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Fonologia do Português e Interfaces

Fonologia do Português e Interfaces: Fenômenos da Aquisição e da Variação


reúne uma coletânea de estudos sobre aquisição fonológica e variação fonológica
no Português Europeu e Brasileiro, com a abordagem de tópicos e a proposição de
análises pouco estudados na pesquisa linguística na língua-alvo.
Os onze capítulos promovem debates teóricos sobre os processos subjacentes
tanto à aquisição quanto à variação fonológica e mostram como estão inter-
relacionados. Concentram-se em unidades fonológicas na fala cotidiana na
aquisição da fonologia por crianças, bem como na variação na fala de adultos,
destacando os processos linguísticos que ocorrem em ambos os contextos. O
volume combina teoria e prática com foco no ensino e na aquisição da língua.
O livro será de interesse para linguistas da Lusofonia, particularmente para
aqueles voltados para a aquisição e a variação fonológica, e deverá ser útil para
pesquisadores da área da Linguística, para usuários da língua e para estudantes de
Português na Europa, na América Latina e nos Estados Unidos.

Dermeval da Hora é Professor Titular pela Universidade Federal da Paraíba, PB,


Brasil.

Carmen Matzenauer é Professora Titular pela Universidade Católica de Pelotas,


RS, Brasil; Professora Visitante da Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil
Professora Colaboradora da Universidade Federal de Pelotas, RS, Brasil.
Routledge Studies in Hispanic and Lusophone Linguistics
Series Editor: Dale A. Koike, University of Texas at Austin

The Routledge Studies in Hispanic and Lusophone Linguistics series provides a


showcase for the latest research on Spanish and Portuguese Linguistics. It publishes
select research monographs on various topics in the field, reflecting strands of
current interest.

Titles in the series


Comunicación especializada y divulgación en la red
aproximaciones basadas en corpus
Gianluca Pontrandolfo y Sara Piccioni

Spanish in Miami
Sociolinguistic Dimensions of Postmodernity
Andrew Lynch

Spanish Verbalisations and the Internal Structure of Lexical Predicates


Antonio Fábregas

Comunicación estratégica para el ejercicio del liderazgo femenino


Edited by Catalina Fuentes Rodríguez and Ester Brenes Peña

Mutual Influence in Situations of Spanish Language Contact in the Americas


Edited by Mark Waltermire and Kathryn Bove

Language Practices and Processes among Latin Americans in Europe


Edited by Rosina Márquez Reiter and Adriana Patiño-Santos

Fonologia do Português e Interfaces


Fenômenos da Aquisição e da Variação
Edited by Dermeval da Hora and Carmen Matzenauer

For more information about this series please visit: www.routledge.com/Routledge-Studies-in-Hispanic-


and-Lusophone-Linguistics/book-series/RSHLL
Fonologia do Português
e Interfaces
Fenômenos da Aquisição e da Variação

Editado por Dermeval da Hora


e Carmen Matzenauer

Series Editor: Dale A. Koike


Spanish List Advisor: Javier Muñoz-Basols
First published 2024
by Routledge
4 Park Square, Milton Park, Abingdon, Oxon OX14 4RN
and by Routledge
605 Third Avenue, New York, NY 10158
Routledge is an imprint of the Taylor & Francis Group, an informa business
© 2024 selection and editorial matter, Dermeval da Hora and Carmen
Matzenauer; individual chapters, the contributors
The right of Dermeval da Hora and Carmen Matzenauer to be identified as
the authors of the editorial material, and of the authors for their individual
chapters, has been asserted in accordance with sections 77 and 78 of the
Copyright, Designs and Patents Act 1988.
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without intent to infringe.
British Library Cataloguing-in-Publication Data
A catalogue record for this book is available from the British Library
ISBN: 978-1-032-27840-7 (hbk)
ISBN: 978-1-032-27842-1 (pbk)
ISBN: 978-1-003-29434-4 (ebk)
DOI: 10.4324/9781003294344
Conteúdos

Lista de Colaboradores vii

Introdução 1
DERMEVAL DA HORA, CARMEN MATZENAUER

PARTE I
Aquisição Fonológica 15

1 Aquisição fonológica típica e atípica 17


ANA VOGELEY, ANA MARGARIDA RAMALHO

2 Padrões de aquisição de contrastes consonantais no


Português Brasileiro e Europeu 42
CLARA AMORIM, CRISTIANE LAZZAROTTO-VOLCÃO

3 A aquisição de assimetria na gramática fonológica do


Português: o exemplo da líquida lateral /l/ 63
CARMEN MATZENAUER, MARIA JOÃO FREITAS

4 Aquisição da Prosódia no Português 80


SÓNIA FROTA, RAQUEL S. SANTOS

5 Relação entre produção e percepção das líquidas no


Português: dados de aquisição de L1 e L2 110
LARISSA CRISTINA BERTI, CHAO ZHOU

6 A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE:


fonologia e ortografia 129
ANA RUTH MORESCO MIRANDA, TERESA COSTA
vi Conteúdos

PARTE II
Variação Fonológica 157

7 Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 159


DINAH CALLOU, SÍLVIA FIGUEIREDO BRANDÃO, DANIELLE KELY
GOMES

8 Palatalização das oclusivas alveolares no Português


Brasileiro: variação linguística e restrições em jogo na
aquisição fonológica 201
ELISA BATTISTI, ATHANY GUTIERRES

9 As vogais do Português Brasileiro: estabilidade e variação 223


JOSÉ MAGALHÃES, MARCO ANTÔNIO DE OLIVEIRA, SEUNG HWA LEE

10 O ditongo no Português Brasileiro: história, variação e


análise fonológica 239
LEDA BISOL, VALÉRIA NETO DE OLIVEIRA MONARETTO

11 Condicionamento morfológico e lexical na variação fonológica 259


LUIZ CARLOS SCHWINDT, RAQUEL CHAVES, GREGORY GUY

Índice Remissivo 280


Colaboradores

Clara Amorim
Doutora em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto,
PT. É também professora convidada na Escola Superior de Educação de Viana
do Castelo. Desenvolve pesquisa sobre a aquisição fonológica típica em crian-
ças Portuguesas e em aprendentes de Português como língua estrangeira.
Elisa Battisti
Professora Associada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil.
Atua nas áreas de Fonologia e Sociolinguística. Doutora em Linguística pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós-doutorado em
Fonologia pela Vrije Universiteit-Amsterdam e Meertens Instituut, Holanda.
Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno­
lógico (CNPq – Brasil). Coordena o banco de dados LínguaPOA (https://ufrgs.
br/linguapoa).
Larissa Cristina Berti
Professora Adjunta da Universidade Estadual Paulista, Marília, SP, Brasil, Doutora
em Linguística Unicamp, com Pós-Doutorado pela Universidade de Toronto.
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Vice- Coordenadora do Labo-
ratório de Análise Articulatória e Acústica (LAAc) da UNESP. Atua nas áreas
de aquisição da linguagem oral, fonética e fonologia, análise acústica e análise
ultrassonográfica.
Leda Bisol
Professora Titular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil.
Aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi pro-
fessora do curso de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Pesquisadora 1A do CNPq-Brasil.
Silvia Figueiredo Brandão
Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Doutora
em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Pesquisadora do
CNPq-Brasil e Cientista do Nosso Estado (FAPERJ, 2015–2018). Desenvolve e
orienta pesquisas no âmbito da Sociolinguística Variacionista e da Dialetologia.
viii Colaboradores

Dinah Callou
Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Doutora
em Letras Vernáculas – Área Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, com Pós-Doutorado em Linguística (Universidade da Califor-
nia/Santa Bárbara,). Pesquisador 1-A do CNPq – Brasil. É coautora do primeiro
Atlas Linguístico Brasileiro, o APFB (Atlas Prévio dos Falares Baianos), junta-
mente com Nelson Rossi e Carlota Ferreira, publicado em 1963 pelo INL/MEC.
Raquel Chaves
Professora da Universidade Estadual do Paraná, PR, Brasil. Doutora em Linguís-
tica pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-doutorado em Linguís-
tica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desenvolve pesquisas
especialmente dentro do quadro teórico-metodológico da Sociolinguística Varia-
cionista, concentrando-se em fenômenos de interface Fonologia/Morfologia.
Teresa Costa
Professora da Universidade da Madeira, Funchal, Portugal. Doutora em Linguís-
tica Portuguesa pela Universidade de Lisboa, Membro do Centro de Linguística
da Universidade de Lisboa (CLUL). Os seus trabalhos de investigação incidem,
particularmente, no domínio da fonologia, área de aquisição, e na linguística
educacional.
Maria João Freitas
Professora da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. Doutora em Letras
(Aquisição de Fonologia de Língua Materna) pela Universidade de Lisboa. Tem
Agregação pela Universidade de Lisboa em Linguística Portuguesa. É diretora
do Doutoramento em Linguística da FLUL. Desenvolve investigação sobre
aquisição da fonologia do Português Europeu.
Sónia Frota
Professora da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. Coordenadora científica
do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. É também directora do
Lisbon Baby Lab e editora principal do Journal of Portuguese Linguistics. A
sua investigação cruza as áreas da prosódia e da aquisição da linguagem nos
primeiros anos de vida.
Danielle Kely Gomes
Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Doutora
em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Dedica-
se a pesquisas em teorias fonológicas, nas interfaces aquisição da linguagem/
aprendizagem da escrita, contato linguístico e análises contrastivas entre varie-
dades do Português.
Athany Gutierres
Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, Brasil. Doutora em
Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Suas pes-
quisas concentram-se, sobretudo, na área de fonologia e variação, com vistas à
descrição das variedades de Português faladas no sul do Brasil.
Colaboradores ix

Gregory Guy
Professor da New York University, NYC, Estados Unidos da América do Norte.
Dentre seus interesses, destacam-se linguística histórica, sociolinguística, foné-
tica e fonologia. No que diz respeito à sociolinguística, tem trabalhado prin-
cipalmente com a representação da variação na teoria linguística, os aspectos
sociais da variação e mudança e as questões metodológicas da modelagem
estatística da variação.
Dermeval da Hora
Professor Titular pela Universidade Federal da Paraíba, PB, Brasil. Aposentado.
Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Realizou estágio pós-doutoral por duas vezes na Vrije Universiteit – Holland.
Pesquisador 1B CNPq – Brasil. Preside desde 2017 a Associação Internacional
de Linguística e Filologia da América Latina (ALFAL). É membro do Comitê
Internacional de Linguistas (CIPL) desde 2019. Desenvolve pesquisa nas áreas
de sociolinguística variacionista e fonologia.
Cristiane Lazzarotto-Volcão
Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil. Doutora
em Letras pela Universidade Católica de Pelotas. Realizou pesquisa de pós-
doutorado no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Desenvolve
pesquisa sobre a aquisição fonológica típica e atípica em crianças Brasileiras e
Portuguesas.
Seung Hwa Lee
Professor Adjunto da Universidade Federal de Minas Geras, MG, Brasil. Doutor
em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas. Tem pós-doutorado
em Fonologia pela University of Massachusetts at Amherst. Tem experiência
na área de Linguística, com ênfase em Fonologia, atuando principalmente nos
seguintes temas: fonologia, acento, teoria da otimalidade, interface fonologia-
morfologia e variação das vogais.
José Magalhães
Professor Titular da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil. Dou-
tor em Linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Atua na área de descrição e análise linguística, desenvolvendo pesquisas sobre
o sistema fonológico do Português. Coordenador do Projeto Teoria e Análise da
ALFAL (Associação de Linguística e Filologia da América Latina).
Carmen Matzenauer
Professora Titular pela Universidade Católica de Pelotas, RS, Brasil; Professora
Visitante da Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil; Professora Colabo-
radora da Universidade Federal de Pelotas, RS, Brasil. Doutora em Letras pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É pesquisadora 1A do
Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq) do Brasil. Desen-
volve investigação na área de Linguística, com ênfase em Fonética e Fonologia,
atuando principalmente nos seguintes temas: aquisição da fonologia, fonologia
do Português, fonologia clínica e teoria fonológica.
x Colaboradores

Ana Ruth Moresco Miranda


Professora Titular da Universidade Federal de Pelotas, RS, Brasil. Doutora em Lin-
guística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(1996 e 2000), com Pós-Doutorado em Linguística (Aquisição da Escrita) pela
Universidade de Barcelona. É pesquisadora 1D do CNPq – Brasil. Desenvolve
pesquisas sobre a aquisição da escrita, principalmente sobre a ortografida e sua
relação com a fonologia.
Valéria Neto de Oliveira Monaretto
Professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil.
Doutora pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Membro
pesquisadora do Projeto Variação Linguística do Sul do País (VARSUL). Líder
do Grupo de Pesquisa Memória Social e Linguística do Rio Grande do Sul do
século XIX: pesquisa diacrônica.
Marco Antônio de Oliveira
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. Doutor em Lin-
guística pela University of Pennsylvania, na área da Sociolinguística. Pesquisa-
dor nas áreas da sociolinguística, linguística histórica, fonologia, alfabetização
e sistemas adaptativos complexos. Integra o grupo de pesquisa Descrição Sócio-
Histórica das vogais do Português do Brasil.
Ana Margarida Ramalho
Professora da Universidade de Évora, Évora, Portugal. Doutora em Linguística
pela Universidade de Lisboa. Exerce funções como teurapeuta da fala no Hos-
pital do Espírito Santo de Évora e investigadora no Centro de Linguística da
Universidade. Colabora com projetos de investigação no Crosslinguistic Child
Phonology Project, sediado no Canadá.
Raquel S. Santos
Professora Titular da Universidade de São Paulo, SP, Brasil. É pesquisadora do
CNPq – Brasil. Seus interesses de investigação estão em aquisição fonológica
de Português como L1, a influência do Português na aquisição fonológica de
outras línguas, e a interface fonologia-sintaxe.
Luiz Carlos Schwindt
Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. Dou-
tor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pes-
quisador do CNPq-Brasil. Sua produção concentra-se nas áreas de fonologia,
morfologia. Coordena o grupo de pesquisa e extensão MorPhon Circle.
Ana Vogeley
Professora Adjunta da Universidade Federal da Paraíba, PB, Brasil. Doutora em
Linguística pela Universidade Federal da Paraíba. Estágio pós-doutoral na Vrije
Universiteit, Amsterdam. É Educadora Parental certificada pela Positive Disci-
pline Association (PDA).
Colaboradores xi

Chao Zhou
Professor da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. Doutor em Linguística pela
Universidade de Lisboa. Investigador do Centro de Linguística da Universidade
de Lisboa (CLUL). Suas principais áreas de investigação são aquisição da lin-
guagem, fonologia, fonética, psicolinguística, métodos quantitativos.
Introdução
Movimentos da língua na aquisição e na
variação fonológica

Dermeval da Hora, Carmen Matzenauer

Uma comunidade de fala é o contexto que permite que ocorram a aquisição de


uma língua por crianças e também a variação no seu uso por falantes adultos. É em
meio a um mar de sons, como parte de uma comunidade, que as crianças adquirem
a linguagem. O sistema linguístico usado pelos adultos, com todas as suas proprie-
dades e história, incluindo as formas em variação, é disponibilizado às crianças em
interações sociais diversas e se torna o alvo de sua aquisição. E o dinamismo lin-
guístico é captado pelas crianças: em sucessivos estágios de desenvolvimento lin-
guístico, caracterizados pela variabilidade no uso de diferentes unidades (fonemas,
morfemas, palavras), o processo de aquisição vai avançando em direção à incorpo-
ração da gramática alvo, em toda a sua complexidade, contendo também os fenô-
menos variáveis presentes na comunidade linguística de que fazem parte (Labov,
1989). Na observação da idade em que as crianças adquirem padrões de variação
semelhantes aos dos adultos, Labov verifica haver a presença de restrições também
características de estágios anteriores da própria língua-alvo. São movimentos da
língua que têm propriedades comuns. O movimento de variação é, portanto, central
ao processo de aquisição, tanto pelos estágios de desenvolvimento da linguagem
infantil, como pelo input com formas variáveis a que as crianças estão expostas.
Nesse vínculo encontrou-se uma das motivações para a reunião de estudos sobre
fenômenos da Aquisição e fenômenos da Variação linguística.
A Aquisição e a Variação da Linguagem estão reunidas nesta obra por se mos-
trarem campos da Ciência Linguística que se configuram como exemplos pro-
totípicos de uma propriedade presente em todos os sistemas linguísticos: a não
estaticidade. O foco de análise do livro está no componente fonológico da língua –
particularmente do Português – embora os movimentos que caracterizam as formas
em variação presentes em manifestações linguísticas de crianças e de falantes adul-
tos de determinada comunidade linguística também ocorram em todos os compo-
nentes do sistema.
Os fenômenos que se fazem presentes na Aquisição do sistema pelas crianças
e na Variação presente na fala de adultos compartilham a noção de língua como
sistema mutável e os estudos de uma e de outra área merecem ser reunidos. Ambas
as áreas podem ver-se enriquecidas não apenas com a observação de fatos de
variação linguística muito semelhantes em cada uma, mas especialmente com o
exame atento das análises que têm sido empreendidas no campo da Aquisição e no

DOI: 10.4324/9781003294344-1
2 Dermeval da Hora, Carmen Matzenauer

campo da Variação. Ao se colocarem lado a lado estudos da Aquisição e da Vari-


ação fonológica, como se faz nesta obra, está sendo oferecida uma oportunidade
para que relevantes questões relativas ao estudo das línguas, as quais estão em
alicerces de pesquisas de uma e de outra área, sejam visualizadas como de interesse
compartilhado pelas duas áreas, como, por exemplo, a representação subjacente ao
comportamento de vogais, consoantes e estruturas prosódicas e morfofonológicas.
Os estudos de um campo podem oferecer insights para as investigações no outro
campo, tanto na busca de interfaces, como na procura de respostas referentes ao
funcionamento e à natureza das línguas, e isso é possível porque tanto os padrões de
variação na fala do adulto como os padrões de variabilidade nas crianças informam
sobre o funcionamento do sistema fonológico. O reconhecimento de interfaces
entre os estudos de Aquisição e Variação da fonologia de uma língua e também a
abertura de novos caminhos de investigação estão no foco deste livro.
Essas duas áreas –Aquisição e Variação – veem­se unificadas, portanto, por ambas
serem espaços de destaque do dinamismo que há nos sistemas linguísticos: até che-
gar ao alvo da aquisição, o dinâmico processo de desenvolvimento linguístico das
crianças inclui diferentes estágios que contêm variação ou variabilidade, estágios
estes que são condutores de progressiva mudança; a vitalidade também dinâmica
dos sistemas linguísticos lhes atribui a variação como propriedade inerente, base
para a inexorável mudança que se faz presente em todas as línguas. Toda língua é
uma gramática e esta gramática contém variação.
Como é um sistema linguístico que as crianças têm como alvo e é também
um sistema linguístico que evidenciam nas diferentes manifestações no curso do
desenvolvimento da linguagem, cada estágio desse progressivo processo constitui-
se em uma gramática. O desenrolar-se, portanto, do processo de aquisição constitui-
se em uma sucessão de gramáticas até o alcance da gramática-alvo, dominada pelos
adultos de sua comunidade.
Se o objeto de uso pelos adultos e pelas crianças – a língua – é da mesma natureza,
deve esperar-se que o funcionamento da(s) gramática(s) dos adultos e das crianças
apresentem semelhanças. A observação de dados linguísticos de adultos e crianças
leva efetivamente a essa constatação. Ao tratar-se do componente fonológico da
língua, em ambos verificam­se, por exemplo, processos de assimilação, dissimi-
lação, epêntese, metátese e coalescência. No entanto, pode haver especificidades
pertencentes ao processo de aquisição, uma vez que as gramáticas que correspon-
dem aos diferentes estágios do desenvolvimento linguístico, com suas variações,
se constituem em movimentos de construção da gramática-alvo, ou seja, da língua-
alvo. Esta característica é responsável pela diferença crucial que há entre a variação
no uso da língua pela criança e no uso da língua pelo adulto e que diz respeito
à mudança linguística: embora a variação na língua do adulto e na aquisição da
linguagem compartilhe uma relação inerente com mudança linguística, na fala
do adulto o fenômeno da variação pode resultar em mudança ou pode manter-se
estável, enquanto na fala da criança a variação necessariamente deve conduzir à
mudança rumo à gramática-alvo. Porém, vale salientar que a mudança que ocorre
na fala da criança, em um determinado momento, não equivale à mudança na fala
do adulto.
Introdução 3

Nos estudos realizados no Brasil, que consideram o nível fonológico, não há


casos de mudança. Há, sim, casos de mudança em progresso.
Essa diferença da variação na gramática do adulto e na da criança tem sua base
na motivação que a promove:

(a) na gramática do adulto, a variação ocorre ou porque é licenciada pelo sistema


ou porque implica o uso de formas foneticamente simplificadas;
(b) na gramática do adulto, são fundamentais o condicionamento social e o estilís-
tico, não apenas o estrutural. São inúmeros os trabalhos que mostram como o
sexo, a faixa etária ou a escolaridade do falante têm papel relevante na vari-
ação e também há estudos que mostram como o estilo monitorado tem peso no
uso da língua, diferente do estilo casual;
(c) na gramática da criança, a variação/variabilidade decorre de razões representa-
cionais, isto é, de representações ainda não construídas (representação de uni-
dades fonológicas (segmentais ou silábicas, por exemplo)) ou por limitações
na implementação fonética (o que também implica, como no caso dos adultos,
o uso de formas foneticamente simplificadas).

Um exemplo de que, na gramática do adulto, a variação é licenciada pelo sistema


pode ser observado, no Português do Brasil, no emprego da forma africada [t∫]
como variante de [t] diante da vogal [i] para representar o fonema /t/ (time – /t/
ime → [t∫]ime ~ [t]ime): como o inventário fonológico do Português não contém
o segmento /t∫/, a forma fonética que o representaria (a forma [t∫]) pode ser usada
como variante, sem prejuízo do sistema de contrastes em vigor no inventário da
língua. No Capítulo 8, deste volume, Battisti; Guttieres trazem informações sobre
o processo de variação que envolve a africada.
As outras situações de variações referidas nas alíneas (a) e (c) podem encon-
trar exemplo no emprego da lateral palatal /ʎ/. O comportamento da lateral
palatal, na fonologia do Português, é capaz de oferecer evidências de semelhan-
ças e particularidades que há na presença da variação na gramática de adultos e
de crianças. Preliminarmente, é pertinente apontar-se que é segmento a que se
atribui maior grau de marcação, em se comparando com a lateral alveolar /l/:
a lateral palatal é adquirida mais tardiamente do que a lateral alveolar tanto no
Português Brasileiro (PB), como no Português Europeu (PE) (Matzenauer-Her-
nandorena, 1990; Lamprecht, 1990; Freitas, 1997) e se mostra como segmento
pouco frequente nas línguas do mundo, já que, segundo Maddieson (1984),
dentre 317 línguas examinadas, faz-se presente em apenas 15% desse total.
Considera­se ser a lateral palatal /ʎ/ um segmento complexo, com articulação
primária consonantal e com articulação secundária vocálica; a defesa desta
estrutura interna para o segmento /ʎ/ segue Giangola (1994), Wetzels (1997)
e Matzenauer-Hernadorena (1999, 2000), esta com o fundamento em dados da
aquisição do PB.
Todos os estudos aqui apresentados na parte referente à Variação Fonológica
são exemplos muito claros da expressão da alínea (b). Cada um deles apresenta um
processo fonológico que, na língua em uso, é exemplo de um processo de variação
4 Dermeval da Hora, Carmen Matzenauer

e, como foi dito anteriormente, os fenômenos não espelham mudança, uma vez que
mantêm mais de uma forma em paralelo.
No processo de desenvolvimento fonológico, até a inclusão do segmento /ʎ/
ao seu inventário consonantal, as crianças Brasileiras mostram, em seu espaço
fonético-fonológico, ou um zero fonético, ou outro segmento, de forma variável,
conforme registra Matzenauer­Hernadorena (1999, 83) e se exemplifica em (1).

(1) Formas fonéticas que ocupam, de forma variável, o espaço de /ʎ/ na aquisição
do PB: [ø] ~ [l] ~ [j] ~ [lj] ~ [li] ~ [ʎ]
Forma alvo Forma da criança
palhaço pa[ʎ]aço [pa’asʊ]
espelho espe[ʎ]o [i’pelʊ]
vermelha verme[ʎ]a [ve’mejɐ]
folha fo[ʎ]a [’foljɐ]
orelha ore[ʎ]a [o’reliɐ]
telhado te[ʎ]ado [te’ʎadU]

Quanto ao comportamento da lateral palatal na gramática de adultos falantes de


PB, têm-se o emprego de formas em variação muito semelhantes àquelas obser-
vadas na linguagem das crianças. Um estudo de Brandão (2007, 91) registra estas
formas apresentadas em (2).

(2) Formas fonéticas que ocupam, de forma variável, o espaço de /ʎ/ na gramática
de falantes adultos do PB: [ʎ] ~ [lj] ~ [j] ~ [l] ~ [ø]
Forma alvo Formas em variação
orvalho orva[ʎ]o [oɾ’vaʎʊ]
orvalho orva[ʎ]o [oɣ’valjʊ]
olho o[ʎ]o [’ojʊ]
orvalho orva[ʎ]o [oɾ’valʊ]
braguilha bragui[ʎ]a [bɾa’giɐ]

Expõe Brandão (2007, 91–92) que o emprego das formas variantes da lateral pala-
tal no Brasil é bastante produtivo em comunidades rurais ou em falantes com baixo
ou nulo nível de escolaridade, sendo que, nestes grupos sociais, a frequência de
registro destas formas mostra este ordenamento: [j] > [ʎ] > [ø]. Em centros urba-
nos, o índice de frequência encontra esta hierarquia: [ʎ] > [lj] > [j], [l].
Observando-se as formas fonéticas que podem representar o segmento
fonológico /ʎ/ nos dados mostrados em (1) e em (2), verifica­se a similaridade
que há nos movimentos da língua na variação presente na gramática de crianças
e na gramática de adultos. Em uma análise que atribua aos traços fonológicos
que compõem a estrutura interna do segmento /ʎ/ a propriedade de autosseg-
mentos, tais movimentos de variação podem ser diferentemente interpretados na
gramática das crianças e na gramática dos adultos, caso se considere que os adul-
tos têm, em sua fonologia, a representação do segmento complexo /ʎ/, enquanto
Introdução 5

se entenda que as crianças ainda não construíram a representação fonológica


plena deste segmento.
No caso de a gramática dos adultos conter a representação fonológica do seg-
mento complexo /ʎ/, ao se observarem as formas fonéticas [j] ~ [l] ~ [lj] (vejam­se
exemplos em (2)), têm-se três tipos de ocorrência mostradas em (3):

(3) (a) ao usarem a forma fonética do glide [j] no espaço de /ʎ/, os falantes des-
ligam, da estrutura interna da consoante, a articulação primária consonan-
tal, produzindo apenas o resultado da articulação secundária vocálica;
(b) ao usarem a forma fonética da lateral [l] no espaço de /ʎ/, os falantes des-
ligam, da estrutura interna da consoante, a articulação secundária vocálica,
produzindo apenas o resultado da articulação primária consonantal;
(c) ao usarem a forma fonética da sequência lateral + glide coronal [lj] no
espaço de /ʎ/, é promovido um espraiamento na estrutura interna da late­
ral palatal: a articulação secundária vocálica da consoante espraia para
a estrutura da vogal subsequente (desde que não seja a vogal [i]), dando
origem a um ditongo derivado, o que favorece a variação, encontrada, por
exemplo, em orva[ʎʊ] ~ orva[ljʊ].
Ao tratar-se da(s) gramática(s) das crianças, em virtude de as representações
fonológicas estarem sendo construídas no curso de seu desenvolvimento linguís-
tico, entende-se que pode ainda não se ter formado a representação fonológica do
segmento complexo /ʎ/. Neste caso, ao se observarem as formas fonéticas [l] ~
[j] ~ [lj] ~ [li] (veja­se (1)), têm­se quatro tipos de ocorrência explicitadas em (4):

(4) (a) ao usarem a forma fonética do glide [j] no espaço de /ʎ/, as crianças ainda
não ligaram, à estrutura interna da consoante, a articulação primária conso-
nantal, produzindo apenas o resultado da articulação secundária vocálica;
(b) ao usarem a forma fonética da lateral [l] no espaço de /ʎ/, as crianças ainda
não ligaram, à estrutura interna da consoante, a articulação secundária
vocálica, produzindo apenas o resultado da articulação primária consonantal;
(c) ao usarem a forma fonética da sequência lateral + glide coronal [lj] no
espaço de /ʎ/, as crianças indiciam que a sua gramática fonológica já incor-
porou o segmento complexo /ʎ/, mas, mesmo assim, não há a produção
da forma [ʎ] e, como ocorre na gramática dos adultos, é promovido um
espraiamento na estrutura interna da lateral palatal: a articulação secundária
vocálica da consoante espraia para a estrutura da vogal subsequente (desde
que não seja a vogal [i]), dando origem a um ditongo derivado, o que
favorece a variação, encontrada, por exemplo, em pa[ʎa]so ~ pa[lja]so;
(d) ao usarem a forma fonética da sequência lateral + vogal coronal [li] no
espaço de /ʎ/, as crianças evidenciam que na sua gramática fonológica já
foi incorporado o segmento complexo /ʎ/, mas que, mesmo assim, é pro-
movida uma fissão na estrutura interna da lateral palatal, da qual resulta a
sequência [li], com a lateral [l], originada do nó estrutural que domina a
articulação primária consonantal, e a vogal [i], originada do nó estrutural
que domina a articulação primária consonantal.1
6 Dermeval da Hora, Carmen Matzenauer

Vale referir que a sequência [li], conforme refere Matzenauer­Hernandorena


(1999), ocupa o espaço da lateral palatal /ʎ/ no processo de derivação de pala-
vras do Português; têm-se exemplos em: filho → filial, filiação; folha → foliação,
folículo; milhão → milionário; milionésimo.
Retomando-se os casos expostos em (3) e (4), têm-se, portanto, movimen-
tos de variação que expressam formas que podem ser idênticas nas gramáticas
do adulto e das crianças, mas que, dependendo da representação fonológica que
está em sua base, podem decorrer de operações linguísticas diferentes: enquanto
na gramática dos adultos, por conter a representação complexa /ʎ/, o emprego de
[j] ou [l] implica operação de desligamento de traços fonológicos, nas gramáticas
das crianças que ainda não construíram tal representação, o emprego de [j] ou [l]
implica a não ligação de traços fonológicos à estrutura interna do segmento. Depois
de as crianças terem construído a estrutura complexa que caracteriza o segmento
fonológico palatal, caso empreguem [j] ou [l] em seu espaço, este fato passará a
implicar uma operação de desligamento de traços. Os dados da aquisição do Portu-
guês, no entanto, não registram esta situação: depois de incluído este segmento na
gramática das crianças, o uso de outros segmentos no espaço fonético-fonológico
de /ʎ/ pode ocorrer por motivação de caráter social,2 mas não como parte do pro-
cesso de desenvolvimento fonológico.
Os resumidos fatos fonológicos aqui expostos são capazes de revelar que as vari-
ações integrantes das gramáticas temporárias construídas em diferentes fases do
desenvolvimento da fonologia das crianças em direção ao sistema-alvo, embora por
vezes possam apresentar singularidades, têm a mesma natureza das variações que
se manifestam na gramática fonológica dos falantes adultos. A presente obra vem,
portanto, arguir a favor do reconhecimento de que, entre a aquisição e a variação da
linguagem, há interfaces que merecem ser reconhecidas, a fim de que efetivamente
possam ser captadas generalizações relativas a muitos fenômenos fonológicos,
capazes de contribuir na busca de maior adequação explanatória sobre o funciona-
mento das línguas naturais.
Nesse contexto, o livro FONOLOGIA DO PORTUGUÊS E INTERFACES:
FENÔMENOS DA AQUISIÇÃO E DA VARIAÇÃO está dividido em duas
grandes partes: a PARTE I versa sobre “Aquisição Fonológica” e a PARTE II,
sobre “Variação Fonológica”.
Nos estudos que dizem respeito à Variação Fonológica, como se pode verificar,
não há correspondência com os estudos realizados sobre a Aquisição Fonológica.
Os motivos já foram expostos no início desta Introdução.
A parte dedicada à Aquisição Fonológica inclui tópicos que se encontram no
âmago de investigações atuais, abordando fatos referentes tanto ao processo de
desenvolvimento linguístico considerado normal ou típico em crianças, ou seja,
atendendo aos padrões delineados como típicos em consonância com os perfis já
traçados para a aquisição da fonologia do Português, como do processo conside-
rado atípico, presente em crianças diagnosticadas como portadoras de desvios
fonológicos.
Além de contemplar estudos com foco em diferentes unidades fonológicas
(unidades subsegmentais, segmentais e prosódicas), a parte do livro concernente
Introdução 7

à Aquisição contempla ainda considerações sobre a forma escrita da língua, isso


porque se considera ter relação intrínseca com a fonologia do sistema linguístico
e que, portanto, está integrada ao amplo processo de aquisição da linguagem pelas
crianças. O espectro de temas relevantes aqui abordados inclui ainda um capítulo
que articula percepção e produção linguísticas e que também trata da aquisição do
Português como L2.
Na desafiante tarefa de desvendar fatos que integram o complexo percurso da
criança na construção da gramática fonológica do Português, todos os capítulos
reuniram pesquisadores do Brasil e de Portugal – o Português Brasileiro (PB) e o
Português Europeu (PE) estão, portanto, aqui contemplados.
Visando a enriquecer a discussão sobre os diferentes níveis da fonologia e as
relações entre a estrutura segmental e a prosódica no processo de aquisição da
fonologia em contexto típico e atípico a partir de dados do PE e do PB, no Capí-
tulo 1, intitulado Aquisição Fonológica Típica e Atípica, Ana Vogeley e Ana Mar-
garida Ramalho descrevem o desenvolvimento fonológico típico observado em
crianças Brasileiras e Portuguesas, abordando fenômenos relativos à compreensão
linguística, com o estabelecimento de categorias fonéticas pelo bebê, chegando à
evolução gradiente do balbucio e ao surgimento das primeiras palavras. Tratam
ainda da produção linguística, trazendo a hierarquia na emergência segmental e
prosódica, designadamente das estruturas silábicas, e, a partir da descrição de fenô-
menos fonológicos persistentes ou incomuns no curso típico de desenvolvimento,
apontam marcadores clínicos para diagnóstico diferencial e intervenção dos Tran-
stornos dos Sons da Fala – TSF.
Clara Amorim e Cristiane Lazzarotto-Volcão, no Capítulo 2, cujo título é
Padrões de Aquisição de Contrastes Consonantais no Português Brasileiro e
Europeu, assumem que a aquisição de segmentos consonantais de uma língua é
processo gradual que se constrói a partir do estabelecimento de contrastes, com-
putados em consonância com a posição que os traços distintivos ocupam em uma
hierarquia, emergindo no sistema da criança e estabelecendo coocorrências com
outros traços, em um encaminhamento à gramática-alvo. Com essa concepção, o
capítulo estabelece uma hierarquia de contrastes consonantais do Português em
duas variedades: a Brasileira e a Portuguesa, com análise alicerçada nos Princípios
Fonológicos baseados em Traços, de Clements (2009), em particular, no Princípio
da Robustez de Traços, e em estudos anteriores sobre a aquisição fonológica do
PB e do PE (Lazzarotto-Volcão, 2009, 2019; Amorim, 2014), os quais se veem
aprofundados pela reanálise de dados e pela inclusão de dados longitudinais de
dois irmãos gêmeos Brasileiros e de dados transversais de 56 crianças Portuguesas.
Em A Aquisição de Assimetria na Gramática Fonológica do Português: o exem-
plo da líquida lateral /l/, Capítulo 3, Carmen Matzenauer e Maria João Freitas,
partindo da relação direta que se estabelece entre segmentos e sílabas na arquitetura
dos sistemas linguísticos, tomam como foco de discussão a líquida lateral, por
ser dos poucos segmentos consonantais licenciados, no Português, para ocupar o
Ataque e a Coda de sílabas, em início, meio e fim de palavras (lata, bala, alma,
anel), além de poder integrar o Ataque silábico complexo (planta, clube). Essa
simetria fonológica vê-se, no entanto, mapeada em uma assimetria fonética, tanto
8 Dermeval da Hora, Carmen Matzenauer

em se considerando os constituintes silábicos, como as variedades do PB e do PE:


em Ataque simples a líquida lateral tende a mostrar representação fonética estável,
com prevalente manifestação como alveolar anterior [l], tanto no PB quanto no
PE; na Coda predomina a lateral dorsalizada [ɫ] no PE e a forma vocalizada [w] no
PB. Em uma reflexão sobre as implicações das assimetrias na ativação de repre­
sentações fonológicas da lateral durante o processo de aquisição fonológica do
PB e do PE, com o subsídio de dados de crianças Brasileiras e Portuguesas, as
autoras assumem que o emprego de um segmento por outro no mesmo espaço foné-
tico-fonológico fornece informação sobre o conhecimento fonológico da criança,
constituindo evidência empírica para a identificação da categorização fonológica
e da natureza das representações lexicais em diferentes estágios de construção da
gramática­alvo, expressa em traços distintivos que definem classes naturais especí-
ficas. Com esse suporte, arguem a favor da interpretação de que as crianças Por-
tuguesas e as Brasileiras compartilham a mesma representação /l/ para a lateral
em Ataque simples de sílaba, mas que, no curso do desenvolvimento fonológico,
mostram diferentes representações para a lateral em Coda: enquanto na aquisição
do PE, a representação é de uma lateral, na aquisição do PB, a representação para
o alvo lateral em Coda é um segmento vocálico.
No Capítulo 4, Raquel S. Santos e Sónia Frota, sob o título Aquisição da Prosódia
no Português, apresentam o estado da arte dos estudos em aquisição da prosódia no
Português, considerando as variedades fonológica e prosodicamente contrastantes
do PE e PB. Partindo de uma visão sumária das características prosódicas das duas
variedades, apresentam evidência empírica da aquisição do acento de palavra, da
entoação e da estrutura prosódica, considerando tanto dados da percepção como da
produção infantil de palavras e enunciados. A perspectiva comparativa entre PE e
PB permite assinalar semelhanças e diferenças na aquisição. O Capítulo termina
com um levantamento de questões em aberto e a identificação de áreas de inves-
tigação a desenvolver tendo em vista o avanço do conhecimento em aquisição da
prosódia, no Português e numa perspectiva interlinguística.
No contexto das discussões centradas na relação entre produção e percepção de
fala, cuja natureza ainda permanece obscura apesar dos estudos já registrados na
literatura, Larissa Cristina Berti e Chao Zhou, no Capítulo 5, intitulado Relação
entre Produção e Percepção das Líquidas no Português: dados de aquisição de L1
e L2, incluem-se nesse debate, com a análise de dados advindos de experimentos
de produção (tarefa de nomeação) e de percepção (tarefas de discriminação e de
identificação). O exame acurado dos resultados dos experimentos de produção e de
percepção de fala, tanto de L1 quanto de L2, não confirmou a existência de uma
relação unívoca entre produção e percepção; os dados apontaram, ao contrário, para
uma interação complexa e dinâmica entre duas modalidades da fala. Os autores
destacam que, em termos clínicos, no contexto da aquisição de L1, as contribuições
do estudo recaem sobre o fato de que, embora crianças com distúrbio fonológico
possam apresentar dificuldades em termos de produção de fala, não necessaria-
mente apresentarão a mesma dificuldade em termos de percepção de fala, tanto na
identificação da fala do outro, quanto na identificação de sua própria fala. A impli-
cação daí decorrente indica a necessidade não apenas do trabalho concomitante das
Introdução 9

habilidades de percepção e produção durante o processo terapêutico, mas também


do uso de pistas perceptuais, que podem auxiliar tanto no trabalho de produção,
quanto no estabelecimento das categorias fonológicas em termos de representação.
Em se tratando da aquisição de L2, os dados empíricos da aquisição do Português
por aprendentes não nativos chamam a atenção para o fato de que as represen-
tações fonológicas e os mapeamentos entre elas examinados nas tarefas perceptivas
podem não espelhar aqueles envolvidos nas tarefas de produção.
Encerra a primeira parte deste livro o Capítulo 6, intitulado As consoantes em
Final de Sílaba no Português Brasileiro e no Português Europeu: um estudo sobre
dados de aquisição de escrita, assinado por Ana Ruth Moresco Miranda e Teresa
Costa. As autoras partem da ideia de que a aquisição da fala e a da escrita integram
um mesmo processo, o da aquisição da linguagem, entendendo que os padrões
de desenvolvimento da fala e da escrita constituem uma base empírica relevante
para discussões relativas ao conhecimento fonológico das crianças que, ao com-
preenderem os princípios do sistema alfabético, alcançam condições propícias para
revisitá-lo, podendo, eventualmente, redescrever suas representações. Com essa
concepção, analisam a forma como a Rima silábica em posição medial é represen-
tada na escrita por crianças Brasileiras e Portuguesas que frequentam o 2.º ano de
escolarização. Os padrões de acerto e de erro são discutidos à luz dos paradigmas
de aquisição da fala e das abordagens teóricas relativas a este constituinte silábico,
nos dois sistemas linguísticos. Apesar da variação inerente a esses sistemas, global-
mente, foi verificada uma grande semelhança entre os dois grupos. Os aspectos
divergentes, nomeadamente o da maior taxa de erros na representação da lateral
pelas crianças Brasileiras, parecem decorrer sobretudo de diferenças no input de
cada variedade. Os dados apontam para uma construção progressiva das represen-
tações subjacentes, motivada pelo contato com a alfabetização, particularmente no
que diz respeito à representação bifonêmica da nasalidade. Nessa linha de argu-
mentação, o estudo corrobora a ideia de que as escritas iniciais são bases empíricas
relevantes para a reflexão sobre o conhecimento fonológico, sobre o mapeamento
entre a fonologia da criança e a do(s) sistema(s) alvo.
Dando continuidade, após a seção com os capítulos voltados para a Aquisição
Fonológica, têm-se os capítulos que focalizam principalmente a Variação
Fonológica. Quanto a estes, vale ressaltar que alguns capítulos trazem análises
fonológicas antes de discutir a questão da variação. Os dois primeiros capítulos
que compreendem essa parte tratam de análises voltadas para as consoantes; na
sequência, têm-se um capítulo voltado para as vogais, outro para ditongos, e, por
fim, um capítulo que discute a interface fonologia/morfologia.
Vale ressaltar que não foram objeto dos trabalhos da área de Variação Fonológica
questões relacionadas ao contato do Português Brasileiro com outras línguas. Espo-
radicamente, algum texto pode fazer menção aos processos analisados, como eles
ocorrem ou ocorreram em uma outra língua, mas não será uma análise que resulte
do contato.
No Capítulo 7, da autoria de Sílvia Figueiredo Brandão, Dinah Callou e Dani-
elle Kely Gomes, intitulado Revisitando as consoantes em coda no Português
Brasileiro, para traçar um panorama geral do Português Brasileiro no âmbito
10 Dermeval da Hora, Carmen Matzenauer

fonético-fonológico, as autoras utilizam as variáveis /R/, /S/ e /L/ em coda silábica,


que se prestam, por seu polimorfismo, à caracterização de fenômenos variáveis,
já registrados no Latim, na evolução do Latim ao Português e em outras línguas
românicas. Com base em estudos nas linhas geo e sociolinguística variacionista,
discutem-se, qualitativa e quantitativamente, os diferentes aspectos do processo de
posteriorização que atinge cada um desses segmentos, apresentando não só a dis-
tribuição diatópica das variantes, mas também fornecendo evidências dos fatores
estruturais e sociais que as condicionam. Demonstra-se que, embora a direcionali-
dade do processo seja bastante similar, trata-se de diferentes tipos de mudança. Nos
termos de Labov, a mudança do rótico poderia ser considerada “from below”; a do
/S/ “from above”, interpretação apoiada em fracas evidências; e a do /L/, basica-
mente implementada no PB, não se enquadraria em nenhuma das duas categorias,
parecendo consistir numa mudança interna, provavelmente determinada pela ação
de princípios universais. Todas essas mudanças se inserem no espaço multidimen-
sional, por sua vez histórico, social e linguístico.
Elisa Battisti e Athany Gutierres, no Capítulo 8, que tem como título Palatali-
zação das oclusivas alveolares no Português Brasileiro: variação linguística e as
restrições em jogo na aquisição fonológica, encerrando os estudos voltados para as
consoantes, tratam da palatalização de /t, d/ em Português Brasileiro ([t]ia~[ʧ]ia,
[d]ia~[ʤ]ia, gen[te]~gen[ʧɪ], gran[de]~gran[ʤɪ]) na posição de ataque silábico.
Para as autoras, esse é um processo variável cuja difusão parece iniciar-se nos
centros urbanos (Noll, 2008) e distribuir-se gradativamente ao interior das comu-
nidades. Há variedades em que o processo já acarretou mudança sonora, outras
que exibem variação estruturada, decorrente da interação de restrições linguísticas
e sociais. O objetivo do capítulo é, com base na revisão de análises fonológicas e
estudos de variação linguística da palatalização no Português Brasileiro, esclarecer
a gramática das comunidades de fala, internalizada na aquisição da linguagem e
transmitida às sucessivas gerações.
No Capítulo 9, cujo título é O sistema vocálico do Português Brasileiro, José
S. de Magalhães, Marco Antônio de Oliveira e Seung Hwa Lee discutem o sistema
vocálico do Português Brasileiro. Para os autores, esse sistema constitui-se de três
subsistemas muito bem estabelecidos, o que tem sido aclamado não apenas sob viés
descritivo, como também em análises que incorporam dados de variação. Todas as
investigações apresentadas partem do pressuposto de que esses três subsistemas,
cujo comportamento depende da posição em que se encontram com relação ao
acento, concebem que há um subsistema raramente variável e plenamente con-
trastivo na posição tônica, outro notavelmente variável na posição pretônica e um
terceiro com alguma variação na posição postônica. Considerando-se essas três
situações, este capítulo procura, além de apresentar o estado da arte acerca das
vogais do Português Brasileiro, tecer discussões sobre o limite e o espaço da vari-
ação, o que envolve questionar até que ponto há instabilidade ou estabilidade nesse
sistema. De acordo com os autores, não há muito a se discutir sobre o sistema
postônico, e menos ainda sobre as vogais da sílaba tônica. As vogais pretônicas,
entretanto, apresentam instabilidade que emerge da variação, e, ao mesmo tempo,
estabilidade, na medida em que a variação emergente não é descontrolada. A fim
Introdução 11

de descrever e explicar estes fatos, os autores adotam a noção de Sistema Adapta-


tivo Complexo (SAC), para tratar a variação linguística como parte da natureza da
linguagem.
Leda Bisol e Valéria Neto de Oliveira Monaretto, no Capítulo 10, Ditongos
decrescentes no Português Brasileiro: variação linguística e comportamento
fonológico, tratam de alguns aspectos do ditongo no Português. A origem do
ditongo oral decrescente e seu caráter variável na variedade Brasileira são abor-
dados inicialmente. As autoras verificam que do Latim ao Português, poucos
ditongos primários permaneceram, e novos foram criados por processos diver-
sos. A monotongação é a regra variável de aplicação mais frequente no ditongo
ou, seguido por ei e por ai. O ditongo ei apresenta uma distribuição diferenciada
entre as regiões, cuja variação é condicionada, principalmente, pelo tepe e fricativa
palatal, em contexto precedente. A análise fonológica detém-se na formação do
ditongo, discutindo-o como sílaba pesada ou leve no formato CVC, seguindo a
teoria das moras. Embora o termo mora, que distingue a sílaba por peso figurasse
desde tempos antigos com referência ao Sânscrito, Trubetzkoy (1967, 204), só
começa a estabelecer-se como teoria sob a regência dos princípios de sonoridade e
moracidade com Hyman (1985) e Hayes (1991). É, pois, nessa linha, que as autoras
desenvolvem o texto.
Por último, no Capítulo 11, buscando apresentar uma interface fonologia/ morfo-
logia, Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves e Gregory Guy discutem Condiciona-
mento morfológico na variação fonológica. Para desenvolver o tema, os autores
retomam uma pergunta clássica em linguística: processos fonológicos variáveis
podem ser morfológica e lexicalmente condicionados? A partir de uma problema-
tização da hipótese neogramática, segundo a qual a mudança sonora não acessa
informações gramaticais ou lexicais, os autores empreendem uma discussão sobre
o que se entende por condicionamento morfológico e lexical em teoria fonológica
e, em particular, em modelos que se propõem incorporar fenômenos fonológicos
variáveis. Nesse sentido, discutem, por um lado, o papel de morfemas específicos
caracterizando alvos ou gatilhos de processos e classes de palavras mais suscetíveis
a determinados processos e, por outro, itens lexicais mais ou menos frequentes. O
fenômeno de apagamento de t/d em Inglês americano (Labov et al., 1968; Guy,
1980, 1991; Guy; Boyd, 1990; Bybee, 2002; entre outros), que se mostra sensível
à distinção entre monomorfemas e formas verbais de passado (ex. mist ~ mis∅
‘névoa’; missed ~ mis∅ ‘esquecerpret’.), é pano de fundo da discussão, que tem
como foco, em Português Brasileiro, a redução da nasalidade de ditongos finais
átonos (Votre, 1978; Guy, 1981; Battisti, 2002; Schwindt; Bopp da Silva, 2010;
Schwindt, 2012, Chaves, 2017; Schwindt; De Bona, 2017), processo que apresenta
comportamento distinto para não verbos e verbos (ex. viagem ~ viag[ɪ]; comeram ~
comer[ʊ]), interagindo, neste último caso, com o fenômeno morfossintático de
concordância na língua.
Todos os capítulos deste livro revelam o dinamismo que caracteriza os siste-
mas linguísticos, seja pela variabilidade presente no processo de aquisição da lin-
guagem pelas crianças, seja pelo fenômeno da variação existente no uso da língua
por falantes adultos. O entrelaçamento entre estes dois grandes campos da Ciência
12 Dermeval da Hora, Carmen Matzenauer

Linguística foi estabelecido pela Fonologia, na condição de componente privile-


giado da gramática das línguas para expor os complexos movimentos que nelas
operam. Os fatos empíricos e as discussões teóricas a partir de dados de fala e/
ou de escrita ofereceram evidências da relevância e da atualidade dos fenômenos
fonológicos discutidos, com indiscutíveis repercussões para a teoria fonológica e
para o avanço de discussões centrais tanto para a Aquisição como para a Variação
da Fonologia.

Notas
1 Esta análise segue a proposta de Bisol (1994) para a formação de ditongos derivados no
Português e a proposta de Matzenauer-Hernandorena (1999) para o tratamento que crian-
ças Brasileiras dão às soantes palatais /ʎ/ e // no processo de aquisição fonológica.
2 Pode ocorrer o emprego de [l] no espaço de /ʎ/ diante da vogal [i], motivado por OCP,
conforme explica Matzenauer-Hernandorena (1999), o que se observa nestes exemplos:
fi[ʎ]o → fi[l]inho; abe[ʎ]a → abe[l]inha.

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Parte I

Aquisição Fonológica
1 Aquisição fonológica típica e atípica
Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

Resumo
Este capítulo pretende descrever o desenvolvimento fonológico típico para o Português
Brasileiro (PB) e para o Português Europeu (PE), discutindo, inicialmente, fenômenos
muito tenros no módulo da compreensão, do estabelecimento de categorias fonéticas
pelo bebê, à evolução gradiente do balbucio e surgimento das primeiras palavras. Será
ainda considerada a hierarquia na emergência da aquisição segmental e prosódica,
designadamente das estruturas silábicas, e descritos os processos fonológicos comuns
à aquisição típica. O primeiro objetivo do capítulo é contribuir para a compreensão
dos diferentes níveis da fonologia, das relações entre o nível segmental e a estrutura
prosódica no processo de aquisição da fonologia em contexto típico a partir de dados do
PE e do PB. O segundo objetivo é discutir fenômenos fonológicos persistentes ou inco-
muns no curso típico de desenvolvimento que podem servir como marcadores clínicos
para diagnóstico diferencial e intervenção dos Transtornos dos Sons da Fala – TSF.

Palavras-chave: Desenvolvimento fonológico; Processos fonológicos; Transtor-


nos fonológicos; Transtornos dos sons da fala.

1 Aquisição Fonológica Típica


Durante os primeiros anos de vida, os bebês estão aprendendo a produzir os sons
da fala. O sistema motor oral, cognitivo e linguístico amadurece gradativamente e
os bebês adquirem gradativamente estratégias para se aproximar da fala do adulto.
Essas aproximações resultam em sintomas sistemáticos de fala como substituições
e omissões. Em geral, a maioria das produções infantis se assemelha à produção-
alvo adulta aos cinco anos de idade (Dodd, 2011). O desenvolvimento típico da
fala pode ser descrito como a aquisição de sons e a organização desses sons em
padrões de fala. As crianças apresentam progresso gradual na inteligibilidade, no
desenvolvimento fonético ou articulatório e no desenvolvimento fonológico.

1.1 As primeiras aquisições

Para Vihman (2014), o primeiro ano é marcado por uma aprendizagem distribucional,
uma descoberta inconsciente das sequências fonotáticas e sintáticas e de categorias

DOI: 10.4324/9781003294344-3
18 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

fonéticas, com base em exposição repetida a estímulos similares. A criança avança


rapidamente no módulo da compreensão mas ainda não se comunica através da fala.
Considerando que a criança já faz avanços perceptuais até antes de nascer, e,
ao nascer, o fluxo de fala já oferece informações diversas, a criança, mergulhada
nesse fluxo de fala, já vivencia e experimenta a língua no plano perceptual, embora
não crie qualquer tipo de categorização. Por volta dos 4–6 meses, segundo Vihman
(2014), ela começa a explorar o potencial do trato vocal que vai se aproximando da
estrutura do adulto. A partir daí, começa a afinação do balbucio. Ela continua avan-
çando no módulo da compreensão, mas já experimenta vocalizações que culminam
em um balbucio mais organizado (canônico) por volta dos 9 meses. Não é coin-
cidência que esse período também seja marcado pelo fato de as crianças pequenas
começarem demonstrar atenção compartilhada espontânea. Esse é o período ideal
para começar a realizar experimentos que integram percepção e produção com
métodos do tipo Headturn, com procedimentos de apontar ou de segurar objetos.
A primeira manifestação dessa sintonia entre percepção e produção, ainda no
balbucio, é descrita por Vihman (2014) e Matzenauer (2015). As autoras chamam
atenção para o efeito magnético e a criação de protótipos. Para criar categorias de
sons, as crianças acumulam informações fonéticas e tokens (dados), como o pro-
tótipo central. Esse armazenamento aciona um mecanismo de atração, um efeito
imã perceptual, o que Kuhl et al. (2014) chamam de magnetismo perceptual ou
“efeito perceptual magnético” (EPM).
Matzenauer (2015) é pioneira, na literatura sobre o PB, no estabelecimento de
estágios de aquisição fonológica usando esses argumentos. Ela discute a fonologi-
zação das vogais do Português Brasileiro por crianças via BiPhon e chama atenção
para o fato de que a capacidade de compreensão pode ser mais avançada do que
a de produção. Essa foi a primeira formalização em aquisição fonológica do PB
utilizando o modelo de Boersma (2009). A autora destaca o papel da criança em
afinar os dois módulos de processamento e propõe que a compreensão/percepção
precede o módulo de produção, e, a partir da ideia de fonologização, propõe dois
estágios de aquisição: (1) pré-lexical (equivalente ao pré-linguístico, descrito tradi-
cionalmente pela literatura), com um subestágio (A) de recorte no espaço acústico
inicial e (B) categorial; e (2) lexical (equivalente ao tradicional período linguístico,
com o surgimento das primeiras palavras).

(1) Estágio pré-lexical

A percepção inicia­se na [Forma Auditiva]. O bebê calcula distribuições estatísti-


cas da informação auditiva e visual, a partir de evidências distribucionais, baseado
no registro implícito gradual de regularidades recorrentes, característica do pro-
cessamento neocortical. Essa capacidade já pode ser observada entre 6 e 8 meses
de idade. Nesse momento, ocorre o efeito perceptual magnético: as experiências
vividas a partir do continuum fonético aglutinam-se em torno de um segmento –
protótipo. A relação entre as unidades é de natureza distribucional nesta etapa
da aquisição, cujo processamento ocorre de forma serial, com ativação apenas
do módulo da compreensão. A forma fonológica e as representações abstratas só
Aquisição fonológica típica e atípica 19

acontecem quando o aprendizado é dirigido pelo léxico. Dessa forma, Matzenauer


(2015) reconhece a compreensão, que envolve a percepção, como um processo
mais avançado que a produção.
A aprendizagem de habilidades procedimentais ou implícitas familiariza a cri-
ança com os aspectos gestuais, proprioceptivos e articulatórios de sua produção,
que também faz parte de sua entrada auditiva. Assim, a criança ganha familiari-
dade com a língua, inicialmente, com ganhos na prosódia e, depois, nas sequências
segmentais. À medida que as formas de palavras começam a ser produzidas, a
aprendizagem distribucional opera novamente, induzindo padrões a partir da nova
base de dados formada a partir das próprias formas de palavras da criança. O resul-
tado é um ou mais modelos fonológicos, que são decorrentes de formas de entrada
filtradas através de categorias estabelecidas pela produção. Para Vihman (2014),
esse estágio ocorre no primeiro ano.
Para Matzenauer (2015), a fonologização de traços e de segmentos tem seu
ponto de partida no nível da representação fonética, no continuum fonético que
a criança ouve, completando-se na interação com os níveis de representações
fonológicas. Exposto ao fluxo da fala, o bebê aciona, segundo a representação do
modelo, o Módulo da Compreensão, a fim de constituir o primeiro nível de repre-
sentação: o Nível Fonético, que integra a [Forma Auditiva]. Imerso em um “mar
acústico”, o bebê estabelece categorias fonéticas e o faz porque tem a capacidade
inata de “calcular as distribuições estatísticas da informação auditiva fonética em
seu input”.
O balbucio começa a ter características da língua nativa, passando a ser canônico
(Nazzi; Jusczyk; Johnson, 2000), com formas reduplicadas do tipo [dadada],
[nanana], a partir do oitavo mês. O processamento de fluxo de fala deixa de ser
apenas distribucional/estatístico e passa a ser referencial. É o início do estágio
categorial, que Vihman (2014) chama de aprendizagem declarativa ou explícita.
Começa a haver, ainda antes no primeiro ano de idade, uma percepção específica
para contrastes de pares mínimos que guiam a percepção, nesse estágio. A aprendi-
zagem de unidades linguísticas é baseada em um segundo sistema de memória e de
processamento (aprendizagem declarativa). A atenção passa a ser algo crucial. Ela
é necessária para capacitar a criança a relacionar novas formas a novos referentes.
É a base para todo conhecimento lexical que está por vir.
A transição crítica se dá entre 12 e 18 meses, quando a criança começa a usar a
linguagem para referir simbolicamente, nomeando objetos mesmo em suas ausên-
cias imediatas, desenvolvendo representação mental ou conceito em que a aprendi-
zagem de palavras é associada com uma determinada forma. Mas, para isso, algum
pré-requisito básico fonético precisa ser estabilizado. Talvez esse seja o grande
papel do balbucio. Outro requisito não formal importante é a capacidade da criança
para experimentar o papel de ouvinte e falante, vivenciado através das relações
dialógicas, nas primeiras interações das díades.
Ocorre a extensão de uma rotina motora pré-existente no balbucio inicial, o
que Vihman (2014) chama de aprendizagem distribucional secundária, na qual a
criança já realiza análises baseada no input do adulto e nos padrões do seu pró-
prio output. Nesse estágio, ocorre uma aprendizagem declarativa ou referencial,
20 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

baseada em um sistema de memória de trabalho, dependente de um outro tipo de


processamento e aprendizagem tipicamente não visto até os 18 meses. A atenção
é voltada para capacitar a criança a relacionar novas formas a novos referentes.
As imitações começam a ficar mais fiéis aos gestos motores dos adultos, as pis-
tas acústicas mais atrativas. É nesse momento que os bebês aumentam a capaci-
dade imitativa e acionam de modo mais sofisticado o córtex pré­motor, fazendo
uso mais intensivo de informações visuais, que começam a ser acompanhadas de
categorizações.
A descrição desse estágio é discutida a partir de dados de aquisição de vogais do
PB por Matzenauer (2015). Ela chama de etapa B do estágio pré-lexical, marcada
pelo início da relação entre a constituição de categorias fonéticas e de categorias
abstratas /Categorias Fonológicas/. O bebê começa a adquirir o léxico e, a par-
tir das categorias fonéticas, constrói categorias fonológicas (traços e segmentos).
Matzenauer adota o Modelo BiPhon para explicar esse fenômeno. Isso implica, no
Módulo da Compreensão, uma relação do nível [Forma Fonética] com o nível da /
Forma Fonológica de Superfície/, o que ocorre em processo serial, ou seja, unidi-
recional. Neste primeiro nível fonológico, emergem, portanto, os segmentos mais
precoces na constituição da gramática da criança, como as labiais e as nasais, em
[papa] e [mama]. O que ocorre, nesse momento, é um mecanismo de estreitamento
perceptual e o início de uma aprendizagem categorial, na qual as crianças afinam os
contrastes da língua nativa enquanto começam a aprender a produção das primeiras
palavras.
Matzenauer (2015) propõe um efeito análogo ao EPM para o nível fonológico,
nessa etapa: o efeito nuclear, a partir da ativação de traços nucleares, que são as
primeiras categorias fonológicas. Para a autora, aqui se dá a fonologização dos seg-
mentos. Vihman (2014) ainda discute a noção de filtro articulatório, que age como
um rastreio das palavras salientes condizentes com padrões motores maturacionais
de produção da criança. A experiência do balbucio empresta saliências do input
para as primeiras palavras.
A noção de continuidade gradual do balbucio para as primeiras palavras
proposta por Vihman (2014) é antagônica à visão estruturalista de Jakobson (1968),
que defendia um silenciamento no início do balbucio canônico resultante de uma
organização da língua.
No final do estágio pré­lexical, ocorre uma transição do balbucio para palavras,
a partir do momento em que a criança percebe que os sons produzidos estão associ-
ados a um objeto, pessoa ou ação. Nesse momento, a criança desenvolve o que Vih-
man (2014) chama de Esquemas Motores Vocais (EMV) ou Vocal Motor Schemes
(VMS), produções consistentes de determinadas consoantes num certo período de
tempo (Keren-Portnoy; Majorano; Vihman, 2009), normalmente já usadas no bal-
bucio canônico, o que revela a ideia de gradiência nessa trajetória aquisitiva. Os
EMV surgem quando a criança tem representação de constituintes silábicos e são
caracterizados por repetições de sílabas de preferência da criança
DePaolis; Vihman; Keren-Portnoy (2011) sugerem que o número de EMV é sig-
nificante, assim como o tipo de consoante nesses esquemas. O uso de pelo menos
dois EMV é pré-requisito para a transição para as palavras referenciais, em 20
Aquisição fonológica típica e atípica 21

crianças investigadas. A dupla informação da experiência auditiva e articulatória


proporciona avanços na percepção de saliências e na prática de sons, proporcio-
nando grandes avanços lexicais (Vihman, 2014).
A proximidade dos EMV com as primeiras palavras é tanta, que pode haver
dificuldade em identificar as primeiras palavras. Existe uma linha tênue entre o
balbucio canônico e as primeiras palavras reduplicadas. Mesmo após a aquisição
das 50 primeiras palavras, os EMV continuam sendo formados; são novos EMV
para outras palavras-alvo, com base nas formas fonológicas já adquiridas, sendo
possível que estejam presentes durante todo o período sensível de aquisição inicial,
sendo os 2 anos mais cruciais.

(2) Estágio lexical

No terceiro momento, chamado, consensualmente, por Vihman (2014) e Matzenauer


(2015), de estágio lexical, a criança começa a estabelecer palavras ou frases com forma
fonológica e conteúdo semântico. Vihman (2014) chama atenção para a ocorrência de
uma aprendizagem distribucional secundária. O neocórtex trabalha novamente com
as regularidades recorrentes, não mais no nível perceptual do input, mas no nível cog-
nitivo derivativo representacional, em que há construção gradual do conhecimento
abstrato do sistema ou da gramática. Esse estágio é marcado pela estabilização do
domínio linguístico cognitivo e pelo caráter fonológico e lexical da percepção.
Na emergência das primeiras palavras, há uma surpreendente acurácia na produção.
Vihman (2014) investigou as seis primeiras palavras em 10 crianças de diversas lín-
guas e observou que as primeiras palavras são muito próximas dos alvos. Há uma
seletividade criteriosa na escolha das primeiras palavras por parte das crianças, com
eleição de alvos simples, reduzindo a necessidade de simplificar muito. Então, escol-
has do tipo [papa], [mama] não são aleatórias. Para Matzenauer (2015), esse é o
período em que ocorre a interação bidirecional entre os níveis fonético e fonológico
e se dá a criação de categorias fonológicas. Finalmente, estão ativados bidirecional-
mente os três níveis (1 fonético e 2 fonológicos) do Módulo da Compreensão previsto
no BiPhon: o nível da [Forma Fonética], o nível da /Forma Fonológica de Superfície/
e o nível da |Forma Subjacente|, também ativados no Módulo da Produção.
As primeiras produções só podem ser observadas sistematicamente em um pro-
cesso a longo prazo, com curtos espaços de intervalos nas observações. São fenô-
menos que apenas estudos de caso longitudinais conseguem capturar, como da ação
de filtro articulatório e a sistematização e regressão. A curva em U pode ser facilmente
identificada no desenvolvimento fonológico. As primeiras palavras fazem parte de
um pequeno léxico expressivo de formas precisas ou com boa acurácia. Isso pode ser
interpretado como resultado de uma extensão processual involuntária ou automática
de uma rotina motora ativada ou uma espécie de aprendizagem distributiva secundária.

1.2 Modelos de Análise

A descrição do desenvolvimento do conhecimento fonológico do Português, quer


na variante do Português Brasileiro (PB), quer na do Português Europeu (PE), tem
22 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

sido realizada à luz da teoria fonológica, com o propósito de identificar etapas de


aquisição e estratégias utilizadas pelas crianças durante o processo de aquisição.
O recurso à análise assente em processos fonológicos (Stampe, 1973) tem sido
amplamente utilizado, particularmente na área clínica, para a descrição do conheci-
mento fonológico das crianças.
Determinar a classe dos processos fonológicos que mapeiam representações sub-
jacentes em representações de superfície foi o desafio da Teoria da Fonologia Natural
(TFN), de Stampe (1973). Os processos fonológicos são operações mentais usadas
para substituir classes de sons que o indivíduo não é capaz de produzir, por uma
opção de classe idêntica, no entanto desprovida da propriedade que a torna de difícil
realização. Para que o sistema fique dentro da realidade das limitações inerentes à
aquisição, a criança simplifica suas produções em um movimento natural de adap-
tação do output às suas capacidades. Embora resultem de operações mentais, são
motivados pelas características físicas da fala como neurofisiológicas, morfológicas,
mecânicas, temporais e acústicas. São naturais, inatos e universais porque derivam
das necessidades e dificuldades de articulação e de percepção do ser humano.
A emergência do quadro teórico da fonologia não linear (Bernhardt; Stem-
berger, 2019) explicita os vários níveis suprassegmentais, mais ou menos presentes
na análise realizada com base em processos fonológicos. Este modelo tem vindo
a ser difundido e utilizado cada vez mais, uma vez que permite de forma clara
estabelecer relações de hierarquia dentro do sistema fonológico (cf. Nespor; Vogel,
1986; Mateus; Andrade, 2000) e cruzar informação de diferentes níveis no sistema
fonológico. Nessa perspectiva, as variáveis fonológicas mais estudadas têm sido
os segmentos, a estrutura silábica, a posição de segmentos e sílabas na palavra, o
acento e extensão de palavra.
Além da análise qualitativa e, particularmente no caso do contexto clínico, a uti-
lização de medidas quantitativas que permitam determinar o grau de severidade de
um transtorno de fala e monitorizar a eficácia da intervenção tem sido amplamente
recomendada internacionalmente.
A medida mais utilizada é a percentagem de consoantes corretas (PCC), cujas limi-
tações têm motivado a implementação de propostas de alteração e/ou melhorias a esta
medida. Neste sentido, têm sido propostas outras medidas quantitativas, que fornecem
informação quantitativa, mas que não descuram a informação fonológica essencial
para a análise da produção das crianças. Alguns desses exemplos são: percentagem
de acerto em vogais (PVC); PCC- revisto (PCC-R); PCC adaptado (PCC-A); Per-
centagem de ocorrência dos processos fonológicos (POPF); e Syllable Shape Match
(SSM) – taxa/percentagem de acerto em formato silábico. Várias outras medidas têm
sido propostas e testadas em vários estudos: Phonological Mean Length of Utter-
ance (PMLU) – Extensão Média do Enunciado Fonológico (EMEF) (Ingram, 2002);
MULTI-PCC – PCC aplicado a palavras polissilábicas (Larrivee; Catts, 1999); Whole
Word Accuracy – (WWA) – Acurácia de palavra (Schmitt; Howard; Schmitt, 1983);
Whole Word Match (Bernhardt; Stemberger, 2000) – taxa/percentagem de acerto em
palavra; Phonological Word Proximity (PWP) – proximidade fonológica da palavra
(Stoel-Gammon, 2010); e Word-level Analysis of Polysyllables (WAP) – análise de
palavra em polissílabos (Masso, 2016; Masso et al., 2016).
Aquisição fonológica típica e atípica 23

Sabendo que a complexidade fonológica pode decorrer não apenas da ocor-


rência de cada variável fonológica per si, mas, também, da acumulação de var-
iáveis em uma mesma palavra (e.g. efeito de estrutura silábica associada a acento),
tem vindo a ser explorado o potencial das medidas quantitativas globais centra-
das na palavra, como forma de contribuir para a identificação da severidade dos
transtornos.1

1.3 Aquisição Fonológica Típica do PB e do PE: estágios e modelos de análise

1.3.1 Aquisição fonológica típica: o caso do PB


Estudos sobre a aquisição fonológica apontam certas regularidades no percurso,
embora admitam variações, dialetais e individuais (Lamprecht, 2004). Por volta
dos cinco anos de idade, as crianças já adquirem os contrastes do sistema fonêmico
adulto. Por volta de 4 anos, já se dá toda a aquisição segmental e de todas as estru-
turas silábicas, exceto pelos clusters. Os encontros consonantais com /r/ só são
dominados aos 4:1 anos e os com o /l/ aos 5:7 anos. Além destes, outros estudos
buscaram definir esse padrão na emergência e na estabilização dos segmentos e das
estruturas silábicas:

Vogais: a > i, u > e, o, ɛ, ɔ (Rangel, 2002; Vogeley, 2011)


Oclusivas e nasais: p, t, k > b, d > g > m, n > ɲ (Freitas, 2004)
Fricativas: v, f > z, s > ʒ, ʃ (Oliveira, 2002)
Líquidas: l > ʎ > r (Mezzomo; Ribas, 2004)
Coda ou consoante em final de sílaba: (Lamprecht, 2004)
Cluster ou encontro consonantal: C2 = /r/ > /l/ (Barbieri; Gonçalves, 2018)

Isso quer dizer que, no estágio entre 2:0–2:6, todas as plosivas estão adquiridas
juntamente com as nasais. As fricativas seguem as plosivas e as nasais, na ordem
de aquisição segmental das línguas naturais. Essa classe de sons deve ser adquirida
até, aproximadamente, aos 2:6–3 anos de idade e caracteriza-se por conter tanto
fonemas de aquisição inicial /f, v/, como fonemas de aquisição mais tardia /s, z, ʃ,
ʒ/. A aquisição das líquidas do PB é marcada por ser de domínio mais tardio. Essa
classe de consoantes sofre bastante com a aplicação de processos fonológicos. O
fato de as líquidas serem bastante complexas, especialmente a não-lateral /r/, tanto
do ponto de vista articulatório quanto do fonológico, pode justificar a aquisição
tardia, não apenas no PB, mas em outros sistemas linguísticos. Em relação ao orde-
namento de aquisição das líquidas, a lateral /l/ é a primeira líquida a ser dominada
pelas crianças, e sua aquisição é bem mais estável e inicial do que a da não-lateral
/r/. A lateral alveolar /l/ é adquirida primeiro em posição de onset absoluto, como
em /lago/, por volta de 2:8 e, apenas aos 3 anos de idade, aproximadamente, é
dominada em onset medial, como em /sala/, seguida da líquida palatal /ʎ/. A líquida
não-lateral /r/, na posição de onset simples, como em /parede/, é adquirida entre 4
anos – 4:6, sendo, portanto, um fonema de surgimento tardio no desenvolvimento
fonológico.
24 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

Ceron; de Simoni; Keske-Soares (2022) realizaram um estudo com 857 crianças


falantes do PB, entre 3 e 9 anos com Desenvolvimento Típico (DT) e perceberam
que oclusivas (/p, b, t, d, k, g/), nasais (/m, n, ɲ/) e algumas fricativas (/f, v, s, z/)
foram dominadas antes dos 3 anos de idade. A idade de aquisição de /ʃ, ʒ/ foi de
3;6, embora ambos tenham sido dominados apenas aos 4;0 anos. A líquida /l/ foi
adquirida aos 3;0 e dominada aos 3;6 anos, enquanto a fricativa velar referente ao
rótico inicial /h/ foi adquirido e dominado aos 3;6 anos. A líquida palatal /ʎ/ foi
adquirida aos 7;0 e dominado aos 8;6. O tap /ɾ/ foi adquirido entre as idades de
4;0 e 4;6, e dominado aos 4;6. Em coda, /N, L/ foram adquiridos aos 3;0, enquanto
/S/ foi dominado aos 4;6 e /R/ entre 4;6 e 5;0 anos. Clusters envolvendo /ɾ/ foram
adquiridos em 6;0, enquanto aqueles com /l/ foram adquiridos entre 6;6 e 7;0. Este
estudo é um dos mais recentes para o PB e pode ser utilizado como referência para
a avaliação ou como uma diretriz para a prática clínica e está esquematizado no
Quadro 1.1:

Quadro 1.1 Idades de aquisição para o PB

Segmentos e estruturas 2 2;6 3 3;6 4 4;6 5 5;6 6 6;6 7 8

Plosivas   
Nasais /m, n, ɲ/   
Fricativas /f, v, s, z/   
Fricativas /∫, ʒ/  
Líquida /l/  
Fricativa /h/  
Líquida e tap /r/  
Líquida/ʎ /  
Codas2/N, L/ 
Coda /S/ 
Coda /R/  
Clusters CrV 
Clusters ClV  

Estruturas silábicas complexas, como a coda CVC/CVCC e o cluster CCV, são as


últimas aquisições. As crianças tendem a produzir o padrão canônico ou não mar-
cado da língua, no que diz respeito à estrutura silábica, ou seja, tendem ao padrão
CVCV, como em “bola, casa, pato e caneta”. Evitam codas e clusters, de modo a
“atender ao padrão não-marcado”.
A posição que os fonemas ocupam na palavra determina a ordem de aquisição e inter-
fere no tipo de alteração que esses segmentos ou estruturas sofrem. As estruturas silábi-
cas complexas normalmente sofrem muito mais processos de omissão. Dessa forma, os
processos de omissão são mais comuns nas estratégias de reestruturação silábica:

Redução de cluster/onset complexo – blusa /bluza/ – [‘bu.za]


Apagamento de sílabas átonas – sabonete /sabonete/ – [‘e.ti]
Epêntese – brabo /brabo/ – [ba.’ra.bu]
Omissão de coda – carne /kaRne/ – [‘ka.ni]
Aquisição fonológica típica e atípica 25

Reduplicação – dormir /dormiR/ – [mi.’mi]


Omissão de líquida intervocálica – parede /parede/ – [pa.’le.di]
Apagamento de onset absoluto – rato /hato/ – [‘a.tu]
Metátese – verde /verde/ – [‘vre.di]

No nível segmental, os processos de substituição mais comuns são:

Desvozeamento – vovô /vovo/ – [fo.’fo]


Plosivização – suco /suko/ – [‘tu.ku]
Posteriorização – sapato /sapato/ – [∫a.’pa.tu]
Anteriorização – queijo /kejʒo/ – [‘ke.zu]
Semivocalização – cenoura /senora/ – [‘no.ja]
Substituição não­lateral por lateral – buraco /burako/ – [bu.’la.ku]

1.3.2 Aquisição fonológica típica: o caso do PE

A aquisição fonológica do PE segue os mesmos estágios de desenvolvimento da


aquisição do PB. A ordem de aquisição consonântica para o PE segue a mesma
tendência referida para o PB, em termos de aquisição em classes naturais: oclusi-
vas/nasais >> fricativas >> líquidas. Algumas diferenças podem ser encontradas,
que, a seguir, serão discutidas.
No PE, a investigação sobre a aquisição das vogais carece ainda de bastante
investigação. Os escassos dados existentes resultam de estudos centrados no desen-
volvimento da estrutura silábica (e.g. Freitas, 1997 – estudo longitudinal realizado
com 7 crianças entre os 10 meses e os 3;7 anos de idade) ou da aferição de instru-
mentos de avaliação (e.g. Mendes et al., 2013 – Teste Fonético-Fonológico – avali-
ação da linguagem na criança em idade pré-escolar), realizados está ainda a dar os
primeiros passos.
Santos; Freitas (2021), em um estudo de caso sobre as vogais átonas no PE,
observaram que a ordem crescente de aquisição das vogais é: [u] >> [ɐ] >> [ɨ] e
que as vogais [ɐ, u] contrastam com a vogal [ɨ]. Não existe, portanto, informação
sistematizada sobre aquisição do inventário vocálico em Português Europeu, pelo
que não é ainda possível estabelecer uma ordem de aquisição das vogais nesta
variante do Português. Contudo, os estudos já realizados têm permitido verifi-
car que a aquisição das vogais é influenciada pelo acento, ponto de articulação
e grau de altura, que as primeiras vogais a emergir são as recuadas [a, ɐ] e que o
ponto de articulação tende a estabilizar antes da especificação dos traços de altura
(Matzenauer; Costa, 2017). Contrariamente, a aquisição do sistema consonantal
tem sido mais estudada no PE (Mendes et al., 2013; Costa, 2010; Amorim, 2014;
Guimarães et al. (2014); Ramalho, 2017). No Quadro 1.2, encontra-se sistema-
tizada informação de diversos estudos sobre aquisição do sistema consonântico
do PE.
Os estudos sobre desenvolvimento fonológico do PE concentraram-se, inicialmente
e de forma mais sistemática, nos aspectos segmentais, suportados por uma análise
26 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

Quadro 1.2 Idades de aquisição para o PE

Segmentos e estruturas 3;0 3;6 3;11 4 4;6 4;11 5 5;6 5;11 6 > 6

Plosivas a,b,c3 d
Nasais a,b,c d d (/ɲ/)
Fricativas /f, v, s/ a,b,c d
Fricativas /z/ b, c a d
Fricativas /∫, Ʒ/ a,b,c d a d
Líquida lateral alveolar /l/ c a b d
Líquida lateral palatal /ʎ/ a c b d
Rótico dorsal /ʀ/ a,b,c d
Rótico alveolar /ɾ/ c a,b d
Coda /ʃ/ b, c a d
Coda /l/ b a c d
Coda /ɾ/ a, b c d
Clusters CrV a,c b d
Clusters ClV a, c d

com base em processos fonológicos (e.g. Mendes et al., 2013; Lousada et al.,
2013). Alguns dos estudos realizados para o PE (Guerreiro; Frota, 2010; Charrua,
2011; Lousada et al., 2012; Jesus et al., 2015) referem que as crianças com desen-
volvimento fonológico típico registram processos fonológicos que afetam:

O nível prosódico
1. Apagamento de consoante final – cor /ˈcoɾ/ → [ˈco]
2. Redução de cluster – braso /ˈbɾasu/ → [ˈbasu]
3. Apagamento de sílaba átona – batata /bɐˈtatɐ/ → [ˈtatɐ]
4. Metátese – creme /ˈkɾɛmɨ/ → [ˈkɛɾmi]
5. Epêntese – prato /ˈpɾatu/ → [pɨˈɾatu]
6. Monotongação – mãe /ˈmɐj/ ̃ ̃ → [ˈmɐ̃]

O nível segmental
1. Oclusão/Plosivisação – fim /ˈfĩ/ → [ˈpĩ]
2. Anteriorização – capa /ˈkapɐ/ → [ˈtapɐ]
3. Despalatalização – chapéu /ˈʃuvɐ/ → [ˈsuvɐ]
4. Palatalização – sopa /ˈsopɐ/ → [ˈʃopɐ]
5. Desvozeamento – mesa /ˈmezɐ/ → [ˈmesɐ]
6. Semivocalização de líquidas – pêra /ˈpeɾɐ/ → [ˈpejɐ]
7. Harmonização consonântica – banana /bɐˈnɐnɐ/ → [mɐˈnɐnɐ]
8. Desnasalização – nata /ˈnatɐ/ → [ˈdatɐ]
9. Substituição de vogal – creme /ˈlɛmɨ/ → [ˈlɛmi]
Aquisição fonológica típica e atípica 27

No PE, as classes que estabilizam mais tardiamente são a das fricativas e a das
líquidas. No primeiro caso, a complexidade associada ao traço [anterior] tem um
efeito que se traduz em maior complexidade para as crianças. No caso das líquidas,
observa-se um efeito associado à distribuição prosódica das líquidas, observando-
se um claro efeito de estrutura silábica, relatado para várias línguas (e.g. Lampre-
cht, 2004; Fikkert, 2007), com tendência para uma aquisição mais tardia em Coda
(Cd) e em Ataque ramificado (AR).
Os dados dos estudos realizados para o PE (Freitas; Ramalho; Gomes, in press)
em que se identifica a instabilidade da lateral /l/ reforçam a evidência relatada
sobre a complexidade associada à classe das líquidas. Apesar de a aquisição da
estrutura silábica ser fundamental para a estabilização dos segmentos, nomeada-
mente daqueles que podem ocorrer em mais do que uma posição silábica, no PE,
a lateral /l/ tem registrado comportamento diferente, revelando uma estabilização
cada vez mais tardia, mesmo em ataque simples (AS).
A perspectiva da análise fonológica não linear tem vindo a ser cada vez mais
aplicada ao PE, em estudos com crianças com desenvolvimento típico e atípico.
Nestes trabalhos, têm sido explorados aspectos segmentais e prosódicos, particular-
mente até ao domínio de palavra prosódica, que será o foco deste capítulo. Alguns
dos estudos disponíveis incluem já alguma informação sobre aquisição da estrutura
silábica, acento de palavra, posição na palavra e extensão de palavra (Freitas, 1997;
Correia, 2009; Amorim, 2014; Ramalho, 2017).
Sabe-se sobre o desenvolvimento da sílaba que, para o PE, o ataque acompanha
todo este processo, e Freitas (1997) registra a seguinte ordem de estabilização dos
constituintes silábicos: (i) Ataque não ramificado e Núcleo não ramificado (Estágio
I, onde se observa a produção dos formatos silábicos dos tipos CV e V); (ii) Rima
ramificada, com aquisição da Coda (Estágio II, sendo visíveis sílabas com formatos
do tipo CVCfricativa); (iii) Núcleo ramificado (Estágio III, onde já estabilizaram
os formatos do tipo CVG e CVClíquida; (iv) Ataque ramificado (Estágio IV, onde
são adquiridas as estruturas CCV).
No PE, a ordem de aquisição AS>>Cd>>AR para o segmento /ɾ/ foi atestada em
vários estudos (Freitas, 1997; Mendes et al., 2013; Amorim, 2014; Ramalho, 2017;
Vidal, 2019). Contudo, para /l/, relativamente à estabilização do segmento em fun-
ção da constituição silábica, colocam­se dois cenários distintos: i) AS>>Cd>>AR
(Freitas, 1997; Ramalho, 2017); ii) AS>>AR>>Cd (Mendes et al., 2013; Amorim,
2014). Várias explicações têm vindo a ser propostas como justificação dos resulta-
dos obtidos, sendo todas consensuais no que diz respeito à complexidade fonológica
associada a este segmento, a que se associa o efeito de constituição silábica.
Sobre o acento, vários dos estudos para o PE que se têm centrado nesta variável
(Freitas, 1997; Correia, 2004, 2009; Freitas, 2006; Vigário; Frota; Martins, 2006,
Amorim, 2014) referem que as produções não conformes ao alvo, como omissões
ou substituições, ocorrem preferencialmente em sílaba átona, tendo sido identifi-
cado o processo de omissão de sílaba átona como um processo frequente nas cri-
anças Portuguesas com desenvolvimento típico (Nogueira, 2007; Lousada, 2012).
28 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

Sobre o impacto da variável posição na palavra, existem dados que atestam um


efeito promotor na aquisição de /l/ em ataque simples em posição inicial (Costa,
2010; Ramalho, 2017), contrariamente ao relatado por Amorim (2014) e por
Guimarães et al. (2014), que verificaram um efeito de periferia de palavra, com
melhores resultados no desempenho em posição inicial de palavra. No ataque rami-
ficado, foi registado um efeito promotor de produção de C/l/ em início de palavra
(Amorim, 2014; Ramalho, 2017), sendo que os dados não estão em conformidade
no que respeita ao cluster C/ɾ/.
A posição na palavra assume particular relevância no constituinte Coda, em que a
posição final de palavra se assume como promotora de sucesso na aquisição (Freitas,
1997; Correia, 2004; Amorim, 2014; Ramalho, 2017), relativamente à posição medial.
O estudo de Ramalho (2017) encontrou uma tendência progressiva no que se
refere à variável extensão de palavra, sendo a aquisição realizada na seguinte
ordem: monossílabos>> dissílabos>>trissílabos >> polissílabos.

2 Aquisição Fonológica Atípica: o caso do desvio/transtorno


Algumas crianças têm dificuldade persistente em representar, planejar e produzir
palavras ou sons corretamente. Essas crianças são diagnosticadas com Transtornos
dos Sons da Fala (TSF). A persistência desses processos nos casos de desenvolvi-
mento atípico (Nogueira, 2007; Lazzarotto-Volcão, 2010; Lousada, 2012; Baptista,
2015; Ramalho, 2017; Vogeley; Hora, 2016; Vogeley et al., 2019) e os processos
fonológicos que podem servir como marcadores para o diagnóstico diferencial de
vários TSF, serão discutidos à luz de dados normativos de critérios diferenciais
(Dodd et al., 2003).
Considerando a alta taxa de prevalência de TSF, entre 2,3% a 24,6% (Wren et al.,
2016; Dodd et al., 2018), vários estudos tentam identificar marcadores fonológicos
relevantes ao diagnóstico diferencial (Ramalho; Lazzarotto-Volcão; Freitas, 2017;
Catarino, 2019). Assim, a proposta deste capítulo foi relatar etapas e variáveis fun-
damentais de aquisição da fonologia em contexto de desenvolvimento típico, mas
também aborda critérios para identificação nos casos de desenvolvimento atípico
nas variantes do PE e do PB.
A proposta de classificação e diagnóstico diferencial de Dodd (2014) inclui 5
subtipos de TSF: i) Perturbação articulatória (erros de natureza articulatória, carac-
terizado por distorções); ii) Atraso fonológico; iii) Perturbação fonológica con-
sistente (PFC); iv) Perturbação fonológica inconsistente (PFI); v) Apraxia de Fala
na Infância – AFI ou Dispraxia Verbal de Desenvolvimento DVD. À exceção de
i), todos apresentam algum tipo de dificuldade envolvendo o módulo fonológico.
Com efeito, o termo phonologically-based para os Transtornos dos Sons da Fala
(TSF) ou Speech Sound Disorders (SSD) tem sido utilizado para destacar a pre-
sença de alterações fonológicas por oposição às articulatórias.
O termo TSF engloba tanto problemas fonológicos, como problemas com a
produção da fala de origem motora ou ainda que podem envolver problemas com
a articulação, como as alterações de origem músculo-esquelética. As crianças com
TSF formam um grupo heterogêneo, apresentando variabilidade na gravidade,
Aquisição fonológica típica e atípica 29

etiologia, causas proximais, características da fala e resposta ao tratamento (Dodd,


2014). Subtipos muitas vezes coocorrem e casos puros quase nunca existem.
A classificação de subtipos de TSF precisa ir além de um sistema etiológico
destinado a delinear marcadores diagnósticos relacionados a influências genéti-
cas subjacentes. Precisa explorar traços comportamentais associados a subtipos e
examinar a eficiência de várias intervenções. Dodd (2011) chama a atenção para
o quão importante é distinguir um atraso fonológico de um transtorno, porque a
natureza, a severidade e a persistência das falhas podem separar grupos impor-
tantes ao desenvolvimento de intervenções. Para a autora, o diagnóstico de trans-
torno é orientado pela presença de padrões de erro na produção que são atípicos
durante o desenvolvimento, e este grupo costuma ter menor rendimento em tarefas
que exigem mudança de atenção entre domínios conceituais e em atividades envol-
vendo abstração de regras. Tais tarefas também envolvem memória e inibição, ou
seja, processos cognitivos gerais que interferem na aquisição fonológica. O conhe-
cimento de tais falhas pode direcionar melhor o tratamento.
Morgan et al. (2017) examinaram dados longitudinais do Early Language in Vic-
toria Study (ELVS) em um estudo prospectivo de 1494 crianças recrutadas antes
dos 12 meses de idade e reavaliadas anualmente até os 13 anos. O tipo de erro de
fala foi o único preditor estatisticamente significativo. Crianças com erros tardios
em 4 anos tiveram duas vezes mais chances de resolver em comparação com aque-
les que cometem erros atípicos. As descobertas sugerem uma maior exploração do
valor prognóstico da fala baseada em tipos de erro.
Na aquisição fonológica atípica, a falha pode estar no uso lexical das infor-
mações fonológicas, na percepção de contrastes, na organização e na representação
de categorias através de informações conceituais, na codificação do conhecimento
subjacente em ações motoras para sons representados como distintivos ou, ainda,
na execução, em termos de ação motora.
O diagnóstico diferencial eficaz requer uma abordagem orientada para o processo
dinâmico (Terband; Maassen; Maas, 2019). Os modelos linguísticos, psicolinguís-
ticos e psicomotores formam a base para um sistema de classificação diagnóstica
orientado para o processo, baseado na identificação da quebra na cadeia de proces-
sos de fala sequenciais e paralelos. De acordo com esses modelos, o processo de
produção da fala começa com a recuperação das formas das palavras do léxico, que
forma a entrada para a codificação fonológica, seguida pelo planejamento motor
e programação motora e, finalmente, resultando na execução motora. O principal
objetivo de uma abordagem orientada para o processo não é categorizar, mas para
dar uma caracterização completa do perfil de fala, de tal forma que déficits de
processamento subjacentes possam ser identificados. Para tal, é imperativo que se
conheça o funcionamento fonológico da língua.
O Sistema de Classificação de Transtornos da Fala (SDCS) de Shriberg et al.
(2010, 2019) identifica 8 subgrupos baseados sobre a etiologia, perfis de déficits
no processamento de fala associados a erros de produção e potenciais marcadores
diagnósticos, como uma forma de compilar lacunas em muitos sistemas atuais de
classificação de TSF, cujas complexas relações entre etiologia (distal), déficits de
processamento (proximais) e níveis comportamentais (expressão fenotípica em
30 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

sintomas ou sinais de fala) foram subespecificadas. Shriberg et al (2019) propõem,


então, um Sistema de Classificação de Transtornos da Fala – SCTF:

• Atraso de Fala (no qual os autores situam o Transtorno Fonológico): aquisição


tardia de características somatossensoriais corretas de representações subja-
centes e/ou atraso no desenvolvimento dos processos de feedback necessários
para ajustar a precisão e a estabilidade da produção segmental e suprassegmen-
tal. O transtorno é caracterizado por omissões e/ou substituições de sons de fala
(processos fonológicos) inadequados para a idade (e.g.: processos de anteriori-
zação, posteriorização, substituição de líquidas em idades nas quais já deveriam
estar superados).
• Erros Residuais de Fala (abarcando distorções especialmente em sibilantes e
róticos): presume-se que uma criança com comprometimento articulatório tenha
a seleção correta de fonemas, mas falha nas especificações motoras da imple-
mentação do som (Preston; Hull; Edwards, 2013). Entre 2 a 5% dos falantes
apresentam erros residuais de fala (ERF) que persistem até a adolescência ou
mesmo na idade adulta, por isso, estão presentes na população a partir de 9 anos
de idade. No inglês norte­americano, os erros residuais afetam o rótico /ɹ/. No
PB, afetam as fricativas coronais /s, z/ e a líquida não-lateral /r/, normalmente
distorcidas com ceceio anterior ou com a produção como [θ] (e.g.: suco – [‘θu.
ku]) ou para – [‘pa.ɰa], respectivamente.
• Transtornos Motores de Fala subdivididos em 4 grupos:
• Apraxia de Fala na Infância (AFI): transtorno neurológico que afeta plane-
jamento e/ou programação motora das sequências de movimento da fala,
caracterizado por erros inconsistentes em produções repetidas, transições
co­articulatórias alongadas (e.g.: sapato – [sa:’pa:tu]) e interrompidas entre
sons e sílabas (e.g.: batata – [ba.(.)’ta.ta]) e prosódia inadequada que inclui
dificuldades de tonicidade lexical e frasal (e.g.: batata – [ba.ta.’taj]) (Ameri-
can Speech-Language-Hearing Association [ASHA], 2007). Normalmente
está associado a outros transtornos complexos do neurodesenvolvimento
(Shriberg et al., 2019).
• Disartria Infantil (DI): transtorno com características neuromotoras na mag-
nitude do gesto ou problemas de escala, contatos articulatórios imprecisos
(resultando em distorções sonoras), lentidão (taxa de fala reduzida e durações
prolongadas) e problemas de coordenação podem estar presentes. A Disar-
tria pode ser caracterizada por dificuldades na coordenação dos subsistemas
necessários para a fala (respiração, fonação e articulação) e dos graus de
liberdade em uma sinergia articulatória funcional.
• Atraso Motor de Fala: é transtorno de uma subpopulação de crianças com
dificuldades no controle motor e coordenação da fala que não é consistente
com as características da AFI. Esse grupo é caracterizado por imaturidade
no controle motor (com maior variabilidade cinemática articulatória do lábio
superior, lábio inferior e mandíbula, maiores deslocamentos do lábio supe-
rior), resultando em erros como sons menos precisos, erros na duração da
Aquisição fonológica típica e atípica 31

vogal e da sílaba, erros na produção de semivocalização, erros de epêntese,


distorções consonantais e tonicidade lexical menos precisa (Vick et al., 2014),
decorrente de estratégias adaptativas para aumentar a estabilidade motora da
fala. É considerado um transtorno com falha em execução, um atraso no
desenvolvimento da estabilidade de precisão neuromotora do controle motor
da fala.
• AFI + DI: é transtorno com características de AFI e DI.
Namasivayam et al. (2020) tentam conciliar a dicotomia fonética vs fonologia a
partir de uma discussão sobre a interconexão entre esses níveis e a natureza desses
TSF, resgatando a noção de “gesto” articulatório nos conceitos mais amplos do
modelo de Fonologia Articulatória. No estudo, apresentam evidências que apoiam
a noção de gestos articulatórios refletidos nos processos de controle no cérebro e
explicam comportamentos articulatórios na produção de fala típica e atípica. A dis-
cussão resulta em um escopo único que abrange processos linguísticos (fonológi-
cos) e motores de maneira unificada.
Bernhardt; Stemberger (2019) promovem uma reflexão sobre o impacto da clas-
sificação relativa aos TSF, para as metodologias de avaliação e de intervenção e
defendem a utilização do termo fonológico, de forma a ser possível dar conta de
aspectos representacionais e não apenas das alterações de superfície encontradas.
Com efeito, as dificuldades fonológicas não se esgotam neste quadro diagnós-
tico. A recente revisão da terminologia associada aos transtornos de linguagem,
proposta por Bishop et al. (2016, 2017), discute a transversalidade das alterações
fonológicas em diversos quadros clínicos, como os transtornos dos sons da fala,
o transtorno de linguagem ou o transtorno de aprendizagem específico (Ramalho;
Lousada, in press).
Preston; Hull; Edwards (2013) concluíram que diferentes padrões de erros
em pré-escolares predizem diferentes resultados. Os tipos de erros presentes na
fala podem refletir dificuldades de processamento fonológico associadas a perfis
específicos de alfabetização, mas não diferente dos controles nas outras tarefas de
Consciência Fonológica (CF).
Substituições típicas, como plosivização, semivocalização de líquidas, anteri-
orização e erros de estrutura silábica são erros observados na maioria das crianças
com aquisição fonológica típica, com atraso fonológico ou com algum TSF leve de
bom prognóstico, embora esses erros ocorram com mais frequência, persistência
e intensidade na fala de crianças com TSF. Nestas crianças, erros incomuns ou
atípicos também podem ocorrer. Esses erros atípicos geralmente não são encon-
trados no desenvolvimento fonológico normal (e.g.: substituição de plosiva por
fricativa, substituição de velares por coronais. A produção frequente e persistente
de erros atípicos pode indicar que o caminho de desenvolvimento de uma criança é
incomum na forma como as características fonológicas são dominadas, indicando
potencial de fraqueza a longo prazo nos fundamentos do sistema fonológico de
uma criança (Preston; Hull; Edwards, 2013).
Além das trocas incomuns ou produções insólitas ou idiossincráticas, a
preferência sistemática por um som pode ser um importante critério tanto para
32 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

a suspeita do transtorno como para fator preditor de severidade do transtorno.


A presença do processo de preferência sistemática por um som revela sistemas
bastante defasados, com inventário fonético e fonológico restrito, comprometi-
mento com níveis iniciais de aquisição, com restrições de contrastes de traços,
grave ininteligibilidade da fala e presença de muitos homônimos (Brancalione;
Keske-Soares, 2016).
Kent; Rountrey (2020) fizeram uma revisão da literatura sobre o desenvolvi-
mento das vogais na fala infantil e sobre os transtornos de fala, com ênfase em
estudos utilizando métodos acústicos. Os autores destacaram que as vogais são
importantes para a inteligibilidade da fala, intrinsecamente dinâmicas e refinadas
em ambos os aspectos perceptivos e produtivos, além da idade tipicamente dada
para seu domínio fonético. Além disso, são influenciadas pelo dialeto mesmo na
primeira infância. E apesar de as vogais serem afetadas por uma variedade de trans-
tornos da fala, não recebem a mesma atenção e acabam sendo inadequadamente
avaliadas por testes de articulação padronizados. Elas são caracterizadas por pelo
menos três fatores: configuração articulatória, regulação extrínseca e intrínseca da
duração e exercem importante papel no ritmo da fala e na prosódia. A perspectiva
sensório-motora sobre a produção das vogais traz implicações para a avaliação
clínica desses segmentos. O próprio conceito de distorção vocálica, frequente-
mente usado como critério de diagnóstico para AFI, é referido por Ball (2016)
como aspecto a considerar; diferentes tipos de distorção podem ser considerados e
tal fato pode ter impacto na realização de diagnóstico diferencial.
A maioria dos estudos populacionais longitudinais concentra-se na epidemiolo-
gia para identificar marcadores de comprometimento da fala. Em um estudo sobre
o número e o tipo de erros de fala em 93 crianças de 4–7 anos que cometeram
erros não apropriados à idade aos quatro anos de idade em avaliações padroniza-
das (Wright, 2014), os erros foram categorizados como: atraso fonológico (erros
típicos e persistentes) e transtorno de fala (atípicos e persistentes). 67% das crian-
ças com atraso fonológico resolveram por 7 anos em comparação com 35% das
crianças com erros atípicos. Aqueles com fonologia atrasada, que não resolveram,
continuaram a cometer erros atrasados aos 7 anos, embora 5 tenham adquirido uma
produção interdental ocasional de /s, z/. Crianças que usavam consistentemente
padrões de erro fonológico aos 4 anos eram mais propensos a cometer erros tar-
dios aos 7 anos. Crianças com erros inconsistentes aos 4 anos tiveram resultados
variáveis. Aquelas com menos erros atípicos foram mais propensas a resolvê-los,
independentemente do número total de erros ou de terem recebido intervenção. A
identificação precoce do comprometimento persistente da fala pode, então, basear­
se com mais segurança na sintomatologia da fala.
Dois terços das crianças com atraso fonológico aos quatro anos resolveram-
no três anos depois. Esse achado é consistente com pesquisas anteriores. Wright
(2014) relatou que 69% das crianças identificadas como atrasadas na avaliação fon-
oaudiológica inicial superaram os problemas 2 anos depois, independentemente de
terem recebido intervenção. Outro estudo comparou grupos de 22 crianças atrasa-
das e 15 com TSF de 3–7 anos de idade em lista de espera para terapia (média de
espera de 12 meses). Diferenças significativas entre grupos foram encontradas para
Aquisição fonológica típica e atípica 33

consciência de rima e PCC na reavaliação e mudança no PCC entre duas avali-


ações, com crianças atrasadas apresentando melhor desempenho do que aquelas
com erros atípicos.
A investigação experimental sugere que crianças atrasadas geralmente têm
desempenho dentro da faixa normal em medidas de avaliação padronizadas de
vocabulário, linguagem, alfabetização e função executiva, embora às vezes com
menos sucesso do que crianças dos grupos controle com desenvolvimento típico.
Em geral, as crianças com atraso apresentam melhor desempenho do que aquelas
com erros fonológicos atípicos. O atraso fonológico pode refletir um desenvolvi-
mento cognitivo mais lento ou linguagem limitada às oportunidades de aprendizagem
associadas a baixa situação sócio-econômica (Head Start Impact Study – O’Leary
et al., 2010). Apenas 35% das crianças com erros atípicos resolveram-nos ao
longo dos três anos entre as avaliações. Outras pesquisas indicam que crianças que
cometem erros atípicos são mais propensas a desenvolver dificuldades de alfabeti-
zação (Preston; Hull; Edwards, 2013). Crianças com atraso no desenvolvimento
fonológico podem, então, responder positivamente à pré-escola e à intervenção
escolar. Em contrapartida, evidências sugerem que aquelas com erros atípicos de
fala apresentam déficits específicos no processamento fonológico. Crianças que
usam consistentemente padrões de erro atípico se saem mal em tarefas de função
executiva, com déficits na abstração de regras e na flexibilidade cognitiva (Cros-
bie; Holm; Dodd, 2009). Crianças com erros de fala inconsistentes, na ausência de
apraxia, saem­se mal em tarefas de avaliação fonológica. Tais déficits predizem
dificuldades persistentes de fala.
Enquanto menos crianças com transtornos resolvidos até a idade de sete anos,
houve uma mudança nos tipos de erro para o uso consistente de erros fonológicos,
sugerindo habilidades de processamento fonológico emergentes. Esse achado não
é inesperado, dado o intervalo de três anos entre as avaliações. Possíveis expli-
cações incluem exposição ao ensino de alfabetização precoce, melhores modelos
de fala/feedback na pré-escola/escola e colegas proporcionando maior motivação
para alcançar a inteligibilidade. Algumas crianças com uma história de erros de
fala atípicos lentamente adquirem melhor compreensão das restrições do sistema
fonológico falado. Tipo de erros, como medida de capacidade de processamento e
mudança, foi um melhor preditor de resultado do que número de erros.
A métrica mais comum para a descrição clínica do comprometimento da fala
é o PCC, que ignora vogais e restrições fonotáticas, não faz distinção entre omis-
são, substituição e distorção dos sons da fala, não tem em consideração variáveis
suprassegmentais (sílaba, acento, posição na palavra ou extensão de palavra) e não
discrimina entre idade apropriada, erros de fala atrasados e atípicos no desenvolvi-
mento. A descrição clínica dos tipos de erros de produção informa o prognóstico,
bem como as melhores práticas de intervenção (Bernhardt; Stemberger, 2019;
Dodd, 2014).
Outra implicação diz respeito à priorização da terapia. Em um ensaio clínico
randomizado, Broomfield; Dodd (2005) relataram que a idade de tipos específicos
de intervenção afetou o resultado: a terapia de contraste foi mais eficaz para erros
atípicos consistentes em quatro anos e para padrões atrasados de erros em cinco
34 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

anos. A terapia de vocabulário central foi mais eficaz aos três anos para crianças
cometendo erros inconsistentes. Esse ECR e os achados atuais sugerem que cri-
anças pré-escolares com erros atípicos de fala podem ter prioridade no acesso à
terapia.
Uma análise descritiva comparou os erros de produção cometidos aos 4 e 7
anos por crianças inicialmente identificadas com dificuldades fonológicas e/ou
articulatórias. No geral, 42% das crianças identificadas aos 4 anos apresentavam
dificuldades de fala persistentes aos 7 anos de idade. Um número significativo não
“cresce” de um distúrbio da fala. Ao longo dos três anos entre as avaliações, dois
terços das crianças com atraso no desenvolvimento fonológico tiveram resolução
espontânea, em contraste a apenas um terço das crianças que cometeram erros
atípicos de dados normativos para o desenvolvimento da fala.
Os resultados têm implicações clínicas para a prática de avaliação e decisões
de política de serviço, bem como demonstra a necessidade de pesquisas que se
concentrem em subgrupos de transtorno de fala, em vez de terem o foco em uma
única população heterogênea.
Os estudos sobre desenvolvimento atípico e de intervenção em fonologia em
PE ainda estão a dar os primeiros passos. No entanto, os resultados disponíveis
revelam exatamente a importância e a necessidade do aumento do conhecimento
sobre a especificidade das alterações associadas aos diferentes quadros clínicos.
Encontram-se disponíveis alguns trabalhos sobre desenvolvimento fonológico
atípico, existindo dados sobre o desenvolvimento de crianças com alterações sen-
soriais, com imaturidade associada à prematuridade (Nogueira, 2007) e com alter-
ações fonológicas primárias, associadas a quadros de TDL e/ou TSF (Lousada,
2012; Baptista, 2015; Jesus et al. (2015); Ramalho, 2017; Reis, 2018; Catarino,
2019; Vidal, 2019; Faria, 2020, entre outros).
Em um estudo randomizado controlado que descreve o desenvolvimento de cri-
anças com dificuldades fonológicas e compara abordagens de intervenção, foram
encontradas diferenças significativas no grupo experimental, tratado com terapia
de consciência fonológica, relativamente ao grupo de controle, tratado com terapia
articulatória tradicional (Lousada, 2012). Jesus et al. (2015) relataram que as crianças
com TSF apresentavam uma PCC bastante inferior e um uso significativamente supe-
rior de processos fonológicos considerado típicos, mas também o uso de processos
fonológicos atípicos (e.g. omissão de consoante inicial e posteriorização, não identi-
ficados no grupo de controle), quando comparadas com o grupo de crianças típicas.
O trabalho preliminar de Ramalho; Lazzarotto-Volcão; Freitas (2017), sobre
potenciais marcadores clínicos fonológicos no PE, encontrou diferenças na ordem
de aquisição dos segmentos /l/ e /ɾ/ nas crianças com TDL (/l/ >> /ɾ/) e com TSF (/ɾ/
>> /l/), observando­se que a crianças com TDL registravam valores de aquisição em
curso de /l/ (taxas de acerto acima dos 50% em várias posições silábicas) e valores
abaixo de 50% para /ɾ/, sendo registrado o inverso para a criança com TSF, que
apresentava aquisição em curso de /ɾ/, e /l/ com valores abaixo dos 50%. Catarino
(2019), no estudo realizado com crianças com PDL, identifica os Ataques rami­
ficados formados por obstruinte + lateral como potenciais marcadores clínicos na
identificação da PDL no PE.
Aquisição fonológica típica e atípica 35

Em Ramalho; Freitas; Rose (2020), o efeito de estrutura silábica foi global-


mente relatado nos dados de crianças com desenvolvimento atípico disponíveis
no Corpus PhonoDis (Freitas et al., 2019), um corpus de crianças com alterações
fonológicas, na comparação com dados de crianças com desenvolvimento típico.
Os dados foram recolhidos em condições metodológicas semelhantes o que per-
mite comparação entre as duas bases de dados.
As produções de crianças com alterações fonológicas podem ser acedidas dire-
tamente no Corpus PhonoDis, disponível em open access no PhonBank,4 sendo as
seguintes alguns exemplos destas produções:

(1) nariz /nɐˈɾiʃ/ → [wɐˈiʃ] (Child R; 5;11)


(2) feijão /fɐjˈʒɐw̃ ̃ / → [fɨˈzɐw̃ ̃ ] (Child L; 7;06)
(3) chaminé /ʃɐmiˈnɛ/ → [sɐmiˈɲɛ] (Child U; 5;05)
(4) irmão /iɾˈmɐw ̃ ̃ / → [ˈmɐw ̃ ̃ ] (Child E; 5;04)
(5) cenoura /sɨˈnoɾɐ/ → [sɨˈnolɐ] (Child K; 5;09)
(6) relógio /ʀɨˈlɔʒiu/ → [ɨˈɾɔʒu] (Child T; 6;00)

Estes trabalhos argumentam em favor da fonologia não linear enquanto modelo


fonológico subjacente à análise a considerar no diagnóstico, na avaliação e na
planificação da intervenção em contexto clínico, destacando o potencial das vari­
áveis prosódicas (e.g. distribuição prosódica das líquidas e extensão de palavra)
como potenciais estruturas a considerar em investigações futuras sobre marcadores
fonológicos clínicos para o PE.
Martins et al. (2021) compararam características fonológicas de crianças em
idade pré-escolar e escolar em PE e PB com TSF. Semivocalização de líquidas,
redução de cluster e desvozeamento foram os processos mais comuns em ambos
os grupos. Crianças com TSF nas duas variantes demonstraram características
semelhantes quanto ao tipo de erros e processos fonológicos. Este estudo sugere que
as crianças com TSF possuem características semelhantes, ainda que em diferentes
variantes linguísticas, o que permite intercâmbio e generalização quanto à avaliação
e intervenção implementadas pelos clínicos.
Bernhardt et al. (2020), no âmbito do Crosslinguistic Child Phonology Pro-
ject, compararam produções de crianças falantes de 8 línguas com desenvolvi-
mento fonológico típico e atípico, tendo utilizado, entre outras, uma medida
prosódica centrada na palavra, a Whole Word Match (WWM). Foram observa-
das diferenças estatisticamente significativas, na WWM, entre crianças com
desenvolvimento típico e com desenvolvimento atípico nas diferentes línguas
analisadas, pelo que a inclusão de medidas de como a WWM poderá ser um
elemento importante a considerar no processo de avaliação e de intervenção
terapêutica.

Considerações Finais
Neste capítulo, pretendeu-se relatar as etapas e variáveis fundamentais de aquisição
da fonologia em contexto de desenvolvimento típico e atípico nas variantes do
36 Ana Vogeley, Ana Margarida Ramalho

Português Europeu e do Português do Brasil, dando conta dos principais estudos


e modelos teóricos utilizados para descrever o processo de aquisição nestas duas
variantes do Português.
Não obstante os progressos já realizados na investigação nesta área, é
necessário realizar novos estudos translinguísticos com populações maiores e
mais diversificadas, principalmente envolvendo ensaios clínicos com terapias
que incluam todos os níveis do sistema fonológico e que considerem padrões
fonológicos e fonotáticos previamente estabelecidos, uma vez que os dados,
na maioria dos estudos, não são equivalentes em termos de complexidade de
alvos. Por outro lado, a identificação de erros considerados típicos e atípicos
é ainda um campo de trabalho por explorar, designadamente no que ao PE diz
respeito.
Quanto à intervenção, possivelmente, integrar no processo terapêutico aspetos
linguísticos (fonológicos) de forma integrada com alvos motores de fala, mais gene-
ralizáveis, talvez seja a chave para o sucesso na intervenção terapêutica junto das
crianças com alterações fonológicas, aspecto que carece ainda de investigação mais
aprofundada.
O alargamento de amostras clínicas deve considerar ainda a inclusão de dados de
natureza multimodal e que contemplem, além de dados de produção, dados de per-
cepção e de escrita num mesmo corpus. Este tipo de amostra permitirá um estudo
mais abrangente dos processos de aquisição e de desenvolvimento fonológico das
crianças com desenvolvimento típico e atípico.

Notas
1 Em relação ao consenso terminológico acerca das alterações de fala, estudos mais recentes
no PB adotam o termo Transtorno dos Sons da Fala, para a categoria nosológica mais
abrangente, e o termo Transtorno Fonológico, para o subtipo com falhas de representação,
e o termo Transtornos Motores de Fala, para o subtipo com falhas no controle motor de
fala (planejamento, programação e execução). Estudos mais recentes no PE (Lousada,
2012; Jesus et al., 2015; Ramalho; Lazzarotto-Volcão; Freitas, 2017; Reis, 2018; Vidal,
2019) adotam o termo Perturbações dos Sons da Fala como categoria nosológica abran-
gente (Bowen, 2015), sendo frequentemente usado o termo Perturbações dos sons da fala
de base fonológica (Jesus et al., 2015) para designar os quadros clínicos em que existe al-
gum déficit de natureza fonológica (atraso fonológico, perturbação fonológica consistente
ou perturbação fonológica inconsistente – cf, Dodd, 2014). Na recente obra da Sociedade
Portuguesa de Terapia da Fala (in press), as secções dedicadas à Fonologia (avaliação,
intervenção e estudos de caso) são uma interface entre as secções de Linguagem e Fala,
precisamente com o objetivo de se discriminarem comportamentos que permitam diferen-
ciar práticas de avaliação, diagnóstico e intervenção nas alterações fonológicas presentes
nos diferentes quadros clínicos que envolvem alterações no módulo fonológico.
2 Apesar de, para o PB, se assumir a existência de Coda nasal, para o PE, a análise
proposta não assume a existência de uma consoante em Coda, mas, antes, a presença
de um traço flutuante [+ nasal], realizado ou não, em função da estrutura da palavra,
não possuindo, por isso, uma posição estrutural fixa. A presença de nasalidade no
núcleo resulta assim do espraiamento do traço [+nasal], constituindo o único frag-
mento preservado do Latim da consoante nasal em Coda (Mateus; Andrade, 2000;
Rodrigues, 2012).
3 Usam-se como referência os principais estudos sobre aquisição para o PE: a) Mendes
et al., 2013; b) Guimarães et al., 2014; c) Amorim (2014); d) Ramalho (2017). As setas
Aquisição fonológica típica e atípica 37

indicam que foi a última faixa etária estudada e o segmento não estava adquirido nessa
faixa etária.
4 https://phonbank.talkbank.org

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2 Padrões de aquisição de contrastes
consonantais no Português Brasileiro
e Europeu
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Resumo
A aquisição de segmentos consonantais de uma língua é um processo gradual que
se constrói a partir do estabelecimento de contrastes, que é computado de forma
hierárquica de acordo com a posição ocupada pelos traços distintivos numa hier-
arquia (Clements, 2001, 2003, 2009; Matzenauer-Hernandorena, 1990, 2008;
Dresher, 2003, 2009; Lazzarotto-Volcão, 2009, 2012; Amorim, 2014). Ao longo do
processo de aquisição fonológica, a partir do input linguístico, os traços distintivos
pertinentes na língua-alvo vão emergindo no sistema da criança e estabelecendo
coocorrências com outros traços já presentes, de modo que os contrastes vão se
estabelecendo em direção a essa gramática-alvo. O objetivo deste capítulo é esta-
belecer uma hierarquia de contrastes consonantais do Português em duas varie-
dades: a Brasileira e a Portuguesa. A proposta encontra-se alicerçada na análise de
dados à luz dos Princípios Fonológicos baseados em Traços de Clements (2009),
em particular, do Princípio da Robustez de Traços. Estudos anteriores (Lazzarotto-
Volcão, 2009, 2019; Amorim, 2014) já apontam para especificidades no processo
de aquisição por crianças Brasileiras e Portuguesas. Neste trabalho, busca-se apro-
fundar esses aspectos, reanalisando os dados dessas pesquisas, somados à análise
de dados longitudinais de dois irmãos gêmeos Brasileiros (Marques, 2016, 2020) e
dados transversais de 56 crianças Portuguesas (Ramalho, 2017).

1 Introdução
A aquisição do sistema fonológico de uma língua é um processo complexo que
implica que a criança reconheça os sons que são contrastivos na sua língua e a
forma como se distribuem, adquirindo, portanto, não só o inventário segmental, mas
também as restrições fonotáticas e a estrutura prosódica das palavras. No entanto,
a aquisição segmental não se faz globalmente, isto é, a criança não adquire os seg-
mentos como um todo. Pelo contrário, este é um processo gradual em que a cri-
ança vai adquirindo os traços distintivos e estabelecendo as ligações necessárias até
construir a arquitetura do segmento (entre outros, Matzenauer-Hernandorena, 1990;
Dresher, 2003, 2009; Fikkert; Freitas, 2006; Fikkert, 2007; Lamprecht et al., 2004).
A ideia de que os traços distintivos estão organizados numa hierarquia remonta
já aos trabalhos de Jakobson (Jakobson, 1941/1968; Jakobson; Fant; Halle, 1952,
DOI: 10.4324/9781003294344-4
Padrões de aquisição de contrastes 43

entre outros). Com efeito, Jakobson ([1968] 1941) tentou estabelecer uma ordem
universal, com base na frequência com que ocorrem na língua. No entanto, depois
desses trabalhos iniciais, hierarquias contrastivas perderam relevância na descrição
fonológica das línguas, reaparecendo algumas décadas mais tarde nos trabalhos
de Clements, que começa por propor uma Escala de Acessibilidade, mais tarde,
uma Escala de Robustez (Clements, 2009 [2005]). Este trabalho foi a base para a
proposta de uma hierarquia de contrastes consonânticos para o Português Brasileiro
(PB) (Lazzarotto-Volcão, 2009) e para o Português Europeu (PE) (Amorim, 2014).
Neste capítulo, pretendemos revisitar essas propostas de hierarquia de aquisição
de contrastes e, à luz de novos dados (Marques, 2016, 2020; Ramalho, 2017), esta-
belecer um estado da arte para os estudos em aquisição fonológica do Português.

2 O modelo de Clements
De acordo com Clements (2009, 77–78), há três níveis representacionais nas lín-
guas: o lexical, o fonológico e o fonético. Conforme cada nível representacional há
diferentes condições de especificação de traço:

(a) Nível lexical: distintividade


Um traço ou valor de traço está presente no léxico se e somente se é distintivo
(. . .).
(b) Nível fonológico: atividade do traço
Um traço ou valor de traço está presente em um dado nível fonológico se for
necessário para o estabelecimento dos padrões fonológicos (padrões fonotáti-
cos, alternâncias) neste nível.
(c) Nível fonético: pronunciabilidade
Valores de traço estão presentes na fonética se forem necessários para dar
conta de aspectos relevantes da realização fonética.

De acordo com essa proposta, todos os traços presentes no nível lexical são levados
para o nível fonológico e aqueles presentes no nível fonológico são levados para o
fonético. Já o inverso não necessariamente aconteceria, os traços presentes no nível
fonético podem ou não estar nos níveis fonológico e lexical, bem como os traços do
nível fonológico, no nível lexical.
Para determinar como se dará a entrada dos traços na representação lexical de
uma dada língua, Clements (2001, 80) propôs uma Hierarquia Universal de Aces-
sibilidade, a qual é chamada pelo autor, em trabalho posterior (2009 [2005]), de
Escala de Robustez, a qual será mais bem detalhada adiante. De acordo com essa
hierarquia, os traços dispostos na parte de cima da escala de acessibilidade são alta-
mente favorecidos na construção dos sistemas fonológicos, enquanto que, na parte
inferior da hierarquia, estão os traços que são altamente desfavorecidos.
Assim, as unidades lexicais da fala são categorizadas e diferenciadas por um con-
junto mínimo de traços (ou valores de traço) marcados, selecionados a partir da escala
universal de acessibilidade de traço. Esse conjunto mínimo é a característica princi-
pal da economia representacional, uma vez que, para o autor, deve haver evidências
empíricas explícitas para justificar a presença de entidades representacionais.
44 Clara Amorim, Cristiane Lazzarotto-Volcão

Em relação ao nível fonológico, Clements aponta que todos os traços presentes


no componente lexical serão ativados no nível fonológico, conforme apontado
anteriormente. Contudo, alguns traços redundantes poderão, também, ser ativa-
dos nesse componente, desde que sejam necessários para expressar generalizações
fonológicas (restrições fonotáticas e alternâncias). Assim, o valor do traço é ati-
vado em qualquer segmento ou classe de segmento para satisfazer uma restrição,
ativa no sistema, que diga respeito a este traço. Segundo o autor, a aquisição da
linguagem envolve não só descobrir quais são os traços ativos em uma dada língua,
mas, também, quais restrições estão operantes no sistema.
Além de defender os três referidos níveis representacionais, Clements (2009)
apresenta cinco princípios baseados em traços que regulam a constituição dos
sistemas fonológicos, a saber: Feature Bounding (Limitação de Traços), Fea-
ture Economy (Economia de Traços), Marked Feature Avoidance (Evitação de
Traços Marcados), Robustness (Robustez) e Phonological Enhancement (Reforço
Fonológico), os quais são descritos a seguir.

a) Feature Bounding (Limitação de Traços)

O princípio de Limitação de Traços diz respeito a duas asserções. A primeira está


relacionada à quantidade de sons que uma língua pode ter, a partir do número de
traços existentes em sua gramática, seguindo a fórmula 2n, em que n é o número de
traços. Assim, uma dada língua que tenha 3 traços terá, no máximo, 8 sons contras-
tivos em sua gramática.
A segunda asserção refere-se à limitação máxima do número de contrastes de
uma língua, também dada pelo número de traços existentes. A expressão que cal-
cula esse teto máximo é C = (S * (S–1)) / 2, em que C é o número de contrastes e
S o número de sons. Considerando que o número máximo de sons de uma língua é
expresso por 2n, então a fórmula pode ser escrita como C = (2n * (2n – 1)) / 2. Com
isso, podemos afirmar que uma língua que possui três traços poderá ter 8 sons con-
trastivos, conforme apontado anteriormente, e 28 contrastes (C = (23 * (23–1)) / 2).

b) Feature Economy (Economia de traços)

O princípio de Economia de Traços refere-se à tendência a maximizar as combinações


de traços. Por exemplo, no Português temos que o traço [+voz] é usado maximamente
no contexto das obstruintes, a ponto de dobrar o número de segmentos dessa classe
no sistema. Dessa forma, podemos afirmar que esse traço é usado de forma muito
econômica pela língua. Por outro lado, temos que o traço [dorsal] é usado para criar
contraste na classe das plosivas e das líquidas não laterais, ou seja, podemos dizer
que o traço [dorsal] é utilizado de forma pouco econômica pelo Português. Clements
(2009 [2005]) afirma que as línguas utilizam a Economia de Traços em variados graus,
mas que nenhuma delas utiliza todas as possibilidades de combinação de seus traços.
O princípio da Economia de Traços também pode ser quantificado, através do
estabelecimento do índice de economia. Dado um sistema que utiliza T traços para
caracterizar S sons, seu índice de economia E pode ser expresso pela equação E =
Padrões de aquisição de contrastes 45

S/T. Quanto maior o index, mais a língua é “econômica”, ou seja, quanto menor o
número de traços e quanto maior o número de sons, mais econômica será a língua.
Clements (op. cit.) aponta que as línguas evoluem na direção dessa economia, no
sentido de passarem a ter contrastes estabelecidos por traços já existentes em sua
gramática e, também, no sentido de eliminarem traços responsáveis por um único
contraste.

c) Marked Feature Avoidance (Evitação de Traços Marcados)

Este terceiro princípio proposto por Clements é anunciado como uma nova aborda-
gem para o estudo dos inventários fonológicos, que substitui as formas tradicionais
de estudo sobre marcação. O autor inicia sua proposta demonstrando a interação
deste princípio com o de
Economia de Traço, segundo o qual as línguas tendem a evitar a ocorrência de
traços (ou valores de traços) marcados. Contudo, uma vez que esses traços (ou
valores de) estejam presentes, o princípio da Economia força que haja um aprovei-
tamento máximo dos contrastes possíveis com esse traço. É o que ocorre com as
fricativas sonoras, as quais são constituídas por valores marcados dos traços [voz] e
[contínuo]. Contudo, as línguas que licenciam essa possibilidade tendem a combi-
nar esses traços com mais de um traço de ponto. Assim, uma vez que haja fricativa
no sistema, haverá pelo menos duas distinções de ponto nessa classe de sons.
Clements mantém o critério utilizado em 2001 para determinar qual o traço (ou
valor de) pode ser considerado como mais marcado. Seu critério refere-se à frequên-
cia com que determinado traço é utilizado nas línguas para estabelecer contrastes.
Com isso, o autor rejeita a possibilidade de considerar como marcado o traço que
possui alguma característica articulatória ou perceptual mais complexa, em relação
a outro que não a possua. Isso se dá pelo fato de que há vários fatores envolvidos
na produção e percepção dos sons, tais como fatores neuronais, fisiológicos, aerod-
inâmicos, entre outros, os quais podem conflitar entre si ao analisar determinado
fenômeno linguístico. Em decorrência dessa posição, o autor afirma que “um valor
de traço é marcado se estiver ausente em algumas línguas, do contrário, é não mar-
cado” (Clements, 2009, 35). Dentro de uma classe de sons na qual um determinado
traço T é potencialmente distintivo, o número de sons que carrega o valor marcado
de T é menor que o número de sons que carrega o valor não marcado de T.
Esse princípio, assim como o princípio da Economia de Traços, representa uma
força e, não, uma lei estrita das línguas. Desse modo, pode não ser respeitado por uma
determinada gramática, já que aceita exceções. Esse fato o torna mais adequado que
os Universais Implicativos jakobsonianos – que determinam que a presença do mar-
cado implica necessariamente a presença do não marcado – para explicar a marcação.

d) Robustness (Robustez)

O princípio da Robustez é construído com base na existência de uma hierarquia uni-


versal de traços, a qual reflete a preferência que as línguas têm, ao constituírem seus
inventários fonológicos. Essa preferência refere-se à colocação de traços posicionados
46 Clara Amorim, Cristiane Lazzarotto-Volcão

Quadro 2.1 Escala de robustez para traços de con-


soantes (Clements, 2009, 46–47)

a. [±soante]
[labial]
[coronal]
[dorsal]
b. [±contínuo]
[±posterior]
c. [±voz]
[±nasal]
d. [glotal]
e. outros

mais altos na hierarquia, em oposição a outros posicionados mais abaixo. Quando


houver a presença dos contrastes estabelecidos por traços colocados em uma posição
mais baixa na hierarquia, haverá a tendência à presença de contrastes estabelecidos
por traços em uma posição mais alta na hierarquia. Clements fez essas previsões a
partir do levantamento no qual o autor demonstra quais os contrastes mais e menos
frequentes nas línguas descritas no UPSID (Clements, 2009, 44–45).
Essa preferência das línguas encontra uma explicação no fato de que os siste-
mas fonológicos tendem a estabelecer contrastes mais evidentes, do ponto de vista
acústico-articulatório. Assim, o Princípio da Robustez prevê que há certos con-
trastes que são altamente favorecidos nas línguas, outros são menos favorecidos e
outros, desfavorecidos.
O autor chama a atenção para uma distinção correta entre marcação e robustez,
definindo aquela como uma propriedade dos traços e esta como uma propriedade
dos contrastes baseados em traços.
No Quadro 2.1 mostra-se uma Escala de Robustez para os principais traços de
consoantes, sendo que os mais robustos se encontram no alto da escala. Clements
salienta que os traços dentro de cada grupo não estão ordenados e os traços do
grupo “e” não se encontram nominados, sendo apontados como possibilidades para
este grupo os traços [lateral], [±estridente], [±distribuído] e [glote aberta].
Com base nessa escala, o autor (p. 48) propõe o Princípio da Robustez: “em qualquer
classe de som na qual dois traços são potencialmente distintivos, contrastes mínimos
envolvendo o traço ranqueado mais abaixo estarão presentes somente se contrastes
mínimos envolvendo o traço mais altamente ranqueado também estiverem presentes”.
Conforme já referido, a Escala de Robustez foi proposta com base nas fono-
logias das línguas. Espera-se, portanto, que a aquisição possa também ser inter-
pretada com base nesse mesmo princípio, ou seja, em um sistema fonológico em
desenvolvimento, os contrastes estabelecidos pelos traços ranqueados mais abaixo
só estarão presentes, caso os contrastes estabelecidos pelos traços ranqueados mais
acima também o estejam. Matzenauer-Hernandorena (2008) propõe que a Escala
de Robustez possa ser utilizada, inclusive, como um indicativo de alterações no
processo de aquisição da fonologia, bem como mais um parâmetro para a escolha
dos segmentos-alvo, na terapia fonoaudiológica.
Padrões de aquisição de contrastes 47

e) Reforço Fonológico

O princípio do Reforço Fonológico refere-se à introdução do valor marcado de


um traço para reforçar o contraste entre duas classes de sons já existentes em um
sistema. Esse reforço, de acordo com Clements, é caracterizado pelo acréscimo de
um traço (ou valor de traço) redundante, capaz de reforçar características acústicas
dos sons. Um dos exemplos dados pelo autor é o do reforço de plosivas posteri-
ores pelo traço [+estridente]. O acréscimo deste traço possibilita o aumento da
distância auditiva entre a plosiva /t/ e a africada /tS/, por exemplo. O autor justi-
fica esse exemplo afirmando que uma das características importantes que diferem
os sons mencionados, além do ponto articulatório, é a presença/ausência de uma
turbulência de pitch e amplitude aumentada, características dependentes do traço
[+estridente]. Dessa forma, este traço, embora redundante para a diferenciação do
/t/ e do /tS/, deve ser considerado como presente nas representações fonológicas
dos sistemas. Outro exemplo de reforço fonológico apresentado por Clements é o
traço [+nasal] que reforça [­contínuo] no contexto das soantes, assim o fonema /n/,
devido à nasalidade, é mais diferenciado das líquidas /R, r/, do que o fonema /l/.
Com este princípio, Clements consegue explicar a presença de traços marcados
nos sistemas, como se houvesse um jogo de força entre a Evitação de Traços Marca-
dos e a necessidade de reforçar certos contrastes em cada sistema. Isso explica, por
exemplo, a alta frequência de consoantes nasais em sistemas linguísticos e a preco-
cidade de aquisição desses segmentos, mesmo sendo o traço [+nasal] considerado
marcado. Esse traço reforça o contraste entre as soantes nasais e líquidas.
Assim, de forma resumida, tem-se:

• Feature Bounding: este princípio refere-se ao poder que os traços possuem de


aumentar o número de categorias potencialmente contrastivas em um sistema.
• Feature Economy: de acordo com este princípio, os traços tendem a ser combi-
nados maximamente.
• Marked Feature Avoidance: este princípio afirma que certos valores de traços
tendem a ser evitados pelas línguas.
• Robustness: este princípio diz respeito ao fato de certos contrastes, relativos
a traços mais robustos, apresentarem a tendência de serem mais frequentes se
comparados a contrastes relativos a traços menos robustos.
• Phonological Enhancement: por fim, este princípio refere­se ao fato de valores
marcados de traços poderem ser introduzidos em um sistema para reforçar con-
trastes perceptuais fracos.

Em suma, os princípios fonológicos representam tendências universais das línguas


naturais e refletem tipologias de língua. Matzenauer­Hernandorena (2008) afirma
que há relação entre as várias tipologias de língua e as várias gramáticas que a
criança constrói ao longo do processo de aquisição, já que em qualquer dos casos
temos inventários fonológicos e o funcionamento de gramáticas. Com base nisso,
Lazzarotto-Volcão, em 2009, propôs um modelo de análise da fonologia infantil
com o suporte em tais princípios, para análise do processo de aquisição fonológica
48 Clara Amorim, Cristiane Lazzarotto-Volcão

das consoantes em crianças Brasileiras. Amorim (2014), na mesma esteira, propôs


uma análise da aquisição fonológica das consoantes em crianças Portuguesas.
Ambas as propostas serão descritas nas próximas seções.

3 Padrão de aquisição para o Português Brasileiro

3.1 O modelo Padrão de Aquisição de Contrastes para o PB (PAC-PB)

O modelo desenvolvido em Lazzarotto-Volcão (2009), chamado de Modelo Padrão


de Aquisição de Contrastes (PAC-PB) incorpora os princípios fonológicos de Cle-
ments e faz algumas adaptações necessárias, por conta das particularidades do PB
e do processo de aquisição dessa língua, como língua materna. Os dados empíricos
da aquisição tomados como parâmetro para essas adaptações estão descritos em
Lamprecht et al. (2004), obra que reúne o resultado de várias pesquisas realizadas
acerca dos padrões de aquisição da fonologia do PB. Essas pesquisas foram realiza-
das com diferentes métodos de coleta e análise, o que inclui pesquisas naturalistas
e experimentais e coletas longitudinais e transversais. Ao longo da obra, são anali-
sados os dados da aquisição, a partir das grandes classes naturais presentes no PB,
a saber: vogais, nasais, plosivas, fricativas e líquidas. A partir dos dados analisados
nessa obra, temos na ilustração do Quadro 2.2, de forma resumida, a ordem de
aquisição das consoantes, na posição silábica de Onset, por falantes nativos mono-
língues de PB (Lamprecht et al., 2004).
Considerando os dados mostrados no Quadro 2.2 e os princípios fonológicos de
Clements, Lazzarotto-Volcão (2009) formalizou a aquisição fonológica do PB, em
termos de estabilização dos contrastes, e identificou quais (valores de) traços passam a
fazer parte da representação lexical das crianças nessa perspectiva. Assim, no Quadro
2.3, podem-se evidenciar as faixas etárias em que cada traço entra para a representação
fonológica e os contrastes que estabelecem em determinados contextos fonológicos.

Quadro 2.2 Cronologia da aquisição dos fonemas do PB por idade (Lazzarotto-Volcão,


2009, 96)

Classes de fonemas Idade de aquisição Classes de fonemas Idade de aquisição


Plosivas Nasais
/p/ 1:6 a 1:8 /m/ 1:6 a 1:8
/t/ 1:6 a 1:8 /n/ 1:6 a 1:8
/b/ 1:6 a 1:8 /ɲ/ 1:7
/d/ 1:6 a 1:8
/k/ 1:7
/g/ 1:8
Fricativas Líquidas
/v/ 1:8 /l/ 2:8 a 3:0
/f/ 1:9 /R/ 3:4
/z/ 2:0 /ɾ/ 4:0
/s/ 2:6 /ʎ/ 4:2
/ʒ/ 2:6
/ʃ/ 2:10
Padrões de aquisição de contrastes 49

Quadro 2.3 Ordem de aquisição dos contrastes fonológicos do PB (Lazzarotto-Volcão,


2009, 99)

Faixa Traço distintivo Contexto Contrastes estabelecidos Exemplo


etária presente na em ordem cronológica
representação
fonológica

1:6 a 1:8 [+soante] (+consonantal) soante x obstruinte t/n, p/m


[labial] (+cons, -cont) labial x coronal m/n, p/t
[+voz] (-soante, -cont, não vozeando x vozeado t/d, p/b
labial ou coronal)
1:7 [dorsal] (-soante) dorsal x labial k/p
[dorsal] (-soante) dorsal x coronal k/t
[­anterior] (+soante, -contínuo) anterior x posterior n/ɲ
1:8 [+voz] (-soante, -cont, não vozeado x vozeado k/g
dors)
[+contínuo] (-soante) cont x não cont v/b
1:9 [+voz] (-soante, +contínuo) não vozeado x vozeado v/f
2:0 [labial] (-soante, +contínuo) labial x coronal v/z
2:6 [+voz] (-soante, +cont, cor) não vozeado x vozeado z/s
[­anterior] (-soante, +cont, anterior x posterior z/ʒ
cor)
2:8 a 3:0 [+aproximante] (+soante) não aprox x aprox n/l
2:10 [+voz] (-soante, +contínuo, vozeado x não vozeado ʃ/ʒ
coronal,
-anterior)
3:4 [+contínuo] (+soante, +aprox) lateral x não lateral l/R
4:0 [­anterior] (+lateral) anterior x posterior l/ʎ
4:2 [dorsal] (+soante, +aprox, dorsal x coronal ɾ/R
-lat)

Comparando a ordem de aquisição dos contrastes por crianças Brasileiras e a


Escala de Robustez (Quadro 2.1) de Clements, Lazzarotto-Volcão (2009) defende
que ela pode ser aplicada aos dados da aquisição, ou seja, há evidências para a
afirmação de que as crianças adquirem primeiramente os contrastes mais robustos.
Contudo, algumas características específicas do PB, bem como, algumas carac-
terísticas gerais das línguas consideradas por Clements, resultaram em algumas
diferenças entre a ordem de aquisição dos contrastes e a Escala de Robustez. Por
isso, foram necessárias algumas adaptações ao PAC.
A autora, assim, propôs que o PAC preserve as características universais, evidencia-
das na descrição de um número considerável de línguas naturais por Clements (2009),
mas, também, capte as características evidenciadas como padrões típicos do processo
de aquisição fonológica do PB. O modelo analisa os segmentos (e, portanto, os con-
trastes) presentes no sistema e, também, como a criança ocupa os espaços fonológicos
ausentes – fato não observado em outras propostas de análise da fonologia infantil.
São previstas quatro grandes etapas do processo de aquisição, em que os con-
trastes emergem à medida em que novos traços são adquiridos pela criança, ou à
medida em que novas coocorrências de traços vão sendo estabelecidas. O Quadro
50 Clara Amorim, Cristiane Lazzarotto-Volcão

Quadro 2.4 Contrastes da fonologia do PB e as fases de aquisição fonológica (adaptado de


Lazzarotto-Volcão, 2009, 116)

Etapas de Traços marcados Coocorrências formadas Contrastes estabelecidos


aquisição adquiridos a partir das coocorrências
do PAC x
faixa etária
esperada

1 (até 2;0) [+soante] [+consoante, +soante] Soantes versus obstruintes


[labial] [-soante, labial] Plosivas coronais versus
[dorsal] labiais
[­anterior] [-soante, dorsal] Plosivas coronais versus
[+voz] dorsais
Plosivas labiais versus
dorsais
[+soante, labial] Nasais coronais versus labial
[+soante, coronal, Nasais coronais anterior
-anterior] versus não anterior
[-soante, coronal, +voz] Plosivas coronais surda
versus sonora
[-soante, labial, +voz] Plosivas labiais surda
versus sonora
[-soante, dorsal, +voz] Plosivas dorsais surda
versus sonora
Total da etapa: 5 Total da etapa: 8 Total da etapa: 9
2 (até 2;6) [+contínuo] [-soante, +contínuo] Plosivas versus fricativas
[+contínuo, labial] Fricativas coronais versus
labiais
[+contínuo, coronal, Fricativas coronais anteriores
+voz] surda versus sonoras
[+contínuo, labial, Fricativas labiais surda
+voz] versus sonora
Total da etapa: 1 Total da etapa: 4 Total da etapa: 4
Total da gramática: 6 Total da gramática: 12 Total da gramática: 13
3 (até 3;0) [+aproximante] [+soante, +aproximante] Nasais versus líquidas
[-soante, +contínuo, Fricativas coronais anteriores
coronal, -anterior] versus não anteriores
[-soante, +contínuo, Fricativas coronais não
coronal, -anterior, anteriores surda versus
+voz] sonora
Total da etapa: 1 Total da etapa: 3 Total da etapa: 3
Total da gramática: 7 Total da gramática: 15 Total da gramática: 16
4 (até 4;2) - [+aproximante, Líquidas laterais versus
+contínuo] não laterais
[+aproximante, -contínuo, Líquidas laterais anterior
coronal, -anterior] versus não anterior
[+aproximante, Líquidas não laterais
+contínuo, dorsal] coronal versus dorsal
Total da etapa: 0 Total da etapa: 3 Total da etapa: 3
Total da gramática: 7 Total da gramática: 18 Total da gramática: 19
Padrões de aquisição de contrastes 51

2.4 apresenta as quatro etapas propostas pelo PAC, em que constam os traços mar-
cados que surgem em cada etapa, as coocorrências que se estabelecem e os con-
trastes que emergem a partir disso. É importante destacar nesse quadro que, a partir
da 4ª etapa, não há a aquisição de traços novos. Indo além, podemos ver que já na
primeira etapa do processo de aquisição, quase todos os traços (5 de 7) fazem parte
do sistema fonológico da criança. Esse fato evidencia que a complexidade do sis-
tema vai­se configurando através das coocorrências que surgem a partir dos traços
adquiridos. Essas coocorrências é que fazem com que os vários contrastes surjam
no sistema, conforme já afirmava Matzenauer­Hernandorena (2008).

Líquidas lat ant x não ant


Líquidas lat x não lat
Fricavas cor ant x não ant
Fricavas cor não ant surda x sonora
Fricavas lab surda x sonora
Fricavas cor ant surda x sonora
Plosivas dors surda x sonora
Plosivas lab surda x sonora
Plosivas cor surda x sonora
Nasais cor ant x não ant Previsão do PAC-PB
Líquidas não lat cor x dor Gêmeo A
Nasais x líquidas
Nasais coronais x labial
Fricavas cor x lab
Plosivas x fricavas
Plosivas labiais x dorsais
Plosivas coronais x dorsais
Plosivas coronais x labiais
Soante x obstruintes
12 15 18 21 24 27 30 33 36 39 42 45 48

Gráfico 2.1 Comparação entre o padrão de aquisição do Gêmeo A e o padrão previsto pelo
PAC-PB. Produzido pelas autoras.

Líquidas lat ant x não ant

Fricavas cor ant x não ant

Plosivas lab surda x sonora

Fricavas lab surda x sonora

Plosivas cor surda x sonora


Previsão do PAC-PB
Nasais cor ant x não ant Gêmeo C
Plosivas x fricavas

Nasais coronais x labial

Soante x obstruintes

Plosivas coronais x labiais


12 15 18 21 24 27 30 33 36 39 42 45 48 51

Gráfico 2.2 Comparação entre o padrão de aquisição do Gêmeo C e o padrão previsto pelo
PAC-PB. Produzido pelas autoras.
52 Clara Amorim, Cristiane Lazzarotto-Volcão

Considerando que a proposta de Lazzarotto-Volcão (2009) foi construída tendo


por base os dados empíricos compilados em Lamprecht et al. (2004), os quais, em
sua maioria, são resultado de coletas transversais, Marques (2016, 2020) anali-
sou longitudinalmente o percurso da aquisição fonológica de dois irmãos gêmeos
Brasileiros, à luz do modelo PAC­PB, e identificou que o estudo de dois sujeitos
específicos confirmou as previsões do modelo de Lazzarotto­Volcão (2009) para
o PB . Nos Gráficos 2.1 e 2.2 é possível ver a comparação entre a aquisição dos
contrastes em cada criança e as previsões do modelo.
É possível verificar que a maioria dos contrastes é adquirida pelo Gêmeo A em
faixa etária anterior ao que prevê o modelo. Exceção feita para o contraste de vozea-
mento na classe das obstruintes, que é adquirido em todos os contextos somente aos
39 meses; e o contraste entre coronais anteriores e não anteriores, em dois contex-
tos em que são relevantes para o PB – nasais e fricativas – adquiridos aos 37 e 46
meses, respectivamente. Também chama a atenção que o único contraste ainda não
adquirido aos 4 anos envolve o traço [­anterior], no contexto das líquidas não laterais.
Com isso, vê-se que há dois contrastes mais “problemáticos” para esta criança, o que
envolve as coocorrências de traço [­soante, +voz] e [coronal, ­anterior].
Apesar dessa diferença cronológica, é possível ver que o padrão de aquisição
do Gêmeo A é guiado pelos princípios baseados em traços que dão suporte ao
PAC-PB. Relativamente ao Princípio da Robustez, vê-se que os contrastes mais
robustos, como os de ponto, por exemplo, são adquiridos antes dos de vozea-
mento; ou os contrastes de ponto coronal-labial-dorsal, antes dos contrastes que
envolvem o traço [anterior]. O princípio da Evitação de Traços Marcados mostra­se
operante ao admitir inicialmente valores não marcados dos traços, como o [­voz]
e [coronal, +ant] e, uma vez adquiridos os valores mais marcados, pelo Princípio
da Economia de Traços, são utilizados maximamente, como é o caso do traço
[+voz] que se liga na estrutura interna de todas as obstruintes praticamente ao
mesmo tempo.
A partir do que pode ser observado em ambos os gráficos, verifica­se a mesma
tendência observada nos padrões de seu irmão. Seu processo de aquisição segue,
em parte, as previsões do modelo, exceção feita aos contrastes de sonoridade na
classe das obstruintes e no contraste produzido pelo traço [­anterior] no contexto
das nasais, das fricativas e no único contraste ainda ausente, na classe das líquidas
laterais. Sendo assim, também para o Gêmeo C, identifica­se que o processo de
aquisição dos contrastes consonânticos também é guiado pelos princípios fonológi-
cos baseados em traços.
A análise aqui realizada confirma que tanto os princípios fonológicos baseados
em traços de Clements, quanto o modelo PAC-PB dão conta de explicar o processo
de aquisição fonológica em crianças Brasileiras, inclusive capturando a variabili-
dade individual que pode ocorrer no processo. Embora tenha sido encontrada certa
variação em termos de cronologia da aquisição dos contrastes, entre o que prevê o
modelo e os dados dos gêmeos (Marques, 2016, 2020), a essência do modelo foi
preservada. Na próxima seção, tem-se o padrão de aquisição para o PE.
Padrões de aquisição de contrastes 53

4 Padrão de aquisição para o Português Europeu

4.1 O modelo Padrão de Aquisição de Contrastes do PE

Tomando como base o Modelo Padrão de Aquisição de Contrastes (PAC-PB) e os princí-


pios fonológicos de Clements, Amorim (2014) analisa dados empíricos de aquisição
(Costa, 2010; Amorim, 2014), de forma a estabelecer um padrão de aquisição para o PE.
Costa (2010) estuda a aquisição dos traços de ponto e de modo de articulação,
usando os dados espontâneos e longitudinais de cinco crianças Portuguesas. São anali-
sados dados produzidos entre os 0;11 e os 4;10. Já o trabalho de Amorim (2014) é base-
ado em um corpus de natureza experimental e transversal, com dados de 80 crianças
com idades compreendidas entre os 3;0 e os 4;11. O corpus integra produções obtidas

Quadro 2.5 Aquisição das consoantes do PE – comparação dos dados de Costa (2010) e
Amorim (2014) (adaptado de Amorim, 2014, 289)

Segmento Dados de Costa (2010) Amorim (2014)

Inês Joana Luma Clara João

/m/ 0,11 2;4 2;0 1;5 1;5 3;0–3;5: 97%


/n/ 1,1 3;2 2;0 1;4 1;8 3;0–3;5: 96%
/ɲ/ 3;4 2;4 — — — 3;0–3;5: 96%
/p/ 1,4 1;9 2;1 1;1 1;5 3;0–3;5: 97%
/b/ 2;0 2;10 — — 1;2 3;0–3;5: 97%
/t/ 1;10 2;2 1;8 1;5 1;10 3;0–3;5: 96%
/d/ 2;0 2;10 1;2 — 1;7 3;0–3;5: 98%
/k/ 1;10 2;6 2;3 1;7 — 3;0–3;5: 99%
/g/ 2;8 3;0 — — — 3;0–3;5: 93%
/f/ 2;7 2;10 — — — 3;0–3;5: 100%
/v/ 2;11 3;0 2;4 — — 3;0–3;5: 98%
/s/ 2;11 4;0 — — — 3;0–3;5: 86%
/z/ 2;11 4;2 — — — 3;0–3;5: 79%
3;6–3;11: 77%
4;0–4;5: 96%
4;6–4;11: 83%
/ʃ/ 2;11 4;2 — — — 3;0–3;5: 95%
/ʒ/ 2;11 4;2 — — — 3;0–3;5: 81%
3;6–3;11: 82%
4;0–4;5: 93%
4;6–4;11: 77%
/l/ 2;5 — — — — 3;0–3;5: 86%
3;6–3;11: 78%
4;0–4;5: 92%
/ʎ/ — — — — — 3;0–3;5: 39%
3;6–3;11: 61%
4;0–4;5: 77%
4;6–4;11: 88%
/ʀ/ 3;11 4;7 — — — 3;0–3;5: 78%
3;6–3;11: 81%
/ɾ/ — — — — — 3;0–3;5: 59%
3;6–3;11: 82%
54 Clara Amorim, Cristiane Lazzarotto-Volcão

através de um teste de nomeação de palavras, que inclui estímulos lexicais controlados


do ponto de vista linguístico (número de sílabas, constituinte silábico, acento e posição
na palavra). O teste foi apresentado às crianças sob a forma de história, de modo a per-
mitir a elicitação em fala encadeada. No total, foram analisados 22868 tokens.
O quadro que se segue (Quadro 2.5) apresenta todos os segmentos consonantais do
PE com as idades de aquisição atestadas em Costa (2010) e o índice de produções de
acordo com o alvo registrado em Amorim (2014). Assinalam-se em negrito os valores
inferiores a 80%, relativos a segmentos cuja aquisição ainda não se encontra estabilizada.

Quadro 2.6 Etapas de aquisição do sistema consonantal do PE (adaptado de Amorim, 2014, 314)

Etapas Traços marcados Coocorrências formadas Contrastes estabelecidos Segmentos


adquiridos adquiridos

1.ª [+soante] [+ cons, +soante] Soantes vs. obstruintes /p, t, k/


[labial] [-soante, labial] Plosiva coronal vs. labial /m, n/
[dorsal] [­soante, dor] Plosiva coronal vs. dorsal [ɲ >> n]
[+voz] [+soante, labial] Plosiva labial vs. dorsal /b, d/
[-soante, cor, +voz] Nasal coronal vs. labial [g >> k]
[­soante, labial, +voz] Ocl coronal surda
vs. sonora
Ocl labial surda vs. sonora
Total da etapa: 4 Total da etapa: 6 Total da etapa: 7
2.ª [+contínuo] [+soante, cor, ­ant] Nasal cor ant vs. não ant /ɲ/
[­ant] [­soante, dor, +voz] Ocl dorsal surda vs. sonora /g/
[­soante, +contínuo] Plosivas vs. fricativas /f, v/
[+cont, labial, +voz] Fric labial surda vs. sonora /ʃ/
[+cont, labial] Fric coronal1 vs. labial [s >> ʃ],
Total da etapa: 2 Total da etapa: 5 Total da etapa: 5 [ʒ >> ʃ],
Total da Total da Total da [z >> s]
gramática: 6 gramática: 11 gramática: 12 [l >> w]
[ʀ >> k, g]
3.ª [+aproximante] [­soante,+cont, cor ­ant] Fric cor ant vs. não ant /s/
[-soante, +cont, cor, Fric coronal não ant /ʒ/
+ voz] surda vs. sonora /ʀ/
[­soante, +cont, dor] Plosiva x fricativa dorsal [z >> s, ʒ]
[+soante, +aprox] Nasais vs. líquidas /l/
Total da etapa: 1 Total da etapa: 4 Total da etapa: 4 [ʎ >> j],
Total da Total da Total da [ʀ >> ɾ],
gramática: 7 gramática: 15 gramática: 16 [ɾ >> l]
4.ª [+aprox, +cont, dor] Líq laterais vs. não laterais /ʀ/
[+aprox, +cont, cor] Líq não lat dorsal /ɾ/
[-soante, +cont, cor, vs. coronal /z/
+ant, +voz] Fricativa coronal ant. /ʎ/
[+aprox, ­cont, cor, ­ant] vs. não ant.
Líquida lateral anterior
vs. não anterior
Total da etapa: 0 Total da etapa: 4 Total da etapa: 4
Total da Total da Total da
gramática: 7 gramática: 18 gramática: 19
Padrões de aquisição de contrastes 55

A partir dos dados de aquisição existentes, Amorim (2014) identifica quatro


grandes etapas de aquisição fonológica do PE, à semelhança da proposta de Laz-
zarotto-Volcão (2009) para o PB. Tendo em conta os poucos dados existentes sobre
a aquisição do PE em fases iniciais, a autora optou por etapas abrangentes, de modo
a salvaguardar a variação individual, já que as crianças podem seguir diferentes
percursos de aquisição dentro de cada etapa.
O Quadro 2.6 sintetiza as quatro etapas de aquisição de contrastes do PE, tendo-
se optado por uma estrutura semelhante à apresentada por Lazzarotto-Volcão
(2009, 116). Para cada etapa, são identificados os traços marcados que passam
a integrar a representação lexical das crianças à medida que se estabelecem con-
trastes. Foi, porém, acrescentada uma última coluna com a explicitação dos seg-
mentos adquiridos, bem como as principais estratégias de reconstrução usadas para
os alvos ainda não adquiridos, apresentadas entre colchetes.
Atendendo às diferenças encontradas na aquisição do PE e PB, Amorim (2014)
propõe a seguinte adaptação para o PE da Escala de Robustez para a Coocorrência
de Traços Consonânticos proposta para o PB (Lazzarotto-Volcão, 2009):

(a) [± soante]
[­soante, ­contínuo, coronal]
[­soante, ­contínuo, labial]
[­soante, ­contínuo, dorsal]
[­soante, ­contínuo, ±voz]
[+soante, ­aproximante, labial]
[+soante, ­aproximante, coronal]
(b) [+soante, -aprox, coronal, ±ant]
[-soante, -contínuo, dorsal ±voz]
[­soante, ±contínuo]
[­soante, +contínuo, coronal]
[­soante, +contínuo, labial]
[­soante, +contínuo, labial, ±voz]
(c) [-soante, +contínuo, coronal, ±voz]
[­soante, +contínuo, coronal, ±ant]
[­soante, +contínuo, coronal, ­ant, ±voz]
[-soante, +contínuo, dorsal]
[+soante, ±aproximante]
(d) [-soante, +contínuo, coronal, +ant, ±voz]
[+soante, +aprox, ±contínuo]
[+soante, +aprox, ­contínuo, ±ant]
[+soante, +aprox, +contínuo, coronal]
[+soante, +aprox, +contínuo, dorsal]

Assinalaram-se em negrito as diferenças encontradas entre as duas escalas de robustez,


decorrentes do fato de a aquisição de alguns contrastes ser mais tardia em PE, por-
tanto, menos robustos. É o caso das coocorrências em negrito do grupo b. e da combi-
nação de traços que permite o contraste de voz entre fricativas coronais, que integra o
56 Clara Amorim, Cristiane Lazzarotto-Volcão

grupo c. No entanto, as principais diferenças entre as duas propostas residem, por um


lado, no diferente grau de robustez dos traços que permitem o contraste entre fricati-
vas coronais e, por outro, na possibilidade de o traço [dorsal] se estender à classe das
fricativas, em coocorrência com [­soante, +contínuo], o que permite o contraste com a
plosiva dorsal. Esta hipótese baseia-se na assunção de que o rótico dorsal é represen-
tado como obstruinte, pelo menos para algumas crianças e/ou em uma primeira fase
de aquisição do segmento, podendo posteriormente haver uma alteração na represen-
tação fonológica do segmento e passar a ser categorizado como aproximante.
Tendo em consideração que a proposta de Amorim (2014) foi construída com
base em dados longitudinais de apenas cinco crianças e em dados transversais de

Quadro 2.7 Aquisição das consoantes do PE nos dados extraídos de Ramalho-PE

Segmento Amorim (2014) Ramalho-PE

/m/ G1: 97% G1: 95%


/n/ G1: 96% G1: 91%
/ɲ/ G1: 96% G1: 100%
/p/ G1: 97% G1:100 %
/b/ G1: 97% G1: 94%
/t/ G1: 96% G1: 97%
/d/ G1: 98% G1: 96%
/k/ G1: 99% G1:100%
/g/ G1: 93% G1: 81%
/f/ G1: 100% G1: 100%
/v/ G1: 98% G1: 100%
/s/ G1: 86% G1: 68% [s >> ʃ]
G2: 86%
/z/ G1: 79% G1: 42% [z >> s, ʃ, ʒ]
G2: 77% G2: 67% [z >> s]
G3: 96% G3: 74% [z >> s, ʃ, ʒ]
G4: 83% G4: 96%
/ʃ/ G1: 95% G1: 65% [ʃ >> s]
G2: 86%
/ʒ/ G1: 81% G1: 42% [ʒ >> ʃ]
G2: 82% G2: 72% [ʒ >> ʃ]
G3: 93% G2: 69% [ʒ >> ʃ]
G4: 77% G4: 81%
/l/ G1: 86% G1: 94%
G2: 78% G2: 69% [l >> w]
G3: 92% G3: 62% [l >> w]
G4: 75% [l >> w]
/ʎ/ G1: 39% G1: 55% [ʎ >> l]
G2: 61% G2: 53% [ʎ >> j]
G3: 77% G3: 62% [ʎ >> j]
G4: 88% G4: 86%
/ʀ/ G1: 78% (80% em G1: 80%
ataque inicial) G2: 89%
G2: 81%
/ɾ/ G1: 59% G1: 75% [ɾ >> l]
G2: 82% G2: 80%
Padrões de aquisição de contrastes 57

crianças falantes nativas de dialetos setentrionais, foi analisado o corpus Ramalho-


PE à luz do modelo de aquisição de contrastes proposto para o PE. De modo a
permitir a comparação, foram seguidos os mesmos critérios metodológicos usados
em Amorim (2014).
O Quadro 2.7 que se segue apresenta todos os segmentos consonantais do PE
com o índice de produções de acordo com o alvo registrado na análise do corpus
Ramalho-PE, comparando-se com os registrados em Amorim (2014). Assinalam-
se em negrito os valores inferiores a 80%, relativos a segmentos cuja aquisição
ainda não se encontra estabilizada. Acrescentaram-se ainda os principais segmen-
tos substitutos encontrados no corpus Ramalho-PE sempre que a consoante ainda
não apresentava valores de produção superiores a 80%.
Analisando o Quadro 2.7, verifica­se que a idade de aquisição é semelhante para
a maior parte dos segmentos, constatando-se, porém, algumas diferenças, nome-
adamente no contexto das fricativas coronais e das laterais.
Saliente-se que, apesar da tentativa de minimizar as diferenças metodológicas
neste trabalho, há discrepâncias entre os conjuntos de dados analisados que podem
explicar alguns desencontros nos resultados. Com efeito, enquanto em Amorim
(2014), cada grupo etário é constituído pelo mesmo número de sujeitos (20), o
corpus Ramalho-PE é mais irregular. Por exemplo, na faixa etária 3;0–3;5 (cor-
respondente ao G1 analisado neste trabalho), há apenas dois sujeitos, o que impos-
sibilita a atenuação da variação individual. Paralelamente, o número de tokens
analisados é também muito díspare.
Dentre as diferenças encontradas, as mais evidentes dizem respeito à aquisição
das fricativas coronais. Com efeito, em Amorim (2014), a fricativa coronal não ante-
rior vozeada, a par das duas fricativas coronais não vozeadas, apresenta uma taxa de
produção de acordo com o alvo superior a 80% no G1. Já nos dados de Ramalho-PE,
as duas fricativas coronais não vozeadas são adquiridas no G2 e as duas vozeadas
apenas no G4. Em ambos os estudos, é evidente a dificuldade no domínio de /z/.
Apesar da diferença cronológica encontrada, verifica­se a mesma tendência
observada em Amorim (2014): no contexto das fricativas, começa por se estabelecer
o contraste entre labiais e coronais, através da coocorrência dos traços [+contínuo]
e [coronal]. Enquanto nos dados de Amorim (2014) a fricativa coronal a estabilizar
em primeiro lugar é [ʃ], no corpus Ramalho­PE, verifica­se a aquisição na mesma
faixa etária para ambas as coronais não vozeadas. Em ambos os conjuntos de dados
se verifica a mesma dificuldade na coocorrência do traço [+voz] com [+contínuo,
dorsal], bem como a distinção [+ant] x [­ant] nesta classe de segmentos.
Outra diferença significativa diz respeito ao domínio da lateral /l/: nos dados
de Amorim (2014), esta consoante apresenta uma taxa de acerto de 86% no G1,
regredindo no G2 para 78%, mas voltando a registrar taxas elevadas nas faixas
etárias seguintes – no G3, apresenta uma percentagem de 92%. Já nos dados de
Ramalho-PE, a lateral começa por apresentar uma percentagem elevada no G1
(94%), sendo adquirida antes do rótico coronal, o que é coincidente com os resulta-
dos de Amorim (2014). No entanto, nas faixas etárias seguintes, a taxa de produção
de acordo com o alvo diminui para valores inferiores a 80% – G2: 69%; G3: 62%;
G4: 75%. Com efeito, nos dados de Ramalho-PE, a lateral alveolar é a única que
58 Clara Amorim, Cristiane Lazzarotto-Volcão

não atinge valores superiores a 80% em todas as faixas etárias analisadas, sendo a
sua aquisição mais tardia do que a da lateral palatal.
Embora diferenças metodológicas possam explicar, em parte, estes resultados,
outros fatores devem ser considerados, entre os quais a variação existente no input
e diferenças dialetais.
A velarização da lateral /l/ em posição intervocálica encontra-se há muito
relatada em várias descrições fonéticas do PE (por exemplo, Strevens, 1954; Bar-
bosa, 1965; Viana, 1973). Mais recentemente, estudos articulatórios e acústicos
têm demonstrado que a velarização de /l/ não é exclusiva da coda silábica, ocor-
rendo em todas as posições na sílaba (entre outros, Andrade, 1998, 1999; Mar-
tins; Oliveira; Silva, 2010; Oliveira; Teixeira Martins, 2010; Oliveira et al., 2011).
Esses estudos sugerem que a distinção entre a lateral velarizada e não velarizada é
difícil de perceber, podendo ser influenciada por fatores como posição na palavra,
contexto vocálico e falante. Mais recentemente, em um estudo acústico, Rodrigues
et al. (2019) confirmam que a lateral é velarizada em todas as posições silábicas,
mas argumentam que essa velarização pode ser maior ou menor, dependendo da
posição silábica e do contexto vocálico. Tendo em consideração os valores de F3,
os autores sugerem que a lateral do PE é produzida num continuum, sendo mais
velarizada em posição de Coda silábica e depois das vogais recuadas [u, o, ɔ].
Apesar de ser já consensual a velarização da lateral em todas as posições
silábicas, são necessários mais estudos, com mais participantes e com falantes
de diferentes dialetos do PE, já que os trabalhos existentes baseiam-se princi-
palmente em amostras linguísticas de falantes de dialetos centro-meridionais. Com
efeito, poderá haver diferenças dialetais ainda não descritas. O fato de os dados de
Amorim (2014) provirem de falantes nativos de dialetos setentrionais, enquanto os
de Ramalho-PE são de crianças da zona de Lisboa, poderá explicar os diferentes
resultados encontrados.
Outra hipótese a considerar prende-se com a estrutura interna da consoante
/l/ em PE. Mateus; Andrade (2000) consideram este segmento subespecificado,
tal como todos os coronais, devendo-se a velarização, obrigatória em posição de
Coda, à aplicação de uma regra pós-lexical que lhe atribui um ponto de articulação
secundário dependente do nó vocálico. No entanto, poder-se-á equacionar uma rep-
resentação diferente, considerando-o um segmento complexo, com ligação ao nó
vocálico, à semelhança do que propõe Freitas (2001) para a lateral.
O Quadro 2.8 apresenta uma síntese da aquisição de traços distintivos e das
coocorrências de traços a partir da aquisição dos contrastes consonantais encontra-
dos no corpus Ramalho-PE.
Relativamente às fricativas coronais, nos dados de Ramalho-PE, as crianças
parecem começar por adquirir uma categoria genérica “fricativa coronal”. Com
efeito, a flutuação na utilização de [s] e [ʃ] evidencia a emergência do contraste rel-
ativamente às labiais, não havendo ainda, porém, o contraste entre [+ant] e [­ant].
Por outro lado, a instabilidade encontrada na aquisição da lateral alveolar, bem
como o padrão de substituição encontrado para o rótico coronal (substituído princi-
palmente pela lateral coronal [+ant]), parece indicar que o primeiro contraste entre
nasais e líquidas se deve, para algumas crianças, à aquisição da lateral coronal,
Padrões de aquisição de contrastes 59

Quadro 2.8 padrão de aquisição encontrado no corpus Ramalho-PE

Etapas Traços marcados Coocorrências Contrastes Segmentos


adquiridos formadas estabelecidos adquiridos

Antes dos [+soante] [+ cons, +soante] Soantes vs. obstruintes /p, t, k/


3 anos [labial] [-soante, labial] Plosiva cor vs. labial /m, n/
[dorsal] [-soante, dor] Plosiva cor vs. dorsal [ɲ >> n]
[+voz] Plosiva labial vs. dorsal /b, d/
[+contínuo] [+soante, labial] Nasal coronal vs. labial [g >> k]
[-soante, cor, +voz] Plosiva cor surda vs. /ɲ/
sonora /g/
[-soante, labial, +voz] Plosiva labial surda vs. /f, v/
sonora
[+soante, cor, -ant] Nasal cor ant vs. não ant
[­soante, dor, +voz] Plosiva dorsal surda vs.
sonora
[-soante, +cont] Plosivas vs. fricativas
[+contínuo, labial, Fric labial surda vs.
+voz] sonora
3;0–3;5 [+aproximante] [-soante, +cont, cor] Fric coronal vs. labial2 /s – ʃ/
anos [-soante, +cont, dor] Plosiva x fricativa dorsal /ʀ/
[+soante, + aprox] Nasais x líquidas3 /l/ ou /ɾ/
3;6–3;11 [­ant] [-soante, +cont, cor Fric cor ant vs. não ant /s/, /ʃ/
anos ­ant] Líq não lat dorsal vs.
[+aprox., +cont, cor] coronal
4;6–4;11 [-soante, +cont, cor, Fric coronal surda vs. /ʒ/
+voz] sonora /z/
[-soante, +cont, cor, Fricativa coronal sonora /ʎ/
+ant, +voz] ant. vs. não ant.
[+aprox., -cont, cor, Líquida lateral anterior
­ant] vs. não anterior

enquanto, para outras, a primeira líquida a emergir é o rótico coronal. Em ambos os


casos, é a aquisição do traço [+aproximante] o responsável pelo estabelecimento
desse contraste no contexto das soantes.
Apesar das diferenças encontradas, verifica­se que o padrão de aquisição
refletido no corpus Ramalho-PE parece ser também guiado pelos princípios basea-
dos em traços em que se baseia o padrão de aquisição de contrastes do PE. Com
efeito, constata-se que os traços considerados mais robustos, como os de ponto,
são adquiridos antes de traços menos robustos, como [+vozeado]. Por outro lado,
confirma­se também a pouca robustez de coocorrências como [­soante, +contínuo,
coronal, +voz], que permite o estabelecimento do contraste de vozeamento entre as
fricativas coronais, ou [+aprox., ­cont, cor, ­ant], que caracteriza a lateral coronal
[ant] e que estabiliza apenas na última faixa etária analisada.

Conclusão
Neste capítulo, retoma-se a proposta de Clements (2009) acerca de a fonologia
das línguas ser formatada a partir de cinco princípios fonológicos: Limitação de
60 Clara Amorim, Cristiane Lazzarotto-Volcão

Traços, Economia, Evitação de Traços Marcados, Robustez e Reforço Fonológico.


Estudos anteriores (Lazzarotto-Volcão, 2009; Amorim, 2014) evidenciaram que o
percurso da aquisição fonológica em crianças Brasileiras e Portuguesas também se
submete à ação de tais princípios, ainda que tenham reinterpretados alguns aspec-
tos, em especial a Escala de Robustez, para que desse conta das especificidades de
cada uma das variedades do Português, durante o processo de aquisição.
Como objetivo deste capítulo, pretendeu-se analisar novos dados de aquisição
à luz dessas propostas iniciais: para o PB, uma análise de dois irmãos gêmeos
acompanhados longitudinalmente; para o PE: uma análise com mais participantes,
especialmente com indivíduos provenientes de regiões mais centrais de Portugal.
As novas análises aqui empreendidas resultaram nas conclusões que seguem.
Para o PB, verificou­se que as previsões do modelo PAC­PB foram confirmadas
com os dados dos gêmeos, especialmente no que se refere aos princípios da Evitação
de Traços Marcados, da Economia e da Robustez, ainda que as etapas cronológicas
previstas pelo modelo não tenham sido necessariamente aquelas encontradas na
amostra. Os gêmeos, de forma similar entre si, adquiriram os contrastes de vozea-
mento nas obstruintes e o contraste produzido pelo traço [+/­ anterior] nas coronais
sempre em etapas posteriores as que a versão do PAC-PB encontrou nos dados
descritos em Lamprecht (2004). Apesar disso, observa-se que a Escala de Robustez
sempre encontra respaldo nos dados dos irmãos: os contrastes de ponto são adquiri-
dos antes dos de vozeamento e o contraste do traço [+/­ anterior] ocorre primeiros
nas nasais, seguido das fricativas e, por último, nas líquidas.
Para o PE, evidenciou-se que, embora questões metodológicas entre as amostras
possam explicar alguma diferença encontrada, especialmente no que se refere à
idade de aquisição dos contrastes, o contraste mais robusto para as crianças Portu-
guesas, na classe das obstruintes, é o que envolve a coocorrência de traços [coronal,
+anterior, +voz]. Confirma­se também a pouca robustez de coocorrências como
[­soante, +contínuo, coronal, +voz], que permite o estabelecimento do contraste de
vozeamento entre as fricativas coronais.
Uma diferença importante entre as amostras que aqui é discutida diz respeito à
aquisição da lateral /l/, que, de acordo com a proposta inicial de Amorim (2014),
é adquirida na faixa etária de 3;6, e nos dados de Ramalho-PE não se encontra
adquirida em nenhuma faixa etária analisada. Os dados demonstram que não está
presente, nesses casos, o contraste entre semivogais e líquidas. Possíveis expli-
cações para essa diferença podem estar relacionadas a aspectos dialetais e à
presença de nó vocálico na representação interna deste segmento (por conta da
velarização atestada no PE), à semelhança do que ocorre com a lateral palatal.
Apesar de tais diferenças, os pressupostos básicos da proposta de Amorim (2014),
com destaque para a escala de robustez adaptada ao PE, encontra respaldo nos
dados aqui reanalisados.
Como novas possibilidades para estudos com os modelos aqui apresentados,
sugere-se sua aplicação a dados produzidos por crianças com aquisição atípica e
em contexto clínico, a semelhança do que já foi realizado por Lazzarotto-Volcão
(2009), ao utilizar o PAC-PB para avaliar a gravidade do transtorno fonológico;
pela mesma autora (2012, 2019), ao verificar que a aquisição atípica não “obedece”
Padrões de aquisição de contrastes 61

a alguns princípios fonológicos, em especial o da Robustez; e por Reis (2018) que


utilizou o PAC-PE na condução de dois casos clínicos.

Notas
1 Amorim (2014) considera que o traço [ant] é uma subcategoria do traço coronal
(Matzenauer-Hernandorena, 1996), pelo que a criança começa por adquirir o traço [coro-
nal] e só posteriormente faz a distinção [+ant] x [­ant]. Com base nos dados de Amorim
(2014), é a coronal [ʃ] que estabiliza primeiro, sendo usada como substituta das restantes
coronais.
2 Nesta etapa, parece haver uma categoria genérica fricativa coronal, não havendo contraste
entre [+ant] e [­ant]. No entanto, há já o contraste entre fricativas coronais e labiais.
3 A instabilidade encontrada na aquisição da lateral alveolar, bem como o padrão de subs-
tituição encontrado para o rótico coronal (substituído principalmente pela lateral coronal
[+ant]), parece indicar que o primeiro contraste entre nasais e líquidas se deve, para al-
gumas crianças, à aquisição da lateral coronal, enquanto, para outras, a primeira líquida a
emergir é o rótico coronal.

Referências
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segmentos e sílabas. Tese de Doutorado. Porto: Universidade do Porto.
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3 A aquisição de assimetria na gramática
fonológica do Português
O exemplo da líquida lateral /l/

Carmen Matzenauer1, Maria João Freitas2

Resumo
Dentre as assimetrias que os sistemas fonológicos podem apresentar, está o inventário
de segmentos licenciados para preencher os espaços como constituintes na estrutura
silábica. Presente na gramática fonológica do Português, essa assimetria responde
pela licença a todas as consoantes da língua para ocupar o Ataque simples da sílaba,
e pelas restrições para o espaço da Coda. A líquida lateral /l/ destaca-se por poder
ocupar o Ataque e a Coda de sílabas, em início, meio e fim de palavras (exs: lata,
bala, alma, anel), além de poder integrar o Ataque silábico complexo (exs: planta,
clube). As manifestações fonéticas, entretanto, são diferentes: em Ataque simples
tende a mostrar representação fonética estável, com prevalente manifestação como
alveolar anterior [l], tanto no Português Brasileiro (PB) quanto no Português Europeu
(PE); na Coda predomina a lateral dorsalizada [ɫ] no PE e a forma vocalizada [w]
no PB. Essas assimetrias são o objeto do presente estudo, no qual se desenvolve
uma reflexão sobre as suas implicações na ativação de representações fonológicas da
lateral durante o processo de aquisição fonológica por crianças Brasileiras e Portu-
guesas. A argumentação é subsidiada pelas variantes alofônicas que ocupam o espaço
fonético-fonológico da lateral /l/ em ambas as posições silábicas, nas gramáticas dos
dois grupos de crianças, até que sejam alcançadas as formas alvo.

Palavras-chave: Aquisição da líquida lateral; Representação fonológica; Portu-


guês Europeu; Português Brasileiro

1 Introdução
A arquitetura dos sistemas linguísticos atesta uma relação direta entre segmentos e
sílabas: os segmentos são unidades da fonologia que se organizam em sílabas, ocu-
pando seus três constituintes: Ataque, Núcleo e Coda. O licenciamento determinado
por cada sistema para o preenchimento dos constituintes marginais e/ou do pico, seg-
undo Selkirk (1984) e Clements (1990), está vinculado à noção de soância (sonority)
– esta é a propriedade que está subjacente ao algoritmo de silabação de cada língua.
Para Clements (1990), o perfil de sílaba ideal para as línguas contém uma subida
brusca de soância do Ataque para o Núcleo e uma descida leve de soância do Núcleo

DOI: 10.4324/9781003294344-5
64 Carmen Matzenauer, Maria João Freitas

para a Coda. Esse perfil prevê uma assimetria entre segmentos licenciados para os
constituintes Ataque e Coda e efetivamente os sistemas linguísticos apontam uma
tendência a que os segmentos passíveis de ocupar a posição de Coda constituam um
subconjunto daqueles a que é permitida a posição de Ataque silábico.
A fonologia do Português apresenta essa assimetria: sendo o Núcleo silábico
posição reservada a segmentos vocálicos, das dezenove consoantes do inventário
fonológico da língua, todas podem preencher o Ataque simples em sílabas mediais
de palavras, mas poucas são licenciadas para a ocupação do constituinte Coda: qua-
tro consoantes em PB – a líquida lateral, a líquida rótica, a nasal e a fricativa coro-
nal (Bisol, 2014 [1996]); três consoantes em PE – a líquida lateral, a líquida rótica
e a fricativa coronal (Mateus; D’Andrade, 2000). Com interesse nessa relação entre
segmento e constituinte silábico, o foco deste Capítulo está na líquida lateral /l/,
que se destaca por poder ocupar o Ataque e a Coda de sílabas, diferentemente da
líquida lateral palatal /ʎ/ e das líquidas róticas /ʀ/ e /ɾ/, posicionando­se em Ataque
e em Coda em início, meio e fim de palavras (exs: lata, bala, alma, anel), além de
poder integrar o Ataque silábico ramificado (exs: planta, clube).
Em não havendo restrição fonológica para a presença do segmento lateral /l/
nos constituintes marginais das sílabas do Português e nas diferentes posições que
a sílaba pode ocupar na palavra, o funcionamento da língua apresenta distinções
nas suas manifestações fonéticas, evidenciando formas em variação. Estudos de
cunho variacionista sobre o Português Brasileiro apontam estabilidade fonética
na manifestação da líquida lateral /l/ em posição de Ataque de sílaba, mas revelam
a possibilidade de formas diversas na posição de Coda silábica, seja medial ou
final de palavra (Bisol, 1981; Quednau, 1993; Tasca, 1999; Espiga, 2000; Brandão,
2021). E chama a atenção o diferente tratamento que este segmento recebe no Por-
tuguês Brasileiro (PB) e no Português Europeu (PE): enquanto nas duas variedades
da língua a lateral /l/ tende a mostrar representação fonética estável na posição de
Ataque de sílaba, com prevalente manifestação como alveolar anterior [l], mostra
diferenças na posição de Coda silábica, sendo predominantes a lateral dorsalizada
[ɫ] no PE e a forma vocalizada [w] no PB (Bisol, 2014 [1996]; Mateus; D’Andrade,
2000; Collischonn; Costa, 2003; Schwindt; Wetzels, 2016).
No PB, apesar da prevalência da manifestação fonética da lateral em Coda,
tanto em sílaba medial como final de palavra, na forma [w], há estudos de cunho
variacionista que registram outras formas fonéticas, especialmente no Rio
Grande do Sul, estado que contém comunidades de colonização alemã e italiana
e que divide fronteira com dois países de língua espanhola (Uruguai e Argen-
tina). Dentre estas pesquisas, citam-se as de Quednau (1993) e de Tasca (1999),
que registraram a ocupação variável do espaço da lateral em Coda por [l] ~ [ɬ] ~
[w], e também se destaca a investigação de Espiga (2000), que identificou, em
região fronteiriça do Brasil com o Uruguai, as formas [l] ~ [lw] ~ [ɬ] ~ [w] e zero
fonético. As diferentes manifestações fonéticas da lateral em posição de Coda
silábica frente à sua estabilidade na posição de Ataque confirmam o compor-
tamento assimétrico desse segmento consonantal nas duas margens da sílaba.3
Diante dessa realidade, o objetivo da investigação aqui apresentada voltou-se
para a representação da lateral /l/, durante o processo de aquisição fonológica, na
A aquisição de assimetria na gramática fonológica do Português 65

gramática de crianças falantes nativas do PB e do PE, consideradas as assimetrias


fonéticas que a líquida lateral pode apresentar em razão da posição silábica.
Para tanto, disponibilizam-se dados de crianças Portuguesas e Brasileiras com
desenvolvimento fonológico típico como argumentação empírica para a reflexão
sobre a representação de /l/ em PE e em PB, explorando o uso da teoria fonológica
e dos dados da aquisição na discussão sobre a natureza do conhecimento linguís-
tico da líquida lateral.
O Capítulo está organizado em cinco partes. De início, define­se o objetivo cen-
tral e enquadra-se genericamente o foco do trabalho na informação disponível na
literatura. A seguir, caracteriza-se a lateral alveolar e descreve-se a sua distribuição
silábica no PB e no PE. Fornece-se, posteriormente e a partir de estudos disponíveis
na literatura, informação sobre a aquisição de /l/ no PB e no PE e sobre as estra-
tégias de reconstrução usadas por crianças Brasileiras e por crianças Portuguesas
para este alvo segmental. Reflete­se, por fim e com base nos mesmos dados, sobre
a natureza das representações fonológicas de /l/ nos processos de aquisição dis-
tintos do PB e do PE, explorando a interface entre os níveis segmental e silábico
como forma de dar conta do processo de construção do componente fonológico das
gramáticas na infância.

2 Sobre a lateral no PE e no PB
Articulatoriamente (Ladefoged; Maddieson, 1996), a lateral alveolar é produzida
com oclusão na linha médio-sagital do trato vocal, com toque do ápice da língua na
zona dos alvéolos dentários do maxilar superior, movimento que determina o ponto
de articulação primário do segmento; a passagem do fluxo de ar é feita através das
zonas laterais do dorso da língua, o que conduz à classificação do seu modo de
articulação como lateral; quanto à atividade laríngea, são ativadas as pregas vocais.
O alofone velarizado é produzido com retração da zona posterior da língua, cons-
tituindo o ponto de articulação secundário do segmento, que se sobrepõe ao gesto
articulatório alveolar, de natureza primária.
Tradicionalmente (Mateus; D’Andrade, 2000), a lateral alveolar em PE tem sido
descrita como um segmento fonológico (/l/) associado a duas variantes alofônicas
([l, ɫ]): o alofone com ponto de articulação principal alveolar ([l]) ocorre em
Ataque, ramificado ou não (livro [lívɾu]; flauta [fláwtɐ]); já em Coda ([ɫ]), o
alofone assume um ponto de articulação secundário, de tipo velar (calmo [káɫmu]).
Esta visão categórica da variação alofônica associada a /l/ em PE (alveolar em
Ataque; alveolar velarizada em Coda) tem sido questionada pelos estudos fonéti-
cos, que têm demonstrado a existência de velarização também em Ataque. Porém,
os dados acústicos mostram níveis de velarização mais acentuados em Coda com-
parados com os registados em Ataque.4 A obstrução inerente ao modo de articulação
lateral é mais fraca em posição de Coda, estando atestada a possível produção de
semivogal labial neste contexto (Marques, 2010; Monteiro, 2012; Martins, 2014;
Oliveira et al., 2011; Rodrigues, 2015).
No PB, a manifestação da lateral /l/ como [w] na posição de Coda silábica
na imensa maioria dos dialetos Brasileiros, como explicam Barbosa; Madureira
66 Carmen Matzenauer, Maria João Freitas

(2015), é determinada pela perda do gesto de lâmina da língua nas laterais alveo-
lares. Tem-se, então, a indicação da literatura clássica de que o fonema lateral no
PB, na posição de Ataque silábico, seja simples ou ramificado, se manifesta como
lateral alveolar [l] (letra [létɾɐ]; placa [plákɐ]), enquanto, na posição de Coda,
é expresso majoritariamente como [w], com ocorrência reduzida como lateral
velarizada [ɫ], presente particularmente em regiões de fronteira ou de colonização
estrangeira (alma [áwmɐ] ~ [áɫmɐ]) (Camara Jr., 1970; Mateus; D’Andrade, 2000).

3 Sobre a aquisição da lateral no PE e no PB


No processo de aquisição da fonologia do Português, a lateral adquire o status de
unidade contrastiva mais precocemente como Ataque simples do que como Coda
de sílaba, sendo que, na condição de líquida, ao tratar-se tanto da aquisição do PE
como do PB, a lateral está entre os mais tardios Ataques silábicos, ao ser confron-
tado com plosivas, nasais e fricativas.
Na posição de Coda, as diferentes formas fonéticas que podem representar a
lateral /l/ no PE e no PB apontam para uma estabilização mais tardia na fonologia

Quadro 3.1a Exemplos de crianças Portuguesas – produções em Ataque simples (formas


diferentes do alvo)

livros [ˈlivɾuʃ] → [ˈwivuʃ] (3;11)


crocodilo [kɾukuˈdilu] → [kuɾɨˈdiw] (3;10)
óculos [ˈɔkuluʃ] → [ˈzɔkus] (3;06)
livros [ˈlivɾuʃ] → [ˈifuʃ] (3;09)
balão [bɐˈlɐw̃ ̃] → [βɐwˈɐw ̃ ̃] (4;08)
castelo [kɐʃˈtɛlu] → [kɐʃˈtɛʋʷ] (5;00)
gelo [ˈʒelu] → [ˈʃeu] (5;10)
cabelo [kɐˈbelu] → [kɐˈbeɫ] (5;06)
lã [lɐ]̃ → [w̃ ɐ]̃ (5;11)
letras [ˈletɾɐʃ] → [ˈʋetɨɾɐʃ] (5;00)

Quadro 3.1b Exemplos de crianças Brasileiras – produções em Ataque simples (formas


diferentes do alvo)

livro [ˈlivɾu] → [ˈiʃu] (2;00)


balão [bɐˈlɐ̃w̃ ] → [bɐˈɐ̃w̃ ] (2;00)
bola [ˈbɔlɐ] → [ˈbɔjɐ] (2;00)
lua [ˈluɐ] → [ˈulɐ] (2;01)
relógio [ˈʀelɔʒju] → [eˈɔzu] (2;03)
lapis [ˈlapis] → [ˈapi] (2;04)
estrela [isˈtrelɐ] → [ˈtejɐ] (2;04)
janela [ʒaˈnɛlɐ] → [zaˈnɛjɐ] (2;04)
bolo [ˈbolu] → [ˈbowu] (2;07)
borboleta [boɾboˈletɐ] → [boboˈjetɐ] (2;07)
A aquisição de assimetria na gramática fonológica do Português 67

de crianças Portuguesas do que das Brasileiras (Freitas, 1997, 2017; Mendes et al.,
2009; Amorim, 2014; Ramalho, 2017; Mezzomo; Menezes, 2001).
Tomando-se a escala de aquisição de Yavas et al. (1991), pela qual o índice mín-
imo de sucesso é de 76% para considerar-se um segmento adquirido mas não esta-
bilizado, no PE a lateral não é adquirida nem em Ataque simples antes da idade de
6;00 anos (Ramalho, 2017; Freitas; Ramalho; Gomes, 2022); outros estudos sobre
o PE, empreendidos com base em testes de avaliação fonologicamente menos com-
plexos, apontam também para uma estabilização tardia da lateral alveolar.5 Difer-
entemente, no processo de aquisição do PB, o índice de aquisição é alcançado na
idade de 2;08, ao tratar-se de Ataque simples em início de palavra, e de 3;00, ao tra-
tar-se de Ataque simples em meio de palavra (Matzenauer-Hernandorena; Lampre-
cht, 1997). Tanto em PE como em PB, o processo de aquisição da lateral de modo
geral atende a este ordenamento: Ataque Simples > Coda > Ataque Ramificado.6
Considerando-se o percurso de estabilização fonológica da lateral no processo de
aquisição do inventário segmental da língua, os estudos referidos registram ou um
zero fonético ou o emprego de outro segmento no espaço fonético-fonológico cor-
respondente a /l/. Nos Quadros 3.1a e 3.1b,7 apresentam-se exemplos de produções
de crianças Portuguesas e Brasileiras8 em que o espaço fonético-fonológico da
lateral em posição de Ataque simples se mostra diferente do alvo.9 Nas colunas dos
quadros estão registradas: a forma escrita da palavra, a forma fonética alvo, a forma
fonética produzida pela criança e, por último, a idade em que criança produziu a
forma fonética exemplificada.
A aquisição da lateral /l/ na posição de Coda silábica também é observada mais
precocemente em crianças Brasileiras do que em crianças Portuguesas, sendo que
Quadro 3.2a Exemplos de crianças Portuguesas – produções em Coda (formas diferentes
do alvo)

caracol [kɐɾɐˈkɔɫ] → [kɐɾɐˈkɔlɨ] (3;09)


azul [ɐˈzuɫ] → [ɐˈsulɨ] (3;07)
calções [ˈkaɫsõjʃ] ̃ → [ˈkasɐw̃ ̃] (3;11)
almofada [aɫmuˈfadɐ] → [awmˈfaðɐ] (4;09)
calções [ˈkaɫsõjʃ]
̃ → [ˈkowsõjʃ] ̃ (4;07)
golfinhos [goɫˈfiɲuʃ] → [koˈfiɲuʃ] (4;05)
salto [ˈsaɫtu] → [ˈsawtu] (5;10)
almofada [aɫmuˈfadɐ] → [amˈfaðɐ] (5;05)
azul [ɐˈzuɫ] → [ɐˈsuʋɨ̥ ] (5;06)

Quadro 3.2b Exemplos de crianças Brasileiras – produções em Coda (formas diferentes


do alvo)

almoço [awˈmosu] → [aˈmosu] (2;00; 2;03)


bolso [ˈbowsu] → [ˈbosu] (2;00, 2;03, 2;05)
calça [ˈkawsɐ] → [ˈkasɐ] (2;00)
calça [ˈkawsɐ] → [ˈkɔʃɐ] ~ (2;00, 2;05, 2;08)
[ˈkɔsɐ]
balde [ˈbawdʒi] → [ˈbɔdʒi] (2;00, 2;01, 2;04)
68 Carmen Matzenauer, Maria João Freitas

o distanciamento em faixa etária é maior, em se comparando a aquisição do PE e


do PB, ao tratar-se da lateral em Coda e da lateral em Ataque simples: enquanto
no PE a lateral em Coda não é adquirida antes da idade de 6;00 anos (Ramalho,
2017; Freitas; Ramalho; Gomes, 2022; Amorim, 2014: após os 5;0 (Coda); Mendes
et al., 2009: entre os 5;0 e os 5;06 (Coda)), no PB a sua aquisição tem a idade de
3;00, ao considerar-se a Coda medial (balde), e 1;04, ao considerar­se a Coda final
(anel), conforme Mezzomo (2004). Aqui é preciso salientar que a forma fonética
alvo da lateral em Coda, no PE, é predominantemente a manifestação velarizada
[ɫ], enquanto no PB é a manifestação vocalizada [w].
Nos Quadros 3.2a e 3.2b, trazem-se exemplos de produções de crianças Portu-
guesas e Brasileiras em que o espaço fonético-fonológico da lateral em posição de
Coda é ocupado por forma diferente do alvo.
Os dados mostrados nos Quadros 3.1a e 3.2a, produzidos por crianças Por-
tuguesas, evidenciam que, no processo de aquisição do PE, as formas fonéticas
predominantemente empregadas para representar a lateral, tanto para Ataque
simples como para Coda, são iguais: [w, Ø, ʋ], sendo [w] a forma mais produ-
tiva. Diferentemente, os dados apresentados nos Quadros 3.1b e 3.2b, produzi-
dos por crianças Brasileiras, mostram que, no processo de aquisição do PB, as
formas fonéticas empregadas para representar a lateral em Ataque simples e
em Coda podem divergir: enquanto no Ataque simples o espaço da lateral pode
mostrar um zero fonético ou pode ser ocupado pelo glide coronal (o glide dorsal
aparece apenas no contexto de vogal dorsal), na Coda o espaço da lateral pode
apresentar um zero fonético ou um processo de coalescência com a vogal núcleo
da sílaba.
Na aquisição do PE e do PB, portanto, até a estabilização da forma alvo da
lateral, crianças Portuguesas e Brasileiras, para a posição de Ataque simples, com-
partilham os processos de não preenchimento do espaço fonético-fonológico e de
vocalização, sendo escolhido o glide dorsal [w] pelas crianças Portuguesas e o
glide coronal [j]10 pelas crianças Brasileiras (lembra­se que o glide [w] seria o alvo
para a forma fonética da lateral em Coda silábica para as crianças Brasileiras).
A assimetria entre o comportamento observado, para a lateral, no processo de
aquisição da fonologia do Português assim como as diferenças observadas entre o
tratamento que este segmento recebe de crianças em processo de aquisição do PE e
do PB suscitam uma reflexão sobre a representação do segmento lateral /l/ e sobre
o conhecimento linguístico que têm as crianças no processo de desenvolvimento
fonológico.
Coloca­se o foco desta reflexão na observação das formas que ocupam o
espaço fonético-fonológico da lateral /l/, nas gramáticas das crianças, até que
seja alcançada a forma alvo. Esse recorte tem a motivação no reconhecimento de
que o emprego de um segmento por outro no mesmo espaço fonético-fonológico
evidencia um conhecimento fonológico da criança, exteriorizando a categori-
zação de uma classe natural de segmentos e exteriorizando também a categori-
zação fonológica de traços distintivos. Ao operar com diferentes segmentos no
mesmo espaço, seja em relação à estrutura silábica ou à estrutura da palavra, até a
estabilização de determinado alvo da língua, a criança evidencia o que a literatura
A aquisição de assimetria na gramática fonológica do Português 69

da área da aquisição da linguagem identifica como estratégias de reconstrução


para aquele alvo.

4 Implicações das estratégias de reconstrução para a fonologia


da lateral na aquisição do PE e do PB
As assimetrias relativas ao constituinte silábico ocupado pela líquida lateral e às
diferentes formas fonéticas que a representam na Coda silábica têm implicações no
processo de aquisição do segmento fonológico pelas crianças, com reflexos obser-
vados no tempo de emergência como unidade contrastiva, assim como nas formas
que podem ocupar o seu espaço, tanto no Ataque como na Coda, até à sua estabili-
zação como categoria do inventário fonológico da língua. Com relação a este fato,
nos diferentes estágios de aquisição fonológica de crianças falantes do PE e do PB,
os espaços da líquida alvo no Ataque e na Coda prevalentemente mostram um zero
fonético ou uma aproximante até o estabelecimento da categoria /l/. Comentam-se, a
seguir, as estratégias de reconstrução usadas pelas crianças Brasileiras e pelas crian-
ças Portuguesas para /l/, no sentido de refletir sobre a natureza da sua representação
fonológica nas diferentes posições silábicas (Ataque simples e Coda).

4.1 Estratégias de reconstrução para o alvo /l/, em Ataque


simples e em Coda, na aquisição do PE

No processo de aquisição do PE, três são as estratégias de reconstrução prevalentes


para o alvo /l/ em Ataque simples, seja em sílaba inicial ou medial de palavra, em
conformidade com os exemplos apresentados no Quadro 3.1a:

a) o emprego do glide dorsal [w] (estratégia mais produtiva);


b) o emprego da aproximante labiodental [ʋ];
c) a ocorrência de um zero fonético.

Interpreta-se que o emprego das estratégias em (a) e (b) indiciam o conhecimento


fonológico de que aquele segmento alvo integra a classe natural das aproximantes,
conforme Ladefoged; Maddieson (1996), e que contém as propriedades [+aproxi-
mante, +vozeado, +contínuo].
Estas mesmas estratégias de reconstrução são observadas para o alvo /l/ em
Coda de sílaba na produção de crianças Portuguesas – vejam-se os exemplos
no Quadro 3.2a – o que aponta para a construção do mesmo conhecimento
fonológico. No entanto, ao tratar-se do espaço de Coda destinado para a lat-
eral, nos exemplos no Quadro 3.2a, além da ocupação do espaço de /l/ por out-
ros segmentos, observa-se também o emprego do processo de epêntese vocálica
quando a Coda é final (exs.: [kɐɾɐˈkɔlɨ] caracol, [ɐˈsulɨ] ou [ɐˈsuʋɨ̥ ] azul). Este
processo evidencia que a fonologia da criança já permite processar a posição de
Coda ocupada pela lateral, mesmo que a manifestação fonética, por decorrên-
cia da ressilabação da palavra, a torne Ataque da sílaba final, padrão alofônico
possível no final de sintagma entoacional na fala adulta (Mateus; d’Andrade,
70 Carmen Matzenauer, Maria João Freitas

2000, entre outros). Ao ser o segmento transposto para a posição de Ataque,


tem-se o reconhecimento de que é uma consoante capaz de preencher este cons-
tituinte silábico. Destaca-se que a aplicação de um processo que tem como alvo
a lateral no constituinte Coda se mostra como uma assimetria em relação ao
comportamento relativamente ao Ataque de sílaba, já que nesta posição apenas
ocorre o preenchimento do espaço por uma unidade segmental, sem a aplicação
de qualquer outro processo. Também se ressalta que a ocorrência do processo de
epêntese apenas com a lateral na Coda de sílaba no final de palavra reflete uma
assimetria entre a Coda final de palavra e a Coda medial, não estando atestada,
neste último contexto, epêntese vocálica.

4.2 Estratégias de reconstrução para o alvo /l/, em Ataque


simples e em Coda, na aquisição do PB

Já no processo de aquisição do PB, as estratégias reconstrução para o alvo /l/ apre-


sentam alguma diferença em Ataque simples e em Coda e também mostram alguma
distinção em relação ao que se observa na aquisição do PE. Crianças Brasileiras,
em fase de aquisição fonológica, apresentam predominantemente uma estratégia
para o alvo /l/ em Ataque simples em sílaba inicial de palavra (zero fonético) e duas
estratégias em Ataque simples em sílaba medial de palavra, em conformidade com
os exemplos apresentados no Quadro 3.1b:

(a) a ocorrência de um zero fonético;11


(b) o emprego do glide coronal [j]12 (estratégia mais produtiva para Ataque medial).

O emprego destas estratégias de reconstrução para o alvo /l/ em Ataque de sílaba,


especialmente da estratégia em (b), aponta para o conhecimento fonológico de que
aquele segmento alvo integra a classe natural das aproximantes, conforme Lade-
foged; Maddieson (1996), e que contém as propriedades [+aproximante, coronal,
+vozeado, +contínuo]. É digno de menção também o fato de que, no processo de
aquisição por crianças Brasileiras, a lateral em Ataque simples pode ser alvo do
processo de metátese (lua → [ˈulɐ]).
Ao tratar-se da posição de Coda, no entanto, o comportamento mostra-se assimé-
trico em relação ao que se observa quanto ao Ataque simples. Lembra-se mais uma
vez que, na Coda, para o PB o alvo fonético para a lateral é o glide dorsal [w].
Em conformidade com o que mostram os exemplos apresentados no Quadro
3.2b, duas são as estratégias de reconstrução observadas:

(a) a ocorrência de um zero fonético13 (em Coda final e medial);


(b) a ocorrência de coalescência do glide [w] com a vogal Núcleo da sílaba (em Coda
medial apenas).

De acordo com Miranda (2001a) e Mezzomo (2004) em alguns casos registrados de


zero fonético em Coda medial é possível observar-se o alongamento da vogal núcleo
da sílaba; é um caso de alongamento compensatório que evidencia o reconhe-
cimento, pela criança, da presença do constituinte Coda naquela sílaba, embora não
esteja ainda preenchido por material segmental.
A aquisição de assimetria na gramática fonológica do Português 71

Ao tratar-se da aquisição da lateral no constituinte Coda no PB, observa-se


uma assimetria em relação ao que ocorre com /l/ no Ataque silábico, uma vez que
é exclusivamente na Coda (e particularmente na Coda medial) que se constata a
presença do processo de coalescência (calça →[ˈk□s ], por exemplo). Esse fato
revela uma assimetria entre a Coda medial e a Coda final de palavra na aquisição
do PB, assim como já havia sido constatado no processo de aquisição do PE relati-
vamente ao processo de epêntese vocálica.
Outra assimetria que se observa na aquisição do PB, ao se comparar o trata-
mento da lateral nas posições de Coda e de Ataque silábico, é a possibilidade de
ocorrência do processo de metátese exclusivamente quando o segmento /l/ ocupa a
posição de Ataque de sílaba.

4.3 Inferências a partir das estratégias de reconstrução para o alvo /l/ na


aquisição do PE e do PB – a observação de assimetrias

O exame dos fatos relatados relativamente ao comportamento da lateral no pro-


cesso de aquisição do PE e do PB, expressos nas estratégias de reconstrução aqui
apresentadas, leva a inferir-se que há duas grandes classes de ocorrências, as quais
englobam fenômenos de assimetria – ambas as classes de ocorrências revelam
pistas para chegar-se à representação que as crianças têm da lateral:

(1) A primeira grande classe de ocorrências diz respeito ao emprego de outro


segmento no espaço fonético-fonológico da lateral até a sua estabilização.
Os fenômenos contidos nesta classe de ocorrências oferecem evidên-
cias relativas à natureza do segmento, particularmente quanto à catego-
ria fonológica a que pertence e aos traços que compõem a sua estrutura
interna.

Esta classe contém um tipo de assimetria entre Ataque e Coda de sílaba, no


comportamento da lateral na aquisição do PB: até à aquisição da lateral, o seu
espaço no Ataque simples pode mostrar um zero fonético ou o glide coronal [j],
enquanto o seu espaço na Coda pode apresentar um zero fonético (o que ocorre
em estágio muito precoce da aquisição) ou, desde muito cedo, o glide dorsal
[w], que é o alvo fonético majoritário nas diferentes variedades do Português
do Brasil.
Essa assimetria não ocorre na aquisição da lateral do PE, já que tanto em Ataque
simples como em Coda o espaço de /l/ tende a ser ocupado pelas mesmas formas:
[w, Ø, ʋ] (Ramalho, 2017; Freitas; Ramalho; Gomes, 2022). Esta observação leva
ao entendimento de que a assimetria que há, nesta classe, é entre a aquisição da
lateral no PE e no PB.

(2) A segunda grande classe de ocorrências diz respeito ao emprego de proces-


sos (como epêntese, metátese e coalescência) que têm a lateral como alvo ou
gatilho. Os fenômenos contidos nesta classe podem oferecer evidências relati-
vas à natureza do segmento, e também estabelecem relação com o constituinte
silábico que o segmento ocupa.
72 Carmen Matzenauer, Maria João Freitas

Esta classe contém diferentes tipos de assimetria ao se considerar a aquisição da


lateral no PE e no PB:

(a) o processo de epêntese tem a lateral como gatilho apenas na posição de Coda
(nunca no Ataque simples) em PE e exclusivamente na Coda final de palavra;
(b) o processo de metátese tem a lateral como alvo apenas na posição de Ataque
(nunca na Coda), e, pelos dados aqui analisados, apenas na aquisição do PB;
(c) o processo de coalescência tem a lateral como alvo apenas na posição de Coda
(nunca no Ataque), exclusivamente na Coda medial de palavra, apenas na
aquisição do PB.

Estes fatos são capazes de oferecer argumentos para a reflexão traçada como obje-
tivo do estudo aqui apresentado: investigar a representação da lateral /l/ a partir da
análise de fatos do processo de aquisição fonológica por crianças falantes nativas
do PB e do PE, levando em conta as assimetrias fonéticas que a líquida lateral pode
apresentar em razão da posição silábica.

5 Sobre a representação da lateral na aquisição do PB e do PE


Considerando-se as observações expostas sobre o comportamento que crianças Por-
tuguesas e Brasileiras apresentam durante o curso do desenvolvimento fonológico,
com relação à lateral /l/ em posição de Ataque simples e de Coda de sílaba, é pos-
sível desvelarem-se questões pertinentes à representação que têm deste segmento
da fonologia da língua.
Tomando-se como possível a proposição de questões a partir de cada uma das
duas classes de ocorrências relativas ao comportamento da lateral na aquisição do
PE e do PB, referidas na seção precedente, bem como a partir das assimetrias nelas
contidas, concebem-se respostas que conduzem a posições relativas à represen-
tação da lateral /l/ no processo de aquisição fonológica.
Questiona-se inicialmente a motivação de, na aquisição do PE, a lateral ter o
seu espaço fonético-fonológico simetricamente ocupado pelos mesmos segmen-
tos tanto em Ataque simples como em Coda de sílaba e, diferentemente, mostrar
uma assimetria, em Ataque simples e em Coda, na aquisição do PB. Esta linha de
reflexão pode levar a entender­se que crianças Portuguesas têm a mesma represen-
tação do segmento /l/ nos dois constituintes silábicos, enquanto crianças Brasileiras
têm representações diferentes: detêm a representação /l/ para o Ataque simples e a
representação /u/ para a Coda de sílaba, o segmento fonológico vocálico na base
tanto de [w] como das formas fonéticas de coalescência que ocorrem como estraté-
gias de reconstrução do alvo /l/ em Coda.
Esta proposta representacional é inspirada na forma fonológica que Bisol
(2014 [1996]) propõe para o glide dorsal nos ditongos, na sequência do inventário
segmental proposto por Camara Jr (1970), segundo o qual os glides são formas
fonéticas de vogais altas fonológicas no Português. Essa posição daria suporte à
razão por que o espaço fonético-fonológico da Coda que pretensamente perten-
ceria a /l/ ser mais precocemente preenchido e estabilizado na aquisição do PB
A aquisição de assimetria na gramática fonológica do Português 73

do que na aquisição do PE. Esta posição ainda encontra respaldo no fato de que o
input recebido por crianças Brasileiras, na posição de Coda com lateral, é a forma
fonética com o glide dorsal [w]. A assimetria das formas fonéticas que, na fala do
adulto, expressam a lateral no Ataque simples ([l]) e na Coda ([w]) no PB favorece
a construção de representações assimétricas para a lateral em crianças Brasileiras.
A mesma representação do segmento /l/ nos dois constituintes silábicos em PE
constitui um indicador de complexidade fonológica no processo de construção
da gramática nas crianças Portuguesas, levando a um prolongamento temporal do
processo de aquisição, que envolve a interface segmento/constituinte silábico. Por
um lado, um mesmo segmento (/l/) com distintos papéis silábicos (Ataque e Coda)
parece constituir um obstáculo substancial na aquisição do segmento em foco
neste trabalho. Por outro lado, a aquisição acontece primeiramente em Ataque
simples por ser este o constituinte silábico disponível na gramática inicial da cri-
ança, representado na estrutura universal CV; a Coda emerge mais tarde e decorre
da disponibilização de uma estrutura ramificada num domínio mais alto, a Rima.
Questiona-se também o processo de epêntese vocálica ter como gatilho a lateral
na Coda final de palavra apenas na aquisição do PE. A resposta novamente conduz
ao entendimento de que há distinção, na representação do segmento, na aquisição
fonológica de crianças Portuguesas e Brasileiras. Na aquisição do PE, como a rep-
resentação do segmento é /l/, que se manifesta foneticamente como [ɫ] em Coda,
tem natureza consonantal e, portanto, contém propriedades que habilitam o seg-
mento a ocupar o Ataque de sílaba no processo de ressilabificação, possível no
final de sintagma entoacional em PE, atendendo ao Ciclo de Soância (Clements,
1990) na construção da estrutura silábica (ex.: caraco/l/ → [kɐ.ɾɐ.ˈkɔɫ] → [kɐ.
ɾɐ.ˈkɔ.lɨ]). De maneira distinta, se na aquisição do PB a representação do segmento
da Coda tem natureza vocálica (/u/), não se constitui em adequado Ataque silábico
e, portanto, não funciona com gatilho para o processo de epêntese vocálica, o qual
implica a ressilabação em final de palavra e transmuta o segmento para o Ataque
de uma nova sílaba.
É pertinente referir que as mesmas crianças Brasileiras que não empregam o
processo de epêntese quando a palavra apresenta o alvo lateral em Coda final apli-
cam este processo na produção de palavras cujo alvo apresenta fricativas finais
(exs.: nariz → [naˈlizi]; mais → [ˈmajzi]), produções não atestadas em PE, nem
na aquisição nem na fala adulta (Freitas, 1997; Mateus; D’Andrade, 2000). Con-
sidera-se, portanto, que, conforme atestam estes exemplos de crianças Brasileiras,
a fricativa é gatilho para epêntese por estar licenciada para ser ressilabada como
Ataque simples, diferentemente do que ocorre com palavras com alvo lateral em
Coda final (anel → [aˈnɛw], *[aˈnɛwi]).
Ainda merece ser mencionado que estas mesmas crianças Brasileiras evi-
denciam também o processo de epêntese na produção de palavras cujo alvo tem
róticas finais, mesmo quando a forma fonética lateral ocupa o espaço da rótica
(exs.: lugar →[uˈgali]; colher →[kuˈlɛli]) – a lateral fonética é, portanto, também
gatilho para epêntese vocálica, estando licenciada como Ataque simples de sílaba
na aquisição do PB; esta estratégia também ocorre em PE. Ao glide dorsal, no
entanto, na gramática das crianças Brasileiras não é concedida a permissão para ser
74 Carmen Matzenauer, Maria João Freitas

gatilho do processo de epêntese, dada a sua natureza vocálica (/u/), não podendo,
assim, assumir o constituinte Ataque silábico. Nesta visão do processo de epêntese
estaria, portanto, mais uma pista para o entendimento de que as crianças Portu-
guesas têm a representação da lateral /l/ tanto para o Ataque como para a Coda da
sílaba, enquanto as crianças Brasileiras têm a representação da lateral /l/ para o
Ataque e a representação de /u/ para a Coda da sílaba.
Outra questão diz respeito ao processo de metátese que, nos dados de aquisição
do PB analisados, apenas tem como alvo a lateral em Ataque silábico (lua →[ˈulɐ]).
As crianças Brasileiras parecem tratar a lateral de Coda de sílaba, que se manifesta
como [w], como uma unidade agregada à vogal núcleo da sílaba, com ela formando
um ditongo, uma unidade que não é dela desmembrada pelo processo de metátese.
Aí se tem mais um indício da assimetria na representação que crianças Brasileiras
apresentam referentemente à lateral em diferentes constituintes silábicos: de uma
lateral /l/ no Ataque, passível de ser alvo do processo de metátese, e de um seg-
mento vocálico (/u/) na Coda.
Ainda é preciso levantar-se questionamento sobre a ocorrência do processo de
coalescência, observado apenas em Coda medial na produção de crianças Brasilei-
ras (calça →[ˈkɔsɐ]; balde →[ˈbɔdʒi]). Há coalescência ao configurar­se a união
de duas unidades distintas da qual resulta uma terceira que compartilha traços com
aquelas de que se originou. No PB, no uso variável da língua, especialmente em
variedades de menor prestígio, é frequente o emprego de coalescência entre vogais
contíguas que constituem ditongos, como em autoridade →[otoɾiˈdadʒi]; europa
→[oˈɾɔpɐ], por exemplo. Embora possa haver coalescência entre segmentos con-
sonantais e vocálicos (é o que ocorre, por exemplos, nos processos de palatalização
e de labialização), a tendência é que seja promovida por sequências de segmentos
da mesma natureza, predominantemente por segmentos vocálicos.
A partir dessas concepções, voltando-se aos dados da aquisição fonológica, é
possível observar-se que, nos casos de coalescência aqui analisados, em se consi-
derando a presença de /u/ em lugar da lateral em Coda (calça →c/au/sa; balde →
b/au/de), torna­se viável o entendimento da presença da vogal [ɔ] na forma [ˈkɔsɐ]
para calça e na forma [ˈbɔdʒi] para balde: a vogal [ɔ] ([dorsal/labial, ­alto, ­baixo])
resulta da coalescência de traços da vogal /a/ ([dorsal, +baixo]) e de /u/ ([dorsal/
labial, +alto]). Tal processo se faz presente apenas nos dados de crianças Brasilei-
ras porque estas, diferentemente das crianças Portuguesas, têm a representação de
um segmento de natureza vocálica na posição posvocálica, /u/, em lugar de /l/. E
lembre-se, mais uma vez, que as crianças Brasileiras recebem como input a forma
fonética [w] para a lateral alvo em Coda silábica.
Pelos argumentos apresentados, vem arguir-se a favor da interpretação de que
as crianças Portuguesas e as Brasileiras compartilham a mesma representação /l/
para a lateral em Ataque simples de sílaba, mas que, no curso do desenvolvimento
fonológico, mostram diferentes representações para a lateral em Coda: enquanto
na aquisição do PE, a representação é de uma lateral, na aquisição do PB, a
representação para o alvo lateral em Coda é um segmento vocálico, /u/. Esta assi-
metria, na gramática de crianças Brasileiras, observada na representação do alvo
lateral em diferentes constituintes silábicos, pode ser atribuída à assimetria das
A aquisição de assimetria na gramática fonológica do Português 75

formas fonéticas que, no PB, os estudos de variação linguística atestam, conforme


referência já feita neste Capítulo: a produção da lateral alveolar [l] em Ataque e
a produção majoritária do glide [w] na Coda de sílaba. A representação inicial de
/l/ posvocálico como /u/ nas gramáticas infantis permite dar conta da aquisição
precoce da Coda lateral em PB: nos estágios iniciais de aquisição das crianças
Brasileiras, /u/ em final de sílaba poderá ser processado como parte de um ditongo
com a vogal precedente, logo, no domínio do Núcleo. Uma vez que os ditongos
são adquiridos cedo em PB (Ferreira-Bonilha, 2000), tal análise contribui para dar
conta da aquisição precoce da Coda lateral alvo em PB e justificar o contraste
com a sua aquisição tardia em PE, sistema no qual os ditongos emergem cedo
mas são adquiridos tardiamente. Este processamento inicial da lateral em final de
sílaba como membro de um Núcleo ramificado (Girelli, 1988; Fikkert, 1994; Frei-
tas, 1997) decorreria da tendência para a nuclearização em Português referida em
Morales-Front; Holt (1997).
Entende-se também que a representação como /u/ que as crianças Brasileiras
mostram ter, no processo de desenvolvimento fonológico, para o alvo lateral em Coda
de sílaba pode ser reestruturada para a lateral /l/ em decorrência de duas motivações:

(a) pelo desenvolvimento morfológico, especialmente pelo acesso a diferentes


formas de sufixação, seja por fenômenos derivacionais ou flexionais, que
podem restaurar a forma fonética da lateral [l] e acionar um processo de reto-
mada de representações fonológicas, e
(b) pelo processo de aquisição da escrita, já que, em uma escrita alfabética, como
se tem no Português, há o mapeamento do fonema em grafema e, com isso,
uma nova relação se instaura no sistema da criança. Como explica Miranda
(2014), a relação que se estabelece entre fonema e grafema é bidirecional,
sendo que a aquisição da escrita é fator que promove o (re)processamento do
conhecimento fonológico. Conforme diz Miranda, a escrita interpõe-se, para a
criança, como um parâmetro de checagem do conhecimento fonológico.

Estudos sobre a aquisição da escrita por crianças Brasileiras (Miranda, 2001a,


2001b, 2014, 2019) referem o alto índice do emprego do grafema <u> em lugar do
grafema <l> em coda silábica nos anos iniciais de escolarização. E esse registro é
feito tanto ao tratar­se do espaço da lateral em Coda medial como em Coda final
de palavra, como mostram estes exemplos das grafias poutrona, sausicha, voutei,
auface (para ‘poltrona’, ‘salsicha’, ‘voltei’, ‘alface’) e das grafias animau, tempo-
rau, legau, aneu (para ‘animal’, ‘temporal’, ‘legal’, ‘anel’).14 Tais dados apontam
a presença da representação de elemento vocálico em posição de Coda silábica à
entrada das crianças na escola. E, segundo Miranda (2019), essas produções da
escrita com <u> em lugar do grafema <l> na Coda podem estender­se pelos primei-
ros anos de escolarização; este alongamento no tempo pode ser atribuído à com-
plexidade que implica a alteração da representação fonológica e a adequação de seu
registro na forma escrita das palavras.15 Estes fatos empíricos, provindos de regis-
tros de escrita infantil de crianças Brasileiras, argumentam a favor da representação
fonológica da Coda lateral como segmento vocálico (/u/) na infância.
76 Carmen Matzenauer, Maria João Freitas

Na realidade, a organização gradativa da gramática fonológica é evidência de


processamento linguístico dinâmico, responsável por diferentes estágios do pro-
cesso de aquisição, e também implica a retomada e a revisão de representações.

6 Conclusão
No presente Capítulo, apresentou­se reflexão sobre a aquisição da lateral alveolar no
Português, partindo­se da extrema dificuldade que as crianças Portuguesas apresen-
tam na sua aquisição, quando comparadas com as crianças Brasileiras. Observaram-se
as variantes alofônicas que ocupam o espaço fonético-fonológico da lateral /l/
nos dois grupos de crianças, até que sejam alcançadas as formas alvo. Assumiu-se
que o emprego de um segmento por outro no mesmo espaço fonético-fonológico
fornece informação sobre o conhecimento fonológico da criança, constituindo
evidência empírica para a identificação da categorização fonológica e da natureza
das representações lexicais em diferentes estágios de construção da gramática
alvo, expressa em traços distintivos que definem classes naturais específicas.
Os dados citados, disponíveis em trabalhos publicados sobre a aquisição do PB
(Matzenauer-Hernandorena; Lamprecht, 1997; Mezzomo, 2004, por exemplo) e
do PE (Freitas, 1997; Mendes et al., 2009; Amorim, 2014; Ramalho, 2017; Freitas;
Ramalho; Gomes, 2022) mostraram percursos distintos. No PE, as formas fonéticas
predominantemente empregadas para representar a lateral, tanto para Ataque simples
como para Coda, são iguais ([w, Ø, ʋ]), sendo [w] a forma mais produtiva, justificada
pela presença de velarização nas variantes alofônicas alvo, tanto em Ataque como
em Coda, documentada nos estudos acústicos citados na Seção 2. Nas crianças Bra-
sileiras, as formas fonéticas empregadas para a lateral em Ataque simples e em Coda
no PB podem divergir: enquanto no Ataque simples o espaço da lateral pode mostrar
um zero fonético ou ser ocupado pelo glide coronal (o glide dorsal aparece apenas
no contexto de vogal dorsal), na Coda o espaço da lateral pode apresentar um zero
fonético ou um processo de coalescência com a vogal núcleo da sílaba. Com base nos
dados, a análise proposta é a de que as crianças Portuguesas têm a representação da
lateral /l/ para o Ataque e para a Coda da sílaba, enquanto as crianças Brasileiras têm
a representação da lateral /l/ para o Ataque e a representação do segmento vocálico
/u/ para a Coda da sílaba. Coloca-se ainda a hipótese, a ser testada com trabalhos
futuros, de esta representação em Coda nas crianças Brasileiras vir a sofrer alterações
na sequência do seu desenvolvimento morfológico e da aquisição da escrita, que lhes
permitirá reestruturar as suas gramáticas na direção do sistema alvo.

Notas
1 Financiamento: CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (Processo 306616/2018–1).
2 Financiamento FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., através do Centro de
Linguística da Universidade de Lisboa (UIBD/00214/2020).
3 A líquida lateral em Coda de sílaba, exatamente pelas manifestações fonéticas assimé-
tricas que apresenta em relação ao que é observado na posição de Ataque silábico, tem o
A aquisição de assimetria na gramática fonológica do Português 77

seu uso variável como objeto de investigação em diferentes regiões do Brasil, conforme
descrição presente no Capítulo 7 deste livro, sendo atestado o predomínio da variante
vocalizada. A análise apresentada no Capítulo 7 evidencia que o emprego de diferentes
formas fonéticas para representar a lateral em Coda, especialmente em sílaba interna
à palavra, pode ser condicionado pelos contextos precedente e seguinte, assim como
pelas variáveis gênero e faixa etária dos Brasileiros. A vocalização da lateral em Coda
é também referida, no Capítulo 11 desta obra, como motivadora da criação de diton-
gos no PB, o que se observa, por exemplo, na forma Bras[iw] por Brasil. Também no
Capítulo 11 há uma evidência da presença da lateral, na representação fonológica de
segmentos em Coda de sílaba, no fato de Brasileiros terem inibida a monotongação do
ditongo ou apenas quando este é derivado de lateral em coda (solteiro *s[o]teiro) quando
a monotongação é prevalente na língua (l[o]co louco; t[o]ca por touca; fal[o] por falou).
4 A manifestação fonética velarizada da lateral /l/ em Ataque de sílaba no PE e também
referida no Capítulo 2 deste livro.
5 Discussão sobre o processo de aquisição da lateral na posição de Ataque silábico no PB
e no PE também é encontrada no Capítulo 2.
6 Mendes et al. (2009); Amorim (2014) apresentam, para o PE, a ordem Ataque Simples >
Ataque Ramificado > Coda, diferença que pode decorrer da consideração das produções
com inserção de vogal entre as duas consoantes do Ataque ramificado como produções
conformes ao alvo ([fɨlóɾ] para flor).
7 Em todos os quadros apresentados neste capítulo, os dados são apresentados em quatro,
com este ordenamento: 1°) a forma escrita da palavra, 2°) a forma fonética alvo, 3°)
a forma fonética produzida pela criança, 4°) a idade em que criança produziu a forma
fonética exemplificada.
8 Os dados de crianças Portuguesas foram extraídos do PhonBank Portuguese Ramalho Cor-
pus (https://phonbank.talkbank.org/access/Romance/Portuguese/Ramalho.html), recolhidos
através da aplicação do instrumento Crosslinguistic Child Phonology Project – Portu-
guês Europeu (CLCP-PE), um teste de avaliação fonológica de crianças Portuguesas desen-
volvido no âmbito do projeto internacional CLCP, sedeado na University of British Columbia
(UBC) e tendo como parceiro o Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Os da-
dos de crianças Brasileiras foram extraídos do Banco de Dados de Aquisição da Fonologia
(AQUIFONO), sedeado em duas universidades do Sul do Brasil: UFPEL e PUCRS.
9 Registraram-se aqui, na representação da lateral /l/, as formas fonéticas diferentes do alvo
que, no estudo de Freitas; Ramalho; Gomes (2022), obtiveram índice acima de 10%.
10 O emprego preferencial pelo glide [w] no espaço de /l/ por crianças Portuguesas em
Ataque de sílaba talvez possa ser decorrente da existência de determinado grau de velari-
zação da lateral nesta posição silábica em PE, atestada por estudos fonéticos, conforme
referência na Seção 2 deste capítulo.
11 A ocorrência de zero fonético no espaço fonético-fonológico de /l/ em Ataque Simples
em início de palavra é praticamente a única estratégia de reconstrução observada; há
casos esporádicos de emprego de glide coronal (lápis → [japis]).
12 Conforme já foi referido, o emprego do glide dorsal [w], por crianças Brasileiras, ocorre
apenas no contexto de vogal dorsal e em índice extremamente baixo.
13 O zero fonético no espaço fonético­fonológico de /l/ em Coda final é a única estratégia
de reconstrução observada; muito precocemente, conforme já foi aqui registrado, há o
emprego de [w] neste espaço fonético­fonológico.
14 Os exemplos integram o Banco de Textos de Aquisição da Linguagem Escrita – BATALE
(Miranda, 2001b).
15 O Capítulo 6 deste livro, cujo foco está na representação escrita da Rima silábica medial
de palavra, registra com detalhes o tratamento dado à lateral por crianças Brasileiras e
Portuguesas que frequentam o 2º ano de escolarização. Em análise detalhada, as autoras
referem que está na lateral em Coda a maior taxa de erros na escrita das crianças Brasileiras,
aí residindo o fato de maior divergência entre crianças Brasileiras e Portuguesas.
78 Carmen Matzenauer, Maria João Freitas

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4 Aquisição da Prosódia no Português
Sónia Frota, Raquel S. Santos

Resumo
Neste capítulo apresenta-se o estado da arte dos estudos em aquisição da prosódia no
Português, considerando as variedades fonológica e prosodicamente contrastantes
do Português Europeu (PE) e Português Brasileiro (PB). Partindo de uma visão
sumária das características prosódicas das duas variedades, apresenta-se evidência
empírica da aquisição do acento de palavra, da entoação e da estrutura prosódica.
Tanto dados da percepção como da produção infantil de palavras e enunciados são
considerados. A perspectiva comparativa entre PE e PB permite assinalar semel-
hanças e diferenças na aquisição. O capítulo termina com um levantamento de
questões em aberto e a identificação de áreas de investigação a desenvolver tendo
em vista o avanço do conhecimento em aquisição da prosódia, no Português e
numa perspectiva interlinguística.

Palavras-chave: Aquisição, Prosódia, Acento, Proeminência, Entoação, Estrutura


prosódica

1 Introdução: prosódia e aquisição da linguagem


Qualquer sequência linguística possui propriedades sonoras que não dependem dos
itens lexicais que a constituem e, portanto, da cadeia de consoantes e vogais. Vari-
ações de duração, amplitude e frequência fundamental definem padrões de tempo,
intensidade e melodia que caracterizam a linguagem. Estas propriedades constituem
a prosódia. Assim, um conjunto vasto de fenômenos, como a proeminência ao nível
da palavra ou da frase, o ritmo, a entoação, ou o fraseamento que agrupa palavras
em constituintes de base sonora são fenômenos prosódicos. Entre as funções lin-
guísticas da prosódia destacam-se a função demarcativa, com a divisão dos enuncia-
dos em constituintes prosódicos, a transmissão de significados comunicativos, como
o tipo frásico ou o estatuto informacional, e a codificação de contrastes lexicais, por
exemplo através do acento de palavra.
A prosódia define a estrutura sonora de uma língua, estabelecendo interfaces
com outros componentes da linguagem como o léxico e a morfossintaxe (e.g.,
Frota; Vigário, 2018, para uma revisão da literatura). Por exemplo, em línguas
como o Português, as palavras funcionais (que veiculam informação gramatical)

DOI: 10.4324/9781003294344-6
Aquisição da Prosódia no Português 81

são tipicamente não proeminentes, não sendo acentuadas, ao contrário das pala-
vras lexicais (que veiculam conteúdo semântico). Determinantes e preposições são
exemplos de palavras funcionais (‘o’, ‘de’, ‘do’, etc.) e nomes (‘menino’, ‘dó’)
ou verbos (‘dar’, ‘correr’) são exemplos de palavras lexicais. Para além da distin-
ção quanto à proeminência, as palavras funcionais tendem a ocorrer junto a fron-
teiras de constituintes prosódicos, no caso do Português junto à fronteira inicial,
e a preceder um elemento acentuado (e.g., ‘o dó’, ‘do menino’). Assim, o sinal
de fala apresenta um conjunto de propriedades prosódicas que se correlacionam
com outras propriedades linguísticas e que podem constituir pistas para a aquisição
desses aspectos da linguagem, como no caso da distinção entre palavras funcionais
e lexicais e da identificação da ordem de palavras na língua (e.g., Christophe et al.,
2008; Cruz-Pavía; Marino; Gervain, 2021).
Aprimeira experiência linguística do bebê, ainda antes do nascimento, é prosódica
(Smith et al., 2003) e consiste na perceção do ritmo, com os seus padrões de duração
e proeminência, e da melodia, ou seja, dos padrões entoacionais. A presença de uma
sensibilidade precoce às propriedades prosódicas da linguagem está amplamente
demonstrada e caracteriza o desenvolvimento linguístico nos primeiros anos de vida
(e.g., Morgan, 1986; Mehler et al., 1988; Morgan; Demuth, 1996; Jusczyk, 1997).
Tem sido também reportada a habilidade dos bebês para utilizarem diversas proprie-
dades prosódicas na aprendizagem de outros aspectos das línguas, um mecanismo
conhecido como ‘bootstrapping’ prosódico (Gervain; Cristophe; Mazuka, 2020,
para uma revisão da literatura). Dada a sensibilidade inicial à prosódia e o papel da
prosódia na aquisição da linguagem, a aquisição da prosódia ocupa um lugar central
na compreensão do desenvolvimento linguístico, em especial nos primeiros anos de
vida. Apesar de muitos aspectos da prosódia serem de aquisição precoce, outros são
de aquisição mais tardia e não necessariamente anterior à aquisição de outros com-
ponentes gramaticais (por exemplo, estudos de produção mostram que aos 5 anos as
crianças ainda não dominam, nem a duração segmental e silábica (cf. Gama-Rossi,
2001), nem a entoação de lista (Rattanasone et al., 2021)).
Este capítulo apresenta uma síntese do estado da arte quanto à aquisição da prosó-
dia no Português, focando-se nas variedades do Português Europeu (PE) e do Portu-
guês Brasileiro (PB). Na Seção 2, resumem-se as principais características prosódicas
do PE e do PB, destacando-se os aspectos em que estas variedades do Português se
distinguem. As Seções 3, 4 e 5 são respetivamente dedicadas à aquisição do acento,
da entoação e da estrutura prosódica, contemplando as dimensões da percepção e da
produção da prosódia. Uma discussão dos principais resultados, a par da identificação
de grandes questões em aberto e direções futuras de investigação, conclui o capítulo.

2 A prosódia do Português: principais características


prosódicas do PE e PB
PE e PB partilham um mesmo sistema prosódico de base, em que a atribuição de
acento de palavra tipicamente ocorre na janela das três sílabas finais da palavra
e os constituintes prosódicos tendem a apresentar proeminência à direita, sendo
assim esta a posição característica do acento tonal nuclear que define o contorno
82 Sónia Frota, Raquel S. Santos

entoacional de um enunciado (Frota; Moraes, 2016; Vigário, 2021). Todavia, as


duas variedades do Português divergem em relação a aspectos da prosódia da pala-
vra, do ritmo, da entoação e da estrutura prosódica.
O Português é uma língua com acento de palavra, em que, como é característico
neste tipo de línguas, existe uma correspondência entre a presença de acento e a
palavra prosódica. O acento possui uma função demarcativa ocorrendo junto ao lim-
ite final da palavra, numa das três últimas sílabas (excluindo elementos enclíticos;
Vigário, 2003; Magalhães, 2016). O padrão paroxítono é, todavia, o padrão domi-
nante no léxico da língua. O acento pode desempenhar um papel contrastivo, distin-
guindo palavras como bambo [ˈbɐbu] ̃ e bambu [bɐˈbu]
̃ ou crítica [ˈkɾitikɐ] e critica
[kɾiˈtikɐ]. A informação morfológica (e.g., a categoria morfossintáctica da palavra,
o domínio do radical, e no sistema verbal também a vogal temática e o morfema de
tempo-modo-aspecto) tem sido apontada como relevante para a atribuição do acento
(Mateus, 1983; Lee, 1995; Pereira, 1999; Mateus; d’Andrade, 2000; Vigário, 2003),
bem como a sensibilidade ao peso fonológico, em particular no sistema nominal
(Bisol, 1994; Wetzels, 2003, 2007 [2006]; Magalhães, 2016; Garcia, 2017), não
existindo todavia consenso na literatura quanto à análise do acento de palavra no
Português (Vigário, 2021, para uma revisão recente). Para além do acento principal,
outras proeminências podem ocorrer no domínio da palavra, originando padrões
de acentos secundários. O PB apresenta o padrão alternado de acentos secundários
à esquerda do acento principal, característico da generalidade das línguas români-
cas (Collischonn, 1993; Brandão de Carvalho, 1989; Moraes, 1997, 2003; Frota;
Vigário, 2000; Sândalo et al., 2006; Fernandes-Svartman et al., 2012). Já no PE,
o acento secundário encontra-se tipicamente alinhado com a margem esquerda da
palavra, não existindo um padrão alternado de proeminências (Delgado Martins,
1986; Frota; Vigário, 2000; Mateus; d’Andrade, 2000; Vigário, 2003).
PE e PB também diferem em relação ao ritmo. Apesar de o ritmo de ambas as
variedades ser descrito como misto (Major, 1985; Cagliari; Abaurre, 1986; Simões,
1991; Massini-Cagliari, 1992; Frota; Vigário, 2001), as propriedades acústicas,
fonéticas e fonológicas apontam para um ritmo de natureza mais silábica no PB
e de natureza mais acentual no PE. Perceptivamente, o ritmo das duas variedades
apenas é distinguido com o contributo da entoação (Frota; Vigário; Martins, 2002),
o que sugere a relevância da natureza e distribuição de proeminências marcadas
por eventos tonais. Com efeito, apesar de PB e PE apresentarem um inventário
semelhante de eventos tonais, as duas variedades diferem quanto à distribuição
destes eventos (Frota; Vigário, 2000; Tenani, 2002; Fernandes, 2007; Frota, 2014;
Frota et al., 2015a; Frota; Moraes, 2016): uma distribuição mais densa no PB, com
presença de um padrão alternante de tons altos e baixos, e uma distribuição mais
esparsa no PE. As duas variedades caracterizam-se ainda por diferenças em relação
aos significados pragmáticos dos eventos tonais, ou seja, ao seu léxico entoacional
(Frota et al., 2015a; Cruz et al., 2022).
O constituinte prosódico crucial para a entoação no Português é o sintagma (ou
frase) entoacional (Frota; Moraes, 2016). Todavia, o PB distingue-se do PE por
apresentar outros constituintes na estrutura prosódica que também são entoacional-
mente relevantes, nomeadamente um constituinte hierarquicamente inferior, o
Aquisição da Prosódia no Português 83

sintagma fonológico (ou frase fonológica) e um constituinte hierarquicamente


superior, o enunciado fonológico (Frota; Vigário, 2000; Tenani, 2002; Frota et
al., 2015a). No PB, ao contrário do PE, os fenômenos de sândi externo não são
bloqueados pela fronteira do sintagma entoacional, mas atravessam todas as fron-
teiras prosódicas (Frota, 2000; Tenani, 2002). Estas características, entre outras,
constituem evidência de que a estrutura prosódica é implementada diferentemente
nas duas variedades do Português.

3 Aquisição do acento
O acento está entre as pistas prosódicas que têm sido reportadas como facilita-
doras da aquisição da linguagem (Gervain; Cristophe; Mazuka, 2020). A percep-
ção/identificação do acento facilita a segmentação do sinal de fala em palavras
e frases, a categorização das palavras e a distinção de significados lexicais e
frásicos (e.g., Jusczyk et al., 1999; Shi et al., 2006; Curtin, 2010). Por exemplo,
crianças a adquirir o Português interpretam sequências de sons idênticas que con-
trastam apenas quanto à posição do acento como potenciais palavras diferentes
a partir dos 12 meses de idade (Frota et al., 2012) e reconhecem itens funcionais
(não acentuados) pelo menos a partir dos 13 meses de idade (Name; Corrêa,
2003; Name; Teixeira; Uchôa, 2015). Importa, pois, compreender a aquisição do
acento, desde as habilidades perceptivas no primeiro ano de vida, até à produção
das primeiras palavras no segundo ano de vida e o subsequente desenvolvimento
lexical.
O primeiro estudo sobre a perceção do acento em bebês aprendentes de Portu-
guês é Frota et al. (2020), focando-se no Português Europeu. Estudos sobre outras
línguas apontaram três fatores na língua materna que podem guiar a percepção
inicial do acento: o ritmo, a frequência dos padrões acentuais e o tipo de pistas
acústicas para o acento (cf. Frota et al., 2020, para uma revisão da literatura). O PE
possui um ritmo misto de silábico e acentual. A distribuição de padrões acentuais
não aponta para um padrão como sendo dominante, dado que o padrão trocaico (i.e.,
forte-fraco, como em casa [ˈkazɐ]) predomina no léxico, mas o padrão iâmbico
(i.e., fraco-forte, como em avó [ɐˈvɔ] ou o pé [uˈpɛ]) é predominante a nível pós­
lexical. O PE possui ainda um conjunto diverso de pistas acústicas para o acento
em que a qualidade vocálica é preponderante e a duração pode não ser suficiente
para a percepção do acento. Estudos com adultos revelaram uma ‘surdez acentual’
na ausência das pistas de qualidade vocálica (Correia et al., 2015), com as pistas
prosódicas sendo processadas apenas no estado pré-atentivo (numa tarefa de ‘mis-
match negativity’, Lu et al., 2018). Estes estudos revelaram ainda uma vantagem
no processamento do padrão iâmbico. Utilizando um paradigma de olhar anteci-
patório implementado com recurso ao ‘eye-tracking’, Frota et al. (2020) mostraram
que bebês de 5–6 meses de idade são já sensíveis ao contraste entre acento trocaico
e acento iâmbico, demonstrando uma preferência pelo padrão iâmbico. Estes resul-
tados sugerem que os padrões fonológicos pós-lexicais da língua, juntamente com
os correlatos prosódicos do acento, guiam a perceção inicial do acento no Portu-
guês. Crucialmente, a meio do primeiro ano de vida, os bebês aprendentes de PE
84 Sónia Frota, Raquel S. Santos

demonstram possuir a habilidade de distinguir padrões acentuais, sugerindo que o


processo de aquisição do acento poderá já estar em curso.
A discussão sobre o acento na produção das primeiras palavras está relacio-
nada com a aquisição da palavra prosódica, já que apagamentos de sílabas áto-
nas em palavras alvo multissilábicas são frequentes. Rapp (1994) foi o primeiro
trabalho sobre o Português Brasileiro que tratou da posição do acento de palavra
e da produção de sílabas acentuadas e átonas na aquisição da fonologia. Os seus
resultados experimentais mostraram que as crianças tendem a apagar as sílabas
pré-acentuadas, conduzindo a que as palavras comecem por uma sílaba forte (como
em [ˈnana] banana). No entanto, outros trabalhos, utilizando dados naturalísticos,
chegaram a um resultado diferente: no início do processo de aquisição, as crianças
favorecem um acento final (como em [kaˈwa] cavalo) e esta tendência muda poste-
riormente para acento na penúltima sílaba (cf. Santos, 2001, 2007; Bonilha, 2005;
Baia, 2010; Ferreira-Gonçalves; Brum de Paula, 2011). Três decisões metodológi-
cas podem dar conta desta diferença de resultados: a idade das crianças, a classe
gramatical das palavras e o inventário lexical analisado. No caso de Rapp, todas as
palavras eram substantivos e não incluíam ‘baby talk’. No caso dos estudos natu-
ralísticos, o período analisado começa mais cedo, analisam-se nomes e verbos, e as
palavras do léxico infantil são também incluídas. Estudos para o PB e PE mostram
que o apagamento de sílabas átonas ocorre quer em palavras alvo trocaicas (por
exemplo, toma /ˈtɔmɐ/ > [ˈtɔ]), quer iâmbicas (por exemplo, aqui /ɐˈki/ > [ˈki]),
bem como em palavras com diferente número de sílabas (exemplos do PE: sapato
/sɐˈpatu/ > [ˈbɐ], [pɐˈpɐ], [ˈpatu], Vigário et al., 2006; Correia, 2009; exemplos do
PB: menino /meˈnino/ > [ˈmi], [miˈni], [ˈninu], Santos, 2001, 2007). Este apaga-
mento pode ocorrer tanto nos momentos iniciais da produção de palavras como em
estágios mais tardios e as crianças podem apresentar dois tipos de estratégias: o
apagamento da última sílaba átona dando origem a formas iâmbicas (isto é, com o
padrão fraco-forte), ou o apagamento da sílaba átona inicial dando origem a formas
trocaicas (isto é, com o padrão forte-fraco). Soma-se ainda a inserção de sílabas
iniciais (fillers), podendo gerar um padrão iâmbico (por exemplo, menino [aˈmi]
em PB, ou não [ɨˈnɐ] em PE; Santos, 2001; Vigário et al., 2006). A característica
comum às diferentes estratégias de apagamento é a preservação da sílaba acen-
tuada, em linha com as pistas para a palavra prosódica assentes na proeminência e a
forte assimetria entre sílabas tônicas e átonas (Vigário, 2003). Correia (2009), num
estudo longitudinal naturalista com cinco crianças, mostra que os primeiros forma-
tos de palavra a serem produzidos são o monossilábico e o dissilábico iâmbico,
sendo o dissilábico trocaico de produção mais tardia. Já a produção fiel à palavra
alvo ocorre simultaneamente para dissílabos iâmbicos e trocaicos, havendo, num
estágio posterior, variação entre crianças quanto às taxas de fidelidade ao alvo em
palavras com padrão iâmbico e padrão trocaico.
Como referido na Seção 2, existem várias propostas de análise para a atribuição
do acento no Português, que fazem predições diferentes no que respeita à aquisição
deste elemento prosódico. Santos (2007), numa discussão paramétrica sobre o
acento, contesta a proposta corrente na literatura que defende que há um valor
default para o parâmetro de núcleo do pé (com valor à esquerda – cf. Fikkert, 1994;
Aquisição da Prosódia no Português 85

Demuth, 1995; Patter, 1997, entre outros). A autora argumenta que, se o parâmetro
fosse inicialmente marcado à esquerda (pé trocaico), deveria ser possível encon-
trar, no início da produção, dados de crianças mudando os acentos em direção a
um pé trocaico (acento na penúltima sílaba), o que não acontece. Por outro lado,
sugerir um valor inicial de núcleo à direita levaria à expectativa de que em línguas
trocaicas as crianças inicialmente produziriam mudanças de acento à esquerda,
o que também não acontece. A autora propõe que somente assumindo que este
parâmetro não tem um valor marcado inicialmente é que é possível explicar os
dados de aquisição de línguas como o Holandês, o Inglês e o Português (na mesma
linha de Snyder, 2007). Enquanto existe consenso quanto à natureza trocaica do
Inglês e Holandês (e.g., Hayes, 1995; Fikkert, 1994), não existe consenso quanto
à natureza trocaica ou iâmbica do Português: a proposta morfológica para o acento
no Português, com a proeminência a recair na última sílaba do radical derivacional
(e.g., Pereira, 1999; Mateus; d’Andrade, 2000), sugere um padrão iâmbico; já uma
análise rítmica do acento (e.g., Bisol, 1994; Wetzels, 2000) sugere um padrão tro-
caico com proeminência na penúltima sílaba da palavra (Correia, 2009). A nível
pós-lexical, a existência de muitas palavras monossilábicas a par da natureza pro-
clítica da língua reforça o padrão iâmbico, como propõem Vigário; Martins; Frota
(2006) e Vigário; Frota; Martins (2010).
O acento proparoxítono (antepenúltimo, e.g., príncipe [pɾĩsipɪ], em PB, ou
crítica [ˈkritikɐ] em PE) é o menos encontrado no Português (com valores próxi-
mos de 4%, de acordo com Cintra (1997) para o PB e Vigário; Frota; Martins
(2010) para o PE; no PE, uma contagem de tokens aponta para um valor inferior a
2%). Em quaisquer das propostas existentes para o acento de palavra na fala adulta,
ele resulta de uma extrametricidade. Santos (2001, 2007) encontrou pouquíssimas
produções com esse padrão na fala infantil em PB, de forma que se ateve a discutir
os padrões paroxítonos e oxítonos, bem mais frequentes. Correia (2009) mostra
que, no PE, o padrão proparoxítono ainda não está adquirido no final do período em
observação (por volta dos dois anos e meio de idade). Ferreira-Gonçalves (2010)
e Vargens (2016) discutem a aquisição desse padrão no PB. Ferreira-Gonçalves,
numa análise baseada na teoria da otimalidade, argumenta que esse padrão é de
aquisição tardia porque a criança ainda não aplica a extrametricidade, e ao invés
aplica o apagamento da sílaba átona final ou coalescência das duas sílabas átonas,
privilegiando um pé trocaico (árvore >> ave, avrei; abóbora >> abobo, aboba,
abobra). Vargens chama a atenção de que, para as crianças em contato com adultos
menos escolarizados, a não produção de proparoxítonos pode decorrer do fato de
que, no input, essas palavras já são produzidas como paroxítonas.
A questão que se coloca no processo de aquisição do acento é o que desenca-
dearia, caso seja assumido um sistema paramétrico, a marcação de um parâmetro
(esquerda/trocaico ou direita/iâmbico) ou a mudança (no caso de um valor default).
Uma das hipóteses levantadas diz respeito à frequência dos padrões acentuais na
língua. Santos (2017) investiga se a frequência do padrão acentual do input em PB
poderia afetar quer a distribuição de padrões acentuais infantis, quer sua ordem de
aquisição. Para isso, a autora toma como base Cintra (1997) para o padrão adulto e
faz um levantamento da fala dirigida à criança. Os resultados encontrados mostram
86 Sónia Frota, Raquel S. Santos

que há uma diferença estatisticamente significativa em quase todos os padrões ana-


lisados, mas que não vai na direção esperada de haver mais palavras com acento
final. O levantamento de Cintra apresenta a seguinte ordem de frequência de uso:
paroxítonos > oxítonos > monossílabos; enquanto que na fala dirigida às crianças,
a ordem é paroxítonos > monossílabos > oxítonos. Nem a fala do adulto, nem a
fala dirigida à criança podem ser explicação (única) para o fato de que as crianças
começam por produzir acento final e depois produzem acento paroxítono. Vigário;
Frota; Martins (2010) colocam a mesma questão para o PE e também Frota et al.
(2020) fazem uma análise da frequência dos padrões acentuais no PE. Os autores
procedem a múltiplas contagens de frequência, incluindo a contagem sobre types
(listagens de palavras únicas) e sobre tokens (todas as instâncias das palavras que
ocorrem), em fala adulta e fala dirigida à criança, e considerando todas as palavras
ou apenas os formatos mais frequentes tanto nas produções dos adultos como das
crianças, ou seja monossílabos e dissílabos. Os resultados são divergentes para
tokens e types, com valores inferiores do padrão trocaico na contagem em tokens,
que oscilam entre os 55% e os 66%. Se for considerado o nível pós-lexical, com
a presença de proclíticos e monossílabos, o padrão iâmbico chega a ser mais fre-
quente que o trocaico. Os autores concluem que o padrão trocaico predomina no
léxico, mas o padrão iâmbico é o dominante a nível pós-lexical, podendo assim a
distribuição dos padrões acentuais não fornecer informação suficientemente clara
e convergente para destacar um padrão acentual em relação ao outro (Frota et al.,
2020).
Santos; Benevides (in press) investigam pistas que as crianças Brasileiras
teriam de que o sistema do PB é iâmbico (valor do núcleo de pé à direita) já
que, na produção, mais de 60% das palavras têm proeminência na penúltima síl-
aba, questionando se as mesmas pistas poderiam ser utilizadas para outras lín-
guas. Segundo as autoras, a duração das sílabas átonas poderia ser uma boa pista
para as crianças que adquirem o Português Brasileiro, já que, na fala adulta, as
sílabas pré-acentuadas são mais longas (e, portanto, mais salientes) do que as
pós-acentuadas (cf. Fernandes, 1977; Major, 1985; Santos; Leal, 2010). Para uma
palavra alvo com o padrão fraco-forte-fraco (WSW), essa saliência criaria um
padrão WS. Em Inglês (cf. Lunden, 2017) e Holandês (cf. Nooteboom, 1972;
Rietveld; Kerkhoff; Gussenhoven, 2004) tem­se exatamente o contrário: as pós­
acentuadas têm maior duração que as pré-acentuadas. Uma outra pista seriam
as vogais preenchedoras de sílabas átonas. No PB, existem 5 vogais plenas em
sílabas pré­acentuadas ([i,e,a,o,u]) e somente 3 vogais – sempre reduzidas – na
sílaba pós­acentuada final ([ɪ, ɐ, ʊ]) – cf. Camara Jr. (1970). Na literatura sobre o
Português Europeu estes aspectos não são considerados como pistas para o padrão
acentual, dado que tanto sílabas pré como pós-acentuadas reduzem, partilhando o
mesmo sistema de vogais átonas (Mateus; d’Andrade, 2000; Frota et al., 2020 ref-
erem que mais de 90% das vogais em sílaba átona pertencem ao sistema reduzido
[i, ɨ, ɐ, u]) e as diferenças de duração robustas ocorrem entre sílaba acentuada e síl-
abas não acentuadas (Delgado Martins, 1977, 1986). Estas características poderão
explicar as estratégias de apagamento de sílabas átonas na fala infantil, em que o
fator consistente é a preservação da sílaba tônica.
Aquisição da Prosódia no Português 87

Uma outra pista para a marcação paramétrica seria o padrão acentual das pala-
vras familiares (‘baby talk’). Como mencionado, a frequência dos padrões acen-
tuais poderá não explicar o padrão de emergência do acento na produção infantil,
mas parece evidente que as palavras familiares refletem o padrão mais básico da
língua alvo. Em Inglês e Holandês, por exemplo, esse tipo de palavra tem acento na
penúltima sílaba (e.g., Inglês: KItty gatinho, DOggie PUppy cachorrinho; Holan-
dês: KOssies comidinha, SLApie nanar). Em Português Brasileiro, as palavras
familiares têm sempre acento final (xiXI, coCÔ, paPÁ, neNÊ). É verdade que na
fala dirigida à criança existe o recurso frequente ao diminutivo, transformando em
paroxítonas palavras oxítonas (cafeZInho, neneZInho), mas o que mais chama a
atenção, no caso das palavras familiares, é a sua estrutura morfológica. No PB, na
maior parte das palavras terminadas em /a,e,o/, essas vogais são um sufixo marca-
dor de palavra (que pode também trazer a informação do gênero da palavra), sendo
essa vogal apagada na criação de palavras derivadas (e.g., bolo > boloeiro). No
entanto, as palavras familiares não têm essa vogal, logo nas palavras derivadas a
vogal final permanece (veja­se o par: cocô >> cocozada vs. coco (fruta) >> cocada,
mas não *cocozada). Isso significa que as palavras familiares apresentam como
extensão a raiz, sem o marcador de palavra (que é extramétrico nos termos de Lee,
1995), sendo o seu acento atribuído pelo padrão menos marcado da língua (Santos;
Benevides, in press).
Finalmente, os correlatos acústicos para o acento têm também sido apontados
como pistas para o padrão acentual (Frota et al., 2020). Em consonância com a Lei
Iâmbica-Trocaica (Iambic-Trochaic Law, Hayes, 1995), o padrão trocaico é tipica-
mente marcado por pitch e intensidade elevados no primeiro elemento, enquanto o
padrão iâmbico é marcado por duração mais longa no elemento final, constituindo
estes agrupamentos tendências perceptivas tanto em adultos como em crianças
(Bion; Benavides-Varela; Nespor, 2011). Assim, os diferentes padrões acentuais
tendem a ser marcados por correlatos acústicos diferentes (por exemplo, pitch no
Inglês, em que domina o padrão trocaico, e duração no Hebraico, em que domina
o padrão iâmbico; Beckman, 1986; Segal; Kishon-Rabin, 2012; Chrabaszcz et al.,
2014). A relevância da duração como correlato acústico do acento no Português
sugere uma pista que favorece a aquisição do padrão iâmbico (Frota et al., 2020).
No que diz respeito ao uso da proeminência para otimização rítmica, Santos;
Fikkert (2007) investigaram se a proeminência das palavras adjacentes no contexto
em que uma palavra está inserida poderia afetar a realização da palavra. Se fosse
esse o caso, uma palavra alvo com acento inicial antecedida por uma palavra oxí-
tona (e.g., neNÊ GRANde), estaria sujeita à inserção de segmentos para desfazer
o encontro acentual; por outro lado, no caso de uma sequência que criasse lapsos
(isto é, várias sílabas átonas adjacentes, e.g., casa bonita), a criança tenderia a apa-
gar uma sílaba fraca para otimizar o ritmo. Os resultados mostraram que processos
como a mudança acentual, inserção e apagamento de sílabas não foram desen-
cadeados por influência do contexto, ocorrendo independentemente da tonicidade
da sílaba adjacente.
Em resumo, os dados de aquisição do acento no Português, tanto no domínio da
percepção como da produção, apontam para uma vantagem do acento iâmbico em
88 Sónia Frota, Raquel S. Santos

relação ao acento trocaico, possivelmente explicada por um conjunto de caracte-


rísticas acústicas, fonéticas e fonológicas da língua, que singularizam o Português
tanto em relação a línguas como o Inglês e Holandês, como em relação a outras
línguas românicas como o Castelhano e o Catalão.

4 Aquisição da entoação
Tal como o acento, também a melodia da fala, e em particular a entoação, tem sido
apontada como facilitadora da aquisição da linguagem. Os bebês são particular-
mente sensíveis a mudanças nos contornos melódicos (e.g. Trehub; Bull; Thorpe,
1984) e percebem fronteiras prosódicas entoacionais ainda na primeira metade do
primeiro ano de vida (Hirsh-Pasek et al., 1987). As pistas entoacionais, como ver-
emos na Seção 6, facilitam o processamento do sinal de fala em unidades prosódi-
cas que promovem a aprendizagem das palavras e de aspectos da sintaxe (Gervain;
Cristophe; Mazuka, 2020). A anotação entoacional adotada neste capítulo segue a
abordagem autossegmental-métrica da fonologia entoacional (e.g., Ladd, 2008).
Muito poucos estudos investigaram o desenvolvimento da percepção de con-
trastes entoacionais gramaticalmente relevantes, como a distinção entre tipos de
frase/sentença ou a distinção entre foco amplo e foco estreito ou contrastivo (cf.
Frota; Butler, 2018, para uma revisão da literatura). Frota; Butler; Vigário (2014)
investigaram a percepção do contraste entre declarativas e interrogativas sim/não
em enunciados de uma única palavra prosódica em Português Europeu. O con-
traste entre os dois tipos de frase/sentença é um contraste prosódico, marcado pelo
contorno nuclear (i.e., a melodia da sílaba nuclear e sílabas subsequentes) que se
caracteriza por uma melodia descendente na sílaba nuclear (H+L*) seguida de um
contorno baixo na declarativa (L%) e de um contorno ascendente na interroga-
tiva (LH%), que constituem a melodia final do enunciado ou tom de fronteira. Na
abordagem autossegmental-métrica da entoação (Frota, 2014; Frota et al., 2015b;
Frota; Moraes, 2016), o contraste entre as duas melodias é manifestado pelo tom
de fronteira: declarativa, H+L* L% (e.g., Eles casaram.); interrogativa sim/não,
H+L* LH% (e.g., Eles casaram?). Utilizando um paradigma de habituação visual,
os autores demonstraram que tanto aos 5–6 meses como aos 8–9 meses de idade os
bebês discriminaram o contraste prosódico em contextos com variação segmental,
sendo este o primeiro estudo a reportar habilidades precoces de discriminação de
um contraste entoacional. Frota e colegas investigaram igualmente a percepção
de contrastes melódicos não nativos, usando o mesmo paradigma experimental.
O contraste prosódico entre declarativa e interrogativa do PE não foi discrimi-
nado por bebês aprendentes de Inglês, ao contrário de bebês aprendentes de Basco,
mostrando que a sensibilidade aos tons de fronteira é já dependente da língua par-
ticular aos 5 meses de idade (Sundara; Molnar; Frota, 2015). Por outro lado, os
bebês aprendentes de PE mostraram não discriminar contrastes melódicos tonais de
Chinês Mandarim, semelhantes na forma global dos contornos, mas diferentes nas
especificidades da relação entre a melodia e a cadeia segmental (Frota et al., 2016a).
Estes resultados demonstram que a percepção da entoação é não apenas precoce,
mas também específica da língua materna. Todavia, essa habilidade de discriminar
Aquisição da Prosódia no Português 89

contrastes entoacionais nativos não emerge simultaneamente para todos os con-


trastes. Butler; Vigário; Frota (2016) investigaram a percepção da distinção entre
foco amplo (em que toda a informação no enunciado é nova) e foco estreito/con-
trastivo (em que apenas uma parte da informação é nova ou relevante), utilizando
o mesmo paradigma de habituação visual. No PE, esta distinção é marcada pelo
alinhamento contrastivo da descida melódica relativamente à sílaba tônica, ou seja,
pela presença de dois acentos tonais diferentes, H+L* e H*+L respetivamente. Ao
contrário do contraste entre L% e LH%, a distinção de alinhamento tonal apenas
é discriminada aos 12 meses de idade, sugerindo trajetórias de desenvolvimento
diferentes para contrastes entoacionais diferentes.
Os estudos de percepção sugerem que pelo menos alguns aspectos da entoação
sejam precocemente adquiridos também na produção. Gebara (1984) fez o primeiro
estudo sobre a aquisição da entoação do Português Brasileiro. Trabalhando com
dados de produção de duas crianças, a autora delineia a ordem de aquisição do sis-
tema entoacional, do balbucio tardio à produção de enunciados com mais de uma
palavra, relacionando estes contornos com o seu significado funcional, a interação
verbal e a situação de uso. Os resultados indicam que, embora haja um sistema
entoacional em aquisição, não há necessariamente uma isomorfia entre os contor-
nos e seu significado; isto é, um mesmo contorno pode ter mais que um significado
(como, por exemplo, o contorno H !H+L*, utilizado para interrogativas e chama-
mentos) e, por outro lado, um mesmo significado pode ter mais de um contorno (os
contornos L+H* (L%) e H !H+L* são utilizados para interrogativas, por exemplo;
note-se que a autora segue a escola britânica de anotação tonal, tendo a anotação
aqui sido adaptada ao sistema autossegmental-métrico da fonologia entoacional).
Gebara não encontrou preferência por nenhuma forma (simples ou combinada)
nos diversos contornos e não se verificou que os contornos de aquisição posterior
fossem mais complexos. De acordo com Gebara, uma das crianças apresenta um
sistema inicial de contornos entoacionais formado por 4 contornos: dois contornos
descendentes (H+L* L% e L* L%) determinam o contraste entre a fala social e a
fala solitária, respetivamente; e dois contornos ascendentes (L* H H/(L) L* H e
L*+H H%) – os elementos entre parênteses são aqueles opcionais na produção: (L)
L* H pode ser tanto L L* H quanto L* H. o primeiro usado para nomes de pessoa
do círculo familiar e vocativos e o segundo associado a dois vocábulos especí-
ficos no discurso da criança. Posteriormente, esta criança inclui no seu sistema
entoacional um contorno exclamativo (L* H L%), e depois um outro ((L) L H*
(L%)) para pedir informação sobre a localização de algo, confirmação de nomes,
emissão anterior à própria ação, formas infinitivas de verbos, repetição de tópicos
do interlocutor. Entre 1;10 e 2;03, a criança passa a utilizar este contorno com a
função de todos os outros contornos. Já a segunda criança apresenta um sistema
de primeiros tons que incorpora contornos dos adultos: L* L% é usado em formas
primitivas de asserção, falas introspectivas e respostas fáticas; H+L* L% é usado
para localização de objetos, completude de ação lúdica (uma variante é usada para
ordens e asserções firmes, apelo ao envolvimento do interlocutor); H L+H H+L* é
usado para convite para atenção partilhada e surpresa agradável; H !H+L* é usado
para dêixis e questões parciais; H* !H L% é usado para pedidos; H !H* (L%) para
90 Sónia Frota, Raquel S. Santos

vocativos; L+H* (L%) marca manutenção de tópico, permissão e questões polares;


e L*+ !H é usado para enumeração de objetos e coesão em enunciados sucessivos.
A partir de 1;07, a criança incorpora mais 3 contornos: H* L L% é usado para
privação, asserções incompletas ou referência a informação dada; H* L H% para
advertência e concordância firme e definitiva (de extensão de uma sílaba); e H L*
L H% marca expressões interrogativas locativas, fórmulas de convite e pedidos de
permissão (para produções polissilábicas).
Gebara destaca que, no que diz respeito aos aspectos formais, desde o iní-
cio da produção dos enunciados observam-se distinções entoacionais básicas,
estabelecidas com F0, tanto no que diz respeito à direção da curva de altura
(ascendente vs descendente), quanto no âmbito da altura/tessitura (médio-
baixo a baixo vs alto a baixo). Esses contornos entoacionais se estendem por
enunciados monossilábicos até enunciados com sequências de quatro sílabas
(cf. Scarpa; Fernandes-Svartman, 2012). Como os enunciados infantis iniciais
quase nunca são maiores do que uma palavra, Scarpa (1999) levanta a questão
se a proeminência é uma proeminência entoacional ou o acento de palavra. A
autora chama a atenção de que, quando a primeira criança estende o uso de (L)
L H* (L%), preenche o enunciado com uma sílaba para cada tom, fazendo uso
de filler-sounds para preencher segmentalmente esse contorno. Se o alvo tem
menos sílabas, a criança faz uso de oclusivas glotais ou schwa em posição pré-
nuclear. A segunda criança também faz uso de filler-sounds para preenchimento
dos contornos, inicialmente com o contorno H+L* L%, e posteriormente com
todos os outros contornos. Scarpa defende, então, que o uso dos filler-sounds
indica o trabalho com a estrutura do contorno: as crianças elegem um contorno
e trabalham a sua estrutura gramatical prosódica (a formação deste contorno por
sílabas que recebem os tons altos e baixos).
Vasconcelos (2017) investiga os contornos entoacionais de enunciados nega-
tivos de crianças entre 6 e 32 meses, adquirindo o PB. No caso de enunciados
infantis já com conteúdo lexical, estes foram de 3 tipos: com negação pré-verbal (o
João não come carne), pré e pós-verbal (o João não come carne não), e pós-verbal
(O João come carne não). Os contornos entoacionais já apresentam a forma adulta
aos 29 meses de idade. De modo geral, há um alinhamento entre os movimentos
de contorno de F0 e a estrutura sintática da negação, em especial o movimento
ascendente característico dos marcadores de negação. A autora mostra que as crian-
ças têm contornos consistentes para os três tipos de enunciado: no caso de negação
apenas pré-verbal, há um movimento entoacional ascendente-descendente sobre a
partícula negativa; nos casos de duas negações ou negação pós-verbal, pode haver
tom ascendente inicial (facultativo) que se realiza sobre a primeira palavra lexical
ou sobre a primeira partícula negativa, seguido de um plateau medial e um tom
ascendente-descendente sobre a última palavra. A palavra não pós-verbal recebe
proeminência entoacional.
Os primeiros trabalhos sobre a produção da entoação do Português Europeu na
aquisição – Vigário; Frota (1992) e Frota; Vigário (1995) – seguiram uma aborda-
gem baseada na forma global dos contornos melódicos (na linha de Whalen; Levitt;
Wang, 1991). As autoras analisaram os padrões melódicos nas produções de
Aquisição da Prosódia no Português 91

uma criança entre os 6 e os 24 meses de idade, bem como no discurso que lhe é
dirigido pela mãe. As autoras reportam a predominância do contorno descendente
no discurso infantil ao longo de todo o período observado. No discurso dirigido à
criança, pelo contrário, predominam contornos melódicos complexos, com destaque
para o ascendente-descendente. As autoras sugerem que o discurso infantil parece
aproximar-se, desde cedo, dos padrões prosódicos alvo da língua presentes na fala
adulta e não dos contornos específicos do estilo de fala dirigido à criança. Todavia,
esta abordagem não é informativa quanto às propriedades estruturais das melodias
produzidas, não permitindo perceber o desenvolvimento de características funda-
mentais de um sistema entoacional, como os tipos de acentos tonais nucleares e
de tons de fronteira, ou as formas de alinhamento da melodia com a cadeia seg-
mental e as formas de escalonamento dos tons na tessitura tonal. Enquadrado na
abordagem autossegmental-métrica da fonologia entoacional, o estudo de Frota et
al. (2016b) examina estas questões no discurso de duas crianças entre as idades
de 1;00 e 2;04, incluindo as primeiras palavras e enunciados com mais de uma
palavra e considerando o significado e contexto de uso. Uma análise pragmática
mostrou que os enunciados declarativos dominam no discurso de ambas as crian-
ças, que globalmente produzem cerca de 10 tipos de enunciados pragmaticamente
distintos. A produção de enunciados diversos ocorre cedo, por volta de 1;04, e é
acompanhada da presença de diferentes tipos de contornos nucleares (por exem-
plo, o enunciado dá pode constituir um pedido ou uma pergunta, dependendo do
contorno entoacional com que é produzido). Os contornos nucleares declarativos,
quer no caso da declarativa neutra (de foco amplo) quer no caso da declarativa
focalizada (com foco estreito/contrastivo), respetivamente H+L* L% e H*+L L%
e o contorno imperativo associado à expressão da ordem (também H*+L L%) apre-
sentam uma escolha tonal de acordo com a língua alvo logo aos 1;04; os contor-
nos vocativos de chamamento (L+H* !H e L+H* L%) e o contorno interrogativo
(H+L* LH%) são adquiridos de seguida aos 1;06–1;07. O contorno imperativo
associado à expressão do pedido ((H) L* L%) surge posteriormente, pois os enun-
ciados pedido tendem a ser produzidos com o contorno nuclear do chamamento.
Por volta de 1;08, as crianças apresentam um uso dos contornos nucleares da lín-
gua nativa semelhante à fala adulta. Este desenvolvimento precoce da entoação,
quanto ao inventário de acentos tonais e tons de fronteira e às relações entre forma
tonal e significado, precede a emergência dos enunciados de mais de uma palavra
(Frota; Butler, 2018), bem como a aquisição das diferentes categorias de segmentos
(Costa, 2010; Rose; Almeida; Freitas, 2022) ou dos diferentes formatos de palavra
(Correia, 2009; Vigário; Martins; Frota., 2006).
Frota et al. (2016b) reportam que os aspectos mais fonéticos da entoação,
como o alinhamento e o escalonamento tonal são, contudo, desenvolvidos mais
tarde, sendo realizados de acordo com o alvo próximo do final do segundo ano
de vida. Esta diferença entre os padrões fonológicos e os aspectos fonéticos tem
sido também apontada para outras línguas (cf. Frota; Butler, 2018, para uma
revisão recente).
Num estudo sobre as respostas a perguntas confirmativas no discurso de duas
crianças entre 1;07 e 2;08, Mata; Santos (2011) mostram que pelo menos a partir
92 Sónia Frota, Raquel S. Santos

dos 2 anos as crianças são sensíveis ao valor pragmático da pergunta, assinalado


por formas entoacionais diferentes, e ajustam os padrões entoacionais das suas res-
postas à função pragmática da pergunta. Estes resultados sugerem igualmente um
desenvolvimento precoce do sistema entoacional.
O conjunto dos estudos desenvolvidos para o PB e o PE sublinha a emergência
da entoação com as primeiras produções infantis e o seu desenvolvimento rápido
em que vários aspectos da forma fonológica, da relação entre forma e significado
e da implementação fonética assumem as características da língua alvo. Dada a
sensibilidade aos padrões entoacionais da língua durante o primeiro ano de vida
demonstrada nos estudos de percepção, não é surpreendente que aspectos centrais
do sistema entoacional se desenvolvam rapidamente na fala infantil. Por outro lado,
outros aspectos da entoação são de aquisição mais tardia, como a entoação de lista
que ainda não é dominada aos 5 anos de idade (Rattanasone et al., 2021), as com-
petências de desambiguação prosódica de enunciados sintaticamente ambíguos, ou
aspectos da produção do foco e da divisão de enunciados em constituintes prosódi-
cos (Severino, 2016; Filipe et al., 2017).

5 Aquisição da estrutura prosódica


A proeminência e a entoação constituem pistas essenciais para o processamento
do sinal de fala por adultos e crianças, guiando a segmentação lexical e sintática
(Cutler, 1994; Houston et al., 2000; Millotte; Wales; Cristophe, 2007; Christophe
et al., 2008). A distribuição destas pistas no sinal de fala é em grande parte deter-
minada pela estrutura prosódica da língua, ou seja, pelo conjunto de constituintes
prosódicos que organiza as sequências de fala (e.g., Frota, 2000, 2012, 2014;
Tenani, 2002). A forma como a criança adquire a estrutura prosódica tem sido alvo
de debate na literatura (Demuth, 2018; Kehoe, 2018; Vihman, 2018) e carece de
estudos empíricos em diversas línguas. Nesta secção, focamo-nos nos estudos que
examinaram a aquisição da estrutura prosódica no Português, nomeadamente dos
constituintes prosódicos de tipo frásico (sintagma/frase entoacional e sintagma/
frase fonológica) e da palavra prosódica.
Silva; Name (2014) investigaram a sensibilidade de crianças de 13 meses a pis-
tas prosódicas de sintagma/frase entoacional (I) no Português Brasileiro (alonga-
mento, pausa, contorno entoacional descendente, tom de fronteira baixo seguido
de tom com tessitura alta pós-fronteira) para segmentar itens lexicais (e.g., [a sócia
do nosso BARCO]I [fechou contrato com turistas] vs. [a sócia do nosso BAR]I
[COchila durante o trabalho]). Utilizando a técnica de Olhar Preferencial, as
autoras verificaram que, quando as crianças foram familiarizadas com a palavra
bar, a diferença de preferência entre ouvir bar ou barco não foi significativa; mas,
quando familiarizadas com barco, as crianças preferiram significativamente ouvir
o enunciado com a mesma palavra. Segundo as autoras, as propriedades prosódicas
localizadas na fronteira de I são suficientemente fortes para impedir que as crianças
interpretem ‘bar co(chila)’ como a mesma palavra que barco.
A percepção das propriedades prosódicas do sintagma entoacional no Português
Europeu durante o primeiro ano de vida foi investigada em vários estudos. No PE,
Aquisição da Prosódia no Português 93

trabalhos sobre fala adulta indicaram que o alongamento das sílabas acentuada e
pós-acentuada(s) pré-fronteira e o contorno entoacional constituem pistas robustas
para a fronteira deste constituinte prosódico, sendo a pausa uma pista opcional, não
necessária (Frota, 2000; Severino, 2016). Butler; Frota (2018) examinaram o papel
da estrutura prosódica no desenvolvimento das habilidades iniciais de segmentação
de palavras, entre os 4 e os 10 meses de idade. Contrastando pseudo-palavras em
posição final de I e em posição interna (por exemplo, [elas viajavam muito de
FUL]I vs. [eles disseram FUL muitas vezes]I, os autores demonstraram que as habi-
lidades de segmentação estão presentes logo aos 4 meses, mas apenas quando a
palavra ocorre junto à fronteira prosódica final de I. Pelo contrário, a segmen-
tação em posição interna está ainda em desenvolvimento aos 10 meses de idade.
As fronteiras de I estudadas em Butler; Frota são assinaladas por uma combinação
de alongamento final, contorno entoacional descendente e pausa, que constitui a
marcação mais forte da fronteira prosódica. Severino (2016) investigou as habili-
dades de segmentação de palavra junto à fronteira prosódica de I apenas marcada
por alongamento final e movimento de pitch. A autora mostrou que crianças de 12
meses segmentam palavras nesta posição prosódica, mas não palavras em posição
interna de I, sugerindo que nesta idade a pausa não constitui uma pista necessária
para o sintagma entoacional. Em Frota et al. (2019), a sensibilidade de crianças de
9 meses a fronteiras de I sem pausa foi estudada recorrendo a um paradigma de
discriminação implementado com eye-tracking. Os resultados mostraram que as
crianças discriminam enunciados com e sem esta fronteira prosódica, indicando
que são sensíveis à estrutura prosódica em sintagmas entoacionais mesmo na
ausência de pausa. Este conjunto de estudos para o Português revela uma sensibi-
lidade precoce para o constituinte frase/sintagma entoacional.
No domínio da produção, Scarpa (1999) salienta que os primeiros enunciados
infantis são do tamanho de uma palavra e algumas análises erroneamente interpre-
tam a proeminência desses enunciados como sendo a proeminência da palavra. A
autora, analisando dados com filler-sounds, argumenta que as crianças usam esses
sons para completar o contorno entoacional, preenchendo posições silábicas áto-
nas, que portam tom baixo, e que estes contornos infantis têm sempre a proem-
inência à direita. Assim, no período em que o contorno entoacional (L) L H* L é
estendido, palavras como menino são produzidas sem apagamentos ou inserções,
palavras como livro são produzidas como [ə´livʊ], com a inserção do filler-sound
antes da palavra alvo.
Scarpa (1999) discute os tipos de preenchedores fonológicos que as crian-
ças apresentam: os preenchedores iniciais ou preenchedores entoacionais e os
preenchedores tardios ou métricos. Os primeiros apresentam várias formas: (i) a
parte segmental do enunciado é totalmente formada por segmentos vocálicos, com
o contorno entoacional abarcando toda a cadeia segmental; (ii) segmentos vocáli-
cos que ocupam parte do grupo tonal, preenchendo posições pré-nucleares, não
proeminentes. O segundo tipo, constituído por filler-sounds tardios ou métricos, dá
suporte ao ritmo. Este segundo tipo pode ocorrer de duas formas: (i) como vogais
centrais, posteriores ou anteriores combinadas com formas verbais preenchendo em
enunciados pequenos as posições prosódicas fracas (por exemplo, [afeˈso:] fechou);
94 Sónia Frota, Raquel S. Santos

(ii) ou segmentos vocálicos que aparecem juntamente com vários outros ajustes
prosódicos (falsos começos, inserção, repetição de sílabas, aumento na duração de
vogais) em enunciados mais longos (por exemplo, [xaˈada] roda). A autora conclui
que as crianças observadas projetam a estrutura métrica de domínios prosódicos
superiores (que têm sua proeminência de duração, intensidade e frequência, em
Português, à direita) sobre a regra de acento de palavra do sistema linguístico do
adulto (que tem esta proeminência em posição não final). Sílabas de tom baixo
são também computadas como fracas e sílabas entoacionalmente proeminentes
e de tom alto são interpretadas como fortes. Em Santos (2001) é defendido que
nas primeiras palavras infantis têm-se proeminências entoacionais e que as crian-
ças posteriormente reanalisam as proeminências entoacionais como proeminências
de palavra, ou seja, os primeiros enunciados infantis constituem sintagmas/frases
entoacionais. Isto é, o contorno (L) H* L é reinterpretado posteriormente como uma
palavra trissilábica paroxítona WSW. Após esta reanálise, a criança deixa de utilizar
filler-sounds e passa a permitir movimentos tonais em uma única sílaba.
Num estudo sobre o desenvolvimento da estrutura prosódica no Português
Europeu com base em evidência entoacional e duracional, Frota et al. (2016b)
examinaram a natureza prosódica de enunciados produzidos entre 1;00 e 2;04
como sintagmas entoacionais e/ou palavras prosódicas e determinaram se os ele-
mentos contidos num enunciado são agrupados no mesmo constituinte prosódico
ou fraseados separadamente em constituintes diferentes. A distribuição de acentos
tonais e a análise do contorno entoacional revelam que, nas primeiras produções
infantis, cada sílaba forma um sintagma entoacional (por exemplo, o alvo Tatá é
produzido como [ˈkɐ ˈtɐ] e cada sílaba recebe o contorno declarativo neutro H+L*
L%). Assim, no estágio inicial de desenvolvimento da estrutura prosódica no PE,
o sintagma entoacional (e a palavra) é constituído por uma sílaba. Num estágio
seguinte, este constituinte prosódico é formado por várias sílabas da mesma palavra
(ou seja, o alvo Tatá é produzido como [taˈta], com um único contorno entoacional
H+L* L%). Neste estágio, cada palavra forma um sintagma entoacional, apre-
sentando um acento tonal e um tom de fronteira e sendo seguida de pausa e de
pitch reset. No último estágio (após 1;09), várias palavras surgem integradas no
mesmo sintagma entoacional. Neste último estágio, a emergência do alongamento
pré-fronteira constitui uma pista adicional para o fraseamento dos enunciados em
sintagmas entoacionais. Num estudo detalhado dos padrões de duração como evi-
dência para o desenvolvimento da estrutura prosódica, Matos (2021) confirmou os
estágios de aquisição atrás descritos. Ao comparar a fala infantil com a fala dirigida
à criança, o autor concluiu que as características prosódicas de uma e outra são
divergentes, evoluindo a primeira no sentido de se aproximar dos padrões tempo-
rais da segunda.
É sabido que o lugar dos segmentos na estrutura prosódica pode afetar a forma
como eles são realizados, dando origem a fenômenos de sândi (e.g., Nespor; Vogel,
2007). Assim, os trabalhos sobre aquisição do sândi vocálico externo também
permitem observar a aquisição da frase ou sintagma entoacional. No Português
Brasileiro, os processos de elisão, ditongação e degeminação ocorrem opcional-
mente entre palavras (cf. Tenani, 2002; Santos, 2007) e, enquanto a ditongação
Aquisição da Prosódia no Português 95

e degeminação ocorrem também dentro de palavra (piano > [pjã]no; álcool


> ál[kow]), a elisão só ocorre entre palavras (casa horrorosa > ca[zo]rrorosa,
ca[zaw]rrorosa). Tal como no PE, os três processos são bloqueados quando há uma
proeminência de nível entoacional envolvida (e.g., uva ótima > *u[vɔ]tima; uva
ótima demais > u[vɔ]tima demais) – cf. Bisol, 2003; Frota, 2000). Abaurre; Galves;
Scarpa (1999) e Komatsu; Santos (2007) chamam a atenção para a estabilidade da
proeminência entoacional e defendem que as crianças por volta dos 30 meses apli-
cam as regras de sândi para uma otimização rítmica. Todavia, Santos (2007) refere
que nem todos os enunciados infantis visam a essa otimização, uma vez que as
crianças podem criar enunciados com encontros acentuais, ou modificam enuncia-
dos que já eram ritmicamente ótimos. Mas Santos mostra também que a aquisição
dessas regras não se dá por influência da quantidade de aplicação desses processos
na fala adulta, mas antes é modulada pela estrutura silábica a que a criança tem
acesso. Especificamente, a criança aplica mais elisão do que ditongação no princí-
pio da aquisição não para evitar a ditongação, mas porque, naquele momento, ainda
não está disponível a estrutura silábica de ataque e núcleo ramificados, que permite
ditongos crescentes e decrescentes, respetivamente. Quando essas sílabas começam
a aparecer na fala infantil, o processo de ditongação também se torna mais produ-
tivo. Mas se a proeminência entoacional é respeitada, o mesmo não ocorre com as
proeminências de níveis inferiores: na fala adulta, a elisão e a degeminação não
ocorrem se a primeira sílaba tiver acento primário. No entanto, as crianças apli-
cam os processos mesmo assim. Analisando dados da elisão em crianças de 12 a
42 meses, Santos (2007, 2021) mostra que os resultados diferentes do adulto não
se devem a uma instabilidade dos níveis prosódicos mais baixos, mas ao facto de,
para além de a criança ter de aprender os termos das regras (na elisão, a primeira
vogal é [+posterior] e [átona], a segunda vogal pode ter qualquer qualidade e pode,
no máximo, receber acento de palavra), tem também que aprender a ordem destes
termos, e essas duas informações não são concomitantes. Quando a criança, em um
determinado momento, aplica a regra se houver uma vogal átona, mesmo que essa
vogal não seja a primeira, aplicará o processo com a primeira vogal com acento
primário, já que esse acento é permitido (cf. [não tou enxugando você]I [nãw.’to.
ʃu.’gã.du], aos 2;10). Somente em um momento posterior da aquisição é que a
posição dos termos das regras é adquirida. Santos investiga se as regras de elisão e
degeminação ocorrem também para evitar a estrutura silábica sem ataque. Os resul-
tados mostram que não é este o caso, mas que os casos de apagamento favorecem
uma estrutura dissilábica da palavra.
No Português Europeu, o domínio de aplicação dos fenômenos de sândi externo
é o sintagma entoacional, pois os fenômenos são bloqueados na fronteira deste
constituinte prosódico (Frota, 2000, 2014). No caso do sândi consonântico externo,
a sua aquisição relaciona-se com a aquisição do constituinte silábico coda (Freitas,
1997). Jordão (2009) e Jordão; Frota (2010) mostram que a aquisição da coda pode
depender da estrutura prosódica superior, nomeadamente do sintagma fonológico,
dado que as estratégias de reparação para o segmento em coda no discurso da cri-
ança analisada ocorrem dominantemente em posição final de sintagma entoacional
(e.g., [ˈkɛɾu deˈtami // ˈkeɾu deˈtai] [quero deitar­me]I [quero deitar]I 2;11) e a
96 Sónia Frota, Raquel S. Santos

produção da coda emerge na fronteira deste constituinte prosódico (cf., [ˈvɐmu


buˈkɐ ɐ lɐ̃ˈtɛnɐʃ] [vamos buscar as lanternas]I 3;02). Malho; Correia; Frota
(2017) estudaram a aquisição de sândi consonântico externo entre 2;04 e 4;00 nas
produções da mesma criança observada nos trabalhos de Jordão. As autoras con-
firmam que o sândi consonântico ocorre dentro do sintagma entoacional e a sua
aquisição está intimamente ligada à aquisição da coda.
O estudo da aquisição de níveis prosódicos intermédios, na produção, é difícil,
pois a sua constituição depende também de informações de outros componentes
gramaticais que ainda estão em processo de aquisição. A frase fonológica ou sin-
tagma fonológico é o nível onde são computadas informações sintáticas – os sin-
tagmas sintáticos e as relações núcleo-complemento, sendo o Português uma língua
que permite a reestruturação de frases/sintagmas fonológicos (cf. Abousalh, 1997;
Frota, 2000). Como falar de frase fonológica quando a criança só produz enuncia-
dos de uma palavra e como distinguir a frase fonológica da frase entoacional?
Moraes (2006) investigou se a retração acentual, processo opcional no Por-
tuguês Brasileiro dentro da frase fonológica, assim como o alongamento da síl-
aba, ocorrem na fala infantil para desfazer encontros acentuais. Na fala adulta, o
parâmetro da duração é o principal correlato acústico do acento primário (Moraes,
1987; Barbosa, 2001; Madureira, 2002). Foi realizado um estudo experimental
de produção com uma criança de 5 anos (idade em que a criança já adquiriu o
sândi externo), com pares de enunciados como eu comi bolo de chocolate (com
encontro acentual) versus eu comi bola cha de morango (sem encontro acentual).
A autora comparou a duração da primeira e segunda vogais da primeira palavra
do contexto relevante (e.g., comi) nos enunciados com e sem encontro acentual. A
maior duração da sílaba pré-acentuada em enunciados com encontro acentual indi-
caria a retração acentual, enquanto que a maior duração da sílaba acentuada neste
mesmo tipo de enunciado indicaria a estratégia de alongamento, também utilizada,
na fala adulta, para solucionar casos de encontro acentual (cf. Abousalh, 1997). No
caso da análise da frequência fundamental, se a vogal pré-acentuada em contexto
de encontro acentual apresenta maior inflexão de F0, este dado seria interpretado
como aplicação da regra de retração, assim como se a vogal acentuada em contexto
de encontro acentual apresentasse menor inflexão de F0 do que a mesma vogal em
contexto sem encontro acentual. Os resultados mostram que não houve diferenças
significativas em nenhum dos contextos analisados, de forma que Moraes conclui
que a criança não utilizou essas estratégias no âmbito da frase fonológica. Todavia,
estudos prosódicos de percepção têm mostrado o uso de informações desse nível
prosódico já desde bem cedo.
Laguardia (2016) observou se crianças Brasileiras de 11 meses percebiam
pistas prosódicas para elementos relacionados entre si em uma configuração de
dependências não-adjacentes. Para esse efeito, utilizando a técnica de Olhar Pref-
erencial, criou duas condições: Adjetivo ([essa dabo mu nil]ɸ com relação con-
gruente entre o pronome e o substantivo versus [seu dabo mu nil]ɸ com relação
incongruente entre o pronome e o substantivo) e Verbo ([essa dabo ]ɸ [munil]
ɸ condição congruente entre pronome e substantivo versus [seu dabo ]ɸ [munil]
ɸ relação incongruente entre o pronome e o substantivo). Na primeira condição,
Aquisição da Prosódia no Português 97

munil é um adjetivo, que se encontra na mesma frase fonológica que dabo, não
estando, assim, em fronteira de frase fonológica. Na segunda condição, munil é um
verbo e dabo está na fronteira de uma frase fonológica. Os resultados mostraram
que somente para a condição verbo as crianças de 11 meses apresentaram uma
diferença estatisticamente significativa entre as sentenças congruente e não con-
gruente, devida às pistas prosódicas encontradas pela criança na condição verbo e
ausentes na condição adjetivo: na condição verbo, a sílaba final de dabo está em
fronteira de frase fonológica, enquanto que na condição adjetivo, a fronteira máx-
ima é de nível prosódico inferior. A autora sugere que o alinhamento entre fron-
teira sintática e fronteira de frase fonológica facilita a abstração e generalização
de dependências não adjacentes. Na mesma linha, Matsuoka (2007) investigou se
as crianças de 2 a 3 anos usam informações prosódicas para a aquisição lexical de
adjetivos. A autora criou três condições em que o adjetivo formava, com um sub-
stantivo, uma frase fonológica reestruturada: nome comum seguido de pseudopa-
lavra com função de adjetivo (peixe betujo); nome vago seguido de pseudopalavra
com função de adjetivo (uma coisa tapoja); e nome vago seguido de pseudopa-
lavra com função de adjetivo, com realce prosódico (um negócio FUPACO). A
primeira condição controlava a influência do tipo de substantivo. Os resultados
foram estatisticamente significativos para as duas últimas condições, indicando que
a ênfase prosódica na altura e na duração da pseudopalavra dava condições para um
mapeamento do adjetivo e que as crianças de 2 e 3 anos são sensíveis ao envelope
prosódico da frase fonológica.
As evidências para a frase ou sintagma fonológico no Português Europeu são
bem mais subtis do que no PB (Frota; Vigário, 2000; Tenani, 2002; Frota, 2014).
Dado o estatuto deste constituinte prosódico na fala adulta, a questão da sua
aquisição é extremamente difícil de estudar. Jordão (2009) e Jordão; Frota (2010)
investigaram o seu eventual papel na aquisição da coda, concluindo que, ao con-
trário do sintagma entoacional, o sintagma fonológico não desempenha um papel
relevante. Malho; Correia; Frota (2017) encontraram diferenças na aquisição
de sândi externo no domínio interno a I que distinguem o contexto prosódico
entre sintagma fonológico (com aquisição de sândi mais tardia) de contextos
prosódicos dentro de sintagma fonológico (onde começa a aquisição de sândi
consonântico).
Entre a frase ou sintagma fonológico e a palavra prosódica existe um nível da
hierarquia prosódica que tem merecido designações e análises divergentes na lite-
ratura: Grupo de Palavra Prosódica (Vigário, 2010; Vigário; Fernandes-Svartman,
2010), Grupo Compósito (Vogel, 2009), ou Grupo Clítico (Nespor; Vogel, 2007).
Dependendo das línguas, este nível prosódico é particularmente relevante para a
prosodização de sequências que apresentam composição morfológica ou sintática
e/ou de sequências que envolvem uma palavra prosódica e elementos clíticos (cf.,
Santos; Vigário, 2016; Vigário, 2021, para revisões da literatura recentes sobre
o Português). No que respeita aos elementos de tipo clítico, a literatura sobre
aquisição relata a ocorrência de segmentos preenchendo posições silábicas fracas
e ou os analisa como place-holders (guardadores de lugar de posições sintáticas –
cf. Peters; Menn, 1993), ou como filler-sounds (preenchedores fonológicos, cf.
98 Sónia Frota, Raquel S. Santos

Scarpa, 1999). Santos (1995), fazendo um levantamento das posições em que estes
fillers aparecem e das categorias gramaticais a que eles vêm associados no Portu-
guês Brasileiro, mostra que eles são inicialmente produzidos antes de diferentes
palavras lexicais. Em um segundo momento, alguns deles desaparecem, enquanto
outros são posteriormente reanalisados pelas crianças, deixando de ser preenche-
dores fonológicos para serem preenchedores de categorias gramaticais, de clíti-
cos fonológicos (como determinantes e pronomes) – neste segundo momento, eles
passam a preceder apenas nomes e verbos (cf. [ala’ãʒa] a laranja). No Português
Europeu, a ocorrência de fillers na produção inicial de palavras tem sido analisada
como respondendo a um formato prosódico superior ao da palavra (Freitas, 1996;
Freitas; Miguel, 1998). Estes elementos ocorrem independentemente da catego-
ria lexical da palavra (nome, verbo, advérbio, pronome) e do tamanho da palavra
na produção da criança e são opcionais, dado que produções com e sem fillers
ocorrem no mesmo estágio (por exemplo, [ɔˈbɔːtɐ] boca, [oˈɔʎɐ] olha, [ɨˈnɐ] não,
[ɐˈitu] isto – Vigário; Martins; Frota, 2006). Em estágios posteriores, é sugerido
que as posições pré-nominais evoluem para categorias morfossintácticas (deter-
minantes). Malho; Correia; Frota (2017), no seu estudo sobre aquisição de sândi
externo consonântico, verificaram que a aquisição de sândi se desenvolve inicial-
mente no contexto entre clítico e palavra, contexto que tem sido analisado no PE
como sendo interno à palavra prosódica e externo ao grupo de palavra prosódica
(Vigário, 2003). Segue-se, na ordem de aquisição, a aquisição de sândi entre pala-
vras prosódicas.
Estudos de sintaxe também podem oferecer evidência para o nível prosódico
que envolve a prosodização dos clíticos. Pedott et al. (2014) mostram, para o
PB, que crianças de 7 anos fazem pausas silenciosas significativamente diferen­
tes precedendo clíticos (o que as autoras descrevem como palavras de classe
fechada: artigos, pronomes, conjunções) ou precedendo palavras prosódicas (as
palavras de classe aberta: adjetivos, verbos, advérbios). Este resultado mostra
uma fronteira maior entre grupos clíticos do que dentro de um grupo clítico (entre
o clítico e a palavra).
No que respeita à prosodização de sequências que apresentam composição
morfológica ou sintática, o estudo de Vigário; Garcia (2012) sugere alguns dados
interessantes. As autoras investigam o desenvolvimento de palavras complexas nos
primeiros estágios de aquisição do Português Europeu. Os resultados mostram que
no início da produção de palavras complexas surgem simultaneamente formas deri-
vadas, compostas e formas com sufixação z­avaliativa, ao contrário do que a frequên-
cia na língua fazia prever, dado que as formas derivadas são muito mais frequentes
no input do que as restantes. A estrutura prosódica poderá ter impacto nos padrões
de desenvolvimento das palavras complexas, pois as formas compostas e com o
sufixo z­avaliativo constituem um grupo de palavra prosódica (ou seja, duas pala-
vras prosódicas (w) integradas no mesmo constituinte imediatamente superior, como
guarda-chuva [ˈadɐ]w [ˈfuvɐ]w, ou chuchinha [ˈʃuʃɐ]w [ˈziɲɐ]w), facilitando este for-
mato prosódico a produção de tipos de palavra complexa menos frequentes na língua.
Como mencionado na Seção 3 deste capítulo, falar de palavra prosódica sig-
nifica falar de proeminência e de tamanho prosódico, além, é claro, de processos
Aquisição da Prosódia no Português 99

específicos deste domínio. Aqui, tratamos dos dois últimos aspectos. Alguns estu-
dos sobre aquisição fonológica argumentam que a palavra prosódica tem o seguinte
desenvolvimento quanto ao seu tamanho, decorrente de uma marcação paramé-
trica quanto a requisitos de minimalidade e maximalidade: monossílabo >> palavra
mínima (pé bimoraico) >> 1 pé dissilábico >> 2 pés >> tamanho na fala adulta
(Demuth, 1995). Os estudos sobre o Português mostram que o segundo momento
não é encontrado nesta língua (o que está de acordo com a descrição de que o Por-
tuguês não é uma língua sensível ao peso silábico).
Santos (2001, 2007) analisou a emergência de palavras na fala infantil no Por-
tuguês Brasileiro, tendo em conta os principais padrões prosódicos da fala adulta.
A interação entre a quantidade de sílabas e a posição da sílaba acentuada desenha o
desenvolvimento descrito na Tabela 4.1 (‘s’ marca a sílaba acentuada, ‘w’ a sílaba
átona; os padrões em maiúscula são os mais frequentes).

Tabela 4.1 Desenvolvimento do formato de palavra no PB, segundo Santos (2001, 2007)

Forma Prosódica Alvo 1o. Momento 2o. Momento 3o. Momento

SW (carro) SW, s, ws SW (correto)


WS (chapéu) WS, s WS (correto)
WSW (boneca) WS, sw, s WSW, SW, ws, s WSW (correto)
S (pé) S, ws S (correto)

Baia (2012) defende que a criança utiliza templates, padrões fonológicos para a
quantidade de sílabas, estrutura silábica e posição de acento (assim como para
aspectos segmentais, como os traços dos segmentos, que direcionariam a harmo-
nia vocálica ou consonantal), e esses padrões facilitariam a expansão do léxico
(cf. também Oliveira-Guimarães, 2012). O desenvolvimento do formato da pala-
vra prosódica foi estudado em Vigário; Martins; Frota (2006), para o Português
Europeu, em dados de três crianças. Contrariamente ao PB, as formas monossilábi-
cas CV são produzidas de acordo com o alvo logo no início da produção de palavras.
As formas CVC, pelo contrário, são reduzidas a CV. Os alvos dissilábicos, tanto
SW como WS, são maioritariamente truncados para CV, podendo, todavia, ocorrer
produções dissilábicas. Frota et al. (2016b), ao analisarem as produções dissilábicas
iniciais do ponto de vista prosódico, concluíram que estas correspondem a duas e
não a uma palavra prosódica, pois apresentam um acento tonal em cada sílaba (cf. a
descrição acima sobre a aquisição do sintagma entoacional). Estes dados reforçam
o formato CV para alvos dissilábicos no estágio inicial. Note-se que as produções
truncadas para CV perduram até estágios tardios. As palavras trissilábicas (WSW)
são incialmente reduzidas para monossílabos e num estágio seguinte para dissílabos,
tanto com formato SW como WS (com variação no formato predominante entre cri-
anças). O formato WSW é adquirido cedo no desenvolvimento fonológico (entre os
17 e os 19 meses de idade). As autoras concluem que o desenvolvimento da palavra
prosódica no PE não está sujeito a requisitos de minimalidade ou de maximalidade.
Estes padrões de desenvolvimento são confirmados em dados de cinco crianças em
100 Sónia Frota, Raquel S. Santos

Correia (2009), que sublinha a variabilidade entre crianças quanto à preferência pelo
formato SW ou WS. Constituem, assim, diferenças entre o PE e o PB o domínio de
formas monossilábicas CV no primeiro estágio de aquisição e a frequência destas
formas em estágios posteriores, a grande variabilidade nos formatos SW e WS sem
dominância clara e a aquisição precoce do formato WSW.
Além da discussão sobre evidências para os níveis da estrutura prosódica na fala
das crianças e a descrição das características de cada constituinte prosódico, uma
importante questão que se coloca é como se dá a aquisição da estrutura prosódica,
assumindo-se que os níveis prosódicos são hierarquizados. Scarpa (1997) argumenta,
a partir dos resultados dos seus estudos sobre o contorno entoacional, inserção de
preenchedores fonológicos e regras de sândi externo no Português Brasileiro, que
as crianças trabalham com os níveis prosódicos de uma maneira top-down, a partir
da frase ou sintagma entoacional em direção aos níveis mais baixos da hierarquia.
Visão contrária tem Payão (2010), para quem as crianças são atraídas em um enun-
ciado para a sílaba portadora da proeminência entoacional e daí vão desenvolvendo
os níveis prosódicos, num trabalho bottom-up. Santos (2001) também defende que
o início do processo se dá no nível entoacional, mas posteriormente, para adquirir o
acento, a criança parte para o trabalho com a sílaba e a palavra prosódica. Assim, o
início do processo seria no nível mais alto, mas não seria um caminho de ‘descida’ nos
níveis prosódicos. Frota et al. (2016b), no seu estudo sobre a aquisição da estrutura
prosódica no Português Europeu com base em evidência entoacional e duracional,
apresentam uma visão diferente. Na linha de sugestões preliminares em Frota; Vigário
(2008), Frota; Matos (2009) e Vigário; Frota; Matos (2011), os autores propõem que
o desenvolvimento da estrutura prosódica ocorre através de um processo de ‘desdo-
bramento’ de constituintes prosódicos (unfolding hypothesis). Três etapas, ou estágios
de desenvolvimento são descritos. No momento inicial, níveis prosódicos chave como
o sintagma entoacional, a palavra prosódica e a sílaba encontram-se alinhados, sendo
coincidentes (ou coextensivos). Assim, no momento inicial a unidade de produção
consiste num sintagma entoacional de uma única palavra prosódica de uma única síl-
aba. Na etapa seguinte, dá-se um desdobramento da sílaba e da palavra prosódica, que
deixam de estar alinhados, permitindo sintagmas entoacionais de uma única palavra
prosódica com mais de uma sílaba. Finalmente, dá-se um desdobramento do nível
frásico e da palavra prosódica, permitindo sintagmas entoacionais de mais de uma
palavra prosódica. Os autores sugerem que diferentes línguas podem escolher difer-
entes unidades prosódicas para o alinhamento no estádio inicial, ou incluir estágios
intermédios de ‘desdobramento’: por exemplo, em línguas como o Inglês ou Holan-
dês, o estágio inicial poderá corresponder a um sintagma entoacional de uma única
palavra prosódica de um pé (bimoraico ou dissilábico); uma outra possibilidade seria
a existência de uma etapa intermédia com o ‘desdobramento’ da sílaba e do pé. Uma
compreensão cabal do processo de aquisição da estrutura prosódica requer futuros
estudos empíricos, nomeadamente numa perspectiva interlinguística.

6 Conclusão e direções futuras de investigação


Este capítulo apresenta uma síntese do estado da arte quanto à aquisição da
prosódia no Português, com base em dados do Português Europeu e do Português
Aquisição da Prosódia no Português 101

Brasileiro, tanto de percepção como de produção. Face à divergência entre PE


e PB em relação a aspectos da prosódia da palavra, do ritmo, da entoação e da
estrutura prosódica (ver Seção 2), é espectável que a aquisição da prosódia nestas
variedades do Português possa apresentar padrões semelhantes a par de padrões
distintos.
Os dados de produção do acento nas primeiras palavras mostram a presença
de estratégias que conduzem tanto a formatos iâmbicos, como trocaicos, talvez
com a prevalência dos primeiros (mas com variação entre crianças, tanto no PE
como PB). Assim, os dados de aquisição do acento no Português convergem no
sentido de uma vantagem do acento iâmbico, ou de valor default inicial, não
suportando a hipótese de um bias inicial trocaico. A meio do primeiro ano de
vida, os bebês aprendentes de PE demonstram possuir a habilidade de distin-
guir padrões acentuais, com preferência pelo padrão iâmbico. Não há estudos
sobre a percepção do acento em bebês aprendentes de PB, não se sabendo assim
se no primeiro ano de vida existe já discriminação acentual e se existe prefer-
ência por algum dos padrões acentuais. Em todo caso, os dados de percepção
do PE sugerem que o processo de aquisição do acento já estará em curso no
primeiro ano de vida. Os estudos de produção da entoação apontam a emergência
da entoação com as primeiras produções infantis e o seu desenvolvimento rápido
no sentido das características da língua alvo. Entre os poucos estudos sobre
percepção da entoação, não se registram trabalhos com bebês aprendentes de
Português Brasileiro. Esses trabalhos seriam informativos quanto à natureza dos
contrastes entoacionais precocemente percebidos numa variedade com grande
densidade de eventos tonais e assim contornos entoacionais mais complexos do
que o PE. No que respeita à estrutura prosódica, e apesar do conjunto de estu-
dos já realizados, muitas questões ainda se colocam. As pistas para sintagma
entoacional, sintagma fonológico e palavra prosódica diferem substancialmente
entre PE e PB e não é claro em que medida essas diferenças têm impacto na
aquisição dos vários constituintes prosódicos. Finalmente, o processo como as
crianças desenvolvem a hierarquia prosódica tem sido alvo de diferentes propos-
tas, sendo necessários estudos empíricos, em particular de natureza experimental
numa perspectiva comparativa, para uma melhor compreensão da aquisição da
estrutura prosódica no Português. Finalmente, dadas as características prosódicas
do Português Europeu (menos alinhado com as restantes línguas românicas e
mais próximo de línguas germânicas em algumas propriedades) e do Português
Brasileiro (mais alinhado com as restantes línguas românicas; cf. Vigário, 2003;
Frota, 2014; Frota; Moraes, 2016), estes estudos seriam de grande interesse para
a aquisição da prosódia no âmbito das línguas românicas, em contraste com as
línguas germânicas.

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5 Relação entre produção e percepção das
líquidas no Português
Dados de aquisição de L1 e L2

Larissa Cristina Berti1, Chao Zhou2

Resumo
A existência da relação entre produção e percepção de fala já é bem estabelecida
na literatura. Entretanto, a natureza desta relação permanece obscura. Há autores
que defendem que a habilidade de percepção antecede a produção, enquanto outros
autores advogam que a relação entre produção e percepção codesenvolve-se. O
presente capítulo abordará a relação entre a produção e a percepção de fala envolv-
endo as líquidas alveolares no Português, tanto no contexto da aquisição fonológica
atípica (L1), quanto no contexto de aquisição fonológica de L2. Dados advindos
de experimentos de produção (tarefa de nomeação) e de percepção (tarefas de dis-
criminação e de identificação) serão apresentados. Além de contribuições para o
estudo da relação entre produção e percepção da fala, também se esperam con-
tribuições para intervenções clínicas das crianças com Distúrbio Fonológico (L1) e
para questões metodológicas dos estudos sobre a aquisição fonológica de L2.

Palavras-chave: Percepção de fala; Produção de fala; Aquisição fonológica

1 Introdução
Dentre as teorias sobre a percepção de fala, a Teoria Motora de Percepção de Fala
(Liberman; Mattingly, 1985; Galantucci et al., 2006) é aquela que declaradamente
explicita a relação entre produção e percepção de fala. Uma das principais ale-
gações da Teoria Motora da Percepção de Fala é a de que a produção e a percepção
envolvem um mecanismo comum no qual o sistema motor é recrutado durante o
processo de percepção de fala (Liberman; Mattingly, 1985, 238).
Na versão da Teoria Motora Revisada (Galantucci et al., 2006, 371) uma série
de evidências empíricas são apresentadas para sustentar o fato de que perceber a
fala envolve o sistema motor. Achados, sobretudo de estudos neurofisiológicos,
sobre a existência de um conjunto comum de mecanismos cerebrais que subjazem
tanto às funções da percepção quanto da produção de fala têm fortemente sugerido
a existência de um forte elo entre produção e percepção.
A maior parte desses achados diz respeito às evidências cerebrais de que a per-
cepção da fala ativa representações de ações compatíveis com o input recebido;

DOI: 10.4324/9781003294344-7
Relação entre produção e percepção das líquidas no Português 111

isso significa dizer que o sistema motor seria acessado on line durante a percepção
de fala (Galantucci et al., 2006).
Destaca-se, no entanto, que dados empíricos advindos de pesquisas tanto na
área de aquisição de L1, sobretudo no contexto atípico de desenvolvimento, ou
seja, particularmente aquelas envolvendo crianças com Distúrbio Fonológico
(DF);3 como também na área de aquisição de L2, nem sempre têm corroborado a
existência desse forte elo entre produção e percepção de fala.
Na discussão deste tema, o presente capítulo está dividido em seis seções,
incluindo-se a introdução. Primeiramente, são sintetizados os principais estudos
tanto de aquisição de L1 quanto de L2 que investigam a relação entre produção e
percepção de fala. Nas duas seções seguintes, 3 e 4, respectivamente, são apresen-
tados dois estudos sobre a relação entre produção e percepção de fala das líquidas
do Português Brasileiro (PB) e do Português Europeu (PE). Discute-se, na seção
5, as assimetrias entre a produção e a percepção das líquidas no PB e no PE e, por
fim, na seção 6, apresentam­se as implicações dos resultados reportados não apenas
para os modelos teóricos sobre a percepção de fala, como também para a atuação
clínica e para os aspectos metodológicos das investigações em L2.

2 Sobre a relação entre produção e percepção de fala no PB e no PE

Os estudos na área de aquisição de L1 que investigam a relação entre produção e


percepção têm apresentado resultados bastante divergentes. Em síntese, observam-
se três vertentes de resultados.
Tratando­se de crianças com DF, alguns autores afirmam que a percepção dos
sons da fala pelas crianças é uma variável crítica que influencia na maneira como
esses sons são produzidos, isto é, a habilidade perceptual em crianças com DF
exerce influência em sua habilidade de produzir a fala (Rvachew; Jamielson, 1989;
Munson; Edwards; Beckman, 2005; Nijland, 2009; Cabbage; Hogan; Carrell,
2016); por outro lado, outros autores asseguram que há pouca evidência empírica
para sustentar a alegação de que crianças com DF são deficientes na habilidade de
perceber os sons da fala (Locke, 1980; Bird; Bishop, 1992; Nagao et al., 2012).
Uma terceira vertente de resultados tem destacado que crianças com DF apresen-
tam um desempenho perceptivo-auditivo distinto daquelas com desenvolvimento
típico de linguagem e, ainda, embora possa ser observada uma relação (correlação)
entre o desempenho de produção e percepção em crianças com DF, essa relação não
é linear nem unívoca (Hearnshaw et al., 2018, Berti et al., 2020; Berti et al., 2022).
Particularmente, Berti et al., (2022) chamam a atenção para a importância de
se considerar não apenas o desempenho perceptivo-auditivo de crianças com DF
em relação à fala típica, mas também considerar o desempenho dessas crianças em
relação à fala atípica (suas próprias produções), uma vez que elas podem ter dificul-
dades justamente para perceberem a fala atípica, ou seja, as suas próprias produções.
Ao tratar-se da aquisição de L2, embora os modelos teóricos mais citados na
literatura da área assumam, de forma explícita ou implícita, uma estreita correlação
entre a percepção e a produção da fala em L2, de forma análoga às observações
112 Larissa Cristina Berti, Chao Zhou

relativas à aquisição de L1, os dados empíricos têm apontado para uma interação
complexa e dinâmica entre duas modalidades da fala.
O Speech Learning Model (Flege, 1995) advoga que a perceção constitui um
pré­requisito para a produção correta em L2. Especificamente, a produção de
um som da L2 corresponderá às propriedades especificadas na sua representação
mental, construída através da categorização perceptiva. Numa versão revisada,
O Speech Learning Model-r (Flege; Bohn, 2021) abandona a precedência entre a
perceção e a produção na aquisição das categorias sonoras de L2, mas continua a
defender que as duas modalidades da fala se codesenvolvem.
O Perceptual Assimilation Model-L2 (Best; Tyler, 2007) adota até uma visão
mais extremada, assumindo a existência da estrita correlação entre duas modali-
dades, uma vez que este modelo foi desenvolvido com base na Teoria Motora de
Percepção de fala (Liberman; Mattingly, 1985), segundo a qual os primitivos na
produção da fala (gestos articulatórios) são também extraídos a partir do input
auditivo no processo percetivo, como discutido no início desta seção.
Dois tipos de evidência a favor da especulação destes dois modelos podem-se
encontrar na literatura (veja Bohn, 2017; Thomson, 2022 para revisões). Por um lado,
as taxas de acerto obtidas por aprendentes de L2 numa tarefa perceptiva muitas vezes
correlacionam-se de forma positiva com o seu desempenho numa experiência de
produção (Bion et al., 2006; Rauber; A. Rato; Silva, 2010; Brunner et al., 2011). Por
outro lado, o ganho no treino fonético sobre uma modalidade é também evidente na
outra modalidade não treinada. Nomeadamente, a melhoria da competência percep-
tiva, depois do treino fonético que apenas se destina à percepção de L2, também leva
ao aperfeiçoamento na produção oral de L2 (Rato, 2014; Sakai; Moorman, 2017).
No entanto, um número crescente de estudos tem apresentado dados contra-
ditórios, indicando que as produções de aprendentes não nativos podem não se
espelhar no seu desempenho perceptivo (e.g. Sakai, 2016; Baese-Berk, 2019; de
Leeuw et al., 2019). Um conjunto de estudos recentes até sugere que a relação entre
a perceção e a produção pode mudar ao longo do tempo na aquisição fonológica de
L2 (Jia et al., 2006; Rallo; Romero, 2012; Nagle; Baese-Berk, 2021).
Pelo fato de ainda estar muito longe de ser clara a relação entre a percepção
a produção da fala no desenvolvimento fonológico, o presente capítulo abordará
esta questão através de estudos sobre as líquidas alveolares no Português, tanto
no contexto da aquisição fonológica atípica (L1), quanto no contexto de aquisição
fonológica de L2.
Além de contribuições para o estudo da relação entre produção e percepção da fala,
também se esperam contribuições para intervenções clínicas das crianças com Distúr-
bio Fonológico (L1) e para questões metodológicas na aquisição fonológica de L2.
Nas próximas seções (3 e 4, respectivamente), serão apresentados dados advin-
dos de dois estudos, um de L1 e outro de L2, sobre a relação entre produção e de
percepção, envolvendo as líquidas alveolares no Português.
As líquidas alveolares do Português (/l/ e /ɾ/) foram privilegiadas nos estudos
pelo fato de sua aquisição, tanto no contexto de L1, quanto no contexto de L2, rep-
resentar um verdadeiro desafio aos aprendentes, comumente resultando em proces-
sos de substituição (/ɾ/→[l] ou /l/→[ɾ]).
Relação entre produção e percepção das líquidas no Português 113

3 Relação entre produção e percepção das líquidas na


aquisição de L1: estudo 1
Os dados apresentados nos experimentos de produção (tarefa de nomeação) e de
percepção (tarefa de identificação) no contexto de aquisição de L1 fazem parte
de um projeto maior, intitulado “Relação entre produção e percepção de fala em
crianças com transtorno fonológico durante o processo de intervenção fonoaudi-
ológica” (Ribeiro, 2023) sob a orientação de Berti, tendo sido aprovado pelo Com-
itê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp, Campus de
Marília sob o número de protocolo 4.615.113.
Para o estudo de Ribeiro (2023), foram recrutadas 16 crianças, sendo 9 do sexo
masculino e 7 do sexo feminino, com média de idade de 72,62 meses (± 14,6), sele-
cionadas por conveniência. Os critérios considerados para a seleção das crianças
foram: 1) ter idade entre 4 e 8 anos e 11 meses de idade; 2) apresentar diagnós-
tico de Distúrbio Fonológico sem a presença de comorbidades como: alterações
estruturais dos órgãos fonoarticulatórios, alterações neurológicas, alterações audi-
tivas, etc.; 3) apresentar, necessariamente, o processo fonológico de substituição
de líquidas alveolares (podendo se caracterizar tanto no sentido de /ɾ/→[l], quanto
no sentido de /l/→[ɾ]); além de 4) consentir participar do Programa de Interven-
ção Fonoaudiológica constituído por 16 sessões terapêuticas. Foram excluídas da
amostra crianças que, por algum motivo, não completaram o Programa de Inter-
venção Fonoaudiológica.
O diagnóstico de Distúrbio Fonológico das crianças foi feito por fonoaudiólogos,
a partir de uma anamnese e da Avaliação Fonológica da Criança (Yavas; Her-
nandorena; Lamprecht, 2001) e, posteriormente, do cálculo da Porcentagem de
Consoantes Corretas – Revisado (PCC­R), o qual define a gravidade do Distúrbio

Quadro 5.1 Caracterização dos participantes

Participantes Sexo Idade PCC-R (%) Processo fonológico


envolvendo a substituição
das líquidas coronais

S1 masculino 6a5m 89,7 /l/ → [ɾ]


S2 feminino 7a3m 91,5 /ɾ/ → [l]
S3 masculino 5a11m 92,2 /ɾ/ → [l]
S4 masculino 5a5m 94,2 /ɾ/ → [l]
S5 feminino 6a2m 82,9 /ɾ/ → [l]
S6 masculino 7a0m 85,3 /ɾ/ → [l]
S7 masculino 4a8m 67,4 /ɾ/ → [l]
S8 feminino 4a3m 73,5 /ɾ/ → [l]
S9 masculino 5a11m 87,1 /ɾ/ → [l]
S10 feminino 4a11m 77,6 /ɾ/ → [l]
S11 feminino 4a5m 62,9 /ɾ/ → [l]
S12 masculino 5a0m 83,5 /ɾ/ → [l]
S13 masculino 6a11m 57,3 /ɾ/ → [l]
S14 feminino 8a9m 82,6 /ɾ/ → [l]
S15 masculino 6a3m 59 /ɾ/ → [l]
S16 feminino 6a7m 80 /ɾ/ → [l]
114 Larissa Cristina Berti, Chao Zhou

Quadro 5.2 Estímulos utilizados nos experimentos

Estímulos

/ɾ/ /l/

Vera Vela
Mara Mala
Caro Calo
Puro Pulo
Cara Cala
Sara Sala
Vira vila
Vara vala
Corado colado
Cera sela
Mora mola
Marinha malinha
Mira Mila
Sarada salada
Coragem colagem

Fonológico (Shriberg; Kwiatkowski, 1982) da seguinte forma: a) leve: acima de


85% de acertos; Levemente Moderado: entre 65% e 85% de acertos; Moderada-
mente Severo: entre 50% e 65% de acertos; e Severo: abaixo de 50% de acertos.
O Quadro 5.1, a seguir, apresenta a caracterização dos sujeitos participantes da
pesquisa.
No estudo, foi aplicada uma tarefa experimental de produção e percepção que
continha, como estímulos, um conjunto de 30 palavras contendo ambas líquidas
alveolares: /l/ e /ɾ/. As palavras foram selecionadas considerando os seguintes crité-
rios: 1) serem passíveis de representação por figuras; 2) possivelmente pertencerem
ao vocabulário infantil; 3) corresponderem, preferencialmente, à pares mínimos; e
4) contemplarem a ocorrência das líquidas coronais em início de sílaba dentro da
palavra (ISDP). O Quadro 5.2 apresenta as palavras elencadas.
A tarefa experimental utilizada no estudo de Ribeiro (2023) consistiu em testes
de percepção e de produção da fala realizados durante o processo terapêutico das
crianças. Os testes de percepção envolveram uma tarefa de identificação das líqui-
das alveolares tanto em relação à identificação dos estímulos produzidos por um
adulto típico, que chamaremos de “percepção da fala do outro”, quanto em relação
à identificação dos estímulos produzidos pela própria criança, que chamaremos de
“percepção de sua própria fala”.
O processo terapêutico, proposto e desenvolvido por Ribeiro (2023), foi con-
stituído por 16 sessões estruturadas a fim de trabalhar com a criança as seguintes
habilidades: 1) compreensão do valor contrastivo das líquidas alveolares (sessão
02 do processo terapêutico), ou seja, era explicado para a criança que o uso de uma
líquida alveolar no lugar de outra líquida mudava o significado da palavra, tal como
em caro versus calo; 2) identificação das líquidas alveolares a partir da produção
da fala do adulto (sessões de 03 a 06 do processo terapêutico), ou seja, o terapeuta
Relação entre produção e percepção das líquidas no Português 115

produzia cada uma das palavras e questionava a criança qual das líquidas ele tinha
produzido; 3) identificação das líquidas alveolares a partir da produção de fala da
própria criança (sessões de 07 a 10 do processo terapêutico), ou seja, solicitava-se
à criança para produzir cada uma das palavras e questionava-se qual das líquidas a
criança tinha produzido; 4) produção das líquidas alveolares (sessões de 11 a 15 do
processo terapêutico), isto é, solicitava-se à criança a produção alvo das líquidas
fornecendo pistas auditivas, visuais e proprioceptivas de acordo com a necessidade
de cada participante. A primeira e a última sessões (sessões 01 e 16, respectiva-
mente) foram utilizadas para fazer uma avaliação da produção das palavras-alvo na
condição pré e pós terapia.
A tarefa de “percepção da fala do outro”, ou seja, identificação das líquidas
alveolares a partir da fala do adulto típico consistiu na apresentação das 30 pala-
vras produzidas pelo terapeuta à criança, individualmente, e imediatamente após a
produção de cada uma das palavras era solicitado à criança que dissesse qual das
líquidas o terapeuta tinha produzido: /l/ ou /ɾ/. A apresentação dos estímulos foi
feita ao vivo, ou seja, após o sorteio de uma figura durante um jogo na sessão de
terapia; o adulto produzia a palavra correspondente à figura sorteada e perguntava
à criança se a palavra produzida envolvia o /l/ ou /ɾ/. Não foi controlado o tempo
de resposta das crianças nem o tempo de apresentação dos estímulos. Para cada
uma das palavras, o terapeuta anotava 0 quando a criança não identificava a líquida
alveolar corretamente e 1 quando a criança a identificava corretamente.
Analogamente, a tarefa de “percepção de sua própria fala”, ou seja, identificação
das líquidas alveolares a partir da produção da própria criança consistiu na produção
das 30 palavras produzidas pela criança utilizando-se uma atividade lúdica durante
a sessão de terapia, e imediatamente após a produção de cada uma das palavras era
solicitado à criança que dissesse qual das líquidas ela tinha produzido: /l/ ou /ɾ/.
A criança deveria identificar apenas o que ela havia produzido. Não foram apre-
sentados estímulos produzidos por outras crianças. Não foi controlado o tempo de
resposta das crianças nem o tempo de apresentação dos estímulos. Para cada uma
das palavras, o terapeuta anotava 0 quando a criança não identificava a líquida
alveolar corretamente de sua própria produção e 1 quando a criança a identificava
corretamente a partir de sua própria produção.
Por fim, a tarefa de produção consistiu na nomeação de figuras correspon­
dentes às 30 palavras selecionadas durante uma atividade lúdica proposta na
sessão terapêutica, por cada criança individualmente. Para cada uma das pala-
vras, o terapeuta anotava 0 quando a criança não produzia a líquida alveolar
corretamente e 1 quando a criança a produzia corretamente. Embora o tempo
utilizado pela criança para a realização da tarefa de nomeação não tenha sido
controlado, não poderia ultrapassar de 40 minutos. Considerou-se, para análise,
somente a tarefa de produção da primeira e da última sessão, equivalentes aos
momentos pré e pós terapia, em que não eram fornecidas quaisquer pistas (audi-
tiva, visual e/ou proprioceptiva) que poderiam favorecer a produção alvo das
palavras pelas crianças.
Na análise, foram considerados os resultados dos testes de percepção da sessão
03, correspondente à primeira avaliação da identificação das líquidas alveolares a
116 Larissa Cristina Berti, Chao Zhou

partir da fala do terapeuta, e da sessão 07, correspondente à primeira avaliação da


identificação das líquidas alveolares a partir da produção de fala da própria criança.
Na tarefa de produção, foram considerados os resultados obtidos nas sessões 01 e
16, correspondentes aos momentos pré e pós terapia, conforme já foi referido. Em
cada uma das tarefas o escore poderia variar de 0 a 30, em que 0 indica nenhum
acerto e 30 indica a totalidade de acertos.
Após a organização dos dados em planilha, foram feitas análises estatísticas
descritivas e inferenciais. Foi feita uma comparação entre os desempenhos de per-
cepção da fala do outro, percepção da própria fala da criança e produção, a partir da
ANOVA de Medidas Repetidas. Estabeleceu­se um valor de α>0,05.
A seguir, apresentam-se os resultados do Estudo 1, discutindo a relação entre
produção e percepção das líquidas na aquisição de L1.

Tabela 5.1 Taxa de acertos das líquidas nas tarefas de produção e percepção das palavras-alvo

Sujeitos Líquida Produção Percepção Percepção Produção


alveolar – pré-terapia do outro de si pós-terapia

S1 /l/ 0,13 1 0,87 1


/ɾ/ 1 0,93 0,87 1
S2 /l/ 1 1 0,93 0,93
/ɾ/ 0 1 1 1
S3 /l/ 0,93 0,47 0,87 0,93
/ɾ/ 0 0,47 1 0,07
S4 /l/ 1 0,93 1 1
/ɾ/ 0 0,67 0,87 0,60
S5 /l/ 0,87 1 1 1
/ɾ/ 0,27 1 0,93 1
S6 /l/ 1 1 0,87 1
/ɾ/ 0 0,87 0,33 0,67
S7 /l/ 1 0,93 0,93 1
/ɾ/ 0 0,87 0,87 0
S8 /l/ 0,53 0,93 0,53 0,93
/ɾ/ 0 0,53 0,80 0,07
S9 /l/ 0,53 0,80 0,73 0,73
/ɾ/ 0,60 1 0,73 0,47
S10 /l/ 1 0,53 0,93 1
/ɾ/ 0 1 1 0,80
S11 /l/ 1 0,93 1 1
/ɾ/ 0 0,93 1 0,33
S12 /l/ 0,93 1 1 0,93
/ɾ/ 0,13 1 1 0,27
S13 /l/ 0,33 1 0,87 0,60
/ɾ/ 0 1 0,73 0
S14 /l/ 0,93 0,87 0,67 0,93
/ɾ/ 0 1 0,33 0,07
S15 /l/ 1 1 0,80 0,87
/ɾ/ 0 0,93 0,67 0,13
S16 /l/ 0,93 1 1 1
/ɾ/ 0,20 0,93 0,73 1
Total /l/ 0,82 (±0,27) 0,90 (±0,16) 0,88 (±0,13) 0,93 (±0,11)
(média, DP) /ɾ/ 0,14 (±0,28) 0,88 (±0,17) 0,80 (±0,21) 0,47 (±0,39)
Relação entre produção e percepção das líquidas no Português 117

Tabela 5.2 Valores. Os valores em negrito indicam correlações significantes (p<0,05)

Efeitos Valor de F Graus de liberdade Valor de p

Líquida 11,47 1,16 <0,00


Condições 9,85 3,48 __ <0,00___
Condições*Líquida 5,79 3,48 <0,00

3.1 Resultados do Estudo 1: Relação entre produção e percepção


das líquidas na aquisição de L1

A Tabela 5.1, a seguir, apresenta as taxas de acertos das líquidas alveolares nas
tarefas de nomeação das palavras-alvo (pré e pós-terapia), bem como nas tarefas
de identificação, a partir da fala do adulto típico (percepção do outro) e da fala da
própria criança (percepção de si).
Uma ANOVA de Medidas Repetidas foi conduzida para avaliar os efeitos das
condições da terapia (produção pré-terapia, percepção a partir da fala do adulto,
percepção e a partir da fala da própria criança e produção pós-terapia) e do tipo de
líquida (lateral e não lateral) sob a taxa de acertos. A Tabela 5.2 mostra os resulta-
dos da ANOVA de Medidas Repetidas.
Conforme a Tabela 5.2, observa­se um efeito significante para líquidas e con-
dições e para interação entre líquida e condições. Pelo fato de as condições da
terapia apresentarem 4 níveis (produção pré-terapia, percepção do outro, per-
cepção de si e produção pós-terapia), uma análise pós hoc foi feita, a partir do
teste de Bonferroni. A análise pós hoc mostrou que a taxa de acerto das líquidas
foi dependente das condições da terapia, ou seja, a líquida /l/ apresentou maior
taxa de acerto apenas para as habilidades de produção, tanto na condição pré-
quanto na condição pós- terapia (p<0,05). No entanto, as taxas de acerto entre
as líquidas não se diferenciaram nas habilidades de percepção, ou seja, nem
na habilidade de percepção do outro, nem na habilidade de percepção de si
(p>0,05).

4 Relação entre produção e percepção das líquidas na


aquisição de L2: estudo 2
Os dados de L2 que serão discutidos foram recolhidos por Zhou (2021), que
investigou se os efeitos prosódicos na produção das líquidas alveolares do Por-
tuguês Europeu (PE) por aprendentes chineses também se manifestam na sua
percepção. Neste capítulo, propomos uma análise nova destes dados, verificando
tanto a ordem da aquisição de /ɾ/ quanto a trajetória de desenvolvimento de /l/ na
perceção da fala em L2. Para além disso, exploramos o desempenho perceptivo
dos 61 sujeitos nativos de chinês mandarim como um grupo integral, em vez de
os dividir em dois grupos (um intermédio e o outro avançado), tendo como obje-
tivo aumentar o poder estatístico. Começamos por uma breve contextualização
do Estudo 2.
As trocas associadas a /l/ e /ɾ/ constituem uma das caraterísticas mais per-
ceptíveis no Português falado por aprendentes chineses. Recentemente, estudos
118 Larissa Cristina Berti, Chao Zhou

empíricos revelam que a dificuldade por parte dos aprendentes chineses não se
restringe à discriminação moderada entre as duas categorias da L2. Nomeada-
mente, a produção de /l/ e de /ɾ/ depende das posições prosódicas em que estes seg-
mentos ocorrem (Zhou, 2017; Liu, 2018; Zhou; Hamann, 2020): A lateral alveolar
/l/ é produzida sempre conforme o alvo em ataque não ramificado, enquanto ela é
muitas vezes semivocalizada como [w] na posição de coda. No caso da vibrante
alveolar /ɾ/, os aprendentes chineses produzem­na com maior taxa de sucesso em
coda do que em ataque simples; quando não conseguem produzir o segmento alvo,
os aprendentes utilizam apenas [l] em ataque, no entanto recorrem a várias estraté-
gias de reconstrução em coda, quer segmentais ([l], [t/d/th] e [ɻ]), quer estruturais
(epêntese e apagamento).
À luz dos modelos da aquisição fonológica de L2, que assumem uma estreita
correlação entre a percepção e a produção da fala em L2 (Flege, 1995; Best; Tyler,
2007; Flege; Bohn, 2021), pode-se colocar a hipótese de que os mesmos efeitos
prosódicos, i.e., a ordem da aquisição (/l/onset > /l/coda, /ɾ/coda > /ɾ/ataque) e as estratégias
de reconstrução que variam em função da posição silábica, vão surgir também na
percepção de L2.
Para o estudo, recrutaram-se 71 participantes, entre os quais 61 são aprendentes
chineses de Português e 10 são falantes nativos do PE. A seleção dos informantes
chineses segue os seguintes critérios: a) são falantes nativos de mandarim, ou seja,
considerando mandarim como a sua língua dominante, independentemente do dialeto
da região onde foram criados; b) não têm fluência ou uso regular de uma língua
estrangeira, exceto o inglês. Os 10 ouvintes nativos do PE, todos nascidos e crescidos
em Portugal, tinham em média 29 anos (DP =1.5). Nenhum participante tinha pertur-
bações do desenvolvimento da linguagem nem dificuldades auditiva ou articulatória.
A percepção foi testada por meio de tarefas. Foram desenhadas duas tarefas perce-
tivas, uma de discriminação AXB e uma de identificação. Na tarefa de discriminação
AXB, os participantes ouviram um item de teste correspondente a uma sequência
de 3 estímulos auditivos “A”, “X” e “B” e, depois, foram instruídos a indicar se o
segundo estímulo (“X”) é mais semelhante ao primeiro (“A”) ou ao terceiro (“B”),
pressionando a tecla correspondente à resposta. A presentação dos estímulos foi
contrabalançada entre itens de teste (AAB, ABB, BBA, BAA). Para cada item, o
intervalo interestímulo foi ajustado para 1200 ms, tendo como objetivo incentivar os
participantes a processarem os estímulos ao nível fonológico, em vez de fazerem a
comparação acústica entre estímulos (Escudero; Benders; Lipski, 2009). A tarefa é
composta por uma fase de treino com 4 itens e uma fase de teste dividida em 4 blo-
cos, 20 itens de teste e 10 distratores por cada bloco. Os itens de teste encontram-se
balanceados entre blocos, de modo que cada bloco contenha todos os tipos de estímu-
los ([ɫ]coda – [w], [ɾ]onset – [l], [ɾ]coda – [l], [ɾ]coda – [ɾə] e [ɾ]coda – [∅]). Os participantes
tinham pausas em seu próprio ritmo entre blocos para mitigar a fadiga.
Os dados prévios de produção demonstram que os aprendentes chineses pro-
duzem a vibrante do PE como [l], mas nunca inversamente (*/l/ →[ɾ]), indicando
que a dificuldade com o contraste /l/ – /ɾ/ é unidirecional (Zhou, 2017; Zhou;
Hamann, 2020). Porém, os resultados de uma tarefa de discriminação apenas
indicará se os aprendentes conseguem detectar a diferença entre dois segmentos,
Relação entre produção e percepção das líquidas no Português 119

sem revelar a direcionalidade da confusão percetiva, e.g., se a lateral e a vibrante


são trocadas mutuamente (/ɾ/→[l] ou /l/→[ɾ]) ou de forma unidirecional como na
produção. Por isso, complementando a tarefa de discriminação, foi aplicada uma
tarefa de identificação, a fim de verificar a direcionalidade da confusão segmental
na perceção de L2. Nesta tarefa de identificação, os participantes, após a audição de
cada estímulo (pseudo-palavra), tiveram de selecionar entre 4 alternativas a forma
ortográfica que representasse melhor o estímulo ouvido. Por exemplo, depois de
ouvirem a forma auditiva [fɐˈlapɐ], os aprendentes foram solicitados a selecionar
uma resposta entre <falapa>, <farapa>, <facapa> or <fatapa>. Caso haja uma assi-
metria, tal como observada previamente (Zhou, 2017; Zhou; Hamann, 2020), [l]
será identificado como /l/, [ɾ] como /l/ e /ɾ/.
Ambas as tarefas foram construídas no programa OpenSesame 3.2.8 (Mathô;
Schreij; Theeuwes, 2012) e depois aplicadas com cada sujeito individualmente
numa sala silenciosa. Depois de responderem a um questionário sociolinguístico e
darem consentimento, os participantes primeiro completaram a tarefa de discrimi-
nação AXB e depois a tarefa de identificação. As duas tarefas levavam cerca de 20
minutos.
Os estímulos na tarefa de AXB são um conjunto de pseudopalavras trissilábi-
cas. O segmento alvo (/l/ e /ɾ/) encontra­se sempre numa sílaba acentuada, com os
contextos vocálicos adjacentes (/a/ e /i/) contrabalançados. Nos itens de teste (um
trio de 3 pseudo-palavras, “A”, “X” e “B”), o segmento alvo do PE alterna com
as suas formas de reconstrução atestadas nos trabalhos anteriores, i.e. [ɫ]coda – [w],
[ɾ]onset – [l], [ɾ]coda – [l], [ɾ]coda – [ɾə] and [ɾ]coda – [∅]. Os distratores consistem em
contrastes fáceis de discriminar (/l-k/, /t-s/, /t/-/k/) para os aprendentes chineses.
Em total, a tarefa de discriminação contém 120 itens, entre os quais 80 são itens de
teste, 4 itens por contraste × 4 ordens de contrabalanço (AAB, ABB, BBA, BAA)
× 5 contrastes, e 40 são distratores, 4 contrastes × 10 repetições.
Os 12 itens de teste criados para a tarefa de identificação são também pseudo-
palavras trissilábicas, com os segmentos alvos (/l/ e /ɾ/) na posição intervocálica
(ataque não ramificado) e acentuada. Os contextos adjacentes vocálicos (/a/ or /i/)
são contrabalançados entre estímulos. Os distratores têm as oclusivas não vozea-
das como segmento alvo, dado que são partilhados pelos inventários do PE e do
mandarim. Nesta tarefa, os participantes ouviram em total 24 tokens, 6 itens por
segmento × 2 segmentos (/l/ e /ɾ/) × 2 repetições e mais 12 distratores. A lista com-
pleta dos estímulos encontra-se no Apêndice I de Zhou (2021).
Obtidos os resultados, foi conduzida uma análise que se diferencia daquela em
Zhou (2021). Nomeadamente, analisamos tanto a ordem da aquisição de /ɾ/ quanto
a de /l/ na perceção de L2. Ainda exploramos o desempenho perceptivo dos 61
sujeitos nativos de chinês mandarim como um único grupo, aumentando o poder
estatístico desta análise nova.
Realizou-se o processamento dos dados no programa R (R core team, 2021), uti-
lizando o pacote tidyverse (tidyverse.org), e a visualização dos dados foi efetuada
com o pacote ggplot2 (Wickhman, 2016). Vários modelos logísticos com efeitos
mistos foram construídos para analisar os resultados binários (1 ou 0), usando o
pacote lme4 (Bates et al., 2015).
120 Larissa Cristina Berti, Chao Zhou

Tabela 5.3 Taxas de acerto em relação aos cinco contrastes examinados na tarefa de dis-
criminação AXB em função do grupo de participantes

Contraste Grupo Média DP

[ɫ]coda – [w] Nativo 0.99 0.018


Aprendente 0.56 0.14

[ɾ]ataque – [l] Nativo 0.99 0.018


Aprendente 0.72 0.12

[ɾ]coda – [l] Nativo 1 0


Aprendente 0.88 0.85

[ɾ]coda – [ɾə] Nativo 0.99 0.018


Aprendente 0.88 0.12

[ɾ]coda – [∅] Nativo 1 0


Aprendente 0.98 0.034

A seguir, apresentam-se os resultados do Estudo 2, discutindo a relação entre


produção e percepção das líquidas na aquisição de L2.

4.1 Resultados do Estudo 2: relação entre produção e percepção das


líquidas na aquisição de L2

Apresentam-se incialmente os resultados da Tarefa de discriminação AXB.


As taxas de acerto dos dois grupos na tarefa de discriminação encontram-se na
Tabela 5.3 e podem ser visualizados na Figura 02. Para facilitar a leitura, o con-
traste [ɾ]coda­[l] é codificado como l-r-coda, [ɾ]ataque­[l] como l-r-ataque, [ɫ]coda­[w]
como l-w-coda, [ɾ]coda-[∅] como r-0-coda and [ɾ]coda­[ɾə] como r-e-coda.
Como esperado, os 10 ouvintes nativos do PE alcançaram a nota quase máxima
para todos os contrastes examinados, uma vez que eles não deviam ter dificuldade
em discriminar entre as líquidas do PE e as formas de reconstrução empregadas
pelos falantes não-nativos. Os aprendentes chineses, em contraste, manifestam
dificuldade com todos os contrastes, menos o de r-0-coda.
Em relação às ordens da aquisição, prevemos que, se os aprendentes chineses
discriminam melhor entre a líquida alvo do Português e a sua forma de recons-
trução na posição A do que na posição B, a aquisição desta líquida na posição A
precederá aquela na posição B. No caso de /l/, que é produzido com taxa de sucesso
mais elevada em ataque simples do que em coda (Zhou, 2017), isto implica que os
aprendentes chineses devem ter melhor desempenho percetivo em relação ao con-
traste l­r­ataque (alvo [l] vs. reconstrução [ɾ]), em comparação com o contraste l­w­
coda (alvo [ɫ] vs. reconstrução [w]). No que diz respeito à vibrante simples, que
manifesta uma ordem da aquisição inversa (Zhou, 2017; Liu, 2018), os aprendentes
chineses devem rejeitar as suas formas de reconstrução em coda ([l] e [ɾə]) com
maior facilidade do que aquela em ataque simples ([l]).
Relação entre produção e percepção das líquidas no Português 121

Tabela 5.4 Resultado do Modelo de regressão logística sobre ordens da aquisição

B SE p .value 95%CI

l-w-coda vs. l-r-ataque −0.73 0.1 <0.001 *** [−0.93, −0.54]


r-l/e-coda vs. l-r-ataque 0.77 0.11 <0.001 *** [0.56, 0.98]

Tabela 5.5 As taxas de acerto na identificação de [l] e [ɾ] em função do grupo de participantes.

Segmento Grupo Média DP

/l/ Nativo 1 0
Aprendente 0.67 0.21

/ɾ/ Nativo 1 0
Aprendente 0.67 0.22

Construiu-se um modelo de regressão logística com efeitos mistos, tendo contraste


(3 níveis, l-w-coda, l-r-ataque, r-l/e-coda) como preditor com “l-r-ataque” como o nível
de referência. O modelo também incluiu interceptos aleatórios para participantes e para
itens do teste, respectivamente, e inclinações aleatórias por participante. O resultado
do modelo, sumarizado na Tabela 5.4, confirmou as ordens da aquisição previamente
observadas na produção. Nomeadamente, os aprendentes chineses têm mais dificul-
dade com a lateral em coda do que em ataque simples, enquanto a vibrante simples
coloca maior desafio para eles em ataque simples, comparado com a posição de coda.
Apresentam-se, a seguir, os resultados da Tarefa de Identificação.
Na Tabela 5.5, apresentam­se as taxas de acerto na identificação de [l] e [ɾ] em
função do grupo de participantes, respetivamente.
Na tarefa de identificação, os participantes nativos do PE obtiveram, mais uma
vez, notas máximas. No caso dos 61 aprendentes chineses, eles categorizaram fre-
quentemente [l] como /ɾ/ e [ɾ] como /l/, o que não apenas faz contraste com os
nativos do PE, mas também com os dados de produção, que demonstram que a
vibrante /ɾ/ é por vezes produzida como [l], mas a lateral nunca foi substituída por
uma vibrante (Zhou, 2017; Zhou; Hamann, 2020).

5 Assimetrias entre a produção e a percepção das


líquidas no PB e no PE
O presente capítulo apresentou dados advindos de dois estudos, um de L1 e outro
de L2, sobre a relação entre produção e percepção, envolvendo as líquidas alveo-
lares no Português.
Conforme apresentado nos estudos, o domínio das líquidas alveolares do Por-
tuguês (/l/ e /ɾ/), tanto do ponto de vista da produção, quanto do ponto de vista da
percepção, representa um verdadeiro desafio aos aprendentes.
122 Larissa Cristina Berti, Chao Zhou

No caso do estudo de L1 no contexto atípico, ou seja, estudo envolvendo crianças


com DF, observou-se, em termos de produção, ambas as direções de substituição
(/ɾ/→[l] e /l/→[ɾ]), embora a preferência pela líquida lateral tenha sido predomi-
nante, com média de 86% das produções das crianças na condição pré-terapia. Em
termos de percepção, também houve uma flutuação, em que /l/ foi julgado tanto
como /l/ quanto como /ɾ/ e vice­versa, tanto na percepção do outro quanto na per-
cepção de si. Particularmente, na percepção do outro, /l/ foi julgado como /l/ em
média de 90% e como /ɾ/ em média de 10%, enquanto o /ɾ/ foi julgado corretamente
em média de 88% e como /l/ em 12% das vezes. Tendência similar foi observada
para a percepção de si, com taxa de acerto de 88% em média para /l/ e de 80% em
média para /ɾ/.
Destaca-se, no entanto, que, em termos de produção, a taxa de acerto de /l/ sem-
pre foi maior do que a de /ɾ/, tanto na condição pré­terapia, quanto na condição pós­
terapia. Diferentemente, na análise das taxas de acerto da percepção, não houve
diferença entre as líquidas /l/ e /ɾ/. Isso significa dizer que a tendência observada na
produção não foi verificada em termos de percepção.
Esse resultado vai ao encontro dos resultados obtidos em estudos anteriores no
sentido de que, embora tenha sido observada uma relação entre produção e per-
cepção, esta relação não é direta e nem unívoca (Hearnshaw; Baker; Munro, 2018;
Berti et al., 2020, 2022).
Reporta-se aqui que Hearnshaw; Baker; Munro (2018) exploraram, dentre
outros objetivos, a associação entre produção e a percepção de fala em 13 crian-
ças com DF. Os autores encontraram uma correlação positiva significante entre
a acurácia geral de percepção da fala e os escores de produção da fala (acurácia
geral de produção), mas não houve correlação significativa entre as habilidades em
produzir e perceber acuradamente os quatro fonemas específicos investigados. A
explicação dada pelos autores para a não correlação direta entre produção e percep-
ção dos quatro fonemas recai sobre a natureza da representação fonológica. Con-
forme explicação dos autores, algumas crianças com DF podem ter representações
fonológicas excessivamente amplas, identificando produções corretas e incorretas
como exemplos aceitáveis de um mesmo fonema.
Berti et al. (2020) investigaram a relação entre produção e percepção de fala
em 33 crianças com DF. Os resultados mostraram que a correlação positiva entre
os erros de produção e os erros de percepção é dependente da classe fonológica.
Os autores destacaram ainda que os erros de percepção não espelham os erros de
produção, levantando como hipótese explicativa o fato de que o papel da percepção
auditiva no desenvolvimento das habilidades de articulação dos sons pode variar
dependendo do fonema que está sendo aprendido.
Em estudo subsequente, Berti et al. (2022) comparam e correlacionam as habi-
lidades de produção, percepção do outro e percepção de si de todos os fonemas do
Português em 10 crianças com DF. Mais uma vez, os autores não encontraram uma
correlação entre os erros de produção e os de percepção de fala. Uma das possibilidades
explicativas elencadas pelos autores é o fato de que as características articulatórias que
impõem dificuldades no âmbito da produção não necessariamente implicam menor
saliência perceptual, que poderia levar a uma dificuldade na percepção.
Relação entre produção e percepção das líquidas no Português 123

Além das hipóteses explicativas encontradas nos estudos acima mencionados,


também alertamos para a natureza da percepção de fala, pois, conforme mencionam
Sekiyama; Burnham (2008), a dimensão perceptiva engloba outros aspectos para
além da dimensão acústica, como, por exemplo, pistas visuais e/ou informações
semânticas. Então, o fato de não ter havido diferenças na taxa de acerto das líqui-
das somente nas habilidades de percepção, pode sugerir que as crianças tenham se
valido de outras pistas, que não somente a acústica e/ou a articulatória, para realizar
a tarefa de identificação.
No que se refere ao estudo de L2, a nossa análise nova dos dados advindos de
Zhou (2021) revela uma relação complexa entre a percepção e a produção da fala
em L2. Por um lado, os efeitos prosódicos, nomeadamente, as ordens da aquisição
e as estratégias de reconstrução, são em geral consistentes em duas modalidades da
fala, indicando uma correlação entre elas. Por outro lado, alguns resultados obser-
vados desafiam a ideia de que a percepção e a produção se entrelaçam de forma
estreita, como assume a Teoria Motora de Percepção de fala. Por exemplo, mesmo
que os aprendentes chineses, de vez em quando, apaguem a vibrante simples na
posição de coda, eles não parecem utilizar a mesma estratégia de reconstrução
na percepção de L2 (apagamento perceptivo), evidenciado pela taxa de sucesso
bastante elevada em discriminar o contraste r-0-coda. Isto leva-nos a concluir
que a omissão de /ɾ/ é uma estratégia de reconstrução específica à produção de
/ɾ/ do Português por aprendentes chineses. É obvio que um modelo, tal como a
Teoria Motora, que assume uma estreita correlação entre duas modalidades de fala,
não explica tal resultado. Se aceitarmos que o nível articulatório apenas existe na
produção mas não na perceção da fala, na linha da proposta de vários modelos
psicolinguísticos (McQueen; Cutler, 1997; Ramus et al., 2010), o nosso resultado
já não é inesperado. Neste caso, os aprendentes chineses conseguem reparar per-
ceptivelmente a existência da virante aveolar em coda, mas eles por vezes não a
conseguem produzir, devido à sua complexidade articulatória (movimentos balís-
ticos; Berti, 2010; Barberena et al., 2014). A dificuldade articulatória até pode
aumentar na posição de coda no meio da palavra, dado que a vibrante alveolar
seguida por uma outra consonante exige a coarticulação entre duas consonantes,
implicando uma coordenação gestual nova para aprendentes chineses (Theodore;
Demuth; Shattuck-Hufnagel, 2011).
Para além da estratégia de reconstrução específica a uma das modalidades da
fala, os dados da identificação percetiva manifestam uma outra incompatibilidade
com os dados de produção, consonante os quais a lateral nunca é trocada por uma
vibrante, mas a vibrante alveolar é muitas vezes substituída por uma lateral (Zhou,
2017; Zhou; Hamann, 2020). Estes dados de produção indicam que, mesmo que
não seja conforme o alvo, a distinção entre a lateral e a vibrante é preservada. No
entanto, a tal distinção entre /l/ e /ɾ/ desaparece na percepção de L2, o que é eviden-
ciado pela confusão bidirectional entre dois segmentos, /l/ → [ɾ], /ɾ/ → [l]. Especu-
lamos que esta divergência entre dados de percepção e produção de L2 resulte
das questões metodológicas. Nomeadamente, as tarefas experimentais empregadas
para investigar a percepção de L2 e aquelas para estudar produção de L2 examinam
diferentes processos paralinguísticos (Boersma, 2006).
124 Larissa Cristina Berti, Chao Zhou

As tarefas perceptivas de discriminação e de identificação no Estudo 2 avaliam


como o input auditivo é mapeado para categorias fonológicas pré-lexicais dos
aprendentes. Em conformidade com os estudos perceptivos na literatura, apenas
as pseudopalavras foram utilizadas como estímulos nestas duas tarefas, a fim de se
evitar a interferência lexical no desempenho perceptivo (Ganong, 1980). Ao con-
trário, os dados de produção das líquidas alveolares do Português em Zhou (2017)
foram elicitados através de uma tarefa de nomeação de imagens, que implica nec-
essariamente a ativação das categorias fonológicas lexicais.
Um número crescente de estudos psicolinguísticos tem mostrado que a distin-
ção entre duas categorias de L2 pode ser estabelecida no nível lexical, apesar da
confusão perceptiva entre elas no nível pré-lexical (Weber; Cutler, 2004; Cutler;
Weber; Otake, 2006). Para além do input auditivo, os aprendentes também podem
recorrer aos outros recursos (ortografia e instrução explícita) para construir uma
representação fonológica no léxico. Se este é o caso, como a lateral alveolar tam-
bém existe no mandarim, os aprendentes podem transferir esta categoria /l/ da sua
L1 diretamente para o léxico de L2, enquanto a categoria nova /ɾ/ ainda não é total-
mente especificada (compatível com ambos [l] e [ɾ]). Assim, embora os aprendentes
chineses tenham dificuldade em separar /l/ e /ɾ/ nas experiências perceptivas (nível
fonológico pré-lexical), na tarefa de nomeação de imagens, eles podem produzir a
lateral conforme o alvo, com ajuda da informação lexical.
Estes resultados do Estudo de L2 sugerem que os trabalhos futuros que visam
estudar a ligação entre a perceção e a produção da fala em L2 devem ponderar se
as tarefas experimentais escolhidas examinam ou não os processos paralinguísticos
comparáveis.

6 Conclusão
O presente capítulo abordou a relação entre a produção e a percepção de fala
envolvendo as líquidas alveolares no Português, tanto no contexto da aquisição
fonológica atípica (L1), quanto no contexto de aquisição fonológica de L2.
Dados advindos de experimentos de produção e de percepção de fala tanto de L1
quanto de L2 não confirmaram a existência de uma relação unívoca entre produção e
percepção, contrariando as alegações da Teoria Motora de Percepção de fala (Liber-
man; Mattingly, 1985; Galantucci et al., 2006). Um modelo teórico promissor que
pode eventualmente dar conta da interação complexa e dinâmica entre duas modali-
dades da fala é o Modelo Bidirecional de Fonologia e Fonética (BiPhon; Boersma,
2011; veja Matzenauer; Quintanilha-Azevedo, 2022 para uma introdução recente
em Português), que admite não apenas a intercorrelação mas também a divergência
entre a percepção e a produção de fala. Nomeadamente, de acordo com o BiPhon,
a forma articulatória é apenas envolvida no módulo da produção, mas não em per-
cepção. Neste caso, a dificuldade em produzir certo segmento não necessariamente
implica o transtorno na sua percepção, o que vai ao encontro dos dados da aquisição
fonológica de L1 e de L2. Para além disso, as evidências empíricas apresentadas
neste capítulo também têm implicações clínicas e metodológicas.
Relação entre produção e percepção das líquidas no Português 125

Em termos clínicos, no contexto da aquisição de L1, as contribuições recaem


sobre o fato de que, embora as crianças com distúrbio fonológico possam apresen-
tar dificuldades em termos de produção de fala, não necessariamente elas apresen-
tarão a mesma dificuldade em termos de percepção de fala – tanto na identificação
da fala do outro, quanto na identificação de sua própria fala. Isso significa dizer
que, embora seja necessário o trabalho concomitante das habilidades de percep-
ção e produção durante o processo terapêutico, o uso de pistas perceptuais pode
auxiliar tanto no trabalho de produção, quanto no estabelecimento das categorias
fonológicas em termos de representação.
Em termos metodológicos, no contexto da aquisição de L2, os dados empíricos
da aquisição do Português por aprendentes não nativos chamam a atenção para
o facto de as representações fonológicas e os mapeamentos entre elas examina-
dos nas tarefas perceptivas (e.g. tarefas de discriminação e de identificação com
pseudo-palavras como estímulos) poderem não espelhar aqueles envolvidos nas
tarefas de produção (e.g. tarefa de nomeação de imagem).

Notas
1 Financiamento: CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(Processo 301735/2019–0), FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Processo 2020/03990–5).
2 Financiamento: Financiamento FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P.,
através do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (UIBD/00214/2020).
3 Refere-se ao diagnóstico dado a crianças cujo desempenho de fala não está de acordo
com a idade esperada. Trata­se de crianças que apresentam dificuldades na percepção,
produção e representação dos sons que impactam na inteligibilidade de fala.

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6 A grafia de consoantes em final de
sílaba no PB e no PE
Fonologia e ortografia

Ana Ruth Moresco Miranda1, Teresa Costa2

Resumo
Partindo da premissa de que a aquisição da fala e da escrita integram um mesmo
processo, o da aquisição da linguagem, este capítulo apresenta uma reflexão,
empiricamente fundamentada, sobre as relações que se estabelecem entre aquisição
fonológica e aprendizagem da escrita, nas variedades europeia e Brasileira do Por-
tuguês. O foco da análise incide na Rima silábica, discutindo-se os padrões encon-
trados à luz dos paradigmas de aquisição da fala e das abordagens teóricas da sílaba,
nos dois sistemas linguísticos. Os dados apontam para uma construção progres-
siva das representações subjacentes, motivada pelo contato com a alfabetização,
particularmente no que diz respeito à representação bifonêmica da nasalidade.
Globalmente, a investigação apresentada neste capítulo corrobora a importância
das escritas iniciais enquanto bases empíricas para a reflexão mais vasta sobre o
conhecimento fonológico, sobre o mapeamento entre a fonologia da criança e a
do(s) sistema(s) alvo.

Palavras-chave: Aquisição da escrita; Rima silábica; Português Europeu; Português


do Brasil

1 Introdução
Neste estudo parte-se da ideia segundo a qual a aquisição da fala e a da escrita inte-
gram um mesmo processo, o da aquisição da linguagem. Entende-se, portanto, que
os padrões de desenvolvimento da fala e da escrita constituem uma base empírica
relevante para discussões relativas ao conhecimento fonológico das crianças que,
ao compreenderem os princípios do sistema alfabético, alcançam condições propí-
cias para revisitá-lo, podendo, eventualmente, redescrever suas representações.
Destaca-se que os estudos sobre aquisição da linguagem têm reivindicado um
espaço para o desenvolvimento linguístico e cognitivo, bem como para a vari-
ação e a presença de diferenças individuais, sem que seja necessário abrir mão
de estruturas universais e de padrões gerais de aquisição (Kiparsky; Menn, 1977;
Karmiloff­Smith, 1992). Neste contexto, estudos sobre aquisição da escrita como
os de Miranda (2009, 2014, 2019, 2020); Miranda; Matzenauer (2010); Veloso
(2003, 2019); Costa (2020); Pachalski; Miranda (2021); Costa; Rodrigues; Freitas
DOI: 10.4324/9781003294344-8
130 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

(2021) exploram simetrias e assimetrias entre a fonologia alvo e o conhecimento


fonológico manifestado pelas crianças nas suas representações gráficas, relacio­
nando alguns dos padrões identificados com os dados de aquisição da fala.
Seguindo esta linha de investigação, o foco deste capítulo incide sobre as estruturas
silábicas complexas, especificamente aquelas em que a rima é ramificada, com base no
modelo binário Ataque-Rima de Selkirk (1982). A abordagem contempla aspectos da
aquisição e do funcionamento do Português Brasileiro (PB) e do Português Europeu
(PE), no que se refere a esse constituinte silábico em posição medial de palavra. No
domínio teórico, as propostas para cada uma das variedades convergem na proposição
de consoantes fricativa, lateral e rótica como segmentos licenciados para ocuparem
a posição de coda (como em pasta, malta, carta), mas divergem quanto ao estatuto
da nasal, que para o PB é interpretada como integrante da coda (Camara, 1970; Wet-
zels, 1997; Bisol, 1999) e para o PE é descrita como um autossegmento associado ao
núcleo silábico (Mateus; D’Andrade, 2000). Essas diferenças na descrição dos alvos
darão subsídios importantes para a discussão que emerge dos dados de escrita de cri-
anças Brasileiras e Portuguesas que frequentam o 2.º ano de escolarização.
Na seção que se segue (ponto 2), serão tecidas considerações acerca da fonolo-
gia e da ortografia das consoantes pós­vocálicas em PB e PE, bem como sobre a
aquisição da fala e da escrita no que concerne a tais consoantes. As terceira e quarta
seções trazem, respectivamente, a descrição dos dados e a discussão dos resultados
encontrados na análise comparativa das duas amostras. Por fim, são apresentadas
as considerações finais, no ponto 5.

2 Enquadramento teórico

2.1 A sílaba e o estatuto da consoante pós-vocálica

A sílaba passou a ter relevância para a teoria fonológica uma década após a publi-
cação do The Sound Patterns of English (SPE) de Chomsky; Halle (1968), marco
da fonologia gerativa. Foi a partir de Liberman; Prince (1977) e de sua investigação
sobre o acento, no entanto, que a unidade sílaba ganhou proeminência nos estudos
da gramática sonora e seria com Selkirk, em 1982, que, interpretada como o lócus

syllable (=)

onset rhyme

f l peak coda

a w n s
Figura 6.1 Representação silábica – modelo Ataque-Rima
(Fonte: Selkirk [1982], 1999, 331)
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 131

CV

V CVC - CVV CCV


há par-pai pra

VC - VV *CVCC CCVC - CCVV


ar-ai pers-dois três-frei

*VCC - VVC *CCVCC - CCVVC


ins-eis trans-claus

Figura 6.2 Padrões silábicos do Português


(Fonte: Miranda, 2019)

da operacionalização de regras e de processos fonológicos, a sílaba passaria a ser


formalizada como uma unidade linguística com estrutura interna, cujos constitu-
intes estabelecem relações hierárquicas entre si.
Segundo a formalização de Selkirk (1982), a sílaba possui dois constituintes
imediatos básicos, o ataque (onset) e a rima (rhyme). O ataque não é obrigatório e
pode ser ramificado, e a rima constitui­se obrigatoriamente de um pico de soância,
o núcleo (peak), e de uma coda que é opcional, podendo ambos os constituintes
sofrer ramificação, conforme mostra a figura seguinte, referente à estrutura do
monossílabo inglês flounce.
De acordo com as propostas teóricas predominantes para a fonologia do PB e
do PE, há, nas duas variedades em estudo, semelhanças e diferenças relativamente
às configurações silábicas no nível fonológico. As diferenças são assinaladas com
asterisco, na Figura 6.2.
A representação na Figura 6.2 ilustra, assim, configurações silábicas possíveis
no Português, as quais incluem a sílaba mínima (padrão V – há, exemplificado
no canto superior esquerdo da figura), padrões silábicos com ataque simples (e.g.
CVVC – dois) e com ataque ramificado (e.g. CCV – pra), com núcleo simples
(e.g. CV – pá) e núcleo ramificado (e.g. CVV – pai) e, ainda, com rima ramificada
(e.g. CVC – par). Duas questões a respeito das posições pós-vocálicas em Portu-
guês recebem tratamento distinto entre os autores: a configuração da nasalidade e a
posição da fricativa de estruturas que contêm duas consoantes, VCC. Sobre a nasa-
lidade, as interpretações de Bisol (1999, 710) e Mateus; D’Andrade (2000, 131)
não destoam em relação à postulação de uma estrutura bifonêmica mas, sim, no que
se refere à configuração prosódica dessa estrutura, conforme será mencionada adi-
ante. Já o /S/ em estruturas VCC é, de acordo com a primeira autora, um elemento
que se liga à rima da sílaba e não à coda, por meio de uma Regra de Adjunção de
/S/ (RAS), justificável pelo fato de haver um número exíguo de palavras com esse
tipo de configuração pouco produtiva na língua.3 Já Mateus; D’Andrade (2000),
para o PE, argumentam que tais estruturas têm apenas uma consoante, a fricativa na
132 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

posição de coda, pois na sequência <ns> a nasal é descrita como um autossegmento


associado ao núcleo e na sequência <pers> há um núcleo vazio que antecede a coda
fricativa (Mateus; D’Andrade, 2000, 53). No topo da Figura 6.2, a sílaba canônica
CV é a matriz de todos os formatos passíveis de derivação no Português.
O licenciamento dos segmentos que podem preencher os templates obedece
a restrições de soância. De acordo com Clements (1990, 12), as obstruintes têm
menor grau de soância que as consoantes nasais que, por seu turno, são menos
soantes que as líquidas, os glides e as vogais, sendo estas últimas aquelas que ocu-
pam uma posição mais alta na escala, o que as torna, dentre todas, as mais soantes.
A Escala de Soância (Sonority Scale) resultante será, seguindo-se esse critério:
obstruintes < nasais < líquidas < glides < vogais.
Assim, tem-se que o núcleo em Português é preenchido exclusivamente por
vogal e as demais posições são preenchidas por consoante, conforme mostra o
quadro a seguir.
Para o PB e o PE, seguindo-se Bisol (1999) e Mateus; D’Andrade (2000),
respectivamente, C1 no ataque pode ser preenchida por qualquer uma das 19 con-
soantes, enquanto C2 apenas pelas líquidas, /ɾ/ e /l/, e nestes casos, que correspon-
dem a ataques complexos, atuam restrições para o preenchimento de C1, a saber:
*dl, *vl, *sl, *zl, *ʃl, *ʒl, para os grupos com laterais, e *sɾ, *zɾ, *ʃɾ, *ʒɾ, para aos
grupos com róticas. Na posição de coda há consenso entre os autores quanto às pre-
senças de líquidas e fricativa em C1 e dissensão referentemente à nasal e aos glides.
Para Bisol (1999), qualquer soante – /ɾ/, /l/, /N/, /j/ e /w/ – pode ser licenciada para
a primeira posição da coda, e também a fricativa coronal /S/, como nas primeiras
sílabas das palavras ‘bar.co’, ‘bol.sa’, ‘pan.da’, ‘pei.to’, ‘pau.ta’ e ‘pasta’. Mateus;
D’Andrade (2000, 52), por seu turno, admitem um número mais reduzido de seg-
mentos na coda, apenas as líquidas e a fricativa com suas diferentes realizações. Os
glides, para os autores, ocupam a ramificação do núcleo e a nasalidade fonológica
é interpretada como resultante da presença de um autossegmento nasal ligado ao
núcleo, sem posição esqueletal.
A Figura 6.3, a seguir, traz propostas de representação para a nasalidade em PE
e em PB:
Em comum entre os autores está a ideia de que não há vogais nasais subja-
centes em Português. Mateus; D’Andrade (2000), assim como Camara Jr. (1970)
e Bisol (1999, 2002) argumentam em favor de uma subjacência bifonêmica para a
nasalidade com base nos seguintes argumentos: a rótica depois de consoante final
de sílaba é sempre forte (tenro e honra); o prefixo in- antes de palavra que comece
com líquida desnasaliza enquanto antes de vogal tem a nasal incorporada ao ataque

Tabela 6.1 Preenchimento consonântico dos constituintes Ataque e Coda, no Português

Posição de C constituinte Classes de segmentos

C1 V ataque plosivas, fricativas, nasais, líquidas


CC2V ataque líquidas alveolares
VC1 coda líquidas alveolares, fricativa alveolar, *nasal
VCC2 coda fricativa alveolar
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 133

˜ ˜
O R O R

N N C

k a [nasal] k a u
Mateus e Andrade (2000)
Bisol (1999)

Figura 6.3 Representação da nasalidade no PE e no PB


(Fonte: Miranda, 2011)

(ilegal e inalterado); nas derivações das formas terminadas por vogal nasal acen-
tuada emerge a nasal no ataque (irmã-irmanar); nas proparoxítonas a penúltima
vogal não pode ser nasalizada. Bisol (2002) acrescenta o bloqueio do sândi como
mais um argumento favorável à subjacência /vN/ (lã amarela, mas não *lãmarela).
Bisol (2002) e Mateus; D’Andrade (2000), seguindo a tradição matosiana, argu-
mentam em favor do estatuto bifonêmico das vogais nasalizadas, embora discordem
entre si no que diz respeito à natureza do fenômeno. Enquanto para aquela a nasali-
dade fonológica é derivada de uma estrutura CVN, para estes, vogais nasalizadas
derivam da presença de um autossegmento [nasal] flutuante, sem posição esqueletal.
Costa; Freitas (2001) propõem uma visão alternativa, qual seja, a da existên-
cia de vogais nasais subjacentes, e o fazem com base em evidências dos dados
de aquisição e também do funcionamento do PE. Os autores observam, conforme
Freitas (1997), que as crianças Portuguesas, na aquisição fonológica, utilizam
estratégias de seleção no que diz respeito a palavras com estrutura CVC[fricativa],
quando ainda não são capazes de produzir tais estruturas silábicas, mas não no
caso da produção de palavras com nasal, o que é interpretado como resultado de
um processamento distinto para tais estruturas. Na sincronia, os autores constroem
a argumentação a partir de uma especificidade do PE, quando comparado ao PB: a
ausência da nasalidade na vogal tônica proveniente da assimilação do traço [nasal]
da consoante do ataque da sílaba seguinte. Conforme observado em palavras como
lama e cabana, produzidas como l[ɐ]ma e cab[ɐ]na no PE e como l[ɐ]ma ̃ e cab[ɐ]̃
na no PB. Para Costa; Freitas (2001), o fato de não haver esse tipo de nasalidade em
PE contraria a ideia de um autossegmento nasal, tal como postulada por Mateus;
D’Andrade (2000). E este seria, pois, mais um argumento em prol da existência de
vogais nasais lexicais em PE.
Já as codas lateral, fricativa e rótica não suscitam dúvidas em relação à posição
que ocupam na estrutura da sílaba, havendo concordância entre os fonólogos que
as abordam. Nessas codas, serão observadas variações no nível fonético, especial-
mente no PB, conforme explicitado na Tabela 6.2.
As róticas, cuja articulação é de um flap na variedade standard do PE (Mateus;
D’Andrade, 2000), no PB, pode deslizar de um flap para fricativas posteriores,
o que resulta em uma gama de formas variáveis em distintos dialetos [ɾ][ʀ][x]
[h] (Callou, 1987). A lateral, por sua vez, ganha uma articulação secundária velar
134 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

que se pronuncia em PE, [ɬ] e, em PB, se sobrepõe à consoante lateral, produzida,


majoritariamente, como glide, por efeito de um processo de vocalização. Note-se
que a presença de laterais velarizadas em posição pós-vocálica é, no PB, exclusiva
de comunidades que recebem influência do espanhol (Espiga, 2001). Por fim, a
fricativa, sem especificação para os traços [anterior] e [sonoro], assimila o valor do
[sonoro] da consoante seguinte e pode variar em relação ao [anterior]; o primeiro
processo é sistêmico em PB e em PE e o segundo, variável em PB.

Tabela 6.2 Realização fonética das codas fricativa, lateral e rótica: PE e PB (adaptado de
Mateus; D’Andrade, 2000, 52)

PE PB

par [ɾ] [ɾ][ʀ][x][h]


mal [ɬ] [w][ɬ]
mas [ʃ] [s][ʃ]
parte [ɾ] [ɾ][ʀ][x][h]
falta [ɬ] [w][ɬ]
peste [ʃ] [s][ʃ]
mesmo [ʒ] [z][ʒ]

Tabela 6.3 Aspectos fonéticos, fonológicos e ortográficos das consoantes em final de sílaba
no Português (adaptado de Miranda, 2019)

Fonética e Fonologia Ortografia Relação fonema-grafema

VC[nasal] nasal – assimila o ponto <m> antes de regra contextual


de articulação da <p> e; <n> nos
consoante seguinte demais casos
e nasaliza a vogal à
esquerda, podendo ou
não ser omitida. (PB)
VC[rótica] rótica – é produzida sempre <r> relação biunívoca
como flap (PB e
PE) varia com a
produção de fricativas
[+posterior] (PB)
VC[lateral] lateral – é velarizada sempre <l> relação direta se
(PE) considerada a forma
ou semivocalizada (PB) fonológica, mas,
no PB, com uma
ambiguidade, decorrente
da pronúncia, que iguala
as duas formas, o <u> do
ditongo e o <l> de final
de sílaba
VC[fricativa] fricativa – assimila o <s> em geral concorrência – <s> e <x>,
valor do traço [sonoro] e, em poucas mas o último grafema
da consoante seguinte palavras, <x> está condicionado
(PB e PE) e à presença de vogal
varia quanto ao coronal antecedente, <e>
[anterior] (PB)
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 135

Do ponto de vista ortográfico, as consoantes em final de sílaba apresentam


relações biunívocas no que se refere às líquidas e uma grafia regulada por regra
contextual nos demais casos, conforme mostra o quadro a seguir.
A relação entre a ortografia e a fonologia das consoantes em final de sílaba,
especificamente em posição medial, foco deste estudo, mostra simetria relativa-
mente às róticas e às fricativas, à exceção dos casos em que o <x> é selecionado
para o registro dessa classe de sons, fato condicionado à presença de um <e> ante-
cedente, como em extra e sexta, por exemplo. No entanto, nessa relação entre fono-
logia e ortografia, há um aspecto divergente entre as variedades PB e PE para as
sequências de letras ‘sc’, que importa referir. No PE, conforme Costa; Rodrigues;
Freitas (2021), essas sequências, como em pisc ina, são interpretadas como con-
figurações (CV)C.C, em que a fricativa grafada com <s> surge em posição de coda
e a fricativa representada por <c> ocupa a posição de ataque da sílaba seguinte. Na
fala, essas sequências podem ser produzidas em conformidade com a representação
fonológica (ou seja, como pi[ʃs]ina) ou sujeitas a supressão da segunda fricativa
(como pi[ʃ]ina). Já na variedade Brasileira, mesmo que se observe a palatalização
da fricativa em coda, o que é comum a vários dialetos, não há registros de que tal
regra se aplique em palavras cuja grafia apresenta ‘sc’, uma sequência interpretada
nos estudos do PB, via de regra, como dígrafo. O presente estudo mostrará que esse
fenômeno descrito para o PE causa impacto na ortografia das crianças Portuguesas.
Quanto à lateral, a simetria fonologia­ortografia verificada em PE não se observa
em PB, uma vez que nesta variedade o processo de vocalização cria homofonia,
como em calda-cauda e alto-auto, por exemplo, e todas as palavras se pronunciam
com [w], na grande maioria dos dialetos Brasileiros, o que cria ambiguidade para
as crianças em relação ao uso do grafema previsto pela norma.
Já a consoante nasal, cuja grafia é regulada por uma regra ortográfica de base
contextual, motivada pela fonética (<m> antes de <p> e), pode apresentar complexi-
dade fonológica ao usuário do sistema, tendo em vista as controvertidas abordagens
acerca do estatuto da nasalidade: de um lado a proposta bifonêmica, que corre-
sponde simetricamente à forma ortográfica (vogal seguida de consoante nasal <n>
ou <m>); de outro, a proposta monofonêmica, que destoa da ortografia, visto que o
registro medial prevê, obrigatoriamente, a sequência de vogal e consoante.

2.2 A consoante pós-vocálica na aquisição da fala e da escrita

Os estudos em aquisição da fonologia, inspirados na visão jakobsoniana, além de


permitirem a testagem de modelos de gramática, oferecem elementos para a com-
preensão do motivo por que alguns padrões ocorrem e outros não. Contribuem
ainda para reflexões acerca da forma como os sistemas fonológicos adultos podem
diferir das representações fonológicas das crianças e colocam questões relaciona-
das à aprendibilidade das gramáticas fonológicas no centro da discussão.
A existência ou não de relação entre a emergência segmental e a aquisição de
constituintes silábicos é uma das várias questões que mobilizam estudiosos do
desenvolvimento linguístico. A este propósito, Lamprecht et al. (2004) trazem
resultados da compilação de vários estudos de aquisição em PB e chegam a uma
136 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

Tabela 6.4 Cronologia de aquisição das consoantes nasal, fricativa e líquidas, em função do
constituinte silábico, no PB (adaptado de Lamprecht et al., 2004)

Ataque Coda medial Coda final

nasal 1:6 2:2 1:7


fricativa 2:0 3:0 2:6
lateral 2:8 3:0 1:4
rótica 4:2 3:10 3:10

cronologia, a qual mostra que a produção dos segmentos em coda medial tende a
ser posterior à sua produção em ataque e que há diferenças relativas à produção dos
segmentos em coda medial e final, conforme ilustrado a seguir.
O primeiro aspecto que se destaca é referente à diferença na cronologia das
codas dependendo da posição, medial ou final. Nota­se que, à exceção da rótica,
segmento dentre todos o de aquisição mais tardia, a coda final emerge mais pre-
cocemente do que a medial. Esse padrão tem sido reportado para o PE (Freitas,
1997; Correia, 2004), sendo a saliência da posição final um dos motivos apontados
para justificar esse resultado, já que, na grande maioria dos casos, se trata de uma
posição proeminente, portadora do acento prosódico e de informação morfológica
(Freitas, 2017). O estudo de Macken (1992) abre outra frente interpretativa para
tal padrão com o argumento de que a palavra inteira direciona a aquisição inicial
e, sendo assim, a produção precoce da coda em final de palavra pode estar relacio-
nada ao modo de processamento fonológico da criança que, em estágios precoces,
processa as futuras codas como parte da palavra fonológica e não como um con-
stituinte silábico.
As relações de interdependência estabelecidas entre a aquisição dos segmentos
e os respectivos estatutos prosódicos têm sido alvo de atenção, também, na inves-
tigação realizada no PE. Os resultados desses estudos têm mostrado que, tal como
no PB, há padrões de precedência na emergência e na estabilização dos segmentos,
em função do constituinte silábico. Apesar de, por questões metodológicas, os dife-
rentes estudos não serem consentâneos quanto às faixas etárias de aquisição, sabe-
se que, em ataque não ramificado, as nasais emergem precocemente, seguindo­se
as fricativas e as líquidas, de aquisição mais tardia (Freitas, 1997; Costa, 2010;
Amorim, 2014). Focando especificamente a posição medial de palavra e os três
segmentos que, na descrição fonológica do PE, se consideram aptos a preencher a
posição de coda silábica, os estudos mostram que a fricativa coronal é a primeira a
estabilizar, normalmente antes dos 3 anos (Amorim, 2014; Ramalho, 2017). Segue-
se a rótica, adquirida, em diferentes estudos, numa faixa etária compreendida entre
os 4;6 e os 6 anos e, por fim, a lateral, só adquirida depois dos 5 anos em alguns
trabalhos e ainda não adquirida aos 6 anos, noutras investigações (para uma sis-
tematização das escalas etárias identificadas em diferentes estudos no PE, consulte­
se Ramalho, 2017). Assim, no que diz respeito às líquidas, o PE apresenta um
percurso de aquisição inverso ao do PB, pois os dados do Brasil apontam para uma
aquisição mais precoce da lateral.
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 137

O caso específico da lateral tem sido analisado de uma perspectiva diferente


por alguns autores, com base na hipótese de que esse segmento não ocupa, nas
representações fonológicas das crianças, a posição de coda, mas sim o núcleo
silábico ramificado. Freitas (1997) defende essa possibilidade para o PE, com base
nos dados da aquisição, e uma abordagem semelhante é assumida para o PB por
Miranda (2009). Esta autora propõe que, numa fase inicial, a consoante nasal em
final de sílaba é processada como parte do núcleo, já que estruturas com vogal
nasalizada, assim como vogais seguidas da lateral vocalizada, estão presentes nas
primeiras cinquenta palavras das crianças por ela estudadas.
Uma vez que se pretende refletir sobre a construção das representações fonológi-
cas, o input assume particular importância no presente estudo. A criança ativa,
empenhada na resolução de problemas, conforme requerido por Kiparsky; Menn
(1977) e Karmiloff­Smith (1992), coloca em ação a sua predisposição para cons­
truir gramáticas a partir do input disponível no ambiente, sem o qual não haveria
evidências suficientes para o desenvolvimento fonológico. Desta forma, o input,
bem como seu papel na aquisição da linguagem, deve ser considerado nas análises
de dados produzidos por crianças, sob pena de que seja suprimido o espaço para se
pensar o desenvolvimento. Repare-se que, se for postulado para a fonologia infan-
til, conforme proposto por Collischonn (1997) para a gramática alvo, um processa-
mento de coda para glides, líquidas e nasais, torna-se impraticável explicar a forma
como as crianças obtêm informações suficientes no ambiente linguístico para che-
gar a representações tais como CVC [glide], CVC [nasal] ou CVC [lateral].
Os estudos sobre escrita inicial contribuem para esta reflexão acerca do input e
da construção do conhecimento fonológico. Entendendo-se a aquisição da escrita
como parte integrante do fenômeno da aquisição da linguagem, assume-se que as
produções escritas numa fase inicial da escolarização podem refletir as represen-
tações fonológicas das crianças. Desta forma, a análise dessas produções permitirá
obter informações não só sobre o estado sincrônico das representações subjacentes,
mas sobre possíveis (re)configurações ao longo do tempo, à medida que o contato
com o sistema alfabético­ortográfico se intensifica. Nesta ótica, os erros de escrita
são observados, numa perspectiva piagetiana (Ferreiro; Teberosky, 1984), como
indícios relevantes para o mapeamento do processo de construção do conheci-
mento a decorrer nas representações mentais dos jovens escreventes.
Nesta linha de investigação, em que a escrita é observada à luz do contexto
fonológico, importa perceber, por exemplo, que relações se estabelecem entre
os padrões de aprendizagem da escrita e os diferentes graus de complexidade
fonológica, assim como, que relações existem entre os padrões de aquisição seg-
mental e silábica ocorridos na fala e o percurso de desenvolvimento dessas mesmas
estruturas na escrita. Essa abordagem subjaz a vários estudos sobre escrita inicial
no Português. Destacam-se, em seguida, alguns dos resultados obtidos, com foco
nas consoantes em final de sílaba.
Quanto à aprendizagem da escrita por crianças Brasileiras, o foco da investi-
gação tem incidido particularmente na representação de sílabas complexas. Na linha
de trabalhos como o de Abaurre (2001), tem sido assumido que os erros de escrita
resultam muitas vezes das dificuldades sentidas pelas crianças no estabelecimento
138 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

de associações entre os segmentos e os constituintes internos da sílaba. Os erros


decorrem, portanto, de representações ainda incompletas das estruturas silábicas
ramificadas (Pachalski, 2020). Segundo Pachalski; Miranda (2021), o completa-
mento, ou a reconfiguração, das representações é desencadeado quando a criança
inicia a aprendizagem do sistema alfabético. Nesta perspectiva, as autoras defen-
dem que o processamento top-down desenvolvido espontaneamente pela criança, e
que lhe permite, por exemplo, distinguir ataques de rimas, é interrompido por um
novo tipo de processamento, de tipo bottom-up, que parte das unidades mínimas
e permite um acesso cada vez mais consciente às regras fonotáticas que regulam
a associação dos segmentos às unidades intrassilábicas, como o ataque e a rima
ramificada. É particularmente neste último constituinte silábico que se têm focado
muitos dos estudos no PB, sobretudo na grafia da nasalidade.
Os trabalhos de Miranda (2009, 2011, 2012, 2018, 2019) mostram dificul-
dades acentuadas das crianças Brasileiras na grafia da nasal pós­vocálica, o que
contrasta com a aquisição precoce dessa estrutura na fala. Com base nos dados
observados, a autora argumenta em prol da inexistência de uma coda nasal nas
representações fonológicas infantis, defendendo que é apenas com a aprendi-
zagem da escrita que as crianças Brasileiras são levadas a uma reestruturação
da nasalidade no domínio da rima, atribuindo-lhe uma estrutura bifonêmica
(Miranda, 2019). Uma análise similar é apresentada pela autora para a lateral
pós-vocálica que, no PB, gera muitos erros na escrita inicial. Também para a late-
ral, que é vocalizada na fala, não há evidências no input fonético da existência de
uma coda e, por essa razão, nessa etapa do conhecimento as crianças associam a
lateral ao núcleo silábico, similarmente ao que é proposto, na aquisição da fala,
para o PE, por Freitas (1997).
Relativamente à escrita das crianças Portuguesas, são poucos os estudos desta
natureza, particularmente sobre a posição de coda. Há, no entanto, a referir o tra-
balho de Costa (2020), que analisa as codas líquidas em textos de crianças do
2.º e do 4.º ano de escolaridade. A autora constatou maior taxa de erro nas codas
mediais, por oposição às finais, nos textos dos alunos do 2.º ano de escolaridade.
Com base na análise dos erros, Costa (2020) reporta a existência de estratégias
diferentes, em função da posição da coda na palavra: em contexto interno, a omis-
são e a metátese são as categorias de erro mais frequentes; já em posição final,
predominam as epênteses vocálicas e consequente ressilabificação da líquida em
ataque de uma nova sílaba.
O estudo de Costa; Rodrigues; Freitas (2021), baseado em textos de alunos do 2.º
ano de escolaridade, com uma amostra superior à utilizada por Costa (2020) focaliza
apenas a posição final da palavra e observa a produção escrita das crianças relativa-
mente às codas líquidas e fricativa. Os resultados corroboram a predominância de
erros por inserção vocálica para as consoantes líquidas em coda final e constata a
existência de padrões de erros distintos para a coda não soante, para a qual se regis-
tra um predomínio da omissão e das trocas ortográficas.
Globalmente, a investigação disponível para o PE aponta para a existência
de processamentos distintos das codas, por parte das crianças, em função da sua
natureza segmental (soante ou não soante) e da posição da coda na palavra; aponta
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 139

ainda no sentido de algumas simetrias entre os padrões de aquisição silábica na fala


(nomeadamente da aquisição da coda final antes da medial, reportada em Freitas,
1997) e os padrões de escrita.
Em suma, a investigação sobre a fonologia do Português tem revelado a existên-
cia de semelhanças e de diferenças entre as variedades Brasileira e europeia, particu-
larmente na natureza e na constituição da coda silábica nas duas gramáticas-alvo.
Além disso, a investigação tem mostrado que os padrões de aquisição da fala e da
escrita fornecem uma base empírica importante para a discussão da forma como as
representações fonológicas dos falantes se configuram, ao longo do tempo. Desta
forma, assume particular relevância o cruzamento de dados da escrita inicial de
crianças Brasileiras e Portuguesas, de forma a averiguar, entre outros aspectos, se a
variação preconizada na descrição das duas gramáticas-alvo encontra validação na
escrita inicial das crianças nessas variedades.
Em linha com o anteriormente exposto, o presente estudo pretende contribuir
para a discussão acerca da representação da coda silábica medial na fonologia das
crianças Brasileiras e Portuguesas. Visando à consecução deste objetivo, pretende-
se comparar os dados de escrita dos dois grupos de crianças, de modo a (i) iden-
tificar padrões de erros (ii) observar o impacto das complexidades fonológica e
ortográfica; (iii) discutir relações entre os padrões de escrita e o input de cada
variedade.

3 Análise dos dados


Os dados analisados neste capítulo pertencem a duas amostras de escrita de crian-
ças Brasileiras e Portuguesas que cursavam, à época das coletas, o segundo ano do
ensino fundamental/1.º ciclo do ensino básico. Os textos referentes ao PB foram
extraídos do Banco de Textos de Aquisição da Linguagem Escrita, o BATALE
(Miranda, 2001) e os dados do PE foram extraídos do corpus EFFE-On (Rodrigues
et al., 2015).
A análise da globalidade desses textos mostra que a escrita de consoantes pós-
vocálicas em sílaba medial apresenta taxas de acerto de 85% no PE e de 84% no
PB. Deste modo, nos corpora analisados foram identificados entre 15% a 16%
de erros na posição silábica em estudo. Acresce que a frequência dos erros não é
uniforme, variando em função da classe segmental e, em alguns casos, do sistema
linguístico em estudo.
Os valores globais de acerto e de erro por classe segmental são discriminados
na tabela que se segue.

Tabela 6.5 Percentagens de acerto e erro no registro de consoantes pós-vocálicas – PE e PB

PE PB

Nasal Fricativa Lateral Rótica Nasal Fricativa Lateral Rótica


Acerto 81% 87% 91% 90% 77% 94% 59% 95%
Erro 19% 13% 9% 10% 23% 6% 41% 5%
140 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

A partir destes valores, é possível reconstruir uma escala do domínio escrito das
consoantes no limite direito da sílaba, para as duas amostras. Assim, no PE, a consoante
lateral é a que coloca menos dificuldades aos alunos; segue­se a rótica e a fricativa e,
por fim, a nasal, que registra maior percentagem de erros. Já no PB, a consoante com
maior taxa de acerto é a rótica, seguida da fricativa, da nasal e, por fim, da lateral. Estas
sequências mostram que PE e PB diferem de maneira mais radical quanto à lateral:
trata-se do segmento que menos entraves parece colocar às crianças Portuguesas e,
inversamente, o que se evidencia como mais problemático para as crianças Brasileiras.
Estas diferenças entre PE e PB esbatem-se, no entanto, no que diz respeito à nasal, uma
vez que os dois grupos evidenciam dificuldades no registro da nasalidade pós­vocálica.
No que diz respeito ao tipo e frequência dos erros, os dados de ambas as vari-
edades convergem na predominância de omissões relativas às consoantes nasal e
fricativa e são coincidentes no predomínio de erros por substituição da consoante
lateral. Relativamente à rótica, as crianças Portuguesas e Brasileiras manifestam
uma tendência comum, neste caso, para erros por metátese. Na seção seguinte,
far-se-á uma análise mais detalhada destes padrões de erro, por classe segmental.

3.1 A consoante pós-vocálica nasal

Na amostra aqui em observação, foram identificados, no PE, 3059 tokens com nasal
pós-vocálica medial, dos quais 81% são redigidos conforme o alvo, registrando-se
596 erros. Nos textos do PB, foram identificados 1234 tokens, dos quais 77% são
produzidos em conformidade com o alvo, verificando­se 285 ocorrências de erro.
Nas duas amostras, as estratégias mais utilizadas para lidar com a escrita das
consoantes nasais em fim de sílaba interna são a omissão e as trocas ortográficas,
como exemplificado em seguida.
A análise desses erros em função da vogal que antecede a consoante nasal
mostrou que a similaridade entre as duas amostras é notável, pois, em ambos os
corpora, a omissão prevalece em contextos da vogal baixa e das vogais altas (con-
textos aN, iN e uN), enquanto as trocas ortográficas afetam sobretudo contextos
com vogais médias (contextos eN, oN). Assim, a distribuição dos erros para a nasal
pós-vocálica não parece estar relacionada com a percepção da nasalidade, visto que
esta é mais reduzida nas vogais altas e mais acentuada na vogal baixa.
Procurou-se ainda averiguar se, nos casos de omissão da consoante nasal, esse
fenômeno é acompanhado de alteração da qualidade vocálica. Neste âmbito, os

Tabela 6.6 Exemplos de omissões e de trocas ortográficas da consoante nasal – PE e PB

PE PB

Palavra escrita Palavra-alvo Palavra escrita Palavra-alvo

Omissão coboio comboio fudo fundo


baco banco bricar brincar
Troca ortográfica canpo campo comseguir conseguir
bamco banco cenpre sempre
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 141

dados mostram uma diferença entre as amostras, especificamente nas grafias da


vogal baixa e da média coronal em contexto de nasalização. Em PB, há maior
incidência de alteração na vogal /a/, em escritas como <caminhedo> e <quedo>,
para caminhando e quando, por exemplo. Tais trocas já reportadas em estudos
do PB ocorrem justamente na vogal cuja nasalidade é mais bem percebida pelos
falantes (Berti; Chacon; Pagliuso, 2008; Miranda, 2009, 2018, 2019). O estudo
realizado por Berti; Chacon; Pagliuso (2008) mostra que, nos dados por eles anali-
sados, a sequência /aN/ é a mais atingida e a vogal é frequentemente grafada como
<e>. A explicação para o fenômeno tem base na similaridade perceptual entre [ɐ]̃
e [e], pois o sistema auditivo, que não é de alta fidelidade, impõe modificações na
percepção dos sons quanto à amplitude e à frequência (Johnson, 1997), o que faz
com que ambas as vogais apresentem áreas semelhantes de estimulação da mem-
brana basilar. Já em PE, a maior parte das trocas de timbre vocálico incide na vogal
média coronal em grafias nas quais <e> é registrado como <i>, o que pode ser
interpretado como efeito do alçamento observado nas pretônicas.
Observando agora com maior detalhe o fenômeno das trocas ortográficas (entre
<m> e <n>), nota­se que a não observância da regra contextual ocorre em percenta-
gens muito similares nos dois grupos de crianças: em 36% nos dados do PE e em
38% nos dados do PB. Adicionalmente, ambos os grupos mostram uma preferência
clara pelo uso do grafema que é regido pela regra mais restritiva: no PE, 64% das
trocas são substituições de <n> por <m> (e.g. contente­>comtente) e, no PB, o
índice é de 71% para o mesmo tipo de troca.
No que tange a nasal pós-vocálica, importa referir as substituições não relacio-
nadas com regras ortográficas. Também neste aspecto encontrou­se proximidade
entre as amostras, que convergem no tipo de substituição mais frequente, a troca
de <m> e <n> por grafemas vocálicos, conforme exemplificado na Tabela 6.7. Este
padrão acontece em 4% dos casos, no PE e em 5%, no PB.
Por fim, salienta­se outra estratégia identificada: a da redução de uma sequência de
dois elementos com traços articulatórios comuns, como <mb> ou <nd>, a um único
grafema. Estes casos, categorizados como “fusão”, não são frequentes (correspondem a
3% dos erros para a nasal, quer no PE, quer no PB, e afetam um conjunto muito restrito
de palavras-alvo: na amostra Portuguesa, os vocábulos hambúrguer; embora e também
e, na amostra Brasileira, também e algumas formas do gerúndio, ilustradas a seguir.
Retomar-se-á, na seção dedicada à discussão dos dados, estes casos de fusão
de consoantes com propriedades homorgânicas, assim como a relação que se esta-
belece entre estas formas escritas e o input fonético.

Tabela 6.7 Exemplos de substituições de grafemas nasais por grafemas vocálicos – PE e PB

PE PB

Palavra escrita Palavra-alvo Palavra escrita Palavra-alvo

baico banco esiscoudeu se escondeu


coeboio comboio seipe sempre
lougo longo gãode grande
142 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

Tabela 6.8 Exemplos de fusão de sequências <mb> e <nd> – PE e PB

PE PB

Palavra escrita Palavra-alvo Palavra escrita Palavra-alvo

amorger hambúrguer penseno pensando


emora embora rino rindo
tamai; tamãe também tamen também

3.2 A consoante pós-vocálica fricativa


Para a consoante fricativa, foram identificados, no PE, 2209 tokens, dos quais 87%
foram redigidos conforme o alvo e 281 casos foram assinalados como erro. No PB,
identificou­se um total de 354 tokens, com uma taxa de acerto mais elevada (de
95%), com um registro de 18 erros.
O grafema mais frequente nos tokens analisados é o <s>, de palavras como
vestido ou riscas, posto que surjam alguns casos com <x>, como em texto ou
experimentou.
A omissão do grafema é a estratégia mais recorrente nos erros das crianças Por-
tuguesas e Brasileiras para as grafias da consoante fricativa. Esse padrão é exem-
plificado em seguida.
Os dados do PE e do PB diferem, contudo, na segunda estratégia mais frequente-
mente identificada para a consoante em análise. No caso das crianças Brasileiras, o
segundo fenômeno mais frequente é o da troca ortográfica, com um índice de 20%,
a maioria concernente ao uso do <s> pelo <x>, nas palavras experimentou, sexta e
texto. Apenas um caso de uso de <x> por <s> foi observado, na palavra existe grafada
como <esixte>, uma troca na ordem das letras que parece ser de natureza fonográfica,
por se tratar de sequenciamento. A terceira estratégia mais frequente nesta amostra é
a da substituição da fricativa por outros grafemas que são licenciados para ocupar a
posição pós­vocálica, <n>, <r> e <l> (7 casos, equivalentes a 18% dos erros). Há dois
casos de substituição da fricativa por <a>, nas palavras <asuata> e <centiata> para
assustar e cientista, dados que possivelmente expressam natureza fonográfica, neste
caso, relacionada a aspectos do traçado da letra (cf. Miranda, 2020).
Nos dados do PE, registram­se ainda trocas ortográficas, a maioria delas para a
palavra experimentou, em que as crianças usam o grafema <s> no lugar de <x> (28
casos), em formas como <esprimentou>. No entanto, a segunda categoria de erro mais
frequente para a fricativa (15%, equivalente a 43 ocorrências) é a da sua fusão com a
consoante fricativa coronal à sua direita. Seguem-se alguns exemplos deste fenômeno.
Uma análise mais detalhada destes casos mostrou que as sequências de fricativa
em fim de sílaba medial seguida de consoante fricativa coronal (ver seção 2.1, para
referência a estas estruturas no alvo, no PE) colocam, de fato, obstáculos à escrita
inicial das crianças Portuguesas. Globalmente, o corpus do PE registra 83 tokens
destas estruturas, referentes a formas dos verbos nascer, crescer, descer, acrescentar
e ao nome piscina. Destas 83 possibilidades, menos da metade surgiu representada
corretamente (48%). Retomar-se-á este assunto mais adiante, na discussão dos dados.
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 143

Tabela 6.9 Exemplos de omissões de fricativa – PE e PB

PE PB

Palavra escrita Palavra-alvo Palavra escrita Palavra-alvo

assutado assustado gota gosta


repondeu respondeu etuda estuda

Tabela 6.10 Exemplos de fusão de fricativas – PE

palavra alvo desceu piscina acrescentou crescido


palavra escrita decheu dexeo pechina pexina acrexentou crechido

3.3 A consoante pós-vocálica lateral

No PE, foram identificados 243 tokens com coda lateral medial, dos quais 91% são
redigidos conforme o alvo, ou seja, com o grafema <l>. Já no PB, foram identifi-
cados 83 tokens para a lateral em final de sílaba interna. Contrariamente ao que se
verifica nos dados do PE, as crianças Brasileiras demonstram dificuldades acentua-
das na representação de <l> nesta posição silábica, conforme evidenciado pela taxa
de acerto bastante menor, de 59%, com 34 ocorrências de erro.
Apesar das diferenças nas taxas de acerto, os dois grupos de crianças manifestam
um comportamento semelhante em relação à categoria de erro mais frequente: em
ambos os casos, predomina a substituição, como ilustrado na tabela que se segue.
A Tabela 6.11 ilustra os dois tipos de substituição que afetam a lateral: por um
lado, a troca do grafema <l> pela vogal <u> (registra­se apenas um caso de substi-
tuição por <o>, em <aomofadas> para almofadas, no PE) e, por outro, a troca por
uma consoante nasal (<m> ou <n>). A substituição pelos grafemas vocálicos é a
mais frequente em ambas as amostras, embora surja mais generalizada na escrita
das crianças Brasileiras (91% no PB e 57% no PE).

3.4 A consoante pós-vocálica rótica

No PE, foram identificados 1444 tokens com coda rótica medial, dos quais 90%
foram representados em conformidade, ou seja, grafados com <r> nessa posição
silábica, registrando-se 142 casos de erro. Já no PB, a percentagem de acerto foi
maior para esta consoante. No conjunto de 354 tokens, a rótica foi representada
corretamente em 95% dos casos, havendo apenas 18 ocorrências de erro.
Nos dados de ambas as variedades, a omissão e a metátese são os padrões mais
frequentes. As omissões representam, no PE, 43% dos erros para a rótica e afetam
palavras como tartaruga e carnaval, grafadas como <tataroga> e <canaval>. No
PB, as omissões correspondem a 10 casos (55% dos erros) de representação gráfica
da palavra porque, escrita como <poque>.
144 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

Tabela 6.11 Exemplos de substituições de lateral – PE e PB

PE PB

Palavra escrita Palavra-alvo Palavra escrita Palavra-alvo

ambosar almoçar comchão colchão


resouveu resolveu vouta volta

Relativamente à metátese, exemplificada na Figura 6.4, observa­se que ocorre


com mais frequência nos dados do PE (62 ocorrências, correspondendo a 44% dos
erros identificados para esta consoante) do que no PB (5 casos, equivalentes a 28%).
Analisando os dados das crianças Portuguesas com maior pormenor, verifica­se
que essas metáteses: (i) incidem predominantemente na sílaba mais à esquerda da
palavra; (ii) mostram a transposição intrassilábica da rótica em coda para a segunda
posição de um ataque ramificado, ou seja, a conversão de sequências CVC em
CCV (e.g. <broboleta> para borboleta ou <trataruga> para tartaruga). Desta forma,
estes erros resultam, na escrita, na complexificação da estrutura silábica do alvo, o
que contraria a tendência geral que as crianças manifestam, numa fase inicial, para
a redução da complexidade nas suas produções orais e escritas.
O trabalho de Redmer (2007) explora este padrão CVC → CCV na aquisição
da fala por crianças Brasileiras, defendendo que este fenômeno surge em sílabas
proeminentes da palavra prosódica, sendo essa proeminência conferida pelo acento
e pelo limite esquerdo da palavra. Já na amostra do PE aqui em estudo, a proemi-
nência da sílaba não parece decorrer do padrão acentual, pois 94% dos casos ocorre
em sílaba átona. A proeminência parece, no entanto, estar relacionada com a fron-
teira esquerda da palavra (em 74% dos casos), à semelhança do reportado em Costa
(2020), para o PE. A propósito do fenômeno CVC → CCV na aquisição da escrita
no PB, Pachalski; Miranda (2016) problematizam a relevância categórica do acento,
salientando que a motivação destas metáteses poderá advir de outros fatores, que
importa continuar a investigar. A multiplicidade de aspectos que podem estar na
base do fenômeno da metátese constitui o objeto de estudo de Araújo (2011); a
autora cita, por exemplo, questões de natureza perceptiva e ressalta o fato de este
ser um processo característico da fala do adulto, sobretudo em elocução informal.
As grafias com metátese encontradas na amostra do PB são referentes às pala-
vras porque, terminar, comportar e ter, sendo que nas três primeiras a metátese
ocorre na sílaba átona, em consonância com os dados do PE. Apresenta-se, em
seguida, um texto produzido por aluno do segundo ano de uma escola Brasileira4
no qual são observados três exemplos de metáteses.
Por fim, no que diz respeito às substituições observadas para a rótica, 4 casos no
PE e 3 no PB, foram cinco delas relativas ao uso de grafemas que correspondem
a consoantes licenciadas em final de sílaba, <l>, <n> e <s>, em <elva>, <sento> e
<transfosmada> para erva, certo e transformada, por exemplo. Além dessas, foram
encontradas as formas <atte> e <apeitou> para arte e apertou, no PB e no PE,
respectivamente.
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 145

Figura 6.4 Texto com exemplos de metátese da rótica pós-vocálica – PB


146 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

4 Discussão dos dados


Os dados de escrita deste estudo foram perscrutados na busca de pistas que pos-
sam subsidiar a discussão referente às representações construídas pelas crianças
das estruturas (C)VC da língua. Entende­se que as propostas de análise definidas a
partir da fonologia da língua alvo, ao serem postas em diálogo com as produções
das crianças, criam importantes pontos de intersecção para que, devido ao caráter
desenvolvimental do processo, se pense sobre a forma como as representações
são estruturadas e sobre a possibilidade de que ocorram redescrições do conheci-
mento fonológico. Na verdade, para que a aquisição da linguagem seja um ver-
dadeiro lócus de investigações, capazes de elucidar as simetrias e as assimetrias
observáveis quando se comparam a fonologia alvo e a fonologia infantil, é preciso
garantir, na análise, o espaço para mudança. Nesse contexto, os dados de escrita
inicial desempenham um papel de extrema relevância, à medida que emolduram
uma etapa do desenvolvimento cuja característica principal é a retomada, pelas cri-
anças, daqueles conhecimentos da fonologia da língua materna já fixados por elas.
Seguindo-se esta linha de pensamento, a principal pergunta subjacente a este
estudo pode ser assim formulada: o que os dados de escrita dizem sobre o proces-
samento de crianças Portuguesas e Brasileiras a respeito das consoantes de final
de sílaba, na posição medial de palavra, as quais são interpretadas em grande parte
dos estudos fonológicos como integrantes da coda? Para responder a esta questão,
buscou-se a chave de outras questões precedentes: Quais as convergências e
divergências da literatura sobre as estruturas em foco? Quais as evidências que ema-
nam dos dados de aquisição fonológica acerca da forma como as crianças processam
essas consoantes? Qual o papel do input para a definição dessas representações?
Os estudos fonológicos reportados na seção 2.1 deste capítulo apresentam
posições coincidentes em relação à presença de coda fricativa, lateral e rótica na
gramática do PB e do PE, conforme Bisol (1999) e Mateus; D’Andrade (2000). Já
em relação à nasal, ainda que ambos compartilhem do mesmo conjunto de argu-
mentos para a estrutura bifonêmica da nasalidade, os últimos propõem que não se
trate a nasalidade medial e final como resultante da ocupação da coda por N, mas
sim como derivada de um autossegmento nasal flutuante ligado ao núcleo e sem
posição esqueletal.
Na aquisição da linguagem, os caminhos percorridos pelas crianças no que con-
cerne a essas estruturas, especificamente na posição medial, apontam para outras
direções, que não aquelas referidas no parágrafo anterior, conforme mostram os
estudos mencionados na seção 2.2. Como visto, apenas o comportamento da frica-
tiva está livre de controvérsia, pois há consenso de que se trata verdadeiramente de
uma coda. Quanto às três demais codas potenciais, no entanto, observa-se que os
autores, que admitem o condicionamento da produção segmental à emergência de
estruturas prosódicas, tendem a interpretar nasal e lateral como segmentos proces-
sados pelas crianças como núcleo.5
Os resultados advindos dos dados de escrita, descritos neste capítulo, mostram
mais semelhanças que diferenças entre as duas amostras analisadas ou, melhor
dizendo, entre as grafias de crianças Portuguesas e Brasileiras que cursavam o
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 147

segundo ano de escolarização. Quando considerada a distribuição geral de erros e


acertos, houve consonância entre os grupos e, mais que isso, revelou-se uma ordem
na distribuição dos erros a partir da qual pode ser observado o domínio das escritas
das quatro consoantes pós-vocálicas presentes no sistema. Note-se que se trata de
uma ordem quase idêntica, a não ser pela posição extrema da lateral, que é primeira
em PE e última em PB, conforme mostra a Figura 6.5.
Este esquema mostra que a consoante lateral é a que coloca menos dificuldades
às crianças Portuguesas e, contrastivamente, a que gera mais erros na escrita das
crianças Brasileiras. Esta diferença pode ser explicada em razão das formas foné-
ticas presentes nos dois sistemas linguísticos, pois, enquanto em PE a produção é
de uma lateral velarizada, estabelecendo-se uma relação mais direta entre fonema/
fone/grafema, em PB, vem à superfície um glide, cujo correlato direto na escrita é o
grafema <u>, preferencialmente utilizado pelas crianças Brasileiras em suas escri-
tas para este contexto. Desta forma, a aprendizagem ortográfica para as crianças
Brasileiras exigirá a desambiguização de formas com sílabas homófonas como au.
to-al.to e pau.ta-pal.co, por exemplo.
Outro resultado comum entre as duas variedades é a preferência pela omissão
dos grafemas correspondentes às consoantes pós-vocálicas, seja para as nasais, as
fricativas ou mesmo para as róticas. Em termos percentuais, as omissões repre-
sentam 52% do total de erros identificados no PE e 44% no PB, o que demonstra
um elevado grau de frequência nas duas amostras. A propensão destas crianças
para evitar a representação deste constituinte é, assim, evidente, estabelecendo-se
uma simetria com os fenômenos de coda avoidance que têm sido reportados para
o Português. De fato, sabe­se que a configuração silábica com coda preenchida é
marcada nesta língua, pelas fortes restrições que regulam o preenchimento deste
constituinte intrassilábico. Essa complexidade poderá estar na base de diversas
estratégias de evitamento da coda, que caracterizam o Português diacrônica e sin-
cronicamente, entre as quais a tendência registrada pelos falantes para a supressão
ou para a nuclearização do conteúdo segmental desse constituinte (Miranda, 1996;
Freitas, 1997; Girelli, 1988; Veloso, 2008). Essa tendência de coda avoidance, evi-
denciada quer na fala dos adultos quer na fase de aquisição da língua, é corroborada
pela escrita aqui estudada de crianças Brasileiras e Portuguesas.
Repare-se que muitas destas omissões afetam a nasal e que, no que toca a esta
consoante, é notável o nível de dificuldade que coloca às crianças de ambas as
amostras: os desvios no registro da nasalidade, seja através de omissões, de substi-
tuições ou de outras estratégias, é responsável por 57% e 76% do total de erros nos
dados do PE e do PB, respectivamente. A questão da nasalidade será retomada em

Lateral > Róca > Fricava > Nasal > Lateral

Figura 6.5 Ordem decrescente de domínio na escrita das consoantes pós-vocálicas – PE e PB


148 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

seguida, mas antes importa realçar esta constatação de que as crianças Portuguesas
e Brasileiras deste estudo registram padrões de aquisição da escrita muito simi-
lares. Essa semelhança mostra que, em etapas iniciais da aprendizagem, é maior a
proximidade do que a diferença entre os dois sistemas linguísticos.
Conforme referido no início desta seção, os achados e as questões norteadoras
deste estudo trazem à tona a discussão sobre as representações fonológicas e sobre
o papel dos dados de escrita como base empírica para a reflexão teórica. A Figura
6.6 sintetiza a forma como a relação entre a aquisição fonológica, a fonologia da
língua e a ortografia estão sendo abordadas no estudo.
A simetria observada entre os níveis representados na Figura 6.6 (input fonético,
forma fonológica e forma ortográfica), relativamente à fricativa e à rótica, parece
ser responsável pela alta performance das crianças em suas escritas iniciais, mani-
festada nos índices de acertos observados em ambas as amostras, em torno de 90%
ou mais. Nesses casos, a entrada linguística conspira para uma representação CVC
a qual, por sua vez, encontra eco na ortografia (note­se que o uso do <x> é resi­
dual). Já a assimetria verificada no que concerne à lateral permite algumas reflexões
sobre a construção das representações fonológicas e sobre a reestruturação que
pode decorrer da aquisição da escrita ortográfica. Ao chegarem à escola, o ponto
de partida de crianças Brasileiras e Portuguesas parece ser distinto dado o input
disponível, CV[glide] para as primeiras e CV[lateral] para as últimas. Ainda que
a velarização da lateral observada em PE possa projetar um núcleo complexo na
fonologia inicial, como postula Freitas (1997), a coda lateral se consolida a partir
da aquisição de outras codas (fricativa e rótica) e o input disponível reforça tal con-
figuração. Assim, ao compreender os princípios do sistema alfabético e começar a
acessar a estrutura interna das sílabas, as crianças falantes de PE deparam-se com
uma relação simétrica entre forma fonológica e ortográfica. Já a criança Brasileira
precisará da informação ortográfica para reestruturar a configuração da sílaba com
lateral em coda, uma vez que durante o processo de aquisição não lhe foi facultado

codas do português
ortografia <l> <s><x> <r>

fonologia VL VS VR

lateral fricativa rótica


R R R

N C N C N C

input v w L v S v R
-

Figura 6.6 Relação fonética, fonologia e ortografia para as rimas ramificadas


A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 149

pelo input o acesso a essa informação. Assim, os dados de escrita analisados neste
estudo, ao mostrarem que a lateral pós-vocálica apresenta resultados opostos, isto
é, maior facilidade na grafia para as crianças do PE e menor para as do PB, cor-
robora a ideia de haver uma necessária pressão da ortografia, especificamente nos
casos em que há maior assimetria entre os níveis.
Quanto à nasalidade pós-vocálica, descrita como coda nas análises para o PB e
como decorrente da presença de um autossegmento em PE (cf. Figura 6.3), tem-
se que os inputs são similares em ambas as variedades.6 No entanto, a assimetria
entre input e a representação bigrafêmica na ortografia (<Vm> ou <Vn>) impacta
os registros iniciais da nasalidade nos dados dos dois grupos, como se pôde ver
nos resultados apresentados neste estudo e em outras investigações já menciona-
das. A incidência de erros é maior nas grafias das vogais nasalizadas em posição
medial (seção 4, Tabela 6.5) e variadas são as estratégias utilizadas pelas crianças
para resolverem o problema do registro dessa estrutura. Diante da mesma tarefa,
qual seja, registrar a nasalidade medial, observam-se diferentes soluções como a
segmentação não­convencional; a mudança na qualidade da vogal (<penseno> para
pensando, <quedo> para quando); a metátese (<getne> para gente), cujo resultado
fere a grafotática; ou ainda o uso de <ão> como em <bão di do> para bandido e <i>
como em <eicomóda> para (ele) incomoda. Tal variedade de estratégias para solu-
cionar o problema da grafia da vogal nasalizada reforça a ideia de Abaurre (1988),
segundo a qual a sequência <VN> é uma forma gráfica contraintuitiva às crianças.
Considerando-se esses aspectos relativos à nasalidade e com base nos dados que
vêm sendo analisados e cotejados como resultados da aquisição fonológica, argui-se
uma mudança representacional em decorrência do contato com a escrita alfabético-
ortográfica cujo resultado, para a fonologia, é uma representação bifonêmica.
Importa ainda aqui explorar a significação do espaço em branco deixado pelas
crianças em contexto de consoante pós-vocálica; na sua maioria, estes casos de erro
foram classificados neste estudo como fenômenos de segmentação. Apesar de não
constituírem uma categoria com elevada taxa de ocorrência (constitui 5% do total
de erros identificados na amostra do PB e 2% no PE), estas segmentações revelam­
se interessantes enquanto pistas para o processamento infantil que lhes poderá estar
subjacente. Veja-se, em seguida, um texto com exemplos desse fenômeno.7
As grafias hipersegmentadas no texto são representativas dos dados de ambas as
variedades e ilustram um período de aprendizagem marcado pela hesitação e pela
experimentação. Nos dados analisados, as crianças ora grafam a consoante pós-
vocálica, mas hesitam na posição na sílaba (e.g. em bora vs e mora) e na palavra (e.g.
bos car; com pania), ora não a representam, deixando um espaço em branco no seu
lugar (e.g. gra de). Repare-se que, em alguns casos, apesar de ocorrer a segmentação,
a criança parece ter a consciência de que se trata de uma única palavra; a inserção do
hífen na forma <por­que> ilustra esse conhecimento já desenvolvido. Neste quadro
de escrita inicial, os espaços em branco podem ser vistos como momentos de dúvida,
espaços de reflexão sobre vários aspectos que se cruzam na aprendizagem da escrita,
nomeadamente aqueles relativos à informação de natureza prosódica, assim como
aqueles ligados ao conhecimento sobre as letras e a representação ortográfica.
Há alguns entraves impostos pela ortografia às crianças, pois, de fato, nem todos
os erros identificados na representação da consoante pós­vocálica estão associados
150 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

Figura 6.7 Texto com exemplos de segmentação não convencional – PB


A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 151

à fonologia. No que diz respeito à fricativa e à nasal, os dois segmentos que apre-
sentam ou maior opacidade na relação fonema­grafema ou grafia regulada pelo con-
texto (cf. seção 2, Tabela 6.3), uma importante fatia dos erros encontrados (29% nos
dados do PE e 36% no PB, no conjunto das duas classes consonânticas) corresponde
a trocas ortográficas, predominantemente pelo uso de <s> em vez de <x>, no caso da
sibilante e pelo uso de <m> no lugar do grafema <n>, no registro da nasalidade. É,
uma vez mais, notória a similaridade de comportamento entre as crianças das duas
amostras, não só na proximidade dos valores percentuais obtidos (cf. seção 4.3),
mas na convergência dos padrões de troca predominantes. Estas trocas parecem
resultar de um domínio ainda instável do conhecimento lexical, assim como das
regras contextuais que regulam, no caso da nasal, o uso dos grafemas <m, n> em
final de sílaba medial. Neste último caso, é interessante o fato de as crianças optarem
sobretudo pela utilização do grafema correspondente à nasal bilabial, precisamente
aquela que tem um contexto de emergência mais restritivo. Este padrão vem, assim,
corroborar um fenômeno já atestado na aquisição da língua: a complexidade ou mar-
cação de uma estrutura pode promover a sua utilização pelos falantes. Um padrão
semelhante foi identificado, por exemplo, no favorecimento da aquisição da coda
final, em detrimento da medial, conforme abordado na seção 2.2.
Outro padrão interessante identificado nos dados é o de que as substituições
ocorrem, na sua maioria, dentro da mesma classe natural. Relembre-se que os erros
por substituição ocorrem com maior relevo, nas duas amostras, na grafia da lateral.
Esta é, na maioria destes casos, trocada por um grafema vocálico, registrando-se,
no PE, trocas da lateral pela nasal. Em ambos os casos, a substituição dá-se entre
segmentos soantes. O mesmo se verifica nos erros de substituição da nasal por
vogais, reportados na seção 4.3.1.
Este estudo comparativo pôs em relevo o papel do input no percurso de aquisição
da escrita nos dois sistemas linguísticos. A importância das configurações fonéti-
cas disponibilizadas para os jovens falantes mostrou-se relevante, por exemplo,
na interpretação dos erros categorizados como fusão em estruturas <sc>, no PE.
Viu­se, na seção 2.1, que as sequências de duas sibilantes como em <piscina> são
descritas no PE como heterossilábicas, ocupando a primeira fricativa a posição
de coda e a segunda a de ataque da sílaba adjacente à direita. Viu-se que o input
fonético do PE admite a produção pi[ʃs]ina e a produção pi[ʃ]ina, com redução das
duas fricativas para uma só (Costa; Rodrigues; Freitas, 2021). Os dados das crian-
ças Portuguesas neste estudo mostram que esse input tem impacto na escrita (cf.
4.3.2), pois em 52% das 85 possibilidades de ocorrência para este tipo de estrutura,
as crianças substituíram as duas consoantes por uma, prevalecendo os grafemas
que correspondem à coronal não anterior, em formas como <pixina> para piscina
ou <crechido> para crescido. Um processo similar de fusão de consoantes que par-
tilham propriedades articulatórias foi observado, nas duas amostras, para a nasal
pós­vocálica, em contextos como <mb> e <nd>, reduzidos a um único grafema,
como em <tamen> e <rino> para também e rindo (cf. seção 4.3.1). Tal como nos
casos de fusão anteriores, estes erros de escrita encontram relação com o input, em
ambas as variedades, particularmente na produção de <também> e dos gerúndios,
no caso do PB.
152 Ana Ruth Moresco Miranda, Teresa Costa

O input poderá influenciar erros por metátese da rótica, particularmente aque-


les que envolvem a sílaba em posição inicial de palavra, em casos como <prece-
beu> ou <broboleta>, pois correspondem a fenômenos frequentes na fala. A este
propósito, os dados aqui reportados corroboram a existência de uma relação entre
os padrões CVC → CCV e a proeminência da fronteira esquerda da palavra. No
entanto, para conclusões mais aprofundadas sobre este processo na escrita infantil,
faz­se necessário observar todos os casos de metátese, independente da configu-
ração silábica do alvo, o que ultrapassa o escopo deste trabalho. Fica, assim, como
indicação de assunto que requer estudo mais aprofundado, na linha do proposto por
Pachalski; Miranda (2016).

5 Considerações finais
Este estudo sobre a escrita de crianças Brasileiras e Portuguesas explorou simetrias
e assimetrias entre o conhecimento fonológico demonstrado pelos jovens escre-
ventes e aspectos da fonologia das duas variedades, quer na aquisição da fala quer
nas propostas teóricas existentes para representação da Rima ramificada.
Visando contribuir para a discussão acerca da forma como os dois grupos de
crianças constroem a representação deste constituinte silábico, fez-se a análise das
taxas de acerto e de erro para cada uma das consoantes em estudo, assim como a
exploração das categorias de erro. Globalmente, esses dados evidenciaram uma
grande similaridade de padrões entre as crianças das duas variedades, que con-
fluem, por exemplo, (i) na construção gradual da representação bifonêmica da
nasalidade (uma confluência que contrasta com a existência de abordagens teóricas
distintas para a nasalidade da Rima, em cada variedade); (ii) no favorecimento da
omissão como principal estratégia de produção; (iii) na tendência para a substitui-
ção dentro da mesma classe natural; e, ainda, (iv) na interação, na base de muitos
dos erros cometidos, de motivações de ordem fonológica e ortográfica. Quanto às
diferenças encontradas entre as amostras, destaca-se a assimetria entre aquisição
da fala e da escrita, no que diz respeito à lateral, aspecto que se discute no presente
estudo com base no input de cada variedade.
Os resultados deste estudo corroboram a relevância de uma observação integrada
do funcionamento das consoantes pós-vocálicas no sistema de ambas as variedades
com os padrões observados nos dados de escrita inicial de crianças Brasileiras e
Portuguesas, o que contribui para uma maior compreensão do processo de desen-
volvimento da linguagem, especialmente do conhecimento fonológico.

Notas
1 Financiamento: CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(Processos 312387/2020–2 e 423038/2021–4).
2 Financiamento FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., através do Centro de
Linguística da Universidade de Lisboa (UIBD/00214/2020).
3 De acordo com Viaro; Guimarães-Filho (2007), em um estudo de frequência de estruturas
silábicas em Português, o percentual de rimas VCC é de 0.24%, por oposição a 75% e
21% das rimas V e VC, respectivamente.
A grafia de consoantes em final de sílaba no PB e no PE 153

4 Sugestão de leitura: Eu não vou adotar nenhum porque eu tenho / quatro gatos e uma
cadela e também a gente não tem con- / dição de ter mais bichos porque não tem / espaço
e a gente tem bicho demais e a gente não / tem dinheiro pra cuidar de mais um.
5 Freitas (1997) estende esta proposta também à rótica, diferentemente do que postula Mi-
randa (1996).
6 No PB, a presença de ponto de articulação da consoante seguinte é um dado variável entre
os dialetos do sistema, conforme Cagliari (1977); em PE há a presença apenas de vogal
nasalizada.
7 Sugestão de Leitura: O cachorro é grande / mais grande do que a minha cama / e mais
grande do que meu roupeiro.

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Parte II

Variação Fonológica
7 Revisitando as consoantes em
coda no Português Brasileiro
Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão,
Danielle Kely Gomes

Resumo
Para traçar um panorama geral do Português Brasileiro (doravante PB) no âmbito
fonético-fonológico, focalizam-se /R/, /S/ e /L/ em coda silábica, que se prestam, por
seu polimorfismo, à caracterização de fenômenos variáveis, já registrados no Latim, na
evolução do Latim ao Português e a outras línguas românicas. Com base em estudos
nas linhas geo e sociolinguística variacionista, discutem-se, qualitativa e quantitativa-
mente, os diferentes aspectos do processo de posteriorização que atinge cada um desses
segmentos, apresentando não só a distribuição diatópica das variantes, mas também for-
necendo evidências dos fatores estruturais e sociais que as condicionam. Demonstra-se
que, embora a direcionalidade do processo seja bastante similar, trata-se de diferentes
tipos de mudança. Nos termos de Labov, a mudança do rótico poderia ser considerada
“from below”; a do /S/ “from above”, interpretação apoiada em fracas evidências; e, a
do /L/, basicamente implementada no PB, não se enquadraria em nenhuma das duas
categorias, parecendo consistir numa mudança interna, provavelmente determinada pela
ação de princípios universais. Todas essas mudanças se inserem no espaço multidimen-
sional, por sua vez histórico, social e linguístico. Conclui-se destacando que, apesar dos
diversos estudos sobre esses segmentos, ainda há muitos outros caminhos a percorrer no
sentido de uma melhor compreensão da dinâmica das variações registradas.

Palavras-chave: Português do Brasil. Coda silábica. Variação e mudança. Proces-


sos de posteriorização. Geo-sociolinguística

1 Introdução
Para traçar um panorama geral do PB no âmbito fonético-fonológico, são focaliza-
das, neste capítulo, as consoantes /R/, /S/ e /L/, que, além da nasal, podem ocupar
a coda silábica interna (curta, custa, culta) e externa (mas, mar, mal) e se prestam,
exemplarmente, por seu polimorfismo, à caracterização de fenômenos variáveis.
A perspectiva teórica tem suas bases na Teoria da Variação e Mudança de Weinre-
ich; Labov; Herzog (1968), na Sociolinguística laboviana (Labov, 1972, 1994, 2001)
e na Dialetologia Pluridimensional (Radtke; Thun, 1996; Thun, 2005; Cardoso,
2010), tendo sido utilizados programas computacionais para a análise multivari-
ada (GOLDVARB X – Sankoff et al., 2005). Esses programas pressupõem análises
DOI: 10.4324/9781003294344-10
160 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

qualitativas e quantitativas e são o instrumento metodológico chave da sociolinguís-


tica variacionista (programas de “regras variáveis”), ao controlar diferenças estru-
turais, regionais, sociais e contextuais das formas de uso de uma língua específica.
A seção 2 do capítulo é dedicada aos róticos, cuja variabilidade de realização
não se dá apenas em coda, mas também em ataque silábico, no âmbito do chamado
“R forte”. Além de observar a distribuição dialetal do fenômeno, busca-se apro-
fundar algumas questões e explorar as evidências de que os condicionamentos
envolvidos sejam tanto fonológicos, quanto morfológicos, sociais e prosódicos. É
em função da vitalidade do fenômeno, que se apresenta tão diverso em áreas diale-
tais distintas, que a análise do R no PB não chegou a seu término.
A seção 3 trata da palatalização do /S/ em coda, que se restringia, de início,
ao dialeto carioca, mas que avançou de forma vigorosa em outras áreas do país
consideradas ciciantes, como se pode observar também nos atlas linguísticos Bra-
sileiros já publicados.
A seção 4 busca demonstrar que, no PB, há variação na realização do /L/ em
coda, que pode ter uma articulação consonântica – alveolar ou velar – ou vocálica,
a depender do dialeto, desmistificando­se, assim, a visão dicotômica generalizada
de que, no PB, só existiria vocalização e, no Português Europeu, velarização.
A seção 5 destaca algumas novas propostas de análise de /R/, /S/ e /L/ desen-
volvidas nos últimos dez anos e que dizem respeito sobrteudo aos róticos, a var-
iável mais focalizada no âmbito do consonantismo do PB.
Na seção 6, tecem­se as considerações finais.

2 /R/ em coda
Falar sobre róticos é falar sobre um tema sobre o qual se debruçam vários pesquisa-
dores, de forma sistemática, no Brasil, há mais de cinquenta anos. É relativamente
fácil enumerar os trabalhos que surgiram, de 1970 até hoje, difícil é resumir e
sistematizar todas as informações. Pretende-se aqui fornecer uma visão geral e
focalizar dois processos que envolvem os róticos, posteriorização e apagamento.
Em termos mais amplos, os róticos são conhecidos por sua considerável variabi-
lidade entre as línguas do mundo e, no que se refere à língua Portuguesa, têm sido
objeto de discussão desde o final do século XIX, no começo, de forma intuitiva e,
já na segunda metade do século XX, com base em dados reais de fala, com metodo-
logia rigorosa. O estudo dos róticos envolve a observação de processos de variação
e mudança e, no PB, as possibilidades de realização vão de uma vibrante alveolar a
uma fricativa glotal surda até o seu apagamento, em posição de coda silábica. Esse
caminho, formalizado como um processo de debucalização – que cancela os traços da
cavidade oral (Abaurre; Sândalo, 2003) – não apresenta distribuição semelhante em
todo o país e parece estar relacionado a uma tendência geral em direção a uma pos-
teriorização do segmento (Granda Gutiérrez, 1966; Martinet, 1969, entre outros). É
necessário distinguir, de antemão, entre processos históricos e processos que operam
ainda hoje nas línguas, que devem ser vistos no quadro mais amplo de tendências
universais: “replacement of lingual by uvular R in many European languages must
have taken place by discrete steps” (Weinreich; Labov; Herzog, 1968, 131).
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 161

A oposição hoje existente entre os dois segmentos não está centrada na quanti-
dade, como em latim, mas, sim, na qualidade da consoante, um segmento fraco
(uma vibrante apical) em contraste a um segmento forte (uma fricativa poste-
rior), como em Português, espanhol e, durante um tempo, em francês. Esta ‘nova’
oposição parece ter aberto caminho para múltiplas realizações.
No Português Brasileiro, o R forte é o fonema com a maior diversidade de
realizações, seja em ataque, seja em coda. A variação de ponto de articulação, de
ápico­alveolar a uvular/velar, foi observada no final do século XIX, e a articulação
posteriorizada do segmento atinge o ataque silábico (carro, rato), mas atua princi-
palmente em coda (lar, viajar, cerveja), interna e externa, em que sofre, hoje, em
geral, apagamento: gosta(R).
No PB, o processo evidencia posteriorização e também, como em muitas outras
línguas, mudanças de abertura (resistência decrescente à passagem da corrente de
ar) e sonoridade, aumento da energia acústica periódica (Lass, 1984). Em geral,
essa mudança é interpretada como lenição ou enfraquecimento, mas Hammarström
(1953, 175–176) argumenta que posteriorização não corresponde em si a um pro-
cesso de enfraquecimento e, sim, à consequência da tensão necessária à articulação
de vibrações de um R múltiplo.
Parece ser a mesma mudança de ponto de articulação registrada na área da Foné-
tica, em outras línguas, a julgar pelas ponderações de Granda Gutiérrez (1966b,
185–186) sobre variação similar no espanhol de Porto Rico, registrada também na
Venezuela, Colômbia, Trinidad, etc. e até em áreas não-românicas. Hammarström
(1953, 175), Granda Gutiérrez (1966a) e Moraes Barbosa (1962) levantam hipóte-
ses de explicação das mudanças, a saber, resultar (i) de um processo de enfraqueci-
mento – com um aumento de sonoridade – ou, no sentido contrário, (ii) de um
fortalecimento, ou poder estar no Princípio de dispersão da sonoridade (Kenstow-
icz, 1994, 283). Uma forma de resolver a questão residiria em incluir o traço tenso,
como sugerido por Hammarström (1953) e depois por Mascaró (2003), que reúne
vibrantes e fricativas como variantes [+tens], em oposição à aproximante tepe,
variante [­tens]. A dificuldade de explicação, contudo, para a mudança de vibrante
→ fricativa permanece, já que ambas possuiriam o mesmo grau de sonoridade, na
nova proposta. Quando o processo de lenição é visto sob a ótica de um ranking de
complexidade, na aquisição (Jakobson, 1968), é possível observar, que o PB vai na
direção oposta de complexidade ontogênica.

2.1 Panorama geral e trajetória da mudança no PB

Testemunhos de vários autores comprovam que essas mudanças foram registra-


das há muito tempo e, no final do século XIX, já dizia Viana (1883, 20) que ele
próprio pronunciava o r inicial como uma fricativa sonora, uma espécie de rz . . .
embora tivesse encontrado raramente esta particularidade na pronúncia de outras
pessoas Portuguesas, mas, sim, de Brasileiras, não sabendo dizer até que ponto
essa pronúncia seria individual ou dialetal, própria de Pernambuco e de São Paulo.
As informações disponíveis na literatura são imprecisas e quase sempre pres-
critivas. As gramáticas antigas de língua Portuguesa trazem poucas informações
162 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

sobre essa variação de pronúncia. Dois Congressos trataram do tema, o de Língua


cantada (Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, 1937) e o de
Língua Falada no Teatro (Anais, 1958), sempre com a recomendação de evitar a
articulação posteriorizada.
Cunha (1979, 54) classifica o R como uma consoante velar, por ser essa a reali-
zação normal no Rio de Janeiro e de grande parte do Brasil, mas acrescenta que a
pronúncia padrão corresponde a uma vibrante ápico-alveolar, tal como produzida
no Rio Grande do Sul e em outros pontos, não negando a existência de outras reali-
zações, como a vibrante dorso-uvular, no Português popular no Rio de Janeiro, e a
vibrante velarizada linguo-palatal, a chamada pronúncia caipira”, característica do
nordeste de São Paulo e do sudeste de Minas Gerais, de que não trataremos aqui.
Houaiss (1970, 35) afirma que, no Rio de Janeiro, coexistem /R/ velares e
uvulares, afirmação refutada por Nascentes (1953), ao dizer que nunca registrou
uma articulação uvular [+/­son] em falantes não­escolarizados, na área do Rio de
Janeiro. Silva Neto (1970) menciona o R forte inicial e medial (entre vogais) no
Nordeste do Brasil; Marroquim (1945, 35) diz que o segmento passou por uma
mudança de ponto de articulação, de vibrante linguodental a ligeiramente gutural,
com insignificante aspiração vozeada, em falantes escolarizados e não­escolari-
zados. Martins Aguiar (1937) considera o R forte do Ceará uma consoante velar,
articulada por aproximação do corpo da língua ao palato mole.
Teyssier (1976, 38–39) volta ao tema para dizer que, tanto no Brasil quanto em
Portugal, a pronúncia que se generalizou – em PB e PE, sendo apropriado adotá-la
como preferencial – é a que consiste em vibrar a parte posterior da língua diversas
vezes no nível do palato mole. Esse R seria, assim, muito diferente da consoante
correspondente no espanhol, e o ponto de articulação não seria mais a do R simples
do Português, mas, sim, próximo ao do R “uvular” do francês. Camara Jr. (1986
[1977, 78) também afirma que uma variante do /r/ inicial é a velarizada, nas duas
variedades, assim como em dialetos crioulos de Cabo Verde (Nunes, 1962). Em
suma, sempre houve uma tentativa de discutir a distribuição das variantes por áreas
geográficas.
Antenor Nascentes (1953) já chamava a atenção para a afirmação de Serafim da
Silva Neto de que a divisão do nosso país em áreas linguísticas esbarrava em uma
grande dificuldade, a falta de determinação das chamadas “isoglossas”, isto é, de
linhas demarcadoras de fenômenos linguísticos que singularizariam os dialetos.
Em um país de grande extensão territorial, história de ocupação complexa e dife-
renciada, não é simples delimitar áreas dialetais, pois não há uma coincidência de
áreas nem uma distribuição homogênea dos fenômenos pelas áreas, nem tampouco,
do ponto de vista sincrônico, evidências inequívocas que expliquem a ocorrência
das variantes.
Callou (1987), nas considerações finais de seu estudo, chama a atenção para
alguns pontos que deveriam ser focalizados em pesquisas sobre o R: (i) o de ter
havido uma mudança na pronúncia padrão da chamada vibrante forte, não apenas de
modo (vibrante → fricativa), como de ponto de articulação, [+ant] → [­ant]; (ii) o
de o polimorfismo dos róticos ter sido referido desde o século XIX, ainda que a dis-
tribuição das variantes fosse anotada no nível individual e/ou regional; (iii) o de as
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 163

variantes competirem durante todo o século XX, como ainda hoje, mas a realização
ápico-alveolar, forma padrão do rádio, teatro, até mesmo, durante algum tempo, da
televisão, ser considerada durante muito tempo a variante de prestígio; e (iv) o de o
falante não se dar conta da variante que ele próprio ou seu interlocutor produz, com
exceção da pronúncia retroflexa do chamado R caipira, que sofre estimatização.

2.2 Os estudos sociolinguísticos e dialectológicos

Nas últimas décadas do século XX, surgiram vários trabalhos, sob a perspec-
tiva variacionista laboviana, com base em dados do Projeto NURC (e de outros,
como PEUL, VARSUL, para citar apenas os primeiros), envolvendo a análise de
um número considerável de dados (Callou, 1987; Callou; Leite; Moraes, 1996,
2002; Brandão; Mota; Cunha, 2003; Abaurre; Sandalo, 2003; Hora; Monaretto,
2003; Monaretto, 1997, 2010; Callou; Serra, 2012, dentre muitos outros). E, mais
recentemente, com as pesquisas dialectológicas para o Atlas Linguístico do Brasil.
O corpus básico da análise, a ser apresentada, é composto por registros mag-
netofônicos do Projeto NURC e do Projeto ALIB: entrevistas informais com falan-
tes de curso universitário completo, em cinco cidades do Brasil, no caso do NURC
– Porto Alegre (POA), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Salvador (SSA) e
Recife (RE) – e entrevistas com falantes com escolaridade maior ou menor que
nove anos, em todo o país (capitais e várias cidades do interior), no caso do ALIB.
Esses corpora permitem uma análise, em tempo real de curta duração, da década
de 70 a 90 do século XX até a primeira década do século XXI.
A análise enfoca, basicamente, dois processos, no que se refere à variabilidade
dos róticos, entre as línguas do mundo: (i) o de posteriorização – que pode estar
relacionado à mudança de realização de vibrante para fricativa e (ii) o de apaga-
mento do R, fenômeno antigo no Português, já referido nas peças de Gil Vicente
(séc. XVI) e, atualmente, quase categórico, em alguns dialetos.
As pesquisas com os dados dos anos de 1970 do NURC mostram uma linha
divisória nítida, no que se refere à pronúncia dos róticos, entre São Paulo e Porto
Alegre, em oposição ao Rio de Janeiro, a Salvador e Recife, as duas primeiras
optando pelas variantes apicais e, as três últimas, pelas variantes posteriorizadas,
preferencialmente, fricativas.
Em relação à posteriorização (em ataque ou em coda), a regra é categórica na
maior parte do país e, em relação ao processo variável de apagamento (em coda
silábica), parte-se de três hipóteses principais:

(a) o processo ser gradiente e ter relação com modo/ponto de articulação do seg-
mento, o que explicaria sua maior implementação nas cidades do Nordeste,
região em que o segmento é [­vibrante] e [+posterior], em geral, uma fricativa
glotal (aspiração);
(b) os falantes da região Nordeste do país já não inibirem o processo de cancela-
mento em fronteira interna à própria palavra. Os falares da região Nordeste do
Brasil apresentam um estágio avançado no processo de cancelamento do rótico
(Farias; Oliveira, 2013). O processo, em alguns pontos, é quase categórico e
164 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

estaria de tal forma avançada que atingiria a coda silábica interna, em contra-
posição às regiões Sudeste e Sul;
(c) o fenômeno ter tido início na fala de indivíduos de baixa escolaridade (mudança
de baixo para cima, em termos labovianos).

A manutenção do segmento ocorreria nos dialetos em que a consoante possui o


caráter de vibrante ápico-alveolar. O processo se daria em etapas de enfraqueci-
mento (em alguns dialetos, seria possível pular etapas) que levariam à simplifi-
cação da estrutura silábica no Português do Brasil: vibrante anterior→ fricativa
posterior →h e Ø, consequentemente, CVC → CV.
A maior frequência do apagamento em verbos pode ser explicada pelo fato de
a presença do rótico constituir uma marca morfológica redundante para indicar o
infinitivo e o futuro do subjuntivo (querer/quiser, cantar), competindo com o traço
prosódico de [+acento], o que não ocorre com outras classes morfológicas, em que
o rótico faz parte da raiz do vocábulo (caloR, mulheR).
Com base no que já foi observado a respeito, é possível concluir que diversos são os
fatores que podem influenciar a aplicação da regra variável de apagamento. Destaca­se,
dentre eles, a classe morfológica. É praticamente unânime, em todos os estudos sobre
o apagamento do /R/, que os índices de queda do segmento se mostram consideravel-
mente mais altos em verbos que em não-verbos. Há casos em que o índice de apaga-
mento ultrapassa 90%, enquanto, em não-verbos, o percentual gira em torno de 20%,
conforme aponta Oliveira (2018) para os falares da região sul do Brasil. Outro ponto
também destacado é o de o ponto de articulação poder ter relação com a queda do /R/:
(i) nos falares em que o /R/ é [+ anterior], como no Sul do país, haveria menor tendência
ao apagamento; (ii) no Nordeste, em que a realização é de uma fricativa [­ anterior],
haveria maior possibilidade de apagamento do segmento. Junte-se a isso o fato de haver
uma diferença em relação ao modo de articulação da consoante: no primeiro caso, o
rótico corresponde, em geral, a uma vibrante e, no segundo, a uma fricativa. É pos-
sível ter uma ideia geral do processo de posteriorização do rótico e de seu apagamento,
através dos percentuais (Figuras 7.1 e 7.2) que dão conta da distribuição das variantes,
em coda silábica, na década de 70, em cinco cidades

38%
1%
100%
2%
90% 87%
83%
56%
80%
3%

70%

60% 54% 55% 56%

50%
40% 38%
40%

30%

20%

10% 7%
3% 4% 2% 3% 4% 3% 2% 3%
1% 1% 2% 1% 2% 1%
0%
POA SP RJ SSA RE
fric.vel. tepe alv. vibr.alv. vibr.uvular aspiração zero
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 165

70%
62%
60% 57%

49% 50%
50% 47%
41%
40% 37%

30%
22%
18% 17% 18%
20% 15% 14%
12%
10% 10%
10% 7%
4%
1% 2% 1% 1%
0%
POA SP RJ SSA RE
fric.vel. tepe alv. vibr.alv. vibr.uvular aspiração zero

Figuras 7.1 e 7.2 Percentual geral de distribuição das variantes por cidade, na década de 70,
em coda silábica, interna e externa.
Fonte: Callou; Leite; Moraes (1996)

Na década de 90, a distribuição é similar, embora haja um aumento da fricativa


glotal e decréscimo da fricativa velar.
Pesquisas referentes ao Nordeste do Brasil mostram que a variável classe mor-
fológica vem perdendo força, ao longo dos anos, com altos índices de apagamento
tanto em verbos quanto em não-verbos. Cabe ressaltar que, em posição de coda
interna (cuØso ~ curso), também já são anotados índices significativos de apaga-
mento do /R. No Rio de Janeiro, também se observa que a regra de apagamento já
atingiu os não­verbos, em coda final, na década de 90 (Figura 7.3).
A comparação dos resultados dos dois períodos de tempo permite chegar a
uma generalização, a de que o processo de apagamento do rótico vem avançando
em coda final, particularmente, em verbos, conquanto em coda medial seja ainda
incipiente. No que se refere ao tipo de variante, Monaretto (2002), com base em
dados da região sul (Porto Alegre), nas décadas de 80 e 90, registra diminuição da
variante alveolar e aumento da fricativa velar, em onset. Em coda silábica, o tepe
predomina (60%), seguido do cancelamento (25%).
Parece, pois, haver uma relação entre o cancelamento e o tipo de realização do
segmento, o que poderia explicar o fato de, em POA (região Sul), o processo ser
menos atuante, os falantes jovens preferindo ainda a articulação [­post].
Apesar de não ser possível traçar fronteiras demarcando os fenômenos linguís-
ticos que caracterizam os dialetos, no que se refere à realização dos róticos, como
se viu, é possível opor SP e POA a RJ, SSA e RE. No que se refere ao apagamento,
comparem­se três cidades, a fim de evidenciar que, na década de 90, em Salvador,
a mudança em curso não seria mais sensível à classe morfológica.
No século XXI, passamos a contar com outros materiais do Atlas Linguístico do
Brasill (ALiB), que congrega pesquisadores de Universidades por todo o país, sob
a coordenação geral de Suzana Cardoso (in memoriam) e Jacyra Mota, ambas da
166 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

Figura 7.3 Apagamento do R, em posição de coda final, na fala padrão do Rio de Janeiro,
(25–35), nas duas décadas, levando em conta classe morfológica.
Fonte: Serra e Callou (2013)

Figura 7.4 Apagamento do R em posição de coda final, na fala culta do RJ, de SSA e de POA,
na década de 70, na primeira faixa etária, de acordo com classe morfológica
Fonte: Serra; Callou (2013)

Universidade Federal da Bahia.1 As cartas do ALiB oferecem um quadro geral recente


sobre os processos aqui discriminados, seus condicionamentos, sua distribuição.
Ao examinar o processo de posteriorização nas 25 capitais Brasileiras, é possível
confirmar que a pronúncia do rótico varia, em posição de coda silábica, de região
para região; as realizações fricativas predominam no Norte, Nordeste e Sudeste
(exceto em São Paulo, em que o tepe é mais frequente, competindo com a variante
retroflexa); No Sul e no Centro­oeste, vibrantes alveolares (pronúncia mais con-
servadora) são mais frequentes, exceto em Florianópolis, que apresenta percentual
significativo de fricativas glotais (Figuras 7.5 e 7.6). Essa distribuição é similar em
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 167

Figura 7.5 Distribuição das variantes do R em coda silábica interna em verbos e não-
verbos, em amostra do ALIB – Mapa F04 C6.
Fonte: Cardoso et al. (2014)

Figura 7.6 Distribuição do processo de apagamento em coda final em verbos – Mapa F04 C2.
Fonte: Cardoso et al. (2014)
168 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

coda final, em verbos e não­verbos (professoR; comeR; viajaR). Em Goiânia,


no entanto, área mais conservadora, a fricativa velar predomina em coda final,
em não-verbos. Parece que, no Brasil, a julgar por esses dados, a primeira etapa
de posteriorização está quase completa nesse contexto fonológico. Para ilustrar
as variantes, foi selecionada apenas a coda interna, sem o registro de cancela-
mento (Figura 7.5) e, para a regra de apagamento, a coda externa (Figuras 7.6),
em verbos.
Ao observar, separadamente, a produção do R em coda final, em verbos, é
possível confirmar, mais uma vez, com os resultados do ALIB, que o processo
de apagamento avança em todo o Nordeste, nas nove capitais, assim como em
Rio Branco, na região Norte. No resto do país, as taxas de apagamento variam.
No Nordeste, onde predomina a fricativa glotal, é também onde o apagamento
prevalece. De todo modo, o apagamento é sempre superior à manutenção, em
todas as regiões, em verbos. A classe morfológica é, pois, um fator que promove
mudança: como duas marcas coocorrem para indicar a morfologia verbal, uma
delas pode ser cancelada. Paralelamente, é possível admitir que a posteriorização
articulatória não é uma etapa necessária à aplicação da regra de cancelamento,
uma vez a regra ocorre em áreas em que variantes mais conservadoras estão
presentes.
É preciso, de todo modo, chamar a atenção para o fato de, nos últimos anos,
várias análises se preocuparem em mostrar a relação entre apagamento do R e
estrutura prosódica (Serra; Callou, 2013, 2015). Na linha do proposto por Cal-
lou; Serra (2012), postula­se que o domínio do cancelamento, em coda final, vai
além da sílaba e que seu locus tem relação, na verdade, com o tipo de fronteira
prosódica: quanto mais alta a fronteira, maior a tendência à preservação (exem-
plos 1 e 2), o que poderia explicar a diferença de índices de apagamento em
fronteiras internas e externas à própria palavra.

(1) [(. . . é)pw (possível)pw] php]IP [(conviver . . .)pw]php]IP [[(e . . . vamos)pw


(dizer . . . pw]php]IP [[(conduziØ)pw]php [(essas populacões)pw (pobres)pw]
php]IP [. . .] (RJ, década de 70)
(2) [[(como)pw (ela)pw]php [(não)pw (sabia)pw]php [(escrever)pw]php]IP
[[(mal)pw (sabia)pw]php [(leØ)pw]php]IP (SSA, década de 70)

Os resultados sociolinguísticos já permitiram evidenciar que se trata de um pro-


cesso gradiente, sensível ao tipo de realização do rótico – por sua vez, direta-
mente relacionado à origem geográfica dos falantes – à classe morfológica do item
lexical, sendo possível postular três regras, de caráter regional, que mapeariam o
cancelamento do R no Português do Brasil: (i) regra categórica de apagamento
sensível à classe morfológica, no caso da coda silábica final; (ii) regra variável
de apagamento e (iii) regra categórica de apagamento, que atua, independente-
mente de classe morfológica, em variedades em que a realização mais frequente é
uma fricativa glotal (aspiração), como em Salvador; e (iv) regra variável de apag-
amento em posição de coda interna, nos dialetos em que o cancelamento em coda
final já se tornou categórico. Essa escalaridade também estaria refletida no nível
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 169

Figura 7.7 Apagamento do R em posição de coda final, na fala culta do Rio de Janeiro, em


falantes de 25 a 35 anos, das duas décadas, de acordo com a fronteira prosódica.
Fonte: Serra; Callou (2013)

prosódico. Existiria uma relação entre presença/ausência de R, em posição de coda


final, e o tipo de fronteira prosódica (Selkirk, 1984; Nespor; Vogel, 1986):

+ ▲ fronteira de palavra prosódica (Pw)


fronteira de sintagma fonológico (PhP)
– ▼ fronteira de sintagma entoacional (IP)

A título de exemplificação, compare-se a distribuição do apagamento por fronteira


presódica.
É possível concluir que há um processo gradual de mudança e que da década
de 70 para a de 90 mesmo as fronteiras de IP e PhP não mais inibem o apa-
gamento do segmento (Figura 7.7), resultados semelhantes aos que chegaram
Bisol (1996) e Tenani (2002), não pela mesma via, no que se refere à degemi-
nação silábica: nenhuma fronteira bloqueia o processo, porém quanto maior a
fronteira silábica menor a frequência de aplicação da regra.

3 /S/ em coda
No Português do Brasil, em ataque silábico, há quatro fonemas fricativos coronais
– /s z ʃ ʒ/ – cujos traços que os distinguem – [anterior] e [sonoro] – deixam de atuar
em contexto pós-vocálico, gerando um segmento não especificado quanto a esses
traços e aqui convencionalmente representado como /S/. A atribuição do traço
[± anterior] depende de fatores de ordem estrutural e extralinguística, enquanto o
traço [± sonoro] é assimilado do segmento consonantal a ele subsequente em coda
tanto interna quanto externa, como em

(3) pe[s]cador ~ pe[ʃ]cador


(4) a[z]ma ~ a[ʒ]ma
(5) féria[s] curta[s] ~ féria[ʃ] curta[ʃ]
170 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

e realiza­se como [s]/[ʃ], como acima, o default, quando seguido de pausa. Diante
de vogal, costuma concretizar­se como [z], com ressilabificação, registrando­se,
ainda, com baixos índices e/ou em determinados itens lexicais, sua realização
como aspirada [h/ú], bem como seu apagamento:

(6) férias # agradáveis →féria[za]gradáveis


(7) me[ʒ]mo, de[ʒ]de
(8) lápis → lápi[ʃ]

3.1 Uma visão panorâmica

Consideradas as concretizações conservadoras de /S/ em coda, as alveolares vêm


dando lugar às palato-alveolares, num processo de palatalização que, ao que se
supõe, se restringiria, de início, ao dialeto carioca, mas que tem avançado em outras
áreas do país consideradas ciciantes, como se pode observar em atlas linguísticos
já publicados e, em especial, na carta fonética do Atlas linguístico do Brasil-ALiB
(Cardoso et al., 2014), em que se retrata o fenômeno em coda medial e final, em ter-
mos percentuais globais, em 25 capitais Brasileiras (Figura 7.8).2 Tais percentuais
sinalizam tendências que estudos de cunho sociolinguístico variacionista vêm, há
muito, aprofundando, como se poderá verificar nas seções subsequentes.
Como se depreende da Figura 7.8:

Figura 7.8 Carta de caráter diatópico sobre o /S/ em coda silábica em 25 capitais Brasileiras
Fonte: Cardoso et al. (2014)
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 171

(a) em onze das capitais, as variantes palatalizadas só ocorrem em coda medial,


com índices iguais ou inferiores a 50%: Rio Branco e Porto Velho, no Norte;
São Luís, Fortaleza e Natal, no Nordeste; Goiânia e Campo Grande, no Cen-
tro-Oeste; Vitória e Belo Horizonte, no Sudeste; São Paulo e Curitiba, no Sul;
(b) a palatalização, em coda interna e externa, atinge patamares entre 51% e 75%
em Macapá e, entre 76% e 99%, em Belém, na região Norte, bem como no Rio
de Janeiro e Florianópolis, respectivamente, nas regiões Sudeste e Sul;
(c) na cidade de Porto Alegre, no Sul, não se registra palatalização em nenhum
dos dois contextos, embora estudos sociolinguísticos que focalizaram apenas
a variedade culta tenham apontado a presença das variantes palato-alveolares;
(d) nas áreas em que o processo atua nas codas medial e final, à exceção das
cidades indicadas em (b), o contexto medial é o mais suscetível à palatalização.

Esse quadro, restrito à fala das capitais e que indiretamente retrata um processo
ora de variação estável, ora de mudança em curso ou já praticamente efetivada,
não dá conta integralmente da complexidade da variação de /S/, que depende da
atuação de fatores estruturais e extralinguísticos não necessariamente coincidentes
em todas as localidades.

3.2 Hipóteses sobre a difusão das variantes palatalizadas

Tendo em vista que as variantes palatalizadas constituem a norma atual de pronún-


cia de /S/ em coda no Português Europeu, aventaram-se diferentes hipóteses para
o predomínio das ciciantes no PB. Segundo Teyssier (1982, 55–56), na época da
colonização do Brasil, os primeiros povoadores ainda produziriam o /S/ em coda
como ciciante, opinião compartilhada por Révah (1958, 390), para quem esse é
um caso em que “a maior parte do Brasil conservou uma pronúncia antiga, modi-
ficada na língua comum de Portugal posteriormente ao século XVI”, como parece
atestar Verney (1746), ao comentar questões de ortografia com base na pronúncia
caracterizada como x, isto é, [ʃ], “o que sei é, que a pronuncia Portugueza acaba em
x, todas as palavras que acabam em s: quero dizer, que todo o s final pronunciam
como x” (tomo 1, p. 29).
Por outro lado, Silva Neto (1963, 181–182) procurava determinar as prováveis
causas do predomínio da variante palatalizada na fala da cidade do Rio de Janeiro,
o que, segundo ele, poderia ser “um fenômeno ligado à pronúncia padrão lisboeta”
ou representar “uma inovação que se operou independentemente cá e lá”. No
entanto, acrescenta que não poderia deixar de assinalar

um fato histórico relevante, que se deu justamente no início do século XIX,


ou seja, quando a inovação já estava completamente concluída em Lisboa.
Trata-se do profundo reaportuguesamento que se operou no Rio de Janeiro
a partir de 1807, quando chegou a família real portuguesa. Em poucos anos,
aos cinquenta mil cariocas vieram somar-se vinte e cinco mil portugueses,
aí incluídos os quinze mil que vieram com a Corte, e cuja pronúncia decerto
serviria como modelo culto.
172 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

Nesta última perspectiva, as realizações palatalizadas de /S/ consistiriam na adoção


de uma norma externa ao falar da comunidade, avaliada como nobre, prestigiosa, e
configurariam um caso de mudança “de cima para baixo”, depois, segundo alguns
dos primeiros dialetólogos e filólogos Brasileiros, provavelmente difundidas para
outras regiões, em função do prestígio das normas do dialeto carioca (Callou;
Brandão, 2009). Entre tais regiões, estariam algumas áreas do Nordeste – Alagoas
e Pernambuco (Marroquim, 1934) e Ceará (Silva Neto, 1963).

3.3 /S/ na área do Estado do Rio de Janeiro

O estudo pioneiro de Callou; Marques (1975) sobre a fala da cidade do Rio de


Janeiro, com base em dados selecionados da aplicação de questionário a 36 indi-
víduos de 20 a 40 anos e diferentes níveis de escolaridade, distribuídos por sexo
e seis áreas da cidade, mostrou que as variantes palatalizadas ocorriam em 85,4%
dos dados, e as alveolares em 8,6% deles, havendo, ainda, 5,4% de realizações
“palatal + alveolar ou alveolar + palatal, 0,4% de fricativas laríngeas, 0,2% de
aspiração + palatal e 3,2% de cancelamento.(Callou; Marques, 1975, 133).
Dentre as variáveis extralinguísticas consideradas, verificou­se que os maiores
índices de palatalização foram encontrados na fala de indivíduos de nível superior
completo ou incompleto, entre os homens e no bairro de Campo Grande (98,3%),
à época, uma zona tradicionalmente rural. Já as concretizações alveolares predo-
minavam entre indivíduos de nível médio de instrução (9,8%), do sexo feminino
(11,6%) e na zona sul da cidade (28,8%). Os maiores índices de cancelamento e da
variante fricativa glotal foram registrados na fala dos indivíduos menos escolariza-
dos (respectivamente, 5,4% e 0,6%).
Estudos recentes em tempo real de curta duração, na linha sociolinguística quan-
titativa laboviana (Labov, 1994), em que se compara a fala da década de 1970 à de
1990 com base em dados do Projeto Norma Urbana Culta (NURC), revelam que,
na cidade do Rio de Janeiro, num período de 20 anos, os índices de palatalização,
aumentaram em coda tanto externa quanto interna. Neste último contexto – fe[ʃ]
ta, ca[ʃ]ca, le[ʒ]ma, ve[ʒ]go – , o processo é quase categórico como se observa na
Tabela 7.1, adaptada de Callou; Brandão (2009).
Apesar do prestígio da fala carioca, a verdade é que as variantes palataliza-
das não se difundiram com a mesma intensidade no restante do Estado do Rio de

Tabela 7.1 Realização do /S/ na cidade do Rio de Janeiro, em tempo real, por contexto

RJ Década 70 Década 90

Variantes Interno Final Interno Final

palatal 85% 72% 91% 76%


alveolar 3% 23% 4%% 19%
aspirada 3% 1% 1% 1%
apagamento 9% 3% 3% 4%
Fonte: Callou; Brandão (2009)
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 173

Figura 7.9 Isófona da palatalização de /S/ em coda no Estado do Rio de Janeiro


Fonte: Brandão (2012) com alterações3

Janeiro, de que a cidade homônima é a capital, restringindo-se seus maiores índices


à Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RM-RJ) e a algumas poucas áreas a ela
contíguas, tanto na variedade culta quanto na popular.
No âmbito da fala popular, alguns estudos registram a palatalização e a manuten-
ção das variantes alveolares em diversas regiões do Estado: Lima (2006), Almeida
(2008), Brandão (1997, 2009, 2012, 2013), Rodrigues (2001); Gryner; Macedo
(2000), Aguiar (2010), Santos (2009).
Com base nesses estudos, Brandão (2012), elaborou a Figura 7.9, em que se pode
observar a distribuição espacial das variantes alveolares (em cinza) e palatalizadas (em
preto) pelas oito regiões em que se subdivide o Estado. Tal distribuição foi realizada
segundo o critério de frequência absoluta superior ou inferior a 50%, englobando con-
textos de /S/ em coda externa e interna. Nela, busca-se delimitar, com base nos referidos
estudos, a área de influência da capital do Estado por meio do que na geolinguística clás-
sica se denomina de isófona. Nas seis localidades inseridas na RM-RJ (Rio de Janeiro,
Itaguaí, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Magé, Itaboraí, Cachoeiras de Macacu e Nit-
erói) predominam as variantes palatalizadas, com altos índices – Niteroi, por exemplo,
com 99% de frequência (Aguiar, 2010). Elas espraiam-se por comunidades contíguas
(Petrópolis) e por áreas de turismo de final de semana (Angra dos Reis e Cabo Frio).
Entre os estudos de cunho sociolinguístico acima citados, insere-se o de Rodri-
gues (2001), que se baseou na fala de 78 indivíduos do sexo masculino, todos pesca-
dores, analfabetos ou com, no máximo, quatro anos de escolaridade, distribuídos, em
174 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

cada uma das 13 localidades, por três faixas etárias. A análise variacionista realizada
pela autora, que visava a observar os fatores que condicionariam a implementação
das variantes palatalizadas no Norte e Noroeste do Estado, em que predominavam as
variantes alveolares, constatou que o processo de palatalização era condicionado por
fatores de natureza tanto linguística quanto estrutural. Assim, em coda:

(a) interna, a palatalização incidiu em 30% dos dados (input .24) sendo condicio-
nado pelos contextos antecedente e subsequente, área geográfica e faixa etária;
(b) externa, a palatalização incidiu em 18% dos dados (input .21) tendo como
restrições fatores relativos ao contexto subsequente, à área geográfica, ao nível
de instrução e à tonicidade da sílaba.

Dentre essas variáveis, cabe comentar, em especial, duas delas que, direta ou indi-
retamente, sempre se têm mostrado salientes nas análises sobre a palatalização de
/S/: contexto subsequente e área geográfica.
Quanto ao modo/ponto de articulação dos segmentos consonantais que ocor-
reram após o /S/ nos 2.830 dados computados, 1.215 referem-se à coda interna e
1.615, à externa. Em coda interna, diante de [tʃ dʒ], o peso relativo atinge .91 e, em
coda externa, .93. Já antes de [t d], observam­se, respectivamente, P. R. 85 e P. R.
.65, Tal tendência repete-se em outros corpora considerados neste capítulo.
Quanto à área geográfica, Rodrigues distribuiu as 13 localidades por quatro sub-
áreas, por ela caracterizadas como litorâneas e interioranas, em ambos os casos de perfil
[+ rural] e [­rural]. Nas comunidades com perfil [­ rural], tanto litorâneas quanto interio-
ranas, há uma maior propensão à propagação das variantes palatalizadas, ao contrário do
que ocorre nas de perfil [+rural], em que [s z], as variantes conservadoras, predominam.

3.4 /S/ em outras áreas do país

Para uma melhor caracterização da variação de /S/, apresentam-se, nas duas sub-
seções seguintes, resultados de outros estudos com base em diferentes corpora
representativos da fala de áreas do Nordeste, Norte e Sul do país.
Retomando, com base na Tabela 7.2, a seguir, resultados do Projeto NURC,
agora com foco principal nas quatro outras cidades em que se desenvolveram pes-
quisas sociolinguísticas sobre o /S/ em coda, verifica­se o pleno predomínio das

Tabela 7.2 Realizações do S em posição medial (M) e Final (F) de sílaba na fala culta de
quatro capitais Brasileiras

Palatal Aspiração Alveolar Apagamento


% % % %

M F M F M F M F

Sâo Paulo 9 5 0 0 88 91 3 3
Porto Alegre 23 2 0 0 77 96 0 1
Recife 84 54 5 7 10 34 2 5
Salvador 56 31 4 9 39 51 1 0
Fonte: Callou; Leite; Moraes (2002, 539), sem os dados referentes ao Rio de Janeiro
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 175

alveolares em São Paulo (Sudeste) e em Porto Alegre (Sul) e das palatalizadas


em Recife (Nordeste), conforme a hipótese de Marroquim (1934), acima referida,
embora com maior frequência na posição medial, que, certamente, deve ter sido
o contexto desencadeador da palatalização. Nesse quadro, destaca-se a cidade de
Salvador em que as variantes palato-alveolares e as alveolares, com índices próxi-
mos a 50%, têm um discreto predomínio, respectivamente, em coda medial e final.
Callou; Leite; Moraes (2002) analisam a palatalização no âmbito da fala culta em
coda interna, em que, além do segmento subsequente e da dimensão do vocábulo,
se mostraram significativos o gênero e a faixa etária do falante. Para observarem
possíveis indícios de mudança em tempo aparente, cruzaram as duas últimas var-
iáveis, obtendo os resultados que constam da Figura 7.12.
Em outro estudo, Callou; Moraes; Leite (2013), comentam o caso de Salvador
com base em Mota (2002), que afirma ter havido, na fala culta, no espaço de 20 anos

0.9
0.8
0.7
Pesos rela vos

0.6
0.5
0.4
0.3
0.2
0.1
0
1 2 3
faixa etária

M F

1
0.8
Pesos relavos

0.6
0.4
0.2
0
1 2 3
faixa etária

M F

(Continuado)
Figura 7.10 Atuação das variáveis gênero (M, masculino; F, feminino) e faixa etária (1: 25–35
anos; 2: 36–55 anos; 3:56 em diante) para a palatalização de /S/ na fala culta de
quatro capitais Brasileiras
Fonte: Callou; Leite; Moraes (2002, 550–552), com alterações.
176 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

1.2
1
Pesos rela˜vos

0.8
0.6
0.4
0.2
0
1 2 3
faixa etária

M F

1
0.8
Pesos relavos

0.6
0.4
0.2
0
1 2 3
faixa etária

M F

Figura 7.10 (Continuado)

(de 1970 a 1990), uma alteração no que tange ao uso da variante palatalizada. Dados
mais recentes indicariam que a mudança em progresso delineada na Figura 7.10,
estaria sofrendo uma retração, uma vez que a variante alveolar vinha sendo restau-
rada entre os indivíduos mais jovens, aqueles que, antes, largamente lideravam o
processo, quadro que poderia ser explicado

(I) pelo status de cada uma das variantes, consideradas ou não de prestígio, a
depender da área geográfica; (II) pelo fato de existir no estado da Bahia áreas
em que o predomínio é da variante alveolar; e (III) por ter Salvador sofrido
modificações de natureza demográfica, socioeconômica e cultural que pode-
riam repercutir sobre o comportamento linguístico dos falantes. Os movi-
mentos migratórios responsáveis pelo crescimento populacional de Salvador,
migração do interior para a capital – invertendo a diferença entre a população
urbana e rural, o que já vinha ocorrendo no Sudeste desde a década de 1940 –
teriam deixado marcas linguísticas na norma de Salvador, capital que
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 177

apresenta maior taxa de crescimento populacional entre 1980 e 1995, e


mudanças na fisionomia da cidade desde a década de 1970.
(Callou; Moraes; Leite, 2013, 190)

Ainda no âmbito da região Nordeste, com base em outros corpora, cabe referir
resultados de estudos sobre o /S/ em coda com base no corpus do Projeto Vari-
ação Linguística no Estado da Paraíba (VAL-PB), na fala da comunidade de João
Pessoa, a capital do estado. Tais resultados são apresentados em Hora (2003),
quanto ao contexto medial, Ribeiro (2006), relativo ao contexto final, e em
Hora; Pedrosa (2009) que comentam os dois contextos, com base nos referidos
trabalhos.
Em João Pessoa, em contexto medial, num total de 9517 dados, sobressaem as
variantes [s z], com 65% de frequência, seguidas por [ʃ ʒ], com 28%, enquanto
o cancelamento e a variante [h] não só apresentam baixos índices percentuais,
respectivamente, 1% e 6%, mas também incidem em poucos itens lexicais, o que
levou a sua eliminação da análise variacionista que buscou determinar os fatores
que concorrem para a palatalização, com base no controle de cinco variáveis estru-
turais e três sociais.
Segundo Hora; Pedrosa (2009, 125) os fatores mais salientes entre as variáveis
que concorrem para a implementação de [ʃ ʒ] são:

(a) em contexto fonológico seguinte, as consoantes coronais (P. R. .86);


(b) a categoria gramatical verbo (P. R. .56);
(c) vocábulos de duas sílabas (P. R. 55).

Como indicam os autores, a pouca distância entre os pesos relativos dos fatores
mais salientes das duas últimas variáveis e o ponto considerado neutro (.50)
demonstram que o fator determinante do cancelamento é, na realidade, a presença
de uma coronal. Hora (2003, 82) afirma que “na comunidade de João Pessoa, a
utilização das palatais [ʃ] e [ʒ] refletem uma distribuição complementar, visto que
estão condicionadas ao aparecimento de [t] e [d]”. Tal condicionamento é comum
a outras comunidades em que a palatalização ainda é um processo incipiente, como
se viu em grande parte do Estado do Rio de Janeiro (cf. Figura 7.9, acima). Quanto
à coda final, a análise se ateve apenas ao /S/ não morfêmico em que [s z] são as
variantes mais produtivas (também com 65%), seguidas pelo cancelamento (24%),
por [h] (6%) e [ʃ ʒ] (5%). Para buscar depreender os fatores que concorriam para o
apagamento, Ribeiro (2006) considerou em conjunto os dados de manutenção de
/S/. Os fatores que se mostraram salientes para o apagamento são resumidamente
expostos a seguir, com base em Hora; Pedrosa (2009, 126):

(a) entre os itens lexicais, a conjunção mas (P. R. .71) e os verbos (P. R. 66);
(b) no contexto antecedente, a vogal alta /u/ (P. R. .72);
(c) no contexto seguinte, o [h] (P. R. 83), as coronais (P. R. .59) e as labiais (P. R.
.54);
(d) quanto ao número de sílabas, os dissílabos (P. R. 68).
178 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

Na Região Sul, a cidade de Florianópolis distingue-se de Curitiba e de Porto Alegre


(em que predominam as alveolares), pelo alto índice de palatalização, que, segundo
Brescancini (2003a, 2003b, 2015), incide em 83% dos 25.434 dados observados,4
secundados por 12% de alveolares, 4% de apagamentos e apenas 1% de fricativa glotal.
Na sua minuciosa análise, em que a variante palatalizada foi contraposta ao
conjunto das demais variantes, controlaram-se nove variáveis, todas consideradas
relevantes para a implementação do processo, embora as cinco de cunho estrutural
se tenham mostrado mais salientes do que as quatro de natureza social.
Brescancini (2003a, 300–317) comenta apenas a atuação das variáveis estru-
turais, cujos resultados se resumem abaixo, por ordem de relevância. Algumas das
observações feitas pela autora serão retomadas na seção 3.5.
Concorrem para a palatalização de /S/:

(a) no contexto seguinte, quanto ao vozeamento: (i) as consoantes [­vozeadas] (P.


R. .62) – como em e[ʃ]c ola e faz[ʃ]t empo. bem como (ii) a pausa (P. R. .54);
(b) no contexto precedente: (i) ausência de vogal (P. R. .92) – [ʃ]c ola – ; (ii) vogal
dorsal (P. R. .62) – a[ʒ]nações – ; (iii) vogal e glide labial (P. R. .56) – lu [ʃ]/
De[wʃ ];
(c) ainda no contexto seguinte: (i) coronal [­anterior] (P. R. .67) – eʃ[tʃ] ica /mai[ʃ]
[d ʒ] inheiro; (ii) dorsal (P. R. .62) – e[ʃ]c ama/o[ʒ] gatinhos; (iii) labial (P. R.
. 51 (P. R. .51) – ho[ʃ [p ital/nó[ʒ] batemos;
(d) quanto ao acento: em sílaba (i) pretônica (P. R. .71) – re[ʃ] peito; (ii) pré-
pretônica (P. R. . 64) – de[ʃ] cascava; (iii) tônica (P. R. .51) – me[ʒ] mo;
(e) no que respeita à posição da fricativa na palavra: medial (P. R. .60) – e[ʃ]tado.

As variáveis sociais desse estudo foram descritas em Brescancini (2015), que, além
de gênero, faixa etária e nível de escolaridade, controlou localidade, com base no
histórico de ocupação da cidade, considerando três distritos do município de Flori-
anópolis, no intuito “de possibilitar a verificação da influência que o grau de isola-
mento vivenciado por cada comunidade no passado exerceu no comportamento
linguístico de seus habitantes” (p. 80).
Embora com peso relativo pouco expressivo, em Barra da Lagoa, “que man-
teve certo grau de isolamento por mais tempo” (p. 80), confirmou­se a hipó-
tese de que desfrutaria de “maiores condições para a manutenção da variante
fricativa palato-alveolar em posição de coda, herança Portuguesa trazida pelos
imigrantes açorianos”. Por outro lado, Florianópolis, o distrito sede, “parece
ter estimulado a maior penetração da variante alveolar” devido à “maior inter-
ação sócio-cultural-espacial com pessoas provenientes de outras localidades”
(p. 80), no que é secundado pelo Ribeirão da Ilha, que parece “acompanhar o
comportamento do distrito sede, pelo contato diário de grande parte de seus
moradores com as regiões mais urbanas da Ilha, onde exercem suas atividades
profissionais” (p. 83).
Para dar a dimensão da variação de /S/ na fala do Norte do país, Razky (2020),
partindo do banco de dados do Projeto ALiRO (Atlas Linguístico de Rondônia),5
ainda em andamento, faz um estudo comparativo com outros quatro atlas linguísticos
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 179

estaduais,6 recorrendo, ainda, aos estudos de Carvalho (2000), Monteiro (2009) e


Marins; Margotti (2012), que focalizaram a variável, respectivamente, nas capitais
de Macapá, Belém e Manaus.
Razky organiza uma figura, sintetizando, por atlas, os percentuais absolutos das
quatro variantes (alveolares, palato-alveolares, glotal e cancelamento). Em Rondônia
(ALiRO), com 99,9% de frequência, e no Tocantins (ALITTETO), com 73,3%, pre-
dominam as alveolares, enquanto no Pará (ALisPA), com 69%, e no Amapá, com
94%, as palatalizadas são as dominantes. No Amazonas (ALAM), as alveolares
(55,4%) concorrem com as palato-alveolares (45,55%). A variante glotal e o cancela-
mento só foram registrados no Tocantins e no Pará com índices inferiores a 9,4%.
No caso do Amazonas, em que as variantes alveolares e palatalizadas estão em
concorrência, Cruz (2004), afirma que as formas registradas nas cartas permitem
traçar uma isófona de [ʃ ʒ] que reúne basicamente as microrregiões do Alto Rio
Negro (Barcelos) e do Médio (Itacoatiara) e Baixo Amazonas (Parintins)
Rasky, com base na afirmação de Cruz e nos resultados de Maia (2012) e do
Atlas Linguístico do Sul Amazonense – ALSAM (Maia, 2018), sintetiza sua
análise, dizendo que

é possível perceber um contínuo dialetal que se inicia no estado do Pará,


perpassando o estado do Amazonas e alcançando, por fim, o estado de Ron-
dônia, demostrando um declínio, nessa direção, de ocorrências de fricativa
palatal [ʃ] conforme for se afastando do território paraense e uma ascensão
de ocorrências de fricativa alveolar [s] conforme se aproxima do estado de
Rondônia, no qual os índices de ocorrências de fricativa alveolar [s] alcan-
çaram frequência de 99,9%.
(Razky, 2020, 333–334)

3.5 A complexidade da variável /S/


Ao final do item 3.1, ressaltou­se a complexidade de que se reveste o /S/ em coda
no Português do Brasil, pelo fato de a implementação de suas variantes depender
da atuação de fatores estruturais e extralinguísticos não necessariamente coinci-
dentes em todas as áreas do país, o que ficou claro ao se comentarem resultados de
alguns dos diversos estudos de natureza variacionista levados a efeito a partir da
década de 1970.
Dentre as restrições de natureza não estrutural, a distribuição diatópica das vari-
antes é, sem dúvida, a mais saliente e, consequentemente, a mais desafiadora, pois
sua implementação depende de outros fatores extralinguísticos, tais como caracte-
rísticas da ocupação da área e da sua história, de seu maior ou menor isolamento,
de seu perfil urbano, rurbano ou rural, de correntes de migração interna e externa,
e, no que tange aos indivíduos, seu gênero, nível de escolaridade, faixa etária, nível
socioeconômico, dentre outros aspectos, bem como a avaliação que fazem das vari-
antes, quer as tomem como traços identitários, quer as estigmatizem.
Ressalta também o fato de a regra de palatalização de /S/ não estar no mesmo
estágio em todos os dialetos e ter, na maioria das localidades, caráter variável,
180 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

sendo raros casos como, por exemplo, os de Rondônia, com 99,9% de alveolares
(Razky, 2020), e de Niterói, com 100% de palato-alveolares (Aguiar, 2010).
Mesmo levando-se em conta que as análises aqui mencionadas se apoiaram
em corpora de perfis distintos (oriundas de aplicação de questionário de atlas lin-
guísticos, de entrevista sociolinguística) e não controlaram exatamente as mesmas
variáveis (e, quando o fizeram, não exatamente segundo os mesmos parâmetros),
podem-se depreender algumas tendências gerais no que se refere a restrições de
cunho estrutural para a palatalização de /S/, a seguir comentadas.

(a) /S/ em coda interna parece mais propenso à palatalização, permitindo formular
a hipótese de que o processo tenha início nessa posição, como se observa na
Figura 7.8 e indicam resultados dos estudos aqui mencionados.
(b) O contexto subsequente, embora atue diferentemente a depender do dialeto,
tem papel importante na sua ativação: (i) [t] e [d] em João Pessoa (Hora,
2003), em que se propõe ser este um caso de dissimilação; (ii) [tʃ] e [dʒ],
em Cordeiro­RJ (Gryner; Macedo, 2000, 44–45), que afirmam que a palatali-
zação “resulta de uma assimilação ao contexto seguinte . . . inicia-se diante de
coronal alta, expande-se gradativamente para diante de outras coronais e, por
último, diante de não coronais”, o que parece ser o caso também das comuni-
dades do Norte e Noroeste do Rio de Janeiro Tirar (cf. Figura 7.12) em que [t
ʃ], [dʒ], [t] e [d], constituem os principais ativadores do processo.
(c) No estudo realizado por Brescancini (2003a), [tʃ] e [dʒ] em contexto subse-
quente também se mostraram favorecedores do processo, embora a autora, em
outro trabalho (2003b), relativize esse resultado em função de tais segmentos
incidirem em apenas 3% da amostra e serem considerados por Pagotto (2001)
como inovadores no dialeto florianopolitano. Ela chama a atenção, no entanto,
para os índices referentes ao fator consoante dorsal em contexto subsequente
e, em especial, aos fatores vogal /a/ (também dorsal) e vogal e glide labial,
em contexto precedente, afirmando que “a variante palato­alveolar tende a ser
mais favorecida por contextos que promovam a retração do corpo da língua e
o levantamento desse articulador” (Brescancini, 2003b, 307).

4 /L/ em coda
A distribuição da consoante lateral, nos contextos pré e pós-vocálico pode ser for-
malizada de acordo com a seguinte regra:

Quando /l/ ocorre em contexto intervocálico ou como segundo segmento de um


ataque complexo, a articulação do segmento é dental ou alveolar (co[l]a, [l]ata; p[l]
aca, b[l]oco); em posição de coda, verifica­se a alternância entre uma realização
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 181

velar ou vocalização (sa[Ɨ]/sa[w]) – ocorrendo ainda, em algumas normas, a com-


petição com outras variantes consonantais ou mesmo o apagamento do segmento.
A vocalização da lateral pós­vocálica (a[w]moço, cana[w], pape[w], funi[w],
faro[w], so[w], so[w]dado) é um processo variável tomado como um traço de ino-
vação da norma Brasileira. Cunha (1986, 209) destaca que “a vocalização do l
implosivo, [é um] fenômeno que, com exclusão do extremo Sul, parece muito gen-
eralizado no país”. Outros trabalhos que se debruçam sobre as características do
Português Brasileiro também ressaltam essa característica como traço prototípico
da variedade (cf. por exemplo, Révah, 1958; Teyssier, 1982).
Demasi (1995), a partir do levantamento de informações em estudos dialec-
tológicos e sociolinguísticos, em gramáticas históricas e tratados de filologia,
destaca, entretanto, que não é possível atribuir ao Português Brasileiro a imple-
mentação do processo de vocalização do /l/ em coda, já que se encontram no latim
ocorrências que atestam a antiguidade do processo, que também se espraia para
outras línguas do tronco românico (cf. Malmberg, 1954). Para a autora, a questão
mais central no debate sobre a implementação da vocalização diz respeito a por que
razões a variante vocalizada se torna um traço quase generalizado no âmbito do
PB, enquanto a norma europeia não apresenta a vocalização como um traço geral
para a realização do /l/ pós-vocálico.7
Uma série de trabalhos publicados ao longo dos séculos XIX e XX buscaram evi-
dências históricas para justificar as formas variantes de realização do l posvocálico.
Viana (1973) e Williams (1975) podem ser citados como dois autores que fazem
menção a uma realização velarizada do /l/ pós-vocálico como norma geral do Por-
tuguês – sem especial destaque à variante vocalizada. Autores como Nunes (1975) e
Elia (1976) podem ser aludidos como os primeiros que colocam em destaque a pos-
sibilidade de vocalização do lateral pós-vocálica como uma tendência do Português.
Nesse resgate de trabalhos que tratam da realização do l pós-vocálico e que
foram publicados ao longo do século passado, é interessante observar as consi-
derações de Camara Jr (1969 [1942], 2008 [1953], 1970, 2021 [1971]). Em Princí-
pios de Linguística Geral (cuja primeira edição é de 1942), o autor é categórico
ao afirmar que “o /l/ Português, quando pós­vocálico, é necessariamente velar e,
quando pré-vocálico, necessariamente dental” (1969, 60). Mesma posição sustenta
em Para Estudo da Fonêmica Portuguesa (primeira edição datada de 1953).
Em Problemas de Linguística Descritiva (2021 [1971]), interessa­nos, no que se
refere à concretização do l pós-vocálico, as observações comparativas entre as normas
europeia e Brasileira. Contudo, ainda persiste a visão de que a lateral pós-vocálica, no
PB, é concretizada pela variante velarizada, conforme se observa no trecho a seguir:

em amplas áreas da língua portuguesa, em Portugal e no Brasil, a consoante


dita lateral . . . perde em certas posições a articulação dental que tem quando
constitui sílaba com uma vogal seguinte . . . passa a ter uma articulação
velar. . . . Na pronúncia normal de Lisboa, não só o /l/ em final de sílaba,
o posvocálico, mas até o intervocálico (ala, ela, etc) tem articulação velar
numa típica variante posicional da consoante
(Camara Jr., 2021 [1971], 30)
182 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

Contudo, na mesma obra, há uma sorte de paradoxo sobre a questão das realizações
do /l/ em coda. Ao tratar da estrutura da sílaba em Português, Camara Jr. men-
ciona a possibilidade de realização vocalizada da lateral em pós-vocálica, em uma
reflexão sobre os contextos de travamento silábico. Nos termos do autor,

aludiu-se à mudança do l posvocálico (realizado em quase todos os dialetos


como consoante velar) em [u] assilábico, ou [w], o que é muito comum no
Português do Brasil. Com essa articulação, não há /l/ posvocálico e multipli-
cam­se os ditongos de semivogal [w], inclusive [ɔw], com [ɔ] aberto, saído
de <sol>. Por exemplo, em sol, pronunciado [‘sɔw]. O ditongo [ow], com
[o] fechado, desapareceu da pronúncia coloquial tanto em Portugal como no
Brasil, como já não existe, por exemplo, um contraste entre poupa e popa.
Mas com a vocalização do /l/ posvocálico esse ditongo reaparece, por exem-
plo em polpa, dito [powpa].
(Camara Jr., 2021 [1971], 50–51)

Somente em Estrutura da Língua Portuguesa (1970) Camara Jr é taxativo sobre a


questão, reconhecendo a vitalidade da vocalização do l implosivo e a generalização
da variante [w] nas normas Brasileiras, atribuindo motivações diacrônicas para a
implementação da vocalização:

além do movimento da ponta da língua junto aos dentes, há um levantamento


do dorso posterior da língua junto ao véu palatino, dando o que provavel-
mente os gramáticos latinos chamavam de l pinguis ou ‘gordo’. Daí decorre
uma mutação, que em linguística diacrônica se chama a ‘vocalização’ da con-
soante. . . . O resultado é um /u/ assilábico, mal torna-se homônimo de mau,
vil de viu e assim por diante. Em outros termos, desaparece da língua o /l/
posvocálico, ficando como tal, apenas, entre as líquidas o /r/.
(Camara Jr., 1970, 51, grifos nossos)

A retomada das observações de Camara Jr. sobre a concretização do l implosivo


revela que ao autor foi alterando sua interpretação em relação às realizações foné-
ticas do l pós­vocálico: de um conjunto de afirmações categóricas sobre a vitali-
dade da realização velar para o reconhecimento da variante vocalizada e sua ampla
difusão pelas normas do Português Brasileiro.

4.1 Estudos sociolinguísticos

Os estudos que se debruçam sobre a variação na realização do /l/ em coda no


Português do Brasil, de um modo geral, atestam que a vocalização se constitui
como norma para a realização da lateral pós-vocálica (Lopez, 1979; Callou; Leite;
Moraes, 2002, Callou; Moraes; Leite, 2013; Quandt, 2004; Hora, 2006; entre
vários outros). Evidentemente, há zonas em que a variação entre as realizações
vocalizada e velarizada ainda persiste (Quednau, 1993, 1994, 1997; Espiga, 1997,
2001, 2002a, 2002b; Tasca, 1999, 2002). É possível também identificar variantes
menos produtivas – como o apagamento do segmento lateral e variantes “´róticas”
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 183

100 86 90 89
80 72

60 54

40 33

20 13 11 14
8 8 7 5 6
0 2 1 0 2 0
0
POA SP RJ SSA RE
vocalização alveolar velar zero

120
98 92 97
100 91
80
60 54

40
20 26
20 7 4 4 1
0 0 2 0 0 0 0 2 1
0
POA SP RJ SSA RE
vocalização alveolar velar zero

Figura 7.11 Realização do /l/ em posição de coda nos dados do NURC


Fonte: Callou; Moraes; Leite (2013, 171)

(fricativa glotal, vibrante alveolar, tepe, retroflexa alveolar) – em algumas regiões


do país (Quandt, 2004; Oliveira et al., 2005).
Callou; Leite; Moraes (2002, Callou; Moraes; Leite, 2013), em uma descrição
sobre a variação na realização das consoantes em coda silábica na norma culta
constatam – a partir da análise de 5600 ocorrências de /l/ em coda – que a lateral
alveolar [l], a lateral velar [ɫ], o glide velar [w] e o zero [ø] se alternam como possi-
bilidades de concretização da lateral pós-vocálica, mas não apresentam as mesmas
dinâmicas de distribuição e de condições de favorecimento. Conforme é possível
verificar na Figura 7.11, a seguir, tanto em coda externa quanto em coda interna, há
um predomínio da variante vocalizada.
Em ambos os contextos, coda interna e coda externa, a vocalização predomina
nos dados de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Destaca-se que,
no contexto de coda externa, as quatro capitais citadas apresentam índices de
vocalização superiores a 90%, comportamentos que podem indicar o avançado
grau de implementação da variante e demarcar o contexto em que se inicia a
184 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

vocalização: [w] começa a ser implementado em contexto de coda externa e


avança para a coda interna.
Porto Alegre, por outro lado, é a capital em que alternância entre as variantes
[l], [→] e [w] é menos saliente, e os índices de implementação da vocalização são
percentualmente menores em comparação às capitais do sudeste e do nordeste, nos
dois contextos analisados. Ressalta-se ainda a produtividade da lateral alveolar,
com índices próximos a 20% em coda externa, o que corrobora as considerações
de Camara Jr. (1986 [1977]), 31) sobre a possibilidade de realizações como [‘mele]
e [‘kale] para formas como <mel> e <cal> na região sul do país.8
Em termos de restrições que condicionam a realização das variantes da lateral
em coda nos dados do NURC/BR, destacam-se:

(a) a articulação da vogal precedente: quando o núcleo silábico é ocupado por [a],
a vocalização da lateral em coda é favorecida (a[w]to). A vogal posterior alta,
[u], é o contexto precedente em que a aplicação da regra é menos favorecida
(su[w]);
(b) a articulação da consoante subsequente: concorre, para a vocalização a pre-
sença de [t] no ataque da sílaba seguinte à lateral posvocálica (a[w]to); no
âmbito da realização da variante velarizada, a presença de uma consoante
velar no onset da sílaba seguinte à lateral (fo[→]gado), por força de um pro-
cesso de assimilação de traços;
(c) faixa etária e gênero do informante: homens e mulheres apresentam tendências
distintas na dinâmica da variação, em termos de frequência de uso e de dis-
tribuição etária.

Para comprovarem a afirmativa, Callou; Moraes; Leite (2013) comparam os dados


de Porto Alegre e Salvador no cruzamento entre as variáveis gênero e faixa etária,
como é possível perceber na Figura 7.12, a seguir:

Na comparação entre as duas capitais, nota-se que:

(a) a vocalização é categórica em homens e mulheres mais jovens de Salvador;


nos dados de Porto Alegre, os mais jovens são os que favorecem a variante
vocalizada, mas não nos mesmos termos do que os jovens soteropolitanos. E
há diferenças, nos dados de Porto Alegre no comportamento de homens e mul-
heres na faixa mais jovem: os homens lideram o processo de implementação
da vocalização;
(b) os dados de Porto Alegre revelam duas tendências distintas, quando se com-
param os comportamentos de homens e mulheres: entre os homens, é nítido
processo de mudança em progresso, em direção ao favorecimento à vari-
ante vocalizada. Os dados no tempo aparente indicam que os homens jovens
impulsionam a variante vocalizada, havendo um decréscimo da vocalização
na medida em que se avança pelas faixas etárias. Já no comportamento
das mulheres fica evidente uma curva de estabilidade: as mulheres adultas
favorecem menos a vocalização do que as mulheres jovens e as mais velhas;
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 185

120%
100% 100%
80% 76%
68%
60%
49%
40%
20%
9%
0%
1 2 3
homem mulher

100%
80% 81%
71% 72%
60% 56%
40% 42%

20%
9%
0%
1 2 3
homem mulher

Figura 7.12 Vocalização em SSA e POA, cruzamento entre as variáveis gênero e faixa
etária
Fonte: Callou; Moraes; Leite (2013, 174)

(c) em Salvador, tanto no comportamento dos homens quanto no comportamento


das mulheres, é possível identificar uma curva de mudança em progresso.
Destaca-se ainda que os homens da faixa mais alta de Salvador e de Porto
Alegre apresentam índices percentuais idênticos de vocalização (9%), assim
como as mulheres das faixas mais altas das duas cidades apresentam compor-
tamentos praticamente semelhantes em termos percentuais.

No que se refere aos estudos que relatam uma alternância mais consistente entre a
vocalização e a velarização, Quednau (1993) observa – em dados de quatro pontos
de inquéritos do VARSUL no Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Taquara, Monte
Bérico e Santana do Livramento) – que a variante vocalizada é francamente favore-
cida nos dados da capital do estado, enquanto as localidades do interior se consti-
tuem como locus para a variante velarizada. Os pontos de inquérito do interior são
186 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

áreas marcadas por processos de colonização por população de origem europeia


(Taquara é uma zona de colonização alemã; Monte Bérico, de colonização italiana)
e uma localidade fronteiriça com o Uruguai.
No estudo, é possível atestar que os dados da capital do estado ratificam a tendên-
cia verificada em Callou; Leite; Moraes (2002, Callou; Moraes; Leite, 2013), nos
dados relativos à fala culta porto-alegrense: os falantes da capital estão em avan-
çado estágio de implementação da vocalização da lateral pós-vocálica, enquanto
as localidades do interior ainda se constituem como um espaço de resistência para
o processo, com a variante velarizada sendo a norma nessas comunidades. Porto
Alegre se alinha às demais áreas urbanas em que o processo de vocalização do /l/
em coda está consolidado.
Em termos de implementação do processo de vocalização da lateral nos dados
do Rio de Janeiro, é pertinente retomar os resultados do NURC para contrastá-
los com os resultados de Quandt (2004) para a norma popular, representada pela
fala dos pescadores do Norte-Noroeste do estado. Callou; Moraes; Leite (2013)
mostram que, na fala culta carioca, os índices de ocorrência da variante vocalizada
são superiores a 90%, havendo um ligeiro aumento para vocalização no contexto
de coda externa (92%). A fala culta carioca apresenta índices poucos expressivos
para as demais variantes analisadas.
No que se refere aos dados da fala popular, os resultados de Quandt (2004)
indicam – apesar do avançado processo de implementação da vocalização em coda –
variação entre a vocalização, variantes consonantais e o apagamento do segmento. A
autora coletou 4229 ocorrências da lateral pós-vocálica em 78 inquéritos do arquivo
sonoro do projeto Altas Etnolinguístico dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro.
Os informantes são todos do sexo masculino, analfabetos ou semi-escolarizados
(com, no máximo, o primeiro segmento do ensino fundamental de escolarização).
Os resultados evidenciam índices expressivos para a variante vocalizada no interior
do Estado (87%), apesar de a vocalização competir, nas áreas rurais das regiões Norte
e Noroeste do Rio de Janeiro, com um maior número de variantes do que as identi-
ficadas em outros estudos sobre a variação na realização do /l/ em coda. A norma do
interior do Rio de Janeiro caminha na mesma direção da capital do estado, no sentido
de generalização do glide velar como forma de concretização do /l/ em coda.
A autora procedeu a duas análises estatísticas, de modo a verificar, em um
primeiro momento, os contextos que favorecerem o cancelamento do /l/ pós-
vocálico e, posteriormente, os contextos que favorecem as realizações consonan-
tais para o l em coda.
Na primeira investigação, analisaram-se 4066 ocorrências, tendo o cancela-
mento do segmento incidido sobre 397 dados (10%). Os resultados revelam que:

(a) a vogal [u] é o contexto antecedente que mais favorece o cancelamento,


enquanto [a] seria o contexto antecedente em que a lateral pós­vocálica tende
a ser preservada;
(b) vocábulos dissilábicos paroxítonos e vocábulos trissilábicos/polissilábicos paro-
xítonos tendem a ser, em termos de dimensão da palavra/posição do acento,
os condicionamentos que mais favorecem a implementação do cancelamento.
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 187

Esses resultados se justificam pelo tipo de item lexical em que o apagamento do


segmento foi mais recorrente (palavras como guelra, diesel, fácil, nível e boldo);
(c) o cancelamento é favorecido quando o /l/ em coda se encontra em sílabas
postônicas;
(d) o cancelamento ocorre, preferencialmente, quando o segmento posterior a
lateral é uma consoante fricativa; a vocalização é favorecida diante de uma
consoante nasal;
(e) a presença de consoantes sonoras após o l pós-vocálico tende a favorecer o
cancelamento do segmento.

No que se refere à implementação das variantes consonantais, a análise realizada


por Quandt (2004) contrastou os 3669 dados de vocalização com os 163 dados das
variantes consonantais – consoantes laterais (velar e alveolar) e róticos. Os resul-
tados indicam que:

(a) os falantes mais velhos tendem a realizar mais as variantes consonantais do


que os jovens, o que pode ser indício de um processo de mudança em pro-
gresso na comunidade em direção à consolidação da variante vocalizada;
(b) as variantes consonantais tendem a ser favorecidas em contexto medial de
vocábulo, enquanto o contexto final tende a favorecer a vocalização e o
cancelamento;
(c) indivíduos analfabetos tendem a favorecer as variantes consonantais, enquanto
os semi-alfabetizados caminham em direção à vocalização;
(d) a presença de consoantes oclusivas e fricativas no ataque da sílaba subsequente
ao l implosivo tende a favorecer as variantes consonantais;
(e) as realizações consonantais do l implosivo tendem a incidir em sílabas pretônicas;
(f) a vogal alta anterior, [i], é o contexto precedente que mais favorece à reali-
zação do l pós-vocálico como uma variante consonantal, enquanto as vogais
arredondadas, [u, o, ɔ], tendem a ser neutras no processo. A vogal baixa, mais
uma vez, tende a manter a realização vocalizada.

O contraste entre o comportamento da capital e os dados relativos à norma popular


do interior do Rio de Janeiro indicam que, assim como é possível verificar nos
dados do Rio Grande do Sul, a vocalização da lateral em coda é um movimento
que vai da metrópole para o interior. Os dados do norte-noroeste do Estado do Rio
de Janeiro revelam que a variante vocalizada está em franco processo de consoli-
dação, mas que ainda há “competição” entre a vocalização e outras possibilidades
de realização do /l/ em coda. As variantes consonantais e o cancelamento ocorrem,
em menor frequência, e em contextos específicos.

4.2 /L/ em coda em descrições dialectológicas: os dados do Atlas


Linguístico do Brasil

A síntese dos estudos de base variacionista apresentada na seção anterior revela que,
apesar do polimorfismo que caracteriza a realização da lateral pós­vocálica – com
188 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

variantes que vão da lateral alveolar até o apagamento do segmento, passando por
realizações velarizada, vocalizada e róticos – é fato ser a vocalização um processo
mais geral, que leva a caracterizar como norma das variedades do PB a realização da
lateral em posição de coda como [w]. Conforme atestam Callou; Leite; Moraes (2002,
Callou; Moraes; Leite, 2013), provavelmente o processo de vocalização é implemen-
tado primeiramente na coda externa, e depois se espraia em direção à coda interna.
No âmbito de descrições dialectológicas, Amaral (2020 [1920]) e Marroquim
(1934) atestam – respectivamente para o dialeto caipira e para “língua do nordeste” –
que a realização da lateral como rótico e o apagamento são comuns nos dialetos
investigados. Amaral (2020 [1920], 40) afirma que

[o l] em final de sílaba, muda­se em r: quarquér, papér, mér, arma. . . . As


palavras terminadas em al, el, il, . . . frequentemente aparecem apocopadas:
má, só, jorná = mal, sol, jornal. Não inferir daí que houve queda de l. Esse l
mudou-se primeiro para r, e depois caiu este fonema, de acordo com uma das
leis mais rígidas, e mais facilmente verificáveis, da fonética dialetal.

Nascentes (1953, 48), em uma descrição do “linguajar carioca”, observa que o


“l final é pronunciado levemente pela classe culta. A classe semiculta vocaliza­o
diante de a, e, i, num u vogal que tem de comum com ele a qualidade de velar”.
Mais recentemente, Pinho; Margotti (2010) descrevem, com base nos dados do
Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), as formas de concretização do /l/ pós-vocálico
nas capitais Brasileiras. Coletaram-se 2200 ocorrências de /l/ em coda em 200
entrevistas, estratificadas de acordo com as variáveis sexo, escolaridade e faixa
etária. As ocorrências foram extraídas de dez itens lexicais do questionário foné-
tico-fonológico, e contemplam tanto a coda interna quanto a coda externa.
Nos dados do AliB, é possível perceber que:

(a) a vocalização da lateral em coda é, efetivamente, a norma do Português Bra-


sileiro – em termos das capitais;
(b) a comparação entre a distribuição das variantes vocalizada, alveolar e velari-
zada revela que, quanto mais ao sul do território, maior a produtividade das
variantes consonantais. Contudo, no que se refere especificamente aos dados
de Porto Alegre, Pinho; Margotti (2010, 78) destacam que
há uma informação relevante sobre a preservação da lateral no sul. A variante
não vocalizada está presente apenas na fala dos informantes mais velhos da capi-
tal gaúcha. Isso indica que realmente estamos vendo um processo de mudança
na estrutura fonológica do Português Brasileiro – já em conclusão – , em que a
língua deixa de ter a presença da lateral alveolar em posição de coda silábica.
(c) os róticos figuram como variantes para a realização do /l/ pós­vocálico em
duas capitais do Centro-Oeste. A análise dos dados de pontos de inquéritos no
interior dos estados do Centro-Oeste pode revelar se os róticos se constituem
como variantes produtivas para a realização da lateral em coda e se essas reali-
zações seriam resquícios de traços do dialeto caipira levado a essa região.
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 189

5 Outros caminhos
Duas propostas inovadoras, desenvolvidas nos últimos dez anos dizem respeito à
pesquisa dos róticos com a língua cantada (Xavier, 2016) e à correlação entre o apa-
gamento e a configuração fonológica da sílaba em que se encontra o rótico (Farias,

0.5%
11%
0.50% 18%

70%

vibrante múl˜pla anterior tepe frica˜va velar zero foné˜co frica˜va glotal

Figura 7.13 Distribuição total do R em coda silábica final, na fala cantada (1710 oco), de
1902 a 1940.
Fonte: Xavier (2016)

80% 73%
67%
70%
60%
50%
40%
30% 26% 24%
20%
9%
10% 1%
0%
erudito popular
tepe vibrante múl˜pla anterior zero foné˜co

Figura 7.14 Distribuição total do R em coda silábica final, por gênero musical erudito e
popular
Fonte: Xavier (2016)
190 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

2018) e merecem ser registradas. O trabalho de Xavier tem por objetivo mostrar que
a fala cantada revela a mesma tendência de variação e mudança. Com base em uma
amostra constituída de gravações musicais, no período de 1902 a 1940, a autora
analisa a pronúncia do R na fala cantada, de uma forma sistemática, com base em
um número considerável de dados e com o aporte teórico, instrumental e estatístico
de que já dispomos. O acervo sonoro utilizado faz parte de um período de tempo em
que a atividade musical inicia seu processo de expansão e popularização e o registro
de voz praticamente se restringir a gravações de disco cilíndrico.
Como já registram os Anais do Primeiro Congresso de Língua Nacional Can-
tada (1937), a vibrante ápico-alveolar seria a variante que deveria ser difundida
pelos intérpretes da música popular Brasileira. Entre as conclusões a que chega
Xavier está (i) a de que predomina, em coda final, a pronúncia como tepe, seguida
da vibrante múltipla anterior, com raras ocorrências de fricativa velar e de apa-
gamento (Figura 16) e também (ii) a de que existe uma diferenciação por gênero
musical (Figura 17).
A segunda proposta tem por objetivo dar um passo adiante na compreensão do
processo de apagamento do rótico, em coda silábica, através de uma nova perspec-
tiva de análise do fenômeno, no nível fonético e fonológico. Parte-se da hipótese
de que, quando o segmento é apagado, na fala espontânea ou lida, deixa vestígios,
possivelmente, pelo alongamento da vogal que precede o rótico. Farias (2018)
analisa 171 dados de fala espontânea, extraídos do corpus do Atlas linguístico do
Brasil (ALiB), de falantes de dois níveis de escolarização regular, oriundos de duas
cidades da região Nordeste e também 576 dados de um corpus controlado de leitura
de sentenças SVO. No momento, busca comparar os resultados da fala espon-
tânea com o de frases lidas, trabalhando com a hipótese de que esses dois tipos de
elocução apresentem resultados diferentes devido ao fato de na produção de cada
estilo estarem envolvidos processos específicos: na fala espontânea, parte do plane-
jamento é realizado ao mesmo tempo em que ocorre a produção da fala enquanto,
na leitura, o planejamento e a produção da fala não ocorrem simultaneamente.
Além de observar o fenômeno de apagamento do rótico em uma fala controlada,
busca­se verificar a manutenção da unidade de tempo, por meio da medida acústica
de duração vocálica, que ainda não foi objeto de estudo sistemático, na leitura. Desse
modo, o comportamento duracional da vogal antecedente ao rótico é observado,
tanto quando há/não há a queda do segmento, em posição de coda silábica. Estudos
acústicos sobre a aquisição do constituinte coda revelam que o “alongamento com-
pensatório” é uma estratégia de reparo temporal, em que o falante alonga a vogal
que precede o segmento, com o objetivo de manter a unidade temporal da sílaba
(Mezzomo, 2003). Além disso, com um viés comparativo, é necessário observar a
duração da vogal em palavras sem coda, como em “cajá”, a fim de verificar se a
vogal apresenta duração semelhante à da vogal em contextos de queda do rótico
(“celulaØ”) ou à duração da vogal com o /R/ realizado (“celula/R/”). A tendência
geral indicou que parece haver uma gradação, em que as vogais em palavras sem
coda realizada apresentam maior duração, ou seja, um alongamento compensatório
como marca de vestígio do rótico, em coda silábica. Análise preliminar indicou que
a duração da vogal sem rótico pronunciado é 28% maior do que os casos em que o
rótico é realizado pelo falante: a média da duração da vogal com R realizado é de
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 191

0,131 s (bastante semelhante aos casos de palavras sem coda, como vatapá – 0,137
segundos) e a da vogal sem R realizado é de 0,168s.
Muito poderia ainda ser dito sobre os róticos, a partir desses e de outros cor-
pora e também sob novas perspectivas (Callou; Serra; Cunha, 2015; Oliveira et al.,
2018; Farias; Caldas; Serra, 2018; Serra et al., 2021; Battisti; Martins, 2011; Velho,
2017; Farias, 2018; Comiotto; Margotti, 2019; Schwindt, 2014, Schwindt; Chaves,
2019), mas os limites do capítulo não o permitem.
Quanto ao /S/ em coda, embora, como se verificou na seção 3, a maior parte das
pesquisas tenha se centrado na distribuição espacial e nos condicionamentos sociais
e estruturais que determinam a implementação de suas variantes, alguns estudos,
entre os quais um na área da sociofonética (Rocha; Pacheco, 2022) têm-se voltado
para questões relativas a sua percepção e avaliação, como os de Hora (2011); Lima
(2013); Henrique (2016); Melo (2012, 2017); Mendonça; Borges (2018); Hora;
Henrique; Amorim (2018); Melo; Gomes (2019). Dentre eles, destacam-se, aqui,
os de Henrique (2016) e o de Melo; Gomes (2019).
Henrique (2016) teve por objetivo analisar como falantes naturais de João Pes-
soa avaliavam as diferentes variantes de /S/ em coda medial. Com base em estu-
dos com dados de produção que apontavam a fricativa alveolar como a variante
mais frequente e a palatalizada como favorecida pelo contexto seguinte /t d/, elab-
orou três testes de percepção que demonstraram (p. 78–79) que os informantes
da pesquisa (a) atribuíam o mesmo grau de diferença para o par alveolar/palatal,
independentemente do contexto seguinte; (b) corroboraram “a hipótese de que a
principal pista acústica relevante para a distinção é o pico espectral em determi-
nadas regiões de frequência”; (c) têm “consciência do comportamento da fricativa
em coda medial no seu dialeto”; (d) deram indícios de que variante palatalizada se
estaria difundindo também diante da nasal /n/; (e) tinham “consciência do com-
portamento da variável analisada na sua comunidade de fala e na sua própria fala”
Melo; Gomes (2019), com base em resultados de teste de percepção aplicado
a 36 adolescentes, 12 jovens universitários de classes média-média e média baixa
e dois grupos de 12 adolescentes moradores de favelas, de classe baixa, mas com
diferentes graus de inserção social na comunidade de fala da cidade do Rio de
Janeiro, buscaram observar o significado social das variantes [ʃ ʒ] and [ x / ɣ ; h / ɦ]
de /S/ em coda, estas últimas avaliadas negativamente por falantes de diversas
variedades do PB. O teste consistia em correlacionar as variantes velar/glotal e pós-
alveolar produzidas por uma mulher falante da variedade carioca a três diferentes
ocupações profissionais – médica, auxiliar de enfermagem e faxineira – continuum
cujos extremos representariam, respectivamente, um maior e menor prestígio social
Os resultados demonstraram que a avaliação negativa da variante glotal apesar
de confirmada, não é compartilhada por todos os falantes da comunidade de fala:
seu estigma foi observado entre os participantes mais escolarizados (jovens uni-
versitários e moradores de favelas com maior inserção social), mas não entre os
adolescentes excluídos socialmente, uma vez que não houve diferença de avaliação
em relação às duas variantes (p. 142). Os autores verificaram ainda que

Para algumas palavras, a variante glotal é o exemplar dominante entre os


falantes da Amostra EJLA [adolescentes com menor inserção social],
192 Dinah Callou, Sílvia Figueiredo Brandão, Danielle Kely Gomes

enquanto a variante pós-alveolar é a variante dominante para os outros dois


grupos. A mudança em progresso afeta palavras mais frequentes somente
entre os falantes da Amostra EJLA. Este grupo é o único que não mostra uma
avaliação negativa para a variante velar/glotal.
(p. 143)

No que concerne à realização do /L/ em coda, os trabalhos que descrevem o pro-


cesso em variedades do PB evidenciam que a variante vocalizada está em franco
processo de disseminação, sobretudo nos dados das capitais do país – mesmo
em comunidades que se constituíam como espaços de resistência para a imple-
mentação da vocalização (como mostram Pinho; Margotti, 2010). Em função da
generalização da variante vocalizada como norma do PB, é muito provável que a
variação na realização desse segmento não seja tomada, atualmente, como objeto
de pesquisas que se dediquem a captar crenças/atitudes/percepções em relação
às variantes.
Nos estudos de Tasca (1999, 2000), ainda numa perspectiva sociolinguística,
identificou­se uma tendência que separa a capital do estado (Porto Alegre) das
localidades do interior. Em Porto Alegre, a vocalização da lateral é um processo
em franca expansão. Entre as comunidades interioranas, a preservação da lateral
alveolar é uma característica de falantes de regiões povoadas por imigrantes de
ascendência alemã e italiana (respectivamente Panambi e Flores da Cunha), o
que se deveria “a uma prática tacitamente compartilhada que move os integrantes
em torno de um empreendimento comum, qual seja, a manutenção de elementos
socio-linguístico-culturais implementados pelos colonizadores das duas regiões”
(Tasca, 2002, 302). Já São Borja, o núcleo fronteiriço, apresentou índices baixos
de preservação da lateral alveolar, o que se poderia atribuir à falta de identidade
étnica desse grupo.

6 Considerações Finais
Nas seções precedentes, apresentou-se um quadro sintético da variação de /R/, /S/
e /L/ no PB, sobretudo com base em inúmeros estudos de cunho geo-sociolinguís-
tico. Embora os processos nelas retratados sejam bastante similares quanto a sua
direcionalidade – R > x ~ h ~ Ø; S > ʃ; L > Ɨ ~ w ~ Ø – constituem diferentes tipos
de mudança que não ocorreram ao mesmo tempo e não tiveram origem no mesmo
período temporal. Como observam Callou; Leite; Moraes (1998), enquanto os
falantes não se dão conta das mudanças por que passa o /R/, por estarem abaixo de
seu nível de consciência e terem surgido na fala de pessoas com baixa escolaridade –
pelo menos, o seu apagamento, foi registrado na fala de escravos em peças do
século XVI de Gil Vicente – as mudanças do /S/ são conscientes e costumam ser
explicadas por uma tentativa de imitação de uma pronúncia mais valorizada, a da
corte Portuguesa, ao chegar ao Rio de Janeiro, no século XIX, em falantes de esco-
laridade mais alta, embora essa hipótese se apoie em fracas evidências históricas.
Quanto ao /L/, não parece se enquadrar em nenhuma das duas categorias e tudo
indica que a vocalização consiste numa mudança interna, já registrada no Latim e
Revisitando as consoantes em coda no Português Brasileiro 193

na evolução do Latim ao Português (cf. Demasi, 1995), basicamente implementada


no PB e de rara ocorrência no PE.
Concluindo: muito já foi dito, muito há ainda a dizer! “Não há assuntos esgo-
tados, há homens esgotados diante de assuntos” (Ramón y Cajal, apud Cunha,
2004).

Notas
1 O Projeto está em curso, tendo sido já publicados dois volumes (Cardoso et al., 2014).O
corpus reúne respostas a Questionários aplicados a 1.100 informantes em 250 localidades
(25 capitais Brasileiras + 225 outros pontos), de duas faixas etárias, homens e mulheres
de dois níveis de escolaridade.
2 Nas capitais Brasileiras, os dados baseiam-se na fala de 8 informantes, dois homens e
duas mulheres por nível de escolaridade (fundamental e superior). O atlas conta também
com mapas com dados distribuídos com base nessas variáveis sociais.
3 O mapa que serviu de base à Figura 2 foi copiado de https://commons.wikime-
dia.org/wiki/File:Maparj2018-Mapa_do_Estado_do_Rio_de_Janeiro_-_Brasil_-_
Regi%C3%B5es_de_Governo_e_Munic%C3%ADpios_-_2018.png?uselang=pt-br
Acesso em 07/09/2021.
4 Não foram levados em conta, na coda externa, contextos em que /S/ ocorre diante de
vogal nem diante de fricativa coronal.
5 O ALiRO está em andamento, sob a direção de Iara Maria Teles.
6 Cf., nas referências, Razky, 2004 (ALiSPA); Cruz, 2004 (ALAM); Razky; Ribeiro;
Sanches, 2017 (ALAP); Silva, 2018 (ALiTTETO).
7 Rodrigues (2020, 3357) reitera que, no Português Europeu, o “/l/ está sujeito a uma al-
ternância contextualmente condicionada, se considerarmos a existência de duas únicas
realizações da lateral: [l] em ma[l]a e [Ɨ] em sa[Ɨ]”.
8 O contraste entre /l/ e /u/ depois de vogal não deve ir ao ponto de se articular o /l/ depois
de vogal exatamente como o /l/ antes do vogal. Salvo no extremo sul do país (grifo
nosso), esta pronúncia indiferenciada soa anômala, e dá a impressão de haver um ligeiro
/i/ depois do /l/ final, de maneira que uma palavra como cal quase se confunde com cale
ou mel com mele (Camara Jr., 1986 [1977], 31).

Referências
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visitados. In: Gisela Collischonn; Dermeval da Hora (eds.), Teoria linguística: fonologia
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Instituto do Ceará, p. 271–307.
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8 Palatalização das oclusivas alveolares
no Português Brasileiro
Variação linguística e restrições
em jogo na aquisição fonológica

Elisa Battisti, Athany Gutierres

Resumo
Este capítulo trata da palatalização de /t, d/ em Português Brasileiro ([t]ia~[ʧ]
ia, [d]ia~[ʤ]ia, gen[te]~gen[ʧɪ], gran[de]~gran[ʤɪ]), processo variável cuja
difusão parece iniciar-se nos centros urbanos (Noll, 2008) e distribuir-se gradativa-
mente ao interior das comunidades. Há variedades em que o processo já acarretou
mudança sonora, outras que exibem variação estruturada, decorrente da interação
de restrições linguísticas e sociais. O objetivo do capítulo é, com base na revisão
de análises fonológicas e estudos de variação linguística da palatalização no Por-
tuguês Brasileiro, esclarecer a gramática das comunidades de fala, internalizada na
aquisição da linguagem e transmitida às sucessivas gerações.

Palavras-chave: Palatalização das oclusivas alveolares, Variação fonológica,


Aquisição e processamento de regras variáveis, Português Brasileiro

1 Introdução
A palatalização regressiva das oclusivas alveolares em Português Brasileiro
(PB), desencadeada por vocoide [+alto] seguinte ([t]ipo~[ʧ]ipo, [d]ica~[ʤ]ica,
[t]ijolo~[ʧ]ijolo, ditado~[ʤ]itado, pon[te]~pon[ʧɪ], on[de]~on[ʤɪ], [t]eatro~[ʧi]
atro, [d]elicado~[ʤi]licado), apresenta aspectos relevantes à aquisição da linguagem,
especialmente em variedades de PB de contato com línguas de imigração como as
que abordaremos aqui, a partir de estudos anteriores (Battisti; Dornelles Filho, 2009,
2010; Gutierres; Battisti; Dornelles Filho, 2018; Gutierres; Battisti, 2020).
Nessas variedades, faladas em comunidades do interior do estado do Rio Grande do
Sul (RS), a palatalização variável aplica-se moderadamente, condicionada por fatores
estruturais e sociais, o que contrasta com a capital do RS, Porto Alegre, onde a pala-
talização é praticamente categórica (Duarte, 2019). Apesar de as proporções totais de
palatalização no PB de contato serem relativamente moderadas, o processo apresenta
tendência a progredir (Battisti; Dornelles Filho, 2015) em um padrão de mudança gera-
cional (Battisti; Dornelles Filho, 2016), com incremento gradual nas proporções de
aplicação da regra de geração a geração (Labov, 1994). Neste capítulo retomaremos,
dos estudos referidos, resultados que, de um lado, esclarecem os condicionadores estru-
turais e sociais da palatalização variável, atestam o progresso da palatalização e sugerem
DOI: 10.4324/9781003294344-11
202 Elisa Battisti, Athany Gutierres

o percurso de progressão da regra; de outro, mostram as restrições da gramática gerado-


ras da palatalização variável e o efeito de fatores sociais na gramática, internalizada na
aquisição da linguagem e transmitida às sucessivas gerações.
No decorrer do capítulo, ao tratar de variação linguística, assumimos o pres-
suposto da heterogeneidade ordenada da sociolinguística laboviana (Labov, 2008
[1972]), segundo o qual, na produção linguística, as variantes correlacionam­se a
fatores linguísticos (contexto fonético-fonológico precedente e seguinte, posição na
sílaba ou na palavra, tonicidade da sílaba etc.) e sociais (como idade, classe social,
escolaridade dos grupos de falantes, por exemplo), o que imprime sistematicidade
à variação, captada em análises quantitativas (i.e. análises estatísticas de regressão
logística).
Ao tecermos considerações sobre aquisição fonológica, inspiramo-nos na
ideia chomskiana de Gramática Universal como um Dispositivo de Aquisição da
Linguagem (DAL), “um componente inato da mente humana que produz uma
determinada língua por meio da interação com a experiência apresentada, um dis-
positivo que converte a experiência em um sistema de conhecimento” (Chomsky,
1986, 3).1 A faculdade da linguagem stricto sensu (Narrow Language Faculty)
contempla a Gramática Universal (GU). A faculdade da linguagem lato sensu
(Broad Language Faculty) compreende elementos compartilhados com outros
domínios cognitivos, que podem interagir com a GU (Hauser; Chomsky; Fitch,
2002). A fonologia constitui um nível distinto de organização da linguagem e
está presente no domínio estrito dessa faculdade (Pinker; Jackendoff, 2005). Para
tanto a criança, na aquisição fonológica, deve ter acesso, conforme Reiss (2008),
ao conjunto universal de traços fonológicos, primitivos representacionais a partir
de que a criança constrói generalizações (regras) sobre os dados linguísticos a que
é exposta. A exposição da criança ao ambiente ativa mecanismos que integram
princípios gerais a padrões linguísticos particulares. Assim, o sistema fonológico
vai sendo estruturado gradativamente, a partir da percepção da linguagem (San-
tos, 2008), em um percurso de aquisição ordenado (Lamprecht et al., 2004;
Matzenauer; Miranda, 2012) e variável (Mota, 1997; Gomes, 2004; Lorandi,
2013; Matzenauer, 2019).
Ao lidarmos com a gramática que gera a palatalização variável, levamos em
conta a ideia de interação de restrições violáveis de Marcação e de Fidelidade no
processamento da linguagem (Prince; Smolensky, 2004 [1993]). Entendemos que
generalizações implicacionais em tipologias fatoriais em ordens-t (Anttila; Andrus,
2006) estão na base de diferentes padrões quantitativos de aplicação dos proces-
sos variáveis, produzidos por rankings estocásticos de restrições (Boersma; Hayes,
2001), que podem captar o efeito quantitativo de fatores sociais na gramática vari-
ável ao incorporar scaling factors, que agem sobre as restrições de Fidelidade
(Coetzee, 2016). Assumimos, então, que a aquisição do sistema é moldada pela
estruturação e reorganização gradual de rankings de restrições. Generalizações
implicacionais estão também presentes no processo de aquisição (Matzenauer Her-
nandorena, 1996; Mota, 1997; Matzenauer, 2009): se a criança produz consoantes
fricativas, é porque também já produz a classe das plosivas; se produz sílabas CVC,
já produz aquelas de estrutura CV, por exemplo, e assim por diante.
Palatalização das oclusivas alveolares no Português Brasileiro 203

Iniciamos o capítulo caracterizando a palatalização de /t, d/ em PB em dife-


rentes contextos linguísticos, de modo a apresentar um panorama dos dados a que
a criança está exposta em uma comunidade de fala como Porto Alegre, onde o pro-
cesso é praticamente categórico e produz alofonia, em um quadro de distribuição
complementar. A partir desse panorama, abordamos na seção seguinte o que pode
apresentar-se variável nas diferentes comunidades de fala em relação à palatali-
zação, particularmente no PB de contato.

2 A palatalização em PB
Palatalização é o processo pelo qual certas consoantes adquirem articulação palatal
(o corpo da língua toca o palato duro), podendo acarretar também sua africatização
(pequeno escape de ar na articulação).
No Português Brasileiro, as consoantes afetadas pela palatalização são as oclu-
sivas alveolares /t, d/, que passam às africadas [ʧ, ʤ], geralmente por palatali-
zação regressiva. Menos frequentemente, observa-se palatalização progressiva em
PB, desencadeada pela vogal que precede as consoantes (/oito/ > [‘oʧʊ], /doido/
> [‘doʤʊ]). Este capítulo trata apenas da palatalização regressiva, observada nas
variedades de PB do sul do Brasil.
A palatalização regressiva é desencadeada por uma vogal-gatilho anterior alta
no núcleo de sílabas em que /t, d/ estão no onset, como nos dados em (1): a vogal-
gatilho fonológica /i/ pode estar em sílaba átona ou tônica (1.a); a vogal­gatilho [i]
derivada de /e/ por elevação vocálica ocorre apenas em sílaba átona (1.b).

(1) a. Vogal-gatilho: /i/ subjacente b. Vogal-gatilho: [ɪ, i, j] derivados de /e/


ditado [ʤi’tadʊ] pote [‘pɔʧɪ]
tipoia [ʧi’pojɐ] onde [‘õɲʤɪ]
Poti [po’ʧi] teatro [ʧi’atɾʊ], [‘ʧjatɾʊ]
diva [‘ʤivɐ] vídeo [‘viʤiʊ], [‘viʤjʊ]

A aplicação da palatalização a /t, d/ gera alofones que ocorrem em distribuição


complementar: [t d] ocorrem diante de todas as vogais do PB exceto [i]. Já [ʧ ʤ]
ocorrem apenas diante de [i], como ilustram os vocábulos em (2).

(2) [t]exto, [t]este, [t]apa, [t]oca, [t]odo, [t]udo, [ʧ]ipo


[d]edo, [d]ela, [d]ado, [d]oca, [d]oce, [d]uma, [ʤ]ica

Ambos os exemplos de palatalização em (2), [ʧ]ipo e [ʤ]ica, têm vogal /i/ fonológica
ou não derivada na subjacência. Nos contextos com vogal [i] não fonológica (deri-
vada de /e/ em sílaba átona), a palatalização é alimentada pela elevação vocálica
(po[te]>[‘pɔʧɪ], on[de]>[‘õɲʤɪ]). Na experiência linguística ao longo da aquisição
da linguagem, a criança é exposta a dados gerados pelas duas regras, elevação e
palatalização. A tendência é que, inicialmente, a criança aprenda os padrões de fala
de seus pais e cuidadores, mas se afaste deles caso não se conformem à regra geral
da comunidade de fala (Labov, 2012). A relação dos vocábulos em paradigmas é o
204 Elisa Battisti, Athany Gutierres

que possibilita à criança estabelecer generalizações e operar com distribuição com-


plementar. Em (3) estão dados com as consoantes-alvo da palatalização seguidas
de vogal /e/ átona a que a palatalização se aplica e vocábulos relacionados em que
não há contexto de aplicação da regra (marcados de cinza).

(3) balde [̩ˈbawʤɪ] baldinho [̩bawˈʤɪɲ̃ ʊ] baldão [bawˈdəw ̃ ̃]


dente [̩ˈdẽɲʧɪ] dentinho [̩deɲˈʧɪɲ̃ ʊ] dentão [de ˈtəw
̃ ̃]
morder [moɾˈdeɾ] mordida [moɾˈʤidɐ] mordeu [moɾˈdew]
bater [baˈteɾ] batida [baˈʧidɐ] bateu [baˈtew]
ter [ˈteɾ] tinha [ˈʧĩɲɐ] teve [ˈtevɪ]

A regra de palatalização envolve assimilação, pelas consoantes-alvo /t, d/, de traços


do gatilho da regra, um vocoide (vogal ou glide) anterior alto não arredondado.
Monaretto; Quednau; Hora (2010) adotam a geometria de traços de Clements; Hume
(1995) para representar o processo de assimilação como espraiamento (seta ponti
lhada em 4.a) do nó Ponto de Vogal (PV) e seus dependentes, os traços [coronal] e
[+anterior] da vogal. O espraiamento de PV, por seu turno, provoca o desligamento
do nó Ponto de Consoante (PC) da consoante-alvo (os dois traços cortando a linha
de associação em 4.a). Essa é a etapa da palatalização. Em uma etapa seguinte (4b),
ocorre a africação da consoante por “promoção da articulação secundária à primária,
bifurcando-se a consoante em duas raízes” (Monaretto; Quednau; Hora, 2010, 231).
A palatalização (4.a) com africação (4.b) de /t, d/ é desencadeada pela vogal alta que
segue as consoantes-alvo. Nos contextos /te/, /de/ átonos, o processo de palatali-
zação com africação, quando aplicado, envolve, antes, a elevação da vogal média.

(4) a. t i b. ˜
X X X

raiz raiz raiz raiz

cav. oral cav. oral cav. oral cav. oral

[-cont] PC PC [+cont] [-cont] PC [+cont]

[coronal] Vocálico [coronal]

[+anterior] PV Abertura [- anterior]

[coronal]

[+anterior]

Os diferentes padrões de variação observados nas comunidades de fala podem


resultar da não elevação da vogal média em sílaba átona, o que sangra a palatali-
zação, ou da não aplicação da palatalização mesmo em contextos com gatilho alto,
obedecendo a restrições linguísticas e sociais. O conhecimento linguístico na base
desses padrões, em termos de regras e restrições, é parte das generalizações sobre
a fonologia do PB que as crianças elaboram ao longo da aquisição da linguagem,
juntamente com as correlações das variantes a fatores sociais e linguísticos, a partir
da experiência linguística em suas comunidades de fala.
Palatalização das oclusivas alveolares no Português Brasileiro 205

3 A palatalização variável
A palatalização das oclusivas alveolares é um processo variável inovador no PB, se
comparado ao Português Europeu, além de marcador dialetal e social (Hora, 1990;
Bisol, 1991; Cristófaro-Silva, 2003; Battisti et al., 2007; Battisti; Guzzo, 2010;
Battisti; Dornelles Filho, 2015; Hora; Henrique, 2015). Os dados em (5) repetem
os dados em (1), agora com as realizações variáveis.

(5) a. Vogal­gatilho: /i/ subjacente b. Vogal­gatilho: [ɪ], [i] derivados de /e/


ditado [di’tadʊ]~[ʤi’tadʊ] pote [‘pɔte] > [‘pɔtɪ] ~[‘pɔʧɪ]
tipoia [ti’pojɐ]~[ʧi’pojɐ] onde [‘õnde] > [‘õndɪ]~[‘õɲʤɪ]
Poti [po’ti]~[po’ʧi] teatro [te’atɾo] >[ti’atɾʊ]~[ʧi’atɾʊ]~ [‘ʧjatɾʊ]
diva [‘divɐ]~[‘ʤivɐ] vídeo [‘video] >[‘vidiʊ]~[‘viʤiʊ]~ [‘viʤjʊ]

Nas variedades de PB de contato, a realização das variantes palatalizadas e não


palatalizadas é condicionada por fatores linguísticos e sociais.

4 Os condicionadores da palatalização e o padrão de progressão na


comunidade de fala
Battisti; Dornelles Filho (2015) investigam a palatalização no PB de contato com
línguas de imigração italianas na comunidade de fala de Flores da Cunha, um
município fundado por imigrantes italianos no final do século XIX, situado no
estado do Rio Grande do Sul, na região sul do Brasil. A análise mostra que o pro-
cesso é condicionado por fatores linguísticos e sociais.
Os pesquisadores utilizam dados de entrevistas sociolinguísticas de informantes de
Flores da Cunha de dois bancos, VARSUL, realizadas em 1990, e BDSer, realizadas de
2008 a 2009. Efetuam análise em tempo real – comparam os modelos de variação das
amostras – da palatalização de /t/ e /d/ em dados de doze entrevistas de cada amostra,
num total de vinte e quatro entrevistas, estratificadas em três grupos etários (25 a 39
anos, 40 a 59 anos, 60 ou mais anos) e dois gêneros (masculino e feminino). Os dados
são codificados conforme as seguintes variáveis: (a) Dependente: palatalização de /t d/
desencadeada por vogal anterior alta subjacente /i/ (tia~[t͜ ʃ]ia, dia~[d͜ȝ]ia) ou por [ɪ]
derivado de /e/ em sílaba átona (gente~gen[t͜ ʃɪ], onde~on[d͜ȝɪ]); (b) Independentes –
sociais: Faixa Etária (25–39, 40–59, 60 ou mais anos) e Sexo/Gênero (feminino,
masculino); Independentes – linguísticas: Contexto Fonológico Precedente, Contexto
Fonológico Seguinte, Status da Vogal Alta, Qualidade da Consoante-Alvo, Posição da
Sílaba na Palavra, Tonicidade. Os dados foram submetidos ao pacote de programas
VARBRUL, versão Goldvarb X, para análise de regressão logística. Nas Tabelas 8.1 e
8.2 estão os resultados das variáveis selecionadas pelo programa na análise de ambas
as amostras.
A análise mostra que a palatalização progrediu no PB de contato de Flores da
Cunha com o passar do tempo, o que constitui variação na mudança em progresso.
Tanto o valor de input (0,37 no VARSUL, 0,53 no BDSer) quanto a proporção total
de aplicação da regra (41,7% no VARSUL, 51,7% no BDSer) aumentaram. Os jovens
condicionam a palatalização (0,59 no VARSUL, 0,82 no BDSer). As variáveis lin-
guísticas condicionadoras são Status da Vogal Alta e Qualidade da Consoante-Alvo,
206 Elisa Battisti, Athany Gutierres

Tabela 8.1 Grupos de fatores selecionados na análise da palatalização variável de /t/ e /d/ no
Português falado em Flores da Cunha (RS), dados do VARSUL

Dados do VARSUL (coletados nos anos 1990)

Input: 0,37

Proporção total: 41,7%

N total (ocorrências): 4.710

Peso % N
relativo
Status da vogal alta
Vogal alta fonológica /i/ (tia) 0,63 52 2.687
Vogal alta fonética [i] (gent[i]) 0,32 27 2.023

Qualidade da consoante-alvo
Consoante desvozeada /t/ (tia) 0,59 47 2.457
Consoante vozeada /d/ (dia) 0,39 35 2.253

Faixa etária
25–39 anos 0,59 45 1.235
40–59 anos 0,49 43 2.325
60 ou mais anos 0,41 36 1.150

Sexo/Gênero
Feminino 0,78 65 2.415
Masculino 0,20 17 2.295
Fonte: Battisti; Dornelles Filho (2016), adaptado de Battisti; Dornelles Filho (2015)

Tabela 8.2 Grupos de fatores selecionados na análise da palatalização variável de /t/ e /d/ no
Português falado em Flores da Cunha (RS), dados do BDSer

Dados do BDSer (coletados entre 2008–2009)

Input: 0,53

Proporção total: 51,7%

N total (ocorrências): 3.234

Peso % N
relativo
Status da vogal alta
Vogal alta fonológica /i/ (tia) 0,61 64 1.801
Vogal alta fonética [i] (gent[i]) 0,36 35 1.433

Qualidade da consoante-alvo
Consoante desvozeada /t/ (tia) 0,57 54 1.750
Consoante vozeada /d/ (dia) 0,41 49 1.484
(Continuado)
Palatalização das oclusivas alveolares no Português Brasileiro 207

Tabela 8.2 (Continuado)

Dados do BDSer (coletados entre 2008–2009)

Input: 0,53

Proporção total: 51,7%

N total (ocorrências): 3.234

Peso % N
relativo

Faixa etária
25–39 anos 0,82 73 1.465
40–59 anos 0,21 34 821
60 ou mais anos 0,21 33 948

Sexo/Gênero
Feminino 0,62 59 1.978
Masculino 0,31 40 1.256
Fonte: Battisti; Dornelles Filho (2016), adaptado de Battisti; Dornelles Filho (2015)

em seus fatores vogal alta fonológica e consoante-alvo desvozeada, respectivamente;


e as variáveis sociais Idade e Sexo/Gênero, em seus fatores 25 a 39 anos e feminino.
Exceto pelos valores de peso relativo obtidos para os fatores das variáveis Sta-
tus da vogal alta e Idade, que se distanciaram, os valores dos pesos relativos dos
fatores das demais variáveis aproximaram-se, sugerindo a possibilidade de, futura-
mente, seus efeitos opostos virem a se desfazer com o incremento da palatalização.
Já os efeitos de vogal alta fonológica /i/ (condicionador) e vogal alta fonética/
derivada [i] (desfavorecedor), distanciados na amostra mais recente, parecem estar
contribuindo para estabelecer o sotaque local, com tendência de palatalização por
/i/, mas não por [i] derivado de /e/ átono, o que contribui para distinguir o PB de
contato de outras variedades gaúchas e Brasileiras.
Chamam atenção os resultados da variável Sexo/Gênero. Os pesos relativos
obtidos na análise dos dados VARSUL e BDSer apontam o fator feminino como
condicionador da palatalização em Flores da Cunha. No entanto, as proporções
de aplicação do fator masculino são significativas: houve aumento de 17% para
40% de aplicação da regra pelo fator masculino da amostra do VARSUL para a
do BDSer, e diminuição de 65% para 59% de palatalização pelo fator feminino.
A análise estatística complementar de Battisti; Dornelles Filho (2015) auxilia a
esclarecer esse padrão.
Os autores exploram dois pressupostos labovianos sobre variação e mudança
linguística:

(a) da mudança geracional (generational change, de Labov, 1994), segundo o


qual nosso sistema fonológico está definido na juventude e se estabiliza na
vida adulta. Mudanças linguísticas resultariam de mudanças na comunidade;2
208 Elisa Battisti, Athany Gutierres

(b) da assimetria na transmissão linguística (asymmetry of language transmission,


de Labov, 2010), para o qual os homens da geração mais velha (geração 1)
não se envolvem na mudança, os homens entre 30 e 50 anos (geração 2) são
os primeiros a terem mães afetadas pelos processos e mostram um incremento
rápido nos valores de aplicação equivalentes aos de suas mães (entre 50 e 70
anos de idade). Assim, os homens estariam cerca de uma geração atrás de suas
mães até o fim do processo, quando a diferença de sexo/gênero diminui, o que
explicaria a eventual aproximação nos índices dos fatores feminino e mascu-
lino em um certo intervalo de tempo.

Lançando mão da imaginação como recurso heurístico (Garcia, 2019), Battisti;


Dornelles Filho (2015) consultam as Fichas Sociais dos vinte e quatro informantes
de cujas entrevistas sociolinguísticas levantam os dados para a análise (estatís-
tica) em tempo real, buscando a idade declarada pelo informante no momento da
entrevista. Tomam (arbitrariamente) a idade de quinze anos como aquela em que o
sistema fonológico se estabilizaria e calculam o ano em que cada informante tinha
quinze anos. Com essa informação, procedem a uma análise de regressão logística
da palatalização em função da idade de estabilização, tanto nos dados totais, quanto
em sua estratificação por sexo/gênero. Os resultados estão nas Figuras 8.1 e 8.2.
A análise sugere que já haveria alguma aplicação da palatalização no PB dos
informantes em torno de 1920 (Figura 8.1). Esse padrão corresponderia à mudança
geracional (incremento gradual nas proporções de aplicação da regra de geração
a geração). A análise estratificada por sexo/gênero indica (Figura 8.2) que o fator
feminino teria se mantido relativamente estável em quase cem anos. Já o fator

Figura 8.1 Regressão logística da aplicação de palatalização de /t, d/ em função da data de


estabilização linguística do informante (dados totais)
Fonte: Battisti; Dornelles Filho (2015, 240)
Palatalização das oclusivas alveolares no Português Brasileiro 209

Figura 8.2 Regressão logística da aplicação de palatalização de /t, d/ em função da data de


estabilização linguística do informante com estratificação por sexo/gênero
Fonte: Battisti; Dornelles Filho (2015, 241)

masculino teria incrementado rapidamente as proporções de aplicação entre os


anos 1950 e 1990, quando a comunidade experimentou expansão da urbanização e
desenvolvimento industrial.
A análise estatística complementar de Battisti; Dornelles Filho (2015) capta o
comportamento diferenciado dos gêneros masculino e feminino na transmissão da
palatalização e, possivelmente, de outros processos de variação e mudança lin-
guística.3 Essa diferenciação por gênero é, pelo pressuposto laboviano, inerente
à transmissão linguística, que se dá durante a aquisição da linguagem, quando as
regras variáveis (ou opcionais, no modelo gerativo) são internalizadas, juntamente
com as regras categóricas e o sistema de contrastes fonológicos. As gramáticas de
língua natural sendo adquiridas devem, portanto, sustentar os padrões observados,
sejam eles categóricos ou variáveis. Em relação à aquisição da linguagem, fica a
questão: como opera a gramática que produz os padrões variáveis a que a criança é
exposta, assim transmitido e, eventualmente, incrementado de geração a geração?
Battisti; Dornelles Filho (2009, 2010) exploram a questão da produção dos
padrões variáveis ou quantitativos pelas gramáticas de língua natural na perspec-
tiva da Teoria da Otimidade (Prince; Smolensky, 2004 [1993]), levando em conta
padrões de palatalização variável no PB de contato.

5 Generalizações implicacionais e os diferentes padrões


de palatalização
De acordo com a Teoria da Otimidade (Prince; Smolensky, 2004 [1993]), gramáti-
cas são definidas pelo ordenamento ranqueado de restrições linguísticas universais,
previstas por CON (do inglês constraint), um componente da GU que contém o
210 Elisa Battisti, Athany Gutierres

conjunto de restrições universais, presentes nas gramáticas das línguas do mundo


(McCarthy, 2008). As diferentes combinações de restrições em rankings (hierar-
quias) determinam a gama de variação possível nas línguas. Em (6), temos exem-
plos de gramáticas hipotéticas. A, B e C representam restrições, e o símbolo >>
indica dominância de uma restrição sobre as demais.

(6) a. A >> B >> C b. B >> A >> C c. C >> A, B

Em (6a), a restrição mais alta no ranking é A, que domina B e C, sendo que B


tem dominância estrita sobre C; em (6b), a restrição B é a mais alta na hierarquia,
dominando A e C, sendo que A tem dominância estrita sobre C; em (6c), C assume a
dominância na gramática sobre as restrições A e B. A vírgula que separa as restrições
A e B indica que, entre elas, não há relação de dominância estrita. O número de
gramáticas possíveis não é necessariamente equivalente ao de línguas possíveis. Há
situações em que duas restrições poderiam ser ranqueadas de uma maneira ou outra
(A>>B ou B >>A, por exemplo) e, ainda assim, produzir a mesma gramática.
Nas gramáticas hipotéticas em (6), a variação corresponde à possibilidade de as
restrições A, B e C assumirem posições distintas nos três rankings, gerando resultados
(outputs) diferentes. Assim, tem-se uma tipologia fatorial (n!): o número de rankings
possíveis a partir de um conjunto de restrições CON (McCarthy, 2008) equivaleria ao
número de outputs gerados (pelos diferentes rankings) em uma dada língua.
As restrições estão relacionadas a universais linguísticos, generalizações sobre
fatos da língua. Podem ser de três tipos: universais absolutos ou categóricos, que
expressam asserções do tipo (i) “nenhuma língua possui a propriedade x” ou (ii)
“todas as línguas possuem a propriedade x”; e (iii) universais implicacionais, que
fazem assunções do tipo “toda língua que possui a propriedade x também possui
a propriedade y” (McCarthy, 2008). Tipologias fatoriais contendo restrições relati-
vas a universais implicacionais são chamadas ordens-t (t-orders, Anttila; Andrus,
2006), que se estabelecem formando-se pares <input, output>.

Quadro 8.1 Padrões de palatalização na tipologia fatorial com pares


<input, output>

Padrão Tipologia fatorial com pares <input,output>

1 </rotina/, [rotina]>, </medida/, [medida]>


</parte/, [parte]>, </onde/, [onde]>
2 </rotina/, [roʧina]>, </medida/, [medida]>
</parte/, [parte]>, </onde/, [onde]>
3 </rotina/, [roʧina]>, </medida/, [meʤida]>
</parte/, [parte]>, </onde/, [onde]>
4 </rotina/, [roʧina]>, </medida/, [meʤida]>
</parte/, [parʧi]>, </onde/, [onde]>
5 </rotina/, [roʧina]>, </medida/, [meʤida]>
</parte/, [parʧi]>, </onde/, [onʤi]>
Fonte: Adaptado de Battisti; Dornelles Filho (2010, 82)
Palatalização das oclusivas alveolares no Português Brasileiro 211

Os padrões de palatalização variável das oclusivas alveolares encontrados


em variedades de Português Brasileiro podem, segundo Battisti; Dornelles Filho
(2009), ser explicados a partir de ordens-t. Os autores observam que, no PB de
contato, há falantes que não produzem palatalização, outros que palatalizam apenas
em contexto de vogal alta fonológica, e falantes que palatalizam tanto em contexto
de vogal alta fonológica quanto derivada, em um padrão de implicação: se o falante
palataliza em contexto de vogal alta derivada, palataliza também em contexto de
vogal alta não derivada. Assim, Battisti; Dornelles Filho (2009, 2010) propõem
pares <input, output> expressando essas generalizações implicacionais, com que
captam cinco padrões de palatalização no PB de contato (Quadro 8.1).
Como se vê no Quadro 8.1, o mapeamento input-output no padrão 1 não gera
palatalização, isto é, o padrão 1 representa as variedades de PB a que a palatali-
zação não se aplica. Opostamente, o padrão 5 é o de variedades em que se observa
palatalização tanto em todos os contextos, com vogal alta fonológica /i/ ou vogal [i]
derivada de vogal /e/ em sílaba átona. No padrão 2, apenas com /t/ é palatalizado,
e somente por vogal /i/ fonológica; no padrão 3, a palatalização aplica-se tanto a /t/
quanto a /d/, mas é desencadeada apenas pela vogal alta fonológica /i/; no padrão
4, o processo atinge ambas as consoantes e, além de /i/, [i] também desencadeia a
palatalização, mas apenas da oclusiva alveolar desvozeada.
A variedade de PB de contato que fornece dados de palatalização a este trabalho
é falada no município de Antônio Prado (AP), situado na antiga região colonial
italiana do Rio Grande do Sul e autodenominado “a cidade mais italiana do Brasil”.
O município localiza-se na serra gaúcha e está a cerca de 184km de distância da
capital do estado, Porto Alegre. Foi fundado em 1886 por imigrantes italianos. Sua
população estimada (IBGE, 2021) é de 13.041 habitantes. O PB de AP é representa-
tivo de variedades faladas também em outras comunidades do interior gaúcho.
Battisti; Dornelles Filho (2009) constatam, a partir de resultados de uma análise
quantitativa laboviana, que, em termos gerais, o processo obedece a dois padrões:

(a) a proporção de realização é mais alta com /t/ e vogal alta não derivada /i/ (/ti/a →
[ʧi]a) do que com /d/ e vogal alta [i] derivada de /e/ átono (den/te/ → den[ʧi]);

Quadro 8.2 Restrições relevantes à palatalização de /t, d/ no PB

*ti Atribua uma marca de violação a cada /t/ não palatalizado antes de /i/
*di Atribua uma marca de violação a cada /d/ não palatalizado antes de /i/
*t[i] Atribua uma marca de violação a cada /t/ não palatalizado antes de
[i] elevado de /e/ átono
*d[i] Atribua uma marca de violação a cada /d/ não palatalizado antes de
[i] elevado de /e/ átono
*MID]σ̆ Atribua uma marca de violação a cada vogal média em sílaba átona
IDENT (anterior) Atribua uma marca de violação a cada segmento correspondente
input-output que não tenha valores idênticos para anterioridade
IDENT (height) Atribua uma marca de violação a cada segmento correspondente
input-output que não tenha valores idênticos para altura
Fonte: Adaptado de Battisti; Dornelles Filho (2010, 83)
212 Elisa Battisti, Athany Gutierres

(b) se o processo se aplica com [i], ele também se aplica com /i/; se ocorre com /d/,
também ocorre com /t/; e
(c) o fenômeno conforma-se aos padrões 1, em que a palatalização está ausente,
e 3, em que ela se verifica apenas com /i/. A variação decorre da alternância
destes dois padrões na comunidade de fala.

Se a palatalização está de acordo com os padrões apresentados, deduz-se que a


gramática da comunidade selecionará outputs fiéis ao input (sem palatalização, padrão
1) ou candidatos palatalizados pela vogal alta fonológica /i/ (palatalização com /t,d/,
padrão 3). As restrições relevantes ao processo são apresentadas no Quadro 8.2.
A Figura 8.3 expressa a gramática da palatalização na comunidade investigada.
Foram consideradas as frequências de realização das variantes, conforme atestadas
na análise quantitativa. O modelamento gramatical foi feito utilizando-se o Gradual
Learning Algorithm – GLA (Boersma; Hayes, 2001). O GLA é um programa de
simulação computacional de natureza estocástica, que opera sob os princípios da
Teoria da Otimidade (mapeamento input-output e restrições). É capaz de expressar
a gradualidade da variação tanto no processo de aquisição da linguagem (infância)
quanto na variação encontrada nas gramáticas “já adquiridas” (adultos). Para tanto,
atribui pesos numéricos às restrições linguísticas, representadas em uma escala linear.
Quanto maior o peso numérico de uma restrição, maior a sua dominância no ranking
e menor a sua chance de movimentação (variação) na escala. A proximidade de pon-
tos de seleção das restrições em diferentes momentos de fala determina a variação.
Na comunidade como um todo, temos uma gramática marcada pela restrição
*MID]σ̆, que impede a elevação de vogais médias em sílabas átonas, o que sangra
a palatalização. Com o valor de 100 estão a restrição de Fidelidade que preza pela
preservação do traço de anterioridade dos segmentos, inibindo, assim, a palatali-
zação (Id(ant)), e restrições de Marcação que proíbem formas não palatalizadas com
vogal alta fonológica [i] derivada de /e/. Muito próximas a estas estão as demais
restrições, com os pesos de 98, 96 e 94. Na Figura 8.3, a variação é representada
pela proximidade entre restrições de Fidelidade e Marcação. A cada realização de
fala, pontos de seleção são gerados para as restrições. Eventualmente estes pontos
sobrepõem-se, fazendo com que as restrições se movimentem para a esquerda ou
para a direita, de acordo com o aumento ou decréscimo de seus pesos. Uma restrição
com valor 100 poderá assumir pontos de seleção de 95 a 105 na escala contínua.

Figura 8.3 Gramática da palatalização na comunidade de fala


Fonte: Battisti; Dornelles Filho (2010, 84)
Palatalização das oclusivas alveolares no Português Brasileiro 213

Essa gramática, a da comunidade (Figura 8.3), a que a criança é exposta na


aquisição a linguagem, representa a média entre os padrões 1 e 3. Vale dizer, na
comunidade de fala, a criança será exposta tanto a sujeitos não palatalizadores
(padrão 1) quanto palatalizadores. Os palatalizadores geralmente aplicam a regra
no contexto de vogal /i/ fonológica, apenas eventualmente aplicam a regra em con-
texto de [i] derivado de /e/ em sílaba átona. A criança, portanto, estará exposta aos
padrões 1 e 3, a partir de que internalizará o padrão de palatalização da comunidade
de fala. A criança aprende a regra variável, não apenas “copia” o padrão de fala
(Roberts, 1994) de seus pais, familiares, cuidadores, subsequentemente de seus
pares e da comunidade de fala (Gomes, 2004).
Nas Figuras 8.4 e 8.5, temos as gramáticas resultantes dos padrões 1, em que
não há palatalização, e no padrão 3, em que a palatalização ocorre com /ti, di/.
Na Figura 8.4, os pesos atribuídos às restrições de Identidade/Fidelidade
(maiores que os das demais restrições) favorecem a preservação dos traços de ante-
rioridade e altura dos segmentos no input e explicam a realização das formas não
palatalizadas ([ˈtia, ˈdia, ˈparte, ˈonde]). Na Figura 8.5, especialmente a restrição
de Marcação *ti, satisfeita com a palatalização a partir do input /ti/, está à esquerda
na escala, afastada das demais restrições, acima de Id(ant), que previne a palatali-
zação. A maior proporção de palatalização com a oclusiva desvozeada /t/ do que
com a vozeada /d/ deriva da posição das restrições *ti e *di na escala, sendo o peso
da primeira (108) superior ao da segunda (100). Além disso, a proximidade das
demais restrições na escala esclarece a realização variável das formas palatalizadas
([ˈʧia, ˈʤia]).

Figura 8.4 Gramática do padrão 1: não palatalização


Fonte: Battisti; Dornelles Filho (2010, 84)

Figura 8.5 Gramática do padrão 3: palatalização com /i/


Fonte: Battisti; Dornelles Filho (2010, 84)
214 Elisa Battisti, Athany Gutierres

Quando os falantes não palatalizam (Figura 8.4), o peso da restrição *MID]σ̆


decresce e, por consequência, a restrição movimenta-se para a direita na escala;
quando palatalizam de acordo com o padrão observado (Figura 8.5), *MID]σ̆
tem seu peso incrementado e move-se um pouco à esquerda, sobressaindo-se em
relação à Id(ant). Por ser um processo que alimenta a palatalização e, no PB de
contato, por ocorrer em índices de moderados a baixos (Guzzo, 2010), a elevação
de /e/ em sílaba átona pode fornecer indícios sobre o status do fenômeno em dife-
rentes comunidades de fala de PB. É o caso, por exemplo, de Passo Fundo, no norte
gaúcho, onde a elevação de /e/ em PB é baixa (17%) (Santos, 2021) e onde, por
isso, se espera que a palatalização se aplique em proporções até menores4 do que
em Antônio Prado.

6 O efeito dos fatores sociais na gramática


Demonstrou-se que a realização de formas palatalizadas e não palatalizadas é orien-
tada por rankings estocásticos que alternam o valor dos pesos das restrições. Definida
a configuração gramatical do processo, pergunta­se: há efeito de aspectos sociais
na gramática da palatalização, passíveis de serem capturados pelo modelamento
teórico que adotamos? Como Coetzee (2016), assumimos que sim: fatores linguís-
ticos (gramaticais) e não linguísticos (sociais) têm papel na variação fonológica.
Os fatores linguísticos dirigem os processos. Correspondem ao resultado da
interação de restrições de Marcação e Fidelidade na gramática. Já os fatores sociais
atuam sobre o peso das restrições de Fidelidade e influenciam a frequência com que
as formas determinadas pela gramática são observadas. É um pressuposto insti-
gante, pois dá lugar a restrições não linguísticas na análise fonológica da variação,
definindo seu papel, o que é uma inovação em termos teóricos.
A proposta de Coetzee (2016), com dados de percepção da assimilação variável
de ponto pela nasal em palavras do inglês (green boat ‘barco verde’, realizado como
gree[n] ~ gree[m] boat), testa os efeitos dos fatores taxa de elocução/velocidade da
fala influência de um evento antecedente (prime) sobre um posterior na percepção da
assimilação. No experimento realizado pelo autor, observa-se que as taxas de assimi-
lação são mais altas em contextos pré-velares do que em pré-labiais; são também
mais altas na fala rápida do que na lenta; e os falantes promovem priming na percep-
ção de nasais realizadas entre palavras, o que está associado à velocidade da fala e à
tarefa (no caso da testagem via experimentos). A análise é efetuada com a Noisy-HG
(Boersma; Pater, 2008, 2016; Coetzee, 2012, 2016; Coetzee; Kawahara, 2013).

Tableau 8.1 Tableau hipotético em uma gramática harmônica

30 20 10
CON(A) CON(B) CON(C) H

→ [output1] * * −40
[output2] *** −60
Fonte: as autoras
Palatalização das oclusivas alveolares no Português Brasileiro 215

A Noisy-HG, ou gramática harmônica com ruído, é um algoritmo estocástico


que atribui pesos às restrições linguísticas (como o GLA) e seleciona formas de
saída (outputs) com base em valores de harmonia (H). Os pesos são perturbados
por um ruído randômico (noise), resultando em valores de H levemente diferentes
toda vez que a gramática é usada. São mais harmônicos os candidatos cujos valores
de H estão mais próximos de zero (menos negativos). A variação entre candidatos
é observada pela proximidade dos valores de harmonia (<1) das formas em com-
petição (Tableau 8.1).
Na primeira coluna à esquerda temos os candidatos a se realizarem na gramática,
output1 e output2. Na primeira linha, as restrições da gramática – CON(A), CON(B),
CON(C) – com seus respectivos pesos (30, 20,10). Na última coluna, os valores de
harmonia para cada candidato. Os asteriscos * representam as violações dos candi-
datos em cada restrição. Gutierres; Dornelles Filho (2017, 277) explicam que a HG
diferencia-se da OT standard essencialmente no processo de avaliação dos candi-
datos: enquanto na OT algumas violações não são determinantes para a seleção do
output, na HG todas as violações contribuem para a harmonia dos candidatos, já
que H “é definida pelo negativo da soma dos pesos das restrições violadas multipli-
cadas pelo número de marcas de violação. O candidato ótimo é aquele cujo valor
de harmonia é mais alto (menos negativo)”. Assim, como mostra a Figura 8.4, para
o [output1] temos −(30.1+10.1)=−40, e para o [output2], −(20.3)=−60, o que leva a
gramática a selecionar o [output1] como o candidato mais harmônico.
Na interação pela Noisy-HG, o peso das restrições de Fidelidade é regulado por
um fator de ajuste (scaling factor): um fator gramatical que promove a aplicação
do processo reduzindo o peso de restrições de Fidelidade, que contribuem menos
com o valor de harmonia de candidatos infiéis, de modo que tais candidatos tenham
escores-H maiores e, assim, uma chance maior de serem selecionados como formas
de saída da gramática. O fator de ajuste que atua sobre a gramática, incrementando
ou decrementando o peso das restrições, representa os fatores sociais em atuação,
que influenciam a frequência com as quais as formas variáveis são observadas.
Nos estudos de palatalização no PB de contato, os padrões de palatalização
são condicionados socialmente pela variável “local de residência” (Battisti et al.,
2007): falantes residentes na zona urbana da comunidade favorecem a palatali-
zação, falantes que residem em áreas rurais desfavorecem a aplicação do processo.
Teria essa variável algum efeito sobre restrições de Fidelidade na gramática?
Gutierres; Battisti; Dornelles Filho (2018) testaram essa possibilidade seguindo a
proposta de Coetzee (2016). Utilizaram para tanto o ORTO Ajuste Paramétrico (Dor-
nelles Filho, 2014), algoritmo de ordenação de restrições que tem a gramática harmônica
como mecanismo de seleção de candidatos. Consideraram as frequências de realização
variável da palatalização (padrões 1 e 3) e as restrições propostas em Battisti; Dornelles
Filho (2010). A análise5 evidenciou a movimentação da restrição de Fidelidade ID(ant)
pela atuação do fator de ajuste, estabelecido com base nas diferenças quantitativas entre
zona urbana e rural observadas no PB de contato. As figuras representando a interação
das restrições na gramática harmônica com o fator de ajuste podem ser conferidas em
Gutierres; Battisti; Dornelles Filho (2018, 273). Em linhas gerais, as figuras ilustram
o fato de que, nos padrões em que predomina a não palatalização, a gramática dos
216 Elisa Battisti, Athany Gutierres

subgrupos de falantes (zona urbana e zona rural, por exemplo) reage à movimentação
da restrição de Fidelidade ID(ant), que exige manutenção da identidade de traços de
anterioridade no mapeamento input-output, para a esquerda das escalas. ID (ant),
assim, domina as restrições de marcação que promoveriam a palatalização.
Uma das afirmações de Gutierres; Battisti; Dornelles Filho (2018) sobre esses resul-
tados é a de que “local de residência” parece ter efeito não somente sobre restrições de
Fidelidade, como também de Marcação, especialmente aquelas que se referem aos con-
textos /te, de/ (as restrições *t[i] e *d[i]) e, entre esses dois, ao contexto com a consoante
surda. Pode-se considerar que o fato relevante para a não palatalização, então, seja o
processo de elevação de /e/, que tende a não se aplicar no Português da comunidade.
No padrão de palatalização dos inputs /ti, di/, o peso da restrição ID(ant)
decresce. Já as restrições de Marcação *ti e *di situam-se à esquerda da escala, o
que explica as realizações com [ʧi] e [ʤi] mapeadas a /ti/ e /di/. Chama a atenção
a movimentação da restrição *MID]σ̆: seu valor de referência (peso) aumenta para
a zona urbana e diminuiu para a zona rural. A restrição *MID]σ̆ proíbe outputs
com vogais médias em fronteira de vocábulo, o que motiva a elevação vocálica e,
então, a palatalização. Fica clara, assim, a maior tendência à aplicação da regra de
elevação de /e/ pelos falantes da zona urbana do que da zona rural.
A comunidade investigada, assim como outras da antiga região de colonização
italiana, ainda mantém contato com falares italianos, principalmente nas áreas
rurais. A preservação da vogal átona /e/ no Português de contato com esses dialetos
explica­se pela influência do sistema morfológico do italiano, em que a qualidade
da vogal em fronteira de palavra é distintiva (Battisti; Hermans, 2008).
A exploração do que chamamos de ‘terceira variante’, isto é, contextos de pala-
talização com vogal [i] derivada em que ocorre a elevação, mas não a palatalização
(part/e/ → part[i], t/e/atro → t[i]atro, nád/e/ga → nád[i]ga, ond/e/ → ond[i]),
revela que a palatalização, se observada, aplica-se com mais frequência em ambi-
entes com /t/ do que com /d/, conforme mostra a Tabela 8.3.
O exame desse subconjunto de dados, efetuado com a Noisy HG, fornece um
ranking com esta configuração (Figura 8.6).
As restrições *MID]σ̆ (favorece a elevação) e ID(hei) (inibe a aplicação da regra)
ocupam a mesma posição na escala da gramática da palatalização, que compreende o

Tabela 8.3 Frequências de outputs para inputs /te, de/

Input Outputs Frequência (%)

/parte/ par[te] 86.2


N=1.318 par[ti] 4.6
par[ʧi] 9.2
/onde/ on[de] 96.6
N=2.925 on[di] 1.4
on[ʤi] 2
N total 4.243 tokens
Fonte: Gutierres; Battisti (2020, 12)
Palatalização das oclusivas alveolares no Português Brasileiro 217

*MID *ti *di *d[i] *t[i] IDant IDhei

140 100 87 86 85 59

Figura 8.6 Gramática da palatalização em inputs /te, de/


Fonte: Gutierres; Battisti (2020, 15)

parte *MID *ti *di *d[i] IDant *t[i] IDhei

 par[te] * −137.625

par[ti] * * −146.531

par[ʧi] * * −147.180

Figura 8.7 Ranking para formas com input /te/


Fonte: Gutierres; Battisti (2020, 16)

onde *MID *ti *di *d[i] IDant *t[i] IDhei

 on[de] * −137.625

on[di] * * −149.810

on[ʤi] * * −147.180

Figura 8.8 Ranking para formas com input /de/


Fonte: Gutierres; Battisti (2020, 17)

conjunto completo de dados. A Marcação de *ti e *di, na segunda posição mais alta
da escala, reforça a tendência à palatalização, mas não desempenha papel neste ran-
queamento, já que dados com input /i/ não estão em jogo. A alternância entre a pala-
talização de inputs /te, de/ e a seleção de outputs fiéis decorre da interação entre as
restrições de Marcação *d[i] e *t[i] (palataliza) e IDant (não palataliza). A diferença
entre os pesos numéricos dessas restrições é inferior a 1, o que ocasiona variação.
Nos tableaux seguintes (Figuras 8.7 e 8.8), verifica­se que as formas mais harmôni-
cas são os outputs fiéis, sem palatalização, pois possuem o menor valor (mais próximo
de zero) de harmonia. Essas realizações correspondem a 86.2% [te] e 96.6% [de].
Entretanto, quando o processo é engatilhado pela elevação vocálica, ocorre de modo
variável entre a realização de formas palatalizadas (9.2% [ʧi]) e a realização de formas
com elevação vocálica, sem palatalização (4.6% [ti]). Quando o contexto consonantal à
aplicação da regra é /d/, a variação pode ocorrer (2% [ʤi] e 1.4% [di]), mas com menor
218 Elisa Battisti, Athany Gutierres

parte *MID *ti *di *d[i] IDant *t[i] IDhei onde *MID *ti *di IDant *d[i] *t[i] IDhei
par[te] * −140.621 on[de] * −142.579

 par[ti] * * −139.766  on[di] * * −139.749

par[ʧi] * * −141.598 on[ʤi] * * −142.916

parte *MID *ti *di *t[i] *d[i] IDant IDhei onde *MID *ti *di *t[i] *d[i] IDant IDhei
par[te] * −142.147 on[de] * −142.147
par[ti] * * −144.708 on[di] * * −142.896
 par[ʧi] * * −141.666  on[ʤi] * * −141.666

Figura 8.9 Tableaux de outputs variáveis com [i] derivado


Fonte: Gutierres; Battisti (2020, 18)

frequência do que em contextos /t/. Isso pode ser observado pela diferença superior a 1
entre os valores de harmonia dos candidatos em determinado momento de fala.
A competição da terceira variante com as demais pode ser melhor compreendida
ao observar-se a Figura 8.9, que destaca a movimentação da restrição de Fidelidade
IDant em diferentes possibilidades de realização linguística. Quando a restrição é
incrementada em relação a *d[i] e *t[i], geram­se outputs com elevação, sem palatali-
zação (tableaux da parte superior da Figura 8.9); quando o peso de IDant decresce,
geram-se outputs plenamente palatalizados (tableaux da parte inferior da Figura 8.9).
As análises demonstraram que o processo de palatalização variável no PB de
contato é alimentado pelo alçamento de /e/ átono, já que a realização de [i] cria
contexto para a aplicação da regra. As altas taxas de preservação de /e/ e as baixas
taxas de palatalização em contextos /te, de/ átonos indicam que o processo é de
algum modo banido em ambientes com a vogal média átona, por razões que não são
apenas gramaticais. A variável “local de residência” tem efeito no processamento
da elevação e da palatalização: falantes residentes em áreas urbanas demonstram
tendência a palatalizar, falantes residentes em zonas rurais, a não palatalizar; emb-
ora em ambas as zonas a tendência seja de não elevar /e/ em sílaba átona. Se há
elevação, os falantes de zona urbana aplicam mais a regra do que os de zona rural.
As análises pela TO mostram, então, que a palatalização é um processo dirigido
pela gramática. O mapeamento input-output produz as generalizações implicacionais
expressas nos padrões quantitativos observados. As restrições de Marcação são satis-
feitas com a aplicação da regra variável, as restrições de Fidelidade, com a preservação
da forma de input. Aspectos sociais têm efeito no desempenho das restrições de Fideli-
dade (neste caso, IDant e IDhei). Seu papel, de coibir a alteração do input por elevação
e palatalização, é afetado pelo fator de ajuste, que diminui a capacidade das restrições
de Fidelidade de frear os processos. Nas gramáticas pela TO, então, adquirir a fonolo-
gia variável corresponde a internalizar não só o sistema de contrastes a partir de primi-
tivos representacionais (traços), mas também os rankings de restrições (e os processos
derivados da interação das restrições) e, especialmente, o efeito de fatores sociais nas
restrições de fidelidade, o que regula a frequência das variantes observadas.
Palatalização das oclusivas alveolares no Português Brasileiro 219

7 Considerações finais
A análise da palatalização variável das oclusivas alveolares em comunidades de
fala de PB de contato fornece evidências relevantes à aquisição da linguagem.
Diferentemente de comunidades monolíngues-Português de certas regiões Bra-
sileiras, em que a palatalização é quase categórica (como Porto Alegre, capital do
Rio Grande do Sul), as variedades de contato apresentam palatalização em menores
proporções, mas com tendência de progresso nas comunidades investigadas. As
análises revisadas mostram que as menores proporções de aplicação da palatali-
zação no PB de contato resultam do fato de a elevação da vogal /e/ em sílaba átona,
que alimenta a palatalização, ser menos frequentemente observada; mostram, tam-
bém, que as gramáticas são afetadas por fatores de ajuste (relacionados a fatores
sociais) aplicados a restrições de Fidelidade.
Esses resultados permitem pensar que, na transmissão linguística pela
aquisição da linguagem, a criança internalizaria a gramática (do adulto) a que é
exposta com algumas sutis diferenças. Vale dizer: no que se refere aos proces-
sos variáveis, os fatores de ajuste sofreriam alguma alteração ao serem adquiri-
dos. Essa alteração, por seu turno, corresponderia ao gradual decréscimo do
peso das restrições de Fidelidade. Como consequência, as formas de input,
menos “protegidas”, seriam progressivamente alteradas na transmissão lin-
guística, de que resultaria o avanço ordenado da regra na comunidade, nas
sucessivas gerações, do contexto mais favorável (alvo /t/, gatilho /i/) ao menos
favorável (alvo /d/, gatilho /e/ em sílaba átona).
Espera-se que a retomada de estudos efetuada no capítulo tenha contribuído
para mostrar que a aquisição da palatalização variável de /t, d/ no PB implica,
portanto, internalizar bem mais do que uma regra de mudança de traço. Req-
uer também assimilar a interação da palatalização com o processo de elevação
de /e/ em sílaba átona e, no que tange aos padrões quantitativos, as generali-
zações implicacionais sobre aspectos estruturais do ambiente de aplicação da
regra (natureza do segmento-alvo e da vogal-gatilho), bem como os efeitos de
fatores sociais sobre as restrições de Fidelidade. Estes últimos, em particular,
evidenciam o caráter outward bound (Labov, 2012) da capacidade humana para
a aquisição da linguagem, que se expande do ambiente familiar para a comuni-
dade de fala. É um pacote de informações processadas na percepção e produção
da fala. Esclarecer o pacote de informações e analisá-las fonologicamente é o
grande desafio.

Notas
1 No original: “an innate component of the human mind that yields a particular language
through interaction with presented experience, a device that converts experience into a
system of knowledge”. Tradução nossa.
2 Análises fonético-acústicas como a de Harrington (2006) comprovam haver mudanças
sutis na produção dos segmentos ao longo da vida adulta. No entanto, essas mudanças são
marginais e conformam-se ao padrão de fala da comunidade.
220 Elisa Battisti, Athany Gutierres

3 Como recurso heurístico que é, essa análise não deve ser tomada como método para re-
tratar fielmente a realidade investigada, mas como um dispositivo de aproximação de
realidades empiricamente inacessíveis, das quais se pode tratar apenas por hipótese.
4 Trata-se apenas de uma especulação, pois a palatalização não foi plenamente abordada no
estudo citado.
5 Optamos por apresentar as gramáticas em escalas contínuas, e não os tableaux com os
valores H dos candidatos, para melhor visualização do papel das restrições linguísticas na
variação.

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9 As vogais do Português Brasileiro
Estabilidade e variação
José Magalhães, Marco Antônio de Oliveira,
Seung Hwa Lee

Resumo
O sistema vocálico do Português Brasileiro (doravante PB) constitui-se de três sub-
sistemas muito bem estabelecidos, o que tem sido aclamado não apenas sob viés
descritivo, como também em análises que incorporam dados de variação. Todas
essas investigações compreendem que esses três subsistemas, cujo comportamento
depende da posição em que se encontram com relação ao acento, concebem que
há um subsistema raramente variável e plenamente contrastivo na posição tônica,
outro notavelmente variável na posição pretônica e um terceiro com alguma vari-
ação na posição postônica. Considerando-se essas três situações, este capítulo pro-
cura, além de apresentar o estado da arte acerca das vogais do PB, tecer discussões
sobre o limite e o espaço da variação, o que envolve questionar até que ponto há
instabilidade ou estabilidade nesse sistema. Considera-se, nesse sentido, que há
pouco a se discutir quanto ao sistema postônico e, menos ainda, sobre as vogais da
sílaba tônica. Contudo, as vogais pretônicas, principalmente, apresentam instabili-
dade que emerge da variação, e, ao mesmo tempo, estabilidade, na medida em que
a variação emergente não é descontrolada. A fim de descrever e explicar estes fatos,
adotamos a noção de Sistema Adaptativo Complexo (SAC), para tratar a variação
linguística como parte da natureza da linguagem.

Palavras-chave: Vogais; PB; Variação; Estabilidade; Sistemas Complexos

1 Introdução
Inúmeros estudos sobre o sistema vocálico do PB floresceram desde que Camara Jr,
em meados do século passado, apresentou, com base em elementos de natureza estru-
turalista, o mapeamento das vogais em decorrência de sua posição acentual da pala-
vra. A partir de então, investigações com diferentes abordagens se sucederam. Parte
dessas pesquisas seguiu a trilha metodológica de Labov (2008), em busca de regras
variáveis que explicassem os condicionadores para uma ou outra variante vocálica;
outras tantas investigações se valeram do sistema vocálico para testar modelos teóri-
cos de diferentes vertentes, como a Fonologia Autossegmental (Wetzels, 1992), a
Teoria da Otimidade (Bisol; Magalhães, 2004), e hipóteses de mudança linguística,
como a neogramática (Bisol, 1981) e a difusionista (Oliveira, 2003).
DOI: 10.4324/9781003294344-12
224 José Magalhães, Marco Antônio de Oliveira, Seung Hwa Lee

Todas essas investigações sobre a vogais do PB compreendem três subsistemas,


cujo comportamento depende da posição em que se encontram com relação ao
acento, a saber: um subsistema raramente variável e plenamente contrastivo na
posição tônica, outro notavelmente variável na posição pretônica e um terceiro com
alguma variação na posição postônica. Considerando-se essas três situações, este
capítulo procura, além de apresentar o estado da arte acerca das vogais do PB, tecer
discussões sobre o limite e o espaço da variação, o que envolve questionar até que
ponto há instabilidade ou estabilidade nesse sistema. Consideramos, nesse sentido,
que talvez não haja muito a se discutir quanto ao sistema postônico e, menos ainda,
sobre as vogais da sílaba tônica. Contudo, as vogais pretônicas, principalmente,
apresentam instabilidade que emerge da variação, e, ao mesmo tempo, estabilidade,
na medida em que a variação emergente não é descontrolada. A fim de descrever
e explicar estes fatos, adotamos a noção de Sistema Adaptativo Complexo (SAC),
para tratar a variação linguística como parte da natureza da linguagem.

2 As vogais tônicas
Esta seção discute a estabilidade das vogais na posição tônica do PB. Como já é
bem estabelecida na literatura, a qualidade vocálica na sílaba tônica do PB apre-
senta contraste fonêmico. E o contraste entre as vogais depende do lugar onde elas
se encontram nas palavras, tendo-se em vista o acento primário. Assim, o sistema
vocálico do PB é constituído de um quadro triangular de sete vogais /a, ɛ, e, i, o, ɔ,
u/ na posição tônica da palavra (Camara Jr., 1988), onde essas vogais apresentam
oposições distintivas, como demonstram os exemplos abaixo:

(1)
b[a]la/ b[ɛ]la//v[e] /v[i]/ av[ɔ]/av[o]/ b[u]la

Já na posição pretônica, o contraste flutua entre vogais médias e vogais altas, /a, i, ɛ
~ e ~ i, o ~ ɔ ~ u, u/ (Lee; Oliveira, 2003; Oliveira; Lee, 2006); na posição postônica
não final, as vogais /a, e, i, u/ ocorrem; na posição postônica final, por último, a
vogal baixa e as vogais altas /a, i, u/ ocorrem (Camara Jr., 1970).
Mas este contraste fonêmico das vogais médias na posição tônica depende
da categoria lexical – as vogais médias na posição tônica apresentam contraste
fonêmico, enquanto este contraste é alofônico nos verbos, conforme Lee (2008).
As análises sincrônicas de estudos fonológicos do PB mostram alguns fatos
interessantes em relação ao comportamento das vogais – a vogal baixa /a/ é neutra
em termos de processos fonológicos; as vogais altas na posição tônica podem enga-
tilhar os processos fonológicos, como a harmonia vocálica de [alto] (Bisol, 1981);
as vogais médias – altas e baixas – sofrem e engatilham os processos fonológicos,
como a harmonia vocálica de [ATR] e de [Alto].
No que diz respeito às alternâncias de vogais médias na posição tônica, as vogais
médias altas somente podem engatilhar o processo fonológico de harmonia vocálica
de [ATR], enquanto as vogais médias baixas na posição tônica podem sofrer ou
engatilhar os processos fonológicos; as vogais médias abertas na sílaba tônica, em
outras palavras, apresentam mais instabilidade em relação às outras vogais.
As vogais do Português Brasileiro 225

Embora a qualidade vocálica na posição tônica tenha apresentado estabilidade


no PB por séculos, alguns itens lexicais, ainda que raros, variam entre a vogal
média baixa e a vogal média alta na sua produção, ou seja, duas formas fonéticas:

(2)
(a) p[o]ça/p[ɔ]ça]/*p[u]ça
(b) cr[o]sta/cr[ɔ]sta/*cr[u]sta
(c) f[e]cha/f[ɛ]cha/*f[i]cha
Os exemplos acima mostram que o contraste entre as vogais médias ocorre na
sílaba tônica, mas este contraste não implica em oposição distintiva. Além disso,
este tipo de variação envolve somente as vogais médias, alta e baixa, e essa vari-
ação ocorre inter-individualmente.
As vogais médias abertas, diferentemente das outras vogais, foram introduzi-
das no Português pela perda de quantidade do latim clássico – as dez vogais do
latim reduziram-se a sete vogais, sendo que vogais médias breves mudaram para
vogais médias baixas no latim imperial (Teyssier, 1990) e no latim vulgar (Camara
Jr., 1988; Nunes, 1960). O Português contemporâneo herdou essas 7 vogais do
latim vulgar. Fonte (2014) mostra que havia instabilidade nas vogais médias na
sílaba tônica nos séculos XV e XVI, quando o contraste entre vogal média alta e
vogal média baixa não apresentava as oposições distintivas: b[e]sta ~ b[ɛ]sta, v[ɛ]
lho ~ v[e]lho, form[o]sas ~ form[ɔ]sas, m[o]do ~ m[ɔ]do, etc. Nos séculos subse-
quentes, as vogais instáveis na posição tônica se estabilizam e a variação entre elas
desaparece – b[e]sta, v[ɛ]lho, form[ɔ]sas, m[ɔ]do. Os exemplos de (3), portanto,
permitem inferir que eles são resíduos dessa instabilidade das vogais médias dos
séculos passados, que persistem até hoje – e o próprio item lexical ainda não encon-
trou o rumo das vogais médias na posição tônica.
Outro caso de variação na posição tônica está relacionado com o acento
secundário lexical. Lee (1995) argumenta que a qualidade vocálica (vogal média
baixa) e a vogal nasalizada estão preservadas na posição pretônica na formação de
diminutivo (formação produtiva), como os exemplos abaixo demonstram:

(3)
a. c[ɜ]ma/c[ɜ]minha/*c[a]minha
̃ ̃
b. b[ɔ]la/ b[ɔ]linha/*b[o]linha
c. caf[ɛ]/caf[ɛ]zinho/*caf[e]zinho
O autor trata a formação de diminutivo como um composto fonológico que contém
dois acentos primários, que explicam a presença da vogal média baixa e a vogal
nasalizada na posição pretônica. No falar mineiro, essa vogal média baixa pode
variar com a vogal alta, como os exemplos de (4) demonstram:

(4)
a. b[ɔ]linha ~ b[u]linha *b[o]linha
b. s[ɔ]zinho ~ s[u]zinho *s[o]zinho
c. caf[ɛ]zinho ~ caf[i]zinho *caf[e]zinho
226 José Magalhães, Marco Antônio de Oliveira, Seung Hwa Lee

Os exemplos em (4) mostram que a vogal média baixa na posição pretônica pode
variar com a vogal alta, mas ela não varia com a vogal média alta. Parece que a
presença de vogal alta é derivada pela assimilação de traço [Alto] da sílaba tônica.
No falar de Cametá/PA (Rodriguês, 2005), por último, há o caso de variação na
posição tônica entre vogal média alta e vogal alta.

(5)
(a) vou [vo] ­> [vu]
(b) av[o] ­> av[u]
(c) n[o]ite ­> n[u]ite
Os exemplos acima mostram que a vogal média alta na representação subjacente é
realizada como a vogal alta na posição tônica sem comprometer a oposição distin-
tiva, e a variação pode ocorrer independentemente da categoria lexical. Este tipo de
variação na posição tônica é um caso excepcional, numa localidade aparentemente
específica e raramente documentado na literatura.
Em resumo, o sistema vocálico do PB apresenta contraste e oposição distintiva
na posição tônica por séculos. A variação das vogais na posição tônica, no entanto,
pode ocorrer em alguns itens lexicais, na posição tônica de acento secundário e no
caso de alçamento de vogal média alta na posição tônica, embora a variação seja
rara na língua. Essa variação é controlada pelo fator estrutural, /­ Baixo, α Poste-
rior/ – as vogais na posição tônica podem variar entre [ɛ ~ e ~ i] e [o ~ ɔ ~ u], como
a variação das vogais ocorre na posição pretônica da seção 3 deste capítulo.

3 As vogais pretônicas: instabilidade e estabilidade


O título desta seção é, aparentemente, paradoxal. No entanto, argumentamos que
é exatamente essa a situação que envolve as vogais pretônicas do PB, cujo com-
portamento, em termos de sua realização fonética, tem sido objeto de vários estu-
dos importantes, sob diferentes perspectivas. O que acontece, numa visão geral do
fenômeno, é que as vogais médias pretônicas podem se manifestar foneticamente
de três maneiras diferentes, seja como médias abertas, seja como médias fecha-
das, seja como vogais altas. Não obstante essa variabilidade que tem desafiado as
análises, diremos que essa instabilidade é previsível, ou seja, é estável. Vejamos,
então, como isso é possível.
De início retomamos duas noções que são frequentemente confundidas, as
noções de contraste e de oposição distintiva. A noção de contraste é puramente dis-
tribucional (Cf. Bloch, 1953, 59–61) e, assim sendo, dizemos que dois fones estão
em contraste se eles ocorrem num mesmo contexto. Por exemplo, numa língua
fictícia XYZ, diremos que os fones [ɾ] e [r] contrastam porque ocorrem em pares
de palavras hipotéticas como [ɾab]/[rab], [gɾøŋ]/[grøŋ], [foɾ]/[for] entre outras. O
fato de as palavras desses pares significarem, ou não, a mesma coisa não interessa
em nada. A noção de oposição distintiva, por outro lado, tem tudo a ver com o
significado. Trata­se, portanto, de uma noção funcional, ou seja, a diferença sonora
entre dois fones ‘funciona’ para opor significados. Suponhamos que os exemplos
que criamos para os pares de XYZ acima possam ser ‘traduzidos’ como em (6):
As vogais do Português Brasileiro 227

(6)
[ɾab]/[rab] ‘pedra/azul’
[gɾøŋ]/[grøŋ] ‘canoa/siri’
[foɾ]/[for] ‘lua/porco’
Neste caso temos, para os fones em questão, contraste e oposição distintiva.
A combinação entre contraste e oposição distintiva nos dá quatro relações pos-
síveis envolvendo pares de fones, como se pode ver a seguir:

(1) [+C/+OD]
(2) [+C/­OD]
(3) [­C/­OD]
(4) [­C/+OD]

As relações 1, 2 e 3 são as que vão nos interessar aqui.1


A relação 1, [+C/+OD] nos permite dizer que estamos lidando com dois fone-
mas diferentes. Em Português, por exemplo, é o que temos em ‘av[o]’ x ‘av[ɔ] ou
‘s[e]de’ x ‘s[e]de’. Já a relação 3, [­C/­OD], nos mostra aqueles casos que clas-
sificamos como alofonia (ou alternância) condicionada. Por exemplo, em algumas
das variedades geográficas do Português temos alternância condicionada entre os
alofones do fonema /t/ como em ‘t[a]lco’, ‘t[e]to’, ‘t[e]so’, ‘t[ɔ]ca’, ‘t[o]co’ e ‘t[u]
do’, em que a consoante inicial se manifesta como [t], diferentemente dos casos em
que ela se manifesta como [tʃ], como em ‘[tʃi]o’. Ou seja, onde o [t] ocorre, o [tʃ]
não ocorre, e vice versa. A condição para o [tʃ] se manifestar é a presença de um [i]
seguinte; caso isso não ocorra o alofone que se manifesta é o [t].
As relações 1 e 3 são a parte ‘suave’ de qualquer análise fonêmica.2
Se considerarmos apenas as vogais, o que podemos dizer até aqui é o seguinte: em
posição tônica a relação 1, [+C/+OD], nos dá sete fonemas vocálicos, /a,e,e,i, ɔ,o,u/.
Esses sete fonemas vocálicos são, de modo geral, estáveis e isso é assim de longa data.
Mas na posição pretônica a coisa já não é tão clara, uma vez que nessa situação
encontramos a relação 2, [+C/­OD]. Exemplos disso podem ser dados em casos
como os de (7):

(7)
c[ɔ]mércio ~ c[o]mércio ~ c[u]mércio
b[ɔ]neca ~ b[o]neca ~ b[u]neca
s[e]rviço ~ s[e]rviço ~ s[i]rviço
s[e]mestre ~ s[e]mestre ~ s[i]mestre
Nestes casos há contraste, mas não há mudança de significado atrelada às diferentes
vogais, num caso claro de variação linguística. Então, para o caso das vogais pretôni-
cas podemos afirmar que temos cinco pontos no espaço fonológico, sendo três deles
completamente estáveis (os pontos para os fonemas /a/, /i/ e /u/) e dois pontos que
parecem instáveis, um para a variação entre [e], [e] e [i], e outro para a variação entre
[ɔ], [o] e [u]. Note­se, contudo, que essa instabilidade é apenas aparente, uma vez
que nenhum elemento desses dois conjuntos pode variar com os elementos dos três
228 José Magalhães, Marco Antônio de Oliveira, Seung Hwa Lee

pontos estáveis que apontamos anteriormente. Por exemplo, não podemos ter nada
como *b[a]neca, *b[i]neca, *s[a]mestre ou *s[u]mestre. Alguém poderia sugerir que
isso não se sustenta, uma vez que temos b[u]neca e s[i]mestre. Isso é verdade, mas
nesses casos as vogais altas em posição pretônica não são manifestações dos fonemas
/u/ e /i/, uma vez que esses dois fonemas não admitem a variação retratada aqui. Ou
seja, não temos nada como *p[e]poca ou *f[o]maça. Então, se é assim, como podemos
representar esses dois conjuntos que exibem variação nas vogais pretônicas? Podemos
representar esse espaço de variação como [­ Baixo, α Posterior]. E é exatamente den-
tro dessas possibilidades que encontramos as realizações variáveis encontradas, ou
seja, a suposta instabilidade. Por outro lado, a estabilidade é garantida exatamente
pela representação desses dois conjuntos, [­ Baixo, α Posterior], restringindo­se a esse
espaço. Resumindo, a variação é controlada, em termos de suas possibilidades, por
fatores internos, de natureza estrutural, [­ Baixo, α Posterior], que nos mostra o que
pode (e o que não pode) acontecer. Mas nada se diz do que vai efetivamente acon-
tecer. E essa imprevisibilidade do que vai efetivamente acontecer se deve à ação de
fatores externos ao sistema vocálico, que atuam de maneira probabilística, como o
item léxico, o falante, a região, o tempo, entre outros. Dito de outra forma, falantes de
regiões diferentes se utilizarão preferencialmente de uma das variantes em detrimento
das outras; alguns itens lexicais fixarão uma das variantes enquanto outros fixarão
outra variante; falantes de uma mesma região geográfica construirão a forma fonética
dos itens lexicais de modo ligeiramente diferenciado de outros falantes, e assim por
diante. Ou seja, a variação das vogais pretônicas, assim como qualquer outro caso de
variação, tem essencialmente um caráter ecológico mostrando a busca por um ajuste
ótimo entre os organismos (os falantes) e seu nicho biocultural.
Um fato que merece ser notado aqui é que a variação envolvendo [e], [e] e [i] e [ɔ],
[o] e [u] acontece em todas as variedades regionais do PB, havendo, contudo, opções
modais diferenciadas entre esses vários dialetos. Por exemplo, nas variedades do sul
e do norte do Brasil encontramos a moda em [e] e [o], como atestam os trabalhos de
Ferreira da Silva (2009), Campos (2008), Carmo (2009), Bisol (1981), Battisti (1993)
e Schwindt (1995), entre outros, em que há uma baixa frequência das médias baixas
[ɛ] e [ɔ]. Já nas variedades do nordeste encontramos a moda em [ɛ] e [ɔ], como se vê
no trabalho de Araújo (2007), Nascimento Silva (2009) e Castro (2008), entre outros.
Resumindo, podemos dizer que:

(1) A variação se garante pela ação de fatores estruturais, sendo, portanto, sistêmi-
cos e parte da Língua-I. Assim o sistema varia sem perder sua identidade.
(2) A manifestação da variação se garante pela ação de fatores externos ao sistema
vocálico, sendo, portanto, não estruturais e parte da Língua-E.

Altas i u
Média e –
Baixa a
Anterior Central Posterior
Figura 9.1 Vogais postônicas em posição não final (Camara Jr., 1988, 44)
As vogais do Português Brasileiro 229

4 As vogais postônicas não finais


Na distribuição dos subsistemas vocálicos do PB, um grupo mais restrito de pala-
vras – as proparoxítonas – agrupa as vogais nas sílabas que sucedem o acento,
posição efetivamente mais débil que as demais. Considerando que o Português
possui uma janela acentual de três sílabas a contar da direita da palavra, são duas
as posições silábicas pós­acento: a posição medial e a posição final. Ao tempo que
as posições tônica, pretônica e átona final são simétricas quanto a anterioridade e
posterioridade das vogais, a posição pós­tônica não final, na visão de Camara Jr,
não encontra a mesma simetria, haja vista a variação e a neutralização entre /o/ e
/u/ e, favor da vogal alta, mas não entre /e/ e /i/.
A configuração assimétrica entre as vogais átonas não finais, conforme ilustra a fig-
ura acima, aponta para realizações como ‘ânc[o]ra vs ânc[u]ra’, ‘márm[o]re ~ márm[u]
re’ ou ‘mét[o]do ~ mét[u]do’, mas não ‘ásp[e]ro ~ *ásp[i]ro’, ‘cól[e]ra ~ *cól[i]ra’ ou
‘hósp[e]de ~ hósp[i]de’. Esses fatos refletem, de um lado, a variação entre /o/ e /u/,
resultando na redução das vogais a uma só, o que Camara Jr. entendeu conduzir à neu-
tralização e, de outro, a fixidez das vogais /e/ e /i/ sem qualquer variação.
Se o comportamento das vogais postônicas não finais, enquanto subsistema
visivelmente bem definido, parece não incorporar oposição distintiva, o mesmo
não se pode dizer quanto à possibilidade de variação. Um bom número de trabal-
hos realizados na linha variacionista laboviana, com dados de fala espontânea do
Português, tem revelado que existe uma regra variável persistente que incorpora
o alçamento da vogal e o seu apagamento, razão para se manter a afirmação de
que esta é uma posição débil na palavra. Pesquisas como as de Amaral (1999),
Lima (2008) e Silva (2010) demonstram que a vogal /o/ alça a /u/, independente-
mente da variável linguística ou extralinguística controlada, embora o fator que
mais favoreça o alçamento seja a presença de uma consoante labial no onset da
sílaba postônica não final como em ‘abób[o]ra ~ abób[u]ra’, ‘fósf[o]ro ~ fósf[u]ro’
e ‘côm[o]do ~ com[u]do’.
Relativamente à vogal /e/, pesquisas com dados de fala de diferentes regiões do
Brasil tem revelado fatos que vão na direção oposta ao que defendia Camara Jr.,
para quem essa vogal não estaria sujeita ao alçamento. Vieira (2002) nos estados do
Sul, Lima (2008) em Goiás, Silva (2010) na Paraíba e De Paula (2018) no Rio de
Janeiro atestam que a elevação da vogal /e/ também ocorre, embora com percentual
significativamente inferior ao do alçamento de /o/. A pesquisa de De Paula ainda
destaca que quanto mais escolarizado o falante, menor o índice de alçamento; da
mesma forma que, à medida que o grau de formalidade da fala aumenta, o índice
de alçamento de /e/ decresce.

pêss[e]go ~ pêss[i]go
fôl[e]go ~ fôl[i]go
alfândega ~ alfând[i]ga
prótese ~ prót[i]se

Apesar dos poucos casos de alçamento da vogal anterior na pauta postônica não final,
é conclusivo que, nesta posição, as vogais médias já não mais contrastam, assim
230 José Magalhães, Marco Antônio de Oliveira, Seung Hwa Lee

como ocorre na posição final. Como aponta Bisol (2003), valendo­se dos dados
Vieira (2002), diferentemente da posição final em que, com a exceção de pontos
geográficos bem definidos ao sul do Brasil, as médias deram lugar às altas, na posição
postônica não final, os falantes ainda resistem ao uso definitivo da vogal alta.
É sabido que, no campo da variação linguística, qualquer afirmação categórica
corre sério risco de ser confrontada. Isso se aplica de modo patente ao comporta-
mento das vogais postônicas não finais do PB, até mesmo quando se refere aos
processos de que são alvo. Por exemplo, Magalhães; Silva (2011) relevam não
ser incomum, entre falantes do estado da Paraíba, a presença de vogais médias
baixas na sílaba postônica não final, como ocorre em ‘abób[ɔ]ra, fósf[ɔ]ro, cóc[ɔ]
ras, helicópt[ɛ]ro, cól[ɛ]ra e cér[ɛ]bro’, o que os autores classificam como casos de
assimilação progressiva, com espraiamento de traços de abertura à direita.
Todos esses fatos demonstram que ainda há instabilidade na pauta postônica
não final e, ao que parece, não há uma direção tão retilínea rumo ao emparelha-
mento com o subsistema átono final. Por outro lado, esta instabilidade não é ilimi-
tada, uma vez que o comportamento variável das vogais parece se sujeitar a um
espaço de movimentação que inclui como ponto de partida a vogal média e como
ponto de chegada a vogal alta, conforme se vêm em ‘fósf[o]ro ~ fósf[ɔ]ro > fósf[u]
ro’; ‘cól[e]ra ~ cól[ɛ]ra > cól[i]ra”, mas não ‘mús[i]ca > *mús[e]ca ~ mús[ɛ]ca’,
‘âng[u]lo > âng[o]lo ~ âng[ɔ]lo’.
Dentro do espaço de variação das vogais postônicas mediais, inclui-se ainda o
apagamento total do segmento, o que alcança qualquer uma das vogais que venha
ocupar essa posição. Embora o fenômeno seja constatado com dados sincrônicos, a
chamada síncope em palavras proparoxítonas não é recente. Dados documentados no
Apendix Probi (Silva Neto, 1956) demonstram que, na modalidade vulgar do latim,
o apagamento da vogal átona situada entre o acento e a sílaba final não se sustentava
como no latim clássico. É o que se vê em ‘stabulum ~ stablum, ‘frigida ~ fricda’,
‘oculus ~ oclus” e ‘tabula ~ tabla’. Também a possibilidade de apagamento da vogal
encontra-se demarcada por um limite que impõe uma dose de estabilidade ao pro-
cesso, haja vista que a estrutura fonotática do sistema tenderá a permitir o apaga-
mento apenas se a nova estrutura silábica gerada for bem formada. Abaixo, em (8), os
exemplos à esquerda ilustram novas estruturas silábicas bem formadas, portanto com
apagamento lícito, enquanto os exemplos à direita ferem princípios de boa formação
da sílaba, tornando, pois, ilícito o apagamento da vogal postônica medial:

(8)
árvore > arvre estômago > *estomgo
fósforo > fosfro relâmpago > *relampgo
ângulo > anglo cônjuge > *conjge
círculo > circlo lágrima > *lagrma
O apagamento da vogal, por vezes, não ocorre sozinho, uma vez que, para dar conta
do que demanda a estrutura silábica, sequências malformadas deverão eliminar
outros elementos para que se tornem adequadas, como em ‘relâmpago > relampo’,
‘cônjuge > conje’, estômago > estomo’, em que, além de ter eliminada a vogal,
apaga-se também onset da sílaba final. Há postulados segundo os quais a síncope
As vogais do Português Brasileiro 231

em palavras proparoxítonas seria um direcionamento à regularização do acento na


sílaba pretônica, simplificando um pé irregular (datílico) de modo a torná­lo mais
simples e em conformidade com o ritmo default da língua (troqueu silábico). Con-
clusões dessa natureza requerem um estudo mais abrangente, controlando inúmeras
variáveis. Pelo que se conhece até o momento, o apagamento da vogal não parece
avançar para além do que já se registrava desde o latim vulgar; ademais, ocorre
em situações específicas de fala informal e entre indivíduos de menor escolaridade
(Amaral, 2002; Lima, 2008; Magalhães; Silva, 2011).
Portanto, entre apagamento e alçamento, o subsistema vocálico postônico
medial do PB encontra-se em um estágio de desequilíbrio entre as vogais médias
anteriores, mais resistentes ao alçamento e as vogais médias posteriores, mais
sujeitas à regularização como vogal alta. No meio desse movimento, há ainda o
registro de realização de vogais médias baixas.

5 As vogais átonas finais


Diferentemente da pauta postônica medial, o subsistema vocálico átono final tem
se consolidado como resultado da neutralização entre médias e altas, com a elimi-
nação definitiva das médias em favor das altas. Restam, pois, as vogais altas /i/
e /u/, além da baixa /a/. Como casos excepcionais, a variação [e] ~ [i] e [o] ~ [u]
está alocada em comunidades geograficamente bem delimitadas na região Sul do
Brasil em áreas de fronteira ou de colonização europeia. Vieira (2002) constata
que, entre cidades do estado do Rio grande Sul, Porto Alegre realiza o alçamento
de forma categórica, enquanto em cidades como São Borja, fronteira com a Argen-
tina, Panambi, de colonização alemã, e Flores da Cunha, de colonização italiana, a
vogal média ainda tende a ser preservada. No estado de Santa Catarina, a cidade de
Chapecó, de colonização italiana, foi que mais apresentou tendência à preservação
vogal média, enquanto no Paraná, entre as cidades investigadas, Pato Branco, colo-
nizada por gaúchos, foi a que mais elevou a vogal; nas outras cidades deste estado o
comportamento foi neutro, como Londrina, ou com tendências a preservar a vogal,
como Curitiba e Irati.
Uma vez que este volume versa sobre variação linguística, urge que outros
fatores sejam trazidos à luz, pois, além da variação entre médias e altas, também a
não realização da vogal entra em cena como outra possível variável. Consideremos
os exemplos de (9) abaixo:

(9)
del[i] ~ de[ɫ] del[a] ~ *de[ɫ]
bol[u] ~ bo[ɫ] bol[a] ~ *bo[ɫ]
doc[i] ~ do[s] pros[a] ~ *pro[s]
praz[u] ~ pra[z] rez[a] ~ *re[z]
Os casos apresentados na primeira coluna, ilustrativos do apagamento ou não reali-
zação da vogal final, são amplamente registrados no Português falado em Minas
Gerais (GEFONO;3 Oliveira, 2006) e possivelmente em outras regiões, o que
tende a não acontecer quando a vogal final é baixa. Chama atenção o fato de que
232 José Magalhães, Marco Antônio de Oliveira, Seung Hwa Lee

o apagamento da vogal antecedida por uma lateral torna esta consoante velarizada
e não vocalizada, realização mais comum da lateral em posição final (Cf. ‘mal’ >
ma[w], mel > me[w], porém dele > *de[w], bolo > *bo[w]).
Em se tratando da vogal em sílabas finais no Português, é preciso ponderar
que a neutralização que resulta em três vogais enxerga apenas o final absoluto da
palavra, ou seja, a sílaba final leve. Há que se levar em consideração, também, que
sílabas átonas finais no Português podem ser fechadas por consoantes soantes e [s],
como em ‘nível, túnel, líder, menos, antes’. Em sua amostra de dados de fala dos
três estados da região sul do Brasil, Vieira (2002) constata o que se tem verificado
também nos dados de Minas Gerais, banco GEFONO, isto é, que as sílabas átonas
finais fechadas tendem a preservar a vogal média quando a consoante responsável
por fechar a sílaba for uma soante. Por outro lado, a consoante fricativa [s] não
impede a elevação da vogal. É o que se vê nos exemplos de (10), a seguir:

(10)
menos > men[u]s
antes > ant[i]s
líder > *líd[i]r
túnel > *tun[i]l
Os fatos apresentados permitem concluir que, se se pode falar em estabilidade no
sistema, entre todas as pautas átonas, certamente é na sílaba final que se encontra
uma situação mais próxima desse estado, com três vogais bem distintas, /i/, /a/, /u/,
a despeito de possíveis variações fonéticas.

6 Estabilidade e variação
Conforme se viu nas seções anteriores, as vogais átonas do PB apresentam insta-
bilidade, que emerge na variação, e, ao mesmo tempo, estabilidade, na medida em
que a variação emergente não é descontrolada, sendo restrita a um espaço clar-
amente delimitado. A variação nas átonas finais já se apresenta num estágio de
resolução, sendo sua realização fonética como [i], [a], [u], a mais utilizada, com
poucos bolsões de realização como [e], [a] e [o]. Já com relação às vogais médias
não finais a instabilidade não se reflete apenas na variação fonética encontrada, mas
também na possibilidade do apagamento da vogal. O maior problema, no entanto,
se encontra na variação observada para as vogais pretônicas, que oscilam entre as
realizações [e], [ɛ], [i], para a série anterior, e [o], [ɔ], [u] para a série posterior, com
realizações preferenciais diferenciadas por região, por item lexical e por falantes.
Diante da situação encontrada podemos nos perguntar o seguinte: (a) Qual a
teoria mais adequada para lidar com os fatos como eles são? Ou seja, que teoria
nos permite ver a situação encontrada como sendo a situação esperada? (b) Como
descrever os fatos observados?
Vamos nos concentrar na questão (a) acima. Para o caso da variação nas vogais
átonas temos, basicamente, três maneiras de ver a questão.
A primeira delas pode ser caracterizada pela abordagem variacionista clássica,
com o som como a unidade de variação e mudança, e a descrição em termos de
As vogais do Português Brasileiro 233

regras variáveis. Essa é a opção preferencial nas análises apresentadas sobre o


fenômeno. Mas há vários problemas aí, dos quais podemos citar dois: (a) os casos
de elevação da vogal sem motivo aparente, ou seja, sem a presença dos condicio-
nadores fonéticos que favoreçam as variantes altas e (b) a situação monomodal
diferenciada por região, como se pode ver no trabalho de Brandão (2015, 13) e
Mota; Cardoso (2015, 68–69) para a ocorrência das variantes médias abertas em
posição pretônica em que encontramos a seguinte situação:

(1) Em cidades do nordeste, como Salvador e Recife, os percentuais de ocorrência


de vogais médias abertas, em posição pretônica, são de 60% para (e) e 47%,
para (o).
(2) Em cidades do sul e sudeste, como Porto Alegre e São Paulo, o percentual de
ocorrência de vogais médias abertas, nesta mesma posição, é de 0%.

Por outro lado, no noroeste paulista, segundo Carmo (2013, 174), o percentual
de vogais médias pretônicas na forma média fechada é de 83.7%, ocorrendo apenas
16.3% de alçamentos (e 0% de ocorrências na forma média aberta). Esses dois
fatos colocam grandes dificuldades para uma análise variacionista clássica.
Ou seja, o que impede que a análise seja feita nos moldes tradicionais da análise
da variação é, principalmente, a inclusão de casos que são, na verdade, categóricos.
Numa análise de cunho probabilístico, a regra variável a ser escrita teria, tipica-
mente, o seguinte formato:

(i)- (x) → < y >/______ Z

Uma regra variável como (i) nos diria, simplesmente, que (x) se realiza, vari-
avelmente, como y, num contexto Z, e que essa regra teria uma determinada proba-
bilidade de ocorrência a ela associada, probabilidade essa que seria dada por uma
regressão logística. Vejamos um exemplo concreto, que vou formular de modo
bastante simples:

Uma regra como (ii) nos diria que o (r) em coda, seja ele interno ou em final de
palavra, poderia ser variavelmente (mas não obrigatoriamente) cancelado. De fato
isso é verdade, se considerarmos realizações como:

(iii)- elevado[r] ~ elevado[ø] ou ca[r]naval ~ ca[ø]naval


quise[r] ~quise[ø] ou pe[r]manecer ~pe[ø]manecer

Note-se que casos como os de (iii) podem ser atestados na maioria (senão em
todas) das variedades do PB. Note-se, também, que uma análise deste tipo
irá considerar o som como a unidade básica da variação e, eventualmente, da
mudança linguística. Acontece que, quando estamos coletando uma amostra para
análise, essa amostra é necessariamente limitada, temporal e espacialmente. Por
234 José Magalhães, Marco Antônio de Oliveira, Seung Hwa Lee

exemplo, se retiramos uma amostra da fala de Belo Horizonte, num determinado


ponto do tempo, essa amostra estará circunscrita a esse espaço e tempo. Durante
o exame da variável (r) (Cf. Oliveira, 1983), examinando seu cancelamento
variável em final de nominais, há um fato que incomoda bastante, e se repete no
exame do cancelamento do (r) interno em final de sílaba. O que se observa é que
nem todos os casos de (r), seja em final de palavra em nominais, seja em posição
interna em final de sílaba, são passíveis de cancelamento. E se não são, como é
que eles podem ser contados junto com aqueles casos em que o cancelamento
pode ocorrer variavelmente? Afinal, casos de 100% ou de 0% de ocorrência não
se configuram como casos de variação! Esses são exemplos de monomodalidade.
Por outro lado, se a unidade de variação é o som, como é que esses casos podem
ser removidos da análise? Que justificativa teríamos, por exemplo, para incluir
na análise casos como ‘mo[ø]cego’ e ‘morcego’, ‘Berna[ø]do’ e ‘Bernardo’, de
natureza variável, deixando de fora casos como ‘forçado’ e ‘Carlos’, com 0%
de cancelamento do (r) interno? A mesma coisa acontece com o (r) final em
nominais: se encontramos, por um lado, ‘professo[ø]’ e ‘professor’, ‘do[ø]’ e
‘dor’, ‘revólve[ø]’ e ‘revólver’, encontramos também casos como ‘vestibular’,
‘mar’ e ‘cateter’, com 0% de cancelamento. E mesmo se, por alguma razão,
removêssemos esses casos em que o cancelamento não acontece, ainda assim
teríamos um problema residual sério: como explicar, para aqueles casos em que
o cancelamento pode ocorrer, que alguns deles apresentam um percentual alto
de cancelamento, enquanto noutros casos esse percentual é baixo? Se o som é
o mesmo, qual seria a razão dessa discrepância? Por exemplo, o percentual de
cancelamento em casos como ‘elevador’, ‘corredor’ e ‘dor’ é muito mais alto do
que em ‘diretor’, ‘amor’, ‘melhor’ ou ‘cor’.
Resumindo, se todos esses casos devem ser contados simultaneamente, embora
apresentem comportamento diverso com relação ao processo fonológico envolvido,
até que ponto podemos confiar na análise probabilística tradicional? Essa é a razão
para se rejeitar uma análise de cunho tradicional.
A segunda maneira de se ver a questão pode ser caracterizada pela abordagem
difusionista, tendo a palavra como a unidade básica de variação e mudança. O prob-
lema com essa abordagem é que os itens lexicais afetados não são os mesmos por
região e nem mesmo entre indivíduos de uma mesma região. Ou seja, o léxico, por
si só, não consegue fornecer uma boa base explicativa para a variação linguística.
A terceira maneira de se lidar com esse caso de variação, assim como com
qualquer outro, consiste em se admitir a natureza da linguagem como sendo um
Sistema Adaptativo Complexo (SAC). Mas o que nos autoriza dizer que a lin-
guagem é um SAC? O fato de ela apresentar as propriedades de um SAC, ou seja,
na medida em que ela se comporta como um SAC! E que propriedades são essas?
Sem tentar esgotar o assunto podemos apontar o seguinte:4

(!) Os componentes de um sistema complexo são interdependentes e interagem de


modo não linear.
Um bom exemplo disso pode ser dado pelas reorganizações que os sistemas
linguísticos apresentam quando um de seus elementos é afetado, como ocorre
nas mudanças vocálicas em cadeia.
As vogais do Português Brasileiro 235

(2) Os sistemas complexos são capazes de exibir comportamento emergente e


criar conexões mais altas entre seus elementos.
O que a característica (b) aponta é o fato de os SAC’s exibirem uma estrutura
composta de níveis hierárquicos e nas emergências temos a criação de um novo
tipo de conexão entre as propriedades do sistema. O comportamento emergente é
um fato novo, gerenciado coletivamente, e não se deve ao comportamento de um
de seus componentes. Se quisermos dar um exemplo linguístico disso podemos
recorrer ao conceito de refonologização (cf. Jakobson, 1978 [1931]), em que uma
nova estrutura se forma pela utilização de um novo conjunto de traços opositivos.
(3) Os sistemas complexos oscilam entre um comportamento caótico e não caótico.
Os sistemas complexos são capazes de se adaptar dinamicamente, através da
auto-organização. Eles são adaptativos por se auto-organizarem para se adap-
tarem a um ambiente em mudança. Muito do que se escreveu sobre a mudança
linguística, principalmente no estruturalismo e no gerativismo, tenta recuperar
exatamente esta tendência à auto-organização. Em todos esses casos uma dada
estabilidade é imposta após um estágio de desequilíbrio.
(4) Os sistemas complexos exibem retroalimentação.

Na retroalimentação, uma parte do output realimenta o input, sendo um mecanismo


central na auto-organização. Os sistemas adaptativos complexos contêm, portanto,
retroalimentações que influenciam seu comportamento. Assim os SAC’s podem
emergir em diferentes formas e, ainda assim, preservar sua identidade, pela ação
dos atratores periódicos. Isso porque as coordenadas que eventualmente definem
um sistema criam um espaço de pontos, e não um único ponto. É o que acontece
no caso das vogais que estamos considerando aqui: para as vogais médias átonas
temos um espaço que permite as realizações [e], [e] e [i], e [ɔ], [o] e [u], que são
vistas como sendo a mesma coisa. Esse espaço, também conhecido como espaço
fase (ou espaço base), consiste de duas partes, um estado e uma dinâmica. O estado
é sempre temporário e pode ser definido como sendo a conformação do sistema
num determinado ponto do tempo. É isso que efetivamente encontramos numa
coleta de dados, sendo que encontramos coisas diferentes em pontos diferentes do
espaço exatamente pela retroalimentação diferenciada para cada caso, dada pelos
atratores não periódicos, como a região, o léxico e o indivíduo. Sua dinâmica, por
outro lado, pode ser concebida como sendo um conjunto de instruções que con-
trolam as possibilidades de alterações de estado ao longo do tempo. Um estado cria
sempre a impressão de ordem, enquanto a dinâmica cria a impressão de desordem.
Essa desordem é apenas a multiplicidade de estados que um sistema pode exibir no
eixo do tempo. Portanto, os sistemas complexos se apresentam em constante estado
de ‘desordem’, que é apenas aparente.
Mas, o que é que impede que essa desordem se torne caótica? Se um espaço
fase é limitado por coordenadas, então essas coordenadas limitam as trajetórias de
estado dentro deste mesmo espaço fase. Ou seja, a ‘desordem’ é controlada, previ-
sível, aparente. A dinâmica do espaço fase converge, então, para um determinado
conjunto de possibilidades, um padrão, conjunto esse que recebe o nome de atra-
tor. Segue-se daí que os estados possíveis não têm que ser os mesmos em todas as
emergências de um mesmo sistema.
236 José Magalhães, Marco Antônio de Oliveira, Seung Hwa Lee

Conforme dissemos anteriormente, podemos representar esse espaço de variação


como [­ Baixo, α Posterior], que funcionam como as coordenadas do subsistema das
vogais átonas. Dentro dos limites dessas coordenadas, que chamaremos de atratores
periódicos, a variação pode ocorrer, sendo, portanto, esperada. Mas isso não nos diz
nada sobre a forma como essa variação irá ocorrer. Como responder às questões abaixo:

(1) Por que uma variedade de Português opta, majoritariamente, por uma das
variantes, enquanto outra variedade opta por outra? Por que algumas possibi-
lidades fonéticas simplesmente não ocorrem em algumas variedades em deter-
minadas posições?
(2) Por que algumas palavras fixam sua forma fonética em termos de uma das
variantes, enquanto outras palavras se resolvem por outra?
(3) Por que alguns falantes optam por uma das variantes, enquanto outros falantes
optam por outra em determinados itens lexicais?

A resposta a essas três questões pode ser avançada por uma proposta que podemos
resumir assim: as emergências são controladas pela interação entre um organismo
(no caso em questão, o falante) e seu nicho, ou seja, no conjunto de situações nas
quais um organismo pode exercer suas habilidades. Trata-se da dimensão ecológica
da variação, do controle das emergências reais em termos de atratores não periódicos.
Por outro lado, há um limite imposto pela própria natureza da linguagem, manifes-
tado nas coordenadas fornecidas pelo atratores periódicos, num viés etológico da
questão.
Resumindo o que foi proposto até aqui podemos dizer que:

(1) A variação linguística deve vista como parte da natureza da linguagem


enquanto SAC. Assim sendo, a variação linguística é esperada, e não deve
ser vista como um fenômeno de superfície. Isso nos leva a uma dimensão
etológica da variação.
(2) A manifestação concreta das possibilidades que emergem dessa variação deve
ser atribuída ao efeito dos atratores não periódicos nos ajustes obtidos entre
os organismos (os falantes) e seu nicho. Trata-se, aqui, da dimensão ecológica
da variação. Nichos diferentes irão favorecer escolhas diferentes, gerando
proporcionalidades diferentes por retroalimentação negativa.

Notas
1 A relação 4, [­C/+OD] não se aplica às línguas românicas, mas se aplica às línguas ger-
mânicas. Por exemplo, Vieiraem inglês os fones [h] e [N] nunca ocorrem num mesmo
contexto ([h] só ocorre em início de sílaba enquanto [N] só ocorre em final de sílaba) e,
mesmo assim, não podem ser considerados alofones de um mesmo fonema por absoluta
falta de semelhança fonética entre eles.
2 Estamos omitindo aqui alguns detalhes que não farão falta na argumentação que se segue.
3 Grupo de pesquisa e banco de dados do Triângulo Mineiro: http://dgp.cnpq.br/dgp/
espelhogrupo/1042512570006243
4 Para maiores detalhes veja-se (Oliveira, 2014, 2015, 2016, 2018).
As vogais do Português Brasileiro 237

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10 O ditongo no Português Brasileiro
História, variação e análise
fonológica

Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

Resumo
Este capítulo trata de alguns aspectos do ditongo no Português. A origem do ditongo
oral decrescente e seu caráter variável na variedade Brasileira são abordados inicial-
mente. Do latim ao Português, poucos ditongos primários permaneceram, e novos
foram criados por processos diversos. A monotongação é a regra variável de apli-
cação mais frequente no ditongo ou, seguido por ai e por ei. O ditongo ei apresenta
uma distribuição diferenciada entre as regiões, cuja variação é condicionada, princi-
palmente, pelo tepe e fricativa palatal em contexto precedente. A análise fonológica
detém-se na formação do ditongo, discutindo-o como sílaba pesada ou leve no form-
ato CVC, seguindo a teoria das moras. Embora o termo mora, que distingue a sílaba
por peso, figurasse desde tempos antigos com referência ao Sânscrito, só começa a
estabelecer-se como teoria sob a regência dos princípios de sonoridade e moraci-
dade com Hyman (1985) e Hayes (1991). Nessa linha, desenvolve-se este texto.

Palavras-chave: Formação de ditongo, Ditongo e moras, Variação, Fonologia.

1 Introdução
Os ditongos evoluíram do latim ao Português, em geral, pelo processo fonológico
da redução. Na língua Portuguesa, processos fonológicos distintos outros atuaram.
Entre os novos ditongos que surgiram, encontram-se os ditongos decrescentes orais
[ej], [ow] e [oj], que sofrem, no estágio atual do Português Brasileiro, um processo
variável de monotongação, condicionado principalmente pelo contexto fonológico
seguinte. Alguns estudos apontam também, como motivação para monotongação,
a frequência da palavra e a classe morfológica.
Um dos objetivos deste capítulo é examinar, com base em gramáticas históricas
e pesquisas sociolinguíticas do Português Brasileiro, o comportamento variável do
ditongo decrescente em diversas regiões, para fins de generalização de resultados. Outra
meta é explicar, por meio da teoria fonológica, a constituição de ditongos e sua estrutura.
Parte-se do pressuposto de que o peso silábico é determinado por moras pós-pico,
pois sílabas leves só possuem a mora do pico. De acordo com Hyman (1985) e Hayes
(1991), não há moras disponíveis para vogais pretônicas. Todavia, o molde silábico
CVC é parametrizável, pois CVC é pesado para algumas línguas; para outras, não.
DOI: 10.4324/9781003294344-13
240 Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

Dentro do mesmo sistema, pode haver CVC pesado e CVC leve. No entanto, Gordon
(s/d), ao estudar várias línguas sob este prisma, observou uma hierarquia em que CVV
é a sílaba mais pesada, seguindo­se CVC [+soante], CVC [­soante] e finalmente CV.
Há casos específicos, a exemplo do que ocorre em Português: em dado contexto,
o traço alto da palatal ou do tepe estende-se para esquerda, formando um glide,
a exemplo de caxa/caixa, fera/feira, pexe/peixe, (Bisol, 1992). Nesse caso, CVC
funciona como sílaba leve, pois o glide só emerge na estrutura de superfície.
Uma atenção especial é dada ao ditongo decrescente que, sem peso, traz a peculiari-
dade de apresentar um glide no onset de sílaba inicial, provocando uma discussão teórica
em função da quebra de hierarquia de sonoridade, como vemos no andamento do texto.

2 Um pouco sobre a história dos ditongos decrescentes


Os ditongos fazem parte do inventário de sons de línguas desde muito tempo, passando
por transformações de forma lenta e contínua. Há ditongos primários ou espontâneos
no Romance, em contraste com os secundários, que surgiram por vários caminhos.
No Indo­Europeu, havia muitos ditongos. A simplificação dos ditongos ocorreu
durante muitos anos em tempos pré-clássicos e continuou no Romance primário,
criando-se novas formas. Hoje, alguns processos de redução de ditongos parecem
atuantes em variedades linguísticas românicas.
No grego antigo, os ditongos foram preservados, mas, no latim, em um estágio
pré­histórico, passaram a vogais simples: oj > ū (ūnus); ew, ow > ū (lūna); ej > ī
(dīcit). Quando o latim foi estandardizado, três ditongos sobreviveram, au [aw], ae
[aj] e oe [oj], que foram simplificados por diferentes modos nas línguas românicas:
oe tornou-se vogal média alta /e/, lat. poena > it. pena; esp. pena; fr. peine; au pas-
sou a /ɔ/, alternando com /o/, lat. auru > it. oro; esp. oro, francês or; no francês,
houve outras formas, como /ø/, lat. paucu > fr. peu e algumas exceções com /u/,
resultantes de analogia com o paradigma verbal (fr. loues); ae tornou­se /ε/, em
geral /e/, em alguns casos /wa/, no francês, lat caelu > it. cielo, esp. cielo, fr, cie;
lat. saeta> it seta; esp. seda; fr. soie (Alkire; Rosen, 2010, 23).
No latim clássico, dois ditongos eram frequentes: ae e au. O ditongo oe era
raro no período clássico, aparecendo em palavras gregas introduzidas no latim.
Segundo o gramático latino Prisciano, palavras como comoedia e tragoedia eram
escritas em grego como tragoidía e Komoidía, indício de uma pronúncia ditongada
[oj]. Os ditongos eu e ui eram excepcionais. O ditongo eu era encontrado apenas
em nomes próprios vindos do grego Orpheu e interjeições heu, eheu, heus, e o ui,
em interjeições hui ou nos dativos cui, huic e genitivo, cuiús. O ditongo ae era gra-
fado pelos antigos como ai, como pode ser visto em um poema de Vergílio, pictai
uestis et aquai, e na transcrição grega de palavras latinas (lat. Caeser/ gr. Kaisar;
lat. praetor/ gr. praitor). As inscrições latinas, mesmo na época imperial, apresen-
tam o ditongo ai em vez de ae (Faria, 1957, 73).
O ditongo ae costuma manter-se no latim imperial, com tendência à pronúncia
[ε], que se manteve em Português em posição tônica (caecu > cego). Formas vari-
antes com [e] (lat. saeta > seda) têm origem dialetal. Quando pretônico, reduz­se a
[i] ou [e] no Português moderno: aequale > igual; aedade > idade.
O ditongo no Português Brasileiro 241

Quanto ao ditongo au latino, esse “pronunciava-se como um verdadeiro ditongo,


prática essa consagrada mesmo na pronúncia tradicional Portuguesa e Brasileira”. A
transcrição de numerosas palavras latinas em grego demonstra a pronúncia de um
verdadeiro [aw] (lat. Augustus/greg. Aúgoustos; lat. Claudius/ greg. Klaúdios) que
hoje passa a ser [o] em cidades italianas Aosta e Turim. Essa redução para /o/ foi
uma alteração na língua rústica, observada pelos gramáticos latinos (Faria, 1957, 75).
A pronúncia popular e variável do ditongo au pode ser vista em alguns registros
em 59 a. C. como Clodius em vez de Claudius, plostrum em vez de plaustrum;
Florum por Flaurum (Maurer Jr., 1959), e no Appendix Probi (lat. auris non oricla).
O ditongo au latino originou o ditongo [ow] nas terminações ­auru do latim (tauru
> touro; auru > ouro).
Segundo Said Ali (1964, 41), o primitivo ditongo au deu em Português lite-
rário ou e não oi, como se pode ver em palavras como au(t)>ou; paucu > pouco;
autu(m)nu>outono. Na linguagem literária, entrou ou e não oi em palavras como
couto, doutrina, loução, Sousa, outorgar, couve, açougue, louco, touca, roubar,
assim como as formas noite/ noute, outavo/ oitenta/ oito, outubro/ oitubro. O oi
procede de fonte diversa da que deu origem ao ditongo, conforme Said Ali (1964,
44) retrata: “A subjuntiva i representa um antigo /e/ nas palavras boi (bove) e sois
(sondes), e reproduz o i primitivo em foi”.
Já na primeira fase do Português arcaico, galego-Português, os ditongos ae e oe
passaram a vogais simples com timbres distintos [ε] e [e], respectivamente, e a con-
tração de duas vogais orais desencadeou ditongos pela pronúncia monossilábica
de certos grupos de vogais em hiato (Teyssier, 1997). Três ditongos com vogais
médias baixas são inteiramente novos, como pode ser visto em (1c-e):

(1) Ditongos orais do Português antigo ao moderno


(a) ae > ai → sina­es pl > sinaes > sinais
(b) ao > au → ma­o > mao > mau
(c) oe > ói → so­es pl > soes > sóis
(d) ee > éi → crue­es pl > crues > cruéis
(e) eo > eu → ce­o > ceo > céu
No Português arcaico, as sequências de vogais não apareciam grafadas com as letras
próprias de glides (i, y, h, u), mas com e ou o (crues, ceo), o que indica que, antes de se
tornarem semivogais, esses elementos eram vogais em hiato, sendo uma vogal em cada
sílaba (Mattos e Silva, 1961, 65). Segundo Williams (1975, 48), tais hiatos permanecem
até o século XVI, quando um glide é inserido, formando ditongo [ej] (aliĕnum alheo >
alheio; crĕdo > creo > creio). Há casos também de [aj] que passa a [ej].
No Português antigo, [aw] tornou­se [ow] em dialetos do norte de Portugal
(causa lat. pauco> port. pouco > cousa; ouro> oro, tesauro) e por volta de 1500,
[ow] é simplificado para [o], lat. pauco > port. pouco ~ poco. (Alkire; Rosen,
2010, 211).
Ao longo da história da língua, a monotongação vem se processando e dis-
tingue dialetos regionais portugueses. Na fase arcaica do Português, há indí-
cios da variação [ow] e [oj], ainda presente na variedade do Português Europeu
242 Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

Fonte: adaptado de Mattos e Silva (1961, 64)

ourives~oirives; biscoito~biscouto; dois~dous. No território Português, o


ditongo [oj] reflete a pronúncia popular, e o [ow], a literária (Cintra, 1995, 43).
Já, no Português Brasileiro, a monotongação parece ser mais geral, conforme se
verá adiante.
Temos, portanto, o seguinte quadro de ditongos na evolução do Português:

(2) Ditongos orais decrescentes no Português

Conforme o quadro de ditongos em (2), só um ditongo Português veio do latim (lat


causa > cousa), sendo os demais secundários, como resultado de mudanças fônicas
ocorridas no período de constituição do hispano-romance do noroeste ibérico (Mattos
e Silva, 1961, 64).
Houve também na evolução do Português, na fase arcaica, ditongos nasais finais
que resultaram de consoantes que nasalizam a vogal precedente e desaparecem,
criando-se hiatos e depois ditongos -ão, (manu > mão) e õe (ponis > pões). Seg-
undo Castro (2011), esse novo ditongo -ão

viria a ter um papel decisivo na unificação de -ão em diversas terminações


nasais de substantivos singulares e de verbos, que provinham de uma grande
quantidade de sufixos desinenciais latinos e que, devido a um processo de con-
densação que decorrera durante o português antigo, se achavam reduzidas a
apenas duas: -ã e -õ. É assim que palavras como leõ e cã (cão) acabam a rimar
com mão, apesar da flutuação gráfica que durante muito tempo ostentaram.
(Castro, 2011, 61)
O ditongo no Português Brasileiro 243

Para Williams (1975, 180), o início do processo de mudança, de uniformização


completa nas formas terminadas em -ã e -õ ou no hiato ã-o, aparece nos cancionei-
ros do século XIII, como uma atração analógica exercida pela forma verbal vadŭnt
> vão a todas as terminações de formas nominais. Castro (2011) também acredita
que a evolução de terminações nasais em final de palavra do latim pelas fases do
Português antigo e médio deu-se do seguinte modo: tam > tã > tãw; pane > pã >
pãw; sum > sõ > sãw; sunt > sõ > sãw.
Como se pode perceber no Português, diferentemente do espanhol, italiano e
francês, os ditongos são, em sua maioria, secundários, criados por processos
diversos:

(a) metátese de [i] tônico com a elevação da vogal seguida pela simplificação
do ditongo sabῐa > saiba; rŭbĕu > ruivo; sapŭit > soube; januarῐu > janeiro;
passīone > paixão; primarῐu > primeiro1
(b) vocalização da primeira consoante dos grupos consonantais mediais >lacte>
leite; ŏctu > oito; mŭltu > muito; saltu > souto; regnu > rein
(c) síncope de consoantes intervocálicas, mau; lĕge > lei; crudeles > cruéis; caelu
> céu; soles > sóis
(d) desfazimento de hiato por epêntese, crēdo > creo > creio; arena > área>
areia; tela > tea > teia

Como conclusão dessa breve retomada histórica sobre os ditongos decrescentes


orais, podemos visualizar, como síntese do exposto, o quadro-resumo a seguir
(Quadro 10.1).

Quadro 10.1 Quadro-resumo da evolução de ditongos decrescentes Orais

Ditongo Primário Latim Clássico Latim Vulgar Português Português


Arcaico Moderno

Redução ou Ditongos Redução ou


manutenção manutenção
[ow]~[o] ou~oi~ai [ow] ~ [o] ouro
AU auro [aw] paupere> pobre causa ~ cousa [aw] causa
tauro > touro ourives ~ oirives
dois ~ dous
AE~AI caecum [aj] [ε] ~[e] [ε] ­[e] [ε] cego
aquai caecu> cego sinaes (sinais) céu
saeta > seda caelu
> ceo
OE comoedia [oj] [e] soes (sóis) [e] feno
foedus foetere> feder
EU Orpheus - - Eusébio/Osébio,
Eulália
UI hui [uj] - -
Do Latim ao Português
(Continuado)
244 Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

Quadro 10.1 (Continuado)

Ditongo Primário Latim Clássico Latim Vulgar Português Português


Arcaico Moderno

Ditongo Secundário com [j]


[aj] magis > mais (síncope)
lacte > leite (vocalização)
[ej] lĕge > lei (síncope)
primarῐu > primeiro (metátese)
tela > tea > teia (síncope/epêntese)
feo> freio (epêntese)
[aj] > [ey] ferrariu>ferreiro
[oj] nocte > noite (vocalização)
cofia > coifa (metátese)
[uj] fructu > fruito>fruto (voc.) – fui (pretérito)
[εj] idĕa > ideia (epêntese)
[ɔj] heros > herói (epêntese)
Ditongo Secundário com [w]
[aw] malu > mau (síncope)
[ew] mĕus > meu
[ow] alteru > outro (vocalização); sapŭit > soube (síncope)
[iw] uviu, viu (pretérito perfeito)
[εw] reus > réu
[ɔw] solis > sol
Fonte – as autoras

Diferentes abordagens foram propostas para a análise dos ditongos no Português,


como a de Camara Jr. (1969); Guimarães; Nevins (2013), dentre outras. Os ditongos
continuam envolvidos em processos de mudança nas línguas, caracterizando zonas
dialetais. Veremos como se comportam no Português Brasileiro a seguir.

3 A realização do ditongo oral decrescente no PB


A realização de ditongos no Português Brasileiro não delimita áreas linguísticas
como em Portugal, mas a distribuição de variantes apresenta algumas particulari-
dades de ordem diacrônica e sincrônica. Há dois processos envolvidos. O mais
geral e frequente é a monotongação pela supressão do glide, condicionada por cer-
tos contextos, (queijo → quejo; ouro → oro). O segundo, mais restrito e caracterís-
tico do Português Brasileiro, é a ditongação por epêntese vocálica em sílaba tônica
final, fechada por /s/ (três → tre[j]s; arroz → arro[ys] e pelo contexto seguinte
fricativa palatal (faxina → fa[y]xina, bandeja → bande[y]ja). Há também a diton-
gação pela vocalização da lateral na coda: mau por mal, Brasiu por Brasil, típico
da variedade Brasileira, segundo Révah (1958).
As realizações de [ey] em sequências como “em” (sem, também), que se pro-
nunciam como [aj] em Lisboa, são consideradas como antigas e conservadoras
(Cunha, 1986, 205). Viana (1982), em Exposição da Pronúncia Normal Portu-
guesa, sinaliza que é uma típica pronúncia Brasileira que tem perdurado.
O ditongo no Português Brasileiro 245

De difícil determinação, se o fenômeno é inovador ou conservador, é o caso


da monotongação de [aj] e [ej] antes de fricativa palatal baixo, peixe, queijo. O
processo, contudo, parece ser antigo: “As grafias baxa e pexe, que ocorrem até em
Os Lusíadas, mostram a antiguidade do fenômeno, largamente documentado ainda
hoje nos dialetos centro-meridionais portugueses” (Cunha, 1986, 211).
Quanto à realização variável, dentre os ditongos orais decrescentes, apenas três,
de modo geral, sofrem monotongação: ai, ei e ou. O ditongo ai é o que menos sofre
o processo, seguido por ei e depois por ou, que parece ser o mais avançado, em ter-
mos de redução. Dentre esses três, o ditongo ei é o que apresenta uma distribuição
diferenciada no território Brasileiro e é o mais amplamente estudado, motivo pelo
qual esboçaremos uma generalização dos principais condicionadores do processo
variável da monotongação em algumas regiões do Brasil.
Antes, algumas palavras sobre a variação do ditongo ai e, em sequência, a do
ditongo oi. A monotongação de ai é bem comum quando seguido por palatal des-
vozeada (caxa por caixa; baxo por baixo). Nos demais contextos, o ditongo ger-
almente é preservado ou, quando pretônico, varia com hiato (vai.da.de ~ va.i.da.
de).2
Quanto ao ditongo ou, é alta a taxa de monotongação ao longo da história da
língua, apontando para uma mudança em vias de consolidar-se. O percentual de
aplicação da regra fica em torno dos 90% de uso, conforme indicam alguns estu-
dos. Dentre vários, destacamos Paiva (1996); Cabreira (1996); Cristofolini (2011),
Toledo (2011) e Silveira (2019).
Contextos inibidores para a monotongação de ou são poucos, pois a regra é ampla
tanto por diferentes variáveis sociais como linguísticas, apesar de se observarem
formas variantes de recuperação do ditongo, como em do[w]ze (doze), bo[w]a
(boa). No caso de ditongos derivados pela vocalização da lateral (solteiro, voltar),
a redução do ditongo não ocorre: *so[w]teiro, *vo[w]tar. No que diz respeito a
diferenças de uso conforme variedade geográfica, sexo, idade e escolaridade, essas
não são significativas.
A redução de [ow] para [o] ocorre em sílaba átona (doutrina), em tônica (pouco),
posição inicial (ouro), medial (repouso), final (acabou), assim como em contexto
morfológico diverso, na raiz (doutor), no sufixo nominal (matadouro) e na flexão
verbal (encontrou); independentemente do número de sílabas da palavra, se mono-
ssílaba (sou), dissílaba (couro), trissílaba (doutrina) ou polissílaba (tesouraria).
Em algumas variedades, como as do sul do Brasil, alguns itens lexicais parecem
preservar o ditongo em detrimento da redução, como no advérbio pouco, a conjun-
ção ou e o pronome outro.
O ditongo ei é “um dos poucos restos de arcaísmo Português que têm perdurado
no Brasil” (Viana, 1892, 173). É um ditongo derivado, resultado de diferentes pro-
cessos fonológicos ao longo da evolução da língua, e inexistente no latim. Moder-
namente, em termos gerais, no Brasil, a frequência de monotongação de ei é menor
do que a do ditongo ou.
A monotongação de ei, quando seguido de tepe ou palatal, (feira/ fera, dinheiro
dinhero, peixe/pexe) é uma mudança praticamente consumada, com índices supe-
riores a 90% de aplicação.
246 Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

Tabela 10.1 Monotongação de [ej] pelos estados Brasileiros, segundo o Atlas Linguístico
do Brasil

Estados Frequência Peso Relativo

Bahia 695/804–86% .73


Sergipe 613/746–82% .66
Minas Gerais 26/33–79%% .61
Paraná 452/627–72% .52
Paraíba 82/128–64% .43
Pará 216/474–46% .26
Santa Catarina 105/284–37% .20
Rio Grande do Sul 108/292–37% .20
Total 2.297/3.388–68% —
Fonte: adaptado de Farias (2014)

Tabela 10.2 Principais Condicionadores Linguísticos da Monotongação de [ey] no Portu-


guês Brasileiro segundo alguns estudos

Autor/Ano /Local Freq. Monot. Tepe cont. Fric. Pal. Morfologia Escolar
Seguinte Cont. Seguinte Parte do sufixo baixa.
(beira) (peixe, queijo) (sapateiro)

Veado (1983) 47% — —


Belo Horizonte – MG
Cabreira (1996) 32%
Capitais do Sul (RS,
SC, PR)
Paiva (1996) 61% —
Rio de Janeiro
Araújo (1999) 77% —
Caxias – Maranhão
Freitas (2017) 36% -
Uberaba -MG
(Fonte: as autoras)

O ditongo ei, diferente dos demais, apresenta uma distribuição que diferencia
regiões pela realização de monotongação. Observa-se, na Tabela 10.1, a seguir,
que o peso relativo de aplicação da regra mostra-se favorável na região da Bahia,
enquanto nos estados do sul do país mostra-se desfavorecedor.
Na Tabela 10.1, podemos observar a distribuição espacial de [ey] e constatar
que o ditongo é uma variante predominante nos estados do extremo sul do Brasil
e no norte, no estado do Pará, segundo fontes de Atlas Linguísticos regionais. Nas
demais regiões, predomina o caráter variável entre as duas variantes.
Os principais condicionadores para a monotongação do ditongo ei são, con-
forme dito anteriormente, o contexto seguinte tepe (beira, solteira) e fricativa pala-
tal (peixe, queijo). A baixa escolaridade também parece ter algum papel. Vejamos
alguns estudos, em diferentes regiões Brasileiras, de modo comparativo, para fins
de generalização de resultados expostos na Tabela 10.2.
O ditongo no Português Brasileiro 247

Como pode ser observado na Tabela 10.2, em todos os estudos, os contextos


seguintes ao ditongo, tepe e fricativa favorecem o processo de monotongação. As
variáveis Morfologia e Escolaridade não foram relevantes quando o ditongo está
no radical, como em reina, feijão.
Uma análise estatística com o cruzamento de variáveis pode mostrar se o tipo
de sufixo em que o ditongo se encontra é fundamental para a monotongação. Em
sufixos nominais (sapateiro, primeiro), a taxa de aplicação é alta. Contudo, a dis-
tribuição de dados também é relevante, pois muitos ditongos fazem parte da sequên-
cia -eiro/-eira, deixando o resultado dúbio sobre qual variável estaria favorecendo,
se o tepe no contexto seguinte, ou o sufixo ­eiro, que é muito produtivo.
Silveira (2019, 78), ao cruzar as variáveis posição morfológica (no radical –
cheirando; no sufixo nominal – terceiro, na flexão verbal­entreguei) e contexto
seguinte tepe ou fricativa, constata que o tepe é responsável pela alta taxa de
monotongação. Contudo constata um alto número de palavras com os sufixos ­ero/­
eira o que pode estar enviesando os resultados. Interessante também seria verificar
o que estaria impedindo a montongação de ei em certas palavras como azeite, feito,
leite, seis, prefeitura, reino, etc.
Motivações diversas para o fato de não ser comum a aplicação da monoton-
gação em algumas palavras levam-nos à análise de exemplares. Haupt (2011) ana-
lisa a frequência da ocorrência de alguns itens lexicais com ditongos em corpora
de língua escrita e língua falada, constatando que o tepe atinge altas porcentagens
em todos os itens lexicais com esse contexto.
Em síntese, os ditongos decrescentes orais do Português Brasileiro são reduzi-
dos a vogais em certos contextos específicos, de modo geral, pelo território todo. O
que mais sofre a monotongação é o ditongo ou, seguido por ai e por ei. O ditongo
ei é o que mais desperta interesse em pesquisas, talvez por apresentar uma dis-
tribuição variável diferenciada entre as regiões. Em todos os trabalhos a respeito
da variação de ei, é geral a influência do tepe e da fricativa palatal, como potenciais
motivadores para sua redução.

4 O ditongo e suas moras


O Princípio de sonoridade, independente do grau de sofisticação, classifica hie­
rarquicamente os segmentos, e a moracidade conduz o processo de formação de
sílabas, distribuindo as moras a partir do pico.

Silabicidade é uma consequência de peso e é definida independentemente da


sílaba. Em adição, a locação do pico de silabicidade dependerá da hierarquia
de sonoridade que, entre outras coisas, põe vogais sobre consoantes, soantes
sobre obstruintes e assim por diante.
(Hyman, 1985, 20)

Nessa perspectiva, a ideia que se pretende desenvolver e discutir apoia-se nas


representações do glide assim expostas:
248 Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

O glide, como qualquer consoante à esquerda do pico, não tem peso, (3a, c), mas
tem ao situar -se à direita do pico (1b), formando sílaba pesada. As representações
(3a, b, c) constituem as estruturas básicas de sílaba com glide. A moracidade, a
sonoridade e o molde silábico são os alicerces da silabificação.

(4) Escala de sonoridade

Obstruinte Nasal Líquida Glide Vogal


+ + + + + silábico
– – – + + vocóide
– – + + + soante
1 2 3 4 5 hierarquia

Em termos universais, qualquer segmento sonoro pode ser PICO, todavia, em Por-
tuguês, somente a vogal, como em outras línguas neolatinas. A partir do núcleo,
formam-se demissílabas de acordo com Clements (1999), tanto à esquerda quanto à
direita, atendendo ao molde silábico. Que o glide tenha peso à direita do pico e não
tenha à esquerda é o esperado, ainda que compartilhe da mora básica em virtude de
sua sonoridade. Mas (3a) levanta um problema, ao considerarmos o caráter implica-
cional da escala de sonoridade com a qual se estabelece a sub-hierarquia de Onset/X:

(5) Sub-hierarquia de Onset/X:


*Onset/glide>>*onset/líquida>>*onset/nasal>>*onset/ obstruinte
Disso se infere que o melhor onset é o das obstruintes e o pior é o dos glides. Então,
a pergunta: como se justifica o glide em posição inicial de palavra se o Português
não admite, nessa posição, o tepe, incluído entre as líquidas? Observe-se o molde
silábico do Português:

(6) Molde Silábico, maximamente com cinco elementos

Um segmento V é
Dois segmentos CV pá
VC ar
VG ai
Três segmentos CVC par
(Continuado)
O ditongo no Português Brasileiro 249

(Continuado)

VGC eis
CGV piá
Quatro segmentos CCVC cros(ta)
CVCC perspectiva
CVGC seis
CCGC claus(tro)

A sonoridade e a moracidade por si sós não dão conta das propriedades específicas
de língua particular. Daí o papel das condições fonotáticas:

(7) Condições do onset


(a) Qualquer consoante pode ocupar a posição de onset de sílaba. Mas em início
de palavra lexical, a vibrante simples (tepe) não ocorre e as soantes nasal e
lateral­palatalizadas só figuram com empréstimos nativizados, a exemplo de
lhama, nhonhô, nhoque. Em CC, no onset, C1 é uma obstruinte ou contínua
labial; C2, uma soante não nasal, fraco, pluma.
(b) A obstruinte coronal [+cont], isto é, /S/com suas duas faces e as soantes
podem ocupar a posição C1 do pós -pico, mas se for uma soante nasal, deve
compartilhar o ponto de articulação da consoante vizinha: bonde, campo.
(c) C2 do pós-pico é destinado à contínua coronal, perspectiva, constante.
Há pesquisadores que enfatizam a diferença entre glide e vogal quanto a proprie-
dades fonéticas, entre os quais Gordon supracitado, segundo o qual essa diferença tem
reflexos na fonologia, sobretudo em caso de mutações como fricativização e iotização.
O glide em Português somente emerge a partir da silabificação. Na teoria da
otimidade, essa distinção é feita de acordo com Prince; Smolensky (2004 [1993]),
por meio da hierarquia de Peak e Margin, que diz respeito à sílaba.

(8) Hierarquias de Peak e Margin

i /u j/w
Vocálico + -
Consonantal - -

Todavia com respeito ao ditongo, foco deste estudo, o Português não possui uma distin-
ção robusta entre ditongo crescente e hiato, pois todo ditongo crescente está em variação
com hiato, com apenas uma exceção, facilmente enumerável, como vemos em (11).

(9) Hiato e ditongo em franca alternância


ki.abo ~ kja.bo
pi.a.no ~ pja.no
su.i.no ~ swi.no
kri.ow ~ krjow
su.or ~ swor
su.a.ve ~ swa.ve
250 Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

Diferença entre maior ou menor proximidade entre glide e vogal não é pertinente
em Português:

(10) pi.a.no ~ pja.no, pi.a.nista


pi.e.da.de ~ pje.da.de
mi.ú.do ~ mjú.do
Diferenças entre posição pretônica e postônica impõem-se quantitativamente, a
primeira com cinco vogais; a segunda com três. Isso está em direta relação com o grau
de atonicidade das pautas átonas. Em variedades do centro para o norte predomina, na
pretônica, a média baixa; em variedades do centro para o sul, a média alta.
Note-se que o Português não possui ditongos crescentes genuínos, pois todos
são derivados de hiato. A única exceção não comutável com hiato é a sequência kw
e sua contraparte sonora gw seguida de /a/ e /o/, resquícios do latim, que se encon-
tram em poucas palavras, facilmente enumeráveis, com tendência a desaparecer:

(11) água, quais, adequar, enxaguar, quadro, quotidiano, quatorze, Paraguai, Uru-
guai e raras mais.

Muitas delas já estão dicionarizadas com uma só vogal: catorze, cincoenta.


A sequência de duas vogais altas tende a formar ditongo crescente, como no
espanhol, segundo Harris (1988). A exceção é rara.

(12) ci.ú.me /cju.me


mo.i.nho/ mu.ínho~ mwí.nho
vi.ú.va – vju.va

O ditongo crescente com alternância do hiato é regra geral. Feita essa descrição,
retomemos a questão posta em páginas precedentes quanto à hierarquia de sonor-
idade, que tomamos a liberdade de repetir: Como se justifica o glide em posição
inicial se o Português não admite nessa posição o tepe, incluído entre as líquidas?
Não são muitos os exemplos, mas existem iodo/jodo, iame~jame,
Iolanda~Jolanda, etc. Smith (2003, 3–8), que discutiu esse problema incluindo
o caso da Campidonia Sardinense, observa que há línguas que proíbem róticos ou
líquidas no onset, mas aceitam glides. O autor propõe que a restrição *Onset/X
seja explicitamente definida para ser sensível ao status mórico dos segmentos, cuja
sonoridade é avaliada, excluindo o glide dessa categoria.

(13) *ONSET/X
The leftmost pre-peak nonmoraic segment in a syllable does not have sonor-
ity level X.
(Smith, 2003, 3).

O glide à esquerda do pré­pico fica fora da escala de sonoridade, isto é, fica descom-
promissado com o Princípio de Sequenciamento de Sonoridade.
O ditongo no Português Brasileiro 251

Neste texto, todavia, optamos por conservar o glide com seu valor de sonori-
dade em ambas as posições, distinguindo-se sílabas ótimas de não-ótimas. Dois
são os motivos: a) o glide em Português é, na subjacência, vogal alta, diferen-
ciando­se no processo de silabificação em que se consonantiza; b) o glide vai para
o pré -pico inicial somente quando não há consoante disponível, segundo Harris;
Kaisse (1999). Consequentemente, não há quebra de sequenciamento de sonori-
dade, pois, diferentemente das línguas citadas por Smith, as líquidas em Português
ocupam a posição inicial do onset, com exceção apenas de um segmento, o tepe, o
qual, por essa razão é marcado. Nas línguas do mundo, há sílabas marcadas com
respeito a sua formação, como, por exemplo, ausência de onset, V frente a CV,
assim como com respeito à gradiência de sonoridade do pico com suas margens.
A sílaba CVC contém duas partes, CV e VC, de acordo com Clements (1999),
cada parte constitui uma demissílaba. Sílabas que fogem a isso são relativamente
marcadas por um mecanismo operacional que estabelece gradações. Não entrare-
mos nesse detalhe, mas a uma vista de olhos, ressalta-se a proximidade entre vogal
alta e glide em termos da escala de sonoridade, de modo que um glide no onset
forma uma demissílaba não ótima, enquanto um glide na coda forma uma demis-
sílaba ótima, ambas pertinentes ao sistema.

(14) Silabificação e acento sucessivo


pi.á (duas sílabas)
pjá (uma sílaba só).
paj (uma sílaba só)

Quanto maior a distância entre pré-pico e pico, melhor é a sílaba (Clements, 1999).
Nesse sentido, uma demissílaba como pja.no é ótima. Neste estudo, deixamos o
glide com seu valor escalar, pois não há pulos em se tratando do Português, uma
vez que nasais e líquidas ocorrem nesta posição, exceto o tepe.
Kaisse; Hyman (1999) sustentam a proposição de glide no onset com fartos
exemplos do espanhol da Argentina. Menos pródigo do que o espanhol da Argen-
tina, o Português também os tem, alternando com hiato: iame/jame, iodo/jodo,
suada/swada, etc.
Vale observar um caso específico: os verbos ver e vir do latim vedere, venire,
respectivamente, 2ª e 3ª conjugação, têm, na sincronia, uma base em comum,
veo, no presente do indicativo de ambos os verbos. Na silabificação, para evitar o
hiato, emergem, por harmonia concomitante, o glide e a consoante palatal que, sem
representação no input, funcionam como epêntese, distinguindo-os veo/venho, verbo
vir; veo/vejo, verbo ver, a exemplo da primeira pessoa do presente do indicativo.

(15)

v+ e+ o (ver) v+ e+ o (vir)
morfologia veo veo
epêntese vejo veño
252 Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

A epêntese na forma de glide ou de consoante nasal palatal é a solução para resolver


o hiato subjacente.
Solucionada a questão referente ao glide inicial, encerramos a parte referente ao
ditongo crescente, de uso restrito à variante do hiato, diferentemente do espanhol,
onde o ditongo crescente tem pródiga presença, o que se manifesta desde as suas
origens. Calabrese (1995) salienta que o traço [­ATR] no Português corresponde no
espanhol, muitas vezes, a um ditongo crescente:

(16)

Português Espanhol
mƐl miel
sƐte siete
pƐdra piedra

Assim finda esta parte, generalizando em termos seguintes: o Português não dispõe
de ditongo crescente senão em alternância com o hiato.

4.1 Ditongo decrescente

Diferentemente do ditongo crescente, o ditongo decrescente não tem hiato como


contraparte, formando­se o glide na primeira rodada da silabificação, em que a
vogal à esquerda é selecionada para o pico e a outra guarda lugar para o glide.

Identificado o pico, o glide ajusta­se à posição mórica pós­pico, constituindo verda-


deiro ditongo decrescente. Os ditongos variáveis formam sílabas CVC leve como
veremos no andamento do texto. O sistema da escrita sinaliza pelo acento gráfico
contextos semelhantes, (18), mas não há casos de variação. No entanto, a variação
é comum ao ditongo /ow/: owro~oro, louco~loco, pouco~poco, isso porque a parte
posterior da boca tem um espaço menor do que a anterior.

(18) sawna (banho de vapor), saúva (tipo de formiga)

O glide pós-pico ocupa a mesma posição que a soante. Exemplos são do tipo pai/
par, mau/mal; a segunda posição é /S/em suas duas facetas ou soante.

(19) a. ra.iz b. pojs c. pers.pectiva


pa.ul sejs. sols.tício
O ditongo no Português Brasileiro 253

Vogal seguida de obstruinte coronal ou soante forma sílaba pesada, (19a); sílaba
superpesada é constituída de glide seguido de [cor + cont], (19b). Por sua vez,
as sequências rs e ls também formam sílabas superpesadas, 19c). Tais exigências
fonotáticas estão sob o controle da Condição de Coda.
O ditongo nasal decrescente em posição final tende a atrair o acento: paixão,
sermão, verão. As exceções, órfão, órgão, sótão e outras, são marcadas em relação
ao acento. Todavia, há casos em que o glide pós-pico também se alinha à mora da
base, formando uma sílaba leve, como veremos a seguir.

4.2 Ditongos decrescentes leves

Ditongos decrescentes formam, naturalmente, sílabas pesadas, como vimos. No


entanto, há casos de CVC como sílabas leves. É o caso dos ditongos /ei/ e /ai/
diante de tepe e palatal, em que o glide emerge por expansão do traço vocálico da
palatal ou do tepe com presença somente na estrutura de superfície, a exemplo de
baxo~baixo, bejo/beijo, bera~beira (Bisol, 1992).

Por conseguinte, CVC, no caso, é uma sílaba leve, pois o glide em b) só emerge na
estrutura de superfície. Por outro lado, o ditongo /ow/ tende a tornar-se monotongo:
ouro/oro, couro/coro, pouco/poco.

4.3 O ditongo nasal

De forma semelhante, mas com resultados diferentes, apresenta-se a monotongação


de terminações nasais em posição final, átona, a exemplo de homem/homi, jovem/
jovi. Esse ditongo nasal tende a desaparecer na derivação. Há, porém, regiões,
como Rio de Janeiro, que a preservam.

(21) a. Ditongo nasal b. Perda do ditongo


paixão apaixonado
irmão irmanar
limão limonada
254 Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

Indiscutivelmente, ditongo nasal e vogal nasal, ambos formam sílabas pesadas. As


exceções dizem respeito à vogal final que cria, variavelmente, um ditongo e que,
sem acento, tende a monotongar-se sem perder a nasalidade. Cagliari (2009, 91)
atribui a segunda variante (b) a um estilo enfático.
VN no input, em que N é um segmento nasal subespecificado quanto ao ponto
de articulação, dá conta do processo de nasalização: estende-se o traço nasal para
a esquerda, formando um glide, ao constituir o ditongo nasal. Em alguns dialetos,
a vogal nasal ditongada também se manifesta no interior do vocábulo como ocorre
em São Paulo, mas é raro.
Os casos de verdadeiro ditongo nasal sem acento limitam-se a poucas palavras:
órfão, órgão, bénção mas também essas têm a contraparte não ditongada, a exem-
plo de orfão/orfanato, bénção/abençoado.
A sílaba com nasalidade em posição átona final pode perder a nasalidade, a
exemplo de órfão/orfo/orfu/, órgão/orgo/orgu/. Sílabas átonas em posição final são
sensíveis à variação.

4.4 Marcação lexical

O valor relativo do peso da sílaba tem influência direta na acentuação e vice­versa.


Há hierarquia quanto ao peso da sílaba: CVV, CVC [+soante], CVC [­soante], CV.
A sequência VV na subjacência forma sempre sílaba pesada, enquanto CVC forma
tanto pesada quanto leve.
O Português oferece uma lista expressiva de palavras com acento final, em fun-
ção do contato com línguas indígenas da região, além de empréstimos, o que não
permite atribuir o peso da sílaba a alguma característica fonética da vogal, como se
manifesta em algumas línguas, segundo Gordon (s/d).
O caso de abacaxi, araçá, imbu, dendê, vovô, picolé, fodó, não faltam exemplos,
resolve-se via consoante abstrata, isto é, uma mora inserida por catalexis que se
incorpora ao final da palavra, conforme Bisol (1992, 2013).
Observem-se comparativamente pomar, café e cafezal. A palavra não derivada
acabada em vogal, como em café, recebe acento na sílaba via uma consoante
epentética preenchida na derivação. Assim, pomar, café recebem o mesmo tipo de
acento:

(22) /pomar/ /ka fƐC/


silabificação po.mar ka.fƐC
acento po.´mar ka.´fƐC
adjunção pomareiro kafEal
Ciclo2 po.mar+eiro k.a.fƐ+al
epêntese ___ kafƐzal
silabação po.ma.rei.ro ka.fƐ.zal
acento po.ma.´rei.ro ka FƐ ´zal
neutralização ___ ka.fe´zal

A consoante abstrata satisfaz as condições para o acento final. (Acentue a sílaba


final se for pesada; nos demais casos, forme um troqueu, Bisol, 2013).
O ditongo no Português Brasileiro 255

O ponto interessante a observar é o seguinte: a sílaba CVV é predominante-


mente pesada, seguindo­se CVC que se mostra em sílabas pesadas e leves e final-
mente CV. De certa forma, essa ordem ajusta-se à hierarquia de peso proposta por
Gordon, contando com a dupla face de CVC.

(22) Hierarquia de peso:


CVV, CVC, CV

Em Português, o formato CVC, indicador de sílaba pesada, como vimos, pode


funcionar como sílaba leve. Por ora, ressaltemos certos pontos:
O glide no onset e CVC leve são os principais tópicos deste estudo. O glide
em início de palavras constitui um problema para qualquer análise, sobretudo em
línguas como o Português, que não oferecem argumentos sólidos para sustentar um
glide no sistema consonantal subjacente.
Ademais, alicerçada a silabificação na escala de sonoridade, cria­se um obs-
táculo de ordem implicacional, pois o Português proíbe o tepe em início de palavra.
Atribuir-se uma leitura na linha de Onset/ X, como posição zerada em sonoridade,
em termos de candidatos a ocupá-la, de acordo com Smith (2003), seria uma
solução. No entanto, considerando-se que o Português admite, nessa posição, as
líquidas com a exceção do tepe, optou-se por preservar o valor mórico do glide no
onset. Isso permite comparar as demissílabas no sentido de perfeitas ou imperfei-
tas, salientando-se que, para uma gramática de restrições, uma demissílaba imper-
feita pode vir a constituir uma sílaba do sistema. Como foi referido, os genuínos
ditongos são os decrescentes, que formam sílabas pesadas.
E assim finda esse capítulo que enfatiza a origem de ditongos e alguns aspectos do
comportamento variável. A análise fonológica diferencia CVC pesado e CVC leve,
discute o ditongo crescente e decrescente, assim como se detém no caso de catalexis.

Conclusão
Os ditongos no Português oferecem um vasto campo de investigação desde as
origens do fenômeno, o percurso evolutivo, o comportamento variável e a inter-
pretação fonológica. Em especial, na variedade Brasileira, diferentes análises são
propostas, mas a maior parte dos trabalhos concorda sobre a existência de ditongos
fonéticos e ditongos fonológicos.
Dentre os ditongos orais decrescentes, três sofrem a monotongação variável (ai,
ei, ou), sendo o ditongo ai o que menos sofre o processo, seguido por ei e por ou. O
ditongo ei é o que apresenta uma distribuição espacial diferenciada pelas diferentes
regiões Brasileiras no que diz respeito ao processo de redução, motivo pelo qual
talvez seja o mais estudado entre os pesquisadores.
A análise fonológica proposta aqui detém-se na formação do ditongo, dis-
cutindo-o como sílaba pesada ou leve no formato CVC, seguindo a teoria das
moras, através da qual moracidade, a sonoridade e o molde silábico são os alicerces
da silabificação. O Português não dispõe de ditongo crescente senão em alternância
com o hiato. Já o ditongo decrescente não tem hiato como contraparte, formando-
se o glide na silabificação. Em relação ao ditongo nasal, há diferentes propostas. O
256 Leda Bisol, Valéria Neto de Oliveira Monaretto

tema é complexo e rico. O ditongo nasal pode ser formado pelo traço nasal de VN
que se estende para a esquerda, formando um glide.
Apesar das diferentes abordagens de estudo, os ditongos no Português Brasileiro
carecem de investigações diacrônicas e de descrições sincrônicas mais amplas e
gerais pelo seu vasto território. Estudos em fontes primárias do Português Bra-
sileiro, com acesso digitalizado e automatizado de dados, podem contribuir para a
busca de pistas acerca da cronologia do percurso evolutivo dos ditongos e para se
compreender melhor os fenômenos de variação e mudança envolvidos.

Sugestões de outras leituras sobre o tema


Wetzels, Leo. 2000. Comentários sobre a estrutura fonológica dos ditongos nasais no
Português do Brasil. Revista de Letras. N. 22. V.1/2. EDIPUCRS: Porto Alegre.
Cintra, Luís F. Lindley. 1995. Os ditongos decrescentes ou e ei: esquema de um
estudo sincrônico e diacrônico. In: Estudos de Dialectologia Portuguesa. 2 ed.
Sá da Costa: Lisboa, p. 35–54.
Carvalho, Maria José. 2018. Ditongos orais e seus processos evolutivos na história
do Português. In: Estudos de Linguística Galega, n. 10, p. 41–54.

Notas
1 William (1975, 43) observa que as consoantes que se fundem com o iode (exceto s e
ss) evitam a atração da vogal: allῐum > alho; facῐo > faço; aranĕam > aranha. O autor
comenta também que a atração ocorreu relativamente tarde com em palavras em que ai
não se tornou ei, como em sabia para saiba. Tais palavras têm sido localizadas pelo fim
do século XIII como uma tentativa de relacionar com a silabação castelhana ou por uma
origem regional, vindo ei do norte, e ai, do sul.
2 A opção entre ditongo é hiato é resolvida, na ortografia, pelo artifício do acento gráfico,
como em saída, traíra, aí, por exemplo, ou pelo uso do grafema h, como ocorre em Bahia,
por exemplo, em que há hiato. Essa letra é usado para se distinguir de baiano, com ditongo
Na tradição da escrita antiga, era comum o uso de h para demarcar o hiato em encontros
vocálicos com a, como em sahida, ahi.

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11 Condicionamento morfológico e lexical
na variação fonológica
Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves,
Gregory Guy

Resumo
Neste texto, retoma-se uma pergunta clássica em linguística: processos fonológicos
variáveis podem ser morfológica e lexicalmente condicionados? A partir de uma
problematização da hipótese neogramática, segundo a qual a mudança sonora não
acessa informações gramaticais ou lexicais, empreende-se uma discussão sobre o
que se entende por condicionamento morfológico e lexical em teoria fonológica e,
em particular, em modelos que se propõem incorporar fenômenos fonológicos var-
iáveis. Nesse sentido, discute­se, por um lado, o papel de morfemas específicos car-
acterizando alvos ou gatilhos de processos e classes de palavras mais suscetíveis
a determinados processos e, por outro, itens lexicais mais ou menos frequentes. O
fenômeno de apagamento de t/d em inglês americano (Labov et al., 1968; Guy, 1980,
1991, 1996; Guy; Boyd, 1990; Bybee, 2002; entre outros), que se mostra sensível à
distinção entre monomorfemas e formas verbais de passado (ex. mist ~ misø ‘névoa’;
missed ~ misø ‘esquecerpret’.), é pano de fundo da discussão, que tem como foco, em
Português Brasileiro, a redução da nasalidade de ditongos finais átonos (Votre, 1978;
Guy, 1981; Battisti, 2002; Schwindt; Bopp da Silva, 2010; Schwindt, 2012, Chaves,
2017; Schwindt; De Bona, 2017), processo que apresenta comportamento distinto
para não verbos e verbos (ex. viagem ~ viag[ɪ]; comeram ~ comer[ʊ]), interagindo,
neste último caso, com o fenômeno morfossintático de concordância na língua.

Palavras-chave: Variação fonológica, Condicionamento morfológico, Morfofono-


logia, Apagamento de t/d, Redução da nasalidade.

1 Introdução
A maioria dos trabalhos sobre variação fonológica inclui a investigação de vari-
áveis relacionadas à morfologia e ao léxico, como classe gramatical, localização
morfológica de alvos ou gatilhos de processos, frequência lexical etc. Para além
da demanda descritiva, a inclusão dessas variáveis veicula uma hipótese sobre
arquitetura gramatical, a de que a mudança sonora acessa informação léxico-
morfológica. Tal hipótese foi contestada pelos neogramáticos, no século XIX, e
esse entendimento se estendeu à fonologia estruturalista e aos modelos fonológicos
gerativistas. A reação a essa premissa do modelo neogramático veio inicialmente
DOI: 10.4324/9781003294344-14
260 Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves, Gregory Guy

dos defensores da hipótese da difusão lexical e, mais tarde, da sociolinguística


variacionista. A partir da tese da heterogeneidade ordenada, o modelo laboviano
acabou por provocar uma revisão dos modelos formais de fonologia, na direção
do debate sobre os condicionadores da mudança sonora, em que se incluem as
variáveis léxico-morfológicas. A questão, porém, segue não sendo tácita, seja pela
falseabilidade da tese per se, seja pela dificuldade de sua modelagem formal.
Neste capítulo, revisitamos o problema que introduzimos, ratificando a tese de
que fenômenos fonológicos variáveis podem acessar informação morfológica e
lexical, sob determinadas restrições, mas que esses dois tipos de informação não se
confundem, sendo apenas a primeira informação gramatical propriamente dita. Para
isso, tratamos de dois fenômenos fonológicos variáveis para os quais há evidência de
acesso tanto à morfologia quanto ao léxico, como forças aparentemente independen-
tes: o apagamento de t/d em final de palavra no inglês norte­americano, doravante IA
(Labov et al., 1968; Guy, 1980, 1991, 1996; Guy; Boyd, 1990; Bybee, 2002; entre
outros), e a redução da nasalidade em ditongos em final de palavra no Português
Brasileiro, doravante PB (Votre, 1978; Guy, 1981; Battisti, 2002; Schwindt; Bopp da
Silva, 2010; Schwindt, 2012, Chaves, 2017; Schwindt; De Bona, 2017; entre outros).
O capítulo se organiza como segue. Na seção 2, contextualizamos o problema
do acesso ao léxico e à morfologia por fenômenos envolvendo mudança sonora. Na
seção 3, apresentamos com mais detalhamento os dois fenômenos de que tratamos.
Na seção 4, discutimos a hipótese de separação entre léxico e morfologia e algu-
mas das principais consequências dessa abordagem para a modelagem gramatical.
Seguem-se as conclusões.

2 Variação fonológica e arquitetura gramatical


A ideia de que processos variáveis são menos restritos, ou que se aplicam sempre
que houver contexto, está presente nas teorias fonológicas, desde os neogramáti-
cos, no século XIX, passando pelo estruturalismo, até os diferentes modelos gera-
tivos. Nessa perspectiva, acessar informação morfológica ou atingir o item lexical
é entendido de modo geral como ponto final, nunca inicial da mudança sonora.
Para a escola neogramática, a mudança sonora, além de não estar sujeita a
exceções, restringe-se a condicionamento fonético.1 Como decorrência desses
pressupostos, postulou-se que a mudança fonética não seria percebida de forma
categórica, mas gradual, e atingiria todas as palavras ao mesmo tempo, caracteri-
zando-se como lexicalmente abrupta. A esse entendimento reagiram os adeptos da
teoria da Difusão Lexical propondo, a partir de contraevidências aos pressupostos
neogramáticos, que a mudança do som atinge antes cada palavra, de modo gradual,
até chegar ao som, de modo abrupto (Wang; Cheng, 1977).
No estruturalismo saussuriano, apesar de a fonte do dado linguístico se deslo-
car da história para o sistema, a ideia neogramática de não excepcionalidade da
mudança e de acesso tardio ao léxico segue representada no privilégio da língua
sobre a fala. O signo, enquanto entidade da língua – mutatis mutandis, uma enti-
dade lexical – é sincrônico e homogêneo por natureza, ou seja, nele a mudança é
apenas herança. Toda variabilidade é fenômeno restrito à fala.
No estruturalismo norte-americano também se preconizam generalizações
invariáveis para a descrição fonêmica das línguas. O confronto com grande volume
Condicionamento morfológico e lexical na variação fonológica 261

Figura 11.1 Arquitetura da gramática na LPM

de dados de uso, contudo, impõe que se explicite o problema nessa escola. É o caso
da noção de alofonia, por exemplo, que se mostra insuficiente para dar conta de
alternâncias não categóricas, que são rotuladas como variação livre. Nesse modelo
também se fortalece a ideia de níveis de análise: a morfologia se relaciona com
a fonologia em mapeamentos morfofonêmicos – ainda que não tenham relação
necessária com a variação fonética propriamente dita.
Interpretando a visão neogramática da mudança – e essencialmente a pre-
conizada por Herman Paul (1880) – com a abordagem estruturalista em sentido
mais geral, podemos dizer que mudanças afetam fonemas, não palavras, razão
por que palavras não podem condicionar variação e consequente mudança. Isso
é assim porque, para o estruturalismo, palavras e morfemas não têm identidade
fonológica independente; são produto, a rigor, da associação de unidades com
esse estatuto, os fonemas. Palavras mudam, portanto, nessa concepção, porque
fonemas mudam.
No gerativismo, assume-se inicialmente que a linguagem humana distingue o
conhecimento internalizado da língua, sua competência, de aspectos de perfor-
mance. À competência, em oposição à performance, dizem respeito as alternâncias
predizíveis – quando não categóricas, opcionais, mas não exatamente variáveis. De
arquitetura modular, também conhecida como gramática em Y, o modelo inicial da
teoria gerativa não tem morfologia, vê o léxico como um repositório de idiossin-
crasias e concebe a fonologia como interface interpretativa.
Chomsky publica, em parceria com Morris Halle, a obra The sound pattern of
English (SPE),2 que concebe que à estrutura fonológica, ainda pós-sintática, com-
pete, como na sintaxe, mapear representações subjacentes com representações de
superfície. Nasce aí a fonologia gerativa, em geral referida como fonologia clássica
(Chomsky; Halle, 1968). O mesmo ocorre na morfologia, quando Chomsky, em
1970, publica o texto Remarks on nominalization, no qual admite que possíveis
regras específicas ao léxico e à morfologia operem num componente que precede
a sintaxe. Esse modelo baseia-se no que se convencionou chamar hipótese lexical-
ista, e funda a morfologia gerativa ou lexical.
262 Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves, Gregory Guy

Já de amplo entendimento que fonologia e morfologia podiam constituir compo-


nentes gerativos, Kiparsky (1982b, 1985) e Mohanan (1982) propõem a Fonologia
e Morfologia Lexical (LPM). O principal diferencial desse modelo em relação aos
anteriores é a divisão da fonologia, que agora tem uma contraparte pré-sintática,
que se pareia plenamente com a morfologia, também entendida como léxico gera-
tivo (em oposição ao dicionário propriamente dito, que contém as entradas lexi-
cais). Na Figura 11.1, a seguir, representamos a arquitetura da gramática gerativa
na LPM. A variação fonológica segue, nas versões iniciais desse modelo, restrita à
fonologia pós-lexical, que não interage com a morfologia, dada a natureza serial e
unidirecional dessa arquitetura.
Subsequente à LPM, na Morfologia Distribuída (DM), proposta por Halle;
Marantz (1993), morfologia e sintaxe operam num único sistema gerativo que lida
basicamente com traços abstratos. Esses traços são pareados com substância fônica
tardiamente, em nível interpretativo. Alternâncias fonológicas, mais do que exata-
mente variação fonológica, são tratadas nesse estágio da derivação. Sendo também
um modelo de arquitetura serial, sua versão original não prevê interações entre a
fonologia e a gramática da frase ou da palavra.
A Teoria da Otimidade (OT), proposta por McCarthy; Prince (1993) e Prince;
Smolensky (1993), diferentemente dos modelos gerativos que descrevemos até
aqui, adota uma perspectiva paralelista (ou não serial). Restrições universais e
violáveis estão sujeitas a ranqueamento nas línguas particulares para promover
a escolha do melhor entre os candidatos a representação de superfície, em geral
designada como output. Na versão original desse modelo também se projeta um
único output ótimo, ainda que o simples fato de haver concorrência entre diferentes
formas já represente uma espera importante para se avaliar essa teoria como ade-
quada à modelagem da variação, o que lhe rendeu implementações em diferentes
subteorias (Anttila, 1997; Boersma; Hayes, 2001; Hayes; Wilson, 2008; Coetzee;
Pater, 2011; entre outros). Embora a OT não descarte os componentes gramatic-
ais, trata-se de uma teoria não modular, no sentido de que operações não ocorrem
dentro da sintaxe, da morfologia ou da fonologia. Toda referência a esses compo-
nentes está prevista na forma do input (representação subjacente), nos candidatos
ou na formulação das restrições. Isso permite, por exemplo, que se alinhem uni-
dades morfológicas ou sintáticas com unidades fonológicas, independentemente da
extensão dessas unidades.
Em oposição aos modelos apresentados, os quais nomeamos formais,3 e de modo
particular em oposição à teoria gerativa, modelos baseados em uso rejeitam a visão
tradicional de mapeamento de uma só forma subjacente para uma ou mais formas
de superfície. Dentre esses modelos, a Teoria de Exemplares (ET), desenvolvida,
entre outros, por Bybee (2001, 2002) e Pierrehumbert (2001), parte da premissa
de que representações mentais abstratas associam informação fonético-fonológica
e significado, de natureza linguística e extralinguística, no que se designa como
nuvens de exemplares. Nessa perspectiva, o tratamento da variação fonológica, que
pode ser rica em detalhe fonético, não se diferencia importantemente do tratamento
de alternâncias ditas categóricas a não ser pela quantificação desse uso, apreendida
pelas representações. A rigor, não há morfemas no sentido tradicional na ET; tais
Condicionamento morfológico e lexical na variação fonológica 263

entidades, sob esse ou outro rótulo, seriam produto de mapeamento específico entre
cadeias fonológicas e sentido, fundadas em informação sobre frequência. Assim,
também não parece próprio se falar em condicionamento morfológico da fonologia
variável nesse modelo – ao menos não no sentido de se depender de informação
presente em primitivos a partir dos quais se decompõem as palavras.
Como vimos nesta seção, não há nas versões iniciais dos modelos formais, her-
deiros da hipótese neogramática, previsão para tratamento de fenômenos fonológi-
cos variáveis ou morfológica ou lexicalmente condicionados. Na ET, herdeira em
certa medida da hipótese da difusão lexical, o lócus da representação mental se
desloca de primitivos fonológicos e morfológicos para a palavra. Se, por um lado,
isso contribui favoravelmente para o argumento de que a fonologia variável é indis-
sociável da informação lexical, por outro configura um obstáculo para se argumen-
tar que esses processos acessam morfemas específicos.
Não é nossa intenção neste texto eleger o modelo ideal, mas problematizar a
questão do condicionamento morfológico e lexical em seu fundamento. Como
veremos na seção seguinte, há evidências de que alguns processos fonológicos
variáveis acessam efetivamente informação morfológica e lexical. Nesse sen-
tido, o que chamamos aqui de condicionamento morfológico pode se traduzir
como categoria ou contexto de aplicação de um processo fonológico variável.
Quando dizemos que determinado fenômeno se aplica a uma classe gramati-
cal particular ou que seu alvo ou gatilho é um morfema específico, ou se situa
no domínio de certo morfema, falamos de acesso à morfologia. O mesmo vale
para uma palavra ou um lexema em específico. O fato é que, numa hipótese de
gramática modular, seria impossível explicar tais processos sem se admitir que
o módulo fonético-fonológico, que abriga a variação, se comunica com outros
módulos, supostamente restritos a alternâncias categóricas. Também a referên-
cia à frequência de itens lexicais precisa estar codificada em sua entrada ou em
algum ponto da gramática e estar acessível à fonologia variável, se a condiciona
em alguma medida. Definido, assim, descritivamente o condicionamento a que
nos referimos, cabe à teoria linguística responder se as informações morfológica
e lexical são de mesma natureza se correspondem ao mesmo módulo – ou de
natureza distinta.

3 Processos fonológicos variáveis e condicionamento


morfológico e lexical
Conforme Schwindt (2014), fenômenos fonológicos variáveis podem se relacio-
nar com a morfologia por pelo menos três diferentes caminhos: (i) acessando a
morfologia interna ao alvo do processo; (ii) acessando a morfologia do gatilho do
processo (particularmente no caso de processos assimilatórios) e (iii) acessando
informação sobre classe de palavra (morfossintaxe). Ainda, tais fenômenos podem
ter acesso a informações de frequência de tipo ou de ocorrência de itens lexicais
específicos.
Nesta seção, a partir de uma revisão não exaustiva da literatura, descrevemos dois
fenômenos fonológicos variáveis para os quais há evidência de condicionamento
264 Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves, Gregory Guy

morfológico. O primeiro, que inaugura esse debate na literatura, é o apagamento de


t/d em final de palavra em inglês, e o segundo é a redução da nasalidade em diton-
gos finais átonos em Português Brasileiro. Assumimos que se classificam como
processos do tipo descrito em (i), acima, que acessam a morfologia interna ao alvo,
ainda que possam ser problematizados na perspectiva de (iii), de acesso à classe
de palavra. Admitimos, ainda, que podem estar sujeitos à influência de frequência
lexical.

Apagamento de t/d em inglês norte-americano

O apagamento de t/d em final de palavra (ex. mist ~ mis∅ ‘névoa’, missed ~ mis∅
‘perderpret’) é um processo amplamente disseminado na língua inglesa e para o
qual se relata influência de variáveis linguísticas e sociais.4 Estudos sobre o IA,
como os de Labov et al. (1968), Guy (1980, 1991, 1996), Guy; Boyd (1990), entre
outros, mostraram que o fenômeno tem acesso à morfologia interna da palavra,
isto é, que o apagamento ocorre mais quando as consoantes em questão integram
um monomorfema e menos quando fazem parte do sufixo verbal, como mostra a
Tabela 11.1, a seguir.

Tabela 11.1 Apagamento de t/d em IA por classe morfológica (corpus de Guy, 1991)

Categoria morfológica Peso relativo % Ocorrências


Monomorfemas (mist ‘névoa’, bold ‘ousado’) 0,64 38 658
Passado irregular (lost ‘perderpret’, told ‘dizerpret’) 0,55 34 56
Passado regular (missed ‘perderpret’, tolled ‘pedagiarpret’) 0,32 16 181

Observe-se que ler o resultado da Tabela 11.1 pela perspectiva da classe gra-
matical levaria a uma interpretação errada sobre o fenômeno, já que, como se
vê, formas verbais de passado irregular se assemelham mais a não verbos do que
a formas verbais de passado regular (Guy, 1996, 227). Daí, inclusive, ser mais
adequado neste caso referir-se a monomorfemas do que a raízes na categorização
dessa variável, já que não é tácito se, no caso de verbos irregulares, -t e -d podem
ser depreendidos da raiz a que se ligam. Aliás, essa é a provável explicação para o
resultado: o processo é mais evitado à medida que a fronteira morfológica é mais
perceptível pelos falantes/ouvintes da língua.
Na perspectiva das fronteiras preconizadas pelo SPE, Guy; Boyd (1990, 4)
propõem que a fase mais avançada desse processo resulta em formas subjacentes
com a demarcação dos limites morfológicos em (1). A resistência ao apagamento
estaria, assim, relacionada à força das fronteiras (sendo ‘#’ a fronteira mais forte).

(1) Fronteiras morfológicas no apagamento de t/d


(a) palavras não flexionadas (monomorfemas): /pækt/ pact ‘pacto’
(b) verbos irregulares no passado (verbos semifracos): /lɛf+t/ left ‘deixarpret’
(c) verbos regulares no passado (verbos fracos): /pæk#t/ packed ‘empacotarpret’
Condicionamento morfológico e lexical na variação fonológica 265

Com essa hipótese, os autores investigaram a queda de t/d em formas verbais no


passado em dados de 42 falantes de IA, com idades entre 4 e 65 anos, na tenta-
tiva de mapear um padrão de aquisição do fenômeno. O estudo foi motivado por
achados de trabalhos prévios que apontaram para a classe de verbos no passado
como improdutiva na infância, tendo em vista que as crianças variável ou cat-
egoricamente omitem t/d’s em final de verbos da língua. A partir do indício de que
a retenção de t/d em verbos irregulares seria adquirida ao longo da vida, os autores
observam como indivíduos de diferentes idades lidam com o fenômeno de apaga-
mento. Para tanto, classificam os verbos nas seguintes categorias, que contemplam,
além da alternância t/d, informação sobre alternância vocálica: formas verbais que
apresentam apenas o sufixo na marcação do tempo verbal de passado simples, tam-
bém designados como verbos fracos (ex. work/worked ‘trabalharpres/pret’), formas
verbais que exibem sufixo e alternância vocálica, ou verbos semifracos (ex. sleep/
slept ‘dormirpres/pret’), e formas verbais que marcam o contraste temporal apenas por
alternância vocálica, verbos fortes (ex. give/gave ‘darpres/pret’). Confirmado o maior
índice de apagamento em monomorfemas, menor em verbos regulares e inter-
mediário em verbos irregulares, Guy; Boyd (1990) observaram, em relação aos
verbos irregulares, preponderância do fenômeno, respectivamente, entre crianças,
jovens adultos e indivíduos mais velhos. Os autores sustentam a inexistência de
uma consoante coronal na representação subjacente dessas formas para as crianças
fundamentados no fato de elas tratarem verbos semifracos da mesma forma que
tratam verbos fortes, ou seja, marcando o passado apenas por meio da alternân-
cia vocálica. Em outros termos, os verbos semifracos não estariam codificados no
léxico mental das crianças, e a presença eventual de oclusivas coronais em sua fala
seria reflexo do que encontram na fala dos adultos. Por volta dos cinco anos, via
reanálise, as crianças parecem interpretar as formas de passado dos verbos semifra-
cos como supletivas, sem necessária análise morfológica interna (como em pares
como go/went ‘irPres/Pret’, is/was ‘ser, estar3pes.Pres/Pret’, think/thought ‘pensarPres/Pret’),
ainda que a alternância vocálica siga identificada como um traço para representar
tempo pretérito nessa etapa. A percepção da fronteira morfológica propriamente
dita, demarcada pelo segmento coronal, reserva-se apenas aos falantes adultos.
Guy (1991) interpreta esse achado na perspectiva da LPM, adicionando ao
modelo um componente probabilístico. Ao analisar o fenômeno nos dados de sete
falantes do IA, assume como premissa teórica diferenças no percurso derivacional
de monomorfemas, formas verbais do passado irregular e formas verbais do passado
regular. Considerando­se um léxico estratificado em dois níveis (da raiz e da palavra,
nos termos de Kiparsky, 1985), seguido de um nível pós-lexical, o estudo formaliza
a seguinte tese: monomorfemas se sujeitam três vezes ao apagamento de t/d (duas
no nível lexical e uma no nível pós-lexical); formas verbais irregulares, duas (uma
no segundo nível lexical e outra no nível pós-lexical); formas verbais regulares, uma
(no nível pós-lexical – quando os colchetes morfológicos já foram apagados). Isso
explica o padrão probabilístico, atestado empiricamente, que prevê a preferência de
apagamento em monomorfemas, verbos semifracos e verbos fracos, respectivamente.
No que concerne aos efeitos de frequência sobre o apagamento de t/d, trabalhos
como os de Meyers; Guy (1997), Bybee (2000) e Guy; Hay; Walker (2008), entre
266 Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves, Gregory Guy

outros, indicam que quanto mais frequente uma palavra é na língua, maior a proba-
bilidade de elisão.5 Meyers; Guy (1997), analisando dados de conversação de dois
trabalhadores da Filadélfia, constataram efeito de frequência sobre o fenômeno:
palavras de frequência mais alta apresentaram maior índice de apagamento do que
as de frequência mais baixa, confirmando a preferência por monomorfemas em
relação a verbos (nesse caso, não foi possível se distinguirem verbos semifracos,
dada a baixa ocorrência dessas formas na amostra). Bybee (2000), ao reanalisar
dados de estudo prévio sobre o apagamento de -t/-d no inglês chicano (Santa Ana,
1991), também encontra efeito relevante de frequência: palavras de alta frequência,
tanto verbos regulares quanto os irregulares duplamente marcados em termos de
flexão de passado, apresentaram cerca de 20% a mais de apagamento do que sua
contraparte de baixa frequência. Guy; Hay; Walker (2008) encontraram igualmente
privilégio de apagamento entre itens mais frequentes no inglês da Nova Zelândia,
em estudo envolvendo 19 sujeitos. Monomorfemas se apresentaram como itens de
maior frequência, seguidos, nesta ordem, de verbos semifracos e verbos fracos, e o
efeito da morfologia, apesar de mantido, se mostroumais modesto quando consid-
erada a frequência lexical.

Redução da nasalidade em Português Brasileiro

A variação na produção de ditongos nasais átonos em posição de final de palavra


(ex. compram ~ compru; viagem ~ viage) é frequente nos diferentes dialetos do
Português falado no Brasil. Entre outros, Votre (1978), Guy (1981), Battisti (2002),
Bopp da Silva (2005), Schwindt; Bopp da Silva (2010), Gomes; Mesquita; Fagun-
des (2013), Cristófaro-Silva; Fonseca; Cantoni (2012), Chaves (2017) e Schwindt;
De Bona (2017) estudaram o fenômeno.
O processo tem ao menos duas faces: uma fonético-fonológica, que diz respeito
à redução do ditongo nasal propriamente dita (ex. órg[ãw̃ ] ~ órg[ʊ]; garag[ẽj]̃ ~
garag[ɪ]), e outra morfossintática, já que muitas vezes o fenômeno é identificado
em situações de variação da concordância verbal de 3ª pessoa do plural (ex. falam
~ falu∅; pedem ~ pedi∅).6 A relação entre esses processos é assimétrica, isto é,
todos os casos de concordância estão sujeitos à interpretação de redução foné-
tico-fonológica, ainda que nem todos os casos de redução envolvam casos de con-
cordância. Isso levou alguns autores a abordarem o fenômeno numa, noutra ou em
ambas as perspectivas e mesmo a propor sua modelagem combinada, considerando
a hipótese sobre convergência de outputs em processos fonológicos variáveis,
defendida em Schwindt (2015) e Schwindt; Chaves (2019).
Independentemente da abordagem, a maior parte dos trabalhos aponta para o
fato de que o processo de redução da nasalidade em PB, assim como a queda das
consoantes coronais t/d em IA, está sujeito, em alguma medida, a restrições gra-
maticais/morfológicas e lexicais, além de fonético-fonológicas e sociais.
Votre (1978) investigou, em dados do Português carioca, a retenção da nasali-
dade nos ditongos nasais em final de palavra em contextos átonos e tônicos, ao
contrário dos trabalhos subsequentes, que focaram em contextos átonos. O autor
analisou a variável classe morfológica considerando as seguintes categorias: subs-
tantivos, formas verbais no pretérito, advérbios e formas verbais não pretéritas. Os
Condicionamento morfológico e lexical na variação fonológica 267

Tabela 11.2 Redução da nasalidade no sul do Brasil por classe de palavra (Schwindt; Bopp
da Silva, 2010)8

Não verbos em gem (viagem, pilantragem)


Não verbos (órgão, ontem) 0,81 68 119/174
Verbos (compraram, pedem) 0,71 53 347/652
Input: 0,323; Significância: 0,008 0,48 32 2678/8487

resultados apontaram para maior preservação da nasalidade em formas verbais de


modo geral, fato que se interpretou como um movimento de preservação da marca
de número que coincide com o ditongo nasal.
Guy (1981), também analisando dados da fala carioca,7 na perspectiva da des-
nasalização, investiga igualmente o papel da classe de palavra, desmembrando
a variável em três categorias, a saber: verbos sincronicamente irregulares, cuja
redução da nasalidade provoca também o apagamento da vogal temática (ex. que-
rem ~ quer, fazem ~ faz, dizem ~ diz); verbos no pretérito que marcam a concordân-
cia em outros elementos fônicos além da nasalidade (ex. disseram ~ disseru) e não
verbos (ex. órgão ~ órgu). Os resultados indicaram que os não verbos e os pretéritos
atuam como favorecedores da desnasalização. Foram analisados em separado ver-
bos em que a nasal é a única marca responsável pela distinção entre singular e plural
(ex. ele/s come/eles comem; ele/s falu/eles falam), pela dificuldade em se delimi-
tarem os casos em que está em jogo apenas o fenômeno fonético-fonológico e não
o de concordância. Para esse subgrupo, rotulado como de desnasalização aparente,
registrou-se 85% de redução. Desse modo, mesmo com a exclusão dos verbos que
poderiam não apresentar a nasalidade em função da ação de outra regra variável,
Guy verifica que mais do que a classe de palavras, o fenômeno fonológico seria
sensível ao fato de o ditongo nasal ser ou não a única marca morfêmica em verbos.
Schwindt; Bopp da Silva (2010), valendo-se de dados de 12 cidades dos três
estados que compõem a região sul do Brasil, disponibilizados pelo Projeto Vari-
ação Linguística na Região sul do Brasil (VARSUL),9 também sinalizam papel da
morfologia sobre o fenômeno. Esse resultado se assemelha aos encontrados por
Battisti (2002), Bopp da Silva (2005) e Chaves (2017), que estudaram localidades
específicas dessa mesma região.
Em relação às palavras fechadas por gem, não se observa diferença importante
entre aquelas em que tal sequência é parte da raiz (ex. viagem) ou um sufixo sin-
cronicamente identificável, ­agem (ex. pilantragem), razão por que aparecem com-
binadas na Tabela 11.2. Nesse sentido, a análise do contexto fonológico precedente
ao ditongo é informativa, pois revela uma preferência generalizada de redução nos
casos de consoante palatal (Schwindt, 2012), o que inclui majoritariamente pala-
vras fechadas por gem. Além disso, nesse caso, há que se considerarem contextos
de reestruturação da forma subjacente. É o caso de itens como garage, palavra
que, como se recuperasse sua origem francesa, para muitos falantes parece não
possuir nasalidade final. Nesse exemplo, as duas formas, garagem e garage pode-
riam sobreviver como doublets no léxico da língua. Quanto aos verbos, contudo,
Schwindt; Bopp da Silva (2010) observaram maior aplicação do processo no per-
feito do indicativo do que nas demais formas verbais, fato que contribui para a tese
268 Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves, Gregory Guy

de visibilidade de fronteiras mórficas. Baseados na análise da morfologia verbal


do Português proposta por Mateus; D’Andrade (2000), Schwindt; Bopp da Silva;
Quadros (2012) justificam a excepcionalidade do perfeito em relação ao processo
de redução da nasalidade alegando se tratar do único entre os tempos verbais em
análise em que, na 3ª pessoa do plural, a consoante nasal não constitui isolada-
mente um morfema número-pessoal, como mostramos em (2).

(2) Nasalidade nas marcas flexionais do verbo na 3ª pessoa do plural em PB


Pres. indic. cant + a + Ø + m Pres. subj. cant + (a) + e + m
Pret. imperf. indic. cant + a + va + m Pret. imperf. subj. cant + a + sse + m
Fut. pret. indic. cant + a + ria + m Futuro subj. cant + a + re + m
Pretérito perf. indic. cant + a + Ø + ram

A hipótese funcionalista de preservação de informação morfológica, sugerida tanto


para o apagamento de t/d quanto aqui, para a redução da nasalidade, é recuperada
e falseada na próxima seção.
No que diz respeito ao efeito de frequência lexical sobre o fenômeno de redução
da nasalidade, não há consenso na literatura. Cristófaro-Silva; Fonseca; Cantoni
(2012), analisando verbos de alta e baixa frequência da fala mineira, observaram
maior incidência do fenômeno em verbos mais frequentes, ainda que essa tendên-
cia se destaque, nesse estudo, para os verbos no presente e no perfeito em oposição
às formas do imperfeito. Gomes; Mesquita; Fagundes (2013), em estudo sobre
dados de fala carioca, analisam, entre outras variáveis, frequência lexical. As auto-
ras identificaram papel relevante dessa variável, sendo os itens passagem e homem
os que se destacaram em termos de frequência e índice de aplicação do fenômeno.
Chaves (2017), analisando dados da fala de florianopolitanos, observou papel de
frequência lexical, computada por meio de uma variável nominal composta por
cinco categorias, partindo de palavras infrequentes (ex. recepcionaram) até palavras
muito frequentes (ex. foram). Não se verificaram, no entanto, efeitos de frequência
sobre o fenômeno nesse estudo. Schwindt; De Bona (2017) reanalisam os dados de
Schwindt; Bopp da Silva (2010) levando em conta três níveis de frequência lexical.
Combinadas as classes, não se verificou papel de frequência. Separadamente, con-
tudo, excluindo-se os contextos de nomes terminados em gem, identificou­se papel
de frequência no grupo dos não verbos. Para verbos separadamente, por outro lado,
a frequência mostrou-se irrelevante.10

4. Léxico, morfologia e modelagem gramatical da variação


Se fenômenos fonológicos variáveis estão sujeitos a algum tipo de condicionamento
morfológico ou lexical, perguntas que desafiam os modelos baseados na hipótese
neogramática se colocam. A primeira é sobre a natureza dessas informações: mor-
fologia e léxico de fato são informações de mesma ordem e igualmente passíveis
de formalização? A segunda diz respeito a uma modelagem gramatical que inclua
variação fonológica e que permita acesso a tais informações.
Condicionamento morfológico e lexical na variação fonológica 269

Léxico versus morfologia

Não é incomum que morfologia e léxico sejam tratados como sinônimos em teorias
linguísticas. Esse tratamento nem sempre tem a mesma motivação. A própria con-
trovérsia neogramática revela essa relação: de um lado, os neogramáticos propõem
que a mudança do som não acessa informação gramatical; de outro, os proponentes
da difusão lexical enfatizam que é o item lexical (a palavra) que tem sua própria
história. No estruturalismo norte-americano, em que as relações sintagmáticas
estabelecidas entre morfemas ganham centralidade, essa distinção se torna mais
clara, e léxico passa a ser visto como lista (de palavras ou morfemas), algo a ser
memorizado, opondo­se à mecânica responsável por flexionar e formar palavras. O
gerativismo clássico segue entendendo léxico como lista e inclui nesse repositório
todo processo afetando palavras que não seja passível de descrição sintática. É a
partir da difusão da hipótese lexicalista, como vimos, que se propõe o enquad-
ramento do léxico na gramática, considerando, muitas vezes, sua combinação à
morfologia e, mais adiante, à fonologia. Abordagens que veem a morfologia espel-
hada na sintaxe, por outro lado, como a da DM, em sua proposta básica, preser-
vam a ideia fundamental de que objetos não passíveis de processamento sintático
são armazenados em listas (uma leitura possível de léxico, ou léxicos). Salvaguar-
dado o formato da representação, essa é também a visão da ET, no sentido de que
unidades mais frequentes são mais facilmente acessadas na memória, onde estão
armazenadas (listadas), do que unidades menos frequentes.
Os dois fenômenos que discutimos neste texto – o apagamento de t/d em IA e a
redução da nasalidade em PB – apresentam evidência de acesso à estrutura interna
da palavra mais do que à palavra inteira.
Em ambos os fenômenos está em jogo aparentemente a ideia funcionalista de
distintividade contrastiva (Kiparsky, 1982a), segundo a qual determinadas porções
fonológicas das palavras seriam protegidas de apagamento para se preservar infor-
mação gramatical. Essa seria supostamente a explicação para os índices menores
de apagamento de t/d em verbos regulares do IA e de redução da nasalidade final
em verbos em PB (particularmente em verbos em que a nasal é, sozinha, marca de
número-pessoa). Guy (1996) e Schwindt (2016) contraditam a resposta funcional-
ista para tais fenômenos e propõem alternativas de formalização dos processos. A
chave para essa formalização está no reconhecimento do fato de que o falante acessa
a estrutura interna das palavras envolvidas. Em outras palavras, se há evidência de
que apagamos (em maior ou menor proporção) ou deixamos de apagar um determi-
nado som porque entendemos que uma fronteira morfológica é mais forte ou mais
fraca, a função propriamente dita desse morfema é, a rigor, informação secundária.
Como vimos, em relação ao apagamento de t/d, Guy; Boyd (1990) formalizam esse
entendimento fazendo uso de fronteiras + e #, na perspectiva do SPE, enquanto
Guy (1991) propõe o nivelamento dos processos, na perspectiva da LPM. No que
concerne à redução da nasalidade, Schwindt (2016) sugere, na perspectiva da OT,
que uma restrição de estrutura silábica que penaliza codas com nasais subespecifi-
cadas (Kager, 1999; Battisti, 2003), Coda­Cond, é limitada em se tratando de
verbos da língua por uma restrição que proíbe apagamento do morfema indicador
270 Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves, Gregory Guy

de número-pessoa, Max(SNP). Esse efeito, porém, se relativiza se a informação


morfológica se realizar em outra porção sonora da palavra, o que ocorre com todos
os tempos sujeitos à redução da nasalidade, em que o apagamento não é completo,
à exceção do perfeito. É a restrição Morph­Real, ranqueada entre Coda­Cond e
Max(SNP), a qual prevê que morfemas devem se realizar de forma aberta, que dá
conta desse fenômeno.
A formalização desses processos evidentemente exige mais do que a proposição
de fronteiras, ordenamento de regras ou ranqueamento de restrições. Para se asse-
gurar que fenômenos variáveis sejam adequadamente formalizados é preciso
que se acrescente aos modelos ao menos um entre dois expedientes: competição
entre duas ou mais gramáticas (ou ranqueamentos categóricos) ou quantificação
dos outputs em concorrência numa mesma gramática. Muitas propostas, em dife-
rentes correntes teóricas, vêm sendo apresentadas nessas direções (Anttila, 1997;
Nagy; Reynolds, 1997; Boersma; Hayes, 2001; Coetzee; Pater, 2011). Não é nosso
objetivo neste trabalho aprofundar o debate sobre essas perspectivas, mas, em
consonância com os achados desses trabalhos, defendemos que (i) mecanismos
gramaticais similares operam na geração de formas menos ou mais variáveis nas
línguas e (ii) que falantes nativos possuem algum tipo de conhecimento probabilís-
tico sobre os usos possíveis em sua língua.
Frequência lexical, embora inegavelmente relevante para a descrição da vari-
ação e mudança sonora, não parece ser uma variável suficiente para explicar fenô-
menos como os dois processos que descrevemos aqui. O fato é que o efeito da
morfologia sugere, como pontuaram Guy (2014) e Schwindt (2016), que os falan-
tes constroem generalizações abstratas sobre o fenômeno que dependem de regras
ou restrições para serem satisfatoriamente explicadas. A frequência de tipo e de
ocorrência, assim, é fator que sem dúvida contribui para a emergência dos proces-
sos, mas não consegue dar conta isoladamente do fato de se atestarem diferenças
probabilísticas entre monomorfemas, verbos semifracos e fracos, no caso do apa-
gamento de t/d em IA, ou entre não verbos, verbos no pretérito prefeito e verbos
em geral, no caso da redução da nasalidade em PB. Tais resultados indicam que os
falantes dessas línguas enxergam essas fronteiras (e que as constroem durante sua
aquisição, como mostraram Guy; Boyd, 1990), em vez de simplesmente acionarem
a memória de cadeias sonoras significativas não categorizadas, como se suporia
numa abordagem estrita da ET.
Há, ainda, uma questão metodológica que merece especial atenção no que diz
respeito à leitura dos resultados de frequência lexical. Trata-se da análise de itens
de frequência muito alta com aplicação/não aplicação categórica ou quase cate-
górica do processo. Estudos como Meyers; Guy (1997), sobre apagamento de t/d,
e Schwindt; Bopp da Silva (2010), sobre redução da nasalidade, excluem esses
dados da análise principal, para evitar enviesamento dos resultados. Bybee (2000),
por outro lado, recodifica os dados de Santa Ana (1991), em cadeias puramente
fonológicas, do tipo Ct, Cd, na tentativa de conter o efeito particularizado de
itens muito frequentes. Coetzee (2009b) critica esse procedimento, por se ignorar
a natureza propriamente lexical do item muito frequente em questão, e defende
que essas palavras sejam tratadas numa perspectiva de restrições de fidelidade
Condicionamento morfológico e lexical na variação fonológica 271

indexadas para classes lexicais, seguindo o que propuseram Itô; Mester (1999) e
Pater (2000), na perspectiva da OT. De fato, seja qual for o modelo, essa indexação
não se confunde com efeito de frequência lexical propriamente dita, mas é uma
alternativa para formalizar aquilo que Meyers; Guy (1997) referem como excep-
cionalidade variável.
Outro aspecto que não pode ser ignorado é, como sinalizamos anteriormente,
a possibilidade de determinadas formas aparentemente variáveis representarem a
rigor mais de uma entrada lexical, isto é, de terem sido lexicalizadas como alter-
nantes subjacentes (ex. an/and, em IA, ou garage/garagem, em PB). Decidir,
porém, sobre que formas sofreram esse processo depende de medidas mais com-
plexas, como identificação de alternâncias distintas entre cada uma das formas em
competição (como pode ser o caso de -mos e -mo, marcando a 1ª pessoa do plural
em PB, como propõe Guy, 2000).
Esses fatos sugerem que se estabeleça com relativa clareza a distinção entre
léxico, lugar de armazenamento de itens/entradas que carregam informação sobre
sua respectiva frequência, e morfologia, componente da gramática responsável
pela flexão e formação de palavras. A fonologia variável é alimentada por esses
itens lexicais e interage, via gramática, com a morfologia. A morfologia, de caráter
autônomo, pode ou não interagir com frequência, razão por que, nos casos de fono-
logia variável morfologicamente condicionada, a tese de que itens mais frequentes
estão mais sujeitos a apagamentos não é generalizada. Em termos de processa-
mento e aprendizibilidade da linguagem, parece estar em jogo a prioridade de uma
ou outra das restrições (ou dos conjuntos de variáveis a elas relacionados).

Acesso ao léxico e à morfologia e fonologia variável

Os modelos teóricos de tradição gerativa, como vimos, não nascem aparelhados


para lidar nem com o acesso à morfologia pela fonologia variável nem com infor-
mações relativas ao léxico e à frequência das palavras. Vem sendo, contudo, aper-
feiçoados nessa direção ao longo do tempo.
O debate promovido, por exemplo, por Labov (1981), ao reconhecer dois tipos
de regras, refletindo, cada qual, as hipóteses neogramática e difusionista, e por
Kiparsky (1988, 1995), que admite que a mudança de som não é aleatória ou cega
à estrutura, assegura importante avanço no tratamento da variação morfologica-
mente condicionada no âmbito da LPM.

Conditions on sound change can then be seen as categorical reinterpretations


of the variable constraints that determine the way optional rules apply. . . Not
only are phonological conditions on rules derived from phonetic conditions
motivated by perception and production, but also the nature of conditions
involving morphology, style, and even sex and class can be explained in the
same way . . . . Our conclusion so far is that the neogrammarians were right
in regarding sound changes as a process endogenous to language, and their
exceptionlessness hypothesis is correct for changes that originate as phonetic
implementation rules. They were wrong, however, in believing that sound
272 Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves, Gregory Guy

change per se, as a mechanism of change, is structure-blind and random. The


process also involves an integration of speech variants into the grammar, at
which point system-conforming speech variants have a selective advantage
which causes them to be preferentially adopted. In this way, the language’s
internal structure can channel its own evolution, giving rise to long-term ten-
dencies of sound change.
(Kiparsky, 1995, 14–15)

Nessa mesma perspectiva, Harris (1989) já havia sustentado a possibilidade de


regras variáveis atuarem em nível lexical como produto de um processo que rotula
como lexicalização, antecedido por uma etapa de fonologização, vivida ainda em
nível pós-lexical. A regra, então, seria alçada ao léxico, mas conservaria muitas
propriedades de regras pós-lexicais. A mudança propriamente dita seria implemen-
tada por uma terceira etapa, a reestruturação, que teria efeitos sobre formas subja-
centes, dando conta de fenômenos fonológicos que, apesar de não operarem com
distinções categóricas (ou não serem preservadores de estrutura, nos termos da
LPM), são gramaticalmente condicionados, como os dois processos que descreve-
mos aqui. Guy (1991), por sua vez, defende, como vimos, uma arquitetura da LPM
que permita predizer exponencialmente os fenômenos fonológicos variáveis, con-
siderando as categorias morfológicas envolvidas em diferentes níveis do léxico. O
autor adverte, contudo, que essa proposta depende de uma visão de léxico que não
se restrinja à língua-I.
A DM, como a LPM, foi originalmente concebida para tratar do funcionamento
da língua-I. Floresce a discussão, porém, sobre como essa teoria de gramática pode
lidar com aspectos dinâmicos da linguagem (Embick, 2008; Nevins; Parrott, 2010;
Oltra-Massuet, 2013, entre outros).
Nessa direção, Embick (2008), especialmente no âmbito da morfossintaxe,
considera dois tipos de competição, por gramaticalidade e por uso. A primeira
se define como a concorrência entre duas formas que resulta na vitória de uma e
na consequente agramaticalidade da outra (como na noção de bloqueio de Aro-
noff, 1976); a segunda diz respeito a duas ou mais formas igualmente gramatic-
ais empregadas pelos falantes. Nessa teoria, competição é algo restrito a inserção
vocabular, um expediente pós-sintático responsável por associar substância fônica
(itens de vocabulário) a morfemas abstratos, presentes desde o início da derivação
sintática. Por força do modelo, nesse ponto da derivação, ainda que duas formas
sejam consideradas gramaticais, apenas um output será escolhido. Essa consta-
tação, nos termos de Embick, nos leva a um entre dois entendimentos: ou esses
doublets, nos termos do autor, são outputs de diferentes gramáticas ou a hipótese
de outputs únicos está errada. O fato de esses usos apresentarem em geral probabi-
lidades de aplicação diferentes acaba por favorecer a interpretação de gramáticas
em competição.
Nevins; Parrott (2010), criticando o risco de explosão combinatória que pode
resultar da hipótese de gramáticas em competição, propõem uma alternativa de
tratamento da variação no interior de uma mesma gramática. Considerando dados
de emprego do verbo to be em três variedades do inglês, os autores sugerem que
Condicionamento morfológico e lexical na variação fonológica 273

operações pós-sintáticas de empobrecimento (Bonet, 1991) podem dar conta de


casos de variação intraindividual (sincretismo variável). Essas operações envolvem
apagamento de traços morfossintáticos de morfemas em determinados contextos
e poderiam se aplicar variavelmente, probabilisticamente orientadas. Apagados
esses traços, bloqueia-se a inserção de itens de vocabulário a eles condicionados,
tendo lugar a inserção de itens menos especificados. A vantagem dessa análise
depende, porém, do entendimento de que regras coexistindo de fato se diferenciam
em termos formais de gramáticas competindo numa abordagem orientada para um
único output.11
A OT, como a LPM ou a DM, não pode ser entendida como uma proposta con-
cebida necessariamente para lidar com variação. Contudo, diferente dessas teorias,
trata-se de uma abordagem orientada para o output e que se sustenta na ideia de
competição para distinguir gramáticas (intra e interlinguisticamente). Ainda que
pensada inicialmente para eleger um único output (ótimo), essas características
fazem da OT um modelo muito favorável à implementação de mecanismos ou
subteorias para lidar com a variação (Nagy; Reynolds, 1997; Anttila, 1997; Coet-
zee, 2006; Boersma; Hayes, 2001; Coetzee; Kawahara, 2013; entre outros). Tais
propostas, que se distinguem em muitos aspectos, almejam todas mostrar que é
possível modelar variação no interior de uma só gramática (em contraste à ideia
de múltiplas gramáticas).12 Podem-se eleger dois ou mais outputs em OT orde-
nando parcialmente restrições, utilizando-se de expedientes para acessar candida-
tos não ótimos, atribuindo pesos às restrições etc. É evidente que essas subteorias
esbarram igualmente em entraves experimentados por outras abordagens formais,
em especial com o problema da quantificação das restrições, sobretudo de fatores
extralinguísticos (mesmo em se tratando de variação intraindividual, como sinaliza
Guy, 1997).
No que diz respeito ao acesso à morfologia por parte da fonologia variável,
a OT representa importante vantagem em relação às outras teorias seriais (dis-
cussão travada por Anttila, 2007; Coetzee, 2009a; Bermúdez-Otero, 2010; entre
outros). Nesse modelo não modular em sentido estrito, a despeito da versão de
tratamento da variação que se adote, a morfologia está localizada basicamente nos
inputs (segmentados em morfemas, em geral, e que, como vimos, podem inclu-
sive ser indexados em termos de frequência lexical), sob a forma de fronteiras,
e nas restrições, que muitas vezes podem fazer referência a morfemas ou a essas
fronteiras morfológicas. Assim, por exemplo, o apagamento de t/d em inglês ou a
redução da nasalidade em Português poderiam ser explicados considerando-se o
conflito entre restrições de marcação responsáveis pelo apagamento propriamente
dito e restrições de fidelidade que militassem contra o apagamento de morfemas
em geral ou de morfemas específicos. Essa potencialidade das restrições de fazer
referência a diferentes componentes e limites do enunciado faz da OT menos vul-
nerável aos obstáculos impostos pela hipótese neogramática. Por outro lado, a
inclusão desenfreada da morfologia nas restrições pode sacrificar o modelo em
generalidade, em especial sob o entendimento de que uma proposta de modelagem
em OT mais elegante parece ser sempre aquela em que a morfologia emerge onde a
fonologia não foi suficiente para determinar o output (cf. Anttila, 2002).
274 Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves, Gregory Guy

5. Considerações finais

Neste capítulo tratamos do acesso ao léxico e à morfologia por parte de fenômenos


fonológicos variáveis, tema debatido desde a proposição da hipótese neogramática,
mas que ainda representa desafio para os modelos gramaticais.
Dois fenômenos que apresentam evidência de algum tipo de condicionamento
morfológico e de influência de frequência lexical são problematizados: o apaga-
mento de t/d em posição final em inglês norte­americano e a redução da nasalidade
em Português Brasileiro. Nos dois casos o apagamento/redução é mais preponde-
rante na medida em que as unidades sujeitas ao processo são menos identificáveis
sincronicamente como morfemas isolados nas respectivas línguas. A possibilidade
de se demarcarem diferentes fronteiras morfológicas coloca em xeque uma hipó-
tese funcionalista de mera preservação de informação semântica nesses casos.
Efeitos de frequência de tipo e de ocorrência são observados em diversos estu-
dos que tratam desses fenômenos. Entretanto, os resultados não licenciam descartar
a tese de acesso à estrutura interna das palavras, o que favorece o argumento de
conjunção de forças – junto a outras variáveis linguísticas e sociais – mais do que
uma explicação exemplarista para os fenômenos.
A análise desses processos contribui para se sustentar que (i) léxico e morfologia
são componentes distintos do conhecimento linguístico e (ii) modelagens grama-
ticais, além de contemplar fenômenos fonológicos variáveis fazendo uso de expe-
dientes semelhantes aos aplicados a fenômenos tidos como categóricos, devem
permitir acesso independente à estrutura interna da palavra e à frequência lexical.
Diferentes modelos teóricos são analisados na perspectiva de (i) e (ii) neste
texto, apresentando vantagens e fragilidades específicas. Embora não seja obje-
tivo do texto eleger a melhor teoria, destacamos entre esses modelos a Teoria da
Otimidade, por privilegiar a competição entre diferentes outputs e por assumir que
toda restrição é passível de violação quando articulada a outras forças linguísticas.
Esses propósitos são, em tese, plenamente compatíveis com a ideia de regra vari-
ável laboviana (Guy, 1997). Além disso, a OT vem avançando consideravelmente
na sofisticação de expedientes que deem conta de predições probabilísticas sobre
a escolha de outputs variáveis, bem como de comportamentos influenciados por
frequência lexical (geral ou de itens em específico). Incluir e tratar adequadamente
variáveis sociais nesses expedientes, é, porém, ainda um desafio para esse e outros
modelos formais dispostos a lidar com variação.
O debate sobre a relação entre variação e mudança sonora e gramática e léxico
tem muitos desdobramentos e permite investigação de natureza diversa. Quase
todos os estudos em variação fonológica hoje incluem variáveis que fazem refe-
rência à classe ou à morfologia interna da palavra bem como à frequência lexical.
É preciso um olhar minucioso que transcenda a perspectiva descritiva sobre os
resultados desses estudos, a fim de ajustar conclusões que permitam avançar na
perspectiva de explicação sobre como esses fenômenos são efetivamente proces-
sados, considerando a interação entre variáveis morfológicas e lexicais com outras
variáveis linguísticas e sociais.
Condicionamento morfológico e lexical na variação fonológica 275

Agradecimentos
Este texto reflete em parte pesquisa desenvolvida pelos dois primeiros autores, sob
a supervisão do terceiro, em estágios realizados na New York University, fomenta-
dos, respectivamente, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), assim discriminados: Estágio Sênior, entre 2013 e 2014,
processo BEX-18066/12–7, e Doutorado Sanduíche, em 2016, processo SWE-
201185/2015–6. A pesquisa do primeiro autor foi, ainda, fomentada pelo CNPq,
sob forma de bolsa de Produtividade em Pesquisa, processo PQ-310921/2018–0.
Agradecemos às agências mencionadas.

Notas
1 O interesse dos neogramáticos em explicar a mudança considerando famílias de lín-
guas justificou em certa medida o esforço em busca de generalizações supostamente
não sujeitas ao que consideravam exceções nessa escola. As leis fonéticas ilustram bem
esse entendimento. A Lei deVerner, por exemplo, surge, em 1877, para dar conta de
uma exceção à Lei de Grimm, proposta 50 anos antes, ou seja, para explicar por que
a correspondência entre obstruintes desvozeadas do proto-indo-europeu e fricativas
desvozeadas em proto-germânico (ex. bhráter / bróθer), às vezes falhava, permitindo a
emergência de segmentos vozeados (ex. patér / *faθér mas faðér). Ele propõe a inclusão
do contexto acentual na Lei, tendo em vista que observou que a fricativa desvozeada
estava restrita à posição postônica (e ao início de palavras). Propostas de reformulações,
sempre nesse mesmo espírito, se sucederam à Lei de Verner.
2 Nomes de teorias e alguns outros termos próprios de modelos específicos são designados
neste texto por acrônimos de seus nomes em inglês, em virtude de seu amplo uso na área
sob a forma dessas siglas.
3 Rotulamos como formais os modelos que em alguma medida opõem um componente
abstrato a um componente concreto da gramática, em alusão à dicotomia saussuriana
forma/substância, extensível à oposição chomskiana competência/performance.
4 Pesquisas sobre o inglês britânico (Tagliamonte; Temple, 2005; Baranowski; Turton,
2020; entre outros) não apresentam consenso no que diz respeito a condicionamento
morfológico no fenômeno de apagamento de t/d em final de palavra.
5 Por outro lado, em estudo sobre o fenômeno no inglês canadense, Walker (2012) não
encontra evidências que atestem o papel da frequência sobre o apagamento de t/d.
6 Do ponto de vista fonético, há casos em que a nasalidade é preservada, gerando monoton-
gos ou ditongos homorgânicos (ex. órg[ʊ̃] ~ órg[ũw̃]; garag[ɪ]̃ ~ garag[ĩj]̃ ), de difícil
diferenciação de oitiva. Tais casos em geral são considerados não aplicação do processo
na maior parte das análises, por não envolverem propriamente redução da nasalidade.
Esse fenômeno, contudo, parece estar relacionado à desnasalização. Como sinalizam
Guy (1981) e Schwindt (2015), o fato de nesses casos a vogal nuclear sempre assumir
articulação semelhante à do glide, sinaliza para um ordenamento da monotongação (ou
criação do ditongo homorgânico) antes da redução da nasalidade.
7 Os dados de Votre (1978) e Guy (1981) provêm do Projeto Competências Básicas do
Português e se referem a amostras de estudantes de etapas iniciais de um projeto de
alfabetização de adultos da época, o MOBRAL.
8 www.varsul.org.br.
9 No recorte de dados quantificados nesta tabela, estão excluídos os itens lexicais (não
verbais) homem, jovem, viagem e origem, em função da alta frequência desses dados na
amostra em exame.
276 Luiz Carlos Schwindt, Raquel Chaves, Gregory Guy

10 Cristófaro-Silva; Fonseca; Cantoni (2012), Chaves (2017) e Schwindt; De Bona (2017)


valeram-se do Projeto ASPA (Avaliação Sonora do Português Atual), www.projetoaspa.
org, como corpus de referência para consulta de frequência lexical.
11 Apesar de reconhecer as limitações da DM para lidar com fenômenos variáveis,
Schwindt (2014) argumenta que a forma como a gramática se configura nessa teoria
pode ser reveladora sobre o que se entende por acesso à morfologia, especialmente em
casos de aparente homofonia, isto é, se, diante de dois outputs idênticos que correspon-
dem a diferentes formas subjacentes, um se sujeita a um processo fonológico e o outro
não, temos evidência de uma distinção morfologicamente orientada. Isso não é de sim-
ples explicação em modelos em que morfemas e fonemas nascem combinados. Ainda
que fora do domínio específico da variação, tal achado potencializa a ideia de interação
entre formas de superfície e morfologia.
12 No que diz respeito ao argumento de se operar com uma ou com múltiplas gramáticas no
tratamento da variação, aqui vale a mesma crítica que fizemos ao emprego de empobre-
cimento em DM: se entendermos que gramática em OT resulta de um ranking, pode-se
dizer que ter um ranking para cada output pode significar ter várias gramáticas.

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Índice Remissivo

Aviso: Números de página grafados em itálico referem–se a figuras, enquanto os em


negrito dizem respeito a tabelas.

Amorim, Clara 52–60 139, 140–144, 145, 146, 147,


anunciação de capítulos 7–11 148–149, 150, 151–152
Aquisição e Variação linguísticas 1–2
aquisição fonológica inicial: estágios desenvolvimento fonológico atípico 33–35,
de aquisição 18–21, 147; idade 112, 113, 114–115, 116–117
de aquisição 22–27, 48–50, 53, ditongo decrescente 239, 243; decrescente
59, 66–67, 88–92, 99, 136; oral 244, 245–246, 247; ditongo e
modelos de análise fonológica mora 247–256; origem 239–242
21–22 Dornelles Filho, Adalberto Ayjara 205,
206–207, 208–209, 211, 212–213
Battisti, Elisa 205, 206–207, 208–209, 211,
212–213 hierarquia de aquisição de contrastes
42; padrão de aquisição para o
Clements, G. Nick 42–48 português brasileiro 48–52; padrão
coda e variabilidade no português de aquisição para o português
brasileiro 159; L em coda 180–182, europeu 53–60; princípios baseados
183, 184, 185, 186–188, 192; em traços 42–48
róticos 160–162, 164–167, 168,
169, 189–191; S em coda 169, Lazzarotto-Volcão, Cristiane 48–52
170, 171, 172, 173, 174, 175–176,
177–180 palatalização e variação 201; estudo de
condicionamento morfológico e lexical campo 205–209; generalizações
259–260; fenômenos fonológicos implicacionais 209–214;
variáveis 263, 264, 266–267, palatalização brasileira 202–204;
266, 268; modelagem da variação variável social e restrições
268–275; variação e arquitetura 214–215, 216, 217–218
gramatical 259, 207, 263–265 Produção e Percepção das Líquidas
Consoantes pós-vocálicas e aquisição 110–125; aquisição L2 117–121,
129; aquisição da fala e da escrita 123–125
135–139; padrão silábico 129–131, prosódia e aquisição 80–81; acento 82–87;
131–134, 139; representação Aquisição da estrutura prosódica
fonológica e erros de ortografia 92–100; entoação 88–92
Índice Remissivo 281

Ribeiro, G. C. F. 113–117 variação e estabilidade vocálicas 223,


232–236; átonas finais 231–232;
segmento e constituinte da lateral L 63–67; postônicas não finais 229, 230–231;
estratégias de reconstrução 68–72; pretônicas 226–228; tônicas
representação da lateral L 72–75 223–226
variação fonológica 3–5
Transtornos dos Sons da Fala
28–32 Zhou, Chao 117–121

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