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TRADIÇÃO NO ANGLICANISMO

(Um breve resumo)


Como anglicanos não pensamos da Tradição como algo fixo, constante e
permanente que se refere somente às antigas tradições, ou seja, as tradições da
igreja indivisa, até o Concílio de Trento 1545) e a Reforma Protestante. Trento
decretou que as tradições católicas mesmo que não se baseando nas Escrituras
deveriam ser obedecidas com a mesma autoridade. A Tradição no catolicismo está
determinada pelo chamado Magistério, entendido como o Papa e os bispos unidos
ao Papa, que alega ter sob sua guarda e interpretação das Escrituras e define como
os católicos devem crer e viver, a través de encíclicas, dogmas etc.
Fala-se inclusive, que durante os debates do Concílio Vaticano I (1869-1870)
que discutia a encíclica De Ecclesia, sobre o primado de Pedro e a infalibilidade
papal, o Papa Pio IX pronuncio a frase “A Tradição sou eu”. O Cardeal Guidi,
Arcebispo de Bolonha, em um discurso perante o Concílio disse que, embora
aceitando a infalibilidade, exortou o Papa a aconselhar-se com seus bispos antes de
emitir decisões, pois esta é a tradição da Igreja. O discurso de Guidis foi comunicado
ao Papa e ele foi chamado e repreendido. O surpreso cardeal respondeu que estava
apenas afirmando que os bispos são testemunhas da tradição. Testemunhas de
tradição? disse o Papa: Só existe um; Este sou eu.1
No entanto, o anglicanismo não admite nenhuma instância de poder
eclesiástico que possa exercer a função de intérprete legítimo da Bíblia (diferente
do catolicismo). O anglicanismo busca equilibrar a tradição histórica da Igreja com
as influências benéficas da Reforma protestante. Por isso é essencialmente católico
e também reformado.
Os documentos que contêm o pensamento eclesiológico do anglicanismo
são: nossa liturgia contida no Livro de Oração Comum (LOC) e o Resumo da Fé
Cristã Comumente Chamado Catecismo. O Catecismo é usado (ou deveria ser) para
a transmissão aos neófitos dos conteúdos que a igreja julga essenciais para a fé.
Tais documentos mencionam ou listam outros textos considerados essenciais para
a compreensão da fé professada pelo anglicanismo: o Credo Apostólico e o Credo
Niceno. O Catecismo menciona também o Credo Atanasiano, embora pouquíssimos
leigos (e mesmo clérigos) o conheçam. Os “39 Artigos de Religião”, que ainda são
normativos na Igreja de Inglaterra, são considerados, na IEAB e em outros países
(Estados Unidos, Canadá, etc.), apenas um documento histórico de estudo e
consulta. Além disso, a IEAB compartilha com toda a Comunhão Anglicana o
chamado “Quadrilátero de Lambeth” como base para o diálogo ecumênico e que
demarca a postura do anglicanismo diante do que considera inegociável nos
acordos bilaterais entre igrejas cristãs.

1
R. Aubert, Le Pontificat de Pie IX, Tournal, Bloud & Gay, 1952, p. 354. O autor desta obra sustenta a
autenticidade desta frase.
Quadrilátero foi inicialmente aprovado pela Igreja Episcopal dos EUA em
1886 e posteriormente ratificado pela Conferência dos Bispos Anglicanos em
Lambeth. O Quadrilátero estabelece: 1) as escrituras do Antigo e Novo Testamentos
como “contendo todas as coisas necessárias para a salvação”; 2) o Credo dos
Apóstolos como símbolo batismal e o Credo Niceno como declaração suficiente da
fé cristã; 3) os dois sacramentos ordenados por Cristo (batismo e ceia) ministrados
com as palavras bíblicas e por um sacerdote legitimamente ordenado; 4) o
Episcopado histórico, adaptado localmente nos métodos de sua administração às
diversas necessidades das nações e povos chamados por Deus à unidade de sua
Igreja.

Como anglicanos não pensamos da Tradição como uma coisa fixa e


constante que se refere somente às antigas tradições. Não entendemos a Tradição
como estática, mas dinâmica e enriquecida com a experiência de cada geração
cristã.

Por Razão entendemos o que se poderia chamar “o senso comum”. A Razão


tem a ver com a cultura na qual a igreja vive e o evangelho é proclamado. É um
instrumento legitimo e necessário para a interpretação da mensagem de Deus e
para sua inculturação e sua atualização em cada momento histórico.

Então, o que é revelado pela Razão para uma geração chega a ser parte da
Tradição para as posteriores gerações. Por isso, dissemos que a tradição não é
estática, mas dinâmica e que se enriquece com todas as experiências do povo de
Deus em todas as partes e por todos. A tradição é mantida pela coletividade

Resumindo, como anglicanos não consideramos a Tradição da mesma


maneira que a ICAR, onde é o magistério entendido como o conjunto de encíclicas,
dogmas etc, quem determina o que é a Tradição. A Tradição na ICAR é vertical, de
cima para baixo, no anglicanismo é horizontal. A Tradição no anglicanismo não é
estática, mas sempre cambiante onde as diferentes épocas acrescentam algo novo
na Tradição.... resumindo no anglicanismo a Tradição é dinâmica.

RECOMENDO A LEITURA COMPLEMENTAR DE:

“Ministério e autoridade no Anglicanismo”, em Pelos caminhos da formação


teológica. Pags. 17-21

“Anglicanismo no Brasil”, por Carlos Eduardo Calvani, REVISTA USP, São Paulo,
n.67, p. 36-47, setembro/novembro, 2025,
https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13454/15272

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