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Empresas Familiares: aconselhamento na resolução de conflitos.

O que motiva alguém a escrever? O primeiro clique sobre empresas


familiares veio das minhas experiências pessoal e profissional com o tema. Ao
ler o artigo "A evolução das empresas familiares no Brasil” tive a
surpreendente descoberta: segundo dados do IBGE, 90% das empresas em
nosso país têm perfil familiar e representam mais da metade do PIB 1. São
empresas poderosas, presentes em vários setores e de todos os portes.
Essas empresas enfrentam uma situação frágil; muitas delas não possuem
a dinâmica adequada das relações família-trabalho, o que gera permanentes
conflitos que podem levar até mesmo à venda ou sua extinção. Por experiência
própria posso falar de êxito e fracasso na gestão e na continuidade de empresas
familiares, como também afirmar que é um campo vasto para a presença de
conselheiros e que com suas ações podem contribuir muito na sua gestão.
Primeiro, é preciso entender que empresas familiares são duas entidades
— família e empresa — que se mesclam para formar uma organização, com
suas próprias características, a empresa familiar, com as decisões passando por
pessoas que compõem um determinado núcleo familiar. Há que se conquistar o
sucesso em duas frentes: manter os afetos da boa relação familiar e obter o
sucesso comercial. A integridade de uma afeta a da outra. Se a empresa vai mal,
as relações se deterioram e vice-versa
As fragilidades e as dores deste modelo exigem novos olhares. É
fundamental que haja um bom aconselhamento e que o conselho da empresa e o
da família estejam preparados para lidar com os desafios das duas entidades.
Entender que a presença de profissionais especializados, como psicólogos, é
fundamental nesse momento para aconselhar a família.
Ao longo de algumas décadas de trabalho como consultor, pude observar
e vivenciar a realidade de diferentes empresas familiares e os principais desafios
enfrentados por seus acionistas. Pude aprender e entender bem os métodos que
devem ser utilizados para vencê-los. Aqui sou capaz de indicar o caminho das
pedras, os obstáculos, as armadilhas e oferecer insights fundamentais para o
sucesso.

1 "ITO, Sidney; SOARES, Sebastian; ALLEGRETTI, Fernanda. A evolução das empresas familiares
no Brasil. Disponível em: <https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/br/pdf/2021/03/artigo-evolucao-
empresas-familiares.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2024.
Currículo, foto e informações de contato:

Ricardo Duarte Carneiro Monteiro é graduado em Engenharia Civil e


Engenharia Econômica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC - Rio) em 1975 e pós-graduado em Engenharia Industrial, com
especialização em Finanças, também pela PUC, em 1976.
Sócio-diretor, fundador da APSIS há mais de 40 anos, com experiência
em Avaliação de Empresas, Consultoria e Negócios Imobiliários. Diretor do
Instituto Brasileiro de Executivos Financeiros (IBEF) desde 2001. Perito
Judicial de Varas Cíveis e de Fazenda e professor da Cadeira de Construção
Civil da PUC - Rio.
Além da formação profissional, também realizou diversos cursos na área
de humanas holísticas, como religiões diferenciadas, Cabala, Budismo Tibetano,
etc. E, por volta de 1980, começou a competir em Enduro Equestre, chegando a
ser campeão brasileiro em 2000. Em 2002, foi selecionado para representar o
Brasil nos Jogos Equestres Mundiais (WEG - World Equestrian Games), em
Jerez de la Frontera, Espanha.

Contatos:

Site: www.apsis.com,br
E-mail:ricardo.monteiro@apsis.com.br
Telefone/whatsapp: 21 991073724

Redes Sociais:
@ricmondc
Facebook:ricardomonteiro
Linkedin: https://www.linkedin.com/in/ricardo-monteiro-59527321/
Empresas Familiares

Ganhei régua e compasso

As minhas primeiras experiências são o testemunho para evidenciar a


relevância do aconselhamento profissional para o êxito das empresas familiares.
Sou Ricardo Duarte Carneiro Monteiro. Nasci em 24/01/1953 no Rio de
Janeiro, filho de pai gaúcho, militar, Carlos Victorino Carneiro Monteiro, e de
mãe carioca, Neide Duarte Rosa. Casamento típico da década de 1950. O casal
se encontrou no Rio quando ele servia na Vila Militar.
Depois do casamento, meus pais foram morar no enclave militar da Praia
Vermelha, enquanto meu pai cursava engenharia no IME. De uma capacidade
de trabalho e de vida invejáveis, se formou em primeiro lugar e, ainda, teve três
filhos que ajudou a criar. Uma família fundada na força do fazer. É da minha
ancestralidade os grandes elementos formativos da pessoa que sou. A família,
mãe, pai, avós foram presentes na minha trajetória.
Até hoje não sei as razões, mas mudávamos de casas com constância. Até
os 10 anos, estudei em várias escolas, o que me deu resistência ao bullying,
estabilidade emocional logo cedo e rápida capacidade de adaptação. Irrequieto,
meu pai costumava dizer que eu só ficava feliz com desafios e mudanças. Até
hoje, para me sentir feliz tenho que estar em movimento.

Em torno de 1965, fomos morar na rua da Selva, no Alto da Tijuca, em


uma casa muito grande e nossos avós maternos nos acompanharam. O melhor
da família estendida foi a convivência com meu avô, filho de português, uma
espécie de “herói”, uma pessoa agradável e interessante. Na tradição de
domingo, no campinho da casa, jogávamos basquete: meu pai, meu avô com
mais de 80 anos e os quatro irmãos homens. Quando íamos buscar uma bola no
garrafão, ninguém o perdoava pela idade, eram cotoveladas de todos os lados.
Mas vovô suportava muito bem o tranco, devolvia as cotoveladas e se divertia.
Hoje fico apavorado, com algum remorso, pensando nisso. Não sei como ele
aguentava.

Bem-vestido, terno branco de linho, meu avô conduzia a sua vida na


Corretora, onde iniciou como office-boy. Mais tarde, tornou-se proprietário da
corretora que passou a se chamar Duarte Rosa.
Sempre pedi a meu avô para investir minhas economias. Não
compreendia onde estava o dinheiro e, por isso, vovô me levou para ver o
pregão. Essa, talvez, seja uma das experiências mais exóticas que tive: 40 ou 50
senhores gritando, vendendo e comprando ações, com um sujeito fazendo
anotações em um quadro negro. Meu avô me explicou que ele anotava os
fechamentos. Até hoje não sei como se entendiam. Continuei preocupados com
o destino das minhas economias.

Eu estudava no Colégio São José e por alguns problemas de disciplina,


fui transferido para o Colégio de Aplicação da UERJ, um dos melhores do
Brasil, pela metodologia de ensino e o grau de formação de excelência. Fiz um
Segundo Grau muito bom e o pré-vestibular no Bahiense, famoso na época
pelas aprovações. Ganhei bolsa, pois recrutavam os melhores alunos para obter
resultados e divulgação.
Bem preparado, entrei na PUC em 1971 para fazer Engenharia Civil e
Econômica. Em 1975, fiz pós-graduação em Engenharia Industrial, também na
PUC, que tinha forte base financeira, que era meu interesse naquele momento.
Durante a faculdade, trabalhei na área de construção civil, fazendo obras,
projetos e orçamentos. Em seguida à pós-graduação, fui professor , por mais
dois anos, na cadeira de Construção civil, no curso de Engenharia Civil da
PUC. Minha carreira começa a refletir a minha vida de mudanças na infância.

Família é mais do que uma foto.


Aprendi sobre empresas familiares na vivência e na convivência, pois
foram três grandes experiências pessoais que moldaram minha visão, como
devem funcionar e como o conselho deve atuar. Comecemos pelas
consequências do processo de dissolução que pude observar.
A empresa fundada pelo pai do meu tio, casado com minha tia paterna,
não teve um processo de sucessão planejado, o que resultou em um
desentendimento da família inteira e no término do patrimônio. Vivi muito
próximo a esse processo, pois tinha um relacionamento estreito com minha tia e
meus primos. A minha tia sofreu um AVC e “saiu do ar”. A empresa perdeu
valor. Problemas nesses contextos podem ter consequências gravíssimas,
sobretudo afetivas.
A segunda foi, depois de me formar, quando trabalhei com meu pai, por
cerca de 10 anos, em sua construtora e incorporadora, até que, por conta de um
desentendimento, pedi para sair e seguir meu caminho. Fui bastante importante
para a empresa, atuando no comercial. Comecei a fechar vários negócios, mais
até do que dávamos conta.
Meu pai percebeu que a empresa não possuía capital de giro suficiente e
me impediu de continuar fazendo novas vendas. Eu fiquei chateado, como se
não houvesse possibilidade de crescimento ali e me vi impedido de fazer um
bom trabalho. Precisei voltar atrás com alguns contratantes e me senti
desprestigiado.

Mais do que a discordância, houve também uma falha de comunicação.


Acreditava que a solução era simples: bastava que encontrássemos um sócio
com capital. Meu pai não aceitou, preferiu que a empresa parasse de crescer. Eu
cheguei para ele e disse "bom, como eu não tenho campo para crescer e
trabalhar, prefiro sair". Ele queria que eu continuasse, mas também não soube
expressar isso ou negociar.
Meu pai ficou magoado o que afetou nossa relação. Depois vendeu a
empresa por um valor menor do que teria, caso tivéssemos seguido outro rumo.
Essa foi minha primeira experiência fundamental como participante de uma
empresa familiar. Entendo que houve um fracasso aqui.
Muito disso seria evitado com a presença de um intermediário. Um bom
aconselhamento poderia ter feito com que dialogássemos de verdade e
chegássemos a um acordo, cada um cedendo um pouco e reconhecendo as
razões do outro. Um bom psicólogo familiar teria ajudado nesse processo,
inclusive melhorando nossa relação. Na época, não tínhamos essa consciência.
Além de trabalhar com meu pai, também era perito judicial. Com a
experiência em perícias e assistência técnica, o espírito da mudança bateu e
fundei a APSIS Consultoria, que existe até hoje e tem 45 anos de bastante
sucesso. Obtive um bom faturamento e conseguimos um ótimo crescimento
orgânico, sem aquisição ou inserção de capital.
Começamos eu e uma secretária, de cliente em cliente, de investimento
em investimento e conseguimos um forte posicionamento no mercado. Lembro,
por exemplo, quando implantei uma rede de informática nos anos 90’s. Foi um
investimento gigantesco, precisei de um financiamento do BNDES, mas o
resultado foi maior eficiência e ainda mais crescimento. O empréstimo gerou
muito resultado e foi totalmente pago.
Lá eu era, simultaneamente, o CEO e o maior acionista. Com o tempo, o
acionista começou a observar que o CEO não estava focado na empresa, que
andava pensando mais em outras coisas e em sua prática de Enduro Equestre.
Então, tive que vestir os dois chapéus - o branco de CEO e o azul de Acionista,
e me convocar para uma reunião.
Chapéu Azul Acionista: Eu notei que você, Chapéu branco, não tem mais a
mesma paciência para trabalhar, acho que está na hora de você descansar um
pouco.
Chapéu branco CEO: Mas eu fui CEO por muito tempo, não me sinto
confortável de largar agora.
Chapéu Azul Acionista: É melhor Chapéu Branco, você sair agora, focar nos
seus interesses, como andar a cavalo, e deixar a gerência da empresa para quem
pode conduzir bem o nosso futuro por estar mais motivado
O Chapéu Azul acionista decidiu demitir o Chapéu Branco de CEO e
passar o cargo para uma pessoa mais jovem e motivada. Um pouco antes dessa
decisão, minha filha Renata, que é advogada e já nos havia representado em
vários casos importantes, se afeiçoou à empresa e pediu para vir trabalhar
conosco. Eu que, inicialmente, não queria ter filhos trabalhando comigo, acabei
por aceitar. Ela sempre se demonstrou competente, além de ter um grande
talento no trato com pessoas.
O acionista observou isso e decidiu contratá-la. Porém, como o meu
relacionamento com a Renata era fragilizado, por conta do divórcio que vivi
com a mãe dela, decidimos contratar uma psicóloga que nos auxiliou muito
nesse processo.
Renata tornou-se a CEO da Apsis, hoje, a maior empresa do Brasil no
seu segmento, desempenhando um trabalho excepcional e ajudando a empresa a
crescer ainda mais. Tivemos como bônus a melhoria de nossa relação pai e
filha, o que considero um sucesso do ponto de vista familiar e empresarial.

Miguel, meu filho, trabalha conosco, como diretor da APSIS em São


Paulo. Os dois desempenham as funções com muito sucesso. Eles quebraram
totalmente meu tabu de não ter filhos trabalhando comigo e me permitiram ter
mais tempo para o mundo dos cavalos, enquanto integro o conselho da APSIS.

O Caminho das pedras para o resultado de empresas familiares

Além das experiências mais pessoais, nos 40 anos de atuação como


consultor e conselheiro, pude observar e atuar em vários casos de clientes e
aprender com eles. Consegui elencar algumas das mais importantes lições para
o bom funcionamento de uma empresa familiar e compartilho parte delas aqui,
ilustrando-as com dados da pesquisa "Governança em Empresas Familiares:
Evidências Brasileiras", realizada pelo IBGC (Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa) em parceria com a PwC2.
Segundo a pesquisa, 41,9% das saídas de sócios nessas empresas estão
relacionadas a desentendimentos familiares. Uma das maiores causas de
conflitos costuma ser a comunicação inadequada ou até mesmo a falta dela.
Sem uma comunicação sadia, não há entendimento e nem relações harmoniosas.
A lição fundamental é separação entre família e empresa, com
transparência. Regras claras e estabelecidas. Há que se fazer o basicão: o
manual com as regras de convivência. De acordo com a pesquisa, a maioria das
empresas (52%) não possui um documento que discipline a relação entre família
e negócio.
Outro dado importante é que mais da metade delas não possuem regras
formalizadas para a entrada e saída de familiares. Mais uma lição: interesses
pessoais do lado de fora e jamais usar a empresa para benefício próprio.
A sucessão é a causa dos maiores conflitos. Sem critérios claros e
objetivos na escolha, sem a comunicação adequada, essa é a questão que mais
expõe feridas emocionais em várias gerações da família. Quanto mais gerações
presentes, mais conflitos e menos chance de bons resultados.

2 Disponível em:
<https://tradecon.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2019/07/pesquisa_gov_emp_fam_web.pdf>. Acesso
em: 2 fev. 2024.
O entendimento entre irmãos costuma ser mais fácil do que aquele entre
tios e sobrinhos. Sem uma harmonia familiar bem estabelecida, o processo de
sucessão pode ser caótico. É fundamental que haja uma mediação profissional
nesse momento, que auxilie com a comunicação dos critérios utilizados nas
escolhas e que preveja as questões emocionais que podem surgir.
É preciso evitar a confusão dos laços familiares e ter uma compreensão
clara dos papéis dentro e fora da empresa, separá-los, com os dramas familiares
ausentes dos negócios. Não se pode deixar que problemas não resolvidos
interfiram na dinâmica de trabalho. Uma das melhores formas de solucionar é
com a presença de profissional qualificado e experiente.

Conclusão

Talvez a maior parte das empresas familiares no Brasil não esteja pronta
para lidar com os problemas familiares ou de negócios que vivenciam. Sem o
aconselhamento qualificado e princípios bem estabelecidos, a tendência de
fracasso familiar e empresarial é enorme e as consequências podem ser terríveis.
O mero aconselhamento profissional que não dá conta da realidade
familiar, é insuficiente para manter boas relações. A presença de psicólogos é
essencial para orientar a resolução dos conflitos antes da organização da
empresa. Porém é incapaz de suprir as necessidades de gestão. É necessário que
a empresa se comporte de modo profissional e que a família seja uma família.
O leitor deve ter percebido menção da palavra psicólogo diversas vezes
nesse texto. Em minha opinião sem a presença desse profissional não é possível
ter sucesso numa empresa familiar. Eu costumo brincar que “dois familiares só
deveriam se falar com a presença de um psicólogo.”

Como sou engenheiro, me vejo obrigado a fazer alguns cálculos.


Sabedores que as empresas familiares representam 50% do PIB brasileiro, se os
conselhos conseguirem fazer com que as empresas melhorem sua gestão a
aumentem em 10% seu faturamento, estamos falando de acréscimo de 5% do
PIB, o que é muito relevante e importante para o país.

É um mercado com potencial gigantesco, que ainda aguarda ser


explorado.

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