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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL do RIO DE JANEIRO

UFRRJ

INSTITUTO de CIÊNCIAS HUMANAS e SOCIAIS

ICHS

DEPARTAMENTO de DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA e SOCIEDADE

DDAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO em DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA e SOCIEDADE

CPDA

INTERDISCIPLINARIDADE e MEIO AMBIENTE

em CURSOS de PÓS-GRADUAÇÃO no BRASIL

Aluno

PAULO ERNESTO DIAZ ROCHA

Orientador

ROBERTO JOSÉ MOREIRA

2001
ii
iii

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL do RIO DE JANEIRO

INSTITUTO de CIÊNCIAS HUMANAS e SOCIAIS

DEPARTAMENTO de DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA e SOCIEDADE

CURSO de PÓS-GRADUAÇÃO em DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA e SOCIEDADE

INTERDISCIPLINARIDADE e MEIO AMBIENTE

em CURSOS de PÓS-GRADUAÇÃO no BRASIL

Aluno

PAULO ERNESTO DIAZ ROCHA

Orientador

ROBERTO JOSÉ MOREIRA

Tese submetida como requisito parcial para

obtenção do Grau de Doutor em

Desenvolvimento, Agricultura e

Sociedade. Área de Concentração

em Sociedade e Agricultura

Rio de Janeiro – RJ

Fevereiro , 2002
iv

INTERDISCIPLINARIDADE e MEIO AMBIENTE


em CURSOS de PÓS-GRADUAÇÃO no BRASIL

PAULO ERNESTO DIAZ ROCHA

APROVADA EM 24/ 10/ 2001 com nota máxima: A

Banca Examinadora

Titulares

ROBERTO JOSÉ MOREIRA – CPDA/UFRRJ

MARILIA COUTINHO – NUPES/USP

JOSÉ AUGUSTO DRUMMOND – DCP/UFF

JULIA SILVIA GUIVANT - CFH/UFSC

CANROBERT COSTA NETO – CPDA/UFRRJ

Suplentes

MICHELE SATO - IE/UFMT

SILVANA G. DE PAULA – CPDA/UFRRJ


v

A vibração do Cosmos,
na inquietude de suas massas,
quer físicas, quer psíquicas,
sempre denuncia a
proximidade de um novo Nascimento.
Foi este estado de inquietação
que precedeu o advento da Vida

Teilhard de Chardin

A Antropogênese é a própria evolução,


que se tornou consciente de si mesma.

Julian Huxley

Biologia e filosofia confraternizam,


quando afirmam que o homem
é a sua própria criação.
Ele não foi feito, porque ele mesmo se fez,
e sempre continuará sendo
aquilo que fizer de si.

Heidegger
vi

Dedicatória

Dedico esta tese à mulher que complementa meu percurso pela vida e que tanto me

faz feliz. À Martha faço esta homenagem, ilustrando o quanto sua presença ao meu lado

tem contribuído para minha satisfação sentimental, pessoal e profissional. Que nossa bela

complementaridade seja eterna!


vii

Agradecimentos

Agradeço pela contribuição a esta tese ao meu orientador e amigo Prof. Dr. Roberto

José Moreira pelo acompanhamento da pesquisa e pelo grande entusiasmo. Espero que ela

corresponda.

Ás imprescindíveis fontes financiadoras Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio de

Janeiro – FAPERJ e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –

CAPES.

Agradeço também a todos os colegas e professores do CPDA que tanto colaboraram

com a camaradagem, quanto para a minha descoberta do campo sociológico. À(o)s

funcionárias(os) dos departamentos e sua freqüente amabilidade.

Aos entrevistados que forneceram, com grande cordialidade e dedicação, tantas

informações imprescindíveis. Sem dúvida, momentos agradáveis e de aprendizado.

Às amigas que me hospedaram durante as entrevistas em São Paulo (Martha

Marandino), Curitiba (Maria Cilene F. Andrade & Zanatta) e Belo Horizonte (Mônica T.

Fonseca & Eduardo Sábato).

Finalmente, agradeço o enorme incentivo de meus queridos mãe e pai, Maria

Cândida e Juan Enrique Diaz Bordenave, assim como os irmãos João, Francisco, Verônica,

Maria e Enrique Diaz.

Uma homenagem especial ao Pedro, meu filho. Lindo, meigo e criativo.

Um sincero obrigado a todos vocês.


viii

Biografia sucinta do autor

Paulo Ernesto Diaz Rocha é biólogo formado pela Universidade Santa Úrsula. Como

‘monografia’ final, desenvolveu pesquisa botânica com anatomia comparada de folhas.

Lecionou Ciências para as primeiras séries assim que se formou. Fez o mestrado em

Botânica pesquisando a ecofisiologia da germinação de sementes de árvore nativa na

UNESP de Botucatu. Nesta cidade, fez curso em Agricultura Biodinâmica se envolvendo

em projeto de agrossilvicultura com as 1.500 mudas resultantes de seu experimento. Em

1995, participou do projeto de educação ambiental em Santarém, no Pará, onde morou por

sete meses. No Rio, especializou-se em educação ambiental no curso Teoria e Práxis do

Meio Ambiente, onde produziu uma fotonovela e trabalhou como arte-educador em Creche

Municipal. Tem participado como arte-educador ambiental do Programa de Revitalização

Ambiental na Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara do Ministério do Meio Ambiente,

junto a organizações não governamentais. Atualmente, procura se dedicar ao trabalho

teórico e prático de interação do ensino da Botânica com a Educação Ambiental,

vinculando ciência e arte.


ix

SUMÁRIO

RESUMO .xvi

ABSTRACT .xvii

INTRODUÇÃO .1

Hipóteses .4

Objetivo primário .5

Objetivos secundários .6

Metodologia .6

- Seleção .7

Uma primeira visualização dos cursos .12

- Entrevistas .14

CAPÍTULO I – E D U C A Ç Ã O , U N I V E R S I D A D E e S O C I E D A D E

1. História, Problemas e Breve Panorama Nacional .18

1.1 Introdução e Origens .19

1.2 Estrutura e Objetivos .24

1.3 Crises e Possíveis Soluções .32

a. Relação Pesquisa – Ensino .34

b. Relação com a Sociedade .39

1.4. Constituição Brasileira da universidade .46


x

2. Características Básicas dos Cursos .66

2.1 Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre – ECMVS .66

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

2.2 Meio Ambiente e Desenvolvimento – MAD .69

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

2.3 Psicossociologia de Comunidade e Ecologia Social – EICOS .72

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

2.4 Ciência Ambiental – PROCAM .74

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

3. Caracterização dos pesquisadores entrevistados .76

Conclusões preliminares .84

CAPÍTULO II - A M B I E N T A L I S M O E I N S T I T U C I O N A L I Z A Ç Ã O

1. A Emergência da Questão Ambiental .101

1.1 A Questão Ambiental na Sociedade Capitalista .102

1.2 Da ciência da Ecologia à ecologia das Ciências .110

1.3 Educação para o Meio Ambiente: uma introdução .124

1.4 A Inserção Ambiental no Meio Acadêmico Brasileiro .130

2. Institucionalização, Compartimentalização e Centralização .152

2.1 Principais questões da institucionalização .153

2.2 Compartimentalização/departamentalização das ciências .166

a. Dificuldades .167
xi

b. Complexidade .169

c. Caminhos .170

d. Necessidade de Espaço .171

e. Participação e Extensão .173

2.3 Curso específico x difusão na universidade .177

Conclusões preliminares .185

CAPÍTULO III – I N T E R D I S C I P L I N A R I D A D E

1. Articulação disciplinar: Um longo e potencial caminho .190

1.1 Sobre o que é Interdisciplinaridade

a. Diversas histórias .191

b. Buscando conceitos .201

c. Possíveis razões .212

d. Muitas dificuldades .220

e. Algumas exigências .226

1.2 Tendências à transdisciplinaridade .233

2. Depoimentos: Interdisciplinaridade, Relativização e Dicotomia .245

2.1 Interdisciplinaridade .245

2.2 Relativização da disciplina .255

2.3 Dicotomia natureza-sociedade .263

Conclusões preliminares .267


xii

CAPÍTULO IV – P A R A D I G M A

Introdução: Epistemologia e Crise do Conhecimento .273

1. A Complexidade da Questão Ambiental .274

1.1 Conceitos ontológicos .277

a. Vida .283

b. Natureza .290

c. Natureza humana .296

1.2 Paradigma .303

a. Mudança paradigmática .303

1.3 Conceitos epistemológicos .319

a. Complexidade .321

b. Abordagem sistêmica .329

c. Transdisciplinaridade .333

2. Desenvolvimento sustentável .338

2.1 Exemplo .359

Conclusões preliminares .364

CAPÍTULO V - C O N C L U S Õ E S F I N A I S .368

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .386


xiii

A N E X O S*

A. Lista de cursos multidisciplinares aprovados pela CAPES em 2000/2001. .404

B. Lista de entrevistados e profissões. .406

C. Questionário .406

D. Depoimentos: retorno à pesquisa. .407

E. Tabela com as características gerais de cada curso pesquisado. .411

F. Lista de linhas de pesquisa, disciplinas optativas, dissertações e

bibliografia recomendada para seleção do curso ECMVS-UFMG. .412

G. Módulos curriculares, disciplinas, temáticas entre linhas de pesquisa

e teses defendidas do curso MAD - UFPR. .416

H. Disciplinas oferecidas, dissertações defendidas e exemplo de produção

intelectual do curso EICOS – UFRJ. .417

I. Linhas de pesquisa, bibliografia indicada para as disciplinas básicas e

algumas das dissertações defendidas no curso PROCAM – USP. .420

J. Áreas acadêmicas de origem, primeira e segunda trajetórias e

‘resultante’ profissional dos entrevistados. .423

K. Relação de representantes entrevistados por sub-áreas e três grandes áreas. .426

L. Relação dos entrevistados por entre sete das grandes áreas. .426

M. Áreas do Conhecimento. Nove grandes áreas divididas em 102 áreas. .427

N. Legenda dos tópicos de trajetória dos entrevistados. .428

O. Distribuição de respostas sobre departamentalização e


xiv

institucionalização, distinguidas entre cursos e entre docentes e discentes. .429

P. Resultado geral da questão sobre centralização e difusão da temática

sócio-ambiental na universidade. .429

Q. Palavras-chave obtidas a respeito de interdisciplinaridade, divididas por

cursos, corpo docente, discente e por categoria. .430

R. Categorias de palavras-chave obtidas relacionadas à interdisciplinaridade,

número de citações e percentagem. .432

S. Respostas sobre dicotomia entre ciências quantitativas e qualitativas por

curso. .433

T. Exemplos de divisões de paradigmas. .433

U. Relação entre paradigmas. .435

V. Resultado sobre confirmação, negação ou relativização de mudanças de

paradigma. .436

W. Artigo sobre exclusão e darwinismo. Editorial do jornal “Posso falar

o que eu penso?” de Marcos Antonio da Silveira Santos. .437

* Inseridas, por recomendação da banca examinadora, transparências usadas na defesa.

ÍNDICE de GRÁFICOS e FIGURAS

Gráfico 1. Crescimento de cursos da área multidisciplinar na CAPES. .8

Figura 1. Esquema do arco (apud Bordenave & Pereira). .36

Figura 2. Esquema reunindo diversas áreas em torno da questão ambiental. .270


xv

RESUMO

A institucionalização de cursos interdisciplinares em meio ambiente se constitui um

processo social a ser compreendido, demonstrando sua importância na medida em que

interfere na estrutura departamental universitária. Os programas que envolvem questões

sócio-ambientais resultam também de uma necessária e profícua colaboração entre

profissionais, exigindo abertura para o diálogo entre pesquisadores oriundos de diversas

áreas, sejam das áreas biológicas ou sociais. Foram selecionados quatro campos básicos na

escolha dentre os diferentes cursos no Brasil: a) Ecologia, b) Meio Ambiente e

Desenvolvimento, c) Ciências Humanas e d) Ciências Ambientais. A partir de entrevistas

semi-estruturadas com 28 pesquisadores, dentre professores e alunos, pode-se obter

resultados preliminares desta tese sobre o processo de construção da interdisciplinaridade

ambiental em quatro cursos de universidades brasileiras. Como resultado imediato,

podemos verificar uma forte e crescente institucionalização, resultado de um verdadeiro

esforço no desenvolvimento da interdisciplinaridade em pesquisa, ensino e extensão. Do

mesmo modo, tal dinâmica parece congregar pensamentos emersos na complexidade das

interações (semelhanças e diferenças) entre as Ciências Biológicas, Humanas e Exatas. Ao

nosso ver, tal questão se coloca como de fundamental importância para a sustentabilidade

planetária.
xvi

ABSTRACT

The institutionalization of interdisciplinary university courses on environment is a

social process that needs to be better understood because its importance transcends their

intervention in the departmental structure. The programs that involve socio-environmental

questions also result in a useful contact among professionals of various backgrounds and in

a dialogue among researchers of both social and biological fields. Four program areas

offering such courses in Brazil are studied in this article: a) Ecology; b) Environment and

Development; c) Human Sciences; d) Environmental Sciences. Using semi-structured

interviews with 28 course coordinators, teachers and students, basic information is obtained

on the process of building an environmental interdisciplinarity approach in four important

courses of Brazilian universities. At the same time such process seems to congregate

thoughts which have emerged from the complex interaction (similarities and divergencies)

between the Biological, the Social and the Exact Sciences. In our opinion such discussion

poses itself as one of fundamental importance for the sustainability of the Earth.
INTRODUÇÃO

Entende-se, nesta pesquisa, que a institucionalização de cursos interdisciplinares em

meio ambiente se constitui um processo social a ser compreendido. O estudo deste processo

demonstra sua importância não apenas na medida em que interfere na estrutura universitária

departamentalizada, levando ao trabalho conjunto entre unidades das mais diversas áreas

acadêmicas, mas também ao promover um profícuo contato entre profissionais de variadas

formações. Pretendemos analisar a construção social, estrutural e funcional de cursos de

pós-graduação que se destacam pela referida temática ambiental. A partir de entrevistas

com pesquisadores, professores e alunos participantes do desenvolvimento deste campo

recente na comunidade científica, o da interdisciplinaridade ambiental, almejamos

descrever sua constituição histórica e contribuir para seu aprimoramento.

Nesta tese, entendemos tal interdisciplinaridade como o processo de pesquisa, de

conhecimento, de levantamento, análise e síntese da realidade por diferentes campos


2

disciplinares1 em trabalho conjunto interligado por um objetivo unificado, o de resolver

problemáticas sócio-ambientais. Na procura deste tipo de solução, há consenso que

devemos reunir pelo menos duas das grandes dimensões do saber científico, as chamadas

Ciências Naturais e Ciências Humanas.2 Este tipo de tratamento se mostra bastante

inovador no Brasil, uma vez que tradicionalmente tais ciências são tratadas em separado,

por se defender que o ser humano é mais diferente do que igual aos demais seres da

natureza e, portanto, independente na análise científica do meio natural. Entretanto,

atualmente, o inevitável e imprescindível debruçar-se sobre questões fundamentais da

realidade humana no que tange à sua relação com o meio ambiente, além dele mesmo, faz

deste tema algo urgente e extremamente complexo.

Distinguimos assim das demais modalidades, uma interdisciplinaridade ambiental,

pois parece refletir um modo de ser e de pensar particulares perante tanto à natureza, quanto

à natureza humana, embora se tenha uma miríade de iniciativas neste processo de

construção coletiva. Para tanto, podemos colocar a interdisciplinaridade desde uma

perspectiva tridimensional: um viés ‘técno-produtivista’, um ‘bio-conservacionista’ e um

‘sócio-humanista’, percebidos em cada grande área do conhecimento (Exatas, Biológicas e

Sociais). Uma aproximação teórico-metodológica entre as ciências pode desenvolver

1
‘Disciplina’ é vista aqui como área científica distribuída em grandes áreas (segundo o CNPq), como por
exemplo: Matemática (Ciências Exatas e da Terra), Genética (Ciências Biológicas), Geotécnica
(Engenharias), Medicina (Ciências da Saúde), Agronomia (Ciências Agrárias), Direito (Ciências Sociais
Aplicadas), Filosofia (Ciências Humanas), Música (Lingüística, Letras e Artes) e outros. A palavra pode ser
vista, por outro lado, como instrução; como verbo, ensinar, educar; sujeitar[-se] à disciplina ou então fazer
obedecer ou ceder; castigar, punir (Dicionário Prático Michaelis. São Paulo: Melhoramentos, 1978). Ou seja,
apresenta significado de sistematização do conhecimento, processo educacional, imposição ou sofrimento.
2
É sempre bom frisar que no interior de cada área se encontram trabalhos interdisciplinares, reunindo temas
biológicos e humanos, como no caso das Ciências Agrárias, Florestais e Geográficas, mas também dentro de
áreas específicas como a Física, Química, Engenharia e Medicina. Não apenas a temática ambiental específica
promove a interdisciplinaridade, mas também, por exemplo, as grandes áreas da saúde e das agrárias e mesmo
as humano-sociais e engenharias incitam experiências que coadunam mais de uma área e/ou sub área do
conhecimento científico.
3

reciprocidades de grande contribuição para a sobrevivência humana, permitindo equilibrar

tendências desconexas e resolver questões com variados graus de complexidade que da

problemática ambiental emergem. Embora em princípio cada área aponte em uma direção

própria, a sociedade se encontra agora num momento de refletir sobre as diversidades entre

elas e passar a buscar não mais as suas diferenças, mas as suas igualdades. Por outro lado,

não queremos ser levianos em apontar para a possibilidade de uma unificação geral, uma

unidade universal das ciências (propositalmente no plural), já que sua diversidade e suas

diferenças internas também proporcionam sua evolução. A Ciência, portanto, é vista como

uma construção abstrata e não deve aparecer como totalitária e autoritária, porém múltipla,

dinâmica e em constante construção.

A recente e cada vez mais crescente discussão em torno da interdisciplinaridade pode

ser vista como resultado de uma crítica ao direcionamento demasiado especializante da

doutrina científica moderna que tem monopolizado um saber excessivamente objetivo e

pragmático. A perspectiva interdisciplinar, que parece tender a se difundir através de

diversas correntes alternativas ao modelo cognitivo cartesiano atual, procura justamente

adequar uma filosofia meramente instrumental a um universo multifacetado e por isto

complexo. Uma vez que todas as linhas divisórias precisas são arbitrárias, esta tentativa de

se seguir um caminho entre dois pólos em princípio opostos (como por exemplo, entre a

Ecologia e a Economia que origina a Economia ambiental), busca reduzir a tendência de

crises constantes da sociedade mundial contemporânea ou ao menos diminuir seus abismos.

Isto, indubitavelmente, é confirmado pelas inúmeras pesquisas e acirrados debates em torno

do desenvolvimento sustentável, questão esta também objeto desta tese.


4

Espera-se que o resultado desta tese possa vir a ser útil na construção e reformulação

de currículos em escolas e universidades, com intuito de se promover pesquisa, ensino e

extensão interdisciplinares, visando ao estudo e às soluções de conflitos sócio-ambientais.

Do mesmo modo, esperamos que ela seja útil para que as agências de fomento possam

avaliar o atual estado da arte das ciências do ambiente e reconheçam os esforços dos

processos de articulação disciplinar.

Hipóteses

A constituição de cursos de pós-graduação no Brasil na área de Ciências Ambientais,

bem como a incorporação de questões ambientais e ecológicas em cursos de pós-graduação,

seja nas Ciências Humanas e Sociais, seja nas Ciências da Natureza, têm sido um processo

recente e parece ter ganhado força e se expandido nos anos 90. A hipótese fundamental

desta tese é de que a institucionalização dos cursos de pós-graduação associados às

questões ambientais só se viabiliza se promover algum grau de interdisciplinaridade entre

as Ciências Biológicas e Humanas. Tem-se ainda por hipótese complementar que a origem,

inovação e/ou modificação curricular destes cursos universitários refletem, de algum modo,

mudanças paradigmáticas de uma concepção mecânico-reducionista de ‘natureza’3 e de

‘vida’ para uma concepção sistêmico-complexa destes termos. Estas alterações

epistemológicas podem ser vistas como um esboço de um paradigma ambiental

interdisciplinar.

3
O uso das aspas simples se deve à referência de um termo ou palavra em si. Ou ainda sugerindo sua
relativização (veja exemplo ao final do item Questão Ambiental na Sociedade Capitalista no Capítulo II).
5

Para tanto, é interessante apontarmos algumas questões que permeiam o estudo:

1. Como se têm institucionalizado as Ciências Ambientais e as questões sócio-ambientais

nos cursos de pós-graduação brasileiros?

2. Esta institucionalização promove necessariamente a interdisciplinaridade?

3. Há tendências de mudança de paradigma que apresentam uma nova concepção de vida e

de natureza nestes cursos? Quais cursos são estes?

4. Que tipo de inserção e/ou alteração estaria ocorrendo nos currículos acadêmicos já

consolidados a partir da problemática sócio-ambiental?

5. Quais as diferenças e semelhanças entre os diversos pesquisadores e núcleos de pesquisa

que enfocam o meio ambiente, mas que se originam de diferentes campos do

conhecimento?

Objetivo Primário

∗ Levantar e analisar os processos de elaboração e incorporação de questões ambientais

através de discursos de pesquisadores em cursos de pós-graduação em meio ambiente no

Brasil, que possibilitem indicar as tendências acadêmicas de construção de um

paradigma ambiental interdisciplinar.


6

Objetivos Secundários

∗ Identificar os cursos de pós-graduação que de alguma forma tratam de questões sócio-

ambientais;

∗ Discernir como é representada a interdisciplinaridade nos diferentes cursos;

∗ Analisar processos de institucionalização das Ciências Ambientais na pós-graduação

brasileira;

∗ Procurar entender o sentido e os conteúdos associados a estes processos de

institucionalização;

∗ Contribuir para o incremento do debate em torno da pedagogia e da pesquisa

interdisciplinares.

Metodologia

Desenvolvemos as seguintes etapas de trabalho:

1. Levantamento e seleção dos cursos

2. Entrevistas e coleta de dados

- Entrevistas semi-estruturadas

- Transcrição

3. Cruzamentos e análises dos dados

4. Conclusões
7

- Seleção

A metodologia aplicada nesta tese, embora se busquem também dados quantitativos,

foi basicamente uma análise qualitativa dos depoimentos de pesquisadores envolvidos com

a temática da interdisciplinaridade ambiental, a partir de entrevistas semi-estruturadas em

quatro programas de pós-graduação de excelência no país.4 A pesquisa teve como campo de

estudo cursos strictu sensu ao nível de mestrado e/ou doutorado de quatro universidades

públicas brasileiras que se propõem interdisciplinares envolvendo o tema ambiental em seu

currículo e em suas pesquisas. Dentre os diversos cursos oferecidos na pós-graduação, se

encontram três diferentes grupos: desde aqueles inseridos na área biológica como a

Ecologia e que inserem aspectos relacionados ao tema das áreas humanas/sociais, àqueles

que partem das áreas humanas/sociais com a inserção ambiental posterior e, finalmente,

àqueles que já foram concebidos a partir da problemática ambiental e que promovem a

construção das Ciências Ambientais.5 Vimos, portanto que há distinções de cursos que se

originam de uma unidade específica (Biológicas, Exatas e Humanas) daqueles que não são

diretamente vinculados a uma destas áreas específicas.

Dentre os classificados como “outros” ou “multidisciplinar” pela Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, estão vinte e oito cursos de

4
Os dados quantitativos nos permitiram apresentar um panorama comparativo entre respostas, cursos e corpo
docente/discente, mas não optamos por uma análise estatística formal por não termos partido de uma
amostragem aleatória e numérica suficiente. Embora não tenhamos o intuito de quantificar o fértil debate que
a temática reúne, a matematização cumpre o papel de hierarquizar as diferentes abordagens expostas, visando
fornecer-nos um grau de importância de cada tema explicitado.
5
J. A. Drummond & A. Schroeder entendem por Ciências Ambientais “formas institucionalizadas de trabalho
interdisciplinar reunindo, de um lado, cientistas sociais e, de outro lado, cientistas naturais e cientistas das
áreas tecnológicas ou exatas, em torno de temas que caibam na interface sociedade humana - mundo natural”,
definição esta que assumimos. (Programas de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e similares no Brasil -
uma listagem preliminar. Ambiente & Sociedade. Campinas: NEPAM, nº. 2, 1998, p.139).
8

mestrado e onze de doutorado em 1994/95, proporção que passa para sessenta e um e vinte

e dois, atualmente (fevereiro de 2001).

70
60
50
40
Mestrado
30 Doutorado
20
10
0
1994/1995 1996/1997 2000/2001

Gráfico 1. Crescimento de cursos da área multidisciplinar na CAPES.

Os cursos pesquisados foram selecionados através de características como: tempo de

implementação e, por conseguinte o número de teses e/ou dissertações já defendidas;

origem (desenvolvido a partir de um ou mais instituto, centro e/ou departamento); se o

corpo docente é integrado por pesquisadores de diversas áreas científicas; graus de titulação

dos docentes, se as disciplinas oferecidas compõem uma rede de diferentes perspectivas

sobre as questões sócio-ambientais; avaliação e/ou credenciamento pela CAPES e/ou

Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico - CNPq. A análise e a

verificação dos programas dos cursos, das disciplinas e da produção acadêmica colaboram

na identificação de matrizes que influenciam sua proposta científico-pedagógica. Deste

modo, pudemos chegar próximo ao modo pelo qual a questão ambiental é formulada no

interior de diferentes áreas do conhecimento.

Para a escolha dos cursos pesquisados dentre os muitos oferecidos pelas

universidades brasileiras, distinguimos uma primeira seleção inicialmente pela relação

oferecida pela CAPES. Neste primeiro grupo, a maior parte envolve de algum modo a

questão ambiental, seja no sentido particular da agricultura, de um modo mais geral de


9

desenvolvimento, regional ou não, seja tratando de questões da saúde.6 Do mesmo modo,

utilizamos a relação elaborada por Drummond & Schroeder7 que listam, preliminarmente

cinqüenta programas de pós-graduação interdisciplinares no país, área considerada pelos

autores sui-generis em nosso sistema acadêmico de ensino e pesquisa. Numa primeira

seleção, apontamos para a possibilidade de trabalho com quatro grandes grupos de cursos,

separados por suas relações com a interdisciplinaridade:

a) Biológicas (Ecologia)

b) Meio Ambiente e Desenvolvimento

c) Humanas e Sociais

d) Ciências Ambientais

Preferimos considerar apenas um entre cada grupo, de acordo com o tempo de

implantação, resultado da avaliação e a origem acadêmica, além da proximidade

geográfica. Segue listagem preliminar de cursos classificados de acordo com os quatro

grupos.

Ciências Ambientais

• UFF - Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental - Instituto de Geociências

Mestrado. Niterói – RJ.

• USP - Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental - Comissão de Pós-

Graduação. São Paulo – SP.

• UFRRJ - Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Florestais - Instituto

de Florestas. Seropédica – RJ.

6
Veja tabela em anexo (A) lista de cursos multidisciplinares aprovados pela CAPES em 2000/2001.
7
Drummond, J. A. & Schroeder, A. (op. cit.).
10

Meio Ambiente e Desenvolvimento

• UFPR - Programa de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento - Pró-Reitoria

de Pesquisa e Pós-Graduação. Curitiba – PR.

• UnB - Programa de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento - Centro de

Desenvolvimento Sustentável. Brasília – DF.

Ciências Humanas e Sociais

• FURG - Programa de Mestrado em Educação Ambiental - Departamento de Educação e

Ciência do Comportamento. Porto Alegre – RS.

• UFRRJ – Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade - Centro de

Pesquisa em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Rio de Janeiro – RJ.

• UFSC - Programa Interdisciplinar de Doutorado em Ciências Humanas, Sociedade e

Meio Ambiente - Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Florianópolis – SC.

• UFRJ - Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação de Psicossociologia de

Comunidade e Ecologia Social - Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro – RJ.

Ecologia

• UFRJ - Programa de Pós-graduação em Ecologia. Rio de Janeiro – RJ.

• UNESP - Conservação e Manejo de Recursos. Rio Claro - SP.

• UFSCar - Ecologia e Recursos Naturais. São Carlos – SP.

• UFMT - Ecologia e Conservação da Biodiversidade. Campo Grande – MT.

• UFMG - Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre. Belo Horizonte – MG.

• UNICAMP – Ecologia. Campinas – SP.


11

Quanto à seleção dos quatro cursos aqui pesquisados foram escolhidos aqueles que,

além de serem reconhecidos internacionalmente, traziam, num primeiro exame, aspectos

em sua formação que pareciam apresentar uma potencial complementação para a ótica

interdisciplinar.8 Ou seja, cada curso escolhido deveria contribuir com um ponto de vista

peculiar à discussão sobre o trabalho conjunto de várias áreas científicas. Dentre as áreas e

sub-áreas do conhecimento científico, optamos por cursos credenciados de universidades

públicas (três federais e uma estadual) que representem, ao nosso ver, experiências

marcantes na produção de pesquisa ambiental interdisciplinar. Consideramos este número

suficiente não apenas qualitativamente, mas também quantitativamente se considerarmos as

universidades mais antigas e os cursos que contam já com alguns anos de atividade.

Embora já optássemos por escolher programas em estados diferentes, um último critério

que também nos serviu para a escolha foi em relação à distância do local de produção da

tese (Rio de Janeiro), uma vez que não pudemos contar com tempo e financiamento

suficientes para longas viagens. Os cursos selecionados foram:

• Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre - UFMG.

• Programa de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento - Pró-Reitoria de

Pesquisa e Pós-Graduação - UFPR.

• Programa Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social - Instituto de

Psicologia - UFRJ.

• Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental - Comissão de Pós-Graduação -

USP.

8
Embora se antecipe desde já que, sem dúvida alguma, os demais também tenham o que oferecer no debate
sobre interdisciplinaridade ambiental.
12

Dois deles (da UFPR e da USP) são considerados multidisciplinares pela avaliação

da CAPES em 2000/1 e obtiveram nota três (3) e quatro (4), respectivamente. Os outros

dois são disciplinares, embora almejem, de certa forma, a interdisciplinaridade a partir da

Psicologia (da UFRJ com nota quatro) e da Ecologia (da UFMG com nota cinco tanto para

o mestrado quanto para o doutorado). Além disto, dois deles (UFRJ e UFPR) têm a

chancela da cátedra da UNESCO e dois participaram do Projeto PADCT – CIAMB do

Ministério de Ciência e Tecnologia (UFMG e UFPR). Aspectos importantes, mas

resumidos serão agora apontados, visando a defesa da escolha feita. Mais à frente,

inserimos um maior número de dados a respeito de cada curso.

Uma primeira visualização dos cursos selecionados9

• UFMG - A pesquisa junto a esta universidade se destaca das demais, pois seu programa

de pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre (ECMVS) não é

originalmente interdisciplinar. Isto é, embora sendo de conservação da natureza, permanece

dentro das Ciências Biológicas. Seu credenciamento foi no ano de 1989 (mestrado) e 1997

(doutorado). O curso foi escolhido por sua integração com o Centro de Desenvolvimento e

Planejamento Regional (CEDEPLAR). Durante sete anos (90-97), um grande projeto foi

realizado nas bacias dos rios Doce e Piracicaba, com o apoio do Programa Biodiversidade,

População e Economia vinculado ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (PADCT), sub-programa Ciências Ambientais (CIAMB) do Ministério de

Ciência e Tecnologia (MCT). Esta aproximação ecologia-economia, primordial no trato do

9
Em ordem alfabética pelo nome da universidade.
13

desenvolvimento sustentável, fez com que esta experiência tenha sido escolhida para

contribuir com o tema da presente pesquisa.

• UFPR – O programa de doutoramento Meio Ambiente e Desenvolvimento (MAD) já

se encontra bem estruturado e também participou do programa PADCT-CIAMB, tendo

optado pelo aprimoramento técnico de alunos já profissionais ligados à questão ambiental.

Tem sete dissertações defendidas (em 1999), sendo credenciado em 1993, mas tem uma

peculiaridade interessante que é a de incentivar estudos de sustentabilidade local, urbanos

ou rurais, a partir de estrutura autônoma na universidade (não ligado a departamento

específico). Este viés principalmente de pesquisa regional vem contribuindo não apenas

para a diagnose dos problemas específicos, mas também parece colaborar para uma

reavaliação interna da universidade na relação entre seus departamentos. Na universidade,

há também o Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento (NIMAD) que

atualmente faz projetos de extensão, pesquisas de curta duração, capacitação, educação

ambiental para a comunidade, etc. Depois de muito debate, pretende-se reuní-los para

constituírem um instituto integrado que abarque ambas funções.

• UFRJ – Tendo como ponto de partida a área das Ciências Humanas, mais

especificamente a Psicologia, o programa de mestrado em Estudos Interdisciplinares de

Comunidades e Ecologia Social (EICOS) se mostrou de grande interesse para nós e com

um potencial inovador no trato dos problemas ambientais. Este campo pode trazer grandes

contribuições para as Ciências Ambientais, por permitir ir a fundo em questões do processo

cognitivo, educacional, de relações de poder, etc. que surgem nos conflitos sócio-

ambientais. As dissertações defendidas têm trazido aspectos relevantes aos estudos


14

interdisciplinares e seus organizadores têm investido para oferecer também o curso ao nível

de doutorado. O início de seu funcionamento foi em 1989, sendo reconhecido em 1993

(mestrado) e 1999 (doutorado), com ao menos quatro dissertações defendidas até este ano.

• USP - O programa Ciência Ambiental (PROCAM), inicialmente como mestrado,

também passa pela institucionalização do curso de doutorado. Tendo já defendido um

grande número de dissertações (trinta e oito até 1998), esta universidade foi escolhida

devido não apenas por sua importância em nível nacional e internacional, mas também por

ter evoluído a partir de uma integração com várias parcelas da universidade, procurando

assim um perfil inteiramente interdisciplinar e oferecendo disciplinas em quase todas as

unidades. Este curso foi recomendado em 1994 e teve seu credenciamento em 1998,

funcionando como unidade autônoma aos departamentos.

- Entrevistas

De cada programa, foram entrevistados quatro professores, sendo um coordenador e

mais três alunos, escolhidos de acordo com a disponibilidade no período propício ao

entrevistador e ao pesquisador.10 Para tal, os pesquisadores teriam que ter tempo para a

entrevista (cerca de uma a uma hora e meia de duração), pois evitamos o uso de correio

eletrônico (usado apenas como suporte prévio e posterior ao encontro pessoal). A escolha

dos entrevistados também foi feita procurando uma maior diversidade de profissões, pontos

de vista distintos que possam contribuir para a temática. Foram entrevistados quatro

10
Também foram entrevistados ex-coordenadores e ex-alunos que participaram do projeto no caso da UFMG.
Entrevistas de outros pesquisadores também colaboraram, mas foram utilizadas como uma comparação
qualitativa posterior, somando algumas colocações e, portanto, não entrando no cômputo geral.
15

coordenadores, doze professores e doze alunos, somando ao final vinte e oito pesquisadores

(dezessete do gênero masculino e onze do feminino).11

O questionário utilizado compreende doze perguntas que buscam verificar as

hipóteses centrais da tese, sendo que elas foram agrupadas em quatro eixos básicos que se

conformam aos capítulos da tese e os seguintes objetivos:12

1) Educação, Universidade e Sociedade: relaciona as respostas da questão sobre a

apresentação da trajetória profissional do entrevistado.

2) Ambientalismo e Institucionalização: compreende as respostas sobre o processo de

institucionalização do programa, os problemas quanto à departamentalização/

compartimentalização institucional/epistemológica e à percepção de uma centralização ou

difusão da questão ambiental no meio universitário.

3) Interdisciplinaridade: busca conhecer dificuldades frente à departamentalização, se

exige uma certa relativização da disciplinaridade, sobre a interdisciplinaridade

propriamente dita e as dificuldades metodológicas para integrar o estudo da natureza e o da

sociedade.

4) Paradigma: a partir de distintas concepções de natureza, vida e natureza humana,

procura revelar se a criação de programas como estes confirmam ou não uma mudança

paradigmática.13 Assim, tentamos perceber como os entrevistados respondem perguntas

11
Segue em anexo (B) a lista de entrevistados e suas respectivas profissões. Preferimos resguardar seus
nomes, substituindo-os por ‘códigos’: a sigla da universidade, se professor (Prof) ou aluno (Alun) e uma letra
de A a D para os primeiros e de A a C para os segundos. Às vezes, nos referimos também a qual questão se
refere tal resposta, indicando com um Q seguido do número correspondente (de 1 a 12).
12
Segue em anexo (C) o questionário. A última questão foi feita com o intuito de obter um retorno à pesquisa,
pensando avaliar sua relevância. Esta pergunta contribui como um posicionamento do entrevistado perante à
perspectiva sobre o tema desta tese e será apresentada também em anexo (D).
13
Com a noção de ‘mudança paradigmática’ queremos colocar uma distinção entre uma percepção
mecanicista e dicotômica (sujeito x objeto) de uma organicista e dialética (sujeito + objeto)
16

sobre complexidade, abordagem sistêmica e transdisciplinaridade e, finalmente, sobre a

idéia de sustentabilidade no equilíbrio entre desenvolvimento e conservação dos recursos

naturais.

Depois de transcritas as entrevistas gravadas em fitas cassete (processo terceirizado)

e feitas correções, os textos foram resumidos, procurando dar um encadeamento em cada

frase. Ou seja, houve a retirada de trechos sem importância direta para o contexto da

pergunta, buscando facilitar o entendimento das respostas e diminuir o montante de textos.

Do mesmo modo, foram feitas modificações estruturais nos textos sem, no entanto, alterar

o sentido dado pelo entrevistado e captado pelo entrevistador. Assim, retiramos partes

redundantes e exemplos por demais prolongados, adequando e objetivando as respostas.

Portanto, os trechos de entrevistas que seguem aparecem com alguma modificação, não

sendo literais.14

Em um segundo estágio, ressaltamos as principais palavras-chave para melhor

entendimento da questão, propiciando facilitar a percepção das idéias centrais de cada

questão e de cada entrevistado. Posteriormente, organizamos as respostas em quadros

comparativos visando tanto a uma análise geral do assunto tratado, quanto à comparação

entre indivíduos, corpo docente e discente e cursos/universidades.

Terminada esta fase, passamos à análise propriamente dita reunindo as entrevistas

por questão e por curso, delineando temáticas, comparando tendências e diversidades,

visando a discernir facetas específicas de cada ator e grupo de atores neste processo de

institucionalização interdisciplinar. As respostas de cada questão foram tratados de acordo

14
Certamente não quisemos correr riscos de perder trechos dos depoimentos, mas tivemos que optar por este
processo devido ao grande volume de informação obtida.
17

com o formato da questão feita, isto é, buscamos retirar informações tanto qualitativas

quanto quantitativas, dependendo de cada caso.15 Do mesmo modo, procurando objetivar as

respostas que esta tese busca responder, optamos por enquadrar as questões nos eixos

básicos, já descritos.

No capítulo seguinte, veremos alguns principais aspectos da educação em geral e da

universidade em particular, visando a expor e a refletir sobre seus problemas históricos e

atuais e as alternativas indicadas por pensadores do meio acadêmico. Assim, poderemos

posteriormente detalhar a inserção da interdisciplinaridade ambiental em suas estruturas e a

participação do corpo docente e discente nesta construção.

15
Como resultado quantitativo geral das entrevistas, das 336 perguntas pretendidas (doze questões x vinte e
oito entrevistados), apenas trinta ficaram sem resposta (8.9%), abstenções estas divididas igualmente entre
alunos e professores.
18

CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO, UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

1. História, Problemas e Breve Panorama Nacional

1.1 Introdução e Origens

1.2 Estrutura e Objetivos

1.3 Crises e Possíveis Soluções

a. Relação Pesquisa – Ensino

b. Relação com a Sociedade

1.4. Constituição Brasileira da Universidade

2. Características Básicas dos Cursos

UNIVERSIDADE FEDERAL MINAS GERAIS

• Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre – ECMVS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

• Meio Ambiente e Desenvolvimento – MAD

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

• Psicossociologia de Comunidade e Ecologia Social - EICOS

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

• Ciência Ambiental – PROCAM

3. Caracterização dos Pesquisadores Entrevistados

Conclusões preliminares
19

1. História, Problemas e Breve Panorama Nacional

A Universidade conserva, memoriza, integra e ritualiza


uma herança cultural de saberes, idéias e valores;
esta herança a regenera ao reexaminá-la, atualizando-a e transmitindo-a;
a Universidade gera saber, idéias e valores que formarão depois parte da herança.
Nesta virtude, a Universidade é conservadora, regeneradora e geradora.

E. Morin

1.1 Introdução e Origens

A instituição acadêmica universitária tem quase a idade de um milênio e desde sua

origem tem se dedicado à formação intelectual e moral através do estudo, do cultivo do

saber e da busca da verdade. Sua vitalidade talvez possa ser creditada à capacidade de

diálogo entre antigo e novo, clássico e moderno, consagrado e emergente, mesmo com

tamanha tensão, tanto interna quanto externa a ela, que dificulta tal conversa. Neste sentido,

tanto rever o passado quanto avaliar o presente e pensar no futuro fazem parte do currículo

universitário, que procura investigar a fundo as realidades que conformam nossa sociedade.

Sendo um local onde se encontram jovens e adultos com intuito de aprender e ensinar, a

universidade promove uma integração única como instituição social. Uma questão

primordial que caracteriza sua múltipla essência e que exige um trabalho integrado é

apontada por R. Morais, em A universidade desafiada:16

...as instituições universitárias formam profissionais, discutem o que inquieta a


contemporaneidade, labutam na busca de novos conhecimentos, principalmente

16
Morais, Regis de. Campinas: UNICAMP, 1995, p. 45. Veja também a obra de B. R. Clark Places of
Inquiry. U. California Press, 1995 e The Higher Educational System: academic organization in cross-national
perspective. Bekley, 1983.
20

promovendo importante encontro entre passado e futuro na medida em que


avaliam a tradição e visam à renovação. Seu trabalho é já significativo e
grande e a universidade deve saber situar-se equilibradamente entre a ‘torre de
marfim’ e a ‘praça do mercado’.

Para E. Morin17, a universidade tem uma “missão transnacional” e uma “função

transecular”, dispondo de autonomia para promover uma conservação ‘fértil’ (que salva o

passado contra as “potentes forças de desintegração cultural” deste século) e não ‘estéril’

(quando dogmática, fixa e rígida). C. Buarque18 coloca ainda que ela tem a missão de

participar da realização do processo civilizatório, não apenas através do saber técnico, mas

também estético e ético, o que nos remete à devida importância da inserção da problemática

sócio-ambiental no meio acadêmico. Sobre desintegração, I. Barbieri19 comenta que:

Diante da invasão dos meios de comunicação de massa, da banalização da


informação e do massacre diário promovido pela propaganda, a presença ativa
duma universidade, revigorada ao contato de seu núcleo mais vivo e ciosa de
seu espaço no mundo contemporâneo, representa a força que impede a paralisia
do pensamento e a asfixia da consciência reflexiva.

Dos dois principais momentos iniciais - os nascimentos da ciência e da universidade -

a multiplicidade de eventos intelectuais a partir da metade do século XV consolidou-se na

Renascença e na Revolução Científica. As universidades sofreram um processo de

secularização e laicização, instituindo sua liberdade frente à religião e ao poder e se abriram

à grande problematização que questiona o mundo, a natureza, a vida, o ser humano e

inclusive a Deus. Com o advento da ciência experimental no século XVI, ela teve que

estender suas atividades ao campo da pesquisa de novos conhecimentos. Desde o século

17
Morin, E. De la reforma universitária. In: Trabajo social. México: UNAM, p.49-55, 1997. Tradução
própria.
18
Buarque, C. A desordem do progresso: o fim da era dos economistas e a construção do futuro. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 3a ed., 1990.
19
In: Teixeira, Anísio. A universidade de ontem e de hoje. Rio de Janeiro: UERJ. Prefácio, p.11, 1998. Contra
a “acelerada midiatização”, F. Guattari sugere uma “era pós-mídia”, cuja evolução tecnológica seja possível
“para fins não capitalísticos”. (As três ecologias. Campinas: Papirus, p.47, 1990).
21

XVII, a universidade tem sido criticada por seu isolamento do mundo e por uma erudição

monástica, sendo sua porção funcionalista fruto de uma doutrina política desagregadora.

Começando como depósitos do saber adquirido, segundo Morais, só após a Revolução

Industrial houve o cuidado com a transmissão deste saber, “pois a massa maior de

inovações e descobertas corria por conta de sábios e especialistas só muito raramente

ligados a universidades”.20 Apenas no século XIX, resguardadas as diferenças entre as

instituições no passar do tempo, é que se reivindicará fortemente a prestação de serviços à

sociedade, quando nasce o conceito de extensão universitária basicamente no sentido de

assistência social.21

Somente nos fins do século XIX começaram a surgir exemplos de instituições que

prezavam o caráter prático do saber das pesquisas aplicadas, contrastando com a mera

missão de guarda e transmissão do conhecimento: a partir daí foi que as revoluções

científica, industrial e democrática passaram a transformá-las. Porém, a modernização

crescente do início do século XX fez do catedrático, diretor de uma grande empresa

capitalista; uma universidade burocratizada.22 Na polaridade universidade – comunidade,

após 1960 segundo A. Teixeira23, surgiu um intervencionismo moderado e reformista

trazendo a idéia de multiversidade, que tentava funcionalizá-la, contrariando as elites e

também despolitizá-la, contrariando os grupos sociais estudantis de esquerda. Ao se fazer

prestadora de serviços, devotada à solução de problemas nacionais, regionais e/ou locais, a

20
Morais, R., op. cit., p. 68.
21
Segundo M. Coutinho (pessoalmente), o conceito de extensão universitária só começara com as research
university após o século XIX.
22
Buarque lembra que a partir da tecnologização do projeto humano, a universidade passou a ficar
marginalizada da inovação técnica, perdendo por algum tempo o destino, uma vez que as buscas de novos
conhecimentos se faziam cada vez mais em laboratórios particulares de grandes empresas.
23
Teixeira, A., op. cit., p. 47, 1998.
22

universidade rompe com seu isolamento e se faz complexa e pluralista, procurando

administrar contradições como teoria e prática, cultura elitista e popular, educação e

trabalho numa única instituição acadêmica. Entretanto, com uma eficiência superada,

somada à explosão demográfica do início do século, a qualidade dos estudos se fez perder

pela quantidade de pessoas que a procuram, promovendo uma infinidade de pesquisas que

se empoeiram nas estantes, sem grandes aplicações. Como cita Sousa Santos: “Ao homem

de cultura liberal sucedeu o especialista e, este, o homem de organização. Este ainda é em

muito um mecânico”.24

Atualmente há esforços de aproximação da sala de aula com o mundo externo - a

educação como conhecimento do prático -, rompendo a barreira entre vida e escola e, no

caso sócio-ambiental, o antigo obstáculo entre as áreas humano-sociais e biológico-

naturais. Para Andrés Bansart em seu artigo Education mutua para um desarrollo

participativo, a palavra educação, diferente de ensino, só deveria ser utilizada de modo

reflexivo – educar-se e também no plural, uma vez que toda educação é mútua. Seus

objetivos primordiais seriam, para este autor, o de “conhecer o mundo, reconhecer-se nele e

transformar-se a si mesmo para participar – conscientemente e de uma maneira positiva –

na transformação do mundo”. Partindo de uma educação localmente centrada, Bansart

defende a inserção da questão ambiental não somente para o ambiente, mas desde o

ambiente (sócio-cultural-histórico-geográfico) em que se habita.25 Para ele:

24
Sousa Santos, B. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 3a.ed.,
p.49, 1997.
25
In D’Ávila Neto, M. I. (org.) Desenvolvimento Social: desafios e estratégias. Rio de Janeiro: UNESCO/
FINEP/UFRJ-EICOS, vol. II, p. 183-202, 1995. Segundo Bansart, conhecer vem de cum-nascere: engendrar-
se na mesma dinâmica do objeto estudado.
23

Se desejamos um mundo de harmonias não podemos formar-nos na


fragmentação do conhecimento, na oposição do ser humano com a natureza,
nem no antagonismo dos seres humanos entre si. A educação deve, portanto
permitir relacionar perfeitamente as partes dentro de qualquer conjunto; deve
permitir-se ao ser, situar-se corretamente em seu ambiente (seja físico,
[biológico] ou humano), deve ser um meio para alcançar a sobrevivência nos
diferentes ambientes humanos nos quais vivemos: desde a coletividade local até
o conjunto do planeta.26

A relação entre os três objetivos principais da universidade - ensino (formação),

pesquisa e extensão (serviço ou transferência de tecnologia) – é promovida distintamente

nos inúmeros exemplos de instituições, espaço-temporalmente construídas. Desde um

centro elitista de exercício mental de formação não utilitária, a universidade moderna se

consubstanciou também como um centro de transmissão de saber popular, passando a

participar das transformações sociais – afinal, “uma expressão da época”. Para Teixeira,

“em nenhum tempo da história viu-se a universidade tão fortemente solicitada para dar a

sua contribuição científica ao progresso da civilização”. Segundo este pesquisador, “...foi

somente (...) na segunda metade do século XX, [que] a ciência faz-se em verdade

preocupação central dos governos” que passa a contribuir com os objetivos perenes da

universidade - “...a liberdade do saber, o alargamento dos horizontes da igualdade de

oportunidades e o aperfeiçoamento da formação humana”.27

Além de cada universidade ter se transformado em ‘multiversidade’, esta tende a

promover intercâmbios entre diversas outras instituições, o que possibilitaria também a

difusão do conhecimento a níveis horizontais e verticais. Portanto, aí podemos ver a

relevância e a inovação da institucionalização de cursos de pós-graduação

26
Bansart, A., op. cit., p. 185.
27
Teixeira, op. cit., p. 62-3.
24

interdisciplinares, uma vez que se inserem em estrutura fortemente disciplinada, cujos

departamentos não costumam interagir e seus objetivos em geral estão desconexos.

Assim, no século XXI, o espírito acadêmico universitário, embora tenha perdido seu

caráter revolucionário que marcou grandes conflitos sócio-culturais dos anos 60-70 no

mundo, parece ter que enfrentar as mudanças estruturais, mas também ideológicas na busca

pela interpretação e solução do que tem se mostrado urgente pela sua abrangência e

complexidade na atualidade: a questão sócio-ambiental. A universidade deveria se mostrar,

então, capaz de se reinventar através das crises e partindo de um esforço no mínimo

pluridisciplinar e coletivo. É neste sentido que se debate a questão interdisciplinar no

ensino superior, mais precisamente na pós-graduação, quando ocorre o aprimoramento

profissional do aluno. Uma vez que o contato com problemas de ordem planetária (como o

caso da mudança climática, por exemplo) nos coloca questões antes impensadas, cria-se a

possibilidade de um novo olhar, construído no diálogo entre diversos campos do

conhecimento.28 Sendo assim, introduzimos a questão universitária a partir de sua estrutura

e seus objetivos, sua relação com a sociedade, suas crises e possíveis soluções.

1.2 Estrutura e objetivos

Para o debate sobre a interdisciplinaridade ambiental no meio universitário e a

instituição de cursos em Ciências Ambientais, concebemos que as interações entre o interno

e externo e entre o antigo e o novo na academia são de suma importância. A relação dada

28
E de campos novos que sequer podem ser caracterizados como disciplinas nos velhos padrões, mas
funcionam academicamente como tais: se obtem mestrados e doutorados e há carreiras nestes novos
“campos”.
25

entre o meio acadêmico e a sociedade que o suporta e, conseqüentemente entre a teoria29 e

a prática, sempre foi motivo de discussões e críticas, sejam dentro e fora de seus muros,

refletidos nas inúmeras publicações sobre o tema.

Segundo Maria A. Nogueira, em Educação, saber, produção em Marx e Engels, “...a

tese da associação dos estudos teóricos com o trabalho produtivo constitui não somente a

contribuição original de Marx e Engels, mas também o elemento central e o mais

interessante das suas análises das questões da educação e do ensino”. Marx, pensando no

operário fabril do século XIX, pensava numa proposta pedagógica que romperia com o

“modo de trabalho que repousa sobre uma especialização extrema e que tem no emprego

capitalista do sistema de máquinas um elemento decisivo”, o que necessita “...da separação

das instâncias de concepção e execução”.30 A posição deste pensador era a de que, embora

“o novo vá emergir dos escombros do velho que se degrada – e se transforma – no

movimento das suas contradições internas”, esta evolução não é natural, mas é representada

pelo “ensino verdadeiramente transformado (que incorpora à formação geral a sua

dimensão técnica)”, desenvolvido a partir da luta política da classe operária pelo acesso à

cultura. Ele, segundo a autora, defendia que os limites da mera execução na intervenção da

29
Segundo Morais, a “palavra teoria, que no grego guarda significado de contemplação, não está
originariamente eivada de ascetismos místicos. Teoria, no grego, aponta para um momento de concentração e
pensamento em nós motivado por exigências emergidas do cotidiano e que deve terminar com a possibilidade
de uma ação melhor sobre a vida prática”. (op. cit., p. 43).
30
Nogueira, Maria Alice. São Paulo: Cortez, 1993, p. 207. Posição esta apoiada por T. Adorno em Educação
e emancipação (Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 164, 1995), quando comenta sobre a falência da cultura: “Ela
dividiu os homens. A divisão mais importante é aquela entre trabalho físico e intelectual. Deste modo ela
subtraiu aos homens a confiança em si e na própria cultura”.
26

realidade pelos trabalhadores atentavam “contra a sua integridade física e psíquica, contra o

seu direito ao desenvolvimento intelectual e cultural”.31

Para Marx, a união entre cientistas e técnicos, num modelo de ensino que vise a uma

“formação de capacidades gerais (científicas e operatórias) nos diferentes ramos da

produção, que não levasse a funções especializadas...” – o princípio do ensino politécnico –

seria preparatório do rodízio entre gestão, supervisão, trabalhos braçais, etc., objetivando a

criação de “um indivíduo cujas capacidades, competências, habilidades etc. seriam

múltiplas, ou seja, desenvolvidas em variadas direções – em síntese, a criação do homem

completo”.32 Marx acreditava na possibilidade técnica da polivalência, resultado e

causadora de uma desalienação do ser humano com o acesso dos trabalhadores ao controle

do processo de produção. Um indivíduo integralmente desenvolvido era possível através da

“viabilidade desse ‘saber-total’, enciclopédico, que constitui o pano de fundo do

politecnicismo”.33 Evidentemente, Nogueira acaba por revelar que Marx sempre tecia

considerações num misto entre ciência e utopia, combinando “análises históricas ou

lógicas, empíricas e teóricas, conduzidas em termos racionais com desejos utópicos”. Seria

este tipo de visão a ser incorporado pela academia atual, num processo fecundo de

reavaliação do ensino excessivamente técnico e especializante, principalmente em se

tratando da questão dos recursos naturais e/ou dos problemas sócio-ambientais? É evidente

que o enciclopedismo é impossível, mas um saber amplo e engajado se faz cada vez mais

necessário, mesmo evitando-se uma luta finalística ou fundamentalista de classes.

31
Ibid., p. 209. Buarque, a partir de Luis Borges, confere três gestos para a realização da aventura humana
através da universidade, única com vocação para exercê-los: os gestos técnico, epistemológico e poético. (op.
cit., p. 123, 1990).
32
Nogueira, M. A., op. cit., p.209.
33
Ibid., p.211.
27

Para A. Gramsci em Os intelectuais e a organização da cultura34, ao lado da escola

humanista pré-universitária destinada a despertar ao indivíduo a cultura geral, criou-se

aquela para as especializações profissionais marcadas por “uma precisa individualização”.

A crise que vivenciamos, segundo o autor e confirmada por Morin e Minogue, decorre da

agudização do modo caótico desse processo de diferenciação e particularização da escola,

cingida entre clássica e técnica. Para o autor, a solução aponta para uma escola única que

equilibre o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente,

industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual, assim como

apontava Marx: “integrar o pessoal especializado na técnica política com o pessoal

especializado nas questões concretas de administração das atividades práticas essenciais das

grandes e complexas sociedades nacionais modernas”.35 A “escola unitária”, de formação

humanista ou de cultura geral, deveria inserir os jovens na atividade social, logo após a “um

certo grau de maturidade e capacidade, à criação intelectual e prática e a uma certa

autonomia na orientação e na iniciativa”. Ela buscaria dar início a novas relações entre o

trabalho intelectual e o industrial na vida social, entre a alta cultura e a vida, entre os

intelectuais e o povo. As escolas elementar e média eram separadas como as escolas

profissionais e estas sofrem uma “luta contra o folclore” - as tradicionais concepções de

mundo - e passam a ver os processos naturais como leis objetivas, mas rebeldes, que devem

ser dominadas. Visando transformar a natureza e socializá-la, segundo o autor, o princípio

educativo se baseia no conceito de trabalho, mas deve equilibrar ordem social e ordem

natural. Já na escola daquela época:

34
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 7aed., capítulos: A organização da Escola e da Cultura e Para a
Investigação do Princípio Educativo, p.117-39, 1989.
35
Ibid., p.119.
28

...graças à crise profunda da tradição cultural e da concepção da vida e do


homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência: as escolas de
tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos
imediatos, tomam a frente da escola formativa, imediatamente desinteressada [e
que tendem a perpetuar as diferenças sociais].36

Para M. Weber37, a escola, ou mais precisamente, a universidade se realiza como um

“espaço de crítica”, para além dos acanhados limites da reprodução do conhecimento. Este

sociólogo era a favor da organização dos professores universitários que possa reacender o

“orgulho corporativo” e eleve o peso moral das universidades. A cátedra universitária

“deve ser um fórum onde se debatam as grandes questões inerentes às disciplinas ensinadas

na universidade e não uma arena medíocre onde medíocres dela se valem para a divulgação

de seus pontos de vista paroquiais”.38 No caso da Alemanha, onde vivia, a universidade é

dependente do Estado e, portanto, incentiva uma “obediência política do estudante, em vez

de encará-la como um problema cultural e intelectual”.39 Para o autor, a universidade não

deve ser a favor ou contra o Estado, pois não são inculcadoras de valores morais absolutos,

mas “...deve oferecer ao estudante o hábito de assumir o dever da integridade intelectual, e

isso acarreta necessariamente a necessidade de uma inexorável lucidez a respeito de si

mesmo”.40 Segundo ele, o professor deve se empenhar:

...no aprofundamento da comunicação e no significado intrínseco do


conhecimento, fiel à tradição racionalista e revolucionária, da pesquisa e
interrogação ilimitada, (...) na renúncia a negar-se a si como sujeito, da própria
seriedade e do intrínseco significado do trabalho cotidiano.41

36
Ibid., p.136.
37
Weber, M. Sobre a Universidade: o poder do Estado e a dignidade da profissão acadêmica. São Paulo: Edit.
Cortez, 1989. Capítulo Introdução ao leitor brasileiro.
38
Ibid., p.16
39
Ibid., p.13.
40
Ibid., p.70.
41
Ibid., p.15.
29

Ele defende ainda que o clima de debate intelectual seja suficientemente vivo para

impedir que departamentos confundam autonomia com separatismo, solidariedade entre

seus componentes com “panelas burocráticas”: “o saber universitário implica no incentivo

da criatividade a uma ética do trabalho”.42 Deste modo, ele indica a idéia da capacidade e

necessidade do diálogo entre pesquisadores, professores, departamentos, institutos visando,

ao nosso ver, ao trabalho interdisciplinar.

Em seu capítulo Da idéia de universidade à universidade de idéias, B. Sousa Santos

nos descreve que a instituição se vê duplamente desafiada (pela sociedade e pelo Estado) e

que sua perenidade “está associada à rigidez funcional e organizacional, à relativa

impermeabilidade às pressões externas, enfim, à aversão à mudança”.43 Por outro lado,

como missão eterna, a universidade, segundo ele, é o lugar onde por concessão do Estado e

da sociedade “...uma determinada época pode cultivar a mais lúcida consciência de si

própria”44 na busca pela verdade. Seus objetivos são investigar (porque o âmbito da verdade

é muito maior que o da ciência), ser um centro de cultura (para a educação do homem no

seu todo) e ensino (transmitir conhecimento para a formação integral). O autor enumera os

principais fins da universidade: investigação, ensino e prestação de serviços, declarando

que tal multiplicidade se deu devido a um atrofiamento da dimensão cultural em privilégio

do produtivismo. Segundo o autor, relatórios mais recentes (1987) distinguem até dez

funções para ela, demonstrando as contrariedades e o “caráter utópico e ucrônico da idéia

42
Ibid, p.17.
43
Sousa Santos, op. cit., p.187. De acordo com C. Buarque, o medo e ódio irracional às idéias novas eram
chamados por Carl Jung de ‘misoneísmo’, ou então ‘neofobia’.
44
Ibid., p.188.
30

de universidade”.45 Os ‘produtos’ da universidade não apenas são diversos, mas de difícil

definição e avaliação e ainda competem entre si. Em geral, a investigação colide com o

ensino devido à mobilização de recursos financeiros, humanos e institucionais, o que reflete

indubitavelmente nas relações com o Estado e com a sociedade. “Mecanismos de

dispersão” são então utilizados para se controlar tais tensões sendo que sua gestão falha nas

contradições da produção de padrões culturais médios e de elite (crise de hegemonia), da

hierarquia e democracia entre os saberes (crise de legitimidade) e do duelo entre autonomia

(valores e objetivos institucionais) e submissão (critérios de eficácia e produtividade),

encerrando uma crise institucional. Para Sousa Santos, esta tríplice crise universitária,

eclodida nos últimos vinte anos, criticando ou legitimando o status quo, é mais latente do

que manifesta, pois nem sempre é socialmente visível.

Já para K. Minogue (O Conceito de Universidade46), a divergência entre teoria e

prática na universidade parece ter desaparecido: “esta infiltração da atitude prática nos

escaninhos mais remotos da contemplação aumentou grandemente nosso poder atual, mas

também limitou o alcance de nossa imaginação”. O autor advoga que não é um

“enfraquecimento intelectual”, porém crê que há uma indevida presunção de que pesquisa é

sinônimo de racionalismo e intelectualidade. O estímulo a considerar a educação mais

como um processo mecanicista do que como uma aventura individual é atacado pelo autor,

pois para ele, deve haver uma redução na tradicional diferença entre treinamento

vocacional e educação liberal. Buscando uma “identidade histórica” desta instituição,

Minogue diverge da posição funcionalista, uma vez que a universidade moderna congrega

45
Ibid., p.189.
46
Distrito Federal: UnB, 1986.
31

uma extraordinária miscelânea de atividades e “qualquer tentativa de caracterizar as

universidades em termos de um critério único será inevitavelmente errônea”.47 Para ele, a

verdadeira identidade das universidades está enterrada por “fidelidades morais, doutrinas

políticas, deturpadas lendas acerca do passado, e irrelevantes aspirações no sentido de

mudar a totalidade da natureza da existência humana”.48 Ele defende que se deve distinguir

o acadêmico do intelectual e que as tendências práticas e as inclinações acadêmicas devem

permanecer em colisão e conflito, pois assim podemos compreender49 a nós mesmos.

Deste modo, podemos dizer que há uma grande profusão de idéias a respeito da

instituição universitária e que, talvez por isto, ela está em constante dinâmica, apesar de seu

aspecto sólido e estável e de seu caráter tradicionalista. Tem havido sempre um repensar

sobre ela que atrai e repele sugestões inovadoras, mas a universidade se mostra cada vez

mais ativa e participante na sociedade e permite, portanto, consistir-se num local de grande

potencial, apesar de polêmicas e conflitos permanentes. Podemos perceber ainda que uma

das grandes contradições da universidade e inclusive vista como virtude é a respeito de seu

contato com o externo, uma vez que há uma tendência oposta entre um saber acadêmico,

livresco e teórico isolado de um saber popular, cotidiano e prático, engajado e participativo.

Neste sentido, acreditamos nesta tese, que a institucionalização de cursos em Ciências

Ambientais traz em si uma crítica e ao mesmo tempo uma busca por alternativas ao saber

especializado e fragmentado característico da estrutura universitária. Para nós, o processo

de expansão da interdisciplinaridade em seus quadros, possibilita não somente a

47
Ibid., p. 11.
48
Ibid., p. 167. Neste ponto contrariamos o autor por crer que tais aspirações são legítimas, mesmo assumindo
um viés biologicista. Ou seja, a natureza humana decorre tanto de sua biologia quanto de sua cultura.
49
De cum-prehendere: abraçar, levar a consciência, entender (segundo Bansart, op. cit., p. 184).
32

colaboração entre institutos, departamentos e cursos, mas também uma maior aproximação

e até uma ativa integração dos aspectos didático-pedagógicos com os relativos à

investigação e extensão universitária. Ensino, pesquisa e extensão precisariam estar mais

unidos para que haja melhor reciprocidade entre as duas faces universitárias, interna e

externa. Há dificuldades claras neste meio termo entre abertura e fechamento, mas muitos

pensadores da questão percebem esta possibilidade e inclusive sua urgência, apontando

para a dissolução de tais obstáculos. Fronteiras50 vulneráveis, uma vez que existem ‘poros’

que diluem as divisas e que correspondem a importantes meios de comunicação.51

1.3 Crises e Possíveis Soluções

Para Buarque, “os próximos anos serão ou de formação de uma nova universidade ou

de seu desaparecimento, seja por um revolucionarismo vulgar, seja por um reacionarismo

segregador”.52 O maior problema da universidade, de acordo com este pesquisador, está em

como são feitas as escolhas dos problemas aos quais se dedica.53 A situação universitária

50
A noção de fronteira, parede, individualidade, unicidade pode ser relativizada, pois o limite de cada ente é
sempre mutável. Há, portanto, sempre confronto e inerência entre parte e todo: todo ‘um’ constitui-se de
pormenores. Por outro lado, todo horizonte ou borda é ponto de apoio, eixo de alavanca, pressuposto
epistemológico, pedagógico, estrutura concreta onde apoiamos o pensamento para definir, qualificar,
enquadrar, conceituar, nomear objetos. Dissolver divisas nos leva a um amálgama multiforme e/ou aforme
que não colabora muito com a compreensão das partes. Perde-se por um lado e ganha-se por outro. Resta
saber se esta ‘nova’ e crescente perspectiva anti-reducionista (holística, multi, inter, trans disciplinar) seria
suficiente ou complementar.
51
Comunicação é o processo de interação social pelo qual intercambiamos informações, idéias e emoções,
influenciando reciprocamente significados e comportamentos. Todos nosso atos comunicativos se localizam
em algum ponto do contínuo entre informação e diálogo e todos participam na vida da sociedade: mas ambas
não devem ser entendidas como simples transmissão ou difusão e sim como um processo de relação entre
pessoas (Bordenave, J. D. Comunicação pessoal).
52
C. Buarque, p. 102.
53
Fernandes complementa que o que dá grandeza às universidades não é precisamente o quê elas produzem,
mas “é o que se faz com o quê elas produzem”.
33

desde outrora está entre desenvolver-se a partir de um viés tecnicista, de resolução de

questões de contextos político-econômico amplos, abstratos e teóricos ou então político-

sociais, locais, comunitários e práticos, de interesse mais imediato, mas nem por isto

passageiro. Esta aparente dicotomia é demonstrada pela oposição entre uma cultura erudita,

elitista, individualista e normativa diferenciada de uma cultura popular, democrática,

coletivista, descritiva, universalista, segundo descrito por J. C. Forquin em trabalho sobre

epistemologia escolar.54 Isto, porém não inibe a atuação em ambas as vertentes, em vista da

diversidade de instituições espalhadas pelo mundo, mas que, em geral, são criticadas pelo

afastamento de seu cotidiano próximo, sua inserção político-participativa.55 Ao nosso ver, a

institucionalização de cursos interdisciplinares representa a possibilidade de se lidar com a

extensão de modo efetivo e democrático, promovendo a colaboração entre áreas

acadêmicas e as diversas organizações da(s) sociedade/comunidades.

Para Morin, a universidade ainda permanece participando da bifurcação cultural: de

um lado a cultura das humanidades - que nutre a inteligência geral, que revitaliza o passado

e que chama à reflexão - e de outro a científica - hermeticamente compartimentalizada entre

as disciplinas, valoriza mais o presente e consagra a teoria -, faltando uma adaptação mais

conciliadora, que vise rediscutir a primazia da verdade sobre a utilidade, ou seja, a “ética do

conhecimento”. Segundo Morin:

54
Forquin, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre:
Artes Médicas, p. 11, 1993.
55
Por outro lado, segundo a coordenadora do projeto “A extensão das atividades de ensino nas instituições
brasileiras de ensino superior públicas e privadas”, Eunice R. Durham, o atendimento à população realizado
por estas instituições é muito superior ao que é normalmente admitido nas análises realizadas através das
estatísticas oficiais sobre o Ensino Superior, que se restringem à graduação regular e à pós-graduação strictu
sensu.(informações obtidas através da página da NUPES - Núcleo de Pesquisas Sobre Ensino Superior – USP:
http://www.usp.br/nupes)
34

Há (...) uma pressão sobreadaptativa que força conformar o ensino e a


investigação às demandas econômicas, técnicas e administrativas do momento,
conformar-se com os últimos métodos, com as últimas receitas do mercado, a
reduzir o ensino geral, a marginalizar a cultura humanista (...) pela perda da
substância inventiva e criativa.56

Este autor critica a maneira de se ensinar separando os objetos de seu entorno, as

disciplinas das outras e não relacioná-las, a qual acaba por passar por relações

interpessoais, restrições e mecanismos desumanos da visão determinista, quantitativa e

mecanicista. Tais relações terminam por dissolver e/ou ocultar o que é subjetivo, afetivo e

livre das “inter-retro-ações”, da “causalidade em círculo”, promovendo uma inteligência

cega, inconsciente e irresponsável. Segundo ele, a rigidez da lógica clássica deve ser

corrigida por uma dialógica capaz de conceber noções ao mesmo tempo complementares e

antagônicas, ao nosso ver questão fundamental nesta tese. A reforma da universidade tem

um objetivo vital: a reforma do pensamento que permita o total emprego da inteligência -

uma “reforma paradigmática”. Um pensamento complexo trata de buscar sempre a relação

de inseparabilidade entre todo o fenômeno, seu contexto local e até planetário. Assim, para

Morin, deve-se pensar forma e conteúdo como unívocos, como se pode aferir das

capacidades metabólicas dos organismos vivos em se adaptar ao meio circundante: sua

forma reflete seu conteúdo e vice-versa.

a. Relação Pesquisa - Ensino

Piaget e diversos outros autores (como Briggs e Michaud) apontam para a extrema

necessidade do ensino e da pesquisa se tornarem interdisciplinares, concebendo inclusive a

56
Morin, op. cit., 1997.
35

estreita união entre eles e sustentando que a indissociabilidade entre tais funções é condição

necessária para se perder qualquer conotação dogmática e ilimitada do conhecimento: “...a

arte de ensinar deveria consistir na arte de fazer descobrir”57 ou então na arte de “aprender a

aprender”. Porém, para autores como Teixeira, esta aproximação entre ensino e pesquisa

não pressupõe necessariamente a interdisciplinaridade, enquanto que Buarque comenta que

ainda existe muita dificuldade na dedicação a outras atividades, vista como falta de

seriedade, desperdício de tempo, dispersão. Cita ainda que o desprezo pelas demais áreas,

por exemplo, a História, faz parte da visão fragmentada e alienada, o que dificulta o

entendimento e a solução da crise. H. Japiassu58 defende uma interdisciplinaridade ao nível

de pesquisa, mas também crê que há a necessidade, para este intuito, de uma “nova

pedagogia”. Mas de qualquer modo, em nosso caso, o crescente financiamento de pesquisas

e o aumento de cursos interdisciplinares no país têm também exigido a renovação de um

ensino correspondente, multifacetado e abrangente.

J. Bordenave & A. Pereira (Estratégias de ensino-aprendizagem) colocam a relação

orgânica e dinâmica entre as três funções universitárias: ensino, pesquisa e extensão. Na

verdade, os autores indicam que o objetivo fundamental da universidade é precisamente

esta última e que deve ser redefinida e ampliada para algo como “Promoção da

Comunidade”:

A pesquisa e o ensino viriam então a ser autênticos instrumentos (...),


diagnosticando os problemas fundamentais e procurando soluções para os
mesmos (...) [e] capacitando professores, alunos e grupos da comunidade para

57
Apud Lins Filho, J.B.C. Primeiro ciclo das universidades brasileiras e interdisciplinaridade. Rio de
Janeiro: PUC, dissertação em Educação, p.31, 1979.
58
Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
36

aquele mesmo diagnóstico de problemas e para a aplicação de problemas


encontrados.59

Assim, a pesquisa se tornaria um genuíno instrumento de ensino através de uma

educação ‘problematizadora’ ou ‘libertadora’ e não ‘bancária’ ou ‘convergente’. De acordo

com estes autores, aquela parte das seguintes idéias: a) só conhecemos bem aquilo que

transformamos, nos transformando a nós mesmos, b) a participação ativa e o diálogo entre

professores e alunos é essencial no desafio de se solucionar problemas, portanto “a

aprendizagem é concebida como resposta natural do aluno ao desafio de uma situação-

problema” e c) a aprendizagem através da pesquisa, decorre quando o aluno passa de uma

visão sincrética ou global a uma analítica do problema (teorização), objetivando uma

síntese provisória que tem continuidade na práxis, na realidade transformadora da

realidade.
Teorização

Pontos-Chave Hipóteses de Solução

Observação da Aplicação à Realidade


Realidade (‘problema’)

REALIDADE

Figura 1. Esquema do arco (apud Bordenave & Pereira).

59
Petrópolis: Vozes, 14a edição, p.12, 1994.
37

Os autores comentam que a estrutura do ensino, por conseguinte, deve ser reformada.

Ela consistiria em enfocar não as disciplinas, mas os processos ou fenômenos importantes,

estudando-os na forma complexa como eles se apresentam na realidade e aportando, a seu

estudo, as contribuições das diversas disciplinas de forma integrada. No modelo integrado,

então, “as disciplinas são chamadas a contribuir conjuntamente ao estudo de assuntos

complexos, selecionados como processos importantes que o aluno deve conhecer e

dominar”60, formando um currículo tridimensional.

Neste sentido, utilizamos as idéias de Buarque, que percebe a insuficiência tanto de

cada ramo da ciência no entendimento da realidade quanto da própria sociedade no objetivo

da construção de um mundo mais ético e humanista. Seu livro A Aventura da Universidade

trata da capacidade de retomarmos o gosto de aventurar-nos em direção ao novo, do poder

de rebrotar:

...da certeza à dúvida, do materialismo aos valores culturais, da evolução


teórica à revolução das idéias, da modernidade técnica à modernidade ética, da
linguagem que se afirma neutra a uma linguagem que assume seu caráter ético,
da arrogância do antropocentrismo para a consciência do valor da natureza na
construção e enriquecimento do homem, da prioridade à economia para uma
prioridade à econologia.61

Para a reforma da instituição, Morin crê que se deve reformar também as mentes de

educandos e educadores através de uma auto-educação problematizadora da ciência, da

técnica, do progresso, da razão - uma racionalização abstrata, pensando em termos

transdisciplinares. Segundo o autor, a racionalidade e o cientificismo reinantes têm

60
Ibid., p. 103. Isto corrobora com as sugestões de aplicação das disciplinas por grandes temas da atualidade
apontados por pelo menos dois entrevistados.
61
Op. cit., p. 17. ‘Econologia’ seria para o autor, uma mistura de ética como propósito, ecologia como objeto
global de análise e economia como racionalidade do processo.
38

começado a ser redefinidos e complexificados a partir dos trabalhos de Bachelard, Popper,

Kuhn, Holton, Lakatos.

A reforma não partirá do zero. Há ciências multidimensionais como a


Geografia, que cobre um campo muito vasto, partindo da geologia aos
fenômenos econômicos e sociais. Há ciências que se têm tornado poliscópicas,
como a História que abarca a multidimensionalidade das realidades humanas
em seu devir, tal como a pré-história que questiona todos os aspectos
complexos da humanização. Ademais, uma reorganização do saber tem
começado em e pelo reagrupamento de disciplinas até então dispersas. Assim, a
Ecologia Científica, as Ciências da Terra, a Cosmologia são ciências
polidisciplinares que têm por objetivo não apenas um setor ou uma parte, mas
sim um sistema complexo: o ecossistema e mais amplamente a biosfera, o
sistema terra, o Universo...62

Segundo ele, a reforma da universidade implicaria na instauração de departamentos

ou institutos dedicados às ciências que operem uma reintegração polidisciplinar ao redor de

um núcleo organizador sistêmico; progrediria com a reintegração futura das Ciências

Biológicas, Ciências Sociais e elaboraria os dispositivos que permitiriam a coordenação do

conjunto de Ciências Antropo-Sociais e do conjunto das Ciências da Natureza. Morin

defende que, a fim de instalar e ramificar um modo de pensamento complexo que permita a

transdisciplinaridade, a universidade deveria em um primeiro momento introduzir nela um

“dízimo transdisciplinar” (segundo a Conferência Internacional de Lucarno, em 1997), isto

é, um décimo do ensino poderia ser consagrado aos problemas transdisciplinares, tais

como:

• a relação cosmo-físi-bio-antropos;

• o circuito das ciências, segundo Piaget (que as faz interdependentes);

• os problemas da complexidade nos distintos conhecimentos;

62
Morin, E., op. cit., p.53.
39

• literatura e ciências humanas e

• ciência, ética e política.

A reforma do pensamento é uma necessidade social chave: formar cidadãos capazes

de enfrentar os problemas de seu tempo, buscando o desenvolvimento de uma “democracia

cognitiva”. Enfim, Morin indica um modo de pensar capaz de ligar e solidarizar

conhecimentos separados ou desmembrados e capaz de prolongar-se em uma ética da

dependência e solidariedade entre humanos. Para ele, “a universidade deve superar-se para

reencontrar-se. Então se inscreverá mais profundamente em sua missão transecular que,

assumindo o passado cultural, se adiantará ao novo milênio a civilizar”.

Veremos mais adiante no capítulo III que a interdisciplinaridade está sendo

substituída pela intenção transdisciplinar principalmente nos países centrais onde a primeira

já tem certo acúmulo de experiências. Veremos, por enquanto, a relação social da

universidade e, em seguida, a situação histórica e atual desta instituição em nosso país.

b. Relação com a Sociedade

Na relação com o meio social, a universidade tem construído um misto de

assistencialismo e elitismo, acostumada a não dar devidas atenções para o mundo prático,

refletindo certo hermetismo: erudição ao invés do conhecimento. Seu ‘paradigma’, como

apontado por P. Freire63, não deveria ser voltado ao interior ou exterior, mas a ambos,

explicitando o compromisso do profissional com a sociedade. Para Morais, “não há dúvida

de que deve acontecer muito maior aproximação entre a universidade e o cotidiano sócio-
63
Freire, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
40

comunitário; mas (...) não pode ser confundida com diluição de identidade - ou simples

banalização do universitário ou sofisticação do comunitário”. 64 Três riscos são apontados

pelo autor nesta interatividade: trocar a prática acadêmica pela militância partidária; o

perigo da tentação da cultura-ornamento (algo imitativo e sem vitalidade) e a tentação da

cultura tecnocrática em legitimar-se prometendo modernização. Um “inconcebível

monismo na percepção da cultura e do saber”, segundo K. Minogue, faz as coisas serem

vistas quantitativamente; um saber maior na academia e menor fora dela. Tudo se passa

como se à universidade interessasse somente a verdade e, ao mundo prático, a eficácia -

uma coisa ligando-se à outra pela aplicação. “Na verdade, meio social geral e meio

universitário em específico formam um tecido simultaneamente contínuo e descontínuo”,65

assim como a condição humana e ambiental no planeta.

Em oposição a Teixeira, Sousa Santos crê que uma crise de hegemonia, que já se

iniciava desde finais do século XIX (período do capitalismo liberal) em “dessintonia com

as exigências sociais”, confirma-se com a cultura de massas do pós IIa. Guerra Mundial nas

polaridades: alta cultura – cultura popular, educação – trabalho e teoria - prática. No embate

cultura-sujeito x cultura-objeto, a massificação da universidade acentuou esta dicotomia,

mesmo com a deselitização da ‘aristocracia’ que via a instituição como “produto do projeto

iluminista”.66 No confronto mundo ilustrado x mundo do trabalho, que se configura ainda

mais no período do capitalismo organizado, houve uma transformação com “a separação

temporal entre mundos intercomunicáveis”: a educação para o trabalho, buscando

compatibilizá-los. A formação e o desempenho profissional, segundo o autor, tendem a

64
Op. cit., p.40.
65
Op. cit., p.44. Grifo inserido.
66
Op. cit., p.194.
41

fundir-se, mas a dicotomia permanece, pois “produtores” e “consumidores” requerem perfis

educacionais distintos e, portanto, novas, menores e mais flexíveis instituições têm surgido,

pois a universidade tradicional não tem dado conta da educação profissional. Devido às

incertezas no mercado de trabalho nas últimas décadas, verifica-se um “regresso ao

generalismo”, ou seja, a passagem de uma “formação não-profissional para um

desempenho pluriprofissional”67, que visa a preparação para condições imprevisíveis em

oposição ao treinamento específico, mas cujas atividades “criem flexibilidade, promovam o

desenvolvimento pessoal e agucem a motivação individual” (segundo a Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico).68 No conflito teoria e prática, historicamente

como produtora de conhecimento científico através da investigação pura, fundamental ou

básica, a universidade, para o autor, ainda segue ideologicamente a “busca desinteressada

da verdade”.

Sousa Santos esclarece que a crise de legitimidade (hierarquia x democracia entre

saberes) segue a reboque da crise de hegemonia (popularização x elitização), uma vez que

as classes baixas buscam trabalho (prática) e as altas buscam educação (teoria) e, portanto a

universidade tem tentado incorporar, com grande dificuldade, ambos pólos. Ambas crises

irão desaguar na crise institucional (autonomia x submissão), no período de capitalismo

desorganizado, quando sua pseudo-autonomia enfrenta “a crise do Estado-Providência

[sinônimo de cortes orçamentais] e a desaceleração da produtividade industrial nos países

67
Ibid., p.198.
68
OCDE. University under scrutinity. Paris, 1987. Apud Sousa Santos, ibid., p. 198.
42

centrais [sinônimo de crise financeira]”.69 Sousa Santos ressalva a dificuldade em se avaliar

a produção universitária e menciona os modelos quantitativista e economicista, lembrando

da irredutibilidade daquele a este, já que muitas teses não significam eficiência. Porém, “a

lógica da rentabilidade do investimento tende a favorecer o curto prazo...” e o “arquétipo do

produto social definido quantitativamente é o industrial”.70 Por outro lado, há o perigo da

desvalorização da especificidade universitária, uma vez que se reflete no processo de

produção acadêmica.

No primeiro capítulo de Antropologia filosófica, “A crise no conhecimento do

homem sobre si mesmo”, E. Cassirer (apud Morais) compara a quantidade de dados sobre o

ser humano ao de seu desconhecimento, uma vez que o número de estudos não corresponde

ao grau de articulação:

...uma ‘espinha dorsal’ capaz de integrar os informes obtidos numa grande


estrutura de entendimento. (...) São raros os estudiosos que têm ensaiado
análises que sejam meios para uma síntese integradora.

Para Morais, tanto na ciência quanto na universidade há um ‘revezamento’ de

pensamentos extremos: na primeira, desde um deslumbramento acrítico (originado do

cientificismo dos séculos XVIII e XIX) à “iconoclastia pura e simples, num gosto

orgiástico pela demolição”.71 Na outra, tanto uma defesa triunfalista do tipo “templo do

saber” e “celeiro do futuro”, quanto acusações levianas resultantes “de sérias distorções

ideológicas”, como as que revivem o ‘mito do bom selvagem’, golpeando o caráter

repressivo e não-criativo da universidade. As faltas de senso crítico e de esforço por uma

69
Ibid., p.214. Para Simon Schwartzman (Ciência, universidade e ideologia: a política do conhecimento. Rio
de Janeiro: Zahar, 166 p., 1984), a universidade passa por crises do ideal de democratização, da educação
funcional, da qualidade e da universidade científica e crítica.
70
Ibid., p. 217.
71
Op. cit., p. 18.
43

reflexão de conjunto são, para o autor, as nossas carências e, portanto, ele concordaria

conosco perante a necessidade de uma maior integração interdisciplinar que possa deflagrar

ações inovadoras. 72

Morais, sobre a questão da extensão universitária, discute entre ‘comunidade’ (grupos

primários, espontâneos, afetivos) e ‘sociedade’ (secundários, artificiais, racionais),

discernindo que o primeiro termo pode ter sido usado para os que viam extensão como o

“que começa dos portões da universidade para fora”.73 Decorrente desta situação, o autor

aponta para a crise de identidade universitária: carência de tradição histórica, descaso dos

governos no investimento em capacitação para docência e pesquisa e os conflitos internos

entre elitização e democracia. Ou seja, falta de projeto global da atuação institucional

reunindo conjunto de valores didático-pedagógicos e acarretando um arquipélago com ilhas

distanciadas.

Portanto, a extensão deve acontecer, mas derivada de posicionamento mais claro do

meio acadêmico e do fim dos conflitos de identidade, harmonizando os elementos que a

constitui. Cremos que, a partir da busca interdisciplinar de uma síntese dinâmica, possa

haver tal elemento de discussão mais satisfatório perante a sociedade.

Teixeira nos lembra que as universidades norte-americanas, buscando uma instituição

mais eficiente, criaram uma espécie de “laissez-faire universitário”, o que possibilitou um

acordo entre os conflitos internos a partir da possibilidade de se experimentar tanto a

imersão de uma atmosfera intelectual, quanto à produção de pesquisas livres e

independentes, a oferta de serviços de participação na solução de problemas comunitários

72
Segundo Freire (op. cit., p.32), “a educação é mais autêntica quanto mais desenvolve este ímpeto
ontológico de criar”.
73
Morais, op. cit., p.67.
44

etc.74 Reunindo uma variedade de culturas (humanistas, cientistas e tecnologistas) e

subculturas, desde uma espécie de vila industrial, a multiversidade americana passou a ter

um senso de comunidade, lembrando uma civilização com riscos e oportunidades; com

menos propósitos comuns, mas com mais possibilidades. A pesquisa se tornou a mais

importante das funções, embora a maioria dos cientistas também seja professores e

consultores. Segundo Teixeira, isto só foi possível com a confiança de que o ser humano

age melhor em liberdade (de ensinar e de aprender), revendo e reconstruindo sua ação,

levando longe o espírito de serviço e de pesquisa aplicada, de participação na civilização

contemporânea (uma mistura entre o intelectualismo germânico e o populismo americano).

Assim, a separação entre ciência e aplicações da ciência quase deixara de existir.

Os papéis por excelência das universidades, para Sousa Santos, são “as condutas de

pensamento, as metodologias de pesquisa, o senso crítico, as técnicas de documentação e a

estruturação mais palpável das personalidades dos educandos”75 e para tanto, deve-se

pensar integralmente universidade ‘na’ sociedade e não ‘e’. Morais76 indica três

modalidades de extensão visando desenvolver este pensamento: 1) de desdobramento ou

aperfeiçoamento de ex-alunos, 2) de intercomunicação com contato, intercâmbio entre as

ilhas, procurando superar as idiossincrasias dos elementos separados e 3) como serviço

prestado à sociedade: fertilização recíproca entre instituição e seu meio. Isto se daria

buscando-se compatibilizar vida universitária e vida social ampla e mudar a vida docente e

discente com a inserção da solidariedade e do realismo prático, editando conhecimentos

74
Teixeira cita que “a indústria do conhecimento é hoje (...) o fator central no crescimento nacional dos
Estados Unidos.” (p. 65)
75
Sousa Santos, op. cit., p.26.
76
Morais, op. cit., p.75.
45

importantes ao público. O autor indica duas opções: montar e dinamizar grande centro de

extensão universitária ou delegar atribuições extensionárias aos setores ou unidades,

descentralizado geográfica e administrativamente. Mas como a maior parte dos autores aqui

citados indica, a nem uma das opções é dada tanta importância quanto ao ensino e à

pesquisa nas universidades brasileiras.

Buarque considera que ao longo dos seis séculos da história da universidade, tanto no

Brasil, na América Latina ou no restante do mundo, pouco se mudou na estrutura em

faculdades e baseada nas cátedras.77 Ele percebe atualmente que há um acuamento da

universidade, pois “as massas despossuídas a ignoram, os quadros de classe média deixam

de vê-la como um passaporte à riqueza, os capitalistas optam por institutos isolados”. Mas a

crise maior, para ele, está na perda de uma razão epistemológica e ética: novos campos do

conhecimento surgem rompendo categorias ultrapassadas e a instrumentalização humana

perde o sentido para um mundo melhor. Ele relaciona passos para a universidade “navegar

as mudanças” e não sofrê-las; lidar com rupturas não apenas de ajustes teóricos no

conhecimento e nos métodos, mas no modo de se ver e se estar num mundo em transição,

entendendo tais mudanças e educando-se para o futuro. Ele denomina “universidade sem

fronteiras” aquelas que procuram seguir os processos resumidos no seguinte quadro,

distinguindo a universidade tradicional de uma inovadora:78

Da especialização Ao novo renascimento holístico

77
Buarque cita uma única reforma real na Universidade de Sussex em 1961 que buscou a
multidisciplinaridade. “A estrutura interdisciplinar é feita possibilitando aos estudantes adquirirem um amplo
horizonte acadêmico estudando tópicos além daqueles diretamente aliados ao assunto principal, promovendo
assim uma fertilização cruzada do conhecimento entre os temas.” (texto obtido da página da internet da
University of Sussex: http://www.uwsp.edu/cnr/waee/Events/midwest.htm, com livre tradução).
78
C. Buarque, op. cit., p. 33-51.
46

Da submissão à tecnologia À submissão da tecnologia

Da arrogância do desprezo à natureza À modéstia de um neo-antropocentrismo

que se preocupe com o equilíbrio ecológico

Da ilusão de identidade com o povo À consciência do isolamento

Dos preconceitos terminológicos Às novas conceituações

Da forma definitiva A uma permanente reciclagem

Da produção isolada À rede do saber

Da crise À nova universidade

Concordando com Buarque, Morais e Sousa Santos, acreditamos que, sem perder sua

função investigativa e transmissora e até mesmo pela sua função social de atuação perante à

realidade de quem ali convive diretamente, o trabalho de pesquisa e ação através de núcleos

interdisciplinares pode vir a contribuir inclusive para potencializar gastos estatais. As

atuações junto a empresas e organizações não governamentais, tanto em pesquisas de ponta

como em ações mais locais, não deveriam ser contraditórias, mas complementares,

compondo um amplo campo de atuação para o estudante e o professor universitários.

1.4 Constituição Brasileira da Universidade

Segundo Maria da Graça C. Lisboa79, a universidade moderna pode ser pensada como

resultante do racionalismo de Descartes e o empirismo de Locke no século XVII e que

79
Lisboa, M. G. C. Primórdios da idéia de universidade no Brasil. Rio de Janeiro: UGF. Tese de doutorado
em Filosofia, 1988.
47

levaram ao iluminismo europeu no século seguinte. Esta autora cita ainda que um “saber

prático” na origem das universidades na Península Ibérica se deu pela influência da

presença mulçumana, culminando na reforma universitária em Portugal. No Brasil, na

época da vinda da Corte no século XIX, quando foram fundadas as primeiras escolas

superiores, a idéia de universidade, ainda bastante elitista, sofreu influências filosóficas do

ecletismo de Cousin e do positivismo de Comte.80 O positivismo, segundo a pesquisadora,

acreditava “ser possível organizar a humanidade de forma científica, de modo a conduzi-la

a sua plena realização no campo científico e social”. Com esta miríade de influências, a

autora conclui que não poderia mesmo existir alguma homogeneidade no pensamento da

elite brasileira com respeito à organização acadêmica do ensino superior e que haveria

preferência tanto por escolas isoladas quanto por universidades. Portanto, sua instalação no

país apresentou dificuldades: “a falta de prestígio que a instituição apresentava devido à

transição do modelo medieval para o moderno; a repulsa à centralização burocrática (...) e a

laicização da instituição...”. Em 1823, segundo a autora, a Constituinte aprovou a criação

de duas primeiras universidades (em São Paulo e em Olinda), mas a decisão de se criar

cursos jurídicos em escolas isoladas, a falta de bacharéis para os lugares de magistratura e

principalmente as insurreições no país promovendo uma “fragilidade nacional”81, fez o

surgimento da universidade no Brasil recém independente ser postergado por mais um

século.

Morais relata que já o México e o Peru tiveram universidades no século XVI e o

Chile e a Argentina no XVII, situação esta que, para Buarque, fez com que a universidade

80
Mauro Santayana, no prefácio do livro de Cristovam Buarque, lembra que o conservadorismo e uma
“arrogante presunção” foram também herdados da origem ibérica da universidade.
81
Lisboa, op. cit., p.217.
48

brasileira se desenvolvesse nos moldes dos países desenvolvidos que exigiam eficiência de

cada faculdade independente. No Brasil, contou-se com um ensino incipiente, pois desde o

início do século XIX, as escolas eram raras e elitistas. O interesse em trazer estrangeiros

para fortalecer o progresso da ciência possibilitou, no final do século, o aumento no

combate a doenças e pragas tropicais e a criação, por conseguinte, de institutos de pesquisas

biomédicas (Butantã, Oswaldo Cruz, Biológico de São Paulo). A realidade propriamente

universitária brasileira tem cerca de 80 anos e, neste sentido, podemos perceber como se

apresentam inovadores os cursos interdisciplinares quando tratam da questão ambiental no

país, buscando quebrar ou pelo menos reduzir esta citada independência entre faculdades

que visaria à eficiência e não à interação.

Para Teixeira, o Brasil não representa um papel original no desenvolvimento do

ensino superior, mas tem copiado as idéias de outrora e distantes ou absorvido “idéias fora

do lugar”, como diria R. Schwartz.82 Desde antes da Independência, estas idéias se

formulavam a partir de Coimbra, as quais, por sua vez, eram ainda reflexos das origens

medievais e estrangeiras. Após este período inicial, formaram-se no país, escolas

profissionais de direito, medicina, engenharia e artes militares. Já no século XX,

continuamos a ter instituições governamentais “frouxamente coordenadas”, embora

perseguindo a autonomia. Na década de 30, formam-se as Faculdades de Filosofia, Ciências

e Letras dentre outras, procurando ampliar o quadro universitário, porém estas se tornaram

escolas independentes de preparo do professor secundário. “Em rigor, a universidade entre

nós, nunca foi humanística nem de pesquisa científica, mas simplesmente profissional, à

82
Schwarz, R. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro.
São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1977.
49

maneira de algumas universidades antigas”, com influências francesas e germânicas, mas

com substrato português, ibérico. Assim, demonstra-se que, desde então, o isolamento de

cada uma (até mesmo entre medicina, farmácia e odontologia), “revive a estrutura

corporativa medieval”, uma vez que a própria reunião sob forma de universidade fez-se

com visível resistência: “No Brasil temos uma série de oligarquias (congregações) isoladas

e independentes, unidas por uma reivindicação em torno do orçamento, que é federal e feito

e votado fora da universidade”.83 De acordo com Teixeira:

... nenhuma outra instituição parece tão natural como esta e evolui, como as
coisas naturais, por leis próprias ou sem lei nenhuma. Deixa-se levar e, deste
modo, se transforma, sem saber bem como se está transformando. ...As nossas
escolas superiores deixam-se ir e se vão, assim mudando, aos trancos e
barrancos, e de repente, se vêem diferentes...84

J. Leite Lopes, em Ciência e Universidade no Terceiro Mundo: a experiência

frustrada do Brasil85, nos conta que a partir da IIa. Guerra Mundial, se tornou evidente a

profunda relação dos poderes econômico, industrial e militar, “o que levaria indiretamente à

institucionalização da ciência em plano nacional”. Ou seja, de uma simples atividade

criadora no plano individual em sua origem, a pesquisa científica se transforma em

elemento participante das estruturas de poder ao nível mundial. Assim, de acordo com

Lopes, a desigualdade científica e cultural entre nações se agravou devido a fatores

econômicos e políticos, fazendo com que a ciência e a tecnologia sejam fatores importantes

para a prosperidade de um limitado número de países. Em nosso país, o desenvolvimento

83
Teixeira, op. cit., p.73. Grifos inseridos. A ditadura proporcionou ainda a proliferação de faculdades
isoladas sem tradição de pesquisa.
84
Ibid., p.75. Rubem Alves (Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez, p.79, 1984) compara a
situação dos cientistas e educadores à de remadores de uma galera: todos se congratulam com a velocidade do
barco, mas não sabem e nem querem saber para onde ele está indo. O debate interdisciplinar levanta tais
questões: para onde vai o barco e para onde queremos que ele siga?
85
In: Furtado, C. et al. Brasil: tempos modernos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2a edição, 1977.
50

da ciência tem sido promovido por uma quantidade reduzida de cientistas que nem sempre

entram em conflito com grupos tradicionalistas dominantes. De acordo com o autor, a

educação no Brasil ainda é questão de privilégio, resultado de uma tardia fundação das

escolas de ensino superior mal estruturadas em universidades e que “... não estimulam a

formação da atitude científica sociologicamente significativa”.86 Lopes cita que apenas em

1951 criou-se o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) permitindo que cientistas possam

se dedicar exclusivamente a suas pesquisas, obter recursos para programas específicos e

oferecer bolsas de aperfeiçoamento no país e no exterior. Na relação universidade e

empresas, estas não têm interesse em estimular os centros de pesquisa pública, fazendo

surgir uma conjugação de interesses de grupos dominantes “que está longe de favorecer o

desenvolvimento da educação, da ciência e da tecnologia no país”.87 Para o autor, a

comunidade científica não deve ficar ausente das questões sobre a importação passiva de

conhecimentos e técnicas, mas estimular a ciência com autonomia política no país.

Morais lembra que as universidades são produtoras e disseminadoras de

conhecimento em seus próprios países, além do sistema internacional. Lembrando o

neocolonialismo, ele escreve sobre as instituições centrais (produtoras) nas fronteiras do

conhecimento e que imprimem a direção, promovem modelos funcionando como pináculo

do sistema acadêmico e as periféricas (reprodutoras) que “copiam desenvolvimentos

estrangeiros e produzem pouco que seja original”. Portanto, para ele, não basta apontar o

“traço estetizante ou mimético da vida cultural brasileira”: é preciso olhar para a história da

86
Ibid., p.142. Nos parece que a maior parte dos cursos pesquisados contribui com um componente
sociológico crítico-reflexivo primordial em nossa sociedade.
87
Ibid., p.150.
51

inteligência brasileira, “... que tem sido um longuíssimo episódio de submissões”.88 Deste

modo, cumpre fazer fundamentar-se o cosmopolitismo da universidade no atendimento aos

compromissos locais e que “... estejam contempladas as necessidade básicas da

sociocultura, na qual se planta qualquer universidade”.89 Isto é, contrapor à tecnologia de

ponta uma “de corpo”, mais rudimentar, mas mais urgente a um povo, encontrando um

“sábio equilíbrio” entre o particular (localismo) e o universal.

Na relação entre produtividade e sociabilidade, Morais defende uma “moralidade

básica”, um aspecto ético além dos corporativismos, permissividades e jogos escusos. Ele

reflete sobre a relação entre um realismo econômico e um cultural na administração da

universidade defendendo que aquele nunca deve sobrepujar este.

Como é evidente, isso exige ampla visão dos seus administradores, como,
destes mesmos, uma especial criatividade administrativa. Se tal for impossível,
as instituições acadêmicas se destinarão a ser melancólicas empresas pobres ou,
no dizer popular, ‘fábricas (de diplomas) sem chaminé’.90

A universidade como fator de desenvolvimento tecnológico e produtividade esbarra

na centralidade das investigações e nos interesses dos agentes econômicos privilegiados na

nova ordem econômica internacional, as grandes empresas multinacionais: “a ‘distorção

comercial’ acaba por transformar-se numa ‘distorção institucional’”. Assim, segundo Sousa

Santos, se explica o “declínio das humanidades e das ciências sociais, áreas de menor

comerciabilidade...91”, embora reclamadas pelo novo generalismo (interdisciplinar). Na

Europa, a universidade faz do isolamento sua centralidade, “resguardada das pressões

88
Isto parace ser outro fator que indica a forte presença do corpo de pesquisadores entrevistados exigindo um
campo multi e interdisciplinar.
89
Morais, op. cit., p.21.
90
Ibid., p.31. Nos EUA, existem universidades que são parcialmente custeadas por cadeias de supermercados,
de cooperativas ou de lojas de departamentos.
91
Sousa Santos, op. cit., p.204.
52

sociais”92, sua responsabilidade está reduzida à cooperação com a indústria. No entanto, no

imaginário simbólico de muitas universidades e muitos universitários no país permanece “a

concepção mais ampla de responsabilidade social, de participação na valorização das

comunidades e de intervenção reformista nos problemas sociais”, exemplificado pelo

trabalho implementado por Cristovam Buarque na Universidade de Brasília.93

Porém, de acordo com Morais, ao contrário das ameaças sociais dos ativismos

ideológicos de 60 e 70, hoje sofremos de um ‘silêncio passivo’. “É chegado um tempo no

qual a tradição deve ser apreciada e preservada em seus aspectos frutíferos e positivos, mas

também deve ser negada em suas contradições e aparatos preconceituais”.94 Baseado na

obra de H. Carrier, o autor crê que a reafirmação do valor da afetividade, o amor pela

natureza, o fascínio por experiências extra-sensoriais, a afirmação da própria identidade e a

esperança de justiça social e igualdade são as principais expressões culturais que pedem

espaço na universidade.95 A estes, ele soma a dificuldade dos novatos em distinguir a

crítica ao cientificismo de uma crítica ‘descalibrada’ à razão como tal, que leva ao

voluntarismo indisciplinado e a rejeitar tudo o que os convoque à autodisciplina racional, a

certo “sentimento oceânico” sem diferenciações da vida e senso de adequação e a

dificuldade de discernir ascendências morais e intelectuais.96 Para ele, a obsolescência do

92
Ibid., p.208.
93
“A UnB, a partir de 1985, iniciou um processo de reforma, através da implantação do que se chamou de
‘universidade tridimensional’, onde cada universitário participa não só de seu departamento, mas também de
um núcleo temático e de um Núcleo Cultural”, embora apenas uma parte dos alunos participe integralmente.
(Buarque, op. cit., p.97).
94
Morais, op. cit., p.22.
95
Dos cinco pontos indicados, o último é o que parece mais expressado nas entrevistas, embora algo seja
esboçado quanto à afetividade e ao amor pela natureza.
96
Na pós-graduação, em se tratando de profissionais, não são novatos, não apresentando, portanto, em geral,
tais tendências.
53

saber se faz combater com o fator primacial para o século XXI - a educação (posição esta

confirmada em muitos dos depoimentos obtidos).

Por outro lado, de acordo com Regis de Morais, para um país que até a década de

1920 não contava com nenhuma universidade, o Brasil apresenta hoje números

importantes, uma vez que até 1987 já contávamos com 79 universidades (sendo, entre

federais, estaduais e municipais, 50 públicas e entre comunitárias - confessionais ou leigas -

empresariais, 29 particulares). Em termos de instituições isoladas de ensino superior,

contávamos com 768. “Em pouco mais de 60 anos, algumas universidades - sobretudo do

sudeste e do sul - ergueram seu prestígio no país e nas relações internacionais de ensino e

pesquisa”. Segundo o autor, nos anos 60, o Ministério da Educação e da Cultura e o Banco

Mundial (USAID) esforçaram-se para que nossas instituições acadêmicas fossem cópias

dos piores modelos norte-americanos, resultado da reforma de 1968 e do AI-5, cujo arbítrio

promoveu a desculturalização e a despolitização e, por conseguinte a ‘deseducação’. Para

ele, o principal eixo em torno do qual se deve repensar o papel das universidades é o

antropológico:

...os meios acadêmicos têm que se desalojar dos seus velhos e cômodos hábitos,
aceitando o desafio de flexibilizar-se no atendimento às novas expressões
culturais e subtrair-se aos pragmatismos empresariais e consumistas e voltar a
interessar-se pela recuperação do sentido humano na sociedade científico-
tecnológica de consumo, além de viver o contexto da região em termos de
intercâmbios e serviços. (...) Trata-se de fazer o discurso acadêmico o mais
audível e inteligível para a sociedade, tirando-lhe a aura de um reduto de
excêntricos inacessíveis.97

Ao mesmo tempo, nesta evolução, ocorrem modificações interessantes de se

conhecer, como lembrado por Teixeira: as Ciências Biológicas se aproximam das Médicas,

97
Ibid., p.34. Grifo próprio. Veja capítulo sobre um aparente ‘ecletismo’ nacional.
54

as escolas politécnicas podem dar origem aos institutos tecnológicos, a Física acaba por

encontrar um lugar nas faculdades de Filosofia e os institutos agronômicos e biológicos

acabam por integrar as escolas de Agricultura. Não apenas meras expansões quantitativas,

mas verdadeiras transformações qualitativas de peso. Segundo o autor, a integração ainda

não logrou total êxito, a universidade moderna brasileira organizada para a pesquisa apenas

começa e os serviços voltados aos problemas práticos comunitários são exemplos ínfimos.

As mudanças esbarram nos medos de novidade, na “resistência nacional a tudo o que possa

mesmo remotamente constituir-se fator de mudança social”.98 Ele crê que ela se agita, não

se conforma e se sensibiliza pelos novos tempos e que os aspectos modernos do trabalho de

pesquisa une cientistas e técnicos, independente de fronteiras, se ocupando dos mesmos

problemas. Uma possível previsão surpreendente feita pelo autor, uma vez que escrito em

1964 quando mal se falava em interdisciplinaridade – o que deve seguramente estar sendo

considerado pelo autor.

Ao Brasil, Buarque confere o potencial de repensar não apenas a universidade, mas

também o mundo, sendo um país raro, pois, embora tenha integrado parte da população à

cultura, à técnica e ao consumo dos “países-com-maioria-rica” a custa da desintegração

social, percebe que dispõe de uma massa crítica de pensadores capazes de formular

alternativas. Ele defende que um novo método exige transgressão, praticando-se a dúvida,

contestando as verdades, problematizando o real, tanto no método de pesquisa, quanto no

de ensino e no de avaliação (a crise da hegemonia, de acordo com Sousa Santos).

98
Teixeira, op. cit., p.78.
55

Florestan Fernandes escreve em seu livro Educação e Sociedade no Brasil99 sobre a

crise do ensino a partir de um ponto de vista otimista, embora realista. Crê que nossas

instituições têm vitalidade, são plásticas ao novo, suscetíveis e em processo e, portanto com

muitos erros. Mas, se procuramos responsáveis, seus males são transitórios e provocados

por todos nós, e, sob nosso ponto de vista, estão sendo sanados, como podem ser

observados a partir da institucionalização de grupos e equipes de trabalhos coletivos e

interdisciplinares com projeção também para além dos muros acadêmicos. Segundo ele:

Diante do espetáculo que assistimos, de falta de escolas, de ensino irregular e


deficiente, de irresponsabilidade nas inovações introduzidas nos programas, na
seriação das matérias ou na organização do próprio sistema escolar, o que
podemos pensar senão que os problemas educacionais brasileiros ainda não se
tornaram suficientemente chocantes para acordar e rebelar os interessados mais
diretos?100

O autor aponta para cinco barreiras ao ensino: a pobreza da nação; o desenvolvimento

populacional heterogêneo, demográfica e economicamente; escassez de recursos técnicos e

humanos; incompetência administrativa; incompreensão e alheamento dos problemas

mundanos e baixo nível intelectual médio. O desequilíbrio é permanente, mas a vontade

individual tem que ser em escala social, pois a construção de uma “inovação com

fundamento racional” em consulta com a realidade social, seria uma solução coletiva.

Porém, o sistema escolar não se entrosa com seu meio e com os novos tipos de organização

social que o cercam e mantêm. A estrutura deve ser flexível para acompanhar os avanços

do conhecimento, uma vez que a educação é alicerce do desenvolvimento econômico e do

99
São Paulo: Dominus/USP, 1974.
100
Ibid., p.115.
56

progresso social, mas deve começar pela valorização social do professor, que passa “por

uma espécie de desmoralização coletiva...”.101

Fernandes esclarece que o que dá grandeza às universidades não é precisamente o quê

elas produzem, mas “é o que se faz com o quê elas produzem”, pois há pouco intercâmbio

extra-universitário e não há estímulo e diálogo nos setores intra-universitários, gerando

isolamento dos diferentes pensamentos. Isto acarreta um clima de insegurança,

autoglorificação, dificulta a cooperação interinstitucional e destrói a comunicação.102 Para

tanto, necessita-se de “mudanças radicais de mentalidade (...) fora dos chamados círculos

acadêmicos”, pois as universidades sobrevivem por forças ou recursos externos, os

chamados por ele de “controles reativos” ou indiretos. O autor defende que deve se “inserir

as universidades no horizonte intelectual do homem comum” com “audácia e imaginação”.

Em seu capítulo Liberdade de pensamento e ensino universitário, ele declara que do

professor se espera não apenas transmissão de conhecimentos, mas também influência na

organização escolar, progresso do saber científico (descoberta e propagação de

conhecimentos originais) e relacionamento com a administração pública. Ele lembra

Durkheim quando se refere a uma “‘solidariedade orgânica’, nascida da interdependência

de instituições que concorrem, de forma autônoma, mas coordenada, para a satisfação das

necessidades sociais”.

Para Regis de Morais, “há uma ambígua relação de fascínio e estranheza, atração e

rejeição, e mesmo de amor e ódio entre o meio social e as universidades”103, explicada

talvez pela falta de tradição de sua valorização, por que elas existem há apenas poucas

101
Ibid., p.122.
102
Ibid., p.206.
103
Ibid., p.9.
57

décadas, “quando outras nações latino-americanas vivem a realidade universitária há três ou

quatro séculos”. Pode ser também devido a uma “fragmentação desnorteante do cotidiano”

(classes sociais, divisão de trabalho, espaços) que repercute na vida escolar e daí um:

... pauperismo ético caracterizador de uma sociocultura na qual é cada vez mais
difícil conviver, na qual as pessoas cada vez mais ansiosamente competem.
Todo individualismo é fator de degenerescência e pressuposto da indigência
ética, indispondo todos com todos na exata medida em que o outro deixa de
aparecer ante mim como companheiro (cunpane) e passa a ser sentido como
ameaça.

Individualismo este que ocorre na relação entre professores, alunos e administradores,

correspondente a uma perda do senso de propriedade no trato humano, desrespeito e

anomia (o que Kant chamava de ‘cancro social’, segundo Morais104). Propício à

proliferação da “mediocridade” e “incompetência pretensiosas”, na universidade, a situação

é agravada pela tendência ao distanciamento do meio social, o que demonstra a

ambigüidade, uma vez que os próprios indivíduos universitários se encontram inseridos

nele. Para Morais, a anomia de nossos tempos traduz a crise moral que promove a falta de

respeito mútuo e pelas instituições:

...tudo que é humano integra-se a um universo axiológico implícito ou explícito


e tem responsabilidades para com o meio social. O espaço humano, da família à
grande sociedade, é um espaço político e o cidadão não pode fingir-se de
neutro. Eis por que o individualismo se constitui em uma deformação
essencial.105

Portanto, para este autor, deve haver nas universidades “condições para que se

compreenda epistemologicamente a relação entre prática científico-tecnológica e

104
Morais, ibid., p.12. Para Bansart, a afirmação do Eu não significa a negação do outro, mas ao contrário: é
no jogo de encontro entre ambos que eles se auto afirmam num enriquecimento mútuo, cooperativo e
complementar. (op. cit., p. 194).
105
Morais, op. cit., p.51.
58

responsabilidade social”106, uma vez que o indivíduo em si não passa de uma formidável

abstração assim como o coletivo - o que há de concreto no tecido da vida relacional é o ser

humano com o ser humano. Para ele, no Brasil, e não só neste país, as universidades ainda

não perceberam sua verdadeira natureza (ou proposta) e suas tarefas, já que elas ainda

constituem como arquipélagos, nos quais os institutos e faculdades são ilhas às vezes

mesquinhas:

...numa ilha acantoam-se os cientistas irados com os filósofos e os artistas;


noutra fazem sede os filósofos tradicionais tartamudeando uma linguagem
esotérica, descompreendendo os artistas e com despeito pela performance
socialmente mais aplaudida dos cientistas; numa terceira ilha, os artistas - em
sua maioria - erguem o trono de Dionísio, cultivam uma concepção orgiástica
de arte e pouco querem saber de pensamento e ciência. No entanto, toda essa
gente poderia pôr-se em comunicação civilizada, do que certamente resultariam
maravilhosas interfecundações. [Estas,] ...entre diferentes áreas de
conhecimento, precisam ter lugar por cima dos orgulhos ou das inseguranças de
muitos.107

E isto parece ocorrer, embora existam inúmeras exceções, principalmente dentre aqueles

menos especialistas (ou mesmo entre estes). Profissionais de grande rigor científico e

profundidade teórica trazem consigo, muitas vezes, uma mistura de solidão, curiosidade e

uma certa tendência em se envolverem com assuntos diversos, inclusive aparentemente

contraditórios, mas potencialmente complementares. Contra essa dedicação exclusiva a um

único assunto, existem físicos-músicos, matemáticos-poetas, biólogos-fotógrafos,

arquitetos-atores e/ou economistas místicos que se equilibram em ambas ou mais vertentes

conformando um possível ecletismo a la brasileira. Percebemos ainda, como no caso dos

entrevistados nesta pesquisa, que diversos cientistas também contribuem com

miscigenações raras, porém promissoras como no caso de vários ramos em contato com a

106
Ibid., p.52. Grifos inseridos.
107
Ibid., p.27-8. Grifos inseridos.
59

Historia, a Geografia e principalmente com a Filosofia. Ao mesmo tempo, se percebe que

há aproximações das áreas que resultam em híbridos (porém férteis) como a Sociobiologia,

a Ecologia Humana, a Economia Ecológica e a História e a Ciência Ambiental, por

exemplo. Parece haver, num panorama geral (mas também arriscado) da sociedade

brasileira, um potencial para esta miscigenação entre áreas, científicas ou não: um

generalismo útil e fecundo, não holisticamente reducionista (veremos isto mais à frente na

análise dos cursos e numa tentativa de abordar características principais de uma

‘brasilidade’ propriamente dita).

A seiva alimentadora da existência universitária vem da própria sociedade, sendo que

os frutos daquela devem ser revertidos a esta; mas isso é algo mais complexo e mais a

médio prazo do que uma simples prestação de serviços assistenciais. Para Morais, estes

últimos têm grande mérito e devem existir, mas não podem esgotar a razão de ser do

projeto universitário em sua essência.108 O autor usa o termo ‘teoria antivida’ às

elaborações do pensamento que se fazem decididamente herméticas, talvez para tentar

esconder sua irrelevância. Em oposição, “teoria da vida” seria aquele trabalho solidário que

procura responder: “Qual a relevância humana, nacional ou local do que pesquisamos?

Como os frutos de nossas investigações poderão ser oferecidos, de forma direta ou indireta,

à sociedade? Em que medida enriqueceremos nossa docência e a nós mesmos como pessoas

com o que pesquisamos?”109 Sobrevivência institucional ou promoção do ser humano? Para

se obter o primeiro, Morais delata que se fazem concessões inadmissíveis que distanciam a

universidade dos seus propósitos iniciais.

108
Ibid., p.46.
109
Ibid., p.47.
60

Em relação às dificuldades internas no meio acadêmico, Niuvenius Paoli, em seu

texto Para repensar a universidade e a pós-graduação110, explicita sobre suas

transformações após a reforma de 1968, quando foi extinta a cátedra111, que era a unidade

básica de organização da universidade, passando esse caráter ao departamento. Mas este,

segundo o autor, em nome de uma suposta nova racionalidade econômica e tendo

conseqüências educacionais muito fortes, ficou distanciado dos cursos e “transfigurado

num espaço de alocação de professores de uma mesma disciplina ou área do

conhecimento”.112 A ‘unidade’ universitária de ensino e pesquisa não significava, porém

união entre teoria e prática e a segmentação entre departamentos e cursos promoveu “um

deslocamento de responsabilidades que se propunham coletivas e que passaram a ser mais

individualizadas”.113 Ou seja, para Paoli, houve a separação entre o ‘sujeito pensante’ (o

lado pensamento/concepção/planejamento) distante do lado da execução, segmentando,

burocratizando e disciplinando os espaços e atividades educacionais de um modelo

verticalizado e centralizado. Além disto, o professor perdeu a visão do ensino como um

todo, restringindo-se às suas práticas, concentradas nos conteúdos de sua disciplina,

enquanto o aluno sofreu o regime de créditos, que, de acordo com o autor, configurou-se

num dilaceramento, sem turma única e num curso sem articulação orgânica. Pode ter

havido ganho em eficiência administrativa, mas provavelmente não em formação

humanista e cidadã, tanto no corpo docente quanto no discente.

110
Campinas: UNICAMP, Debates, 2a ed., 1985.
111
A reforma ocorreu um mês antes de ser sancionado o Ato Institucional no 5 pelo regime ditatorial e no
período pós Maio de 1968 em Paris, quando estourou o movimento estudantil responsável por inúmeras
manifestações político-ideológicas em todo o mundo (apud Paoli).
112
Ibid., p.13.
113
Ibid., p.14.
61

Para o autor citado, ocorreu a partir daí, uma separação organizacional do

conhecimento no interior da universidade, mediante a caracterização da graduação como

uma escola de consumo e a pós-graduação como de produção do saber. Neste sentido, há

uma preponderância no caráter quantitativo da avaliação dos cursos através de relatórios

exigidos pelo governo e para as dificuldades de recuperação de um teor mais crítico pelo

corpo docente, esbarrando em resistências pela inércia, pela desilusão e pelo

conservadorismo. O poder, segundo ele, não pode ser encarado apenas por um “mecanismo

de mando”, mas também se traduz em formas de convivência democráticas e/ou

autocráticas entre grupos e pessoas, decorrentes de uma série de fatores históricos e

estruturais, oriundos, provavelmente, não somente de duas décadas de ditadura, mas de

nosso passado colonial e escravagista. O autor indica, por fim, a necessidade de se manter a

diversidade interna da universidade, através de formas criativas de transformação, evitando

a homogeneização e possibilitando abrir espaços para expressão inovadora de nossa

capacidade de indignação não apenas coletiva, mas individual, de alcance imediato, direto.

Veremos na análise das entrevistas as perspectivas dos pesquisadores quanto às

dificuldades da institucionalização de cursos interdisciplinares, que, via de regra, tendem a

curar a fratura entre departamento e curso, teoria e prática.

A meta da democratização do acesso ao ensino superior muitas vezes contradiz a da

formação de pesquisadores. Exemplo: deve-se investir mais em laboratórios ou em salas de

aula? Por isso o governo brasileiro tem chegado à conclusão de que é preciso distinguir

entre centros universitários, dedicados exclusivamente ao ensino e universidades, que

deverão investir na integração entre ensino, pesquisa e extensão. Esta idéia pragmática e de

curto prazo é inevitável, mas certamente não é solução para a qualidade de ensino. Isto
62

porque a maioria dos universitários brasileiros, segundo esta perspectiva, ficará presa a

centros meramente reprodutores do conhecimento científico. Na realidade, isto reforça a

confusão entre instrução (treinamento) e educação. Gera-se um ensino superior

inferiorizado. Mesmo nas instituições que deverão integrar ensino, pesquisa e extensão,

predomina a departamentalização, o corporativismo e, portanto, um obstáculo

institucionalizado à exigência de resultados científicos feita pela sociedade e pelo

empresariado. Neste caso, percebe-se um dilema entre a formação de tecnólogos e a

formação de pesquisadores capazes de integrar equipes interdisciplinares para enfrentar

problemas complexos. Se depender das preferências do mercado, se multiplicará o número

de especialistas de segunda categoria, restando saber quem vai investir na formação de

cientistas de primeira categoria, na pesquisa básica ou pura, que não oferece resultados e

soluções imediatas, mas que permite vislumbrar novas dimensões da realidade.114

R. Macedo, em artigo intitulado O pós na graduação115, defende uma formação mais

interdisciplinar nos primeiros anos dos cursos de graduação, uma vez que as pessoas com

formação mais flexível enfrentam melhor a disputa por oportunidades. Deste modo, ele crê

que uma maior flexibilidade curricular, dando maior espaço para se incorporar disciplinas

de outras áreas será vantajosa e cujas mudanças dependerão muito dos próprios

professores.116 Como resultado de uma ‘sombra’ da pós-graduação na graduação, os cursos

114
Veja artigos relacionados de M. Chauí (A universidade operacional. Folha de São Paulo, 9 de maio de
1999, Revista Mais) e de L. Paraguassú (Universidade pública poderá cobrar taxas. Jornal Correio
Braziliense, 11 de junho de 1999).
115
Publicado no jornal O Estado de São Paulo, 4 de novembro e no Boletim da UFMG em dez. de 1999.
116
Currículos são resultados de fatores internos e externos que formam mudanças nas disciplinas. É reflexo de
forças prático-utilitárias, abstratas, saberes populares e tendências da sociedade. Desenvolve-se a partir da
regulação social imprimida por: lutas de poder e prestígio entre profissionais, interesses pessoais, forças,
rituais, dominação entre classe e gênero, antigos (veteranos) e novatos (calouros). O ideal para a educação
acaba por ser relegado a grupos locais, disputas internas que conformam a realidade acadêmica. Se o currículo
63

são forçados para a especialização precoce, ao contrário do que ocorre nos EUA, onde a

liberdade curricular é ampla e se dá vazão ao desenvolvimento de inteligências múltiplas

(bastante em acordo com os debates que têm ultimamente surgido sobre o tema). Mas a

pressão econômica sobre os gastos em educação é sempre enfatizada, pois todo

investimento visa maior retorno e mais rápido possível. A educação sempre esteve

basicamente a reboque da economia, porém ela apresenta um papel político e social maior e

deveria não apenas ser capaz de possibilitar a democracia, mas também de torná-la

essencial.

Segundo R. Moreira117, existem algumas teses equivocadas na relação sociedade e

universidade: de que o saber científico e técnico é neutro, crítico e superior, que o papel da

universidade é produzir e transmitir o saber técnico e que ela atende aos interesses da

sociedade. Como nosso interesse aqui é a respeito da interdisciplinaridade, iremos nos ater

aos aspectos circunscritos a esta temática. Para ele, a inspiração disciplinar da tradição

moderna, cartesiana-newtoniana, é a base do reducionismo e da concepção dual da

realidade (objetivo-subjetivo, corpo-mente, matéria-espírito, infra-estrutura-superestrutura):

“O mundo construído disciplinarmente, por conceitos, teorias e técnicas de cada ciência e

profissão, representa no contexto da tradição um mundo segmentado, recortado e

fragmentado”.118 Portanto, a crise do conhecimento científico se apóia no conhecimento

disciplinar, estreita e simplificadora, também dentro de uma universidade tecnicista,

não se altera, demonstra origem de grupos definidos, solidificados, dominantes e com disciplinas estanques,
contrários ao currículo integrado e flexível. Seu discurso pedagógico é regulativo, fruto de uma escola
reprodutora que não recontextualiza-se no confronto com a dinâmica do real: a dimensão Normativa (versus a
Emancipatória) do conhecimento.
117
Moreira, R. J. Sociedade e universidade: cinco teses equivocadas. Rio de Janeiro: UFRRJ/CPDA. Revista
Estudos, no. 3, nov., p.124-34, 1994.
118
Ibid., p.127.
64

porquanto a análise do real dificulta a compreensão geral, enquanto a síntese é insuficiente

para detectar nuances da totalidade. Assim, partimos para uma análise crítica do

conhecimento científico, uma vez que o não estudo das questões complexas e

interdependentes da realidade social despolitiza alunos, cientistas e técnicos universitários,

que percebem a ciência como progresso material e tecnológico, sem questionamento. O

autor defende que uma mudança na grade curricular poderia favorecer o desenvolvimento

de um profissional menos tecnicista e mais crítico, ativo e participante, relativizando a

especialização, ampliando o campo da criação e possibilitando a cooperação

interdisciplinar. Neste tipo de trabalho, há necessidade de se romper a falsa dicotomia

sujeito-objeto, as explicações reducionistas e lineares de causa-efeito e as práticas

autoritárias, buscando valorizar a postura crítica científica e cultural. Ou seja, “é uma

questão de mudança de mentalidade”.

Em outro artigo, Moreira119 indica alguns argumentos associados às novas

qualificações profissionais necessárias:

1. a especialidade não deve ser rígida e o sistema curricular deve ser misto;

2. a flexibilidade deve ser curricular e também cognitiva;

3. a crítica se faz através de debates atuais e pela compreensão dos processos sociais da

formação profissional;

4. a visão crítica deve se dar sobre a perspectiva das relações sociais da profissão;

5. inserir questões referentes à responsabilidade técnico-profissional e sócio-política e

6. contribuir para a solidificação da cidadania e da democracia na sociedade.

119
Moreira, R. J. Formação profissional das ciências agrárias: questões da atualidade. Anais do XXXIV
Cong. Bras. de Econ. e Soc. Rural, vol. 3, 1996.
65

A leitura deste breve panorama geral da educação universitária nos permitiu

visualizar que, na dinâmica de institucionalização das universidades várias, tensões se

apresentam nos espaços acadêmicos.120 A saber:

• Teoria e prática; erudição-teoria e prática-técnica; ensino, pesquisa e extensão;

• Na definição dos objetivos: humanismo-tecnicismo; trabalho intelectual e manual;

tecnicismo e politecnicismo; espaço e definição do campo do exercício da crítica;

• Inter-relações entre universidade e sociedade: cultura erudita, elitista, individualista e

normativa e cultura popular, democrática, coletivista, descritiva, universalista;

interações com a sociedade, setor empresarial, comunidades; hierarquia e democracia;

prática-teoria; autonomia-submissão; tensões epistemológicas e éticas;

• Distorção comercial-institucional; declínio das humanidades; cooperação com a

indústria e responsabilidade social; atendimento de novas expressões culturais e

pragmatismo consumista e empresarial; discurso acadêmico hermético e excêntrico e

discurso acadêmico audível e inteligível para a sociedade; intercâmbio com o extra-

universitário; prática científico-tecnológica e responsabilidade social. Interlocução

criativa e comunicativa entre áreas de conhecimento: a questão departamental e

disciplinar como barreira; separação entre graduação e pós-graduação e novos espaços

interdisciplinares; rigidez técnica e disciplinar e flexibilidade e multi,

interdisciplinaridades.

120
Algumas destas questões serão levantadas em caráter de hipóteses de trabalho e serão examinadas nos
capítulos seguintes. Outras serão levantadas apenas para apontar campos de tensões, não sendo objeto desta
pesquisa, como por exemplo, financiamento e suporte dos programas etc.
66

2. Características Básicas dos Cursos121

Vistas algumas das complexas relações intra e extra universitárias, sua ontologia – a

universidade enquanto ser social - e sua fisiologia – a universidade enquanto orgânica,

pretendemos agora visualizar as especificidades da criação dos programas em suas

estruturas, suas interações com as várias instâncias de construção e legitimação do saber

científico, ensino e pesquisa e com a sociedade abrangente. Neste item, para complementar

os aspectos já brevemente mencionados, descreveremos as características principais dos

quatro cursos selecionados, de acordo com o observado e com as informações adquiridas

nas respectivas páginas eletrônicas. Nosso objetivo é o de procurar identificar algumas das

tensões vivenciadas no processo de sua institucionalização. Em seguida, descortinamos as

características principais dos pesquisadores entrevistados a partir de sues próprios

depoimentos.

2.1 Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre - UFMG

A pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre (ECMVS)

foi instituída em 1989 como um curso interdepartamental, sob a responsabilidade dos

departamentos de Biologia Geral, Botânica e Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas

da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG), onde é ministrado. O doutorado

foi, por sua vez, iniciado em 1997. O curso mantém cooperação mútua com os demais

departamentos do ICB e com o Instituto de Geociências e possui convênios e acordos de

121
Em anexo (E), encontra-se uma tabela resumindo as características gerais de cada curso.
67

colaboração firmados com inúmeras instituições nacionais e internacionais, como o

Instituto Estadual de florestas de Minas Gerais - IEF/MG, Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, Fundo Mundial para a Natureza -

WWF, Universidade da Flórida e Conservation International. O curso tem convênio de

apoio com a Fundação Biodiversitas juntamente com o Serviço de Fauna e Pesca dos

Estados Unidos (US Fish and Wildlife Service), sendo que este patrocina parte dos recursos

desde o ano em que foi implantado, mantendo a qualidade. O programa tem recebido boa

classificação da CAPES, o que comprova ser legitimado neste campo.

Seu objetivo principal é a formação de especialistas em nível de mestrado e

doutorado em uma área que pode ser amplamente definida como “Ecologia, Conservação e

Manejo da Biodiversidade”. A ênfase principal é o manejo de espécies animais e vegetais,

terrestres e aquáticas, visando o uso sustentável e o estabelecimento de mecanismos

ecológicos geradores e mantenedores da biodiversidade. Os egressos deste curso objetivam

ter bases ecológicas necessárias para atuar em ensino, pesquisa, conservação, manejo e

educação ambiental em universidades, institutos especializados e empresas, realizando

estudos de avaliação de impactos ambientais e recuperação de áreas degradadas. Além

disso, devem estar capacitados a participarem de programas de desenvolvimento de

agências governamentais e organizações de iniciativa privada.

Seu corpo docente é formado por dezesseis professores orientadores permanentes,

sete professores orientadores externos e sete professores participantes. As linhas de

pesquisa variam bastante e, embora tenha o viés bastante restrito às Ciências Biológicas, o

programa oferece a oportunidade de estudo em agroecologia, avaliação de impactos

ambientais, conservação de ecossistemas, manejo e recuperação de áreas degradadas e


68

unidades de conservação.122 As disciplinas obrigatórias ao mestrado são Biogeografia,

Ecologia de Comunidades, Ecologia de Populações e Ecologia e Manejo de Vida Silvestre

I, sendo que as optativas abrangem assuntos, dentre outros, como legislação brasileira,

climatologia, solos, geomorfologia e cartografia. As dissertações versam por sub-áreas

como ecologia aquática, comportamento, manejo e recursos naturais, desenvolvendo

pesquisa com diversos elementos da fauna e da flora, em represas, reservatórios, lagos e

rios (ciclos reprodutivos, dinâmicas populacionais, sucessão e estruturas de comunidades,

estratégias adaptativas, taxas de crescimento, interações tróficas, padrões de distribuição

geográfica, etc). A bibliografia recomendada na seleção é voltada à ecologia e à biologia da

conservação.

Em 1991, o Programa de Apoio e Desenvolvimento à Ciência e Tecnologia/Sub-

Programa de Ciências Ambientais - PADCT/CIAMB aprovou um amplo projeto de ensino

e pesquisa, desenvolvido pelo ECMVS juntamente com o Centro de Desenvolvimento e

Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG -

CEDEPLAR/FACE. Este projeto visou à criação de uma nova linha de ensino e pesquisa,

enfocando as interfaces entre Ecologia, Demografia e Economia, através de disciplinas

integradas e o desenvolvimento de pesquisas conjuntas na região do médio Rio Doce, em

Minas Gerais.

122
Em anexo (F), dispomos a lista completa de linhas de pesquisa, disciplinas optativas, dissertações e
bibliografia recomendada para a seleção.
69

2.2 Meio Ambiente e Desenvolvimento – UFPR

A Universidade Federal do Paraná, tendo acompanhado e participado dos Seminários

Nacionais sobre Universidade e Meio Ambiente, inspirou-se para implementar um

programa de formação, pesquisa e extensão na área das Ciências Ambientais, com enfoque

interdisciplinar. As atividades já implementadas pela UFPR na área ambiental, mesmo de

caráter monodisciplinar ou setorial, permitiram-lhe um acúmulo de conhecimento e

experiência que viabilizou a criação de uma estrutura destinada a coordenar esta iniciativa.

Assim, em 1990, surge o NIMAD - Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente e

Desenvolvimento - originado de uma reflexão aprofundada, envolvendo professores de

vários setores, especialmente da Tecnologia, Ciências Agrárias e Ciências Humanas, sobre

as relações da questão ambiental com os modelos de desenvolvimento, visando a

proposição de soluções para problemas ambientais.

A evolução deste projeto no âmbito da UFPR foi polêmica, marcado por debates

acadêmicos, que o testaram e aprimoraram (tensões estas referidas em entrevistas). Em

1993, é implantado o Programa de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento,

contando com a colaboração da administração da universidade e com a ativa participação

de comissões de implantação, formadas por docentes provenientes de diferentes

departamentos e por pesquisadores e professores de instituições francesas (destaques para

Paris VII, Bordeaux II e a École de Hautes Études en Sciences Sociales), além do próprio

NIMAD. O Programa está hoje vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós Graduação e foi

aprovado pelo Conselho de Ensino e Pesquisa da UFPR.


70

A restrição do curso ao nível de doutorado está intimamente ligada a uma de suas

principais diretrizes conceituais. Seu objetivo primário é a construção de uma visão

integrada dos problemas pertinentes a meio ambiente e desenvolvimento. Para os

organizadores do curso, é ilusório esperar formar um especialista interdisciplinar em meio

ambiente, no âmbito de um programa acadêmico forçosamente limitado a poucos anos. Um

objetivo mais realista é capacitar profissionais que já possuem uma especialização, para um

trabalho de integração nas interfaces de um objetivo novo. Seu objetivo é, portanto

promover a interação de profissionais já especializados em suas respectivas áreas de

formação, com título de mestre ou experiência equivalente.

O programa tem o objetivo geral de formar profissionais qualificados para identificar,

analisar e avaliar os problemas ambientais decorrentes do processo de transformações

econômicas e sociais. O enfoque e a prática interdisciplinares, relacionados com a reflexão

dos problemas concretos do desenvolvimento, norteiam as preocupações com a

sustentabilidade dos sistemas naturais e sociais. A interdisciplinaridade é vista como um

processo de conhecimento resultante da própria natureza do campo ambiental e da

problemática do desenvolvimento sustentável, que se insere na relação existente entre

natureza e sociedade.123

A estrutura do curso está assentada na indissociabilidade das atividades de formação

e pesquisa. O programa procura constituir-se, portanto, num espaço de reflexão teórica e de

prática de pesquisa, a partir da interação de profissionais especializados em suas respectivas

123
Além do curso interdisciplinar em Meio Ambiente e Desenvolvimento e o de Engenharia e Ciências dos
Materiais do Setor de Tecnologia no Centro Politécnico, a universidade oferece um curso de pós-graduação
intersetorial na área de Tecnologia e Exatas: Métodos Numéricos em Engenharia Mecânica Computacional -
Programação Matemática.
71

áreas e já envolvidos com a temática. O curso fornece instrumentos teóricos, conceituais e

práticos para o diálogo interdisciplinar, organizando o programa de pesquisa de cada turma

em torno de áreas de concentração previamente definidas.

Suas linhas de pesquisa são: Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural, Meio

Ambiente e Desenvolvimento Urbano e Teoria e Metodologia do Meio Ambiente e

Desenvolvimento. Seu corpo docente permanente é composto por dezesseis pesquisadores

nacionais e estrangeiros, dentre doutores em Filosofia, Ciências Sociais, Sociologia,

Ciências Florestais, Antropologia, Ciências Humanas, Oceanografia, Economia, Geografia,

Sociologia da Educação e Geologia. Os professores participantes são pesquisadores de

outras unidades da UFPR e de inúmeras instituições de ensino e pesquisa: UFRJ,

UNICAMP, USP, UEM, UEL, UFSC, UFRS, Université d`Orleans - França, etc.

Quanto ao currículo do curso, as disciplinas obrigatórias que compreendem três

módulos privilegiam o conhecimento teórico e metodológico relacionados com meio

ambiente e interdisciplinaridade. Um quarto módulo de aprofundamento temático e

instrumental tem o intuito de atender o interesse de formação pessoal do aluno ou do tema

de sua tese. Nesse caso, o aluno tanto poderá cursar disciplinas no Programa de Doutorado

em Meio Ambiente e Desenvolvimento como em outras Unidades da UFPR, ou fora dela,

em comum acordo com o comitê de orientação.124 Como resultado de suas atividades, o

programa publica uma série de cadernos “Desenvolvimento e Meio Ambiente” desde 1994.

124
Em anexo (G), seguem detalhes de cada módulo do curso, temáticas das linhas de pesquisa e as teses
defendidas.
72

2.3 Estudos interdisciplinaridade de Comunidades e Ecologia Social - UFRJ

O Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social

(EICOS) está ligado ao Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da

UFRJ. Este Programa tem em seu quadro onze professores permanentes, um visitante e

quatro professores colaboradores, distribuídos em áreas principalmente da Psicologia,

Sociologia, Educação e Comunicação.125 Abrigando atualmente os cursos de mestrado e

doutorado, o EICOS, seguindo uma direção interdisciplinar, tem por objetivos a formação

diversificada de professores e alunos em estudos teóricos e em pesquisas aplicadas nas

áreas de psicossociologia de comunidades e de meio ambiente.

O curso de mestrado, oficialmente reconhecido em 1993, obteve conceito A na

avaliação da CAPES em 1994/95 e atualmente é avaliado com notas 4. A proposta de curso

de doutorado foi também aprovada, sendo iniciado em 1999. Quanto ao perfil, atuação e

trajetória dos alunos, tanto o curso de mestrado como o de doutorado congregam alunos

com formação em diversas áreas acadêmicas, destacando-se Psicologia, Arquitetura,

Engenharia Ambiental, História, Biologia, Ciências Sociais e Comunicação. Suas linhas

seguem três eixos básicos de cursos e de pesquisa:

- EIXO I: Desenvolvimento Cultural, Comunidades e Ecologia Social, cujas linhas são:

Aspectos psicossociológicos da dinâmica cultural, Instituições e redes associativas formais

e informais, Eco-desenvolvimento, desenvolvimento sustentável e desenvolvimento

endógeno de comunidades, Preservação ambiental e cultural de comunidades e Identidade

social e movimentos sociais.

125
Tem ainda representantes da Física, da Antropologia e da Oceanografia.
73

- EIXO II: Estudos sobre Gênero, Meio Ambiente e Desenvolvimento. Linhas: Modelos

culturais do masculino/feminino e sua ligação com o meio ambiente, O imaginário e a

psiquê ecológica contemporânea, Relações de gênero na família e nas comunidades e O

processo de desenvolvimento em suas dimensões culturais e psicossociais.

- EIXO III: Epistemologia e Ética em Estudos de Comunidades e de Desenvolvimento.

Linhas: Subjetividade/objetividade em pesquisa, Alteridade/identidade na produção de

conhecimentos, Fundamentos éticos na pesquisa e Metodologias, cognição e cultura.

Há o intuito de elaboração e publicação da produção do EICOS referente à sua

participação no PDBG, a publicação de dois números da série Documenta e a realização de

um Seminário Nacional sobre Gênero e Desenvolvimento. Também será publicado mais

um número do Caderno de Alunos, com artigos produzidos pelos mestrandos.

A UNESCO Chair on Sustainable Development and Gender Issues faz parte de uma

convenção assinada com a UFRJ, sediando no Programa EICOS a programação das

atividades. A Cátedra UNESCO está também implantando um sistema de consulta, via

internet, dos resultados de projetos sócio-ambientais do Programa, que ficarão

disponibilizados. Os primeiros resultados a serem disponibilizados serão os do Projeto de

Mobilização Social realizado junto às populações do entorno da Baía de Guanabara, em

diversos municípios, participação esta que demonstra sua tendência ao viés extensionista.

As disciplinas oferecidas compreendem temáticas, sobretudo das Ciências

Humanas, versando assuntos desde internet e análise do discurso até cultura brasileira,

movimentos sociais, educação, eco-desenvolvimento, sociologia do lazer, ecologia social e


74

eco-feminismo etc.126 Dentre as dissertações defendidas, os temas variam bastante, como

por exemplo, estudos em atividade criativa infantil, desenvolvimento cultural urbano,

gênero, racismo, saúde, produção rural familiar, turismo, desenvolvimento social, consumo,

cidadania, psicoterapia, direitos humanos, drogas, família, exclusão social. Por outro lado,

indicamos alguns dos temas pesquisados relacionados mais diretamente com as Ciências

Ambientais: discurso empresarial, poluição, educação ambiental, desenvolvimento

comunitário, profissionais do lixo, representações sociais, desenvolvimento sustentável,

normas ambientais, conceito de meio ambiente etc. Alguns dos exemplos de produção

intelectual referente ao tema demonstram temáticas diversas como ecologia humana,

concepções e representações sociais de Ecologia e meio ambiente, paradigma, turismo

sustentável, participação, envolvimento comunitário, sustentabilidade, projetos de

desenvolvimento, etnociência, educação comunitária etc.

2.4 Ciência Ambiental - USP

O PROCAM foi lançado no final de 1989, em nível de mestrado. Trata-se de um

curso interunidades, ministrado sob a responsabilidade da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e

com a participação de vários institutos, faculdades e escolas dos campos de conhecimento

correlatos a problemas ambientais, abrangendo Ciências Humanas, da Vida, da Terra,

Exatas e Aplicadas. Á Comissão de Pós-Graduação, responsável pela condução do

126
Em anexo (H), ao final da tese, seguem dados sobre as disciplinas oferecidas, títulos de dissertações
defendidas e exemplos de produção intelectual docente e discente.
75

programa, cabe promover a integração entre as atividades de ensino e pesquisa e a prática

concreta do diálogo interdisciplinar. Foram concluídas 38 dissertações entre 1994 e 1998.

Os professores orientadores e responsáveis por disciplinas pertencem a diferentes

unidades da universidade, sendo que são efetivamente participantes do programa aqueles

que são orientadores credenciados. A dinâmica de trabalho obtida no desenvolvimento do

curso tem contado com participação do corpo discente. O corpo docente é composto de

cerca de trinta e sete orientadores credenciados e um orientador pontual, que definem as

linhas de pesquisa127 das mais variadas perspectivas como antropologia do campesinato,

geografia agrária e médica, aqüicultura, geoprocessamento, gestão de tecnologia de

pequenas empresas, hidrodinâmica, neuroimunomodulação, farmacologia e toxicologia

comportamental, políticas públicas etc. As disciplinas obrigatórias são as seguintes: Teoria

e prática da pesquisa científica interdisciplinar, Sociedade e meio ambiente, Terra e

ecologia e Avaliação e controle de impactos ambientais, além dos Seminários de

integração.

O programa tem sede própria que se localiza em anexo do prédio da Reitoria,

utilizando também auditórios vizinhos e os situados nas unidades que efetivamente

participam do programa, principalmente na Faculdade de Economia e no Instituto de

Biociências. A bibliografia indicada nas disciplinas básicas também versa por um amplo

aspecto de assuntos ligados ao meio ambiente, diretamente ou não, como nos seguintes

casos: sociedade de risco, inovações tecnológicas, método sociológico, movimento social,

subjetividade, cidadania e emancipação.

127
Segue em anexo (I) o total de disciplinas oferecidas, uma lista de bibliografia indicada para as disciplinas
básicas e títulos de algumas dissertações defendidas.
76

Das dissertações defendidas, percebemos que os temas se equilibram entre o estudo

das Ciências Naturais e Humano-Sociais: preservação, saúde e sócio-diversidade, dinâmica

sedimentar e atividade local, agricultura sustentável, grandes empreendimentos e alterações

ambientais, discurso e comunicação de massa, formação de agentes, mineração e

gerenciamento ambiental, análise e manejo, reciclagem de resíduos sólidos e coleta

seletiva, EIA/RIMA, unidades de conservação, recursos naturais, valoração econômica,

políticas públicas, embate político capital – trabalho, avaliação ambiental, segurança

alimentar, uso do solo, comunicação ambiental, auditoria ambiental, manejo sustentado,

limnologia, acidentes químicos, modelos tecnológicos, celulose, reserva extrativista etc.

3. Caracterização dos pesquisadores entrevistados

A mudança funciona como um trabalho meio


de bastidor, dos Dom Quixotes, que também
têm problemas por serem assim, não são
entendidos e pela questão real de mercado, da
crise econômica, etc, que mostra claramente
que desse jeito a gente vai acabar.
(UFRJProfB)

Como ficou claro no item de metodologia, entrevistamos professores e alunos dos

diferentes programas. A análise das entrevistas, portanto, trabalha em um nível de abstração

complicado. De um lado, agrega membros dos corpos docente e discente de programas que

não têm ligação e sociabilidade estreita entre si. Esta agregação é um artefato desta

pesquisa que tenta levantar a possível formação de uma comunidade acadêmica voltada à

interdisciplinaridade ambiental. De outro lado, dentro de cada programa trabalhamos com


77

um número bem restrito de entrevistas, por várias razões, dentre elas tempo e suporte

financeiro. Em favor desta unificação, pressupomos que o imaginário social da academia,

da cultura contemporânea e de seus meios de comunicação socializam o debate sobre

natureza, cultura, interdisciplinaridade e meio ambiente de uma tal forma que as falas de

cada entrevistado não deixam de estar referidas e formadas por este referencial, bem como

pelo referencial mais direto e cotidiano de sua sociabilidade acadêmica em seu programa de

pós-graduação. Esperamos assim que a análise do discurso dos entrevistados revele, ao

mesmo tempo, algo sobre o global e algo sobre cada um dos particulares, demonstrando

uma visão das questões e das visões sobre a questão interdisciplinar em Ciências

Ambientais de nossa contemporaneidade do pós-80.

Como apontado por M. Coutinho128, o necessário debate sobre o risco ambiental

provocou um ‘boom’ de novos profissionais de natureza bastante versátil, pois em geral

houve uma confluência de militâncias políticas com as ambientais, ocasionando uma

penetração de termos e discursos científicos em muitas esferas. Estas combinações podem

ser descritas através dos inúmeros periódicos recentes que envolvem mais de uma das

Ciências – Biológicas, Humanas e Exatas – e cujos autores também perfazem profissionais

de origens e trajetórias diversas. Assim, a autora citada se refere ao profissional eclético,

cujo modelo típico de carreira é impossível de se determinar:

...se podemos considerar as disciplinas científicas como bem circunscritas, com


práticas e discursos auto referentes e desenvolvidas por uma comunidade
científica concisa e legitimada, Ecologia dificilmente pode ser considerada
uma.129

128
Coutinho, M. Ecology and Environmental Science in Brazilian Higher Education: graduate programs,
research and intellectual identity. São Paulo: NUPES - USP, documento de trabalho, 46 p., 1996.
129
Ibid., p. 10. Esse aparente ecletismo citado por Coutinho é confirmado pela análise das trajetórias de cada
entrevistado. Embora tenhamos obtido uma grande variedade de profissionais nos quatro cursos pesquisados,
78

Na análise das trajetórias profissionais do grupo entrevistado, pode-se destacar,

confirmando o dito por Coutinho, que, na maior parte das vezes, suas carreiras seguiram

numa direção fronteiriça de suas respectivas áreas de origem, provocando/permitindo/

obrigando a descoberta de áreas correlatas, próximas de outras ciências. Por exemplo,

taxonomistas, urbanistas e geólogos na área de impacto ambiental, sociólogos rurais e

engenheiros agrônomos em trabalhos sobre sustentabilidade ambiental do agricultor,

psicólogos sociais em atuação junto a comunidades, economistas demógrafos interessados

em problemas fundiários e de saúde, etc. Embora em geral permaneçam especialistas em

seus respectivos campos de atuação, este resultado aponta para um maior interesse em

abranger novos campos de estudos, ampliando sua visão sobre uma realidade problemática

- provavelmente pode também resultar de uma preocupação em tornar prático ou ao menos

mais acessível seu conhecimento teórico específico. Deste resultado, pode-se apontar para o

essencial aporte disciplinar na construção da interdisciplinaridade, sendo necessário para

colaborar com uma abordagem mais complexa e completa das multifacetadas realidades

sócio-ambientais.

Em tabela em anexo (J), descriminamos a origem, as trajetórias profissionais e as

‘resultantes’ profissionais de cada entrevistado.130 A partir dela podemos formar um

panorama geral do corpo de pesquisadores consultados. Para tanto, retornamos à antiga

divisão em três grandes áreas do conhecimento científico - Biológicas, Humanas e Exatas,

percebendo a forte distância na visão de mundo de cada uma: uma vertente mais

a maioria era de biólogos, mas não identificam seu trabalho como ‘ecológico’, mas sim como uma das muitas
alternativas das chamadas Ciências Ambientais.
130
Tabela com origem, trajetória e resultante profissional dos entrevistados de acordo com o relatado.
79

conservacionista (mas nem sempre conservadora) e biocêntrica, outra mais ligada à

manutenção e convivência da humanidade, diríamos, mais idealista e uma terceira mais

produtivista e pragmática. Por um outro extremo, todas acabam por se imbricarem

reciprocamente nas mais vastas ‘anastomoses acadêmicas’131, já que existem, por exemplo,

biólogos tecnocratas, sociólogos conservacionistas e engenheiros humanistas.

Analisando a origem acadêmica dos entrevistados, a partir desta divisão do saber

científico em três grandes ciências, obtivemos um equilíbrio na representação de cada uma,

se considerarmos os professores provenientes da História Natural como da área

biológica.132 Dos vinte e oito entrevistados, dez são das Ciências Exatas, nove das

Humanas e nove das Biológicas, sendo as primeiras com maior diversidade interna

(seis).133 Tal sistema de classificação já não é mais utilizado na maioria das instituições

acadêmicas, substituído por oito áreas temáticas,134 dadas pela CAPES e pelo CNPq,

embora haja cada vez mais abertura para um novo campo: Ciências Agrárias, Ciências

Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Exatas e da Terra, Ciências Humanas, Ciências

Sociais Aplicadas, Engenharias, Lingüística, Letras e Artes e Outros.

Destas oito grandes áreas, o corpo de entrevistados somente não é representado pela

de Lingüística, Letras e Artes. Das áreas representadas pela graduação dos entrevistados,

obtivemos pesquisadores da Biologia, História Natural, Psicologia, Sociologia, Arquitetura,

Economia, Agronomia, Geologia, Oceanografia, Engenharia Civil, Física e Medicina

131
Utilizo este termo oriundo da histologia e que remete à faculdade de conexão entre capilares que formam
redes entre artérias e veias, típico de órgãos de alto metabolismo e imprescindíveis para o intercâmbio celular.
132
Esta atitude é discutível, pois a partir da História Natural pode-se seguir carreira em diversas áreas, como
Geologia, por exemplo. Mas não foi o caso dos aqui entrevistados: dois seguiram a profissão de biólogos e
um de sociólogo. Portanto, houve equilíbrio, mesmo contando este como das Ciências Humanas.
133
Tabela em anexo (K).
134
Há discrepâncias em relação à sub área da Lingüística, Letras e Artes como sendo da área das Ciências
Humanas ou se perfaz uma nova área. E ainda um nono grupo 'outros’. Em anexo (L), quadro listando-a.
80

Sanitária.135 Em termos numéricos, a representação de profissionais por cada área se deu

com um maior número de pesquisadores da área biológica (considerando os de História

Natural), seguido pelos das Ciências Humanas, Exatas, Sociais, Agrárias, da Saúde e

Engenharias.

Este resultado, embora a amostragem não tenha sido totalmente aleatória, pode

demonstrar uma maior atratividade destes cursos interdisciplinares em meio ambiente para

profissionais das áreas biológicas. É possível que este resultado seja reflexo do processo de

socialização progressiva da temática e do movimento ambiental inicialmente por áreas mais

relacionadas à natureza e apenas mais recentemente sendo absorvidos e executados por

outras (conforme explicitado por Coutinho e Drummond).136

A partir dos relatos dos entrevistados,137 notamos a importância de experiências tanto

internacionais (sobressaindo a França como local mais referido, seguida por Alemanha,

Inglaterra, EUA e Japão) quanto regionais (Norte: quatro e Centro-Oeste: três). Uma boa

parte dos entrevistados se auto intitula interdisciplinar, atuam como consultores, foram ou

são funcionários públicos e trabalham ou trabalharam em organizações não

governamentais, com pesquisa sobre participação e cooperação e/ou educação ambiental.

Distinguimos diferentes perspectivas no trabalho com a temática ambiental. Alguns

denominaram como sua área de atuação ‘impacto~’ (5), outros ‘educação~’ (4), ‘gestão~’

(2), ‘conflito sócio~’ (1) e ‘planejamento~’ (1), o que é provável que caracterize

respectivamente o ponto de vista de cada área: biólogos, sociólogos e economistas, embora

135
Das 103 áreas na divisão feita pelo CNPq, dezenove foram representadas, totalizando cerca de 25%, se
contarmos também com as áreas de especialização dos pesquisadores (tabela em anexo - M).
136
Isto, é claro, se relaciona com a amostragem dos cursos, pois seria bastante diverso se fossem outros os
escolhidos, resultado este que poderá ser confirmado com mais pesquisas futuras.
137
Tabela em anexo (N).
81

a educação ambiental tenha sido referida por uma variedade de profissões (sociólogo,

psicólogo, agrônomo, etc). A temática do desenvolvimento sustentável é trabalhada por

pelo menos quatro pesquisadores, enquanto que temas também de extrema relevância como

‘epistemologia’ e ‘metodologia’ se mostraram com poucas menções.

Um quarto dos entrevistados se auto denominou interdisciplinar por adequar o

trabalho profissional acadêmico em não apenas uma vertente específica do conhecimento,

mas procurando inserir-se em um contexto mais geral, como por exemplo “naturalmente

interdisciplinar”, “carreira interdisciplinar”:

Sou um objeto híbrido. (UFPRProfD)


Minha formação já era um pouco interdisciplinar: dupla formação.
(UFPRProfA)
Não sei o que sou hoje, porque eu fiz uma trajetória muito diversificada,
embora tenha uma sedimentação muito forte na [minha] área. (UFRJProfD)

Podemos perceber também que a militância política foi citada apenas duas vezes,

embora possa haver outros exemplos que não tenham sido declarados pelos

entrevistados.138 Por outro lado, muitas entrevistas (catorze) parecem demonstrar

engajamento pessoal não apenas quanto às políticas públicas, mas quanto à crítica ao

capitalismo e seu modo de produção predatório (principalmente na questão sobre

sustentabilidade). Ou seja, apesar de não ser visível uma militância pretérita em termos

político-sociais, parece haver uma tendência de aproximação teoria-prática e, portanto

cidadã (ONGs, cooperativas, participação comunitária, bio e sócio diversidade) perante a

138
Será que isto corresponde a certo alheamento das questões políticas pelo corpo docente, mais voltado para
as políticas internas? Deixamos a questão para pesquisas futuras. Outro dado periférico interessante é o fato
de haver mais de uma menção de um bom relacionamento entre corpo docente e discente, abertura, processo
de ensino e aprendizagem recíproco.
82

problemática sócio-ambiental. Apenas uma entrevista explicitou o sentido contrário, isto é,

que sua responsabilidade é apenas técnica e não política:

O biólogo, ele pode apontar as alternativas, a sociedade é que tem que decidir
se vai ou não acatar ela. A gente dá um parecer técnico. (UFMGAlunA)

Visando discernir as diferentes atuações de cada entrevistado, seja ele, professor ou

aluno, na elaboração, organização e manutenção, enfim, no processo de institucionalização

da cada curso, foi sugerida uma divisão ‘arbitrária’, de acordo com o descrito por cada

entrevistado, referente ao seu grau de participação (GP) no curso e/ou no projeto

interdisciplinar. Para aqueles que se dedicaram ativamente ao desenvolvimento da

iniciativa, ou seja, deram uma maior colaboração, receberam o número 1 - o que, segundo

depoimentos, se mostrou compensadora, embora com fases difíceis e desgastantes. Uma

segunda nota foi dada para uma participação mediana (2), quando houve uma dedicação

parcial. E uma menor atuação e, portanto maior distância junto ao curso, recebeu o número

três. Comparando o resultado, houve treze entrevistados com nota um, nove com nota dois

e apenas seis com nota três, o que não pode ser definitivo e conclusivo absolutamente, pois

a escolha dos entrevistados se deu pela disponibilidade. Mas de qualquer modo, parece ser

a tônica destes cursos que tanto alunos quanto professores se dediquem a participar de

outras instâncias: serem protagonistas e não meros coadjuvantes no processo de

institucionalização, pelo menos nesta fase inicial. E nem sempre houve um processo fácil e

tranqüilo:

Trabalho complicado internamente, de costura muito delicada, tensa, com


atritos, de aprendizagem de diálogo, de jargões e conceitos de difícil
assimilação de parte a parte, mas foi andando. E também muito delicado dentro
da própria universidade, muito criticada, contestada, muita dificuldade de
afirmação, oposição de setores que tinham concepções diferentes.
(UFPRProfB)
83

Procurando algum padrão entre cursos, distinguindo-os, percebe-se uma variação

relativa:

• UFMG: uma razoável participação em estudos regionais e menos em internacionais,

tendo muitos representantes que trabalham na área de saúde e impacto ambiental,

embora apenas uma única vez tenha se declarado como consultor, ter participação

política e ser interdisciplinar. Por outro lado, todos pesquisam a questão da metodologia

sócio-ambiental, primordial no atual estágio do conhecimento interdisciplinar.

• UFPR: um número razoável de experiências internacionais e de funcionários públicos

dentre os alunos, além de trabalhos em cooperação e participação e em

desenvolvimento sustentável, sendo um terço das respostas totais se declararam

interdisciplinares. A pesquisa em metodologia atingiu metade das respostas.

• UFRJ: obtivemos quatro pesquisadores com experiências internacionais, três

educadores ambientais e auto intitulação interdisciplinar, sendo grande a presença de

consultores, atuantes em participação e cooperação e com envolvimento em ONGs.

Muitos trabalham com bio-sócio diversidade e com epistemologia/filosofia.

• USP: há uma boa parte das citações em participação política e a metade daqueles que

desenvolvem pesquisa com impacto ambiental, educação ambiental e militância estão

representados, embora poucos tenham mencionado o trabalho regional.


84

Conclusões preliminares

Neste primeiro capítulo, procuramos perceber, a partir da situação histórica das

questões inerentes ao sistema educacional geral e da universidade em particular, os

principais problemas existentes num sistema de ensino em pleno questionamento na

contemporaneidade. A estrutura e os objetivos do fazer científico se colocam como

resultante de uma complexa relação interna e externa, sendo influenciados por uma

gigantesca gama de fatores políticos, econômicos, sociais, enfim, conjunturais. Suas crises

são profundamente sentidas em toda a sociedade e suas possíveis soluções revelam

principalmente a problemática da relação entre pesquisa, ensino e extensão, onde questões

orçamentárias, burocráticas, infra-estruturais e psicológicas se encontram em jogo. No

Brasil, enquanto as universidades públicas parecem perder força às particulares, podemos

perceber uma progressão tímida enquanto inovações no plano pedagógico e investigativo

interdisciplinar, apesar dos esforços ao compromisso sério perante o que se debate no

panorama mundial, proposto por agências de fomento e instituições de ensino e pesquisa

nacionais.

Quanto às experiências do trabalho científico interdisciplinar oriundo de pesquisas a

respeito de conflitos sócio-ambientais, concluímos que, embora com repercussão nacional

apenas internamente à academia, há um amplo e recente movimento, individual e coletivo,

de engajamento na construção de ciências interdisciplinares em diversas instâncias e

instituições no país. A questão do individual ressalta o valor daqueles que realmente

desejam e que são empreendedores:


85

Se reconhece tranqüilamente, aqueles grupos, pessoas que são inovadores. Eles


não têm muito espaço, mas são as pessoas que têm visão de futuro, estratégica.
A coordenadora é uma pessoa dessas, quando criou o programa, percebeu que
aquilo era uma coisa importante, porque ia tocar outras áreas, abrir, etc. Esse
movimento acontece por alguns visionários, que têm essa visão de futuro e
também pela realidade de mercado. (UFRJProfBQ9)

Todos os quatro cursos pesquisados também colocaram a questão do relacionamento

interpessoal. Ao mesmo tempo, se mostraram compatíveis com uma nova ordem mundial

não competitiva, uma nova percepção da realidade perante o modus vivendi degradante do

sistema econômico dos últimos séculos. Assumem, portanto, a premência em sucumbir o

desleixo político-econômico de degeneração ambiental e social a nível planetário, como

veremos a seguir.

Apontamos agora, algumas das características de cada curso reveladas a partir dos

dados obtidos desde os relatos tratados até agora.

A Universidade Federal de Minas Gerais, com sua experiência junto ao PADCT que

possibilitou o trabalho em parceria do departamento de Ecologia com o de Economia em

uma vasta bacia hidrográfica, nos traz uma perspectiva esperançosa de adequação destas

duas ciências há tanto tempo discrepantes. Entretanto, a aproximação ecologia-economia

sofre o risco de ter se mantido somente na pesquisa, não reformulando, todavia a estrutura

disciplinar do Programa em Ecologia. Entretanto, o projeto pode ter sugerido ímpeto

suficiente para alterações futuras. Um docente, embora não participante diretamente,

expressou incerteza em relação à interdisciplinaridade entre as grandes áreas e na Ecologia:

Aquele momento realmente foi uma fase, não senti continuidade... A


experiência talvez pôs uma semente; inclusive para alguns professores antigos
foi a primeira vez que eles se expuseram à área de Sócio-Economia... Sinto que
não mudou muito, trabalho mesmo em equipe não acontece... O pessoal está
86

ainda digerindo o susto. Foi passageira, foi um choque, o pessoal trabalhou na


idéia gerou um documento e acho que agora está tendo várias demandas. Mas
não foi uma coisa ao nível da Ecologia toda. (UFMGProfE)139

Portanto o PADCT/CIAMB, trazendo questões como a relação entre biodiversidade,

população e economia, parece ter imposto apenas até certo ponto questões, ao nosso ver

fundamentais, ao curso. Embora o projeto contemple a criação de nova linha de pesquisa e

ensino, novas disciplinas internas ao programa de Ecologia não foram citadas nas

entrevistas. O ECMVS, como um programa de ecologia da vida silvestre, foi apontado

como abrigando uma necessária interdisciplinaridade por conviver com profissionais de

diferentes “backgrounds”, como administradores de parques, planejadores de atividades de

manejo, de conservação etc. Ou seja, uma relação limitada com as Ciências Sociais e

Humanas, conferida pelo fato de docentes de áreas humanas e exatas não serem

incorporados na Ecologia, o que indica não haver novas tensões disciplinares.140

Por outro lado, um docente e um discente da Economia expressaram otimismos e

transformações:

[O livro] mostra esforço interdisciplinar, sua síntese, resultado de uma mudança


de postura, de perspectiva da equipe. Atualmente, estamos mantendo o
doutorado em Economia Regional, Urbana e Ambiental, resultado dessa
experiência. (UFMGProfC)
Aqui, a questão ambiental é muito discutida... a questão do espaço
principalmente... há esse esforço. São oferecidas disciplinas de população e
ambiente, economia e ambiente. A procura é muito grande. Há um interesse,
uma demanda. Alguns pesquisadores trabalham; já saíram monografias de
graduação sobre reciclagem de lixo, seringueiros... Está havendo uma certa
resposta para este tipo de demanda. Como atuante, militante desta área, há uma
certa resposta sim. (UFMGAlunCQ6)

139
Este docente é do grupo de entrevistados que ficaram a parte das análises gerais dos cursos, uma vez que
buscamos homogeneizar o número de pesquisadores.
140
Para futuras pesquisas seria interessante saber quais os principais usuários dos conhecimentos obtidos e as
aplicações práticas adquiridas pelas comunidades envolvidas em cursos disciplinares e interdisciplinares.
87

Por outro lado, demonstrando inserção social, algumas interações com a sociedade

são apontadas por um membro do corpo docente da Ecologia, parecendo que projetos de

extensão verdadeiramente interdisciplinares são também almejados:

Criei grupo de estudos interdisciplinares, contatei pessoas insatisfeitas também,


que gostam de discutir outras coisas, que não querem ficar limitadas. Queriam
botar para fora, falar para as outras pessoas de outras áreas. O grupo atingiu
certa consolidação, é muito aberto, vamos escrever livro sobre teoria
interdisciplinar. Já temos num jornal uma coluna. A idéia é fazer um projeto
interdisciplinar, entrar na prática, comunidade carente. Por enquanto não temos
condições, devido às nossas próprias limitações acadêmicas. Porque são anos
de uma formação acadêmica que é muito difícil de ser rompido rapidamente,
precisa de trabalho muito persistente, contínuo para resultar numa ação. Aí já
seria transdisciplinaridade, a interdisciplinaridade na prática social. Da teoria à
prática social. (UFMGProfB)

A matriz disciplinar, vista a partir da bibliografia recomendada na seleção do

programa de Ecologia, é baseada na área específica das Ciências Biológicas. Talvez

pudéssemos dizer que o ‘ambientalismo’ que emerge de suas relações tenha o viés

basicamente conservacionista e relegando a um segundo plano, por enquanto, a vertente

desenvolvimentista do processo econômico e social. Isto confere um caráter

multidisciplinar interno ao campo biológico, mesmo que haja iniciativas contrárias, como

vemos nos seguintes depoimentos de cada área:

Então talvez fosse bom ter espaços interdisciplinares. Não uma nova
estruturação física da universidade, mas deve existir a possibilidade de um
espaço de busca da interdisciplinaridade. Sou favorável à criação de uma
Associação. (UFMGProfAQ3)
Hoje há demanda crescente pela interdisciplinaridade, uma certa consciência ao
nível de discurso pelo menos. Mas não é o que encontramos nas escolas, é um
recrudescimento, corporativismo e disciplinarismo... É uma resistência imensa.
(UFMGProfDQ3)

Portanto, apontamos para as difíceis mas necessárias parcerias futuras entre ECMVS

e CEDEPLAR no tocante ao desenvolvimento conjunto de estratégias em ensino, pesquisa


88

e extensão. Este Centro pode vir a cumprir um papel imprescindível no trato do manejo e

da conservação da vida silvestre, uma vez que busca se adaptar ao trabalho interdisciplinar

em torno da sustentabilidade ambiental, preservando a sócio-bio-diversidade.

A Universidade Federal do Paraná e seu inovador curso Meio Ambiente e

Desenvolvimento, executando com perfeita convicção o lema “pensar global e fazer local”,

demonstra as reais possibilidades do desenvolvimento sustentável através de práticas

regionais documentadas em suas teses. Dos cinco cursos indicados pela CAPES neste

campo, somente este coloca ‘meio ambiente’ à frente de ‘desenvolvimento’, fato que pode

indicar uma menor tendência tecnicista e mais humanista e quiçá conservacionista.

Podemos apontar, no entanto, uma distinção básica do curso há pouco descrito. É possível

que o MAD, por estar localizado recentemente no Setor de Ciências Agrárias e distante do

Setor de Ciências Biológicas (embora já tenha sido do Centro de Estudos do Mar), receba

uma menor atenção da vertente conservacionista oriunda destas últimas. Embora questões

de saúde, geografia e principalmente as oriundas das Ciências Humanas e Sociais estejam

amplamente presentes no programa, percebemos certa ausência de profissionais da área

biológica strictu sensu, confirmada parcialmente pelas disciplinas oferecidas. Algumas

delas reúnem fundamentos das ciências da natureza, história da Ecologia, idéia de natureza,

ética e conhecimento da natureza, mas muitas são voltadas às teorias das Ciências Humanas

e Sociais envolvendo o meio ambiente: desenvolvimento e sustentabilidade,

interdisciplinaridade, industrialização, estatística, agricultura, direito, educação,

antropização, análise de impactos, cultura e energia etc. Segue parecer de membro do corpo

docente, confirmando esta posição:


89

Ele está aqui por uma razão de disponibilidade de espaço. Não há vinculação
orgânica ao setor, mas a existência aqui facilitou os contatos pessoais com
outros cursos de pós-graduação ...acontecendo um processo de aproximação, de
valorização desta proximidade com os departamentos. Está havendo uma
natural aproximação de docentes e discentes, não só no sentido de assistirem
curso, mas de participarem das oficinas, dos encontros. A Biologia fica longe, o
Centro Politécnico fica na BR-277 e há muito pouco contato. (UFPRProfBQ3)

Do mesmo modo, segundo as temáticas desenvolvidas no curso, podemos ver

também certa defasagem: ruralidades; gestão territorial; metropolização; políticas públicas;

saúde; educação; desenvolvimento sustentável, ética e representação. Esta análise é

conferida, do mesmo modo, se observados os títulos das teses defendidas, pois reúnem

assuntos como percepção e construção sociais, condições de vida humana, educação

ambiental, organizações de bairro e práticas comunitárias, ambientes sociais, desigualdades

e impactos sócio-ambientais, inter-relações energia-conforto, dinâmica espacial antrópica,

etc. Embora representante da Biologia e da História Natural, dois docentes parecem

responder a esta hipótese, colocando pontos de vista de algum modo coincidentes:

A temática ambiental pressupõe necessariamente a interação de sistemas


naturais e sociais, evitando ênfase excessiva em nenhum deles. O que acaba
sendo uma tônica em muitas das iniciativas semelhantes no país, uma tendência
natural: domínio hegemônico das Ciências Naturais. Muitos cursos que se
dizem de Meio Ambiente são na verdade de Ecologia. Procurou-se fugir desta
dicotomia e garantir a presença de especialistas de diversas áreas... Mesmo com
a oposição de departamentos que tinham visões próprias da questão ambiental:
os departamentos de Ciências Biológicas com visão naturalista. (UFPRProfB)
Evidentemente que a gente pouco a pouco foi construindo a equipe,
extremamente difícil no processo, porque só tínhamos especialistas nas
Ciências Naturais. As Ciências Sociais não tinham grandes motivações e essa
operação de construção da interdisciplinaridade dependia da participação dos
departamentos, que resistiram bastante, hesitaram, vieram pontualmente.
Depois, por relações pessoais, de amizade e uma sensibilidade política tiveram
um papel importante. Teve esse viés de uma certa coincidência ideológica das
pessoas, de certa maneira um doutorado crítico ao modelo. (UFPRProfDQ2)
90

Este nosso apontamento parece corresponder a um viés sócio-cêntrico privilegiado

dos organizadores do curso, mas também parece expressar um ponto de tensão ou

afastamento no interior da comunidade acadêmica desta universidade e, como apontado,

uma falha no diálogo com as Ciências Naturais. Com isto não queremos desprestigiar o

programa, mas apenas destacar tal paralelo com a UFMG. Fato este que já tinha sido

percebido quando membros do programa de Belo Horizonte deram pareceres oficiais de

avaliação da CAPES sobre o curso de Curitiba. Este conflito levou a participação de

pesquisadores desta universidade e de outras (UnB, UFSC) a requerer uma nova

modalidade junto à CAPES:

O próprio grupo foi instrumental no sentido de criar uma sensibilidade à


existência de programas semelhantes. Criamos uma certa mobilização de
colegas em outras universidades, (...) justificando a necessidade de se criar
comitês diferenciados. Fomos muito penalizados durante muito tempo pelo fato
de um programa como este ser analisado por ecólogos e não por comitês
interdisciplinares. (UFPRProfBQ2)
[Ela] criou uma área nova que se chama multidisciplinar, por força de pressão
de alguns cursos. Na época, (...) assinamos um documento para que levassem
em conta sua criação. (UFPRProfCQ2)

Muito ao contrário da intenção em desprestigiar o programa, queremos declarar que

seus participantes têm promovido com grande seriedade, pertinência e legitimação a

interdisciplinaridade sócio-ambiental, experiência única e quiçá replicável nas demais

universidades do país. Suas idéias parecem ter sido inspiradas fundamentalmente por

problematizações das dinâmicas sócio-econômicas e do meio ambiente, em uma concepção

que possa construir um ‘sócio-ambientalismo’.141

141
Escrevemos sobre isto mais a frente.
91

Sua institucionalização na universidade com a escolha ao nível de doutorado parece

indicar implicações próprias do curso, oriundo dos inúmeros confrontos anteriores a sua

implementação. Segue relato de professor:

Com base nas discussões e reflexões [de encontros prévios], partiu-se para a
operacionalização desta idéia tomando diversas atitudes mais ou menos
polêmicas, entre elas o fato de se abrir o curso apenas em nível de doutorado.
Foi um conceito instrumental, pois não era idéia formar especialistas em meio
ambiente, mas criar ambiente intelectual para a interação de pessoal que já
tenha atuação na área, mestres ou pesquisadores, técnicos de secretarias ou da
própria universidade que já tivessem formação disciplinar mais ou menos sólida
e que encontrasse neste programa um ambiente, um espaço intelectual, mais de
interação do que de formação. (UFPRProfB)

Nos parece acertada a escolha por um enquadramento de adequação profissional ao invés

da especialização de recém graduandos, já que a interdisciplinaridade, embora variável para

cada experiência em particular, neste caso, permitiu uma aplicação social, ao nosso ver,

mais direta. Em contraste, a baixa avaliação da CAPES para este curso (três) nos

surpreende e também deve conferir tensões internas de sua legitimação, provavelmente

resultado e/ou determinante da permanência do caráter voluntarista, apontado por alguns

membros:

Essa é outra questão séria que significa que aquela fase não foi superada do
ponto de vista institucional. Significa um redobrar de esforços e atividades. E
agora com essa avaliação (GED142) que exige 8 horas aula... Além disso, como
é um curso sui generis, a interdisciplinaridade implica acompanhar diversas
instâncias, níveis de desenvolvimento de atividades. Não é um curso
tradicional. Temos semanalmente reuniões do comitê científico... Mas estamos
articulando a possibilidade do doutorado ter quadros próprios, que se constitua
uma autarquia para que possa reivindicar vagas, ter um pessoal permanente.
(UFPRProfCQ2)

142
Gratificação de Ensino ao Docente oferecido pelo MEC àqueles de maior participação acadêmica e
produção intelectual.
92

As polêmicas referidas acima permitem observar a presença de certo espaço para o

diálogo interdisciplinar, embora tenha culminado, por enquanto, na distinção entre o curso

(MAD) e o Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Há importantes

interações com a sociedade através do viés extensionista deste núcleo.

A universidade não tem ainda um instituto, um espaço próprio para abrigar este
tipo de iniciativa. É o caso do NIMAD, do programa de doutorado e era o caso
do Centro de Estudos do Mar. Não temos no organograma um espaço
adequado... O programa historicamente se dissociou do NIMAD por razões
acadêmicas e agora está havendo uma confluência, na tentativa de criação de
um Instituto. O NIMAD não tem cursos próprios. Todos os professores são
vinculados a outros departamentos. Achamos bom, porque trazemos as
competências e não é intenção ainda que o programa tenha uma conotação
própria e funcione como uma unidade alheia à vida acadêmica.
(UFPRProfBQ3)
Estamos numa fase de discussão sobre a possibilidade de criação do instituto de
meio ambiente. Aí com um número mínimo de vagas, com uma estrutura mais
ampla, com a possibilidade de criar unidades de pesquisa e extensão.
(UFPRProfAQ2)
O NIMAD, que atualmente faz projetos de extensão, pesquisas de curta
duração, capacitação, educação ambiental para a comunidade, continuará com
essa atividade. (UFPRProfCQ6)

A Universidade Federal do Rio de Janeiro, com seu curso multidisciplinar mas

procurando ir mais além, embora tenha passado por dificuldades de institucionalização

como todos os outros, aparece com um inigualável potencial, uma vez que a Psicologia,

sem dúvida alguma, apresenta contribuições essenciais na construção da

interdisciplinaridade ambiental junto às comunidades. Além disto, a presença de um

profissional desta área integrando uma equipe interdisciplinar nos faz crer que possa

colaborar com as tensões psicológicas inerentes a qualquer reunião de trabalho entre


93

diferentes indivíduos e áreas do conhecimento científico.143 A institucionalização deste

Programa na universidade, estando vinculado à Psicologia Social, postula-se como

interdisciplinar, mas tem as Ciências Humanas como campo fundamental sem uma

articulação substancial, na estrutura do curso e das disciplinas, com as Ciências Naturais. O

relato abaixo o descreve:

Os projetos são de como determinadas comunidades reagem a certas


modificações e cuja preservação ecológica é fundamental. Meio ambiente é
uma parte de cultura daquela comunidade; é forma como se vive, espaço
vivenciado... formas de apropriação: um ambiente social, um dado da cultura. O
ambiente que me interessa de pesquisa é este, não que meio ambiente é só
isso... É esta Ecologia Social144, estudo do meio ambiente vivido... É uma
dimensão social do meio ambiente. Se trabalham questões mais amplas ligadas
ao desenvolvimento, solidariedade entre comunidades, questões econômicas.
(UFRJProfD)

As disciplinas oferecidas, sobretudo das Ciências Humanas, demonstram pouca

abertura para a área biológica, o que deve representar entraves para os alunos de diversas

formações que buscam neste curso elementos das Ciências Naturais. Observando tanto a

formação do corpo docente e as teses defendidas quanto a produção intelectual, confirma-se

a distância das ciências da natureza, mesmo que tenhamos exemplos contrários que buscam

a interdisciplinaridade entre as grandes áreas e não apenas intra-institucional.

Criei uma disciplina eletiva - “Princípios de Desenvolvimento Sustentável


Aplicado às Ciências Sociais”, uma transposição das questões ambiental e de
desenvolvimento para o estudante da Psicologia e de outras áreas... A CAPES
define as regras que tem que ter interdisciplinaridade. Mas em nenhum
momento estabelece as diretrizes ou os mecanismos que vão assegurar isso.

143
Ao mesmo tempo, não cremos que a aproximação acadêmica deva ser vista como ‘terapia de grupo’ no
sentido de se ter uma responsabilidade em resolver as dificuldades pessoais dos participantes.
144
Este termo, segundo a entrevistada, “tem talvez (...) uma tradição americana (...), porque a Escola de
Chicago utilizou preferencialmente Ecologia Humana... Há muitos trabalhos que utilizam a expressão na
Alemanha e Áustria, diversos institutos, centros de pesquisa nas mais diversas vertentes: Economia,
Sociologia, História etc... Nesta busca epistemológica, meu conhecimento se restringe a estas experiências.
Muitas vezes o que chamo de Ecologia Social, a Escola de Chicago chama de Ecologia Humana e outros de
Psicologia Sócio-ambiental ou ainda de Sociologia Sócio-ambiental, são rótulos”.
94

Então, por exemplo, o curso é aprovado com essa visão da


interdisciplinaridade, mas não tem garantia nenhuma. Então é uma coisa meio
fictícia também. (UFRJProfB)

As interações acadêmicas deste Programa com a sociedade se dão com destaque para

o campo de programas comunitários. Não está explicitada, no quadro das disciplinas, a

formulação de teorias, talvez demonstrando uma ênfase interativa, intervencionista e

aplicada. Isto poderia caracterizar uma interdisciplinaridade que se alimenta mais –

portanto se legitima - na interação com a comunidade, bem como pode refletir uma

despreocupação com sua legitimação no campo científico-teórico, confirmado abaixo:

Acho que a universidade não está buscando trabalhar com projeto porque ele
obriga a pensar no objetivo e busca todas as formas de chegar lá, ainda que
estas formas demandem ter outro profissional. Porque é extensão, pesquisa e
ensino: a extensão é totalmente marginal na universidade. Não pode separar. O
GED não dá conta da extensão, porque não é comum. Você não tem como
trabalhar meio ambiente sem extensão, [pois] as coisas acontecem fora da
universidade: o meio ambiente não é teórico, é pragmático... numa visão
estratégica de curso, tem que ter uma práxis de campo, engajamento e
cooperativa, trabalhar com atores locais: dar ao aluno uma vivência prática; ele
sai da universidade totalmente fora da realidade. Essa visão pragmática do meio
ambiente é um negócio, não quero ficar discutindo as teorias que estão atrás dos
conceitos, até que tem gente que faz isso bem; alguns têm esse papel. Mas não
vai estar contribuindo se ficar na discussão conceitual. (UFRJProfBQ4)
[Sobre paradigma] a gente não sabe se realmente vai ter um aporte
transformador, se a transformação vai desembocar numa mudança de fato ou se
vai ser mais uma questão reformista: ajeitar mais ou menos, fingir que está
fazendo interdisciplinaridade, pesquisa de extensão, que realmente a
universidade esteja chegando até a sociedade para trabalhar junto ou se
realmente vai conseguir uma forma mais potente, que resolva de fato, uma
coisa voltada mais para resolução de problemas. (UFRJAlunBQ9)

Sobre o “ambientalismo” que emerge destas relações, podemos dizer que do mesmo

modo que o curso precedente, ele tende à perspectiva antropocêntrica, deixando de lado,

pelo menos preferencialmente, questões voltadas aos assuntos biológicos, verificada no

seguinte relato:
95

Os próprios ambientalistas também tem tido visão fechada. Exemplo,


populações ribeirinhas comendo peixe com mercúrio, um absurdo? Mais do que
a soja, [a pesca] traria emprego, melhoria da situação econômica. Exemplo no
litoral de São Paulo com a modificação de curso de rio, esgoto, não
considerando populações indígenas. (UFRJProfCQ11)

O EICOS fornece às Ciências Ambientais pesquisas de suma importância para o

desenvolvimento sustentável no que se refere à relação intra e inter pessoal e comunitária.

Além disto, suas linhas de pesquisa apresentam amplas possibilidades de articulação,

inclusive e talvez principalmente com outras áreas, como Sociologia, Antropologia,

Assistência Social e Educação.

A Universidade de São Paulo com seu curso em Ciência Ambiental, explicitamente

promove a construção deste campo através de um núcleo que possibilita a congregação de

vários departamentos e institutos, conferindo uma experiência de alto nível e com possíveis

e prováveis resultados práticos. Sua institucionalização parece deslocar as tensões internas

postas pelos campos disciplinares específicos das unidades contribuintes, valorizando

debates próprios da interdisciplinaridade no âmbito do grupo formado. Isto pode indicar

que a estrutura herdada da universidade, disciplinas e departamentos, coloca tensões e

empecilhos ao exercício da interdisciplinaridade mais difusa e que uma das saídas foi a de

criar uma ‘entidade’ inovadora que promova a interação entre as diferentes unidades.

A participação do corpo discente parece demonstrar, assim como nos demais cursos,

uma ampla democracia. Embora não tenha sido objeto desta pesquisa, esta abertura foi

expressa algumas vezes, imprimindo uma dinâmica de trabalho intenso e desafiante

também para o aluno. As linhas de pesquisa apontadas indicam vastas perspectivas como

do campo agrário, médico, geológico, tecnológico, político dentre outros. As quatro


96

disciplinas obrigatórias, abrangendo temas teóricos e práticos, sociais e ecológicos

perfazem uma tentativa de articular as diversas áreas do conhecimento mesmo sendo seus

docentes especialistas. A relação entre disciplinas é comentada por um docente e um

discente:

Alguns professores cumprem suas obrigações, mas ficam em cadeiras lá. No


ano passado, dava aulas na pós aqui e depois também no PROCAM. Aí trouxe
a disciplina para cá. Uma disciplina é dada por três professores. É um corpo
credenciado. São poucos que lecionam. Temos seminários, em geral, com
poucos professores. Então é complicado. (USPProfAQ2)
No caso específico da Ciência Ambiental, há uma discussão se isso é um curso
mais profissionalizante, de dar um conteúdo geral de maior equalização, de
nivelamento. Ou se deve ver que cada um é de uma área diferente, que não
adianta e não é papel do mestrado; simplesmente treiná-los para uma prática
interdisciplinar em que cada um seguiria sua linha profissional. Isso é um
problema que o Programa ainda não respondeu, é parte da construção
permanente. Isso trás questões na hora de definir disciplinas obrigatórias e
optativas, vai ter brigas... Problemas com projetos de pesquisa. Uma grande
confusão, grande dificuldade. (USPAlunCQ2)

O programa ocorre em sede própria utilizando também as estruturas das unidades que

participam, como a Economia e as Biociências. Isto parece favorecer a elaboração de

dissertações com temas que se equilibram entre o estudo das Ciências Naturais, Exatas e

Humano-Sociais, refletindo a amplitude temática do Programa, expressões do trabalho

interdisciplinar. Porém, há inúmeras questões ainda a serem resolvidas, como a falta de

quadros próprios como relatado anteriormente na UFPR:

O centro que cuida do curso não é ligado a institutos, quase sempre existe
algum contratado diretamente pelo próprio programa e também existe uma
contratação dupla. Já tivemos algumas pessoas, que tinham liberação oficial,
mas atualmente não. Isso dificulta bastante, na prática fazemos um voluntariado
porque tem uma obrigatoriedade de horas de aula no instituto e as de lá não são
contadas. Várias pessoas oferecem disciplina no próprio Instituto, tenho duas,
com reconhecimento de carga horária aqui e ficando mais fácil o apoio
institucional. (USPProfBQ2)
97

A interdisciplinaridade desafia seus participantes ao trato sócio-ambiental, embora a

questão da extensão não esteja explicitada na integração entre atividades da prática do

diálogo interdisciplinar. As interações desenvolvidas com a sociedade, programas de cunho

extensionista, assim como nos demais cursos pesquisados, não parecem fazer parte da

maioria das pesquisas feitas. Entretanto, inúmeros resultados práticos para a promoção da

sustentabilidade podem ser indicados, em cada caso, a partir das conclusões acadêmicas.

Isto pode ser chamado de um ‘extensionismo indireto’, bastante eficazes em contextos que

tenham suporte político e administrativo perante à coordenação universitária. Este professor

coloca a questão:

Embora realmente seja um programa mais dirigido à ciência do que à


intervenção, não é um programa profissionalizante, mas também deve ser uma
ciência que tenha uma aplicação prática. Não adianta a gente ficar apenas
trabalhando com coisas extremamente limitadas, muito especializadas, teóricas,
que assim não vai resolver. (USPProfBQ2)

O corpo docente desenvolve questões em metodologia interdisciplinar e

contextualizações de meio ambiente e ecologia na sociedade, bem como avaliação e

controle ambiental. Tais considerações levam-nos a crer que há um patamar consensual, no

sentido de intercâmbio por igual de cada uma das três grandes áreas do conhecimento. No

entanto, a comissão de pós-graduação, na época das entrevistas, era representada por

pesquisadores em Educação, Economia, Geociências, Oceanografia e Arquitetura,

demonstrando a ausência das Ciências Biológicas, embora participem duas especialistas em

oceanografia biológica e um engenheiro florestal.

Os seminários de integração tornam obrigatórias reflexões e práticas da interlocução

interdisciplinar, mas parecem não ser eficientes e nem suficientes, comprovados por terem
98

apenas duas unidades de créditos contra as outras quatro que somam trinta e oito, além de

mais dez das optativas. Um docente coloca a questão, referindo-se à interdisciplinaridade:

Ela acontece nos trabalhos que examino detalhadamente, em todas as teses


existe um trabalho interdisciplinar, mas que precisaria melhorar. A gente já
tentou a partir dos seminários, fazer uma aproximação maior entre os
professores, de modo a estimular essa formação de projetos maiores. A
principal dificuldade é essa própria estrutura da universidade, que são escolas
relativamente independentes... (USPProfBQ3)

Quanto à análise da trajetória profissional dos entrevistados e daquilo que acabamos

de nos referir, podemos ver que, embora o conflito seja uma constante na integração de tão

diferentes vertentes acadêmicas e distintos comportamentos profissionais, o engajamento

pessoal coloca com pertinência que o trabalho faz parte de um longo processo de

organização tanto institucional quanto individual, mas que parece render bons frutos.

A não radicalidade das posições perante uma pseudo dicotomia entre especialização e

generalização, aprofundamento teórico e inserção político-social e também na comunhão

dos trabalhos de pesquisa, ensino e extensão, parece conferir a possibilidade da construção

ideal e real deste campo ambiental interdisciplinar. O enorme guarda-chuva que caracteriza

esta nova área das chamadas Ciências Ambientais145 parece colocar em órbita (ou resultado

de) uma nova ordem mundial de quebra de paradoxos, ao mesmo tempo relativista e

145
Aqui, questionamos o fato da USP ter utilizado o termo no singular, conferindo (mais) uma única ciência:
“um programa de pós-graduação em ‘ciências ambientais’ se fundamentaria na premissa teórica de que as
ciências já existentes dão conta do tratamento de desafios como a poluição, erosão, eliminação de florestas,
aquecimento global e tantos outros. Já um programa de pós-graduação em Ciência Ambiental parte do
princípio de que as atuais especialidades disciplinares são insuficientes para enfrentar estas questões.”
Segundo o prospecto do PROCAM (1999), as demais ciências são obrigadas, para o trato ambiental, a
reformular muitas vezes princípios decisivos de sua organização interna (até que ponto?) e, embora não
almeje qualquer totalidade, seus organizadores parecem querer circunscrever um campo específico, fechando
fronteiras. A questão é saber se iria num sentido contra, e portanto enfraquecedora, da tendência centrífuga da
evolução da disciplina ecológica, como será apontado por M. Coutinho logo mais.
99

comprometedor, não permitindo que o pensamento ambiental se limite às questões

puramente biológicas, nem antropológicas, mas também humanistas e idealistas.

Os profissionais nas ciências do ambiente parecem trazer uma natureza flexível,

oriundo ou não de militâncias sociais, confirmando a larga circunscrição do ambientalismo

- um profissional ‘eclético’. A formação de uma carreira em zona intermediária permite o

profissional estar apto para atuação em diversas vertentes, porém sempre sofre o perigo do

generalismo excessivo e superficial. A questão ambiental tem feito aportar inúmeros

cruzamentos profissionais e, ao mesmo tempo, direcionam sua especificidade a um campo

próximo, alinhavando parcelas complementares de estudo.

A perspectiva extensionista é aqui levantada, pois vários relatos comentam o

envolvimento em organizações não governamentais, de participação e cooperação. Mesmo

tendo sido citadas poucas vezes uma militância explícita (no sentido de engajamento em

movimentos sociais e/ou ambientais), muitos entrevistados declaram interesse pessoal em

políticas e posição crítica frente à sociedade de consumo e modo de produção insustentável.

Dentro de um panorama geral do corpo de pesquisadores consultados, obtivemos,

casualmente, uma relativa homogeneidade, com representantes de cada uma das três

grandes ciências. Já na divisão em grandes áreas temáticas, obtivemos mais profissionais da

área biológica do que os de humanas, exatas, agrárias e engenharias. Isto pode ser devido

ao processo de desenvolvimento anterior da Ecologia e do ambientalismo no campo das

Ciências Naturais e à expansão mais recente pelas áreas de estudos sociais. E/ou ainda a

uma preferência ao ecletismo interdisciplinar pelo profissional de Biologia, mais ávido a

novas experimentações. Esperamos que novas pesquisas esclareçam pontos como estes.
100

O grau de participação no curso e/ou no projeto interdisciplinar, captado até certo

ponto intuitivamente, aponta para a cooperação do corpo docente e discente no processo de

institucionalização inicial, mesmo enfrentando um árduo relacionamento interpessoal e

institucional, intra e extra curso. Nos quatro cursos, no geral, seus profissionais se

comprometem em estudos regionais e internacionais, pouco da questão sobre metodologia e

epistemologia/filosofia ambiental, trabalhando tanto com bio quanto com sócio-

diversidade, equilibrando as vertentes tecnicistas, conservacionistas e humanistas.

No próximo capítulo, veremos a emergência da questão ambiental, a partir do modo

de produção industrial, o nascimento da Ecologia e seu viés ‘interacionista’ e a,

conseqüente ou não, ‘ecologização’ das demais ciências, se percebida a busca pela

interdisciplinaridade (lato sensu) entre elas. Pretendemos explicitar que a questão ambiental

nos meios social e científico/acadêmico proporcionou elementos para a criação da

Educação Ambiental em todos os níveis de ação. Neste segundo capítulo, analisaremos as

principais questões da institucionalização dos cursos escolhidos, alguns já levemente

abordados: as dificuldades e os caminhos da compartimentalização, sua necessidade de

espaço próprio, a distinção entre curso específico e a difusão da interdisciplinaridade sócio-

ambiental na universidade, o trato da complexidade desta temática no âmbito acadêmico e

as possíveis relações com a participação social e a extensão universitária.


CAPÍTULO II

AMBIENTALISMO E INSTITUCIONALIZAÇÃO

1. A Emergência da Questão Ambiental

1.1 A Questão Ambiental na Sociedade Capitalista

1.2 Da ciência da Ecologia à Ecologia das Ciências

1.3 A Educação para o Meio Ambiente: uma introdução

1.4 A Inserção Ambiental no Meio Acadêmico Brasileiro

2. Institucionalização, Compartimentalização e Centralização

2.1 Principais Questões da Institucionalização

2.2 Compartimentalização/Departamentalização das Ciências

a. Dificuldades

b. Complexidade

c. Caminhos

d. Necessidade de Espaço

e. Participação e Extensão

2.3 Curso Específico x Difusão na Universidade

Conclusões preliminares
102

1. A Emergência da Questão Ambiental

Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.


Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade.
Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura.
Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
Não sois máquinas, homens é que sois!
C. Chaplin em O Grande Ditador

1.1 A Questão Ambiental na Sociedade Capitalista

O início da problemática ambiental, cuja resolução se torna de extrema urgência no

final da segunda metade do século XX, traz controvérsias interessantes e de grande

repercussão nas mais vastas áreas do fazer humano. Uma vez que inerentemente a

humanidade utiliza recursos naturais e a pressão sobre eles segue até hoje em crescimento

assintótico, não é possível demarcar fronteira nítida do surgimento da chamada questão

ambiental. De qualquer modo, temos pela frente, nesta passagem de milênio, um sério

duelo de forças que nos obriga a nos posicionar em relação à possibilidade de extinção da

espécie sobre o planeta. A relação sociedade-natureza se mostra então complexa por sermos

ao mesmo tempo sua dependente e sua consumidora. De muita valia é a contribuição dada

por Marx, quando descreve a relação de trabalho entre o ser humano e a natureza:

Ele coloca em movimento as forças naturais que pertencem à sua natureza


corpórea, braços e pernas, cabeça e mãos, para se apropriar das substâncias
naturais sob uma forma utilizável para sua própria vida. Assim agindo, através
de seus movimentos sobre a natureza exterior, transformando-a, ele transforma
ao mesmo tempo sua própria natureza.1

1
K. Marx citado por Goldmann, L. (A origem da Dialética: a comunidade humana e o universo em Kant. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, p.9, 1948). Marx era um pensador que observava os fenômenos sociais de ponto de
vista amplo, percebendo o inevitável uso da interdisciplinaridade para se entender a complexidade da
realidade humana.
103

Para efeitos didáticos, no entanto, podemos distinguir o lento ritmo do vasto período

da história humana sobre o planeta desde nosso surgimento há cerca de 35 mil anos,

comparado à tamanha velocidade imprimida nas recentes décadas da relação do ser humano

com a natureza. Ao mesmo tempo em que defendemos a idéia de um continuum biológico

na evolução histórica dos seres humanos, demarcamos o presente momento com o fator

crítico de ameaça real de desaparecimento da espécie, mesmo depois de terminada a Guerra

Fria e a eminente possibilidade de hecatombe nuclear.

Segundo J. Lenoble em a História da Idéia de Natureza2, pensar sobre o que é

‘natural’ nos faz abordar tanto elementos científicos (o que são as coisas?), quanto morais

(que atitudes perante o mundo?) e religiosos (é o todo ou obra de deus?). Para ele, sempre

houve diálogo entre sociedade e natureza, mas o ser humano passou a falar demais, sem

escutá-la. Desde antes da Idade Média, via-se “...tudo porque tudo interessa, fica-se no

espírito com cada pormenor da cena”. Cada pormenor era amado por ele mesmo, concebido

como um todo. Por isto, mesmo sabendo menos, pensava-se mais sobre os objetos,

aproveitando melhor sua intimidade, seu caráter imediato e sensível versus as estatísticas,

os balanços, as percentagens atuais. A herança do século XII foi a Escolástica que dominou

a época inspirada pelas artes - a presença qualitativa contra a quantitativa. No século XVI,

o ser humano “cansa-se de si mesmo e torna-se mais dócil perante os fatos”3, procurando

fonte nova de verdade e vida.

Já o Protestantismo, de acordo com aquele autor, começou a afirmar a corrupção

essencial da natureza e a negação da liberdade; recusando a entregar-se à amizade das

2
Lenoble, J. Rio de Janeiro: Ed. 70, 1969.
3
Ibid., p.205.
104

coisas (fruitio), quando se soma culpabilidade e divindade arbitrária: seu primeiro

movimento foi um antinaturalismo, desprezando a natureza, pois ela não seria mediadora

entre deus e seres humanos, o que tornaria mais fácil a passagem da economia medieval

para uma nova. Para Castoriadis, refletindo sobre estes tempos de grandes transformações:

A mudança ocorre quando o infinito invade este mundo, quando ocorre a


‘coincidência’ e a convergência da matematização do mundo e da racionalidade
dos ‘donos’ da natureza e o ‘aburguesamento’ da humanidade: a idéia de que o
crescimento ilimitado da produção e das forças produtivas é, de fato, o objetivo
central da vida humana, (...) uma progressão assintótica do conhecimento em
direção à verdade absoluta. (...) Em suma, o movimento se dirige para o cada
vez mais: mais mercadorias, mais anos de vida (...) - e o ‘mais’ é o ‘bom’.4

Esta imagem, mais tarde, segundo A. M. de Almeida, foi conformada pela percepção

de um mundo dicotomizado, procedimento da era capitalista oriundo da grande revolução

científica do século XVII, eleito como fundamental na pesquisa das Ciências Exatas e

Naturais: observar o fenômeno, abstraí-lo, ou seja, isolá-lo e depois proceder a uma

experimentação. Este método generalizou-se e passou a ser o modo de pensar

predominante. Isto significa, que, segundo a autora:

...passou a ser da essência do modo de pensar específico do capitalismo isolar


fatos, criando muralhas que os separam dos fatores perturbadores do conjunto
da totalidade do social e, depois, transformar a observação deles em elementos
quantitativos e matemáticos. Ou seja, esse modo de pensar precisa (...) coisificá-
los e entendê-los como fenômenos ‘naturais’, próprios de uma natureza que
existe sem intervenção dos homens portanto eterna, não podem ser mudados.5

Já no século XVIII, o Ocidente, com a percepção do infinito e a linearidade obtida

com a ‘flecha do tempo’, estava envolvido nas discussões sobre a interação dialética e não

4
Castoriadis, C. As encruzilhadas do labirinto I. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p.144-5, 1978.
5
Almeida, A. M. M. 1996. Temas sobre o mundo rural: campo e cidade como imagens. Rio de Janeiro:
CPDA, apostila de curso, p.2.
105

antagônica entre as orientações progresso/reação, como procura esclarecer J. Le Goff6. Da

noção de progresso, o autor distingue uma “forma explícita” como juízo de valor (moral),

da “implícita”, esta como objetivo ou direção (técnico-científica):

Em seguida, espalhou-se a idéia - (...) - de que o progresso tecnológico arrastava


consigo o progresso político senão o moral, enquanto que noutros meios, e
sobretudo (...) se impunha a idéia de que não só progresso moral não tinha
seguido o progresso técnico, mas que tinha também efeitos deletérios sobre a
moralidade individual e coletiva.7

Do desprezo até os fins do século XVIII, ao apreço pela natureza durante o

Romantismo, as atitudes e as mentalidades sofreram uma revirada brusca que se seguiu à

deterioração do ambiente urbano pela industrialização crescente e pelo crescimento

demográfico. No meio do século XIX, a mentalidade transformou-se com o aparecimento

do conceito de ‘modernidade’, o que constitui uma reação ambígua da cultura à agressão do

mundo industrial. Segundo Le Goff8, na segunda metade do século XX, esta ‘modernidade’

generaliza-se no Ocidente e é introduzida a idéia de ‘modernização’, que com um discurso

técnico-desenvolvimentista mascarou grandes absurdos no trato com o ambiente natural

dos mais diversos países. Foi assim que a conseqüente degradação ambiental chegou ao

patamar de urgente problemática mundial, uma vez que o interesse humano não se

preocupava com a interligação entre produção e conservação. De acordo com E.

Hobsbawm, em La era del capitalismo9, o liberalismo, o radicalismo democrático e o

nacionalismo do início do século XX descrevem a extraordinária transformação e a

6
Le Goff, J. Progresso e reação. In: Enciclopédia Eunaudi, pp.338-392. s.d. Dialética, segundo o Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2a ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1986), na Filosofia, é a
arte do diálogo ou da discussão, quer num sentido laudativo, como força de argumentação, quer num sentido
pejorativo, como excessivo emprego de sutilezas. Ou também, o desenvolvimento de processos gerados por
oposições que provisoriamente se resolvem em unidades.
7
Le Goff, p.339
8
Ibid.., Antigo/moderno, p.370. Grifo próprio.
9
Madrid: Ed. Labor, 1984.
106

expansão econômica do mundo capitalista, acelerando o acúmulo de capital e

intensificando o comércio internacional, assim como as modificações das paisagens

humanas (tanto material quanto espiritual) e natural.

Diversos autores permitem observar a importância de interligações entre as diferentes

ciências. J. Baudrillard em seu texto sobre a emergência histórica do mito do consumo no

século XX10, adentra em aspectos psicológicos, explicando sobre o processo de alienação

da mercadoria no modus operandi capitalista industrial - o tal “pacto com o diabo” que,

segundo ele, desde a Idade Média nos envolve com o mito central de domínio da natureza.

O mito do progresso linear e infinito do acúmulo de capital, universalizado pelo

desenvolvimento econômico de alguns países, foi de certo modo abalado pelos estudos do

chamado Clube de Roma em 197211 que demonstrou a interdependência das atividades

econômicas predatórias com a degradação do mundo físico. Apesar desta aparente

contradição entre crescimento moral e material da humanidade, o processo de expansão e

domínio da espécie sobre o planeta, revelando uma ‘miniaturização’ geográfica e uma

‘unificação’ tecnológico-financeira entre os continentes, parece decorrer, sob certo ponto de

vista, também numa dinâmica salutar de auto-conhecimento e a possibilidade de se re-

examinar uma concepção mais sistêmica de nossa realidade. Este processo possibilita

deflagrar também o movimento ambiental12, cuja defesa de retorno à natureza (strictu

sensu) não deveria ser encarado oposto a nossa própria natureza (um humanismo strictu

10
Baudrillard, J. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos ed., p.203, 1995.
11
Meadows, D.H. et al. The limits to growth: a report for the club of rome’s project on the predicament of
mankind. NY: Universe, 1972. O Clube de Roma, recuperando as idéias de Malthus sobre a explosão
demográfica e a eminente queda da qualidade de vida, propôs medidas de limite ao crescimento econômico.
12
Utilizo este termo buscando englobar os demais termos tais como ecologismo, preservacionismo,
conservacionismo etc., embora existam diferenças.
107

sensu), mas ser elevada ao latu sensu de uma natureza única, embora multifacetada e

carregada de desafios.

Entretanto, como uma outra face da mesma moeda, estamos sofrendo um fenômeno

de mundialização da economia13 que interfere inevitável e prejudicialmente na gestão dos

recursos naturais e financeiros de cada país, agravando muitas vezes as já precárias

condições de vida tanto de povoados marginais ao mercado quanto daqueles que nele se

situam. Os níveis crescentes de desemprego, miséria e fome, vinculados ou não com o

aumento vertiginoso da mecanização nas indústrias, diminuindo a necessidade de mão de

obra braçal, têm demonstrado o lado perverso e desequilibrado deste processo em franca

expansão. Nas últimas décadas, as reivindicações de trabalhadores eram por melhores

salários, condições de trabalho salubres e menores cargas horárias; agora vemos se

transformarem em necessidade de mais vagas para combater a mecanização e ao enorme

boom demográfico deste período.14 A extraordinária aceleração nas comunicações tem uma

aparência paradoxal, pois aumenta o atraso relativo daquelas partes do mundo sem acesso à

alta tecnologia, criando novos e complexos contrastes.

Ocorre, portanto uma “tipificação internacional” segundo Hobsbawm: o ‘fosso’

econômico e populacional entre os chamados países centrais e os periféricos se

intensificam, aumentando a razão incluídos/excluídos. O problema da técnica, da

13
Segundo Hobsbawm, o desenvolvimento do mercado mundial é precondição crucial e característica da
sociedade capitalista (op. cit., p.75). Para Morin (op. cit., p.55, 1997), a ciência econômica é a ciência humana
mais sofisticada e mais formalizada. Entretanto, os economistas são incapazes de colocar-se em acordo sobre
suas predições, porque têm se isolado de outras dimensões humanas e sociais e porque são incapazes de
encarar o que não é quantificável, ou seja, as paixões e as necessidades humanas. Assim, a Economia é a
ciência mais avançada matematicamente e a mais atrasada humanamente.
14
Os importantes avanços da medicina preventiva e curativa, atuando decisivamente para uma maior
expectativa de longevidade em quase todo o mundo, têm contribuído para este cenário, assim como as
técnicas agrícolas mecanizadas têm possibilitado alimentar tamanha proliferação humana, apesar dos castigos
sofridos ao meio natural.
108

tecnologia ou de um pensamento exclusivamente tecnicista, como panacéia para a

humanidade, tem sido reformulado, pois a ilusão de sua onipotência permitiu os absurdos

atuais de desgaste ambiental (morte ou definhamento de rios, florestas e demais

ecossistemas, inclusive o urbano) em composição com inúmeros e graves problemas sociais

(discórdia, miséria, abandono). Seu poder tem sido, segundo Castoriadis:

...mal utilizado (ou utilizado para o mal) [que aspira pelo] (...) controle total, a
subordinação de todos os objetos e de todas as circunstâncias à vontade e ao
desejo. (...) O aumento do ‘poder’ constitui também, ipso facto, aumento de
impotência, ou mesmo de ‘antipoder’, poder de fazer surgir o contrário daquilo
que se visava; e quem calculará o balanço líquido, em que termos, com base em
quais hipóteses, para qual horizonte temporal?15

Portanto, neste século XXI, podemos perceber que este tipo de tendência ao

reducionismo que enfatiza as partes (economia e sociedade) em detrimento do todo

(economia-ecologia e sociedade-natureza), permanece abrangendo as ciências e, embora

permitindo o progresso técnico-científico, vem agravando problemas sócio-ambientais.

Entretanto, nestas três últimas décadas têm surgido (ou ressurgido), nos meios

científicos e filosóficos (F. Capra16, J. Lovelock17), artísticos e religiosos (holismo, nova

era), idéias sobre a interdependência humana dos demais seres vivos, os riscos do domínio

humano sobre a natureza e inclusive possíveis causas do declínio de antigas civilizações.18

Foi principalmente neste período pós IIa. Guerra Mundial, com o crescente

desequilíbrio de ecossistemas e o risco de escassez de recursos naturais, que se iniciou uma

série de debates e conferências, demonstrando a urgência e a abrangência do assunto. Em

15
Castoriadis, op. cit., p.154. Grifos próprios.
16
Capra, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.
17
Lovelock, J. Gaia.. Nova York: Oxford University, 1979.
18
Veja em J.D.Hughes La Ecologia en las civilizaciones antiguas. México: Fondo de Cultura Economica,
s.d.; J. Opie Renaissance origins of the environment crisis. Environmental Review. Oregon: Oregon State
Univ., vol.11, n.1, 1987.
109

várias instâncias políticas e acadêmicas começou-se a discutir uma educação voltada para o

meio ambiente e sua capacidade de melhorar as condições de sobrevivência da população,

dando-se importância ao professor do ensino formal e à adequação da questão ambiental ao

currículo existente. Foram enfocados problemas como a necessidade da

interdisciplinaridade e da co-participação, somados à visão ecológica, econômica, política e

social e não somente físico-biológica da natureza. Porém, mesmo assim, desde Estocolmo

(1972) ainda se tratava de controlar prejuízos ambientais e qualidade de vida, sem interferir

no processo industrializador e desenvolvimentista de crescimento econômico e da alta

produtividade. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentável em 1992 no Rio de Janeiro - BR, diversos países se

propuseram a assinar tratados sobre clima, patentes de códigos genéticos e biodiversidade,

mas pouco se acertou sobre uma possível e necessária alteração do rumo devastador do

progresso industrial, capitalista ou não.

Assim, o debate em torno do chamado desenvolvimento sustentável, já na década de

90, parece vir contrabalançar as correntes extremamente produtivistas da macro-política

organizadora do mundo social19. Esta tendência tem possibilitado o ressurgir de inúmeras e

inadiáveis discussões sobre a participação humana no destino do planeta. Principalmente

nos meios científicos, mas também filosóficos e culturais, ‘meio ambiente’ e

‘interdisciplinaridade’ são dois conceitos que têm recebido grande relevância nos últimos

anos, marcados não apenas por crises políticas, econômicas e ecológicas mundiais, mas

também por novas reflexões sobre a mudança histórica de paradigma no conhecimento de

19
Ver em Moreira, Roberto José. Economia Política da Sustentabilidade: uma perspectiva neomarxista. In:
Luiz Flávio Carvalho Costa, Regina Bruno e Roberto José Moreira (orgs.) Mundo Rural e Tempo Presente.
Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
110

nossa realidade físico-biológico-cultural. A busca pelo significado prático destes termos,

somados ainda aos de ‘globalização’ e ‘pós-modernidade’, tem levantado questões

interessantes em diversas áreas da ciência que buscam se moldar ao complexo e

imprevisível processo de transformação que vivem as sociedades neste período de transição

milenar. A tensão entre antigo e novo, entre conservação do pré-estabelecido e o

surgimento de inovações também se dá no interior da academia, não apenas na ciência

(vide a noção de paradigmas em Kuhn), como também no meio universitário, como o caso

do debate interdisciplinar em ‘confronto’20 com a estrutura departamentalizada tradicional.

1.2 Da ciência da Ecologia à Ecologia das Ciências

Diz-se que a especialização científica


tem conduzido à figura do superespecialista
que conhece tudo de um domínio tão reduzido que, praticamente, é nada.
Com semelhante entonação humorística no exagero,
poderia se dizer que o ecólogo tem tendência a sentir se generalista,
com o risco de não conhecer nada daquilo que fala e escreve,
que é quase tudo.
R. Margalef21

P. Acot, em seu livro sobre a História da Ecologia22, nos declara que esta história não

pode ser simplesmente separada de uma reflexão sobre a natureza do homem, pois quem

lida com esta ciência pode reencontrar sua própria genealogia. Portanto, há uma forte

atração entre Biologia e História - que se fecundam entre si formando uma História

Ambiental e/ou a Etnobiologia -, pois não podemos distinguir um objeto ou ser atual sem

20
Uso estas aspas para relativizar o termo, já que não se trata de uma contradição direta e sim de alternativas
diferentes, mas possivelmente includentes.
21
Margalef, R. Ecología. Barcelona: Planeta, p.21, 1981.
22
Rio de Janeiro: Campus, 2a. ed., 1990.
111

demandar um sentido cronológico e ontológico da sua formação, conformação, deformação

e transformação através do tempo e do espaço.23 A Biologia, ciência que estuda a vida, que

procura discernir a especificidade dos seres viventes e a evolução que neles ocorrem, nos

remete afinal à eterna busca sobre o porquê do mundo, origem, presente e destino, nem tão

estático, nem tão aleatório, mas um equilíbrio dinâmico, auto renovador e auto

consciente.24 Assim, o surgir da Ecologia como ramo da Biologia há pouco mais de um

século, pode vir projetar luz intensa e colaborar com os demais ramos das Ciências Exatas e

Humanas, irrompendo um sentido interdisciplinar, interfecundante, ao mesmo tempo

problemático e promissor.

Segundo J. A. Drummond, a colaboração principal das Ciências Naturais às Sociais é:

...entender como funcionam (ou funcionariam) as ecologias regionais sem a


interferência humana, [pois] só a partir dela [desta ‘supressão metodológica’]
podemos ter os parâmetros para avaliar o ‘peso’ e o papel reais desta particular
criatura dotada de cultura na conformação e na mudança das ecologias
regionais.25

Ao nosso ver, este auxílio pode ir mais além, uma vez que o estudo da

interdependência entre os seres vivos e entre estes e seu micro e macro habitat pode levar o

cientista social e das demais áreas a uma interdisciplinaridade mais ampla em suas

pesquisas, visando integrar diversos ramos das ciências, o que iria pela contramão do

23
Como se estudássemos o cume de um iceberg, montanha ou árvore, sem levar em consideração todo o
montante que faz com que este cume se erga sobre mares, vales e solos; o topo só se ergue devido à existência
de uma base ou raízes mantenedoras. Ou seja, nossa permanente poiesis natural, biológica é inevitável e
imprescindível.
24
Evolução, em Biologia, é o complexo processo no qual os organismos vivos originados na Terra têm se
diversificado e modificado através de alterações permanentes na forma e na função. É resultado de
sucessivas radiações de novos tipos de organismos, muitos dos quais se extinguiram, mas alguns se
desenvolveram até as presentes fauna e flora do planeta. Extinção e diversificação mantêm-se operando
atualmente.
25
Drummond, J. A. Ciência sócio-ambiental: notas sobre uma abordagem necessariamente eclética. In:
Rolim, Rivail Carvalho et alli (orgs.) História, espaço e meio Ambiente. Maringá: ANPUH - PR, p.11-42,
2000.
112

paradigma mecanicista reinante. O mesmo autor, citando E. Durkheim, destaca que as

Ciências Sociais “adotaram um ‘paradigma da imunidade humana’ (human exemptionalism

paradigm) aos fatores da natureza. Nele, cada sociedade e a cultura humana em geral são

inteligíveis apenas em si mesmas”.26 Segundo Morin:

A consciência ecológica levanta-nos um problema duma profundidade e duma


vastidão extraordinárias. Temos de defrontar ao mesmo tempo o problema da
Vida no planeta Terra, o problema da sociedade moderna e o problema do
destino do Homem. Isto nos obriga a repor em questão a própria orientação da
civilização ocidental. Na aurora do terceiro milênio, é preciso compreender que
revolucionar, desenvolver, inventar, sobreviver, viver, morrer, anda tudo
inseparavelmente ligado.27

Em seu conciso, porém valioso livro sobre o assunto, A. Lago & J. A. Pádua28

descrevem o desenvolvimento do pensamento ecológico através da Ecologia Natural e

Social, do conservacionismo e do ecologismo. A Ecologia, segundo os autores, embora

como ‘mentalidade’ surja já no século XVI, nasceu como disciplina há mais de 130 anos.

Ela acabou por se transformar em um movimento político e social neste século, inclusive

afetando e influenciando o germinar de novas sub-áreas, como a Ecologia Social ou a

Ecologia Política, por exemplo, onde são utilizados elementos dos mais diversos campos:

cibernética, física, química, agronomia, demografia etc. Assim, através da Ecologia,

pessoas e países estão passando a questionar seu modo de vida; nas ciências há um

provocante e fértil debate sobre suas bases epistemológicas e valores filosóficos. Segundo

26
Drummond, J. A. A história ambiental: temas, fontes, e linhas de pesquisa. Estudos históricos, Rio de
Janeiro, n.8, p.180, 1991. Nos termos de E. Durkheim, fatos sociais só podem ser explicados por outros fatos
sociais.
27
Apud Lago, A. & Pádua, J. A. O que é ecologia. São Paulo: ed. Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, n.º
116, 1984. O fato de nos referirmos ao Ocidente enquanto civilização, e, por conseguinte imaginar também
uma oriental, não constitui um paradoxo ao ponto defendido do continuum biológico ao início do capítulo:
nos referimos a uma ‘consangüinidade’, pelo menos entre os humanos, conferida pelos poucos tipos
sanguíneos existentes e pela alta proximidade genética com demais primatas.
28
Op. Cit.
113

os autores, percebe-se claramente a origem científica deste movimento que passa a ser

contra a ciência aliada à tecnologia devastadora no final do século XX. Esta transformação

seria resposta às barbaridades infringidas à natureza pelo domínio de um estilo ou

paradigma ‘irracional’ do ser humano perante a natureza: um papel ambíguo da razão e, por

conseguinte do ser humano, propriedade esta que nos permite auto-compreendermos e

buscarmos a construção de nossa realidade bio-sociológica, mas do mesmo modo a

destruição do que nos suporta.

Acot, por sua vez, traça a linha evolutiva desta ciência relativamente recente

acompanhando seu desenvolvimento desde Carl von Linne (Lineu) no século XVIII com

sua idéia de natureza ainda providencialista e finalista dos moldes medievais. A partir daí,

já no século XIX (com as primeiras demonstrações de poluição do desenvolvimento

industrial), procurando interligar, através da Biogeografia, seres vivos com fatores

abióticos, Alexandre de Humboldt, C. Lyell, C. Darwin e Ernst Haeckel passam a elaborar

os futuros conceitos da Ecologia. Este último, discípulo de Darwin, cunha o termo

oekologie em 1866, definindo-a como ciência da economia da natureza, do modo de vida,

das relações vitais externas dos organismos ou ciência do habitat ou da biocenose.29 Mais

tarde, esta definição se alarga para uma totalidade das relações do organismo com o meio

ambiente (biótico ou não), compreendendo todas as condições para sua existência. Aqui

surge uma alteração básica de conceitos: do estudo de situações de espécies fixas, já dadas,

com o darwinismo, passamos a estudar processos a partir das adaptações dos seres a novas
29
Acot cita que este termo foi inventado por K. Möbius em 1877: “pela primeira vez na história, um conceito
científico permite pensar uma entidade biológica integrando elementos pertencentes a dois Reinos diferentes”.
Ibid., p.78. Segundo E. F. Neto (Dicionário prático de ecologia. DF: Alhambra, 1992), embora seja
intrinsecamente dependente ao biótopo, refere-se aos elementos vivos daquele ecossistema. Segundo este
mesmo autor, “ecologia” foi inicialmente um termo da botânica (!) e que, por analogia, “foi transplantado
para a biologia animal, daí para a antropologia e a sociologia”. (p.69)
114

condições do meio externo (onde estariam os humanos). Deste modo, muitas pesquisas

fisiológicas foram de suma importância para se compreender as mudanças metabólicas

ocorridas nos seres viventes, antes de uma mais completa descrição da hereditariedade. No

trato de comunidades, a aproximação da Física e a Química orgânica com o uso da unidade

‘caloria’, servindo para medir fatores tanto bióticos quanto abióticos, se prolonga nas

concepções termodinâmicas e cibernéticas dos ecossistemas, base da Ecologia moderna.30

As análises dos ciclos de relações tróficas indicam que uma comunidade biótica
não pode ser claramente diferenciada do seu meio ambiente abiótico: a partir
disso o ecossistema deve ser considerado como unidade ecológica mais
fundamental.31

Apesar desta evidente interdisciplinaridade na construção da Ecologia, Acot frisa que

a ascensão do materialismo no plano filosófico, do fisicalismo no plano epistemológico e

do mecanicismo de Descartes no plano ideológico herdados do século XIX, fizeram com

que, ainda hoje, muitos de nós tenhamos uma concepção de ser vivo funcionando como

uma máquina, ausente, todavia de um pensamento realmente integrador, ecossistêmico. As

concepções universalizantes das sociedades humanas foram substituídas: “O obstáculo

habitual da especialização universitária pode, portanto explicar, pelo menos parcialmente, a

pequena repercussão imediata do pensamento de Lindeman.”32 De qualquer modo, segundo

Acot:

...como toda mudança importante na ordem científica é acompanhada por uma


modificação de nossa maneira de ver o mundo, o desenvolvimento e as
aplicações da teoria dos ecossistemas induzirão ao aparecimento de uma

30
Já o termo ‘ecossistema’ foi cunhado por A. G. Tansley somente em 1935, entrevendo que os vínculos
existentes entre o ser vivo e o inorgânico são estruturados de maneira circular e não linear. Ambos termos
podem ser vistos como um início da concepção interdisciplinar da realidade natural observada pela ciência.
31
R. Lindeman apud Acot, ibid., p.88 (grifos inseridos). Ao mesmo tempo em que se percebe uma interação
entre ciências a princípio desconexas, este autor confere a este processo como contribuinte para fixar a ciência
ecológica na corrente reducionista em Biologia.
32
Ibid., p.90.
115

ideologia ecologista sistêmica que transformará as representações das relações


natureza-sociedade nas sociedades industriais.33

No estudo ecológico da humanidade, sugerida desde o início do século XVIII através

da antropogeografia alemã, seus primeiros pesquisadores já demonstravam tendência a uma

hierarquia que submete o ser humano à natureza. Porém, como obstáculo fundamental ao

nascimento da Ecologia Humana, o homem biológico, por ser igualmente social, escapa em

parte, às determinações dos fatores do meio e, inversamente, o homem social, pertencente a

uma espécie, escapa a análise puramente cultural. Em 1922, esta nova área científica parte

para uma concepção mais engajada através de uma ‘humanização da ecologia’, não

somente pelos estudos empíricos das relações humanas, mas também por uma tendência a

uma Ecologia aplicada, ligada de maneira particular ou estreita a questões que tratam da

prosperidade social.34 O Grupo de Chicago, formado principalmente por sociólogos e

jornalistas, procuraram desde então tal aproximação, porém consideraram a cidade como

“meio externo natural”, ao mesmo tempo que reconhecem seu caráter altamente artificial.

Esta contradição é resolvida parcialmente com a idéia de que as cidades são o ‘habitat

natural do homem civilizado’, procurando tornar normal e não-artificial uma ‘tendência

natural’ de se viver em cidades. Através de metáforas biológicas num jogo de palavras, esta

‘natureza humana’ nunca foi completamente delimitada e definida e a ‘Ecologia Urbana’

contestada por não se compreender a cidade como um verdadeiro ecossistema, já que

33
Ibid., p.91. Grifos próprios.
34
Acot relata que em 1935, houve a crítica ao ensino de Biologia, que desenvolvia insuficiente
reconhecimento da dimensão social e comunitária, retardando a integração das Ciências Biológicas e das
Ciências Sociais.
116

dependente energeticamente de outros.35 Esta área é marcada então por um forte paradoxo

que se reflete nas grandes oposições ideológicas, mais natural ou mais social: o biologismo

e o culturalismo. Fatores ecológicos e diferenciações culturais são pensadas unilateralmente

como essenciais em cada caso, mesmo procurando conciliá-los, numa aparente oposição

científico-ideológica:

Todo pensamento totalizante das inter-relações da natureza e da sociedade é,


com efeito, marcado por tradições filosóficas, científicas, políticas [e/]ou
religiosas.36

Não seria da ‘natureza humana’ a nossa tendência a nos emanciparmos e

transformarmos o ambiente que nos cerca? Não seria do mesmo modo da nossa essência

termos a capacidade mental de impor condições para que esta ‘natureza externa’ seja

mantida para nossa própria sobrevivência? A humanidade tem insistido historicamente no

primeiro caso, no de auto desenvolvimento sem um apelo duradouro, sendo que apenas

nestes últimos anos se deu o crescimento do movimento amplo e intenso do ambientalismo

mundial, resultado da intensificação deste duelo de forças. Se há mais ênfase nas práticas

sociais, o ser humano se destrói destruindo a natureza; se a ênfase é na natureza apenas,

ficamos tolhidos por tendências conservadoras e nostálgicas. Daí, podemos perceber a

importância de cursos interdisciplinares em Ciências Ambientais e o processo dialógico de

construção institucional de novos espaços científicos, que permitam experiências em prol

de uma ‘democracia epistemológica’, como nos casos dos cursos descritos.

35
Para nós, o exemplo coloca, por outro lado, a problemática do conceito, embora como já dito,
imprescindível para a Ecologia. Os ecossistemas muitas vezes não apresentam limites rígidos e representa
interações com ecossistemas vizinhos, resultando em circunscrições maleáveis.
36
Ibid., p.124. Contudo, essas relações unilaterais não são colocadas mecanicamente. Segundo Acot, o
historiador Karl Ritter define a história como conseqüência e causa da presença humana sobre a Terra,
enquanto F. Braudel e E. Le Roy procuram integrar o meio ambiente em suas pesquisas. Acot cita ainda os
trabalhos de L. Febvre, M. Sorre e M. Mauss.
117

Diferentemente das épocas renascentista e do posterior progressismo tecnicista,

matematizado e secularizado, a dinâmica atual é de confronto direto com o modo de ser

industrial do ocidente e angústia e cuidado quanto às catástrofes iminentes: radioatividade e

poluição generalizada interferindo no clima, na produção de alimentos, no desgaste de

recursos naturais, no (re)ssurgir de velhas e novas doenças e, enfim, na qualidade de vida e

na sobrevivência da espécie. Para Acot:

Aqui se encontram as verdadeiras raízes da contradição ‘ecologista’ cujos


enfrentamentos contemporâneos ainda fazem eco: a referência nostálgica a uma
natureza antiga, original e mítica, destruída no século XVI pelo pensamento
humano e no século XX pelo poder degradante dos sistemas econômicos,
coexiste com a idéia orgulhosa, otimista e manipuladora da capacidade dos
homens de serem senhores e possuidores da natureza (estando seu direito de sê-
lo fundado na própria ruptura da antiga aliança).37

Deste modo, os defensores da unidade material do mundo (que faz subordinar às leis

da Biologia as Ciências Sociais) enfrentam dificuldades para salvar a relativa

especificidade humana, caindo mais uma vez num dualismo - o eterno problema filosófico

de nossa identidade.38 Por outro lado, defendendo-se a autonomia soberana do ser humano,

a degradação da natureza se mostra como fatalidade e o progresso se torna uma necessidade

metafísica. Acot cita Darwin, Lyell, Marx, Engels e Spencer como os pensadores

preocupados em salvar esta unidade, sendo o darwinismo um passo importante para se

redefinir a atual dicotomia cultura-natureza, pois também procura salvar a distinção

indubitável do fazer humano. Pensadores que procuram decifrar um in media res.

37
Ibid.., p.132. Longe da oposição entre nostalgia e otimismo generalizados, queremos crer numa composição
entre o arque e o neo, entre uma sabedoria milenar e um orgulho altruísta, ciente de uma ‘nova’ aliança (ver I.
Prigogine).
38
A busca pela auto-explicação humana não nos parece apenas um fenômeno moderno e científico, mas
perpassa a história das mentalidades e da própria filosofia.
118

A Ecologia vista latu sensu como derivando nas Ciências Ambientais, essencialmente

interdisciplinar, busca integrar uma síntese coerente entre as diversas áreas das Ciências

Biológicas, Exatas e Antropológicas: desde a Microbiologia e a Fitogeografia até a

Sociologia e a Economia Política. A aproximação empírica, conceitual e metodológica do

objeto a ser pesquisado pelas diferentes áreas do saber científico, neste ínterim, é

decorrente desta perspectiva de reunificação de contrários. Diversas correntes procuram,

portanto construir uma Ecologia Humana, uma Socioecologia ou uma Biologia Social39 que

atinjam um equilíbrio, processo este que também parece ser perseguido, até certo ponto,

pelos cursos pesquisados. Mas cremos numa síntese dinâmica, onde um ‘biologicismo’ não

componha com as forças ‘desencantadoras’ do mundo (apoiando-nos em Marcuse e sua

idéia de homem unidimensional40).

Já como movimento cultural, segundo Lago & Pádua, “a idéia central do ecologismo

é de que a resolução da atual crise ecológica não poderá ser concretizada apenas com

medidas parciais de conservação ambiental (a vertente ambiental reformista), mas sim

39
Nos EUA, a Escola de Chicago se tornou famosa por contribuições essenciais neste campo. No Brasil, o
principal representante é o professor D. Hogan da UNICAMP. A Socioecologia é um tema tratado através da
psicologia no curso EICOS aqui pesquisado. A Sociobiologia é originaria das idéias de E. O. Wilson nos anos
70 e pode também ser vista nas obras de M. Ruse Sociobiolgia: senso ou contra-senso (Belo Horizonte:
Itatiaia, 1983) e de G. O. da Silva O que é Sociobiologia (São Paulo: Brasiliense, 1993). Existe ainda a área
da Antropologia Ecológica , título do livro de W. Neves (São Paulo: Cortez, 1996).
40
Marcuse, H. El hombre unidimensional. Barcelona: Seix Barral, 1968. N. M. Unger (O encantamento
do humano: ecologia e espiritualidade. RJ: Loyola, p. 56, 1991) utiliza o termo
‘reencantamento do mundo’ de M. Berman, resposta ao escrito por M. Weber sobre o
processo histórico de secularização e o conseqüente ‘desencantamento do mundo’. Em O
Poder do Mito, Joseph Campbell (São Paulo: Palas Athene, 1979) assinala o grave e o constante (como a bela
e a fera) no sofrimento humano, tema principal da mitologia clássica. A causa secreta de todo sofrimento seria
nossa própria mortalidade, condição primordial da vida: “Quando se trata de afirmar a Vida, a mortalidade
não pode ser negada”. A outra ‘face’ do mesmo tema, segundo o autor, é dada pelo mito do herói que luta
pela superação das “paixões tenebrosas”, simbolizando nossa capacidade em controlar o “selvagem
irracional” dentro de nós. Nós e Campbell dividimos o mesmo lamento: do “fracasso em admitir, dentro de
nós, o enfebrecimento carnal, lúbrico, endêmico à natureza humana, não como um ato de coragem, mas de
auto-descoberta” (p.37).
119

através de uma ampla mudança na economia, na cultura e na própria maneira de os homens

se relacionarem entre si e com a natureza”.41 Segundo os autores, são medidas “...que

permitam a existência de uma sociedade não-opressiva, igualitária, fraterna e libertária” (a

vertente ambiental radical).42

Ao nosso ver, haveria aqui a necessidade de uma reflexão a nível mental, psicológico

(conscientizadora), imaginando uma ‘filosofia sócio-ambiental’ que procure menosprezar e

até ignorar a dicotomia entre os pólos uma vez vista a inerente interdependência entre

ambos ‘reinos’ biológico + psíquico; animal + humano; natureza + sociedade. Tal

perspectiva organicista da realidade pode ser remontada desde os sábios pré-socráticos,

Platão, Tomás de Aquino, Hegel e Spencer (para este, uma real analogia pode ser

construída entre o organismo individual e o organismo social).

De acordo com Acot, somente em 1901, a palavra ‘ecologia’ apareceu pela primeira

vez no discurso de um cientista, F. E. Clements. De acordo com Acot43, este fisiologista

vegetal defende que “conceitos operatórios para se pensar plantas individuais são

considerados como transferíveis [parcialmente] para conjuntos vegetais”. Desde modo,

pode-se construir analogias estruturais no plano das relações existentes entre as partes que

constituem o todo:

Além de conferir caráter científico à análise social, esse ponto de vista permite
pensar a unidade material do mundo sem se atolar nas problemáticas dualistas

41
Op. cit., p.15.
42
Ibid., p.37. Lago e Pádua citam autores de pensamento anarquista (P. Proudhon, P. Kropotkin, P.
Goodmman), pacifista (H. D. Thoureau, L. Tolstoi, M. Gandhi, M. Luther King), liberais humanistas (K.
Lorenz, L. Munford, R. Dubos), marxista (H. Marcuse, A. Gorz, R. Bahro), críticos independentes da
sociedade (I. Illich e V. Packard) e defensores da libertação social e psicológica dos homens (W. Reich, A.
Watts, I. Sachs, T. Roszack): “são educadores, médicos, físicos, filósofos, economistas, artistas, engenheiros,
etc., todos envolvidos na busca de novos caminhos, de novas estratégias de vida” (Ibid., p.41).
43
Op. cit., p.146.
120

das filosofias anteriores ou no espiritualismo ascendente na época e, no campo


político, permite pensar a ordem social pela ordem biológica.44

Em 1935, o ecólogo inglês A. G. Tansley colabora com a formação da Teoria Geral

dos Ecossistemas demonstrando a “inegável autonomia relativa” das comunidades, quase

organismos, que apresentam processos internos como funções metabólicas. Uma certa

“isomorfia” ou “identidade ontológica” de um “organismo complexo” ou “super

organismo”, como a da comparação entre os modelos planetário e atômico em Física e

Química. Entretanto, uma analogia não significa identidade, portanto não há uma

transferência direta, embora confirme a “unidade ontológica do ser vivo”. Para Acot:

Estamos frente a um pensamento que não estabelece separação entre natureza e


sociedade, isto é, a um pensamento das relações existentes entre o homem e seu
meio ambiente que falta para definir o [próprio] homem. Se negligenciarmos
seus efeitos ideológicos, a conseqüência fundamental desse ponto de vista é a
negação das ciências humanas, pois ele as priva de objeto específico.45

De qualquer modo, problemas ideológicos e metodológicos surgirão nesta tentativa

de diálogo, pois a recusa de separação conduz a impasses epistemológicos freqüentes

baseados em julgamentos de valores ideologicamente distintos, uma vez que o discurso

científico nunca é neutro: tal recusa é puramente arbitrária e, portanto preconcebida.46

Parece-nos que a crescente observação tanto da dimensão cultural sob um ângulo

‘naturalista’, quanto da dimensão biológica sob um ângulo antropocêntrico tem nos levado

a descobrir o papel complementar de cada fator, evitando posições redutoras (sem dúvida,

tensões fundantes dos programas estudados). Os princípios ecológicos aplicados à Ecologia

44
Ibid., p.147.
45
Ibid., p.152.
46
De acordo com Lago e Pádua (op. cit., p.27), quanto às necessidades, “o Homem não é exceção, pois o que
sempre esteve em jogo nos diversos modos de produção surgidos ao longo da história foi sempre o como
produzir e o para quem destinar os frutos da produção. [Portanto.] ...a Economia deveria ser considerada um
capítulo apenas da Ecologia”.
121

Humana fornecem base de modelo teórico de imprescindível importância, mas não decorre

de uma submissão do social ao biológico.

A descoberta de novas vias que transpõem a interface natureza-sociedade


representa uma necessidade tão imperiosa para o desenvolvimento das ciências
humanas quanto à advertência, pacientemente reiterada, da realidade dessas
interfaces.47

A Ecologia Humana tem procurado uma abordagem sistêmica do mundo vendo a fusão

natural-social como totalidade, dissociando-se de concepções mecanicistas e buscando uma

nova metodologia científica. Caminho este que nos parece também almejado, em algum

sentido não reducionista, pelas equipes de pesquisadores entrevistados, embora sem esta

denominação.

Enquanto movimento social, as principais críticas ecologistas são quanto ao

produtivismo e ao consumismo, ligados ao desperdício e à poluição energética e material.

Segundo Lago & Pádua, uma “contraprodutividade” surge, pois chega ao limite de

eficiência de uma estrutura que passa a gerar menos energia e a consumir mais para sua

auto manutenção. Acot interpreta este conjunto de posições ambientalistas através de uma

evolução no pensamento científico e denomina-o de “neo-cientismo”. Este autor acredita na

via da síntese ecossistêmica e citando E. Odum, defende que “...a gestão dos ecossistemas e

a ecologia humana aplicada (...) tornam-se novas tarefas que exigem a confluência de uma

multidão de disciplinas e de ações que, até agora, foram desenvolvidas de forma

independente umas das outras”.48 A reflexão ecológica nos permite discernir novas relações

entre humanos e natureza, mas, interdisciplinarmente, também entre os próprios humanos.

47
Acot P., op. cit., p.160.
48
Ibid., p.176. Grifos inseridos.
122

Deste modo, Acot crê que a história da Ecologia através de “...contribuições

sucessivas de conceitos unificadores”49 é um instrumento fundamental para se pensar uma

totalidade histórica e metodológica, pois revela que qualquer modificação de um dos

elementos da sociedade e da biosfera em geral acarreta modificações no conjunto. A

história das mentalidades, para Acot, parece vir confirmar a presença de um pensamento

intermediário entre prática e teoria, “...como se os objetos estudados se situassem sempre

na interface de duas ordens de realidade bem distintas”:50 entre a vida concreta e a ideal,

seja técnico, institucional e mental, uma vez que a ciência é tanto oriunda quanto

inspiradora das demandas sociais. Por outro lado, o autor demonstra certo paradoxo ao

defender uma “ruptura com o caráter separador do procedimento clássico”, pois ao mesmo

tempo em que procura reunificar conceitos declara-se a favor da superação radical da

ciência dita tradicional, neutra, cartesiana, reducionista.

Nosso ponto de vista coaduna-se com alguns autores dialéticos que percebem a

inevitável e até imprescindível oposição entre opostos, não se entregando a qualquer

unidade geral concreta. Para Lukács, por exemplo, em Para a Ontologia do Ser Social51,

que desenvolve seu texto procurando discorrer sobre ser social e ser geral, há uma

impossibilidade da “oposição radical” entre ambos, “pois deve-se sempre procurar e

encontrar soluções de compromisso” na distinção de uma “realidade bimundana”, nas

“radicais bipartições do mundo”, entre o reino da necessidade e o reino espiritual da

liberdade, entre o “puro conhecimento da natureza” e a “pura moral”. Citando autores como

49
Ibid.., p.193, nota 3.
50
Ibid., p.189. Grifo próprio.
51
Tradução do original em alemão Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins. Darmstadt: Luchterhand,
1984, por Mário Duayer, Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade Federal
Fluminense. Versão preliminar (Maio 96). Introdução da parte I. A Situação Atual do Problema.
123

Rickert, confirma para a Sociologia um “dualismo metodológico”, excluindo

“completamente o ser [sujeito] - incognoscível - da coisa em si [objeto] da filosofia

científica na consideração do mundo fenomênico”, o que evita uma “contradição lógico-

formal”. O autor critica o positivismo como a corrente de pensamento que concordaria com

a não existência de questões ontológicas para a filosofia - o que iria em contraposição ao

superar lukacsiano da epistemologia pela ontologia.52 Lukács crê na primazia da

consideração ontológica sobre a consideração lógico-gnosiológica na busca da totalidade e

no método de compreensão do mundo. Portanto, o autor ressalta a importância da

ininterrupta interação entre teorias ontológicas e práxis cotidiana de onde se eleva um

“mandato social” (“em geral não expresso, raramente formulável e na maioria das vezes

inequívoco”), modificando as noções ontológicas sobre o ser social e a imagem geral do

mundo, em uma dialética extremamente complexa. Isto é, para ele:

...as necessidades vitais da práxis humana (...) estão em interação com visões
teóricas dos homens; (...) a práxis é determinada pelo ser social que é mediado
pela natureza, [resultando] da totalidade das atividades vitais um contexto pleno
de sentido.53

Embora não seja intenção imediata tratar diretamente destas questões nos cursos

analisados (o que implicaria em um estudo profundo da epistemologia dos textos e dos

autores matriciais utilizados nas disciplinas dos programas), esta sensibilidade e

supervaloração da ontologia nos parecem vir de encontro ao nosso ponto de vista

52
Já o biólogo G. Bateson, idealizador da ‘ecologia da mente’ e do ‘padrão que nos conecta’, defende em seu
texto Los hombres son hierba: la metáfora y el mundo del processo mental (In: Thompson, W. I. Gaia:
implicaciones de la nueva biologia. Barcelona: Kayrós, p. 38, 1989.) que a epistemologia, as teorias da mente
e as da evolução são quase a mesma coisa, sendo a primeira um termo mais geral que abarca as demais.
Veremos mais adiante suas idéias através de outros autores.
53
Lukács, G. Ibid., p.4. Veremos mais adiante, principalmente na questão sobre paradigma, se os
profissionais das Ciências Ambientais pesquisados corroboram com estas idéias que se resumem na noção
marxiana de ser natural humano – como ser possuidor de objetividades e subjetividades abertas –
confirmando uma “unidade geral” ou “ontologia geral” e “suas próprias categorias específicas”. (p.2)
124

‘naturalista’ que concebe uma preferência ou uma maior ponderação dos elementos

‘primitivos’, básicos, essenciais na existência humana que dizem respeito aos valores

ambientais que nos cerca e nutre. Cremos que o movimento ambiental inteligente prega não

um retrocesso tribalista, mas algo como um re-olhar de nossas bases existenciais

(fisiológicas, comunitárias e filosóficas), visando recuperar um sentido ontológico da

própria vida (o que também não é suficiente para resolver a complexidade da natureza

humana).

1.3 Educação para o Meio Ambiente: uma introdução

O ambientalismo, crescente neste final de segundo milênio d.C., atinge o meio

acadêmico de modo a potencializar inovações em suas estruturas. Desde as grandes

tragédias ambientais dos últimos tempos (guerras mundiais, bombas atômicas, desastres

com metais pesados etc), incluindo as mais recentes e urgentes problemáticas de ordem

planetária (mudança climática, proliferação de doenças, depleção da biodiversidade), as

conseqüências do enfraquecimento biosférico trazem o potencial do risco. Ao mesmo

tempo possibilitam promover mudanças fundamentais no modo de vida da população

humana mundial. A partir daí, a busca por alternativas se tornou premente em grande

número de universidades e os trabalhos de pesquisa passaram a ser desenvolvidos e

patrocinados por organizações governamentais e particulares de diversos países. A

percepção de que há um real perigo de extermínio até mesmo da espécie humana, fez com

que a inserção da questão ambiental na academia se mostre também como um problema

sócio-ambiental e, portanto passa a requerer estudos não apenas monodisciplinares, mas


125

inter e até mesmo transdisciplinares, necessários para abordagem de tamanha complexidade

como a que envolve sistemas heterogêneos da intersecção, dinâmica e imprevisível, entre

sociedade e natureza.

Em 1972, a Conferência da ONU em Estocolmo (Suécia) sobre o Ambiente Humano,

reuniu, pela primeira vez na história mundial, representantes de 113 países, como resultado

da crítica à visão antropocêntrica que percebe a Terra apenas como fonte infinita de

riquezas. Neste encontro, se levantou a necessidade de ser gerado um amplo processo de

educação para o meio ambiente, estabelecendo um programa internacional pela UNESCO.

Mas um dos mais importantes foros de debate desta educação preservacionista ocorreu em

Tbilisi (Ex-URRS) em 1977, a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental.

Neste encontro, o termo meio ambiente foi definitivamente ampliado, passando a incluir as

dimensões antrópicas, éticas, estéticas, históricas etc. Esta conferência foi reiterada pela

Conferência Mundial sobre Educação e Formação Ambiental UNESCO/PNUMA (Moscou

1987), assim como pela Agenda 21, emanada da Conferência das Nações Unidas sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992). Portanto, o surgimento do

pensamento ecológico, que tem influenciado diversos campos científicos, parece procurar

salvaguardar uma vivência saudável, harmônica e justa da condição humana e biosférica do

planeta, não distinguindo justiça social e maltratos ambientais.

Porém, a política educacional, de um modo geral, tem definitivamente se mostrado

mais legitimadora que transformadora dos desequilíbrios crassos de nossa atual realidade,

principalmente em países como o Brasil. Dentre os desníveis sociais apontados por Odum54

estão os da renda entre ricos e pobres, do alimento entre nutridos e subnutridos, dos valores

54
Odum, E. P., op. cit.
126

entre o mercado e o que está fora dele e, enfim, o do sistema de ensino, entre aqueles

desassistidos socialmente e os escolarizados e profissionais.

Por isto é que, segundo os princípios do Tratado de Educação Ambiental para

Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992), a educação ambiental tem

como base o pensamento crítico e inovador, em seus modos formal, não formal e informal,

promovendo a transformação e a construção da sociedade. Portanto, esta perspectiva

educacional:

...não é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em valores para a


transformação social; deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos
processos de decisão, em todos os níveis e etapas, promovendo o diálogo entre
indivíduos e instituições e integrando conhecimentos, aptidões, valores, atitudes
e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas de
sociedades sustentáveis.55

A Agenda 21, elaborada durante a Rio 92, retoma o enfoque de resolução de

problemas sócio-ambientais voltado para estratégias locais, embora também contemple uma

Agenda 21 planetária. Ela se baseia na participação da sociedade civil organizada, na

gestão local com a conscientização ambiental e do desenvolvimento sustentável. A partir da

noção de cidadania, a Agenda é um compromisso social com a qualidade de vida e deve

estar presente nas iniciativas formais e informais de educação em todos os níveis.

Procurando reverter o atual quadro na educação brasileira, encontra-se em efetivação no

país, os Parâmetros Curriculares Nacionais pelo Ministério da Educação e do Desporto

cujos objetivos principais são os de proporcionar e difundir a noção de cidadania e ética

quanto ao meio ambiente (“consciência ambiental”), procurando tratá-lo (assim como a

orientação sexual e a pluralidade cultural) como tema transversal dos currículos escolares,

55
Fórum Internacional de Organizações Não-Governamentais, Conselho Internacional de Educação de
Adultos, São Paulo, 1992. Grifos próprios.
127

permeando toda prática educacional. Na apresentação do referido documento, é dada a

devida importância à seleção de conteúdos feita pelos educadores:

...deverão considerar sua natureza interligada às outras áreas do currículo e a


necessidade de serem tratados de modo integrado, não só entre si, mas entre eles
e o contexto histórico e social em que as escolas estão inseridas.56

Sem dúvida, este procedimento representa um relevante esforço para se estabelecer através

da educação formal, uma relação mais equilibrada do ser humano com a natureza e

inclusive consigo próprio.

A atual Constituição Federal consagra o meio ambiente equilibrado como um direito

do cidadão, estabelecendo vínculo entre qualidade ambiental e cidadania. Ela determina a

promoção da Educação Ambiental como uma das obrigações do poder público em todos os

níveis de ensino e a conscientização pública com base nos princípios do reconhecimento da

pluralidade e diversidade cultural, da interdisciplinaridade, da participação e da

descentralização. O IBAMA, de acordo com as diretrizes do Programa Nacional de

Educação Ambiental, assume a execução percebendo-o como um processo participativo

através do qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, adquirem

conhecimentos, atitudes e habilidades voltadas para a conquista e manutenção do direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado. A preocupação central da proposta está em

promover condições para que os diferentes segmentos sociais disponham de instrumental,

inclusive na esfera cognitiva, para participarem na formulação de políticas para o meio

ambiente, bem como na concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do meio

natural e sócio-cultural.

56
Brasil. Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: meio ambiente, saúde. Brasília: SEF,
p.15, 1997.
128

Neste sentido, a Educação Ambiental, enquanto prática dialógica que objetiva o

desenvolvimento da consciência crítica pela sociedade brasileira, deve estar comprometida

com uma abordagem da problemática ambiental que relacione os aspectos sociais,

ecológicos, econômicos, políticos, culturais, científicos, tecnológicos e éticos. As ações para

operacionalização do Programa devem-se apoiar em três linhas de ação que se relacionam57:

- Capacitação: consiste num conjunto de ações destinadas à formação de massa crítica

de técnicos e educadores que atuam nos órgãos de meio ambiente e de educação e ao apoio à

participação, individual e coletiva, no processo de gestão ambiental;

- Desenvolvimento de Ações Educativas: contempla um conjunto de ações destinadas

a estimular e apoiar a participação dos diferentes segmentos sociais na formulação de

políticas para o meio ambiente, bem como na concepção e aplicação de decisões que afetam

a qualidade do meio natural, social e cultural;

- Desenvolvimento de Instrumentos e Metodologias: reúne um conjunto de ações

voltadas para apoiar a realização de experiências em educação ambiental formal e não

formal e para a elaboração e difusão de materiais educativos; visando abordar a dimensão

ambiental de modo interdisciplinar nos currículos escolares, bem como instrumentalizar a

sociedade para participar no processo de gestão ambiental.

E para a Educação Ambiental poder se desenvolver tem como ponto de partida

essencial às trocas de conhecimentos de diversas áreas, a princípio desconectadas, mas que

poderão ser potencializadas quando interagirem. Interdisciplinaridade, portanto, como o

próprio termo indica, seria a possibilidade de se trabalhar organicamente as diferentes

disciplinas com o intuito de dar conta da complexidade dos fenômenos humanos e naturais.

57
Dados obtidos na página oficial do IBAMA: http://www2.ibama.gov.br
129

Porém não seria apenas um intercâmbio de assuntos entre disciplinas conexas

(multidisciplinaridade), mas uma conjugação de perspectivas diferentes sobre uma mesma

realidade sócio-ambiental. Neste sentido, parecem ser necessárias equipes formadas por

profissionais de várias áreas (humanas, biológicas e exatas) que criem um programa de

estudo e ação interdisciplinar. Ao mesmo tempo, possibilita, a cada profissional particular,

a formação de uma percepção mais abrangente sobre os problemas, tanto humano-sociais

quanto biológico-ambientais. Assim, a interdisciplinaridade seria promovida pela

multiplicidade de olhares, criando redes de intercomunicação permanente e visando

analisar a complexa realidade humana, procurando avaliá-la, sintetizá-la e adequá-la

comunitariamente.58

Assim, em consonância com tal perspectiva, percebemos a possibilidade da criação

de uma maior integração entre as disciplinas e áreas acadêmicas, refletida num currículo ao

mesmo tempo mais coeso e diversificado. A recente e cada vez mais crescente discussão

em torno da interdisciplinaridade seria então resultado de uma crítica ao direcionamento

demasiadamente especializante da doutrina científica que monopoliza o saber estanque

aprofundado, objetivo e pragmático. A perspectiva interdisciplinar, que parece tender a se

difundir através de diversas correntes alternativas ao modelo cognitivo cartesiano atual,

procura justamente adequar uma filosofia meramente instrumental a um universo

multifacetado e por isto complexo. Uma vez que todas as linhas divisórias precisas são

arbitrárias, esta tentativa de se seguir um caminho entre dois pólos a princípio opostos
58
Além disto, esta dinâmica de aproximação de disciplinas pode vir a fecundar novos
terrenos do intelecto quando em contato com outros saberes: o senso comum, as artes, a
religião, a filosofia, a ética e os demais valores culturais da sociedade. Uma
‘transdisciplinaridade’, como se tem defendido entre educadores ambientais, se daria num
passo além das disciplinas, na construção de novas abordagens ‘supra disciplinares’.
130

(como por exemplo, entre a Ecologia e a Economia que originou a Economia ambiental),

busca reduzir a tendência de crises constantes da moderna sociedade mundial ou ao menos

defasar seus abismos.

Espremido e dividido numa ‘faca de dois gumes’, a humanidade parece estar

passando por momentos de grande reflexão e transformação. A perspectiva histórica de

retorno aos clássicos, sociológica e filosoficamente falando, se alia ao retorno a uma

natureza fundante e revelam a necessidade de uma releitura da participação humana que

possa vir auxiliar em nossa auto explicação. Sem um apelo profético ou surreal, mas

otimista e perfeitamente compatível - como diria A. Giddens, um ‘realismo utópico’59 –,

nos baseamos nas reais condições de desenvolvimento da racionalidade humana e do

engajamento de educadores, como os entrevistados, para se atingir o ideal, não individual,

mas coletivo, de melhorias na subsistencialidade da vida sobre o planeta.60

1.4 A Inserção Ambiental no Meio Acadêmico Brasileiro

A interdisciplinaridade no meio universitário ganhou nova perspectiva quando se

iniciou o atual debate sobre a questão ambiental em todo o mundo, por volta das décadas de

1960 e 1970. É claro que a comunicação entre as disciplinas sempre houve antes disto, mas

parece haver concordância geral no meio acadêmico de que a problemática sócio-ambiental

59
Giddens, A. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1990.
60
Ao mesmo tempo, não estamos perfeitamente convictos se teremos que passar por maiores privações
sócias, econômicas e ecológicas, para que realmente possamos nos engajar nesta transformação. Ou seja, não
descortinamos se, para atingirmos planetariamente tal conscientização ecológica, deveremos chegar a uma
radicalidade existencial ao invés de uma simples reforma progressiva no comportamento humano.
131

requer uma atitude de cooperação entre as mais diversas áreas do conhecimento humano.61

Enquanto nos países centrais, instituições de pesquisa de cunho ambiental têm se

desenvolvido há décadas, no Brasil a questão tem mobilizado apenas recentemente muitos

profissionais das mais diversas áreas.

Na Inglaterra, por exemplo, segundo W. Leal Filho62, do Departamento de

Tecnologia Ambiental da Universidade Técnica de Hamburgo, graus acadêmicos em

Ciências Ambientais (BSc in Environmental Sciences) já são oferecidos desde a década de

70. Conforme observações realizadas pelo autor, existiam na Inglaterra em 1987, 15

universidades que ofereciam programas de graduação em Ciências Ambientais. Hoje em

dia são mais de 100 universidades oferecendo tais programas de forma que aquelas que não

os oferecem representam a exceção ao invés de serem a regra. Mesmo as instituições que

optaram por não sediarem tais cursos na graduação, oferecem os mesmos a nível de

mestrado (MSc e MPhil) ou doutorado (PhD e DPhil). Na Alemanha, onde o ensino

universitário é orientado no sentido de se formarem técnicos altamente qualificados e

especializados em seus respectivos pontos focais de trabalho, os formandos, que se

especializam em meio ambiente, o fazem em áreas bem específicas. Desta forma, ao invés

de se formar um “cientista ambiental” como fazem as universidades britânicas, com uma

visão mais ou menos detalhada de diversos aspectos do meio ambiente (nos parece que

mais semelhante ao curso de mestrado da USP), o graduando em meio ambiente alemão é

61
Seria interessante saber principalmente dos profissionais de Geografia se há algum consenso em respeito à
interdisciplinaridade, uma vez que esta área acaba por estudar diversas dimensões da relação humana com a
natureza: desde a geografia humana, regional, física, econômica, política e o estudo das paisagens.
62
Meio Ambiente: Um tema de valor estratégico para a universidade brasileira. Texto apresentado durante a
Conferência Virtual Meio Ambiente 99 (http://meioambiente99.realworld.de). Este biólogo brasileiro recém
lançou o periódico britânico “International Journal of Sustainability in Higher Education” (IJSHE), que
aborda a questão do desenvolvimento sustentável e conservação ambiental em universidades.
132

normalmente um profissional de uma área tradicional (por exemplo, engenheiro, arquiteto

ou biólogo) que se especializa em determinada área do meio ambiente com maior precisão,

como por exemplo, a qualidade do ar, emissões industriais ou direito ambiental (nos parece

que perfaz mais a linha do curso de doutorado da UFPR).

Buscando responder quais são os argumentos que justificam a criação de cursos de

graduação em Ciências Ambientais, Leal Filho aponta para alguns elementos: realidade de

mercado, complexidade, evolução tecnológica, legislação, dinâmica de ensino e

globalização, considerando que a formação de profissionais em Ciências Ambientais é uma

tendência internacional já seguida em diversos países. Neste trabalho, o autor defende a

tese de que a ênfase no tema oferece à universidade brasileira a chance de capitalizar com o

potencial dessa área emergente. As vantagens são muitas e incluem:

• Suprimento da carência de pessoal especializado;

• Atendimento à demanda por parte do mercado, especialmente a futura;

• Oferecimento de suporte técnico a setor em expansão;

• Estabelecimento de linhas de cooperação interinstitucionais no país e no exterior;

• A colocação do país frente a frente com países industrializados e que já se beneficiam

dos incentivos técnicos, científicos e financeiros que o setor ambiental oferece e

• A colocação do país na posição de vanguarda na América Latina, como pólo científico

em uma área cuja importância para a região já se revela como uma área chave.

Na América Latina, em 1975 criou-se o Programa Internacional de Educação

Ambiental63, em conformidade com uma recomendação oriunda da Reunião de Estocolmo

63
Informações obtidas na página http://www.unesco.com
133

(1972) e sob condução da ONU: o Programa para o Meio Ambiente (PNUMA) e para a

Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Em 1982, se iniciou o Programa Geral da Rede

de Formação Ambiental para América Latina e Caribe, apoiado pelo PNUMA. Hoje, a

Rede tem como objetivo principal a coordenação, a promoção e o apoio de atividades no

âmbito da educação, da capacitação e da formação ambientais na região. Para isto, ela

coordena e oferece assistência para a realização de cursos e o desenvolvimento de

programas de formação ambiental, atividades de capacitação ambiental a nível comunitário

e a promoção do desenvolvimento de estratégias de políticas de desenvolvimento

sustentável.

Objetivando realizar uma análise crítica das bases epistemológicas da

interdisciplinaridade na formação e investigação ambiental e analisar suas dificuldades

práticas nos planos social, administrativo e psicológico, o PNUMA organizou o II

Seminário Latino-Americano e Caribenho sobre Universidade e Meio Ambiente em 2000.64

Dentre as recomendações propostas às universidades se encontram:

• Promover a incorporação do saber ambiental, consolidando espaços de investigação e

formação, assim como nos diferentes institutos, centros e departamentos universitários.

• Articular com outras instituições.

• Desenvolver e aplicar metodologias interdisciplinares em projetos de pesquisa nas

escalas local, nacional e regional, buscando divulgação e aplicação nas comunidades e

setores sociais marginalizados.

64
Ibid.
134

• Definir mecanismos de participação para a internalização dos conhecimentos pelas

comunidades.

• Estabelecer mecanismos de comunicação e cooperação interuniversitária.

No Brasil, por proposta do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras e

posta em prática pela Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) em 1986, foi

realizada em Brasília o I Seminário Nacional sobre Universidade e Meio Ambiente.65

Reunindo representantes de 51 universidades do país, foi consenso geral de que há um

aprofundamento da problemática ambiental em todo o mundo e que sua solução exige uma

abordagem interdisciplinar no interior das universidades, cujo papel no contexto político,

científico, social, cultural e econômico do país é imprescindível. Sua participação se exerce

principalmente no desenvolvimento de uma “consciência crítica” junto aos recursos

humanos sobre este problema, sugerindo também estratégias adequadas ao planejamento, à

execução e ao controle da política ambiental brasileira. Os temas centrais abordados

durante o seminário foram:

• Aspectos gerais da incorporação da dimensão ambiental nas carreiras tradicionais;

• Programas interdisciplinares;

• Novas carreiras e cursos de pós-graduação;

• Cursos, seminários e outras atividades de capacitação de professores;

• Programas de extensão e solução de problemas ambientais das comunidades.

Das recomendações obtidas neste encontro, apontou-se para a necessidade do

governo federal destinar recursos objetivando criar um fundo de fomento às atividades de

65
Informe Final, 1986.
135

pesquisa, a criação de setores específicos nas agências financiadoras e o incentivo aos

projetos interdisciplinares e interuniversitários. E, quanto à universidade, uma maior

autonomia sobre suas linhas de ação, maior participação na política nacional do meio

ambiente e prioridade na contratação de projetos ambientais. Como sugestões à SEMA,

dentre outras, foi pensada a edição de um periódico em âmbito nacional e a criação de um

banco de dados de programas interdisciplinares, o que nos parece não ter sido executado

todavia. Nas recomendações às instituições de ensino superior, indicou-se, dentre outras: a)

incentivar projetos integrados e realizar seminários multi e interdisciplinares e b) criar

unidades como centros ou núcleos com integração de docentes, visando ministrar aulas

complementares e cursos de capacitação, promover debates e palestras, incentivar pesquisas

de educação ambiental, garantir participação comunitária e acordos inter institucionais, etc.

Para as universidades, sugeriu-se, principalmente: fomentar o desenvolvimento de

metodologia e estratégias de ações interdisciplinares e promover encontros e intercâmbio;

fazer levantamento e avaliação dos programas interdisciplinares já existentes para a

discussão em seminários institucionais e regionais; catalizar, através dos Colegiados

responsáveis, a organização e a implantação dos programas interdisciplinares e incorporar

as experiências populares, conduzindo-as para dentro do saber científico, através dos seus

setores de ensino, pesquisa e extensão.66

No seminário do ano seguinte, em Belém, segundo Antônio Carlos R. de Moraes,

houve maior ênfase na discussão das bases epistemológicas da temática, observando assim

uma preocupação mais teórica que pragmática do último encontro. Do mesmo modo, surge

com maior clareza a dimensão política, principalmente no trato da elaboração dos relatórios

66
Ibid., p. 30.
136

de impacto ambiental feitos pelas universidades. Neste sentido, este autor cita que ocorreu

certa polêmica nestes dois tipos de recortes: o pragmatismo que menosprezava o debate

mais teórico e um tecnicismo que criticava um exagero na politização do seminário.67 No

documento final foi expressa a busca de se romper tal dicotomia, demonstrando a

necessidade de se tratar a questão ambiental de modo equilibrado entre os pressupostos

teórico-metodológicos e práticos.

Nos anos seguintes, este seminário foi repetido, sendo também replicado em

encontros estaduais. Na época em que foi proposta e exigida a necessidade do Estudo de

Impacto Ambiental e seu Relatório, este tema se tornou obrigatório nos mais variados

campos do conhecimento. Profissionais de Letras, Engenharia, Educação, Geografia, por

exemplo, se encontraram em São Paulo em 1988 no Primeiro Simpósio Sobre Meio

Ambiente e Educação Universitária68, confirmando a essencialidade interdisciplinar do

tema. Houve muitas críticas e interpretações em relação aos estudos e sua portaria, por ser

genérica e pela falta de conhecimento exato sobre o assunto. De qualquer modo, a medida

veio tentar mitigar as ações espoliativas sobre os recursos naturais, como nas áreas de

mineração, rodovias e distritos industriais. Para tanto, mesmo havendo dúvidas entre multi

e interdisciplinaridade, houve consenso de que as atividades deveriam ser feitas a partir de

um trabalho em equipe, superando-se “o jogo de personalidades” e a liderança assumida

por alguma especialidade na condução do eixo da investigação. Para tal, deveria se

construir uma metodologia comum, a partir de um “trabalho de reelaboração mental”,

67
O pragmatismo se mostrou bastante convicto no discurso de um docente da UFRJ (B), enquanto o
tecnicismo pareceu com mais força no discurso de um discente da UFMG (A). De um modo geral, nos demais
relatos, houve um certo equilíbrio entre os dois recortes.
68
I Simpósio Estadual sobre Meio Ambiente e Educação Universitária – área de Ciências Ambientais.
Informe geral. São Paulo: Governo do Estado, SEMA. 1988.
137

segundo o secretário Dr. Jorge Wilheim que apontou, como necessidade, para um trabalho

também de “humildade” neste enfrentamento da questão, recém iniciada no país. Ele ainda

colocou, em palestra sobre a abertura do mercado de trabalho para o profissional com

formação em meio ambiente, que formas específicas intradisciplinares do mesmo modo

deverão ser construídas, procurando estabelecer correlações no interior de cada faculdade

ou departamento. Dr. Zatz, presidente da mesa nesta ocasião, declarou que o meio ambiente

provoca o resgate de um ideal perdido pela universidade no país e no mundo devido à

fragmentação do conhecimento pela ciência moderna. Embora defendesse que “cultura é

anti-natural”, pois cada vez que se pratica a cultura, afeta-se a natureza, com o que não

concordamos inteiramente, ele considerou que o desenvolvimento nacional não pode ser

apenas econômico e que a complexidade do fator ambiental na sua relação com o fator

humano deve ser tratado coletivamente. A profa. Marisa P. Lajolo lembrou que existem,

entranhados na cultura brasileira, tanto o deslumbramento pela exuberância de nossa

natureza, quanto seu apropriamento como fonte de renda e de lucro; tanto paisagem quanto

mercadoria, definindo o problema da identidade nacional e patriótica da população.69 Em se

tratando de educação, ela considera um ponto crucial: como “... pensarmos que uma

instituição tão frágil quanto a escola [ou universidade], vai ter o poder de se opor e de

sustar uma política de transformação da natureza em mercadoria e lucro, na medida em que

essa é uma política formalmente, oficialmente aceita por uma sociedade como a

brasileira?”. Eis realmente uma questão primordial a ser encarada e parcialmente

respondida por Santos. O eminente geógrafo Milton Santos, buscando definir a Educação

69
Ponto destacado na dissertação da aluna da UFRJ (B), sobre os pesquisadores ambientais deste estado
(citada mais à frente).
138

Ambiental, deduz seu caráter ideológico e lembra que a Geografia sempre tratou da questão

da unidade entre sociedade e natureza, segundo ele, indissolúvel. Lembrando que a

Educação Ambiental busca aumentar o grau de cidadania das pessoas, este autor frisa a

capacidade única da escola ser uma “contra-corrente” ideológica e para a importância da

educação não formal.

Já no III Seminário Nacional sobre Universidade e Meio Ambiente70, em Cuiabá

(1988), algumas das considerações genéricas resultantes foram: a unanimidade das críticas

à estrutura departamental, que constitui sério obstáculo ao desenvolvimento da perspectiva

interdisciplinar requerido para o tratamento da problemática ambiental e a dificuldade em

se construir uma linguagem comum, “evidenciando a falta de uma sólida base

epistemológica e ontológica no trato dessa temática, arredia aos paradigmas tradicionais”.71

Inúmeras foram as considerações dos grupos de trabalho, divididos nos temas relativos aos

aspectos conceituais, metodológicos, científicos, tecnológicos e organizacionais. Foi

explicitado que a interdisciplinaridade não pode ser criada por decreto, valorizando-se

então modelos organizacionais flexíveis, onde haja uma vivência comum de pesquisa,

aproximando pessoas. Dentre as recomendações, os participantes colocaram as

necessidades de se estabelecer “...formas de organização interdisciplinar, em cada

Universidade, para o trato da questão ambiental e que possam servir de referência para o

público interno e externo”.72 Além disto, sugeriu-se o encaminhamento e divulgação de

70
IBAMA/Min. do Interior. Documento Final. Brasília, p. 19, 1988.
71
Ibid., p. 19. Veremos a seguir que a departamentalização universitária foi bastante criticada pelos
entrevistados e que também apontaram para o problema da falta de costume de diálogo para o trabalho
interdisciplinar.
72
Ibid., p. 24.
139

materiais sobre experiências institucionais e a necessidade de uma formação crítico-

humanista em todas as áreas do conhecimento.73

Em 1989, durante o II Simpósio Estadual Sobre Meio Ambiente e Educação

Universitária em São Paulo74, realizou-se mesa-redonda sobre educação ambiental na pós-

graduação, cujos expositores foram os professores Luis Edmundo de Magalhães,

Archimedes Perez Filho, Myriam Krasilchik, André Francisco Pilon, Jorge Madeira

Nogueira e Arlei Benedito de Macedo. Debateu-se a impossibilidade de se excluir qualquer

saber científico da problemática ambiental, a plena justificação em se criar cursos de pós-

graduação (e não de graduação) em Ciências Ambientais e a preferência por um curso

interunidades, embora tenha sido apontada a dificuldade em se montar projetos integrados.

A professora Krasilchik colocou a discussão sobre separar Ciências Ambientais de

Educação Ambiental, mas principalmente que ambas romperiam com diversas

características da universidade, porquanto esta é fragmentária e reducionista, voltada mais

para o passado humano do que para seu futuro e ainda excessivamente com função de

transmissora do conhecimento ao invés da solucionadora de problemas. Ela questiona,

quais profissionais que tenham competências variadas ensinariam em cursos

interdisciplinares? Como tornar a estrutura universitária estanque propicia à

interdisciplinaridade? O que ensinar, tamanha a complexidade da questão? Como ensinar,

uma vez que a concepção construtivista impõe a busca de outras entidades curriculares que

permitam outros tipos de atividades? A educadora ainda ressaltou a suma importância do

retorno do conhecimento em forma acessível à comunidade, como obrigação de dar contas

73
Seria interessante conhecer e promover trocas de publicações entre aquelas instituições que participaram
das diversas experiências interdisciplinares principalmente envolvidas no PADCT.
74
SEMAA. Documento final, 1989.
140

à sociedade (extensão). O Prof. do Instituto de Geociências da USP, Arlei de Macedo,

procurou considerar inicialmente o perfil ideal do profissional a ser formado: que tenha

capacidade de reflexão das diversas variáveis físicas, humanas e biológicas que da questão

emerge, lembrando ainda que o profissional deve estar a par dos “valores e demandas de

classes sociais e camadas sociais diferenciadas” e ter a oportunidade de participar de

projetos integrados.75

Durante o IV Seminário Nacional76, em Florianópolis (1990), foram debatidas

questões sobre a participação da universidade e da sociedade face à política ambiental

brasileira. Em seus textos básicos, fazendo um apanhado geral dos encontros prévios, o

geógrafo Antonio Carlos de Moraes, apontou para três posturas que dificultam o debate e a

ação nesta área, mas que demonstram a diversidade e a complexidade da questão: o

cientificismo acrítico da razão utilitária, o naturalismo generalista e o romantismo

ingênuo.77 Este pesquisador apontou ainda para as funções informativas, formativas e

consultivas dos seminários e reiterou a reivindicação da uma publicação sugerida durante

os encontros. Dentre os onze grupos temáticos do referido seminário, a “educação

ambiental no ensino de pós-graduação” foi abordada por palestra de H. Sobral, que lembrou

primeiramente as importantes contribuições da Geografia no estudo do meio e sua relação

com as atividades humanas e a necessidade de se reverem conceitos básicos. Cita que além

da Geografia Ambiental, a Geografia Crítica rebate as influências positivistas, de posições

75
Ibid., p.182. Este ponto é incluído no exame dos depoimentos justamente na questão que indaga sobre o
perfil de cada entrevistado e onde poderemos perceber um valioso engajamento profissional e ético de
trabalhos coletivos experienciados.
76
IV Seminário Nacional sobre Universidade e Meio Ambiente - Textos básicos. 1990.
77
Neste caso, podemos apontar também para um pleno equilíbrio na disputa entre estas três tendências junto
aos cursos pesquisados. Tanto o cientificismo positivista dos engenheiros, quanto o naturalismo
conservacionista dos biólogos e o romantismo humanista dos sociólogos (como exemplos) parecem se
pactuarem junto aos programas interdisciplinares em Ciências Ambientais.
141

clássicas e quantitativistas desta ciência, resgatando a idéia de que o tema ambiental está

num contexto de “causalidade múltipla” na busca de se explicar um fenômeno. Deste

modo, defende a referida palestrante, que o uso do conceito de ‘meio’ deve ser evoluído

para o de ‘espaço’, porquanto este compreende o “produto das relações que se estabelecem

entre ele e a sociedade...”.78 Cita ainda as iniciativas da USP, UFRJ, UFPA, UnB, UFSC,

UFPR, UFJF, UFMG, UNESP e PUC-SP que apresentaram o intuito de se criarem cursos

que abordem o tema ambiental interdisciplinarmente, mas ainda não colocados em prática.

Em sua conclusão, ela destaca o sub-programa de Ciências Ambientais (CIAMB) do

Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (PADCT) junto ao

Ministério de Ciência e Tecnologia e do CNPq que procuram resolver, dentre outros, os

entraves mais sérios como a orientação setorial dos enfoques em meio ambiente e a

formação de recursos humanos. Segundo o documento básico deste sub-programa:

...é certo que o conhecimento setorizado, que não ultrapassa a barreira das
disciplinas estanques, jamais poderá atender a este apelo [de prover o
conhecimento ambiental]. Isto passa, necessariamente, pela adoção de um
modelo epistemológico transdisciplinar.79

Carlos Walter P. Gonçalves, neste quarto encontro, proferiu palestra sobre extensão

universitária frisando a difícil relação entre saber e fazer. Conferindo a extrema importância

desta interface universidade e sociedade civil, o palestrante percebe a diferença lógica entre

78
Ibid., p.164. O conceito de meio ambiente não é trabalhado nas entrevistas, embora seja assunto de muitas
controvérsias, principalmente dentre os geógrafos. Em geral, as respostas trouxeram à tona a complexidade da
questão, percebendo-se as inúmeras facetas (sócio, político, econômico cultural, ambiental) que ela provoca.
Na Biologia, o meio compreende fatores não apenas bióticos e abióticos, mas também antrópicos,
principalmente na Ecologia.
79
Ibid., p.167. Como será apontada no capítulo sobre paradigmas, uma nova epistemologia é vislumbrada por
inúmeros entrevistados, uma vez que o mero conhecimento disciplinar tradicional não tem dado conta da
multi dimensionalidade da questão ambiental. Três respostas na questão referente a paradigmas, conferem um
necessário “enfrentamento” e uma liberdade de “escolha” que a comunidade científica possa se conferir.
Citam ainda o trabalho de Bachelard e Morin como potencializadores da temática.
142

ambas devido ao lucro buscado nesta e da necessidade de se “repensar os próprios

fundamentos da ciência moderna”. Para o palestrante, a divisão do trabalho científico em

Ciências da Natureza e Humanas é marcada por extremo reducionismo, típico da rigorosa

delimitação do objeto de conhecimento científico – divide et impera. Segundo ele, a

questão ambiental “... exige um outro paradigma que seja capaz de dar conta da

complexidade histórico-natural”, frisando que homem e natureza não são mundos à parte:

...se a dominação é uma perspectiva que o homem desenvolveu, como mostra à


Sociedade a História, o que nos cabe é dominar a dominação sobre a natureza e
do homem sobre o homem.80

Neste sentido, ele acredita que o Brasil, por um lado, por sofrer de uma “síndrome do

subdesenvolvimento”, operacionaliza de um modo imediatista sua industrialização tardia,

sem levar em consideração seu potencial natural e, por outro, a falta de uma tradição

universitária promove bacharelismo e elitismo fora do real cotidiano de sua porção extra

acadêmica.

Neste momento, encontra-se a universidade em busca de sua identidade o que


requer refletir acerca de seu papel no interior de uma sociedade industrializada e
marcada por profunda injustiça social.

Assim, aponta o ‘nó górdio’ da questão das formas de organização universitária visando dar

conta do caráter necessariamente interdisciplinar da questão ambiental e da relação com a

sociedade civil.81 A universidade como lócus privilegiado de produção de saberes deve ser

80
Gonçalves, C. W. P. Extensão universitária e meio ambiente: a difícil relação entre o saber e o fazer. Ibid.,
p.192. Do mesmo modo que a citação prévia, a temática sócio-ambiental como reflexo de um novo paradigma
é apontado pela maioria dos entrevistados (60%).
81
As formas de organização universitária pesquisada foram basicamente duas: o antigo modelo
departamental, porém com abertura para iniciativas interdisciplinares com áreas conexas e a de formação de
um núcleo ou centro isolado, mas composto por representantes de diferentes unidades e suas respectivas áreas
científicas (estes mais recentes e buscando realmente atingir não apenas pesquisa e ensino interdisciplinar,
mas também, até certo ponto, extensão). Os dois cursos levantados estão conectados com a vice-reitoria
acadêmica.
143

capaz de construir as pontes necessárias, sabendo lidar com os perigos, apontados pelo

referido professor, o lucro e a solução imediatos. Por fim, ele vê que a extensão

universitária pode colaborar no sentido de fazermos perceber as comunidades não como

objeto de estudo, mas sim como sujeitos ativos na produção de conhecimento.

Estes inúmeros encontros na década de 80 serviram, sem sombra de dúvida, como

alavanca para a elaboração e a institucionalização de diversos cursos pelo país afora que

vieram a se solidificar na década seguinte. Além dos cursos que buscam a

interdisciplinaridade a partir das áreas humanas e exatas, na área biológica, a Ecologia, tem

papel importante a cumprir. Como ciência de síntese do inter-relacionamento entre fauna,

flora e meio, em suas miríades de processos físico-químicos e biológicos, acaba por

englobar um discurso pamcientífico na discussão da ação humana diante da natureza e da

necessária e urgente interdisciplinaridade.

Nesta tendência atual em se ‘construir pontes’ entre disciplinas, muitas questões têm

sido tratadas por pensadores com intuito de se conhecer como tem se dado o processo de

institucionalização de pesquisas e especialidades na temática ambiental. De acordo com M.

Coutinho, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP, questões

que permeiam a Sociologia da Ciência nesta área têm seguido a conjuntura internacional.

Do mesmo modo, as iniciativas têm proporcionado o favorecimento de um ambiente local

profícuo através de pesquisas regionais abrangentes, embora tenham encontrado inúmeras

dificuldades nas tentativas de trabalhos transdisciplinares. Cita esta autora que a Ecologia é

vista como uma das disciplinas peculiares do “novo Renascimento” nas ciências,

provocando o surgimento de novas especialidades nesta mudança de séculos. Seguindo

contra a expectativa de que ela se tornaria cada vez mais unificada teoricamente, a
144

Ecologia, segundo a autora, tem se mostrado ainda mais heterogênea no período pós IIa.

Guerra Mundial: “uma profusão de conceitos emergindo em uma miríade de discursos

específicos”.82 A Ecologia tem apresentado um padrão de expansividade ou de “tendência

centrífuga”, construindo laços com as demais áreas. Pode ser percebida como um ‘buraco

branco’, pois se espalha, diverge, se infiltra e diversifica discursos de inúmeras áreas do

conhecimento. Ela carrega ainda uma clara tendência, de acordo com a pesquisadora, de

gerar discursos socialmente prescritivos, com sua “base de comunidade holística

superorganísmica”, como relatado por Acot.

Evolutivamente, a Ecologia sofre uma distinta divisão interna. Por um lado, há a

Ecologia de populações, mais técnica e pragmática e, por outro, a de ecossistemas, que

desenvolve, segundo a autora citada, uma forte interação com discursos não científicos,

comprometendo-se inclusive com discursos e agendas políticos, científicos e econômicos

em todo o mundo (vide problemáticas como camada de ozônio, mudança climática,

redução da biodiversidade, etc).83 Neste sentido, Coutinho aponta para duas alternativas em

que se encontra o campo político: num impasse histórico cultural, o que se tem chamado de

crise da modernidade da sociedade industrial, requerendo total substituição dos atuais

padrões de produção e consumo (discurso ecocentrista ou radical) ou, numa perspectiva

mais moderada, de que tal crise é típica e passageira (discurso tecnocrático sustentabilista

ou reformista, como apontado por Lago & Pádua).84

82
Ibid., p.3. Livre tradução.
83
Coutinho refere-se, como característica básica neste período renascentista, o amálgama dos discursos
políticos e científicos e a participação não apenas de partidos ambientalistas, mas também de organizações
não-governamentais ou da sociedade civil.
84
No confronto entre estes dois pólos, embora haja todo um leque de possibilidades, cremos que os cursos se
enquadram na vertente mais radical, embora os pesquisadores apresentem ainda muitas dúvidas e não perdem
o antropocentrismo na defesa da sobrevivência e da qualidade de vidas humanas.
145

Ela é, portanto considerada uma “disciplina de síntese”, que pode permear e

complementar as demais carreiras profissionais, pois tende a compor uma melhor

percepção do profissional especializado no trato de problemas de maior complexidade do

que em sua área limitada. Coutinho se refere à passagem, embora não substitutiva, de um

contexto “acadêmico do assunto” a um “contexto de aplicação”, envolvendo as mais

variadas profissões e promovendo uma “infidelidade disciplinar”, já que a Ecologia e a

temática ambiental tem exigido o trabalho interdisciplinar ou até mesmo transdisciplinar.

Quanto à diversificação institucional no que se refere ao Brasil, ela indica que não existe

um número grande de centros de investigação, porquanto permanece a tendência de haver

uma concentração dos locais de pesquisa, principalmente em universidades.

Coutinho apresenta então uma estratificação da realidade universitária brasileira: os

grupos e departamentos de alto nível em pesquisa e educação profissionalizante e aqueles

de mais baixas posições dentre também os cursos de pós-graduação. Neste sentido, a

CAPES85 tem exigido dos diferentes institutos, níveis de qualificação mínima (cujas notas

vão de 1 a 7), permitindo uma re-avaliação intra-institucional constante. De acordo com a

autora, há uma maior concentração da pesquisa ecológica nas instituições de ensino

superior do que em outros grupos de pesquisa, sendo a maior parte concentrada na região

sudeste. Seguindo uma primeira fase na década de 70/80, uma segunda onda se deu a partir

85
Esta agência de fomento à pesquisa tem sido primordial para o desenvolvimento científico do país e é
responsável por uma nova onda de institucionalização com a criação de um campo multidisciplinar em sua
estrutura de avaliação de cursos.
146

de 1988 que se configura numa tendência à transdisciplinaridade, assim como uma intensa

dinâmica inter institucional.86

No início dos anos 90, apenas 4 cursos de doutorado eram oferecidos no país (dois do

INPA, UFSCar e UNICAMP), sendo os de iniciativas interdisciplinares, ou seja de

Ciências Ambientais, começando a ser datados em 1989: Ciências da Engenharia

Ambiental da UFSCar (mestrado e doutorado) e Ciências Ambientais da USP.87 Mesmo

que cursos mais antigos, como os de Ecologia e Recursos Naturais da UFSCar, o de

Biologia de Água Doce e Pesca Interior do INPA e o de Ecologia, Conservação e Manejo

da Vida Silvestre da UFMG88 possam atualmente se considerar interdisciplinares, na época,

se estruturavam sobre alicerces mais circunscritos (no máximo uma multidisciplinaridade).

O mesmo se dá nos cursos originados na década de 70, principalmente aqueles referidos

como stritu sensu em Ecologia (INPA, UnB, UNICAMP, UFRGS). Os demais, já surgidos

nos anos 90, já apresentam uma tendência mais forte na busca pela inter/

transdisciplinaridade, necessária no trato do tema ambiental. São eles: Ecologia e

Conservação da Biodiversidade da UFMT, Ecologia e Conservação da UFMS,

Agroecossistemas e Sociedade e Meio Ambiente, ambos da UFSC e Desenvolvimento e

Meio Ambiente da UFS. De acordo com os gráficos no trabalho citado, houve quatro

momentos de institucionalização dos cursos, 1976 e 77, 1980 a 83, de 1988 a 91 e de 1992

a 95. Os cursos do primeiro grupo, chamado de pioneiro, são fortemente disciplinares e

86
Ao nosso ver, nos parece exagerada a tendência transdisciplinar referida, pois percebemos, todavia como
iniciativas multi ou no máximo interdisciplinares as experiências já concretizadas e pouco tendentes à trans,
conferido a partir de nosso uso de interdisciplinaridade: articulação entre as três grandes áreas, biológicas,
exatas e humanas.
87
Curso analisado nesta pesquisa.
88
Curso analisado nesta pesquisa.
147

departamentais, enquanto nos demais, houve clara tendência ao relacionamento entre áreas

e subáreas diferentes.

Coutinho lembra que o curso da UFMG é diferenciado dos demais, pois houve uma

forte socialização com as tradições científicas internacionais (o que ela classifica como

assunto mais concernente à institucionalização da ciência e da tecnologia em países como o

Brasil) e a alta produtividade científica, combinando organização entre diferentes atores

sociais e sucesso em financiamentos, além de ampla emergência na sociedade, não apenas

local, mas também nacional. Este curso, embora seja denominado de Ecologia, é

qualificado como de Biologia da Conservação, o que facilita sua permeabilidade científica

e conseqüentemente promove alguma interdisciplinaridade. Embora apresente relevante

sucesso, o quadro geral das universidades no Brasil não segue esta linha de difusão da

pesquisa e diversificação institucional demonstrado por este curso.

A respeito das Ciências Ambientais, a pesquisadora demonstra que segundo o CNPq,

as áreas do conhecimento que mais peso têm são Geografia, Oceanografia e Engenharia

Sanitária, sendo que Zoologia e Ecologia aparecem somente em sétimo e oitavo lugares,

respectivamente e Biologia Geral décimo sexto. Para ela, o ambiente na área de pesquisa se

mostra ainda extremamente hostil, já que existem dificuldades quanto a infraestrutura,

atitudes corporativas, competitividade quanto à produção científica e acadêmica, etc.

Portanto, ela conclui que a viabilidade do desenvolvimento de locais para estas iniciativas é

ainda bastante limitada.


148

J. A. Drummond & L. R. Barros, na pesquisa O ensino de temas sócio-ambientais nas

universidades brasileiras: uma amostra comentada de programas de disciplinas89, estudam

doze matérias de professores universitários no país, buscando resumir experiências de

cientistas sociais frente a tão recentes temas. O estado da arte da Ciência Ambiental no país

desenvolvido pelos autores revelou comparações bastante úteis sobre a inserção desta

questão no meio universitário. Os autores revelam diferentes tipos de trânsito profissional,

embora apontem para a pouca mobilização de pesquisadores das áreas sociais dirigindo-se a

este campo. Dos livros mais adotados nos programas, poucos são de autores nacionais

(embora reconheçam a merecida atenção ao contexto internacional, devido à dimensão

global do assunto90) e escassos os textos de Ciências Naturais (pioneiros e criadores dos

estudos da chamada ‘questão ambiental’, conotação esta que também identificamos nos três

cursos, excluindo o de Ecologia) ou Físicas, sendo que há uma grande dispersão de tópicos

(‘desenvolvimento sustentável’ como conceito-chave foi o principal, dentre 61) e raro uso

de revistas científicas. Os autores criticam a pouca presença, dentre os tópicos estudados,

dos temas ‘relações entre sociedade (ou cultura) e natureza’91 e ‘metodologia’, lembrando

que esta é também tradicionalmente fraca no ensino de Ciências Sociais (resultado este

também encontrado na presente pesquisa). Quanto ao aspecto pedagógico, citam que vários

professores recorrem a práticas (excursões) de campo e as consideram fundamentais para

89
Drummond, J. A. & Barros, L. R “O ensino de temas sócio-ambientais nas universidades brasileiras: uma
amostra comentada de programas de disciplinas.” Campinas: Ambiente e Sociedade, número 6/7, 2001.
Os programas dos cursos pesquisados não foram comparados, mas este trabalho permite focalizar o que se
tem feito no interior das salas de aula e os caminhos das Ciências Ambientais.
90
Por outro lado, “nenhum dos programas faz referências a ou apresenta estímulos ao uso de recursos da
Internet” (p.59).
91
De acordo com os autores, levado à categoria de lei, nestas relações, o “paradigma da isenção humana”
negaria a transversalidade inerente ao tema ambiental e abstrairia o “estranhamento” entre cultura e natureza,
o que justamente trouxe à tona problemática de tamanha grandeza.
149

tornar-nos, segundo os autores, mais sensíveis ao que chamam de ‘invariantes naturais’. Do

mesmo modo, apontam para a necessidade e utilidade de “estímulos a contatos com

problemas ambientais e praticantes do ambientalismo”, conferindo aos alunos maior

rendimento em leituras sobre esses assuntos, mesmo em se prevalecendo cursos de pós-

graduação. Assim, terminam os autores deste documento:

Sabemos que o sistema departamental consagra um disciplinarismo refratário às


experiências de trabalho conjunto até mesmo por profissionais do mesmo
departamento e que as dificuldades aumentam geometricamente nos casos de
profissionais com formações e inserções departamentais distintas. Assim, o
trabalho conjunto em sala de aula é saudável indicador de trabalho
interdisciplinar. Quase todos os principais programas de ciências ambientais
brasileiros de que temos conhecimento adotaram formatos de centros, núcleos
ou programas, ou seja, são vinculados a uma instância mais alta do que um
único departamento, o que é essencial para qualquer ambição de
interdisciplinaridade. Resta saber se eles tem sido capazes de neutralizar os
efeitos inerentemente anti-interdisciplinares do sistema departamental e de
estimular cooperações frutíferas em sala de aula, pesquisa e extensão entre
profissionais de áreas distintas.92

No ensino superior, percebe-se alguma tendência de perda do seu caráter de mero

transmissor de conhecimentos para assumir seu papel fundamental de formador de atitudes.

Embora não contemple ainda o tema da interdisciplinaridade e do meio ambiente, o MEC

tem desenvolvido diretrizes curriculares para os cursos de graduação, cujos princípios mais

úteis para o nosso tema são aqui expostos:

• Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir

a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do

conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em

um mesmo programa;

92
Ibid., p.59.
150

• Encorajar o aproveitamento do conhecimento, habilidades e competências adquiridas

fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram à experiência profissional

julgada relevante para a área de formação considerada;

• Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e

coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão, as quais

poderão ser incluídas como parte da carga horária.

Neste contexto, o fórum formado por pró-reitores de graduação das universidades

brasileiras (ForGRAD) tem dado prioridade ao debate sobre um projeto pedagógico para os

cursos, buscando garantir a indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão, a

flexibilidade curricular, a formação integral do cidadão, a interdisciplinaridade e a

articulação entre teoria e prática.93

Em dezembro de 1999, o Ministério da Ciência e Tecnologia, através de seu

Programa Apoio ao Desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia (PADCT), sub-programa

Ciências Ambientais,94 realizou um workshop em São José dos Campos, denominado A

Interdisciplinaridade na Formulação e Desenvolvimento de Projetos em Ciência e

Tecnologia. Durante dois dias, cerca de cem profissionais das mais diversas disciplinas

(engenharia civil, filosofia, sociologia, biologia, economia etc), instituições (UFAL, UFSC,

UNICAMP, UFPA, UFRGS, UFF, etc.) e procedências geográficas se reuniram

objetivando refletir sobre a temática interdisciplinar em três pontos distintos: a) Marcos

conceituais para seu desenvolvimento, b) Práticas em grupos consolidados e c) Importância

e resultados para a sociedade. Percebendo a interdisciplinaridade como provável solução

93
Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras. Diretrizes Curriculares para os Cursos
de Graduação ForGRAD, 2000.
94
CNPq. Subprograma de Ciências Ambientais. Documento Básico, 1989. Grifos inseridos.
151

para boa parte dos problemas sócio-ambientais do novo milênio, o encontro teve também o

propósito de contribuir “para o avanço de se operar uma ciência e uma tecnologia que

sejam cada vez mais apropriáveis pelo corpo social”.95

A interdisciplinaridade, como processo pedagógico pode vir a apresentar a

possibilidade de trabalho conjunto em duas vertentes universitárias que parecem ser pouco

exploradas tanto no ensino, quanto na extensão e na pesquisa: o relacionamento entre

disciplinas de um mesmo departamento (intradepartamental) e o entrosamento

interdepartamental, englobando áreas distintas para um mesmo objetivo ou objetivos

paralelos. Deve-se ainda ter em vista a possibilidade de trabalhos interinstitucionais e

interuniversitários. Uma ‘transdisciplinaridade’, como tem sido defendido entre educadores

ambientais, se daria num passo além das disciplinas, na construção de novas abordagens

‘supra disciplinares’.

Antônio Carlos R. Moraes defende uma ‘via fértil’ da abordagem da temática

ambiental pelas Ciências Humanas:

Esta opinião fundamenta-se num entendimento da interdisciplinaridade que não


dilui as abordagens específicas e as perspectivas próprias de cada ciência (...),
[cujo] resultado (...) aparece como um somatório dos enfoques individuais de
cada disciplina, que nesse cruzamento adquire qualidades novas.96

Portanto, o autor argumenta que a temática ambiental tem potencialidade de originar

disciplinas novas e de gerar especializações interessantes no domínio das Ciências

Humanas, embora não possa ser visto como um ‘mero’ somatório, relegando a apenas uma

multi ou pluridisciplinaridade.

95
Phillipi Jr., A., et alli (eds.). A Interdisciplinaridade na Formulação e Desenvolvimento de Projetos em
Ciência e Tecnologia. Brasília: MCT/PADCT/CIAMB, 2000.
96
Moraes, A. C. R. Meio ambiente e Ciências humanas. São Paulo: HUCITEC, 2ª ed., p.85, 1997.
152

2. Institucionalização, Compartimentalização e Centralização

Nesta fase da tese, veremos como os entrevistados se referem às principais questões

ocorridas durante a institucionalização da interdisciplinaridade no meio acadêmico: as

dificuldades internas e externas na criação de um pólo integrador.97 A estrutura

universitária compartimentalizada em suas diferentes unidades – institutos, centros,

departamentos, núcleos -, ao mesmo tempo que conferem uma maior praticidade no

alocamento de recursos materiais e humanos, se constitui também em um elemento

dificultador da articulação entre disciplinas. Dentre os quatro cursos pesquisados, dois se

organizam em espaço próprio de integração, conformando já um campo específico das

Ciências Ambientais (USP e UFPR) e os outros dois permanecem vinculados a um

departamento, seja no caso da Psicologia (UFRJ), seja na Ecologia (UFMG). Do mesmo

modo, levantamos também a questão, como ocorre com a educação ambiental inserida

como disciplina ou como eixo transversal nas escolas, da comparação entre um curso

específico versus a difusão geral da temática ambiental nas diferentes unidades da

universidade. as posições e os argumentos dos entrevistados sobre estas questões estão a

seguir.

97
Apenas os representantes do curso da UFMG não responderam a esta questão, pois se trata de um curso
‘disciplinar’ (embora a Ecologia apresente um amplo leque de possibilidades) que travou contato com outro
também disciplinar (do mesmo modo, a Economia se ramifica por uma miríade de temas conexos). O projeto
resultante é que foi uma forte experiência interdisciplinar (por ser entre grandes áreas como aqui definimos),
não havendo, portanto a institucionalização.
153

2.1 Principais questões sobre a institucionalização

A pergunta da entrevista sobre quais teriam sido as questões principais motivadoras

dos professores-pesquisadores associados na constituição deste curso e os problemas

quanto a credenciamento e financiamento feita nos quatro cursos pesquisados foi mais

direcionada aos professores e coordenadores e, dentre estes, principalmente àqueles que

participaram da organização do curso e enfrentaram problemas na institucionalização.

Mesmo assim, as respostas dos demais entrevistados, seja aluno ou professor, foram úteis

como um parecer deste processo, vivenciado diretamente ou não. Os professores

entrevistados da UFMG não responderam a esta questão por não se tratar de um programa

permanentemente interdisciplinar e sim de um projeto temporário já mencionado

(MCT/PADCT/CIAMB), embora tenham exposto seus pareceres sobre a experiência

vivenciada na construção do projeto interdisciplinar respondendo às demais questões.

Para a análise desta questão, organizamos as respostas de acordo com o relato feito,

distribuindo as diferentes perspectivas em colocações subjetivas de cada entrevistado.

Assim, selecionamos os principais elogios (E), críticas (C) e sugestões (S) de todos aqueles

que responderam a esta pergunta, dividida pelos cursos correspondentes e entre alunos e

professores. Alguns relatos estão no meio termo entre crítica e sugestão e crítica e auto-

elogio. Do mesmo modo, alguns depoimentos se mostram mais como constatações (Co),

nem elogios, nem críticas, nem sugestões, algo mais como declarações apreendidas durante

a experiência do curso. É claro que tais categorias dependem daquilo que é objeto de

elogio, crítica e sugestão e também da visão de mundo e dos valores de cada entrevistado.

Ou seja, uma menção elogiosa para um pode não ser para outro, como, por exemplo, ver as
154

Ciências Naturais como privilegiadas no trato sócio-ambiental. A análise através deste tipo

de classificação nos é relevante por possibilitar obtermos um amplo aspecto da opinião dos

participantes no processo de construção das Ciências Ambientais no país.

Logo em seguida, fazemos uma compilação dos principais depoimentos citados,

reunindo em temas e tecendo comentários a respeito, procurando resumir as respostas dadas

e recuperando o discurso argumentativo. Sob uma perspectiva por ora quantitativa, como

total da relação entre elogios, críticas e sugestões (E/C/S), obtivemos a seguinte proporção:

Como total geral entre professores e alunos dos quatro cursos, somamos vinte e três

elogios, cinqüenta e cinco críticas e dez sugestões, além de nove comentários. Por ser um

processo recente e inovador, nos parece compreensível o elevado número de críticas, uma

vez que a institucionalização dos cursos se dá de modo controverso devido à estrutura

departamental de cada universidade e, em geral, à falta de experiência prévia dos

participantes. Isto faz com que muitas vezes o processo seja obrigado a passar por

tentativas e erros, levando a uma progressiva estabilidade acadêmica com a superação de

obstáculos iniciais.

Deste quadro geral, passamos e trabalhar cada item separadamente para a análise

qualitativa, em grupos de tópicos reunidos de elogios, críticas e sugestões, tecendo alguns

comentários posteriormente, sem levar em consideração sua origem.

Elogios

• Inovador, pensar objeto comum, mesma realidade sob vários olhares, visão global.

Etapas comuns de diagnose e depois disciplinar. Processo novo de construção de

conhecimento. Área em construção. Idéia interessante. Perfeito. Muito potencial.


155

Caminho promissor, formação mais sólida, mais competente para ensinar, entende

mais o contexto, visão apaixonada. Origem a partir de pessoa com visão estratégica.

• Respeito à diversidade. Aprendizagem e também ensino – relação aluno-professor,

abertura. Integração entre alunos satisfatória. Importância das relações pessoais,

amizades e sensibilidade política, coincidência ideológica crítica.

• Interdisciplinaridade: alunos e projetos. Não imposição de tese interdisciplinar.

• Sem problema com linguagem ou métodos.

• Professores visitantes, palestras, novos professores.

• Alguns departamentos criam facilidades, são mais flexíveis.

• Reforma curricular na graduação: disciplina eletiva.

- Comentários

O aspecto inovador da iniciativa interdisciplinar é evidente uma vez que tais cursos

no país datam da última década do século XX. Pelo número de elogios e críticas

construtivas podemos pensar que a idealização de um trabalho de pesquisa, pelo menos

inicialmente, coletivo, cooperativo, participante é bem vindo no meio acadêmico. Como já

dito, a menor quantidade de elogios é devido às dificuldades encontradas frente aos moldes

tradicionais da academia e das agências avaliadoras e financiadoras. Para que ocorra a

interdisciplinaridade deve existir, sem dúvida alguma, o respeito ao outro e uma dialógica

permanente, onde se pode perceber a necessária aproximação entre os participantes, não

apenas intelectualmente, mas também física e psicologicamente. Para tanto o papel do

coordenador é preponderante, equilibrando as diferenças de habilidades no grupo de


156

pesquisadores.98 Sobre linguagem e métodos, há críticas que se opõem a este elogio e

correspondem a dificuldades reais encontradas durante as experiências levantadas,

problemáticas estas já descritas nos capítulos teóricos de revisão bibliográfica.99 A respeito

da facilitação de departamentos, não há consenso, porquanto a maioria reclama de pressões,

como poderemos ver no próximo item. De qualquer maneira, é bom constar que foi referido

este aspecto positivo, mesmo que não contemple toda a universidade. O ponto sobre

“reforma curricular na graduação: disciplina eletiva” parece ser uma constatação, mas na

verdade se deu na forma de elogio, pois demonstra que houve abertura na graduação e que

esta já pode começar a colocar questões pertinentes a temas interdisciplinares nos cursos

profissionalizantes.

Críticas

• Interdisciplinaridade: dificuldade em saber o que é. Ainda em construção, com

opiniões conflitantes, muita discussão, passando por redefinição, não unanimidade.

Ainda assusta, difícil de assimilar, não se consegue agregar outras áreas, houve

rejeição. Não funcionou em todos os casos entre os alunos: interdisciplinaridade na

pessoa x equipe => diálogo. Difícil na academia (áreas estanques), mas promissor no

mercado. Teoria e discurso (interdisciplinares) e prática (disciplinar) não combinam:

interdisciplinaridade relativa. Sem visão pragmática-operacional, apenas teórica.

98
Klein (Interdisciplinarity: history, theory and practice. Detroit: Wayne Univ. Press, p. 125, 1990) coloca
algumas das características importantes em líderes (bridge scientists que correm riscos fora de sua disciplina
específica) cujo estilo pode ter demanda variada no decorrer do processo: status como pessoa estabelecida e
respeitada, experiência prévia, sensibilidade por diferentes paradigmas e epistemologias disciplinares,
compromisso em resolver problemas, ser moderador das relações internas e externas ao grupo, muita energia
e paciência (p.131).
99
Ver sobre linguagem no trecho sobre o III Seminário Nacional sobre Universidade e Meio Ambiente e
sobre metodologia no trecho sobre Ecologia Humana, no subcapítulo História da Ecologia.
157

Experiência prática mal gerenciada. Interdisciplinaridade para si x para o programa.

• Professores ainda disciplinares. Disciplina detém a verdade. Imposição da disciplina

dominante. Origem não interdisciplinar, não evoluiu, muita resistência disciplinar.

Professores sem preparo x demanda de alunos. Maioria dos professores sem área de

interface. Dificuldade inicial com a linguagem, processo lento. Início confuso. Muita

resistência: lato x stritu sensu, duração limitada. Pouca divulgação, curso não

conhecido.

• Dificuldade de trabalho em equipe: individualismo, administrar tempo, questões

logísticas/operacionais, divisão do trabalho. Competição e medo dela. Difícil

construção de equipe com especialistas de cada área. Perfil dos pesquisadores e

docentes: caráter, inveja. Perda do eixo conceitual: roteamento de disciplinas,

marcação de terreno. Briga de poder, desavenças, guerra, facções progressista-aberta x

autoritária-centralizadora. Confronto promove inércia. Fator emocional, afetivo.

Muitas mulheres.

• Dificuldade diante da estrutura e da organização universitária: implementação, sede x

departamento/setor. Pressão dos departamentos onde estão lotados os professores e da

universidade como um todo (Reitoria). Sem professores lotados, regulamentação de

carga horária e alocação formal: duplo vínculo. Sem dedicação exclusiva, sem quadros

próprios. Fase voluntarista não superada institucionalmente. Briga entre

departamentos. Um desafio, programa bastante novo. Momentos complicados,

difíceis, delicados. Muito inorgânico. Reorganização para o credenciamento de forma

tensa. Culturas organizacionais/institucionais muito diferentes. Muita polêmica.


158

• Ciências Naturais (Geologia e Biologia) como privilégio: base filosófica. Ecologia

como estudo das relações e, portanto área de síntese. C. Humanas com

interdisciplinaridade mais difícil e posterior. Participação pontual das C. Sociais,

muita resistência inicial. Reação às C. Exatas.

• Credenciamento: área interdisciplinar x agências avaliadoras. Interdisciplinaridade não

resolvida, pareceristas diferenciados. Credenciamento problemático: ecologia. Efeito

moral negativo nos professores. Pareceristas concorrentes na CAPES: dúvida quanto a

objetividade x subjetividade: competição. Processo muito lento. Academia não

permite ser tão amplo. Nomear curso: coisa híbrida, causa estranheza. GED complica:

como taxímetro, um ‘verdadeiro inferno’, competição: briga por eixos, alunos,

disciplinas, orientandos. Perniciosa, não favorece parcerias: individualismo. Lado

positivo pela cobrança de produção. Trabalho em núcleo é difícil, pois avaliação é via

departamento.

• Recursos escassos, sem dotação orçamentária, solicitação direto à reitoria (taxas de

vestibular), sem recursos para pesquisa. Financiamento variado, inconstante:

cooperação França, UNESCO, CNPq, CAPES (PADCT). CNPq mais rígido: lobby de

pesquisadores das ciências duras.

• Convocação rápida dos institutos. Confusão grande, muita gente. Depois diminuiu, a

partir do credenciamento e da participação efetiva do pessoal. Número grande dificulta

relação com CAPES que tem determinado modelo e não se adapta muito.

• Na prática fazemos um voluntariado [três declarações] porque tem uma

obrigatoriedade de horas de aula no instituto e as de lá não são contadas. São


159

atividades que não se somam, do ponto de vista burocrático.

• Há uma mudança nos alunos em grande parte são profissionais já atuantes, mais

experientes, mas com menos disponibilidade. Faz mudar o perfil, a dinâmica. Um

número pequeno de alunos apenas bolsistas (10%). Interromperam e há tempo grande

de defesa, mas boa qualidade. Problemas com os prazos.

• Engajamento: muito difícil comprometer professor. Não estão liberados da sua

unidade. Não há um apego, interesse. É um corpo credenciado, mas são poucos que

lecionam. Acaba tendo dupla função. Quase uma clandestinidade. Sem retorno salarial

e trabalha o dobro. Não tem diminuição na sua carga de trabalho departamental.

- Comentários

A construção da interdisciplinaridade no meio universitário se mostra, todavia

bastante problemática. Sendo uma recente abordagem do conhecimento humano e resultado

de inter-relações entre disciplinas, a construção das chamadas Ciências Ambientais provoca

inúmeros debates, conflitos, resistências, uma vez que a comunidade acadêmica não tem

tido normalmente oportunidade de se buscar o trabalho conjunto. Muitos relatos dos

entrevistados, não apenas nesta questão, mas também naquela sobre desenvolvimento

sustentável, demonstram que a prática ainda não foi verdadeiramente incorporada pelo

discurso, se tornando mera retórica, propaganda enganosa. Mesmo assim, ela permanece

como meta e que se coloca a posteriori por não haver ainda métodos claros para executá-la.

Algumas críticas se detiveram no problema dos professores não terem uma devida

formação interdisciplinar e estarem aprendendo na própria prática a serem menos


160

específicos em sua área de origem e conseguirem uma abrangência maior pelas demais

áreas. Ao mesmo tempo, parece haver consenso, em dois dos cursos pesquisados (UFPR e

USP), de que o corpo docente tem conseguido até certo ponto concatenar tais atribuições

após fase inicial de aprendizado.

Uma das críticas principais foi o problema de se trabalhar em equipe, não apenas

quanto à organização de muitas pessoas, mas às complexas relações (psíquicas e

emocionais) interindividuais. Sobressaíram a inveja e as desavenças, as competições e as

lutas pelo poder normais em qualquer aproximação entre pessoas que não têm costume de

trabalho coletivo. Apesar das dificuldades iniciais, na maioria das entrevistas pode se ver

que há tendência a se pacificar os ânimos (ou então haver ruptura radical) e fazer com que o

‘jogo das vaidades’ sejam amainados e que a humildade e a abertura para o diálogo sejam

incorporados no fazer científico cotidiano. Por outro lado, pelo menos dois entrevistados

(um com grande ênfase), demonstraram que a política de avaliação docente da CAPES

através do GED tende a dificultar as parcerias e o trabalho interdisciplinar, promovendo

disputas internas. Em alguns cursos houve um número grande de interessados e que trouxe

conflitos, também dificultando a relação com a CAPES. A partir do credenciamento e da

participação efetiva, houve melhorias.

Embora a discussão sobre a estrutura universitária e as críticas à departamentalização

sejam abordadas na próxima questão, nesta também surgiram muitos relatos sobre a

dificuldade de uma interdisciplinaridade concreta. Problemas quanto à institucionalização

da equipe proponente e sua disposição física foi descrita por um número razoável de

entrevistados, enquanto que muitos citaram as dificuldades iniciais do professorado que


161

necessitaram de um engajamento e de sua apresentação como voluntários para que fossem

descortinadas as possibilidades da promoção do curso.

As relações entre as diferentes áreas do conhecimento se mostraram bastante diversas

e parecem refletir a tendência mundial de expansão da questão ambiental a partir das

Ciências Biológicas e depois para as demais. Em todos os cursos pesquisados, a partir do

relato dos pesquisadores, este resultado se mostrou bastante semelhante, embora um

entrevistado tenha apontado no sentido oposto:

Algumas áreas são mais fáceis que outras: na área biológica é mais difícil, pois
fica circunscrito a um aspecto de um problema. O cientista social, arquiteto,
engenheiro já trabalha, de algum modo, a interface. (USPProfCQ5)

Quanto ao credenciamento, uma grande parte dos professores entrevistados se

queixou do problema demonstrado neste processo, por sua parcialidade, lentidão,

incompreensão, enfim pela falta de entendimento do que realmente é a interdisciplinaridade

e como praticá-la. Como já referido antes, a CAPES foi criticada pela aplicação do GED,

embora por uma parcela menor dos entrevistados. A captação de recursos para cursos

interdisciplinares se mostrou também bastante difícil inicialmente, pois dependia da

avaliação da CAPES, que, como vimos, é um processo demorado. De qualquer modo, com

o tempo e as experiências, as iniciativas foram se consolidando e assim os cursos se

institucionalizaram, embora ainda existam dificuldades orçamentárias na maioria dos casos.

Muitos entrevistados demonstram a insatisfação de um trabalho de voluntariado junto

ao programa, sem um vínculo formal. Por outro lado, muitos têm conseguido, após o

período de adaptação inicial, conciliar as atividades no seu instituto de origem. Quanto ao

engajamento do professor, citou-se a dificuldade em se comprometerem por não estarem


162

liberados da sua unidade, pois não optam por ter dupla função. Por outro lado, um

entrevistado aponta uma possível saída:

Dupla função é um absurdo, porque a função acadêmica é ensino, pesquisa e


extensão e, no fundo, o que se considera por absurdo dupla função, mas se a
função é ensino, pesquisa e extensão, porque não pensar em extensão dentro da
própria universidade a partir do próprio departamento (quer dizer, nem é
extensão) para outros departamentos no interior da universidade é sempre
dificultado. (UFRJProfCQ2)
Porque nenhuma pessoa está liberada da sua unidade. Tenho que resolver os
assuntos e documentações da pós-graduação, passar por comissões e ainda aqui
na Educação. Nada disto foi liberado. O fato de ser presidente de Ciência
Ambiental, pra minha faculdade, meu trabalho no PROCAM passa quase em
brancas nuvens. Ou seja, não há um apego, não há interesse. O importante é que
se venha a essas reuniões e conhecer as pessoas, apresentá-las. Você acaba
tendo dupla função. Quase uma clandestinidade. Nada de retorno salarial e se
trabalha o dobro. Todos os professores estão neste esquema. Se juntou quem
tinha mais habilidade, disponibilidade. Você tem mais atividade, dupla
atividade, pois não tem diminuição na sua carga de trabalho departamental, em
absoluto. Acaba por ser um trabalho voluntarista. O cara investe. É importante a
gente ter uma identificação, estar disponível para se integrar em atividades
permanentes. (USPProfAQ2)
Duplo vínculo é o que faço aqui; isso não é um problema. Se for uma questão
bem gerenciada, bem trabalhada, porque tem departamentos que não gostam
disso. Mas se o departamento entender o núcleo com vantagem para ele; uma
parte do que for arrecadado vai para ele que se beneficiam desse tipo de
proposta, vai ganhar pontos na avaliação da CAPES. (UFRJProfBQ12)

Quanto aos alunos, tanto na USP quanto na UFPR, muitos são profissionais atuantes,

com mais experiência, embora o primeiro seja no nível de mestrado e o segundo,

doutorado. Alguns relatos da USP apontaram problemas com prazos, devido a pouca

disponibilidade destes alunos em finalizar o curso no período exigido.

Sugestões

• Criação, formação de Instituto. Constituir autarquia para ter vagas próprias, pessoal

permanente, núcleo básico.


163

• Necessidade de reformulação interna. Renovação de alunos, de várias áreas,

demonstram carência. Tem que haver mais concessões. Questão ambiental é área de

impacto: aumenta demanda no mercado.

• Interdisciplinaridade: não resulta em superficialidade, deve ter conteúdo, trabalho em

equipe, teoria e método de cada área.

• A problemática deveria ser menor, não tão macro; uma sub-bacia, por exemplo.

• Temos que atuar na graduação e na pós.

• Disciplinas oferecidas no próprio Instituto, reconhecendo a carga horária.

• É importante ter identificação, estar disponível para se integrar em atividades

permanentes. Juntou-se quem tinha mais habilidade, disponibilidade.

- Comentários

A principal sugestão apontada pelos entrevistados foi a necessidade em se criar

instâncias institucionais que possibilitem adequar o trabalho interdisciplinar a partir dos

departamentos contribuintes. Institutos, núcleos, associações etc. precisariam receber apoio

da reitoria e dos órgãos de fomento para poderem promover os cursos. A presença de

alunos das mais variadas formações foi citada como grande força impulsionadora da

interdisciplinaridade, fazendo com que ela atinja também a prática acadêmica e não

somente a teoria e o discurso, como criticado anteriormente. Quanto ao campo de estudo,

foi feita uma observação sugerindo um trabalho mais pormenorizado, mais localizado para

que o número de problemas a serem resolvidos seja mais facilmente levantado e mais

eficazmente sanado. Alguns entrevistados apontaram para a necessidade de haver reformas


164

também na graduação, embora este item não estar de acordo com a maioria. Podemos supor

que estas respostas reflitam críticas aos próprios cursos de formação freqüentados pelos

alunos e professores pesquisados. Principalmente na USP, alguns citaram a possibilidade de

disciplinas serem oferecidas no próprio instituto, onde se faria o reconhecimento da carga

horária e não careceria de ter vínculo não remunerado. Ter identificação, estar disponível

para se integrar em atividades permanentes, foi apontado pelo menos uma vez e reflete a

necessidade de um trabalho coletivo freqüente, juntando quem tem maior engajamento para

o trabalho interdisciplinar.

Críticas-Elogios

• Aprendizado na prática: refluxo e consolidação.

• Curso sui generis implica acompanhar diversas instâncias.

Críticas-Auto-Elogio

• Alunos autodidatas.

Auto-Elogio

• Experiência local + internacional: influência pessoal, híbrido entre dois países,

motivações individuais, viés político e social.


165

Constatações

• Novos alunos forçam interdisciplinaridade quanto a disciplinas e orientação.

• Preocupação em formar cidadania com jovens.

• Idéia original utópica: formar lideranças comunitárias permitindo formação e

reciclagem de profissionais e não profissionais.

• Irreverência.

• Rediscussão de disciplinas. Muitas disciplinas não obrigatórias inicialmente, agora

diminuindo número e excesso de conteúdo.

• Seleção de professores com critérios rigorosos para garantir compromisso.

• É um programa dirigido mais à ciência do que à intervenção, mas também deve ser

uma ciência que tenha uma aplicação prática.

• No começo houve muita dúvida por causa de territórios, poderes. A pressão do

marketing na Eco 92 trouxe receios. O curso está em reestruturação.

• Questão ambiental é área de impacto: aumenta demanda no mercado.

- Comentários

Em curso sem tradição, inovador, em construção, as questões são resolvidas na

medida em que surgem e seus envolvidos devem estar prontos para se debruçarem sobre

elas. Assim, a elaboração e a organização de cursos como estes dependem muito da

iniciativa e da boa intenção e vontade de cada um, de quem se prontificar em colaborar no

possível na resolução coletiva dos problemas apresentados. Ou seja, requer auto-didatismo

tanto docente quanto discente, permitindo e que sejam permitidos sugestões e críticas
166

(diálogo) e que os egos possam ser controlados, sem querer um sobressair-se aos demais. A

irreverência e um modo de ser utópico foram mencionados por alguns entrevistados

refletindo a percepção de que não se pode permanecer numa mesma estrutura concreta,

sólida e imutável e devendo ter impulso para promover novidades e romper a tendência à

inércia. As disciplinas estão em freqüente análise sabendo equilibrar os diversos pontos de

vista das áreas participantes de acordo com a colaboração do professorado. O item sobre o

curso voltar-se mais à ciência do que à intervenção, mas também tendo aplicação prática,

nos parece vital, pois é grande a dificuldade em se atingir este meio termo em toda a

universidade e sua relação com a sociedade. Embora não queiramos entrar na questão sobre

a distinção entre pesquisa pura e aplicada, declaradamente ambas necessárias, vemos que

estes cursos podem em muito contribuir para a parcela extensionista dentre as inúmeras

funções acadêmicas.

2.2 Compartimentalização/departamentalização das ciências

Nesta questão, indagamos se a compartimentalização/departamentalização das

Ciências Humanas, Exatas e Biológicas seria um elemento viabilizador ou dificultador da

pós-graduação voltado para o meio ambiente. Com base nas entrevistas, reunimos os

principais aspectos apontados para traçarmos um panorama das respostas, dividindo em

cinco principais temas tratados: 1) dificuldades surgidas, 2) inerente complexidade da

questão, 3) diferentes caminhos que podem ser construídos, 4) necessidade de um espaço

próprio e 5) sua ligação com o trabalho de participação (interna) e extensão universitária.


167

a. Dificuldades

A disciplinaridade tem uma base histórica profunda e mundial. Há pouco tempo, os

especialistas ainda tinham uma formação de ciência humanista, reunindo vários interesses e

fazendo professores e alunos terem desenvoltura em outras áreas. A ciência de outrora era

ampla, abrangente, integrada e hoje é possível reconstituir esta capacidade de interligar

fenômenos. O desenvolvimento científico não perfaz um caminho linear, uma vez que seu

avanço, às vezes, depende de recuos.

As universidades brasileiras têm ainda um molde antigo de aglomerado de escolas

profissionais e de difícil união. A principal dificuldade é sua estrutura em escolas

relativamente independentes, por isto as mais antigas têm grande resistência ao trabalho

interdisciplinar. Há uma tentativa de isenção disciplinar, mas não ocorre com facilidade,

pois cada um tem uma língua, filosofia própria, provocando também um excesso de

burocracia. Os departamentos e as unidades não se articulam, acabando por atrapalhar os

programas tradicionais também. Poucos relatos apontaram para a possibilidade do curso

estar vinculado a um departamento, através de uma negociação, buscando não haver

hegemonia da própria área. Mas há um salto enorme entre teoria e prática e percebeu-se que

não havia como abrir mão do ponto de vista de cada um. Portanto, opta-se em geral por

uma estrutura independente (no caso da USP e da UFPR).

A interdisciplinaridade já é usada em inúmeras vertentes como a História, a

Geografia, a Agronomia e o Urbanismo, por exemplo, por sua necessária abordagem

múltipla. Mas critica-se algumas ciências mais positivistas como a Economia e a

matematização de dados que não se consegue prevenir, nem presumir acontecimentos: não
168

há determinabilidade nos fenômenos. A Ecologia é citada por muitos entrevistados,

principalmente os da área natural, por perceberem-na já como uma ciência que busca as

interações. Deste modo, ela é vista como uma etapa fundamental no desenvolvimento

científico para a constituição da interdisciplinaridade ambiental. Muitos declaram que o

movimento interno espelhou a evolução mundial do ambientalismo - as Ciências Naturais

mais receptivas inicialmente e somente depois as Sociais -, embora aquelas são também

criticadas pela tendência ao quantitativo.

As questões de poder são apontadas por muitos dos entrevistados como a principal

dificuldade já que indivíduos brigando por seus espaços são totalmente contrários à

proposta interdisciplinar. Foi apontado também que a compartimentalização reflete o

individualismo da sociedade, dentro da lógica da competição, enquanto neste tipo de

trabalho há necessidade de um voluntarismo inicial, uma vez que não se tem abertura para

atuar em setores não disciplinarizados. O discurso existe, mas ainda não funciona e quando

há diálogo, são apenas pontuais. A escola não deve ser corporativista, a ponto de evitar este

tipo de iniciativa, mas voltar-se para fora. Nesse ‘afrouxamento’ dos laços, é importante

que se preocupe ainda em manter a integridade do corpo docente: um difícil estado de

equilíbrio dinâmico entre trabalho interno e externo.

Alguns entrevistados não concordam que a interdisciplinaridade necessite romper

com a departamentalização, pois ao mesmo tempo organiza os espaços e as funções

necessárias ao funcionamento do corpo acadêmico. Defendem um “uso correto da

disciplina”, tentando uma visão mais macro e entendendo a complexidade dos fenômenos

sócio-ambientais dependentes. Isto dependeria da abertura do instituto para professores

colaboradores alheios. Mas esta aproximação apenas parcial pode deflagrar numa mera
169

multidisciplinaridade e devem então ser concebidas as chances reais de articulação

interdepartamental.

b. Complexidade

Para alguns dos entrevistados, a razão desta crise é devido ao esgotamento das

Ciências Físicas que, adaptando-se ao relativismo quântico, passam a estudar agora a

complexidade biológica. A falta de estudos em Filosofia, desde a graduação, é apontada

pelo menos por um dos entrevistados, que percebe e sugere sua inserção. Este, nos parece, é

um ponto crucial e, embora tenha sido citado por poucos, se percebe que o tratamento da

questão ambiental e interdisciplinar do desenvolvimento do conhecimento científico aponta

para um questionamento sobre história das ciências, epistemologia e aspectos filosóficos do

saber.

A complexidade dos fenômenos vitais, pessoais, sociais e naturais demonstra o

quanto a interdisciplinaridade é exigida em todos os níveis educacionais e tem sido vista

como importante alternativa ao desenvolvimento profissional científico. Também, com a

complexificação da sociedade, cada vez mais intercomunicável e globalizada, provoca-se a

mudança de visões, passando a ser mais abrangentes e percebendo as conexões entre

fatores, antes desprezados.

Muitos dos alunos, segundo uma entrevista, estão preocupados com a questão do

diálogo com a ética, correspondendo a um posicionamento novo. Dizem não ocorrer

claramente com o corpo de professores que tem mais prevalência dos aspectos técnicos.
170

Assim, esta virada radical parece confirmar uma teoria da complexidade que resguarda uma

tradição quase extinta pela tendência positivista da especialização radical.

c. Caminhos

O trabalho em equipe é descrito como efetivamente necessário, provocando, apesar

de árdua tarefa inicial, um avanço na qualidade pelo trabalhar com o outro, para

complementar suas funções, numa situação de igualdade. Em muitos casos, há o apoio

formal da reitoria, mas nem sempre terminam com o voluntarismo. Em outros, já se tentou

fazer aproximação entre professores a partir de seminários para estimular a formação de

projetos maiores. Por essência, percebem a dificuldade, mas vêem como primordial o

resgate da unidade, vendo o conhecimento humano como único.

A interdisciplinaridade relacionando-se com a especialização reducionista pode ser

uma alternativa para a crise universitária, porém há necessidade de um diálogo para se

atingir tal ideal, ou seja, que todas as partes do sistema saibam tratar as diferenças. Por um

lado, é necessário aprofundar especialização e, portanto a compartimentalização,

fragmentando as ciências. Mas por outro lado, ocorre uma aproximação entre ciências

percebendo a complexidade dos fenômenos. A troca é essencial, pois não se pode mais

trabalhar isoladamente, já que o trato com fenômenos humanos exige um olhar múltiplo,

buscar outras perspectivas, valer outros conhecimentos agregados, embora se mantenha a

especificidade do objeto de estudo.

Assim, a fragmentação tradicional parece experimentar inicialmente uma

multidisciplinaridade, mais adequada à real compartimentalização e longe de uma postura,


171

às vezes declarada, mais radical, transdisciplinar. Parece então delinear-se uma

hierarquização de patamares entre níveis de aproximação disciplinar:

DisciplinaridadeÎMultidisciplinaridadeÎInterdisciplinaridadeÎTransdisciplinaridade.

d. Necessidade de Espaço

Espaços interdisciplinares (núcleo, associação, instituto) que possibilitem integrar as

diferentes tendências de trabalho conjunto são apontados com uma das saídas para tais

dificuldades: local onde se possa discutir pontos de confluência. Sede própria que reúna

aqueles que não trabalham apenas em uma área especifica, mas que vêem um contexto mais

amplo, numa convivência direta e incentivada: tecnicistas e engenheiros preocupados com a

natureza e a sobrevivência humana, cientistas naturais envolvidos com o trabalho em

comunidades e buscando novas tecnologias alternativas e cientistas sociais respondendo

aos impactos da ciência moderna e contribuindo para a sustentabilidade das culturas e dos

ecossistemas. É importante haver também profissionais e alunos interdisciplinares, não

apenas cursos interdisciplinares, que possam usufruir locais de socialização e troca

constantes. A formação de um instituto, confluindo ensino, pesquisa e extensão, parece ser

o resultado da experiência no Paraná. Os professores trazem suas competências e

contribuem para uma visão macro dos problemas. Muitos dos entrevistados indicam que os

impedimentos atuais são mais objetivos e institucionais que estruturais.


172

Segundo J. T. Klein100, existem diversas vantagens e desvantagens na criação de um

centro independente. Por um lado, fornece base ou estrutura institucional para lidar com

problemas mais complexos que requer um grande montante de recursos físicos e humanos,

um ambiente interdisciplinar num contexto disciplinar promovendo a troca de métodos,

instrumentos, técnicas e paradigmas, além de aumentar a visibilidade social da

universidade. Por outro, nem toda universidade pode garantir os recursos de tal

organização, que sofre com financiamentos variáveis; seu status “quase departamental”

pode vir a criar uma classe de pesquisadores de segunda categoria, como uma

marginalidade física e acadêmica, facilitando a infidelidade e o isolamento. Além disto, o

centro pode não ter a possibilidade de reunir profissionais adequados para o trato

interdisciplinar e pode permanecer vinculado a uma base disciplinar específica.

J. Habermas101, para esta discussão, nos oferece aspectos que parecem relevantes

quando trata da época de transição do estilo ritual da nobreza ao monetário da burguesia - a

transferência da subjetividade cortesã, sua ostentação, a fetichização dos gestos e todo o

ritual da corte para a racionalidade burguesa. Isto se dá em conjunto à metamorfose do

privado ao público na formação da polis, componentes de extrema relevância no

desenvolvimento da consciência moderna. Mas, nessa aparente mescla público-privado, há

interesse em associar o espaço interdisciplinar com a formação dos salões, onde se

debatiam tanto assuntos político-econômico-sociais, quanto se faziam apresentações e

exposições. Onde, segundo o autor, “a opinião se emancipa dos liames da dependência

100
Op. cit., p. 125.
101
Habermas, J. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade
burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
173

econômica”,102 permitindo “encontrar assim uma igualdade e sensibilidade entre pessoas de

classes desiguais”,103 o que contribuía para “uma espécie de sociabilidade”.104 O frívolo

cerimonial das hierarquias sendo substituído pela polidez da igualdade, numa aparente

democracia pela conversação, pelo diálogo. Um centro inter/transdisciplinar poderia se

tornar um local como esse, onde haja uma integração de quem ali trabalha, vive e/ou

estuda, se conjugando sabedoria, pesquisas, ensino e também criatividade e lazer, num local

público-privado como a universidade.

e. Participação e Extensão

A extensão, embora não tenha sido consensualmente colocada, parece ser a saída

para um grande encerramento do meio acadêmico, na busca de participar e democratizar o

conhecimento, a partir e através das pesquisas interdisciplinares. Ela acontece porque

orientadores e alunos têm desenvolvido esse trabalho e, quanto à cooperação entre

professores, embora muitos se interessem, há bastante dificuldade na sua organização. Esse

tipo de curso depende muito da conjugação das pessoas envolvidas, sendo necessário haver

uma harmonia de propósitos e um relacionamento fácil, na medida em que muitas vezes

este é um trabalho quase voluntário. Devem existir interesses pessoais definidos para se

comprometer e tem que ser um processo de crescimento, com uma melhoria do ponto de

vista dos avanços pedagógicos do curso.

102
Ibid., p.49, 1984.
103
Ibid., p.50.
104
Ibid., p.51.
174

Uma ciência fechada nela mesma não se suporta, pois não resolve as questões sociais,

já que o não vínculo entre estudo e sociedade se reflete na crise. A estrutura universitária

rígida e tradicional deforma uma tendência natural do aluno de perceber seu ambiente com

uma visão múltipla. Houve, portanto uma mudança de postura, até mesmo filosófica, que

tende a alterar a prática acadêmica e provocar aberturas de fronteiras, rompendo obstáculos

não apenas entre as ilhas disciplinares do arquipélago universitário, mas também dos muros

que isolam a academia do meio ambiente que a cerca, próximo ou não. Eles não serão

destruídos, mas devemos perceber os interstícios, brechas, fendas já existentes que, de certo

modo, compõem a essência de uma instituição milenar e quase universal como a

universitária.

Nesta questão sobre se haviam problemas referentes à institucionalização dos cursos

devido à compartimentalização universitária, obtivemos o seguinte resultado no cômputo

geral:

Sim Não Ambos Outra Resposta Sem Resposta

18 2 4 3 1

Numa análise geral, a resposta positiva dada pela grande maioria dos entrevistados já

era esperada, criticando a divisão universitária em departamentos não comunicantes. Por

outro lado, parece que muitos não chegaram a imaginar uma universidade fora destes

moldes, uma vez que a estrutura em divisão procura tornar eficiente cada parcela. Portanto,

uma resposta mais amena, levando em conta aspectos positivos e negativos desta realidade,

deveria ser mais bem trabalhada. No entanto, os entrevistados percebem as dificuldades que

este distanciamento provoca na tentativa de trabalhos e pesquisas ligadas ao meio ambiente


175

e por isto reagem inicialmente contra as barreiras impostas institucionalmente e a favor da

aproximação, mesmo que não saibam como fazê-la.

É possível, mas há que romper barreiras da especialização. Causa: esgotamento


das C. Físicas que procuram agora a complexidade biológica e levam à teoria da
complexidade. Sociedade se complexifica, muda visões, mais abrangentes,
conexões. Ecologia: interações levam à interdisciplinaridade. (UFMGProfB)
Foi o grande problema, muita burocracia, um entrave. A interdisciplinaridade
não tem espaço próprio no organograma... (UFPRProfB)
A compartimentalização se reflete no individualismo da sociedade, dentro dessa
lógica da competição, não dá para desvincular. Uma ciência muito fechada nela
mesma já não está mais se suportando, não resolve as questões sociais, estuda-se
coisas bonitas, mas continuam problemas: porque a universidade não dá
alternativas? Desvincular o estudo da sociedade reflete essa crise. A gente tem
que mudar. (UFRJAlunB)
Com certeza dificulta, desde a graduação, extremamente departamentalizada,
não há diálogo, apenas pontuais, nem numa escola única. Atrapalha os
programas tradicionais também. (USPAlunC)

As duas respostas que demonstram ser a favor da compartimentalização/

departamentalização universitária se mostram também relativistas, assim como os que

responderam quanto a um meio termo (ambas). Por outro lado, se mostraram conscientes da

inevitabilidade do enquadramento disciplinar na estrutura universitária, ou seja, se

mostraram mais defensores da atual concepção do que opositores. No segundo exemplo

abaixo, a alternativa é dada pelo trabalho conjunto entre uma unidade interdisciplinar não

departamental e os demais institutos e departamentos:

Para atual estado da arte, uma certa compartimentalização ainda é adequada.


Chegamos a um ponto de interação de convivência muito bom mantendo as
características dos departamentos relativamente. Como um primeiro diálogo
ficou muito interessante. Com a evolução do paradigma ambiental, pode chegar
num ponto que cada departamento não perca a sua essência
(transdisciplinaridade). Cada indivíduo, cada cientista entra com aquilo que tem
de contribuição fundamental. E dentro de cada característica, cada um procura
achar pontos em comum que possibilitem a integração. Acho imprescindível a
interdisciplinaridade na questão ambiental, mas sem abrir mão das suas
características. É uma questão de diálogo, saber dialogar com as diferenças.
Saber tratar as diferenças. (UFMGAluC)
176

Os impedimentos são de natureza objetiva, não institucionais. Num primeiro


momento sim. Causava estranheza pelo desconhecimento da proposta.
Externamente e internamente. Essa questão foi num primeiro momento. Mas do
ponto de vista das mentalidades isso é superado hoje. É só ajustar a questão
institucional, de distribuição de cargas horárias que as questões fluem, fluíram
melhor. (UFPRProfC)

Algumas respostas seguiram por este caminho problematizador e não por se declarar

já de antemão contra a departamentalização. Seguem alguns resumos:

Não necessariamente. Ela organiza e dificulta. Deve haver um uso correto da


disciplina. Tentar visão macro, entender complexidade. Ter espaços
interdisciplinares (associação). Não trabalho mais apenas em minha área; houve
uma mudança filosófica, de postura, na prática. Complexidade leva à
interdisciplinaridade. (UFMGProfAQ3)
Duas faces para essa questão: é necessário aprofundar especialização clássica,
que redunda na compartimentalização, fragmentando as ciências. Mas, ocorre
afastamento do núcleo original com a concomitante aproximação de outras
ciências/disciplinas, para que a totalidade possa ainda ser explicada.
Fundamental é que as disciplinas saibam e possam dialogar entre si. Na atual
situação, a compartimentalização dificulta. Mas, o mais importante é termos
profissionais interdisciplinares, não apenas cursos interdisciplinares.
(UFRJAlunCQ3)

Visto o resultado detalhadamente, distinguindo as respostas dentre os alunos e

professores de cada instituição (tabela em anexo), podemos perceber uma certa simetria

entre os cursos e mesmo entre o corpo docente e discente de cada exemplo. As duas únicas

respostas negativas foram em cursos diferentes e vindos de aluno e de professor. Os

resultados ‘sem resposta’ e ‘outra resposta’ se devem a não definição clara das declarações

e/ou a problemas de comunicação entre entrevistador e entrevistado. De qualquer maneira,

cremos ter sido possível obtermos um panorama geral do tema.


177

2.3 Curso específico x difusão na universidade

Esta questão busca obter as idéias do entrevistado relacionando um curso/programa

com foco central voltado ao meio ambiente em contraste com a questão difusa em cada

unidade (departamento/instituto) da universidade. Para analisarmos esta questão,

objetivando coletar dados quantitativos que facilitem a comparação entre cursos e entre

corpo docente/discente, optamos por pontuar cinco alternativas de respostas, de acordo com

aquelas obtidas.105 As opções são as seguintes:

1. Centralizada: instituto, departamento ou núcleo

2. Difusa: coordenação geral (reitoria), integração geral

3. Ambas: centralizado + difusa

4. Outra resposta: questão respondida sob tema diverso

5. Não resposta: resposta ausente

Apresentamos em anexo um resultado geral demonstrando a distribuição das opções

descritas por cada pesquisador. Em seguida, distinguimos alguns vieses diferenciais dentro

de cada alternativa, escolhendo trechos das entrevistas que exemplifique tal diversidade. No

computo geral, tivemos oito respostas que deram a entender a preferência pela via

centralizada, isto é, que a questão ambiental seja tratada num âmbito específico da

universidade ao invés de aparecer em contextos diferentes em cada unidade. Quanto a

respostas defendendo uma abordagem mais difusa da questão ambiental no meio

acadêmico, obtivemos o mesmo resultado apontando a preferência para que as unidades

105
Por outro lado, temos consciência de que há pontos de vistas não totalmente convergentes dentro de uma
mesma resposta.
178

trabalhem dentro de suas especificidades os problemas ambientais. Quanto a uma

alternativa intermediária entre ambas, setes entrevistados responderam que preferem que

haja não apenas uma instância de estudos do meio ambiente na universidade, mas que se

trabalhe também em cada unidade. Nos demais casos, dois pesquisadores responderam com

uma resposta fora da questão e cinco não responderam a pergunta.

Neste sentido, podemos perceber que não há resultados díspares, uma vez que as três

respostas principais não variaram muito. Por outro lado, podemos fazer uma leitura

comparativa entre cursos e entre docentes e discentes. Dentre os entrevistados da UFMG,

vemos um equilíbrio entre alunos e professores e entre as respostas, embora não se veja um

meio termo entre ‘centralizada’ e ‘difusa’ (ambas). Já na UFPR, não obtivemos como

resposta à alternativa ‘difusa’, embora tenhamos dois pesquisadores defendendo que

‘ambas’ (A) sejam contempladas, dentre os professores, mesmo que o curso MAD (e

também o núcleo NIMAD)106 faça convergir o assunto para seu campo de ação. Do mesmo

modo, na UFRJ, a resposta foi também maior para ‘ambas’, mesmo não havendo, nesta

universidade, uma unidade específica que centralize a questão, o que realmente faz bastante

falta, isto é, um espaço dialógico e autônomo (como no caso da USP e do UFPR). E na

USP, pode se perceber um empate entre as respostas ‘difusa’ e ‘ambas’, embora o

PROCAM acabe por, pelo menos parcialmente, centralizar o assunto no campus, mesmo

que haja inúmeras outras iniciativas de estudos ambientais nas demais unidades (como o

caso da Engenharia – POLI e da Saúde - NISAM).

106
A relação entre ambos, curso e núcleo, ainda não está concretizada, porquanto ainda parece haver o intuito
de reuni-los. Uma vez que surgiram juntos, unificados ou pelo menos em intrínseca parceria, poderão
promover ações que cumpram realmente o papel utópico e revolucionário da existência universitária:
apreender pela observação investigativa (curiosidade e sabedoria), trocar conhecimentos e saberes
(comunicação e democracia), multiplicar idéias e ações (participação e ética).
179

Veremos agora cada tipo de resposta particular, verificando a dubiedade existente

no tema em questão, já que tanto uma estrutura que centralize quanto o trabalho sócio-

ambiental nas demais unidades universitárias perfazem uma ampla gama de atuações a

serem desenvolvidas. Num caso, há maior chance de interação entre diferentes atores

acadêmicos, abrindo chances para maior número de intercruzamentos. Noutro, a tendência

é haver a ascendência natural ou uma convergência de propósitos se reunidos a posteriori.

Centralizada

Nesta resposta encontramos dois tipos de idéias: aquelas que parecem defender uma

base departamental e as que preferem um centro ou núcleo autônomo para difundir a

temática ambiental. Seguem exemplos de cada sub-tipo:

- Indicando a forte base disciplinar e departamental, nem sempre otimista quanto a

mudanças, criticando, mas sem apontar alternativas.

Ainda tende a ser disciplinar por causa dos departamentos. Uma reestruturação
da universidade vai modificar. Os cursos são muito fechados; é difícil romper.
Não existe esta dinâmica. Agora com a flexibilização deve aumentar. Na pós-
graduação, se consegue um pouco onde não existe tradição de graduação. Mas
nessas profissões consolidadas ainda existe. Internamente, um curso optativo
certamente vai atrair, apesar de ser uma área difícil (...) Mas estamos no
começo, é pouco expressivo, ainda em construção. (UFMGProfD)
Há pressão de ser cada vez mais rápido o curso. Não sei é factível cobrar tanta
coisa, querer cursos interdisciplinares. Têm que aprender por sua conta. Mas
não tem jeito. Até dá, mas é difícil porque isso vem de cima. Não tenho opinião
formada. Depois vai começar a vida profissional e pode ter pretensões em fazer
coisas fora do seu objeto exato, procurar a interdisciplinaridade.
(UFMGAlunA)
Vários departamentos podem trabalhar a mesma questão. Só que a abordagem é
diferente. (...) Novas disciplinas são criadas. Já tem um diálogo. O professor é
um eterno aprendiz. Esta humildade é a grande dificuldade em todas
universidades. Mas há endogenias. A interdisciplinaridade pode trazer esta
180

parceria, solidariedade, diálogo, mas é difícil. O doutor tem arrogância. A


Psicologia tem um papel de sanar estes problemas dentro da casa para sanar
fora, passar por cima de querelas pessoais. Não deve ficar ranço. Não é
humilhação quando se erra e pede desculpas. (UFRJProfA)

- Indicando a formação de uma unidade relativamente independente aos

departamentos:

O mérito do curso é uma interdisciplinaridade entre Ciências Naturais e Sociais.


No âmbito dos departamentos existe uma interdisciplinaridade dentro das áreas
de conhecimento. Nos outros setores também vai haver uma certa
interdisciplinaridade; há uma certa conexão com as Ciências Naturais, mas não
entre as grandes áreas do conhecimento. Desconheço se há este tipo de coisa em
algum departamento. E é assim muito ao nível de vontade pessoal dos
professores, não existe um programa que formalmente integre as várias
competências ou áreas. (UFPRProfA)
Não nos opomos a que cada unidade disciplinar faça por seu lado a questão
ambiental, afinal a nossa proposta é que não seja impositiva nenhuma
proposição a esse nível. Mas é política, metodológica e cientificamente
desejável que se crie, que se dê visibilidade a um campo ambiental. Esse campo
ambiental é muito importante porque evita repetições, discórdias, enfrentamento
e conflitos desnecessários e reforça, certamente, a área das Ciências
Ambientais... Queremos federalizar ou reunir, guardando as autonomias
respectivas de cada unidade. Atividades afins, como captação de recursos, como
publicação, serão feitas de forma unificada. Vamos economizar a repetição de
esforços. (UFPRProfC)
Interdisciplinaridade não é todo mundo entende e pode fazer tudo. A
interdisciplinaridade em toda a universidade é porque todas as áreas têm
conexão com o problema e se percebe que não resolve na perspectiva de única
disciplina. A especificidade está na metodologia. Na teoria que compreende o
problema complexo, que precisa de vários olhares, direções: uma metodologia
que permita o diálogo. Cada unidade está despertando, mas sempre vai ser
setorial. A universidade moderna precisa de um locus que faça as pontes, que
construa a teoria pertinente, o referencial teórico, a metodologia e que daí chame
as pessoas. Nosso projeto, mesmo não tendo preparo, está preenchendo uma
lacuna do conhecimento que permite o conhecimento do todo. Mas precisa de
um núcleo pensante, uma equipe que tenha experiência, aprendizado,
treinamento formal e a experiência do trato interdisciplinar. (UFPRAlunC)
Tem muita coisa em meio ambiente dentro da universidade que não dialoga com
o programa... O objetivo é tentar trazer as pessoas, mas a questão do
voluntariado complica. Tem que ter definido um bom projeto, criando,
mobilizando bons projetos de pesquisa e fortalecer a identidade e de
asseguração com outras instituições para estar criando fóruns e espaços de
discussão. Ë o desafio. A gente pode até estar fazendo outros cursos,
181

especialização lato senso, programas semelhantes também, mas a preocupação


principal é criar identidade, fortalecer uma coisa muito consistente, muito
amarrada. (USPProfA)

Difusa

As respostas seguiram vários caminhos, mas pode se perceber que há tendência à

difusão da questão ambiental pelas demais unidades universitárias. No caso da UFMG, os

trechos das entrevistas aqui transcritos demonstram que, embora se queira divulgar a

temática, o conteúdo deve ser considerado por especialistas da Ecologia, considerando a

interdisciplinaridade posterior na formulação da disciplina geral (o predomínio das

Ciências Biológicas na questão do trato ambiental). Na UFRJ, uma entrevistada defende a

pesquisa por projetos que reuniriam diversos pareceres, difundindo a problemática pelo

campus. Na USP, um entrevistado acha difícil formular uma disciplina geral em cada

unidade por haver especificidades. A questão seguramente se encontra inconclusa, uma vez

que cada instituição tem uma fórmula própria e se adequa diferentemente aos seus

interesses particulares. Seguem trechos de algumas respostas:

Existe especulação e picaretagem na questão ambiental, oportunismo de inserir


a qualquer preço e a qualquer forma nas diferentes áreas, um modismo desde os
movimentos ambientais na década de 70, 80. A universidade tem que ter bases
sólidas, coisas palpáveis, não especulação. Estamos assessorando o reitor, por
iniciativa dele, com uma disciplina em toda a universidade com diferentes
nuances que cada área exige, mas discutir as bases da questão ambiental. Depois
é tentar por estas bases na problemática que aquela área está querendo analisar.
Uma disciplina não uniforme com um núcleo básico das questões ambientais e
também sociais, econômicas. (UFMGProfA)
Em geral não [ocorre centralização] ou de forma bastante episódica e não como
foco principal, as disciplinas são mais pontuais mesmo, são mais especializadas.
Mas nosso grupo da Ecologia propôs disciplina optativa para a universidade:
“Bases Ecológicas para o Desenvolvimento Sustentável”. Para todos os tópicos
importantes. Uma flexibilização curricular que diminui a carga horária de
182

matérias específicas e aumenta as de formação mais geral e humanística.


(UFMGProfB)
Pelos projetos, isso acontece naturalmente, é o que funciona efetivamente, na
prática. A pós-graduação pode caminhar neste sentido; mas caminha dentro do
paradigma acadêmico. O projeto rompe barreiras. No mundo da globalização, as
empresas contratam quem sabe trabalhar em equipe, tem perfil de liderança e
abrangência de conhecimentos. Pode ser opção individual ser especialista e o
curso pode oferecer essa possibilidade, mas ao mesmo tempo não pode
distanciar a universidade de uma realidade global. Não defendo exclusivamente
a pesquisa aplicada, mas hoje a visão da aplicação tem que ser muito maior.
Uma coisa não inviabiliza a outra. (UFRJProfB)
Prefiro a segunda opção, pois assim as diferentes ciências passam a se
impregnar do conteúdo ambiental e não corre o risco de ficar restrito a um
determinado grupo de “especialistas ambientais". Esta é a melhor opção, mas a
mais difícil. A idéia de se constituírem núcleos interdisciplinares parece ser uma
boa saída, pois assim cada área continua a aprofundar seus conhecimentos
específicos. Contudo aprende a dialogar e construir em parceria com as outras
áreas as soluções para as questões pesquisadas de forma interdisciplinar.
(UFRJAlunB)
O ideal é ser curricular, não disciplinar. Existir uma coordenação geral com essa
preocupação. Um exemplo é a Educação Ambiental: a legislação não permite a
criação de disciplinas, pois tem que permear dentro do currículo. No nível
superior, não defenderia uma disciplina de Ciência Ambiental. Na pós-
graduação concordo. [Mas] disciplina de Ciência Ambiental em cada unidade é
difícil, pois tem áreas complicadas. Seria ideal que todos tivessem essa
preocupação e que permeasse o curso de cada professor. Quem trabalha com
vida se envolve mais, desde ética etc, temos uma preocupação diferenciada.
Mesmo as mais pragmáticas como engenharia civil; existe curso de ciência
ambiental na graduação faz tempo. Vai assimilando conforme a legislação. A
obrigatoriedade do EIA/RIMA mudou muita coisa. (USPProfD)

Ambos

Para alguns entrevistados, um caminho intermediário entre a difusão e a concentração

dos esforços é plenamente possível, arregimentando de cada lado tentativas de expor aos

alunos as grandes questões que o tema suscita.

Muitos pensam a interdisciplinaridade como paradigma que substitui os


paradigmas vigentes. Vejo como uma coexistência necessária, uma derivação do
conhecimento científico em geral e necessária para o trato de determinadas
183

questões que são de interface. Elas serão parcialmente abordadas do ponto de


vista disciplinar. A questão ambiental pode ser objeto do estudo de
pesquisadores estritos, mas há um espaço de interface que tem que ser abordado
interativamente por profissionais de formações distintas. Não são excludentes,
se enriquecem mutuamente. A competência disciplinar é um pré-requisito, uma
condição sine qua non para a prática interdisciplinar. Mais do que um espaço de
formação, a idéia é criar um espaço de interação de competência disciplinar,
ensina-las a ouvir, a trazer a sua bagagem disciplinar com modéstia suficiente e
necessária para o diálogo. (UFPRProfB)
Vejo com bons olhos um curso da área humana voltado ao meio ambiente, pois
permite que se ultrapasse a dimensão técnica para se trabalhar a questão política.
Tratar dos sistemas ecológicos e também dos sociais, sem que necessariamente
se coloque em perspectiva a interação entre ambos. A existência de curso
exclusivamente voltado para a questão ambiental não provoca a renúncia das
especialidades. É necessário para a formação de profissionais ter acesso à
questão ambiental transversalmente em suas disciplinas clássicas. É necessário é
uma mudança de cultura, onde o componente ambiental esteja internalizado e
seja usado em todos estudos de caso e exemplos e para a formação de
profissionais voltados à questão ambiental. (UFRJAlunC)
Já temos prática em meio ambiente. Disciplinas que não existem isoladas, têm
que entrar em contato com outras disciplinas ou incorporar outras coisas, com
professores de outras áreas, disciplinas, departamentos e institutos. Há
professores que têm maior participação e tendem a acentuar mais essa
interdisciplinaridade, mas isso até já existia, já era um pessoal do meio
ambiente. (USPProfB)
É como a Educação Ambiental ser disciplina ou perpassar todos os conteúdos. É
complicado. Essa é a grande pergunta que fazemos no primeiro semestre. Mas a
princípio é claro que deve estar presente na Química ou Engenharia
Agronômica. Um dos objetivos de ambientalistas enquanto paixão, militância é
que esses componentes ambientais sejam absorvidos pelas pessoas no seu dia a
dia e inclusive nas pesquisas. Mas tem questões específicas. Esse profissional
ainda está em falta. Sem eliminar a especialidade. Não é porque existe um curso
de Ciência Ambiental que outros profissionais estão desobrigados a se
preocuparem. Não adianta ter um cientista amplo porque vai ter problemas
ambientais ocorrendo e ele não vai poder responder. O especialista tem um
papel importante, se fizer um trabalho amplo vai resultar importante e os
profissionais mais amplos têm que ouvir. (USPAlunC)
184

Outra resposta

Embora as respostas aqui não estejam enquadradas na pergunta, elas apontam para

pontos importantes da relação social acadêmica: sobre a origem do movimento

interdisciplinar ser exógena e um relativo enfraquecimento do ecologismo pós-Rio 92.

Não sei se a interdisciplinaridade nasceu por uma necessidade intrínseca ou se


foi em termos de financiamento. O PADCT tinha que ser interdisciplinar. Então,
tinha que se criar a interdisciplinaridade, independente de alguém querer ou não.
Não sabia se tinha uma pressão das universidades ou órgãos ambientais sobre as
agências financiadoras ou se elas criaram isso para diminuir o fluxo de verbas:
concentra num bloco em vez de pulverizar. Algo de cima. (UFMGAlunB)
Fizemos trabalho sobre as diferentes acepções e concepções de professores de
variadas áreas sobre meio ambiente. Há sempre interesse, mas fico com a
sensação de que isto já foi maior, um pouco em ‘banho-maria’ no momento,
houve certo retraimento. Quando falo em meio ambiente, falo em questões
amplas, de desenvolvimento, por exemplo, e não ecologia. Pelo menos estava
mais visível, mais discussões, seminários. Fatores: professores sobrecarregados,
mil coisas acontecendo, que estão por ai. Não sei realmente. Não estou tendo
conhecimento de trabalhos, quando está efervescendo começa chegar convite
para seminários, etc. No momento está calminho. (UFRJProfD)
185

Conclusões preliminares

A emergência da questão ambiental em todo o planeta se mostra uma problemática de

profundo impacto nos mais diversos patamares da vida humana. Embora seja apontada por

poucos como modismo, nos parece que há uma real transformação na relação com o

ambiente e na própria percepção da sociedade humana, mesmo sendo um processo em

permanente construção. O ‘caos’ inserido no ambiente planetário com o advento da

Revolução Industrial provocou infindáveis alterações na perspectiva da sociedade, não

apenas perante a natureza que nos envolve e nos engendra, mas perante sua própria psique.

A Ecologia, surgida da percepção da interligação essencial entre diversos fatores

ambientais nos ecossistemas naturais, parece ter contribuído para que o pensamento

científico da atualidade reavalie a tendência em separar elementos e em estudá-los

isoladamente, resquício de uma mentalidade mecanicista. A intrínseca relação fauna, flora e

fatores edáficos e climáticos perfazem assim, a partir de então, a complexa teia de relações

entre componentes, sendo a interdependência um dos ensinamentos mais verossímeis desta

recente ciência: a Ecologia, como visto, fez surgir (macro) conceitos que vislumbram

entidades integradoras de elementos inanimados e vivos.

Do mesmo modo, as diversas ciências que corroboram para o arcabouço teórico do

conhecimento humano parecem sofrer mudanças em seu cerne, conferindo uma necessária

completude entre os diferentes modos de se perceber o mundo que nos cerca. A chamada

questão ambiental, portanto, com a expansão do olhar antropocêntrico ao bio e até mesmo

ao geocêntrico (uma dilatação e não substituição), insere-se, ao nosso ver, nesta

transformação que nos faz perceber a inextrincável relação entre a qualidade de vida
186

humana com a ‘vida’ do próprio planeta. Assim, a Ecologia no meio acadêmico se

expandiu de modo único, envolvendo toda uma nova ambientação do ser humano até

mesmo na sua cotidianidade.

O surgimento da Educação Ambiental (ou educação para o Meio Ambiente, para a

Sustentabilidade, etc) em diversos níveis da sociedade, formal ou informal, governamental

ou não governamental, para crianças, jovens e adultos, prática e/ou teórica, é resultado da

urgência e do forte apelo emotivo e vital para a sobrevivência humana. Mesmo que

inicialmente a questão era salvar os ecossistemas e não a própria espécie – uma biogênese

do ambientalismo. Por conseguinte, a inserção de um paradigma ou uma “racionalidade

ambiental” no meio acadêmico parece vir atender a uma demanda mundial de configuração

de necessidades básicas, visando tanto desacelerar o ímpeto capitalista de apropriação dos

recursos naturais em franca depleção, quanto contribuir para uma perspectiva

democratizante, inteligente e harmoniosa do fazer científico departamentalizado.

Entretanto, não há consenso entre acadêmicos em diversas práticas, métodos e

epistemologias, refletido no constante atrito entre tendências pragmáticas, tecnicistas,

teoricistas, filosóficas.

Para nós, a grande procura pela Educação Ambiental permite expor um tipo de

‘sócio-ambientalismo’ que emerge das relações entre um engajamento romântico e

conservacionista e um participativo e humanista. Nos parece que o ambientalismo quando

cai no campo sociológico, ou seja, quando pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais

tratam dos processos de interação sócio-ambiental, parecem expor certa cautela em não se

pensar ‘reduzido’, como ‘apenas’ um ser biológico. Esta reação natural ou conceito prévio

demonstra claramente pelo menos duas posições: que muitos autores neoliberais se
187

aproveitaram do discurso evolucionário de C. Darwin para compactuar com ideologias

próprias, deterministas e dominantes também entre sociedades e classes.

Mas também revela que a comunidade do campo sociológico impõe ao pesquisador

das comunidades dos campos tecnológicos e biológicos a noção primordial de subsistência

em referência ao conflito sócio-cultural da realidade humana no seu desvelamento

constante perante as inúmeras forças que estão em jogo no caldo (caos) das relações sociais

(locais, regionais, globais; físicas, psíquicas e afetivas). Suas análises de cunho histórico,

antropológico, econômico, político, educacional etc são fundamentais para que cada

estudante e profissional capte sua situação perante seu meio social (ambiental) e promova a

leitura atenta e crítica do mundo.

Ao nosso ver, a Biologia, pela Ecologia ou não, pode, do mesmo modo, contribuir

com a idéia de dependência recíproca entre ser vivo e ambiente e, por conseguinte, entre

sociedade e natureza (na verdade quase todas sub-áreas revelam dados do meio onde

qualquer ser se encontra, mesmo que ali o tenham para exterminá-lo).107 A diversidade

vivente na face terrestre só é possível pela diversidade ‘anatômica’ e ‘fisiológica’ do

planeta, já que a vida pode ser encarada como uma ‘mera’, complicada e inteligente

maneira de se aproveitar a energia solar ao máximo, fazendo ciclar e reciclar a matéria

elementar (água, oxigênio, carbono, hidrogênio, cálcio, nitrogênio) nos seus infinitos

biótopos108 possíveis. Tal interdependência tende a conferir um grau de amálgama o

suficiente para nos imaginarmos e sentirmos como parte integrante do todo orgânico

107
A manipulação biológica é inevitável, por mais que se fale em bioética. Os desequilíbrios sociais são
tantos que a ética se transforma em tática: “do vale tudo”, “do salve-se quem puder”, “do sai da frente que eu
vi primeiro”, quando percebem o limite orgânico planetário. Esperanças há em Dom Quixotes?
108
Locais ocupados por diferentes biocenoses (como referido por P. Acot), formando uma comunidade
biológica (habitats + seres vivos).
188

planetário e até mesmo como sua massa encefálica (como a noção antropomórfica e a de

Gaia, apontado por K. Lovelock). Mas cremos que não a ponto de nos sujeitarmos a

abandonar nossa própria sabedoria e nos abdicarmos em lutar contra injustiças, tanto

ambientais quanto sociais.109

Como vimos, no meio acadêmico isto já é discutido desde a década de 60

principalmente na Europa.110 No Brasil, desde 1986, a interdisciplinaridade vem recebendo

cada vez mais atenção, embora o projeto da interdisciplinaridade ambiental venha colhendo

frutos com maior ênfase na ultima década. Diferentes agências governamentais como

CAPES, MCT, MEC, CNPq, ForGrad têm percebido sua relevância e procurado dar

suporte e incentivo às iniciativas.111

Ao nosso ver, o ser humano tem agora pela frente a responsabilidade de promover

uma nova alçada da consciência, um crescer em maturidade que se mascara também como

um retorno (uma volta aos clássicos?112). Cremos não ser contraditório que o abraço à causa

ambiental deva ser também um cuidado à causa humana e social, interagindo as múltiplas

condições que a vida na face terrestre requer para seu pleno desenvolvimento. Um breve

109
Inclusive contra o duelo territorial entre poderes que não negam armas para conseguir e manter domínio. A
tempestade de idéias (brain storm) do ato interdisciplinar não deveria se transformar numa tempestade em
copo d’água, mas numa tribuna livre (correlação com os antigos salões da época pós-nobreza palaciana e pré-
burguesia mundana como vistos em J. Habermas).
110
Nos países desenvolvidos industrialmente a questão ambiental se faz com ênfase maior nos recursos
naturais, enquanto, segundo Moreira (op. cit), nos países ditos periféricos a questão se debruça com maior
tendência sobre a questão social.
111
Diferente do citado em alguns depoimentos, programas como o PADCT reforça o desenvolvimento da
interdisciplinaridade ambiental e não nos parece que esta agência de fomento imponha necessariamente um
trabalho acadêmico interdisciplinar “de cima” , mesmo que possamos concordar que há alguma ‘pressão’ de
financiamentos externos.
112
Como apontado por J. Alexander quando trata do desenvolvimento das Ciências Sociais: “um estado
contínuo de profundo desacordo e de revolução teórica”. (La centralidad de los clássicos. In: Giddens, A. et
al. La teoria social hoy. Madrid: Alianza, 1990).
189

relato de um representante discente nos remete a este intrincado, mas possível

enovelamento interdisciplinar:

E essa habilidade de ver as coisas positivas das outras disciplinas e incorporar


no teu universo de pesquisa e conhecimento é muito rico, porque, como
agrônomo, discuto com tranqüilidade com economista, sociólogo, antropólogo,
biólogo, as questões do desenvolvimento e muitas vezes usando os seus
métodos, o seu ponto de vista... O estudo dessas relações te deixa um
profissional, pesquisador, professor muito mais competente para ensinar, até às
vezes, a sua disciplina. Pode continuar fazendo pesquisa disciplinar, mas
entende para que serve aquela pesquisa, em que contexto se insere, que
impactos ambientais, sociais e econômicos pode causar. Então, minha visão é
um pouco apaixonada, mas essa foi a realidade. Procuro perceber essa evolução
em mim. (UFPRAlunAQ2)

Nas análises de entrevistas, percebemos que dentre as principais questões da

institucionalização de cursos interdisciplinares de pós-graduação, seus proponentes têm

grandes desafios, mas também inúmeras possibilidades, uma vez que tal institucionalização

objetiva reunir excelentes profissionais em suas áreas de atuação em torno de uma

problemática integradora. Por outro lado, a compartimentalização das ciências e da

universidade caracteriza uma real dificuldade em se lidar com a colaboração e a cooperação

científica, esbarrando em lutas de poder, competição e territorialismos acadêmicos, que

devem ser sobrepujados ou ao menos amainados. Portanto, a maioria dos entrevistados

apontou para a elevada importância de um curso específico que centralize a questão sócio-

ambiental no campus, embora percebam que não deveria haver conflito na difusão desta

temática por toda a universidade.


CAPITULO III

INTERDISCIPLINARIDADE

1. Articulação disciplinar:

Um longo e potencial caminho

1.1 Sobre o que é Interdisciplinaridade

a. Diversas histórias

b. Buscando conceitos

c. Possíveis razões

d. Muitas dificuldades

e. Algumas exigências

1.2 Tendências à transdisciplinaridade

2. Depoimentos

2.1 Interdisciplinaridade

2.2 Relativização da disciplina

2.3 Dicotomia natureza-sociedade

Conclusões preliminares
191

1. Articulação disciplinar: Um longo e potencial caminho

Neste item, discorreremos sobre o que tem sido escrito sobre o sentido da

interdisciplinaridade, buscando compor suas origens, as diversas histórias que a tem

conformado e a procura por conceitos unificadores que articulem as mais diferentes áreas

acadêmicas. Deste modo, buscamos discernir as razões de seu surgimento e crescimento no

período da segunda metade do século XX, assim como as inúmeras dificuldades surgidas

neste processo de integração do conhecimento cientifico, percebendo algumas das

exigências necessárias para sua eficiente institucionalização. Do mesmo modo, veremos as

atuais tendências da construção de uma integração maior - a transdisciplinaridade.

1.1 Sobre o que é Interdisciplinaridade

Quando você se lança numa jornada


e o fim parece cada vez mais distante,
percebe-se que o verdadeiro fim
é o próprio percurso.
J. Campbell1

a. Diversas Histórias

A história da interdisciplinaridade é difusa, uma vez que podemos compreendê-la

num vasto campo de miscigenação dos saberes ocorrentes desde há muitos séculos ou então

enquadrá-la apenas num movimento recente na metade final do século XX. Segundo

1
Op. cit., p. 75.
192

Klein2, diversos autores antigos foram descritos como interdisciplinares, como Platão,

Aristóteles, Rabelais, Kant e Hegel, embora muitos outros a vejam como um fenômeno

inteiramente atual, diferindo o termo das idéias básicas. O conceito surge no discurso

moderno com as idéias de unificação da ciência, conhecimento geral, síntese e integração

do conhecimento.3

No Iluminismo do século XVII, já se antevia tal necessidade de aproximação, talvez

ainda influenciada por um monismo primitivo e arquetípico que visava a síntese e não a

análise, a totalidade e não a parte, a complexidade indissolúvel embora frágil do real e não

uma simplicidade discernível e finita de uma realidade calculável, mecânica. L. Febvre

comenta sobre os descaminhos do conhecimento humano, durante a construção dos

pressupostos científicos:

Mas quem, pois, teria respondido sem dúvida a quem tivesse se espantado com
o seu estado de espírito - quem, pois, aprendeu bastante para deixar de duvidar?
E como afirmar, e porquê afirmar! Quantos homens afirmam violentamente,
implacavelmente, tendo como supremo argumento o punho armado? Não nos
encolhamos assim. Sejamos curiosos. Agarremos com ambas as mãos. Entre
tantas delícias que devemos à nossa curiosidade, evitemos escolher,
estritamente, como fanáticos.4

Nos trabalhos de Febvre5, percebemos a construção de uma ‘visão de conjunto’, pois

seus estudos envolvem não apenas História e Psicologia, mas também Sociologia, Biologia

e demais ciências, contribuindo para aprimorar a “aptidão para descobrir correlações”. A

partir de “trocas entre as disciplinas afins”, podemos antever um progresso científico

interdisciplinar, uma vez que “as grandes descobertas têm lugar nas próprias fronteiras das
2
Op. cit., p. 20.
3
Ibid., p. 21. De acordo com a autora citada, ‘disciplina’ surge na Idade Média sendo aplicada nas áreas de
teologia, artes, direito e medicina com o esboço da formação de uma “sociedade científica”.
4
Febvre, L. O problema da descrença no século XVI - a religião de Rabelais. Lx, Ed. Início, p.459, s.d.
(traduzido por Ângela M. de Almeida, 1990). Grifo próprio.
5
Ibid. Combates pela história. Lisboa: Presença, p.205, 1989.
193

ciências”. Ou seja, para ele, as ciências percorrem muitos caminhos e são sempre mutáveis,

já que progridem não linearmente.

A demanda por especialização profissional foi crescente a partir daquela época,

embora tenha sido discutida pelos humanistas renascentistas, cujos pensamentos

universalizantes foram sobrepujados a partir do século XVIII. Ou seja, a forte

disciplinaridade moderna remonta do século XIX, a partir do estabelecimento das Ciências

Naturais, da “cientificização” geral do conhecimento, da revolução industrial, dos avanços

tecnológicos. Deste modo, uma educação universal visando uma formação integral do

aluno esbarrou e ainda esbarra com a estrutura organizacional das universidades, a política

das disciplinas individuais, suas difíceis conexões entre conceitos particulares ou

generalizáveis.

De acordo com Klein, a totalidade (Wissenschaft) através da cooperação entre

disciplinas foi reavivada quando se percebeu que a crescente ramificação da árvore do

conhecimento levava ao enfraquecimento do conjunto e ao seu desmembramento, podendo

levar a absurdos imprevisíveis (ao nosso ver exemplificado pela bomba atômica). Segundo

a autora, as possíveis razões da expansão da interdisciplinaridade se deram por quatro

caminhos: tentativas de reter ou reinstalar a idéia de unidade e síntese, emergência de

programas organizados de pesquisa e ensino, alargamento das disciplinas da Ecologia e

surgimento de movimentos de identificação interdisciplinar.6 A tendência em criar sub-

especialidades nas Ciências Sociais e Naturais acabou também por provocar a cooperação

disciplinar - como uma reação à fragmentação científica e do ensino, criaram-se caminhos

6
Klein, op. cit., p. 23.
194

para a formação de uma cultura geral e liberal, não especializante, com pontos de vista e

valores comuns.

Mas há muitas dificuldades de se articular o conhecimento extensivo e intensivo, o

especialista ao generalista, na solução de questões práticas, sem perder, com excesso de

pragmatismo, o caminho da Wissenschaft. Um primeiro movimento interdisciplinar ocorreu

na época pós IIa. Guerra Mundial cuja crise de identidade geral provocada pode ser vista

como um repensar sobre os problemas inerentes à grande complexidade do mundo

moderno. Problemas com as próprias guerras, trabalho, propaganda, crescimento

populacional, moradia, bem estar social e criminalidade foram, de acordo com Klein,

pressupostos para que agências privadas e governamentais internacionais encorajassem

uma reforma do pensamento num sentido mais integrativo. Assim, disciplinas híbridas

foram surgindo, embora neste primeiro momento haja um maior empréstimo de métodos

quantitativos das Ciências Naturais pelas Sociais, sem haver uma real alteração no status

quo de cada uma delas.

Na primeira parte do século XX, o enciclopedismo e o fisicalismo firmavam terreno

após a fundação do Círculo de Viena que buscava a reunificação de terminologias e leis

tanto de domínios racionais quanto empíricos através do positivismo lógico. Um segundo

movimento interdisciplinar é aqui apontado por Klein, principalmente nas Ciências Sociais

que buscaram integrar cursos, departamentos, não apenas no nível instrumental, mas

também conceitual, visando à unidade do conhecimento. Houve, portanto demanda por

novas categorias integrativas e convergências teóricas, embora tenha havido também muita

desistência e retorno à disciplinaridade tradicional.


195

Na metade do século, as guerras parecem ter colaborado com o movimento contra a

excessiva concentração e especialização do conhecimento, surgindo termos como holismo e

a busca por reformas gerais na educação, principalmente no que se refere às comunidades:

dividir valores, responsabilidades, governo, herança e visão de mundo. Inúmeras teorias

sintéticas surgiram como Marxismo, Estruturalismo, Teoria Geral dos Sistemas e a Teoria

da Comunicação, reunindo diversas áreas do conhecimento e resultando em transformações

significantes em áreas como História, Geografia, Antropologia, Teologia etc., a partir de

cruzamentos também entre elas. Obras de autores como C. Levi-Strauss, R. Barthes, J.

Derrida e M. Foucault fazem parte deste movimento crítico de “desconstrução” filosófica,

não havendo, entretanto, nenhuma aproximação singular e sim um cruzamento múltiplo7.

Nas Ciências Naturais, a metáfora entre máquina e vida levou à aproximação entre

ciências em busca de simplificações, como no caso da termodinâmica, da equivalência

massa-energia e da mecânica quântica, assim como a teoria do caos. Do mesmo modo, o

existencialismo, a fenomenologia e o pós-estruturalismo passaram a questionar a separação

entre as hard e soft sciences. O trabalho de Kuhn colocando as dimensões sociais, culturais

e políticas da ciência, colaborou para acelerar o ceticismo sobre as noções de racionalidade

científica e o critério de verdade científica. Segundo aponta Klein, a dificuldade em se

alterar a estrutura universitária é mais o nível intelectual do que político e financeiro, pelo

menos em países desenvolvidos.8 A ênfase em pesquisas diretamente relacionadas a

resolver problemas específicos tem recebido financiamento, mas resulta em pouca efetiva

integração entre os participantes. Este processo parece acontecer nos centros de

7
Klein se refere às ciências hifenadas que surgiram neste contexto como, por exemplo, biofísica, bioquímica
e engenharia biomédica.
8
Ibid., p.35.
196

investigação que não tenham já um adequado quadro envolvido com a questão

interdisciplinar, remontando a dificuldades psicológicas, sociais e epistemológicas do

trabalho em grupo.

As questões relativas à interdisciplinaridade neste período parecem ter se afirmado no

auge do movimento cultural dos anos 60, principalmente na França e na Itália, como reação

ao sistema capitalista IIa. Guerra Mundial. Este processo levou a críticas internas do

funcionamento universitário e do lugar do saber na sociedade, visto a separação entre teoria

e prática e a pouca relevância social nos conteúdos curriculares. O movimento estudantil

que daí surgiu reivindicou uma maior participação acadêmica nos problemas sociais e

promoveu mudanças substanciais (orçamentárias, curriculares e estruturais) nas

universidades européias, segundo R. Follari.9 De um modo geral, a busca a todo custo pela

eficácia e pela produtividade técnica e científica da sociedade em torno do capital sofreu

tremendo abalo com as irrupções por um modelo social mais justo e um equilíbrio entre

crescimento e conservação da natureza, esta altamente degradada com tamanha extração

dos recursos naturais em todo o planeta. O movimento contra-cultural das décadas de 60 e

70 foi, assim, um processo crítico ao isolamento do trabalho intelectual e sua hierarquia, em

prol da liberdade de pensamento e da proteção ao meio ambiente e contra a excessiva

especialização profissional.

Para o autor citado, entretanto, a interdisciplinaridade “...serviu naquele momento

como campo de relegitimação do discurso cientifizante/tecnocrático, então em decadência”,

ou seja, trazia a idéia de que a ciência ainda podia trazer a solução dos problemas sociais,

9
Follari, R. A. Interdisciplina e dialética: sobre um mal-entendido. Em Jantsch, A. P. & Bianchetti, L. (orgs.)
Interdisciplinaridade para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, p.127, 1995. No Brasil, a Reforma
Universitária se deu em pleno Regime Militar em 1968.
197

exibindo uma “nova conquista face à crítica a que a submetiam os estudantes”.10 Por outro

lado, podemos perceber nitidamente um crescente movimento, que chamamos atualmente

de ‘sócio-ambiental’, como prosseguimento das críticas surgidas na época e que ganham

força, se expandem e conquistam novos e importantes patamares, como a discussão em

torno do desenvolvimento sustentável, por exemplo. Assim, pode-se perceber toda uma

ambigüidade pró e anti-ciência desta controvertida questão sobre a interdisciplinaridade,

principalmente quanto a suas dimensões ideológica, metodológica e conceitual,

dificultando a construção de uma filosofia e uma linguagem única.

I. Fazenda11 relaciona didaticamente três fases percorridas pelo movimento

interdisciplinar desde este primeiro período, optando por explicitar as influências

disciplinares de cada uma:

1970 – Tentativa de estruturação conceitual básica em busca de uma explicitação

terminológica filosófica, procurando sua definição;

1980 – Busca pela explicitação das contradições internas a partir de uma diretriz

sociológica, tentando desenvolver metodologia eficaz e

1990 – Procura de uma nova epistemologia como projeto antropológico, visando a uma

teoria própria.

No primeiro período, segundo a autora, ‘totalidade’ era a palavra chave em projeto

com o intuito de se atingir uma unidade nas Ciências Humanas e a diminuição da distância

teórica, uma ciência em movimento, em ação, a partir da superação de dicotomias como

ciência-arte, cultura-ciência, objetividade-subjetividade, percepção-sensação, espaço-

10
Ibid., p.130-1.
11
Fazenda, I.C.A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. São Paulo: Papirus, 1994.
198

tempo, enfim, ser-existir e sujeito humano/mundo. Neste sentido, a interdisciplinaridade era

vista como fator capaz de exercer reflexão profunda, crítica e salutar na universidade,

permitindo a auto-crítica e a inovação acadêmica. Portanto, ela permitia ceder às exigências

de um ensino plurivalente de informações e conhecimentos que a vida profissional exigia

cada vez mais. No Brasil, para Fazenda, no “tempo de silêncio” dos anos de repressão

política, a interdisciplinaridade, modismo estrangeiro e imposta pela ideologia

manipuladora do Estado, alterou projetos de cidadania, direitos dos alunos e universidades.

Nesta época, houve um inicial movimento, mas que passou a ser uma reflexão séria com

estudos e publicações aprofundadas por H. Japiassú e I. Fazenda desde 1976.

Na década de 80, após uma reflexão inicial que revelou a necessidade de se pensar o

trabalho interdisciplinar para além da dimensão educacional, Fazenda comenta,

concordando com demais autores (como Apostel, Morin, Gusdorf, Eliade e Dufrenne), que

não havia corrente filosófica capaz de unificar o conhecimento, sendo que a própria

Filosofia da ciência moderna nos direciona para a interdisciplinaridade. Todos advertem

sobre a importância de se ampliar a potencialidade humana a outros campos do

conhecimento para além da racionalidade, permitindo encarar inúmeras dicotomias, tais

como teoria/prática, verdade/erro, certeza/dúvida, processo/produto, real/simbólico.

Somente nesta época, após tempos de ditadura militar, os educadores puderam realmente se

pronunciar.

Nos anos 90, nota-se a exigência generalizada pela construção de uma nova

consciência interdisciplinar entre os educadores, apoiada pela tendência à subjetividade no

trabalho em sala de aula, confirmada pelo crescente número de projetos de vários níveis e
199

envergaduras, marcando um projeto antropológico de educação.12 Vemos então que, de

acordo com a autora, houve uma evolução da filosofia do debate interdisciplinar, passando

pela Sociologia e finalmente pela Antropologia, o que talvez demonstre uma direção

histórica, a partir da estruturação teórica da interdisciplinaridade.

Em nossos cursos pesquisados, percebemos um forte discurso sociológico da questão

sócio-ambiental, o que pode ser devido ao fato da abrangência desta área sobre o tema,

congregando, ao nosso ver, beneficamente, as problemáticas referentes à justiça e

equidades sociais no trato da questão estritamente ambiental.

Um dos grandes ensaios interdisciplinares da atualidade, embora polêmico por impor

um certo determinismo genético, foi escrito em 1998, por E. Wilson, fundador da

Sociobiologia. Em seu livro Consciliency13, ele confirma que a ciência, sistematicamente

organizando o conhecimento sobre o mundo visando a condensá-lo em leis e princípios

definidos, utiliza o seguinte método:

- confirma as descobertas e suporta hipóteses através de repetições por investigadores

independentes,

- mede a partir da descrição quantitativa do fenômeno numa escala aceita universalmente,

- reduz e abstrai a enormidade de informações em uma forma simples e precisa, abre

perspectivas para novas descobertas e interpretações e finalmente,

- complementa com a fase de “consciliência” que intercruza as explanações causais através

das disciplinas.

12
Ibid., p.35.
13
Wilson, E. Consciliency. Cambridge: Harvard, 1985.
200

Para este zoólogo, esta etapa constitui um teste da verdade de uma teoria, como no

caso da inter-relação entre Física e Química e que colaborou em muito para o crescimento

do conhecimento biológico. Atualmente, segundo o autor, os dois caminhos para o

conhecimento, profundamente mantidos distantes por mais de dois séculos entre uma

ciência chamada natural e outra humana e social, são agora considerados como ramos de

uma mesma árvore e, em cujo espaço intermediário, existe, não apenas uma linha ou

fronteira artificial, mas um vasto e inexplorado domínio a espera de uma rica cooperação de

ambos os lados. Neurocientistas, estudantes de inteligência artificial, genética molecular,

biólogos, antropólogos e psicólogos evolucionistas têm buscado reestruturar as origens do

comportamento social humano com especial referência à seleção natural, demonstrando o

quanto a interdisciplinaridade pode resultar de fecundo em diversas áreas.

Assim, cientistas ambientais em diversas especialidades, incluindo Ecologia humana,

social ou urbana, ultrapassam o reducionismo radical de suas áreas e atingem um

complemento dela conectando-se com disciplinas e áreas vizinhas, como por exemplo, no

estudo das relações entre a evolução genética e a cultural. Tal iniciativa possibilita construir

férteis hipóteses nas Ciências Humanas com a soma de preceitos biológicos e permite ver a

natureza do fenômeno humano de um modo novo e mais heurístico.14

14
As trocas entre ciências e áreas sempre foram comuns, mas devemos ter certa cautela em promover
analogias que proferem uma total transferência de um método ou conceito de uma área para outra. Ou seja, é
preciso discernir muito bem cada caso.
201

b. Buscando Conceitos

Durante o Seminário Internacional sobre Interdisciplinaridade nas Universidades

ocorrido na França em 197015, organizado pela Organização de Cooperação para e

Desenvolvimento Econômico (OCDE), vinte e quatro países estiveram representados na

busca de conceituar, analisar, esclarecer e propor a interdisciplinaridade no meio

universitário. Dentre os mais renomados pesquisadores, Berger, Heckhausen, Boisot,

Jantsch e Piaget apresentaram suas idéias sobre a interdisciplinaridade, estimulando

atividades de pesquisa coletiva e inovação no ensino.

Para C. Berger16, a interação entre disciplinas pode ocorrer em variados níveis,

podendo chegar a uma conjugação de conceitos básicos da epistemologia, da terminologia,

da metodologia e dos processos de ensino e pesquisa. H. Heckhausen17 chega a distinguir

seis tipos de interdisciplinaridade, conforme uma “escala ascendente de maturidade”. São

eles:

- Interdisciplinaridade heterogênea, quando há presença de “disciplinas imperialistas” que

funcionam como fundamentais e as demais são auxiliares (exemplo, Psicopatologia e

Economia do trabalho em Assistência Social);

- Pseudo-interdisciplinaridade, quando há utilização de conceitos neutros funcionando

como um “denominador comum” (exemplo, Matemática em Economia e Geografia);

- Interdisciplinaridade auxiliar, quando se utilizam os métodos de uma disciplina em outra

(exemplo, Psicologia em Pedagogia);

15
L’interdisciplinarité: problèmes d’enseignements et de recherche dans lês universités. Paris: OCDE, 1972.
16
Berger, C. Opinions et Realités. In: OCDE, ibid., p.23.
17
Heckhausen, H. Discipline et interdisciplinarité, p. 83-90. In: OCDE, ibid..
202

- Interdisciplinaridade composta, quando se reúnem disciplinas na resolução de “grandes

problemas histórico-sociais”, mas sem uma real interação, apenas uma “aglomeração”

(exemplo, Urbanismo);

- Interdisciplinaridade complementar, quando, num estudo de um mesmo objeto, há uma

parcial superposição com uma interação apenas nas regiões fronteiriças (exemplo,

Psicolingüística e Sociolingüística) e

- Interdisciplinaridade unificadora, quando há integração estreita (exemplo, Biofísica).

Talvez as Ciências Ambientais possam ser encaradas como uma modalidade mista, já

que pode compreender um pouco de cada uma das alternativas apresentadas e algo mais,

pois iria além da integração de valores, métodos e zonas fronteiriças, uma vez que necessita

de um trabalho plural e não bilateral, conduzindo a sínteses mais amplas (uma

interdisciplinaridade complexa?). Ou seja, uma interdisciplinaridade reunificadora (reúne,

mas não unifica) dos mais variados campos, como Ecologia, Sociologia, Geografia,

Antropologia, etc, sendo já uma ponte para a transdisciplinaridade, embora não seja

interessante anular as especificidades de cada área. A reunião de disciplinas na resolução de

macro problemas, sem interação, apenas aglomeração, já parece ser feita mesmo fora do

âmbito dos cursos interdisciplinaridade em Ciências Ambientais e nos parece mais uma

multidisciplinaridade do que a citada interdisciplinaridade composta. A utilização de

conceitos como denominadores comuns também costuma ser utilizada, assim como

métodos de disciplinas alheias. A partir dos quatro cursos pesquisados parece que o

processo se assemelha, todavia a uma “interdisciplinaridade complementar”, já que há

estudos de um objeto circunscrito e uma integração parcial, enquanto a integração estreita,

praticamente uma transdisciplinaridade, se mostra ainda fora de questão.


203

M. Boisot18 distingue primeiro ‘disciplina científica’ como um conjunto de três

“categorias de elementos”: a) Objetos observáveis e/ou formalizados; b) Fenômenos que

indicam a interação dos objetos, podendo ser fenômenos legalizados, quando são

explicados, ou brutos, quando resistem a leis, e c) Leis que enunciam e formalizam o

existente entre os objetos ou entre seus símbolos. Este autor, a partir da definição de

disciplina que reúne os dois tipos de fenômenos citados, aponta três tipos de

interdisciplinaridade, a linear, a estrutural e a restritiva. A primeira ocorre quando um

fenômeno bruto de uma disciplina é explicado por uma lei de outra, sendo esta lei

redefinida, mas mantida seu formalismo. A segunda se dá quando há interação capaz de

gerar novas leis e, portanto, promove o surgimento de uma disciplina original não redutível.

A terceira consiste na reunião de disciplinas no intuito de se alcançarem objetivos

concretos, onde cada uma coopera, mas sem interação (não há reciprocidade entre os

elementos), pois ocorrem “coações ou restrições mútuas” a partir de limites de ordem

técnica, econômica ou humana. Nos parece que a interdisciplinaridade no trato sócio-

ambiental do tipo daquela que foi levantada nesta tese, num plano geral, é, por enquanto, a

que Boisot chama de restritiva, já que as articulações entre disciplinas e grandes áreas do

conhecimento ainda é praticada com uma frágil aproximação e fraco intercambio. Por outro

lado, podemos perceber que parte do grupo de pesquisadores entrevistados almeja uma

interdisciplinaridade estrutural, gerando ‘novas’ leis na construção de disciplinas e de

18
Boisot, M. Discipline et interdisciplinarité. In: OCDE, ibid., p.90-7.
204

ciências inovadoras. E. Jantsch19 distingue as possíveis relações entre as disciplinas no

seguinte quadro:

Descrição Geral Tipos de Sistema Configuração


Multidisciplinaridade: Único nível e de objetivos
disciplinas simultâneas sem múltiplos. Sem cooperação.
relações ressaltadas.
Pluridisciplinaridade: Único nível e de objetivos
justaposição de disciplinas múltiplos. Com cooperação,
num mesmo nível hierárquico. mas sem coordenação.
Disciplinaridade cruzada: Único nível e objetivo com
imposição de uma disciplina controle disciplinar.
em mesmo nível hierárquico,
criando polarização.
Interdisciplinaridade: Dois níveis e objetivos
disciplinas conexas em níveis múltiplos. Coordenação de
próximos com finalidade nível superior.
comum.
Transdisciplinaridade: Múltiplos níveis e objetivos.
disciplinas coordenadas sob Coordenação visando
ponto de vista comum. finalidade geral.

Podemos aqui distinguir algumas correlações com os cursos, sendo que as duas

primeiras não estariam representadas: a disciplinaridade cruzada pode ser representada pelo

curso EICOS-UFRJ, já que um predomínio da Psicologia, a interdisciplinaridade pela

experiência PADCT/CIAMB entre ECMVS e CEDEPLAR – UFMG por terem, embora

passageiramente, uma finalidade uníssona e uma aproximação da transdisciplinaridade nos

19
Jantsch, E. Towards interdisciplinarity and transdisciplinarity in education innovation. In: OCDE, ibid.,
p.108-9.
205

cursos MAD-UFPR e PROCAM-USP, coordenadas equilibradamente, porém com níveis

múltiplos.

J. Piaget20 também distingue multidisciplinaridade (por haver apenas empréstimo

entre disciplinas, mas não enriquecimento mútuo) da interdisciplinaridade (quando há

reciprocidade) e da transdisciplinaridade (quando ocorre uma “integração total através da

eliminação de fronteiras estáveis entre disciplinas”). H. Japiassu21 ainda completa que uma

verdadeira interdisciplinaridade se dá somente quando é capaz de operar transformações no

interior das disciplinas em franca interação.

Assim, apresentadas resumidamente as distinções conceituais entre estes cinco

pesquisadores, podemos perceber que há certa equivalência na referência à

interdisciplinaridade (unificadora para Heckhausen e estrutural para Boisot), pois ela deve

integrar reciprocamente teoria e/ou metodologia de diferentes disciplinas, num intercâmbio

capaz de promover enriquecimento mútuo. Mas será que isto realmente ocorre? Muitos

professores e alunos entrevistados declararam positivamente, apesar de alguns defenderem

a importância de cada um fazer sua parte e depois somar, juntar. A interdisciplinaridade

restritiva, citada por Boisot, parece, pelo menos por enquanto, ser a tendência dos novos

cursos em Ciências Ambientais no Brasil, já que não ocorre, todavia, uma forte

reciprocidade entre as áreas. Veremos mais à frente como os cursos pesquisados são

representados pelos diferentes entrevistados.

20
Piaget, J. The epistemology of interdisciplinary relationships. In: OCDE, ibid., p.141-44.
21
Op. cit., p. 47.
206

F. Wallner22 desenvolve o que chama de sete princípios para o desenvolvimento da

interdisciplinaridade: 1) Auto-organização: tem a função da fundamentação, da ética da

ciência e sua relação com a sociedade; 2) Aprendizagem social: desenvolver a

interdisciplinaridade a partir da responsabilidade social; 3) Estranhamento: deslocar o

contexto da argumentação; 4) Ciência como meio de comunicação: não imputando a função

de descoberta da verdade e da solução de problemas, mas vendo a ciência como

“manifestação da racionalidade social”; 5) Abertura: superar limites da especialização

frente a outros grupos de pesquisa e ao social; 6) Contradição: ao invés da unidade, tem

função de autonomia e de conduzir a novos conceitos, através da criação e 7) Formação de

redes: unindo aprendizado social (legitimação) e síntese de pesquisas (crítica).

Esta lista de princípios nos parece pertinaz no intuito de construirmos uma eficiente

interdisciplinaridade, já que coloca alguns pontos-chave da questão, principalmente no que

se refere ao engajamento social, a importância da comunicação, do confronto entre

diferentes olhares (diversidade) e a formação de redes de discussão.

Durante o Congresso Internacional sobre Evolução Transdiciplinar da Universidade,

cujo tema foi ‘Que Universidade para o Amanhã?’23 foi apontada a necessidade

indispensável de vínculos entre as diferentes disciplinas. Buscando distingui-las, seu

documento final caracteriza as diversas modalidades disciplinares:

A pluridisciplinaridade diz respeito ao estudo de um objeto de uma única disciplina

por diversas disciplinas ao mesmo tempo. O objeto em questão sairá, assim, enriquecido

pelo cruzamento de várias disciplinas, cujo conhecimento é aprofundado. Em outras

22
Wallner, F. Sete princípios da interdisciplinaridade no realismo construtivista. Em Jantsch, A. P. &
Bianchetti, L. (orgs.), op. cit, p.85-96.
23
CIRET-UNESCO. Síntese do documento. Monte Verità, Locarno, Suíça, 1997.
207

palavras, a abordagem pluridisciplinar ultrapassa as disciplinas, mas sua finalidade

permanece inscrita no quadro da pesquisa disciplinar.

A interdisciplinaridade diz respeito à transferência dos métodos de uma disciplina à

outra. É possível distinguir três graus de interdisciplinaridade: a) um grau de aplicação. Por

exemplo, os métodos da Física Nuclear transferidos à Medicina conduzem à aparição de

novos tratamentos de câncer; b) um grau epistemológico. Por exemplo, a transferência dos

métodos da lógica formal ao campo do direito gera análises interessantes na epistemologia

do direito e c) um grau de geração de novas disciplinas. Por exemplo, a transferência dos

métodos da Matemática ao campo da Física gerou a Física-Matemática; da Física de

partículas à Astrofísica, a Cosmologia-quântica; da Matemática aos fenômenos

metereológicos ou aos da bolsa, a Teoria do Caos; da Informática à Arte, a Arte-

informática. Como a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas,

mas sua finalidade também permanece inscrita na dimensão disciplinar.

A transdisciplinaridade, como o prefixo indica, diz respeito ao que está ao mesmo

tempo entre, através e além das disciplinas. Sua finalidade é a compreensão do mundo atual

e um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento. Os três pilares da

transdisciplinaridade: os níveis de realidade, a lógica do terceiro incluído e a complexidade

determinam a metodologia da pesquisa transdisciplinar. A estrutura descontínua dos níveis

de realidade explica por que a pesquisa transdisciplinar é radicalmente distinta da pesquisa

disciplinar, embora sendo complementar a ela, já que esta diz respeito a um único ou a

fragmentos de um nível de realidade. Por outro lado, a transdisciplinaridade interessa-se

pela dinâmica gerada pelos diversos níveis de realidade ao mesmo tempo. A descoberta

dessa dinâmica passa necessariamente pelo conhecimento disciplinar, pois alimenta-se da


208

pesquisa disciplinar, que, por sua vez, é clareada de uma maneira nova e fecunda pelo

conhecimento transdisciplinar.24

Segundo o documento final do referido congresso, embora reconhecendo o caráter

radicalmente distinto da transdisciplinaridade com relação à disciplinaridade, à

pluridisciplinaridade e à interdisciplinaridade, seria muito perigoso considerar essa

distinção como absoluta, pois com isso a transdisciplinaridade seria esvaziada de todo o seu

conteúdo e a eficácia de sua ação seria reduzida a nada. Porém, os poucos departamentos

pluridisciplinares e interdisciplinares criados em várias universidades, especialmente nos

EUA, conduziram, na maioria dos casos, a uma simples justaposição passiva, não

interativa, dos professores ou dos estudantes.

Já Monteiro25 defende que a multi e a inter se diferenciam da trans porque nesta

“...não há perspectiva de realização de uma totalidade – trata-se, neste caso, de sempre

valorizar o processo construtivo (...) a manutenção do diálogo e não a liquidação do

assunto...”. Esta posição confirma o dito por Fazenda, porém em relação à

interdisciplinaridade: ela “...nos parece hoje mais processo do que produto”26, sendo

portanto fundamental o acompanhamento criterioso de cada momento, uma vez que procura

formar nova disciplina, ou seja, ela não ultrapassa a lógica disciplinar. Vemos então que há

um grande desacordo entre autores.

De acordo com N. J. Etges, também pela perspectiva psicológica,

“...interdisciplinaridade é, em primeiro lugar, uma ação de transposição do saber posto na

24
Nicolescu, B. Aspectos Gödelianos da Natureza e do Conhecimento. Ibid. Veremos num próximo capítulo
as tendências à transdisciplinaridade.
25
Monteiro, R. C. Parâmetros Psicológicos na Pesquisa Ambiental Transdisciplinar. Anais da XXVIII
Reunião Anual de Psicologia (resumo/curso) Ribeirão Preto: SBP, p.75, 1998.
26
Fazenda, op. cit., p.25.
209

exterioridade para as estruturas internas do indivíduo, constituindo conhecimento”,

necessária para mediar a comunicação entre os cientistas e entre eles e o mundo do senso

comum. Conclui o autor do seguinte modo:

...é o princípio da compreensão da ciência para o próprio cientista, da


compreensão de seus pressupostos e dos seus limites, portanto, o princípio da
exploração máxima das potencialidades de cada construto, e, quando o cientista
descobre os limites, ela é o impulso à busca de novos horizontes para a
superação do atual construto e a criação de um novo.27

Não existe uma definição única de interdisciplinaridade, mas muitos autores como

Vincent Kavolski (apud Vickers28) a compreendem como uma autêntica educação

humanista, onde cada um se desenvolve tecnicamente e participa de uma especialização

com largo campo de integração do pensamento, que encoraja a integração do

conhecimento, facilitando a liberdade de se promover a crítica e a inovação individual.

Vickers sugere que o trabalho interdisciplinar envolva tentativas de se organizar

conhecimentos ao longo de eixos conectados entre si, invisíveis nas disciplinas com suas

estreitas especializações. Outros percebem ainda que os estudos interdisciplinares colocam

novas ênfases no modo de se ensinar, uma vez que indaga, problematiza e não resulta numa

centralização unificada ou num fenômeno discreto, mas em geral sua utilização insiste

numa síntese.

O fato de certo professor oferecer disciplina em outro departamento (Ciências Sociais

em curso de engenharia, por exemplo) não constituiria modalidade interdisciplinar, uma

vez que não se adquirem conceitos comuns, orgânicos entre elas. Para Follari, são casos

subdisciplinares ou apenas uma saída marginal, sem resultados satisfatórios. Ele acredita

27
Ciência, interdisciplinaridade e educação. In: Jantsch, A. P. & Bianchetti, L. (orgs.) op. cit., p.74.
28
Vickers, Jill. Comparing disciplinary and interdisciplinary claims: how much discipline? Canadá:
Association for Canadian Studies, Working Document on Interdisciplinarity, p.5-41, 1992.
210

que a interdisciplinaridade não se resume ao sujeito, deve portanto ser diminuída a

especificidade de cada disciplina para se construir o que está ‘por fora’ e além de cada uma

delas, num construto comum, porém não uma unidade, mesmo que dialética.29 A. J.

Severino, priorizando a perspectiva antropológica ao invés da epistemológica, ressalta que

a questão interdisciplinar retoma o problema das relações entre unidade e multiplicidade e o

que seria novo, atualmente, não é a polaridade, diluição ou equilíbrio instável entre ambas,

mas uma “necessária convivialidade”: o ser é uno e múltiplo ao mesmo tempo. Ele lembra

que o saber não se situa apenas na lógica conceitual ou formal, mas envolve questões de

natureza ética e política, ou seja, “o saber tem também a ver com o poder e não apenas com

o ser e com o fazer”.30

Durante este resgate da visão do todo, através e a partir da construção de um

paradigma interdisciplinar, Jantsch & Bianchetti lembram que devemos pensar que, por

mais “totalizante” que seja, o paradigma não deveria se tornar “totalitário”. Os autores

cuidam de alertar, citando o caso da hegemonia católica durante a Idade Média e demais

‘ismos’ pretensamente universais, como stalinismo, taylorismo, fordismo, darwinismo, etc

ou ainda personalismos, que se reduzem à filosofia do sujeito. Para eles, “...o problema

tema jamais se esgota nos pólos sujeito ou objeto. O eixo de investigação situa-se na

relação destes pólos”31, lembrando que isto não corresponde a não necessidade de

observação preponderante de um aspecto em detrimento do outro, em certos casos. Os

autores compreendem que nem sujeito nem objeto são autônomos e excludentes, mas se
29
Follari, R. A., op. cit., p.132/3. Opinião esta que nos parece acertada.
30
Severino, J. A. O uno e o múltiplo: o sentido antropológico do interdisciplinar. Em Jantsch, A. P. &
Bianchetti, L., op. cit., p.160.
31
Jantsch, A. P. & Bianchetti, L. Imanência, história e interdisciplinaridade. In: Jantsch, A. P. & Bianchetti,
L. (orgs.), op. cit. p.182. Apontam para autores como Hegel, Marx e Piaget aqueles que pesavam
interdisciplinarmente e que o construtivismo seria uma das sínteses sobre o tema.
211

formam perante a relação mútua entre ambos (perspectiva construtivista). Assim, defendem

que a preocupação com a demarcação de fronteiras (como os departamentos nas

instituições) assume um caráter arcaico e que é justamente no contato/tensão entre o

generalista, o filósofo e o educador com o especialista onde se deve buscar pontos de união,

onde se dá o “...‘motor epistemológico’, o avanço do conhecimento”.32

Para I. Fazenda33, é impossível a construção de uma única, absoluta e geral teoria da

interdisciplinaridade, tema com tantas contradições e dicotomias. Uma dentre as inúmeras

polêmicas vivida pela ciência atual se situa entre o discurso científico e a existência

cotidiana (objetividade X subjetividade), dicotomia que a autora indica como devendo ser

superada, requerendo “...uma imersão teórica nas discussões epistemológicas mais

profundas”.34 Para tanto, ela aponta para a imprescindível releitura da Filosofia em seus

primórdios, buscando em Sócrates pensamentos como “conhece-te a ti mesmo” como

necessário para se atingir uma totalidade a partir de um profundo exercício de humildade:

“fundamento primeiro e maior da interdisciplinaridade”. Ela compara com o “penso, logo

existo” de Descartes, onde a razão e a lógica formal sobrepõe os sentimentos no auto

conhecimento. Porém, Fazenda percebe que se anuncia tal superação em alguns segmentos

das novas ciências:

Começa a aparecer uma epistemologia da ‘alteridade’, em que objetividade e


subjetividade se complementem, em que corpo e intelecto convivam, em que ser
e estar co-habitem, em que tempo e espaço se intersubjetivem.35

32
Jantsch, A. P. & Bianchetti, L. Universidade e interdisciplinaridade. In: Jantsch, A. P. & Bianchetti, L.
(orgs.), op. cit., p.197.
33
Fazenda, Ivani C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. São Paulo: Papirus, 1994.
34
Ibid.., p.14.
35
Ibid.., p.17.
212

Neste sentido, parece-nos que a constituição da interdisciplinaridade passa por questões de

ordem mais ética do que lógica, uma vez que exige uma postura de responsabilidade do

pesquisador-professor perante aquilo com que lida. Para sua adoção no ensino universitário,

é importante que se averigúe as razões, as dificuldades e as exigências que os cursos

necessitam para um desenvolvimento eficaz.

c. Possíveis Razões

Jantsch & Bianchetti desenvolvem a historicidade na produção do conhecimento,

levando em conta a preocupação entre o todo e a parte, indicando que a unidade, almejada

pela escola cosmológica do pensamento grego (pré-aristotélico), foi substituída pela ênfase

no fragmento, reforçada pelo método cartesiano reducionista até seu auge no século XIX

(“...um grande, abrangente e único movimento...”, cujos desdobramentos seriam como

ondas no mar em mesma direção). Enfim, há um retorno atual à tendência de se dar

prioridade à unidade, que os autores constatam em Economia, Geografia, Tecnologia,

Administração, etc.36 Neste sentido, eles lembram que o caráter imanente e histórico da

discussão sobre interdisciplinaridade é indispensável, permitindo que haja “...um penetrar

na lógica deste objeto/problema, para poder com ele dialogar adequadamente e estabelecer

sínteses superadoras do conhecimento acumulado”37, mesmo sabendo que neste confronto

existem limites.

36
Op. cit. Lembram ainda que a igreja católica também buscou a unidade em sua pretensa universalização e
que a ênfase na especialização não é cria do capitalismo como muitos afirmam. Segundo A. Koyré (Do
mundo do “mais ou menos” ao universo da precisão. In: Galileu e Platão. Gradiva, s.d., p.61), a cosmogonia
aristotélica criou o abismo entre o real (qualitativo) e o abstrato (quantitativo), hierarquizada pela ordem
celeste e o caos terrestre do ‘mais ou menos’, formando uma dualidade radical.
37
Ibid.., p.178.
213

Piaget acreditava que a pesquisa interdisciplinar decorre essencialmente da própria

evolução interna das ciências e não de possíveis pressões externas de contexto social, ou

seja, ela é uma conseqüência natural da percepção e busca de explicação dos fenômenos

complexos (um conjunto de relações da “estrutura subjacente”), irredutíveis à simplicidade

do fato observável e que promove inevitavelmente o intercâmbio entre disciplinas. Fazenda

comenta que o nascimento da interdisciplinaridade se deu com a oposição ao “...capitalismo

epistemológico de certas ciências...”, que incitava o aluno a olhar numa única, restrita e

limitada direção e cujo destino seria uma ciência multipartida e assim a falência do

conhecimento.38

Podemos defender que a interdisciplinaridade é um ponto de vista privilegiado sobre

uma vasta extensão do mundo (a metáfora do mirante citada por M. Lövy39) e que tem sido

exigida tanto por fatores internos da evolução do conhecimento científico quanto por

aspectos sociais e não apenas simples modismo. Ela é uma ultrapassagem nas fronteiras

históricas das disciplinas com intuito de se formarem pessoas com uma visão mais larga da

realidade, sendo ou não através da matemática (por possuir linguagem e unidade definidas).

Do mesmo modo, H. Japiassú40 salienta que esta é uma situação patológica do saber e

vê a interdisciplinaridade como remédio ao estado de carência provocado pelo

“esmigalhamento”/“esfacelamento” da própria realidade humana. Procurando promover

uma interpretação global de nossa existência, o autor explicita que esta cura é uma

exigência intra e extra científica, já que há uma necessidade de remanejamento da ciência e

38
Piaget, J., op. cit., p. 19.
39
Lövy, M. Ideologias e Ciência Social: elementos para uma análise marxista. São Paulo: PUC/Cortez,
11ªed., 1996.
40
Japiassu, H. op. cit.
214

da convergência dos diversos campos visando a ação. Para Jantsch, vendo a ciência como

parte estrutural da sociedade, a interdisciplinaridade em instituições transformadas visa à

construção de uma nova sociedade, preparando estudantes para a complexidade dos

problemas, em vez de insistir nas qualificações e competências profissionais bem

delimitadas.

G. Berger41 distingue a gênese, as motivações e os objetivos da interdisciplinaridade.

A primeira seria pelo próprio desenvolvimento da ciência, por pressões estudantis contra a

fragmentação do saber, pelas necessidades da formação profissional buscando conjugar

enfoques diversos, pela necessidade de se equacionar os problemas sociais e/ou pela

própria universidade. As motivações intelectuais ou afetivas estão ligadas às necessidades

dos estudantes (que buscam fazer corresponder as matérias e a realidade e desenvolver a

criatividade a partir de maior ênfase nos conceitos e nos métodos do que nos conteúdos),

dos professores e pesquisadores (que procuram além de um maior aprofundamento,

trabalho em equipe e abertura para novos campos) e do sistema universitário (objetivando

melhor comunicação interna e com a sociedade, aproximando saber e real). Quanto aos

objetivos, Berger aponta: a) a exploração das fronteiras e das zonas intermediárias,

funcionando não apenas como “uma crítica interna do saber”, mas também política,

rebatendo a falsidade de um saber neutro e b) “uma adequação às necessidades

socioprofissionais ou econômicas, de forma a se evitar um hiato entre a universidade e a

sociedade”. Isto acarreta, segundo este autor, uma nova concepção de universidade, uma

vez que almeja resolver as necessidades dos alunos e da sociedade e se volta menos para a

manutenção das verdades do que para suas descobertas.

41
Berger, G., op. cit., p. 50-4.
215

Tabela. Diferenças entre universidade tradicional e interdisciplinar, apud Berger.

Universidade Tradicional Universidade Interdisciplinar


Ensino... escolar, abstrato. vivo, concreto.
Visando a de um saber antigo. de um saber fazer renovado.
transmissão...
Pela prática de uma da repetição. da descoberta.
pedagogia...
E privilegiando... os conteúdos. as estruturas.
O ensino repousa aceitação passiva de um corte reflexão permanente de ordem
sobre uma... acadêmico e definitivo do epistemológica e crítica.
saber.
A universidade instala-se num “esplêndido supera o corte universidade/
isolamento” e institui um saber sociedade, saber/realidade.
que é a morte da vida.
Ela impõe... um sistema puramente uma reestruturação de acordo com
hierárquico e um ‘cursus critérios funcionais do conjunto da
honorum’ esclerosante. instituição.
Favorecendo... o isolamento e a concorrência. a atividade e a pesquisa coletivas.

J. Ladrière42 e colegas, também apoiando uma orientação interdisciplinar da

universidade, defendem a construção de uma “sociedade aberta”, que seja pluralista,

democrática, incentivadora da pesquisa, da experimentação, do questionamento e das

atividades em equipes. Para eles, num mundo em transformação constante, o aluno deve

estar preparado para uma inserção ativa, crítica e responsável. Complementarmente, G.

Gusdorf43 crê que nas Ciências Humanas, a própria realidade ontológica de ser humano

requer a interdisciplinaridade. Ele considera uma abstração a dissecação do fato humano

(uno), que promove a compartimentalização do saber e especializa o indivíduo, tornando-o

42
Ladrière, J. et al. Les finalité de l’université. In: OCDE, op. cit., p.31.
43
Gusfdorf, G. A interdisciplinaridade. Ciências Humanas. Rio de Janeiro, 1(2):13-22, jul.set., 1977
216

deslocado ou alienado e não articulando realmente o pensamento. Lins Filho44 apóia a

constituição de uma propedêutica interdisciplinar que recaia na interdependência,

solidariedade e complementaridade dos diversos campos do saber, fomentada pela

colaboração entre professores e entre estes e seus alunos, através de atividades

desenvolvidas em equipe, organizando o conteúdo curricular a partir de temas ou

problemas conjugados.

Entretanto, para N. Etges, que propõe uma visão construtivista nos diversos ramos do

saber, cada construto humano é independente dos outros, pois eles não surgiram de maneira

linear. Ele nega a necessidade da procura de uma ciência única e absoluta

(interdisciplinaridade generalizadora) ou uma unidade natural do homem primitivo,

fragmentada pela divisão capitalista do trabalho e a conseqüente especialização. Segundo o

sociólogo da UFSC, as ciências podem ter elementos comuns, mas não é esta a base para

ações propriamente interdisciplinares, uma vez que se trata do método empregado em cada

ciência o que determina sua especificidade. Ao absolutizar uma ciência e seu método, a

interdisciplinaridade passa a ser generalizadora e totalitária, impondo uma forma única de

abordar a natureza. Portanto, uma interdisciplinaridade instrumental – servindo de meio

para um fim prático e imediato – é insuficiente e equivocada, assim como quando ocorre

uma transdisciplinaridade que não afeta os princípios ou a estrutura de dada disciplina.45

44
Lins Filho, J.B.C. Primeiro ciclo das universidades brasileiras e interdisciplinaridade. Rio de Janeiro:
PUC, dissertação em Educação, p.25, 1979. A posição de se trabalhar com grandes temas ao redor das quais
várias áreas se reúnam para a pesquisa interdisciplinar é defendida por pelo menos três entrevistados (assim
como os autores Scurati & Damiano, Japiassu, Etges, Antiseri e Fazenda), que indicam o objeto de estudo
como direcionador e aglutinador dos interesses da comunidade acadêmica.
45
Pelo menos um entrevistado se mostrou bastante enfático com a posição pragmática do trabalho
interdisciplinar universitário: “Não estão preparados e não têm visão pragmática nenhuma, é um curso
teórico. (...) O curso fica internado. Para os alunos era fundamental ter uma disciplina pragmática, uma
operacionalização de conceitos ambientais, como funcionam as ONGs, fazer interligação entre conceitos e
217

Ou ainda quando há cooperação em dada equipe de pesquisa, incorporando elementos de

diversas áreas, porém sem um devido questionamento de pressupostos teórico-

metodológicos dos campos científicos: uma especialidade serve apenas como meio para o

fim de outra, em função de um saber dominante. Ou seja, para o autor, apenas uma

execução meramente técnica, jamais uma atividade interdisciplinar. Neste sentido, aponta

também Severino46 comentando que a convergência entre meios e fins, a integração das

funções especializadas e a integração curricular serão reforçadas pela interdisciplinaridade

quando houver uma intencionalidade “...vivenciada no contexto de um projeto educacional

consolidado”, uma exigência intrínseca e não uma circunstância aleatória; “...é a face

subjetiva da coletividade política dos sujeitos”.

Para J. Drummond, em seu texto Ciência sócio-ambiental: notas sobre uma

abordagem necessariamente eclética47, qualquer estudo sobre meio ambiente, em que é

considerada a influência humana, “requer travessias dos limites vigentes entre as

disciplinas” e portanto eclética mas não leviana. O autor concorda que a passagem deste

‘ecletismo’ interdisciplinar entre seus colegas cientistas sociais se faz mais penoso do que

entre os da área natural, uma vez que houve um “pioneirismo” destes em abordagens

abrangentes. Assumindo uma auto-crítica, ele aponta a falha “durkheimiana” de sua

disciplina que se mostra sócio-cêntrica, já que as questões sociais para ele só podem ser

práticas, não tem outro jeito de trabalhar ecologia em comunidade, trabalhar interdisciplinaridade na visão
pragmática e esse curso tem um tremendo potencial”. (UFRJProfBQ2)
46
Op. cit., p.171.
47
Drummond, J. A., op. cit. Este autor e A. Schroeder entendem por ciências ambientais “formas
institucionalizadas de trabalho interdisciplinar reunindo, de um lado, cientistas sociais e, de outro lado,
cientistas naturais e cientistas das áreas tecnológicas ou exatas, em torno de temas que caibam na interface
sociedade humana - mundo natural” (Drummond, J. A. & Schroeder, Andréia. Programas de Pós-Graduação
em Ciências Ambientais e similares no Brasil - uma listagem preliminar. Ambiente & Sociedade. Campinas:
NEPAM, nº. 2, p.139, 1998).
218

explicadas pelo próprio estudo do social, mas no caso de sua inserção na problemática

ambiental, devem se assumir novos paradigmas e aproximações entre disciplinas das

demais áreas. Neste caso, as Ciências Sociais podem contribuir com métodos e temas de

grande valor para esta nova área interdisciplinar, como, por exemplo, nos estudos sobre

população, relação entre tecnologia e nível de vida e valores como conjunto de símbolos. O

autor defende que, no estudo ambiental, os cientistas naturais também podem contribuir

com inúmeras ênfases complementares às pesquisas sociais, visando perceber o tamanho de

sua interferência na dinâmica local. Com o intuito de sugerir uma “...leitura social da

paisagem natural” através do diálogo interdisciplinar, Drummond lembra que a maior parte

das instituições de pesquisa e fomento tem estrutura disciplinar, formada na “...esteira da

enraizada tradição cartesiana...” de se dividir problemas para se conquistar explicações.

De acordo com Fazenda, um primeiro fundamento para a compreensão da prática

docente interdisciplinar se apóia no movimento dialético entre ‘velho’ e ‘novo’, permitido

pelo exercício do diálogo constante com os registros das experiências vividas. O registro

dos momentos perfaz um segundo fundamento, o da memória vivida, sendo que dentre as

atitudes necessárias para tal prática, deve-se prezar: a espera, a reciprocidade, a humildade,

a perplexidade, o desafio, o envolvimento, o compromisso, a responsabilidade, a alegria, a

revelação, o encontro e a atitude de vida.48 O terceiro é o de parceria que surge da solidão

de profissionais e da consolidação da intersubjetividade (possibilidade de que um pensar

venha se completar no outro) e que compreende “manias” a serem adotadas/assumidas

pelos parceiros: mania de compartilhar falas, espaços e presenças, dividir e multiplicar,

subtrair e adicionar, separar e juntar e, enfim, mania de ver no todo a parte e vice-versa.

48
Fazenda, op. cit., p.82.
219

Um quarto fundamento exposto pela autora é o do perfil de uma sala de aula

interdisciplinar, onde a autoridade é conquistada, a obrigação é alternada pela satisfação, a

arrogância pela humildade, a solidão pela cooperação, a especialização pela generalidade, o

grupo homogêneo pelo heterogêneo e a reprodução pela produção do conhecimento. A

autora ainda indica a necessidade de respeito ao modo de ser de cada um, partindo para a

premissa de que “...a interdisciplinaridade decorre mais do encontro entre indivíduos do

que entre disciplinas”.49 Concluindo, Fazenda considera que a universidade carece de

superar a dicotomia ensino/pesquisa transformando salas de aula também de graduação em

locais de pesquisa coletiva (formada por um tema nuclear somado a assuntos satélites),

possibilitando que cada um expresse sua potencialidade e competência e admitindo a

presença de inúmeras teorizações, dependentes também do progresso disciplinar.

Nos cursos pesquisados, o desdobramento da questão sobre as razões que levam ao

trabalho interdisciplinar na prática universitária é indicado por diversos pesquisadores

entrevistados. Alguns parecem apontar para a tendência natural da ciência em caminhar sua

estrutura para a integração disciplinar após conformação de suas bases teóricas e

metodológicas. Outros acreditam que a interdisciplinaridade foi colocada desde um patamar

superior, governamental e através das agências de fomento, ao invés da própria labuta

acadêmica do corpo docente e discente, pelo menos no que se refere ao Brasil. Ainda outros

revelaram que o tema, no caso, o sócio-ambiental é que provoca a pesquisa e o ensino

interdisciplinar, obrigando agências, professores e alunos a se adequarem a este tipo de

prática grupal. Veremos nas análises obtidas neste segundo capítulo.

49
Ibid., p.86.
220

d. Muitas Dificuldades

Quanto aos problemas surgidos na execução da interdisciplinaridade, Gusdorf

(segundo Japiassu) distingue estes diferentes tipos:

- Epistemológico: um “enclausuramento” do especialista em seu campo de especialização;

- Institucional: um “esfacelamento” do saber em setores administrativos, inibindo

comunicação;

- Psicossocial: uma “defesa” do campo de atuação na busca de poder sobre demais

especialidades;

- Cultural: uma “separação” das diferentes áreas culturais, mentalidades, línguas e

tradições.

No campo epistemológico, embora se perceba que para se compreender as Ciências

Sociais e Humanas seja indispensável examinar as Ciências Naturais (onde há um tronco

comum e certa ordem linear), buscando instruí-las, Piaget aponta para o caráter não

hierárquico das múltiplas condutas humanas e sua irredutibilidade, que obriga cada

especialista interdisciplinar a olhar para além das fronteiras da sua disciplina particular.

Deste modo, o autor percebe a imposição da natureza do objeto complexo, que reforça a

necessidade da investigação interdisciplinar nas ciências mais dependentes. Inclusive, em

se tratando das Ciências Biológicas, diversos autores indicam que não é possível reduzir o

fenômeno vital aos processos físico-químicos, embora queiram escapar de uma concepção

vitalista, sem uma total explicação, mesmo com as novas descobertas entre o inanimado e a

matéria viva. Nas Ciências Sociais, mais especificamente na Sociologia, o problema central

para Piaget é considerar a sociedade como totalidade ou a partir das relações entre
221

subsistemas, o que não apresenta uma decomposição linear do conjunto e, portanto, as

colaborações permanecem como justaposições.50 Na comparação entre os problemas das

diferentes áreas do conhecimento, o autor percebe a convergência principalmente entre as

sociais e as biológicas que ocultam mecanismos comuns, como a produção gradual de

formas organizadas com transformações qualitativas (evolução), a organização (equilíbrio

metabólico) e as trocas material e informacional entre organismo e meio biótico e abiótico,

estudadas pelos métodos da teoria dos jogos, da informação e da cibernética (levando em

consideração as dimensões diacrônicas e sincrônicas de cada fenômeno). Deste modo,

Piaget não queria reduzir uma disciplina à outra, mas demonstrar que, apesar dos fatores

inextricáveis no estudo das culturas humanas, existem problemas comuns cuja confrontação

se faz interessante nas questões referentes a estruturas, funções e significados.

No campo lingüístico, a busca por uma metodologia interdisciplinar atravessa a

dificuldade em se estabelecer conceitos-chave visando a facilitar a comunicação entre

participantes e na delimitação do problema. No campo institucional, Fazenda51 pesquisa as

ideologias conjuntas à interdisciplinaridade e o perigo desta se converter apenas em ciência

aplicada, numa ordem científica ou numa ‘ciência das ciências’, ao invés de propor novos

caminhos para a educação e a pesquisa. Fazenda defende a posição de necessidade do

pesquisador exercitar a ética e a estética no desenvolvimento de uma interdisciplinaridade

voltada não apenas para a ação, mas também para a reflexão, fazendo com que cada

participante se envolva, comprometa e engaje completamente no processo. Sugere ainda


50
A Etnologia, com seu caráter multidimensional e a História, apoiada nos aspectos diacrônicos de cada um
dos domínios estudados pelas diversas ciências do homem, são apontadas pelo autor como duas disciplinas
essencialmente sintéticas e que poderão solucionar problemas das relações entre tais subsistemas. Piaget, J.
Problemas gerais da investigação interdisciplinar e mecanismos comuns. Rio de Janeiro: Bertrand, coleção
Ciências Sociais e Humanas, v.VIII, p.17, 1964.
51
Op. cit., p.22-3.
222

que deve haver um período de gestação (“nidação”), quando as dúvidas se tornam desafios

e assim inicia-se um “...processo de desvelamento da prática” que exige de cada

pesquisador sua marca pessoal, movimento de ação bidirecional, de dentro pra fora e vice-

versa (“confronto entre a ação praticada e a ação vivida”).52 A autora reflete ainda que toda

pesquisa em educação deve conter ação, pois a produção teórica deve nascer da práxis da

pesquisa e esta da vontade, desejo e até necessidade de dividir o respeito e a espera, o que

permite o que Fazenda chama de “formação para a escuta sensível”, a emoção, a

sensibilidade.

No campo psico-social, Goldmann traz importantes considerações à metodologia de

investigação na procura de uma explicação mais detalhada dos fenômenos e do estudo de

textos. Determinando a estrutura do método dialético, ele aponta que toda verdade é parcial,

mas tem significado no conjunto das ciências, em uma relação intrínseca entre as partes e o

todo (contra o método filológico, cientificista e positivista): “(...) o problema do método

científico em ciências humanas é o do recorte do dado empírico em totalidades relativas

suficientemente autônomas para servir de marco para um trabalho científico”.53

G. Frigotto54 vê, como um primeiro problema, os limites do sujeito (“ser resultante

das relações sociais”) na construção do conhecimento de determinada realidade e, um

segundo, sua complexidade e seu caráter histórico. O limite mais sério para a prática do

52
Fazenda, op. cit., p.115-6.
53
Goldmann, L. Le dieu caché. Paris: Gallimard, p. 9, 1959. (Tradução de Ângela. M. de Almeida, 1990.
Capítulo O todo e as partes).
54
A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas Ciências Sociais (In: Jantsch, A.P. &
Bianchetti, L. (orgs.), op. cit., p.25-50). Nesta mesma publicação, R. A. Follari (Interdisciplina e dialética:
sobre um mal-entendido) lembra da idéia errônea da unidade dialética que busca substituir a complexidade
dos discursos científicos por “alguma homogeneidade” que levaria a simplificação e o retroceder do
conhecimento científico (p.133). Para Frigotto, “uma noção homogênea do mundo está hoje superada, quer se
apele à dialética, à teoria de sistemas ou ao racionalismo positivista rejuvenescido”. (p.36)
223

trabalho pedagógico interdisciplinar, para ele, é a dominância de uma formação

fragmentária, positivista e metafísica do educador. Citando Gramsci (em A concepção

dialética da história), afirma que os problemas cruciais da escola são o especialismo, o

pragmatismo e o ativismo e teme que a interdisciplinaridade seja confundida com uma

justaposição arbitrária de disciplinas e conteúdos.

Michaud55 sustenta que ocorre, como obstáculos, um “apego ciumento às situações

adquiridas” (os mandarinatos) e uma rigidez das estruturas mentais, além de um alto custo

das atividades interdisciplinares e da “pressão da sociedade tecnocrata”, que requer o

aprendizado de indivíduos aptos a uma rápida e fácil integração a ela. Neste sentido, os

custos de se reunir muitos professores pode ser compensado por: a) uma melhor motivação

dos estudantes, b) um menor número de fracassos na aprendizagem, c) uma economia dos

programas de disciplinas e d) uma melhor preparação à vida sócio-profissional, através da

capacitação do indivíduo à contínua reciclagem e à adaptação às mudanças. Apesar da

polivalência profissional ser exigida pelas necessidades da atual sociedade em constante

processo de flutuações no mercado de trabalho, administradores, políticos, empregadores,

familiares e os próprios estudantes quase não percebem esta transformação e se sentem

inseguros quanto a condições do mercado emergente.

A filosofia positivista proposta por A. Comte é apontada como responsável por esta

concepção fragmentada do conhecimento por autores como Piaget, Lichnerowicz, Jantsch,

Severino e Japiassu. Comte, porém, também era contra o acúmulo de fatos desconexos e

incoerentes por uma ciência que busca as causas essenciais, ocultas e inacessíveis da

realidade, mas que ela deveria consistir na descoberta de normas que enunciassem as

55
Michaud, G. Conclusions générales. In: OCDE, op. cit., p. 298-9.
224

relações constantes dos fenômenos observados: o estabelecimento das leis dos fenômenos

atestaria o estado positivo da humanidade.56 Comte também era contra a “especialização

cega e dispersiva”57 e a favor de um “regime sintético”, classificando as ciências de acordo

com uma “lei enciclopédica”, ordenada historicamente sobre os princípios da generalidade,

da “independência decrescente” (da matemática à sociologia) e da complexidade crescente

e, entre elas, a partir das afinidades (matemático-astronômica, físico-química e bio-

sociológica).

Entretanto, para Piaget e os demais pensadores citados, o problema do positivismo

em relação à interdisciplinaridade recai sobre o fato deste sistema de pensamento se limitar

“... à análise dos dados observados, eximindo-se assim de buscar as causas dos

fenômenos”, renunciando explicar também a “estrutura subjacente aos fenômenos”, o que

conduziria inevitavelmente à interdisciplinaridade. A colaboração entre disciplinas lhe

parece instrutiva, uma vez que promove a dissipação de preconceitos, ao mesmo tempo em

que “...se arrisca em reduções abusivas e a um enfraquecimento do caráter específico dos

fenômenos estudados”.58

Sobre positivismo, M. Lövy59 relaciona suas idéias principais: a existência de leis

naturais invariáveis da sociedade humana; os métodos para seu estudo são os mesmos da

área natural como a biologia e a astronomia e, portanto, deve funcionar objetivamente,

neutra, desligada de valores morais, visões de mundo, ideologias. Em contraposição, o

historicismo veio trazer certo relativismo ao estudo dos fenômenos sociais por determinar a

56
Este estado positivo e otimista da humanidade é que não deveria ser ultrapassado com a ideologia da crítica
ao status quo, seja cultural, político, social e/ou ambiental.
57
Comte, A. Discurso sobre o espírito positivo. Porto Alegre: Globo/Edusp, p.95, 1976.
58
Piaget, op. cit., p.16.
59
Lövy, op. cit.,p.35.
225

influência dos aspectos históricos nos fenômenos culturais, sociais ou políticos,

diferenciando-os dos fatos naturais e percebendo a imersão do próprio sujeito-pesquisador

no fluxo da história. Já o marxismo, buscando uma totalidade do real, procura se apoiar na

dimensão dialética dos fenômenos, principalmente no que se refere à relação entre classes e

sua transformação, na sociedade capitalista, entre capital e trabalho.

Ao nosso ver, é possível enxergar perspectivas apropriadas nas três análises, pois

tanto é necessário perseguir uma objetividade para a realização de uma verdadeira ciência

que traga aplicabilidade e previsibilidade e que não seja mero instrumento de ideologia

particular, quanto também deve-se considerar a particularidade do objeto estudado em sua

inserção única histórico-político-econômico-social, procurando caracterizar a ‘parte’ sem

perder a dimensão do ‘todo’ (e vice-versa). Concebendo-se a noção marxiana de ‘síntese de

múltiplas determinações’, pode-se tentar coadunar o aspecto teórico e prático da

metodologia sociológica à interdisciplinaridade, isto é, visar a uma síntese que seja

dinâmica, mas que procure somar aspectos que a direcionem a fins relevantes à sociedade -

fins estes que, sob nosso ponto de vista, deve contribuir para uma melhor sobrevivência do

ser humano no que concerne à sua relação saudável consigo mesmo, com os demais

viventes e com a natureza em geral.

Embora a Sociobiologia dê extremo valor ao componente genético de nosso

comportamento, segundo E. Wilson, “o altruísmo entre indivíduos pouco ou não

relacionados é a chave para a sociedade humana”60, pois surge do bem estar individual,

sempre em conflito entre o cooperativismo (democracia) e a defesa da propriedade privada

60
Citado por Nascimento Jr., A. F. A Sociobiologia. In: I Encontro Paulista de Etologia, Jaboticabal: AZESP/
FCAVJ/FUNEP. Anais, out. , p.96, 1983.
226

(darwinismo social).61 Infelizmente, os biólogos não aprenderam muito sobre dialética -

apesar de estudarem a vida - e tendem a utilizar o método analítico cartesiano para

decompor a realidade em partes para depois simplesmente visualizar o somatório.62 A

filosofia de Marx, segundo Nascimento Jr.:

...permite ver a realidade como uma atividade objetiva (...) em seu vir-a-ser, não
como um objeto estático, (...) o que acaba por ruir o determinismo biológico,
[pois] o homem é capaz de fazer sua própria história e dar luz a si mesmo no
decurso dela [e] o fator essencial deste processo de autocriação da raça humana
está na sua relação com a natureza.63

Seria esta polaridade entre positivismo cartesiano e historicismo relativista um

paralelo à distinção entre uma ciência (por exemplo, a biologia) funcional, que se preocupa

com o ‘como’ ocorre um fenômeno, baseado em métodos experimentais, deterministas e

reducionistas oposta, e ao mesmo tempo complementar, a uma ciência evolucionária,

preocupada com o ‘porquê’ dos fatos e que utiliza métodos como a analogia e a observação,

mais holísticos e qualitativos? Não seriam necessárias ambas abordagens para um melhor

desenvolvimento cognitivo do mundo? Tais tipos de questionamentos iremos aprofundar

em capítulo posterior sobre epistemologia e paradigma e como as Ciências Biológicas

podem vir no auxílio destas relações.

e. Algumas Exigências

Em relação às necessidades para se efetivar uma prática interdisciplinar que

desenvolva um saber voltado para a compreensão da realidade em sua totalidade, Lins

61
Ibid.., p.98.
62
Ibid.., p.101.
63
Ibid.., p.102
227

Filho64 indica, além da suplantação de uma mentalidade compartimentalizada, a

organização de potenciais humanos e materiais indispensáveis. Gusdorf65 concebe a

necessidade de uma “flexibilidade intelectual” em pessoas e equipes novas na exploração

de um novo espaço do conhecimento, o que condiz com Japiassu, que reconhece a

parcialidade e a relatividade do saber pelo especialista, que precisa “tomar emprestado

dados ou instrumentos” das demais áreas. Portanto, ele aponta para a necessidade de

formação de uma nova espécie de cientista, baseado em nova consciência, nova pedagogia,

todas embasadas numa eficaz comunicação. Antiseri66 lembra que a interdisciplinaridade é

uma mentalidade, uma forma de procedimento e de trabalho e Briggs e Michaud67

concordam, por percebê-la como um estado de espírito que exige uma atitude de

humildade, abertura, curiosidade, diálogo e aptidão à assimilação e à síntese, requerendo

uma “profunda transformação pedagógica e um novo tipo de formação de professores”,

além da mudança na relação educador-educando nas universidades. Os autores citados

indicam ainda a necessidade de haver opções de estudo que dêem caminho às aspirações

pessoais e sociais, referindo-se à passagem de uma pedagogia estática e transmissora para

uma participativa e criadora68. Scurati e Damiano69 indicam a técnica de ‘team teaching’,

na qual se “empenham todos os professores e alunos na organização e execução do

64
Lins Filho, op. cit., p.29.
65
Gusdorf, G., op. cit., p.15.
66
Antiseri, D. I Fondamenti epistemologici Del lavoro interdisciplinare. Roma: Armando, p.70-1, 1972.
67
Briggs, A. & Michaud, G. Problèmes et solutions. In: OCDE, op. cit., p.202.
68
A universidade precisaria, segundo Buarque (op. cit.), se especializar pelos problemas reais da sociedade,
como a fome, a energia, o analfabetismo e o meio ambiente e não somente por categorias do conhecimento,
como nutrição, engenharia, educação e ecologia, inserindo, em seu meio, a dimensão humanista do
pensamento.
69
Scurati, C. & Damiano, E. Interdisciplinaridad y Didactica. In: OCDE, op. cit., p.55.
228

processo ensino-aprendizagem” (num trabalho de equipe, mas também individual),

estruturando os conteúdos em forma de temas ou problemas em uma “unidade didática”.

Para Frigotto70, a superação dos limites dos processos pedagógicos e da produção do

conhecimento só será efetiva quando forem rompidas as relações sociais que fornecem sua

base material: a divisão entre trabalho manual e intelectual e os vários mecanismos de

exclusão, ou seja, lutando pela superação da sociedade de classe. Deste modo, sugere:

...que as concepções de realidade, conhecimento e os pressupostos e categorias


de análise sejam criticamente explicitados, (...) favorecendo o convívio
democrático e plural necessário em qualquer espaço humano”.·

Por outro lado, Follari lembra que há uma “ilusão teoricista” que supõe a resolução

da divisão social do trabalho a partir da interdisciplinaridade, interna à prática científica, já

que “não é possível, (...) modificar radicalmente a posição da ciência em relação ao poder,

seu lugar político: isto seria pedir da interdisciplinaridade o que ela não pode dar por si

mesma”.71 Acredita o autor ainda que uma indispensável modéstia deva ser praticada, uma

vez que o trabalho científico não tem parentesco com os movimentos sociais e assim não

faz parte da queda dos grandes paradigmas, demonstrando que tal utopia deva ser

moderada. Follari lembra, por outro lado, da exagerada expectativa sobre o trabalho

interdisciplinar como solução dos problemas educacionais e dos perigos ideológicos que

possam levar ao enfraquecimento da especialização em cada disciplina, refutando a

nostalgia de um saber totalizante, por uma re-naturalização humana, um retorno à cultura

geral e à união das culturas.72

70
Op. cit., p. 37.
71
Follari, op. cit., p.133.
72
Follari, R. Algumas considerações práticas sobre interdisciplinaridade. Em Jantsch, A. P. & Bianchetti L.,
op. cit., p.107.
229

Quanto a isto, acreditamos, nesta tese, que uma modificação estrutural e funcional no

modo de ser universitário, com a grande influência que exerce em tantos jovens e adultos,

possa somar, gradualmente, esforços no intuito de se promover a democracia e se praticar

pesquisa e ensino voltado aos grandes problemas sócio-ambientais, embora concordemos

com o autor de que não deve haver apenas pesquisa aplicada em contraposição à básica e

que a interdisciplinaridade por si só não poderia consistir-se numa ‘tábua de salvação’ dos

males da sociedade. Há que se conjugar outras iniciativas interdisciplinares, como por

exemplo, o que tem sido feito pelo terceiro segmento da sociedade (mas também deve ser

incrementado nos demais), o movimento das organizações civis, não governamentais

(ONGs) com cada vez maior participação nos diversos campos e na ação como também na

resolução de problemas cotidianos que afetam a tantas populações. No embate utopia

(ilusão) x modéstia (realidade), acreditamos que a interdisciplinaridade possa contribuir

com um melhor ou mais adequado modo de se pensar (e de agir) nossa relação com as

esferas que nos circundam (bio, geo, atmo, técno), chamando isto de novo paradigma ou

não.

Para se atingir tal democracia, Etges, na mesma publicação, defende que para se

desenvolver a interdisciplinaridade é necessário que se pratique um deslocamento, a

“estratégia do estranhamento interdisciplinar”73, quando o cientista põe seu sistema

cognitivo em outro contexto, obrigando a passar por um “processo de decodificação”,

permitindo discernir absurdos de proposições e colocando novas questões mais

73
Este tipo de estratégia, segundo depoimentos, é realizado no programa da UFPR, quando ocorre uma
desconstrução do ponto de vista específico do aluno (e dos professores), para uma reabertura dos horizontes
conceituais e metodológicos perante novas áreas do fazer científico; depois há uma reconstrução em novos
patamares epistemológicos. Detalhes a seguir.
230

esclarecedoras (educação problematizadora). Este autor crê que, através de uma visão

construtivista, não se busca um elemento unitário comum entre os construtos postos, mas a

interdisciplinaridade é essencialmente “um elemento mediador de comunicação”.74 Algo

que permita dialeticamente formar de um X em contraste com um não X, um Y, mas que

supera e não substitui o antigo, construindo uma “terceira linguagem”, uma nova teoria: a

interdisciplinaridade é um instrumento epistemológico, uma “epistemologia em ato”.75 Para

este autor, ela eleva a capacidade de cooperação (como num jogo cooperativo), impondo a

tolerância e aumentando a liberdade efetiva dos homens frente ao mundo. Etges encerra

este artigo comentando sobre a possibilidade de uma nova universidade, mais articulada,

onde os professores transitem em outros ramos do saber a partir de grandes projetos de

pesquisa, criando redes e abolindo a atual estrutura departamental, burocrática e autoritária.

Quanto aos alunos, devem ter uma formação séria, mas não bitolada a uma única atividade

profissional “característica de uma fase do capitalismo que já passou”,76 ultrapassando sua

racionalidade puramente instrumental e atingindo um construtivismo responsável perante a

sociedade.77

Follari relaciona alguns desafios para a interdisciplinaridade: ela não implica

homologações conceituais de alta coerência, mas confluências momentâneas, aproximações

não definitivas (“provisoriedade e contingencialidade”); ela não deve negar e superar as

disciplinas; deve-se dar tempo fora de aula para planejamento em conjunto; discutir

74
Etges, op. cit., p.73-4.
75
Cremos que este pensamento é também expresso nos discursos pesquisados e trazem contribuições
imprescindíveis ao debate entre vitalistas e mecanicistas. A seguir.
76
Ibid., p.82.
77
Posição em acordo com B. Freitag no artigo Aspectos filosóficos e sócio-antropológicos do construtivismo
pós-piagetiano (In: Grossi, E. P. & Bordin, J. Construtivismo pós-piagetiano: um paradigma sobre
aprendizagem. Petrópolis: Vozes, p.27, 1993). Nesta tese, queremos ressaltar a necessidade de estudos em
pedagogias interdisciplinares.
231

previamente para distribuir funções, não extinguindo especificidades e ter consciência de

certa “anarquia epistemológica” (citando Feyerabend), porquanto há um pluralismo de

discursos e teorias incomensuráveis, trazendo dificuldades de compreensão mútua e assim

evitando o discurso apologético extremado. Ou seja, para o autor, não há unidade dialética

na história das ciências, mas articulação das diferenças, “assumindo a incomensurabilidade

da ordem conceitual”.78

Jantsch & Bianchetti, citando Siebeneichler79, indicam a exigência do equilíbrio entre

a análise fragmentadora e a síntese simplificadora, a especialização e o saber geral, o

especialista e o filósofo. Os autores discordam da tendência homogeneizadora da teorização

sobre interdisciplinaridade no Brasil, através de um “imperialismo epistemológico” de uma

ciência tida como modelar e defendem uma relativização da departamentalização de

qualquer instituição universitária e a desburocratização dos processos que envolvem

projetos de pesquisa-ação.

Na pseudo-oposição especialização e interdisciplinaridade, Gusdorf defende uma

complementaridade entre ambas formas de pedagogia, uma vez que a primeira é

indispensável à segunda. A competência disciplinar deve ser somada à possibilidade de

integração e, portanto, contribuindo para a interdisciplinaridade, que não corresponde a um

conhecimento geral, enciclopédico. Antiseri e Follari concordam que apenas os

especialistas em cada disciplina podem contribuir para a efetiva colaboração

interdisciplinar, ou seja, além de dominarem o respectivo campo científico, eles devem, ao

78
Follari, op. cit., p.139. Para o autor, Kuhn e citando ainda Stegmuller e Moulines, há continuidade e
progresso científico no terreno das aplicações empíricas, mas não no da compreensão teórica.
79
Siebeneichler, F. B. Encontros e desencontros no caminho da interdisciplinaridade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, n.98, p.153-80, 1989.
232

mesmo tempo, ser capaz de entender as perspectivas, os problemas e as dificuldades dos

demais especialistas.

Será que os especialistas mais extremos dariam conta de uma intervenção mais

horizontal ou haveria a necessidade de profissionais interdisciplinares, mais generalistas?

Veremos se esta tese, através da análise das entrevistas, pode vir em auxílio na resposta a

tais indagações, mesmo sabendo que a interdisciplinaridade suscita mais perguntas que

respostas, não apenas por suas infinitas possibilidades, mas pela dificuldade em estabelecer

limites.

Buscando concluir, pode-se dizer que a interdisciplinaridade deve ser encarada como

uma forma de inter-relacionamento de disciplinas consistindo uma real integração, indo

mais além do que a justaposição multi ou pluridisciplinar. De acordo com a maioria dos

pesquisadores citados, pode haver uma tentativa de ‘concerto’ dos problemas complexos da

humanidade através da interdisciplinaridade, sendo ela necessidade e conseqüência inerente

da própria evolução do conhecimento científico e do que dele resultou culturalmente.

Assim, as razões de sua implementação seriam ontológicas na exigência de se perceber a

multidimensionalidade do real, inclusive e principalmente nas Ciências Humanas.

Do mesmo modo, ela também é resultado de tendências sócio-político-econômicas no

desenvolvimento de uma sociedade aberta que requer mobilidade na formação profissional

(polivalência). A perspectiva interdisciplinar é referida, inclusive, como capacitadora de

uma formação ativa e responsável, além de promover a aproximação entre um ensino

centrado na relação professor-aluno e uma pesquisa participante, a adoção de trabalhos em

equipe e a estruturação curricular em temas ou problemas da atualidade. Embora sejam

apontadas algumas dificuldades na adoção da interdisciplinaridade, como a rigidez mental,


233

a pressão social e a filosofia positivista, os autores em geral percebem-na como resultado

de uma mudança de atitude e de um novo estado de espírito. Segundo Lins Filho, “a

existência de uma nova mentalidade, aberta às possíveis conexões entre os fenômenos

estudados, é posta como indispensável por quase todos os que tratam da

interdisciplinaridade”.80

1.2 Tendências à Transdisciplinaridade

Diferentemente do que ocorre no Brasil, desde há muito na Europa, a

interdisciplinaridade deixou de ser questão de grandes discussões e a transdisciplinaridade

passou a ser o maior objetivo nesta nova visão das ‘ciências da complexidade’, como

diversos pesquisadores têm observado. Desde meados da década de 80, vários encontros

científico-filosóficos ocorreram, trazendo as indagações e as inovações da ‘visão

transdisciplinar’ de mundo Em 1986, em Veneza, a UNESCO organizou o colóquio

denominado A Ciência Diante das Fronteiras do Conhecimento81, onde se encontraram

pensadores de diversos campos do saber científico e não científico, como matemáticos,

poetas, escritores, filósofos, antropólogos, físicos, bioquímicos, geneticistas, etc. Deste

encontro, os participantes elaboraram a Declaração de Veneza, animada por um espírito de

abertura e de questionamento dos valores de nosso tempo, acordando sobre os seguintes

pontos:

80
Lins Filho, op. cit., p.40.
81
UNESCO/Fundação Giorgio Cini. Comunicado Final. 1986.
234

• Há uma revolução no domínio da ciência, provocada pela ciência fundamental (em

particular a Física e a Biologia), devido à transformação que traz à Lógica, à

Epistemologia e também, através das aplicações tecnológicas, à vida de todos.82

Constatou-se, ao mesmo tempo, uma defasagem nociva entre a nova visão do mundo

que emerge do estudo dos sistemas naturais e os valores que ainda predominam na

filosofia, nas ciências do homem e na vida da sociedade moderna. Estes valores

baseiam-se principalmente no determinismo mecanicista, no positivismo ou no niilismo.

• O conhecimento científico, devido ao seu próprio movimento interno, deve começar o

diálogo com outras formas de conhecimento. Reconhecendo as diferenças fundamentais

entre a ciência e a tradição, constatou-se suas complementaridades, permitindo pensar o

aparecimento de uma nova visão da humanidade, até mesmo num novo racionalismo que

poderia levar a uma nova perspectiva metafísica.

• Recusando qualquer projeto globalizante, sistema fechado de pensamento ou nova

utopia, reconhece-se ao mesmo tempo a urgência de uma procura verdadeiramente

transdisciplinar, de uma troca dinâmica entre as ciências, a arte e a tradição.

• O ensino convencional da ciência, por uma apresentação linear dos conhecimentos,

dissimula a ruptura entre a ciência contemporânea e as visões anteriores do mundo.

Reconhece-se a urgência da busca de novos métodos de educação que levem em conta

os avanços da ciência e as grandes tradições culturais, cuja preservação e estudo

aprofundado parecem fundamentais.

82
Estudos transdisciplinares têm sido cada vez mais empregados em situações com grande número de fatores
como é o caso, por exemplo, da saúde, reportado no texto do Dr. M. Chaves, Complexidade e
transdisciplinaridade: uma abordagem multidimensional do setor saúde (Rio de Janeiro: Revista Brasileira de
Educação Médica, v.22, jan., 1998). As Ciências Naturais como área de origem deste pensamento
transdisciplinar é confirmado por muitos dos pesquisadores entrevistados.
235

• Os desafios de nossa época: da autodestruição de nossa espécie, da informática, da

genética, etc., mostram a responsabilidade social dos cientistas no que diz respeito à

iniciativa e à aplicação da pesquisa. Neste sentido, a amplidão dos desafios

contemporâneos exige, por um lado, a informação rigorosa e permanente da opinião

pública e, por outro lado, a criação de organismos de orientação e até de decisão de

natureza pluri e transdisciplinar.

Em congresso cinco anos após, denominado Ciência e Tradição: Perspectivas

Transdisciplinares para o século XXI (Paris, UNESCO, 1991)83, em seu comunicado final

os participantes estiveram de acordo a respeito dos seguintes pontos:

1. Estamos assistindo a um enfraquecimento da cultura, afetando de diversas maneiras

tanto os países ricos como os países pobres;

2. Uma das causas disso é a crença na existência de um único caminho de acesso à

verdade e à realidade, o que gerou a onipotente tecnociência e com isso, o germe de um

totalitarismo planetário se tornou presente;

3. Uma das revoluções conceituais veio, paradoxalmente, da ciência, mais

particularmente da Física quântica, fazendo com que a antiga visão da realidade, seus

conceitos de continuidade, localidade e determinismo, ainda predominantes no pensamento

político e econômico, fossem reavaliados. Assim, uma nova lógica corresponde, em muitos

aspectos, a lógicas tradicionais.

4. A transdisciplinaridade não procura construir um sincretismo, pois são radicalmente

diferentes. Ela procura torná-las interativas, procurando espaços de pensamento que as

83
Comitê de redação: René Berger, Michel Cazenave, Roberto Juarroz, Lima de Freitas e Basarab Nicolescu.
236

façam sair de sua unidade, respeitando diferenças e apoiando-se numa nova concepção da

natureza.

5. Uma especialização sempre crescente levou à separação entre ciência e cultura e fez

concretizar a separação sujeito-objeto que se encontra na origem da ciência moderna.84

Reconhecendo o valor da especialização, a transdisciplinaridade procura ir além,

recompondo a unidade da cultura e encontrando o sentido inerente à vida.

6. Por definição, não pode haver especialistas transdisciplinares, mas apenas

pesquisadores animados por uma atitude transdisciplinar. Eles só podem se apoiar nas

diversas atividades (arte, poesia, filosofia, pensamento simbólico, ciência, tradição),

inseridas em sua própria multiplicidade, podendo desaguar em novas liberdades do espírito.

7. O desafio da transdisciplinaridade é gerar uma civilização que, por força do diálogo

intercultural, se abra para a singularidade de cada um e para a inteireza do ser.

Em Portugal, no ano de 1994, ocorreu o I Congresso Mundial da

Transdisciplinaridade, onde foi elaborada a Carta de Transdisciplinaridade, cuja parte do

preâmbulo e alguns artigos diretores se seguem:

- Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber acumulativo e um ser interior

cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas

conseqüências sobre o plano individual e social são incalculáveis;

84
Segundo Niels Bohr em Física atômica e conhecimento humano (Rio de Janeiro: Contraponto, 1995) a
divisão cartesiana entre sujeito e objeto, dominadora da mente humana nos últimos três séculos, passa neste
século XX a sofrer influência de uma nova matriz no nosso conhecimento sobre a natureza. Veremos mais no
capítulo sobre epistemologia.
237

- Considerando que o crescimento do saber aumenta a desigualdade entre seus detentores e

os que são desprovidos dele, engendrando assim desigualdades crescentes no seio dos

povos e entre as nações do planeta;

- Considerando que todos os desafios enunciados possuem sua contrapartida de esperança e

que o crescimento [e a democratização] do saber podem conduzir a uma mutação

comparável à evolução dos humanóides à espécie humana, o Comitê de Redação, composto

por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu, compuseram as declarações finais

deste encontro:

- A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da

confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si e oferece-nos uma nova

visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as

várias outras disciplinas, mas a abertura delas àquilo que as atravessa e as ultrapassa.

- O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e

operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade

aberta por um novo olhar sobre a relatividade das noções de ‘definição’ e ‘objetividade’. O

formalismo excessivo, a rigidez das definições e o absolutismo da objetividade

comportando a exclusão do sujeito levam ao empobrecimento.85

- A visão transdisciplinar é aberta, pois ultrapassa o domínio das Ciências Exatas por

seu diálogo e reconciliação não somente com as Ciências Humanas [e Biológicas], mas

também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual.


85
Do mesmo modo, Jantsch & Bianchetti (op. cit.) vão contra o privilégio absoluto da ação de um sujeito
autônomo na construção do conhecimento e do pensamento, procurando discutir e superar a análise a-
histórica da filosofia do sujeito nos debates sobre interdisciplinaridade. Para N. Etges (op. cit., p.51), “desde
que os homens passaram a pensar em termos formais, romperam com a unidade entre sujeito e objeto, homem
e natureza dada”. Deste modo, para ele, “...as construções científicas não podem ser pensadas como tendo a
ver com a verdade, (...) [mas como] reorganizações do mundo congruentes com o sujeito produtor” (p.56).
238

- A ética transdisciplinar recusa toda atitude que recusa o diálogo e a discussão, seja

qual for sua origem - de ordem ideológica, científica, religiosa, econômica, política ou

filosófica.

Em 1997, o Centre International de Recherches et d’Etudes Transdisciplinaires, em

colaboração com a UNESCO organizou o Congresso Internacional sobre ‘Evolução

Transdiciplinar da Universidade’, cujo tema foi Que Universidade para o Amanhã? (Monte

Verità, Locarno, Suíça). A síntese do documento de trabalho, cujo corpo de organizadores

foi composto por Edgar Morin, Michel Camus e o brasileiro Ubiratan d’Ambrósio

(matemático, professor da UNICAMP), dentre outros, apresenta seu objetivo principal: o de

“fazer o pensamento complexo e transdisciplinar penetrar nas estruturas, nos programas e

na irradiação da Universidade do amanhã”. Este projeto se posiciona como o complemento

transdisciplinar do Relatório Delors86, elaborado pela Comissão Internacional Sobre a

Educação Para o Século XXI junto à UNESCO e sua finalidade é fazer com que a

Universidade evolua para a sua missão de “estudo do universal” e cuja idéia central é a de

que há uma relação direta e não contornável entre paz e transdisciplinaridade.

Neste encontro entre pensadores de diversas áreas do conhecimento se debateu a

distinção entre pluri, inter e transdisciplinaridade, uma vez que o crescimento dos saberes

torna legítima a questão da adaptação das mentalidades. Portanto, um verdadeiro homem de

ação - um líder - deveria poder dialogar com os demais. Três são os pontos do sistema de

86
O Relatório Delors ressalta nitidamente os quatro pilares de um novo tipo de educação: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser. A universidade é o lugar privilegiado para
uma formação apropriada às exigências de nosso tempo. A universidade poderá, portanto, tornar-se o lugar
ideal para o aprendizado da atitude transcultural, transreligiosa, transpolítica e transnacional, para o diálogo
entre a cultura científica e artística, dando lugar a um novo tipo de humanismo.
239

referência a ser modificado na educação apontadas neste documento, visando a gerar uma

nova teoria e uma nova prática da decisão:

• Considerar cada problema não mais a partir de um único nível de realidade, mas

situando-o simultaneamente no campo de vários níveis de realidade;

• Não esperar a solução de problemas nos termos de ‘verdadeiro’ ou ‘falso’ da lógica

binária, mas recorrer a novas lógicas, particularmente à lógica do terceiro incluído: a

solução é encontrada pela conciliação temporária dos contraditórios, ligando-os a um

nível de realidade diferente daquele no qual a contradição se manifesta;87

• Reconhecer a complexidade intrínseca do problema e a impossibilidade da sua

decomposição em partes fundamentais. Na ausência de fundamentos que caracteriza o

mundo atual, mudar o sistema de referência significa tomar como fundamento a

ausência de fundamentos. Ou seja, substituir a noção de ‘fundamento’ pela coerência

deste mundo multidimensional e multireferrencial.88

Segundo o projeto, essa metodologia só deve ser aplicada gradualmente, de maneira

pragmática, com grande prudência e rigor, tomando como finalidade imediata a formação

de formadores. Com efeito, a inexistência de educadores animados por uma atitude

transdisciplinar faz com que não possa haver evolução transdisciplinar e nem mesmo

evolução da universidade. Apesar das dificuldades metodológicas, é possível, no entanto,

identificar os eixos da evolução transdisciplinar da universidade:

87
Um meio termo entre ‘coisas’: não temos apenas ponto ou vírgula, mas também ponto e vírgula (. + , = ;).
Moreira utiliza o símbolo & representando “a unidade inseparável entre dois elementos”. Diferente do autor,
que confere a inseparabilidade corpo & mente, utilizo o e (em itálico) para frisar a união, mas não o concebo
sem o ou. Isto é, são separáveis e não são separáveis. (op. cit. , p.250, 1999).
88
Há aqui uma semelhança com o pensamento oriental. Segundo Bohr, “para uma descrição objetiva (...) em
quase todos os campos do conhecimento, [necessita-se] prestar atenção às circunstâncias em como os dados
são obtidos”. São estes “problemas epistemológicos com que já se confrontavam pensadores como Buda e
Lao Tsé, ao tentarem harmonizar nossas posições de espectadores e atores no grande drama da vida” (p.25-6).
240

1. Educação intercultural e transcultural, visando a edificar o fundamento da paz e da

compreensão internacional e transnacional. 2. Considerar o diálogo arte/ciência como um

dos maiores eixos da nova educação, visando à reunificação das duas culturas, pela sua

ultrapassagem mediante uma nova cultura multidimensional, condição prévia para a

transformação das mentalidades. 3. Integração da revolução informática na educação

universitária. 4. Educação transdisciplinar, tendo em vista alcançar a flexibilidade da

formação dos jovens e a abertura de espírito. 5. Educação transpolítica tendo em vista o

respeito dos interesses de estados e nações. 6. Tomar as medidas institucionais concretas

em vista da relação entre educadores e educandos.89

Dentre as principais propostas esboçadas ao final do encontro, foram apontadas as

seguintes:

- Criação de ateliês de pesquisa transdisciplinar; de unidades de formação e pesquisa

transdisciplinar; de um fórum transdisciplinar permanente de História, Filosofia e

Sociologia das ciências; de centros de orientação transdisciplinares e a busca da partilha

universal dos conhecimentos: religar a Universidade à área pública do ciber-espaço-tempo.

Durante a IV Conferência Trimestral sobre Responsabilidade das Universidades para

com a Sociedade, promovida pela International Association of Universities em

Chulalongkorn University, na Tailândia em 1997, houve um seminário intitulado

Universidade como Agentes do Desenvolvimento Sustentável. B. Nicolescu90 proferiu

palestra sobre “A Evolução Transdisciplinar da Universidade: Condição para o

89
Esta relação entre corpo docente e discente é colocada por alguns entrevistados, indicando a importância
desta aproximação.
90
Dr. Basarab Nicolescu é professor de física na Universidade "Pierre et Marie Curie", Paris, pesquisador da
C.N.R.S. e presidente do Centro Internacional de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares.
241

Desenvolvimento Sustentável”. Esse processo, segundo o autor, implica uma abertura

multidimensional da universidade em direção à sociedade civil; a outros lugares de

produção do novo conhecimento; ao espaço-tempo cibernético; aos objetivos da

universalidade e à redefinição dos valores que governam sua própria existência. Por um

lado, há os detentores de conhecimento puro e sólido; por outro, os praticantes do

conhecimento ambíguo e superficial. Essa ruptura reflete-se inevitavelmente no

funcionamento das universidades que favorecem o desenvolvimento acelerado da cultura

científica a custo da negação do sujeito e do declínio do sentido. Deve-se reunir essas duas

culturas de forma que possam transpor para uma cultura transdisciplinar. A universidade

não só está ameaçada pela ausência de sentido, mas também pela recusa de compartilhar

conhecimento. O compartilhar universal do conhecimento não poderá ocorrer sem o

surgimento de uma tolerância fundada na atitude transdisciplinar.

Percebemos então que existe, em profusão crescente nos últimos 30 anos, a

abrangência deste fenômeno ‘revolucionário’ que busca não apenas integrar disciplinas,

mas saberes extra acadêmicos. Podemos ver sua importância como resposta ao isolamento

cognitivo da comunidade científica, mas não podemos deixar de criticar a busca

desenfreada por qualquer totalidade que cremos inatingível. Evidentemente será de grande

colaboração para diminuir abismos crassos da modernidade: ricos e pobres, instruídos e não

instruídos, sociedade e natureza. Porém, temos que nos prevenir de um holismo exagerado

que deve ser conscientemente dosado, pois crer na interdisciplinaridade como panacéia

geral, que possa trazer paz ao mundo, nos parece utópico em demasia. Ou seja, reivindicar

as transformações apenas no meio acadêmico e científico como uma alteração radical na

humanidade, por mais gradual que seja, nos parece excessivamente idealista, embora possa
242

colaborar para dar exemplo aos demais setores da sociedade. Por outro lado, cremos que o

grau de parentesco que o trabalho científico deva adquirir com os movimentos sociais,

embora seja atualmente minoria, é completamente possível e necessário. De qualquer

modo, apoiamos a iniciativa inter e transdisciplinar e as entrevistas apontam, no geral, para

o fato de que as pesquisas envolvidas com a questão sócio-ambiental também se engajam

nestas mudanças. Mesmo assim, indicam a ressalva feita quanto à dispersão de uma

abertura radical de fronteiras, o que pode vir a ser um enfraquecimento da disciplinaridade,

das pesquisas puras, da especialização e dos patamares de credibilidade do fazer científico.

Isto é, preferimos apontar para um necessário equilíbrio entre o reducionismo e o holismo,

crítica que se apóia nas chamadas ciências da complexidade e que, no fundo, são ciências

que refletem o momento de indagação, dúvida, auto-reflexão do ser humano perante o que

vive nos dias atuais.

Além disto, percebemos certa contradição entre rigor da metodologia científica e a

abertura epistemológica na inter-relação com as artes, religiões e filosofias da prática

transdisciplinar. O movimento antidicotomias, discurso contra paradoxos, é mais bem

pensada a partir de um pensamento dialético, pois pólos contrários conformam apenas

correlações binárias. Com isto queremos confirmar a inevitabilidade das diferenças, porém

não das desigualdades, principalmente as sociais, mas concordar com as categorias

inerentes à visão dialética do mundo: a contradição (enfrentamento permanente,

inexistência de consenso total, conflitos profundos e radicais, geralmente irreconciliáveis),

a transitoriedade (movimento, transformação, perecibilidade e fluxo perpétuos) e a

totalidade (infinidade do real, inesgotabilidade do todo orgânico, multirrelacional e


243

interdependente).91 Como se representasse o diabo, personagem em Fausto de Goethe, o

espírito que nega, pois tudo merece sucumbir, faz com que as revoluções que provocam

alternâncias de paradigmas sejam percebidas como imanentes à(s) realidade(s) que nos

envolvem e completam.

Neste sentido, cremos ser útil discutir a analogia entre propriedades emergentes e a

oposição imanência e transcendência, uma vez que a visão dialética, no sentido de Hegel e

Marx, nos leva a questionar o processo de transição dos fenômenos naturais e sociais,

incluídos aqui a ciência e as diferentes inter-relações disciplinares. Propriedades

emergentes são descritas por Fleibleman em 1954 e pesquisadas por diversos autores, como

Salt (1979), Simon (1973) e Laszlo (1972), segundo o renomado ecólogo E. Odum.92 De

acordo com este autor, uma conseqüência importante da organização hierárquica, que

demonstra os diferentes níveis de organização biológica, é que cada novo conjunto de

elementos que passa a existir provém da emergência de características totalmente

inovadoras. Assim ele esclarece:

Embora as descobertas sobre um determinado nível ajudem no estudo do nível

seguinte, elas nunca explicam a totalidade dos fenômenos que ocorrem no nível seguinte, o

qual precisa ser estudado, por sua vez, para [se tentar] completar o quadro.93

91
De acordo com Japiassú, H. & Marcondes, D. (Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
p. 72, 1989), o processo do movimento histórico visto pela dialética de Engels e Marx considera a Natureza
como um todo coerente em que os fenômenos se condicionam reciprocamente, como um estado de mudança e
de movimento, como um lugar onde o processo de crescimento das mudanças quantitativas gera, por
acumulação e por saltos, mutações de ordem qualitativa e como sede das contradições internas, seus
fenômenos tendo um lado positivo e outro negativo, um passado e um futuro, donde a luta das tendências
contrárias gera o progresso.
92
Odum, E. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
93
Ibid., p.3. Para exemplificar tal princípio, Odum oferece-nos dois casos: a formação da água, líquido que
surge com a união entre os gases hidrogênio e oxigênio e os corais, que se desenvolveram a partir do trabalho
conjunto de algas e celenterados.
244

Portanto, busca-se explicar a teoria hierárquica (geo-bio-sócio, disciplina-inter-trans)

a partir de uma epistemologia conveniente aos aspectos da grande complexidade dos fatos

biológicos. Segundo Novikoff94 existe uma continuidade e, ao mesmo tempo, uma

descontinuidade na evolução do universo uma vez que a constância é permeada por uma

mutabilidade que promovem as distinções morfo-funcionais. Odum nos explica do seguinte

modo:

... a divisão de uma série graduada (...) em componentes é muitas vezes


arbitrária, mas, em alguns casos, as subdivisões podem basear-se em
descontinuidades naturais. Uma vez que cada nível no espectro biossistêmico
está ‘integrado’ ou interdependente com os outros níveis, não pode haver linhas
divisórias abruptas e rupturas num sentido funcional, nem mesmo entre
organismo e população.95

Estes casos exemplificam ‘desdobramentos’ de fases precedentes, ou seja, sínteses de

etapas que se coadunam a um acréscimo a partir da união entre partes isoladas; uma espécie

de altruísmo, talvez surgido a partir da competição. Do mesmo modo, cremos que uma

simbiose entre as diversas áreas do conhecimento (e seus promotores) poderá nos fornecer

idéias fecundas que nos permitam tratar de questões básicas, como a degradação sócio-

ambiental por exemplo.

E. Morin, em seu livro Ciência com consciência96, aponta para a necessidade da

interdisciplinaridade se transformar em transdisciplinaridade para que os postulados

científicos da objetividade, da eliminação da questão do sujeito (ego cogitans x res

extensa), da matematização e da formalização objetiva da Ciência Exata sejam relativizados

por meio de uma “comunicação em circuito” entre as diversas ciências. Como pensado

94
Novikoff, A. B. The concept of integrative levels in biology. Science 101:209-15, 1945.
95
Op. cit., p.3.
96
Rio de Janeiro: Ed. Bertrand, 1998. Cap. 7, parte I.
245

também por Comte e Piaget, este círculo reforçaria o enraizamento da “esfera

antropossocial” na esfera biológica, assim como a esfera viva na physis, criando-se, deste

modo, possibilidades de aproximação entre as ciências. Segue Morin97: “Será que podemos

substituir a lógica bivalente, dita aristotélica, por lógicas polivalentes” como ponto de

partida para um pensamento multidimensional, dialógico?

2. Depoimentos: Interdisciplinaridade, Relativização e Dicotomia

Neste segundo capítulo da tese, reunimos as questões cinco, seis e sete, que tratam

respectivamente de: a) interdisciplinaridade propriamente dita, diálogo entre ciências e

resultados unificados de pesquisa, b) relativização de disciplinaridade, reducionismo e

tecnicismo e c) dicotomia entre ciência positivista, objetiva e quantitativa e ciência

subjetiva e qualitativa.

2.1 Interdisciplinaridade

Nesta quinta questão, perguntamos o que os entrevistados entendem por

interdisciplinaridade, como é vista a aproximação entre as Ciências Naturais e as Humano-

Sociais e se seria possível um diálogo entre elas. E, se assim fosse, de que tipo seria, se

seria imprescindível e se há alguma tentativa de busca por resultados unificados de

pesquisa. Para a análise desta questão, selecionamos, ao nosso entender, as principais

97
Ibid., p.187.
246

palavras-chave citadas, objetivando indicar os pontos fundamentais colocados pelos

entrevistados. A partir daí, identificamos algumas categorias do discurso com intuito de não

apenas observar a diversidade do que foi dito a respeito da interdisciplinaridade, mas

também de quantificar e discutir o conjunto de termos, comparando as repetidas citações. A

quantificação (matematização) aqui cumpre o papel de hierarquizar as diferentes

abordagens expostas, visando fornecer-nos um grau de importância de cada tema

explicitado.98 As categorias são apresentadas a seguir:

Tabela com as categorias de palavras-chave obtidas relacionadas à

interdisciplinaridade (em ordem alfabética).

Biologia Hierarquia Pesquisa


Brasil Holismo Poder
Comunicação Individualismo Positivismo
Ciências Naturais / Sociais Intradisciplinaridade Processo
Cooperação Imprescindibilidade Resultado
Desafio/ conflito Método Subjetividade
Docentes Multidisciplinaridade Teoria
Ensino Objetividade Transdisciplinaridade
Ética Otimismo Temas
Fragmentação Prática Teoria e prática
Governo Paradigma ambiental
Graduação Pessimismo

Como resultado geral, percebe-se as grandes temáticas que a interdisciplinaridade

acaba por atingir, abordando assuntos desde criatividade e subjetividade até pessimismo e

individualismo. Apresentamos, em anexo (Q), tabelas com as palavras-chave e o resultado

final das categorias, totalizando cento e trinta indicações. Nesta tabela, em ordem

98
Temos plena consciência de que, embora tenhamos evitado o discurso repetitivo no processamento das
respostas, este método é limitado, já que cada entrevistado pode expor uma idéia utilizando vários termos
diferentes e, ao mesmo tempo, interpretá-la de diversas maneiras. Mesmo assim, cremos útil tal abordagem
por apontar e organizar os diferentes campos.
247

decrescente de número de citações, podemos observar cinco principais blocos de análise,

colocando as cinco primeiras categorias num único bloco (que somam quase 50% das

categorias citadas) e as demais em blocos menores. Eles são os seguintes:

I) Comunicação; Resultado; Desafio; Teoria+Prática e Método.

II) Holismo e Pessimismo.

III) Cooperação, Individualismo, Otimismo, Hierarquia, Ciências Naturais/Sociais,

Ensino, Paradigma ambiental, Pesquisa e Subjetividade.

IV) Ética, Graduação, Objetividade, Prática, Teoria e Transdisciplinaridade.

V) Biologia, Brasil, Docentes, Fragmentação, Governo, Imprescindível, Intra

disciplinaridade, Multidisciplinaridade, Poder, Positivismo, Processo e Temas.

Esta ordem decrescente de citação ordenará nossa narrativa analítica. Pressupomos, o

que pode supostamente é discutível, que uma maior presença de uma palavra-categoria nas

respostas – individuais e as agrupadas – revelam em algum grau a sensibilidade dos

processos vividos pelos pesquisadores entrevistados e relatados pelo discurso. Dentro desta

perspectiva, oposta ao uso cotidiano dos números, a quantidade aqui procura indicar as

emoções, as questões subjetivas inerentes ao processo de institucionalização dos cursos e

das práticas acadêmicas vivenciadas.

O maior número de comentários obtidos foi a respeito da necessária comunicação

entre pessoas, departamentos e instituições para se atingir uma verdadeira

interdisciplinaridade. A questão do diálogo, buscando um discurso comum que facilite o

entendimento entre unidades distintas, se mostra, portanto, o ponto mais frágil e urgente da

temática aqui tratada. Seguem alguns trechos de entrevistas:


248

Buscar pontos de tangência mesmo. Uma experiência boa (PADCT) que podia
ser explorada mais: o diálogo, não no papel e no trabalho isolado, mas no
seminário, no confronto, se expor para levantar problemas. Nos seminários se
via que de fato avançava, descobria pontos de contato. (UFMGProfD)
Nem sempre fácil por causa do diálogo. As coisas são muito herméticas. O
linguajar entre áreas diferentes é a grande questão; traçar um território comum
de entendimento. (UFMGAlunA)
O diálogo entre os departamentos, entre as disciplinas leva a uma proximidade.
Isolados vai ter uma realidade distorcida por que vai estar incorporando somente
as peculiaridades de cada disciplina. O caminho para chegar mais próximo da
compreensão desta realidade. (UFMGAlunC)
É possível uma certa re–aproximação, mas não significa integrar as áreas, mas
preservar a especificidade de cada uma, havendo diálogo, buscar elementos que
possam estabelecer uma ponte, aprofundando a área de conhecimento.
(UFPRProfA)
Tende a quebrar um pouco a visão reducionista. É um procedimento essencial
para que as pessoas tenham modéstia para o diálogo e a interação com
profissionais de outras áreas. (UFPRProfB)
Tentamos estabelecer diálogo. Ele avança porque, num primeiro momento, é
sobre os campos disciplinares, depois se aborda a problemática de uma situação
real e complexa por várias disciplinas e vai se aprofundando a maneira de se
trabalhar conjuntamente. (UFPRProfC)
No diálogo, fronteiras são desbloqueadas, interpenetração, aprofundando
questão levantada na leitura do mundo. Circular e conversar com especialistas.
(UFRJProfC)
No mercado, em empresas de consultoria ou qualquer área de intervenção,
unidades de conservação, educação ambiental, EIA-RIMA, zoneamento
ecológico e econômico, se fazem equipes interdisciplinares e aí há diálogo.
(UFRJAlunC)
Os professores têm muito claro a idéia do diálogo entre ciências. Mas a
dificuldade é que nem todos são abertos. Existe uma predisposição para permitir
esse diálogo. (USPAlunC)

Do mesmo modo, a carência por resultados aponta para a necessidade de estudos

mais palpáveis e que demonstrem a real viabilidade do projeto interdisciplinar no meio

acadêmico, o que se relaciona com a difícil questão da relação entre teoria e prática (o

quarto mais citado).

O livro produzido, negócio grande, com poucas propostas efetivas, um


apanhado geral, coisas específicas. Mas é possível chegar num resultado mais
unificado, integrado da pesquisa. (UFMGAlunB)
249

Sim, um resultado mais integrado, se o objeto da pesquisa está dentro do


paradigma ambiental. O resultado vai se aproximar mais da realidade ambiental.
(UFMGAlunC)
Houve um programa de pesquisa comum, com sete ou oito doutorandos da
primeira turma: teses individuais que se articulavam. Tivemos lacunas
evidentemente, pois nem todos participaram. Mas houve um resultado comum,
um conhecimento unificado. (UFPRProfB)
Reunir pessoas com olhares diferentes sobre a mesma realidade e tentar achar
muito mais resultados. Não a coloco só entre hard sciences, soft sciences,
natural sciences, mas também entre as ciências naturais, entre as ciências sociais
- vários níveis de interdisciplinaridade. (UFPRAlunB)
O mundo não é feito de pedaços. Tem que juntar de novo o que já foi junto.
Temos muitas informações e nos empenhamos em estudar a linguagem do
outro. E pode levar a um resultado mais integrado. O objetivo é contemplar as
partes e considerá-las como um todo. (USPProfD)

Ainda neste sentido se situa a terceira categoria do discurso mais comentada, que foi

ver a interdisciplinaridade como problema, desafio a ser superado, geralmente uma visão ao

mesmo tempo otimista e idealista, mas também realista pela necessidade intrínseca que a

temática levanta (embora durante as entrevistas tenha sido colocado, mais de uma vez, que

a interdisciplinaridade tenha se originado não do corpo docente e discente, mas de

instâncias superiores, órgãos governamentais avaliadoras e patrocinadoras).

O conhecimento moderno foi dividido nas grandes áreas, são blocos que têm
um papel didático também. Mas desenvolveram seu próprio jargão,
metodologias que são as barreiras. Fomos treinados a pensar na área que a gente
nasceu e cresceu. E o desafio é inegável. A Biologia tem uma abrangência
enorme, pois perpassa tudo. Mas igualmente importante é a Física, porque as
leis da natureza são rígidas. Interdisciplinaridade é como é que vamos, sem
apagar o disciplinar, trazer para um discurso comum. Deve ser tentado,
exercitado. (UFMGProfA)
Conhecimento, problema, pessoas, mas os três separados. Para juntar têm
conflitos de interesses de cada um. Um meio termo é muito difícil, porque ele é
político, na maioria das vezes deixou a esfera técnica. Andamos pouco.
(UFMGAlunB)
Ainda está em construção, existe muito discurso. Uma conexão a partir de sua
visão com outro conhecimento, fazendo a sua própria síntese, mas não
interagindo. Um grande desafio fazer sua leitura a luz de seu conhecimento, e
vai haver áreas de interface aonde podem dialogar. (UFPRProfA)
250

Segue novos paradigmas. A universidade segue a linha, mas enfrenta


problemas/dificuldades: pouca tradição em pesquisas, a institucionalização do
curso, a disputa entre departamentos (feudos do conhecimento). Mas é uma
etapa de adequação. Quando perceberem que pesquisa assim não é competitiva
com a pesquisa básica ou aplicada, disciplinar, mas complementares, a
resistência cai e se criam mecanismos institucionais como núcleos, centros, de
certa forma transversais aos departamentos, congregam disciplinas.
(UFPRAlunA)
Não sei se conseguiremos isso institucionalmente, que têm travas poderosas,
conseguir romper isso. Tenho esperanças, de forma positiva, não fatalista, mas é
difícil, não é simples, existe uma possibilidade, por causa dessa mudança de
visão de mundo, de ver que está impossível continuar desta forma.
(UFRJAlunB)
Bastante difícil. Sem visão estruturada. É melhor com questões concretas:
interdisciplinaridade concreta. Trabalhar em conjunto. Esforço grande.
(USPProfC)
Muitas vezes estudos com vários profissionais se torna multidisciplinar, sem
interação. Há dificuldade de sair do bitolado e ouvir o outro que não tem nada a
ver, aprender e contribuir para o trabalho. O curso é relativamente novo, muitas
vezes os professores têm dificuldade em adotar a interdisciplinaridade. Mas
estão sempre tentando melhorar. Aprendendo também. (USPAlunC)

A questão da metodologia também aqui se apresenta, uma vez que há um complicado

processo de parceria entre metodologias quantitativas e qualitativas no embate com os

dados empíricos das diferentes ciências, principalmente Exatas e Humanas.

Entendo interdisciplinaridade não como metodologia, é uma postura. Pode ter


uma postura interdisciplinar desde de que entenda seu papel, usando uma
metodologia disciplinar é possível. Não é fácil, vai depender das características
pessoais, da facilidade de defender pontos de vista. Mas exige desprendimento
das suas seguranças profissionais e não vai ser um bom pesquisador
interdisciplinar se não tiver segurança absoluta na tua disciplina, porque toda
vez que as coisas se complicam ou não se chega a uma conclusão, a estratégia é
se retrair na tua disciplina, a área que domina, reorganiza tuas posições e volta
para a discussão. Ela não é absoluta em uma pesquisa, tem momentos
interdisciplinares e momentos disciplinares até para que tenha uma definição.
(UFPRAlunA)
Nas Ciências Humanas, as fronteiras não existem, foram impostas pelo
positivismo dominante. Na metodologia aconteceu separação. Como objeto de
estudo, não tem como entender o homem de único ponto de vista, não existe
ponto de vista único. Para entende-lo tem que ter uma visão com vários
aspectos. O mais interessante é essas não fronteiras, essas interseções entre dois
251

saberes, diferentes formas de compreende-lo, estudos do homem, das sociedades


ou da sua natureza. (UFRJAlunA)

Com um mesmo número de citações se encontram palavras das categorias holismo e

pessimismo: embora não pareçam estar conectadas, demonstram que o trabalho conjunto e a

busca por uma visão mais abrangente da realidade que se coadune ao processo científico de

pesquisa se mostram complexos e utópicos.

Tende a quebrar um pouco a visão reducionista. (UFPRProfB)


Ter visão interdisciplinar significa explicar fato, fazer observação empírica
pegando elementos diversos, colocando referenciais para ver fenômeno, as
questões macro e as micro. (UFRJProfD)
É preciso minar. O sistema está sendo minado em alguns pontos, muito poucos.
E nada no bom sentido. (UFRJProfC)
É a questão principal, o seu nó são os rótulos. É impossível uma ciência
interdisciplinar, levaria anos produzindo o vocabulário comum para aproximar
linguagens: uma utopia. Sentar e ver onde está a diferença. Não sei se fazemos
ciência interdisciplinar. (UFRJProfD)

Mesmo que o embate entre cooperativismo e individualismo seja constante (em nosso

caso, foram citados no mesmo número) e que o otimismo tenha sido inferior ao seu oposto,

nos parece que as questões relativas ao trabalho coletivo provocam tanto conflitos quanto

possibilidades de engrandecimento pessoal, o que promove férteis cruzamentos entre

profissionais e áreas acadêmicas. O aparente pessimismo pode ser resultado de uma reação

às dificuldades em romper ou reformar a ordem estabelecida da academia

É possível, mas precisa um reaprendizado, considerar, valorizar o outro é


fundamental, admitir a competência de outra área. Reaprender de uma outra
prática, atuar conjuntamente. Há muita disputa, de status a respeito de hierarquia
de saber. (UFPRProfA)
Não se trata de unificar, nem justapor, mas de construir conjuntamente uma ou
várias problemáticas na interface da relação sociedade e natureza. (UFPRProfC)
É possível chegar num resultado mais unificado, integrado da pesquisa.
(UFMGAlunB)
Mas vejo com bons olhos e o nosso papel é não deixar desaparecer e abrir novas
opções de pesquisas, uma nova forma de encarar tais questões. (UFPRAlunA)
252

Analisando agora em blocos de respostas, percebemos que poucos (2,3%) se referem

a este modo de trabalho como vislumbrando um novo paradigma ambiental.

Sim, um resultado mais integrado, se o objeto da pesquisa está dentro do


paradigma ambiental. (UFRJAlunC)
A questão do campo ambiental é uma questão complexa e por força dessa
complexidade nenhuma ciência em especial tem condições de resolver, do ponto
de vista analítico. Então, é mais paradigmático esse sentido. Seria um
neoparadigma, talvez. (UFPRProfC)

Este mesmo resultado foi obtido para as categorias pesquisa e ensino, o que nos faz

imaginar que há uma falta de discussão sobre os temas no que toca às iniciativas

interdisciplinares na universidade. Cremos que o assunto mereça maior destaque, pois são,

na maioria das vezes, os principais motores do modo de ser da instituição. Assim, podemos

levantar a dificuldade de equilíbrio entre pesquisa, ensino e extensão, já que a pós-

graduação tem o poder de relacionar, pela atividade pedagógica, a teoria em contato com a

prática, não apenas acadêmica, mas social.

Pesquisa sim, ensino não, porque a grade curricular tem disciplinas das Ciências
Humanas e das Ciências Naturais, mantemos a especificidade dos saberes. A
unicidade e não unificação, se dá na construção de uma problemática comum,
guardando os tempos de cada disciplina que tem sua função específica. Elas vão
sendo informadas pelos outros campos, olhares que informarão, a cada objeto
das suas respectivas disciplinas, outras questões que deverão incorporar quando
exercitarem o seu saber disciplinar. (UFPRProfC)
A articulação, a visão de conjunto tem que ser constante e no ensino não é feita.
Isso serve para pesquisa de campo. Mas exige esforço brutal na academia,
porque é contrária, não no discurso, mas no fazer. (UFRJProfC)
Se a preocupação vai além da constatação, o objetivo é o meio ambiente no
sentido da melhoria, preservação ou conservação. Impossível não procurar
analisar as origens da poluição sem entrar em consideração sobre outros
aspectos determinantes. Fatalmente o pesquisador vai se deparar com questões
que ultrapassam sua especialidade e as quais ele não pode ignorar, como fatores
econômicos, sociais etc. (UFRJAlunA)

Subjetividade também aparece com esta quantidade de citações, embora esteja

contemplada em respostas de outras questões.


253

No que toca os profissionais que têm a questão ambiental como tema de


trabalho, esta abertura para questões mais subjetivas tem acontecido; por
necessidades do próprio trabalho. É muito comum encontrar trabalhos
interdisciplinares no sentido da troca de conhecimentos e para dar conta de
questões que sempre aparecem. No caso do curso isso é uma constante porque
atrai profissionais de diferentes áreas preocupados em dar conta das questões de
tais com as quais se deparam. É como se num determinado momento da
pesquisa ou do trabalho/prática aparecesse uma lacuna que precisa ser
preenchida por conhecimentos com os quais não se está familiarizado. As
diferentes disciplinas têm absorvido questões mais subjetivas e qualitativas; é
uma tendência bem visível. Nas áreas de pesquisa, a dicotomia tende a
desaparecer, porém na prática, educação ou medidas de controle ambiental,
ainda se observa dicotomia grande e dificultadora do trabalho. (UFRJAlunAQ7)
Na prática tem um hiato grande: tocar pesquisa, ter equipe, ter pessoas
interagindo. (UFRJAlunB)
Devo levar em conta montar experimentos para detectar qualidade ambiental,
mas também a subjetividade dos participantes, dos habitantes da região, como
vêm o ambiente. O quê é para eles qualidade ambiental? É do cotejo entre esses
dois conjuntos que terei uma idéia de dinâmica do processo. (UFMGProfC)

Num quinto bloco de respostas, pode-se perceber que ética, graduação, objetividade,

prática, teoria e transdisciplinaridade, embora pouco citados, apresentam, sem dúvida

alguma, extrema relevância, cada um ao seu modo e já algo comentado previamente.

Também o último bloco, cujas palavras foram citadas uma única vez, não deve ser

menosprezado, uma vez que corpo docente, relação com o Estado (governo) e as relações

de poder são questões básicas no tratamento das aproximações de pesquisa e ensino

disciplinares e conseqüentemente interdisciplinares.

Problemático. Nova atitude, associar ao conhecimento, ética, noção de justiça


social, equidade. (USPProfA)
Se não mudar essa lógica de relacionamento entre as pessoas, ter claro os
objetivos, que civilização optar, quais os nossos desejos, vai ficar muito no
discurso. (UFRJAlunB)
Fizemos no projeto a questão da consciência do sujeito, mobilização,
associativismo. E o papel do Estado, como é que atuaram neste caso.
(UFMGProfB)
Há muita disputa, de status a respeito de hierarquia de saber. Devemos dar conta
de seu papel, do jogo que vão enfrentar. As Ciências Sociais têm papel
254

importantíssimo de mostrar a relação de poder em um grupo. Há problemas nas


áreas de conhecimento e também os pessoais. (UFPRProfA)

Buscando diferenciar os cursos, mas menosprezando as diferentes respostas entre os

corpos docentes e discentes, encontramos as seguintes distinções. Na UFMG, constatamos

uma maior preocupação referente ao problema da comunicação, seguindo o resultado geral,

do mesmo modo que a falta e a busca por melhores resultados, a melhor adequação entre

teoria e prática. Os entrevistados vêem a interdisciplinaridade como desafio e

principalmente quanto à construção de um método que viabilize a aproximação disciplinar.

Na UFPR, a conclusão foi bastante semelhante, conferindo a busca de resultados, o desafio,

a comunicação e o método os problemas mais apontados. Na UFRJ, os entrevistados

referiram-se, em maior número, à necessidade de maior abrangência da pesquisa (holismo

como categoria), um certo pessimismo quanto ao estágio atual da interdisciplinaridade e,

como os demais, a falta de teoria e prática comuns que alcancem maiores resultados

visíveis. Na USP, percebemos um grande número de categorias com poucas repetições,

sendo estas centradas na questão do desafio, da metodologia e da teoria e prática

interdisciplinares.

Como resultado geral desta questão sobre interdisciplinaridade, percebemos o variado

contexto que do assunto emerge. Embora categorias como governo, temas e fragmentação

tenham sido pouco exploradas nas respostas, elas ressurgem em diversas outras,

demonstrando sua importância. Analisando as cinco primeiras mais citadas, percebemos

que a dificuldade e a necessidade de comunicação é levantada por muitos, indicando que se

deve atentar para melhorá-la e talvez ainda por um resquício da forte departamentalização e

especialização do meio acadêmico, criando barreiras aos parceiros no trabalho conjunto. Do


255

mesmo modo, aparece a busca por resultados mais efetivos, talvez não um resultado único,

mas mais integrado num mesmo patamar de objetividade. Isto seria uma questão a ser

enfrentada e que terá que esbarrar na conjugação de teoria e prática, através de um método

que desafie as heterogeneidades e consiga adaptar as diferentes visões de mundo de pessoas

e áreas do conhecimento científico. É o desafio da interdisciplinaridade ambiental.

2.2 Relativização da disciplina

Na sexta questão do questionário, indagamos se a emergência de cursos em meio

ambiente favorece, imprime ou exige uma relativização da disciplinaridade, do

reducionismo e do tecnicismo herdados do desdobramento da ciência moderna. A maioria

dos entrevistados (mais de quatro quintos) reconheceu ser necessário um meio termo entre

a especialização disciplinar (a pesquisa em profundidade) e a generalização interdisciplinar

(a pesquisa mais abrangente) na análise de seu objeto de estudo através do diálogo. Estes

pesquisadores apontaram para uma complementaridade e não contradição entre ambos

pólos. Na sua grande maioria, a comunidade acadêmica pesquisada demonstrou, mais uma

vez, ver a interdisciplinaridade como um grande desafio, às vezes ainda confuso, na busca

de se equacionar tanto problemas mais pontuais, quanto mais amplos. Ao mesmo tempo,

confessam que esta possibilidade é por enquanto mais teórica e ao nível de discurso que

prática concreta, pois ainda não consegue desenvolver-se plenamente na maioria dos casos.

Mas de qualquer modo, no caso de questões sócio-ambientais, é um projeto em construção,

levando a uma imprescindível reciprocidade entre áreas. Indicaram ainda que há momentos

difíceis, de tensões entre as áreas de ciências ditas hard e soft, mas uma maioria de
256

pesquisadores se sente realmente engajado nesta tarefa, buscando ir além de sua formação

original.

Se algum dia fui um especialista... A gente precisa ser menos especialista. Um


desafio, usar a especialidade na hora certa, mas abrir mão dela em questões mais
amplas. (UFMGProfA)
Falta num especialista uma base comum para conversar com outros e resolver
os problemas, principalmente os ambientais, que são complexos. (UFMGProfB)
Quanto mais se aprofunda em alguma coisa, mais implica em horizontalizar o
conhecimento; um movimento vertical que implica na horizontalidade... Em
qualquer conhecimento para avançar precisa se abrir. (UFMGProfC)
O avanço de conhecimento está necessariamente no ponto de tangência, na
borda externa da disciplina, o que não implica que se abandone a disciplina, o
discurso é construído na fronteira. Mas tem que dominar seu universo para
confrontar com o outro. (UFMGProfD)
Duas coisas: abertura de disciplina com bom conhecimento, pela consciência
dos limites para explicar toda a realidade e abertura para um diálogo
interdisciplinar. Mas não é necessário deixar trabalho em profundidade que traz
grandes contribuições. Evitar superficialidade, que é uma tendência.
(UFRJAlunB)

Portanto, alguns pesquisadores indicaram uma necessária abertura no trato

acadêmico, fazendo com que deixem de se fechar em si mesmos e busquem novos campos

paralelos às suas áreas de especialização:

Se você fosse conversar, por exemplo, com um taxonomista, isso é uma heresia,
é o grupo, a espécie ou a família que trabalha. Ele não está necessariamente,
tecnicamente falando interessado na interdisciplinaridade, porque ele nem pode
estar, ele quer ver uma questão específica. Agora se for fazer taxonomia
ecológica, ele dá chance a outros não-taxonomistas entendam o que eles falam e
escutem um pouco mais o que os ecólogos também falam. (UFMGProfA)
Por exemplo, o desenvolvimento da Matemática ocidental durante muito tempo
ficou emperrada, porque foi inventada pelos gregos e não tinha o conceito de
zero, de conjunto vazio, tinham horror ao vácuo, todo o universo estava
preenchido de alguma coisa, quando não sabiam, diziam que era éter. O
conceito de zero, o nada, veio dos budistas. Enquanto a Matemática não
incorporou esse conceito, que é oriental, não conseguiu avançar. Isto é, o
conhecimento exige na verdade uma espécie de abertura para o universal,
realmente sem preconceito. (UFMGProfC)
257

Eles apontam para a necessidade dessa formação mais generalista como base da

especialização, sendo capazes de ouvir e se interessar pelo outro. Ao mesmo tempo,

concordam que uma forte disciplina é condição sine qua non para uma boa

interdisciplinaridade. E neste jogo de forças, a humildade é dita como primordial no

relacionamento entre participantes, uma vez que a arrogância impede a parceria objetivando

o conhecimento. A questão da vaidade, do poder é o grande problema para alguns,

demonstrando que é a questão das relações humanas, de visão de mundo de cada um que

acaba por esbarrar na lógica da competição.

O problema foi menos intelectual do que emocional. As pessoas percebiam a


necessidade de diminuir o reducionismo, mas no fundo não querem, sem boa
vontade. Tendência ao individualismo. Acham que a disciplina basta por si.
Faltou humildade de uma boa parte dos alunos. (UFPRAlunC)
Até entre as disciplinas de um mesmo curso, às vezes tem panelinha, cada um
com seu grupo e aí fica sacaneando a pesquisa do outro, é muito complicado. E
isso é a maior barreira. (UFRJAlunB)
Humildade é sempre necessária, porque ser arrogante é erigir um muro, que
impede completamente o fluxo da compreensão... Cria um mundo à parte que
acha ser o correto. Não existe um mundo correto, existem visões de mundo que
podem, em conjunto, resultar numa percepção da realidade de uma maneira que
consiga alcançar a resolução de certos problemas. (UFMGProfB)

Um entrevistado discorreu sobre a pergunta distinguindo que realmente a

interdisciplinaridade promove a relativização da disciplinaridade e do reducionismo, mas

não concordou quanto ao tecnicismo:

Ajuda a relativizar a disciplinaridade, mas tenho dúvidas se ajuda a diminuir


tecnicismo. O tecnicismo se reforça cada vez mais; não sei se tem a questão de
ritmos. O ritmo desse movimento contínuo da tecnologia se aprofundar é muito
maior do que o nosso ritmo de questionamento; então por isso temos que ver o
prazo que a gente está podendo ficar olhando sobre o objeto. (UFRJAlunCQ4)

Dois dos entrevistados responderam mais negativamente, isto é, demonstraram mais

receios quanto à relativização disciplinar do que defenderam um equilíbrio saudável entre


258

abertura e fechamento cognitivo. Ambos partiram mais para uma defesa das

especializações, criticando o generalismo e a superficialidade, não a aceitam como uma

decisão radical. Muitos não aceitam ser generalistas, mas sim ser especialista capaz de se

abrir, concordando que “todo bom especialista é mais do que apenas especialista”. Aceitam

que não há incompatibilidades, mas dificuldades, pois a abordagem analítica é mais

simples, mais operacional, já que reduz o universo, ficando mais fácil trabalhar. A área de

interação se mostra sempre mais difícil, dependendo do objeto de estudo.

Não sei, a gente não pode dar conta de tudo. Adoraria conhecer mais
Antropologia, mais Sociologia, mas não dá. Então sou psicóloga, meus
interesses são em Psicologia e vou começando a buscar de outros lugares. Não
vou saber grandes filosofias ou toda a Antropologia. (UFRJAlunA)
Acho ruim aquele que entende muito de muito pouco e se arvora de entender
muito de muito. (UFMGProfB)
Todas as descobertas foram feitas pelo reducionismo, tem que reduzir as
variáveis para entender algumas coisas. A especialização não dá para abandonar,
mas não pode perder as visões das coisas. Fazer perguntas e responder mais ou
menos amplamente. O papel da ciência é responder perguntas e por isso tem que
saber fazer boas perguntas. Só faz boas perguntas quem entende o trabalho e se
for especialista. Senão vai ficar falando coisas óbvias. (UFMGAlunA)

Alguns (7,1%) apontam para a possibilidade de se atingir um resultado mais

unificado de pesquisa, corroborando com uma idéia universal de natureza, já visto

parcialmente na questão prévia.

Um resultado integrado é perfeitamente possível, sempre considerando esses


pressupostos de interação. (UFMGProfB)
Chegar a um conceito unitário (e toda ciência tem um conceito unitário) que
organiza, você pressupõe na verdade uma visão integral da natureza, um certo
conceito de mundo, de natureza e ao mesmo tempo de outras coisas, se diz o que
é natureza, diz o que não é natureza. (UFMGProfC)

Dois pesquisadores entrevistados indicaram a falta de uma abordagem mais

filosófica, mais questionadora. Ou seja, concordam que o aprofundamento de um


259

determinado campo do conhecimento pressupõe necessariamente questões filosóficas,

epistemológicas e isso implica transcender o campo particular.

A gente tem um curso que é metodologia de pesquisa, sobre mentalidade,


filosofia da ciência, teoria do conhecimento e no seu próprio aspecto literário, a
sua dissertação. Então, há uma preocupação muito clara. (USPProfA)
O que falta no [curso], uma crítica, é Filosofia,... para o meu trabalho faltou,
mas falta um embasamento que já não tem na graduação. Falta entender que não
tem Filosofia, pelo menos para gente saber para quê, aonde que ela pode entrar,
aonde que ela pode ajudar. (UFRJA1unAQ3)

Também se lembrou da importância da ética no fazer científico, que faria com que os

pesquisadores percebessem sua inserção e responsabilidade social perante o que estuda.

A gente tem que estar sabendo fazer isso em equipe, sabendo trocar, sabendo o
porquê, qual a utilidade daquilo ali. Mesmo que a gente não saiba se vai ter
utilidade, é assim mesmo, ciência tem que se investir, às vezes não vai dar em
nada, mas às vezes também dá alguma coisa. Não pode é se perder e ficar só
naquilo, dessa coisa de se distanciar do porquê daquilo, a gente tem que ter um
motivo. O cara que faz ciência pura tem que ter um outro tipo de consciência, de
abertura e do porquê aquilo; tem que estar claro que tem alguém pagando pra
fazer isso, uma questão ideológica, a ciência não é neutra, estou a serviço de
alguém. Isso não pode, de maneira alguma, deixar de ser colocado na
universidade, quando a gente está se formando. (UFRJAlunB)

Houve a lembrança, embora de poucos, de que a necessária abertura disciplinar se

coaduna ao que era tido antigamente como História Natural. Ao mesmo tempo, o trabalho

de aproximação entre áreas exige maturidade do próprio campo que está sendo construído,

para avançar numa área específica e ao mesmo tempo nas áreas de contato. Essa perda de

especificidade, de se encantar num saber novo é declarada como uma certa infantilidade do

campo que ainda não definiu seu objeto com clareza, seus marcos teóricos. Dois

entrevistados citam como novidade embora um a relativize.

Existe uma tradição hoje soterrada de uma visão de Ciência mais ampla. Essa
especialização excessiva meio nefasta é muito recente; uns 100-150 anos atrás,
até a avalanche positivista, as Ciências eram muito mais integradas. Tínhamos
260

em mente que é possível reconstituir algumas dessas tradições teóricas, pensar


no passado para recompor algumas linhas de conexão. (UFMGProfCQ3)
Uma grande vantagem é trazer à tona a possibilidade de uma ciência diferente,
que se baseia no diálogo e não apenas no ensaio com testemunhas, uma ciência
de compreensão. (USPAlunC)
É uma ‘nova’ forma de se trabalhar; nova entre aspas. (USPAlunA)
O sujeito querer avançar na sua área específica e ao mesmo tempo nessas áreas
de contato implica em certa maturidade, em ser capaz de distinguir as
abordagens. Uma abordagem redutora, analítica por definição que faz cortes na
totalidade tentando aprofundar uma visão específica. Mas tem que ter também o
momento da crítica da reconstrução da totalidade. Como se fosse buscar seus
instrumentos, elementos na sua especificidade para aplicar no contexto maior.
(UFMGProfD)

É justamente na relação entre pesquisador e o empírico que surge a grande

dificuldade da pesquisa, mas também uma grande inovação no contexto sócio-ambiental.

Uma vez que sujeito e objeto se coligam de modo intrínseco e inevitável, compreende-se a

necessidade de uma nova epistemologia que dê conta desta relativização científica do

paradoxo sujeito-observador/objeto observado. Para isto, duas fases são apontadas como

necessárias: relativização e reducionismo dialógico. Na primeira, há uma “desconstrução

disciplinar”, como que retirando referenciais e, depois, reconstruindo sua disciplina nas

pontes com as demais. Citou-se também a necessidade de trabalhos coletivos, sendo a

metodologia calcada na montagem de projetos conjuntos onde cada tese responde por um

pedaço do problema maior.

Um primeiro momento, com cuidado para não cair em generalidades, se faz


dentro de um quadro que possa dialogar e ter um quadro de referência; tem que
se ter uma relativização das áreas de conhecimento. Esse reducionismo cai por
terra. O segundo momento é um retorno a sua disciplina. Não um reducionismo,
mas conseguir através de sua disciplina estabelecer conexões. (UFPRProfA)
Há uma tendência a reassumir a disciplina. A tendência é criar uma reflexão
crítica a posteriori a respeito das competências disciplinares. Disciplinas têm
objetivo de lançar dúvida. Tende a quebrar um pouco esta visão reducionista.
(UFPRProfA)
A gente tem que estar sabendo fazer isso em equipe, sabendo trocar, sabendo o
porquê, qual a utilidade daquilo ali. (UFRJAlunA)
261

O trabalho de pesquisa interdisciplinar é colocado por uma minoria como

contribuinte para uma crítica ao reducionismo e colabora para um efetivo trabalho prático.

A universidade é vista como uma soma de extensão, pesquisa e ensino. Apenas um

pesquisador sugere um trabalho mais pragmático e ativo perante a sociedade.

E também por ser um projeto diretamente ligado ao trabalho de campo. Isso


colaborou muito para fazer a crítica do produtivismo, que provoca as mudanças
ambientais. (UFPRProfD)
A universidade não está buscando trabalhar com projeto porque obriga a pensar
no objetivo e demandam ter outro profissional. Se tiver a disciplina bem
articulada, numa visão estratégica de curso, tem que ter uma práxis de campo,
engajamento e cooperativa, trabalhar com atores locais: dar ao aluno uma
vivência prática. Essa visão pragmática do meio ambiente é um negócio.
Pesquisa-ação é um conceito que todo mundo fala, mas poucos aplicam. A visão
conceitual é corretíssima, mas a extensão não pode ser deixada de lado, ela pode
ser hiper eficiente. (UFRJProfB)

Quanto à Gratificação de Estímulo ao Docente (GED) oferecida pela CAPES, apenas

duas pessoas alertaram para a tendência da interdisciplinaridade passar por crises. O CNPq

e a CAPES e mesmo a FAPESP são criticadas por não darem tanto valor à questão

interdisciplinar. Há problemas na hora de publicar artigos e pedir bolsa de fomento para

pesquisa sem uma área definida. O Projeto Nacional de Excelência (PRONEX) também foi

citado com a intenção de indicar o privilégio de grupos antigos, mas também criticado pelas

dificuldades encontradas por novos grupos.

Na hora de escrever o projeto e pedir bolsa para a FAPESP, não sabe a área.
Então acaba optando a área do orientador ou dos pareceristas de determinada
área mais propensos a aceitar essa diversidade, isso é uma certa dificuldade que
os alunos enfrentam também. (USPAlunC)
O GED é elemento altamente perigoso; o positivo é a qualidade e o negativo a
pontuação. Começa a briga pelo aluno melhor. A CAPES está transformando o
programa em uma colcha de retalhos, não afetando só aqui, mas todas as pós
graduações. (UFRJProfB)
262

Por outro lado, uma generalização excessiva é também criticada, por trazer o risco de não

somar com consistência científica aos pareceres de outros especialistas.

Sociólogo que trabalha com saúde começa a interpretar todos os fatos de saúde
e dá as suas explicações superficiais, porque não trabalha em colaboração com
sanitarista ou profissional de saúde. Se trabalhar questões do ponto de vista
sociológico, aprofundasse e colocasse questões para os outros profissionais,
desse diálogo nasceria uma interdisciplinaridade muito mais proveitosa. (ex.
biólogo e ciências sociais na utilização de espécies). Precisa dialogar. E, que
medida poderia sugerir que fosse mais adequada para essa comunidade, essa
sociedade mudar seus hábitos ancestrais, etc., que às vezes são da própria
sobrevivência e que preciso mudar em prol de uma preservação que pode ter a
sua necessidade. Mas não vou mudar sem a colaboração dessa população.
(UFPRAlunB)

Outro ponto importante foi a comparação entre as áreas do conhecimento científico,

identificando diferenças entre humanas e naturais:

Com os alunos foi igual com os professores: os das Ciências Naturais vieram
mais dispostos (maior feelling) para o conhecimento dos fenômenos sociais do
que vice-versa. As Ciências Sociais consideravam problemas ecossistêmicos
como detalhes, um posteriori ou de simples solução (resquício de visão
mecanicista da natureza num cientista social). Enfatizar processos ecológicos de
difícil apreensão, observação, que são limitantes para a sociedade.
(UFPRAlunC)

Apontou-se também para a possibilidade da questão ambiental provocar o surgimento de

profissionais diversificados, interdisciplinares, ou seja, polivalentes.

[Um aluno] veio da Biologia, não conhecia nada das Ciências Sociais, das
humanas, aquilo era uma caixa preta... Ai já não é um trabalho interdisciplinar,
mas a interdisciplinaridade dentro da própria pessoa que já vai lidando com
umas e outras questões. (UFRJProfA)
263

Outros dois pesquisadores entrevistados entenderam ‘disciplinaridade’ como

disciplina ou curso, matéria, cadeira; aquela que o professor se encarrega de construir para

lecionar dentro de um currículo departamental. A intenção era questionar ‘disciplinaridade’

como área disciplinar ou área de conhecimento científico, mas mesmo assim foi útil na

análise de suas idéias referentes ao contato entre pensamentos diferentes. Apenas uma

pergunta não obteve resposta.

2.3 Dicotomia natureza-sociedade

Na sétima questão, perguntamos como, de modo geral, ciências com tendências mais

positivistas, objetivas e quantitativas como a Naturais e Exatas têm absorvido questões

subjetivas e qualitativas como as éticas, filosóficas das Ciências Humanas e Sociais; se há

uma real dicotomia e se tais discussões têm ocorrido durante o curso.99 Para analisarmos

esta questão e resumirmos as respostas para posteriormente compará-las quantitativa e

qualitativamente, descortinamos seis opções de resultados a partir do conteúdo básico

exposto pelos entrevistados. As alternativas são as seguintes:

• Ambas: quando o pesquisador dá a entender que as duas tendências devem ser

contempladas.

• Dificuldades: indica que não segue uma solução fácil e não define a resposta.

• Qnt / Qlt: quando o quantitativo ou o qualitativo parece ser a melhor opção.

99
Sabemos que tais estereótipos não se conferem rigidamente, havendo vertentes mais ou menos positivistas
em cada uma delas. De qualquer modo, cremos que existe divergências epistemológicas entre as diferentes
ciências, principalmente entre as humanas e as naturais, distinções tais aqui pesquisadas.
264

• CN => CS: semelhante ao prévio, mas se referindo à maior facilidade das Ciências

Naturais se comparada às Ciências Sociais (como recém apontado).

• Não Resposta: quando há desvio do assunto abordado.

Esta quantificação a partir dos diferentes pontos de vista dos pesquisadores é usada

aqui visando revelar até que ponto, para o efetivo trabalho interdisciplinar, é possível se

adequar as perspectivas, em princípio contraditórias, tecnicista matematizante e a

humanista historicizante. Como resultado geral de análise, apresentamos uma tabela, em

anexo ao final da tese, buscando demonstrar as respostas relativas à dicotomia entre

ciências quantitativas e qualitativas entre cursos e entrevistados. Pela tabela, podemos

sintetizar um quadro final, comparando numericamente os diversos discursos: a resposta

‘ambas’ resultaram em vinte (sendo que duas respostas colocam uma posição reforçadora

do qualitativo e uma destas ainda apontam, mesmo assim, dificuldades); as ‘Não resposta’

foram três; os que apontaram dificuldades e um discurso mais quantitativo foram dois e as

demais (Qualitativo e CN+CN) uma vez citados cada.

Vendo este panorama final, podemos presumir que os entrevistados não percebem

uma completa dicotomia que traga dificuldades ao trabalho interdisciplinar no que se refere

às análises qualitativa e quantitativa da realidade sócio-ambiental, uma vez que uma grande

maioria indicou como necessário lidar com ambas as tendências. Os exemplos aqui

expostos estão em tópicos:

Ecologia como “hard science”, com modelos. Discurso mais personalista,


subjetivo, precisam se aproximar, resistência, coisas comuns, mundos
diferentes, menos prolixo, mais objetivo, comunicar. (UFMGProfA)
Abertura e tolerância para entendimento recíproco mínimo, compreensão
mínima compartilhada. (UFMGProfB)
265

Pressupostos éticos. Economia com fragmentação da ética contemporânea, idéia


do mundo, da sociedade, da história. Universalidade do bem, entrevistas abertas,
dados secundários, primários, próprios. Objeto complexo. (UFMGProfC)
Tudo se encontra, abordagem crítica, abrir mão curiosidade, interesse,
articulação, reconstrução ou restauração da parte com um todo. Analítica. Visão
totalizante, mais holística. Dosar as duas abordagens resistência. (UFMGProfD)
Sociólogo e estatística. Mesmo que não use, para dialogar: conversação.
(UFMGAlunC)
Na metodologia, primeira fase o instrumental positivista quantitativo. Há lugar
para essas vertentes, em momentos distintos. Se confrontam e se
complementam. Voltar ao seu referencial, nicho. (UFPRProfA)
Ajeitamento no plano psicológico, construção de projeto intelectual,
aprenderam a se conhecer, respeitar, valorizar, não consenso, interações,
parcerias, visões mais enriquecedoras, qualitativas ou quantitativas. Não receitas
pré-definidas. Sucesso variado, maneira poderosa e inovadora. Comitês de
orientação: acompanhamento duplo. (UFPRProfB)
Resistência, conversão, diálogo entre qualitativos e quantitativos. (UFPRProfC)
Dicotomia entre Ciências Sociais e Naturais. (UFPRProfD)
Ciências Exatas interferência é positiva, Ciências Sociais duas características,
grandes posturas ideologia, biólogo terceiro pólo conservacionista. Não
necessariamente suplementares. Baixar um pouco a pretensão de querer impor o
seu ponto de vista. (UFPRAlunA)
Terminologia e de classificação. Definição prévia área médica, métodos visões
de mundo, definir bem as competências. Questão de escolha. É preciso integrá-
lo partindo dessa visão global, holística. perspectiva reducionista. (UFPRAlunB)
Ciências Naturais, abertura não positivista ou tecnocrata. A Agronomia,
Ciências Ambientais. pré-disposição pessoal, psicologia, do indivíduo bitolado.
Abandonar sua disciplina, construída em grupo e sobre problema concreto.
Entrar por vontade própria. (UFPRAlunC)
Qualitativo quantitativo. Responder as questões. Se casam, como teoria e
prática. Um pouco dos dois. (UFRJProfA)
Interseção é área de liminaridade, dois estados casando, particípio presente.
Complicação: tripla liminaridade sujeita a tabu. Evita, rejeita, não lida com
naturalidade a flexibilidade; estranhamento familiaridade. Ciências Naturais não
tendência positivista; objetivas qualitativas também. Construção, presunção,
onipotência da ciência, visão global do mundo, sem ver o particular. Entropia. É
preciso trabalhar todas, saber local sustentabilidade também de saberes.
Reducionista ciência, generaliza: é reducionista da diversidade a um nível só.
(UFMGAlunC)
Caminhar entre as duas: qualitativa e quantitativa, psicólogos experimentais
vertentes quantitativas e positivistas, rígidos e autoritários, parâmetros mais
fechados. Qualitativa se tende a relativizar mais. Quantitativo, objetivos
dificuldade qualitativos, subjetivos. (UFMGAlunC)
A abertura para questões mais subjetivas trocas de conhecimento constante.
Lacuna preenchida disciplinas têm absorvido questões mais subjetivas e
266

qualitativas; tendência. Pesquisa: a dicotomia tende a desaparecer, prática,


educação ou medidas de controle ambiental dicotomia. (UFRJAlunA)
Caminho do meio. Morin, visão mais holística, visão das interdependências.
Objetivo: conseguir transmitir etapa. (USPProfA)
Fundamental, técnica não existe no vácuo, avaliação técnica de condicionantes
na engenharia. (USPProfC)
Tem que assimilar ambos os lados. Precisão matemática serve se anti-ética?
Modelos exatos são apenas modelos. Dados diferentes. Variabilidade muito
grande, pode prever ou não. Às vezes dá certo ou não. (USPProfD)
Pergunta fundamental. Não tenho grandes respostas. Não ser positivista. Vício
de prática segmentada, departamentalizada, positivista, quantitativa. São
cobrados. Necessidade de compreender as pessoas, espaços. Quantitativos tem
que ter abertura. Difícil, não é homogêneo entre os professores. Passado
ambientalista, pesquisa qualitativa responde mais. Mestrado quase de militância.
Se choca o quantitativo com crenças, mais qualitativo. Diálogo. (USPAlunC)

As respostas apresentadas que indicaram dificuldades perante o dilema qualitativo-

quantitativo são as seguintes e em geral não apontam para alternativas:

Complicado. Rigor científico, metodologia: visão muito diferente. Dificuldade,


não racionalidade, disciplinas diferentes, nebulosa. Coisa nova. (USPAlunA)
Questão metodológica, problemas. Não métodos eficazes. Delineamento
experimental aprendizado. Sócio-economia, colcha de retalhos com métodos
distintos. Muito difícil. (UFMGAlunB)

As respostas dadas que parecem apontar criticando ou defender, valorizando a

preferência pela tendência mais quantitativa, numérica, foram as seguintes:

Não tem absorvido. Nem há tendência. Brasil não produz, valores éticos,
filosóficos. EUA, nova dimensão saber prever riscos e impactos gerados;
acelera e não muda de rumo. Não subjetividade, qualitativa. (UFRJAlunC)
Não se perde o rigor científico. Uma aproximação se aprende a ver melhor a
partir de outros pontos de vista. Mas a metodologia científica, a avaliação
realmente científica tem cunho de validade. (USPProfB)

Algumas respostas seguiram pelo caminho preferencial comparativo entre ciências,

indicando principalmente uma tendência a ver as Ciências Naturais como mais preparadas

para a análise sócio-ambiental:

Ciências Naturais à frente das Sociais, dificuldade. Avançar e entender mais,


circula melhor nas áreas. Dificuldades. (UFRJAlunB)
267

Conclusões preliminares

Nas últimas décadas do século XX, parecem ter vindo à tona correntes ao mesmo

tempo bastante preocupantes, mas também reformuladoras no sistema geo-político

mundial, com o início e o fim da chamada Guerra Fria, o declínio do welfare state europeu

e americano e a integração de grandes blocos econômicos por todo o mundo. Parece-nos

que isto se enquadraria num grande movimento sócio-comportamental em todo o mundo

que fez com que se promovessem fortes transformações nos mais amplos níveis da

existência humana. O movimento estudantil das décadas de 60 e 70, é, provavelmente,

resultante não apenas da reação contra as guerras mundiais e o poder bélico das super

potências, mas também da luta contra uma poderosa e esmagadora racionalidade

economicista e espoliadora das riquezas tanto sociais quanto naturais. Este processo de

revolução cultural nos parece marcar uma guinada de extrema importância na concepção

histórica da sociedade em geral e do meio acadêmico em particular.

A contra corrente meramente disciplinar que se irrompe a partir daí, nos parece que

deflagrou um longo e imprevisível caminho de rearranjo científico e universitário que

parece se processar lentamente nas instituições mundiais. Embora, como apontado, a

articulação disciplinar tenha sido usada como possível ideologia dominante (no sentido de

Marx), a interdisciplinaridade parece passar a ser, hoje em dia, bandeira contra a

perspectiva alienante atomística e positivista que percebe a parte como trivial e fonte de

todo e qualquer saber sobre os meios físico, biológico e social – um movimento anti-

reducionista no sentido ao holismo.


268

Desde então, a história da relação natureza-sociedade vem se encarregando de criar,

procriar e recriar temas, idéias e obstáculos para a completa observação e o adequado

conhecimento sobre nossa existência terrena. A busca por novos conceitos, termos, atitudes

e filosofias parece confirmar as eternas crises por que passa a humanidade no contato com

o imprevisível e irredutível que nos cerca. Procuramos constantemente discernir possíveis

razões para a miscigenação cultural, ideológica e disciplinar, esbarrando com os inúmeros

problemas da dialética entre possíveis opostos ou pontos de vista aparentemente

contraditórios.

Assim, podemos perceber que nos processos dinâmicos de institucionalização de

equipes interdisciplinares nas universidades várias tensões se apresentam nos diferentes

espaços acadêmicos. Da problematização apontada durante os capítulos precedentes,

indicamos campos de disputas onde os novos cursos de cunho interdisciplinar se inserem,

enfrentando tensões entre teoria e prática, erudição-populismo e prática-técnica; enfim,

conflitos que brotam da tripla relação universitária (ensino, pesquisa e extensão). Neste

sentido, percebemos que tais questões conformam problemas essenciais do modo de ser

acadêmico universitário e incide na definição clara de seus objetivos fundamentais: se

concebe uma perspectiva mais humanista e/ou tecnicista (e neste sentido, mais inclinado ao

tecnicismo ou ao politecnicismo); se proporciona maior espaço e uma melhor definição do

campo propício ao exercício da crítica (contra o declínio das humanidades e a favor do

atendimento de novas expressões culturais).

Do mesmo modo ocorrem distinções, ou melhor, variações nas inter-relações entre a

universidade e a sociedade, envolvendo os cursos pesquisados: a articulação entre uma

cultura individualista e normativa e uma cultura popular, democrática, coletivista,


269

universalista. As interações sociais da universidade são inúmeras, desde oferecimento de

cursos, palestras e seminários abertos ao envolvimento com o setor empresarial (prática

científico-tecnológica e responsabilidade social), evitando qualquer distorção comercial-

institucional e o pragmatismo consumista. Neste sentido, sempre haverá uma relação de

hierarquia podendo ser ou não mais democrática, assumindo autonomia ou submissão ao

poder externo. Tensões epistemológicas e éticas também compõem o intrincado confronto

de relações intra e extra academia, em cujos institutos, departamentos e centros,

interdisciplinares ou não, podem encontrar o desenvolvimento de um discurso acadêmico

mais audível e inteligível para a sociedade.100

A interlocução criativa e comunicativa entre as diversas áreas de conhecimento, em

especial entre as Ciências Naturais e as Sociais, traz à tona a questão departamental e

disciplinar como barreira aos espaços interdisciplinares possíveis e que resume o atrito

entre a rigidez técnica e disciplinar e a flexibilidade – o que conflui em perspectivas multi,

inter ou transdisciplinares. A problemática ambiental como objeto de estudo não apenas nos

faz perceber que deve ser tratada interdisciplinarmente, como também nos faz deparar com

a complexidade do assunto pelo fato do objeto se transformar em sujeito (e vice-versa). O

estudo científico do ‘espaço’ ocupado e transformado pela ação humana sempre foi tema

para os mais diversos campos dos saberes.

100
Lembramos que algumas destas questões serão levantadas apenas em caráter de hipóteses de trabalho e
serão examinadas nos demais capítulos. Outras serão levantadas apenas para apontar campos de tensões, não
sendo objetos desta pesquisa, como, por exemplo, a questão do financiamento e do suporte dos programas, a
influência de reitorias e sub-reitorias etc.
270

Economia Biologia Sociologia

Engenharias Medicina
Ambiente
Psicologia
Geografia/logia
Antropologia

Figura 2. Esquema reunindo diversas áreas em torno da questão ambiental.

Mas as divisões acadêmicas do conhecimento humano em articulação coletiva na

construção da interdisciplinaridade não devem se ater, ao nosso ver, apenas à pesquisa e ao

ensino. As conclusões e as resoluções resultantes de teses em geral são criticadas por

carecerem de maior praticidade, porém, ao mesmo tempo, não se pode abandonar a

pesquisa pura, que não têm aplicação imediata. Assim, vemos que a função meramente

acadêmica se desgasta nesse processo se não se conectar ao prático, já que as linguagens

entre os campos científicos tanto diferem. Um menor hermetismo pelo lado da ciência,

professores, pesquisadores, pensadores, não nos tornaria mais enfraquecidos: as fronteiras

se esvaecem e os pólos se esbarram, mas sem perder unidade, devendo corresponder a uma

verdadeira universidade dos saberes com um componente democratizante ativo. Isto é, uma

porção social do fazer científico que seja promissor em termos de combate tanto a

degradações ambientais quanto a injustiças sociais.101 As Ciências Ambientais têm, ao

101
As organizações não governamentais, como resultado do enfraquecimento do Estado e/ou como ganho de
poder de cidadania, têm cumprido este papel de modo cada vez mais fértil, escapando à inatividade de órgãos
públicos, mas que devem promover parcerias para sua plena eficácia. Como relatado por um entrevistado, as
parcerias ONG-Empresas-Universidade são bastante promissoras.
271

nosso ver, o compromisso de idealizar tal aproximação, em uma sociedade tão

economicamente dirigida e irrisoriamente protetora de sua própria vida.

Para tanto, será preciso que cada participante se auto perceba como integrante de um

todo maior, mas que se adeque, do mesmo modo, às tendências ao comportamento

fortalecedor de autonomias, ponto nevrálgico da questão interdisciplinar (uma vez que nos

esforçamos também por afirmar campos restritos de poder – sobre nós mesmos, família,

profissão, esfera sócio-cultural etc). Ou seja, o esforço do trabalho interdisciplinar exige ao

mesmo tempo uma submissão ao fazer conjunto e a manutenção das ‘partes’ constituintes,

uma árdua tarefa de equilíbrio entre ego e altruísmo.102

Por outro lado, percebe-se que a tendência interdisciplinar acaba por promover um ir

além da mera articulação, envolvendo uma integração – a transdisciplinaridade. Para nós,

este processo se enquadra perfeitamente como reação (ou reflexividade) a um ‘pensar

isolacionista’, fragmentador, desarticulador do todo geo-bio-psico-social. Nosso

pensamento sobre a complexidade não descarta, de modo algum, a simplicidade,

constituindo a questão da difícil, porém inescapável interação entre continuidade e

descontinuidade, como veremos a seguir.

A interdisciplinaridade, em geral, é percebida como um grande desafio.103 A maior

preocupação refere-se ao problema da comunicação, do mesmo modo que a falta e a busca

102
Apontamos também para a necessidade, na formação da equipe interdisciplinar, que o critério deva ser
espontâneo, uma vez que a tentativa de se reunir pessoas sem qualquer vínculo emocional ou profissional
tende a esbarrar em atritos prejudiciais à coletividade. Isto parece reforçar a perspectiva sociológica de Kuhn.
103
Na dissertação Da lógica dicotomizante à busca de novos paradigmas: o discurso de pesquisas ambientais
do Rio de Janeiro, Mônica A. Serrão (UFRJ-EICOS, Instituto de Psicologia, 138 p., 1995) descreve diversos
pontos coincidentes como os já apontados: o desafio do caráter interdisciplinar na pesquisa ambiental, as
dificuldades quanto ao relacionamento entre sujeitos (cooperação, diálogo, disputa de poder, vaidade e
especialização), o abismo teoria-prática e a falta da extensão como modo de ser universitário, o papel das
ONGs como intermediadoras da relação entre os saberes acadêmico e popular, a ambigüidade do “imaginário
272

por melhores resultados e a adequação teoria-prática. Assim, os entrevistados percebem

uma clara necessidade da construção de uma metodologia que viabilize a aproximação

disciplinar, sendo este resultado bastante homogêneo entre os cursos. A maioria dos

entrevistados respondeu que é possível e necessário um saudável equilíbrio entre o estudo

disciplinar e a análise interdisciplinar através de uma melhor prática dialógica, apontando

para a complementaridade do trabalho específico e geral. Por conseguinte, podemos

concluir que os entrevistados concordam com a desconstrução da dicotomia entre as

análises qualitativa e quantitativa da realidade sócio-ambiental, indicando a possibilidade

de lidar com ambas as tendências.

social brasileiro” perante preservação e exuberância nacional e, finalmente, a necessária superação do


paradigma da dicotomia.
CAPÍTULO IV

PARADIGMA

Introdução: Epistemologia e Crise do Conhecimento

1. A Complexidade da Questão Ambiental

1.1. Conceitos ontológicos

a. Vida

b. Natureza

c. Natureza humana

1.2 Paradigma

a. Mudança paradigmática

1.3 Conceitos epistemológicos

a. Complexidade

b. Abordagem sistêmica

c. Transdisciplinaridade

2. Desenvolvimento sustentável

Conclusões preliminares
274

Introdução: Epistemologia e Crise do Conhecimento

A teoria em si e por si
para nada serve se não nos faz crer
na conexão dos fenômenos.
Goethe

Neste quarto e último capítulo da tese, desenvolvemos a idéia de paradigma,

discernindo temas que compõem o quadro referencial do assunto a partir do patamar

interdisciplinar. Dentro da perspectiva de análise aqui trabalhada, procuramos indicar as

questões objetivas-subjetivas inerentes ao processo de institucionalização da

interdisciplinaridade e de suas práticas sociais e acadêmicas e que auxiliam conferir o

paradigma em questão: o respeito e a atenção pelo diferente (alteridade), a troca, o diálogo

e a parceria com as mais diversas instâncias universitárias – alunos, professores,

administradores, funcionários, chefia, sociedade etc (reciprocidade), a superação de

impasses psico-sócio-culturais da relação interpessoal, inclusive no trabalho de

sustentabilidade do próprio campus (tanto econômica, quanto ecologicamente).

Inicialmente, utilizamos o estudo de alguns conceitos que parecem dar base à idéia de

alteração paradigmática em nossa perspectiva, como vida, natureza e natureza humana. O

debate filosófico sobre tais termos nos faz aprofundar o que parece como ‘novo’ na

contemporaneidade das Ciências Ambientais. Do mesmo modo, pretendemos conferir a

importância epistemológica das noções de complexidade, abordagem sistêmica e

transdisciplinaridade com o intuito de fornecer subsídios à questão da relação da sociedade

com a natureza. Deste eterno ‘conflito’ relacional, podemos inferir a temática de maior
275

importância atual neste campo, a discussão em torno do desenvolvimento sustentável.1 O

desenvolvimento de bases tanto teóricas quanto metodológicas, que visam a demonstrar a

viabilidade do discurso sobre a sustentabilidade perante o desenvolvimento e a degradação

ambiental, nos parece vital para a plena concretização da pesquisa sócio-ambiental nas

universidades. Deste modo, percebemos como crucial a fundamentação filosófica sobre o

fazer científico e sobre nossa postura frente à realidade natural e cultural de um mundo em

constante revolução.

Há atualmente grandes e polêmicos debates científicos em torno da noção de

paradigma, resultante da perspectiva de grandes transformações no modo de se ver o

mundo, o que tem sido chamado também de Pós-Modernidade (A. Giddens2, J. F. Lyotard3,

G. Bachelard4). Estas alterações parecem estar diretamente ligadas com, por um lado, as

descobertas da metamatemática5 e da Física quântica e a não possibilidade de se atingir o

âmago da matéria, antigo e convicto sonho do atomismo platônico e no qual se apoiaram

Descartes e Newton - o que leva seguramente ao fim da noção de natureza como máquina e

seu determinismo teleológico.6 Por outro lado e corroborando esta expectativa, nos

debruçamos em problemas ambientais inimagináveis, como por exemplo, a descoberta de

1
Do mesmo modo, encontramos uma discussão cada vez maior em torno da ‘educação para a
sustentabilidade’: ela “visa re-clarificar crenças, valores e ações através da reconstrução do nosso
entendimento sobre o modo como o mundo funciona” (Hall, S; Geld, D. & McGrew, T. Modernity and its
future. NY: The open Universitty, Polity Press, 1992).
2
As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1990.
3
O Pós-Moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 2a ed., p.99, 1986.
4
Op. cit., 1971. Para o autor um resultado de “descontinuidade”.
5
C. Castoriadis (op. cit., p.216) escreve sobre a lógica conjuntista ou identitária, cuja definição de conjunto
(coleção de objetos/elementos definidos e distintos da intuição ou do pensamento) é questionada. Ou seja, a
lógica matemática exige que se distinga os objetos através de propriedades que conformam classes definidas,
vindo corroborar com a distinção básica com o sujeito. Atualmente, lógicas polivalentes colocam ainda o
indeterminado ou o indecidível (lógica intuicionista).
6
Com isto, parece que toda dimensão linear e calculável do mundo perceptível foi reavaliada com a idéia de
não barreiras entre matéria e energia e de que o átomo não teria nenhuma unidade básica constituinte.
276

que a humanidade, principalmente nos últimos 200 anos, está influenciando

‘negativamente’ na constituição atmosférica e conseqüentemente no clima terrestre.7

Como também percebida pelos críticos do trabalho de Kuhn, ‘paradigma’ pode ser

lido então por várias perspectivas, como visão, dogma, moral, lógica ou ética, enfim, um

modelo ou consenso que reúne pensadores (no caso da academia), por longo tempo.

Podemos imaginar então paradigmas tais como civilizatório, europeu, anglo-saxão,

expansionista oposto e/ou complementar a um primitivo, bárbaro, selvagem, não-branco,

indígena, autóctone, local. Podemos também crer num paradigma masculino contrário e

dependente do feminino? Parece-nos que necessitamos sempre rotular as coisas e

‘paradigma’ vem refletir, não apenas a tendência ao novo, mas também a ambição por

novidade. Entretanto, a um só tempo, o tema surge, espalha e invade o linguajar, decorando

transformações apenas camufladas por discursos vazios de ação. Mas também, o tema

parece decorrer de verdadeiras, mas graduais alterações nas crenças e nas atitudes humanas

sobre a Terra. Assim, por um lado queremos crer e lutar por um ‘novo’ “paradigma sócio-

ambiental”, mas por outro, percebemos que os moinhos de vento resistem às ainda débeis

ações quixotescas do ambientalismo recém-nascido.

Ou seja, poderemos perceber neste capítulo que a interdisciplinaridade está

diretamente relacionada com as novas dificuldades que estas colocações impõem e que elas

promovem um pensar, uma filosofia, uma epistemologia mais abrangente para se conseguir

enquadrar o pensamento científico sobre aspectos inerentes da complexidade em que


7
Em 1997, o Protocolo de Kyoto foi assinado por diversos países para reduzir o efeito estufa, aquecimento
global provocado principalmente pelo dióxido de carbono. Sabemos hoje que a elevação na temperatura
terrestre provoca aumento no nível marinho e muda as condições climáticas mundiais, proporcionando
alterações em todos os ecossistemas, inclusive os agrários. Traz ainda a ameaça à saúde humana e de toda a
biosfera: desertos podem se expandir e áreas costeiras altamente populosas poderão ser inundadas, trazendo
inúmeros prejuízos sociais e econômicos.
277

vivemos. Mas somos conclusivos, e parece que o conjunto de entrevistados confirma,

quanto à grande dúvida se somos realmente capazes de decidir sobre nosso próprio futuro,

através da educação ou não. Ou segundo A. Giddens (op. cit.), se saberemos ou poderemos

frear o “carro de Jagrená”, o ‘bonde’ da história.

Buscando entender um pouco mais a respeito do momento de transição por que

passam as ciências, poderemos ver como diversos autores se referem ao problema de

interpretação de paradigmas. Mas antes de tratar deste conceito abordando

preferencialmente o trabalho de T. Kuhn, veremos o que se entende por epistemologia para

nos dar uma concreta base teórico-filosófica, visando introduzir assunto de tão grande

relevância na atualidade.

1. A Complexidade da Questão Ambiental

A Epistemologia pode ser considerada uma metaciência, pois tem a pretensão de

reunir rigor e acaso, leis absolutistas oriundas da ciência clássica com mecânica relativista e

filosofia. Sua importância aumenta com a crise dos fundamentos, proporcionando a

possibilidade de juntar competência científica e reflexão filosófica. As fronteiras da

especialização demonstram, portanto, limites móveis no contato da teoria do conhecimento

com outros meios de saber. A Epistemologia enquanto filosofia do conhecimento estuda

tanto o epistemológico quanto o ontológico, tanto o sujeito cognoscente quanto o objeto

conhecido, não distinguindo alma e corpo. R. Blanché8, assim como G. Bachelard (op. cit.)

8
Blanché, R. A epistemologia. Lisboa: Presença, 1983.
278

e J. Piaget9, abordam o conhecimento a partir e através da história de sociedades ou

indivíduos, sem negar campos ‘pré-científicos’ da cognição, base de progressos futuros. A

epistemologia aponta também para a ruptura das ciências com o conhecimento comum,

vulgar, sendo este afastamento da cultura geral demonstração de limites relativos.10 Do

mesmo modo, a reflexão epistemológica indica a incapacidade dos métodos e a necessidade

do surgimento de novos meios, apontando para a pluralidade e a proliferação, cruzamentos

e junções, enfim, o caráter pouco rígido e mutável de cada ciência, sem lugar exato e

definitivo. O conhecimento homogêneo, organizado por uma ‘razão universal’ e estável,

baseado na quantidade, pode ser conduzido, segundo estes autores, para um quadro geral

maleável e aberto que possibilite comunicações e reorganizações. O desacordo entre teorias

que buscam causas ou a sistematização de leis, a explicação ou a preservação de

fenômenos, parece sofrer atenuações considerando mecanismo e energitismo (ou

vitalismo), behaviorismo e reflexologia, história dos acontecimentos e a explicativa.

Portanto, a Epistemologia sofre uma fértil indecisão entre filosofia e ciência,

constituindo-se uma atitude reflexiva sobre o conhecimento (avaliação, racionalização e

crítica), mas, buscando rigor, procura transferir a discussão filosófica para a objetividade

científica. Entretanto, Bachelard lembra que a ciência propriamente dita tampouco é

perfeitamente objetiva, uma vez que o cientista já se compromete com sua pesquisa: a

escolha compreende caráter filosófico, sendo óbvio que de cada ato psicológico de

conhecimento surjam perturbações ou inércias, obstáculos epistemológicos, preconceitos

9
Piaget, J. et al. Construcion y validacion de las teorias cientificas: contribuicion de la epistemologia
genetica. Genebra: PAIDOS, 1980.
10
O limite do conhecimento científico, de acordo com Bachelard, não significa pensamento limitado, pois o
espírito científico traça fronteiras e já as ultrapassam, uma vez que são zonas de pensamentos ativos, domínio
de assimilação, paragem momentânea do pensamento.
279

ou hábitos intelectuais. Segundo ele, o espírito científico se forma contra a natureza, pois

combate o fato variado, e, deformando-a, exige purificar e ordenar fenômenos, resistindo -

uma ciência imóvel, socializada e isolada, desligada das observações iniciais, se mostra

como antiphysis. Piaget, a partir daí, defende uma lógica natural ou das significações, pois

significados implicam pressupostos mentais, novas idéias, conceitos, juízos, dialética -

implicações entre ação e significado. Neste ponto, Blanché concorda que uma ciência

inteiramente positivista, sem controvérsias, não existe, sendo apenas um ideal, já que há um

“empate” no confronto entre idealistas e empiristas, logicistas e intuicionistas, leibinizianos

e kantianos: o caráter lógico ou analítico e o intuitivo ou sintético.

Poderíamos então passar a considerar a unidade da diversidade ou uma

homogeneidade do heterogêneo? Portanto, a fusão ato e ser, onda e corpúsculo, objeto e

movimento, ‘o que é’ e ‘o que vem a ser’ da mecânica relativista passa a considerar um

corpo ‘isolado’ como centro de irradiação, pretexto de pensamento, a relação e não o objeto

concreto discernível por leis absolutas, objetivas, racionais da ciência clássica - invertendo-

se completamente a perspectiva. A Filosofia tem então a incumbência de apresentar o

drama quotidiano, a rivalidade e a cooperação entre esforço teórico e investigação

experimental e o eterno conflito de métodos.

Assim, para Blanché, o racionalismo lógico e objetivo seria apoiado por

racionalismos regionais e integrantes (um determinismo relativo e dinâmico da ciência

quântica), ao invés da idéia de totalidade vaga, obscura e não aplicável ao real. Para tanto,

Bachelard confere que toda cultura científica deve começar por uma catarse intelectual e

afetiva e colocar-se em estado de mobilização permanente, substituir saber fechado por

conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar variáveis experimentais – enfim, dar à razão


280

razões para evoluir. Ao mesmo tempo em que este autor aponta contra a noção continuísta

da cultura, uma continuidade histórica, indicando que o progresso científico provoca

descobertas em descontinuidades, afirma a continuidade do saber, mesmo com

contradições, métodos imperfeitos e desarmônicos da ciência que reencontram a dialética

dos obstáculos e de atos epistemológicos – uma “polifilosofia” que detecta qualquer

possível irracionalismo.

Do mesmo modo, a crise do determinismo no saber científico, que deslegitima a

lógica do desempenho, da relação cibernética input/output colocada pela filosofia

positivista da eficiência, é questionada por Lyotard, que percebe a necessidade de expansão

da ciência pelo trabalho de argumentação, inventando o contra-exemplo, pesquisando

paradoxos para relegitimá-los. A regularidade e a previsibilidade perseguidas pela ciência

clássica e calculadas, se possível fosse ao conhecimento, todas as variáveis, se mostra um

cálculo impossível, pois são ao mesmo tempo dependentes e independentes. A própria

ciência, através do progresso da Física quântica e da microfísica, é desconstruída,

confirmando seu paradoxo quando questiona enunciados através do discurso, ao mesmo

tempo em que percebe limites e avanços do próprio saber: segundo Lyotard, uma

“imanência explícita a si mesmo”.11

Assim, a utilização de idéias gerais, visões amplas e evolução dos conceitos já que o

‘real’ sempre se altera e a condição tautológica nos parece inevitável, é abordado por

Piaget, que procura, do mesmo modo, conciliar com o empirismo científico. Para tanto, ele,

assim como Coimbra, advogam uma epistemologia relacional, variável e não inatista,

11
Ibid.., p. 104. A busca de melhor performance levanta inconsistência de controle do sistema como nas
burocracias estatais que promovem exemplos de feedbacks negativos, já que a precisão é limitada pela
natureza da matéria e não somente pelo custo.
281

baseada na troca contínua de controles e equilíbrios sujeito-realidade, o que requer

criatividade para entender tal interação. Ele confere a possibilidade de um in media res

científico filosófico, o conhecimento sob ação do tempo e das transformações psicológicas

e biológicas constituindo um método histórico-crítico, metodologia útil por abordar origem

e equilíbrio da construção do conhecimento como processo e não verdades permanentes. As

normas se fundam nas relações mutáveis consciência-organismo, unindo desenvolvimento

mental, revisão contínua e necessidade de estabilidade. Para tanto, ele crê que o

pensamento é prolongamento de ações interiorizadas e, portanto, estas precedem aquele,

considerado como virtual, mas possível como contínua criação - diferença esta que se

assemelha com as relações psico-físicas (histórico-mental) e lógico-matemáticas

(permanência normativa) – onde o temporal dá passagem ao intemporal. O processo

genético de Piaget tende ao equilíbrio móvel de uma totalidade indissociável, conferindo a

interdependência do desenvolvimento mental e da permanência lógica e normativa.

Neste sentido, este autor descreve um círculo tautológico, pois todo sistema de

referências depende do método e da relação sujeito-objeto, indicando duas opções de

epistemologia: a restringida com referência a uma realidade estável e a generalizada com

referência ao processo genético ou histórico-crítico. Esta, percebendo tanto real quanto

sujeito como evoluentes, radicalmente relativista e mantendo-se entre os pólos idealista e

realista (apriorista e empirista). Como tarefas imediatas da Epistemologia, o autor aponta

para a necessidade em se conciliar a Lógica e suas axiomatizações intemporais e a

Psicologia e suas operações efetivas do pensar temporal.12 E ainda para as lacunas

12
A Psicologia busca explicar a formação de conhecimentos, inclusive os matemáticos, portanto há uma
dupla direção do pensamento científico, já que ao mesmo tempo as Ciências Humanas se apóiam nas demais.
282

essenciais da passagem do físico ao biológico que reforce a importância do biológico e do

psicológico nas ciências do conhecimento.

Neste capítulo, percebemos que a epistemologia depara-se com a questão da

interdisciplinaridade a partir do debate frente à complexidade de problemáticas como a

sócio-ambiental e à transformação do paradigma científico. Portanto, inserimos como tema

de relevância fundamental, embora permeada por indefinições, a noção de finalidade como

consciência biológica (causas finais, teleonomia ou conveniência complexa) e o continuum

seres vivos não humanos e humanos, numa tentativa de substituir a explicação pela

compreensão. Bachelard, diferente de Piaget, se indaga se o espírito está sujeito à evolução,

pois não enxerga a técnica científica como continuação dos fenômenos naturais, ou seja,

uma origem não biológica da razão. Entretanto, queremos suscitar tal conflito com as idéias

sobre propriedades emergentes da evolução e a condição biológica da essência humana,

porém não de modo reducionista e limitante.13 Do mesmo modo, queremos reunir aqui a

contribuição das áreas sociológicas e físicas na perspectiva da alteração paradigmática e da

complexidade, visando contribuir para o debate interdisciplinar.

1.1 Conceitos ontológicos

Nesta questão foi perguntado se o entrevistado poderia indicar quais as noções de

vida, natureza e de natureza humana que inspiram o ensino e a pesquisa em seu programa

Assim, há duas direções simultâneas e complementares, quando a ciência assimila segue direção idealista e
realista, subordinando espírito à realidade e vice-versa e reduzindo sujeito objeto e objeto sujeito. Mas ela não
pode antecipar resultados, pois permanece em aberto, já que o progresso em cada direção não se equivale.
13
Neste sentido, optamos por uma posição relativista, já que ao mesmo tempo em que somos biológicos e de
algum modo participantes da evolução filogenética, temos capacidade de ir além e transcender, para nossa
sorte e infortúnio, ao modo de ser natural.
283

de pós-graduação, se, estas noções seriam relevantes para o curso e como são tratadas.

Veremos em pormenores, teórica e empiricamente, cada termo a fim de compor tanto a

questão quanto o capítulo.

a. Vida

Para os representantes das Ciências Sociais, como A. Giddens e J. F. Lyotard e para

quem podemos chamar de epistemólogo, T. Kuhn14, vida é referida normalmente como

componente humano, não havendo em geral campo para uma noção mais ampla de vida,

embora o primeiro levante uma maior abrangência em suas análises. Concebe-se, portanto o

ser humano como único referencial, apresentando características como “normas de vida”,

“vida cotidiana”, “costume de vida” e/ou “transformação da vida social”. Já para o biólogo

P. Tamayo15, vida é a interação entre forças intrínsecas e extrínsecas, numa dialética

imprevisível, formando evolutivamente organismos - resultados qualitativos de

comportamentos adaptativos peculiares condicionados a fatores ambientais. Portanto, não

temos dúvida de que, apesar da evolução cultural, sofremos também as ações das forças

citadas, mesmo que talvez em menor grau as do ambiente.

Para alguns autores da Filosofia e da Física, como W. Barbosa16, N. Bohr17 e I.

Prigogine18, as noções de desordem, degradação, desorganização e acaso imanentes da vida

14
Kuhn, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1994. Souza Santos (p.132)
lembra que sua importância se deve mais ao esforço de síntese de idéias passadas e não tanto a originalidade,
uma vez que o trabalho de A. Koyré (Les Études Galiléennes) em muito o influenciou.
15
La filosofia de la ciência y la Biologia. México: Plural de Excélsior, no.269, p.12-46, 1994.
16
Barbosa, W.V. Sobre a Idéia de Natureza Apostila do Curso Teoria e Práxis do Meio Ambiente. Rio de
Janeiro: ISER, 30 p., 1995.
17
Bohr, N. Física atômica e conhecimento humano. Rio de Janeiro: Contraponto, 129 págs., 1995.
284

acabam por promover o reconsiderar de novo ponto de vista filosófico, o que leva à crise da

evidência ontológica do paradigma da ordem. A ciência, que consiste na decomposição de

fenômenos complexos em simples, depara-se, de acordo com Bohr, com a limitação

essencial da descrição mecânica da vida com sua integridade e adaptabilidade próprias, o

que vem mostrar a incapacidade de compreensão das funções biológicas pela análise

científica somente pela Física ou Química. A nova Física dos processos de não-equilíbrio,

auto-organização e estruturas dissipativas traz, segundo Prigogine, novos conceitos para as

Ciências Exatas, Biológicas e Humanas, sendo a irreversibilidade condição essencial de

comportamentos coerentes, mesmo nos fenômenos complexos. Sem a coerência dos

processos irreversíveis de não-equilíbrio, a vida seria inconcebível. O “princípio do acaso

organizador” cria redundância e variedade, enquanto reciprocidade constitui-se memória –

o eterno conflito de se conciliar abertura e fechamento, como dito por Piaget.

Uma concepção de vida pobre e utilitária é oriunda, segundo G. Bateson19, de uma

“moral quantitativa do mundo” que resulta, sobretudo, em consumo, guerra, tirania e

poluição. Na Biologia, a dedução linear da genética revela o menosprezo pelo fenótipo,

visto como mera resposta do genótipo. Para ele, a adaptabilidade depende tanto da

variância quanto da invariância genética e das flutuações ambientais, conformando nas

características visíveis, um sentido de ritmo20 e um mundo qualitativo da estética, resultado

de manifestações materiais de “estruturas que conectam”: relações (relata) das forças em

18
I. Prigogine. O fim das certezas. São Paulo: UNESP, 1982.
19
Apud Blanc, M. La genetica según Gregory Bateson: outra logica de lo vivente e Coutlée, G. La ecologia
de la accion coletiva. Em Winkin, I. (org.) Bateson: primer inventario de uma herencia. Buenos Aires: Nueva
Vision. Coleção Desarrollos Sistemicos, Coloquio de Cerisy, parte II: Bateson: diálogos com la genética, la
fisica y la cibernetica, 1982.
20
Guattari (op. cit., p.19) chama de “ritornelo” (ou ladainha, análoga à música, formador da subjetividade,
segundo nota do redator).
285

jogo. Portanto, o autor procura reabilitar o corpo ou “globalidade do vivente” (espírito),

como valor e harmonia particulares, dependente de “determinações circulares e

complexas”. Vida, para ele, é um conjunto de processos em rede que alcançam um

equilíbrio dinâmico; concepções holísticas contrárias a reducionistas e quantitativas da

ideologia determinista e da onipotência do gene, embora ele busque não abandonar o

racional e a lógica.

Assim como Piaget e Bateson, a Biologia Molecular, que pretende decifrar todo

código da vida na pretensão de manipula-la, é criticada por Araújo Jorge.21 Ela permanece

obscura, se esquecendo que a finalidade (tele) se encontra sempre em ressonância com a

causa (arqué), pois há recorrências; não um eterno retorno, mas um recomeço, somando

repetição e variação. A pesquisa biológica como componente essencial para uma

epistemologia complexa é tida como uma revolução pela autora, porquanto novas

percepções sobre a visão de mundo passam a ser “revistas por cima”, um quadro de

referência mais amplo, como a noção de auto-organização, misto de ordem e desordem. Dá-

se, portanto, valor ao erro como fonte de novidade e potencial de auto-organização e às

fases de grande ruído na inteligibilidade que levam a crises e transformam paradigmas. A

autora aponta para uma lacuna de ordem metodológico-teórica na Biologia: a falta de uma

teoria sobre a organização das relações entre vida, informação e conhecimento (uma

“patologia” metodológica atrapalha obtermos critérios).22 As intercomunicações, controles

e regulações cruzadas nas disciplinas científicas, para ela, geram diversidade e novas

21
Araújo Jorge, M. O objeto apesar do sujeito. In: Morin, E. Problemas de uma epistemologia complexa.
Lisboa: Biblioteca Universitária, no 38, págs. 79 a 94, 1996.
22
Ver Maturana, H. & Varela, F. El árbol del conocimiento: las bases biológicas del entendimiento humano.
Santiago: Editorial Universitaria, 1976 e Autopoiesis and cognition. Boston: D. Reidel, 1980.
286

disciplinas, já que o papel–chave do questionamento filosófico é o de promover idéias,

como também na aproximação recíproca com a cognição geral e o conhecimento comum.

Segundo Tamayo23, a resposta ao dogma mecanicista e determinista acaba por levar-

nos ao vitalismo, que concebe um elemento adicional e não apenas o programa genético,

conferindo a dualidade genótipo e fenótipo e o comportamento teleonômico, dirigido a

objetivos pré-fixados em função de exigências evolutivamente adquiridas. As populações

também são caracteres distintivos dos seres, fazendo com que o essencialismo platônico

seja substituído pelo darwinismo de indivíduos únicos, mas com coesão social interna. A

experimentação como forma primária de investigação, na Biologia24, se mostra paradoxal já

que ela se divide em funcional: das causas proximais, o “como?” (para decifrar a

informação genética e a interação com o ambiente e sua conseqüente variabilidade) e

evolucionária: das causas últimas, busca o “porquê?” (da história genética, antigas

populações e mecanismos que a modelam, exigindo observação, comparação e analogia).

Ambas co-existem, na tentativa de conciliar a visão determinista e reducionista e a

historicista, holista e qualitativa, igualmente válidas e importantes.

E. Odum25 refere-se à idéia de continuidade somada à descontinuidade existente na

evolução do universo, onde ambas, constância e mutabilidade, promovem distinções morfo-

funcionais ou propriedades emergentes. A divisão em séries, normalmente empregada nas

ciências taxonômicas, é relativamente arbitrária, pois as subdivisões baseiam-se em

descontinuidades também naturais. Segundo este pesquisador, cada nível que percebemos
23
Op. cit., p.14.
24
Para o autor e para E. Mayr (O desenvolvimento do pensamento biológico. Brasília, DF: UnB, 1998), esta
ciência é distinta por não procurar leis definitivas, mas apenas teorias e generalizações de aplicação limitada.
Segundo este autor (p.54), há somente uma ‘lei’ universal na Biologia: “todas as leis biológicas têm
exceções” (inclusive esta, numa tautologia inescapável).
25
Odum, E. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
287

está integrado ou interdependente com outros, não havendo linhas divisórias abruptas, num

sentido funcional, entre organismo e população.26 Alguns exemplos citados por Odum são a

água e sua fusão hidrogênio-oxigênio, os corais e os liquens (simbiose entre algas e

celenterados e entre algas e fungos) e o caso das bactérias viventes no interior de cupins,

gado ruminante e humanos. Do mesmo modo, a chamada teoria da endobiose também

demonstra a possibilidade das células, como hoje as conhecemos, terem se desenvolvido a

partir da interação entre organismos primitivos, resultando de uma melhor capacidade

respiratória com a incorporação de uma nova ‘organela’ no interior citoplasmático (a

mitocôndria). Assim, desdobramentos de fases precedentes parecem contribuir em sínteses

de etapas que se coadunam para uma melhoria27 de adaptação do organismo ao ambiente,

uma espécie de altruísmo, mesmo que haja competição num estágio inicial.

Para K. Lorenz, em The Foundation of Ethology28, os fenômenos exclusivamente

vitais são caracterizados por seu “propósito vital”, uma determinação dirigida por um fim

(meta ou télos), propositalmente orientado: uma ação direcionada que parece uma

antecipação do futuro ou consciência. Entretanto, o desenvolvimento individual, a

ontogenia como processo direcionado, a realização de plano pré-existente, não ocorre na

filogenia, na evolução, se mostrando completamente não pré-orientada, embora a mutação e

a seleção permitam um senso de preservação da espécie ou um “sentido de propósito”.29

Porém, há uma essencial dificuldade em se definir ‘evolução’, resultado de novas

26
Neste sentido, fazemos uma inversão do lema nacionalista “Independência ou morte” declarando seu
inverso – “Dependência e vida!”, referindo à inevitável reciprocidade entre seres e entre estes e o ambiente.
27
Utilizamos o termo melhoria, mas isto seria análogo a uma adaptação do organismo emergente ao ambiente
específico e não propriamente uma característica comparada aos demais seres, pois ambos podem passar a
subsistir no mesmo local, porém em nichos ecológicos paralelos.
28
Lorenz, K. The Foundation of Ethology NY: Springer-Verlag, 1981.
29
Ibid., p.25.
288

propriedades, cujo fruto é imprevisível devido a interações entre sub-sistemas e não

havendo disputa ontológica entre parte e todo. A diferença, como uma essência nova, não é

resultado de uma super imposição, mas uma combinação de inúmeros fatores, não existindo

redução, já que qualquer detalhe de forma e função é resultante do tempo. Segundo o autor,

a progressão histórica é, portanto determinada por infinitas cadeias causais, rota esta que

pode ser reconstruída, mas não o que a determina. A Biologia explica as funções a partir

das estruturas, mas estas são definidas pela função, ou seja, ela utiliza as perspectivas

estática e evolutiva, buscando o que são e como o sistema atinge tal estágio e não outro.

Lorenz confere que, na seleção, dados sobre o ambiente alcançam o genoma e são

estocados como instruções, uma concentração de informação ambiental, sendo que esta

aquisição de conhecimento acaba por compensar a raridade das mutações vantajosas. O

“para quê” serve tal estrutura não significa que há uma orientação da evolução e do

universo, mas é apenas uma abreviação da questão da função como valor na

sobrevivência.30 Nos sistemas culturais, leis e tabus servem para a supressão de

comportamentos anti-sociais, mas não são interpretados de modo vitalístico ou teleológico,

evitando assim uma interpretação lamarckista, que responde o “para quê” com um sentido

linear, de causa e efeito.

A filosofia biológica nos parece então um pano de fundo que pode demonstrar o grau

de complexidade que presenciamos quando se estuda a relação sociedade-natureza,

percebendo o quanto a Biologia tem para contribuir na visão sistêmica. Embora esta ciência

tenha absorvido muitos elementos das ciências positivistas com intuito de fornecer leis

30
De acordo com Lorenz, o sentido de propósito de preservação significa, portanto uma “teleonomia” já que
todas as características influenciam na seleção e são teleonômicas.
289

gerais e verdades, muitos dos autores descritos puderam colocar algumas dificuldades

existentes. O estudo da vida traz a capacidade de percebermos como a interconexão entre

os fatores que promovem fenômenos físico-químico-biológicos, por exemplo, demonstra a

tamanha articulação também no estudo ecológico-econômico da relação inevitavelmente

conflituosa da sociedade com o meio natural, este percebido como desligado somente sob

olhar extremamente deslocado da realidade e da imanência do par ser humano-meio

ambiente.

- Depoimentos

Para a análise desta oitava questão como um todo, distinguimos as opções possíveis

de respostas para preparar um quadro geral visando observar resumidamente o tema. Como

resultado final, tivemos dezenove respostas afirmando a relevância da questão, contra uma

negando, uma com resposta fora de propósito direto do tema e ainda sete abstenções.

Apesar deste número significativo de respostas afirmativas, não houve considerável

quantidade de entrevistados que indicou as noções demandadas, falhando em saber o que

cada um entende pelos conceitos. De qualquer modo, algumas respostas obtidas puderam

nos auxiliar para dar um panorama desta temática.

Para a noção de ‘vida’, com poucas respostas a respeito, dois entrevistados apontaram

modificações na atualidade e um indicou dificuldade em defini-la por não considerar

universais suas qualidades, mesmo colocando a importância do valor intrínseco. Embora

boa parte dos entrevistados sejam das Ciências Naturais, infelizmente houve pouco retorno
290

à indagação sobre o significado de vida, o que parece refletir a pouca atenção dada ao

estudo teórico na Biologia e sua imbricação nos estudos das Ciências Ambientais.31

Tomamos consciência da diversidade bio, geo, sócio e cultural. Somente


biodiversidade me incomoda, as pessoas têm medo de diversidade social e
cultural, pois implica postura crítica diante da globalização, mundialização,
muitas vezes discurso velado, situação contraditória, fala sem se mostrar...
‘Vida’ e ‘natureza’ tem havido modificações, mas deve se falar em sociedade.
Não romperia barreira entre ambos. Tem que pensar articuladamente...
(UFRJProfC)
Difícil determinar através de único fator, porque certamente há modificações.
Vida em Marte, mil outras galáxias, clonar humanos, descobertas que levam a
repensar a dimensão do que sou, da onde vim, para onde vou. Minhas
concepções do universo... Como intelectual, sim, mas não sei o que pensa a
empregada, o bugre. Novas e possíveis descobertas e redimensionamentos
podem ter significados para mim, não para eles. É muito variável. (UFRJProfD)
Vida é complicado; será Gaia uma teoria? Até o universo como um todo, uma
pulsação. Um aglomerado de moléculas de carbono e que tem metabolismo,
como definir... Temos que deixar a biodiversidade; o valor intrínseco da vida.
Não há visão determinista da vida rumo ao humano... não há determinismo, se
foi um fator concorrente, mão de Deus ou determinista... Me inclino a trabalhar
mais com o acaso. Mutação genética aleatória é tema de controvérsia científica
e tem a ver com a questão paradigmática, se baseamos completamente o
raciocínio pelo acaso ou determinismo. O problema da necessidade é achar que
as sociedades primitivas necessariamente vão ter que ser sociedades modernas.
Tendência determinista, fim da história, das ideologias, socialismo vai se
transformar e o capitalismo vai chegar lá. Mas cadê o livre-arbítrio, as outras
determinações? O acaso coloca o livre-arbítrio, a gente determina o futuro, na
sociedade como um todo, no destino. Nunca me debrucei sobre isso.
(UFRJAlunoC)

b. Natureza

O “paradigma da complexidade” e o conceito de natureza contribuem para as

problemáticas inerentes ao humano que não sejam apenas materialistas, mas também

31
Ver artigo Definindo vida de Emmeche, C. & El-Hani, C. N. (In: El-Hani, C. N. & Videira, A. A. P. O que
é vida?: para entender a biologia do século XXI. Rio de Janeiro: Relume Dumará, p.31-58, 2000).
291

naturalistas, mecanicistas e dialéticas. A ciência, como instituição e poder, passa então,

segundo Barbosa, a situar-se no vértice da cisão entre homem e natureza, conferindo uma

suposta origem extra-biológica da razão que promove a lógica disjuntiva e cujas derivações

tecnológicas atentam contra a organização da totalidade.32 Uma auto-análise individual e

social sobre o comportamento perante à natureza é vista por A. Coimbra33 como método

suficiente para termos a razão como raciocínio lógico e verdadeiro.

A idéia de natureza para as culturas humanas é onipresente e polissêmica.

Contrariamente às idéias atuais, a noção de uma natureza primordial para antigos e

primitivos povos era sinônimo de sociedade, onde havia a sensação de “co-pertinência”,

sem uma visão pragmática da vida. Havia, portanto, uma apreensão simpática, comunitária,

solidária, permeando por igual todo os entes, uma “consangüinidade” e um sentimento de

tempo cíclico, um “eterno devir”.34

A partir das representações contrapostas entre a exterioridade radical dos entes

naturais e características específicas do Homo sapiens, formaram-se modelos conceituais (e

genéricos) do tipo “qualitativo-poético” e “quantitativo-matemático”. A meditação

filosófica dos physiologoí (teóricos da natureza) não distinguia “natureza” e “realidade”,

objetivo-subjetivo, “verdade” e “certeza”. De acordo com Barbosa, tais modelos estão na

gênese da filosofia grega do séc. VII ao IV a.C. e que animam toda a imaginação teórica

dos pensadores ocidentais pós-modernos. Porém, para ele e concordamos, é errôneo supor

32
Não seria o princípio ontológico que anima a physis o mesmo que a psique? Enquanto a ontologia forneceu
suporte à epistemologia, esta não teria proporcionado subsídios à metafísica?
33
O outro lado do meio ambiente. São Paulo: CETESB, 1985.
34
Barbosa, op. cit., p.2.
292

que exista uma separação radical entre a descrição “imprecisa” da natureza

(animista/antropomórfico) da “precisa” (quantitativo/matemático).

Já Platão, segundo este autor, concebe a natureza como segunda ordem, imagem

dependente de “modelos imutáveis” ou de “essências ideais” por trás de realidades

primeiras (Idéia, Deus ou Espírito Absoluto) designando-a de “primeiro mal”, limite

obscuro da realidade. Para Aristóteles, a natureza “é a essência das coisas que possuem em

si mesmas, como tais, uma origem de movimento” - a physis deixa de ser a totalidade

orgânica para transformar-se em “princípio de movimento”, um processo e devir

teleologicamente ordenados a partir das relações entre forma e matéria. Mas já os atomistas

subtraem da natureza toda finalidade e intervenção divina, reduzindo-a a matéria e

movimento em mecanismo regulado por leis objetivas, eternas e universais.35

Natureza para os modernos é vista como criatura e obra de Deus, tendo ordem e o

fim de ensinar a reverenciá-lo. O homem pertence à graça e esta é primordialmente

sobrenatural (acima da natureza), separando-se assim o destino do homem e os desígnios da

natureza além do corpo e da alma, revelando também o natural como a grande tentadora,

inimiga do homem, mal absoluto. No séc. XVII, segundo Barbosa, a natureza não é

considerada eterna, apenas uma coisa nas mãos hábeis do ‘Grande Artesão’. O ser humano

passa a não ser submetido às condições gerais do cosmos (ao Fatum), mas sim diante dele.

Da physis ou a “divina natura” do filósofo greco-romano passa a “natureza criada”36 ao

pensador medieval e para “natureza máquina” nos sécs. XVII e XVIII. Desde então o

homem ocidental vive, segundo o autor, o tormento próprio da alma moderna: ou ele

35
Ibid., p.7.
36
Ibid., p.11.
293

encontra outros caminhos que não o da ciência e o da filosofia que o elevem até Deus e o

faça situar-se num plano metafísico ou então deverá buscar em si mesmo o princípio de

toda transcendência e, por conseguinte pensar-se Deus.

A mudança de mentalidade passou a designar conhecimento não mais como

contemplação, mas sim como fabricação e utilização, quebrando o “tabu do natural” que

supõe todo fenômeno natural como sagrado. A verdade da natureza passou a residir no que

a experimentação revela e não no raciocínio sobre essências, levando os teóricos da

natureza máquina a penetrar nos segredos do Divino Engenheiro.

Neste contexto, P. Tamayo37 confere a necessidade da filosofia da ciência incorporar

a revolução darwinista que modifica a visão de natureza e do humano, como a natureza

histórica dos organismos, a singularidade de indivíduos em populações variantes, a

emergência de propriedades em níveis diferentes de complexidade, somando os métodos

observacionais e comparativos da bifurcação das Biologias funcional e evolucionária e que

sua autonomia relativa não corresponde a um vitalismo metafísico que ultrapasse as leis

físico-químicas.

Por sua vez, Lyotard ressalta que ver a natureza como algo constante e indiferente,

não astuta e apartada de nós e, por conseguinte, as Ciências da Natureza distintas das

Humanas, não deve confirmar o sentido oposto, já que o ser humano é a referência, e,

portanto ela deve ser vista como parceira de estratégia mista resultante de um

“comportamento agonístico”.38

37
Op. cit., p.37.
38
Op. cit., p. 104.
294

Das três racionalidades apontadas por Weber, H. Leff39 coloca que, diferentemente

das formal-teórica e da instrumental, uma “racionalidade substantiva” pode vir a fornecer

valores irredutíveis a relações de fins e meios, considerando o pluralismo cultural, a

relatividade axiológica e o conflito social e integrando inúmeros processos que legitimam o

comportamento de atores sociais frente à natureza. Esta racionalidade, para o autor, tem o

potencial de facilitar a gestão participativa e a inclusão de aspectos qualitativos e singulares

na análise sócio-cultural do fenômeno ambientalista, incluindo valores éticos e culturais

contrastantes com a racionalidade capitalista formal e instrumental.

N. Bohr concorda que a divisão cartesiana entre sujeito e objeto, dominadora nos

últimos três séculos, é modificado no século XX por uma nova matriz no conhecimento da

natureza. A Teoria Quântica, segundo o pesquisador, passa a não dividir o mundo em

diferentes objetos, separados de nós, mas em grupos de diferentes interações que incluem o

observador. Ocorre, portanto, segundo I. Prigogine, a perda do aspecto singular do

observador, decorrendo no fim das certezas e no início das possibilidades. A tarefa da

Física agora é a de formular componentes para o diálogo com a Química, com o mundo

macroscópico e a Biologia: laços que unem os humanos à natureza e relativizam a

racionalidade do pensamento ocidental objetivo e determinista.40 Para este autor, o

dualismo que nos determinava como estrangeiros à natureza passa a ser substituído por uma

nova racionalidade, da incerteza e da improbabilidade, conferindo a um recomeço da

aventura científica através da complexidade não simplificável e idealizável, do potencial

39
Sociologia e ambiente: sobre o conceito de racionalidade ambiental e as transformações do
conhecimento.In: Vieira, P. F. & Maimon, D. (orgs.). As Ciências Sociais e a questão ambiental: rumo à
interdisciplinaridade. Rio de Janeiro: APED/NAEA, p.95-130, 1994.
40
Op. cit., p. 14.
295

criativo da ciência: a ciência em evolução se adequa à permanente comunicação com a

natureza através de inovações conceituais.

- Depoimentos

Quanto à noção de ‘natureza’, um quinto dos pesquisadores entrevistados parece

concordar que há uma mudança na sua concepção, quando se torna digna de direitos

jurídicos, quando ganha valor financeiro, quando se percebe os demais seres vivos com

olhos menos separatistas. Do mesmo modo, obtivemos somente uma resposta colocando

que não há uma mudança, principalmente na academia, embora aponte tendências.

Percebemos com isto que há controvérsias em termos de natureza com fim pragmático ou

valorativo e formadora de cultura, includente na sociedade, buscando harmonia, enfim,

ambígua.

A natureza não humana com certeza na academia [muda]. Não dos empresários,
do mundo lá fora, do produtor rural. Definitivamente a visão de natureza como
recurso, meramente a ser utilizado, já acabou. Tivemos visões do direito francês
(M. Serres), da natureza como sujeito do direito, isto é uma revolução de
pensamento, que o elemento da natureza possa ir a justiça reclamar um direito.
(UFPRAlunC)
Desperta para o valor econômico, patrimonial da natureza. Mas há problema ou
entrave ao desenvolvimento. Não mais romântico, mas seu valor. Exemplo,
áreas ecológicas ganham ICMS ecológico... As mega-tendências dizem ser de
retorno do homem à sua própria essência; espiritualidade, laser, natureza,
silêncio, ócio, perdida pelo homem urbanizado, modernizado. Por isso o
ecoturismo cresce. Aprovando redução da jornada de trabalho, mais tempo para
investir nele mesmo. O bem de consumo vai ser do acesso ao mundo natural.
Talvez por isso sustentável. (UFRJProfB)
‘Natureza’ há distinção com ‘meio ambiente’, mas uso como termos
intercambiáveis; para facilitar o raciocínio. É a biosfera sem contato humano,
que podemos diferenciar pela capacidade de abstração que ele desenvolveu... e
pelo domínio da técnica. Mas animais também produzem cultura, como relação
entre fauna e natureza, alguma abstração. Espécies têm padrões culturais
296

diferentes; não é só o humano. A linha de continuidade é muito tênue.


(UFRJAlunC)
Natureza ainda é contraditória no Brasil, ainda romantizada. Coisa ambígua,
exalta e destrói, não vejo mudanças. Com a mudança de paradigmas, de idéias
que possam estar surgindo, possa incluir mais a natureza, porque nos vemos
separado dela. Teve avanços, meio ambiente está se incluindo na sociedade
humana, busca da harmonia. É ainda muito forte, uma construção histórica da
colonização, ao mesmo tempo exuberância, paraíso e retirar pau-brasil, ouro,
tudo, para se dar bem. Mas natureza em si é ambígua: proteger,
inesgotabilidade. Está no nosso imaginário, mesmo no meio científico, com
posição mais crítica, é difícil escapar. (UFRJAlunB)

c. Natureza Humana

Com ‘essência humana’ não buscamos alcançar algum essencialismo preciso do que é

o ser humano, mas levantar a questão da difícil arte de auto-definição. Estas conjecturas

podem ser relacionadas com o ato primordial da filosofia de se pensar sobre a existência da

humanidade sobre a face terrestre: o que somos, de onde viemos e para onde vamos? G.

Bateson confere os seres humanos como “criaturas híbridas”, entre puro-sonho

(inconscientes e biofísicos) e pura intenção (“antropologia desencarnada”), nem anjo nem

besta. Esta concepção não se reduz a um “laissez-faire naturalista”, mas exige intervenção e

transformação da epistemologia, pensando e atuando em função de circuitos totais e não de

arcos: segundo ele, nesta peça teatral, o texto não está totalmente escrito e a interpretação

não é prevista, sendo uma contingência do mundo, efeito conjunto de miopia e auto-

superação própria do comportamento.41 Para G. Coutlée, analisando os trabalhos de

Bateson, o protagonismo humano pode ser visto como “extra-regulador” por promover o

desenvolvimento de forças centrífugas transformadoras de ambientes, projetando nem

41
G. Coutlée, op. cit., p.125.
297

sempre mecanismos homeostáticos. A aceleração exponencial na evolução pela cultura,

para Bateson, seria então resultado do desdobramento regulado por estas forças centrífugas

de produção e as centrípetas de conservação. A extra-regulação humana se faz de modo

epistêmico e práxico, ambos conformam nossa visão do mundo – para ele, uma definição

de paradigma mais amplo que o de T. Kuhn, pois percebe dois regimes imbricados, uma

vez que compreender já remete uma maneira de ser e, por conseguinte de atuar. A ação

humana é anterior à causalidade na investigação, pois há irredutibilidade do poder

(distinguindo sua posição da de I. Stengers42), propriedade essencial de toda relação

humana pela esfera do político (social), se aproximando das idéias de Leff, acima citadas.

A sociedade e a natureza humanas continuam tendo suas leis procuradas pelo

positivismo lógico através dos mesmos métodos utilizados na área natural, objetivos,

neutros, sem valores morais, visões de mundo e ideologias. Entretanto, para L. von

Bertalanffy43 e demais autores citados, os humanos se distinguem por sua atividade

simbólica, conduta, linguagem e capacidade de prever metas por antecipação. Porém,

guerras e autodestruição não se reduzem a uma simples luta pela sobrevivência, mas são

resultados de uma “falsa reificação de símbolos” ou uma volta ao reflexo condicionado de

Pavlov e Skinner, onde a repetição e a desvalorização dos preceitos humanistas levaram-

nos à decadência moral, conseqüência de se ver a ação humana como reles variedade da

conduta animal. P. Feyerabend44, mesmo apresentando um discurso anticientífico, defende

42
Stengers, I. Quem tem medo da Ciência? Ciências e poderes. São Paulo: Siciliano, 1990.
43
Bertalanffy, L. von. Perspectivas en la Teoria General de Sistemas: estudios científico-filosóficos. Madri:
Alianza, 1956.
44
Feyerabend, P. Consolando o especialista. Em Lakatos, I. & Musgrave, A. A crítica e o desenvolvimento do
conhecimento. São Paulo: Cultrix/Edusp, p.244-84, 1979. Do mesmo modo como nos sistemas naturais,
podemos fazer uma analogia com o ‘ecossistema universitário’. Na relação entre especialistas e generalistas,
não existem diferenças adaptativas consideráveis, já que ambos podem ter suas vantagens monopolizando um
298

um relato dialético do conhecimento, concordando que há complemento entre tradições e

que é possível reciprocidade entre a filosofia pluralística da cosmologia pré-socrática e a

tradição prática, menos humanitária, incisiva, exploradora e indiferente de sociedades

fechadas.

Há, para K. Lorenz45, duas realidades essenciais imbricadas: a complexidade orgânica

e seus níveis de integração e a inevitável valoração do conhecimento humano. O erro em se

ver organismos como nada mais que matéria demonstra a limitação do reducionismo

ontológico perante as multidimensionalidades biológica e humana.

Para L. Goldmann46, a existência humana não é solitária, mas solidária, jamais

separada da comunidade, o que o faz criticar a racionalidade de liberdade, individualismo e

igualdade jurídica, pois implicam na ruptura de laços entre indivíduos, comunidade humana

e universo. Para ele, baseado em Kant, se cada indivíduo decide autônoma e

independentemente sobre verdade, deixa de existir o todo que envolve indivíduos, o

universo e tornam-se realidades exteriores, atomizadas e divididas, com leis capazes de

serem estudadas, mas não têm relação viva com o sujeito, com o ser vivo, humano. Este

quadro de englobamento faz, segundo Giddens47, ao mesmo tempo, confirmar uma nova

ordem de descontinuidades do desenvolvimento que busca, via extensão das interconexões

globais e intenção das relações humanas, desvencilhar-se de tipos tradicionais do

nicho ou vagando ‘livremente’ – depende das ‘inconstantes’ alternativas ambientais. No caso acadêmico, as
modificações profissionais se dão tanto pelas flutuações no mercado de trabalho internacional, ditadas pela
pós-modernidade e pela globalização, quanto por fatores mais locais e regionais de gestão ambiental.
45
Op. cit., p.18.
46
Goldmann, L. A origem da Dialética: a comunidade humana e o universo em Kant. Ed. Paz e Terra, 1948.
47
Op. cit., capítulo V: Conduzindo o Carro de Jagrená, p. 151-77. Há dificuldade de validação da teoria da
evolução biológica, já que não é verificável experimentalmente e se tornou um dogma por motivações
sociológicas, como resultado da penetração de idéias mecânico-utilitaristas. Além disto, semelhanças ou
isomorfismos dos sistemas psicológicos e sociológicos com o estritamente biológico são ainda especulações e
exigem a convergência de esforços teóricos.
299

pensamento cartesiano. Porém, a tendência a um “evolucionismo social” é rebatida pela

visão limitada de direção global, princípios dinâmicos gerais, grandes narrativas ou

enredos, pois ocorre uma “desconstrução” da história, não totalizada e evolucionária.48

Para Coimbra, desconfiar de limites se mostra salutar e abre perspectivas para

aprender, fazendo parte da essência humana a necessidade intrínseca de abertura (leitura)

para o mundo e buscando a razão das coisas. Há uma natureza paradoxal da inteligência

humana que se depara tanto com potenciais quanto com limites: “o Homem é um fenômeno

que aparece e se manifesta e, ao mesmo tempo, é um mistério porque se esconde no seu

próprio íntimo”.49 Esta ambigüidade corrobora com as distinções entre as áreas que

estudam o sujeito e o objeto. Sobre interdisciplinaridade, para Coimbra, a percepção

diferenciada sobre o objeto, com tendências mais explorativas, conservativas ou humanistas

é de difícil acordo, pois uma síntese se mostra impossível. Por outro lado, o diálogo com

espírito aberto pode formar uma epistemologia que facilite o funcionamento da ciência –

como uma autocrítica. A multivisão necessária que permita uma conjugação de olhares e

intercâmbios permanentes persegue uma aproximação das estruturas de instituições rígidas

e distintas, porém humanas e, portanto flexíveis. Mesmo apontando para uma impossível

síntese, o autor crê que a Ecologia e o movimento ambiental trazem a possibilidade de um

novo humanismo, já que abrange as relações inter-humanas, visto o meio ambiente como

uma “fisiologia externa”, vendo-nos como “cúmplices”.

48
Um ‘evolucionismo social’ poderia ser aventado se percebermos a história da sociedade humana como
participante da evolução da biosfera (cada vez mais), já que a seqüência de fenômenos tanto naturais quanto
sociais permanece em aberto.
49
Op. cit., p. 160.
300

A ilusão no progresso assintótico da ciência se desvanece, para C. Castoriadis50, ao

mesmo tempo em que reforça exigências distintas dos campos humanos e naturais. Para ele,

não há mundo em si, somente para si, criticando o saber positivo e as linhas demarcatórias

que negam o mistério das coisas e impedem uma articulação profícua entre campos. A

radicalidade desta separação fez restaurar aproximações reflexivas, interrogativas, críticas,

denunciando o mecanicismo sobre o vitalismo que expandiu a idéia de mundo linear e

finito, sem a plasticidade do vivo e a luta antientrópica.

De acordo com N. Bohr, Física e Química se tornam cada vez mais unidas, sendo as

noções de energia e matéria redefinidas, vendo-as a partir da sua complementaridade. Ele

confere, por conseguinte, a estas mudanças um grande impacto em todas as áreas, sejam

das Ciências Exatas, Biológicas ou Humanas, conferindo o que chama de “lição

epistemológica” que refuta a concepção mecanicista, determinista ou casual. Bohr coloca

ainda que o caráter simples dos problemas atômicos é útil para campos amplos, como no

estudo de organismos e culturas humanas que apresentam “características de globalidade”

(wholeness): sistemas não são resultados de meras somas das partes.51 Por outro lado, ele

explicita que se deve evitar a incoerência da complementaridade, uma vez que a Biologia

pode ser descrita parcialmente pela Física e pela Química e, ao mesmo tempo, qualquer

explicação de experiências fundamenta-se em impressões sensoriais (o anel epistêmico de

Piaget). Para ele, então, é impossível a distinção nítida entre filosofia natural e cultura

humana, pois a questão epistemológica é comum a ambos os campos, sendo difícil

encontrar uma definição que distinguisse seres humanos e animais. Há, portanto, uma

50
Castoriadis, C., op. cit.
51
Op. cit., p.28.
301

incapacidade em se caracterizar uma distinção fixa do papel do indivíduo na sociedade, já

que diferentes culturas devem também ser complementares.

Para nós, neste debate conflituoso entre o natural e o humano, a certa tendência de

‘naturalização’ da humanidade com o surgimento crescente da Biologia e da Ecologia pode

ter colaborado com o neo-liberalismo a partir das idéias neodarwinistas, do darwinismo

social e da sociobiologia.52 Entretanto, embora estejamos conscientes desta inevitável

influência, Darwin não parece ter defendido algo a respeito e, ao nosso ver, suas idéias são

também validas, até certo ponto, à espécie humana. Porém, a evolução cultural, através de

adaptações, já não deve ser interpretada apenas biologicamente. A cultura, a inteligência, a

abstração e o grau de empreendimento humano são incomparáveis. O raciocínio, mesmo

tendo sua gênese biológica, não nos remete ao primitivismo, convocando a instintos

predatórios. O fazer humano, inserido nesta recontextualização da sociedade e do mundo,

colocada pelas próprias elucubrações científicas da contemporaneidade, permite que

possamos discernir a possibilidade de novas ideologias surgidas no rastro de calamidades e

enfermidades sócio-ambientais. Um movimento verídico de ação eco-social, de integração

e não redução do humano ao natural é utópico, visto a tecnologização do planeta, mas real

com a idéia da inevitável interdependência daquilo que nos engendrou e sustenta.

- Depoimentos

52
Para E. O. Wilson em entrevista para o Le Monde (O indivíduo. São Paulo: Ática, p.113-9,1989), natureza
humana é um conjunto de tendências fundamentais, de propensões comuns, perceptíveis em todas as
categorias de comportamentos... muitas vezes – mas nem sempre – ligadas aos condicionamentos genéticos
que se exercem sobre o desenvolvimento mental. Ver os trabalhos de M. Ruse (Sociobiologia: senso ou
contra-senso? Belo Horizonte: Itatiaia, 1983) e Gláucia O. da Silva (Sociobiologia. São Paulo: Brasiliense,
1993).
302

Doze é o número de respostas referentes ao termo ‘natureza humana’, sendo dos mais

variados feitios. Para alguns entrevistados, ele passa por uma alteração no pós-modernismo,

com o deslocamento da lógica produtivista para a de reprodução:

É relevante somado à crise da sociedade contemporânea, da ciência enfim. Já


estamos muito avançados. O projeto pós-moderno necessariamente revê isto...
A questão ambiental é fundamental... Uma mobilização política em torno do
planeta, viabilidade, sustentabilidade. E economistas são viesados em função da
produção, têm dificuldade de trabalhar com limites. Tem que botar limites
naturais. É difícil trabalhar, implica num deslocamento de ponto vista e a
Economia contemporânea internacional contribui quando exclui da produção
parcelas da população interessada na reprodução, só se interessa como
consumidores. Não sei se é o final dos capitalistas, mas assistimos uma grande
transformação da inserção do homem no mundo; o projeto iluminista se não
acabou pelo menos está fortemente questionável.” (UFMGProfD)

Do mesmo modo, a inserção das Ciências Humanas na pesquisa ecológica parece

conferir um retorno ou uma revisão que traria modificações essenciais na percepção

humana de nossa ‘natureza’. Mesmo que haja controvérsias quanto a Ecologia tratar de

processos sociais, a partir da questão ambiental, a maioria dos entrevistados parece

concordar que a humanidade passa por uma espécie de ganho de consciência sobre seu

modo de ser e de viver.

Sobre ‘natureza humana’, voltar as Ciências Humanas na pesquisa ecológica


significa resgatar a dimensão natural presente no homem. Não somente a
dimensão da vida, de todos seres vivos de um modo geral. Somos seres naturais
também. Mas também existe especificidade que nos faz diferentes. Morin
coloca esse elo porque permite a conexão entre as Ciências Humanas e
Naturais. O homem não é razão exclusivamente, é multidimensional (Marcuse).
Uma questão fértil. Mas ao mesmo tempo, há especificidades que diferem as
ciências. Colocar o elemento humano no curso é necessário pelo conceito de
reprodução da vida estar relacionado à sustentabilidade. Não de modo geral é a
visão do curso, minha visão é diferente. Nas linhas de conhecimento, ocorrem
visões diferenciadas, mas o homem se insere como um ator. Buscamos conectar
Ciências Sociais com Naturais, mas a dimensão do humano no sentido
ecológico tem compressões diferentes. (UFPRProfA)
O homem está no ambiente, faz parte, está natureza, um continuum. Ele é
natureza. O homem, enquanto objeto, vive em sociedade, produz sentido e tem
303

inteligência, não pertence ao mundo dos animais. A diferença é a produção


científica. O homem e a sociedade são objetos de estudo das várias ciências, já
há repartição. Enquanto produtor de dejetos, respirando, comendo, retirando do
meio a sua sobrevivência é também um ser biológico, além do social.
Consideramos a sociedade, sendo tratada pelas Ciências Sociais e as dinâmicas
naturais pela Ecologia. Entrosamento entre as dinâmicas é normal. O homem
não tem que ser estudado pela ciência ecológica, porque vive na natureza. Os
objetos estão claros. A Ecologia trabalha a dinâmica dos ecossistemas,
equilíbrio, desequilíbrios... As Ciências Sociais trabalham com conflitos,
comportamentos, representações, estratégias. Objetos com especificidades, mas
que podem ser construídos, articulando-se. (UFPRProfD)

1.2 Paradigma

Na nona pergunta do questionário, buscamos distinguir se a origem, a inovação e/ou a

modificação do currículo deste curso universitário refletiria(m), de algum modo, mudanças

paradigmáticas de uma tradicional concepção mecânico-reducionista de natureza e de vida

para uma concepção sistêmico-complexa das mesmas. Também questionamos de que modo

estas questões seriam tratadas no curso.

a. Mudança Paradigmática53

Lyotard, apontando para o desaparecimento do paradigma do conhecimento e da

previsão, corrobora com a idéia de descontinuidades, o inesperado de catástrofes que

interferem na aparente e pretensa homogeneidade do observável. A imprevisibilidade do

sistema confirma seu aspecto instável, embora um caráter determinado possa existir

53
Veja em anexo (T) exemplos de divisões de paradigmas dados por diversos autores.
304

momentaneamente, mas apenas relativo ao local e não tendendo à estabilização. Assim, ele

concorda com a inevitabilidade do conflito (pai de tudo, segundo Hieráclito), que

demonstram que as chances de controle total serem mínimas, pois revelam apenas “ilhas de

determinismo”. A ciência pós-moderna torna a teoria de sua própria evolução descontínua,

catastrófica, não retificável, paradoxal, fazendo mudar o sentido do saber já que produz o

desconhecido.54 Ele crê numa ciência como campo aberto, pragmática e centrada nos

enunciados denotativos ou de conhecimento, não prescritivos ou de ação. O autor percebe

nisto um novo modelo de legitimação, que se faz pela diferença, uma “paralogia” útil para

gerar idéias, mas distinta de inovação, pois não é dirigida e usada pelo sistema, mas

provoca dissentimento, desarranjo, desestabilização e novos campos e regras. Uma

atividade diversificante ou de imaginação com novas idéias e enunciados e declinando

antigas legitimações, embora um consenso universal através do discurso não seja possível,

pois as regras são heterogêneas e o dissentimento é meio para o diálogo.

T. Kuhn constrói seu pensamento através da crítica da ciência lógico-positivista e seu

processo cumulativo e contínuo, já que o princípio organizador não é puro e lógico, mas

sofre influências psicológicas e sociológicas que conformam paradigmas. A partir de

pesquisa em sociologia da comunidade científica e em história das ciências, essencialmente

interdisciplinares, ele indica a alternância de períodos normais (monísticos,

uniparadigmáticos) e revolucionários (pluralísticos, pluriparadigmáticos) no progresso da

ciência. A convivência com diferentes cientistas fez com que Kuhn abordasse os

desacordos dos métodos, questionando se as Ciências Naturais apresentam respostas mais

firmes ou permanentes do que as Sociais. Ele revelou assim que uma metafísica criadora ou

54
Op. cit., p.107.
305

assimilações inovadoras promovem a emergência de anomalias que trazem

problematização ou contradição, constantes ou não, uma vez que violações de expectativas

atraem a comunidade, enquanto o fracasso repetido pode induzir à crise. Assim, para ele,

paradigmas são realizações científicas universalmente reconhecidas que fornecem

problemas e soluções modelares. Deste modo, as teorias sofrem rupturas e processos de

negociação na fase revolucionária, onde entram relações de poder, autoridade e

dependência - a base sociológica de sua teoria. E elas são incomensuráveis, pois há

monólogo entre cientistas, sendo a escolha não apenas científica. Mesmo assim, o

pesquisador procura se isolar de não-especialistas e da vida cotidiana, trabalhando apenas

para uma audiência seleta, não se preocupando com outro grupo e passando a resolver

problemas mais rapidamente do que um grupo heterodoxo. Ou seja, ele concentra-se em

problemas específicos, insula-se, não escolhendo problemas pela sua necessidade de

solução. O progresso científico seria então causa e não efeito das relações entre atividade

científica e comunidade e a eficácia dada pela competição questiona objetivos e critérios,

tornando fácil perceber o progresso da ciência normal.

Algumas das características essenciais de comunidades científicas são apontadas pelo

autor: preocupações com problemas de detalhe da natureza não meramente pessoais, mas

soluções aceitas por muitos, distinção entre condições teóricas e não teóricas, fatores

internos e externos e determinações cognitivas e não cognitivas. A comunidade é definida e

não admite interferências externas, pois deve ser árbitro exclusivo, fazendo congregar

únicos conhecedores das regras do jogo ou critério para julgamentos inequívocos. Para

Khun, os cientistas convivem com mudança de paradigmas como meio de

“autoconfirmação”, pois se mostra eficaz na solução de problemas, embora o novo deva ser
306

útil e consistente com o pré-concebido. A ciência se desenvolve menos na amplitude que na

profundidade, já que o crescimento se dá com a proliferação de especialidades ao invés da

ampliação de uma especialidade. Portanto devemos abandonar a idéia de que mudanças

levam à verdade, compreensão mais refinada e detalhada da natureza, nunca teleológica,

mas com objetivo definido.55

Suas atitudes filosóficas foram percebidas com certo ceticismo, como por exemplo,

por M. Masterman56 que aponta para as múltiplas definições khunianas de paradigma, mas

também para a originalidade de sua noção sociológica que pode funcionar sem teorias e a

noção de paradigma não percebida como metafísica. Outro crítico, P. Feyerabend (op.cit.)

com uma posição anarquista contra o método, defende que a ciência normal não é

monolítica, pois sempre há teorias concorrentes e dependência entre paradigmas, sendo,

portanto, comensuráveis, juntando disciplinas, inicialmente incompatíveis. Para ele, as

novas teorias nem sempre são tão ricas para lidar com todos os problemas da predecessora,

ou seja, a substituição envolve tanto perdas quanto ganhos. Há uma interação entre

“tenacidade” e “proliferação” disciplinar e metodológica, sendo a atividade inventiva

promotora de competição no paradigma. Ele critica o que condena e elimina as diferenças e

vê a educação restrita ao pensamento, ação e moção, fazendo falta múltiplos talentos. Ele é

contra a idéia de ciência madura, pois falha ao não perceber que a proliferação precede a

revolução.

55
Op. cit., p.213.
56
A natureza do paradigma. In: Lakatos e Musgrave, op. cit., p.72-108.
307

Kuhn, respondendo aos seus interlocutores57, percebe problemas de linguagem que

altera significados ou condições de aplicabilidade sutis e, portanto confirma serem os

paradigmas incomensuráveis, de difícil tradução de outra teoria em acordo com visão de

mundo, cultura ou comunidade. Os inúmeros usos de “paradigma” objetivam apontar uma

“matriz disciplinar” ou o que é partilhado por comunidade que colabora com soluções de

problemas. Ele propõe então alterar para “exemplar”, mas não muda o processo de

maturação teórica, eliminando o aspecto de entidade ou propriedade quase mística que

transforma o que contamina. Ele percebe o confronto no colapso da comunicação por meio

do contato intergrupal, sugerindo novas ciências que dependem da capacidade em agrupar

objetos e situações em classes primitivas de similaridade, conflito que recorre a

vocabulários cotidianos partilhados. A ciência em crise busca um modo de conversão de

outras teorias e descrever o mundo, provoca linguagens e mundos diferentes, mas a

transição não é arbitrária, pois escolhas e decisões concretas não se resultam

completamente eficazes.

O paradigma que supõe transmissão do saber e inculca crença no poder, ensinando

que a complexificação do mundo é a mesma coisa que o visto pela Física só que mais

complicada é tida como regressão intelectual por I. Stengers.58 A identidade científica como

poder que julga e organiza, procura ser refeita colocando as ciências na história, embora

elas criem seu próprio contexto formando imposição abstrata – o desafio de colocar

fenômenos ativos participantes na história não apenas humana, mas que emaranhe com as

coisas, ou seja, colocar as idéias sob risco delas. A autora critica a modalidade experimental

57
Kuhn, T.S. Reflexões sobre os meus críticos. In: Lakatos & Musgrave, op. cit., p.329.
58
Stengers, I. Quem tem medo da Ciência? Ciências e poderes. São Paulo: Siciliano, 1990.
308

dominante como progresso da racionalidade, lembrando da teoria da evolução e o desafio

das Ciências Humanas perante a complexidade do real.

E. Morin, em Problemas de uma epistemologia complexa59, adota a definição de

paradigma além da lingüística e incerta de Kuhn, vendo o termo como um tipo de relação

dominadora forte de conjunção ou não de conceitos-chave. A concepção cartesiana

ocidental tem impedido a unitas multiplex, a comunicabilidade entre sujeito e objeto,

impondo um divórcio trágico entre filosofia e ciência. Criticando a divisão do

conhecimento em disciplinas não comunicantes, Morin difere três níveis não redutíveis,

mas articulados da cognição: organizacional, biológico e psíquico, sendo a condição bio-

antropológica do conhecimento de todo ser vivo vista como auto-eco-organizadora, ao

mesmo tempo aberta e fechada. Há, portanto, um equilíbrio dinâmico entre

complementaridade e antagonismo, o ingrediente abstrato (da esfera simbólico-mítico-

mágica) tão necessário quanto o material (da esfera racional-empírico) que sustentam a

identidade comum. Para ele, este exemplo tem relação com ideologias, ao mesmo tempo

imaginativa e real, lógicas e abstratas, mas que atuam objetivamente, advogando então uma

nova ciência do espírito, dos mitos e das idéias – a noologia. Esta traria a soma da lógica e

das incertezas e contradições, a interação onda-corpúsculo (energia-matéria), o continuum

filogenético. A noção de noologia, segundo Morin, está imbuída de problemas-chave da

comunicação e compreensão de idéias, teorias, visões de mundo, indivíduos e culturas.

59
Morin, E. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Biblioteca Universitária, no 38, p. 13,
1996.
309

Na área das Ciências Sociais, confirmando os apontamentos de M. Lövy60, P.

Bourdieu61 e L. Goldmann (op.cit.), busca-se uma epistemologia sociológica como a

cogitada por J. C. Alexander62, uma ‘teoria geral’ da Sociologia que supere a

unilateralidade de trabalhos empíricos e das micro e macroteorizações, o que provoca

grandes contradições internas. Assim como apontado por Kuhn, argumentos não empíricos

e filosóficos influenciam também as áreas exatas e portanto a Ciência Social não pode ser

vista como Ciência Natural interpretativa. A ciência moderna procura um consenso

voluntário e permanente, mas a Sociologia é marcada pelo dissenso, uma rotina de crises de

paradigma, abordando questões supra-empíricas e promovendo debates filosóficos. As

inerentes desavenças cognitivas e valorativas da relação observador e observado se mostra

um conflito saudável para Alexander, que busca combinar compromissos racionais com

supra-empíricos, uma teoria multivalente persuasiva ou meta-teoria. Há, por conseguinte,

uma interpretação moderada entre ambas tendências: uma teoria geral, sintética, objetiva e

normativa junto a uma teoria da cultura, ponte que evita degenerar em idealismo,

arbitrariedade e irracionalismo, preservando criatividade e desenvolvendo uma teoria

multidimensional. Para o autor, o esforço em sintetizar ação e estrutura, cultura e força

material, se faz pela necessidade existencial de reduzir a complexidade, aproximando

indivíduo e ambiente e suas reflexividades.

60
Lövy, op. cit., p.35, 1996.
61
Bourdieu, P. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: DIFEL/Bertrand, 1989.
62
Alexander, J. C. O novo movimento teórico. In: ANPOCS: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.4,
vol.2, junho de 1987.
310

Apesar de advogar a possibilidade de um “paradigma de produtividade

ecotecnológica”, H. Leff63 confere às contradições expressas no confronto entre interesses

sociais, estruturas institucionais, paradigmas e processos de legitimação, o fato irredutível

da lógica única. Embora ele seja contra a racionalidade econômica de forças cegas do

mercado, procura aceitar o caráter relativo e oposto de ambas racionalidades. Entretanto,

esta postura exige consciência ambiental, reforma democrática e participativa do Estado,

reorganização da administração pública e reelaboração interdisciplinar do saber, através da

dialética teórica emersa da consciência crítica sobre o conflito de interesses sociais

particulares. Leff percebe quatro tipos de racionalidade ambiental: substantiva (valores),

teórica (conceitos suporte produção), técnica ou instrumental (vínculo social material) e

cultural (significações, identidade e integridade), esta demonstrando a diversidade e a não

possibilidade de uma lógica ambiental geral. Apesar do confronto entre as lógicas opostas

tecnológica e ambiental, Leff acredita na utopia de um projeto social novo no campo da

Sociologia do conhecimento, com o questionamento social generalizado à racionalidade

dominante e o modelo de cientificidade, compartimentalizado e alienado. A verdadeira

revolução ideológica e cultural pode abalar os saberes científicos estabelecidos se apoiar-se

em práticas discursivas e na práxis crítica e propositiva. O saber ambiental, segundo ele,

configura-se então como um campo em construção, com ideologias diversas e múltiplas

práticas sociais, resultado de inúmeros conflitos internos e externos, podendo transformar

disciplinas de modo desigual na produção, integração e aplicação de conhecimentos e

podendo haver construções originais.

63
Op. cit., p.103.
311

D. Marcondes, em A crise de paradigmas e o surgimento da modernidade64, confere

às causas internas o esgotamento de modelos teórico-metodológicos e externas as

mudanças na sociedade e na cultura que atingem a ciência normal e os períodos de relativa

estabilidade. ‘Paradigma’ seria então reflexo da crise que altera a visão de mundo, a

concepção de natureza e o nosso lugar e postura diante disto. A razão subjetiva se confronta

com a tradição racionalista abrindo a possibilidade de consistir num “paradigma

subjetivista”, onde o sujeito se torna o centro do sistema de conhecimento e não o real ou o

objeto. Para ele, Kant foi quem apresentou a idéia de “sujeito transcendental” atuante,

sugerindo uma espécie de “estrutura universal da subjetividade” e o Romantismo,

resultados da reação à tradição racionalista, ambos dentro da filosofia do sujeito e a

importância das experiências individuais.65 A “intersubjetividade” concebe então o

processo social como pleno de interação entre consciências, onde há ação recíproca e se

reconhece a auto-consciência, parcela subjetiva posterior ao social. Os períodos de crise,

portanto, conferem a potenciais férteis, abrindo novas possibilidades e alternativas para o

desenvolvimento científico.

- Depoimentos

Para a análise desta questão sobre a noção de paradigma, organizamos um quadro

comparativo (em anexo) buscando demonstrar as diferentes respostas: se os entrevistados

confirmam, negam, relativizam ou se abstém do assunto e como explanam a temática.

64
In: Brandão, Z. A crise dos paradigmas e a educação. São Paulo: Cortez, p. 14-29, 1995.
65
Esta posição se mostra oposta a de A. P. Jantsch que procura ir além da filosofia do sujeito na construção
da interdisciplinaridade.
312

Dentre os professores de UFMG, três confirmam as mudanças de paradigmas

referindo-se contra a prepotência, o tecnicismo, o imediatismo da modernidade e a perda de

controle buscado pelo determinismo positivista. Embora haja um paradigma dominante,

não é visto como único e o momento atual de crise da eficiência, com a admissão da

incerteza, funciona como um retorno do processo histórico - a questão ambiental é vista

como fratura do cartesianismo. No geral, vêem a interdisciplinaridade como mecanismo de

mudança de postura para se rediscutir a sociedade. Por outro lado, um entrevistado não

concorda com esta postura, crendo ser a discussão muito recente, não havendo ainda uma

teoria e/ou uma pesquisa normal. Dentre os alunos entrevistados desta universidade, dois

confirmam e um nega, quando aponta para a preponderância do reducionismo na ciência,

não havendo retorno ou síntese. Talvez haja, segundo ele, uma vontade, mas não um

exemplo, modelo ou visão. Outro ponto indicado é para a possibilidade desta tendência ser

devido ao aumento em financiamentos e, portanto, o ímpeto pela interdisciplinaridade pode

ter sido algo forçado, desequilibrando o orçamento em comparação com a pesquisa

puramente disciplinar.

Sim. E de nós como parte dela. É uma tentativa de avanço para um mais
complexo, sistêmico, talvez holístico (dependendo do que a gente entenda por
holístico). Acho que a sociedade humana é muito prepotente. Quase todos os
sistemas, o que ele vai fazer depende dos seus interesses e não necessariamente
os interesses da natureza. E isso me parece um contra-senso, porque nós somos
inteligentes o suficiente para perceber que nós dependemos 100% desta
natureza. As coisas artificiais que nós estamos produzindo podem ser boas para
uma série de coisas, mas numa visão totalmente tecnicista, numa visão
imediatista. (UFMGProfA)
Sim. Sem dúvida, os nossos paradigmas da ciência moderna e do conhecimento
inclusive das humanidades modernas e etc estão certamente “em cheque”, se
não completamente desmontados. As grandes verdades, o legado do projeto
iluminista todo, a ciência entendida como capaz de dar respostas absolutas e
verdadeiras tudo isto está em jogo. É muito difícil você separar o joio do trigo
pelo momento de transição, mas passar por um projeto também de centralização
313

se quiser, de mudança do sentido de eficiência para uma idéia de eficácia talvez


ganhos menores, mas com maior sustentabilidade e tempo. (UFMGProfD)

Para três professores da UFPR, há a conformação de um paradigma interdisciplinar a

partir da complexidade da questão ambiental, surgindo uma nova lógica, um novo olhar -

um “neoparadigma”. Uma tensão saudável, onde é possível a coexistência e não a

substituição através do diálogo, embora um entrevistado aponte contra a idéia de Kuhn

ligado à(s) ciência(s), mas uma opção de docentes e discentes quanto ao eixo da pesquisa.

O curso, segundo eles, é fruto desta transformação antimecanicista, produtivista,

reformulando a história das culturas e visando às gerações futuras. Através de uma

desmistificação de discursos, eles relativizam a noção de cultura planetária situando-se

junto à local, devido às relações de dominância, norte-sul, ricos-pobres, futuro-presente.

Por outro lado, um professor apontou para uma relativização da noção de paradigma,

crendo ser a interdisciplinaridade uma fase de nova organização, construção, mas no

mesmo paradigma. Do mesmo modo, ele concorda que o novo seria uma outra

epistemologia ou pressupostos científicos, que talvez possa ser descrita com a

transdisciplinaridade. Dentre os alunos pesquisados desta universidade, houve unanimidade

na confirmação: embora apontem contra o aproveitamento do tema, o paradigma

interdisciplinar demonstra um avanço que traz mudanças tanto a nível local quanto

mundial. Nas pesquisas, passam a perceber macro variáveis, a interdependência, como um

movimento irreversível de evolução e não de substituição. Vêem o Brasil como deficitário

e a globalização e a conseqüente exclusão exigindo uma adaptação ampla na sociedade.

Colocam ainda que é um processo antimecanicista, reducionista desenvolvimentista,

departamental, cartesiano, mas mantém a importância da disciplina. Mas também há


314

dificuldades pela formação disciplinar, já que ocorrem retornos aos campos de origem

(após projeto), se mostrando ainda especialistas, mesmo com outra visão, ainda tentando

traduzir/discutir com o departamento. Há portanto que se relativizar a disciplina, caindo

num paradoxo entre discurso e prática; a estratégia não competitiva de cooperação na

universidade ainda é utópica, já que há o paradigma antigo fora do curso. Um dos

entrevistados apresenta dúvida sobre a tendência mundial, pois há um uso exagerado, como

a educação ambiental, colocando ainda que as Ciências Naturais demonstraram maior

abertura que as Ciências Sociais para este novo fazer científico – como o processo natural

do ambientalismo.

É um novo paradigma. Agora ele tem, muitas vezes, sido utilizado de forma
bastante oportunista para se ocupar ou não se perder espaços, adequar
temporariamente e por verniz interdisciplinar, mas no fundo está ali a força
disciplinar. Mas apesar disto a tendência está aumentando. (UFPRAlunA)

Junto aos professores do curso carioca, obtivemos um empate entre aqueles que

concordam e os que preferem relativizar o tema. Para os primeiros, o mercado global,

provocando crise econômica e instabilidade social, faz com que o fechamento acadêmico

seja perturbado. Há, portanto uma mudança na sociedade e no Brasil, ocorrendo o aumento

da participação e da organização comunitárias, onde ocorrem práticas de desenvolvimento

sustentável. Embora indiquem que ‘paradigma’ como conceito seja uma utopia, na

academia ocorre lentamente, não de modo espontâneo, mas por recursos (como indicado na

UFMG). Por outro lado, colocou-se que foi a partir de uma pessoa com visão estratégica

que se deu a formulação de um curso tendendo à multi e à interdisciplinaridade. Pela visão

relativista de paradigma, percebe-se que não há um questionamento, mas um deles prefere

centrar-se na questão da qualidade de vida, das relações entre multinacionais, governo,


315

poder, globalização. Isto faz ver o processo como imprevisível, embora aponte para o

potencial das Ciências Humanas na colaboração a uma ecologia humana-social (contra a

perspectiva de um professor da UFMG e da UFPR), ao eco-desenvolvimento. Ambos se

mostram também contra o termo por trazer um discurso vazio: novo paradigma é visto

como blefe. Contra o discurso, um entrevistado indica que deve haver luta pela ciência de

fronteira, não normal, um trabalho árduo de pensar e atuar e não ao holismo e ao

estruturalismo. Para os alunos desta universidade, houve também um empate entre a

concordância e a relativização, já que um preferiu se abster. Para o primeiro, a ciência não

tem dado conta e resultou na crise epistemológica, que não rompe, mas vai surgindo como

novidade. O entrevistado defende uma pesquisa mais engajada e a extensão para a

resolução de problemas, através de uma ciência mais crítica e não conformista, trazendo

para a academia a relação pessoal com o mundo. Um outro pesquisador apresenta dúvidas

quanto a idéia da competição ser substituída pela cooperação sem conflito, mesmo vendo, a

longo prazo, uma oscilação.

Algo novo está surgindo, que algo tem que mudar, que a ciência não está dando
conta e isto refletiria numa crise e que se estaria construindo algo diferente.
Não acaba um para começar outro, este vai surgindo dentro do paradigma
antigo, ultrapassado. Vejo paradigma como uma visão ampla, não só em ciência
e sim num estilo de vida, porque ciência é um desdobramento da sociedade, é
fruto de uma cultura, ideologia. Passamos por uma crise de civilização, de
valores. Idéias e práticas que não estão mais funcionando. Por isso está
surgindo outro paradigma ou outras fórmulas de fazer ciência e pesquisa,
vemos gente fazendo pesquisa voltada para isso, engajada. Não sabemos se
vamos ter um aporte transformador, se vai desembocar numa mudança de fato.
Ou se é mais uma questão reformista: ajeitar, fingir a interdisciplinaridade,
pesquisa de extensão, a universidade chegando até a sociedade para trabalhar
junto ou se realmente vai conseguir uma forma mais potente, que resolva de
fato, voltada mais para resolução de problemas. Mas também desenvolver uma
ciência que traga a questão crítica mais à tona, não conformista. Existem duas
coisas pulsando no mundo e na academia, reflexos dessa inovação
transformadora: na forma de pesquisar, de relacionar com o mundo e na de
316

relacionar com o colega, com o aluno. Ainda tem conservadores, que ainda é
hegemônico, preponderando no mundo. Dois tipos de discurso que em algum
momento são conflitantes e excludentes. Podem até existir os dois, mas um vai
ter que inteirar e, de acordo com quem está inteirando, é que o mundo vai
caminhar. Num temos mais esperança de melhoras e outro vai em direção ao
desespero, destruição, solidão, miséria. Por mais que tenha tecnologia ou se
invista em ambiente, se a lógica é a mesma, isto vai estar acontecendo. Isso
tudo como conseqüência desse sistema e não causa. Tem gente pensando nisso
há muito tempo, vozes que nunca foram ouvidas. Só agora porque tem mais
gente no mundo e as pessoas têm mais sensibilidade, então as idéias começam a
repercutir mais. E por causa de toda uma situação crítica e mais tragédias
acontecendo, tanto no nível social quanto no natural e aponta para algo errado.
É por aí o descontentamento. Se tivesse tudo legal, não tinha necessidade de ter
uma proposta tão radical. Talvez você adaptasse uma coisa ali, outra ali, para ir
aperfeiçoando. Mas são lógicas excludentes, “ou isso, ou aquilo”, coisa muito
grave está acontecendo. (UFRJAlunosB)
Não li Kuhn. Não tenho certeza do que é paradigma, mas pelo Capra, as forças
competitivas vão sendo substituídas pelas cooperativas, de forma natural, sem
conflito, um movimento de substituição. Questiono isso. Não existe cenário
onde só existam forças competitivas ou só cooperativas. Qualquer tipo de
sociedade sempre tem oscilação. O mercado é competitivo, o Estado não mais
supre e pede para a sociedade ser cooperativa e ela de fato reage um pouco. As
cooperativas renascem na crise, na competição forte. Faço uma análise mais
ideológica: são forças opostas, em conflito, em disputa de poder. Então não
pode ser uma transição natural. Temos válvulas de escape. Existe uma força
dominante que às vezes precisa que a contra-hegemônica aflore um pouco para
poder ser captada e evitar que isso se transforme. Cada vez mais vejo só
movimentos reformistas e não revolucionários. Não sei quem está em crise:
paradigma ou capitalismo. Os riscos ameaçam a democracia já que quem tem
voz absoluta é o técnico, tecnocrata, especialista, diz se é aceitável ou
previsível. A voz do cientista é uma, mas cada vez mais a do técnico apaga as
outras, está ganhando poder. Paradigma é uma questão de valores:
antropocentrismo x biocentrismo, competição x cooperação, racionalismo x
emotividade, individualismo x coletivo, são os valores fundantes de uma
organização social. Os valores capitalistas ganham terreno. Estão sendo
questionados, mas por uma pequena elite. Não sei se podemos chamar de
questionamento. Temos que estar atentos porque se houver uma transição é a
longo prazo, fruto de embates não tranqüilos. (UFRJAlunosC)

Pela universidade paulista, obtivemos dois pesquisadores que concordam contra um

que nega e outro que relativiza. Os primeiros indicam que, apesar do oportunismo

interesseiro de alguns, há um processo lento de modificação, a integração de problemas é


317

difícil. Lembram a Agenda 21 mas ainda tem se mostrado restrita, caindo num embate entre

a tradição e os adeptos destas novas correntes. A interdisciplinaridade ocorre lentamente na

academia e ainda é precária na gestão pública: há um conflito entre olhar e prática. O

professor que nega coloca que, por enquanto, existe muito discurso e pouca realidade,

dificultada por um positivismo exacerbado. Segundo ele, há tendências, mas faltam

trabalhos integrados em projetos maiores. Já o pesquisador que questiona a mudança

paradigmática, relativiza a existência da dicotomia, somada e não contrária à união/ponte

entre tendências. Para ele, a Ecologia tanto influencia quanto é influenciada, tendo o

privilégio de pensar em vários fatores ao mesmo tempo, sendo uma saída necessária para a

transformação intelectual pelas circunstâncias mundiais. Por outro lado, ele coloca que isto

não é um debate excepcional, pois ocorre a longo prazo e não garante a total mudança da

economia. Dentre os alunos, houve uma maior negação do que confirmação, crendo ser o

novo paradigma sinônimo de se jogar fora o que já se tem, defendendo que não há uma

ruptura, mas um processo para a uniformidade, a globalidade. Ou ainda, que há tendência à

abertura, vendo a natureza como processo, com a inserção da incerteza, conformando o

fator interdisciplinar. Porém, este não reflete algo novo, mas apenas uma reformulação. Já o

aluno que pareceu confirmar, defende que a busca pela pesquisa sistêmica, relativista é feita

pela Ciência ambiental, além de outros saberes – a necessária “multireferencialidade”. Ele

percebe que há um movimento anti-academicista, quadrado, de especialização, contra a

objetividade - a ousadia visando uma revolução paradigmática.

Sim. Um modo de ver, analisar, de integrar diferentes problemáticas na análise


de uma questão. É reflexo de um paradigma novo e difícil. O grande choque
está quando se sai do curso e vai para a gestão ambiental ou urbana, qualquer
área e vê a gestão pública setorizada, não por projetos ou questões com
cruzamentos. A interdisciplinaridade é fundamental na análise do objeto, mas
318

na prática existe diferenciação entre o olhar e a maneira como o poder público


pode implementá-lo. Essa mudança de paradigma tem que se refletir na gestão
pública também. (USPProfC)
É válido discutir nas disciplinas. A tendência de um cientista é não ser fechado,
tem que estar aberto. A Biologia, a natureza não é estática; as coisas vão
acontecendo; o que se viu e acha que “isso é assim”, amanhã pode não ser.
Então se não estiver aberto às mudanças de paradigmas válidos, não pode ser
cientista. A Biologia há tempos atrás era quadrada. O interdisciplinar é
necessário para falar do sistema que a gente vê; o ecossistema, tudo está
mudando. Tem que estar aberto a isto. Vimos com esta disciplina de rigor
teórico, tratando de artigos em aula; muitas vezes o autor dizia que estava
errado, admitia mudança; isto é legal. Mas isto não reflete um novo paradigma,
não é uma nova ciência; é uma tentativa de abrir horizontes, de conhecer o que
está acontecendo. Mas uma ciência reformulada, mais ou menos, uma tentativa
de acertar o passo, de criar, repor objetivo científico, para conhecer mais e
mais. De repente a gaveta A tem tudo a ver com a gaveta H. E sempre
estiveram interligadas e nunca ninguém se tocou disto. (USPAlunosB)

Como um ‘quadro final’, pouco mais da metade dos pesquisadores entrevistados

(60,7%) confirmam o referencial paradigmático, embora com uma grande variedade de

explanações. Cinco relatos indicam a negação e no geral defenderam uma não radicalidade

no discurso ou mesmo um excesso de discurso e defasagem na prática, demonstrando

serem contra um modismo e o uso indevido do termo. E ainda cinco argumentações

relativizaram o debate, de acordo com suas diferentes justificativas, sendo ainda que houve

uma abstenção. Neste sentido, podemos conferir que, embora seja de extrema relevância, o

debate é bastante vago dentre os entrevistados, mesmo com a pequena maioria definindo a

questão. Ao nosso ver, ao mesmo tempo em que o assunto é resultado de inúmeras

mudanças na visão acadêmica de mundo, cujo trabalho de articulação disciplinar parece

refletir macro tendências, o excesso de discurso a respeito tende a desacreditar o

movimento que busca alterações de amplo espectro, tais como sociais, políticos,

econômicos e filosóficos.
319

1.3 Conceitos epistemológicos

Na questão que analisaremos agora, procuramos saber se o debate ambiental

colaboraria em promover o surgimento de noções tais como complexidade, abordagem

sistêmica e transdisciplinaridade e como cada entrevistado definiria os termos, citando

também a relevância destes conceitos para o curso. O grau de relevância levantado através

das entrevistas foi mediano, uma vez que dos vinte e oito, apenas treze responderam

afirmativamente e dois negativamente, mesmo que ainda treze não tenham respondido à

questão.

Primeiro, veremos a questão de um patamar geral, somente depois detalhando cada

conceito, teórica e empiricamente. Pela explanação geral do que entendem pelo assunto e

sua relevância, obtivemos uma grande variedade de apontamentos. A resposta dada por um

professor da UFMG foi que os termos são relevantes e legitimados, mas não são

fundamentais, indicando certa contradição. Dentre os alunos desta universidade, embora

um tenha declarado que a formação oferecida é ainda bastante tradicional, outro percebe

que alguns professores têm visão flexível, mas os pressupostos rígidos, mecanicistas apenas

lentamente estão sendo relativizados. Para ele, não há consenso, ainda imperando um difícil

diálogo entre os departamentos.

Sim, com limitações, não são centrais. Não temos espaços para essas questões
que muitas vezes são orientadoras e centrais para que cada um se manifeste.
Isto tem maior receptividade entre os alunos, coisas que aparecem ainda como
heterodoxas, vistas com certas restrições, mas já legitimadas, não causam mais
frisson, surpresas que causaram 10 anos atrás... Mas ainda é limitado e difícil,
por enquanto não encontra legitimidade: o sujeito que faz esta passagem têm
um certo receio em termos de mercado de trabalho, de ficar meio híbrido, sem
320

espaço pra voltar para academia, questões pessoais, medo de deslocamento e ter
mercado de trabalho muito restrito o que é uma verdade. (UFMGProfC)

Na UFPR, apenas dois professores colocaram suas impressões gerais como

relevantes: são termos essenciais e utilizados, sendo a interdisciplinaridade potencial para

deflagrar um espaço de invenção, onde a associação é negociada, mas não uma super nova

ciência.

Sim são discutidas e uma das razões de ser do curso. Exatamente porque não
são compreensíveis, perceptíveis se aborda ferramentas disciplinares, elas têm
que ser tratadas e discutidas num espaço interdisciplinar. E já se manifestaram
em algumas teses. (UFPRProfB)
Estes termos são parte de um glossário que acompanha a elaboração teórica e
prática do curso,embora os eixos norteadores sejam a dimensão ambiental e a
do desenvolvimento. (UFPRProfC)

Na UFRJ, dois professores defenderam a relevância, enquanto dois alunos

concordaram que a questão ambiental promove a discussão de tais noções. Do mesmo

modo, um entrevistado colocou dificuldades, mas garante sua importância. Para ele, são

desafios, sendo dois dos termos necessários no curso.

A questão ambiental promove o surgimento destas noções. Não me sinto muito


segura, mas vou tentar definir... Estas noções, apesar de relevantes, não são
tratadas de forma objetiva no curso. (UFRJAlunA)
Definir é complicado. Mas se correspondem e surgiram para contrapor às idéias
do cartesianismo: ao reducionismo e à excessiva especialização, separando
objetos... Portanto, esses conceitos são o desafio para os quais os pesquisadores
e educadores devem estar preparados para lidar e colaborar para que passem a
vigorar. Estas noções, em um curso sobre meio ambiente, são imprescindíveis,
principalmente os dois primeiros; já a transdisciplinaridade é pouco conhecida
ainda para ser proposta num curso, se conseguirmos a inter já está de bom
tamanho. (UFRJAlunB)

Na USP, obtivemos duas respostas sobre a relevância do tema dentre os professores:

na área de um (arquitetura e urbanismo) não existe essa reflexão ainda sobre “uma sinergia

entre disciplinas”, já que não há discussão interna no curso. Para outro entrevistado, a
321

mudança é baseada nesses conceitos que têm que ser assimilados também nos topos da

hierarquia econômica, apesar de não achar provável uma mudança muito grande no jeito de

fazer ciência. Dentre os alunos, obtemos também duas respostas afirmativas:

Holismo é interessante na pós-graduação, principalmente no curso que é


instrumental. Saber o que acontece, ter conhecimento do funcionamento das
coisas é muito importante. Mas com cuidado para não viajar muito. Tendência
saber micro relações, mas é importante também trabalhar com o geral. Ainda
existe muito bloqueio, resistência a abrir a mentalidade, mas aos poucos vai
sendo necessário por que a tendência é esta de ter também a visão aberta para
outras coisas. (USPAlunB)
Elas são vistas extra oficialmente. Até é uma demanda de alguns alunos, que a
disciplina de metodologia, o coração do programa, tivesse uma discussão sobre
sistema e se visitasse algumas pessoas como Edgar Morin, na questão da
complexidade, a coisa do multireferencialidade, o sistêmico, o holístico, mesmo
que fosse com todas as críticas que essas correntes mereçam. Mas isso falta, o
programa não trás. Muitas pessoas que vão fazer o mestrado, principalmente o
pessoal mais jovem, tem uma estória de militância, eles trazem isso já debaixo
do braço. Então vão acabar lendo esses autores, tomando contato com esse tipo
de literatura, um modo de pensar. Meu orientador segue essa linha mais louca,
que alguns chamam de mais irresponsável, mais holística, sistêmica. Outros
não. Um grupo hegemônico do programa ainda é muito cauteloso, para não ser
acusado de irresponsável. Porque também, a coisa da nova era, você fala
qualquer coisa ... Um holismo exagerado, pode justificar qualquer besteira.
Inclusive a preguiça intelectual, pode dizer que é uma metodologia que se
baseia na não metodologia. Nós vamos ver como é que fica ao longo do tempo
e tal. Por mais que isso seja uma metodologia válida, que muitas pessoas usam,
Paulo Freire, outras pessoas usam, você tem um monte de picareta também que
usam. Mas para mim essa é uma questão fundamental que o programa deve
estar caminhando. (USPAlunC)

a. Complexidade

E. Morin (op. cit.) defende a noção de complexidade oriunda da cibernética e da

teoria da informação, não vendo como sinônimo de complicação, mas apontando para o

problema da dificuldade de pensar, porque pensamento é combate com e contra a lógica, as


322

palavras, o conceito. Portanto, ele a percebe, na modernidade, como resposta à crise dos

fundamentos científicos de objetividade dos enunciados empíricos e de coerência lógica de

teorias, que depende da concordância de resultados, instrumentos e comunicação

intersubjetiva em busca de consenso, apesar e por causa de rivalidades e conflitos. Uma

necessária oposição entre idéias e posturas metafísicas entre comunidades na crítica e na

relativa liberdade teológica, política e econômica é colocado por Morin, indicando o elo

indestrutível entre intersubjetividade e objetividade: o paradoxo inelutável de um mundo

objetivo percebido por um observador subjetivo. Assim, os limites do conhecimento,

biológicos, cerebrais, antropológicos, sociológicos e culturais fazem conceber a

“indizibilidade” e “indecidibilidade” do real e favorecem a construção de uma

“epistemologia complexa”, uma vez que conhecer, para Morin, é aventura incerta, frágil,

difícil, trágica.66 As idéias não são sintéticas nem harmoniosas, mas há dificuldades entre

determinações psíquicas e sociais e por isto deve se fazer encontros e trocas entre

investigadores e universitários, retroagir sem perder competências específicas. A mitologia

da ciência, razão, progresso contribui para a “desrazão” que coabita com a razão o coração

da universidade.

Para I. Stengers (op. cit.), complexidade é uma noção perigosa que promove grandes

discursos, podendo indicar que apenas a ciência chega à verdade (do mesmo modo que foi

apontado por Follari em relação à origem da interdisciplinaridade). Mesmo assim, ela faz

problematizar e relativizar conceitos, apontando singularidades de cada situação e

observação e a possibilidade de religar a formação científica a uma política ativa de

redefinição dos interesses. Assim, ela questiona a possibilidade de aproximação de leis

66
Op. cit., p.33
323

fundamentais por um observador ideal, já que uma complexidade pertinente impõe nova

maneira de interrogar e possibilita outras situações. Mais do que obstáculos, nova visão ou

teoria, a complexidade é prática: “...se coloca quando um encontro empírico (...) impõe um

novo questionamento do poder atribuído a um conceito e atualiza uma dimensão da

interrogação prática que tal conceito ocultava”67, não como um retorno ao empirismo, mas

questão que traz à tona a relação entre poder, risco e pertinência, sem grandes discursos

teóricos - para a autora, uma “novologia” seria inconcebível.

O surgimento de uma racionalidade ambiental a partir da Sociologia é prevista por H.

Leff com a percepção de um real dinâmico que nos engendra e reunindo disciplinas em

torno de um saber ambiental cada vez mais emergente. Para ele, somente dando atenção à

multicausalidade podemos ter um desenvolvimento sustentável que conceba a

complexidade e a diversidade inerentes ao conjunto Terra-Biosfera-Cultura, necessária à

racionalidade social aberta, oposta a qualquer unificação.68 Mas ele ponta para as

resistências das Ciências Sociais que têm internalizado muito pouco os princípios

ambientais por sua rigidez e apriorismo, não percebendo a potencial colaboração para uma

“racionalidade sócio-ambiental”. Baseando-se na noção de racionalidade de Weber e de

saber de Foucault, o autor procura internalizar as questões ambientais, orientando

interdisciplinarmente o desenvolvimento do conhecimento e a formação profissional, uma

vez que é um processo político e social que passa por confrontos e acertos de interesses

opostos. Portanto, ele acredita numa ruptura de obstáculos epistemológicos e barreiras

institucionais, na inovação de conceitos, métodos de investigação e conhecimentos e novas

67
Op. cit., p.171.
68
Op. cit., p. 103.
324

formas de organização produtiva. Para tal, indica um “sentido prospectivo”, estratégico e

uma perspectiva construtivista nas articulações de diferentes ordens de materialidade.

A. Marques (op. cit.) interroga se é possível sintetizar áreas disciplinares sem ser

reducionista, uma vez que contribuições interdisciplinares são descolagens de modelos

heterogêneos para encaixe em uma matriz não-complexa e, portanto ainda reducionista. As

ciências buscam dar conta de múltiplas determinações com menor número possível de

regras, num afunilamento crescente, estreitando bases de apoio da complexidade e

demonstrando o problema fundamental de encontrar matriz incondicionada. Para o autor, a

oposição simples-complexo constrói o pensamento epistemológico, mas são estereótipos,

idéias convencionais e não verdades analíticas, mesmo tendo função reguladora da razão.69

No meio das Ciências Biológicas, mas também e principalmente nas Sociológicas, a

complexidade é fator limitante da consagração definitiva dos saberes como busca de uma

verdade concreta. Diferente das Ciências Exatas, as ciências ‘inexatas’ foram muitas vezes

desconsideradas como ciências. Porém, de acordo com P. Tamayo (op. cit.), qualquer

unidade é descartada, uma vez que há uma irredutível heterogeneidade entre matéria inerte

e viva. A Biologia muitas vezes não se adequa à abordagem reducionista porque poucas leis

não fundamentam tamanha complexidade e diversidade. A existência da capacidade

adaptativa perante a desordem proporcionada pela entropia depende da retro-alimentação.

Há também complexidade no meio físico, como por exemplo, o clima, mas a diferença é

quantitativa para o autor, já que evolução e emergência de propriedades são funções não

dedutíveis de componentes individuais.

69
Op. cit., p. 38.
325

E. Odum (op. cit.), explicando sobre a teoria das propriedades emergentes na

evolução biológica, coloca que um novo conjunto de elementos acaba por provocar a

emergência de variabilidades e, vice-versa, a perspectiva sistêmica demonstra que tais

propriedades não são reduzíveis à soma das partes.70 Deste modo, as descobertas dum nível

ajudam no nível seguinte, mas não explicam sua totalidade, resumindo o que chama de

“teoria hierárquica” a partir de uma epistemologia conveniente à grande complexidade

biológica. K. Lorenz, buscando distinguir o pensamento em termos biológicos, concebe que

ele difere da Física por esta utilizar métodos de redução generalizante com intuito de

desvelar leis universais de sistemas super ordenados.71 Embora a Biologia também use a

dedução, percebe as restrições de aplicabilidade, já que estuda sistemas por sua

singularidade, quase sempre indiferentes aos níveis de integração, simplicidade ou

complexidade. Nela, procede-se também do particular para o geral, mas a idealização de

leis gerais e específicas revela a contradição. A rede de variáveis interatuantes por causa e

para além da entropia faz com que, de acordo com L. von Bertalanffy (op. cit.), a

complexidade aumente num sentido imprevisto e aniquilam o terceiro axioma cartesiano

que do simples, revela-se o complexo. A homeostase funciona via retro-alimentação, onde

a informação é essencial para o equilíbrio dinâmico e para o desenvolvimento de novas

propriedades. A Biologia, para ele, promove uma “reorientação da cosmovisão científica”,

70
Op. cit., p.3. Do mesmo modo, podemos pensar a cultura também como propriedade emergente (Rocha,
P.E.D. Seria a cultura natural? IV Congresso Aberto aos Estudantes de Biologia. Campinas: UNICAMP.
Resumos, p.237. 1999).
71
Op. cit., p. 15.
326

provocando a mudança de visão do mundo, não desconsiderando o acaso, mas não o

divinizando.72

- Depoimentos

A respeito do termo ‘complexidade’, obtivemos um total de doze respostas dentre

professores e alunos dos quatro cursos. Na UFMG, dois professores colocaram que é uma

teoria que interpenetra desde a Física, Matemática até a Biologia e que corresponde a um

tipo de impossibilidade de explicação total da realidade. Para o outro, complexidade

corresponde a um não equilíbrio que coloca a antieconomia tradicional e interfere em

outros campos com a idéia do indeterminável.

Vários físicos estão procurando estudar a complexidade biológica. Eles são


preparados teoricamente, curiosos. E a própria gestação da teoria da
complexidade, embora tenha uma base forte matemática, tem uma preocupação
de descrever a complexidade biológica. A medida em que se esgota a
possibilidade de explicar coisas complexas e que a própria sociedade vai se
tornando complexa e isso traz mudanças de visões, por exemplo internet,
globalização, faz com que pessoas raciocinem de forma mais abrangente, os
problemas mostram-se em conexões mais gerais. (UFMGProfB)
Não sei se este passo é dado. Existe hoje uma consciência generalizada, difusa
da idéia de equilíbrio, idéia cara aos economistas, complicada. Existe uma
tradição na economia (main stream) que acredita, como fé religiosa, que
funcionando livremente, tende ao equilíbrio. Isso foi negado várias vezes de
várias maneiras. Mas está sempre presente. A teoria Expectativas Racionais é a
versão mais moderna, atualizada: os indivíduos são dotados de capacidade,
racionalidade que antecipam possíveis ações do Estado, anulam eventuais
intervenções do poder público, reagem de tal maneira que é inócuo. A única
função da intervenção estatal seria eventualmente produzir inflação ou uma
certa irracionalidade do sistema de preços. Mas existem outros campos que
questionam e apontam a questão das instituições (no sentido mais amplo, desde

72
Op. cit., p. 104. Ele a compara com as descobertas da pólvora e da bomba atômica, frutos de uma filosofia
que percebe o mundo e sua crescente complexidade como “nada mais que” decorrência simples e direta de
unidades básicas e concretas da matéria.
327

o Estado até instituições privadas, instituições mentais, hábitos) que podem


determinar o curso do processo econômico. Existem diversas possibilidades.
(UFMGProfC)

Na universidade paranaense, um professor apenas citou que o curso oferece somente

algumas noções, mas mais como uma informação geral. Dentre os alunos, colocou-se que a

complexidade é discutida em termos epistemológicos, na literatura, teoria do caos, etc., mas

não entra na discussão, mesmo conferindo que a visão interdisciplinar aborda melhor a

complexidade da realidade:

É uma decorrência natural e também trabalhar no sentido de dar, explicar


melhor a realidade e não só construir teorias complexas. Às vezes acho que tem
alguns profissionais que confundem complexidade em elaborar teorias cada vez
mais complexas. Na verdade, entender a complexidade é conseguir simplificar
melhor a complexidade e não elaborar fórmulas e métodos cada vez mais
complexos. Tentar simplificar a nossa forma de analisar a complexidade.
(UFPRAlunB)

Outro aluno coloca também que se busca a diminuição da complexidade para

reconhecer aspectos importantes da pesquisa. Para ele, o grupo reconhece a complexidade,

mas não é a única opção.

Falamos em abordagens de redução da complexidade para reconhecer situações


ou hipóteses para pesquisa. Por exemplo com tipologias de sistemas. Não
sistemas dados, mas realidades diferenciadas. Reconhecemos uma ciência da
complexidade, mas também que temos vários caminhos ou várias metodologias
possíveis para reduzir esta complexidade. (UFPRAlunC)

Dentre os professores da universidade carioca, um deles aborda o problema do

complexo optando por vê-lo como dificultador, porque se mostra como de difícil

interpretação, afastando o diálogo. Para ele, uma “taxonomia da ciência” é complicada, pois

relativiza ‘sociedades simples’, ‘sociedades complexas’. Já os três alunos declararam ser o

tema de grande importância, por buscar aspectos complementares para a compreensão da


328

totalidade. Segundo eles, de modo geral, esta questão traz a impossibilidade do pensamento

reducionista, revalorizando os inúmeros aspectos dos processos sócio-ambientais.

Forma de abordagem característica de alguns fenômenos, que apresentam


aspectos complementares para que sejam compreendidos na sua totalidade. Ou
quando não podemos reduzir a compreensão de algo a partir de um único ponto
de vista. (UFRJAlunA)
Traz à tona a inviabilidade do pensamento simplista, mecanicista propondo uma
valorização dos múltiplos aspectos envolvidos nos processos naturais e sociais.
(UFRJAlunB)
A questão ambiental é claríssima, mostra que o objeto é complexo. Prefiro não
fazer cenários futuristas, são muitas variáveis. O efeito borboleta é uma
metáfora das melhores. Tendo a ver a relação de causalidade entre muita coisa,
numa abordagem complexa. (UFRJAlunC)

Já na universidade paulista, um representante docente apontou para semelhança

entre interdisciplinaridade e o pensamento complexo e que indubitavelmente está sendo

inserido em vários cursos, embora não tenha conhecimento se há penetração em cada

instituto, mas percebe alterações, inclusive na sua área, a Educação. Dois alunos conferiram

que a complexidade 1) é usada em teses, mesmo em se tratando de resíduos sólidos,

diretamente proporcional à industrialização de produtos e a dificuldade de resolução: “tem

tudo a ver” e 2) tem que ser introduzida como um instrumento e a importância de se estudá-

la.

Tem uma série de pesquisadores como Morin com a abordagem mais sistêmica,
da complexidade, Prigogine, que estão introduzindo temas, questões, que a
gente está começando. Por que a interdisciplinaridade ou o chamado
pensamento complexo, toda esta discussão, é um recurso muito recente. Sem
dúvida está sendo inserido na USP em vários cursos, não só no PROCAM. Se
em cada instituto, não sei, mas estou sabendo, sentindo. Na educação um
pouco... Mas não digo que tem um agregador geral. Tentaremos ser mais
abertos um pouquinho... Tem esta idéia de visão integrada, quem trabalha com
impacto ambiental. Tanta gente que tem esta característica, que permita estar
agregando alunos. Porque é um projeto que não é demandado; está sendo
concebido, então não é induzido, é concebido sem demanda; então é uma
construção. (USPProfA)
329

b. Abordagem Sistêmica

Sobre a conceituação e uso de ‘abordagem sistêmica’, todos os já referidos autores,

até certo ponto estão discutindo necessidades e vantagens dela, embora um dos autores

mais citados, apesar de criticado, é L. von Bertalanffy. Este biólogo dos anos 30 é defensor

de uma unidade científica, um universalismo promotor de um paradigma filosófico-

científico através da interdisciplinaridade.73 Sua teoria geral busca uma totalidade e a

organização de múltiplas causalidades, mesmo com a pluralidade e as tendências de cada

teoria, prevendo uma unificação futura, sem formalismo preciso. A unidade, para ele, deve

ser buscada na uniformidade dos construtos ou modelos conceituais das disciplinas e na

unidade do mundo que conceituam isomorfismos em alto grau de abstração. Ao invés de

análises, ele vê as necessárias relações intrínsecas com as partes, plasticidade que dá

primazia à dinâmica sobre a estática, a partir de visão de processo e de uma “diretividade” a

uma meta, o que concorda com a perspectiva vitalista. Entretanto, seu enfoque organísmico

procura despolemizar a oposição mecanicismo x vitalismo, ambos insuficientes, mas não

recusados plenamente. O sistema biológico é aberto e fechado, extra e auto-organizável,

sendo o metabolismo resultante da soma entre síntese e catálise.

Assim como para Morin, a construção epistemológica é vista por G. Bateson a partir

de três fases similares à evolução – o vivente, o pensamento e o biossocial – e se

harmonizam desde “dois repertórios contrários”: o rigor ou conservadorismo (“jardim”) e a

imaginação ou criação (“pátio”), com ritmos próprios. A evolução, portanto é uma

73
Op. cit., p. 155. Aqui se confere a dúvida sobre se o chamado “novo paradigma” se refere à inter ou à
transdisciplinaridade como vislumbrado por Morin, dentre outros.
330

correlação radical entre forma e função: etapas de um mesmo processo, onde pensamento

constitui um fragmento como resultante da relação entre o “somático que propõe e o

genético que dispõe”, influindo no comportamento. Suas idéias são radicalmente anti-

fisicalistas, já que os determinismos físicos e mentais se imbricam na distinção e

conjugação de uma dualidade ontológica distinguida por Bateson: “pleroma e creatura”,

mundos distintos, mas coerentes.74 Sua opinião heterotodoxa do darwinismo, tendendo ao

lamarckismo, confere poder aos ajustes somáticos nas alterações genéticas, como para

Piaget. A relação jardim/pátio confere este meio termo entre conservadorismo/criatividade,

rigor/imaginação, convergência/divergência, homeostase/desvio-amplificação,

genética/somática, digital/ analógico, número/quantidade, forma/processo, endo

seleção/exo seleção, status quo ex ante/adaptação. Bateson vê como um “salto na

imanência” a totalidade sistêmica, tentando renunciar ao senso comum e vendo o tempo

como tecido, matriz das diferenças, o que permite perceber uma integração original.

O biólogo Brito da Cunha, buscando sintetizar a idéia de ‘organismo’, disserta sobre

sua “natureza ubíqua”, o que leva à intersecção entre Biologia e Filosofia, formando a

disciplina Biontologia que estuda o ser. Porém, ele confere que esta dubiedade não aponta

para uma teoria geral ontológica, mas para uma classe especial de sistemas concretos - os

biossistemas, que também fazem parte de quimiossistemas, mas comportam propriedades

próprias. Suas fronteiras não são fechadas, pois permitem trocas, mas são limitadas, uma

vez que são auto-organizados, sintetizando componentes complexos a partir do simples.

Suas reprodutibilidade e mutação desenvolvem alto grau de flexibilidade comportamental,

ou seja, são sistemas evoluentes, embora ‘evolução’ seja também um termo ubíquo, ao

74
Op. cit., p.120.
331

mesmo tempo científico e ontológico. Ou seja, para Brito da Cunha, nenhuma propriedade

básica isolada é apenas biológica, mas o conjunto e as relações entre propriedades é que

formam o organismo vivo. Portanto, seu processo histórico e sua organização são próprios:

há emergência de propriedades sem transcendência e “enraizamento” do nível anterior sem

redução, assim como do físico para o químico e do biológico para o sociológico. Esta

“perspectiva ascendentista”75, no entanto, refuta o vitalismo, mas defende um “organicismo

sistêmico”: há manutenção das propriedades básicas da matéria, mas suas combinações

promovem originalidades e propriedades mais complexas.

Depoimentos

Dentre os vinte e oito entrevistados, apenas oito responderam com sua impressão

sobre o pensamento e a abordagem sistêmicas, não havendo nenhuma menção entre os

pesquisadores da UFMG. No curso do Paraná, um entrevistado respondeu que o tema faz

parte da ciência normal e que alunos já trabalham nele, sendo que o outro confere esta

perspectiva dentre outras, relativizando sua importância.

Uma concepção sistêmica é mais uma via metodológica do que filosófica, no


sentido de uma epistemologia. Não nos opomos a utilização dela, mas é apenas
uma abordagem a mais. Há um espaço de invenção não dado pela disciplina em
si e nem por uma super teoria transdisciplinar que venha subordinar as ciências
a um modelo. Mas é uma associação negociada dos conhecimentos presentes
que são obrigados a construir, simultaneamente, uma problemática transversal
sobre a questão sociedade-natureza. (UFPRProfC)
A visão do curso é sistêmica. Abandonamos a expressão holista para não
confundir com espiritualidade. Mas sempre com medo de compartimentalizar
demais o sistema. Ou reconheço o sistema e acabo caindo no mesmo

75
Op. cit., p.96.
332

reducionismo de recortar em partes e estudar cada parte como se não fizesse


parte do sistema. (UFPRAlunC)

No Rio de Janeiro, um professor colocou que a abordagem sistêmica não pode ser

única, mas tem potencial de esclarecer relações entre conjuntos interagentes, confirmando o

dito pelos alunos: para se compreender um fenômeno é preciso levar em conta os

componentes inter-relacionados, abordando de forma indissociável, aspectos sociais,

culturais, econômicos e ecológicos de uma dada questão.

Visão, abordagem sistêmica não tenho preconceito. Só não existe por si só,
senão é reducionista, mas para esclarecer e começar a pensar mais é genial.
Sofro críticas por conta disso. Vamos complexificar o sistema porque nenhum é
isolado, nem simples, nem elementar; todo sistema é um conjunto de outros
sistemas, pelo menos dentro das nossas limitações de percepção e leitura do
mundo. Uma visão sistêmica ajuda bastante a pensar sobre isso, tentando
sistematizar a idéia do Sol como fornecedor básico de energia e complexificar a
idéia de quatro esferas mais a sociosfera, uma complexificação fundamental.
Permite pensar no significado da entropia e em termos mais particulares de um
subsistema na idéia de lixo que é lixo e que não é lixo. E a idéia de lixo
cultural, de entropia cultural. (UFRJProfC)

Em São Paulo, dois pesquisadores colocaram a relevância da noção sistêmica da

realidade, citando pensadores que procuram fundamentar tal debate, como Morin e

Prigogine, questões estas que estão apenas começando a se integrar ao modo de vida

acadêmico. Também colocaram que é uma demanda de alunos a multi-referencialidade, o

holismo, mesmo com críticas e que há orientadores que a seguem.

Pesquisadores como Morin, Prigogine, com abordagem sistêmica, introduzem


temas, questões que estamos começando. (USPProfA)
É demanda de alunos a discussão, a multi-referencialidade, o holismo, mesmo
com críticas. Orientadores seguem linha mais louca, que chamam de
irresponsável, holística, sistêmica. (USPAlunC)
333

c. Transdisciplinaridade

O modelo transdisciplinar de realidade tem conseqüências particularmente

importantes no estudo da complexidade. Mas a complexidade sem seu pólo contraditório, a

simplicidade, surge como uma distância cada vez maior entre o ser humano e a realidade,

introduzindo uma alienação auto-destrutiva. Os estudos da complexidade principalmente na

Matemática e nas Ciências Naturais tomaram importante posição na estrutura disciplinar do

conhecimento, fomentando a necessidade de estudos mais abrangentes da realidade e

funcionando como um agregador de iniciativas inter e transdisciplinares.

Durante o já citado Congresso Internacional sobre Evolução Transdisciplinar da

Universidade, a transdisciplinaridade é referida essencialmente como resultado da “unidade

do conhecimento”, dependente da disciplinaridade e conectada com a complexidade. Ou

então “uma totalidade”, como referido por Monteiro76, valorizando sempre o processo

construtivo e dialógico.

Segundo Coutinho77, tais questões têm seguido a conjuntura internacional, e, do

mesmo modo, proporcionado um ambiente profícuo de pesquisas regionais, embora tenham

encontrado dificuldades de trabalhos transdisciplinares. Ela confere à Ecologia uma

tendência à transdisciplinaridade, assim como uma intensa dinâmica inter institucional. Nos

anos 90, de acordo com a autora os cursos oferecidos no país já apresentam uma tendência

mais forte na busca pela inter/transdisciplinaridade, necessária no trato do tema ambiental.

76
Op. cit., p.75.
77
Coutinho, M., op. cit.
334

Segundo E. Jantsch78, transdisciplinaridade se faz a partir de disciplinas

coordenadas sob ponto de vista comum, sendo que apresenta múltiplos níveis e inúmeros

objetivos, possuindo uma coordenação que vise uma finalidade geral. J. Piaget79 distingue a

transdisciplinaridade quando ocorre uma “integração total através da eliminação de

fronteiras estáveis entre disciplinas”.

Segundo o documento básico do sub-programa de Ciências Ambientais do

Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia junto ao Ministério de

Ciência e Tecnologia e do CNPq, o conhecimento setorizado não pode atender ao apelo de

prover o conhecimento ambiental. Isto passa, necessariamente, pela adoção de um modelo

epistemológico transdisciplinar.80

- Depoimentos

Sobre o termo ‘transdisciplinaridade’, obtivemos dezoito respostas apontando, no

geral, para um descrédito desta perspectiva por se mostrar muito além do cotidiano

acadêmico, embora alguns pesquisadores indiquem uma evolução da ‘inter’ à ‘trans’, e até

mesmo uma necessidade científica de se integrar as disciplinas, alertando para a cautela de

um reducionismo ao avesso.

Na universidade de Minas Gerais, dentre os professores, há dúvidas sobre o

escalonamento (MD=>ID=>TD) e se é possível justapor ou integrar planos diferentes.

Percebe-se que está em processo uma construção lenta de algo entre as fronteiras

78
E. Jantsch, op. cit., p.108-9.
79
Piaget, J. The epistemology of interdisciplinary relationships. In: OCDE, ibid., p.141-44.
80
Op. cit., p.167.
335

disciplinares, uma “reconstrução coletiva do objeto”, incorporando conceitos alheios. Por

outro lado, existem muitos receios: um mercado de trabalho restrito, a formação de um

profissional híbrido, a falta no espaço acadêmico, etc. Dentre os alunos, apenas um se

posicionou, comentando que transdisciplinaridade seria incorporar axiomas de disciplinas

em outras, fundindo e transcendendo ambas na formação de uma “transdisciplina”. Esta

idéia, segundo ele, é perseguida no curso, mas no atual estado, ainda está para ser

conciliado.

Talvez a interdisciplinaridade seja um caminho, uma forma mais amena, um


passo inicial para saber conversar. Não adianta tentar formular uma ciência,
saber, paradigma, sem isto. Não se impõe, se constrói. Para se construir uma
Ciência Ambiental, a interdisciplinaridade seria o passo essencial. Mas, não sei
se é pré-requisito [para a trans], uma coisa que tem que se adequar. Fica aí meio
vago. (UFMGAlunC)

Já os docentes pesquisados da universidade do Paraná, parecem concordar entre si

que não há busca pela transdisciplinaridade, não crendo em uma meta ou mega disciplina.

Embora o curso dê noções, informação sobre o assunto e possa levar a uma nova

perspectiva da ciência, ela é vista apenas como um instrumento de pesquisa. Dentre os

alunos, há também um consenso de que a transdisciplinaridade, apesar de não ser negada,

requerendo as etapas disciplinar e interdisciplinar, foi abandonada por não se revelar útil e

por se mostrar extremamente “esotérica”, “utópica”, “superficial”, “não objetiva”, ainda

mais quando apropriam-se do conceito e vira mercadoria (moda), obrigando a ser

abandonada por perder significado.

Não almejamos uma super síntese, ciência nova, a transdisciplinaridade. Talvez


colocada daqui a um tempo, mas pela própria prática da pesquisa
interdisciplinar. Talvez essa questão real, concreta, prática, alimente a discussão
de uma teoria implícita, ligada à discussão epistemológica que nos leve a
conceber a ciência de outra perspectiva. Não sabemos ainda se é uma
336

interdisciplinaridade refinada, se é a transdisciplinaridade ou qualquer outra


concepção que possa traduzir essa nova perspectiva. (UFPRProfC)
Transdisciplinaridade não, por enquanto; daqui a dois séculos já se pode ter
chegado. Por enquanto não acredito numa mega ou meta disciplina e nem no
especialista generalista que sabe fazer tudo. (UFPRProfD)
Transdisciplinaridade é utópico ainda, porque perde a segurança que a
disciplina dá para a interdisciplinaridade. É uma coisa meio esotérica ainda no
sentido de ter um “guru” que trace tudo isso. ...a trans já é uma coisa sem
disciplina. Não sei, pode ser que futuramente se faça curso de conhecimento
geral e vai faltar base, não vai ter capacidade cerebral e acaba sendo superficial
em tudo e talvez não atinja seus objetivos. Não vamos negar totalmente porque
a gente sabe que nunca pode se fechar uma porta, mas é utópico. .... Não
acredito na transdisciplinaridade, esquecer que existem disciplinas e o
conhecimento por si. (UFPRAlunA)
Sobre transdisciplinaridade não acompanho a discussão, tenho dificuldade de
entender... Alguns teóricos colocam a transdisciplinaridade num nível além da
interdisciplinaridade. E que agora seria busca-la. Critico porque essas palavras
acabam virando modas, pessoas que nem vivenciaram experiência
interdisciplinar. Essa nova forma de produzir conhecimento terá de ser
necessariamente transdisciplinar, mas requer etapa interdisciplinar. Existem
pessoas que, pela experiência com pesquisa, diálogo com vários profissionais,
já se transformaram em pessoas capazes de fazer trabalhos transdisciplinares ou
de participar de equipe transdisciplinar. Mas passaram porque foram bons
especialistas disciplinares, depois conseguiram fazer diálogos com outras
disciplinas. (UFPRAlunB)
Como ‘holismo’, foi abandonada. Ou usada no sentido frouxo, como a
habilidade do indivíduo para conversar; nele existe. Não se revelou útil.
Precisamos distinguir o que é integração (inter) do que não é integração (multi).
Esta é de graça, pessoas aprendem, cai na mídia, vira mercadoria de barganha
para vender projeto, eleger. Aí é obrigado a abandonar o conceito, perde
significado. Se apropriam do conceito. (UFPRAlunC)

Dois professores do Rio de Janeiro comentaram que a transdisciplinaridade se mostra

um processo ousado, possível e necessário. Um deles, se mostrando utópico, diz que já

existe a transdisciplinaridade na universidade, de uma certa maneira com professores que

vêm de fora e colaboram para transcender disciplinas, acreditando em sua aplicabilidade.

Dois dos alunos entrevistados colocaram que a trans só ocorre quando um determinado

tema é de interesse comum a várias disciplinas, comportando uma análise a partir da fusão
337

de diferentes óticas peculiares. Há, portanto, consenso de que a transdisciplinaridade é um

objetivo, mas na disciplinaridade atual se mostra difícil e pouco conhecida.

Desde a graduação trato destas questões... A vida inteira discuti inter, multi,
transdisciplinar e durante muito tempo fiquei com a inter e com a multi, achava
a trans muito ousada. Hoje pela internet a trans está ai. Penso mais numa
intertranscultural, no sentido de ser interdisciplinar, mas que possa ser um
conhecimento transcultural: um Norte dialogando com o Sul perceber realmente
esta condição de sub... Transdisciplinaridade na universidade existe, de uma
certa maneira. Todo ano temos professores de fora. Algo como transcender as
disciplinas. Não existe ainda é uma produção, no sentido de projetos que
tenham produção comum. Não se tem ainda o resultado. Os resultados das
Ciências Humanas demoram, mas até 2005 acontecerá este trabalho conjunto.
Não temos dinheiro, recursos, porque não ganhamos PRONEX. Quem não
entrou está sem condições... (UFRJProfA)
Método como meta a ser alcançada... A trans é uma ousadia necessária, para
que nunca estejamos satisfeitos com os resultados. No ensino e pesquisa
baseado na disciplinaridade, é totalmente inviável, assim como a inter também.
É pouco conhecida para ser proposta num curso. (UFRJAlunB)

Para os pesquisadores entrevistados da universidade de São Paulo, com três respostas

dentre professores e alunos, transdisciplinaridade, apesar da dificuldade em se definir, é

tida também como importante e necessária, confluindo para uma nova ciência e “não

simplesmente um aglomerado”. Do mesmo modo, há um cuidado para não se cair em

generalismos.

Mas seria a criação; uma fusão de conceitos da filosofia. É importante, mas não
sei se é discutida no curso. Multi, inter se ouve como bandeira, mas trans não.
Uma etapa que fatalmente vai passar, não tem jeito. No futuro não muito
distante, a tendência vai ser formar, talvez, novas disciplinas englobando um
número de coisas compatíveis. Somos treinados para analisar pedaços, juntar
pedaços e fazer um. Mas quando conseguir, tirar a essência, tenderia à trans.
Seria mais interessante. (USPProfD)
É mais complexo, fica difícil na graduação começar desta forma. É legal ter
noções, mas precisa de formação básica para não ficar muito solto. Não dá para
tirar o mérito da especialização. (USPAlunB)
338

2. Desenvolvimento sustentável

O estudo do chamado desenvolvimento sustentável em geral é objetivado nestes

cursos. Deste modo, elaboramos esta décima primeira questão buscando perceber como é

vista a tentativa de se adequar degradação ambiental e condições de vida. Ou seja,

procuramos saber se há consenso sobre a dicotomia desenvolvimento X conservação. Para

tal, colocamos o exemplo do projeto de construção da hidrovia no Pantanal mato-grossense,

que traria melhorias na escoação de produtos e desenvolvimento regional, mas, por outro

lado, poderia afetar o regime hídrico do bioma, trazendo inúmeras conseqüências

ambientais. O citado exemplo, dentre tantos, é colocado para captar qual seria a posição do

entrevistado perante tal impasse.

Incompatíveis com um desenvolvimento auto-sustentado, economicamente viável,

socialmente equilibrado, ecologicamente suportável e moralmente aceitável, o processo de

acumulação de capital, supostamente paradigma da racionalidade instrumental, tende à

maximização do retorno sobre um investimento no mais curto prazo, à socialização dos

custos das externalidades e à privatização dos lucros. Se boa parte da pobreza e da

indigência é conseqüência da acumulação selvagem, esta foi baseada na apropriação, via

dominação política autoritária, da terra, da água, dos recursos naturais, completada por um

acesso privilegiado e exclusivo à cultura, ao lazer, às oportunidades de emprego e de

participação política. A experiência das últimas décadas nos tem ensinado que o

crescimento perverso não só não elimina problemas estruturais do subdesenvolvimento,

como cria e perpetua uma série de outros, de difícil equacionamento e solução. Há a


339

necessidade, portanto, de uma estratégia de desenvolvimento endógeno, cujas metas e

prioridades não coincidem ou convergem com aquelas do capital transnacional.

Segundo R. Moreira81, do mesmo modo, o impasse sobre a significação de

sustentabilidade nas sociedades contemporâneas é parte dos embates políticos, ideológicos,

econômicos e sociais de apropriação dos conhecimentos científicos e culturais sobre a

natureza e o mundo natural. Além disto, conferindo a questão da sustentabilidade uma

“nebulosa ambientalista” por se mostrar ainda imprecisa, ele concorda que sua análise

exige a ressignificação de conceitos tais como natureza e ser humano. Um novo significado

é alcançado com o reconhecimento da incerteza e da indeterminação da realidade humana,

assim como nossa percepção de uma autonomia relativa perante o todo que nos compõe.

O chamado desenvolvimento sustentável tem sido rebatido por trazer ainda uma

noção desenvolvimentista e poder dar a idéia de sustentabilidade de lucros. Este termo tem

sido substituído pela idéia de formação de sociedades sustentáveis, que conduziriam a uma

melhor adequação da qualidade de vida para a população e manutenção dos ecossistemas

naturais. Odum traz à discussão se a proteção ambiental se daria pelo resguardo de áreas

intocadas, sendo as demais utilizadas para o sustento humano, ou se toda a superfície

planetária deveria manter um forte equilíbrio entre produção e preservação:

A repartição da paisagem em três componentes ambientais, o ‘natural’, o


‘domesticado’ e o ‘fabricado’, conforme a tradição dos paisagistas, fornece
outra maneira conveniente de se considerarem as necessidades e inter-relações
entre essas partes necessárias de nossa ‘casa’.82

81
Moreira, R. J., op. cit., p.248, 1999.
82
Odum, op. cit., p.312.
340

I. Sachs, em seu artigo Sociedade, cultura e meio ambiente83, discorre sobre o termo

sugerindo um “desenvolvimento sem adjetivos”, visando evitar ter que dizer as vertentes,

econômicas, sociais, políticas, culturais e humanas, já que é um conceito pluridimensional.

Para ele, há três critérios essenciais do desenvolvimento, apontados desde sua inicial

exposição sobre ecodesenvolvimento: o social, o ecológico e o econômico:

O ecológico entra como uma condicionalidade, porque existe o perigo de


crescer distribuindo, do ponto de vista social, os frutos deste crescimento de
uma maneira relativamente eqüitativa, mas hipotecando o futuro através da
incorporação predatória do capital da natureza do produto.84

J. M. Alier85, em sua obra De la economia ecológica al ecologismo popular, cita o

trabalho de Georgescu-Roegen que se baseia na racionalidade econômica camponesa para a

formação de uma Economia Ecológica auto-sustentável, cuja lógica própria de organização

questiona a racionalidade econômica neoclássica da empresa capitalista (dependente da

energia fóssil e de fertilizantes e agrotóxicos poluentes). Baseado na segunda lei da

termodinâmica e na teoria da evolução biológica mediante os fenômenos econômicos

quanto aos fluxos entrópicos de energia e materiais, o autor citado pesquisa sobre como a

economia poderá ter condições de encaixe nos ecossistemas e a valoração dos serviços

destes para o sistema financeiro.

Deste modo, grandes nomes da ciência86 no país têm refletido sobre a

inevitabilidade de impactos ambientais a partir do aumento da atividade econômica (como

o caso da construção de hidrelétricas e a capacidade de exploração agrícola da Amazônia,

83
Sachs, Ignacy. In: Mundo & Vida: alternativas em estudos ambientais, n.1, jan.-dez. Niterói: UFF-PGCA,
p.7-14, 2000.
84
Ibid., pág. 8.
85
Alier, J.M. De la economia ecológica al ecologismo popular. Madrid: Nordan-Comunidad e Içaria, 1995.
86
Rogério Cézar de Cerqueira Leite (UNICAMP), Luiz Pinguelli Rosa (UFRJ) e Aziz Ab’Saber (USP), a
partir de artigo no caderno Mais! jornal Folha de São Paulo, dia 27 de outubro de 1997.
341

por exemplo). Tais questões permeiam cada vez mais a crescente polêmica entre

ecologistas sustentabilistas e progressistas neo-liberais. Este tipo de conflito não parece

corresponder apenas a opiniões contraditórias de certos grupos particulares da sociedade.

Parece também conter filosofias de vida que abrangem uma interpretação evolutiva do ser

humano frente a indagações históricas sobre sua natureza original, seu lugar no mundo e

seu futuro próximo e distante. Parece que há duas tendências básicas ao se tentar entender a

natureza da sociedade ao mesmo tempo construtora e destruidora de espaços e recursos:

socializando-se a natureza ou naturalizando-se a sociedade. A partir daí, surgem novas

áreas do pensamento humano que tentam explicar a dicotomia surgida durante o

desenvolvimento humano. A Sociobiologia, a Ecologia Humana ou Social, etc. procuram se

ater a estes problemas tentando desvendar os mistérios que possibilitem esclarecer a

complexa relação criador-criatura.

Alier cita a proposição de economistas ecológicos sobre o “princípio da precaução”87,

para se buscar minorar os riscos de incertezas futuras. O autor propõe que a Ecologia

Humana se converta em um importante campo de estudo universitário, pois a Ecologia veio

demonstrar que as externalidades do mercado devem ser levadas em conta, apesar da

tentativa de ‘internalização’ não ter sido convincente por não contabilizar os aspectos de

ações atuais sobre as gerações futuras, como o efeito estufa, a contaminação pela energia

nuclear, etc, consideração esta de difícil análise prévia.88 O autor ressalta a não

circularidade do sistema produção-consumo, substituído por um fluxo hiper entrópico de


87
Ibid., p.39
88
O autor ainda argumenta que a Ecologia Humana se distingue da de outros animais por não haver
informação genética a respeito do consumo extrasomático de energia e materiais e que sua distribuição
territorial responde a causas históricas não explicadas biologicamente. Alerta também que as argumentações
baseadas na capacidade de sustentabilidade são ideológicas e às vezes são tentativas de se ‘biologizar’ a
desigualdade social. Concordamos até certo ponto com o autor, mas vemos também o lado positivo disto.
342

energia e materiais em direção única. Para ele, isto deve ser considerado na Economia

Ecológica, que deve ser limitada pela capacidade intrínseca dos ecossistemas de renovação

e reabsorção de dejetos, permitindo a reciclagem natural. A conseqüência do esgotamento

de recursos e outros efeitos irreversíveis dado pela superprodução de capital e que impede

as condições para sua reprodução, a sustentabilidade e a manutenção do sistema é uma

contradição do capital e que iria promover uma “ética do bote de salva-vidas”89, como o

defendido pelo darwinismo social e o que parece estar ocorrendo.

O autor acredita ainda que os movimentos sociais, ecologistas ou não, possam

provocar a internalização dos gastos da destruição ambiental através de custos sociais

investidos em indenizações, que passam a ser ao menos visualizados e contabilizados.

Longe de substituírem os danos, quase sempre irreversíveis, ressalta a incomensurabilidade

econômica de uma contabilidade in natura. Segundo Kapp (apud Alier):

...custos sociais e benefícios sociais do desenvolvimento econômico são


magnitudes e quantidades essencialmente heterogêneas sem denominador
comum... uma comensurabilidade que simplesmente não existe.90

Segundo R. J. Moreira91, mesmo com esta incomensurabilidade, o que tem ocorrido

neste confronto é apenas uma reforma com a construção de um “capitalismo ecológico”,

pois as modificações gradativas não rompem com a ordem capitalista da propriedade

privada, dos fundamentos da questão da espoliação e da distribuição dos recursos etc. Para

ele, citando I. Sachs e F. Brüseke, o capitalismo impõe uma contradição básica na

interdependência das dimensões da sustentabilidade, a organização econômica, a

elaboração política e social e a “prudência ecológica”:

89
Ibid., p.56. Veja em anexo artigo que trata de exclusão e darwinismo.
90
Ibid., p.61
91
Op. cit., p.241.
343

...as sociedades [atuais] são fundamentalmente baseadas nas desigualdades da


distribuição destes recursos produtivos que geram as desigualdades de
distribuição do produto social, das rendas, de estilos de vida e (...) do meio
ambiente.

De acordo com o Informe Brundtland de 1987, podemos ver que o estudo da pobreza

como causa da degradação do meio ambiente está mais em voga do que o estudo da riqueza

como principal ameaça humana ao meio ambiente: a chamada ‘economia de rapina’.92 Por

outro lado, denota que também a racionalidade unicamente ecológica fracassa, pois para

comparar custos e benefícios, faz falta uma atribuição de valores que é dependente da

política.

Acreditamos ser, este momento atual, uma resposta liberal e natural ao Estado forte

das últimas décadas, que procurou amenizar os desequilíbrios inerentes do capitalismo

ortodoxo. A busca desenfreada do lucro carece ser controlada pelas taxas de juros por um

Estado e uma população que procurem redimir as injustiças sociais e ecológicas históricas.

Cremos que a ganância por lucros deve ser estabelecida nos moldes dos ecossistemas, pois

se fosse respeitado uma margem segura e sustentável, somada ao incentivo máximo para a

reciclagem dos materiais dispersos e da energia, poderíamos atingir uma real combinação

entre Economia e Ecologia. Além disto, a Economia poderia se desenvolver plenamente

absorvendo inúmeros conceitos primordiais no estudo de dinâmica dos ecossistemas, como

por exemplo: interdependência, sustentabilidade, ciclo e fluxo de energia, associação,

resiliência e flexibilidade, diversidade, co-evolução, etc. O caráter científico de um

92
Ibid., p.62. Grifos próprios. Segundo I. Wallerstein em Ecology and Capitalist Costs of Production: No
Exit, há dois aspectos elementares do capitalismo histórico: a necessidade imperativa de expansão em termos
de produção total (junto com a expansão geográfica para manter seu objetivo principal, o acúmulo infinito de
capital) e elemento essencial na acumulação de grandes capitalistas – não pagar suas contas. É isto o que ele
chama de “dirty secret” do capitalismo.
344

ecologismo ideológico não radical, mas proponente de novas alternativas sócio-econômicas

pode proporcionar à humanidade a noção de equilíbrio dinâmico na inter-relação

sociedade-natureza, o que iria expandir a uma conscientização ética planetária à população

mundial.

- Depoimentos

Para a análise desta questão, devido ao seu aspecto multidimensional, que traz

dificuldades em se encontrar conclusão única (uma nebulosa), aplicamos novamente o

método de acordo com palavras-chave e temas citados pelos entrevistados, embora

tenhamos evitado o tratamento quantitativo. A explanação sobre assunto tão complexo

através de temas permite apresentar, resumidamente, uma aproximação do que os

entrevistados pensam e puderam expor a respeito da questão. Buscando não limitar o

campo de visão de nossa análise, apresentaremos um aspecto geral das respostas dadas, e,

mesmo deixando de aprofundar em inúmeras minúcias, a seguir detalhamos os relatos por

tema.93 Novamente como em outra questão, pressupomos, que a presença de uma palavra-

chave revela algum grau da sensibilidade adquirida a partir dos processos vivenciados pelos

pesquisadores entrevistados e relatada através dos discursos.94

Como resultado prévio, podemos dizer, a partir de uma análise superficial da leitura

das respostas, que nossa tendência é a de enquadrar o corpo de entrevistados, lembrando as

93
Assumimos, aqui, como no todo da tese, o risco de má interpretação dos relatos, já nos resguardando de um
possível deslize em nossas leituras e representações.
94
Do mesmo modo, como no item precedente e como veremos na leitura das transcrições das entrevistas, as
respostas podem esboçar um misto entre uma crítica pejorativa não utópica e uma crítica construtiva no
sentido otimista quanto à viabilidade de um desenvolvimento bio-sócio-economicamente equilibrado.
345

devidas especificidades pessoais, como representantes de uma postura bastante crítica e

comprometida perante as injustiças tanto ambientais, quanto sociais, buscando a interseção

do fazer científico e da prática social (mesmo que indireta). Comparativamente, os números

de maiores citações de palavras-chave pró e contra o uso e a idéia do termo

‘desenvolvimento sustentável’ se mostraram equilibradas, sendo os temas contrários ou

pessimistas: ‘economia’, ‘política(os)’, ‘capital(ista/mo)’, ‘Brasil’, ‘consumo’,

‘globalização’ e ‘reprodução’. Numa perspectiva mais favorável ou otimista, apontando

aspectos positivos da temática, obtivemos ‘ideologia’, ‘consciência’, ‘global/globalização’,

‘educação/ educação ambiental’ e ‘interdisciplinaridade’.

A temática da ‘globalização’ foi bastante citada em ambos aspectos, o que pode

significar sua importância relativa a cada uma delas. Este tema em relação a

desenvolvimento sustentável é bastante óbvio e em geral se refere a uma excessiva

tendência a ver a realidade multidimensional do mundo através de aspectos meramente

econômicos e financeiros, falhando em percebê-la como um contexto de enorme amplidão,

abrangendo as dimensões social, ambiental, etc. Por outro lado, também parecem apontar

para uma não necessária contradição entre desenvolvimento e sustentabilidade, embora haja

inúmeras controvérsias a respeito.

Seguem abaixo, alguns trechos de entrevistas sendo antecedidos por parágrafo(s)

introdutórios. Os temas acabam por se imbricar, já que compõem este ‘super conceito’ do

desenvolvimento sustentável e não serão por hora tratadas.

Na questão da ‘economia’, percebemos que apesar das inúmeras críticas, os

entrevistados apontam para alternativas colocando-se em grande parte utópicos, no sentido

de esperançosos na construção de uma ideologia, de uma prática através dos diversos atores
346

sociais, de uma mudança de valores e de questões objetivas indicadoras de sustentabilidade.

Para eles, em geral, a idéia e não o termo em si é importante, tem que dizer suas

implicações e tem que estar presente nos mais variados contextos da cotidianidade humana.

Como tema central dos cursos, a sustentabilidade acaba por abranger questões urgentes e

fundamentais como igualdade, solidariedade, cidadania, democracia. Apontam ainda que é

possível uma economia solidária, popular, que preservar pode significar renda e que as

questões locais não podem ser sobrepujadas pelas globais, contribuindo para a formação de

sociedades sustentáveis, nas quais as próximas gerações possam usufruir sabiamente dos

inúmeros potenciais naturais encontrados.

Há sempre contradição entre desenvolvimento e sustentabilidade,


principalmente nos tempos atuais sob o modelo capitalista de utilização dos
recursos naturais. E sobre a visão dos economistas que são os planejadores dos
tipos de desenvolvimento possíveis. (UFMGProfB)
A questão da Economia e da Ecologia está implícita, tem que ser avançada. A
distância na maneira de tratar o oikos é total. Há um vício na Economia de que
só é sustentado do ponto de vista dos ganhos crescentes... Há a economia
capitalista internacional e a do setor público, que imaginavam no futuro ser
incorporada, cair no fordismo, todo mundo com automóvel, pleno emprego etc.
O desenvolvimento mostra ao contrário, crescimento significa desemprego...
(UFMGProfD)

Este mesmo pesquisador coloca possibilidades de transformações, invertendo a perspectiva

pejorativa normalmente dada por ambientalistas:

A questão da Economia solidária, popular pode contribuir muito porque é um


deslocamento relativo do capital da acumulação e exploração e se centra mais
em uma abordagem voltada para a reprodução guiada, para a melhoria da
qualidade de vida, das condições de reprodução da família... Toda uma nova
abordagem econômica que está muito ligada à questão ambiental, à reprodução,
não apenas, mas também, uma ligação muito fácil e começa a ter articulação
entre esses três setores, o setor público fortalecendo a economia popular com
uma necessidade de legitimação, garantindo sustentabilidade social e
eventualmente dinamizar um pouco a economia capitalista. (UFMGProfD)
É uma discussão para a Economia. Quando se fala em desenvolvimento tem
que pensar em mercados, divisão internacional do trabalho, relação de poder.
347

Qual o nosso papel na globalização? Que tipo de desenvolvimento? Na década


de 70 desenvolver era ocupar. Hoje se pensa em biodiversidade, medicina
natural; vão ser sinônimos de desenvolvimento na medida em tenhamos posição
na globalização: entrar de uma forma que se utilize recursos de forma
sustentável e economicamente viável. A partir do momento em que preservar
significar renda, a pressão da destruição ambiental diminui. (UFMGAlunosC)
É um ideário, ela não existe, um conceito que não existe na prática, um certo
desejo utópico a ser buscado. O conceito como foi colocado no Relatório
Brundtland não existe. Tem mérito porque resgata questão que estávamos
precisando. O movimento ecológico resgata a questão da utopia. Uma coisa a
ser conquistada. E como é um conceito utópico, ele vai sendo refeito, as noções
vão sendo reconstruídas e atualmente temos um progresso técnico, econômico e
social, cuja concepção terá que ser refeita. Um refazer também se dará a partir
de uma prática, através dos diversos atores sociais. (UFPRProfA)
Temos que abrir mão dessa pretensão de resolver a questão do global, mas
estudar, compreender e responder melhor as questões locais e, se puder, ter
modelos alternativos de desenvolvimento, viáveis economicamente, com isso
contribuindo para a sustentabilidade global, que depende obviamente do
modelo econômico. Coloco no sentido de mudar a concepção de
desenvolvimento econômico da sociedade industrial, capitalista, consumista.
Isso é mais mudança de valores. (UFPRAlunB)
Sofreu desgaste grande. Lideranças femininas falam substituindo viabilidade,
recursos econômicos, justiça social etc. Virou jargão, conceito absolutamente
vazio, um caleidoscópio. Daqui uns anos vai ter que ter outra palavra. Talvez
durabilidade. Em artigo, falo de igualdade, solidariedade para colocar algumas
questões míticas da questão do desenvolvimento dentro de uma endogenia,
auto-gestão, falando de lendas trazendo para a dimensão psico-sociológica de
mitos que estão dentro destas temáticas da fraternidade etc. (UFRJProfD)
É uma coisa complicada, é como ‘meio ambiente’: vira chavão, gente falando
palavras bonitas, ouviu dizer e repete sem refletir; então é sempre difícil. Tem
mil visões. Mas incorporei pensar em ‘sociedade sustentável’ e não
desenvolvimento. Porque aí se pensa em cidadania, democracia, muito mais
‘genuíno’ e aí sim desenvolvimento. Essa apropriação dos termos é perigosa,
por isso trabalhar com ideologia e discurso é muito interessante para estar
sempre atento. O que a sociedade considera como sustentável e sustentar quem
e o quê? Não esquecendo todas as dimensões, econômica, ecológica, social. Em
que patamares queremos ser sustentável, nossa classe média, razoável, no
padrão americano ou no indiano; não precisa ir longe, do lado vemos miséria.
Tenho muito medo do desenvolvimento sustentável, porque virou moda sem se
questionar seu significado. (UFRJAlunB)
É uma das primeiras idéias, desenvolvimento para somar a tendência de um
preservacionismo muito exacerbado, mesmo em teses sobre áreas de
conservação, a idéia é uma das fundamentais. Aparece desde a seleção, até
inconscientemente, porque todos estão pensando nisso. Durante os cursos, é um
tema central. É uma meta e que pode até não ser conseguido de maneira alguma
348

considerando as várias coisas. Alguns dividem desarollo sustentable e


sustenible: sustentável porque provem seu próprio desenvolvimento.
(USPProfB)
É questão fundamental para a área de desenvolvimento. É interessante: pessoas
não usam o termo porque tem picareta usando e não quer dizer nada, já foi
muito falado e caiu em desuso. Acho que não: quer dizer alguma coisa e pode
ter algumas questões objetivas que sejam indicadores de sustentabilidade. Uma
grande questão no momento. Para agricultura inclusive. Para Sachs, um dos
propositores, para ser sustentável tem que ser no campo econômico, ideológico,
etc. é um conceito bem montado. Não só panfletário e por mais que tenha
empresário falando apenas em sustentabilidade dos lucros, podemos claramente
detectar o furo do discurso. É um termo importante, tem o que dizer, tem que
estar presente. (USPAlunC)

No patamar da ‘política’, o desenvolvimento sustentável parece ser visto pelo grupo

de entrevistados, por um lado, como utopia inatingível, devido ao modelo

desenvolvimentista incompatível com a sustentabilidade. Impulsionado pela velocidade de

produção e consumo colocada pela tecnologia, na sociedade, é deflagrada o pessimismo e

uma crítica ao excesso de discurso e à ingenuidade da idéia de preservação sem retorno

imediato, já que nossa própria mentalidade seria imediatista. Alguns percebem que as

dimensões ambiental, econômica e social muitas vezes não são compatíveis, sendo

impossível contemplá-las para criar uma sustentabilidade integral.

Do mesmo modo, as idéias sobre desenvolvimento e sustentabilidade devem ser

refletidas distintamente em relação a vantagens ou não para os diferentes atores sociais,

nacionais e internacionais, vendo as dissonâncias nas políticas internas e da política

internacional (dividir eqüitativamente o acesso a bens, relações entre hemisférios etc). Ou

seja, os pesquisadores conferem a falta de interdisciplinaridade ao nível governamental e

aos freqüentes conflitos de políticas públicas, além de interesses políticos e econômicos

imbricados. Assim, a realidade regional fica sujeita a mudanças políticas e a pressões de

mercado.
349

Ao mesmo tempo, desenvolvimento sustentável é visto como uma utopia idealista,

mas realista e possível. Conferem também a capacidade de participação da sociedade civil

nas discussões de interesse geral, fazendo suscitar a questão política, ética e até mesmo

metodológica na abordagem científica do meio acadêmico. Considera-se possível atribuir

aos atores comunitários e locais o papel central, não apenas do ponto de vista teórico, mas

contextualizando as divagações intelectuais na produção social do conhecimento. Isto

revela uma crescente conscientização do importante papel político a cumprir, da elaboração

de atividades econômicas alternativas, sustentáveis e viáveis e da construção de uma justiça

ambiental. Portanto, o corpo de pesquisadores parece não crer numa dicotomia ou

contradição lógica, pois, embora tenhamos encontrado um discurso crítico e

problematizador, a idéia do desenvolvimento sustentável ou da possibilidade da

sustentabilidade planetária, para eles, pode dar origem a soluções para os atuais e urgentes

problemas sócio-ambientais. Seguem trechos de entrevistas relacionados a ‘Política’, mas

que concilia varias vertentes:

Desenvolvimento Sustentável é ainda uma utopia, porque o modelo


desenvolvimentista da sociedade moderna (não quero entrar nas questões
políticas da globalização, mas é por aí) ou modelos são incompatíveis com a
sustentabilidade. A sociedade prima pela velocidade, a tecnologia se baseia em
produzir muito para consumir muito e esquece coisa básica da natureza:
nenhum processo é perfeito. (UFMGProfA)
A justiça ambiental tem interessado, é mais ampla, pressupõe a
sustentabilidade, é quase um passo a frente, aos poucos vai permeando. As
pessoas estão tendo consciência até pela necessidade de maior controle sobre os
processos, evitar deterioração do natural como um todo. É conceito de maior
penetração, tem papel político importante a cumprir. (UFMGProfD)
Uma questão política. Tem várias pessoas de renome envolvidas. Tem pressão
política. Às vezes você nem percebe quem está sofrendo, haja vista a
contaminação por mercúrio. Então sou um pouco pessimista. Vejo muita
propaganda e pouca coisa efetiva. (UFMGAlunB)
É muito ingênuo se pensar em preservar sem ter retorno, até imediato. Um
movimento pensando em gerações futuras: quem vai esperar o futuro? Nossos
350

políticos, até nossa própria mentalidade, são imediatistas. Vejo de forma


otimista, está vindo de forma muito rápida. Biodiversidade, turismo ecológico
são atividades econômicas rentáveis, lucrativas; alternativas de renda para
quem está inserido no espaço. Essas coisas são sustentáveis e viáveis
economicamente. É possível. (UFMGAlunC)
Esse problema implica uma visão da idéia de desenvolvimento e implica
também para que e para quem. Ou seja, uma questão política, ética,
metodológica. Metodológica, pois envolve abordagem que atribui aos atores o
papel central, ou seja, não apenas teórica. Temos que contextualizar o
pensamento (Morin), o que implica levar em conta a produção social de um
conhecimento dada por interesse de autores concretos, que são o sujeito da
pesquisa. (UFRJProfC)
Tem diferentes dimensões: ambiental, a econômica e a social. E a realidade
regional. Região sujeita a mudanças políticas, pressões de mercado - a lógica
muitas vezes é econômica. Estas dimensões muitas vezes não são compatíveis;
cada uma puxa para um lado. Fica difícil, praticamente impossível ter um
conjunto de ações que contemple as três, algum aspecto sempre vai ser
prejudicado, não existe sustentabilidade integral, determinada forma de
produzir ou de se apropriar dos recursos sobre os três aspectos. (UFPRAlunA)
Se os políticos fossem honestos e inteligentes e se dispusessem a discutir com a
sociedade, com a academia, com os atores sociais todos, qual é o melhor? Nem
no ponto de vista estritamente científico a gente saberia dizer. (UFPRAlunC)
É um desafio. Se tivesse uma escala de 0, um desenvolvimento totalmente
desequilibrado, a 10, a situação ideal com distribuição de oportunidades, justiça
social, crescimento econômico, conservação ambiental: O 0, a gente já chegou
perto no passado; o 10 nunca chegaremos, porque existem dissonâncias na
política internacional que não permitem. Como dividir eqüitativamente o acesso
a bens e etc se os EUA e o Canadá consomem mais de 50% da energia do
planeta? Não é uma utopia. Se tiver a sociedade civil participando em qualquer
situação de um projeto e houver realmente uma discussão sobre o que está
sendo proposto, sempre vai chegar mais perto do que o desafio recomenda...
Não há interdisciplinaridade em todas as escalas do governo, mas conflitos de
políticas públicas é uma coisa séria. Na mesma área pode haver implantação de
unidade de conservação e do outro lado o INCRA estimulando o
desmatamento. (UFRJProfB)
Apesar de vaga e por vezes idealista, a idéia pode dar origem a soluções
bastante razoáveis para problemas urgentes. Não há dicotomia, mas conflito de
interesses políticos e econômicos. (UFRJAlunA)

No ‘capitalismo’, o desenvolvimento sustentável é dito como quase impossível, já

que a globalização é inerente a uma lógica que usufrui a insustentabilidade (de regiões

periféricas). É preciso, portanto, segundo os entrevistados, enfrentar esta “lógica perversa”


351

através da sustentabilidade, fator “atenuador” deste “mal estar”. Conferem-na assim como

uma luta política a ser engajada, não adquirida naturalmente, mas a partir de uma crescente

conscientização, principalmente nos altos níveis de decisão do capital e do trabalho. Muitos

defendem a perspectiva da reprodução (ver adiante) como fundamental e desenvolvem

propostas para atenuar tal processo, visando construir uma sustentabilidade planetária.

Abaixo, alguns trechos de entrevistas relacionados ao item:

É uma luta política que vai ter que ser carregada para frente, não vem
naturalmente, apesar de existir uma consciência crescente, principalmente nos
níveis de decisão ligados ao capital e trabalho, tem que ser mais enfatizado, não
dá para relaxar... Isso através da reprodução é fundamental, se consegue uma
situação à la Chico Mendes onde as duas coisas se casam, a reprodução
depende da sustentabilidade. Mas em termos capitalistas é praticamente
impossível. Destroem todo o espaço de produção e preservem o espaço de
reprodução. (UFMGProfD)
A globalização a partir de sua lógica inerente a um sistema capitalista. Os
indicadores nos mostram que é uma lógica que nos leva a insustentabilidade.
Dentro disto, temos proposta que visa atenuar, de uma certa forma, este
processo. Em termos de sistema, a busca de uma sustentabilidade planetária
está para ser construída. E na medida que vai sendo construída, é preciso
enfrentar a lógica perversa do sistema globalizado. A sustentabilidade é um
atenuador deste mal estar... Não adianta ter uma natureza sendo gerida
sustentavelmente e uma organização social cuja lógica é insustentável.
(UFPRProfA)

Alguns dos pesquisadores trabalharam com o conceito de desenvolvimento

sustentável não apenas como uma idéia geral, mas também referentes ao seu contexto no

‘Brasil’, buscando fazer críticas a sua viabilidade num país como o nosso. Perante à

globalização e a relação Norte-Sul, percebem as diferenças de países como o Brasil, sendo

contrários ao discurso dominante que funciona ideologicamente contra si próprio (sustentá-

los). Lembram da falta de ‘democracia planetária’ também ao nível da informação e os

desajustes do mercado internacional que confere a lógica da exclusão. O contexto nacional


352

frente à globalização compõe as complexas relações também na dimensão interna e sua

parcialidade em respeito a grupos particulares de interesse.

O movimento ambientalista nacional também sofre críticas, pois a natureza, segundo

depoimento, deve servir ao homem, sendo este não reles admirador e mantenedor de um

Brasil intocável, deixando na penúria a população. Mas também se levanta contra o

discurso de interesses imediatos. São apontados alguns crassos problemas brasileiros e

indicada a solução através da educação, mesmo que no país faça falta a

interdisciplinaridade em pesquisas e o engajamento da sociedade nas questões ambientais

(exemplificado pela educação ambiental de fachada em alguns projetos). Mas, segundo

alguns, temos um próspero caminho, embora ainda não sejam as tônicas políticas e sociais

brasileiras. A seguir, trechos de respostas abordando o tema ‘Brasil’:

A turma trabalhou com o conceito e não apenas com uma idéia de alinhamento
restrito a este conceito e às idéias de desenvolvimento sustentável no Brasil,
mas também para fazer uma reflexão critica da sua aplicabilidade,
funcionalidade, praticidade e legitimidade como algo que possa lastrear o
desenvolvimento num país como o Brasil. (UFPRProfB)
Quando se coloca o contexto político e econômico que o Brasil se insere nesta
globalização, de competitividade, do mercado exigindo produtos de alta
qualidade, aí torna estas relações muito mais complexas. E quando o Estado
tenta intervir muitas vezes é parcial, até porque tem instituições de pesquisa
agrícola que privilegiam a parte produtiva e tem grupos econômicos com
interesses, tem as relações sociais. Todas estas variáveis tornam a discussão da
sustentabilidade bastante complexa e mostram que a maioria das discussões até
agora é parcial. (UFPRAlunA)
Temos que pensar no homem e na natureza servindo ao homem e não como o
adorador da natureza. Não o Brasil intocável e deixar morrer de fome e também
não vender as florestas. Foi o nosso discurso em Estocolmo: o que interessa é
recurso, meio ambiente temos bastante. Não é também ‘salve a nossa
Amazônia, nosso Pantanal’. Mas colocar ao serviço do homem de várias
formas: o fazendeiro não pode desmatar, mas tem que cuidar da fauna, mesmo
caçando. (UFRJProfA)
O Brasil tem que evoluir na interdisciplinaridade, pesquisar, mas tem que
evoluir também no engajamento da sociedade civil na tomada de decisões,
senão as questões ambientais vão ser sempre periféricas. Muito provavelmente
353

nunca na ordem do dia. Nos grandes projetos se exige educação ambiental, mas
começa só no final, não há finalidade de programa assim! Tem que ser a
primeira coisa. Essas coisas são muito óbvias, por causa desse envolvimento,
mas tem um longo caminho. Tem muitos passos dados e ainda a dar; mas não
aparecem, não vêm na mídia. (UFRJProfB)
O grande problema do Brasil é não taxar grande fortunas, prender gente rica, ex
presidente etc. Isso é uma questão, no sentido extenso e não formal, que se deve
ter de educação. (UFRJProfC)
A globalização é mais um fator, é a mesma questão. A relação Norte-Sul, as
diferenças, se complexificam mais. O Brasil quer desenvolvimento sustentável,
mas a que preço? Sustentável para quem? Quando o discurso vem do Norte,
eles querem que a gente os sustente, um desenvolvimento sustentável para eles,
que nosso patrimônio esteja garantido para virem patentear. A questão de uma
democracia ‘mais planetária’, de ter o país informado, conhecendo seus
potenciais, genético, etc, não temos acesso. Fica mais difícil ainda quando se
coloca o contexto da lógica da exclusão, já mais para a Ciência Social.
(UFRJAlunB)

Desenvolvimento e sustentabilidade, como visto, são palavras incompatíveis para

alguns, devido ao sistema econômico neo-liberal apoiado no consumo. A ideologia por trás

da produção e da geração de riquezas é insustentável e ainda houve a apropriação do

discurso sustentabilista em proveito próprio. Um entrevistado coloca a questão do limite na

capacidade de suporte planetária impossível de criar a felicidade dependente do alto nível

de consumo. Declarou-se também que o mercado não deveria ser manipulador, mas deve

haver uma regulação social cujo projeto de sustentabilidade possa manter a atividade

econômica. São necessários mais estudo e participação locais e regionais para depois

atingir o global (diferentes de respostas mais a frente que relativizam isto). O terceiro setor

passa, então, a deixar de ser mero coadjuvante através do fortalecimento de laços de união

em busca da qualidade de vida e do espaço de reprodução. A seguir, respostas centradas na

questão do ‘consumo’:

Não ter o mercado como regulador, mas uma forma qualquer de regulação
social. Sustentabilidade como processo de regulação da atividade econômica,
354

da produção do consumo, etc, cujo critério é a sociedade pensando e planejando


o seu desenvolvimento. É muito importante, oportuna e viável. (UFMGProfC)
Tem um terceiro setor, às vezes visto como arcaico ou informal ou da pequena
propriedade, subordinado ou alijado completamente ao grande capital, mas que
começa a se fortalecer com uma certa independência desde cooperativa,
associações, ONGs, pequenas empresas familiares, microempresas, formas de
organizações comunitárias, religiosas, étnicas que não buscam crescimento
econômico, mas garantir uma relativa qualidade de vida e uma reprodução
ampliada, uma educação melhor, padrão de consumo avançado etc.
(UFMGProfD)
Com esse essa ideologia da produção do consumo por si só e a geração de
riquezas, fica muito difícil desenvolver visão verdadeiramente sustentável.
Muitos dos atores que jogam no lado desse desenvolvimento econômico, seja
liberal, neoliberal, apropriaram-se do discurso e usam como viabilidade
econômica... Produção pela produção, sobre valorizada, produtos que durem
menos para se consumir mais, para produzir mais. (UFPRAlunB)
...desenvolvimento sustentável são palavras incompatíveis. Quando fala
desenvolvimento do sistema econômico neo-liberal e sustentabilidade não
prevê desenvolvimento a rigor. Sou de formação biológica e para nós existe um
limite e não tem como manter um monte de gente feliz com um nível de
consumo louco e ser sustentável. É um pouco esquisito isso. Ainda vai ter que
ter uma porção de estudos locais, regionais, que é mais fácil mexer e depois
global. (USPProfD)

O desenvolvimento sustentável deve buscar diminuir a geração do impacto ambiental,

não podendo, entretanto, abandonar o objetivo do desenvolvimento, mas conciliar e

esclarecer qual desenvolvimento optamos por implantar. Por outro lado, o discurso da

geração de emprego e de renda nos grandes projetos é combatido por não haver a

participação social. Aqui, expomos abordagens sobre ‘geração’:

Prometem muito, mas a família não é contemplada, a mão-de-obra vem de fora,


vira marginal do centro urbano, poucos se dão bem. Estudos em turismo
mostram isto: chega com discurso de geração de emprego e renda e depois o
desastre. (UFRJProfB)
Desenvolvimento sustentável não fala de fundamentalismo conservacionista,
mas estamos falando de desenvolver, necessariamente com geração menor de
impacto, minimização de impactos. Não dá para não pensar no
desenvolvimento como uma variável importante do ponto de vista nacional. A
questão é conciliar. Que tipo de desenvolvimento queremos? (USPProfC)
355

O conceito de desenvolvimento sustentável é tão amplo quanto globalização,

carecendo de estudos e práticas reais visando a manutenção futura. A chamada globalização

pode ser, segundo os depoimentos abaixo, vantajosa ou não, podendo funcionar ao inverso

do esperado. Por isto, eles revelam cautela com as idéias abrangentes, analisando e

discutindo os discursos (importados) e seus autores. A globalização, portanto, tem duas

faces: reduz a dimensão espaço-tempo, troca informações e experiências, oferece outro

olhar, compara, provoca auto conhecimento etc. Mas também enfraquece o país com o

enorme poder do capital externo, já que a competição não colabora para uma sociedade

sustentável. Para alguns, a questão regional é essencial, portanto discutir só teoricamente o

global não traz soluções concretas. A regionalização, que valoriza a idéia de ‘sociedade

sustentável’, embora haja dúvidas, se elas resistiriam à investida do capital. A população

local tem direito ao desenvolvimento econômico, mas deve evitar a degradação inclusive da

cultura local. Um discurso apontou para a autonomia local perante os recursos, posição esta

que precisa ser refletida já que há sempre dependência externa. Seguem alguns comentários

a respeito de ‘globalização’:

Porém vejo problema conceitual muito complicado porque pode ser qualquer
coisa. Exatamente o que aconteceu com a Ecologia quando começou a ser
divulgada e o que acontece com a globalização. Um problema conceitual que
necessita de muito estudo, de práticas que demonstrem como pode ser
realmente empregado que não comprometam a renovação dos recursos naturais
das próximas gerações. Isto é extremamente complicado e pode servir tanto
para o bem quanto para o mal. Temos que examinar com cuidado conceitos
abrangentes e examinar a pré-consistência, em que base foram formulados,
quais as intenções, ou seja, é necessário uma análise do discurso para ver quem
e como é que está interessado em usar. Muita cautela e com muita necessidade
de discussão. Desenvolvimento sustentável é uma matéria de estudo
interdisciplinar genuinamente, não tenho a menor dúvida. (UFMGProfB)
É uma questão central, mas às vezes funciona de maneira perversa quando
usada como discurso de governo ou de organismos internacionais.
Sustentabilidade pra quê e para quem? Pensar global-local é insuficiente,
356

discurso que se importa com facilidade e às vezes, a questão micro-regional,


regional e nacional são fundamentais, balizar em função das necessidades.
(UFMGProfD)
O lado positivo da globalização é a regionalização; se abre pro mundo e traz
informações novas, a cultura, se começa um pouco a valorizar o que é próprio,
em conformidade com a idéia de sociedade sustentável. Mas tenho dúvidas,
porque acaba sendo massacrada por essa coisa mais violenta que vem de fora.
Não sei até que ponto isto é uma vitória ou não. (UFRJAlunB)
E a globalização tem que ser olhada pelas duas partes: a boa é comprimir
espaço e tempo, obter informações e trocas de experiências super ágeis, ter o
olhar do outro e se comparar, se conhecer e ver o que o outro está fazendo e ir
equilibrando. Mas o lado perverso é acabar com o Estado ou nação. Porque,
fechando a soberania e abrindo as fronteiras, vêm as grandes empresas com
capital de giro maior do que o produto interno de muitos países. É um poder
enorme; isso é extremamente perigoso, bastante questionável. Fecha barreiras
para as pessoas, mas abre para o mercado, aí vemos que a competição não está
caminhando para construir uma sociedade sustentável, ela acaba ferrando com a
questão ambiental como um todo. (UFRJAlunC)
A globalização é um pouco desgastante. É importante que a gente tenha uma
comunicação geral por causa da diferença dos poderes, mas que haja ação de
fato. Com a estória de “pense global e haja localmente” também não é uma
coisa clara, principalmente em educação ambiental. O pessoal pergunta o que é.
E basicamente está embasado no sistema econômico dominante. Não posso
responder exatamente. Se o pessoal local quer ter desenvolvimento econômico,
tem direito. Mas existe degradação ambiental, tem que ter cuidado. Turismo é
bom, contanto que se saiba o que está acontecendo com a cultura. Mas se não se
importam com a cultura local, histórica, é o direito deles, podem fazer o que
quiserem, é um problema deles. A gente tem um sistema que desvincula cultura
da região física, então a região é do município, do estado, mas quem tem a
cultura são as pessoas; fica meio complicado. (USPProfD)

Quanto à reprodução, já tratada previamente, ela é referida na questão da construção

de uma economia local e voltada para sua auto gestão e sobrevivência. Mas a

sustentabilidade deve promover a reprodução social e material, combinando, pois com a

reprodução do meio natural. Há validação do conceito de desenvolvimento sustentável se

ele puder realmente dar garantia à reprodução da sociedade e dos ecossistemas atuais,

permitindo o bem estar de gerações futuras, mas deve corresponder a uma prática real. Em

seguida, depoimentos sobre ‘reprodução’:


357

Há várias representações. A sustentabilidade tem que compreender as


condições de reprodução social e de reprodução material da sociedade. Tem
que se pensar, enfim, no quadro das relações da sociedade com o meio onde ela
vive, que ela explora. Tem que se entender que são relações descontínuas de
equilíbrio, de rupturas, mas o importante, se pode dar um conteúdo ao conceito
de sustentabilidade, é dar o conteúdo da necessidade de se combinar a
reprodução do meio natural e a reprodução social. (UFPRProfD)
Partilho das duas definições simplistas, que garante a reprodução da sociedade
e dos ecossistemas, permite a satisfação presente sem comprometer gerações
futuras. É um conceito válido; o grande problema está em como se traduz na
prática. (UFPRAlunC)

Alguns temas, abaixo relacionados, foram vistos como ‘otimistas’ ou favoráveis ao

desenvolvimento sustentável e parecem compor um quadro de idéias positivas sobre a

questão da sustentabilidade (embora este assunto já tenha sido tratado previamente): o

questionar de uma ideologia, a necessidade de uma conscientização, a centralidade do tema,

a força da educação em geral e da educação ambiental em particular, enfim, do necessário

fazer interdisciplinar. O corpo de entrevistados parece reunir pessoas interessadas nestes

assuntos, ao nosso ver também fundamentais.

O trabalho com ideologia e discurso é referenciado por destrinchar subtextos que

podem revelar a lógica econômica maquiada pela questão ecológica e social. Abaixo,

respostas versando sobre ‘ideologia’:

Fico com o termo Ecologia Social. Pode ser até uma sustentabilidade de outra
forma, um novo contrato social. Penso muito nisso, mas o que quero é uma
ecologia social com este desenvolvimento posto como valores e ideologias,
éticas sobretudo. (UFRJProfA)

A consciência, como já dito por outros, tem aumentado como luta política e por

princípios democráticos, sendo a educação necessária para desenvolve-la. Na educação

ambiental é preciso expressar suas vontades, pois é uma questão política que clama por

reformas na sociedade para a justiça, a participação. No Brasil, a educação, base do


358

problema, depende muito do papel governamental que pouco se preocupa e não contribui

para formar o cidadão, o raciocínio crítico. Abaixo, respostas sobre ‘consciência’ e

‘educação ambiental’:

Vejo com muito cuidado, tem que estar numa outra lógica, dentro dos
princípios democráticos explícitos e com a sociedade aparelhada, ter acesso a
educação para poder optar, uma consciência mínima. (UFRJAlunB)
A esperança é que a gente continue funcionando mesmo com a degradação,
mas, justamente pelo princípio de precaução, em cada situação concreta tem
que fazer o possível. São reformas de sociedade que se tem que fazer para ter
um pouco mais de justiça, participação na decisão. Acredito numa sociedade
participativa e organizada, as forças acabam se organizando o melhor possível,
talvez não o ótimo. Mas nesse país, evidentemente, entramos num círculo
vicioso, porque para conseguir este nível, precisa de educação e isto depende
muito ainda do papel do governo que não está preocupado. Parece parte de
grande plano maquiavélico, como o ensino de segundo grau foi mudando para
jogar fora tudo que faz a pessoa realmente ser um cidadão: o latim, a filosofia, o
raciocínio matemático, a física. ‘Não temos que ter raciocínio crítico e ser capaz
de desenvolver, os americanos fazem tudo’. É isto que está acontecendo. De
novo aquele jargão: o problema, antes de mais nada, é educação. (UFPRAlunC)

Para atingir a complexidade do desenvolvimento sustentável, apontam os

entrevistados para a carência de interdisciplinaridade, vista como postura pessoal em

defender pontos de vista e desprendimento e segurança profissional. A negociação como

articulação interdisciplinar é vista como fundamental trazendo a possibilidade de se

aproximar de uma solução. A seguir, trechos sobre ‘interdisciplinar(idade)’:

Voltamos na questão da interdisciplinaridade. O saber, se pode haver, é uma


dúvida que pode ser grande, pode não ser possível resolver, mas em grande
parte se pode aproximar de uma solução, mas só se houver uma articulação
interdisciplinar, botar na balança algumas questões. Se trata de avalia-las, não
como a sem vergonhice nos RIMAs. (UFRJProfC)
As diferentes dimensões têm que ser analisadas e só a postura interdisciplinar
resolve esta questão. Entendo interdisciplinaridade não como metodologia, é
uma postura. Pode ter uma postura interdisciplinar desde de que entenda seu
papel, usando uma metodologia disciplinar é possível. Não é fácil, vai depender
das características pessoais, da facilidade de defender pontos de vista... A
palavra chave é negociação no bom sentido, negociar métodos, programas e
objetivos de pesquisa e muitas vezes recursos, para que possa utilizar
359

racionalmente aquilo. Negociação científica, depois levantar e fazer um estudo


de campo, montar questionário que abrange todas as questões, discutir isto
junto, como coletar dados, isto é interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade
não é absoluta em uma pesquisa, tem momentos interdisciplinares e momento
disciplinares até para que tenha uma definição. (UFPRAlunA)

2.1 Exemplo

Na análise dos exemplos apontados pelos entrevistados, primeiramente vemos uma

porcentagem de abstenções de mais de 50%, compreensível já que o assunto central trata do

conceito e não propriamente do exemplo dado ou qualquer outro. Mesmo assim, é

interessante observarmos algumas respostas.

Tal projeto no Pantanal é visto, em geral, como absurdo, assim como demais mega

projetos, decididos pelo poder político e financeiro e com discussão popular, quando há,

apenas marginal. Há dúvidas também quanto à ação de políticos e à discussão com a

sociedade, academia e demais atores sociais. Os entrevistados, como um todo, criticam a

falta de interdisciplinaridade, da transparência nas escalas de governo e os conflitos em

políticas públicas. Neste ponto, também os próprios ambientalistas são criticados. Mas

quando há vontade política, aparecem alternativas e abertura para atender representantes da

comunidade na elaboração dos projetos.

O papel do pesquisador é lembrado e a função das teses questionada apenas como

indicadora de recomendações, informando sociedade, universidade, técnicos do governo. A

educação e a educação ambiental são citadas como salvação, do mesmo modo que a

participação cidadã. Por outro lado, citam que a decisão popular é independente de uma

decisão consensual, esquecendo a importância de patrimônios da humanidade que


360

resguardem ecossistemas de importância biológica. Houve lembrança do lixo atômico

como problema para se pensar o desenvolvimento sustentável. Além do Pantanal, a

Amazônia e o Araguaia foram também exemplificadas.

Depende das formas de organização. Fazendas na Amazônia, casa como espaço


de reprodução, maravilhosa no meio da selva, animais soltos e completamente
devastado o espaço de produção. No caso do Pantanal é perigoso: como, quem
vai gerir, até que ponto garante controle para evitar os efeitos perniciosos. Isso
através da reprodução é fundamental, se consegue uma situação à la Chico
Mendes onde as duas coisas se casam, a reprodução depende da
sustentabilidade. Mas em termos capitalistas é praticamente impossível.
Destroem todo o espaço de produção e preservem o espaço de reprodução.
(UFMGProfD)
Vai matar o Pantanal. Isso não pode acontecer. É uma coisa absurda. Vai perder
muito. Sou contra. Teria que se procurar soluções. Não me parece a melhor
solução para a região. Talvez uma menor. Para escoar o que? Não se produz
quase nada lá. O discurso não me convence. (UFMGAlunA)
Mega projetos como hidrelétricas são totalmente inaceitáveis. A relação áreas
desmatadas por KW é um absurdo. Temos alternativas, o gás natural da Bolívia.
Não saberia dizer a relação custo-benefício, mas do ponto de vista ambiental é
certamente mais lucrativo. (UFMGAlunC)
Como se resolve isso? Qual é o nosso papel como pesquisador diante deste
problema? A tese para que serve? Fazer recomendações? Será que esta é
realmente a função? Será que tem que ser mais amplo? Municiar a sociedade
destas informações, a universidade, a sociedade local, os técnicos do governo. É
complicado, complexo, não adiante resolver só isto aqui, tem este e tantos
outros. É nosso papel mostrar como funciona e municiar diferentes atores
sociais de forma que possam fazer avaliação quando se introduz novidades.
(UFPRAlunA)
Como saber que tal gestão está contribuindo para a sustentabilidade ou não?
Não tenho resposta. Se os políticos fossem honestos e inteligentes e se
dispusessem a discutir com a sociedade, com a academia, com os atores sociais
todos, qual é o melhor? Nem no ponto de vista estritamente científico a gente
saberia dizer. Não sei o que é necessário para sustentar ao mesmo tempo o
ecossistema e garantir as necessidades das pessoas, mesmo do ponto de vista
técnico. Até que ponto eu permito o escoamento da produção e prejudico o
ecossistema, aonde está o limite? Se já não existe o conhecimento científico
suficiente para decidir caso a caso, quem dirá para jogar num processo social da
realidade, da verdadeira dicotomia que acaba existindo. Por outro lado, tem
uma série de situações que é gritante, o que é melhor é fazer e que a gente tem o
conhecimento científico suficiente. (UFPRAlunC)
Tenho uma vida no Pantanal, sempre lutei pelo Rio Paraguai, um absurdo as
inundações, depredações. Seria fácil sanar o problema, inserir uma via... Estão
361

falando do projeto da hidrovia, sempre defendi, mas hoje não sei qual é o
impacto. Prefiro calar sobre este assunto. Quero um relatório sério do impacto
total. Não posso te responder seriamente como pesquisadora. Teria que fazer
um trabalho muito sério. (UFRJProfA)
Esses grandes projetos: hidrovia, transposição de rio, etc. não são transparentes;
não são decididos pelo poder público, fingem que tem uma instância de
discussão, mas é marginal. Não é para ser decidido em 5, 10 anos, mas em 15,
20. A população tem que estar preparada para discutir e para responder. E tem
situações em que esses projetos não são recomendáveis. Por exemplo, o
Pantanal é um sistema extremamente frágil. Não há interdisciplinaridade em
todas as escalas do governo, mas conflitos de políticas públicas é uma coisa
séria. Na mesma área pode haver implantação de unidade de conservação e do
outro lado o INCRA estimulando o desmatamento. Esses grandes projetos são
projetos da sociedade, não de governo, nem de segmentos. Se a sociedade de
forma transparente, participativa, decide abrir mão do Pantanal para ter a
Hidrovia, é uma decisão. Hoje ela não participa. Nos grandes projetos se exige
educação ambiental, mas começa só no final, não há finalidade de programa
assim! Tem que ser a primeira coisa. Essas coisas são muito óbvias, por causa
desse envolvimento, mas tem um longo caminho. Tem muitos passos dados e
ainda a dar; mas não aparecem, não vêm na mídia. (UFRJProfB)
Melhoria da escoação da produção agrícola significa o que? Capital? Como é
que a gente passaria para empregos? O blefe do emprego é um negócio que
reina na boca de político. Os próprios ambientalistas também têm tido visão
fechada. Ex.: populações comendo peixe com mercúrio, absurdo é a
contaminação. Peixe traria mais emprego que a soja, melhoria da situação
econômica. Vamos ter que pesar isso, ver o que é que significa. (UFRJProfC)
Extremamente complicado. Não sei responder precisamente, é muito complexo
e é o tipo de assunto que tem que sentar uns 10, abrir mão de seus orgulhos e
conversar. E ter um representante da comunidade para opinar também.
(USPProfD)

Como conclusão final desta questão sobre sustentabilidade, podemos perceber que os

temas mais debatidos e criticados são o modo de produção econômica clássica (de certo

modo, como reação, provocadora do discurso), incentivados por quem desenvolve políticas

que visam o acúmulo de capital. A geração de riqueza e o estímulo ao consumo são bases

do processo de globalização do mercado - o que F. Guattari chama de “Capitalismo

Mundial Integrado”95 -, sendo a visão da reprodução subestimada. No lado otimista e

95
Op. cit., p.12.
362

favorável, temos há necessidade central de uma inserção ideológica, através da formação de

uma ‘nova’ consciência, através da educação em geral e da educação ambiental no

particular. O processo de expansão do pensamento ao nível global (também fruto de uma

globalização) é percebido também como ambientalmente benéfica, pois ao mesmo tempo se

adequa a uma conscientização da complexidade histórica do mundo vivido e percebido e a

necessária interdisciplinaridade para apreendê-lo, como também se percebe a fragilidade de

um planeta vivo, existindo como sujeito ativo e não apenas como objeto manipulável.

O Brasil foi citado com freqüência pela dificuldade de busca de um projeto de

desenvolvimento de uma sociedade sustentável, cujo contexto político e econômico

globalizado é problematizado. A intervenção do Estado é tida como parcial, porque tem

instituições e grupos econômicos de grandes interesses corporativos. A riqueza nacional

também suscita debates, já que alguns vêem a natureza como serva do homem visando

aplacar a fome de tamanho contingente populacional. Mas por outro lado, também

defendem a proteção dos recursos, do meio ambiente, num meio termo complexo e

dasafiador. Conferem a extrema urgência da interdisciplinaridade no país ao mesmo tempo

que do engajamento da sociedade civil na tomada de decisões para coibir mega problemas

como a distribuição de renda, por exemplo. Conclui-se, muitas vezes, ser a solução uma

questão de educação num sentido lato (mídia, governo etc) e não meramente formal. O

desenvolvimento sustentável no país deve ser cauteloso pelo contexto mundial, pois pode

vir a ser discurso ideológico de países industrializados para que o patrimônio nacional

esteja à disposição. Portanto, uma “democracia planetária” é relativizada pela lógica da

exclusão, apesar do lado positivo da regionalização local que se abre para o mundo,

provocando inovações culturais. Mas, na verdade, existem muitas dúvidas, porque o tema
363

do desenvolvimento sustentável ainda parece ser uma incógnita até mesmo para quem

consegue vislumbrar experiências positivamente propositivas.


364

Conclusões preliminares

A questão a respeito de paradigma, indubitavelmente, se mostra bastante controversa,

embora pareça confirmar novas tendências. Entretanto, não seria bastante típico ou até

mesmo da essência (natureza) humana e até mesmo biológica a busca constante de ‘novos’

caminhos, descobertas, enfim, padrões, modelos? Podemos supor que a busca por

mudanças paradigmáticas, ideológicas, de consciência, postura, valores, sejam reflexo tanto

de nossa condição natural quanto social, tanto visando ao desvelamento do real quanto

objetivando cumprir um ‘ideal’. O debate em torno deste tema revela tamanha

complexidade.

Em uma época que tende a subordinar o humano ao tecnológico e ao econômico, as

mudanças para um ‘paradigma ecológico-educacional’96 (sócio-ambiental e/ou

interdisciplinar) parecem convergir para uma maior sensibilização dos processos sociais ao

exigir o protagonismo das pessoas. Um novo paradigma parece procurar desenvolver uma

visão mais integral e integrada do ser humano, composta por suas relações com as várias

dimensões que constituem sua natureza: a relação consigo mesmo, com as demais pessoas,

com a natureza e até mesmo com o mundo transcendente. Isto faria com que a primitiva

união inconsciente com o mundo se faça mais presente do que a alienação reinante das

ultimas décadas. Portanto, há uma crise que assinala os limites do projeto moderno: a dos

ideais de racionalidade, de ordem e de progresso ilimitado. Desde vários pensadores como

Lamarck, Galileu e Einstein, configura-se os impasses filosóficos, éticos e ideológicos que

marcam esta nossa era, já definida como a era das incertezas por se fundar na crise da

96
Veja o livro O paradigma educacional emergente de M. C. Moraes (Campinas: Papirus, 1997).
365

impossibilidade de continuar a explicar a dinâmica do mundo a partir do paradigma da

ordem. Portanto, há a necessidade de se rever a concepção de natureza dos últimos séculos

como simples resultante da soma dos objetos da percepção representada por leis.

Parece ocorrer, nesta passagem de milênio, uma biologização das ciências, tanto ao

nível filosófico, quanto sócio-cultural e até mesmo moral.97 A era pós-darwinista e pós-

hitlerista nos parece que leva a humanidade a uma condição única no planeta: a da

sobrevivência (the turning point). Por um lado, temos uma verdadeira ‘corrida de ratos’ –

no sentido de abandonar o navio – daqueles adeptos ao darwinismo social que não vêem

qualquer alternativa de escape (point of no return) e aproveitam para apropriarem-se de

maiores parcelas possíveis de riqueza, seja bélica, política, econômica.98 De outro (para

colocarmos apenas dois pontos de vista numa série de possibilidades), temos aqueles que

acreditam na Ecologia e em todo o movimento ambiental, por trazerem não apenas a

dependência orgânica da vida terrestre e, por conseguinte, humana do ambiente que nos

envolve. Estes conferem também a necessidade intrínseca de cuidado com a própria

natureza como bandeira de luta frente aos poderes estabelecidos sócio-político-histórico-

culturais e que afrontam, conspiram, traem um princípio básico da sobrevivência: a

completude.

Nesta tese, cremos, portanto, que a característica humana de conseguir,

suficientemente, reavaliar nossos atos, utilizando o formidável intelecto humano para uma

97
Sobre o livro Império de M. Hardt e A. Negri (Record, 2001), Peter P. Peelbart escreve: “Quando o poder
se torna inteiramente biopolítico, o conjunto do corpo social é abraçado pela máquina do poder, integrando
suas múltiplas dimensões e atingindo o próprio bios social... o único ponto de partida possível é o espaço
biopolítico (e não público) da multidão, considerado do ponto de vista do desejo, da produção, do coletivo
humano em ação.” (O império contra-ataca. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, caderno Idéias, 4 ago., p.1,
2001)
98
Eles parecem obedecer a uma lógica do descarte, do aborto, na qual o motor social é produzir mais, para
consumir muito, para jogar no lixo o imprestável, sejam matérias ou vidas, em troca do acúmulo de lucro.
366

missão mais nobre do que pensar apenas em si mesmo, confirma uma real distância com os

demais seres vivos co-habitantes. O ímpeto desenvolvimentista, ganancioso e voraz da

expansão humana sobre o planeta e o atual desequilíbrio entrópico-ecológico-financeiro-

social é resultado de forças declaradas (não ocultas) de dominação antrópica sobre a

natureza e sobre o próprio ser humano. As relações humanas, não apenas, são sujeitas às

intempéries naturais e sócio-culturais, mas emergem de relações intrínsecas entre pessoas

que estão em busca de auto-explicação. Esperamos que relações mais altruístas, a partir de

um sentimento de co-pertinência com a natureza, sejam prolíficas em se alterar o atual

rumo de investida contra o meio natural e que possa ser base para uma real mudança de

paradigma, não apenas ambiental, mas também ético.99

Neste sentido, nos adentramos nos estudos críticos dos princípios, hipóteses e

resultados das ciências já constituídas e o alcance objetivo da epistemologia, funcionando

como uma teoria da ciência ou do conhecimento. No momento de crise científica pela qual

passamos, não apenas fruto desta “renaturalização” do ser humano, mas também pela queda

do atomismo na Física, as ‘especulações’ filosóficas são de extrema necessidade. A questão

ambiental, portanto, pode servir à mentalidade contemporânea como auto-reflexão e traz à

baila a complexidade do fazer científico, a partir da perspectiva de que não há apenas um

único ponto de vista (científico, racional, civilizatório, desenvolvimentista). O estudo dos

inúmeros fatores que possibilitam a vida como a conhecemos, do que chamamos ‘natureza’

- uma ‘totalidade mágica’ que nos envolve e testa o discernimento de nossa própria

‘natureza humana’ - permite que repensemos os descaminhos da tendência suicida,

99
Ética: do grego ethos, significou hábito, mas também morada no sentido da ambiência própria ao homem.
Agora a ética é eclipsada pela eficácia.
367

assumidas pelos donos dos elementos de poder, forças dominantes de subjugação e

controle.

Noções como complexidade, abordagem sistêmica e transdisciplinaridade são

aparentemente respostas a inúmeras perguntas que surgem com a crise de identidade por

que passa a humanidade - uma crise do paradigma da verdade, da objetividade, da

neutralidade científica e dos modos dominantes de valorização das nossas atividades. Ao

nosso ver, os termos refletem, ao mesmo tempo, o fator utópico de esperança na alteração

do modo desenfreado e nocivo de privatização das riquezas mundiais. Para nós, o debate

em torno de noções como estas (e holismo também) é resultado deste auto-questionamento

humano e da crescente radicalidade da condição de vida atual.

A chamada mudança de paradigma nos parece que é devido ao embate inevitável,

embora imprevisível, entre uma perspectiva objetiva e subjetiva de todo fazer humano e

principalmente científico. Parece-nos que ambos paradigmas são insuficientes para uma

ideal compreensão do fenômeno natural-humano e da solução do problema da manutenção

de um desenvolvimento tecnológico e cultural que seja sustentável para as demais gerações.

A discussão cada vez mais presente em torno da sustentabilidade concorre para um sentido

ambíguo que configura a presença humana em sua existência biológica e social no planeta:

a de criador e criatura, produtor e consumidor de novos mundos e realidades, jamais

satisfeito, sempre carente por novidades. A distinção entre um ser social e um ser geral

inibe o compromisso sujeito-objeto, mas a complexidade e todo o conflito atual recai na

possibilidade de enveredar em um anti-paradoxismo, revelando um paradigma relacional

(interdisciplinar), contribuinte ao paradigma ambiental, um modelo a ser compartilhado por

pelo menos parte da comunidade acadêmica.


368

CAPÍTULO V

CONCLUSÕES FINAIS

Sem dúvida alguma, a inserção da interdisciplinaridade ambiental na educação como

um todo e na universidade em particular, além de significar um grande potencial de

reformulação interna e trabalho conjunto entre os mais diversos setores do sistema de

ensino nacional, dada a complexidade da inter-relação sociedade-natureza, determina e é

determinada por uma profusão de outros debates também profundos e urgentes. As

possibilidades múltiplas de articulação Ciências Biológicas-Naturais e Humanas-Sociais

provocam desafios inevitáveis, incluindo questões filosóficas, epistemológicas e até mesmo

éticas. Esperamos, portanto que esta tese contribua para um melhor discernimento destes
369

possíveis paradoxos e desejamos que ela possa abrir novos caminhos aos cursos

pesquisados e aos demais que têm surgido visando a contribuir para esta importante e

imprescindível área das Ciências Ambientais.

A longa e infindável história da educação nos reporta não apenas aos inúmeros

problemas que surgem desta plena atividade social, como também coloca a extrema

importância de atuais investimentos mundiais neste setor. Do mesmo modo, o panorama

nacional atual da educação demonstra que o país, apesar das mazelas do serviço público e a

crescente pressão das universidades particulares, tem dado seriedade crescente a esta linha

de ponta e de interesse planetário do meio ambiente e da sustentabilidade. Ao mesmo

tempo, inúmeras instituições vêm contribuindo para a formação de cientistas,

pesquisadores, professores, enfim, profissionais que emergem do meio acadêmico e

experienciam1 subverter, ao menos parcialmente, a configuração tradicional da estrutura

departamental universitária. Por outro lado, nos parece que a relevância do trabalho

interdisciplinar não pode ser sinônimo de escassez de recursos na pesquisa básica,

disciplinar, uma vez que se constitui necessidade fundamental para as novas tendências de

articulação acadêmica e para descobertas futuras.

Mesmo tendo o Brasil uma formação universitária bastante recente em se

comparando com os demais países latino-americanos e ainda mais os europeus, nas últimas

décadas demos um salto qualitativo-quantitativo formidável, o que nos faz supor que há um

real investimento na institucionalização e na produção científica nacional.

1
No sentido de vivenciar, mais do que experimentar.
370

Para ‘debulharmos’ a ‘espiga’ da interdisciplinaridade, foi preciso enveredar no triplo

embate entre ensino, pesquisa e extensão, alicerces fundamentais do ensino universitário2,

uma vez que compreendem descoberta, transmissão e democratização do saber científico,

em princípio na, da e para toda a sociedade. Sua estrutura e seus objetivos multifacetados

revelam crises de identidade, mas sempre fruto de uma dada cultura em processo e semente

de possíveis soluções. A adequação entre pesquisa – ensino é um atrito interno antigo e

revela uma real dificuldade de se dedicar, preferencialmente, à produção do conhecimento e

à sua divulgação imediata, mostrando inclusive os professores certa dubiedade. Na sua

relação com a sociedade, o empreendimento universitário e os seus ocupantes-formuladores

revelam uma ainda maior distância, embora o quadro atual aponte para uma tímida

abertura, no exemplo brasileiro, como constatamos durante nossos estudos.

Nos cursos pesquisados, a criação de um pólo inovador (no caso da USP e da UFPR),

que sintetize os diferentes tratamentos de cada área do conhecimento científico e até

mesmo não científico, perfaz um compromisso e uma responsabilidade sem igual no meio

acadêmico, uma vez que encara a dura tarefa de reunir tendências distantes ou mesmo

contraditórias. Do mesmo modo, a formação de um núcleo que concatene ‘cabeças

pensantes’, lideranças e que transcenda às dificuldades iniciais de um ‘corpo estranho’ no

arquipélago departamental, é bastante promissor, se visto como somatório e não divisor da

produção acadêmica. Este novo locus universitário, quer seja multi, inter ou

transdisciplinar, confere a possibilidade única de convívio da diversidade, embora seja um

2
Embora inúmeros exemplos reforcem uma ou outra das primeiras tendências e quase nunca a terceira
possibilidade. Mas, por outro lado, como sermos eficientes nessas três grandes vertentes que exprimem forças
quase sempre antagônicas (disputa por recursos, por exemplo)?
371

grande desafio devido às diferentes tendências, experiências, metodologias e percepções de

mundo.

Na Universidade Federal de Minas Gerais, o programa Ecologia, Conservação e

Manejo da Vida Silvestre, junto com o Centro de Desenvolvimento e Planejamento

Regional durante o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico,

desenvolveram a perspectiva de adequação da Ecologia com a Economia. Mesmo

resultando numa difícil proposta metodológica interdisciplinar3, este macro-projeto se

mostrou vitorioso ao centrar a bacia hidrográfica como base de integração disciplinar,

resultando num longo processo de convencimento e descoberta recíprocos. Buscando

discernir a realidade ambiental da região através da análise conjunta dos inúmeros

indicadores possíveis, pode-se inferir o que ocorre de impactos antrópicos sobre os

diferentes ecossistemas. Na referida publicação resultante do programa (Biodiversidade,

população e economia), revela-se a busca por indicadores de qualidade ambiental,

parâmetros confiáveis para o devido trabalho sobre a complexidade ambiental. Isto já

transcende o mero campo científico, já que são indicadores possíveis de monitoramento,

objetos de apreciação permanente de aperfeiçoamento de políticas, relações humanas de

dominância etc. Assim, percebemos que há uma certa cautela na “fetichização da medida”,

fugindo da perspectiva fragmentadora e buscando a percepção da totalidade social,

econômica, física e ambiental da região, mesmo que se permita um “procedimento

parcelizador” desta totalidade. Isto é, segundo J. A. Paula, uma dialética parte-todo a partir

de três momentos: a escolha da região, o agrupamento de parâmetros e variáveis básicos

3
Ver Paula, J. A. de. (coord.) Biodiversidade, população e economia: uma região de Mata Atlântica. BH:
UFMG; PADCT/CIAMB, 1997.
372

(matrizes: físico-química, biodiversidade, atividades antrópicas, insumo-produto,

intervenção ambiental e desenvolvimento sustentável) e a síntese das matrizes, objetivando

revelar o rio em seu momento natural (teórica), atual e possível (futuro). A metodologia

resultante, configurada tanto quantitativa quanto qualitativamente, é dotada de plasticidade

para se adequar aos diversos contextos uma vez que pretende alguma universalidade. Ela

integra as matrizes referidas junto à síntese evolutiva das três fases do rio e, embora não

resulte num índice geral de qualidade ambiental, aponta para a possibilidade de sua

construção.

Na Universidade Federal do Paraná, o programa de doutorado Meio Ambiente e

Desenvolvimento, em ação desde 1993 e contemplado com a Cátedra da UNESCO para o

Desenvolvimento Sustentável, vem trabalhando na reflexão teórica das relações entre

natureza e sociedade, meio ambiente e desenvolvimento, ciência e prática, contribuindo

com uma confrontação metodológica interdisciplinar única no campo da formação e da

pesquisa. Com uma colaboração fundamental de instituições francesas de ensino superior, o

programa vem corroborando com experiências excepcionais em torno deste tema,

revelando uma expressão de vitalidade da comunidade científica no país. O curso se

estrutura em módulos que buscam a complementação teórica sobre sociedade, meio

ambiente e desenvolvimento, os fundamentos básicos da interdisciplinaridade ambiental, a

integração entre teoria e prática interdisciplinar através de oficinas de pesquisa e o

aprofundamento temático e instrumental. O curso passou por três principais fases de

desenvolvimento, reunindo pesquisas em torno de eixos básicos como desenvolvimento

sustentável rural (na região portuária do estado, Paranaguá), urbano (no caso da própria

cidade de Curitiba) e, por último, resolveu-se não um recorte espacial, mas temático,
373

pesquisando o desenvolvimento sustentável de modo geral. Em seu segundo caderno

(1995), a escolha editorial direcionou os artigos para dar contribuição à extensão

universitária, acreditando na articulação da pesquisa e do ensino com as necessidades da

sociedade, confrontando a realidade social com a comunidade científica e visando

socializar o conhecimento para consolidar uma cidadania plena. Sem dúvida alguma,

mesmo que ainda busquem ampliar os diálogos, a equipe participante de professores e

alunos conforma um raro e sério exemplo de atuação verdadeiramente interdisciplinar.

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o programa em Estudos

Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social desenvolve pesquisas de suma

importância no contexto sócio-ambiental sobre: desenvolvimento cultural; gênero, meio

ambiente, epistemologia e ética em comunidades. Esta condição enfrenta uma grande

dificuldade no trato da questão ambiental, uma vez que nem sempre ela está inserida

preponderantemente no tema tratado. De qualquer modo, a experiência de se buscar

adequar a pesquisa da área da Psicologia Social com as questões referentes ao meio

ambiente se caracteriza como inovação de extrema relevância no meio acadêmico e, de

modo semelhante ao curso antecedente, se mostra, apesar da existência de conflitos

internos, como uma expressão de alta criatividade e forte convicção da comunidade

acadêmica no país.

Já o programa em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo apresenta um

caráter mais fortemente interdisciplinar, já que consegue reunir diversas instituições,

profissionais e áreas acadêmicas, oferecendo disciplinas integradas à vertente ambiental.

Sua estrutura como unidade centralizadora articulando os diversos departamentos, favorece

uma ausência de linhas específicas em relação às grandes áreas, embora seus organizadores
374

tenham vieses próprios. Há, embora tenhamos detectado uma aparente menor participação

das unidades das biociências, um grande esforço em não permanecer limitado a um ou mais

campos, mas equilibrar as diferentes perspectivas acadêmicas referentes ao assunto - uma

real contribuição à construção da Ciência Ambiental.

Os profissionais pesquisadores aqui entrevistados parecem perceber o quanto é

favorável a participação em estudos e experiências locais, regionais e internacionais, o que

demonstra também a abrangência cada vez maior destas questões pelo mundo e no país.

Muitos são os campos abrangidos pelas Ciências Ambientais, já que as pesquisas surgem de

áreas como saúde, higiene e saneamento; impacto, antropização e manejo ambientais; além

de sócio-diversidade, economia solidária e agricultura sustentável. Os sujeitos depoentes

nesta elaboração científica se organizam não apenas como pesquisadores acadêmicos e

professores, mas seguindo carreira também como consultores. A participação política e a

militância apesar do baixo número de declarações, pode estar revelando uma tensão teoria-

prática, já que as pesquisas têm grande proximidade nas atividades sociais e ambientais,

trabalhos em cooperação e participação.4 A educação ambiental e o envolvimento com

ONGs, por outro lado, parecem ser uma forte tônica dentre os entrevistados, trabalhando

não apenas com a biodiversidade, mas também com a sócio diversidade. Há pesquisas em

metodologia, epistemologia e filosofia, que se adeque à questão sócio-ambiental, por

enquanto relativamente poucas, embora tais campos surjam como imprescindíveis para o

4
Podemos ver isto como uma falta de interação entre o fazer político extra-acadêmico e o intra, além da
distância entre o fazer técnico e o fazer cidadão? Ou ainda, entre o fazer ‘econômico’ e o cultural, social e
ético? Ou então, o que nos parece acertado, seria resultado da dificuldade em sustentar a carreira de educador,
pensador e militante, assim como ocorre entre artistas?
375

conhecimento interdisciplinar que procura revelar o equilíbrio entre desenvolvimento e

sustentabilidade.

A construção de uma equipe ou grupo interdisciplinar, por sua heterogeneidade, é um

processo lento e aberto, já que recebe inúmeras influências tanto internas quanto externas,

variando pelo tipo de integrantes e número de disciplinas participantes. Por isto mesmo,

seus membros devem se esforçar por contribuir para a conexão de idéias, reunindo uma rica

diversidade de experiências e capacidades, embora se deparem com problemas de

comunicação e conflitos na hierarquia. J. T. Klein5 chama de “chauvinismo disciplinar” tais

dificuldades setoriais na pesquisa interdisciplinar, que costumam ser reflexo do sistema

social global. Mesmo havendo uma forte organização alternativa, o “time” deve manter-se

alerta para evitar hostilidade e individualismo. Por outro lado, desacordos na carreira

individual, nos estilos profissionais e nas epistemologias acabam por ser empecilhos

comuns, quebrando as ilusões de consenso. Outro fator é a variação com o tempo e com o

grau de participação efetiva dos integrantes, sendo a equipe dominada por pessoa ou

disciplina, obrigando-nos a lidar com diversas questões psicológicas de inter-

relacionamento, em que maturidade, prestígio, fidelidade e desdém disciplinar ocorrem

com freqüência.6 Uma clara divisão de trabalho interno e balanço entre as influências

disciplinares se mostram fatores fundamentais.

No segundo capítulo desta tese, quando desenvolvemos o tema do ambientalismo e da

institucionalização, percebe-se que a desorganização industrial perante às condições sociais

5
Klein. J. T., op. cit., p. 127. A autora se refere a quatro tipos de modelos de organização social e intelectual:
grupo comum de aprendizado, integração através de modelo, negociação entre especialistas e integração por
um líder.
6
Do mesmo modo, ocorrem gestos de solidariedade, respeito, atenção etc
376

e ambientais, obriga as ciências a recorrerem ao trabalho conjunto visando dar conta da

complexidade e da imprevisibilidade de um futuro em aberto. Assim, da ciência biológica,

especificamente da Ecologia, nos vemos envolvidos com a necessidade de ‘ecologização’

das ciências. Ou seja, como a Ecologia é a ciência das relações recíprocas de organismos

vivos entre si e entre o meio, detecta-se, nesta mudança de milênio, a urgência em se

articular, do mesmo modo, as diversas áreas do conhecimento. Na verdade religá-las, pois

já tiveram, em seu desenvolvimento, as mesmas raízes. A questão ambiental na sociedade,

portanto, atinge a possibilidade de categoria de mediação de inúmeros comportamentos

históricos construídos socialmente, obrigando-nos a recuperar um cuidado e uma modéstia

maior perante o frágil equilíbrio dinâmico natural. A evolução da Ecologia e da

interdisciplinaridade reflete, do mesmo modo, a inevitável busca de um consenso que

reeduque as atitudes humanas na face terrestre, se consideramos a possibilidade de

manutenção da biosfera apta para nosso sustento. Deste modo, a questão ambiental no meio

acadêmico vem trazer as diversas indagações sobre o vértice da fissão natureza-sociedade

que reflete este ponto de indagação e construção em que nos encontramos. A educação

voltada para o meio ambiente natural e social vem se expandindo por todo o planeta,

demonstrando que a inserção do ambientalismo no meio acadêmico é assunto da maior

necessidade e urgência. A educação, de um modo geral, é vista como panacéia de muitos

dos males sociais, mas precisa ser levada a sério por todos os atores sociais na

demonstração da dignidade de seus profissionais. Do mesmo modo, carece receber maior

assistência material, humana e social, também por parte de atores e diretores sociais7,

sobretudo em países em desenvolvimento.

7
Atores inicialmente seriam aqueles ‘governados’ por diretores, mas cremos que tanto um quanto o outro se
377

Pelas análises de entrevistas, pudemos perceber que as principais questões da

institucionalização são a indefinição do que se entende por interdisciplinaridade, havendo

discrepância entre teoria e prática que resulta numa interdisciplinaridade relativa. Os

professores, algumas vezes, ainda se mostram disciplinares, esbarrando na dificuldade com

a linguagem, no trabalho em equipe causado pelo individualismo, divisão de trabalho,

competição. Isto faz depender muito do perfil de cada participante para que não haja perda

do eixo conceitual conjunto. O fator emocional foi mencionado em duas vertentes: sendo

obstáculo e, ao mesmo tempo, promotor de integração, já que a paixão pelo trabalho

determina antagonismos pessoais e ao mesmo tempo forte dedicação. A implementação na

estrutura universitária foi apontada como grande problemática por promover atritos entre

departamentos na medida em que concorrem por orçamentos, estrutura física, alocação

formal de pessoal etc, fruto de culturas institucionais diferentes, somente resumida após

muita polêmica. A departamentalização das diferentes áreas das ciências no interior da

academia é indicada como problematizadora para a interdisciplinaridade universitária, uma

vez que esta permanece com sua estrutura fragmentada em unidades administrativas, de

pensamento analítico, vendo independentemente os objetivos reais de pesquisa, ensino e

extensão do saber científico. A construção de uma entidade propícia a uma estrutura

interdisciplinar abrangente, quer seja um laboratório, instituto ou centro de pesquisa

independente, se mostra como alternativa, variando a autonomia e a formalidade.8

Entretanto, um centro independente ‘pseudo-departamental’ não é garantia de sucesso, pois,

fundem na relação dominador-dominado, fazendo com que aqueles também dirijam e estes sucumbam a
outrem.
8
Segundo Klein, projetos independentes não afiliados com uma instituição ou departamento constitui a forma
inicial mais comum de colaboração interdisciplinar antes da institucionalização especializada na universidade.
Este tipo de cooperação que emerge espontaneamente permite um ambiente de maior liberdade.
378

de acordo com Klein, há grande número de adversidades como competição por captação de

recursos, formação de pesquisadores diferenciados, marginalidade, isolamento etc. Por

outro lado, as vantagens são muitas: facilita a troca de metodologias, instrumentos, técnicas

e paradigmas, podendo também aumentar a visibilidade social da universidade.

O debate entre um curso específico que centralize a discussão em torno da pesquisa

e do ensino interdisciplinares em contraste com a difusão ampla nas unidades universitárias

é visto como não sendo um paradoxo, já que ambas conjecturas se mostram possíveis. Por

um lado, pesquisas departamentais tendem a seguir sua própria linha disciplinar mesmo que

esteja apta e aberta para o trabalho de colaboração científica. Por outro, muitas estruturas

tradicionais têm absorvido a multiplicidade de questões complexas, confluindo para a

diversificação salutar por meio de experiências inovadoras. Concluímos que o

aprofundamento disciplinar não inibe necessariamente pesquisas interdisciplinares. Assim,

podemos perceber que, mesmo havendo conflito permanente entre empiricistas e teóricos,

aqueles que utilizam a linguagem matemática, quantitativa e os mais qualitativos, ambas

vertentes poderão se entrosar se houver uma real vontade e muito estímulo para tal.

Segundo Klein, muitos coordenadores de projetos interdisciplinares têm falhado em crer

que a interdisciplinaridade trata apenas de novas técnicas ou métodos de ensino e pesquisa

e não percebendo que decorre de todo um novo paradigma com metodologia e

epistemologia próprias, fugindo de modelos já pré-estabelecidos.9

Em nosso terceiro capítulo, buscamos desenvolver o assunto propriamente dito da

interdisciplinaridade, procurando definir conceitos sobre o trabalho de articulação

9
Ibid., p.61. Do mesmo modo, a autora lembra que coordenadores que ‘amarram’ demais as funções dos
participantes não permitem a necessária criatividade que emerge de uma estrutura mais flexível de
funcionamento, o que proporciona uma atmosfera ideal de relacionamento e de troca informal de idéias.
379

disciplinar, sem dúvida, um longo, imprevisível e quase sempre sinuoso caminho.

Interdisciplinaridade se mostra, desde sua origem nos anos movediços da década de 70, um

termo ambíguo por relacionar, para alguns autores, não apenas a justaposição entre

disciplinas (mais uma multidisciplinaridade), mas também uma idéia geral de unificação

(ou integração, reestruturação) do conhecimento (a ponto da transdisciplinaridade).

Diversos autores descreveram suas perspectivas, mas parece não haver consenso na

definição do termo. Talvez ele não seja ainda definível já que é um processo em

construção, variando bastante em cada situação particular em seu leque mono, pluri/multi,

inter, transdisciplinar. Parece-nos que a necessidade é grande no campo de algumas

ciências como o caso das Ciências Ambientais, da Terra e da Saúde. Porém existem

exigências múltiplas para um adequado acordo entre áreas, disciplinas, profissionais e

alunos. A principal nos parece ser um campo de diálogo democrático propício para a

interação entre as partes, fazendo-se imprescindível um meio de comunicação eficiente e

claro para o recíproco entendimento, sobrepondo, de algum modo, hierarquias.

A análise de entrevistas sobre interdisciplinaridade nos mostrou exatamente esta

constante indagação perante o assunto, bastante controverso em todos os cursos

pesquisados. A relativização da disciplina é cuidadosamente dosada, já que existem receios

por parte de alguns pesquisadores de perda de identidade com abandono do conhecimento

da área de origem e conseqüente superficialidade. Por outro lado, muitos conferem a real

possibilidade em se lidar com o próprio campo de estudos, expandindo sua perspectiva para

áreas correlatas, não havendo, portanto, contradição. No caso da dicotomia natureza-

sociedade, vemos como grande potencial transformador, tanto da academia quanto da

sociedade, a aproximação de tendências opostas voltadas para um equilíbrio ético,


380

principalmente no que se refere à influência positiva para a sustentabilidade planetária das

vertentes preservacionistas, biológicas e sociológicas com vertentes produtivistas, políticas

e econômicas. Mas pelo caminhar do conjunto geo-bio-psico-social, nos parece que se faz

necessário uma quebra de paradigma, natural ou induzida, que provoque uma reação para a

“fulguração”10 de um novo estágio da humanidade.

Neste sentido se enquadra o debate em torno da noção de paradigma, a qual abarca

nosso quarto capítulo, já que cremos envolver questões ontológicas, epistemológicas e

ambas (desenvolvimento e sustentabilidade).11 Um modelo, padrão ou estrutura simbólica

pseudo-autônoma do conceber humano só poderia ser discernido sob a luz de uma

epistemologia neutra e contrária à qualquer tentativa de homogeneização e simplificação

das ciências. A noção de paradigma, como construto sócio-histórico-cultural, é ferramenta

epistemológica fundamental para o estabelecimento de quadros, parcelas ou categorias

gerais da história do saber humano. Por isto mesmo, demonstra a ambigüidade de nossa

existência levando à crise do conhecimento. A relativização de verdades concretas é

colocada não apenas pela queda do atomismo quântico, mas também e talvez

principalmente, pela integração sociedade-natureza. Quando pudermos realmente perceber

e agir em acordo com esta inevitável simbiose que se equivale às trocas das relações

humanas, talvez possamos crer que se trata de um novo paradigma. De qualquer modo,

cada volta a um passado universalizante ou monista, não bifurcado e dicotômico que

10
Utilizo o termo de K. Lorenz (em Popper, K. & Lorenz, K. El porvenir esta abierto. Barcelona: Tusquets
ed., coleção Metatemas 28, p.18, 1992) no sentido sócio-biológico dado pelo autor de “aparição de uma coisa
totalmente nova... condição sine qua non que determina o ritmo da evolução”.
11
Uma boa sugestão para pesquisas futuras.
381

pensamos advir (talvez fruto de um componente mitológico enraizante) nos traz a questão

do devir.

A complexidade da questão ambiental é colocada aqui não apenas no sentido

filosófico, mas também no histórico e social. Não podemos perder de vista que nenhuma

discussão é dada por si só, mas é resultado de conflitos e contradições em muitos níveis

possíveis. Por exemplo, a clivagem profunda, mas real do modo de vida de aborígines

amazônicos, australianos ou africanos e a alta elite consumista norte-americana e européia.

Se cada lado perceber como boa (ou má) a mudança de paradigma, não podemos acreditar

numa real transformação, uma vez que a sustentabilidade exige uma ‘eco-nomos-logização’

ou uma lógica da compreensão e do respeito ao ethos planetário. O discernimento do

funcionamento global (tanto geofísico quanto bio-social) não será remédio contra os males

(da extinção, da poluição, da miséria) da sociedade, enquanto não houver uma

reformulação do raciocínio separatista. É possível e, vista a continuada depleção da

natureza, cada vez mais provável que o grande elemento esclarecedor de nossa condição de

criador ou criatura na face terrestre somente aflore com a radicalidade de uma situação eco-

catastrófica.

Pelo indicado nas entrevistas, a vida passa a ganhar valor, sentimental e/ou

financeiro, perdendo seu caráter exclusivo de matéria prima, contrariando as tendências que

se percebem fora do contexto da preservação ambiental. A natureza, segundo o grupo

entrevistado, deixa de ser mero coadjuvante passando a integrar de algum modo a natureza

humana, ganhando poder jurídico e econômico perante a sociedade. Esta, por sua vez,

recebe um adicional de consciência que, se não a altera qualitativamente, modifica

substancialmente. A mudança paradigmática é vista como poder contra a alienação do


382

capital, mas também é referida como perigosa por esconder interesses e por ter sido

absorvida pelos ‘donos’ da economia internacional, pela mídia e pela população em geral,

perdendo seu viés revolucionário. A complexidade também é vista de modo vago, embora

tenha uma preferência pelo tratamento, da maioria, mesmo que ainda não clara sua

utilidade. A abordagem sistêmica e a transdisciplinaridade em geral ficam em segundo

plano, mas parecem apontar para caminhos omissos pela ciência tradicional e que trazem

contribuições interessantes, mesmo que rebatida por alguns. Do mesmo modo,

‘desenvolvimento sustentável’ é debatido com o devido cuidado e respeito, pois ao mesmo

tempo em que o tema encerra questões fundamentais para a sobrevivência humana, ele é

regurgitado pela ideologia capitalista do monopólio financeiro visando a interesses próprios

e não nosso futuro comum.

A hipótese inicialmente feita para esta tese, de que a institucionalização de cursos de

pós-graduação associados às questões ambientais só se viabiliza se for promovido algum

grau de interdisciplinaridade entre as Ciências Biológicas e Humanas, nos parece, portanto

acertada.12 Pelo conferido nos relatos dos entrevistados, a origem, a inovação e/ou a

modificação curricular destes cursos refletem, de algum modo, alterações no modo de se

conhecer, entender e lidar com o ambiente em que e do que vivemos.

O caminho a partir de uma concepção mecânico-reducionista de natureza e de vida

para uma concepção sistêmico-complexa destes termos, demonstrada pelo relato dos

pesquisadores entrevistados, confere uma real e também ideal mudança paradigmática. Por

12
Mesmo que possamos levantar dúvidas quanto à preferência, por exemplo, de geógrafos (dentre outros),
uma vez que sua área já de antemão reúne elementos de diversas outras disciplinas.
383

outro lado, o debate em torno de paradigma é fragilizado, já que não há uma total

transformação nas atitudes, valores e concepções no meio acadêmico e o currículo

interdisciplinar dos cursos em Ciências Ambientais se limitam ao trabalho de ensino e

pesquisa, faltando, ao nosso ver, um componente maior e imbricado a eles, relativo à

extensão universitária que vise ao estudo e às soluções de conflitos sócio-ambientais.

Cremos que os cursos pesquisados são ótimas amostras da recente inovação no ambiente

acadêmico do trato científico desta questão, praticando em algum grau o trabalho de

parceria não apenas interna a uma área ou campus, mas, do mesmo modo, com a

comunidade em torno, local ou regional, direta ou indiretamente. Este é ao nosso ver, o

resultado completo de articulação profissional entre teoria e prática, quando há retorno para

a sociedade não apenas através de teses, dissertações e demais trabalhos científicos.

Os cursos pesquisados que envolvem a construção das Ciências Ambientais,

amplamente falando, têm se institucionalizado, com dificuldades, principalmente após a

Rio 92 e já se constituem, juntamente com demais cursos universitários, um campo

promissor de conhecimento sócio-ambiental.13 Eles promovem necessariamente, cada um

em seu estilo próprio de interdisciplinaridade, uma busca constante de adequação e

articulação disciplinar e favorecem a constituição de um paradigma mais integrador e

sintético, embora num difícil terreno analítico. Daí a necessidade em se adequar ambas

perspectivas. As novas idéias sobre vida, natureza e natureza humana parecem adequar-se

a um novo tipo de currículo acadêmico, consolidado a partir da problemática sócio-

ambiental. As diferenças entre os cursos são claras: dois resultaram numa nova estrutura

13
Pelo menos duas publicações de grande porte foram lançados: os cadernos semestrais do NEPAN,
UNICAMP – SP Ambiente & Sociedade desde 1997 e os cadernos anuais da UFPR/GRID Desenvolvimento e
Meio Ambiente desde 1994, ambos com cerca de 200 páginas.
384

acadêmica, já praticamente num sentido bastante forte de tendência interdisciplinar, uma

vez que corpo docente e discente, disciplinas oferecidas e pesquisas formam um amplo

espectro da relação sociedade-natureza. Entre estes, podemos tecer comparações, pois, no

caso do MAD - UFPR, houve um processo tecido a partir de eixos temáticos para

adequação das pesquisas a serem desenvolvidas. Já no PROCAM - USP, o campo de

pesquisas é amplo. Quanto aos outros dois, o EICOS - UFRJ desenvolve ao nosso ver,

todavia, uma multidisciplinaridade, já que conta com pequena diversidade científica de

professores-orientadores e as linhas de pesquisa se fecham em campo restrito de atuação

ambiental. Do mesmo modo, o ECMVS - UFMG, no caso um curso bastante disciplinar,

mas que se engaja num envolvimento de expansão pela universidade, havendo

experimentado, junto ao CEDEPLAR - UFMG, um trabalho de integração suficiente para

almejar novo vôos, como disciplinas, cursos em parceria e até mesmo um centro

interdisciplinar.

Deste modo, após levantar e analisar os processos de elaboração e incorporação de

questões ambientais através de discursos de pesquisadores em cursos de pós-graduação em

meio ambiente no Brasil, podemos indicar tendências acadêmicas, reais e imaginárias, de

mudança de paradigmas. Identificando cursos de pós-graduação que tratam

interdisciplinarmente de questões sócio-ambientais, espera-se que possamos incentivá-los a

colaborar na promoção de novas experiências pelo país, como parece estar acontecendo.14

A representação da interdisciplinaridade nos diferentes cursos, mesmo com variações,

parece compor uma real necessidade no campo sócio-ambiental. Os diferentes processos de

14
Exemplos como a Pós-graduação strictu sensu em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPA, da UFAL,
da UnB e da UFSE e em Ciências Ambientais da UFF e da Universidade Estadual de Maringá – PR.
385

institucionalização das Ciências Ambientais expressam o desafio da prática universitária de

inovação, cujo sentido parece seguir, em alguns casos, além da mera execução acadêmica.

Esperamos poder contribuir, com esta pesquisa, para o incremento do debate em torno da

pedagogia, da pesquisa e da extensão interdisciplinares.


386

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ANEXOS*

A. Lista de cursos multidisciplinares aprovados pela CAPES em 2000/2001.


B. Lista de entrevistados e profissões.
C. Questionário
D. Depoimentos: retorno à pesquisa.
E. Tabela com as características gerais de cada curso pesquisado.
F. Lista de linhas de pesquisa, disciplinas optativas, dissertações e bibliografia
recomendada para seleção do curso ECMVS-UFMG.
G. Módulos curriculares, disciplinas, temáticas entre linhas de pesquisa e teses do curso
MAD.
H. Disciplinas, dissertações e exemplo de produção intelectual do curso EICOS – UFRJ
I. Linhas de pesquisa, bibliografia indicada para as disciplinas básicas e dissertações do
curso PROCAM – USP.
J. Áreas acadêmicas de origem, primeira e segunda trajetórias e ‘resultante’ profissional
dos entrevistados.
K. Relação de entrevistados por sub-áreas e três grandes áreas.
L. Relação dos entrevistados por entre sete das grandes áreas.
M. Áreas do Conhecimento. Nove grandes áreas divididas em 102 áreas (CNPq).
N. Legenda dos tópicos de trajetória dos entrevistados.
O. Distribuição de respostas sobre departamentalização e institucionalização, distinguidas
entre cursos e entre docentes e discentes.
P. Resultado geral da questão sobre centralização e difusão da temática sócio-ambiental na
universidade.
Q. Palavras-chave obtidas a respeito de interdisciplinaridade, divididas por cursos, corpo
docente, discente e por categoria.
R. Categorias de palavras-chave obtidas relacionadas à interdisciplinaridade, o número de
citações e sua respectiva percentagem.
S. Respostas sobre dicotomia entre ciências quantitativas e qualitativas por curso.
T. Exemplos de divisões de paradigmas.
U. Relação entre paradigmas
V. Resultado sobre confirmação, negação ou relativização de mudanças de paradigma.
W. Artigo sobre exclusão e darwinismo. Editorial do jornal “Posso falar o que eu penso?”
de Marcos Antonio da Silveira Santos, no.12, do Instituto Brasileiro de Inovações em
Saúde Social e Centro de Defesa, Garantia e Promoção de Direitos Humanos, RJ.
404

A. Lista de cursos multidisciplinares aprovados pela CAPES em 2000/2001.


(realçado dois dos cursos estudados).

PROGRAMA SIGLA IES UF NÍVEIS


Administração e Comunicação Rural UFRPE PE M
Agroecossistemas UFSC SC M
Agronegócios UFRGS RS M/D/F
Biociências e Biotecnologia UENF RJ M/D
Biofísica Molecular UNESP/SJRP SP M/D
Biotecnologia UCS RS M
Biotecnologia UFSC SC M
Biotecnologia UNESP/ARAR SP M
Ciência Ambiental UFF RJ M
Ciência Ambiental USP SP M
Ciência de Materiais UFPE PE M/D
Ciências Biológicas UFPE PE D
Ciências Criminais PUC/RS RS M
Ciências da Arte UFF RJ M
Ciências da Reabilitação APS DF F
Ciências da Saúde UNB DF M/D
Ciências de Engenharia UENF RJ M
Ciências do Amb. e Sustentab. na Amazônia UA AM M
Ciências dos Materiais UFRGS RS D
Ciências Humanas UFSC SC D
Computação Aplicada e Automação UFF RJ M
Cultura & Turismo – Parceria UESC/UFBA UESC BA M
Desenvolvimento Regional e M. Ambiente UESC BA M
Desenvolvimento e Meio Ambiente UFAL AL M
Desenvolvimento e Meio Ambiente UFC CE M
Desenvolvimento e Meio Ambiente UFPB/J.P. PB M
Desenvolvimento e Meio Ambiente UFSE SE M
Desenvolvimento Regional UNISC RS M
Desenvolvimento Rural UFRGS RS M
Desenvolvimento Sustentável UNB DF M/D/F
Desenvolvimento Sust. do Trópico Úmido UFPA PA D
Distúrbios do Desenvolvimento MACKENZIE SP M
Ecologia de Agroecossistemas USP/ESALQ SP M/D
Educação, Arte e História Da Cultura MACKENZIE SP M
Engenharia UFPR PR M
Engenharia UFRGS RS F
405

Engenharia de Computação UERJ RJ M


Engen. de Reservatório e de Exploração UENF RJ M
Engenharia e Ciência de Materiais UFC CE M
Filosofia UNESP/MAR SP M
Física , Química e Neurociências FUNREI MG M
Física Aplicada à Medicina e Biologia USP/RP SP M/D
Fisiopatologia Clínica e Experimental UERJ RJ M/D
Gerontologia UNICAMP SP M
Gerontologia PUC/SP SP M
Gerontologia Biomédica PUC/RS RS M/D
História da Ciência PUC/SP SP M
Integração Latino - Americana UFSM RS M
Interunidades Em Energia USP SP M/D
Meio Ambiente e Desenvolvimento UFPR PR D
Memória Social e Documento UNI-RJ RJ M
Metrologia Científica e Industrial UFSC SC M/F
Metrologia para a Qualidade Industrial PUC-RJ RJ M
Modelagem Computacional UERJ RJ M/D
Modelagem Computacional LNCC RJ M/D
Modelagem Matemática UNIJUÍ RS M
Neuroimunologia UFF RJ M
Pesq. e Desenvolvimento (Biotecn. Médica) UNESP/BOT SP F
Planejamento de Sistemas Energéticos UNICAMP SP M/D
Planejamento do Desenvolvimento UFPA PA M
Planejamento Energético UFRJ RJ M/D
Política Científica de Tecnológica UNICAMP SP M/D
Políticas Sociais UENF RJ M
Recursos Naturais UFPB/C.G PB D
Saúde Materno Infantil IMIP PE M
Sexologia UGF RJ M
Sociologia e Direito UFF RJ M
Sustentabilidade Sócio-Econômica Amb. UFOP MG F
Tecnologia CEFET/MG MG M
Tecnologia CEFET/PR PR M
Tecnologia Educacional nas C. da Saúde UFRJ RJ M
406

B. Lista de entrevistados e profissões.

Professores Profissão Alunos Profissão

ProfA Biólogo (Hist. Nat.) AlunA Biólogo


UFMG ProfB Biólogo (Hist. Nat.) AlunB Biólogo
ProfC Economista,historiador AlunC Economista
ProfD Arquiteto, urbanista
ProfA Sociólogo AlunA Agrônomo
UFPR ProfB Biólogo AlunB Médica
ProfC Agrônomo/Sociólogo AlunC Oceanógrafo
ProfD Bióloga (H. Natural)
ProfA Psicóloga AlunA Psicóloga
UFRJ ProfB Oceanógrafa AlunB Geóloga
ProfC Físico/Antropólogo AlunC Biólogo
ProfD Psicóloga
ProfA Educador AlunA Engenheira
USP ProfB Geólogo AlunB Agrônomo
ProfC Arquiteta, urbanista AlunC Bióloga
ProfD Bióloga

C. Questionário

1. O Sr.(a) poderia contar um pouco de sua trajetória profissional?


2. Quais foram as questões principais que te motivaram na associação a este curso? Há
algum problema quanto ao credenciamento: dupla função, carga horária? E os
problemas quanto às instituições de financiamento e fomento à pesquisa?
3. A compartimentalização/departamentalização das ciências humanas, exatas e biológicas
é um elemento viabilizador ou dificultador da pós-graduação voltado ao meio
ambiente?
4. Como o(a) Sr(a). vê a distinção entre um curso da área humana voltado ao meio
ambiente em contraste com a questão difusa em cada unidade (departamento/instituto)
da universidade, visando não renunciar às especialidades?
5. Como é vista a interdisciplinaridade entre as ciências da natureza e as ciências humano-
sociais? É possível um diálogo entre as ciências naturais e sociais? De que tipo? Ela é
imprescindível? Há uma tentativa de busca por “resultados unificados de pesquisa”?
6. A emergência de cursos em meio ambiente favorece, imprime ou exige uma
relativização da disciplinaridade, do reducionismo e do tecnicismo herdados do
desdobramento da ciência moderna?
407

7. Ao seu ver, como uma ciência com tendência positivista, objetiva e quantitativa
(natural, exata) tem absorvido questões subjetivas e qualitativas como as éticas,
filosóficas (Ciências Humanas e Sociais)? Há uma dicotomia? Tais discussões têm
ocorrido durante o curso? Como?
8. Se for possível, indique quais as noções de vida, natureza e de natureza humana que
inspiram o ensino e a pesquisa neste programa? Ao seu ver, estas noções são relevantes
para este curso? Como?
9. A origem, inovação e/ou modificação curricular deste curso universitário reflete(m), de
algum modo, mudanças paradigmáticas de uma tradicional concepção mecânico-
reducionista de natureza e de vida para uma concepção sistêmico-complexa dos
mesmos? Como estas questões são tratadas neste curso?
10. A questão ambiental promove o surgimento de noções tais como complexidade,
abordagem sistêmica e transdisciplinaridade? Como o(a) Sr(a). definiria cada um deste
termos? Estas noções são relevantes para este curso?
11. O estudo da sustentabilidade em geral é objetivada nestes cursos. Como o(a) Sr(a). vê
esta busca de se diminuir a degradação ambiental e melhorar condições de vida no
planeta? Ou seja, há uma dicotomia desenvolvimento X conservação? Por exemplo: no
caso da hidrovia no Pantanal mato-grossense que, por um lado, traria melhorias na
escoação da produção agrícola e desenvolvimento para a região e, por outro, poderia
afetar todo o regime hídrico do ecossistema e trazer inúmeras conseqüências ambientais
para fauna e flora. Qual seria sua posição?
12. Buscando um retorno para este trabalho de tese, qual a sua percepção sobre a
realização desta pesquisa?

D. Depoimentos: Retorno à pesquisa

Na décima segunda questão, buscamos obter um retorno do trabalho de tese,


conferindo a percepção de cada entrevistado sobre a realização desta pesquisa. Elaboramos
uma divisão das respostas entre elogios, críticas e sugestões o que resultou na seguinte
proporção: 20/12/11, dividido do modo que se segue.
Na UFMG, os professore teceram os seguintes elogios:
Chance quase ímpar, vai exigir enorme capacidade intelectual de síntese. Da maior importância
tentar síntese além da sua visão e do orientador, elemento importantíssimo de consulta. Muito boa a
disposição. Tema instigante, desafiador. Acharei muito bom ler. (A)
Importante. Moderna. Interessante. (B)
Idéia muito boa. Boa sacada. (C)
Papel importante, construção a ser feita, questionamento de prática embrionária, visão crítica,
contribui para a construção do discurso, extremamente bem vindo. Não sei a onde é que vai chegar,
mas estamos em uma fase em que esta construção do discurso, da linguagem é fundamental. Uma
linguagem que depois vai se transbordar em cima das disciplinas... A importância principal é a
construção dessa linguagem em comum. Quanto mais pessoas das diversas áreas conseguirem se
identificar com o seu trabalho, maior é a contribuição de uma certa forma. (D)
As críticas foram:
Incrivelmente complexo, desafio enorme, difícil, vai te agoniar muito. Dificuldade em dizer se está
acabada. Mas precisa colocar ponto em que dali possa abrir novas perspectivas. (A)
408

E as sugestões:
Avaliar exigirá capacidade enorme para entender. Boa sorte aos avaliadores, um negócio
complicado. Mas precisa ser feito, botar no papel o que se sabe, o que se quer, como vai permitir
avanço do pensamento. Capítulo fundamental: perspectivas, como usar as idéias para avançar? Será
que através da interdisciplinaridade vamos melhorar a visão do ambiente? (A)
Palpite de conclusões: muito poucas pesquisas, ainda incipientes e multidisciplinar. Há desejo, mas
não sabem direito o que é. Algo em construção. (B)
Cada processo é singular, não tem regras, receita. Vai depender das circunstâncias institucionais, das
pessoas, da subjetividade. A participação, o grau de integração, idiossincrasia das pessoas, maior ou
menor grau de compromisso, empenho, egoísmo, individualismo variam. Depende da pessoa
responsável em particular com capacidade de ouvir. É uma questão básica, não adianta ter bom
projeto, pessoas competentes, mas também circunstâncias que não se escolhe, não se controla: boa
vontade, abertura, pessoa exata. Todo processo de interação interdisciplinar é subjetivo e é isto é
decisivo. (C)
Acontece com freqüência, práticas criativas não conseguem discursar a respeito da própria prática e
usam de forma inadequada, jargões e conceitos. Não têm discurso que costure, problema de
linguagem, são opostas. Tem que encontrar um mediador, alguém que seja como a gente; existe um
ponto em comum que contribui enormemente para essa compreensão. Analisar as experiências e
construção do discurso, desde especificação de termos até mesmo a construção de uma linguagem que
costure. (D)
Os alunos desta instituição colocaram os seguintes elogios:
Fundamental, vai costurar a colcha. Tem que ter gente assim dentro da universidade, conversar
com todo mundo. E tem que convencer as pessoas a fazerem alguma coisa, inclusive para poder pegar
o resultado, para poder extrapolar para outras coisas, senão vai fazer coisa muito específica, impossível
extrapolar. O cara que costura é o ‘pedreiro’, que vai colocando um tijolo em cima do outro,
arrumando. Alguém que costure uma quantidade de informações enorme. (A)
Bastante interessante avaliar um tipo de situação, experiência nova. Importante que, já no início de
um processo, fazer avaliação prévia, inicial, inclusive para outras pessoas, a posterior, reavaliarem em
função de processo mais amplo. Uma tese vendo esse processo é importante. Avaliar é imprescindível,
principalmente para as agências que financiam, para rever o programa. (B)
É extremamente interessante este trabalho. Como elas se aproximam? Tratar da estrutura inter de
cada uma, entre elas, como elas se conversam, como se chegou a esta tentativa em vários centros,
como está pesquisando, em que se assemelham, potencialidades de conversas, há um padrão comum?
É de uma certa forma o check up do estado da arte. E propor uma síntese. (D)
Críticas:
A parte do diálogo é a mais difícil. Mas não pode ter só quem costure, tem que ter o ‘soldado’.
Colocar o tijolo no muro do tamanho exato que precisava para poder responder aquela questão do
problema maior. Quando se faz uma coisa interdisciplinar é um mar de confusões. Parece que não vai
chegar a lugar nenhum. (A)
Temos que trabalhar em conjunto, com a globalização, computadores em rede, todo mundo quer ficar
ligado, mas continuam no seu espaço, sala, computador. É importante que comecem a ver isso com
outros olhos, uma visão sintetizadora. Ou as pessoas vão e voltam e continuam pensando igual,
momentos de euforia e de depressão? De individualismo e de comunidade. Depende, a questão é
pressão. Se pressão funciona, alguma coisa escrita funciona melhor ainda. E o local onde foi feito, os
objetivos, alguma coisa realmente mudou? As próprias agências devem cobrar. Anos depois, qual é o
reflexo disso hoje? Existiu uma mudança de postura? Ou continuou igual, só foi uma avaliação local,
uma melhoria temporária. (B)
Há várias tentativas e tipos de análise em cada uma delas. São ainda tentativas. Chega a um
resultado, mas não é uma organicidade. (D)
Sugestões:
As pessoas devem ter visões totalmente distintas, umas totalmente deslumbradas, outras que
vão metralhar o processo, se pode criar novas perspectivas e até novos e bons direcionamentos onde já
elimina problemas prévios. Avaliar criticamente, com método científico é importantíssimo, uma coisa
409

que possa ser replicável. Como é que posso replicar sua percepção, o que você transforma em
informação quantificada, agora passa para as pessoas. A idéia funciona realmente? Quem está pagando
são nossos impostos? É interessante para a comunidade como um todo? A população vai viver melhor?
Se não, continua individual. É muito mais prático. Se tem problemas macros, precisa de muito para
resolver. (B)

Na UFPR, os professores indicaram como elogios:


Muito interessante e importante, fundamental fazer análise. Mostrar algo de alguém de fora, distante
do processo, mostrar realmente o que está acontecendo, o que ocorre, fazendo uma análise da várias
visões de interdisciplinaridade. Certamente vai contribuir significativamente para o aperfeiçoamento
deste processo, questionando se é avanço, se é recuo. Ou é uma invenção que não leva a nada. Até isto
seria importante no sentido de a gente repensar. Sua tese vai contribuir significativamente para os
cursos e até para as entidades, para a estrutura de modo geral, para as financiadoras, no sentido de dar
um retrato do que se passa. Sem dúvida, um trabalho apaixonante, a mim particularmente interessa
muito. (A)
É muito importante porque significa que você teve a capacidade de perceber, de observar que é uma
questão posta institucional e socialmente. Não é uma invenção, pode ter sido uma invenção como
qualquer inovação, num primeiro momento as pessoas são incrédulas em relação a novidades, mas
depois, reflexivamente, é devolvido para o pesquisador e para a sociedade, as diversas manifestações
de como um fenômeno dessa natureza se apresenta. Importante porque, ao mesmo tempo, torna social
aquilo que, talvez, ainda seja não definitivamente social, a maneira como você pode canalizar,
sistematizar, tornar público os resultados já é um signo, é um indicador muito importante de que isso já
é uma realidade. (C)
Críticas:
Fundamental ter um retorno disto também, que possa voltar para nós de forma mais sistematizada.
(A)
Não consigo muito ver grandes temas teóricos discutidos por vários pesquisadores. Eles têm um
valor heurístico que é o valor de produzir uma reflexão, mas se queremos mudar, não corrigir, mas se
quisermos intervir no processo de desenvolvimento, temos que partir dos atores sociais e com eles
trabalhar para construir o saber que vai nos fazer entender os estrangulamentos dessa relação da
sociedade com o seu meio ambiente. (D)
Sugestões:
Os cursos não podem ser disciplinares e ter um programa interdisciplinar de pesquisa. O curso tem
que ter uma formação teórica, epistemológica, metodológica que leve as pessoas a poderem praticar a
interdisciplinaridade, a convivência de disciplinas sem confusões, sem escorregamento e deslizes, mas
enriquecimento da sua própria disciplina, pela elaboração de uma problemática comum, de
instrumentos comuns de análise, elaboração comum e individual dos resultados. Resultar numa boa
formação teórica e de uma fundamental condição que é a prática de trabalho de campo. (D)
Dentre os alunos da UFPR apontaram-se os seguintes elogios:
É válido. Deve estar vendo coisas bem interessantes, contato com uma área nova. Acredito
claramente na interdisciplinaridade. (A)
Ë essencial. Se fizer um bom trabalho, vai ser um instrumento fundamental para pensar uma coisa
prática, para a CAPES fazer uma avaliação do que é curso interdisciplinar. Sua tese pode justamente
mostrar o que funciona, pouco melhor, pouco pior, aparentemente. O que se tem em comum. Os
indicadores apontam tal caminho. Como referencial para os existentes vai ser fundamental,
principalmente para novos cursos, sem dúvida. (C)
Críticas:
O pessoal que nos avaliou veio com uma visão restrita de Ciências Naturais e acharam o curso ruim.
Não conseguiram ver o outro lado. São coisas muito diferentes. Tem elementos em comum, mas deve
ter muitas formas. E uma parte desta variedade de formas é legítima, é real. De repente, tem um pouco
a ver com os problemas mais concretos que aquele grupo está enfrentando. Mas parte certamente é
errada, já que é algo que está nascendo, sendo estruturado, experiências indo pelo caminho errado. (C)
410

Sugestões:
Carecia de metodologias que me permitissem entender esse todo. Busquei esse curso porque
senti a necessidade de entender essas relações com rigor científico. (A)

Na UFRJ, os professores entrevistados colocaram estas questões:


Muito importante. No Brasil precisamos da questão do meio ambiente numa linha experimental. É
uma maneira de iniciar um trabalho fundamental. Vejo sua tese com muito prazer, te parabenizo. Foi
um prazer participar. Estou a sua inteira disposição. (A)
Muito bem vinda. O estudo externo no mínimo vai fazer com que essa reflexão global venha à tona.
É mais do que bem-vinda; não conheço outro nesse sentido. Tem que ser divulgada; é um trabalho que
tem uma aplicação prática, no sentido de fomentar a reflexão dos grupos. Seu trabalho vai ser muito
legal se chegar a recomendações práticas e não fazer só uma análise teórica, um estudo de caso; dizer:
quais são os caminhos? (B)
Quero ver o resultado. Poderia contribuir muito para apontar para CAPES, CNPq. Teria necessidade.
A CAPES certamente não tem as coisas ainda sedimentadas, é uma tentativa, experimental. Um
trabalho como o seu pode ajudar muito, mas tem que ter uma divulgação, tem que ter um peso
qualquer que justifique, não vai mandar para CAPES que registra e só. O valor de um trabalho como
este é justamente suscitar estas questões, que obviamente ainda não têm costurados. (D)
Críticas:
Mas a dinâmica social está sendo esquecida dentro da Psicologia. Quem é que trabalha
ecodesenvolvimento, endógeno, sustentável, as diversas teorizações? O que pode e como na
Psicologia, na Sociologia abordar a questão ambiental? Que colegas falam esta linguagem, lê estas
teorizações no mundo inteiro? Produzir para a moda; estou sempre fora da moda. (A)
A universidade tem que acordar, trabalhar mais com isso. Quando a coisa está muito no discurso é
muito difícil visualizar um problema, você sendo parte dele. (B)
Já dei várias entrevistas para este tipo de pesquisa, mas não consegui retorno. A CAPES tenta uma
área multidisciplinar, mas não estamos nela. Gostaria realmente este tipo de vôo. (D)
Sugestões:
O psicólogo social pode intermediar as outras áreas para fazer esta “sustentabilidade” ou esta
“ecologia social”. Que trabalha com grupos, com sociogramas dentro do meio ambiente. Questões que
as Ciências Sociais devem colocar e a Psicologia Social tem tudo para isso. A dinâmica sócio-cultural
é importantíssima, por isso é importante o psicólogo social para descristalizar uma atitude e cristalizar
uma nova, mais até que o biólogo e de outras áreas, Economia etc. A Psicologia tem que ser sempre
mais quando for trabalhar com comunidade. A Psicologia Social tem que se impor dentro da área do
meio ambiente como uma área necessária. (A)
Se você tiver a experiência do que acontece, mas também a prospecção do que pode acontecer, com
lições aprendidas, erros e acertos, talvez traga um elemento de recomendação. (B)
Como ela se configurou? Como conseguiu costurar? E a repercussão? Estas coisas se costuram, mas
por outras vias, somos uma grande corporação interdisciplinar e nos conhecemos. Poderia futuramente
fazer pesquisa sobre as inter representações. (D)
Nesta universidade, o corpo discente pesquisado abordou estes temas, apenas na forma de
elogios:
Pode trazer uma reflexão importante para uma área de estudos ainda em processo de formação,
identificando os problemas e as lacunas existentes. (A)
Fundamental, pois só assim poderemos avançar de verdade, a partir do conhecimento sobre o que se
pensa a respeito desse assunto. A pesquisa sobre representações, percepções ou coisa semelhante traz
dados riquíssimos para a elaboração de novas atividades, acadêmicas ou não, baseadas no
conhecimento “científico” e não somente na imaginação de quem propõe. (B)
Poderá revelar um panorama mais claro de como estamos avançando esse conhecimento a respeito da
Ciência Ambiental, até mesmo quanto sua nomeação. Um quadro da situação poderá facilitar a
compreensão dos desafios e problemas que a universidade tem pela frente, para entender a realidade
411

atual, provavelmente em cima de questões temáticas ou conceituais que exigem uma abordagem
integrada. (C)

Já o corpo docente da universidade paulista declarou os seguintes elogios:


Bastante interessante para ter uma idéia do que está acontecendo. Tem muita coisa boa
acontecendo, ao contrário do que houve aqui, mas não sei quantos programas. É muito bom que você
faça isso. (B)
Não sei o que o motivou, mas entendo a sua escolha. Entendo você escolher esse tema, mas por que
de repente com isso? Você circulou por várias áreas e começa a ficar meio preocupado. Você vai fazer
uma avaliação e isso vai ser interessante, porque ninguém escreve um relatório CAPES o tipo de coisa
que estou falando, até porque não tem espaço para fazer isso. É um retorno interessante para o próprio
programa e ficaria curiosa em saber o que acontece com outros programas. (D)
Críticas
Você vai ter que levantar programas, analisar... Nem sempre vai conseguir tirar de fato como a
realidade ocorre, porque às vezes é muito da interação. O programa pode estar perfeito, mas na hora de
praticá-lo fica difícil. Poderia olhar para o produto desses cursos, teses, por exemplo, dos temas, das
maneiras como os temas são trabalhados e ai você vê no produto final do curso, que é o aluno, como
que a fragmentação, ás vezes dos professores, acaba transmitindo a eles. É nessa saída do curso, nas
dissertações, que você deve achar a riqueza maior de informações. (C)
Sou meio racista, o biólogo tem uma percepção diferenciada. A gente é uma coisa diferente
com a vida em si. Daí para passar para a parte ética é um pulo. (D)

Dentre os alunos, obtivemos como elogios e sugestões:


Fundamental, durante as perguntas algumas assinalei como fundamentais. Que tanto o pessoal
na área de meio ambiente, quanto quem quer fazer um programa interdisciplinar se pergunta ou
deveria estar se perguntando. É uma pesquisa quase epistemológica, no sentido de que ela ajuda o
fazer ciência. As pesquisas que se poderiam dizer puras, teóricas são muito poucas. Por um lado, seria
apenas um sinal, mas por outro é que precisamos entrar mais, porque a gente tem uma série de
justificativas. Seria muito interessante fazer mestrado sobre pesquisa interdisciplinar e o meio
ambiente. Porque trás vantagens à pesquisa de um sociólogo que não percebe nuanças agronômicas ou
econômicas, por exemplo. Essa pesquisa ajuda nessa linha. Se precisa criar um arcabouço teórico, um
certo senso crítico, um back ground que vai permitir que pesquisas de um programa como esse sejam
melhores. Fundamental inclusive para pautar nossas diferentes metodologias. O pessoal que for fazer
disciplina de metodologia tendo em mão teses como essas, vão se sentir mais confortáveis de dar o
próximo passo no programa. (C)
Ela pode trazer o como que cada um desses cursos está buscando as suas soluções,
individualmente. Precisa ter cada vez mais pesquisas do tipo “como se fazer pesquisa interdisciplinar?”
Como se avaliar cursos interdisciplinares? (C)

E. Tabela com as características gerais de cada curso pesquisado.

DADOS UFMG UFPR UFRJ USP


Título e Ecologia, Conservação Meio Ambiente e Psicossociologia de Ciência Ambiental
Sigla e Manejo da Vida Desenvolvimento - Comunidade e -
Silvestre - ECMVS MAD Ecologia Social - PROCAM
EICOS
Nível M/D D M/D M/D
Credencia Início em 1989, 1993 Início em 1989. Recomendado em
mento Doutorado em 1997 Reconhecido em 1994, credenciado
1993 (M) e 1999 (D). em
1998
412

Conceito 5 3 4 4
Instituto, Instituto de Ciências Pró-Reitoria de Departamento de Coordenado pela
Departa- Biológicas Pesquisa e Pós- Psicologia Social Comissão de Pós-
mento ou (departamentos de Graduação Graduação
Centro Biologia Geral,
Botânica e Zoologia)
Área de Ecologia, Conservação Meio Ambiente e Psicossociologia de Ciências Humanas,
Concen- e Manejo da Vida Desenvolvimento Comunidade e da Vida, da Terra,
tração Silvestre Ecologia Social Exatas e Aplicadas.
Linhas de Agroecologia, Meio Ambiente e Eixos: Conservação da
pesquisa Avaliação de impactos Desenvolvimento Desenvolvimento Natureza; Biologia
em ecossistemas Rural; Meio Ambiente Cultural, da Conservação;
aquáticos, e Desenvolvimento Comunidades e Manejo de Fauna e
Biodiversidade e Urbano e Teoria e Ecologia Social; Áreas Silvestres;
conservação de Metodologia do Meio Estudos de Gênero, Proteção da
ecossistemas, Biologia Ambiente e Meio Ambiente e Biodiversidade;
da conservação e Desenvolvimento Desenvolvimento; Avaliação de
manejo da fauna, etc. Epistemologia e Ética Impactos
em Estudos de Ambientais;
Comunidades e de Biodiversidade e
Desenvolvimento renovação das
terras; Agricultura
Biodinâmica e
Orgânica; etc
MD/ID/TD (PADCT) ID MD ID
Cátedra N S S N
UNESCO
Corpo Permanentes: 18 40 alunos, 12 11 professores 37 professores
docente Participantes: 2 professores doutores permanentes, 1 credenciados
Orientadores externos: visitante e 4
4 colaboradores
Produção 41 dissertações desde 7 teses defendidas 4 dissertações 38 dissertações de
Científica 91 1994 a 1998
Estrutura Interdepartamental Administração superior, Departamental Curso
acadêmica comissões de docentes interunidades,
de 18 diferentes institutos,
departamentos e de faculdades, escolas.
instituições francesas,
além do NIMAD.

F. Lista de linhas de pesquisa, disciplinas optativas, dissertações e bibliografia


recomendada para seleção do curso ECMVS-UFMG.
. Agroecologia . Ecologia de aves
. Avaliação de impac. em ecossist. aquát. . Ecologia de comunidades
. Biodiversidade e conserv. de ecossist. . Ecologia de moluscos de água doce
. Biologia da cons. e manejo da fauna . Ecologia de parasitos
. Biologia reprod. de peixes de água doce . Ecologia e conservação de mamíferos,
. Comport. e sistem. de abelhas e vespas especialmente primatas
. Ecofisiologia de plânctons . Ecologia e dinâmica populacional de
. Ecofisiologia vegetal pequenos mamíferos
413

. Ecologia e sistemática de anfíbios . Produção primária em ecossistemas


anuros aquáticos
. Ecologia evolutiva de insetos herbívoros . Recuperação de áreas degradadas
tropicais . Unidades de conservação
. Ecologia quantitativa
. Estrutura genética de populações de
leguminosas
. Fragmentação de habitats
. Interações microorganismo-planta
. Mecanismos de defesa de plantas
. Morfoanatomia e adaptações de plantas

Disciplinas optativas
A Fauna e a Flora na Legislação Brasileira Florística e Fitosociologia
Administração de Parques Genética de Populações
Agroecologia Geomorf. Aplic a Áreas de Preservação
Análise de Dados em Ecologia Interações Microorganismos/Planta
Bases Morfofunc. da Reprod. de Vertebr. Interações Inseto-Planta
Biologia Floral Limnologia Geral
Climatologia da Camada Limite Manejo e Conservação de Fauna
Comportamento de Insetos Manejo e Conserv. de Peixes de Água Doce
Comportamento e Manejo de Fauna Manejo e Conservação de Recursos Hídricos
Ecofisiologia de Algas de Água Doce Mét. e Téc. Cart. Aplic. a Áreas Preservação
Ecologia de Processos Métodos em Limnologia
Ecologia de Vetores de Doenças Tropicais Morfologia Comparada de Cordados
Ecologia do Cerrado População e Meio Ambiente
Ecologia e Manejo de Vida Silvestre II Princípios de Bioestatística
Ecologia Quantitativa Recuperação de Áreas Degradadas
Estratégias Adaptativas em Vegetais Reprodução de Peixes Neotropicais
Uso e Conservação dos Solos Tópicos em ECMVS

67
414

Dissertações

Ecologia Aquática
- Ciclo reprodutivo e fator de condição de Triportheus guentheri, (Osteichthyes,
Characidae) na represa de Três Marias e descrição de novo método de determinação do
tamanho de primeira maturação sexual.
- Dinâmica populacional de Melanoides tuberculata (Prosobranchia: Thiaridae) no
reservatório da Pampulha, Belo Horizonte, MG, Brasil.
- Análise de características reprodutivas de peixes brasileiros de água doce, com ênfase no
local de desova.
- Estrutura de comunidade e aspectos da alimentação e reprodução dos peixes em dois lagos
do médio rio Doce, MG.
- Taxas de crescimento de Salvinia molesta Mitchell e sua entomofauna associada em um
lago de planalto de Lagoa Santa, MG.
- Avaliação dos impactos do plantio de Eucalyptus spp., sobre dois lagos naturais do
sistema do Médio Rio Doce-MG: Propostas de mitigação e manejo.
- Alterações na comunidade fitoplanctônica de dois lagos naturais do médio rio Doce,
induzidas pela monocultura de Eucalyptus spp.
- Influência da manipulação artificial da época de enchimento na produtividade
ictiofaunística em um reservatório de médio porte - UHE-Cajuru, rio Pará (MG): uma
proposta de manejo.
- Produção e consumo de carbono orgânico na comunidade planctônica da represa da
Pampulha - Belo Horizonte - MG.
- Estrutura da comunidade de peixes e de seus habitats na região litorânea de dois lagos no
médio rio Doce, MG.
- Interação tróficas na comunidade planctônica da Lagoa Olhos D'Água, Lagoa Santa-MG.
- Determinação da produção de Eichhornia crassipes (Mart.) Solms. na represa da
Pampulha BH/MG, através dos métodos tradicional e demográfico.
Ecologia e Comportamento de Insetos
- A importância Waltheria indica L. (Sterculiaceae) para as comunidades de abelhas e
vespas (HYMENOPTERA-ACULEATA).
- Ecologia de populações de uma abelha solitária especialista Diadasina distincta
(Holmberg, 1903): variação na razão sexual e no uso de pólen.
Interação Inseto/Planta
- Interação do térmita arborícola Microcerotermes sp, (Isoptera, termitidae) com a
vegetação de cerrado, em Sete Lagoas, MG.
- Distribuição de insetos herbívoros em cerrados e campos rupestres na serra do Cipó: O
papel de compostos fenólicos em plantas esclerófilas.
- Diversidade de insetos galhadores: teste de hipótese na região tropical.
- Diversidade e distribuição de formigas (Hymenoptera:Formicidae) ao longo de um
gradiente de altitude.
- Padrões de ataque de Neopelma baccharidis ( Homoptera: Psyllidae) em Baccharis
dracunculifolia (Asteraceae): um teste da Hipótese do Vigor.
Ecologia de Vertebrados e Manejo de Fauna
- Estrutura de comunidades de pequenos mamíferos em áreas secundárias de M. Atlântica.
- Padrões de forrageamento do tamanduá-Bandeira (Myrmecophaga tridactyla) no Parque
Nacional da Serra da Canastra: dieta, comportamento alimentar e efeito de queimadas.
415

- Contribuição à conservação da Estação Biológica Vereda Grande, Presidente Olegário,


Minas Gerais, através de estudo de caso: Anfíbios Anuros.
- Abundância e padrão de distribuição de Cervo-do-pantanal Blastocerus dichotomus
(Iligier, 1815), no Pantanal mato-grossense.
- Ecologia do rato do bambu, Kannabateomys amblyonyx (Wagner, 1845), na Reserva
Biológica de Poço das Antas, Rio de Janeiro.
- A caça no Pantanal da Nhecolândia - (Corumbá - MS - Brasil).
- Avaliação das populações selvagens de mico-leão-dourado, Leontopithecus rosalia, e
proposta de estratégia para sua conservação.
- Sucessão vegetacional e estruturação de comunidades de pequenos mamíferos em áreas de
capim, afetadas pelo fogo, na reserva biológica de Poço das Antas, RJ.
- Distribuição geográfica, população e estado de conservação do mico-leão-da-cara-
dourada, Leontopithecus chrysomelas (Callitrichidae, Primates).
- Comunidade de aves, uso da terra e a Zona de Vida Silvestre da Área de Proteção
Ambiental (APA) São José, MG.
- Comunidades de Chiroptera em três áreas de Mata Atlântica em diferentes estádios de
sucessão - Estação Biológica de Caratinga, Minas Gerais.
- O papel da mata ciliar na estruturação de uma comunidade de aves do cerrado (Brasília)
- Ecologia e comportamento alimentar de um grupo de saguis-da-serra-escuros (Callithrix
aurita E. Geoffroy 1812) Parque Estadual da Serra do Mar, núcleo cunha, São Paulo, BR.
- Padrão de fragmentação da Mata Atlântica em três municípios da bacia do rio Doce
(Minas Gerais) e suas conseqüências para a avifauna.
- Censo de Alouatta fusca Geoffroy, 1812 (Platyrrhini, Atelidae) e qualidade do habitat em
dois remanescentes de Mata Atlântica em Minas Gerais.
- Análise tridimensional de uma comunidade de pequenos mamíferos.
- Ecologia e comportamento de um grupo de Sagui-da-Cara-Branca (Callitrhrix geoffroyi)
em um Fragmento de Mata Atlântica no Espírito Santo.
Manejo e Conservação de Recursos Vegetais
- Biologia e estratégia para conservação de Constantia cipoensis Porto e Brade (Orchidac).
- Estrutura das comunidades vegetais de afloramentos rochosos dos campos rupestres do
Parque Nacional da Serra do Cipó, MG. 1994
- Análise da composição florística e estrutura da vegetação como subsídio ao plano de
manejo do Parque Municipal da Serra do Itapety, Mogi das Cruzes, SP.
- Fenologia de leguminosas arbóreas da Estação Biológica de Caratinga, Caratinga - MG.
- As estratégias adaptativas de sete espécies de Pteridófitas ocorrentes nos campos rupestres
da Serra da Piedade, Caeté, MG.

Bibliografia recomendada na seleção


BEGON, M., J. L. HARPER e C. R. TOWNSEND. 1996. Ecology: individuals,
populations and communities. Blackwell, Oxford.
ESTEVES, F. A. 1998. Fundamentos de Limnologia. Interciência, Rio de Janeiro, 602 pp
PRIMACK, R. B. & RODRIGUES, E. 2001. Biologia da Conservação. Ed. E. Rodrigues,
Londrina, 328 pp.
KREBS, J.R. & DAVIES, N. B. 1996. An Introduction to Behavioural Ecology. Ed.
Blackwell Science, Oxford, 420 pp.
416

G. Módulos curriculares, disciplinas, temáticas entre linhas de pesquisa e teses


defendidas do curso MAD.

Módulos e disciplinas

o Módulo de complementação teórica: 1) Sociedade, meio ambiente e desenvolvimento:


desafios e embates contemporâneos, 2) Fundamentos e teorias das ciências da natureza,
3) Fundamentos e teorias das ciências humanas e sociais na relação sociedade-natureza.
o Módulo de fundamentos da interdisciplinaridade: 1) Ética e natureza, 2)
Desenvolvimento e sustentabilidade sócio-ambiental, 3) Interdisciplinaridade e meio
ambiente.
o Módulo integrador teoria e prática interdisciplinar: 1) A construção da pesquisa
interdisciplinar, 2) Oficinas de pesquisa I, II e III.
o Módulo de aprofundamento temático e instrumental: 1) Industrialização e meio
ambiente, 2) Zoneamento ambiental e ordenamento territorial, 3) Sensoriamento remoto
e sistemas de informação geográficos, 4) Estudos Dirigidos em Estatística I e II, 5)
Análise multivariada aplicada à pesquisa, 6) Agroecologia, agricultura e gestão de
recursos naturais, 7) Poluição e recuperação de áreas degradadas, 8) Direito ambiental,
9) Saúde e epidemiologia, 10) Educação ambiental, 11) Antropização dos meios
naturais, 12) Avaliação e análise de impactos ambientais.
o Seminários Avançados: 1) Cultura e meio ambiente, 2) Conhecimento e natureza, 3)
Tópicos Especiais I, 4) Enfoque interdisciplinar dos problemas da saúde, 5) Sistemas
agrários e conservação dos recursos naturais, 6) História da ecologia, uma ciência do
homem e da natureza, 7) Idéia de natureza na filosofia moderna contemporânea, 8)
Energia e desenvolvimento.

Temáticas

a) ruralidades e a relação campo-cidade;


b) gestão territorial, ordenamento e uso do solo;
c) antropização dos meios naturais;
d) avaliação e análise de impactos ambientais;
e) metropolização, recursos naturais e qualidade de vida;
f) políticas públicas e políticas sócio-ambientais;
417

g) condições de vida e saúde;


h) educação ambiental;
i) problematizações teóricas sobre desenvolvimento sustentável;
j) ética e representação na relação sociedade-natureza.

Dissertações

- Nas Redes da Conservação: Políticas Públicas e Construção Social das Microbacias


Hidrográficas.
- Sistemas técnicos de pesca e suas dinâmicas de transformação do litoral do PR-Brasil.
- Condições de vida e saúde infantil: heterogeneidades urbanas e desigualdades sociais em
Paranaguá, Brasil.
- A dimensão ambiental da educação escolar de 1a.- 4a. séries do ensino fundamental na
rede escolar pública da cidade de Paranaguá.
- Organizações de bairro: história e práticas comunitárias que possam levar à
sustentabilidade do meio na cidade de Paranaguá e Ilha os Valadares - Paraná - Brasil.
- Praias: ambientes social e dimensionalmente gerados em Pontal do Sul (Paraná).
- Praias: as desigualdades socioambientais e a utilização dos serviços de saúde.
- Praias: as inter-relações da energia elétrica com aspectos de conforto e modernidade em
pequenas comunidades: um estudo de caso na Ilha do Mel - PR.
- Dinâmica espacial da ocupação antrópica na restinga do perímetro urbano de Paranaguá -
PR.
- A percepção do lixo na perspectiva de diferentes atores sociais no ambiente urbano de
Paranaguá.
- Manguezais de Paranaguá - Uma análise da dinâmica espacial da ocupação antrópica -
1952-1996.
- Uso e manejo do lodo de esgoto na agricultura e sua influência em características
ambientais no agroecossistema.
- Um olhar sobre Paranaguá: os impactos sócio-ambientais das modificações portuárias.
- A sustentabilidade dos sistemas agrários no litoral do Paraná: o caso de Morretes.

H. Disciplinas, dissertações e exemplos de produção intelectual do programa


EICOS – UFRJ

Internet e os Novos Elos Comunitários Análise do Discurso


Intervenção Psicossociológica Análise Institucional
Introdução à Questão de Gênero Ass. e Animação Cultural de
Comunidades
Metodologia e Técnicas de Pesquisa em Comunidade e Meio Ambiente: Aspectos
Comunidades e Meio Ambiente I Psicossociológicos
Metodologia e Técnicas e Pesquisa em Cultura Brasileira
Comunidades e Meio Ambiente II
Movimentos Sociais e Identidade Social Educação e Política
418

Pesquisa para Dissertação de Mestrado Estratégias de Eco-Desenvolvimento


Prática de Ensino e Pesquisa Estudo de Casos I
Psicossociologia do Espaço Rural e Estudo de Casos II
Urbano
Questões de Eco Desenvolvimento e Estudo de Casos III
Desenvolvimento Cultural
Sociologia do Lazer e do Espaço Livre Estudos Avançados em Psicologia e
Ecologia Social
Treinamento em Técnica de Pesquisa e Estudos de Caso IV
Const.de Instrum. para Análise de Dados
II
Treinamento e Técnica de Pesquisa e Estudos de Caso V
Const. de Instrum. para Análise Dados I
Tópicos Especiais Eco- Feminismo Grupos de Implicação
Tópicos Especiais em Metodologia e Habitat, Família e Sociedade
Técnicas de Pesquisa I
Tópicos Especiais em Eco- Implicação na Pesquisa
Desenvolvimento
Tópicos Especiais em Ecologia Social Implicação na Pesquisa II
Tópicos Especiais em Psicologia do Meio Tópicos Especiais em Representações
Ambiente Sociais do Corpo na Sociedade Brasileira

Dissertações

- A Atividade Criativa como Introdutora da Criança na Experiência Cultural.


- A Cortina de Fumaça: O Discurso Empresarial Verde e a Ideologia da Poluição.
- Gravidez: Lendo nas Entrelinhas do Desejo.
- Iniciativas Culturais e Perspectivas de Desenvolvimento Cultural na Cidade do Rio de
Janeiro.
- Mulher, Maternidade e Trabalho: O Conflito Prático Ideológico.
- Trabalho, Gênero e Saúde Mental. Modos de Inserção da Mulher no Trabalho Bancário.
- Definida pela Negação, Construídas na Afirmação: A Perspectiva de Mulheres não Mães
sobre a Maternidade e seu Projeto de Vida.
- Educação Ambiental e Desenvolvimento Comunitário: Desafios e Perspectivas.
- Feminismo Negro em Construção: a Organização do Movimento de Mulheres Negras do
Rio de Janeiro.
- Nascidos e Criados: Um Estudo sobre as Ruas, Moradores e o Bairro de Botafogo.
- Profissionais do Lixo: Um Estudo sobre as Representações Sociais de Engenheiros, Garis
e Catadores.
- Saúde e Doença: Uma Abordagem Psicossocial.
- Trabalho Rural e Produção Familiar em Centenário: Trajetórias e Perspectiva.
- Turismo e Desenvolvimento Social na Vila do Abraão. Um Estudo sobre a Modificação
na Estrutura de Consumo.
- A Construção de um Significado para o Câncer de Mama: Compreendendo o Adoecer
Através de Modelo Interdisciplinar.
419

- Identidade do Psicólogo na Defesa de Direitos Infanto-Juvenis: Do Intimismo à


Cidadania.
- Interdisciplinaridade e Psicoterapia: A Construção de Novos Valores e Perspectivas para o
Século XXI.
- Madres de Plaza de Mayo: Da Maternidade Doméstica à Maternidade Política. Um Estudo
sobre um Movimento de Direitos Humanos na Argentina.
- A Sociedade das Drogas ou a Droga da Sociedade: Uma Análise Psicossocial do Mundo
Contemporâneo.
- Uma Análise da Idéia de Família no Discurso de um Grupo de Adolescentes que Vivem
nas Ruas.
- Desenvolvimento Local e Valorização Cultural: Uma Reflexão Necessária.
- Desenvolvimento Sustentável: O Social como Estratégia e Desafio na
Contemporaneidade.
- Mulheres na Rua: Prostituição Feminina e o Lugar da Mulher.
- Nosso Presente Incomum: Transformações e Reações Seladas nas Normas Ambientais Iso
14000.
- O Meio Ambiente na Educação Ambiental: Considerações sobre o Conceito de Meio
Ambiente e seus Significados para a Educação Ambiental.

Produção intelectual

- Maciel, Tânia F. Barros. Contribuições da ecologia humana para a psicologia social


moderna: perspectivas para uma ecologia social. Rio de Janeiro: Imago/CNPq. Arquivos
Brasileiros de Psicologia, v.50, n.4, p.22-33, 1998.
- Maciel, Tânia F. Barros. Concepções e representações sociais da Ecologia e do meio
ambiente em diferentes áreas da comunidade cientifica da UFRJ. Em: Vasconcelos, N. A.
de (org). Comunidade, meio ambiente e qualidade de vida. Rio de Janeiro: ANPEPP, p.83-
92, 1996.
- Irving, Marta Azevedo. Premissa de um novo paradigma. Em: Coriolano, C. V. (org.)
Turismo com Ética. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 1998.
- ------------- Participação e envolvimento comunitário: garantia ética de sustentabilidade
em projetos de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Imago/CNPq. Arquivos Brasileiros de
Psicologia, v.50, n.4, p.68-78, 1998.
- D’Ávila Neto, M. Inácia. (org) Social development: challenges and strategies. UNESCO
Chair on Sustainable Development Publisher/UFRJ/FINEP, 1995.
- Campos, Marcio D’Olne. Sociedade e natureza: da etnociência à etnografia de saberes e
técnicas. Em: Discussão teórico-metodológica, Relatório de final de projeto “Homem, saber
e natureza”. Campinas: UNICAMP, 1995.
- Pereira, Celso Sánchez. Práticas Alteritárias de Educação Comunitária: quando a
Academia vai a escola. Em: Da Mata, S.F. (org.) Educação Ambiental: compromisso com a
sociedade. BH: Ed. MZ, 1999.
420

I. Linhas de pesquisa, bibliografia indicada para as disciplinas básicas e algumas das


dissertações defendidas no curso PROCAM – USP.

Antropologia do campesinato Geografia Agrária e Médica


Aqüicultura Geoprocessamento
Avaliação de Impactos Ambientais Gestão Ambiental de Recursos não
Renováveis
Biologia da Conservação Gestão de Tecnologia de Pequenas
Empresas
Ciências Sociais e Ambiente Hidrodinâmica Costeira
Comportamento Animal Hidrologia Ambiental
Comportamento Geoquímico de Metais Indicadores Ambientais
Pesados
Desenvolvimento Sustentável em Áreas Indicadores de Capacitação Tecnológica
Costeiras
Ecofisiologia Inventário e Manejo Florestal
Ecologia Humana e Social Limnologia
Ecologia de manguezais Manejo de Fauna de Áreas Silvestres
Ecossistemas marinhos Meio Ambiente Urbano
Ecoturismo Meio ambiente, educação e cidadania
Educação e Saúde Ambiental Neuroimunomodulação
Ênfase em Solos e Meios Lagunais Paisagismo
Estudo Integrado de Ecossistemas 1. Planejamento Ambiental
Farmacologia e Toxicologia Políticas públicas, Meio ambiente e riscos
Comportamental
Fitoecologia Questão agrária
Genética da População de Abelhas Química e Física da Ciência Ambiental
Indígenas
Genética e Melhoramento de Plantas Sistemas Agroflorestais e Agricultura
Sustentável
Urbanismo Teoria e Prática da Pesquisa Científica
Interdisciplinar

Bibliografia indicada para as disciplinas básicas

Adán, J. (orgs.) Sociedad y medio ambiente. Ed. Trotta , Madrid.


Beck, U. ( 1994). Risk Society, Sage, Londres. cap 1: “On the logic of Wealth Distribution
and Risk Distribution”.
Beeby, A., 1993 - Applying Ecology. London, Schapman & Hall, 441 p.
Benjamin,A.H.V. (coord.) 1993. Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão.São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais (Biblioteca de Direito Ambiental, v.2),470 pp.
Bijker, W. E. & Law, J. (1992) - Shaping technology/building society :studies in
sociotechnical change - Cambridge University Press
421

Bisset, R. 1987. “Methods for environmental impact assessment: a selective survey with
case studies” in: A.K. Biswas (org.) Environmental impact assessment for developing
countries. Tycooly, London, p.3-64.
Brüsecke,F. (1996) . ‘Desestruturação e desenvolvimento”. In: Viola, E. e Ferreira, L.
Incertezas de Sustentabilidade na Globalização, Unicamp.
Cairns Jr., J. (ed) 1995 - Rehabilitating damaged ecosystems. Boca Raton. Lewis,425 p.
Cortese, A., Strauss, H. & Gute, D. 1992. Assessing and managing environmental risk.
Tufts University/Center for Environmental Management (Enviromental Seminar, São
Paulo, 16-20 de março, Workshop).
Daly, H.et alii (edit.) (1997). Medio ambiente y desarrollo sostenible. Ed.Trotta, Madrid.
Dobson, A. (1995) .Green Political Thought, Routledge, Londres.
Durkheim, É. (1898/1987) As regras do método sociológico. Companhia Editora Nacional -
São Paulo
Finger, M.(1994) .”NGOs and transformation: beyond social movement theory”. In: Finger,
M. Environmental NGOs in World Politics, Routledge.
Goldemberg, J., Johansson, T.B., Reddy, A.K.N & Williams, R.H., Goodland, R. 1994.
Environmental sustainability and the power sector. Part I: The concept of sustainability.
Impact assessment, 12(3): 2275-304.
Hailman, J. P. & Strier, K.B. (1997) - Planning, Proposing, and Presenting Science
Effectively - Cambridge University Press.
Hempel, L. (1996) – Environmental Governance. Island Press, Washington.
Hollick, M. 1986 “Environmental impact assessment: an international evaluation.”
Environmental Management, 10 (2): 157-178.
Jacobs, M. (1991) – The Green Economy . Pluto Press, Boulder. caps.5-7
Keil, R. (1995). “The environmental problematic in world cities”. In: Knox & Taylor
(orgs.) World Cities in a World System, Cambridge Univ. Press.
Kuhn, T. S. (1962/1987) - A estrutura das revoluções científicas - Perspectiva - São Paulo
Latour, B. (1995) - Le métier de chercheur - Regard d’un anthropologue - Institut National
de la Recherche Agronomique - Paris
Leff, E. (1994) – “Sociologia y ambiente: Formación socioeconómica, racionalidad
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formación ambiental , Gedisa, Barcelona.
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Martell, L. (1994) – Ecology and society, Polity Press,UK.
Milaré, E. 1991. Legislação ambiental do Brasil. São Paulo, Associação Paulista do
Ministério Público. 640 pp.(Série Cadernos Informativos).
Miller, G.T., 1990 - Living in the Environment. Belmont, CA, Wadsworth.700 p.
Mitlin & Satterthwaite (1996)- “Sustainable Development and Cities”In: Pugh, C. (ed.)
Sustainability, the Environment and Urbanization, Earthscan, Londres
Munro, D.A.; Bryant, T.J. & Matte-Baker, A. 1986. Learning from experience: a state of
the review and evaluation of environmental impact assessment audits. Canadian
Environmental Assessment Review Council, Hull, 48 pp.
Odum, E.P., 1989 - Ecology and our endangered life support systems. Sunderland Sinauer.
Ortolano, L. 1984 “Methods and process for evaluating environmental impacts.” in:
Ortolano, L. Environmental planning and decision-making. Wiley. p. 181-211.
Primack, R.B., 1993, Essentials of Conservation Biology. Sinauer, Sunderland, 564 p.
422

Raven, P.H. Berg., L.R. & Johnsn, G.B., 1993 - Environment. Fort Worth, Saunders
College, 569 p.
Redclift, M. & Woodgate, G. (1994) - “Sociology and the Environment - Discordant
Discourse?” in Redclift, M. & Benton, T. - Social Theory and the Global Environment -
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Rosemberg, D.M. et alii. 1981. “Recent trends in environmental impact assessment”
Can.J.Fish.Aquat. Sci., 38: 591-624.
Sadler, B. & Armoura, A. 1987. Common ground: on the relationship of environmental
assessment and negotiation. in: The place of negotiation in environmental assessment.
Canadian Environmental Assessment Research Council, p. 1-6.
Sousa Santos, B. (1995). Pela Mão de Alice. Cortez, São Paulo. Cap.9:“ Subjetividade,
Cidadania e Emancipação”.
Taylor, B. (1995). Ecological Resistance Movements, SUNY Press.
Tommasi, L.R.T. 1993. Estudo de impacto ambiental. São Paulo, CETESB, Terragraph
Artes e Informática. 354 p.
World Resources Institute, 1998 - World Resources 1998-1999. Washington, WRI.

Algumas dissertações defendidas

− A Decisão de Preservar: O Caso da Mata Ripária no Médio Rio Jaguari-Mirim, SP.


− A Questão Ambiental e a Saúde sob a Ótica da Sócio-diversidade - Estudo do Caso de
São Sebastião, São Paulo.
− A Reconstituição da Dinâmica Sedimentar Costeira da Estação Ecológica de Juréia-
Itatins (SP) e sua Correlação com a Atividade Humana Local.
− Que se Entende por Agricultura Sustentável?
− Infra-estruturas de Apoio a Grandes Empreendimentos e as Alterações no M. Ambiente.
− Discurso Ambiental na Comunicação de Massa: Um Estudo da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
− Formação Ambiental de Agentes Locais.
− Alterações nos Processos do Meio Físico por Mineração. Estudo de Casos de
Instrumentos de Gerenciamento Ambiental.
− Análise Ambiental das Ilhas de Ubatuba (SP) e Proposta de Manejo para a Ilha do Mar
Virado.
− Reciclagem de Resíduos Sólidos de Origem Doméstica. Análise da Implantação e da
Evolução de Programas Institucionais de Coleta Seletiva em alguns Municípios Brasileiros.
− Uma Revisão dos EIA/RIMA sobre Manguezais.
− Unidades de Conservação: Intenções e Resultados.
− Frutanos como Recurso Natural do Cerrado.
− Valoração Econômica do Meio-Ambiente: Aplicação da Técnica Avaliação
Contingente no Caso da Bacia do Guarapiranga.
− Processos Decisórios e Conflitos de Interesse na Constituição das Políticas de Água na
Grande São Paulo. Um Estudo das Políticas sobre as Águas da Metrópole de São Paulo no
Período 1950-1983.
− Meio Ambiente, Organização e Poder: As Novas Faces do Embate Político Capital –
Trabalho.
423

− Avaliação da Qualidade Ambiental de Cubatão.


− Bivalves e a Segurança do Consumidor.
− Uso e Ocupação do Solo na Zona Costeira do Estado de São Paulo: Uma Análise
Ambiental.
− Caiçaras na Mata Atlântica: Pesquisa Científica x Planejamento e Gestão Ambiental.
− Estudo da Capacidade de Comunicação Ambiental de Exposição de Animais Vivos.
− Desafios de um Sistema Complexo à Gestão Ambiental.
− Estudo de Impacto Ambiental, uma Avaliação Crítica.
− Auditoria Ambiental: dos Primórdios à ISO 14000.
− A Coleta de Ostra Crassostrea brasiliana e Manejo Sustentado em Área de Manguezal
(Cananéia - SP).
− Limnologia no Estado de São Paulo: Estudo das Bases de Informação a partir da
montagem de um Banco de Dados.
− Avifauna como Possível Indicador dos Estágios de Regeneração da Mata Atlântica.
− A Dimensão Social dos Sistemas Produtivos nas Análises de Causas dos Acidentes
Químicos Maiores.
− A investigação da Natureza no Brasil - Colônia.
− Tecnologia e Trabalho no Mar: O Processo de Introdução de Novos Modelos
Tecnológicos e Gestão de Mão-de-Obra nos Navios Mercantes.
− Gestão Ambiental, Conflito e Produção Social do Espaço Sob o Signo da (Mono)
Indústria.
− Análise de Fluxo Energético: Aplicação ao Caso da Cadeia Produtiva de Celulose.
− Análise Ambiental da Região da Lagoa da Conceição, Ilha de Santa Catarina, com
Ênfase no Sistema Hídrico.
− Análise de Programas de Uso Público em Unidades de Conservação do Estado de São
Paulo. Revisão e Estudo de Caso para o Parque Estadual de Campos do Jordão.
− Valor Econômico da Água. Revisão Crítica da Abordagem Neoclássica.
− Reserva Extrativista do Bairro Mandira (Cananéia, SP): Viabilidade de Uma Incerteza.
− Desenvolvimento Sustentável: Intenção e Resultados. A Experiência do Banco Mundial
na Amazônia.
− A Fauna Ofídica do Litoral Centro-Norte do Estado de São Paulo como Bioindicadora
de Perturbação Ambiental em Face da Ocupação Humana.
− Gerenciamento de Resíduos Sólidos Industriais Perigosos. A problemática da Região
Metropolitana de São Paulo.
− Meio Ambiente e Saúde na Periferia da Metrópole. Capela do Socorro, São Paulo.

J. Áreas acadêmicas de origem, primeira e segunda trajetórias (sendo especializações


em geral, mestrado e/ou doutorado) e ‘resultante’ profissional (atuais atributos) dos
entrevistados (em ordem alfabética e por área).

Graduação Código Trajetória I Trajetória II Especificidades Tópicos e


GP
Biologia USP Taxonomia Gestão/Proteção Profa. Universitária. Tese Polit., GA,
AlunC (crustáceos) de manguezais sobre atuação do biólogo no PU - 3
poder judiciário.
UFMG Taxonomia e Animais vetores Orientadores OID, CSBD
424

AlunA Ecologia interdisciplinares, conservação -3


zoológica bio e sócio diversidade.
Biólogo como técnico x
político
UFMG Limnologia Impacto Pesquisa com taxonomia de IA, Consult.
AlunB ambiental peixes, consultor –3
USP Taxonomia Impacto Monitoramento biológico da IA – 2
ProfD ambiental ação antrópica em
reservatórios de água
UFPR Oceanografia Gestão/Proteção Taxonomia bêntica. Gestão GA – 1
ProfB biológica de manguezais ambiental.
UFRJ Psicologia Sociologia Conservação de bio e sócio- EA, CSBD,
AlunC diversidade, carreira ID,Consult.,
interdisciplinar. Pesquisou Part./Coop.-
discurso de empresários e 2
agora cooperativismo.
História UFMG Ecologia Limnologia Critica abrangência da HN; IA, Intern. –
Natural ProfA divisão interna entre bio e geo. 1
Não sabia onde atuar. Pesquisa
impacto ambiental. Inglaterra.
UFPR Sociologia Agronomia “Objeto híbrido”. Militante, ID, Intern.,
ProfD refugiada política. França: Part./Coop.,
ecologia, ciências sociais e do Milit. – 1
meio, ecodesenvolvimento.
Pesquisou cooperativa e
reforma agrária.
UFMG Ecologia Etologia Citogenética quantitativa em Reg., OID,
ProfB evolutiva (insetos) vetores (barbeiro): “biologia Intern. – 1
em bicho aplicado”.
Preferência por pesquisa de
campo. Alemanha, orientador
interdisciplinar. Criou grupo
de estudo, busca praticar a
teoria, limitada na academia.
Psicologia UFRJ Psicologia psicossociologia Pantanal, ONG. Diretora de ONG,
ProfD Clínica e Social de Instituto. França: tese sobre Intern., ID,
Comunidades e gênero e autoritarismo. Consult.,
Ecologia Social Consultora Unesco. Vê meio CSBD – 1
ambiente como parte da
cultura, estuda a dimensão
social do meio ambiente.
Contadora de histórias:
tradicionalmente “não sei o
que sou hoje”, não
especialista, busca unidade nas
C. Humanas.
UFRJ Educação Educação Não atua em área clínica. ONG, EA,
AlunA Infantil Ambiental Pantanal, ONG: formação de Coop./Part.,
lideranças comunitárias, Intern. – 2
participação, sensibilização e
conscientização. Estudo do
comportamento. Alemanha.
UFRJ Psicossociologia Ecologia Social Estudou animação, ONG,
ProfA do laser desenvolvimento sócio- Intern.,
cultural e terceira idade. Part./Coop.,
Estuda comunidade e meio Reg. – 1
425

ambiente. Pantanal, ONG.


Critica universidade
tradicional. França, cátedra da
Unesco. Busca desenvolver
pesquisa participante, teoria da
decisão, teoria-prática.
Sociologia UFPR Agronomia Extensão rural “Dupla formação”: sociologia ID, ONG,
ProfA rural. Pesquisa DS – 1
sociologicamente agricultura
familiar/alternativa e
sustentabilidade.
UFPR Desenvolvimento Conflitos sócio- Pesquisa teorias da ação social CSA,
ProfC ambientais e metodologia da pesquisa Métod. – 1
interdisciplinar.
USP Educação Cidadania e Educação Ambiental e EA, Polit.- 1
ProfA conflitos sócio- políticas públicas
ambientais
Arquitetura USP Urbanismo Expansão Processo de transformação das Polit., PA –
ProfC urbana metrópoles sobre áreas 2
irregulares, frágeis, de
preservação ou de risco.
Interface da cidade.
UFMG Urbanismo Demografia., Trabalhou em órgão estadual. Reg., FP,
ProfD Saúde e Dinâmica espacial do Saúde,
Economia capitalismo: Pará, Rondônia, Intern.,
Popular Mato Grosso. Saúde (malária). Polit. – 1
EUA. Políticas urbanas e redes
comunitárias.
Economia UFMG Demografia Impactos de Amazônia, Mato Grosso. Reg., PA,
AlunC indústrias e Agricultura, assentamento, PU – 2
Saúde mineração. Planejamento
ambiental. Professor
universitário.
UFMG História e Migração, Interdisciplinar naturalmente; ID, Reg.,
ProfC Demografia industrialização economia era limitada. Saúde,
e Saúde Amazônia: fronteira agrícola, Métod. – 1
malária. Não fica preso a
campo conceitual ou
metodológico”. Coordenador
de macro projeto
interdisciplinar.
Agronomia UFPR Extensão Rural Agroecologia Instituto agronômico do Coop./Part.,
AlunA Estado. Cooperativas. FP, Intern.,
Inglaterra. Consultor. Consult.- 2
USP Extensão Rural Educação Estuda educação ambiental Milit., EA,
AlunC Ambiental junto a assentamentos e Reg. – 2
comunidades rurais. Critica
conservadorismo e
departamentalização
universitária.
Geologia USP Geo- Impactos Primeiro coordenador geral do IA – 1
ProfB processamento ambientais curso. Comissão de seleção.
Programa profissionalizante,
mas também deve ter uma
aplicação prática.
UFRJ Psicologia Educação Ex-funcionária pública. ONG, FP, ONG,
426

AlunB Ambiental trabalho em grupo. Pesquisa EA – 2


sobre cientistas ambientais.
Professora universitária.
Oceanografia UFPR Geologia, Gerenciamento França: orientador, OID, PU,
AlunC Biologia costeiro antropólogo. Japão. Professor Intern. – 1
pesqueira universitário.
UFRJ Ecologia e Turismo Leciona desenvolvimento ID, DS,
ProfB Psicologia Sustentável sustentável nas Ciências Consult. – 2
Sociais. Critica feudos e falta
de professores das Ciências
Naturais. ID extra-acadêmica.
Engenharia USP Eng. Sanitária Políticas públ. Trabalha na Prefeitura. Critica FP, Polit.- 2
Civil AlunA resíduos sólidos falta de humanas na
engenharia.
Física UFRJ Antropologia Aqueu etano França: tese com propriedades Intern.,
ProfC astronomia. elétricas de condutores. Epist./Filos.,
Ecologia social. Estudou epistemologia e Reg. – 3
filosofia das ciências. Critica
falta da área social (britânico e
neopositivista) e a
disciplinarização. Sugere visão
ecossistêmica.. Trabalhou com
caiçaras, percepção ambiental
e tribos no Pará. Leciona
itinerários intelectuais e
etnografia do poder/saber.
Projeto de praças
observatórios.
Medicina UFPR Saúde pública Epidemiologia Secretaria do Estado. FP, PU, DS,
Sanitária AlunB Professora universitária. Saúde – 2
Estuda desenvolvimento
sustentável local. Ataca causa
e não efeitos.

K. Relação de entrevistados por sub-áreas e três grandes áreas.


Exatas E Humanas/Sociais E Biológicas E
Arquitetura 2 Sociologia 3 Biologia 6
Oceanografia 2 Psicologia 3 História Natural 3
Engenharia Agronômica 2 Economia 2
Geologia 2 Medicina Veterinária 1
Engenharia Civil 1
Física 1
TOTAL 10 9 9

L. Relação dos entrevistados por áreas dentre sete grandes áreas.

Gran Ciências Ciências Ciências Ciências Ciências Ciências Engenh


des Biológicas Humanas Exatas e Sociais Agrárias da Saúde arias
Áreas da Terra Aplicadas
Áreas Biologia 6 Sociologia Oceanografi Economia 2 Agronomia 2 Medicina Civil 1
História 3 a2 Arquitetura sanitária 1
Natural 3 Psicologia 3 Geologia 2 2
TOTAL 9 6 5 4 2 1 1
427

M. Áreas do Conhecimento. Nove grandes áreas divididas em 102 áreas (CNPq).

Engenharias Ciências Exatas e da Ciências Ciências


Engenharia Civil Terra Biológicas Humanas
Engenharia de Minas Matemática Genética Filosofia
Engenharia de Materiais e Análise Botânica Sociologia
Metalúrgica Geometria e Topologia Zoologia Antropologia
Engenharia Elétrica Matemática Aplicada Ecologia Arqueologia
Engenharia Mecânica Probabilidade e Estatística Morfologia História
Engenharia Química Ciência da Computação Fisiologia Geografia
Engenharia Sanitária Astronomia Bioquímica Psicologia
Engenharia de Produção Física Biofísica Educação
Engenharia Nuclear Química Farmacologia Ciência
Engenharia de Transportes GeoCiências Imunologia Política
Engenharia Naval e Oceânica Oceanografia Microbiologia Teologia
Engenharia Aeroespacial Parasitologia
Engenharia Biomédica
Ciências Agrárias
Ciências Sociais Aplicadas
Agronomia
Ciências da Saúde Direito
Recursos Florestais e
Medicina Administração
Engenharia Florestal
Odontologia Economia
Engenharia Agrícola
Farmácia Arquitetura e Urbanismo
Zootecnia
Enfermagem Planejamento Urbano e Regional
Ecologia dos Animais
Nutrição Demografia
Domésticos e Etologia
Saúde Coletiva Ciência da Informação
Medicina Veterinária
Fonoaudiologia Museologia
Recursos Pesqueiros e
Fisioterapia e Terapia Comunicação
Engenharia de Pesca
Ocupacional Serviço Social
Ciência e Tecnologia de
Educação Física Economia Doméstica
Alimentos Desenho Industrial

Outros Lingüística,
Administração Hospitalar Desenho Administração Rural Letras e Artes
Decoração de Moda Carreira Militar Desenho de Projetos Lingüística
Carreira Religiosa Diplomacia Ciências Letras
Engenharia Agrimensura Biomedicina Engenharia Artes
Cartográfica Ciências Atuariais Engenharia
de Armamentos Ciências Sociais Engenharia
Mecatrônica Engenharia Têxtil Estudos
Sociais
História Natural Química Industrial Relações
428

N. Legenda dos tópicos de trajetória dos entrevistados


(em ordem decrescente de ocorrência e alfabética)

Abreviação Tópicos principais Quantidade


Intern. Experiência internacional 10
Reg. Experiência ao nível regional 7
ID Auto intitulam-se como interdisciplinar 6
Consult. Atuam como consultor 5
Coop./part. Pesquisadores em Cooperativas e/ou projetos 5
de Participação
FP Trabalham ou trabalharam como 5
Funcionário Público
ONG Atuam ou atuaram em 5
Organização Não Governamental
DS Pesquisadores em Desenvolvimento 4
Sustentável
EA Pesquisadores em Educação Ambiental 4
IA Pesquisadores em Impacto Ambiental 4
Polit. Pesquisadores em Política 4
CSBD Pesquisadores em Conservação da Sócio e 3
da Biodiversidade
OID Tiveram Orientador InterDisciplinar 3
Saúde Pesquisadores em Saúde 3
GA Pesquisadores em Gestão/Proteção 2
Ambiental
Milit. Atuantes em militância política/ambiental 2
PA Pesquisadores em Planejamento Ambiental 2
CSA Pesquisadores em Conflitos Sócio- 1
Ambientais
Epist./Filos. Pesquisadores em Epistemologia/Filosofia 1
Metod. Pesquisadores em Metodologia 1
PU Professor universitário (aluno) 1
429

O. Distribuição de respostas sobre departamentalização e institucionalização,


distinguidas entre cursos e entre docentes e discentes.
Legenda: Sim (S), Não (N), Sem resposta (SR) e Outra resposta (OR).

Alunos UFMG UFPR UFRJ USP


A A SR S S
B S S S SR
C N A A S
Profs. UFMG UFPR UFRJ USP
A A S S OR
B S S S S
C S N S OR
D S S SR S
TOTAL 4S/1N/2A 4S/1N/1A/1SR 5S/1A/1SR 4S/2OR/1SR

P. Resultado geral da questão sobre centralização e difusão da temática sócio-


ambiental na universidade.

Profs UFMG UFPR UFRJ USP


A Difusa Centralizada Centralizada Centralizada
Núcleo Depto Núcleo
B Difusa Ambas Difusa Ambas
C Centralizada Centralizado Não Resposta Difusa
Depto. Núcleo
D Centralizada Ambas Outra Resposta Difusa
Depto.
Alun
A Centralizada Não Resposta Ambas Não Resposta
Depto.
B Outra Resposta Não Resposta Difusa Não Resposta
C Difusa Centralizada Ambas Ambas
Núcleo
Total 3C/3D/OR 3C/2A/2NR 1C/2D/3A/1OR/1 1C/2D/2A/2NR
NR
430

Q. Palavras-chave obtidas a respeito de interdisciplinaridade, divididas por cursos,


corpo docente, discente e por categoria.

UFMGProfessores Categoria
Papel didático Ensino
Metodologias e linguagem Método,Comunicação
Desafio. Desafio
Discurso comum + disciplinar Comunicação
Qualidade ambiental Resultado
Subjetividade: consciência, mobilização, associativismo da população e dos Subjetividade
pesquisadores
Estado Governo
Falta de referencial teórico Teoria
Objeto múltiplo Objeto
Falta elemento articulador. Comunicação
Diálogo Comunicação
UFMGAlunos
Diálogo difícil Comunicação
Linguagem Comunicação
Território comum Comunicação
Cada especialista Individualismo
Esforço não coletivo Individualismo
Alguém em cima junta [hierarquia] Hierarquia
Buscar consenso Método
Escala de estudo como problema. Método
Maior visão e capacidade de discussão Resultado
Boas idéias Resultado
Métodos Método
Avaliação, financiamento Desafio
Teoria x prática Teoria x prática
Ecologia x Economia Desafio
Sem participação Individualismo
Técnicos e público distantes [ext.]: conhecimento, problema, pessoas separados Teoria x prática
Conflito de interesses Desafio
Esfera técnica x política Teoria x prática
Produção acadêmica (apanhado geral) x propostas efetivas Teoria x prática
Possível resultado mais unificado, integrado Resultados
Otimismo Otimismo
Resultado mais integrado Resultado
Paradigma ambiental Paradigma ambiental
Diálogo entre departamentos e disciplinas. Comunicação
UFPRProfessores
Considerar e valorizar o outro: atuar em conjunto Cooperação
Reaproximar, reaprender ≠ junção, integrar, interagir: preservar especificidades Desafio
Diálogo (ponte, conexão, áreas de interface) Comunicação
Desafio da síntese própria. Desafio
Disputas: hierarquia. Hierarquia
Ciências Sociais: relações de poder. Poder
Diagnóstico coletivo e teses que se completem. Método,Resultado
Prática x discurso. Comunicação,Prática
Quebrar reducionismo. Holismo
Modéstia para diálogo. Comunicação
Programa/resultado comum com teses articuladas. Resultado
Conhecimento unificado. Resultado
ID em pesquisa ≠ ensino. Pesquisa, Ensino
431

Unicidade ≠ unificação, justaposição. Resultado


Construção conjunta de problemática comum: informação recíproca. Cooperação
Diálogo. Comunicação
Trabalho conjunto sobre problemática real Cooperação
Ciências Naturais mais que Sociais (fraseologia) Ciências Naturais /Sociais
Discussão => equilíbrio: avanços e recuos. Desafio
UFPRAlunos
Novos paradigmas Paradigma ambiental
Falta pesquisa ID, difícil institucionalização e disputa entre departamentos: etapa Pesquisa, Desafio
de adequação, crise necessária Teoria,Prática
Criar centros, núcleos transversais aos deptos: congregar disciplinas Método
Ganhar peso acadêmico Desafio,Método,Resultado
Otimismo. Otimismo
Mais resultados Resultado
ID também intradisciplinar (hard, soft, natural sciences). Intradisciplinaridade
Ciências Ambientais na graduação Graduação
Matéria: poluição, multinacionais, política, legislação, ecologia humana e Temas
sustentabilidade. Conservação x desenvolvimento: falsa dicotomia. Desafio
Oceanografia é uma ecologia oceânica. Um dos cursos mais interdisciplinares nas Ciências Naturais /Sociais
Ciências Naturais. Mas tem pouco de Ciência Social.
Verdadeiro diálogo entre disciplinas. Comunicação
Pode significar projetos ou subprojetos monodisciplinares que contribui para Fragmentação
programa maior.
UFRJProfessores
Algum sucesso. Resultado
Sem avaliação a longo prazo. Método
Criatividade no BR. Brasil
Academia x empresas-mercado Teoria,Prática
Estrutura rígida. Hierarquia
ID como modelo de atuação de áreas sobrepostas, interligadas, integradas Resultado
permanentemente.
Imprescindível. Imprescindível.
Academia x natureza e sociedade. Teoria,Prática
TD: leitura não disciplinar para problematizar. Diálogo sem fronteiras. Transdisciplinaridade
Ensino não se faz. Ensino
Pesquisa de campo. Pesquisa
Minar sistema. Pessimista. Pessimismo
Ciência ID impossível. Pessimismo
Sem linguagem comum: utopia. Comunicação
Não se institucionaliza. Pessimismo
Explicar com elementos macro e micro. Holismo
TD ultrapassa disciplina. Transdisciplinaridade
UFRJAlunos
Positivismo impôs fronteiras. Positivismo
Ser humano sob vários aspectos, interseções, não fronteiras. Subjetividade
Questão ambiental exige equilíbrio e interdependência político-social, científico- Holismo
tecnológico e cultural, bio e físico.
Objetivo: qualidade de vida. Resultado,Objetividade
Não ignorar questões além da especialidade. Holismo
Discurso x prática. Teoria,Prática
Mudar lógica de relacionamento: equipe, interação. Cooperação
Nova geração com proposta diferente. Processo
Institucionalmente difícil. Lento. Desafio
Otimismo. Otimismo
Convergência no método (qlt+qnt). Método
432

Avanço na teoria com olhar múltiplo diferenças x Ideologia de padrão universal Teoria
(relação causal, linear).
ID: ver coisa maior. Holismo
Mercado x Academia. Teoria,Prática
Diálogo x vaidades, poder, hierarquia. Comunicação,Hierarquia
Técnica x humanidade. Teoria,Prática, Ética
USPProfessores
Nova atitude: conhecimento + ética, justiça social, equidade. Ética
Faltam projetos maiores. Método
Pouca interação: muita resistência. Desafio
Difícil, esforço, trabalhar em conjunto. Individualismo,Desafio
ID concreta. Teoria,Prática
ID: depende do olhar. Absorver/incorporar discursos condicionando solução. Método
Biologia pouco ID. Biologia
Juntar para resultado integrado contemplando partes. Resultado
USPalunos
Técnico x Administração: conhecimento diversificado. Teoria,Prática
Mercado exige. Prática
Otimista. Otimismo
Nova visão [paradigma]. Paradigma ambiental
MD não tem interação. Multidisciplinaridade
Difícil ouvir, aprender. Desafio
Professores também aprendem. Docente
Iniciar na graduação. Graduação
Predisposição para diálogo. Comunicação,
Mais Ciências Naturais que Humanas. Subjetividade
Ciências Naturais/Sociais

R. Categorias de palavras-chave obtidas relacionadas à interdisciplinaridade,


o número de citações e sua respectiva percentagem (em ordem decrescente).

Categoria N % Categoria N % Categoria N %


Comunicação 16 12,3 Ciências 3 2,3 Biologia 1 0,8
Naturais/Sociais
Resultado 15 11,5 Ensino 3 2,3 Brasil 1 0,8
Desafio 14 10,8 Paradigma 3 2,3 Docentes 1 0,8
ambiental
Teoria+Prática 12 9,2 Pesquisa 3 2,3 Fragmentação 1 0,8
Método 11 8,5 Subjetividade 3 2,3 Governo 1 0,8
Holismo 5 3,8 Ética 2 1,5 Imprescindível 1 0,8
Pessimismo 5 3,8 Graduação 2 1,5 Intra 1 0,8
disciplinaridade

Cooperação 4 3,1 Objetividade 2 1,5 Multidisciplina 1 0,8


ridade

Individualismo 4 3,1 Prática 2 1,5 Poder 1 0,8

Otimismo 4 3,1 Teoria 2 1,5 Positivismo 1 0,8


Hierarquia 4 3,1 Transdisciplina 2 1,5 Processo 1 0,8
ridade
Temas 1 0,8
433

S. Respostas sobre dicotomia entre ciências quantitativas e qualitativas por curso.

UFMG UFPR UFRJ USP UFMG UFPR UFRJ USP


Professores Alunos
A Ambas Ambas Ambas Ambas A - Ambas Ambas Dific
B Ambas Ambas - Qnt B Dific Ambas CN + -
CS
C Ambas Ambas Ambas Ambas C Ambas Ambas Qnt Ambas,
+ Qlt,
Dific
D Ambas Ambas Ambas, Ambas
Qlt =>
Qnt ≠>
Qnt

T. Exemplos de divisões de paradigmas.

Segundo L. Oliveira Lima1 são as seguintes as teorias do conhecimento que


consubstanciam os paradigmas da relação humana com o meio:
Sujeito
Sujeito Meio
Meio
Meio Sujeito
Interação entre
Predominância Predominância Sujeito e Meio
do Sujeito do Objeto

Tendência para o Tendência para o


Tendência para o
empirismo/ estruturalismo/construtivismo
racionalismo/idealismo
materialismo
Teorias interacionistas
Teorias Teorias condutistas
inatistas
Gestaltismo Construti-
Teoria das (s/ progressão vismo
Behaviorismo Reflexologia genética seqüencial
“faculdades americano soviética
mentais” (K.Lewin) (J.Piaget)

Diversos são os autores que apresentam divisões de paradigmas distintos, inclusive


percebendo ou tentando defini-los de modo particular. C. Campbell2, numa perspectiva

1
Lima, L. Oliveira. Escola secundaria moderna. Petrópolis: Vozes, 1973.
434

mais antropológica, descreve a pesquisa de Gilgen & Cho na qualificação dos paradigmas
ocidentais e orientais, apresentando a seguinte tabela, colocando um suposto paradigma
cartesiano oposto ao um paradigma da complexidade:

DUALISMO OCIDENTAL MONISMO ORIENTAL


O ser humano tem características que o separam O ser humano e natureza são um.
da natureza.
O ser humano é dividido em corpo, mente e Mente, corpo e espírito são um.
espírito.
O ser humano deve rotular, categorizar, O ser humano deve reconhecer sua
manipular, controlar e consumir as coisas do unidade com a natureza, o espiritual e
mundo da natureza para garantir sua o mental.
sobrevivência.
O ser humano deve enfatizar o pensamento Por causa de sua unidade com toda
racional e a abordagem analítica para solucionar existência, o ser humano deve sentir-
problemas e angústias. se ‘à vontade’ em qualquer lugar e
com qualquer pessoa.
A ciência e a tecnologia têm-nos dado uma vida A ciência e a tecnologia criam, na
boa e são nossa principal esperança num futuro melhor das hipóteses, uma ilusão de
ainda melhor. progresso.

Campbell se refere ainda ao trabalho de Krus & Blackman3, apontando para as


principais características de ambas concepções de mundo.

OCIDENTE ORIENTE
Análise Impessoal Síntese Pessoal
Generalização Legal Totalidade Moral
Diferenciação Assertivo Integração Não
discurso
Indução Poder Dedução Associativo
Objetivo Ordem Subjetivo Êxtase
Intelectual Racional Dogmático Irracional
Razão Crítico Intuição Imaginativo
Ciência Anti-ciência

De acordo com Santos Filho4, há inúmeras concepções e distinções de ‘paradigma’


para cada autor. Ele relaciona alguns exemplos:

2
Gilgen, A. R. & Cho, J. H. 1979. Questionnaire to measure Eastern and Western thought. Psychological
Reports, 44, pp. 835-41. In: Campbell, Colin. A orientalização do ocidente: reflexões sobre uma nova
teodicéia para um novo milênio. Religião & Sociedade, v.18, n.1, p.5-22, 1997.
3
Krus, D. J. & Blackman, H. S. Contributions to psycohistory: Eats-West dimensions of ideology measured
by transtemporal cognitive matching. In: Psychological Reports, 47, p. 947-55, 1980.
4
Santos Filho, J. C. Pesquisa quantitativa versus pesquisa qualitativa: o desafio paradigmático. In: Santos
Filho, J. C. & Gamboa, S. S. (org.) Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. São Paulo: Cortez, p.13-59,
1997.
435
HABERMAS POPKEWITZ HOSHMAND
- Empírico-analítico (mundo físico) (educação) - Naturalístico-
- Histórico-hermenêutico (eventos - Empírico etnográfico
históricos) analítico - Fenomenológico-
- Crítico (expor condições de - Ciência simbólica hermenêutico
opressão e dominação) - C crítica - Cibernético
BURREL e T. HUSÉN SOLTIS BERSTEIN
MORGAN - Científico (neopositivista)
(educação) - Empírico
- Funcionalista- - Idealista (Dilthey) - Empírico - Fenomenológico
Interpretativo - Humanista - Interpretativo - Crítico
- Humanista radical - Fenomenológico - Crítico
- Estruturalista radical - Crítico (neomarxista) - Normativo

U. Relação entre paradigmas

Santos Filho & Gamboa5 colocam algumas possíveis relações entre paradigmas,
quanto a visão do mundo ou premissas subjacentes, relação sujeito-objeto, relação fatos-
valores, objetivo da pesquisa, abordagem, foco, método, papel da pesquisa e principais
critério da pesquisa. Na tabela abaixo, colocamos as principais características das teses da
diversidade incompatível, da diversidade compatível ou complementar e da unidade ou
integração, oriundos de filósofos de inúmeras vertentes.

Relação entre Tese da Diversidade Incompatível


paradigmas Kerlinger, Smith, Lincoln & Guba e Smith & Heshusius.
Visão do mundo ou Quantitativa Interpretativa
premissas subjacentes Positivista-realista; realidade Fenomenológico; realidade socialmente
objetiva; homem suj. - reator; busca construída; homem sujeito-ator; busca
verdade absoluta propondo verdade relativa aceitando teoria do conflito.
modelos estáticos.
Relação sujeito-objeto Independente, externalista; Não dualista; realidade criada ou moldada;
linguagem neutra, científica. linguagem real. Verdade historicamente
Verdade estabelecida via condicionada.
experimentação empírica.
Relação fatos - Fatos independentes do sujeito; Atenção p/ o suj. quem baseia valores.
valores conhecimento replicável. Objetividade a partir de acordo social;
através de justificação e diálogo. Atores
morais com valores positivos.
Objetivo da pesquisa Predição, testagem de hipóteses e Busca compreensão, interpretação e
generalização. Explanação especificação em dois níveis: direta/imediata
indutivo-estatística de natureza e profunda do significado-contexto.
probabilística. Busca-se Interpretação do movimento, s/ ponto
regularidade. absoluto.
Abordagem Design experimental p/ reduzir Hermenêutica/etnográfica.
erro.
Foco Traços individuais, relações Experiência individual, senso comum,
causais, o ‘porquê’. processo de construção de significado, o
‘como’.
Método Dedutivo (da teoria p/ os dados), Indutivo (dos dados p/ a teoria), definições

5
Santos Filho, J. C. & Gamboa, S. S. (org.) Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. São Paulo: Cortez,
1997.
436

definições predeterminadas, do processo, intuição e criatividade, explica


racionalista, precessão por medida via propriedades e relações, síntese holística
e estatística, medida de variáveis, e análise comparativa, peq. amostra
grande amostra. selecionada.
Papel pesq. Distancia-se p/ evitar vieses. Imerge-se no fenômeno de interesse.
Principais critérios Fidedignidade. Validade.
pesq.

Relação entre Tese da Diversidade Compatível Tese da Unidade ou Integração: filósofos


paradigmas ou Complementar Cook & pós-positivistas e teóricos críticos c/o
Campbell, Goergen, Soltis, Walker & Evers e Howe.
Shulman, Keeves, Firestone,
Cambi, Husén e Gage.
Visão do mundo ou São contra a corrupção pela visão Contrários à tese da existência de
premissas paradigmática única. Não há um paradigmas, defendem epistemologia da
subjacentes antagonismo necessário entre os coerência ou ‘coerentismo’ ou ‘holismo
objetivistas, os interpretativistas e epistemológico’.
os teóricos críticos.
Relação sujeito- Programas de pesquisa se Não há como dividir o domínio do
objeto preocupam com problemas e conhecimento em formas de conhecimento
tópicos diferentes, mas radicalmente distintas. Contradição fictícia,
importantes. simplista e artificial.
Relação fatos - Uso do pluralismo epistemológico Não distinção entre fatos e valores;
valores p/ a complexidade dos problemas quantidade e qualidade. O conhecimento
educacionais. está baseado em observações e crenças
carregadas de teoria – Kuhn.
Objetivo da Abordagens mais holísticas são A teoria precede todo conhecimento ou
pesquisa mais capazes p/ abarcar maior aprendizagem. Os julgamentos de valor não
complexidade. podem ser excluídos da condução da
pesquisa.
Abordagem Uso das abordagens quantitativa e Dados quantitativos ‘pressupõem’ os
qualitativa p/ maior predição. qualitativos.
Foco Alguns não subscrevem a doutrina Pesquisa dialético-crítica (Escola de
da incomensurabilidade dos Frankfurt).
paradigmas (Kuhn). Alguns
minimizam diferenças epistem.
Método Tendência a ‘desespistemologizar’ Ambos métodos (quantidade e qualidade)
o debate ou a ignorar diferenças não são incompatíveis e não se contradizem;
paradigmáticas. estão imbricados.
Papel pesq. - -
Principais critérios Princípios de complexidade, consistência,
pesq. unidade dos contrários e triangulação.

V. Resultado sobre confirmação (C), negação (N) ou relativização (R)


de mudanças de paradigma.

UFMG Prof Alunos UFPR Prof Alunos


A C A N A R A C
B N B C B C B C
C C C C C C C C
437

D C D R
UFRJ Prof Alunos USP Prof Alunos
A R A - A C A N
B C B C B N B N
C R C R C C C C
D C D R

W. Artigo sobre exclusão e darwinismo. Editorial do jornal “Posso falar o que eu


penso?” de Marcos Antonio da Silveira Santos, no.12, do Instituto Brasileiro de Inovações
em Saúde Social e Centro de Defesa, Garantia e Promoção de Direitos Humanos, RJ.
(Texto apresentado para o exame de seleção CPDA – 1996).

“O indivíduo constrói sua auto-imagem a partir de identificações ao longo de sua


vida e a base desta auto-imagem se dá de maneira estrutural na infância e adolescência.
Nesta fase, uma gama de conceitos e sentimentos são apreendidos através de infinitas
experiências que desta forma alicerçam o ser. A auto-imagem é o ponto central de um
projeto de vida. A auto-imagem é como o indivíduo se vê no universo, é o ser-no-mundo. É
a identificação a partir de um determinado olhar sobre si mesmo. Ao se perceber de uma
maneira positiva ou negativa, o indivíduo se qualifica na relação com o outro. A essa
maneira de estar, ou melhor, de ser, chamamos de auto-estima. E se a auto-estima está por
algum motivo comprometida (fragilizada, desestruturada), assim vai estar a auto-imagem.
Tentemos agora imaginar: uma criança que desde o nascimento se encontra privada do
básico necessário, dos chamados pelo Estatuto do Adolescente de direitos fundamentais
(família, saúde, alimento, educação, habitação, liberdade, respeito e dignidade). E então
respondamos: Que tipo de experiências essa criança terá? Quais os sentimentos e conceitos
que ela apreenderá? Como será sua auto-imagem? Será que existe auto-estima? E quanto ao
adolescente que esta criança se tornar: que projeto de vida terá?
As respostas são dadas apenas com um olhar crítico sobre a realidade de jovens que
transitam nas instituições do sistema penal, como o caso de Débora Ferreira, no Rio de
Janeiro. Vivendo nas ruas, internada 57 vezes e passando por experiências desumanas, sua
auto-imagem é evidentemente negativa que a faz identificar poucas perspectivas futuras.
Aos 20 anos, no dia 18 de agosto de 1996, no interior da solitária do presídio feminino
Talavera Bruce é encontrada morta em condições suspeitas...
Agora falarei de um pequeno animal encontrado a 250 km da Austrália, em uma ilha
chamada de Tasmânia. Pelo odor que exala, por suas presas curvas e afiadas, por sua
ferocidade, ficou conhecido como Demônio da Tasmânia. E aqui me interessa enfocar
características da reprodução dessa espécie: a fêmea pode dar a luz a mais de 20 filhotes
que, agarrando-se nos pelos, chegam à bolsa marsupial da mãe, onde se encontram os
mamilos. Na bolsa existem apenas quatro e, como teoriza Darwin defendendo a seleção
natural, seletivamente sobrevivem apenas os quatro primeiros que chegam até a bolsa,
sendo que os demais caem e morrem.
Com a política neo-liberal que tenta ganhar terreno em nosso país, fica claro que
existirão poucos mamilos (políticas públicas, sociais e includentes) para toda a população
brasileira e 80% dela cairá e morrerá.”
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BRRAASSIILL*

Introdução

Interdisciplinaridade ambiental: pesquisa, conhecimento,


levantamento, análise e síntese da realidade por diferentes campos
disciplinares em trabalho conjunto interligado por um objetivo unificado
resolver problemáticas sócio-ambientais.

Meio Ambiente: Ciências Naturais +x Ciências Humanas


aproximação teórico-metodológica, reciprocidades visando qualidade de
vida e sobrevivência.

Não unificação geral/unidade universal das ciências, mas diversidade.


Crítica à especialização, excessivamente objetiva, pragmática,
instrumental. Alternativas ao modelo cognitivo cartesiano,
percebendo a complexidade de um universo
multifacetado/dimensional reduzir tendência de crises através do
‘desenvolvimento sustentável’.

Finalidade: auxiliar na construção e reformulação de currículos


promoção de pesquisa, ensino e extensão interdisciplinares. Agências de
Fomento: avaliar estado da arte das Ciências Ambientais.

Hipótese: institucionalização de cursos associados a questões


ambientais necessita promover interdisciplinaridade e reflete mudanças
paradigmáticas (mecânico-reducionista sistêmico-complexa), esboço
de um paradigma ambiental interdisciplinar necessário para a
‘sustentabilidade’.

Objetivo Primário: analisar processos de elaboração e incorporação de


questões ambientais através dos discursos de pesquisadores que
possibilitem indicar tendências acadêmicas de construção de paradigma.

* Inseridas, por recomendação da banca examinadora, transparências usadas na defesa.


Objetivos Secundários:
Identificar cursos;
Discernir representações de interdisciplinaridade;
Analisar processos de institucionalização das Ciências Ambientais;
Contribuir para o debate em torno da pedagogia e da pesquisa
interdisciplinares.

Metodologia: quantitativo-qualitativa
- Entrevistas: semi-estruturadas com 4 professores e 3 alunos de cada
curso.
- Questionário: doze perguntas agrupadas em quatro eixos/capítulos.
- Seleção: cursos strictu sensu (mestrado e/ou doutorado) de
universidades públicas.
• Características: tempo de implementação, número de
dissertações e/ou teses; origem; corpo docente, disciplinas;
avaliação e/ou credenciamento; reconhecimento internacional;
contribuição para interdisciplinaridade; proximidade geográfica.

Ecologia
UFMG - Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre – ECMVS:
nota cinco, + CEDEPLAR: PADCT – CIAMB do Ministério de Ciência
e Tecnologia.

Meio Ambiente e Desenvolvimento


UFPR - Programa de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento
– MAD: multidisciplinar, nota três, chancela da cátedra da UNESCO,
PADCT – CIAMB do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Ciências Humanas e Sociais


UFRJ - Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação de
Psicossociologia de Comunidade e Ecologia Social – EICOS: nota
quatro, disciplinar, chancela da cátedra da UNESCO.

Ciências Ambientais
USP - Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental - PROCAM:
multidisciplinar, nota quatro.
ALGUNS ASPECTOS DOS CURSOS ANALISADOS

UFMG: Proposta metodológica via macro-projeto (bacia


hidrográfica): processo de convencimento e descoberta recíprocos.
Análise conjunta de indicadores de qualidade ambiental, transcende
campo científico. Cautela no método quantitativo, busca totalidade
social, econômica, física e ambiental + procedimento parcelizador. Viés
biocêntrico ambientalismo conservacionista (ECMVS).

UFPR: Unidade centralizadora, práticas regionais. Oposição de


departamentos Ciências Naturais X Sociais: confrontação
metodológica. Relações pessoais e coincidência ideológica crítica.
Instituto: + NIMAD (Extensão): realidade social + comunidade
científica, socializar conhecimento para consolidar cidadania. Viés
sócio-cêntrico ‘sócio-ambientalismo’.

UFRJ: multidisciplinar via Psicologia. Ciências Humanas-Naturais


com pouca articulação. Pesquisas sobre desenvolvimento cultural;
gênero, meio ambiente, epistemologia e ética em comunidades. Ênfase
intervencionista: Pragmatismo X Campo teórico. Psicologia Social +
meio ambiente: inovação com conflitos internos. Expressão de
criatividade e convicção. Viés sócio-cêntrico ‘sócio-ambientalismo’.

USP: Unidade centralizadora: ‘ausência’ de linhas específicas. Poucas


Ciências Biológicas. “Seminários de integração” não eficientes e
suficientes. Voluntarismo + Participação discente: ‘democracia’.
Extensão não explicitada: resultados práticos via conclusões
acadêmicas: extensionismo indireto. Viés sócio-cêntrico ‘sócio-
ambientalismo’.
CONCLUSÕES FINAIS

Interdisciplinaridade ambiental:
Potencial de reformulação interna e trabalho em equipe.
Desafios incluem questões filosóficas, epistemológicas e éticas.
Profissionais ‘subvertem’ estrutura departamental.
Embate ensino, pesquisa e extensão.
Pólo ID inovador, sintetiza áreas, perfaz compromisso e
responsabilidade de reunir tendências, concatena lideranças e
transcende dificuldades, promissor como somatório.
Novo locus universitário: possibilidade de convívio da
diversidade X desafio em congregar experiências, metodologias,
percepções de mundo.

Institucionalização Interdisciplinaridade
Entre Ciências Biológicas e Humanas alterações nas ciências e
no manejo ambiental.
Concepção mecânico-reducionista de natureza e de vida
sistêmico-complexa: mudança paradigmática X debate fragilizado,
não há total transformação nas atitudes, valores e concepções.
Currículo se limita a ensino e pesquisa X extensão.

Cursos
Representam inovação acadêmica, construção das Ciências
Ambientais.
Parceria interna e com comunidade, indiretamente.
Teoria e prática retorno social.
Buscam adequação e articulação disciplinar, favorecendo
constituição de paradigma integrador e sintético.

Tendências acadêmicas
Reais e ideais de mudança de paradigmas desafio da prática
universitária de inovação além da mera execução acadêmica
pedagogia, pesquisa e extensão interdisciplinares.

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