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Rio de Janeiro
2024
1
Lucas Nantet Barbosa
Rio de Janeiro
2024
2
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CCS/C
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especial como documento do Word (objeto). É possível editá-la dando dois cliques em
cima da ficha com o botão esquerdo do mouse.
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese/dissertação, desde que citada a fonte.
__________________________________ ________________________
Assinatura Data
3
Lucas Nantet Barbosa
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Prof. Dr. André Rodrigues Cyrino (Orientador)
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
Rio de Janeiro
2024
4
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Emilce e Mario, sem os quais estas páginas não existiriam.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus colegas de Vinhas e Redenschi, João Paulo Naegele, Isaac
(Mag, agora mestrando em Direito Penal), Lisa, Luiz Eduardo, João Pedro, Victor e
6
Alexia, por todo o apoio. É muito gratificante caminhar com tanta gente boa. Agradeço,
em especial, ao Fabricio Dantas, que me incentivou desde quando o tema da dissertação
era apenas uma ideia, com sugestões e apontamentos práticos sem os quais algumas
noções presentes neste trabalho não seriam desenvolvidas, e ao Guilherme Vinhas, que,
sempre solícito a discutir o que me propus a escrever, também teceu comentários
fundamentais para o amadurecimento da pesquisa.
Bruno e Edson, amigos de longa data, agradeço por estarem sempre por perto.
À minha família, Emilce, Mario e Bruna, agradeço por todo o suporte. Nada
disso existiria sem vocês.
Por fim, à Thairine, meu amor, e ao estressado Otto, que estiveram ao meu
lado em todos os momentos desta experiência acadêmica. Minha vida é mais leve com
vocês e por causa de vocês.
7
I don't know, I don't care. All I know is you can take me there.
Oasis, Slide Away
8
9
RESUMO
10
ABSTRACT
BARBOSA, Lucas Nantet. Non liquet administrative: the decision not to decide in the
Public Administration. 2024. 125f. Dissertação. Mestrado em Direito – Faculdade de
Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2024.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14
Justificativa e marco teórico ........................................................................................ 17
Hipótese ......................................................................................................................... 20
Objetivos ........................................................................................................................ 21
Metodologia ................................................................................................................... 21
Plano de trabalho .......................................................................................................... 22
1. O DIREITO DE PETIÇÃO COMO FUNDAMENTO DO DEVER DE
RESPOSTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ..................................................... 23
1.1. Os primeiros passos do direito de petição ........................................................... 23
1.2. Passadas mais largas ao cruzar o Atlântico ........................................................ 25
1.2.1. O posicionamento diverso da Suprema Corte dos Estados Unidos ...................... 29
1.3. O direito de petição em Portugal ......................................................................... 31
1.4. O direito de petição no Brasil ............................................................................... 34
2. O DEVER DE DECIDIR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ........................ 39
2.1. A duração razoável do processo administrativo como substrato da celeridade e
da eficiência ................................................................................................................... 39
2.2. O dever de decidir na Lei n° 9.784/1999 .............................................................. 45
2.2.1. O conceito de decisão: linhas gerais ..................................................................... 47
2.2.1.1. O conceito de decisão na literatura administrativista ........................................ 49
2.2.2. As decisões estruturais no processo civil ............................................................. 51
2.2.3. A que tipo de decisão de refere o art. 48 da Lei de Processo Administrativo
federal?............................................................................................................................55
3. O NON LIQUET ADMINISTRATIVO ............................................................... 59
3.1. A origem histórica do non liquet .......................................................................... 59
3.2. O non liquet no Brasil: regra geral de proibição? .............................................. 62
3.3. A decisão de não decidir na perspectiva de Cass Sunstein e Adrian Vermeule65
3.4. A possibilidade do non liquet no Poder Judiciário: a reformulação proposta
pela literatura................................................................................................................ 66
3.5. As circunstâncias de admissibilidade de um non liquet administrativo:
possibilidade entre a inércia administrativa e a decisão de mérito .......................... 70
3.5.1. Breves distinções preliminares: non liquet não é indeferimento, tampouco juízo
de admissibilidade .......................................................................................................... 71
3.5.2. Non liquet e obscuridade fática ............................................................................ 72
12
3.5.3. Non liquet e necessidade de amadurecimento do debate ...................................... 73
3.5.4. Non liquet e poder geral de cautela da Administração Pública ............................ 75
3.5.4.1. A RDC ANVISA n° 46/2009 configura um non liquet administrativo
cautelar?...........................................................................................................................79
3.6. Non liquet e decisões estruturais .......................................................................... 82
3.7. Parâmetros para o non liquet administrativo ..................................................... 85
3.7.1. Casos de real complexidade ................................................................................. 85
3.7.2. Margem de discricionariedade.............................................................................. 88
3.8. Os riscos e as medidas paralelas necessárias para se chegar a uma decisão de
mérito..............................................................................................................................88
3.8.1. Motivação robusta ................................................................................................ 89
3.8.2. Reavaliação das bases que fundamentaram o non liquet administrativo.............. 92
3.8.2.1. Indicação de prazo razoável para a reavaliação................................................. 92
3.8.3. Aproximação colaborativa junto ao administrado ................................................ 93
3.9. Inaplicabilidade do non liquet na esfera do direito administrativo
sancionador....................................................................................................................99
3.9.1. É admissível um non liquet definitivo? .............................................................. 101
3.9.1.1. Non liquet definitivo em casos que possuam natureza opinativa .................... 102
3.10. Fundamento normativo do non liquet administrativo ................................... 102
3.10.1. Preliminarmente: o direito de petição, o dever de decidir e o princípio da
duração razoável do processo não vedam o non liquet administrativo ........................ 103
3.10.2. O art. 45 da Lei n° 9.784/1999 como norma autorizativa abrangente do non
liquet cautelar................................................................................................................104
3.11. O controle do non liquet administrativo .......................................................... 105
3.11.1. Preocupação com o risco de judicialização de demandas cujo objeto seja o non
liquet administrativo ..................................................................................................... 105
3.11.2. Controle interno ................................................................................................ 106
3.11.3. Controle externo ............................................................................................... 108
CONCLUSÃO............................................................................................................. 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 113
13
INTRODUÇÃO
1
Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) 35) A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a
comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se
refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais, ou para esclarecimento
dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse
público imponha segredo, ou reserva.
2
Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) § 36 - A lei assegurará: I - o rápido andamento dos processos nas repartições públicas (...).
3
Desta cláusula de eficiência se origina um dever de organização do aparato estatal, que aproxima a
eficiência do princípio da boa administração. CYRINO, André. Direito administrativo de carne e osso:
estudos e ensaios. Rio de Janeiro: Processo, 2020. p. 71.
4
A necessidade de provimentos rápidos e lícitos foi um dos principais desafios enfrentados pela
Administração Pública brasileira durante o ápice da crise sanitária gerada pela pandemia de COVID-19.
Cf. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341 MC-Ref/DF.
Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio Mello. Dje 13/11/2020. Acesso em: 08 ago. 2023. Ver também
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Requisições administrativas: atualizações à luz do Estado Democrático
de Direito. In: Transformações do direito administrativo: direito público e regulação em tempos de
pandemia. LEAL, Fernando; MENDONÇA, José Vicente Santos de. (Orgs.). Rio de Janeiro: FGV Direito
Rio, 2020. pp. 11-34.
14
Contudo, a premissa de decisões administrativas rápidas não está isenta de
complexidades. No contexto de um processo administrativo eficiente, a correlação entre
celeridade e qualidade das decisões é um desafio intrínseco. A ânsia pela resolução célere
pode interferir na capacidade de análise da questão, podendo levar a equívocos e tornar a
decisão contraproducente – o que não harmoniza com o propósito de eficiência
perseguido5.
5
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual. In: Revista de processo.
1995. p. 168-176.
6
Sobre o tema, conferir, por todos, CAVALCANTI, T. B. A theoria do silencio no direito
administrativo. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 34, n. 2, p. 122-130,
1938. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/65853. Acesso em: 17 ago. 2023.
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Sobre silencio administrativo y recurso contencioso. Revista de
Administración Pública, nº 47, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, p. 207-228, may./ago. 1965.
FALLA, Fernando Garrido. La llamada doctrina del silencio administrativo. Revista de Administración
Pública n. 16, 1955, p. 85-115. SADDY, André. Silêncio administrativo no direito brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, 2013.
7
Cf. MODESTO, Paulo. Silêncio administrativo positivo, negativo e translativo: a omissão estatal formal
em tempos de crise. Direito do Estado. Núm. 317, ano 2016. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/paulo-modesto/silencio-administrativo-positivo-negativo-
e-translativo--a-omissao-estatal-formal-em-tempos-de-crise->. Acesso em: 14 ago. 2023.
15
ocorrência é indesejada, pois gera consequências maléficas para a Administração. De fato,
a inércia administrativa pode constituir uma patologia, como ocorre no silêncio
administrativo, pois contraria as finalidades da Administração e a frustra expectativa dos
administrados. A ausência de manifestação da Administração sobre uma demanda é capaz
de violar direitos constitucionalmente garantidos dos particulares.
A expressão non liquet pode ser definida como uma decisão pela qual o
julgador – ou quem deve tomar uma decisão – abstém-se de manifestar-se sobre o mérito
do processo, deixando de julgá-lo por estar em dúvida sobre os fatos alegados ou sobre a
aplicação das normas jurídicas8 – não se confunde, portanto, com hipóteses de
indeferimento do pedido por vícios processuais, que acarretam a extinção do processo
sem resolução de mérito. No Direito Romano, onde a expressão tem origem,
possibilitava-se que o juiz, em determinadas circunstâncias, deixasse de julgar os casos
em que as respostas não estavam claras o suficiente para que fosse proferida uma decisão9.
8
CABRAL, Antônio do Passo. Jurisdição sem decisão. Non liquet e consulta jurisdicional no Direito
Processual Civil. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023. p. 231.
9
Cf. MARMELSTEIN, George. O asno de Buridano, o non liquet e as katchangas. Disponível em:
<http://direitosfundamentais.net/2009/01/07/o-asno-de-buridano-o-non-liquet-e-as-katchangas/>. Acesso
em: 26 jun. 2023.
10
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 231.
11
Cf. W. M. Reisman, International Non-Liquet: Recrudescence and Transformation, 3 INT'l L. 770, 1969.
12
Dentre outros, Cf. COSTA CARVALHO, Luiz Antonio da. Curso teórico-prático de direito judiciário
civil. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco. Vol. 1., 1949. p.175. DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições
de Direito Processual Civil, vol.2. 7ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2017. pp. 269-270.
16
jurisprudência brasileira, conforme a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(LINDB)13 e a Constituição da República de 1988, vigora, para o Poder Judiciário, o que
se entende como regra geral da proibição do non liquet14 (embora não seja possível extrair
das normas uma vedação direta), cabendo aos juízes o julgamento de todos os conflitos
que lhe são submetidos, ainda que a melhor solução não esteja nítida15.
13
Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
14
Entende-se que a regra adviria do art. 5°, inciso XXXV da Constituição, que positivou o princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional, nos seguintes termos: Art. 5° (...), XXXV - a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
15
MARMELSTEIN, George. O asno de Buridano, o non liquet e as katchangas. Op. cit.
16
CRFB, art. 5° (…), XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o
direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
17
Reforçado pelo art. 5° (...), LXXVIII, CRFB: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
18
Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e
sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.
17
esfera judicial. Dois argumentos são utilizados com maior frequência para justificar a
proibição: a indeclinabilidade da jurisdição e a inafastabilidade do controle jurisdicional.
19
Cf. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Comentário ao art. 3°. in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;
DIDIER JR., Fredie, TALAMIN, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2 ed., 2016, p. 75; ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual de Direito Processual
Civil. São Paulo: RT, 14ª Ed., 2011. p. 201.
20
Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel
Teoria geral do processo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 173.
21
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 264.
18
métodos para a aplicabilidade do non liquet no Brasil. À luz da teoria dos direitos
fundamentais, Rafael Koatz sustenta que, resguardado o núcleo essencial do direito
aplicável ao caso, que não poderá sofrer restrição ou ser relativizado, seria admissível um
pronunciamento non liquet no direito brasileiro. O autor utiliza o exemplo do princípio
da inafastabilidade do controle jurisdicional: para ele, o nível de concretização deste
princípio varia conforme o grau de jurisdição no qual ele está situado, sendo mais forte
no primeiro grau (pois aqui residiria o núcleo essencial do direito) e menos robusto em
instâncias recursais22 – o que impedia uma decisão non liquet advinda de um juiz de
primeira instância, mas possibilitaria que tribunais superiores, em determinadas
circunstâncias, emitissem decisões com este viés.
De igual modo, Juliana Melazzi Andrade afirma ser falha a crença de que o
juiz tem conhecimento sobre todos os temas e que toda questão controversa deveria ser
decidida pelo Judiciário. Com isso, a autora sustenta que algumas questões não devem
ser julgadas pelos juízes. Entende Andrade que uma decisão de não decidir é também uma
forma de dar resposta adequada ao caso24.
22
KOATZ, R. L.-F. A proibição do non liquet e o princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 270, p. 171–205, 2015. Disponível em:
<https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/58741>. Acesso em: 28 jul. 2023.
23
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 330-331.
24
ANDRADE, Juliana Melazzi. Justiciabilidade e não decisão: quando o Poder Judiciário não deve
decidir. São Paulo: Editora Juspodivm, 2023. p. 188.
19
envolvendo o fenômeno do adiamento da decisão administrativa por agências
reguladoras, Cass Sunstein e Adrian Vermeule apontam que, em alguns casos, sob
condições e motivos específicos, as agências podem adiar sua decisão – ou decidir não
decidir25. Isto porque, em determinadas circunstâncias, as agências enfrentam incerteza
científica ou técnica, o que inviabiliza a convicção na tomada de decisão. Nesses casos,
os autores defendem a pronúncia de decisão que adie a definição sobre o mérito da
questão, o que, em tese, permitiria a colheita de novas informações e uma melhor
compreensão dos fatos, construindo-se, assim, uma base mais sólida para uma tomada
assertiva de decisão.
Hipótese
25
SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. The Law of “Not Now”: When Agencies Defer Decisions.
Georgetown Law Journal, vol. 103, 2014.
20
Objetivos
Metodologia
26
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas,
2018.
21
Direito Processual Penal e o Direito Processual Civil serão utilizadas durante o
desenvolvimento da dissertação.
Plano de trabalho
22
1. O DIREITO DE PETIÇÃO COMO FUNDAMENTO DO DEVER DE
RESPOSTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
61 – Desde que concedemos todas estas coisas, por Deus, e para a melhor
ordenação de nosso reino, e para aquiescer a discórdia que se levantou entre
nós e nossos barões; e desde que desejamos que elas sejam desfrutadas em sua
integridade, com eficácia duradoura e para sempre – conferimos e afiançamos
aos barões a seguinte garantia:
27
PIÇARRA, Nuno, A Separação dos Poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra:
Coimbra Ed., 1989. p. 44.
28
Cf. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine
Ribeiro; tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
29
TIBÚRCIO, Tiago. O direito de petição perante a Assembleia da República. Tese de mestrado. Lisboa:
ISCTE, 2008. p. 35.
30
SMITH, Norman B. Shall make no law abridging…: an analysis of the neglected, but nearly absolute,
right of petition. University of Cincinnati Law Review, 54, no. 4., 1153-1198, 1986.
23
Os barões elegerão, entre si, vinte e cinco, para guardar, e obrigar a observar,
com todo o seu poder, a paz e as liberdades concedidas e confirmadas para eles
por esta carta.
31
MAGNA CHARTA LIBERTATUM, 1215. Grifado.
32
MARK, Gregory A. The Vestigial Constitution: The History and Significance of the Right to Petition.
Fordham Law Review, v. 66, n. 6, may 1998. pp. 2153-2232.
33
MARK, Gregory A. Op. cit. 2174.
24
Após a Carta, no entanto, as petições assumiram uma significância maior do
que simplesmente um mecanismo de apelação para resolver disputas. Desde o início, as
petições eram uma maneira formal e pacífica de chamar a atenção do rei e de seus
conselheiros para as queixas. Dada a dificuldade de se comunicar com o governo, bem
como o acesso limitado ao rei e ao seu conselho, as petições eram também o método mais
eficaz de atrair a atenção para uma queixa. As petições, por padrão, tornaram-se um
mecanismo pelo qual o rei e seus conselheiros eram informados de reclamações políticas,
solicitados a revisar ações de funcionários do governo e através das quais indivíduos e
grupos sugeriam mudanças em políticas. Ou seja, indivíduos e grupos solicitavam
reparação tanto para queixas públicas quanto privadas34.
O direito de petição foi levado aos Estados Unidos como uma herança da
experiência inglesa35, mas, devido ao seu uso constante pelos norte-americanos, já
durante a fase colonial, ganhou ainda mais relevância no Novo Continente36. No período
colonial, algumas assembleias dispuseram sobre o direito dos colonos de apresentar
petições em busca de reparação. Massachusetts, em 1641, por meio de seu Body of
Liberties, foi a primeira colônia a estabelecer expressamente esse direito, nos seguintes
termos:
34
MARK, Gregory A. Op. cit.. p. 2177.
35
GREENE, Jack P. Peripheries and Center: Constitutional Development in the Extended Polities of the
British Empire and the United States. 1607-1788. United States, 1986. pp. 22-23.
36
SMITH, Don. L. The Right to Petition for Redress of Grievances: Constitutional Development and
Interpretations. Publisher: Texas Tech University. 1971, pp. 12-15.
25
12. Todo homem, seja habitante ou estrangeiro, livre ou não livre, terá
liberdade para participar de qualquer tribunal público, conselho ou reunião da
cidade, e seja por meio de fala ou por escrito, levantar qualquer questão lícita,
oportuna e relevante, ou apresentar qualquer movimento necessário, queixa,
petição, projeto de lei ou informação, sobre o qual essa reunião tenha o devido
conhecimento, desde que seja feito em momento conveniente, em ordem
devida e de maneira respeitosa37.
37
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Massachusetts Body of Liberties. 1641. Disponível em: <
https://history.hanover.edu/texts/masslib.html>. Acesso em: 30 dez. 2023. Tradução livre.
38
MARK, Gregory. Op. cit. p. 2188.
39
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Constitution of the United States. 1791. Disponível em: <
https://constitution.congress.gov/constitution/amendment-1/>. Acesso em 30 dez. 2023.
40
MARK, Gregory. Ibid. p. 2228.
26
e tomar uma decisão, o exame das petições era adiado para a sessão seguinte. A despeito
disso, os requerimentos sempre recebiam uma resposta. Embora houvesse reclamações a
respeito da lentidão desse sistema, os tribunais coloniais, assim como as assembleias, não
podiam restringir ou recusar o acesso quando as petições se tornavam numerosas; eles
simplesmente trabalhavam mais lentamente41. Nos Estados Unidos, quando a Primeira
Emenda à Constituição era objeto de debates, o Congresso concluiu que o governo era
obrigado a responder às petições42. Este entendimento, no entanto, foi alterado ao longo
do tempo43.
41
HIGGINSON, Stephen A. A short history of the right to petition government for the redress of grievances.
Yale Law Journal, v. 96, p. 142, 1986.
42
BAILYN, Bernard. The origins of American politics. Vintage, 1970. pp. 84-85.
43
Cf. PFANDER, James. E. Sovereign Immunity and the Right to Petition: Toward a First Amendment
Right to Pursue Judicial Claims Against the Government. Northwestern University Law Review, 91, 899,
1997.
44
Cf. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Op. cit.
27
as mesmas consequências legais das petições direcionadas ao Poder Judiciário45. Para os
autores, a Constituição de 1789 não fornece amparo para a alegação de que o Congresso
deve considerar e responder às petições. Segundo eles, na verdade, ela contém evidências
contrárias a tal afirmação. Isto porque, não há disposição constitucional que exija que o
Congresso tome qualquer tipo de ação em relação às petições dos cidadãos, pois a
Constituição prevê expressamente que cada Casa pode determinar as regras de seus
procedimentos46, o que, de acordo com os autores, inclui o poder de determinar como e
se as petições serão apreciadas47.
O Poder Executivo, por sua vez, detém elementos que o aproxima tanto do
Poder Judiciário quanto do Legislativo, no que se refere às respostas decorrentes do
exercício do direito de petição (ou direito de ação, no caso do Judiciário). É que as
obrigações do Poder Executivo com relação às petições que recebe exigem uma análise
do contexto de atuação no qual está inserido. Isto se dá porque parcela da atividade do
Poder Executivo se assemelha ao exercício de poder judicial – o que é natural, sobretudo
ao se considerar que até pouco antes da elaboração da Constituição 1787 o poder judicial
era considerado um aspecto do Poder Executivo. Assim, quando o Executivo está
envolvido em questões que se assemelham àquelas discutidas no âmbito judicial, as
mesmas obrigações de consideração e resposta exigidas no Poder Judiciário com relação
às petições são aplicáveis ao Poder Executivo.
Por outro lado, grande parte da atividade executiva não se insere na esfera de
atuação que se aproxima do Poder Judiciário. Nesse contexto, as mesmas considerações
que desaconselham uma obrigação de consideração e resposta por parte do Congresso
também se aplicam ao Poder Executivo. A Constituição dos Estados Unidos não
menciona expressamente um dever administrativo de considerar ou responder às petições
dos cidadãos. Não há, ainda, nenhuma obrigação para que o Poder Executivo decida o
mérito da questão a ele apresentada48.
45
LAWSON, Gary; SEIDMAN, Guy. Downsizing the right to petition. Northwestern University Law
Review, 93(3), 1998-1999. pp. 739-766.
46
Article I, Section 5: Each House may determine the Rules of its Proceedings, punish its Members for
disorderly Behaviour, and, with the Concurrence of two thirds, expel a Member.
47
LAWSON, Gary; SEIDMAN, Guy. Op. cit. p. 752.
48
Idem. p. 762.
28
sério, isso era resultado de um cálculo pragmático, e não de um requisito legal49. Portanto,
as obrigações do Poder Executivo em relação a resposta às petições dependem, em tese,
de uma verificação quanto ao objeto da atuação administrativa.
49
LAWSON, Gary; SEIDMAN. Ibid., p. 762.
50
SMITH, Norman B. Op. cit.
51
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, U. S. SUPREME COURT. Bi-Metallic Investment Co. v. State
Board of Equalization. 239 U.S. 441, 1915.
29
Employees, Local 131552, a Corte considerou que a recusa da Comissão Rodoviária
Estadual de "considerar ou agir de acordo com as queixas" dos funcionários públicos
quando essas reclamações foram apresentadas pelo representante do sindicato dos
funcionários não violava o direito de petição constante da Primeira Emenda. O Tribunal
asseverou que os funcionários estavam autorizados a apresentar petições livremente, mas
a Comissão Rodoviária não tinha a obrigação, nos termos da Primeira Emenda, "de ouvir,
responder ou, neste contexto, reconhecer a associação e negociar com ela".
30
os formuladores de políticas governamentais ouçam ou respondam às
reclamações dos indivíduos em questões públicas53.
Esta questão é relevante para os fins aqui propostos. No tópico seguinte, com
vistas a compreender o desenvolvimento do direito de resposta oriundo do direito de
petição, será exposto o tratamento legal e constitucional que Portugal confere ao ponto.
A escolha deste país para a análise no presente trabalho decorre da convergência
sistemática dos textos da lei e da Constituição portuguesas acerca do tema, o que, para as
finalidades exemplificativas aqui adotadas, possibilita a melhor compreensão do assunto.
Artigo 52°
Deste texto nota-se que a palavra “petição” é gênero, que abrange quatro
espécies distintas: (i) petição (aqui, espécie); (ii) representação; (iii) reclamação; e (iv)
queixa. A lei que regulamenta a norma constitucional estabelece as definições. De acordo
com o art. 2° da Lei n° 43/90, a petição refere-se “a apresentação de um pedido ou de
uma proposta a um órgão de soberania ou a qualquer autoridade pública no sentido de
53
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, U. S. SUPREME COURT. Minnesota Board for Community
Colleges v. Knight. 465 U.S. 271, 1984.
31
que tome, adopte ou proponha determinadas medidas”. Por sua vez, representação
significa a “exposição destinada a manifestar opinião contrária da perfilhada por
qualquer entidade ou a chamar a atenção de uma autoridade pública relativamente a
certa situação ou acto, com vista à sua revisão ou à ponderação dos seus efeitos”.
Reclamação é a “impugnação de um acto perante o órgão, funcionário ou agente que o
praticou ou perante o seu superior hierárquico”. Compreende-se por queixa “a denúncia
de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade, bem como do funcionamento anómalo
de qualquer serviço, com vista à adopção de medidas contra os responsáveis”.
54
Artigo 52° (...) 3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses
em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para
o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os
direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.
32
o dever de comunicação exige que o destinatário comunique ao peticionário as decisões
que forem tomadas. A norma foi assim redigida:
Artigo 8°
1 - O exercício do direito de petição obriga a entidade destinatária a receber e
examinar as petições, representações, reclamações ou queixas, bem como a
comunicar as decisões que forem tomadas.
Neste ponto, no que se refere à obrigação que surge para o Estado, a literatura
portuguesa indica que o direito de petição moderno configura um direito a um
procedimento, não a uma decisão55-56. Segundo Canotilho, o direito de petição pode ser
entendido como um “pedido dirigido aos poderes públicos, solicitando ou propondo a
tomada de determinadas decisões ou a adoção de determinadas medidas”57. É um direito,
em essência, a que a petição seja recebida pelos poderes públicos e que por eles seja
apreciada. É o que, de fato, parece ser possível extrair da letra da lei. Ao exigir que as
decisões tomadas sejam comunicadas ao peticionante, a norma inclina-se a um dever de
resposta, e não a um dever de decisão.
55
TIBÚRCIO, Tiago. Op. cit., p. 35.
56
MIRANDA, Jorge. Notas sobre o direito de petição. Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC.
Lisboa, 2008. pp. 281-294.
57
CANOTILHO, J. J.Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume
I. Coimbra: Coimbra Editora. 2007.
33
tem a obrigação de comunicar ao peticionante as decisões que forem proferidas no curso
do processo administrativo. Por outro lado, não se exige que tais decisões constituam o
mérito do processo – embora, naturalmente, seja este o ideal a ser perseguido. Seria
admissível, por exemplo, uma decisão que, informando ao autor acerca da complexidade
de seu caso e da necessidade de tempo para a análise de todas as suas nuances, indicasse
que, naquele momento, não poderia se chegar a uma conclusão sobre o mérito da questão.
58
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a
liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira
seguinte.
(...)
XXX.. Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações,
queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente
Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.
59
Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos
direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 9º É permittido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos poderes publicos, denunciar
abusos das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados.
34
alterou substancialmente a redação da constituição anterior, e incluiu a expressão
“poderes públicos”, ampliando o escopo de abrangência da norma, que antes dirigia-se
apenas aos Poderes Executivo e Legislativo. A redação foi mantida na Constituição de
1934, que promoveu alteração apenas na parte final do texto60.
60
Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos
seguintes:
(...)
10) É permitido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos Poderes Públicos, denunciar abusos
das autoridades e promover-lhes a responsabilidade.
61
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e
métodos de trabalho. 1ª reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2013. pp. 120-121.
62
Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade,
à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
7º) o direito de representação ou petição perante as autoridades, em defesa de direitos ou do interesse
geral
63
Isto é, uma Constituição que reveste de legalidade um regime que na prática é autoritário. Cf.
LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Traducción de Alfredo Gallego Anabidarte. Barcelona:
Ariel, 1979. pp. 218-219.
35
institucional64, encerrada com o golpe militar de 1964. Naquele momento, instaurava-se
novo regime ditatorial no país, em que os direitos civis e políticos foram restringidos pela
violência65. Em uma tentativa de institucionalizar alguns limites para o exercício do
poder, ainda que de forma pouco convincente, foi elaborada a Constituição de 1967,
precedida de Assembleia Constituinte que, para Paulo Bonavides e Paes de Andrade, era
apenas uma farsa para conferir legitimidade ao texto produzido pelos militares66. A
Constituição de 1967 continha, em seu art. 150, um extenso rol de direitos e garantias
individuais – que, no entanto, somente existiam no papel –, dentre os quais constava o
direito de petição, em estrutura semelhante à existente no texto constitucional de 1946:
64
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 135.
65
CARVALHO. José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 19ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2015. p. 161.
66
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1991. p. 432.
67
CARVALHO. José Murilo de. Op cit. p 166.
68
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito - O triunfo tardio do
Direito Constitucional no Brasil. Revista da EMERJ, v. 9, n° 33, 2006. pp. 43-92.
69
Cf. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da constituição brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.
70
Cláudio Pereira de Souza Neto denominou tal movimento de “doutrina brasileira da efetividade”. SOUZA
NETO, Cláudio Pereira de. Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução
36
a superação de disfunções da formação constitucional nacional, como o uso das
constituições como instrumento retórico, cujo conteúdo equiparava-se a um pedaço de
papel vazio. Buscou-se, então, tornar as normas constitucionais aplicáveis na extensão
máxima de sua densidade normativa71.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
teórica à luz do princípio democrático. In: Luís Roberto Barroso (org.), A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, 2003.
71
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista de Direito Social,
Porto Alegre, v. 34, p. 11-43, 2009.
72
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008,
pp. 416 e 443.
73
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2011, p. 518-520.
37
Para Pontes de Miranda, o direito de petição se dirige a todas as autoridades,
em matéria legislativa ou administrativa, para “requerer, observar e reclamar contra
autoridades ou denunciar abusos delas” em interesse particular e privado ou interesse
geral ou público. O ordenamento jurídico brasileiro, para o autor, assegura “o direito
público subjetivo de petição, com as pretensões respectivas, qualquer que seja o interesse
ou direito-base que invoque o peticionário, e independe de qualquer prova de interesse
próprio”. Para o autor, o direito exige uma resposta74.
74
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n.
I de 1969. Tomo V, 2a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970-1972, p. 628-630.
75
DINAMARCO, Cândido R. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Malheiros, 2001. pp.
117-118.
76
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...)
IV - os direitos e garantias individuais.
77
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003. pp. 381-382.
78
Cf., por todas as decisões: “O direito de petição, inserido entre as garantias fundamentais do art. 5° da
nossa Constituição Federal, tem como corolário o direito à resposta. Não houvesse obrigação de responder,
o direito de petição mereceria integrar o acervo das solenes inutilidades. Enquanto não responde ao
requerimento, a Administração está em mora. O silêncio traduz inadimplência, não resposta implícita”.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp. 16.284/PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJ
23.03.1992, p. 3.447, RSTJ vol 32, p. 416.
79
Cf. DALLARI, Adilson Abreu. Dever de decidir. In: BITENCOURT, Eurico; MARRARA, Thiago (org.).
Processo administrativo brasileiro: estudos em homenagem aos 20 anos da Lei Federal de Processo
Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 113. NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago.
Processo administrativo: Lei n. 9.784/1999 comentada, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p.
393.
38
2. O DEVER DE DECIDIR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
80
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 89.
81
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal - Comentários à Lei n°
9.784/1999, de 29.1.1999. 5ª ed. rev. ampl. e atual. até 31.3.2013. São Paulo: Atlas, 2013. p. 226.
82
No Direito brasileiro, este desconforto fez com que se desenvolvesse, na década de 30 do século passado,
a literatura sobre os efeitos que poderiam ser atribuídos à inércia administrativa. Cf. CAVALCANTI, T. B.
A theoria do silencio no direito administrativo. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, [S. l.], v. 34, n. 2, p. 122-130, 1938. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/65853>. Acesso em: 06 jan. 2024.
39
O problema não ocorre apenas na Administração Pública. Tanto não é que,
em 2004, foi editada a Emenda Constitucional n° 45, conhecida como a “Reforma do
Judiciário”, que introduziu no texto constitucional o inciso LXXVIII, ao art. 5º,
estabelecendo que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
O objetivo era tornar o Poder Judiciário mais eficaz, de modo a conferir aos cidadãos
maior celeridade em suas demandas, resultando em uma maior efetividade na prestação
jurisdicional. Embora estivesse inserida no contexto de uma reforma do Poder Judiciário,
a nova norma também é expressamente aplicável aos processos administrativos, a
exemplo das demais garantias constitucionais processuais também aplicáveis, como o
contraditório e a ampla defesa. Segundo Márcio Luís Dutra de Souza, este direito
fundamental tem como destinatário o legislador, que deve criar normas voltadas a
assegurar a razoável duração do processo, e também os aplicadores do direito, que devem
conferir maior eficácia à norma constitucional, conduzindo o processo da forma mais
eficiente possível, e sem dilações indevidas83.
83
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Direito à razoável duração do processo administrativo. Revista Jus
Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1460, 1 jul. 2007. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/10056. Acesso em: 02 fev. 2024.
84
Idem.
40
direitos, sob a forma de procrastinação na prática de atos processuais85. Neste ponto, é
relevante a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), anterior à Emenda
Constitucional nº 45, que já asseverava, a partir de uma perspectiva que considerava a
noção de razoabilidade, não ser possível permitir que a Administração Pública postergue,
indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo, “sendo necessário
resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes, ajuizados com a
finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada”86.
85
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Ibid.
86
"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA POLÍTICA. ATO OMISSIVO DO
MINISTRO DE ESTADO ANTE A AUSÊNCIA DE EDIÇÃO DA PORTARIA PREVISTA NO § 2º DO
ART. 3º DA LEI 10.559/2002. PRAZO DE SESSENTA DIAS. PRECEDENTE DO STJ. CONCESSÃO
DA ORDEM.
(...) Entretanto, em face do princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), não se pode
permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento
administrativo, sendo necessário resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes,
ajuizados com a finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada. Na hipótese, já decorrido tempo
suficiente para o cumprimento das providências pertinentes – quase dois anos do parecer da Comissão de
Anistia –, tem-se como razoável a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Ministro de Estado da
Justiça profira decisão final do processo administrativo, como entender de direito. Precedente desta Corte.
4. Ordem parcialmente concedida.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MS 9420/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 25.08.2004, DJ 06.09.2004 p. 163.
87
LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006. pp. 5-6.
41
Um dos grandes desafios dos processos civil e administrativo contemporâneo
reside no equilíbrio entre tempo e segurança. A decisão judicial ou administrativa deve
compor o litígio no menor tempo possível. Porém, deve respeitar também as garantias da
defesa, sem as quais não haverá decisão segura, e as peculiaridades de cada caso concreto.
Como afirma Gajardoni, celeridade não pode ser confundida com precipitação, assim
como segurança não pode ser confundida com eternização88. André Luiz Nicollit, em
linha similar, assevera que "uma decisão justa não pode ter o açodamento e irreflexão
incompatíveis com a atividade jurisdicional, tampouco pode ter a morosidade destrutiva
da efetividade da jurisdição"89.
José Afonso da Silva, por sua vez, faz uma crítica aos que equiparam
celeridade a razoabilidade, ao afirmar que "processo célere seria aquele que tramitasse
com a maior velocidade possível; mais do que isso, só um processo celérrimo". Para ele,
processo com razoável duração não significa, necessariamente, um processo veloz, mas
um processo que deve andar com certa rapidez, de modo que as partes tenham uma
prestação jurisdicional em tempo hábil91.
Pelos conceitos expostos, nota-se que a literatura indica ser necessário atingir
um equilíbrio para que os direitos fundamentais dos cidadãos no processo sejam
observados, ao passo que não haja dilações indevidas no curso do procedimento. Do
mesmo modo, também conclui-se que a noção de celeridade está diretamente vinculada
ao conceito de razoabilidade, em um sentido abrangente de eficiência, consubstanciada
na condução do procedimento de forma diligente e sem atrasos injustificados92.
88
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações
indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
v. 31, n. 141, nov. 2006. pp. 152-179.
89
NICOLLIT, André Luiz. A duração razoável do processo. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris, 2006. p. 8.
90
TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil Pós-88: (des)estruturando a justiça:
comentários completos à AC n. 45/04. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 31.
91
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p.
176.
92
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Op. cit.
42
A prática de atos processuais nos prazos estabelecidos resultará, sempre, em
uma duração razoável do processo, pois o legislador fixa de antemão o prazo próprio de
cada procedimento. E neste ponto não há qualquer crítica, pois é sempre desejável e
necessária a estipulação de prazos, na medida em que são parâmetros pelos quais o agente
público deve atuar, e seu descumprimento, muitas vezes, implica em violação da própria
razoabilidade.
Entretanto, não é todo atraso na observância dos prazos que constitui uma
quebra do direito à razoável duração do processo, embora os prazos sirvam como
indicadores importantes para avaliar se houve violação do preceito constitucional.
Estudos têm estabelecido uma distinção entre atrasos leves, consubstanciados em um
descumprimento do prazo por si, e atrasos graves, que caracterizariam uma dilatação
indevida e prejudicial ao direito fundamental93. No entanto, como aponta José Rogério
Cruz e Tucci "torna-se impossível fixar a priori uma regra específica, determinante das
violações ao direito à tutela jurisdicional (ou administrativa) dentro de um prazo
razoável"94.
93
NICOLITT, André Luiz. Op. cit. p. 28.
94
TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na
fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 68.
43
de muitos recursos, dificuldades na localização de testemunhas, intervenção de
interessados no processo, dentre outros pontos95.
Na Lei nº 9.784/1999, o princípio está inserido no art. 2º, inciso XII, o qual
prevê "impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos
interessados;" e no art. 29, segundo o qual "as atividades de instrução destinadas a
averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício
ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos
interessados de propor atuações probatórias."
95
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Op. cit.
96
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1996. pp. 197-198.
97
NICOLITT, André Luiz. Op. cit. p. 84.
44
estruturais, como sobrecarga de trabalho, ou conjunturais, a exemplo das greves. As
dilações funcionais ligam-se a uma condução ineficiente do processo por parte do agente
público. Em ambos os aspectos, "(...) há que ter uma forte justificativa para não taxar
indevida a dilação e, por conseguinte, afastar a responsabilidade e os efeitos da violação
do direito à duração razoável do processo”98.
98
Idem, Loc. cit.
99
SOUZA, Márcio Luís Dutra. Op. cit.
45
processos administrativos e enfrentar a inércia administrativa e a demora para a conclusão
dos procedimentos, o legislador dedicou um capítulo específico na lei para tratar do dever
de decidir da Administração, abarcando dois artigos:
CAPÍTULO XI
DO DEVER DE DECIDIR
Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos
processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de
sua competência.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração
tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período
expressamente motivada.
100
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias
para decidir, podendo ser prorrogada por igual período de forma expressamente motivada, não podendo a
conclusão do processo ultrapassar o prazo total de seis meses, salvo prazo distinto previsto em lei especial.
101
MARRARA, Thiago. Administração que cala consente? Dever de decidir, silêncio administrativo e
aprovação tácita. Revista Digital De Direito Administrativo, 8(1), 19-49, 2021.
102
MARRARA, Thiago. Op. cit. p. 23.
46
Tanto é assim que, diante do fenômeno da omissão da Administração Pública
em dar uma resposta aos requerimentos formulados pelos administrados, nasceu literatura
específica para tratar do silêncio administrativo e de seus efeitos103.
103
Cf., dentre outros, GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Sobre silencio administrativo y recurso
contencioso. Revista de Administración Pública, nº 47, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, p.
207-228, may./ago. 1965. FALLA, Fernando Garrido. La llamada doctrina del silencio administrativo.
Revista de Administración Pública n. 16, 1955, p. 85-115. MODESTO, Paulo. Silêncio administrativo
positivo, negativo e translativo: a omissão estatal formal em tempos de crise. Direito do Estado. Núm. 317,
ano 2016. SADDY, André. Silêncio administrativo no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
GONZÁLEZ PÉREZ, Jesús. El silencio administrativo y los interesados que no incoaran el procedimiento
administrativo. Revista de Administración Pública, n. 68, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, p.
235-246, may./ago. 1972. PAREJO ALFONSO, Luciano. El silencio administrativo en la Ley de Régimen
Jurídico de las Administraciones Públicas y del Procedimiento Administrativo Común. In: MARTÍN-
RETORTILLO BAQUER, Lorenzo (Coord.). La protección jurídica del ciudadano (procedimiento
administrativo y garantía jurisdiccional): estudios en homenaje al Profesor Jesús González Pérez. Madrid:
Civitas, 1993.
104
FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 4. ed., atual., rev. e aum. São
Paulo: Malheiros, 2020. p. 240.
105
RAMOS, Luiz Felipe Rosa. Por trás dos casos difíceis: dogmática jurídica e a proibição da
denegação de justiça. Curitiba: Juruá, 2017. p. 65.
106
FERRAZ, JR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4ª ed., 2ª
tiragem. São Paulo: Atlas, 2003. p. 311. Sobre o assunto, com foco em decisão judicial, cf. CARVALHO,
Fabiano. Ação rescisória: decisões rescindíveis. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 58.
47
gênero e espécie; ou ainda (iii) porque elaborado por exclusão107”. Para exemplificar a
tautologia, o autor faz referência à compreensão de Cândido Rangel Dinamarco, que
descreve decisão como um ato decisório108. Por sua vez, a confusão entre gênero e espécie
ocorre porque, não raro, toma-se sentença por decisão, dentre outros tratamentos
inadequados. Ainda, em certas situações, define-se decisão por exclusão ao conteúdo dos
despachos, que, por não possuir conteúdo decisório, seria ato jurisdicional diverso. É o
que se extrai da concepção de Pontes de Miranda, para quem, pelo princípio da lesividade
da resolução, seria decisório todo ato jurisdicional que contenha uma resolução atual ou
potencialmente lesiva109, causando prejuízo às partes. Este entendimento é criticado por
Cabral, que afirma existirem decisões que não produzem qualquer prejuízo às partes,
como as homologatórias110.
A decisão judicial tem uma função prática aplicativa, não podendo limitar-se
a enunciar como o direito deveria ser compreendido ou como seria a solução
107
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., pp. 47-48.
108
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. 2. 7ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2017. p. 576.
109
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Forense, t. VII. 1975, pp. 8-9.
110
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 49.
111
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. 13ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. pp. 243-245.
112
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. Vol. 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 105.
113
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 56.
48
ideal do caso. A decisão é um ato de vontade estatal que tem por objetivo
aplicar o direito ao caso, a fim de produzir efeitos jurídicos na esfera dos
sujeitos envolvidos114.
Esta definição é relevante para os fins deste trabalho. É que uma decisão non
liquet no curso do processo administrativo, em momento anterior à decisão de mérito,
tem o condão de produzir efeitos jurídicos para a Administração Pública e também para
o administrado.
Para o administrado, a decisão non liquet gera como efeito o direito de exigir
da Administração a implementação de medidas necessárias para que se chegue a uma
decisão final. Se na decisão non liquet for estipulado novo prazo para a apreciação da
questão, o administrado terá o direito de exigir uma nova posição da Administração após
o seu decurso.
114
Ibid., p. 68.
115
Indicados, em caráter não exaustivo, no item 3.7 e seguintes deste trabalho.
49
decididas em momento anterior”116. André Saddy e José dos Santos Carvalho Filho, em
contrapartida, dedicam algumas linhas para extrair maior significado do vocábulo.
Em sentido similar, Manuel Goméz Puente faz uma distinção entre o que
indica ser um dever formal de decidir e o que entende ser um dever substantivo de decidir.
Para este autor, o dever formal de decidir significa a obrigação de emitir uma resposta à
pretensão do particular, que não se confunde com a solução do mérito da questão
apresentada. O dever substantivo de decidir, por outro lado, corresponde à necessidade
de decidir o mérito do problema levado ao conhecimento da Administração119.
116
FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu. Op. cit.. pp. 260-261.
117
CARVALHO FILHO, Op. cit. p. 228.
118
Idem. pp. 228-229.
119
GOMÉZ PUENTE, Manuel. La inactividad de la Administración. Pamplona: Aranzadi, 1997. pp. 478-
481.
120
SADDY, André. Silêncio administrativo no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 15.
50
Em face de tais considerações, nota-se uma aproximação entre o que se
entende como pronúncia e o direito de resposta decorrente do direito de petição. Para
Saddy, o direito de resposta, à luz dos princípios da legalidade, da publicidade (em sua
vertente da transparência) e da motivação, exige que a Administração expresse, por
escrito e em prazo razoável, de maneira eloquente, o “porquê” de seus atos. É necessário
que a Administração publicize as razões de todos seus comportamentos, não bastando que
exista um motivo para a atuação administrativa. A ocultação de tais razões implica um
cerceamento de defesa do administrado, ferindo direitos que lhe são fundamentais, além
de tornar impossível o controle da Administração121.
121
SADDY, André. Ibid. p. 16.
122
ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista de
Processo, vol. 225, nov./2013, pp. 389-410.
123
Cf. CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard law review, vol. 89, n. 7,
maio 1976, pp. 1281-1282.
51
No processo tradicional, o magistrado, ao julgar o mérito, está vinculado a
“acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção”, conforme
determina o art. 487, I, do Código de Processo Civil. Trata-se de dever que se limita a
uma escolha binária. Ainda que o juiz entenda que nenhuma dessas duas posições oferece
a melhor solução para o problema posto, não pode ele, em regra, desviar-se de uma das
propostas oferecidas pelas partes, pois lhe é vedado conhecer de questões não suscitadas
a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte, como disposto no art. 141 do CPC124.
Arenhart afirma que essa visão de processo serve razoavelmente bem para os
litígios privados, em que, diante da predominância da vontade dos particulares, é
normalmente menor a intervenção estatal na gestão dessas relações jurídicas. No entanto,
a situação é diversa em outros campos, especialmente na dimensão do direito público,
pois impor ao juiz a escolha entre apenas duas propostas de solução seria, na maior parte
das vezes, obrigá-lo a cometer injustiças125. Esta estrutura tradicional do direito
processual seria a responsável por anuviar a visão do magistrado, impedindo uma
completa dimensão do problema e, consequentemente, uma decisão adequada da
controvérsia.
A ideia decisão estrutural teve origem nos Estados Unidos, em 1954, com o
caso Brown vs. Board of Education of Topeka127. A Suprema Corte norte-americana,
naquele caso, entendeu, após amplos debates e longa tramitação, ser inconstitucional a
admissão de estudantes em escolas públicas americanas com base em um sistema de
segregação racial. Ao determinar a aceitação da matrícula de estudantes negros numa
escola pública até então voltada à educação de pessoas brancas, a Suprema Corte iniciou
um processo de mudança conjuntural do sistema público de educação nos Estados
Unidos, fazendo surgir o que se se chamou de structural reform. Um ano depois, diante
124
Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de
questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.
125
ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p.2.
126
Idem. Loc. cit.
127
U.S. SUPREME COURT. Brown v. Board of Education of Topeka, 347 U.S. 483, 1954.
52
de dificuldades das escolas em implementar a nova política de não discriminação, a
Suprema Corte voltou a examinar a questão, originando a decisão conhecida como Brown
v. Board of Education II. Em tal decisão, a Corte considerando a resistência de muitos
Estados em atender ao novo marco estabelecido pela primeira decisão, entendeu que a
implementação da ordem de não segregação deveria se dar pela progressiva adoção de
medidas que eliminassem os obstáculos criados pela discriminação, sob a supervisão das
cortes locais. A decisão, à luz das dificuldades em satisfazer de pronto o direito postulado
e eliminar os problemas enfrentados pelas escolas, autorizou a criação de planos voltados
à eliminação de toda forma de discriminação nas escolas. Tais planos demandariam tempo
e precisariam conformar-se às peculiaridades de cada lugar. Assim, a decisão tomada foi
mais aderente à realidade de cada lugar, tornando-se factível na prática128. O formato
utilizado nesse julgamento criou as bases para a ideia das decisões estruturais como um
instrumento mais flexível de solução das controvérsias.
Sérgio Arenhart aponta ser típico das medidas estruturais a prolação de uma
primeira decisão, que se limita a fixar em linhas gerais as diretrizes para a proteção do
direito a ser tutelado, criando o núcleo da posição jurisdicional sobre o problema a ele
levado. Assim, após essa primeira decisão – normalmente, mais genérica, abrangente e
quase “principiológica”, no sentido de que terá como principal função estabelecer a
“primeira impressão” sobre as necessidades da tutela jurisdicional – outras decisões serão
exigidas, para a solução de problemas e questões pontuais, surgidas na implementação da
“decisão-núcleo”, ou para a especificação de alguma prática devida129.
128
ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. pp. 3-4.
129
Idem. p. 6.
130
FISS, Owen. The forms of justice. Harvard Law Review, v. 93, n. 1, p. 1-58, nov. 1979. pp. 49-50.
131
ARENHART, Sérgio Cruz. Ibid. p. 6.
53
Em razão disso, essas decisões podem (e, muitas vezes, devem) ir além da
simples especificação do resultado a ser obtido, esclarecendo os meios para tanto. A
sentença judicial, ao fixar a consequência esperada, pode impor um plano de ação, ou
mesmo delegar a criação desse plano a outro ente, de forma a atingir, de maneira mais
pronta e com o menor sacrifício aos interesses envolvidos, o resultado almejado. Em
alguns casos, será impossível estabelecer de pronto quais serão esses meios adequados,
razão pela qual a revisão periódica da decisão, e de sua eficácia, será essencial.
Para tanto, a colaboração das partes – e, de modo mais amplo, dos atingidos
pela decisão – e sua participação na formação da(s) decisão(ões) judicial(is) são
imprescindíveis. Entende-se que somente com a mais completa satisfação do
contraditório pode-se ter a mais exata dimensão do problema – e das consequências da
decisão judicial – e, assim, tomar a providência mais adequada. Por isso, a adoção de
audiências públicas, a permanente manutenção do diálogo entre os interessados e outras
medidas de participação no processo devem ser práticas estimuladas no campo da tutela
coletiva132.
132
ARENHART, Sérgio Cruz. Ibid. p. 7.
54
fazer ou uma abstenção. Na realidade, seu fim último se dirige à reestruturação dessa
relação burocrática, de modo a alterar substancialmente a forma como as interações
sociais se travam. Por isso, são medidas de longo prazo, que exigem muito mais do que
uma simples decisão do Estado.
133
CYRINO, André. Direito administrativo de carne e osso: estudos e ensaios. Rio de Janeiro: Processo,
2020. p. 159.
134
É como entende o Superior Tribunal de Justiça: “(...) 4. A Lei 9.784/1999 foi promulgada justamente
para introduzir no nosso ordenamento jurídico o instituto da Mora Administrativa como forma de reprimir
o arbítrio administrativo, pois não obstante a discricionariedade que reveste o ato da autorização, não se
pode conceber que o cidadão fique sujeito à uma espera abusiva que não deve ser tolerada e que está sujeita,
sim, ao controle do Judiciário a quem incumbe a preservação dos direitos, posto que visa a efetiva
observância da lei em cada caso concreto.
5. O Poder Concedente deve observar prazos razoáveis para instrução e conclusão dos processos de outorga
de autorização para funcionamento, não podendo estes prolongar-se por tempo indeterminado, sob pena de
violação dos princípios da eficiência e da razoabilidade”. STJ, REsp n° 690.811/RS, Rel. Ministro José
Salgado, Primeira Turma, julgado em 28/06/2005, DJ 19/12/2005, p. 234.
55
Mas há casos que não comportam uma solução de pronto. Seja por
obscuridade fática, dúvidas de ordem técnica ou sobre a norma jurídica aplicável, ou
mesmo por razões que demandem maior cautela por parte do administrador, há situações
em que a Administração Pública pode não conseguir julgar o mérito da demanda
apresentada. Em uma primeira análise, a Administração pode avaliar que a melhor opção,
nesses casos, não é indeferir o pedido, mas promover medidas para tornar possível a sua
elucidação. Trata-se de compreensão não antagônica da relação entre administrador e
administrado, que passam atuar dialogicamente em busca da decisão mais adequada. A
Administração, nestas hipóteses, mediante justificativa expressa e à luz dos ditames da
publicidade e da transparência, poderia proferir uma decisão de não decidir naquele
momento. Com isso, ganha-se tempo para promover as diligências necessárias às
avaliações para se chegar a uma decisão de mérito.
135
Sobre o tema, cf. BINENBOJM, Gustavo.; CYRINO, André. O Art. 28 da LINDB - A cláusula geral
do erro administrativo. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], p. 203–224, 2018. Disponível em:
https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/77655. Acesso em: 11 fev. 2024.
136
HACHEM, Daniel Wunder. Processos administrativos reivindicatórios de direitos sociais - Dever de
decidir em prazo razoável vs. silêncio administrativo. A&C – R. de Dir. Administrativo & Constitucional.
Belo Horizonte, ano 14, n. 56, p. 147-175, abr./jun. 2014.
56
Estado em atender à pretensão formulada pela via administrativa pode acarretar
desrespeito a necessidades indispensáveis à proteção e promoção da dignidade da pessoa
humana. Para tanto, afirma que prazo razoável e prazo legal não são expressões
sinônimas, e não se referem à mesma coisa. A Administração, por força do direito
fundamental à razoável duração do processo, estaria obrigada antes de tudo a observar
primordialmente este direito, e apenas secundariamente cumprir o prazo fixado na lei137.
Assim, para atender a reclamos de caráter urgente – que devem ser observados caso a
caso –, uma interpretação sistemática do art. 5º, LXXVIII, com o §1º do mesmo artigo
conduziria à conclusão de que o direito fundamental à tutela administrativa efetiva impõe
ao Estado a obrigação de emitir decisão antes do decurso do prazo legal.
Isto não quer dizer, por outro lado, que à Administração é facultada a
possibilidade de se manter em silêncio durante o período em que está analisando a questão
e formando sua convicção para proferir uma decisão de mérito. O art. 48 da Lei de
Processo Administrativo federal estabelece que a Administração Pública “tem o dever de
explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou
reclamações”. A exigência do art. 49 é a de que concluído o processo administrativo, a
Administração tem o prazo de até sessenta dias para decidir. À luz destes dispositivos, é
possível extrair duas conclusões: (i) o dever de emitir decisão explícita não exige que a
Administração Pública profira uma decisão de mérito dentro do prazo legal. Na realidade,
(ii) o que a lei exige é que a Administração, em atenção ao dever de resposta oriundo do
137
HACHEM, Daniel Wunder. Op cit. p. 151.
57
direito constitucional de petição, não deixe o peticionante sem qualquer posicionamento
acerca de sua solicitação nesse período. Naturalmente – e este é o cenário ideal –, se for
possível concluir todo o processo no tempo estipulado, isto deve ser feito. No entanto, o
dever de decidir constante dos arts. 48 e 49 da Lei n° 9.784/1999 aproxima-se de um
dever de comunicação daquilo que o Estado está fazendo no curso do processo, como
ocorre na legislação portuguesa, conforme indicado no tópico 1.1.3.
Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere) que, entre outros
significados, tem o de "pedir, pôr preço" (é a mesma origem de "meretriz" e
aqui, também há a idéia, do preço, exigência). Daí se entende que meritum
causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita
causae) é aquilo que alguém vem a Juízo pedir, postular, exigir. O mérito,
portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa
apresenta ao juiz para seu exame139.
138
O conflito pode surgir após uma avaliação da Administração Pública sobre a pretensão do peticionante
e os interesses públicos em jogo, mas não entre a própria Administração e o administrado. No processo
civil, a lide levada ao Poder Judiciário já possui um caráter intrínseco de conflito.
139
DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil. Revista de Processo, vol.
34/1984, p. 20-46, abr - jun, 1984.
58
substantivo, por oposição às questões de cunho meramente processual. Para o autor, o
mérito é um elemento constante e principal. Existe em toda demanda e centraliza as
pretensões das partes. Só excepcionalmente o juiz deixará de examiná-lo. Ao prisma do
Direito Administrativo o mérito não é um elemento essencial, nem constante, senão
eventual e restrito. É apenas, e em certos casos, um dos fatores que, conjuntamente,
compõem o ato administrativo140.
José Cretella Júnior, por sua vez, não ignora que exista algum sentido extraído
do processo civil, porque, como aponta, também há no Direito Administrativo uma parte
processual – o processo administrativo – e, neste, o mérito não deixa de ser o conteúdo
da lide, a própria substância do que se debate. Não obstante, o autor igualmente aponta
que o entendimento do mérito admitido normalmente no âmbito do Processo Civil deve
ser colocado de lado ao se tratar do mérito administrativo, uma vez que este constitui
“aspecto todo particular, nôvo, com características próprias, inconfundíveis”141.
De fato, com bem alertado pelos autores, as noções não se confundem. E esta
decisão, que, no processo administrativo, deve ser proferida em até sessenta dias, pode
ser uma decisão non liquet.
A expressão non liquet decorre de uma frase latina que significa: “jurei que o
caso não estava claro o suficiente e, em consequência, fiquei livre daquele
julgamento”142. Ela consta de história narrada por Aulus Gellius, em Noites Áticas,
quando este foi escolhido como um dos juízes populares (iudex) de Roma. Este era o caso:
reclamava-se diante de Aulus uma dívida ajuizada por um homem de sabida boa-fé e
reputação ilibada, com reconhecidos exemplos de probidade ao longo de sua vida, mas
que, para defender a existência de seu crédito no caso concreto, apoiava-se em
140
FAGUNDES, M. S. Conceito de mérito no Direito Administrativo. Revista de Direito
Administrativo, [S. l.], v. 23, p. 1–16, 1951. Disponível em:
<https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/11830>. Acesso em: 02 jan. 2024.
141
CRETELLA JÚNIOR, J. O mérito do ato administrativo. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v.
79, p. 23–37, 1965. Disponível em: <https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/26727>. Acesso em: 2 jan.
2024.
142
Do original: “iuravi mihi non liquere, atque ita iudicatu illo solutus sum”.
59
argumentos fracos e em alegações que não lograva comprovar. No lado oposto da lide,
como réu, estava um sujeito visto como pessoa sem bons valores, com caráter moldado
publicamente em mentiras e fraudes. Este, por sua vez, representado por bons advogados,
indicava que o crédito do reclamante deveria ser comprovado por meio da apresentação
de documentos ou de outro expediente que fosse suficiente para tanto, o que não existia,
e por isso exigia a condenação do autor por calúnia.
143
GELLIUS, Aulus. Noctes Actticae. Op cit. p. 486 e ss.
144
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1988.
p. 74.
145
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op cit. p. 146.
60
non liquet poderia gerar dois efeitos para o juiz: este, declarando o non liquet, poderia
deixar de decidir; ou, caso assim entendesse, poderia justificar o adiamento para ganhar
mais tempo, de modo a refletir sobre o caso146.
Ocorre que esta possibilidade de o juiz encerrar um processo sem emitir uma
decisão conclusiva sobre o mérito da questão a ele apresentada, evitando a aplicação das
leis ou a confirmação da existência ou inexistência do direito alegado, foi abolida dos
sistemas jurídicos modernos147. Isso se deu porque passou-se a entender que, a partir do
momento em que o Estado passou a deter o monopólio do poder e da autoridade para
estabelecer e fazer cumprir as leis, regulamentos e instituições que garantem a ordem e a
segurança necessárias para o funcionamento da sociedade, passou este a ter um
compromisso em resolver as disputas entre os cidadãos, de modo a coibir a autotutela e o
exercício arbitrário das próprias razões. Assim, encerrar um caso sem um veredito seria
considerado uma negligência do dever judicial de proferir uma decisão. À medida em que
a jurisdição evoluiu para uma função do Estado e os sistemas jurídicos proibiram a
resolução privada de conflitos, surgiu o direito dos indivíduos de buscar a jurisdição para
obter uma decisão do Judiciário sobre o conflito. O direito de acesso à justiça passou a
ter como correlato o dever do juiz de emitir uma sentença. O ato de decidir refletia uma
parte essencial desse processo, e a omissão desse dever seria contrária à ideia de uma
jurisdição justa e responsável148.
146
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op cit. p. 150.
147
Mesmo antes disso, no terceiro grande período do processo civil romano, o non liquet já sofrera
transformação, pois o juiz, caso entendesse não ser capaz de decidir a questão, passou a ser obrigado a
submetê-la a um magistrado superior, em remessa que denominava-se consultatio. ANDRADE, Juliana
Melazzi. Id. Loc cit.
148
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 231.
149
Idem, p. 246.
61
Artículo 76. La facultad de conocer de las causas civiles y criminales, de
resolverlas y de hacer ejecutar lo juzgado, pertenece exclusivamente a los
tribunales establecidos por la ley. Ni el Presidente de la República ni el
Congreso pueden, en caso alguno, ejercer funciones judiciales, avocarse causas
pendientes, revisar los fundamentos o contenidos de sus resoluciones o hacer
revivir procesos fenecidos.
Reclamada su intervención en forma legal y en negocios de su competencia,
no podrán excusarse de ejercer su autoridad, ni aun por falta de ley que resuelva
la contienda o asunto sometidos a su decisión.
150
Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
151
Art. 5° (...), XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
152
Cf., por todos, WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional (princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional no sistema jurídico brasileiro). São Paulo: RT, 1980. p. 26. CARNEIRO, Paulo Cezar
Pinheiro, Op. cit. STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da; FREIRE,
Alexandre. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 228.
62
sejam resolvidos de acordo com a lei estabelecida. Isso ajuda a criar um ambiente em que
as pessoas possam confiar na capacidade do sistema jurídico de resolver conflitos,
evitando que a busca por justiça seja substituída por formas potencialmente arbitrárias de
autotutela.
153
KOATZ, Rafael L.-F. Op. cit. p. 192.
63
Ele sugere que a abordagem dessa proibição não deve ser considerada de maneira rígida
e inflexível. Em vez disso, o autor explora cenários em que a conclusão do processo
judicial sem uma análise substantiva possa ser considerada legítima.
A razão subjacente à proibição do non liquet é evitar que disputas fiquem sem
uma resolução efetiva e justa. No entanto, Cabral levanta a questão de que, quando não
existe um verdadeiro impasse que impossibilita a resolução do conflito, pode haver
espaço para considerar uma decisão de não decidir154.
154
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., pp. 231-326.
64
Essa abordagem não implicaria em uma inércia judicial, mas, sim, em uma consideração
ponderada das limitações e áreas de especialização155.
155
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit. pp. 145-185.
156
SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. The Law of “Not Now”: When Agencies Defer Decisions.
103 Georgetown L.J. 157, 2014.
157
Cf. CABRAL, Antonio do Passo; MENDONÇA, José Vicente Santos de. (Coords.). Decisão
administrativa coordenada: Reflexões sobre o art. 49-A da Lei n° 9.784/1999. São Paulo: Editora
Juspodivm, 2022.
65
prioritárias. A decorrência disso é a postergação de questões difíceis que dependem de
maiores recursos e tempo para uma análise adequada.
A primeira delas é a ideia de permissão do non liquet nos casos em que não
houver impasse resolutivo. Neste ponto, parte-se da concepção de que a vedação do non
liquet decorre da necessidade de se conferir operacionalidade ao sistema jurídico,
evitando impasses na resolução dos conflitos. Sendo este o objetivo, sustenta o autor que
“o non liquet só seria vedado se não houver outra solução desejada pelos interessados,
ou se não houver outras formas para superar esse impasse”158. Desta forma, indica-se
158
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 278.
66
uma interpretação conjunta entre o art. 140 e o art. 143, II, ambos do CPC, que assim
dispõem:
159
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 279.
160
Idem, p. 280.
161
Sobre o tema, cf. JUSTEN FILHO, M. Art. 20 da LINDB - Dever de transparência, concretude e
proporcionalidade nas decisões públicas. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], p. 13–41, 2018.
Disponível em: <https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/77648>. Acesso em: 09 jan. 2024.
67
Por estas razões, o autor sugere uma reflexão acerca da proibição absoluta de
non liquet, uma vez que essa vedação empurra o magistrado para uma decisão qualquer,
ainda que com menor rigor metodológico e com fundamentação de baixa qualidade,
diante de um quadro de obscuridade de certas questões.
Assim, existindo no sistema resultado que seja mais racional e permita uma
saída de maior qualidade para a resolução do conflito sem que se criem impasses
resolutivos e possam responder de maneira mais racional e eficiente ao problema posto,
dever-se-ia pensar se estes não seriam resultados mais desejáveis162.
Diante de tais premissas, Cabral, então, indica dois grupos de casos que
possibilitariam um pronunciamento non liquet pelo Judiciário: (i) procedimentos não
decisórios e (ii) procedimentos adjudicativos com pretensões declarativas.
162
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 283.
163
Idem, p. 286.
68
Conforme salientado por Juliana Melazzi, no segundo período do Direito
Romano, o julgamento pelo non liquet poderia autorizar que o juiz (i) deixasse decidir,
ensejando, assim, um julgamento definitivo; ou (ii) que o juiz justificasse o adiamento de
modo a ter mais tempo para refletir sobre caso, hipótese que configuraria um julgamento
provisório164. Neste segundo cenário, seria possível enquadrar casos em que a
obscuridade fática ou a falta de nitidez sobre a aplicabilidade das normas indicassem a
necessidade do diferimento da decisão de mérito.
Para Antônio Cabral, esse diferimento não pode ser um mero prolongamento
do debate ou da instrução probatória, a fim de melhor examinar a causa e aprofundar a
cognição. Segundo ele, “para que se possa caracterizar um non liquet, é preciso que haja
transferência da prerrogativa decisória, com o consequente deslocamento do julgamento
para outra sede”165.
Porém, nas linhas imediatamente seguintes, o autor afirma que, orientado para
uma resolução ótima, o non liquet, se temporário, não pode ser considerado ilícito. Isto
porque, por um lado, não significa negativa de jurisdição, apenas uma postergação da
resposta adjudicativa por um período de tempo. Por outro, também não seria uma
providência contrária à inafastabilidade do controle jurisdicional porque, se no primeiro
momento e por certo espaço de tempo, o magistrado efetivamente se abstém de julgar,
ainda assim a questão pode acabar voltando ao Judiciário para decisão no futuro, se o
conflito não for solucionado166.
164
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit. p. 150.
165
CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 309.
166
Idem, pp. 309-310.
167
E apreciar o mérito não se confunde com julgá-lo.
69
mas de uma primeira decisão em que o juiz, após apreciar o mérito, declara o non liquet
e determina uma data futura para o julgamento do mérito168.
168
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit. p. 206.
169
RAMOS, Luiz Felipe Rosa. Op cit. p. 130.
70
e desejável, para conferir maior segurança jurídica à Administração Pública e também ao
administrado. Na linha do que entende a literatura processualista brasileira mais recente
sobre a admissibilidade do non liquet no Poder Judiciário, aparenta ser possível a adoção
do mesmo caminho na esfera administrativa, em face da eventual perplexidade trazida
em casos em que a Administração Pública não tem condições de decidir.
3.5.1. Breves distinções preliminares: non liquet não é indeferimento, tampouco juízo
de admissibilidade
170
Conforme tópico 2.2.2 supra.
71
atendimento aos requisitos processuais necessários para o desenvolvimento do
processo171. Não atendidos os requisitos, o processo pode ser extinto sem a resolução do
mérito. O non liquet também não se amolda ao formato deste tipo de decisão, pois seu
conteúdo próprio não é voltado a analisar requisitos processuais.
171
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral
e processo de conhecimento. 20. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2018. p. 519.
172
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores
jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
173
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as
dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos
administrados.
72
E, nestes casos, decidir pode ser um tiro dado no escuro. Por isso, em tais circunstâncias,
seria admissível uma decisão de não decidir.
174
Art. 10. A outorga do direito de uso de bens da União para geração de energia elétrica a partir de
empreendimento offshore será feita por meio de autorização ou de concessão, que deverá refletir fielmente
as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas obrigatórias:
IV – o direito de o outorgado assentar ou alicerçar as estruturas destinadas à geração e à transmissão de
energia elétrica no leito subaquático, desde que atendidas as normas da autoridade marítima e emitida a
licença ambiental pelo órgão competente, observadas as disposições regulamentares.
73
IBAMA, conforme consta da última atualização do mapa de projetos com processos de
licenciamento ambiental abertos, de 18 de janeiro de 2024175.
Sem a definição da aprovação, ou não, da lei que trata do objeto dos projetos
apresentados ao licenciamento ambiental, não parece prudente que o IBAMA conceda as
licenças pretendidas, ainda que o procedimento não dependa exclusivamente do diploma,
pois é possível que uma norma decorrente da própria lei ou de eventuais regulamentos
estabeleça critérios a serem observados pelo Instituto quando do licenciamento – como a
comunicação com outros órgãos competentes sobre aspectos relativos ao
desenvolvimento dos empreendimentos, e.g., a autoridade marítima.
Assim, para casos similares, em que seja possível identificar que existe uma
discussão em curso a respeito do assunto, e que, possivelmente, seu desfecho se dará em
período de tempo não muito distante do momento da análise do pedido, um non liquet
administrativo, com base na necessidade de amadurecimento do debate sobre a solicitação
apresentada, seria justificável – e desejável –, a fim de evitar as consequências do silêncio
administrativo e de, simultaneamente, não gerar um indeferimento desnecessário.
175
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS. Complexos eólicos offshore
- Projetos com processos de licenciamento ambiental abertos no IBAMA. Brasília, 2024.
176
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit., p. 127.
177
Cf. FONTANA, David. Docket control and the success of constitutional courts. In: Comparative
constitutional law, Tom Ginsburg and Rosalind Dixon, eds., Edward Elgar Publishing, 2011.
74
de modo a aguardar uma definição sobre o tema nas instâncias políticas, por meio de
deliberação popular ou parlamentar178.
178
MARINONI, Luiz Guilherme. Processo constitucional e democracia. São Paulo: Thompson Reuters
Brasil, 2021, p. 222; MORAES, Guilherme Braga Peña de. Protagonismo institucional do Poder Judiciário
no estado contemporâneo: reflexões sobre a judicialização, o ativismo judicial e a autonomia processual da
justiça constitucional, Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, 2° sem./2019, p. 25-26.
179
ANDRADE, Juliana Melazzi. Ibid., p. 205.
180
Art. 675. Além dos casos em que a lei expressamente o autoriza, o juiz poderá determinar providências
para acautelar o interesse das partes:
I – quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios de rixa ou violência entre os litigantes;
75
possibilidade de, nas circunstâncias previamente definidas nos incisos do art. 675,
adotar providências fora das hipóteses expressamente previstas em lei para acautelar o
interesse das partes. Previsão similar constou do art. 798 do Código de Processo Civil de
1973181, que conferia ao juiz a faculdade de determinar as medidas provisórias que
entendesse adequadas, quando houvesse fundado receio de que uma parte, antes do
julgamento da lide, pudesse causar ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
Com isso, ao lado das modalidades típicas, expressamente previstas em lei, o poder geral
de cautela surgia como regra que conferia ao magistrado um amplo poder cautelar, como
forma de assegurar a efetividade da tutela do direito material, sem a limitação de aplicação
em hipóteses pré-definidas, como determinada o Código anterior.
O art. 799182 do CPC de 1973, em rol não exaustivo, previa algumas das
medidas que poderiam ser adotadas pelo magistrado no exercício do poder geral de
cautela. Dentre elas estavam a guarda judicial de pessoas, o depósito de bens, e a
imposição da prestação de caução. Segundo José Roberto dos Santos Bedaque, que
sintetiza o ponto no contexto do diploma processual de 1973, “o poder geral de cautela
corresponde à possibilidade de se conceder cautelar inominada para situações não
tipificadas pelo legislador”183. Marinoni e Mitidiero apontam que as circunstâncias que
exigem o uso de uma tutela cautelar variam conforme as peculiaridades do caso concreto,
de modo que não haveria alternativa outra senão deixar uma válvula de escape para a
utilização da técnica processual adequada à situação concreta, por meio da outorga ao juiz
um poder cautelar geral184. É o que também compreende Alexandre Câmara, que entende
ser o poder geral de cautela um instituto necessário em todos os quadrantes do planeta,
II – quando, antes da decisão, fôr provável a ocorrência de atas capazes de causar lesões, de difícil e
incerta reparação, no direito de uma das partes;
III – quando, no processo, a uma das partes fôr impossível produzir prova, por não se achar na posse de
determinada coisa.
181
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste
Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio
de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
182
Art. 799. No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de
determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução.
183
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de
Urgência (Tentativa de Sistematização). 5. ed. rev. e ampl., São Paulo: Malheiros, 2009. p. 229.
184
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: Comentado Artigo por
Artigo. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 770.
76
decorrente da impossibilidade de previsão abstrata de todas as situações de perigo para o
processo que podem ocorrer em concreto185.
185
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. III. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008. p. 43.
186
CABRAL, Flávio Garcia. Medidas cautelares administrativas: regime jurídico da cautelaridade
administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2021. p. 146.
187
“(…) 4. Não bastasse aquela previsão legal relativa ao contrato de depósito, a Caixa Econômica Federal,
conquanto exerça, predominantemente, atividade econômica em sentido estrito, é empresa pública
(patrimônio exclusivamente público) e nessa qualidade faz parte da administração pública. É verdade que,
pelo disposto no art. 173, §1º, II, da Constituição as empresas estatais dedicadas a atividades econômicas
stricto sensu sujeitam-se ‘ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários’. Todavia, tal regra não impede a utilização, pelas
empresas estatais, de prerrogativas de administração pública justificadas por suas atividades, desde que não
impliquem atentado à livre concorrência. 173, §1º, II Constituição. 5. Nessa prerrogativa, obedecido o
devido processo legal, inclui-se a atividade cautelar da Administração destinada a prevenir dano ao
patrimônio público. A prerrogativa das medidas cautelares, dentro de processo administrativo, era implícita
à época dos fatos e, hoje, está expressa no art. 45 da Lei nº 9.784/99 (que se aplica à administração federal
direta e indireta, cf. art. 1º): ‘Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente
adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado’. 6. A providência tomada pela
Caixa Econômica Federal foi, portanto, lícita (…)” (TRF1. AC 5018 MG 2007.01.00.005018-0, Relator:
Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 14.02.2012, Terceira Seção, Data de
Publicação: e-DJF1 p. 344 de 05.03.2012).
“(...) 3. Entendeu-se pela inexistência de arbitrariedade no ato de suspensão cautelar das licenças e
habilitações para pilotagem, visto que sua prática foi embasada em regular procedimento administrativo
(autos nº 00058.041502/2018-62), com respeito aos ditames da Lei 9.784/99. 4. Destacou ainda que não se
tratando de sanção administrativa imposta ao agravante, mas de medida acauteladora, praticada no âmbito
do poder geral de cautela da Administração Pública para prevenção de graves danos ao interesse público,
há, inclusive, dispensa à necessidade de contraditório prévio, conforme art. 45 da Lei 9.784/99. (TRF-3.
AI: 50116272720194030000 SP, Relator: Desembargador Federal Antonio Carlos Cedenho, Data de
Julgamento: 22/03/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: 25/03/2021).
“O direito à educação, um dos mais importantes direitos consagrados em nossa Constituição, não pode
conviver com comportamentos desrespeitosos, desvairados e ameaçadores. Nenhum direito é absoluto a
ponto de justificar o malferimento de outros igualmente relevantes. Assim, candidato em processo de
ingresso à universidade que, por sua conduta agressiva, provoca temor nos professores, funcionários e
demais alunos, pode ser excluído do processo, notadamente quando houver cláusula nesse sentido no edital.
A exclusão, nesse caso, tem em vista o interesse público e é mera decorrência do poder geral de cautela de
que goza a administração (artigo 45 da Lei 9.784/99), visando prevenir que ele regresse às dependências da
instituição de ensino. O provimento (inibitório) ancora-se no artigo 497 do Código de Processo Civil, cujo
parágrafo único prevê que para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou
a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da
existência de culpa ou dolo”. (TRF-4. AC: 50242889420184047000 PR 5024288-94.2018.4.04.7000,
Relatora: Vânia Hack de Almeida, Terceira Turma. Data de Julgamento: 08/03/2022).
77
Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá
motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação
do interessado.
Este poder geral de cautela, contudo, não pode servir como uma autorização
ampla e irrestrita para um non liquet administrativo. Deve a Administração, se optar por
uma decisão de não decidir fundada em um poder geral de cautela, justificar de forma
expressa a adoção de tal escolha, indicando os riscos incidentes ao caso analisado e os
potenciais danos que podem ser concretizados caso se proceda de modo diverso.
“(...) Há dispositivo legal prevendo o poder geral de cautela da Administração Pública, nos moldes em que
ocorrido o ato impugnado. Tem-se no art. 45 da lei do processo administrativo na Administração Pública
federal (Lei n. 9.784/1999):
(...)
A regra seria despicienda, por ser implícito, na norma que outorga o poder de decidir, o poder cautelar
necessário a garantir a eficácia da eventual decisão futura. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RMS:
31973 DF, Relator: Min. Cármen Lúcia, Data de Julgamento: 25/02/2014, Segunda Turma, Data de
Publicação: DJe-117 DIVULG 17-06-2014 PUBLIC 18-06-2014).
188
CABRAL, Flávio Garcia. Ibid., p. 153.
78
3.5.4.1. A RDC ANVISA n° 46/2009 configura um non liquet administrativo
cautelar?
189
O princípio da precaução tem origem no Direito alemão, na década de 1970, em um contexto de
preocupação com a necessidade de avaliação prévia das consequências sobre o meio ambiente dos
diferentes projetos e empreendimentos que se encontravam em curso ou em vias de implantação no país.
Trata-se da ideia de promover ações antecipatórias para proteger a saúde das pessoas e dos ecossistemas.
Atualmente, o princípio da precação é aplicado em diferentes áreas, abrangendo questões que vão de
mudanças climáticas a saúde pública – como o caso da ANVISA ora em análise. Embora tenha conteúdo
próprio, é possível compreender o princípio da precaução como uma ferramenta a ser utilizada pela
Administração Pública no escopo do poder geral de cautela administrativa. ANTUNES, Paulo de Bessa. Os
princípios da precaução e da prevenção no direito ambiental. Enciclopédia jurídica da PUC-SP.
CAMPILONGO, Celso Fernandes; GONZAGA, Alvaro de Azevedo; FREIRE, André Luiz (coords.).
Tomo: Direitos Difusos e Coletivos. Nelson Nery Jr., Georges Abboud, André Luiz Freire (coord. de tomo).
1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível
em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/330/edicao-1/os-principios-da-precaucao-e-da-
prevencao-no-direito-ambiental. Acesso em: 01 fev. 2024. Ver também: ARAGÃO, Alexandra. Aplicação
nacional do princípio da precaução. In: Associação dos Magistrados da Jurisdição Administrativa e Fiscal
de Portugal. Colóquios 2011-2012. Lisboa: Associação dos Magistrados da Jurisdição Administrativa e
Fiscal de Portugal, 2013. p. 159-185. Disponível em: http://bit.ly/1BpSxzc. Acesso em: 01 fev. 2024.
79
elaborou documento que reuniu informações sobre a composição do vapor dos produtos,
potenciais prejuízos ou redução de danos à saúde, e sua utilização no tratamento da
dependência de nicotina190.
190
Cf. ANVISA. VOTO Nº 459/2023/SEI/DIRETOR-PRESIDENTE/ANVISA. Processo nº
25351.911221/2019-74. Disponível em:
<https://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/5548362/Voto+459+-+2023+-+Diretor-Presidente+-
+CP+1222+-+GGTAB.pdf/c4f6b24a-c037-4cee-b31e-e1e8383d2861>. Acesso em: 02 fev. 2024.
191
ANVISA. Op. cit.
80
medidas regulatórias não normativas, seria adequada ao enfrentamento do problema
regulatório identificado192. Segundo a Agência, entre julho de 2022 (mês da aprovação
do Relatório de AIR) e dezembro de 2023 – quando foi aberta a Consulta Pública sobre a
questão –, diversos órgãos públicos e agentes privados foram consultados193, e foram
revisitadas novas evidências científicas que surgiram nesse ínterim que, dentre outros,
incluiu, também, a observação do cenário regulatório desses produtos em outros países.
192
ANVISA. VOTO Nº 207/2022/SEI/DIRE3/ANVISA. Processo nº 25351.911221/2019-74. Disponível em:
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/air/analises-de-impacto-
regulatorio/2022/arquivos-relatorios-de-air/voto-no-207_2022_sei_dire3_anvisa.pdf. Acesso em: 02 fev
2024.
193
Dentre eles, Ministério da Saúde; INCA; Ministério de Justiça; Secretaria Nacional do Consumidor;
Receita Federal Brasileira; Polícia Federal; Polícia Civil de São Paulo; Polícia Rodoviária Federal (PRF);
Conselho Nacional de Secretários de Saúde; Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde;
Vigilâncias Sanitárias; Conselho Federal de Medicina; Sociedade Brasileira de Pediatria; Sociedade
Brasileira de Pneumologia e Tisiologia; Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de
Oncologia Clínica.
194
Fevereiro de 2024.
81
econômicos, pela medida. Todos esses procedimentos poderiam ser realizados após um
non liquet administrativo, de modo a proporcionar uma melhor avaliação da demanda e
possibilitar uma tomada de decisão mais assertiva e bem informada quanto ao mérito da
questão.
Como visto na Introdução e no tópico 3.1 deste trabalho, o non liquet traduz
uma hipótese de abstenção de julgamento do mérito. O julgador – ou quem deve tomar
uma decisão –, diante de caso sobre o qual possui fundada dúvida, decide não julgar. Daí,
originalmente, poderiam decorrer dois efeitos: a substituição do julgador ou o adiamento
da decisão de mérito, para que se tenha mais tempo para refletir sobre o caso.
Por estas razões, embora possua elementos que a aproximem de um non liquet
administrativo – são eles: os motivos e as medidas adotadas posteriormente para que se
chegasse a uma definição melhor informada do assunto –, a decisão da ANVISA no
âmbito da RDC n° 46/2009 não pode ser entendida como um non liquet administrativo.
82
obscuros ou das dúvidas sobre a aplicação do direito – como ocorria na segunda fase do
Direito Romano. Sua operacionalização tem inspiração nas decisões estruturais, em que
há uma cadeia de decisões. No processo civil, a decisão estrutural “estabelece o estado
ideal de coisas que se pretende seja implementado (fim) e o modo pelo qual esse resultado
deve ser alcançado (meios)”195. Há uma primeira decisão que, por meio de uma norma
jurídica de conteúdo aberto, aponta um objetivo a ser perseguido e o modo como tal meta
deve ser alcançada. A mesma decisão também estrutura a forma como se deve alcançar
esse resultado, estabelecendo condutas que devem ser observadas ou evitadas para que o
preceito seja atendido e o resultado, alcançado. Ocorre que apenas uma decisão pode não
ser bastante para alcançar os objetivos pretendidos. Nesses processos estruturais, dotados
de maior maleabilidade, admite-se que o juiz profira outras decisões ao longo do processo,
de modo a solucionar os problemas em “tempo real”.
195
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Elementos para uma teoria
do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. In: Revista do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro, nº 75, p. 101-136, jan./mar. 2020.
196
ANDRADE, Juliana Melazzi. Op. cit. p. 207.
197
É o que se percebe quando o art. 20 faz referência à necessidade de observância das consequências
práticas da decisão a ser tomada.
83
ensejou a decisão de não decidir; (ii) as medidas a serem implementadas para se chegar a
uma decisão de mérito, acompanhadas de seu método de aplicação; (iii) o estabelecimento
da periodicidade para a reavaliação da manutenção das bases que fundamentaram o non
liquet; e (iv) a fixação de novo prazo para reavaliar a questão, se possível.
84
autônoma para garantir que os veículos sejam seguros o suficiente para operar sem a
supervisão humana direta. Além disso, a tecnologia subjacente aos veículos, que pode ser
inovadora e desconhecida, também seria aspecto de verificação pela agência. Igualmente
importante seria a avaliação acerca da infraestrutura das estradas e do ambiente urbano,
a fim de verificar eventual necessidade de ajustes para acomodar os veículos de forma
segura e eficiente. Ainda, questões legais relacionadas à responsabilidade em caso de
acidentes ou falhas nos sistemas autônomos precisariam ser cuidadosamente analisadas.
85
a situações específicas, que não são comuns ou rotineiras na Administração Pública, e que
envolvam desafios significativos ou nuances que podem não ter precedentes claros. São
situações que vão além dos cenários simples e diretos que normalmente são tratados pela
Administração. Portanto, casos que exprimam real complexidade, exigindo uma análise
mais profunda, a consideração cuidadosa das circunstâncias individuais e, eventualmente,
a aplicação de soluções inovadoras ou adaptadas para lidar com as particularidades
envolvidas. Não é possível definir em abstrato uma definição de complexidade que seja
aplicável a todos os casos, pois o próprio termo demanda um preenchimento à luz do caso
concreto. A despeito disso, alguns caminhos podem ser delineados.
São exemplos os casos que envolvem novas tecnologias ou práticas que ainda
não foram regulamentadas adequadamente pela legislação. Nessas situações, uma decisão
apressada, sem a avaliação dos impactos que uma regulação pode gerar, é capaz de
relevar-se equivocada no futuro, ao se constatar que nenhuma intervenção era necessária.
Conforme apontam Patrícia Baptista e Clara Iglesias Keller, “responder imediatamente
com uma nova regulação pode prejudicar o julgamento da opção regulatória de não agir,
e assim resultar em conformações normativas desnecessárias e num considerável
desperdício de recursos”198. Uma regulamentação prematura, segundo as autoras, pode
ter o efeito de inibir a capacidade de inovação, tanto no que diz respeito a aprimorar
elementos já existentes, quanto no surgimento de tecnologias ainda mais inovadoras. Por
isso, Baptista e Keller entendem que a escolha por aguardar, postergando a intervenção
para um momento de maior estabilidade institucional, se apresenta como medida mais
salutar, embora não se ignore os riscos que a opção pela espera pode gerar, como a inércia
regulatória e a consequente omissão. Embora trate especificamente de regulação, as
conclusões das autoras podem ser transportadas para a atividade administrativa geral.
198
BAPTISTA, P.; KELLER, C. I. Por que, quando e como regular as novas tecnologias? Os desafios
trazidos pelas inovações disruptivas. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 273, p. 123–163, 2016.
Disponível em: <https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/66659>. Acesso em: 06 ago. 2023.
86
abrangem aspectos científicos, ambientais, econômicos e sociais complexos, essa
abordagem se torna imperativa devido à interconexão intrínseca desses elementos.
199
Adota-se, aqui, a concepção de decisão administrativa coordenada em sentido amplo, uma vez que a
coordenação pode ocorrer, licitamente, mesmo que não se enquadre nos limites previstos no art. 49-A da
Lei n° 9.784/1999, incluído pela Lei n° 14.210/2021. Embora o caput do referido artigo indique que poderão
ser tomadas mediante decisão coordenada as decisões administrativas que exijam a participação três ou
mais setores, órgãos ou entidades, não há vedação para que a coordenação se dê entre apenas dois desses
agentes. Nesse sentido, v. MENDONÇA, José Vicente Santos de. Decisão administrativa coordenada:
limites e impossibilidades da lei na coordenação de decisões administrativas. In: CABRAL, Antonio do
Passo; MENDONÇA, José Vicente Santos de. (Coords.). Decisão administrativa coordenada: Reflexões
sobre o art. 49-A da Lei n° 9.784/1999. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022. pp. 31-45. Aqui, p. 40.
87
3.7.2. Margem de discricionariedade
Isso porque, nos casos de atos vinculados, a decisão já está definida pela
legislação, deixando pouca ou nenhuma margem de escolha para a Administração. O non
liquet administrativo é uma ferramenta utilizada para adiar a decisão de mérito justamente
quando há espaço para julgamento e escolha. Sendo assim, se determinado sujeito
preenche todos os requisitos estabelecidos pela legislação para a concessão de uma
licença, a Administração é obrigada a concedê-la. Não há margem para discricionariedade
nesta hipótese, pois os critérios são claros e objetivos. Por outro lado, considere-se a
aprovação de um projeto de desenvolvimento urbano com potencial de alto impacto
ambiental. Nessa circunstância, a Administração Pública possui margem de
discricionariedade para aprovar ou rejeitar o projeto, com base em uma variedade de
fatores, como os riscos ao meio ambiente, a infraestrutura existente e os benefícios para
a comunidade. Se a Administração enfrentar incerteza normativa, obscuridades fáticas ou
perceber a necessidade de adotar uma postura de cautela ao avaliar o projeto, poderá, caso
isso se justifique na situação concreta, optar por adiar a decisão por meio do non liquet
para obter informações adicionais e considerar mais detalhes antes de tomar uma decisão.
88
abordagem contraproducente ou mesmo ilegítima. Sem limites bem definidos, o
adiamento sistemático de decisões importantes poderia resultar em inércia prolongada por
parte da Administração Pública, levando a questões sem solução, falta de clareza e
impactos econômicos e sociais negativos. Isso contradiz a intenção original por trás da
ideia de não decidir em circunstâncias específicas.
O antigo relato é um exemplo ainda atual de prática decisória que tem por
finalidade evitar, propositalmente, o exame do mérito da questão apresentada. Os longos
atrasos e a indicação de prazos não razoáveis para a solução das demandas constituem,
nas palavras de Luiz Felipe Rosa Ramos, uma conhecida válvula de escape do sistema, e
podem ser mais graves que a própria recusa do pedido, uma vez que mantém as partes em
uma situação de nociva indefinição201.
200
GELLIUS, Aulus. Noctes Actticae. Tradução de Francisco Navarro Y Calvo, Noches Áticas. Buenos
Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1959. pp. 150-151.
201
RAMOS, Luiz Felipe Rosa. Op cit. p. 122.
89
análise mais aprofundada, antes que se decida sobre o seu mérito. Isso ajudará a evitar o
uso arbitrário ou inadequado do instrumento.
202
ANDRADE, José Carlos Vieira de. O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos.
Coimbra: Almedina, 1992. p. 22.
203
Art. 2° A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade,
motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,
interesse público e eficiência.
204
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos
jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas
e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
§ 1° A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância
com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte
integrante do ato.
§ 2° Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os
fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 3° A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva
ata ou de termo escrito.
205
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 172.
90
expressamente a regra em seu texto. Entende-se, contudo, que a exigência de motivação
decorre da noção de Estado Democrático de Direito (art. 1°, CRFB) e dos princípios da
publicidade (art. 37, CRFB) e do contraditório (art. 5°, LVI, CRFB)206.
206
Idem. Loc cit.
207
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit. p. 11.
208
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Motivo e Motivação do Ato Administrativo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1979. p.128. No mesmo sentido, GOMES, Jose Osvaldo. Fundamentação do Acto
Administrativo. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editores, 1981. p. 121.
91
uma questão é verdadeiramente passível de uma decisão de não decidir ajuda a evitar que
a Administração adote essa abordagem como uma maneira de evitar a tomada de decisões
difíceis. Além disso, ao expor os fundamentos que justificam o adiamento, a
Administração constrói um arcabouço argumentativo que pode ser revisado por partes
interessadas e avaliado quanto à sua juridicidade.
Esse risco decorre da permanente desconfiança que se tem sobre a celeridade da atividade administrativa,
209
que, não raro, demora meses ou até anos para proferir uma decisão. Cf. ARAUJO, Valter Shuenquener de.
Lei da liberdade econômica. Tendências e desafios no novo marco regulatório da livre iniciativa. pp. 40-
92
De modo a evitar tais problemas, é imprescindível que um prazo razoável seja
estabelecido para a reavaliação da questão e, se possível, a subsequente tomada de
decisão. Essa medida, que encontra paralelo nas decisões estruturais do processo civil,
serve como uma salvaguarda contra a inação prolongada e assegura que a Administração
não descaracterize a possibilidade de adiar decisões de mérito por razões fundamentadas.
Ao definir um limite temporal, o sistema administrativo demonstra seu compromisso com
a eficácia e a eficiência na gestão pública.
93
consideravelmente forte em países cuja tradição do Direito Administrativo advém do
pensamento francês211.
211
NEVES, Cleuler Barbosa das; FERREIRA FILHO, Marcílio da Silva. Dever de consensualidade na
atuação administrativa. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 55, n. 218, p. 63-84, abr./jun. 2018.
Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/55/218/ril_v55_n218_p63>. Acesso em: 29 set.
2023.
212
Cf. HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public. Paris: Dalloz, 1933.
213
BAPTISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. 2ª ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2018.
214
Vasco Manoel Pascoal Dias Pereira da Silva afirmava que as manifestações da Administração Pública,
em sua origem, detinham caráter autoritário, pois direcionadas a reprimir ações particulares que colocavam
em xeque os direitos de vida, liberdade e propriedade. SILVA, Vasco Manoel Pascoal Dias Pereira da. Em
Busca do Ato Administrativo Perdido. Coimbra: Almedina, 1995. p. 40 e ss.
215
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, direito e Estado: o direito administrativo em tempos
de globalização. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 143.
94
administrativo. É que ambas as ideias fazem parte de uma conjuntura de incremento da
participação administrativa216.
216
DROMI, Roberto. Nuevo Estado, Nuevo Derecho. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1999. p. 340.
217
PONCE, Juli, The Right to Good Administration and the Role of Administrative Law In Promoting Good
Government. Janeiro de 2016. Disponível em: SSRN: <https://ssrn.com/abstract=2737538>. Acesso em: 04
jan. 2023.
218
MORGADO, Cíntia. Direito à boa administração – Recíproca dependência entre direitos fundamentais,
organização e procedimento. Revista de Direito da Procuradoria Geral, n° 65, p. 68 a 94. Rio de Janeiro.
2010. Disponível em: <https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MTE0Ng%2C%2C>.
Acesso em: 23 dez. 2023.
95
contribuindo para uma análise mais completa. Ao permitir que o administrado
compartilhe dados relevantes sobre o tema em análise, a Administração obtém acesso a
perspectivas que podem ser importantes para uma análise aprofundada. Isso também
ajuda a identificar soluções alternativas ou mitigadoras que podem não ter sido
consideradas inicialmente, bem como a detectar riscos e problemas ocultos, permitindo
que a Administração tome medidas preventivas ou corretivas. O administrado pode,
ainda, oferecer insights sobre como a decisão poderia afetar sua situação específica e a
sociedade, e como isso poderia repercutir em termos mais amplos.
219
Cf. FEIGELSON, Bruno. Sandbox e o Direito Exponencial. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade
de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
220
Nesses casos, os custos decorrentes da implementação desse ambiente, a princípio, caberiam ao
interessado.
221
MODESTO, Paulo. Participação Popular na Administração Pública: mecanismos de operacionalização.
Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 2,
abril/maio/junho, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 26 ago. 2023.
96
Interesse (PMI), cujo objetivo é permitir, antes da fase de contratação, que empresas
privadas apresentem estudos, projetos, levantamentos e investigações que poderão ser,
futuramente, utilizados pelo Poder Público para modelar o objeto222. Menos formal, mas
igualmente empregado pela Administração, são os roadshows, que consistem em uma
série de audiências realizadas para divulgar determinado projeto a potenciais
interessados223.
Não há, portanto, uma forma específica a ser seguida pela Administração
Pública para uma aproximação. O melhor formato pode ser – e é desejável que o seja -
desenhado de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Deve-se atentar, contudo,
para os perigos que tal expediente pode gerar. É que também aqui há o risco de
contaminação indevida das decisões administrativas225.
222
GARCIA, Flávio Amaral. A participação do mercado na definição do objeto das parcerias público-
privadas: o procedimento de manifestação de interesse. Revista de Direito Público da Economia – RDPE,
Belo Horizonte, ano 11, n° 42, abr./jun. 2013. p. 3.
223
MORENO, Maís. A participação do administrado no processo de elaboração dos contratos de PPP.
Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 194.
224
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/1999 comentada.
2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 244.
225
MORENO, Maís. Op. cit. pp. 201-204.
97
com o privado pode conduzir a uma tomada de decisão que, por motivos escusos,
interesse apenas ao administrado. Alguns fatores, mesmo que não configurem ilícitos,
também podem viciar a decisão, como nos casos em que a escolha por determinada opção
dependa de uma avaliação política226.
226
ARAUJO, Valter Shuenquener de. Os quatro pilares para a preservação da imparcialidade técnica das
agências reguladoras. Revista Jurídica da Presidência. Brasília. V. 20 n. 120. Fev./Maio 2018. p. 64-91.
227
ARAGÃO, Alexandre Santos de. A consensualidade no direito administrativo: acordos regulatórios e
contratos administrativos. Boletim de licitações e contratos, São Paulo, v. 19, n° 9, p. 827-840, set. 2006.
228
MORENO, Maís. Ibid. p. 204.
98
uma conclusão pelo deferimento ou pelo indeferimento do pleito do administrado. Em
ambos os casos, a decisão deverá ser devidamente motivada.
Para Fábio Medina Osório, vigora a ideia de que o Estado possui um único e
unitário poder punitivo, que estaria submerso em normas de direito público. Tal
229
BINENBOJM, Gustavo. O direito administrativo sancionador e o estatuto constitucional do poder
punitivo estatal. Possibilidades, Limites e aspectos controvertidos da regulação do setor de revenda de
combustíveis. Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, Edição Especial: Administração
Pública, Risco e Segurança Jurídica. 2014. pp. 468-491.
230
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 131.
231
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RMS 24559/PR, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª
Turma, j. 03.12.2009, DJe 01.02.2010.
99
caracterização teórica do poder punitivo do Estado tem múltiplas consequências, e,
paradoxalmente, parcelas das situações que lhe servem de premissa são problemáticas,
sendo a mais importante destas consequências a aplicação de princípios comuns ao
Direito Penal e ao Direito Administrativo Sancionador, reforçando-se, com isso, as
garantias individuais232.
232
OSÓRIO, Fábio Medina. Ibid., p. 120.
233
Vale ressaltar que a existência de um ius puniendi estatal é criticada por parcela da literatura. Alejandro
Nieto aponta que a tese do ius puniendi estatal foi erigida à categoria de dogma do Direito Administrativo
Sancionador, em função da ausência no regime jurídico-administrativo de ferramenta hábil a disciplinar a
atividade sancionatória estatal e, ao mesmo tempo, garantir os direitos dos particulares. NIETO, Alejandro.
Derecho Administrativo Sancionador. Madrid: Tecnos, 1993. p. 20.
Juliana Bonacorsi de Palma sustenta que, na realidade, o fundamento da competência sancionatória da
Administração Pública não seria o ius puniendi estatal, mas a prerrogativa sancionatória prevista nos textos
legais, a ser exercida nos termos e limites definidos pelo regime administrativo ao qual se relacione.
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação administrativa consensual: estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) - Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p.73.
234
ARAUJO, Valter Shuenquener de; BRANCO, Thaís Ramos Estrella; COSTA, Vítor do Nascimento.
Transposição de institutos do direito penal para o direito administrativo sancionador. Revista Quaestio
Iuris, [S. l.], v. 13, n. 02, p. 738–764, 2020. DOI: 10.12957/rqi.2020.40568. Disponível em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/quaestioiuris/article/view/40568. Acesso em: 15 fev. 2024.
235
VORONOFF, Alice. Direito Administrativo Sancionador no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p.
219.
236
Idem, p.230-231.
100
demanda por previsibilidade. Portanto, se o Estado possui mais poder para afetar direitos
fundamentais e outros interesses protegidos, é também mais importante que as balizas
para combater possíveis arbitrariedades estatais sejam definidas.
Por estas razões, entende-se que o non liquet administrativo encontra limite
em processos administrativos sancionadores, não devendo ser aplicado a estas matérias,
de modo a garantir a preservação dos direitos dos particulares, que devem ter no âmbito
de seu processo maior grau de previsibilidade e de segurança jurídica.
Embora se reconheça que, em sua origem, uma das vertentes do non liquet
refletia justamente a possibilidade conferida ao juiz para que este se abstivesse de analisar
o mérito da questão, no Brasil atual, a incidência do direito constitucional de petição com
o subjacente dever de resposta que surge para a Administração Pública, ao lado do dever
de decidir previsto na Lei n° 9.784/1999, faz com que o espaço de conformação de uma
decisão de não decidir o mérito de forma definitiva seja ínfimo. A decisão de não decidir
não pode ser um prolongamento temporal ad infinitum da decisão sobre o mérito da
questão em análise238. Se assim fosse, não haveria diferença prática entre a decisão non
liquet e o silêncio administrativo ilícito que se pretende evitar com a medida. Além disso,
237
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; GARCIA, Flávio Amaral. A principiologia no Direito
Administrativo Sancionador. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 28,
novembro/dezembro/janeiro - 2012. Salvador, Bahia, Brasil. ISSN 1981-1861.
238
NIETO. La inactividad de la Administración y el recurso contencioso-administrativo. Revista de
Administración Pública, p. 122.
101
os efeitos práticos de uma decisão nesses moldes tendem a ser idênticos ao de um
indeferimento.
102
processo administrativo, dentre os quais, a fixação de prazos específicos para as etapas
de instrução e decisão e para a conclusão do processo, com o objetivo de se concretizar,
em todos os níveis, a duração razoável do processo. Embora o PL confira tratamento ao
silêncio administrativo, nada diz sobre a possibilidade de uma decisão de não decidir por
parte da Administração – o que é natural, uma vez que o assunto ainda é incipiente no
país.
241
SMITH, Peter. On the unintended consequences of publishing performance data in the public sector.
International Journal of Public Administration, 18, 1995. pp. 277-310. Aqui, 299-300.
242
Remete-se, aqui, ao direito administrativo do medo. Cf. GUIMARÃES, Fernando Vernalha. O Direito
Administrativo do Medo: a crise da ineficiência pelo controle. Direito do Estado, Ano 2016 Num. 71.
103
Sobre este segundo ponto, Pedro de Hollanda Dionísio aponta que dentre os
interesses incorporados pelo administrador público em sua equação decisória, costuma
estar a probabilidade de ser processado e responsabilizado pessoalmente por erros
decorrentes da opção adotada. O medo de ser sancionado por erros escusáveis, gera um
ambiente de imprevisibilidade e insegurança jurídica que tende a trazer sérios prejuízos à
decisão do gestor público. A maior ou menor possibilidade de ser responsabilizado
pessoalmente pela decisão tomada, e não a realização do interesse público no caso
concreto, passa a ser um dos principais critérios de escolha entre as opções possíveis243.
Portanto, é possível compreender que, das três normas vistas até este ponto
do trabalho – direito de petição, duração razoável do processo e dever de decidir da Lei
de Processo Administrativo –, deriva uma vedação ao silêncio administrativo e a um non
liquet definitivo – institutos que, embora diversos, geram o mesmo efeito de não resposta
ao administrado. O non liquet administrativo como aqui proposto – uma primeira decisão,
por meio da qual, após identificado um risco ou uma obscuridade insuperável naquele
momento, adotam-se medidas para se chegar a uma decisão de mérito – parece possível.
3.10.2. O art. 45 da Lei n° 9.784/1999 como norma autorizativa abrangente do non liquet
cautelar
104
possibilidade de adoção de medidas inaudita altera pars e o dever de motivação245. Em
uma primeira leitura, vê-se que a regra se dirige a situações em que exista risco iminente,
fator sem o qual não poderia a Administração adotar providências acauteladoras sem
ouvir o interessado. De fato, a solução é correta, pois pretende-se com isso mitigar a
possibilidade de ocorrência de danos que podem ser irreparáveis. Nesses casos, o art. 45
cria uma exceção a adoção de medidas sem a prévia manifestação do interessado.
Mas, em uma segunda leitura, percebe-se que a norma não significa apenas
isso. É certo que, ausente o risco iminente, inexiste autorização para que a Administração
Pública adote medida sem ouvir o interessado. Porém, não há vedação a que, após
manifestação deste, a Administração possa adotar medidas acauteladoras sem que haja
um perigo imediato.
3.11.1. Preocupação com o risco de judicialização de demandas cujo objeto seja o non
liquet administrativo
245
CABRAL, Flávio Garcia. Op.cit. p. 147.
105
realidade, evitar que mais demandas decorrentes de processos administrativos fossem
ajuizadas.
246
CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2009, trad. Marçal Justen
Filho. pp., 131 e ss.
247
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, 10ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014. p. 1.204. A definição é adotada neste trabalho, embora haja na literatura quem aponte que o controle
interno guardaria maior aproximação com um controle financeiro da Administração Pública. Cf. CONTI,
José Maurício; CARVALHO, André Castro. O Controle Interno na Administração Pública Brasileira:
106
definição, vislumbram-se algumas possibilidades de controle interno que a Administração
Pública pode realizar sobre a decisão non liquet.
Qualidade do Gasto Público e Responsabilidade Fiscal. Direito Público, [S. l.], v. 8, n. 37, 2012. Disponível
em: <https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/1845>. Acesso em: 02 fev.
2024.
248
Aqui, embora ciente que a literatura majoritária não entende a autotutela como uma espécie de controle
interno da Administração Pública, adota-se a compreensão de Vitor Rhein Schirato, que defende a
autonomia da autotutela como uma espécie de controle. SCHIRATO, Vitor Rhein. O controle interno da
Administração Pública e seus mecanismos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 956, n. 104, p. 25-50, 2015.
249
Idem.
250
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode
revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
251
MOREIRA, Egon Bockmann. Súmula 473: é hora de dizer adeus. Jota, 01.10.2019. Disponível em <
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/sumula-473-e-hora-de-dizer-adeus-
01102019>. Acesso em: 02 fev. 2024.
107
reduzidos para a apreciação do recurso, à luz do permissivo legal disposto na primeira
parte do §1° do art. 59252.
252
Art. 59 (...) § 1° Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no
prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente.
253
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e
constitucionalização. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 241.
108
contudo, demandam uma motivação suficientemente robusta, a fim de que seja
demonstrada a adequação da decisão às finalidades propostas; a necessidade da medida;
e os benefícios que ela pode gerar. São fatores que demandam uma análise casuística, que
deve ser realizada, em primeiro lugar, pela própria Administração Pública, nas figuras do
administrador responsável pela tomada de decisão e da(s) autoridade(s) revisora(s), no
âmbito do controle interno; e, no controle externo, pelo Poder Judiciário. Este, quando
provocado a exercer o seu papel, deve ater-se a afastar as soluções manifestamente
incorretas, por meio de um controle eminentemente negativo254. Um non liquet
administrativo bem fundamentado deverá obter maior deferência do Poder Judiciário, que
observará a capacidade institucional do Poder Executivo para a melhor tomada de
decisão255.
254
BINENBOJM, Gustavo. Op cit. p. 246.
255
SUNSTEIN, Cass e VERMEULE, Adrian. lnterpretation and institutions. Michigan Law Review, vol.
101, n. 4, 2003. pp. 885-951. Disponível em:
<https://repository.law.umich.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1790&context=mlr>. Acesso em 11 fev.
2024.
256
SCHIRATO, Vitor Rhein. O controle interno da Administração Pública e seus mecanismos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 956, n. 104, p. 25-50, 2015.
109
CONCLUSÃO
110
A principal proposta deste trabalho é a de que, em razão de complexidades
(devidamente justificadas) do caso específico – como uma obscuridade fática; a
necessidade de amadurecimento da questão em análise; ou a exigência de uma atuação
baseada em um poder geral de cautela administrativa – seja possível que a Administração
transfira para o futuro a decisão de mérito sobre a questão a ela apresentada. Trata-se de
decisão que dilata a conclusão sobre o problema, enquanto promove medidas para que
uma decisão de mérito assertiva e bem informada seja viável. Esse caminho pode se
mostrar importante. Decidir algo complexo com pressa pode implicar a desconsideração
das graves consequências dos erros que se tornariam mais prováveis pela eventual corrida,
o que também é indesejável pelo direito positivo (art. 20, LINDB).
111
sistemática. Até mesmo porque, não há como ignorar os obstáculos e dificuldades reais
enfrentados pelo gestor público (art. 22, LINDB) durante o processo decisório, bem como
os riscos de que o erro da escolha pública implique consequências ainda mais graves.
112
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