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PUC-SP
SÃO PAULO
2019
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
SÃO PAULO
2019
BANCA EXAMINADORA
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A meu querido irmão Renato,
matéria-prima desta obra.
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente a Deus em primeiro lugar, por me permitir traçar este caminho
apesar das imensas dificuldades de estar longe de casa. Foi na fé que tirei forças para seguir,
apesar dos lutos vividos nesta fase de minha vida. Esta força também veio da minha família
querida: minha mãe Inês, meu pai Alvimar e meu irmão Renato, que mesmo distantes
fisicamente, emanavam o amor necessário para me manter em meus objetivos.
Agradeço à minha querida orientadora Maria Helena Pereira Franco, transmitindo
tanto amor pelo que faz que encanta seus alunos com as aulas sobre luto. O tema chamou-me
tanta atenção que decidi explorar mais esta temática, ajudando-me a encontrar
verdadeiramente meu sentido de ser pesquisadora. Sei também que mesmo após o Mestrado,
os estudos sobre luto continuam. Muito obrigada por tudo professora! Agradeço-lhe também
por confiar em meu potencial, por me aceitar com tanta receptividade e afeto como sua
orientanda, nunca irei esquecer seu acolhimento.
Agradeço aos brilhantes professores que tive a honra de conhecer no Mestrado, em
especial Profa. Dra. Ceneide Maria de Oliveira Cerveny, brilhante professora, acolhedora e
imensamente generosa, que tive o grande prazer de encontrar em meu caminho e que me
ensinou bastante sobre a Teoria Sistêmica e plantou em mim grande interesse pelo tema.
Agradeço a meus amigos queridos que tive o prazer de conhecer ao longo desta
jornada, que me incentivaram a continuar mais e mais no caminho que escolhi viver. Em
especial aos amigos Ísis Oliveira, Cecília Cortes, Maria Rosa, Pedro e Emerson pelo carinho e
colo nos momentos difíceis.
Agradeço também aos amigos de longa data que ajudaram a me encontrar comigo
mesma, não me deixando desistir de meus sonhos. Aos amigos de Aracaju, em especial à
Marina Franco, amiga especial que está comigo nos momentos mais importantes de minha
trajetória, incentivando-me e não me deixando esquecer o que realmente importa. Amiga,
Deus abençoe sempre nossa amizade!
Agradeço à amiga Alessandra (Crow) por abrir as portas de sua casa e me dar tanto
afeto e carinho nas idas e vindas de Aracaju para São Paulo, e por ser uma parceira tão
querida de projetos e estudos. Sua ajuda foi fundamental!
Ampliar os canais de percepção que já existem
em nós e que estão entorpecidos por todo esse contexto
em que a visão predomina, não seria uma imposição
natural? Não nos tornaríamos assim mais integrados e
capazes de interpretar o mundo e reagir a ele?
Sérgio Sá (2007).
MOURA, Camila D‟Avila. A perda da visão como vivência de luto. 2019. 91f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia Clínica). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo,
2019.
RESUMO
A deficiência visual é um fenômeno ao qual pessoas estão sujeitas. Entre outros, fatores como
o envelhecimento podem levar a este acometimento. No Brasil, a deficiência visual tem
crescido, uma vez que é derivada de condições como deficiência de vitamina A no sangue, ou
doenças como diabetes. Acidentes graves também são propiciadores da perda visual.
Deficiência em um importante sentido como a visão leva a pessoa à reconfiguração da
autoimagem, assim como à reestruturação de seus papéis sociais, resultando em uma transição
psicossocial similar à de uma pessoa que perde um ente querido. Estudos recentes ressaltam
que o luto é uma reação esperada para diversos tipos de perda, conferindo ao luto um caráter
oscilatório, no qual o enlutado transita entre ficar voltado para a perda sofrida, ou para o
enfrentamento dela. Tal compreensão do caráter oscilatório confere ao luto características
peculiares a cada experiência de enlutamento. Quando não se confere ao enlutado o direito de
expressar de sua própria maneira e em seu tempo tais singularidades, corre-se o risco de fazê-
lo passar por uma experiência de luto não reconhecido, podendo este ser um sofrimento
adicional àquele já vivido pela pessoa que enfrenta a dor de um evento estressor. O objetivo
deste trabalho foi investigar o luto não reconhecido vivido na experiência da perda da visão. O
método utilizado foi o Estudo de Caso clínico, aprofundando-se na história de vida da pessoa.
A coleta de dados foi feita a partir da transcrição e análise temática da fala do participante.
Encontrou-se após a perda da visão uma experiência de enlutamento, e pôde-se estabelecer
categorias que ajudaram a identificar fatores como preconceito e estigma social, barreiras
ambientais e falta de compreensão acerca da deficiência visual, que contribuem para a
orientação voltada para a perda. Fatores como apoio familiar e social, espiritualidade, rituais e
a dinâmica posterior à perda contribuem para o enfrentamento e restauração, identificando-se
um processo de luto reativo à perda da visão, sem que haja um luto complicado.
ABSTRACT
Visual disability is a phenomenon to which people are susceptible. Among others, factors
such as aging can lead to this involvement. In Brazil, visual disability has grown, since it is
derived from conditions such as vitamin A deficiency in the blood, or diseases such as
diabetes. Severe accidents can also cause visual loss. Disability, in an important sense as
vision, leads the person to reconfiguration of self-image, as well as to the restructuring of their
social roles, resulting in a psychosocial transition similar to that of a person who loses a loved
one. Recent studies emphasize that mourning is an expected reaction to several types of loss,
giving mourning an oscillatory character, in which the mourner moves between being focused
on the loss suffered, or on facing it. Such an understanding of the oscillatory character gives
mourning peculiar characteristics to each mourning experience. When the mourning person is
not given the right to express such singularities in his own way and in his own time, it runs
the risk of making him go through an unrecognized mourning experience, which may be an
additional suffering to that already experienced by the person who faces the pain of a stressful
event. The objective of this study was to investigate the unrecognized mourning experienced
in the experience of vision loss. The method used was the Clinical Case Study, deepening in
the history of a person‟s life. Data collection was based on the transcription and thematic
analysis of the participant's speech. After the loss of vision, a mourning experience was
found, and it was possible to establish categories that helped to identify how factors such as
prejudice and social stigma, environmental barriers and lack of understanding about visual
disability contribute to the orientation towards loss. Factors such as family and social support,
spirituality, rituals and the dynamics after the loss contribute to coping and restoration,
identifying a mourning process reactive to the loss of vision, without a complicated mourning.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14
REFÊRENCIAS ..................................................................................................................... 82
APÊNDICE A ......................................................................................................................... 89
APÊNDICE B.......................................................................................................................... 90
14
INTRODUÇÃO
mesma base de dados do Censo 2010, o IBGE aponta que a proporção das pessoas com
deficiência na população é de 6,7%, bem inferior aos 23,9% anteriores (DIVERSA, 2018).
A deficiência visual, segundo relatórios elaborados em 2012 pela Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR), em parceria com a Secretaria
Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) (CARTILHA DO
CENSO 2010, 2012) está entre a deficiência mais comum, com 18,6% da população
brasileira. Porém, é importante observar como foi feita uma avaliação que classifica a pessoa
como deficiente ou não, devendo-se questionar se a classificação da deficiência foi
autodeclarada e se houve critérios bem definidos e delineados no momento da classificação.
Existem níveis diferentes de deficiência visual, variando de cegueira total à baixa
visão. Nesta pesquisa, foi estudado o caso de pessoa com cegueira total com perda repentina
da visão, uma vez que isto nos coloca diante de uma mudança severa de vida, que pode levar
a graves danos psíquicos se não houver o devido cuidado com esse indivíduo.
A deficiência pode ser descrita como congênita ou adquirida. A deficiência visual
congênita acomete a pessoa desde seu nascimento e a adquirida ocorre ao longo de seu
desenvolvimento devido a causas orgânicas ou acidentais. Almeida e Araújo (2013) afirmam
que existem diferenças significativas nas vivências das pessoas que têm deficiência visual
congênita, ou que perderam a visão ao longo de seu processo de desenvolvimento. Uma vez
que a pessoa tenha nascido cega, seu processo de desenvolvimento se dará a partir de
experiências que não envolvem a visão. Ao contrário disto, aqueles que têm experiências ao
longo do seu ciclo vital que incluem a experiência visual, a perda da visão pode ser um
fenômeno traumático. Desta maneira, reconhecendo-se a diferença entre ambas as condições,
este estudo centralizou-se na vivência da pessoa que perde a visão ao longo de seu processo
de desenvolvimento.
Almeida e Araújo (2013) também comentam que problemas orgânicos como diabetes
ou síndromes neurológicas que afetam o nervo óptico podem gerar a perda da visão de
maneira progressiva, existindo também a cegueira súbita que pode ser ocasionada por
acidentes. Além disto, Kara-José et al (1984) declaram que grande parte dos casos de pessoas
que perdem a visão poderia ser evitada. As determinações geográficas e econômicas são
propiciadoras de condições que levam à cegueira. Isto acontece porque em determinadas
regiões menos desenvolvidas, doenças como a oncocercose1 e tracoma2 são mais comuns,
porém não há estrutura médica adequada para o tratamento, levando à cegueira.
1
Oncocercose: doença parasitária crônica decorrente da infecção produzida pelo nematódeo
Onchocercavolvulus, que se localiza no tecido subcutâneo das pessoas atingidas. Também é chamada de
16
Resnikoffet al. (2004) revelam que as regiões menos desenvolvidas do mundo são
responsáveis pela concentração de maior número de pessoas com deficiência visual adquirida
e a faixa etária de maior risco é a dos adultos com mais de 50 anos de idade. Além disso,
compreendem que no grupo das mulheres concentra-se o maior número deste acometimento.
A catarata é a principal causa de deficiência visual em diversas regiões do mundo (com
exceção dos países desenvolvidos), mas também existem doenças como o glaucoma,
degeneração macular devido à idade, retinopatia diabética e tracoma.
O que se observa no Brasil, de acordo com Milagres, Nunes, Pinheiros-Sant´Ana
(2007) é a prevalência da hipovitaminose A, devido à ingestão inadequada e o consumo
ineficiente de alimentos que forneçam ao organismo a quantidade necessária da vitamina A
para um desenvolvimento saudável. O déficit do consumo desta vitamina tem levado à
cegueira diversas pessoas, sendo mais frequente em regiões do Norte, Nordeste e Sudeste do
Brasil, porém a população mais vulnerável é a infantil do Nordeste, uma vez que entre 16% a
55% das crianças apresentam baixos níveis da vitamina.
Desta forma, compreende-se que o Brasil, devido às suas condições econômicas e
sociais, apresenta alarmantes números do crescimento da deficiência visual adquirida nos
últimos anos, o que justifica intervenções sociais, políticas e também no campo da saúde
mental para este público. Isto inclui a Psicologia no que se refere a oferecer cuidados para as
pessoas que perdem a visão ao longo da vida.
Maia, Del Prette e Freitas (2008) consideram que o sentido da visão é grande
responsável pela maioria das informações que uma pessoa recebe para compreender o mundo
que a cerca. No caso de uma pessoa com deficiência visual, portanto, a redução dessas
informações a afeta substancialmente nas relações com os indivíduos à sua volta uma vez que
a maior parte da comunicação se baseia também em linguagem não verbal, como gestos e
expressões faciais. As autoras concluem que a limitação visual influencia diretamente o
aspecto social dos sujeitos com deficiência visual, o que pode ocasionar, em alguns casos,
interações sociais insatisfatórias. Vale lembrar, porém, que existem outros sentidos que são
utilizados no dia a dia que são tão importantes quanto a função visual, mas dos quais as
pessoas não se dão conta. A partir da perda visual, portanto, a pessoa é impelida a prestar
mais atenção nestes outros sentidos e aprender a reutilizá-los.
Se por um lado, a cegueira cria dificuldades de interação por parte da pessoa com
deficiência, por outro, a sociedade também cria barreiras. Todos estão inclusos naquilo que
aqui convencionou-se denominar como sociedade, valendo notar que antes de lançar um olhar
para o contexto mais amplo é preciso avaliar como cada um preconcebe a deficiência, quais
conceitos já formados sobre o tema cada um tem.
Silva e Moreira (2015) declaram que há dificuldades sociais em aceitar e conviver
com a diferença da pessoa que tem deficiência, sendo a sociedade opressora e excludente.
Neste sentido, é possível compreender que o processo de desenvolvimento de uma pessoa
com deficiência visual encontra diversos obstáculos, tanto emocionais ao viver com as
condições que naturalmente se impõem, limitando-a na captação de informações do mundo,
quanto físicos e sociais quando a sociedade na qual o indivíduo está inserido lança o olhar
para a questão da deficiência visual de forma preconceituosa e superficial.
A analogia daquele que perde a visão com a pessoa que perde um ente querido se faz
presente nesta pesquisa para a problematização de seu foco, que poderá levar a pensar em
intervenções terapêuticas que amparem o deficiente, assim como aquelas já existentes que
ajudam a amparar o indivíduo que sofre a perda de um vínculo por morte.
A condição de semelhança entre ambas as situações é que tais perdas podem ter
consequências em diversos outros papéis que exercem e podem afetar diretamente a forma
como irão se restabelecer no mundo. Se por um lado pode-se falar que quem perde um ente
querido enfrenta o luto, porque não se pode afirmar que aquele que perde a visão também fica
enlutado?
Esta é a linha de pensamento desta pesquisa: uma pessoa com deficiência visual
adquirida vivencia o luto pela perda da sua visão. Segundo Wong (2008), ao longo da
experiência humana as pessoas passarão por diversos momentos de perda que incluem desde a
morte de um ente querido até a perda de identidade, de saúde e de papéis. Portanto, o luto é
uma reação esperada nestes diversos tipos de situações.
Stroebe e Schut (1999), a partir do modelo do Processo Dual, compreendem o luto
como um processo dinâmico e flexível, no qual o enlutado oscila entre dois movimentos, um
orientado para a perda e outro, orientado para a restauração. A pessoa orienta-se para a perda
quando se concentra em aspectos ligados ao ente perdido e isto inclui olhar fotos antigas ou
chorar pela morte da pessoa amada. A orientação voltada para a restauração corresponde ao
enfrentamento que está embutido na experiência cotidiana que envolve dar conta de suas
responsabilidades, assistir um programa de televisão, ler algo interessante, conversar com
amigos sobre algum outro tópico, por exemplo.
18
Desta forma, por mais que as dores do luto sejam intensas, não estão presentes todo o
tempo. Parkes (1999) ressalta que a necessidade de chorar a perda diminui e o indivíduo
consegue responder às demandas cotidianas como cuidar dos filhos, assistir um programa de
TV. Vale notar que tanto o movimento orientado para a perda, como para a restauração
envolve misto de sentimentos.
Stroebe e Schut (1999) compreendem que quando a pessoa se orienta para a perda
pode ter sentimento de alívio pela morte do ente querido por este ter parado de sofrer e sentir
tristeza por ter sido deixado. Quando se orienta para a restauração, pode sentir-se empolgado
para o desenvolvimento de novos papéis que terá que desempenhar depois da morte do ente
querido e também sentir-se demasiadamente ansioso para o cumprimento destas novas tarefas.
Portanto, não existe uma linearidade na forma de vivenciar o luto. Um misto de
sentimentos e oscilações de estratégias cognitivas são adotados de acordo com as
contingências do enlutado. O paradigma sobre o qual se sustenta este trabalho é aquele que
está voltado para a compreensão do luto como um processo dinâmico, não segmentado,
oscilatório e flexível, conforme explica o Processo Dual. Stroebe e Schut (1999) entendem
que esta perspectiva possibilita compreender outros tipos de luto para além daquele pela
morte de um ente querido. Neste sentido, o processo dual orienta a compreensão do que se
acredita ser o movimento de uma pessoa enlutada pela perda da visão.
Compreender o luto como uma dinâmica oscilatória confere ao enlutado um caráter
muito singular na vivência de sua perda, o que leva ao entendimento do luto como construção
de significado, ao invés de previsibilidade por meio de fases como preconizavam antigos
modelos, afirma Franco (2010). Em outras palavras, a pessoa enlutada busca reaprender o
mundo por meio da construção de sentidos para sua perda. A partir disto, portanto, o
indivíduo é impelido a revisões em sua própria identidade, revendo o desenvolvimento de
seus papéis, principalmente aqueles desempenhados junto ao morto.
A pessoa que perde a visão é levada a reavaliar seus diversos papéis e isto acontece em
razão das consequências secundárias ao evento principal. Parkes (1999) afirma que a perda de
um ente querido pode significar que a pessoa enlutada deva assumir papéis que, outrora, eram
delegados ao falecido, ou seja, além do estresse da situação do falecimento do ente querido,
existe também o estresse secundário advindo das novas funções a serem desempenhadas.
Em outras palavras, a falta da função visual ao longo do processo de desenvolvimento,
além de se constituir em um fato estressante que leva à resposta de luto, também impele o
enlutado à perda e também ao ganho de novas funções para as quais não estava preparado,
nem para perder e nem para ganhar quando o evento estressante acontece de maneira abrupta,
19
por exemplo. Neste aspecto, novas construções de significado se fazem necessárias para
aquele que ficou cego, assim como novo entendimento acerca do mundo do qual faz parte.
Mazorra (2009) enfatiza que os significados atribuídos a situação estressante podem atuar
como fatores facilitadores ou dificultadores do processo de luto. Pode-se perguntar: a pessoa
com cegueira adquirida passa a significar o mundo a partir de uma nova identidade ao longo
do tempo? Ou ainda: Quais fatores podem ser facilitadores para uma nova significação do
indivíduo frente a sua nova condição?
Parkes (1999) considera que é reconhecido que leva tempo até que os indivíduos se
apercebam e aceitem a mudança em si mesmos a partir de uma importante perda. Há uma
sensação de deslocamento e de vazio, impelindo o sujeito a reorganizar seu modelo interno de
mundo. Neste sentido, escreve o autor, perceber-se nesta nova condição um processo que
transita entre negação e evitação do reconhecimento da perda e a aceitação e construção de
uma nova forma de ser e existir no mundo. Este processo está inserido na teoria da transição
psicossocial, por ele desenvolvida.
A transição psicossocial, apontado por Parkes (1999), configura-se como uma
percepção de deslocamento entre o mundo que é e o mundo que deveria ser. O autor identifica
esta sensação em pessoas que perdem um membro, e afirma, a partir de Kessler(1951) que a
emoção que a maioria das pessoas sente quando informadas que perderão um membro pode
ser muito bem comparada à emoção do luto pela morte da pessoa amada. Desta maneira, uma
pessoa com deficiência visual adquirida vive a transição psicossocial de ser uma pessoa que
enxerga e faz uso deste sentido para desenvolver os mais diversos papéis sociais, para ser uma
pessoa que pouco ou nada enxerga, sendo impelida a desenvolver novos papéis e novas
habilidades, assim como pessoas que perdem um ente querido.
A sensação de pesar vivenciada por uma pessoa que perde um membro advém da falta
que sente das funções que eram executadas por este membro, descreve Parkes (1999). Desta
maneira, pergunta-se se os amputados vivenciam um processo de conscientização no qual se
movem da negação para aceitação da situação verdadeira. Esta mesma pergunta pode ser feita
para uma pessoa que perde um sentido tão importante como a visão.
Neimeyer, Prigerson e Davies (2002) entendem que a busca de significado no luto se
dá por meio da tentativa de construir uma narrativa coerente que preserve o senso de
continuidade com aquilo que o indivíduo costumava ser, mas também que integre a realidade
de um mundo novo em uma nova concepção do que o indivíduo deve se tornar agora. A busca
de significado se dá a partir de diferentes níveis, a saber: o sociológico, o psicológico e o
psiquiátrico. O nível sociológico corresponde a rituais, discursos e culturas locais que
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fornecem referencias que se tornam recursos para a pessoa lidar com perdas. O nível
psicológico diz respeito à forma como o sujeito responde a ruptura de suposições pessoais e
relacionamentos que sustentam um senso de si, sendo que o nível psiquiátrico diz respeito ao
sujeito que possui uma incapacidade de reconstruir uma realidade pessoal significativa,
levando a complicações de saúde que pedem intervenção.
Em outras palavras, o significado que a pessoa atribui à a perda da visão acontece de
maneira processual, por meio de oscilações de sentimentos e de comportamentos, uma vez
que ora está mais focado naquilo que foi perdido, ou seja, na visão, ora está mais focado na
realização das atividades diárias que possibilitam que o foco seja diluído entre outros tipos de
tarefas. O misto de sentimentos e sensações que ocorre ao sujeito que deixou de enxergar, e a
forma como ele irá construir um novo significado para sua existência, dependerão fortemente
de diversos fatores como o social e o psicológico que determinarão se seu luto desencadeará
em um processo com fortes implicações para a saúde ou não.
Stroebe e Schut(1999), Parkes(1998) e Doka (2002) compreendem que é de grande
relevância o aspecto cultural para o enfrentamento do luto. Desta forma, uma pergunta
possível de ser feita seria: Entender a perda da visão como luto possibilita uma atenção
específica para estas necessidades, para estas demandas? Ou ainda: Não compreender a perda
visual como um luto leva o sujeito a enfrentar as consequências de um luto não reconhecido?
Doka (1989) ressalta que as perdas que não são reconhecidas acontecem quando existe
falha na compreensão de que aquela morte (real ou simbólica) é vivenciada de maneira
significativa por aquele que sofre. Afirma que luto não reconhecido ocorre quando não é dado
reconhecimento, por parte da sociedade, para o enlutado vivenciar seu luto da maneira e no
tempo que precisar ou escolher vivenciar, sem que o outro interfira de maneira intrusiva. Esse
mesmo autor (2002) considera que modos individuais da vivência da perda podem não ser
reconhecidos quando se chocam com as expectativas dos outros, especificamente quando
mostram fortes reações emocionais, ou quando não mostram suas reações, violando, desta
maneira, as regras de luto de uma sociedade.
Attig (2004) reforça que o luto não reconhecido não é apenas uma questão de
indiferença aos esforços do enlutado para superar a perda, mas é também uma ação destrutiva
na medida em que envolve a negação do direito de sofrer à sua maneira e impõe aos sujeitos
determinadas sanções. As mensagens do não reconhecimento de um luto ativamente
destituem, desencorajam, desaprovam, invalidam e deslegitimam os esforços da pessoa
enlutada. Attig (2004) cita Corr (2002) que amplia esta teoria discorrendo sobre o que pode
ser um não reconhecimento do processo de enlutamento. Geralmente acontece quando alguém
21
3
Na convenção de Montreal em 1995 aconteceu o Simpósio “Intellectual Disability: Programs, Policies and
Planning For The Future” da Organização das Nações Unidas (ONU) que alterou o termo deficiência mental por
deficiência intelectual no sentido de diferenciar de quadros psiquiátricos não necessariamente associados a
déficits intelectuais.
24
O fim da Primeira Guerra Mundial teve grande impacto neste tipo de visão
humanitária, uma vez que era necessário reinserir os sujeitos mutilados em combate. Neste
sentido, um grande passo foi dado nos Estados Unidos, quando em 1917 foi criada
o“Rehabilitation and Research Center”, onde os soldados feridos na guerra obtinham
assistência com o objetivo de assumir atividades remuneradas.
Portanto, vale ressaltar que com a Primeira e a Segunda Grande Guerras, o aumento do
contingente de pessoas com deficiência foi o propulsor de políticas que permitiram a inclusão
do deficiente nos diversos setores sociais. Diversas especialidades como a Medicina,
Psicologia, Sociologia, Pedagogia, Engenharia, entre outras, começaram a se integrar e se
apropriar cada vez mais do tema da deficiência para dar conta da reabilitação do sujeito na
sociedade, buscando favorecer a melhoria da qualidade de vida do deficiente nos aspectos
biopsicossociais.
A análise histórica feita por Pacheco e Alves (2007) ressalta a construção dos valores e
do olhar que se tinha e que se tem até hoje em relação à pessoa com deficiência. A partir deste
olhar histórico, foi possível identificar as modificações no seio social que ocorreram até os
dias de hoje, além de analisar a forma como alguns valores acerca do fenômeno ainda se
mantêm e influenciam a vida das pessoas.
De acordo com Fernandes, Schlesener, Mosquera (2011), o século XX foi marcado
por diversas mudanças paradigmáticas em relação à deficiência. Avanços técnicos
importantes como cadeira de rodas, bengalas, sistemas de ensino especializado começaram a
fazer parte deste cenário. Havia grande interesse de integração do sujeito ao meio social em
seus mais diversos contextos. Porém, a constatação dos grandes custos de manter os
deficientes em instituições foi um dos grandes propulsores para esta reavaliação
paradigmática.
Fernandes, Schlesener, Mosquera (2011) revelam que a grande contradição deste
século foi que ao mesmo tempo em que se buscava a integração do deficiente, tal empreitada
depositava apenas nele a necessidade de modificação necessária para caber em padrões da
assim chamada normalidade. Neste sentido, as comunidades pouco ou nada se reorganizavam
para atender suas demandas.
Isto acontece porque a apropriação da Medicina sobre este tema traz o que se
compreende como modelo médico de entendimento deste fenômeno. Segundo Silva e Moreira
(2015), há dois paradigmas centrais que balizam o que se compreende por deficiência: o
modelo médico e o social. O primeiro paradigma compreende que a deficiência é uma
problemática individual porque é pertencente ao corpo do sujeito, ou seja, a partir do aporte
25
como incapaz e sim o ambiente quando não proporciona à pessoa a integração social
necessária para seu desenvolvimento (UPIAS, 1976).
Neste sentido, a deficiência é a falta de alguma parte do corpo, ou de alguma função e
a incapacidade tem a ver não com o sujeito em si, mas a restrição imposta a ele por uma
sociedade organizada socialmente de maneira desigual, no sentido de compreender as mais
diversas formas de existência humana.
Silva e Moreira (2015) afirmam que o modelo social surge a partir da primeira
organização política formada por homens paraplégicos que surgiu nos Estados Unidos em
1970. Nesta congregação, as reivindicações buscam delegar a temática como uma questão
social, e não apenas individual como era feita pelo modelo médico.
Seu entendimento como questão social compõe outra forma de lançar o olhar da
sociedade. Isto acontece na medida em que se compreende que não só o sujeito tem que se
adaptar ao meio, mas também o meio deve se adaptar a ele. Silva e Moreira (2015) afirmam
que foi com base nestas ideias que, a partir de 1980, alguns países começaram a adotar o
paradigma de suporte que advoga o direito do deficiente a conviver sem ser segregado e com
acessibilidade a recursos tal qual outra pessoa.
Em 1976, a Organização Mundial da Saúde publicou a CIF - Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (OMS, 2003) que é um marco na
reformulação de paradigma que até então se buscava com o modelo social. A novidade
encontrava-se na ênfase dada ao impacto das doenças na qualidade de vida em detrimento da
causalidade das doenças, como aponta Pinto (2013). Neste sentido, a CIF passa a ser um
instrumento de referência para a medição das incapacidades e também para a formulação de
políticas públicas. Neste documento compreende-se como incapacidade a relação entre a
função do corpo e também a inserção do indivíduo nas funções sociais.
Vale notar que a deficiência não deve ser compreendida nem como algo puramente
médico, e nem somente social. Há várias vertentes que compõem este fenômeno e neste
sentido ele deve ser compreendido como uma interação dinâmica entre problemas de saúde e
fatores contextuais, tanto pessoais quanto ambientais, conforme afirma o Relatório Mundial
sobre deficiência (2012).
As diferentes concepções acerca deste tema não são lineares. Tais crenças e valores se
fortalecem e enfraquecem ao longo do tempo, mas coexistem. Pode-se perceber na atualidade
que ainda há a compreensão do deficiente como um sujeito sem direitos por parte da
sociedade quando atitudes preconceituosas e discriminatórias acontecem em diversos
contextos (escolas, universidades, centros de ensino).
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regulamentação da Lei 8213, de 24 de julho de 1991, que ficou conhecida como Lei de Cotas4
para a contratação de pessoas com deficiência, as instituições de ensino têm uma
responsabilidade maior em promover a capacitação profissional para empregabilidade. Assim
sendo, as Escolas de Ensino Técnico e Tecnológico da Rede Federal começaram a se
comprometer com a criação de cursos de capacitação com o objetivo de inserir na realidade
mercadológica a pessoa que possui limitações físicas e tem alguma escolaridade. Esta
preparação na prática acontece por meio de transformação de metodologias, aquisição de
novos equipamentos e instrumentos além da capacitação de docentes e técnicos
administrativos.
Porém, de acordo com estudos de Lino e Cunha (2008) acerca da percepção de
pessoas com deficiência sobre a empregabilidade, foi constatado que mesmo com a
obrigatoriedade de contratação garantida pela Lei das Cotas, ainda são observados muito
preconceito e não aceitação da deficiência por parte dos empregadores. Os participantes de
seus estudos relataram barreiras nas atitudes com o profissional que possui alguma limitação
física, atestando segregação e exclusão provenientes das representações sociais negativas
acerca do fenômeno deficiência.
Vale ressaltar que deficiência por si só não deve ser critério nem de contratação e nem
de exclusão. Deve ser desconsiderada a qualificação e competência para o trabalho. Contudo,
a falta de consciência e de informação dos empregadores os faz compreender
equivocadamente que uma pessoa com deficiência não possui capacidades próprias.
Em estudos de Fialho et al. (2017), ressaltou-se que a contratação de uma pessoa com
deficiência tem benefícios para o empregador para além do mero cumprimento da lei. Com
este tipo de contratação, a empresa tem a possibilidade de criar melhorias em sua estrutura e
na capacitação dos gestores para atender as demandas da pessoa com necessidades especiais.
Neste sentido, ter a equipe composta por diversidade é importante não só para a credibilidade
social que a empresa cria perante a comunidade, mas também contribui para a capacitação de
outros funcionários no sentido de saber gerenciar as diferenças no campo empresarial.
Porém, estes autores também constataram que na prática, muitos contratantes quando
agregam uma pessoa com deficiência no quadro de funcionários está muito mais preocupado
com estar na legalidade do que, de fato, inseri-la na rede de produtividade da empresa,
4
O objetivo da Lei de Cotas é promover a inclusão, estabelecendo a reserva de 2% a 5% das vagas de emprego
para pessoas com deficiência ou usuários reabilitados pela Previdência Social nas empresas com 100 ou mais
funcionários. O preenchimento da cota varia de acordo com a proporção abaixo (e o seu não-cumprimento é
punível com multa): Até 200 funcionários: 2%; De 201 a 500 funcionários: 3%;De 501 a 1000 funcionários: 4%;
De 1001 em diante funcionários: 5%. Disponível em: <https://isocial.com.br/legislacao-lei-de-cotas.php>.
Acesso em: jan. 2018.
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Fonseca (2012) aponta que a busca da ruptura com políticas de cunho tutelar e
assistencialista foi e continua sendo de grande importância para a afirmação do papel social
do deficiente, uma vez que ações assistencialistas impõem sobre a pessoa com deficiência a
condição de subordinação em todas as decisões e práticas que são pensadas e idealizadas por
pessoas sem deficiência. Desta forma, as decisões são tomadas por pais, amigos e familiares,
deixando o deficiente à margem de questões que lhe dizem respeito.
Esse mesmo estudioso (2012) ressalta que ao invés do assistencialismo, o artigo 4 da
Constituição propõe que os estados devem desestimular práticas e costumes discriminatórios
contra pessoas com deficiência; atualizar a legislação; estabelecer políticas públicas para o
reconhecimento das capacidades da pessoa com deficiência e também de suas necessidades;
formação e capacitação de profissionais habilitados; reabilitação e habilitação das pessoas
com deficiência; convívio social, entre outros. Ou seja, busca-se a ampliação e edificação de
direitos econômicos, sociais e culturais da pessoa com deficiência, tudo isto com sua
participação e colaboração.
Rufino (2010) aponta que a entrada do modelo social no Brasil foi tardia, aconteceu
apenas em 2007 por meio da adoção da Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF) que é a referência da legislação do Benefício de Prestação
Continuada (BPC)6 com a finalidade de referenciar as avaliações das pessoas com deficiência
solicitantes do benefício assistencial de transferência de renda para pessoas em extrema
pobreza.
Embora ainda com esforços de agregar valores tanto do modelo biomédico como do
modelo social, a CIF no Brasil, de acordo com Rufino (2010), tende a favorecer a deficiência
como aspecto mais voltado a termos de saúde do que à percepção da deficiência como fruto
de uma relação sujeito-meio ambiente. Isto fica exemplificado quando a perícia médica,
referenciada no CIF, para possibilitar o BPC para a pessoa, não se preocupa em propor
medidas para traduzir tais concepções em alterações na abordagem da deficiência como
desigualdade e opressão social.
Em outras palavras, a CIF, quando reduz o olhar do médico perito a apenas analisar
quem é deficiente ou não, não está produzindo quebras de paradigmas, como pressupõe o
modelo social da compreensão do fenômeno da deficiência. A classificação sobre a pessoa dá
6
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) é a garantia de um
salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. Disponível em:
<https://www.inss.gov.br/beneficios/beneficio-assistencial-ao-idoso-e-a-pessoa-com-deficiencia-bpc/>. Acesso
em: 7 fev. 2018.
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ainda mais ênfase ao modelo médico quando, como afirma Rufino (2010), reforça uma
abordagem dos impedimentos corporais onde a palavra de ordem ainda é buscar nestes
sujeitos onde estão suas incapacidades ao invés de dar luz e foco às suas capacidades e
potencialidades.
Neste sentido, fica evidente que apesar dos avanços nas leis, ainda há muito que ser
feito no quesito das práticas públicas e desconstrução do paradigma social que compreende a
deficiência como uma incapacidade, apesar das mudanças ocorridas na Constituição.
Atualmente o que representa os deficientes é Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), de julho de 2015. Araújo e Costa (2015)
apontam que essa lei é fruto da participação do Brasil na Convenção da ONU sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, na qual se compromete a implementar medidas para
dar efetividade aos direitos previstos na Constituição.
Araújo e Costa (2015) apontam que tal lei não traz muitas novidades uma vez que
nada foi criado, mas ajuda a sistematizar e reunir diversos pontos que estavam espalhados em
diversas legislações, o que conferiu maior uniformização ao sistema legal. Porém, a ideia do
Estatuto da Pessoa com Deficiência dá a lei uma dimensão de sistematização que interfere em
posturas como a criação de institutos que servirão de apoio aos deficientes.
forma, deixa de ser um ser comum e passa a ser reduzido a um indivíduo estragado e
diminuído, o que torna seu atributo um estigma, afirma Goffman (2004), especialmente
quando seu efeito de descrédito é muito grande, sendo este atributo considerado um defeito,
uma fraqueza ou uma desvantagem. Um estigma, neste sentido é um traço que impede que
alguém seja facilmente recebido na relação social cotidiana, uma vez que centraliza o foco da
atenção das outras pessoas e as afasta, destruindo a possibilidade que outros de seus atributos
sejam vistos.
As pessoas não possuidoras de estigma, conforme Goffman (2004), acreditam que
alguém estigmatizado não é completamente humano e desta forma desempenha ações
discriminatórias que muitas vezes reduzem suas chances na vida. Tais ações são: criação de
teorias e afirmações sobre o sujeito (sem sua participação), construção de uma ideologia que
explique sua inferioridade, utilização de termos específicos de estigma como forma de
representação daquela pessoa (a exemplo dos termos aleijado, retardado, entre outros). A
tendência é inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original.
O efeito destas construções sociais no indivíduo estigmatizado, segundo Goffman
(2004) é que este tende a ter as mesmas crenças que a sociedade maior, ou seja, estas crenças
de que seu atributo é uma característica inferior podem confundir sua sensação de ser uma
pessoa comum, que merece um destino agradável e oportunidades legítimas. Desta maneira, o
sujeito que recebe o estigma torna-se intimamente suscetível ao que as pessoas da sociedade
maior veem como seu defeito, o que pode levá-lo a concordar com a classificação de
inferioridade que lhe foi designada e neste momento, surge a vergonha de seu próprio ser. Tal
sensação pode impelir a pessoa a buscar corrigir diretamente o que considera seu defeito,
como quando alguém com alguma imperfeição física se submete a cirurgia plástica ou uma
pessoa cega a um tratamento ocular, por exemplo.
Muitas tentativas de reparar o defeito podem ser tomadas, além de muitos esforços
despendidos no sentido de buscar relevar o atributo que estigmatiza a pessoa, porém, em
muitos casos, o contato com os sujeitos que estigmatizam começa a ser evitado pelo
estigmatizado, o que tem consequências severas para sua saúde mental. Faltando o feedback
saudável do intercâmbio social cotidiano com os outros, a pessoa que se autoisola
possivelmente torna-se desconfiada, deprimida, hostil, ansiosa e confusa. (GOFFMAN,
2004).
Goffman (2004) também reflete sobre aquele que não nasceu com um estigma, mas
que o adquiriu ao longo de seu desenvolvimento. Tais indivíduos já se estabeleceram no
mundo ouvindo tudo sobre o que é viver sem e com estigma, antes de serem impelidos a se
34
considerar como deficientes. Neste sentido, as dificuldades que têm para estabelecer novas
relações podem se estender às antigas, uma vez que as pessoas com as quais se relacionam
após o evento (no caso de uma deficiência adquirida), podem considerá-los simplesmente
como pessoas que têm um defeito.
Desta forma, as relações passadas ficam reduzidas apenas ao indivíduo que ele foi,
mas não se estendem ao sujeito que ele passou a ser após o acometimento. Considerando isto,
Goffman (2004) aponta que as pessoas que possuem o mesmo estigma há mais tempo passam
a ser aqueles que podem ajudá-lo no manejo da nova condição. Quem adquire um estigma ao
longo do tempo possui ambivalência da vinculação com o grupo de estigmatizados do qual
faz parte. Ora aceita a participação neste grupo, ora o rejeita. O sujeito oscila nas crenças
correspondentes a natureza do próprio grupo e do grupo daqueles sem estigma. A pessoa
passa a tolerar as incongruências da nova condição quando começa a identificar os indivíduos
estigmatizados como seres comuns que possuem características e semelhanças com aqueles
que não os têm.
conceito que existe em uma sociedade que a princípio compreende que qualquer diferente
forma de ser e existir implica em encontrar-se à margem de uma sociedade e, portanto,
excluído. É necessário incluir aquele que está excluído.
Por trás do conceito de inclusão, portanto, existe a compreensão social de que
qualquer condição que não corresponda aos princípios de normalidade adotados pela
perspectiva cultural, encaixa-se em um parâmetro de não natural, de marginal, de exclusão.
Neste sentido, incluir torna-se uma maneira de retomar a ordem natural perdida com a
diferença. Incluir pode transformar-se em uma prática de exclusão quando se busca colocar no
mesmo patamar todos os tipos de diferenças que não se encaixam na normatividade social,
buscando-se aplicar a elas os mesmos processos includentes, concluem os autores. Apontam
que uma das características da“in/exclusão” é a ocupação do mesmo espaço físico.
Vale notar que não se faz uma apologia à eliminação de práticas inclusivas, mas ao
contrário, Veiga-Neto e Lopes (2011) fazem um convite à análise do que está por trás destas
práticas quando elas se tornam imperativas e não se pensa de maneira mais aprofundada sobre
elas. É de grande importância pensar de maneira cuidadosa sobre o que é incluir, buscando-se
sempre em detalhes as formas como estas inclusões são feitas.
Apesar da importância do olhar crítico, vale lembrar que incluir é também ajudar a
pessoa na busca de seus direitos e deveres e na construção de seus papéis sociais de forma
digna, os quais outrora sem a inclusão, na atual sociedade normativa, as pessoas com
deficiência não teriam chances de sobreviver a tais estigmas.
cor, tamanho, forma, posição ou movimento. Pode acontecer desde o nascimento (cegueira
congênita) ou posteriormente (cegueira adquirida).
A cegueira pode acontecer ao longo do desenvolvimento devido a causas orgânicas ou
a acidentes, e em alguns casos a perda da visão pode estar associada a outras perdas como na
surdo-cegueira ou outras deficiências, afirmam Sá, Campos e Silva (2007). O relatório afirma
também que informação tátil, auditiva, sinestésica e olfativa são mais desenvolvidas pelas
pessoas cegas, uma vez que fazem mais uso destes sentidos para captar as informações do
mundo.
Ainda de acordo com Sá, Campos e Silva (2007), a baixa visão é uma condição que
varia de acordo com a intensidade e grau de comprometimento das funções da visão. A baixa
visão e a cegueira representam um contínuo que vai de um para outro. Isto significa dizer que
se apresenta grande oscilação de condição visual, sendo que há vários tipos de baixa visão. É
comum, em determinados casos, o movimento rápido e involuntário dos olhos (nistagmo) que
causa exaustão durante a leitura.
Como recurso de leitura algumas pessoas7 com deficiência visual utilizam o Sistema
Braille, o qual de acordo com Lages (2000), é um modelo de lógica, simplicidade que é
adaptado como linguagem universal a todas as espécies de grafia. Foi criado no ano de 1825
pelo francês Luís Braille e ainda é utilizado nos dias atuais.
Ainda no sentido de inclusão educacional e social, além do Braille existem no
mercado diversas opções de recursos para leitura para pessoas com deficiência visual. Silveira
et al (2007), ressaltam a existência de softwares8 leitores de telas que usam sintetizadores de
voz que permitem a leitura de informação da tela de computadores. Este recurso permite que
deficientes tenham acesso não só à leitura de conteúdos que contribuem em sua capacitação,
mas também em sua inserção em redes sociais.
Vale notar, porém, de acordo com Silveira et al. (2007) que poucos deficientes têm
acesso a estes softwares pelos mais diversos motivos: falta de local para realizar o
treinamento no manejo da tecnologia, ou impossibilidade de ir até o local do curso por falta de
acessibilidade urbana.
7
Alguns deficientes visuais com baixa visão fazem uso do Braille e também de recursos de áudio e leitores de
voz, além de recursos ópticos como lupas e óculos que ajudam a ampliar a letra do material de leitura.
8
Entre eles estão o Virtual Vision 5.0, Jaws 8.0, NonVisual Desktop Access (NVDA).
38
Parkers (1998) ressalta que o luto é um processo que envolve uma sucessão de quadros
clínicos que se mesclam em qualquer tipo de luto, nunca fica claro com exatidão o que
realmente foi perdido. Isto acontece porque uma perda leva a outras secundárias que também
contribuem para as mudanças de vida da pessoa enlutada.
Parkes (2009) compreende ainda que apesar da dificuldade de ter uma definição exata
do que é luto, a reação do enlutado inclui muito mais do que pesar, colocando-o de frente com
ameaças à sua segurança, mudanças importantes na vida e na família, podendo ou não estar
associado a lembranças terríveis de eventos aterrorizantes, sensação de culpa pela morte
dirigida a outras pessoas e vergonha ou culpa por negligência. Entende o luto como transição
psicossocial que significa uma sensação de descolamento entre o mundo que é e o que deveria
ser, sendo expressa por meio de sentimento de mutilação ou vazio que reflete a necessidade
de reaprender um modelo interno de mundo, dando novos sentidos a este.
Neste sentido a compreensão do luto, segundo Franco (2010), se dá a partir da
perspectiva da construção de significados, na qual os componentes sociais, culturais e
espirituais são levados em conta para o entendimento do enlutamento. Busca-se compreender
a singularidade e a construção de sentido que existe em cada pessoa na vivência de seus lutos.
Desta forma, o luto é um processo não linear uma vez que permite revisões na
identidade, nas relações com o morto e nas crenças. Franco (2002) entende que uma perda
gerada por morte ou outro tipo de situação impele a pessoa a um reajustamento social que
implica em uma mudança no padrão de vida no qual estava acostumada. Afirma também que
é importante dimensionar o luto não apenas do ponto de vista individual, mas sim os impactos
que ele tem na rede social, podendo esta ser ou não favorável para a elaboração da perda
sofrida.
O modelo mais atual de compreensão sobre o processo do luto envolve o
entendimento da singularidade humana na vivência deste fenômeno. Portanto, Stroebe e Schut
(1999), a partir do Processo Dual, o compreendem como um fenômeno dinâmico e flexível,
40
no qual o enlutado oscila entre dois movimentos: um deles orientado para a perda e outro
orientado para a restauração. A pessoa orienta-se para a perda quando se concentra em
aspectos ligados ao ente perdido e isto inclui olhar fotos antigas ou chorar pela morte da
pessoa amada. A orientação voltada para a restauração corresponde ao enfrentamento que está
embutido na experiência cotidiana que envolve assistir um programa de televisão, ler algo
interessante, conversar com amigos sobre algum outro tópico, por exemplo.
Desta forma, por mais que as dores do luto sejam intensas, não estão presentes todo o
tempo. De acordo com Parkes (1999) a necessidade de chorar a perda diminui e o indivíduo
consegue responder às demandas cotidianas como cuidar dos filhos, assistir um programa de
TV. Vale notar que tanto o movimento orientado para a perda, como para a restauração
envolve misto de sentimentos.
Stroebe e Schut (1999) revelam que quando a pessoa se orienta para a perda pode ter
sentimento de alívio pela morte do ente querido por este ter parado de sofrer e tristeza por ter
sido deixado. Quando se orienta para a restauração pode se sentir empolgado para o
desenvolvimento de novos papéis que terá que desempenhar depois da morte do ente querido
e também se sentir demasiadamente ansioso para o cumprimento destas novas tarefas.
Portanto, não existe uma linearidade na forma de vivenciar a perda. Mistos de sentimentos e
oscilações de estratégias cognitivas são adotadas de acordo com as contingências do enlutado.
O Processo Dual, segundo Mazorra (2009) traz grande avanço ao oferecer uma nova
estrutura de análise para o entendimento de como as pessoas se adaptam à perda de uma
pessoa significativa, ressaltando a importância de colocar em análise todos os fatores
envolvidos no luto, como o contexto sociocultural, as circunstâncias da morte, a dinâmica
familiar, a relação com o falecido, recursos do enlutado para o enfrentamento. Tais fatores
irão influenciar o desenvolvimento de um luto mais voltado para a orientação da perda, ou a
reestruturação.
Mazorra (2009) complementa ainda que esta forma de compreender a elaboração do
luto lança luz para o entendimento de que este não ocorre apenas no momento em que a
pessoa entra em contato com a dor da perda, como também nos momentos em que se volta
para aspectos práticos de seu dia a dia, e é desta maneira que o trabalho de ressignificação
daquele vínculo pode acontecer aos poucos.
Desta maneira, o modelo proposto por Stroebe e Schut (1999) é uma tentativa de
explicar as diferenças individuais na manifestação do luto. Neimeyer, Prigerson e Davies
(2002) sustentam que há diversos níveis de respostas a perdas: o nível sociológico quando as
referências sociais e culturais são importantes vetores para a manifestação (ou não) do
41
prévias às perdas, tipo de morte: se foi de forma abrupta, se houve preparação para o luto;
múltiplas perdas ao mesmo tempo, se é luto não autorizado ou se é uma morte que gera culpa.
Outro fator importante é a forma calorosa como a pessoa ainda se liga ao que foi perdido, uma
vez que a intensidade do investimento psicológico na relação torna difícil para o sobrevivente
aceitar a possibilidade de continuar a existir sem o outro, afirma o autor.
A consideração destes domínios na avaliação da vivência do luto é importante, uma
vez que nem sempre uma pessoa irá manifestar seu sofrimento a partir apenas de uma
perspectiva. Ela pode fazer parte de uma comunidade que impõe um jeito específico de
manifestar sua dor, mas o aspecto psicológico ultrapassa e a impede de seguir aqueles
padrões, o que pode, inclusive, gerar ainda mais sofrimento para aquela pessoa e tal
sofrimento adicional pode produzir sintomas psiquiátricos, levando-o a um luto complicado.
Tal sofrimento provocado por perdas importantes que geram o processo de luto,
interfere, interrompe e modifica as narrativas dos sobreviventes, geralmente colocando-os em
uma busca involuntária pelo significado da perda, afirma Neimeyer (2001). Pode-se perguntar
o que, afinal, é significado e porque não se pode falar de luto sem compreender esta palavra.
A narrativa da história da vida do homem é preenchida por memórias de longo prazo,
de longo alcance, antecipações, crenças, reflexões, interpretações, expectativas,
arrependimentos, entre outros aspectos. Todos estes elementos formam a maneira como as
pessoas enxergam a si mesmas e o mundo, formando sentidos e significados, de acordo com
Neiymeyer (2001). Criar significado é a capacidade de habitar um mundo simbólico que
permite comunicar com o outro e conosco mesmos, criando uma autonarrativa que de acordo
com o autor é definida como uma estrutura cognitiva-afetiva-comportamental que organiza as
emoções e as características de cada um.
Em outras palavras, a forma como cada pessoa significa o mundo irá determinar a
forma como desenvolve seus papéis sociais. A maneira como desempenha tais papéis irá
influenciar nas relações com as pessoas (principalmente com as figuras que mantêm com ela
fortes vínculos) e coisas ao seu redor. Ao mesmo tempo será influenciada por tais elementos
para a construção da sua autoimagem.
Neiymeyer (2001) discorre que o luto é uma crise nesse processo de significado que
abala o enredo básico da pessoa acerca de si e do mundo, afeta sua autopercepção e a
percepção do outro e dos eventos que se seguem. Neste aspecto, o enlutado diante de uma
morte de parceiro/parceira se faz perguntas como “Como é que meu amado morreu? ”;
“Quem sou eu, agora que não sou mais um cônjuge”?, ou até mesmo perguntas para o
espiritual ou existencial “Por que Deus permitiu que isto acontecesse comigo”?. É muito
43
importante notar que, segundo o autor, a forma como o sujeito engaja estas perguntas, se
busca resoluções, ou fica paralisado diante delas, molda a maneira como a pessoa assimila o
acontecimento.
Quando a pessoa não consegue caminhar diante das perguntas que se faz, quando fica
paralisada nelas e tem grande dificuldade de construção de novos sentidos que a ajudem a
desempenhar outra forma existir e ser no mundo, esta crise de sentido torna-se um grande
fator de risco para sua saúde biológica, psicológica, social e até espiritual.
Neste sentido, a maneira pela qual se estuda luto, atualmente, retira-nos do lugar
tradicional que coloca nas reações do enlutado todo o foco de luz sem compreender os
antecedentes que determinam não só suas reações, como também seus desdobramentos na
busca por reconstrução de si e do mundo. Tal vertente atual ajuda a criar intervenções que
interfiram nos resultantes de um luto complicado.
afetuosa, ou se envolvia muita hostilidade, principalmente se tal hostilidade não pôde ser bem
expressa uma vez que tal condição prediz reações severas de luto com impulsos de
hostilidade. Neste sentido, aponta importantes medidas que o paciente de luto crônico pode ter
para atenuar o sofrimento: revisar a relação com o morto; familiarizar-se com as alterações
em suas reações emocionais, ou seja, não ficar assustado com seu repertório de sentimento,
principalmente com a sensação de hostilidade que pode vir a aparecer; expressar seus
sentimentos de perda; achar reformulações em seu futuro relacionado com o morto; verbalizar
sentimentos de culpa e achar pessoas à sua volta que sejam o gatilho para a aquisição de
novas formas de conduta.
É importante que a pessoa tenha apoio profissional para tal empreitada, que não se
mostra um caminho fácil, devido à nebulosidade de seus sentimentos em uma situação de
perda. Guiá-lo no caminho da reestruturação é um processo que demanda paciência de todos
os envolvidos. Lindemann (1944) sustenta que quando o paciente apresenta muita hostilidade
voltada ao terapeuta que impeça a continuidade da terapia, pode ser de fundamental
importância pedir ajuda a um membro da família ou algum amigo.
De acordo com Prigerson et al (1995), atualmente se tem utilizado diversos termos
para se referir a um indivíduo com dificuldades de adaptação ao luto, dentre eles: luto
anormal, complicado, patológico, atípico, não resolvido. A escolha pelo termo “luto
complicado” refere-se às complicações diárias que a não adaptação causa na vida da pessoa, o
que é um dos critérios para defini-lo como um transtorno.
Outra consideração que pode ser feita no sentido dos termos utilizados, de acordo com
Parkes (2009) é a distinção das definições de luto crônico do conflituoso. O luto crônico é
aquele que é intenso desde o início e permanece por um longo período. O conflituoso demora
mais a se instalar, atingindo o auge algum tempo depois do falecimento, e tem como
complicadores a raiva e a culpa. Muitos transtornos psiquiátricos podem ser desencadeados
pelo luto, em particular os estados de ansiedade e depressão, ou até mesmo o luto crônico e
luto inibido/adiado (aquele que vem a se manifestar anos depois da perda). Desta forma,
Parkes (2009) revela a distinção que há entre estar enlutado e estar depressivo, o que irá
mudar o curso de entendimento e intervenções.
Para Parkes (2009), uma definição satisfatória que diferencia o luto de outros
fenômenos psicológicos é a experiência da perda e uma reação de um anseio intenso pelo
objeto perdido, uma vez que se não houver estes processos, não se pode dizer que a pessoa
esteja enlutada. Ele compreende que apesar de um luto grave ter muitas características
45
encontradas em transtornos psiquiátricos, é apenas quando ele fica muito prolongado e causa
danos às funções da vida normal que deve ser considerado complicado.
Ainda segundo seus estudos, o luto complicado é caracterizado pelo desejo
imensamente doloroso e prolongado de ter novamente o que foi perdido, continuando por
muito tempo sendo, inclusive um risco para comportamento suicida. Ainda assim, é muito
difícil distingui-lo de outros transtornos como a ansiedade e a depressão, por exemplo.
Porém, um dos determinantes do luto complicado, compreende Parkes (2009) é o
precedente de transtorno de ansiedade de separação na infância que é caracterizado pela
ansiedade excessiva que a criança tem na separação da casa parental, ou daqueles que ela tem
vínculo. Outros determinantes são os altos escores de pesar/solidão, ansiedade/pânico e
dependência afetiva.
Prigerson et al. (1995) escrevem que existem evidências consistentes que atestam a
diferença entre luto e depressão mesmo que em alguns momentos tais transtornos existam
simultaneamente. Isto porque quem passa por luto complicado experimenta sintomas de
depressão e ansiedade, mas o enlutamento tem seus próprios critérios para se tornar
complicado, e um deles é a preocupação intensa com o falecido, fator que não existe nos
outros transtornos. Reconhecer a distinção é de tamanha importância uma vez que criar
critérios para compreender que a pessoa está vivendo um luto complicado facilita a
investigação de sua prevalência e de seus fatores de risco e consequências. Além disto,
afirmam que a importância maior de distinguir luto de depressão se dá porque pesquisas
recentes sugeriram que medicação antidepressiva, enquanto eficaz na redução de sintomas
depressivos, não reduz a intensidade do pesar do luto. Ou seja, os antidepressivos são
ineficazes no tratamento do luto complicado.
Prigerson et al. (1995) completam ainda que tratar luto complicado como se fosse
depressão pode negligenciar a necessidade de tratamentos específicos para este transtorno.
Em outras palavras, pode-se compreender que as intervenções no campo da psicologia
também se diferenciam muito de um fenômeno para o outro, o que permite que seja repensada
a eficiência de alguns tratamentos oferecidos a sujeitos que inicialmente são diagnosticados
com depressão, mas que podem estar passando por um luto complicado.
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Worden (1998) define o luto antecipatório como aquele que ocorre antes da perda real
que já se é esperada e tem as mesmas características e processos da vivência de um luto pós-
morte e pode ser influenciado tanto por aspectos intrapsíquicos como interpsíquicos, por
fatores culturais e sociais.
De acordo com Fonseca (2004), o diagnóstico de uma doença crônica no membro de
uma família gera uma crise na qual o grupo familiar não está preparado no tocante às
mudanças físicas, psicológicas e sociais assim como para os períodos alternados de
estabilidade e crise e incertezas acerca do futuro. Quando um membro de um sistema familiar
passa intensamente por uma dor, a família adoece junto.
Isto acontece, segundo Fonseca (2004), porque uma doença grave exige novos modos
de postura do paciente, dos familiares e amigos que sofrem múltiplas perdas acompanhadas
de longos períodos de adaptação e interações frequentes com sistemas de saúde. A família
torna-se uma unidade de cuidado que precisa se mobilizar diante da perda de um de seus
membros.
É neste aspecto que Fonseca (2004) enfatiza a importância do trabalho com a família
para prepará-la para a perda que irá acontecer devido ao acometimento de uma doença grave.
É possível a prevenção de lutos complicados que podem vir a se instalar a depender da
vinculação estabelecida com a pessoa adoecida. É possível que uma perda leve a família a
acionar uma série de atitudes, a depender de seus valores e crenças que variam desde apatia a
passividade até a exagerada preocupação e movimentação em busca dos recursos mais
variados. Além disso, de se considerar o movimento de aproximação ou afastamento entre
seus membros.
Todas estas ações por parte da família irão influenciar a dinâmica do sujeito com seu
adoecimento e ajudá-lo a construir subjetividades e ressignificações frente ao evento estressor
que lhe ocorreu. Neste sentido, o espaço de tratamento familiar é de extrema importância para
a condução de maneira integrada do processo de perdas advindas com a doença e o
estabelecimento de qualidade de vida diante de um quadro de intensas crises da saúde. Além
disto, relata Fonseca (2004), este tipo de cuidado é de fundamental importância para o
paciente que enfrenta tal acometimento, uma vez que tais pessoas estão em intenso sofrimento
físico e psíquico que se refletem em queixas como problemas financeiros devido a perda do
trabalho, preocupações com a sobrevivência da família, sensação de não saber como pedir
47
ajuda e de impotência (nada podem fazer por si mesmos). O autor relata que alguns chegam a
desejar a própria morte para não causar mais sofrimento a família.
Fonseca (2004) observa ainda que tanto a doença crônica, quanto a doença terminal
instalam na pessoa e em sua rede mais próxima, sensações de ameaça e angústia, mobilizando
cada um em termos intrapsíquicos e o sistema familiar de maneira interpsíquica. O sistema
mais amplo em que a família está incluída também faz parte da forma como irá vivenciar tais
perdas.
Bromberg (1995) compreende que fatores que interferem no curso da elaboração de
uma perda na família são: dificuldades do enlutado assumir funções do falecido, sintomas
físicos por parte dos membros enlutados que podem se tornar preocupações destes com
questões de saúde futura, ter que lidar com o luto de outros familiares (particularmente mais
difícil para pai, mãe ou filhos pequenos), reações intensas de outros membros, ou até próprias
(ideações suicidas), falta de um contexto no qual tal família possa expressar sentimentos de
raiva e culpa, uma vez que os outros membros também estão enlutados e não oferecem este
espaço de manifestação.
Vicente (2013) afirma que o grau de desorganização familiar decorrente de uma
doença grave em um dos membros é muito grande, disto surgem necessidades decorrentes de
redefinição de papéis e funções na família, ou desorganização no espaço físico e mudança no
cuidador. Além disto, o isolamento social e funcional que podem acometer a família como
decorrência deste adoecimento, cria uma sobrecarga no sistema familiar quanto aos aspectos
de cuidados e relacionamentos.
Mesmo em casos nos quais há sobrevida, há sequelas para todos e é de grande
importância auxílio na redefinição do significado da vida e a possibilidade de reabilitação,
permitindo ao sistema familiar reconhecer sua competência para lidar com as adversidades,
aponta Vicente (2013). Algumas famílias buscam o movimento de tentar recuperar a
configuração anterior à morte daquele sujeito, tentando que alguém cumpra as funções dos
papéis desempenhados pelo morto. Algumas veem na religião a vivência de rituais como
busca de elaboração da perda sofrida.
Doka (1989) declara que as sociedades têm elaborações acerca do que é considerado
luto ou não, considerando especificidades como quem, quando, onde, como, por quanto
tempo e por quem se deve expressar o pesar. A grande dificuldade de tal requisito é que nem
48
Este capítulo visa a analogia entre as teorias de estudo acerca do luto para a
compreensão de tais aspectos no fenômeno da deficiência visual adquirida.
Parkes (1998) revela que no luto nunca fica claro com exatidão aquilo que realmente
foi perdido. No caso da deficiência visual, pode-se pensar em diversos tipos de perdas
secundárias que ocorrem devido a esta mudança na vida do sujeito. Porém, mesmo sabendo
que sua condição se transformou o deficiente ainda não tem a clareza com exatidão o que
realmente foi perdido. Ele vai experimentar aos poucos a vivência de seus papéis, dando-se
conta, de forma processual, dos prejuízos que pode enfrentar no desempenho deles. O autor
ainda afirma que o luto vai além da definição de pesar, uma vez que coloca o enlutado de
frente com sensações de ameaça à sua segurança, mudanças importantes na família, podendo,
ou não, estar associado a questões de culpa dirigida a si, ou a outras pessoas. Em relação à
culpa pode-se pensar sobre a forma como aconteceu a perda visual: se por um acidente ou
causas orgânicas. Pode-se inferir que, da mesma maneira que se observa no luto por morte, a
pessoa que perde a visão em um acidente, pode ter sensações de autoacusação ou até mesmo a
terceiros.
Neste sentido, o luto pela perda da visão caracteriza-se pela transição psicossocial de
uma condição de vidente9 para a condição de pessoa com deficiência que muitas vezes pode
ser sentida como uma sensação de vazio e mutilação que impele o sujeito a reaprendizagem
de um novo modelo interno de mundo, conforme afirma Parkes (2009).
Revisões na identidade do enlutado são requeridas no sentido de ajudá-lo a se entender
a partir deste grave acometimento em sua vida. É importante compreender os mais diversos
ajustes pelos quais o deficiente visual terá que passar. Franco (2000) revela que uma perda
implica mudanças no padrão de vida, impactando fortemente na rede social, que pode ou não,
ser favorável a elaboração da perda sofrida. Uma vez que o estigma social é forte em relação à
pessoa com deficiência, a rede de amigos e familiar pode constituir-se como uma ameaça à
sua sobrevivência emocional tendo em vista que estas pessoas podem se afastar e excluir o
sujeito em sua nova condição.
9
Designação utilizada para aqueles que enxergam.
53
Como afirmam Neimeyer, Prigerson e Davies (2002) acerca dos diversos níveis de
resposta à perda, a deficiência visual é um fenômeno que impele o indivíduo a se reajustar
também nestes diferentes aspectos. No nível sociológico percebe-se grande sofrimento em
relação a falta da visão uma vez que ainda nos dias de hoje, o quadro de referências da
sociedade contemporânea ainda é muito desfavorável ao deficiente visual. Isto fica bastante
explícito quando se observa o alto grau de desemprego e dificuldade de escolarização, como
apontado no Capítulo 1.
No aspecto psicológico, as manifestações de sofrimento acontecem devido a demanda
de intensos processos de adaptação nos quais o deficiente é impelido a ter mesmo em
atividades simples do dia a dia, além do forte apego que pode apresentar em relação à sua
condição de vidente, apresentando forte anseio e busca de sua condição anterior.
Quando a pessoa não consegue integrar a perda visual sofrida e tem dificuldade em
significar este evento em seu nível subjetivo, está sofrendo em nível psiquiátrico. Tal situação
pode ser demasiadamente difícil de ser assimilada pela pessoa, fazendo com que perca o
sentido de continuidade de quem é, uma vez que pode receber estigmatização social em
diversos papéis que exerce, não conseguindo se reconhecer como deficiente, mesmo sem
enxergar. Desta maneira, o indivíduo pode estar diante do prognóstico de um luto complicado
no enfrentamento de sua deficiência visual.
Parkes (1998) considera diversos domínios10 que devem ser observados como
influências na vivência do luto. Analogias destes fatores serão feitas para o entendimento
destas variáveis na condição da deficiência visual. A relação com o que foi perdido remete à
importância do sentido visual no desempenho do papel mais importante na vida do sujeito, ou
seja, se seu trabalho pode ser ou não adaptado à sua nova condição, por exemplo. Quando não
é possível tal adaptação e a pessoa é retirada daquela função, tal perda secundária pode
dificultar ainda mais o desapego da função visual. O afastamento de seu trabalho significam
para ele o peso e importância da visão, o que pode deixar a pessoa com grande expectativa de
10
Citados no Capítulo 2
55
Neste sentido, é importante observar aquilo que apontam Prigerson et al. (1995) sobre
quando o enlutamento começa a se apresentar de forma muito prolongada, causando danos a
funcionalidade do deficiente, ou seja, quando não consegue assumir novos papéis, ficando
demasiadamente estagnado no movimento voltado para a perda. Outro aspecto importante de
ser observado em quem perdeu a visão é se apresenta o anseio demasiadamente doloroso e
prolongado de ter novamente sua visão, e neste aspecto a pessoa com cegueira está sujeita a
ideação suicida.
Todos estes são indicativos de que a pessoa está vivenciando ou prestes a viver um
luto complicado. É de extrema importância diferenciar tal transtorno dos demais fenômenos
como depressão e ansiedade, como apontados por Prigerson et al. (1995). Um dos sintomas
mais claros que diferenciam o luto complicado de outros acometimentos pode ser entendido
como a busca constante da visão. Ao reconhecer a complicação gerada pelo luto, o manejo
com o paciente é diferente, uma vez que facilita a intervenção nos fatores de risco e seus
complicadores. Neste sentido, a medicação que é administrada em casos de depressão pode ter
pouco ou nenhum efeito no caso de um deficiente que está passando pelo luto complicado em
relação à sua visão. Isto acontece porque tal medicamento não interfere na sensação de pesar
decorrente da falta da visão. Ao tratar o deficiente como alguém depressivo, pode-se estar
negligenciando sua necessidade de acolhimento diante de sua necessidade de ressignificação
de si e do mundo.
Diante do que foi discorrido por Lindemann (1944), pode-se inferir que a pessoa com
a deficiência adquirida pode ter desordens psicossomáticas como derivadas do luto. Pode-se
esperar destes sujeitos reações de irritabilidade, sentimento de culpa, sensação de distância
emocional de outras pessoas e intensa preocupação com sua condição, que pode torná-los
muito autocentrados e distantes do mundo ao redor, assim como o observado em pessoas em
luto por morte.
A falha na significação da perda pode acontecer não só por parte da pessoa com ela
mesma como também por parte da sociedade com a pessoa. Neste caso, é possível falar de
luto não reconhecido. Como afirmado por Doka (1989), a sociedade tem regras específicas
acerca do que é luto, sendo que o enlutamento pela perda da visão pode ficar de fora destas
definições.
As especificidades acerca de quem pode ficar enlutado, por quanto tempo e como deve
se expressar podem deixar a pessoa que perdeu a visão sem o enquadre necessário de seu luto
devido a diversos motivos: a) a marginalização do tema da deficiência que impede estudos
mais detalhados acerca dos fenômenos psicológicos; b) a pressão social que demanda à pessoa
57
De acordo com Fonseca (2004), é possível inferir que a perda da visão em um membro
da família pode gerar situações de estresse em todo sistema familiar que pode dificultar a
forma como a pessoa irá lidar com sua deficiência. A cegueira irá exigir mudanças
psicológicas, sociais e até na estrutura do espaço físico não só do indivíduo como de sua
família.
As sensações de incerteza em relação ao futuro, portanto, podem ser encontradas na
família diante do possível quadro de demissão ou remanejamento de função da pessoa que
sofreu o trauma, trazendo a este sistema familiar o entendimento de que será o responsável
pela manutenção de cuidados e assistência financeira desta pessoa.
Quando a perda da visão é progressiva, é possível pensar em cuidado de luto
antecipatório com esta família, uma vez que, como afirma Fonseca (2004), desta forma pode-
se prevenir a complicação do luto não só do deficiente, mas também de familiares muito
vinculados a ele. Ainda decorrente do que afirma o autor, pode-se ressaltar que a perda da
visão pode levar os familiares do deficiente a acionar diversas atitudes, desde apatia e
evitação para com ele a excesso de proteção, uma vez que não compreendem quais são as
possibilidades de ação no mundo de uma pessoa com cegueira.
Além disto, a partir das sensações de angústia e insegurança instaladas na família que
tem um membro com doença crônica, como relatado por Fonseca (2004), pode-se pensar
nestes mesmos sentimentos nos sistemas familiares em pessoas que perderam a visão. Isto
acontece pela estigmatização social que a pessoa e seu grupo familiar podem vir a sofrer pelo
preconceito e exclusão de diversos segmentos sociais.
59
CAPÍTULO 4 - OBJETIVOS
CAPÍTULO 5 - MÉTODO
Esta pesquisa caracterizou-se como qualitativa, por meio de Estudo de Caso. Segundo
D‟Allonnes (2004), esse método consiste em pôr em destaque uma história de vida perpassada
por diversas situações complexas que demandam leituras em diferentes níveis, fazendo-se
valer de instrumentos conceituais adaptados. O Estudo de Caso tem a função de informar e
formar ao descrever as pessoas com situações difíceis, servindo também para ilustrar um
raciocínio clínico por meio de uma ou mais experiências vividas. Desta maneira, a partir deste
recorte da história de um sujeito, é possível levantar e fundamentar análises que têm relação
com uma problemática.
5.1 Instrumento
Foi utilizada a entrevista semiestruturada (APÊNDICE A), uma vez que segundo Lima
(1999) este tipo de instrumento possibilita que se estabeleça um processo de interação social
que tem como objetivo obter informações do entrevistado por meio de um roteiro contendo
tópicos com base em uma problemática específica.
5.2 Participante
Os critérios de inclusão foram: ser maior de idade, perda de visão repentina e total,
com tempo de perda da visão superior a um ano. O tipo de perda é um importante critério,
uma vez que se buscou investigar a perda adquirida ao longo do desenvolvimento de forma
abrupta e perda total da visão, por impelirem ao sujeito mudanças radicais de estilo de vida,
fator este de importante análise neste estudo.
O tempo de perda foi um aspecto importante no estudo, uma vez que interfere na
elaboração da pessoa frente ao evento. O período de, no mínimo, um ano de vivência da perda
da visão permitiu que se discorresse com mais elaboração, e com menos prejuízos ao
relembrar e desenvolver este tema.
Os critérios de exclusão foram: comorbidades com outras deficiências sensoriais, de
mobilidade e intelectuais. Uma vez que se pretendeu dar luz com mais ênfase ao fenômeno da
cegueira, outros tipos de deficiências poderiam gerar variáveis que influenciassem a vivência
do sujeito com o mundo, ultrapassando sua experiência especificamente com a perda da visão.
61
O participante é do sexo masculino, tem trinta e oito anos, perdeu a visão aos vinte e
três, no início da vida adulta quando estava em busca de melhoria de condições de vida no
papel profissional. Sua perda foi ocasionada por violência doméstica, de forma abrupta com
danos ao olho. Será dado o nome fictício de Francisco para preservar sua identificação.
5.3 Procedimentos
O local onde a entrevista ocorreu foi em uma Universidade, uma vez que é adaptado
com piso tátil que facilitou a locomoção do entrevistado.
Após leitura atenta do registro da entrevista, foram construídas as categorias. Foi feita
uma análise temática que, segundo Campos (2004), são recortes do texto escolhidos a partir
do objetivo do trabalho nos quais serão analisadas sentenças, frases ou parágrafos (unidades
de análise). Tais temas foram agrupados em categorias não apriorísticas, ou seja, categorias
criadas completamente a partir do contexto das respostas do sujeito. Por meio da criação de
categorias, inferências foram feiras a partir do embasamento teórico.
11
Objeto utilizado para deficientes visuais fazerem assinaturas.
62
a) Perda de papéis
Francisco relata que antes de perder a visão desempenhava diversos papéis e era uma
pessoa muito ativa. Antes da perda, estava se preparando para ter melhores condições de vida,
estudando para concursos públicos e ao mesmo tempo recebendo seu seguro desemprego de
outra ocupação. Gostava muito de ler e uma vez que ficou desempregado, lia assiduamente
para as provas. O episódio de violência doméstica que tirou sua visão foi logo depois de ter
descoberto que passara em um concurso almejado, mas diante do ocorrido, não pôde exercer a
função. Andava regularmente de bicicleta e também muito a pé na cidade que morava. Devido
à perda, perdeu muitos destes papéis, como será visto abaixo:
64
Por meio destes recortes foi possível perceber que papéis deixaram de ser
desempenhados devido à falta da visão, além de começar a existir uma mudança de postura
que foi de uma vida ativa, repleta de buscas para uma vida mais sedentária e com inatividade
nos dois primeiros anos após a violência sofrida. Encontra-se na literatura que em um
processo de transição psicossocial, ou seja, de luto, uma perda gerada por morte ou outro tipo
de situação impele a pessoa a um reajustamento social que implica na mudança no padrão de
vida a que estava acostumada, como afirma Franco (2002). Parkes(1998) também compreende
que uma perda leva a outras secundárias que contribuem para as mudanças de vida da pessoa
enlutada, como aconteceu na vida de Francisco.
Tais eventos o levaram, nos dois primeiros anos depois do ato violento que o fez
perder a visão, a ter uma vida completamente diferente daquela que vivenciava antes.
Francisco os entende como anos muito difíceis não só pelo evento primário (parar de
enxergar), como também pela impossibilidade de vivenciar seus papéis como antes, ou seja,
as perdas secundárias foram o grande desafio nestes primeiros anos em sua nova condição.
Olha, vou lhe ser sincero. Esses dois anos basicamente foram anos
que assim foram muito difíceis para mim. Se eu pudesse esquecer até
seria bom, mas infelizmente né? Fazem parte da minha história.
65
Tal afastamento de tudo pode ter acontecido como uma reação àquilo que Carroll
(1968) chama de perdas decorrentes da falta da visão quando acontece na vida adulta. Dentre
as relatadas pelo autor, um dos domínios que é perdido é o da segurança psicológica ligada a
sensação de ameaça à integridade física já que os sentidos se encontram de outra forma e o
contato com o ambiente, portanto, transforma-se. A falta de orientação acerca de questões de
mobilidade urbana e a falta de compreensão dos recursos podem ter sido um dos motivos
pelos quais o desempenho da maioria de seus papéis tenha ficado paralisado nesta etapa que
vivenciou. O participante relata experiências de falta de orientação neste aspecto,
principalmente no primeiro ano que estava em busca de tratamento para voltar a enxergar fora
do seu Estado natal.
Você chegar numa cidade que você nunca foi e sem enxergar nada,
sendo que quando eu fui para lá eu não tinha passado por nenhuma
orientação de condução, e nem minha mãe de como me ajudar na
mobilidade, na locomoção.... Aí foi muito difícil nesse aspecto…estar
numa cidade desconhecida para a gente, tanto para minha mãe e ter
que se deslocar.
Analisando estes aspectos, evidencia-se que a falta de instrução para reviver tais
papéis em uma nova condição, levou-o a vivenciar uma paralisia de suas funções diárias. Isto
é ressaltado em razão da perda ter sido abrupta, deixando-o sem indicadores para lidar com os
desafios e as questões do dia a dia por meio dos outros sentidos. Esta dificuldade com os
novos papéis pode ter sido reforçada pela dificuldade de tratamento médico em seu Estado.
b) Ganho de papéis
Minha rede de amigos era um tanto quanto restrita. Eu diria até que
menor do que agora depois da perda.
Então, aí foi realmente onde eu caí na real porque até então eu estava
na esperança de voltar a enxergar de ambos os olhos porque até
então tinha a possibilidade de fazer um transplante de córnea, mas o
médico falou que não tinha mais essa possibilidade porque o olho já
estava bastante comprometido, o olho direito. Aí fiz a extração do
olho direito, coloquei uma prótese de silicone e foi uma barra pesada.
Foi uma pancada que eu...foi duro pra mim receber essa notícia...Aí
eu fiquei na esperança ainda do outro olho, do olho esquerdo que o
médico fez uma série de intervenções.
Francisco começou a voltar-se cada vez mais para a restauração quando buscava
instituições especializadas para a assistência de pessoas que têm necessidades especiais. Ele
conseguia desempenhar as atividades corriqueiras depois que encontrou o Centro de Apoio
Pedagógico (CAP) no qual conseguiu aprender a ler em Braille, a caminhar com ajuda de
bengala, técnicas de Soroban e a desempenhar atividades no dia a dia mesmo sem a visão. Foi
a partir deste momento que começou a retomada dos papéis antes deixados de lado. Stroebe e
Schut (1999) compreendem que a pessoa se volta para a restauração quando consegue
responder às demandas cotidianas nas quais envolvem atividades simples do dia a dia.
Eu, por meio do meu irmão, ele conseguiu uma pessoa pra mim pra
me auxiliar no descolamento...ele era como a gente chama de guia
vidente aí eu ia com ele fazer caminhada e também nesse período foi
uma coisa boa que me aconteceu foi que ...aliás, foi depois dos dois
anos quando já estava no CAP.
À medida que suas expectativas de voltar a enxergar foram cessando um pouco mais,
suas ações começaram a se voltar para o enfrentamento do mundo diante da deficiência
visual, não mais para a recuperação de sua visão. É pertinente notar que por meio do Processo
Dual, proposto por Stroebe e Schut (1999), com o tempo, a pessoa tende a se voltar muito
mais para a restauração do que para a perda, algo que é notado no discurso do participante.
d) Apoio Familiar
Eu, por meio do meu irmão, ele conseguiu uma pessoa pra mim, pra
me auxiliar no deslocamento... ele era como a gente chama de guia
vidente, aí eu ia com ele fazer caminhada.
Minha mãe foi uma presença, eu diria, aquela presença integral. Ela
de certa forma anulou-se para poder me dar apoio, de certa forma.
69
e) Apoio Social
Francisco relata ter tido muito acolhimento tanto enquanto estudante universitário
(quando ingressou na academia já não tinha mais a visão), quanto nos papéis profissionais que
desempenhou. É possível compreender que tal apoio o ajudou a construir sua identidade
nesses papéis contribuindo para seu sucesso profissional.
Franco (2002) entende que o luto é dimensionado não só no aspecto individual, mas
também por meio dos impactos que ele tem na rede social da pessoa, podendo esta ser ou não
favorável para a elaboração da perda sofrida. Neste sentido, percebe-se que a rede de
Francisco o ajudou, aos poucos na construção de novos sentidos a partir da deficiência visual.
f) Espiritualidade
g) Rituais
Outro fator que contribuiu para que o participante pudesse não cair em um luto
complicado foi a presença do ritual da meditação todos os dias. Tal ação não existia antes de
sua experiência com a perda visual, vindo a se estabelecer somente após este episódio por
auxílio de um espiritualista que o incentivou em tal empreitada.
A rotina de Francisco com a meditação pode ter sido um importante suporte para
contenção de emoções fortemente desagradáveis. Além disso, uma vez que foi algo novo para
ele, pode ter sido um importante marco de transição de um ciclo para outro, simbolizando, aos
poucos a conclusão dos momentos de intensa dor dos dois primeiros anos da vivência da
perda. Lisboa (2002) destaca que o ritual é um esforço para relatar uma experiência e
encontrar significado nela, apoiando-se nos símbolos e na ação simbólica uma vez que estes
elementos representam a possibilidade de modificação de crenças e significado dos
acontecimentos.
O participante utilizava não só a técnica de meditação com outras, para lidar com as
ansiedades advindas dos dois primeiros anos nos quais tentava assiduamente, por meio dos
serviços de saúde, reverter o quadro de perda visual. Lisboa (2002) considera que o ritual
serve como uma maneira de reduzir a ansiedade em relação à mudança que está para ocorrer.
72
Francisco pontua que sua vida antes de perder a visão tinha a dinâmica de
enfrentamento e luta por melhores condições de trabalho e de vida financeira. Relata algumas
tentativas de passar em concurso público enquanto trabalhava intensamente em uma empresa,
e também depois enquanto enfrentava sua demissão, o que demonstra uma atitude
protagonista diante das barreiras que o abatiam.
A atitude de se preparar para buscar novas oportunidades que Francisco tinha mesmo
antes de perder a visão manteve-se após o período dos dois primeiros anos que relata terem
sido os mais difíceis, conforme é possível perceber em seus relatos. Parkes (1998) discute a
importância do aspecto psicológico como importante determinante na vivência de luto, ou
seja, quanto mais vulnerável psicologicamente a pessoa estiver antes da perda, maior será a
dificuldade no enlutamento.
Francisco relata experiências que poderiam ter sido barreiras que o impedissem de
ressignificar sua perda visual. Muito do que se observou nesta categoria pode ser considerado
luto não reconhecido por uma parcela da sociedade, uma vez que grande parte dos desafios
está no discurso e nas atitudes das pessoas a seu redor, que por preconceito e por estigma
social não conseguem cuidar e tampouco oferecer espaço para a expressão de seu pesar. Se
73
por um lado, a maioria das pessoas de seu microssistema foram apoiadoras, como
anteriormente relatado, por outro lado, percebeu-se grande hostilidade por parte daquelas que
compõem seu macrossistema, ou seja, a sociedade de forma mais ampla.
Francisco percebe que depois que perdeu sua visão algumas pessoas começaram a
duvidar de sua competência e capacidade para conseguir conquistar as coisas, colocando-o,
por meio do discurso e das ações, em um papel de inferioridade no qual não lhe é
possibilitado o direito de escolha e de participação social:
Francisco é percebido neste macrossocial por meio de sua deficiência e uma vez que
há crenças e valores sociais que colocam sua condição como um estigma, há um afastamento
e uma não consideração por ele, como uma pessoa digna da participação na relação social,
colocando-o à margem da comunicação que acontece naquele momento. A consideração em
relação a seus atributos para além da deficiência não existe, e logo há um afastamento em
relação a ele.
Tais afirmações da experiência do entrevistado nos levam à compreensão daquilo
que discorre Goffman (2004) acerca de estigma social que impede alguém de ser facilmente
74
recebido na relação social cotidiana já que centraliza o foco da atenção e afasta as pessoas,
impedindo que os outros atributos do sujeito sejam reconhecidos.
Uma vez que mesmo em uma clínica, profissionais da saúde desconsideram sua
presença durante a sessão e falam apenas com sua acompanhante, essas pessoas estão
passando uma clara mensagem de desconfirmação da capacidade de Francisco de assimilar
informações e ser protagonista de sua própria vida. Isto acontece porque compreendem a
perda de sua visão como algo incapacitante, e mesmo sem consultar o participante para saber
suas capacidades, inferem que sua limitação visual é também uma limitação de captar e
assimilar informações. Goffman (2004) entende que aqueles que não possuem estigma
acreditam que quem possui não é completamente humano e assim desempenham ações
discriminatórias como a criação de teorias e afirmações sobre a pessoa sem sua participação.
Tais fatos remetem à compreensão das crenças e valores sociais em relação a
deficiência e nos coloca em contato com a discussão acerca de como ela era vista em tempos
mais remotos. Pacheco e Alves (2016) revelam que em temos primitivos as sociedades
nômades eram impelidas, a cada mudança sofrida pelo grupo, a abandonar as pessoas com
algum tipo de limitação. Hoje em dia, apesar de existirem ações mais voltadas ao cuidado da
pessoa com deficiência, ainda coexistem práticas sociais que levam ao abandono daquele que
possui limitações físicas, sendo que os relatos de Francisco ilustram isto.
É perceptível também que a deficiência é interpretada, até os dias de hoje, como
imagem de tragédia pessoal e destino de desventura, como afirma Pinto (2013). Tal
interpretação não é recente, pois provém de compreensões de sociedades ultrapassadas como
é o caso da Grécia antiga, como afirma Pacheco e Alves (2016), uma vez que nesta cultura os
corpos tinham que ser moldados de acordo com objetivos de guerra e, portanto, aqueles que
possuíssem limitações eram descartados. Desta maneira, possuir limitações físicas já era por
si só a própria tragédia pessoal daquela pessoa que era descartada sem sequer ter a
oportunidade de revelar seus potenciais. Tal crença fica perceptível no seguinte trecho:
tem a ver não com o sujeito em si, mas com a restrição imposta a ele por uma sociedade
desigual, por outro lado, as crenças sociais ainda compreendem a pessoa com deficiência, por
si só, como alguém que possui incapacitações, sem notar sua dinâmica com o meio. Não
necessariamente é a limitação física da pessoa que influencia em sua produtividade, mas
outros itens que devem ser avaliados, de acordo com o Relatório Mundial sobre a Deficiência
(2012). Francisco pontuou que a falta da sua visão não o limita nas inúmeras possibilidade de
atuação que pode , a depender das facilidades do meio e também da utilização de seus outros
sentidos.
No dia a dia, apesar do paradigma do modelo médico ter sido posto em cheque por
meio do modelo social, as ações cotidianas de grande parcela social ainda centralizam apenas
no sujeito a necessidade de modificação necessária para caber em padrões de normalidade,
como afirmam Fernandes et al. (2014).
j) Barreiras Ambientais
Nesta categoria, encontram-se aspectos que contribuem para aquilo que se define
como um luto não reconhecido.
Francisco revelou que muitas pessoas não estão preparadas para lidar com sua
limitação visual pelo fato de não compreenderem sobre o fenômeno, e não haver educação
social sobre essa condição que qualquer pessoa pode vir a ter. Confessa que esta falta de
habilidade por parte de membros da comunidade o incomoda bastante, fazendo-o ter em
vários momentos, sensações desconfortáveis enquanto está apenas buscando exercer seu papel
de cidadão.
77
Vicente (2013) aponta que o isolamento social e funcional da família nuclear que
pode acontecer quando um membro tem um quadro de perda, pode criar uma sobrecarga no
sistema familiar quanto aos aspectos de cuidado e relacionamentos. Tal fato ocorre, de acordo
com o depoimento do entrevistado, quando apenas seus irmãos e sua mãe assumem o cuidado
de inseri-lo no ambiente social.
É neste sentido que há também um não reconhecimento da perda, ou seja, percebe-se
que neste contexto familiar amplo houve uma morte social no sentido de que Francisco parece
não ser percebido e reconhecido socialmente como antes o era, podendo trazer nele sensações
severas de perdas psicológicas, como afirma Doka (2002). Isso é perceptível em seu relato:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
custo financeiro que é para o governo, uma vez que quando alguém necessita de tratamentos
psiquiátricos, tal quadro medicamentoso pode se alastrar por longo período, muitas vezes até
sem remissão dos sintomas.
É também muito importante considerarmos a prevenção de luto complicado por meio
de orientações à comunidade em geral acerca de atitudes que devem ser evitadas para não
causar prejuízos secundários da não validação da dor daquele que sofre. A pessoa entrevistada
neste estudo não apresentou quadro de luto complicado, e é possível pressupor que o apoio
que obteve da comunidade foi de grande importância para seu processo de restabelecimento à
sua nova forma de viver o mundo.
O Centro de Apoio Pedagógico possibilitou-lhe a retomada de seus papéis e até a
criação de outros novos, que foram, aos poucos, dando novos sentidos à sua vida e o
possibilitou lidar de outras maneiras com a falta de visão. O peso do acolhimento desta
instituição foi tão forte que é perceptível que a falta de apoio de outra parcela social que
tendeu a excluí-lo por meio de atitudes e falas preconceituosas, não o colocou em limitação
no sentido de busca e consolidação de seu espaço.
Grandes movimentos de apoio e capacitação podem fazer a diferença na vida da
pessoa que passa por difíceis situações de perda. Neste sentido, é quase impossível pensarmos
em luto sem pensar na sociedade da qual a pessoa faz parte já que será um dos determinantes
da forma que aquela pessoa irá viver seu processo, seja no sentido da expressão de seus
sentimentos e também no sentido da orientação que seguirá: se cada vez mais voltada para a
perda, ou para a restauração.
Porém, é também importante frisar que existe também o peso do protagonismo do
indivíduo nisto tudo. Sua estrutura psicológica e a forma como se movimenta, ou não, para
pedir ajuda também irão contar como um fator de proteção para o não desenvolvimento de um
luto complicado. Neste sentido, a própria pessoa que vivenciou a perda pode não conseguir
aproveitar o apoio social oferecido por apresentar, previamente, histórico com transtornos
mentais e tal adoecimento pode ser intensificado pela perda.
82
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APÊNDICE A
Pergunta finalizadora
O que você poderia sugerir para quem está passando por esta situação?
90
APÊNDICE B
______________________________ _____________________________
Camila D‟Avila Moura Maria Helena Franco
CRP: 19/3504 CRP: 06/1690
91
Data:___/___/_____ Assinatura:__________________________________________