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Filosofia para a gestão: pensando liderança fora da

caixa: Vídeo 4

Quando eu era pequeno, criança mesmo, eu sempre despertei


nos meus pais grande preocupação. A minha performance escolar
era impecável, eu tirava dez em tudo.

Mas eu não vibrava com nada, eu me arrastava na verdade. Tirar


dez nas provas era uma rotina entediante.

O meu pai tentava de tudo. O meu pai me levava no estádio, no


Morumbi para ver jogo. E enquanto ele torcia, eu descascava
amendoim. De vez em quando, ele tinha que me avisar: “foi gol!”.

E eu fingia vibrar para ele não ficar chateado. O meu pai também
me levou em escola de arte, é legal arte, não é? Argila, guache,
cerâmica, origami.

Uma semana, a mulher chamou o meu pai. “Seu Clovis, nós


temos aqui com o seu filho quatro tipos de aluno; os primeiros são
super talentosos, adoram isso aqui, não saem daqui; os outros
não são tão talentosos, mas adoram isso aqui, não saem daqui
também; os terceiros não gostam tanto daqui, mas enquanto
estão aqui, estão se divertindo; e tem o seu filho, ele não é daqui
é melhor levar ele embora”.

O meu pai tentava de tudo e eu me arrastava. E a minha inércia


irritava ele. Ele me imitava. E ele me perguntava: “Quanto que
você tirou? Dez!”.

O que ele queria era vibração, e vibração eu não conseguia ter.


Lamentava ter nascido, e lamentava sobretudo o fato de que a
morte parecia distante quando se é criança.

Até o dia em que, na oitava série, o professor de geografia entrou


na sala, distribuiu temas de seminário. Ele não iria dar aula. O
curso, o ano inteiro, seriam seminários, como não gosta de dar
aula, deixa os alunos darem a aula, seminário.

E pra mim caiu petróleo. E, nesse momento, eu comecei a me


preparar para falar sobre o petróleo na mesma postura entediada
de sempre.
Até que, no meio do semestre, chegou a minha vez. Eu subi no
palquinho do colégio dos jesuítas aqui de São Paulo, colégio São
Luís. Eu subi no palquinho e eu olhei para a turma, a sala estava
abarrotada de gente.

Eu sempre tive fama de maluco, então os colegas vieram, “vamos


ver o que aquele cara vai falar”. E os outros professores liberaram
os colegas de outras classes, aquilo estava apinhado de gente. E
pela primeira vez na minha vida, eu senti que foi legal estar onde
eu estava.

Era tamanha a minha excitação que eu não conseguia nem falar.


Para aquele momento não acabar nunca, eu não começava o
seminário.

E olhava em silêncio para todos, óculos gigante. Meu apelido era


“Delfim Neto, óculos gigante”.

E eu olhava para todos, e os comentários: “esse cara é mais doido


que eu imaginava”. E o professor se irritou: “O que foi? O senhor
engoliu a língua”?

E constrangido pelo professor, eu tive que começar, e eu comecei


falando mais ou menos do mesmo jeito que eu falo aqui.

E você não pode imaginar, as pessoas se enterneceram, e eu me


encantei com o que eu dizia. E ali, eu pude perceber que a minha
vida era dividida em dois: Antes do seminário e depois do
seminário. Porque naquele seminário, eu percebi que aquele era o
meu lugar.

“Eu nunca mais saio daqui! Eu não quero que isso acabe nunca
mais!”

E eu então falei em quinze minutos tudo o que eu sabia. E o


professor disse: “mas o seminário tem que levar cinquenta
minutos”. O colega disse: “professor, deixa ele continuar falando,
é tão legal o jeito que ele fala”.

Então, eu comecei a inventar sobre o petróleo. E eu disse: “o


melhor petróleo do mundo é o petróleo da Romênia”. Começaram
a anotar. Então, eu disse: “do norte da Romênia, é claro! Região
da Sildávia”, que eu tirei das aventuras de Tintim.
Eu olhei para trás e vi que o professor balançava a cabeça, ele
devia estar pensando: “esse cara não pode estar brincando com a
minha cara”. Eu vi que era a hora de testar a sua sabedoria.

E falei: “o senhor sabia disso?”.

Ele falou: “não, não sabia”.

Eu falei: “anota para aprender alguma coisa”.

A hora que eu mandei anotar as coisas que eu estava inventando,


e ele não reagiu, eu falei “esse lugar é o meu lugar”.

Nossa, a minha aula melhorou muito, eu não tinha que lembrar de


nada, eu inventava tudo.

E eu falei os cinquenta minutos e falaria cinquentas horas se fosse


preciso.

A sineta tocou, os colegas aplaudiram e um deles falou:


“professor, deixa ele dar todos os seminários”.

O professor disse: “Não. Ele só estudou sobre o petróleo”.

Eu falei: “Quem falou? Falo sobre o que for preciso”.

Saí daquele seminário correndo, encontrei o meu pai e


freneticamente eu expliquei o que tinha acontecido. E o meu pai
finalmente sorriu, porque me amava e o que queria de mim era a
vibração com a vida.

E a vibração com a vida, a gente só consegue quando vive no


lugar certo, respeitando nossos talentos.

E aquele professor, que no fundo era só um vagabundo professor,


o que conseguiu ali foi mais do que todos os outros professores
juntos. Ele conseguiu permitir que eu descobrisse qual é o meu
lugar.

Grande professor! Uma homenagem a ele, que pelo fato de não


gostar de dar aula, permitiu que eu percebesse que só dando aula
minha vida teria chance de ser feliz.

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