Você está na página 1de 44

O GOLPE DO BAÚ

Franklin Carneiro

PERSONAGENS
CAPITÃO Capitão-de-Esquadra da Marinha Imperial do
Brasil, reformado pela República. Velho avarento,
ranzinza, extremamente tolo e preconceituoso. Se
diz nobre sem o ser. Homem severo.
TIA ROMÃ Prima solteirona do Capitão. Tem um falso
sotaque espanhol.
JULIANA (JUJU) Jovem e graciosa, só acredita no amor.
PORCÁRIA Filha mais velha. Feia por ser muito parecida com
o pai, se considera prendada e pronta para casar-
se por ser a mais velha.
RICOTA Aia da casa, espevitada, alegre, desbocada e
sensual.
ESCOPETA Jovem bem apessoado, mas parasita perigoso.
Sobrinho de Rufião.
RUFIÃO Simpático e envolvente, especialista em viver sem
fazer força.
XEXÉU Mendigo disfarçado, bem-falante e maneiroso.
GODÔ Namorado de Juju. Alegre, esperto, simpático e
lutador.

1
ATO I

ENTRAM RUFIÃO E ESCOPETA CORRENDO PELA


PLATÉIA, COMO SE FUGISSEM DE ALGUÉM. DEPOIS DE
ALGUNS MINUTOS ESCONDIDOS APARECEM, AINDA
DESCONFIADOS.
RUFIÃO Pronto, Escopeta, acho que dessa escapamos.
ESCOPETA Também acho...
RUFIÃO Não acredito que aquele comerciante nos persiga até aqui...
ESCOPETA Sim, também não acredito. Aqui deve ser longe o bastante.
RUFIÃO Dessa vez quase fomos pegos. Por que você teve que tentar
pegar aquela torta, meu caro sobrinho?
ESCOPETA Muito simples, meu caro tio, porque eu estou com fome, Rufião.
RUFIÃO Isso não é desculpa. Ele já ia caindo no golpe da venda das
repúblicas hereditárias do Brasil e você teve que estragar tudo?
ESCOPETA Mas aquela torta estava tão cheirosa e eu estava com tanta
fome...
RUFIÃO Grande vantagem, você vive com fome... Só pensa em comer...
ESCOPETA Mas comer é importante.
RUFIÃO Importante é ganhar a vida sem fazer esforço, com os golpes
tão bem elaborados por mim... e você tem preguiça até para
fazer a tua parte.
ESCOPETA Mas eu me esforço para não ter preguiça e quem se esforça faz
força e quem faz força porque se esforça precisa comer. Eu,
infelizmente, me esforço muito e como pouco.
RUFIÃO Nós comemos pouco, ou acha que como mais que você?
ESCOPETA Comemos pouco, sim, comemos pouco e ganhamos pouco
também... Afinal, teus golpes quase sempre saem pela culatra,

2
Rufião. Se juntar tudo o que ganhamos não dá nem para comer
mais ou menos.
RUFIÃO Nisso você tem razão.
ESCOPETA Tenho razão por que é verdade. Mas tenho a solução, Rufião.
A partir de hoje quero uma parte maior nos lucros dos nossos
golpes.
RUFIÃO Maior? E para que?
ESCOPETA Para comer mais um bocadinho. E antes de você perguntar por
que, eu explico: É que esse bocadinho vai fazer as
engrenagens do meu “estrâmbago” funcionar; o “estrâmbago”
funcionando vai mandar o bocadinho que comi para os “tubo”
das tripas grossas. Aí as tripas “grossa” macetam aquilo
tudinho e jogam para as tripas “fina”. As tripas “fina” então se
enrolam, roncam de contentamento e eu corro para a latrina,
sento-me no vaso e... Oh, felicidade. Cago tudinho. É isso que
eu quero, Rufião... comer e cagar tranquilo.
RUFIÃO Que vergonha, Escopeta, que vergonha. O homem busca é
riqueza, liberdade, mulher... Não só comer e cagar tranquilo o
que comeu.
ESCOPETA Eu também quero isso tudo, Rufião. Riqueza, liberdade,
mulher. Mas depois, depois.
RUFIÃO Por essas e outras que nossos golpes não dão certo.
ESCOPETA Oh, vida injusta. Você me culpa pelos nossos golpes falharem,
as mulheres me desprezam por eu ser pobre... que humilhação,
que vida amaldiçoada.
Coisa nenhuma dá certo.
Sorte não tenho e dinheiro não acho.
É uma vida torta, sem janela nem poste
Sem frente nem costa.

3
Sou bonito, charmoso e inteligente.
Só me falta ser rico.
Isso vou ser, nem que tenha de entrar para a política para
conseguir.
RUFIÃO Você fala em falta de sorte. E eu?
Se chove eu me afogo
Se faz sol eu me queimo
Se a sorte vem de frente
Estou de costas
Parado me canso
E andando piso em bosta.
Mas se você se esforçasse mais e pensasse menos em comer,
talvez nossa sorte mudasse.
PARAM A CONVERSA AO VEREM A FAMÍLIA DO CAPITÃO
ENTRANDO. FICAM ATENTOS, DISFARÇANDO, PARA VER
SE CONSEGUEM GANHAR ALGUMA COISA.
CAPITÃO Assim eu perco a cabeça, Romã, um dia destes perco a cabeça
com minha filha Juju e acabo fazendo uma besteira.
TIA ROMÃ Calma, Parsifal, calma.
CAPITÃO Como calma? Calma Como? Você sabe que sou violento, que
sou capaz das maiores loucuras quando perco a cabeça...
TIA ROMÃ Cuidado, meu primo, cuidado. Não te estressa ou tuas
hemorroidas estouram todas.
CAPITÃO Que hemorroidas que nada... Vou tomar uma providência sobre
isso imediatamente e ela será certeira... Se colocar a mão em
qualquer sacripanta que esteja flertado com minha filha Juju,
passa-o pela espada. Assim: Scratch. (FAZENDO O GESTO
DE CORTAR O PESCOÇO) Ou não me chamo Asclepíades

4
Parsifal, Capitão da nobre marinha imperial, aposentado com
parcos recursos?
TIA ROMÃ Parcos recursos, sei. De qualquer forma a culpa não é dela.
CAPITÃO Claro que é. Claro que é. Por acaso não é desse tal Godofredo
a cartinha que Porcária interceptou e me entregou?
JUJU OLHA ENFURECIDA PARA PORCÁRIA, QUE
DISFARÇA.
TIA ROMÃ Sim, é dele sim. Mas não esqueça que Juju é uma moça
honesta. Os moços de hoje é que são tempestuosos...
CAPITÃO Uma tempestade eu farei naquela casa (OUVEM-SE
TROVÕES AO LONGE) se pegar esse malandro cortejando
minha filha Juliana.
A ESTA ALTURA JÁ ESTÃO NO PROSCÊNIO. CRUZAM COM
RUFIÃO E ESCOPETA, A QUEM CUMPRIMENTAM SEM
VER, NO CALOR DA DISCUSSÃO.
PORCÁRIA O namoro é uma dádiva da natureza, papai. (SUSPIRA) Só não
sei por que a natureza não me consola...
JUJU É porque a natureza não te ajudou fisicamente, minha irmã.
PORCÁRIA Não entendi o que você quis dizer, Juju.
JUJU É porque a natureza não te ajudou intelectualmente também,
minha irmã.
CAPITÃO (SEM OLHAR PARA TRÁS) O casamento é o destino das filhas
mais velhas, assim como o destino das filhas mais novas é
cuidar de seu velho pai.
TIA ROMÃ Lindo, Capitão, lindo. Isto me lembra uma cena daquela ópera,
Madame Butterflie, quando o navio entra no porto... (CANTA)
Um Bel di vendremo...
RUFIÃO Meu deus do céu meu Jesus cristinho... parece que um animal
caiu em um buraco e grita desesperadamente.

5
ESCOPETA Ou que estão esfolando o bicho vivo ainda...
CAPITÃO Shhhi, Romã, aqui não. Aqui não. Guarde a ópera para casa,
quando estiver só, desacompanhada...
TIA ROMÃ (ZANGADA) Eu amo a ópera em qualquer lugar, Parsifal, tu
bem sabes disso...
CAPITÃO Oh, se sei...
JUJU Lá em casa ninguém aguenta mais tanta gritaria.
TIA ROMÃ Não falei contigo, ignorante. Você não gosta de boa música
porque é uma menina sem finesse. Nem parece que é uma
aristocrata, como eu. (OLHO GRANDE PARA A PLATEIA) Só
as almas nobres e aristocráticas compreendem a ópera, que é
a soberba síntese da arte. Porcária, minha sobrinha mais
querida, mostra ao seu papai o que você aprendeu com o novo
professor de ópera.
PORCÁRIA Oui, titia. (APROXIMA-SE DO PAI) Vou interpretar, de Giacomo
Fantochinni, da Ópera “Ló Desvairado”, a coloratura do 28o ato:
(CANTANDO) A- a- a- a- a- a- a- a- a- a- a- a- a. (DISPARA
NUMA COLORATURA INFERNAL).
ESCOPETA (Á parte) Que monstro...
RUFIÃO (À parte) Uma anomalia...
CAPITÃO Basta, basta, basta. (ELA PARA) Já vi o suficiente.
TIA ROMÃ O professor é um italiano muito talentoso. Cobra caríssimo.
ESCOPETA (PARA RUFIÃO) O professor é um surdo disfarçado de músico.
RUFIÃO (PARA ESCOPETA) E o dinheiro ele deve embolsar todo sem
pensar duas vezes.
CAPITÃO Não me interessa quanto ele cobra, para isso somos ricos.
(OLHANDO PARA OS LADOS, COM MEDO DE ALGUÉM TER
ESCUTADO) Quer dizer, temos nossas economias... Poucas,
que fique bem claro. Mas o dinheiro... pouco, é verdade... que

6
o gastemos bem. Ganhei-o lutando bravamente na Marinha
Real... servindo nobremente ao Imperador!
RUFIÃO (À PARTE, PARA ESCOPETA) Ouviste? Eles têm dinheiro...
São Ricos!
ESCOPETA (À PARTE, PARA RUFIÃO) Ricos, sim. Ricos, ouvi, ouvi!
RUFIÃO (À PARTE, PARA ESCOPETA) Olho neles!
ESCOPETA (À PARTE, PARA RUFIÃO) Vou ficar com os dois olhos neles,
os dois...
CAPITÃO Temo que, com essa gritaria, ela afugente os pretendentes que
aparecem... (PARA A PLATEIA) Se bem que, para falar a
verdade, ainda não apareceu pretendente nenhum. (PARA
PORCÁRIA) Cante minha filha, mas cante bem... (PARA
ROMÃ) Para casar-se logo. (PARA JULIANA) DEPOIS que sua
irmã Porcária casar você poderá namorar... Se o pretendente
for rico, claro.
JUJU Mas, papai...
CAPITÃO SE, no entanto, eu pegar esse rapazote que se atreve a rondar
a casa a fazer-te a corte sem a minha permissão, passo-o pela
espada.
JUJU Mas papá, o Godô...
CAPITÃO Quem?
JUJU Godô...
CAPITÃO Godô?!
JUJU O Godofredo. É um moço de bem: ele é galante, garboso,
galhardo, gentil, gracioso, guapo...
CAPITÃO Não quero saber de Godofredos ou Godôs prematuros. Digo-te
que não podes flertar antes de Porcária desencalhar.
TIA ROMÃ Este Godofredo...
JUJU O que tem?

7
PORCÁRIA Ele sabe cantar ópera?
JUJU Ópera? Acho que não... Por quê?
TIA ROMÃ Então ele é um plebeu, não é aristocrata.
JUJU Por que você acha que ele é plebeu?
PORCÁRIA Porque todos os aristocratas cantam a ópera...
JUJU Mas...
CAPITÃO Cala-te, não discuta as minhas ordens.
JUJU Mas, papá...
CAPITÃO Calada. Ordens são obedecidas, não discutidas! A ORDEM e a
OBEDIÊNCIA são os esteios da moralidade! As COLUNAS da
tradição! As MURALHAS protetoras do lar! Porque:
Cada coisa tem seu tempo
Seu momento e seu lugar
E seria um contratempo
Qualquer coisa ali mudar
Pois é a ORDEM que permite
A estrutura conservar.
JUJU Mas, papá…
CAPITÃO Chega de conversa, vamos embora. Todos, já para casa!
FAMÍLIA SAI MARCHANDO. XEXÉU VAI ENTRANDO PELA
PLATÉIA DE FORMA DESPERCEBIDA.
RUFIÃO Ouviu Escopeta? Eles são ricos!
ESCOPETA Ouvi sim... (ARREMEDANDO O CAPITÃO) “O dinheiro, que o
gaste bem!” Há! Está para nós.
RUFIÃO (LENTO) Temos que botar a mão naquele dinheiro, Escopeta.
E havemos de botar.
ESCOPETA Mas como, o homem é feroz! Um tigre de bengala!
RUFIÃO Mas nós somos astutos e haveremos de tirar a bengala do
tigre...

8
ESCOPETA E como faremos isso?
RUFIÃO Isso é que ainda não sei.
XEXÉU CHEGOU AO PROSCÊNIO E FICA CRUZANDO
REPETIDAMENTE. ELES PARAM A CONVERSA CADA VEZ
QUE XEXÉU CRUZA COM ELES.
ESCOPETA Já sei, já sei... podemos pedir-lhe um empréstimo.
RUFIÃO Empréstimo?
ESCOPETA Sim, empréstimo. Dizemos que somos de uma instituição de
caridade, assinamos uma nota promissória e sumimos no
mundo, nunca voltando para pagá-la.
RUFIÃO E você acha que ele emprestaria dinheiro para pessoas como
nós?
ESCOPETA E por que não? É preconceito contra pobre?
RUFIÃO Você emprestaria dinheiro para pessoas como nós?
ESCOPETA Não, eu não, deus me livre. Não estou doido.
RUFIÃO Então já viu que essa ideia não daria certo, não é?
ESCOPETA É, acho que tem razão, não daria certo. Pensemos, pensemos.
RUFIÃO Pensemos...
ESCOPETA Tive outra ideia e esta é bastante eficiente: Entramos na casa
dele e roubamos tudo.
RUFIÃO (INDIGNADO) Enlouqueceste?! Roubar? Nunca! Não somos
ladrões! Fazemos uma trapaça aqui, uma tramoia ali, apenas o
bastante para dar uma vida digna e honrada a dois pobres
rapazes a quem o trabalho assusta... E cansa!
ESCOPETA Não sei então, o que fazer.
RUFIÃO Pensemos...
XEXÉU Os cavalheiros me dariam um minutinho?
RUFIÃO (VACILA, CONSULTA ESCOPETA COM O OLHAR,
PERMITE) Fala.

9
XEXÉU Em primeiro lugar, as apresentações: Chamo-me Hipólito
Cheiroso... Xexéu, para os amigos.
RUFIÃO Rafael Rufino de Sousa e Silva, conhecido internacionalmente
como Tonhão, digo, Rufião. Este é meu sobrinho, Lindemberg
de Sousa e Silva, mais conhecido como Escopeta.
XEXÉU Prazer em conhecer...
ESCOPETA O prazer é todo seu. Mas em que podemos ajudá-lo?
XEXÉU Casualmente ocorreu que passava eu por este bucólico lugar
quando presenciei os últimos acontecimentos. Refiro-me à
distinta família do Capitão, em cujo abundante dinheiro os
senhores pensam em colocar as mãos.
RUFIÃO/ESCOPETA (FINGIDOS) Ohhhh! Nós? Nunca.
XEXÉU Eu disse PENSAM, mas infelizmente não sabem COMO...
RUFIÃO (DESMANCHA A INDIGNAÇÃO) É verdade.
XEXÉU Casualmente ocorre que EU SEI como PODEREMOS fazê-lo.
ESCOPETA Poderemos? Nós?
XEXÉU Claro, pois se quem sabe o COMO sou eu!
RUFIÃO VOCÊ sabe COMO FAZER para pôr as mãos na fortuna do
Capitão?
XEXÉU Sim, eu sei.
RUFIÃO (CONSULTAM-SE ALGUNS INSTANTES) Seremos sócios
então: Diga lá como fazer...
XEXÉU É simples, sócio. O nobre Capitão não é um homem casado?
RUFIÃO Acho que é viúvo!
XEXÉU Dá na mesma... Viúvo, então. O nobre Capitão não é um
homem viúvo?
RUFIÃO/ESCOPETA Sim, viúvo!
XEXÉU O nobre Capitão não é um homem rico?
RUFIÃO/ESCOPETA Sim, rico.

10
XEXÉU E ele não tem duas filhas?
RUFIÃO/ESCOPETA Tem, duas filhas!
XEXÉU E elas não estão solteiras?
RUFIÃO/ESCOPETA Estão sim, solteiras!
XEXÉU Pois então... Casem-se com elas, rapazes.
RUFIÃO/ESCOPETA (HORROR) Ohhh!
RUFIÃO Ideia de jumento!
ESCOPETA Tenho horror ao casamento.
RUFIÃO Além disso, é muito simples: chego lá na casa do Capitão, bato
à porta e quando me atenderem eu digo: Bom dia. Com
licença... Vim casar-me! E o Capitão atira-me a filha ao colo, já
vestida de noiva, com as bênçãos da família, é isso?
XEXÉU (DÁ A VOLTA EM RUFIÃO) De fato, tu não és bem o tipo de
moço bonito por quem as jovens se matariam. (OLHANDO
PARA ESCOPETA) Mas o rapazote aqui é bem galante... Se o
enfeitarmos um pouco, fará boa figura. É isto, casamos o
sobrinho.
ESCOPETA Epa.
RUFIÃO Não me parece mal...
ESCOPETA Não me parece bem...
RUFIÃO É isso, Casa-se Escopeta e põem-se a mão no dinheiro da
família.
ESCOPETA Êh, espera lá! Por que eu? Não me caso, não. O sacrifício por
vocês? Nunca! Prefiro a morte!
XEXÉU Casa-te com a mais jovem. Ela é uma bela rapariga. Farão um
lindo casal.
ESCOPETA A mais nova? É, até que é bonitinha. Mas casar?
RUFIÃO É casar ou trabalhar...
ESCOPETA Prefiro casar. O que não faço pela arte?

11
RUFIÃO Resolvido! Estamos ricos, Escopeta.
ESCOPETA Ricos!
XEXÉU Ricos.
RUFIÃO És um gênio, Xexéu meu.
XEXÉU Obrigado. Eu sei, eu sei...
ESCOPETA Já me sinto casadinho.
RUFIÃO Pois, faremos isso. Enfeitamos o menino e apresentamo-lo ao
nobre Capitão. A jovem rapariga olha esse belo semblante, se
apaixona perdidamente por ele, casam-se, damos o golpe do
baú e o dinheiro cai-nos do céu.
OS TRÊS Casamento que delícia
Que repasto divinal!
É noivinha a tiracolo
É dinheiro no embornal.
Tapeamos a espada
Embolsamos a mesada
Cada qual terá seu tanto
Para ficar sem fazer nada.
Restará ao Capitão
De tão longa tradição
A feliz situação
De ter um genro ladr... ladr... (BREQUE)
ESCOPETA Elegante, guapo, vistoso...
OS TRÊS Casamento que delícia
É gostoso para chuchu
Ainda mais quando acontece
Ser um golpe do baú! (BIS)
XEXÉU Muito bem, então. Mãos à obra, pois temos muito trabalho pela
frente! (PARA ESCOPETA) Tu irás enfeitar-te; (PARA

12
RUFIÃO) E a ti, teremos que transformar num Almirante
Austríaco.
RUFIÃO Almirante Austríaco?
XEXÉU Sim, tens de parecer ser um nobre. Temos de impressionar
bem o pai para que teu sobrinho chegue à filha. Eu serei teu
tradutor. Fala alemão?
RUFIÃO Nada.
XEXÉU Não importa. Basta rugir como leão, arranhar os erres e trocar
os artigos.
ESCOPETA E tu, fala alemão?
XEXÉU Claro! E incaico, aramaico, tailandês, chinês, não-sei-quês...
RUFIÃO Precisamos arranjar roupas apropriadas.
ESCOPETA É verdade, é verdade.
RUFIÃO Eu sei onde poderemos consegui-las. Emprestadas, claro.
XEXÉU Então vamos andando. Sem perder tempo.
OS TRÊS (SAINDO) Ao golpe, ao golpe, ao golpe do baú! Ao golpe, ao
golpe, ao golpe do baú! Ao golpe, ao golpe, ao golpe do baú!
SAEM DE CENA. ABRE O PANO. CASA DO CAPITÃO: SOFÁ,
POLTRONAS, UM GRANDE ARMÁRIO AO FUNDO-DIREITA.
JANELA AO FUNDO-ESQUERDA. RICOTA JÁ ESTÁ
ESPANANDO, ARRUMANDO, CANTAROLANDO. ENTRA
CAPITÃO POR TRÁS DELA, PÉ ANTE PÉ, AGARRA-A. ELA
SE DESVENCILHA, COM UM BERRO.
RICOTA AHHHH! Capitão! Sai para lá, assanhado. Já te disse que não
quero nada com o senhor, pelo menos em horário de trabalho.
(CORREM ENTRE OS MÓVEIS) Me deixa trabalhar.
CAPITÃO Ricota, meu amor, minha paixão, meu leitão assado, minha
maminha de alcatra, meu churrasco de filé, meu espetinho de
tripinha, minha farofa de sardinha, meu...

13
RICOTA Credo, seu esganado! Se o senhor está é com fome, ainda há
feijão na panela...
CAPITÃO Fome sim, mas de você, minha Ricota. Se não posso comer,
dá-me pelo menos uma beijoca. Se não mô-la dá eu tô-la
tomarei!
RICOTA Não tô-la darei, nem mô-la tomarás! Se fores um beijoqueiro de
fato deveria saber uma dama conquistar.
CAPITÃO Ah, faz-te difícil, hein?
RICOTA Claro... Ou achas que me derreto toda por um marinheirozinho
de água doce?
CAPITÃO Marinheirozinho? (SOBE NA CADEIRA) Marinheirozinho?
Saiba que sou um capitão, um quase general. Sempre fui
importante. Viajei pelos sete mares do mundo na Marinha
Imperial! Lutei lutas sangrentas, batalhas batalhosas,
enfrentei tufões tufosos e tormentas tormentosas até que...
(DESCE DA CADEIRA) Veio a Reforma.
RICOTA Reforma? Que reforma? A dos estofados?
CAPITÃO Que estofados que nada... Minha reforma como Capitão. Fui
aposentado, que se diz reformado na Marinha, tive de sair do
quartel e me mudar para essa casa. Mas eu encontrei você,
minha adorada Ricota, depois que minha esposa faleceu.
Viste? Sou importante.
RICOTA Não me parece importante. Não pareces nem mesmo um
capitão aposentado, pareces mais um velho tarado.
CAPITÃO Não importa como te pareça. O que importa é a beijoca.
(CORRE-LHE ATRÁS PELA SALA, ELA AOS GRITOS).
RICOTA Ai! Socorro, ajudem.
CAPITÃO Calada! Se te escutam, será um escândalo! (GODOFREDO
APARECE NA JANELA, DESAPARECENDO LOGO DEPOIS).

14
RICOTA Quiseste agarrar-me.
CAPITÃO Não, não. Agarrar-te, aqui na sala, não... Só quero uma beijoca.
RICOTA Beijoca nada, quer é comida. Vá embora ou eu grito. Sai, saí...
COLOCA O CAPITÃO PARA FORA BATENDO-LHE COM O
ESPANADOR. GODOFREDO ENTRA NA SALA
RICOTA Godofredo. Some daqui seu imprudente! O Capitão está na
outra sala.
GODÔ Quero ver Juju!
RICOTA Se o Capitão o pega, vosmecê está frito! Ele disse: (IMITANDO
CAPITÃO) “Se colocar a mão em qualquer sacripanta que
esteja flertado com minha filha Juju, passa-o pela espada.
Assim: Scratch.!
GODÔ Que horror. Morrer tão jovem! Mas não posso viver sem Juju.
Aqueles olhos sensíveis, inocentes, lacrimantes. Aquela boca
meiga, triste, pendente. As mãos puras, delicadas, frias. Aquela
pele macia, gelada, parecendo um veludo branco...
RICOTA Arre! Descreveste um defunto!
GODÔ Qual defunto qual nada! A vida mais viva que já vi vivida. E pela
qual meu coração acelera loucamente! Assim; pum-pum. Pum-
pum. Pum-pum-pum!
RICOTA Pum-pum-pum você verá se não fugir imediatamente, mas é da
pistola do Capitão! Vai, Godô. Anda! Sai daqui.
GODÔ Não! Eu fico... e se for preciso, morro por Juliana.
VOZES FORTES. CAPITÃO E ROMÃ VÊM VINDO
RICOTA Ah... É o patrão. E vem vindo para a sala. Não dá tempo de
fugir. Esconde-te aqui. (DEBAIXO DO SOFÁ). Não. Aqui!
(DEBAIXO DA MESA) Não, aqui no armário. Depressa. (GODÔ
ESCONDE-SE NO ARMÁRIO. ENTRAM CAPITÃO E ROMÃ.)

15
CAPITÃO Não fale mais nada em favor de Juliana, minha querida prima.
Sei que ela namorica as escondidas.
ROMÃ Mas são eles que a perseguem, Parsifal!
CAPITÃO Sim perseguem, perseguem, mas ela não os desencoraja!
Bem, pelo contrário. Mas sem minha permissão, não há de
namorar! Se pego o sacripanta que eu sei que vive a rondar
esta casa para vê-la, Ahhh! Amarro-o da cabeça aos pés,
coloco uma venda nos olhos dele e empurro-o pela prancha!
ROMÃ (TEATRAL) Não, a prancha, não!
CAPITÃO Sim, a prancha, sim! He, he, he! Ricota, pegue a prancha!
(RICOTA FINGE PROCURAR A PRANCHA) Ricota, traga
minha espada! (RICOTA FINGE PROCURAR A ESPADA) Com
a espada eu empurro-o pela prancha...
GODÔ (À PARTE, PONDO A CABEÇA PARA FORA DO ARMÁRIO)
Adeus, mundo cruel!
CAPITÃO (FAZENDO COMO SE ESTIVESSE EMPURRANDO GODÔ
PELA PRANCHA) Um, dois, três passos e tchibum, jogo-o no
mar, nas águas geladas, infestadas de tubarões. (ROMÃ
DESMAIA) Não desmaies Romã. Ainda nem peguei o
sacripanta. Onde está minha espada, Ricota? Mil raios, minha
espada, onde está?
ROMÃ (RECUPERANDO-SE) No armário, Parsifal, no armário. Ela
sempre está no armário da sala.
CAPITÃO Ah, sim. É verdade, no armário, muito bem.
RICOTA (GRITANDO APAVORADA) Não, Capitão!
CAPITÃO Hein?
RICOTA A espada... Não está no armário.
CAPITÃO E onde está então? Fala rapariga! Não vou ficar aqui a buscar
minha espada todo o dia.

16
RICOTA Está... Debaixo do sofá...
CAPITÃO E isto é lugar de botar espadas? (ABAIXA-SE PARA
PROCURAR. RICOTA CORRE PARA ABRIR O ARMÁRIO,
MAS O CAPITÃO LEVANTA-SE E VAI PROCURAR ATRÁS
DO SOFÁ, CORTANDO-LHE O CAMINHO. RICOTA CONTA A
ROMÃ QUE GODÔ ESTÁ NO ARMÁRIO). Bem imaginei,
(LEVANTA-SE) que sofás não eram lugar de se guardarem
espadas. Vou ver mesmo no armário. (ROMÃ,
DESCONCERTADA, INICIA UMA CANTORIA FEROZ DE
ÓPERA. CAPITÃO VEM ACALMA-LA) Mais baixo, mais baixo,
Romã! Vão pensar que estou te batendo. (ENQUANTO ISSO
RICOTA TIRA GODÔ DE DENTRO DO ARMÁRIO E O
ESCONDE ATRÁS DO SOFÁ. ROMÃ SAI CANTANDO COM
CAPITÃO E RICOTA ATRÁS. JUJU ENTRA EM CENA.)
GODÔ (APARECENDO) Juju!
JUJU Godô!
GODÔ Juju!
JUJU Godô!
GODÔ Juju!
JUJU Godô!
GODÔ Juju!
JUJU Godô!
GODÔ Juju, doce de manga, meu peixe assado, meu suco de jaca,
minha pitanga...
JUJU Oh! Godô! (CORRE ATÉ ELE) Que fazes aqui? Que perigo!
Sabes o que te espera se papá te pega aqui?
GODÔ Sim! A espada! A prancha! Os tubarões! A água fria! A fria
morte! Mas tudo isso não é nada se trocado por um sorriso teu!

17
JUJU Qual sorriso! Como posso sorrir se não tenho o direito de amar
a quem dei meu coração...
GODÔ Juju!
JUJU Godô! Mas é amor impossível. Vai-te, vai-te de minha vida! Eu
vou para um convento. (VAI SAINDO. GODÔ FICA
ESTARRECIDO. ELA PÁRA NA PORTA) Deixas-me ir? Nem
um gesto de simpatia, nem uma tentativa de impedir-me? Oh,
os homens são todos iguais! Oh! Oh! Oh! Oh! (CHORA AOS
BERROS. GODÔ NÃO SABE O QUE FAZER. DÁ-LHE UM
LENÇO, EM QUE ELA SE ASSUA COM ESTRÉPITO).
GODÔ Amor meu… Alma minha... Sangue de minhas veias... Por ti
arranco a roupa e me deixo congelar no pólo norte! (COMEÇA
A TIRAR O PALETÓ, AFROUXAR A GRAVATA: JUJU PÁRA
DE CHORAR E FICA OLHANDO, ESPANTADA. ELE PÁRA.)
E tu? Nem um gesto para impedir-me? Não te importas mais
comigo? Deixava-me virar sorvete de pingüim? Morrer
constirpado? (VESTINDO-SE) Ah, as mulheres! Há que se
morrer por elas e nem assim acham bastante...
JUJU Ah, Godô.
GODÔ Juju!
JUJU Godô!
GODÔ Juju!
JUJU Godô! Mas vá, papá não quer que eu te veja. Vai-te. Tenho de
obedece-lo.
GODÔ Obedece-lo?
JUJU Sim. “A obediência é o esteio da moralidade”.
GODÔ Obedece-lo então, mas convencendo-o de que está errado!
JUJU Que ele está errado?

18
GODÔ Errado sim. Estamos em pleno 1600, quase no século XVII! A
modernidade está batendo à nossa porta. Ouvi dizer que em
breve teremos até água dentro das casas.
JUJU Oh, água nas casas, que modernidade. Daqui a pouco teremos
até água filtrada para beber. É o futuro que está batendo a
nossa porta. Mas a moralidade não mudou, ela é sempre a
mesma.
GODÔ A moralidade é como uma fruta delicada, que muda de cores
com a posição do sol!
JUJU Mas se a tocamos, fica marcada, como os pêssegos!
GODÔ Então, mudamos a posição do sol!
JUJU Ah, Godô!
GODÔ Ah, Juju!
JUJU Ah, Godô!
GODÔ Ah, Juju!
JUJU Ah, Godô!
GODÔ Ah, Juju!
De mim não tens dó
E, se me deixas tão só
Eu posso morrer...
Ah, Juju!
JUJU Godô!
GODÔ Juju!
JUJU Godô!
Tamanho é o xodó
Que tenho por ti só
Que, sem ele,
Não posso viver...
Ah, Bodó!

19
GODÔ Juju!
JUJU Godô!
GODÔ Juju!
Do nosso amor
Não vou desistir
Vou sempre lutar
Até conseguir...
Ah, Juju!
JUJU Godô!
GODÔ Juju!
JUJU Godô!
Eu não vou te deixar
Contigo quero ficar
E para sempre
Te amar...
Ah, Godô!
GODÔ Juju!
JUJU Godô!
JUJU E GODÔ Não vou desistir
Vou sempre lutar
Até conseguir...
Ah, Juju/Godô.
QUANDO ESTÃO PARA SE BEIJAR, BATEM À PORTA.
JUJU Oh, batem a porta! Foge, por ali. (SAI GODÔ)
ENTRAM TODOS. RICOTA VAI ABRIR A PORTA. VOLTA.
RICOTA Tem alguém à porta, senhor.
CAPITÃO É claro que tem. Todos ouviram bater. E de quem se trata?
RICOTA Vou perguntar senhor. (SAI ENQUANTO TODOS SE
ARRUMAM, PROCURANDO FINGIR QUE ESTAVAM

20
OCUPADOS FAZENDO ALGO.) Está aí o senhor Hipólito
Cheiroso, vulgo Xexéu, para apresentar o nobre Barão Von...
Barão... Eh... Bem... Tem um nome meio complicado...
XEXÉU (ENTRANDO) Apresentar o nobre austríaco Barão Schwranz
Von Von Schwrangdang Schwrangdeng Schwrangding
Schwrangdong Schwrangdung, mas podem chamá-lo de Barão
Von Von... e o seu sobrinho, Lorde Dom Sir Escopeta I e único.
O Barão é Almirante Capitão Comandante das Caravelas
Maritimas do Mar do Império Austo-Hungaro da Suécia do sul.
Ele recentemente lutou bravamente na guerra austro-húngara
contra o império britânico da espanha, ganhando dezenas de
centenas de milhares de condecorações condecoráveis e
decoravéis. O Barão Von Von pede a honra de ser recebido em
casa de seu nobre colega, o Capitão Asclepíades Parcifal,
cujas façanhas heróicas na Marinha Marítma do Império
Imperial Português e brasileiro do Brasil são conhecidas
universalmente e digo mais, conhecidas no mundo todo.
CAPITÃO Apre, que honra! Um barão em minha casa! Diga Vossa
Excelência ao Barão Von Von que nos sentimos honrados em
ter tanta nobreza neste humilde tugúrio... (SAI XEXÉU.
EXCITAÇÃO GERAL. ENTRAM XEXÉU, RUFIÃO E
ESCOPETA, VESTIDOS A CARÁTER, EXAGERADAMENTE.)
Senhor Barão Von Von, aceitai a hospitalidade que a honra de
ter-vos entre nós fará mesquinha!
XEXÉU O Barão não fala vossa língua, nobre Capitão. Permita-me
traduzi-lo... XEXÉU “TRADUZ” PARA O ALEMÃO,
ENQUANTO SE SENTAM.
RUFIÃO Dizer ao perru enfeitada que a seu casa é uma bosta, uma lixo
como nunca vi igual!

21
XEXÉU (TRADUZINDO) O Barão Von Von agradece a gentileza e está
elogiando a decoração elegante.
ROMÃ (À PARTE) Um gentleman, sem dúvida. Que homem! Que
homem. (SUSPIRA)
CAPITÃO O sobrinho... Lord Sir Dom alguma coisa, também só fala
alemão?
ESCOPETA Não, nobre Capitão. Falo sua língua, que tive a oportunidade
de aprender nas universidades européias da Europa, do Chile,
da França, da Argentina e de Codó...
PORCÁRIA (À PARTE) Que talento! Que sensibilidade! Que belezura.
(SUSPIRA)
ROMÃ Ah, as universidades européias que ficam na Europa. Que
chique.
ESCOPETA Sim, na Europa européia. Principalmente no Chile, na França,
na Argentina e em Codó... que é tudo ali pertinho....
PORCÁRIA Tãos cultas. Tão nobres. Tão belas.
ROMÃ O Barão Von Von canta a ópera?
RUFIÃO (DEPOIS QUE XEXÉU TRADUZIU) Dizer àquela senhorra ter
carra de vaca magrra e feder mais que um gambá morrta!
XEXÉU O Barão disse que sim, senhora, ele canta a ópera como todas
as pessoas de boa formação...
ROMÃ Eu sabia, eu sabia. Um nobre, um nobre.
PORCÁRIA E ao senhor, senhor Escopeta, Escopetinha, lord, sir, dom...
Agradam-lhe as coloraturas?
ESCOPETA As o que, senhorita?
PORCÁRIA Coloraturas... (APROXIMA-SE DELE E FALA QUASE AO SEU
OUVIDO) Co-lo-ra-tu-ras.
ESCOPETA Encantam-me, senhorita... (AGARRA-SE A XEXÉU) Não sei se
vou suportar!

22
CAPITÃO Permitam-me ir verificar se os quartos estão limpos. Venha,
Ricota, vamos verificar se os cofres estão fechados. Não é que
não confie nos nossos hospédes... é que não confio em
ninguém mesmo.
ROMÃ O senhor Barão von von... nos faria o favor de contar algumas
novidades sobre a Europa? Seria tão bom variar do que se
ouve sobre o Brasil...
AFASTA-SE PARA O FUNDO DA CENA COM RUFIÃO,
ENQUANTO ESCOPETA LEVA JULIANA PARA O
PROSCÊNIO, SEMPRE OBSERVADOS POR PORCÁRIA.
ESCOPETA Senhorita Juju, tenho-vos de vos dizer que nem nas cultas
terras de Europa e China e França e Bolívia e Argentina e
Codó, eu vi tanta formosura junta, de uma vez só e ao mesmo
tempo. Encantou-me!
JUJU Senhor Escopeta! Vossa atitude surpreende-me! Estou pasma!
Nem nos conhecemos...
ESCOPETA Não é preciso conhecer-vo-vos para querer-vo-vos. Basta ver-
vo-vos para crer-vo-vos...
JUJU Afastai-vo-vos eu peço-vos. E além do mais... Já sou
comprometida!
ESCOPETA Comprometida?
JUJU Sim, comprometida. Sou quase noiva do senhor Godofredo
Viana, o Godô...
ESCOPETA Bah, compromissos. Compromissos desfaz-se-vos... Basta
querer-vo-vos. E eu quero-vos, quero-vos. (SEGUEM A CENA,
EM MÍMICA)
ROMÃ Oh, Barão, vossa alegria contagiante me contagiou...
Conquistou-me. Sou vossa, toda vossa... Admiradora
entusiasta! Tomai-me... Tomai-me agora... Tomai-me nos

23
braços e... E valsaremos... dançaremos juntos... Juntos pela
vida afora!
RUFIÃO (À PARTE) Arre, só me faltava essa! Vai valsar pra lá... Se eu
não tomar cuidado sou eu quem danço. (PARA ROMÃ)
Senhôrra...
ROMÃ Senhorrrrita... Senhorrrrita Romã, prima do Capitão... Solteira,
descomprometida e invicta. Às vossas ordens... Todas... Sejam
elas quais forem!
RUFIÃO Compreenda... Eu non bodêr...
ROMÃ Bodêr, bodêr… Sim, sim… Oh...Bodêr!
RUFIÃO Nô, nô, nô... Bodêr com “B”, não Bodêr com “F”... Eu nô boder,
eu nô boder... Eu nô boder dançar a vida tuta com a senhôrra...
ROMÃ Senhorrrrita. Romã... Romãzinha, para os amigos mais
chegados...
RUFIÃO Zenhorrita...
ROMÃ Româ... Chamai-me Romãzinha... Tua Romãzinha. Gringão!
(SEGUEM A CENA, EM MÍMICA)
RICOTA Aceita um café, senhor Xexéu?
XEXÉU Oh, que meus olhos vêm? Que linda criatura. Como te chamas?
RICOTA Eu não me chamo, senhor Xexéu... Os outros é que me
chamam...
XEXÉU E como os outros te chamam, minha linda cotovia? Diz para teu
Xexéuzinho, diz?
RICOTA Ui... Pára. Tenho cócegas.
XEXÉU Ah, tem cócegas, que meigo.
RICOTA Ricota. Chamam-me Ricota.
XEXÉU Ricota, Ricota, que linda menina... Ah, se te pego na esquina.
RICOTA Ui, rimou... Assim fico sem jeito.

24
XEXÉU Caiu sopa no mel. Está como eu gosto. Vem cá, minha doçura,
vem... (SEGUEM A CENA, EM MÍMICA)
ESCOPETA Eu te amo-vos! Amo-vo-vos, amo-vos-vos Vamos casar-mo-
vos! Agora! Agora! Diz que sim, diz... Decide-vos...
JUJU Oh! Senhor Escopeta! Modos! Está pensando o que?
ESCOPETA Não penso nada, não penso nada. Só quero... Quero-vos. Diz
que sim, diz...
JUJU Modos, senhor Escopeta, modos!
ESCOPETA Como ter modos diante de uma criatura tão linda? Como?
Como? Como-vos? Como-vos?
JUJU Come nada... E eu já disse que não quero, não quero...
(SEGUEM A CENA, EM MÍMICA)
RUFIÃO Eu já dizer que “nô querro cazar com a senhôrra. Nô querro
cazar com a senhôrra”. (GRITANDO) Nô querro cazar com a
senhôrra. (À PARTE) Não posso mais. Vou bater-lhe.
ROMÃ Senhorita. Romã. Chama-me de Romãzinha, gringão!
RUFIÃO Ai, meu Deus. Parece que pisei na merda... (SEGUEM A
CENA, EM MÍMICA)
XEXÉU Não quero café, quero um abraço.
RICOTA (À PARTE) Cruzes, é estouvado.
XEXÉU Um abraço, um abracinho só.
RICOTA Vai ser difícil. Abraço está em falta.
XEXÉU Coisa linda, macia, vem cá...
RICOTA Não posso, estou trabalhando!
XEXÉU (À PARTE) Um encanto, a criadinha, o que de melhor tem a
casa. (SEGUEM A CENA, EM MÍMICA)
JUJU Já basta. Já disse que sou comprometida. Não vou mais aturar
tua prosápia. (DISPARAM TODOS A FALAR AO MESMO
TEMPO. CAPITÃO RETORNA COM RICOTA)

25
CAPITÃO Senhores... (SILENCIAM IMEDIATAMENTE) Penso que já se
fazem horas de recolher. Infelizmente não costumamos jantar
aqui em casa, então vamos todos direto para a cama. Cada
qual para sua, bem entendido. O Barão nos dará a honra de
habitar o camarote azul. Não foi feito para tanta nobreza, fica
perto do banheiro, mas creio que o achará confortável. O
Sobrinho e o senhor Hipólito ficarão no camarote azul, é meio
distante, fica perto da porta dos fundos, mas é o único que tem
duas camas de solteiro.
CAPITÃO APONTA A DIREÇÃO DOS QUARTOS PARA O
BARÃO. SAEM TODOS, MENOS PORCÁRIA, QUE CHAMA
ESCOPETA.
PORCÁRIA Pssssiu! Pissiuuuu, senhor Escopeta... Digo “senhor” ou me
permite chamá-lo pelo nome?
ESCOPETA Ah, meu Deus, e agora? (TIRA UM PAPEL DO BOLSO E LÊ)
“Je vous en pris, mademoiselle”.
PORCÁRIA Oh, que galante, falando francês... (À PARTE) Só não entendi
se posso ou não chamá-lo pelo nome. Não sei francês.
ESCOPETA Na escola onde estudei, o IFMA de Santa Inês, só se fala o
francês.
PORCÁRIA Oh, oui. (PAUSA) Oui, oui. (APROXIMANDO-SE DELE) Oui,
oui, oui. (APROXIMANDO-SE MAIS) Oui, oui, oui, oui.
ESCOPETA Ainda bem que é tão ignorante quanto eu. (PARA PORCÁRIA)
Senhorita, se o que queria dizer-me-me era oui, oui, já ouvi-vi-
vi. Boa noite.
PORCÁRIA Não era. (FECHA-LHE A SAÍDA)
ESCOPETA Ah... Bem, e em que posso ajudá-vo-las?
PORCÁRIA Será que ainda não descobriu? Será que meus olhos não me
traíram? Será que o rubor das minhas faces e o tremor das

26
minhas mãos não revelaram o meu segredo? (DE COSTAS)
Ou será tão cego que não enxergaste os sinais ineludíveis da
paixão ardente que me queima o coração? Suplicia-me a alma,
corrói-me o fígado?
ESCOPETA (À PARTE) Isso é cachaça.
PORCÁRIA O que disse?
ESCOPETA Eu disse: “Que graça”, senhorita, “que graça”! Que felicidade!
Venturoso o homem que é objeto de tamanha paixão!
PORCÁRIA Sim, venturoso sim... E ditoso, lindo, cheiroso...
ESCOPETA Posso eu saber o nome do ditoso, lindo e cheiroso alguém?
TRABUCO (VIRA-SE) Tu, Escopeta!
ESCOPETA (BERRA E CORRE PARA TRÁS DA POLTRONA) Hein? Eu?
(TREME DA CABEÇA AOS PÉS) C-calma, se-senhorita. E-eu
n-não sou di-digno de co-co-cobiça-la!
PORCÁRIA Eu é que não sou digna de tamanha nobreza, Lord Sir Dom
Escopeta, I e único, amor meu! (OUTRO TOM) Embora seja de
muitas prendas: sei rezar o terço, ferver leite, fazer rendas,
colocar o lixo para fora, pintar porcelanas, fritar ovo e cantar
lindas coloraturas. Quer ver? Ú-ú-ú-ú-ú-ú-ú-ú-ú-ú-ú-ú...
ESCOPETA (À PARTE) Rompe-me os nervos, o destempero! (PARA
PORCÁRIA) Já vi-vos, já ouvi-vos, agora basta-vos,
senhorita...
PORCÁRIA Porcária... Nome russo... Dize: Porcária!
ESCOPETA Arreda-vos Porcária! Se teu pai nos vê assim, sozinho-vos, o
que vai pensar da gente?
PORCÁRIA Nada de mais. Além do que meu pai concorda com o
casamento...
ESCOPETA Casamento? Que casamento?
PORCÁRIA O nosso, ora veja.

27
ESCOPETA Mas quem falou em casamento?
PORCÁRIA Tu, Escopeta, amor meu. Tu falaste.
ESCOPETA Eu? Quando?
PORCÁRIA Agora. Acabaste de falar em casamento. É meio inesperado e
preciso de tempo para pensar... Hum, já pensei! Aceito!
ESCOPETA (À PARTE) Este casamento não estava nos planos! (PARA
PORCÁRIA) He, he, porcariazinha, meu bem, creio haver-vo-
vos um mal-entendido-vos... (LHE SEGURA O BRAÇO)
PORCÁRIA Sim... (OLHANDO A MÃO QUE A SEGURA) Eu não tinha
compreendido o quanto tu me amas! O quanto tu me desejas.
Esta paixão avassaladora que vejo nos teus olhos. Não! Não
diga nada! Eu leio em teu olhar o que tua boca não tem
coragem de me dizer! (OLHA-O NOS OLHOS) Oh, encabulo!
Atrevido!
ESCOPETA (À PARTE) É louca. Preciso ganhar tempo. (PARA
PORCÁRIA) Espera... Devagar. Não nos apressemo-vos...
Precisamos... Conhecer-mo-nos melhor! Algum tempo para
pensar-mo-nos... Depois um tempo distante... Pouca coisa...
Um ano ou dois, talvez três, quatro-vos...
PORCÁRIA Ora, para quê pensar? Pensar para que?
Casamento é loteria
E eu sou o grande prêmio.
Não pretendas em um dia
Conhecer meu talento e gênio.
Tanto mais que sou prendada
Sei fazer corte e costura
E ainda de quebrada
Sei cantar coloraturas (CANTA AS COLORATURAS)
ESCOPETA Meu Deus, preferia ser surdo a ter de escutar estes gritos.

28
PORCÁRIA Escopeta... (APROXIMA-SE)
ESCOPETA Porcária... (AFASTANDO-SE)
PORCÁRIA Escopeta... (APROXIMA-SE)
ESCOPETA Porcária... (AFASTANDO-SE)
PORCÁRIA Escopetinha! (APROXIMA-SE MAIS, AMEAÇANDO AGARRÁ-
LO)
ESCOPETA Porcaria! (ELE FOGE PERSEGUIDO. SAEM.)
FIM DO PRIMEIRO ATO

29
SEGUNDO ATO
REPETIÇÂO DA MARCAÇÃO ANTERIOR. RICOTA ENTRA
ESPANANDO, ARRUMANDO, CANTAROLANDO. ENTRA
CAPITÃO POR TRÁS DELA, PÉ ANTE PÉ, AGARRA-A. ELA
SE DESVENCILHA, COM UM BERRO.
RICOTA AHHHH! Capitão! Sai para lá, assanhado. Todo dia é a mesma
coisa? Já disse que não quero nada com o senhor, pelo menos
em horário de trabalho. (CORREM ENTRE OS MÓVEIS) Me
deixa trabalhar.
CAPITÃO Ricota, meu amor, minha paixão, meu leitão assado, minha
maminha de alcatra, meu churrasco de filé, meu espetinho de
tripinha, minha farofa de sardinha, meu...
RICOTA Credo, até o texto é igual? Não muda nada?
CAPITÃO O meu amor, que é sempre igual, é que me faz agir assim. Ah,
Ricota, casa comigo...
RICOTA Não posso, Capitão, nossa diferença social é muito grande. A
sociedade nunca iria aceitar o nosso amor. Temos que manter
o segredo... É o melhor para todos... (ESCUTAM BARULHO).
Oh, vem gente. Sai, por favor, vão nos ver. (SAEM OS DOIS.
ENTRAM PORCARIA, JUJU E ROMÃ.)
PORCÁRIA (CONTRARIADA) Titia, imagina que Juliana repeliu o
galantíssimo senhor Lord Sir Dom Escopeta, I e único, dizendo-
lhe já comprometida com Godô! (À PARTE) Ainda bem. Deixou-
me o caminho livre!
JUJU (PARA PORCÁRIA) Espírito de porco! Precisavas contar?
(BELISCA-A)
PORCÁRIA Aiii! Feriu-me! (PARA ROMÃ) Bota sangue, vês?
JUJU Se não posso namorar ninguém, também não quero ao senhor
Escopeta, que não me atrai. É um furúnculo!

30
ROMÃ Mas Juju, querida minha, o senhor Lord Sir Dom Escopeta...
PORCÁRIA I e único...
ROMÃ I e único... é caso à parte! É um nobre. Um Lord, um Sir, um
Dom, um Escopeta, um primeiro e um único. Educado, gentil,
não tão bem-apessoado, mas galante, rico, nobre! Nesses
casos sempre se dá um jeitinho!
JUJU Não gosto dele. Fede a peixe... (VINGATIVA) E Porcária, em
troca, cortejou desavergonhadamente o dito cujo!
PORCÁRIA (PARA JUJU) Pústula!
ROMÃ Com sucesso, Porcária minha?
PORCÁRIA (SUSPIRA) Infelizmente não!
ROMÃ Então não está certo, Porcária. Não se pode agir assim,
desavergonhadamente. Só se abre o jogo do amor para
ganhar.
PORCÁRIA Ah, mas não estive só. Pensa que não vi que a senhora, tia
Romã, assediou freneticamente o Barão Von Von?
ROMÃ Eu? Assediei? Freneticamente? Nunca! Ele é que está me
cercando pelos cantos da casa, interessadíssimo em me contar
suas aventuras na europa europeia.
JUJU Tia Romã, tenha modos. Olha a discrição!
PORCÁRIA Tu não és mais uma menina sabe?
ROMÃ E o que sou? Tenho um pouquinho mais de anos do que vocês,
é verdade, mas é só um pouquinho. Mas minha alma é jovem...
JUJU (DEBOCHE) Jovem.
ROMÃ Jovem, sim. Minha alma não está velha, caquética,
encarquilhada, como a tua.
JUJU Velha? Caquéctica? Encarquilhada? A senhora não têm
espelho no quarto? Caquética é a senhora…

31
ROMÃ Estás borracha? Caquética es la vovozita! Estoy muy
arreglada, sí. Cocoróca!
JUJU Peixe-boi! Tartaruga espanhola!
ROMÃ Que exemplo, que exemplo para tua irmã.
PORCÁRIA (CHOROSA) Ah, titia, eu quero casar com o Escopeta.
JUJU Ah, titia, eu quero casar com o Godô!
ROMÃ E eu quero casar com o Barão... Mas calma, sobrinhas minhas,
calma. Tudo se arranjará! Daremos um jeito. Com as mulheres
ninguém pode! Mas com discrição. A HONRA tem que ser
mantida a qualquer custo.
JUJU Temos que convencer papai a não implicar tanto com o Godô.
PORCÁRIA Tenho que convencer papai a aceitar o pedido de casamento
que meu futuro marido, o senhor Escopeta, vai fazer...
ROMÃ Temos que agir com descrição. Lembrem que a honra e a
decência tem que ser preservada a qualquer custo. Porém,
tudo é permitido visando um bom partido, desde que fique a
aparência de decência e moral.
PORCÁRIA Tudo é permitido visando um bom partido, desde que fique a
aparência de decência e moral. Gostei, titia, gostei...
JUJU Mas temos que arquitetar alguma coisa antes que seja tarde.
ROMÃ Temos sim. Mas vamos, vamos indo que já se fazem horas. Se
demorarmos mais vamos nos atrasar para a missa. No caminho
conversamos.
SAEM AS TRÊS. ENTRAM RUFIÃO, ESCOPETA E XEXÉU.
RUFIÃO Parece que estamos sós. Ah, que conforto, poder falar como
gente. Dói-me a goela de tanto rugir alemão!
GODÔ APARECE À JANELA E FICA A ESCUTAR.
ESCOPETA Mas te saiu muito bem, Rufião. A família caiu direitinho na
conversa. Um barão, de nome impronunciável! Só mesmo tu,

32
Xexéu, poderias imaginar tal trapaça. E como tradutor estás
perfeito...
XEXÉU Obrigado, obrigado. Também tu és bom ator. Com esta
aparência de galã de novela da Record podes transtornar os
corações femininos. E tu, Rufião, pelo que vi, não fica atrás...
ENQUANTO FALAM, GODÔ PULA PARA DENTRO E SE
ESCONDE ATRÁS DOS MÓVEIS, MOVENDO-SE DE UM
PARA O OUTRO À MEDIDA QUE OS OUTROS SE
MOVIMENTAM.
RUFIÃO Infelizmente. Tenho aquela velha cocoróca nos meus
calcanhares! E ainda quer casar. Jamais!
ESCOPETA E eu? A gentil e bela Juju me repele; em troca, atraí o urubu, a
porcaria da Porcária. AH, prefiro a morte! Olha aqui, Xexéu, se
este golpe do baú falhar, far-te-ei em pedaços...
RUFIÃO Não falhará nem far-lhe-a em pedaços. Precisamos apenas
tomar cuidado para que o casório saia com a noiva certa.
XEXÉU Não te preocupe, Escopeta, não falhará. Já tenho tudo
arquitetado. Afastamos o urubu da Porcária do teu pé e
fisgamos o pitéu da Juju para o nosso galã. Nada pode falhar.
ESCOPETA É, mas ainda há aquele sacripanta...
RUFIÃO Quem?
ESCOPETA O tal Godô. Pelo que me disse a Juju, a minha futura noivinha,
ela já está comprometida com ele.
XEXÉU Não será difícil afasta-lo. Em último caso nós o agarramos e
entregamos ao Capitão dizendo que ele, além de pobre, está
perseguindo a pobre Juju... O Capitão fara o resto, ha, ha, ha...
GODÔ, PRESSIONADO PELA MOVIMENTAÇÃO, FECHA-SE
NO ARMÁRIO, DEIXANDO A PONTA DO CASACO DE FORA.
XEXÉU VÊ A TENTATIVA DE GODÔ E, ENQUANTO FALAM,

33
APROXIMA-SE DO ARMÁRIO OLHANDO DE PERTO A
PONTA DO CASACO.
RUFIÃO Mas será difícil apanha-lo com a boca na botija. Ele não é tolo.
XEXÉU É bem mais tolo do que pensam. (FAZ SINAIS, INDICANDO
ESTAR ELE DENTRO DO ARMÁRIO) Está no armário! Está no
papo!
RUFIÃO Tranque-o! (XEXÉU TRANCA O ARMÁRIO) Agora vamos
chamar o Capitão e Scronch.! Hó, hó, hó... Xexéu, fique de
guarda! (SAEM ESCOPETA E RUFIÃO. ENTRA RICOTA,
SERVINDO CAFÉ NUMA BANDEJA.)
RICOTA Café quentinho... (VÊ XEXÉU, TENTA VOLTAR)
XEXÉU Aceito... (RICOTA PÕE A BANDEJA NA CADEIRA MAIS
LONGE) Aí não, traz aqui. Não posso mover-me.
RICOTA Por que não? Ficaste entrevado? Está aleijado?
XEXÉU Não. É que monto guarda a esse armário.
RICOTA Está demente! Pois te afasta de mansinho, que o armário não
há de fugir.
XEXÉU Não é ao armário que monto guarda sua tolinha, é ao conteúdo!
RICOTA Ah, ao conteúdo... Um guarda-chuva, dois casacos, uma botina
velha...
XEXÉU Godô!
RICOTA O quê?
XEXÉU Godô. Ele está preso aqui dentro. E chamamos o Capitão para
liquidá-lo a espadadas!
RICOTA (À PARTE) Oh, pobre Juju... Preciso dar um jeito... (FINGE) O
café...
XEXÉU Sim, aceito.
RICOTA (COLOCA NA XÍCARA) Aqui está.
XEXÉU Aqui, te peço, traz aqui...

34
RICOTA (PEGA A XÍCARA COMO SE FOSSE LEVAR PARA XEXÉU)
Aii, aiii... Queima-me as mãos. Aí, me salva!
XEXÉU (VACILA, MAS VAI AJUDA-LA. ELA ENTORNA-LHE O CAFÉ
EM CIMA) Aí, está quente, está quente. Estou escaldado. Aí,
aí, água fria. Água fria! (SAI AOS PINOTES)
(RICOTA ABRE O ARMÁRIO E GODÔ SAI)
GODÔ Minha salvadora! Como posso agradecer-lhe?
RICOTA Sumindo daqui antes que venha o Capitão.
GODÔ Não posso sumir! Descobri que os intrusos são bandidos,
querem apanhar Juju...
RICOTA Rapta-la?
GODÔ Pior, querem casa-la com aquele boneco de porcelana do
Escopeta.
RICOTA Biltres! Sempre desconfiei deles.
GODÔ Mas nós os impediremos.
RICOTA Como?
GODÔ Tenho uma idéia. E usaremos a senhora Romã para isso...
Preciso de papel e tinta para escrever um bilhete! (RICOTA
TRAZ PAPEL E TINTA. GODÔ ESCREVE) Hum... Vejamos!
“Prezada senhora”... Não, formal demais! Algo mais íntimo...
“Cara Romã; Minha bela, minha linda... o destino de tortas
linhas, que levam a destinos desconhecidos, me trouxe até tua
agradável presença. Preciso encontá-la secretamente... Uma
surpresa terá se entrares imediatamente no armário da sala.
Assinado, uma nôbrre coraçon”. Toma aqui, Ricota, entrega a
Dona Romã. Quando ela entrar no armário já sabes, chave
nela. Depressa. (RICOTA VAI PARA DENTRO DA CASA E
GODÔ SAI PELA JANELA. RICOTA VOLTA, SE ESCONDE
ATRÁS DO SOFÁ. ENTRA ROMÃ, LENDO O BILHETE.)

35
ROMÃ ... “O destino de tortas linhas, que levam a destinos
desconhecidos, me trouxe até tua agradável presença. Preciso
encontrá-la secretamente... Uma surpresa terá se entrares
imediatamente no armário da sala.” Armário? E eu lá sou
cabide para ficar dentro de armário? “Assinado, uma nôbrre
coraçon”. Uma nôbrre Coraçon? Hummm, já sei! O Barão Von
Von! Mas entrar no armário? Ah, tudo bem... Tudo pelo amor!
(ENTRA NO ARMÁRIO. RICOTA APARECE E TRANCA-A.
ENTRAM TODOS.)
XEXÉU Por aqui, senhor Capitão. Isso. Muito bem, agora sentem-se
todos que o Barão Von Von tem algo a declarar.
RUFIÃO Carro Capiton, eu achar muita interresanta noticiar que, numa
ata de bravurra, a meu sobrinha conseguir prenderr na armária
a sacripanta que querria importunar a seu filha Juju!
JUJU Godô!
CAPITÃO Ahhh? Prenderam o sacripanta no armário? Há tempos eu
queria botar as mãos nele. Ah, agora está ali. Pois terá uma
lição! Ricota, traga a minha espada. (RICOTA SAI E VOLTA
COM A ESPADA)
JUJU Oh, não papá, imploro-te. Poupa-o!
RICOTA CHAMA JUJU PARA O LADO E EXPLICA-LHE QUE
GODÔ NÃO ESTÁ DENTRO DO ARMÁRIO
PORCÁRIA Se não podes tê-lo, irmã minha, que o tenham os tubarões!
CAPITÃO Chegou a hora! Ricota, ponha a prancha! Ricota, pegue aquele
saco de cebolas vazio que está na cozinha. (RICOTA SAI E
RETORNA COM UM SACO ENORME) Vamos prende-lo no
saco e, depois, joga-lo aos tubarões.
JUJU (FINGINDO) Não... os tubarões não! (FINGE QUE DESMAIA)

36
CAPITÃO Agora, sacripanta, reza tua última oração. Senhor Escopeta,
preciso da sua ajuda. Abra abre a porta do armário e, quando
ele sair, joga o saco em cima dele.
TODOS SE PREPARAM PARA A EXECUÇÃO. CAPITÃO,
COM A ESPADA ALÇADA, EM FRENTE AO ARMÁRIO.
ESCOPETA ABRE A PORTA E, QUANDO ROMÃ SAI AOS
BERROS ELE A COBRE COM O SACO. CAPITÃO DÁ
VÁRIAS ESPADADAS QUE, DEVIDO A MOVIMENTAÇÃO DE
CENA, PEGAM TODAS EM ESCOPETA. A CONFUSÃO
CONTINUA ATÉ PERCEBEREM QUE A VOZ´QUE SAI DO
SACO É FEMININA.
JUJU/PORCÁRIA Titia!?
ROMÃ ARGHHHH! Nunca fui tão humilhada em toda a minha vida!
Que circo é esse? Oh, Capitão, esta espada é para mim? Mata-
me então, mas de um golpe só, para que eu não sofra. Vamos.
Acaba logo com essa farsa.
CAPITÃO Romã, o que fazias no armário?
JUJU Brincando de esconder no armário, tia Romã?
PORCÁRIA Está certo que a senhora parece um sapato velho, tia Romã,
mas não precisava exagerar...
ROMÃ Eu fui enganada! Por algum torpe salafrário que (PARA
RUFIÃO) se eu descobrir... A nôbrre coraçon... ARGHH!
RUFIÃO Ameaçadora, a velha coroca. (PARA XEXÉU) Godô estava no
armário, hein? (DÁ-LHE COM O CHAPÉU) Era Godô, Hein?
Querendo nos trair, hein? Já entendi teu jogo: deixa-nos mal
com o Capitão e te safas com o dinheiro!
XEXÉU Mas eu não fiz nada, não fiz nada.
ESCOPETA Tira-nos dessa agora ou vais pagar caro a traição. (COMEÇA
A ESGÜELÁ-LO, TODOS SORRINDO)

37
XEXÉU (PARA OS DOIS) Eu tiro, eu tiro! Mas sou inocente.
ESCOPETA Inocente... Sei.
XEXÉU (ARRUMANDO-SE) Senhores, tudo foi um pequeno mal
entendido... Um terrível mal entendido. O sacripanta que estava
no armário não era esse que saiu de lá...
ROMÃ Como? Quem é sacripanta?
XEXÉU Isso é, quer dizer, o armário não continha nenhuma sacripanta,
apenas a doce, meiga e jovem prima do nobre Capitão, a dona
Romã, cuja graça e encantos e elegância e charme e
paciência...
CAPITÃO Basta. Chega disso. Estou irritado. Vamos nos sentar. (A
FAMÍLIA SENTA-SE).
RUFIÃO Estamos encalacrados. Como vamos sair desta?
ESCOPETA Sinto até palpitações. Você viu o tamanho da espada?
RUFIÃO Vi e não gostei. Xexéu, dê um jeito na situção.
XEXÉU Pode deixar comigo.
ESCOPETA E é bom que desta vez dê tudo certo, ou senão...
(AMEAÇADOR)
XEXÉU (SENTAM TODOS E XEXÉU LEVANTA-SE) Senhor Capitão,
o momento agora se faz solene. O Barão Von Von (RUFIÃO
LEVANTA-SE, BATE OS CALCANHARES E SENTA-SE DE
NOVO) acaba de tomar uma importantíssima decisão que,
como o tempo urge, convém apressar-nos relatar. O Barão Von
Von (RUFIÃO LEVANTA-SE, BATE OS CALCANHARES E
SENTA-SE DE NOVO) decidiu casar seu sobrinho, Lord Sir
Dom Escopeta (ESCOPETA LEVANTA-SE, CUMPRIMENTA E
SENTA-SE DE NOVO) com uma de suas graciosas filhas.
(PORCÁRIA LEVANTA-SE, FICANDO TODA EXCITADA)
Assim, nesse momento, por meu intermédio e através de mim

38
mesmo, o Barão Von Von (RUFIÃO LEVANTA-SE, BATE OS
CALCANHARES E SENTA-SE DE NOVO) pede a mão de sua
encantadora filha Juliana, conhecida por Juju, para seu
sobrinho, Lord Sir Dom Escopeta. (ESCOPETA LEVANTA-SE,
CUMPRIMENTA, MAS DESSA VEZ PERMANECE DE PÉ.
REAÇÃO GERAL. CAPITÃO AMARRA MAIS A CARA.)
CAPITÃO Senhor Barão Von Von (RUFIÃO LEVANTA-SE, BATE OS
CALCANHARES E SENTA-SE DE NOVO)... Von! Muito me
honra tal pedido, vindo de tanta nobreza, ainda mais
estrangeira, pois tudo que é estrangeiro é melhor...
PORCÁRIA (IMITANDO O CAPITÃO) Tudo que é estrangeiro é melhor.
RUFIÃO É verdade, nobre Capitão, é verdade. Tudo que é estrangeiro é
melhor, meu carra colega.
CAPITÃO Eu sei, eu sei. Mas infelizmente não posso concordar com esse
casamento.
JUJU Não, não podemos.
XEXÉU (LEVANTANDO-SE) Mas nobre Capitão...
CAPITÃO Silêncio.
XEXÉU Sim, senhor... (SENTA-SE)
RICOTA Calma, patrãozinho, calma.
CAPITÃO Calma como? Como calma? Isto é um absurdo, um absurdo.
(REAÇÕES MAIS AGUDAS. VAI FICANDO MAIS FREMENTE.
RICOTA FICA REPETINDO ALGUMAS PALAVRAS FINAIS
DAS FRASES DO CAPITÃO) Essa casa tem sofrido
verdadeiros maremotos em sua organização! Repito e repetirei
ainda, que a ORDEM e a OBEDIÊNCIA são os fundamentos da
estabilidade! Mas aqui parecem não me entender!
(TRANSTORNA-SE) Sinto prenúncios de uma tempestade se
avolumando aqui dentro. Por ser sempre desobedecido!

39
Sempre! Dia após dia! Não permitirei que tal deboche se
imponha na minha casa! Arrancarei trovões, despejarei os raios
de minha autoridade patriarcal, abrirei as cataratas de minha
experiência de vida e despejarei tudo sobre os oceanos
familiares! (TODOS CORREM DE UM LADO PARA O OUTRO
DO PALCO, COMO SE ESTIVESSEM FUGINDO DO
CAPITÃO. ELE AOS POUCOS SE ACALMA. TODOS SE
RECOMPÕEM)
RICOTA Arre, Capitão. Esta zanga foi das boas!
CAPITÃO (PARA OS OUTROS) Já está tudo sobre controle. Aborreci-me
um pouco, é só!
ESCOPETA (À PARTE, PARA RUFIÃO) Se isso é pouco aborrecer-se,
imagina o que será quando muito zangado!
RUFIÃO Nô foi nossa intençon aborrecer ao nobrre colega. Desculpa-
nos...
CAPITÃO Desculpas aceitas, nobre colega, desculpas aceitas. Mas é
que, quando vi a ORDEM das coisas a mudar, transtornei-me,
pois não consentirei em que se case a filha Joana antes de
desencalhar a Porcária!
GODÔ (ENTRANDO PELA JANELA) Mas isso já está resolvido,
senhor Capitão!
TODOS SE ASSUSTAM COM A ENTRADA DE GODÔ,
EXCETO RICOTA E JUJU, QUE SUSPIRA APAIXONADA.
RUFIÃO O sacrripanta!
JUJU Godô!
XEXÉU (À PARTE) Aí vem problemas!
ESCOPETA Senhor Capitão, este é o...

40
GODÔ ... Homem que vai revelar os segredos de todos aqui... Os
segredos dos visitantes... Os segredos dos corações
apaixonados... Todos os segredos. Pois eu sei de tudo.
XEXÉU (PUXA-SE GODÔ PARA O PROSCÊNIO) Você estava
escutando tudo pela janela, não foi?
GODÔ Foi sim... (XEXÉU VOLTA PARA O BANCO, DESALENTADO)
Tenho o grato prazer de conhecer o senhor Manuel Hipólito
Cheiroso, vulgo Xexéu, de longa data...
XEXÉU Não conhece nada!
GODÔ (PUXA-O PARA O PROSCÊNIO) Se chiar, conto tudo que ouvi
daquela conversa que vocês tiveram ainda cedo! E já sabe,
scronch. (VOLTA XEXÉU PARA O BANCO DE CABEÇA
BAIXA) Contou-me ele, com grande intimidade e que só a
gravidade do momento me permite revelar, que o nosso Barão
Von Von (RUFIÃO LEVANTA-SE A CONTRAGOSTO, MEIO
DESCONFIADO, BATE OS CALCANHARES E SENTA-SE DE
NOVO), ele mesmo, o Barão Von Von... (RUFIÃO VAI
LEVANTAR-SE, MAS GODÔ FAZ SINAL PARA QUE ELE
FIQUE SENTADO MESMO) Ele está perdidamente
apaixonado e, não sabendo como revelar seu amor
pessoalmente, faço-o por ele, pedindo, para o nosso Barão Von
Von (GODÔ FAZ SINAL E RUFIÃO LEVANTA-SE, MEIO
EMPURRADO PELOS OUTROS, BATE OS CALCANHARES
E FICA DE PÉ) a mão de Dona Romã em casamento! (RUFIÃO
DESABA DA CADEIRA)
ROMÃ Ah, gringão! (CORRE PARA ELE) Tanto segredo! Tanta
recusas. Tantas dificuldades... Trancou a porta do quarto
ontem a noite, para que eu não entrasse... Gritou quando
apareci no banheiro quando banhavas... Correu, quando me viu

41
nua no quintal... Mas não adiantou fingires... Eu sabia que me
amavas!
RUFIÃO (LIVRA-SE DE ROMÃ E PUXA XEXÉU PARA O PROSCÊNIO)
Traidor de uma figa! Bem disse eu que isso ia acabar mal! Eu
esgano-te! Casar-me com a cocoróca!
GODÔ (INTERCEPTA) Aceita ou conto tudo sobre o golpe do baú! E
então... Scronch!
CAPITÃO É muita honra para essa casa, Barão!
RUFIÃO E... Parra mim... Uma surprrêsa! Uma dolorosa surprrêsa...
(VAI SENTAR-SE AO LADO DE ROMÃ)
GODÔ Ah, mas não param por aí as traquinagens do amor. O cupido
andou ocupado estes dias!
RICOTA (BATENDO PALMINHAS) O que será dessa vez? Quanta
emoção, quanta emoção...
GODÔ A senhorita Porcária, tão igual ao seu nobre pai, o senhor
Capitão...
ESCOPETA (À PARTE) Igual mesmo, infelizmente isso é verdade!
GODÔ Ela é, na realidade, a paixão secreta do jovem e garboso Lord
Sir Don Escopeta, que a deseja desposar loucamente!
ESCOPETA Ah, fui traído!
PORCÁRIA Meu chuchu... Que surpresa... Só não sei se papai vai
concordar com esse casamen...
CAPITÃO (INTERROMPENDO) Eu concordo, concordo. Está concedido!
Está concedido e não vale voltar atrás!
ESCOPETA Não, não, não. Espere só um momentinho... Só um
momentinho. Casar com a bruaca, eu? Nunca! Senhor Capitão,
eu quero esclarecer algo sobre isso...
GODÔ (PUXANDO-O PARA O PROSCÊNIO) Aceita o casamento ou
conto sobre o golpe do baú, a farsa de vocês, o dinheiro, tudo!

42
ESCOPETA (PARA GODÔ) Pois conte. Prefiro a morte ao casamento.
GODÔ (PARA ESCOPETA) Então a terá. Senhor Capitão, eu quero
esclarecer sobre um golpe...
ESCOPETA (GRITANDO PARA GODÔ) Não! Não contes! (FATALISTA)
Aceito!
GODÔ Esclarecer sobre um golpe... do destino que uniou estes dois
seres que se amam. (PORCARIA ESTÁ ABRAÇADA A
ESCOPETA, QUE TENTA LIVRAR-SE DELA E NÃO
CONSEGUE)
PORCÁRIA Ah, Escopetinha! Tanto amor! Tanta paixão reprimida. Tantas
recusas falsas... Pulou pela janela do quarto ontem a noite
quando eu entrei... Gritou por socorro quando apareci no
corredor só de baby dool... Desmaiou quando me viu nua na
tua frente... Mas não adiantou fingires... Eu sabia que me
amavas!
ESCOPETA Ah, merda, pelo visto, minha falta de sorte não mudou nada.
GODÔ Assim a ORDEM será mantida. O caminho está livre então para
o terceiro amor!
RICOTA Oh... Parece coisa de novela... Que lindo, que lindo. Vou
chorar.
GODÔ Peço-vos a mão de Juju, a quem amo com loucura.
CAPITÃO Para ti? Se nem te conheço!
JUJU Ah, papá, conheço-o eu... E bem!
GODÔ As recomendações sobre minha pessoa quem as pode dar é o
nosso Barão Von Von.
RUFIÃO Eu? Pois sim!
GODÔ Ele quer dizer “pois sim, naturalmente”, senhor Capitão.
(AMEAÇADOR) Pois se assim não fosse eu certamente teria
muito que esclarecer sobre certo baú...

43
RUFIÃO Não, não, não! Na-na-naturalmente, o senhor Dom Godô é meu
recomendado. E muito bem recomendado.
CAPITÃO Assim sendo, se o recomenta tão iluste figura, eu aceito o
pedido. Ricota, minha querida, de uma vez só desencalhamos
a família toda. (À PARTE, PARA A PLATEIA) O que vai
acontecer depois do casório não é problema nosso!
RICOTA Não, não é mesmo.
XEXEU Mal ou bem, todos se arranjaram. Agora me arranjo eu! Nobre
Capitão, ainda há algo a dizer: aproveitando os ventos
benfazejos, anuncio mais uma paixão secreta. Ricota, que se
casa comigo.
RICOTA Xexéu, que surpresa! Que loucura! (CAPITÃO VAI SAINDO,
CABISBAIXO) Que melaço, rapadura! Mas não posso aceitar.
Meu coração já tem dono: meu amado Capitão! (CORREM E
ABRAÇAM-SE)
CAPITÃO Estou tão comovido, Ricota, tão comovido que sou capaz até
de fazer uma festa de comemoração. Pequena...
RICOTA Obrigado, meu Capitão...
CAPITÃO Parece até final de opereta.
TODOS REAGEM AO RESULTADO DO GOLPE: RUFIÃO,
XEXÉU E ESCOPETA CHORAM, ENQUANTO JUJU, GODÔ,
RICOTA, CAPITÃO, PORCÁRIA E ROMÃ COMEMORAM O
FELIZ DESENLANCE. O CAPITÃO COMEMORA COM AS
FILHAS TAMBÉM.

FIM DO ESPETÁCULO

44

Você também pode gostar