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RETALHOS

DE
UMA
SERRA

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CENA 01

NARRADOR: Era uma vez um planeta...

CORO: Terra, planeta água

NARRADOR: Um continente...

CORO: Soy loco por ti Ameica

NARRADOR: Um país...

CORO: Brasil, mostra a tua cara

NARRADOR: Um estado...

CORO: Paraíba, masculina, mulher macho sim senhor

NARRADOR: Uma cidade...

CORO: Cuité...

NARRADOR: Um bairro...

CORO: (Fazem que vão cantar e começam a se questionar)

ATOR 1: Um bairro?? Já tá viajando demais...

ATOR 2: Já começou viajando, não viu como ele(a) começou? “Era uma vez...” Desde quando
estamos fazendo um conto de fadas??

ATOR DE FORA: Ei, deixem de discussão! O espetáculo não pode parar.

CORO:

Minha vida é andar por esse país

Pra ver se um dia descanso feliz

Guardando as recordações

Das terras onde passei

Andando pelos sertões

E dos amigos que lá deixei

Chuva e sol

Poeira e carvão

Longe de casa

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Sigo o roteiro

Mais uma estação

CORO CONTINUA EM BG.

Vamos contar para vocês histórias de uma terra de cabra arretado e muiê macho sim sinhô

Que mesmo sendo no nordeste

As vezes faz um frio danado

Que no mapa parece triangulo

Mas sabemos que seu símbolo mesmo é redondo

De tantas lendas e sonhos

Cachoeiras e maribondos

Vistas belas e olho d’água

Vamos falar de Cuité

Cuité idolatrada

SOBE CORO.

E a alegria no coração

Laiê, laiê, laiê, laiê, laiê...

ATORES EM CENA.

TODOS: (EM OFF) Quem conta um conto, aumenta um ponto.

CENA 02

ENTRA UM ATOR CARREGANDO UMA REDE.

ATOR : Boa noite, está aqui um homem que perdeu as esperanças de melhorar. Pensando
muito na minha vida, eu descobri que passo o tempo todo pra poder ficar de pé e continuar
trabalhando.

COMEÇA A ARRUMAR A REDE NO CHÃO.

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Trabalho, recebo dinheiro, compro todo de comida, pra poder trabalhar no outro dia. Nunca
fico rico, não tenho mulher, não danço, não bebo, não viajo, não nada. Tudo que eu faço é pra
continuar em pé. Aí eu cheguei a conclusão, vou morrer.

SENTA-SE EM CIMA DA REDE.

Me deito aqui nesta rede, me estiro, começo a dormir e não acordo mais nunca. Em vez de
ficar a vida toda em pé, eu fico deitado a eternidade.

Os senhores que ficam, boa noite, obrigado pela atenção dispensada e sigam meu exemplo.

DEITA E COMEÇA A DORMIR.

CHEGAM TRÊS ATORES. TEMPO.

UM: Meu Deus, será que está morto?

DOIS: Um homem estirado no meio do mundo e não tem quem cuide.

TRÊS : Coitado, vai ver o carro pegou.

UM : Será que ele já morreu

TRÊS: (OUVINDO O PEITO DO MORTO) Coração tá batendo bem danado.

UM: Será que é bebedeira?

DOIS: Coisa feita...

TRÊS: Até bem parecido.

UM: Falta de caridade, vamos tirar esse homem daqui, gente!

Levar para a sombra. Ele ainda tem vida.

ATOR: (REPENTINAMENTE) Tenho, mas não quero mais ter. (TODOS SE ASSUSTAM) Vão
embora que eu quero morrer sossegado.

OS TRÊS: É mulher? Perdeu o juízo? Um homem tão cheio de saúde...

ATOR: Pelo amor de Deus, me deixem sossegado.

OS TRÊS: Mas o que é isso moço? Conte pra gente que o senhor alivia.

UM: Eu tinha uma prima solteira que queria se jogar no rio só por que o cachorro dela morreu.
Bastou ela contar pra mim que passou a vontade de morrer.

ATOR: Eu agradeço, mas vocês não podem fazer nada por mim.

Até logo.

UM: Pelo amor de Deus, conte pra gente moço... Foi olhado?

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ATOR: Eu conto e vocês me deixam sossegado.

OS TRÊS: Deixamos.

ATOR: Eu não aguento mais trabalhar pra comer. Trabalho, como, trabalho. Durmo, trabalho e
como. De tardezinha me dá uma tristeza...

DOIS: Homem, deixe de trabalhar...

ATOR: Aí eu não como.

TRÊS: Então deixe de comer.

ATOR: Aí eu não trabalho.

DOIS: Então nem trabalhe, nem coma...

ATOR: Foi o que resolvi fazer.

PAUSA.

UM: É. Está difícil. Quer que eu chame o padre?

ATOR: Não.

DOIS: A gente leva o senhor pra um lugar mais sossegado?

ATOR: Pra morrer qualquer lugar serve. Pode levar.

OS TRÊS PEGAM NA REDE.

UM DOS TRÊS PARAM DE REPENTE.

UM: Mas peraí, deixar um homem morrer assim é falta de caridade.

DOIS: A gente não pode fazer nada.

UM: Olha aqui, eu tenho umas três cuias de arroz lá em casa, a gente podia oferecer a ele.
Dava para passar umas três semanas sem trabalhar. Aí ele pensava na vida.

ATOR: (DE DENTRO DA REDE) O arroz é com casca ou sem casca?

UM: Ainda tá com casca.

ATOR: Então leva o enterro.

SAEM DE CENA.

CENA 03

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NARRAÇÃO: No fatídico ano de 1877, uma das piores secas assolava toda região do semiárido
nordestino. O vigário do Distrito de Cuité, Pe. José do Coração de Maria Castro, buscando uma
forma de solicitar ajuda divina para o povo que sofria, contata através de uma carta, o Pe.
Manuel Franklin de Sousa, do município de Picuí.

CORO:

Quando batem as seis horas

De Joelhos sobre o chão

O sertanejo reza a sua oração

Ave Maria

Mãe de Deus Jesus

Nos dê forças e coragem

Pra carregar a nossa cruz

CENA INICIAL, O PADRE JOSÉ DO CORAÇÃO CONVERSANDO COM UM FIEL.

FIEL 1: Mas padre, o que vai ser da gente? Essa seca tá acabando com tudo...

PADRE JOSÉ: Ah meu filho, temos que ser mais fortes na fé! Deus nos chama acreditar mais
em seu nome.

FIEL 1: Tanto que já rezamos pra que o Senhor mande uma chuvinha! Será que nossa fé tá
pouca então?

PADRE JOSÉ: Isso eu não sei dizer. Vamos pedir que Nsa. Das Mercês e São Sebastião
intercedam ao Nosso Senhor para que olhe pra nossa terra. Vou escrever para o Padre Manuel
agora mesmo.

FIEL 1: Padre Manuel de Picuí?

PADRE JOSÉ: Isso mesmo, vou lhe propor uma permuta dos nossos padroeiros.

FIEL 1: E será que isso vai dar certo padre? Trocar os santos?

SAEM DE CENA. ENTRA PADRE MANUEL DE PICUÍ COM A CARTA NA MÃO.

PADRE MANUEL: Que assim seja! A troca dos padroeiros vai trazer a complacência dos Céus.
Que Deus continue te iluminando padre José do Coração.

ENTRAM DOIS FIÉIS.

FIEL 2: Padre Manuel, que história é essa que São Sebastião vai pra Serra de Cuité? O sacristão
acabou de me contar...

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PADRE MANUEL: Sim, isso mesmo! Nossa Senhora das Mercês ficará agora aqui na nossa
Matriz...

FIEL 3: Sua benção padre. Com todo respeito, o senhor acha que é mesmo necessário fazer
isso?

PADRE MANUEL: Claro minha filha! Vai ser uma prova de fé! São Sebastião e Nsa das Mecês
vão interceder ao Nosso Senhor Jesus Cristo para que olhe pra nossa gente e envie chuva para
acabar com o sofrimento de todos!

FIEL 2: Mas padre...Nosso Sebastião...

PADRE MANUEL: Vâo! E avisem ao Apostolado da Oração e todas as outras irmandades que a
procissão para a troca das imagens será de hoje a 15 dias, lá na fazenda do Sr. Zé Gomes.
Avisem a todos os fiéis.

FIEL 3: Sim senhor! (Saem)

FORMAM-SE AS DUAS PROCISSÕES COM AS RESPECTIVAS IMAGENS, ATÉ CHEGAREM AO


LOCAL DE ENCONTRO. FIÉIS DE AMBOS OS LADOS LAMENTAM A TROCA DOS SEUS
PADROEIROS.

PADRE MANUEL: Louvado seja o nosso Senhor Jesus Cristo.

PADRE JOSÉ: Para sempre seja louvado.

PADRE MANUEL: Escuta nossas preces , Oh Deus! Olha para este povo que sofre com a falta de
água!

PADRE JOSÉ: Nossa Sra. Das Mercês, tu que libertastes os cativos fieis ao Senhor, tu que nunca
desamparastes teus filhos cuiteenses, olhai também pra nossos irmãos de Picuí, e rogue a
Deus por nós. Roguemos ao Senhor? ( Nenhum fiel responde, apenas o padre Manuel).

PADRE MANUEL: Senhor, escutai nossa prece. Oh São Sebastião, mártir de Cristo, soldado
romano que lutou pelos cristãos, rogai à Santíssima Trindade que mande chuva pra nossa
região, e guarde o povo da Serra de Cuité a partir de hoje. Roguemos ao Senhor? (Apenas o
padre José Responde).

PADRE JOSÉ: Senhor, escutai a nossa prece. ( Começam a trocar a imagem).

FIEL PICUÍ: Fique São Sebastião, não abandone seu povo! Padre Manuel, deixe-o conosco!

FIEL PICUÍ 2: Não vá embora glorioso São Sebastão. ( Segura a imagem, chorando).

FIEL CUITÉ: Não faça isso padre, por favor! Deixa nossa senhora com a gente!

FIEL CUITÉ: Nossa mãe, nossa Guia, Nossa Luz...Vamos voltar padre José! Isso não é coisa que
se faça!

PADRE MANUEL: Silêncio. Isso é prova de fé. Além disso, Cuité vai receber a mais bela e mais
conservada imagem de padroeiro de toda a diocese.

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PADRE JOSÉ: Meu querido companheiro, não exagere. Sem sombra de dúvida estamos
fazendo isso em nome da fé, mas todos nós sabemos que a imagem de Nsa. Das Mercês é
considerada a mais sublime imagem da mãe do Salvador de toda a nossa diocese. Será um
privilégio para Picuí ter a mãe libertadora como padroeira.

FIEL CUITÉ: Padre Manuel: Ora Padre José do Coração de Maria Castro, você um pastor de
Deus, não deveria falar mentiras diante dos fiéis.

PADRE JOSÉ: Me chamas de mentiroso Padre Manuel Franklin de Sousa? Retire suas palavras
por gentileza.

PADRE MANUEL: Não quis ofender, no entanto a imagem do glorioso Sebastião é magnífica.
Temo que ela não receba os devidos cuidados e acabe sendo danificada.

PADRE JOSÉ: Mas que ofensa! Veja como está Mercês: em perfeito estado de conservação.
Diferente da imagem que aí carregas, esta nunca precisou ser restaurada.

PADRE MANUEL: Pra mim já chega! Meu povo, vamos voltar com o nosso santo padroeiro, de
onde nunca devíamos ter saído!

PADRE JOSÉ: Digo o mesmo! A casa de Nsa. Das Mercês é na Serra de Cuité.

FIEL PICUÍ: Sim, vamos! São Sebastião é de Picuí, sempre foi, e sempre será!

FIEL CUITÉ: Não estão vendo que ninguém vai dar nossa Mãe Santíssima por um soldado de
Picuí?

FIEL CUITÉ 2: Vamos embora meu povo!

TODOS SE RETIRAM.

CENA 04

ATOR: (IMAGINANDO ESTÁ VENDO A CASA)


Ao ver esta moradia
Neste local abandonado
Desprezada, assim, sem dono
Prestes a ruir qualquer dia
Quem antes te conhecia
Vendo-te, sente tristeza
Lembra da tua beleza
E hoje, assim, esquisita
Se tu eras a mais bonita
Das casas da redondeza
CORO: Daxinha

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ATOR: Através de observações de particularidades, lembraças, brincadeiras e acontecimentos
ocorridos na serra do Cuité, os amantes da poesia vão encontrando inspiração e deixando o
seu legado...

CORO: Dinamérico Soares


ATOR: Me colocaram no altar
Chovia mulher para mim
Mas quando tudo estava assim
Em alegria e em festa
Cai da rede e ganhei
Foi treze pontos na testa

CORO: João Caetano


ATOR: Velhice uma pedra
De lodo coberta
Na mata deserta
Onde a água corre
Ninguém a enxerga
Pelos minerais
Por entre os cristais
O seu nome morre

CORO: Hermes Heronides


ATOR: Pula, chia, sapateia
Corre da cozinha a sala
Roi o colchão roi a mala
Devora o resto da ceia
Depois de barriga cheia
Faz xixi sobre o telhado
Leva a vida de colher
De orgia e desacato
na casa que não tem gato
O rato faz o que quer

CORO: Adelson Castilho


ATOR: Da borborema a cordilheira
Um rosário de serras tremeu
Numa dança flamenga
Meu sangue ferveu fogoso
Num galopar furioso
De milhões de cavalos dos mouros
O importante e o sublime instante que domine

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O mais pouco importa se morro
E tu blasfema que me infame
Mais nobre seria chamar-me cachorro

CORO: Minervina Ferreira


ATOR: Sou um beija-flor que voa
Numa mata bem deserta
Vivendo uma vida incerta
Ou seja, uma vida a toa
No meu ouvido não é coa
Um grito de compaixão
Ninguém vem me dar a mão
Nem me oferece uma flor
Uma vida sem amor
É um barco sem direção

CENA 05

PADRE: No dia ___ do mês de __________ do ano de 1846, nesta cidade de Cuité, estado da
Paraíba, façam saber todos os presentes neste local, que o senhor Chico Marreco, morador da
propriedade do Senhor Manoel Medeiros, foi condenado pelo assassinato do senhor Manoel
Medeiros, da sua esposa, sua cunhada pela tentativa de assassinato da empregada Maria. A
pena de morte será executada na forca, como rege a lei deste estado. (O Padre fecha a
sentença, olha para Chico Marreco). Você se arrepende dos crimes que cometeu?

CHICO LEVANTA A CABEÇA, OLHA PARA O PADRE.

CHICO: Me arrependo sim, seu vigário. Na hora que fui jogar os moleques na cacimba, lembrei
dos meus “fi” e voltei atrás. Mas depois fiquei pensando: se fosse pra fazer o serviço, que fosse
completo. Por isso, se eu pudesse voltar atrás teria jogado eles dentro da cacimba.

O PADRE FICA COM EXPRESSÕES DE ESPANTO.

PADRE: O que você mais desejaria nesse momento?

CHICO: Padre, pra ser bem sincero, eu queria comer queijo com doce. Faz tanto tempo que
não como. E quero morrer de bucho cheio.

O PADRE MANDA PROVIDENCIAR O QUE FOI PEDIDO POR CHICO. O ESCRAVO COME. LOGO
APÓS ISSO, O CARRASCO EMPURRA COM OS PÉS O TAMBORETE QUE MANTINHA CHICO
SUSPENSO, COM A CORDA AMARRADA NO SEU PESCOÇO. CHICO MORRE. APÓS ISSO, CHEGA
UM RAPAZ E LÊ A SENTENÇA.

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RAPAZ: Trago-lhes um comunicado do Imperador Pedro II. A partir desta data fica proibido a
execução de condenados à morte por forca. O cidadão que não cumprir este decreto, estará
sujeito a condenação e prisão.

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