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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Faculdade de Direito

Lucas Nantet Barbosa

Non liquet administrativo: a decisão de não decidir na Administração


Pública

Rio de Janeiro

2024

1
Lucas Nantet Barbosa

Non liquet administrativo: a decisão de não decidir na Administração Pública

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre, ao Programa
de Pós-graduação em Direito, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Direito Público.

Orientador: Prof. Dr. André Rodrigues Cyrino

Rio de Janeiro
2024

2
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CCS/C

A ficha catalográfica deve ser preparada pela equipe da Biblioteca e o prazo de


entrega será de até 10dias úteis, após o recebimento das informações sobre o
trabalho. Ela deverá ser inserida neste local.
Na versão impressa, deverá constar no verso da folha de rosto.
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New Roman)

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cima da ficha com o botão esquerdo do mouse.

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese/dissertação, desde que citada a fonte.

__________________________________ ________________________
Assinatura Data

3
Lucas Nantet Barbosa

Non liquet administrativo: a decisão de não decidir na Administração Pública

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-graduação em Direito, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Direito Público.

Aprovada em 15 de março de 2024.

Banca Examinadora:
_____________________________________________
Prof. Dr. André Rodrigues Cyrino (Orientador)

Faculdade de Direito – UERJ

_____________________________________________

Prof. Dr. Valter Shuenquener de Araújo

Faculdade de Direito – UERJ

_____________________________________________

Prof. Dr. André Saddy

Faculdade de Direito – UFF

_____________________________________________

Prof. Dr. Rafael Lorenzo-Fernandez Koatz

Rio de Janeiro
2024

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Emilce e Mario, sem os quais estas páginas não existiriam.

5
AGRADECIMENTOS

Dizem que a escrita de uma dissertação é uma tarefa solitária. Em parte, é


verdade – especialmente nas madrugadas –, mas não é de todo. Seria uma injustiça dizer
que trabalhei sozinho. Por isso, dedico este espaço a quem, de alguma forma, me ajudou
a construir esta dissertação.

Agradeço, em primeiro lugar, ao meu orientador, André Cyrino, que topou o


desafio de orientar uma dissertação sobre energia eólica. Felizmente, em abril de 2023, a
ideia do non liquet surgiu para alterar os rumos daquele trabalho, que se tornou a presente
dissertação. André foi quem me proporcionou as melhores experiências neste período de
mestrado, e quem já havia me proporcionado, como registrei nos agradecimentos de
minha monografia de graduação, a melhor experiência de estágio que tive na vida, na PG-
17 da PGE-RJ – onde nos conhecemos. Tenho sido orientado desde então (não só na
dissertação) por uma grande pessoa, de quem gosto de graça. Obrigado!

Daniel Sarmento, que orientou minha monografia na graduação, foi quem me


incentivou a ingressar no mestrado. Agradeço imensamente. Agradeço, igualmente, à
Camilla Gomes, que, além de ser uma grande inspiração, me ajudou a dar os primeiros
passos no PPGD.

À Jane Reis, que conheci pessoalmente apenas no mestrado, agradeço por


todas as conversas sobre pesquisas acadêmicas, que foram valiosas para a elaboração
deste trabalho.

Também agradeço aos professores Valter Shuenquener e Rafael Koatz, que


apresentaram apontamentos fundamentais a esta dissertação, no exame de qualificação.

Ao longo dos anos de mestrado, conheci pessoas incríveis e me aproximei de


outras que já caminhavam comigo. Por todos os que conheci, cito a brilhante Gabrielle
Sousa, a Julia, o Cesar e o Julio. Tive a sorte de compartilhar um ano de mestrado com
Thaís Estrella, amiga desde a Olimpíada de Direito Administrativo, a quem agradeço por
todas as conversas sobre non liquet, tribunais de contas, Rubel e festivais de música ao
redor do mundo.

Agradeço aos meus colegas de Vinhas e Redenschi, João Paulo Naegele, Isaac
(Mag, agora mestrando em Direito Penal), Lisa, Luiz Eduardo, João Pedro, Victor e

6
Alexia, por todo o apoio. É muito gratificante caminhar com tanta gente boa. Agradeço,
em especial, ao Fabricio Dantas, que me incentivou desde quando o tema da dissertação
era apenas uma ideia, com sugestões e apontamentos práticos sem os quais algumas
noções presentes neste trabalho não seriam desenvolvidas, e ao Guilherme Vinhas, que,
sempre solícito a discutir o que me propus a escrever, também teceu comentários
fundamentais para o amadurecimento da pesquisa.

Agradeço, também, aos meus amigos de faculdade e de vida, que sempre me


apoiam: Beirada, Contarini, Douglas, Guilherme, Gustavo, Renato e Victor. Sem o Victor,
aliás, este trabalho dificilmente sairia do papel, pois foi quem forneceu boa parte do
material que precisei ao longo das pesquisas. Obrigado!

Bruno e Edson, amigos de longa data, agradeço por estarem sempre por perto.

À minha família, Emilce, Mario e Bruna, agradeço por todo o suporte. Nada
disso existiria sem vocês.

Por fim, à Thairine, meu amor, e ao estressado Otto, que estiveram ao meu
lado em todos os momentos desta experiência acadêmica. Minha vida é mais leve com
vocês e por causa de vocês.

A todos, muito obrigado!

7
I don't know, I don't care. All I know is you can take me there.
Oasis, Slide Away

8
9
RESUMO

BARBOSA, Lucas Nantet. Non liquet administrativo: a decisão de não decidir na


Administração Pública. 2024. 125f. Dissertação. Mestrado em Direito – Faculdade de
Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2024.

A atividade administrativa exige, com frequência, a tomada de decisões por parte


da Administração Pública. Exige-se que esta decisão seja célere, de modo a garantir a
eficiência do processo administrativo e a atender ao comando constitucional de duração
razoável do processo. Mas, por vezes, pode-se estar diante de situação em que decidir
significa criar mais problemas. Pode haver obscuridade fática; ser necessário um
amadurecimento do debate acerca da questão analisada; ou mesmo existir um dever de
cautela a ser observado pela Administração. Em casos que tais, conquanto não sejam a
regra, cabe sopesar e refletir sobre uma solução eventual de adiamento da decisão de
mérito: um non liquet administrativo. A ideia seria conjugar, de um lado, o interesse do
administrado em ver seu requerimento atendido e, de outro, eventuais especificidades que
demandem uma análise mais prolongada pela autoridade competente. É nesse contexto
que está inserido o objeto do presente trabalho. Adotando como ponto de partida uma
tentativa de evitar a ocorrência do silêncio administrativo e, ao mesmo tempo, possibilitar
a decisão de mérito das questões levadas à análise da Administração, pretende-se
investigar se a Administração Pública pode proferir, em circunstâncias específicas,
decisões non liquet, de modo a adiar a decisão sobre o mérito da questão, por meio de
manifestação expressa, e avaliá-la com o cuidado que ela exige. Embora demandem-se
cautelas, um non liquet administrativo poderia, reconhecendo as dificuldades concretas
dos gestores, evitar erros e problemas ainda maiores do que aqueles oriundos de decisões
apressadas e mal-informadas. Estes pontos são demonstrados no presente trabalho, que é
dividido da seguinte forma: no primeiro capítulo, trata-se de questões relativas ao direito
de petição e o correlato dever de resposta que este gera para a Administração Pública. No
segundo capítulo, discute-se o dever de decidir que a Lei n° 9.784/1999 estabelece para a
Administração. O terceiro capítulo, por fim, tem como foco específico o non liquet
administrativo, com a indicação de suas possibilidades e limitações.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Non liquet. Direito de petição. Dever de decidir.


Poder geral de cautela. Decisões estruturais.

10
ABSTRACT

BARBOSA, Lucas Nantet. Non liquet administrative: the decision not to decide in the
Public Administration. 2024. 125f. Dissertação. Mestrado em Direito – Faculdade de
Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2024.

The administrative activity often requires decision-making by the Public Administration.


It is expected that this decision be prompt, in order to ensure the efficiency of the
administrative process and to comply with the constitutional mandate of reasonable
duration of the process. However, sometimes one may find oneself in a situation where
making a decision means creating more problems. There may be factual obscurity; a need
for a maturation of the debate regarding the analyzed issue; or even a duty of caution to
be observed by the Administration. In such cases, although they are not the usual, it is
appropriate to weigh and reflect on a potential solution of postponing the decision on
merit: an administrative non liquet. The idea would be to balance, on one hand, the interest
of the individual in having their request fulfilled and, on the other hand, any specificities
that require a more prolonged analysis by the competent authority. It is within this context
that the subject of this work is framed. Starting from an attempt to avoid the occurrence
of administrative silence while simultaneously enabling the decision on the merit of the
issues brought to the Administration's analysis, the aim is to investigate whether the
Public Administration can issue, under specific circumstances, non liquet decisions, in
order to postpone the decision on the merit of the issue through an express manifestation,
and evaluate it with the care it requires. Although caution is required, an administrative
non liquet could, recognizing the concrete difficulties of managers, prevent errors and
problems even greater than those arising from hasty and ill-informed decisions. These
points are demonstrated in this work, which is divided as follows: in the first chapter,
issues related to the right of petition and the corresponding duty to respond of Public
Administration are addressed. In the second chapter, the duty to decide established for the
Administration by Law No. 9,784/1999 is discussed. Finally, the third chapter focuses
specifically on administrative non liquet, indicating its possibilities and limitations.

Keywords: Administrative Law. Non-liquet. Right to petition. Duty to decide. General


power of caution. Structural decisions.

11
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14
Justificativa e marco teórico ........................................................................................ 17
Hipótese ......................................................................................................................... 20
Objetivos ........................................................................................................................ 21
Metodologia ................................................................................................................... 21
Plano de trabalho .......................................................................................................... 22
1. O DIREITO DE PETIÇÃO COMO FUNDAMENTO DO DEVER DE
RESPOSTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ..................................................... 23
1.1. Os primeiros passos do direito de petição ........................................................... 23
1.2. Passadas mais largas ao cruzar o Atlântico ........................................................ 25
1.2.1. O posicionamento diverso da Suprema Corte dos Estados Unidos ...................... 29
1.3. O direito de petição em Portugal ......................................................................... 31
1.4. O direito de petição no Brasil ............................................................................... 34
2. O DEVER DE DECIDIR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ........................ 39
2.1. A duração razoável do processo administrativo como substrato da celeridade e
da eficiência ................................................................................................................... 39
2.2. O dever de decidir na Lei n° 9.784/1999 .............................................................. 45
2.2.1. O conceito de decisão: linhas gerais ..................................................................... 47
2.2.1.1. O conceito de decisão na literatura administrativista ........................................ 49
2.2.2. As decisões estruturais no processo civil ............................................................. 51
2.2.3. A que tipo de decisão de refere o art. 48 da Lei de Processo Administrativo
federal?............................................................................................................................55
3. O NON LIQUET ADMINISTRATIVO ............................................................... 59
3.1. A origem histórica do non liquet .......................................................................... 59
3.2. O non liquet no Brasil: regra geral de proibição? .............................................. 62
3.3. A decisão de não decidir na perspectiva de Cass Sunstein e Adrian Vermeule65
3.4. A possibilidade do non liquet no Poder Judiciário: a reformulação proposta
pela literatura................................................................................................................ 66
3.5. As circunstâncias de admissibilidade de um non liquet administrativo:
possibilidade entre a inércia administrativa e a decisão de mérito .......................... 70
3.5.1. Breves distinções preliminares: non liquet não é indeferimento, tampouco juízo
de admissibilidade .......................................................................................................... 71
3.5.2. Non liquet e obscuridade fática ............................................................................ 72

12
3.5.3. Non liquet e necessidade de amadurecimento do debate ...................................... 73
3.5.4. Non liquet e poder geral de cautela da Administração Pública ............................ 75
3.5.4.1. A RDC ANVISA n° 46/2009 configura um non liquet administrativo
cautelar?...........................................................................................................................79
3.6. Non liquet e decisões estruturais .......................................................................... 82
3.7. Parâmetros para o non liquet administrativo ..................................................... 85
3.7.1. Casos de real complexidade ................................................................................. 85
3.7.2. Margem de discricionariedade.............................................................................. 88
3.8. Os riscos e as medidas paralelas necessárias para se chegar a uma decisão de
mérito..............................................................................................................................88
3.8.1. Motivação robusta ................................................................................................ 89
3.8.2. Reavaliação das bases que fundamentaram o non liquet administrativo.............. 92
3.8.2.1. Indicação de prazo razoável para a reavaliação................................................. 92
3.8.3. Aproximação colaborativa junto ao administrado ................................................ 93
3.9. Inaplicabilidade do non liquet na esfera do direito administrativo
sancionador....................................................................................................................99
3.9.1. É admissível um non liquet definitivo? .............................................................. 101
3.9.1.1. Non liquet definitivo em casos que possuam natureza opinativa .................... 102
3.10. Fundamento normativo do non liquet administrativo ................................... 102
3.10.1. Preliminarmente: o direito de petição, o dever de decidir e o princípio da
duração razoável do processo não vedam o non liquet administrativo ........................ 103
3.10.2. O art. 45 da Lei n° 9.784/1999 como norma autorizativa abrangente do non
liquet cautelar................................................................................................................104
3.11. O controle do non liquet administrativo .......................................................... 105
3.11.1. Preocupação com o risco de judicialização de demandas cujo objeto seja o non
liquet administrativo ..................................................................................................... 105
3.11.2. Controle interno ................................................................................................ 106
3.11.3. Controle externo ............................................................................................... 108
CONCLUSÃO............................................................................................................. 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 113

13
INTRODUÇÃO

A busca pela celeridade nas decisões administrativas é questão que perpassa


o Direito Administrativo ao longo do tempo, refletindo uma necessidade intrínseca à
dinâmica das relações entre o Estado e os cidadãos. Longe de ser uma questão recente, a
exigência por respostas ágeis e eficientes da Administração Pública é uma preocupação
constante que tem sido debatida e analisada ao longo de gerações. No Brasil, a
Constituição de 1934 estabelecia um comando constitucional para que lei estipulasse a
necessidade de rapidez no andamento dos processos nas repartições públicas, abrangendo
a comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações
a que estes se referissem, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos
individuais, ou para esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos1. A norma
também esteve presente na Constituição seguinte, de 19462.

O esforço para conferir rapidez aos processos administrativos guarda relação


com a necessidade de garantir uma Administração Pública eficiente3. A dinâmica
acelerada da sociedade contemporânea, marcada por avanços tecnológicos,
transformações sociais e crescente interconectividade, exige que a Administração seja
capaz de responder com prontidão às demandas dos cidadãos. A garantia da eficácia das
políticas públicas e a satisfação dos direitos individuais e coletivos dependem, em muitos
casos, da agilidade nas tomadas de decisão4.

1
Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) 35) A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a
comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se
refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais, ou para esclarecimento
dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse
público imponha segredo, ou reserva.
2
Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) § 36 - A lei assegurará: I - o rápido andamento dos processos nas repartições públicas (...).
3
Desta cláusula de eficiência se origina um dever de organização do aparato estatal, que aproxima a
eficiência do princípio da boa administração. CYRINO, André. Direito administrativo de carne e osso:
estudos e ensaios. Rio de Janeiro: Processo, 2020. p. 71.
4
A necessidade de provimentos rápidos e lícitos foi um dos principais desafios enfrentados pela
Administração Pública brasileira durante o ápice da crise sanitária gerada pela pandemia de COVID-19.
Cf. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341 MC-Ref/DF.
Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio Mello. Dje 13/11/2020. Acesso em: 08 ago. 2023. Ver também
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Requisições administrativas: atualizações à luz do Estado Democrático
de Direito. In: Transformações do direito administrativo: direito público e regulação em tempos de
pandemia. LEAL, Fernando; MENDONÇA, José Vicente Santos de. (Orgs.). Rio de Janeiro: FGV Direito
Rio, 2020. pp. 11-34.

14
Contudo, a premissa de decisões administrativas rápidas não está isenta de
complexidades. No contexto de um processo administrativo eficiente, a correlação entre
celeridade e qualidade das decisões é um desafio intrínseco. A ânsia pela resolução célere
pode interferir na capacidade de análise da questão, podendo levar a equívocos e tornar a
decisão contraproducente – o que não harmoniza com o propósito de eficiência
perseguido5.

Em certos casos, a obscuridade fática que permeia determinadas questões


pode gerar dificuldades em relação à busca pela celeridade. Além da obscuridade,
situações outras que demandem análises aprofundadas, avaliações multidisciplinares ou
multissetoriais e considerações que podem gerar impactos a longo prazo tendem a
desafiar a fixação de prazos restritos para sua avaliação. Há, portanto, demandas que, em
um primeiro momento, a Administração Pública não tem condições de decidir. A análise
criteriosa de cenários intricados pode exigir um tempo adicional de avaliação – seja para
a obtenção de informações sobre o problema ou mesmo para a maturação de uma questão
ainda incipiente –, o que pode resultar em uma tensão entre a exigência de respostas
rápidas e a necessidade de exames mais criteriosos.

Algumas repercussões decorrem desta tensão. Uma delas é o risco de eventual


omissão por parte da Administração, fenômeno conhecido como silêncio administrativo6.
Trata-se de conceito referente à situação em que a Administração Pública não emite uma
resposta ou decisão formal dentro do prazo estabelecido por lei para avaliar ou decidir
sobre uma solicitação. O silêncio pode ser interpretado como uma falha da Administração,
que gera incertezas e prejudica a relação entre o Estado e o administrado. Embora alguns
efeitos práticos possam ser atribuídos ao silêncio7, de modo a mitigar seus efeitos
deletérios e viabilizar a continuidade da tramitação do processo administrativo, sua

5
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual. In: Revista de processo.
1995. p. 168-176.
6
Sobre o tema, conferir, por todos, CAVALCANTI, T. B. A theoria do silencio no direito
administrativo. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 34, n. 2, p. 122-130,
1938. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/65853. Acesso em: 17 ago. 2023.
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Sobre silencio administrativo y recurso contencioso. Revista de
Administración Pública, nº 47, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, p. 207-228, may./ago. 1965.
FALLA, Fernando Garrido. La llamada doctrina del silencio administrativo. Revista de Administración
Pública n. 16, 1955, p. 85-115. SADDY, André. Silêncio administrativo no direito brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, 2013.
7
Cf. MODESTO, Paulo. Silêncio administrativo positivo, negativo e translativo: a omissão estatal formal
em tempos de crise. Direito do Estado. Núm. 317, ano 2016. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/paulo-modesto/silencio-administrativo-positivo-negativo-
e-translativo--a-omissao-estatal-formal-em-tempos-de-crise->. Acesso em: 14 ago. 2023.

15
ocorrência é indesejada, pois gera consequências maléficas para a Administração. De fato,
a inércia administrativa pode constituir uma patologia, como ocorre no silêncio
administrativo, pois contraria as finalidades da Administração e a frustra expectativa dos
administrados. A ausência de manifestação da Administração sobre uma demanda é capaz
de violar direitos constitucionalmente garantidos dos particulares.

À luz da existência de casos sobre os quais a Administração Pública não tem


condições de decidir de forma imediata e o consequente risco da ocorrência de um
silêncio administrativo, apresenta-se no bojo do processo decisório, como um caminho
intermediário, o conceito de non liquet, ou decisão de não decidir.

A expressão non liquet pode ser definida como uma decisão pela qual o
julgador – ou quem deve tomar uma decisão – abstém-se de manifestar-se sobre o mérito
do processo, deixando de julgá-lo por estar em dúvida sobre os fatos alegados ou sobre a
aplicação das normas jurídicas8 – não se confunde, portanto, com hipóteses de
indeferimento do pedido por vícios processuais, que acarretam a extinção do processo
sem resolução de mérito. No Direito Romano, onde a expressão tem origem,
possibilitava-se que o juiz, em determinadas circunstâncias, deixasse de julgar os casos
em que as respostas não estavam claras o suficiente para que fosse proferida uma decisão9.

Essa oportunidade para o juiz de encerrar um processo sem emitir uma


decisão sobre o mérito da questão a ele apresentada foi abolida das estruturas legais
contemporâneas, pois se passou a compreender que há um compromisso por parte do
Estado em resolver os conflitos, e encerrar um caso sem uma decisão equivaleria
contrariar a obrigação jurídica de realizar um julgamento10. Tal entendimento, desde as
grandes codificações europeias, como o Código Civil Napoleônico, passou a ser a regra
nos ordenamentos jurídicos ocidentais e na literatura jurídica11. No Brasil não é diferente.
A literatura brasileira, sobretudo a de processo civil12, incorporou a concepção de vedação
ao non liquet, erigindo-a um patamar de quase axioma. No regramento nacional e na

8
CABRAL, Antônio do Passo. Jurisdição sem decisão. Non liquet e consulta jurisdicional no Direito
Processual Civil. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023. p. 231.
9
Cf. MARMELSTEIN, George. O asno de Buridano, o non liquet e as katchangas. Disponível em:
<http://direitosfundamentais.net/2009/01/07/o-asno-de-buridano-o-non-liquet-e-as-katchangas/>. Acesso
em: 26 jun. 2023.
10
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 231.
11
Cf. W. M. Reisman, International Non-Liquet: Recrudescence and Transformation, 3 INT'l L. 770, 1969.
12
Dentre outros, Cf. COSTA CARVALHO, Luiz Antonio da. Curso teórico-prático de direito judiciário
civil. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco. Vol. 1., 1949. p.175. DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições
de Direito Processual Civil, vol.2. 7ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2017. pp. 269-270.

16
jurisprudência brasileira, conforme a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(LINDB)13 e a Constituição da República de 1988, vigora, para o Poder Judiciário, o que
se entende como regra geral da proibição do non liquet14 (embora não seja possível extrair
das normas uma vedação direta), cabendo aos juízes o julgamento de todos os conflitos
que lhe são submetidos, ainda que a melhor solução não esteja nítida15.

Na esfera administrativa, por sua vez, entende-se que o dever de decidir da


Administração decorre tanto do direito constitucional de petição16, que implica o direito
a receber uma resposta em tempo razoável17, quanto do art. 48 da Lei n° 9.784/199918,
que explicita o dever de decidir. Portanto, assim como o Poder Judiciário, a Administração
Pública também tem o dever de se manifestar nos casos a ela submetidos. Contudo,
naqueles casos que possuem elementos que demandem análise mais detalhada, os prazos
e prorrogações legais podem ser insuficientes. Por isso, pode ser necessário estender a
apreciação do mérito da questão.

É nesse contexto que está inserido o objeto do presente trabalho. Adotando


como ponto de partida uma tentativa de evitar a ocorrência do silêncio administrativo e,
ao mesmo tempo, possibilitar a decisão de mérito das questões levadas à análise da
Administração, pretende-se investigar se a Administração Pública pode proferir, em
circunstâncias específicas, decisões non liquet, de modo a adiar a decisão sobre o mérito
da questão, por meio de manifestação expressa, e avaliá-la com o cuidado que ela exige.

Justificativa e marco teórico

No Brasil, a literatura jurídica majoritária indica a impossibilidade, no


ordenamento brasileiro, de um pronunciamento decisório non liquet, especialmente na

13
Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
14
Entende-se que a regra adviria do art. 5°, inciso XXXV da Constituição, que positivou o princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional, nos seguintes termos: Art. 5° (...), XXXV - a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
15
MARMELSTEIN, George. O asno de Buridano, o non liquet e as katchangas. Op. cit.
16
CRFB, art. 5° (…), XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o
direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
17
Reforçado pelo art. 5° (...), LXXVIII, CRFB: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
18
Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e
sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.

17
esfera judicial. Dois argumentos são utilizados com maior frequência para justificar a
proibição: a indeclinabilidade da jurisdição e a inafastabilidade do controle jurisdicional.

A indeclinabilidade se refere à impossibilidade de o Poder Judiciário de


rejeitar o exercício de jurisdição quando instado pelas partes envolvidas. Essa
característica fundamental na condução das atividades judiciais teve sua origem na
assunção, pelo Estado, da autoridade para dirimir conflitos na sociedade. A partir do
momento em que o Estado assumiu o monopólio da resolução de disputas, proibindo a
justiça privada, emergiu, como consequência, seu dever de julgar19. Ao vedar o non liquet
e aderir à obrigação de julgar os casos apresentados, o Estado reafirma seu compromisso
em assegurar que as disputas sejam resolvidas de acordo com o direito estabelecido. Essa
postura contribui para a criação de um ambiente no qual os indivíduos podem confiar na
capacidade do sistema jurídico de solucionar conflitos, evitando que a busca por justiça
seja substituída por formas potencialmente arbitrárias de autotutela.

A inafastabilidade do controle jurisdicional, por sua vez, guarda relação com


o princípio do acesso à justiça, constante do art. 5º, XXXV, da Constituição da República
de 1988. A interconexão entre a inafastabilidade do controle jurisdicional e a proibição
do non liquet emerge da concepção de que, se o acesso à justiça garante a todos a
capacidade de acionar a jurisdição para a resolução de conflitos, haveria uma transgressão
desse direito fundamental toda vez que o Poder Judiciário se abstivesse de deliberar sobre
as demandas apresentadas pelas partes interessadas20.

Nesse contexto, a vedação ao non liquet solidifica-se como uma salvaguarda


para assegurar que a garantia de acesso à justiça seja verdadeiramente eficaz, reafirmando
o compromisso do sistema jurídico com a prestação de soluções equitativas e imparciais
para os conflitos que surgem na sociedade21.

Apesar do entendimento dominante de vedação do non liquet para o Poder


Judiciário e de a proibição ter alcançado um patamar que a aproxima de um dogma, alguns
nomes da literatura jurídica brasileira vêm, progressivamente, sugerindo caminhos e

19
Cf. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Comentário ao art. 3°. in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;
DIDIER JR., Fredie, TALAMIN, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2 ed., 2016, p. 75; ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual de Direito Processual
Civil. São Paulo: RT, 14ª Ed., 2011. p. 201.
20
Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel
Teoria geral do processo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 173.
21
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 264.

18
métodos para a aplicabilidade do non liquet no Brasil. À luz da teoria dos direitos
fundamentais, Rafael Koatz sustenta que, resguardado o núcleo essencial do direito
aplicável ao caso, que não poderá sofrer restrição ou ser relativizado, seria admissível um
pronunciamento non liquet no direito brasileiro. O autor utiliza o exemplo do princípio
da inafastabilidade do controle jurisdicional: para ele, o nível de concretização deste
princípio varia conforme o grau de jurisdição no qual ele está situado, sendo mais forte
no primeiro grau (pois aqui residiria o núcleo essencial do direito) e menos robusto em
instâncias recursais22 – o que impedia uma decisão non liquet advinda de um juiz de
primeira instância, mas possibilitaria que tribunais superiores, em determinadas
circunstâncias, emitissem decisões com este viés.

Antônio do Passo Cabral, em obra recente, defende que a vedação do non


liquet não pode mais ser compreendida como absoluta. Para ele, existem hipóteses lícitas
de encerramento da instância pelo juiz sem análise de mérito. Considerando que a
proibição do non liquet se dá para que os litígios não fiquem sem solução, entende o autor
que, caso não haja um impasse resolutivo, pode-se cogitar de uma decisão non liquet23.

De igual modo, Juliana Melazzi Andrade afirma ser falha a crença de que o
juiz tem conhecimento sobre todos os temas e que toda questão controversa deveria ser
decidida pelo Judiciário. Com isso, a autora sustenta que algumas questões não devem
ser julgadas pelos juízes. Entende Andrade que uma decisão de não decidir é também uma
forma de dar resposta adequada ao caso24.

Atualmente, esta visão que relativiza a proibição do non liquet é ainda


minoritária. A despeito disso, por ter construção mais recente, conforma-se a uma
realidade processual mais moderna e flexível.

Na literatura analisada durante as pesquisas que subsidiaram a estruturação


desta dissertação não foram encontrados escritos sobre a repercussão do fenômeno na
Administração Pública brasileira. Nos Estados Unidos, em artigo que aborda questões

22
KOATZ, R. L.-F. A proibição do non liquet e o princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 270, p. 171–205, 2015. Disponível em:
<https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/58741>. Acesso em: 28 jul. 2023.
23
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 330-331.
24
ANDRADE, Juliana Melazzi. Justiciabilidade e não decisão: quando o Poder Judiciário não deve
decidir. São Paulo: Editora Juspodivm, 2023. p. 188.

19
envolvendo o fenômeno do adiamento da decisão administrativa por agências
reguladoras, Cass Sunstein e Adrian Vermeule apontam que, em alguns casos, sob
condições e motivos específicos, as agências podem adiar sua decisão – ou decidir não
decidir25. Isto porque, em determinadas circunstâncias, as agências enfrentam incerteza
científica ou técnica, o que inviabiliza a convicção na tomada de decisão. Nesses casos,
os autores defendem a pronúncia de decisão que adie a definição sobre o mérito da
questão, o que, em tese, permitiria a colheita de novas informações e uma melhor
compreensão dos fatos, construindo-se, assim, uma base mais sólida para uma tomada
assertiva de decisão.

Diante destas considerações, tendo em vista que os trabalhos nacionais


supracitados foram desenvolvidos a partir de uma perspectiva que considera os efeitos do
non liquet sobre o Poder Judiciário, justifica-se a realização de pesquisa com abordagem
específica sobre o uso do non liquet pela Administração Pública brasileira.

Hipótese

Em razão de complexidades, devidamente justificadas, em casos específicos,


entende-se, a princípio, ser possível que a Administração opte por transferir para o futuro
a decisão de mérito sobre a questão a ela apresentada. Trata-se de decisão (e não uma
não-decisão) que posterga, provisoriamente, a decisão sobre o objeto central da
solicitação, enquanto promove medidas para que isto seja possível. Portanto, um non
liquet administrativo.

Embora demandem-se cautelas, um non liquet administrativo poderia,


reconhecendo as dificuldades concretas dos gestores, evitar erros e problemas ainda
maiores. Se constatada circunstância que exija do administrador uma avaliação mais
detalhada do caso, a superar os prazos previstos em lei, parece possível que, observados
alguns critérios e mediante justo motivo, considere-se que uma decisão non liquet seja
proferida pela Administração, até que seja viável decidir o mérito da questão. Esta é a
hipótese que se pretende avaliar.

25
SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. The Law of “Not Now”: When Agencies Defer Decisions.
Georgetown Law Journal, vol. 103, 2014.

20
Objetivos

A fim de verificar a juridicidade de pronunciamentos non liquet pela


Administração, almeja-se investigar os limites aos quais a decisão administrativa estaria
sujeita; as possibilidades que podem ser exploradas; e as consequências que este formato
de decisão pode gerar. Estes são os pontos centrais que se pretende desenvolver.

Também serão objeto de tratamento, em maior ou menor grau, o direito de


petição; o princípio da duração razoável do processo e sua correspondente exigência de
celeridade; e o princípio da eficiência. Todos esses assuntos guardam relação com o non
liquet administrativo.

Busca-se responder aos seguintes questionamentos:

1) É admissível que a Administração Pública brasileira profira decisões non


liquet? Se sim, sob quais circunstâncias?

2) O direito de petição e o princípio da duração razoável do processo


representam obstáculos ao pronunciamento de decisão non liquet pela
Administração Pública?

3) Sendo positiva a resposta ao item 1, quais os limites e os parâmetros para


que seja proferida uma decisão non liquet pela Administração Pública?

Metodologia

Para a elaboração do presente trabalho, a pesquisa seguirá o método


hipotético-dedutivo26, por meio de pesquisas e análise bibliográfica do tema, além do
exame de jurisprudência. As fontes a serem utilizadas para a elaboração do trabalho serão
predominantemente bibliográficas, abrangendo obras nacionais e estrangeiras, como
forma de possibilitar um estudo comparado, propondo uma visão que considera as
experiências de outros países sobre o assunto. Em função da necessidade de uma
abordagem que extrapola os limites do Direito Público, contribuições de áreas como o

26
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas,
2018.

21
Direito Processual Penal e o Direito Processual Civil serão utilizadas durante o
desenvolvimento da dissertação.

Plano de trabalho

A investigação ora proposta será dividida em três capítulos, além dos


capítulos de Introdução e de Conclusão. O primeiro deles terá por escopo alguns aspectos
do direito constitucional de petição, que é utilizado por parcela da literatura para
fundamentar o dever de decidir da Administração Pública.

O segundo capítulo tem como foco o conceito de decisão, estabelecendo


diálogo constante com a Lei n° 9.784/1999, que indica as diretrizes legais do dever de
decidir dirigido à Administração.

O terceiro capítulo tem como mote principal o questionamento sobre a


possibilidade de uso do non liquet pela Administração Pública em suas decisões. Trata-se
do objeto central da investigação proposta nesta dissertação. Nele, são apontadas as raízes
históricas do non liquet; sua aplicabilidade no Brasil; as circunstâncias de sua
admissibilidade; os riscos e as possibilidades de seu manejo; seu uso na Administração
Pública, dentre outros pontos relevantes.

É o que se passa a discutir.

22
1. O DIREITO DE PETIÇÃO COMO FUNDAMENTO DO DEVER DE
RESPOSTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Este capítulo trata do direito de petição. Para iniciá-lo, um disclaimer: direito


de petição não se confunde com direito de ação. Como será possível perceber nas linhas
seguintes, o direito de petição, em sua origem e durante parte de sua evolução, poderia
ser utilizado pelas pessoas para dirigir seus requerimentos aos poderes públicos,
incluindo-se neste conceito, em alguns casos, também o Poder Judiciário. Com o
surgimento, na Inglaterra, da doutrina da Separação dos Poderes 27, consagrada
posteriormente por Montesquieu28, o afastamento entre direito de petição e direito de ação
ficou mais evidente. Em suma, tais direitos diferenciam-se, dentre outros pontos, por seus
destinatários: enquanto o direito de petição destina-se aos Poderes Executivo e
Legislativo, o direito de ação faz parte da estrutura do direito processual voltada ao Poder
Judiciário, como forma de garantir o acesso à justiça. Para os fins deste trabalho, importa
o direito de petição.

1.1. Os primeiros passos do direito de petição

O direito de petição é um direito e uma liberdade29. Segundo Norman Smith,


trata-se da pedra angular do sistema constitucional anglo-americano, sendo a fonte de
outras liberdades fundamentais, como as liberdades de expressão, imprensa e reunião30.
Esta dimensão de liberdade nasce formalmente, de modo ainda incipiente e limitado aos
barões do rei, na Magna Carta de 1215, que assim dispôs:

61 – Desde que concedemos todas estas coisas, por Deus, e para a melhor
ordenação de nosso reino, e para aquiescer a discórdia que se levantou entre
nós e nossos barões; e desde que desejamos que elas sejam desfrutadas em sua
integridade, com eficácia duradoura e para sempre – conferimos e afiançamos
aos barões a seguinte garantia:

27
PIÇARRA, Nuno, A Separação dos Poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra:
Coimbra Ed., 1989. p. 44.
28
Cf. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine
Ribeiro; tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
29
TIBÚRCIO, Tiago. O direito de petição perante a Assembleia da República. Tese de mestrado. Lisboa:
ISCTE, 2008. p. 35.
30
SMITH, Norman B. Shall make no law abridging…: an analysis of the neglected, but nearly absolute,
right of petition. University of Cincinnati Law Review, 54, no. 4., 1153-1198, 1986.

23
Os barões elegerão, entre si, vinte e cinco, para guardar, e obrigar a observar,
com todo o seu poder, a paz e as liberdades concedidas e confirmadas para eles
por esta carta.

Se nós, nosso Grande Justiceiro, nossos meirinhos, ou qualquer de nossos


funcionários, praticar um delito, a qualquer respeito e contra qualquer pessoa,
ou transgredir qualquer dos artigos da paz ou desta provisão e o delito foi
notificado a quatro dos ditos vinte e cinco barões, eles deverão vir a nós – ou,
em nossa ausência do reino, ao Grande Justiceiro – para declará-lo e requerer
imediata reparação31.

A prática de dirigir petição ao rei, no entanto, antecede a Magna Carta. Em


suas origens, a petição endereçada ao monarca tinha uma aplicação limitada. Embora o
rei regularmente apreciasse os pedidos formulados pelos peticionantes, geralmente o fazia
quando o requerimento coincidia com seus interesses e quando era possível extrair algo
em troca da concessão do pedido32. A despeito disso, tal possibilidade tinha sua utilidade
para os peticionantes, pois, inicialmente, esse mecanismo era visto como uma espécie de
instrumento recursal voltado a correções de erros de uma reivindicação já analisada por
autoridade inferior. Portanto, a petição se baseava na visão de que o rei, autoridade real
suprema, detinha a atribuição para dar a palavra final sobre as questões levadas a ele.
Nota-se, com isso, que as solicitações para a apreciação de demandas dos peticionantes
eram, pelo menos em suas fases iniciais, não uma ferramenta para solicitações gerais ou
iniciais, mas algo semelhante a um mecanismo de apelação das decisões de autoridades
inferiores.

Enquanto os monarcas que reinaram antes da Magna Carta haviam prometido


observar certos direitos e liberdades de seus súditos, não havia métodos reais para
controlar o rei quando ele violava essas promessas. Isso mudou quando, na Magna Carta,
foi introduzida ferramenta que proporcionava um controle sobre o exercício do poder do
monarca. Passou-se a prever uma petição pelos barões ao Rei, notificando-o de sua falha
em observar as promessas contidas na Carta33. Assim, a Magna Carta passou a fornecer
um controle formal sobre a autoridade real.

31
MAGNA CHARTA LIBERTATUM, 1215. Grifado.
32
MARK, Gregory A. The Vestigial Constitution: The History and Significance of the Right to Petition.
Fordham Law Review, v. 66, n. 6, may 1998. pp. 2153-2232.
33
MARK, Gregory A. Op. cit. 2174.

24
Após a Carta, no entanto, as petições assumiram uma significância maior do
que simplesmente um mecanismo de apelação para resolver disputas. Desde o início, as
petições eram uma maneira formal e pacífica de chamar a atenção do rei e de seus
conselheiros para as queixas. Dada a dificuldade de se comunicar com o governo, bem
como o acesso limitado ao rei e ao seu conselho, as petições eram também o método mais
eficaz de atrair a atenção para uma queixa. As petições, por padrão, tornaram-se um
mecanismo pelo qual o rei e seus conselheiros eram informados de reclamações políticas,
solicitados a revisar ações de funcionários do governo e através das quais indivíduos e
grupos sugeriam mudanças em políticas. Ou seja, indivíduos e grupos solicitavam
reparação tanto para queixas públicas quanto privadas34.

Após longo período de evolução, o direito de petição apareceu com maior


concretude na Bill of Rights inglesa de 1689, que prescreveu, no seu art. 5º, que “constitui
um direito dos súditos apresentarem petições ao Rei, sendo ilegais todas as prisões ou
acusações por motivo de tais petições”.

Com o seu desenvolvimento, o direito de petição passou a ser considerado


parte da Constituição inglesa (não escrita). Ou seja, pelo seu uso, a petição tornou-se uma
parte tão clara da vida política inglesa que, no século XVII, poderia ser, e era, defendida
com base no argumento de que a petição era um direito consolidado. A petição tornou-se
parte regular da vida política dos ingleses.

1.2. Passadas mais largas ao cruzar o Atlântico

O direito de petição foi levado aos Estados Unidos como uma herança da
experiência inglesa35, mas, devido ao seu uso constante pelos norte-americanos, já
durante a fase colonial, ganhou ainda mais relevância no Novo Continente36. No período
colonial, algumas assembleias dispuseram sobre o direito dos colonos de apresentar
petições em busca de reparação. Massachusetts, em 1641, por meio de seu Body of
Liberties, foi a primeira colônia a estabelecer expressamente esse direito, nos seguintes
termos:

34
MARK, Gregory A. Op. cit.. p. 2177.
35
GREENE, Jack P. Peripheries and Center: Constitutional Development in the Extended Polities of the
British Empire and the United States. 1607-1788. United States, 1986. pp. 22-23.
36
SMITH, Don. L. The Right to Petition for Redress of Grievances: Constitutional Development and
Interpretations. Publisher: Texas Tech University. 1971, pp. 12-15.

25
12. Todo homem, seja habitante ou estrangeiro, livre ou não livre, terá
liberdade para participar de qualquer tribunal público, conselho ou reunião da
cidade, e seja por meio de fala ou por escrito, levantar qualquer questão lícita,
oportuna e relevante, ou apresentar qualquer movimento necessário, queixa,
petição, projeto de lei ou informação, sobre o qual essa reunião tenha o devido
conhecimento, desde que seja feito em momento conveniente, em ordem
devida e de maneira respeitosa37.

As petições eram instrumentos importantes para manter o equilíbrio na


sociedade colonial, pois permitiam que um indivíduo ou grupo apelasse formalmente ao
corpo governante para manter não apenas o equilíbrio político, mas também o equilíbrio
social. Elas eram um meio eficaz para expressar as preocupações da comunidade àqueles
que poderiam tomar providências sobre as questões apresentadas38.

Com a independência dos Estados Unidos e a elaboração da Constituição do


país, o direito de petição passou a constar como um dos direitos que não podem ser
infringidos pelo Congresso americano, conforme consagrado na Primeira Emenda:

O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo


o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de expressão, ou de
imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao
Governo petições para a reparação de seus agravos39.

As petições dirigidas aos órgãos públicos conduziam requerimentos de


caráter público e privado. As demandas de ordem pública, também chamadas de petições
políticas, foram, nos séculos seguintes à Constituição, sendo transformadas em
instrumentos direcionados ao processo deliberativo para a elaboração de políticas
públicas. Assim, as petições que continham pretensões de cunho privado passaram a
constituir a maior parte do conteúdo dos pedidos relacionados ao direito de petição40.

Tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, inerente ao direito de petição


estava o direito a receber uma resposta. Como muitas petições eram apresentadas às
assembleias coloniais, frequentemente elas eram encaminhadas para a análise de
comissões. Em alguns casos, se uma comissão precisasse de tempo adicional para analisar

37
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Massachusetts Body of Liberties. 1641. Disponível em: <
https://history.hanover.edu/texts/masslib.html>. Acesso em: 30 dez. 2023. Tradução livre.
38
MARK, Gregory. Op. cit. p. 2188.
39
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Constitution of the United States. 1791. Disponível em: <
https://constitution.congress.gov/constitution/amendment-1/>. Acesso em 30 dez. 2023.
40
MARK, Gregory. Ibid. p. 2228.

26
e tomar uma decisão, o exame das petições era adiado para a sessão seguinte. A despeito
disso, os requerimentos sempre recebiam uma resposta. Embora houvesse reclamações a
respeito da lentidão desse sistema, os tribunais coloniais, assim como as assembleias, não
podiam restringir ou recusar o acesso quando as petições se tornavam numerosas; eles
simplesmente trabalhavam mais lentamente41. Nos Estados Unidos, quando a Primeira
Emenda à Constituição era objeto de debates, o Congresso concluiu que o governo era
obrigado a responder às petições42. Este entendimento, no entanto, foi alterado ao longo
do tempo43.

Uma das principais inovações da Constituição de 1787 dos Estados Unidos


foi a adoção da teoria da Tripartição de Poderes, que separou os Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário em três ramos independentes e iguais. Essa divisão de Poderes foi
projetada para evitar que um único Poder se tornasse muito dominante e ameaçasse as
liberdades individuais44. Com isso, o direito de petição, que antes garantia o
peticionamento ao governo em geral, também passou por modificações, sendo então
direcionado especificamente aos Poderes Executivo e Legislativo. Em demandas junto ao
Poder Judiciário passou-se a exercer o direito de ação.

Deste direito de ação surgiu a obrigação para os tribunais de considerar e


responder às petições judiciais dirigidas a eles. Mesmo que um tribunal concluísse não
ter jurisdição sobre os assuntos abordados na petição, ou que a petição estivesse em forma
inadequada para consideração judicial, ele deveria se manifestar sobre ela. Este dever
permanece nos dias atuais.

A questão sobre o dever de resposta dos Poderes Públicos é mais delicada


quando se trata do Poder Legislativo. Dizer que o Congresso tem a obrigação de
considerar e responder a todas as petições dirigidas a ele significa dar às petições um
poderoso papel de definição de agenda na estrutura constitucional. É por isso que Gary
Lawson e Guy Seldman entendem que as petições dirigidas ao Congresso não possuem

41
HIGGINSON, Stephen A. A short history of the right to petition government for the redress of grievances.
Yale Law Journal, v. 96, p. 142, 1986.
42
BAILYN, Bernard. The origins of American politics. Vintage, 1970. pp. 84-85.
43
Cf. PFANDER, James. E. Sovereign Immunity and the Right to Petition: Toward a First Amendment
Right to Pursue Judicial Claims Against the Government. Northwestern University Law Review, 91, 899,
1997.
44
Cf. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Op. cit.

27
as mesmas consequências legais das petições direcionadas ao Poder Judiciário45. Para os
autores, a Constituição de 1789 não fornece amparo para a alegação de que o Congresso
deve considerar e responder às petições. Segundo eles, na verdade, ela contém evidências
contrárias a tal afirmação. Isto porque, não há disposição constitucional que exija que o
Congresso tome qualquer tipo de ação em relação às petições dos cidadãos, pois a
Constituição prevê expressamente que cada Casa pode determinar as regras de seus
procedimentos46, o que, de acordo com os autores, inclui o poder de determinar como e
se as petições serão apreciadas47.

O Poder Executivo, por sua vez, detém elementos que o aproxima tanto do
Poder Judiciário quanto do Legislativo, no que se refere às respostas decorrentes do
exercício do direito de petição (ou direito de ação, no caso do Judiciário). É que as
obrigações do Poder Executivo com relação às petições que recebe exigem uma análise
do contexto de atuação no qual está inserido. Isto se dá porque parcela da atividade do
Poder Executivo se assemelha ao exercício de poder judicial – o que é natural, sobretudo
ao se considerar que até pouco antes da elaboração da Constituição 1787 o poder judicial
era considerado um aspecto do Poder Executivo. Assim, quando o Executivo está
envolvido em questões que se assemelham àquelas discutidas no âmbito judicial, as
mesmas obrigações de consideração e resposta exigidas no Poder Judiciário com relação
às petições são aplicáveis ao Poder Executivo.

Por outro lado, grande parte da atividade executiva não se insere na esfera de
atuação que se aproxima do Poder Judiciário. Nesse contexto, as mesmas considerações
que desaconselham uma obrigação de consideração e resposta por parte do Congresso
também se aplicam ao Poder Executivo. A Constituição dos Estados Unidos não
menciona expressamente um dever administrativo de considerar ou responder às petições
dos cidadãos. Não há, ainda, nenhuma obrigação para que o Poder Executivo decida o
mérito da questão a ele apresentada48.

Segundo Lawson e Seidman, nem uma abordagem histórica do direito petição


sustenta tal obrigação, pois, na origem, embora os reis ingleses levassem as petições a

45
LAWSON, Gary; SEIDMAN, Guy. Downsizing the right to petition. Northwestern University Law
Review, 93(3), 1998-1999. pp. 739-766.
46
Article I, Section 5: Each House may determine the Rules of its Proceedings, punish its Members for
disorderly Behaviour, and, with the Concurrence of two thirds, expel a Member.
47
LAWSON, Gary; SEIDMAN, Guy. Op. cit. p. 752.
48
Idem. p. 762.

28
sério, isso era resultado de um cálculo pragmático, e não de um requisito legal49. Portanto,
as obrigações do Poder Executivo em relação a resposta às petições dependem, em tese,
de uma verificação quanto ao objeto da atuação administrativa.

Na prática, a Suprema Corte dos Estados Unidos tem definido a questão.

1.2.1. O posicionamento diverso da Suprema Corte dos Estados Unidos

Embora alguns estudiosos sustentem que a cláusula de petição existente na


Primeira Emenda inclui o dever implícito de reconhecer, debater ou mesmo votar nas
questões levantadas por uma petição50, a Suprema Corte dos Estados Unidos engendrou
jurisprudência que caminha em sentido oposto: o Tribunal entende que a Primeira
Emenda não exige que a Administração responda a reclamações individuais. Três casos
principais apontam nesta direção.

O primeiro deles foi julgado em 1915, e tratava de questão envolvendo um


proprietário de um imóvel e a Comissão Tributária do Estado do Colorado. No caso, a
Comissão havia aumentado em quarenta por cento a avaliação de todas as propriedades
tributáveis em Denver. O proprietário, já na ação judicial, alegou que não teve
oportunidade de ser ouvido em oposição ao aumento da avaliação da Comissão, que,
segundo alegava, violou a cláusula do devido processo da Décima Quarta Emenda. Em
sua decisão, a Corte apontou que

Quando uma regra de conduta se aplica a mais do que algumas pessoas, é


impraticável que todos tenham voz direta na sua adoção. A Constituição não
exige que todos os atos públicos sejam realizados em assembleia municipal ou
em assembleia geral. Geralmente são aprovados estatutos dentro do poder
estatal que afetam a pessoa ou a propriedade dos indivíduos, às vezes até a
ruína, sem lhes dar a chance de serem ouvidos. Os seus direitos são protegidos
da única forma que podem ser numa sociedade complexa, pelo seu poder,
imediato ou remoto, sobre aqueles que ditam as regras51.

A segunda decisão é de 1979, na qual a Suprema Corte utilizou raciocínio


idêntico para chegar à mesma decisão anterior. Em Smith v. Arkansas State Highway

49
LAWSON, Gary; SEIDMAN. Ibid., p. 762.
50
SMITH, Norman B. Op. cit.
51
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, U. S. SUPREME COURT. Bi-Metallic Investment Co. v. State
Board of Equalization. 239 U.S. 441, 1915.

29
Employees, Local 131552, a Corte considerou que a recusa da Comissão Rodoviária
Estadual de "considerar ou agir de acordo com as queixas" dos funcionários públicos
quando essas reclamações foram apresentadas pelo representante do sindicato dos
funcionários não violava o direito de petição constante da Primeira Emenda. O Tribunal
asseverou que os funcionários estavam autorizados a apresentar petições livremente, mas
a Comissão Rodoviária não tinha a obrigação, nos termos da Primeira Emenda, "de ouvir,
responder ou, neste contexto, reconhecer a associação e negociar com ela".

Em novo pronunciamento sobre esta questão, em 1984, a Suprema Corte


deparou-se com caso factualmente semelhante ao de Smith v. Arkansas State Highway
Employees, Local 1315. Em Minnesota Board for Community Colleges v. Knight, um
empregador estadual recusou-se a analisar petições apresentadas diretamente por seus
funcionários, professores do corpo docente da faculdade, preferindo negociar apenas com
representantes do corpo docente para resolver as questões que estavam sendo discutidas.
A Lei de Relações Trabalhistas de Emprego Público de Minnesota autorizava os
funcionários estaduais a negociar coletivamente os termos e condições de emprego. O
estatuto também concedia aos profissionais, como professores universitários, o direito de
"reunir-se e negociar" com seus empregadores sobre assuntos que estavam fora do escopo
da negociação obrigatória. No entanto, se os trabalhadores que formam uma unidade de
negociação apropriada selecionassem um representante exclusivo para a negociação
obrigatória, o seu empregador poderia negociar apenas com esse representante.

No caso em questão, a Minnesota Community College Faculty Association


(MCCFA) foi designada para exercer o papel de representante do corpo docente das
faculdades comunitárias do Estado. O autor da ação, Minnesota Board for Community
Colleges, que era responsável por operar o sistema de faculdades comunitárias de
Minnesota, questionou a constitucionalidade da representação exclusiva da MCCFA
quanto ao direito de se reunir e negociar com o empregador. Baseando-se no Bi-Metallic
Investment Co. v. State Board of Equalization, a Suprema Corte decidiu:

[N]ada na Primeira Emenda ou na jurisprudência deste Tribunal que a


interpreta sugere que os direitos de expressão, associação e petição exigem que

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, U. S. SUPREME COURT. Smith v. Arkansas State Highway


52

Employees, Local 1315. 441 U.S. 463, 1979.

30
os formuladores de políticas governamentais ouçam ou respondam às
reclamações dos indivíduos em questões públicas53.

Nota-se, diante disso, que tanto a Suprema Corte quanto o conteúdo da


Primeira Emenda e a literatura estadunidense convergem no sentido de que ao direito de
petição não corresponde um necessário dever de resposta em todos os casos.

Esta questão é relevante para os fins aqui propostos. No tópico seguinte, com
vistas a compreender o desenvolvimento do direito de resposta oriundo do direito de
petição, será exposto o tratamento legal e constitucional que Portugal confere ao ponto.
A escolha deste país para a análise no presente trabalho decorre da convergência
sistemática dos textos da lei e da Constituição portuguesas acerca do tema, o que, para as
finalidades exemplificativas aqui adotadas, possibilita a melhor compreensão do assunto.

1.3. O direito de petição em Portugal

Em Portugal, o direito de petição está previsto no art. 52° da Constituição do


país, que assim dispõe:

Artigo 52°

1. Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou coletivamente,


aos órgãos de soberania, aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas
ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas
para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral e,
bem assim, o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado
da respetiva apreciação.

2. A lei fixa as condições em que as petições apresentadas coletivamente à


Assembleia da República e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas
são apreciadas em reunião plenária.

Deste texto nota-se que a palavra “petição” é gênero, que abrange quatro
espécies distintas: (i) petição (aqui, espécie); (ii) representação; (iii) reclamação; e (iv)
queixa. A lei que regulamenta a norma constitucional estabelece as definições. De acordo
com o art. 2° da Lei n° 43/90, a petição refere-se “a apresentação de um pedido ou de
uma proposta a um órgão de soberania ou a qualquer autoridade pública no sentido de

53
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, U. S. SUPREME COURT. Minnesota Board for Community
Colleges v. Knight. 465 U.S. 271, 1984.

31
que tome, adopte ou proponha determinadas medidas”. Por sua vez, representação
significa a “exposição destinada a manifestar opinião contrária da perfilhada por
qualquer entidade ou a chamar a atenção de uma autoridade pública relativamente a
certa situação ou acto, com vista à sua revisão ou à ponderação dos seus efeitos”.
Reclamação é a “impugnação de um acto perante o órgão, funcionário ou agente que o
praticou ou perante o seu superior hierárquico”. Compreende-se por queixa “a denúncia
de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade, bem como do funcionamento anómalo
de qualquer serviço, com vista à adopção de medidas contra os responsáveis”.

A lei exclui expressamente o Poder Judiciário do elenco de destinatários das


petições, apartando o procedimento deste direito daquele relativo ao direito de ação, que,
embora constitua instituto distinto, na Constituição integra o texto do mesmo art. 5254. A
distinção é relevante, pois inibe eventual confusão acerca da aplicabilidade de cada um
dos direitos.

Além disso, o exercício do direito de petição em Portugal não está sujeito a


qualquer forma específica, devendo apenas a petição ser assinada pelo titular (ou por
terceiro, caso o titular não saiba ou não possa assinar) e ser endereçada ao órgão
destinatário. A ausência de assinatura é um dos elementos que podem configurar o
indeferimento liminar da petição. Ao lado da não assinatura, a petição pode ser
liminarmente indeferida se a pretensão deduzida for ilegal; se tiver como objeto a
reapreciação de decisões dos tribunais ou de atos administrativos insuscetíveis de recurso;
se, igualmente, visar a reapreciação, pelo mesmo órgão, de casos já anteriormente
apreciados na sequência do exercício do direito de petição, salvo se forem suscitados ou
tiverem ocorrido novos elementos de apreciação; e se carecer a petição de qualquer
fundamento.

O art. 8° da Lei estabelece as obrigações suportadas pelo poder público ao


receber as petições. Há dois deveres legais que devem ser observados: o dever de exame
e o dever de comunicação. Segundo o texto do artigo, o dever de exame obriga a entidade
destinatária a receber e examinar as petições, representações, reclamações ou queixas. Já

54
Artigo 52° (...) 3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses
em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para
o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os
direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.

32
o dever de comunicação exige que o destinatário comunique ao peticionário as decisões
que forem tomadas. A norma foi assim redigida:

Artigo 8°
1 - O exercício do direito de petição obriga a entidade destinatária a receber e
examinar as petições, representações, reclamações ou queixas, bem como a
comunicar as decisões que forem tomadas.

2 - O erro na qualificação da modalidade do direito de petição de entre as que


se referem no artigo 2.º não justifica a recusa da sua apreciação pela entidade
destinatária.

Neste ponto, no que se refere à obrigação que surge para o Estado, a literatura
portuguesa indica que o direito de petição moderno configura um direito a um
procedimento, não a uma decisão55-56. Segundo Canotilho, o direito de petição pode ser
entendido como um “pedido dirigido aos poderes públicos, solicitando ou propondo a
tomada de determinadas decisões ou a adoção de determinadas medidas”57. É um direito,
em essência, a que a petição seja recebida pelos poderes públicos e que por eles seja
apreciada. É o que, de fato, parece ser possível extrair da letra da lei. Ao exigir que as
decisões tomadas sejam comunicadas ao peticionante, a norma inclina-se a um dever de
resposta, e não a um dever de decisão.

Também é relevante, nesse contexto, o tratamento que a lei confere à


tramitação da petição. Conforme dispõe o art. 13°,

a entidade que recebe a petição, se não ocorrer indeferimento liminar, referida


no artigo anterior decide sobre o seu conteúdo, com a máxima brevidade,
compatível com a complexidade do assunto nela versado.

Percebe-se do texto a existência de um dever acessório de celeridade, que


deve ser conjugado com a complexidade do caso concreto. A partir de uma perspectiva
qualitativa, reconhece-se que, para garantir a melhor tomada de decisão, uma análise
acurada pode demandar tempo. À vista disso, a lei sequer estima um prazo a ser cumprido
pelo órgão responsável.

De uma interpretação sistemática, considerando o dever de comunicação


previsto pelo art. 8° da mesma lei, é possível concluir que o órgão destinatário da petição

55
TIBÚRCIO, Tiago. Op. cit., p. 35.
56
MIRANDA, Jorge. Notas sobre o direito de petição. Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC.
Lisboa, 2008. pp. 281-294.
57
CANOTILHO, J. J.Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume
I. Coimbra: Coimbra Editora. 2007.

33
tem a obrigação de comunicar ao peticionante as decisões que forem proferidas no curso
do processo administrativo. Por outro lado, não se exige que tais decisões constituam o
mérito do processo – embora, naturalmente, seja este o ideal a ser perseguido. Seria
admissível, por exemplo, uma decisão que, informando ao autor acerca da complexidade
de seu caso e da necessidade de tempo para a análise de todas as suas nuances, indicasse
que, naquele momento, não poderia se chegar a uma conclusão sobre o mérito da questão.

1.4. O direito de petição no Brasil

No Brasil, embora a Lei de Processo Administrativo indique que “a


Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos
administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência”,
aparenta ser possível chegar a conclusões similares às que decorrem da legislação
portuguesa. Antes adentrar especificamente o tratamento do tema conferido pelo texto
legal – o que será feito no Capítulo 2 –, convém traçar alguns apontamentos sobre como
o direito de petição é abordado no ordenamento jurídico nacional, com enfoque nos textos
constitucionais da história brasileira.

O direito de petição é garantido desde a primeira constituição do país. A


Constituição de 1824 garantia a todo cidadão a possibilidade apresentar por escrito aos
Poderes Executivo e Legislativo “reclamações, queixas, ou petições, e até expor qualquer
infracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva
responsabilidade dos infractores”58.

A Constituição de 1891, a primeira da era republicana, permitia “a quem quer


que seja representar, mediante petição, aos poderes publicos, denunciar abusos das
autoridades e promover a responsabilidade dos culpados”59. Nota-se que esta redação

58
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a
liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira
seguinte.
(...)
XXX.. Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações,
queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente
Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.
59
Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos
direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 9º É permittido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos poderes publicos, denunciar
abusos das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados.

34
alterou substancialmente a redação da constituição anterior, e incluiu a expressão
“poderes públicos”, ampliando o escopo de abrangência da norma, que antes dirigia-se
apenas aos Poderes Executivo e Legislativo. A redação foi mantida na Constituição de
1934, que promoveu alteração apenas na parte final do texto60.

Na Carta do Estado Novo, outorgada em 1937, inaugura-se uma fase de


autoritarismo estatal ascendente, que suprimiu os componentes liberais e democráticos –
ainda incipientes, mas existentes – da Constituição de 193461. Com isso, a redação da
norma que tratava do direito de petição tornou-se mais abstrata62. A abstração do texto,
em si, não era, de fato, o maior problema para a garantia do direito. O contexto de ditadura
no qual se inseria a Carta de 1937 e o fato de se tratar de uma constituição semântica63
esvaziava o conteúdo da norma e sua eficácia.

Com o fim do Estado Novo, foi promulgada a Constituição de 1946, que,


embora não fosse dotada de pretensões inovadoras, afastou-se do caráter autoritário
característico da Constituição de 1937. O direito de petição, então, retoma os traços das
constituições anteriores à de 1937, com o seguinte texto:

Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes


no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 37 - É assegurado a quem quer que seja o direito de representar, mediante
petição dirigida aos Poderes Públicos, contra abusos de autoridades, e
promover a responsabilidade delas.

Entre 1946 e 1963, a história constitucional brasileira, embora tenha


atravessado alguns momentos conturbados, passou por período de relativa estabilidade

60
Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos
seguintes:
(...)
10) É permitido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos Poderes Públicos, denunciar abusos
das autoridades e promover-lhes a responsabilidade.
61
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e
métodos de trabalho. 1ª reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2013. pp. 120-121.
62
Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade,
à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
7º) o direito de representação ou petição perante as autoridades, em defesa de direitos ou do interesse
geral
63
Isto é, uma Constituição que reveste de legalidade um regime que na prática é autoritário. Cf.
LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Traducción de Alfredo Gallego Anabidarte. Barcelona:
Ariel, 1979. pp. 218-219.

35
institucional64, encerrada com o golpe militar de 1964. Naquele momento, instaurava-se
novo regime ditatorial no país, em que os direitos civis e políticos foram restringidos pela
violência65. Em uma tentativa de institucionalizar alguns limites para o exercício do
poder, ainda que de forma pouco convincente, foi elaborada a Constituição de 1967,
precedida de Assembleia Constituinte que, para Paulo Bonavides e Paes de Andrade, era
apenas uma farsa para conferir legitimidade ao texto produzido pelos militares66. A
Constituição de 1967 continha, em seu art. 150, um extenso rol de direitos e garantias
individuais – que, no entanto, somente existiam no papel –, dentre os quais constava o
direito de petição, em estrutura semelhante à existente no texto constitucional de 1946:

Art. 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes


no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 30 - É assegurado a qualquer pessoa o direito de representação e de petição
aos Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra abusos de autoridade.

O contraste entre a realidade e o disposto no texto mostra o cinismo da


redação: ao mesmo tempo em que o Estado reprimia duramente os opositores do regime,
por meio de perseguições, cassação de direitos políticos, censura prévia, torturas e outros
artifícios67, permitia que qualquer pessoa pudesse dirigir aos Poderes Públicos petição
contra abusos de autoridade. A previsão, sabidamente, não possuía qualquer efeito
prático, distanciando-se da realidade então existente.

A Constituição de 1969, outorgada pela Junta Militar que governava o país,


manteve o mesmo texto da Constituição de 1967.

Com o fim da ditadura militar e a redemocratização, a experiência


constitucional passou por um renascimento68, sobretudo no que diz respeito à sua
efetividade69. Com a Constituição de 1988, houve um esforço jurídico-acadêmico70 para

64
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 135.
65
CARVALHO. José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 19ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2015. p. 161.
66
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1991. p. 432.
67
CARVALHO. José Murilo de. Op cit. p 166.
68
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito - O triunfo tardio do
Direito Constitucional no Brasil. Revista da EMERJ, v. 9, n° 33, 2006. pp. 43-92.
69
Cf. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da constituição brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.
70
Cláudio Pereira de Souza Neto denominou tal movimento de “doutrina brasileira da efetividade”. SOUZA
NETO, Cláudio Pereira de. Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução

36
a superação de disfunções da formação constitucional nacional, como o uso das
constituições como instrumento retórico, cujo conteúdo equiparava-se a um pedaço de
papel vazio. Buscou-se, então, tornar as normas constitucionais aplicáveis na extensão
máxima de sua densidade normativa71.

Na Constituição da República de 1988, o direito de petição integra o rol de


direitos e garantias fundamentais constante do art. 5°. O dispositivo assim estabelece:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra


ilegalidade ou abuso de poder;

José Afonso da Silva coloca esse direito entre as garantias constitucionais,


relacionado ao direito geral à legalidade da Administração e ao direito a uma atuação
democrática dos Poderes Públicos. Para o autor, há no direito de petição “uma dimensão
coletiva consistente na busca ou defesa de direitos ou interesses gerais da sociedade”.
Ressalta que pode ser exercido por pessoa física ou pessoa jurídica, individual ou
coletivamente, por brasileiro ou por estrangeiro, e que o direito de petição não pode ser
destituído de eficácia72.

Gilmar Mendes, na determinação da titularidade do direito de petição, afirma


seu caráter universal e aduz que é assegurado inclusive a entes não dotados de
personalidade jurídica. Em sua análise do instituto, assevera que pode ser objeto do
pedido algo não previsto em lei, mas se refere à jurisprudência da Corte Constitucional
da Alemanha que nega a admissibilidade de petição de conteúdo ofensivo. Vê, ainda, a
possibilidade de regulamentação do direito de petição pelo legislador, desde que destinada
a garantir sua aplicação e efetividade73.

teórica à luz do princípio democrático. In: Luís Roberto Barroso (org.), A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, 2003.
71
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista de Direito Social,
Porto Alegre, v. 34, p. 11-43, 2009.
72
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008,
pp. 416 e 443.
73
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2011, p. 518-520.

37
Para Pontes de Miranda, o direito de petição se dirige a todas as autoridades,
em matéria legislativa ou administrativa, para “requerer, observar e reclamar contra
autoridades ou denunciar abusos delas” em interesse particular e privado ou interesse
geral ou público. O ordenamento jurídico brasileiro, para o autor, assegura “o direito
público subjetivo de petição, com as pretensões respectivas, qualquer que seja o interesse
ou direito-base que invoque o peticionário, e independe de qualquer prova de interesse
próprio”. Para o autor, o direito exige uma resposta74.

Destaca-se, ainda, a diferenciação apontada por Cândido Rangel Dinamarco


entre o direito de petição e o direito de ação. Segundo o autor, o direito constitucional de
petição guarda relação com a defesa de direitos individuais ou coletivos perante a
autoridade pública, como precedente da representação popular e confinando com o direito
de representação; tem, inclusive, formação histórica diferente da que a ação teve75.

Por estar incluído no elenco de direitos e garantias individuais da Constituição


de 1988, o direito de petição enquadra-se como cláusula pétrea, conforme estabelece o
art. 60, §4°, IV do texto constitucional76. Isto não significa, porém, que não seja possível
sua alteração ou mesmo sua restrição, desde que não seja atingido seu núcleo essencial77.

Embora não conste expressamente do texto constitucional, a literatura e a


jurisprudência78 reconhecem que o direito de petição faz surgir para o seu destinatário um
dever de resposta79. Resta perquirir, quanto a isso, qual o tipo e a profundidade da resposta
à qual o destinatário está obrigado. É o que se passará a fazer no Capítulo 2.

74
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n.
I de 1969. Tomo V, 2a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970-1972, p. 628-630.
75
DINAMARCO, Cândido R. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Malheiros, 2001. pp.
117-118.
76
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...)
IV - os direitos e garantias individuais.
77
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003. pp. 381-382.
78
Cf., por todas as decisões: “O direito de petição, inserido entre as garantias fundamentais do art. 5° da
nossa Constituição Federal, tem como corolário o direito à resposta. Não houvesse obrigação de responder,
o direito de petição mereceria integrar o acervo das solenes inutilidades. Enquanto não responde ao
requerimento, a Administração está em mora. O silêncio traduz inadimplência, não resposta implícita”.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp. 16.284/PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJ
23.03.1992, p. 3.447, RSTJ vol 32, p. 416.
79
Cf. DALLARI, Adilson Abreu. Dever de decidir. In: BITENCOURT, Eurico; MARRARA, Thiago (org.).
Processo administrativo brasileiro: estudos em homenagem aos 20 anos da Lei Federal de Processo
Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 113. NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago.
Processo administrativo: Lei n. 9.784/1999 comentada, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
393.

38
2. O DEVER DE DECIDIR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Como desdobramento do exposto no Capítulo 1, no qual se destacou o papel


do direito de petição possível fundamento do dever de resposta exigido da Administração
Pública no âmbito dos requerimentos que analisa, busca-se neste Capítulo 2 explorar os
sentidos do dever de decidir constante da Lei n° 9.784/1999. Nesta etapa, a atenção se
volta à relação existente entre a obrigação da Administração de proferir decisões
apropriadas e fundamentadas e o próprio conceito de decisão, fazendo uma leitura do
conteúdo que possui o conceito no direito processual civil.
A compreensão destas noções será importante para o desenvolvimento de
algumas das proposições deste trabalho.

2.1. A duração razoável do processo administrativo como substrato da celeridade


e da eficiência

A Administração Pública tem o poder-dever de agir80. Deste poder-dever


estão incumbidos os agentes públicos, responsáveis por gerir os bens e interesses da
coletividade, que não podem quedar-se inertes diante das atribuições que lhes foram
conferidas em virtude do exercício de suas respectivas funções públicas81. Este, no
entanto, é o mundo como descrito nas regras jurídicas. A prática administrativa tem se
mostrado bem diferente. O quadro de morosidade da atividade administrativa é um
fenômeno conhecido há tempos. Não raro, a demora se transforma em inércia, agravando
ainda mais as violações aos direitos dos cidadãos. Não é incomum a instauração de
processos que não chegam ao fim em prazo razoável, seja por desídia na condução dos
processos, não obstante os prazos fixados em lei, ou mesmo pela inépcia dos responsáveis
em sua condução, incorrendo o procedimento em nulidades insanáveis, e exigindo a
instauração de novo processo com a mesma finalidade. O incômodo da literatura diante
desse cenário, reflexo de um problema sistêmico, é de longa data82.

80
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 89.
81
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal - Comentários à Lei n°
9.784/1999, de 29.1.1999. 5ª ed. rev. ampl. e atual. até 31.3.2013. São Paulo: Atlas, 2013. p. 226.
82
No Direito brasileiro, este desconforto fez com que se desenvolvesse, na década de 30 do século passado,
a literatura sobre os efeitos que poderiam ser atribuídos à inércia administrativa. Cf. CAVALCANTI, T. B.
A theoria do silencio no direito administrativo. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, [S. l.], v. 34, n. 2, p. 122-130, 1938. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/65853>. Acesso em: 06 jan. 2024.

39
O problema não ocorre apenas na Administração Pública. Tanto não é que,
em 2004, foi editada a Emenda Constitucional n° 45, conhecida como a “Reforma do
Judiciário”, que introduziu no texto constitucional o inciso LXXVIII, ao art. 5º,
estabelecendo que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
O objetivo era tornar o Poder Judiciário mais eficaz, de modo a conferir aos cidadãos
maior celeridade em suas demandas, resultando em uma maior efetividade na prestação
jurisdicional. Embora estivesse inserida no contexto de uma reforma do Poder Judiciário,
a nova norma também é expressamente aplicável aos processos administrativos, a
exemplo das demais garantias constitucionais processuais também aplicáveis, como o
contraditório e a ampla defesa. Segundo Márcio Luís Dutra de Souza, este direito
fundamental tem como destinatário o legislador, que deve criar normas voltadas a
assegurar a razoável duração do processo, e também os aplicadores do direito, que devem
conferir maior eficácia à norma constitucional, conduzindo o processo da forma mais
eficiente possível, e sem dilações indevidas83.

Mesmo sem previsão expressa, é possível dizer que o direito à razoável


duração do processo administrativo já fazia parte do ordenamento jurídico brasileiro antes
mesmo da Emenda Constitucional n° 45, pois estava inserido no princípio da eficiência
(art. 37, CRFB). Este princípio carrega consigo as noções de celeridade e eficiência, com
fins a coibir procrastinações, descumprimento de prazos, e outros meios que possam
impedir que o processo cumpra sua finalidade, consubstanciada na prática do ato
decisório final84. Além de constar do texto constitucional, a noção da eficiência passou a
ser disposto também como princípio a ser observado nos processos administrativos,
conforme previsão do art. 2° da Lei nº 9.784/1999:

Art. 2° A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da


legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público
e eficiência.

É íntima, portanto, a conexão entre a eficiência e o direito fundamental à


duração razoável do processo, sob o aspecto da celeridade processual, que se traduz na
ausência de demora no trâmite dos processos administrativos, obstando que se neguem

83
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Direito à razoável duração do processo administrativo. Revista Jus
Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1460, 1 jul. 2007. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/10056. Acesso em: 02 fev. 2024.
84
Idem.

40
direitos, sob a forma de procrastinação na prática de atos processuais85. Neste ponto, é
relevante a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), anterior à Emenda
Constitucional nº 45, que já asseverava, a partir de uma perspectiva que considerava a
noção de razoabilidade, não ser possível permitir que a Administração Pública postergue,
indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo, “sendo necessário
resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes, ajuizados com a
finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada”86.

Ressalta-se que a razoabilidade da duração do processo é noção que não se


confunde com a mera observância dos prazos legais – embora também seja isso. É que há
casos em que a análise da questão apresentada pode demandar mais tempo para ser
concluída, o que faz parte da natureza do processo, que é dinâmico e possui um caminho
a ser percorrido até a sua conclusão. Como entendem Aury Lopes Jr. e Gustavo Badaró,
o processo é um instituto essencialmente dinâmico, que não tem o seu ciclo vital exaurido
em um único momento. Ao contrário, ele se destina a desenvolver-se no tempo, possuindo
duração própria. Em outras palavras, é característica de todo de todo processo durar,
prolongar-se, não ser instantâneo ou momentâneo. O processo implica um
desenvolvimento sucessivo de atos no tempo. Daí porque o tempo está arraigado na sua
própria concepção, enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são
realizados numa determinada temporalidade87.

Por outro lado, deve-se reconhecer que a demora excessiva na tramitação do


processo, mesmo que se tenha, ao final, uma decisão de mérito, gera, nas partes litigantes,
um dano.

85
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Ibid.
86
"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA POLÍTICA. ATO OMISSIVO DO
MINISTRO DE ESTADO ANTE A AUSÊNCIA DE EDIÇÃO DA PORTARIA PREVISTA NO § 2º DO
ART. 3º DA LEI 10.559/2002. PRAZO DE SESSENTA DIAS. PRECEDENTE DO STJ. CONCESSÃO
DA ORDEM.
(...) Entretanto, em face do princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), não se pode
permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento
administrativo, sendo necessário resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes,
ajuizados com a finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada. Na hipótese, já decorrido tempo
suficiente para o cumprimento das providências pertinentes – quase dois anos do parecer da Comissão de
Anistia –, tem-se como razoável a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Ministro de Estado da
Justiça profira decisão final do processo administrativo, como entender de direito. Precedente desta Corte.
4. Ordem parcialmente concedida.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MS 9420/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 25.08.2004, DJ 06.09.2004 p. 163.
87
LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006. pp. 5-6.

41
Um dos grandes desafios dos processos civil e administrativo contemporâneo
reside no equilíbrio entre tempo e segurança. A decisão judicial ou administrativa deve
compor o litígio no menor tempo possível. Porém, deve respeitar também as garantias da
defesa, sem as quais não haverá decisão segura, e as peculiaridades de cada caso concreto.
Como afirma Gajardoni, celeridade não pode ser confundida com precipitação, assim
como segurança não pode ser confundida com eternização88. André Luiz Nicollit, em
linha similar, assevera que "uma decisão justa não pode ter o açodamento e irreflexão
incompatíveis com a atividade jurisdicional, tampouco pode ter a morosidade destrutiva
da efetividade da jurisdição"89.

Sobre a noção de razoabilidade no processo decisório, André Ramos Tavares


entende que a noção representa uma quebra da preocupação exclusiva com rapidez, pois
o processo deverá durar o mínimo, mas também o tempo necessário para que não haja
violação da qualidade da prestação jurisdicional90.

José Afonso da Silva, por sua vez, faz uma crítica aos que equiparam
celeridade a razoabilidade, ao afirmar que "processo célere seria aquele que tramitasse
com a maior velocidade possível; mais do que isso, só um processo celérrimo". Para ele,
processo com razoável duração não significa, necessariamente, um processo veloz, mas
um processo que deve andar com certa rapidez, de modo que as partes tenham uma
prestação jurisdicional em tempo hábil91.

Pelos conceitos expostos, nota-se que a literatura indica ser necessário atingir
um equilíbrio para que os direitos fundamentais dos cidadãos no processo sejam
observados, ao passo que não haja dilações indevidas no curso do procedimento. Do
mesmo modo, também conclui-se que a noção de celeridade está diretamente vinculada
ao conceito de razoabilidade, em um sentido abrangente de eficiência, consubstanciada
na condução do procedimento de forma diligente e sem atrasos injustificados92.

88
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações
indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
v. 31, n. 141, nov. 2006. pp. 152-179.
89
NICOLLIT, André Luiz. A duração razoável do processo. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris, 2006. p. 8.
90
TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil Pós-88: (des)estruturando a justiça:
comentários completos à AC n. 45/04. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 31.
91
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p.
176.
92
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Op. cit.

42
A prática de atos processuais nos prazos estabelecidos resultará, sempre, em
uma duração razoável do processo, pois o legislador fixa de antemão o prazo próprio de
cada procedimento. E neste ponto não há qualquer crítica, pois é sempre desejável e
necessária a estipulação de prazos, na medida em que são parâmetros pelos quais o agente
público deve atuar, e seu descumprimento, muitas vezes, implica em violação da própria
razoabilidade.

Entretanto, não é todo atraso na observância dos prazos que constitui uma
quebra do direito à razoável duração do processo, embora os prazos sirvam como
indicadores importantes para avaliar se houve violação do preceito constitucional.
Estudos têm estabelecido uma distinção entre atrasos leves, consubstanciados em um
descumprimento do prazo por si, e atrasos graves, que caracterizariam uma dilatação
indevida e prejudicial ao direito fundamental93. No entanto, como aponta José Rogério
Cruz e Tucci "torna-se impossível fixar a priori uma regra específica, determinante das
violações ao direito à tutela jurisdicional (ou administrativa) dentro de um prazo
razoável"94.

Não é possível, portanto, determinar objetivamente o que seria uma duração


razoável do processo por meio de uma lei geral e abstrata, devido às particularidades de
cada situação específica. Embora os prazos legais sejam usados como ferramentas para
avaliar a razoabilidade do tempo do processo, o conceito de razoabilidade é flexível e
deve ser examinado considerando as características individuais de cada caso, que podem
ser simples – casos em que, em regra, se exige uma atuação mais rápida da Administração
–, mas que também podem possuir complexidades que impeçam uma análise de pronto.

Como observa Márcio Luís Dutra, a complexidade da causa pode ser


sistematizada em três tipos: complexidade dos fatos; complexidade do direito e;
complexidade do processo. A complexidade dos fatos ocorre pela natureza da questão
discutida no processo, além das questões atinentes ao campo probatório. Para o autor, há
complexidade de direito quando existe dificuldade na interpretação das normas jurídicas
incidentes sobre a questão. Complexidade processual, por sua vez, dá-se pelo fato de
existir um maior número de incidentes e demandas no procedimento, como a interposição

93
NICOLITT, André Luiz. Op. cit. p. 28.
94
TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na
fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 68.

43
de muitos recursos, dificuldades na localização de testemunhas, intervenção de
interessados no processo, dentre outros pontos95.

Não cabe ao legislador, assim, definir antecipadamente de forma absoluta e


geral a duração razoável do processo para todos os casos.

A atuação do agente público é um elemento fundamental para se aferir a


existência ou não de violação do direito à duração razoável do processo administrativo.
Isso ocorre devido à aplicação do princípio da oficialidade neste procedimento, no qual é
conferido à Administração o poder de iniciar o processo administrativo, mesmo sem
provocação do interessado, e a obrigação de impulsionar o processo, realizando todas as
ações necessárias para sua conclusão, incluindo instrução e julgamento. Nas palavras de
Odete Medauar, decorre do princípio da oficialidade:

a) Atuação da Administração no processo tem caráter abrangente, não se


limitando aos aspectos suscitados pelos sujeitos;

b) A obtenção de provas e de dados para esclarecimento de fatos e situações;

c) A inércia dos sujeitos (particulares, servidores e órgãos públicos


interessados) não acarreta paralisação do processo salvo caso de providências pedidas
pelo particular e que dependam de documentos que deve juntar; em tais casos a
Administração deverá conceder prazo para a juntada, encerrando o processo se tal não
ocorrer96.

Na Lei nº 9.784/1999, o princípio está inserido no art. 2º, inciso XII, o qual
prevê "impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos
interessados;" e no art. 29, segundo o qual "as atividades de instrução destinadas a
averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício
ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos
interessados de propor atuações probatórias."

André Luiz Nicollit, também apresenta classificação quanto aos atrasos


imputados à Administração Pública. Para ele, os atrasos podem decorrer de dilações
organizativas ou de dilações funcionais97. As dilações organizativas resultam de fatores

95
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Op. cit.
96
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1996. pp. 197-198.
97
NICOLITT, André Luiz. Op. cit. p. 84.

44
estruturais, como sobrecarga de trabalho, ou conjunturais, a exemplo das greves. As
dilações funcionais ligam-se a uma condução ineficiente do processo por parte do agente
público. Em ambos os aspectos, "(...) há que ter uma forte justificativa para não taxar
indevida a dilação e, por conseguinte, afastar a responsabilidade e os efeitos da violação
do direito à duração razoável do processo”98.

Quanto à dilação funcional, é frequente a inadequação do servidor público na


condução do processo, o que, não raro, acarreta nulidades devido ao descumprimento das
formas e dos procedimentos estabelecidos em lei, além da violação de direitos
constitucionalmente garantidos, como o direito à ampla defesa. Tais condutas resultam na
nulidade do processo, podendo ser declarada pela própria autoridade administrativa ou
pelo Poder Judiciário, o que demanda a abertura de um novo procedimento, com estrita
observância das formalidades legais.

Diante dessas reflexões, estabelecer critérios para avaliar a razoabilidade da


duração do processo é crucial para evitar decisões arbitrárias ou equivocadas, pois os
envolvidos frequentemente carecem dos fundamentos necessários para avaliar todas as
circunstâncias específicas do caso99. Assim, é possível compreender que duração razoável
do processo não significa decisão rápida.

Todavia, também não é admissível que, a fim de analisar as especificidades


do caso, a Administração Pública se mantenha em completo silêncio diante das demandas
dos administrados. Ainda que efetivamente se esteja analisando o requerimento do
particular, deixá-lo sem qualquer resposta pode constituir uma violação ao dever de
resposta que decorre do direito de petição, e ao dever de transparência. Este dever de
resposta guarda relação com o dever de decidir previsto na Lei de Processo
Administrativo federal. Tal aproximação é indicada no tópico a seguir.

2.2. O dever de decidir na Lei n° 9.784/1999

A Lei n° 9.847/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da


União, foi editada com a finalidade de contribuir para a alteração desta realidade de
ineficiência na Administração Pública. Para impulsionar a celeridade na tramitação dos

98
Idem, Loc. cit.
99
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Op. cit.

45
processos administrativos e enfrentar a inércia administrativa e a demora para a conclusão
dos procedimentos, o legislador dedicou um capítulo específico na lei para tratar do dever
de decidir da Administração, abarcando dois artigos:

CAPÍTULO XI
DO DEVER DE DECIDIR
Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos
processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de
sua competência.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração
tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período
expressamente motivada.

No Projeto de Lei n° 2.481/2022, a Comissão de Juristas da Subcomissão de


Processo Administrativo indicou, no texto que busca promover alterações na Lei de
Processo Administrativo federal, a alteração do art. 49 da lei, de modo a prever um prazo
máximo de seis meses para a conclusão do processo administrativo, ressalvada a
possibilidade de prazo distinto previsto em lei especial100.

Segundo Thiago Marrara, a positivação do dever de decidir consagra o passo


inicial na luta contra o silêncio ilícito e a inação indevida do Estado, principalmente no
processamento e na elaboração de atos administrativos de comportamentos
particulares101. Considerando que a Administração Pública existe para a prossecução dos
diversos interesses públicos, seria inadmissível que lhe fosse permitido não responder às
pretensões dos particulares que lhe fossem dirigidas. Nas palavras de Marrara, de nada
valeria o direito de pedir se não viesse necessariamente acompanhado de um direito de
resposta. Seria inócuo que o legislador garantisse o direito de o cidadão solicitar algo à
Administração sem que esse direito implicasse o dever estatal de examinar tais
solicitações e emitir uma decisão expressa sobre elas. É desse raciocínio que, para ele,
resulta a relação entre direito de petição e dever de decisão102.

100
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias
para decidir, podendo ser prorrogada por igual período de forma expressamente motivada, não podendo a
conclusão do processo ultrapassar o prazo total de seis meses, salvo prazo distinto previsto em lei especial.
101
MARRARA, Thiago. Administração que cala consente? Dever de decidir, silêncio administrativo e
aprovação tácita. Revista Digital De Direito Administrativo, 8(1), 19-49, 2021.
102
MARRARA, Thiago. Op. cit. p. 23.

46
Tanto é assim que, diante do fenômeno da omissão da Administração Pública
em dar uma resposta aos requerimentos formulados pelos administrados, nasceu literatura
específica para tratar do silêncio administrativo e de seus efeitos103.

Ferraz e Dallari sinalizam, que, para o cumprimento do dever de decidir, a


Administração pode se socorrer por meio do uso da analogia, dos costumes e dos
princípios jurídicos104. Esse caminho, que inclina-se para a padronização dos fenômenos
sociais e jurídicos, é da natureza da atividade jurídica, pois facilita o trabalho do aplicador
do Direito e, principalmente, promove o fechamento do sistema105. Nem sempre, porém,
a padronização é útil ou mesmo desejável. Há casos que não cabem em caixas. A evolução
da sociedade passa pelo enfrentamento de questões nunca antes vistas.

Ocorre que a Lei nº 9.784/1999 não detalha o que compreende a decisão à


qual a Administração está obrigada. Para que seja possível aprofundar a leitura proposta
neste trabalho para o Capítulo XI da Lei de Processo Administrativo, é necessário
perquirir o sentido da decisão exigida por seu art. 48. Para tanto, passa-se a investigar o
conceito de decisão.

2.2.1. O conceito de decisão: linhas gerais

Na literatura de processo civil, entende-se que o conceito de decisão é objeto


pouco explorado106. Para Antônio do Passo Cabral, o conceito formulado pela literatura
brasileira é insuficiente por três razões: “(i) porque é tautológico, (ii) porque confunde

103
Cf., dentre outros, GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Sobre silencio administrativo y recurso
contencioso. Revista de Administración Pública, nº 47, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, p.
207-228, may./ago. 1965. FALLA, Fernando Garrido. La llamada doctrina del silencio administrativo.
Revista de Administración Pública n. 16, 1955, p. 85-115. MODESTO, Paulo. Silêncio administrativo
positivo, negativo e translativo: a omissão estatal formal em tempos de crise. Direito do Estado. Núm. 317,
ano 2016. SADDY, André. Silêncio administrativo no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
GONZÁLEZ PÉREZ, Jesús. El silencio administrativo y los interesados que no incoaran el procedimiento
administrativo. Revista de Administración Pública, n. 68, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, p.
235-246, may./ago. 1972. PAREJO ALFONSO, Luciano. El silencio administrativo en la Ley de Régimen
Jurídico de las Administraciones Públicas y del Procedimiento Administrativo Común. In: MARTÍN-
RETORTILLO BAQUER, Lorenzo (Coord.). La protección jurídica del ciudadano (procedimiento
administrativo y garantía jurisdiccional): estudios en homenaje al Profesor Jesús González Pérez. Madrid:
Civitas, 1993.
104
FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 4. ed., atual., rev. e aum. São
Paulo: Malheiros, 2020. p. 240.
105
RAMOS, Luiz Felipe Rosa. Por trás dos casos difíceis: dogmática jurídica e a proibição da
denegação de justiça. Curitiba: Juruá, 2017. p. 65.
106
FERRAZ, JR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4ª ed., 2ª
tiragem. São Paulo: Atlas, 2003. p. 311. Sobre o assunto, com foco em decisão judicial, cf. CARVALHO,
Fabiano. Ação rescisória: decisões rescindíveis. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 58.

47
gênero e espécie; ou ainda (iii) porque elaborado por exclusão107”. Para exemplificar a
tautologia, o autor faz referência à compreensão de Cândido Rangel Dinamarco, que
descreve decisão como um ato decisório108. Por sua vez, a confusão entre gênero e espécie
ocorre porque, não raro, toma-se sentença por decisão, dentre outros tratamentos
inadequados. Ainda, em certas situações, define-se decisão por exclusão ao conteúdo dos
despachos, que, por não possuir conteúdo decisório, seria ato jurisdicional diverso. É o
que se extrai da concepção de Pontes de Miranda, para quem, pelo princípio da lesividade
da resolução, seria decisório todo ato jurisdicional que contenha uma resolução atual ou
potencialmente lesiva109, causando prejuízo às partes. Este entendimento é criticado por
Cabral, que afirma existirem decisões que não produzem qualquer prejuízo às partes,
como as homologatórias110.

Antônio Cabral indica outras compreensões doutrinárias sobre o conceito de


decisão que entende incorretas. Uma delas decorre de entendimento de Barbosa
Moreira111, corroborada por Leonardo Greco112, que refere-se à ideia de que decisão seria
um ato judicial pelo qual se resolvem questões em um processo, compreendendo-se estas
como “pontos controvertidos”. Segundo o autor, trata-se de pressuposição equivocada da
literatura, que estabelece uma relação indevida entre cognição e decisão, pela qual o poder
jurisdicional é aquele que decide porque conhece logicamente das questões controvertidas
e, ato contínuo aplica a lei ao caso. A partir dessa ideia, difundiu-se a conclusão de que o
magistrado conheceria para decidir. Porém, conforme aponta, cognição e decisão são
atividades diversas e que podem ser exercidas de maneira autônoma113.

Após apresentar suas críticas às concepções da literatura sobre o conceito de


decisão, Cabral formula sua própria conceituação, apontando ser a decisão um comando
aplicativo da norma jurídica ao caso. Em suas palavras:

A decisão judicial tem uma função prática aplicativa, não podendo limitar-se
a enunciar como o direito deveria ser compreendido ou como seria a solução

107
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., pp. 47-48.
108
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. 2. 7ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2017. p. 576.
109
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Forense, t. VII. 1975, pp. 8-9.
110
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 49.
111
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. 13ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. pp. 243-245.
112
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. Vol. 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 105.
113
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 56.

48
ideal do caso. A decisão é um ato de vontade estatal que tem por objetivo
aplicar o direito ao caso, a fim de produzir efeitos jurídicos na esfera dos
sujeitos envolvidos114.

Esta definição é relevante para os fins deste trabalho. É que uma decisão non
liquet no curso do processo administrativo, em momento anterior à decisão de mérito,
tem o condão de produzir efeitos jurídicos para a Administração Pública e também para
o administrado.

Para a Administração, observados os parâmetros de aplicabilidade da


decisão115, a decisão non liquet, ao dar uma resposta ao administrado sobre a sua
pretensão, interromperia, a priori, eventuais efeitos do um silêncio administrativo, visto
que este não ocorreria. Fala-se a priori porque esta decisão não pode se perpetuar no
tempo como a única manifestação da Administração no processo. Ainda que não seja
possível decidir o mérito em curto espaço, deve-se indicar no processo as razões que
embaraçam a decisão final. Sem isso, os efeitos do silêncio administrativo podem ser
suscitados.

Para o administrado, a decisão non liquet gera como efeito o direito de exigir
da Administração a implementação de medidas necessárias para que se chegue a uma
decisão final. Se na decisão non liquet for estipulado novo prazo para a apreciação da
questão, o administrado terá o direito de exigir uma nova posição da Administração após
o seu decurso.

2.2.1.1. O conceito de decisão na literatura administrativista

No Direito Administrativo brasileiro, o conceito de decisão administrativa é,


igualmente, pouco explorado. Em regra, trata-se a decisão apenas como a fase final, a
última etapa de um processo administrativo que já absorveu todas as formalidades,
direitos e deveres das partes envolvidas. Sergio Ferraz e Dallari, em seu livro sobre
processo administrativo, dedicam capítulo específico sobre decisão. Fazem-no, contudo,
com atenção exclusiva à decisão de mérito, sem abordar decisões outras que podem surgir
no curso do processo. Os autores afirmam que “na decisão a Administração-juiz deverá
resolver todas as questões suscitadas durante o procedimento que não hajam sido

114
Ibid., p. 68.
115
Indicados, em caráter não exaustivo, no item 3.7 e seguintes deste trabalho.

49
decididas em momento anterior”116. André Saddy e José dos Santos Carvalho Filho, em
contrapartida, dedicam algumas linhas para extrair maior significado do vocábulo.

Carvalho Filho entende que o termo “decisões” não possui um significado


técnico preciso. Para ele, decisão é todo ato que resulta de processo mental para definir
certa conduta, na forma e de acordo com a competência que a lei estabelece117. O autor
destaca que o processo, retratando uma sequência de atos e atividades de agentes
administrativos, interessados e terceiros, obriga a que a autoridade competente defina
várias situações ocorridas no curso do processo. Assim, o encadeamento dos atos e
atividades, que tem que processar-se de forma ordenada e cronológica, impede que certos
atos sejam praticados sem que primeiramente fiquem definidas situações anteriores. Com
isso, a falta de decisão sobre incidente no processo, impeditiva da prática de atos
posteriores, pode provocar a paralisação do feito, com claro gravame ao princípio da
celeridade e da efetividade. Assim, o que o legislador pretendeu foi deixar claro que o
administrador não pode eximir-se de decidir as questões processuais, e não apenas o
mérito118.

Em sentido similar, Manuel Goméz Puente faz uma distinção entre o que
indica ser um dever formal de decidir e o que entende ser um dever substantivo de decidir.
Para este autor, o dever formal de decidir significa a obrigação de emitir uma resposta à
pretensão do particular, que não se confunde com a solução do mérito da questão
apresentada. O dever substantivo de decidir, por outro lado, corresponde à necessidade
de decidir o mérito do problema levado ao conhecimento da Administração119.

André Saddy aponta que decidir e pronunciar configuram ideias distintas.


Segundo ele, toda decisão configura uma pronúncia, mas nem toda pronúncia é uma
decisão. Isto significa que a Administração pode pronunciar-se sobre diferentes assuntos
que são submetidos à sua consideração sem proferir, necessariamente, uma verdadeira
decisão. Dessa maneira, sempre que a lei cominar um dever de decisão estará impondo,
implicitamente, um dever de pronúncia, mas já o inverso não é verdade120.

116
FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu. Op. cit.. pp. 260-261.
117
CARVALHO FILHO, Op. cit. p. 228.
118
Idem. pp. 228-229.
119
GOMÉZ PUENTE, Manuel. La inactividad de la Administración. Pamplona: Aranzadi, 1997. pp. 478-
481.
120
SADDY, André. Silêncio administrativo no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 15.

50
Em face de tais considerações, nota-se uma aproximação entre o que se
entende como pronúncia e o direito de resposta decorrente do direito de petição. Para
Saddy, o direito de resposta, à luz dos princípios da legalidade, da publicidade (em sua
vertente da transparência) e da motivação, exige que a Administração expresse, por
escrito e em prazo razoável, de maneira eloquente, o “porquê” de seus atos. É necessário
que a Administração publicize as razões de todos seus comportamentos, não bastando que
exista um motivo para a atuação administrativa. A ocultação de tais razões implica um
cerceamento de defesa do administrado, ferindo direitos que lhe são fundamentais, além
de tornar impossível o controle da Administração121.

É preciso observar, portanto, que nem todo pronunciamento que possui


conteúdo decisório é uma decisão de mérito. Consequentemente, nem toda decisão tem
por objetivo analisar e esgotar todas as questões suscitadas no processo. Também não há
que se interpretar “decisão” apenas como o último pronunciamento em um processo
administrativo. Além da decisão de mérito – esta, sim, a “decisão final” – há decisões
outras que podem – e, em certos casos, devem – ser tomadas no curso do processo, para
que se viabilize o alcance da decisão conclusiva.

2.2.2. As decisões estruturais no processo civil

Importa, aqui, o tratamento que a literatura processualista confere às


chamadas decisões estruturais, pois as questões que envolvem o instituto são relevantes
para as propostas deste trabalho.

Inicialmente, a contextualização. Conforme aponta Sérgio Cruz Arenhart, o


processo civil brasileiro foi pensado para lidar com a situação típica da “lide”, em que se
vê uma pretensão de um sujeito, objeto de resistência ou de insatisfação por outro
sujeito122. A bipolarização dos conflitos operada pelo processo123 constitui uma
simplificação dos problemas que ocorrem no meio social, mas funciona bem para a
maioria dos conflitos de direito privado.

121
SADDY, André. Ibid. p. 16.
122
ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista de
Processo, vol. 225, nov./2013, pp. 389-410.
123
Cf. CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard law review, vol. 89, n. 7,
maio 1976, pp. 1281-1282.

51
No processo tradicional, o magistrado, ao julgar o mérito, está vinculado a
“acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção”, conforme
determina o art. 487, I, do Código de Processo Civil. Trata-se de dever que se limita a
uma escolha binária. Ainda que o juiz entenda que nenhuma dessas duas posições oferece
a melhor solução para o problema posto, não pode ele, em regra, desviar-se de uma das
propostas oferecidas pelas partes, pois lhe é vedado conhecer de questões não suscitadas
a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte, como disposto no art. 141 do CPC124.

Arenhart afirma que essa visão de processo serve razoavelmente bem para os
litígios privados, em que, diante da predominância da vontade dos particulares, é
normalmente menor a intervenção estatal na gestão dessas relações jurídicas. No entanto,
a situação é diversa em outros campos, especialmente na dimensão do direito público,
pois impor ao juiz a escolha entre apenas duas propostas de solução seria, na maior parte
das vezes, obrigá-lo a cometer injustiças125. Esta estrutura tradicional do direito
processual seria a responsável por anuviar a visão do magistrado, impedindo uma
completa dimensão do problema e, consequentemente, uma decisão adequada da
controvérsia.

Mas essa compreensão de escolha binária no processo civil ganhou outros


contornos com a formulação das decisões estruturais. Trata-se de decisões que se
orientam para uma perspectiva futura, almejando a mais perfeita resolução da
controvérsia como um todo, evitando que a decisão judicial se converta em problema
maior do que o litígio que foi examinado126.

A ideia decisão estrutural teve origem nos Estados Unidos, em 1954, com o
caso Brown vs. Board of Education of Topeka127. A Suprema Corte norte-americana,
naquele caso, entendeu, após amplos debates e longa tramitação, ser inconstitucional a
admissão de estudantes em escolas públicas americanas com base em um sistema de
segregação racial. Ao determinar a aceitação da matrícula de estudantes negros numa
escola pública até então voltada à educação de pessoas brancas, a Suprema Corte iniciou
um processo de mudança conjuntural do sistema público de educação nos Estados
Unidos, fazendo surgir o que se se chamou de structural reform. Um ano depois, diante

124
Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de
questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.
125
ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p.2.
126
Idem. Loc. cit.
127
U.S. SUPREME COURT. Brown v. Board of Education of Topeka, 347 U.S. 483, 1954.

52
de dificuldades das escolas em implementar a nova política de não discriminação, a
Suprema Corte voltou a examinar a questão, originando a decisão conhecida como Brown
v. Board of Education II. Em tal decisão, a Corte considerando a resistência de muitos
Estados em atender ao novo marco estabelecido pela primeira decisão, entendeu que a
implementação da ordem de não segregação deveria se dar pela progressiva adoção de
medidas que eliminassem os obstáculos criados pela discriminação, sob a supervisão das
cortes locais. A decisão, à luz das dificuldades em satisfazer de pronto o direito postulado
e eliminar os problemas enfrentados pelas escolas, autorizou a criação de planos voltados
à eliminação de toda forma de discriminação nas escolas. Tais planos demandariam tempo
e precisariam conformar-se às peculiaridades de cada lugar. Assim, a decisão tomada foi
mais aderente à realidade de cada lugar, tornando-se factível na prática128. O formato
utilizado nesse julgamento criou as bases para a ideia das decisões estruturais como um
instrumento mais flexível de solução das controvérsias.

Sérgio Arenhart aponta ser típico das medidas estruturais a prolação de uma
primeira decisão, que se limita a fixar em linhas gerais as diretrizes para a proteção do
direito a ser tutelado, criando o núcleo da posição jurisdicional sobre o problema a ele
levado. Assim, após essa primeira decisão – normalmente, mais genérica, abrangente e
quase “principiológica”, no sentido de que terá como principal função estabelecer a
“primeira impressão” sobre as necessidades da tutela jurisdicional – outras decisões serão
exigidas, para a solução de problemas e questões pontuais, surgidas na implementação da
“decisão-núcleo”, ou para a especificação de alguma prática devida129.

Nesse sistema, é possível haver avanços e retrocessos, de forma a adequar, da


forma mais viável, a tutela daquilo que seja busca efetivamente no caso concreto. Owen
Fiss indica que essa implementação gradual da decisão judicial é própria dos litígios
estruturais. Somente à medida em que a decisão judicial vai sendo implementada é que
se terá a exata noção de eventuais problemas surgidos e, assim, de outras imposições que
o caso requer130. A complexidade da causa, em regra, exigirá a tentativa de várias soluções
para o problema, de modo a que seja obtido o melhor resultado para o caso131.

128
ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. pp. 3-4.
129
Idem. p. 6.
130
FISS, Owen. The forms of justice. Harvard Law Review, v. 93, n. 1, p. 1-58, nov. 1979. pp. 49-50.
131
ARENHART, Sérgio Cruz. Ibid. p. 6.

53
Em razão disso, essas decisões podem (e, muitas vezes, devem) ir além da
simples especificação do resultado a ser obtido, esclarecendo os meios para tanto. A
sentença judicial, ao fixar a consequência esperada, pode impor um plano de ação, ou
mesmo delegar a criação desse plano a outro ente, de forma a atingir, de maneira mais
pronta e com o menor sacrifício aos interesses envolvidos, o resultado almejado. Em
alguns casos, será impossível estabelecer de pronto quais serão esses meios adequados,
razão pela qual a revisão periódica da decisão, e de sua eficácia, será essencial.

Essa característica importa, normalmente, a constante fiscalização e o


acompanhamento do cumprimento das linhas gerais estabelecidas pelo Poder Judiciário.
Embora isso possa ser feito pelo próprio magistrado, às vezes esse controle imediato será
difícil. Por isso, é preciso certa dose de imaginação para criar instrumentos constantes de
fiscalização e de acompanhamento do cumprimento da(s) decisão(ões) estrutural(is).
Assim, pode a sentença delegar a execução ou a fiscalização do julgado a outros órgãos,
criar etapas para o cumprimento da ordem judicial, nomear terceiros encarregados de
esboçar plano de cumprimento, ou adotar outras providências que a situação concreta
requeira. Deve haver ampla margem para a gestão da decisão judicial, de modo a
compatibilizá-la com as necessidades da situação concreta e com as possibilidades das
partes.

Para tanto, a colaboração das partes – e, de modo mais amplo, dos atingidos
pela decisão – e sua participação na formação da(s) decisão(ões) judicial(is) são
imprescindíveis. Entende-se que somente com a mais completa satisfação do
contraditório pode-se ter a mais exata dimensão do problema – e das consequências da
decisão judicial – e, assim, tomar a providência mais adequada. Por isso, a adoção de
audiências públicas, a permanente manutenção do diálogo entre os interessados e outras
medidas de participação no processo devem ser práticas estimuladas no campo da tutela
coletiva132.

Importa perceber, conforme conclui Sérgio Arenhart, que as decisões


estruturais foram pensadas para lidar com o caráter burocrático do Estado atual e de várias
instituições típicas da sociedade moderna. Ela se volta a proteger os direitos fundamentais
diante dos desafios postos por essa burocratização das relações públicas e privadas. O seu
papel, portanto, não é apenas o de eliminar uma determinada conduta ilícita, impondo um

132
ARENHART, Sérgio Cruz. Ibid. p. 7.

54
fazer ou uma abstenção. Na realidade, seu fim último se dirige à reestruturação dessa
relação burocrática, de modo a alterar substancialmente a forma como as interações
sociais se travam. Por isso, são medidas de longo prazo, que exigem muito mais do que
uma simples decisão do Estado.

Como será visto em item próprio, a noção de decisão estrutural é plenamente


aplicável na esfera administrativa, no contexto de um non liquet administrativo.

2.2.3. A que tipo de decisão de refere o art. 48 da Lei de Processo Administrativo


federal?

O art. 48 da Lei n° 9.784/1999 exige que a Administração emita decisão nos


processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua
competência, o que deve ser feito, conforme determina o art. 49, no prazo de até trinta
dias para decidir, admitida a prorrogação por igual período, desde que expressamente
motivada. Essa decisão deve resolver o mérito?

Ainda que se considere que a intenção do legislador ao elaborar a Lei n°


9.487/1999 não tenha sido impulsionar uma decisão de mérito, mas estimular uma
resposta rápida ao administrado, tendo em vista o quadro de disfunção que permeava, e
ainda permeia, inúmeros órgãos administrativos, que, com frequência, deixam de
decidir133, quando for possível, decidir o mérito é o cenário ideal. A ideia é conferir
celeridade ao processo administrativo e evitar que o cidadão fique sujeito a uma espera
abusiva134. Essa noção aplica-se especialmente a atos de liberação, conforme delineado
pela Lei n° 13.874/2019, a Lei da Liberdade Econômica. Diante de casos simples e
corriqueiros, que não demandem análises extensas por parte do administrador, deve a
Administração Pública atender aos prazos expressos na lei, proferindo decisão de mérito.

133
CYRINO, André. Direito administrativo de carne e osso: estudos e ensaios. Rio de Janeiro: Processo,
2020. p. 159.
134
É como entende o Superior Tribunal de Justiça: “(...) 4. A Lei 9.784/1999 foi promulgada justamente
para introduzir no nosso ordenamento jurídico o instituto da Mora Administrativa como forma de reprimir
o arbítrio administrativo, pois não obstante a discricionariedade que reveste o ato da autorização, não se
pode conceber que o cidadão fique sujeito à uma espera abusiva que não deve ser tolerada e que está sujeita,
sim, ao controle do Judiciário a quem incumbe a preservação dos direitos, posto que visa a efetiva
observância da lei em cada caso concreto.
5. O Poder Concedente deve observar prazos razoáveis para instrução e conclusão dos processos de outorga
de autorização para funcionamento, não podendo estes prolongar-se por tempo indeterminado, sob pena de
violação dos princípios da eficiência e da razoabilidade”. STJ, REsp n° 690.811/RS, Rel. Ministro José
Salgado, Primeira Turma, julgado em 28/06/2005, DJ 19/12/2005, p. 234.

55
Mas há casos que não comportam uma solução de pronto. Seja por
obscuridade fática, dúvidas de ordem técnica ou sobre a norma jurídica aplicável, ou
mesmo por razões que demandem maior cautela por parte do administrador, há situações
em que a Administração Pública pode não conseguir julgar o mérito da demanda
apresentada. Em uma primeira análise, a Administração pode avaliar que a melhor opção,
nesses casos, não é indeferir o pedido, mas promover medidas para tornar possível a sua
elucidação. Trata-se de compreensão não antagônica da relação entre administrador e
administrado, que passam atuar dialogicamente em busca da decisão mais adequada. A
Administração, nestas hipóteses, mediante justificativa expressa e à luz dos ditames da
publicidade e da transparência, poderia proferir uma decisão de não decidir naquele
momento. Com isso, ganha-se tempo para promover as diligências necessárias às
avaliações para se chegar a uma decisão de mérito.

O expediente não parece encontrar óbice no dever de decidir disposto nos


arts. 48 e 49 da Lei de Processo Administrativo federal, que mais se aproxima de um
dever decorrente do direito de resposta que possui o administrado. Ao se manifestar por
meio de um non liquet, a Administração daria uma efetiva resposta ao particular, mesmo
que sem decidir o mérito. Ela decidiria não decidir naquele momento, o que não contraria
o disposto na lei. Imaginar que a Administração apenas decide quando resolve o mérito é
de uma lógica que, além de não coadunar com o próprio conceito de decisão, desconsidera
os reais desafios da Administração Pública atual e do gestor público135. E, nessa
perspectiva, não considera, ainda, as nuances e complexidades do caso concreto.

Questão interessante, nesse sentido, é suscitada por Daniel Wunder Hachem


em artigo no qual aborda o problema da omissão da Administração Pública em emitir,
dentro de um prazo razoável, decisão expressa nos processos administrativos instaurados
por provocação do cidadão cujos objetos são pedidos de tutela de direitos fundamentais
sociais136. Aponta o autor que em determinados casos, sob circunstâncias específicas, o
dever de decidir o processo administrativo em prazo razoável pode exigir uma decisão
em prazo anterior àquele definido por lei. Utilizando como exemplo processos que
envolvem a tutela de direitos sociais, Hachem sustenta que, nesses casos, a demora do

135
Sobre o tema, cf. BINENBOJM, Gustavo.; CYRINO, André. O Art. 28 da LINDB - A cláusula geral
do erro administrativo. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], p. 203–224, 2018. Disponível em:
https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/77655. Acesso em: 11 fev. 2024.
136
HACHEM, Daniel Wunder. Processos administrativos reivindicatórios de direitos sociais - Dever de
decidir em prazo razoável vs. silêncio administrativo. A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional.
Belo Horizonte, ano 14, n. 56, p. 147-175, abr./jun. 2014.

56
Estado em atender à pretensão formulada pela via administrativa pode acarretar
desrespeito a necessidades indispensáveis à proteção e promoção da dignidade da pessoa
humana. Para tanto, afirma que prazo razoável e prazo legal não são expressões
sinônimas, e não se referem à mesma coisa. A Administração, por força do direito
fundamental à razoável duração do processo, estaria obrigada antes de tudo a observar
primordialmente este direito, e apenas secundariamente cumprir o prazo fixado na lei137.
Assim, para atender a reclamos de caráter urgente – que devem ser observados caso a
caso –, uma interpretação sistemática do art. 5º, LXXVIII, com o §1º do mesmo artigo
conduziria à conclusão de que o direito fundamental à tutela administrativa efetiva impõe
ao Estado a obrigação de emitir decisão antes do decurso do prazo legal.

Esta leitura do autor permite que se chegue a uma conclusão diametralmente


oposta. Considerando que a duração razoável do processo não coincide com o prazo legal
para que seja proferida uma decisão (de mérito, pelo menos), também pode ser verdade
que, em determinados casos, a Administração não consiga resolver o mérito da questão
apresentada dentro do prazo determinado pela lei. Diante de situações tais, exigir o
cumprimento de prazo que, à luz das circunstâncias concretas, pode ser muito curto,
equivaleria a admitir a ineficácia da norma, uma vez que, distante da realidade, ela não
seria observada pelo administrador. Por isso, atender ao comando constitucional de
duração razoável do processo, nesses casos, significa observar as nuances que podem
exigir do Estado uma tomada de decisão em prazo mais alongado do que aquele previsto
pela lei.

Isto não quer dizer, por outro lado, que à Administração é facultada a
possibilidade de se manter em silêncio durante o período em que está analisando a questão
e formando sua convicção para proferir uma decisão de mérito. O art. 48 da Lei de
Processo Administrativo federal estabelece que a Administração Pública “tem o dever de
explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou
reclamações”. A exigência do art. 49 é a de que concluído o processo administrativo, a
Administração tem o prazo de até sessenta dias para decidir. À luz destes dispositivos, é
possível extrair duas conclusões: (i) o dever de emitir decisão explícita não exige que a
Administração Pública profira uma decisão de mérito dentro do prazo legal. Na realidade,
(ii) o que a lei exige é que a Administração, em atenção ao dever de resposta oriundo do

137
HACHEM, Daniel Wunder. Op cit. p. 151.

57
direito constitucional de petição, não deixe o peticionante sem qualquer posicionamento
acerca de sua solicitação nesse período. Naturalmente – e este é o cenário ideal –, se for
possível concluir todo o processo no tempo estipulado, isto deve ser feito. No entanto, o
dever de decidir constante dos arts. 48 e 49 da Lei n° 9.784/1999 aproxima-se de um
dever de comunicação daquilo que o Estado está fazendo no curso do processo, como
ocorre na legislação portuguesa, conforme indicado no tópico 1.1.3.

Em suma, dentro do prazo de sessenta dias a Administração Pública não está


obrigada a decidir o mérito de todos os casos. Porém, quando não for possível decidir o
mérito, a decisão a ser proferida pela Administração deve expor o porquê da
impossibilidade. Esta decisão, que não decide o mérito da solicitação apresentada,
aproxima-se de um dever de comunicação imposto à Administração Pública como efeito
do direito de petição, em um Estado Democrático de Direito. Este entendimento encontra
paralelo na literatura de Estados Unidos e de Portugal sobre o direito de petição, conforme
exposto no Capítulo 1. Se entende-se que é possível que o Poder Judiciário resolva
conflitos sem que necessariamente deva julgá-los, à Administração Pública aplica-se ideia
equivalente, sobretudo em casos em que não há interesses conflitantes per se138.

Importa pontuar que o conceito de mérito aqui aventado advém da literatura


de processo civil. Segundo Dinamarco,

Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere) que, entre outros
significados, tem o de "pedir, pôr preço" (é a mesma origem de "meretriz" e
aqui, também há a idéia, do preço, exigência). Daí se entende que meritum
causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita
causae) é aquilo que alguém vem a Juízo pedir, postular, exigir. O mérito,
portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa
apresenta ao juiz para seu exame139.

Em artigo sobre o mérito administrativo, Seabra Fagundes asseverou que a


noção processual de mérito não guarda qualquer correlação com a noção de mérito no
Direito Administrativo. Trata-se de noções diferentes quantitativa e qualitativamente.
Segundo ele, sob o ponto de vista do processo civil se entende por mérito o conteúdo
substancial da lide, isto é, o conteúdo do contraditório com base em regras de direito

138
O conflito pode surgir após uma avaliação da Administração Pública sobre a pretensão do peticionante
e os interesses públicos em jogo, mas não entre a própria Administração e o administrado. No processo
civil, a lide levada ao Poder Judiciário já possui um caráter intrínseco de conflito.
139
DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil. Revista de Processo, vol.
34/1984, p. 20-46, abr - jun, 1984.

58
substantivo, por oposição às questões de cunho meramente processual. Para o autor, o
mérito é um elemento constante e principal. Existe em toda demanda e centraliza as
pretensões das partes. Só excepcionalmente o juiz deixará de examiná-lo. Ao prisma do
Direito Administrativo o mérito não é um elemento essencial, nem constante, senão
eventual e restrito. É apenas, e em certos casos, um dos fatores que, conjuntamente,
compõem o ato administrativo140.

José Cretella Júnior, por sua vez, não ignora que exista algum sentido extraído
do processo civil, porque, como aponta, também há no Direito Administrativo uma parte
processual – o processo administrativo – e, neste, o mérito não deixa de ser o conteúdo
da lide, a própria substância do que se debate. Não obstante, o autor igualmente aponta
que o entendimento do mérito admitido normalmente no âmbito do Processo Civil deve
ser colocado de lado ao se tratar do mérito administrativo, uma vez que este constitui
“aspecto todo particular, nôvo, com características próprias, inconfundíveis”141.

De fato, com bem alertado pelos autores, as noções não se confundem. E esta
decisão, que, no processo administrativo, deve ser proferida em até sessenta dias, pode
ser uma decisão non liquet.

3. O NON LIQUET ADMINISTRATIVO

3.1. A origem histórica do non liquet

A expressão non liquet decorre de uma frase latina que significa: “jurei que o
caso não estava claro o suficiente e, em consequência, fiquei livre daquele
julgamento”142. Ela consta de história narrada por Aulus Gellius, em Noites Áticas,
quando este foi escolhido como um dos juízes populares (iudex) de Roma. Este era o caso:
reclamava-se diante de Aulus uma dívida ajuizada por um homem de sabida boa-fé e
reputação ilibada, com reconhecidos exemplos de probidade ao longo de sua vida, mas
que, para defender a existência de seu crédito no caso concreto, apoiava-se em

140
FAGUNDES, M. S. Conceito de mérito no Direito Administrativo. Revista de Direito
Administrativo, [S. l.], v. 23, p. 1–16, 1951. Disponível em:
<https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/11830>. Acesso em: 02 jan. 2024.
141
CRETELLA JÚNIOR, J. O mérito do ato administrativo. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v.
79, p. 23–37, 1965. Disponível em: <https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/26727>. Acesso em: 2 jan.
2024.
142
Do original: “iuravi mihi non liquere, atque ita iudicatu illo solutus sum”.

59
argumentos fracos e em alegações que não lograva comprovar. No lado oposto da lide,
como réu, estava um sujeito visto como pessoa sem bons valores, com caráter moldado
publicamente em mentiras e fraudes. Este, por sua vez, representado por bons advogados,
indicava que o crédito do reclamante deveria ser comprovado por meio da apresentação
de documentos ou de outro expediente que fosse suficiente para tanto, o que não existia,
e por isso exigia a condenação do autor por calúnia.

Consumido pela dúvida, Gellius consultou os seus pares, que o aconselharam


a seguir as regras de ônus da prova e, em consequência, absolver o réu. No entanto, a
solução não lhe parecia suficiente. Ao persistir a dúvida sobre como decidir, recorreu ao
filósofo Favorinus em busca de orientação. Favorinus sugeriu que as características
individuais das partes em disputa deveriam ser levadas em consideração. No cenário em
que ambas as partes eram igualmente confiáveis ou igualmente não confiáveis, o juiz
deveria favorecer o réu. No entanto, se apenas uma das partes era vista como confiável,
então a decisão deveria ser inclinada a seu favor.

Ainda indeciso em relação a absolver o réu, Aulus Gellius escolheu admitir


sua dificuldade em chegar a uma conclusão clara sobre o assunto, e, desse modo, jurou
que o caso não estava claro o suficiente, livrando-se do julgamento. Surgiu, assim, a
expressão iuravi mihi non liquere, atque ita iudicatu illo solutus sum143.

O non liquet, no direito romano, era um expediente que conferia ao juiz a


possibilidade de se eximir de julgar os casos em que as respostas não estavam claras o
suficiente para que fosse proferida uma decisão, procedendo-se em consequência à sua
substituição por outro julgador144. Esta possibilidade surgiu no segundo grande período
do direito processual civil romano, conhecido como per formulas (período formular),
iniciado com a introdução da lex Aebutia (149-126 a.C) e consolidado com a lex Julia
privatorum, de 17 a.C145. No período formular, o iudex, “juiz popular” que, designado
pelas partes, apurava a verdade dos fatos por elas apresentados e proferia a sentença,
passou a ter a faculdade de declarar que não iria decidir (sibi non liquere), quando não
chegasse à conclusão de qual das partes tinha razão. Nesta hipótese, o iudex era
dispensado de proferir sentença, sendo substituído por outro iudex. O julgamento por um

143
GELLIUS, Aulus. Noctes Actticae. Op cit. p. 486 e ss.
144
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1988.
p. 74.
145
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op cit. p. 146.

60
non liquet poderia gerar dois efeitos para o juiz: este, declarando o non liquet, poderia
deixar de decidir; ou, caso assim entendesse, poderia justificar o adiamento para ganhar
mais tempo, de modo a refletir sobre o caso146.

Ocorre que esta possibilidade de o juiz encerrar um processo sem emitir uma
decisão conclusiva sobre o mérito da questão a ele apresentada, evitando a aplicação das
leis ou a confirmação da existência ou inexistência do direito alegado, foi abolida dos
sistemas jurídicos modernos147. Isso se deu porque passou-se a entender que, a partir do
momento em que o Estado passou a deter o monopólio do poder e da autoridade para
estabelecer e fazer cumprir as leis, regulamentos e instituições que garantem a ordem e a
segurança necessárias para o funcionamento da sociedade, passou este a ter um
compromisso em resolver as disputas entre os cidadãos, de modo a coibir a autotutela e o
exercício arbitrário das próprias razões. Assim, encerrar um caso sem um veredito seria
considerado uma negligência do dever judicial de proferir uma decisão. À medida em que
a jurisdição evoluiu para uma função do Estado e os sistemas jurídicos proibiram a
resolução privada de conflitos, surgiu o direito dos indivíduos de buscar a jurisdição para
obter uma decisão do Judiciário sobre o conflito. O direito de acesso à justiça passou a
ter como correlato o dever do juiz de emitir uma sentença. O ato de decidir refletia uma
parte essencial desse processo, e a omissão desse dever seria contrária à ideia de uma
jurisdição justa e responsável148.

Antônio do Passo Cabral narra que a positivação da regra de vedação do non


liquet teve início na Era das Codificações, tendo como marco de maior influência o
Código Napoleônico, que previa, em seu art. 4°: “o juiz que se recusar a julgar, sobre o
pretexto do silêncio, obscuridade ou insuficiência da lei, poderá ser processado como
culpado por denegação de justiça”149. Normas europeias com esse sentido foram editadas
a partir do século XIX, e inspiraram a legislação de países da América Latina. Exemplo
disso é a Constituição chilena, que dispõe, em seu art. 76, que:

146
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op cit. p. 150.
147
Mesmo antes disso, no terceiro grande período do processo civil romano, o non liquet já sofrera
transformação, pois o juiz, caso entendesse não ser capaz de decidir a questão, passou a ser obrigado a
submetê-la a um magistrado superior, em remessa que denominava-se consultatio. ANDRADE, Juliana
Melazzi. Id. Loc cit.
148
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 231.
149
Idem, p. 246.

61
Artículo 76. La facultad de conocer de las causas civiles y criminales, de
resolverlas y de hacer ejecutar lo juzgado, pertenece exclusivamente a los
tribunales establecidos por la ley. Ni el Presidente de la República ni el
Congreso pueden, en caso alguno, ejercer funciones judiciales, avocarse causas
pendientes, revisar los fundamentos o contenidos de sus resoluciones o hacer
revivir procesos fenecidos.
Reclamada su intervención en forma legal y en negocios de su competencia,
no podrán excusarse de ejercer su autoridad, ni aun por falta de ley que resuelva
la contienda o asunto sometidos a su decisión.

Extrai-se da norma a vedação aos juízes da possibilidade de denegar o


exercício da jurisdição. Trata-se de dispositivo que proíbe o non liquet mesmo em casos
de lacuna da lei.

3.2. O non liquet no Brasil: regra geral de proibição?

No Brasil, conforme o art. 4° da Lei de Introdução às normas do Direito


Brasileiro (LINDB)150 e o art. 5°, XXXV, da Constituição de 1988151, vigora para o Poder
Judiciário o que se entende ser uma regra geral da proibição do non liquet, que exige dos
juízes o julgamento de todos os conflitos que lhe são submetidos, ainda que a melhor
solução não esteja nítida. Com base em tais disposições, a maior parcela da literatura
jurídica comumente afirma a impossibilidade de uma decisão non liquet no sistema
jurídico brasileiro, especialmente no âmbito judicial152. A indeclinabilidade da jurisdição
e a inafastabilidade do controle jurisdicional, decorrentes das normas supracitadas, são os
dois argumentos principais apresentados para justificar essa proibição.

A indeclinabilidade refere-se à obrigação do Poder Judiciário de não recusar


o exercício da jurisdição quando solicitado pelas partes envolvidas. Ao assumir o
monopólio da resolução de disputas, proibindo a justiça privada, o Estado também
assumiu o compromisso de julgar. Ao rejeitar o non liquet e aceitar a obrigação de julgar
os casos apresentados, o Estado reafirma seu compromisso em garantir que os conflitos

150
Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
151
Art. 5° (...), XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
152
Cf., por todos, WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional (princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional no sistema jurídico brasileiro). São Paulo: RT, 1980. p. 26. CARNEIRO, Paulo Cezar
Pinheiro, Op. cit. STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da; FREIRE,
Alexandre. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 228.

62
sejam resolvidos de acordo com a lei estabelecida. Isso ajuda a criar um ambiente em que
as pessoas possam confiar na capacidade do sistema jurídico de resolver conflitos,
evitando que a busca por justiça seja substituída por formas potencialmente arbitrárias de
autotutela.

A inafastabilidade do controle jurisdicional está relacionada ao princípio do


acesso à justiça, conforme estabelecido no artigo 5º, XXXV, da Constituição de 1988. A
conexão entre a inafastabilidade do controle jurisdicional e a proibição do non liquet é
baseada na ideia de que, se o acesso à justiça garante a todos a capacidade de recorrer à
jurisdição para a resolução de conflitos, haveria uma violação desse direito fundamental
toda vez que o Poder Judiciário se abstivesse de deliberar sobre as demandas apresentadas
pelas partes interessadas.

Nesse contexto, a proibição do non liquet se consolida como uma garantia


para assegurar que o acesso à justiça seja verdadeiramente eficaz, reafirmando o
compromisso do sistema jurídico com a prestação de soluções justas e imparciais para os
conflitos que surgem na sociedade.

O entendimento quanto à vedação absoluta do non liquet, todavia, vem


sofrendo temperamentos da literatura brasileira. Passou-se a compreender que, em
determinadas circunstâncias, o ordenamento jurídico admitiria um pronunciamento non
liquet.

É este o entendimento de Rafael Koatz. Em artigo de 2015, com base na teoria


dos direitos fundamentais, o autor sustenta que, resguardado o núcleo essencial do direito
aplicável ao caso, que não poderá sofrer restrição ou ser relativizado, seria admissível um
pronunciamento non liquet. Koatz utiliza o exemplo do princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional: para ele, o nível de concretização deste princípio varia conforme o
grau de jurisdição no qual ele está situado, sendo mais forte no primeiro grau (pois aqui
residiria o núcleo essencial do direito) e menos robusto em instâncias recursais153 – o que
impede que um juiz de primeira instância profira uma decisão non liquet, mas possibilita
que tribunais superiores, em determinadas circunstâncias, emitam decisões com este viés.

Em estudo publicado em 2023, Antônio do Passo Cabral apresenta uma


perspectiva que desafia a visão convencional da vedação inquestionável do non liquet.

153
KOATZ, Rafael L.-F. Op. cit. p. 192.

63
Ele sugere que a abordagem dessa proibição não deve ser considerada de maneira rígida
e inflexível. Em vez disso, o autor explora cenários em que a conclusão do processo
judicial sem uma análise substantiva possa ser considerada legítima.

A razão subjacente à proibição do non liquet é evitar que disputas fiquem sem
uma resolução efetiva e justa. No entanto, Cabral levanta a questão de que, quando não
existe um verdadeiro impasse que impossibilita a resolução do conflito, pode haver
espaço para considerar uma decisão de não decidir154.

A perspectiva de Cabral oferece uma abertura para uma abordagem mais


flexível da vedação do non liquet, uma vez que a aplicação de uma decisão com esse
caráter pode ser justificada quando não há obstáculos intransponíveis para a solução do
litígio e quando as partes envolvidas têm a capacidade de resolver a disputa por outros
meios. Nesse contexto, a decisão non liquet poderia ser vista como um instrumento
alternativo para encerrar a instância judicial, desde que as circunstâncias permitam uma
conclusão equitativa.

Em dissertação de mestrado defendida por Juliana Melazzi Andrade,


posteriormente publicada em livro, emerge uma reflexão que questiona a concepção
arraigada de que os juízes detêm uma compreensão exaustiva e abrangente de todas as
matérias, e que consequentemente todas as questões controversas deveriam ser
submetidas à apreciação do Judiciário. A autora questiona essa premissa ao afirmar que
tal convicção é falaciosa. Ela sustenta a ideia de que existem circunstâncias nas quais a
competência e o conhecimento especializado de outros setores e instituições podem ser
mais apropriados para abordar certos aspectos das controvérsias, em contraposição a uma
decisão judicial. Sua análise contempla a noção de que o Poder Judiciário não
necessariamente é a instância mais qualificada para abordar todos os temas, e, como
resultado, algumas questões poderiam ser mais adequadamente tratadas por outras vias.

A perspectiva apresentada por Juliana Melazzi propõe um reexame do papel


tradicionalmente atribuído ao Judiciário como o árbitro último de todas as disputas. Ela
explora a noção de que a abstenção judicial de tomar uma decisão, em alguns casos, pode
constituir uma resposta genuinamente adequada à complexidade do assunto em análise.

154
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., pp. 231-326.

64
Essa abordagem não implicaria em uma inércia judicial, mas, sim, em uma consideração
ponderada das limitações e áreas de especialização155.

3.3. A decisão de não decidir na perspectiva de Cass Sunstein e Adrian Vermeule

Em artigo que aborda questões envolvendo o fenômeno do adiamento da


decisão administrativa por agências reguladoras dos Estados Unidos, Cass Sunstein e
Adrian Vermeule apontam que, em alguns casos, sob condições e motivos específicos, as
agências podem adiar sua decisão – ou decidir não decidir156. Isto porque, em
determinadas circunstâncias, enfrenta-se incerteza científica ou técnica, o que inviabiliza
a convicção na tomada de decisão. Nesses casos, a espera, em tese, permitiria a colheita
de novas informações e uma melhor compreensão dos fatos, construindo-se, assim, uma
base mais sólida para uma tomada assertiva de decisão.

As agências frequentemente se deparam com a necessidade de decidir quando


agir e quando adiar suas decisões. Muitas agências optam por adiar, declarando que não
decidirão a questão naquele momento. Segundo Sunstein e Vermeule, essas decisões estão
entre as mais recorrentes e significativas tomadas pelas agências. Devido a orçamentos
limitados e uma ampla gama de alternativas, os autores entendem que a definição pelas
agências de prioridades sobre os casos a serem analisados é uma prática legítima e
necessária. A demanda por priorização em meio a recursos escassos impulsiona as
agências a fazer julgamentos sobre quais questões são mais urgentes e quais podem ser
adiadas para um momento futuro. Frequentemente, essas escolhas são tomadas em
conjunto com outras agências, em uma espécie de decisão administrativa coordenada157.

Há situações, ainda, em que o adiamento guarda relação com a escassez de


recursos das agências. Fatores como orçamentos limitados, falta de pessoal ou capacidade
de análise limitada podem levar a atrasos na tomada de decisão. Tais conjunturas também
poderiam resultar na priorização de algumas demandas em face de outras, ensejando o
adiamento de algumas decisões em favor daquelas consideradas mais urgentes ou

155
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit. pp. 145-185.
156
SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. The Law of “Not Now”: When Agencies Defer Decisions.
103 Georgetown L.J. 157, 2014.
157
Cf. CABRAL, Antonio do Passo; MENDONÇA, José Vicente Santos de. (Coords.). Decisão
administrativa coordenada: Reflexões sobre o art. 49-A da Lei n° 9.784/1999. São Paulo: Editora
Juspodivm, 2022.

65
prioritárias. A decorrência disso é a postergação de questões difíceis que dependem de
maiores recursos e tempo para uma análise adequada.

No entanto, Sunstein e Vermeule destacam que a escassez de recursos não


deve ser usada como uma justificativa permanente para a inação. As agências são
incentivadas a buscar soluções alternativas, como a cooperação com outras entidades, a
terceirização de análises técnicas ou a alocação eficiente de recursos existentes, para
mitigar os efeitos da escassez.

Os autores indicam algumas limitações às quais o adiamento de decisões


estaria sujeito. Segundo eles, decisões não podem ser adiadas quando: (i) a legislação
impõe um prazo específico a ser observado; (ii) o adiamento equivaler a uma violação de
regras legais expressas ou implícitas; ou quando (iii) o adiamento representar uma
abdicação da responsabilidade da agência em promover e fazer cumprir as políticas
estabelecidas pelo Congresso. Nota-se, portanto, que o adiamento de uma decisão
somente seria admissível nas hipóteses em que houvesse uma margem de
discricionariedade conferida à autoridade competente.

3.4. A possibilidade do non liquet no Poder Judiciário: a reformulação proposta


pela literatura

Recentemente, a literatura jurídica brasileira tem se dedicado ao estudo da


aplicabilidade do non liquet no âmbito do Poder Judiciário. Dentre os trabalhos de maior
destaque está a já citada obra de Antônio do Passo Cabral, que propõe uma releitura do
tema, de modo a romper o dogma da vedação do non liquet no direito brasileiro. Para
tanto, o autor aponta duas premissas que precisam ser observadas para que seja possível
se falar em aplicabilidade do instituto no Brasil.

A primeira delas é a ideia de permissão do non liquet nos casos em que não
houver impasse resolutivo. Neste ponto, parte-se da concepção de que a vedação do non
liquet decorre da necessidade de se conferir operacionalidade ao sistema jurídico,
evitando impasses na resolução dos conflitos. Sendo este o objetivo, sustenta o autor que
“o non liquet só seria vedado se não houver outra solução desejada pelos interessados,
ou se não houver outras formas para superar esse impasse”158. Desta forma, indica-se

158
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 278.

66
uma interpretação conjunta entre o art. 140 e o art. 143, II, ambos do CPC, que assim
dispõem:

Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou


obscuridade do ordenamento jurídico.
Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos
quando:
II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar
de ofício ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas
depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o
requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias.

A literatura tradicional relaciona o art. 143, II, do CPC, apenas à esfera-


administrativo-disciplinar (para punições disciplinares pelo descumprimento da regra) e,
por tal razão, nunca se interpretou a expressão “justo motivo” como autorizativa de um
non liquet. Em face deste quadro, Cabral sustenta que, quando houver inesclarecibilidade
fática ou incerteza sobre as normas que incidem no caso, se houver hipóteses em que, por
justo motivo, seja possível ao juiz pronunciar o non liquet, a interpretação conjugada do
art. 140 com o art. 143, II, do CPC, tornaria isso possível, sendo esta a base normativa
que justificaria a abstenção de decidir no sistema jurídico brasileiro159.

A segunda premissa para a admissão do non liquet no ordenamento jurídico


brasileiro seria a busca por maior racionalidade sistêmica na resolução dos conflitos, de
modo a evitar decisões irracionais, proferidas em cenário de incerteza, subvertendo
interesses favorecidos pelo ordenamento jurídico160. É que a vedação ao non liquet, por
ser uma regra pragmática de fechamento do sistema jurídico, não é voltada a resolver os
problemas materiais do mundo concreto. Isto é, mesmo que haja um caso para o qual não
exista solução, o juiz deve resolvê-lo. É perceptível que esta configuração não prestigia a
racionalidade no processo decisório. Sob um olhar mais crítico, nota-se que tal concepção
vai de encontro a ideais mais modernos de consequencialismo e eficiência processual –
veja-se, por exemplo, o disposto no art. 20 da Lei de introdução às normas do Direito
brasileiro161.

159
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 279.
160
Idem, p. 280.
161
Sobre o tema, cf. JUSTEN FILHO, M. Art. 20 da LINDB - Dever de transparência, concretude e
proporcionalidade nas decisões públicas. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], p. 13–41, 2018.
Disponível em: <https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/77648>. Acesso em: 09 jan. 2024.

67
Por estas razões, o autor sugere uma reflexão acerca da proibição absoluta de
non liquet, uma vez que essa vedação empurra o magistrado para uma decisão qualquer,
ainda que com menor rigor metodológico e com fundamentação de baixa qualidade,
diante de um quadro de obscuridade de certas questões.

Assim, existindo no sistema resultado que seja mais racional e permita uma
saída de maior qualidade para a resolução do conflito sem que se criem impasses
resolutivos e possam responder de maneira mais racional e eficiente ao problema posto,
dever-se-ia pensar se estes não seriam resultados mais desejáveis162.

Diante de tais premissas, Cabral, então, indica dois grupos de casos que
possibilitariam um pronunciamento non liquet pelo Judiciário: (i) procedimentos não
decisórios e (ii) procedimentos adjudicativos com pretensões declarativas.

Como já indicado, a premissa da vedação ao non liquet no Poder Judiciário é


o fechamento sistêmico do Direito, pois desta maneira entende-se ser possível dar uma
resposta a todos os conflitos levados a juízo. Em um contexto no qual a jurisdição é
exercida por meio de técnicas não impositivas e sem aplicação do direito – ou seja, em
um procedimento não decisório –, Antônio do Passo Cabral entende que há permissivo
para que o juiz, em caso de dúvida, encerre a instância sem resposta quanto ao mérito.
Nesses casos, inexistindo conflito e pretensão formulada, “não é possível afirmar que o
exercício do acesso à justiça estaria relacionado a uma lesão ou ameaça de lesão a
direitos dos interessados, nem deixar o processo sem manifestação conclusiva sobre o
pedido signifique negativa de jurisdição”163.

Mas mesmo em casos nos quais as partes estejam em conflito – os


procedimentos adjudicativos com pretensões declarativas – seria possível admitir
algumas hipóteses de non liquet. Nestes casos, diferentemente do que ocorre com os
procedimentos não decisórios, o encerramento da instância sem a pronúncia sobre o
mérito é, em regra, ilícito. Como exemplos, cita-se as convenções processuais
autorizativas do non liquet, por meio das quais as partes, em norma negocial, permitem
que o magistrado possa abster-se de julgar em circunstâncias pré-definidas. Para as
finalidades deste trabalho, porém, importa outro caminho, que se entende como um non
liquet parcial ou provisório.

162
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 283.
163
Idem, p. 286.

68
Conforme salientado por Juliana Melazzi, no segundo período do Direito
Romano, o julgamento pelo non liquet poderia autorizar que o juiz (i) deixasse decidir,
ensejando, assim, um julgamento definitivo; ou (ii) que o juiz justificasse o adiamento de
modo a ter mais tempo para refletir sobre caso, hipótese que configuraria um julgamento
provisório164. Neste segundo cenário, seria possível enquadrar casos em que a
obscuridade fática ou a falta de nitidez sobre a aplicabilidade das normas indicassem a
necessidade do diferimento da decisão de mérito.

Para Antônio Cabral, esse diferimento não pode ser um mero prolongamento
do debate ou da instrução probatória, a fim de melhor examinar a causa e aprofundar a
cognição. Segundo ele, “para que se possa caracterizar um non liquet, é preciso que haja
transferência da prerrogativa decisória, com o consequente deslocamento do julgamento
para outra sede”165.

Porém, nas linhas imediatamente seguintes, o autor afirma que, orientado para
uma resolução ótima, o non liquet, se temporário, não pode ser considerado ilícito. Isto
porque, por um lado, não significa negativa de jurisdição, apenas uma postergação da
resposta adjudicativa por um período de tempo. Por outro, também não seria uma
providência contrária à inafastabilidade do controle jurisdicional porque, se no primeiro
momento e por certo espaço de tempo, o magistrado efetivamente se abstém de julgar,
ainda assim a questão pode acabar voltando ao Judiciário para decisão no futuro, se o
conflito não for solucionado166.

De acordo com a origem histórica do non liquet, não parece adequada a


afirmação de que o non liquet somente se configura quando houver a transferência da
prerrogativa decisória e o deslocamento do julgamento para outra sede. Na realidade, um
mesmo juiz poderia declarar o non liquet e, posteriormente, analisar de novamente a
questão. É como também entende Juliana Melazzi. Para ela, há casos em que é preferível
que o juiz, ao apreciar o mérito167, declare a não decisão temporária e indique uma nova
data para que ocorra o julgamento. Não se trata, aqui, de um julgamento parcial do mérito,

164
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit. p. 150.
165
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 309.
166
Idem, pp. 309-310.
167
E apreciar o mérito não se confunde com julgá-lo.

69
mas de uma primeira decisão em que o juiz, após apreciar o mérito, declara o non liquet
e determina uma data futura para o julgamento do mérito168.

Esse entendimento ajuda a compreender a ideia do non liquet administrativo,


que será exposta de forma específica nos tópicos seguintes, e guarda os mesmos
fundamentos.

3.5. As circunstâncias de admissibilidade de um non liquet administrativo:


possibilidade entre a inércia administrativa e a decisão de mérito

Na Administração Pública contemporânea, não são poucos os casos em que


o administrador, mesmo cercado de farta disposição de informações, se vê diante de
questões desconhecidas e casos inovadores, com pouca ou nenhuma experiência prática.
Em tais situações, decidir significa assumir riscos, que representam perigo não só para si,
mas também para os administrados e para a própria Administração Pública. A despeito
disso, a Lei n° 9.487/1999 exige que o administrador tome uma decisão, e rápido. Esta
dupla exigência – de decidir e de celeridade – que obriga a Administração a decidir
sempre não parece suficiente para garantir uma decisão assertiva nesses casos. Embora
os ganhos dessa exigência sejam reconhecidos e observáveis, os efeitos das dificuldades
existentes durante o processo de decisão são relevantes e não devem ser ignorados. A
questão está ligada a uma paradoxal necessidade de se aumentar a incerteza do direito
para alcançar uma certeza normatizada mediante a exigência da tomada de decisão169. Por
se considerar que tudo é “decidível”, não é incomum que, para fugir de uma questão de
mérito controvertida, o administrador mantenha-se inerte, fazendo surgir um quadro
ilegal e indesejado de silêncio administrativo – que é ruim tanto para aquele que submete
a questão à apreciação da Administração, por não ter sua solicitação atendida em prazo
razoável, quanto para aquele que possui a atribuição legal decidir, que será
responsabilizado.

À luz deste último efeito, o Projeto de Lei n° 2.481/2022 buscou conferir


efeitos (negativos, positivos e translativos) ao silêncio administrativo, que, em outras,
palavras, é a ausência de decisão da autoridade responsável por decidir. O PL, porém, não
trata da possibilidade de um non liquet administrativo, embora isto pareça ser possível –

168
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit. p. 206.
169
RAMOS, Luiz Felipe Rosa. Op cit. p. 130.

70
e desejável, para conferir maior segurança jurídica à Administração Pública e também ao
administrado. Na linha do que entende a literatura processualista brasileira mais recente
sobre a admissibilidade do non liquet no Poder Judiciário, aparenta ser possível a adoção
do mesmo caminho na esfera administrativa, em face da eventual perplexidade trazida
em casos em que a Administração Pública não tem condições de decidir.

Para tanto, vislumbra-se que, antes da decisão de mérito, como forma de


evitar o indesejado silêncio administrativo, seria admissível uma primeira decisão170: a
do non liquet. A ideia seria conjugar, de um lado, o interesse do administrado em ter uma
resposta sobre seu requerimento e, de outro, eventuais especificidades que demandem
uma análise mais prolongada pela autoridade competente. A alternativa não aparece nas
discussões que decorrem do silêncio administrativo ou mesmo na literatura que trata de
processo administrativo. Porém, a partir das contribuições oriundas da literatura ligada ao
Direito Processual Civil, é possível traçar um caminho para o tema na esfera
administrativa. Assim como no processo civil, indica-se o uso do non liquet
administrativo, inicialmente, em quadros de obscuridade fática e incerteza sobre a
aplicação do direito. Há, também, uma terceira hipótese possível, que surge em cenários
que exijam uma postura de cautela pela Administração Pública.

Antes de explorar cada uma delas, dois esclarecimentos são necessários.

3.5.1. Breves distinções preliminares: non liquet não é indeferimento, tampouco juízo
de admissibilidade

O primeiro consiste na diferenciação entre uma decisão de caráter non liquet


e um indeferimento da solicitação apresentada. O non liquet administrativo não se
confunde com um indeferimento. Como será exposto nos tópicos seguintes, trata-se de
uma decisão que não decide o mérito da questão – apenas o avalia. Ela não rejeita o
pedido, mas também não o defere. Por isso, também não se confunde com uma decisão
parcial de mérito.

Igualmente, não se aproxima o non liquet administrativo de uma decisão que


exerce um juízo de admissibilidade. No processo civil, verifica-se por este juízo a
possibilidade de o objeto do procedimento ser apreciado, mediante a análise do

170
Conforme tópico 2.2.2 supra.

71
atendimento aos requisitos processuais necessários para o desenvolvimento do
processo171. Não atendidos os requisitos, o processo pode ser extinto sem a resolução do
mérito. O non liquet também não se amolda ao formato deste tipo de decisão, pois seu
conteúdo próprio não é voltado a analisar requisitos processuais.

3.5.2. Non liquet e obscuridade fática

Diante de casos dotados de aspectos obscuros – que podem decorrer, e.g., de


questões complexas ou inovadoras –, seria possível ao administrador, após apreciar o
mérito, proferir uma primeira decisão non liquet. Nesta decisão, que deve ter um justo
motivo expresso, a Administração, reconhecendo a impossibilidade ou a inadequação de
decidir o mérito naquele momento, transfere seu julgamento para o futuro, e sinaliza
medidas que devem ser implementadas para que se possibilite a resolução do mérito em
um prazo razoável, se possível.

Esta primeira decisão se adequa aos ditames da Lei de Introdução às Normas


do Direito Brasileiro, uma vez que decidir algo complexo ou obscuro com pressa pode
implicar a desconsideração das graves consequências dos erros que se tornariam mais
prováveis pela eventual corrida (art. 20, LINDB172). Do mesmo modo, não ignora as
hipóteses em que as circunstâncias concretas do gestor e suas dificuldades práticas (tal
como se preocupou o art. 22, LINDB173) indiquem a inviabilidade prática de uma decisão.

Embora não conste expressamente no texto da Lei n° 9.784/1999, a previsão


do art. 49, §2°, "d", do Projeto de Lei n° 2.481/2022 admite a ocorrência de uma
obscuridade a ser esclarecida ao prever que o curso do prazo para a conclusão do processo
administrativo poderá ser suspenso "quando a decisão depender de perícia pelo tempo
necessário à conclusão dessa prova". A relação de dependência exposta pela norma
denota a necessidade de elucidação de determinado ponto para que seja possível proferir
uma decisão. Isso não ocorre apenas em questões que demandem a realização de perícia.

171
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral
e processo de conhecimento. 20. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2018. p. 519.
172
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores
jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
173
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as
dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos
administrados.

72
E, nestes casos, decidir pode ser um tiro dado no escuro. Por isso, em tais circunstâncias,
seria admissível uma decisão de não decidir.

Não é admissível, porém, que a indicação da obscuridade de determinada


questão seja usada como estratagema para um prolongamento desnecessário da análise da
questão por motivos outros, decorrentes da ineficiência administrativa. Para evitar
problemas desta ordem, devem ser observados alguns parâmetros de aplicabilidade do
non liquet administrativo, conforme indicado, de forma não exaustiva, no tópico 3.7 infra.

3.5.3. Non liquet e necessidade de amadurecimento do debate

É possível que determinada questão dependa de um amadurecimento, por


fatores externos à Administração Pública, para que esta consiga decidir sobre o seu
mérito. Neste cenário, um non liquet administrativo pode ser a decisão mais adequada a
ser tomada. Dois exemplos ilustram a hipótese.

O marco legal para a exploração de energia offshore – que abrange a


possibilidade de exploração de outras energias renováveis além da eólica – está em
trâmite no Congresso Nacional. No dia 29/11/2023, o Projeto de Lei (PL) n° 11.247/2018,
foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e encaminhado novamente ao Senado, Casa na
qual se iniciou a tramitação, devido a mudanças no texto do Projeto. Por meio da futura
lei, pretende-se autorizar a implantação de usinas no mar para a geração de energia
elétrica a partir de fontes eólica e solar. De acordo com o texto, as plataformas poderão
ser instaladas no mar territorial (até 22 quilômetros da costa) e na zona econômica
exclusiva (até 370 quilômetros).

Dentre as diversas exigências estabelecidas para a instalação dos


empreendimentos está a obtenção de licença ambiental, conforme o art. 10, IV, do Projeto
de Lei174. Mesmo sem a definição do marco regulatório, diversas empresas submeteram
ao licenciamento do IBAMA seus projetos de exploração de energia offshore.
Paralelamente à tramitação do PL, 96 projetos aguardam o licenciamento ambiental do

174
Art. 10. A outorga do direito de uso de bens da União para geração de energia elétrica a partir de
empreendimento offshore será feita por meio de autorização ou de concessão, que deverá refletir fielmente
as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas obrigatórias:
IV – o direito de o outorgado assentar ou alicerçar as estruturas destinadas à geração e à transmissão de
energia elétrica no leito subaquático, desde que atendidas as normas da autoridade marítima e emitida a
licença ambiental pelo órgão competente, observadas as disposições regulamentares.

73
IBAMA, conforme consta da última atualização do mapa de projetos com processos de
licenciamento ambiental abertos, de 18 de janeiro de 2024175.

Sem a definição da aprovação, ou não, da lei que trata do objeto dos projetos
apresentados ao licenciamento ambiental, não parece prudente que o IBAMA conceda as
licenças pretendidas, ainda que o procedimento não dependa exclusivamente do diploma,
pois é possível que uma norma decorrente da própria lei ou de eventuais regulamentos
estabeleça critérios a serem observados pelo Instituto quando do licenciamento – como a
comunicação com outros órgãos competentes sobre aspectos relativos ao
desenvolvimento dos empreendimentos, e.g., a autoridade marítima.

Por outro lado, indeferir os pedidos e extinguir os processos abertos, que já


estão em análise, não seria o caminho mais adequado, diante do cenário de aparente
proximidade de conversão do PL em lei. Ao fazer isso, o IBAMA, quando da aprovação
do Projeto, receberia novas solicitações e precisaria reiniciar os procedimentos
encerrados, gerando custos para ambas as partes, e prejudicando a celeridade do processo.

Assim, para casos similares, em que seja possível identificar que existe uma
discussão em curso a respeito do assunto, e que, possivelmente, seu desfecho se dará em
período de tempo não muito distante do momento da análise do pedido, um non liquet
administrativo, com base na necessidade de amadurecimento do debate sobre a solicitação
apresentada, seria justificável – e desejável –, a fim de evitar as consequências do silêncio
administrativo e de, simultaneamente, não gerar um indeferimento desnecessário.

Isto se justifica, pois os fatores extrínsecos à Administração Pública podem


influenciar sobremaneira o conteúdo da decisão a ser proferida no processo
administrativo: podem, por exemplo, ensejar o acolhimento de pleito que, se tivesse seu
mérito decidido no primeiro momento de análise do administrador, seria indeferido.

Na esfera judicial, entende-se que o Poder Judiciário não está obrigado a


decidir assunto que não exija pronta resolução, por depender de uma devida maturação176.
Assemelha-se ao que na doutrina norte-americana chama-se de docket control177. Nesses
casos, a postura mais adequada é a de autocontenção judicial, cabendo ao juiz não decidir,

175
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS. Complexos eólicos offshore
- Projetos com processos de licenciamento ambiental abertos no IBAMA. Brasília, 2024.
176
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit., p. 127.
177
Cf. FONTANA, David. Docket control and the success of constitutional courts. In: Comparative
constitutional law, Tom Ginsburg and Rosalind Dixon, eds., Edward Elgar Publishing, 2011.

74
de modo a aguardar uma definição sobre o tema nas instâncias políticas, por meio de
deliberação popular ou parlamentar178.

Outro exemplo, pensado e exposto por Juliana Melazzi, em seu livro


Justiciabilidade e não decisão, é o da hipótese de ajuizamento de ação civil pública, no
contexto do início da pandemia de Covid-19, com a finalidade de impor ao Poder Público
a vacinação da população. Naquele momento, ainda não havia uma fórmula definitiva e
testada para combater a doença. Ante tal demanda, não poderia o juiz acolher o pedido do
autor da ação e exigir do Poder Público a vacinação da população. Por outro lado, era
possível que o magistrado, no momento de prolatar a sentença, percebesse que a vacina
ficaria pronta em não muito tempo, em virtude do avanço das pesquisas para a sua criação.

O exemplo citado mostra a antecipação de um evento futuro “quase certo”


pelo magistrado, que pode permitir uma solução mais benéfica ao interesse público do
que a improcedência do pedido. A decisão poderia ser, então, o adiamento do julgamento
de mérito, em razão do quadro de incerteza científica e de previsibilidade fundada de
alteração desse quadro em um futuro próximo179.

A mesma noção pode ser absorvida no contexto de um processo


administrativo. Possibilita-se, assim, que o caso seja decidido no mesmo procedimento,
sem que seja necessária a formulação de um novo pedido, o que coaduna com os
princípios da economia processual e, em última análise, da celeridade. Nada impede,
ainda, que o administrador, ao tornar à análise do caso, decida indeferir o pleito por não
ter sido configurado o cenário que era esperado no momento da prolação da primeira
decisão.

3.5.4. Non liquet e poder geral de cautela da Administração Pública

A ideia de poder geral de cautela, no Brasil, esteve disposta, inicialmente, no


art. 675 do Código de Processo Civil de 1939180. Por esta norma facultava-se ao juiz

178
MARINONI, Luiz Guilherme. Processo constitucional e democracia. São Paulo: Thompson Reuters
Brasil, 2021, p. 222; MORAES, Guilherme Braga Peña de. Protagonismo institucional do Poder Judiciário
no estado contemporâneo: reflexões sobre a judicialização, o ativismo judicial e a autonomia processual da
justiça constitucional, Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, 2° sem./2019, p. 25-26.
179
ANDRADE, Juliana Melazzi. Ibid., p. 205.
180
Art. 675. Além dos casos em que a lei expressamente o autoriza, o juiz poderá determinar providências
para acautelar o interesse das partes:
I – quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios de rixa ou violência entre os litigantes;

75
possibilidade de, nas circunstâncias previamente definidas nos incisos do art. 675,
adotar providências fora das hipóteses expressamente previstas em lei para acautelar o
interesse das partes. Previsão similar constou do art. 798 do Código de Processo Civil de
1973181, que conferia ao juiz a faculdade de determinar as medidas provisórias que
entendesse adequadas, quando houvesse fundado receio de que uma parte, antes do
julgamento da lide, pudesse causar ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
Com isso, ao lado das modalidades típicas, expressamente previstas em lei, o poder geral
de cautela surgia como regra que conferia ao magistrado um amplo poder cautelar, como
forma de assegurar a efetividade da tutela do direito material, sem a limitação de aplicação
em hipóteses pré-definidas, como determinada o Código anterior.

O art. 799182 do CPC de 1973, em rol não exaustivo, previa algumas das
medidas que poderiam ser adotadas pelo magistrado no exercício do poder geral de
cautela. Dentre elas estavam a guarda judicial de pessoas, o depósito de bens, e a
imposição da prestação de caução. Segundo José Roberto dos Santos Bedaque, que
sintetiza o ponto no contexto do diploma processual de 1973, “o poder geral de cautela
corresponde à possibilidade de se conceder cautelar inominada para situações não
tipificadas pelo legislador”183. Marinoni e Mitidiero apontam que as circunstâncias que
exigem o uso de uma tutela cautelar variam conforme as peculiaridades do caso concreto,
de modo que não haveria alternativa outra senão deixar uma válvula de escape para a
utilização da técnica processual adequada à situação concreta, por meio da outorga ao juiz
um poder cautelar geral184. É o que também compreende Alexandre Câmara, que entende
ser o poder geral de cautela um instituto necessário em todos os quadrantes do planeta,

II – quando, antes da decisão, fôr provável a ocorrência de atas capazes de causar lesões, de difícil e
incerta reparação, no direito de uma das partes;
III – quando, no processo, a uma das partes fôr impossível produzir prova, por não se achar na posse de
determinada coisa.
181
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste
Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio
de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
182
Art. 799. No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de
determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução.
183
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de
Urgência (Tentativa de Sistematização). 5. ed. rev. e ampl., São Paulo: Malheiros, 2009. p. 229.
184
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: Comentado Artigo por
Artigo. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 770.

76
decorrente da impossibilidade de previsão abstrata de todas as situações de perigo para o
processo que podem ocorrer em concreto185.

Na esfera administrativa, entende-se que o art. 45 da Lei nº 9.784/99 oferece


a sustentação para a existência de um poder geral de cautela administrativa. Esta
compreensão faz-se presente na literatura administrativa. Para Flávio Garcia Cabral, o art.
45 da Lei de Processo Administrativo federal é a disposição central do microssistema
cautelar administrativo brasileiro186. A jurisprudência dos tribunais brasileiros também
indica o referido artigo como o fundamento do poder cautelar da Administração
Pública187. A regra possui a seguinte redação:

185
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. III. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008. p. 43.
186
CABRAL, Flávio Garcia. Medidas cautelares administrativas: regime jurídico da cautelaridade
administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2021. p. 146.
187
“(…) 4. Não bastasse aquela previsão legal relativa ao contrato de depósito, a Caixa Econômica Federal,
conquanto exerça, predominantemente, atividade econômica em sentido estrito, é empresa pública
(patrimônio exclusivamente público) e nessa qualidade faz parte da administração pública. É verdade que,
pelo disposto no art. 173, §1º, II, da Constituição as empresas estatais dedicadas a atividades econômicas
stricto sensu sujeitam-se ‘ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários’. Todavia, tal regra não impede a utilização, pelas
empresas estatais, de prerrogativas de administração pública justificadas por suas atividades, desde que não
impliquem atentado à livre concorrência. 173, §1º, II Constituição. 5. Nessa prerrogativa, obedecido o
devido processo legal, inclui-se a atividade cautelar da Administração destinada a prevenir dano ao
patrimônio público. A prerrogativa das medidas cautelares, dentro de processo administrativo, era implícita
à época dos fatos e, hoje, está expressa no art. 45 da Lei nº 9.784/99 (que se aplica à administração federal
direta e indireta, cf. art. 1º): ‘Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente
adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado’. 6. A providência tomada pela
Caixa Econômica Federal foi, portanto, lícita (…)” (TRF1. AC 5018 MG 2007.01.00.005018-0, Relator:
Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 14.02.2012, Terceira Seção, Data de
Publicação: e-DJF1 p. 344 de 05.03.2012).
“(...) 3. Entendeu-se pela inexistência de arbitrariedade no ato de suspensão cautelar das licenças e
habilitações para pilotagem, visto que sua prática foi embasada em regular procedimento administrativo
(autos nº 00058.041502/2018-62), com respeito aos ditames da Lei 9.784/99. 4. Destacou ainda que não se
tratando de sanção administrativa imposta ao agravante, mas de medida acauteladora, praticada no âmbito
do poder geral de cautela da Administração Pública para prevenção de graves danos ao interesse público,
há, inclusive, dispensa à necessidade de contraditório prévio, conforme art. 45 da Lei 9.784/99. (TRF-3.
AI: 50116272720194030000 SP, Relator: Desembargador Federal Antonio Carlos Cedenho, Data de
Julgamento: 22/03/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: 25/03/2021).
“O direito à educação, um dos mais importantes direitos consagrados em nossa Constituição, não pode
conviver com comportamentos desrespeitosos, desvairados e ameaçadores. Nenhum direito é absoluto a
ponto de justificar o malferimento de outros igualmente relevantes. Assim, candidato em processo de
ingresso à universidade que, por sua conduta agressiva, provoca temor nos professores, funcionários e
demais alunos, pode ser excluído do processo, notadamente quando houver cláusula nesse sentido no edital.
A exclusão, nesse caso, tem em vista o interesse público e é mera decorrência do poder geral de cautela de
que goza a administração (artigo 45 da Lei 9.784/99), visando prevenir que ele regresse às dependências da
instituição de ensino. O provimento (inibitório) ancora-se no artigo 497 do Código de Processo Civil, cujo
parágrafo único prevê que para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou
a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da
existência de culpa ou dolo”. (TRF-4. AC: 50242889420184047000 PR 5024288-94.2018.4.04.7000,
Relatora: Vânia Hack de Almeida, Terceira Turma. Data de Julgamento: 08/03/2022).

77
Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá
motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação
do interessado.

Algumas observações podem ser feitas à luz da literalidade da norma. O


“risco iminente” indicado pelo art. 45 faz com que se exija fumus boni iuris e periculum
in mora para a adoção de medidas sem a manifestação do interessado. O artigo não parece
vedar, no entanto, a possibilidade de adoção de medidas acauteladoras sem o requisito do
risco iminente. Nesta hipótese, uma leitura condizente com a finalidade do texto legal é a
de que, ausente o risco iminente, deve a Administração abrir espaço para a manifestação
do interessado.

Esta conclusão é importante, pois, diante de circunstância fática que, embora


não represente um risco iminente, tenha o potencial de gerar dano para a sociedade ou
para a própria Administração Pública, a Administração, valendo-se do poder geral de
cautela, poderia, mediante justificativa expressa, proferir uma decisão non liquet, com o
propósito de avaliar o cenário e evitar eventuais prejuízos, mesmo sem indeferir o pedido.

Isto seria possível na medida em que um poder geral de cautela administrativa


autoriza a adoção de provimentos atípicos, sem a necessidade de um rol exaustivo
previsto pelo legislador. Assim, caberia ao agente público adotar, diante do caso concreto,
uma medida que tenha o condão de evitar ou minimizar um dano a um bem juridicamente
tutelado188.

Este poder geral de cautela, contudo, não pode servir como uma autorização
ampla e irrestrita para um non liquet administrativo. Deve a Administração, se optar por
uma decisão de não decidir fundada em um poder geral de cautela, justificar de forma
expressa a adoção de tal escolha, indicando os riscos incidentes ao caso analisado e os
potenciais danos que podem ser concretizados caso se proceda de modo diverso.

“(...) Há dispositivo legal prevendo o poder geral de cautela da Administração Pública, nos moldes em que
ocorrido o ato impugnado. Tem-se no art. 45 da lei do processo administrativo na Administração Pública
federal (Lei n. 9.784/1999):
(...)
A regra seria despicienda, por ser implícito, na norma que outorga o poder de decidir, o poder cautelar
necessário a garantir a eficácia da eventual decisão futura. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RMS:
31973 DF, Relator: Min. Cármen Lúcia, Data de Julgamento: 25/02/2014, Segunda Turma, Data de
Publicação: DJe-117 DIVULG 17-06-2014 PUBLIC 18-06-2014).
188
CABRAL, Flávio Garcia. Ibid., p. 153.

78
3.5.4.1. A RDC ANVISA n° 46/2009 configura um non liquet administrativo
cautelar?

Em 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por meio


da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 46, de 28 de agosto de 2009, decidiu
proibir a comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer Dispositivos
Eletrônicos para Fumar (DEF) – os conhecidos cigarros eletrônicos. A decisão teve por
base o princípio da precaução189, devido à inexistência, à época, de dados científicos que
comprovassem as alegações de que estes produtos eram menos danosos à saúde. A partir
da decisão, a admissibilidade pela ANVISA do registro de qualquer dispositivo eletrônico
para fumar dependeria da realização de estudos científicos, além de avaliações
toxicológicas e clínicas, visando a esclarecer seus riscos e sua alegada efetividade para o
tratamento do tabagismo. São estes os dois principais artigos da Resolução:

Art. 1º Fica proibida a comercialização, a importação e a propaganda de


quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarros
eletrônicos, e-cigaretes, e-ciggy, ecigar, entre outros, especialmente os que
aleguem substituição de cigarro, cigarrilha, charuto, cachimbo e similares no
hábito de fumar ou objetivem alternativa no tratamento do tabagismo.
(...)
Art. 2º A admissibilidade pela ANVISA do peticionamento do Registro dos
Dados Cadastrais de qualquer dispositivo eletrônico para fumar, especialmente
os destinados ao tratamento do tabagismo ou à substituição de cigarro,
cigarrilha, charuto, cachimbo e similares no hábito de fumar, dependerá da
apresentação de estudos toxicológicos e testes científicos específicos que
comprovem as finalidades alegadas.

A discussão sobre o tema foi retomada em 2016, quando a Agência, em


parceria com o Instituto Nacional de Câncer (INCA) e com o Ministério da Saúde,

189
O princípio da precaução tem origem no Direito alemão, na década de 1970, em um contexto de
preocupação com a necessidade de avaliação prévia das consequências sobre o meio ambiente dos
diferentes projetos e empreendimentos que se encontravam em curso ou em vias de implantação no país.
Trata-se da ideia de promover ações antecipatórias para proteger a saúde das pessoas e dos ecossistemas.
Atualmente, o princípio da precação é aplicado em diferentes áreas, abrangendo questões que vão de
mudanças climáticas a saúde pública – como o caso da ANVISA ora em análise. Embora tenha conteúdo
próprio, é possível compreender o princípio da precaução como uma ferramenta a ser utilizada pela
Administração Pública no escopo do poder geral de cautela administrativa. ANTUNES, Paulo de Bessa. Os
princípios da precaução e da prevenção no direito ambiental. Enciclopédia jurídica da PUC-SP.
CAMPILONGO, Celso Fernandes; GONZAGA, Alvaro de Azevedo; FREIRE, André Luiz (coords.).
Tomo: Direitos Difusos e Coletivos. Nelson Nery Jr., Georges Abboud, André Luiz Freire (coord. de tomo).
1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível
em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/330/edicao-1/os-principios-da-precaucao-e-da-
prevencao-no-direito-ambiental. Acesso em: 01 fev. 2024. Ver também: ARAGÃO, Alexandra. Aplicação
nacional do princípio da precaução. In: Associação dos Magistrados da Jurisdição Administrativa e Fiscal
de Portugal. Colóquios 2011-2012. Lisboa: Associação dos Magistrados da Jurisdição Administrativa e
Fiscal de Portugal, 2013. p. 159-185. Disponível em: http://bit.ly/1BpSxzc. Acesso em: 01 fev. 2024.

79
elaborou documento que reuniu informações sobre a composição do vapor dos produtos,
potenciais prejuízos ou redução de danos à saúde, e sua utilização no tratamento da
dependência de nicotina190.

No ano seguinte, considerando que o setor produtivo de tabaco vinha


pleiteando que se realizassem discussões acerca das novas evidências produzidas sobre o
assunto, a ANVISA inseriu o tema dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar na Agenda
Regulatória 2017-2020. A ideia era avaliar o estado da arte da ciência destes produtos e
analisar os seus riscos, agravos e os alegados benefícios, de forma a subsidiar a decisão
para manter, alterar ou revogar as determinações da RDC nº 46/2009.

Neste espaço de tempo da Agenda Regulatória, diversas discussões foram


impulsionadas pela Agência, com a participação dos produtores de tabaco, pesquisadores
nacionais e internacionais, Sociedade Civil Organizada, Ministério da Saúde, Instituto
Nacional de Câncer e parlamentares.

Em 2019, algumas empresas apresentaram informações e manifestaram o


interesse em registrar DEF, razão pela qual foi formalmente deflagrada a abertura do
processo administrativo de regulação. Em agosto do mesmo ano, para iniciar o debate
regulatório, foram realizadas duas Audiências Públicas. Em 2020, embora o tema não
estivesse no foco prioritário da ANVISA, em virtude da pandemia de COVID-19, foram
solicitadas 10 revisões sistemáticas à Faculdade de Medicina da USP, sob os diversos
aspectos relacionados aos DEF. Em 2021, o processo foi incluído na Agenda Regulatória
2021-2023, e os estudos continuaram a ser elaborados, com consultas a empresas, aos
entes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e a pesquisadores de
Instituições de Ensino, Pesquisa e Órgãos governamentais. Em junho de 2021, a ANVISA
concluiu a primeira versão do Relatório Parcial de Análise de Impacto Regulatório
(AIR)191.

Em 2022, em reunião de Diretoria Colegiada, o AIR foi aprovado. A Relatora,


em seu voto, entendeu que a alternativa sugerida de manutenção da proibição da
comercialização, importação, propaganda dos DEF, complementada pela adoção de

190
Cf. ANVISA. VOTO Nº 459/2023/SEI/DIRETOR-PRESIDENTE/ANVISA. Processo nº
25351.911221/2019-74. Disponível em:
<https://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/5548362/Voto+459+-+2023+-+Diretor-Presidente+-
+CP+1222+-+GGTAB.pdf/c4f6b24a-c037-4cee-b31e-e1e8383d2861>. Acesso em: 02 fev. 2024.
191
ANVISA. Op. cit.

80
medidas regulatórias não normativas, seria adequada ao enfrentamento do problema
regulatório identificado192. Segundo a Agência, entre julho de 2022 (mês da aprovação
do Relatório de AIR) e dezembro de 2023 – quando foi aberta a Consulta Pública sobre a
questão –, diversos órgãos públicos e agentes privados foram consultados193, e foram
revisitadas novas evidências científicas que surgiram nesse ínterim que, dentre outros,
incluiu, também, a observação do cenário regulatório desses produtos em outros países.

No momento de fechamento deste trabalho194, não havia definição acerca da


manutenção, ou não, da proibição dos cigarros eletrônicos. A despeito disso, algumas
considerações sobre este caso e sua relação com o non liquet administrativo podem ser
feitas.

A decisão consubstanciada na RDC n° 46/2009 possui elementos que a


aproximam de um non liquet administrativo. Seus fundamentos principais foram o
cenário de obscuridade fática, traduzido na incerteza científica decorrente da inexistência
de dados que comprovassem a eficiência, a eficácia e a segurança dos DEF; e o princípio
da precaução, invocado em razão do risco à saúde pública envolvido, em um contexto
que pode ser considerado de cautela administrativa. Como visto nos tópicos anteriores
deste trabalho, ambas as noções poderiam justificar uma decisão non liquet.

Além disso, embora tenha proibido a comercialização, a importação e a


propaganda dos dispositivos, a ANVISA abriu espaço para a admissibilidade do registro
dos produtos, condicionando-o, no entanto, à apresentação de estudos toxicológicos e
testes científicos específicos para a comprovação das finalidades alegadas, sujeitos à
análise técnica e aprovação pela Agência.

Após a proibição, a ANVISA promoveu diversos estudos e debates sobre o


tema, abrangendo especialistas no assunto e uma série de atores governamentais e da
sociedade civil, incluindo o setor produtivo tabagista, principal afetado, em termos

192
ANVISA. VOTO Nº 207/2022/SEI/DIRE3/ANVISA. Processo nº 25351.911221/2019-74. Disponível em:
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/air/analises-de-impacto-
regulatorio/2022/arquivos-relatorios-de-air/voto-no-207_2022_sei_dire3_anvisa.pdf. Acesso em: 02 fev
2024.
193
Dentre eles, Ministério da Saúde; INCA; Ministério de Justiça; Secretaria Nacional do Consumidor;
Receita Federal Brasileira; Polícia Federal; Polícia Civil de São Paulo; Polícia Rodoviária Federal (PRF);
Conselho Nacional de Secretários de Saúde; Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde;
Vigilâncias Sanitárias; Conselho Federal de Medicina; Sociedade Brasileira de Pediatria; Sociedade
Brasileira de Pneumologia e Tisiologia; Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de
Oncologia Clínica.
194
Fevereiro de 2024.

81
econômicos, pela medida. Todos esses procedimentos poderiam ser realizados após um
non liquet administrativo, de modo a proporcionar uma melhor avaliação da demanda e
possibilitar uma tomada de decisão mais assertiva e bem informada quanto ao mérito da
questão.

No entanto, há na RDC n° 46/2009 um elemento crucial que indica,


tecnicamente, o seu afastamento de non liquet administrativo: a decisão de proibir os
DEF.

Como visto na Introdução e no tópico 3.1 deste trabalho, o non liquet traduz
uma hipótese de abstenção de julgamento do mérito. O julgador – ou quem deve tomar
uma decisão –, diante de caso sobre o qual possui fundada dúvida, decide não julgar. Daí,
originalmente, poderiam decorrer dois efeitos: a substituição do julgador ou o adiamento
da decisão de mérito, para que se tenha mais tempo para refletir sobre o caso.

Não foi o que ocorreu pela decisão da ANVISA no âmbito da RDC n°


46/2009. Com base em motivos que poderiam fundamentar um non liquet, a Agência
optou por tomar uma decisão de mérito, em função do risco à saúde pública que uma
autorização para a comercialização, importação e propaganda de cigarros eletrônicos, sem
dados científicos que comprovassem sua segurança, poderia causar à população. À luz
dos interesses em jogo e dos dados que possuía àquele tempo, a ANVISA, valendo-se de
sua expertise, entendeu que esta era a escolha mais adequada – e isto não se questiona. O
poder geral de cautela administrativa (no caso, o princípio da precaução) permite – e pode
até exigir – a adoção de medidas cautelares que tais, que podem, em alguns casos, ser
proibitivas. Ocorre que, em situações como essa, a decisão administrativa não configura
um non liquet administrativo, uma vez que trata do mérito da questão.

Por estas razões, embora possua elementos que a aproximem de um non liquet
administrativo – são eles: os motivos e as medidas adotadas posteriormente para que se
chegasse a uma definição melhor informada do assunto –, a decisão da ANVISA no
âmbito da RDC n° 46/2009 não pode ser entendida como um non liquet administrativo.

3.6. Non liquet e decisões estruturais

O non liquet administrativo aqui estudado tem em si um caráter provisório,


que tem como finalidade possibilitar a superação das questões que tornam os fatos

82
obscuros ou das dúvidas sobre a aplicação do direito – como ocorria na segunda fase do
Direito Romano. Sua operacionalização tem inspiração nas decisões estruturais, em que
há uma cadeia de decisões. No processo civil, a decisão estrutural “estabelece o estado
ideal de coisas que se pretende seja implementado (fim) e o modo pelo qual esse resultado
deve ser alcançado (meios)”195. Há uma primeira decisão que, por meio de uma norma
jurídica de conteúdo aberto, aponta um objetivo a ser perseguido e o modo como tal meta
deve ser alcançada. A mesma decisão também estrutura a forma como se deve alcançar
esse resultado, estabelecendo condutas que devem ser observadas ou evitadas para que o
preceito seja atendido e o resultado, alcançado. Ocorre que apenas uma decisão pode não
ser bastante para alcançar os objetivos pretendidos. Nesses processos estruturais, dotados
de maior maleabilidade, admite-se que o juiz profira outras decisões ao longo do processo,
de modo a solucionar os problemas em “tempo real”.

Assim, em processos estruturais, é possível que o magistrado profira uma


decisão tratando apenas parcialmente da controvérsia, que dependerá da implementação
de medidas para que se possa obter a solução mais adequada para o problema. A
impossibilidade de se decidir de pronto em tais situações decorre da ausência de
elementos fáticos que permitam compreender qual a melhor solução, ensejando algumas
decisões ao longo do processo. Com isso, o juiz pode optar por não decidir alguns
pedidos, proferindo uma primeira decisão por meio da qual se objetiva esclarecer os
pontos obscuros, o que pode ser feito em diálogo com os demais sujeitos do processo196.

Não há vedação no ordenamento jurídico brasileiro para que procedimento


similar seja realizado no âmbito de um processo administrativo. Ao contrário, dos
diplomas normativos mais recentes, como a nova LINDB, é possível extrair fundamentos
para que assim se proceda197.

Assim funcionaria um non liquet administrativo: ao se deparar com uma


solicitação cujo mérito exija uma análise mais acurada, a Administração, em uma primeira
decisão, que aprecia o mérito sem julgá-lo, pronuncia o non liquet. Esta decisão tem como
conteúdo necessário (mas não exaustivo): (i) a indicação expressa do justo motivo que

195
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Elementos para uma teoria
do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. In: Revista do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro, nº 75, p. 101-136, jan./mar. 2020.
196
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit. p. 207.
197
É o que se percebe quando o art. 20 faz referência à necessidade de observância das consequências
práticas da decisão a ser tomada.

83
ensejou a decisão de não decidir; (ii) as medidas a serem implementadas para se chegar a
uma decisão de mérito, acompanhadas de seu método de aplicação; (iii) o estabelecimento
da periodicidade para a reavaliação da manutenção das bases que fundamentaram o non
liquet; e (iv) a fixação de novo prazo para reavaliar a questão, se possível.

Deve-se ter em mente que o non liquet administrativo é um instrumento


excepcional, que apenas deve ser utilizado mediante justo motivo, sob pena de sua
banalização. Uma decisão de não decidir carrega consigo custos de diversas ordens, além
de dificuldades inerentes à sua implementação. Sem um motivo fidedigno, não haverá
razão para a pronúncia de um non liquet administrativo, seja por sua complexidade ou
mesmo pelos seus possíveis custos. Por isso, e diante das dificuldades em se implementar
e controlar decisões desta ordem, devem elas ficar reservadas a casos em que sejam
efetivamente necessárias. A decisão deverá considerar as contingências e as necessidades
do caso e das partes, adequando as imposições àquilo que seja concretamente viável.

Considere-se, em um exemplo hipotético, uma solicitação para o


desenvolvimento de tecnologia industrial inédita no Brasil. O requerente pretende
desenvolver a tecnologia em área isolada de um pequeno Município. Se aprovada pelos
órgãos competentes, a empresa responsável pelo empreendimento espera gerar centenas
de empregos na localidade, o que beneficiará os cidadãos locais e promoverá o aumento
da receita municipal, direta e indiretamente, por meio da arrecadação de tributos. No
entanto, não se sabe os impactos que a tecnologia pode gerar sobre o espaço urbano local
e o meio ambiente, pois embora a documentação e o projeto apresentados pelo interessado
sejam consistentes, não é possível, em abstrato, ter certeza sobre as reais implicações do
empreendimento, em função de seu ineditismo.

Neste caso, o indeferimento de plano poderia acarretar considerável perda de


arrecadação pelo Município, além de gerar consequências sociais danosas, pelo
comprometimento da geração de empregos. De outro lado, o deferimento sem uma
avaliação acurada das consequências que a medida pode gerar é igualmente maléfica, pois
poderia propiciar a ocorrência de dano ambiental irreversível.

Imagine-se, ainda, um cenário em que uma agência reguladora de transporte


avalie a possibilidade de autorizar a operação de veículos autônomos para transporte de
passageiros. Algumas contingências e necessidades precisariam ser analisadas para a
tomada de decisão. A agência precisaria considerar a robustez dos sistemas de condução

84
autônoma para garantir que os veículos sejam seguros o suficiente para operar sem a
supervisão humana direta. Além disso, a tecnologia subjacente aos veículos, que pode ser
inovadora e desconhecida, também seria aspecto de verificação pela agência. Igualmente
importante seria a avaliação acerca da infraestrutura das estradas e do ambiente urbano,
a fim de verificar eventual necessidade de ajustes para acomodar os veículos de forma
segura e eficiente. Ainda, questões legais relacionadas à responsabilidade em caso de
acidentes ou falhas nos sistemas autônomos precisariam ser cuidadosamente analisadas.

Em tais circunstâncias, os prazos legais para a tomada de decisão podem ser


insuficientes, e decidir de forma apressada pode resultar em consequências adversas. Sem
tempo suficiente para avaliar todas as implicações e contingências, a agência poderia
autorizar uma tecnologia que ainda não está madura o suficiente, colocando em risco a
segurança da população. Além disso, uma decisão precipitada poderia resultar em
regulamentações inadequadas, levando a lacunas legais que prejudicariam tanto os
operadores de veículos autônomos quanto os passageiros.

Um indeferimento do requerimento para a autorização da atividade, por sua


vez, poderia resultar em perdas significativas sob o aspecto de inovação e de ganho de
receitas pelo governo. Sob a perspectiva do desenvolvimento tecnológico, um
indeferimento poderia atrasar a adoção e o avanço da tecnologia, impedindo o país de se
manter competitivo no mercado global e de colher possíveis benefícios econômicos e
sociais associados à inovação. Neste aspecto, a medida poderia desencorajar
investimentos futuros em inovação e tecnologia no país, afastando empresas e
investidores, que podem buscar mercados mais receptivos e previsíveis.

Em situações como as apresentadas, um non liquet administrativo, fundado


nos ideais das decisões estruturais, poderia levar a uma tomada de decisão mais adequada,
considerando as nuances do caso concreto.

3.7. Parâmetros para o non liquet administrativo

3.7.1. Casos de real complexidade

A decisão de não decidir em determinado momento não se aplicaria a


qualquer caso. A fim de evitar o risco de banalização do instrumento, este deve ser restrito

85
a situações específicas, que não são comuns ou rotineiras na Administração Pública, e que
envolvam desafios significativos ou nuances que podem não ter precedentes claros. São
situações que vão além dos cenários simples e diretos que normalmente são tratados pela
Administração. Portanto, casos que exprimam real complexidade, exigindo uma análise
mais profunda, a consideração cuidadosa das circunstâncias individuais e, eventualmente,
a aplicação de soluções inovadoras ou adaptadas para lidar com as particularidades
envolvidas. Não é possível definir em abstrato uma definição de complexidade que seja
aplicável a todos os casos, pois o próprio termo demanda um preenchimento à luz do caso
concreto. A despeito disso, alguns caminhos podem ser delineados.

São exemplos os casos que envolvem novas tecnologias ou práticas que ainda
não foram regulamentadas adequadamente pela legislação. Nessas situações, uma decisão
apressada, sem a avaliação dos impactos que uma regulação pode gerar, é capaz de
relevar-se equivocada no futuro, ao se constatar que nenhuma intervenção era necessária.
Conforme apontam Patrícia Baptista e Clara Iglesias Keller, “responder imediatamente
com uma nova regulação pode prejudicar o julgamento da opção regulatória de não agir,
e assim resultar em conformações normativas desnecessárias e num considerável
desperdício de recursos”198. Uma regulamentação prematura, segundo as autoras, pode
ter o efeito de inibir a capacidade de inovação, tanto no que diz respeito a aprimorar
elementos já existentes, quanto no surgimento de tecnologias ainda mais inovadoras. Por
isso, Baptista e Keller entendem que a escolha por aguardar, postergando a intervenção
para um momento de maior estabilidade institucional, se apresenta como medida mais
salutar, embora não se ignore os riscos que a opção pela espera pode gerar, como a inércia
regulatória e a consequente omissão. Embora trate especificamente de regulação, as
conclusões das autoras podem ser transportadas para a atividade administrativa geral.

Há outras situações em que a decisão administrativa de mérito pode exigir


mais tempo de análise. As hipóteses de demandas multissetoriais exemplificam o ponto.
Em determinadas circunstâncias, a resolução de um problema ou a tomada de decisões
exige a colaboração e a expertise de diferentes setores e órgãos dentro da Administração
Pública, o que gera uma complexidade processual. No contexto de análise de projetos que

198
BAPTISTA, P.; KELLER, C. I. Por que, quando e como regular as novas tecnologias? Os desafios
trazidos pelas inovações disruptivas. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 273, p. 123–163, 2016.
Disponível em: <https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/66659>. Acesso em: 06 ago. 2023.

86
abrangem aspectos científicos, ambientais, econômicos e sociais complexos, essa
abordagem se torna imperativa devido à interconexão intrínseca desses elementos.

A abordagem multissetorial é relevante porque decisões que impactam um


setor podem desencadear efeitos em outros, muitas vezes não óbvios à primeira vista. Ao
buscar o equilíbrio entre objetivos aparentemente conflitantes, como fomentar o
desenvolvimento econômico e garantir a sustentabilidade ambiental, uma análise
multissetorial entre órgãos se torna a chave para identificar trade-offs e antecipar
potenciais consequências adversas.

Em casos tais, uma análise aprofundada é necessária para compreender os


impactos sistêmicos e efeitos de longo prazo em cada setor. A interdependência entre os
aspectos de cada um deles pode criar cenários complexos, e soluções unilaterais têm o
potencial de resultar em problemas inesperados em outras áreas. Por isso, a coordenação
entre especialistas de diferentes órgãos, além de necessária, também enriquece a tomada
de decisões. É que cada órgão possui uma perspectiva única e insights que contribuem
para um entendimento mais abrangente da situação. A interação entre conhecimentos
especializados permite que soluções sejam avaliadas sob várias lentes, aumentando a
probabilidade de escolhas informadas e bem embasadas.

Portanto, a tomada de decisões administrativas coordenadas199 em casos que


se desdobram para mais de uma área da Administração Pública exige uma análise mais
acurada. A complexidade de situações que demandem uma visão ampla e colaborativa
para identificar interconexões, antecipar impactos e desenvolver soluções equilibradas
que levem em consideração não apenas os objetivos imediatos perseguidos pelo
administrado, mas também as implicações a longo prazo que a decisão pode gerar para a
sociedade, podem exigir o prolongamento dos prazos fixos previstos pela legislação.

199
Adota-se, aqui, a concepção de decisão administrativa coordenada em sentido amplo, uma vez que a
coordenação pode ocorrer, licitamente, mesmo que não se enquadre nos limites previstos no art. 49-A da
Lei n° 9.784/1999, incluído pela Lei n° 14.210/2021. Embora o caput do referido artigo indique que poderão
ser tomadas mediante decisão coordenada as decisões administrativas que exijam a participação três ou
mais setores, órgãos ou entidades, não há vedação para que a coordenação se dê entre apenas dois desses
agentes. Nesse sentido, v. MENDONÇA, José Vicente Santos de. Decisão administrativa coordenada:
limites e impossibilidades da lei na coordenação de decisões administrativas. In: CABRAL, Antonio do
Passo; MENDONÇA, José Vicente Santos de. (Coords.). Decisão administrativa coordenada: Reflexões
sobre o art. 49-A da Lei n° 9.784/1999. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022. pp. 31-45. Aqui, p. 40.

87
3.7.2. Margem de discricionariedade

O non liquet administrativo também estaria limitado pela margem de


discricionariedade que o gestor público teria sobre a avaliação de determinada solicitação.
Como já apontado, a decisão de não decidir é realizada com o intuito de obter uma análise
mais aprofundada e amadurecer a questão antes de se tomar uma decisão definitiva. Em
vez de tomar uma decisão precipitada ou inadequada, a Administração decide adiar a
conclusão do mérito até que informações mais detalhadas estejam disponíveis. Esse
adiamento permite uma avaliação mais completa dos fatores envolvidos, a consideração
de possíveis implicações e a ponderação cuidadosa das opções disponíveis. No entanto,
entende-se que essa abordagem somente se aplicaria aos casos em que a Administração
possua certa margem de discricionariedade para o julgamento da questão.

Isso porque, nos casos de atos vinculados, a decisão já está definida pela
legislação, deixando pouca ou nenhuma margem de escolha para a Administração. O non
liquet administrativo é uma ferramenta utilizada para adiar a decisão de mérito justamente
quando há espaço para julgamento e escolha. Sendo assim, se determinado sujeito
preenche todos os requisitos estabelecidos pela legislação para a concessão de uma
licença, a Administração é obrigada a concedê-la. Não há margem para discricionariedade
nesta hipótese, pois os critérios são claros e objetivos. Por outro lado, considere-se a
aprovação de um projeto de desenvolvimento urbano com potencial de alto impacto
ambiental. Nessa circunstância, a Administração Pública possui margem de
discricionariedade para aprovar ou rejeitar o projeto, com base em uma variedade de
fatores, como os riscos ao meio ambiente, a infraestrutura existente e os benefícios para
a comunidade. Se a Administração enfrentar incerteza normativa, obscuridades fáticas ou
perceber a necessidade de adotar uma postura de cautela ao avaliar o projeto, poderá, caso
isso se justifique na situação concreta, optar por adiar a decisão por meio do non liquet
para obter informações adicionais e considerar mais detalhes antes de tomar uma decisão.

3.8. Os riscos e as medidas paralelas necessárias para se chegar a uma decisão de


mérito

Deve-se reconhecer que a aplicação de um non liquet administrativo requer


cautelas sólidas para evitar consequências indesejadas, que poderiam tornar essa

88
abordagem contraproducente ou mesmo ilegítima. Sem limites bem definidos, o
adiamento sistemático de decisões importantes poderia resultar em inércia prolongada por
parte da Administração Pública, levando a questões sem solução, falta de clareza e
impactos econômicos e sociais negativos. Isso contradiz a intenção original por trás da
ideia de não decidir em circunstâncias específicas.

Tome-se como exemplo outro relato narrado no livro Noites Áticas. Em um


caso levado ao Procônsul da Asia, Cornelius Dolabela, uma mulher foi acusada de ter
envenenado seu segundo marido e o filho fruto deste segundo matrimônio. Perante o
Procônsul, a acusada provou que assassinou seu marido e seu filho porque estes, de forma
premeditada, causaram a morte de seu outro filho, decorrente do matrimônio anterior.
Dolabela, em dúvida sobre a questão, levou o caso ao Aerópago, em Atenas. Os
Aeropagitas, por sua vez, não pronunciaram um non liquet, mas decidiram citar o
acusador e a acusada para comparecerem novamente ao tribunal dentro de cem anos200.

O antigo relato é um exemplo ainda atual de prática decisória que tem por
finalidade evitar, propositalmente, o exame do mérito da questão apresentada. Os longos
atrasos e a indicação de prazos não razoáveis para a solução das demandas constituem,
nas palavras de Luiz Felipe Rosa Ramos, uma conhecida válvula de escape do sistema, e
podem ser mais graves que a própria recusa do pedido, uma vez que mantém as partes em
uma situação de nociva indefinição201.

Para evitar comportamentos indesejados como o ilustrado acima, algumas


medidas-chave devem ser implementadas para que o non liquet administrativo não seja
contraproducente. Abaixo, sugere-se algumas destas providências, em caráter não
exaustivo.

3.8.1. Motivação robusta

Para justificar uma decisão de caráter non liquet, a Administração deve


fornecer uma motivação robusta. Isso significa que, ao adiar a decisão de mérito, a
Administração deve detalhar claramente os motivos pelos quais a questão demanda uma

200
GELLIUS, Aulus. Noctes Actticae. Tradução de Francisco Navarro Y Calvo, Noches Áticas. Buenos
Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1959. pp. 150-151.
201
RAMOS, Luiz Felipe Rosa. Op cit. p. 122.

89
análise mais aprofundada, antes que se decida sobre o seu mérito. Isso ajudará a evitar o
uso arbitrário ou inadequado do instrumento.

A motivação dos atos administrativos pode ser traduzida como a enunciação


das condições de fato e de direito (motivos) que ensejaram a prática do ato administrativo.
Trata-se de uma declaração que reúne todas as razões determinantes da decisão, que
exprimam uma intenção justificadora do agir, com a demonstração da ocorrência concreta
dos pressupostos legais e a explicação de seu conteúdo, manifestando a composição dos
interesses considerados para adotar a medida adequada à satisfação do interesse público
no caso concreto202.

No Brasil, a motivação é tratada na Lei n° 9.784/1999 como princípio, no art,


2°203, e também como regra, expressa no art. 50204. Mas nem sempre foi assim. Por muito
tempo o direito administrativo adotou a regra da não obrigatoriedade de exposição dos
motivos do ato, salvo imposição explícita de norma. Esta compreensão passou a se
modificar a partir da década de 1970, especialmente diante de casos cujo objeto fosse a
restrição do exercício de direitos e atividades, a aplicação de sanções, a anulação ou
revogação e a imposição de sujeições205 – hipóteses que hoje estão previstas nos incisos
do art. 50 da Lei de Processo Administrativo federal. A despeito dessa mudança de visão
ascendente sobre o papel da motivação, a Constituição de 1988 não contemplou

202
ANDRADE, José Carlos Vieira de. O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos.
Coimbra: Almedina, 1992. p. 22.
203
Art. 2° A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade,
motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,
interesse público e eficiência.
204
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos
jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas
e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
§ 1° A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância
com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte
integrante do ato.
§ 2° Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os
fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 3° A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva
ata ou de termo escrito.
205
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 172.

90
expressamente a regra em seu texto. Entende-se, contudo, que a exigência de motivação
decorre da noção de Estado Democrático de Direito (art. 1°, CRFB) e dos princípios da
publicidade (art. 37, CRFB) e do contraditório (art. 5°, LVI, CRFB)206.

A motivação possui um aspecto formal e outro material. Em seu sentido


formal, é a própria exposição dos motivos que levaram à prática do ato administrativo. A
motivação material é a existência de pressuposto que autoriza a realização do ato207. A
motivação robusta exigida para o non liquet administrativo compreende ambos os
aspectos – formal e material –, e deve também ser suficiente.

A suficiência da motivação pode ser avaliada de várias maneiras. Em primeiro


lugar, é importante esclarecer que, mesmo sendo concisa, a motivação deve apresentar o
raciocínio seguido pelo administrador até chegar à prática do ato, evidenciando a ligação
entre os fatos e os fundamentos jurídicos que embasaram a decisão administrativa, bem
como o processo de tomada de decisão que levou a adotá-la, com a indicação da
justificativa. Para ser considerada suficiente, a motivação deve ser precisa, levando em
consideração as características específicas e as circunstâncias do caso em questão,
evitando o uso de termos genéricos e ambíguos208.

A exigência de fornecer uma motivação robusta para a aplicação do non liquet


administrativo na Administração Pública se alinha diretamente com a transparência, a
imparcialidade e a integridade do processo decisório. Quando a Administração decide
adiar a tomada de decisão de mérito, é fundamental que essa decisão seja fundamentada
de maneira clara e específica, destacando os elementos que contribuem para a
complexidade da questão em pauta e apresentando razões sólidas e embasadas para
justificar o adiamento da decisão. Isso vai além de simplesmente declarar que a questão
é dotada de obscuridade ou que é necessário aguardar o seu amadurecimento: envolve,
em verdade, o detalhamento dos aspectos que a tornam intrincada e demandam uma
análise mais profunda.

Essa motivação robusta confere uma proteção contra o uso arbitrário ou


inadequado do non liquet administrativo. A necessidade de explicar claramente por que

206
Idem. Loc cit.
207
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit. p. 11.
208
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Motivo e Motivação do Ato Administrativo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1979. p.128. No mesmo sentido, GOMES, Jose Osvaldo. Fundamentação do Acto
Administrativo. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editores, 1981. p. 121.

91
uma questão é verdadeiramente passível de uma decisão de não decidir ajuda a evitar que
a Administração adote essa abordagem como uma maneira de evitar a tomada de decisões
difíceis. Além disso, ao expor os fundamentos que justificam o adiamento, a
Administração constrói um arcabouço argumentativo que pode ser revisado por partes
interessadas e avaliado quanto à sua juridicidade.

3.8.2. Reavaliação das bases que fundamentaram o non liquet administrativo

A reavaliação constante dos fundamentos que ensejaram a decisão de


adiamento desempenha um papel fundamental na aplicação bem-sucedida do non liquet
administrativo, pois permite que a Administração se adapte a eventuais mudanças nas
circunstâncias e evite a estagnação administrativa. Essa prática, inspirada no conceito de
decisão estrutural, envolve uma abordagem em que a Administração, com periodicidade
definida, reexamina a situação subjacente à decisão adiada, de modo a verificar se as
condições que justificaram a decisão persistem. Caso a situação tenha evoluído de tal
forma que a obscuridade, e.g., já tenha sido dirimida, a Administração pode – e deve –
optar por tomar uma decisão definitiva sobre o mérito.

3.8.2.1. Indicação de prazo razoável para a reavaliação

Em regra, uma indefinição temporal associada à decisão de adiamento não


deve ser admitida, pois pode potencialmente resultar em uma inação prolongada por parte
da Administração. Nesse contexto, a ausência de um prazo definido para a reavaliação da
questão geraria um estado de incerteza prejudicial, tanto para os cidadãos quanto para o
funcionamento eficiente da Administração Pública.

Esse cenário poderia levar a uma paralisia decisória, onde as questões em


análise são postergadas indefinidamente – o que não se coaduna com a própria ideia
circunstancial atinente à decisão de não decidir. Aqui também há um risco, que não é
diminuto, de a Administração estabelecer prazos muito longos, desproporcionais, para
decidir209. Nesse cenário, seria possível suscitar os efeitos do silêncio administrativo.

Esse risco decorre da permanente desconfiança que se tem sobre a celeridade da atividade administrativa,
209

que, não raro, demora meses ou até anos para proferir uma decisão. Cf. ARAUJO, Valter Shuenquener de.
Lei da liberdade econômica. Tendências e desafios no novo marco regulatório da livre iniciativa. pp. 40-

92
De modo a evitar tais problemas, é imprescindível que um prazo razoável seja
estabelecido para a reavaliação da questão e, se possível, a subsequente tomada de
decisão. Essa medida, que encontra paralelo nas decisões estruturais do processo civil,
serve como uma salvaguarda contra a inação prolongada e assegura que a Administração
não descaracterize a possibilidade de adiar decisões de mérito por razões fundamentadas.
Ao definir um limite temporal, o sistema administrativo demonstra seu compromisso com
a eficácia e a eficiência na gestão pública.

A definição de um prazo razoável também promove a transparência e a


accountability no processo decisório. As partes envolvidas podem ter uma expectativa
razoável de quando uma decisão será tomada – ou, ao menos, de quando a questão será
novamente apreciada –, o que evita incertezas desnecessárias e contribui para a
previsibilidade no âmbito administrativo. Além disso, a fixação de um prazo reflete a
capacidade da Administração de equilibrar a necessidade de aprofundamento com a
responsabilidade de oferecer soluções oportunas.

Dessa forma, o estabelecimento de um prazo razoável para a reapreciação da


questão e a tomada subsequente de decisão é uma medida que contribui para a
funcionalidade e a integridade de um non liquet administrativo. Isso atende às
necessidades das partes envolvidas, ao mesmo tempo em que assegura que o adiamento
não se transforme em uma ferramenta de inação prolongada.

3.8.3. Aproximação colaborativa junto ao administrado

“O ato unilateral garante eficazmente a submissão, mas é incapaz de suscitar


o entusiasmo e o desejo de colaboração”210. Estas palavras de García de Enterría e
Tomás-Ramón Fernández sinalizam o incômodo da literatura de Direito Administrativo
atual com um modelo de Administração Pública verticalizada. Esta atuação pautada por
atos unilaterais decorre, historicamente, de uma cultura jurídica romano-germânica,

50. In: Transformações do direito administrativo: liberdades econômicas e regulação. Organizadores


LEAL, Fernando; MENDONÇA, José Vicente Santos de. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2019.
210
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo.
Tradução José Alberto Froes Cal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 672.

93
consideravelmente forte em países cuja tradição do Direito Administrativo advém do
pensamento francês211.

A Escola da puissance publique212 pautava-se pela concepção de poderes


administrativos a partir de uma relação de verticalidade, em que a Administração
apresentava características de atuação marcadas pela unilateralidade, imperatividade e
autoexecutoriedade. Todas essas noções, consideradas pilares da atuação administrativa,
conflitavam com os ideais de consenso na relação entre Administração e administrados.
A tradição do direito administrativo era a de desconfiança dos interesses privados, a partir
de uma crença absoluta no interesse público que deveria ser protegido pela
Administração213.

O desenvolvimento de outros modelos jurídicos estatais ao longo do tempo


impulsionou transformações no Direito Público. Atualmente, entende-se que a atuação
verticalizada da Administração Pública214 já não é mais adequada às necessidades de uma
sociedade complexa e de um mundo globalizado. Fala-se, assim, em um Estado
consensual, nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Este Estado é marcado
por comportamentos que indicam a busca das soluções negociadas, nas quais a
consensualidade mitiga as dificuldades, maximiza os benefícios e minimiza as
inconveniências para todas as partes, pois a aceitação de ideias e de propostas livremente
discutidas é o melhor reforço que pode existir para um cumprimento espontâneo e
frutuoso das decisões tomadas215.

O consenso, embora não seja um resultado necessário de uma decisão de não


decidir, está inserido em contexto que interessa às finalidades de um non liquet

211
NEVES, Cleuler Barbosa das; FERREIRA FILHO, Marcílio da Silva. Dever de consensualidade na
atuação administrativa. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 55, n. 218, p. 63-84, abr./jun. 2018.
Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/55/218/ril_v55_n218_p63>. Acesso em: 29 set.
2023.
212
Cf. HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public. Paris: Dalloz, 1933.
213
BAPTISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. 2ª ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2018.
214
Vasco Manoel Pascoal Dias Pereira da Silva afirmava que as manifestações da Administração Pública,
em sua origem, detinham caráter autoritário, pois direcionadas a reprimir ações particulares que colocavam
em xeque os direitos de vida, liberdade e propriedade. SILVA, Vasco Manoel Pascoal Dias Pereira da. Em
Busca do Ato Administrativo Perdido. Coimbra: Almedina, 1995. p. 40 e ss.
215
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, direito e Estado: o direito administrativo em tempos
de globalização. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 143.

94
administrativo. É que ambas as ideias fazem parte de uma conjuntura de incremento da
participação administrativa216.

É nesse cenário que a aproximação junto ao administrado e a busca


colaborativa por informações aparecem como elementos que podem ser imprescindíveis
para uma decisão de mérito bem fundamentada seja proferida, seja deferindo ou
indeferindo o que se pede. A criação de um ambiente dialógico e cooperativo entre a
Administração e o administrado pode enriquecer a análise da questão e garantir que todas
as informações relevantes sejam consideradas, minimizando as chances de decisões
arbitrárias ou incoerentes. Essa aproximação, que é um efeito possível do non liquet
administrativo, decorre, nesta hipótese, do direito à boa administração, uma vez que a
Administração Pública, ao assim proceder, caminha para obter as melhores decisões
públicas, a partir de procedimentos que geram motivos qualificados para subsidiar a
decisão final217.

Conforme aponta Cíntia Morgado, com a abertura da Administração à


realidade, o administrador deve integrar em suas decisões a voz do cidadão, que deixa de
ser um sujeito passivo – o administrado – para ativamente participar. Transparência e
participação, em tal perspectiva, passam a ser os pilares da nova forma de governar e
administrar sociedades complexas. Com isso, consequentemente, é reconhecido a favor
dos administrados o direito de intervir na adoção de decisões administrativas que afetem
os seus interesses, individuais ou coletivos, pois compreende-se que le não é mero súdito,
sujeito inerte e indefeso, simples beneficiário de atuações paternalistas ou agraciáveis da
Administração. Segundo a autora, “há que se mobilizar todo o conhecimento disponível
em sociedade em benefício da melhoria da performance administrativa e da
democratização dos processos decisórios”218.

Assim, a partir de uma colaboração ativa, a Administração poderia


estabelecer canais de comunicação abertos com o administrado envolvido na questão,
permitindo que ambas as partes compartilhem informações, perspectivas e desafios,

216
DROMI, Roberto. Nuevo Estado, Nuevo Derecho. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1999. p. 340.
217
PONCE, Juli, The Right to Good Administration and the Role of Administrative Law In Promoting Good
Government. Janeiro de 2016. Disponível em: SSRN: <https://ssrn.com/abstract=2737538>. Acesso em: 04
jan. 2023.
218
MORGADO, Cíntia. Direito à boa administração – Recíproca dependência entre direitos fundamentais,
organização e procedimento. Revista de Direito da Procuradoria Geral, n° 65, p. 68 a 94. Rio de Janeiro.
2010. Disponível em: <https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MTE0Ng%2C%2C>.
Acesso em: 23 dez. 2023.

95
contribuindo para uma análise mais completa. Ao permitir que o administrado
compartilhe dados relevantes sobre o tema em análise, a Administração obtém acesso a
perspectivas que podem ser importantes para uma análise aprofundada. Isso também
ajuda a identificar soluções alternativas ou mitigadoras que podem não ter sido
consideradas inicialmente, bem como a detectar riscos e problemas ocultos, permitindo
que a Administração tome medidas preventivas ou corretivas. O administrado pode,
ainda, oferecer insights sobre como a decisão poderia afetar sua situação específica e a
sociedade, e como isso poderia repercutir em termos mais amplos.

Nesse contexto, em casos nos quais a complexidade esteja acompanhada de


algum grau de inovação – e.g. a importação para o Brasil de tecnologia energética inédita
no país –, um conceito semelhante ao de sandbox219 regulatório poderia ser aplicado em
uma escala individual. A colaboração entre a Administração e o administrado se daria em
um ambiente controlado e temporário220, onde experimentações e testes seriam
conduzidos para coletar informações e insights adicionais. Essa abordagem permitiria
entender melhor as complexidades da questão e indicar possíveis tratamentos para a
definição do mérito, o que poderia, observada a legislação de regência, levar ao
desenvolvimento de soluções mais adaptadas e customizadas às circunstâncias
específicas do caso.

É necessário, contudo, que a busca colaborativa por informações seja


conduzida de maneira transparente, com procedimentos e diretrizes claras. Isso ajuda a
estabelecer confiança entre a Administração e o administrado, bem como a evitar a
manipulação indevida do processo.

A aproximação junto ao administrado não é uma novidade na ordem jurídica


brasileira. Diversos instrumentos processuais possibilitam, com maior ou menor grau, a
integração entre Administração e Administrado221. As consultas públicas, as audiências
públicas e os colegiados públicos são exemplos. Ainda mais ilustrativa é a participação
do administrado na elaboração de contratos públicos. Nesses casos, abre-se espaço para
participação por meio de instrumentos como o Procedimento de Manifestação de

219
Cf. FEIGELSON, Bruno. Sandbox e o Direito Exponencial. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade
de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
220
Nesses casos, os custos decorrentes da implementação desse ambiente, a princípio, caberiam ao
interessado.
221
MODESTO, Paulo. Participação Popular na Administração Pública: mecanismos de operacionalização.
Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 2,
abril/maio/junho, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 26 ago. 2023.

96
Interesse (PMI), cujo objetivo é permitir, antes da fase de contratação, que empresas
privadas apresentem estudos, projetos, levantamentos e investigações que poderão ser,
futuramente, utilizados pelo Poder Público para modelar o objeto222. Menos formal, mas
igualmente empregado pela Administração, são os roadshows, que consistem em uma
série de audiências realizadas para divulgar determinado projeto a potenciais
interessados223.

O fundamento para uma aproximação colaborativa junto ao administrado está


disposto no art. 33 da Lei n° 9.784/1999, que cria um permissivo para a utilização de
outros meios de participação dos administrados:

Art. 33. Os órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante, poderão


estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou por
meio de organizações e associações legalmente reconhecidas.

Este dispositivo, segundo Nohara e Marrara, abre espaço para que a


Administração – neste caso, a Federal, mas a ideia aplica-se também aos demais entes da
federação – utilize outros mecanismos para a participação da população e de entes
interessados no objeto de seus processos administrativos. Segundo eles, a autoridade
competente poderá, por exemplo, realizar conferências, encontros, enquetes pela internet
ou organizar outros tipos de participação presencial, além da consulta e da audiência
pública224.

Não há, portanto, uma forma específica a ser seguida pela Administração
Pública para uma aproximação. O melhor formato pode ser – e é desejável que o seja -
desenhado de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Deve-se atentar, contudo,
para os perigos que tal expediente pode gerar. É que também aqui há o risco de
contaminação indevida das decisões administrativas225.

Para que se chegue a uma decisão de mérito em um processo administrativo


cuja solicitação demande medidas para o esclarecimento de aspectos práticos ou jurídicos,
a aproximação junto ao administrado é medida que pode ser necessária. Mas esse contato

222
GARCIA, Flávio Amaral. A participação do mercado na definição do objeto das parcerias público-
privadas: o procedimento de manifestação de interesse. Revista de Direito Público da Economia – RDPE,
Belo Horizonte, ano 11, n° 42, abr./jun. 2013. p. 3.
223
MORENO, Maís. A participação do administrado no processo de elaboração dos contratos de PPP.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 194.
224
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/1999 comentada.
2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 244.
225
MORENO, Maís. Op. cit. pp. 201-204.

97
com o privado pode conduzir a uma tomada de decisão que, por motivos escusos,
interesse apenas ao administrado. Alguns fatores, mesmo que não configurem ilícitos,
também podem viciar a decisão, como nos casos em que a escolha por determinada opção
dependa de uma avaliação política226.

Tais riscos, porém, são inerentes a todo procedimento de abertura para a


participação dos administrados. Ele integra a essência de uma Administração Pública
democrática. Não se deve por isso limitar a abertura à participação, mas encontrar
caminhos que mitiguem os problemas que dela decorrem. Como aponta Alexandre Santos
de Aragão, não é razoável fechar as portas para mecanismos mais eficientes (e às vezes
os únicos à disposição) de atendimento dos interesses públicos por haver a chance de
desvirtuamento do seu uso para propósitos menos nobres, sobretudo porque, pela
experiência histórica brasileira, vê-se que qualquer metodologia pode ser aproveitada
para facilitar desvios de conduta227.

Maís Moreno também assinala que nem sempre a influência de interesses


diversos daqueles identificados pela Administração como “públicos” implicará
desvantagem para o Poder Público. Para ela, na verdade, muitas das decisões tendem a
ser mais legítimas quando influenciadas por interesses de agentes externos ao corpo da
Administração228.

A fim de mitigar os riscos que circundam a aproximação entre as partes,


garantir a transparência dos atos e do processo administrativo é providência que se faz
imprescindível, especialmente em casos em que a decisão de mérito esteja inserida em
um contexto de inovação e experimentação. Quanto mais obscuros são os fatos e mais
complexo é o caso, maior atenção se requer à publicidade.

Por todos esses pontos, a aproximação colaborativa entre Administração


Pública e administrados é medida que aparenta ser adequada para que se chegue a uma
decisão de mérito com maior acurácia. E isso não significa que a Administração, pela
aproximação, está vinculada a um deferimento da solicitação. O processo pode levar a

226
ARAUJO, Valter Shuenquener de. Os quatro pilares para a preservação da imparcialidade técnica das
agências reguladoras. Revista Jurídica da Presidência. Brasília. V. 20 n. 120. Fev./Maio 2018. p. 64-91.
227
ARAGÃO, Alexandre Santos de. A consensualidade no direito administrativo: acordos regulatórios e
contratos administrativos. Boletim de licitações e contratos, São Paulo, v. 19, n° 9, p. 827-840, set. 2006.
228
MORENO, Maís. Ibid. p. 204.

98
uma conclusão pelo deferimento ou pelo indeferimento do pleito do administrado. Em
ambos os casos, a decisão deverá ser devidamente motivada.

3.9. Inaplicabilidade do non liquet na esfera do direito administrativo


sancionador

Por este último parâmetro apresentado, percebe-se que o non liquet


administrativo pode comportar espaço para uma atuação administrativa mais flexível. Isto
possibilita que a Administração, eventualmente, prescinda de algumas formalidades, à luz
do princípio do formalismo moderado, para atender a interesses que podem garantir a
maior eficiência do processo administrativo. Esta característica de uma decisão non liquet
pode não harmonizar com os interesses em jogo em determinados tipos de processos,
sobretudo aqueles que guardem relação com o exercício do poder punitivo estatal. É o
que ocorre com processos administrativos sancionadores.

Ao sancionar os particulares, a Administração lhes impõe gravame que afeta


severamente a sua esfera de direitos fundamentais, razão pela qual o grau de garantia
constitucional, com a aplicação de um robusto sistema de princípios e regras voltados à
proteção dos administrados contra arbitrariedades, deve ser mais intenso229. Por isso,
passou a se reconhecer que há uma aproximação entre a sistemática constitucional
aplicável ao direito administrativo sancionador e aquela estabelecida para o direito
penal230. É o que reconhece o Superior Tribunal de Justiça, quando afirma que

"(...) à atividade sancionatória ou disciplinar da Administração Pública se


aplicam os princípios, garantias e normas que regem o Processo Penal comum,
em respeito aos valores de proteção e defesa das liberdades individuais e da
dignidade da pessoa humana, que se plasmaram no campo daquela
disciplina"231.

Para Fábio Medina Osório, vigora a ideia de que o Estado possui um único e
unitário poder punitivo, que estaria submerso em normas de direito público. Tal

229
BINENBOJM, Gustavo. O direito administrativo sancionador e o estatuto constitucional do poder
punitivo estatal. Possibilidades, Limites e aspectos controvertidos da regulação do setor de revenda de
combustíveis. Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, Edição Especial: Administração
Pública, Risco e Segurança Jurídica. 2014. pp. 468-491.
230
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 131.
231
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RMS 24559/PR, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª
Turma, j. 03.12.2009, DJe 01.02.2010.

99
caracterização teórica do poder punitivo do Estado tem múltiplas consequências, e,
paradoxalmente, parcelas das situações que lhe servem de premissa são problemáticas,
sendo a mais importante destas consequências a aplicação de princípios comuns ao
Direito Penal e ao Direito Administrativo Sancionador, reforçando-se, com isso, as
garantias individuais232.

Pela premissa da existência de uma unidade do ius puniendi estatal233, na


medida em que tanto as sanções administrativas quanto as penais são aplicadas pelo
Estado, é que se vislumbra a transposição de alguns dos princípios constitucionais e
institutos aplicáveis do Direito Penal para o Direito Administrativo Sancionador, com a
finalidade de assegurar a contenção do arbítrio e dos excessos na atuação administrativa
sancionatória234.

Alice Voronoff, sob a ótica da legalidade, critica uma aproximação absoluta


entre o direito administrativo sancionador e o direito penal. Segundo a autora, não há
fundamento jurídico para uma extensão automática da legalidade estrita do direito penal
ao direito administrativo sancionador235. Mas, a partir de uma leitura da atividade
sancionatória da Administração Pública sob a noção de juridicidade, considerando que a
atividade sancionatória é, em regra, mais gravosa do que a atuação administrativa em
geral, entende a autora que deve-se exigir um “padrão de legalidade mais exigente do
que aquele reconhecido ao direito administrativo em geral”236. Aponta Voronoff que os
administrados têm direito de não ser surpreendidos, de saber de antemão a que restrições
estão sujeitos e quais as possíveis consequências de suas escolhas, o que decorre de uma

232
OSÓRIO, Fábio Medina. Ibid., p. 120.
233
Vale ressaltar que a existência de um ius puniendi estatal é criticada por parcela da literatura. Alejandro
Nieto aponta que a tese do ius puniendi estatal foi erigida à categoria de dogma do Direito Administrativo
Sancionador, em função da ausência no regime jurídico-administrativo de ferramenta hábil a disciplinar a
atividade sancionatória estatal e, ao mesmo tempo, garantir os direitos dos particulares. NIETO, Alejandro.
Derecho Administrativo Sancionador. Madrid: Tecnos, 1993. p. 20.
Juliana Bonacorsi de Palma sustenta que, na realidade, o fundamento da competência sancionatória da
Administração Pública não seria o ius puniendi estatal, mas a prerrogativa sancionatória prevista nos textos
legais, a ser exercida nos termos e limites definidos pelo regime administrativo ao qual se relacione.
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação administrativa consensual: estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) - Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p.73.
234
ARAUJO, Valter Shuenquener de; BRANCO, Thaís Ramos Estrella; COSTA, Vítor do Nascimento.
Transposição de institutos do direito penal para o direito administrativo sancionador. Revista Quaestio
Iuris, [S. l.], v. 13, n. 02, p. 738–764, 2020. DOI: 10.12957/rqi.2020.40568. Disponível em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/quaestioiuris/article/view/40568. Acesso em: 15 fev. 2024.
235
VORONOFF, Alice. Direito Administrativo Sancionador no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p.
219.
236
Idem, p.230-231.

100
demanda por previsibilidade. Portanto, se o Estado possui mais poder para afetar direitos
fundamentais e outros interesses protegidos, é também mais importante que as balizas
para combater possíveis arbitrariedades estatais sejam definidas.

Conforme Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Flávio Amaral Garcia,


valendo-se de lição de Fábio Medina Osório, a utilização de cláusulas gerais e conceitos
jurídicos indeterminados na estruturação de tipos sancionadores não pode invadir esferas
privativas dos indivíduos ao criar uma ambiência de incerteza e inadmissível
imprevisibilidade conceitual do tipo sancionador237. Este ponto serve para demonstrar que
as ideias aplicáveis ao direito administrativo sancionador seguem na contramão do
conteúdo de uma decisão non liquet administrativa, pois esta, como visto no tópico 3.6,
pode se valer de conteúdo aberto para atingir a sua finalidade, sendo possível a construção
customizada dos melhores caminhos, de acordo com cada caso.

Por estas razões, entende-se que o non liquet administrativo encontra limite
em processos administrativos sancionadores, não devendo ser aplicado a estas matérias,
de modo a garantir a preservação dos direitos dos particulares, que devem ter no âmbito
de seu processo maior grau de previsibilidade e de segurança jurídica.

3.9.1. É admissível um non liquet definitivo?

Embora se reconheça que, em sua origem, uma das vertentes do non liquet
refletia justamente a possibilidade conferida ao juiz para que este se abstivesse de analisar
o mérito da questão, no Brasil atual, a incidência do direito constitucional de petição com
o subjacente dever de resposta que surge para a Administração Pública, ao lado do dever
de decidir previsto na Lei n° 9.784/1999, faz com que o espaço de conformação de uma
decisão de não decidir o mérito de forma definitiva seja ínfimo. A decisão de não decidir
não pode ser um prolongamento temporal ad infinitum da decisão sobre o mérito da
questão em análise238. Se assim fosse, não haveria diferença prática entre a decisão non
liquet e o silêncio administrativo ilícito que se pretende evitar com a medida. Além disso,

237
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; GARCIA, Flávio Amaral. A principiologia no Direito
Administrativo Sancionador. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 28,
novembro/dezembro/janeiro - 2012. Salvador, Bahia, Brasil. ISSN 1981-1861.
238
NIETO. La inactividad de la Administración y el recurso contencioso-administrativo. Revista de
Administración Pública, p. 122.

101
os efeitos práticos de uma decisão nesses moldes tendem a ser idênticos ao de um
indeferimento.

3.9.1.1. Non liquet definitivo em casos que possuam natureza opinativa

Mas, em casos que possuam natureza meramente opinativa, sem caráter


decisório, aparenta ser possível uma decisão non liquet conclusiva, isto é, de natureza
definitiva, e não apenas provisória. É o que ocorre em procedimentos de consulta (e.g.
pareceres jurídicos internos, que servem para subsidiar o processo administrativo), que
têm a finalidade de proporcionar maior segurança jurídica. Se a natureza da manifestação
é opinativa, não faria sentido exigir do consultor a resposta à consulta em um cenário de
obscuridade. Uma obrigação como tal poderia levar ao resultado oposto daquele
pretendido por meio da consulta, gerando maior insegurança jurídica e possíveis escolhas
equivocadas239.

Nestas situações, seria admissível o encerramento da consulta por um


pronunciamento non liquet definitivo: o consultor, de forma justificada, poderia encerrar
a consulta indicando não haver elementos para externar a conclusão adequada ao caso.

3.10. Fundamento normativo do non liquet administrativo

A possibilidade de uso do non liquet pela Administração Pública também


enseja indagações quanto a sua adequação e viabilidade no que diz respeito à legalidade.
É que, como já mencionado, não há disposição específica no ordenamento jurídico
brasileiro que permita a utilização do instrumento, seja na esfera judicial ou
administrativa. Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n°
2.481/2022 (“PL”), que tem por objetivo “dinamizar, unificar e modernizar o processo
administrativo nacional”240, a partir de alterações na Lei n° 9.784/1999. De acordo com
o Relatório Final da Comissão de Juristas responsável pela elaboração das disposições
que, se aprovadas, promoverão alterações na Lei de Processo Administrativo, o trabalho
da Comissão foi pautado por diretrizes decorrentes de temas entendidos como centrais no

CABRAL, Antônio do Passo. Op cit. p. 283.


239
240
BRASIL. Senado Federal. Relatório Final da Subcomissão do Processo Administrativo - Exposição de
motivos n. 1/2022/CJADMTR. Brasília, 2022.

102
processo administrativo, dentre os quais, a fixação de prazos específicos para as etapas
de instrução e decisão e para a conclusão do processo, com o objetivo de se concretizar,
em todos os níveis, a duração razoável do processo. Embora o PL confira tratamento ao
silêncio administrativo, nada diz sobre a possibilidade de uma decisão de não decidir por
parte da Administração – o que é natural, uma vez que o assunto ainda é incipiente no
país.

Idealmente, uma previsão legal específica sobre o non liquet administrativo


contribuiria para conferir segurança ao processo decisório e à situação jurídica do
administrado no bojo do processo administrativo – o que, em tese, poderia acontecer por
meio da inserção de dispositivo(s) no próprio PL n° 2.481/2022, que continua em trâmite
na data de fechamento deste trabalho. A despeito disso, pelos motivos expostos a seguir,
aparenta ser possível o uso desta ferramenta decisória mesmo sem tratamento legal
específico, a partir de uma interpretação conjunta do sentido de algumas normas
constitucionais e legais.

3.10.1. Preliminarmente: o direito de petição, o dever de decidir e o princípio da duração


razoável do processo não vedam o non liquet administrativo

Do direito constitucional de petição assegurado aos cidadãos e demais


pessoas decorre o dever, para o Estado, de responder à solicitação em prazo razoável. Não
decorre da norma, contudo, a exigência de que a Administração deve decidir o mérito na
primeira oportunidade, como visto anteriormente. Seria intuitivo, então, apontar para o
dever de decidir consagrado nos arts. 48 e 49 da Lei n° 9.784/1999, que estabelecem
explicitamente à Administração um dever de decisão. Mas, embora exija-se que a
Administração Pública emita uma decisão, também não se determina que esta verse sobre
o mérito da questão no primeiro momento de sua análise. Esta exigência, em verdade,
seria irreal e contraproducente, pois poderia (i) gerar decisões equivocadas, em nome de
uma busca irracional de celeridade ou (ii) ocasionar uma paralisia administrativa241, pela
qual o administrador, por medo de decidir errado e atrair para si uma responsabilização
futura242, prefere o silêncio.

241
SMITH, Peter. On the unintended consequences of publishing performance data in the public sector.
International Journal of Public Administration, 18, 1995. pp. 277-310. Aqui, 299-300.
242
Remete-se, aqui, ao direito administrativo do medo. Cf. GUIMARÃES, Fernando Vernalha. O Direito
Administrativo do Medo: a crise da ineficiência pelo controle. Direito do Estado, Ano 2016 Num. 71.

103
Sobre este segundo ponto, Pedro de Hollanda Dionísio aponta que dentre os
interesses incorporados pelo administrador público em sua equação decisória, costuma
estar a probabilidade de ser processado e responsabilizado pessoalmente por erros
decorrentes da opção adotada. O medo de ser sancionado por erros escusáveis, gera um
ambiente de imprevisibilidade e insegurança jurídica que tende a trazer sérios prejuízos à
decisão do gestor público. A maior ou menor possibilidade de ser responsabilizado
pessoalmente pela decisão tomada, e não a realização do interesse público no caso
concreto, passa a ser um dos principais critérios de escolha entre as opções possíveis243.

Portanto, é possível compreender que, das três normas vistas até este ponto
do trabalho – direito de petição, duração razoável do processo e dever de decidir da Lei
de Processo Administrativo –, deriva uma vedação ao silêncio administrativo e a um non
liquet definitivo – institutos que, embora diversos, geram o mesmo efeito de não resposta
ao administrado. O non liquet administrativo como aqui proposto – uma primeira decisão,
por meio da qual, após identificado um risco ou uma obscuridade insuperável naquele
momento, adotam-se medidas para se chegar a uma decisão de mérito – parece possível.

3.10.2. O art. 45 da Lei n° 9.784/1999 como norma autorizativa abrangente do non liquet
cautelar

Conforme desenvolvido no item 3.5.4 deste trabalho, o poder geral de cautela


administrativa é uma das razões que podem justificar um non liquet administrativo.
Ocorre que este poder acautelador, além de atuar como um motivo, também desempenha
um papel relevante como base jurídica para fundamentar o uso da decisão de não decidir,
especialmente em um cenário de ausência de lei específica sobre o tema.

Como visto, o art. 45 da Lei de Processo Administrativo federal é o


fundamento normativo para a existência de um poder geral de cautela no âmbito da
Administração Pública244. Da norma extraem-se dois elementos – que também são
percebidos como requisitos – que caracterizam a cautelaridade administrativa: a

Disponível em: < http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/fernando-vernalha-guimaraes/o-direito-


administrativo-do-medo-a-crise-da-ineficiencia-pelo-controle>. Acesso em: 26 dez. 2023.
243
DIONÍSIO, Pedro de Hollanda. O direito ao erro do administrador público no Brasil: contexto,
fundamentos e parâmetros. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2019. p. 106-107.
244
Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências
acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.

104
possibilidade de adoção de medidas inaudita altera pars e o dever de motivação245. Em
uma primeira leitura, vê-se que a regra se dirige a situações em que exista risco iminente,
fator sem o qual não poderia a Administração adotar providências acauteladoras sem
ouvir o interessado. De fato, a solução é correta, pois pretende-se com isso mitigar a
possibilidade de ocorrência de danos que podem ser irreparáveis. Nesses casos, o art. 45
cria uma exceção a adoção de medidas sem a prévia manifestação do interessado.

Mas, em uma segunda leitura, percebe-se que a norma não significa apenas
isso. É certo que, ausente o risco iminente, inexiste autorização para que a Administração
Pública adote medida sem ouvir o interessado. Porém, não há vedação a que, após
manifestação deste, a Administração possa adotar medidas acauteladoras sem que haja
um perigo imediato.

Em suma, a partir desta leitura a contrario sensu da norma, constata-se que o


poder geral de cautela administrativa pode ser exercido mesmo em circunstâncias que não
caracterizam risco iminente. Basta, nestes casos, que à parte interessada seja conferida a
possibilidade de se manifestar previamente sobre a medida a ser adotada. Observada esta
exigência e o dever de motivação, uma decisão non liquet fundada em um poder geral de
cautela da Administração Pública encontraria amparo legal, mesmo sem previsão
específica.

3.11. O controle do non liquet administrativo

3.11.1. Preocupação com o risco de judicialização de demandas cujo objeto seja o non
liquet administrativo

Em abstrato, não é difícil imaginar que um non liquet administrativo poderia


ensejar preocupações concernentes a um aumento do número de litígios administrativos
levados a uma resolução pelo Poder Judiciário, sobretudo ao se considerar a inexistência
de um tratamento legal específico sobre o tema. Questionamentos de tal natureza são
válidos e necessários ao aprimoramento da atividade administrativa. Parece, no entanto,
que a admissão de uma decisão non liquet, conforme proposto neste trabalho, poderia, na

245
CABRAL, Flávio Garcia. Op.cit. p. 147.

105
realidade, evitar que mais demandas decorrentes de processos administrativos fossem
ajuizadas.

É que o non liquet administrativo tende a gerar proveitos a ambas as partes


envolvidas – Administração e administrado. À Administração Pública, sua principal
repercussão seria afastar a incidência dos efeitos do silêncio administrativo. Uma decisão
non liquet concreta e bem fundamentada daria ao administrado um primeiro provimento,
evitando, assim, a caracterização de um silêncio administrativo. Ao mesmo tempo,
proporcionaria ao administrador a possibilidade de perseguir os elementos necessários
para uma tomada de decisão quanto ao mérito mais bem informada e assertiva, seja para
deferir ou para indeferir o pleito em análise.

Ao administrado, por sua vez, a decisão oferece uma primeira resposta,


alinhada ao seu direito de resposta anexo ao direito de petição, e confere a garantia de que
o procedimento iniciado prosseguirá para que se chegue a uma decisão sobre o mérito da
solicitação, ainda que negativa.

Por esta abordagem – pendente de verificação em termos práticos –, é


possível perceber que a inclinação é de redução (ou, ao menos, não incremento) dos
litígios administrativos e judiciais sobre a inércia administrativa, evitando uma explosão
do contencioso246. De todo modo, eventuais equívocos ou excessos no manejo do
instrumento pela Administração Pública estarão sujeitos ao controle da própria
Administração e ao controle externo, como será visto adiante.

3.11.2. Controle interno

Em definição apresentada por Marçal Justen Filho, o controle interno da


atividade administrativa é o dever-poder imposto ao próprio Poder de promover a
verificação permanente e contínua da juridicidade e da oportunidade da atuação
administrativa própria, com vistas a prevenir ou eliminar defeitos ou a aperfeiçoar a
atividade administrativa, promovendo as medidas necessárias para tanto247. À luz de tal

246
CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2009, trad. Marçal Justen
Filho. pp., 131 e ss.
247
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 10ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014. p. 1.204. A definição é adotada neste trabalho, embora haja na literatura quem aponte que o controle
interno guardaria maior aproximação com um controle financeiro da Administração Pública. Cf. CONTI,
José Maurício; CARVALHO, André Castro. O Controle Interno na Administração Pública Brasileira:

106
definição, vislumbram-se algumas possibilidades de controle interno que a Administração
Pública pode realizar sobre a decisão non liquet.

A primeira é a autotutela248. A Administração Pública tem a prerrogativa, e


também o dever, de corrigir os vícios de seus próprios atos, seja por meio de sua anulação
ou pela convalidação, a partir da correção dos vícios com preservação dos efeitos do
ato249. Isto decorre do art. 53 da Lei n° 9.784/1999250 e também de duas súmulas do
Supremo Tribunal Federal, a 346 e a 473 – esta, alvo de crítica de Egon Bockmann
Moreira, que considera ser a súmula 473 reflexo de uma administração não-igualitária,
repressiva e subordinada ao passado251.

O recurso administrativo, manejado pelo administrado, é espécie de controle


interno que submete a decisão impugnada a autoridade hierarquicamente superior àquela
que emanou a decisão – que pode ser a non liquet, Esta reapreciação, que deriva da
mencionada autotutela, encontra previsão no Capítulo XV da Lei de Processo
Administrativo federal. Nos termos do art. 56, das decisões administrativas cabe recurso,
em face de razões de legalidade e de mérito. Em uma decisão non liquet, a motivação e a
juridicidade do procedimento a ser adotado posteriormente – atendimento a prazos; atos
e questões outras inerentes ao caso concreto – são pontos que, a priori, podem ser
indicados como passíveis de recurso.

Alguma preocupação quanto à celeridade pode surgir ao se imaginar a


interposição de recurso em face de decisão que não decide o mérito, como ocorre em um
non liquet administrativo. A preocupação é legítima, notadamente ao se considerar que,
no silêncio da lei, o prazo para a decisão do recurso administrativo é de trinta dias. Não
obstante, para remediar o problema, é possível imaginar a fixação de prazos específicos

Qualidade do Gasto Público e Responsabilidade Fiscal. Direito Público, [S. l.], v. 8, n. 37, 2012. Disponível
em: <https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/1845>. Acesso em: 02 fev.
2024.
248
Aqui, embora ciente que a literatura majoritária não entende a autotutela como uma espécie de controle
interno da Administração Pública, adota-se a compreensão de Vitor Rhein Schirato, que defende a
autonomia da autotutela como uma espécie de controle. SCHIRATO, Vitor Rhein. O controle interno da
Administração Pública e seus mecanismos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 956, n. 104, p. 25-50, 2015.
249
Idem.
250
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode
revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
251
MOREIRA, Egon Bockmann. Súmula 473: é hora de dizer adeus. Jota, 01.10.2019. Disponível em <
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/sumula-473-e-hora-de-dizer-adeus-
01102019>. Acesso em: 02 fev. 2024.

107
reduzidos para a apreciação do recurso, à luz do permissivo legal disposto na primeira
parte do §1° do art. 59252.

Além destas considerações, não há maiores diferenciações a serem traçadas


entre o processo administrativo que abriga uma decisão non liquet e os demais processos
que fazem parte do cotidiano da atividade administrativa.

3.11.3. Controle externo

Esta leitura também se aplica ao controle externo, assim entendido como


aquele exercido por agentes que não integram a estrutura da Administração Pública –
como os tribunais de contas, que possui protagonismo cada vez maior nesta função, e,
especialmente, o Poder Judiciário –, pois não há maiores inovações quanto à
controlabilidade dos atos exarados pelo Poder Executivo.

Alude-se, neste ponto, às lições de Gustavo Binenbojm. Para o autor, nos


campos em que, por alta complexidade técnica e dinâmica específica, carecem parâmetros
objetivos para uma atuação segura do Poder Judiciário, a intensidade do controle deve ser
tendencialmente menor. Em tais situações, a expertise e a experiência dos órgãos e
entidades da Administração Pública em determinada matéria poderão ser decisivas na
definição do grau do controle. Há também situações em que, pelas circunstâncias
específicas de sua configuração, a decisão final deve estar preferencialmente a cargo do
Poder Executivo, seja por conta da legitimação democrática que possui, seja em
deferência à legitimação alcançada após um procedimento amplo e efetivo de participação
dos administrados na decisão253.

Por esta perspectiva, a motivação da decisão e a participação do administrado,


conforme exigência do art. 45 da Lei federal de Processo Administrativo, são relevantes
para a avaliação da interferência judicial em uma decisão de caráter non liquet, sobretudo
considerando a atual inexistência de lei específica sobre o ponto.

Elementos como obscuridade fática, necessidade de amadurecimento do


debate e poder geral de cautela podem ensejar um non liquet administrativo. Todos eles,

252
Art. 59 (...) § 1° Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no
prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente.
253
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e
constitucionalização. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 241.

108
contudo, demandam uma motivação suficientemente robusta, a fim de que seja
demonstrada a adequação da decisão às finalidades propostas; a necessidade da medida;
e os benefícios que ela pode gerar. São fatores que demandam uma análise casuística, que
deve ser realizada, em primeiro lugar, pela própria Administração Pública, nas figuras do
administrador responsável pela tomada de decisão e da(s) autoridade(s) revisora(s), no
âmbito do controle interno; e, no controle externo, pelo Poder Judiciário. Este, quando
provocado a exercer o seu papel, deve ater-se a afastar as soluções manifestamente
incorretas, por meio de um controle eminentemente negativo254. Um non liquet
administrativo bem fundamentado deverá obter maior deferência do Poder Judiciário, que
observará a capacidade institucional do Poder Executivo para a melhor tomada de
decisão255.

A deferência também deve nortear as decisões que advêm de uma


aproximação colaborativa entre Administração Pública e administrado, que é um dos
efeitos possíveis de um non liquet administrativo. Se a aproximação reflete um esforço
dialógico da Administração em busca da decisão de mérito mais adequada ao caso
concreto, o juiz deve guardar deferência ainda maior à decisão tomada pelo administrador,
que, nestas circunstâncias, deterá legitimidade democrática reforçada. Aqui, a
substituição da decisão da Administração demandará um ônus argumentativo mais
extenso do Poder Judiciário.

Nas palavras de Vitor Rhein Schirato, não se pode, em um Estado


Democrático de Direito, prescindir de mecanismos de controle eficazes, que sirvam para
garantir a efetividade dos direitos dos particulares. Entretanto, por outro lado, não se pode
permitir que o controle extermine a necessária autonomia da Administração Pública e a
segurança jurídica256.

254
BINENBOJM, Gustavo. Op cit. p. 246.
255
SUNSTEIN, Cass e VERMEULE, Adrian. lnterpretation and institutions. Michigan Law Review, vol.
101, n. 4, 2003. pp. 885-951. Disponível em:
<https://repository.law.umich.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1790&context=mlr>. Acesso em 11 fev.
2024.
256
SCHIRATO, Vitor Rhein. O controle interno da Administração Pública e seus mecanismos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 956, n. 104, p. 25-50, 2015.

109
CONCLUSÃO

O non liquet é noção que, de origem romana, se desenvolveu ao longo do


tempo na seara do processo civil, e consiste, em síntese, na possibilidade de o juiz não
emitir uma decisão conclusiva sobre o mérito da questão a ele apresentada.

Atualmente, mesmo no campo processual, o entendimento majoritário no


Brasil é o de que o non liquet é vedado pelo ordenamento jurídico, em decorrência do art.
4° da LINDB e do art. 5°, XXXV, da Constituição de 1988, que exprimem as regras de
indeclinabilidade da jurisdição e de inafastabilidade do controle jurisdicional.

A ideia de proibição total do non liquet, no entanto, passou a ser questionada


nos últimos tempos por parcela da literatura brasileira. Há uma crescente compreensão de
que, em certas situações, seria possível – e, racionalmente, mais desejável – permitir
decisões non liquet no âmbito do Poder Judiciário.

No Direito Administrativo, por outro lado, o non liquet ainda é um não-tema.


Nesta área, fala-se que o dever de decisão administrativa decorre do direito constitucional
de petição (do qual decorre um direito de resposta) e dos arts. 48 e 49 da Lei n°
9.784/1999, e deste dever não pode a Administração se esquivar, sob pena de incidência
dos efeitos do silêncio administrativo.

No entanto, viu-se neste trabalho que o dever de decidir exigido da


Administração Pública tem como pano de fundo uma preocupação com a celeridade do
processo administrativo, motivada por um quadro de ineficiência crônica da atuação
administrativa. A partir da compreensão deste contexto, percebe-se que o dever de decidir
consubstanciado nos arts. 48 e 49 da Lei de Processo Administrativo federal mais se
aproxima de um dever de resposta ao administrado do que de um dever de decidir o mérito
da questão.

E, por vezes, pode-se estar diante de situação em que decidir o mérito


significa criar mais problemas. Pode haver incerteza científica; insuficiência de
conhecimentos técnicos; ou mesmo um dever de cautela a ser observado pela
Administração. Em casos que tais, conquanto não sejam a regra, cabe sopesar e refletir
sobre uma solução eventual de adiamento da decisão de mérito – uma via intermediária
entre o silêncio administrativo e a decisão de mérito: um non liquet administrativo.

110
A principal proposta deste trabalho é a de que, em razão de complexidades
(devidamente justificadas) do caso específico – como uma obscuridade fática; a
necessidade de amadurecimento da questão em análise; ou a exigência de uma atuação
baseada em um poder geral de cautela administrativa – seja possível que a Administração
transfira para o futuro a decisão de mérito sobre a questão a ela apresentada. Trata-se de
decisão que dilata a conclusão sobre o problema, enquanto promove medidas para que
uma decisão de mérito assertiva e bem informada seja viável. Esse caminho pode se
mostrar importante. Decidir algo complexo com pressa pode implicar a desconsideração
das graves consequências dos erros que se tornariam mais prováveis pela eventual corrida,
o que também é indesejável pelo direito positivo (art. 20, LINDB).

Embora demandem-se cautelas (que, idealmente, deveriam constar de lei), é


de se reconhecer que um non liquet administrativo pode, reconhecendo as dificuldades
concretas dos gestores (como determina o art. 22 da LINDB), evitar erros e problemas
ainda maiores. Casos em que a decisão de não decidir acaba por se revelar a mais legítima
e adequada. Em tais situações, se for constatada a prevalência de determinado interesse
sobre a celeridade, parece possível que, observados alguns critérios, uma decisão non
liquet seja proferida pela Administração.

É necessário reconhecer, por outro lado, que, sem a fixação de limites,


transferir para o futuro a tomada de decisões importantes poderia estimular uma inação
governamental prolongada, resultando em problemas não resolvidos, falta de clareza e
custos econômicos e sociais – o que não se coaduna com a própria ideia atinente à decisão
de não decidir.

Para evitar este comportamento indesejado da Administração Pública, o non


liquet administrativo demandaria, no mínimo, uma (i) motivação robusta, de modo a
demonstrar sua necessidade diante da real complexidade do caso específico; a (ii)
reavaliação constante dos fundamentos que ensejaram a decisão de adiamento; a (iii)
definição de prazo razoável para tal reapreciação – podendo-se, em caso omissão, ensejar
a aplicação dos efeitos do silêncio administrativo; e, (iv) a adoção de medidas voltadas a
possibilitar, efetivamente, a decisão sobre o mérito da questão – como a aproximação
colaborativa junto ao administrado.

Idealmente, esse caminho seria mais seguro se positivado em lei. Nada


obstante, parece ser possível que se cogite de um non liquet administrativo de forma mais

111
sistemática. Até mesmo porque, não há como ignorar os obstáculos e dificuldades reais
enfrentados pelo gestor público (art. 22, LINDB) durante o processo decisório, bem como
os riscos de que o erro da escolha pública implique consequências ainda mais graves.

Diante dessas considerações, as principais conclusões deste trabalho podem


ser sintetizadas conforme as seguintes proposições objetivas:

1. O direito constitucional de petição não gera para a Administração Pública


um dever de decidir o mérito da questão a ela apresentada, mas, sim, o de
responder à solicitação, em prazo adequado.
2. É possível defender que o dever de decidir constante dos arts. 48 e 49 da
Lei de Processo Administrativo guarda o mesmo raciocínio aplicável ao direito de
petição. Nestes casos, contudo, sempre que for possível proferir uma decisão de mérito,
isto deve ser feito.
3. Em hipóteses específicas, sob determinados critérios, é possível que a
Administração Pública profira um non liquet administrativo.
4. O non liquet administrativo exige, no mínimo, uma (i) motivação robusta;
(ii) a reavaliação, com periodicidade definida, dos fundamentos que ensejaram a decisão
de adiamento; (iii) a indicação de prazo razoável para tal expediente; e (iv) a adoção de
medidas voltadas a possibilitar, efetivamente, a decisão sobre o mérito da questão.
5. O non liquet administrativo não se aplica a casos que envolvam direito
administrativo sancionador. A inaplicabilidade também pode ser verificada em hipóteses
outras, conforme o caso concreto, sobretudo quando envolver o exercício do poder
punitivo estatal.
6. A decisão non liquet está sujeita aos controles interno e externo da
Administração Pública.

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