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EDIÇÕES 70
Janeiro de 2020
1.ª edição: Junho de 2013
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À Andrée
Preâmbulo
A Invasão (1096-1100)
SALADINO
CAPÍTULO I
Chegam os Franj
«O rei Kilij Arslan» de que nos fala aqui Ibn al-Qalanissi ainda
não fez dezassete anos à chegada dos invasores. Primeiro dirigente
muçulmano a ser informado da sua aproximação, este jovem sultão
turco de olhos ligeiramente amendoados será simultaneamente o
primeiro a infligir-lhes uma derrota e o primeiro a sofrer um desaire
perante os seus temíveis cavaleiros.
É em Julho de 1096 que Kilij Arslan toma conhecimento de que
uma imensa multidão de Franj está a caminho de Constantinopla.
Ele receia desde logo o pior. É claro que não faz a mínima ideia dos
verdadeiros objectivos procurados por esta gente, mas a sua vinda
ao Oriente não lhe pressagia nada de bom.
O sultanato que ele governa estende-se por uma grande parte da
Ásia Menor, um território que os Turcos acabam justamente de
arrancar aos Gregos. Com efeito, o pai de Kilij Arslan, Solimão, foi o
primeiro turco a apoderar-se dessa terra que se iria chamar, muitos
séculos mais tarde, Turquia. Em Niceia, capital deste jovem Estado
muçulmano, as igrejas bizantinas mantêm-se mais numerosas que
as mesquitas. Se a guarnição da urbe é formada por cavaleiros
turcos, já a maioria da população é grega, e Kilij Arslan não acalenta
ilusões sobre os reais sentimentos dos seus súbditos: para estes,
ele será sempre um chefe de bando bárbaro. O único soberano que
reconheceu, aquele cujo nome ressurge, em voz baixa, em todas as
preces, é o basileus Aleixo Comneno, imperador dos Romanos. No
fundo, Aleixo é acima de tudo imperador dos Gregos, os quais se
proclamam herdeiros do Império Romano. Aliás, tal qualidade é-lhes
reconhecida pelos Árabes, que – tanto no século XI como no século
XX – designam os Gregos pelo termo Rum, «Romanos». O domínio
conquistado pelo pai de Kilij Arslan à custa do Império Grego é
mesmo denominado sultanato dos Rum.
Na época, Aleixo é uma das figuras mais prestigiosas do Oriente.
Este quinquagenário de baixa estatura, olhos faiscantes de malícia,
barba cuidada, maneiras elegantes, sempre adornado de ouro e de
ricas vestes azuis, exerce um autêntico fascínio sobre Kilij Arslan. É
ele que reina em Constantinopla, a fabulosa Bizâncio, situada a
menos de três dias de marcha de Niceia. Uma proximidade que
provoca no jovem sultão sentimentos contraditórios. Como todos os
guerreiros nómadas, ele aspira à conquista e à pilhagem. Sentir as
lendárias riquezas de Bizâncio ao alcance da sua mão é algo que
não lhe desagrada. Mas, ao mesmo tempo, sente-se ameaçado:
sabe que Aleixo nunca desesperou de retomar Niceia, não só
porque a cidade sempre foi grega, mas sobretudo porque a
presença de guerreiros turcos a tão curta distância de
Constantinopla constitui um perigo permanente para a segurança do
Império.
Ainda que o exército bizantino, dilacerado desde há anos por
crises internas, fosse incapaz de se lançar sozinho numa guerra de
reconquista, ninguém ignora que Aleixo dispõe sempre da
possibilidade de recorrer a auxiliares estrangeiros. Os Bizantinos
nunca hesitaram em apelar para os serviços de cavaleiros vindos do
Ocidente. Mercenários de pesadas armaduras ou peregrinos a
caminho da Palestina, muitíssimos são os Franj que visitam o
Oriente. E, em 1096, não se trata de modo nenhum de
desconhecidos para os muçulmanos. Uns vinte anos antes – Kilij
Arslan ainda não nascera, mas os velhos emires do seu exército
contaram-lho –, um destes aventureiros de cabelo louro, um tal
Roussel de Bailleul, que lograra estabelecer um Estado autónomo
na Ásia Menor, chegou a marchar sobre Constantinopla.
Assustados, os Bizantinos não tiveram outro remédio senão apelar
para o pai de Kilij Arslan, que não acreditara no que ouvia quando
um enviado especial do basileus lhe suplicara que voasse em seu
socorro. Os cavaleiros turcos tinham-se então dirigido efectivamente
para Constantinopla e conseguiram vencer Roussel. O que valeu a
Solimão uma generosa recompensa em ouro, cavalos e terras.
Desde então, os Bizantinos desconfiam dos Franj, mas os
exércitos imperiais, debatendo-se com uma falta constante de
soldados experimentados, são obrigados a recrutar mercenários.
Não apenas Franj, aliás: são muitos os guerreiros turcos nas fileiras
do império cristão. É precisamente graças a irmãos de raça
alistados no exército bizantino que Kilij Arslan toma conhecimento,
em Julho de 1096, de que milhares de Franj se aproximam de
Constantinopla. O quadro que lhe traçam os seus informadores
deixa-o perplexo. Estes ocidentais assemelham-se muito pouco aos
mercenários que é costume ver. Há de facto entre eles umas
centenas de cavaleiros e um número importante de infantes
armados, mas também milhares de mulheres, de crianças, de
velhos andrajosos: dir-se-ia uma tribo expulsa das suas terras por
um invasor. Também se conta que todos trazem, cosidas nas
costas, tiras de tecido em forma de cruz.
O jovem sultão, que tem dificuldade em avaliar o perigo, pede
aos seus agentes que redobrem a vigilância e o mantenham
permanentemente a par dos feitos e gestos destes novos invasores.
Por descargo de consciência, manda verificar as fortificações da sua
capital. As muralhas de Niceia, que têm mais de um farsakh (seis
mil metros) de comprimento, são sobrepujadas por duzentas e
quarenta torres. A sudoeste da cidade, as águas calmas do lago
Ascânio constituem uma excelente protecção natural.
Porém, nos primeiros dias de Agosto, a ameaça concretiza-se.
Os Franj atravessam o Bósforo, transportados por navios bizantinos,
e a despeito de um sol abrasador avançam ao longo da costa. Por
toda a parte, e não obstante terem sido vistos a pilhar à sua
passagem mais de uma igreja grega, ouvem-se os seus brados de
que vêm exterminar os muçulmanos. Diz-se que o chefe deles é um
eremita chamado Pedro. Os informadores calculam o seu número
numas tantas dezenas de milhares, mas ninguém sabe explicar
aonde os levam os seus passos. Parece que o imperador Aleixo
decidiu instalá-los em Civitot, um acampamento que ele mandou
arranjar anteriormente para outros mercenários, a menos de um dia
de marcha de Niceia.
O palácio do sultão regista uma efervescência louca. Enquanto
os cavaleiros turcos se mantêm prontos, a todo o momento, a saltar
para os seus corcéis, assiste-se a um contínuo vaivém de espiões e
de batedores que relatam os mais pequenos movimentos dos Franj.
Conta-se que, todas as manhãs, estes últimos deixam o seu
acampamento em hordas de vários milhares de indivíduos para irem
assolar as imediações, que pilham algumas herdades e incendeiam
outras, antes de regressar a Civitot, onde os seus clãs disputam
entre si os frutos da razia. Nada há nisto que possa realmente
chocar os soldados do sultão. Nada tão-pouco que possa inquietar o
seu amo. Durante um mês, prossegue a mesma rotina.
Mas eis que um dia, por volta de meados de Setembro, os Franj
modificam bruscamente os seus hábitos. Não tendo sem dúvida
mais nada para depredar nas redondezas, tomaram, diz-se, a
direcção de Niceia, atravessaram algumas aldeias, todas cristãs, e
deitaram a mão às colheitas que acabavam de ser enceleiradas
neste período de ceifa, massacrando sem piedade os camponeses
que tentavam resistir-lhes. Teriam inclusive sido queimadas vivas
crianças de tenra idade.
Kilij Arslan sente-se apanhado desprevenido. Na altura em que
lhe chegam as primeiras notícias, já os assaltantes estão junto às
muralhas da capital, e ainda o sol não atingiu o horizonte quando os
citadinos vêem elevar-se o fumo dos incêndios. O sultão envia
imediatamente uma patrulha de cavaleiros que se opõem aos Franj.
Esmagados pelo número, os turcos são desbaratados. Só alguns
raros sobreviventes voltam ensanguentados para Niceia.
Considerando o seu prestígio ameaçado, Kilij Arslan gostaria de
travar batalha sem demora, mas os emires do seu exército
dissuadem-no disso. Não tarda que anoiteça, e já os Franj refluem à
pressa para o seu acampamento. A vingança terá de esperar.
Não muito tempo. Afoitados, ao que parece, pelo seu êxito, os
ocidentais reincidem duas semanas mais tarde. Desta vez, o filho de
Solimão, avisado a tempo, segue passo a passo a sua progressão.
Uma tropa franca, englobando alguns cavaleiros mas sobretudo
milhares de pilhantes em farrapos, envereda pela estrada de Niceia,
depois, contornando a aglomeração, dirige-se para leste e apodera-
se de surpresa da fortaleza de Xerigórdon.
O jovem sultão decide-se. À cabeça dos seus homens, ele
cavalga a toda a brida para a pequena praça-forte onde, a fim de
celebrarem a sua vitória, os Franj se embriagam, incapazes de
imaginar que o seu destino já está traçado. Na verdade, Xerigórdon
constitui uma armadilha que os soldados de Kilij Arslan conhecem
perfeitamente, mas que estes estrangeiros sem experiência não
souberam descortinar: o seu aprovisionamento em água é no
exterior, muito longe das muralhas, e os turcos em breve vedam o
respectivo acesso. Basta-lhes tomar posição em torno da fortaleza,
e de lá não arredarem. A sede combate em seu lugar.
Para os sitiados começa um suplício atroz: chegam a beber o
sangue das suas montadas e a sua própria urina. Há quem os
enxergue, nestes primeiros dias de Outubro, olhando
desesperadamente o céu, na expectativa de algumas gotas de
chuva. Em vão. Ao cabo de uma semana, o cabecilha da expedição,
um cavaleiro chamado Reinaldo, aceita capitular se lhe pouparem a
vida. Kilij Arslan, que exigiu que os Franj renunciem publicamente à
sua religião, não fica pouco surpreendido quando Reinaldo se diz
pronto não só a converter-se ao islamismo, mas também a batalhar
ao lado dos turcos contra os seus próprios companheiros. Vários
dos seus amigos, que se prestaram às mesmas exigências, são
enviados para o cativeiro nas cidades da Síria ou na Ásia Central.
Os outros são passados a fio de espada.
O jovem sultão está orgulhoso da sua façanha, mas mantém a
cabeça fria. Depois de ter concedido aos seus homens uma folga
para a tradicional partilha do despojo, chama-os à ordem logo no dia
seguinte. Decerto que os Franj perderam cerca de seis mil homens,
mas os que restam são seis vezes mais numerosos, e é esta a
última ocasião de ficar livre deles. Para o conseguir, opta pela
manha: enviar dois espiões, gregos, ao acampamento de Civitot,
para anunciar que os homens de Reinaldo estão em excelente
situação, que eles lograram apoderar-se da própria Niceia, cujas
riquezas nem por sombras estão dispostos a consentir que os seus
correligionários lhas venham disputar. Entretanto, o exército turco
preparará uma gigantesca emboscada.
De facto, os rumores, cuidadosamente propagados, suscitam a
efervescência prevista no acampamento de Civitot. Há amotinações,
injuria-se Reinaldo e os seus homens, já se toma a decisão de partir
sem tardança para participar na pilhagem de Niceia. Mas eis que de
súbito, não se sabe muito bem como, um sobrevivente da expedição
de Xerigórdon se aproxima, desvendando a verdade sobre a sorte
dos seus companheiros. Os espiões de Kilij Arslan pensam ter
falhado na sua missão, visto que os mais sábios entre os Franj
aconselham calma. Porém, passado o primeiro momento de
consternação, reaparece a excitação. A turba agita-se e berra: ela
quer pôr-se imediatamente a caminho, já não para participar na
pilhagem, mas para «vingar os mártires». Os que hesitam são
apodados de cobardes. Finalmente, os mais enfurecidos impõem a
sua opinião e a partida é fixada para o dia seguinte. Os espiões do
sultão, cuja manha foi descoberta mas o objectivo atingido, exultam.
Eles mandam dizer ao seu senhor que se prepare para o combate.
Em 21 de Outubro de 1096, ao alvorecer, os ocidentais
abandonam portanto o seu acampamento. Kilij Arslan não está
longe. Passou a noite nas colinas próximas de Civitot. Os seus
homens estão a postos, bem dissimulados. Ele próprio, donde se
encontra, pode avistar ao longe a coluna dos Franj que levanta uma
nuvem de poeira. Algumas centenas de cavaleiros, a maioria sem
armadura, avançam à cabeça, seguidos de uma multidão de
infantes em desordem. Caminham desde há menos de uma hora
quando o sultão ouve o seu clamor a aproximar-se. O sol que se
ergue por detrás dele bate-lhes em cheio no rosto. Retendo a
respiração, faz sinal aos seus emires para que se mantenham
prontos. Sobrevem o instante fatídico. Um gesto quase
imperceptível, algumas ordens ciciadas aqui e ali, e eis que os
archeiros retesam lentamente os seus arcos. Repentinamente, mil
flechas irrompem num único e longo silvo. A maioria dos cavaleiros
tomba logo nos primeiros minutos. Depois, os infantes são por seu
turno dizimados.
Quando se inicia o corpo a corpo, já os Franj estão destroçados.
Os que iam na retaguarda regressaram numa correria ao
acampamento, onde os não combatentes ainda mal acordavam. Um
velho padre celebra uma missa matinal, algumas mulheres
preparam a comida. A chegada dos fugitivos com os turcos no seu
encalço lança o pavor. Os Franj fogem em todas as direcções.
Alguns, que tentaram alcançar os bosques circunvizinhos, não
tardam a ser capturados. Outros, mais ponderados, entrincheiram-
se numa fortaleza abandonada que apresenta a vantagem de ser
adjacente ao mar. Não querendo correr riscos inúteis, o sultão
renuncia a cercá-los. A frota bizantina, rapidamente prevenida, virá
recolhê-los. Dois a três mil homens escapulir-se-ão assim. Pedro, o
Eremita, que se encontra desde há alguns dias em Constantinopla,
salvou igualmente a vida por tal motivo. Mas os seus partidários têm
menos sorte. As mulheres mais jovens foram raptadas pelos
cavaleiros do sultão, a fim de serem distribuídas pelos emires ou
vendidas nos mercados de escravos. Alguns rapazes sofrem a
mesma sorte. Os outros Franj, certamente uns vinte mil, são
exterminados.
Kilij Arslan rejubila. Ele acaba de aniquilar esse exército franco
que toda a gente dizia tão temível, e as perdas das suas próprias
tropas são insignificantes. Contemplando o imenso despojo
amontoado a seus pés, ele julga estar a viver o seu mais belo
triunfo.
O jovem sultão está em boa posição para o saber. Pois não foi
num desses intermináveis combates de chefes que seu pai Solimão
perdeu a vida em 1086? Kilij Arslan tinha então uns escassos sete
anos, e devia ter assumido a sucessão sob a regência de alguns
emires fiéis, mas fora afastado do poder e conduzido à Pérsia, a
pretexto de que a sua vida estava em perigo. Adulado, envolvido em
deferências, servido por uma profusão de escravos atenciosos, mas
estreitamente vigiado, com a proibição formal de visitar o seu reino.
Os seus anfitriões, isto é, os seus carcereiros, não eram outros
senão os membros do seu próprio clã: os Seljúcidas.
Se há, no século XI, um nome que ninguém ignora, das cercanias
da China ao longínquo país dos Franj, é sem dúvida este. Vindos da
Ásia Central com milhares de cavaleiros nómadas de compridos
cabelos entrançados, os Turcos Seljúcidas assenhorearam-se em
poucos anos de toda a região que se espraia do Afeganistão ao
Mediterrâneo. Desde 1055 que o califa de Bagdad, sucessor do
Profeta e herdeiro do prestigioso império abássida, não passa de
uma dócil marioneta nas suas mãos. De Isfaão a Damasco, de
Niceia a Jerusalém, os emires deles ditam a lei. Pela primeira vez
nos últimos três séculos, todo o Oriente muçulmano está reunido
sob a autoridade de uma dinastia única que proclama a sua vontade
de restituir ao Islão a sua glória pretérita. Os Rum, esmagados pelos
Seljúcidas em 1071, nunca mais se recompuseram. A Ásia Menor, a
mais vasta das suas províncias, foi invadida; a sua própria capital já
não está em segurança; os seus seguidores, incluindo Aleixo, não
cessam de enviar delegações ao papa de Roma, chefe supremo do
Ocidente, suplicando-lhe que exorte à guerra santa contra esta
ressurgência do Islão.
Kilij Arslan não se orgulha pouco da sua pertença a tão
prestigiosa família, mas também não se ilude com a aparente
unidade do Império Turco. Entre primos seljúcidas não se cultiva a
mínima solidariedade: é preciso matar para sobreviver. O seu pai
conquistou a Ásia Menor, a ampla Anatólia, sem a ajuda dos irmãos,
e foi por ter querido estender-se a sul, na direcção da Síria, que um
dos primos o matou. E enquanto Kilij Arslan era retido à força em
Ispaão, o domínio paterno desmembrava-se. Quando, em fins de
1092, o adolescente foi liberto na sequência de uma querela entre
os seus carcereiros, a sua autoridade não se exercia muito além das
muralhas de Niceia. Só tinha treze anos.
Em seguida, foi graças aos conselhos dos emires do exército que
pôde, pela guerra, pelo assassínio ou pela manha, recuperar parte
da herança paterna. Hoje, pode gabar-se de ter passado mais
tempo na sela do seu cavalo do que no seu palácio. Todavia, ao
chegarem os Franj, nada está ainda decidido. Na Ásia Menor, os
seus rivais continuam a ser poderosos, se bem que, muito
afortunadamente para ele, os seus primos seljúcidas da Síria e da
Pérsia estejam absorvidos pelas suas próprias querelas.
A leste, designadamente nas alturas desoladas do planalto
anatólio, reina nestes tempos de incerteza uma estranha
personagem a quem se chama Danishmend, o Sábio, um
aventureiro de origem obscura que, ao contrário dos outros emires
turcos, na sua maioria analfabetos, é instruído nas mais diversas
ciências. Ele irá tornar-se em breve no herói de uma célebre
epopeia intitulada justamente A Gesta do Rei Danishmend, que
descreve a conquista de Malatya, uma cidade arménia situada a
sudeste de Ancara, e cuja queda é considerada pelos autores da
narrativa como a viragem determinante na islamização da futura
Turquia. Nos primeiros meses de 1097, quando a chegada a
Constantinopla de uma nova expedição franca é assinalada a Kilij
Arslan, já a batalha de Malatya se iniciou. Danishmend cerca a
cidade, e o jovem sultão recusa-se a admitir que este rival, que se
aproveitou da morte de seu pai para ocupar todo o Nordeste da
Anatólia, possa alcançar uma tão prestigiosa vitória. Resolvido a
disso o impedir, ele dirige-se, à cabeça dos seus cavaleiros, para as
imediações de Malatya e instala o seu acampamento nas
proximidades do de Danishmend, para o intimidar. A tensão cresce,
as escaramuças multiplicam-se, cada vez mais mortíferas.
Em Abril de 1097, o embate parece inevitável. Kilij Arslan
prepara-se para ele. O essencial do seu exército está reunido sob
os muros de Malatya quando chega diante da sua tenda um
cavaleiro extenuado. Este despeja a sua mensagem ofegando: os
Franj vêm aí; uma vez mais, transpuseram o Bósforo, em maior
número do que no ano anterior. Kilij Arslan permanece calmo. Nada
justifica semelhante inquietude. Já teve contactos com os Franj,
sabe o que tem pela frente. Enfim, é apenas para sossegar os
habitantes de Niceia, e em especial a sua esposa, a jovem sultana,
que deve dar à luz dentro em pouco, que ele pede a alguns
destacamentos de cavalaria que vão reforçar a guarnição da capital.
Ele próprio estará de volta assim que acabar com Danishmend.
Os ruídos vêm da torre das Duas Irmãs. Mas Yaghi Siyan não se
dá ao trabalho de verificar. Ele julga que está tudo perdido. Cedendo
ao pavor, ordena que se abra uma das portas da cidade e,
acompanhado por alguns guardas, põe-se em fuga. Esgazeado, irá
cavalgar assim durante horas seguidas, incapaz de recuperar a
calma. Ao cabo de duzentos dias de resistência, o senhor de
Antioquia soçobrou. Sem deixar de lhe censurar a sua fraqueza, Ibn
al-Athir evocará o seu fim com emoção.
Os Canibais de Maara
A ocupação (1100-1128)
Um Resistente de Turbante
A resposta (1128-1146)
As Conjuras de Damasco
Nada de mais natural que esta indignação do emir, visto que para
os Árabes do século XII a justiça é uma coisa séria. Os juízes, os
cádis, são personagens altamente respeitadas que, antes de emitir
a sentença, têm a obrigação de seguir um procedimento bem
definido, estipulado pelo Alcorão: requisitório, defesa, testemunhos.
O «juízo de Deus», a que os ocidentais recorrem frequentemente,
afigura-se-lhes uma farsa macabra. O duelo descrito pelo cronista
não é mais que uma das formas do ordálio. A prova do fogo é outra.
E existe igualmente o suplício da água, que Ussama descobre com
horror:
Se bem que situada num vale, Edessa era difícil de tomar, pois o
seu poderoso recinto triangular achava-se solidamente imbricado
nas colinas circundantes. Mas, explica Abul-Faraj, Jocelin não
deixara nenhuma tropa. Só havia sapateiros, tecelões, mercadores
de sedas, alfaiates, sacerdotes. A defesa será portanto assegurada
pelo bispo franco da cidade, assistido por um prelado arménio e
pelo próprio cronista, não obstante favorável a um acordo com o
atabaque.
A vitória (1146-1187)
NUREDDIN MAMUDE,
unificador do Oriente árabe (1117-1174)
CAPÍTULO VIII
Assim que soube dos desígnios dos Franj, conta Ibn al-
Qalanissi, o emir Moinuddin iniciou os preparativos para fazer
malograr a sua malfeitoria. Fortificou todos os sítios onde era de
recear um ataque, dispôs soldados nas entradas, entulhou os
poços e destruiu os pontos de água nas cercanias da urbe.
As Lágrimas de Saladino
A moratória (1187-1244)
O Encontro Impossível
O Justo e o Perfeito
A expulsão (1224-1291)
IBN AL-ATHIR
CAPÍTULO XIII
O Castigo Mongol
Assinada em Maio de 1283, por dez anos, dez meses, dez dias e
dez horas, a trégua cobre todos os países francos do litoral, ou seja,
a cidade de Acre, com os seus pomares, os seus terrenos, os seus
moinhos, as suas vinhas e as setenta e três aldeias que dela
dependem; a cidade de Haifa, as suas vinhas, os seus pomares e
as sete aldeias a ela ligadas… No que se refere a Saida, o castelo e
a cidade, as vinhas e o arrabalde são dos Franj, bem como as
quinze aldeias que a ela se ligam, com a planície circundante, os
seus ribeiros, os seus regatos, as suas fontes, os seus pomares, os
seus moinhos, os seus canais e os seus diques que são utilizados
desde há muito na irrigação das suas terras. Se a enumeração é
longa e minuciosa, é para evitar qualquer litígio. O conjunto do
território franco apresenta-se no entanto irrisório: uma faixa costeira,
estreita e esguia, que em nada se equipara à antiga e temível
potência regional constituída outrora pelos Franj. É bem verdade
que os sítios mencionados não traduzem o conjunto das
possessões francas. Tiro, que se separou do reino de Acre, conclui
um acordo à parte com Qalaun. Mais longe, a norte, cidades como
Trípolis e Lattaquié são excluídas da trégua.
É também o caso da fortaleza de Marqab, ocupada pela Ordem
dos Hospitalários, al-osbitar. Estes monges-cavaleiros tomaram o
partido dos Mongóis, indo mesmo ao ponto de combater a seu lado
aquando de uma nova tentativa de invasão em 1281. Assim, Qalaun
está resolvido a fazê-los pagar caro tal atitude. Na Primavera de
1285, diz-nos Ibn Abd-el-Zaher, o sultão preparou em Damasco
máquinas de cerco. Ele mandou vir do Egipto grandes quantidades
de flechas e armas de todas as espécies, que distribuiu pelos
emires. Mandou aprontar também engenhos de ferro e tubos lança-
chamas como os não há em nenhum outro lado senão nos
makhazen – armazéns – e dar-al-sinaa, o arsenal do sultão.
Alistaram-se igualmente peritos pirotécnicos e rodeou-se Marqab de
uma cintura de catapultas, das quais três de tipo «franco» e quatro
de tipo «diabo». No dia 25 de Maio, as alas da fortaleza acham-se
tão profundamente minadas que os defensores capitulam. Qalaun
autoriza-os a partir sãos e salvos para Trípolis, levando os seus
pertences.
Uma vez mais, os aliados dos Mongóis foram castigados sem
que estes pudessem intervir. Ainda que desejassem reagir, as cinco
semanas que o cerco durou ter-lhes-iam sido insuficientes para
organizar uma expedição a partir da Pérsia. Contudo, neste ano de
1285, os Tártaros estão mais determinados do que nunca a reatar a
sua ofensiva contra os muçulmanos. O seu novo chefe, o ilkkhan
Arghun, neto de Hulagu, tomou a seu cargo o sonho mais querido
dos seus antecessores: realizar uma aliança com os ocidentais para
apanhar o sultanato mameluco entre dois fogos. Estabelecem-se
então contactos muito regulares entre Tabriz e Roma para organizar
uma expedição comum, ou pelo menos concertada. Em 1289,
Qalaun pressente um perigo iminente, mas os seus agentes não
logram fornecer-lhe elementos precisos. Ele ignora, em especial,
que acaba de ser proposto por escrito ao papa e aos principais reis
do Ocidente um minucioso plano de campanha elaborado por
Arghun. Uma destas cartas, endereçadas ao soberano francês,
Filipe IV, o Belo, foi conservada. O chefe mongol sugere aí que se
inicie a invasão da Síria na primeira semana de Janeiro de 1291. Ele
prevê que Damasco cairá em meados de Fevereiro e que Jerusalém
será tomada pouco depois.
Sem verdadeiramente adivinhar o que se trama, Qalaun sente-se
cada vez mais inquieto. Ele receia que os invasores do leste ou do
oeste possam encontrar nas cidades francas da Síria uma testa-de-
ponte que facilite a sua penetração. Porém, se bem que esteja
doravante convicto de que a presença dos Franj constitui uma
ameaça permanente para a segurança do mundo muçulmano,
recusa-se a confundir a gente de Acre com a da metade setentrional
da Síria, que se mostrou abertamente favorável ao invasor mongol.
De qualquer modo, como homem de palavra, o sultão não pode
atacar Acre, protegida pelo tratado de paz durante mais cinco anos,
de modo que decide acometer Trípolis. É ante as muralhas da urbe,
conquistada cento e oitenta anos antes pelo filho de Saint-Gilles,
que o seu poderoso exército se reúne em Março de 1289.
Entre as dezenas de milhares de combatentes do exército
muçulmano conta-se Abul-Fida, um jovem emir de dezasseis anos.
Originário da dinastia aiúbida mas tornado vassalo dos Mamelucos,
ele reinará alguns anos mais tarde sobre a pequena urbe de Hama,
onde dedicará o essencial do seu tempo a ler e a escrever. A obra
deste historiador, que é também geógrafo e poeta, interessa-nos
sobretudo pela narrativa que faz dos últimos anos da presença
franca no Oriente. De facto, Abul-Fida, de olhar atento e espada em
punho, está presente em todos os campos de batalha.
A cidade de Trípolis, observa ele, está rodeada pelo mar e só
pode ser atacada por terra do lado leste, através de uma estreita
passagem. Depois de ter posto cerco, o sultão colocou diante
dela um grande número de catapultas de todas as dimensões, e
impôs-lhe um rigoroso bloqueio.
Capítulo I
«Esse ano», na citação de Ibn al-Qalanissi, é o ano 490 da
Hégira. Todos os cronistas e historiadores árabes da época utilizam,
com pouca diferença, o mesmo método de exposição: enumeram,
não raro desordenadamente, os acontecimentos de cada ano, antes
de passar ao seguinte.
O termo Rum – singular, Rumi – é por vezes utilizado no século
XX em certas partes do mundo árabe para designar, não os Gregos,
mas os ocidentais em geral.
O emir – al-amir – é, originariamente, «o que assume um
comando». «Amir al-muminin» é o príncipe ou o comendador dos
crentes. Os emires do exército são por assim dizer os oficiais
superiores. «Amir al-juyuch» é o chefe supremo dos exércitos e
«amir al-bahr» é o comandante da frota, uma palavra adoptada
pelos ocidentais sob uma forma concisa: «almirante».
A origem dos Seljúcidas está envolta em mistério. O epónimo do
clã, Seljuk, tinha dois filhos chamados Mikael e Israel, o que deixa
supor que a dinastia que unificou o Oriente muçulmano era de
estirpe cristã ou judaica. Após a sua islamização, os Seljúcidas
mudaram alguns dos seus nomes. Em especial, «Israel» foi
turquicizado em «Arslan».
A Gesta do Rei Danishmend foi publicada em 1960, original e
tradução, pelo Instituto Francês de Arqueologia de Istambul.
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Sobre o espantoso passado de Nahr-el-Kalb, ver P. Hitti, Tarikh
Loubnan, Assaqafa, Beirute, 1978.
Após o seu regresso à Europa, Boemundo tentará invadir o
Império Bizantino. Para repelir o ataque, Aleixo pedirá a Kilij Arslan
que lhe envie tropas. Vencido e capturado, Boemundo será forçado
a reconhecer por tratados os direitos dos Rum sobre Antioquia. Esta
humilhação obrigá-lo-á a nunca mais voltar ao Oriente.
Edessa inclui-se hoje na Turquia. O seu nome é Urfa.
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Antes da invasão
A Invasão
A Ocupação
A Vitória
A Moratória
A Expulsão
Abaga
Abaq
Abássidas
Abu-Bakr
Abu-Firas
Abul-Ala al-Maari
Abul-Faraj Basílio
Abul-Fidas
Abu-Saad al-Harawi (ver Al-Harawi) Abu-Taher
Agca, Mehemet Ali
Aibek
Ailba
Ain Jalut
Aiúbidas
Al-Achraf
Al-Adel
Al-Afdal Chahinchah
Al-Aziz
Al-Borsoki
Al-Dawlahi
Al-Fadil
Al-Findalawi
Al-Halhuli
Al-Harawi
Al-Kamel
Al-Malik al-Afdal (filho de Saladino)
Al-Malik al-Muzaffar
Al-Mazdaghani
Al- Moazzam
Al-Mustansir
Al-Mustarchid
Al-Mustazhir
Al-Mutassim
Al-Muzaffar (Al Malik)
Alberto de Aix
Aleixo Comneno
Alexandre Magno
Alix
Alp Arslan
Amaury
An-Nasser
Aqtai
Arghun (o ilkkhan)
Aristóteles
Arnat (ver Reinaldo de Châtillon)
As-Saleh (filho de Nureddin)
Ayyub (filho de Al-Kamel)
Ayyub (pai de Saladino)
Dandolo
Danishmend
Dirgham
Diyaeddin (ver Ibn al-Athir)
Dukak
Baal
Badr el-Jamali
Bahaeddin
Bahram
Baibars
Balak
Balduíno de Flandres
Balduíno I
Balduíno II
Balduíno III
Balduíno IV
Balduíno V
Balian d’Ibelin
Banias
Banu Ammar
Barkyaruk
Batit, Yussef
Boemundo I
Boemundo II
Boemundo III
Boemundo IV
Cerdanha (Conde de)
Chajarat-ad-Dorr
Chams ad-Dawla
Chams al-Khilafa
Chamseddin
Charaf
Chawer
Chirkuh
Conrado de Montferrat
Constança
Gengiscão
Ghazi
Godofredo de Bulhão
Guido de Lusignan
Habib-an-Najjar
Hárune Arraxide
Hassan as-Sabbah
Henrique de Champanha
Henrique (rei franco)
Hetum
Hittin
Hugo do Puiset
Hulagu
Ibn Abd-el-Zaher
Ibn al-Athir
Ibn al-Athir (Diyaeddin)
Ibn al-Khachab
Ibn Al Qalanissi
Ibn al-Waqqar (médico)
Ibn Ammar
Ibn Jobair
Ibn Muqidh
Ibn Saint-Gilles (ver Saint-Gilles)
Ibn Wassel
Iftikhar ad-Dawla
Ilghazi
Imadeddin al-Asfahani
Iolanda de Brienne
Ismael
Jalal el-Mulk
Janah ad-Dawla
Jawali
Jekermich
João Comneno
João de Brienne
João Paulo II
Jobair (ver Ibn Jobair)
Jocelin I
Jocelin II
Kamaleddin
Karbuka
Khalil (filho de Chajarat-ad-dorr)
Khalil (filho de Qalaun)
Kilij Arslan
Kilij Arslan II
Kitbuka
Kublai
Luís VII
Luís IX
Lulu, 110
Mamude
Manbij
Manuel (filho de João Comneno)
Maomé
Massud (irmão de Mamude)
Massud (filho de Kilij Arslan)
Mawdud
Mélisande
Moamed Ibn Malikshah
Moamed Ibn Sultan
Mohieddin Ibn Al-Zaki
Moinuddin Unar (ver Unar)
Mongka Khan
Mongóis
Morri (ver Amaury)
Munquiditas
Mussa Ibn Maimnu (médico)
Nabucodonosor
Nassara (discípulos do Nazareno)
Nasser (presidente)
Nizam el-Mulk
Nizar
Nureddin (filho de Zinki)
Omar al-Khayyam
Omar Ibn al-Khattab
Ortok
Pedro, o Eremita
Pelágio
Qalaun
Qutuz
Rachideddin Sinan
Raimundo de Antioquia
Raimundo III de Trípolis (filho de Saint-Gilles)
Ramsés II
Raul de Caen
Redwan
Reinaldo de Châtillon
Ricardo Coração de Leão
Rogério de Antioquia
Roussel de Bailleul
Sigurdo
Sirjal (ver Rogério de Antioquia) Sokman
Solimão (pai de Kilij Arslan)
Solimão (filho de Kilij Arslan)
Sultan Ibn Munqidh
Sunitas
Tafures
Tahir al-Mazdaghani
Takieddin (sobrinho de Saladino)
Tancredo
Tártaros (ver Mongóis)
Tchaka
Thabet (médico)
Thoros
Timurtach
Toghtekin
Turanshah
Sadat (Presidente)
Saifeddin
Saint-Gilles
Saladino
Samuel (profeta)
São Jorge
Sawinj (filho de Buri)
Seljúcidas
Septímio Severo
Sibt Ibn Al-Jawzi
Xiitas
Yaghi Siyan
Yarankach (eunuco de Zinki)
Yussef (ver Saladino)
Zinki
Zomorrod
Índice
PREÂMBULO
PRÓLOGO
Bagdad, Agosto de 1099
EPÍLOGO
NOTAS E FONTES
PRÓLOGO
CRONOLOGIA
ÍNDICE ONOMÁSTICO