menção do Apostolo
Pedro, não obstante mencionar muitos outros nomes de
crentes, homens e mulheres, que até não tinham posição
ecclesiastica propriamente dieta.

Ora, este mysterioso silencio somente tem esta expli-


cação: — é que S. Pedro, até a morte de Paulo, jámais
foi bispo de Roma!
Incontestavelmente S. Pedro nunca foi Papa
Senhores, é tempo do nosso povo abandonar essa
ignóbil auctoridade papal e seus falsissimos dogmas, para
UNICAMENTE FUNDAMENTAR SUA FÉ EM JESUS ChRISTO E EM
sua sanctissima palavra. Só então firmará sua crença
sobre a inabalável Rocha dos Séculos, contra a qual as
portas do inferno jámais prevaleceram e jámais preva-
lecerão !

Assim fazendo, tornar-se-á o nosso povo abençoado


no tempo e bemaventurado na eternidade
(O orador ao descer do sagrado púlpito foi abraçado
e felicitado por innumeras pessoas).
: ;

TERCEIRA CONFERENCIA

O Catholicismo Protestante não importa unia


negação politica

Senhores
Demonstrado histórica e escripturisticamente que o
Protestantismo jámais foi e não ê uma negação religiosa,

antes, muito pelo contrario, é e será, Deo volente, a mais


pura realização e a mais poderosa e efficaz propagação das
sacrosanctas doutrinas de Nosso Senhor Jesus Christo
demonstrado que o Catholicismo Protestante jámais foi e

não é a negação das verdadeiras e legitimas auctoridades


da Egreja, segundo os clarissimos ensinamentos das Sa-
gradas Escripturas ; — resta-me refutar a terceira e falsa
asserção do illustre redemptorista e Padre Dr. Julio Maria,
quando affirmou — que o Protestantismo importa uma ne-

gação politica.
Cordealmente agradecendo a magnânima benevo-
lência de vossos corações em me dispensardes attenção,

já que é do agrado de Deus servir-se das cousas vis e des-

prezíveis para confundir as fortes, daquellas que não são


;;

— 52 —
para confundir aquellas que são, rogando-lhe seu illumi-
nador e divinal auxilio, nesta pugna pela verdade,
principio.

Senhores, vamos nos recordar das desinvolvidas con-


siderações do Rev. Padre Dr. Julio Maria em sua «Sexta
Conferencia da Assumpção» pags. 2 e 3.

«O philosophismo protestante, apagando nos espíritos


toda a influencia do Espirito Sancto e substituindo-o pela
rebeldia, a discórdia e o orgulho ; enfraquecendo a religião

obliterando nos espíritos a noção do Evangelho; abalando


nos corações o sentimento de humildade, tomou-se o maior
dissolvente da hierarchia social. Muitos pensam que o
Protestantismo é apenas uma negação religiosa; mas, como
demonstra illustre publicista catholico, o philosophismo
protestante encerra implicitamente uma negação politica

a negação da Egreja implica a negação da auctoridade do


Estado. Na França, na Inglaterra, na Allemanha, por
exemplo, as guerras religiosas tornaram-se verdadeiras se-

dições politicas.
Si o homem não tem o dever de respeitar a auctori-
dade da Egreja, não tem o dever de respeitar a auctori-
dade do Estado ; si não deve submetter-se a Deus, aos
poderes divinos, não deve submetter-se aos governos, aos
poderes humanos. Si a Inglaterra, diz o citado publicista,
não obstante o Protestantismo, conseguiu manter a ordem
constitucional, e parece assim desmentir o espirito peculiar

á seita do livre exame, foi porque, acceitando a Reforma na


ordem religiosa, energicamente repelliu-a na ordem po-
litica; encerrou-se no seu passado; com uma suprema te-

nacidade manteve as instituições e liberdades de que o


Catholicismo a tinha dotado ; absolutamente não consentiu
! !

— 53 —
que o philosophismo protestante penetrasse nessa es—
phera.»
Ora muito bem. Desde que as premissas da argumen-
tação do Rev. Dr. Julio Maria são falsas, necessariamente
falsas hão de ser suas irrisórias conclusões.
Comprovado que o Protestantismo não é e nunca
foi uma negação religiosa, nem uma negação das legitimas
auctoridades da Egreja, como demonstrei em as duas con-
ferencias anteriores, segue-se, segundo a argumentação do
illustre redemptorista, que o Protestantismo não importa
uma negação politica

Diz o Sr. Julio Maria: «Si o homem não tem o dever


de respeitar a auctoridade da Egreja, não tem o dever de
respeitar a auctoridade do Estado; si não deve submetter-
se a Deus, aos poderes divinos, não deve submetter-se aos
poderes humanos.»
Ora, o Protestantismo, senhores, ensina que é dever
do homem submetter-se a Deus e ás auctoridades por Elie
instituídas; logo, o Protestantismo, nem importa a negação
da verdadeira politica ecclesiastica, nem importa, tão
pouco, a negação da politica civil e social.
Está por terra, portanto, a sophistica, a falsissima ar-
gumentação do Rev. Padre Dr. Julio Maria.
Entretanto, senhores, contando com a indulgência de
vossos corações, vamos considerar seguidamente as teme-
rárias e inveridicas asserções do illustre orador da Cathe-

dral da archidiocese do Rio de Janeiro.


1." O philosophismo protestante, apagando nos espí-

ritos toda a influencia do Espirito Sancto...

Estupenda asserção gratuita!


Como poderá o Sr. Julio Maria saber que o Catholi-
cismo Protestante apaga no espirito dos seus crentes a in-

fluencia do Espirito Sancto ?


Certamente não ha melhor critério para tal julga-
— ! !

— 54 —
mento sinão aquelle indicado por Jesus Christo, quando
disse: — «A arvore se conhece pelos seus j rácios.»

Muito bem.
E quaes são os fructos do Catholicismo Evangélico
que attestem estar elle a apagar a influencia do Espirito
Sancto no coração do seu povo ?
«O Espirito Sancto, disse Jesus Christo, é o grande
ensinador da Egreja: «-Elie vos ensinará todas as cousas.»
S. João XIV:26.
Onde medra, onde se propaga o Catholicismo Evan-
gélico ou Protestante, ahi se multiplicam as escholas pu-
blicas e particulares de modo a se fazer luz nas intelligen-
cias que cultivam as sciencias reveladas na grande Biblia-
Natureza, como, igualmente, as sciencias naturaes e
exactas, philologicas e philosophicas, que se relacionam
com a Biblia-Revelada. Sim, a instrucção vence, anniquila
o analphabetismo, reduzindo-o a menos de um por cento,
como na Allemanha, na Suissa, na Suécia e Noruega, onde
não ha praticamente quem não saiba ler e escrever

Certamente, este facto attestador de luz é, para o Sr.


Dr. Julio Maria, attestador da maldicta influencia do Ca-
tholicismo Protestante, em apagar nos espíritos a influencia
do Espirito Sancto!...
Agora, onde medra o Catholicismo Papal, ahi impera
a ignorância, como, por exemplo, todas as republicas ca-
tholicas romanas da America, onde a porcentagem chega
a subir até uns ...oitenta por cento de analphabetos ! Como
na velha Europa : França, Áustria, Hespanha, Portugal,
onde a porcentagem dos ignorantes, dos trevosos analpha-
betos, vae de vinte e cinco por cento até sessenta por cento

e mais ! !

Está claro, pois, que, onde medra o analphabetismo, a


ignorância e a treva, para o Sr. Julio Maria, ahi irradia a
instructora e illuminadora influencia do Espirito Sancto
!

— 55 —
Ah ! Sr. Padre Julio Maria, si a luz que ha em vossa
reverendíssima é treva • — quão grande não serão, na ver-
dade, as trevas do Romanismo í !
Senhores, o Espirito Sancto não é só o illuminador do
espirito para que o homem comprehenda todas as cousas,
mas o é para que o homem paute, determine a sua con-
ducta e vida pelo caminho do bello, do justo e do bem.
O Espirito Sancto é o que converte, regenera c san-
ctifica o homem que, no uso de sua própria liberdade, não
resiste, não despreza os convites para a salvação.
Ora, em qual destes dous grandes grupos haverá mais
provas da influencia- do Espirito Sancto : será no Catholi-
cismo Romano ou no Catholicismo Evangélico ?
Sim, já vimos que, quanto á instrucção publica e par-
ticular, o Catholicismo Evangélico determina uma in-
fluencia bemdicta; emquanto que o Romanismo, pela
crassa ignorância do povo até o analphabetismo, em sua
maioria absoluta, está evidenciando a ausência da divina
illuminação do Espirito Sancto.
Já vimos também, em a primeira conferencia, que a
influencia do Romanismo nos costumes é também incom-
paravelmente peior que no Catholicismo Evangélico, em
cujos paizes a estatística de immoralidade accusa quatro
por cento de filhos illegitimos; emquanto que nos arraiaes
dominados pelo Papa e seu celibatário clero, a porcen-
tagem vae de vinte e cinco por cento até exceder, em
muito, a dos filhos legitimos
Naquella occasião, eu vos citei palavras do Sr. Dr.
Ruy Barbosa, em uma nota, somente na parte referente á
Áustria. Mas o illustradissimo Senador continua a mesma
nota, á pag. 241 de sua monumental Introducção, onde se

lê o seguinte :
— «O nivel, a força, a extensão do ultra-
montismo é indubitável que crescem continua e desemba-
raçadamente em França. Entretanto, o nivel da moralidade
!

— 5b —
baixa acceleradamente na mesma proporção. E' que o
Univers foi obrigado a confessar, a 9 de outubro de 1873,
á vista de documentos estatisticos da criminalidade na-
quelle paiz. Alli, no paiz por excellencia ultramontano,
aquelle orgam clerical chega a reconhecer (31 de dezembro
de 1874) que o nivel moral é inferior ao da provincia chi-

neza de Puh-Kien. Não fizemos á França a injustiça de sub-


screver sem restricções essa injuria da insaciabilidade
clerical, sempre despeitada, até com as victimas da sua
influencia incompetente. Mas que os costumes têm descido
a um gráu de immoralidade angustiadora, é inquestionável.
Haja vista a famosa dissertação de onanisma conjugali
(!!!) publicada na monumental collecção de Friedrich,
Docum. I, pags. 239 a 246. Essa memoria, que suscitou
uma impressão de náusea em Inglaterra e Allemanha
(Wallom Le Clergé de Quatre-vingt-neuf pag. 575) era a
revelação solemne e official por parte da Egreja Franceza
da mais sórdida perversão dos costumes domésticos.»
Ah ! senhores, e ainda diz fria e impassivelmente o
Sr. Dr. Julio Maria que o Protestantismo é que apaga nos
espiritos a influencia regeneradora do Espirito Sancto ?
Ah ! senhores, até em nossa amada Patria, o facto ver-
dadeiro e comprovador do que se deu em Roma, em 1876,
é este : onde predomina o beaterio, o carolisrao c o clero,

ahi campeiam a hypocrisia e muita immoralidade ! ! ! (Ap-


plausos.)
E depois, senhores, por que não hei de ser mais
precizo ?
Confrontae-nos, nós, o clero evangélico, em nossa
vida civil e particular; em nossa vida social e politica; em
o nosso ministério na Egreja, na Sociedade e na Familia;
e vós haveis necessariamente de nos fazer justiça, reconhe
cendo que, em nosso proceder, natural e espontaneamente
se evidencia o nosso empenho de sermo3 obedientes aos
— 57 —
impulsos e ás instrucções do Divino Espirito Sancto! O
clero romanista, porém, é tão desprestigiado, que nem o

próprio povo catholico o tem na devida consideração!...


Confrontae, senhores, as nossas communidades. Aqui,
ha disciplina, desde o Pastor e Ministro do Evangelho, até
os cordeirinhos de Jesus. Certo que a Egreja militante de
Christo será sempre similhante a um campo, onde o bom
pastor semeou trigo e o inimigo semeou cisania. Na Egreja
haverá sempre crentes sinceros e hypocritas, como entre
os doze apóstolos houve também um Judas. Mas, ainda
assim, confrontae as egrejas romanistas com as do Catho-
licismo Evangélico em nosso paiz. Aqui vereis disciplina,
ordem e respeito no culto publico aqui
;
se procura realizar

o ensino de Jesus, quando disse: — «Mas, si teu irmão


peccar contra ti, vae, corrige-o entre ti e elle só. Si te ouvir,

lucrado terás a teu irmão. Si não te ouvir, toma ainda com-


tigo um ou dous para que na bocca de duas ou tres teste-

munhas permaneça toda a tua palavra. Si, porém, os não


ouvir, dize-o á Egreja: e si não ouvir á Egreja, irata-o
como a um gentio e um publicano.» Evangelho de S. Ma th.
XVIIL15 a 17.
De accôrdo com estes preceitos, nós exhortamos aos
que se tornam infiéis aos preceitos das Sagradas Escrip-
turas e se conduzem deshonestamente, e, uma vez que não
attendam a essas caridosas admoestações, são elles sus-

pensos do uso da communhão ou até mesmo expulsos da


Egreja.
«Não vos enganeis : nem os impudicos, nem os idola-
nem os adúlteros, nem os effeminaãos, nem os ladrões,
tras,

nem os avarentos, nem os ébrios, nem os maldizentes, nem


os roubadores, hão de possuir o reino de Deus.» I Cor.
VL9-10.
No Catholicismo Romano, porém, não é assim. Alli, só
se excommunga quem é maçon ou protestante Os incre- !
! ! ! ! :

— 58 —
dulo?, os livres pensadores e os materialistas, e até mesmo
os maçons, fazem baptizar os seus filhos e têm missas suf-

fraganeas, uma vez que alguém as pague ! Alli, as mere-


trizes, os jogadores, os crápulas, ainda que morram sem
confissão, não são excluidos ou excommungados mas —
obtêm missas e missas em suffragio de suas almas

Ora, dizei-me, senhores, si tal Egreja offerece prati-


camente o attestado de possuir em si a influencia purifi-

cadora do Espirito Sancto — ella que possue em seu seio


um dos ministérios mais corrompidos do mundo '? ! (Vozes
muito bem !)
Não, senhores, os factos altisonantemente clamam que
si ha uma Egreja que tenha concorrido para apagar a in-

fluencia do Espirito Sancto, em sua communidade, esta,

incontestavelmente, é a Egreja Romana


2.° Diz o Sr. Julio Maria que o Protestantismo... «sub-
stituindo-a (a influencia do Espirito SanctoJ pela rebeldia,
discórdia e orgulho...»

E' simplesmente admirável que o Sr. Padre Julio


Maria affirme que o Protestantismo cultiva a rebeldia, a
discórdia e o orgulho, e não se recorde que rebelde é a
Egreja Romana que não quer obedecer a Christo e sua
Divina Palavra
Já citámos os trechos das Sagradas Escripturas que
ordenam : «Convém que os bispos ou presbyteros e diáconos
sejam casados.» E ella — rebelde — ensina o contrario e
diz, contra toda a damnosa evidencia dos factos: — Não
convém que sejam casados Hão de ! ser celibatários

Disse Jesus Christo : — « E quando jejuaes não vos


façaes tristes como os hypocritas, porque desfiguram os
seus rostos para parecerem aos homens que jejuam. Em
verdade vos digo que receberão a sua paga. Tu, porém,
quando jejuares unge a tua cabeça e lava o teu rosto, para
não pareceres aos homens que jejuas, mas sim a teu Pae
! : !

— 59 —
que está escondido : e teu Pae que vê no escondido, te re-

compensará.-» S. Math. VL16-18. Novo Test., approvad»


pelo Papa Pio IX.
Portanto, Christo exige que o jejum seja expontâneo
c secreto.
A Egreja Romana, porém, como decididamente não é

rebelde, ordena jejuns obrigatórios e bem públicos!


Discórdia t Bastaria evidenciar a discórdia que me-
deia entre as doutrinas e as ordens de Jesus Christo e as
doutrinas e ordens dos Papas. Por exemplo
Disse Jesus :
— «Et pairem nolite vocare vobis super
terram: unus est enim Pater vester, qui in ccelis est.» São
Math. XXIIL9. Vulgata latina.

Pois bem, a Egreja Papal, concorda de tal modo com


essa ordem de Jesus, que a todo o seu clero dá o titulo de
— padre — desde o Diácono até o Papa ! Tudo é padre !

Discórdia ! Que direi do actual — modernismo — ; das


divergências entre suas diversas escholas theologicas : das
múltiplas ordens, em guerra umas com as outras, até ás
perseguições as mais violentas, como as que se têm reali-
zado entre franciscanos e dominicanos?!
Senhores, sob a apparente unidade do governo papal,
campeia, em todas as ordens e confrarias, a maior discór-
dia, a maior maledicência e a maior intriga que ha debaixo
do Sol !

(Até o próprio Sr. Padre Julio Maria é uma prova


disso : S. S. começou suas conferencias na Gloria; depois,
veiu para 8. Francisco; dahi, foi removido para a Cruz dos
Militares e, finalmente, está na Cathedral! Mas, foi tal a
concórdia que, parece, reinou entre S. S. e seus collegas
seculares, que S. S. se tornou até redemptorista !...)
Orgulho ! E haverá posição mais humilde do que a de
Sua Eminência, (só o titulo!...) o Sr. Cardeal, em meiò da
nave, era logar bem saliente, assentado em um throno, de
!

— 60 —
solidéo e barrete á cabeça, naquella immovel posição de
autocrata soberano ? ! Sim, não está alli, em Sua Eminência,
um plenissimo e vivo attestado do majestoso orgulho hie-
rarckico do Romanismo?!
Orgulho I Ah! com certeza o Sr. Padre Julio Maria re-

eonhece que, talvez, o maior rasgo de humildade não foi o

de Christo quando, de joelhos, lavou os pés de Judas Is-

carioth; ou, quando se deixou coroar com a cruciante silva


de espinhos ;
ou, quando se deixou crucificar entre dous
malfeitores! Não! Certamente o maior exemplo de humil-
dade, como jámais foi offerecido ao mundo, foi o de Gre-
gorio VII, quando decretou que os reis da terra de joelhos
deveriam beijar-lhe os pés! !...

Quanta humildade!!
3o — Diz ainda o Padre Julio Maria: «Que o Protes-

tantismo... enfraquecendo a religião...-»

Entretanto, como todos sabem, o Romanismo impera


no Brasil, desde o anno 1500.
E qual o resultado maravilhosamente attestador de
seu poder catechista e evangelizador? Qual o testemunho
de que nessa Egreja Papal impera, predomina a influencia
do Espirito Sancto?
Eil-o. Diz o Sr. Padre Julio Maria, em suas conferen-
cias da Assumpção: — «Tudo no Brasil é grande, menos o
homem!» E mais: «No Brasil impera o atheismo pra-
tico » !

Admirável ! si o Protestantismo é o que enfraquece o

sentimento da religião, como explica S. S. esse facto in-

contestavelmente veridico de predominar no Brasil a in-

diíFerença religiosa, o atheismo pratico ?


O Romanismo, com os seus absurdos dogmas e syste-

mas de ensinar religião, necessariamente ha de enfraquecer


e destruir o sentimento religioso!
! : !

— 61 —
Jesus ordenou aos seus apóstolos
«Ide e prégae o Evangelho a toda a creatura* ; «Ide e

ensinae a todas as gentes.-»


E a Egreja Papal, em vez de pregar o Evangelho e
explicar as Sagradas Escripturas ao povo — diz missas em
latim! — Em vez de distribuir os Sagrados Livros, que
contêm os sanctos ensinamentos que libertam o homem
do vicio, que regeneram e sanctificam o coração, — dis-

tribue rosários, verónicas, bentinhos e palmas bentas !... —


Em vez da Palavra de Deus, que instrue, que saneia o ca-
racter e sanctifica os sentimentos, ella distribue essas
bugigangas da idolatria papal que rebaixa o nosso povo até
O FETICHISMO !

A Egreja Romana destróe o sentimento religioso com


as suas estultas penitencias ! Sim, que effeito pôde produzir
em uma creança a devoção do rosário, onde se tem de
rezar quinze Padre Nosso, quinze Gloria Patri e cento e
cincoenta Ave Maria ! ! A bagatella de cento e oitenta
orações ? ! Qual é a creança que pode ter amor a essa
pratica ridícula, insensata, anti-evangelica, de repetir
cento e oitenta orações ? !

Sim, anti-evangelica, porque Jesus disse : «Mas, oran-


do, não queiraes foliar muito, como fazem os gentios. Pois
pensam que pelo seu muito foliar serão ouvidos. Não quei-
raes, portanto, parecer-vos com elles.» S. Math. VL7-8.
Em desobediência a Christo, e querendo parecer-se
com o Paganismo, a Egreja Romana manda rezar cen-
tenas de Padre Nosso ! !...

E qual tem sido o resultado dessa desobediência? O


resultado foi este :
— anniquilar a oração — piedade por ex-
cellencia attestadora da vida e do poder da fé
Hoje, no Brasil e no mundo, a maioria absoluta dos
romanistas não reza ! Não sabe rezar
E é fácil a experiência. Muito senhor que se diz
!

— 62 —
Catholico Romano não sabe recitar correctamente o
«Padre Nosso»
E aquelles que rezam o «Padre Nosso», o contradizem
em todas as suas petições. Basta citar este exemplo :

«Perdoa as nossas dividas assim como nós perdoamos os
nossos devedores. » O rosário, pendurado ao pescoço, em
suas múltiplas contas, está dizendo: — perdoa, perdoa!
Mas... a faca, na cava do collete ; o rewólver, no bolso tra-
zeiro ; o cacete, a carabina, o arsenal, que os nossos serta-
nejos e cangaceiros tantas vezes carregam, estão dizendo
o contrario: — «Não perdoa! não perdoa!!...» (Risos.)

Senhores, o ensino religioso romanista vae até o can-


nibalismo !

Não exaggero. Está aqui uma, entre muitas provas, na


vida e no magistério do... saneio Anchieta.
Sim, refere Anchieta que os alumnos do collegio, em
S. Paulo, «em cada sexta-feira, disciplinando-se com
summa devoção, até fazerem sangue, sahem em procissão».
Carta de 1554. Annaes da Bib. Nac. Vol. I. Parte I,

pagina 64.
E que mais?
Senhores, esta disciplina chegou a ser feita com tão
elevada, summa e perfeita devoção — que chegou até o
suicídio !...

Diz o saneio Anchieta «...privatas oraciones y disci-


:

plinas a que concorriam muchos devotos... tanto que un


hombre casado nostro especial devoto y hermano de un
nostro padre se azoto tan fortemente que dahy a poços
dias morrió echando sangue mucho pela boca, parece que

dei higado que avia pisado.» Annaes da Bib. Nac. do Rio


de Janeiro. Vol. II, pag. 121.
Eis ahi! O pobre catholico penitenciou-se tanto... até

que morreu!... morrió!... Suicidou-se! (Risos.)

Não admira, pois, que o resultado da catechese feita


! ! —

— 63 —
pelo jesuíta, e pelo clero romanista, seja a incontestável
indifferença religiosa que predomina em o nosso povo
Uma religião que eleva o suicídio, á virtuosa regalia

da sancta e summa devoção, que mais poderá conseguir,


sinão o completo enfraquecimento da religião?!
4.° Diz mais, o Sr. Julio Maria que : o Protestantismo...

obliterando nos espíritos a noção do Evangelho...


Será crivei que o Sr. Julio Maria não vacillasse ao
proferir estas palavras ?

Os protestantes, que propagam os Evangelhos, que

ensinam os povos a lêr os Evangelhos, que por toda a

parte pregam o Evangelho, que têm traduzido os Sanctos


Evangelhos em muito mais de quatrocentas línguas e dia-

lectos, serão elles os que obliteram nos espíritos a noção


do Evangelho ? !

Ah! e os padres romanistas, que não distribuem os


Evangelhos ao povo, que não instigam o povo para que
leia e medite os Evangelhos, que propalam que os Evan-
gelhos distribuídos pelos protestantes são falsos ;
que che-
gam mesmo a ostentosamente rasgar e queimar os Evan-
gelhos, em plena praça publica, como o tem feito, com
todo o apparato, o Sr. Frei Celestino, em Pernambuco :

sim, os Srs. Padres que contradizem a lettra e o espirito


do Evangelho ;
que ensinam preceitos e doutrinas, em
completa contradição com as revelações do Evangelho,
como temos demonstrado, ah! elles, sim, são os que não
obliteram o Evangelho no espirito do povo !...

Senhores, eu sei que a Egreja Romana tem publicado


varias edições das Sagradas Escripturas.
Aqui está o Novo Testamento de Frei Joaquim de
Nossa Senhora Nazareth, Bispo de Coimbra, em que se

estampa a seguinte carta : « A Sua Sanctidade Pio IX.


Sanctissimo Padre. Summamente afflictos de ver os
protestantes espalharem suas Bíblias entre as famílias ca-
— 64 —
tholicas, com uma profusão assustadora, e por este meio
exercer nellas muita influencia, já deprimindo a seus olhos
nossas sanctas crenças, já attrahindo os filhos destas fami-
lias ás suas próprias escholas, os Bispos, abaixo assignados,
com o vivo desejo de obviar um mal tão grave, vêm sup-
plicar a Vossa Sanctidade de se dignar fazer examinar a
traducção franceza do Antigo Testamento do Sr. Glaire
(Padre) e de lhe conceder, havendo logar, o imprimatur.
Não se poderia duvidar que isto não seja um poderoso
meio de obstar aos progressos do mal, tendo já a expe-
riência provado que a publicação do Novo Testamento do
mesmo auctor, antecedentemente auctorizada pela Sancta
Sé, tem produzido os fructos mais salutiferos.

E' incontestável que nada pôde hoje impedir a leitura


de toda a Biblia no mundo. Ora, não haverá uma grande
vantagem em substituir uma versão fiel e auctorizada ás

traducções inexactas e privadas de toda a approvação


ecclesiastica ?

Finalmente, uma Biblia franceza auctorizada pela


Sancta Sé tirará aos protestantes todo o pretexto de
accusar injustamente a Egreja Catholica de impedir os
fieis de lêr a Palavra de Deus.
Os Bispos abaixo assignados atrevem-se a esperar que
Vossa Sanctidade reconhecerá a legitimidade destas con-
siderações.
Nesta esperança, pedem humildemente de acceitar a
certeza de sua profunda veneração.
Roma, 5 de julho de 1870.» (Seguem 55 assignaturas
de Bispos.)
Agora, vamos tirar a prova real do que aqui está es-

cripto: — Qual das pessoas presentes já recebeu da mão


do Sr. Vigário um destes Novos Testamentos, afim de se
não deixar corromper pelo ensino herectico dos pro-
testantes ?
! !

— 65 —
Si alguma pessoa, neste recinto, recebeu ou soube de
alguma outra que teve a 6orte de receber do Sr. seu Vigário

um destes exemplares, peço fazer-me o favor de se levantar.


Oh ! então, entre mais de mil pessoas, nem uma só o

recebeu! Ninguém!
Senhores, eu já tive occasião de fazer similhante per-
gunta a muitos auditórios, grandes como este, desde esta
Capital, até Sancta Luzia de Goyaz, desde o Rio Grande do
Sul, até o Norte do Brasil e, por toda a parte, é este o
facto real : — o clero romanista absolutamente não se em-
penha, não promove esforços práticos e reaes para que o
povo leia e medite os Sanctos Evangelhos ! E nunca o fará,

por mais que os annotem, que os commentem, porque dif-

fundir o Evangelho é propagar a luz! O Romanismo,


porém, verdadeiramente se desinvolve onde sómente reinar
a mais completa ignorância do Evangelho
Isto hoje, porém, é impossivel! O povo, por toda a
parte, quer ler o Evangelho e, de facto, o está lendo. Por-
tanto, sómente resta ao Romanismo o tristissimo occaso
em que está :
— ser expulso dos paizes que eram chamados
seus mais predilectos filhos
O que se tem dado na França, na Hespanha e na
Itália, fatalmente se ha de dar no Brasil, na America e em
todo o mundo.
Sim. Ou o Romanismo se converte ao Christianismo
puro — ou a morte — por entre os apupos da multidão de
seus próprios filhos — já se lhe antolha tétrica e maldicta!

(Vozes muito : bem !)


5.° O Protestantismo, diz o Sr. Julio Maria, tornou-se
o maior dissolvente da hierarchia social.

Os factos, senhores, o desmentem.


A ordem social, o respeito á auctoridade e á lei têm,
©orno exemplos, os paizes protestantes, os povos pro-
testantes.
5
! ! !

— 66 —
Onde medra, porém, o Romanismo, ahi impera o des-
respeito á lei e á auctoridade, desde o soldado raso até o
soberano chefe da nação
Desde o simples delegado até o Supremo Tribunal de
Justiça
Dos paizes catholicos, e especialmente do nosso, diz-
se :
— «que as leis foram feitas para serem desobedecidas.»
Mas, dos paizes protestantes, se diz : — «que nelles ha, até,
a idolatria da lei! »

O Protestantismo, affirma o Sr. Julio Maria, é o maior


dissolvente da hierarchia social, entretanto, o anarchismo,
o terrorismo campeiam terríveis, tyrannicos, indomáveis,
nos paizes mais catholicos do mundo ! !

O Protestantismo é o maior dissolvente da hierarchia


social, segundo a clarividentissima sapiência do Sr. J. Maria
e, não obstante, as republicas e monarchias, onde se fazem
explodir as machinas infernaes, são as republicas e monar-
chias catholicas romanas! !...

Quem foi o assassino de Sadi-Carnot ? Um romanista.


Qual o de Mac-Kinley? Outro romanista.
Quaes os de Humberto I e os da Imperatriz Elisabeth
da Áustria? Também romanistas.
E os de D. Carlos I, Rei de Portugal, onde a Sancta
Sé mantém um Cardeal Núncio e Patriarcha? Ainda ro-
manistas !

Asseverou o Sr. Dr. Carlos de Laet que, nos Estados


Unidos, também se tem manifestado o anarchismo
Sim, mas de entre que meio religioso têm sahido ge-

ralmente esses facínoras ?

De entre os immigrantes catholicos romanos! De


entre romanistas hespanhóes, polacos e italianos! Sim, a
grande Republica Americana incontestavelmente está de-
cahindo daquelle espirito puritano de outr'ora. Mas, a ver-
dadeira causa está nos vinte milhões de romanistas que
! :! !

— 67 —
para alli immigraram ! Si uma só má ovelha põe um re-

banho a perder, que diremos da influencia romanista de


vinte milhões de fanáticos, ignorantes e aventureiros em
sua maioria ?
Não, senhores, a ordem, a paz, a grande e prospera
actividade de todos os povos protestantes e de suas coló-
nias; a influencia politica do Protestantismo exercitada,
hoje, sobre mais de seiscentos milhões de habitantes do
mundo, neste século XX, constitue um facto assombroso e

universal a desmentir categoricamente a falsissima asser-


ção do Sr. Padre Julio Maria
A verdade, que promana deste facto, é esta: — até o
presente, os povos que verdadeiramente têm sabido colo-

nizar, a ponto de suas colónias não se esforçarem por sua


independência, (como se dá com o Canadá e a Austrália)
— são os povos protestantes.
Neste século de maravilhas, as nações melhor go-
vernadas no mundo e onde mais se faz sentir o império
e a força da justiça e do direito — são as nações protes-
tantes !

Como, pois, em contradicção com todos estes empol-


gantes factos, diz o Sr. Padre Julio Maria que o Protestan-
tismo é o maior dissolvente da hierarchia social, e justa-
mente nestes enluctados dias pelos romanistas regicidas
dos soberanos de Portugal ?
6.° Na inglória tentativa de falsamente accusar o Pro-

testantismo, o Sr. Dr. Julio Maria, assim como quem


appella para a Historia, diz
« Na França, na Inglaterra, na A llemanha, por ex-

emplo, as guerras religiosas tornaram-se sedições poli-


ticas. »

Ora, senhores, a incoherencia deste orador começa


por citar a França, onde o Protestantismo quasi foi anni-

quillado no século da Reforma!


! !

— 68 —
Ahi, porém, quaes foram os iniciadores desses movi-
mentos bellicosos, sinão os Gruizes, os Orléans e os Prin-

cipes de Lorena, auxiliados, inspirados pelo Cardeal de


Lorena e pelo Papa Clemente VII, cuja sobrinha era a
mui celebre Catharina de Medicis ? Ahi, a instancias da
Sorbonne e do Parlamento, os protestantes foram perse-
guidos desde os dias de Henrique II e Francisco I
Armando-se os protestantes, por que o fizeram? Que
exigiram? Somente tolerância religiosa, liberdade reli-
XIV, pag. 17J.
giosa! (Cantú, Historia Universal, vol.
Não obstante a maioria esmagadora dos romanistas,
nessas guerras prevaleceu o baixo e covarde plano de
trahição! Traiçoeiramente foi assassinado o Principe de
Conde ;
traiçoeiramente os calvinistas foram trucidados
em Vassy; traiçoeiramente cahiu Henrique in, apunha-
lado pelo frade Jayme Clement; e traiçoeiramente, na
terrivel noite de sangue e durante os tres dias seguintes,

cahiram ferozmente assassinados talvez umas cem mil


pessoas !...

Certamente o Sr. Padre Julio Maria jámais deveria


ter citado a França !...
Sim, porque ahi não só o Protestantismo foi esmagado
— mas porque ahi, para gáudio e gloria do clericalismo, e
por sua connivencia com os escândalos da Corte e tyran-
nia dos Governos desse e do seguinte século — tornou-se
causa da tremenda revolução franceza que para sempre
derrocou a tyrannia e o despotismo e proclamou a liber-

dade, a igualdade e a fraternidade — essa trilogia bemdicta


que tanto fere os ouvidos do Papa-Rei
E que mais ? Apesar de tudo isso, o Romanismo, de-

pois da tremenda reacção do periodo do terror — por elle

provocada e por elle ensinada na eschola da inquisição —


conseguiu persistir na França e dominar os espiritos, á
vontade.
!! ! ! !

— 69 —
Ma3, como fatal foi a sua pervertedora influencia nos
destinos da França, ficou bem patente nos dias da guerra
franco-prussiana que a fanática imperatriz Eugenia, inspi-
rada pelos Jesuitas, dizia :
— Esta é a minha guerra !
O desastre, porém, não podia ser maior do que foi

para humilhação da França ! E até para o mesmo papado


que, perdendo o auxilio do exercito francez, não pôde re-
sistir ás forças de G-aribalde e Victorio Emanuel, cujas
tropas invadiram e dominaram a cidade de Roma e extin-

guiram o poder e o reino temporal do Papa, a 20 de se-

tembro de 1870
O Sr. Julio Maria jámais deveria ter citado a
França
Sim, e que mais nos ensina a França? Ensina-nos
que o clero, que o Romanismo é o maior corruptor da
politica

Que é que envergonhou a politica e a justiça da


França, no findar do século XIX, e de cujo acto a força
motriz, a alma satanicamente inspiradora foi o clero ultra-
montano ?

Todos vós o sabeis: — foi a celebre questão Dreyfus,


em quem se concretizava todo o odio anti-semita e monar-
chista da propaganda clerical

O odio anti-semita, cultivado pelo Romanismo, tem


negregado aviltantissimamente as gloriosas paginas de
todas as nações, onde especialmente o Ultramontanismo
impera
Entretanto, ordenou Jesus Christo: — Amae os vossos
inimigos ; fazei bem áquelles que dizem mal de vós; orae
por áquelles que vos perseguem e calumniam ! S. Matheus
VL44.
Oh ! certissimamente o Sr. Padre Julio Maria não de-
veria jámais ter fallado na França, porque ahi foi tão
reconhecida a deletéria influencia das ordens monásticas
— 70 —
na politica e na instrucção que os sacerdotes romanistas
dalli estão sendo expulsos !

Esse amontoado de negregantes factos attesta — não


que o Romanismo seja uma negação politica. — Não! Mas
attesta cousa peior: — prova que o Romanismo é o factor
que mais poderosamente corrompe e avilta a politica!
O Sr. Julio Maria menciona ainda a Inglaterra que,
segundo um illustre e desconhecido publicista, cujo nome
S. S. não quiz revelar, é uma excepção quanto a ser o Pro-
testantismo uma negação politica.

Pensámos que S. S. não se esqueceria de verberar a


memoria do grande catholico romano Henrique VIII, o
Defensor da Fé, por isso que pretendeu refutar as dou-
trinas evangélicas sustentadas por Luthero.

E' que S. Revma. achou prudente não revelar, como


o fez o Padre Ducreux, em sua Historia Ecclesiastica —
que a annullação do casamento de Henrique VIII com
Catharina de Aragão foi por intimação de Cramer, o Primaz
da Inglaterra e muito digno representante do Papa! E que,
por esse mesmo prelado, foi celebrado o segundo casa-
mento de Henrique VIII com AnnaBolena!...
Certamente que este lascivo monarcha romanista,
apartando-se de Roma unicamente por causa de uma
paixão carnal, não podia realizar, quer no mundo politico,

quer no mundo religioso, grandes transformações!...

Mas, que na Inglaterra, nos dias de Eduardo VI e de


Isabel, se fizeram grandes transformações religiosas, que
se reflectiram extraordinariamente na politica dessa mara-

vilhosa nação, é facto que nenhum historiador, por mais

myope que seja, poderá negar.


Na Historia da Inglaterra, porém, é bem evidente a
influencia corruptora do clericalismo, quer nos dias de
Henrique Vni, que morreu sem ser lamentado por catho-
— 71 —
licos e protestantes, quer especialmente nos nefastos dias
da catholica Maria, também chamada — a Sanguinária l

Os historiadores são, entretanto, unanimes em pro-


clamar os méritos de Isabel no governo e na administração
do paiz. Foi ella também a que definitivamente implantou
a Reforma, cuja influencia se fez sempre sentir na crite-
riosa e elevada politica desse grande povo.

A Historia da Inglaterra, longe de demonstrar que o


Protestantismo é uma negação politica, muito pelo con-
trario, admiravelmente prova que o Protestantismo con-
correu para sua maravilhosa transformação politica, tor-
nando-a uma das nações mais celebres em toda a Historia.
Quanto á Allemanha, o próprio Abbade Ducreux faz

sentir que a verdadeira causa de suas guerras religiosas


foram Carlos V e o Papa Paulo in.
«Por morte de Luthero», diz elle, «apertaram os prin-
cipes protestantes a Liga, unindo-se mais uns com os
outros, pois nesta união estava toda a sua força. Carlos V,
unido ao Papa Paulo III, que lhe accudia com dinheiro,
dispunha-se para atacal-os... Hist. Eccl. Vol. VII, pag. 383.
Portanto, os protestantes foram constrangidos a agit-

em sua legitima defesa. Pois estavam plenamente certos


de que, si não resistissem, seriam anniquilados, como an-
niquilados foram os Huguenotes na França.
O mesmo se deu nos reinos da Scandinavia, onde os
protestantes somente pediam — tolerância.

Christiano II, o Nero do Norte, queria anniquilal-os,

e si o não conseguiu, foi devido a esses heróes muito ce-


lebres : — Gustavo Vasa e Gustavo Adolpho.
Nos Paizes Baixos, Phelippe II, o Demónio do Meio
Dia, auxiliado pelo seu muito celebre Duque d' Alba, tudo
fez para o completo exterminio dos protestantes.
Ahi, o celebre Tribunal de Sangue condemnou á morte
em pouco tempo, cerca de 18.000 pessoas! !...
! !

— 72 —
Foi este mesmo Demónio do Meio Dia, Phelippe II,
que tentou, com a sua grande Armada Invencível, anni-
quilar o poder da Reforma na Inglaterra.
Ao lado, porém, da gloriosa Rainha Isabel esteve,
omnipotente, o braço do Altissimo, que, com uma tem-
pestade, destruiu o poder e o prestigio do encarniçado
Demónio romanista inimigo dos protestantes
Senhores, essas guerras religiosas não conseguiram só
a liberdade para os protestantes, mas deram verdadeira-
mente vida ao grande movimento geral de emancipação
politica e religiosa que, desde então, poderosamente se
iniciou na Europa e só ha de finalizar quando tiver alcan-
çado a todo o mundo
O historiador portuguez Z. Consiglieri Pedroso, e que
não é muito sympathico aos protestantes, reconhece, como
consequências da Reforma, a proclamação da liberdade
de consciência, da liberdade philosophica e da liberdade
politica, as tres grandes acquisições dos tempos mo-
dernos no dominio do direito ; as tres grandes conquistas,

graças ás quaes, se tem transformado a sociedade contem-


porânea !

Mas... para o Sr. Dr. Julio Maria a Reforma nada


mais importa que uma negação politica!...

Senhores, do que acabamos de demonstrar o Catholi-


cismo Evangélico não é, nunca foi uma negação politica,

mas realmente tem sido, c e ha de ser o mais poderoso


factor para sanctificar o caracter politico do homem, porque
o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Christo ennobrece e

dignifica o homem em todas as múltiplas manifestações de


sua actividade, na Egreja, na Familia e na Sociedade.
O Evangelho torna o homem bom crente, honrado

«hefe de familia e virtuoso cidadão.


E não pôde ser de outro modo, porque Jesus Christo,
seu divinal modelo, extraordinariamente soube respeitar

— 73 —
as auctoridades do seu tempo ; amar os seus concidadãos
e a sua estremecida pátria, synthetizada na inolvidável
Jerusalém.
Como estas suas palavras são emocionantes : — « Je-
rusalém, Jerusalém, que matas os prophetas e apedrejas os
que te são enviados • quantas vezes quiz ajunctar teus filhos
do mesmo modo que uma gallinha ajuncta seus pintinhos
debaixo das azas e não quizeste? Eis ahi ficará deserta
a tua casa. Digo-te, pois, que desde agora não me verás
mais até que digas: Bemdicto o que vem em nome do Se-
nhor.» S. Math. XXIIL37-39.
A emoção que seu espirito experimentava pela sorte
de sua Patria e de seu povo, é ainda evidente do que refere
o evangelista S. Lucas no cap. XIX:41-44 :
« E tanto que
chegou perto, vendo a cidade, chorou sobre ella, dizendo:
Oh l si ao menos neste dia que te é dado, agora tu ainda
conhecesses o que te pôde trazer a paz!...
Mas, por ora, estas cousas estão escondidas aos teus

olhos, porque virão dias contra ti e teus inimigos te cer-

carão com trincheiras, te porão em aperto por todas as


partes e te derribarão por terra, a ti e a teus filhos, que
estão dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra,
por isso que não conheceste o tempo de tua visitação. »
A rejeição de Christo e de sua doutrina importariam
a queda e a ruina de Jerusalém !

O que, porém, se deu com a grande e gloriosa cidade


de Sião, ainda se repetirá attravéz da Historia, toda vez
que um povo christão repudie ou abjure a Jesus Christo !

E, na verdade, é natural que assim aconteça, pois


disse o grande economista Emilio de Laveley: — «Todos
concordam que a força das nações depende de sua morali-
dade. Por toda a parte lê-se esta máxima que se tornou

um axioma da sciencia politica : — quando os costumes se

corrompem o Estado está perdido!»


— 74 —
Ora, sendo universalmente reconhecido que a doutrina
do Evangelho de Jesus Christo é o mais poderoso factor
para regenerar, ennobrecer e sanctificar o caracter do
homem, da família e da nação, segue-se que repudiar Jesus
Christo e seu Evangelho, importa a perversão moral, cujo
resultado é inevitavelmente fatal á vida e á honra do
Homem, da Família e da Patria!

O Protestantismo, porém, sendo, como é, o mais dedi-

cado disseminador do Evangelho, ha de sempre concorrer


para a dignificação do caracter do Homem, da Família e
do Estado.

Obediente ao Evangelho, jámais olvidará as palavras


do grande Apostolo Paulo, em sua Epistola aos Romanos,
cap. XIIL1-6 : — «Toda a pessoa esteja submettida aos po-

deres superiores porque não ha poder que não venha de


Deus ; e os que ha por Deus foram constituídos. Aquelle,
pois, que resiste ao poder, resiste a ordenação de Deus.

Os que, porém, lhe resistem, a si mesmos se attrahem á


condemnação. Porque os príncipes não são para temer
quando se faz o que é bom, mas sim quando se faz o que é
máu. Queres não temer ao poder? Faze o bem e terás o

louvor delle. Porque é ministro de Deus para o bem. Mas


si fizeres mal, teme, porque não é debalde que clle traz

espada.»

Confirmando este bello ensinamento do apostolo Paulo


ordenou Pedro, em sua I Epistola, cap. 11:17 :
— «Honrae
a todos, temei a Deus, respeitae ao Bei. >

E si estes grandes apóstolos ensinaram tão justos e


sanctos preceitos, foi porque aprenderam do Divino Mestre
estas inolvidáveis palavras que sempre deverão caracte-
rizar as relações politicas entre a Egreja e o Estado: —
Dae a Cezar o que é de Cezar e a Deus o que é de
Deus.»
! ! ;:

— 75 —
Ainda, diante de Pilatos, quando os Judeus preten-
diam accusal-o de crime de sedição politica, disse-lhe Jesus

«O MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO.»


Não obstante ensinamentos tão claros, o papado, am-
bicionando a posse do poder temporal, tem-se tornado um
constante pomo de discórdia, e o principal factor da cor-

rupção politica, especialmente nos paizes catholicos!

Na Itália, por tal modo o Papa inconvenientemente se

portou que, por diversas vezes, foi obrigado a fugir

Na America, em quasi todas as revoluções politicas,


se tem feito sentir a desastrosa influencia do clero.

Em nossa Patria, e até em nossos dias, temos teste-


munhado sua anti-patriotica posição, ludibriando e infa-
mando as nossas leis, vociferando em plena Cathedral
contra o Governo da Republica, mesmo depois de ter este
concorrido, segundo dizem, para o prestigio dessa mesma
Egreja, no conseguimento da nomeação do primeiro Car-
deal da America do Sul !...

Os factos, pois, por toda a parte, proclamam que si

ha uma Egreja que, pela sua influencia deletéria, concorra


para uma verdadeira negação e corrupção politica esta é —
a Egreja Catholica Apostólica Romana
O seu clero,como disse Emilio de Laveley, é primei-

ramente — romano —
e... depois... brasileiro!

Senhores, si realmente desejamos dias felizes para a


nossa estremecida Patria, propaguemos denodada e dedi-
cadamente o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Christo.
Elie sanctificará a nossa vida e a nossa liberdade ; elle

sanctificará o nosso caracter individual, social e politico

elle nos tornará crentes cada vez mais dignificadores do


nome de Deus, pela pratica das virtudes e da piedade
christãs, que mais e mais se reflectirão no amor do Pró-
ximo, da Família e da Patria.
!

— 76 —
No dia em que o Evangelho, pela sua sanctificante
graça, levedar o caracter nacional, então, o nosso amado
Brasil se salientará pela pujança do talento e do caracter
do seu povo, como hoje se distingue pela grandeza, uber-
dade e opulência de sua natureza, sem rival, entre as mais
bellas do mundo
Oh ! permitte, Senhor Deus, que este bemaventurado
dia não esteja longe!
Amen.
(Ao descer da tribuna o orador foi muito felicitado e

abraçado por innumeras pessoas.)

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