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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Camila D‟Avila Moura

A perda da visão como vivência de luto

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

SÃO PAULO
2019
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Camila D‟Avila Moura

A perda da visão como vivência de luto

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Psicologia Clínica, sob orientação da Profa. Dra. Maria
Helena Pereira Franco.

SÃO PAULO
2019
BANCA EXAMINADORA

____________________________________

____________________________________

___________________________________
A meu querido irmão Renato,
matéria-prima desta obra.
AGRADECIMENTOS

A presente dissertação de Mestrado foi realizada como apoio da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento
001, processo n. 88887.31399/2019-00.
THANKS

This Masters Dissertation was financed in party by the Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001,
process n. 88887.31399/2019-00.
AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a Deus em primeiro lugar, por me permitir traçar este caminho
apesar das imensas dificuldades de estar longe de casa. Foi na fé que tirei forças para seguir,
apesar dos lutos vividos nesta fase de minha vida. Esta força também veio da minha família
querida: minha mãe Inês, meu pai Alvimar e meu irmão Renato, que mesmo distantes
fisicamente, emanavam o amor necessário para me manter em meus objetivos.
Agradeço à minha querida orientadora Maria Helena Pereira Franco, transmitindo
tanto amor pelo que faz que encanta seus alunos com as aulas sobre luto. O tema chamou-me
tanta atenção que decidi explorar mais esta temática, ajudando-me a encontrar
verdadeiramente meu sentido de ser pesquisadora. Sei também que mesmo após o Mestrado,
os estudos sobre luto continuam. Muito obrigada por tudo professora! Agradeço-lhe também
por confiar em meu potencial, por me aceitar com tanta receptividade e afeto como sua
orientanda, nunca irei esquecer seu acolhimento.
Agradeço aos brilhantes professores que tive a honra de conhecer no Mestrado, em
especial Profa. Dra. Ceneide Maria de Oliveira Cerveny, brilhante professora, acolhedora e
imensamente generosa, que tive o grande prazer de encontrar em meu caminho e que me
ensinou bastante sobre a Teoria Sistêmica e plantou em mim grande interesse pelo tema.
Agradeço a meus amigos queridos que tive o prazer de conhecer ao longo desta
jornada, que me incentivaram a continuar mais e mais no caminho que escolhi viver. Em
especial aos amigos Ísis Oliveira, Cecília Cortes, Maria Rosa, Pedro e Emerson pelo carinho e
colo nos momentos difíceis.
Agradeço também aos amigos de longa data que ajudaram a me encontrar comigo
mesma, não me deixando desistir de meus sonhos. Aos amigos de Aracaju, em especial à
Marina Franco, amiga especial que está comigo nos momentos mais importantes de minha
trajetória, incentivando-me e não me deixando esquecer o que realmente importa. Amiga,
Deus abençoe sempre nossa amizade!
Agradeço à amiga Alessandra (Crow) por abrir as portas de sua casa e me dar tanto
afeto e carinho nas idas e vindas de Aracaju para São Paulo, e por ser uma parceira tão
querida de projetos e estudos. Sua ajuda foi fundamental!
Ampliar os canais de percepção que já existem
em nós e que estão entorpecidos por todo esse contexto
em que a visão predomina, não seria uma imposição
natural? Não nos tornaríamos assim mais integrados e
capazes de interpretar o mundo e reagir a ele?

Sérgio Sá (2007).
MOURA, Camila D‟Avila. A perda da visão como vivência de luto. 2019. 91f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia Clínica). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo,
2019.

RESUMO

A deficiência visual é um fenômeno ao qual pessoas estão sujeitas. Entre outros, fatores como
o envelhecimento podem levar a este acometimento. No Brasil, a deficiência visual tem
crescido, uma vez que é derivada de condições como deficiência de vitamina A no sangue, ou
doenças como diabetes. Acidentes graves também são propiciadores da perda visual.
Deficiência em um importante sentido como a visão leva a pessoa à reconfiguração da
autoimagem, assim como à reestruturação de seus papéis sociais, resultando em uma transição
psicossocial similar à de uma pessoa que perde um ente querido. Estudos recentes ressaltam
que o luto é uma reação esperada para diversos tipos de perda, conferindo ao luto um caráter
oscilatório, no qual o enlutado transita entre ficar voltado para a perda sofrida, ou para o
enfrentamento dela. Tal compreensão do caráter oscilatório confere ao luto características
peculiares a cada experiência de enlutamento. Quando não se confere ao enlutado o direito de
expressar de sua própria maneira e em seu tempo tais singularidades, corre-se o risco de fazê-
lo passar por uma experiência de luto não reconhecido, podendo este ser um sofrimento
adicional àquele já vivido pela pessoa que enfrenta a dor de um evento estressor. O objetivo
deste trabalho foi investigar o luto não reconhecido vivido na experiência da perda da visão. O
método utilizado foi o Estudo de Caso clínico, aprofundando-se na história de vida da pessoa.
A coleta de dados foi feita a partir da transcrição e análise temática da fala do participante.
Encontrou-se após a perda da visão uma experiência de enlutamento, e pôde-se estabelecer
categorias que ajudaram a identificar fatores como preconceito e estigma social, barreiras
ambientais e falta de compreensão acerca da deficiência visual, que contribuem para a
orientação voltada para a perda. Fatores como apoio familiar e social, espiritualidade, rituais e
a dinâmica posterior à perda contribuem para o enfrentamento e restauração, identificando-se
um processo de luto reativo à perda da visão, sem que haja um luto complicado.

Palavras-Chave: Deficiência visual. Perda visual. Luto. Luto não reconhecido.


MOURA, Camila D'Avila. The loss of vision as mourning experience. 2019.
91s. Dissertation (Master in Clinical Psychologia). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, 2019.

ABSTRACT

Visual disability is a phenomenon to which people are susceptible. Among others, factors
such as aging can lead to this involvement. In Brazil, visual disability has grown, since it is
derived from conditions such as vitamin A deficiency in the blood, or diseases such as
diabetes. Severe accidents can also cause visual loss. Disability, in an important sense as
vision, leads the person to reconfiguration of self-image, as well as to the restructuring of their
social roles, resulting in a psychosocial transition similar to that of a person who loses a loved
one. Recent studies emphasize that mourning is an expected reaction to several types of loss,
giving mourning an oscillatory character, in which the mourner moves between being focused
on the loss suffered, or on facing it. Such an understanding of the oscillatory character gives
mourning peculiar characteristics to each mourning experience. When the mourning person is
not given the right to express such singularities in his own way and in his own time, it runs
the risk of making him go through an unrecognized mourning experience, which may be an
additional suffering to that already experienced by the person who faces the pain of a stressful
event. The objective of this study was to investigate the unrecognized mourning experienced
in the experience of vision loss. The method used was the Clinical Case Study, deepening in
the history of a person‟s life. Data collection was based on the transcription and thematic
analysis of the participant's speech. After the loss of vision, a mourning experience was
found, and it was possible to establish categories that helped to identify how factors such as
prejudice and social stigma, environmental barriers and lack of understanding about visual
disability contribute to the orientation towards loss. Factors such as family and social support,
spirituality, rituals and the dynamics after the loss contribute to coping and restoration,
identifying a mourning process reactive to the loss of vision, without a complicated mourning.

Keywords: Visual disability. Visual loss. Mourning. Unrecognized mourning.


LISTA DE SIGLAS E ABREVIARURAS

BPC - Benefício de Prestação Continuada


CAAE – Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
CAP - Centro de Apoio Pedagógico
CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
CNS - Conselho Nacional de Saúde (CNS)
IBGE - do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LELu - Laboratório de Estudos sobre Luto
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)
MEC – Ministério de Educação e Cultura
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
SDH-PR - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
SEESP - Secretaria de Educação Especial
SEGeT - Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia
SNPD - Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência
SPA - Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade de Sergipe
UPIAS - Union of the Physically Impaired Against Segregation
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 - DEFICIÊNCIA: CONSTRUÇÕES E DESCONTRUÇÕES .................. 22


1.1 O conceito de deficiência ao longo do tempo e suas implicações ...................................... 22
1.2 A pessoa com deficiência no Brasil .................................................................................... 29
1.3 Construção de identidade da pessoa com deficiência ......................................................... 32
1.4 Inclusão ou exclusão: revendo conceitos............................................................................ 34
1.5 Deficiência visual ............................................................................................................... 35
1.5.1 O que é deficiência visual................................................................................................ 35
1.5.2 Recursos utilizados .......................................................................................................... 36
1.5.3 Deficiência visual adquirida ............................................................................................ 37

CAPÍTULO 2 - OS ESTUDOS SOBRE LUTO E SEUS DESDOBRAMENTOS............ 39


2.1 Compreensão sobre luto na atualidade ............................................................................... 39
2.2 Luto complicado ................................................................................................................. 43
2.3 Perdas na família e o cuidado por meio da compreensão do luto antecipatório ................. 46
2.4 Luto não reconhecido ......................................................................................................... 47
2.5 A importância dos rituais no luto ....................................................................................... 50

CAPÍTULO 3 - O LUTO POR PERDA DE UMA IMPORTANTE FUNÇÃO: A


REINVENÇÃO DE SI E A ASSUNÇÃO DE NOVOS PAPÉIS ........................................ 52
3.1 Luto e deficiência visual adquirida ..................................................................................... 52
3.2 A dinâmica do luto na deficiência visual adquirida ........................................................... 53
3.3 Diferentes níveis de sofrimento no fenômeno da perda visual adquirida........................... 54
3.4 Importantes fatores para a elaboração ou complicação da perda da visão ......................... 54
3.5 Falhas na construção de significado para a deficiência e luto não reconhecido ................ 55
3.6 A família e as relações sociais diante da perda .................................................................. 58

CAPÍTULO 4 - OBJETIVOS ................................................................................................ 59


4.1 Objetivo Geral .................................................................................................................... 59
4.2 Objetivo Específico ............................................................................................................ 59
CAPÍTULO 5 - MÉTODO .................................................................................................... 60
5.1 Instrumento ......................................................................................................................... 60
5.2 Participante ......................................................................................................................... 60
5.3 Procedimentos .................................................................................................................... 61
5.4 Local de realização do estudo ............................................................................................. 61
5.5 Procedimento de análise ..................................................................................................... 61
5.6 Aspectos Éticos .................................................................................................................. 62

CAPÍTULO 6 - RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................ 63


6.1 Categorias e subcategorias.................................................................................................. 63
6.1.1 Categoria 1 - Indicadores de vivências de luto ................................................................ 63
6.1.2 Categoria 2 - Facilitadores no Processo de Enlutamento ................................................ 68
6.1.3 Categoria 3 - Barreiras na reconstrução de significado ................................................... 72
6.1.4 Categoria 4 - Indícios de Luto não reconhecido .............................................................. 76

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 79

REFÊRENCIAS ..................................................................................................................... 82

APÊNDICE A ......................................................................................................................... 89
APÊNDICE B.......................................................................................................................... 90
14

INTRODUÇÃO

A motivação para a escrita do presente trabalho veio da experiência pessoal advinda


de meu papel de irmã. A partir de algumas indagações, ao observar a experiência de meu
irmão, pessoa com deficiência visual, comecei a fazer algumas pesquisas para melhor
compreender o processo que ele estava vivendo de perda da sua pouca visão. Ele já nascera
com limitações visuais, mas foi perdendo a pouca visão que tinha ao longo do tempo.
Deparei-me com poucos estudos acerca da compreensão de aspectos psicológicos
ligados à perda da visão. Na época, estudando no Laboratório de Estudos sobre Luto (LELu)
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), compreendi o luto como uma
reação a perdas que impelem a pessoa a ter nova compreensão acerca de si e do mundo.
Assim, percebi o que era a perda de um importante sentido como a visão, e a partir disso
surgiu a ideia de pesquisar as reações psicológicas de uma pessoa que passa a não enxergar.
Problematizando, aquele que antes tinha a condição de enxergar, mas que, de maneira
inesperada perde sua visão, deve viver uma profunda reorganização psíquica, uma vez que a
maioria das informações e interpretações que tinha sobre o mundo vinha a partir do sentido da
visão. Neste sentido, este grupo de pessoas que vive tal acometimento necessita de atenção
psicológica especializada para lidar com a perda que resulta em modificações no
desenvolvimento dos mais variados papéis que desenvolve na vida.
Nesta pesquisa, a atenção para a pessoa que perde a visão ao longo de seu
desenvolvimento se dá a partir da compreensão da necessidade de cuidado com o processo de
luto pós-perda visual, considerando-se o entendimento de que é a vivência de um luto
complicado que pode gerar a experiência de uma depressão, e não, necessariamente,
considerar que o sujeito desenvolve a princípio este transtorno depressivo. Essa forma de
entender o problema pode mudar significantemente a maneira pela qual as intervenções são
feitas para evitar que o luto se torne complicado.
O aspecto social é de importância para a reconfiguração da nova condição da pessoa
que passa a não enxergar. Há ainda muito preconceito social que leva as pessoas a colocarem
o deficiente à margem, evitando-o, ignorando-o ou superprotegendo-o. O luto não
reconhecido é o ônus social que desencadeia um dos aspectos complicadores do luto, devido à
dificuldade da validação e cuidado com o sofrimento da pessoa enlutada com a deficiência.
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (CARTILHA DO
CENSO 2010, 2012), 45.606.048 brasileiros tinham algum tipo de deficiência, o que
representava cerca de 23% da população do Brasil. Porém, mais recentemente, utilizando a
15

mesma base de dados do Censo 2010, o IBGE aponta que a proporção das pessoas com
deficiência na população é de 6,7%, bem inferior aos 23,9% anteriores (DIVERSA, 2018).
A deficiência visual, segundo relatórios elaborados em 2012 pela Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR), em parceria com a Secretaria
Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) (CARTILHA DO
CENSO 2010, 2012) está entre a deficiência mais comum, com 18,6% da população
brasileira. Porém, é importante observar como foi feita uma avaliação que classifica a pessoa
como deficiente ou não, devendo-se questionar se a classificação da deficiência foi
autodeclarada e se houve critérios bem definidos e delineados no momento da classificação.
Existem níveis diferentes de deficiência visual, variando de cegueira total à baixa
visão. Nesta pesquisa, foi estudado o caso de pessoa com cegueira total com perda repentina
da visão, uma vez que isto nos coloca diante de uma mudança severa de vida, que pode levar
a graves danos psíquicos se não houver o devido cuidado com esse indivíduo.
A deficiência pode ser descrita como congênita ou adquirida. A deficiência visual
congênita acomete a pessoa desde seu nascimento e a adquirida ocorre ao longo de seu
desenvolvimento devido a causas orgânicas ou acidentais. Almeida e Araújo (2013) afirmam
que existem diferenças significativas nas vivências das pessoas que têm deficiência visual
congênita, ou que perderam a visão ao longo de seu processo de desenvolvimento. Uma vez
que a pessoa tenha nascido cega, seu processo de desenvolvimento se dará a partir de
experiências que não envolvem a visão. Ao contrário disto, aqueles que têm experiências ao
longo do seu ciclo vital que incluem a experiência visual, a perda da visão pode ser um
fenômeno traumático. Desta maneira, reconhecendo-se a diferença entre ambas as condições,
este estudo centralizou-se na vivência da pessoa que perde a visão ao longo de seu processo
de desenvolvimento.
Almeida e Araújo (2013) também comentam que problemas orgânicos como diabetes
ou síndromes neurológicas que afetam o nervo óptico podem gerar a perda da visão de
maneira progressiva, existindo também a cegueira súbita que pode ser ocasionada por
acidentes. Além disto, Kara-José et al (1984) declaram que grande parte dos casos de pessoas
que perdem a visão poderia ser evitada. As determinações geográficas e econômicas são
propiciadoras de condições que levam à cegueira. Isto acontece porque em determinadas
regiões menos desenvolvidas, doenças como a oncocercose1 e tracoma2 são mais comuns,
porém não há estrutura médica adequada para o tratamento, levando à cegueira.

1
Oncocercose: doença parasitária crônica decorrente da infecção produzida pelo nematódeo
Onchocercavolvulus, que se localiza no tecido subcutâneo das pessoas atingidas. Também é chamada de
16

Resnikoffet al. (2004) revelam que as regiões menos desenvolvidas do mundo são
responsáveis pela concentração de maior número de pessoas com deficiência visual adquirida
e a faixa etária de maior risco é a dos adultos com mais de 50 anos de idade. Além disso,
compreendem que no grupo das mulheres concentra-se o maior número deste acometimento.
A catarata é a principal causa de deficiência visual em diversas regiões do mundo (com
exceção dos países desenvolvidos), mas também existem doenças como o glaucoma,
degeneração macular devido à idade, retinopatia diabética e tracoma.
O que se observa no Brasil, de acordo com Milagres, Nunes, Pinheiros-Sant´Ana
(2007) é a prevalência da hipovitaminose A, devido à ingestão inadequada e o consumo
ineficiente de alimentos que forneçam ao organismo a quantidade necessária da vitamina A
para um desenvolvimento saudável. O déficit do consumo desta vitamina tem levado à
cegueira diversas pessoas, sendo mais frequente em regiões do Norte, Nordeste e Sudeste do
Brasil, porém a população mais vulnerável é a infantil do Nordeste, uma vez que entre 16% a
55% das crianças apresentam baixos níveis da vitamina.
Desta forma, compreende-se que o Brasil, devido às suas condições econômicas e
sociais, apresenta alarmantes números do crescimento da deficiência visual adquirida nos
últimos anos, o que justifica intervenções sociais, políticas e também no campo da saúde
mental para este público. Isto inclui a Psicologia no que se refere a oferecer cuidados para as
pessoas que perdem a visão ao longo da vida.
Maia, Del Prette e Freitas (2008) consideram que o sentido da visão é grande
responsável pela maioria das informações que uma pessoa recebe para compreender o mundo
que a cerca. No caso de uma pessoa com deficiência visual, portanto, a redução dessas
informações a afeta substancialmente nas relações com os indivíduos à sua volta uma vez que
a maior parte da comunicação se baseia também em linguagem não verbal, como gestos e
expressões faciais. As autoras concluem que a limitação visual influencia diretamente o
aspecto social dos sujeitos com deficiência visual, o que pode ocasionar, em alguns casos,
interações sociais insatisfatórias. Vale lembrar, porém, que existem outros sentidos que são
utilizados no dia a dia que são tão importantes quanto a função visual, mas dos quais as
pessoas não se dão conta. A partir da perda visual, portanto, a pessoa é impelida a prestar
mais atenção nestes outros sentidos e aprender a reutilizá-los.

"cegueira dos rios" ou "mal do garimpeiro". Disponível em: <http://www.saude.gov.br/vigilancia-em-


saude/vigilancia-de-doencas-cronicas-nao-transmissiveis-dcnt/957-saude-de-a-a-z/oncocercose/15574-
oncocercose>. Acesso em: 21 mar. 2018
2
Tracoma: doença inflamatória ocular, causada pela bactéria Chlamydiatrachomatis. Disponível em:
<http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/tracoma>. Acesso em: 21 mar. 2018.
17

Se por um lado, a cegueira cria dificuldades de interação por parte da pessoa com
deficiência, por outro, a sociedade também cria barreiras. Todos estão inclusos naquilo que
aqui convencionou-se denominar como sociedade, valendo notar que antes de lançar um olhar
para o contexto mais amplo é preciso avaliar como cada um preconcebe a deficiência, quais
conceitos já formados sobre o tema cada um tem.
Silva e Moreira (2015) declaram que há dificuldades sociais em aceitar e conviver
com a diferença da pessoa que tem deficiência, sendo a sociedade opressora e excludente.
Neste sentido, é possível compreender que o processo de desenvolvimento de uma pessoa
com deficiência visual encontra diversos obstáculos, tanto emocionais ao viver com as
condições que naturalmente se impõem, limitando-a na captação de informações do mundo,
quanto físicos e sociais quando a sociedade na qual o indivíduo está inserido lança o olhar
para a questão da deficiência visual de forma preconceituosa e superficial.
A analogia daquele que perde a visão com a pessoa que perde um ente querido se faz
presente nesta pesquisa para a problematização de seu foco, que poderá levar a pensar em
intervenções terapêuticas que amparem o deficiente, assim como aquelas já existentes que
ajudam a amparar o indivíduo que sofre a perda de um vínculo por morte.
A condição de semelhança entre ambas as situações é que tais perdas podem ter
consequências em diversos outros papéis que exercem e podem afetar diretamente a forma
como irão se restabelecer no mundo. Se por um lado pode-se falar que quem perde um ente
querido enfrenta o luto, porque não se pode afirmar que aquele que perde a visão também fica
enlutado?
Esta é a linha de pensamento desta pesquisa: uma pessoa com deficiência visual
adquirida vivencia o luto pela perda da sua visão. Segundo Wong (2008), ao longo da
experiência humana as pessoas passarão por diversos momentos de perda que incluem desde a
morte de um ente querido até a perda de identidade, de saúde e de papéis. Portanto, o luto é
uma reação esperada nestes diversos tipos de situações.
Stroebe e Schut (1999), a partir do modelo do Processo Dual, compreendem o luto
como um processo dinâmico e flexível, no qual o enlutado oscila entre dois movimentos, um
orientado para a perda e outro, orientado para a restauração. A pessoa orienta-se para a perda
quando se concentra em aspectos ligados ao ente perdido e isto inclui olhar fotos antigas ou
chorar pela morte da pessoa amada. A orientação voltada para a restauração corresponde ao
enfrentamento que está embutido na experiência cotidiana que envolve dar conta de suas
responsabilidades, assistir um programa de televisão, ler algo interessante, conversar com
amigos sobre algum outro tópico, por exemplo.
18

Desta forma, por mais que as dores do luto sejam intensas, não estão presentes todo o
tempo. Parkes (1999) ressalta que a necessidade de chorar a perda diminui e o indivíduo
consegue responder às demandas cotidianas como cuidar dos filhos, assistir um programa de
TV. Vale notar que tanto o movimento orientado para a perda, como para a restauração
envolve misto de sentimentos.
Stroebe e Schut (1999) compreendem que quando a pessoa se orienta para a perda
pode ter sentimento de alívio pela morte do ente querido por este ter parado de sofrer e sentir
tristeza por ter sido deixado. Quando se orienta para a restauração, pode sentir-se empolgado
para o desenvolvimento de novos papéis que terá que desempenhar depois da morte do ente
querido e também sentir-se demasiadamente ansioso para o cumprimento destas novas tarefas.
Portanto, não existe uma linearidade na forma de vivenciar o luto. Um misto de
sentimentos e oscilações de estratégias cognitivas são adotados de acordo com as
contingências do enlutado. O paradigma sobre o qual se sustenta este trabalho é aquele que
está voltado para a compreensão do luto como um processo dinâmico, não segmentado,
oscilatório e flexível, conforme explica o Processo Dual. Stroebe e Schut (1999) entendem
que esta perspectiva possibilita compreender outros tipos de luto para além daquele pela
morte de um ente querido. Neste sentido, o processo dual orienta a compreensão do que se
acredita ser o movimento de uma pessoa enlutada pela perda da visão.
Compreender o luto como uma dinâmica oscilatória confere ao enlutado um caráter
muito singular na vivência de sua perda, o que leva ao entendimento do luto como construção
de significado, ao invés de previsibilidade por meio de fases como preconizavam antigos
modelos, afirma Franco (2010). Em outras palavras, a pessoa enlutada busca reaprender o
mundo por meio da construção de sentidos para sua perda. A partir disto, portanto, o
indivíduo é impelido a revisões em sua própria identidade, revendo o desenvolvimento de
seus papéis, principalmente aqueles desempenhados junto ao morto.
A pessoa que perde a visão é levada a reavaliar seus diversos papéis e isto acontece em
razão das consequências secundárias ao evento principal. Parkes (1999) afirma que a perda de
um ente querido pode significar que a pessoa enlutada deva assumir papéis que, outrora, eram
delegados ao falecido, ou seja, além do estresse da situação do falecimento do ente querido,
existe também o estresse secundário advindo das novas funções a serem desempenhadas.
Em outras palavras, a falta da função visual ao longo do processo de desenvolvimento,
além de se constituir em um fato estressante que leva à resposta de luto, também impele o
enlutado à perda e também ao ganho de novas funções para as quais não estava preparado,
nem para perder e nem para ganhar quando o evento estressante acontece de maneira abrupta,
19

por exemplo. Neste aspecto, novas construções de significado se fazem necessárias para
aquele que ficou cego, assim como novo entendimento acerca do mundo do qual faz parte.
Mazorra (2009) enfatiza que os significados atribuídos a situação estressante podem atuar
como fatores facilitadores ou dificultadores do processo de luto. Pode-se perguntar: a pessoa
com cegueira adquirida passa a significar o mundo a partir de uma nova identidade ao longo
do tempo? Ou ainda: Quais fatores podem ser facilitadores para uma nova significação do
indivíduo frente a sua nova condição?
Parkes (1999) considera que é reconhecido que leva tempo até que os indivíduos se
apercebam e aceitem a mudança em si mesmos a partir de uma importante perda. Há uma
sensação de deslocamento e de vazio, impelindo o sujeito a reorganizar seu modelo interno de
mundo. Neste sentido, escreve o autor, perceber-se nesta nova condição um processo que
transita entre negação e evitação do reconhecimento da perda e a aceitação e construção de
uma nova forma de ser e existir no mundo. Este processo está inserido na teoria da transição
psicossocial, por ele desenvolvida.
A transição psicossocial, apontado por Parkes (1999), configura-se como uma
percepção de deslocamento entre o mundo que é e o mundo que deveria ser. O autor identifica
esta sensação em pessoas que perdem um membro, e afirma, a partir de Kessler(1951) que a
emoção que a maioria das pessoas sente quando informadas que perderão um membro pode
ser muito bem comparada à emoção do luto pela morte da pessoa amada. Desta maneira, uma
pessoa com deficiência visual adquirida vive a transição psicossocial de ser uma pessoa que
enxerga e faz uso deste sentido para desenvolver os mais diversos papéis sociais, para ser uma
pessoa que pouco ou nada enxerga, sendo impelida a desenvolver novos papéis e novas
habilidades, assim como pessoas que perdem um ente querido.
A sensação de pesar vivenciada por uma pessoa que perde um membro advém da falta
que sente das funções que eram executadas por este membro, descreve Parkes (1999). Desta
maneira, pergunta-se se os amputados vivenciam um processo de conscientização no qual se
movem da negação para aceitação da situação verdadeira. Esta mesma pergunta pode ser feita
para uma pessoa que perde um sentido tão importante como a visão.
Neimeyer, Prigerson e Davies (2002) entendem que a busca de significado no luto se
dá por meio da tentativa de construir uma narrativa coerente que preserve o senso de
continuidade com aquilo que o indivíduo costumava ser, mas também que integre a realidade
de um mundo novo em uma nova concepção do que o indivíduo deve se tornar agora. A busca
de significado se dá a partir de diferentes níveis, a saber: o sociológico, o psicológico e o
psiquiátrico. O nível sociológico corresponde a rituais, discursos e culturas locais que
20

fornecem referencias que se tornam recursos para a pessoa lidar com perdas. O nível
psicológico diz respeito à forma como o sujeito responde a ruptura de suposições pessoais e
relacionamentos que sustentam um senso de si, sendo que o nível psiquiátrico diz respeito ao
sujeito que possui uma incapacidade de reconstruir uma realidade pessoal significativa,
levando a complicações de saúde que pedem intervenção.
Em outras palavras, o significado que a pessoa atribui à a perda da visão acontece de
maneira processual, por meio de oscilações de sentimentos e de comportamentos, uma vez
que ora está mais focado naquilo que foi perdido, ou seja, na visão, ora está mais focado na
realização das atividades diárias que possibilitam que o foco seja diluído entre outros tipos de
tarefas. O misto de sentimentos e sensações que ocorre ao sujeito que deixou de enxergar, e a
forma como ele irá construir um novo significado para sua existência, dependerão fortemente
de diversos fatores como o social e o psicológico que determinarão se seu luto desencadeará
em um processo com fortes implicações para a saúde ou não.
Stroebe e Schut(1999), Parkes(1998) e Doka (2002) compreendem que é de grande
relevância o aspecto cultural para o enfrentamento do luto. Desta forma, uma pergunta
possível de ser feita seria: Entender a perda da visão como luto possibilita uma atenção
específica para estas necessidades, para estas demandas? Ou ainda: Não compreender a perda
visual como um luto leva o sujeito a enfrentar as consequências de um luto não reconhecido?
Doka (1989) ressalta que as perdas que não são reconhecidas acontecem quando existe
falha na compreensão de que aquela morte (real ou simbólica) é vivenciada de maneira
significativa por aquele que sofre. Afirma que luto não reconhecido ocorre quando não é dado
reconhecimento, por parte da sociedade, para o enlutado vivenciar seu luto da maneira e no
tempo que precisar ou escolher vivenciar, sem que o outro interfira de maneira intrusiva. Esse
mesmo autor (2002) considera que modos individuais da vivência da perda podem não ser
reconhecidos quando se chocam com as expectativas dos outros, especificamente quando
mostram fortes reações emocionais, ou quando não mostram suas reações, violando, desta
maneira, as regras de luto de uma sociedade.
Attig (2004) reforça que o luto não reconhecido não é apenas uma questão de
indiferença aos esforços do enlutado para superar a perda, mas é também uma ação destrutiva
na medida em que envolve a negação do direito de sofrer à sua maneira e impõe aos sujeitos
determinadas sanções. As mensagens do não reconhecimento de um luto ativamente
destituem, desencorajam, desaprovam, invalidam e deslegitimam os esforços da pessoa
enlutada. Attig (2004) cita Corr (2002) que amplia esta teoria discorrendo sobre o que pode
ser um não reconhecimento do processo de enlutamento. Geralmente acontece quando alguém
21

responde negativamente a enlutados que: falham ao voltar ao normal; se mostram


constantemente magoado e são devagar para assumir novas relações ou que mantêm relações
com o falecido (no caso da pessoa com deficiência, que fica estagnada na fase em que
enxergava mais).
Neste estudo, os capítulos foram estruturados da seguinte forma: no Capítulo I,
buscou-se compreender a questão da deficiência na nossa sociedade atual, as leis, os
programas de governo e a forma como a sociedade está estruturada para receber estas pessoas
com necessidades especiais, além de algumas considerações acerca da deficiência visual. No
Capítulo II foi explorado o campo de estudo do luto, assim como o luto não reconhecido e as
teorias subjacentes a esta área de conhecimento. O capítulo três buscou-se apresentar uma
junção entre o que é estudado no luto, associando-a com a deficiência visual.
22

CAPÍTULO 1 - DEFICIÊNCIA: CONSTRUÇÕES E DESCONTRUÇÕES

O histórico da compreensão de deficiência, na visão dos autores Pacheco e Alves


(2007), possibilita compreender como tal fenômeno é visto nos dias atuais.

1.1 O conceito de deficiência ao longo do tempo e suas implicações

Pacheco e Alves (2007) em revisão de literatura identificaram como o fenômeno da


deficiência era visto nas sociedades primitivas até as atuais. No estudo apresentado, discorrem
sobre como cada sociedade, a partir de suas crenças e valores, produziam e continuam a
produzir diferentes práticas ao longo do tempo. A seguir, as considerações feitas referentes ao
histórico da deficiência terão como base essas autoras.
As sociedades nômades eram impelidas, a cada mudança sofrida pelo grupo, a
abandonar pessoas muito velhas, com deficiência ou doentes. Tal abandono acontecia devido
a crenças de que as deficiências físicas e mentais eram doenças causadas por espíritos ruins,
por demônios e até mesmo eram consideradas como punição para aquela pessoa.
Na sociedade da Grécia Antiga, o valor maior era a guerra. Para tanto, os corpos
tinham que ser estruturados e moldados de acordo com este objetivo. Neste sentido, a
valorização do corpo belo e forte tinha grande impacto nesta sociedade. Aqueles que não
correspondessem a este ideal, ou seja, os corpos malformados ou com algum tipo de alteração,
eram descartados e entregues à morte. Vale notar, porém, que aqueles soldados que eram
mutilados nas guerras eram protegidos pelo Estado, o que ressalta, ainda que de maneira
parcial, um valor assistencialista e protecionista na questão da deficiência quando adquirida
em caráter de lutas corporais.
O paradigma sobre a deficiência começa a mudar com o advento do Cristianismo, uma
vez que a visão de homem é modificada, ou seja, de um ser impuro e sem direito à existência,
o deficiente passa a ser uma criação e manifestação de Deus, sendo merecedor de atenção e
cuidado. Desta maneira, passa a ser proibida a eliminação das pessoas com deficiência e seus
cuidados passam a ser entregues a igreja e a família. Vale notar que tal reconhecimento não
implicava em cuidados, e tais instituições não garantiam a integração dos indivíduos no seio
social.
Ao contrário, as instituições na Idade Média serviam como depósito de pessoas
vitimadas pelas deficiências, pela pobreza ou algum mal crônico, ou seja, apesar da mudança
23

de crença em relação ao fenômeno da deficiência, as práticas sociais ainda eram aquelas


voltadas à marginalização, ao abandono e isolamento do deficiente.
Pode-se perceber que, apesar do sujeito com tal acometimento começar a ser
reconhecido como alguém que tenha direito a vida, esta vida ainda era malvista, mal
compreendida e nenhum cuidado especial era ofertado no sentido de garantir o
desenvolvimento integral do sujeito.
Foi a partir do avanço da Medicina que a deficiência passou a ser tratada na prática de
maneira diferente, reafirmando os sujeitos deficientes como merecedores de cuidados
diferenciados uma vez que o fator orgânico ganha cada vez mais peso diante da crença da
deficiência como uma punição moral, como era compreendida nas sociedades primitivas.
O século XIX, portanto, foi um forte marco histórico de profissionais como Pinel,
pioneiro em saúde mental, que têm maior interesse em estudar a deficiência (neste caso, mais
especificamente a mental3). Ela é compreendida no século XIX como uma condição do
sujeito, mas ainda se observa a prática da exclusão e marginalização dos deficientes em
instituições.
A revolução industrial, porém, trouxe novas perspectivas de mercado aumentando a
demanda por mão-de-obra. Tal contexto favoreceu bastante a busca pela capacitação da
pessoa com deficiência, impelindo-as a aproveitar seu potencial de produtividade. Neste
sentido, na segunda metade do século XIX, mesmo a pessoa com limitações físicas passa a ser
capacitada tecnicamente para o mercado de trabalho. Vale notar, porém, que mesmo tal
capacitação sendo feita a partir de escolas especiais, essas pessoas eram segregadas das
demais.
Desta maneira, a educação não integrava o deficiente, ao contrário, destacava a
segregação entre aqueles com e sem deficiência. Tal perspectiva de evidenciar a deficiência
poderia levar as classes especiais a serem não uma questão humanitária, mas de segregação,
nas quais pessoas com deficiência (que exigiam mais do professor) não interferissem na
educação dos não deficientes.
Foi apenas no final do século XIX que as tendências humanitárias começaram a surgir
e se intensificar. Neste ponto, as demandas dos deficientes começaram a ser melhor
observadas para que houvesse a reintegração e reabsorção destes indivíduos no seio social.

3
Na convenção de Montreal em 1995 aconteceu o Simpósio “Intellectual Disability: Programs, Policies and
Planning For The Future” da Organização das Nações Unidas (ONU) que alterou o termo deficiência mental por
deficiência intelectual no sentido de diferenciar de quadros psiquiátricos não necessariamente associados a
déficits intelectuais.
24

O fim da Primeira Guerra Mundial teve grande impacto neste tipo de visão
humanitária, uma vez que era necessário reinserir os sujeitos mutilados em combate. Neste
sentido, um grande passo foi dado nos Estados Unidos, quando em 1917 foi criada
o“Rehabilitation and Research Center”, onde os soldados feridos na guerra obtinham
assistência com o objetivo de assumir atividades remuneradas.
Portanto, vale ressaltar que com a Primeira e a Segunda Grande Guerras, o aumento do
contingente de pessoas com deficiência foi o propulsor de políticas que permitiram a inclusão
do deficiente nos diversos setores sociais. Diversas especialidades como a Medicina,
Psicologia, Sociologia, Pedagogia, Engenharia, entre outras, começaram a se integrar e se
apropriar cada vez mais do tema da deficiência para dar conta da reabilitação do sujeito na
sociedade, buscando favorecer a melhoria da qualidade de vida do deficiente nos aspectos
biopsicossociais.
A análise histórica feita por Pacheco e Alves (2007) ressalta a construção dos valores e
do olhar que se tinha e que se tem até hoje em relação à pessoa com deficiência. A partir deste
olhar histórico, foi possível identificar as modificações no seio social que ocorreram até os
dias de hoje, além de analisar a forma como alguns valores acerca do fenômeno ainda se
mantêm e influenciam a vida das pessoas.
De acordo com Fernandes, Schlesener, Mosquera (2011), o século XX foi marcado
por diversas mudanças paradigmáticas em relação à deficiência. Avanços técnicos
importantes como cadeira de rodas, bengalas, sistemas de ensino especializado começaram a
fazer parte deste cenário. Havia grande interesse de integração do sujeito ao meio social em
seus mais diversos contextos. Porém, a constatação dos grandes custos de manter os
deficientes em instituições foi um dos grandes propulsores para esta reavaliação
paradigmática.
Fernandes, Schlesener, Mosquera (2011) revelam que a grande contradição deste
século foi que ao mesmo tempo em que se buscava a integração do deficiente, tal empreitada
depositava apenas nele a necessidade de modificação necessária para caber em padrões da
assim chamada normalidade. Neste sentido, as comunidades pouco ou nada se reorganizavam
para atender suas demandas.
Isto acontece porque a apropriação da Medicina sobre este tema traz o que se
compreende como modelo médico de entendimento deste fenômeno. Segundo Silva e Moreira
(2015), há dois paradigmas centrais que balizam o que se compreende por deficiência: o
modelo médico e o social. O primeiro paradigma compreende que a deficiência é uma
problemática individual porque é pertencente ao corpo do sujeito, ou seja, a partir do aporte
25

de modelos biomédicos, este fenômeno é enfatizado como um fator biológico incapacitante,


que impede o indivíduo de exercer algumas funções sociais.
Além disto, Pinto (2013) descreve que a partir deste modelo biomédico, o fenômeno é
interpretado como uma característica pessoal do indivíduo, transformando-se em uma
essência do sujeito, ou seja, um traço definidor de sua imagem social. Desta forma, esta
condição transforma-se num rótulo, um estigma. Além disto, ainda hoje em dia associa-se a
imagem da deficiência como tragédia pessoal e destino de desventura.
Segundo Silva e Moreira (2015), os efeitos desta compreensão de sujeito recaem na
exclusão social e institucional do deficiente por compreendê-lo como incapacitado. A
Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens, introduzida pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1980, apesar de já compreender a importância que
o ambiente tem em sua definição, ainda assim, atribui à deficiência a origem das
incapacidades e desvantagens, como avalia Pinto (2013).
Neste sentido, a partir da crença de que a deficiência implica incapacidade, as
intervenções feitas para repará-la são compreendidas como a solução para o fenômeno. A
pessoa, portanto, é vista como alguém subordinado e dependente, que tem que aceitar tais
reparações elaboradas e produzidas por pessoas não deficientes. Tais profissionais que
buscavam a adaptação deste sujeito faziam isto embasados no conceito de normalidade, que
não incluía as diferentes formas de existir.
Silva e Moreira (2015) afirmam que é apenas a partir da reformulação do conceito de
normalidade que veicula em nossa sociedade que o paradigma do modelo biomédico começa
a ser questionado em alguns de seus pontos. Outro paradigma começa a emergir: o modelo
que entende a deficiência como uma questão social.
Em contraposição ao modelo médico, o paradigma social, segundo Silva e Moreira
(2015), compreende que há dificuldades sociais em aceitar e conviver com a diferença sendo a
sociedade, desta forma, opressora e excludente. Pinto (2013) afirma que a partir das décadas
de 1970 e 1980, o modelo médico passa a ser altamente rejeitado pela comunidade
internacional dos investigadores da deficiência e também pelas próprias pessoas com
deficiência.
Um marco importante para a compreensão do fenômeno de uma maneira diferente foi,
segundo Pinto (2013), a formulação do documento “Fundamental Principles of Disability”,
publicado em 1976 por um grupo de instituições de reabilitação na Grã-Bretanha (Union of
the Physically Impaired Against Segregation - UPIAS). Este documento foi fundamental uma
vez que buscou reformular o conceito de incapacidade, desconstruindo a ideia do deficiente
26

como incapaz e sim o ambiente quando não proporciona à pessoa a integração social
necessária para seu desenvolvimento (UPIAS, 1976).
Neste sentido, a deficiência é a falta de alguma parte do corpo, ou de alguma função e
a incapacidade tem a ver não com o sujeito em si, mas a restrição imposta a ele por uma
sociedade organizada socialmente de maneira desigual, no sentido de compreender as mais
diversas formas de existência humana.
Silva e Moreira (2015) afirmam que o modelo social surge a partir da primeira
organização política formada por homens paraplégicos que surgiu nos Estados Unidos em
1970. Nesta congregação, as reivindicações buscam delegar a temática como uma questão
social, e não apenas individual como era feita pelo modelo médico.
Seu entendimento como questão social compõe outra forma de lançar o olhar da
sociedade. Isto acontece na medida em que se compreende que não só o sujeito tem que se
adaptar ao meio, mas também o meio deve se adaptar a ele. Silva e Moreira (2015) afirmam
que foi com base nestas ideias que, a partir de 1980, alguns países começaram a adotar o
paradigma de suporte que advoga o direito do deficiente a conviver sem ser segregado e com
acessibilidade a recursos tal qual outra pessoa.
Em 1976, a Organização Mundial da Saúde publicou a CIF - Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (OMS, 2003) que é um marco na
reformulação de paradigma que até então se buscava com o modelo social. A novidade
encontrava-se na ênfase dada ao impacto das doenças na qualidade de vida em detrimento da
causalidade das doenças, como aponta Pinto (2013). Neste sentido, a CIF passa a ser um
instrumento de referência para a medição das incapacidades e também para a formulação de
políticas públicas. Neste documento compreende-se como incapacidade a relação entre a
função do corpo e também a inserção do indivíduo nas funções sociais.
Vale notar que a deficiência não deve ser compreendida nem como algo puramente
médico, e nem somente social. Há várias vertentes que compõem este fenômeno e neste
sentido ele deve ser compreendido como uma interação dinâmica entre problemas de saúde e
fatores contextuais, tanto pessoais quanto ambientais, conforme afirma o Relatório Mundial
sobre deficiência (2012).
As diferentes concepções acerca deste tema não são lineares. Tais crenças e valores se
fortalecem e enfraquecem ao longo do tempo, mas coexistem. Pode-se perceber na atualidade
que ainda há a compreensão do deficiente como um sujeito sem direitos por parte da
sociedade quando atitudes preconceituosas e discriminatórias acontecem em diversos
contextos (escolas, universidades, centros de ensino).
27

Observa-se ainda a existência de instituições que apesar de proporcionarem assistência


ao fator orgânico da deficiência, ainda assim, não se preocupam com os fatores emocionais,
sociais e profissionais, aponta Pinto (2013). Neste sentido, é possível pensar em como a
Psicologia pode contribuir para a ampliação de conceitos e práticas que favoreçam o cuidado
emocional e social dos sujeitos que necessitam desta atenção.
O fator histórico nos revela como valores e crenças sustentam ações que decidem a
vida das pessoas. A evolução da Medicina e de outras ciências teve importante papel para que
houvesse uma sociedade um pouco mais justa em relação às práticas institucionais e políticas
dos sujeitos. Não se pode negar que há muito caminho pela frente no que se refere a
conquistas sociais e reformulação de crenças, principalmente aquela que compreende que a
pessoa com limitações físicas ou intelectuais é necessariamente alguém dependente e incapaz.
Esta crença é evidente no mercado de trabalho, uma vez que segundo o Relatório
Mundial sobre Deficiência (2012), alguns empregadores ainda têm a crença de que a pessoa
com deficiência é desqualificada e improdutiva. Tal crença necessita ser substituída, uma vez
que tal pensamento leva a evidência de que tanto em países desenvolvidos quanto em
desenvolvimento, pessoas com deficiência em idade de trabalhar apresentam baixas taxas de
empregabilidade.
Fica evidente que a forma como é lançado o olhar para esse assunto define as práticas
sociais e a forma como tais pessoas se inserem ou não na sociedade. A história aponta para
isto e ao lançar o olhar para o presente, pode-se observar que a exclusão social ainda persiste.
O Relatório Mundial sobre a Deficiência (2012) afirma que os efeitos deste fenômeno
sobre a produtividade dependem de vários fatores. Não é a limitação física em si que provoca
improdutividade, mas quesitos devem ser avaliados como: a natureza da deficiência, a
diminuição da capacidade de trabalho da pessoa, o ambiente de trabalho e as atividades
exigidas para seu desempenho. Outro item que deve ser avaliado é a qualificação e a
preparação da pessoa para o mercado.
Hansel (2009) compreende que a qualificação profissional das pessoas com
necessidades especiais deve ser desenvolvida pelas empresas com o objetivo de ajustar o
perfil da pessoa com as demandas do emprego, direcionando atividades e promovendo
treinamento. Tal preparação tende a ter benefícios para ambos os lados: para a empresa que
dispõe de um profissional melhor qualificado e para a pessoa com deficiência que se torna
produtiva, exercendo suas potencialidades. Hansel (2009) considera ainda que, a partir da
28

regulamentação da Lei 8213, de 24 de julho de 1991, que ficou conhecida como Lei de Cotas4
para a contratação de pessoas com deficiência, as instituições de ensino têm uma
responsabilidade maior em promover a capacitação profissional para empregabilidade. Assim
sendo, as Escolas de Ensino Técnico e Tecnológico da Rede Federal começaram a se
comprometer com a criação de cursos de capacitação com o objetivo de inserir na realidade
mercadológica a pessoa que possui limitações físicas e tem alguma escolaridade. Esta
preparação na prática acontece por meio de transformação de metodologias, aquisição de
novos equipamentos e instrumentos além da capacitação de docentes e técnicos
administrativos.
Porém, de acordo com estudos de Lino e Cunha (2008) acerca da percepção de
pessoas com deficiência sobre a empregabilidade, foi constatado que mesmo com a
obrigatoriedade de contratação garantida pela Lei das Cotas, ainda são observados muito
preconceito e não aceitação da deficiência por parte dos empregadores. Os participantes de
seus estudos relataram barreiras nas atitudes com o profissional que possui alguma limitação
física, atestando segregação e exclusão provenientes das representações sociais negativas
acerca do fenômeno deficiência.
Vale ressaltar que deficiência por si só não deve ser critério nem de contratação e nem
de exclusão. Deve ser desconsiderada a qualificação e competência para o trabalho. Contudo,
a falta de consciência e de informação dos empregadores os faz compreender
equivocadamente que uma pessoa com deficiência não possui capacidades próprias.
Em estudos de Fialho et al. (2017), ressaltou-se que a contratação de uma pessoa com
deficiência tem benefícios para o empregador para além do mero cumprimento da lei. Com
este tipo de contratação, a empresa tem a possibilidade de criar melhorias em sua estrutura e
na capacitação dos gestores para atender as demandas da pessoa com necessidades especiais.
Neste sentido, ter a equipe composta por diversidade é importante não só para a credibilidade
social que a empresa cria perante a comunidade, mas também contribui para a capacitação de
outros funcionários no sentido de saber gerenciar as diferenças no campo empresarial.
Porém, estes autores também constataram que na prática, muitos contratantes quando
agregam uma pessoa com deficiência no quadro de funcionários está muito mais preocupado
com estar na legalidade do que, de fato, inseri-la na rede de produtividade da empresa,
4
O objetivo da Lei de Cotas é promover a inclusão, estabelecendo a reserva de 2% a 5% das vagas de emprego
para pessoas com deficiência ou usuários reabilitados pela Previdência Social nas empresas com 100 ou mais
funcionários. O preenchimento da cota varia de acordo com a proporção abaixo (e o seu não-cumprimento é
punível com multa): Até 200 funcionários: 2%; De 201 a 500 funcionários: 3%;De 501 a 1000 funcionários: 4%;
De 1001 em diante funcionários: 5%. Disponível em: <https://isocial.com.br/legislacao-lei-de-cotas.php>.
Acesso em: jan. 2018.
29

negando-lhe a acessibilidade e a possibilidade de se desenvolver sem precisar da ajuda de


terceiros. A consequência é enxergá-la como incapaz.
Compreender a incapacidade como uma dinâmica entre indivíduo e ambiente ainda é
bastante desafiador para nossa sociedade. Porém, grandes passos começam a ser dados nesta
perspectiva. Acredita-se neste trabalho que quanto mais algumas ciências, como a Psicologia,
se somarem às pessoas com deficiência para melhor compreender suas necessidades e
demandas, melhorias podem ser feitas para a sociedade como um todo.
Quanto menos atitudes preconceituosas existirem, mais pessoas capacitadas e com
diferentes habilidades estarão participando e produzindo para uma comunidade melhor. Neste
sentido, atender e acolher suas necessidades especiais, visando melhor qualidade da saúde
psicológica é dever e compromisso de diversas ciências.

1.2 A pessoa com deficiência no Brasil

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística sobre o Censo de 2010 (IBGE,


2012) confirmam que mais de 45 milhões de pessoas declararam ter algum tipo de
deficiência5, o que corresponde a 23% da população brasileira. Destas pessoas, 38.473702 se
encontram em áreas urbanas e 7132 nas rurais. A região nordeste concentra os municípios
com maiores índices de deficiências investigadas. A cidade que mais se destacou foi Rio
Grande do Norte, onde 35% de pessoas apresentam deficiência.
Nesta mesma publicação (2012), o IBGE aponta que o grau de severidade de cada
deficiência é definido de acordo com o grau de dificuldade que esta impõe ao sujeito,
impedindo-o de se locomover devido ao acometimento da função corporal, ou em casos de
deficiência mental ou intelectual.
De acordo com a faixa de idade, o IBGE (2012) divulga que 7,5% das crianças entre 0
a 14 anos de idade apresentam pelo menos um tipo de deficiência. Este número aumenta na
população entre 15 a 64 anos, com mais da metade da população (67,7%) apresentando algum
nível. Tal fato acontece principalmente devido ao envelhecimento que acomete a função
visual, auditiva e motora.
5
Segundo informação da Organização dos Cegos do Brasil, é importante notar que este último censo foi feito
com base nas respostas das percepções das pessoas com os seguintes critérios: a) Não consegue de modo algum -
para pessoa que declarou ser permanentemente incapaz de enxergar; b) Grande Dificuldade - aquele que
declarou ter grande dificuldade permanente de enxergar, ainda que usando óculos; c) Alguma dificuldade - quem
declara ter alguma dificuldade ainda que usando recursos ópticos ou d) Nenhuma dificuldade - para a pessoa que
declarou não ter qualquer dificuldade permanente de enxergar ainda que utilizando óculos. Disponível em:
<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:UUJmQdB05CYJ:www.oncb.org.br/documentos/Pare
cer-Anatel.doc+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: mar. 2019.
30

O maior número de pessoas com deficiência é na população de 40 a 59 anos,


correspondendo a um total de 17 milhões sendo a maioria do sexo feminino. A deficiência
visual foi o tipo mais declarado, seguido da motora e auditiva.
A alfabetização destas pessoas é menor do que a das pessoas sem deficiência na
mesma faixa etária. A Região Sudeste apresentou a maior taxa de alfabetização das pessoas
com pelo menos uma deficiência (88,2%), e a Região Nordeste, a menor (69,7%). Para a
Região Nordeste, observou-se ainda a maior diferença entre as taxas de alfabetização da
população total e daquela com pelo menos uma deficiência (IBGE, 2012). Este número se
reflete no mercado de trabalho, uma vez que a deficiência se torna um fator limitante e atinge
mais o gênero masculino do que o feminino.
Fonseca (2012) aponta que em 1988 a Constituição Brasileira adotou a expressão
“pessoa portadora de deficiência” em consequência da grande movimentação de ativistas que
exigiram mudanças na forma de se reportar ao deficiente. Termos como “inválidos” ou
“incapazes” eram utilizados, contribuindo ainda mais para a estigmatização e marginalização
do indivíduo. A terminologia “pessoa portadora de deficiência” surgiu a partir da Declaração
dos Direitos das Pessoas Deficientes, proporcionada pela Organização das Nações Unidas no
ano de 1975.
Pretendia-se, naquele momento, que fosse alterado radicalmente o enfoque político
sobre as pessoas com deficiência, abandonando-se o tom assistencialista cuja consequência
direta era o abandono de políticas públicas, ou ações meramente assistenciais (FONSECA,
2012). Vale notar que o assistencialismo cria medidas de ações que visam apenas garantir o
mínimo de dignidade e integridade a vida destas pessoas, mas não a inclusão e promoção da
participação no seio social.
Fraga e Sousa (2009) consideram que mesmo com o avanço alcançado na
constituição, as regulamentações só foram remetidas em momentos posteriores e se por um
lado tivessem sido contemplados direitos básicos, na prática se mantiveram ideias e ações de
cunho assistencialista. Foi apenas em 1989 que o Brasil formalizou a Política Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência, mas só em 1999 a lei foi regulamentada pelo decreto
3.298/99 (BRASIL, 1999).
Rufino (2010) aponta que a Política Nacional foi reforçada com a lei de acessibilidade
(BRASIL, 2004) com o objetivo de propor alterações nas mais variadas práticas sociais no
sentido de tornar plena a participação social do deficiente, independente de suas diversidades
corporais. Com a proposta da acessibilidade, pode-se pensar que as políticas assistencialistas
cedem espaço para um maior processo de autonomia do sujeito.
31

Fonseca (2012) aponta que a busca da ruptura com políticas de cunho tutelar e
assistencialista foi e continua sendo de grande importância para a afirmação do papel social
do deficiente, uma vez que ações assistencialistas impõem sobre a pessoa com deficiência a
condição de subordinação em todas as decisões e práticas que são pensadas e idealizadas por
pessoas sem deficiência. Desta forma, as decisões são tomadas por pais, amigos e familiares,
deixando o deficiente à margem de questões que lhe dizem respeito.
Esse mesmo estudioso (2012) ressalta que ao invés do assistencialismo, o artigo 4 da
Constituição propõe que os estados devem desestimular práticas e costumes discriminatórios
contra pessoas com deficiência; atualizar a legislação; estabelecer políticas públicas para o
reconhecimento das capacidades da pessoa com deficiência e também de suas necessidades;
formação e capacitação de profissionais habilitados; reabilitação e habilitação das pessoas
com deficiência; convívio social, entre outros. Ou seja, busca-se a ampliação e edificação de
direitos econômicos, sociais e culturais da pessoa com deficiência, tudo isto com sua
participação e colaboração.
Rufino (2010) aponta que a entrada do modelo social no Brasil foi tardia, aconteceu
apenas em 2007 por meio da adoção da Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF) que é a referência da legislação do Benefício de Prestação
Continuada (BPC)6 com a finalidade de referenciar as avaliações das pessoas com deficiência
solicitantes do benefício assistencial de transferência de renda para pessoas em extrema
pobreza.
Embora ainda com esforços de agregar valores tanto do modelo biomédico como do
modelo social, a CIF no Brasil, de acordo com Rufino (2010), tende a favorecer a deficiência
como aspecto mais voltado a termos de saúde do que à percepção da deficiência como fruto
de uma relação sujeito-meio ambiente. Isto fica exemplificado quando a perícia médica,
referenciada no CIF, para possibilitar o BPC para a pessoa, não se preocupa em propor
medidas para traduzir tais concepções em alterações na abordagem da deficiência como
desigualdade e opressão social.
Em outras palavras, a CIF, quando reduz o olhar do médico perito a apenas analisar
quem é deficiente ou não, não está produzindo quebras de paradigmas, como pressupõe o
modelo social da compreensão do fenômeno da deficiência. A classificação sobre a pessoa dá

6
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) é a garantia de um
salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. Disponível em:
<https://www.inss.gov.br/beneficios/beneficio-assistencial-ao-idoso-e-a-pessoa-com-deficiencia-bpc/>. Acesso
em: 7 fev. 2018.
32

ainda mais ênfase ao modelo médico quando, como afirma Rufino (2010), reforça uma
abordagem dos impedimentos corporais onde a palavra de ordem ainda é buscar nestes
sujeitos onde estão suas incapacidades ao invés de dar luz e foco às suas capacidades e
potencialidades.
Neste sentido, fica evidente que apesar dos avanços nas leis, ainda há muito que ser
feito no quesito das práticas públicas e desconstrução do paradigma social que compreende a
deficiência como uma incapacidade, apesar das mudanças ocorridas na Constituição.
Atualmente o que representa os deficientes é Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), de julho de 2015. Araújo e Costa (2015)
apontam que essa lei é fruto da participação do Brasil na Convenção da ONU sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, na qual se compromete a implementar medidas para
dar efetividade aos direitos previstos na Constituição.
Araújo e Costa (2015) apontam que tal lei não traz muitas novidades uma vez que
nada foi criado, mas ajuda a sistematizar e reunir diversos pontos que estavam espalhados em
diversas legislações, o que conferiu maior uniformização ao sistema legal. Porém, a ideia do
Estatuto da Pessoa com Deficiência dá a lei uma dimensão de sistematização que interfere em
posturas como a criação de institutos que servirão de apoio aos deficientes.

1.3 Construção de identidade da pessoa com deficiência

Goffman (2004) compreende que a sociedade estabelece os meios de categorizar as


pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada
uma dessas categorias. Quando alguém foge destas categorizações, os primeiros aspectos
desta pessoa permitem prever seus atributos. Estas previsões podem ser entendidas como pré-
concepções que se transformam em expectativas e normas do que o outro deve ser.
Em outras palavras, o tempo todo são buscadas referências e pré-concepções para
tentar compreender e categorizar o outro que foge de uma normatividade. Goffman (2004)
reflete que tais pré-concepções nem sempre são percebidas por quem as cria, apenas quando
tais exigências não são preenchidas que se toma consciência de que havia expectativas
daquilo que o indivíduo deveria ser. Ou seja, o estigma surge quando há uma discrepância
negativa entre a identidade social virtual (o que se prevê do outro) e a identidade social real,
que é a maneira como a pessoa se mostra.
Quando uma pessoa é percebida com um atributo estranho às categorias sociais já pré-
estabelecidas, há a dificuldade de encontrar alguma categoria na qual possa ser incluída. Desta
33

forma, deixa de ser um ser comum e passa a ser reduzido a um indivíduo estragado e
diminuído, o que torna seu atributo um estigma, afirma Goffman (2004), especialmente
quando seu efeito de descrédito é muito grande, sendo este atributo considerado um defeito,
uma fraqueza ou uma desvantagem. Um estigma, neste sentido é um traço que impede que
alguém seja facilmente recebido na relação social cotidiana, uma vez que centraliza o foco da
atenção das outras pessoas e as afasta, destruindo a possibilidade que outros de seus atributos
sejam vistos.
As pessoas não possuidoras de estigma, conforme Goffman (2004), acreditam que
alguém estigmatizado não é completamente humano e desta forma desempenha ações
discriminatórias que muitas vezes reduzem suas chances na vida. Tais ações são: criação de
teorias e afirmações sobre o sujeito (sem sua participação), construção de uma ideologia que
explique sua inferioridade, utilização de termos específicos de estigma como forma de
representação daquela pessoa (a exemplo dos termos aleijado, retardado, entre outros). A
tendência é inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original.
O efeito destas construções sociais no indivíduo estigmatizado, segundo Goffman
(2004) é que este tende a ter as mesmas crenças que a sociedade maior, ou seja, estas crenças
de que seu atributo é uma característica inferior podem confundir sua sensação de ser uma
pessoa comum, que merece um destino agradável e oportunidades legítimas. Desta maneira, o
sujeito que recebe o estigma torna-se intimamente suscetível ao que as pessoas da sociedade
maior veem como seu defeito, o que pode levá-lo a concordar com a classificação de
inferioridade que lhe foi designada e neste momento, surge a vergonha de seu próprio ser. Tal
sensação pode impelir a pessoa a buscar corrigir diretamente o que considera seu defeito,
como quando alguém com alguma imperfeição física se submete a cirurgia plástica ou uma
pessoa cega a um tratamento ocular, por exemplo.
Muitas tentativas de reparar o defeito podem ser tomadas, além de muitos esforços
despendidos no sentido de buscar relevar o atributo que estigmatiza a pessoa, porém, em
muitos casos, o contato com os sujeitos que estigmatizam começa a ser evitado pelo
estigmatizado, o que tem consequências severas para sua saúde mental. Faltando o feedback
saudável do intercâmbio social cotidiano com os outros, a pessoa que se autoisola
possivelmente torna-se desconfiada, deprimida, hostil, ansiosa e confusa. (GOFFMAN,
2004).
Goffman (2004) também reflete sobre aquele que não nasceu com um estigma, mas
que o adquiriu ao longo de seu desenvolvimento. Tais indivíduos já se estabeleceram no
mundo ouvindo tudo sobre o que é viver sem e com estigma, antes de serem impelidos a se
34

considerar como deficientes. Neste sentido, as dificuldades que têm para estabelecer novas
relações podem se estender às antigas, uma vez que as pessoas com as quais se relacionam
após o evento (no caso de uma deficiência adquirida), podem considerá-los simplesmente
como pessoas que têm um defeito.
Desta forma, as relações passadas ficam reduzidas apenas ao indivíduo que ele foi,
mas não se estendem ao sujeito que ele passou a ser após o acometimento. Considerando isto,
Goffman (2004) aponta que as pessoas que possuem o mesmo estigma há mais tempo passam
a ser aqueles que podem ajudá-lo no manejo da nova condição. Quem adquire um estigma ao
longo do tempo possui ambivalência da vinculação com o grupo de estigmatizados do qual
faz parte. Ora aceita a participação neste grupo, ora o rejeita. O sujeito oscila nas crenças
correspondentes a natureza do próprio grupo e do grupo daqueles sem estigma. A pessoa
passa a tolerar as incongruências da nova condição quando começa a identificar os indivíduos
estigmatizados como seres comuns que possuem características e semelhanças com aqueles
que não os têm.

1.4 Inclusão ou exclusão: revendo conceitos

No intuito de compreender o conceito de inclusão de forma mais ampla e crítica,


Veiga-Neto e Lopes (2011) serão enfatizados nos parágrafos a seguir. Estes estudiosos
apontam que é de grande importância ampliar o olhar para o entendimento que se tem
atualmente sobre o que é incluir, uma vez que se tem discutido bastante sobre esta prática,
porém, muitas vezes, de forma superficial.
Por um lado, a inclusão, afirmam os autores, pode ser entendida como uma condição
de vida em luta pelo direito de se autorreapresentar, participar de espaços públicos e ser
alcançado pelas políticas públicas de Estado. Além disto, este conceito também pode ser
entendido como um conjunto de práticas que ajudam os indivíduos na criação da própria
autoimagem, criando subjetividades que influenciam na relação com eles mesmos e com o
mundo.
Por outro lado, vale ressaltar a importância de olhar de maneira crítica para a forma
como este conceito estruturou-se na sociedade brasileira, ou seja, a história por trás do
conceito. A inclusão não é uma prática boa por si só e não significa necessariamente o oposto
de exclusão. Os autores apontam que muitas vezes, inclui-se para excluir.
A inclusão virou um imperativo político nos tempos atuais, mas vale o questionamento
se ela é feita de maneira adequada. Veiga-Neto e Lopes (2011) declaram que incluir é um
35

conceito que existe em uma sociedade que a princípio compreende que qualquer diferente
forma de ser e existir implica em encontrar-se à margem de uma sociedade e, portanto,
excluído. É necessário incluir aquele que está excluído.
Por trás do conceito de inclusão, portanto, existe a compreensão social de que
qualquer condição que não corresponda aos princípios de normalidade adotados pela
perspectiva cultural, encaixa-se em um parâmetro de não natural, de marginal, de exclusão.
Neste sentido, incluir torna-se uma maneira de retomar a ordem natural perdida com a
diferença. Incluir pode transformar-se em uma prática de exclusão quando se busca colocar no
mesmo patamar todos os tipos de diferenças que não se encaixam na normatividade social,
buscando-se aplicar a elas os mesmos processos includentes, concluem os autores. Apontam
que uma das características da“in/exclusão” é a ocupação do mesmo espaço físico.
Vale notar que não se faz uma apologia à eliminação de práticas inclusivas, mas ao
contrário, Veiga-Neto e Lopes (2011) fazem um convite à análise do que está por trás destas
práticas quando elas se tornam imperativas e não se pensa de maneira mais aprofundada sobre
elas. É de grande importância pensar de maneira cuidadosa sobre o que é incluir, buscando-se
sempre em detalhes as formas como estas inclusões são feitas.
Apesar da importância do olhar crítico, vale lembrar que incluir é também ajudar a
pessoa na busca de seus direitos e deveres e na construção de seus papéis sociais de forma
digna, os quais outrora sem a inclusão, na atual sociedade normativa, as pessoas com
deficiência não teriam chances de sobreviver a tais estigmas.

1.5 Deficiência visual

A seguir é apresentado o conceito de deficiência visual com o objetivo do


entendimento dos diversos tipos de deficiência, suas principais diferenças e os recursos
utilizados pelas pessoas com algum acometimento visual.

1.5.1 O que é deficiência visual

De acordo com informações da Secretaria de Educação Especial (SEESP) em parceria


com o Ministério da Educação e Cultura (MEC), a deficiência visual tem diferentes níveis,
podendo ser de cegueira total ao menor nível de visão. A cegueira é uma grave alteração de
uma ou mais das funções da visão que afeta de maneira irremediável a capacidade de perceber
36

cor, tamanho, forma, posição ou movimento. Pode acontecer desde o nascimento (cegueira
congênita) ou posteriormente (cegueira adquirida).
A cegueira pode acontecer ao longo do desenvolvimento devido a causas orgânicas ou
a acidentes, e em alguns casos a perda da visão pode estar associada a outras perdas como na
surdo-cegueira ou outras deficiências, afirmam Sá, Campos e Silva (2007). O relatório afirma
também que informação tátil, auditiva, sinestésica e olfativa são mais desenvolvidas pelas
pessoas cegas, uma vez que fazem mais uso destes sentidos para captar as informações do
mundo.
Ainda de acordo com Sá, Campos e Silva (2007), a baixa visão é uma condição que
varia de acordo com a intensidade e grau de comprometimento das funções da visão. A baixa
visão e a cegueira representam um contínuo que vai de um para outro. Isto significa dizer que
se apresenta grande oscilação de condição visual, sendo que há vários tipos de baixa visão. É
comum, em determinados casos, o movimento rápido e involuntário dos olhos (nistagmo) que
causa exaustão durante a leitura.

1.5.2 Recursos utilizados

O Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia (SEGeT), no ano de 2012, relata


que tecnologias assistivas englobam recursos que têm o objetivo de promover a participação
de pessoas com deficiência visual nos mais diversos setores da sociedade buscando garantir
sua autonomia e consequentemente, qualidade de vida.
De acordo com o Relatório Mundial sobre a Deficiência (2012), documento
apresentado neste mesmo Simpósio, existem vários tipos de bengalas que ajudam na
locomoção da pessoa com deficiência visual, dentre elas estão a bengala branca, feitas
inicialmente de madeira, mas que passaram a fazer parte da vida diária do deficiente a partir
de 1940 com o desenvolvimento de técnicas de manejo para locomoção.
Ainda de acordo com esse mesmo relatório, existem também a bengala “E touch” que
é adaptada com GPS, reconhecedor de voz e fones de ouvido para facilitar a interação do
usuário com as informações geradas; a bengala eletrônica de baixo custo que faz uso de
sensores de aproximação com o propósito de identificação das barreiras físicas, e a eletrônica
inteligente que é capaz de traçar rotas.
37

Como recurso de leitura algumas pessoas7 com deficiência visual utilizam o Sistema
Braille, o qual de acordo com Lages (2000), é um modelo de lógica, simplicidade que é
adaptado como linguagem universal a todas as espécies de grafia. Foi criado no ano de 1825
pelo francês Luís Braille e ainda é utilizado nos dias atuais.
Ainda no sentido de inclusão educacional e social, além do Braille existem no
mercado diversas opções de recursos para leitura para pessoas com deficiência visual. Silveira
et al (2007), ressaltam a existência de softwares8 leitores de telas que usam sintetizadores de
voz que permitem a leitura de informação da tela de computadores. Este recurso permite que
deficientes tenham acesso não só à leitura de conteúdos que contribuem em sua capacitação,
mas também em sua inserção em redes sociais.
Vale notar, porém, de acordo com Silveira et al. (2007) que poucos deficientes têm
acesso a estes softwares pelos mais diversos motivos: falta de local para realizar o
treinamento no manejo da tecnologia, ou impossibilidade de ir até o local do curso por falta de
acessibilidade urbana.

1.5.3 Deficiência visual adquirida

Almeida e Araújo (2013) compreendem que existem diferenças significativas nas


vivências das pessoas que têm deficiência visual congênita ou que perderam a visão ao longo
de seu processo de desenvolvimento. A pessoa que nasce cega desenvolve-se a partir de
experiências que não envolvem a visão. Ao contrário disto, aqueles que têm experiências ao
longo de seu ciclo vital que incluem a experiência visual, a perda da visão pode ser um
fenômeno traumático.
Carroll (1968) escreve que aquele que perde a visão na fase adulta tem uma ampla
gama de perdas decorrentes da falta da visão e agrupa em cinco categorias: as básicas em
relação à segurança psicológica, perda nas habilidades básicas, na comunicação, na
apreciação, na ocupação e preocupação com a situação financeira, além daquelas que têm
implicações na identidade como um todo.
Em relação à perda de segurança psicológica, o autor acrescenta que está ligada à
sensação de ameaça à integridade física, uma vez que os sentidos se encontram de outra forma
e o contato com o ambiente se transforma. A perda das habilidades básicas tem a ver com a

7
Alguns deficientes visuais com baixa visão fazem uso do Braille e também de recursos de áudio e leitores de
voz, além de recursos ópticos como lupas e óculos que ajudam a ampliar a letra do material de leitura.
8
Entre eles estão o Virtual Vision 5.0, Jaws 8.0, NonVisual Desktop Access (NVDA).
38

dificuldade de mobilidade e com a execução das atividades diárias da vida. Em relação a


comunicação, o autor explica que está ligada à palavra escrita e dificuldades em acompanhar
informações. No sentido da apreciação visual, o dano é no quesito estético de acompanhar
cores, formas e aquilo que é considerado belo pelo indivíduo.
Além disso, a preocupação financeira se dá devido à perda do desempenho do papel
profissional e às preocupações com oportunidades de emprego. Carroll (1968), também
aponta a influência destas perdas no sentido de si, na organização da autoimagem, uma vez
que a pessoa não tem mais sua independência pessoal, o que afeta sua autoestima.
Autores como Dodds (1993) apontam que a falta total da visão de forma repentina
pode significar para algumas pessoas a sensação de ausência de domínio da realidade,
sofrendo crise de identidade severa que pode levá-las a questionar, inclusive, o próprio
gênero.
É possível notar que tais mudanças nos mais diversos papéis que a pessoa
desempenha, acarretando modificações em sua identidade, podem gerar isolamento social, o
que traz grandes prejuízos a saúde mental desta população. Ringering e Amaral (2000)
afirmam que a dificuldade na mobilidade pode acarretar em restrição dos contatos sociais
daquele que se tornou deficiente visual.
Outro tipo de sofrimento que enfrenta a pessoa que perde a visão é que a depender da
causa da doença oftalmológica que a levou à cegueira, seu prognóstico pode ser inseguro ou
negativo, podendo fazer com que diversos indivíduos vivam suas vidas com a expectativa de
voltarem a enxergar, dificultando seus planos e planejamento de vida para o futuro, afirma
Klose (1998).
Léger e Hommey (1998) observaram que há perturbações do sono recorrentes em
pessoas cegas, dentre elas estão a insônia e a sonolência diurna. Além do estresse devido às
dificuldades da vida diária das pessoas com deficiência, os autores apontam maior
sensibilidade a ruídos que perturbam o sono, o que pode explicar, de acordo com eles, tal
dificuldade.
39

CAPÍTULO 2 - OS ESTUDOS SOBRE LUTO E SEUS DESDOBRAMENTOS

Nesse capítulo foi abordada a forma como o luto é compreendido na atualidade e os


principais conceitos que norteiam a compreensão do que pode vir a ser um luto em pessoas
que perderam a visão.

2.1 Compreensão sobre luto na atualidade

Parkers (1998) ressalta que o luto é um processo que envolve uma sucessão de quadros
clínicos que se mesclam em qualquer tipo de luto, nunca fica claro com exatidão o que
realmente foi perdido. Isto acontece porque uma perda leva a outras secundárias que também
contribuem para as mudanças de vida da pessoa enlutada.
Parkes (2009) compreende ainda que apesar da dificuldade de ter uma definição exata
do que é luto, a reação do enlutado inclui muito mais do que pesar, colocando-o de frente com
ameaças à sua segurança, mudanças importantes na vida e na família, podendo ou não estar
associado a lembranças terríveis de eventos aterrorizantes, sensação de culpa pela morte
dirigida a outras pessoas e vergonha ou culpa por negligência. Entende o luto como transição
psicossocial que significa uma sensação de descolamento entre o mundo que é e o que deveria
ser, sendo expressa por meio de sentimento de mutilação ou vazio que reflete a necessidade
de reaprender um modelo interno de mundo, dando novos sentidos a este.
Neste sentido a compreensão do luto, segundo Franco (2010), se dá a partir da
perspectiva da construção de significados, na qual os componentes sociais, culturais e
espirituais são levados em conta para o entendimento do enlutamento. Busca-se compreender
a singularidade e a construção de sentido que existe em cada pessoa na vivência de seus lutos.
Desta forma, o luto é um processo não linear uma vez que permite revisões na
identidade, nas relações com o morto e nas crenças. Franco (2002) entende que uma perda
gerada por morte ou outro tipo de situação impele a pessoa a um reajustamento social que
implica em uma mudança no padrão de vida no qual estava acostumada. Afirma também que
é importante dimensionar o luto não apenas do ponto de vista individual, mas sim os impactos
que ele tem na rede social, podendo esta ser ou não favorável para a elaboração da perda
sofrida.
O modelo mais atual de compreensão sobre o processo do luto envolve o
entendimento da singularidade humana na vivência deste fenômeno. Portanto, Stroebe e Schut
(1999), a partir do Processo Dual, o compreendem como um fenômeno dinâmico e flexível,
40

no qual o enlutado oscila entre dois movimentos: um deles orientado para a perda e outro
orientado para a restauração. A pessoa orienta-se para a perda quando se concentra em
aspectos ligados ao ente perdido e isto inclui olhar fotos antigas ou chorar pela morte da
pessoa amada. A orientação voltada para a restauração corresponde ao enfrentamento que está
embutido na experiência cotidiana que envolve assistir um programa de televisão, ler algo
interessante, conversar com amigos sobre algum outro tópico, por exemplo.
Desta forma, por mais que as dores do luto sejam intensas, não estão presentes todo o
tempo. De acordo com Parkes (1999) a necessidade de chorar a perda diminui e o indivíduo
consegue responder às demandas cotidianas como cuidar dos filhos, assistir um programa de
TV. Vale notar que tanto o movimento orientado para a perda, como para a restauração
envolve misto de sentimentos.
Stroebe e Schut (1999) revelam que quando a pessoa se orienta para a perda pode ter
sentimento de alívio pela morte do ente querido por este ter parado de sofrer e tristeza por ter
sido deixado. Quando se orienta para a restauração pode se sentir empolgado para o
desenvolvimento de novos papéis que terá que desempenhar depois da morte do ente querido
e também se sentir demasiadamente ansioso para o cumprimento destas novas tarefas.
Portanto, não existe uma linearidade na forma de vivenciar a perda. Mistos de sentimentos e
oscilações de estratégias cognitivas são adotadas de acordo com as contingências do enlutado.
O Processo Dual, segundo Mazorra (2009) traz grande avanço ao oferecer uma nova
estrutura de análise para o entendimento de como as pessoas se adaptam à perda de uma
pessoa significativa, ressaltando a importância de colocar em análise todos os fatores
envolvidos no luto, como o contexto sociocultural, as circunstâncias da morte, a dinâmica
familiar, a relação com o falecido, recursos do enlutado para o enfrentamento. Tais fatores
irão influenciar o desenvolvimento de um luto mais voltado para a orientação da perda, ou a
reestruturação.
Mazorra (2009) complementa ainda que esta forma de compreender a elaboração do
luto lança luz para o entendimento de que este não ocorre apenas no momento em que a
pessoa entra em contato com a dor da perda, como também nos momentos em que se volta
para aspectos práticos de seu dia a dia, e é desta maneira que o trabalho de ressignificação
daquele vínculo pode acontecer aos poucos.
Desta maneira, o modelo proposto por Stroebe e Schut (1999) é uma tentativa de
explicar as diferenças individuais na manifestação do luto. Neimeyer, Prigerson e Davies
(2002) sustentam que há diversos níveis de respostas a perdas: o nível sociológico quando as
referências sociais e culturais são importantes vetores para a manifestação (ou não) do
41

enlutamento; o nível psicológico quando o luto é uma resposta à ruptura de presunções de si e


do mundo e de relacionamentos que sustentam a esta noção de si mesmo, e o nível psíquico
quando se percebe complicações que geram danos à saúde mental. Neste sentido, a
manifestação do sofrimento diante de uma perda tem diversas variáveis que conferem o
aspecto de singularidade das respostas de cada pessoa. Neimeyer, Prigeson Davies (2002)
oferecem as referências que irão embasar o entendimento da influência sociológica,
psicológica e psiquiátrica nas manifestações do luto.
No sentido sociológico, o quadro de referências culturais conta bastante para avaliar a
experiência do luto, uma vez que a morte em algumas culturas não é apenas um evento
biológico no qual se sucumbe, mas um catalisador para a construção de significados de uma
cultura que interliga gerações.
Algumas culturas podem ter regras muito restritas em relação à manifestação de
tristeza decorrente do luto, determinando os aspectos públicos e privados das vivências com a
perda para assegurar um senso de continuidade naquela comunidade após o evento de morte.
A construção de significado, portanto, vai sendo moldada a partir dos rituais e discursos
presentes naquela cultura.
Em relação ao sentido psicológico, as manifestações acontecem devido à ruptura da
vinculação a uma figura de apego que demanda ao ser humano intensos processos de
adaptação que inclui reações de choro, desorientação comportamental, além de anseio por esta
figura. Além disto, respostas fisiológicas como falta de ar, taquicardia, secura na boca, micção
frequente, sensação de sufocamento também compõem o repertório das manifestações
psicológicas da pessoa frente àquela perda.
No sentido psiquiátrico as manifestações acontecem quando a pessoa não consegue
integrar a perda sofrida e desta forma tem dificuldade em assimilar, ressignificar o evento e
seguir a narrativa de sua vida. Para algumas pessoas a perda da pessoa amada pode ser não
apenas um evento triste, mas altamente perturbador no senso de quem são e na sustentação de
seus projetos de vida. Desta forma, pode-se estar diante de uma resposta de luto complicado.
Parkers (1999) também discute a importância do aspecto psicológico como um
importante determinante na vivência do luto. Explica, a partir de Nuss e Zubenko (1992) que
quanto mais vulnerável psicologicamente a pessoa está, mais dificuldade terá no processo de
vivência com seu luto. Um indicador para isto é a história prévia de doença mental. Também
fala de outros fatores que interferem na forma como a pessoa vivencia seu luto e reconstrói
seu mundo interior após a perda. É importante levar em conta diversos fatores, dentre eles, a
relação com morto, o grau de parentesco, a força do apego, perdas na infância, crises vitais
42

prévias às perdas, tipo de morte: se foi de forma abrupta, se houve preparação para o luto;
múltiplas perdas ao mesmo tempo, se é luto não autorizado ou se é uma morte que gera culpa.
Outro fator importante é a forma calorosa como a pessoa ainda se liga ao que foi perdido, uma
vez que a intensidade do investimento psicológico na relação torna difícil para o sobrevivente
aceitar a possibilidade de continuar a existir sem o outro, afirma o autor.
A consideração destes domínios na avaliação da vivência do luto é importante, uma
vez que nem sempre uma pessoa irá manifestar seu sofrimento a partir apenas de uma
perspectiva. Ela pode fazer parte de uma comunidade que impõe um jeito específico de
manifestar sua dor, mas o aspecto psicológico ultrapassa e a impede de seguir aqueles
padrões, o que pode, inclusive, gerar ainda mais sofrimento para aquela pessoa e tal
sofrimento adicional pode produzir sintomas psiquiátricos, levando-o a um luto complicado.
Tal sofrimento provocado por perdas importantes que geram o processo de luto,
interfere, interrompe e modifica as narrativas dos sobreviventes, geralmente colocando-os em
uma busca involuntária pelo significado da perda, afirma Neimeyer (2001). Pode-se perguntar
o que, afinal, é significado e porque não se pode falar de luto sem compreender esta palavra.
A narrativa da história da vida do homem é preenchida por memórias de longo prazo,
de longo alcance, antecipações, crenças, reflexões, interpretações, expectativas,
arrependimentos, entre outros aspectos. Todos estes elementos formam a maneira como as
pessoas enxergam a si mesmas e o mundo, formando sentidos e significados, de acordo com
Neiymeyer (2001). Criar significado é a capacidade de habitar um mundo simbólico que
permite comunicar com o outro e conosco mesmos, criando uma autonarrativa que de acordo
com o autor é definida como uma estrutura cognitiva-afetiva-comportamental que organiza as
emoções e as características de cada um.
Em outras palavras, a forma como cada pessoa significa o mundo irá determinar a
forma como desenvolve seus papéis sociais. A maneira como desempenha tais papéis irá
influenciar nas relações com as pessoas (principalmente com as figuras que mantêm com ela
fortes vínculos) e coisas ao seu redor. Ao mesmo tempo será influenciada por tais elementos
para a construção da sua autoimagem.
Neiymeyer (2001) discorre que o luto é uma crise nesse processo de significado que
abala o enredo básico da pessoa acerca de si e do mundo, afeta sua autopercepção e a
percepção do outro e dos eventos que se seguem. Neste aspecto, o enlutado diante de uma
morte de parceiro/parceira se faz perguntas como “Como é que meu amado morreu? ”;
“Quem sou eu, agora que não sou mais um cônjuge”?, ou até mesmo perguntas para o
espiritual ou existencial “Por que Deus permitiu que isto acontecesse comigo”?. É muito
43

importante notar que, segundo o autor, a forma como o sujeito engaja estas perguntas, se
busca resoluções, ou fica paralisado diante delas, molda a maneira como a pessoa assimila o
acontecimento.
Quando a pessoa não consegue caminhar diante das perguntas que se faz, quando fica
paralisada nelas e tem grande dificuldade de construção de novos sentidos que a ajudem a
desempenhar outra forma existir e ser no mundo, esta crise de sentido torna-se um grande
fator de risco para sua saúde biológica, psicológica, social e até espiritual.
Neste sentido, a maneira pela qual se estuda luto, atualmente, retira-nos do lugar
tradicional que coloca nas reações do enlutado todo o foco de luz sem compreender os
antecedentes que determinam não só suas reações, como também seus desdobramentos na
busca por reconstrução de si e do mundo. Tal vertente atual ajuda a criar intervenções que
interfiram nos resultantes de um luto complicado.

2.2 Luto complicado

Importante visão para a definição de luto complicado, envolvendo luto crônico ou


agudo, foi oferecida por Lindemann (1944) que entendeu tal fenômeno não como apenas um
transtorno psiquiátrico como também uma reação a uma situação de estresse que passou a
tomar cada vez mais espaço de discussão na Psiquiatria porque se percebeu que o enlutamento
era citado como desencadeador de desordens psicossomáticas. O luto agudo foi definido como
sintomatologia psicológica e somática que tende a aparecer de forma atrasada ou exagerada
depois da perda. Outra característica é que pode aparecer com imagens distorcidas do falecido
com queixas de exaustão física, falta de força, sintomas digestivos, como falta de apetite ou
comer excessivo.
Além disto, os sentimentos comuns, de acordo com Lindemann (1944) são de
irritabilidade, culpa e sensação de distância emocional de outras pessoas e intensa
preocupação com o falecido que torna o enlutado alheio a seu entorno. Muitos pacientes ficam
altamente preocupados com este viés do luto porque indica certo grau de insanidade. Também
que há consequências muito intensas nas redes afetivas, uma vez que a pessoa tende a
responder com irritabilidade e raiva aos investimentos feitos em sua direção. Há grande
dificuldade de descansar e constante busca pelo que fazer, e ao mesmo tempo um grande
dispêndio de esforço para realizar tarefas do dia a dia.
Como determinantes do luto complicado, Lindemann (1944) aponta que a intensidade
de interação com o falecido prediz como ele irá viver o luto: se era uma relação muito
44

afetuosa, ou se envolvia muita hostilidade, principalmente se tal hostilidade não pôde ser bem
expressa uma vez que tal condição prediz reações severas de luto com impulsos de
hostilidade. Neste sentido, aponta importantes medidas que o paciente de luto crônico pode ter
para atenuar o sofrimento: revisar a relação com o morto; familiarizar-se com as alterações
em suas reações emocionais, ou seja, não ficar assustado com seu repertório de sentimento,
principalmente com a sensação de hostilidade que pode vir a aparecer; expressar seus
sentimentos de perda; achar reformulações em seu futuro relacionado com o morto; verbalizar
sentimentos de culpa e achar pessoas à sua volta que sejam o gatilho para a aquisição de
novas formas de conduta.
É importante que a pessoa tenha apoio profissional para tal empreitada, que não se
mostra um caminho fácil, devido à nebulosidade de seus sentimentos em uma situação de
perda. Guiá-lo no caminho da reestruturação é um processo que demanda paciência de todos
os envolvidos. Lindemann (1944) sustenta que quando o paciente apresenta muita hostilidade
voltada ao terapeuta que impeça a continuidade da terapia, pode ser de fundamental
importância pedir ajuda a um membro da família ou algum amigo.
De acordo com Prigerson et al (1995), atualmente se tem utilizado diversos termos
para se referir a um indivíduo com dificuldades de adaptação ao luto, dentre eles: luto
anormal, complicado, patológico, atípico, não resolvido. A escolha pelo termo “luto
complicado” refere-se às complicações diárias que a não adaptação causa na vida da pessoa, o
que é um dos critérios para defini-lo como um transtorno.
Outra consideração que pode ser feita no sentido dos termos utilizados, de acordo com
Parkes (2009) é a distinção das definições de luto crônico do conflituoso. O luto crônico é
aquele que é intenso desde o início e permanece por um longo período. O conflituoso demora
mais a se instalar, atingindo o auge algum tempo depois do falecimento, e tem como
complicadores a raiva e a culpa. Muitos transtornos psiquiátricos podem ser desencadeados
pelo luto, em particular os estados de ansiedade e depressão, ou até mesmo o luto crônico e
luto inibido/adiado (aquele que vem a se manifestar anos depois da perda). Desta forma,
Parkes (2009) revela a distinção que há entre estar enlutado e estar depressivo, o que irá
mudar o curso de entendimento e intervenções.
Para Parkes (2009), uma definição satisfatória que diferencia o luto de outros
fenômenos psicológicos é a experiência da perda e uma reação de um anseio intenso pelo
objeto perdido, uma vez que se não houver estes processos, não se pode dizer que a pessoa
esteja enlutada. Ele compreende que apesar de um luto grave ter muitas características
45

encontradas em transtornos psiquiátricos, é apenas quando ele fica muito prolongado e causa
danos às funções da vida normal que deve ser considerado complicado.
Ainda segundo seus estudos, o luto complicado é caracterizado pelo desejo
imensamente doloroso e prolongado de ter novamente o que foi perdido, continuando por
muito tempo sendo, inclusive um risco para comportamento suicida. Ainda assim, é muito
difícil distingui-lo de outros transtornos como a ansiedade e a depressão, por exemplo.
Porém, um dos determinantes do luto complicado, compreende Parkes (2009) é o
precedente de transtorno de ansiedade de separação na infância que é caracterizado pela
ansiedade excessiva que a criança tem na separação da casa parental, ou daqueles que ela tem
vínculo. Outros determinantes são os altos escores de pesar/solidão, ansiedade/pânico e
dependência afetiva.
Prigerson et al. (1995) escrevem que existem evidências consistentes que atestam a
diferença entre luto e depressão mesmo que em alguns momentos tais transtornos existam
simultaneamente. Isto porque quem passa por luto complicado experimenta sintomas de
depressão e ansiedade, mas o enlutamento tem seus próprios critérios para se tornar
complicado, e um deles é a preocupação intensa com o falecido, fator que não existe nos
outros transtornos. Reconhecer a distinção é de tamanha importância uma vez que criar
critérios para compreender que a pessoa está vivendo um luto complicado facilita a
investigação de sua prevalência e de seus fatores de risco e consequências. Além disto,
afirmam que a importância maior de distinguir luto de depressão se dá porque pesquisas
recentes sugeriram que medicação antidepressiva, enquanto eficaz na redução de sintomas
depressivos, não reduz a intensidade do pesar do luto. Ou seja, os antidepressivos são
ineficazes no tratamento do luto complicado.
Prigerson et al. (1995) completam ainda que tratar luto complicado como se fosse
depressão pode negligenciar a necessidade de tratamentos específicos para este transtorno.
Em outras palavras, pode-se compreender que as intervenções no campo da psicologia
também se diferenciam muito de um fenômeno para o outro, o que permite que seja repensada
a eficiência de alguns tratamentos oferecidos a sujeitos que inicialmente são diagnosticados
com depressão, mas que podem estar passando por um luto complicado.
46

2.3 Perdas na família e o cuidado por meio da compreensão do luto antecipatório

Worden (1998) define o luto antecipatório como aquele que ocorre antes da perda real
que já se é esperada e tem as mesmas características e processos da vivência de um luto pós-
morte e pode ser influenciado tanto por aspectos intrapsíquicos como interpsíquicos, por
fatores culturais e sociais.
De acordo com Fonseca (2004), o diagnóstico de uma doença crônica no membro de
uma família gera uma crise na qual o grupo familiar não está preparado no tocante às
mudanças físicas, psicológicas e sociais assim como para os períodos alternados de
estabilidade e crise e incertezas acerca do futuro. Quando um membro de um sistema familiar
passa intensamente por uma dor, a família adoece junto.
Isto acontece, segundo Fonseca (2004), porque uma doença grave exige novos modos
de postura do paciente, dos familiares e amigos que sofrem múltiplas perdas acompanhadas
de longos períodos de adaptação e interações frequentes com sistemas de saúde. A família
torna-se uma unidade de cuidado que precisa se mobilizar diante da perda de um de seus
membros.
É neste aspecto que Fonseca (2004) enfatiza a importância do trabalho com a família
para prepará-la para a perda que irá acontecer devido ao acometimento de uma doença grave.
É possível a prevenção de lutos complicados que podem vir a se instalar a depender da
vinculação estabelecida com a pessoa adoecida. É possível que uma perda leve a família a
acionar uma série de atitudes, a depender de seus valores e crenças que variam desde apatia a
passividade até a exagerada preocupação e movimentação em busca dos recursos mais
variados. Além disso, de se considerar o movimento de aproximação ou afastamento entre
seus membros.
Todas estas ações por parte da família irão influenciar a dinâmica do sujeito com seu
adoecimento e ajudá-lo a construir subjetividades e ressignificações frente ao evento estressor
que lhe ocorreu. Neste sentido, o espaço de tratamento familiar é de extrema importância para
a condução de maneira integrada do processo de perdas advindas com a doença e o
estabelecimento de qualidade de vida diante de um quadro de intensas crises da saúde. Além
disto, relata Fonseca (2004), este tipo de cuidado é de fundamental importância para o
paciente que enfrenta tal acometimento, uma vez que tais pessoas estão em intenso sofrimento
físico e psíquico que se refletem em queixas como problemas financeiros devido a perda do
trabalho, preocupações com a sobrevivência da família, sensação de não saber como pedir
47

ajuda e de impotência (nada podem fazer por si mesmos). O autor relata que alguns chegam a
desejar a própria morte para não causar mais sofrimento a família.
Fonseca (2004) observa ainda que tanto a doença crônica, quanto a doença terminal
instalam na pessoa e em sua rede mais próxima, sensações de ameaça e angústia, mobilizando
cada um em termos intrapsíquicos e o sistema familiar de maneira interpsíquica. O sistema
mais amplo em que a família está incluída também faz parte da forma como irá vivenciar tais
perdas.
Bromberg (1995) compreende que fatores que interferem no curso da elaboração de
uma perda na família são: dificuldades do enlutado assumir funções do falecido, sintomas
físicos por parte dos membros enlutados que podem se tornar preocupações destes com
questões de saúde futura, ter que lidar com o luto de outros familiares (particularmente mais
difícil para pai, mãe ou filhos pequenos), reações intensas de outros membros, ou até próprias
(ideações suicidas), falta de um contexto no qual tal família possa expressar sentimentos de
raiva e culpa, uma vez que os outros membros também estão enlutados e não oferecem este
espaço de manifestação.
Vicente (2013) afirma que o grau de desorganização familiar decorrente de uma
doença grave em um dos membros é muito grande, disto surgem necessidades decorrentes de
redefinição de papéis e funções na família, ou desorganização no espaço físico e mudança no
cuidador. Além disto, o isolamento social e funcional que podem acometer a família como
decorrência deste adoecimento, cria uma sobrecarga no sistema familiar quanto aos aspectos
de cuidados e relacionamentos.
Mesmo em casos nos quais há sobrevida, há sequelas para todos e é de grande
importância auxílio na redefinição do significado da vida e a possibilidade de reabilitação,
permitindo ao sistema familiar reconhecer sua competência para lidar com as adversidades,
aponta Vicente (2013). Algumas famílias buscam o movimento de tentar recuperar a
configuração anterior à morte daquele sujeito, tentando que alguém cumpra as funções dos
papéis desempenhados pelo morto. Algumas veem na religião a vivência de rituais como
busca de elaboração da perda sofrida.

2.4 Luto não reconhecido

Doka (1989) declara que as sociedades têm elaborações acerca do que é considerado
luto ou não, considerando especificidades como quem, quando, onde, como, por quanto
tempo e por quem se deve expressar o pesar. A grande dificuldade de tal requisito é que nem
48

sempre a pessoa enlutada se encaixará dentro de tais especificidades pré-definidas. Quando


este sujeito não se encaixa, pode-se compreender que há um luto não reconhecido.
Doka (2002) compreende que em nossa sociedade existem razões que levam ao não
reconhecimento do luto. Dentre elas estão: o relacionamento do falecido com o sobrevivente
não é reconhecido (em caso de amantes, relação homoafetiva, vizinhos, parentes distantes);
quando a perda não é reconhecida, não é considerada socialmente significativa ou não é
validada e quando o enlutado não é socialmente reconhecido, que ocorre quando a pessoa não
é socialmente definida como capaz de se enlutar, compreendendo-se que tem pouca ou
nenhuma reação a perda, que é o caso de pessoas muito velhas ou muito jovens, além de
profissionais da saúde e pessoas com transtornos do desenvolvimento e/ou deficiências.
Em relação a perdas não reconhecidas, Doka (2002) fala sobre aquela na qual a pessoa
existe, mas há uma morte social, ou seja, ela não é mais reconhecida e vista socialmente como
antes e é tratada como morta. Há casos também de perdas psicológicas que acontecem quando
a pessoa já não é mais vista por ela mesma como era antes. Ainda ressalta que outras formas
de não reconhecer o luto são: quando a morte não é reconhecida e quando o modo de se
enlutar não é validado socialmente. Há mortes que ainda são carregadas de estigmas sociais
como o suicídio, morte por alguma doença como HIV, morte por homicídio. E a forma de se
expressar pode gerar críticas e até afastamento daquela pessoa enlutada, a exemplo de uma
mãe que perde seu filho e não demonstra expressões de pesar por medo de ser isolada
socialmente.
Casellato (2005) pontua que a principal característica do luto não reconhecido é a falta
de espaço concreto e simbólico para sua expressão, reconhecimento social e intervenção no
contexto de eventos de perda. A falta de rituais que permitam tal elaboração é um de seus
empecilhos, ou seja, o luto não reconhecido acontece quando uma sociedade não valida e nem
avalia o impacto no sujeito da perda sofrida, ou ainda quando não entende que o que
aconteceu foi uma perda e que aquela pessoa está em processo de luto. Neste sentido, o
sujeito fica exposto a situação de falta de acolhimento da sua dor além da dificuldade de
expressá-la.
Tal sanção de expressão implica complicadores ao luto, uma vez que a dor silenciada
pode converter-se em um sintoma físico, psicológico e até mesmo social, significando assim,
um sofrimento adicional ao indivíduo que já sofre o pesar.
Neste sentido, Casellato (2005) aponta que a cultura é que impõe e determina a
interpretação subjetiva da experiência de luto. A autora cita Gilbert (1996) que fala sobre as
consequências de tais impeditivos culturais a expressão de pesar destacando algumas como: a
49

sensação de vergonha e isolamento social por parte do enlutado, problemas emocionais


devido a emoções reprimidas e sufocadas por medo de reações hostis, problemas secundários
à perda, enfrentados de maneira solitária como quedas no rendimento financeiro.
Vale notar, porém, de acordo com Casellato (2005), que mesmo quando o luto é
negado pela sociedade é vivido da mesma forma no nível intrapsíquico e o sujeito pode ser
regido por sentimentos de culpa, raiva, medo e vergonha que podem ser prenúncios de um
luto complicado. Neste sentido, as reações mascaradas de luto podem aparecer em forma de
sintoma psíquico, físico e comportamental. Um dos motivos pelos quais isto acontece é que
uma vez não reconhecido pela sociedade, tal luto passa a não ser reconhecido pelo próprio
sujeito que mesmo vivendo aquela dor, tenta se impedir de senti-la, rechaçando-a e buscando
ignorar sua existência.
Afirmar e validar a experiência da perda por parte do enlutado, quando a sociedade
não faz o mesmo, pode gerar sofrimento adicional pela luta da pessoa na defesa de suas
emoções. Casellato (2015) afirma que ignorar a presença do próprio pesar pode ser uma
reação ao medo das consequências da demonstração de seu luto. Acredita também que muitas
características intrapessoais e da própria experiência pessoal podem ser ignoradas pela própria
pessoa que vivencia o luto. Neste sentido, o sujeito está falhando na aceitação de sua vivência
de luto, seja em um nível consciente ou não, e a consequência disto é a não validação de suas
emoções.
A negligencia é uma resultante da não validação do luto. Atting (2004) escreve que
quando não se reconhece o luto, a sociedade atesta fracasso em diversas dimensões, desde
falhas empáticas a políticas, destacando a falta de políticas públicas de acolhimento e
assistência a pessoas enlutadas por perdas. Neste sentido, vítimas de tragédias têm também
que lidar com o sofrimento adicional da negligência social que é vivida em âmbito pessoal e
até no ambiente de trabalho, resultando em complicações como absenteísmo, afastamento,
demissões conseguintes ao evento ocorrido.
Casellato (2015) indica duas condutas a serem evitadas para melhor acolhimento da
pessoa que sofre uma perda: reforçar ou incrementar a vulnerabilidade do enlutado, ou
exacerbar seu sofrimento. Recomenda também evitar interferir, inibir ou bloquear as
expressões de luto.
50

2.5 A importância dos rituais no luto

O antropólogo Van Gennep (1978) afirma que os rituais são demasiadamente


importantes em momentos de tristeza e de perda e ajudam a inserir os sobreviventes na
comunidade, evitando um isolamento disfuncional. Os ritos de passagem, de acordo com o
antropólogo, dividem-se em três momentos cruciais: ritos de separação, de transição e de
agregação.
O rito de separação busca afastar o sujeito da sua condição social anteriormente vivida
e enfatiza para a nova condição e as normas, valores e crenças inerentes à sua sobrevivência
nesta nova forma de existir. Os de transição correspondem aos eventos ligados à
aprendizagem de normas, valores, habilidades e comportamentos necessários para a vivência
da nova identidade do sujeito. Os de assimilação configuram-se em ritos que favorecem o
reconhecimento social e a absorção da pessoa em sua nova condição.
Neste sentido, Lisboa (2002) ressalta que o ritual serve como uma maneira de reduzir
a ansiedade em relação à mudança que está para ocorrer, servindo como um facilitador para
sua assimilação por parte do sujeito e de seu grupo social. A autora destaca que o ritual é um
esforço para relatar uma experiência e encontrar significado nela, apoiando-se nos símbolos e
na ação simbólica uma vez que estes elementos representam a possibilidade de modificação
de crenças e significado dos acontecimentos. Em terapia, é possível que o psicólogo ajude seu
paciente a elaborar seus rituais a partir de sua própria maneira de simbolizar e expressar o que
será ritualizado.
Lisboa (2002) irá citar autores que revelam o efeito de cura dos ritos de luto ou de
passagem uma vez que facilitam a expressão da dor, o suporte e a contenção de emoções
fortes, oferecendo apoio mútuo e a expressão da dor da perda em um contexto no qual a
aceitação e conexão interpessoal são possíveis.
Souza (2013) compreende que os rituais são importantes para manter a sensação de
continuidade ao longo do tempo e são consideradas interações facilitadoras na transição de
um ciclo para outro e nas transformações que acontecem decorrentes de perdas inesperadas.
Isto se dá porque rituais simbolizam a conclusão de um ciclo e evolução para um posterior.
O luto é um fenômeno complexo no qual seus determinantes irão ditar o fluxo de seu
prosseguimento. Há fatores que podem servir de proteção para o sujeito enlutado, ou seja, que
podem ajudá-lo a seguir o curso de um luto normal ou fatores que podem ser de risco
impelindo a pessoa a viver as complicações de um luto. Sofrimento adicional também existe
quando requisitos sociais se chocam com os individuais o que se permite entender que a
51

experiência do enlutamento é diversa e singular para cada sobrevivente, mesmo em uma


mesma cultura. Diante disso pode-se pensar como a psicoterapia pode ajudar a pessoa a
compreender sua singularidade neste processo e construir junto a ela artifícios para o
encaminhamento do luto evitando, complicações psicológicas.
52

CAPÍTULO 3 - O LUTO POR PERDA DE UMA IMPORTANTE FUNÇÃO: A


REINVENÇÃO DE SI E A ASSUNÇÃO DE NOVOS PAPÉIS

Este capítulo visa a analogia entre as teorias de estudo acerca do luto para a
compreensão de tais aspectos no fenômeno da deficiência visual adquirida.

3.1 Luto e deficiência visual adquirida

Parkes (1998) revela que no luto nunca fica claro com exatidão aquilo que realmente
foi perdido. No caso da deficiência visual, pode-se pensar em diversos tipos de perdas
secundárias que ocorrem devido a esta mudança na vida do sujeito. Porém, mesmo sabendo
que sua condição se transformou o deficiente ainda não tem a clareza com exatidão o que
realmente foi perdido. Ele vai experimentar aos poucos a vivência de seus papéis, dando-se
conta, de forma processual, dos prejuízos que pode enfrentar no desempenho deles. O autor
ainda afirma que o luto vai além da definição de pesar, uma vez que coloca o enlutado de
frente com sensações de ameaça à sua segurança, mudanças importantes na família, podendo,
ou não, estar associado a questões de culpa dirigida a si, ou a outras pessoas. Em relação à
culpa pode-se pensar sobre a forma como aconteceu a perda visual: se por um acidente ou
causas orgânicas. Pode-se inferir que, da mesma maneira que se observa no luto por morte, a
pessoa que perde a visão em um acidente, pode ter sensações de autoacusação ou até mesmo a
terceiros.
Neste sentido, o luto pela perda da visão caracteriza-se pela transição psicossocial de
uma condição de vidente9 para a condição de pessoa com deficiência que muitas vezes pode
ser sentida como uma sensação de vazio e mutilação que impele o sujeito a reaprendizagem
de um novo modelo interno de mundo, conforme afirma Parkes (2009).
Revisões na identidade do enlutado são requeridas no sentido de ajudá-lo a se entender
a partir deste grave acometimento em sua vida. É importante compreender os mais diversos
ajustes pelos quais o deficiente visual terá que passar. Franco (2000) revela que uma perda
implica mudanças no padrão de vida, impactando fortemente na rede social, que pode ou não,
ser favorável a elaboração da perda sofrida. Uma vez que o estigma social é forte em relação à
pessoa com deficiência, a rede de amigos e familiar pode constituir-se como uma ameaça à
sua sobrevivência emocional tendo em vista que estas pessoas podem se afastar e excluir o
sujeito em sua nova condição.

9
Designação utilizada para aqueles que enxergam.
53

3.2 A dinâmica do luto na deficiência visual adquirida

O Processo Dual de Stroebe e Schut (1999) pode ajudar a compreender os movimentos


nos quais o deficiente visual oscila na vivencia de seu luto. O movimento orientado para a
perda pode incluir pensamentos sobre como desenvolvia as atividades quando tinha visão,
lembrar de fatos e pessoas que costumavam estar perto dele quando era vidente, as facilidades
das ações cotidianas quando enxergava, saudades de ver fisionomias, cores e formas de
pessoas e objetos. O movimento orientado para a restauração pode incluir comportamentos de
enfrentamento como a aprendizagem de novas habilidades como aprender andar de bengala,
ler Braille, conversar com pessoas com deficiência e frequentar instituições voltadas para
apoio de pessoas com cegueira.
À medida que ações de enfrentamento começam a ser desenvolvidas, é entendido, de
acordo com Parkes (1999), que a necessidade de chorar a perda pode diminuir e a pessoa
consegue responder às demandas cotidianas. Neste aspecto, é possível que com o tempo o
deficiente passe a tornar-se protagonista de sua própria história e consiga escrever, aos
poucos, novas páginas de sua trajetória a partir de sua nova identidade.
É importante lembrar que tais processos são oscilatórios e o deficiente pode encontrar-
se em um mosaico de sentimentos que se mesclam em sensações agradáveis nas quais
reconhece ganhos de algumas habilidades devido à sua perda ou até sensação de alívio (caso
seja sobrevivente de um acidente), ou em sensações de angústia por ter tido seu mundo
interno desconstruído e ansiedade na execução das tarefas.
Assim, como afirma Mazorra (2009) acerca do luto por morte, o fator sociocultural, a
circunstância da perda, a dinâmica familiar, a relação com o que foi perdido e os recursos
internos do enlutado irão ser fatores preponderantes para a compreensão dos movimentos
realizados pela pessoa com deficiência para a readaptação com sua perda. É no dia a dia que a
pessoa vai significando a perda visual, a partir das atividades e o apoio recebido ou não para
tal execução.
54

3.3 Diferentes níveis de sofrimento no fenômeno da perda visual adquirida

Como afirmam Neimeyer, Prigerson e Davies (2002) acerca dos diversos níveis de
resposta à perda, a deficiência visual é um fenômeno que impele o indivíduo a se reajustar
também nestes diferentes aspectos. No nível sociológico percebe-se grande sofrimento em
relação a falta da visão uma vez que ainda nos dias de hoje, o quadro de referências da
sociedade contemporânea ainda é muito desfavorável ao deficiente visual. Isto fica bastante
explícito quando se observa o alto grau de desemprego e dificuldade de escolarização, como
apontado no Capítulo 1.
No aspecto psicológico, as manifestações de sofrimento acontecem devido a demanda
de intensos processos de adaptação nos quais o deficiente é impelido a ter mesmo em
atividades simples do dia a dia, além do forte apego que pode apresentar em relação à sua
condição de vidente, apresentando forte anseio e busca de sua condição anterior.
Quando a pessoa não consegue integrar a perda visual sofrida e tem dificuldade em
significar este evento em seu nível subjetivo, está sofrendo em nível psiquiátrico. Tal situação
pode ser demasiadamente difícil de ser assimilada pela pessoa, fazendo com que perca o
sentido de continuidade de quem é, uma vez que pode receber estigmatização social em
diversos papéis que exerce, não conseguindo se reconhecer como deficiente, mesmo sem
enxergar. Desta maneira, o indivíduo pode estar diante do prognóstico de um luto complicado
no enfrentamento de sua deficiência visual.

3.4 Importantes fatores para a elaboração ou complicação da perda da visão

Parkes (1998) considera diversos domínios10 que devem ser observados como
influências na vivência do luto. Analogias destes fatores serão feitas para o entendimento
destas variáveis na condição da deficiência visual. A relação com o que foi perdido remete à
importância do sentido visual no desempenho do papel mais importante na vida do sujeito, ou
seja, se seu trabalho pode ser ou não adaptado à sua nova condição, por exemplo. Quando não
é possível tal adaptação e a pessoa é retirada daquela função, tal perda secundária pode
dificultar ainda mais o desapego da função visual. O afastamento de seu trabalho significam
para ele o peso e importância da visão, o que pode deixar a pessoa com grande expectativa de

10
Citados no Capítulo 2
55

que só conseguirá se desenvolver no mercado de trabalho se enxergar, aumentando ainda mais


seu apego a esta condição.
Crises vitais prévias à perda podem ser complicadoras na elaboração da cegueira. A
pessoa que apresenta, posteriormente, quadro depressivo pode ter mais dificuldade de ter
recursos internos e estratégias de enfrentamento da perda visual.
A forma como esta perda aconteceu, se perdeu a visão de forma abrupta ou aos poucos
(e se mesmo processual teve preparação ou não) também irá interferir na vivência do luto.
Quando acontece de maneira abrupta, a pessoa pode ter grande anseio para a reversão do
quadro, buscando estratégias e recursos para fugir da situação. Se for de forma processual e
teve acompanhamento e preparação para tal evento, o indivíduo e as pessoas a seu redor
podem ter sido munidas de recursos e habilidades para enfrentar a cegueira aos poucos.
Outro fator importante de ser considerado é se a perda da visão veio acompanhada ou
não de outras mutilações. Em casos de acidente pode acontecer do sujeito perder a visão e
perder um membro do corpo, ou até mesmo ter a perda da visão com necessidade de retirar o
olho. Tais circunstâncias podem produzir outros níveis de sofrimento à pessoa enlutada.

3.5 Falhas na construção de significado para a deficiência e luto não reconhecido

A partir do que afirma Neimeyer (2001) acerca de construção de significado, busca-se


compreender o processo de luto complicado nas pessoas que perdem a visão. Pode-se,
portanto, compreender que é importante observar o impacto da deficiência na pessoa
considerando quem em suas memórias de longo prazo (seja de momentos prazerosos ou não)
estão incluídos os eventos nos quais enxergava. Suas crenças, interpretações e expectativas
foram edificadas sobre o terreno destas experiências e até então foram eles que moldaram a
subjetividade do sujeito, ou seja, a sua forma de dar sentido e significar o mundo.
Ainda diante do que afirma Neimeyer (2001) sobre este processo de luto, o indivíduo
que sofreu este evento pode se fazer diversas perguntas como: “Por que isso aconteceu
comigo?” , “Quem sou eu agora sem minha visão?”. Perguntas de cunho espiritual: “Por que
Deus permitiu que eu ficasse cego?”, “Como eu vou conseguir levar a vida com a cegueira?”
À medida que o tempo passa e a pessoa não consegue dar nenhuma explicação a estas
perguntas, seu prognóstico pode ser de um luto complicado.
A falha na ressignificação da narrativa de sua vida, portanto, pode dar início ao luto
complicado na vida da pessoa. O estado de ansiedade e depressão nos quais se encontram
muitas pessoas com cegueira pode ter sido desencadeado pelo luto.
56

Neste sentido, é importante observar aquilo que apontam Prigerson et al. (1995) sobre
quando o enlutamento começa a se apresentar de forma muito prolongada, causando danos a
funcionalidade do deficiente, ou seja, quando não consegue assumir novos papéis, ficando
demasiadamente estagnado no movimento voltado para a perda. Outro aspecto importante de
ser observado em quem perdeu a visão é se apresenta o anseio demasiadamente doloroso e
prolongado de ter novamente sua visão, e neste aspecto a pessoa com cegueira está sujeita a
ideação suicida.
Todos estes são indicativos de que a pessoa está vivenciando ou prestes a viver um
luto complicado. É de extrema importância diferenciar tal transtorno dos demais fenômenos
como depressão e ansiedade, como apontados por Prigerson et al. (1995). Um dos sintomas
mais claros que diferenciam o luto complicado de outros acometimentos pode ser entendido
como a busca constante da visão. Ao reconhecer a complicação gerada pelo luto, o manejo
com o paciente é diferente, uma vez que facilita a intervenção nos fatores de risco e seus
complicadores. Neste sentido, a medicação que é administrada em casos de depressão pode ter
pouco ou nenhum efeito no caso de um deficiente que está passando pelo luto complicado em
relação à sua visão. Isto acontece porque tal medicamento não interfere na sensação de pesar
decorrente da falta da visão. Ao tratar o deficiente como alguém depressivo, pode-se estar
negligenciando sua necessidade de acolhimento diante de sua necessidade de ressignificação
de si e do mundo.
Diante do que foi discorrido por Lindemann (1944), pode-se inferir que a pessoa com
a deficiência adquirida pode ter desordens psicossomáticas como derivadas do luto. Pode-se
esperar destes sujeitos reações de irritabilidade, sentimento de culpa, sensação de distância
emocional de outras pessoas e intensa preocupação com sua condição, que pode torná-los
muito autocentrados e distantes do mundo ao redor, assim como o observado em pessoas em
luto por morte.
A falha na significação da perda pode acontecer não só por parte da pessoa com ela
mesma como também por parte da sociedade com a pessoa. Neste caso, é possível falar de
luto não reconhecido. Como afirmado por Doka (1989), a sociedade tem regras específicas
acerca do que é luto, sendo que o enlutamento pela perda da visão pode ficar de fora destas
definições.
As especificidades acerca de quem pode ficar enlutado, por quanto tempo e como deve
se expressar podem deixar a pessoa que perdeu a visão sem o enquadre necessário de seu luto
devido a diversos motivos: a) a marginalização do tema da deficiência que impede estudos
mais detalhados acerca dos fenômenos psicológicos; b) a pressão social que demanda à pessoa
57

reestruturar-se e buscar meios de superar a perda sofrida sem considerar os entraves e


complicadores; c) o não reconhecimento que perder a visão causa grande impacto na vida da
pessoa semelhante a uma morte.
Assim como pontua Casellato (2005), acerca da violência que significa a falta de
espaço para manifestação da dor, pode-se pensar que se o tema da deficiência já é
marginalizado e as pessoas com deficiência excluídas, seu sofrimento e sua dor podem ser
silenciados, o que faz com que a pessoa que sofreu a perda tenha dificuldades de encontrar
espaço de acolhimento e intervenção para tratamento do luto que está enfrentando.
Uma vez que o paradigma social ainda compreende a deficiência como sendo
sinônimo de incapacitação, a dor daquele que sofre pela perda da visão torna-se invisível
diante de uma sociedade que exige certa normatização na forma de existir no mundo, gerando
a falta de espaço para a expressão de pesar destas pessoas. A dor silenciada pode se converter
em sintoma físico para a pessoa que vive a cegueira.
Em consideração às pontuações de Doka (2002) acerca das situações que levam ao não
reconhecimento do luto, é possível entender que no caso da cegueira adquirida pode haver: a)
a falta de entendimento do tipo da perda que acontece quando a sociedade busca amenizar ou
categorizar como „dano menor‟ a perda sofrida com as frases “Agora você vai desenvolver
outros sentidos” ou “Pior se você tivesse ficado com outro tipo de deficiência”; b) falta de
consideração ou valoração da pessoa que sofre o dano que é o caso de sociedades que
marginalizam pessoas com deficiência e não investem em favor do seu desenvolvimento.
A morte social citada por Doka (2002) pode ser a realidade de muitos que adquiriram
uma deficiência ao longo do desenvolvimento. Isto acontece porque, ainda nos dias atuais, a
pessoa com cegueira foge às categorias sociais pré-estabelecidas e passa a ser posto à margem
em diversos níveis sociais.
Tais aspectos ilustram o que Casellato (2005) fala sobre o peso cultural no
reconhecimento ou não do luto e do enlutado. Neste caso, a partir da compreensão do papel
que é dado ao deficiente na sociedade na qual se vive, pode-se compreender a forma como tal
comunidade estrutura-se em torno da validação ou não do sofrimento de quem perde a visão.
Tal sanção social não impede a pessoa que vive a cegueira de sentir pesar. Ao contrário,
reforça, uma vez que é vivido apenas no nível intrapsíquico e sem lugar para expressão.
58

3.6 A família e as relações sociais diante da perda

De acordo com Fonseca (2004), é possível inferir que a perda da visão em um membro
da família pode gerar situações de estresse em todo sistema familiar que pode dificultar a
forma como a pessoa irá lidar com sua deficiência. A cegueira irá exigir mudanças
psicológicas, sociais e até na estrutura do espaço físico não só do indivíduo como de sua
família.
As sensações de incerteza em relação ao futuro, portanto, podem ser encontradas na
família diante do possível quadro de demissão ou remanejamento de função da pessoa que
sofreu o trauma, trazendo a este sistema familiar o entendimento de que será o responsável
pela manutenção de cuidados e assistência financeira desta pessoa.
Quando a perda da visão é progressiva, é possível pensar em cuidado de luto
antecipatório com esta família, uma vez que, como afirma Fonseca (2004), desta forma pode-
se prevenir a complicação do luto não só do deficiente, mas também de familiares muito
vinculados a ele. Ainda decorrente do que afirma o autor, pode-se ressaltar que a perda da
visão pode levar os familiares do deficiente a acionar diversas atitudes, desde apatia e
evitação para com ele a excesso de proteção, uma vez que não compreendem quais são as
possibilidades de ação no mundo de uma pessoa com cegueira.
Além disto, a partir das sensações de angústia e insegurança instaladas na família que
tem um membro com doença crônica, como relatado por Fonseca (2004), pode-se pensar
nestes mesmos sentimentos nos sistemas familiares em pessoas que perderam a visão. Isto
acontece pela estigmatização social que a pessoa e seu grupo familiar podem vir a sofrer pelo
preconceito e exclusão de diversos segmentos sociais.
59

CAPÍTULO 4 - OBJETIVOS

4.1 Objetivo Geral

Compreender as vivências de luto consequentes à perda total e abrupta da visão.

4.2 Objetivo Específico

Investigar o luto não reconhecido vivido na experiência da perda da visão.


60

CAPÍTULO 5 - MÉTODO

Esta pesquisa caracterizou-se como qualitativa, por meio de Estudo de Caso. Segundo
D‟Allonnes (2004), esse método consiste em pôr em destaque uma história de vida perpassada
por diversas situações complexas que demandam leituras em diferentes níveis, fazendo-se
valer de instrumentos conceituais adaptados. O Estudo de Caso tem a função de informar e
formar ao descrever as pessoas com situações difíceis, servindo também para ilustrar um
raciocínio clínico por meio de uma ou mais experiências vividas. Desta maneira, a partir deste
recorte da história de um sujeito, é possível levantar e fundamentar análises que têm relação
com uma problemática.

5.1 Instrumento

Foi utilizada a entrevista semiestruturada (APÊNDICE A), uma vez que segundo Lima
(1999) este tipo de instrumento possibilita que se estabeleça um processo de interação social
que tem como objetivo obter informações do entrevistado por meio de um roteiro contendo
tópicos com base em uma problemática específica.

5.2 Participante

Os critérios de inclusão foram: ser maior de idade, perda de visão repentina e total,
com tempo de perda da visão superior a um ano. O tipo de perda é um importante critério,
uma vez que se buscou investigar a perda adquirida ao longo do desenvolvimento de forma
abrupta e perda total da visão, por impelirem ao sujeito mudanças radicais de estilo de vida,
fator este de importante análise neste estudo.
O tempo de perda foi um aspecto importante no estudo, uma vez que interfere na
elaboração da pessoa frente ao evento. O período de, no mínimo, um ano de vivência da perda
da visão permitiu que se discorresse com mais elaboração, e com menos prejuízos ao
relembrar e desenvolver este tema.
Os critérios de exclusão foram: comorbidades com outras deficiências sensoriais, de
mobilidade e intelectuais. Uma vez que se pretendeu dar luz com mais ênfase ao fenômeno da
cegueira, outros tipos de deficiências poderiam gerar variáveis que influenciassem a vivência
do sujeito com o mundo, ultrapassando sua experiência especificamente com a perda da visão.
61

O participante é do sexo masculino, tem trinta e oito anos, perdeu a visão aos vinte e
três, no início da vida adulta quando estava em busca de melhoria de condições de vida no
papel profissional. Sua perda foi ocasionada por violência doméstica, de forma abrupta com
danos ao olho. Será dado o nome fictício de Francisco para preservar sua identificação.

5.3 Procedimentos

Em sua rede de contatos, a pesquisadora conhecia uma coordenadora de nível superior


que ao saber de minha pesquisa contribuiu para a divulgação do trabalho e a partir disto o
contato com o participante aconteceu. Ao entrar em contato com ele de forma presencial, o
trabalho foi marcado e agendou-se o encontro para a entrevista.
A pesquisa ocorreu em apenas um encontro de duas horas e meia, no qual foi realizada
a ambientação do participante com a pesquisa e a entrevista semiestruturada. A entrevista foi
gravada em áudio para a transcrição e análise de dados. O Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido foi entregue em Braille e lido pelo participante que assinou por meio de um
equipamento chamado “assinador.”11

5.4 Local de realização do estudo

O local onde a entrevista ocorreu foi em uma Universidade, uma vez que é adaptado
com piso tátil que facilitou a locomoção do entrevistado.

5.5 Procedimento de análise

Após leitura atenta do registro da entrevista, foram construídas as categorias. Foi feita
uma análise temática que, segundo Campos (2004), são recortes do texto escolhidos a partir
do objetivo do trabalho nos quais serão analisadas sentenças, frases ou parágrafos (unidades
de análise). Tais temas foram agrupados em categorias não apriorísticas, ou seja, categorias
criadas completamente a partir do contexto das respostas do sujeito. Por meio da criação de
categorias, inferências foram feiras a partir do embasamento teórico.

11
Objeto utilizado para deficientes visuais fazerem assinaturas.
62

5.6 Aspectos Éticos

A elaboração da presente pesquisa ocorreu em concordância com as resoluções nº


466/2012 e nº 510/2016 e do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde,
órgão responsável pela regulamentação da realização de pesquisas com seres humanos. A
pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da PUC/SP sob o CAAE: 0939819.3.0000.5482.
Tomando como base a resolução 16/2000 do Conselho Federal de Psicologia, esta
pesquisa pode ser classificada como sendo de risco mínimo, pois os participantes não ficaram
sujeitos a riscos maiores do que os que lidam na sua vida cotidiana.
Caso houvesse qualquer necessidade de atendimento psicológico para os participantes
ao longo do desenvolvimento da entrevista, o encaminhamento seria feito ao Laboratório de
Estudos e Intervenções sobre o Luto (LELu), pertencente à Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo ou ao Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) da Universidade Federal de
Sergipe.
63

CAPÍTULO 6 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir, são descritas as 4 categorias e 11 subcategorias levantadas a partir do relato


do participante. As análises das categorizações levaram a compreender a dinâmica do luto
pela perda da visão, assim como perceber possibilidades de restauração de modelo de mundo
interno e construções de novos significados.

6.1 Categorias e subcategorias

A partir do discurso do participante, foram definidas as categorias e subcategorias, a


saber:
Categoria 1 - Indicadores de vivências de luto (perda de papéis, ganho de papéis, oscilação
entre perda e restauração);
Categoria 2 - Facilitadores no processo de enlutamento (apoio familiar, apoio social,
espiritualidade, rituais e dinâmica de funcionamento antes da perda);
Categoria 3 - Barreiras na reconstrução de significado (preconceito e estigma social, barreiras
ambientais);
Categoria 4 - Indícios de luto não reconhecido (falta de compreensão social sobre o que é
deficiência visual).
Para compreensão dos conteúdos das categorias e subcategorias, os relatos foram
apresentados e analisados simultaneamente.

6.1.1 Categoria 1 - Indicadores de vivências de luto

a) Perda de papéis

Francisco relata que antes de perder a visão desempenhava diversos papéis e era uma
pessoa muito ativa. Antes da perda, estava se preparando para ter melhores condições de vida,
estudando para concursos públicos e ao mesmo tempo recebendo seu seguro desemprego de
outra ocupação. Gostava muito de ler e uma vez que ficou desempregado, lia assiduamente
para as provas. O episódio de violência doméstica que tirou sua visão foi logo depois de ter
descoberto que passara em um concurso almejado, mas diante do ocorrido, não pôde exercer a
função. Andava regularmente de bicicleta e também muito a pé na cidade que morava. Devido
à perda, perdeu muitos destes papéis, como será visto abaixo:
64

Primeira mudança já foi na questão de deslocamento. Porque antes


eu tinha toda autonomia de ir a qualquer lugar sem precisar de
auxilio de ninguém. Eu me deslocava sozinho e resolvia minhas
tarefas e atividades sem precisar de auxílio e de alguém para o
deslocamento. Na questão da leitura também que me fez muita falta.
Eu gostava também de ler.

Porque assim...como eu havia falado, eu tinha aquela vida ativa. Eu,


além de trabalho e de estudar para concurs,o eu também gostava
muito de ir a um sítio que a gente tinha, que ficava próximo a cidade,
eu ia de bicicleta mesmo pedalando até lá. Quer dizer, me exercitava
bastante na parte física.

Então depois que perdi a visão eu passei a ficar totalmente na


inatividade praticamente, ne? Basicamente uma pessoa sedentária
também porque de certa forma eu me exercitava fisicamente, né?

Por meio destes recortes foi possível perceber que papéis deixaram de ser
desempenhados devido à falta da visão, além de começar a existir uma mudança de postura
que foi de uma vida ativa, repleta de buscas para uma vida mais sedentária e com inatividade
nos dois primeiros anos após a violência sofrida. Encontra-se na literatura que em um
processo de transição psicossocial, ou seja, de luto, uma perda gerada por morte ou outro tipo
de situação impele a pessoa a um reajustamento social que implica na mudança no padrão de
vida a que estava acostumada, como afirma Franco (2002). Parkes(1998) também compreende
que uma perda leva a outras secundárias que contribuem para as mudanças de vida da pessoa
enlutada, como aconteceu na vida de Francisco.
Tais eventos o levaram, nos dois primeiros anos depois do ato violento que o fez
perder a visão, a ter uma vida completamente diferente daquela que vivenciava antes.
Francisco os entende como anos muito difíceis não só pelo evento primário (parar de
enxergar), como também pela impossibilidade de vivenciar seus papéis como antes, ou seja,
as perdas secundárias foram o grande desafio nestes primeiros anos em sua nova condição.

Do momento do acidente eu passei dois anos afastado de tudo. Eu só


conseguia ...na verdade não é ler, alguém lia para mim.

Olha, vou lhe ser sincero. Esses dois anos basicamente foram anos
que assim foram muito difíceis para mim. Se eu pudesse esquecer até
seria bom, mas infelizmente né? Fazem parte da minha história.
65

Tal afastamento de tudo pode ter acontecido como uma reação àquilo que Carroll
(1968) chama de perdas decorrentes da falta da visão quando acontece na vida adulta. Dentre
as relatadas pelo autor, um dos domínios que é perdido é o da segurança psicológica ligada a
sensação de ameaça à integridade física já que os sentidos se encontram de outra forma e o
contato com o ambiente, portanto, transforma-se. A falta de orientação acerca de questões de
mobilidade urbana e a falta de compreensão dos recursos podem ter sido um dos motivos
pelos quais o desempenho da maioria de seus papéis tenha ficado paralisado nesta etapa que
vivenciou. O participante relata experiências de falta de orientação neste aspecto,
principalmente no primeiro ano que estava em busca de tratamento para voltar a enxergar fora
do seu Estado natal.

Você chegar numa cidade que você nunca foi e sem enxergar nada,
sendo que quando eu fui para lá eu não tinha passado por nenhuma
orientação de condução, e nem minha mãe de como me ajudar na
mobilidade, na locomoção.... Aí foi muito difícil nesse aspecto…estar
numa cidade desconhecida para a gente, tanto para minha mãe e ter
que se deslocar.

Analisando estes aspectos, evidencia-se que a falta de instrução para reviver tais
papéis em uma nova condição, levou-o a vivenciar uma paralisia de suas funções diárias. Isto
é ressaltado em razão da perda ter sido abrupta, deixando-o sem indicadores para lidar com os
desafios e as questões do dia a dia por meio dos outros sentidos. Esta dificuldade com os
novos papéis pode ter sido reforçada pela dificuldade de tratamento médico em seu Estado.

Eu fiquei internado em um hospital na minha cidade buscando


tratamento, mas ai os médicos daqui me aconselharam buscar um
centro maior, foi quando minha mãe começou a reunir a família e
vimos que naquele momento o melhor centro que podia dar um
atendimento melhor para meu caso seria o Estado de Minas Gerais,
na cidade de BH, onde ficamos no instituto Wilson Rocha...foi lá que
eu iniciei meus tratamentos e ficamos lá um bom tempo e entre idas e
vindas a gente ficou lá mais de um ano buscando esse tratamento.

b) Ganho de papéis

A experiência traumática primária também proporcionou a Francisco o ganho de


novas habilidades e de novos papéis, além de mudanças significativas em sua rede social.
66

Minha rede de amigos era um tanto quanto restrita. Eu diria até que
menor do que agora depois da perda.

Aí eu fiquei em casa e minha rotina era basicamente ouvir som, ouvir


as rádios de manhã cedo. Aprendi a gostar de rádio a partir daí.

Houve ganho de habilidades com a aquisição de novos papéis, tanto no sentido da


interação e comunicação social que resultou em ampliação de rede de amigos quanto em
relação ao treino de outros sentidos como a audição, uma vez que era desta forma que o
participante sabia do que estava acontecendo nos noticiários e nos jornais antes de aprender a
ler em Braille. Isto corrobora com a ideia de Parkes (1999) de que a perda pode significar a
assunção de novos papéis e habilidades que outrora não eram desenvolvidas. Contudo, ainda
que novos papéis tenham começado a surgir, a falta de informação acerca de como
desempenhar as atividades do dia a dia sem a visão pode ter sido grande limitador nos dois
primeiros anos, levando Francisco à inércia como havia falado nestes momentos iniciais.

c) Oscilação entre perda e restauração

Francisco evidenciou mistos de sentimentos que se mesclam em relação ao evento


como a vontade de voltar a enxergar e dificuldades de entrar em contato com a realidade da
perda, e ao mesmo tempo movimentos voltados para a reconstrução de si e de seus papéis
considerando a falta da visão. Infere-se que ficou voltado para a perda quando buscou, por
meio de diversos procedimentos médicos invasivos, o retorno da sua condição visual anterior.
Neste momento esteve voltado para a perda porque ficou conectado à sensação de pesar e
busca pelo que foi perdido, sensações estas que caracterizaram uma orientação voltada para o
evento traumático. Isto acontece por mais que o sentimento relatado tenha sido o de
esperança. Stroebe e Schut (1999) enfatizam que tanto no movimento orientado para a perda,
quanto para a reestruturação há um misto de sentimentos. Neste caso, é possível o
entendimento de que ainda que houvesse grande sentimento de esperança, o participante
estava demasiadamente orientado para a perda. Francisco relata grande dificuldade em lidar
com a perda visual durante o período do tratamento no qual tinha forte expectativa de voltar a
enxergar:
67

Então, aí foi realmente onde eu caí na real porque até então eu estava
na esperança de voltar a enxergar de ambos os olhos porque até
então tinha a possibilidade de fazer um transplante de córnea, mas o
médico falou que não tinha mais essa possibilidade porque o olho já
estava bastante comprometido, o olho direito. Aí fiz a extração do
olho direito, coloquei uma prótese de silicone e foi uma barra pesada.
Foi uma pancada que eu...foi duro pra mim receber essa notícia...Aí
eu fiquei na esperança ainda do outro olho, do olho esquerdo que o
médico fez uma série de intervenções.

Francisco começou a voltar-se cada vez mais para a restauração quando buscava
instituições especializadas para a assistência de pessoas que têm necessidades especiais. Ele
conseguia desempenhar as atividades corriqueiras depois que encontrou o Centro de Apoio
Pedagógico (CAP) no qual conseguiu aprender a ler em Braille, a caminhar com ajuda de
bengala, técnicas de Soroban e a desempenhar atividades no dia a dia mesmo sem a visão. Foi
a partir deste momento que começou a retomada dos papéis antes deixados de lado. Stroebe e
Schut (1999) compreendem que a pessoa se volta para a restauração quando consegue
responder às demandas cotidianas nas quais envolvem atividades simples do dia a dia.

Eu, por meio do meu irmão, ele conseguiu uma pessoa pra mim pra
me auxiliar no descolamento...ele era como a gente chama de guia
vidente aí eu ia com ele fazer caminhada e também nesse período foi
uma coisa boa que me aconteceu foi que ...aliás, foi depois dos dois
anos quando já estava no CAP.

E eu só fui voltar a ler quando eu ingressei no Centro de Apoio


Pedagógico (CAP). Foi la onde eu aprendi o sistema Braille, as
técnicas de operação do Soroban e orientação e mobilidade.

[..] depois também desses dois anos que no caso eu comecei a


ingressar no CAP e foi aí que entrei em um processo de readaptação
e reabilitação também.

Francisco fala até da retomada do papel profissional devido a seu acolhimento na


instituição que o ensinou a lidar com as vicissitudes do dia a dia sem a visão e da importância
que esse acolhimento teve para que conseguisse estar no mercado de trabalho e assumir seu
primeiro emprego após a perda visual:
68

Anteriormente teve aquele processo que acabei não detalhando que


foi lá no CAP, ne? Que realmente foi onde tudo teve origem, do
processo de reabilitação, como falei, só recapitulando: lá eu aprendi
o sistema Braille, o Soroban e orientação e mobilidade. Então, a
partir do conhecimento que eu obtive aprendendo o sistema Braille eu
já fui. Foi por conta disso que eu consegui inicialmente ser voluntário
da biblioteca, depois passei a ser estagiário e por fim fui contratado.

À medida que suas expectativas de voltar a enxergar foram cessando um pouco mais,
suas ações começaram a se voltar para o enfrentamento do mundo diante da deficiência
visual, não mais para a recuperação de sua visão. É pertinente notar que por meio do Processo
Dual, proposto por Stroebe e Schut (1999), com o tempo, a pessoa tende a se voltar muito
mais para a restauração do que para a perda, algo que é notado no discurso do participante.

6.1.2 Categoria 2 - Facilitadores no Processo de Enlutamento

Nesta categoria, o participante discorreu sobre aqueles quesitos que o impulsionaram


a construir, aos poucos, um processo de luto que se encaminhou muito mais em termos de
restauração da própria vida e retomada de seus papéis, do que o foco na perda. Dentre eles,
percebe-se que o apoio social, o apoio familiar e o papel da espiritualidade como importantes
domínios para que, aos poucos, fosse construindo uma nova forma de ser e estar no mundo.

d) Apoio Familiar

Houve uma mobilização familiar no sentido de amparar Francisco em seus


movimentos tanto de perda, como de restauração. Da perda no sentido de auxiliá-lo na busca
de recursos fora de sua cidade para voltar a enxergar e na restauração quando o acompanham
na busca de maneiras de ajudá-lo a se adaptar à sua nova condição.

Eu, por meio do meu irmão, ele conseguiu uma pessoa pra mim, pra
me auxiliar no deslocamento... ele era como a gente chama de guia
vidente, aí eu ia com ele fazer caminhada.

Minha mãe foi uma presença, eu diria, aquela presença integral. Ela
de certa forma anulou-se para poder me dar apoio, de certa forma.
69

Eu fiquei aqui internado em um hospital em meu Estado buscando


tratamento, mas aí os médicos me aconselharam buscar um centro
maior, foi quando minha mãe começou a reunir a família e vimos que
naquele momento o melhor centro que podia dar um atendimento
melhor para mim seria fora.

O apoio familiar sem dúvida é muito importante em qualquer


momento, em qualquer condição que a pessoa venha enfrentar, em
qualquer situação de dificuldade, né? Eu diria que eu tive bastante
apoio, Graças a Deus, a minha família me apoiou bastante.

As palavras de Francisco descreveram muito bem o que acontecia em sua vida na


medida em que precisou sair do seu Estado para buscar tratamento fora e durante o ano que
ficou na busca incessante da visão. Sua família, principalmente sua mãe, tornou-se também
ativa no processo de reversão, uma vez que a perda de seu filho passa também a ser sua perda
de papéis e também ganho de outros novos. A mobilização familiar que ocorreu pode ser
explicada pelo que compreende Fonseca (2004) quando afirma que um diagnóstico difícil na
família exige novos modos de postura destes familiares que sofrem múltiplas perdas
acompanhadas de longos períodos de adaptação e interações frequentes como sistema de
saúde, tornando-se assim uma unidade de cuidado. O autor também ressalta que as ações por
parte da família irão influenciar na dinâmica da pessoa com seu adoecimento (no caso, com
sua nova condição) e ajudá-lo a construir subjetividades e ressignificação frente ao evento
estressor. O fato da família estar presente tanto em movimentos que se voltam para a perda,
quanto para a restauração pode ter sido preponderante para que Francisco conseguisse, aos
poucos, construir sua subjetividade referente à sua nova realidade.

e) Apoio Social

Francisco relata ter tido muito acolhimento tanto enquanto estudante universitário
(quando ingressou na academia já não tinha mais a visão), quanto nos papéis profissionais que
desempenhou. É possível compreender que tal apoio o ajudou a construir sua identidade
nesses papéis contribuindo para seu sucesso profissional.

Aqui eu percebo que desde o momento que eu ingressei aqui eu fui


acolhido, muito bem acolhido, muito respeitado.
70

Então, as adaptações na verdade eram promovidas por alguns


professores que eram mais sensíveis a minha condição. Viam,
observavam minha dificuldade e tentavam adaptar os materiais, as
apostilas e todos materiais que eles passavam e também por parte dos
monitores que eu tinha acompanhamento. Cada período eu tinha
bolsistas que me acompanhavam e eles adaptavam, faziam produção
de materiais e o todo o material eles tentavam sempre adaptar para
mim.

Franco (2002) entende que o luto é dimensionado não só no aspecto individual, mas
também por meio dos impactos que ele tem na rede social da pessoa, podendo esta ser ou não
favorável para a elaboração da perda sofrida. Neste sentido, percebe-se que a rede de
Francisco o ajudou, aos poucos na construção de novos sentidos a partir da deficiência visual.

f) Espiritualidade

Percebe-se que um grande fator de construção na elaboração de significado acerca de


sua perda foi o aspecto religioso que o ajudou a transitar entre a perda e a restauração e dar
um sentido ao evento traumático, discorrendo que mesmo nos primeiros anos mais difíceis,
este aspecto esteve demasiadamente presente em sua vida.

Nesses dois primeiros anos eu ia às missas também, minha mãe era


muito religiosa também.

Assim a fé que eu guardo dentro de mim eu ainda considero que é


um sentimento muito forte e nenhum momento eu não, graças a
Deus, me revoltei, eu não fiquei revoltado, rebelde...Sempre
respeitei que se Deus permitiu que isso acontecesse comigo não foi
por acaso. Se ele permitiu consentir que isso acontecesse...não que
ele desejasse que isso acontecesse, mas ele permitiu. Porque tudo só
ocorre com a permissão Dele. Então, se aconteceu isso comigo com
certeza tem algum propósito na minha vida então de alguma
maneira, de alguma forma, eu tenho isso que ocorreu como uma
missão que eu tenho, não sei. De repente seja isso, alguma missão
que eu tenha que cumprir aqui na terra. Eu encaro dessa forma.

Na história de Francisco a religião é aquela ponte de significado e fio condutor que


preserva, minimamente, o senso de si mesmo no mundo. Neimeyer, Prigerson e Davies
(2002) discorrem que a busca de significado no luto se dá por meio da tentativa de construir
uma narrativa coerente que preserve o senso de continuidade com aquilo que a pessoa
costumava ser, mas que também integre a realidade de um novo mundo.
71

Se por um lado os componentes sociais formaram uma rede de apoio para o


participante, por outro a religião também se somou a este domínio e possibilitou a ele um
enlutamento que com o tempo o levou à ressignificação de si mesmo. Franco (2010) entende
que a compreensão do luto se dá a partir da construção de significados nos quais componentes
sociais, culturais e espirituais são levados em conta para o enlutamento.

g) Rituais

Outro fator que contribuiu para que o participante pudesse não cair em um luto
complicado foi a presença do ritual da meditação todos os dias. Tal ação não existia antes de
sua experiência com a perda visual, vindo a se estabelecer somente após este episódio por
auxílio de um espiritualista que o incentivou em tal empreitada.

Busquei a meditação também que na época eu fiz bastante, hoje eu


não faço tanto, mas na época eu fiz muito. Meditava todos os dias.
Todos os dias eu meditava e isso me trouxe uma paz interior,
bastante e a partir daí, você estando em paz consigo mesmo, vai
estar em paz com a humanidade.

A rotina de Francisco com a meditação pode ter sido um importante suporte para
contenção de emoções fortemente desagradáveis. Além disso, uma vez que foi algo novo para
ele, pode ter sido um importante marco de transição de um ciclo para outro, simbolizando, aos
poucos a conclusão dos momentos de intensa dor dos dois primeiros anos da vivência da
perda. Lisboa (2002) destaca que o ritual é um esforço para relatar uma experiência e
encontrar significado nela, apoiando-se nos símbolos e na ação simbólica uma vez que estes
elementos representam a possibilidade de modificação de crenças e significado dos
acontecimentos.
O participante utilizava não só a técnica de meditação com outras, para lidar com as
ansiedades advindas dos dois primeiros anos nos quais tentava assiduamente, por meio dos
serviços de saúde, reverter o quadro de perda visual. Lisboa (2002) considera que o ritual
serve como uma maneira de reduzir a ansiedade em relação à mudança que está para ocorrer.
72

h) Dinâmica de funcionamento antes da perda

Francisco pontua que sua vida antes de perder a visão tinha a dinâmica de
enfrentamento e luta por melhores condições de trabalho e de vida financeira. Relata algumas
tentativas de passar em concurso público enquanto trabalhava intensamente em uma empresa,
e também depois enquanto enfrentava sua demissão, o que demonstra uma atitude
protagonista diante das barreiras que o abatiam.

Eu tinha muito que me dedicar ao trabalho e as horas vagas que eu


tinha eu estudava justamente para o concurso já na busca de uma
melhoria de condição de vida de trabalho e financeiro.

A atitude de se preparar para buscar novas oportunidades que Francisco tinha mesmo
antes de perder a visão manteve-se após o período dos dois primeiros anos que relata terem
sido os mais difíceis, conforme é possível perceber em seus relatos. Parkes (1998) discute a
importância do aspecto psicológico como importante determinante na vivência de luto, ou
seja, quanto mais vulnerável psicologicamente a pessoa estiver antes da perda, maior será a
dificuldade no enlutamento.

As oportunidades surgem na nossa vida, mas pra que a gente


conquiste a gente precisa estar preparado, aí pra isso a gente tem
que passar a buscar o conhecimento, a formação, a qualificação...
Sempre tem que estar buscando porque as oportunidades surgem,
elas vem, mas se você não estiver preparado consequentemente,
muito provavelmente você não vai conquistá-las.

Quando aconteceu isso comigo, se eu não buscasse o CAP, que foi


onde tudo começou, minha reabilitação.... Se eu não buscasse muito
provavelmente até hoje eu não teria chegado onde cheguei.

6.1.3 Categoria 3 - Barreiras na reconstrução de significado

Francisco relata experiências que poderiam ter sido barreiras que o impedissem de
ressignificar sua perda visual. Muito do que se observou nesta categoria pode ser considerado
luto não reconhecido por uma parcela da sociedade, uma vez que grande parte dos desafios
está no discurso e nas atitudes das pessoas a seu redor, que por preconceito e por estigma
social não conseguem cuidar e tampouco oferecer espaço para a expressão de seu pesar. Se
73

por um lado, a maioria das pessoas de seu microssistema foram apoiadoras, como
anteriormente relatado, por outro lado, percebeu-se grande hostilidade por parte daquelas que
compõem seu macrossistema, ou seja, a sociedade de forma mais ampla.

i) Preconceito e Estigma social

Francisco percebe que depois que perdeu sua visão algumas pessoas começaram a
duvidar de sua competência e capacidade para conseguir conquistar as coisas, colocando-o,
por meio do discurso e das ações, em um papel de inferioridade no qual não lhe é
possibilitado o direito de escolha e de participação social:

Então, as barreiras sociais eu vejo nas questões das atitudes da


sociedade para conosco. Porque quando a gente chega num
estabelecimento, seja ele qual for, público ou privado, a gente
estando acompanhado, mesmo o atendimento sendo voltado para a
gente, as pessoas geralmente nunca se dirigem a nós...Sempre se
dirigem às pessoas que estão nos acompanhando, ao acompanhante.

Já me deparei com diversas situações assim que na época minha


namorada, que hoje é minha esposa, a gente estando juntos em
restaurantes e tal e o garçom sempre perguntava „e ele vai querer o
que para beber‟ e eu ficava incomodado e falava „amigo, pode
perguntar a mim. Eu posso não enxergar, mas eu escuto bem‟.

Aí em clínicas também quando eu vou... Até hoje acontece isso de


chegar em uma clínica e mesmo o atendimento sendo pra mim a
pessoa pergunta informação... ou então orientação aí fala pra
minha esposa, mesmo eu estando ao lado „Fale para ele que ele tem
que tomar isso tal hora e num sei o que‟ Aí eu deixo ela falar e
depois que ela termina eu digo „ Você poderia repetir isso para mim
agora? ‟.

Francisco é percebido neste macrossocial por meio de sua deficiência e uma vez que
há crenças e valores sociais que colocam sua condição como um estigma, há um afastamento
e uma não consideração por ele, como uma pessoa digna da participação na relação social,
colocando-o à margem da comunicação que acontece naquele momento. A consideração em
relação a seus atributos para além da deficiência não existe, e logo há um afastamento em
relação a ele.
Tais afirmações da experiência do entrevistado nos levam à compreensão daquilo
que discorre Goffman (2004) acerca de estigma social que impede alguém de ser facilmente
74

recebido na relação social cotidiana já que centraliza o foco da atenção e afasta as pessoas,
impedindo que os outros atributos do sujeito sejam reconhecidos.
Uma vez que mesmo em uma clínica, profissionais da saúde desconsideram sua
presença durante a sessão e falam apenas com sua acompanhante, essas pessoas estão
passando uma clara mensagem de desconfirmação da capacidade de Francisco de assimilar
informações e ser protagonista de sua própria vida. Isto acontece porque compreendem a
perda de sua visão como algo incapacitante, e mesmo sem consultar o participante para saber
suas capacidades, inferem que sua limitação visual é também uma limitação de captar e
assimilar informações. Goffman (2004) entende que aqueles que não possuem estigma
acreditam que quem possui não é completamente humano e assim desempenham ações
discriminatórias como a criação de teorias e afirmações sobre a pessoa sem sua participação.
Tais fatos remetem à compreensão das crenças e valores sociais em relação a
deficiência e nos coloca em contato com a discussão acerca de como ela era vista em tempos
mais remotos. Pacheco e Alves (2016) revelam que em temos primitivos as sociedades
nômades eram impelidas, a cada mudança sofrida pelo grupo, a abandonar as pessoas com
algum tipo de limitação. Hoje em dia, apesar de existirem ações mais voltadas ao cuidado da
pessoa com deficiência, ainda coexistem práticas sociais que levam ao abandono daquele que
possui limitações físicas, sendo que os relatos de Francisco ilustram isto.
É perceptível também que a deficiência é interpretada, até os dias de hoje, como
imagem de tragédia pessoal e destino de desventura, como afirma Pinto (2013). Tal
interpretação não é recente, pois provém de compreensões de sociedades ultrapassadas como
é o caso da Grécia antiga, como afirma Pacheco e Alves (2016), uma vez que nesta cultura os
corpos tinham que ser moldados de acordo com objetivos de guerra e, portanto, aqueles que
possuíssem limitações eram descartados. Desta maneira, possuir limitações físicas já era por
si só a própria tragédia pessoal daquela pessoa que era descartada sem sequer ter a
oportunidade de revelar seus potenciais. Tal crença fica perceptível no seguinte trecho:

As pessoas quando olham para a pessoa com deficiência elas


encaram a pessoa como um coitadinho. Dizem: - Ah coitado, e
agora, que vai ser da sua vida? Esses comentários assim. Aí acham
que a gente, por estar nessa condição, a gente é inválido, realmente
não é capaz de nada!

Apesar do importante marco da formulação “Fundamental Principles of Disability”


em 1976 que busca reformular o conceito de incapacidade, percebe-se que ainda se associa tal
noção ao fenômeno da deficiência. Se por um lado a incapacidade, como aponta Pinto (2013),
75

tem a ver não com o sujeito em si, mas com a restrição imposta a ele por uma sociedade
desigual, por outro lado, as crenças sociais ainda compreendem a pessoa com deficiência, por
si só, como alguém que possui incapacitações, sem notar sua dinâmica com o meio. Não
necessariamente é a limitação física da pessoa que influencia em sua produtividade, mas
outros itens que devem ser avaliados, de acordo com o Relatório Mundial sobre a Deficiência
(2012). Francisco pontuou que a falta da sua visão não o limita nas inúmeras possibilidade de
atuação que pode , a depender das facilidades do meio e também da utilização de seus outros
sentidos.

Porque assim, muitos sentidos foram afetados, mas os demais,


graças a Deus, ainda estão funcionando bem, ne? Mas para as
pessoas, elas veem dessa forma (preconceituosa), até pela questão
da ignorância, por desconhecer que há outras possibilidades da
gente.

Olha, outra coisa que eu vejo: eu sinto sim um certo preconceito da


nossa sociedade em relação a nossa capacidade e que a gente tem
sempre que estar provando que é capaz de fazer determinada tarefa
ou atividade.

No dia a dia, apesar do paradigma do modelo médico ter sido posto em cheque por
meio do modelo social, as ações cotidianas de grande parcela social ainda centralizam apenas
no sujeito a necessidade de modificação necessária para caber em padrões de normalidade,
como afirmam Fernandes et al. (2014).

j) Barreiras Ambientais

O participante discute que apesar de alguns avanços alcançados no meio onde


estudou, e também em seu ambiente de trabalho, ainda assim existem barreiras ambientais a
serem rompidas para que a pessoa com limitações visuais possa se locomover e também ter a
possibilidade de desempenhar seu trabalho sem ajuda de outras pessoas.

No sentido de que em termos de adaptações, ainda que precise


evoluir muito mais ainda pelo menos na parte interna, de forma
geral, em alguns aspectos tem que melhorar, a exemplo do piso tátil
que está precisando dar uma reformada.
76

No meu antigo trabalho, na parte de equipamentos eu não tinha


recursos, muito pouco recursos a gente tinha e isso afetava no
aspecto de elaborar um documento. Eu tinha que ir no centro pedir
a secretária da biblioteca. Aí elaborar qualquer outro documento,
um relatório...eu tinha que utilizar o meu computador pessoal para
fazer isso, entende? Aí já, quer dizer, uma coisa é seu equipamento
pessoal, como o próprio nome já diz, é pessoal, não é para usar no
trabalho, né? Você pode até usar no trabalho, mas o trabalho tem
que dispor para você o equipamento.

O impacto de tais barreiras na estrutura não foi crucial para o desenvolvimento do


participante uma vez que se por um lado havia falha de estrutura, por outro contou com
grande apoio social. Porém, ainda assim, demanda dele grande esforço para conseguir atestar
ao meio social, no qual encontrou preconceitos, suas habilidades no sentido profissional.
O modelo social de entendimento do fenômeno da deficiência, de acordo com Silva e
Moreira (2015), preconiza que não só o sujeito, mas também o ambiente tem que se adaptar à
pessoa que possui necessidades especiais. Fernandes et al. (2014) também revelam que a
grande contradição deste século é que ao mesmo tempo em que se busca sua integração, é
depositada apenas nele a necessidade de modificações necessárias para caber em padrões
considerados de normalidade.

6.1.4 Categoria 4 - Indícios de Luto não reconhecido

Nesta categoria, encontram-se aspectos que contribuem para aquilo que se define
como um luto não reconhecido.

k) Falta de compreensão social sobre o que é deficiência visual

Francisco revelou que muitas pessoas não estão preparadas para lidar com sua
limitação visual pelo fato de não compreenderem sobre o fenômeno, e não haver educação
social sobre essa condição que qualquer pessoa pode vir a ter. Confessa que esta falta de
habilidade por parte de membros da comunidade o incomoda bastante, fazendo-o ter em
vários momentos, sensações desconfortáveis enquanto está apenas buscando exercer seu papel
de cidadão.
77

No dia a dia quando a gente está, por exemplo, em um certo lugar, em


um ambiente, quando estou com minha esposa mesmo e entro num
restaurante, num cinema, supermercado, seja lá qual seja o
estabelecimento; as pessoas olham pra mim e fica parecendo que é um
extraterreste, um E.T que chegou ali, elas não sabem olhar com
naturalidade, né?

Olha, a barreira maior foi a questão da desinformação porque até


então eles não tinham tido nenhum aluno da graduação assim, ne?
Pelo menos no curso de matemática, né? E também pelo
desconhecimento dos recursos mesmo adaptados, das tecnologias
assistivas que a gente dispõe.

No caso de Francisco, a perda não é reconhecida porque o fenômeno da cegueira não


é bem compreendido pela sociedade. Seus relatos demonstram que as pessoas não sabem
como agir, o que falar a ele e como proceder, e desta maneira, percebe-se que seus espaços
sociais ficam reduzidos, uma vez que concepções equivocadas são tomadas ao invés da
compreensão real das potencialidades do participante. Doka (1989) compreende que as
sociedades têm elaborações sobre o que é considerado luto ou não. Porém, nem sempre
pessoas enlutadas se encaixam dentro destas especificidades e um dos motivos pode ser
porque a perda não é reconhecida.
Casellato (2005) revela que o luto não reconhecido acontece quando uma sociedade
não avalia o impacto no sujeito da perda sofrida ou quando não entende que o que aconteceu
foi uma perda e está em processo de luto. Uma vez que há dificuldades na compreensão sobre
o que é viver com a perda visual, pode-se perceber que há grande falha empática pela parcela
social que tem discursos que desvalidam as tentativas de reabilitação de Francisco no mundo,
e não avaliam a necessidade que ele tem de acolhimento e espaços de expressão de seus
sentimentos em relação a perda.
Neste sentido, Francisco sofre luto não reconhecido pela razão pontuada por Doka
(2002) que é o não reconhecimento social do enlutado. Se os membros de uma comunidade
estigmatizam e se afastam de Francisco, não o reconhecem e o negligenciam no sentido de dar
apoio e sentido às suas novas experiências. Ele pontua que em alguns momentos, no seio
familiar mais amplo, sentiu tal negligência.
78

Em algumas ocasiões a gente sentia, não sei se era ocasional ou não


voluntário, mas a gente sentia que a gente ficava um pouco...as
pessoas, no caso os familiares, de forma geral, me deixavam um
pouco de lado. A atenção era mais voltada para os outros membros
da família, no caso minha mãe e meus irmãos e eu ficava um pouco
meio de lado nas reuniões de família, numa festa. Minha mãe e meu
irmão que me davam mais atenção porque se fosse depender dos
demais, eu ficava mais isolado mesmo.

Vicente (2013) aponta que o isolamento social e funcional da família nuclear que
pode acontecer quando um membro tem um quadro de perda, pode criar uma sobrecarga no
sistema familiar quanto aos aspectos de cuidado e relacionamentos. Tal fato ocorre, de acordo
com o depoimento do entrevistado, quando apenas seus irmãos e sua mãe assumem o cuidado
de inseri-lo no ambiente social.
É neste sentido que há também um não reconhecimento da perda, ou seja, percebe-se
que neste contexto familiar amplo houve uma morte social no sentido de que Francisco parece
não ser percebido e reconhecido socialmente como antes o era, podendo trazer nele sensações
severas de perdas psicológicas, como afirma Doka (2002). Isso é perceptível em seu relato:

Isso me incomoda porque eu acho que a sociedade deveria já ir


mudando essa forma preconceituosa, mas é claro que isso é um
processo, todo um processo e é cultural também, mas que isso
incomoda a gente, incomoda porque parece que a gente não faz parte
daquele contexto e as pessoas notam a gente como se fosse algo
estranho naquele ambiente e isso para a gente incomoda.

Portanto, a falta de conhecimento sobre determinado fenômeno gera também falta de


empatia pela pessoa que necessita de cuidados e tal falha empática resulta em não
reconhecimento do luto, o que gera perdas adicionais àquele que já sofre pelo evento
traumático primário.
A perda da visão de Francisco foi um evento traumático atenuado por suas
características pessoais de buscar assumir o protagonismo de sua história, atenuado também
pelo apoio das pessoas mais próximas incluindo sua família, além de sua espiritualidade. Mas,
não se deve negar a grande dificuldade que sofreu até se reabilitar em sua nova condição,
principalmente pela mudança de tratamento que passou a sofrer por parte de parcelas sociais.
Houve uma luta constante em sua história para não se deixar paralisar e a busca recorrente de
significado diante do ocorrido, o que o ajudou a assumir novos papéis e reconstruir aqueles
que já desempenhavam antes da perda.
79

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É fundamental que nós, pessoas sem deficiência, busquemos esforços para a


participação e compreensão daquele que vivencia a cegueira em seu dia a dia e esbarra com
barreiras psicológicas, físicas e sociais. A comunidade falha na empatia até mesmo em termos
de educação básica, os alunos em geral não são informados sobre os mais diferentes tipos de
deficiência, e não são preparados para lidar com as diferenças desde cedo.
Cria-se o hábito da competição nas escolas e o de valorizar aquele que sabe mais,
aquele que estuda mais, mas não se ensina a ter um olhar empático e preocupado para com o
próximo, não se dá nota a isto. A longo prazo, a percepção do outro e o espírito de cooperação
é o que faz gerar uma comunidade mais produtiva, mais eficiente. Ao ter mais acesso à
informação acerca das diferentes possibilidades de existência, a sociedade estará educando
futuros empregadores a agregarem e prepararem pessoas com deficiência, ao invés de colocá-
las à margem. Com menos pessoas postas à margem social, mais indivíduos participarão e
gerarão lucros para a economia no geral.
Além disto, uma pessoa sem deficiência pode tornar-se deficiente ao longo do tempo
devido a diversas causas. Quanto mais cedo um sujeito aprender a lançar olhar sobre esse
fenômeno, melhor poderá compreender a si mesmo e ajudar-se, caso um dia venha precisar de
cuidados especiais. Todos estão sujeitos a um dia tornarem-se pessoa com deficiência, seja
pelas circunstancias da idade, ou de acidentes e adoecimento.
É válida também a discussão sobre como uma pessoa que perde a visão que ainda
está na escola, seja ela pública ou privada, é recebida por esta instituição, ou seja, se há uma
readaptação do ambiente (alunos, educadores, recursos) para agregar estudantes nesta nova
condição. É de extrema importância observar as diferentes consonâncias acerca da perda da
visão nas diferentes fases do ciclo vital dos indivíduos. Portanto, novos estudos sobre esta
temática deveriam existir.
É tendencioso colocar distante de si o tema da deficiência, talvez, porque ela nos
assuste, colocando-nos a pensar em nossas próprias limitações e por isso se repete por anos,
décadas e séculos a postura de colocar aquele que tem necessidades especiais como alguém
diferente, enquanto na verdade a única diferença é no tipo de limitação. Todos nós temos
necessidades especiais, mas porque a deficiência física ou intelectual se sobrepõe às pessoas
que vivenciam estas experiências? Por que antes de olhar o indivíduo como um todo, grande
parcela social se relaciona, antes de qualquer coisa, com um estigma social?
80

Isto é revelado quando se observa a escassez de estudos atuais buscando


compreender este fenômeno. É possível agregar pessoas que tendemos a observar como
incapazes e temos pouca informação sobre suas capacidades e potenciais? Esta experiência
pode ser ainda mais traumática quando alguém que tinha um espaço social consolidado o
deixa de ter porque deixou de enxergar, por exemplo.
Ainda se fala pouco sobre estas pessoas e sobre suas necessidades. Sabemos pouco
sobre as experiências psicológicas que passam e quais tecnologias podem ser desenvolvidas
para ajudá-las a reconstruir o sentido de quem são. Neste trabalho, o passo dado foi o de
começar a lançar olhar sobre a experiência social e psíquica por meio dos estudos sobre luto.
Passos futuros podem ser dados na direção de compreender quais intervenções podem ser
eficazes para este tipo de enlutamento.
Entender a perda da visão como um luto é uma forma de reconhecer a experiência
como merecedora de tratamento, assim como já existe este tipo de terapia para indivíduos
enlutados por morte de entes queridos. Nesse sentido, o contrário também se faz valer. Ao não
reconhecer a experiência como traumática é possível que se esteja negligenciando cuidados
específicos para aqueles que se tornam deficientes, incluindo ações de cunho político, como
leis que amparam a pessoa neste tipo de situação.
Não só a pessoa que sofre a perda pode ser abandonada por suas referências de
comunidade, mas também sua família. Neste sentido, pensar naquele que está enlutado porque
deixou de ter a visão, também é considerar os impactos disto em sua rede familiar e
proporcionar espaço de apoio e até treinamento para que estes membros compreendam mais
sobre cegueira e saibam lidar com as mudanças demandadas, uma vez que passarão a ser a
principal unidade de cuidado daquele indivíduo.
É importante pensar também em trabalhos que ressaltem o impacto das perdas
abruptas e das perdas processuais na pessoa e na família. Em prognósticos conhecidos que
levem à cegueira, será que já seria possível trabalhar luto antecipatório? É fundamental que
esta experiência seja descrita para que se possa pensar em como reduzir os impactos de
possíveis transtornos mentais que podem derivar de uma não reestruturação de si após o
difícil prognóstico.
Quanto mais entendermos e intervirmos com consciência e informação acerca de
processos de luto em pessoas que adquirem uma deficiência ao longo de seu
desenvolvimento, mais se está buscando a prevenção de adoecimento psicológico advindo das
consequências secundárias à perda, como o isolamento social que pode predizer um transtorno
depressivo maior. Isto pode ter um ganho social muito significativo ao pensarmos no grande
81

custo financeiro que é para o governo, uma vez que quando alguém necessita de tratamentos
psiquiátricos, tal quadro medicamentoso pode se alastrar por longo período, muitas vezes até
sem remissão dos sintomas.
É também muito importante considerarmos a prevenção de luto complicado por meio
de orientações à comunidade em geral acerca de atitudes que devem ser evitadas para não
causar prejuízos secundários da não validação da dor daquele que sofre. A pessoa entrevistada
neste estudo não apresentou quadro de luto complicado, e é possível pressupor que o apoio
que obteve da comunidade foi de grande importância para seu processo de restabelecimento à
sua nova forma de viver o mundo.
O Centro de Apoio Pedagógico possibilitou-lhe a retomada de seus papéis e até a
criação de outros novos, que foram, aos poucos, dando novos sentidos à sua vida e o
possibilitou lidar de outras maneiras com a falta de visão. O peso do acolhimento desta
instituição foi tão forte que é perceptível que a falta de apoio de outra parcela social que
tendeu a excluí-lo por meio de atitudes e falas preconceituosas, não o colocou em limitação
no sentido de busca e consolidação de seu espaço.
Grandes movimentos de apoio e capacitação podem fazer a diferença na vida da
pessoa que passa por difíceis situações de perda. Neste sentido, é quase impossível pensarmos
em luto sem pensar na sociedade da qual a pessoa faz parte já que será um dos determinantes
da forma que aquela pessoa irá viver seu processo, seja no sentido da expressão de seus
sentimentos e também no sentido da orientação que seguirá: se cada vez mais voltada para a
perda, ou para a restauração.
Porém, é também importante frisar que existe também o peso do protagonismo do
indivíduo nisto tudo. Sua estrutura psicológica e a forma como se movimenta, ou não, para
pedir ajuda também irão contar como um fator de proteção para o não desenvolvimento de um
luto complicado. Neste sentido, a própria pessoa que vivenciou a perda pode não conseguir
aproveitar o apoio social oferecido por apresentar, previamente, histórico com transtornos
mentais e tal adoecimento pode ser intensificado pela perda.
82

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Fundamental Principles of Disability. London: Union of the Physically Impaired Against
Segregation, 1976.

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1978.

VICENTE, R.M.P.S. Família e Divórcio. In: CERVENY, C.M.O. (Org.). Família e...
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WORDEN, W. Terapia do luto; um manual para o profissional de saúde mental. 2 ed.,


Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
89

APÊNDICE A

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA


Pergunta disparadora
Como foi para você a vivência da perda da sua visão?

 Vida prévia à perda da visão


 Mudanças ocorridas após a perda da visão
 Barreiras Sociais
 Facilitadores na adaptação à nova condição
 Vida após a perda da visão
 Mudança na identidade social

Pergunta finalizadora

O que você poderia sugerir para quem está passando por esta situação?
90

APÊNDICE B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado a participar da pesquisa “A perda da Visão como


vivência de luto”, realizada por Camila D‟Avila Moura, mestranda do Programa de Pós-
graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade de São Paulo, núcleo de Família
e Comunidade, Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto, sob a orientação de Prof.ª
Maria Helena Franco. O objetivo da pesquisa é compreender as vivências de luto
consequentes à perda total e abrupta da visão.
Ao participar deste estudo, você tem baixos riscos. Todos os encontros serão
gravados e registrados pela pesquisadora para posterior transcrição do conteúdo das
entrevistas. Será resguardado total sigilo sobre o material gravado e após a utilização, os
áudios serão mantidos sob responsabilidade da pesquisadora até cinco anos, após este período
serão destruídos para preservar o sigilo do participante. Seu nome e quaisquer dados que
possam identificá-lo (a) serão retirados do material que vier a se tornar público.
Em qualquer etapa deste estudo, você terá acesso a autora da pesquisa para
esclarecimento de dúvidas a partir do e-mail contato.camilamourapsi@gmail.com. Após a
conclusão da pesquisa, os dados obtidos farão parte da Dissertação de Mestrado e outras
publicações que poderão ser realizadas (livros e artigos).
A sua participação não é remunerada e você tem total liberdade para recusar, assim
como solicitar a exclusão de seus dados, retirando seu consentimento sem qualquer
penalização ou prejuízo.
Agradecemos sua participação, enfatizando que a mesma contribui para a construção
de conhecimento na área.
Atenciosamente,

______________________________ _____________________________
Camila D‟Avila Moura Maria Helena Franco
CRP: 19/3504 CRP: 06/1690
91

Tendo ciência das informações contidas neste termo de consentimento, eu__________


___________________________________________________________________________
Portador do RG nº _______________________, aceito participar desta pesquisa e autorizo a
utilização, nesta pesquisa, dos dados por mim fornecidos.

Data:___/___/_____ Assinatura:__________________________________________

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