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BELÉM-PA
2019
MARISE PIEDADE CARVALHO
BELÉM-PA
2019
LISTA DE SIGLAS
A palavra gratidão é de origem latina gratus, que pode ser interpretada como
agradecimento, reconhecimento ou grato. Grata, esse o sentimento que tenho por tantos
quantos fizeram dessa caminhada um percurso de conquistas, atingindo o final de um trajeto
com muitos dias e horas de total entrega, num espaço de tempo com aprendizado único e
variadas emoções em que esteve envolvido esse itinerário, até que alcançasse o meu
propósito. Pelo fato de ter dividido esses momentos com tantas pessoas, e delas receber o
apoio e solidariedade, desejo agora agradecer a todas elas, e se por ventura a memória me
trair, não permitindo que eu faça o reconhecimento de algumas delas, desejo que estejam
certas da minha profunda gratidão.
Aos meus irmãos e irmãs, pelo companheirismo e zelo com afeto, durante o
tempo que durou a minha caminhada.
À professora Rosália, por ter aceito a responsabilidade de orientar-me e contribuir
com seu olhar para a arquitetura desta obra.
Aos colegas do Departamento de Ciências Humanas e Sociais – DHS/IFMA, pelo
incentivo, espírito solidário, possibilitando que desse um passo à frente, na minha carreira
profissional, e acima de tudo, por acreditar que a qualificação de cada um dos colegas,
representa a elevação da grandeza do trabalho de todos na formação dos novos professores.
Aos Professores do Departamento de Física (DEFIS) do Instituto Federal do
Maranhão - IFMA, pela acolhida do projeto de pesquisa desde o primeiro momento de sua
apresentação ao coletivo de professores, assim como a disponibilidade e solidariedade ímpar
de colaborar com a pesquisa.
À Reitoria do IFMA, à Pró-reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação, e à
Diretoria Geral do Campus São Luís - Monte Castelo, meus agradecimentos pelo incentivo a
formação.
À Coordenação Geral do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e
Matemática –REAMEC e toda a equipe de docentes pesquisadores, pelo compromisso com a
qualificação dos professores das universidades públicas de nossa região, somando esforços
para o desenvolvimento da pesquisa e da Educação em Ciências e Matemática.
À Professora Terezinha Gonçalves e Professor Licurgo Brito, pela dedicação e
competência na coordenação do programa da REAMEC, Polo UFPA.
Aos professores e professoras do programa, em especial os do Polo UFPA, pela
partilha de conhecimentos e experiências acadêmicas na área das ciências e da matemática.
Aos colegas do doutorado, Turma REAMEC, 2015, Polo UFPA, pela união
fraterna cultivada por todos e todas entre si, com a minha saudade dos amigos (as),
Aos amigos José Costa, Eliane, Regiana, cujos laços de amizade se fortaleceram
no percurso da construção da TESE e à Lourimara e Jacirene, irmãs, fruto de uma amizade
consolidada no doutorado e que levarei comigo indefinidamente.
“A ciência pode classificar
e nomear os órgãos de um sabiá,
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular
quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação
perde o condão de adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.”
(Manoel de Barros)
RESUMO
This thesis deals with the configuration of the process of initial training of Physics teachers,
in the course of Teaching Training of the Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Maranhão (IFMA), Campus São Luís, Monte Castelo, Estado do Maranhão – Brazil. This
experience arises from a particular interest that I assume as a problem to give rise to the
research in which I seek to investigate conceptions of science and of teaching practices that
are manifested in the training of Physics teachers in Physics of the IFMA consonant with this
XXI century. Simple the thesis of that the conceptions of Science and of teaching practices
expressed by the professors in the course in Physics of the IFMA imply theoretical-
methodological and epistemological presuppositions for the education of this XXI century. I
developed a qualitative narrative approach research with the objective to understand the
conceptions of Science, which interwoven epistemological bases and theoretical and
methodological assumptions in the training practice of the undergraduate course in Physics. In
addition, in order to grasp the reality of the object I was willing to investigate I carried out
bibliographical and empirical research. In order to support the research, I sought knowledge
of Philosophy, History of Science, Teaching of Physics, Education and Society, Teaching
Knowledge and Teacher Training establishing a permanent dialogue with the stories and
reports of teachers' experiences in the Physics of the IFMA, among which I am included. I
developed documentary revision, consulting the Pedagogical Project of the Course, Opinions
and Resolutions allusive to the degree in Physics, of national and institutional character. In the
empirical research I used the following methodological procedures: (i) semi-structured
interviews and (ii) field diary entries in the meetings held during the work to reformulate the
Pedagogical Project of the Course (PPC) of which I participated. We interviewed 16 teachers
14 from the scientific area and 2 from the pedagogical area who were selected based on the
following criteria: (a) to be a professor of the institution's permanent staff; b) be in full
exercise of teaching in the course; c) be linked to the past and present history of the course,
and d) to be willing to participate as a subject of the proposed research. The collected
empirical material was analyzed several times with scientific rigor using procedures and
criteria of the Discursive Textual Analysis. In the process of data analysis it was possible to
perceive meanings and meanings that express the approximation and distancing of usual
conceptions of Science and theoretical-methodological and epistemological implications in
the educational practice related to education for this century, which are discussed in three
categories, which are: (i) Conceptions of Science and training of Physics teachers for the 21st
century; (ii) Curriculum of the Degree in Physics and Education for the 21st century and (iii)
Model of teacher of Physics and training practice for Education in this century. The results of
the analyzes obtained as a result of the Textual Analysis point to conceptions of Science and
formative practices revealing theories, epistemologies and principles of formation, which
distance themselves and approach education for this century, from the point of view of the
teacher consonant with the changes that contemporary society demands. Based on the model
of technical rationality derived from dominant positivism, concepts, presuppositions and
propositions of curriculum emerge from the representations of the trainers, as well as
epistemological critiques and proposals for actions that empower reflective, critical and
transformative formative practices. The emphasis is on collective work and on-going training,
as well as the expectations of restructuring the training policy and the pedagogical practice
that qualifies the training process. The model of teacher of Physics and of formative practice
appears with conservative, dominant bases, but one can apprehend pedagogical potentialities
of the teacher of Sciences / Physics that is put in the technical, political, ethical, aesthetic and
citizen dimensions.
Keywords: Teacher training. Science and Education for the 21st Century. Pedagogical
practices of the teaching of Physics. Epistemological questions of Physicsteaching.
SUMÁRIO
ainda que seja por leituras secundárias, compararia o início dessa experiência de construção
da minha tese, como dito antes, ao mito do caos, guardadas as devidas proporções e
comparações.
O movimento que descrevo como análogo ao caos remete a uma das canções de
Hesíodo, na qual este descreve a genealogia do mundo, decorrente das relações amorosas
entre forças divinas e das lutas entre os deuses, gerando outros deuses, seres humanos,
animais e plantas, conhecidas como a Teogonia de Hesíodo. Traduzido por Fernandes (2011,
p.1) vale a pena destacar o seguinte:
No princípio, era o Caos (Kháos). O abismo cego, escuro e ilimitado. A total
ausência, um vazio primordial. Isto é instigador. O que pode surgir de um abismo
cego, escuro, ilimitado? Surge a Terra (Gaia) do seio do Caos. De alguma forma,
Gaia representa um contrário de Caos, já que é presença. Uma presença distinta,
uniforme, precisa.
[...] Mas em uma sociedade na qual as mudanças mais importantes se produzem por
meio da deliberação coletiva e onde as revalorações devem basear-se no consentimento e
na compreensão intelectual, se requer um sistema completamente novo de educação; um
sistema que concentre suas maiores energias no desenvolvimento de nossos poderes
intelectuais e dê lugar a uma estrutura mental capaz de resistir ao peso do ceticismo e de
fazer frente aos movimentos de pânico quando soe a hora do desaparecimento de muitos
dos nossos hábitos mentais.
(Karl Mannheim)
O período a que nos referimos o Brasil foi governado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso – 1995 a
1
2003. Sociólogo de formação e cientista político. Por suas atividades políticas na época da ditadura foi exilado,
vivendo esse tempo no Chile e na França.
17
2
O caos social na forma como o compreendo em nosso contexto social à época, revela-se como expressa Diniz
(2003, p.2) “[...] para além das mudanças, cuja relevância não podemos subestimar, observou-se uma alta
continuidade no que diz respeito ao quadro social do país, marcado pelo aprofundamento da desigualdade, da
violência e da concentração da renda, barreira que nos força a adiar ao infinito a meta da inclusão no seleto
clube dos países desenvolvidos. Efetivamente, a grande lacuna de nosso percurso histórico está representada
pela incapacidade dos governos de reduzirem a exclusão social e o grau extremo de iniquidade característicos da
sociedade brasileira.”
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entretanto, pode-se afirmar que ela foi mudada. Não há, evidentemente, a
necessidade (nem a possibilidade) de fazermos uma reconversão. Todavia é
permitido reivindicar para a Escola um papel mais atuante na disseminação do
conhecimento.
3
A formação de professores, que se vem realizando, tem descuidado da construção dos saberes, pelo facto de
pouco acentuar esta problemática epistemológica acaba por fragilizá-la, pô-la mesmo em questão. O que arrasta
a impossibilidade de se atingirem muitas das finalidades prescritas nos currículos. Neste sentido, os professores
bem (in) formados nesta área podem recuperar um mau currículo e professores com graves deficiências de
formação podem matar um bom currículo. Desejável mesmo é que, de algum modo, o professor não assente o
seu saber sobretudo na informação, mas que possa também desenvolver conhecimentos e saberes no modo
como se investiga, como se faz ciência. O ter conhecido e, se possível, experimentados os lados privados da
ciência ajudam à reflexão epistemológica e permitem uma agilidade e capacidade para transferir para a ação que
se pensa muitas vezes (incorretamente) (CACHAPUZ et al., 2005).
21
4
Para o aprofundamento das questões teóricas pertinentes ao tema, consultar a obra: GIROUX, Henry A. Os
Professores como Intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas,
1997.
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(1999; 2002); CORTELLA (2006); GOBARAC; GARCIA (2007); MORIN (2005; 2008);
RIOS (2008); SANTOS (2010); CARVALHO; GIL-PÉREZ (2011); PIMENTA; LIMA
(2012); ARAGÃO (2000; 2014); TARDIF (2012); LIBÂNEO; ALVES (2012). Em Cenários
da Educação e da formação de professores para o século XXI, faço inicialmente abreviada
análise de conjuntura do limiar do século aos dias atuais, trazendo para o centro das
discussões a globalização da economia e as consequências para as sociedades
economicamente dependentes como a nossa. Com os teóricos que elegi, busco apreender o
perfil de docente necessário para uma educação para o século XXI que venha contribuir para a
vida e o bem-estar das pessoas e um desenvolvimento sustentável para o planeta (FREIRE,
1999; SANTOS, 1999; PIMENTA, 1999; GADOTTI, 2003; PRADO; SILVA, 2003;
MORIN, 2008; ALMEIDA; CARVALHO, 2009; BOFF, 2013; IMBERNÓN, 2011;
CARVALHO; GIL-PEREZ, 2011; GADOTTI, 2003; CHASSOT, 2007; SAVIANI, 2017.
Adiante, na parte IV - No contexto da licenciatura em Física do IFMA:
concepções de ciência e de práticas formadoras para a educação neste século trago,
inicialmente, o cenário institucional onde transcorreu a investigação, rememorando, na
narrativa dos sujeitos envolvidos na trama da formação, os mais significativos eventos da
história da Licenciatura em Física. São relatos de lutas, enfrentamento das adversidades e
acima de tudo de perseverança com a marca das conquistas e superações dos problemas na
gestão da Licenciatura em Física, com as quais os professores convivem permanentemente.
No subitem Sentidos e significados da formação dos professores de Física do IFMA para a
Educação no século XXI, reúno as três Categorias: Concepções de Ciência e formação de
professores de Física para o século XXI; Currículo da Licenciatura em Física e a Educação
para o século XXI e Modelo de Professor de Física e de Prática Formadora para uma
Educação neste século, que emergiram do corpus da pesquisa. Utilizando a Análise Textual
Discursiva (MORAES, GALIAZZI, 2007), foi possível apreender novos sentidos e
significados que expressam aproximação e distanciamento de concepções de Ciência bem
como implicações teórico-metodológicas e epistemológicas na prática formadora atinente à
educação neste século.
Na última parte intitulada Concluir é preciso faço uma incursão sobre os
resultados das análises, apresentando as constatações e confirmando a tese que sustento.
Como é passivo de ocorrer em todo processo investigativo, aponto algumas questões que
emergiram deste estudo, mas que não caberia aprofundar por se distanciarem dos objetivos a
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que esta pesquisa se propôs. A ideia é que se transformem em indicativos para novas buscas
investigativas.
Por suposto, acredito que a realização do presente estudo venha explicitar as
concepções e práticas formadoras no curso da Licenciatura em Física do IFMA. Guardo a
convicção de que os resultados que alcancei poderão contribuir para novas orientações ou
mesmo reformulações das propostas curriculares do curso, da prática docente formadora e de
uma política interna de formação continuada dos docentes aos gestores para o coletivo de
professores ligados ao curso de Física. Acredito ainda poder colaborar com outras instituições
de ensino superior do Estado e de outras unidades federadas, envolvidas com a formação de
professores de Ciências e de Física. Certamente, o meu trabalho provocará novas
inquietações, a exemplo do que já acontece comigo ao concluir esta pesquisa, motivando-me a
novas investigações a partir desta, assim como a outros que se sentirem provocados e vierem
a se debruçar sobre essa problemática. Por fim, aspiro poder contribuir para a formação do
perfil do professor para este século XXI.
Nesta breve fala, procurei inserir o leitor no contexto da pesquisa explicitando
minhas aspirações e pretensões, a relação que o meu objeto de estudo mantém com o trabalho
na formação de professores de Física, situada em um contexto de profundas contradições
sociais somadas a desafios internos, traduzida na complexidade que caracteriza a Ciência e o
ato formativo-educativo. Considerei para as discussões que apresento inicialmente, minha
concepção de Ciência e Educação, que perpassa toda a tese.
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O exercício do magistério sempre foi uma das paixões da minha vida. Anos da
minha trajetória profissional foram dedicados à sala de aula e à gestão na educação. Das
etapas constitutivas dessa caminhada, com exceção dos últimos anos do ensino fundamental,
exerci à docência em todas as etapa e níveis da Educação Básica, passando pelo nível superior
até a pós-graduação. Em todas as fases da minha carreira travei inúmeras e diversificadas
relações com pessoas no âmbito acadêmico e do trabalho e desenvolvi embates ideológicos,
que me renderam um processo permanente de construção de mim mesma formando uma
bagagem sempre crescente por onde passo ou me fixo. Eis a história de uma vida profissional
sequenciadas por desafios, sucessos e compartilhada com muitas outras histórias. Nessa
escalada, nem todos os caminhos estiveram pavimentados, obrigando-me a abrir trilhas que
possibilitaram formas diversas de crescimento, mas que sem essas experiências não teriam me
constituído no que me tornei.
Destarte, me constitui docente, iniciando minha carreira no magistério de 2º grau,
seguida da graduação, com o curso de Licenciatura em Pedagogia. A passagem pela
universidade se deu em um contexto extremamente desfavorável à liberdade de pensamento
ou de reflexões críticas, que solapavam os currículos dos cursos, mesmo os da área de
humanas. Em um cenário conservador, respirava-se ares com os ranços da ditadura militar,
anos finais e iniciais das décadas de 70 e 80, respectivamente. Esse é um dado para mim
relevante considerando que, mesmo com toda repressão e atraso das práticas formadoras de
alguns professores à época, nunca aceitei passivamente a ordem estabelecida, me ligando aos
movimentos políticos de base estudantil e mais tarde sindical e partidária. Tal experiência
contribuiu para despertar o inconformismo com as injustiças e desigualdades sociais de então,
formando as raízes da postura política que assumo diante da realidade social.
Muito embora a minha formação acadêmica inicial tenha sido desfavorável à
construção de uma identidade docente crítica, devo, às minhas experiências de vida, nos
espaços dos movimentos sociais, no engajamento na luta por justiça e igualdade social, a
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5
A instituição a qual me refiro é o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMA,
Campus São Luís, Monte Castelo.
6
O Núcleo de Prática Pedagógica-NPP, citado algumas vezes no contexto da prática formadora, constitui um
espaço privilegiado de interação, trocas, criação, reflexão, planejamento, avaliação, formação continuada entre
outras, pelo fato de abrigar o conjunto de professores formadores e recursos pedagógicos de várias ordens, tendo
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previsto no projeto das licenciaturas em geral, sem que se obtivesse êxito. Isso constituiu certa
militância junto aos colegas formadores.
A busca por unidade no processo de formação de professores ofertada nas
Licenciaturas em Ciências e Matemática deve ser entendido como trabalho pedagógico,
compreendido em sua intencionalidade com relação às finalidades da formação de docentes.
O currículo posto em prática numa ação coletiva dos professores foi executado
integradamente de modo que o conhecimento específico dialogasse com o pedagógico e
didático, norteado por princípios de contextualização e de interdisciplinaridade, visando à
docência na educação básica e superior (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014; PIMENTA,
1997; LIBÂNEO; ALVES, 2012; RIOS, 2008; MALDANER, 2003; FREIRE, 1998.
Sobre esses aspectos reconheço avanços no projeto do curso de Física, no qual
destaco os objetivos que foram prescritos para a formação do professor, apontando para um
perfil profissional que se aproxima do intelectual transformador (GIROUX, 1997), contudo,
enxergo na prática pedagógica dos formadores, pontos de distanciamentos quando se trata de
tornar concreta tal finalidade, por exemplo, o sobrepujamento das bases epistemológicas das
ciências, desconectados da realidade social, malogrando os saberes docentes em suas
dimensões filosóficas, política e técnica. Do objetivo prescrito às condições institucionais e
pedagógicas existentes para sua realização no cotidiano do espaço/tempo da formação existe
um distanciamento claramente observável. Mesmo assim, é importante dizer que visualizo
essa problemática pela minha condição de ‘professora da licenciatura’. Desse modo,
compreendo ser de fundamental importância investigar as bases teóricas, metodológicas e
epistemológicas que dão sustentação aos trabalhos técnicos e pedagógicos dos docentes.
De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso – PPC - a formação de professores
de Física tem como objetivo final o seguinte:
Licenciar professores para o ensino da Física, no ensino médio e ciências no ensino
fundamental, mediante aquisição de competências relacionadas com o desempenho
da prática pedagógica, preparando-os para o exercício crítico e competente da
docência, pautado nos valores e princípios estéticos, políticos e éticos, estimulando-
os à pesquisa e ao auto-aperfeiçoamento de modo a contribuir para a melhoria das
condições do desenvolvimento da Educação Básica. (PROJETO PEDAGOGICO
DO CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM FÍSICA, 2005, p.8)
em vista a superação de insuficiências no curso, o planejamento das ações relativas a Prática Educativa, ao
Estágio Supervisionado, às Atividades- Acadêmico-Científico-Culturais –AACC e por fim a avaliação de
todas as atividades formadoras. O foco do Núcleo de Prática Pedagógica reside, portanto no “domínio do
conhecimento pedagógico”. (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM
FÍSICA, 2005, p.18)
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Com base nas minhas observações durante os muitos anos que atuo no curso e nos
estudos que venho realizando sobre a formação de professores, que para alcançar o objetivo
que está proposto no PPC da Física do ex-CEFET-MA, ainda se faz necessário:
(i) uma reforma institucional que privilegiasse uma nova estrutura da educação
superior, com reflexo nos projetos pedagógicos das licenciaturas;
(ii) a transformação das práticas de ensino ampliando o espaço/ tempo da
formação;
(iii) uma aproximação cada vez maior da IES com as escolas de educação básica; e
por fim,
(iv) a superação da concepção de Formação Docente, de Ciência, de Prática
Educativa e de Sociedade, aspecto fundante nos propósitos de formação de
professores como intelectuais transformadores, consoante com uma educação
para este século.
Mediante o que venho observando na prática dos formadores, me parece ocorrer
na realidade interna dos cursos de licenciatura do IFMA descompassos teóricos,
metodológicos, que eu caracterizei sob a forma de indicadores, apontando em direção
contrária ao objetivo que está proposto para a formação dos professores. Os indicadores dos
descompassos que destaquei, têm sido evidenciados em pesquisas realizadas sobre a formação
inicial de professores (NARDI; CORTELA (2016); GOBARA; GARCIA (2014),
especialmente no que se refere à prática pedagógica dos professores 7. As fragilidades teóricas
e metodológicas se expressam através de:
(a) a secundarização dos objetivos da formação de professores;
(b) a hierarquização do ensino e da pesquisa no processo da formação;
(c) a atuação dos professores formadores desconsiderando as forças dominantes
internas e externas às instituições na intenção da manutenção do poder hierarquizado que
legitima o autoritarismo;
(d) a falta de formação pedagógica dos professores que exercem o magistério nos
cursos de licenciatura;
7
A expectativa que é criada sobre a prática pedagógica dos professores é a de que a prática docente na
licenciatura em Física pudesse integrar o ideal de cidadania. Influenciados pela racionalidade técnica dominante,
tal expectativa se frustra. Explicam Nardi; Cortela (2015, p. 12) Isto porque, entre outros fatores, os docentes
em exercício, que colocam em prática as políticas educacionais, trabalham de acordo com seus valores, suas
crenças sobre o que seja a escola, os conhecimentos científicos, profissão docente, entre outras. Desta forma, o
que ocorre dentro das salas de aula faz parte de um todo: político, social, econômico e cultural.
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8
Para compreender tal conceito trago a contribuição teórica de Contreras (2002), com sua classificação acerca da
atividade profissional do docente relativa ao trabalho do ensinar, na qual apresenta três concepções: o professor
como especialista técnico, o profissional reflexivo e o intelectual crítico. Tratando da questão da racionalidade
instrumental situa-a no contexto da prática do profissional do professor como especialista técnico. Contreras
(2002, p. 90) é enfático: Como afirmou Schön (1983-1992), o modelo dominante que tradicionalmente existiu
sobre como atuam os profissionais na prática, e sobre a relação entre pesquisa, conhecimento e prática
profissional, foi o da racionalidade técnica. Sobre este modelo estabeleceu-se normalmente toda a ideologia do
profissionalismo, pelo qual entender suas características, a forma em que, sob esta perspectiva, se interpreta a
atuação, nos permitirá elaborar outras aproximações que levem em conta as características do ensino enquanto
profissão, sem cair nos tópicos e traços comuns que o profissionalismo apresenta como ideologia cientificista. A
ideia básica do modelo de racionalidade técnica é que a prática profissional consiste na solução instrumental de
problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível que procede da
pesquisa científica. É instrumental porque supõe a aplicação de técnicas e procedimentos que se justificam por
sua capacidade para conseguir os efeitos ou resultados desejados.
9
O PPC da Física Licenciatura e os das outras áreas das ciências – Química. Biologia e Matemática, possuem em
sua organização curricular aspectos comuns e, diversificados, de acordo com a área de conhecimento que
constitui a formação do professor. No item 8 do PPC da Física encontra-se prescrita a Organização Curricular
da Formação dos Professores, orientando que na construção das Matrizes Curriculares, as atividades da
formação serão estruturadas em quatro núcleos de formação: Núcleo de formação comum a todos os professores
para a educação básica; Núcleo de formação comum a todos os professores para o ensino de ciências; Núcleo de
formação específica dos professores por habilitação e o Núcleo de prática pedagógica, que se articularão
garantindo a formação das competências totalizadoras no Processo Formativo, potencializadas pelos diversos
componentes e atividades da formação a serem desenvolvidas em tempos e espaços curriculares
diferenciados.(PROJETO PEDAGOGICO DO CURSO DE LICENCIAATURA PLENA EM FÍSICA, 2005, p.
23 grifo nosso)
32
[....] na transição para o terceiro milênio, a cidadania integra uma ampla constelação
de problemas da vida comunitária de que a escola não se pode alhear; que
atualmente o exercício da cidadania é, simultaneamente, mais exigente e mais
complexo; que a educação para a cidadania recusa uma aceitação acrítica da
autoridade da ciência e da tecnologia e, finalmente, que este saber introduz valores
inovadores na esfera cultural – valores que assentam na dignidade da pessoa
humana. Logo, a questão que se nos coloca é a de saber se as diferentes disciplinas
estarão suficientemente amadurecidas para mobilizar saberes, vontade e energias
capazes de responder aos grandes desafios centrados na sua dimensão formativa.
(SANTOS, 1999, p.13)
10
No campo da educação, a falta da aplicação técnica de grande parte do conhecimento pedagógico juntamente
com a natureza ambígua e, por vezes, conflituosa de seus fins, levou a que se considere o ensino com uma
profissão somente em um sentido muito fraco e limitado. Porém, o reconhecimento dessa limitação não supôs
uma renúncia – em grande parte da pesquisa, da administração e da prática educativa – à aspiração e à prática
de ensino como uma profissão baseada na aplicação de técnicas derivadas de um conhecimento especializado,
isto é, como uma prática profissional concebida sob a perspectiva da racionalidade técnica. (CONTRERAS,
2002, p. 95)
34
11
Reafirmo tal suposição com Fichtner (2012, p. 221), contribuindo com uma reflexão epistemológica a esse
respeito. A prática cotidiana nas escolas é determinada por uma cultura do instrucionismo. Entende-se a escola
como a instituição social cuja especificidade é a transmissão do conhecimento historicamente acumulado de
forma sistematizada e organizada. Ensinar significa explicar um conteúdo, sobretudo conceitos científicos.
Nessa cultura do instrucionismo, conhecimento se transforma em objeto “petrificado”, como algo dado,
imutável, estereotipado, que não se renova a cada nova compreensão. E os alunos tornam-se depósitos, garrafas
que precisam ser enchidas de conhecimento. Essa cultura de instrucionismo é marcada pela rotina quase
dogmática das aulas, pela expectativa de aprendizagem centrada na figura do professor, cuja avaliação serve
para selecionar e classificar os alunos.
36
12
“[...] O que se pretende com o diálogo, em qualquer hipótese (seja em torno de um conhecimento científico e
técnico, seja de um conhecimento “experimental”), é a problematização do próprio conhecimento em sua
indiscutível reação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la,
explicá-la, transformá-la.” (FREIRE, 1975, p. 52)
37
13
A segurança com que faço a afirmação acima decorre do fato de que nas atividades do estágio supervisionado
relativas à observação das aulas, a título de prática de ensino, divido a responsabilidade da avaliação do
desempenho do estudante/professor, com o professor titular da classe.
38
14
A concepção dialética que admito no processo de ensino em sala de aula é entendido a partir da visão de
totalidade e de mudança na perspectiva de sínteses construídas resultantes das reflexões sobre a realidade
educacional e social, realizando tal processo de abordagem de forma metódica e sistemática. Neste sentido,
“[...] o método didático necessário é aquele capaz de fazer o aluno ler criticamente a prática social na qual
vive. Esse processo não se realiza individualmente, nem mesmo numa relação a dois entre professor e aluno. É
um processo coletivo pelo qual um grupo de pessoas se defronta com o conhecimento (herança e porvir) e no
qual se perde a perspectiva individual.” (WACHOWICZ, 1995, p. 15 grifo nosso). Trata-se, pois, de
permanente leitura e releitura do conhecimento, do fenômeno ou do problema relacionado com a disciplina,
apresentado no contexto de uma realidade considerada unitária, submetendo a questão a uma análise
totalizadora na busca de suas estruturas, relações, funcionamento [...], resultando em uma sistematização e/ou
uma nova compreensão da realidade analisada/investigada. “Além disso o caminho que a inteligência percorre
para apreender a realidade não é o mesmo que a inteligência percorre para apropriar-se daquilo que foi
descoberto e sistematizado, patrimônio científico e cultural da humanidade. Ambos os resultados são o
conteúdo do conhecimento, porém o primeiro refere-se à ciência, enquanto o segundo refere-se ao
saber.”(WACHOWICZ, 1995, p. 21 grifo nosso). Devo admitir que encontro nesta forma de tratar o processo
formativo limites e possibilidades com referência a: disposição dos alunos professores ao diálogo pelo fato de
39
desacostumados com essa prática, rejeição a leituras de natureza pedagógica e didática, atitude refratária em
relação a reflexão e crítica ao conhecimento dado entre as principais.
15
A fim de evitar interpretações contraditórias sobre posicionamentos anteriores neste estudo, esclareço que
adoto o conceito de competência do professor de forma ampla e crítica, com o significado apontado por Rios
(2008, p. 89 grifo nosso), “[...] para dizer que um professor é competente, devo levar em conta a dimensão
técnica – ele deve ter domínio dos conteúdos da sua área específica de conhecimento e de recursos para
socializar esse conhecimento; a dimensão política – ele deve definir finalidades para sua ação e comprometer-
se em caminhar para alcança-las; e a ética, elemento mediador – ele deve assumir continuamente uma atitude
crítica, que indaga sobre o fundamento e o sentido da definição dos conteúdos, dos métodos, dos objetivos,
tendo como referência a afirmação dos direitos, do bem comum.
16
Foge ao propósito deste trabalho uma conceituação e caracterização mais exaustiva de currículo, é interessante,
porém, explicitar a natureza dessa categoria, como a concebo neste espaço investigativo. Antes, ainda, julgo
importante trazer para esta discussão, o espaço que ocupa a instituição formadora, seja ela de nível básico ou
superior para a prática de qualquer proposta curricular que expressem possibilidades de discursos e práticas
emancipatórias, atentando em suas análises para a vinculação com a cultura e a sociedade, as finalidades da
educação e o funcionamento desses espaços. Em seus processos organizativos e pedagógicos tem servido a
práticas educativas homogeneizantes, desconhecendo a diversidade cultural, as desigualdades e injustiças nas
sociedades em geral, promovendo a assimilação das expressões culturais dominantes (SILVA; MOREIRA,
1995; FERRAÇO, 2008). Sobre o conceito de currículo numa perspectiva crítica e emancipatória, trago a
contribuição de Carbonell (2016, p. 56-57 grifo nosso) “[...] De forma geral, um currículo crítico e
emancipador se configura a partir destras premissas: Diante do caráter essencialista e do pensamento único,
propõe-se um currículo que respeite a mais ampla diversidade epistemológica, social e cultural, sobretudo das
vozes mais marginalizadas e excluídas; Diante da sala de aula como espaço negado ao sujeito, defende-se a
criação de espaços onde os estudantes construam seus próprios marcos de significação do conhecimento; Ante
o caráter não histórico e não contextual, propõe-se um currículo que reivindique a memória, que se conecte
com a experiência local da comunidade escolar e se projete para um mundo mais justo e esperançoso; Ante o
império da racionalidade que coloniza o espaço escolar de interesses e dispositivos técnicos, a prioridade
deve recair sobre as considerações éticas; Diante da fragmentação curricular, que se opte pela integração de
40
saberes; Diante da superioridade e a compartimentalização das diversas dimensões do ser humano, que se
aponte firmemente pela relação entre o sujeito e o conhecimento, entre a razão e o sentimento, entre o
conhecimento e a emoção, ou entre a estética e a ética.”
41
17
O currículo oculto aqui refere-se àquelas normas, valores e crenças não declaradas que são transmitidas aos
estudantes através da estrutura subjacente de uma determinada aula (GIROUX, 1997, p. 86).
18
Sobre o caráter contraditório da educação, Nascimento, et al. (2006, p.173-174) argumentam que: “A
educação ainda é considerada a via e o caminho da marcha de desenvolvimento do ser humano. O grande
esforço histórico social responsável por trazê-lo até o desenvolvimento científico e cultural na atualidade
efetivou a evolução humana, cujo processo histórico dessa trajetória pode ser considerado resultado do
encontro entre a condição humana e a educação. A educação auxilia os indivíduos a compreenderem a
estrutura da sociedade na qual está inserido, o porquê das transformações que nela se processam e contribui
para que deixem de ser expectadores do processo social visando torná-los protagonistas atuantes na sociedade,
podendo favorecer a mudança social ou se posicionarem contra ela, caso a considerem prejudicial aos
interesses do bem comum.”
19
Introduzo nesta discussão o papel que professores/as formadores/as necessitam assumir nas instituições de
ensino em geral, ou seja, a categoria de intelectuais transformadores, apoiando-me na visão epistemológica
empregada por Giroux (1997), exaustivamente discutida na sua obra “Os Professores como Intelectuais: rumo
a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Entramos para o século XXI e a modernidade com a sua
racionalidade instrumental baniu dos meios educacionais as possibilidades de uma dialogicidade na sala de
aula, caminho para a formação de sujeitos conscientes de sua participação ativa (ou passiva) no seu contexto
cultural. O resgate do diálogo oportunizando o protagonismo de professores e alunos é o ponto de partida para
a compreensão das questões políticas e econômicas as quais engendram a dinâmica da vida na sociedade, nela
incluída a educação, cuja relação de dependência e submissão ideológica ao projeto de sociedade que serve,
contribui para as desigualdades sociais, elo que se rompe com a mediação/socialização do conhecimento
universal, de modo crítico e reflexivo. Entendo com Giroux (1997, p. 161) [...] uma forma de repensar e
reestruturar a natureza da atividade docente é encarar os professores como intelectuais transformadores. A
categoria de intelectual é útil de diversas maneiras. Primeiramente, ela oferece uma base teórica para examinar-
se a atividade docente como forma de trabalho, em contraste com sua definição em termos puramente
instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, ela esclarece os tipos de condições ideológicas e práticas
necessárias para que os professores funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda a esclarecer o
papel que os professores desempenham na produção e legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais
42
variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas. Percebo que a atividade docente caracterizada
pelo autor deve ser traduzida por “práxis”, desse modo complementaria com ele “[...] nenhuma atividade,
independente do quão rotinizada possa se tornar, pode ser abstraída do funcionamento da mente em algum
nível. Este ponto é crucial, pois ao argumentarmos que o uso da mente é uma parte geral de toda atividade
humana, nós dignificamos a capacidade humana de integrar o pensamento e a prática, e assim destacamos a
essência do que significa encarar os professores como profissionais reflexivos.”
43
A escolha do caminho a ser trilhado numa pesquisa diz algo do sujeito que a
conduz. Nesse sentido a opção por uma metodologia está impregnada dos valores,
conhecimentos, experiências e modos de pensar do pesquisador, da mesma maneira que a
abordagem escolhida, constituída por seus pressupostos teóricos e princípios fornecerão os
passos seguros em direção ao que se busca compreender.
Ao pensar sobre a questão metodológica para o tipo de pesquisa que intenciono
realizar estava claro para mim que a abordagem metodológica não poderia ser quantitativa,
uma vez que os fenômenos sociais pouco se encaixam nos procedimentos inflexíveis e no
rigor da objetividade da análise com que estão submetidos os fenômenos físicos na pesquisa
usual. Com Brêtas (2000, p. 84) reforço essa minha distinção, nos seguintes termos:
[....] Enquanto a abordagem quantitativa, influenciada pela matriz positivista,
defende a neutralidade da ciência, o não comprometimento social do pesquisador, a
objetividade dos fatos, a utilização de instrumentos padronizados capazes de
mensurar a realidade objetiva; a qualitativa abriga diversas correntes do pensamento
que se contrapõem ao modelo experimental enquanto padrão único de pesquisa para
todas as ciências, prevalecendo entre elas as orientações filosóficas da
fenomenologia e da dialética. A abordagem qualitativa parte da premissa de que
existe uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, entre o sujeito e o
objeto, entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito.
Por essas razões entendo que a abordagem a ser adotada no âmbito desta pesquisa
é a qualitativa, cuja visão de mundo me permite perceber a relação das partes com a totalidade
e vice-versa. Nessa, a subjetividade do pesquisador com a qual me identifico e dos sujeitos da
investigação - os professores - se integram e se complementam, posto que as respostas obtidas
a partir das análises dos dados/experiências/relatos, ficam impregnadas da pessoalidade e da
temporalidade dos acontecimentos/histórias faladas e escritas. Em outras palavras, das
experiências subjetivas de todos.
46
formação de professores para o ensino de Física, é a ampla possibilidade que me é dada pela
pesquisa narrativa.
Ao inquietar-me com questões da prática formadora e dos pressupostos teórico-
metodológicos e epistemológicos como base da formação docente no curso de Licenciatura de
Física não tive dúvida de que estaria navegando em um mar de incertezas e que precisava de
“alguma certeza” para me direcionar. Foi assim que me aproximei da narrativa. Meu objeto
está situado no centro da pedagogia – educação –formação de professores para o ensino de
Física, logo, seria nas Ciências Sociais que eu encontraria os fundamentos necessários às
reflexões para compreender esta ou aquela concepção basal das práticas e para dar sentido à
educação no século XXI. Se por um lado, as Ciências Sociais me dariam à luz, de outro lado,
precisaria de um caminho para aproximar-me do fenômeno em questão. Com a Narrativa me
apropriaria do passado, presente e futuro da prática formadora, mediante a história oral das
experiências dos formadores e a documental do curso.
Na visão de Connelly e Clandinin (2011, p. 48), da qual compartilho, é possível
dizer o seguinte:
[...] Para cientistas sociais, e consequentemente para nós, experiência é uma palavra-
chave. Educação e estudos em Educação são formas de experiência. Para nós,
narrativa é a melhor forma de representar e entender a experiência. Experiência é o
que estudamos, e estudamos a experiência de forma narrativa porque o pensamento
narrativo é uma forma-chave de experiência e um modo-chave de escrever e pensar
sobre ela. Cabe dizer que o método narrativo é uma parte ou aspecto do fenômeno
narrativo.
construção de seu novo projeto, vejo a pesquisa que realizo da maior relevância para a
formação de novos professores.
No âmbito dos procedimentos metodológicos, os sujeitos foram ouvidos em
entrevistas gravadas em áudio, que foram subsequentemente transcritas. As entrevistas dos 16
participantes duraram em média 90 minutos, convertidas em aproximadamente quatrocentas
laudas de material de análise, constituindo o corpus da pesquisa de maior referência. À
medida que avançava no trabalho da transcrição providenciava a devolutiva para os
professores, de modo a validarem o material coletado ou acrescentarem algo mais ao texto, de
acordo com suas percepções e necessidades. Esse material juntamente com os documentos
que foram levantados constituíram o corpus da pesquisa, os quais foram submetidos a
estudos, exaustivas análises e interpretações, tendo em vista a construção desta Tese.
No projeto de pesquisa, a observação do trabalho docente em sala de aula chegou
a ser pensada nos casos em que sua entrevista apontasse essa necessidade. Como havia uma
grande abertura e boa relação com os sujeitos facultando novos contatos para eventuais
esclarecimentos considerei a coleta à altura dos propósitos investigativos, dispensando a
observação citada.
Com essas características a pesquisa se concretizou colaborativamente,
pesquisador e sujeitos, resultando na estruturação dos textos de campo. Isto se deu no âmbito
da convivência com os professores de Física no departamento acadêmico; no trabalho
investigativo de campo;20 na revisão de documentos tais como atas, legislações internas e
externas, projeto do curso, bem como informações administrativas acerca da licenciatura.
Dessa forma, foi possível reunir elementos para uma historiografia básica da formação de
professores de Física do IFMA.
Dando início ao meu projeto de pesquisa tratei de apresentá-lo aos professores da
licenciatura, nas reuniões do Núcleo Docente Estruturante (NDE), junto a outros professores
que haviam sido indicados em assembleia departamental para formar uma comissão, cuja
finalidade seria a de construir uma proposta de reformulação da licenciatura. Essa ocasião
acabou me favorecendo, haja vista que posteriormente fui oficialmente convidada para
integrar a comissão constituída, acompanhando desde então, semanalmente, as discussões em
torno do que seria o novo projeto pedagógico do curso de Física. A Comissão foi constituída
20
Iniciado em janeiro deste ano de 2017.
50
por portaria e foi integrada por professores do NDE da licenciatura, duas professoras
pedagogas do departamento de Ciências Humanas e Sociais, e outra professora da área de
Línguas. Um aluno integrava a comissão representando os estudantes do curso.
Essa experiência foi do meu ponto de vista muito valiosa para este trabalho de
investigação, posto que não só possibilitou maior aproximação com os professores do
Departamento de Física (DEFIS), como me oportunizou ocupar um espaço estratégico
considerado por mim fundamental no processo de construção do novo PPC do curso. Tive
oportunidade de observar as relações profissionais que professores mantêm entre si. Pude
conhecer a visão que possuem em torno de questões pedagógicas, do ensino, das ciências e do
trabalho de formação de professores.
Nas interpretações e análises possíveis dessa experiência nesta pesquisa trago
esses relatos, seja na minha voz seja na voz dos sujeitos, abordando impressões e
aprendizagens dessa etapa inicial do trabalho investigativo.
Caminhando paralelamente com a pesquisa e o trabalho da Comissão na
reformulação do curso realizei as entrevistas com os sujeitos desta pesquisa. Devo confessar
que tinha certo receio da aproximação nesse momento, pressentindo reação negativa dos
professores às questões que havia pensado para o diálogo durante as entrevistas. Contudo, fui
tomada de surpresa com a disponibilidade dos colegas em atender-me. A leitura que fiz sobre
essa atenção revela que o meu envolvimento com o trabalho do NDE na comissão e minha
presença no DEFIS colaborou para que, num espaço inferior a 30 dias, com todas as questões
enfrentadas pelos professores, com horários de sala de aula, trabalho de pesquisa, docência na
pós-graduação, orientação, aulas de laboratório, coordenação de curso, concluíssemos as
entrevistas.
A entrevista, como método na pesquisa narrativa, revela-se da maior importância
e adequação tendo em vista a produção dos textos de campo. Com a obtenção do
consentimento dos sujeitos da pesquisa, as entrevistas foram agendadas semanalmente e
realizadas no próprio Campus21. Pontuo este fato para declarar o clima favorável de ambos os
envolvidos na entrevista. Com as propriedades de uma entrevista semiestruturada, as questões
foram organizadas em torno de quatro eixos principais, quais sejam: (i) a concepção de
Ciência e de Educação para o século XXI; (ii) o conhecimento do projeto do curso e a
21
Na sala do laboratório de ensino I do DEFIS.
51
Considero que na pesquisa narrativa o elo que se forma entre o pesquisador com
os sujeitos participantes através de suas histórias e das histórias desses sujeitos com o
pesquisador não se completa se não enquanto a pesquisa se desenvolve. A investigação é
precisa em terminalidade, entretanto, se os dados obtidos no processo necessitam ser revistos,
retorna-se às fontes e recomeça-se, num fluxo contínuo, em direção ao objeto, até que o
estado de compreensão esperado possa ser alcançado.
Outros procedimentos da pesquisa empírica foram igualmente planejados.
Mantive em sigilo a identidade dos sujeitos da pesquisa, utilizando nome ‘fantasia’; obtive
consentimento para gravação das entrevistas em áudio; fiz transcrição das entrevistas e
devolutiva aos sujeitos a fim de que complementassem ideias, falas, sentimentos. Das minhas
observações como participante em reuniões, comissões de trabalho e outros eventos, como
pesquisadora, registrava em Diário de Campo dados, aspectos e detalhes considerados de
relevância para o processo de construção do relatório da tese.
A tessitura de uma tese com as características da narrativa se move na
imprevisibilidade do passo seguinte. A incompletude e o inacabamento do pesquisador, como
os concebem Paulo Freire, é explicativo nesse cenário de incertezas e tensões que envolvem a
interpretação, a narrativa e a Tese. Se tentarmos buscar compreender o objeto investigado de
maneira solitária dificilmente o alcançaremos. A experiência não está em nós, em mim, mas
no sujeito que a viveu com os significados que construiu a partir dos próprios conhecimentos,
valores, crenças, interações. Será ainda com os teóricos que escolhemos para nos conduzir às
tempestades de luz (MORAES, 2003) que caminharemos. Conferir significados à
manifestação de sentido do outro exigiu meu envolvimento de corpo inteiro como
pesquisadora, cuja primeira leitura e apreensão dos sentidos e significados
interpretados/produzidos se deram advindos do diálogo, do ouvir a história do outro.
52
22
Refiro-me ao tempo de 4 meses, de janeiro a abril, às quartas-feiras.
23
Cumprindo determinações das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível
superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para formação continuada (Resolução CNE/CP Nº 2, de 1º de julho de 2015).
53
o debate sobre a parte específica do currículo do curso. Em conjunto decidiríamos por voto, as
posições tomadas dentro do grupo. Foram momentos de intensos e acalorados debates na
maior parte do tempo, ricos em aprendizagem para os dois lados. As leituras que eu havia
proposto para o início do trabalho não foram completamente acatadas, a Comissão alegava
falta de tempo, pressa e objetividade na conclusão dos trabalhos, o que não me causou
estranheza, haja vista ser caraterística dos profissionais da área das ciências duras. Por
diversas vezes insistia que aprofundássemos as discussões acerca do trabalho de formação de
professores; desejava debater o perfil de profissional que de fato estávamos projetando
naquele momento e qual seria o perfil necessário ao momento vivido pela sociedade na
atualidade; trocar ideias sobre as bases teóricas da prática pedagógica e docente e suas
relações com o contexto econômico e político como fatores relevantes para a formação do
professor como intelectual transformador. Não demorei muito para perceber que não
conseguiria ir além da conquista da participação no grupo como colaboradora, as decisões
estavam com a coordenação dos trabalhos, majoritária dos docentes da Física.
Na tentativa de contribuir para a reformulação do projeto, tratei de abordar a
importância de se pensar, coletivamente, uma concepção de professor e de processo de
formação, a serem transpostas para o currículo do curso de Física, que constituiu o primeiro
grande desafio; iniciar o trabalho avaliando o antigo PPC do curso pareceu ser o segundo
desafio; nas discussões sobre a inserção ou exclusão de disciplinas na matriz curricular dos
cursos estimulava sempre o debate para focar a natureza e identidade do curso, constituindo o
terceiro desafio; destituir a primazia da teoria sobre a prática ou modificar o entendimento da
separação entre o conceito e sua aplicação era, sem dúvida, o quarto maior desafio, mesmo
que esbarrasse nas concepções mecanicistas de formação dos colegas na comissão.
As minhas argumentações eram sobremaneira respeitadas, embora parecessem
muito difícil de serem acolhidas face à distância teórica que existia entre o que eu falava e o
que eles acumulavam sobre os temas de educação, prática docente, formação de professores,
dentre outros, para uma prática educativa deste século.
Porém, ficou claro desde o início que a opção deles em tratar da reformulação,
começando pela matriz curricular do curso, era o que mais interessava e estava em jogo, haja
vista que a composição da matriz era objeto de divergências no grupo do DEFIS como um
todo. Isto porque alguns poucos colegas professores eram favoráveis à construção de um
projeto de curso garantindo a identidade para a docência, com visão emancipatória e
54
transformadora, e os demais, preocupados com uma ampla base científica do futuro professor,
com aptidões e/ou interesse para a pesquisa e pós-graduação tão somente.
Trago na memória cada cena dessa experiência e no diário de campo as anotações
precisas das relações que fiz do que observara em relação ao meu objeto de investigação. Na
expressão de Connelly e Clandinin (2011, p. 120), quando pesquisadores narrativos estão em
campo, eles deixam de estar ali como mentes sem corpo, registrados nas experiências de
alguém. Eles também estão vivenciando uma experiência, qual seja: a experiência da
pesquisa que envolve a experiência que eles desejam investigar.
A seleção e organização de documentos como o PPC do curso, textos da
legislação correspondentes a diretrizes para o curso, dados de ingresso, permanência e
conclusão de estudantes no curso são reveladores do processo de formação dos professores. A
meu ver, o PPC, entre outros, é o documento de maior importância para o curso e para a
pesquisa. Respeitando as determinações das Resoluções dos Conselhos Superiores de Ensino,
concentra as orientações e os fundamentos filosóficos, pedagógicos e didáticos do curso, em
torno dos quais as ações complementares a esse se subordinam e se adequam. A análise dessa
documentação compõe um dos textos de campo e constará do capítulo que trata do corpus da
pesquisa.
Após a pesquisa empírica, o passo subsequente se deu com a construção dos
textos de campo. Desse modo, iniciei timidamente o trabalho, pois me preocupava se já
estaria em condições de interpretar e analisar os dados coletados, apreender os nexos dos
diálogos que acompanhava quando estive presente no Departamento de Física, as falas nas
discussões reiteradas vezes sobre um mesmo conceito ou uma mesma postura, durante as
reuniões de reformulação do PPC e nas entrevistas.
A complexidade dessa tarefa equipara-se à compreensão do conteúdo das falas
dos professores. Por outro lado, fora as entrevistas eu não havia solicitado permissão para
gravar diálogos e debates, apenas para observá-los em situações de trabalho que, a meu ver,
tornava a interpretação, análise e construção do texto complicadas ou complexas. Esse
problema pareceu mais ou menos contornado com os registros no Diário de Campo (DC),
“meu velho companheiro de trabalho”. Meu DC esteve presente todo o tempo e em todos os
lugares que precisei transitar na intenção de obter as informações que precisava.
A transcrição e interpretação dos dados constituíram o corpus da pesquisa. Foi
previsto desde o projeto de pesquisa que para a análise e interpretação do corpus seria
utilizada a Análise Textual Discursiva – ATD. Trata-se de uma construção “com muitas
55
mentes”, cuja interpretação faço a partir desse momento, e que estará afinada com a fala dos
sujeitos, ou seja, com os autores do texto original. Esta fase da investigação, segundo Moraes
e Galiazzi (2007, 20-21) exige uma impregnação aprofundada com os elementos do processo
analítico. Somente essa impregnação possibilita uma leitura válida e pertinente dos
documentos analisados. Sou de acordo que nada é realmente dado, mas tudo é construído.
24
No ano de 1841 a província do Maranhão era presidida pelo Dr. João Antônio de Miranda.
25
Através do Decreto Nº 7.566, de 23 de setembro do ano de 1909, foram criadas Escolas de Aprendizes
Artífices (EAA), visando o ensino técnico. Um total de 19 unidades, uma em cada estado da União. Em janeiro
do ano seguinte, instalou-se a Escola de Aprendizes Artífices do Maranhão.
26
Com a criação do Ministério da Educação na década de 1930, o ensino técnico inicia uma nova fase, sendo
considerado um período de grande expansão do ensino industrial.
57
Industrial de São Luís, permanecendo no bairro do diamante. Porém, um ano antes fora
lançada a pedra fundamental da fundação do prédio que abriga no presente o IFMA Campus
São Luís Monte Castelo. Neste espaço localiza-se a Licenciatura em Física de que trata esta
pesquisa.
Na década seguinte uma nova ordenação do sistema educacional é provocada pela
Reforma Capanema. Por meio das Leis Orgânicas do Ensino: industrial, secundário,
comercial, agrícola, primário, normal e agrícola, no período compreendido entre os anos de
1942 e 1946 foi consolidada a dualidade no ensino. Desse contexto, emergem as Escolas
Técnicas Industriais, reproduzindo a divisão social do trabalho e das classes constitutivas da
sociedade à época. Assim, o nosso Liceu Industrial de São Luís transforma-se em Escola
Técnica de São Luís27.
Nessa perspectiva, a educação superior na Rede Federal desponta timidamente ao
final da década de 7028, abrangendo três escolas técnicas, Minas Gerais, Paraná e Rio de
Janeiro pelo fato de possuírem estrutura física de boa qualidade, uma vez que suas
instalações, laboratórios e equipamentos, e estrutura pedagógica, corpo docente e
administrativo eram considerados de excelência. Por isso as referidas instituições obtiveram
do governo federal autorização para oferecer cursos de graduação. Desde aí se transformam
em Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETs - diferenciando-se das demais
unidades de Ensino Técnico, suas coirmãs.
Considerando esses aspectos, unidos a questões de ordem política, a escola
técnica local transformada em Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão –
CEFET-MA, dez anos depois foi autorizado a implantar e desenvolver cursos superiores 29.
Em função disto poderia ministrar ensino de 2º grau técnico, ensino superior e de pós-
graduação; desenvolver pesquisa, cursos de extensão e de aperfeiçoamento. Ingressa desse
modo na esfera da educação superior, com 80 anos de história na educação profissional.
27
A transformação se deu por força do Decreto Nº 4.127 de 25 de fevereiro de 1942. Uma história de muitas
mudanças estruturais e educacionais. No ano de 1959, as Escolas Técnicas foram transformadas em Escolas
Técnicas Federais. Com a Lei Nº 3.552, de 16/02/1959, os estabelecimentos de ensino passam a gozar de
autonomia administrativa e financeira. As mudanças neste período atenderam a “necessidade” de formação de
técnicos/mão-de-obra, disponível ao célere processo de industrialização do país. Nesse contexto, em setembro
de 1965, através da Portaria 239, a nossa instituição recebe a denominação de Escola Técnica Federal do
Maranhão.
28
Lei Nº 6.545, de 30 de junho de 1979. Dispõe sobre a transformação das Escolas Técnicas Federias de Minas
Gerais, do Paraná e Celso Suckow da Fonseca em Centros Federias de Educação Tecnológica e dá outras
providências.
29
A criação do CEFET-MA se deu através do Decreto Nº 97.561, de 2 de março de 1989.
58
30
Referidos cursos foram autorizados por Decreto da Presidência da República em 28/01/1992, obedecendo o
que dispunha o artigo 47 da Lei Nº 5.540 de 28/11/1969. Nesse ano de 1992, teve início o funcionamento dos
cursos de Engenharia Mecânica Industrial e Engenharia Elétrica Industrial, com o primeiro vestibular, para
estes cursos.
59
31
[...]formação que considera o professor apenas como transmissor de conhecimentos, que se preocupa somente
com a formação de atitudes de obediência, de passividade e de subordinação nos alunos, que trate os alunos
como assimiladores de conteúdo, a partir de simples práticas de adestramento que tomam como mote as
memorizações e repetições de conhecimentos que pouco têm a ver com a realidade dos alunos (GHEDIN;
ALMEIDA, LEITE, 2008, p. 30).
32
O Decreto Nº 2.208 de 17 de abril de 1997, regulamentava o § 2º do Art. 36 e os Art. 39 a 42 da Lei Nº 9.394
de 20/12/1996. Foi objeto de críticas por quase todo o segmento de professores e educadores dedicados ao
ensino e a pesquisa na educação profissional. O que motivou a insatisfação deveu-se principalmente ao que
estava previsto em seu Art.9º - “As disciplinas do currículo do ensino técnico serão ministradas por
professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional
[...]”. Com efeito, observou-se uma desmobilização na formação de professores para as áreas técnicas na
medida em que facultava a admissão de professores aos cursos técnicos, desde que comprovada a experiência
profissional do mesmo.
33
O Decreto Nº 5.154 de 23 de julho de 2004, regulamenta o § 2º do art. 36 e os Art. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências.
34
Resolução CNE/CEB Nº 02/1997, dispõe sobre os programas especiais de formação pedagógica de docentes
para as disciplinas do currículo, do ensino fundamental, do ensino médio, e da educação profissional de nível
médio.
60
Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio – Parte III – Ciências da Natureza, Matemática e suas
35
Tecnologias.
36
Resolução Nº 12/98, de 29 de dezembro de 1998. Aprova, ad referendum do Conselho Diretor do Centro
Federal de educação tecnológica do Maranhão, a Criação do Curso de Licenciatura Plena em Matemática.
61
extensão nas escolas. Se forem observados os projetos pedagógicos dos cursos tal proposta
poderá ser evidenciada mesmo com ressalvas.
As licenciaturas na área das ciências vieram dois anos depois em resposta ao
quadro de carências de professores de Física, Química e Biologia no Estado e no restante do
território nacional nessa década, quadro inalterado até os dias de hoje, pela ação desfalcada e
lenta de políticas de valorização da carreira, diluídas nos discursos, desaparecendo muitas
delas no vão das intenções, resulta desse contexto uma profissão pouco atrativa para os
candidatos que se lançam ao magistério. Com efeito a desistência dos iniciantes nos cursos de
formação pode ser uma resposta aos altos índices de evasão nas licenciaturas da área das
ciências.
A criação desses cursos no CEFET-MA se deu através da Resolução Nº 08/200137
do CONDIR/CEFET-MA, aprovando inicialmente o Programa Especial de Formação de
Professores para a Educação Básica dos cursos de Licenciatura Plena em Informática e
Licenciatura Plena em Ciências, com habilitação em Física, Química e Biologia, considerando
as deliberações do Conselho Nacional de Educação - CNE, o CONDIR/CEFET-MA, por
meio da Resolução Nº 18/200538 que alterou a Resolução Nº 08/2001 e autoriza o
funcionamento dos cursos de Licenciatura Plena em Química, em Física, em Biologia e em
Informática. Este último foi desativado no presente, por decisão do Conselho Superior da
Instituição, considerando controvérsias acerca de sua finalidade de formação.
Tenho registrado na memória o movimento da Instituição com o empenho dos
colegas dos Departamentos Acadêmicos nas comissões de trabalho, tendo em vista a
construção dos projetos dos cursos. Para cada nova Licenciatura foi formada uma Comissão
para elaborar o PPC, fazendo um enorme esforço para estruturar e organizar os Projetos das
Licenciaturas, dado que nem todos possuíam um lastro teórico e epistemológico no campo da
educação e o CEFET-MA não acumulava qualquer experiência na formação de professores
para a área científica. Nossos encontros de trabalho eram sempre tensos e difíceis, as
discussões teóricas às vezes se prolongavam, outras vezes o tempo se consumia e não
conseguíamos avançar. Com todas as limitações e possibilidades as propostas foram dadas
37
Resolução Nº 08/2001, de 04 de junho de 2001. Aprova o Programa Especial de Formação de Professores para
a Educação Básica dos Cursos de Licenciatura Plena em Informática e Licenciatura Plena em Ciências com
habilitação em Física, Química e Biologia.
38
Resolução 18/2005, de 30 de junho de 2005. Aprova a alteração do Ar.1º da resolução Nº 09/2001de 04 de
junho de 2001 e dá outras providências.
62
como concluídas no ano de 2000, ano anterior ao do início das atividades pedagógicas dos
cursos.
O lançamento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores (2001) coincidiu com a implantação das licenciaturas em Física, Química,
Biologia e Matemática. Estando esses cursos no início de seu funcionamento as comissões de
trabalho trataram de fazer os ajustes dos Projetos Pedagógicos às novas diretrizes, desse modo
o curso da área das ciências incorporou as novas Diretrizes Curriculares para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena
(Parecer CNE/CP 09/2001 e Resolução CNE/CP 01/2002).
Em 2002 o CNE estabeleceu as Diretrizes curriculares para os cursos de
Bacharelado e Licenciatura em Física, a Resolução CNE/CES 09/2002, novas orientações
foram aplicadas aos projetos dos cursos. Na visão de Nardi e Cortela (2016, p. 27) essas são
em muitos pontos incompatíveis com aquilo que é proposto nas Diretrizes Curriculares para a
Formação de Professores da Educação Básica. Concordo, pois, as políticas educacionais no
bojo das legislações com a finalidade de ajustar-se aos projetos econômicos em voga impõem
concepções dogmáticas dificultando a elaboração de propostas inovadoras e emancipatórias
para a formação de professores.
É oportuno lembrar que a criação e funcionamento das novas licenciaturas ocorreu
no tempo e espaço limítrofe de uma institucionalidade com um século de tradição em
educação profissional técnica que passou a centro federal - CEFET-MA - portanto, com uma
série de restrições de ordem estrutural, material e de pessoal – professores, técnicos e
servidores administrativos, para aportar os novos cursos de licenciatura na área das ciências e
da matemática. Essa condição obrigou os professores que à época atendiam aos cursos
técnicos e às engenharias, assumirem compromissos com a formação de professores, sem uma
qualificação adequada à tarefa. A ausência de formação pedagógica dos professores
formadores certamente freia alguns avanços de bases teórico-metodológicas e epistemológicas
no processo da formação docente. A parte do currículo da área de educação das Licenciaturas
novas pode contar com os professores remanescentes das Licenciaturas em Mecânica,
Eletricidade e Construção Civil que estavam praticamente encerradas nesse período.
Em torno dos projetos curriculares das novas licenciaturas havia por parte de um
pequeno grupo de professores a expectativa de superação do modelo da racionalidade técnica,
visão burocrática do ensino, acrítica, por uma educação de base emancipadora para assegurar
reflexividade no processo da formação dos novos professores. No entanto, encontravam
63
barreiras a exemplo das mencionadas acima e de ordem legal. Por menores ou maiores que
fossem os avanços apontados pelos projetos dos cursos, observava-se que o conjunto da
formação apresentava rupturas e fragilidades metodológicas na prática docente formadora.
Era possível chegar a essa inferência na própria sala de aula, mediante a observação do perfil
docente que se desenhava nos alunos professores, no interior dos cursos.
Como professora da área de educação lecionando disciplinas nas licenciaturas,
pude participar da elaboração de projetos de criação e implantação das licenciaturas em
ciências; implementação e mais recentemente, da reestruturação dos cursos de Química e de
Física, visando atender às novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em
nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos
de segunda licenciatura) e para a formação continuada ( BRASIL, 2015).
Avançando no tempo e na história da instituição o ano de 2008 se revelou um
marco na institucionalidade da IES como também para as licenciaturas. Em dezembro desse
ano o governo federal realizou o maior investimento da história, na educação profissional e
tecnológica, expandindo a rede e ampliando a oferta de vagas no ensino profissional de nível
médio e na educação superior, com a obrigatoriedade da oferta de vagas para as licenciaturas
em ciências, fixadas percentualmente.
Sobre o movimento de expansão da Rede, Pacheco e Silva (2009, p. 8), dirigentes
da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação
SETEC/MEC assim se referem: a Lei Nº 11.892, publicada em, 29/12/2008, cria no âmbito do
Ministério da Educação um novo modelo de instituição de educação profissional e
tecnológica. Estruturadas a partir do potencial instalado nos ‘CEFET’, escolas técnicas e
agrotécnicas federais e escolas vinculadas às universidades federais, os novos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia geram e fortalecem condições estruturais
necessárias ao desenvolvimento educacional e socioeconômico brasileiro. Foi assim, portanto,
instituída a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica39.
39
A Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, traz em seu Art.1º - Fica instituída, no âmbito do sistema federal de
ensino, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da
Educação e constituída pelas seguintes instituições: - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia -
Institutos Federais; - Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR; Centros Federais de Educação
Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFETRJ e de Minas Gerais - CEFET-MG; Escolas Técnicas
Vinculadas às Universidades Federais; Colégio Pedro II Por meio dessa lei o Centro Federal de Educação
Tecnológica do Maranhão CEFET-MA, integrando às escolas Agrotécnicas Federais de Codó, de São Luís e de
São Raimundo das Mangabeiras transforma-se em INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO - IFMA,
atualmente constituído por 26 campi. O segundo artigo da Lei em questão define os Institutos Federais como
instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta
64
de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino. Referidas Instituições são
equiparadas às universidades federais, para tanto, possuem natureza jurídica de autarquia, detentoras de
autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar. O que lhes confere
autonomia para criar e extinguir cursos. (BRASIL, 2008)
65
utilização de falas expressivas dos sujeitos que revelam traços marcantes de suas
personalidades. Assim, neste trabalho, os meus sujeitos serão identificados na forma como os
apresento a seguir:
César Lattes: tem 42 anos. É professor do IFMA há 15 anos. É bacharel em
Física, com mestrado e doutorado em Física. Expressou que:
Quando estava no ensino médio eu tinha um professor de Física que
admirava muito[...] Eu queria ser piloto, de caça, doido por avião...
Eu nasci dentro da escola especialista da aeronáutica, tinha tudo
para ser piloto, mas aí eu tive um professor de Física que ensinava
Física de uma forma diferente... Ele fazia exatamente o que eu acho
que é bacana, que é diferente. Eu posso falar que foi esse camarada
que me trouxe para dentro da Física. E eu fiz física.
Constantino Tsallis: tem 47 anos, é professor do IFMA há 11 anos. Possui
licenciatura em Física, com mestrado e doutorado em Física Aplicada. Expressou o seguinte:
.... Eu sempre tive e tenho não só um amor, mas preocupação com a questão do ensino da
Física. Aí foi essa a minha formação.
Jayme Tiomno: tem 43 anos, é professor do IFMA há 10 anos, com atuação
no ensino técnico e superior. Licenciado em Física, possui especialização no ensino de Física,
doutorado em Física Aplicada. Expressou o seguinte:
Se eu fosse dar uma nota para mim em termos de melhoria há dez
anos atrás eu daria uma nota baixa, mas acho que melhorei muito
mesmo. Se antes eu me dava uma nota cinco, de zero a dez, hoje, eu
me dou uma nota oito, talvez até nove. Mas isso eu não digo por conta
da formação, mas pela experiência de vida e boa vontade de querer
melhorar e entender a realidade. Eu acho que isso contou mais.
A exemplo dessa postura dos sujeitos, me senti ainda mais motivada na realização
desta pesquisa. Expressões e revelações tão verdadeiras como essas, captadas de suas falas
durante as entrevistas, repercutiam positivamente na minha caminhada investigativa. Certa
ocasião, saindo de uma sessão de entrevista com um dos sujeitos da pesquisa, registrei no meu
Diário de Campo os sentidos da experiência que estava vivendo naquele momento.
Finalizando, transcrevo para este espaço as impressões que em mim causaram:
Todas as falas são extremamente ricas de histórias de superação,
cada uma acrescenta um dado novo, algo interessante, algo que eu
talvez não tivesse a capacidade de supor e de perceber porque não é
uma experiência minha, um sentimento meu. Nesse ponto destaco a
investigação narrativa, pela oportunidade de participar das histórias
das pessoas mesmo sem ter delas tomado parte, e de repente poder
dizer:- Puxa vida! Mas eu não estava nesse momento quando isso
aconteceu! Eu perdi essa parte! Mas não importa porque nesse
momento ao me aproximar dos sujeitos, resgato os fatos no relato
deles, porque nada é mais rico que a experiência trazida à memória.
Realizada a pesquisa de campo veio a transcrição dos dados e a partilha das escritas,
caracterizando o processo de construção compartilhado. Caminhos da pesquisa narrativa que
se faz e refaz nesse ciclo contínuo. Fazendo o caminho de volta, o trabalho de imersão sobre
os textos para o processo de unitarização e análise construindo sentidos em direção ao
fenômeno pesquisado, até o ponto em que se completa o ciclo da pesquisa, dado ter
alcançados os objetivos.
72
docente que idealiza a transformação da realidade social naqueles aspectos que mais
diretamente afetam a vida das pessoas, contribuindo para a construção de uma sociedade mais
humanizada e justa. A produção do conhecimento resultante das pesquisas dedicadas ao tema
educação, ensino de ciências e matemática, minimamente, permitem e sugerem diretrizes
curriculares para o ensino e a formação de professores em Ciências e Matemática, com
concepções de práticas inovadoras e transformadoras.
Entendo com Ghedin e Franco (2011) que a educação como prática social
histórica transforma-se pela ação humana como também transforma os que dela participam,
havendo um agente fundamental responsável por essa transformação - o professor. Com sua
atividade docente o professor reflete pressupostos teórico-metodológicos nos saberes e fazeres
de sua formação, temática que me propus aprofundar nesta pesquisa analisando a experiência
formadora dos professores-formadores de Física.
Nessa direção, Rosa e Rosa (2010) ao criticarem o modelo de prática pedagógica
do professor no ensino de ciência apontam a natureza de concepção de ‘Ciência’ do professor
na educação científica e na relação com os processos de ensino-aprendizagem, evidenciando-
se o seguinte:
O ensino de ciência vem historicamente consolidando um modelo no qual o
conhecimento representa um conjunto de fatos “descobertos” pelos cientistas e
acumulados pela humanidade, dentro de um processo a-histórico,
descontextualizado e sem relação entre a concepção da natureza do conhecimento
científico do cientista e a produção desse conhecimento. A concepção sobre a
natureza da ciência subjacente ao processo ensino-aprendizagem decorre, em grande
parte, da visão de ciência do professor, não apenas das concepções imbricadas nas
estruturas organizacionais que direcionam a educação. (ROSA; ROSA, 2010, p. 1)
Vale ressaltar que essa é uma problemática que não se restringe ao ensino das
Ciências, mas, diz respeito ao ensino da Matemática, ainda que se mostre sob outro ponto de
vista, convergindo para a preocupação que se deve ter com a educação, como exigida neste
século XXI. Isto significa ser um professor com a competência científica e pedagógica crítica,
com a visão real dos problemas sociais e ambientais emergentes desta nova era da
globalização nas sociedades, no momento presente (MORIN, 2011; SANTOS, TERÁN,
NICOT, 2015; CHASSOT, 2007).
Tais autores criticam o paradigma educacional vigente, nos moldes cartesianos
que reduz a educação à transmissão de conhecimentos, apontando para a superação por um
novo modelo que inclua a leitura da realidade da sociedade imersa em problemas de várias
ordens. Isto em razão do modelo capitalista e do desenvolvimento tecnológico, que propicia
acumulação de riqueza desigual, consumismo inconsequente, causando impactos ao ambiente,
74
40
A ciência fruto do conhecimento produzido culturalmente pelo homem é, por essa razão histórica. Guarda
estreita relação com as necessidades materiais do homem, em cada etapa da história, cada vez que nela
intervém. Para Andery et al. (2014, p. 13) A produção do conhecimento científico não é, pois, prerrogativa do
homem contemporâneo. Quer nas primeiras formas de organização social, quer nas sociedades atuais, é
possível identificar a constante tentativa do homem de compreender o mundo e a si mesmo [...] A ciência
75
caracteriza-se por ser a tentativa do homem de entender e explicar racionalmente a natureza, buscando
formular leis que, em última instância, permitam a atuação humana. Tanto o processo de construção de
conhecimento científico quanto o seu produto refletem o desenvolvimento e a ruptura ocorridos nos diferentes
momentos da história [...].
76
denominada Teoria do Conhecimento, entretanto, são distintas em sua função. De acordo com
Oliveira (2016) tem-se o seguinte:
A Epistemologia é uma disciplina filosófica que reflete criticamente sobre o
conhecimento científico. Assim, encontra na Filosofia o seu princípio e na ciência o
seu objeto. Entretanto, a epistemologia não apresenta um estatuto preciso e definido,
sendo seu conceito flexível por estabelecer um trânsito conceitual entre a Teoria do
Conhecimento e a filosofia da ciência. Muitas vezes é expressa como Teoria do
Conhecimento. [...] A epistemologia tem como função refletir sobre a prática dos
cientistas, considerando o conhecimento um processo histórico, as ciências em vias
de se fazerem, em seu processo de gênese, formação e estruturação progressiva.
(OLIVEIRA, 2016, p. 18 grifo nosso)
41
Segundo Chauí (1997) a Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático
da realidade natural e humana, da origem e causas ao mundo e de suas transformações, da origem e causas das
ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego.
42
Em razão da mobilidade dos primeiros habitantes em busca de garantir a sobrevivência, as sociedades
primitivas foram se organizando por relações de parentesco e formando as primeiras civilizações, em diversos
pontos da Terra. Aos poucos foram estruturando a economia e a vida nos agrupamentos, submersos em ritos e
magias. Daí a origem dos mitos (CHASSOT, 2004; ANDERY et al., 2014). Assim, formaram-se diversas
civilizações, com diversificadas culturas e estágios de desenvolvimento atrelado à produção econômica. Para a
produção do conhecimento na história das civilizações, a transformação do homem em agricultor possibilitou-
lhe grandes saltos, incorporados esses conhecimentos e técnicas, às ciências com o tempo (CHASSOT, 2004).
77
herança cultural de milênios, muitas delas válidas em suas culturas até o dia de hoje, outros
ainda verdadeiros mistérios para a ciência contemporânea.
Todavia, nenhum povo da Antiguidade influenciou tão decisivamente nossa
civilização ocidental como os gregos, afirma Chassot (2004). Do período que se estende do
século VII a.C. ao século II a.C. compreende as tentativas dos primeiros filósofos em oferecer
uma explicação racional do mundo, contrapondo-se às explicações míticas43 até aquele
momento. O pensamento científico-filosófico (ANDERY et al., 2014), que florescia em
terreno grego distinguia-se do pensamento mítico, cujas explicações sobre a origem de tudo
quanto existia na realidade (dos astros, da Terra, do homem, das plantas, dos animais, do
fogo, do bem, do mal e assim por diante) era atribuída à força dos deuses, considerados seres
superiores aos humanos.
Por essa razão, a explicação do mito para o que existe na realidade recebe a
denominação de cosmogonia e teogonia. Referidos mitos eram chamados de cosmogônicos ou
teogônicos, isto é, buscavam descrever a ordem do universo e do cosmos, a partir de uma
genealogia dos deuses (CHAUI, 1997; CHASSOT, 2004; ANDERY et al, 2014).
O movimento da passagem da explicação mítica para o processo do conhecimento
de forma racional44 sobre as coisas do mundo se dá quando alguns gregos se espantam com a
realidade e se mostram insatisfeitos com tais explicações, dando início à infância da ciência,
marcada no nascimento da Filosofia. Chauí (1997, p.23) aduz que:
43
Sobre as explicações míticas Andery et al. (2014, p. 20) diz o seguinte: O mito é uma narrativa que pretende
explicar, por meio de forças de seres considerados superiores aos humanos, a origem, seja de uma realidade
completa como o cosmos, seja de partes dessa realidade; pretende também explicar os efeitos provocados pela
interferência desses seres ou forças. Tal narrativa não é questionada, não é objeto de crítica, ela é objeto de
crença, de fé. Além disso, o mito apresenta uma espécie de comunicação de um sentimento coletivo: é
transmitido por meio de gerações, como forma de explicar o mundo, explicação que não é objeto de discussão;
ao contrário, ela une e canaliza as emoções coletivas, tranquilizando o homem num mundo que o ameaça. É
indispensável na vida social na medida em que fixa modelos da realidade e das atividades humanas. O mito
opõe-se ao pensamento racional. Razão, logos – em seu sentido original – significa, por um lado, reunir e ligar,
e, por outro, calcular, medir, ambos relacionados ao pensar, uma atividade fundamental para o homem.
44
Segundo os historiadores da Filosofia o nascimento se deu entre os fins do século VII e início do século VI
a.C., na região da Jônia, na cidade de Mileto e teve como primeiro filósofo Tales de Mileto. Já nasce com um
conteúdo: uma cosmologia. “Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da
Natureza, donde, cosmologia.” (CHAUÍ, 1997, p. 25). Logo, o pensamento filosófico em seu nascimento
caracterizava-se entre outros aspectos, por uma tendência à racionalidade, ou seja, a explicação de algo possui
como critério a razão e somente a razão, com seus princípios e regras (CHAUI, 1997).
Esses pensadores, apesar das diferenças nas explicações por eles elaboradas, caracterizaram-se por iniciar uma
nova forma de ver o mundo - suas explicações se constituíram no primeiro momento de ruptura com o mito.
Ruptura porque, mesmo mantendo, em suas explicações, elementos de estrutura mítica (como por exemplo, a
busca da origem do universo em uma unidade), eles introduziram aspectos que possibilitaram a elaboração do
pensamento racional: os fenômenos da natureza foram reconhecidos como tais, e a própria natureza, sua
estrutura, foi assumida como o tema central a ser investigado. (ANDERY et al, 2014, p. 38)
78
[...] A Filosofia surge quando se descobriu que a verdade do mundo e dos humanos
não era algo secreto e misterioso, que precisasse ser revelado por divindades a
alguns escolhidos, mas que, ao contrário, podia ser conhecida por todos, através da
razão, que é a mesma em todos; quando se descobriu que tal conhecimento depende
do uso correto da razão ou do pensamento e que, além da verdade poder ser
conhecida por todos, podia, pelo mesmo motivo, ser ensinada ou transmitida a todos.
45
No seu começo, a ciência estava ligada à filosofia, sendo o filósofo o sábio que refletia sobre todos os setores
da indagação humana. Nesse sentido, os filósofos Tales e Pitágoras eram também geômetras, e Aristóteles
escreveu sobre física e astronomia. Na ordem do saber estipulada por Platão, o homem começa a conhecer pela
forma imperfeita da opinião (doxa) depois passa ao grau mais avançado da ciência (episteme), para só então ser
capaz de atingir o nível mais alto do saber filosófico. (ARANHA; MARTINS, 1993).
79
46
Na nova visão de mundo que veio substituir a visão medieval, o homem, no seu sentido mais genérico, era a
preocupação central. [...] isso significava, com relação ao conhecimento, a valorização da capacidade do
homem de conhecer e transformar a realidade. Foi proposta uma ciência mais prática, que pudesse servir ao
homem, e que teve em Francis Bacon (1561-1626) seu maior defensor, em contraposição ao saber
contemplativo da Idade Média, época de predomínio da Igreja e da nobreza feudal. As crescentes necessidades
práticas geradas pela ascensão da burguesia, aliadas ao desenvolvimento da crença na capacidade do
conhecimento para transformar a realidade, foram responsáveis pelo interesse no desenvolvimento técnico.
(ANDERY et al., 2014, p. 175)
47
A primeira tarefa que os modernos se deram foi a de separar fé de razão, considerando cada uma delas
destinada a conhecimentos diferentes e sem qualquer relação entre si. A segunda tarefa foi a de explicar como
a alma-consciência, embora diferente dos corpos, pode conhecê-los. Consideraram que a alma pode conhecer
os corpos porque os representa intelectualmente por meio das ideias. A terceira tarefa foi a de explicar como a
razão e o pensamento podem tornar-se mais fortes do que a vontade e controlá-la para que evite o erro.
(CHAUI, 1997, p. 114).
81
48
A essência do pensamento cartesiano não consiste na solução dos problemas que preocupavam o os cientistas
de então, mas na elaboração de um sistema completo, com o qual pretendia substituir a escolástica, banindo
todas as qualidades e formas substanciais em favor de um mecanismo universal que explicasse os fenômenos
desse mundo visível com a ajuda de apenas três conceitos: extensão, figura e movimento.
82
razão na forma de perceber o mundo com clareza e distinção (CHASSOT, 2004). Vem de
Descartes, portanto, a racionalidade que atualmente é empregada na apreensão dos
fenômenos, concebendo a ciência como conhecimento irrefutável.
Colaborando com a discussão do tema sobre a subjetividade, Oliveira (2016, p.
53-54), pronuncia o seguinte:
A reflexão sobre a subjetividade no pensamento moderno está associada ao debate
em relação ao processo de construção da racionalidade científica, que perpassa pelo
conflito de concepções do mundo antagônicas como o idealismo e o materialismo. A
subjetividade na modernidade torna-se a referência do conhecimento e da verdade,
por meio do “poder da razão”, delineando-se por essa referência ao “sujeito
pensante”, uma concepção idealista de mundo, evidenciada, sobretudo, no
pensamento de Descartes, via o “Cogito”, a “subjetividade transcendental” Kantiana
e a “consciência absoluta” de Hegel.
49
Segundo Santos (1999, p. 52) É a partir do paradigma newtoniano que os valores da ciência são pensados de
forma imperialista – “Ideal das luzes”. Este ideal parte da convicção de que a luz aberta por Newton jamais se
apagaria, de que iria iluminar a realidade para todo o sempre. Elege como lema da ciência o domínio do
Universo – conhecendo-o, agindo sobre ele, transformando-o, subjugando-o. [...] O ideal das luzes articula-se
diretamente como o “culto da razão”. Na defesa deste culto, Kant define o iluminismo (aufklarung) como
“saída do homem da menoridade – saída da sua incapacidade para se servir do entendimento a não ser que
guiado por outrem”. Note-se que a “divisa das luzes” é precisamente: “tem coragem de te servir do teu próprio
entendimento”. De fato, Kant defende que uma vez que a sensibilidade só por si não basta, o entendimento –
“poder de produzir conceitos” – é fundamental para que haja conhecimento.
83
50
A partir do século XVII, a revolução metodológica iniciada por Galileu promove a autonomia da ciência e o
seu desligamento da Filosofia. Pouco a pouco, desse período até o século XX, aparecem as chamadas ciências
particulares - física, astronomia, química, biologia, psicologia, sociologia etc. -, delimitando um campo
específico da pesquisa. Na verdade, o que estava ocorrendo era o nascimento da ciência, como a entendemos
modernamente. Com a fragmentação do saber, cada ciência se ocupa de um objeto específico: à física cabe
investigar o movimento dos corpos; à biologia a natureza dos seres vivos; à química, as transformações
substanciais, e assim por diante. Além da delimitação do objeto da ciência, o aperfeiçoamento do método
científico, fundado sobretudo na experimentação e matematização (ARANHA, MARTINS, 1993, p. 73).
51
A exclusão de intervenções sobrenaturais, o repúdio pela metafísica, a tentativa de substituição da filosofia pela
ciência, o assumir do método científico como normativo de todo saber, a valorização apenas da sua própria
verdade – a verdade científica, a redução da pluralidade de interpretações possíveis à sua própria interpretação,
a base mecanicista e determinista do conhecimento, são ideologias dominados pelo culto do cientismo. Para
qualquer destas ideologias, a ciência, reduzindo a pluralidade cultural a uma uniformidade, é tida como um tipo
de conhecimento altamente valorizado, que conquista a universalidade e que cresce de forma inequívoca, sem
rupturas, continuamente - concepção continuísta linearmente progressiva (SANTOS, 1999, p. 53).
84
de mulher, de mundo e de trabalho, e de uma educação que fomente atitudes solidárias, bons
hábitos e bons sentimentos, na intenção da produção e da reprodução da vida em sociedade.
Se, contudo, que a maior parte dos professores com atuação nos cursos de
licenciatura tem formação em outras áreas profissionais, apresentando-se com deficiências de
práticas do magistério em sua formação inicial ou continuada (PIMENTA; ANASTASIOU,
2014). A esse respeito, na Licenciatura em Física do IFMA, parte dos docentes, vêm de outras
áreas profissionais à parte do magistério. O domínio dos conhecimentos específicos e outros
saberes da docência por si só não são suficientes para que o professor exerça a prática
formadora, nos moldes ideais, haja vista a complexidade do ato educativo. O professor
necessita refletir sobre o contexto social sobre o qual atua, sobre seus problemas e
potencialidades educativas, para a partir desses aspectos planejar e organizar sua ação, e ao
final, voltar no que realizou e refletir acerca da repercussão da sua ação na aprendizagem do
aluno, visando a tomada de consciência sobre as melhorias necessárias ao seu processo de
ensino-aprendizagem.
A prática pedagógica docente, no contexto da prática social mais ampla, ainda por
cima sofre influências externas, destacadamente a do modelo de produção econômica,
articulando-se aos diversos setores sociais, colocando no trilho a vida em sociedade, e a
educação, correspondendo a um desses vagões, embarca nessa viagem obediente aos modelos
autoritariamente impostos às universidades e escolas, ora subordinando-se, ora contrapondo-
se tímida e restritamente a eles. Entretanto, na maior parte do tempo prevalecendo o ideário
educacional conservador, que reproduz no interior das instituições as desigualdades que
emergem no cenário social, político e econômico, no comando desse movimento histórico.
Cortella (2006, p. 13) colabora com essa visão quando recomenda o que se segue:
É necessário repensar fundamentos da articulação entre Educação, Epistemologia e
Política, com a finalidade de recolocar o problema desta articulação, pois ele
escapou do universo mais imediato do educador e da educadora que não estejam
conectados diretamente ao mundo acadêmico, de modo a embasar um caminho que
permita avanços significativos na construção de propostas pedagógicas e políticas de
formação de educadores menos inadequadas para um embate social inovador.
86
52
De acordo com o PPC do curso, no que toca ao objetivo primordial da formação está previsto: Licenciar
professores para o ensino da Física, no ensino médio e ciências no ensino fundamental, mediante aquisição de
competências relacionadas com o desempenho da prática pedagógica, preparando-os para o exercício crítico e
competente da docência, pautado nos valores e princípios estéticos, políticos e éticos, estimulando-os à
pesquisa e ao auto-aperfeiçoamento de modo a contribuir para a melhoria das condições do desenvolvimento
da Educação Básica. (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM FÍSICA,
2005).
87
Concordo com Aragão (2014, p. 202) quando analisa o trabalho docente dos
professores nas áreas das Ciências e da Matemática, e sintetiza: os professores também são
vítimas de sua má-formação profissional, a qual inicia, certamente, um tipo de círculo
vicioso, qual seja: professor-mal-formado-ensina-mal-aos-alunos-mal-formando-os.
O professor formador para este século deverá voltar-se para as necessidades
presentes na realidade social, priorizar o ensino em torno dos conhecimentos que oportunizem
aos alunos uma visão crítico-reflexiva, complexa, criativa sobre o real, recriando-o, portanto,
em termos da aprendizagem que possibilite a transformação de si e do mundo em que está
‘incluído’ (NOVOA, 1995; SAVIANI, 1997; MORIN, 2005; FREIRE, 1998;
SCHNETZLER; ARAGÃO, 2000; PIMENTA, 2002, 2012; ALMEIDA, 2005; CANDAU,
2009; CARVALHO, GIL-PEREZ, 2011;TARDIF, 2012; LIBÂNEO, 2012).
Compreendendo com esses autores e refletindo sobre como tem se dado a
educação em Ciências nas instituições de ensino entendo ser fundamental uma revisão das
bases teóricas, metodológicas e epistemológicas da prática formadora dos professores, nos
níveis em que estão atuando. Compartilho com Candau (2009) a ideia de que a sala de aula
88
não é independente ou neutra, uma vez que está situada histórica e politicamente em uma
dada sociedade. As diferenças culturais, religiosas, de gênero, de sexualidade, nos remete a
um universo no qual vigora uma profunda e (des) conhecida pluralidade, em relação à qual a
autora se expressa da seguinte forma:
Os/as alunos/as estão exigindo de nós, educadores/as, novas formas de
reconhecimento de suas alteridades, de atuar, de negociar, dialogar, propor e criar.
Estamos desafiados a superar uma visão padronizadora, assim como um olhar
impregnado por um juízo, em geral, negativo de suas manifestações. Trata-se de
abrir espaços que nos permitam compreender estas novas configurações identitárias,
plurais e fluidas, presentes nas nossas escolas e na nossa sociedade. (CANDAU,
2009, p. 96)
prontos pelo professor. Nesta direção, é imprescindível superar a prática pedagógica dos
professores da Física sustentada em bases teóricas positivistas, com predomínio da
racionalidade técnica. Ter claro a concepção de ciência é considerado o ponto de partida para
redimensionar a prática no processo formativo. Essa compreensão, por sua vez, não é algo
simples, como afirma Maldaner (2003, p. 97), assim:
A visão epistemológica de ciência afeta a nossa atividade em sala de aula. Mas, não
é fácil responder, com alguma certeza, o que seja ciência, como foi produzida
historicamente, como é recriada na relação pedagógica e como constitui a mente das
pessoas que a aprendem.
A visão de Ciência a que o autor se refere certamente não é qualquer visão ou uma
única e exclusiva visão dada, contudo, ousaria acrescentar que a ação formadora nas
universidades, tanto quanto a das escolas de educação básica, articuladas às concepções
hegemônicas de ciência, fundamentaram e fundamentam essas práticas. Torna-se, portanto,
essencial compreendê-la no contexto da formação de professores de Física.
Nas minhas observações sobre a prática formadora no curso de Licenciatura em
Física percebo a dicotomia constante entre as disciplinas do núcleo pedagógico e as
disciplinas do núcleo específico. Nestas últimas há enorme dificuldade de os professores
relacionarem o conhecimento de suas disciplinas com o ato educativo. Nesse percurso
encontro respaldo em Maldaner (2003, p.45) que explicita essa dificuldade dos professores,
nos cursos de Licenciatura em Química, quando tratam de abordar pedagogicamente o
conhecimento da Química, de tal modo que:
É diferente saber os conteúdos de Química, por exemplo, em um contexto de
Química, de sabê-los em um contexto de mediação pedagógica dentro do
conhecimento químico. Ausente a perspectiva pedagógica, o professor não saberá
mediar adequadamente a significação dos conceitos, com prejuízos sérios para a
aprendizagem de seus alunos.
Com essa visão e nesse ambiente é que se têm preparado historicamente várias
gerações de professores. A visão de conhecimento que predomina na prática de formação
pode ser compreendida na expressão de Santos (2010, p. 30) ao explicar o seguinte:
Um conhecimento baseado na formulação de leis tem como pressuposto metateórico
a ideia de ordem e de estabilidade do mundo, a ideia de que o passado se estende no
futuro. Segundo a mecânica Newtoniana, o mundo da matéria é uma máquina cujas
operações se podem determinar exatamente por meio de leis físicas e matemáticas,
num mundo estático e eterno a flutuar num espaço vazio, um mundo que o
racionalismo cartesiano torna cognoscível por via da sua decomposição nos
elementos que o constituem.
Boaventura de Sousa Santos, Michel Foucault e Edgar Morin, como alguns outros, colocaram
em questão os critérios de verdade e de produção do conhecimento. No dizer de Santos (2010,
p.68) é como se o dito de Durkheim se tivesse invertido e em vez de serem os fenômenos
sociais a ser estudados como se fossem fenômenos naturais, serem os fenômenos naturais
estudados como se fossem fenômenos sociais.
A educação em ciências e matemática está a exigir no século XXI uma mudança
epistemológica, haja vista que o paradigma cartesiano com suas raízes no modelo econômico
capitalista, a serviço do consumismo por sua natureza cumulativa, é contrário à educação
integral dos sujeitos e à sociedade sustentável (SANTOS; TERÁN; NICOT, 2015). Nessa
linha de raciocínio Streck (1999) interpretando o pensamento de Freire acrescenta que a
“história como possibilidade” rechaça a compreensão mecânico-positivo-linear que guarda em
si a certeza de que o futuro é inexorável, posto que implica um caminho diferente de
entendimento da educação e da história.
Com as linhas de pensamento desses autores e de outros, certamente, penso guiar
o meu olhar nas minhas análises sobre os olhares e sentidos dos professores no curso de
licenciatura de Física do IFMA, na intenção de apreender que concepções de Ciência
fornecem as bases teóricas de suas atividades pedagógicas e didáticas no curso de
Licenciatura. Por outro lado, acredito poder contribuir de algum modo para as mudanças no
trabalho pedagógico da formação de professores justamente na licenciatura, cujo ponto de
partida pode contar com as reflexões que faço sobre as concepções teórico-metodológicas e
epistemologias contidas em narrativas e relatos docentes de suas experiências na prática
formadora.
O Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura de Física (2005, p. 10) prevê o
alcance do seguinte perfil profissional:
Um profissional com uma sólida formação em Física, dominando tanto os seus
aspectos conceituais, como os históricos e epistemológicos em Educação, de forma a
dispor de elementos que lhe garantam o exercício competente e criativo da docência
nos diferentes níveis de ensino formal e espaços não formais, atuando tanto na
disseminação dos conhecimentos desenvolvidos pela Física enquanto instrumento de
leitura da realidade e construção da cidadania, como na produção de novos
conhecimentos ao seu ensino e divulgação.
53
Como exemplo de temas para a formação nessa perspectiva, a questão ambiental é um exemplo de
conhecimento, como também uma das temáticas emergentes para a educação neste século XXI. No ano de
1992, 179 países - dos que participaram da Rio 92 - assinaram a Carta da Terra, assumindo o compromisso de
refazer alguns passos em direção à sustentabilidade. O debate girou em torno do “futuro comum”. Gadotti
(2003, p.48-49), tece considerações importantes a esse respeito dando a entender a gravidade da situação
decorrente da destruição do solo, dos recursos hídricos, das espécies distribuídas no planeta e da vida na Terra,
procedendo sua análise a partir do modo pelo qual produzimos a nossa existência. Segundo o autor, ainda neste
milênio é possível que se consolide uma devastação no planeta caso não haja uma ação conjunta global em
favor da civilização e da planetarização. Aponta a urgência de execução de um novo modo de produção
baseado em princípios éticos, no respeito a vida e na inclusão de homens e mulheres, uma outra globalização.
Após três décadas desde a assinatura da Carta da Terra, o aquecimento global do planeta de efeitos
desastrosos aos biomas só se agravou, o sistema econômico capitalista não apresentou retração em seus
métodos exploratórios de recursos naturais com fins cumulativos. Ao contrário, apoiados na tecnologia,
expandiu suas fronteiras. Gadotti (2003, p. 53) interpreta esse crescimento, afirmando: Estamos diante do
crescimento incessante e paralelo entre a miséria e a tecnologia: somos uma espécie de sucesso no campo
tecnológico, mas muito malsucedida no governo do humano. Contraditoriamente, a sociedade modernizada ou
do conhecimento parece não comportar o humano, basta o exemplo da estrutura produtiva no modelo de
produção capitalista atual, para se dar conta de que o emprego das descobertas das ciências e o uso das
modernas tecnologias, contrariam os interesses e necessidades dos sujeitos na sociedade, substituindo-os por
máquinas deixando na marginalidade milhares de cidadãos e cidadãs no mundo. Nesse ponto, reside a urgência
de uma forma diferente de abordagem do conhecimento produzido, dentro de um novo paradigma educacional,
consoante com o século XXI. O imobilismo, a resistência contrária será mais um vetor favorável às injustiças e
desigualdades sociais. É em torno de questões semelhantes a essa que vejo o papel que tem o professor de
Ciências, seja na prática formadora docente seja na prática formadora discente. O planeta Terra aguarda
agonizante por um novo paradigma de desenvolvimento. A ciência tem essas respostas produzidas em
pesquisas científicas ambientais e de desenvolvimento econômico.
94
nessa perspectiva, é justificada por eles pela falta de tempo, de espaço e de oportunidade para
realizar o trabalho em conjunto. Dessa forma, as possibilidades de atuação docente que
possam contribuir para a formação articulada, integradora dos conhecimentos, com
desdobramentos para autonomia e crítica dos sujeitos, e transformações na realidade, ficam
comprometidas.
Certamente que uma concepção simplificadora de análise e apreensão dos
problemas sociais é incompatível com a proposta de cidadania e mudanças neste século.
Concordo com Morin (2008, p. 16-17) no entendimento do seguinte:
Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração, cujo
conjunto constitui o que eu chamo o “paradigma da simplificação”. Descartes
formulou este Paradigma mestre do Ocidente, ao separar o sujeito pensante (ego
cogitans) e a coisa extensa (res extensa), quer dizer, filosofia e ciência, e ao colocar
como princípio de verdades as ideias “claras e distintas”, ou seja, o próprio
pensamento disjuntivo. Este paradigma, que controla a aventura do pensamento
ocidental desde o século XVII, permitiu sem dúvida os grandes progressos do
conhecimento científico e da reflexão filosófica; as suas consequências nocivas
últimas só começam a revelar-se no século XX.
54
O cenário político atual da educação básica, ensino fundamental e médio, campo de atuação dos professores de
Física, revive o retrocesso de mais de trinta anos no ensino colocando na contra-mão propósitos inovadores na
pratica educativa, nas palavras de Saviani (2017) Um sinal emblemático da intervenção nos próprios
conteúdos e na forma de funcionamento do ensino é o movimento denominado “Escola sem Partido” que
surgiu no âmbito da sociedade civil, se constituiu como uma ONG (Organização não governamental) e agora
se apresenta na forma de projetos de lei na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e em várias Assembleias
Estaduais e Câmaras Municipais do país.
55
Refiro-me ao governo Michel Temer.
96
56
Ocorrido no ano de 2016, caracterizando um governo ilegítimo, antidemocrático e autoritário.
97
produção de recursos tecnológicos. Nas cinco primeiras décadas do século passado, contudo,
é a própria realidade que deixa ver que o bem-estar e a segurança das pessoas,
proporcionalmente aos avanços científicos e tecnológicos alcançados privilegiou um número
pouco expressivo das sociedades em geral.
No desenrolar das tramas sociais, atores e autores, num fluxo de permanente
interação, desenham e redesenham itinerários sem certeza, com movimento de continuidade e
descontinuidade, assumindo formas e deformidades. A Ciência e a Educação são produtos
desses movimentos e contradições partes de uma história, mas que têm a sua própria história.
Retomo de forma breve parte dessa trama para identificar como esses movimentos se
relacionam com a formação de professores de Física e a educação para o século XXI.
Os eventos que marcaram e outros que ainda marcam esse início de século
escrevem capítulos negativos da nossa história. Entendo que os fatos trazidos devam ser
tomados como elementos problematizadores de uma educação que compreendo complexa,
contudo, comprometida com as transformações exigidas na contemporaneidade. Portanto,
esses não devem ser esquecidos, mas, incluídos pelos professores-formadores em suas
práticas, merecendo reflexões na perspectiva de que se discuta e encaminhe posturas
formadoras e educativas com expectativas de um mundo justo e fraterno para as futuras
gerações.
No movimento da história compreendo que há influências de relações políticas,
sociais e econômicas sobre questões que dizem respeito à educação (MORIN, 2008;
PIMENTA; LIMA; CONTRERAS, 2002; LIBÂNEO, ALVES, 2012), assim como a projetos
de formação de professores, sobretudo aqueles relacionados às ciências da natureza. Sendo
assim, trago alguns fatos passados e presentes vinculados à realidade mundial e brasileira,
fazendo emergir dos diversos contextos relações com o fenômeno da educação e da formação
de professores de Física, no e para o século XXI, com suas concepções e práticas formadoras.
Quando me detenho no movimento que a história das sociedades realizou até o
presente, e foco os seus sujeitos, essa visão se divide entre o que se pode lamentar e o que
celebrar. O primeiro século do terceiro milênio em seus dez primeiros anos registra
acontecimentos, fatos e descobertas extraordinárias, mas deixa sobressair o acirramento do
terror originado na disputa por hegemonia militar e econômica, protagonizadas pelas maiores
potências mundiais em disputa por poderio econômico. Problemas de raízes profundas nas
sociedades capitalistas periféricas como a fome, a miséria e o desemprego são oportunidades
para agregar lucros. Não há crise para o capital que não se mostre como oportunidade.
98
57
De acordo com as pesquisas, elas recorrem à morte por se sentirem sozinhas e abandonadas pelos pais. O
psiquiatra do centro de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, Dr. Ricardo Nogueira do Hospital Mãe de
Deus no Rio grande do Sul, informa que grande parte das mortes ocorre devido a desestrutura familiar,
deixando os filhos sentindo-se desprotegidos e vulneráveis (MELO, ROSO, 2017).
58
A formação também servirá de estímulo crítico ao constatar as enormes contradições da profissão e ao tentar
trazer elementos para superar as situações perpetuadoras que se arrastam há tanto tempo: a alienação
profissional – por estar sujeitos a pessoas que não participam da ação profissional -, as condições de trabalho, a
estrutura hierárquica etc. e isso implica, mediante a ruptura de tradições, inércias e ideologias impostas, formar
o professor na mudança e para a mudança por meio do desenvolvimento de capacidades reflexivas em grupo, e
abrir caminho para uma verdadeira autonomia profissional compartilhada, já que a profissão docente deve
compartilhar o conhecimento com o contexto (IMBERNÓN, 2011, p. 14).
100
Aos professores da área das Ciências - que por suposição pressupõe o campo de
conhecimento que mais poderá contribuir para o equilíbrio e manutenção da vida com
sustentabilidade no planeta - atribui-se a superação da visão de naturalização dos graves
problemas ambientais. Para tanto, define-se a formação crítica e reflexiva para a nova geração
de professores sobre valores relativos à solidariedade e à sustentabilidade do planeta, mas
também sobre as questões de ordem social, isto é, a preocupação com as condições de
desigualdade e injustiça evidentes na sociedade.
Boff (2013) em defesa do “Saber Cuidar” enumera os sintomas de uma crise
civilizacional generalizada, da qual eu destaco alguns desses sintomas diretamente
relacionados com o que expus até o momento, quais sejam a seguir:
Há um descuido e um abandono dos sonhos de generosidade, agravados pela
hegemonia do neoliberalismo com o individualismo e a exaltação da propriedade
privada que comporta. Menospreza-se a tradição de solidariedade. Faz-se pouco dos
ideais de liberdade e de dignidade para todos os seres humanos. Há descuido e
descaso pela dimensão espiritual do ser humano, pelo esprit de finesse (espírito de
gentileza) que cultiva a lógica do coração e do enternecimento por tudo o que existe
e vive. ... Há um descuido e um descaso pela coisa pública. Organizam-se políticas
pobres para pobres ... há um descuido vergonhoso pelo nível moral da vida pública
marcada pela corrupção e pelo jogo explícito de poder de grupos, chafurdados no
pantanal de interesses corporativos. Há um descuido e um descaso na salvaguarda de
nossa casa comum, o planeta Terra. Solos são envenenados, ares são contaminados,
águas são poluídas, florestas são dizimadas, espécies de seres vivos são
exterminadas; um manto de injustiça e de violência pesa sobre dois terços da
humanidade. Um princípio de autodestruição está em ação, capaz de liquidar o sutil
equilíbrio físico-químico e ecológico do planeta e devastar a biosfera, pondo assim
em risco a continuidade do experimento da espécie homo sapiens e demens. (BOFF,
2013 p. 19-21)
59
Considero oportuno ampliar a reflexão sobre o cuidado, trazendo a contribuição teórica de Gil-Perez; Carvalho
(2011, p. 24-25) no que diz respeito à relação entre a Ciência/Tecnologia/Sociedade, onde explicitam:
Conhecer as interações Ciência/Tecnologia/Sociedade associadas à construção de conhecimento, sem ignorar o
caráter, em geral, dramático do papel social das Ciências [...] e a necessidade da tomada de decisões [...]. Isso
torna-se essencial para dar uma imagem correta da Ciência. Com efeito, o trabalho de homens e mulheres de
Ciências – como qualquer outra atividade humana – não tem lugar à margem da sociedade em que vivem, e se
vê diretamente afetado pelos problemas e circunstâncias do momento histórico, do mesmo modo que sua ação
tem uma clara influência sobre o meio físico e social em que se insere. Afirmar isso pode parecer supérfluo, no
101
Estou me referindo ao mundo, o que não quer dizer que me distancio da realidade
próxima em que vivo e conheço, mas porque devo ser coerente com a visão de totalidade e
relações historicamente edificadas entre as sociedades que ocupam os diversos espaços
geográficos na Terra. Isso é um fato incontestável nos dias de hoje. Com a economia
globalizada, ordenada pelo sistema capitalista hegemônico as fronteiras entre as sociedades
foram removidas e as distâncias do mundo, ora encurtadas, são mediadas pela Revolução
Digital.
Não admitir os benefícios da internet é insensato. Nos dias de hoje é praticamente
impossível viver sem esse valioso recurso tecnológico que permite a conexão entre pessoas e
o mundo. Para a educação e para a medicina os avanços são incalculáveis, não parece restar
dúvida. Contudo, é da responsabilidade da Ciência o controle ético sobre os progressos
científicos-técnicos e em nada devendo se furtar. Não é segredo os riscos que corre a
humanidade com o uso dos conhecimentos produzidos nas Ciências, empregados na produção
de armas, por exemplo, de largo alcance e incalculável poder de destruição, assim como o
lançamento de resíduos químicos, lixos e efluentes de fontes como a indústria, hospitais e
outros, na natureza, poluindo o ambiente e causando danos muitas das vezes irreversíveis à
saúde da população e à vida no planeta. Temas como esses tornam-se obrigatórios na prática
formadora de professor, na física, por exemplo, o tema das armas nucleares cabe uma
discussão interdisciplinar de pontos de vista biológicos, éticos e sociais.
Minha visão sobre a revolução digital traz outra discussão igualmente importante
para o campo da educação científica, qual seja, desvelar alguns dos propósitos ocultos da
informação e comunicação em rede, a serviço da globalização da economia, educando-se para
o seu uso e aplicação. A esse respeito Prado e Silva (2003, p. 15) manifestam-se dizendo que:
A globalização ou mundialização é um processo real, de ordem econômica, cultural
e política que transforma o mundo numa rede de fluxos, mas deve ser pensada como
não unívoco: é antes o resultado de uma composição de sentidos construídos em um
campo de disputas discursivas entre céticos, neoliberais e hiperglobalizadores (Held,
199 e Prado, 2000). Negri e Hardt (2001) chamam “império” à realidade sistêmica
desse novo mundo capitalista globalizador, em que as fronteiras nacionais e
comerciais sofreram mudanças intensas nas últimas décadas e os fluxos de
informação e dinheiro circulam em rede.
entanto, a ideia de que fazer Ciência é pouco menos que trancar-se em uma torre de marfim – “no mundo dos
livros” ou coisa parecida – distanciado da realidade, constitui uma imagem tópica bastante difundida e com a
qual nosso ensino lamentavelmente contribui, reduzindo a Ciência à transmissão de conteúdos conceptuais e,
se muito, treinamento em alguma destreza, deixando de lado os aspectos históricos, sociais etc. que marcam o
desenvolvimento científico.
102
60
Certamente não são só as guerras localizadas em determinadas partes do mundo que ameaçam a integridade
dos seres viventes e a cultura que desenvolveram, tão pouco a violência urbana é por si só a responsável pela
falta de segurança e bem-estar dos indivíduos. As ameaças à integridade da humanidade ganham uma nova
forma confinada no paradigma da comunicação globalizada. Emergiu da revolução digital uma nova ordem
mundial capitaneada pela comunicação virtual. Um mundo virtual onde a comunicação impõe os seus modelos
e meios de consumo exercendo um poder global e sem regulação sobre os seus usuários. Ao comunicar, a
linguagem produz uma mercadoria para o consumo, utilizando-se dos traços culturais cria subjetividades e uma
ordem para a exploração comercial estruturada e multiplicada mediante interconexões via redes.
103
O autor nos diz que as sociedades conectadas em rede não significam de forma
absoluta que estejam integradas, mas que as novas tecnologias da informação tanto podem
servir para facilitar a vida de quem necessita e busca a informação, como,
preponderantemente, serve aos interesses daqueles que detém as conexões e controlam o fluxo
de acesso, trabalhando nos bastidores da comunicação e da informação.
Houve uma mudança gigantesca entre as relações anteriormente presenciais
passando para as virtuais. Consequentemente, houve também mudanças nas relações de poder
utilizando-se do meio virtual possibilitado pelas conexões em redes. Afinal, os países
produtores de hardware e software são os monopolizadores da comercialização desses
produtos como também os organizadores das redes e controladores das conexões. Enquanto
isso os países economicamente em desvantagem representam meros consumidores no mundo
digital.
Quando me detenho sobre essa trama, volto no tempo e visualizo para que seja
percebido o limite alcançado pela revolução digital e os desdobramentos nos dias de hoje,
sendo para isso necessário considerar todo um processo e nele incluem-se a ciência-pesquisa,
o conhecimento-tecnologia, a física-matemática, a educação-ensino. As transposições e
transformações tiveram autorias, posto que criadores sejam pessoas que passaram por um tipo
de formação. Se a aplicação desse conhecimento tem finalidades que concorrem para a
negação da cidadania, contra a segurança das pessoas e na contramão da paz e da felicidade
de povos e nações, quero chegar ao ponto em que se possa considerar o papel de outra
educação-formação, sustentada sobre uma epistemologia da ciência com base crítica, cidadã e
ética.
Na direção desses objetivos, caminho com Santos (1999, p. 13) quando assevera
que:
Para o terceiro milênio, a cidadania integra uma ampla constelação de problemas da
vida comunitária de que a escola não se pode alhear; que atualmente o exercício da
cidadania é, simultaneamente, mais exigente e mais complexo; que a educação para
a cidadania recusa uma aceitação acrítica da autoridade da ciência e da tecnologia e,
finalmente, que este saber introduz valores inovadores na esfera cultural – valores
que assentam na dignidade da pessoa humana. Logo, a questão que se nos coloca é a
de saber se as diferentes disciplinas estarão suficientemente amadurecidas para
mobilizar saberes, vontades e energias capazes de responder aos grandes desafios
centrados na sua dimensão formativa.
104
Insisto nessa temática pelo fato de ter percebido na fala dos professores de Física,
durante entrevistas, a valorização do uso da tecnologia na pesquisa e no ensino61, como a
principal ferramenta do professor na prática pedagógica formadora, numa relação clara de
caráter instrumental e técnico com ela. Entendo ser necessário que os professores lancem
sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação – TIC, um olhar mais reflexivo e
crítico, ao mesmo tempo reconhecendo sua importância, sem, contudo, desconsiderar as
questões que mobilizam interesses de ordem política e econômica envolvendo a tecnologia. É
fundamental que se problematize a sua utilização na forma dada, assim como a qualidade da
informação que disponibiliza. Em outras palavras assevera Gadotti (2003, p. 50 grifo nosso)
que “[...] na era da informação, diante da velocidade com que o conhecimento é produzido e
envelhece, não adianta acumular informação. É preciso saber pensar. E pensar a realidade”.
Compreender a atitude de aparente desconhecimento a respeito dessas questões,
que ficaram ausentes dos relatos dos professores e por suposto, deixadas fora da prática
docente e da formação dos professores, me leva a pensar na fragmentação/especialização do
conhecimento nas disciplinas que formam o currículo do curso de Licenciatura em Física do
IFMA, eximindo os professores de parte da responsabilidade sobre esse aspecto. O
conhecimento específico nas ciências, dependendo da concepção de conhecimento que cada
um possui, na maior parte das vezes concorre para uma análise simplificada sobre a realidade
que nos cerca, contra a profunda complexidade que a caracteriza. A esse respeito, Almeida;
Carvalho (2009, p.18) esclarecem:
[...] Nossa formação escolar, e, mais ainda, a universitária nos ensina a separar os
objetos do seu contexto, as disciplinas uma das outras para não ter que relacioná-las.
Essa separação e fragmentação das disciplinas é incapaz de captar “o que está tecido
em conjunto”. Isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo. A tradição
do pensamento que forma o ideário das escolas elementares ordena que se reduza o
complexo ao simples, que se separe o que está ligado, que se unifique o que é
múltiplo, que se elimine tudo aquilo que traz desordens ou contradições para o nosso
entendimento.
61
De outro lado, professores são cobrados quanto ao domínio e uso da tecnologia, no entanto, as salas de aula
ainda conservam a estrutura e a organização das escolas tradicionais. Sem as políticas educacionais que
priorizem a transformação que as escolas necessitam, e sem aproximarem-se da realidade que os alunos
vivenciam fora de seus muros, ou seja, a cultura virtual, a exclusão digital segue ocupando os fóruns
educacionais e outros espaços em defesa da inclusão digital da sociedade brasileira. Considerando os dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio- PNAD (2016) somos uma nação com 12,9 milhões de
analfabetos. Em 2005, 11% das pessoas com 15 anos e mais não sabiam ler e nem escrever. Seria de grande
importância o emprego da tecnologia na solução do analfabetismo no país, por exemplo.
105
62
Esse modo de compreender o mundo e pensar a educação no contexto formativo influencia a prática formadora
dos professores. Afirmam Santos; Sommerman (2009, p. 18) Como consequência dele, a prática pedagógica
tendeu a se organizar nos moldes da disjunção dos pares binários: simples-complexo, parte-todo, local-global,
unidade-diversidade, particular-universal; por outro lado, cristalizou-se a subdivisão do conhecimento em
áreas, institutos e departamentos, cada qual delimitado pelas fronteiras epistemológicas. Cada instituto ou
departamento organiza seus respectivos cursos por meio de listas de diferentes disciplinas. São as grades
curriculares que, na prática, funcionam como esquemas mentais ao impedirem o fluxo de relações existentes
entre as disciplinas e áreas de conhecimento.
106
de alguém que sabe – o professor - para aquele que ainda não sabe – o aluno. Uma relação
autoritária e antidemocrática freia a postura sócio-crítica do formador, contributiva de uma
educação que pode ser fundamental para as transformações sociais demandadas pela
sociedade no presente século (FREIRE, 1999; GADOTTI, 2003; CHASSOT 2007;
SAVIANI, 2017).
Dispensando o olhar sobre a matriz do curso e pelo fato de ter tomado parte em
sua elaboração, posso assegurar que, muito embora exista uma orientação no PPC do curso,
apontando para uma prática formadora com um modelo de formação que supere o paradigma
conservador, a ordenação das disciplinas organizadas como componentes isolados,
inviabilizam uma proposta de formação de professores com princípios interdisciplinares e
integradores entre os formadores. Na composição curricular da licenciatura as disciplinas
científicas cuidam do conteúdo específico e as disciplinas de educação cuidam do aspecto
pedagógico, quer dizer, da docência e do ensino63.
Essa reflexão sobre alguns eventos no início deste novo milênio causando
perplexidade e preocupação me deixa convicta da necessidade de buscar modelos integradores
do conhecimento para a formação dos futuros professores de Física. A superação do
paradigma conservador na prática formadora docente encontra no paradigma da complexidade
(MORIN, 2008) que inclui o pensamento complexo e a visão de totalidade64, o modelo de
63
Sobre o insulamento das disciplinas específicas e pedagógicas na Licenciatura em Física, me posiciono
contrária e sustento o meu pensamento em Behrens (2006), suscitando o paradigma da complexidade,
compreendendo que a esfacelamento das disciplinas é propiciada pela visão linear de currículo, tendo como
consequência a fragmentação dos conteúdos, justapostos, ordenadamente, nos sucessivos períodos letivos até a
integralização do curso pelo aluno. Uma visão que encontra fundamento na superespecialização de
determinadas áreas do conhecimento humano. A proposta de formação universitária e escolar, numa visão
complexa, integradora e holística pressupõe maiores contribuições às transformações exigidas no presente
século.
64
A respeito da complexidade Morin (2008, p. 20) traça férteis considerações: À primeira vista, a complexidade
é um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente
associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo... a complexidade é efetivamente o tecido de
acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo
fenomenal. Mas então a complexidade apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inexplicável, da
desordem, da ambiguidade, a incerteza. Daí a necessidade, para o conhecimento, de pôr ordem nos fenômenos
ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto é, de selecionar os elementos de ordem e de certeza e de retirar
a ambiguidade, de clarificar, de distinguir de hierarquizar... Ora a complexidade voltou, nas ciências, pela
mesma via que a tinha banido. O próprio desenvolvimento da ciência física, que se dedicava a revelar a ordem
impecável do mundo, o seu determinismo absoluto e perpétuo, a sua obediência a uma Lei única e a sua
constituição de uma maneira primeira simples (o átomo) desembocou finalmente na complexidade do real.
Descobriu-se no universo físico um princípio hemorrágico de degradação e de desordem (segundo princípio da
termodinâmica) depois, no suposto lugar da simplicidade física e lógica, descobriu-se a extrema complexidade
microfísica; a partícula é, não uma pedra primeira, mas uma fronteira sobre uma complexidade talvez
inconcebível; o cosmos é, não uma máquina perfeita, mas um processo em vias de desintegração e de
organização e de organização simultâneas. Finalmente, daqui resulta que a vida é, não uma substância, mas um
107
formação que supera a concepção conservadora, destinando bases para uma prática docente
crítica e emancipadora, como proposta para a construção de uma sociedade com menos
desigualdades, mais justa, humana e solidária.
É, pois, da maior importância discutirem-se as bases epistemológicas e
pedagógicas que orientam a organização desde essa arquitetura curricular às atividades na
prática docente formadora de futuros professores no curso de Licenciatura em Física. Penso
ter deixado clara a minha visão sobre a função da educação para o século XXI como sendo
uma atividade humana que cria consciências novas a partir da inclusão de temas e problemas
da realidade material e subjetiva no presente, envolvida em uma teia de complexas e
determinísticas relações, na configuração da vida no mundo.
A partir dessas reflexões, subsequentemente, tratarei do processo de categorização
e análise dos relatos e experiências dos sujeitos desta pesquisa, nos quais busco compreender
para conhecer as concepções de ciência, bases epistemológicas e pressupostos teórico-
metodológicos na prática formadora do curso de Licenciatura em Física do IFMA para este
século XXI.
... A gente sempre quer o melhor. Às vezes, a gente chega e diz assim:
- está funcionando ruim. Mas, quando a gente sai para ver as outras
co-irmãs, as próprias universidades, percebemos que não estamos
numa situação tão complicada como imaginamos. Eu até às vezes
coloco para os colegas que é bom que cada um de nós saia para dar
uma olhada lá fora, para ver como é que estão as coisas ... O nosso
curso foi avaliado e saiu um conceito no qual baixamos,65 mas
confesso que nessa época, no ano de 2014 quando foi feita essa
avaliação, quando os avaliadores do MEC vieram aqui a gente
passava por uma situação difícil. Confesso que não tínhamos
laboratórios, não tínhamos estrutura de sala de aula, estava um
negócio complicado. Mas, hoje a nossa situação está em termos de
estrutura, em termos de biblioteca está bem melhor que naquela
época... (LUIS ROBERTO, Entrevista).
65
Este ano de 2018, o curso de Licenciatura foi reavaliado por uma comissão do MEC, obtendo conceito 4.
66
Cefetização é um termo criado pelos dirigentes institucionais, final dos anos 80, para denominar o processo de
transformação de antigas escolas técnicas em CEFETs, assimilado pela comunidade escolar, incluindo
professores e técnicos.
110
superior. O quadro docente do CEFET-MA que era representativo na área das Engenharias e
de Exatas, envolveram-se com a formação dos professores, implicando mais desafios ao
funcionamento das Licenciaturas em Ciências. Sobre a jornada de trabalho dos professores,
fica subentendida a sobrecarga de trabalho nessa fase.
Apreende-se do contexto de criação dos cursos na área das Ciências o viés
político que cerca o processo de “cefetização” e a criação dos cursos de licenciatura no
CEFET-MA. Nesse período a sociedade brasileira realinhava suas políticas públicas em
consonância com os problemas econômicos, os desafios impostos pela sociedade da
informação e as novas configurações no mundo do trabalho. O MEC exercia certa pressão
sobre as instituições de ensino superior para que fosse cumprido o que havia sido previsto na
LDBEN (1996) e no Plano Nacional de Educação (2001-2011)67, ambos prevendo a
qualificação dos professores que exerciam o magistério na Educação Básica, mas que não
apresentavam a qualificação exigida por lei ou atuavam no ensino, sem a habilitação
correspondente à disciplina que lecionavam.
O CEFET-MA atendeu tal demanda sem que antes tivessem sido estruturadas as
condições para esse fim. “O ensino superior entra na Instituição quase como um visitante
indesejado” disse a professora Marina, voltando ao passado, num tempo em que nem mesmo
espaço para funcionamento havia, situação que se prolongou até o final do ano de 2017.
Durante anos os cursos de graduação tiveram que dividir os espaços de salas de aula,
laboratórios, biblioteca, quadras esportivas, entre outros recursos, com o ensino técnico,
causando profundos transtornos para toda a comunidade do ensino superior, problema que só
67
A LDBEN, 1996, Título VI – Dos Profissionais da Educação; Artigo 61 - Consideram-se profissionais da
educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reco-
nhecidos, são: Inciso I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação
infantil e nos ensinos fundamental e médio [...] (BRASIL, 1996). Lei Nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001.
Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Das 28 metas que previa, guardam relação
com o que estou abordando, as seguintes: 15. Incentivar as universidades e demais instituições formadoras a
oferecer no interior dos Estados, cursos de formação de professores, no mesmo padrão dos cursos oferecidos
na sede, de modo a atender à demanda local e regional por profissionais do magistério graduados em nível
superior. 18. Garantir, por meio de um programa conjunto da União, dos Estados e Municípios, que, no prazo
de dez anos, 70% dos professores de educação infantil e de ensino fundamental (em todas as modalidades)
possuam formação específica de nível superior, de licenciatura plena em instituições qualificadas.19. Garantir
que, no prazo de dez anos, todos os professores de ensino médio possuam formação específica de nível
superior, obtida em curso de licenciatura plena nas áreas de conhecimento em que atuam. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/L10172.pdf Acesso em: 10 mar. 2019.
111
encontrou solução neste ano de 2018, com a construção de um prédio onde foi instalado o
ensino superior do Campus São Luís Monte Castelo.
Os professores Cesar Lattes e Luís Roberto, referindo-se exclusivamente ao curso
de Física, cada um ao seu modo, ao mesmo tempo em que fazem emergir da memória o
cenário de implantação da Licenciatura em Física, comparam as condições iniciais de
funcionamento do curso com as que estão dadas no presente. Ao dizerem “a gente ao longo
do tempo tem melhorado e isso à medida que o tempo passa, na minha concepção, só tende a
melhorar” e “confesso que não tínhamos laboratórios, não tínhamos estrutura de sala de
aula, estava um negócio complicado....” E “em termos de estrutura, em termos de biblioteca
está bem melhor que naquela época”, ambos estão de acordo que ainda que referidas
condições não atendam plenamente é possível formar o professor de Física com maiores
habilidades do que foram formados os egressos de poucos anos atrás, quando a precariedade
do curso era obstáculo à melhor formação, segundo os professores.
Destaco a preocupação do professor Cesar quando se refere à “reciclagem de
formação” dos professores de Física, dando a entender que o foco dessa qualificação deve
apontar para a formação de professores. É o próprio professor que admite que o corpo
docente, em sua quase totalidade possui “qualificação muito boa”. Esse é de fato um aspecto
da maior importância, quando se sabe que há bem pouco tempo a qualificação que era
desejável para professores não priorizava, certamente, a formação de natureza pedagógica.
Ao trazer esses dados que evidenciam a precariedade dos cursos superiores no
início de sua criação tive a intenção de auxiliar à compreensão acerca das fragilidades
administrativas e pedagógicas vividas no presente. A instituição que, durante esses anos não
reduziu ou excluiu a oferta das licenciaturas na área das Ciências, convive com déficit de
professores, em menor proporção, assim como com problemas menores em relação ao acervo,
com laboratórios entre outras demandas. Entendo como os professores que a ausência dessas
condições acarreta implicações de ordem pedagógica e profissional no processo de formação
dos professores de Ciências.
68
Conforme explicitado na Parte II.
113
69
A análise textual discursiva opera com significados construídos a partir de um conjunto de textos. Os materiais
textuais constituem significantes a que o analista precisa atribuir sentidos e significados. [...] propõe-se a
descrever e interpretar alguns dos sentidos que a leitura do conjunto de textos pode suscitar (MORAES,
GALIAZZI, 2007, p. 13)
114
dos professores pode estar impedindo a visão da totalidade social na qual a ciência aplica os
conhecimentos que produz revelando a ligação entre as duas partes: ciência e sociedade.
Compreendo a partir dessas considerações que as concepções de Ciência
expressas pelos sujeitos da pesquisa correspondem a um modelo disperso de racionalidade
técnica (CACHAPUZ, 1999; SHEID, PERISCH, KRAUSE, 2000; MORIN, 2005; NARDI,
CORTELA, 2015; DELIZOICOVI, ANGOTTI, PERNAMBUCO, 2011) que empresta aos
seus adeptos uma visão ou dogmática ou de nonsense de ciência, pelo fato de envolver
fragmentos de ideias sem articulação à guisa de demonstração do conhecimento com
objetivos absolutos de justificar verdades70 e aplicá-las de forma utilitarista.
Depreendo da manifestação dos sujeitos da pesquisa que no curso de Licenciatura
em Física do IFMA as experimentações parecem ocorrer preponderantemente de forma
reprodutivista, reforçando uma visão dogmática de Ciência como soe acontecer. Para
Gonçalves e Marques (2006) a experimentação pode contribuir para a aprendizagem do aluno
e formar uma nova visão de ciência, na medida em que esse procedimento não venha a ser
empregado com fins absolutos de explicar conceitos e confirmar as “verdades” da ciência. Do
contrário, a produção científica é considerada racional, sistemática, exata e verificável da
realidade, cuja origem remete aos procedimentos de verificação baseados na metodologia
científica (SHEID; PERISCH; KRAUSE, 2000)
No contexto das mudanças paradigmáticas advinda das comunidades científicas
acerca da construção do conhecimento, e sobre a relação que estabeleceu com a educação em
ciências, a posição de Cachapuz (1999) é a de que o modelo positivista de ciência está
esgotado, e para o ensino é fundamental avançar em direção a propostas inovadoras, buscar
um novo quadro conceitual com base em apropriações epistemológicas, marcadas pela Nova
Filosofia da Ciência. Ele nos diz que se “há que insistir num conhecimento que possa servir
para ser refletido, discutido, incorporado por cada um no seu saber, na sua experiência, na sua
vida.” (CACHAPUZ, 1999, p. 2)
70
A esse respeito, apresento contribuições por Maldaner (2003, p. 55) que diz: É a ciência vista como detentora
das verdades descobertas pelos cientistas e que precisam ser transmitidas aos alunos de forma a serem mais
digestas. Fazer as práticas demonstrativas [...], significa, dentro da visão empirista/indutivista, comprovar o
acerto das teorias ou pretender chegar a elas por meio de generalizações a partir de regularidades observadas.
Há, ainda, nessa postura [...] dos estudantes da licenciatura de química, uma clara rejeição ao que denominam
“ensino teórico” que vivenciaram em toda a sua formação anterior [...], na verdade eles rejeitam o modelo de
transmissão/recepção quando se referem ao ensino teórico, mas mantém a mesma ideia de conteúdos de
Química que devem ser transmitidos bem e assimilados pelos alunos. Não se referem a uma possível teorização
química sobre fatos e fenômenos, à luz da construção histórica nesse campo do conhecimento.
118
71
O positivismo é uma corrente filosófica de pensamento, tendo como maior representante Augusto Comte. Para
ele, o conhecimento só teria validade se obtido por meio do método das Ciências Naturais. O conhecimento
científico é, para Comte, baseado na observação dos fatos e nas relações entre fatos que são estabelecidas pelo
raciocínio. Essas relações excluem tentativas de descobrir a origem, ou uma causa subjacente aos fenômenos, e
são, na verdade, a descrição das leis que os regem. Segundo Comte: “Nossas pesquisas positivas devem
essencialmente reduzir-se, em todos os gêneros, à apreciação sistemática daquilo que é, renunciando a
descobrir sua primeira origem e seu destino final” (Discurso sobre o espírito positivo, 1ª parte, III). [...] O
conhecimento positivo, que estabelece as leis que regem os fenômenos de forma a refletir o modo como tais
leis operam na natureza, tem ainda, para Comte, duas características: é um conhecimento sempre certo, não se
admitindo conjecturas, e é um conhecimento que sempre tem algum grau de precisão, embora esse grau varie
de ciência para ciência, dependendo do seu objeto de estudo. Assim, Comte reforça a noção de que o
conhecimento científico é um conhecimento que não admite dúvidas e indeterminações, e o desvincula de todo
conhecimento especulativo. (ANDREY et al., 2014, p. 379-380). Para colaborar com esse tema trago Santos
(1999, p. 53) [...] a Ciência -organização positiva do saber- é o modelo ideal de todos os outros tipos de
119
conhecimento. É apenas através dela, enquanto sistema de ideias, que defende ser possível completar a vasta
obra intelectual começada por Bacon, Descartes e Galileu. A exclusão de intervenções sobrenaturais, o repúdio
pela metafísica, a tentativa de substituição da Filosofia pela Ciência, o assumir do método científico como
normativo de todo saber, a valorização apenas de sua própria verdade – a verdade científica, a redução da
pluralidade de interpretações possíveis à sua própria interpretação, a base mecanicista e determinista do
conhecimento, são ideologias dominados pelo culto do cientismo.
120
teórico das ciências e pela revisão dos hábitos de pesquisa. Essa propugnaria novos
caminhos para a educação.”
A ideia apresentada nos termos colocados pelo professor está correta do ponto de
vista da integração da Física às outras áreas, como também o leque de possibilidades que se
abre com a adoção da prática da interdisciplinaridade, trazendo para a licenciatura
significativos avanços, sobretudo se essa visão for compartilhada pelo coletivo de professores
formadores, pelos alunos e pela coordenação do curso. Portanto, a superação de concepção de
mundo, de fenômenos, de fatos, do humano, de forma fragmentada, por uma visão de
totalidade, multifacetada, forjada por meio de projetos interdisciplinares.
Desse ponto de vista entendo ter sido da maior importância a releitura
interdisciplinar empreendida pelos docentes envolvidos com a reformulação do currículo da
licenciatura em Física sobre a proposta curricular do curso em construção, implicando um
olhar reflexivo, detendo-se na composição das disciplinas72, entendendo que, se organizada
mais por justaposição que por uma identidade formadora, com cargas horárias exaustivas e às
vezes pouco representativas do ponto de vista da profissionalidade docente, a proposta apenas
reproduziria o modelo atual, de natureza multidisciplinar, nos moldes tradicionais de
composição curricular.
Ao tempo em que me causou uma boa expectativa a possibilidade da prática
interdisciplinar no curso de licenciatura em Física, parece que a compreensão de
interdisciplinaridade tal como expressa pelo professor Roberto faltou o entendimento sobre o
que identifica a interdisciplinaridade como atividade docente. É necessário, esse entendimento
a fim de que venha se aplicar ao contexto curricular da licenciatura. Esta minha observação é
72
Fazenda (1993), esboça essa questão analisando as consequências de um currículo nos moldes tradicionais
explicando: “Sabemos, por exemplo, em termos de ensino, que os currículos organizados pelas disciplinas
tradicionais conduzem o aluno apenas a um acúmulo de informações que de pouco ou nada valerão na sua vida
profissional, principalmente porque o desenvolvimento tecnológico atual é de ordem tão variada que fica
impossível processar-se com a velocidade adequada a esperada sistematização que a escolar quer. Por outro
lado, a opção que tem sido adotada, da inclusão de novas disciplinas ao currículo tradicional, só faz
avolumarem-se as informações e atomizar mais o conhecimento. O currículo tradicional, que já traduzia um
conhecimento disciplinar, com esse acréscimo de disciplinas tende a um conhecimento cada vez mais
disciplinado, onde a regra principal seria somente um policiamento maior às fronteiras das disciplinas. O efeito
nada mais representaria que a punição aos que quisessem transpor essas barreiras (FAZENDA, 1993, p. 16-17
grifo nosso)”. Resgatando o contexto histórico da fragmentação curricular, que pode ser localizada em dois
pontos básicos estruturais da sociedade, a ciência com sua crise da especialidade na produção do conhecimento
e a economia com a divisão e especialização do trabalho, considero oportuno relembrar com Santomé (1998,
p.13) “A taylorização no âmbito educacional faz com que nem professor nem alunos possam participar dos
processos de reflexão crítica sobre a realidade. A educação institucionalizada parece ter-se reduzido
exclusivamente a tarefas de custódia das gerações mais jovens. As análises dos currículos ocultos evidenciam
que o que relamente se aprende nas salas de aula são habilidades relacionadas com a obediência e a submissão
à autoridade [...]”
121
feita com base na afirmação do professor, ao dizer: em todas as áreas a Física está presente. É
preciso ter em conta que a interdisciplinaridade não se reduz à presença ou aplicações da
Ciência Física a outros campos do conhecimento73, a concepção de interdisciplinaridade
suscita o diálogo com diversos campos do conhecimento, tendo em vista apreender o mais
completamente um objeto sob apreciação.
Mesmo que a prática interdisciplinar ainda não seja exercitada de forma coletiva
na licenciatura, não se pode duvidar que em alguns casos isolados de professores da
licenciatura estejam desenvolvendo um trabalho pedagógico forjado nessa concepção e que
tenham substituído a forma tradicional de planejamento e organização do trabalho pedagógico
(FAZENDA, 1994; LIBÂNEO, ALVES, 2012; MALDANER, 2003; PIMENTA, LIMA,
2012; DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2011).
Os discursos e representações dos professores Marcelo Damy e Jayme Tiomno,
apresentados subsequentemente sobre a concepção de Ciência, na forma como a
compreendem, parece reproduzir o conceito moderno de Ciência. Além disso, acrescentam
alguns aspectos relacionados à Física, e à Ciência, importando considerar a seguir:
Ciência é a pesquisa sistemática, é a busca pelo conhecimento
científico, é a teoria colocada em prática. Um pesquisador que
pesquisa, faz, simula, faz as contas, investiga e a Física em geral tem
que ter a teoria casada com a prática. Em geral está lá a teoria e
vamos para o laboratório vê se de fato o que eu estou dizendo,
pesquisando, buscando, o que eu encontrei se consigo colocar no
laboratório. Em geral os físicos fazem isso. Tem o físico teórico que
só simula que faz as contas, mas tem também aquele que está no
laboratório buscando comprovar essas teorias levantadas pelos
físicos teóricos. Então ciência para mim é isso, é pesquisa
sistemática... A ciência tem que ser sistematizada, tem que ter os seus
dados, tem que ser anotada, tem que ser bem criteriosa, você tem que
fazer testes... A ciência precisa de comprovação por um método
sistemático. (MARCELLO DAMY, Entrevista).
73
“[...] o pensar interdisciplinar parte do princípio de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma
racional. Tenta, pois, o diálogo com outras formas de conhecimento, deixando-se interpretar por elas. Assim,
por exemplo, aceita o conhecimento válido, pois é através do cotidiano que damos sentido às nossas vidas.
Ampliado através do diálogo como o conhecimento científico, tende a uma discussão utópica e libertadora,
pois permite enriquecer nossa relação com o outro e com o mundo. [...] no projeto disciplinar não se ensina,
nem se aprende: vive-se, exerce-se (FAZENDA, 1993, p.17 grifo nosso)”.
122
74
Uma prática formadora na contramão da educação para o século XXI, com a visão determinista e imutável das
coisas, pautada em conhecimentos, segundo a visão de Santos (2010) Um conhecimento baseado na
formulação de leis tem como pressuposto metateórico a ideia de ordem e de estabilidade do mundo, a ideia de
que o passado se repete no futuro. Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da matéria é uma máquina cujas
operações se podem determinar exatamente por meio de leis físicas e matemáticas, um mundo estático e eterno
a flutuar num espaço vazio, um mundo que o racionalismo cartesiano torna cognoscível por via da sua
decomposição nos elementos que o constituem. Esta ideia do mundo-máquina, é de tal modo poderosa que se
vai transformar na grande hipótese universal da época moderna, o mecanicismo. (p. 30-31)
123
Cachapuz et al. (2005, p. 75) os estudantes executam tarefas sem saber para onde caminham e
que respostas hão de dar e a quê. Parece-lhes que os conhecimentos surgem claros, óbvios e
não precisam ser interrogados porque têm uma resposta que é “natural”.
No discurso do professor também encontramos que a Física em geral tem que ter
a teoria casada com a prática75. O professor Marcelo aponta para a relação da Física teórica
com a prática, no entanto, deixa escapar a visão dicotômica na aquisição do conhecimento,
travada no interior do processo da formação, ou seja, um professor cuida da teoria e o um
outro responsabiliza-se pela prática. O professor Jayme, com outra orientação a esse respeito,
explicita a relação teoria prática dizendo que dentro da prática de ensino na educação básica
tem-se que preparar para a vida... compreender os objetos que nos cercam. Mas também
reduz essa preparação para a vida relacionando os conhecimentos da Ciência, por exemplo,
para entender o funcionamento das coisas.
Os sujeitos em questão, ao mesmo tempo em que destacam a necessária relação
teoria e prática no trabalho pedagógico da formação, deixam claro que as bases teóricas e
metodológicas que sustentam suas percepções são de natureza conservadora e reduzem a
prática à atividade simplificadora na compreensão do fenômeno, do real. Ao conceberem a
Ciência como único conhecimento científico válido, as demais ciências tendem a cair na
obscuridade. De outro lado, à medida que deixam de abordar na interconexão teoria e prática,
questões históricas, políticas, sociais, educacionais, ambientais e éticas, constato a
necessidade da superação dos pressupostos positivistas, na perspectiva da práxis docente76
formadora e transformadora do real.
A superação da visão simplificadora do real por uma visão complexa dos
fenômenos naturais, sociais e educacionais, vai exigir dos professores formadores uma
mudança da crença epistemológica positivista e pragmática da ciência por uma visão de
complexidade/totalidade sobre os gravíssimos problemas que envolvem os cidadãos e a
sociedade.
75
A sinalização do professor sobre o entendimento acerca da relação teoria e prática chama a atenção para a
adequada postura pedagógica no processo da formação, o que faltou compreender é que a educação no estágio
atual da sociedade exige que se pense sobre ela para transformá-la. Teoria e prática têm um papel bem definido
no processo. Vásquez (1977, p.207) nos traz o seguinte esclarecimento: “...se a teoria não muda o mundo, só
pode contribuir para transformá-lo exatamente como teoria. Ou seja, a condição de possibilidade – necessária,
embora insuficiente – para transitar conscientemente da teoria à prática e, portanto, para que a primeira cumpra
uma função prática, é que seja propriamente uma atividade teórica – na qual os ingredientes cognoscitivos e
teleológicos sejam intimamente vinculados e mutuamente considerados.
76
A esse respeito Vásquez (1997.p. 207) diz que: Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um
trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo
isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais, efetivas.
124
visão de Maldaner (2003) o progresso alcançado pela ciência tem resposta para os problemas
sociais, pois a atividade científica não acontece isolada da sociedade, ela é uma prática social
como a educação e está orientada para garantir a manutenção da vida e da sociedade.
Maldaner (2003, p. 114) explana o seguinte:
No relato dos professores acima e de outros que não trago neste espaço, todos os
professores entrevistados concordaram ser da maior importância uma concepção de Ciência
para formar o professor de Física para atuar no presente século. Em se tratando do que é
importante na formação dos futuros professores para o século XXI, os dois interlocutores
acima destacam na sua visão de Ciência os aspectos seguintes: (i) a pesquisa, na percepção do
professor Luís Roberto e (ii) o conhecimento científico associado à tecnologia, com suas
infinitas utilidades, na ótica do professor Luis Davidovich. Partindo do pressuposto que a
educação e o ensino de Ciências na atualidade exigem do professor habilidades e competência
para além da pesquisa e do domínio das tecnologias, ou seja, uma visão crítica e totalizadora
dos problemas socias e ambientais presentes na realidade, evidencia-se mais uma vez o
distanciamento das duas visões para a docência e a educação no século XXI.
No meu modo de ver, quando os professores descrevem o que é ciência77 e a
partir da visão que possuem, a importância que atribuem na formação dos professores
reproduzem as mesmas bases epistemológicas do positivismo empirista-indutivista. Entendo,
pois, que o modelo positivista de ciência marca profundamente a visão dos professores
formadores nesta questão.
Segundo Maldaner (2003, p. 97 grifo nosso) “a visão epistemológica afeta a
nossa atividade em sala de aula”. Sinto-me provocada mediante o que foi manifestado pelos
sujeitos a fazer um convite aos professores que partilham desse modo de pensar a Ciência na
formação, para que reflitam sobre a necessidade de rever conceitos formados, opções teóricas
e orientações epistemológicas assumidas em suas práticas formadoras.
Considero importante retomar o relato do prof. Luis Davidovich apontando para
uso das tecnologias da informação e a fala de Luis Roberto sobre a pesquisa científica, para
esclarecer que reconheço a importância e o lugar de ambos os aspectos no processo da
formação de professores de Física, para este século, contudo, vale considerar outros fatores
relacionados com uso absolutos.
Com respeito à ênfase dada ao desenvolvimento tecnológico e à pesquisa me
parece suscitar intencionalidade de emprego absoluto na formação, descuidando de mencionar
as relações e implicações sociais que envolvem a produção, a comercialização no contexto
77
A questão “o que é a ciência” é a única que ainda não tem nenhuma resposta científica. É por isso que mais do
que nunca, se impõe a necessidade do autoconhecimento científico, que deve fazer parte de toda política da
ciência, como da disciplina mental do cientista. (MORIN, 2005, p.21).
128
das sociedades capitalistas e o uso das modernas tecnologias no ensino. A esse respeito
Maldaner (2003, p. 100) nos adverte da seguinte forma:
[...] Até aqui a ciência, por meio dos produtos tecnológicos, vem concentrando as
riquezas e o poder junto a indivíduos e certos países, gerando desequilíbrios
políticos, econômicos, sociais e ambientais. Novas argumentações precisam ser
produzidas em torno da produção da ciência para que ela passe a ser vista como um
bem cultural, uma conquista da humanidade, que deve ser bom para todos.
Maria Isaura se coloca inicialmente admitindo não haver dúvida quanto a uma
concepção de ciência, base epistemológica de toda prática docente formadora, e explica: Às
vezes a gente não tem muita consciência disso, mas não existe nenhuma prática que se dê
fora de uma concepção de ciência, ou seja, dessa base epistemológica. No contraponto ainda
destaca a importância que tem a base epistemológica para a organização metodológica do
trabalho da formação dos professores, o que implica dizer que o trabalho pedagógico da
formação depende dessas bases e estas, dos professores formadores.
Para essa discussão epistemológica é válido considerar que a visão de Ciência de
cada professor agrega algo de si, seus valores, conhecimentos, experiência que são
transferidos para a prática docente. Entendo o ponto de vista da profa. Isaura que uma certa
incapacidade de percepção pelo professor acerca do que ele faz, porque faz e como faz,
suceda da naturalização da ação docente e do fato de não ser comum o hábito da reflexão
sobre a própria prática docente. Nisto resulta práticas de ensino isoladas, descompassos
teóricos-metodológicos no trabalho da formação, orientações epistemológicas
individualizadas, comprometendo a unidade da formação no curso. Esse aspecto foi bem
marcado pela professora supracitada. Vimos com Maldaner (2000), Cachapuz (2005), Morin
(2005), a importância do espaço coletivo de professores como possibilidade para discussão
sobre as questões relacionadas com a prática formadora e suas bases teóricas e
epistemológicas no trabalho da formação, os problemas pedagógicos enfrentados na prática, a
superação do isolamento do trabalho docente, a socialização das experiências e troca de
132
78
De acordo com Ramos (2001) As reformas curriculares... visam re-orientar a prática pedagógica organizada em
torno da transmissão de conteúdos disciplinares para uma prática voltada para a construção de competências
(p. 125-126). A autora na obra em referência prioriza a discussão de competência com foco na educação
profissional e média, não obstante, reúne um rico referencial teórico sobre o tema, nos primeiros capítulos,
concorrendo para um expressivo aprofundamento sobre a categoria competência, cuja discussão é ampla, de
natureza complexa e interdisciplinar. No Brasil, a integração da noção de competência à reforma educacional
inicia –se legalmente com a aprovação da Lei nº 9.9394, de 20 de dezembro de 1996, nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB). A Formação de Professores na mesma época esteve orientada pelo
modelo de competências Resolução CNE/CP 01/2002. O paradigma das competências profissionais gerou
muitas polêmicas à época, não está de todo erradicado na educação, o próprio PPC do curso de Física do IFMA
regula-se por esse modelo, procurando avançar com seus pressupostos. Na atualidade, os cursos de licenciatura
133
das licenciaturas em geral. Mais recentemente, a LDB e outras instruções legais que
remontam à época, têm sido alvo de alterações, reflexo das mudanças céleres que ocorrem na
estrutura política, econômica, e produtiva da nossa sociedade. A área do currículo nunca foi
tão visada pela elite governante. Com características de autoritarismo, abuso de poder e
patrulhamento cultural, leis são alteradas e pareceres e decretos são baixados, sem consulta ou
participação dos segmentos da Educação.
Contraditoriamente, nesse cenário de mudanças nas últimas décadas, o debate
sobre o currículo incidiu sobre a democratização dos saberes. Paradoxalmente, os professores
permaneceram quase sempre à margem das decisões e de uma discussão na qual deveriam ser
os primeiros e os últimos a se manifestarem, haja vista tratar-se das reformas educacionais,
território de domínio teórico-prático da ação educativa dos docentes, independentemente da
natureza de suas concepções. No entanto, os debates geralmente são monopolizados por
consultores contratados pelo alto clero da gestão educacional do país e, nas audiências
públicas são raras as oportunidades de manifestação reservadas aos professores. A experiência
tem mostrado que pouco ou nada do que é proposto pela classe é acatado, cabendo à ‘suprema
corte’ do Conselho Nacional de Educação – CNE -, a palavra final nos Pareceres e
Resoluções que traduzem as Diretrizes Nacionais para a Educação no País.
O desterramento da educação e dos docentes das discussões das reformas
educacionais na prática refletem as dicotomias entre a teoria e a prática, as proposições
ideológicas nos projetos curriculares dos cursos da educação básica e superior, entre outros
eventos com feição colonialista, cada vez mais recorrentes. Usando essa metáfora, Arroyo
(2011) interpreta esse dado da realidade educacional, conforme a enxergo no momento
presente:
As políticas neoliberais, sua ênfase no treinamento e no domínio de competências e
nas avaliações e classificações de alunos e mestres por domínios de resultados
voltam a expatriar a educação dos seus territórios, as escolas, os currículos e a
docência. Nossas bandeiras de luta, desde os anos de 1980, a educação como direito
sai do discurso. Os termos direito, educação (quando ainda se usam) são reduzidos a
termos como domínio de competências ou mostram quantificação dos resultados.
Docência é reduzida a treinar nesses domínios. (ARROYO, 2011, p. 25)
do IFMA passam por uma reformulação e suas propostas curriculares estão sendo orientadas pela Resolução
CNE/CP 02/2015.
134
...Acho que a gente tem tentado melhorar, mas assim, como eu disse, é
um processo de construção. Talvez ele na construção, à época, tenha
sido o melhor que a gente imaginou. Mas ao longo do tempo as coisas
vão se tornando desatualizadas, não tem jeito! A sociedade vai
evoluindo, os alunos vão mudando, os professores vão tendo uma
outra visão, uma visão diferenciada, o mundo vai mudando. Não tem
como você fixar uma coisa e dizer que aquilo vai ser aquilo para o
resto da vida. Principalmente na área de formação de professor de
qualquer área da ciência. Ora, se a própria ciência está evoluindo o
tempo todo, como eu disse, ela está cada vez mais interagindo com
outras áreas, novas ferramentas, novos desafios, não tem como
manter um currículo de uma maneira só. Hoje eu vejo que a nossa
grade está completamente desatualizada, mas ela tem mais de dez
anos! Na verdade, não vou botar data.... porque eu falo não para a
data. Não eu acho que teve uma mudança de lá para cá. O curso não
forma bem por que está desatualizado (CÉSAR LATTES, Entrevista).
...Por isso é que eles estão fazendo essa reforma. Espero que seja,
pelo menos, o início dessa mudança. A gente pensa numa coisa, mas a
grade curricular, como já comentei, é do século XIX. As coisas
mudaram no século XXI, até o nome da disciplina que o aluno está
fazendo eu sou de acordo que mude. Os conteúdos são consequências.
136
Os três professores deixam claro que a proposta curricular atual não possibilita
formar um professor que atenda ao propósito de uma Educação para o século XXI. César
admitiu que para a época em que o currículo do curso foi construído a proposta atendia aos
propósitos da formação, mas que hoje o curso não forma bem porque está desatualizado,
disse o professor, justificando-se com as mudanças ocorridas no mundo, nos professores e nos
alunos, mas a licenciatura em Física manteve o mesmo formato curricular. Arroyo (2011) é
enfático ao discutir as mudanças no perfil dos alunos e nos desafios que os professores
enfrentam na atualidade lidando com problemas de natureza familiar, social, de valores e
interesses da juventude, para os quais também estão despreparados.
Concordando com a ideia da defasagem curricular e consequentemente da
formação dos professores, Ronni Geraldo lembrou que o projeto pedagógico do curso passa
por uma reforma, creditando a essa ação as mudanças que estão sendo exigidas. Pude
perceber que o professor compreende o trabalho de (re) construção da nova proposta de curso
dentro de uma visão restrita, cartesiana, isto é, apenas do ponto de vista da organização,
inclusão e retirada de disciplinas. Sua crítica é contundente quanto aos componentes
137
curriculares do curso. Vale dizer que quando o tema é currículo essa percepção é muito
comum da parte dos professores, estudos e pesquisas têm demonstrado essa tendência. Sobre
esse aspecto, não só ele, mas outros sujeitos da pesquisa que se manifestaram sobre a questão
deitaram sugestões de disciplina ao referirem-se ao currículo de vez que, deixaria o curso de
Física “melhor estruturado”.
Caracterizo essa visão disciplinar fragmentária, sustentada no padrão positivista
dominante da formação de professores. Com base em estudiosos como Morin (2009, 2011,
2017), Arroyo (2011), Chassot (2004, 2007), Cacahapuz et al. (2005), Maldaner (2000, 2003),
Santos (1999) e Santomé (1998), consigo identificar a concepção tradicional de currículo em
que os três professores sustentam as percepções apresentadas. Ao tempo em que propõem
inclusão e retirada de disciplinas, obedecendo a um critério puramente lógico, desarticulado
de objetivos, do contexto formativo, da sociedade, da educação escolar e de outros fatores
essenciais à formação de professores, distanciam-se de um currículo que possibilite a
educação para o século XXI.
Com a mesma visão reducionista de currículo, o professor Luís Davidovich avalia
que os componentes curriculares do curso são insuficientes e, portanto, não atenderiam ao
propósito da formação do professor, contudo, traz uma novidade em seu discurso, aproxima-
se de uma abordagem de ensino de modo interdisciplinar quando diz:...nesses dias de hoje,
nesse atual século, eu acho que precisa de disciplinas que possam conversar umas com as
outras. Roni também sugere a inserção das novas tecnologias, no afirmando que o surgimento
da física computacional se constitui, no momento, como um recurso complementar da maior
valia no processo de ensino e da aprendizagem.
Valido a importância e utilidade dos recursos da nova tecnologia para o ensino,
como pensa o professor Luís, porém, devo alertar sobre o emprego das TIC observadas as
condições que já foram discutidas em outra parte deste estudo. Ademais percebo que o
professor Luís está movido por uma visão de interdisciplinaridade que se mostra embaçada do
ponto de vista teórico, interpretando a interdisciplinaridade na forma disciplinar, a qual
contraria sua natureza epistêmica e ontológica, quando propõe a separação do uno com o
múltiplo. Pensando com os metafísicos clássicos, o ser é uno e múltiplo ao mesmo tempo. O
todo está na parte que está no todo (MORIN, 2000, 2008, 2014).
Discuto equívocos dessa natureza, trazendo o que considera Frigotto (1995, p. 38)
dizendo o seguinte:
A não atenção ao tecido histórico, dentro do qual se produz o conhecimento e as
práticas pedagógicas, tem nos levado a tratar a questão da interdisciplinaridade sob
138
Por fim, analiso o discurso do professor Roni com destaque particular à questão
da resistência e do comodismo do professor, no enfrentamento com o novo. Nisso, residindo
por suposto, as inadequações no processo de formação de professores para uma educação
consoante com as exigências do século atual. Segundo ele, a falta de motivação dos
professores no sentido da inovação pedagógica, na perspectiva de adequar sua prática docente
às exigências trazidas com as mudanças históricas, depende de fatores externos, capaz de
estimular a vontade de mudar.
Na minha análise, vejo provável que esteja acontecendo em razão da formação
inicial dos professores, com características pedagógicas tradicionais, embaçando a percepção
dos professores em outras direções, com perspectivas inovadoras. Se reconhecendo como
autoridades sobre o conhecimento e autonomia sobre o fazer pedagógico, não admitem
interferências ou inovações externas. A esse respeito, Santos (1999) ressalta ainda que a
maioria dos professores da área das Ciências não assimila a cultura da reflexão crítica,
histórica e social, na condição de formadores.
O pensamento racional científico-técnico dominante, segundo Contreras (2002) e
Giroux (1997), limita o sujeito à atitude de reflexividade e paralisa-o em direção a umas
práxis individual ou coletiva. Assim, no âmbito da prática formadora de professores de Física,
o que poderia vir a ser uma ação de compartilhamento de experiências, antes legitima o
isolamento nos espaços da formação. Entre os benefícios da práxis coletiva ou do trabalho
coletivo, enumero alguns, quais sejam:
(i) debate democrático em torno das atividades próprias da docência,
(ii) superação de dificuldades na execução de determinadas tarefas
docentes,
(iii) reflexão crítica sobre as limitações do trabalho da formação,
(iv) planejamento conjunto das ações,
(v) projetos educacionais,
(vi) desenvolvimento de pesquisa colaborativa, e
(vii) formação continuada.
139
Trata-se de questão cuja solução não é simples porque passa pela mudança de
pensamento de grande parte dos professore que compõe o coletivo dos professores-
formadores implicando rupturas de muitas ordens, e somente pela unidade do grupo formador
as mudanças ou transformações serão possíveis.
O discurso do professor que analiso a seguir percorre outras vias para discutir a
problemática do currículo da licenciatura e a educação pensada para o século XXI. Destaca-se
dos sujeitos anteriores focando o aspecto pedagógico. Do seu modo, estabelece uma relação
entre o currículo, a prática pedagógica do professor formador, a reflexão sobre a prática e a
formação do professor propriamente. Disse o professor Jayme Tiomno, o seguinte:
...O curso ideal deveria focar realmente um curso puro, limpo, de
licenciatura em Física...é indiscutível que um professor tenha todo
embasamento teórico... como repassar isso... tem que ter também
aquela parte experimental. Juntando essas duas, o que vai faltar
agora é a metodologia e aí entra a parte pedagógica para dar a esse
professor o entendimento de como a educação evoluiu, como a
educação caminha, para que o aluno possa entender esse processo de
ensino e aprendizagem que não é uma coisa unilateral...Então, se
você passa por um processo pedagógico, por uma aprendizagem
dessas concepções pedagógicas você vai entender que o processo é
bilateral. Então, se você lança o conhecimento e alguns alunos
aprendem e outros não, você vai se questionar por que alguns alunos
não aprenderam? Será que foi a metodologia? Será que foi o
conhecimento? Como foi lançada essa informação para o aluno?
Então, o professor que tem formação pedagógica fica preocupado e
vai buscar resolver esse problema da melhor maneira possível, vai
procurar soluções e ver onde estava o erro ou onde ocorreu o impasse
para os alunos, para que parte da turma não absorvesse o conteúdo.
Então, a questão do professor passa pela questão... o conhecimento
específico não garante que ele vai transferir aquele conhecimento
porque a clientela dele é diferenciada... a parte pedagógica é
importantíssima! Não tem como haver licenciatura, professores, sem
esse conhecimento pedagógico (JAYME TIOMNO, Entrevista).
O professor Jayme Tiomno apresenta entre outras questões algo que me pareceu
preocupá-lo e que merece ser destacada pela importância que tem nesta discussão. Ao se
referir currículo da licenciatura, ele diz: eu acho que o curso ideal deveria focar realmente um
curso puro, limpo de licenciatura em Física. Ao fazer essa declaração o professor Jayme
projeta uma imagem do curso de Física do IFMA, cumprindo objetivos e funções, em certa
medida, desviados dos reais propósitos da preparação de professores. Muito embora deixe de
avançar em suas considerações, lembro que essa questão sobre o status do curso surgia com
140
ensino. Marcando essa importância ele comenta por fim: não tem como haver licenciatura,
sem esse conhecimento pedagógico por parte dos professores.
Apresentando posição semelhante o professor Plinio avança um pouco mais em
suas argumentações sobre os conhecimentos pedagógicos demonstrando uma visão mais
consistente acerca da formação pedagógica necessária à docência e consequentemente a boa
educação neste século. Posicionando-se na discussão sobreo currículo o professor fala o
seguinte:
...A priori o professor tem que ter as disciplinas de Física é lógico!
Ele tem que ter esse embasamento para conhecer o humano porque a
gente conhece o humano “de olhar”, não de estudo. Então, quando o
professor estuda Psicologia da Educação vai começar a entender um
pouco, e quando estuda Sociologia da Educação vai conhecer mais
ainda. Então, tem que ter esse conjunto de disciplinas. Meus alunos
daqui, que eu tenho ou que passam pelo curso de Física tem aquela
velha prática de chamar as disciplinas de humanas de “gias” e eu
sempre digo: deem importância para todas as disciplinas que estão no
elenco do curso, sejam bons em tudo, estudem Psicologia, estudem
Didática, estudem Sociologia da Educação, todas elas são
importantes para a formação de vocês. Sempre disse isso para os
meus alunos, sempre os orientei para que colocassem todas as
disciplinas como se fossem a última vez que eles as veriam, mas
sabemos que a gente sempre está revendo os conhecimentos desses
conteúdos (PLINIO DELLATORRE, Entrevista).
proposta do curso. Recorro a Maldaner (2003, p.118) cuja explicação auxilia a compreensão
dessa postura, nos termos seguintes:
Embora as ciências humanas e sociais se reconhecessem diferentes e, muitas vezes,
propusessem o oposto das ciências naturais, em termos epistemológicos mantiveram
a separação sujeito/objeto, portanto, dentro do mesmo paradigma da ciência
moderna. Isso se reflete, mais intensamente, na formação dos profissionais nas
universidades, onde a própria organização curricular é proposta de forma esfacelada,
com disciplinas isoladas, formações práticas e teórica separadas, formação
profissional descolada do meio em que vão atuar os profissionais.
79
Acerca do Núcleo de Prática Pedagógica remeto o leitor à página 25 deste trabalho onde transcrevo do PPC do
curso de física as características e objetivos deste.
143
vi) participar interna e externamente de espaços e ações em luta por melhora das
condições e dos espaços de trabalho, e valorização da práxis docente.
O que foi provocado naquilo que foi significado pela professora Isaura conduz ao
encontro do que afirma Imbernón (2011, p.15-16) quando assegura que:
Isso implica, mediante a ruptura de tradições, inércias e ideologias impostas, formar
o professor na mudança por meio do desenvolvimento de capacidades reflexivas em
grupo, e abrir caminho para uma verdadeira autonomia profissional compartilhada,
já que a profissão docente deve compartilhar o conhecimento com o contexto. Isso
implica uma mudança nos posicionamentos e nas relações com os profissionais, já
que isolados eles se tornam mais vulneráveis ao encontro político, econômico e
social.
Sobre este modelo de formação manifestado por Mário, assim como outros
modelos formativos, muitos educadores pesquisadores já produziram extensa literatura sobre
o tema (SANTOS, 1999; IMBERNÓN et al., 2011; CARVALHO, GIL-PÉREZ, 2011;
CACHAPUZ et al., 2005; NARDI, CORTELA, 2015), coincidindo em suas contribuições
teórico-críticas aos modelos formativos com formato semelhante ao pensado pelo professor
Mario. Para esses professores-pesquisadores, os estudos mostram que os profissionais
formados sob esse modelo deixam de receber a preparação adequada e coerente com a função
da docência. Não só pela fragmentação do currículo, mas, sobretudo, pela dicotomia teoria–
prática. Caracterizam essa formação como burocrática, acrítica, forjada na racionalidade
técnica.
Com esse modelo de formação, a organização curricular se dá previamente pelos
professores em descompasso com a realidade educacional sem diálogo com as escolas. As
disciplinas obedecem a uma ordenação positivista lógica, derivando desse ponto um trabalho
docente formador desarticulado interna-instituição formadora- e externamente –escolas –
descontextualizadamente em relação aos problemas da sociedade em que vivemos. Vale
destacar neste ponto o fosso na preparação do professor para a educação do século XXI.
Acrescento que se as instituições de ensino básico e superior já não conseguem acompanhar o
movimento do real, no modelo pensado pelo professor Mario essa dificuldade se eleva e o
prejuízo para a formação e a prática educativa se torna desastroso.
Modelos formativos semelhantes a estes, praticados por algum tempo e em várias
IES formadoras de professores foram alvo de críticas na década de 90, período em que
vivíamos o clima da redemocratização do país, as divergências incidiam sobre as diferentes
concepções de educação e formação de professor, em descompasso com o momento histórico
de nossa sociedade (ARAÚJO, VIANA, 2010). A partir da LDB Lei Nº 9394/96, novas
diretrizes foram elaboradas contrárias a esse formato80. Essa foi mais uma provocação
80
Nortearam as reformas curriculares regulamentares após a LDB: o Parecer CNE/CP 09/2001; Resolução
CNE/CP 01/2001; CNE/CP 28/2001CNE/CP 01/2002. Diretrizes Curriculares para os cursos de Física: Parecer
146
CNE/CES 1.304/2001 e Resolução CNE/CES 9/2002. Na atualidade pelo Parecer CNE/CP 02/2015 e
Resolução CNE/CP 02/2015.
147
curso de licenciatura, o comportamento é o mesmo, uma vez que há que se considerar em suas
posturas positivistas, que seus formadores, por sua vez, lidavam com a mesma concepção. Na
expressão de Maldaner (2003) a forma como a ciência é concebida pelo professor caracteriza
sua ação pedagógica. Por isso há certa urgência de inovação das práticas sobre outras bases.
A visão da professora Maria Isaura, mais uma vez, traz novos elementos que se
agregam oportunamente a essa discussão e se localiza em um ponto que considero
fundamental quando trata da formação de professores e novos paradigmas na prática docente,
pensando em numa educação para o século XXI, conforme declaração feita a seguir:
Primeiro, a gente precisa pensar que tipo de curso, como deve ser
esse curso para formar esses alunos... A gente, precisa primeiro partir
de necessidades reais para que as pessoas possam pensar e
materializar esse curso. Segundo, tem que fazer parte do projeto
institucional, da formação continuada e do processo de planejamento
coletivo. Terceiro, que tudo isso tem que estar mediado, tem que está
assentado em concepção de educação, em concepção de escola, em
concepção de formação de professor, em concepção de processo
ensino-aprendizagem, em concepção de ciência, que no caso é a
Física. Que tenha essa perspectiva emancipatória para que, de fato,
dê conta da formação de professores numa perspectiva emancipatória
para o século XXI. O curso tem que ser concebido e materializado e
tem que ser avaliado permanentemente pelos sujeitos nele envolvidos,
e quando eu digo sujeitos, eu digo não só professores e alunos,
porque a prática é coletiva, mas tem que envolver professores, alunos,
e a gestão da instituição como um todo...(MARIA ISAURA,
Entrevista).
Isaura lembra, conforme discutido em vários momentos deste estudo, que a (re)
construção de uma proposta curricular visando a formação de professores inicia com a
formulação de questões pertinentes à intencionalidade da oferta do curso, implicando por isso
concepções de Educação, de sociedade, de Ciência, de formação de professor, de escola, das
necessidades concretas da formação, compondo um projeto, planejado com a participação de
todos os segmentos que formam o coletivo do curso.
Chama a atenção para o fato de que o projeto deve integrar o Plano Institucional
da IES, aspecto de fundamental importância para a viabilidade financeira e administrativa do
projeto, assim como articulá-lo à formação continuada. Neste particular, resumiria com
Pimenta (1999, p. 30 grifo nosso) que se trata de “pensar a formação do professor como um
projeto único englobando a inicial e a contínua. Nesse sentido a formação envolve um duplo
processo: o de auto-formação dos professores e o de formação nas instituições escolares
148
Recordo com Freire (1998) que não há docência sem discência. O ensino como
atividade básica do professor é o momento mais completo da prática educativa-formativa. No
espaço da sala de aula todos os saberes se articulam com uma única finalidade, educar: para a
docência, para o afeto, para a solidariedade, para o trabalho, para a cidadania, para a vida,
para o cuidar. Ensinar exige saberes, mas também exige intencionalidade, valores, atitudes e
procedimentos metodológicos. Para Pimenta (1999) os saberes da docência são a experiência,
o conhecimento e os saberes pedagógicos. A experiência, contabilizando todos os saberes
149
com Pimenta (1999, p. 25) que considerar a prática social como ponto de partida e como
ponto de chegada possibilitará uma ressignificação dos saberes na formação de professores.
Considerando que a prática possui anterioridade em relação à teoria será, portanto,
partindo das experiências na prática, com as situações educativas e com o ensino das Ciências
e refletindo sobre elas, que os saberes pedagógicos serão constituídos. À Ciência da Educação
assume competência pelos instrumentos teórico-metodológicos para compreender o que se faz
e como está sendo feito, e confrontar os saberes da pedagogia e da educação com a prática,
reelaborando-os, criando e recriando, construindo e reconstruindo os saberes pedagógicos81.
A sociedade brasileira na contemporaneidade passa a exigir saberes que vão além
do que já se consolidou teoricamente por meio das pesquisas e experiências dos educadores,
de tão diversas que são as demandas sociais. Ouço com bastante frequência dos colegas
professores que a sala de aula e os alunos são outros, e que o conhecimento deu saltos
extraordinários, porém, nós formadores, não estamos sabendo compreendê-los e ao mundo no
atual estágio. Isso abrange a violência espreitando as pessoas em cada esquina, as drogas
entrando nos lares e roubando o final da infância e da adolescência para a criminalidade
resultando na morte precoce, o desemprego de jovens e pais de família, a estupidez da injusta
e perversa desigualdade social. Com efeito, as exigências são ampliadas e a cobrança emerge
de instituições como a Família, o Estado, o mundo do Trabalho cada um com suas demandas
as mais complexas possíveis e o professor que não está sendo formado para lidar com tais
demandas se vê órfão de conhecimentos que poderiam tê-lo capacitado para a mediação das
situações da vida prática, por meio da prática acadêmica.
Nesse sentido reforço a tese nas colocações feitas pelos autores de que os saberes
pedagógicos necessários à prática formadora nas universidades e também a educativa nas
escolas devem partir da prática social mais ampla (RIOS, 2008; PIMENTA, ANASTASIOU,
2012; LIBÂNEO, ALVES, 2012) posto que são os conhecimentos específicos e pedagógicos
que subsidiam o trabalho docente ao confrontar as teorias com os complexos problemas da
educação, do ensino de ciências e da realidade rumo à compreensão e mudanças.
Complementaria com Pimenta e Anastasiou (2012, p. 15) que é da natureza da atividade
81
Os saberes pedagógicos podem colaborar com a prática. Sobretudo se forem mobilizados a partir dos
problemas que a prática coloca, entendendo, pois, a dependência da teoria em relação à prática, pois esta lhe é
anterior. (PIMENTA, 1999, p. 27).
151
82
Contrariamente aos defensores do inatismo, os defensores do empirismo afirmam que a razão, a verdade e as
ideias racionais são adquiridas por nós através da experiência. Antes da experiência, dizem eles, nossa razão é
como uma folha em branco, onde nada foi escrito; uma tábula rasa, onde nada foi gravado. Somos como uma
cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a experiência venha escrever na folha, gravar na tábula, dar
forma à cera (CHAUÍ, 1997, p.71).
153
Interpretando o que diz esse sujeito da pesquisa, me parece bem claro que o
professor de Ciências deve manter-se permanentemente atento às produções e mudanças no
meio científico. Segundo Luís a atualização permanente do profissional é condição
determinante quando se trata de ser um professor de Ciências e de Física para o século XXI.
Muito embora não tenha especificado que percurso seria utilizado para essa atualização,
suponho que reconheça como vias para essa atualização eventos como: intercâmbios
profissionais através da pesquisa, a participação em congressos, a formação continuada, as
discussões com o coletivo da formação em torno dos conhecimentos científicos da atualidade
e da prática profissional, reuniões de estudo e de curso. É importante que se diga que a
formação permanente ou contínua com o objetivo de promover o desenvolvimento
profissional do professor-formador não deve restringir-se aos conhecimentos científicos
especializados, mas incluir conhecimentos pedagógicos.
156
O imaginário dos sujeitos desta pesquisa está cheio de histórias referentes a outros
professores que de alguma maneira os influenciaram quando alunos, vindo mais tarde a
imitarem seus mestres admirados e inesquecíveis. Encontramos em parte significativa de
estudos que investigaram o modelo de professor ideal, apontados pelos sujeitos das
investigações, aquele professor que em algum momento da vida estudantil ou acadêmica
serviu-lhes de referência, apontando-os como modelo do “bom professor”. Afim com esse
contexto, e dizendo de outro modo, Mário enfatiza o modelo de professor que concebe, na
afirmação seguinte: Eu acho que o profissional tem que ser o melhor possível naquilo que faz,
para que seja um exemplo profissional a ser seguido mais à frente. Deixa perceber que o
melhor possível passa pelo domínio de conteúdo e o modo de transmitir o conhecimento aos
alunos.
Deixando à parte o aspecto do domínio de conteúdo, demasiado recorrente nas
falas dos sujeitos e bastante discutido neste estudo analiso a afirmativa “professor como
exemplo a ser seguido”. Mario me parece estar esclarecido acerca do seu papel no processo
do ensino e consciente da forte influência que pode exercer sobre seus alunos, contudo, não
poderá perder de vista que nessa função deve buscar permanentemente contribuir para a
independência e autonomia dos estudantes. Desse modo, o entendimento do “professor
modelo” merece reflexões profissionais maduras, de natureza política e ideológica, a fim de
que equívocos sejam evitados.
Por outro lado, compreendendo o processo de formação de professores para a
educação do século XXI pautada sobre bases teóricas e epistemológicas, críticas, reflexivas,
transformadoras, éticas e cidadãs (MALDANER, 2003; CACHAPUZ et al., 2005;
PIMENTA, ANASTASIOU, 2012; LIBANEO, ALVES, 2012), mediante formação com
expectativas paradigmáticas, soa autoritário e se mostra contrária. Com esse entendimento
absoluto vejo riscos de contrariar a construção de uma identidade profissional de professor
como intelectual transformador, de profissional que se constrói e reconstrói no cotidiano de
ser docente (GIROUX, 1997; FREIRE, 1998, 2014).
Concordo com o professor Mario que dominar o conhecimento da matéria que
ensina é muito mais que um requisito para ser professor, posto que dessa condição depende o
saber selecionar adequadamente os conteúdos que serão ensinados, considerando não só a
atualidade dos conhecimentos mas, o significado dos conteúdos alinhados com os objetivos
da formação dos professores para uma dada realidade. Vendo de outro ponto de vista cabe, no
entanto, conjecturar possibilidades adversas quando o professor-formador se investe do papel
158
adquiridos com as teorias, mas também através dos sentidos nas suas relações, através das
emoções, do olhar, do afeto, do ato da cognição, na expressão de Pimenta e Anastasiou (2012,
p. 78) conhecer é ato que mobiliza o ser humano por inteiro. Mobilizar essas várias formas
no processo de conhecer permite que não se perca a capacidade de se indignar, de
problematizar e de procurar saída para os problemas.
O sujeito nesta narrativa deixa implícito o modelo de formação que se contrapõe à
concepção bancária substituindo-o pela prática formadora problematizadora (FREIRE, 2014).
Esse tipo de formação passa pela educação que edifica a consciência mediada pela ação
pedagógica, planejada, sem hierarquia de especialistas ou docentes, resignificando
conhecimentos específicos e pedagógicos com a intenção de orientar o seu aluno não apenas
para olhar os problemas, mas, pensar sobre eles.
Certamente o professor formador orientado por esse pressuposto não vê seu aluno
como folha de papel em branco na qual serão gravados conteúdos da Ciência produzidos
como certezas, e cumulativamente. Ao contrário, o professor-formador compreende as
aprendizagens como autoaprendizagem, considera e valoriza na ação pedagógica
conhecimentos, experiências adquiridas pelo aluno-professor ao longo de sua escolaridade e
das suas relações intersubjetivas, vividas nos diversos espaços formativos.
A Licenciatura em Física como um todo precisa se converter nesse terreno fértil,
de ação-reflexão-ação gestando oportunidades de crescimento intelectual, pessoal e
profissional, de ações potencializadoras do desenvolvimento da identidade do futuro professor
como intelectual transformador da realidade educacional, contribuindo para a elevação da
consciência do aluno em torno da realidade social, educativa, do ensino, problematizando-as.
Lida-se com uma construção erguida sobre bases sólidas em torno das teorias científicas e
pedagógicas, mediadoras de suas reflexões epistemológicas, conduzindo o profissional à
práxis no futuro. A práxis... é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo.
Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos. (FREIRE, 2014, p.
52).
Nas narrativas a seguir o modelo de professor e de prática formadora na visão dos
interlocutores desta pesquisa comparece com valores da dimensão social e afetiva com
relação ao papel de professor, anunciando pressupostos filosóficos, psicológicos e
sociológicos, conforme se pode perceber na fala dos professores Constantino Tsallis e Plínio
Della Torre, que manifestam o seguinte:
160
...Eu acho que o professor tem que ser humano e inclusivo. Mas o
inclusivo, eu acho que é ele, é ele que tem que chegar aqui e se
incluir... Do meu ponto de vista, o pessoal fica falando: a inclusão, a
inclusão, mas aí, é o aluno cego que tem que se incluir? Não! Eu que
tenho que me incluir ali e buscar metodologias, ler e tudo mais...
quando o aluno chegar lá na sala de aula precisa entender como
qualquer outro está entendendo. ...Eu acho que todo mundo tem que
comungar disso por igual... O professor é que tem que se incluir.
(CONSTANTINO TSALLIS, Entrevista).
... O professor tem que ser esse elemento humano mais próximo do
aluno, incentivando ele a crescer, a estudar. ...Seria bom se todo
professor fosse esse amigo do aluno, tanto o professor de Física
quanto o de Química, Matemática ou de Português, História,
Geografia, todos sem exceção (PLÍNIO DELLATORRE, Entrevista).
[...] São incontáveis os relatos de pais acerca da “hora da notícia”, quando tomam
conhecimento da presença de uma deficiência em seu filho recém-nascido, gerando-
lhes confusos e muito sofridos sentimento de luto – pelo “normal” que não nasceu.
Eles mencionam, também, toda a insegurança que experimentam, pois não sabem
163
Ele precisa ter domínio específico da ciência que ele ensina e também
o domínio pedagógico dos conhecimentos pedagógicos que vão lhe
dar condições não só de ensinar bem o conteúdo que ele domina com
profundidade, como também compreender a escola onde ele atua, a
escola que faz parte de um contexto social. Compreender as relações
do contexto em que se situa, e como essas relações interferem no
trabalho que ele desenvolve como professor. ...Que tenha clareza do
projeto de educação e de sociedade que ele defende. E claro que a
prática dele deve expressar essa concepção, esse posicionamento
político e pedagógico que ele tem com relação à educação. ...Isto está
articulado a outro aspecto básico do seu perfil, que tenha uma
postura ética, que esteja comprometido com um projeto social
emancipatório... Isso vai implicar também que ele seja um sujeito
capaz de estar produzindo conhecimento, que ele seja alguém que
domine o método e a metodologia da produção do conhecimento
(MARIA ISAURA, Entrevista).
caminhando com ética na defesa de ambos. Lembrando Freire (1998, p. 37) vale dizer que
não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela.
Abro um novo parêntese para ponderar sobre esta importante categoria, a Ética,
silenciada até então, mas que surge em momento oportuno da discussão sobre o modo de ser
do professor. Chauí (1997) afirma que as sociedades em geral instituem uma moral para tratar
dos valores culturais e sociais de um povo, uma espécie de código sobre o que é certo e
errado, bom e mal para aquela comunidade, de natureza inviolável e válida para todos os seus
membros.
Do nascimento à morte vivenciamos os costumes da sociedade à qual
pertencemos de forma tão natural que passa desapercebida a construção histórica de suas
regras de conduta, moral, costumes, sentimentos, de acordo com as circunstâncias e tempos
históricos da própria sociedade. Esse conjunto de regras e valores é vulnerável aos interesses
das classes que constituem essa sociedade. Manipulados ideologicamente a visão “embaçada”
da maioria não se dá conta do processo de dominação de determinada classe por outra, e tudo
é percebido como “natural”. Assim, deixam de perceber a manipulação ideológica. Um
exemplo clássico na história das sociedades é o da igreja através das religiões. Os demais
setores da sociedade como o político, o econômico, o educacional, de diferentes formas e
métodos exercem a sua dominação.
O campo das ciências é um exemplo similar de manipulação desses interesses.
Visado pelo capital industrial, as ciências têm sido alvos de inúmeras ações antiéticas,
conclamando a participação política do professor, a fim de trabalhar na contra-ideologia,
amparado na reflexão filosófica e epistemológica sobre as contradições evidentes e
dissimuladas. Digo com Morin (2017, p. 23) que a filosofia é, acima de tudo, uma força de
interrogação e de reflexão, dirigida para os grandes problemas do conhecimento e da
condição humana.
O cenário político, social e ambiental exige reflexões de base filosófica/ética,
científica e pedagógica nos coletivos de formadores de professores tendo em vista uma crítica
rigorosa sobre a herança natural, cultural e ética que pretendemos edificar para as próximas
gerações.
Emerge da nossa realidade prático social, ações reparadoras, mas preventivas
acima de tudo, e nesta última, a Educação em Ciências tem deixado muito a desejar,
omitindo-se, epistemologicamente e pedagogicamente (CHASSOT, 2007; CACHAPUZ et al.,
2005; CARVALHO, GIL-PÉREZ, 2011; MALDANER, 2003; SANTOS, 2010; MORIN,
166
2011). Me parece que a professora Isaura em sua fala, vislumbra essa realidade como a
apreendo. A emancipação que ela ressalta não se restringe à dimensão intelectual somente,
mas, social, política, econômica, ética e estética, pilares que considero completamente
adequadas e alicerçantes na formação de professores para este século XXI.
Sobre o destaque da professora acerca do conhecimento a ser produzido pelo
professor, de imediato me ocorre o professor como pesquisador da própria prática. O
professor é, por excelência, o elemento central da ação didática, daí a importância da pesquisa
sobre o que faz, como planeja, como avalia, compreender antes de tudo o real prático social,
porque o ensino é prática social e, mobilizar sua visão crítica sobre a prática do ensino que
realiza, gerando saberes pedagógicos fundamentais para a renovação do seu trabalho docente.
Pesquisa como instrumento da prática profissional do professor, realizada por ele, dizendo
com Pimenta (1997, p.22) ...considerar a pesquisa na formação dos professores como
princípio cognitivo. Isto é, quando o professor, pesquisando e refletindo sobre sua ação
docente, constrói saberes que lhe permitam aprimorar o seu fazer docente. O que possibilita
elevar cada vez mais a qualidade do ensino e da formação, consequentemente.
167
CONCLUIR É PRECISO
Foi uma longa caminhada até aqui, um percurso que começou com a minha
chegada ao programa de pós-graduação. Todos os dias, a partir de então, passei a ter um
objetivo em mente, responder à questão que me inquietara.
No doutorado, com o primeiro dia de aula teve a início a tessitura desta Tese. A
ponta do fio se apartou do carretel, gradativamente foi se desenrolando, primeiramente com as
reflexões sobre as bases epistemológicas para o ensino de ciências num permanente
bombardeio e implosões que favoreciam o exercício da mente no campo das ideias. A forma e
a estrutura da proposta de pesquisa que eu trouxera iniciaram a metamorfose.
Esse movimento se estendeu a outras reflexões possibilitando um processo de
criação e recriação até a conclusão da proposta de investigação ora presente. Meu projeto
inicial permaneceu em essência, mas a sua construção ganhou novas nuances no percurso,
maior solidez, mais clareza, refinamento e robustez científica até a sua finalização.
Enquanto a Tese ia se constituindo, um processo similar ia me acontecendo do
ponto de vista do amadurecimento intelectual, profissional, doutoral. Nas relações de
interação com com o conhecimento, o novo me possibilitava despertar em territórios que
ainda não visitara, e aqueles velhos conhecimentos se enriqueciam com as novidades da
Ciência, da pesquisa e de outras proposições teóricas. Um tecido intelectual complexo e
envolvente. Eu e esta Tese evoluímos no mesmo ritmo e proporção. Não tenho dúvidas do
quanto foi gratificante viver essa experiência.
A pesquisa está concluída, a Tese, finalizada, os objetivos estabelecidos foram
alcançados satisfatoriamente. Ainda assim, cada Parte desta Tese produziu indagações novas
que extrapolavam os limites desta investigação, desse modo as deixo como sugestão para
168
novas pesquisas. Pelo grau de importância que atribuo aos vários temas que foram emergindo
aponto alguns que considero da maior relevância:
Interdisciplinaridade e contextualização nas atividades de ensino e pesquisa em
Educação em Ciências e no ensino da Física;
A pesquisa como princípio pedagógico orientador das atividades docentes e
discentes;
A reflexão na prática e sobre a prática docente na formação de professores.
A opção metodológica pela pesquisa narrativa na tessitura desta Tese me permitiu
caminhar com a liberdade que imaginei necessária ao percurso investigativo, na direção dos
propósitos traçados para esta investigação. Se a narrativa possibilita apreender o mundo, as
histórias contadas revelam a cultura desse mundo, permitindo que a vida das pessoas se
reproduza, subsista e se aperfeiçoe. A escolha da pesquisa narrativa, portanto, não poderia ter
sido mais apropriada a esta investigação.
Assim, fui a busca de escrever esta história da formação de professores de Física
de um modo que ainda não havia sido feito, supostamente conferindo ineditismo a este
estudo. O problema de pesquisa conduziu-me a esta abordagem narrativa, viabilizada pela
pesquisa empírica para levantamento dos dados, obtidos das histórias das experiências
formadoras de professores de Física do curso de Licenciatura do IFMA, campus Monte
Castelo. A pesquisa bibliográfica iniciada na fase de construção do projeto de pesquisa
forneceu o referencial para os estudos realizados, intensificando-se nas etapas seguintes das
análises dos dados. Nessa etapa da pesquisa utilizei procedimentos e critérios da Análise
Textual Discursiva. Com os teóricos, pesquisadores especialistas e epistemólogos da
Educação e das Ciências busquei conferir o rigor científico exigido nas análises durante o
processo da investigação. Para fundamentar a pesquisa lancei mão dos conhecimentos da
Filosofia, da História da Ciência, do Ensino da Física, da Educação e Sociedade, dos Saberes
Docentes e da Formação de Professores.
Portanto, narrativa me possibilitou metodologicamente a (re) construção da trama
da formação de professores na Licenciatura em Física. Entendi que um caminho possível seria
retomando a sua trajetória histórica, a revisão do projeto pedagógico do curso de licenciatura,
resgatando aspectos legais disciplinares previstos nas diretrizes nacionais para construção do
currículo e, sobretudo, na análise das experiências relatadas pelos professores da Licenciatura
na qual me incluo como docente/pesquisadora. Desse modo foi possível atingir o objetivo que
me propus: compreender para conhecer as concepções de Ciência, bases epistemológicas e
169
participação tanto do sujeito quanto do objeto. Mesmo recebendo críticas de seus pares, a
validade das produções teóricas e de métodos desses estudiosos com suas epistemologias têm
contribuído com revoluções de pensamento, uma espécie de reforma do pensamento que
considero emergente e fundamental para o desenvolvimento de ações específicas e
pedagógicas da formação de professores.
A ausência de reflexão epistemológica na prática docente dos formadores do curso
de Licenciatura em Física parece ter ficado evidente em suas vozes. A relevância da
epistemologia da Ciência e da Educação é fundamental para o processo do ensino das
Ciências e de Física nas várias etapas de desenvolvimento das atividades de sala de aula como
formação de futuros professores destinados à educação básica, na contemporaneidade. Sendo
assim, é premente a sua articulação ao trabalho docente no curso de Licenciatura para
superação das concepções ultrapassadas de Educação e de Ciência, com enfoques positivistas
de Ciência impregnados de racionalidade técnica e experimentação, e evidentes na prática
formadora de professores de Física.
Apesar do predomínio do cientificismo no meio formativo da licenciatura foi
possível apreender concepções de Ciência numa visão menos simplificadora, apresentada por
alguns poucos professores, apontando para uma tendência favorável à formação de
professores e à Educação para o século XXI. Constataram-se pressupostos teórico-
metodológicos com tendências pedagógicas contemporâneas e epistemologias mais
emancipatórias. Esses poucos professores que se manifestaram diferenciadamente, valorizam
a participação do aluno, os conhecimentos e as experiências que eles trazem para a graduação
ao tempo em que concebem a ciência como prática humana para produção de conhecimento.
Compreendem, também, que as interações entre sujeito e objeto são imprescindíveis para a
produção e apreensão do conhecimento, do real social e educacional. A ação desses poucos
professores, portanto, aproxima-se demasiado da formação e da Educação deste século.
Nessa perspectiva, aproximam-se de uma prática pedagógica cuja formação
prepara profissionais autônomos, mediadores reflexivos, consoante com o momento histórico
de nossa sociedade, na qual o papel do professor deixa de ser o de transmissor, depositário do
conhecimento das ciências e da educação e passa à condição de mediador do desenvolvimento
intelectual e profissional do aluno. Isso me leva a crer na possibilidade do trabalho em sala de
aula na licenciatura, obedecendo aos princípios democráticos e à dialogicidade, essenciais
para a educação que se espera.
171
Física para a educação neste século mostrou a primazia dos conteúdos como aspecto
dominante entre outros caracteres que sugeriram. Destaco, porém, que, mesmo quando
assinalam o aspecto pedagógico como ideal, comparece em suas falas uma fragilidade em
torno das bases teóricas da educação na relação com a docência. Fica claro que é necessário
que os professores retomem essa ausência, recorrendo às teorias pedagógicas como
referenciais para estudos e mediações reflexivas, haja vista orientar sua prática formadora de
maneira mais consciente, sistemática, articulada com a realidade social, política e econômica,
consoante com as necessidades de formação dos professores deste século XXI. Sem essa
visão os professores ensinam o que muito sabem por que não possuem clareza pedagógica do
que poderia ser mais relevante e pertinente ensinar.
Afinal, puderam ser também apreendidos pressupostos teóricos, pedagógicos e
epistemológicos de formação do professor de Física e de Ciências que se põe nas dimensões
intelectual, crítica, reflexiva, transformadora, política, cidadã, ética e estética. Com efeito, é
possível pensar no professor-educador-formador que atenda às exigências concretas de
humanização do mundo e o cuidado com o nosso planeta, o que reforça a possibilidade da
formação do professor de Física consoante com a educação para este século XXI.
174
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