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Armadilha para um Amante

The Disobedient Mistress


Misty ficou perplexa quando Leone Andracchi lhe fez uma proposta que
poderia ser a solução para suas sérias dificuldades financeiras. Mas uma
proposta como aquela certamente continha alguma intenção escusa.
Claro....Em troca, o sexy milionário queria que ela desempenhasse o papel de
sua amante durante dois meses! Misty sentiu-se inclinada a aceitar a
oferta.Afinal,o acordo previa que ela apenas fizesse de conta que era
amante dele.Não seria uma tarefa tão difícil...O problema é que Leone não
estava conseguindo resistir à linda mulher que começava...

Capítulo 1

Leone Andracchi se recostou na cadeira e examinou atentamente a jovem


Melissa Carlton, que pretendia usar como instrumento de sua vingança. Sem notar
que estava sendo alvo de vibrações tão negativas, Misty orientava os garçons e os
funcionários que se encontravam na cozinha para que o serviço se mantivesse
impecável.
Como de costume, Misty estava usando um conjunto de saia e blazer cinza e
sapatos sem salto, que escolhera como seu uniforme. Os cabelos acobreados
estavam presos em um coque simples e o rosto se apresentava ao natural.
Para Leone, Melissa Carlton era perfeita: séria e sem sofisticação. Com seu
jeito de ser, ela não era alvo de cobiça por parte dos homens que trabalhavam para
ele. Era reconfortante saber que nenhum deles falava da nova responsável pelo
fornecimento de refeições aos funcionários das Empresas Andracchi.
Seria possível que todos naquele recinto estivessem cegos, exceto ele? Ninguém
enxergava a promessa sensual que havia por trás daqueles olhos azuis com nuances
de prata e daqueles lábios voluptuosos? Vestida com uma roupa adequada, aquela
mulher deveria ser deslumbrante. Seu corpo era absolutamente adorável, sua pele
parecia de pêssego e a cor de seus cabelos era magnífica.
A imagem da Misty que Leone gostaria de ver materializou-se em sua
imaginação. As pernas longas e bem torneadas exibindo meias finas e transparentes,
as curvas moldadas por lingerie de cetim e renda. E os cabelos soltos para
completar!
Ela era alta, mas não tão alta que fosse precisar se preocupar com a altura dos
saltos quando saíssem juntos...
A essa altura, Leone sorriu consigo mesmo. Eles não haviam nem sequer
conversado ainda e ele já a estava despindo com os olhos. Culpa, por certo, de seu
sangue siciliano. Os homens de sua terra sabiam reconhecer uma mulher atraente
quando viam uma.
No prazo de duas semanas, o mais tardar, ele faria de Melissa Carlton uma das
mulheres de maior destaque em Londres. Como sua acompanhante assídua, ela veria
seu nome nas colunas sociais e seria perseguida por multidões de jornalistas. E se a
movimentação em torno de Melissa Carlton não fosse suficiente, Leone garantiria
sua fama por meio de generosas propinas distribuídas às mãos certas.
Tudo o que iria acontecer no futuro próximo à jovem ruiva havia sido
cuidadosamente planejado por ele durante os últimos seis meses. Não que houvesse
algo pessoal entre eles. O problema envolvia o homem de quem ela era filha: o ho-
mem a quem jurara vingança em nome de sua irmã. Oliver Sargent.
Oliver Sargent era um dos políticos de maior destaque na Inglaterra. Seu
prestígio tinha como base a moral e o respeito à família. Oliver Sargent, um
hipócrita que herdara a fortuna do pai e que nunca precisara trabalhar para sua
sobrevivência. O crápula que colecionava casos amorosos e que abandonara a irmã
dele a sua própria sorte, ferida em um acidente de carro, com medo de um
escândalo, em vez de chamar socorro.
O rosto moreno de Leone, crispou à lembrança da irmã morta um ano antes.
Naquele verão, Bridget tinha acabado de completar dezenove anos e estava
fazendo estágio, como estudante de sociologia política, com a equipe de Oliver.
Quando Leone poderia supor que o sujeito, vinte e cinco anos mais velho, além de
casado, fosse seduzir sua linda e meiga irmã caçula?
- Sr. Andracchi...?
Sem ter noção do semblante carrancudo que ostentava, Leone olhou, surpreso,
para os biscoitos de amêndoas e para as tortinhas de creme que acompanhavam o
café.
As mãos da jovem que segurava a bandeja tremiam, embora houvesse um sorriso
corajoso em seus lábios. Os olhos que o fitavam eram ansiosos. Ele sabia o porquê
dessas condições. Melissa Carlton estava à beira de perder seu negócio.
- Obrigado - Leone agradeceu, formal. Se ela esperava impressioná-lo com
doces e gentilezas estava perdendo seu tempo. Contratos eram assinados com base
em interesses recíprocos de lucro, eficiência e confiabilidade. Estivesse ou não
ciente disso, ela havia quebrado mais de uma das regras básicas para se abrir uma
empresa. Se houvesse uma próxima vez, Melissa Carlton deveria tomar mais cuidado.
- Gosto de novidades - Misty explicou, tímida. Por mais que tentasse, não
conseguia se portar com naturalidade quando falava com aquele homem, que
representava sua última chance de sucesso.
A certeza de que a filha de Oliver Sargent estava nas mãos dele deixou-o
excitado por um momento. O modo que ela lhe falava, como se mal conseguisse
respirar, o rosto afogueado, os lábios entreabertos eram sinais de que, talvez, ele
pudesse aliar o útil ao agradável.
- Quem não gosta, não é mesmo? - Ele estreitou os olhos e provou a torta.
Massa crocante e creme delicado: uma combinação deliciosa. Seria o caso, talvez, de
ele aproveitá-la também em sua cozinha, Leone pensou. - Está excelente.
O rosto de Melissa Carlton pareceu se iluminar em alívio e orgulho. Mais uma
vez, Leone a imaginou em sua casa, sob o sol intenso das tardes na Sicília. Mais
especificamente em sua cama, com os cabelos vermelhos e perfumados espalhados
sobre os travesseiros.
Leone voltou a si quando ela, com toda sua feminilidade, lhe perguntou se
aceitaria uma xícara de café.
Não que Melissa Carlton fosse uma mulher frágil. A investigação que ele
mandara proceder trouxe algumas surpresas. Porque apesar de ter apenas vinte e
dois anos, ela sabia lutar pela vida. Na verdade, ela lhe teria inspirado compaixão e
respeito caso não a desprezasse por ser filha de quem era e, mais ainda, por ter se
apoderado das economias da velha senhora que a criara.
Mal de família, Leone cogitou, enquanto esperava que o café fosse adoçado.
Porque embora Melissa nunca tivesse conhecido o pai nem fizesse a menor idéia de
quem fosse, ela e ele eram iguais. Ambos usavam as pessoas em benefício próprio.
Para Melissa Carlton, contudo, existir não devia ser fácil. Criada em lares
adotivos, ela não teve sorte nem sequer quando chegou sua chance de formar sua
própria família. A mãe de seu noivo não teve descanso enquanto não conseguiu que o
filho terminasse com ela.
Mais tarde, ela teve outro namorado, um cantor de rock, desses que berram,
fazem trejeitos e descolorem os cabelos. Enquanto ele tocava e cantava no centro
dos palcos, ela se apresentava como uma das dançarinas ao fundo.
- Posso trocar uma palavra com o senhor, sr. Andracchi? - ela o trouxe de volta
à realidade.
- Não neste momento - Leone respondeu sem o menor remorso diante da palidez
que substituiu o rubor.
Ela que esperasse. Por que não? Em breve, ele lhe estaria propondo um negócio
da China. Porque, afinal, ele não seria o único a ganhar com o que tinha em mente.
O que Leone mais queria no mundo era destruir Oliver Sargent e precisava da
ajuda de Melissa Andracchi para isso. Não que ela fosse saber sobre o plano.
Quando descobrisse o que estava para acontecer seria tarde demais.
Ao ver seu nome publicado nos jornais como pai de uma criança ilegítima, Oliver
Sargent poderia dar adeus a sua carreira política. Como continuar depois que o
assunto se tornasse domínio público? Justo ele que defendia os princípios morais
como seu baluarte de campanha?
A esposa, sem filhos, provavelmente o abandonaria. Para Leone, isso não
importava. O que lhe interessava era atingir Sargent em seus pontos mais
vulneráveis: poder e ambição.

Porque quando o escândalo se espalhasse, ele poderia dar adeus a postos mais
elevados no governo.
Mas nada do que acontecesse de ruim àquele homem seria suficiente para
compensar a perda de uma vida no auge da juventude. O mal que Sargent havia
causado a sua irmã era irreparável. A vingança seria apenas uma maneira de ele
receber um pouco do muito que merecia como castigo.
E era exatamente para Oliver Sargent sentir na pele o gosto amargo do
sofrimento que Leone queria que o outro soubesse o porquê de tudo que iria lhe
acontecer.
Na época, por mais que Leone tentasse encontrar provas de que Sargent
estivera no carro com Bridget na noite de sua morte, ele não encontrou nenhum
vestígio de sua presença. Mas o problema estava prestes a ser resolvido porque
bastaria o sujeito olhar para Melissa para reconhecê-la. Melissa Carlton era o
retrato fiel da falecida mãe...
Misty cogitou se já teria odiado alguém como odiava Leone Andracchi.
Ele a havia tratado como uma empregada em seu derradeiro minuto na função e
não como uma fornecedora de sua empresa com contrato de experiência assinado,
embora em vias de vencer.
Esse era o motivo do ódio. Leone Andracchi não havia se dado nem sequer ao
trabalho de fazer uma insinuação sobre a prorrogação ou não do contrato. Sendo
que um "não" significaria a falência.
Cada vez que a possibilidade ocorria a Misty, um fio de suor lhe cobria a testa.
Para não pensar, ela mergulhava na tarefa em que estava empenhada, esquecida de
que se achava cercada por homens e de que Leone Andracchi era um deles.
Ele parecia um verdadeiro chefão siciliano com sua fabulosa fortuna e com
poder suficiente para conseguir tudo o que queria num estalar de dedos. A melhor
comparação que ocorria a Misty sobre Leone Andracchi era sua semelhança com uma
nuvem escura no céu à espera de uma chance para disparar seus relâmpagos. Até
mesmo os executivos ao seu redor deixavam entrever o nervosismo que os dominava
no afã de agradá-lo. Muitos, aliás, eram bem mais velhos do que ele em seus trinta
anos.
Um homem brilhante nos negócios, Misty pensou, e um tirano como pessoa. Era
lamentável. Principalmente para ela que, apesar de detestar arrogância, sentia-se
atraída por ele como nunca se sentira antes por outro.
O modo como Leone Andracchi olhara para ela enquanto lhe servia os doces e o
café contribuíram para aumentar sua excitação. Era preciso fazer alguma coisa,
gostasse ela ou não. Se o empresário não renovasse o contrato com sua empresa, não
teria como continuar sustentando Birdie, a mulher que considerava como sua mãe.
- Como é lindo! - exclamou Clarice, amiga e funcionária de Misty, ao se referir
ao dono das Empresas Andracchi enquanto colocava as xícaras sujas em um
contêiner. - Cada vez que olho para ele sinto que saio do corpo e vou para o paraíso.
- Fique quieta! - Misty repreendeu a outra, corada de embaraço. O que Leone
Andracchi pensaria se surpreendesse as duas olhando em sua direção?
- Você também não perde a oportunidade de admirá-lo quando o pega distraído.
Misty não retrucou. Para quê? De que adiantaria explicar à amiga que seus
olhares eram como aqueles que lançamos a uma jaula para ter certeza de que a fera
não irá escapar? Uma mera arma de proteção?
E ele, sem dúvida, olhava para ela como deveria olhar para toda e qualquer
mulher a sua volta. Afinal, o que o dono de um império iria querer com a humilde
fornecedora de refeições que estava lhe prestando serviços sob um contrato de
experiência?
Como se não bastasse, aquela era apenas uma das muitas divisões do
conglomerado. Não estava situada em Londres, mas nos arredores de Norfolk, em
uma pequena cidade chamada Brewsters.
Fora uma surpresa para Misty ser entrevistada pelo próprio dono quando se
apresentou como candidata ao fornecimento. Mais ainda, ser aprovada por ele. Não
imaginara que sua empresa sairia vencedora na concorrência. Não depois dos testes
humilhantes a que ele a submeteu e que a fizeram se sentir como uma criança.
- Isso é que é homem - Clarice voltou à carga. - Ele é todo músculos e energia.
Faz pensar em sexo com um simples olhar. Deve ser daqueles que enlouquecem na
cama e que também fazem enlouquecer...
- Daria para você parar de falar nesse homem! - Misty protestou. - Não conhece
sua fama de conquistador barato? Clarice franziu o rosto.
- Eu só estava tentando fazer você rir um pouco. Relaxe, Misty.
Ciente de que estava com os nervos em frangalhos, Misty se desculpou. Ninguém
sabia, nem sequer Clarice, que sua pequena empresa de catering estava em iminência
de fechar. Se ela não conseguisse assinar um contrato normal de fornecimento de
refeições nos próximos dias, o banco se recusaria a renovar o empréstimo e ela não
teria nem sequer como pagar os funcionários no final do mês. Quanto mais as dívidas
e a hipoteca de Fossetts House.
Seus pensamentos foram interrompidos pela chegada de um jovem loiro, de
terno, cuja expressão não escondia sua surpresa. Ao ser informada de que o chefe
queria vê-la em seu escritório, Misty ficou igualmente perplexa. Quem não ficaria ao
saber que um empresário importante como Leone Andracchi queria tratar de
negócios pessoalmente com alguém como ela? A não ser que ele tivesse sido sincero
quando lhe disse quatro meses atrás as seguintes palavras:
- As refeições representam uma arte para os sicilianos e eu quero proporcionar
esse tipo de experiência a meus executivos. Não gosto de ver as pessoas almoçarem
míseros sanduíches em suas mesas. Sou de opinião que as pessoas produzem mais
quando se alimentam bem.
Assim, enquanto durou o período de teste, Misty serviu refeições nutritivas e
saborosas ao almoço e pequenos lanches à tarde.
Antes de se apresentar para a entrevista, Misty foi ao toalete para ao menos
lavar as mãos e passar um pente pelos cabelos. Não estava com uma de suas
melhores aparências. Como poderia após tantas noites insones?
E aquela, provavelmente, seria a pior de todas, Misty pensou com o coração
acelerado. Porque não tinha esperança de ver seu nome assinado em um novo
contrato. E mesmo que Leone Andracchi a quisesse, a Carlton Catering estava tão
mal que suas chances de recuperação eram quase nulas.
Uma secretária abriu a porta e ela respirou fundo antes de entrar na imponente
sala. Queria aparentar calma e tranqüilidade, algo que suas mãos úmidas e trêmulas.
facilmente desmentiriam.
- Sente-se, srta. Carlton.
Leone Andracchi estava ao telefone, de pé, junto à janela inundada de sol. Ele
falava baixo, quase sussurrando, como se estivesse em companhia de uma amante.
Sem perceber, Misty torceu o nariz à idéia. Mas admitiu, a contragosto, que Clarice
estava certa sobre ele ser um homem dos mais atraentes. Um verdadeiro colírio
para os olhos. Seus cabelos não poderiam ser mais pretos e mais brilhantes. A pele
era lisa e morena e os traços eram perfeitos em sua força e masculinidade. A boca,
então, era maravilhosa. E os olhos pareciam mudar de cor de acordo com a
luminosidade ou, talvez, com o estado de espírito. Ela já havia pensado neles como
pretos e também como dourados.
Tivera a oportunidade de observá-lo em companhia de algumas mulheres. Ele
parecia dar preferência àquelas que riam à toa. Patético, com certeza. Porque um
homem como ele deveria se fazer acompanhar por uma mulher de verdade.
Inteligente e dona de suas próprias opiniões. Uma mulher capaz de tratá-lo de igual
para igual e de colocá-lo em seu lugar, se necessário. E se havia um homem que
precisava aprender a respeitar a individualidade alheia era Leone Andracchi.
A curiosa expressão de desdém que Leone leu nos lábios de Melissa ao devolver
o fone ao gancho o surpreendeu. Olhou nos olhos dela e encontrou-os distantes.
Eram raras as pessoas com poder de abstração tão forte que chegavam a bloquear o
sentido de tempo e de espaço. Melissa Carlton era uma delas.
Em seu devaneio, Misty lembrou-se de que haviam lhe ensinado a despir
mentalmente uma pessoa para não se sentir intimidada por ela. Mas como despir um
homem atraente como Leone Andracchi sem ser afetada por sua sexualidade? Só de
pensar em vê-lo sem roupa, uma onda de calor lhe subiu pelo corpo.
Misty respirou fundo e pestanejou.
- Bem-vinda de volta à Terra, srta. Carlton - Leone Andracchi murmurou com
ironia.
Misty levantou a cabeça em imediata posição de alerta. - Desculpe tê-la feito
esperar. - Ele não lamentava o feito. Misty tinha certeza de que as palavras tinham
sido ditas apenas por educação. - Mandei chamá-la para conversarmos sobre seu
contrato que está por expirar. Embora nada me obrigue a lhe adiantar essa
informação, resolvi fazê-lo, movido pela excelência de seu trabalho no decorrer das
últimas oito semanas, e lhe explicar o porquê de não estar interessado em suas
condições.
O estômago de Misty deu uma reviravolta à confirmação de seus piores receios.
- Dispenso elogios vagos, sr. Andracchi. Se decidiu não renovar seu contrato
com a Carlton Catering o motivo só pode ter sido sua insatisfação com os serviços
prestados.
- Não é tão simples assim - Leone retrucou. - Sua empresa está afundada em
dívidas e eu não poderia assumir o risco por todo um ano.
Pela primeira vez, Misty conseguiu enfrentar aquele olhar que parecia esmiuçar-
lhe a alma.
- Posso saber onde conseguiu essa informação?
- Tenho minhas próprias fontes.
- Não é verdade - Misty disse após um momento.
- Não minta para mim. Não tenho tempo para mentiras - Leone murmurou. - Os
dados são precisos. Sei que o banco não lhe concederá prorrogação do prazo de
pagamento a menos que consiga um contrato de um ano no mínimo.
- Se alguém no banco fez essa declaração, abrirei um processo. Posso lhe
garantir, sr. Andracchi, que cumprirei minha parte no acordo até o último dia caso
resolva contratar meus serviços.
- Admiro seu otimismo, mas sejamos práticos. Você tem talento e sabe lidar com
seus funcionários. Seu erro foi submeter uma proposta com um valor abaixo do
mercado. As despesas que envolvem uma empresa do ramo alimentício são altas. Com
o preço que me cobrou, você mal cobriu seus custos.
- Eu queria sua conta. Estipulei um preço irrisório na esperança de recuperar o
investimento no decorrer do ano. Acreditei quando disse que gostava de apoiar
novas iniciativas...
- Não quando o capitão do navio se recusa a reconhecer seus erros. No seu caso,
por exemplo. Como se atreve a discutir comigo quando já está ciente de que eu sei
tudo sobre a real situação de sua empresa? De que eu sei que está afundada em
dívidas até seu lindo pescoço?
- Deixe meu lindo pescoço fora disto, por favor. - Misty se levantou, furiosa.
Não bastava ele dizer que ela não levava nenhuma chance de ter seu contrato
renovado? Precisava acusá-la de ter cometido erros?
- 0 fato de não conseguir conter sua irritação me impressionará ainda menos.
A raiva de Misty era tanta que fluía por seus olhos. Contra sua vontade, Leone
observou-a. 0 que havia com ela? 0 que pretendia? Convencê-lo de que não estava à
beira de um colapso financeiro?
- 0 senhor me chamou aqui e me deu a notícia de que não pretende assinar um
contrato comigo - Misty declarou com dignidade. - Por que acha que eu desejaria
impressioná-lo?
Leone fitou-a de esguelha.
- Eu poderia estar cogitando lhe estender uma tábua de salvação.
Uma risada trêmula e involuntária escapou da garganta de Misty. Por sorte,
aquele homem não havia lhe dado nenhuma chance de implorar. Era-lhe grata, aliás,
por tê-la enfurecido. Porque se sentiria a última das criaturas se não medisse as
conseqüências em nome de conseguir o bendito contrato. Estava diante de um
homem que gostava de se divertir à custa dos outros.
- Existe uma possibilidade real?
0 silêncio pesou no ambiente. Misty precisou umedecer os lábios com a ponta da
língua. Mas antes não o tivesse feito. Os olhos de Leone Andracchi seguiram o
movimento com total atenção.
Misty precisou baixar os olhos. Uma sensação estranha se apoderou de seu
corpo. Uma palpitação a fez respirar mais depressa. Os mamilos enrijeceram.
Ela nunca se sentiu tão aliviada pela escolha de uma roupa. 0 blazer não
revelaria sua excitação. Leone Andracchi não iria notar nada. Porque se ele tivesse a
menor suspeita de que a afetava daquele modo, ela estaria perdida.
- Tudo é possível.
Misty sentiu que o ar lhe faltava. Algo estava acontecendo naquela sala. Ou
Leone Andracchi já a teria dispensado. - Tenho uma outra proposta para lhe fazer -
Leone Andracchi prosseguiu. - Preciso de sua colaboração por um período de dois
meses. Em troca, eu me proponho a salvar sua empresa. 0 que me diz?
- Da última vez que olhei para o céu não havia duas luas.

Capítulo 2

Misty ainda não havia terminado de dizer aquelas palavras e já estava


arrependida. Não conseguia entender o que lhe dera para apresentar aquele tipo de
reação. Ao menos daquela vez, não podia culpar Leone Andracchi por estar olhando
para ela com reprovação. - Desculpe - disse Misty -, mas pareceu bom demais para
ser verdade.
- Então começa a admitir que está à beira de abrir falência?
Um arrepio percorreu as costas de Misty. Jamais poderia aceitar o fracasso
após tanto trabalho, tanto esforço.
- Sr. Andracchi...
- Enquanto você não admitir essa realidade, não podemos prosseguir - ele avisou.
Misty mordeu o lábio. Por que aquele homem insistia em coloca-la contra a
parede? Por que a estava julgando por sua tentativa de firmar o contrato? Ela não
seria capaz de trair a confiança de ninguém. Se soubesse que não conseguiria
cumprir o prazo, não estaria lutando para manter aquela conta. Faria qualquer coisa
para leva-la a termo, até mesmo passar a pão e água.
- Estou à beira da falência - Misty admitiu, por fim, com um fio de voz.
- Como eu estava dizendo, tenho uma proposta para lhe fazer. Não tem nada a
ver com arte culinária, embora esteja liberada para preparar pratos típicos da
Sicília caso sinta vontade de cozinhar em suas horas livres.

A proposta não estava relacionada a catering? Misty não dispunha de nenhum


espelho para se mirar naquele momento, mas tinha certeza de que o assombro
estava estampado em suas feições.
- Em primeiro lugar quero sua palavra de que nada do que será dito nesta sala
será repetido lá fora.
Ele não estava fazendo nenhum pedido absurdo. Ao contrário. A primeira regra
no mundo dos negócios era saber manter sigilo.
- O senhor a tem.
- Preciso de uma mulher que finja ser minha amante. O queixo de Misty
virtualmente caiu. Por sorte. Assim ela não correu nenhum risco de dar uma resposta
tão absurda quanto o que acabara de ouvir.
- Espero que tenha prestado atenção ao verbo que usei. Fingir. Nunca assediei
minhas colaboradoras e não pretendo começar agora. Se você aceitar fazer esse
papel, será considerada uma funcionária. Enquanto durar a função, estará garantida
por contrato.
A seriedade com que ele expôs os termos da proposta a deixou estupefata. Não
podia acreditar que fosse verdade. Por que, afinal, um homem como Leone Andracchi
precisava pedir a uma mulher que se fizesse passar por sua amante? Sua agenda de
conquistas deveria ter o tamanho de uma lista telefónica. Se ela não estava
enganada, ele estava saindo, inclusive, com uma artista de televisão. Uma loira
curvilínea que arrancava olhares até mesmo de outras mulheres.
- Temo não estar entendendo.
- Não é preciso entender. Tenho minhas próprias razões e não pretendo explica-
las. Sei que as mulheres não gostam de mistério mas neste caso a discrição é
fundamental.
- De qualquer modo, não consigo entender por que o senhor escolheu justamente
a mim para desempenhar esse papel.
- Não mesmo? - Um súbito sorriso apareceu naquela boca sensual.
Misty não se humilhou a ponto de perguntar a que Leone Andracchi estava se
referindo. Ela não era nenhum exemplo de beleza nem de glamour e não tinha o
perfil das mulheres com quem ele costumava ser visto.
- É alguma brincadeira? - Não.
- Mas o senhor deve conhecer centenas de mulheres - Misty protestou,
intimidada pela persistência. - Por que eu?
- Prefiro contratar e demitir a atrair com subterfúgios e confiar - Leone
respondeu sem hesitar. - Por que está tentando me dissuadir de salvá-la da ruína
financeira?
Colocado daquela forma, o silêncio parecia a melhor alternativa, mas por mais
que tentasse se convencer dessa tática, Misty sentia necessidade de ter ao menos
alguma idéia do que o levara a fazer aquela proposta.
- Não deixa de ser estranho - Misty insistiu.
- Não se trata de um pedido que eu possa fazer a qualquer uma - ele se limitou a
dizer. - Será preciso ser convincente no papel. As pessoas terão de acreditar que
somos realmente amantes.
Incapaz de encará-lo, Misty baixou os olhos.
- Não creio que tenha talento para a arte dramática.
- Bastará que siga minhas instruções sem discutir e sem hesitar.
Ocorreu a Misty, naquele instante, que Leone Andracchi estava lhe falando
como um homem de negócios. Ela não detectou em momento algum um interesse
escuso por trás da proposta. Ele parecia querer realmente uma amante de mentira.
- O que uma amante de mentira precisaria fazer?
- Posso ter certeza de que estamos falando realmente de apenas fingir?
- Acha que eu preciso pagar para ter sexo? Misty ergueu uma sobrancelha.
- Não é preciso levar a conversa para o lado pessoal, sr. Andracchi. Sua vida
particular é assunto seu e minha segurança é assunto meu.
- Está insinuando que eu possa ser um pervertido? - Leone indagou com inegável
espanto.
- Como posso saber? Não se trata de uma proposta comum. Não é todo dia que
recebo propostas de milionários sicilianos dispostos a me oferecer a lua em troca de
um papel de amante. Não acha?
- Eu acho que se esse tom e essa atitude continuarem não haverá nem sequer um
milionário siciliano interessado em contratá-la.
Incapaz de permanecer sentada e imóvel, Misty se levantou. Estava do outro
lado da sala quando se virou para fitá-lo novamente.
- Apenas me diga o porquê de estar me pedindo isso. Por que eu?
- Você não poderia mudar de idéia no meio do caminho e tentar alterar nosso
acordo para sua própria conveniência. Misty estremeceu. Aquele homem sabia o que
estava falando. Ele tinha a faca e o queijo na mão. Ela não estava em condições de
fazer exigências. E ele não sentia o menor pudor em usar de total sinceridade.
Ela precisava pensar e rápido. Haveria outra alternativa para não encarar a
falência e a perda de um teto para Birdie? Por outro lado, como poderia assumir um
compromisso para o qual não tinha nenhum talento? Não era uma atriz. Ele não
conseguia enxergar que ela não seria convincente no papel?
- Eu não seria capaz... Nós somos como água e azeite. Não temos nada em
comum. Eu não saberia viver uma vida em sociedade como a que está acostumado.
- Você se subestima - Leone murmurou.
Misty se perdeu na intensidade daqueles olhos que se tornaram dourados ao se
estreitarem. A garganta secou. De repente, contrariando o bom senso, ela quis
sorrir e se sentir feminina mesmo que isso significasse o risco de ter seu coração
novamente partido.
A atmosfera estava carregada de eletricidade com as vibrações sensuais que
Leone Andracchi emitia. Misty sentiu o calor do desejo se espalhar por todo o corpo.
- Diga a palavra e assine na linha pontilhada, e todos os seus problemas terão
fim.

- O que envolveria essa função? - Misty viu-se perguntando apesar de tudo.


- Mudar-se para um apartamento de minha escolha, usar as roupas que eu irei
comprar, ir para onde eu determinar, no momento que eu mandar, sem discutir.
A palavra mais correta seria escrava, Misty pensou. Ao mesmo tempo, nada
sugeria que ele tivesse segundas intenções. A farsa não envolveria nenhum tipo de
intimidade. Seria um caso de representação em público. Apenas isso. Leone queria
ter uma mulher para exibir. O único mistério em tudo aquilo era o motivo, que ele se
recusava a revelar.
Em nenhum momento havia passado pela mente de Leone Andracchi levá-la para
a cama. Misty corou até a raiz dos cabelos por ter permitido que a idéia lhe
ocorresse. Ela não precisaria se preocupar com sua segurança. O que estaria em
jogo, naquela história, seria seu orgulho.
A verdade nua e crua, Misty pensou, era que se venderia porque dinheiro estaria
envolvido. Não era o mesmo que trabalhar em troca de um salário. A perspectiva de
fazer o papel de amante de um homem deixava na boca um sabor amargo. Mas
suportar esse gosto amargo não seria melhor do que prejudicar Birdie e os
funcionários que dependiam dela? Desde quando, afinal, orgulho pagava contas?
- O que o senhor faria por mim? - Misty perguntou com um fio de voz.
- Em primeiro lugar, você precisa parar de me chamar de senhor. Eu liquidarei
todas as suas dívidas, colocarei sua empresa em condições de dar lucros e me
encarregarei de cobrir os salários de todos os seus funcionários enquanto durar
nosso acordo. Se tiver mais alguma reivindicação, poderemos negociar.
Misty sentiu o estômago queimar embora o olhar de Leone não pudesse ser mais
frio. Aquele homem tinha tudo planejado. Estava certo de que conseguiria comprá-la.
Era terrível para ela ser obrigada a reconhecer que era culpada de dar a Leone
Andrácchi essa certeza.
- Pensarei nisso esta noite e amanhã lhe darei uma resposta.
- O que resta para pensar? - Leone franziu o rosto.
- Eu acho que você está subestimando minha parte no que chama de acordo -
Misty se defendeu.
De sério Leone se mostrou zangado.
- Não vejo nenhum problema nem conflito de interesses. Você passará a vestir
roupas de grife, irá se mudar para um apartamento deslumbrante e terá
oportunidade de freqüentar lugares caros e de se divertir durante dois meses.
- O que parece muito para uns, não significa nada para outros - disse Misty e se
dirigiu à saída para perplexidade de Leone.
- O que mais você esperava? - Respeito, para começar.
- Respeito precisa ser conquistado... e eu duvido de sua capacidade de
conquistar o meu.
Não ser bem-sucedida nos negócios a transformava em uma pessoa sem valor?
Leone Andracchi só sabia respeitar quem apresentava uma gorda conta bancária e
pedigree social?
- Eu não deveria ter dito o que disse. Sinto muito - ele se desculpou um instante
depois.
- Não é preciso se desculpar. Você disse o que sente. Não esperava outro tipo
de reação de um homem arrogante e impiedoso como você. Sabe que poderia ter
assinado um contrato comigo sem medo. Sabe que eu cumpriria minha palavra mesmo
que pagasse por ela com minha vida. No entanto, preferiu se aproveitar de meus
problemas como uma arma contra mim. Você não tem compaixão nem consciência.
Leone não respondeu. Misty encarou-o por um longo momento. Seu corpo tremia
de raiva.
- Eu não deveria ter dito o que disse. Sinto muito - ela o imitou com a voz
impregnada de ironia antes de ir embora, rápida como o vento.
No meio do caminho, ela parou e se perguntou se havia agido certo. Afinal, de
que adiantaria correr da única mão que se estendera e que poderia significar seu
sustento amanhã? O que Leone Andracchi estaria pensando a não ser que ela não
merecia a oportunidade que ele lhe dava? Não seria uma paranóia da parte dela
acreditar que ele havia se negado a efetivá-la como sua fornecedora só para ter
maiores chances de pressioná-la a aceitar o papel de amante?
O mais provável, aliás, era que outras mulheres já tivessem se recusado a
assumir esse papel. Ou ele não a teria procurado.
Enfim, qual seria o plano de Leone Andracchi? Por que ele estava disposto a
gastar uma pequena fortuna para exibir uma amante falsa? Alguma vantagem ele
pretendia obter disso. Mas qual? Por mais que ela se esforçasse não conseguia
atinar com o beneficio que poderia advir disso.
O elevador parou no andar térreo e Misty desceu. Estava atravessando o
espaçoso foyer quando seus passos se tornaram mais lentos.
Onde havia ido parar seu bom senso? Como pudera dar as costas a sua oferta de
salvação? Em troca do tal papel ridículo que ela não queria aceitar, Leone saldaria as
dívidas que a impediriam de continuar mantendo um lar decente para Birdie e pagar
os salários que garantiriam a sobrevivência de várias famílias.
Diante da possibilidade de tantas pessoas virem a sofrer, o que seriam dois
meses da vida dela em comparação? Não era como se houvesse escolha, era?
Misty se obrigou a tomar o elevador de volta e fazer o retorno pelo corredor
até a sala de Leone Andracchi. Foi uma surpresa encontrá-lo à porta com dois
homens. Parou a alguma distância e esperou que ele a atendesse.
Quando os minutos passaram e ele continuou ignorandoa, Misty teve certeza de
que o procedimento era deliberado para humilhá-la. Céus, como gostaria de ir
embora dali e nunca mais voltar!
Por fim, ele se dignou a atendê-la e ela não perdeu mais tempo.
- A resposta é sim.
Leone encarou-a com olhos estranhamente brilhantes. Misty se deteve em meio
ao movimento de se virar para pegar novamente o elevador. Os outros homens
olhavam, curiosos. Leone estava sorrindo de um jeito que a deixou sem fôlego. De
repente, ele a pegou pela mão e enlaçou-a.
- Vocês me dão licença...?
Misty não teve tempo para perguntar o que estava acontecendo. Leone colocou-a
com as costas apoiadas no batente da porta e beijou-a como se quisesse devorá-la.
Um gemido de susto escapou-lhe dos lábios, mas não foi além disso. Porque, embora
não desse para entender, a intensidade daquele beijo a despertou para uma
sensualidade que não sabia possuir. O modo como ele a segurou pelos quadris e a
pressionou firmemente ao encontro da rigidez do próprio corpo a fez incendiar por
dentro.
Ele mergulhou a língua na maciez úmida de sua boca uma infinidade de vezes, em
uma invasão erótica que a deixou alucinada de paixão. Sentia a força do desejo que o
assaltava junto a suas pernas, mas em vez de repelir o contato, ela se sentiu ainda
mais excitada.
-Acho que a demonstração foi impressionante o bastante para eles acreditarem
em nossas intenções - Misty o ouviu dizendo.
Mais lenta em sua recuperação, ela precisou buscar o oxigênio como um
náufrago prestes a se afogar. Suas pernas mal conseguiam sustentá-la.
Não dava para explicar o que havia acabado de acontecer. Um beijo, por melhor
que fosse, não era motivo para alguém sentir o que Misty estava sentindo. A verdade
era infinitamente mais perturbadora. Ela havia gostado daquele beijo. Seu corpo
vibrara sob o poder de Leone como jamais havia vibrado antes.
- Nossas intenções? - Misty repetiu, perplexa. O corredor agora estava vazio,
mas ao menos duas pessoas haviam sido testemunhas do maior pecado que uma
empresária poderia cometer. Portar-se de maneira pouco profissional em um
ambiente de trabalho.
- A oportunidade era boa demais para perder - Leone respondeu.
- Você disse que jamais seria capaz de assediar sexualmente uma funcionária -
Misty protestou, indignada.
- Seria muita ingenuidade de sua parte esperar convencer os outros de que
estamos tendo um relacionamento sem dar uma ou outra demonstração de afeto em
público. É claro que nada acontecerá quando estivermos a sós.
- Isso não precisaria nem sequer ser dito - Misty resmungou, chocada demais
para cogitar naquele momento do alto preço que teria de pagar por aquele acordo. -
Posso ir agora?
Leone demorou alguns segundos para liberá-la.
- Sim. Mas esteja no hotel esta noite às nove para acertarmos os detalhes.
Estou hospedado no Belstone House.
- Não posso. Tenho um...
- Cancele-o - Leone ordenou. - Esta é minha última noite aqui. Amanhã voltarei
para Londres.
Misty fez que sim e se afastou, rígida como pedra. Estava furiosa consigo
mesma, mais do que com Leone. Como pudera se abandonar tão completamente em
seus braços? Ela nunca havia se comportado daquele jeito. Nem sequer com Philip,
de quem ficara noiva.
A lembrança das primeiras carícias sensuais que havia recebido, três anos
antes, a fez corar. Ela se considerava pouco mais do que uma garota na época e a
timidez não permitiu que ela correspondesse com ímpeto. Por outro lado, Philip não a
havia beijado com a perícia de Leone Andracchi. Leone beijava tão bem que ela
chegou a esquecer o desprezo que sentia por ele.
Confusa com aquela avalanche de sentimentos inexplicáveis, Misty sentou-se
atrás do volante de sua van e seguiu para o salão que havia alugado para abrigar sua
pequena empresa nos arredores da cidade.
Eram cinco horas quando terminou de fazer a limpeza, auxiliada por seus três
funcionários, e encerrou o expediente. Estava trancando a porta quando lhe ocorreu
que era lamentável que um único contrato perdido fosse o responsável pela falência
do negócio que abrira um ano antes, cheia de ilusões e de esperança.
No início, ela havia se concentrado em servir pequenos jantares e um ou outro
casamento. Nada de grandioso, nada de extraordinário. Mas após cinco meses,
quando um conhecido mencionou que a maior empresa de Brewsters, uma cidade de
grande concentração industrial, estava contratando um novo fornecedor de
refeições para seus funcionários, Misty se animou a participar da concorrência e
venceu-a.
A empolgação, contudo, não parou aí. Entusiasmada com a vitória, Misty resolveu
adquirir mais uma van e modernizar sua cozinha.
O negócio estava indo bem. Tinha tudo para dar certo. Mas uma desgraça
aconteceu. As instalações foram assaltadas por vândalos que destruíram o que
encontraram pela frente. O seguro foi acionado sem perda de tempo. Mas o golpe
maior ainda estava por vir. A seguradora se recusou a cobrir o prejuízo sob a
alegação de que a proprietária não havia tomado as devidas precauções para impedir
a ocorrência. Ou seja, as instalações não ofereciam a segurança adequada.
O golpe foi pesado. Até que todos os danos fossem reparados, a reserva de
caixa esgotou.
- Talvez a senhora devesse reduzir os gastos com o pessoal para compensar a
perda. - Foi o conselho que o gerente do banco deu a Misty. - E, principalmente,
parar de empregar seu dinheiro na quitação da hipoteca de uma casa que não lhe
pertence. Admiro sua generosidade no sentido de querer ajudar a sra. Pearce, mas
em momentos como este precisamos ser realistas.
A caminho de casa, Misty procurou refletir sobre as palavras do gerente do
banco. Chegou à conclusão de que as circunstâncias e os laços de amor e de lealdade
falavam mais alto do que a necessidade de ser realista. Birdie Pearce morava em
uma velha casa de campo chamada Fossetts House, herdada por seu falecido marido,
Robin, de antepassados. Por não terem sido abençoados com a capacidade de gerar,
o casal se dedicou a assumir crianças abandonadas pelos Pais. Ao longo de trinta
anos, Fossetts House se tornou o lar de quantos foram deixados a sua porta. E
Misty foi uma dessas crianças.
Quando a levaram para lá, aos doze anos, Misty era uma menina triste amarga e
desconfiada. Birdie e Robin não se acovardaram com sua recusa em receber carinho.
Trabalharam até que conseguiram transforma-la em uma pessoa amorosa e grata.
Deram-lhe segurança e proteção e muito, muito amor. Essa era uma dívida que Misty
nunca conseguiria pagar.
Assim, durante os últimos catorze meses, apesar das dificuldades em que se
encontrava, nenhuma prestação deixou de ser paga. Enquanto ela vivesse, Misty
decidiu, a permanência de Birdie na casa seria garantida. Fora um choque descobrir
que seu pai adotivo havia hipotecado Fossetts House para poder manter suas
crianças. A necessidade surgiu em uma época que ele teve um grande prejuízo na
bolsa Para não preocupar a esposa, ele havia guardado segredo do problema.
Agora, aos setenta anos de idade, Birdie estava na lista de espera para se
submeter a uma cirurgia cardíaca que poderia lhe oferecer uma chance de viver com
mais saúde. Até esse dia, o médico recomendou que Birdie fosse poupando de todas
as maneiras possíveis. E era isso que Misty vinha fazendo. No que dependesse dela,
sua mãe continuaria morar na casa que adorava e não ficaria sabendo a respeito da
dívida.
Fossetts House era uma casa alta, em estilo gótico, com um telhado de grande
inclinação e janelinhas no sótão. Construída nos anos vinte, a casa recebia a sombra
de imens e frondosas faias.
Ao descer da van e olhar para a propriedade, Misty deixo escapar um suspiro. A
velha Fossetts House estava começando a dar sinais de abandono, com as venezianas
precisando de uma camada de verniz e as paredes clamando por uma demão de tinta.
Os problemas foram esquecidos, por um momento, qua do Misty entrou na casa e
foi surpreendida com uma belíssima cesta de rosas sobre o aparador. 0 perfume das
pétalas tornava o ambiente ainda mais acolhedor. Misty aspirou profundamente
antes de se dirigir à cozinha.
Nancy estava junto à pia branca de louça preparando sanduíches naturais para o
chá. Nancy era prima do falecido Robin e se dispôs a ajudar o casal com as crianças,
vinte anos antes, quando soube sobre seu nobre intento.
- Birdie está descansando lá fora - Nancy informou. - Que acha de tomarmos o
chá ao ar livre?
- Boa idéia. Posso ajuda-la a prepara-lo?
- Não, obrigada. Vá e faça companhia a Birdie.
0 calor estava intenso naquela tarde de junho, mas Birdie estava envolta em uma
manta. Birdie sempre sentia frio, fosse qual fosse a temperatura. Era uma mulher
baixa e miúda com o rosto marcado pela idade. Os olhos azuis, no entanto,
continuavam vivos e brilhantes.
- Este lugar é lindo, não? - Birdie sorriu. - Nunca me canso de admira-lo.
Misty olhou para as árvores, para o imenso gramado e para as azaléias cor-de-
rosa ao mesmo tempo que fazia um gesto de concordância.
- Como passou o dia hoje?
- Recebi visitas. 0 novo vigário e a esposa. Mal se mudaram para cá e já deram
ouvidos àquele boato absurdo de que eu estou vivendo em situação de penúria porque
fui praticamente abandonada por todos que criei. - Birdie olhou para Misty e
balançou a cabeça. - Não entendo de onde surgiu essa história. Por que alguém
inventaria uma mentira tão cruel?
- Devem ter ouvido algo sobre aquele problema com o Peter, provavelmente, e
interpretaram tudo errado. - Misty não quis acrescentar que a vizinhança
evidentemente estava observando o estado em que Fossetts House se encontrava e
que o fato de Peter, uma das muitas crianças que o casal Pearce havia criado,
roubara todas as jóias da mãe adotiva alguns anos antes a pretexto de lhe fazer
uma visita.
Birdie poderia tê-lo denunciado, mas não o fez. Em troca de seu silêncio,
conseguiu o que pouca gente acreditaria ser Possível. Peter aceitou fazer parte de
um programa de reabilitação para drogados e teve sucesso. As jóias, porém, nunca
foram recuperadas.
- Por que as pessoas sempre preferem pensar o pior? - Birdie indagou, triste.
- Não é sempre assim - Misty tentou acalmá-la.
- Bem - Birdie mudou de assunto -, o que tem para me contar hoje sobre o
bonitão siciliano de Brewsters? Eu adoraria conhecer um verdadeiro magnata dos
negócios. Nunca vi um, exceto pela televisão.
Misty sorriu e precisou pestanejar para conter as súbitas lágrimas que
ameaçaram surgir. Por Birdie, sua amada mãe, ela precisava começar a encarar
Leone Andracchi como seu salvador. Não era certo ficar fazendo tempestade em um
copo d'água por causa de um simples beijo, era?
- Ele me ofereceu um trabalho em Londres - Misty resolveu contar. - Como você
se sentiria se eu tivesse de me afastar daqui por um mês ou dois?
- Para trabalhar para um homem rico e atraente? Ótima! - Birdie exclamou após
a surpresa inicial.
Terminado o chá, Misty subiu para o quarto e verificou o guarda-roupa que Flash
lhe comprara para distraí-la da depressão que se seguiu ao rompimento de seu
noivado com Philip. Nenhum daqueles vestidos ou acessórios fora tirado do armário
em mais de dois anos. Misty separou um conjunto de saia azul-turquesa e um par de
sapatos de salto. Tomou um banho rápido, vestiu-se e fez uma maquilhagem leve com
os cosméticos cuja compra datava da mesma época.
Ela sabia se maquilar e até mesmo se transformar em uma mulher glamourosa,
se necessário. Flash lhe havia ensinado muitos truques. Era uma pena que a amizade
entre eles tivesse acabado. O fim do relacionamento coincidiu com o fim de seu
noivado com Philip. Porque a partir daquele momento, Flash parou de pensar nela
como a irmã com que convivera no orfanato e resolveu querer mais.
Para ir ao encontro de Leone Andracchi, Misty fez uso do velho carro de seu
pai, que ainda servia para Nancy ir às compras. Deixou-o no estacionamento do hotel
e entrou no luxuoso saguão, onde foi informada que o sr. Andracchi se encontrava no
restaurante.
Em dúvida se deveria aguardar ou interrompê-lo em meio à refeição, Misty
seguiu para o local, mas se deteve à porta.

O que aconteceu a seguir seria próprio de uma comédia. O recepcionista abriu a


porta para ela entrar. No mesmo instante, surgiu um homem alto e loiro querendo
sair. Ela o ouviu dizer algo, mas antes que pudesse olhar para o rosto dele, um
garçom tropeçou e caiu.
- Misty?
Por uma fração de segundo, Misty pensou que estivesse sonhando. Não ouvia
aquela voz havia três anos, mas seria capaz de reconhecê-la em qualquer lugar.
- Philip?
- Quanto tempo...! - O ex-noivo a fitava como se não conseguisse acreditar em
seus olhos. - Como você está? - Bem - Misty respondeu, trêmula. Sabia que mais
cedo ou mais tarde acabaria encontrando Philip em algum lugar, mas até aquele
instante tivera sorte em evitar os locais em que teria maior probabilidade de vê-lo.
- Você... Você está linda! Pensei muitas vezes em procurá-la em Fossetts
House...
- Com sua esposa e seus filhos? - Misty indagou entre irônica e incrédula.
- Uma filha apenas - Philip a corrigiu, sem jeito. - E Helen e eu estamos nos
divorciando. Não deu certo.
A alguns metros de distância, Leone Andracchi observava a cena perplexo com a
mudança operada em Misty Carlton, sem aquela roupa cinza e folgada. Os cabelos
brilhavam à luz, soltos sobre os ombros como uma cascata de fogo, e seus olhos
pareciam de prata ao fitar o desconhecido. O corpo, sob o tecido reluzente, era
perfeito. Às pernas longas e bem torneadas eram de parar o tráfego.
- Misty?
Sem tempo ainda para se recuperar da notícia inesperada, Misty virou-se para o
homem que a chamara. Leone Andracchi.
De repente, pareceu faltar oxigênio ao ambiente. Misty teve a nítida sensação
de que havia borboletas esvoaçando em seu estômago. Em comparação com ele, alto,
moreno e forte, Philip parecia pouco mais do que um garoto.
- Sinto tê-la feito esperar, amore - Leone murmurou ao mesmo tempo que a
enlaçava possessivamente pela cintura. O próprio Philip se apresentou com a mão
estendida e um sorriso.
- Philip Redding. Misty e eu somos velhos amigos.
- Como vai? - Leone respondeu em um tom de condescendência que fez o outro
franzir o cenho. - Lamento, mas Misty e eu estamos atrasados.
Philip hesitou diante da grosseria, mas se despediu de Misty com uma promessa
de que ligaria para ela.
- Não perca seu tempo - Leone sugeriu sem que Misty tivesse tempo de
responder.
Rubra de raiva, mas com os lábios selados porque realmente não queria que Philip
a procurasse, Misty seguiu para o elevador.
- Ninguém lhe ensinou a ter educação com as pessoas? - Misty protestou assim
que as portas do elevador fecharam.
- Enquanto estiver comigo, você não fala com outros homens. Aliás, você nem
sequer olha para eles! - Leone declarou, enfático.
Excitada com aquele olhar que deslizava de seus olhos até os seios e ainda
ressentida com Philip pelo rompimento do noivado, Misty não respondeu.
- Em especial, antigas paixões - Leone acrescentou.
- Não pode me proibir - Misty tentou desafiá-lo, ciente de que iria perder.
- Claro que posso. Você está sendo paga para me ser totalmente fiel. Flertes,
como o que acabei de ver, estão fora de cogitação.
Nesse momento, Misty deixou escapar uma risada.
- Flerte? Philip é o último homem com quem eu flertaria.
- Vi o modo como olhou para ele - Leone retrucou. Por um instante, cenas felizes
do passado voltaram à mente de Misty. Mas a imagem do acidente com Philip apagou-
as e ela se lembrou da terrível conseqüência: sua esterilidade. - E ele só faltou
agarrá-la...
- Philip nem sequer chegou perto de mim!

- Porque não houve tempo.


O elevador parou e interrompeu a conversa. Ao saírem, Leone a segurou pelo
braço e ela se desvencilhou com um olhar de desprezo.
- Não há ninguém nos vendo. Faça o favor de tirar essa mão de cima de mim!

Capítulo 3

Misty tremia como uma folha ao vento. Jamais lhe ocorrera que um breve
encontro com Philip fosse desestabilizá-la daquela forma.
- Quer tomar alguma coisa? - Leone ofereceu.
- Não, obrigada.
- Poderia ajudá-la a se acalmar.
O arroubo de fúria foi tão forte que a fez sentir uma súbita tontura.
- Não há nada de errado comigo! Leone encarou-a em silêncio por um longo
minuto.
- Se não houvesse, você não estaria reagindo desse jeito. É óbvio que o
miserável a afetou.
- Não fale de quem você não conhece! Aliás, não fale dos outros antes de olhar
para si próprio!
- Posso não ser perfeito, mas você sente atração por mim. Misty ficou tão
atônita com a declaração que pestanejou.
- Não sei de que você está falando.
- Não mesmo?
O silêncio aumentou ainda mais a tensão. Misty sentiu a boca secar e o coração
disparar no peito. Olhou para aquele corpo de atleta, para os cabelos que pareciam
azulados à luz e, especialmente, para a boca sensual.
Hipnotizada por aqueles olhos dourado-escuros, Misty precisou fazer força para
respirar.
- Você me quer e eu te quero, mas nada irá acontecer entre nós - Leone
garantiu. - Trata-se de um negócio única e exclusivamente e não precisamos de
complicações adicionais.
Misty não conseguia se mover. Os seios palpitavam. Ela se sentia nua, exposta.
Queria dizer palavras que defendessem seu orgulho, mas então Leone voltou a
pousar os olhos nos lábios dela e a excitação tornou a dominá-la.
Por sorte alguém bateu à porta e o momento de desvario passou. Da janela para
onde se dirigiu, Misty viu um homem cochichar algo com Leone e lhe entregar uma
pasta. Ninguém jamais havia exercido um poder tão grande sobre sua vontade. O
estranho era que Leone também parecia ter sido arrastado por esse poder. Essa
constatação, por incrível que pudesse parecer, a fazia sentir-se bem como havia
muito não se sentia.
- O contrato ficou pronto - Leone informou-a quando tornaram a ficar a sós. -
Leia e assine.
- E se eu não assinar?
- Não haverá acordo.
Misty sentou-se e começou a ler. Era um contrato comum de prestação de
serviço. Não mencionava o papel de amante, nem roupas, nem apartamento. Havia
uma cláusula, entretanto, que cancelava todos os benefícios caso ela tentasse
desistir antes que o proponente desse o trabalho por concluído. Ela preferiria não
concordar com aqueles termos, mas a menção do valor, logo abaixo, a fez calar seus
receios. O dinheiro seria suficiente para cobrir a hipoteca de Fossetts House por
quase dois anos e ainda garantiria o pagamento das dívidas da Carlton Catering e o
salário do pessoal pelo tempo que ela estivesse fora.
- Você está sendo generoso - Misty admitiu, constrangida -, mas o que devo
pensar sobre esta cláusula que me proíbe de desistir do acordo sem seu
consentimento?
- Você pode pensar o que quiser - Leone declarou -, mas dou-lhe minha palavra
de que não lhe será exigido nada de imoral, ilegal ou perigoso.
Sem condições de recusar a única tábua de salvação que lhe fora oferecida,
Misty apanhou a caneta para colocar sua assinatura sob o testemunho do mesmo
homem que viera entregar o documento.
- Muito bem - disse Leone depois que ambos assinaram. - Mandarei um carro
para apanhá-la na segunda-feira às nove.
- Já nesta segunda-feira? - Misty questionou, surpresa. - Em menos de uma
semana?
- Quero colocar o esquema em ação o mais rápido possível. Anote suas medidas.
Precisamos providenciar um novo guarda-roupa.
- Eu tenho algumas peças bastante apresentáveis.
- Pode ser, mas eu prefiro que se vista de maneira mais sutil e elegante, embora
goste do estilo "rock-chique" que você tem usado nos últimos dias.
Misty não entendeu a que Leone estava se referindo. Sua saia, afinal, não era
tão curta, nem o top tão decotado. O que a fez levar a uma outra conclusão.
- Você sabe sobre Flash, não?
- Claro que sei. Eu precisaria ser muito ingênuo para oferecer um contrato a
alguém sem saber nada a seu respeito.
Misty sentiu que corava. Porque, em outras palavras, Leone a havia chamado de
ingênua. Ou pior. As pessoas que a conheceram na ocasião em que Flash tentou
namorá-la tinham certeza de que eles haviam sido mais do que amigos. De que
adiantaria ela afirmar que nunca houvera nada entre os dois?
- Muito bem. Você me investigou e não gosta da roupa que uso. O que mais tem a
me dizer?
Leone encarou-a.
- Por acaso você decidiu que sua missão na vida é discordar de mim?
- O problema é que você não pede, você ordena - Misty esbravejou. - Mas
levando em conta que está me pagando por um trabalho, farei um esforço para ser
mais receptiva.
- Sempre teve dificuldade para seguir instruções?
Misty fez que sim e procurou mudar o assunto e o tom de voz.
- Qual será a agenda para segunda-feira?
- Mudança para o apartamento novo e um programa à noite.
- Aonde iremos? - Ainda não decidi.
Misty endereçou a Leone um olhar de irritação e deu um suspiro de enfado.
- Posso ir agora?
Ele foi até a porta e abriu-a. - Eu a acompanho.
- Não é necessário.
Sem responder, Leone se encaminhou para o elevador e apertou o botão. Depois
que desceram, ela tentou seguir sozinha, mas ele a impediu.
- Pare de fingir que é um castigo, amore.
Misty estremeceu ao adivinhar que Leone iria beijá-la. Não tentou evitar. Sabia
que era algo inevitável.
Entregue à doçura e à sensualidade do beijo, Misty só percebeu que havia
deixado escapar um gemido de prazer quando Leone interrompeu a carícia.
- Você foi convincente em sua representação. Estou satisfeito.
Furiosa, mais consigo mesma do que com Leone, Misty se desvencilhou e se
afastou com um boa-noite mal-humorado. No meio do estacionamento, ela virou para
trás sem refletir. Leone estava ao pé da escada, observando-a. Grata por isso,
embora preferisse não admitir, deu mais alguns passos à frente e estava chegando
ao carro, quando foi abordada por uma figura masculina que a fez dar um pequeno
grito.
- Sou eu - Philip se identificou. - Reconheci o carro e fiquei por perto para
poder vê-la.
- Quase me matou de susto! - Misty colocou a bolsa sobre o capô para melhor
procurar a chave que vinha tentando encontrar desde que saíra do hotel.
- Desculpe, mas ocorreu-me que conversaríamos mais à vontade aqui do que em
sua casa.
- Não temos nada o que conversar. Sinto que seu casamento não tenha dado
certo, mas não posso ajudá-lo.
- Por favor, ouça. Eu nunca pude te esquecer. Fui um louco em me casar com
Helen.
Com as chaves na mão, Misty procurou encontrar, em vão, a fechadura.
- O passado passou, Philip. Por favor, não insista. Volte para sua casa.
- Você escutou o que ela disse. Caia fora.
Misty aproveitou a oportunidade para entrar no carro e bater a porta. Embora a
contragosto, tinha de admitir que estava feliz pela interferência de Leone. Embora
tivesse afirmado a ele que estava bem antes de sair do estacionamento, a verdade
era que Philip a assustara ao abordá-la.
Com os nervos em frangalhos, Misty parou o carro assim que teve certeza de
que não seria vista por nenhum dos homens. Precisava enxugar as lágrimas e assoar o
nariz. Como Philip tivera o desplante de procurá-la depois do que fez?
Ele se casara com Helen passados seis meses apenas do rompimento do noivado.
Uma loira de família tradicional do tipo exato que a mãe esnobe dele queria. Um ano
depois, nasceu o bebê. Misty vira mãe e filho diversas vezes nos shoppings da
cidade. Por mais que se esforçasse levava dias para se recuperar do golpe.
Quando se sentiu novamente em controle de suas emoções, Misty tornou a ligar
o carro. A imagem de Leone a acompanhou durante todo o trajeto. Teria ele
insistido em acompanhá-la até o estacionamento porque suspeitava de que Philip
rondasse por ali? Ou foi uma mera coincidência? A segunda hipótese parecia mais
provável a Misty. Por outro lado, por que Leone passara a impressão de ser ciumento
apesar de eles estarem ligados apenas por um contrato de negócios?
Talvez ela estivesse enxergando o que não existia. Talvez Leone fosse apenas
um bom ator. Ele se deixava fotografar com mulheres bonitas, mas se mostrava
sempre frio e distante. Tivera a oportunidade de vê-lo retratado em várias colunas
sociais. Leone era do tipo que cancelava qualquer encontro por causa de trabalho.
Não deveria dar nenhuma importância a datas comemorativas. Nem sequer ao dia
dos namorados. Em resumo, Leone era o tipo do homem do qual toda mulher sensata
deveria fugir.
No dia marcado, Misty chegou em Londres. A limusine parou diante do
ultramoderno prédio de apartamentos onde ela iria residir pelo período de dois
meses. Enquanto o motorista apanhava as malas, ela aproveitou para admirar a
luxuosa fachada de alto a baixo, ainda incrédula com a mudança drástica que se
operara em sua vida.
No decorrer da última semana, à medida que Misty tomava as providências
necessárias para o funcionamento de sua pequena empresa e de Fossetts House
durante sua ausência, ela se deu conta de que estava animada como não se sentia
havia anos. Porque a verdade era que ela não vinha fazendo nada de divertido. Sua
vida tinha se resumido a trabalho e preocupações. Birdie era a única saudade que
levaria consigo.
O elevador a conduzia para sua nova vida. Ela se olhou ao espelho e franziu o
rosto. Seus traços denotavam a ansiedade que lhe invadia a alma. Não entendia o que
Leone vira nela. Desde o término de seu noivado com Philip a baixa auto-estima era
uma constante. Aliás, a baixa auto-estima tinha raízes mais antigas.
- Assim que eu me organizar, virei buscá-la para morar comigo - a mãe, ruiva
como ela, vivia prometendo. - Tive de desistir da tutela de sua irmã porque ela não
era tão forte quanto você e eu não tinha meios de criá-la, mas você quase não me dá
despesa.
Mas Misty também acabou sendo criada em lares adotivos e à idade de cinco
anos a imagem de sua mãe se tornou apenas uma lembrança. Foi duro descobrir, anos
mais tarde, que sua mãe tornou a se casar e nunca contou ao marido sobre a
existência de uma filha ilegítima.
Um homem de cabelos grisalhos e paletó apresentou-se como Alfredo, o
mordomo, à porta do apartamento. Misty cumprimentou-o e entrou no hall de
mármore que dava para uma sala ampla e moderna, decorada apenas em branco.
Muito elegante, mas fria.
Mas, afinal, o que ela esperava? Uma atmosfera aconchegante? Depois de levá-
la a uma suíte ampla com quarto de vestir anexo, Alfredo lhe entregou uma folha de
papel.
- A agenda para hoje.
Ao verificar que teria compromissos por todo período da tarde em institutos de
beleza, Misty deixou escapar um sorriso sem humor. Evidentemente, no que dizia
respeito a seu aspecto fisico, Leone achava que ela precisava de toda ajuda
profissional que pudesse obter.
Ao final da tarde, com os cabelos cortados, hidratados e penteados e as unhas
curtas tornadas compridas, Misty cogitou se teria condições de suportar aquela vida
frívola por dois meses inteiros.
Estava voltando para o apartamento quando o telefone da limusine tocou. Era
Leone, para avisar que a apanharia às sete horas para saírem.
- Aonde iremos? - Misty perguntou, curiosa.
- A uma avant première.
Misty pestanejou. Não esperava por uma grande ocasião logo no primeiro dia de
trabalho.
- Coloque uma jóia - Leone recomendou. - Comprei brilhantes para você usar
esta noite.
Assim que chegou ao apartamento, Misty foi direto para o quarto. Encontrou um
estojo em formato de coração em cima da penteadeira. Ao abri-lo viu um conjunto
de colar com brincos de pingentes que lhe tirou o fôlego.
Passada a surpresa, ocorreu a Misty que suas malas não se encontravam no lugar
onde as colocara. Levantou-se no mesmo instante e abriu os armários para verificar
se alguém as havia guardado lá. Encontrou, nesse momento, uma enorme variedade
de roupas novas e acessórios. Em destaque, obviamente para ela se apresentar
aquela noite, notou um vestido longo prateado com alças bem finas, assinado por uma
das grifes mais famosas do mundo.
Às sete e meia, Misty foi ao encontro de Leone, na sala. Ele estava de costas,
olhando por uma das janelas.
- Não gosto que me façam esperar - ele declarou antes de se virar para
cumprimenta-la.
- Você me avisou em cima da hora! - Misty protestou. - Fiz o melhor que pude!
- Dio mio!
A impaciência foi substituída por um murmúrio de apreciação quando Leone a
viu. Seus olhos escuros brilharam. Misty sentiu um arrepio de prazer.
Ela sabia que nunca havia se apresentado tão bem antes. A cor prateada
realçava o acobreado dos cabelos e a pele clara. O vestido, em sua simplicidade,
aderia com perfeição às curvas do corpo. Uma fenda exibia uma das pernas até
alguns centímetros acima do joelho. Os sapatos de salto também eram prateados.
O silêncio tornou-se palpável.
- Você está fantástica - Leone a elogiou com voz rouca e os olhos absorvendo
cada detalhe do vestido até pousarem nos lábios pintados de vinho.
Misty precisou se obrigar a responder e a sorrir, tomada de inexplicável
euforia.
- Obrigada.
- Embora isso não signifique que esteja perdoada por me ter feito esperar -
Leone acrescentou.
- É melhor ir se acostumando - Misty sugeriu quando chegaram ao hall. - Fora do
expediente de trabalho, sempre me atraso.
- Você está trabalhando para mim - Leone lembrou-a. - Então pare de olhar para
mim desse jeito! - Misty conseguiu protestar após um momento.
- Olhar não tira pedaço - ele retrucou, o que a fez cerrar os dentes de raiva.
Não era justo que ele sempre tivesse o direito de dar a última palavra!
Na limusine, Misty não conseguiu dominar os pensamentos. Era muito estranho.
Contrata-la havia custado uma fortuna para Leone. Como se não bastasse, ele havia
lhe comprado roupas caras, jóias fabulosas e a instalara em um bom apartamento.
Em troca de que poderia ser? A imaginação de Misty chegou a fazê-la acreditar que
Leone deveria ter um caso com uma mulher casada e que para se livrar dela havia
tentado a desculpa de estar apaixonado por outra.
- Não pode me contar qual é seu jogo? - Misty desabafou. - Juro que guardarei
segredo.
Leone alongou as pernas e assumiu uma postura relaxada. Em seguida, examinou-
a da cabeça aos pés.
- Quando a história terminar, você saberá.
Algo na voz de Leone provocou um arrepio na espinha de Misty.
- Seu tom foi estranho. Acho que não gostei.
- Estou lhe pagando bem por seus serviços.
- Cortesia não custa nada - Misty protestou, ofendida.
- Você é orgulhosa demais.
- Não posso evitar. Estou me sentindo uma marionete em suas mãos. Você não
me deixa nem sequer me vestir como quero!
- Comece a se preocupar se eu tentar desvesti-la. Está bem?
Como evitar o rubor que lhe subiu pelas faces? Por maior que fosse sua
curiosidade em saber o nome do filme a que iriam assistir, Misty permaneceu em
silêncio até o final do trajeto.
Repórteres e fotógrafos se acotovelavam para presenciar a chegada das
celebridades. Leone, calmo e tranqüilo, caminhou por entre as barreiras com a mão
pousada levemente na cintura de Misty.
- Quem é a nova acompanhante, sr. Andracchi?
Misty não estava preparada para o pipocar dos flashes. Muito menos para a
ousadia do pessoal da imprensa. O que Birdie pensaria se abrisse o jornal do dia
seguinte e a visse na coluna social? Misty havia alegado uma viagem a trabalho. Algo
que não combinava com uma avant première nem com brincos e colares de brilhantes!
- Você deveria ter me alertado que seria assim - Misty reclamou. - Não imaginei
que sair com você fosse um acontecimento público.

- Por que acha que eu investi em você? Somente homens casados escondem as
amantes.
- Pois fique sabendo que eu estou odiando ser sua amante! – Misty praguejou.
O olhar que Leone dirigiu a ela não poderia ser mais malicioso.
- Se fosse verdade, e não um jogo, você não estaria dizendo isso.
Misty corou ao ouvir aquelas palavras e o rubor aumentou quando ela percebeu
que o modo de Leone sussurrar, junto ao ouvido dela, daria margem a uma
interpretação bem diferente do que estava acontecendo.
Enfim no cinema, Misty aproveitou para tentar localizar rostos famosos antes
que as luzes apagassem. Sua diversão terminou logo, porém. Porque a recíproca era
verdadeira. Ela também estava sendo alvo de olhares curiosos.
O filme foi um suspense de tirar o fôlego. Por quase duas horas Misty conseguiu
esquecer a farsa que estava vivendo. Mas assim que as luzes tornaram a ser acesas,
ela precisou enfrentar novamente a realidade. O pesadelo da entrada se repetiu.
Leone fez questão de exibi-la como um troféu.
- Deveria ter sorrido o tempo todo - Leone censurou-a quando finalmente se
afastaram na limusine. - Por que se encolheu daquele jeito?
- Porque não quero que minha foto saia no jornal! Não gosto de despertar a
atenção das pessoas!
Leone fitou-a com ironia. - Não?
O silêncio caiu como uma pedra entre eles. Misty engoliu em seco ao vê-lo
separar um DVD e colocá-lo no aparelho. - Nesse caso, vou refrescar sua memória...
Misty franziu o rosto sem entender a que Leone se referia. Um momento depois,
a tela da pequena televisão exibiu Flash em um de seus concertos. Ao se dar conta
do show que Leone havia escolhido, Misty estremeceu. Lá estava ela dançando como
uma alucinada. Os olhos pareciam desvairados, os cabelos agitavam para todos os
lados, o vestido curto deixava ver a calcinha conforme ela se movimentava.

Misty sentiu um suor frio escorrer por entre os seios. Ela nunca imaginara que
aqueles momentos haviam sido gravados e guardados para a posteridade. Em toda
sua vida, jamais havia se sentido tão constrangida. - Desligue isso! - implorou.
- Por mais que eu me esforce não encontro vestígios de timidez em você. Afinal,
está em um palco diante de milhares de pessoas.
- Por favor, desligue isso!
- Não seja egoísta - Leone respondeu com um sorriso de desdém. - Você focaliza
bem. Tenho certeza de que todo o público masculino adorou sua performance. Você é
muito sexy.
Misty tentou se apoderar do controle remoto, mas Leone foi mais rápido.
- Você não entende - Misty tornou a suplicar. - Flash me desafiou. Eu tinha
bebido pela primeira vez em minha vida. Não sabia o que estava fazendo. - Ao se dar
conta, subitamente, de que estava piorando ainda mais sua situação ao revelar
detalhes, ela parou de falar. Mas apenas porque se atirou sobre Leone para se
apoderar do controle remoto.
-Accidenti! - Leone exclamou ao ser atacado. Não imaginara que Misty pudesse
ser capaz de partir para uma luta corporal para atingir um objetivo. - Você
enlouqueceu?
- Dê para mim!
Leone largou o objeto, mas não Misty.
- Quando a imaginei em meus braços, não foi em uma situação como esta, amore.
Zangada por se ver impedida de se mover, Misty ordenou que Leone a soltasse.
Em vez disso, ele a atraiu ainda mais ao encontro de seu corpo de modo que ela
pudesse sentir a intensidade do desejo que lhe despertara.
- Da próxima vez, aconselho que pense duas vezes antes de agarrar um sujeito e
pedir que ele lhe dê algo...
Misty hesitou. Seu vestido havia subido e ela estava sentindo a rigidez de Leone
em suas pernas.
- Você sabe que eu não quis dizer...
- Agora, estou tentado a satisfazer seu desejo – Leone concluiu como se não a
tivesse ouvido. No instante seguinte estava curvando-a para trás para beijá-la no
pescoço, no ombro e na elevação dos seios.
Incapaz de controlar o calor que se apossara de todo seu corpo, Misty enlaçou-o
pelo pescoço e gemeu. Leone, como se esperasse apenas por esse sinal, deitou-a no
banco.

Capítulo 4

Mediante o pequeno toque em um botão as luzes da cidade desapareceram da


janela e um painel lhes proporcionou inteira privacidade. Leone se livrou do paletó e
tirou os sapatos de Misty antes de tornar a abraçá-la.
O bom senso começou a instigar novos pensamentos em Misty ao mesmo tempo
que o desejo sexual se manifestava em Leone. Ela ainda tentou pronunciar a palavra
que significaria a interrupção do momento, mas a pressão em seus lábios foi mais
forte.
O beijo de Leone lhe deu a sensação de ser levada ao paraíso em um foguete.
Ele mergulhou a língua no fundo de sua boca e segurou-a pelos quadris de modo a
atraí-la contra o próprio corpo. Ela enlaçou-o pelo pescoço e deixou que o beijo se
prolongasse até ficarem sem fôlego.
Subitamente, Leone afastou a cabeça e olhou para ela. Seus olhos chamejavam
de paixão. Ela se sentiu presa de uma emoção avassaladora. Não conseguiu reagir
quando Leone deslizou as alças do vestido para começar a despi-la.
O ar mais frio atingiu-a ao ter a pele exposta. Nesse instante, ela se lembrou de
que estavam na limusine e que aquilo não era certo. A idéia de perder a virgindade no
banco de trás de um veículo, de luxo ou não, não era romântica. Contrariava, aliás,
todos os seus sonhos de mulher. Além disso, ela teria de encarar o motorista mais
cedo ou mais tarde. Como faria? Fingiria que nada havia acontecido?

- Você tem seios lindos - Leone murmurou e ela perdeu novamente a noção de
realidade.
A carícia que Leone lhe fez com a ponta da língua e com os lábios provocou um
espasmo em seu baixo-ventre. Ele havia tomado os mamilos com tanta volúpia que
Misty arqueou involuntariamente as costas e deixou escapar um longo gemido.
Ela o queria como jamais quisera outro homem. Tinha vaga noção de estar
ouvindo uma música. Reconhecia-a embora não conseguisse se lembrar do nome.
Estava à mercê de seu próprio corpo.
- Vou lhe proporcionar momentos de delírio - Leone prometeu, rouco. - Vou
aluciná-la de desejo. E depois que terminarmos aqui, faremos tudo outra vez em
minha cama.
Choque, excitação e vergonha se somaram. Mas por maior que fosse a excitação,
as palavras calaram fundo: cruas demais. Ao mesmo tempo, ela se lembrou de que
aquela música era uma homenagem de Flash para ela.
Não era uma mulher fraca. Como pudera permitir que as coisas fossem tão longe
com Leone? Estava sendo usada por ele. Sexo não era o bastante. Ele, afinal, não se
importava com ela. De outra maneira, não estaria tentando possuí-la no banco de um
carro.
- O que houve?
Surpreendeu-a que Leone notasse tão depressa sua mudança. Ela aproveitou a
pausa para se sentar e proteger sua nudez com o vestido.
- Você desistiu - Leone murmurou diante do silêncio que se seguiu.
- Sinto muito - Misty balbuciou. - Eu deveria ter decidido antes, mas... Não é
certo. Como você mesmo disse, estamos tratando apenas de negócios.
- Está querendo que eu inclua uma cláusula que me permita acesso a seu corpo?
A indignação de Misty foi mostrada com um tapa. Não houve tempo para
raciocinar. O golpe estalou na face de Leone.
- Não se atreva a falar comigo assim! Não sou quem você está pensando! - A
raiva de Leone se transmitia pelos olhos. Assim mesmo, Misty continuou. - Não irei
me desculpar pelo que fiz, se é isso que está esperando.
- Eu não a forcei. Soltei-a imediatamente - Leone retrucou. - Não há desculpa
para o que você fez, quando sabe que não tive escolha.
Misty estava tremendo. Queria puxar o zíper do vestido, mas tudo que
conseguiu foi rasgar um pedaço da seda.
- Deixe-me ajudá-la - Leone ofereceu em tom frio como gelo e ela aceitou
apesar de tudo.
Em seguida, Leone tornou a apertar o botão que controlava os painéis das
janelas. Misty sentiu vontade de gritar, de abrir a porta e saltar, embora a limusine
estivesse em movimento.
No entanto, quando o motorista finalmente parou e abriu a porta Misty não se
moveu. Como faria para descer? O vestido estava rasgado à altura da cintura. Não
teria como disfarçar.
Um súbito peso em seus ombros a fez pestanejar. Leone havia cedido seu paletó
e ele próprio a ajudou a saltar e a atravessar o vestíbulo do hotel rumo ao elevador.
O silêncio era tão absoluto que Misty ouviu as batidas do próprio coração.
Ocorreu-lhe, de repente, que Leone não precisaria estar a seu lado. Por que
resolvera acompanhá-la? Para recuperar o paletó?
Ele abriu a porta do apartamento e jogou a chave sobre uma mesa de canto. Ela
tirou o paletó e devolveu-o. Leone apanhou-o, olhou nos olhos dela e se dirigiu ao
corredor que dava para os quartos após dizer boa-noite.
Misty pigarreou.
- O que está fazendo?
- Vou tomar um banho. Algum problema? Os olhos de Misty dobraram de
tamanho. - Está pensando em passar a noite aqui?
- Não sou sonâmbulo. Você não tem com que se preocupar. De qualquer forma,
sempre é possível trancar a porta do quarto.
Misty somou dois e dois e descobriu o resultado por si mesma.
- Você vai ficar porque para os outros eu sou sua amante. - Naquele momento,
Misty se deu conta do erro que havia cometido. Ela era dona de uma empresa. Não
importava o tamanho. Quem iria levá-la a sério no futuro ao saber que havia
desfilado pela cidade com Leone Andracchi e as jóias compradas por ele? As
pessoas custaram a se convencer de que não havia nada entre ela e Flash a não ser
amizade. Quando a vissem com Leone a suspeita de que ela era capaz de se atirar
nos braços de qualquer homem que tivesse dinheiro se tornaria uma certeza.
Como Leone não respondesse, Misty insistiu.
- Se você ficar aqui esta noite, as pessoas pensarão mal de mim.
Leone passou uma das mãos pelos cabelos.
- Por sorte, não existe realmente nada entre nós. Sou grato a você por ter me
impedido de cometer o maior erro de minha vida. Sinta-se à vontade para me
acordar se eu tornar a cair em tentação.
Uma raiva surda invadiu Misty.
- Estou começando a detestar você.
- Excelente. Continue a cultivar essa emoção. Porque se você acabar indo para
minha cama, a vida que está acostumada a levar nunca mais será a mesma.
Misty precisou de alguns segundos para reagir.
- É mesmo? - indagou com a voz impregnada de ironia.
- É mesmo - Leone afirmou com um olhar que a fez engolir em seco. - Você ainda
estará dormindo quando eu for embora amanhã. Voltarei na sexta-feira para apanhá-
la. Passaremos o fim de semana na Escócia.
Misty ficou parada, olhando para aquele homem que se afastava pelo corredor.
Ele a fascinava, por mais que desejasse negar.
Algum tempo depois, Misty foi para seu próprio quarto, fechou a porta e deitou-
se. Fechou os olhos mas não conseguiu dormir. Sua mente acompanhava Leone
naquele banho e recordava os momentos intensos vividos aquela tarde no banco da
limusine.
Os relatos das mulheres que declaravam ser incapazes de resistir a alguns
homens nunca a impressionaram. Porque nem mesmo Philip, o homem com quem
poderia ter dividido sua vida, lhe parecera irresistível. Talvez o legado de sua mãe
natural tivesse pesado nessa sua decisão de comportamento. O medo de confundir
luxúria com amor sempre a mantinha alerta.
Misty estava cursando a faculdade de Nutrição quando conheceu Philip.
Tornaram-se inseparáveis desde a primeira semana. O romance parecia perfeito. Ela
jamais poderia sonhar que fosse acabar como acabou.
Desde o início, entretanto, a mãe de Philip a tratou com frieza. Uma vez ela
chegou a manifestar sua contrariedade com o namoro.
- Você não sabe nada realmente sobre suas origens?
O que Misty poderia responder exceto que não conhecia ninguém de seu lado
materno e que seu pai era desconhecido? Philip precisou ser firme para a mãe não
separá-los. E por ele tê-la defendido e ao amor que os unia, a confiança que ela
depositava em Philip se tornou ilimitada. Sua relutância em se entregarem um ao
outro, contudo, permaneceu até que finalmente concordou em passar um fim de
semana com ele em um hotel no campo. Esse foi o ponto final do romance. Um final
dramático porque eles nunca chegaram ao hotel, por causa do acidente que sofreram
no trajeto.
Um sono povoado de pesadelos acordou Misty antes do alvorecer e a fez
levantar para tomar um copo d'água. Ao passar pela sala, a caminho da cozinha, ela
quase trombou com Leone, lindo e elegante com um terno cinza impecável e uma
jarra de café na mão.
- Toma café comigo?
Ela deveria ter ficado tão espantada que Leone precisou sorrir.
- Por que está olhando para mim desse jeito?
- Porque você é a contradição em pessoa. Parece que alguém conseguiu lhe
ensinar boas maneiras, afinal de contas.
- Minha mãe.
- Pena que você tenha tanta dificuldade em se lembrar das lições - Misty
resmungou. - Na maioria das vezes, ao menos comigo, metade das palavras que me
diz são ofensivas.
Desconcertado, Leone não teve tempo para responder. Alfredo, seu motorista e
mordomo, entrou na sala naquele momento com um prato de ovos e de torradas.
- Ainda é tão cedo para você sair para o trabalho... - Misty viu-se dizendo,
movida pela curiosidade.
- Estou indo para Paris.
- Estive lá uma vez, mas não tive chance de conhecer praticamente nada. Fui ao
show de Flash e no resto do tempo precisamos fugir do assédio das fãs e nos
esconder no hotel.
Misty parou de falar ao perceber os olhos de Leone pousados em sua boca. Uma
onda de calor a invadiu e ela procurou desviar a atenção para o único quadro na
parede. Retratava em óleo uma jovem com grandes olhos escuros e sonhadores.
- Ela é linda. Alguém que você conhece?
- Minha irmã. Ela era minha irmã.
Misty parou de comer ao perceber que Leone se referira à jovem no passado.
- Ao menos você a teve por algum tempo.
O modo como Leone franziu o rosto a fez se arrepender do que dissera.
- O que quis dizer com isso?
- Eu tenho uma irmã, mas... Essa informação, felizmente, teve o poder de
distraí-lo.
- Você sabe que tem uma irmã?
- Sim, mas meus conhecimentos a seu respeito se limitam ao fato de sermos
gêmeas, embora não idênticas, e que ela foi adotada por um casal que a registrou
como filha, e eu não.
- Em minha opinião, irmãos gêmeos jamais deveriam ser separados.
- Eu concordo. Tentei estabelecer contato com minha irmã quando cresci, por
meio da agência de adoção, mas ela não demonstrou interesse em me conhecer.
Birdie acha que ela poderá mudar de idéia quando ficar mais velha.
- Birdie, a mulher que criou você - Leone falou, mais consigo mesmo.
- Você sabe bastante a meu respeito.
- Não tanto quanto esperava ontem.
Misty corou até a raiz dos cabelos. Foi um alívio vê-lo se levantar para ir
embora.
- Se alguém ligar ou vier visitá-la durante minha ausência não diga
absolutamente nada sobre nosso relacionamento. Certo?
Misty concordou com um gesto de cabeça embora não pudesse entender como
alguém poderia procurá-la. Ficou olhando Leone se afastar em direção à porta, mas
deteve-o antes que saísse porque não suportaria esperar por sua volta para
esclarecer a dúvida que a assaltara durante toda a noite.
- Leone?
Ele parou e mediu-a com os olhos da cabeça aos pés.
- Alguém já lhe disse que é adorável às seis da manhã?
- Você não pensa em nada que não seja sexo quando está com uma mulher? -
Misty retrucou, irritada.
- Nunca lhe ensinaram como receber um elogio? Misty entrelaçou os dedos.
- Eu gostaria de lhe fazer uma pergunta. Por acaso está tendo um caso com uma
mulher casada e fingindo que sou sua amante como uma desculpa para terminar com
ela?
- Nunca tenho casos com mulheres casadas - Leone retrucou. - Eu não
suportaria dividir uma mulher com outro homem.
Embora embaraçada, Misty continuou. - Então se trata realmente de negócios?
- Negócios sicilianos - Leone acrescentou. - Não é preciso entrar em detalhes.
Ele se foi em seguida e Misty abriu o jornal. Antes não o tivesse feito. Uma foto
dela nos braços de Leone figurava em duas colunas sociais que Birdie costumava
verificar todos os dias. Fora muito ingênua em acreditar que poderia poupá-la da
decepção.
Misty se levantou, decidida. Iria se trocar, pegar um trem para Norfolk e um
táxi até Fossetts House. Precisava explicar a Birdie o que estava acontecendo.
A tarde já estava ao meio quando Misty chegou.
- Deixou-o em Londres? - perguntou a mãe adotiva, sem preâmbulos.
- Eu sinto...
- Está vivendo um grande romance e não me contou - Birdie a interrompeu. - Mas
por que está com essa cara? Estou feliz que tenha encontrado alguém e que esteja
novamente apaixonada.
Sem esperar por aquela reação, Misty não soube o que responder.
- Obviamente você foi morar com ele - Birdie continuou. - Não concordo com
esses costumes de hoje, mas entendo que não se sentisse à vontade para me contar.
- Desculpe, Birdie.
- Você é uma boa menina. Se esse tal Leone Andracchi não a fizer feliz, terá de
se ver comigo.
A imagem da velha e querida Birdie chamando Leone para um entendimento fez
Misty sorrir.
- Assim que souber, Flash irá procurá-la, eu aposto. Prepare-se para ouvi-lo
resmungar que seu coração está partido e que fará uma nova música em sua
homenagem. Nada agrada mais aquele jovem do que um desafio. Exceto uma platéia,
é claro.
Misty ficou em Fossetts House por dois dias. Quando voltou para Londres, na
quinta-feira à tarde, Alfredo a recebeu com um olhar assustado.
- Seria mais fácil se eu tivesse uma cópia da chave.
- Para ir e vir quando bem lhe aprouver? - A voz de Leone alcançou-a da sala. -
Pode esquecer!
Ele estava fascinante, de jeans preto e camisa verde de algodão de mangas
curtas. Mas seu olhar era de fúria.
- O que houve? - Misty indagou, perplexa, diante da inesperada recepção.
- Ainda pergunta? Mal tomei o avião para Paris, você desapareceu no ar!
- Estive em Fossetts House com Birdie.
- Não foi o que a governanta de lá me disse quando liguei.
Misty pestanejou. Ela havia atendido uma ligação de um jornalista logo no
primeiro momento que chegou. Para não ser incomodada, pedira que Nancy dissesse
que ela não se encontrava na casa, se alguém a procurasse.
- Então, onde esteve? Se me disser que ficou com Philip Redding, farei com ele o
que já deveria ter feito.
A perplexidade de Misty era cada vez maior. - O que está pensando? Que é meu
dono?
- Sim. Ao menos pelas próximas semanas. Misty cruzou os braços e deu um
suspiro. - Não acredita mesmo em mim, não é?
- Sem comentários.
- Eu estive em Fossetts House com Birdie. Escondida, por assim dizer.
- Tão escondida que nem a governanta sabia de sua presença? Ora, Misty, eu sei
reconhecer um álibi. Esteve ou não com seu ex-noivo?
- Não - Misty respondeu -, mas não lhe diria se tivesse estado. A meu ver, eu
estava de folga. Você viajou e não me deu ordens para permanecer em Londres.
Marcou comigo para a sexta-feira e eu voltei na quinta. Onde está o problema?
Aparentemente, Leone não ouviu além da primeira frase. - Você não me contaria
se tivesse estado com aquele sujeito?
- Como não estive, de que adianta ficarmos discutindo o assunto?
-Você estava ou não estava de serviço na limusine aquele dia?
- O que você acha? - Misty rebateu com a respiração imediatamente alterada.
Leone consultou o relógio de pulso, exasperado.
- Estou atrasado para um jantar. Esteja pronta para viajarmos amanhã à tarde
para Aberdeen.
Como se tivesse se transformado em uma estátua, Misty ficou remoendo a
notícia de que Leone tinha um encontro. E ele passaria a noite inteira fora!
Por outro lado, o que importava a ela o que Leone fazia nas horas vagas? Aquilo
era um emprego. Nada mais que um emprego. Precisava ter isso em mente. O que
havia acontecido no banco daquela limusine precisava ser esquecido a todo custo.
Porque ela não passava de um joguete para Leone Andracchi.
No dia seguinte, Alfredo a levou para o aeroporto. Certa de que não era
coincidência a presença de um fotógrafo por trás de Leone, ela se esquivou ao beijo
na boca e se deixou apenas abraçar e beijar no rosto.
- Por que fez isso?
- Beijo é mais íntimo. Um abraço também convence. - Um abraço de verdade,
sim, mas eu acabo de abraçar um bloco de gelo.
O atraso de quatro horas para o embarque devido a uma greve dos
controladores de tráfego aéreo não ajudou a melhorar o clima entre Misty e Leone.
Na sala de espera VIP, Misty folheou algumas revistas enquanto Leone se ocupava
com seu laptop.
Não passaram despercebidos a ela os olhares constantes de duas mulheres que
deveriam estar aguardando o mesmo vôo. Ambas tentavam flertar com ele como se
ela não existisse. E, nesse sentido, ela realmente não existia. Embora houvesse
alguém com quem ele tivesse passado à noite...
- Tem planos de descongelar antes de chegarmos à casa de nossos anfitriões? -
Leone indagou no aeroporto quando entraram no carro que ele alugou.
- Não sei de que você está falando. Meu sorriso está pronto para ser dado no
momento que se fizer necessário. O que mais você quer?
Não tornaram a falar durante um longo tempo. O fim de semana prometia ser
um pesadelo do começo ao fim: parecia que tudo que pudesse dar errado, daria
errado.
- Dio mio! - Leone exclamou ao celular. - Por que ninguém está atendendo? E um
castelo, afinal de contas. Mesmo que os Garrison tenham saído, eles devem ter
criados que possam responder. Eu queria avisar que logo chegaremos.
- Quer dizer que nunca esteve com essas pessoas antes? - Misty indagou,
assombrada e ao mesmo tempo entusiasmada à idéia de se hospedar em um castelo.
- Não.
De repente, Misty não entendeu mais nada. Se Leone não conhecia os donos do
castelo e não parecia entusiasmado com a perspectiva de visitá-los, o que ele
pretendia levando-a para lá?

Capítulo 5

O ar estava inesperadamente frio para a estação. Antes de vestir o casaco,


Misty esfregou as mãos nos braços em um gesto instintivo. A sua frente erguia-se
uma construção que parecia uma torre. Estava inteira às escuras.
- Que horas são?
- Dez.
- É cedo ainda para todos estarem dormindo. Você tem certeza de que estamos
no castelo certo?
- Claro que tenho. - Leone tornou a bater à porta. Minutos carregados de tensão
se passaram até que uma luz tênue foi acesa acima das cabeças de Leone e de Misty.
- Pretendem acordar todo o mundo com esse barulho? - reclamou o homem velho de
pijama que abriu a porta. - Sabem que horas são? Já passa das dez!
Misty precisou conter a vontade de rir. Leone, mais sério, apresentou-se ao
homem, enlaçou-a pela cintura e a fez entrar no castelo.
Diante da beleza antiga, quase medieval do lugar, Misty não pôde evitar uma
exclamação. A seu lado, Leone continuava a falar com o homem.
- Seu nome, por favor? - Murdoch, sir.
- Gostaria de apresentar minhas desculpas ao pessoal, sr. Murdoch.
- Hoje não será possível. Todos já se recolheram - explicou Murdoch enquanto
os conduzia a uma escada de pedra em espiral que ficava a um canto do hall. -
Dormimos cedo no castelo Eyrie. Só abrimos exceções em ocasiões especiais. Após
uma longa caminhada por corredores sombrios, o velho homem abriu uma porta que
dava para um quarto.
- Se quiserem comer algo terão de se servir na cozinha no fim do corredor.
Como eu acabei de dizer, todos estão dormindo.
A expressão de Leone não poderia traduzir maior incredulidade. Misty, contudo,
conseguiu arrancar um pequeno sorriso do homem ao se entusiasmar com a
decoração do quarto. Ela nunca havia visto uma cama de dossel antes, a não ser em
filmes.
O que não ocorreu a Misty, a não ser alguns instantes depois, foi que aquele era
o único leito do quarto.
- Per meraviglia! - Leone exclamou, sarcástico. - Está congelando aqui dentro! E
não tem nem sequer um chuveiro neste banheiro! - reclamou a seguir.
- Só há uma cama... - Misty balbuciou.
Leone tentou fechar a porta do banheiro e o trinco saiu em sua mão.
- O castelo está praticamente em ruínas. Não é de admirar que os Garrison o
tenham aberto ao público. Será preciso uma fortuna para tirar este lugar de seu
estado de decadência.
- Só há uma cama...
- Eu já notei - Leone finalmente respondeu -, mas no momento estou mais
preocupado em arranjarmos algo para comer e para nos aquecer.
- Você poderia acender a lareira enquanto eu preparo uma refeição rápida -
Misty sugeriu.
- Não era o que eu tinha em mente para um fim de semana no campo.
- Quer parar de reclamar? É óbvio que os Garrison estão lutando pela
sobrevivência deles e do castelo. Como poderiam dispor de mais facilidades se não
têm condições de pagar nem sequer um mordomo mais jovem e dinâmico?
- Você está enganada. Eles são ricos e famosos por explorarem seus
empregados. Fizeram fortuna no ramo de confecções, que exportam para diversos
países. Portanto, poupe seu fôlego para quem merece.
Embora a cozinha não parecesse ter sido reformada desde a construção do
castelo, em épocas medievais, havia uma geladeira ampla e sortida. Em poucos
minutos, Misty providenciou uma salada e uma omelete que eles comeram em
silêncio.
No quarto a temperatura estava agradável quando eles terminaram de comer.
Misty olhou para a cama e em seguida para Leone.
- Eu não imaginava que seria preciso dividir uma cama com você.
- E eu não imaginava que não seríamos recebidos pelos donos deste lugar - Leone
confessou sem tirar os olhos do fogo. - Acha que eles estão vivos? E se o velho
Murdoch se livrou deles e espera fazer o mesmo conosco? Quer que eu monte
guarda durante a noite com o atiçador?
De repente, Misty sorriu à tentativa de Leone de fazer graça. A verdade era
que não conseguia parar de pensar nele. Queria-o. Quase morrera de ciúme na noite
anterior e se fosse sincera consigo mesma admitiria que adoraria dividir aquela
cama com ele.
- Vou tomar um banho. - Misty resolveu colocar um fim naqueles pensamentos. E
enquanto apanhava a roupa e os objetos de toalete, deu vazão mais uma vez à curio-
sidade.
- Com quem esteve ontem à noite?
- Com amigos que não via faz algum tempo. - Ele estreitou os olhos. - Então foi
isso que a deixou tão irritada...
Corada, Misty se apressou a fechar a porta do banheiro para tornar a abri-la
antes do que esperava.
- Não há água quente - murmurou e subiu na cama, já de camisola. A única que
colocara na mala, aliás. Um modelo curto, mas discreto, de seda branca.
Leone ainda estava desabotoando a camisa.
- Terei de recorrer a um banho frio outra vez esta noite?
O silêncio pesou no ambiente. Misty não esperava por uma pergunta tão direta.
Cobriu-se até o pescoço.
- Sim. - Ela não daria chance à tentação. Por isso, nem sequer olhou para Leone
ao responder. Aquela intimidade não tinha um significado real. Ela estava atraída por
Leone, mas contava com bom senso suficiente para saber que não seria mais do que
uma diversão temporária para ele.
Fazia tanto frio que os dentes de Misty começaram a bater. Ao notar que havia
uma janela aberta, ela se levantou e fechou-a. De que adiantava acender a lareira
para se aquecerem se Leone deixava uma janela aberta de par em par?
Ao ter de tossir por causa da fumaça, Misty entendeu a razão. E tornou a abrir
a janela.
Leone saiu do banheiro naquele instante, usando apenas cueca. Ela examinou-o
de um só golpe: torso moreno e musculoso, pêlos pretos por todos os lugares...
O colchão cedeu sob o peso de Leone. Ao tentar se cobrir, ele rasgou o lençol.
- Céus! O tecido deve estar corroído...
- Eu dou um jeito - Misty ofereceu.
- Deveríamos ir para um hotel.
- Não se preocupe. - Misty se levantou e sugeriu que Leone a imitasse para
poder virar o lençol e colocá-lo com o rasgo sob os travesseiros.
- É vergonhoso tratar hóspedes dessa maneira - Leone resmungou.
- Mas a idéia de estarmos em um castelo é maravilhosa. - A umidade e o
desconforto também?
Pelo canto dos olhos Misty viu uma traça pousar em uma mecha de seus cabelos.
Sacudiu-os e deu um pequeno grito. - Saiu?
- Calma! Ela não irá lhe fazer nenhum mal.
Ainda nervosa, embora Leone já tivesse espantado o inseto, Misty sentou-se no
pé da cama.
- Pretende ficar aí muito tempo? - Leone resmungou um minuto depois. - Contra
as chamas, você parece estar nua.
Com um estremecimento, Misty se apressou a deitar. Mas antes que terminasse
de se acomodar, Leone a atraiu para o aconchego de seus braços e a beijou antes
que ela pudesse reagir. Se é que dava para chamar de reação a rapidez com que os
braços dela o enlaçaram pelo pescoço.
Louco de paixão, Leone a colocou sob seu corpo e a fez sentir a intensidade de
seu desejo. Misty permitiu que Leone lhe entreabrisse as pernas. Nem sequer uma
célula de seu corpo estava tentando resistir à excitação que a engolfava. Cada beijo
de Leone a incendiava mais.
Por fim, ele ergueu a cabeça e perguntou, quase sem fôlego: - Você tomou
precauções?
A dura realidade substituiu a paixão por um instante. Leone queria saber se ela
poderia engravidar. Ela se lembrou do acidente e do diagnóstico do médico que ela
nunca poderia conceber.
- Sim.
Um sorriso de satisfação curvou aqueles lábios. - Isto era inevitável, amore.
Por mais que a razão tentasse fazê-la parar, Misty não conseguiu. O cheiro e o
toque de Leone exerciam um poder afrodisíaco sobre seus sentidos.
- Eu quis ter você desde o primeiro instante - Leone confessou. - Fiquei
enfeitiçado quando vi seus cabelos brilharem ao sol como se fossem chamas.
Eles ficaram se olhando. A impressão de Misty era que Leone não estava mais
acostumado a dizer aquelas coisas do que ela a ouvi-las.
- Quanto mais eu tenho você, mais o desejo - Misty murmurou.
Com um sorriso de prazer, Leone mergulhou nos seios de Misty e sugou-os até
fazê-la curvar as costas e gemer alto. E sem parar de beijá-la, ele a despiu.
- Você é perfeita...
- O que foi? - Misty perguntou algum tempo depois quando Leone ficou parado,
apenas olhando para ela.
- Engraçado. Você pareceu tímida de repente...
- Só um pouco - Misty concordou e, por um momento, seu coração se encheu de
dúvida sobre o que estava prestes a acontecer. Mas Leone tornou a se apossar de
seus seios e ela não conseguiu pensar em mais nada. Porque seu corpo parecia estar
se derretendo. Apesar de nervosa e apreensiva com a possibilidade de sentir dor, de
trair sua inexperiência, ela queria ir adiante e não permitir que Leone descobrisse
que seria seu primeiro amante.
Porque Leone poderia imaginar que ela estava com segundas intenções se
soubesse que ainda era virgem. E ela seria incapaz de se entregar a um homem se
não fosse por amor...
- É seu jeito de olhar para mim - Leone contou. - Sua reação quando a toco...
- Eu te detestava - Misty sussurrou, incapaz de compreender como pudera
passar da hostilidade para o ponto de se entregar de corpo e alma a ele como se
fosse a coisa mais natural do mundo.
- Agora não mais, não é? - Leone continuou, ao mesmo tempo que lhe acariciava
os cabelos com uma das mãos e os seios com a outra.
- Não. - A realidade assustou Misty por um instante. No espaço de alguns dias
ela havia se apaixonado por Leone sem que pudesse explicar como ou por quê. - Eu
nunca quis tanto alguém.
Leone a fez erguer o corpo naquele instante para poder beijá-la e explorar o
interior de sua boca.
O desejo atormentou-a com força avassaladora. Ela sentiu as pontas dos dedos
cravarem nos ombros de Leone e depois percorrerem toda a extensão das costas.
- Acaricie-me...
Ela obedeceu. A pele de Leone era lisa e macia. Enquanto o tocava, ele gemia de
prazer. Ela gostou disso. Significava que estava fazendo tudo certo. Mas antes que
pudesse se tornar mais ousada, Leone a fez deitar novamente e mergulhou a língua
entre seus lábios ao mesmo tempo que começava a explorá-la em sua parte mais
íntima.
Ela não conseguiu conter um gemido mais alto. Leone disse algo que não deu para
ouvir, e se posicionou de forma a penetrá-la. Quando o fez, com um movimento firme
e rápido, Misty sentiu uma dor tão aguda que quase a fez voltar para o mundo real.

- Estou te machucando? - Leone disse, rouco.


- Não - Misty mentiu.
Ele se tornou instantaneamente mais gentil e delicado. - Você é incrível.
O desconforto começou a dar lugar a uma sensação de prazer. Leone conseguiu
penetrá-la por inteiro e parou, como se percebesse que ela precisava de algum
tempo para acomodá-lo melhor. Depois, ele deu início aos movimentos sensuais que a
deixaram rapidamente em êxtase.
Misty sentiu Leone parar de repente e tremer com intensidade. Seu corpo
inteiro pareceu arder de calor e de paixão. Ela nunca se sentira tão próxima de
outro ser antes. Naquele momento Leone parecia pertencer a ela. A sensação era
esplêndida.
Leone rolou para o outro lado da cama e abraçou-a com força, exatamente como
ela queria ser abraçada, em completo silêncio.
- Estive pensando - Leone murmurou algum tempo depois, enquanto enrolava uma
mecha dos cabelos de Misty na ponta de um dedo. - Talvez eu possa ajudá-la a
localizar sua irmã gêmea.
A essa oferta, vinda do nada, Misty fitou-o com espanto. - Todos deveriam ter
uma família - ele continuou. - Seria apenas um pequeno favor que eu lhe faria.
- Obrigada - Misty respondeu -, mas prefiro que não.
- Por que não? Não gostaria de conhecê-la?
- É o que ela quer que importa - Misty explicou. - Minha irmã tem meu telefone e
meu endereço há quatro anos e nunca me procurou. Prefiro deixar como está.
- Você tem medo.
- Por que não teria? - Misty retrucou. - Não se trata de uma história de ficção.
Minha mãe me abandonou e a mais duas crianças. Somos três irmãos ao todo.
Desconcertado pela reação emocional de Misty, Leone não insistiu.
- Três?
- Três, talvez mais. Minha mãe se casou aos dezenove anos com um homem bem
mais velho do que ela e teve uma filha com ele. Soube de sua existência pelo serviço
social. Mais tarde, ela o deixou para ficar com meu pai, mas não deu certo e ela me
entregou, e a minha irmã gêmea, em um orfanato.
- E?
- Conheci o ex-marido de minha mãe na época que resolvi investigar minhas
raízes - Misty contou, amarga. - Tola que era, julguei que ele, talvez, pudesse ser
meu pai.
Leone não disse nada. Para confortá-la, tentou lhe segurar a mão, mas Misty não
quis.
- Ele ainda não havia superado a raiva da traição. Expulsou-me de sua casa e
chamou-me de tola por imaginar que valeria a pena remexer no passado.
Misty não percebeu que Leone havia ficado pálido ao ouvi-la. - Birdie é a única
família que tenho. Foi uma loucura de minha parte ter procurado fazer contato com
aquele homem. Tudo que consegui foi mais tristeza e humilhação.
As mãos de Leone a seguraram pelos braços e a atraíram de encontro ao peito.
- Nunca mais tocarei nesse assunto.
Mas a conversa havia aberto velhas feridas e Misty sentiu necessidade de ficar
sozinha.
Abriu a torneira da pia para lavar o rosto e ficou surpresa ao ver o vapor se
misturar ao ar. Aproveitou, então, para encher a banheira e tomar o desejado banho.
Por que havia contado toda sua história a Leone?, perguntou-se depois de
mergulhar o corpo na. água quente e sentir os músculos relaxarem. Leone não podia
imaginar o que ela estava sentindo. Ele deveria conhecer, provavelmente, todos os
membros de sua família. Diziam que os italianos eram muito unidos.
Uma batida à porta a trouxe de volta ao presente. - Posso entrar?
Ela afundou sob as bolhas de sabão.
- Pode, mas sinto dizer que devo ter usado toda água quente disponível.
- Aproveite para relaxar. Trouxe um cálice de conhaque para você. - Leone
parecia diferente. Havia um sorriso em seus lábios que o fazia parecer um garoto. -
Fui pego em flagrante por Murdoch, vasculhando a sala à procura de um drinque. O
mínimo que você pode fazer é aceitar.
As defesas de Misty caíram diante do relato. Ao imaginar a cena, ela se viu
rindo. Quando poderia imaginar que aquele fim de semana fosse se revelar o melhor
de sua vida?

Capítulo 6

Misty virou-se na cama e as pequenas e inéditas dores no corpo a fizeram


recordar os acontecimentos da noite. Leone. Tudo que queria fazer aquela manhã
era se entregar à felicidade que começara a envolvê-la docemente desde algum
momento no meio da madrugada.
A voz da razão tentou alertá-la de que se tratava apenas de um relacionamento
casual e passageiro, mas Misty sufocou-a porque não estava disposta a pensar, só
sentir. Era uma mulher adulta. Tinha idade suficiente para tomar suas próprias
decisões e ao menos uma vez na vida ela queria viver apenas o presente.
Por entre as cortinas abertas a luz da manhã penetrava no quarto. O tempo
estava nublado e isso pareceu a Misty incrivelmente romântico. Naquele dia tudo
pareceria.
Leone estava de costas para ela junto à janela. Recortado contra a luz, seu
corpo parecia ainda mais alto e forte. Aproveitaria para ficar ali, admirando-o, pelo
tempo que fosse possível. Que homem! Na cama era a fantasia de todas as mulheres.
Como pudera pensar que o detestava? Teria sido uma arma de defesa? Uma maneira
de negar a realidade da imensa atração que sentia por ele desde o primeiro
instante?
O celular de Leone tocou naquele instante e ele falou em italiano. A tensão
estava evidente em sua voz e ele se pôs a andar de um lado para o outro. De repente
virou-se e ela pôde olhar para seu rosto. Estava sério e ameaçador como daquela vez
no escritório em Brewsters. Não conservava mais nenhum traço do amante
apaixonado de horas antes. O delicioso calor que a inundava deu lugar a um arrepio.
Leone estava arrependido. Ele havia se levantado e se vestido enquanto ela dormia.
Era o comportamento padrão do homem que queria uma mulher por apenas uma noite.
Ela estava cansada de ver esse tipo de reação em livros e no cinema.
A exceção era Leone precisar dela por algum motivo desconhecido. Ele só não
havia desaparecido ainda porque estava preso a uma armadilha que ele mesmo
armara. O que estaria pensando? Que à luz do dia não conseguia entender o que vira
nela? Ou Leone era do tipo de homem que perdia o interesse na mulher assim que o
jogo da sedução terminava? E ela precisava admitir que o jogo não fora dos mais
longos e difíceis. Porque ela havia se rendido a ele quase sem nenhuma resistência.
- A que horas servirão o café? - Misty perguntou com estudada calma quando o
viu desligar.
Ele fitou-a como se não esperasse vê-la acordada. Sua expressão ainda
conservava o mau-humor da conversa, mas logo foi trocada por um sorriso. Um
sorriso forçado, porém. Doze horas antes Misty não teria notado a diferença, mas
muita coisa havia mudado nesse ínterim.
- Lamento, mas você o perdeu. É quase uma hora. Misty ficou tão desconcertada
com a informação que se sentou de um pulo sem se lembrar de que estava nua.
Apressou-se a se cobrir com o lençol.
- Você deveria ter me acordado!
- Para quê? Para uma pescaria na chuva?
Misty pestanejou. De repente a vergonha e a humilhação se somaram e a baixa
auto-estima começou a crescer em forma de raiva. Por que Leone não lhe contava o
motivo que o levara a lhe oferecer aquele contrato? À medida que os dias passavam
aquela farsa lhe parecia mais e mais suspeita. Se havia intimidade entre eles o
suficiente para fazerem amor, por que ele não lhe dava uma prova de confiança?

Para castigá-la da pior maneira possível por ela ter ousado enfrentá-lo?
- A maioria dos convidados está hospedada em um hotel aqui perto e seguiu para
o lago para a tradicional pescaria. Eu disse que você estava cansada da viagem.
Detesto programas como esse.
Misty cruzou os braços ao sentir um estremecimento. A chuva lá fora era tão
intensa que dava para ouvir os pingos baterem contra a janela.
- Não entendo você. Poderia ter ao menos fingido que gostava de pescar durante
algumas horas. Veio para cá, afinal, para encontrar essas pessoas. As mulheres
costumam acompanhar os maridos?
- Algumas. Talvez quase todas.
- Espero que alguém tenha uma capa para me emprestar. Pena que você não
tenha me avisado com antecedência. Não trouxe nada apropriado para usar. - Misty
estava encontrando dificuldade para não aumentar o tom da voz. - O que devem
estar pensando de nós? Chegamos tarde, surrupiamos duas doses do bar e eu fiquei
dormindo até uma da tarde!
- Ted Garrison só está interessado em nossa presença por motivos políticos.
Desde que eu faça uma gorda contribuição a sua campanha, tudo ficará bem.
Poderíamos passar o fim de semana inteiro no quarto e ele não daria a mínima.
Nesse momento, Misty se levantou e vestiu a camisola. Havia um sorriso
carregado de malícia em seus lábios.
- Não leve a mal, Leone. Foi uma boa idéia fazer sexo esta noite para espantar o
tédio, mas não vamos nos enganar que esse tipo de diversão garantiria todo o fim de
semana.
Leone ficou rígido. Ela obviamente o chocara com essa declaração. Ele não
esperava que ela fosse inverter o jogo e ser a primeira a dar o golpe. Quantas vezes
Leone a avisara que o contrato era temporário? Não suportaria ouvi-lo dispensá-la.
Preferia ser ela a deixar claro que a noite anterior não tivera nenhum significado e
que a experiência não seria repetida.
A decisão, no entanto, foi mais fácil de tomar do que de vivenciar. Misty
precisou se refugiar no banheiro para que Leone não a visse chorar. Por mais que lhe
custasse, ela queria se comportar diante de Leone como se nada houvesse
acontecido.
Encontrou o quarto vazio ao sair. Embora não sentisse nenhuma disposição,
obrigou-se a vestir uma blusa lilás bordada, uma saia que chegava à metade das
pernas e um cardigã com debrum de veludo. Depois escovou os cabelos e aplicou a
maquilagem. Era chegada a hora de encarnar seu papel. Como amante de Leone
precisava se apresentar elegante em todas as ocasiões e se mostrar dócil e
feminina.
Ao descer a escada, Misty ouviu barulho de cadeiras sendo movidas de lugar e
um murmúrio de vozes. Estranhou, ao chegar ao hall, que não houvesse ninguém na
sala. A conversa certamente estava acontecendo na cozinha.
Ela olhou ao redor e sentiu o calor aconchegante que vinha das chamas da
lareira. Só percebeu que não estava sozinha quando ouviu um leve ruído as suas
costas.
Era um homem muito distinto, moreno, com fios grisalhos nas têmporas, mas
parecia irritado ao se livrar do casaco molhado de chuva.
- Olá - Misty o cumprimentou, certa de que o conhecia de algum lugar. O que não
esperava era que ele, bem mais velho do que ela, fosse encará-la com tanto
interesse. - Sabe onde foi todo o mundo?
- Almoçar, eu imagino. Não creio que tenham conseguido realizar seus planos de
fazerem um piquenique no lago. Não com esse dilúvio. - O homem se aproximou de
Misty, lhe estendeu a mão e sorriu. - Oliver Sargent, ao seu dispor.
- Misty Carlton, muito prazer. - Misty reconheceu aquele nome de imediato
porque pertencia ao político favorito de Birdie, por estar ligado a causas sociais.
Ele segurou a mão de Misty mais do que seria o normal, mas o que mais chamou a
atenção dela foi o jeito brusco com que ele se afastou à chegada de uma senhora.
- Céus, Oliver! Olhe seu estado! Troque logo essa roupa antes que apanhe uma
pneumonia. -Em um piscar de olhos, a mulher havia esquecido o recém-chegado para
tratar com Misty. - Sou Peg Garrison. Você deve ser Misty. É um prazer receber
gente jovem aqui para variar. Imagino que Leone a tenha abandonado...
- Como? - Misty pestanejou.
- Leone e Ted resolveram ir ao encontro do pessoal no lago. Ted me avisou pelo
celular. Duvido que os veremos antes da festa desta noite. É raro Ted encontrar
alguém tão apaixonado pela pesca quanto ele mesmo. Com certeza aproveitará a
companhia de Leone ao máximo.
Surpresa com a revelação após o que Leone lhe dissera, sobre esse mesmo
assunto, Misty foi levada pela anfitriã a uma gélida sala onde cerca de doze pessoas
se reuniam ao redor de uma mesa.
Ao se sentar, Misty estranhou a ínfima porção de salada colocada em seu prato.
Sua vizinha de lugar, uma senhora muito simpática, cochichou para ela.
- Imagino que seja sua primeira vez aqui. - Sim.
- Um erro que todos cometem. Da próxima vez, aconselho-a a se hospedar no
hotel. É muito mais confortável. E a comida não é racionada - ela acrescentou com
uma risadinha. - Sou Jenny Sargent.
- Sargent? Acho que era seu marido, então, que encontrei no hall há alguns
minutos.
- Oh, Oliver já voltou? Ele sempre procura escapar da pescaria na primeira
oportunidade. Detesta esse esporte. - Eu me chamo Misty Carlton.
- Misty é seu verdadeiro nome?
- Não. É Melissa. Mas nunca ninguém me chamou assim. Oliver Sargent se reuniu
ao grupo quando o parco almoço já estava pela metade. A anfitriã indicou o lugar ao
lado dela para que se sentasse ao mesmo tempo que tentava defender sua opinião de
que não havia necessidade de instalarem um sistema de aquecimento central no
castelo, sem notar, ou fazendo de conta que não notava, que seus hóspedes se
esforçavam por não baterem os dentes de frio. Misty cogitou se Leone se
interessava por política. Porque não dava para entender a razão de ele ter escolhido
justamente aquele lugar para passarem o primeiro fim de semana juntos. Aquelas
pessoas pertenciam a outra geração. Além disso não falavam sobre negócios. A não
ser, é claro, que Leone estivesse precisando de algum favor político por causa de
problemas envolvendo suas empresas.
Em várias ocasiões Misty surpreendeu Oliver Sargent olhando na direção da
esposa, embora parecesse que era para ela própria. Mas que interesse aquele homem
poderia ter em sua pessoa, ela não conseguia entender.
Na verdade, Oliver Sargent tinha um olhar que a incomodava. Embora a esposa
estivesse presente, ele parecia querer flertar com todas as mulheres a sua volta.
Quando fosse contar a Birdie que o conhecera pessoalmente precisaria ter cuidado
para não expressar sua opinião sincera e magoá-la.
Ao almoço seguiu-se um tour pelos três andares que compunham o castelo e
também pela majestosa torre. De acordo com a anfitriã a construção havia sofrido
diversas reformas no decorrer dos séculos, o que explicava as inúmeras escadarias e
corredores com desvios de noventa graus.
- Depois que as crianças cresceram, o lugar ficou grande demais para nós - Peg
Garrison explicou e Misty lamentou que um lugar tão lindo estivesse tão abandonado.
- Estamos pensando seriamente em trocá-lo por uma vila no sul da França.
- Leone está interessado em comprar o castelo? - Jenny perguntou, surpresa, na
primeira oportunidade que Peg Garrison os deixou a sós. - Jamais me ocorreu que ele
pudesse...
O olhar que Oliver Sargent endereçou à esposa causou pena a Misty. Era como
se a pobre mulher tivesse cometido a maior indiscrição do mundo.
- Nós conhecemos Leone por meio de sua irmã mais nova - Jenny Sargent
explicou a Misty. - Bridget estava trabalhando para Oliver na ocasião. Era uma
jovem adorável. Leone custou a se recuperar de sua morte. - A mulher balançou a
cabeça. - Jovens e carros em alta velocidade são uma combinação perigosa.
- Sim - Misty concordou ao se lembrar da expressão sofrida de Leone diante da
garota do retrato.
- Leone passou a nos evitar desde o ocorrido. Não posso culpá-lo - Jenny
murmurou. - Oliver e eu o fazemos lembrar a tragédia.
Cada minuto que passava mais Misty precisava se esforçar para fingir interesse
na conversa. Cenas da noite anterior voltavam a sua mente a todo instante: Leone,
por exemplo, rindo por ter sido pego em flagrante ao se servir de uma bebida e
prometendo, em seguida, que iria repor a garrafa pela manhã. Eram pequenas
atenções como aquela que mais lhe chamavam a atenção. Leone se preocupou com o
emprego do mordomo. Não quis que ele pagasse por um erro que não cometera.
Nenhum sonho, nenhuma fantasia se igualavam à paixão extraordinária que ela
estava sentindo. Teria sido por medo de uma rejeição que ela havia se comportado
como se comportou? E se a preocupação de Leone tivesse sido causada por outro
motivo que não ela?
Um calor aconchegante lhe deu as boas-vindas ao abrir a porta do quarto. Leone
estava diante da lareira, encolhido e tremendo. A súbita preocupação que a assaltou
a deixou ao mesmo tempo zangada consigo mesma.
- Você falou sério hoje? - Leone se virou para ela com os cabelos gotejantes.
Desprevenida para a questão, Misty fechou a porta devagar para ganhar tempo.
Seu coração batia acelerado. Não sabia como proceder. Porque algo lhe dizia que
teria de arcar com a responsabilidade de sua resposta, qualquer que fosse ela.
-Dio mio! Você não queria dizer aquelas coisas, queria? - Leone continuou.
A cor desapareceu das faces de Misty e as pernas ameaçaram ceder sob seu
peso, mas ela ainda encontrou forças para erguer o queixo.
- Achei que precisava dizê-las para me defender ou você as teria dito.
- Eu não seria rude a esse ponto! Não quero ouvi-la falar daquela maneira nunca
mais! - Leone se deteve por um instante. - Como você se sentiria se tivesse sido eu a
tratá-la daquela maneira?
Misty engoliu em seco. Leone ainda a queria apesar de tudo. Queria-a tanto,
aliás, que forçara um entendimento entre eles. Como em um passe de mágica, o mal-
estar que a acompanhara durante a tarde se dissipou por completo.
- Vou pegar uma toalha para você.
Misty se aproximou de Leone com a toalha. Ele a fitou no fundo dos olhos.
- Nunca mais faça isso comigo.
Ela concordou com um gesto de cabeça.
- Eu teria sido mais delicado se soubesse que você era virgem.
Incapaz de encará-lo, Misty baixou-os olhos, mas o sangue deveria ter subido
todo para seu rosto.
- Por que fez tanta questão de me esconder o fato?
- Tive vergonha.
- Fiquei surpreso, mas lisonjeado por você ter me escolhido - Leone murmurou. -
Pensava de modo completamente diferente a seu respeito.
- Flash e eu moramos no mesmo orfanato durante anos. Eu gosto dele como de
um irmão.
- Mas de Redding você foi noiva...
- Não por muito tempo e vamos encerrar esta conversa por aqui, está bem?
Leone sorriu e puxou-a para reclamar um longo e profundo beijo. Quando se
separaram Misty notou que ele estava rindo diante da ansiedade com que ela tentava
livrá-lo do casaco molhado. Ele o tirou com um movimento rápido e com a mesma
rapidez a ergueu no colo e a deitou na cama. - Preciso me arrumar para a festa.
- Tem certeza de que quer ir?
Ela precisou respirar fundo para responder. - Nós temos de ir, Leone.
- Não, amure. Não temos de fazer nada que não quisermos. - A não ser quando
somos hóspedes de alguém - ela lembrou.
Enquanto Misty falava, Leone começou a se despir. Ela não conseguiu terminar
seu pensamento. Aqueles braços, aqueles músculos... Com um sorriso de excitação,
Leone abraçou-a e lhe tirou o cardigã e a blusa. Depois se pôs a beijá-la na boca, no
pescoço, nos seios, por cima do sutiã.
- Você é tão sexy! Estou louco para me sentir dentro de você outra vez.
Ele a tocou e ela descobriu que também o queria. Loucamente. A urgência de
Leone a excitava. Era maravilhoso ouvi-lo falar de seu desejo sem reservas.
Leone a penetrou naquele instante e se movimentou de um jeito que a fez
mergulhar em ondas sucessivas de êxtase.

- O que você fez à tarde? - Leone quis saber quando eles finalmente resolveram
descer para se reunirem aos outros convidados.
Misty examinou o vestido branco que escolhera para usar naquela festa e alisou
a saia.
- Almocei com a dona do castelo e mais algumas pessoas e depois participei de
um tour pelo castelo que é ainda mais maravilhoso do que eu pensava. Ah, e conheci
Oliver Sargent, o político.
- Não pode tê-lo conhecido - Leone a interrompeu. - Oliver fez parte do grupo
da pescaria.
- Só por algum tempo. Quando eu desci do quarto, ele estava chegando, todo
molhado de chuva.
A mão de Leone estava rígida nas costas de Misty. - O que achou dele?
- Confesso que não simpatizei com ele. Gostei mais de sua esposa.
- Você também a conheceu?
Misty estranhou o tom.
- Eles não são seus amigos?
- Não.
Misty franziu o rosto. Leone parecia não gostar de nada nem de ninguém
relacionado ao castelo Eyrie. O que, afinal, eles estavam fazendo ali?
- Você parece não ter aprovado que eu saísse do quarto e encontrasse pessoas.
Queria que eu ficasse longe de todos enquanto você pescava?
- Não - Leone respondeu, mal-humorado. - Esqueça o que eu disse.
As palavras de Jenny Sargent voltaram à lembrança de Misty. Ela havia
comentado sobre Leone ter passado a evitá-los depois da morte da irmã. A palidez
de Leone parecia confirmar isso. Uma forte compaixão se apoderou de Misty ao
pensar na perda traumática que ele sofrera.
A festa prometia ser grandiosa, Misty pensou. Um dos salões havia sido
preparado para o baile. Em outro, uma longa mesa oferecia uma grande variedade de
pratos. O jantar seria estilo bufê, ao que tudo indicava. Belíssimos arranjos de
flores podiam ser vistos por toda parte. Aparentemente, a economia com o almoço
não iria se repetir.
Leone a enlaçou pela cintura e a fez rodopiar ao som de uma música. Ela estava
se sentindo feliz como nunca se sentira antes. Ao mesmo tempo, não conseguia parar
de pensar que não havia nenhuma garantia de que a paixão que Leone estava sentindo
por ela seria duradoura.
Uma hora depois, no meio de uma dança, Misty pisou na barra do vestido e a
desfez, mas não se preocupou com isso. Bastaria subir ao quarto e dar uns pontos
para consertá-la. O que não esperava era ser abordada por Oliver Sargent quando
desceu a escada e se preparou para voltar à festa. - Quero lhe dar um conselho de
amigo.
A voz soou empastada pelo álcool.
- Que conselho? - Misty estreitou os olhos.
- Afaste-se de Leone Andracchi. Ele está usando você. Assustada com as
palavras vindas de um homem que mal conhecia, Misty não soube como reagir. Ele
não esperou por uma resposta. Em poucos instantes havia se misturado novamente à
multidão.
Misty permaneceu onde estava por um longo tempo. Era óbvio que a animosidade
entre Leone e o político era mútua. Mas por que, de repente, ela estava se vendo no
meio do conflito?

Capítulo 7

O dia ainda não havia amanhecido e Misty já estava acordada olhando Leone
dormir. Ele parecia ainda mais bonito quando relaxado. Seus cílios eram longos e
espessos. Os lábios eram cheios e sensuais. Em um espaço curto de tempo aquele
homem havia se tornado a pessoa mais importante em sua vida. Ao mesmo tempo,
que tipo de proximidade era aquela que não lhe permitia nem sequer desabafar
sobre o aviso lúgubre que Oliver Sargent lhe dera?
Por outro lado, como ela podia esperar uma intimidade total entre eles quando
mal começavam a se conhecer? O que ela estava pretendendo não era razoável. Além
disso, Oliver Sargent havia bebido e como Leone devia ser um desafeto, ele
aproveitara a oportunidade para tentar prejudicá-lo.
Essa suposição poderia estar correta. No fundo, porém, Misty não acreditava na
possibilidade. Porque apesar de ter bebido além da conta, Oliver Sargent parecia
estar sendo sincero com ela.
Leone respirou mais fundo naquele instante e Misty se apressou a lhe dedicar
toda sua atenção outra vez. Não iria se deixar contagiar pelo pessimismo. Leone
estava a seu lado e a queria. O outro homem vivia no mundo da política. Era
especialista em convencer as pessoas de suas idéias.
- Preciso saber aonde chegaremos com este relacionamento - Misty desabafou a
caminho de Londres.
0 silêncio invadiu o interior da limusine.
- Ainda não posso lhe dar uma resposta - Leone respondeu.
A calma não abandonou Misty, mas seu rosto se cobriu de uma profunda palidez.
- Não quero me tornar sua amante. O acordo que fizemos continuará valendo?
- Sim - Leone respondeu sem hesitação.
- Você ainda não tem planos de me contar a razão de toda essa farsa?
- Por enquanto não.
- Nesse caso, nosso acordo inicial deve prevalecer - Misty afirmou, categórica. -
Será estritamente comercial. Leone passou uma das mãos pelos cabelos.
- Isso é ridículo!
- Sinto muito, mas não poderá ser de outra maneira. Ou você confia em mim ou
eu continuarei a ser apenas sua contratada.
- O uso de chantagem só tornará a situação mais difícil - Leone resmungou.
- Não estou chantageando você! - Misty protestou.
- Estarei em Nova York durante a próxima semana. Aproveite minha ausência
para refletir.
Diante dessa notícia inesperada, Misty sentiu o fôlego lhe faltar. A simples
idéia de não ver Leone durante uma semana inteira a afetava como um golpe físico.
Como pudera se abandonar tão completamente às emoções?
- Não sentirei sua falta - ela respondeu, ressentida.
- Você está falando como se tivesse sete anos de idade, amore - Leone brincou e
colocou sua mão sobre a mão de Misty. - Por que está tão determinada a acabar com
algo que está dando certo?
-Porque talvez não esteja dando certo para mim - Misty respondeu, mais para si
mesma.
Durante a ausência de Leone, Misty ficou com Birdie por alguns dias e o tempo
passou rápido. Mas de volta à solidão do apartamento em Londres, ela não sabia o
que fazer para se distrair. Na penúltima noite, depois de ficar horas inutilmente
diante do telefone esperando que Leone ligasse, ela resolveu ir ao cinema.
Deitou-se mais tranqüila e ficou pensando em Leone e em como seria o
reencontro. Estava quase adormecendo quando lhe ocorreu que seu período estava
atrasado. Quase se levantou para verificar a data da última menstruação, mas
desistiu. Não havia nada de extraordinário com ela. Era fato conhecido e provado
que a tensão emocional podia causar esse tipo de reação nas mulheres.
O telefone tocou no meio da noite. Misty atendeu sonolenta, mas tornou-se
instantaneamente alerta ao aviso de Leone de que estaria chegando em Londres às
sete da manhã.
- Volte para seu sono - ele murmurou. - Estarei em casa quando você acordar.
Ela sorriu e sorriu. Em casa. Mal cabia em si de felicidade. Tornou a deitar e a
adormecer, mas a adrenalina venceu e a colocou de pé por volta das cinco horas.
O certo seria ela permanecer na cama, calma e tranqüila. Mas a vontade de ver
Leone foi mais forte. Misty saltou da cama, vestiu uma calça de sarja branca e uma
blusa turquesa e chamou um táxi.
Consultou seu relógio de pulso dezenas de vezes durante o trajeto para o
aeroporto. Não queria chegar atrasada. Não queria correr o risco de se
desencontrarem.
Por sorte, Misty o viu enquanto atravessava o saguão. Apressou o passo. Sentia
vontade de acenar e gritar o nome dele. Em vez disso, parou no meio do caminho e
prendeu os cabelos na nuca com as mãos, como se esse gesto fosse conter sua
excitação.
Leone parecia ainda mais lindo, mas sua expressão não poderia estar mais
preocupada. Então ele a viu e se deteve por uma fração de segundo. Quando tornou a
andar, seu olhar estava tão frio que ela se assustou. Não deveria ter cedido ao
impulso de ir recebê-lo em sua chegada. Movida, agora, pelo bom senso, ela se virou
em direção à saída e começou a correr.
O mundo explodiu em flashes no minuto seguinte. Ela ficou atordoada com
tantos disparos. E com o vozerio. As pessoas pareciam estar gritando com ela. O que
poderia estar acontecendo? E por que Leone não ficou contente ao reconhecê-la?
- Você sabia que Oliver Sargent era...? - um homem com uma máquina
fotográfica estava perguntando quando outro o atropelou com outra pergunta
direcionada a ela. - Como se sentiu, srta. Carlton, quando soube? Zangada? De-
cepcionada?
Subitamente, Leone surgiu ao lado dela e a assustou ainda mais ao tomar a
câmera de um dos jornalistas e atirá-la longe antes de protegê-la do terrível
assédio com o próprio corpo.
- O que está acontecendo? - Misty quis saber. - Ouvi mencionarem o nome de
Oliver Sargent.
Não houve tempo para explicações. Até que Leone e Misty alcançassem a
limusine, ela estava sem condições de falar e até mesmo de respirar.
- Não imaginei que você fosse resolver ir me esperar tão cedo - Leone admitiu. -
A imprensa estava a postos para me entrevistar. No instante em que vi você
adivinhei que aquilo viraria um inferno. Você está bem?
Misty moveu negativamente a cabeça, que começava a latejar apesar do alívio da
descoberta de que não era por sua causa que Leone se aborrecera.
- Por favor, conte-me o que está acontecendo.
- Um desses jornais sensacionalistas publicou uma matéria que envolve você.
Misty não pôde evitar uma exclamação.
- Eu? Meu nome está em um jornal? Já me ligaram a você?
- Não - Leone tirou um recorte de jornal do bolso e entregou-o a ela. - Sinto
muito. A notícia foi publicada em Nova York em primeira-mão. Nunca me arrependi
tanto antes por algo que fiz.
Por que motivo Leone estava sentindo pena dela?, Misty cogitou, mais e mais
perturbada com o passar dos minutos. E por que estava arrependido?
Subitamente, ela entendeu. Aquele recorte exibia a foto dela tirada na noite de
estréia daquele filme. A manchete dizia:
Será Melissa Carlton a filha que Oliver Sargent abandonou?
- De onde tiraram esse despropósito? - Misty indagou, incrédula.
- Ninguém pode provar nada sem o teste de DNA - Leone explicou -, mas com
base nas informações que obtive há uma grande probabilidade de Sargent ser seu
pai.
Misty sentiu-se duplamente atingida. Era dificil saber o nome do homem que a
abandonara ao nascer e que nunca se importara com sua vida. Mais ainda era tê-lo
conhecido e não gostado de seu jeito.
- Você acha que essa história pode ser verdadeira?
- Sim.
Aquela pequena palavra representou o colapso de tudo que Misty sabia sobre si
mesma. Todos os seus esforços em conhecer seu pai haviam sido infrutíferos.
Quando criança esse era seu maior sonho. A idade trouxe a conformação, porém, de
que havia poucas chances de esse sonho ser realizado. Após a morte de sua mãe,
Misty perdeu a esperança de encontrá-lo e o afastou de sua mente.
Agora, um jornal qualquer não apenas vinha lhe provar que ele existia como lhe
mostrava quem ele era.
Chocada com a revelação, Misty começou a tremer.
- Deixe para ler depois, quando chegarmos em minha casa - ele a aconselhou.
- Em sua casa?
- A essa altura o apartamento já deve ter sido invadido pela imprensa.
A expressão séria e preocupada de Leone enterneceu Misty. Sentia-se grata a
ele e constrangida ao mesmo tempo. - Você voltou antes de Nova York por minha
causa. Sinto muito.
A reação brusca a pegou desprevenida.
- Não sinta. Fui o responsável por tudo isso.
Responsável em que sentido? Por tê-la exposto ao interesse dos jornalistas?
Nesse caso, a culpa não cabia a ela por ter se negado a responder algumas
perguntas? Tivesse saciado a curiosidade daquela gente, ninguém teria se
preocupado em investigá-la. Por outro lado, como eles puderam ter acesso a um
segredo que nunca ninguém lhe revelara apesar de todo seu empenho? De qualquer
modo, a maior coincidência que poderia existir era ela ter conhecido Oliver Sargent
havia uma semana.
Em silêncio, ela começou a ler a matéria. Mas antes que conseguisse passar da
primeira linha, Leone tirou o papel de sua mão.
- Não perca seu tempo. Os tablóides adoram explorar o sensacionalismo.
A casa de Leone era grande e imponente. Não deu para Misty conhecê-la no
primeiro momento. Assim que deu instruções ao mordomo para que lhes servisse um
bom café da manhã, Leone a levou para a sala.
- Procure não levar essa história para o lado pessoal - ele avisou-a. - O alvo era
Oliver Sargent, não você. Misty mordeu o lábio. Não sabia se ria ou se chorava. Como
os homens podiam ser tão insensíveis? Ela havia acabado de descobrir a identidade
de seu pai e Leone não queria que ela levasse o caso pelo lado pessoal?
- Sargent fez muitos inimigos na mídia - Leone prosseguiu. - Eles estão ao
encalço dele, não de você. Naquele instante, veio à mente de Misty um dos temas
mais defendidos por Oliver Sargent em sua campanha: o número de crianças
nascidas fora do casamento e o efeito dessa situação na sociedade e nas próprias
crianças. O homem vivia sendo atacado por uns e aplaudido por outros por sua tese
moral. Seria uma revelação e tanto para seus eleitores que ele tivesse abandonado a
jovem que seduzira e a própria filha. Sua carreira política teria fim. Ele seria
considerado um hipócrita. E ela, Misty notou pelas fotos da casa opulenta de Oliver
e do lar adotivo onde ela fora inicialmente acolhida, seria alvo da piedade geral.
- 0 primeiro marido de sua mãe era bem mais velho do que ela - Leone contou
antes que Misty pudesse ler o artigo. - Ele era professor em uma faculdade e a
incentivou a estudar. Sargent estudava na mesma faculdade.
- Não consigo imaginar minha mãe envolvida com livros e cursos - Misty
murmurou.
- Infelizmente, ela e Sargent tiveram um romance na época, e quando você e sua
irmã nasceram e ficou provado que vocês não eram filhas do professor, Sargent
estava namorando Jenny e se recusou a assumi-las, e a sua mãe.
Misty se lembrou da mulher tão simpática e agradável que conhecera no castelo
Eyrie e lamentou que ela estivesse prestes a descobrir que o homem com quem se
casara e vivera todos aqueles anos a tivesse traído de maneira tão ignóbil.
Os olhos de Misty pousaram, de repente, em uma linha que mencionava seu
noivado com Philip e a razão pela qual ele rompera com ela. Misty nunca havia se
sentido tão humilhada em sua vida. Porque agora seu maior segredo havia sido
exposto com brutalidade. Leone tinha conhecimento daquele artigo. Ele sabia!
- Não!
Diante do grito de agonia, Leone tentou abraçar Misty, mas ela se recusou a ser
consolada.
- Por favor, deixe-me sozinha. Preciso lidar com tudo isso por mim mesma.
Mas Leone era persistente. Mesmo contra a vontade de Misty, ele a atraiu de
encontro ao peito e a fez deitar a cabeça em seu ombro. Ela não queria, mas não
resistiu por muito tempo. Chorou e soluçou até cansar.
- Per amor de Dio! - Leone implorou. - Não fique assim.
Misty ergueu os olhos brilhantes de lágrimas.
- Não quero que você se envolva nessa história horrível. Vou me sentir ainda
pior.
- Eu já estou envolvido - Leone respondeu subitamente pálido. - Estou mais
envolvido do que você pode imaginar.
Misty entendeu que Leone estava se culpando por tê-la exposto ao interesse
público.
- Isso não é verdade.
- Tudo que estão dizendo é favorável a você - Leone tentou consolá-la.
- Também sobre minha infertilidade depois do acidente? - Misty ressaltou,
amarga.
Incapaz de suportar tanta dor, Misty se desvencilhou do abraço, mas Leone a
seguiu e a segurou pelos braços.
- Não faz nenhuma diferença para mim - ele garantiu. A vontade de Misty foi
chorar ainda mais. É claro que não fazia nenhuma diferença para Leone. Ele a havia
contratado para ajudá-lo em uma farsa. Nada mais. Casamento jamais lhe passara
pela cabeça.
Mas Leone tornou a abraçá-la e suas defesas ruíram. Ela o amava. Ela o amava
porque ele fazia questão de ampará-la quando outros homens fugiam ao primeiro
sinal de problema. - Faça amor comigo - Misty sussurrou.
A tensão que se apoderou de Leone a deixou rígida. No instante seguinte ela o
empurrou.
- Esqueça o que eu disse.
Ele a alcançou quando já estava saindo da sala.
- Como pôde pensar que eu não queria você? Sonhei em tê-la em meus braços
cada dia e cada noite que estive longe! Mas antes precisamos conversar...
O alivio que Misty sentiu ao ouvir aquelas palavras foi tão grande que o resto do
mundo deixou de existir naquele momento.
- Mais tarde. Nada mais me importa agora a não ser nós dois.
- Misty...
Ela não o deixou terminar. Colocou-se nas pontas dos pés e tomou a iniciativa de
beijá-lo. E Leone, incapaz de continuar se contendo, carregou-a para o quarto.
- Você tem certeza? - ele perguntou no último instante. - Posso esperar, caso
você prefira tomar o café primeiro. - Misty tentou brincar.
Leone não teve tempo de responder, mas ainda conseguiu sorrir para ela antes
de ser obrigado a desligar o celular que começou a tocar no mais inoportuno dos
momentos.

Misty empregou todas as suas forças para não pensar na matéria sobre Oliver
Sargent que saíra no jornal. Mas por mais que lutasse não conseguia esquecer a
tentativa daquele homem, que poderia ser seu pai, em colocá-la contra Leone. Agora
estava tudo claro. Ao ouvir o nome dela, Oliver Sargent a reconhecera e a vira como
uma ameaça a sua preciosa reputação. O próprio modo de ele se comportar era uma
confirmação de que sabia que ela era sua filha. Seria possível que seu pai
acreditasse que ela também sabia quem ele era?
Um arrepio percorreu as costas de Misty. Aquela história a estava assustando.
Mais ainda porque tinha certeza de que Leone estava ciente de tudo havia muito
tempo.
- Você sabia que eu era filha de Oliver Sargent! Você descobriu a meu respeito
quando mandou me investigarem! Incapaz de negar, Leone admitiu com um gesto de
cabeça. - Está tudo bem - ela murmurou. Não culpava Leone por seu silêncio.
Lembrava-se de que ele ficara imensamente perturbado quando soube que ela e
Oliver Sargent haviam se encontrado. Talvez tivesse sido realmente uma grande
coincidência que eles tivessem se hospedado no castelo Eyrie no mesmo final de
semana. A relutância de Leone em participar da festa, aquela noite, talvez também
se devesse a esse motivo.
- Não quero mais falar sobre isso - Misty declarou. - Não vale a pena. Agora que
sei a verdade posso entender o medo que assaltou meu pai ao se ver frente a frente
comigo. Mas eu passei toda minha vida sem um pai e não me importo mais em ter um.
Leone a ouviu em silêncio, imóvel como uma estátua. Ao final, abraçou-a.
- Mas você sofreu muito com isso.
Os olhos de Misty tornaram a encher de lágrimas. Sua vontade era dizer a
Leone que nada mais importava realmente desde que eles estivessem juntos, mas a
prudência a impediu de abrir seu coração. Em vez disso, ela se obrigou a sorrir e a
brincar. Quando o empurrou e ele caiu atravessado na cama, tentou escapar, mas
Leone a prendeu em seus braços.

- Você é uma mulher e tanto, bella mia.


- E você parece ter ficado tímido de repente - Misty o provocou com um beijo.
- É que nós realmente precisamos ter uma conversa - Leone insistiu.
- Acho que você já não me deseja como antes...
- Verifique por si mesma. - Leone a fez tocá-lo e Misty se sentiu aquecer por
dentro. - Fico sempre assim quando estou perto de você - Leone confidenciou e
beijou-a apaixonadamente. - Venha morar comigo.
Sem esperar por um convite como aquele, Misty não conseguiu responder.
- É a primeira vez que convido uma mulher para se mudar para minha casa -
Leone se apressou a explicar. Mas o convite pareceu precipitado a Misty. Na
verdade, ela não gostou da proposta.
- Eu precisaria conhecê-lo muito melhor antes de considerar me mudar para
Londres por sua causa.
Ficou óbvio que Leone tampouco gostou do rumo que a conversa havia tomado.
- Não permitirei que você volte a Norfolk.
- Você precisa parar de pensar que o mundo gravita ao seu redor.
A reação de Leone foi imediata. Ele fez Misty rolar na cama e se colocou por
cima.
- Estou cansado de tomar duchas frias a semana inteira. Ela olhou para ele e
eles sorriram um para o outro. Em seguida, de mútuo e silencioso acordo, os dois se
levantaram e se despiram com a urgência que a paixão clamava.
- Você é demais! - Leone exclamou. - Pensei que essa história do jornal fosse
desmoroná-la.
Misty não respondeu. Estava ocupada demais em admirar aquele corpo
bronzeado e musculoso, ardendo por ela. Enquanto tivesse Leone, nada poderia
afetá-la.
Em poucos minutos, Misty estava perdida em um deslumbre sensual que a levou
ao total abandono. Agarrou-se aos ombros de Leone, a seus cabelos negros e
sedosos e se deixou levar por onda após onda até ser tragada em uma explosão de
prazer.
- Espero que não tenha de viajar por um longo tempo - Misty murmurou algum
tempo depois.
- Também senti sua falta, amore - Leone confessou e eles se deixaram governar
novamente pelo desejo insaciável que sentiam um pelo outro.
Foi lindo. Foi maravilhoso. Misty sentiu, pela primeira vez, que não era apenas
paixão da parte de Leone, mas também uma grande ternura. Ela nunca havia
experimentado tanta felicidade.
Eles estavam descansando nos braços um do outro quando Leone voltou a falar.
- Agora nós iremos nos levantar e fazer uma refeição. Mas antes quero que
prometa que ouvirá tudo que tenho para lhe dizer, antes de me julgar.
O que Leone tinha de tão importante para lhe dizer? De repente, Misty se
sentiu apreensiva. Teria a ver com a proposta que lhe fizera para que se mudasse
para a casa dele? O que mais poderia ser? De onde ela tirara a idéia de que o
convite fora precipitado? Leone não era do tipo impulsivo. Ao contrário. Ele parecia
ter sempre tudo cuidadosamente planejado. Na verdade, Leone estava insistindo em
terem aquela conversa desde que chegaram na casa. Talvez a idéia de convidá-la
para morarem juntos tivesse surgido quando ele ainda se encontrava em Nova York...

Capítulo 8

Misty colocou o açúcar no café de Leone e mexeu a bebida como se estivesse


participando de um grande ritual.
- Daria para você me levar a sério por um instante? Ela sorriu, provocante. Não
estava conseguindo se concentrar. Duas horas antes chegara a acreditar que o
mundo houvesse acabado. De repente, embora ainda tivesse de lidar com o problema
relacionado a Oliver Sargent, a alegria estava transbordando de seu ser.
O mordomo entrou na sala para servir o desjejum. Ao abrir a tampa que cobria
os ovos com o bacon para que não esfriassem, Misty sentiu o cheiro da comida e
pensou que fosse desmaiar. Uma náusea terrível a fez se levantar e correr para o
banheiro.
- Você está bem? - Leone bateu à porta alguns minutos depois.
Misty estava segurando o estômago porque ele parecia insistir em dar voltas.
Assim como sua cabeça. Ela lavou o rosto, olhou-se ao espelho e fez uma careta.
Justo quando queria parecer o mais bonita possível...
- Desculpe, mas acho que não estou com fome - ela sé justificou ao retornar à
mesa.
- Está doente?
- Claro que não. - Misty forçou um sorriso. - Mas acho que vou ficar com uma
xícara de chá apenas. Você estava dizendo...

- Antes de tudo, quero lhe contar sobre minha irmã, Bridget.


Misty se lembrou instantaneamente da história que Jenny Sargent havia lhe
contado no castelo. Sentiu-se comovida por Leone finalmente ter decidido lhe
confiar seus sentimentos mais íntimos.
- Bridget fez parte da equipe de Oliver Sargent no verão passado e se erivolveu
com ele também no aspecto pessoal - ele acrescentou com amargura.
- Você tem certeza? - Misty indagou.
- Tenho. A melhor amiga dela me contou toda a história, inconformada com sua
morte. Sargent conduz seus casos extramatrimoniais com discrição. Ele leva suas
amantes para um chalé no campo.
Misty fechou os olhos e suspirou. Então o homem que a abandonara e a sua mãe
também era um sujeito desonesto e traidor. Agora ela não se preocuparia mais em
tentar imaginar o motivo que causara a animosidade entre os dois homens. Uma
hostilidade que Jenny Sargent lhe explicara segundo a própria interpretação porque
nunca tivera conhecimento da verdade.
- Na noite em que Bridget morreu, ela viajava com Sargent para o chalé, mas
embora eu tenha certeza do fato não consegui provas de que ele estava com ela no
momento do acidente. - Leone se deteve por um instante. - O carro saiu da estrada.
Não houve testemunhas. Ele a deixou lá à própria sorte e fugiu.
Misty pestanejou, horrorizada. - Não pode ser!
- Passou-se mais de uma hora até que o serviço de resgate recebesse a
comunicação por um telefonema anônimo. Quando eles chegaram ao local já era
tarde demais. Meu único consolo foi o depoimento dos médicos de que ela ficou
inconsciente de imediato com a batida.
O que Leone estava lhe contando era absolutamente inconcebível.
- Como você pode ter tanta certeza de que Oliver Sargent estava com sua irmã
no momento do acidente?
- Eu vi a culpa e o medo de ser descoberto escritos nos olhos dele na primeira
vez que o vi após o acontecido. Mas o homem é poderoso e tem amigos. Um deles se
tornou seu álibi ao afirmar que estavam viajando juntos para a Cornualha naquela
noite.
- Você nunca se confrontou com ele?
- Como? Ele poderia me processar por acusá-lo sem provas. Para atingi-lo, eu
teria de me igualar a ele. Então, com a firme convicção de que encontraria algo de
vergonhoso em seu passado que ele desejaria esconder a todo custo, mandei
investigá-lo. Foi quando soube de você...
Um alarme soou para Misty naquele momento. De repente seu relacionamento
com Leone assumia novas dimensões. Ela parou de respirar na esperança de que suas
piores suspeitas não tivessem fundamento.
- Oliver Sargent leva uma vida dupla - Leone prosseguiu. - Ele é um político
corrupto e eu decidi destruí-lo. Escolhi você como arma.
O choque de Misty foi tamanho que ela não conseguiu reagir.
- Eu me recusava a vê-la como uma pessoa - Leone explicou. - Eu a considerava
apenas uma extensão do homem que odiava com todas as minhas forças. Para
facilitar meu trabalho, resolvi ver apenas o que poderia parecer negativo em sua
existência.
- Por favor, diga-me que não é verdade - Misty implorou. - Diga que isto é um
pesadelo.
- Ninguém gostaria de um milagre como esse mais do que eu, amore - Leone
desabafou. - Acha que eu queria lhe contar a verdade? Eu não tive escolha. Mais
cedo ou mais tarde você descobriria tudo e seria ainda pior. Eu a contratei com o
único intuito de colocá-la nas colunas sociais como minha amante para despertar a
curiosidade dos jornalistas.
Incapaz de permanecer perto de Leone, Misty se levantou e se colocou junto à
janela.
- Eu deixei pistas para facilitar o serviço da imprensa. Levei-a ao castelo Eyrie
de propósito. Já estávamos lá quando descobri quem você era realmente e resolvi
desistir de minha vingança. Infelizmente já era tarde demais para deter a
engrenagem...
Cada palavra de Leone a fazia se sentir mais traída, mais decepcionada.
- Tentei impedir que você conhecesse Oliver porque sabia que ele a
reconheceria quando ouvisse seu nome. Só fui pescar para poder ficar de olho nele.
Por azar, ele ficou com outra turma e eu o perdi de vista. Depois, ainda naquele dia,
tentei impedir que divulgassem a conexão entre você e Oliver, mas não pude. Depois
de abrir a caixa de Pandora perdi totalmente o controle da situação.
As pernas de Misty estavam tremendo tanto que ela precisou voltar a se sentar.
Havia informações demais para serem absorvidas em um só golpe. Longe de ser a
última arma de vingança para Leone, ela havia sido sua única arma. Uma vingança
siciliana.
O sangue de Misty gelou nas veias. Que tipo de mente era capaz de usar um ser
humano como se ele fosse um objeto qualquer, sem importância e sem sentimentos?
Uma mente fria e calculista, sem dúvida.
- Não é de admirar que você não pudesse me contar o porquê de sua proposta.
- Eu só me dei conta de que estava cometendo um erro quando comecei a
conviver com você.
Mas ele a levou ao castelo assim mesmo e a atirou no tanque do tubarão, embora
já soubesse que ela era um simples e inofensivo peixinho. Ou seja, Leone só se
arrependeu do que fizera depois que dormiram juntos. Até então, ele não a
considerou como nada que não fosse um meio para um fim.
- Você acreditou alguma vez que o dinheiro que me ofereceu iria compensar o
mal que me causou?
Leone não teve coragem para encará-la.
- Sinto vergonha de admitir, mas no início eu acreditei que sim.
Naquele instante, o sangue subiu à cabeça de Misty.
- Ao menos seja honesto! - ela gritou. - Tanto fazia para você se eu iria ficar
bem ou não.
- Eu não quis ver o caso sob esse ângulo - Leone tentou se defender.
A cada minuto Misty encaixava mais uma peça do enigma. - Foi sua a idéia de
contratar um serviço de bufê para a filial de Brewsters?
- Foi.
- É claro. E fui contratada porque era a única fornecedora que lhe interessava. -
Misty respirou fundo. - Diga, você também deu um jeito de fazer com que meu
negócio afundasse de maneira a me obrigar a aceitar sua proposta como meu último
recurso para salvá-lo?
- Você enlouqueceu? - Leone retrucou. - Eu não tenho a menor idéia do que você
está falando.
- Mal comecei a trabalhar para você, minhas instalações foram assaltadas e
destruídas e o seguro se recusou a cobrir o prejuízo.
Talvez ela estivesse sendo injusta, mas agora também não estava preocupada
em poupar Leone. Porque não conseguia admitir que o homem por quem se apaixonara
havia se aproximado dela com o firme propósito de destruí-la.
- Não pode me culpar pelo assalto nem por seus problemas financeiros - Leone
repetiu. - Mas você tem toda razão em me culpar por tudo o mais que lhe aconteceu.
- Oh, sim, eu te culpo. Inclusive por meus problemas financeiros. De outra
maneira, como você teria me persuadido a fingir que era sua amante?
- Pensei que a oferta em dinheiro seria suficiente para despertar sua ambição.
- Agora, provavelmente, você irá dizer que estou em débito...
- Não. Não quero nada de volta. Ouso esperar que nosso relacionamento tenha
ultrapassado esse aspecto...
- De maneira alguma - Misty interrompeu-o, taxativa. - Antes de você viajar
para Nova York eu lhe perguntei se ainda estava a seu serviço e você disse que sim.
- Se eu tivesse dito que nosso acordo não era mais válido depois de nosso fim de
semana na Escócia, o orgulho a teria feito me deixar. Segundo eu acreditava, o
problema com a imprensa havia sido resolvido. Pensei que seria bom se tivéssemos
mais algum tempo juntos para estabelecermos um relacionamento mais normal.
- Oh, sim, você estava tão preocupado comigo que me telefonou duas vezes de
Nova York naquela semana que passei com Birdie.
- Eu estava bravo com você quando parti - Leone tentou justificar.
- Oh, sim, depois de tudo que me fez, você estava zangado.
- Eu me preocupo com você. Não queria perdê-la.
- Ninguém trata as pessoas com quem se preocupa do modo como você me
tratou. Não posso perdoá-lo por ter se deitado comigo em primeiro lugar apenas
porque meu suposto pai teve um caso com sua irmã. Sinto muito, mas ela não era
mais uma criança e já deveria saber que não é certo se envolver com um homem
casado.
Um silêncio de morte pairou sobre eles, mas Misty não se arrependeu do que
disse. A sensação que tinha era de que algo havia quebrado dentro dela e que nunca
mais poderia ser consertado. E esse algo precioso chamava-se confiança.
- Misty...
- Naquela festa no castelo, Oliver Sargent me avisou para que saísse de sua vida
porque você estava apenas me usando - Misty confidenciou com um fio de voz.
- Você não me disse nada - Leone comentou, perplexo. - Eu preferi pensar que
ele havia bebido demais e que disse aquilo porque simplesmente não gostava de você.
- Uma risada amarga escapou dos lábios de Misty. - Talvez o instinto paternal tardio
o tivesse feito sentir pena de mim. Porque apesar de ele ter um grande interesse em
meu desaparecimento de cena, o que disse sobre você foi a pura verdade.
Uma batida à porta os interrompeu. Misty olhou para Leone. Ele parecia ter
levado um golpe físico tal seu abatimento.
Como nenhum dos dois se dispôs a verificar quem era, tornaram a bater. Dessa
vez, Leone atendeu. Era um recado para ela entrar em contato com uma mulher
chamada Nancy. No mesmo instante, Misty se colocou em alerta. A essa altura,
Birdie já deveria ter tomado conhecimento do artigo no jornal.
Leone colocou o telefone sem fio na mão de Misty e ela ligou para Fossetts
House. A notícia que recebeu foi completamente inesperada e diferente do que
imaginava. Birdie havia sido submetida a uma cirurgia cardíaca no dia anterior e
estava passando bem.
- Foi de repente? - Misty perguntou, atônita.
- Não. A data estava marcada havia duas semanas, mas Birdie não quis que você
soubesse. Eu tentei argumentar, mas ela não me ouviu. Pensei em avisar você assim
mesmo, mas receei que ela fosse se aborrecer comigo.
Preocupada agora mais com sua mãe adotiva do que consigo mesma, Misty
decidiu qual seria o próximo passo que teria de dar. Iria embora dali naquele mesmo
instante, voltaria para casa e faria uma visita a sua benfeitora no hospital.
- O que houve? - Leone quis saber.
- Birdie foi operada. Vou arrumar minhas coisas.
- Eu gostaria muito de conhecê-la. Não imaginava que você a amasse tanto.
Quando penso no mau julgamento que fiz sobre você...
- Não vejo nenhuma razão para ela querer conhecê-lo. Silenciado pela
observação, Leone se limitou a colocar a limusine à disposição.
O primeiro impulso de Misty foi repudiar o oferecimento, mas ciente de que
chegaria em Brewsters mais depressa de limusine do que de trem, ela aceitou.
- Dê-me uma chance de compensá-la pelo que fiz - Leone pediu no último minuto.
Ela olhou nos olhos dele sem conseguir admitir que o homem por quem se
apaixonara não era real.
- Como poderia? Você me causa medo.
A expressão de Leone permaneceu na mente de Misty durante toda a viagem.
Ela o chocara com sua resposta. Mas o que ele esperava? Que fosse aceitar a cruel
realidade como se nada houvesse acontecido? E como pudera se enganar tão
completamente sobre o caráter dele? A primeira impressão estava correta. Leone
era um siciliano duro e intransigente. O homem doce e carinhoso só existira a seus
olhos de mulher apaixonada.
Três semanas depois, Misty resolveu consultar um médico. Birdie havia tido alta
na semana anterior e resolvido ficar com a irmã viúva em Oxford durante o período
de convalescença.
Enquanto aguardava na sala de espera o resultado dos testes que o médico
solicitara, Misty pensou que sua mãe poderia ter ido direto para Fossetts House. Ela
nunca havia se sentido tão só antes. Além disso, desde o que acontecera entre ela e
Leone não estava se sentindo bem.
A culpa era toda de Leone: sua infelicidade, sua digestão difícil, o atraso em seu
ciclo menstrual. Seu estado emocional estava abalado e prejudicara todas as suas
funções.
Leone telefonou algumas vezes mas ao identificar a voz ela sempre desligava.
Até que ele parou de ligar e ela se obrigou a agradecer mentalmente pela mensagem
ter sido entendida.
Isso não impediu, contudo, que ela ficasse furiosa quando Birdie lhe contou que
ele estivera no hospital para visitá-la e que o achara um encanto de homem. É claro.
Sua mãe adotiva não sabia nada sobre o mal que ele lhe causara.
Ao mesmo tempo, Misty não entendia como a falta de Leone podia afetá-la
tanto. Desde que eles terminaram, sua sensação era de que o sol havia sido tirado de
sua vida. Não adiantava repetir a si mesma que ele a usara para um fim desprezível
sem se importar que iria feri-la. O vazio e o desalento aumentavam dia a dia.
- Srta. Carlton - a recepcionista a chamou e fez sinal de que poderia entrar
novamente na sala do médico.
- A senhorita me disse que foi alertada, três anos atrás, de que só conseguiria
ter chances de engravidar se procurasse um tratamento específico para
infertilidade.
Misty fez que sim com a cabeça.
- Pois bem. A medicina procura ser o mais racional possível, mas a margem de
erro muitas vezes não corresponde ao fato. Porque no seu caso, por exemplo, a
cirurgia conseguiu resolver o quadro por si só. Meus parabéns. A senhorita está
esperando um bebê.
Se Misty já não estivesse sentada, ela teria de fazê-lo. - Como?
- A senhorita está grávida.
Misty ficou parada, apenas olhando para o médico, diante da grandiosidade da
informação. No início, ela pensou que se tratava de um equívoco e não deu
importância ao relato. Mas, pouco a pouco, a esperança substituiu a falta de fé e
depois veio a certeza e uma felicidade indescritível.
- Imagino que essa condição não foi planejada.
- Não foi planejada? É um milagre! - Misty exclamou. Quinze minutos depois de
receber as primeiras orientações do médico, Misty estava na loja especializada em
artigos infantis que ficava ao lado do consultório, olhando com fascinação para as
roupinhas e para os bichos de pelúcia.
Leone a engravidara. Ele havia partido seu coração, mas o que significava um
coração partido quando ela poderia ter um bebê?
Um livro sobre gravidez foi sua primeira aquisição. Ao comprá-lo, ela teve a
oportunidade de ver uma manchete em um jornal sobre Oliver Sargent ter
renunciado a seu cargo público.
Não foi uma surpresa para ela. Nas últimas semanas, o nome dele raramente
havia sido mencionado pela imprensa. Seguida ao escândalo da revelação sobre a
existência de uma filha natural houve uma denúncia de que ele aceitava suborno em
troca de favores políticos.
Misty desejaria sentir pena do pai que ela nunca conheceu, mas era dificil se
preocupar com alguém que jamais a procurara, embora soubesse de sua infeliz
situação. E ele não tinha outros filhos, além de Misty e de sua irmã gêmea.
Oliver Sargent estaria acusando-a de ter precipitado sua derrocada? Ou ele
continuava ignorando-a como sempre ignorara?

Ainda durante o trajeto para Fossetts House, Misty pensou em seu


empreendimento e deu um suspiro. Durante sua ausência, dois dos três empregados
encontraram outras ocupações. O fechamento da Carlton Catering era fato quase
certo. Nos primeiros dias ela recebeu vários pedidos para preparar jantares e
coquetéis. Os clientes, provavelmente, estavam interessados em conhecer a filha
ilegítima do conhecido político. Mas a alegria de ter seu negócio de volta e com
chance de sucesso teve curta duração.
Agora que sabia que estava grávida, a venda da pequena empresa lhe parecia a
melhor solução. Com o dinheiro em mãos ao menos ela poderia começar a reembolsar
Leone pelo dinheiro que lhe dera para destruir seu próprio pai, sem que ela tivesse a
menor noção desse objetivo. Porque enquanto ela não quitasse esse débito, não
conseguiria ter paz.
Na sala de estar de Fossetts House, Misty se preparou para verificar a
correspondência entregue aquela manhã. Ao abrir o primeiro envelope, estranhou
que ele contivesse o último cheque que enviara ao banco para amortizar a dívida. No
mesmo instante, ela ligou para o gerente e recebeu a informação de que a hipoteca
havia sido totalmente liquidada antes da remessa do último cheque.
Certa de que a única pessoa no mundo que poderia responder por aquele ato era
Leone, Misty ficou furiosa. Então Leone ainda insistia em comprá-la? Seria preciso
ela ir até ele e lhe dizer com todas as letras que não queria nada que viesse dele?
Determinada a provar a Leone que estava bem e que ele não mais fazia parte de
sua vida, Místy colocou seu vestido mais justo e provocante, penteou-se e
maquilhou-se com capricho e estava prestes a avisar Nancy que iria para Londres,
quando alguém tocou a campainha.
- Onde está o tapete vermelho? - Flash perguntou com a costumeira
exuberância.
Fazia cinco meses que Misty não o via e dois que lhe falara pela última vez ao
telefone. Hesitou por um instante, mas em seguida atirou-se nos braços dele e seus
olhos encheram de lágrimas.
- Você nunca aprenderá a escolher? - ele a afastou e fitou-a como se estivesse
muito zangado.
- Por que diz isso? - Misty pestanejou.
- Posso ter ficado distante daqui, mas não perdi o costume de ler os jornais
ingleses. Primeiro descubro que você está usando brilhantes presenteados por um
mafioso siciliano, depois que é filha de um político sem escrúpulos e agora que foi
abandonada pelo primeiro e pelo segundo pela segunda vez?!
Misty se defendeu, orgulhosa. - Fui eu que o abandonei. Flash deu um largo
sorriso e se sentou.
- Isso me faz sentir melhor. Onde está Birdie? Enquanto Misty explicava sobre
o acontecido, Flash, incapaz de permanecer parado por mais de dez segundos, se
levantou e pegou o livro que Misty deixara em cima da mesa. - Quem está lendo isto?
Misty ficou rubra. Era o livro sobre gravidez que comprara no dia da consulta.
- Por que está lendo este tipo de coisa? Não sabe que irá se machucar ainda
mais? Pensei que tivesse superado esse trauma.
Misty pensou em calar a verdade, mas não teve coragem. - Algo de bom surgiu
do mal - ela murmurou.
- Não é nada bom. Não basta o que você já passou? - Flash esbravejou.
Diante dessa reação, Misty resolveu contar os detalhes sobre sua história com
Leone. Flash ouviu-a entre resmungos. Ao final, ele se ofereceu para levá-la a
Londres.
- Muito bem. Depois que você mandar o mafioso às favas, nós sairemos para
comemorar!

Capítulo 9

Flash deixou-a diante da entrada principal das Indústrias Andracchi e seguiu


com o carro para o estacionamento.
Misty se identificou à recepcionista e foi orientada para subir até o último
andar. Ela estava se sentindo pouco à vontade com aquele vestido. Sentia todos os
olhares voltados para sua figura.
Inclusive o de Leone quando a viu, ao sair de uma das salas, e lhe endereçou o
mais sensual dos sorrisos.
- Como se atreveu a quitar a hipoteca de Birdie? - perguntou-lhe de chofre,
decidida a não permitir que seu corpo a traísse, embora seu coração teimasse em
bater forte.
- Por que não conversamos em meu escritório?
- O que eu tenho para lhe dizer pode ser dito aqui!
- Não, não pode - Leone retrucou, firme. - Se espera que eu a ouça, não
serviremos de espetáculo.
Ciente de que Leone estava com a razão naquele aspecto, Misty o seguiu até uma
ampla e bem decorada sala, mas recusou-se a se sentar quando ele lhe indicou uma
cadeira e a chamou de amore.
- Não me chame assim!
- Por que não? Até que eu tenha outra, você continua a ser minha amante.
Outra? A mera suposição de que Leone poderia ter outra mulher a dilacerou,
mas ela se obrigou a permanecer em controle de suas emoções.
- Vou repetir minha pergunta - Misty insistiu. – Por que pagou a hipoteca de
Birdie? Se está tentando me comover com sua generosidade e ter-me de volta...
- Não estou.
Furiosa demais, Misty não parou para pensar na implicação da resposta.
- Não conseguirá me persuadir de que merece uma segunda chance. Sei que está
apenas querendo me subornar outra vez para me levar de volta para sua cama...
- Não, não estou.
- Saiba que está perdendo seu tempo e que seu comportamento é revoltante e...
- Misty se deteve, confusa, quando as palavras de Leone foram finalmente
registradas.
- Não lhe devo nenhuma explicação - ele lembrou-a , mas como você interpretou
mal meu gesto, vou lhe dizer o que me motivou minha simpatia pela mulher que a
acolheu. Eu fiz isso anonimamente.
- Ora, se acredita que eu...
- Faço doações para instituições de caridade todos os anos. Achei que Birdie
merecia uma ajuda pelo bem que fez junto com seu falecido marido a inúmeras
crianças carentes.
- Sim, é verdade, mas...
- Se Robin Pearce não tivesse desistido de sua carreira para apoiar a esposa
nessa missão, ele a teria deixado amparada financeiramente quando partiu. Não acho
justo que ela tenha dívidas a pagar nessa altura de sua vida quando tudo que fez foi
o bem aos outros. Portanto, se resolvi bancar o Papai Noel, foi com meu dinheiro e
por minha escolha.
Misty não teve como retrucar. Cada palavra que Leone lhe dissera soara justa e
bem pensada. Sua vontade era afundar no chão. Era ficar invisível. Viera ao local de
trabalho de Leone e se portara como uma megera. As acusações que lhe fizera agora
lhe pareciam absurdas e ridículas.
- Como desconfio de que você praticamente mendigou para manter Birdie
naquela casa, deveria se sentir aliviada. Por mais que tentasse se conter, Misty
sentiu lágrimas inundarem seus olhos. Para que Leone não as visse, levantou-se
bruscamente e se dirigiu à saída, mas uma tontura a impediu de realizar seu intento.

- O que tem feito com você mesma? - Leone perguntou, preocupado, ao ampará-
la. E ela, incapaz de responder sem se trair, manteve a cabeça baixa e completo
silêncio.
- Por que veio até aqui me ver? - Leone insistiu.
- Por ódio - Misty encontrou forças para encará-lo e mais uma vez se
arrependeu ao fazê-lo. Porque sua vontade era esquecer tudo e se aninhar naqueles
braços que ainda a sustentavam.
- Então grite comigo, esbraveje. Neste momento o que eu mais quero é deitá-la
no tapete e me perder outra vez dentro de você. - Ele ficou olhando para ela em
silêncio e depois respirou fundo. - Como sei que não é possível, contento-me com sua
companhia ao jantar.
Misty ficou chocada consigo mesma ao perceber que a referência ao sexo com
Leone ainda a excitava. À velocidade da luz ela havia trocado a tontura pelo calor do
desejo.
- Não, eu não posso. - No meio de uma verdadeira batalha com seus instintos,
Misty se forçou a se concentrar no beneficio que ele havia feito a Birdie. Quisesse
admitir ou não, ela também havia sido beneficiada com a doação. E isso significava
que ela já poderia começar a devolver o dinheiro que ele lhe pagara.
- O que está fazendo? - Leone franziu o cenho ao vê-la tirar o talão de cheques
da bolsa.
Misty preencheu uma folha e estendeu-a a ele. - Para que isto?
- É o primeiro pagamento daquilo que lhe devo. Afinal, eu aceitei sua proposta
justamente para poder pagar a hipoteca de Birdie. Como você se incumbiu disto, não
tenho mais por que conservar seu dinheiro.
- Eu já disse que não quero nada de volta.
- Eu não queria me envolver no esquema que acabou com a carreira política de
meu pai. Infelizmente, você não me deixou escolha. Agora, porém, eu me recuso a
lucrar com sua desgraça.
Misty sentiu pena de Leone ao se lembrar de sua agonia ao perder a irmã em
circunstâncias tão lamentáveis, e de sua impotência em acusar Oliver Sargent pelos
canais normais. Mas dois erros não faziam um acerto, em sua opinião, e ela não
concordava com vinganças.
Leone rasgou o cheque pelo meio sem dizer nada.
- Tudo bem. - Misty disse, da porta. - Nesse caso, eu também farei caridade
com essa importância.
- Você não está em condições! - Leone lembrou-a.
- Vou colocar minha empresa à venda.
Ele pestanejou, incrédulo. - Perdeu o juízo?
Um sorriso amargo acompanhou a última declaração de Misty.
- Graças a toda essa publicidade, tornei-me uma celebridade local. Apenas não
me agradou ouvir, da cozinha, meus clientes falarem sobre mim com seus convidados.
Ao notar o rubor tingir as faces de Leone, Misty percebeu que não precisaria
dizer mais nada, pois ele era tão orgulhoso quanto ela.
Rígida e com um nó na garganta, Misty se precipitou para o elevador e apertou o
botão do subsolo, onde ficava o estacionamento. Mas antes que as portas
fechassem, Leone entrou atrás dela. Seus olhares se cruzaram e não houve tempo
para mais nada. Ele a pressionou contra a parede do elevador e seus lábios
esmagaram os dela em um beijo explosivo. Separaram-se apenas quando o elevador
parou.
- Preciso ir... Flash está me esperando - Misty avisou, mas não teve chance de
sair porque os dedos de Leone a seguraram pelo pulso como se fossem tentáculos.
- O que ele está fazendo aqui com você? Misty tentou se desvencilhar.
- Não é de sua conta.
- Solte-a! - Flash ordenou.
Ao longe, Misty viu a turma de músicos que acompanhava Flash saltar da van.
Certa de que haveria briga e que seriam três contra um, Misty gritou para que Leone
voltasse para o elevador.
- Fique fora disto! - Ele a soltou para que se afastasse, mas ela saltou para a
frente para protegê-lo.

- Não, Flash! - Misty ordenou. - Se tocar em Leone, nunca o perdoarei!


- Não posso permitir que ele trate uma mulher grávida dessa maneira!
O silêncio substituiu a gritaria. Boquiaberto pela referência à criança que Misty
estava carregando, Leone deixou escapar um som de incredulidade.
- Você está grávida?
A essa altura, Misty estava puxando Flash pelo pulso de volta para o carro.
- A criança é minha? - Leone perguntou com um fio de voz.
Nesse instante, Flash escapou e voou para cima de Leone. Aconteceu tão rápido
que Misty não teve tempo nem sequer de piscar. Não esperava que fosse Flash a
levar um soco que o colocou no chão.
- Parem, vocês dois!
Como não foi ouvida e não conseguia admitir o que acabara de acontecer, Misty
foi para o carro.
Se a criança era dele? Como Leone tivera a coragem de fazer aquela pergunta?
Um minuto depois Flash sentou-se ao volante com ar de satisfação. Misty olhou
para o local onde a briga havia acontecido e viu Leone parado, observando o carro se
afastar.
- Você devia estar me agradecendo por eu ter defendido sua honra - Flash
reclamou. - Como eu podia ter adivinhado que você não havia contado a ele sobre o
bebê? Pensei que essa fosse uma das principais razões para você querer vê-lo.
- Só descobri que estava grávida esta manhã - Misty explicou. - Ainda não sabia
se iria ou não contar. Depois do que ele disse, acho que fiz bem em não me dar ao
trabalho.
- De certa forma, não o culpo por ter feito a pergunta. Afinal, você estava
comigo e ele ficou obviamente com ciúme.
- O que foi agora? - Misty protestou. - Depois da briga resolveu ficar do lado
dele?
- O que dirá a Birdie? - Flash mudou de assunto e Misty não respondeu. Essa era
uma questão da qual ela havia tentado escapar até aquele momento. - Ela ficará
arrasada.
Em resposta, Misty deixou escapar um soluço. O mais provável era que a boa
mulher fosse se culpar por ter falhado na educação que lhe dera.
- Nessa história toda - Flash continuou -, o que me deixou mais perplexo foi
saber que você e ele estavam se beijando no elevador.
O choque da revelação a fez olhar instintivamente para o irmão adotivo.
- Você deixou batom na boca do sujeito.
Flash levou Misty para o apartamento dele na cidade, pediu pizza por telefone e
depois ligou o vídeo para assistir aos jogos de futebol que deixara gravando durante
sua turnê pelos Estados Unidos. Exausta após os eventos do dia, Misty se deitou em
um sofá e adormeceu quase que de imediato. Flash acordou-a algumas horas depois
para que se arrumasse para saírem.
Mesmo sem disposição, Misty tomou um banho, lavou os cabelos e vestiu uma
saia preta e uma blusa verde-esmeralda que valorizavam seu corpo e a cor de seus
cabelos.
A chegada de Flash em seu clube noturno favorito foi marcada por um pipocar
de flashes. Ao lado dele, Misty procurou se mostrar alegre e sorridente. Queria que
Leone a visse, quando fosse ler o jornal do dia seguinte, e imaginasse que ela o havia
riscado de sua vida.
- Você não reclamou do futebol - disse Flash quando se sentaram a uma mesa
reservada especialmente para ele e sua banda.
- Porque peguei no sono.
- Senti saudade - Flash confessou, e não deu mais para conversarem porque as
pessoas não pararam mais de cumprimentá-lo.
As horas avançavam pela madrugada quando Misty reconheceu Leone entre a
multidão. Ele se destacava entre todos os homens, alto e sério. Antes que Flash o
visse e pudesse acontecer outro desentendimento, Misty se levantou e tentou se
esconder no toalete.

- Ei? O que está fazendo? - ela protestou quando Leone a agarrou pelo pulso e
começou a puxá-la em direção à saída sem lhe dar chance de falar.
- Você vai voltar comigo para casa. Já é de madrugada e você precisa parar de
beber.
- Não, não vou. Para sua informação, só tomei suco de abacaxi.
Sem lhe dar ouvidos, Leone chamou um dos seguranças e pediu que avisassem o
artista que a moça estava indo embora com ele. Misty ficou ainda mais furiosa.
- Eu vim com Flash e vou voltar com ele. Leone encarou-a.
- Você tem duas opções, amore. Ou sai daqui por seus próprios pés ou carregada.
Misty estreitou os olhos. - Você não se atreveria...
- Experimente - Leone desafiou-a. - Estou tentando localizá-la desde ontem.
Minha paciência está no limite. Diante da informação de que Leone estivera a sua
procura desde a briga no estacionamento, Misty o seguiu sem dizer mais nada. Era
natural que Leone quisesse ter uma conversa depois do que descobrira. O que
deveria ter sido sexo casual acabou tendo sérias conseqüências. Ele deveria estar
culpando-a. E ela não podia acusá-lo de irresponsável. Antes de fazerem sexo, ele
havia se preocupado em saber se ela estava tomando precauções. Certa de que não
poderia engravidar, ela disse que sim.
Leone a acomodou na frente de seu carro esporte vermelho e deu a partida
- O que pensa fazer sobre o bebê? - ele perguntou sem preâmbulos.
Com receio de que Leone fosse sugerir que ela interrompesse a gravidez, Misty
decidiu ser completamente franca. - Para ser sincera, fiquei nas nuvens quando
soube o resultado do teste. Pensava que nunca poderia conceber. Para mim foi um
verdadeiro milagre. Mas não fique preocupado. Não espero nada de você.
Leone estava ouvindo-a com tanta atenção que não percebeu que o farol havia
mudado até outro motorista buzinar, impaciente.
- Recebi uma visita da última pessoa que poderia esperar - ele prosseguiu. -
Oliver Sargent.
- Ele o procurou? - Misty repetiu, surpresa. - Mas por quê?
- Para admitir, finalmente, que estava com minha irmã na noite do acidente.
Disse que foi jogado para fora do carro e que desmaiou. Quando voltou a si, Bridget
já estava morta e ele entrou em pânico.
- Você acreditou nele?
- Sim - Leone respondeu, rouco. - Ao me confessar a verdade, Sargent se
colocou em minhas mãos.
- Você pretende denunciá-lo à polícia?
- De que adiantaria?
Um suspiro escapou dos lábios de Misty. - Então foi tudo por nada.
- Não - Leone retrucou. - Não lamento que ele tenha caído fora da política,
porque era corrupto. Só lamento pelo mal que causei a você.
Misty não esperava que fosse sentir tanto alívio por seu pai não ter abandonado
a irmã de Leone à morte. Conseguia compreender seu desespero naquele momento e
apoiava seu ato de coragem e decência em procurar Leone, embora muito tempo
houvesse passado.
Misty tampouco esperava que Leone fosse levá-la ao apartamento que ela
ocupara por tão pouco tempo.
- Você deixou suas roupas aqui.
Misty se sentou no sofá. Estava tensa. Sentia-se ameaçada de um ataque
iminente. Se pudesse ter escolhido, ela não lhe teria contado sobre o bebê.
- Quero que se case comigo - Leone propôs de súbito, e antes que ela pudesse
responder, ele implorou que o deixasse falar. - A criança é minha também. Quero
que meu filho tenha o meu nome e receba o mesmo amor e a mesma proteção que
meu pai me ofereceu.
Incapaz de ficar imóvel, Misty se levantou. Mas suas pernas tremiam tanto que
tudo que pôde fazer foi ficar parada. Jamais esperara por esse tipo de situação.
- Os sicilianos prezam a família - Leone contou. - Você sabe o que significa não
ter ninguém. Quer que lhe aconteça o mesmo que a sua mãe?
- Deixe meus problemas fora disto - Misty protestou. - Posso cuidar sozinha de
mim mesma e do bebê.
- Mas não precisa ser assim, Misty. Não castigue nosso filho por meus pecados.
O apelo comoveu Misty. Era isso que estava fazendo? Tentando punir Leone? Na
verdade, ela não tinha motivos para cogitar que Leone não aceitaria a
responsabilidade por sua gravidez.
Insegura, ela apertou as mãos uma contra a outra.
- Você tem certeza de que quer casar só por causa de uma criança que não
planejou ter?
- Não é só por causa da criança, amore - Leone murmurou. - Quero tê-la de volta
em minha cama também. Sei de casamentos que deram certo por muito menos.
Ela poderia enumerar uma dúzia de razões para aceitar o pedido de Leone, mas a
verdade era uma só. Nenhuma delas significaria sua concordância se não estivesse
completamente apaixonada.
- Está bem - ela respondeu sem coragem para encarálo, envergonhada que
estava de sua fraqueza. Porque sabia que sua vida seria uma eterna batalha contra
seus pensamentos caso nunca mais pudesse vê-lo.
No silêncio que recaiu sobre o ambiente; Misty percebeu que Leone ficara
surpreso com sua resposta.
- Estou pensando no que é melhor para o bebê - ela se ouviu justificando.
- Por que não? - Leone encolheu os ombros. - Se não fosse pelo bebê, nós não
estaríamos tendo esta conversa. Você concorda em marcarmos a data
imediatamente?
Misty fez que sim.
- Aceita mais um suco de abacaxi para brindarmos?
- Não, obrigada. Estou cansada. Gostaria de me deitar agora, se você não se
importa.
O orgulho impedia Misty de demonstrar alegria pelo rumo que sua vida estava
tomando. Se fosse sincera consigo mesma admitiria que estava esperando que Leone
a tomasse nos braços e derretesse seu gelo. Mas ele não se moveu do lugar.
Ela se afastou em direção ao quarto mas não conteve a curiosidade de olhar
para trás. Leone estava de pé, olhando pela janela. Ao vê-lo tão tenso, ela sentiu um
nó na garganta.
Ele não a havia censurado nem sequer por um segundo por colocá-lo em uma
situação que teria enraivecido a maioria dos homens. Ele havia aceitado a criança e a
pedira em casamento. Não só isso. Leone havia assumido sua culpa por tê-la usado
em sua vingança contra um homem que ela nem sequer imaginava que fosse seu pai. O
problema era que ela não conseguira perdoá-lo.
Deitada, sem conseguir fechar os olhos, Misty fez uma análise de seus próprios
sentimentos e de seus próprios erros. Tinha dificuldade em perdoar.
Ao mesmo tempo, haveria alguma chance de seu casamento dar certo se ela
colocasse o ressentimento acima do amor?
Em uma súbita decisão, Misty se levantou e foi para o quarto de Leone.
Caminhou rápido, com medo de mudar de idéia. Entrou justamente quando ele estava
saindo do banheiro, enxugando-se.
Ao vê-la, Leone deixou a toalha cair.
- Dio mio, amore! Você sempre me surpreende.
Misty estava igualmente surpresa. Parou no meio do quarto e se esforçou por
respirar quando ele veio ao seu encontro e abraçou-a com força antes de deitá-la na
cama.
- Estou louco por você - ele murmurou. - Não sei por onde começar.
- Beije-me - Misty suplicou, quando ele tomou seus seios com as mãos e com os
lábios, fazendo com que um gemido escapasse de sua garganta. Abraçou-o pelo
pescoço e fechou os olhos, ébria de paixão e de felicidade.
Estavam tão excitados que não se demoraram com preliminares. Misty o queria
dentro dela e Leone mal podia esperar para senti-la por inteiro. As últimas vinte e
quatro horas de tormento estavam cobrando seu tributo. Misty se movimentou junto
com ele em total abandono e sintonia até explodir em êxtase.
- Eu encontrei o paraíso quando conheci você - Misty confessou.
Leone riu como um garoto.
- E eu não percebi que havia encontrado o paraíso até tropeçar no inferno. Não
esperava que você fosse correr para os braços daquele sujeito no primeiro
instante...
- Eu não corri para os braços de ninguém - Misty se defendeu, irritada.
- Eu vi com meus próprios olhos o modo como vocês estavam se tratando naquele
clube.
- Eu gosto de Flash.
- Ele vive cercado de mulheres.
- Veja quem fala!
Misty se deteve ao questionar que tipo de casamento eles teriam se estavam
discutindo cinco minutos depois de terem feito amor.
- Se você vai ser minha esposa, precisa começar a se portar como tal.
De repente, Misty sentiu que empalidecia. Leone havia voltado para o chuveiro e
a deixou angustiada. O que ele pensava? Que podia trancá-la em casa para levá-la
para a cama a hora que quisesse, sem respeito por sua vontade, por seus poucos
amigos?
Magoada, Misty fechou os olhos e tentou dormir. Mas os pensamentos
continuaram assaltando-a. Leone estava com ciúme. Como pudera esquecer o modo
como ele tratara Philip bem no início do relacionamento?
Naquele instante, ela começou a sorrir...
Capítulo 10

Uma semana depois, Misty estava experimentando o vestido de noiva que


acabara de comprar quando foi avisada de que havia uma visita para ela.
Em menos de vinte e quatro horas ela seria a sra. Andracchi. Mal podia esperar
pelo momento de entrar na igreja. Birdie estava de volta. Assim que Misty lhe
telefonou para avisar que Leone a pedira em casamento, ela fez questão de
reassumir seu lugar em Fossetts House e trouxe a irmã consigo. Nada, ela disse, a
impediria de ajudar sua querida filha com os preparativos.
Misty ficou radiante ao vê-la com as forças e as energias recuperadas, mas
tanto entusiasmo por parte de Birdie também lhe trouxe uma grande preocupação,
porque receava que a mãe quisesse fazer mais do que a prudência mandava.
Birdie estava esperando ao pé da escada com um sorriso nos lábios, mas Misty
notou que ela estava ansiosa. E antes que pudesse perguntar a razão, a resposta foi
dada.
- É seu pai...
Misty parou, surpresa.
- Oliver Sargent? Ele está aqui?
- Dê-lhe uma chance, querida. Tente ser generosa. Dividida entre a curiosidade
e a perturbação, Misty entrou na sala como um autômato. Seu pai havia perdido peso
desde o encontro no castelo. O abatimento parecia tê-lo envelhecido. Parecia outro
homem.

- Se não fosse por Leone, eu não teria vindo - ele confessou.


- Leone?
- Seu noivo me incentivou a visitá-la. Eu receava não ser recebido.
- Por favor, sente-se.
O desconforto era patente de ambas as partes.
- Imagino que você esteja esperando que eu fale sobre meu relacionamento com
sua mãe.
Misty fez que sim.
- Quando nos conhecemos, Carrie já era casada e mãe. Logo depois que entrou
na faculdade e se ambientou entre pessoas de sua idade, ela se arrependeu de ter
se unido a um homem mais velho.
- Você a amou? - Misty fez a pergunta que mais lhe interessava.
- Eu gostei dela, mas já estava namorando Jenny na ocasião. Mas Jenny morava
em outra cidade e quase não tínhamos oportunidade de nos encontrar. Não irei
mentir para você. Meu relacionamento com Carrie foi mais uma válvula de escape
para nós dois. Só fui perceber que o caso não era tão simples assim quando era
tarde demais.
- E quando isso aconteceu?
- Quando sua mãe me contou que estava grávida. Não ocorreu a ela que a criança
poderia ser minha. Ela atribuiu a concepção ao marido e nós terminamos. O problema
surgiu mais tarde, quando o marido dela resolveu submeter amostras de sangue das
filhas ao teste de paternidade.
- O choque deve ter sido grande para você também.
- Especialmente quando vi Carrie diante de minha porta com as malas. Embora já
estivéssemos separados havia meses, ela acreditou que iríamos continuar de onde
paramos. Foi terrível. Eu não a amava. Era um estudante de apenas vinte e dois anos
de idade e não estava preparado para cuidar de uma família. Fiquei aterrorizado à
idéia de que meus pais e Jenny viessem a saber. Sua mãe não me pressionou. Eu lhe
ofereci ajuda financeira e ela aceitou. Nunca mais ouvi falar a seu respeito.
De repente, Misty percebeu que podia entender como o jovem Oliver Sargent,
de apenas vinte e dois anos de idade, devia ter se sentido ao receber a notícia.
Ninguém está preparado a essa idade para assumir as responsabilidades de uma
família, principalmente com uma mulher vinda de um casamento arruinado.
- Você sabe sobre sua irmã? - Oliver Sargent perguntou e ela respondeu que
não, aliviada por não precisarem prolongar a conversa, com a chegada de Nancy para
servir chá.
- Gostei que tivesse vindo - Misty afirmou, sincera. - Senti que foi honesto
comigo.
- Pela primeira vez em minha vida estou dizendo verdades e pela primeira vez
Jenny não quer me ouvir.
Misty sentiu pena. Sua simpatia pela esposa de seu pai fora imediata. Ele estava
passando por duras penas. Perdera seu cargo e seu prestígio. Parecia estar
superando esse aspecto, mas Misty temia que ele não fosse suportar se a esposa o
deixasse.
- Se você concordar, eu gostaria de conhecê-la melhor com o tempo - ele pediu.
- Mas se preferir que eu não volte a procurá-la, eu entenderei.
Ficaram juntos por mais de uma hora. No momento de se despedirem, Misty
decidiu se armar de coragem e perguntar se ele gostaria de ir a seu casamento.
A reação foi tão comovente que Misty se sentiu bem por ter seguido sua
intuição.
- Você gostaria que eu fosse? Francamente, eu adoraria assistir à cerimônia. De
longe, é claro. Para não chamar a atenção das pessoas.
O primeiro encontro, propriamente, com seu pai a deixou com uma sensação de
leveza. Teria muito o que pensar a respeito porque havia muito a ser recuperado.
Mas ainda faltava tanta coisa para fazer para o casamento que Misty não teve
tempo para reflexões.
Ela foi até a igreja e ficou satisfeita com a exuberância dos arranjos de flores.
Tudo estava correndo bem. Não conseguia entender por que não estava se sentindo
tão feliz quanto deveria. Por que, de repente, sentia-se tão deprimida e culpada?
Leone não a amava. Era isso. Não lhe bastava que ele quisesse fazer o que era
melhor para a criança e que sentisse atração física por ela. O que seu pai lhe
contara algumas horas antes lhe pesava na consciência. Afinal, ela não estava
fazendo o mesmo que sua própria mãe fizera?
Sua mãe correra para a casa de Oliver Sargent na esperança de que ele fosse
assumi-la e as filhas. E ele não aceitou porque não a amava.
Ela não culpava seu pai. No entanto, mesmo ciente de que Leone não a amava,
aceitara seu pedido de casamento. Aquilo estava errado, Misty concluiu. De repente,
ela soube qual era a atitude que deveria tomar. Imaginou como seu casamento seria
dali a dois anos. Leone ficaria entediado. Eles não teriam nada em comum a não ser a
criança. Ele viveria para se arrepender por ter sacrificado sua liberdade por um
princípio. Talvez passasse a odiá-la.
A idéia era insuportável para Misty. Ela precisava ser forte. Precisava falar com
Leone antes que eles dessem o passo mais errado de suas vidas. Iria procurá-lo no
hotel Belstone House, onde ele estava hospedado, assim que trocasse de roupa.
Ao chegar a Fossetts House, Misty ficou surpresa ao ver os carros de Leone e
de Flash estacionados em frente. Flash deveria ter acabado de chegar porque assim
que ela parou o carro e desceu, ele veio ao seu encontro.
- Por que Leone ainda não estava sabendo que seria eu a levá-la ao altar? - Flash
a censurou antes mesmo de cumprimentá-la.
- Eu queria fazer uma surpresa, mas mudei de idéia - Misty declarou com uma
seriedade que alarmou o irmão adotivo. - Acho que chamei-o aqui à toa para
combinarmos sobre a cerimônia porque estou pensando em desistir do casamento.
- Você está com medo do futuro. Que eu saiba, quase todos os noivos se sentem
assim às vésperas. Afinal de contas, você é louca por ele.
- Fale com franqueza. Você se casaria com uma mulher com quem dormiu apenas
uma noite se ela ficasse grávida?
- Eu? De jeito nenhum!
- Então por que Leone precisa casar comigo?
Flash não respondeu. Misty respirou fundo e entrou na casa. Precisava ser forte
e fazer o que deveria ser feito, mesmo que seu coração não aprovasse essa idéia.
Ouviu as vozes de Birdie e de Nancy conversando na cozinha. Leone estava na
sala. Ele se levantou ao vê-la e sorriu. Ela sentiu um baque. Suas pernas tremeram,
mas ela se manteve firme e não correspondeu ao abraço.
- Dio mio! Pensei que a semana nunca fosse acabar - Leone murmurou. - Não
agüentaria ficar longe de você nem um minuto mais.
- Vamos até o jardim? - Misty sugeriu. - Não quero que nos interrompam.
- Nem eu, amore.
Misty seguiu-o através da porta-balcão com a respiração suspensa. Ela estava
com medo de não ser forte o suficiente para desistir do homem que amava, por mais
que sua consciência lhe dissesse que aquela seria a única atitude digna que poderia
tomar.
- Eu desisti - Misty revelou abruptamente. Leone parou e virou-se, aturdido.
- O que disse?
- Sinto muito, mas não seria certo para nenhum de nós.
Capítulo 11

Leone não respondeu. Ficou olhando para ela por um longo tempo, como se não
estivesse conseguindo entender o que estava acontecendo.
- Vamos entrar antes que alguém sinta nossa falta - Misty propôs, preocupada
com Birdie. Se sua mãe adotiva se reunisse a eles para fazer qualquer tipo de
comentário sobre a cerimônia, ela receava não conseguir continuar ostentando
aquela falsa postura de firmeza e segurança. - Sei que você não esperava...
- Sabe? Está caçoando de mim? - Leone esbravejou.
- Estou apenas tentando fazer o que é certo...
- Accidenti! Não me trate como se eu ainda fosse uma criança.
- Você só está casando comigo porque estou grávida. Logo estará me odiando por
isso - Misty explicou com um nó na garganta.
Mas Leone continuava a fitá-la como se não a tivesse escutado.
- Por causa de Flash, não é? No último momento você descobriu que sempre o
amou.
Foi a vez de Misty parar, em estado de choque. - Flash não tem nada a ver com
isso!
- Você precisa esquecê-lo - Leone ordenou. - Se ele estivesse apaixonado por
você jamais permitiria que se casasse com outro homem. Não vejo motivo para
cancelarmos nosso casamento. Acho que devemos esperar até que você reflita
melhor.
Misty suspirou, frustrada.
- Leone, eu não estou e nunca estive apaixonada por Flash. Ele quis me namorar
uma época, mas passou. Ele é como meu irmão.
Fez-se um longo silêncio.
- Então por quê? - Leone perguntou tão baixo que Misty mal conseguiu ouvi-lo. -
Por que mudou de idéia sobre casar comigo?
- Porque você não tem culpa por eu ter engravidado. Porque em breve você
estará se questionando sobre sua liberdade perdida por causa apenas de um sentido
de dever.
- Não! - Leone a contradisse. - Não se trata disso.
- De que se trata então?
Leone passou uma das mãos pelos cabelos.
- Eu iria querer me casar com você de qualquer jeito. Porque adorei saber que
você está esperando um filho meu. Porque se não fosse pela gravidez você não teria
me dado outra chance depois do mal que lhe causei com aquele estúpido plano de
vingança, apesar de estar apaixonado por você.
O coração de Misty estava batendo tão rápido que ela sentiu dificuldade para
respirar.
- Você está apaixonado por mim?
- Estava ansioso para que você chegasse para poder lhe dizer. Achei que não
seria romântico me declarar por telefone durante a semana que passou e que eu
precisei ficar longe. Teria me declarado na noite em que a pedi em casamento, mas
estava louco de ciúme de Flash.
Leone deu um passo para se aproximar mais de Misty. Nesse instante, ela teve
certeza de que podia acreditar na declaração. O homem sempre frio e controlado
não havia enxergado o enorme cortador de grama que estava entre eles dois e por
pouco não foi para o chão.
De repente, Misty sentiu uma vontade incontrolável de rir. Amou-o ainda mais
por aquele movimento desajeitado. - Está bem. Você me convenceu.
- Não pode imaginar como foi bom saber que você estava esperando um bebê. Eu
estava com receio de que você nunca pudesse me perdoar. A criança foi um milagre
para mim também. Sabe por que eu estava desprevenido aquela noite? Misty fez que
não. Estava tão feliz que poderia voar. - Porque deixei a caixa de preservativos
deliberadamente em Londres para não cair em tentação e levá-la para a primeira
cama que encontrasse pela frente - Leone admitiu.
- Acredito em você - Misty murmurou, envaidecida. Nunca havia se sentido uma
femme fatale antes. A declaração foi positiva para sua auto-estima. Assim, o
pensamento de que Leone a procurara aquela noite simplesmente porque ela estava
disponível jamais voltaria a lhe ocorrer.
- Juro que nunca se arrependerá de ter casado comigo, se disser sim amanhã,
amore. E se não quiser dormir na mesma cama comigo, eu entenderei.
Misty estava tão fascinada pelas palavras de Leone que ainda não havia se
lembrado de que também precisaria confessar seu amor a ele.
- Entendo que você precise de tempo até sentir que pode voltar a confiar em
mim...
- Nós fizemos amor na semana passada.
- Você estava precisando de carinho, de consolo. Teve um dia terrível...
- Foi o que pensou? - Misty o interrompeu, sentindo-se magoada por ele.
- Fiquei grato por você ter vindo a mim. Estou disposto a aceitar qualquer
condição para tê-la a meu lado. Ainda não se deu conta disso?
Misty ficou perplexa com essa declaração. No mesmo instante foi até ele e
abraçou-o.
- As condições são estas: nós iremos nos casar amanhã, portanto, você pode
esquecer desde já essa história de liberdade.
Leone respirou fundo.
-Amore mio. Quando me disse há pouco que queria cancelar nosso casamento,
tive a sensação de que o teto havia caído sobre minha cabeça.
- Agora estou arrependida do que disse - Misty admitiu -, mas as palavras de
Oliver ficaram ecoando em meus ouvidos. Não achei justo que você se casasse
comigo por um sentido de culpa. Foi o que minha mãe fez com ele que me alertou.
Ninguém pode casar só por atração física.
Leone beijou-a longa e apaixonadamente antes de levá-la para seu carro e
tornar a abraçá-la.
- Há muito mais entre nós - ele murmurou.
- O que, por exemplo? - Misty perguntou, provocante. - Não posso mais viver
sem você.
A sensação de paz e felicidade era tão grande que estava se apoderando de
todos os sentidos de Misty.
-Aonde está me levando? -perguntou, sorridente, quando Leone ligou o carro.
- Não sei. Só não quero me arriscar a deixá-la sem ter o que fazer, caso resolva
mudar de idéia outra vez sobre nosso casamento.
- Não mudarei. Prometo!
Enquanto Leone dirigia, Misty reconheceu aquele mesmo perfil sério e
reservado. De repente ela sorriu e ele sorriu também. Todos os sinais do amor de
Leone estavam ali. Apenas ela não tivera a necessária confiança para percebê-los.
- Acho que me apaixonei por você muito antes da assinatura daquele contrato
absurdo - Leone admitiu. - Comecei a ir a Brewsters todas as semanas só para poder
olhar para você.
- Ah, então não foi minha imaginação!
- Queria enganar a mim mesmo sobre você ser negociante e calculista. Precisava
acreditar nisso para poder levantar uma barreira entre nós. Mas quando começamos
a conviver e trocamos aquele primeiro beijo... Nenhum beijo foi tão especial para
mim! Desde aquele momento não consegui mais me afastar de você.
- Acho que eu morreria se você tivesse conseguido - Misty concordou. - Mas ao
mesmo tempo que me entreguei a essa atração mútua, detestei você.
- Fui um canalha. Não a culpo por isso. Quando dei por mim, tentei consertar
meu erro junto à imprensa para protegê-la, mas não foi mais possível. Eu arruinei
tudo entre nós dois com minhas próprias mãos. Precisava lhe dizer a verdade, mas
tinha medo de perdê-la.
- Foi por isso que quis que eu me mudasse para sua casa?
Leone fez que sim.
-Achei que você me chamaria de maluco se eu a pedisse em casamento por causa
de um único fim de semana. Dio, você não notou meu desespero?
- Não. Eu estava chocada demais com tudo que aconteceu. Mas acho que teria
sido diferente se você tivesse falado em amor.
- Fiquei arrasado quando senti seu desprezo. Achei que não me ouviria se eu
tentasse falar de amor depois do mal que lhe causei.
- Você estava enganado - Misty afirmou. - Uma mulher apaixonada sempre leva
em consideração uma declaração de amor, sejam quais forem as circunstâncias.
Os olhares se cruzaram naquele momento.
- Está me dizendo que está apaixonada por mim? - Leone perguntou com a voz
embargada de emoção.
- Estou. Eu. só quis desistir do casamento porque me senti culpada por você se
casar comigo sem me amar.
- Você me ama e estava disposta a renunciar a mim? - Leone indagou, incrédulo.
E antes que Misty pudesse responder, ele a abraçou e beijou como se ainda temesse
perdê-la. - Eu te amo demais.
Leone voltou a si ao ouvir um carro passar e buzinar. Relutante, deixou que
Misty voltasse para o banco do passageiro e tirou do bolso um pequeno estojo com o
logotipo de uma joalheria famosa.
- Também fui a sua casa esta noite para lhe dar isto. - É maravilhoso!
Leone tirou o anel de brilhantes e safiras e colocou-o no dedo de Misty. Em
seguida, apanhou uma chave antiga de ferro e colocou-a no colo de Misty. - Este é
seu presente de casamento. Comprei o castelo Eyrie para você.
Misty piscou, estarrecida. - Você comprou o castelo?
- Por que não?
- Mas você o detestou! Disse que estava caindo aos pedaços e que seria preciso
uma fortuna para reformá-lo!
- Sim, mas valerá a pena. Trata-se de um magnífico investimento. Você o adorou
e ele adquiriu um significado especial depois que estivemos lá. Acho que você
também gostará de saber que grande parte da mobília virá junto com o castelo e que
Murdoch continuará em sua função.
Misty se atirou nos braços do noivo e disse que ele era o homem mais romântico
do mundo.
- Só não espere que eu passe a gostar de pescarias - ele a preveniu.
Às onze horas da manhã seguinte, Misty entrou na igreja pelo braço de seu
irmão adotivo. Um murmúrio de apreciação se fez ouvir. Ela estava linda com um
vestido cor de pérola. O corpete era justo e decotado. A saia era longa e ampla.
Parecia o vestido de uma princesa. Os brilhantes do colar e dos brincos, os mesmos
usados na avant première, cintilavam às luzes.
Misty não tinha olhos para ninguém a não ser para seu noivo, lindo e charmoso
com seu terno escuro de corte perfeito, embora fossem seus olhos apaixonados que
ela mais contemplasse.
Após a cerimônia simples, mas emocionante, eles caminharam de mãos dadas
pela nave e Misty localizou o pai sentado no último banco.
- Ainda não te agradeci por ter encorajado meu pai a me procurar.
- Acho que ele não precisava de nenhum estímulo - Leone lhe segredou.
Antes que Misty entrasse na limusine para irem ao hotel onde aconteceria a
recepção, Flash a deteve.
- Quem é sua dama de honra? - Ele se referiu a Clarice, a amiga e ex-
funcionária que estava obviamente atraída pelo padrinho de Leone, um italiano muito
gentil e atraente.
- Sinto muito, meu caro. Ela tem preferência por música country e por homens
acima dos trinta.

Leone apertou a mão de Misty, na limusine, e sorriu.


- Até ontem à noite eu sentia tanto ciúme de Flash que poderia matá-lo!
- Eu sei e fico contente que isso tenha passado. Como Birdie, eu o considero
minha família.
- Você está deslumbrante, amore. Espere até ver a surpresa que a espera.
- Que tipo de surpresa?
- Não tenho permissão para contar, lamento. Misty estreitou os olhos.
- Quer me matar de curiosidade no dia de meu casamento?
- Trate de ficar firme - ele brincou. - Quero que este seja o dia mais feliz de
sua vida.
Misty recebeu os cumprimentos de cerca de quinhentas pessoas. Havia muito
mais gente na recepção do que na igreja onde estiveram apenas os amigos mais
íntimos.
As distrações foram tantas que Misty não se lembrou mais da surpresa
prometida por Leone. Uma mulher loira, contudo, que não parava de olhar para ela,
chamou-lhe a atenção a ponto de ela resolver indagar a seu respeito.
- Ela se chama Freddy e é casada com Jaspar al-Husayn, aquele homem moreno
a seu lado, príncipe real de Quamar.
- Céus! A realeza em nosso casamento? Eles são seus amigos?
- Eu os conheci apenas recentemente - Leone respondeu. - Mais tarde falaremos
com eles.
O baile teve início e Misty não teve tempo para pensar em mais nada. Quando
chegou a hora de trocar de roupa para seguirem para Sicília em viagem de lua-de-
mel, Misty procurou Clarice para ajudá-la. Como não encontrou a amiga, subiu
sozinha para a suíte que lhe reservaram.
Ela havia acabado de colocar um vestido azul e de pentear os cabelos que usara
soltos durante a cerimônia e a festa, quando alguém bateu à porta.
Foi uma surpresa inesperada encontrar a princesa a sua frente.
- Posso falar com você? - a mulher perguntou, constrangida.
Perplexa, Misty fez sinal para que ela entrasse.
- Sou a surpresa que seu marido anunciou - ela explicou após uma breve
hesitação. - Ele não queria perturbá-la no dia de hoje, mas quando me contou sobre
sua luta infrutífera para me localizar, eu pedi para ser convidada para o casamento.
- A princesa se deteve, com a voz embargada. - Eu não sabia nada a seu respeito.
Fiquei exultante quando soube que você tentou me localizar quatro anos atrás,
porque eu também estive tentando te conhecer todos esses anos.
Incapaz de falar, Misty sentiu uma forte emoção começar a crescer em seu
peito.
- Nós tivemos a mesma mãe - Freddy continuou -, mas não somos gêmeas. Sou
sua meio-irmã. Jaspar e Leone queriam que eu esperasse até que você voltasse da
lua-de-mel, mas eu não pude esperar. Acho que nós duas já esperamos demais.
- Você é minha irmã... - Misty não conseguia fazer outra coisa senão olhar para
Freddy como ela a observara durante a festa. - Deus, que surpresa maravilhosa! O
que Leone tinha na cabeça quando pediu que você esperasse até a volta de nossa lua-
de-mel?
A partir daquele instante, ninguém poderia dizer quem falou mais e mais rápido.
- Faz apenas quarenta e oito horas que meu marido e eu a localizamos e Jaspar
receou que seu casamento não fosse uma boa hora para esta revelação. Foi por isso
que ele decidiu procurar Leone antes e o fez prometer segredo, porque eu queria
ser a primeira a lhe dizer quem sou.
Misty entendia agora o porquê de Leone não ter lhe dado nenhuma pista.
- Minha irmã, uma princesa! - Misty exclamou. - Mas você parece tão normal!
As duas riram e se abraçaram. Ambas estavam chorando de alegria quando os
maridos se reuniram a elas. Misty notou o suspiro de alívio que Jaspar deu quando as
viu juntas e felizes. Nesse instante, ela perdeu a noção de que eles eram nobres e os
tratou realmente como familiares e amigos. Jaspar e Freddy os acompanharam ao
aeroporto. Após tanto tempo, as duas irmãs estavam sentindo dificuldade em se
despedirem.
Era tarde da noite quando chegaram à vila que Leone possuía na cidade de Enna,
no alto de uma montanha. Era uma construção belíssima, cercada por oliveiras e
laranjeiras. Altos portões de ferro a protegiam do exterior.
- Este lugar é idílico - Misty elogiou, emocionada por estar conhecendo a casa
onde seu marido nascera.
Uma hora depois, eles estavam deitados um nos braços do outro à brisa suave
que entrava pela janela do quarto. - Foi o melhor dia de minha vida - Misty
murmurou. - Ele ainda não acabou, bella mia. Ficará ainda melhor. - Leone acariciou
os cabelos de fogo que tanto adorava e que estavam espalhados pelos travesseiros. -
Sempre a imaginava assim, aqui, em minha cama.
Misty sorriu e segurou-o possessivamente pelo queixo. - Gostaria de lhe fazer
uma pequena pergunta. Você realmente quitou a hipoteca de Birdie por razões
altruístas? O sorriso de Leone foi uma revelação.
- Digamos que foi meio a meio. Eu não suportava a idéia de você me pagar, mas
se contasse a verdade significaria dizer adeus a minhas esperanças de reconquistá-
la. Como se não bastasse, vi Flash esperando por você no estacionamento. Aquele foi
o pior dia de minha vida. Ouvir sobre o bebê, em seguida, foi o equivalente a me
atirarem uma tábua de salvação quando eu estava me afogando. Amo você, signora
Andracchi.
Misty tomou a iniciativa de beijá-lo. Terminado o beijo, ele voltou a dizer quanto
a amava, mas foi novamente calado por outro beijo.
Onze meses depois, no castelo Eyrie, Misty estava no quarto do bebê, vigiando
seu sono. Connor era parecido com o pai quando dormia por causa dos cabelos pretos
e cacheados. Mas os olhos eram azuis como os dela.
Aos três meses, Connor era a alegria dos país. Aliás, segundo Flash, o padrinho,
eles estavam ficando corujas demais. Aquele havia sido um ano atribulado para
todos. Jaspar e Freddy vieram visitá-los várias vezes durante o período da gravidez
de Misty, e eles também estiveram no reino desértico de Quamar durante as férias
de Leone.
Era uma bênção que os cunhados se dessem bem porque Misty e Freddy não
ficavam muito tempo longe uma da outra quando tinham chance de estarem juntas.
Faltava apenas um acontecimento para Misty se sentir totalmente feliz
encontrar sua irmã gêmea. Quanto mais o tempo passava, mais improvável parecia
localizá-la.
Os arquivos do hospital onde Shannon nascera ainda existíam, mas faltava o
documento da agência de adoção. Leone considerava suspeito esse fato, uma vez que
Misty havia conseguido contactá-la no passado. Na opinião dele, a carta que
entregaram a Misty, como se tivesse sido escrita pela irmã dizendo que não tinha
interesse em conhecê-la, era falsa.
Misty deu um beijo no filho e seguiu para seu quarto. Todas as dependências do
castelo eram agora aconchegantes. Um sistema de calefação havia sido instalado sob
o piso. Roupas novas de cama, banho e mesa haviam sido compradas e tudo brilhava e
cheirava a limpeza. O velho Murdoch, forte e esperto aos setenta e cinco anos, se
recusava a se aposentar. Gostava de mimálos todas as noites com um cálice de licor
antes de se deitarem.
Sempre que conseguia uma folga, Leone levava a família para o castelo que
também passara a adorar. No mês anterior, Jenny e Oliver Sargent estiveram com
eles durante um final de semana. Ele e a esposa haviam se reconciliado e o velho
homem estava tentando se reconciliar consigo próprio e com a sociedade se
dedicando agora a um trabalho voluntário para uma instituição de caridade. Seu pai
havia mudado muito, Misty pensou, e estava se portando como um ótimo avô para
Connor. Birdie também os visitava assiduamente, mas se negava a ir morar com eles
porque nada podia afastá-la de sua amada Fossetts House.
Misty sentia-se uma bem-aventurada. A vida havia começado mal para ela, mas a
compensara mais do que poderia imaginar ser possível. Amava seu filho e seu marido
e no mês seguinte eles iriam comemorar o primeiro aniversário de casamento em
Sicília.
Leone estava tirando a camisa para vestir o pijama. - Connor estava dormindo
como lhe falei, não?
Misty fez que sim. Ela sabia que o marido já havia verificado, mas não conseguia
se recolher antes de dar um último beijinho de boa-noite em seu bebê. Ele era um
presente de Deus para ela. E também Leone. Cada dia o amava mais. E continuava
desejando-o como no primeiro dia. Como ele, que não perdia nem sequer uma
oportunidade para estreitá-la nos braços.
Estavam rindo, aliás, porque Leone a provocava, quando o telefone tocou.
- Não, a senhora não nos acordou - ela ouviu Leone dizendo e arregalando os
olhos, tomado de surpresa.
- O que foi? Quem é? - Misty perguntou, ansiosa.
- Birdie - ele respondeu. - Ela disse que sua irmã perdida está em Fossetts
House perguntando por você...
Misty pegou o telefone, mas não conseguiu falar...

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