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LENA VALENTI

AMOS E MASMORRAS – PARTE V

AMOS E MASMORRAS
PARTE V

Nick Summer se apaixonou por Sophie Ciceroni oito anos atrás. Ela era de outro mundo
diferente do dele, uma princesa quase inalcançável. Prestar atenção nessa mulher foi muito
pretensioso, mas apaixonar-se perdidamente por ela os lançou em uma loucura em que os segredos
e as mentiras deveriam ser cuidadosamente tratados ou um erro poderia levar tudo ao desastre.
Entretanto, um homem apaixonado é capaz do melhor e do pior para conservar a mulher que ama.
Até que o segredo melhor guardado de Nick, que é ao mesmo tempo o temor mais profundo
de Sophie, sai à luz da pior das maneiras.
E o que acontece quando alguém passa de ser o cavalheiro desejado para ser o dragão
mais temido da princesa? Poderão consertar o que se quebrou entre eles? Poderão apaziguar os
medos e recuperar a confiança perdida? As decisões tomadas, as afrontas cometidas mudarão suas
vidas para sempre e os farão experimentar um mundo novo e perigoso. O mundo dos dragões e das
masmorras pode mudar a realidade de um casamento que se acreditava consolidado, para lhes
mostrar que na vida não há nada seguro e que o amor pode voar de um dia para outro como voam
as flores da Sakura.

O que seria capaz de fazer para não perder a pessoa que mais ama?

PROJETO REVISORAS TRADUÇÃO

CAPÍTULO 1

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Washington D.C.
Potomac Park

Oito anos atrás

Nick conheceu Sophie no início de uma primavera, quando ambos eram ainda muito jovens
e seus corações eram ainda muito inexperientes.
Aconteceu no Parque Potomac, um lugar lindo, cheio de árvores ornamentais que floresciam
com pétalas de sakura, de cor rosa-pau, também chamadas cerejeiras em Washington. Cobriam todo
o parque e, conforme diziam os peritos, eram da espécie Kwanzan. Sophie adorava contemplá-las
nas margens do rio Potomac, em Ohio Drive, apoiada em um de seus troncos e sentada sobre sua
canga. De vez em quando levantava a cabeça de seu notebook, entre repasses e repasses de suas
anotações, e ficava cativada por aquela sutil doçura que essas pétalas pálidas levitavam, evocando
em sua imaginação todo tipo de lendas japonesas.
Estava estudando Ciências Econômicas e Comerciais. Queria se tornar uma empresária, não
depender da fortuna da família. Por isso se mudou da Louisiana, decidiu partir de Nova Orleans e
afastá-los nos três anos que durava sua carreira universitária. Sua ideia era a de cortar vínculos e
dependências. E, principalmente, queria que sua mãe deixasse de procurar para ela um noivo
endinheirado, com a única pretensão de unir sobrenomes poderosos de Nova Orleans.
Essa vontade de querer se separar dos Ciceroni não significava que odiasse seu sobrenome,
de forma alguma. Sophie adorava sua família, amava-a de todo coração, mas a superproteção a que
a submetiam se tornou insuportável. Ela, um cavalo selvagem a quem domaram e educaram para se
converter no transporte de passeio de uma dama de Orleans, precisava romper com suas raízes para
cuidar de si mesma.
E foi o que tentou. Tentou encontrar-se. Não obstante, em Washington deu de cara com algo
mais, além de sua verdadeira essência.
Encontrou o amor de sua vida.
Naquela tarde estava pensando nas características do negócio que desejava abrir. Pensava
que demoraria vários anos para economizar uma boa entrada para começar a montar o primeiro dos
locais de uma cadeia de autênticas pizzarias italianas. Sua família era originária da Toscana; um
lugar onde a pizza era sagrada e os queijos eram a figura pátria, sinal de vida e amor.
Enquanto destacava no computador algumas frases sobre marketing corporativo, levou à
boca um dos pedaços de fruta fresca que guardava em sua lancheira. Justo quando ia engoli-lo e

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saboreá-lo, um frisbee amarelo bateu no seu garfo de plástico. E imediatamente, de surpresa, um


cachorrinho golden se atirou em cima dela e a derrubou, jogando-a sobre a canga fúcsia.

***

A área do parque Potomac que mais gostava Nick Summers era, sem dúvida, O Despertar.
Um gigante oculto em Hains Point, que parecia ressuscitar de seu próprio enterro, emergindo dentre
a terra como se gritasse por sua própria liberdade.
Entretanto, naquele dia ao contrário de outras vezes, tinha decidido passear com seu
cachorro, Dalton, por Ohio Drive.
Estava preparando uma nova carreira universitária. Aos vinte e três anos já tinha se
licenciado em Criminologia pela Universidade George Washington, mas também desejava fazer o
curso de Línguas Estrangeiras.
Queria ser agente do FBI e quando tomava uma decisão, ninguém podia tirá-la da cabeça.
Agente duplo, agente especial, agente de investigação… não importava. Ele queria um
distintivo com seu número de identificação e ajudar a resolver casos. Tinha alma de herói e gostava
de repartir justiça. Não é que pensasse que sempre tinha razão, mas do que não tinha dúvida alguma
era de que não gostava que os maus ganhassem, seja o que for. E ele queria contribuir com seu grão
de areia.
Enquanto caminhava pela orla de Ohio e sorria com cada travessura que seu cachorro Dalton
fazia, olhava receoso aos casais que, com as mãos entrelaçadas, passeavam amorosamente pelo
caminho de grama verde e salpicado de flores de sakura. Ele não desejava aquilo, ao menos não
naquele momento.
Não queria se apaixonar.
Lançou o frisbee e esperou que seu cachorrinho golden fosse atrás dele e o trouxesse de
volta.
Uma vida como a qual estava decidido a seguir não seria boa para uma mulher. Nem
tampouco para ele, que estaria eternamente preocupado por ela.
Perdido em seus próprios pensamentos, não se deu conta do que Dalton fez até que ouviu o
grito cheio de humor de uma garota, deitada sobre uma canga fúcsia. O cachorrinho alegremente
lambia-lhe o rosto com alegria. A fruta que fazia um momento descansava em uma lancheira
vermelha, agora estava espalhada ao seu redor, e seu notebook descansava de qualquer jeito sobre o
pano enorme.
— Porra. — Resmungou Nick correndo para detê-lo. — Sinto muito! Sinto muito!

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A jovem, em troca, ria e não fazia nada para tirar o animal de cima. Ficou quieta,
acariciando a cabeça do cachorro e deixou que Dalton lhe desse as lambidas que quisesse.
Nick se deteve ao escutar o suave tinido de sua risada e ao ver como seus lábios incríveis se
estiravam no sorriso mais radiante que jamais tinha visto.
Usava um pulôver negro de manga longa que lhe cobria as mãos completamente, jeans curto
que deixava ver suas longas pernas, assim como umas botas militares escuras, com meias três
quartos longas que apareciam até quase cobrir o início dos joelhos.
— Pronto, pequeno. Quer jogar? — dizia a garota coçando por trás das orelhas dela. — Ah,
sim, como é beijoqueiro…
Ela se ergueu com as pernas abertas para que Dalton se acomodasse entre elas, rindo.
Nick jamais ficou sem palavras, mas quando ela afastou o cabelo comprido e liso do rosto e
penteou a franja com os dedos para desobstruir seus olhos, não pôde fazer outra coisa que ficar
extasiado, de joelhos, incapaz de brigar com Dalton: o rosto daquela garota o tinha cativado. Tinha
uns olhos caramelos espetaculares cheios de ternura e, ao mesmo tempo, de uma malícia oculta e
ousada que o deixou tenso.
Ela levantou o olhar e se deu conta de que o dono do cachorro também estava a seu lado.
Sophie ficou vermelha como um tomate quando olhou diretamente àqueles olhos âmbar.
Tinha diante de si um dos homens mais atraentes que jamais tinha visto. Tinha o cabelo loiro cujas
pontas despenteadas apontavam para todas as partes. Seus olhos dourados sorriam e brilhavam
claros e firmes pela luz do sol. Tinha uma sarda no canto de um de seus olhos, e sua fisionomia era
larga e musculosa.
Homens assim não se aproximavam dela nunca, e se o faziam ela não se dava conta, pois
não era muito experiente para dizer tais coisas. Sua família sempre escolheu os garotos que ela
devia prestar atenção, mas sempre pretendentes que ela jamais reparou, por serem muito
efeminados ou muito corretos e educados… Não sabia dizer o que via ou não neles. Talvez os
rejeitasse porque todos eles careciam de encanto e eram moldados pelo mesmo padrão.
Entretanto, aquele loiro que recordava os colossos romanos era exatamente o tipo de homem
que podia fazê-la perder o mundo de vista. Vestia-se com um enorme moletom vermelho dos
Redskins, a equipe de futebol americano de Washington. Vestia jeans escuro e tênis esportivo
branco e vermelho; e carregava pendurado nas costas uma mochila negra.
Também era estudante, embora parecesse um pouco mais velho que ela.
Sophie não soube dissimular nem um pouco a impressão que provocou nela vê-lo pela
primeira vez.
Nick sorriu sem mais preâmbulos e disse:

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— Não sei o que eu teria que fazer para que coce atrás das minhas orelhas como faz com
este cachorro traidor.
Sophie piscou um tanto desorientada, mas ao contrário do que ele pensava, não se esquivou
de responder.
— Seu cachorro não é um traidor. — respondeu ela, aceitando cativada os carinhos de
Dalton. — É um cachorrinho e faz travessuras.
— Lamento muito, de verdade. — desculpou-se ele, recolhendo seu notebook para colocá-lo
sobre a enorme canga e agarrando a fruta esparramada ao seu redor. — Era seu… lanche?
— Ah, bom, sim… — respondeu colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Sim.
Era…
— Pois tem que me deixar dar um jeito nisso.
— Já foi recolhido. Já está tudo limpo. Não se preocupe.
Ele negou com a cabeça e lhe ofereceu a mão, aflito.
— Nick Summers.
Sophie olhou sua enorme mão e a aceitou com prazer. Nick. Nada a ver com aqueles nomes
pomposos e semi-aristocráticos com os quais seus pais queriam que se relacionasse.
Um nome curto e bonito.
— Sophie. Sophie Ciceroni.
Nick adorou o sibilar de seu sobrenome italiano.
— Sabe? Muitas pessoas não teriam reagido tão bem ante a perseguição de um cachorrinho.
— Bom — respondeu ela —, há muitas pessoas que não gostam de animais. Mas eu cresci
com eles. Além disso, este pilantra — brincou com Dalton — não tem culpa de que seu dono tem
má pontaria.
Nick levantou as sobrancelhas e assentiu de acordo.
— Certo. Mas nem todos os dias alguém vê uma sereia fora d’água. Pegou-me de surpresa.
Sophie pôs-se a rir.
— Nem sequer tinha me visto, mentiroso.
Adorou sua sinceridade. Aquela garota era como uma bebida gelada.
Entretanto, Nick também era muito observador. Segundo o que colocava em seu
computador, estudava na Universidade de Ciências Econômicas e Comerciais. Assim vivia em
Washington, como ele.
— Sei que é do campus. — afirmou como se soubesse há muito tempo.
— Sim. Sou.
— Eu também.

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Ela tentou adivinhar o que era que esse gigante estudava.


— O que estuda?
— Línguas Estrangeiras.
— Ah. — disse. Nick tinha a aparência de um militar ou de alguém que queria entrar para
fazer parte da SWAT. Em troca, estava interessado em aprender outros idiomas. Devia ser alguém
interessado em ver o mundo e ganhar cultura. Gostava disso. — E o cachorro é seu?
— Sim. Vivo com ele. — acariciou-o carinhosamente.
— No campus? Não permitem animais. — argumentou, surpresa.
— Não, não. — corrigiu-a Nick — Em uma casa particular em Gary Road.
— Ah, conheço a rua. — assegurou ela — Fica perto da escola hebraica, não é?
— Sim.
Ficaram se olhando, sem saber que o mais dizer, com um sorriso tolo de admiração nos
lábios. Em segredo, albergavam a esperança de que aquela conversa não se acabasse ali.
Sophie não era loira tingida como a maioria das americanas. Na sua idade, não tinha operado
os seios, como se podia adivinhar por trás do pulôver folgado que a cobria. Nem sequer colocou
silicone nos lábios, algo muito comum em certas garotas desde que eram apenas uma criança…
Odiava a superficialidade de todas essas garotas; quase podia dizer que dava a todas por
perdidas. Perdidas em sua necessidade de agradar, quando para agradar de verdade, a primeira coisa
que deviam fazer era amar a si mesmas. Se tinham que retocar o rosto e o corpo para isso, era
porque não gostavam nem aceitavam o reflexo que lhes devolvia o espelho.
Mas Sophie não respondia àquele padrão.
Era natural. E foi precisamente sua simplicidade que o deixou encantado por completo e
com vontade de mais.
Fazia um momento, antes do inoportuno comportamento de Dalton, estava decidido a não se
deixar levar pelas garras das relações sentimentais. Não necessitava nada disso naquele momento.
Não o queria. De fato, não sabia se alguma vez iria querer.
Entretanto, a vida ou o destino acabavam de soltar nele um bofetão com a mão aberta que o
tinha despertado, exatamente igual à escultura que tanto admirava de J. Seward Johnson.
— Sophie Ciceroni, você me deixaria trocar essa fruta que estraguei por um jantar?
Nick sabia que com mulheres assim a gente não tinha muitas oportunidades e, além disso,
ele já não tinha. Mas se Sophie dissesse sim, sua vida poderia estar a ponto de dar um giro de cento
e oitenta graus.
— Pois… não sei. — replicou ela, hesitando. — Não estou acostumada a fazer estas coisas.
É um estuprador ou algo assim? — brincou.

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— Bom… — olhou-a de cima abaixo — Só até onde me deixar.


— É muito atrevido, não?
— Não… o que acontece é que talvez me deixa nervoso, e por isso digo uma ou outra
sandice.
— Estou vendo… É um… psicopata?
— Só com ladrões e assassinos. E você? É psicanalista?
Sophie se pôs a rir.
— Só com desconhecidos que atacam com frisbees.
— Faz bem. Nunca se sabe onde pode estar o perigo.
Ela balançou a cabeça e depois lhe jogou uma última olhada.
— Não será dos que se acham um Super Homem?
— Não acredito. Mas sou mais uma espécie de Clark Kent. E pode crer que agora desejaria
ter raios X. — piscou um olho para ela.
E quando ela mordeu o lábio inferior e voltou a sorrir tão à vontade com ele como se os dois
se conhecessem a vida inteira, Nick já não sentia nenhum receio a respeito: se aquela garota
aceitasse seu convite, estava convencido de que seria dele. E não importava se isso mudava os seus,
até então, inquebráveis planos de futuro. Poderia incluir neles a sua companheira ideal.
E então a educada e elegante Sophie disse:
— Sim. Podemos ir jantar.
Aquela, no restaurante Bristo Cacau, foi a noite das primeiras vezes.
A primeira vez que ambos foram jantar com um completo desconhecido.
A primeira vez que Sophie aceitava o convite de alguém a quem seus pais não tinham
escolhido.
E a primeira vez que Nick rompia um dos pontos do esquema que fez para si até licenciar-se.
Quebraram as normas e mandaram suas regras para passear. E fizeram porque desde que se
viram, sentiram que seriam especiais um para o outro. A vida tinha golpes inesperados e
maravilhosos.
Não deixaram de conversar em todo o jantar. O local em que foram ficava na avenida
Massachussets. O jogo de mesa era branco e as cortinas vermelhas insinuavam todo tipo de
reservados tenuemente iluminados e íntimos.
— Por que sugeriu este restaurante, Sophie? — ele perguntou brincando com o garfo.
Ela que se sentia livre e atrevida longe de seus pais, e que já não necessitava da aprovação
de ninguém para fazer o que lhe desse vontade, ergueu a taça de vinho branco e respondeu:

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— Minha família é da Louisiana, e ali estamos acostumados à comida francesa crioula.


Conheço bem este tipo de cozinha.
— Você se interessa por gastronomia?
— Sim. No futuro quero fundar uma cadeia de restaurantes onde nossos pratos sejam únicos
e especiais, e sejam conhecidos em todo mundo.
— Comida internacional?
— Precisamente italiana. Minha família vem da Toscana e…
Cada vez que Sophie abria a boca, Nick se perdia na ponta de sua língua e na brancura de
seus dentes. Ela tinha prendido o cabelo e vestia um simples vestido negro com uma blusa de lã e
uns sapatos de salto; estava tão excitado que tinha que se mexer de vez em quando para reacomodar
o desconforto que sentia entre as pernas.
Jamais se excitou tanto com a naturalidade e o valente acanhamento de uma mulher, mas
com Sophie ardia por dentro.
Havia algo nela que a fazia diferente. Algo que roçava o estiloso e denotava fineza e uma
excelente educação. Sabia perfeitamente que talheres devia utilizar para cada ocasião como se a
tivessem instruído sobre certas normas de protocolo. E Nick ansiava sacudi-la e despenteá-la,
embora nem sequer sabia de onde vinha aquele instinto selvagem. Imaginava-a corada, suada e nua
debaixo de seu corpo.
Como ele não conhecia as sutilezas da boa mesa, copiava-a e esperava dissimuladamente
que ela escolhesse antes a faca, a colher ou o garfo que se devia utilizar, porque não queria parecer
um caipira a seu lado.
— De onde é sua família, Nick?
— De Chicago.
— A Cidade do Vento.
— Sim.
— Nunca fui. — disse antes de levar um pouco de salada à boca, utilizando o garfo
adequado. — Me disseram que é linda.
Nick se inclinou para frente, e com seu descaramento típico e que Sophie começava a
compreender que era algo inerente àquele jovem hercúleo, disse elevando o canto de seu lábio:
— Talvez, se quiser, um dia a levo.
— Sei ir sozinha aos lugares, mas obrigada.
— Sozinha? Isso não pode ser. Precisa de um guarda-costas, Sophie.
— Eu? Por que? — perguntou sem compreender.

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— Alguém que a proteja dos estupradores, dos ladrões e de toda essa índole que há solta. E
acontece que eu sou seu homem. — Ergueu sua taça de vinho e brindou com a dela. O tinido do
cristal soou como música de promessas celestiais.
Sophie gostou muito de sua aparência e das sombras que as luzes cortavam em seu rosto
masculino. Pigarreou ao perceber que se perdia em pensamentos muito obscenos para sua educação
de senhorita.
— E quem me protegerá de você, Nick Summers? — perguntou, cortando o frango com
molho curry com a tranquilidade de uma dama inglesa.
— Você jamais deverá se preocupar comigo. — murmurou com o olhar velado pelo desejo.
— Nunca a machucaria.
Ela sorriu agradecida abaixando o rosto, e pensou que Nick era o primeiro homem cuja
aparência realmente era a de um homem e não a de um príncipe. Se fosse o caso, ele a protegeria
com seus punhos, sem sombra de dúvidas.
Os músculos de seus bíceps esticavam sua camisa nos braços e, do mesmo modo, estirava a
parte frontal de seu peito. Era robusto e musculoso, mas não como um lutador de pressing catch
inflado com anabolizantes. Não. Nick era como um gladiador, forjado na época em que se queimava
o que comia.
Suas costas eram tão largas que estava segura de que podia carregar todo o peso que
quisesse nas suas costas.
Continuaram jantando como se aquelas palavras jamais tivessem sido pronunciadas e, ao
mesmo tempo, falaram de tudo o que não implicava olhares ardentes nem palavras obrigadas a
serem pronunciadas em voz baixa.
Não encontraram uma maneira de se deter, não houve um momento para o silêncio ou para a
introspecção.
Como se fossem duas almas gêmeas que se reencontraram, precisavam explicar tudo o que
um perdeu do outro nesses anos sem se ver.
Nick falou da fria relação com seu pai e do amor que sentia por sua mãe.
Sophie teve um irmão mais velho um tanto rebelde. Falava dele com muito carinho, mas ao
fazê-lo, os olhos dela se encobriam com uma tristeza irreparável.
Nick entendeu em seguida que seu irmão já não estava vivo. E quis saber por que.
— O que aconteceu com o Rick? — perguntou interessado enquanto esperavam que
trouxessem as sobremesas.
— Bom… — Sophie limpou o canto dos lábios com a ponta do guardanapo branco. —
Como te contei, minha família se dedica a exportação de açúcar há três gerações. Presumia-se que

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Rick e eu deveríamos nos dedicar ao mesmo para prolongar o legado familiar. Mas ele decidiu ser
policial. Isso provocou uma pequena fissura na família, pois meus pais não podiam compreender
por que meu irmão preferia arriscar sua vida a manter-se seguro e ter uma vida próspera entre os
braços cálidos e o dinheiro da minha família. O que nem minha mãe nem meu pai compreenderam
era que Rick se sentia um espírito livre. — Suspirou, recordando-o com alegria. — Agora teria
quase trinta anos. Morreu quando eu tinha treze.
— Como morreu, se não for muito perguntar?
— Tentou salvar uma mulher de um homem que queria abusar dela. —explicou com a
dureza de quem já tinha aceitado a desgraça. — Rick o deteve, mas o que não sabia era que o
estuprador tinha uma pistola no bolso de sua calça. Atirou nele, com o azar que o acertou totalmente
no coração.
Sophie não tinha superado completamente perder Rick. Era seu melhor amigo, um homem a
quem ela admirava e que amava com todo seu coração.
— Sophie. — Nick estendeu a mão e a pousou sobre a dela. — Lamento muito.
— Sim. Eu também. Eu o amava muito. Todos o amávamos muito. — secou as lágrimas que
escaparam com rapidez. — Affe, fico um pouco sentimental com isto…
— Eu a entendo.
— Por esse motivo, nem minha mãe, nem meu pai, nem eu — particularizou com veemência
— queremos ter nada a ver com homens com distintivo. De fato, a desgraça de Rick é a razão pela
qual se asseguram de me rodear de pretendentes completamente opostos a seu perfil… Já sabe, com
baixa testosterona e poucas ideias empreendedoras na cabeça. — Bebeu o que restava do vinho.
— Insinua que os policiais não têm ideias empreendedoras?
— Suponho que sim. Mas salvar o mundo é impossível, não acha? — Olhou-o nos olhos.
Nick ficou em silêncio e depois acrescentou:
— Então tem medo dos policiais? — perguntou, impactado pela revelação.
— Sim. Admiro o que fazem, mas eu os quero bem longe. — Estudou-o sem titubear. —
Não poderia viver tranquila pensando que alguém que amo corre perigo aí fora.
Sophie quis trocar de assunto. Aquilo não era algo para se falar nesse momento.
Entretanto, Nick escutou suas palavras de um modo diferente.
Se sua relação com Sophie prosperasse como esperava, haveria um segredo insuperável
entre eles. Portanto, melhor que fizesse as coisas bem para que nunca soubesse da verdade.
Porque não mudaria sua decisão de ser agente do FBI por muito que pudesse chegar a se
apaixonar por ela, embora a flechada tivesse surgido com a rapidez e a dureza do impacto de uma

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bala no coração, como a que acabou com a vida de seu irmão. Não renunciaria àquela beleza
morena, astuta, divertida e inteligente.
Lamentava por ela. Lamentava muito. Mas era um egoísta, e desgraçadamente sentia-se
intrigado, estimulado e fulminado por aquela empresária em amadurecimento que tinha diante de si.
E quando Nick queria algo, queria para ele, embora fosse a seu modo.
Estava claro que nenhuma mulher gostava que seu companheiro fosse um policial, mas
muitos dos dinossauros do FBI estavam casados e tinham filhos, assim não podia ser tão difícil.
Ingressar no FBI era sua vocação.
E uma vocação autêntica não se enterrava pelo medo e a insegurança de uma garota.

CAPÍTULO 2
A noite das primeiras vezes também incluiu algo que nenhum dos dois esperava que
acontecesse tão rápido.
Era já muito tarde para voltar para o campus com seus estritos horários. Sophie morria de
vergonha de chegar depois da meia-noite; no dia seguinte chegariam os falatórios, o zelador
informaria a seu pai — pois acontece que o senhor Lesson e ele se conheciam e eram amigos, e este
o encarregou de avisá-lo sobre qualquer coisa estranha que acontecesse na vida de sua filha. Assim,
naquela noite Sophie preferia fazer como se estivesse em seu quarto como uma boa menina, em vez
de aparecer às duas da madrugada e levantar suspeitas em Lesson.

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Embora, no fundo, a verdade era que não queria que aquela noite acabasse. Como o tempo
passou tão rápido ao lado de Nick?
Por isso, enquanto o céu de Washington ficava escuro e começava a faiscar, e como Nick
tampouco queria separar-se dela e leu em seus olhos caramelo que ele sentia o mesmo, sugeriu-lhe
que passasse a noite em sua casa.
— Só como amigos, Sophie. Nada de contato entre nós. — murmurou com o olhar cristalino
cheio de desejo. — Amanhã a levarei para sua aula de manhã e irei para a minha.
Ela brincou com as chaves de seu quarto entre os dedos.
— Não costumo fazer estas coisas. — assegurou com um pouco de vergonha e surpresa ao
ver que aceitaria sua proposta. Nem sequer titubeou. O que havia com ela? Esse comichão no
estômago era amor?
— Eu tampouco nunca levo desconhecidas para casa. Mas já me contou que o bichinho de
pelúcia com quem ainda dorme se chama Tiger e que quando criança era apaixonadíssima por Kirk
Cameron. Tenho dois segredos íntimos com os quais posso chantageá-la. — Sorriu fingindo
maldade. — Embora saiba que jamais direi isso a ninguém.
— Tem certeza? — Arqueou uma sobrancelha castanha.
Nick pôs cara de boa pessoa.
— Não seja tola, Sophie. O senhor Lesson ligará para seu pai, e no prazo de dois dias, você
o terá aqui com uma escopeta na mão para interrogar a todos os machos do campus.
Ela se pôs a rir. Não estava tão errado.
— Venha. Deixarei para você uma camiseta comprida e uma calça de moleton. Eu dormirei
no sofá. — disse e lhe ofereceu a mão.
E Sophie, sem mais, aceitou sua enorme palma e aquela proposta supostamente decente.
Nick tinha uma casa em Gary Road. Era de seu tio Dominic, que tinha sido agente do FBI, o
que ele queria chegar a ser. Esteve muitos anos vivendo ali. Quando morreu, já que Nick era seu
único sobrinho, deixou tudo para ele.
Dominic e Nick eram unidos. Muito mais que Nick e seu pai. Via em Dominic tudo o que
seu pai, Joseph, não era. Joseph Summers era um folgado com barriga de cerveja e machista, que
não fazia outra coisa que ir jogar cartas com os amigos e pôr na televisão as partidas da NFL, um
pai made in USA, como eram cinquenta por cento dos norte americanos. Joseph tentou lhe dar lições
de pai para filho, mas Nick sabia que havia conselhos dos pais que jamais se devia seguir para não
cometer os mesmos erros que eles. Assim, decidiu amar seu pai com todos os seus defeitos, e
admirar e respeitar a seu tio por todas as suas virtudes.
Dominic sentia por Nick um amor incondicional, assim como um grande respeito por todas
as aptidões que o jovem desenvolvia. Seu sobrinho era bom em tudo. Brilhante nos esportes, um ás
nos idiomas e habilidoso com os computadores. Se Nick decidisse ser agente como ele, seria um
dos melhores.

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E feliz ou infelizmente para os Summers, essas eram justamente as pretensões de Nick.


Assim quando se graduou em Chicago com todas as honras, ofereceram-lhe uma bolsa de estudos
com os gastos pagos na Universidade de Washington.
E isso é o que Nick fazia: estudar arduamente para licenciar-se nos dois cursos que cursava,
e assim chegar a ser o que queria e não decepcionar a memória de seu tio. A primeira já estava
concluída.
A casa era de madeira, de cor azul. Os parapeitos e as vigas verticais das janelas eram
brancas, assim como os umbrais, compostos de madeira mais grossa.
Nick deixou seu SUV Wrangler preto de 2005 na entrada da garagem e abriu a porta de
Sophie como um cavalheiro para ajudá-la a descer.
— Vive aqui sozinho? — perguntou ela, surpreendida.
As plantas e a grama precisavam de uma boa manutenção, mas no geral, era um lugar
bastante acolhedor, coberto de árvores. Uma adorável mesa de pedra com tamboretes baixos e
fornidos descansava no canto do jardim iluminado sob a coberta de uma cerejeira. Era lindo e
acolhedor.
Nick, que sabia que Sophie prestou atenção no detalhe da árvore, explicou-lhe que seu tio
adorava as flores de sakura e que plantou cinco árvores ao redor do jardim, e que já tinham
crescido.
— Eu adoro sua casa. — concedeu Sophie. E era verdade. Era uma casa tipicamente
masculina, mas entre a fria tecnologia e a decoração minimalista, podiam-se ver detalhes femininos
como faíscas de vida e cor: a manta de crochê que repousava em um dos braços do sofá, os abajures
decorativos ou as almofadas combinando com o tapete de lã feito à mão. — Sua mãe vem muito por
aqui?
Nick sorriu.
— Sim. Tudo o que vê que não se enquadra com a casa foi feito por ela.
— Imaginei. — Respondeu pendurando a bolsa e a jaqueta no cabide do vestíbulo. — É uma
artista.
— Obrigado. Ela é.
Nick a guiou ao interior, e depois de mostrar os cômodos e a distribuição, abriu o sofá cama
da sala de jantar e preparou tudo para se deitar ali essa noite. Tirou manta e travesseiros.
— Por que não se deita em sua cama e eu no outro quarto? — perguntou preocupada com
ele.
— Porque o colchão da cama de hóspedes faz um ruído terrível. Eu me mexo muito.
Nenhum de nós dormiria.
— Então eu dormirei no sofá. Não posso aceitar que você durma aqui se…
— Por que? Não seja tímida. Não me importa. Em minha cama estará mais confortável.
Por fim, Sophie aceitou o pedido a contragosto. Nick lhe emprestou uma camiseta enorme
de cor cinza escura com as siglas da Universidade de Washington para que dormisse com ela.
Quando ia entrar no banheiro da suíte para se trocar, Nick disse:

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— Suponho que não a verei até manhã. — ele disse no umbral da porta. Ainda não tinha
vestido o pijama e estava tão atraente que Sophie não podia diminuir o rubor das bochechas.
— Hã, sim… — deteve-se com a mão no trinco da porta.
— Bem. A que horas começa sua aula?
— Às oito.
— Então despertarei às sete e quinze e a levarei. Está bem assim?
— Sim. Obrigada.
Nick assentiu e lhe deu uma última olhada de cima abaixo. Se olhares fossem dentadas,
Sophie seria somente osso.
— Boa noite. — disse ela fracamente.
— Boa noite, Sophie. Me diverti muito hoje.
E eu.
Ambos cravaram o olhar um no outro, até que ela, aflita pelo calor que os olhos âmbar de
Nick transferiam a seu baixo ventre, pigarreou e entrou no banheiro para se trocar. Não se
tranquilizou até que finalmente escutou a porta do quarto se fechar.
Sophie se olhava naquele espelho do banheiro de tons brancos e pretos mesclados com
madeira clara.
Tinha deixado a roupa cuidadosamente dobrada em cima da cadeira. Tinha bisbilhotado sua
pasta de dente, os armários do banheiro, suas lâminas de barbear, o aroma de sua loção pós-barba…
Sentia-se como uma colegial nervosa rodeada pelas coisas de Nick.
Jamais fizera nada parecido. Dormia sob o mesmo teto com um rapaz que tinha conhecido
naquele mesmo dia!
A gola da camiseta deslizava por um de seus ombros e a parte baixa a cobria até o meio da
coxa.
Sophie se olhou no espelho e mordeu o lábio inferior.
Nunca havia sentido a necessidade de provar os lábios de ninguém. Mas Nick a estimulava
até esse ponto, e Sophie, embora pretendesse ser séria, responsável e educada, era impulsiva muitas
vezes e possuía a curiosidade própria de uma garota que queria descobrir o mundo.
— Sou virgem. — disse a si mesma olhando-se no espelho. Penteou a franja com os dedos e
colocou seu cabelo por cima de um ombro. — Virgem. Tenho vinte anos e… as garotas da minha
idade fazem isso, não? — Tentou se autoconvencer. — Todas falam que dormiram com um e com
outro. E eu… — Esticou a camiseta sobre os seios e os mamilos se destacaram sob o tecido. — Eu
nunca fiz nada.
Crescer sob a estrita proteção de uns pais eternamente preocupados, inflexíveis e temerosos
acarretava suas consequências. A principal foi se afastar deles para estudar, encontrar sua essência e
viver sua maturidade adolescente sem seus tabus nem seus escrutínios desnecessários. E o mais
importante para ela, era que a atitude absorvente de seus progenitores e aquela inquebrável
educação a converteram em uma monja, em algo que não queria ser. Sua nula experiência sexual a
envergonhava. Por não saber, não sabia nem como devia se tocar. E era estranho para uma mulher

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

do século XXI encontrar-se naquela situação quando todas tinham métodos ao seu alcance para se
informar e experimentar.
Sem ir mais longe, sua companheira de quarto Ellen, a quem já tinha avisado dizendo que
não dormiria lá essa noite e que não avisasse a ninguém. Ela transava com homens e com garotas.
Às vezes lhe contava as coisas que fazia com uns e outros, e Ellen sempre ria das caras que eu fazia.
— Mas, Sophie, viu sua cara? — gargalhava e apontava para ela. — Qualquer um diria que
nunca menearam isso na sua cara.
“Menear na cara? O que? O pênis?”, perguntava-se Sophie dissimulando sua inexperiência.
— Não é isso. É que me surpreende as coisas que faz com homens e mulheres, e que possa
gostar dos dois.
— É sexo. — respondia Ellen sem dar importância. — Somos pessoas que só procuram
prazer. Mulher é bonita e homem é excitante. E são tão diferentes quando tocam… — Mordeu o
lábio inferior e fez um som rouco de prazer. — Mas tudo dá tanto prazer …
— Imagino. — Sorriu nervosa.
Mas não imaginava nada. Porque ela, para sua desgraça, nem com homem nem com mulher.
Não isso era injusto? Não era uma injustiça ser moralista com certa hipocrisia em assuntos
carnais?
A verdade era que sentia pena de si mesma. Embora a maior verdade de todas era que nunca
se sentiu atraída por ninguém.
Nem por homem, nem por mulher.
Até que aquela tarde se encontrou com Nick.
E agora não podia pensar em outra coisa que não fosse beijá-lo e tocá-lo.
Com esse pensamento e com sua terrível insatisfação, e aquele repentino calor, enfiou-se na
cama. Afundou o nariz no travesseiro vermelho e preto de Nick e se impregnou com seu aroma.
Nick se tocaria ali? Como fazia?
Se fosse até a sala e dissesse que fizesse o favor de fazer amor com ela, o que ele
responderia?

***

Nick não podia dormir.


Era impossível dormir tendo ao lado, só vestida com uma de suas camisetas, a garota mais
linda que tinha conhecido em sua vida.
E conhecê-la, saber que foram feitos um para o outro, enchia-o de ansiedade. Queria ir até
seu quarto, enfiar-se em sua cama e tocá-la até onde ela permitisse.
E nem sequer sabia por que não fazia isso. Porque ele não era tímido com as garotas.
Dormiu com muitas mulheres, algumas mais velhas que ele, instantes depois de entrarem em uma
discoteca.
Conheceu Sophie nesse mesmo dia, mas conversou mais com ela do que com qualquer uma
das garotas que cruzaram sua vida. E talvez por esse motivo, por se dar conta de que Sophie não era
como as demais, queria se comportar como um cavalheiro, embora tivesse o membro ereto e duro

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nesse momento. A educação daquela garota era excelente e com certeza que tinha lidado com outro
tipo de homens, imbecis sortudos e pouco viris que depois teriam se masturbado pensando nela,
mas que em pessoa teriam sido um exemplo de fineza e cortesia.
Porra, e ele não era assim.
Ele estava a ponto de se masturbar no sofá pensando que era a ela a quem tinha em cima
dele. A verdade era que fizera soberanos esforços para não beijá-la a noite toda ou para não encostá-
la em um canto do quarto e acariciar sua língua com a dela. Certamente a teria assustado.
A chuva repicava contra a janela e o céu de Washington começava a iluminar-se com o
resplendor dos raios.
Um relâmpago crepitou com força e iluminou a sala.
— Vai pensar que sou tola.
Nick girou a cabeça com tanta rapidez que quase arranca o pescoço com o movimento.
Sophie estava ali de pé na frente dele abraçando-se com os olhos enormes e as pupilas dilatadas. As
coxas pálidas e torneadas se recortavam a cada raio que iluminava através do vidro das janelas.
Seus pés descalços pareciam diminutos em comparação com os dele.
— Sophie? O que há? Precisa de algo? — perguntou meio que se erguendo.
Ela não sabia nem o que dizer pelo quanto se sentia incômoda.
— Tenho pânico de tempestades.
Nick piscou sem poder acreditar na sua sorte.
— Pânico? E… o que… posso fazer?
“Me diga que quer dormir aqui. Por favor, Deus… Por favor, Deus.”
— Eu… Bom… quão grande é o sofá?
— Enorme. — Nick se afastou para um lado com um sorriso e afastou a manta para que ela
entrasse.
“Deus, obrigado”.
— De verdade… — titubeou sobressaltada entrando sob a manta com um saltinho. — Não
quero que me interprete mal. Não estou acostumada a fazer estas coisas…
— Já sei. — ele disse docemente — Embora esta noite está fazendo muitos “não costumo”.
— Sim, é verdade… — reconheceu ela, desconcertada. — Mas é só que as tempestades me
provocam ansiedade e morro se estiver sozinha. Não ria… cheguei a importunar a minha
companheira de quarto na cama quando choveu…
Nick se afastou um pouco para não tocá-la com o corpo e que ela não visse que estava ereto
como um campeão orgulhoso.
— Por favor, Nick. — sussurrou com a manta por cima do nariz. — Sei que é muito, mas…
você poderia...?
— O que? — disse com os dentes apertados e tenso como a corda de um violão. Por acaso o
estava excitando de propósito? Não. Sophie não era assim. Realmente estava assustada e tremia.
— Poderia, por favor, pôr o braço por cima de mim?
Nick fechou os olhos e descansou a cabeça sobre o travesseiro. Nunca foi crente. Talvez
agora devesse reformular seus credos.
— Sophie…
— Nick, de verdade. Isto não é nenhuma armadilha. Estou apavorada.

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Os pés gelados da jovem roçaram suas canelas peludas. Estava tremendo, pobre menina.
Nick encostou-se às suas costas e a atraiu para ele, rodeando-a com um de seus enormes
braços, rezando pela enésima vez em uma noite para que essa garota não percebesse sua excitação.
Sophie demorou vários minutos para deixar de tremer, e quando conseguiu ficou quieta e
calada.
— Aposto que não acredita em mim. — sussurrou após alguns momentos com seus olhos
amendoados cravados na janela e na tempestade lá fora. — Certamente pensa que tento te seduzir.
— Não penso nada. — sussurrou com a boca quase colada à sua nuca. — Por que tem medo
de tempestade?
Ela esfregou o nariz contra a manta, e depois de pensar, respondeu:
— A noite que vieram nos avisar do que aconteceu com meu irmão Rick chovia muito e
trovejava, como agora. Após isso, fico apavorada. Não lido nada bem. — corrigiu-se.
Ele a escutou com atenção. Desejava aconchegá-la, mas não se atrevia por medo que ela
entendesse que o que queria era se aproveitar de sua vulnerabilidade.
— É um transtorno. Desaparecerá quando deixar de associar as tempestades com a morte,
Sophie. — respondeu.
Em Criminologia fizera um curso em psicologia; embora preferisse estudar perfis de
assassinos, em algumas ocasiões os comportamentos das vítimas de homicídio eram muito mais
relevantes. Como o caso de Sophie.
— Como sabe isso?
Nick não tinha explicado que já estava licenciado em Criminologia e que tinha estudado
psicologia aplicada ao campo criminal, tanto a dos delinquentes quanto das vítimas. Vendo os
problemas e os preconceitos que Sophie tinha contra os homens da lei, o melhor era continuar
ocultando ou do contrário ela fugiria do seu lado. E não queria que Sophie se fosse. Cheirava muito
bem para deixá-la partir. Cheirava a primavera. E, acima de tudo, desejava repetir mais noites como
aquela a seu lado.
Era sua mulher especial. Todo mundo dizia que havia um momento na vida de um homem
onde chegava uma mulher que sacudia seu mundo e que o fazia reformular todos seus dogmas.
Ela confirmava tal crença.
— Leio muitos livros sobre psicologia e vejo muitas séries policiais e demais. — comentou
sem importância — Gosto de observar os perfis dos envolvidos em cada caso.
— Sabe que são atores, não é? — perguntou, olhando-o de soslaio com um sorriso.
— Sério? — ele respondeu, seguindo seu jogo.
Um novo trovão sacudiu os vidros com tanta força que Sophie se virou de repente e
escondeu o rosto no peito de Nick. O movimento fez com que colocasse uma perna entre as dele, e
então com a parte superior de sua coxa e seu quadril, notou pela primeira vez a ereção de um
homem contra seu corpo.
Nick engoliu em seco envergonhado e não ousou mover um só músculo. Maldição. Pegou-o
em cheio.

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Ela emudeceu e manteve a cabeça agachada com as mãos abertas contra seu duro e
musculoso peito quente.
“Nick está duro. Muito duro. Ai, senhor…”, pensou aflita. O corpo desse homem estava tão
quente que parecia uma estufa. O efeito de seus braços ao seu redor e o porto seguro de sua pele a
reconfortou e tranquilizou. Entretanto, a ereção dele que pressionava seu quadril fazia seu estômago
encolher e estimulava seu baixo ventre.
— É dos que deixa o controle da televisão no sofá? — perguntou timidamente.
— Não. Não sou desses. — respondeu entredentes. Estava tão ereto que qualquer roçar doía.
— Sophie, será melhor que ignore que me deixou louco de excitação, certo? Durma e relaxe. Eu me
encarrego da tempestade.
Ela sorriu contra seu peito. Nick era exatamente o tipo de homem que a encantava. Era
direto, honesto e sincero, e sempre antepunha a segurança dos outros à sua.
Inalou dissimuladamente sua pele. Sem querer roçou o nariz em um de seus mamilos
escuros, que em resposta à leve carícia endureceu.
— Perdão. — desculpou-se com acanhamento, levantando um pouco a coxa e roçou seu
testículo com suavidade. Ele só vestia uma cueca branca e sua pele moderadamente morena era
ressaltada com luzes e sombras como a do filho de um Adônis e um gladiador.
Ele já não podia aguentar mais e soltou uma longa exalação pela boca.
— Porra… Porque estou convencido de que essa não é sua intenção, Sophie, porque senão
apostaria com certeza que está tentando colocar a mão em mim. E deveria ter muito cuidado, porque
não quero assustá-la — disse olhando o topo de sua cabeça —, mas estou a um suspiro de te beijar e
tirar essa sua camiseta. E não deixo de me perguntar o que aconteceria se fizesse isso.
Ela levantou a cabeça de repente e seus olhos avelãs brilharam na íntima escuridão,
enquanto um novo resplendor iluminava o céu.
— Quer me beijar? — perguntou com surpresa, entreabrindo aqueles lábios grossos.
— Se quero te beijar? É uma pergunta ardilosa ou o que? Tenho que responder sim ou não?
Sophie sacudiu a cabeça, sobressaltada.
— Nunca fiz isso… desculpe-me.
— O que quer dizer?
— Nunca faço estas coisas… Nunca estive tão perto de um homem como estou agora de
você. Não sirvo para isto. — explicou a ele acreditando em cada uma de suas palavras. — E além
disso, estou assim — assinalou seus corpos — com um homem que acabo de conhecer. No que isso
me converte?
— Em uma mulher livre?
— Sei que não acredita nisso, mas não sei ler sinais. Nunca sei se atraio um homem ou não.
Os rapazes que conheci na Louisiana…
— Os rapazes que conheceu? — repetiu Nick, enternecido pela insegurança de sua atitude.
Levantou seu queixo com doçura. — Os garotos que sua mãe escolheu para você?
— Sim. Esses… Bom, nunca insinuaram nada para mim.
— Mas, Sophie… já se olhou?
— Sim.

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— Acredite em mim que qualquer homem gostaria de fazer coisas com você. Esses sacanas
sortudos tiveram que exagerar em punhetas pensando em você. —soltou de repente, esquecendo
que estava diante de uma garota de bom berço e excelente educação. — Sinto muito.
Ela não soube o que dizer nem o que responder perante aquelas palavras. Finalmente deu de
ombros.
— Não acredito que seja assim.
— Sim, é. Estou te dizendo. E melhor não falarmos desses presunçosos com os quais chegou
a ter encontros…
— Não eram encontros exatamente. — lambeu o lábio inferior e fechou os olhos com força,
um pouco incomodada pela situação. — Acredito que estou sendo ridícula. Se não estivesse morta
de medo pela tempestade sairia debaixo da manta e iria para o seu quarto. Não quero te incomodar.
Lançou a ela um olhar um pouco feroz e negou firmemente.
— Não me incomoda. Olhe, porra. — Nick adiantou um pouco o quadril e roçou seu ventre
com a ponta de seu pênis. — Isto é exatamente o que me provoca.
Sophie deixou escapar um arquejo de surpresa.
— Estou assim desde esta tarde. Desde que a vi. Sei que não tem nenhuma experiência
nestes assuntos… mas comigo não tem com o que se preocupar.
— Estou vendo… Mas não fará nada?
— Como diz? — Nick estava mais do que perdido com Sophie. O que insinuava? Acaso lhe
dava permissão para tocá-la?
— Pois isso, suponho que não quer… — Moveu as mãos com nervosismo.
— Que não quero o que?
Ambos estavam excitados, nervosos. Nick se sentia a ponto de explodir dentro da cueca, e
era a primeira vez que Sophie queria experimentar o que era desejo físico.
Ela se armou de coragem e olhou para ele com olhos frágeis, o corpo mais sensível que
nunca.
Ele nem sequer se atreveu a piscar.
— Posso beijá-lo? — perguntou ela de repente. — Só uma vez.
Nick soltou o ar que nem sequer sabia que tinha retido nos pulmões como a um refém
gasoso, e então sorriu com doçura e embalou seu rosto entre as mãos.
— Essa é a pergunta que anseio te fazer desde que fomos jantar.
— Ah, sim? — perguntou ela, permitindo que ele se aproximasse de seus lábios com
cuidado.
— Sim. — assegurou com firmeza. — Alguma vez a beijaram?
Sophie, hipnotizada pela candura de seus olhos, assentiu com acanhamento, mas Nick soube
ver que aquela não era nem de longe a resposta de alguém a quem beijaram de verdade.
— Eu te beijarei com vontade. — anunciou antes de se concentrar em seus lábios para
capturá-los com força.
Seu primeiro beijo foi uma mistura de conto de fadas e de livro romântico da escritora de
Nova Orleans, Anne Frise. Nick tinha uns lábios perfeitamente perfilados e ela possuía uma boca
macia e com forma de beijo.

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Ele lambeu o lábio inferior dela com delicadeza para depois abrir sua boca com os seus, e
deixar que pouco a pouco sua língua roçasse sua excitante cavidade. Roçou seus dentes e ela gemeu
encantada. Nick se afastou para tomar ar. Um só beijo estava a ponto de fazer com que gozasse, e
tinha jurado a si mesmo que manteria o controle.
— Abre a boca, Sophie, e me dê sua língua. — pediu acariciando o queixo dela com o
polegar.
Ela obedeceu enquanto se segurava a seu torso e deslizava as mãos por seus ombros.
Nick sugou sua língua e ela cravou as unhas nos bíceps dele. Mas ao contrário de assustá-la,
Sophie reagiu, e com um feminino gemido se introduziu na boca de Nick com sua pequena língua.
Ele quis lançar foguetes ao ser o artífice daquela primeira resposta sexual daquela mulher.
Nick pensou que aquilo seria suficiente para ela, já que era como uma menina e não queria
atemorizá-la nem com seu corpo, nem com sua ousadia, nem tampouco com seu desejo, assim
tomou a decisão de se afastar sem tirar seu rosto do dela, ficando muito perto.
Sophie se manteve com os olhos fechados, respirando um pouco agitada. Lambeu os lábios
úmidos e inchados pelo beijo, e depois abriu os olhos cintilantes. E então, zás!
Nick viu algo naqueles olhos amendoados e avelãs que o emocionou. Era uma luz
timidamente predadora, mas ansiava comer e caçar. E ele era sua caça.
— Nossa… — murmurou, endurecendo-se mais ainda.
Sophie o puxou pelo rosto e se deitou sobre ele. Seu longo cabelo liso caiu ao seu redor,
cobrindo-os em uma cortina sedosa de desejos e confidências.
— Não deixe de me beijar, por favor. Faça outra vez.
Ela se tornaria viciada nos beijos de Nick, não tinha nenhuma dúvida. Que sensação mais
ardente e maravilhosa!
Ele passou suas mãos por baixo de sua camiseta e massageou suas suaves e pequenas costas.
— Sophie, não te dou medo?
— Não. — Negou com segurança. — Não… não quero que pare.
— Se continuar te beijando e me animar, vai ter que encontrar o modo de me parar.
Ela se moveu, assentindo com a cabeça sem pestanejar.
— Está bem. Quero que continue.
E Nick não precisou de mais.
Seguiria adiante porque não tinha nem ideia de como pausar a marcha. Suas mãos viajavam
sozinhas através do continente corporal de Sophie e o fascinava como ela respondia a seu toque.
A jovem soltava uns gemidos prazerosos como uma gata que desejasse mais carícias.
E Nick as dava enquanto a beijava e deixava sem respiração. Foi então quando chegou a
uma virada decisiva durante seu primeiro encontro físico.
Nick cobriu seus pequenos seios nus com a palma de suas mãos e a olhou nos olhos
enquanto os apertava com suavidade.
— Sophie? — perguntou com olhos indagadores. — Alguma vez…?
— Nunca. Não. — replicou emocionada.
— Me deixaria prová-los? — perguntou eufórico por sua confiança.
— Sim. Sim. — repetiu tensa ao notar como Nick levantava a longa camiseta e a deixava
nua diante de seus olhos.

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O ventre plano e os quadris de Sophie lhe pareceram inquietantes e sexy. Desceu sobre seus
mamilos e começou a lambê-los como um cão faria com uma tigelinha de leite. Com suavidade,
sem deixar nenhuma gota… e depois como um animal ansioso que não sabia se poderia comer
durante as horas seguintes.
Saciou-se dela e o fez com tanta vontade e tanta delicadeza que não encontrava modo de se
deter.
Nem sequer os gemidos ansiosos de Sophie podiam tirá-lo daquela obsessão por seus
mamilos.
E a ela, a tempestade deixou de lhe parecer ameaçadora, tão mergulhada estava nos dentes,
na língua e na boca desse homem.
Nick colocou a mão entre suas pernas, embalando seu sexo com doçura. Levantou a cabeça
com olhos frágeis.
— Sophie?
— Continue, Nick. Não pare. — Desejava que esse homem fizesse com ela tudo o que tinha
que fazer para convertê-la em uma mulher.
Enquanto ele abaixava sua calcinha com cuidado e a acariciava com os dedos entre as
pernas, Sophie não pensou no inadequado ou no pouco aristocrata que pudesse parecer Nick, pois
era o que ela tinha escolhido, e nisso seus pais não tinham nada a fazer.
Imaginava o sermão que seu pai lhe daria ou as recriminações que sua mãe lhe dirigiria. Não
obstante, assim que Nick começou a introduzir um dedo em seu interior, todo pensamento racional
desapareceu.
Aquele dedo largo e grande a estava acariciando por dentro, e ela o sentia em cada
terminação nervosa. Agora roçava um ponto que estimulava o interior do seu ventre e que a fazia
umedecer com muita rapidez.
— Sophie… É sua primeira vez, não é?
— Sim.
— E quer que seja comigo?
Ela assentiu com a cabeça, tentando prestar atenção às suas palavras em vez daquele dedo
intruso. Acaso a tempestade tinha minguado? Por que já não a escutava?
Nick não podia acreditar quão afortunado era ao receber a plena confiança dessa garota.
— Por quê? Por que quer que seja eu?
Ela passou a língua pelos lábios inchados e disse com simplicidade:
— Porque fez com que a tempestade desvanecesse. Sinto-me segura com você, Nick. E faz
anos que não me sinto segura com ninguém. E… gosto muito de você.
Ele sorriu e balançou a cabeça, deslumbrado por sua beleza e por aquela eloquente
honestidade.
— Eu acredito que ninguém gostou de mim tanto quanto você. — reconheceu sem poder
suportar a vontade de possuí-la. — Vai doer um pouco. —advertiu emocionado.
— Não me importa. Faça logo...

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Ele se pôs a rir de novo e se colocou entre suas pernas sem deixar de beijá-la e de massageá-
la por dentro. Sophie era muito receptiva e reagia a seu toque, umedecendo-se e contraindo seu
útero.
Abaixou a cueca e ficou nu sob a manta, e ainda por cima de Sophie, entre suas pernas.
Ela não podia vê-lo e não se atrevia a tocá-lo. Como era sua primeira vez, não sabia muito
bem o que era muito atrevido e o que não era. Mas sua curiosidade ganhou em sua temeridade.
— Deixa-me tocá-lo?
Nick apertou os dentes. Seus olhos dourados cintilaram com supremo interesse e excitação.
Se ela o acariciasse, no final gozaria em nada. Segurou-a pelo pulso e guiou sua mão à sua ereção.
Sophie entreabriu a boca e suas pupilas dilataram ao tocar carne dura, quente e suave, feita
de seda e aço. Era muito grossa, porque sua mão não podia rodeá-la por completo e palpitava.
Palpitava assim que o tocava.
— Dói? — perguntou.
Nick assentiu enquanto continuava estimulando-a com o dedo.
— É uma dor como a que tem entre suas pernas.
— Uma dor como de insatisfação? — sussurrou deslizando os dedos por seu comprimento.
— Oh, Deus, Nick… acredito que não vamos encaixar. É impossível que isso entre aí.
— Vai entrar. Quer que demostre?
Ao ver que ela estava disposta e que abria as pernas para ele, Nick colocou os cotovelos a
cada lado de seu rosto, encarcerando-a entre ele e o travesseiro. Com uma mão guiou seu pesado
membro à sua entrada, um pouco dilatada e muito escorregadia.
Colocou o prepúcio no diminuto orifício e empurrou os quadris para frente, sentindo como a
carne íntima se estirava, e com dificuldade e paciência conseguiu abrir caminho até dilatar sua
entrada e entrar. Sophie deixou escapar um uivo de dor ao sentir que aquela cabeça em forma de
cogumelo entrava em seu corpo. Ficou a tremer e a se mexer para acomodar seu peso e sua
inesperada fragilidade. Tinha a sensação de que ia parti-la em duas.
Nick se deteve e beijou Sophie até que ela começou a relaxar. Ainda não a tinha penetrado
completamente, e se empurrasse podia sentir o pedaço de carne impedindo sua posse total.
Precisava romper seu hímen.
— Faremos no três…
— No três?
— Sim. Um…
— Doissss… Argh! Filho da puta!
Nick ignorou seu insulto e aproveitou para se alojar até os testículos antes de dizer três. Ela
arranhou seus ombros e afundou o rosto em sua garganta. Santo Céu, como doía! Começou a chorar
e Nick, solícito e com muito tato, acalmou sua inquietação.
— Pronto, Sophie… — beijou-a repetidas vezes. — O pior já passou. Agora me moverei um
pouco e a dor irá desaparecendo.
— Disse que era no três. — reprovou.
Nick sorriu, morto de prazer e de excitação. Estava tão apertada e inchada que temia ejacular
com a primeira investida. Segurou-a pelo rosto, obrigando-a a olhá-lo.

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— Sophie, preciso fazer amor com você já… acha que pode aguentar?
Ela viu algo nos perfilados traços de Nick. Era desespero, permissão e um absoluto respeito
por ela. E gostou. Gostou tanto que a consultasse e que a considerasse que aproximou sua boca da
dele e começou a beijá-lo faminta de seus cuidados. Era óbvio que queria que fizesse amor com ela.
Estava desejando-o.
Nick tomou sua resposta como um sim, e começou a mover-se e a bombear em seu interior
sem remissão.
A sensação estava cheia de contradições. Dor e prazer, ardor e frio, dureza e suavidade…
Sophie gemia e Nick engolia seus gemidos, mordendo-os, lambendo-os e engolindo-os para ele
avidamente, deixando-se levar pelas novas e quentes sensações de um ato carnal como aquele.
E não com qualquer mulher, não. Com Sophie.
Na primeira vez que se viram todo seu mundo mudou, todos seus planos foram para o
espaço. O que acreditavam que desejavam desmoronou ao se verem. Ao se encontrarem.
Ao fazer amor, enquanto Sophie tinha seu primeiro orgasmo na sua primeira vez, em cada
cruzamento daqueles olhares âmbar e avelã selavam uma grande verdade.
Quão única existiria a partir desse dia: aquela seria a primeira vez de muitas.

CAPÍTULO 3

Nick se converteu no homem das primeiras vezes para Sophie. A primeira vez que se
apaixonava, a primeira vez que experimentava o desejo físico, e a ânsia de tocar e de ser tocada. A
primeira vez que conseguia ficar à vontade com alguém sem necessidade de se preocupar com sua
educação ou seus estritos protocolos. Era ela mesma, nem mais nem menos. E estava descobrindo
um mundo novo, um território inexplorado de sentimentos e sensações.
Aquele loiro com o qual dormiu de forma tão libertina no primeiro dia em que se
conheceram, era para sua incredulidade o homem de sua vida. Um desses homens de filme que
custava encontrar na vida real.
Um homem atento, atencioso, sensível, carinhoso e muito divertido. Escutava-a quando
falava e falava de tudo com ele. Não havia um só assunto que se negasse. Era bom estudante, tirava
notas muito boas em seu curso e era tão bonito que cada vez que o via os joelhos tremiam e um
sorriso tolo aparecia em seus lábios.
O que Sophie não sabia era que para Nick, ela também era sua primeira vez no amor. Nunca
tinha se apaixonado antes. Parecia que a amava a vida toda. Era uma sensação curiosa para alguém
que tinha decidido viver sozinho e sem companheira porque considerava que sua profissão não era
compatível para manter uma relação. E desde que viu Sophie já não podia imaginar a vida sem ela.

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Queria cuidar dela e venerá-la. Queria protegê-la do mal que ele sabia que espreitava anonimamente
na vida de todos, inclusive sem serem conscientes disso. Nick queria ser seu herói. Seu herói
mascarado, porque jamais saberia que ele se converteria em agente do FBI.
Em certa ocasião tinha falado disso com seu amigo Clint, que cursava a carreira de Línguas
Estrangeiras com ele e que também queria trabalhar no FBI.
Ambos queriam ser agentes secretos.
Naquele dia praticavam kickboxing na Academia Primal de Washington. Envoltos no aroma
dos tatamis e do suor dos corpos que ali se congregavam e davam o melhor de si mesmos, Nick
golpeava o saco com seus punhos, e de vez em quando combinava seus golpes com chutes
voadores. Seu amigo segurava o saco com força enquanto meditava sobre o que estava contando a
ele.
— Quando vai me apresentar a ela? — perguntou com interesse.
— Quando estiver seguro de que não dará um fora com a sua boca grande. — Deu um salto
e impactou a bolsa com a planta do pé.
Clint se pôs a rir.
— Nunca diria algo assim… Não quero ser o culpado do seu rompimento. — bufou —
Colega, quando ela souber vai cortar seu pau pela raiz.
Nick levantou os punhos onde usava luvas vermelhas de boxing Lonsdale, adotou a posição
de defesa e depois soltou um potente chute com o pé direito adiante. Puro suor cobria seus braços
musculosos e ombros, e a camiseta preta de alça estava totalmente ensopada, colando-se a seu torso
e marcando cada uma de suas formas.
— Por isso decidi não contar a ela.
— E acha certo que a pessoa em quem mais deve se apoiar jamais saiba quem é na
realidade?
— Claro que não! — Nick soltava murros com raiva.
É óbvio que não estava de acordo. Tampouco gostava daquela situação, mas encontrou uma
garota cuja família estava traumatizada pela perda de um ente querido cuja morte estava relacionada
com a lei e as armas. E evitavam qualquer contato com alguém com essas inclinações.
Ele, entretanto, sempre teve fixação por trabalhar para o FBI, como seu tio. Ainda recordava
os bate-papos e as aventuras que Dominic lhe contava quando chegava à sua casa de Chicago e se
reuniam todos ao redor da lareira só para ouvi-lo falar. Seu padrinho parecia tirar um grande peso de
cima quando chegava a hora de se encontrar com eles e de narrar suas experiências secretas em
países estrangeiros. Era como se decidisse tirar a máscara e ser ele mesmo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Eu gostaria de contar — admitiu Nick —, se soubesse que depois disso ainda gostaria de
continuar comigo. Mas não é o caso. Ela me deixaria. Sophie odeia tudo o que tenha a ver com
distintivos e números de identificação. Não posso lhe dar esse desgosto.
— Mas pode enganá-la?
Nick parou o exercício e olhou de frente àqueles olhos negros como carvão de Clint.
Sepodia enganá-la? O que podia responder a seu amigo? Nada, absolutamente. Pela primeira
vez, deixou ver a angústia que suportava guardar um segredo como esse durante mais de quatro
meses. Sempre tentava aparentar uma expressão de calma e leve alegria. Mas desta vez não. Seus
olhos ambarinos escureceram com pensamentos culpados e cheios de recriminações.
— Não é fácil, Clint. — explicou esgotado. — Não é fácil esconder que já estou graduado
em Criminologia, e que estou estudando Línguas Estrangeiras para ter uma melhor preparação em
Assuntos Externos. Não é tão simples não dizer a ela qual é o meu verdadeiro sonho. Para mim não
é fácil mentir. Mas Sophie… ela… — ficou em silêncio e deu um último murro sem força contra o
saco, como estivesse se sentindo abatido.
Clint deixou de julgá-lo e decidiu agir somente como o que era: um de seus melhores
amigos. Nick estava inquieto e arrependido.
— Deve amá-la muito para se arriscar desse modo.
Nick levantou o queixo, e sem vergonha, confessou:
— É como o brinquedo que sempre desejei desde pequeno e que nunca tive porque era
inalcançável para mim. — reconheceu — Estou tão apaixonado por ela que às vezes me esqueço de
pensar em mim.
Clint sentiu uma pequena espetada de inveja com respeito a Nick, que era capaz de amar
alguém desse modo. E também o admirou por sacrificar tantos segredos e pensamentos, tudo para
tentar que aquela relação funcionasse.
Era incrível que esse enorme rapaz loiro de aspecto inacessível pudesse parecer tão frágil
quando se tratava de sua relação com aquela mulher.
Era incrível… e um milagre da vida, pensou com satisfação. Se Nick podia apaixonar-se, ele
também o faria algum dia, não?
Só tinha que esperar sua Sophie. Enquanto isso seria o maior confidente de Summers,
porque era isso que faziam os amigos. E ele era o melhor amigo de todos.

***

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Viam-se absolutamente todos os dias, não perdoavam nenhum dia no calendário. Nick deu-
lhe uma cópia das chaves de sua casa, que se converteu em seu ninho particular de luxúria e
libertinagem.
Durante as tardes, quando terminavam suas respectivas jornadas de estudo, reuniam-se em
Gary Road. Sophie passava quase todas as noites ali, tinha perdido a vergonha e o decoro por
completo, e sabia que cedo ou tarde,o senhor Lesson informaria a seu pai daquela conduta. Não fez
isso antes porque o homem pegou uma licença médica muito longa depois que operou o joelho
esquerdo.
Mas já tinha retornado. E sabia que ia atrás de seus passos, esperando informar aos Ciceroni
sobre as mudanças na vida de sua filha.
Entretanto, até que isso não acontecesse, ela não lhes diria nada sobre Nick. Não gostava de
escutar os sermões elitistas de seus pais. Tinha decidido que ficaria com Nick. E ponto.
Ambos descobriram que adoravam sexo. Divertiam-se, apreciavam-no. Para eles, fazer amor
era como comer uma enorme travessa de morangos com creme ou uma tigela de banana com
chocolate derretido… Puro gozo. Sentiam-se seguros, confidentes e cúmplices na cama. E fora dela
se converteram em melhores amigos.
Muitos casais procuravam seu espaço a princípio e dispor de tempo para fazer tudo o que
faziam quando ainda não compartilhavam nada com ninguém. Não era o caso deles. Não
encontravam pessoa melhor com a qual passar o tempo do que na companhia um do outro.
Às vezes Sophie o esperava nua, sentada na bancada da cozinha e sorria brincalhona quando
ele entrava. Em outras ocasiões, seus encontros eram explosivos e desmedidos: era se ver e arrancar
a roupa um do outro, inclusive antes de entrar em sua casinha, surpreendidos pela mesma ânsia.
Podiam fazer amor rápido ou lento, com mais intensidade ou com menos, com doçura ou
com um pouco de selvageria. Não importava, porque o maravilhoso final era sempre o mesmo.
— Fogos de artifício. — dizia Nick sepultado tão dentro do corpo dessa garota que parecia
incrível que não a machucasse.
Sophie se balançava lentamente, ainda desfrutando do reflexo do orgasmo potente. Mordeu
seu lábio inferior e sorriu maravilhada.
— Cada vez é melhor que a anterior… Se isso for possível. — grunhiu ela desabando pra
frente, depois de ter espremido até a última gota de energia de seu homem.
Dalton descansava sentado sobre suas patas no tapete aos pés da cama, mordendo um frango
de borracha. O golden já tinha um ano e uma compleição de cão adulto, mas para eles continuava
sendo um cachorrinho.

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— Se Dalton falasse… — Nick levou o antebraço aos olhos enquanto acariciava com a outra
mão livre as costas suadas de sua garota.
Sophie sorriu e beijou seu ombro.
— Graças a Deus jamais falará.
O cachorro levantou a cabeça e choramingou como se soubesse que falavam dele, mas ao
ver que não diziam nada de interessante como “rua”, “comida” ou “brincar”, distraiu-se de novo
com seu entretenimento.
— Aproximam-se as férias de Natal. — disse Nick, pensativo.
Ela permaneceu em silêncio.
Odiava separar-se de Nick. Já tinha feito no verão e os dois encurtaram o período de férias
com suas respectivas famílias só para poderem estar juntos o quanto antes. E o verão um ao lado do
outro foi maravilhoso.
Depois iniciaram os novos cursos com normalidade. O tempo passava tão depressa quando
estava com as pessoas que amava…
— Não acha que é hora de falar com seus pais sobre mim?
Concordaram em não falar de sua relação com os pais dela, já que não queriam nem ouvir
falar de relações enquanto cursava seus estudos. E muito menos saber que estava com um homem
que se afastava tanto de suas pretensões.
Sophie apoiou os antebraços no peito do Nick e depois descansou o queixo sobre eles.
— Não quero escutar suas tolices. É minha vida e faço o que tenho vontade.
Nick não ia contradizê-la: isso era uma grande verdade. Mas os pais de Sophie sempre foram
uma grande influência em sua vida, e isso era algo que não se podia mudar. Não queria que sua
relação com eles rachasse por sua culpa. Por outro lado, era um homem de honra e desejava olhar
nos olhos de seu pai, Carlo, e dizer a ele quão apaixonado estava por Sophie, e o bem que ia tratar a
sua princesa, como eles a chamavam.
Sabia que poderia fazê-la feliz.
— Esta situação me deixa nervoso. É como se estivéssemos fazendo algo errado. — Cravou
os olhos no teto escuro do quarto. Já tinha anoitecido. — Me sinto como um ladrão.
Sophie arqueou suas sobrancelhas negras e sorriu como uma embusteira.
— É um ladrão. O pior de todos. Arrebatou minha inocência e a vergonha.
— A primeira eu não nego. A segunda é absurdo, porque nunca teve vergonha. Seus pais
acreditam que têm a uma menina angelical, mas na realidade é a semente de Satanás.
Sophie beliscou com força o mamilo de Nick, retorcendo-o. Nick soltou uma gargalhada,
rodou sobre a cama e a colocou sob seu corpo.

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— Merece um castigo.
— Uh, que medo. — disse sem quase expressividade. — É incapaz de matar a uma mosca.
O que seria capaz de fazer a mim?
Os olhos de Nick escureceram e um brilho diabólico apareceu em suas pupilas.
— Então acha que sou um fraco?
Sophie negou com a cabeça e levantou uma mão para pousar os dedos em sua bochecha.
— Não é fraco. Só é muito bom.
— E você gostaria que eu fosse mais mau?
— Amo você, Nick, tal como é. Não mudaria nada em você.
A resposta o satisfez. Sentia-se mais do que satisfeito por ser o centro desse amor tão puro.
Queria deleitar-se de novo com seu corpo. Enquanto a olhava, perguntou a si mesmo se alguma vez
se cansariam de transar como coelhos.
— Quer outra vez, Sophie? — perguntou impulsionando seus quadris e entrecerrando os
olhos com prazer. — Está tão úmida aí embaixo que estou ficando excitado só de notar.
Ela arregalou os olhos ao sentir sua dureza introduzir-se em toda sua profundeza. Rodeou
seus quadris com as pernas e assentiu com prazer.
— Eu sempre quero mais de você.
Quando se beijaram e Nick começou a mexer seus quadris de novo, Dalton saiu disparado ao
escutar a música do telefone de Sophie vibrar acompanhado da letra de Mamma mia.
Ambos levantaram a cabeça e Sophie estendeu o braço para a mesinha de noite da cama. Pôs
o indicador sobre seus lábios e indicou o Nick que ficasse em silêncio.
— Ciao, mamma.
— Sophie, onde está?
— Diga a ela que venha ao campus imediatamente… — ouviu seu pai dizer.
Sophie franziu o cenho ao escutar aquela frase.
— Mamãe? O que acontece? Onde estão?
— Venha. — disse Carlo.
Sophie olhou aterrada para Nick enquanto escutava o som de um telefone passar de uma
mão para outra. Em seguida, chegou o fim do mundo.
— Princesa, diga-me já onde está. Temos que conversar.
— Papai?
— Nem papai nem papo, querida. Quero que me explique por que desde que chegou de
Nova Orleans não dorme em seu apartamento. Venha aqui agora mesmo.
Sophie fechou os olhos e esfregou a testa com desgosto.

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— Maldito Lesson, bocudo… — disse com raiva.


— Como? — exclamou seu pai.
Nick morria de vontade de arrebatar o telefone das mãos dela e se apresentar a seu pai. Mas
se fizesse isso, as consequências para Sophie, que odiava que fizessem as coisas sem perguntar a
ela, seriam desastrosas.
— Vou agora, papai. Somente…
Nick não suportou que enfrentasse o problema sozinha. Não queria parecer um covarde
frente a Carlo e Maria, a mãe de Sophie, assim, sabendo que trapaceava com ela, arrancou o
telefone das suas mãos.
— Senhor Carlo.
— O que acha que está fazendo, Nick? — disse subindo nas imensas costas de Nick e
dando tapas nele para que devolvesse seu telefone.
— Sou Nick Summers.
— Quem diabos é você?
— Convido-os para jantar, a sua mulher e você, em minha casa. Venham e Sophie explicará
tudo para vocês. Tenho muita vontade de vê-los.
Sophie agarrou a bota de Nick e a lançou na cabeça dele, mas ele se agachou e se esquivou
dela. Como odiava seus reflexos. E quanto desejava arrancar seus dentes pelo que acabava de fazer.
— Não sei quem diabos é. Mas não é apenas Sophie quem terá que me explicar coisas,
entendido? — esclareceu Carlo — Se souber que tocou em um só fio de cabelo da minha
princesa…
— Carlo! — escutou Maria gritar.
“Muito tarde, senhor Carlo”, pensou acidamente.
— Conversaremos, senhor Ciceroni. De homem para homem.
— Me devolva o telefone, cretino! — exclamava Sophie, que agora o perseguia ao redor da
mesa da cozinha. — Ficou louco? Você não tem nem ideia de quem é meu pai!
— Certo, senhor Summers. — respondeu Carlo. — Dê-me seu endereço.
Nick deu e combinaram que se veriam em sua casa em uma hora. Quando desligou, não foi
o suficientemente rápido para esquivar o corpo de Sophie, que se equilibrou como uma gata
selvagem nele. Deitou-o sobre o piso e o agarrou pelo cabelo.
Nick só fazia rir. Como gostava quando Sophie ficava briguenta. Embora entendesse seu
aborrecimento.
— Meu pai é um nazista, compreende? Acaba de estragar nosso relacionamento! — gritou
com ele, vermelha pela fúria.

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— Não é para tanto, Sophie. Só é um homem preocupado com sua filha. Solte meu cabelo.
— Você é tolo! Sabe o que é a máfia italiana? — Empurrou-o pelos ombros. — O Padrinho
não é ninguém ao lado do meu pai. — Abaixou a mão para seu estômago e o beliscou com força.
“Posso fazer uma ideia”.
— Não será para tanto. Deixa de me beliscar ou…
— Ou o que? — desafiou-o repleta de bravura.
— Ou isto. — Nick agarrou seu mamilo nu e o apertou. Sophie soltou um grito de dor e
risada ao mesmo tempo. — Vai me escutar, fera?
— Vá à merda. Agora mesmo o odeio… Ah… Não aperte tanto, animal…
— Me escute: vamos ficar bem. Deixa o jantar em minhas mãos. Entendido?
Sophie demorou vários segundos para relaxar, até que no final, os olhos dela se encheram
de lágrimas e cobriu o rosto com as mãos.
Nick não podia compreender o poder de persuasão que podiam chegar a ter os membros de
sua família.
— Se por isso meus pais me separarem de você, juro que o mato.
Nick a agarrou e a colocou sobre as pernas, abraçando-a com ternura.
— Conquistarei seus pais, Sophie, embora saiba que sou o último que queiram para sua
filha. Mas os conquistarei.
— Não me importa se o escolham ou não. Eu já te escolhi. — disse com aquela paixão que
impulsionava o sangue italiano que corria por suas veias. — O que não suporto é que o julguem,
entende? Não quero que aconteça! — espetou nervosa.
Nick sentiu um imenso amor por aquela mulher. Sophie não temia que ele ficasse em
ridículo, mas sim que seus pais de algum jeito lhe fizessem mal. Ergueu o queixo dela com
suavidade e jurou:
— Seus pais jamais poderão me separar de você. Nada nem ninguém pode me separar
daquilo que quero, entendido?
— Oh, Nick…
Abraçou-o com força e se pôs a chorar, aflita.
Depois de meses idílicos, chegava o primeiro contratempo em sua relação, algo que o
destino não podia esquivar.
Maria e Carlo Ciceroni estavam em Washington e tinham chegado com vontade de brigar.

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CAPÍTULO 4

Quando Nick viu pela primeira vez os Ciceroni, soube que dificilmente poderia ganhar
alguma vez seu favor, a não ser que por trás de seu sobrenome se escondesse um império tão grande
como o deles.
Um império. Uma fortuna. Um reino. Uma herança suculenta.
Mas Nick não tinha nada disso, nem muito menos dispunha da altivez ou da vaidade dos
Ciceroni, porque simplesmente não tinha nada material do que podia alardear.
Os pais de Sophie pareciam distintos aristocratas, quase reis em um mundo de plebeus. E
ele, precisamente, aparentava ser o rapaz dos estábulos que preparava o selim dos cavalos para sua
filha: sua princesa.
Não obstante, embora o invadisse certo desconforto ao ver como o Jaguar negro conduzido
por um chofer estacionava em seu humilde jardim de cerejeiras, e ao comprovar que Carlo e Maria
vestiam roupa cujo custo superaria com diferença o que ele e qualquer pessoa comum podiam
ganhar em um mês, decidiu que não se submeteria a seu poder, que não se ajoelharia ante ninguém,
jamais. Os Ciceroni intimidavam aqueles que temiam ao dinheiro e que lhe davam muita
importância. Nick não era um desses.
Carlo tinha o cabelo penteado para trás e grisalho. Recordava Marlon Brando mais magro.
Seu terno muito caro estava coberto por um longo sobretudo de grife. Pisou no jardim com medo
que seus brilhantes sapatos se sujassem.
O cabelo ondulado e castanho avermelhado de Maria estava perfeitamente penteado e sua
maquiagem não tinha nenhuma imperfeição. Seu casaco marrom com gola de visom lhe conferia
um porte especial e certa distinção.
Maria levantou o olhar castanho, como o de sua filha. Com aqueles olhos que pareciam
sorrir sempre, analisou o que havia a seu redor.
“Porra, não corto a grama há duas semanas”, pensou Nick.
Maria leu seu pensamento e fez uma leve careta ao estudar a altura da grama, embora
pareceu sorrir com agrado assim que estudou as flores de sakura dispostas sobre a tapeçaria
esmeralda.
Quando Dalton se aproximou para cheirá-la, acariciou a cabeça dele com suavidade e
dedicou a ele umas palavras carinhosas, diferente de Carlo, que parecia querer arrancar a cabeça de
alguém. Nick pensou que certamente seria a sua.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Dissimulou um sorriso. Maria e Sophie eram parecidas, embora sua mãe tivesse a
maturidade, a tranquilidade e a segurança de saber quem era, e Sophie… Deus, sua Sophie a
comeria a beijos. Ela se deixava levar por seu coração, sem prestar atenção se o que vivia era o
melhor ou não para ela. Sem se importar com o quanto seu status social pudesse ser diferente do
dele. Embora Nick esperasse demonstrar a ela que nada nem ninguém poderia lhe dar mais
felicidade que ele.
Sophie, perfeitamente vestida e maquiada como se uma hora atrás não estivesse se
entregando nua, colocou-se a seu lado e entrelaçou seus dedos pálidos com os dele. Nick abaixou a
cabeça para lhe transmitir tranquilidade.
Ela engoliu em seco e olhou para frente.
— Papai, mamãe. — saudou-os tensa.
Carlo e Maria caminharam até o alpendre como se fossem os juízes da vida e da morte.
Detiveram-se nas escadas e os olharam, recriminando-os abertamente por sua atitude.
— Não entendo nada, Sophia. — disse Carlo. — Nada absolutamente. Estou pagando a
universidade e o campus para isto? — Apertou os dentes sem perder a educação. — Para que…
vagabundeie com este… rapaz?
Maria piscou com solenidade.
— Acredito que é melhor que venha conosco, querida.
— Meu nome é Nick Summers.
— Encantada, Nick. — Maria sorriu, embora o sorriso não chegou desta vez a seus enormes
olhos. — Mas temo que Sophie deva vir conosco…
“Sério?”
— Eu me dei o trabalho de lhes preparar o jantar. — interrompeu-os Nick, encarando-os
com seus olhos amarelos e sossegados. — Vão rejeitar meu convite? Isso não ficaria bem, não
acreditam?
— O que não está bem é se aproveitar dela. — assinalou Carlo dando um passo à frente.
— Nick não se aproveitou de mim. — respondeu Sophie indignada e agarrando-se ao braço
de Nick. — Eu me aproveitei dele!
Nick apertou os dedos dela com ternura e reprimiu uma gargalhada.
— Silêncio, Sophie. — repreendeu-a Maria.
— Por que não entram e conversamos um pouco? Sophie…
— Não se chama Sophie. Chama-se Sophia. — cortou Carlo.
— Ele pode me chamar como quiser, papai.
— Sophia! Mas… o que há com você? — Sua mãe estava horrorizada ante aquela atitude.

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— Chama-se maturidade, mamãe.


Nick mostrou um sorriso indulgente ante o tom do pai de Sophie. Se tivesse que chamá-la
Sophia diante deles, faria isso. Mas quando não estivessem, seria sua Sophie.
— Por favor, eu gostaria que aceitassem meu convite. Entrem e vamos conversar. Tinha
muita vontade de conhecê-los.
Carlo apertou os lábios e lhe devolveu um olhar menos sereno que o dele. Mediu-o e o
analisou como um homem a mais: alguém interessado no dinheiro de Sophie, por sua fortuna e seu
sobrenome; alguém a quem não importava nem a fragilidade, nem a vulnerabilidade, nem o
esplêndido coração de sua filha.
Deu muita raiva que Carlo o avaliasse assim, embora compreendesse que era um pai
preocupado com sua filha e que só via que ela estivesse se beneficiando.
— Sei cozinhar, senhora Ciceroni. — assegurou Nick, desdobrando seu encanto.
Carlo era difícil, mas tampouco ganharia Maria com facilidade. Mesmo assim tentaria.
Quando o senhor Ciceroni ia soltar um impropério, Maria o deteve pelo braço e o
tranquilizou com só umas palavras.
— Está bem, Carlo. Vamos jantar com eles. Não quero montar um espetáculo aqui fora.
Além disso, desde o verão não vejo Sophia e eu gostaria muito de falar com ela. Talvez assim
poderá nos explicar por que razão nos escondeu que estava passando as noites fora do campus.
— Obrigada, mamãe. — Sophie se afastou e abriu a porta da casa para que seus pais
entrassem.
Nick esperou que Carlo Ciceroni passasse na frente e fixou seus olhos brilhantes e cheios de
raiva em seu cangote.
Ele não era um entretenimento das noites de sua filha.
Era seu namorado.
Era seu companheiro.
Estavam loucos se acreditavam que renunciaria à luz de Sophie só por que eles proibiam.
Um abajur de pé curvado iluminava o centro da mesa que Nick tinha disposto perfeitamente
com a ajuda de Sophie. Ela tinha comprado uma baixela nova de cor violeta, toalhas de mesa e
guardanapos combinando.
Inclusive puseram umas velinhas no centro para tornar tudo mais acolhedor.
Dalton dormia em sua casinha no vestíbulo interior, justo ao lado da porta do balcão do
quarto de Nick. Não queria que o cachorrinho fizesse espetáculo de suas poucas maneiras, por isso
o mandou descansar, não sem antes lhe dar um bom osso para roer.

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Nick serviu uma salada italiana que ele mesmo tinha temperado e uma lasanha de carne
para seis pessoas que Sophie o ajudou a preparar durante a tarde. Ao menos, a visita de seus pais
não os pegou com a geladeira vazia e o forno frio.
Sentados os quatro ao redor da mesa, a tensão se podia cortar com uma faca. Quando Maria
provou a lasanha, sorriu para si mesma e fechou os olhos com prazer. Sabia perfeitamente que tinha
o toque de Sophie, não havia dúvida alguma: sua filha cozinhava como os anjos.
Nick tentou romper o gelo várias vezes, perguntando a eles como foi a viagem e
interessando-se por sua vida em Nova Orleans, mas depois que Carlo respondeu “isso não é algo da
sua conta”, preferiu manter silêncio, com a esperança de que Sophie acalmasse os ânimos.
— Sinto ter escondido de vocês meu relacionamento com Nick. — disse ela finalmente.
— Seu relacionamento com Nick? — repetiu Carlo com seus olhos negros fixos nela. — O
seu relacionamento com Nick não existe, compreende?
A jovem piscou e um fulgor avermelhado atravessou suas pupilas. Nick sabia que estava a
ponto de explodir e protestar contra eles.
— Nick é meu namorado, papai, você goste ou não.
— Nick é somente um capricho passageiro. — sugeriu Maria. — Já sabe que ele não
encaixa em sua vida, nem na nossa…
— Nick está aqui. — interrompeu Nick, aniquilado com a frieza dos Ciceroni. Mas o que
pensavam que eram? Que podiam falar dele como se não estivesse presente?
— E desde quando as pessoas são peças de quebra-cabeça para que tenham que encaixar ou
não? — replicou Sophie avermelhando de raiva. — Esta é a minha decisão e não podem fazer nada
para mudá-la.
Carlo limpou a boca com o guardanapo e o lançou sobre o prato vazio de lasanha.
— Já tive o suficiente. Passei quase dois anos me encarregando de sua educação, e toda
uma vida cuidando de você para que agora fique rebelde e escolha mal.
— Obrigado, senhor. — comentou Nick, irônico. — Mas não acredito ser uma má escolha
para sua filha. Eu a amo.
— Rapaz — Carlo entrelaçou os dedos e se inclinou para Nick —, por acaso não
compreende que ela joga em uma liga que você não pode chegar?
Nick fechou a boca e olhou para Maria e para Carlo com estupefação.
— Seu dinheiro não me importa, se está se referindo a isso. Há pessoas que não dão
importância a essas coisas e que podem viver felizes sem necessidade de luxos.
— Nick vai se especializar em Línguas Estrangeiras com registro. — defendeu-o Sophie. —
Talvez não proceda de uma família rica, mas isso não influi nem a ele nem a mim.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Mas a nós sim. — assegurou sua mãe olhando-a com reprovação.


— Por acaso quer esta vida? — perguntou Carlo desdenhando tudo o que havia nessa sala.
— Porque isso é o que terá se continuar adiante com esta loucura infantil de amor adolescente. O
que faz um homem de vinte e quatro anos estudar o segundo ano de Línguas Estrangeiras? Acaso
foi um folgado que não fez nada assim que se graduou no ensino médio?
— Papai! — gritou Sophie.
— Sophie. — Nick pediu que ficasse em silêncio com um olhar. — Lamento não ter pais
que puderam me pagar a universidade e a estadia como vêm fazendo com sua filha. — defendeu-se,
odiava a magnificência de seus, até o momento, sogros.
Estava mentindo, porque graças a seu esforço já tinha uma graduação e também uma casa
própria em Washington, que lhe tinha legado seu tio, entretanto não podia reconhecer isso. Não ante
eles. Acabariam desprezando-os ainda mais se dissesse que seria agente do FBI.
— A isso me refiro. — destacou Carlo — Você nunca poderá dar essa vida a minha filha e
ela sempre vai querer mais. Merecerá mais. Você dará a ela a vida que merece?
— Desvaloriza sua filha, senhor. — Nick não hesitou em não piscar quando o enfrentou. —
Sophie é mais que aparência e dinheiro; muito mais que superficialidade e riqueza. Ela não se
importa com essas coisas.
— Não somos superficiais, Nicholas. — replicou Maria. — Só queremos o melhor para
nossa menina. Está acostumada a uma série de… privilégios que você não pode aspirar. Agora tudo
é muito bonito, é o começo. Depois ela vai se cansar.
Sophie enquanto isso cobria o rosto com as mãos, envergonhada pela situação.
— Não vou me cansar. — murmurou incrédula.
— Sophie — Carlo tomou a mão de sua filha —, volte para o campus conosco, esqueça
disso e acorde. Esta não é a vida que eu quero para você. Não é a vida que você planejava. Nicholas
não poderá cuidar de você.
— Não me chamo Nicholas. — interrompeu — Meu nome é Nick.
Carlo o olhou de soslaio e apertou os dentes com frustração.
— Papai, amo Nick. Ele me faz feliz. Não compreende isso? Faz quase um ano que me faz
feliz. — Sophie cobriu a mão de seu pai com a sua. Olhava-o com tristeza, desiludida porque os que
mais a amavam não podiam compreendê-la.
— Querem café? — perguntou Nick — Ou talvez prefiram um chá? —levantou-se disposto
a servi-los de novo.
Maria negou com a cabeça. Carlo, em troca, voltou a olhar para Sophie com um tom entre
súplica e ameaça.

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— Vai cometer um erro, querida. Em Nova Orleans, em nosso círculo, há homens bons para
você.
— Não me insulte, papai. — pediu ela.
— Não a insulto, Sophia. Mas se seguir adiante, vai me decepcionar. Estou pagando sua
graduação para que saiba como conduzir nosso negócio, não para que se distraia com rapazes que…
— Não me distraio. Meus estudos vão muito bem. E já te disse que minha intenção é criar
minha própria empresa.
— Ainda continua com isso?
— É óbvio. Não quero conduzir o negócio da família. Quero uma coisa que eu mesma tenha
criado.
Maria abaixou a cabeça como se já tivessem ditado a sentença. Carlo se levantou e tomou ar
pelo nariz. Seu peito largo se levantou e seu queixo endureceu, altivo.
— Andiamo, Maria. — disse urgindo a sua mulher para que abandonassem a casa.
— Papai, por favor, não vão assim. — rogou Sophie preocupada, à beira das lágrimas. —
Por que não pode me apoiar nisto?
— Não vou animá-la a que se atire por um precipício. — sentenciou Carlo. — Nem apoiá-la
nisso.
— Carlo, espera… — pediu Maria, nervosa.
— Se é isto o que deseja, Sophia, não vou te dar minhas bênçãos nem minha ajuda. Este é o
último mês que pago sua estadia no campus e sua especialização. A partir de agora terá que ficar por
conta de suas decisões.
Ela piscou incrédula diante do que ouvia. Seu pai acabava de dizer que não a ajudaria mais.
Tirava seu apoio, embora aquela não fosse sua maior traição. Sua maior traição era não
apoiá-la no caminho que tinha tomado impulsionada por seu coração.
— Vamos, Maria. — voltou a ordenar, Carlo.
— Querida. — disse sua mãe aproximando-se de Sophie. Apoiou as mãos em seus ombros e
limpou as lágrimas de suas bochechas. — Pensa bem no que vai fazer. Sabe que papai é de ideias
fixas e que quando toma uma decisão…
— Está de acordo com ele? — cortou-a Sophie de repente. — Acha que não posso ser feliz
com Nick?
Nick olhava aquela cena com incredulidade debaixo do umbral da cozinha, apoiado na
parede. Sophie era uma mulher adulta. Por que não deixavam que tomasse suas próprias decisões?
Por que a pressionavam desse modo?

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Nick não podia evitar que sob a altivez e o poder desse casal, marcou-se a fogo em seus
olhos a tragédia de ter perdido um filho. Podia ser simpático nesse sentido e compreender o medo
de perder o controle sobre sua filha, o medo que voasse do ninho e que alguém a machucasse sem
que eles pudessem evitar. Talvez vissem o desafio de Sophie como mais outra perda. Por isso os
afetavam tanto e se opunham àquela relação.
A questão era que esse primeiro encontro com os Ciceroni não fora de jeito nenhum como
ele tinha imaginado. Foi pior.
— Eu gostaria de falar com você. — Maria penteou sua franja com carinho e sorriu
nervosa. — Você nos ocultou coisas e…
— É óbvio que fez isso. — acrescentou Carlo, beligerante. — Já estava com ele nas férias
de verão, por isso partiu antes… nos enganou.
— Omiti uma informação, papai. Diga, mamãe — insistiu, centrando-se em sua mãe —,
está de acordo com ele? Acha que Nick é mau para mim?
— Não acredito que Nick seja um homem mau. Mas não é o adequado. —reconheceu com
honestidade. — É muito diferente de nós, não se dá conta?
— No que me diz respeito, se tomar esta decisão, já sabe o que há. —sentenciou seu pai.
Foi ao cabide da entrada e pegou seu sobretudo e o casaco de sua mulher. — Ou vem conosco ou as
coisas deixarão de ser como foram até agora. — ameaçou.
— Sophia, por favor. — suplicou sua mãe. — Nos acompanhe e converse conosco. Não
fique aqui…
Nick engoliu em seco, angustiado pela decisão de Sophie cuja cara era impagável,
transbordante de nervosismo e tristeza. Não sabia o que fazer nem qual era a melhor decisão a
tomar.
Não queria perder seus pais. Mas tampouco Nick.
E ele não queria perder Sophie e lhe dava medo a terrível pressão a que a submeteriam.
Em um alarde de valentia, aproximou-se de Sophie que tremia de ansiedade e a segurou
pela mão, para que prestasse atenção nele.
— Sophie. — Olhou-a nos olhos, transmitindo a calma e a segurança que precisava. —
Acompanhe seus pais e passe esta noite com eles… Você e eu falaremos amanhã.
— Mas, Nick… — Seus olhos castanhos cheios de lágrimas brilhavam pelo impacto. — Eu
quero ficar com você.
“Por Deus, quanto é bonita”, pensou agradecido e sentindo-se afortunado.
— E ficará comigo se essa for sua decisão. Ninguém pode mudar o que sente, não é
verdade, Soph?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Não.
— Bem. Gosto assim. Mas não pode brigar com seus pais por mim. Eles também a amam.
Maria escutou Nick com atenção e piscou, confusa e assombrada por suas palavras, embora
não demorou para dissimular.
— Vou com eles, mas amanhã estarei aqui. Tenho que arrumar isto e fazê-los ver que é bom
para mim.
Nick balançou a cabeça. Ele sabia que alguém que não queria ver a realidade e que
antepunha sua opinião a dos outros, dificilmente poderia mudar de opinião.
E era uma lástima. Porque ele não seria mais um. Seria um importante agente secreto do
FBI. De fato, era impossível que Sophie estivesse melhor protegida que com ele.
Porém os Ciceroni temiam os distintivos, Sophie o tinha advertido. E aquele seria um
segredo eterno entre eles.
Nick estava disposto a arriscar-se pela mulher por quem estava apaixonado.
— Faz o que você achar conveniente, Sophie. Eu a amo muito para te dizer o que deve
fazer.
Sophie encostou sua testa à dele e acariciou seu queixo com a ponta de seus dedos.
— Watashi wa anata o erabu. — Essas eram as palavras que Nick lhe tinha ensinado em
japonês. Cada noite ensinava a ela algumas frases e palavras, e no dia seguinte as recordavam. —
Tsuneni.
Nick quis sequestrá-la e levá-la ao seu quarto para protegê-la da forma ruim que seus pais a
estavam tratando, da crueldade da vida. Mas devia deixá-la voar e permitir que decidisse por si
mesma, coisa que nem Carlo nem Maria lhe permitiam fazer sem coagi-la.
Sophie era livre. E se seu coração pertencia a ele, voltaria para ele.
— Tsuneni. — repetiu ele, beijando-a no nariz. — Agora vá com sua mãe.
Sophie assentiu, fungando, humilhada pela cena que aconteceu entre ela e sua família.
Maria a cobriu com seu casaco e a acompanhou à saída, mas antes de sair da casa virou a
cabeça e olhou Nick por cima do ombro.
— Obrigada, Nicholas. A lasanha e a salada estavam muito boas.
Ele assentiu diligentemente com a cabeça.
— Não há de que, senhora Ciceroni. Cuidem de Sophie.
— Sempre fizemos isso.
— Sei. E meu nome é Nick. Não é Nicholas. — insistiu
Maria sorriu e estreitou os olhos.
Depois fechou a porta atrás delas e deixou Nick em uma solidão estranha e desconhecida.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

De pé, só e um pouco aturdido, sentiu que por um momento a dúvida e o medo se abateram
sobre ele.
E se Sophie decidisse, como diziam seus pais, que não era bom para ela?
Deixou-se cair sobre uma das cadeiras. Essa noite a confiança e a credibilidade que tinha
depositado na coragem de Sophie minguaram por seu momentâneo abandono e pela inflexível
intransigência de seus pais.

CAPÍTULO 5

O interior do Jaguar era tão cômodo como não era a companhia. Sophie estava sentada no
meio de seus pais tão rígida como um pau.
A severa contração na expressão de Carlo a afetava, tanto como o compreensivo silêncio de
Maria.
O chofer conduzia sem deixar de olhar para frente. O senhor Cole estava há muitos anos
com eles, por isso levantou o olhar e sorriu através do retrovisor animando-a a fazer o mesmo.
Entretanto, Sophie não tinha motivos para rir.
— Vamos deixá-la no campus. Dormirá lá esta noite e todas as seguintes. — ordenou Carlo
— Vai deixar de sair com esse rapaz. Quero que se concentre em seus estudos. É o melhor.
As luzes altas de um carro os deixaram parcialmente cegos, mas serviu para tirá-la de sua
letargia e a fez reagir.
— Não.
— Como diz? — replicou Carlo.
— Estou dizendo não. — respondeu com brutalidade. — Não pode me obrigar a deixar de
amar alguém só porque não tem uma conta com muitos zeros.
Os lábios de Carlo se curvaram convexamente.
— Você não ama esse rapaz…
— Estou apaixonada por ele. — afirmou, levantando a cabeça para olhar seu pai. — Sabe o
que é o amor, papai?
Carlo e Maria olharam um para o outro sem saber o que dizer.
— Claro que sim. Não diga tolices.
— Não são tolices! — gritou Sophie — É a melhor pessoa que conheci em toda minha
vida! E o amo! Não vou deixar de vê-lo!
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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Carlo fechou um de seus punhos sobre seu joelho.


Maria observou sua filha mantendo a compostura. Sophie parecia mais velha, toda uma
mulher. Tinha crescido desde que vivia sozinha em Washington. Como mãe, já tinha percebido
certas mudanças quando esteve na Louisiana no verão. Mas agora essas mudanças se acentuaram.
Sempre foi corajosa e atrevida, mas agora essas características estavam reforçadas por uma nova
segurança.
Nick tinha dado a ela essa segurança? O amor ao que ela tão apaixonadamente fazia
referência?
— Advirto-a, Sophie. Se continuar com ele… deixo de pagar sua graduação. Não quero
manter alguém que vive à custa dos outros.
— Nick jamais faria isso. — grunhiu ofendida — Não é um parasita. Nem eu tampouco.
Assim que puder começar a trabalhar, pode se esquecer de me dar um só centavo mais.
— Por favor, Carlo… Não levemos as coisas a esse ponto. — sussurrou Maria,
compungida. — Sophie é nossa filha e dissemos que daríamos a ela o melhor.
— Jogou fora o dinheiro que dei para sua moradia no campus só para se deitar com ele.
Assim valoriza a educação que lhe damos. Qual era o pacto que fizemos antes de partir da
Louisiana? — perguntou; sentia-se traído.
— Se for isso que o ofende, assim que puder te devolverei. — respondeu Sophie com
aspereza.
— Não, Sophie. Repita qual era o pacto.
Ela olhou para outro lado, envergonhada por como estavam lidando com ela.
— Combinamos que eu estudaria e que me concentraria somente em minha carreira. Nada
de rapazes. Nada de namorados.
— Exato. E me deparo com o fato que há muito tempo já não dorme no campus, mas sim
com ele!
— Papai, o que quer que faça? Eu me apaixonei! — defendeu-se.
Carlo falou com os dentes apertados:
— O que quero é que conclua a graduação, esqueça-se de namoricos e volte para a
Louisiana para trabalhar comigo. Isso é o que quero. — concluiu
Sophie aspirou pelo nariz e um músculo de impotência tremeu na mandíbula.
— Nem sequer se esforçaram em conhecê-lo! Não fizeram a ele nenhuma só pergunta sobre
quem é ou sobre o que quer! — exclamou. Comportaram-se tão mal com ele. — Foram injustos e
me envergonharam!

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Só queremos o melhor para você. Não suportamos que nos tenha enganado. —
respondeu seu pai.
— Não os enganei. Só acreditei que não era o melhor momento para lhes dizer que tinha
conhecido alguém.
— Sophie, eu a conheço — interrompeu Maria —, não queria nos dizer por medo de que
nós te disséssemos a verdade. Ele não é para você.
— Não! Não disse a vocês porque não queria que seus preconceitos prejudicassem minha
relação com ele! E é justo o que conseguiram! São uns esnobes!
— Não somos. Somos pais e sabemos como é a vida e o tipo de interessados que veriam em
você um futuro assegurado. — replicou Carlo com seriedade. — Escolha: ou ele ou nós.
— Não, Carlo. — censurou Maria com surpresa. — Isto não se soluciona assim.
— Quer que escolha? É uma escolha? — disse Sophie, assombrada e ferida.
— E se continuar com ele — continuou seu pai com o rosto oculto nas sombras —, fica sem
financiamento. Para tudo. E sua graduação é cara. De onde vai tirar o dinheiro para se graduar e
criar sua própria empresa? O que vai fazer sozinha aqui e sem dinheiro? Voltará para a Louisiana.
— Vai fazer isso comigo só porque me apaixonei? — perguntou incrédula. — Está sendo
cruel. Não pode me tratar assim, já não sou uma criança.
Carlo ficou em silêncio. Sabia que estava se comportando como um ogro, mas temia pela
segurança e a felicidade de Sophie, e faria o possível por tê-la perto e em um lugar seguro.
Sophie sabia que aquela discussão estava perdida. Poderia saltar do carro e fugir correndo
para os braços de Nick, mas isso aumentaria mais a ferida e perderia seus pais para sempre.
E ela não queria tal desenlace. Amava seus pais.
Como amava Nick com todo seu coração.
Devia avaliar os danos colaterais e fazer algum sacrifício. Sabia como contornar a conversa
e chegar a um acordo. Seria uma excelente empresária, e agora tinha chegado o momento de ceder
um pouco de terreno para conseguir uma vitória pessoal: ficar com Nick custasse o que custasse e
obter que seus pais o aceitassem.
Entretanto, para isso devia vender uma parte de si mesma. Engolir o orgulho e aceitar algo
negativo por algo positivo.
— Certo, papai. Você e eu jamais tivemos problemas para falar entre nós. Negociemos.
O carro tinha chegado à Universidade George Washington e se deteve em frente ao campus.
Carlo a observou atentamente enquanto Maria tinha o olhar perdido.
— O que terá que negociar?
— Não vou deixar Nick.

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— Não há mais do que falar, então…


— Em troca, posso te oferecer algo que deseja tanto como eu desejo continuar com ele.
Carlo passou os dedos pelo sobretudo cuidadosamente dobrado sobre suas pernas e a olhou
de soslaio.
— E?
— Não tenho dinheiro. — concluiu Sophie — Está claro que até que complete os vinte e
cinco não poderei fazer uso da herança que vovô deixou para mim e que tenho em minha conta a
prazo fixo. Dentro de dois anos terei concluído a graduação e estarei preparada para fazer o estágio
em nossa empresa e relançá-la.
— Sim.
— Me financie, e quando sair daqui, irei para a Louisiana e me encarregarei dos negócios
da família. — Engoliu em seco amargamente. — Me sacrificarei, pois já sabem que essa não é
minha aspiração, mas devem entender que Nick é meu namorado e acredito que ele vai ser… para
sempre. — Ela mesma se surpreendeu. Sim. Estava tão segura de que Nick era para ela como seu
sobrenome era Ciceroni. — Se quiserem minha felicidade, tal como dizem, têm que tentar aceitá-lo.
Fazer sacrifícios como eu.
— Entrará no negócio da família? — perguntou Carlo para se assegurar.
— Sim.
— Será por um tempo indefinido.
— Aceitarei.
— Quando sair daqui, se ainda continuar com esse cara… irá viver na Louisiana, não
importa onde ele tenha seu trabalho. Viverá na Louisiana.
— Está se adiantando muito. As condições não devem…
— Nós colocamos as condições. — resolveu Maria. — Somos seus procuradores e você não
é uma garota qualquer. É uma Ciceroni, membro de uma das famílias produtoras de açúcar mais
importantes do sul dos Estados Unidos. É quem é e vamos cuidar de seus interesses.
— Nick jamais se aproveitaria disso, mamãe. Estão exagerando muito.
— Nunca se sabe. — acrescentou Carlo — Redigirei um contrato com umas cláusulas…
— Cláusulas? De verdade quer fazer um contrato permanente e pra toda vida com sua
própria filha?
— Farei o possível para cuidar de você e te proteger.
— Não aprovo o que fazem. É muito sórdido e muito pouco justo. Nunca vou perdoá-los
pela coação a que me submeteram… só por me apaixonar por alguém que não pertence a seu
círculo. — Estreitou os olhos e censurou sua atitude com desprezo. — Isto vai mudar tudo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— As histórias de homens pobres e princesas não existem, Sophia. As pessoas se movem


por outras coisas que você desconhece, e nosso trabalho é te proteger. — ele recordou com
amargura. — Há homens muito aproveitadores e com o tempo a máscara de todos cai. Não sei
quanto vai durar você e esse Nicholas, mas não vamos deixar nossos poderes em suas mãos só por
que é seu companheiro. Vamos cobrir nossas costas muito bem.
— A única coisa que me demonstra é que não confiam em mim. E que não me amam. —
afirmou chorosa.
— Nós a amamos muito para permitir que perca seus objetivos de vista só pelo rosto
atraente e os olhos dourados desse rapaz. — replicou sua mãe — O amor é bonito no princípio, mas
depois o tempo o desgasta e converte em uma miragem: pensa que continua lá, quando já não há
nada.
— É o que aconteceu com você, mamãe? — perguntou Sophie sabendo que a ofenderia. —
É o que aconteceu com vocês? — Riu sem vontade. — Antes pensava que quando ficasse mais
velha, eu gostaria de ser como meus pais. Agora, quando passarem os anos, espero não me parecer
nunca a nenhum dos dois.
Maria sorriu com tristeza e voltou a olhar pela janela. Carlo a estudou com atenção.
— O que aconteceu comigo … — murmurou com olhos tristes — foi a vida, Sophie. A vida
passou com cima de nós. — cobriu a boca com a mão e não voltou a dizer nada mais.
Sophie sabia que estava recordando a seu irmão. Os pais poderiam chegar a superar a morte
de um filho? Ao contemplar a luz apagada em seus olhos, deu-se conta de que tinham feridas que
jamais se fechavam; cortes lacerantes que mudavam as pessoas para sempre.
Isso aconteceria a ela quando renunciasse a sua ambição de criar sua própria rede de
restaurantes? Esperava que não, porque em troca ganharia Nick, e que sua família, até certo ponto a
aceitasse.
E para Sophie, seus pais, embora se comportassem de um modo tão abjeto e frio nesse
momento, eram muito importantes.
— Então, agora sim, não há mais o que falar. — disse Sophie animando seu pai a sair do
carro. — Tratarão Nick corretamente quando o virem e nunca se meterão em minha relação com
ele. Em troca, serei uma a mais no seu quadro de empregados.
Carlo ficou em silêncio durante um instante e disse:
— Enviarei as cláusulas de nosso contrato. Às vezes, as palavras são levadas pelo vento.
— As minhas não, papai. — assegurou ela sem lhe dar nem um beijo nem um abraço,
afastando-se do carro e deles. — Sou uma Ciceroni de verdade. Você pode dizer o mesmo?
Aquelas palavras doeram nele, mas dissimulou tudo o que pôde.

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— Amanhã sai de férias, não é?


— Como? — perguntou incrédula. Acaso seu pai pensava que gostaria de passar o Natal
com eles depois do que aconteceu?
— As férias de Natal. Esperamos você. Pode vir com Nick se desejar.
Ela deixou escapar um som de exasperação. Carlo era um homem que não media suas ações
e que pensava, equivocadamente, que nada era tão grave para não ver a família. Convidava Nick
depois da desfeita que fez com ele… Não. Nem pensar. Era muito cedo. E ela tinha algo muito
importante a fazer para dar uma lição a seus pais.
Tinha crescido. Era uma mulher e estava apaixonada. Isso mudaria as coisas.
— Patto. — Carlo ofereceu a mão à sua filha.
Sophie abraçou a si mesma e deu o casaco com o que sua mãe a cobriu.
— Patto. — disse antes de desaparecer de sua vista.
Sua mãe abaixou a janela gritou:
— Sophie.
— O que?
— O que você e Nick disseram um pro outro ao se despedir? Era japonês?
Sophie girou, fez uma careta de desdém para sua mãe, caminhando de costas e respondeu:
— Disse que o escolheria. Sempre.
Maria moveu os cílios e assentiu com seriedade, para desaparecer de novo na escuridão do
veículo.
Sua relação seria distante e fria a partir desse momento, e era um preço que todos deviam
pagar. Os sonhos quebrados saíam caros.
Enquanto sua filha se afastava, Carlo ficou com a mão erguida — pois sua filha não a tinha
apertado —, o casaco de sua mulher no outro e o olhar fixo na ponta de seus sapatos negros,
pensativo e cabisbaixo.
— Carlo, entre. — pediu Maria do interior.
Ele obedeceu, e ao fechar a porta, uma vez na segurança do carro, Maria lambeu os lábios,
afetada.
— Nunca discutimos com ela.
— Sei.
— Mas com o tempo espero que Sophie veja que fizemos o melhor para ela. E espero não
termos nos equivocado com esse rapaz… Embora pareça muito apaixo…
— Tolices. O tempo dirá. Não durarão nada. — assegurou Carlo.
— E se não for assim?

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— Se não for assim… — pediu o chofer que partisse com um gesto. — Leve-nos ao hotel.
— Sim, senhor.
— Se não for assim — prosseguiu —, o melhor será levá-lo em rédeas curtas. Tenha seus
amigos perto e seus inimigos mais perto ainda. Esse rapaz é como os outros. Outro vigarista inculto
em busca de uma vida fácil. Nós o vigiaremos.
“E se ele não fosse?” pensou sentindo-se um pouco culpado.
— Sophie está muito aborrecida com o acontecido. — acrescentou, contrita.
— Vai passar. É forte. — Carlo falava enfaticamente. Amava Sophia com todo seu coração.
— Às vezes, os pais devem decidir o que é o melhor para nossos filhos quando eles não podem vê-
lo.
Maria apoiou a cabeça no ombro de Carlo, que a rodeou com um braço, esperando que seu
apoio mútuo adoçasse o sabor tão amargo que lhes tinha deixado aquele encontro com sua filha.

***

Nick não sabia a que se ater.


Desde a noite anterior não sabia nada de Sophie. Tinha saído tão precipitadamente de sua
casa que deixou seu celular no quarto, assim não pôde ligar para ela.
Na aula de japonês, esteve falando com Clint sobre o acontecido. Seu amigo não acreditava
no que tinha acontecido e o apoiava em tudo.
Estar nervoso e angustiado era algo muito estranho para um homem tão seguro como ele.
Agora, na dúvida, na coibição, no medo por pensar que Sophie partiu com seus pais, sentia que seu
mundo desmoronava.
Depois, foi vê-la em seu quarto, mas tampouco a encontrou ali.
Onde diabos estava?
Ela o deixou para trás?
Estacionou o SUV no jardim e desceu triste do carro. O peito doía e a ausência de Sophie
consumia sua alma.
Se ela se foi, que sentido tinha todo o resto?
Antes de conhecê-la imaginava a vida de uma maneira, precisamente sozinho, pois ninguém
poderia enchê-lo como ele necessitava. Mas Sophie, com sua simpatia, sua amabilidade, sua paixão,
seu senso de humor e sua impagável presença o preencheu por completo, e agora não imaginava a si
mesmo sem ela.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Desde que se conheceram, todos os dias dormiram juntos, não tinham se separado nenhuma
só vez, exceto nas férias de verão, e se sentiram tão mal que não queriam voltar a repetir isso.
Ela era uma constante em sua vida. Não podia acreditar que pôde ter vivido vinte e três anos
sem ela, ignorante e tão só como um homem que não conheceu o amor verdadeiro podia estar. Mas
o coração ignorante e cego não sofria, e ele o tinha levado muito bem.
Até que ela chegou e pintou seu mundo cinza de cores luminosas.
Agora ele tinha vinte e quatro, e ela vinte. Já eram adultos e ninguém podia exigir nada deles
nem proibi-los de ter sua própria maneira de se amar e de viver.
Fechou a porta do SUV com força, cheio de raiva e furioso com a situação.
Aquele foi o último dia de aula antes das férias de Natal. De verdade Sophie partiu assim
sem mais? Sem lhe dizer nada? Teria ido com seus pais para a Louisiana? Ligaria para ele de lá?
Esperou que Dalton saísse para saudá-lo com sua alegria e sua loucura particular, mas o cão
tampouco apareceu. Com isso sim, ficou surpreso. Onde estava?
A razão, a que se afastava de seus sonhos, pressionava-o a acreditar que ela se assustou
perante a ameaça de seus pais e tinha jogado a toalha com respeito à sua história de amor.
Nick sabia que Sophie era uma menina rica, muito diferente dele, feita à moda antiga, a da
Louisiana, a do sul da América transcendente. E mesmo assim, ela se entregou a ele sem pensar em
nenhuma das etiquetas que seus pais insistiram em lhe pôr. Aceitou-o desde o primeiro dia tal como
era: cursando sua graduação de línguas, vivendo na casa de seu tio, ganhando algum dinheiro em
seus trabalhos que conseguia os fins de semana servindo bebidas, aceitando seu cão Dalton como
dela e sem criticar seu gosto excêntrico por UB40, Phil Collins ou Sting.
Acaso tudo foi uma mentira? Não o amava? Não podia ser, porque ele estava louco por ela.
Nick abriu a porta de casa com vontade de chorar.
Até que levantou a cabeça e se deparou com a mesa onde na noite anterior jantaram lasanha
com os Ciceroni, estava arrumada e limpa, não como ele a tinha deixado.
Sobre ela, duas velas iluminavam a toalha de cor vermelha. Uma garrafa de champanha em
um balde com gelo. Duas taças vazias e um envelope sem abrir era a única coisa que decorava a
toalha.
Então ouviu a música que fazia algum momento tinha começado a soar. Era Falling in love
with you, na versão de UB40.
E também escutou o crepitar da madeira ao arder. A lareira estava acesa.
As lágrimas o impediam de ver o que o rodeava até que levantou o olhar, e justo em frente,
sentada na mesa da cozinha observando-o com atenção, só coberta com um moletom preto e

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

comprido que era propriedade dele, viu Sophie, tão emocionada como ele. Dalton mexia a seus pés
com uma corda que tentava rasgar.
Sophie desceu de um saltinho e o olhou fixamente nos olhos, caminhando com lentidão,
também um pouco nervosa. Seus quadris se moviam de um lado a outro. Nos pés calçava meias três
quartos antiderrapantes de listras negras e brancas.
Uma adorável mulher com um eterno ar de menina.
Nick engoliu em seco quando ela se deteve um palmo de seu corpo e sorriu para ele com um
pouco de vergonha. Jamais lhe pareceu tão linda como nesse momento.
— Sophie… o que é isto? — perguntou Nick com voz rouca.
Ela deu de ombros e secou as lágrimas dos olhos com a manga extralonga do moletom.
— É uma demonstração.
— Uma demonstração? — sussurrou olhando de novo à mesa. — O que quer demonstrar?
— Quero demonstrar que eu escolho o que quero e que meu coração manda em mim, antes
dos “deveria” e dos “seria melhor”. — ficou nas pontas dos pés e tomou o rosto dele com as mãos.
— Quero te pedir perdão pelo momento ruim de ontem à noite. Odeio que meus pais o fizeram
acreditar que você não é suficiente para mim. Porque não é verdade, Nick.
— Sophie…
— Não é absolutamente verdade. A única coisa que é verdade é que jamais terei suficiente
de você, nunca me cansarei.
Nick piscou emocionado e sorriu como um tolo apaixonado, tão, tão apaixonado que se
encheu de Sophie.
— Valente Sophie… — sussurrou triste.
— Amo, Nick. Estou louca por você. E é esse tipo de loucura que faz com que cometamos
loucuras… — Mordeu o lábio inferior e encostou seu nariz ao dele. — Você está louco por mim?
— Estou louco e sem remédio. — assegurou segurando-a pela cintura.
— Então, se os loucos de amor fazem loucuras, faça uma bem grande comigo. Uma
escatológica, dessas que permanecem nos anais de uma vida.
Nick entrecerrou os olhos e seu coração deu um salto.
— O que quer que faça?
— Nessa mesa — explicou a ele — há um envelope com duas passagens para Las Vegas.
Uma em seu nome, outra no meu. Quero… Nick… eu…
— Você o que?
— Quero que se case comigo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Nick a levantou inquieto pela cintura e a deixou cair pouco a pouco, roçando-a contra seu
corpo, enquanto a beijava com a acesa paixão e a fervorosa ousadia de alguém faminto, de alguém
que quer comer o que mais gosta no mundo.
Sophie respondeu a seu beijo e rodeou seus quadris com as pernas.
Ele estava eufórico de alegria, feliz por vê-la ali com ele e agradecido e honrado por sua
proposta. A adrenalina o excitou a ponto de deixá-lo completamente ereto.
Com ela de costas a atirou sobre o sofá, sem deixar de introduzir sua língua em sua boca,
deixando-a quente como sabia que seus beijos a deixava.
Subiu o moletom até deixá-la nua da cintura para baixo e tirou a calcinha dela com um só
movimento.
— Isto está sobrando. — disse.
— Mas, Nick…
— Shhh, Sophie. — grunhiu e a beijou de novo, colocou-se entre suas pernas e puxando sua
ereção das calças e da cueca. — Quero estar dentro de você. — Abriu espaço, e no final, quando sua
carne dura tocou a mais tenra dela e descobriu que estava umedecida, sorriu malvadamente e disse.
— Deus… Menina má.
Penetrou-a pouco a pouco como sempre, porque ela continuava sendo estreita, embora
fizessem amor todos os dias. E quando esteve metido até o punho, subiu suas pernas um pouco mais
sobre suas costas e começou a possui-la com ritmo, força e sem pausa.
Olharam-se nos olhos como faziam sempre, embora desta vez de um modo mais especial,
sabendo que queriam estar juntos e para sempre. De verdade.
Sophie começou a gemer e o atraiu para que não deixasse de beijá-la, para que a esquentasse
mais.
Nick não se deteve, puxou seu lábio inferior enquanto caía de joelhos sobre o tapete sob o
sofá e levou Sophie com ele, até que a empalou por completo.
Sophie deixou cair a cabeça para trás, as pontas de seu longo e liso cabelo se enredavam nos
dedos de Nick, que seguravam com força suas nádegas enquanto a penetrava, preenchendo-a com
seu pênis, estirando sua carne. Quando Sophie expôs sua garganta, Nick a lambeu e beijou, dando
uma chupada que sabia que a enfureceria assim que a visse. Mas não se importava.
Precisava marcá-la.
Depois desceu a cabeça a seus seios e os torturou como sabia que a enlouquecia.
Concentrou-se no esquerdo, sugando-o e desfrutando das contrações reflexas vaginais de Sophie a
cada dentada, a cada lambida.
E nenhum dos dois pôde aguentar mais.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Sophie se agarrou a sua cabeça, puxando seu cabelo, subindo e descendo sobre sua ereção
cada vez mais rápido. Nick a sustentou contra ele, chegando até seu interior, sabendo que essa
posição era mais intensa para ela, pois chegava mais fundo.
Quando Sophie começou a chorar varrida por seu orgasmo, Nick se deixou levar e acabou de
esvaziar-se em seu interior. Ambos acabaram atirados sobre o tapete.
Suados e extasiados pelo prazer, Nick se apoiou em seus cotovelos e retirou o cabelo do
rosto de sua futura mulher que ainda tremia, respirando pela boca.
— Isto que me fez… é um sim? — perguntou ela entre arfadas.
Nick se pôs a rir, afundou o rosto em seu pescoço e respondeu:
— Sim, Sophie. Façamos uma loucura para a posteridade. Morro de vontade de me casar
com você.

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CAPÍTULO 6

Nessa mesma noite viajaram a Las Vegas. Deixaram Dalton com Clint, que não podia
acreditar no que seu amigo ia fazer.
— Mas fala a sério? Vai se casar? Mas se nem sequer têm casa própria. Mas se não faz nem
um ano que se conhecem…
— O tempo é relativo quando conhece sua alma gêmea. E sim, tenho casa. — respondeu
Nick — Bom, vai cuidar do meu cachorrinho? Convidaria-o para que fosse meu padrinho, mas
acredito que os alugaremos ali mesmo. Como tudo. — Soltou uma gargalhada.
— Que delicadeza… cachorrinho? Seu cachorro é a semente do mal, cara. Alugam os trajes
de casamento também?
— Inclusive os convidados são alugados.
— Porra. — murmurou incrédulo.
— Venha, venha que Dalton te espera. Não o tema, é somente um bebê.
— Sim, claro… certo. Agora irei para sua casa. Já estão indo?
— Dentro de uma hora. — respondeu Nick olhando seu relógio.
— Está convencido disto, cara? Os pais dela o odiarão pela vida toda, Nick.
— Não é algo que me preocupe muito. Sophie me ama. — reconheceu beliscando a nádega
de Sophie quando passou por seu lado com uma bolsa preta de viagem. — É a única coisa que
importa.

***

Casaram-se em uma capela de Las Vegas. A cidade estava repleta delas, por alguma razão
era o segundo lugar do mundo com mais casamentos oficiais.
Sophie se sentia exultante. Devido a sua rigorosa educação e por terem-na superprotegido,
sempre ansiou comportar-se como a rebelde e maluca que na realidade era, algo que seus pais
jamais permitiram.
Aquela noite junto a Nick, o homem pelo qual se apaixonou perdidamente, seu futuro
marido, faria a maior loucura de todas.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Como não tinham anéis, decidiram comprar na mesma capela os que o padre lhes ofereceu.
Eram duas alianças de caveiras de ouro. Uma delas tinha um laço na cabeça; a outra um tapa olho.
A primeira era para Sophie; a segunda para Nick.
Uma vez escolhidas as alianças, deviam escolher os trajes, o padre, o cantor ou ao artista
famoso que devia cantar para eles em comemoração, além dos padrinhos e ao público presente.
Sophie não queria gente que não conhecesse de nenhuma forma, assim descartaram o pacote
de presentes.
Como era um casamento diferente e na viagem de avião pediram champanhe e bebidas para
celebrar seu enlace como se fosse uma noite de festa, escolheram também as fantasias mais
divertidas para eles. Ele se vestiu de Batman, e ela de Mulher Maravilha.
Entre a Marilyn, Abba, Michael Jackson e Elvis, escolheram o último. Elvis cantou para
eles Falling in love with you e Nick decidiu fazer os coros olhando fixamente para Sophie e
desafinando tudo o que podia e mais. Ela, um pouco bêbada, morria de rir.
Um padre que se parecia com Cuba Gooding Jr os casou e os animou para que cada um
fizesse seu discurso e sua promessa de amor eterno pelo outro.
Nick tomou as mãos de sua futura esposa, um desses presentes atípicos e impensáveis que a
vida lhe deu. Teria uma companheira. Incrível.
— Sophie, me olhe.
Ela o obedeceu e se deu conta de que Nick tinha a máscara do Batman torcida e uma orelha
mais acima que a outra. Isso fez com que soltasse uma nova gargalhada.
— Nick, por Deus… sua fantasia…
— A sua é petacular.
Voltaram a rir como tolos.
— Que fuzemos? — perguntava-se histérica e meio bêbada.
— Nós nos conhecermos e nos amuarmos. — disse aproximando-a dele de maneira muito
íntima. O padre pigarreou e isso o obrigou a se separar de novo. — Perdão, senhour padre.
— Carinhos depois. — respondeu o padre.
Nick assentiu e esfregou com os polegares os dorsos das mãos de Sophie.
— Não sei se er a autêntica Mulher Maravilha, massss me completa às mil maravilhas.
Ela sorriu e os olhos soltaram faíscas.
— Que creativu…
— Sei. — assentiu Nick — Sophie…
— Aqui estou.
— Sophie, Sophie, Sophie… — repetiu.

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— Fale Nick, Nick, Nick.


— Elvis e UB40 já falaram por mim esta noite. — Tentou falar com serenidade, controlando
os deslizes de sua língua um pouco bêbada. — Desde que a vi não pude evitar me apaixonar por
você. Era… algo natural. Como a vida. Prometo a você que… — levou uma de suas mãos ao peito.
— Eu te pruometo que… sempre cuidarei de você, que nunca a machucarei. Viverei para cuidar e te
proteger. E te amarei sempre. Nada nem ninguém pode mudar o que sinto por você. Ninguém o
faurá jamais. Meu amor está acima de todas as dúvidas, é inquestionável, entende? Tsuneni.
Sophie se emocionou tanto que as palavras mal saíam. Ela não pôde pronunciar seu
discurso, só assentiu com o rosto choroso e disse:
— Amarei você sempre, Nick. Tsuneni. Aconteça o que acontecer.
Lançou-se para beijá-lo ante a surpresa do padre, que tentou mediar entre eles para acabar o
casamento o mais rápido possível, de forma correta e organizada. Mas ao ver que não havia modo
de desenganchá-los, acabou a cerimônia dizendo:
— Está bem… Eu os declaro marido e mulher.
Nick tomou Sophie nos braços e a subiu sobre sua pélvis para que lhe rodeasse a cintura
com suas pernas torneadas. O diadema de Mulher Maravilha saiu voando e a máscara de Batman
acabou de desvelar o mistério do rosto oculto do multimilionário Bruce Wayne.
Embora nem Sophie nem Nick eram autênticos super-heróis, estava claro que um era o herói
do outro.
Saíram da capela ao grito de “Estamos casados!”.
O padre, um pouco acima do peso, tentou alcançá-los e procurou um guarda de segurança
das capelas vizinhas para que fossem em busca e captura de Nick e Sophie.
— Levaram os trajes! São de aluguel!

***

As luzes do amanhecer entravam através das cortinas da janela do hotel. Pegaram um quarto
no Hampton Inn. Os lençóis vermelhos e brancos cheiravam a sexo, suor e amor.
Sophie despertou com uma leve dor de cabeça, mas não se importou nenhum pouco ter
ressaca. Fazia justamente o que tinha querido, e a enxaqueca era um preço mínimo a pagar por
aquela esplêndida aventura.
Sabia que seu casamento com Nick era um desafio em toda regra, um desafio aberto e talvez
desrespeitoso para seus pais. Mas tinha sido igualmente desrespeitoso o que eles fizeram com o
amor de sua vida: desvalorizá-lo, desprezá-lo… Ainda doía a atitude que adotaram contra ele.

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Contra ela. Inclusive contra eles mesmos, porque um comportamento assim não falava bem sobre
seus princípios ou seus valores.
Levantou a mão e os raios do sol refletiram em seu anel de caveira. O laço era de brilhantes.
Era banhada em ouro e as pedras não eram de grande valor. Não era um anel muito caro, pois
custou cem dólares a peça. E o que importava? Só importava o significado. E para ela valia muito
mais que todo o repertório de joias que tinha na Louisiana, não era nada comparada com aquela joia
que sempre usaria.
A enorme mão do homem que tinha ao lado entrelaçou os dedos com os dela. Nick girou a
cabeça e sorriu preguiçoso, como um gato que necessitava mimos e carícias, antes de abrir os olhos
por completo. Guiou sua outra mão livre a um dos seios nus dela e começou a massageá-lo.
— Olá, minha esposa. — disse com voz rouca.
Sophie sorriu, inclinou seu corpo para o dele e acariciou sua bochecha áspera com a mão
livre.
— Olá, meu marido.
Nick aproximou seus quadris aos dela e a jovem recém-casada entrecerrou seu olhar
castanho para depois ronronar com prazer.
— O que quer, tigre? Quer guerra de bom dia?
— Sempre quero guerra. Sou viciado em seu corpo. — tentou se pôr em cima dela para
voltar a fazer com ela o que durante a noite tinha feito uma infinidade de vezes. — Não percebeu
que sem minha porção de Sophie não sou gente?
Beijou-a com doçura e ela respondeu igual.
— Temos duas horas antes de sair do hotel.
Nick se fez um espaço entre suas pernas e sussurrou:
— Suficiente, não acha?
Sophie o deteve e foi ela a que o empurrou para que ficasse de costas.
— Suficiente. Sabe? É uma sorte que aconteça o mesmo comigo —murmurou ela —, do
contrário teria que violentá-lo todos os dias…
Nick endureceu quando viu que a bela Sophie inclinava seu rosto para sua ereção e que
lambia os lábios lhe dirigindo um olhar lascivo, sorrindo divertida pela expressão de seu marido.
— Ai, Senhor… Sophie…
— Quer que te dê bom dia?
— Porra, claro que sim.
Ela colocou seu longo cabelo sobre um ombro para ter acesso livre e espaço para seu
objetivo. Ele seria a única testemunha, e sem exceção, pelo que tanto gostava de ver.

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Quando sua língua se estendia e começava a fazer círculos com ela sobre o prepúcio, Nick
ficava louco por completo.
E ela sabia. Por isso gostava de torturá-lo, por isso adorava saber que controlava um homem
que quase a dobrava em tamanho, tão grande, tão musculoso, tão forte… jamais a machucaria.
Pouco a pouco introduziu o potente membro de Nick na boca e começou a sugá-lo como se
apreciasse sua textura e seu sabor, embora mal coubesse nela. Sophie se esforçava por fazê-lo
usufruir e ele usufruía com o que fazia nele, manhosa ou não. Nunca a obrigava, nunca insistia para
chegar mais longe se ela se sentia insegura ou temerosa. Sempre a fazia sentir-se poderosa,
respeitada e tão amada que às vezes sentia vontade de chorar.
Nick acariciou sua cabeça enquanto ela descia a um ritmo que hipnotizava a ambos.
— Oh, caralho… — Nick deixou a cabeça cair para trás e começou a levantar os quadris
com lentidão, para não introduzir-se muito dentro da boca dela e provocar ânsias.
Sophie acariciou seus testículos levemente e sugou para dentro suas bochechas. Ele gemeu
dando graças a Deus pela boca de sua mulher. Sophie gemeu por sua vez e rodeou a dura vara com
uma mão, para massageá-la ao ritmo que o fazia com seus lábios. Adorava tê-lo à sua mercê.
E o torturou durante longos minutos até que Nick a afastou e disse:
— Vou gozar, Sophie.
Sophie se afastou sorrindo. Masturbou-o com a mão e deixou que Nick explodisse,
grunhindo como um felino satisfeito.

***

No avião de volta a Louisiana, justo quando estavam embarcando, Sophie recebeu uma
chamada de sua mãe.
Nick a olhou consternado e disse:
— Deve atender.
Sentaram-se e guardaram a bolsa de mão nos compartimentos superiores.
— Sei por que está me ligando, Nick. — respondeu ela. Colocou o cinto, decidindo se
atendia ou não.
— Soph… — repreendeu com o olhar — Atenda e fale com ela. Não vão ficar uma
eternidade sem saber de você.
— Não gostaria de falar com eles agora.
— Mas tem que fazer isso. São seus pais.
Sophie atendeu o telefone sem muita vontade.

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— Sim?
— Sophia…
— Fale, mamãe.
— Sophia… Você pode me explicar por que há transações em seu cartão de um hotel em Las
Vegas?
— Por que, mamãe?
— Sim, é isso que estou perguntando.
— Queria ir vê-los na Louisiana neste Natal para contar pessoalmente, mas depois de sua
visita relâmpago de anteontem acredito que tive suficiente de vocês por um tempo.
— Sophia — a voz de sua mãe parecia intranquila —, o que fez?
— Além de negociar meu futuro com vocês e hipotecá-lo? — olhou as unhas com
desinteresse. — Pois fiz algo por mim mesma, para poder nos segurar nos próximos anos. Já sabe…
já que virtualmente vai me obrigar a trabalhar no açúcar e vão estragar meu futuro trabalhista…
— Não me fale assim. Nunca falou comigo assim.
— Nunca tive a necessidade de fazer, mamãe. Mas não me deixou outra opção.
— Pelo amor de Deus, filha… Em que confusão se meteu?
Sophie só precisou desviar os olhos para o nobre, confiável e atraente rosto de Nick para
conseguir forças e dizer sem mais:
— Decidi proteger a felicidade de meu coração porque ninguém pode mandar nele, exceto
eu mesma. Esta noite me casei com Nick.
A linha do outro lado ficou completamente em silêncio. Sophie era capaz de adivinhar o que
cruzava pela mente de sua mãe.
— Me diga que não é verdade.
— É, mamãe.
— Só tem vinte e um anos! Como foi capaz?!
— Mamãe, idade não tem nada a ver aqui. Sou adulta, uma mulher, e amo Nick.
— Meu Deus, Sophie. — Sua mãe soluçava, incrédula. — Ficou louca? Acha que o primeiro
amor é o definitivo?
— Não acredito nem em primeiro nem em último, mamãe. O avião vai decolar. Confio em
que comunique a meu pai meu novo estado civil. Sinto tê-los decepcionado, mas vocês também me
decepcionaram. Não se metam na minha vida com Nick e nossa relação irá bem. Quero que o
tratem como mais um filho.
— Eu já tive um filho e morreu. Você é minha filha! Ele só… só acredita que você pode
encaixar em seu mundo. Não entende?!

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— Quem não entende é você, mamãe! O tempo demonstrará que tenho razão e que vocês
estavam equivocados. Mamãe, tenho que desligar…
— Sophia, por favor…
— Mamãe — adotou uma voz mais carinhosa e suplicante —, vamos ficar bem. Irei vê-los
igualmente. Quando me licenciar trabalharei com vocês na Louisiana, não é isso o que queriam? Eu
cedi nisso. Agora é a vez de vocês cederem.
— Não é o mesmo.
— Sim, é. Meus interesses. Os seus — sentenciou — não perdem uma filha, entendido?
Ganham um a mais.
— Sophia…
— Amo você, mamãe. Logo conversaremos. Um beijo.
Quando desligou, tinha vontade de chorar depois de escutar a voz assustada de sua mãe. Mas
por outro lado, invadiu-a uma grande satisfação. Eles a colocaram entre a espada e a parede;
demonstrou a eles que ninguém podia ameaçá-la.
— Seus pais jamais me aceitarão. — murmurou Nick olhando através da janela.
— Aceitarão.
— Não me importa se aceitam ou não. Demonstrarei a eles que podem confiar em mim.
Além disso, enquanto você me amar…
— Nick — Sophie segurou seu rosto pelo queixo e o girou para ela —, não durmo com
meus pais. Não vivo com meus pais. Faço isso contigo. E você passou a ser a pessoa mais
importante da minha vida. Que isso fique claro. — Ato contínuo, deu-lhe um beijo revitalizante e
curador que os deixou com vontade de mais.
O avião empreendeu seu voo.
Como Sophie tinha elevado voo para se afastar do ninho protetor de seus pais.
Aonde os levaria essa viagem?
Só o tempo diria.

CAPÍTULO 7

E a agitação que seu inesperado casamento causou trouxe consequências durante anos. Seu
casamento foi repleto de grandes alegrias por sua parte, mas de recriminações subtendidas por parte
dos Ciceroni.
Nesse mesmo Natal, já que Sophie não tinha intenção de ir visitar seus pais, eles vieram vê-
los no Ano Novo. Nem Carlo nem Maria podiam desfazer o que sua irresponsável filha, segundo

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eles, fizera. Assim se esforçaram por respeitar o acordo que combinaram com ela, e com fria
cordialidade se apresentaram em sua casa para lhes dar um apático parabéns.
Carlo não mencionou nenhuma palavra sobre seu enlace, não queria falar disso. Limitaria-se
a tratar seu genro com certa apatia, mas com requintada educação. Sophia o tinha desafiado, com
motivo ou sem, mas acabava de dar um duro golpe à família. Não falariam de seu casamento e ele
se limitaria a tratar assuntos da empresa e a protegê-la, como sempre fizera, embora a indisciplina
de sua filha e sua própria intransigência fez uma rachadura em sua relação.
Maria, em troca, desejou-lhes sorte. Seus olhos refletiam melancolia e tristeza, embora
também um aberto reconhecimento de sua coragem; mas tampouco também lhes deu nenhum
tapinha de felicitação. O que entregou a eles foram as alianças que pertenceram a seus pais, e por
sua vez a seus bisavôs, e que passavam de geração em geração entre os Ciceroni.
— Eu as guardei para quando se casasse. — murmurou Maria, afetada ao escutar o que tinha
acontecido. Sua filha estava casada. Deus meu. — Você de branco, linda, música na igreja e um
homem atencioso a seu lado que considerasse seus futuros sogros — olhou de esguelha para Nick
— para pedir sua mão em casamento.
— Ele não teve a ideia. Eu a tive. — replicou Sophie.
— Isso me deixa pior. Ele devia ter nos contado e ganhar nossa bênção antes de tudo.
— Isto não é uma competição para se dar bem, mamãe. — grunhiu sua filha. — As pessoas
devem ser aceitas por como são e receber uma cálida boas-vindas sempre. Vocês já tinham o não na
boca inclusive antes de nos visitar pela primeira vez.
Carlo se mantinha à margem da conversa, como fez durante o dia todo. Com Nick só tinha
trocado um austero “felicidades”, como com Sophie. Uma vez seguido o protocolo, afastou-se deles
como se estar nessa casa com aroma de bolachas, decorada com adornos de Natal, com sua filha
casada com um desconhecido e um cachorrinho golden brincalhão que não parava quieto fosse
muito incômodo para ele.
— Seja como for — fingiu-se de desentendida sua mãe —, entrego os anéis de mamma.
Quero que tire essa bijuteria horrorosa de caveira dos dedos. Uma Ciceroni é elegante, não uma
qualquer saída do Bronx.
— Obrigada por suas lindas palavras, mamãe. — disse sarcástica.
— De nada.
Sophie olhou as alianças com imenso carinho, embora guardaria bem as alianças de
caveiras. Os anéis de noivado de sua família eram simples, dourados e lisos com uma inscrição em
italiano “per sempre”. Recordou emocionada os seus avós e sorriu com ternura. Pegou os anéis e
agradeceu a delicadeza de sua mãe

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— São lindos, mamãe. Muito obrigada.


— Quero que cuide de minha filha, Nicholas. — pediu Maria a Nick, que observava a cena
da ilha da cozinha com uma xícara de café entre as mãos, afastado de Carlo e delas.
— Farei isso, senhora Ciceroni. Não tenha nenhuma dúvida de que a amo e de que vamos
estar bem juntos.
Maria se levantou com um sorriso de incredulidade e ironia em seus lábios vermelhos.
— É o que veremos. — murmurou — Vão viver nesta casa?
— É óbvio. — respondeu ele. — É minha, está totalmente paga… Se quiserem, já podem
deixar de pagar o quarto do campus de Sophie. — obrigou-se a recordá-los. — Eu cuidarei dela.
Maria entrecerrou as pálpebras.
— Sophia, Nicholas já sabe qual é o preço que deve pagar por isso? Sabe que assim que se
graduar, deve voltar para a Louisiana?
— Iremos juntos se pudermos. — respondeu Sophie olhando por cima do ombro para seu
marido. Este assentiu lhe dando todo seu apoio. Talvez sua mãe tenha pensado que escondeu esse
detalhe de Nick, mas entre eles nunca haveria segredos. Contavam tudo um para o outro. — Nick é
meu marido, vocês gostem ou não. Ele também terá seus próprios projetos de trabalho, e já
concordamos que o fato de eu viver na Louisiana não deve mudar seus futuros planos de trabalho.
Foi a mim a quem coagiram. Não a ele. — recordou a eles com certa aspereza.
— E se tiverem que trabalhar em diferentes estados?
— Veremos isso depois, senhora Ciceroni. — assegurou Nick — A distância não representa
um problema para mim.
— Vão ter um casamento à distância? Isso é impossível.
— Para mim não. — resolveu Nick, dando um gole no seu café. — Eu a amo muito,
entende? E ela a mim. Alguns metros de terra no meio não vão mudar isso.
— Tudo bem. Como quiserem. — respondeu Maria seca e deu de ombros. — Veremos o que
diz o tempo.
Nem sequer ficaram para jantar essa noite. Partiram velozmente depois do almoço.

— Por que meus pais não podem ser como os seus? — sussurrou aquela noite Sophie sobre
seu peito, depois de terem feito amor. — Por que são tão rígidos e controladores? Odeio que sejam
tão arrogantes.
Nick acariciava seu cabelo com os dedos enquanto pensava sobre isso com aqueles olhos
dourados fixos no teto do quarto. Na realidade, embora passassem do limite, os pais de Sophie se
preocupavam com ela porque a amavam muito. Em troca, os pais de Nick eram o cúmulo da

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rebeldia e da indiferença. Suas ligações se limitavam a “Vai tudo bem?”, “Como está o tempo?”… e
outra coleção de perguntas para cumprir o protocolo, coisa que indicavam o pouco interesse ou a
pouca proximidade que tinham com seu filho.
Às vezes, Nick desejava ser filho de seu tio Dominic. Preocupava-se com ele e suas
conversas eram transcendentais e importantes; sobre a vida, as relações, o que é importante e o que
não…
Seu pai, em troca, só se preocupava em ter um pacote de cerveja na geladeira e pouco mais.
E sua mãe… sua mãe era uma boa mulher, mas submissa, que para não ter problemas com seu
marido, mal falava. Limitava-se a sorrir para ele, a ser agradável e levar um pouco de comida
quando ia visitá-lo. O dia que conheceram Sophie, Nick sentiu um pouco de vergonha quando
comprovou que as diferenças básicas entre os Ciceroni e os Summers se encontravam em quão
cultos eram um em relação ao outro, assim como em suas ambições.
Os Ciceroni eram gente ativa e jamais se cansavam de trabalhar.
Os Summers relaxaram por completo. Não sentiam curiosidade por aprender nada mais.
Deixaram de se formar como pessoas. Acreditavam que a vida era estar em sua casa de Chicago, o
canal do ESPN, o programa da Oprah e tomar a medicação para a pressão. Pouco mais.
— Sinta-se orgulhosa de ter uns pais como os que tem, Sophie. — disse Nick falando com a
boca colada à sua cabeça. — Seus pais não falam comigo porque não gostam de mim. Os meus não
o fazem porque não sabem do que falar. Não sei o que é pior. Firmemente, acredito que teria
preferido os seus. Embora considere que seu comportamento é muito controlador e psicótico…
— Você que acrescentou o psicótico, mas aceito.
— Ao menos se preocupam com você. — Sorriu — Se preocupam por cada uma das coisas
que tem feito. Deram-lhe uma educação irrepreensível. Eles a apoiaram. Pagam seus estudos. Eles a
amam e desejam o melhor para você.
— Mas se equivocam. — disse Sophie erguendo-se nos cotovelos, olhando-o com um eterno
amor em seus olhos amendoados. — O melhor para mim é você, e eles nem sequer vêm isso.
— É normal que pensem que posso me aproveitar da sua inocente filha ricaça.
— Já não sou inocente. — recriminou-o.
— Sei. — ele ronronou, atraindo-a e abraçando-a com força. Depois deu um forte beijo nos
seus lábios e sorriu exultante de felicidade. — Vou conquistar seus pais. É um desafio e eu adoro.
— São muito duros.
— Não importa. — assegurou dando uma batidinha no nariz dela. — Ao final, o tempo,
como diz sua mãe, nos dará razão.

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***

E o tempo falou de muitas coisas.


Dois anos depois, falou de dois recentes graduados; um em Ciências Empresariais e outro
em Línguas Estrangeiras.
Um casamento de licenciados que devia empreender destinos diferentes para não romper a
palavra dada.
A primeira separação aconteceu ao escolher o destino de seu ano de especialização. Sophie
escolheu Louisiana para trabalhar na empresa de açúcar de seu pai.
E Nick, com suas duas licenciaturas debaixo do braço, decidiu apresentar a solicitação de
ingresso à polícia federal preventiva, exatamente à Seção de Inteligência, embora não dissesse nada
a Sophie. Contou-lhe que iria para a Virgínia para estagiar em uma empresa de telecomunicações. E
ela, que confiava plenamente nele, acreditou com convicção. E não, não estava orgulhoso do que
fazia, mas já havia interiorizado tanto sua própria mentira que ele mesmo começava a acreditar
nela.
Clint, seu amigo inseparável, entrou com ele na academia do Quântico, que pertencia à área
metropolitana de Washington. Perto do rio Potomac, bem ao lado da base militar dos fuzileiros,
encontrava-se a academia de preparação dos agentes do FBI.
Durante vinte semanas duras, Nick e Clint trabalharam arduamente para adquirir todos os
conhecimentos em armas, obter a excelência física e absorver os conhecimentos legais necessários
para se aprovarem e se converterem nos melhores da base.
Nick não pôde evitar se emocionar ao descobrir suas instalações, ao inalar o ar de disciplina
e inflexibilidade que rodeava o lugar.
Ali outorgavam os quartos por ordem alfabética dos sobrenomes, e Nick e Clint tiveram que
se separar, mas só para dormir. Não demoraram a se fazerem conhecer por suas habilidades tanto
em tiro como em idiomas.
Os andares mais frequentados eram o do refeitório, da biblioteca, a sala de conferências,
onde agentes já afastados falavam de suas experiências, e a academia, onde trabalhavam os
músculos e a agilidade. Como às vezes as máquinas estavam todas ocupadas, Nick e Clint iam à
piscina para fazer longos percursos durante uma hora e meia.
Nos campos de tiro do Quântico, os alunos disparavam três mil e seiscentas balas ao longo
de duzentas e cinquenta horas, nessas vinte semanas de prática. Assim se asseguravam que os
agentes saíssem mais do que preparados para lidar com uma pistola. E Nick e Clint só precisaram
da metade para demonstrar que sua pontaria e seu manejo de armas eram excelentes.

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Das cinco da manhã até às sete da noite, a instrução era intensa. Vestiam-se com calça cáqui
e polo azul marinho, para diferenciar-se dos veteranos que, de vez em quando, apareciam por ali
para fazer algum curso de reciclagem.
Pela tarde caíam esgotados, jantavam e se deitavam cedo para estar em forma e dispostos no
dia seguinte.
Então, antes de dormir, Nick ligava para Sophie: se não ouvisse sua voz não ficava
tranquilo. Saía ao longo corredor dos quartos e falava com ela, respondendo a cada uma das
perguntas que sua mulher fazia, adotando o papel de aplicado e competente comerciante.
— Gosta do seu chefe?
— Sim, muito. Acredito que no final me oferecerá um trabalho como gerente de produto.
— Isso é genial, Nick. Estou tão orgulhosa de você.
— Obrigado, carinho.
— Sinto tanto sua falta. — choramingou.
— E eu de você. Este fim de semana nos veremos. Como vai com seus pais?
— Aqui há muito por fazer, sabe? Não entendo como meu pai conduziu seu negócio adiante
com um sistema tão obsoleto, sem publicidade e sem nada que o promovesse. Tudo deve ser
relançado. Demorarei um tempo, mas conseguirei.
— Você gosta de estar aí? — perguntou preocupado com ela, sabendo que tinha voltado para
sua casa a contragosto.
— Não é o que quero fazer — ela assegurou momentaneamente cansada —, mas quando
passar o tempo e deixar as coisas como quero, reformularei meu pacto com meu pai. Nick, sabe o
que?
— O que?
— Minha mãe me perguntou se você gosta de lasanha de verduras. Vai pedir aos cozinheiros
que a preparem este fim de semana para você. — anunciou risonha.
— Isso é um avanço, não? É uma boa notícia. — respondeu esperançoso.
— Sim, eu acredito que sim.
— E seu pai não te perguntou se eu gosto do mesmo charuto que ele fuma?
Sophie deixou escapar uma gargalhada. Aquele som lhe deu todo o calor e o amor que
necessitava para sobreviver sem ela uns dias mais. Até que a visse de novo.
—Meu pai é mais duro. Mas está fazendo se comportando muito bem.
Nick sabia, mas não cessaria em seu empenho de conquistá-lo. E não fazia por ele, nem
sequer por Carlo. Fazia por sua linda e incrível mulher.
A melhor de todas.

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Aqueles cinco meses de separação não foram fáceis. Sophie e Nick tinham vivido juntos os
últimos anos. Não tinham se separado jamais. Sua convivência era maravilhosa e não tinham nada
do que desconectar um do outro, assim a distância que havia entre a Virginia e Louisiana os
deprimiam.
Sophie levou Dalton para a Louisiana e o cachorro se converteu em um experiente cuidador
dos campos de cana. Carlo o adorava e brincava com ele de vez em quando ou saíam para dar
longos passeios junto à Maria, que tratava o cachorro como se fosse um filho.
Nick, por sua vez, sentia muita saudade de Sophie. Todos os fins de semana ia vê-la. Ainda
restava dinheiro do que seu tio tinha deixado, já que nunca gastava mais do que podia, exceto para
Sophie. Gastava o dinheiro com ela, nele quase nunca.
Quando a visitava, costumava levar para ela presentes e algumas lembrancinhas de sua falsa
empresa para seus sogros, que pouco a pouco e quase na marra, começavam a olhá-lo com
familiaridade, em vez de como a um completo desconhecido.
O fim de semana antes de sua graduação, Nick levou com ele um presente único e especial
para Carlo.
Quando o chofer o deixou nas portas do lar dos Ciceroni, recordou a primeira vez que
chegou a Louisiana, àquela palaciana e suntuosa mansão rodeada de campos de cana de açúcar da
família de sua mulher. Naquele momento, não pôde evitar não se sentir intimidado por sua
grandeza, seus mordomos, suas esculturas de época, seus extensos jardins e ricas fontes e sua
arquitetura quase novelesca.
Não é que Sophie fosse rica, é que era imensamente rica.
E ele era somente um rapaz de Chicago que se afastava muito de ser humilde, mas que não
alcançava de forma alguma o status do sangue quase azul de sua esposa.
Entretanto, agora esses medos e essas inseguranças tinham desaparecido. Talvez não tivesse
sobrenome nem sangue aristocrata como outros pretendentes com os quais certamente seus sogros
quiseram enlaçar Sophie, mas sim tinha algo que outros não tinham: coragem para aceitar que a
riqueza de alguém não se media por suas posses, mas sim pela força com que amava e respeitava às
pessoas que faziam parte de sua vida. E Sophie Ciceroni era seu bem mais prezado.
Ao final de uma semana seria agente do FBI, realizaria sua máxima aspiração. Tinha
conseguido. E embora eles não fossem assistir sua graduação, e apesar de que, infelizmente, não
podia dar a boa nova à sua família por parte de casamento para que se sentissem orgulhosos dele,
porque não o fariam, Nick decidiu fingir que esse fim de semana celebrariam seu êxito, embora
mentisse dizendo que tinha conseguido trabalho como gerente de produto.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

O certo era que, como Clint e ele tinham a primeira e segunda nota mais alta de sua
promoção, com seus idiomas e suas aptidões, não demorariam para oferecer um posto para eles em
Washington. Seu destino seria a capital, estavam convencidos, pois dali se repartiam as operações
mais importantes de caráter externo.
Nick só esperava saber quando e a que departamento o atribuiriam.
Enquanto isso, nesse fim de semana na Louisiana, levou uma caixa de bombons Baci, de
origem italiana. Sabia que Maria, gulosa que era, adoraria.
E a Carlo deu de presente um livro muito antigo que tratava sobre a história dos imigrantes
italianos na Louisiana, e onde se falava sobre a origem dos Ciceroni. Divertiu-o ler que eram muito
amigos dos principais mafiosos italianos de Nova Orleans e que usaram parte do dinheiro de seus
intercâmbios para fundar suas principais empresas.
Aquela noite, jantando no jardim, acompanhados de luz de velas e em um ambiente
relaxado, Carlo olhava o livro com os óculos de leitura na ponta do nariz, intrigado e curioso. De
vez em quando olhava por cima das páginas para Nick, ocultando um leve e quase invisível sorriso
de agrado.
— Nicholas, insinua que minha família tem sangue mafioso? — perguntou, adotando um
tom sério repentino, imperceptivelmente forçado.
Nick sorriu enquanto tomava a taça de champanhe com delicadeza. Sabia quanto agradava a
seus sogros seus esforços por ser mais educado, mais fino… e embora seus músculos e seu porte
guerreiro falavam do contrário, ele tentava dissimulá-lo com excelente dedicação.
— Absolutamente, senhor Ciceroni. Sua família tem raízes históricas muito poderosas na
história do desenvolvimento deste estado. São quase fundadores. Devem sentir-se orgulhosos disso.
Seu sobrenome e sua origem ficaram registrados em um livro da expansão da América. Não é
maravilhoso?
Maria e Sophie pareciam divertidas com aquela conversa. Sophie ria por dentro ante a
inteligência e o atrevimento de seu marido. Estava tão bonito com sua camisa branca, seus sapatos
pretos e sua calça bege com pregas que se seus pais chegassem a saber o que queria fazer com ele
em seu quarto, na intimidade, quando ele e ela se chamavam Nick e Sophie em vez de Nicholas e
Sophia, eles a teriam internado em um convento.
Carlo o olhou com reconhecimento. Fechou o livro e o deixou sobre a mesa.
— É. — sentenciou, estufando o peito.
Maria, por sua parte, parecia querer provar todos os bombons que Nick tinha levado, para
degustar o sabor da bela Itália, dizia.
— Nicholas.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Sim, senhora Ciceroni?


— Os bombons estão deliciosos. Muito obrigada. — reconheceu. Fazia algum tempo que o
tratava mais cordialmente. — Por certo, não se cansa de viajar cada fim de semana a Louisiana?
Não poderia pedir que abrissem aqui uma filial de sua empresa? Estaria mais perto de Sophia, que
não passaria tanto tempo sozinha.
Nick negou com a cabeça sem perder a calma.
— Infelizmente não podemos, senhora. A sede não está disposta a abrir pequenas filiais no
resto dos estados, mas pedi que me deem mais dias livres e mais liberdade de movimento para ver
Sophia. Já sabem que tenho minha mulher na Louisiana e que ela não pode se mudar daqui, assim
pedi um tratamento especial. Washington é meu destino, por enquanto. — deu de ombros. — Quem
sabe no futuro? Estamos crescendo, assim cabe essa possibilidade, mas não de maneira iminente. —
“Que sonho corporativo”. — Ao menos Sophia não está sozinha, está com vocês. E isso me deixa
tranquilo.
Sophie o olhou com tristeza, mas aceitou as regras do jogo. Ao menos, podiam se ver mais,
não tanto como gostariam, mas melhor que nada. E quando se viam, amavam-se e entregavam-se
um ao outro como se fosse o último dia. Isso também lhes dava vida e impedia que se convertessem
em um desses casais monótonos e aborrecidos que estavam acostumados a se encontrar em seus
passeios ou nos restaurantes.
No dia seguinte, depois de tanto tempo e pela primeira vez, Carlo convidou Nick para
percorrer os campos de cana de açúcar junto com ele a cavalo, para lhe explicar como funcionava
tudo. Sophie galopava agarrada à cintura de Nick em um lindo garanhão negro.
— As máquinas cortam os caules. — explicava Carlo — Depois outras as carregam e levam
ao setor de processamento. Nossas máquinas espremem o caule e extraem seu suco das canas.
— O que se faz com o restante? — perguntou Nick.
— O bagaço é usado para as caldeiras e os fertilizantes. — respondeu Sophie.
— Sim. — assentiu Carlo, observando a extensão de seus campos dourados. — O suco da
cana é fervido e a evaporação provoca a cristalização do açúcar. Açúcar puro, mascavo e virgem. —
disse como uma exalação poética. — Depois se faz a afinação do açúcar ao retirar a capa líquida
que cobre o cristal de açúcar. Quando se ferve o açúcar bruto, consegue açúcar branco refinado e o
líquido que emerge dele se chama melaço.
— E vocês comercializam tudo? Açúcar mascavo, açúcar refinado e melaço? — perguntou
Nick.
— Sim, Nicholas. Nós vendemos tudo para o resto do país. Sophie está se encarregando de
levar nosso açúcar a negociantes internacionais. Quer abrir mercado na Ásia e na Europa.

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— E conseguirei, papai. Quero deixar este negócio rodando sozinho. E para isso temos que
abrir novas potências que apostem em nosso produto. Até agora — Sophie lhe explicou com todas
as letras o crescimento da Azucaroni, sua marca patenteada —, nosso produto era conhecido por ser
caro e elitista, e com razão, porque era o melhor, e utilizávamos muita mão de obra e dedicação, em
vez de máquinas. Mas a evolução exige o uso dessas máquinas para poder exportá-lo melhor em
menos tempo. Quanto menor tempo, mais produtividade. —explicava Sophie levando um pau
molhado com melaço à boca. Estava deliciosamente doce. — A produtividade e a quantidade farão
com que possamos abaixar os preços e vender mais. Isso nos dará mais benefícios e seremos muito
mais competitivos que o Havaí, Flórida ou Texas.
— Sua filha é um cérebro, não acha, senhor Ciceroni? — assentiu Nick acariciando a coxa
de Sophie.
Carlo olhou para sua filha com orgulho, mas só assentiu.
Por isso a quero aqui. — assegurou, esporeando os cavalos para continuar sua rota.
***
O domingo era o pior dia da semana, porque era quando Nick devia tomar o avião de volta a
Virginia e se despedir dela. Esse fim de semana, depois de muitos mimos e carinhos e de se
despedir educadamente de seus sogros, quando Nick entrou no carro do chofer e olhou ao palácio
Ciceroni através do vidro traseiro do Cruiser, soube que uma etapa tinha acabado.
Sophie e seus pais estavam convencidos de que ele era agente comercial e gerente de
produto de uma empresa em Washington. E assim viveriam até que ele se decidisse a lhes contar a
verdade, mas a trégua levantada entre eles nos últimos meses ainda era muito frágil, e algo assim a
romperia definitivamente.
Nick só sabia que seria um dos melhores agentes do Escritório de Investigação do Estado, e
o manteria em segredo pelo amor de uma mulher.
E pela aprovação de sua família.
Às vezes, grandes êxitos requeriam grandes sacrifícios.

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CAPÍTULO 8

Dois anos depois

Grandes sacrifícios. Já tinha feito grandes sacrifícios. Isso era o que pensava Nick sentado
na poltrona do avião de volta do Japão.
Dois anos depois de seu ingresso em Washington e de trabalhar em várias operações junto a
Clint, seu colega de trabalho, delegaram a eles a missão mais arriscada e importante de suas vidas
até hoje.
Elias Montgomery, o subdiretor chefe do FBI, um homem calvo com incríveis olhos azuis e
muito respeitado em toda a organização, tinha plena confiança na capacidade deles para resolver um
assunto de tráfico de drogas no Japão. Normalmente davam esses casos à CIA, mas como não havia

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

conotações políticas nem era um assunto de terrorismo internacional, e por haver no meio cidadãos
norte-americanos, era competência do escritório federal.
Nick e Clint falavam japonês perfeitamente, principalmente Nick. Deviam se fazer passar
por traficantes de drogas sintéticas em Tóquio, onde um grupo de traficantes de drogas norte-
americanos mantinham relações e negócios com clãs mafiosos japoneses. Intercambiavam a droga
entre si e a vendiam no Japão e nos Estados Unidos. Compravam-na barata na cidade oriental e a
revendiam como droga sintética em seu país.
Nick e Clint deviam seguir os passos deles e entrar como novos compradores interessados
em seu material.
E foi muito difícil. Foi muito difícil se fazer passar por algo que não era, agir como eles para
que acreditassem no seu papel, provar a droga…
Entretanto, aquele era seu trabalho. Era para o que tanto se esforçou e pelo que tanto tinha
mentido. E agora, com três quilos a menos e uma tatuagem em forma de tigre que lhe cobria a
nádega esquerda e parte da coxa, questionava-se se havia valido a pena tanto esforço.
Tanto Clint como ele fizeram aquela tatuagem como sinal de fidelidade ao clã onde se
infiltravam. Mãe de Deus, o que diria a Sophie quando a visse? Tinha um maldito tigre no traseiro e
sua cauda se enrolava ao longo de seu quadríceps. Um felino listrado de dentes bicudos e olhos
amarelos e brilhantes.
Passou a mão pelo rosto. Sophie o olharia muito estranho.
Havia se sentido ligeiramente perturbado nesses dois anos de trabalho e de missões. Não
sabia se ela notou ou não, mas ele percebia como dia a dia mudava por dentro. E o que tinha vivido
no Japão tinha superado as cotas de depravação e vaidade que estava disposto a presenciar.
O poder pelo poder. A máfia mais cruel em estado puro. Gente que comprava gente, e gente
milionária que comprava vício e morte. Assim se levantavam as bases de uma sociedade? Nick
estava tão enojado que só queria ver Sophie para acreditar que continuava havendo coisas boas.
Sua inocente mulher estava tão à margem de tudo aquilo que era como um mundo paralelo,
o mundo ao qual ele realmente pertencia, embora não merecesse.
Um mês. Um mês sem ver sua esposa, falando com ela com um telefone pré-pago para que
nada nem ninguém pudesse registrar suas chamadas.
Outro mês mais mentindo para ela. Passou tantos que já tinha perdido a conta.
Um mês sentindo falta do doce amparo que lhe oferecia.
Um mês à beira de que o descobrissem e de que sua vida ficasse de pernas para o ar.
Um mês inteiro fora de casa. Clint tinha desempenhado o papel de sócio poderoso em seus
negócios de droga.

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Juntos tinham contatado com os membros do segundo clã mafioso mais importante da
cidade, os Sumi, integrantes da Yakuza japonesa. Tornaram-se amigos dos traficantes americanos e
dividiram as áreas onde distribuiriam nos Estados Unidos para vender sua mercadoria. Não se
perturbariam e manteriam uma relação o mais amistosa possível. Pegaram todos com as mãos na
massa.
Entretanto, embora a missão tenha sido um êxito, muitos membros do clã Sumi sairiam em
pouco tempo à rua, já que a Yakuza controlava o Japão conforme seu desejo. Era uma pena, porque
essa gente, embora estivesse regida por uma série de códigos que os clãs atuais não seguiam, era
muito louca. Era excepcionalmente agressiva, excêntrica e vingativa. A Yakuza era muito perigosa,
como uma espécie de máfia russa ou de terroristas da Yihad, embora tudo maquiado de cultura
oriental e famílias prestigiosas.
No final, todo clã organizado semeava o terror, fora da religião ou a cultura que fosse.
Os traficantes americanos viajavam com eles no avião com as algemas postas, ocultas sob a
manta, em posição preferencial, para não despertar a curiosidade dos viajantes. Eles iriam
diretamente à prisão.
As nuvens do entardecer se tingiam de cores elétricas e resplandecentes, iluminadas pelo sol.
Aquele era o céu de sua terra, e por fim entendia o ditado de “Não há lugar como seu lar”. Nick se
sentia feliz de voltar para seu país. Caramba, se até desejava ver seus sogros e passear com seus
cavalos pelos campos de cana-de-açúcar.
Não demoraria nada em estar lá. Depois dessa missão, teria várias semanas livres de
descanso e as passaria com Sophie.
Olhou à sua esquerda para Clint, que tinha a cabeça apoiada na janela, olhando como
sobrevoavam as nuvens. Triste e cabisbaixo.
Clint teve um imprevisto na missão. Nick jamais imaginou que seu companheiro perderia a
cabeça por uma japonesa, filha do líder da Yakuza.
O resultado foi terrível. O líder, Kai Sumichaji, tinha dois filhos: Ryu e Mizuki. Mizuki era
uma jovem com metade do corpo tatuado que sofria o mau trato dos homens do clã de seu pai.
Ryu, seu irmão, era o único que a protegia das noites de álcool do clã. Mas quando soube
que Mizuki tinha sentimentos por um estrangeiro americano, por Clint, contou a seu pai.
O próprio Kai assassinou a sua filha como traidora. Ter relações ou apaixonar-se por
membros que não fossem do clã punha em perigo a Yakuza, e isso não podiam permitir.
Na mesma noite que desmantelaram a operação souberam pela boca de Ryu que sua irmã
tinha morrido. Clint não podia dar mole, não devia mostrar nenhuma emoção a respeito, já que
tinham tudo o que necessitavam e nessa mesma noite agarrariam os americanos detidos no Japão e

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denunciariam o clã Sumi por tráfico de drogas. Eles deviam limpar as mãos e participar como se
também os tivessem pego, já que não deviam mostrar seus distintivos em nenhum momento.
Clint, apesar de não conter a raiva e a frustração ao saber que Mizuki já não vivia, teve que
engolir a ira e a impotência.
Nick não conseguia imaginar como seu amigo se sentia. Aquilo devia tê-lo deixado arrasado.
Imaginava Sophie no lugar de Mizuki e os demônios o levavam.
— Ei. — disse Nick chamando a atenção dele. Clint o olhou de esguelha, mas não
respondeu. — Porra, sinto muito, cara.
— Estou bem. Nosso relacionamento era impossível. — reconheceu com expressão sombria.
— Mas não merecia esse final. Ela estava muito só… e desesperada para sair.
— Sim. Sei. — admitiu Nick com pesar. — Mas não estávamos lá para salvá-la. Essa não
era a missão.
— A missão. — grunhiu com desagrado. — Já nem sequer sei para o bem de quem trabalho.
Esses filhos da puta japoneses sairão da prisão dentro de menos de um mês. Compraram a todos.
Mizuki, em troca — lamentou —, já não sairá da cova onde a colocaram.
Clint se calou pensativo, concentrado em sua dor e em tudo o que tinha acontecido no
Japão.
Nick, por sua vez, queria consolar seu amigo, mas não tinha nem ideia de como fazê-lo.
Como diabos se consolava alguém que dizia que acabava de perder o amor de sua vida?
Em uma missão como aquela, nunca havia ganhadores.
Todos perdiam algo: alguns, seus princípios; outros, sua saúde; e outros, como Clint, seu
coração.
Os federais foram ao aeroporto de Washington para recolher os detidos. Elias Montgomery,
trajado como executivo, saudou diligentemente Nick e Clint, e os felicitou por seu trabalho.
Clint aguentou com estoicismo as palavras do subdiretor. Nick tinha tanta pressa em tomar
banho, descansar e rodear-se da essência de sua casa para viajar imediatamente a Louisiana que mal
escutava o que lhe dizia.
— Têm três semanas de licença. Façam o que tiverem vontade. Recuperem-se e
desconectem. Seu país precisará de vocês de novo.
— Sim, senhor. — responderam.
Ambos retornaram a suas casas com suas más lembranças, uma mala em uma mão e o
estresse e a ansiedade de ter vivido uma aventura como essa.
Depois de um abraço sentido, cada um foi para seu lado.

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Nick pegou seu SUV, o qual não queria se desfazer, embora passasse o tempo e foi para sua
casa em Gary Road.
Ao menos ali as cerejeiras não o recordavam a crua realidade dos Yakuza. Essas árvores em
seu jardim só falavam disso, seu espaço, sua vida e sua intimidade. Os ramos estavam cheios de
suas pétalas e seu lar adquiria um incomum tom pastel; madeira azul clara, janelas brancas, flores
rosa pau… Aquele lugar tinha uma especial calidez ao entardecer.
Nick pegou sua mala de viagem preta e sua bolsa de mão da mesma cor que pendurou no
ombro.
Morria de vontade de acariciar seu cachorro, que já tinha seis anos. Quanto mais se afastava,
mais sentia falta dele, embora soubesse que o golden se sentia como um pequeno deus na Louisiana
sob os mimos e os cuidados de Carlo e Maria, e de sua carinhosa Sophie.
Caminhou através do caminho de pedra que cruzava o jardim. Deteve-se ao detectar uma
mancha amarela sob o alpendre de madeira. Era um New Beetle. O de sua esposa.
Engoliu em seco, levantou o olhar cheio de esperança e agradecimento e o fixou na grande
janela que dava para a cozinha. Havia luz atrás do vidro.
A porta da entrada se abriu e apareceu Sophie, com seu cabelo comprido e perfeitamente liso
sobre os ombros, emoldurando seu lindo rosto ovalado.
Cada ano que passava ficava mais bonita.
Vestia uma camisa branca meio desabotoada, uma calça cáqui curta e sandália de verão
agarrada aos tornozelos.
Não esperou. Saiu como um relâmpago, saltando os degraus do alpendre, voando com uma
meta fixa na cabeça: chegar até Nick.
Ele deixou cair a bolsa e sua mala, e a agarrou no ar enquanto se fundiam em um abraço
emocionante cheio de amor e paixão.
Sophie o beijou pelo rosto todo, sem deixar de acariciá-lo e de sorrir.
— Querido, está mais magro… Deus, quanta vontade tinha de vê-lo… senti tanta saudade…
tanta… Não suporto que esteja longe de mim tanto tempo…
Nick não respondeu nem disse nada.
Simplesmente tomou o rosto dela entre as mãos, absorvendo-a como se fosse uma miragem
ou algo muito belo para ser do seu mundo. Ela deixou de falar, calada por um profundo beijo que os
silenciou e os esquentou.
Entraram aos tropeções na casa. Nick pressionou sua mulher contra a parede da entrada e
esteve a ponto de atirar ao chão o cabide negro de metal.

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Sophie gemeu feliz ao sentir a língua de seu marido contra a sua e ao notar como a capturava
pelas nádegas para esfregar-se contra suas pernas, enquanto ela o rodeava com um ânsia inaudita.
A distância podia esfriar muitos casais. Para eles, em troca, era como um afrodisíaco.
Diziam que o amor era uma planta que se devia regar… pois sua planta permanecia sempre regada.
Sabiam perfeitamente como sentiam um respeito ao outro, assim não duvidavam de seus
sentimentos. Por isso quando se viam de novo, limitavam-se a demonstrar quanto sentiram falta um
do outro.
E seus corpos o faziam por si só. Precisavam tocar-se, roçar, acariciar…
Nick arrancou sua camisa e a apoiou sobre a ilha da cozinha. Sentou-a e se colocou entre
suas pernas.
— Não sabe quanto precisei de você, Soph… — murmurou Nick lambendo a garganta dela,
trabalhando com perseverança em desabotoar sua calça cáqui e descê-la por suas pernas esguias.
Imediatamente depois, cobriu seu púbis com sua mão e apreciou ao notar o pelo encaracolado de
sua esposa. Castanho claro. Lindo.
Sophie jogou o pescoço para trás e se apoiou com as mãos no mármore da ilha.
— Sentiu minha falta?
— Sim, Nick. Muito. — assegurou atraindo-o com suas pernas. — Faça amor comigo já.
Morro de vontade.
Nick sorriu e o sangue de Sophie ferveu ao ver seus dentes brancos entre seus lábios e o
brilho endiabrado de seus olhos dourados. Só precisavam disso. Estarem juntos, unidos um ao outro
daquele modo.
Ele tirou o cinto e desabotoou a calça, para depois liberar sua ereção de sua cueca negra.
Penetrou-a de uma só vez e ela já estava úmida. Apertada, deliciosamente escorregadia e inchada
até uns limites incríveis. Sophie sempre o reconhecia e o esperava daquele modo. Preparada para
ele.
Nick começou a bombear em seu interior sem deixar de beijá-la, permitindo que ela levasse
o ritmo. Era todo um cavalheiro, sempre deixava o leme para ela, apreciava igualmente de todas as
maneiras. Só importava para ele estar dentro de seu corpo e esvaziar-se nela.
Como fazia nesse momento. Sem sair dela, agarrou-a nos braços enquanto subia e descia
sobre sua ereção. Deitou-se na cama e deixou que o montasse como uma amazona.
Nick cobriu seus seios com as palmas das mãos a ponto de ejacular, a ponto de explodir pela
estimulação da carne com carne.
Sophie não ia se deter, estava no ponto de não retorno. Ambos estavam.
— Mais rápido, mais… — sussurrou Sophie. — Oh, Deus… Nick… mais…

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Sim. Sim… — ele a segurou pelos quadris, erguendo os seus para chegar com cuidado
ainda mais fundo.
E então, como se tivessem chegado a um acordo tácito, os dois gozaram ao mesmo tempo.
— Oh, Sophie…
— Nick! — Ela desabou sobre seu peito e afundou o rosto em seu pescoço.
Enquanto ele a confortava e acalmava, pensou que aquela era uma excelente boas-vindas:
um orgasmo enlouquecedor e cheio de amor e alegria depois de um mês sem se verem.
Seu marido estava em casa. Por fim.
Como odiava essas ausências. Nunca se acostumaria.
Sophie continuava trabalhando com seu pai na Louisiana, esperando todos os fins de semana
que Nick retornasse a seu lado.
Mas essas viagens de negócios eram intermináveis e uma tortura. Nick tinha um bom
trabalho e um bom salário. E esperava com serenidade a decisão do diretor de sua empresa de abrir
uma sucursal em Nova Orleans. Mas enquanto isso não acontecesse, teriam que viver daquele
modo.
Ela concentrada na empresa da família, que já tinha conseguido relançar e atualizar.
Ele na expectativa da nova sucursal.
Ambos separados.
O incrível era que seu amor e sua relação não se viu comprometida, nem sequer um pouco,
por sua situação de trabalho.
No pessoal, no físico e no emocional, cumpriam à perfeição com seus papéis e seus desejos.
Nem fendas nem recriminações. Só amor e compreensão.
Sophie abraçou Nick e roçou sua bochecha com o nariz.
— Perdeu peso.
— Sim. Sei. Foram dias muito agitados.
— Conseguiu abrir a conta no Japão?
Nick não tinha outra saída que continuar mentindo. “Abrimos e fechamos as contas dos
Sumi com os Estados Unidos. Fizemos isso.”
— Sim. Não foi ruim para nós. Gostam de nosso material.
— Clint está contente com seu novo trabalho?
Nick contou a ela fazia um ano que Clint tinha entrado para trabalhar em sua empresa, ele
mesmo o tinha recomendado. Ele o pediu como companheiro. E agora trabalhavam juntos.
— Não gostou muito da cultura japonesa.
— Ah…

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— E com você, como foi? Conseguiu explicar a seu pai sobre abrir sua própria rede de
restaurantes?
Sophie enrugou o nariz e negou com a cabeça.
— Não encontro um modo de dizer a ele. Está tão animado com o bom funcionamento da
empresa que tenho medo que voltemos a nos enfrentar.
Nick a beijou na testa. Não a pressionaria. Mas Sophie já tinha feito sua função; reconverter
o clássico negócio de açúcar do seu pai em uma marca internacional com marca padrão e gourmet.
Tinha conseguido produzir vários tipos de açúcar, não só o mascavo, e isso permitiu a eles abrir
mais mercado e aumentar a produtividade.
— Meu pai agora te aceita. Pergunta por você muitas vezes. Acredito que começa a gostar
de você.
— Já era hora. Depois de cinco anos… Digamos que começamos a nos tolerar.
— Ao que me refiro é que se disser a ele que quero ficar por minha conta, preocupa-me que
volte a implicar com você e teime de novo em nos separar.
Nick sorriu maliciosamente.
— Não conseguiria.
— É óbvio que não. Mas ainda não é um bom momento para lhe apresentar minha ideia.
— Já a atrasou por ele.
— Sim, é verdade. Mas acredito que ainda posso esperar um pouco mais… Além disso, não
é o momento adequado.
Nick não estava tão de acordo, mas como ia dizer o que tinha que fazer com sua vida quando
era incapaz de explicar a ela o que ele fazia com a sua?
O agente levantou a cabeça do travesseiro e lhe deu um beijo nos lábios.
— Deu-me uma boa surpresa, Sophie… Vê-la é justo o que precisava hoje. Pensava que me
esperava na Louisiana. Tinha pensado tomar banho e ir para lá amanhã.
Ela deu de ombros e se ergueu para se afastar, acariciando o corpo dele com a ponta dos
dedos. Desabotoou sua camisa mordendo o lábio inferior e depois desceu as calças até os joelhos.
— Acontece que vim porque tenho uma surpresa que… Pelo amor de Deus! — exclamou
atônita, ficando de joelhos aos pés de Nick com os olhos fora de órbita e seu olhar castanho cravado
em sua coxa. — Me diga que isso que tem aí é henna!
Henna? pensou Nick, divertido. Não era henna, mas sim tinta de tatuagem que corria sob sua
pele. E ficaria eternamente.
Sophie ao ver que Nick sorria e não respondia, deu um tapa nele com a mão aberta na
barriga.

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— Ouch! — queixou-se ele.


— Ouch?! Fez uma tatuagem?!
— Não se zangue. Clint e eu perdemos uma aposta e tivemos que fazer isto. — explicou
com tranquilidade.
— Por que teve que se tatuar? Uma aposta? E não podia tatuar uma letra ou uma estrelinha
no pulso?
— É somente um desenho.
— Nick! — virou-o como um bolinho e voltou a clamar aos céus quando comprovou que o
mesmo desenho percorria a nádega de seu marido. — Ficou louco?! Tem a bunda tatuada! — gritou
incrédula.
— Deveria ver a do Clint…
— Não me interessa a bunda do Clint! Ele não é meu marido!
— E me alegro por ele. — ronronou tentando suavizar seu impacto. — E também por mim.
Do contrário, jamais teríamos sido amigos. Eu me sentiria muito mal desejando a esposa do meu
melhor amigo, não acha?
Sophie balançava a cabeça e jogou a longa franja lisa para trás.
— Deus… parece um mafioso…
— Mas você gosta, não é? — Agarrou-a de repente pela cintura e a atirou de novo sobre a
cama.
— Nick… — suplicou meio sorrindo. — Quando meus pais virem isso…
— Deveria me banhar nu para isso. E não queremos constranger aos Ciceroni, não é
verdade, princesa?
— Desde quando você gosta de tatuagens?
— Ah, sempre gostei delas. Sempre quis fazer uma — mentiu —, mas não sabia o que.
— Claro, e foi ao Japão para descobrir.
— Não se zangue, Soph… Se você não gosta, com o tempo tirarei. Mas note bem. É um
tigre. Tal como você me chama às vezes quando quer brincar comigo. Um tigre — recordou —,
como o bichinho de pelúcia que ainda conserva em sua cama de quando era criança. Fiz isso em sua
homenagem. — improvisou. Não havia nada como ter a mente rápida.
Sophie engoliu em seco, e seus olhos perderam o nuance de acusação para converter-se em
um tom de credulidade.
— Trouxe um presente para você. — disse ele de repente.
— Isso não vai suavizar o fato de ter um tigre no traseiro, seu trapaceiro.
— Sei. Mas acredito que você gosta… no fundo…

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— Cale-se.
— E vi algo nesse mercado que não pude evitar trazer para minha mulher. Vai ver, você vai
adorar.
Levantou-se da cama tal como sua mãe o trouxe ao mundo. Saiu correndo ao jardim,
esperando que ninguém das casas ao lado o caçassem, e agarrou a mala em que carregava toda sua
roupa. Uma vez dentro da casa, tirou um urso panda de pelúcia do seu interior e se aproximou de
Sophie com seu rosto malicioso, que sua esposa tanto gostava.
— Olhe. — disse fazendo-o dançar na frente da sua cara. — É pra você. Se apertar sua
barriga diz em inglês “Eu te amo.”
O rosto de Sophie se iluminou por completo e lhe dirigiu um sorriso radiante, e
imediatamente seus olhos se alagaram de lágrimas de emoção…
Nick, surpreso, olhou o urso. Não teria imaginado que Sophie chorasse por isso… Correu
para sentar-se a seu lado e passou o braço por cima dela para cobri-la e protegê-la do que acontecia
com ela.
— O que acontece, princesa? Está chorando?
Sophie fazia caretas com a boca e Nick desejou beijá-la, mas se fizesse não contaria nada a
ele.
— Deus, Nick… — Com uma mão segurou o urso e com a outra tomou a de Nick e a levou
a seu próprio ventre.
— O que?
Pensou que tinha as dores da menstruação. Sophie custava a suportá-la, e ele fazia
massagens nos rins ou colocava a palma sobre os ovários para esquentá-los para que a dor fosse
menor. Sophie sempre dizia que suas mãos tinham magia.
— Sua regra vai vir?
Ela aspirou pelo nariz, e ao negar, a franja se moveu para todos os lados.
— Não. Faz dois meses que não vem.
— Faz dois meses que não…? — Nick franziu o cenho sem compreender.
— Não sabia, querido, mas sem querer, esse — disse sacudindo o urso com doçura e
batendo no nariz dele com ele — é o primeiro presente que nosso filho vai ter.
Nick ficou sem ar ao receber a notícia. Ele? Um filho? Ia ser pai? De verdade?
— Como?
— Se tiver que te explicar como, é que não fez muito bem…
— Não. Não me refiro a… foi ao ginecologista?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Sim. Fui faz dez dias. Estou com cinco semanas. — Sophie deu de ombros, como se
aquilo tivesse sido sem querer e começou a rir com força. — Vamos ser papais.
Ele tentou perceber aquela vida nova que crescia no interior de sua esposa através de sua
palma. De repente, queria escutar seu coração e centenas de caras diferentes de como aquele bebê
podia ser cruzaram sua mente.
Não teve medo. Queria ser pai. Antes jamais teria imaginado. Mas Sophie mudou sua vida
por completo, para melhor. E agora seria papai. Um pai com um tigre tatuado.
— Vamos ser papais… vamos ser papais. — ele repetia para assimilar, para poder acreditar.
Até que explodiu, agarrou Sophie nos braços, e dando voltas sobre si mesmo, gritou: — Vamos ser
papais!
Uma nova etapa começava para eles.
Um novo desafio.
Enquanto Sophie prometia a si mesma ser uma mãe exemplar, transigente e sem preconceito,
Nick se prometeu outra coisa diferente: converteria-se no melhor agente de todos para legar a seu
pequeno ou pequena um mundo menos turbulento, menos injusto e menos maligno do que ele
conhecia.
Para seu filho queria um mundo melhor.

CAPÍTULO 9

Meses depois

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Elias Montgomery distribuiu vários dossiês ao grupo de agentes que tinha mandado chamar
à sala de reuniões.
Nick estudou a todos: a garota muito atraente e séria de cabelo negro comprido e liso e olhos
cinzas; o homem alto com o cabelo de corte militar, a sobrancelha partida e de olhos azuis.
A seu lado, estavam Clint e uma companheira que já tinham trabalhado uma vez e que se
chamava Karen.
Estavam ali porque iam atribuir a eles uma misteriosa missão de última hora. Chamavam-na
Amos e Masmorras.
Tratava-se de um caso de tráfico de pessoas, drogas e de assassinatos, tudo isso misturado
com um fórum de dominação e submissão de nome Dragões e Masmorras DS.
Depois da introdução e da longa exposição do chefe Montgomery, entrou em ação o homem
da sobrancelha partida.
— O fórum tem um submundo incrível. — anunciou abrindo um dossiê. — Aqui
encontrarão tudo o que precisam saber. Meu nome é Lion Romano e sou o agente encarregado desta
missão. — esclareceu — Devemos nos introduzir no fórum e nos fazer passar por jogadores de role
play. Devem aprender tudo relacionado com os tipos de amos e de submissos, todos com
reminiscências e pontos em comum com os protagonistas de Dragões e masmorras.
— Arqueiros, feiticeiras e tudo isso…? — perguntou Nick, morto de curiosidade.
— Sim. Exato. Vilões, criaturas, Rainha das Aranhas… Devemos nos preparar para não
levantar suspeitas e conhecer tudo relacionado com o mundo do BDSM. Estes assassinatos
aconteceram durante o primeiro torneio que fizeram de seu rol. Será um caso muito longo… Não
sabemos o que há por trás deles nem como captam às mulheres que logo sequestram. Mas há uma
liga de casais de domines e submissos. Se entrarmos nessa liga, podemos nos aproximar dos vilãos,
os que movem todo o jogo. Assim, primeiro devemos estar preparados para atrair sua atenção.
Alguém sabe um pouco de BDSM? — Seus olhos azuis estudaram a todos os presentes, sorridentes
e ao mesmo tempo ansiosos, como se ele conhecesse esse mundo como a palma de sua mão.
— Açoitar, amarrar… — murmurou Nick, um pouco perdido. — É por aí?
A garota morena que havia ao seu lado parecia ter feito os deveres e negou com a cabeça.
— Olá, equipe. Meu nome é Leslie Connelly. Vai muito além disso, é algo quase existencial.
Acreditem em mim, leiam sobre isso. Eu também pensava que se tratava de bater e infligir dor, mas
quando Romano me colocou no grupo e me disse que me preparasse, fiz isso e acredito entender a
teoria. — Seus olhos cinzas olharam para Karen, procurando empatia feminina. — Agora só
precisamos compreender a prática.
Nick adivinhou que essa tal Leslie Connelly e Lion Romano se conheciam anteriormente.

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— Devemos fazer casais de trabalho. — explicou Romano — A liga, o rol e o torneio se


movem ao redor da busca de amos e submissos, e em formar casais que deem espetáculo. Entendo
que nenhum de nós tem ideia de como é isso… Assim precisamos nos exercitar antes. Pensei que os
casais poderiam ser estes… Nick Summers e Karen Rafferty. Clint Tockholmes e Leslie Connelly.
— E… presume-se que devemos praticar entre nós? — perguntou Clint olhando para Leslie
com interesse.
Lion assentiu e pigarreou.
— Devemos ser algo mais, nos infiltrar. Fica claro? — Esperou que alguém tivesse algo a
objetar e depois acrescentou. — Isto é trabalho, senhores. Recordem-no. Nick — olhou diretamente
nos seus olhos —, você é o único dos aqui presentes que usa aliança. Se significar um problema…
podemos procurar outro. Mas vi seu currículo e dada a quantidade de gente estrangeira que participa
destes jogos, e em especial em Dragões e Masmorras DS, alguém como você, com seu perfil, cairia
muito bem.
Nick olhou o anel e pensou nas mil razões pelas quais não podia aceitar um caso assim.
Entretanto, era seu dever e se preparou para isso, assim devia tomar a decisão mais responsável. A
mais competente. E ele era, no final das contas, um agente do FBI.
— Estou dentro. — assegurou fechando o punho, vendo como o anel resplandecia pelos
reflexos da luz.
Lion assentiu de acordo.
— Devem procurar nomes de usuários. Esse será o Nickname com o que participarão do
fórum e em outros encontros. Pensem que neste fórum fazem registros do IP, assim devemos
camuflá-los para que não sigam nosso rastro, certo? Não podem suspeitar jamais de nós.
— Sim, senhor. Serei Khamaleona. — assegurou Leslie, animada.
Clint a olhou e assentiu de acordo.
— Eu serei Mosquito.
Os lábios de Leslie se ergueram com soberba.
— Camaleões comem mosquitos. Quer dizer com isso que serei sua ama?
Clint não se importava nem um pouco. Aquela garota recordava de algum modo Mizuki,
pelo cabelo e aqueles olhos amendoados. E isso o fazia imaginar que ela continuava viva. Talvez
fosse um novo estímulo para ele e para sua vida sombria desde que voltou do Japão. Precisava jogar
a última cartada para continuar vivo.
— Que assim seja. — disse.
Nick o olhou de esguelha. Clint não estava para brincadeira. Fazia tempo que seu amigo não
sorria, que sua vida carecia de cor. Tornou-se um pouco taciturno e só se abria a ele de vez em

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quando, tomando uma ou outra cerveja, quando contava como se sentia. O álcool abria todos os
canais de comunicação. E depois, quando desaparecia de seu sangue, fechava-os com mais força. E
Nick tentava ajudar seu amigo. Mas como se ajudava alguém que não queria que o ajudassem?
E ele? O que seria dele? Cada missão que empreendia o mudava por dentro e ensinava
coisas novas sobre si mesmo. Podia ser cruel, vingativo, desinteressado, indiferente e frio se
propusesse a si mesmo… Podia ser quem ele queria ser. Mas quem e o que era na realidade?
Aquela missão seria sua nova aventura, e esperava que Sophie continuasse respeitando-o.
Porque se alguma vez descobrisse o que fazia, perderia muito mais que seu respeito. Seis anos e
meio vivendo uma mentira era muito. E mais agora que vinha um bebê a caminho
— Eu serei Tigrão. — anunciou Nick.
— Tigrão? — repetiu Karen, com seu cabelo encaracolado no alto de sua cabeça fazendo
divertidos cachos de cabelo caírem ao redor de seu rosto. Seus olhos eram enormes e verdes. —
Tigrão como o bolinho?
Clint riu de cabeça baixa. Ele sabia por que escolhia esse apelido. Ter um tigre que mordia
sua nádega não era muito agradável.
Além disso, o tigre era seu animal favorito.
E também o de sua esposa.
Quando saíram dos escritórios, Lion Romano pegou Clint e Nick de lado e os convidou para
tomar uma cerveja.
O agente encarregado tinha quase sua idade. Era especializado em engenharia da
informação, e aparentemente era muito bem apreciado dentro da corporação.
Lion, dentro de seu aspecto um pouco intimidante e de seu olhar frio, parecia um cara legal.
Se ganhasse sua confiança, seria para sempre. Mas não dava a possibilidade de todo mundo ganhá-
la, por isso Nick queria aproveitar a oportunidade.
Pediram três cervejas pretas e se sentaram em uma mesa redonda, oculta em um canto do
pub meio vazio.
— Quero falar com vocês antes de começar a preparação, e quero deixar claro alguns
pontos. A missão que devemos encarar tem conotações sexuais. E vamos trabalhar com
companheiras que merecem todo nosso respeito, certo? São tão profissionais como nós, mas quero
me assegurar de que ninguém vai de cabeça durante a instrução.
Clint e Nick se olharam surpresos.
— São companheiras, e nós profissionais. — argumentou Nick — Quando acabar minha
jornada, não vou me atirar em cima de nenhuma delas, se é isso o que o preocupa.

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Lion entrelaçou seus dedos e apoiou os cotovelos na mesa. Seus olhos azuis claros
escureceram e inclinou seu corpulento corpo adiante. Embora Nick fosse mais corpulento que ele,
Lion tinha uma presença que transmitia poder e respeito.
— Pois verá; o que na verdade me preocupa é saber se Clint vai continuar bebendo até que
não sobre branco nos olhos. Ou se você, Nick, vai ser capaz de levar o caso com seriedade sem se
deixar levar pelo amor incondicional que sente por sua mulher.
Clint se endireitou na cadeira e bufou com ironia. Nick, em troca, estreitou os olhos e se
inclinou para frente copiando o gesto de Lion, demonstrando que embora fosse seu superior não
tinha medo dele.
— Você nem sequer imagina as coisas que fiz mantendo minha mulher à margem. Não faz
porra de ideia nenhuma. Assim não me julgue, porque levo muito a sério meu trabalho, Romano.
Passo seis anos cumprindo-o à perfeição. Trabalho é trabalho. E minha mulher é minha mulher.
Posso diferenciá-los perfeitamente.
Lion piscou de acordo com a resposta. Sabia que Nick Summers era um agente excelente,
mas a missão de Amos e Masmorras era complicada para aqueles que tinham os corações
comprometidos. Mesmo assim, seria um filho da puta e exigiria o máximo de sua equipe, não
importava se estavam apaixonados ou não. Ser agente do FBI não era um jogo.
— Perfeito. E o que me diz Clint? — Os olhos azuis de Lion julgaram sem nenhum pingo de
vergonha ao agente.
Este revirou os olhos, tomou a cerveja preta entre seus dedos e verteu todo o líquido no
chão. Sorriu, tudo de volta.
— Eu posso deixar de beber agora mesmo. Mas me dê trabalho para que comece a matar
meus demônios de outra maneira. — esclareceu — Porque sou muito bom no meu trabalho. E darei
o melhor de mim neste caso. Mas mantenha minha mente ocupada. — Quase rogou a ele.
Lion o estudou, querendo olhar através dele e compreender a que se devia aquele desespero,
mas ainda era cedo para averiguar.
Entretanto, adorou a honestidade e a sinceridade dos dois agentes, e soube sem nenhuma
sombra de dúvida, que podia aprender muito com eles e que podiam chegar a ser bons amigos.
E prometeu a si mesmo dar o exemplo, dando o melhor de si em Amos e Masmorras. Queria
ganhar o respeito dos seus.

***

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Uma semana depois, Nick tinha diante de si um novo vídeo sobre dominação e submissão.
Jamais tinha visto nada parecido. É óbvio que tinha visto pornô. Era um homem com apetites
sexuais, porra. Hardcore, creampie… de tudo. Mas se deu conta de que os verdadeiros amos e os
melhores vídeos sobre BDSM não se encontravam nas páginas pornô, mas sim ocultos entre os
verdadeiros mestres destes jogos sexuais que definiam um modo de vida e que tinham confiança
total em um companheiro.
Lion Romano lhes forneceu uma extensa e excelsa bibliografia sobre o que era bondage,
dominação e submissão, acompanhada de uma cinemateca espetacular.
Nick, sentado em sua poltrona de braços na solidão de sua casa, com o resplendor de sua
televisão de plasma o acertando diretamente no rosto, experimentou um estranho beliscão de
emoção e de curiosidade ao contemplar o jogo contraditório que envolvia uma domesticação. As
lágrimas, os rogos, os sorrisos da submissa… como suplicava por mais! Como pedia mais dessa
doce tortura! Como era possível?! Como podia ser que algo tão impactante de se ver pudesse excitá-
lo desse modo?
Sua mulher estava grávida. Sophie daria a luz dentro de umas semanas, e não cessavam de
cruzar em sua mente imagens de sua esposa amarrada, amordaçada e submetida por ele. Por quê?
Por que lhe acontecia isso?
Não o excitava a mulher que via no vídeo. Nem sequer o excitaria Karen enquanto ele
praticasse os spankings, os açoites e todo o resto. Mas se excitava ao imaginar Sophie assim.
Estaria ficando louco?
O amo do vídeo puxava o cabelo da garota enquanto a empalava por trás com uma fúria que
parecia dolorosa, e que tinha certeza, tinha que doer àquela jovem. Entretanto, nessa dor, enquanto
ele açoitava sua nádega avermelhada e quente com a mão aberta a um ritmo quase insultante, a
submissa achava sua liberação e sorria entre lágrimas, suplicando que não parasse, que não cessasse
seu castigo, enquanto gozava e suas pernas tremiam pela sensação.
E Nick estava impressionado.
Passou vários dias impregnando-se de toda essa informação. E quanto mais via, mais queria
saber. Despertou nele uma necessidade irreprimível: a de experimentar e comprovar se, fazendo
isso, gostaria e o emocionaria tanto como ver.

***

Sophie analisava os últimos relatórios de venda de açúcar.

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As plantas melhoraram sua própria produtividade duzentos por cento, e os benefícios se


triplicaram após. Gozavam de boa saúde econômica e tinham distribuição em todos os estados
americanos e em mais de trinta países de todo o mundo. A marca Azucaroni era reconhecida
internacionalmente e respeitada em seu país.
Fechou o Excel de contas e abaixou a tampa do notebook com um gesto de orgulho. Tinha
conseguido. Era uma mulher que sabia relançar uma empresa, tirar os máximos benefícios dela e
repará-la. Quando por fim desenvolvesse sua própria rede, certamente faria isso bem.
Acariciou o ventre e apoiou as costas no respaldo de sua cadeira bege de escritório. Através
da ampla vidraça que rodeava seu escritório, podia contemplar os campos de cana-de-açúcar.
Os caules das cespitosas plantas cobriam uma imensa parcela esverdeada e amarela de vinte
mil metros. Em breve as máquinas passariam suas lâminas detalhadamente pelos caules e os
cortariam para logo passá-las no trapiche.
Sophie adorava ver como entardecia em Thibodaux e que seus campos de açúcar se cobriam
das cores ardentes que emitia o sol ao se esconder.
Imaginou Nick correndo através dos campos perseguindo sua filha, como seu pai tinha feito
com ela. Teriam uma menina.
E a chamariam Cindy.
Morria de vontade de vê-la. Que cor de olhos teria? Marrons como os seus ou dourados
como os de Nick?
Como seria seu casamento com um bebê?
Até agora tinham sobrevivido a tudo. À melancolia, à distância, a seus trabalhos, a seus
pais… Seu amor tinha saído vencedor de tudo aquilo.
Quando se viam era como o primeiro dia. Não se cansavam de se tocar, de beijar e de se
acariciar. Buscavam-se com olhos, mãos e bocas.
Era maravilhoso se reencontrar com seu marido todas as sextas-feiras. E quando tinham
permanecido longas temporadas juntos de férias, tudo saiu às mil maravilhas.
Respeitavam seus espaços mútuos, e ao mesmo tempo, necessitavam que houvesse algo do
outro neles.
Entretanto, ter um bebê não era o mesmo que ser solteira e autossuficiente. E um casamento
sem filhos não era nem um pouco o mesmo que um com eles. Tudo mudava. Não sabia se para
melhor ou para pior, por isso tinha decidido que viveria com ele, para que pudessem usufruir de
Cindy e dela juntos, como uma família.
Pegaria um ano de licença maternidade. Embora seu pai fizesse bico porque queria que
estivesse ali com eles, queriam apreciar Cindy desde o primeiro dia, devia aceitar isso e

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compreender que o pai era Nick, e que ele e ela eram um casal que, devido às circunstâncias,
trabalhavam em estados diferentes e que por isso não podiam se ver tanto como o fazia um casal
normal. Aproveitariam sua licença para que ela fosse viver uma temporada em Washington junto
dele.
Depois de várias discussões, Carlo cedeu. Em troca, seu pai pediu que formasse durante
alguns meses alguém para seu cargo e responsabilidade, como diretor do comitê de estratégia
empresarial e de ações do comércio de açúcar.
E então chegou Rob.
Rob era um homem bonito e agradável cinco anos mais velho que ela e com uma ampla
experiência em direção de destilarias. Mas açúcar não era álcool, nem tinha os mesmos
distribuidores nem falavam com o mesmo perfil de comerciantes. Sophie tinha reeducado Rob para
que fizesse seu trabalho enquanto ela estivesse de licença.
Tinha demonstrado ter uma grande capacidade de atenção e agora sabia como deviam
funcionar as coisas, e tanto ela quanto seu pai tinham fé nele.
Justo nesse momento a porta se abriu e apareceu uma cabeça. Rob tinha o cabelo castanho
despenteado, um pouco grunge. Vestia camisa polo e calças dockers e tinha uma mandíbula muito
marcada e masculina. Era um homem atraente, sem dúvida.
Sorriu para ela e piscou um olho de cor castanha. Um homem atraente e do sul, sim senhor,
pensou ela divertida.
— Posso entrar?
— Claro. — respondeu ela.
— Seu pai me disse que vai partir dentro de algumas horas.
— Sim.
— Não pode pegar avião em seu estado, não é?
Sophie tocou a barriga avultada e negou com a cabeça.
— Nosso chofer nos levará.
— Bem. — ele disse caminhando no recinto no qual já se sentia confortável, como se esse já
fosse seu escritório. Tinha uma bolsa de uma loja de acessórios infantis em uma mão.
Sophie a olhou intrigada e franziu o cenho.
— Trouxe um presente para você. — informou com satisfação.
— Agradeço muito. Mas não precisava, Rob.
Ele sorriu contrito e deu de ombros.
— Não sei se já tem.

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Sophie abriu a bolsa e desempacotou o presente. Era um par de babás eletrônicas para
monitoramento de bebês com câmera incluída.
Sophie sorriu. Nick já tinha comprado. Encarregou-se de comprar tudo o que necessitava
para sua menina. E quando dizia tudo, era absolutamente todos os aparelhos logísticos para um
bebê. Além disso, tinha pintado o quarto e o encheu de fadas. Nick era um amor, morria de vontade
de vê-lo outra vez.
Sophie, por outro lado, tinha comprado as coisas que uma mãe queria para sua filha:
roupinhas, luvinhas e demais…
— Muito obrigada, Rob.
— Já tem, não é?
— Hã… não, não…
— Sim, tem. Conheço sua cara. — resmungou.
— Bom. — Sorriu com uma desculpa. — Precisaremos. Quanto mais câmeras, melhor. Já
sabe quão obcecado está meu marido controlando tudo.
Rob fez uma careta com a boca e coçou a nuca.
— Sim, já…
— Deixo-o sozinho ante o perigo a partir de agora.
— Fui ensinado pela melhor. Assim tentarei fazer isso bem.
— Aposto que fará maravilhosamente.
Rob olhou a seu redor com um pouco de desconforto.
— Bom, chefa… — analisou-a de cima abaixo como se quisesse cuidar dela. — Tenha
muito cuidado, certo? Espero que seu marido a trate como uma rainha.
Sophie arqueou as sobrancelhas.
— Darei o recado a ele.
Quando Rob saiu de seu escritório, Sophie franziu o cenho ante o último comentário.
Nick sempre a tinha tratado como a uma rainha. Talvez não vivessem juntos como um casal
normal, mas sua relação sempre fora excelente.
Com esse pensamento, com a vontade de se desconectar dos campos de açúcar e de seus
pais, e com o desejo de se concentrar em sua futura filha e em seu marido, Sophie cravou seu olhar
no horizonte.
Diante de si tinha uma aventura das grandes. Talvez o desafio de uma filha colocaria à prova
a fortaleza e solidez de seu matrimônio.
Nunca tiveram que se preocupar com outra pessoa que não fosse um com o outro. Mas com
a chegada de Cindy sua atenção se dividiria.

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Estavam preparados para isso?

CAPÍTULO 10

— Estou tão excitada, Nick.


Nick mordeu levemente o ombro de sua mulher, sorrindo com ternura ante seu notável
desespero.
Sophie tinha uma gravidez muito avançada, mas sua vontade de sexo tinha aumentado
devido aos hormônios. Nick, que tinha lido muito durante os oito meses que já passaram da
gestação, sabia que havia mulheres que temiam a intimidade com seu companheiro por medo que
seu bebê sofresse algum risco pela penetração.
Mas ele sabia como tratar Sophie, que posições eram as adequadas para eles. Tal como
estavam, Sophie se sentou sobre ele e tinha apoiado suas costas em seu torso, enquanto se agarrava
aos joelhos de seu marido.
Nick beijava seu pescoço e lambia seu ombro enquanto a penetrava com cuidado, mas
intensamente. Adorava tê-la assim. Contemplar suas costas enquanto ele desaparecia em seu
interior. Possuí-la enquanto com suas enormes mãos segurava seu ventre, onde repousava Cindy,
esperando seu momento. Nick tinha a vida de suas duas pessoas mais importantes em suas mãos. A
mulher que o fazia o homem mais feliz do mundo e a futura filha que faria dele o pai mais
afortunado.
E ali estava, dando prazer a Sophie. Detinha-a quando ela queria ir mais rápido, ansiosa por
chegar ao final.
— Mais rápido, Nick…
— Não, Sophie. Tem que ser assim… recorda: inspira e respira…
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— Não, Nick. Não zombe. Nick… — suplicava mordendo o lábio inferior.


Ele a segurou pelo queixo e girou seu rosto para beijá-la na boca e deixá-la sem respiração.
— Jamais zombaria de você.
Levou sua outra mão para frente e tocou seu clitóris, acariciando-a e fazendo rotações
escorregadias com o dedo.
— Oh, Deus… — murmurou Sophie agarrando-se a seu pulso.
— Assim, amor… assim. Eu a amo tanto, Sophie… É tão bonita…
Ela sorriu ao escutar essas palavras, que como se fossem um empurrão, provocaram que se
liberasse rapidamente.
Assim que Nick sentiu as paredes da vagina de Sophie contrair e espremê-lo, ele aproveitou
e se deixou ir com ela.
Sophie apoiou seus seios nas coxas levantadas de Nick e se abraçou a seus joelhos, morta de
prazer. Beijou seu joelho esquerdo e esfregou a bochecha contra seu pelo viril.
— Como pode dizer que sou bonita? Parece que comi toda minha família…
Nick soltou uma gargalhada e massageou seus rins, ainda sem sair de seu interior. Sabia
quanto a aliviava seus cuidados, e não cessava de dar a ela. Agora que a tinha vivendo em
Washington com ele, queria tratá-la como a uma rainha.
— É uma exagerada, princesa. Continua sendo linda para mim. Mais ainda, se possível. Vê-
la grávida de minha filha é tão excitante e tão lindo que me cativa o coração.
Ela fechou os olhos, agradecida por essas palavras.
— O que fiz para merecê-lo?
— O mesmo me pergunto eu.
Não era fácil viver afastado dela. E agora, depois de começar a se preparar para a missão de
Amos e Masmorras, apreciava ainda mais a intimidade e o amor que sentia por Sophie.
Nick tratava Karen de maneira impessoal, com muito respeito, porque era uma companheira,
mas à margem de que deviam executar domesticações e pôr em prática o aprendido, ambos eram
profissionais e sabiam que o que faziam era a trabalho. A princípio foi violento, mas a personalidade
de Karen o ajudava a relaxar, e ele também tentava que ela visse em seu contato só uma
interpretação do que devia ser um amo e uma submissa. Nada mais. Porque era somente isso.
Entretanto, Nick tinha descoberto algo inquietante e ao mesmo tempo fascinante sobre ele
mesmo. Tocou uma parte de sua alma que permanecera adormecida, esperando pacientemente o
momento de emergir. Os jogos de dominação e submissão o atraíam até o ponto que desejava com
loucura poder exercê-los com sua esposa. Mas esperaria que passassem uns meses depois que ela
tivesse dado a luz para lhe propor jogar de outra maneira.

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Nick cravou seus olhos nas nádegas abertas de Sophie e na umidade que brilhava no ponto
onde estavam tão unidos.
— Está se endurecendo de novo, Nick? — Ela o olhou por cima do ombro.
Ele deu de ombros. Ficava duro sempre que pensava nela e nele daquele modo; excitava-se
ao fantasiar com seus futuros jogos. Como Sophie confiava nele, estava convencido de que seria
receptiva e de que gostaria de tudo o que fariam.
— Você me deixa assim… nunca tenho o suficiente.
— Alegra-me saber disso. — murmurou Sophie deixando-se levar pelo momento.
E assim, ambos de novo voltaram a se excitar, deixando-se levar pela paixão de seu
casamento.

***

Mas nem tudo era prazer.


Isso foi algo que Nick aprendeu enquanto corria o corredor do hospital ao lado de sua
mulher sentada em uma cadeira de rodas, agarrando o ventre com força e lutando para controlar a
respiração.
Cindy vinha a caminho e lhe provocava umas dores de parto dilaceradoras. Nick só podia
estar ao seu lado e segurar sua mão, angustiado e preocupado com ela. Imagens dantescas de um
parto complicado e sangrento atravessavam sua mente, provocando suores frios e nervosismo.
— Ligou para meus pais? — ela perguntou franzindo o cenho e apertando os dentes.
— Sim, querida. Concentre-se…
Sophie se calou, jogou a cabeça para trás e gritou como uma desenfreada ante uma nova
contração ainda mais forte que a anterior.
Todas eram. Parecia que a estavam matando. E ele, apavorado, só tinha vontade de chorar
por ela.
— Vai querer peridural? — perguntou a enfermeira que se encarregava de colocá-la no
quarto. — Seu ginecologista virá em seguida.
— Não quero peridural. Quero sentir como esta menina nasce e sai de meu ventre,
Nicholas…
Nick arregalou os olhos e ficou pálido.
— Sophie, você não tem nenhuma resistência à dor. — murmurou tentando ser cuidadoso.
— É uma injeção e pronto. Nem se lembrará de que…

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Uma vez na cama, deitada, ela agarrou a camiseta do seu marido pela gola e encostou seu
nariz ao dele.
— Devia ter pensado nisso antes de me deixar grávida, imbecil! — E ato contínuo voltou a
gritar, retorcendo-se de dor e chorando como se os demônios a levassem.
Nick aguentou impassível o aguaceiro, já que aquela não foi a única vez que o insultou.
Sophie podia ser uma elegante lavadeira quando queria.
— Acredito que cortarei seu pênis! — gritava quando a tiravam do quarto para levá-la à sala
de cirurgia.
— Vai acompanhá-la, senhor Summers? — perguntou a parteira, atenciosa. — Seu
ginecologista a está esperando lá dentro.
Nick não hesitou nem um instante.
— Meu marido vem comigo aonde eu vá. — assegurou Sophie estirando a cabeça para
buscá-lo. — Nick. — Estendeu a mão procurando a sua.
Ele sorriu enternecido e se encheu de amor por ela. Precisava dele. Necessitava-o tanto
como ele a ela.
Tomou a mão de sua esposa e caminhou ao lado de sua maca, olhando-a com toda a devoção
do mundo.
Talvez ele não estivesse nessa maca, mas a dor de sua mulher era a sua. Não a deixaria
sozinha.
— Vamos fazer isto juntos, princesa. — sussurrou encostando sua testa à dela.
Sophie se pôs a chorar e assentiu nervosa.
—J untos, meu amor.
Cindy Summers Ciceroni pesava três quilos e meio e alertou ao mundo de que por fim tinha
chegado com um grito ensurdecedor à meia-noite.
Os pais de Nick e os de Sophie fizeram uma viagem relâmpago a Washington para conhecer
sua neta. Nick tinha apresentado Cindy aos orgulhosos avós, todos eles novatos em tal estado. Seu
sogro e seu pai, de classes tão diferentes, tinham o mesmo sorriso malicioso nos lábios. E sua mãe e
Maria comentavam quão bonita era com olhos frágeis e cheios de ternura.
Quando Sophie pôde segurar nos braços a sua pequena com calma, já a tinham banhado e
estava vestidinha com um conjunto rosa e um gorrinho. Era tão pequena, rosada e tão enrugada que
parecia mentira que algo assim avultasse tanto a sua barriga.
Nem Nick nem ela puderam reter as lágrimas de emoção depois da tempestade e as
apresentações.
Agora queriam ficar sozinhos.

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Eram pais. E juraram que seriam pais não por dar vida a Cindy, mas sim porque se
encarregariam de protegê-la e lhe oferecer todo o amor do mundo.
Enquanto Sophie dormia deitada de lado, de frente para eles, Nick segurava Cindy contra
seu peito. No instante em que sentiu o minúsculo coração de seu bebê pulsando contra o seu,
encheu-se de orgulho por ela.
Enquanto acariciava o punho fechado da pequena tão bem embalada por seus braços,
observou Sophie, cujo rosto banhava uma luz do luar que entrava pela janela.
Nick era incapaz de encontrar semelhanças em Cindy. Os bebês quando pequenos pareciam
velhos com nanismo. Assim, observando as feições cinzeladas e adoráveis de Sophie, não pôde
encontrar semelhanças, embora não duvidava de que a pequena quando crescesse seria tão bela
como sua mãe. Linda, justa, honesta, inteligente e divertida.
Nick suspirou e apoiou a cabeça na cadeira.
As duas mulheres de sua vida necessitariam toda a proteção do mundo. Lá fora, na realidade,
havia assassinos, pederastas, estupradores e sádicos que só eram felizes provocando a dor gratuita
dos outros.
Ele se encarregaria de cuidar de suas duas princesas. De maneira anônima, como faziam os
super-heróis.
— Vai ser um pai maravilhoso, Nick. — murmurou Sophie com voz sonolenta, olhando-o
atentamente. — Não posso imaginar esta aventura com outro que não seja você.
— Nem eu posso imaginar uma mãe melhor, nem uma esposa tão boa como você. Adoro
que trilhemos este caminho juntos. — aproximou seu rosto ao dela.
— Coloque-se aqui comigo. — pediu afastando-se levemente para dar espaço a ele.
Ele assentiu e meio deitou na cama com sua filha nos braços e sua esposa a seu lado, com a
cabeça apoiada em seu peito.
Havia felicidade mais incrível que essa?
Nick beijou Sophie e permaneceram juntos, testa com testa. Ela acariciou as costas de sua
filha.
— Não quer deixá-la no berço?
Nick negou com a cabeça.
— Esse berço de hospital é muito grande para ela.
Sophie arqueou as sobrancelhas castanhas e sorriu divertida. Era minúscula, mas supunha
que Nick queria estar em contato com ela. Era inevitável. Transbordava sensibilidade e amor, e
Sophie não duvidava de que seria um pai exemplar, como era um marido atento e cheio de cuidados
amorosos.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Me dê um beijo, Nick. — pediu Sophie com os olhos cheios de lágrimas.


Nick piscou confuso e a beijou, querendo transmitir tudo o que sentia por ela. E era tanto
que com certeza um beijo não seria suficiente. Nunca seria.
— Você me faz muito feliz, Sophie. Nunca esqueça que a amo. Aconteça o que acontecer,
tenhamos as dificuldades que tivermos a partir de agora, recorde que meu amor por você está fora
de qualquer dúvida. É o melhor da minha vida.
— Oh, Nick. — Ergueu sua mão e pousou seus dedos sobre a bochecha áspera daquele
homem loiro, seu Nicholas. — Me faz feliz ser mãe junto a você. O amo tanto que parece mentira
que tenha amor para mais alguém … — Olhou a sua filha com eterna ternura. — Mas desse amor
nasceu esta pessoinha que não teve que fazer nada para que a amasse. E o amo ainda mais por isso.
Pelo presente de Cindy.
Ficaram se olhando mutuamente, encantados um com o outro, com seus rostos emoldurados
pela pálida luz da lua.
— Começa uma nova aventura. — assegurou ele.
Sophie assentiu e sorriu resplandecente.
Entrelaçaram os dedos de suas mãos e se beijaram, desfrutando da calidez e da magia do
momento.
— Cuidarei de minhas princesas. — jurou.

***

Nick gozou de duas semanas de licença para estar com Cindy e Sophie, e para poder ajudar
sua mulher. No final de quatro dias de dar à luz já estavam em sua casa. Os pais dos dois ficaram ali
para cuidar de Dalton e preparar os quartos e tudo o que precisava para a chegada de Cindy.
Nick não podia acreditar que Carlo e Maria aceitaram passar vários dias com eles na mesma
casa, quando ambos os casais provinham de berços tão distintos.
A opulência e a humildade material.
A educação e a simplicidade.
Polos muito opostos, que por uma razão que nem Sophie nem ele compreendiam,
conseguiram se dar bem em um território neutro, apesar das notáveis diferenças em suas origens.
Nick não se envergonhava de seus pais, mas conhecia suas limitações. Como Sophie não
sentia vergonha de provir de uma família rica e poderosa, embora soubesse quão insultantes seus
pais, em ocasiões, podiam chegar a ser.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

E, mesmo assim, deram-se conta de que as reservas e os preconceitos vinham desta vez, do
lado deles e de mais ninguém. Porque os quatro se entendiam à perfeição.
As sogras cozinhavam juntas e falavam do que fosse que podiam chegar a falar duas
mulheres maduras e com filhos.
Os homens assistiam futebol um ao lado do outro e conversavam sobre política. Às vezes,
iam passear com Dalton e tomar umas cervejas.
Nick continuava sem adivinhar do que podiam chegar a falar ou o que podiam ter em
comum duas pessoas tão diferentes para dialogar tanto e ficarem à vontade um com o outro,
inclusive no silêncio. Mas embora não encontrasse o segredo, estava seguro de algo: estaria sempre
agradecido a Carlo e Maria por tratar tão bem a seus pais. Do mesmo modo que Sophie sentia um
carinho muito especial por seus sogros, por não ter em conta a altiva educação de seus pais e aceitar
tudo com tão bom humor, rindo com eles de suas próprias maneiras, não tão de classe como a dos
Ciceroni.
Entre todos esses dias, conseguiram criar um ambiente familiar heterogêneo e especial.
Sophie ria das brigas entre Carlo e seu sogro para segurar Cindy. Ou das discussões entre
sua sogra e sua mãe para adivinhar a quantidade de chili em uma queijadinha.
Era adorável ver as duas mulheres mais velhas sorrir para sua neta, agasalhá-la e amá-la com
tanta devoção. Sophie se via refletida nesse amor. Sua mãe a tratara assim quando era pequena. A
ela e a seu irmão. Às vezes, sentia pontadas de dor ao imaginar a dor de sua mãe quando perdeu seu
único filho. Deve ter sido tão devastador… Não queria nem pensar. Por isso agradecia agora que era
mãe, compreendia melhor o rígido controle que a submeteram. Nem ela nem seu pai queriam voltar
a passar por nada parecido.
E agora, apesar das diferenças que houve entre elas por aquele casamento tão precipitado e
suas desafiadoras loucuras, Maria ainda cuidava dela desse modo. E Sophie estava agradecida e se
sentia afortunada por isso. O que antes não suportava, agora apreciava. Como a vida era estranha…
Cindy acabava de unir para sempre dois mundos antagônicos que, entretanto, podiam
conviver no amor por uma menina.
Na noite antes que os avós partissem, Nick estava sentado no alpendre do jardim interno
atirando a bola para Dalton que já tinha sete anos. Na sala Sophie fazia Cindy dormir, enquanto seus
pais e seus sogros tomavam café falando sobre a diferença entre os americanos do norte e do sul.
Sophie, com a ajuda das mulheres, já sabia como cuidar de Cindy. As mamães de primeira
viagem sempre tinham dúvidas sobre um montão de coisas que as avós se encarregavam de
solucionar.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Nick acariciou o pescoço de Dalton. O cachorro, igual ao homem, tinha percebido as


mudanças da chegada de um novo membro da família. Dalton sempre saudava Cindy pelas manhãs.
Sophie se agachava para que o cachorro lhe dissesse olá e a cheirasse. Quando Dalton percebia que
estava tudo bem, então ia ao jardim para brincar e correr.
Entretanto, na maior parte do dia ficava ao lado de Cindy e de Sophie, como um guardião
protetor, como uma esfinge das pirâmides egípcias. Embora suas pirâmides fossem uma menina e
uma mulher que mereciam toda sua atenção.
Nick tomou um gole de limonada enquanto observava a aliança dourada em seu dedo anelar,
herança dos Ciceroni. Preferia as caveiras, mas por respeito a sua família por parte de casamento,
decidiu manter as clássicas.
Carlo saiu ao alpendre junto a ele e levou as mãos aos bolsos, para contemplar a noite da
capital e os vagalumes que apareciam entre os matagais do jardim de cerejeiras.
— Sente-se esgotado? — perguntou o pai de Sophie.
Falavam-se claramente, sem disfarces. A princípio, sua aberta antipatia os levou a dizer
verdades na cara e não perderam o costume após, embora sua relação agora fosse mais que cordial.
Nick sorriu por cima do ombro.
— Não, senhor. — respondeu Nick.
— É incrível como pode mudar a vida de um homem ante o nascimento de seu primeiro
filho, não é verdade? Muitos dos planos que tinha já não poderá realizar… Um bebê implica
sacrifícios.
— Você os fez? — perguntou.
Nick não podia sacrificar nada. Seu trabalho era preservar a segurança dos cidadãos, e
alguém com tal vocação não podia ignorar a necessidade de trabalhar para fazer o bem.
Era um agente do FBI, não um agente comercial como todos acreditavam. Inclusive seus
próprios pais engoliram a mentira sem fazer mais perguntas. Foi tão fácil ocultar a verdade de
todos…
Carlo deu de ombros e se sentou a seu lado nos degraus.
— Teria voltado para a Itália para estender nosso negócio. Mas Maria estava apaixonada
pela Louisiana e não quis partir.
— Sua filha abriu o negócio na Europa.
— Sim. Fez exatamente o que eu não pude fazer.
— E se sente orgulhoso dela? Sente assim que seu sonho se tornou realidade?
— Eu a amo, é um orgulho para mim ter uma filha como ela. — reconheceu com serenidade.
— Mas meu desejo é que ela ame os campos de cana-de-açúcar tanto quanto eu.

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— Respeita o negócio, mas lhe falta sua paixão.


— Sim… — reconheceu pensativo. — Quando penso nela e sei que não está ao meu lado, só
espero que o homem que me substituiu se sinta tão orgulhoso dela e a ame tanto quanto eu. — Os
olhos de Carlo se fixaram nos dourados de Nick. Sete anos não passavam em vão. Carlo tinha rugas
nos olhos e Nick… Nick tinha amadurecido tanto física como emocionalmente. Eram dois homens
que, apesar de suas diferenças, olhavam-se nos olhos e colocavam sobre a mesa quais eram suas
inquietações, embora pudessem ofender ao outro com suas dúvidas ou seus preconceitos. — Que
lhe dê tudo o que eu não dei. Que a faça feliz. E, sobretudo, que a proteja, Nicholas.
Depois de uma pausa, ele assentiu.
— Cindy é minha filha. Sophie é minha mulher. Asseguro-lhe que não permitirei que nada
nem ninguém lhes faça mal.
— Posso confiar em você definitivamente, Nicholas? Você me dá sua palavra?
— É óbvio. — assentiu sem duvidar. — Tem minha palavra.
Carlo assentiu com a cabeça para lhe dizer que confiava nele. Nicholas não tinha quebrado
nenhuma das promessas que fizera a ele, mas de todas, essa era a mais importante para ele. Carlo
apertou seu ombro e depois deu tapinhas reconfortantes.
— Assim espero, Nicholas. Um avô pode enlouquecer por uma neta. Mas um pai — estalou
a língua —, um pai pode se converter em um assassino por sua filha.
Nick se pôs a rir com incredulidade. Acabava de dizer a ele que se não cuidasse de sua
família o mataria.
A verdade era que Carlo era um safado. Um safado que achava simpático e que era incapaz
de odiar, por muito que seu sogro se esforçou durante esses últimos anos.
Mas não. Nick não o odiava. Respeitava-o pelo amor que sentia para os seus, por como os
protegia.
Ele mesmo amaria assim a suas duas princesas.

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CAPÍTULO 11

Karen suava e sorria sem perder Nick de vista, quem movia o flogger fazendo círculos.
Aquela garota morena de cachos enlouquecidos tomou ar e se agarrou às cordas que sujeitavam
seus pulsos. Tinha o torso apoiado em um potro e o traseiro no alto, coberto por um short.
Tinham concordado que, até que não fosse estritamente necessário e se encontrassem na
ação real dos clubes noturnos de BDSM, não se despiriam nem se tocariam.
Eram profissionais e não precisavam expor-se desse modo.
— Conte. — ordenou ele, para depois açoitá-la com as pontas das ardentes caudas do objeto
de castigo.

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Não podia negar que gostava daquilo. Seu amo instrutor seguia com aberto reconhecimento
seus avanços como futuro domine.
Karen gemia e exalava depois de contar cada açoite.
— O flogger não tem que doer. Não tem que ser uma tortura. — dissera Steven, o verdadeiro
amo, um homem calvo e musculoso que os instruía. — A ardência e a quentura da pele devem ser
prazerosas para a submissa. A sensação tem que ser como a lembrança de uma carícia estimulante e
intensa. Nem muito forte nem muito suave. O ponto exato, Nick.
E sabia que seguia as instruções com disciplina e maestria. Primeiro, porque não queria
machucar Karen de forma alguma. E depois, e não menos importante, porque queria praticar com
Sophie na intimidade de sua casa.
O mundo da dominação e da submissão penetrou debaixo de sua pele como se sempre
tivesse sido uma parte dele, desconhecida e oculta. O caso de Amos e Masmorras fez emergir essa
parte.
E Lion Romano, o agente chefe da operação, descobriu isso muito antes dele mesmo.
— Você gosta de dominar, Summers. — provocou um dia enquanto tomavam um café antes
de iniciar as aulas de domesticações. Não era uma pergunta.
Os olhos azuis de Romano sorriam por cima daquela xícara branca que tinha o nome da
cafeteria estampado em preto.
Nick não soube muito bem como responder àquela afirmação tão aberta, entre outras coisas.
Escutar da boca de outro o fazia acreditar que era verdade.
— É possível.
— É possível? Caralho! — Deixou a xícara em cima do prato e apoiou os cotovelos sobre a
mesa. — Você adora ter poder. Aprecia isso. Mas se sente mal consigo mesmo, estou errado?
Nick oscilou os cílios, incômodo ao ver que Lion o lia como um livro aberto. Por que ele
sabia todas essas coisas?
— Sei que você gosta por que… tem a mesma cara que a minha quando faço domesticações.
— Como diz?
— O que ouviu. Você gosta tanto quanto eu.
Nick tirou a carteira do bolso traseiro de seu jeans. Nesse dia era sua vez de pagar.
— Você gosta de estar na missão, Romano?
— Não, porra. — Lion se pôs a rir como se tivesse soltado uma piada. — Sou um amo. Um
amo de verdade. Gosto porque vivo isso. É meu modo de viver.
Então Romano captou toda sua atenção, como se tivesse aberto a ele o céu de suas dúvidas e
seus medos.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— É amo de verdade?
— Sim.
— Faz domesticações? — ficou perplexo.
— É óbvio.
— E o fato de que tenham te dado esta missão é por…?
— Ah, isso foi pura casualidade.
— Pura casualidade. — repetiu Nick, assombrado. — Porra.
— Sim.
Saíram da cafeteria para dirigir-se ao local onde esperavam os instrutores para suas aulas
particulares de BDSM. Fazia um sol de mil demônios e não demoraram a cobrir os olhos com seus
óculos de sol. Cruzaram a Avenida Kansas em Petworth, o distrito onde se encontrava o local
clandestino do BDSM.
— E por que acha que estou aborrecido?
Lion caminhou como se fosse o senhor de seu destino e o mundo fosse feito sob medida para
ele. Era seguro de si mesmo e era justo o que irradiava. Esse detalhe facilitava que sua equipe
confiasse plenamente nele. Seus dotes de controle eram inapeláveis.
— Está aborrecido porque pensa que engana a sua mulher enquanto treina com a Karen.
A verdade o deixou sem palavras e cabisbaixo.
— É possível.
— Não. Não é possível. Isso é exatamente o que acontece com você. Mas deve entender a
instrução como um mero trabalho. Sei que o BDSM tem sempre conotações sexuais, mas não tem
por que se deitar com as mulheres com quem faz a domesticação. Há muitas maneiras de submetê-
las e elas podem usufruir de forma igual. Às vezes, dominar nem sequer tem a ver com a cópula e o
orgasmo, e nós não transamos com nossos companheiros. Ainda. — particularizou — Por isso, não
é infiel a Sophie.
— Eu não tenho intenção de submeter a ninguém mais. Faço com Karen porque é minha
companheira nesta missão. Mas o que me transtorna…
— O que o está deixando louco, amigo — assegurou Lion sem medo de ferir —, é que
morre de vontade de fazer o mesmo com a sua mulher. — pararam em frente à porta vermelha do
local. — É amo, Nick. Tão amo como eu sou. E como está apaixonado por sua esposa, quer jogar
com ela assim e se mostrar tal como é. Sem máscaras. Mas o acovarda que ela não entenda o que
lhe pede.
— É óbvio que me acovarda. Sophie nem sequer sabe que sou agente do FBI, droga. —
grunhiu, um pouco irritado. — Para dizer agora a ela que gostaria de deixar sua bunda vermelha.

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Lion sorriu divertido.


— Não é o único que oculta sua profissão da esposa. Muitos agentes secretos fazem isso.
Em troca, o outro… seu desejo de dominá-la, no final terá que confessá-los, Summers, porque —
apoiou a mão direita em seu ombro e apontou para ele com o indicador da outra, para enfatizar o
que ia dizer —, uma vez que o amo acorda, já não há nada que volte a escondê-lo em sua masmorra.
E mais ainda quando tem a mulher que escolheu e que ama. Necessitará a dominação em sua vida
conjugal. Precisará dela como respirar. E se não a conseguir, então talvez seja infeliz.
— E se Sophie não aceitar essa parte de mim? Nem sequer sei que tipo de amo sou.
— É um amo bom e atencioso, isso sem dúvida. É um amo de categoria Hank, segundo
Dragões e masmorras DS. Agora — deu uma bofetada simpática na bochecha dele —, concentre-se
em aprender o máximo possível. E pense que com Karen não tem nada. São apenas ferramentas de
trabalho um para o outro. Nada mais.
— Como pode me dar conselhos de algo assim se não está na mesma situação que eu… se
não está apaixonado e perdido como eu?
O agente Romano tirou os óculos de sol emitindo um barulho. Colocou a haste de seu Ray
Ban no pescoço de sua camiseta preta e o olhou de esguelha.
— Faço domesticações desde os vinte anos. Mas estou apaixonado por uma garota desde
que tinha oito anos. Continuo apaixonado por ela e ninguém vai me tirar isso da cabeça. E ela sabe
tão pouco deste mundo como sua mulher sabe do seu.
— Oito anos? O que está dizendo?
Lion não ia contar a ele mais sobre sua história pessoal, mas continuou com seu conselho.
— É uma longa história… O que quero te dizer é que dominar é uma necessidade de seu
corpo, algo que dita seu instinto. Posso fazer domesticações, posso ter feito tantas como a
quantidade de dias tem o ano… Mas meu coração entreguei faz muito tempo mesmo. E pertence a
ela.
— À menina de oito anos?
— Não, cara… agora já é uma mulher feita. Acredito que tem vinte e seis. Quantos anos tem
Leslie? — perguntou a si mesmo. — Vinte e nove agora… Sim, então ela tem vinte e seis.
— Leslie a conhece?
Lion torceu o rosto e se obrigou a redirigir a conversa.
— Enfim, Nick… deixaremos as emoções à margem até o dia em que possa olhar a essa
bruxa de olhos verdes e cabelo vermelho e dizer a ela que me deixe ser seu amo de corpo e alma.
Que me deixe dominá-la. Então abrirei meu coração a ela e darei as chaves de minha masmorra.
Enquanto isso — empurrou-o para frente com o indicador —, cabeça fria e mão dura.

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A porta se abriu automaticamente e entraram no local.


Oh, nossa… então o duro Romano estava apaixonado. Tanto quanto ele. Isso o deixava na
categoria de homens vulneráveis.
Para ele, um mito caiu.

***

— Como está sua filha, Summers? — Leslie Connelly perguntou a ele ao sair de suas aulas
de dominação.
A morena era a domina de Clint, que depois de cada sessão parecia que tirava se si o
tormento que fazia parte dele. Parecia rejuvenescer.
Para seu amigo, aparentemente aquilo de ser submetido era uma forma de purgar seus
pecados. Talvez, pouco a pouco, o fantasma do que podia ter sido seu amor impossível junto a
Misaki se desvanecesse com cada açoite ou spanking que Leslie aplicava nele. E isso era
terapêutico.
Clint e Lion conversavam muito e se tornaram grandes amigos. De fato, o grupo de cinco
agentes tinha criado fortes laços entre eles e tinham uma sólida base de amizade.
Karen e Leslie trocavam ideias sobre as domesticações e Leslie falava também com Nick. A
necessidade de dominar tinha nascido naturalmente nele, mas Leslie se autodeterminasse, seria uma
autêntica ama. Tinha atitude e disciplina, e inspirava muito respeito.
Nick mostrava orgulhoso, através das fotos de seu celular, quão rápido sua filha crescia.
Cindy parecia um bichinho adorável. Era loira como ele e tinha os olhos castanhos de Sophie.
— É um bombom. — assegurou Leslie — Felicidades.
— Tem a genética de sua mãe. — afirmou Clint, que acabava de sair da ducha com o cabelo
negro molhado e sua bolsa esportiva pendurada às costas.
No local tinham duchas para que depois do exercício pudessem se limpar.
— Não vou tirar sua razão. — disse Nick guardando o celular, sorridente. Tinha pressa em
chegar à sua casa e vê-las de novo.
Sempre que saía de uma domesticação sentia que traía Sophie. Por mais palavreado que lhe
soltasse Lion.
Seu agente no comando deu-lhe um bom conselho: aquilo era apenas trabalho, não havia
nem desejo nem coração.
Mas mesmo assim, sabia que se algum dia Sophie soubesse do que fazia com Karen, cortaria
seus ovos e se divorciaria dele.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Só de pensar na possibilidade de perdê-la ficava ansioso.


Com esse pensamento e seu desejo enorme de vê-la e fazer com ela, por fim, amor de uma
maneira especial, depois de uma longa e complicada abstinência, pegou sua bolsa e se despediu de
seus companheiros.
Era tarde e sua sessão de trabalho tinha acabado.

***

Sophie tinha Cindy nos braços e dançava com ela pela sala, acompanhada de uma canção
que era um remédio certo para que a pequena dormisse. Não era uma canção de ninar, nem suas
melodias eram suaves e etéreas… Sua filha só dormia com Queen of my heart, do Westlife. Nada
mais, nada menos. E isso era assim por culpa de Nick, que queria converter sua filha na futura
rainha dos corações da indústria musical.
— So here we stand, in our secret place. With a sound of the crowd, So far away … —
Sophie embalava o corpinho de Cindy, que fechava os olhos assim que escutava o som daquela
canção. Sorriu enternecida por sua filha, por sua confiança nela, por como era frágil e vulnerável.
Esse bebê surgiu de seu amor por Nick. Nada era mais puro que isso. — I´ll allways look back,
when I walk away, this memory will last for eternity…
Ele era tão bom pai como ela tinha imaginado, inclusive mais. Cuidava das duas, levantava-
se de madrugada para acalmar Cindy, e não podia lhe dar de mamar porque não tinha leite. Do
contrário, teria feito isso por sua filha.
E com ela era um amor. Consolava-a sempre em suas recaídas pós-parto. Às vezes chorava
sem saber o porquê das lágrimas e a vontade de fazer sexo sumiu. Mas a compreensão de Nick
tornava tudo mais suportável. Tanto era assim não fizeram sexo desde que Cindy nasceu. Ele não a
tinha pressionado em nenhum momento. Dizia-lhe que era normal, que tinha a ver com aquilo da
depressão pós-parto, que logo passaria. Sophie ria disso: seu marido leu todos os livros sobre
gravidez e pais de primeira viagem.
E sim. Nick, “o sábio”, tinha razão.
A vontade retornou com tanta força que passava o dia todo pensando em arrancar a roupa
dele assim que o visse. Mas antes tinha que fazer Cindy dormir. Deitaria-a no berço e depois…
prepararia um jantar romântico para os dois e retomariam sua saudável vida sexual, como sempre.
Esteve tão concentrada em Cindy que não se deu conta das mudanças de Nick nesses meses.
Seus olhares luxuriosos tinham nuances escuras e sedutoras, algo que não tinha visto antes nele.
Quando a tocava e olhava, parecia marcá-la a fogo. Era uma sensação estranha e excitante.

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Nick de algum modo tornou-se mais… intenso e isso que ainda não transaram desde que a
criança tinha chegado às suas vidas.
E Sophie desejava essa intensidade e comprovar se seus sorrisos e sua expressão de predador
eram de verdade ou só alucinações provocadas por sua depressão, que agora parecia se afastar.
Dançando ao som da música, Sophie não se deu conta de que o objeto de seus pensamentos
tinha entrado pela porta e as contemplava apoiado na parede, encantado por tanta beleza: a de sua
esposa mimando e fazendo sua filha dormir.
Nick não sabia como agradecer à vida por ter encontrado Sophie e o milagre de terem criado
Cindy juntos.
Acaso isso não era magia? Criar vida.
Em silêncio, admirou faminto a recuperada silhueta de sua mulher. Tinha os seios maiores e
cheios de leite, e o ventre levemente inchado. E essas mudanças a faziam ainda mais bela a seus
olhos, pois eram o resultado de carregar sua semente por nove meses.
Sophie era linda, tão bonita e elegante que às vezes ainda não podia acreditar que prestou
atenção num bronco como ele. Tinha o cabelo preso em um rabo de cavalo inclinado. Com sua
blusa longa preta e leve, seu jeans baixo e justo, e essas sapatilhas baixas e pretas que pareciam
sapatilhas de balé, estava de morder e fazer mil maldades diferentes.
Sophie gostaria da surpresa que tinha preparado para ela?
— Cindy já dormiu? — A voz de Nick a surpreendeu e assustou. Levou uma mão ao peito e
o olhou um pouco nervosa.
— Desde quando se move como os gatos sigilosos? Você me matou de susto. — Sophie o
repreendeu ao se virar, mas assim que viu o olhar de Nick, ruborizou de repente. Estava olhando
seus seios com total descaramento. — Eu… queria… te fazer uma surpresa. Preparar um jantar e…
Nick se aproximou dela e acariciou todo o seu corpo com somente roçá-la.
— Queria me preparar um jantar? — perguntou ele levantando uma sobrancelha com total
interesse.
— Sim… Bom. Faz muito que você e eu não… Bom, já sabe. E eu estive muito insuportável
e você… — Brincou com os botões de sua polo Gant verde escuro. O corpo de Nick tinha mudado
muito. Agora era mais largo e mais musculoso, muito mais definido. Não havia nem um grama de
gordura em seu torso nem em nenhuma parte de sua anatomia. — E você me tratou tão bem…
— Isso quer dizer que está melhor? Que — engoliu em seco com nervosismo — vai me tirar
da quarentena?
Sophie abriu os olhos envergonhada. Não imaginava que Nick se sentisse assim, como se o
tivesse deixado de lado como uma doença sem tratar.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Oh, Nick… — Tomou seu rosto entre as mãos e se ergueu nas pontas dos pés. — Sinto
muito. Desde que Cindy nasceu não tive tempo para você nem para nós.
— Isso não importa. Eu gosto de cuidar de você, Sophie. — ele esclareceu segurando-a
pelos pulsos e beijando o interior de suas mãos. — Mas quero saber se esta noite finalmente poderei
fazer amor com minha mulher. Diga que sim, porque eu já não aguento mais sem tê-la…
Sophie sorriu, feliz e excitada.
— Pode acreditar que desde ontem não penso em outra coisa?
— Sim?
— Sim.
— E se te dissesse que tenho uma surpresa para os dois? Parece que nos comunicamos
mentalmente. Hoje é nosso dia.
— Uma surpresa? — Sophie amava surpresa. — O que?
— Um jogo que acredito que vamos adorar.
— Um jogo? — perguntou morta da curiosidade. Desviou o olhar para a bolsa preta que
Nick tinha deixado no chão a seus pés. — Esse é o presente?
— Não. Isto é parte do jogo.
— O que quer que joguemos?
— Já vai ver, princesa. — Acariciou seu queixo com o polegar e depois delineou seu lábio
inferior com ele. — Quero que esta noite jogue comigo, que demos um ao outro o prazer de
fantasiar um pouco e de retomar nossa vida sexual com mais força que antes…
“Deus, em minha cabeça não soava assim. Devo parecer um libidinoso”.
Sophie adorava o sexo com Nick e quão aberto era para tudo. Tinham uma intimidade muito
saudável e se entendiam. Eram muito cúmplices na cama. E estava disposta a experimentar qualquer
coisa que fizesse o sexo com ele melhor do que já era. Além disso, Nick merecia por ter tido que
aguentar esses seis meses desde que saiu do hospital com Cindy nos braços. Seja o que for, jogaria.
Era Nick, não faria nada que ambos não gostassem. Não havia nada errado em sua proposta.
Confiava nele cegamente.
— Se aceitar jogar, não poderá voltar atrás e vai prometer se colocar plenamente no papel
que vou te atribuir.
“Oh. Fica interessante”.
— Deixou-me excitada, Nick. Quero jogar com você. — aceitou Sophie com sinceridade.
Os olhos de Nick refulgiram vitoriosos. Lambeu os lábios e disse:
— Depois pediremos jantar se quiser. Agora só quero me colocar entre suas pernas.
— Oh… Nossa… — Piscou impressionada pela crueldade de suas palavras.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Nick sabia perfeitamente que Sophie estava avaliando seu novo tom. Sua esposa não podia
imaginar as barbaridades que estava disposto a dizer para ela na cama a partir de agora que tinha
descoberto seu lado mais quente. Inclinou a cabeça para um lado e perguntou ela:
— Sente vergonha que eu fale assim com você?
— Vergonha? Não. Não, de jeito nenhum. Eu gosto. — afirmou jogando uma nova olhada à
bolsa. — Vai dizer o que há aí ou não?
Nick se agachou e abriu a bolsa para tirar um traje de donzela, de época e de cor rosa pau.
Não tinha ocorrido nada melhor para atá-la e começar a submetê-la que jogar de pirata e sequestro.
Nesse primeiro jogo, ele veria a aceitação de Sophie ante as cordas, a submissão, aos nós e tudo o
que viria a seguir.
— Quero que ponha este vestido.
— Vamos brincar de se fantasiar? — escapou dela uma risada nervosa. — Eu vou de
princesa e você de…?
— De pirata. — levantou-se com toda sua estatura e agarrou o tapa-olho, a camisa branca de
flanela, as botas até o joelho e as calças negras justas. — E vou sequestrá-la e te fazer maldades.
Ela desenhou um sorriso expectante com os lábios. Deu de ombros e aceitou o trato:
— Muito bem, pirata Nick. — Pôs voz fingida de donzela em apuros. — E quando tiver meu
vestido colocado, o que devo fazer?
— Se esconder, linda — disse ele com voz grave — e rezar para que não a encontre.
O corpo de Sophie reagiu perante aquela ameaça velada. Os mamilos arrepiaram e o ventre
sofreu um espasmo de prazer antecipado.
— Será mau comigo se me pegar? — piscou, entrando no papel.
— O pior de todos.
— Mmm… Então — piscou um olho e se virou para correr até um dos quartos — é melhor
me apressar e começar a correr quando sair vestida.
— Não vai adiantar. Mas corra quanto quiser… Os piratas adoram a caça. Ah, e Sophie… o
que acontecer fará parte de um jogo. Entrarei no papel. Você também fará isso?
— Claro, senhor. Ardo em desejos de que me cace. — respondeu meio zombando.
Fechou a porta atrás dela com o coração emocionado a ponto de sair do peito.
Nick estava tão excitado e tão nervoso por aquela nova experiência em seu casamento que o
sangue foi todo para a virilha, e estava tão duro que poderia dar porrada com ele.
Sophie não tinha nem ideia, mas acabava de chamá-lo de “senhor” como se fosse seu amo.
Essa noite, seu casamento mudaria para sempre. Possivelmente se converteria em um mais excitante
e aventureiro.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Em um casamento imprevisível e nada monótono.


Por que não?

CAPÍTULO 12

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

A casa estava às escuras. Nick tinha apagado todas as luzes e tinha desligado os fusíveis para
que Sophie experimentasse o jogo em estado puro. Quando ele a perseguisse e ela procurasse
claridade, ele não a daria.
Precisava dela nervosa e excitada por completo. Necessitava que acreditasse e soubesse que
ele ia sequestrá-la e levá-la ao camarote de seu navio para abusar dela. Nos jogos de dominação e
submissão, as fantasias e as interpretações entravam em uma modalidade chamada role play.
Ele seria um pirata malvado. Ela, a virginal filha de um rei.
Nick já estava trocado e esperava escondido. Apoiava-se na parede do corredor em que
estavam o resto dos quartos, exceto sua suíte, em que dormiam junto ao berço da Cindy.
Escutou o clique da porta ao abrir e seguiu Sophie com os olhos, que saía tateando do
quarto, trocada com seu vestido rosa e longo, os ombros descobertos e seus seios inchados, que
sobressaíam através do espartilho amarrado pela frente.
Quanto demoraria para despi-la? E se o arrancasse? Seria muito brusco?
— Pirata Niiiiiick… — cantarolou ela com inocência. — Já estou aquiii…
Nick a seguiu nas pontas dos pés por toda a casa. Quando ela se virava, ele se agachava ou
se escondia para estender o mistério e o nervosismo. Ninguém gostava que o perseguissem e Sophie
não seria uma exceção.
Um momento depois, ela já começava a perder a paciência.
— Nick? Não saiu, não? Espero que não tenha me deixado aqui sozinha vestida de donzela
do Piratas do Caribe… — Mostrou a cabeça pela cozinha e tampouco o encontrou. Estava ficando
nervosa. Sentia que alguém a vigiava e sabia que era Nick, mas isso não a tranquilizava. Não
gostava muito da escuridão… E de repente o jogo não lhe pareceu boa ideia. — Ouça, Nick… me
aborreço. Vou acender a luz. — Apertou o interruptor da sala, mas as luzes não se acenderam.
Tentou repetidas vezes e nada.
“Foi capaz de desligar os fusíveis da casa?” A caixa dos conectores estava na parede do
alpendre da frente. Teria que sair para ligar os fusíveis de novo. Correu para a porta de saída,
disposta a acabar com o jogo que estava fazendo-a suar. Ficaria como uma covarde, mas Nick
entenderia, não é verdade?
No momento em que sua mão pegou a maçaneta da porta branca de entrada, outra mão dura
e robusta rodeou sua cabeça e cobriu sua boca. Separou-a da porta e a levou arrastando pela casa.
— Aonde acreditava que ia?
Sophie ficou impressionada pela força dessas mãos e como Nick estava duro por trás das
calças. Suas nádegas batiam em sua virilha, já que ele a tinha elevado para carregá-la com mais
facilidade.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Tentou soltar-se de seu brusco aperto, mas Nick não permitiu. Imediatamente tampou sua
boca com algo que amarrou atrás de sua cabeça.
Tinha uma bola entre os dentes? Nick a empurrou de barriga para baixo sobre a cama do
quarto de hóspedes.
— Olá, senhorita. — sentou sobre suas nádegas e imobilizou suas mãos por cima de seus
pulsos.
“Me solte, Nick! Não gosto disso!” pensava ela.
— Sei que não pode falar. Mas me disseram que nesta casa há uma linda bebê dormindo e
não queremos que desperte. — Acariciou suas costas com os dedos, e subitamente, sem um pingo
de paciência, rasgou o vestido de cima abaixo para deixá-la nua da barriga para baixo. Precisava
rasgá-lo. Precisava ser bruto e duro. Desejava sua esposa com muita força.
Sophie negou com a cabeça, assustada como jamais esteve. De verdade estava fazendo isso?
Acabava de rasgar um vestido de qualquer jeito?
— Não usa calcinha, Ciceroni? Isso não é próprio de uma donzela. — Sorriu olhando-a com
adoração. “Por Deus, que corpo mais bonito tem”. — Terei que açoitá-la um pouco para que
aprenda bons maneiras.
Nick levantou uma mão e a deixou cair sem muita força, mas intensa o suficiente para que
ardesse um pouquinho.
Assim que Sophie sentiu a primeira palmada ficou louca, frenética. Estava batendo nela
como em uma criança? Estava açoitando seu traseiro? Que diabos havia com ele?
Depois de cinco palmadas nas nádegas, que Sophie suportou com humilhação, deu-se conta
de que não podia fazer nada contra Nick porque era muito mais forte que ela. Se ele queria
continuar tratando-a assim, não poderia fazer nada para evitar. Seria um brinquedo em suas mãos.
Sentiu-se humilhada e triste. Seu traseiro ardia e um duro manto de vulnerabilidade a cobriu por
completo.
— Olhe como se avermelha sua pele, princesa. — disse a ela com um murmúrio de
aprovação, acariciando sua nádega espancada. — Eu adoro. —sussurrou no ouvido dela. Em
seguida, mordeu seu lóbulo e ela gemeu.
Sophie estava interpretando perfeitamente o papel de donzela apavorada. Introduziu uma
mão entre suas pernas e seus dedos se lubrificaram com a umidade.
— O que temos aqui? Você gosta disto, Ciceroni? — perguntou, animado por sua resposta
física. Puxou seus pulsos imobilizados e subiu o corpo dela até fazê-la chegar às barras da cama. Ali
os algemou às barras.
“De onde diabos tirou essas algemas?! Enlouqueceu?!”

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Ela puxou das barras metálicas da cabeceira, perplexa e morta de medo. Queria se libertar.
Queria fugir dali. Não gostava desse jogo. Não gostava desse Nick.
— Não pode escapar, princesa… — assegurou ele, que se despiu atrás dela envolvido
totalmente em sua nova identidade malfeitora.
“Mas não vê que estou chorando, cretino? Não estou me divertindo!” tentou gritar. Mas a
mordaça na boca a impediu.
— Está úmida e preparada para mim. — assegurou Nick, aproximando seu prepúcio à
entrada da vagina de sua mulher. — Sou um pirata cruel e estou convencido de que nunca ninguém
a fodeu assim, como eu farei agora à força.
Sophie abriu os olhos chorosos e ficou imóvel pelo pânico. Nick puxou seus quadris e os
levantou. Depois abriu suas pernas e se colocou entre elas.
“Oh, Deus. Não. Não”. Não seria capaz. Nick não seria capaz de forçá-la. Ela não queria
fazer assim… Assim não. Não estava jogando. Por que não se dava conta?
Sophie começou a se mover como um animal, tentando libertar-se. Mas a dura silhueta
recortada de Nick a olhou implacável. Depois voltou a açoitar suas nádegas como castigo por tentar
fugir.
— Não entende que não pode escapar de mim? — Puxou-a pelos quadris e colou seu púbis
às suas nádegas. Tomou sua pesada ereção com sua mão livre e a guiou de novo à abertura cálida de
Sophie. — É minha para fazer o que quiser contigo. Está amarrada. E vou fodê-la como fodem os
piratas. Sem cuidado. —murmurou enquanto a penetrava, alargando-a, introduzindo-se com
empurrões duros, escorregando por sua vagina até empalá-la por completo.
Sophie ficou sem fôlego. Nick era muito grosso e grande, e nunca a penetrava por completo
porque ela era estreita e sempre doía. Seu Nick jamais lhe provocou dor e sempre a teve em
consideração. Mas esse desconhecido que abusava dela não era Nick.
Quem diabos era?
— Oh, sim… — grunhiu Nick saindo e entrando sem misericórdia. — Todo inteiro,
Ciceroni? Sinta … — empurrou para assegurar-se de que não cabia mais. — Está faminta hoje. Pois
se quiser mais, eu te darei mais…
E deu. Nick bombeou no interior de sua mulher, desfrutando de seus gemidos, de seus gritos,
das novas sensações que percorriam a ambos. Aquilo também era fazer amor. E Nick apreciava
porque se tratava de Sophie, e ela respondia perfeitamente. Em um alarde de atrevimento a agarrou
pelo cabelo enquanto a penetrava sem descanso e deixou cair sua cabeça para trás como um
selvagem conquistador.
Sua mulher. Dele. Sua companheira ideal de jogos.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Estou gozando, Soph… — sussurrou começando a tremer. — Go… gozo.


Nick rugiu ao ser sacudido pelo melhor orgasmo de todos os que teve com ela. Deixou em
seu interior até a última gota. Finalmente, acabou desabando em cima dela, encaixados
profundamente.
Sophie nem sequer sabia por que estava tão úmida. Passou todo o dia molhada imaginando
esse reencontro com seu marido. Mas nunca pensou que aquela noite tudo a seu redor racharia.
Esse não era Nick. Esse espancador, abusador, violador… Não era Nick.
Ele não estava nesse corpo. O homem que abusou dela essa noite era um filho da puta. Um
filho de puta que nunca iria querer a seu lado.
Começou a chorar desconsolada, com tanta força que o tremor de seus ombros sacudiu o
corpo de Nick.
— Oh, querida… princesa. — murmurou em seu ouvido. — Gostou?
Sophie tossiu e começou a tremer como se estivesse em choque. Nick, surpreso, separou-se
dela para olhar seu rosto, mas não havia luz. Saltou da cama e saiu ao alpendre, nu, para ligar os
fusíveis.
Quando entrou de novo no quarto, Sophie continuava na mesma posição em que a tinha
deixado e chorava com as pupilas dilatadas pelo impacto, com tremores provocados por algo que
Nick não se atrevia a pensar: medo. Medo dele.
— Sophie? — murmurou tirando o tapa-olho, apressando-se para tirar as algemas dela e
libertá-la da mordaça. — Sophie? Preciosa…?
A jovem fugiu dele com as lágrimas caindo pelas bochechas pálidas.
— Soph? — Nick estendeu a mão para ela, preocupado por sua reação. Uma sensação fria
deixou seu peito vazio. Não gostava daquilo.
— Não se aproxime de mim! — gritou cobrindo-se com o vestido que ele rasgou. Procurou
as algemas e as olhou enojada, como àquela bola negra com buracos que teve na boca e que quase a
fez babar. — Não se aproxime, filho da puta!
— Soph, não, não… não é o que pensa. — Nick correu para abrir a bolsa e tirar um chicote.
— É um jogo de dominação e submissão. Isso é… Olhe. —Ofereceu-lhe o chicote. — Agora você
pode me dominar se desejar. Pode fazer o que quiser comigo. Inclusive pode açoitar meus testículos
com isto se…
— Está louco?! Vou denunciá-lo!
— Mas… Sophie, você quis jogar comigo e eu…
— Vá à merda, seu louco sádico! Você me estuprou! Me bateu! Me algemou! — gritou
perdida em seus terrores.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Cindy começou a chorar ao ouvir sua mãe gritar.


— Não, não, Sophie, por favor… escute-me. — Estava nu, úmido ainda dele e dela. Sem
escudos nem defesas.
— Me machucou! — ela o recriminou, abraçando-se ao vestido rasgado. —Se aproveitou de
mim! Espancou-me!
Cada acusação que vertia sobre ele o fazia sentir vergonha de si mesmo. Era como ácido em
uma ferid, ou como adagas direto a seu coração.
— Pensei… pensei que apreciava como eu. — Levantou as mãos trêmulas e engoliu em
seco. Tinha a garganta seca. — Jamais voltarei a fazer isso, querida… perdoe-me... eu me
equivoquei. — Seus olhos dourados avermelharam de arrependimento.
Sophie correu para seu quarto, escapando de suas desculpas e Nick a seguiu.
— Não se aproxime de mim! — repetiu ela tomando Cindy nos braços para que se
acalmasse. Agarrou o telefone celular que tinha deixado carregando sobre a mesinha de cabeceira, e
começou a digitar um número de telefone.
— Sophie? — Nick empalideceu e se aproximou dela, passando as mãos pelo cabelo com
nervosismo. — O que… está fazendo?
— Disse que se afastasse. Não me toque. Papai?
— Sophie… Não faça isso. — Nick se ajoelhou diante dela, perdido, confuso, nu de corpo e
alma, e chorou como uma criança. — Soph, foi um engano. Não voltarei a fazer isso…
— Papai, esta noite mesmo tomarei um voo para a Louisiana. Pode enviar alguém para nos
pegar?
— Não, Sophie… — pediu Nick, chorando. Isso não podia estar acontecendo.
— Não, não estou bem, papai. — Ela começou a chorar, olhando para Nick com
desconfiança, procurando que não se aproximasse nem um centímetro de sua filha. — Não,
Nicholas não virá… Ele… oh, papai… — Não pôde dizer nada mais. Limitou-se a assentir ao que
seu pai parecia lhe dizer por telefone. — Sim… Sim, certo. Sim. Farei agora. Sim, papai… Bem.
Quando desligou, Sophie aspirou pelo nariz e se abraçou a Cindy, cobrindo a boca com a
mão.
Nick continuou de joelhos, indefeso e rendido. Tudo. Tudo o que tinha construído nesses
sete anos e meio desapareceram por uma má decisão.
— Por que fez isso, Soph? Eu a amo.
— Não diga isso nunca mais! Homens como você não amam as mulheres. — disse temerosa
— Você…! Você não é quem eu acreditava! Enganou-me todo este tempo! Forçou-me! Você! —
rugiu, incrédula.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Não é verdade! Não a forcei. Pensava que estava gostando…


— Como vou gostar de algo assim, maldito doente? — espetou, olhando-o como se
estivesse louco.
— Não… não via seu rosto, e como esse era o papel que tinha que fazer… — Suas
explicações pareciam ridículas diante daquela situação.
— Não fale comigo! Vá embora! Não quero nem vê-lo!
— Mas, Sophie… — Nick esfregou o rosto com as mãos e secou as lágrimas. — Pelo menos
me escute… O que vai fazer? Por que ligou para seu pai?
— Por que liguei para meu pai? O que acha, canalha? Não penso estar sob o mesmo teto
com um estuprador. — soltou com desprezo. — Meu irmão Rick morreu defendendo uma mulher
de um estuprador. Alguém como você acabou com sua vida. Como acha que me sinto?
— Não diga isso… — pediu, afetado.
— E agora eu… — Sacudiu a cabeça e ergueu o queixo. Seu cálido olhar castanho, apesar
do choque, tornou-se frio. — Nem minha filha nem eu viveremos com você. Vou embora.
— Vai me deixar?
— Vou deixá-lo. Vou denunciá-lo. É isso que farei. Jamais o perdoarei. Não sou desse tipo
de mulher que dá segundas oportunidades quando o homem que diz que as ama, bate, humilha e
estupra. Eu não sou assim.
— Sophie, droga! — Estava acusando-o injustamente. Entendia seu impacto e seu medo,
mas não podia estar falando sério. — Sou Nick. Nick! Seu marido! Só estava jogando, porra. —
angustiou-se de novo e tentou abraçá-la, para que juntos encontrassem uma solução àquele mal-
entendido. Precisava tocá-la e sentir que o aceitava.
— Não! Não! Não me toque! — Estava completamente desvairada, sem atender suas
palavras. — Vá! Vá! Não quero vê-lo mais… saia! — ordenou com os pulmões cheios de ira e
decepção.
Nick, assustado, abaixou a cabeça como um cão espancado. Não sabia nem o que fazer nem
aonde ir.
Pegou um pouco de roupa sem dizer uma palavra e as chaves de seu carro, e saiu da casa.
Talvez quando voltasse Sophie tivesse repensado. Com certeza a encontraria com Cindy,
sentadas na cozinha, esperando para conversar civilizadamente e esclarecer as coisas. Uma história
como a deles não podia acabar assim. Não teria sentido.
Deu partida no SUV disposto a conduzir a noite toda, esperando despertar daquele pesadelo
que cada vez se parecia mais a uma brincadeira de mau gosto.

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Sophie tinha se apaixonado perdidamente por ele, do Nick que ocultava sua identidade de
trabalho e que a tinha enganado desde o começo.
Em troca, justamente quando quis se mostrar diante dela, nu e com o coração de amo na
mão, ela pareceu se assustar, desapaixonar, taxava-o de estuprador e o abandonava.
Se havia uma moral de tudo aquilo, ele não sabia ler. Mas talvez Clint Myers e Lion
Romano pudessem ajudar a iluminá-lo.
Precisava de seus amigos. Agora mais do que nunca.
Aquela noite foi a pior de sua vida.
Quando contou angustiado para Lion e para Clint o que tinha acontecido, seus dois amigos
não podiam acreditar pior desfecho para ele.
Romano escutava atentamente a narração de Nick. Compreendia a decepção e o nervosismo
de seu agente, mas de algum modo, podia chegar a entender o pânico de Sophie, e mais ainda
depois de saber o que tinha acontecido com seu irmão Rick.
— Colocou-me no mesmo saco que o assassino de seu irmão. — explicou incrédulo,
bebendo um copo de conhaque que Lion lhe deu. — Ela me disse que sou um espancador. — Tinha
o olhar perdido, fixo no único armário da cozinha minimalista de Lion.
O agente vivia em um apartamento de luxo quadrado, de tons brancos, cinzas e negros no
centro da capital.
Clint vivia perto dele em um loft para solteiro, assim atendeu imediatamente à chamada de
socorro de seus companheiros.
— Assustou-se. — Lion tentou desculpar Sophie.
— É óbvio que sim. — Nick bebeu de um só gole o que restava em seu copo. Sentia-se
amargurado e furioso consigo mesmo por querer jogar com ela assim. Talvez jamais devesse ter
sugerido nada à sua mulher. — Porra, deviam ter visto seu rosto… Foi como se toda a confiança
que tinha depositado em mim se desvanecesse rapidamente. Assim. — Moveu a mão dando uma
bofetada no ar. — Zás!
Clint tinha seus olhos negros fixos na ponta de seus sapatos, escutando com pesar o quanto
seu amigo estava se sentindo mal.
— Nick… acha que Sophie o denunciará?
Lion franziu o cenho, sopesando essa desastrosa possibilidade. Esperava que não o fizesse,
do contrário Nick poderia chegar a se converter no bobo do FBI, ao menos para os que estivessem
informados da operação Amos e Masmorras. E não só isso: os que não o conheciam pensariam que
era um espancador, e isso os agentes não gostavam nem um pouco. Poderiam prejulgá-lo. Eles o
apontariam como se fosse uma vergonha. Seja como for, se Sophie partisse para seus pais e não

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fizesse nada, o conflito poderia chegar a se solucionar com o tempo, mas para isso Nick deveria
contar a verdade para eles. Deveria revelar sua verdadeira identidade de agente do FBI.
E isso era o que todos esperavam.
Mas se infelizmente sua mulher decidisse fazer a denúncia, a ordem de afastamento não
demoraria a chegar, e Nick se veria exposto ao ostracismo, a suportar aquela mancha em seu
histórico como estuprador, e enfrentaria à tortura de aceitar que a mulher que amava o rejeitava por
lhe mostrar sua natureza de amo. Ela era a única que, sinceramente, ele entregou seu coração.
Lion se agachou em frente a Nick e o agarrou pela nuca.
— Não pode ficar arrasado, está me ouvindo? — Nick ergueu seu olhar vítreo e angustiado,
tentando prestar atenção às palavras de seu superior. — Aconteça o que acontecer a partir de agora,
tem que continuar e se levantar.
Clint continuava em silêncio, pois sabia que a partir desse momento Nick viveria em um via
crucis, com o medo de ser denunciado, com o pavor de ser rejeitado por sua esposa e com a
insegurança de perder o respeito dentro da corporação.
Mas eles estariam ali. Clint estaria ali para partir caras se alguém ousasse insultar ou
menosprezar Nick por algo que ele na realidade não tinha feito. Do mesmo modo que Nick, com
sua infinita paciência, tentou tirá-lo dia após dia de sua miséria depois de sua obsessão pela morte
de Misaki.
Os amigos estavam ali para isso, não?
Para afastar a merda quando perturbava.
Entretanto, pouco puderam fazer perante o que Nick encontrou ao amanhecer quando
chegou em sua casa com olhos vermelhos pelo álcool, a falta de sono e as lágrimas de
arrependimento.
Um carro da polícia o esperava no jardim de sua casa. Os vizinhos próximos apareciam para
bisbilhotar. Não havia rastro de Dalton, que em outro momento teria saído disparado para saudá-lo.
Enquanto caminhava arrastando os pés até as escadas do alpendre para averiguar se Sophie
continuava lá dentro ou não, o policial negro, alto e largo como um armário embutido deteve seu
caminho.
Nick engoliu em seco e saudou os dois agentes com educação.
— Você é Nicholas Summers? — perguntou.
— Sim, sou eu.
— Você está detido pelo estupro de Sophia Ciceroni.

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Eles o agarraram pelos pulsos e o viraram. Ele não opôs nenhuma resistência, perdido como
estava em seus pensamentos, sem poder acreditar que Sophie finalmente fizesse o que ele mais
temia.
Como tinha acabado dessa maneira?
— Tem direito a permanecer calado. Tudo o que disser poderá ser usado contra você em um
tribunal…
— Minha mulher continua lá dentro? — perguntou enquanto o acompanhavam ao carro de
polícia com as mãos algemadas às costas. Sophie via como o levavam? De verdade continuava
pensando que era um estuprador?
— Tem direito a consultar um advogado. No caso de não ter um, será atribuído um do
estado...
— Continua lá?
— Sua mulher já não está em Washington. — respondeu o outro agente, o de cabelo branco,
enquanto o empurrava bruscamente à parte traseira do carro.
Nick não disse nada mais.
Sophie tinha partido. Certamente teria ido para seus pais.
Apoiou a cabeça no vidro da janela e engoliu com amargura o pouco que restava de orgulho.
Não tinha n mais ada a dizer. Não havia mais nada a fazer.
Tudo tinha acabado da pior das maneiras. O que viria depois de uma denúncia desse tipo
seria uma noite interminável na prisão. Uma noite em que desfrutaria de sua própria miséria,
recordando uma vez após a outra o que tinha feito de errado nessa noite para destroçar a vida que
tinha construído durante sete anos e meio.
Depois da denúncia, em função de tudo o que o juiz avaliasse depois da declaração de
Sophie, decretaria a sentença.
Embora Nick soubesse que um homem com uma denúncia de maus tratos às suas costas
estaria sentenciado por toda vida.

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CAPÍTULO 13

No dia seguinte, depois da consequente noite na prisão, Nick ficou à disposição judicial. O
juiz avaliava a denúncia por violência contra a mulher. Acompanhava-o o advogado particular do
FBI que foi enviado expressamente pelo subdiretor Montgomery, depois que o próprio Lion
Romano lhe contou o que aconteceu.
Nick Summers fazia parte do caso de Amos e Masmorras e Montgomery conhecia o juiz
Levron, que se encarregava de seu testemunho. Uma ligação ao juiz, que nunca se confirmou,
possivelmente atenuaria a sentença.
Nick se defendeu dizendo que sua mulher tinha aceitado jogar aquela fantasia. Mas que em
algum momento se assustou e ele não se deu conta porque pensava que estava envolvida em seu
papel.
A diligência de avaliação de risco que fizeram os policiais na delegacia, depois da
declaração de Sophie, foi alta. Sua mulher o acusava de violência, restrição e estupro.
Entretanto, a relação de Montgomery com Levron reduziu o dano para Nick. Embora
aceitassem a denúncia de Sophie, como ela tinha viajado a Louisiana porque não queria voltar para
Washington por nada do mundo, não puderam reforçar o depoimento.

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Assim Levron impôs uma ordem de afastamento de um ano, mas não condenou Nick. Não
podia aproximar-se de menos de quinhentos metros de Sophie. Pesaria sobre ele a denúncia de
violência contra a mulher, mas não o condenariam já que as fantasias e as cordas achadas no quarto
indicavam um jogo que tinham praticado de mútuo acordo. E principalmente, porque Sophie não
queria voltar para Washington para confirmar a denúncia.
Assim acabou tudo.
Com a expressão derrotada ao sair do tribunal, Nick foi para sua casa com essa carga. Teria
para sempre o estigma de abusador. Um agente da lei com um pôster de delinquente.
Era um desgraçado.
Quando subiu as escadas que davam ao alpendre e abriu a porta de entrada, sentiu que esse
já não era seu lar. Os cômodos cheiravam a colônia de bebê e ao xampu de Cindy. A que tampouco
podia ver, já que a ordem de afastamento se estendia para sua própria filha.
Sophie partiu depressa e correndo porque não suportava olhá-lo na cara nem permanecer no
mesmo lugar que ele. E tampouco queria que Cindy tivesse que vê-lo.
Tinha medo dele. Sua Sophie tinha medo dele.
Nick apertou os dentes com raiva e foi até o quarto de hóspedes. As algemas ainda pendiam
das barras da cama.
Uma ira furiosa e ardente o percorreu por completo. Sentiu-se mesquinho e doente por ter
descoberto essa parte dele que desejava a dominação. Aquele lugar o condenava sem compaixão.
Aquela cama o marcava a fogo… era o quarto em que Sophie acreditou que seu jogo de role play
fora um abuso em toda regra.
Mereceu essa reação? Por que pensou que ela gostava? Por que imaginou que ela veria com
bons olhos sua nova natureza?
Jamais tinha feito amor com ela daquele modo. Sempre foi suave, dócil, nada agressivo. Mas
descobriu que gostava precisamente desse tipo de sexo duro, e a única coisa que desejava era
praticá-lo com sua esposa.
Mas foi uma decisão equivocada.
Nick olhou ao seu redor. A solidão o abraçava com frieza e ironia, rindo dele e de suas más
escolhas.
Agora necessitaria o consolo de Dalton. Mas Sophie tinha arruinado com tudo, deixara-o
sozinho e abandonado. Nem sequer acreditava que o cachorro pudesse ficar com ele. O que pensava
que ia fazer com ele?

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Estava sendo justa com ele? Agarrou seu telefone e saiu de casa com expressão cansada.
Caiu derrotado sobre os degraus do alpendre pensando que merecia que Sophie lhe desse uma
oportunidade. Ao menos merecia que o escutasse.
Com a esperança de que ela atendesse o telefone, ligou para ela, embora soubesse que o juiz
não gostaria daquilo.
Depois do terceiro toque, atenderam o telefone.
— Soph? Querida? — Nick agarrou com força seu iPhone como se fosse ela a quem estava
segurando na realidade e não quisesse soltá-la. A respiração do outro lado soava pesada. — Está me
escutando? Soph… Por favor. — Não sabia por onde começar. — Por que…? Por que fez isto? Por
que me denunciou? Sinto muito mesmo tê-la assustado… Sabe que a amo. — tentava dizer as
palavras adequadas, encontrar a fórmula mágica que obtivesse sua redenção. — Jamais a
machucaria de propósito… Eu… Sabe que é o mais importante de minha vida, não é verdade,
princesa? Sabe disso? Não me importa que tenha me denunciado… não me importa. Se pensa que
mereço isso, aceito. Aceito por ter me feito passar por um momento ruim. Deus… — Bateu a testa
com o punho. — Lamento tanto… Mas podemos consertar isso. Sabe que eu não sou assim… Sabe
que daria minha vida por você. Volte e me deixe demonstrar isso. Retorne para cá. Esta é nossa
casa… levou minha filha com você. E também a meu cachorro. Isso não é justo, Soph… Eu jamais
faria nada a el…
— Olha, pedaço de merda. — disse a voz de Carlo de repente. — Minha filha jamais vai
voltar a falar com você. E no que me resta de vida, é melhor não se aproximar dela, porque moverei
céus e terra até vê-lo entre as grades e com um porrete no traseiro, está me ouvindo?
— Senhor Ciceroni… Preciso falar com sua filha, não com você…
— Não comigo, canalha? Não comigo?! Porque grave isto: você e minha filha acabaram!
Entendido?! — rugiu — Já não está na minha família! Já não é nada dela nem meu!
— Sou… sou o pai da Cindy.
— Minha neta jamais terá por pai um sádico doente e estuprador como você. Ouviu-me?
Jamais! Em breve receberá notícias sobre a anulação de seu casamento.
— Quem deveria falar isso era sua filha, não acha? — perguntou Nick, sem dar crédito
àquela ameaça. Ninguém o obrigaria a acabar com seu casamento. Ele amava Sophie.
Um silêncio cortante ameaçou fazê-lo jogar tudo pelos ares, até que Carlo acrescentou:
— Arrasou a minha mulher. Arrasou a minha filha. E perdeu o meu respeito. Tenha por certo
que não vou deixar que se aproxime dela. Nem agora nem nunca. E é melhor que quando eles
chegarem, assine os malditos papéis do divórcio ou te prometo que irei para sua casa e farei com
que os assine com sangue.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Nick pensou que as ameaças eram exigentes. Mas como ia fazer mudar de ideia um homem
desvairado, dominado pela raiva e que tinha razões suficientes para odiá-lo?
— Sim, senhor. Sophie está de acordo com o divórcio? — perguntou. Negava-se a acreditar
nisso.
— Foi ela mesma quem nos pediu que entrássemos em contato com nosso advogado.
Acabou, Nicholas.
Carlo desligou o telefone. Nick ficou em estado de choque, sem poder pensar em nada que
não fosse em seu miserável estado atual.
O que devia fazer? Tinha que deixar de lutar por uma mulher que acreditava que a tinha
violentado? Devia deixar de lutar por uma mulher que o tinha processado? Que queria o divórcio e
que ia afastá-lo de sua filha?
— Levou até o Dalton… — repetiu em voz baixa, para se convencer disso.
Entretanto, em todo aquele caos reinante em seu interior, pôde vislumbrar o passo seguinte
que devia dar.
Digitou o número de telefone de Lion Romano. Quando este atendeu, sua voz soou
preocupada.
— Nick… como foi tudo?
— Partiu. Sophie partiu. Levou tudo com ela. Acabou.
— Como que acabou? Assim? Pronto?
— Sim. O juiz me pôs uma ordem de afastamento sobre Sophie e minha própria filha…
— Porra…
— Levou o Dalton. Ah, sim… — Olhava à frente sem ver nada realmente. — Logo me
chegará a anulação do casamento.
— Quer se divorciar?
— Sim.
— Nick… Cara, sinto muito. — disse sincero, pois sabia do amor incondicional que sentia
por sua mulher. — E precisa de algo? Quer que vá até ai?
— Não. Ligo somente para te pedir algo.
— O que? O que quiser.
— Não quero continuar fazendo papel de amo na missão. Quero que peça a Karen que
troque de papel comigo.
— Nick… o que aconteceu com uma mulher não vai acontecer com todas, compreende? Foi
um caso extremo, mas isso não quer dizer…
— Disse o que quero, Romano. Pode ajeitar isso?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Lion se calou imediatamente.


— Falarei com Montgomery.
— Bem.
— Precisa de algo mais?
— Tem uma máquina do tempo? — Sorriu sem vontade.
— Não, não tenho.
— Então não preciso de nada mais. Eu o verei amanhã no trabalho.
— Montgomery te deu alguns dias para que resolva seus assuntos pessoais…
— Como vê, não há nada para solucionar. — cortou-o. — Amanhã te vejo.
— Está bem. Até manhã.
Nick se levantou dos degraus e entrou na casa. Precisava trabalhar e ficar em movimento
para não pensar, para se manter ocupado.
De sua casa, com um camuflador de IP que Clint forneceu, podia conectar-se do notebook ao
fórum secreto de Dragões e Masmorras DS e ver se havia novas chamadas para jogar na liga
noturna de dominação.
Mas naquele dia desgraçado, ainda restava uma surpresa desagradável por descobrir. O
computador desapareceu.
Sophie também o tinha levado.
Por quê?

Nova Orleans
Quatro semanas depois

Nick e Sophie tiveram que se ver cara a cara na Louisiana em um encontro com seus
advogados para tratar do divórcio.
Ela nem sequer o olhou. Nem sequer se dignou a lhe dirigir a palavra. E o pior de tudo era
que Rob compareceu, o novo diretor da Azucaroni, que além disso se colocava certas insígnias e
parecia se gabar de ser um tipo de guarda-costas.
Sua bela futura ex-mulher cobria os olhos com um óculos Prada de lentes pretas grandes e
escuras. Vestia-se toda de negro, usava o cabelo solto e liso, castanho brilhante e perfeito, como
sempre. E tinha perdido vários quilos.
Nick tinha vontade de arrebentar a cara desse cara e o seu olhar desdenhoso e acusador. Não
sabia nada de nada. E a ela… a ela somente queria abraçar. Fazia quatro semanas que não se viam.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

E lhe parecia uma eternidade. Alegraria-se muito se tivessem se encontrado em outras


circunstâncias, mas jamais nessas.
Sophie queria se divorciar.
— Minha cliente oferece um divórcio de mútuo acordo. A situação é insustentável e
agradeceria que o senhor Summers colaborasse. — disse o advogado defensor. — Pedimos que isto
não se alongue muito para que Sophie Ciceroni possa refazer sua vida o antes possível e com
normalidade.
Nick tinha enormes olheiras, mas mesmo assim, para Sophie, continuava parecendo o
homem mais bonito do mundo. Aquilo não mudava. Embora estivesse possuído pelo demônio, sua
beleza era indisputável.
— Como está, Sophie? — perguntou ele com calma, preocupado.
— Chama-se Sophia. — interveio Rob.
Nick apertou os dentes e fez o possível para ignorar esse imbecil engomado e vestido com
um terno muito caro que se sentava a seu lado como tentando protegê-la dele. O que nem Rob nem
nenhum dos ali presentes sabiam, nem sequer Sophie, era que o único que podia protegê-la do
mundo era ele.
— Hein, Sophie? — insistiu Nick estendendo a mão para tentar acariciar a dela.
— Não a toque, senhor. — disse o advogado.
Sophie ficou olhando fixamente a mão de Nick, e depois retirou a sua com lentidão e
segurou a esquerda com a direita para cobri-las.
— Só quero saber se ela se encontra bem. — insistiu, olhando para seu advogado. — É
errado perguntar isso?
— Como acha que está depois do que fez com ela, cretino? — respondeu-lhe Rob,
enfrentando-o.
Nick, desta vez, desviou seus olhos dourados para o acompanhante de Sophie. Rob se
encarregava de dirigir a empresa na ausência de Sophie. Certamente Carlo tinha lhe pedido o favor
de que fosse com sua filha para enfrentá-lo. Ele seria incapaz de se controlar, embora tivesse certeza
que Carlo os observava de algum lugar de Nova Orleans. Com certeza o controlava para que nunca
voltasse a passar dos limites com sua filha.
Nick lhe dedicou um olhar de menosprezo como se esse homem não fosse um homem de
verdade, como se não tivesse nem ideia da vida. Depois concentrou sua atenção em Sophie, que o
olhava através de suas lentes escuras, embora ele não pudesse ver seus olhos.
— Deixará que veja Cindy, Soph?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Minha cliente pôs uma ordem de afastamento com respeito a ela e sua filha. Não pode
aproximar-se de nenhuma das duas. — respondeu o advogado.
— Acredite que sei muito bem o que minha mulher fez contra mim. — Nick seguia sem
retirar seus olhos acusadores de Sophie. — Mas quero saber se com o tempo me permitirá ver
minha filha. Já sei que ela não quer saber nada de mim, mas Cindy… — ficou calado,
amaldiçoando sua sorte. — Sophie, me olhe… Ela é minha filha, sabe quanto ela me ama e quanto a
amo. Não pode nos fazer isto. —pediu.
Sophie se mexeu incomodada na cadeira. Tinha seu marido na frente dela e ainda não
acreditava que tivessem chegado a esse ponto.
— Minha cliente exige que se encarregue dos custos do tratamento psicológico que está
recebendo e da manutenção de sua filha, cuja custódia não é compartilhada.
O coração de Nick se partiu ao saber que Sophie ia à terapia pelo que ele fez. E acabou por
se decompor quando se deu conta de que também tinha perdido a sua filha.
— Não mereço isto. — disse ele abaixando a cabeça. — Eu te disse que era um jogo. —
Cravou-lhe um olhar cheio de recriminações. Como podia defender-se e dialogar com sua mulher
perante três homens desconhecidos que não acreditavam em sua inocência? Nem sequer seu próprio
advogado acreditava nele. Estava completamente vencido. — Pensava que jogava comigo.
— Por favor, abstenha-se de voltar a dirigir palavras à minha cliente. —interveio de novo o
advogado de Sophie.
Nick se calou de repente, até que plantaram o acordo de divórcio diante dele com todas
aquelas cláusulas.
Rob passou o braço por cima de Sophie. Nick sentiu esse gesto como um murro na boca do
estômago. Apertou os punhos por debaixo da mesa para evitar chocá-los no rosto desse arrogante.
Que diabos fazia tocando-a?
— Este é seu novo namorado? — soltou Nick sem poder evitar morder a língua.
Sophie deu um sobressalto e respondeu rapidamente:
— Não. Não é.
— Olha, ela fala... — murmurou Nick sorrindo com ironia.
— Não provoque Sophia, Nicholas. — soltou Rob inchando o peito.
— Meu nome é Nick, não Nicholas. Entendido, engomado? — Os olhos dourados do agente
brilharam com fúria e cravaram Rob em seu lugar. Olhou a seu advogado e acrescentou. — Peça a
este senhor que deixe de falar comigo e de intervir ou lhe darei tal bofetada que todos os seus dentes
saltarão.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Sophie piscou confusa ao ver aquele desafio cheio de testosterona na atitude de seu marido.
Não podia esquecer que Nick era um gladiador, um Hércules com roupa de homem contemporâneo.
Mas sempre tinha ocultado sua natureza mais selvagem, embora seu corpo estivesse forjado para a
guerra sobre a areia.
— Agressivo, violento… — insultou Rob.
— Rob, não seja ridículo. — respondeu Nick rindo dele. — Disse bofetada, não murro.
Serei atencioso com você.
— É um merda. Um estuprador. Sophie não quer vê-lo nem pintado. — Rob sabia que isso o
provocaria, parecia querer que saltasse.
Nick nem sequer sorriu, ameaçou Rob com sua atitude e jurou para si mesmo que cumpriria
sua ameaça. Se pudesse não daria uma bofetada nele, não… mas arrebentaria sua cabeça por
idiotice. Pegou os papéis de cima da mesa.
— Sou obrigado a assinar estes papéis agora mesmo? — perguntou Nick a seu advogado.
O advogado negou com a cabeça.
— Pode avaliá-lo e assinar dentro de uns dias. O divórcio continua adiante com sua
assinatura, Nick. Se não assinar, não há divórcio. Mas se assinar, aceita todas as cláusulas.
— Certo. — Assentiu com a cabeça e abriu a porta do escritório dos advogados da família
Ciceroni, justo no centro dos negócios de Orleans. — Vou pensar em cada uma das cláusulas deste
acordo que querem me obrigar a assinar. E acrescentarei as minhas antes de aceitá-lo. — Olhou pela
última vez para Sophie. Quis dizer algo mais, mas se negava a trocar uma só palavra diante do
protegido de Carlo. Tratavam-no como a um cão, mas não queria sair espancado dali. — Até logo.
Nick deixou sua esposa boquiaberta, surpreendida por seu desafio. Ela ficou com o olhar
cravado em suas costas largas e naquele cabelo loiro que tinha acariciado centenas de noites. Ele era
muito educado, paciente e atencioso… Nunca teria abandonado uma reunião desse modo.
Rob pôs a mão no seu ombro e a olhou de frente.
— Está bem, Sophia? — Seus olhos amáveis a olhavam com compaixão, como se ela não
fosse capaz de sobreviver sozinha.
— Sim. Estou bem. — afirmou sem hesitar.
— Esse canalha não voltará a tocá-la jamais. Eu te prometo isso.
Sophie não queria promessas de ninguém. Nem queria que insultassem Nick. Doía nela que
o atacassem desse modo. Embora não sabia por que continuava a preocupando depois do que fez
com ela.
Como podia continuar amando-o e pedindo o divórcio ao mesmo tempo?
Precisava ver sua psicóloga de novo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Duas semanas depois

Para Sophie custou suor e lágrimas, várias crises de ansiedade e terapias com sua psicóloga
Elisabeth, para retomar sua nova vida.
Nick e ela se viram nos escritórios de seus advogados quatorze dias atrás. Mas na realidade
fazia um mês e meio desde que não falava com Nick, desde que partiu de Washington aquela noite.
Seis semanas sem ouvir sua voz, sem sua risada, sem suas brincadeiras… Seis semanas sem
contemplá-lo ao amanhecer, quando ainda continuava dormido; sem vê-lo ao anoitecer, quando a
claridade da lua que entrava através das janelas e do balcão recortava seu rosto. Muitos dias de não
receber nem seus beijos nem suas carícias, de não vê-lo balançando a sua filha e lhe cantando ao
ouvido. Seis semanas de não ser sepultada sob seus abraços de urso amoroso e protetor. Porque ele
sempre foi muito protetor com ela, face ao que tinha acontecido.
Não podia compreender como, depois do que tinha vivido naquela violenta noite, só era
capaz de recordar as coisas boas. E isso era do que falava frequentemente com Elisabeth, sua
psicóloga. Era uma mulher de uns quarenta anos disposta a chegar ao fundo da questão, pois
dialogava com ela sem disfarces. Tinha muita experiência no tratamento com mulheres maltratadas
e conhecia bem os perfis dos abusadores. Era a melhor no estado.
— Sophie — disse esse dia Elisabeth, que usava uns imensos óculos quadrados de armação
fúcsia, o cabelo laranja preso em um coque e os olhos azuis claros e inteligentes —, como se sente
hoje?
— Ainda confusa e magoada.
— Sabe um pouco de Nicholas? Assinou os papéis de divórcio?
Negou com a cabeça e brincou com sua aliança. Ainda a usava.
Elisabeth desviou o olhar esmeralda da argola de seu dedo.
— Ainda não se sente com forças para se desligar dele?
— Não. Não sou capaz.
— Mulheres que sofrem maus tratos e abusos têm medo de empreender uma vida sozinhas.
Seus maridos absorveram tanto sua personalidade, anularam-nas tanto que acreditam que não são
capazes de fazer nada sozinhas. Por isso precisam manter algum tipo de vínculo com ele… Mas isso
acontece nas primeiras semanas. Depois se dão conta de que voltam a ser livres. Você se sente
assim?
— Não. — Não sabia como descrever o que lhe acontecia nem o que acabava de descobrir.
— Eu não tenho medo de nada. Não me sinto nem menos nem mais livre. Só me sinto perdida.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Sophie — Elisabeth entrelaçou os dedos e se inclinou para frente —, é consciente de que


seu perfil não responde a nenhum perfil de mulher com sequelas desse tipo?
— Sei, Elisabeth.
— E tem alguma dúvida sobre o que aconteceu naquele dia?
Ela arqueou as sobrancelhas castanhas e deu de ombros, como se já não lhe importasse nada.
Como se tivesse perdido esse elemento que fazia que tudo a interessasse.
— E se as tivesse, o que aconteceria? O que mudaria? Na minha casa todos tratam Nick
como um doente, como um espancador.
— Segundo sua declaração, é isso exatamente o que é. Há algo dessa noite que a faça
acreditar no contrário?
Algo dessa noite? Sim. Tinha pensado muito sobre isso. Foi tudo tal como ela a viveu? Já
não sabia. Mas sabia de algo, sim. Quando fugiu levou o notebook que Nick costumava usar em seu
escritório. Nem sequer sabia por que fez isso. Só sabia que tinha vontade de ver o que fazia, com
quem falava todos os dias e o que havia ali… Sentia muita curiosidade para averiguar as páginas
que visitava.
— Levei da casa o notebook que Nick costumava utilizar em seu escritório.
— Ah… o roubou? — perguntou surpreendida.
— Sim, pode-se dizer que sim. — admitiu com pouco convencimento.
— E… por que me conta isto? Há algo que descobriu nele?
“Pois sim, droga”, pensou, ainda aturdida. Tinha levado o notebook a um centro de Nova
Orleans que estava repleto de hackers. Por um preço módico, abriam o computador e tiravam todos
os históricos de páginas visitadas e demais, embora as eliminassem.
Nick visitava um fórum de dominação e submissão chamado Dragões e Masmorras DS. Um
fórum destinado a bondage, dominação e submissão. Deixaram de lado o masoquismo, menos mal.
Havia uns personagens chamados vilões, alguém conhecida como Rainha das Aranhas, um tal
Vingador, umas criaturas, amos do calabouço…
Por que Nick visitava esse site? Por acaso gostava desse tipo de sexo? Esse sexo era legal?
Não era violento nem humilhante?
Que jogo era esse?
A noite que Nick jogou com ela, sentiu-se mal consigo mesma. Estavam encenando um
estupro, ele a estava violentado… Isso não era depravado e imoral?
— Sophie?
— Nick gosta de BDSM.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— BDSM? — Elisabeth descruzou os braços. Ela sabia muitas coisas sobre todo tipo de
condutas sexuais. E é óbvio, conhecia o BDSM. — E você sabia?
— Não… Bom, na noite que me algemou ele me disse que íamos jogar… Mas não sabia
que o jogo seria tão sério...
— Entendo. — Elisabeth subiu os óculos pela ponte do nariz. — Aceitou jogar e… o que foi
o que ele te disse ou fez para que deixasse de acreditar que aquilo era um jogo?
Sophie mordeu o lábio inferior sem deixar de girar seu anel. Agora já nem sabia. Não sabia
por que tinha reagido assim.
— Eu… não sei. Acreditei que o jogo era real. Deixei de vê-lo como um jogo. Por todos os
lados há estupradores, assassinos, psicopatas… não é verdade? —tentou se desculpar. — E aquilo
era tão diferente a como Nick estava acostumado a fazer amor que suponho que me assustei. Tive
medo dele.
— A confiança é a base em um jogo de dominação. Se Nick não soube te alertar, é também
responsabilidade dele.
— Mas eu confiava cegamente nele, senti curiosidade pelo jogo e gostava de jogar. —
reconheceu com honestidade. — Entretanto…
— Sophie. — Elisabeth segurou a mão dela ao ver que começava a tremer. — Eu a vejo três
vezes por semana há um mês e meio. Na primeira semana estava decidida a jogar Nick aos leões.
Mas depois, à medida que foi passando o tempo, sempre que quis se culpar pelo que aconteceu,
você o defendeu. Por quê? Acha que se ele soubesse que tinha tanto medo teria parado?
— Acredito que realmente me senti como uma donzela violentada por um pirata. Porque
aquela era uma espécie de fantasia de Nick… e eu… não podia falar porque tinha uma mordaça na
boca e ele… talvez pensasse que eu estava em meu papel e eu… — os olhos se encheram de
lágrimas que começavam a lhe escorregar pelas bochechas. — Eu o desejava muito. Fazia muitos
meses que não fazíamos amor. Minha depressão pós-parto se estendeu além da conta e… de
verdade que desejava estar com ele.
— Diz que em seus anos de casamento ele jamais a insultou, nem a tratou mal, nem a forçou
a nada.
— Não, por Deus. Ele era um amor. — cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar. —
Nick é o melhor homem que conheci. Apoiou-me sempre em tudo, nunca me fez sentir inferior, nem
me fez mal… exceto essa noite. Mas já não sei se interpretei mal o que aconteceu aquele dia entre
nós. Elisabeth… preciso entender o que fiz e como me sinto. Estou muito confusa e tão, tão
perdida… — Soluçou — E se Nick queria que eu me envolvesse em suas fantasias e não o entendi?
— Exalou esgotada e olhou a caderneta em que sua psicóloga tomava notas. — E se me

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

equivoquei? Vejo-a tomando notas dia após dia na hora que estou aqui com você. E eu só faço falar
e falar… e volto constantemente para a mesma coisa. E cada vez tenho mais dúvidas… me diga, o
que você acha?
Elisabeth sorriu cheia de empatia. Podia compreender a confusão de sua paciente.
— É muito cedo para fazer uma avaliação de seu caso, Sophie.
— Não é tão cedo e sabe disso. É a psicóloga de nossa família. Você me atendeu quando
aconteceu aquilo com meu irmão. Conhece-me.
— Sim. Conheço-a, Sophie.
— Então, o que acha de tudo? Diga-me, por favor. Você não odeia Nick como o fazem todos
os que me rodeiam. Não tem preconceitos. Talvez tenha uma opinião mais objetiva a respeito. —
limpou o nariz com um lenço, esperando que Elisabeth desse uma resposta que lhe bastasse.
A psicóloga pensou se lhe dar uma opinião objetiva a orientaria, se devia fazê-lo. Elisabeth
tinha atendido a mulheres abusadas que realmente tinham medo até de respirar, e esse não era o
caso de Sophie. Também tinha atendido a mulheres que devia avaliar por ordem da promotoria da
Louisiana, e algumas eram umas mentirosas que fingiam serem vítimas de maus tratos para assim
poder ganhar uma indenização. Mas a essas agarrava logo e informava pertinentemente às
autoridades.
Entretanto, Sophie era uma exceção. Ela estava segura de que seu marido tinha abusado
dela.
— Muitas mulheres fantasiam com estupros e isso não quer dizer que desejem ser
violentadas. E muitos homens fantasiam forçar as mulheres e isso não os converte em estupradores.
— Caminhou ao redor de Sophie com cuidado. Aquele assunto estava cheio de minas. — As
fantasias acontecem na mente, porque a mente é livre de imaginar o que lhe dê vontade. Por tudo o
que me contou sobre Nick e pelo modo que me conta isso, não o teme. Não tem medo dele. Isso me
indica que Nick jamais a maltratou.
— Já disse isso.
— Mas pode mentir para mim, como outras, não é? E não tem feito isso. Diz a verdade.
— Sim. Jamais mentiria em algo assim.
— Bem. Chegado a este ponto, acredito que Nick quis viver uma fantasia com você. Além
disso, se agora me diz que descobriu que estava envolvido em um fórum de dominação e
submissão, acredito que posso compreender um pouco melhor o que aconteceu entre vocês. Seu
marido despertou para uma natureza sexual apoiada na dominação e na sublevação. Isso não quer
dizer que ele deseja machucá-la. — deteve-se um instante e escolheu as seguintes palavras. — A
fantasia que interpretaram tinha a finalidade de que ambos gozassem. E não foi assim. O que

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acredito que desencadeou todo este choque em você foi o fato de que era a primeira vez que
jogavam. Nick tentou jogar com você antes em algum momento? — perguntou.
— Não. Nunca me disse nada sobre jogos, nem algemas, nem chicotes…
— É algo incômodo para os casais estáveis trocar o papel de sua sexualidade. E mais difícil
é reconhecer que gosta de mudar. Mas é algo inevitável se realmente é acordada tal natureza em
uma pessoa. É como o que é gay ou a que é lésbica. Podem transar com alguém do sexo oposto um
tempo e não apreciar muito. Até que um dia se cansam de se reprimir e decidem transar com uma
pessoa do sexo pelo qual se sentem atraídos. E a partir daí, nada poderá fazê-los mudar porque é seu
instinto e sua natureza a que escolhe esses gostos.
— Ele… Nick, no tempo que o deixei em quarentena, lançava-me olhares intensos e muito
ardentes. — recordou um pouco envergonhada. — Sempre gozamos de uma boa saúde sexual…
— Talvez ele quisesse mais. Talvez quisesse mais e pensou que você gostaria. Mas perdeu o
controle. O que Nick não imaginou era que você entraria em choque ao relacionar o que ele lhe
fazia com o assassinato de seu irmão. Nós não planejamos o que nossa mente pode fiar. Há detalhes
e lembranças que temos enterrados no subconsciente e que aparecem quando menos o esperamos.
Por exemplo: seu pavor às tempestades. Sua origem vem da noite em que os avisaram de que Rick
tinha morrido. Desde então, sempre que cai uma tempestade, a ansiedade toma conta de você…
— Desde que estou com Nick não tive pânico. Ele substituiu a lembrança má por uma boa.
— Sorriu com tristeza e arrependimento.
— Seu caso teve agravantes que tiveram a ver com a tragédia de Rick. Justificado ou
injustificadamente, o terror a sacudiu quando Nick a colocou em suas mãos e a algemou. Acreditou
que um estuprador também a mataria, embora se tratasse de Nick. Sua mente utilizou seu pânico e
sua lembrança enterrada para que ficasse tensa e depois fugisse dele. E teve que passar o tempo para
que visse o acontecido sob outro prisma. Seus pais são especiais, Sophie. Sofreram muito a perda de
seu filho e se culpam com o fato de que não puderam protegê-lo, por muito poder e dinheiro que
tivessem. O que aconteceu com você reabriu essa ferida neles. E derramaram toda a ira do que
aconteceu com seu irmão mais velho em Nick. É seu bode expiatório.
— Destrocei Nick. — sussurrou Sophie, começando a ver através da névoa. — Acredito que
me equivoquei. Lancei-o à água com os crocodilos.
Seu pai e sua mãe cuidavam dela o melhor que podiam. Estavam atentos a cada um de seus
movimentos. E a princípio ela agradecia, mas com o passar do tempo esse controle a sufocava,
porque era a mesma proteção paternalista e superprotetora da qual fugiu nove anos atrás quando
partiu para Universidade de Washington. Além disso, nesse momento, depois do muito que lhe

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

custou que aceitassem Nick na família, agora já não podiam vê-lo nem ouvir nada sobre ele. E
sempre que ela levantava o assunto, concluíam-no com dureza.
— Sophie.
A voz de Elisabeth a tirou de sua autoflagelação.
— O que?
— Não é a primeira vez que toco no assunto de BDSM nas relações de casal. Em minhas
terapias para casamentos, nenhuma vez saiu esse aspecto. Há muitos casais que jogam de
dominação, inclusive sem saber. A questão é que conheço uma sexóloga que poderia te pôr em
contato com pessoas do BDSM que realizam… fantasias e desejos de mútuo acordo. Talvez se falar
com um deles e te explicarem como é seu mundo, se a ensinarem como é uma de suas fantasias sem
que você esteja envolvida nela, encontre pontos em comum com o que viveu com o Nick. E talvez
entenda muito melhor o que viveu.
— Você acha? O que quero é… deixar de me sentir mal pelo que fiz. E deixar de me sentir
mal por me sentir mal, compreende?
— Alto e claro. — respondeu Elisabeth. — Quer que te dê o telefone de uma dessas
pessoas?
— Sim, por favor.
Elisabeth sorriu com indulgência e lhe escreveu o telefone em uma folha, junto com um
nome: Thelma.

***

Antes de se deitar nessa mesma noite, enquanto Sophie estava em seu quarto da mansão
Ciceroni de Thibodaux no alto de uma das torres, e ficava sentada sobre a cama com o olhar fixo no
telefone que Elisabeth lhe deu, milhares de dúvidas assaltaram seus pensamentos.
Entretanto, nada a afastava da ideia de que se equivocou com Nick.
Ela sozinha, ajudada por seu trauma e sua pouca confiança, fez seu casamento explodir em
mil pedaços.
Uma ordem de afastamento.
Um divórcio ainda sem assinar.
E a custódia total de Cindy.
Tudo depressa e correndo, e bem consecutivo. Um golpe após o outro. Um erro atrás do
outro.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

As lágrimas de arrependimento caíram sobre o papel que segurava, que foi parar ao chão
assim que escutou a voz de seu marido dentro de seu quarto.
— Por que chora?
Sophie se levantou de repente e ficou de pé na frente da cama, olhando para o balcão que
oferecia uma vista maravilhosa de Thibodaux.
A silhueta de Nick aparecia recortada entre as cortinas vermelhas e transparentes. Usava
calças militares largas, tênis pretos e brancos, e uma camiseta escura de alça que delineava seu
corpo hercúleo.
— Nick?
— O que?
— É você?
— Sim… O que restou de mim. — disse ele levantando uma garrafa de uísque e brindando à
sua saúde, para logo beber do gargalo.
Sophie engoliu em seco com nervosismo. Mas não com medo. Estava bêbado?
Tinha-o denunciado por violência contra mulher com agravantes. Tinha uma ordem de
afastamento que devia respeitar e um divórcio que pendia entre eles como uma forca. Se de verdade
acreditasse que Nick era um espancador nesse momento estaria morta de medo e a ponto de
desmaiar. Mesmo assim, não o temia.
Não o temia absolutamente.
— Como diabos subiu até aqui?
Ele sorriu sem muita vontade e estalou a língua.
— Disse que sou um super-herói. Casou-se com o Batman, recorda?
Atirou a garrafa vazia ao chão de madeira do terraço e entrou como se fosse o senhor
daquela mansão. A segurança daquela supercasa era uma piada ruim. Ele sempre viu suas carências,
por onde falhavam as câmaras e onde havia pontos cegos. Não foi nada difícil burlá-las.
Sophie só vestia uma camisola muito curta amarela que mostrava mais do que escondia. Mas
fazia calor na Louisiana e não era bom dormir muito abrigada.
Nick não prestou nenhuma atenção ao modelito. Passou ao seu lado e meteu as mãos no
bolso traseiro de suas calças militares, como se jamais tivesse gostado dessa mulher nem ela o
tornasse louco.
Ela se abraçou com nervosismo, mais preocupada de que o pegassem ali do que ele pudesse
machucá-la de novo.
— Não precisa chamar a polícia para dizer que burlei a ordem de afastamento. Esta é a
última vez que vou fazer isso. — virou-se e a olhou de forma cínica, sem alma.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Sophie estremeceu ao ver aqueles olhos dourados tão vazios, tão sem brilho. Parecia um
morto em vida. Mas inclusive morto Nick era bonito.
— Para que veio?
— Não para violentá-la. — assegurou com apatia. — Com uma denúncia já tenho suficiente,
não acha? — Deu uma volta sobre si mesmo e observou o quarto. — Sophia… sempre foi uma
princesa, não é verdade? Há coisas que com você jamais se devem fazer, suponho… aprendi a lição.
— jurou, afirmando com a cabeça como um robô.
Sophie franziu o cenho, ignorando o estremecimento que percorreu sua pele.
— Não me respondeu, Nicholas… Para que veio?
— Já vai ver, Sophia… — Deixou cair a cabeça para trás e fechou os olhos como se
esperasse a redenção de alguém. — Vim para romper com isto definitivamente, para me esquecer o
que foi minha vida até muito recentemente. Vim romper com você — desdobrou os papéis e os pôs
no peito de Sophie —, definitivamente. Romper com minha filha. Romper com meus sogros e com
estes campos de açúcar. Para apagar você e a todos da minha cabeça e do meu coração.
Sophie abaixou o olhar e jogou uma olhada aos papéis. Era o pedido de divórcio. E estava
assinado. Pegou-os com mãos trêmulas e frias.
Nick lhe dera o divórcio.
Seu peito encolheu e uma bola de melancolia e de tristeza obstruiu sua garganta.
— A partir de hoje deixa de ser minha esposa. Embora meu coração doa, sei que jamais
poderei ver Cindy e que me obriga a renunciar à sua custódia… assim também vim me esquecer
dela. Não tenho outra saída que lhe dar isso, não é, princesa? — Seus olhos eram poços amarelos de
desespero. — Acabou. Você ganhou. Você, garota covarde e assustada… — grunhiu sem se
aproximar nenhum centímetro de seu corpo — ganhou. Os Ciceroni e seu poder acabaram comigo.
E acredito que finalmente têm o que queriam. A sua filha para sempre com eles e a sua neta sob sua
custódia. Deixo seu caminho livre, Sophie, para que faça o que quiser a partir de agora. Ou melhor
dizendo, para que seus pais façam o que quiserem com você.
— Nick… — Sua voz mal saía. E tinha muitas coisas para dizer a ele e muito a reconhecer,
mas não sabia por onde começar, porque quanto mais tempo passava, mais complicado e doloroso
se tornava tudo.
— Nicholas para você, princesa. — ele replicou com desdém. — Não volte a me chamar de
Nick. Decepcionou-me muito, Sophie. Talvez eu não tenha sido o melhor marido ou nosso
casamento não foi o mais normal e idílico de todos, mas sei algo: nunca deixei de amá-la, nem
deixei de me apaixonar por você a cada condenado dia. Jamais deixei de confiar em você. Eu… sei
que não se importa, mas aquela noite…

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Nick, por favor. — Sophie deu um passo à frente para tentar tocá-lo. Precisava fazê-lo.
— Cale-se. E nem pense em me tocar… talvez seja eu a denunciá-la agora. — Ela ficou
imóvel e Nick continuou com seu discurso. — Aquela noite quis me abrir a você, quis te mostrar
quais eram minhas novas inquietações. Sempre pensei que queria compartilhar tudo com minha
mulher, que o casamento era isso. E quis que experimentássemos juntos… mas jamais… jamais —
disse atravessando-a com o olhar — imaginei que te abrir uma parte de minha alma, que reconhecer
que queria jogar com você, acarretaria seu ódio e sua vergonha. Seu medo me pegou de surpresa.
Nem sequer me deixou falar ou tranquilizá-la…
Sophie engoliu em seco, tentando manter seu temperamento.
— Estava confusa, Nick.
— Não me chame de Nick. Só me chamam por esse nome as pessoas que gostam de mim. E
está claro que nem você nem seus pais e nem muito menos esse moleque do Rob, que quer fazer-se
passar por seu protetor e de passagem meter-se em sua cama, gostam de mim. Para você sou
Nicholas.
Sophie lambeu os lábios ressecados e olhou nervosa para todos os lados, sem saber o que
dizer, com seu divórcio assinado nas mãos.
— Rob não é…
— Não me importa. Já não é nada minha. A partir de agora não quero que volte a entrar em
contato comigo nunca mais. Você decidirá o que fazer com respeito à Cindy, já que decidiu que não
sou digno de ser seu pai e que ela está em perigo se estiver perto de mim. Nossa história chegou a
seu final.
Nick passou na frente dela com o corpo tenso e os punhos apertados ao redor. Palpitava-lhe
um músculo de impotência no queixo. Sophie soube quão miserável se sentia porque acontecia o
mesmo com ela.
— Nicholas… — disse esperando detê-lo assim, e lhe dar as explicações pertinentes. Não
queria que partisse. Agora que o tinha diante dela e que ninguém sabia que estava ali, sabia que
Nick jamais lhe faria mal de propósito, que não era um espancador nem um estuprador. Que ela se
equivocou. — Eu… sinto muito.
Nick a olhou por cima do ombro:
— Não me irrite, princesa. É óbvio que sente. E vai sentir sempre. —Entrecerrou os olhos e
disse. — Tsuneni.
Saltou pelo balcão. Sophie ficou com a cara no chão. Tinha saltado? Assim sem mais? Ia se
machucar!
Sophie correu para se assegurar que estava bem, mas ali não havia nem sinal de Nick.

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Ainda tremendo e abatida, observou o horizonte. Como não o encontrou, fixou o olhar nos
documentos que tinha entre os dedos. Acendeu a luz do balcão porque necessitava que lhe desse o
ar. Sentou-se no balanço de madeira que tinha umas almofadas protetoras brancas e vermelhas. Ao
virar a segunda folha, encontrou um post-it amarelo com algo escrito:

Aceito todas as cláusulas. Concedo o divórcio a Sophia Ciceroni. Em troca, Dalton é meu.
E o notebbok que a senhora Ciceroni me roubou também.

Sophie passou o antebraço pelos olhos, incrédula. Virou e correu ao interior de seu quarto
para ver se o notebook continuava onde o tinha deixado.
Justo o que imaginava. Nick o tinha levado.
Ao mesmo tempo que ela se dava conta de que seu ex-marido tinha recuperado seu
computador, ouviu os gritos de seu pai chamando Dalton para dar sua habitual volta noturna pelos
campos.
Mas o latido de Dalton jamais voltou a se ouvir em Thibodaux.

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CAPÍTULO 14

Seis meses depois

Sophie ia cometer a maior loucura de todas as que tinha cometido até a data. O nome de
Thelma escrito em um papel mudou o conceito de sua vida do princípio ao fim. Assim que tomou a
decisão de ir conhecê-la, seus dias deixaram de ser o que eram.
Thelma era um ama. Uma mulher que fazia doma de homens e de mulheres por igual.
Alguém que revelava as necessidades que ninguém se atrevia a falar, ocultas nas gavetas da
vergonha e da pouca honestidade.
A relação que Sophie cercou com ela durante esses meses foi um convite a autodescoberta.
Aprendeu a ver sua vida tendo em conta dois conceitos que, diferentes, complementavam-se à
perfeição: a dominação e a submissão. Era como um modo de vida, como o ingresso de ida e de
volta ao mundo das mais profundas fantasias.
A domina tinha uma aparência intimidante, de formas voluptuosas e atléticas ao mesmo
tempo. Não havia nada suave nela.
A primeira vez que Sophie a viu, Thelma sorriu sardonicamente, deixando cair a cabeça para
um lado, analisando-a como se na verdade tivesse pouca coisa diante dela.
Sophie queria averiguar o que era um role play e queria pedir permissão a Thelma para que
o mostrasse.
E mostrou. Convidou-a para ir a um local noturno de Nova Orleans onde se praticava
BDSM. Thelma a acompanhava o tempo todo, e se sentou a seu lado enquanto as cortinas negras se
abriram e mostraram uma janela a uma sala interna escura que simulava uma cela.

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A garota loira atrás das barras da prisão atuava fingindo ter medo e olhava para frente. Uma
porta se abriu e apareceram dois homens que interpretavam o papel de carcereiros.
Thelma se inclinou ao ouvido de Sophie, que engolia em seco com nervosismo. A ama, que
usava o cabelo loiro e sedoso preso em um coque e exibia sapatos vermelhos e vestida de negro,
falou com ela com doçura e serenidade.
— Esta mulher quer viver sua fantasia. Deseja que dois homens a possuam. Veio aqui para
isso. — esclareceu — Tudo que fizerem com ela será de mútuo acordo. No momento em que a
mulher aceita jogar, sabe que está à mercê deles. E por mais que ela grite ou chore, eles continuarão.
O role play pode fazer com que se produza muita adrenalina e haverá momentos em que pensará
que ela não quer o que lhe fazem, e imediatamente depois a verá gozar como uma louca. — Sorriu e
olhou de esguelha a loira que segurava com força as barras; os dois carcereiros entraram em sua
cela. — É fantástico ver como as pessoas se livram de suas máscaras e mostram seus desejos.
Sophie engoliu em seco e cruzou as pernas tentando aparentar uma tranquilidade que não
sentia. Não era medo. Não era pavor. Era uma curiosidade que, insana ou não, obrigava-a a não
piscar para não perder nem um só detalhe do que ali acontecia.
E tudo o que viu nessa cela a deixou sem palavras e atiçou uma parte de seu ser que tinha
vivido entre as sombras.
A mulher da cela estava sendo submetida por dois homens muito maiores que ela, tanto em
idade como fisicamente.
Tocavam-na como se esse corpo fosse deles e a jovem não pudesse dizer nada.
Amordaçaram-na. Ela brigou. E eles riram enquanto lhe davam bofetadas nas nádegas. Ela também
ria? Sophie não entendia nada.
Puseram-na no chão de joelhos e amarram seus pulsos para imobilizá-la, enquanto abriam as
pernas dela para que se posicionassem.
Não deixaram de penetrá-la, segurando-a pelos quadris com força, demonstrando quem
mandava ali. Fazia primeiro um e logo o outro. Ela gemia, apertava os olhos e depois os abria com
o olhar desvairado de prazer.
Outras vezes, parecia esquecer que tinha que lutar e se deixava levar pela força deles.
Subjugada.
E depois os dois fizeram ao mesmo tempo. Montaram-na aberta sobre o que tinha o pênis
maior, que a penetrou pela frente. Depois o outro a tomou por trás.
Ficaram jogando e submetendo-a durante uma longa hora.
— Isto é o que queria ver? É o que seu marido fez com você? — perguntou Thelma com
atrevimento.

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Sophie tinha contado seu caso e Thelma queria fazê-la ver que se devia separar a realidade
da fantasia. Um jogo se devia respeitar do princípio ao fim. O acordo inicial era o que valia.
Entretanto, Sophie era novata e por algum motivo sentiu medo. Depois disso se seu marido
continuou, tudo o que fez parecia uma ofensa contra sua pessoa. “Pobre desgraçado”, disse a si
mesma, pensando em Nick.
— Vê o que fazem com ela?
— Sim.
— E então?
— É o que ele fez comigo… — sussurrou abaixando a cabeça com pesar. — Mas só ele.
— Ele te avisou o que aconteceria a você?
— Sim. Disse-me que o que fizéssemos a partir desse momento devia ficar dentro do jogo.
— Isso. — Sophie levantou a cabeça ao ouvir um novo orgasmo da boca da garota. Thelma
nem se alterou. — Mas o que aconteceu a vocês não ficou ali.
— Não.
— E o que quer que eu faça por você, Sophie? Pediu-me ajuda, mas ainda não sei para que.
Ela meneou a cabeça, contrariada. Sabia que Thelma seria um ama inflexível, dura e
provocadora. Mas precisava dela. Equivocou-se com Nick. E de algum modo precisava
compreendê-lo e ver se estava disposta a recuperá-lo sabendo que aquele novo mundo era o que seu
ex-marido gostava.
Sophie levantou o olhar e cravou seus olhos castanhos nos azuis esverdeados de Thelma.
Essa mulher era uma gata. Podia imaginá-la lambendo suas garras, sorridente e segura de si mesma,
antes de atacar a sua presa.
— Conhece um fórum chamado Dragões e Masmorras DS?
Thelma piscou, com o sorriso atrevido perene em seus lábios.
— Nós os autênticos BDSMeiros o conhecemos perfeitamente. — afirmou — Como você
conhece esse fórum?
Sophie lambeu os lábios em um gesto nervoso.
— Meu ex-marido o frequenta. Faz-se chamar de Tigrão. — respondeu, revelando a
informação que os hackers lhe deram. Não sabia nada mais, já que não podiam abrir os códigos e as
senhas que Nick tinha utilizado para entrar. — Por isso me interessei pelo BDSM. Quero
compreender o que aconteceu nesse dia que Nick jogou assim comigo. E quero saber se posso
aguentar seus… gostos.
— Às vezes o BDSM não só é questão de gostos sexuais. É uma forma de vida. Em alguns
casos, o jogo de dominação entre amo e submisso dura as vinte e quatro horas do dia. — esclareceu.

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Começava a interessar aquela mulher recatada e elegante que com um pouco de reticência estava
lhe pedindo ajuda.
— Não me importa. Só quero entender. Quero saber o que é.
— Quer se preparar para o torneio? Quer surpreender seu Nick para recuperá-lo? Isso é
muito romântico… — disse aprovando seu comportamento com a expressão satisfeita de seus olhos
azuis resplandecentes.
Sophie franziu o cenho.
— Não sei o que é esse torneio… Mas quero fazer o possível para recuperá-lo.
Thelma ergueu o queixo e olhou para ela entre seus espessos cílios cheios de rímel.
— E por que veio a mim?
— Elisabeth me falou de você.
— Mas sou uma mulher.
— Não quero estar nas mãos de outro homem. Estar com uma mulher faz com que sinta que
não traio Nick. Deixe-me ver se me explico… quero deixar claro que… eu não gosto de mulheres.
— Como sabe se nenhuma vez provou uma? — perguntou divertida. — Como sou uma
mulher, seu coração nenhuma vez se verá comprometido?
— Hã… — Sophie franziu o cenho sem saber o que responder.
— Não se preocupe, linda. — pôs-se a rir. — É muito inocente… Mas me deixe te dizer que
o coração responde aos cuidados, não importa se há um pênis ou uma vagina entre as pernas. Não
aspiro que se apaixone por mim. — esclareceu — Embora seria divertido contradizê-la…
Entretanto, não precisa gostar de mulheres para fazer domesticações ou ser o interesse de uma
delas. O único que importa na domesticação é a dor e o prazer. Entendido?
— Sim… suponho.
— Então… quer ser minha submissa, Sophie? — perguntou com tom sedutor. — Não haverá
retorno.
— Quero que me mostre seu mundo, Thelma. — afirmou com tranquilidade. — Você me
ajudará a chegar de novo a Nick.
— Serei seu trampolim?
— Sim, mais ou menos…
A ama assentiu de acordo e a segurou pelo queixo.
— Serei seu trampolim para o êxtase. Eu a levarei pela mão para um universo que só reside
em seu interior e unicamente sob a domesticação de meu chicote. — Piscou um olho para ela e a
soltou.

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Depois daquela misteriosa promessa, Sophie não pôde prestar atenção ao que acontecia por
trás do vidro. Só pensava no que a esperava assim que ficasse nas mãos de Thelma.

***

E, durante meses, Thelma trabalhou com ela.


Três vezes por semana a pressionou a uns limites que não compreendia, que a assustavam e
a atraíam como nada no mundo.
Onde começava a dor e o prazer? Onde ela acabava? Quem era na realidade? Qual seria seu
limite?
Thelma era dura, mandona e inflexível. Mas, ao mesmo tempo quando Sophie dava tudo o
que podia, era agradecida e carinhosa, felicitava e a mimava.
Ensinou-a a suportar os castigos e a se entregar por completo. Ensinou-a a aguentar as
pinças nos mamilos e no clitóris, os açoites com o flogger, o spanking, as leves dentadas… Instruía-
a, guiando-a através da ardência para que encontrasse esse lado escuro do prazer, só ao alcance dos
mais valentes. E o prazer sublime estava ali… atrás da soleira da dor. Em algumas ocasiões, saíram
tanto do controle que não sabia se o deleite e a agonia eram uma consequência do outro ou o
contrário.
Com o passar do tempo, Sophie conseguiu algo que desejou ser quase impossível no
começo. Começou a gostar.
Desejava encontrar-se com Thelma. Uma parte de si reclamava toda aquela descarga
emocional, o choque de trens que a ama lhe oferecia… ela enfrentava a si mesma. E em cada
confronto, só Sophie saía vencedora. Porque depois de todo o caos, da angústia e do sofrimento,
chegava a onda de satisfação que fazia com que se sentisse livre e estranhamente limpa. Pura como
nunca.
— Em uma domesticação, quando se submete, enfrenta a todos esses seus aspectos que
menos gosta e que a tornam frágil. Quando consegue submetê-los, renasce forte e livre, segura do
que quer e de acordo com quem é realmente… Se nunca pressionarem seus limites, jamais saberá
do que é feita, nem adivinhará quanto está disposta a suportar. A dominação se apoia nisso: no
prazer e na autodescoberta. E você — disse a ela um dia enquanto Sophie estava nua, sentada de
pernas abertas sobre um potro — já está se abrindo a si mesma e ao mundo com uma sofisticação e
um temperamento impróprios de alguém tão nova… Isso só acontece com os inatos, por assim
dizer. Os que sabem que se entregar é um dom que se oferece com liberdade. O presente mais
prezado que alguém pode dar a outro. E eu — açoitou as nádegas de Sophie com o flogger e esta

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deu um salto, olhando-a de soslaio como se quisesse lhe arrancar a cabeça — adoro quão livre é,
inclusive estando presa e a minha mercê como agora.
Thelma a ensinou algo básico para sua vida, uma lição que poria em prática desde que
compreendeu o que era submeter-se aos outros.
— Há algo errôneo em pensar que se submeter é para os fracos. — explicou a Sophie um dia
enquanto retorcia seus mamilos com os dedos. — As domesticações vão destruindo cada uma das
camadas que a protegem, esses muros infranqueáveis atrás dos quais todos nos escondemos… até
que aparece você. Até que se encontra. A submissão é somente para os mais fortes e poderosos. —
disse puxando fortemente seus duros seixos avermelhados — Quem tem o poder em uma
domesticação é o submisso porque permite que o dominem. É como se dissesse ao amo: “Submeto-
me porque quero, não porque me obriga”. — Thelma sorriu ao ver que Sophie já não a insultava
quando fazia isso com ela. — Boa garota… e se tiver a grandeza de se submeter a seu desejo,
Sophie, então é que pode dominar sua vida do princípio ao fim.
Aquela lição ficou gravada na sua mente. Quantas vezes se submeteu sem querer? Quantas
vezes permitiu que seus pais a controlassem e dirigissem sua vida? Sophie tinha permitido para não
deixá-los zangados e para se comportar bem com eles, sem saber que com essa conduta, fizera um
favor a eles, mas também a si mesma.
Seus pais não aprenderiam a lutar com seus demônios e seus medos se ela desse a eles tudo
o que pediam.
E ela jamais faria o que na realidade queria fazer se colocasse os desejos dos outros na frente
dos seus.
Submeteu-se a eles. Tinha decidido obedecê-los inclusive contra sua própria vontade.
Sempre quis viver em Washington junto de Nick e criar sua própria rede de restaurantes. Já tinha
escolhido até o nome. Chamaria-se Orleanini.
Entretanto, tinha estacionado seus sonhos pessoais, suas ambições, para trabalhar nos
campos de açúcar junto a seu pai e viver com eles para que se sentissem bem e orgulhosos dela.
O problema era que Sophie não se sentia orgulhosa de si mesma. Seu medo de romper com a
proteção de seus pais e empreender seu caminho sozinha longe do sobrenome Ciceroni, fez com que
não avançasse e que se conformasse. E o pior de tudo: insistiu para que Nick se conformasse
também. Seu ex-marido sempre a animara para que fosse empreendedora e que deixasse a empresa
de seu pai; dizia que era hora de voar do ninho. Mas Sophie nunca o escutava. Sorria para ele e
respondia: “Este ano é o último”.
Mentira. Nunca era o último.
Talvez tivesse chegado o momento de ser.

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Passou o tempo e chegaram as domesticações mais intensas, até que Thelma considerou que
Sophie estava mais que preparada para poder participar do torneio de Dragões e Masmorras DS.
Thelma conhecia uma tal Sharon, que se encarregava de estender os convites através do
fórum. Recebeu um convite duplo para ela e sua acompanhante. Seriam Thelma e Louise
Sophiestication.
— Esse torneio é uma autêntica maravilha, Sophie. — disse Thelma na noite anterior da
partida. A ama ia dois dias antes para pegar os acessórios e ter todos os equipamentos preparados, e
combinaram jantar em um restaurante do bairro Francês que fazia um frango cajún com especiarias
que era espetacular. O restaurante tinha um ar de Nova Orleans, todo de madeira por dentro e de
aspecto vitoriano por fora. — Você vai se encantar.
Sophie mordeu um salgadinho de queijo e o untou com ketchup.
— Estão sem gosto. — disse prestando atenção à textura do alimento. — E o empanado não
está crocante. Eu os faço muito melhores. Devo colocá-lo em meus futuros menus…
Thelma arqueou as sobrancelhas e revirou os olhos.
— Estou falando do torneio, querida. Trabalhou duro para estar nele. E Tigrão vai estar lá.
Está me deixando em segundo plano por um palito de queijo…
Foi então quando Sophie prestou toda a atenção nela. A ama era muito ciumenta e
egocêntrica. Mas Sophie a adorava.
— Sharon confirmou a presença de Nick?
— Sim. E fez isso de maneira extraconfidencial. Agora devo um favor a essa vagabunda
altiva…
— Pensava que eram amigas.
— E somos. Mas nas domesticações não há amigas. — Piscou um olho para Sophie. — E se
a Sharon quiser me incomodar durante o torneio não poderei lhe dizer não. É a maldita rainha do
BDSM. Olhe em que compromisso me colocou. — Levantou a mão e brincou com o cabelo de
Sophie, que o prendeu em um longo rabo de cavalo liso. — No torneio não quero coques insossos
como esse, entendido? Tem que parecer formidável. Rabo de cavalo alto, rosto relaxado… ficará
linda. — Sorriu feliz.
Sophie compreendia que para as dominas o sexo era pura diversão. Os BDSMeiros não se
importavam com os do mesmo sexo, porque o que os atraíam no jogo era a submissão e o êxtase.
Não colocariam alcunhas. Não tinham preconceitos. Eram livres.
Sophie não saía de seu assombro. Se Sharon era metade exigente como Thelma, um
encontro entre elas devia ser espetacular.

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Embora ela não teria olhos para nenhuma das duas, porque só queria encontrar com Nick.
Thelma explicou a ela as bases do jogo e Sophie esperava com esforço uma sorte de cartas com as
quais pudesse envolver Nick em uma mudança de casais.
Thelma tirou o que restava do salgadinho dos seus dedos e o levou a boca. Sophie não se
importou.
— Está nervosa, Sophiestication?
Ela se pôs a rir. O nome era criativo. Sim, estava nervosa e ansiosa. Em dois dias estaria no
aeroporto Ronald Reagan, onde tantas vezes desembarcou para estar com Nick. Mas desta vez
tomaria outro voo para as Ilhas Virgens.
Ansiava encontrar-se com ele e ver a cara que ele ia ficar quando por fim descobrisse quem
era ela. Entretanto, havia algo que temia.
Não suportaria ver Nick com outra, jogando e tocando-a como a tocou anos atrás. Em sua
época de casados, jamais se sentiram ciumentos nem tiveram motivo para isso.
Talvez tudo tivesse sido muito fácil. Sem conflitos, sem discussões, com uma cumplicidade
maravilhosa entre ambos… Nenhum deles queria fazer algo ou dizer algo que machucasse o outro.
Nick aceitou que ela vivesse na Louisiana para trabalhar na empresa dos Ciceroni e ela aceitou que
ele trabalhasse em Washington. Era um casal atípico, cuja distância anulava a possibilidade de ter as
típicas discussões dos casamentos nem os conhecidos desgastes com suas crises.
Eles não tiveram isso.
Entretanto, só precisou de uma noite de enganos e de emoções voláteis para mandar tudo ao
inferno.
Só uma noite. Só o medo. E já não restava nada.
Sophie queria aproximar-se dele, mas Nick deixou claro que não queria saber nada dela. E
com razão. Tinha-o proibido de ver sua filha e impôs uma ordem de afastamento. O que esperava?
Cindy sentia falta de seu pai. Sentiu saudade dele. Nick sempre dançava com ela nos braços
e brincava. Podia brincar horas com a pequena sem se cansar. Muitos homens se fartavam dos bebês
em seguida, por muito bonitos e filhos deles que fossem, mas Nick não. Nick apreciava Cindy de
verdade. E os afastou um do outro por culpa de seus medos, que estavam tão dentro dela. Por seus
preconceitos, por ser uma estúpida… falsa moralista.
— Já está se flagelando outra vez? — Thelma conhecia todas as suas expressões e o muito
que se torturava Sophie pelo que fez a seu marido. — Não vale a pena entrar nesse redemoinho
autodestrutivo. Cometeu um erro, não é?
— Sim. — Sophie esfregou o rosto, a ponto de desanimar de novo.

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— Então — segurou seu pulso —, solucione-o. Deixe as lágrimas para a masmorra. Aqui
nada de choro.
Sophie assentiu, tentando acalmar-se.
Sim, a reconciliação seria uma batalha.
E ela tinha todas as chances de perder. Mas queria lutar por Nick, porque o amava e…
estava arrependida.
Conseguiriam dar um ao outro outra oportunidade?

***

— Sophie, querida? Para que vai às Ilhas Virgens? — perguntou Maria, que tinha sua neta
nos braços. A pequena balbuciava e brincava com o urso panda que Nick a presenteou em uma
viagem que fez ao Japão. A bebê adorava apertá-lo.
— Para ter uns dias de descanso, mamãe. — Abriu as gavetas brancas de sua cômoda e tirou
roupa íntima roxa e fúcsia, e peças de roupa leves. Thelma disse a ela que lá fazia muito calor e que
a umidade se colava à pele. O látex, os sapatos de salto e outros acessórios, a ama os levaria. —
Minha vida mudou muito em pouco tempo e mereço uma pequena pausa.
Sophie havia se tornado independente. Comprou uma linda casinha em Chalmette com o
dinheiro herdado de seu avô, do que já podia dispor. Era seu modo de romper com a vigilância e a
proteção de seus pais. Precisava pôr espaço entre eles e começar a pensar em si mesma, em vez de
nas necessidades dos outros. Vivia ali com Cindy, que já tinha mais de um ano. Maria foi até ali
para ficar com a pequena. Maria falava com ela, mas seu pai, ainda ressentido por ter abandonado
seu lar, não queria nem lhe dirigir a palavra.
Entretanto, não foi aquilo o que causou aquele duro distanciamento entre pai e filha. O que
provocou a hecatombe foi seu anúncio de que deixava a empresa para estudar a melhor via de
empreender seu negócio.
Três meses atrás, investiu suas economias de tantos anos trabalhando e vivendo na Louisiana
para abrir a primeira pizzaria especializada, chamada Orleanini, no bairro de Nova Orleans, tal
como seu nome indicava.
A experiência fora tão bem e tinha críticas tão boas que estava a ponto de abrir outra em
Gentilly. Sua mãe se alegrava de seu sucesso, embora continuasse reticente ao fato de que ela
conduzisse sozinha seu negócio. Mas seu pai não recebeu nada bem. Embora tivesse Rob, que
ocupava maravilhosamente o posto que Sophie tinha deixado vago, Carlo se sentia melhor tendo a
sua filha perto. E já não a tinha.

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Daí suas divergências.


— Mas vai sozinha?
— Com uma amiga.
— Querida… e quem é? É essa garota com quem a viram frequentemente entrando em
locais escuros de Nova Orleans?
Sophie fechou o zíper da mala laranja com rodinhas e pegou sua bolsa de couro mandarina
Duck da mesma cor para verificar que levava as passagens e toda a documentação.
— Sim. Essa mesma.
— Sophie… está diferente. Virou lésbica?
Ela deixou o que estava fazendo e olhou para sua mãe com infinito carinho. Sua educação e
seus princípios eram outros, mas embora estivesse moldada às antigas, compreendia as mudanças
que o tempo trazia consigo.
— Não virei lésbica, mamãe. Só é uma amiga. — aproximou-se dela e segurou seu rosto,
para admirar as rugas que se pronunciavam ao redor dos olhos e no pescoço, ali onde antes não as
tinha. E mesmo assim, continuava sendo bonita. — Não se preocupe. Só serão uns dias. Voltarei
mais morena e sorridente.
— Eu não gosto disso.
— Eu sei. Nunca gostou que faça algo que você não quer que eu faça. —Abraçou sua mãe e
sua Cindy com força, e beijou-as impregnando-se de sua força, que certamente necessitaria. — Mas
já não estou debaixo de suas saias, mamãe. Quero viver minha vida justo como quero fazer. Já
sacrifiquei muito por vocês…
— Seu pai e eu sempre quisemos o melhor para você. — disse ressentida. — E Nick… Nick
acabou sendo uma decepção. Não estávamos tão mal encaminhados.
— Não. — cortou Sophie rapidamente, levantando a mão para que parasse. Não podia
permitir que continuassem falando mal dele, embora soubesse que no fundo, depois do que
aconteceu naquela noite, era culpa sua. — Não diga nada sobre ele, mamãe. Isso é problema meu.
— Você nos fez participantes disso, Sophia. — recriminou-a. — Não diga que não é da
nossa conta. Você é da nossa conta. — afirmou passional, como boa italiana. — Esse homem
abusou de você…
— Deus, mamãe. — Sophie deixou a cabeça cair para trás, procurando as palavras que
fizessem sua mãe entender que as coisas não eram exatamente como ela as tinha explicado. Não
tinha mentido. Mas… Não tinha compreendido Nick. E era humilhante saber que todos, por seu
pouco sentido, soubessem o que Nick fez. Se ao menos tivesse tido mais paciência, se antes de
correr pra polícia tivesse pensado um pouco. — Mamãe, as coisas não foram assim.

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— Deixa de dizer isso. Veio para casa destroçada e aniquilada pelo que esse homem te fez.
Não me diga agora que não aconteceu.
— Sim, aconteceu, mamãe. Mas interpretei isso de um modo que não era. — Meneou a
cabeça para conseguir que suas palavras soassem coerentes.
— Já faz tempo que diz isso… e não a entendo.
— Sei. Mas é problema meu. Só meu. Sempre os fiz participantes de tudo e aquela noite
cometi um terrível equívoco…
— Não compreendo, Sophia. — Maria abraçou Cindy, desconsolada. — Seria capaz de
voltar para ele e nos fazer sofrer de novo? Sei que não é feliz. Já não tem luz no olhar. E me
preocupo. Mas tenho medo de pensar que possa voltar atrás e procurar Nick. Ele já não vai te
querer. E eu não quero um homem assim para minha filha. Decepcionou-nos.
— Eu o decepcionei, mamãe. Acusei-o de algo que não era. — defendeu-o. — Sei que você
não pode compreender isso, mas eu sim. Faria-me um grande favor se você e papai marcassem uma
consulta com Elisabeth e falassem com ela sobre o meu caso, e sobre tudo em geral… Talvez ela
possa contar melhor o que aconteceu comigo e por que aconteceu.
— E isso a faria feliz de novo, piccola?
Sophie deu de ombros e não soube o que responder, exceto:
— Ficarei bem, mamãe. Ligarei assim que chegar. Eu a verei dentro de uns dias.
Sophie saiu da casa sentindo falta de Cindy. Sempre acontecia quando tinha que se afastar
dela por trabalho. Menos mal que tinha seus pais para que cuidassem dela.
Abriu o porta-malas de seu New Beetle para deixar a bagagem e colocou os óculos de sol
Prada para cobrir esses olhos que já não sorriam nem tinham luz.
E que luz teriam quando ela mesma tinha mergulhado na mais absoluta escuridão o homem
que amava?

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CAPÍTULO 15

Torneio Dragões e Masmorras DS


Ilhas Virgens

Nick sabia. Soube no preciso momento em que Louise Sophistication cruzou seu caminho.
Soube segundos depois de contemplá-la por baixo de seus cílios loiros enquanto adotava a falsa
postura de submisso que não era.
Havia algo no modo como o corpo dela estremeceu ao enfrentá-lo, na tensão de seus ombros
e suas costas quando estava perto, na maneira como o olhava pensando que ele não se dava conta de
seu escrutínio, a meio caminho entre o atrevimento e a desculpa. Uma mistura de contrastes que
deixavam qualquer um fora do jogo.
A familiar curva dos lábios, beijados antigamente, provados milhares de vezes… A linha de
seus ombros e a forma de seu traseiro arrebitado e ao mesmo tempo, nada comum. Eram tantos os
sinais, tantas as peculiaridades que a definiam.
Como um homem podia esquecer o sabor, a maciez, a textura e a forma da boca da mulher
por quem estava apaixonado? Ele certamente não o fazia.
Era tão certo que essa mulher era sua Sophie como o fato que a água molhava.
Porque desde que Cleo Connelly teve a brilhante ideia de trocá-lo por uma das cartas da
competidora e dominante Thelma no torneio de Dragões e Masmorras DS, e o obrigou que jogasse
e investigasse por sua vez o lado da domina e sua submissa, Nick aceitou sem pigarrear. Não só

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porque era necessário para a missão, mas porque queria assegurar-se que a submissa envolta em
látex com o rosto semicoberto era sua ex-mulher.
E nesse momento, de pé, no centro da sala da suíte do hotel com a ama Thelma de pé diante
dele e Sophiestication a seu lado ajoelhada, estava a ponto de descobrir que estava certo.
O que ela fazia ali era um completo mistério. Era algo incompreensível.
“Mas, pelo amor de Deus, Sophie. O que está jogando?”, perguntou-se enquanto seus olhos
dourados se mantinham fixos na ponta de seus pés nus e na madeira clara que revestia o chão da
suíte.
E o que queria fazer Thelma com eles?
— Quero jogar um momento com vocês. — disse ela, sorrindo enquanto acariciava de um
extremo a outro seu chicote negro com cabo de couro de serpente. — Amanhã nos compete várias
provas e quero saber como podem se dar bem e quanto estão dispostos a me obedecer.
Nick manteve a cabeça abaixada, dominando sua parte desafiante o máximo que pôde. Essa
loira queria que ele e sua ex-mulher seguissem suas ordens obscenas, pervertidas e tentadoramente
obscuras, as mesmas que em outro momento e, talvez em outro tempo, estaria disposto a executar
com ela.
Mas não assim. Não agora. E embora parecesse contraditório, não com ela.
“Maldita seja” repetia-se, tão tenso que temia que em algum momento fosse se quebrar. Se
desse um passo em falso e demonstrasse algum sinal de reconhecimento para Sophiestication,
Thelma se daria conta e não queria que ninguém os relacionasse. Ele estava no meio de uma missão
do FBI, não em um torneio para seu próprio prazer. E Sophie… nem ideia. Que fazia ela? Se
chegassem a descobrir que estavam vinculados de algum modo, ela correria perigo.
— Sophiestication. — Thelma rodeou Sophie, que continuava prostrada no chão com o
queixo quase colado ao peito e uma atitude obediente. Tomou entre seus dedos de unhas vermelhas
seu longo rabo de cavalo castanho e o acariciou, até que os suaves e lisos fios deslizaram
choramingando para libertar-se de seu domínio. Então à suave carícia, seguiu um brusco puxão de
cabelo. A domina esperava ouvir umas palavras que não chegaram.
— Sim, ama? — perguntou Sophie com um sutil sussurro de protesto.
— Boa garota. — Sorriu e a soltou de novo. Ama. Ela era um ama e seus submissos jamais
deviam se esquecer disso. Por isso, sempre que se dirigissem a ela, deviam chamá-la por seu nome.
E Sophie não podia esquecer todo o aprendizado durante esses meses juntas. Tinha sua
oportunidade diante de si. A redenção. — Este cão necessita que o amestrem. A ama de cabelo
vermelho que o levava parece ter permitido muitas liberdades a ele. Recorda como se chamava?
— Lady Nala, ama. — respondeu Sophie com um pouco de acanhamento.

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Ela sabia melhor que ninguém que essa mulher não se chamava Nala e que, além disso,
tinham se encontrado no avião de Nova Orleans até Washington D. C. As casualidades da vida eram
tão incríveis e singulares que Sophie ainda não se recuperou do impacto de saber que a
desconhecida a quem estranhamente contou suas intimidades e inseguranças estava presente no
mesmo torneio que ela com seu ex-marido como companheiro.
— Nala… Nala acabou com o Rei Leão. — recordou Thelma, divertida. — Grande
espetáculo deram, não foi? Ver o King com peruca foi incrível… Curioso casal. E a você, Tigrão —
puxou-o pelo queixo —, a leoa te desprezou. Está triste, medroso? — provocou-o.
— Não, ama Thelma. — respondeu com voz grave.
— Não? Por que não? — Thelma deslizou os dedos de sua mão direita pelo torso nu de Nick
e se deteve no botão de sua calça de couro.
Nick apertou os dentes. Embora Sophie continuasse com o rosto semicoberto e envolta em
látex negro, estava claro que ambos já se reconheceram. Se Thelma continuasse com seu jogo, no
final se veriam obrigados a deixar-se levar por suas ordens, e isso incorporava uma ampla gama de
sinônimos das palavras “sexo” e “toque”. E isso estava errado. Porque a verdade era que em mais
de um ano só tocou sua ex-mulher uma vez. E tinha bastado para afastá-la dele para sempre.
O experimento se converteu em uma atrocidade, derivou em um divórcio e em um equívoco
de palavras humilhantes que sempre pesariam entre eles.
Obviamente, nunca saberia se Sophie poderia ter agido de outro modo se em algum
momento tivesse comentado com ela que em vez de um aborrecido comerciante, era agente secreto
do FBI. Se tivesse lhe contado desse lado obscuro que tinha descoberto recentemente e que gostaria
de pôr em prática com ela.
Entretanto, sua mulher nunca soube. E Nick tampouco teve vontade delhe contar nada mais
depois da denúncia de maus tratos que manchava e carregava em sua ficha funcional. Além disso, a
distância que Sophie pôs entre ele e sua filha, que agora tinha quase dois anos, matou qualquer
compaixão que pudesse sentir por ela.
Destroçou a vida dele. E esse incidente propiciou um giro em seu papel na missão. Nick
passou voluntariamente de interpretar o papel de dominante a se passar por submisso, porque jamais
queria voltar a intimidar ou a assustar uma mulher como fez com Sophie.
Entretanto, tudo aquilo parecia muito longínquo e contraditório, tendo Sophie diante dele
nas Ilhas Virgens, como cachorrinha de um ama muito atrativa e vestida como uma submissa. E
mais, agindo como tal.
O que tinha mudado? Por que Sophie estava ali?
— Maldita piada. — grunhiu para si mesmo.

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— Como diz? — perguntou Thelma cravando-lhe a unha em um mamilo nu.


— Digo que não, ama. Não sinto falta dela. Minha nova ama saberá me dar o que mereço e
agradar minhas necessidades.
Thelma fez uma careta concordando e assentiu com satisfação.
— Fará tudo o que te disser, Tigrão? Nome curioso — apontou —, é devido a que?
Nick queria mandar essa bruxa recolher urtigas. Em vez disso, acalmou-se e se obrigou a
não recordar que seu nome de jogador se devia ao bichinho de pelúcia que Sophie ainda conservava
sobre sua cama desde criança. Ou ao tigre imenso, lembrança da Yakuza japonesa, que rodeava sua
nádega e seu quadril.
— Porque sou grosso e macio, e tenho creme por dentro, como o bolinho. —Sorriu como
um lobo. Sabia que desafiava a domina com sua atitude, mas antes morto que reconhecer que ainda
pensava em Sophie de algum modo.
Os ombros de Sophiestication ficaram tensos e, por um momento, pareceu levantar a cabeça
para olhá-lo.
Nick teve vontade de começar a rir. A sua ex-mulherzinha não tinha gostado nem um pouco
dessa brincadeira. E se alegrava. Não estava ali para fazê-la se sentir bem. De fato, ela nem sequer
entrava nas equações do torneio. E precisava afastá-la e mandá-la embora antes que as coisas se
complicassem e corresse perigo.
Afinal de contas, era a mãe de sua filha, não? Embora certamente que Rob o teria substituído
maravilhosamente, o grande filho da puta…
Uma raiva avermelhada nublou seu olhar azul, mas faria bem em mantê-la em um lugar
seguro. Concentrou-se na vista que deixava ver a ampla janela das praias paradisíacas e os iates
amarrados à costa.
As Ilhas Virgens eram lindas.
— Assim é grosso e tem creme? — Thelma pegou a deixa jogada por Nick. Com a ponta do
chicote contornou seu umbigo e seu púbis, e o golpeou nos testículos.
Quando Nick deu um salto e apertou os dentes de dor, Thelma arqueou as sobrancelhas
esperando as palavras de seu submisso.
— Obrigado, ama.
Ela se pôs a rir e ofereceu a mão a Sophie para que se aproximasse dela. Sophie a pegou e
Thelma a colocou de joelhos na frente de Nick.
— Gostaria de ver como jogam. Sophiestication, quero que masturbe o irritante Tigrão com
sua boca, que engula todo seu creme e que o faça tremer até que caia de joelhos.
O coração de Nick parou. Não podia acreditar.

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Realmente, isso estava acontecendo?


— Sim, ama.
Suas mãos não tremeriam, embora fizessem várias ameaças, as grandes traidoras.
Sophie engoliu em seco e aceitou a ordem da domina.
Nick estava tão impressionante ali de pé na frente dela com esse brinco em forma de
serpente na orelha, os olhos amarelos pintados de Kohl, o colar de cachorro no pescoço, seu cabelo
loiro despenteado e a roupa negra justa… e essa calça de couro… Por Deus, nenhum homem lhe
faria justiça. Parecia um punk mafioso, tão atraente como o pecado.
De repente sentiu-se possessiva, embora não tivesse o direito, e desejou que Thelma não
visse o que ia fazer, mas conhecendo-a e sabendo o quanto essa mulher apreciava os jogos,
certamente a animaria e a provocaria a dar mais.
— Quero que a olhe a todo momento, Tigrão. — Thelma se sentou na chaise longue,
cruzando as pernas, sacudindo o pé esquerdo de cima abaixo de vez em quando. — Vamos! —
Bateu as mãos. — É para hoje!
Sophie desabotoou o botão prateado de sua calça e desceu o zíper. Fazia tanto tempo que
não via Nick nu. Fazia tanto tempo que não o via…
Mas como não se esqueceu nem de seu rosto nem de seu corpo, nem muito menos de sua
tatuagem, tampouco tinha esquecido aquela parte de sua anatomia que tanto prazer a proporcionou
antigamente.
Introduziu a mão fria no interior e tirou seu membro duro, grosso e coberto de veias. Ah,
mas Sophie sabia que podia se endurecer ainda mais.
— Sophiestication tem as mãos frias. — disse Nick acusadoramente.
— Já vou esquentar. — respondeu ela para surpresa de sua domina e do próprio Nick.
— Quem deu permissão para vocês falarem? — O tom ameaçador de Thelma os obrigou a
concentrar-se no que tinham que fazer. Ela se levantou e abriu a palma de sua mão direita para bater
o chicote sobre ela. — Não me façam zangar ou terei que pôr vocês dois contra a parede.
O irascível olhar de Nick fez que Thelma franzisse o cenho e o olhasse como se não
entendesse sua atitude.
— É um cão provocador? — Thelma sorriu e deu uma olhada na parte de sua tatuagem de
tigre, que quis investigar por si mesma. — Tigrão, não é? Bonita tatuagem… — Esse homem, o ex-
marido de Sophie, não era submisso nem um pingo. Fingia ser. Mas não era. Não havia nenhuma
célula submissa em seu corpo. Por que entrou no torneio com esse papel? Era algo que ela não se
preocuparia em averiguar. Aquela era a missão de Sophie, não a sua. — Acabe com ele, boneca.

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Sophie não pensou duas vezes. Abriu a boca e o fez desaparecer com lentidão em seu
interior.
Thelma se aproximou para ver como o fazia.
Os neurônios de Nick arderam e todos seus circuitos se desfizeram ao sentir a língua de
Sophie, agora mais experiente que quando era sua mulher.
O que tinha feito? Como podia fazer isso daquele modo diante de outra mulher? Em que
mundo paralelo estavam?
Nick apertou os dentes ao sentir que Sophie pressionava seu prepúcio com a língua e o
palato… e engolia. Engolia para poder albergá-lo completamente inteiro. Inteiro como nunca pôde
antes.
Ele era muito grande e entendia que houvesse mulheres que não eram suficientemente
profundas para albergá-lo por completo.
Sophie era assim. Mas o tempo e aquela mamada acabavam de desmentir aquela crença.
Thelma se aproximou dela pelas costas e inclinando-se um pouco sobre sua ex-mulher,
sussurrou ao ouvido dela enquanto lhe tampava os orifícios do nariz:
— Engula-o, Sophie. Tem um enorme Tigrão com creme em sua boca. Chupe-o…
Nick estava hipnotizado pela imagem. Sophie levantou o olhar para ele. Seus olhos
castanhos brilhavam efervescidos e Nick ficava duro e mais duro quanto mais comprovava quanto
gostava do que Sophie fazia com ele.
— Isso, boneca — aplaudiu-a Thelma sorrindo. Soltou seu nariz para que respirasse de novo
e depois dirigiu seus sarcasmos a Nick. Pegou-o pelo queixo e aproximou seu nariz ao dele. — Você
gosta do que te faz? Sim, com certeza que sim… Sente sua língua? — Dirigiu sua outra mão e
balançou seus gordos testículos entre os dedos, pressionando-os gradualmente. — E melhor que se
concentre no prazer e goze, gatinho. Ou apertarei seus ovos com tanta força que farei omelete com
eles. — Nick gemeu involuntariamente e Thelma arqueou as loiras sobrancelhas. — É isso?
Necessita dor para gozar? Você gosta disto? —Thelma cravou suas unhas nos testículos e Nick
deixou cair a cabeça para trás, abandonado ao prazer. — Venha, eu te seguro. Agora, foda a boca
dela.
Sophie gemeu e piscou com as pupilas dilatadas pelo desejo.
E aquilo foi sua perdição.
Sua ex-mulher começou a engolir e a engolir, sacudindo-o com a mão. Nick inchou, tomou
ar e sem quase poder controlar, sacudiu os quadris para frente e para trás, fazendo amor com sua
boca. Entrando através de sua garganta, quase a sufocando. Mas não importava para Sophie. Só
queria lhe dar prazer.

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Os joelhos tremeram de maneira incontrolável, um comichão subiu por sua espinha dorsal e
depois rodeou seu testículo e seu ventre. E então explodiu.
Explodiu no interior da boca de Sophie e ela engoliu como se aquilo fosse um alimento
espesso e delicioso, como um manjar necessário para a vida.
Suas pernas mal o sustentavam. Quando Sophie o soltou, limpo e desinchado, com uma leve
lambida de despedida, envergonhado, deu-se conta de que não demoraria a endurecer de novo e em
fazer sexo com ela como o selvagem que na realidade era.
Thelma os olhou e se pôs a rir, aplaudindo como se estivesse diante dos atores de um
espetáculo de humor.
— Deixaram-me excitada. — murmurou olhando divertida para Sophie. — Louise?
— Sim, ama. — disse ela com voz rouca, ainda saboreando a essência de Nick. Nunca antes
o tinha engolido porque tinha suas objeções. Dava-lhe um pouco de nojo. Entretanto, agora o sentia
natural e saboroso. Que curiosos eram os preconceitos. Quando desapareciam, tudo era bom ou mal
dependendo do prisma do observador.
— O que acha do gatinho me foder enquanto se dá um festim com sua vagina?
Sophie ficou tensa de repente e franziu o cenho, zangada com Thelma. O que ela achava?
Não estava disposta a compartilhar. E não queria ver Nick jogando com ninguém desse modo. Até
agora, no torneio, não o viu ainda. Queria recuperá-lo, recuperar seu respeito e seu amor, não
compartilhá-lo. Se Thelma a provocasse assim, não teria dificuldades em arrancar sua cabeça. É o
que achava.
Nick, por outro lado, ainda estava tomando ar depois que Sophie o deixou sem forças.
Thelma propunha um trio? Interessante.
O que diria a menina do papai? Certamente aprendeu a fazer boquetes que dava gosto. Com
quem? Com Rob?
Esse pensamento crispou seus nervos. Era ciumento e possessivo. A maioria dos amos era, e
não gostavam que tocassem o que era dele. Mas Sophie já não era dele, ele já não era um amo e não
devia importar o que fizesse depois do divórcio, não?
Thelma revirou os olhos e olhou para o teto.
— Oh, por Deus. Que fracos são… — Fez um gesto como se os dessem por perdidos e
pegou o cartão chave do quarto. — Estão de castigo. Não quero que saiam do quarto. — O rabo de
cavalo loiro da domina balançava para todos os lados ao andar. — Vou me divertir no coquetel do
hotel. Vocês dois me aborrecem. — mentiu acalorada. Antes de fechar a porta do quarto, piscou um
olho para Sophie e sorriu maliciosa. — Aproveitem o tempo, cachorrinhos.

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Nick ainda respirava agitadamente, paralisado por aquele incrível orgasmo, quando Thelma
desapareceu da suíte e por fim os deixou sozinhos.
Desviou o olhar para Sophie, apoiou-se nas mãos para levantar-se e depois cobriu sua nudez
com a calça, subindo-a os até os quadris, de onde tentavam deslizar de novo.
Quando ficou plenamente consciente de que estava sozinha com ele, Sophie se levantou
igual a ele. Nick, de todos os modos, ultrapassava-a em altura, por muito salto que usasse.
Nick… seu gigante Nick.
Ele se aproximou dela sem grandes exageros, mas com a fria segurança que outorgava saber
que seria o dono da situação. Fechou seus dedos frios e duros como ferros sobre o braço nu de
Sophie. Olhou-a de cima abaixo. Tanto látex negro, tanta curva perfeitamente delineada… a
máscara. Para que? Ele sempre a descobriria e a reconheceria, embora estivesse vestida de koala.
— Que merda faz aqui, Sophia?
Ela piscou surpresa ao escutar seu nome, impessoal e respeitoso na boca de Nick.
Sabia quem era. Desde quando?
— Eu não sou… — tentou fingir.
Mas Nick levantou a mão e arrancou sua máscara com força, despenteando-a, mostrando seu
rosto vulnerável. Nua.
Os cílios de Sophie oscilaram vacilantes. O Kohl tinha borrado e os lábios pintados de
vermelho desbotaram ao fazer boquete nele. Devia ter um humilhante rosto de prostituta, pensou
azedamente.
Ninguém a preparara para isso. Para o julgamento aberto e severo de Nick, nem tampouco
para a vergonha de que ele reprovasse seu comportamento.
— Não me venha com tolices, Sophia. Pegue agora mesmo suas coisas e parta.
— Não vou.
— Como? — Aproximou o ouvido, como se não a ouvisse bem.
— Não vou.
— É óbvio que vai — puxou seu braço, dirigindo-se à porta de saída da suíte como se
conduzisse uma criança desobediente —, e vai falar com Thelma para dizer que está passando mal e
que parte. Este é meu mundo. Não o seu.
Sophie se deteve em seco e puxou com força para recuperar seu braço.
— Não vou. Vim aqui por você!
— Veio aqui por mim? — repetiu ele com ironia. — Pois já pode dar a volta, porque não
preciso que me resgatem. Quero que vá.

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Sophie sabia o quanto Nick seria difícil depois de tê-lo decepcionado. Mas não percorrera
toda aquela aventura para nada, não? Seus esforços não seriam em vão.
— Nick, estou aqui porque estou muito arrependida, por como agi depois da noite… —
confessou tensa ante o gélido olhar de seu ex-marido.
— Depois da noite que abusei de você? É isso Sophia? Agora tem remorsos? — Olhou-a de
cima abaixo. — E se vestir assim não faz com que se sinta como uma puta? O que Thelma te faz
não é abusar de você? Estar em um jogo assim, onde qualquer um poderia te fazer coisas piores às
que eu te fiz, com seu consentimento — particularizou —, não faz com que morra de medo? Espero
que Thelma tenha um bom advogado porque aposto que já está preparando uma denúncia contra
ela. Contra todos! — clamou, indignado.
Sophie não queria interrompê-lo. Merecia cada uma de suas acusações e quanto mais as
escutava na boca daquele homem, vítima de sua confusão e seu pânico, mais terríveis lhe pareciam.
Como pôde agir assim?
— A que merda está jogando, Sophia?! O que faz aqui?! — Sacudiu-a, furioso por expor-se
daquele modo em seu mundo.
— Vim por você, já disse! — respondeu.
Não pôde evitar sentir um aborrecimento por como as coisas seguiam. Estava claro que suas
fantasias e como imaginou a reconciliação distanciavam muito do que estava acontecendo.
— Quem te pediu que viesse por mim? Porque eu não!
— Quero… quero te recuperar, Nick.
— Nicholas para você.
O queixo de Sophie tremeu, mas sua resolução não fraquejaria. Diria-lhe a verdade.
— Nicholas… — Odiava chamá-lo assim, recordava a altivez de seus pais e de seus
preconceitos. Quanto Nick tinha suportado por ela? — Equivoquei-me. Agi movida pelo medo…
eu… Sabe o que aconteceu com meu irmão… e minha cabeça, não sei o que aconteceu comigo…
Com o passar dos dias, dei-me conta de que tinha metido os pés pelas mãos… e não sabia como
voltar atrás…
— Me denunciar por violência contra a mulher com agravantes não é meter os pés pelas
mãos — espetou Nick agarrando-a de novo pelo braço —, é foder a vida de uma pessoa que jamais
quis te machucar…
— Oh, Deus… Nick… — O coração de Sophie encolheu. O peso na consciência que
suportava a estava matando. Compungida por ele e por ela, começou a chorar. Não queria causar
pena, não era sua intenção. Mas lamentava tanto. — Sinto. Sinto muito mesmo…
— É tarde. — disse ele tentando tirá-la de novo do quarto. — Não me interessa.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Nicholas! — gritou para detê-lo.


— É tarde para isto, Sophia!
Por Deus, tinha que tirá-la das Ilhas Virgens. Os vilões procuravam submissas como ela, que
sem saber ou talvez sim — já não sabia — chamavam a atenção por sua beleza. Não queria expô-la
ao perigo.
— Coloquei-me em seu mundo para te compreender e para te dizer que estou preparada para
você. Eu… eu não tinha nem ideia que você gostava destas coisas… mas o amo. E minha vida…
minha vida é muito triste sem você. E quero te demonstrar que posso ser sua mulher.
— Assim roubou meu computador para me investigar… — murmurou Nick com
aborrecimento. — Além de me trair, rouba-me…
— Fiz isso porque queria ver se podia conhecer essa parte de você através dessas páginas
que visitava. Eu… encontrei sua conexão com o fórum de Dragões e Masmorras DS…
— Porra. — bufou — Você encontrou tudo isso sozinha?
— Ajudaram-me… uns especialistas em piratear…
— Agora comete crimes?
— E amarrei as pontas e… Nick — segurou-o pelo queixo com olhar implorante —, dê-me
a oportunidade de me redimir, por favor. Quero ser sua mulher… Eu… — Limpou as lágrimas com
dois tapas, sem baixar o olhar nenhuma só vez, reconhecendo e expondo sua culpa e sua tristeza. —
Só quero estar contigo outra vez e consertar tudo. Deixe-me fazer isso.
— Já foi minha mulher, Sophia. Mas… não confiou em mim. Não me interessa o que faz
agora. Tudo tem seu momento, e você e eu — deu de ombros — já tivemos o nosso. Já passou.
— Mas posso arrumar…
— Ah, sim? Pode arrumar isso? —Tinha vontade de brigar. Ou expulsava Sophia do quarto
ou ele partia; do contrário lhe faria coisas piores às que fez com ele como castigo. Sophie vestida
com látex lhe parecia inquietantemente perturbadora. Um pouco elegante e lasciva, e capaz de
deixar duro ao mais manso. Devia ignorar sua atração, seu cabelo inclinado, seus olhos de
guaxinim… ele ignoraria tudo e se concentraria em seu despeito e em sua dor. — Pode recuperar os
meses que perdi de Cindy? Pode devolver isso?
Ela negou com a cabeça, aflita e desanimada.
— Não. Não posso…
— Retirou a denúncia?
— Ainda não. Mas será a primeira coisa que vou fazer assim que chegar a Washington,
Nicholas. Prometo.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Então é uma insensata, Sophia. O que faz no mesmo quarto que seu estuprador? Acaso
não teve suficiente a última vez? — gritou, afrontando-a.
— Você… Você não é um estuprador.
— Isso, princesa — replicou furioso —, diga ao juiz. Vou sair. — Abriu a porta da suíte.
— Aonde vai?
— Tomar ar. Não suporto estar com você no mesmo cômodo. — deteve-se e a olhou por
cima do ombro. — Quando retornar espero que tenha ido. Do contrário, amanhã no torneio moverei
céus e terra para expulsá-la daqui.
Fechou a porta com uma pancada.
Sophie cravou as unhas nas palmas e se deixou cair de joelhos, desiludida e um pouco
desanimada por aquele encontro.
Thelma tinha ido.
O homem que queria como marido e amo também acabava de fazê-lo.
Por que se sentia tão sozinha?
Abraçou a si mesma e correu para se enfiar no banheiro para tirar a pintura do rosto. Talvez
a água limpa purificasse seus pecados.
Como queria que uma denúncia em um tribunal também se apagasse com água e sabão.

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CAPÍTULO 16

No dia seguinte, Nick eliminou Sophiestication do torneio graças a uma carta de


eliminação. Alegou que era muito ciumento e que queria a atenção de sua ama só para ele.
Thelma não podia fazer nada, já que Nick era o portador da carta e suas ordens sobressaíam.
Nicholas a afastou, tal como queria.
Sophie não demorou para descobrir que nesse torneio nada era o que parecia ser.
Sequestraram-na antes que se fosse ao aeroporto e a retiveram junto a outras submissas.
Essas horas que passou sequestrada e que viveu em um tipo de limbo pelas drogas que a
fizeram tomar foram como uma neblina imprecisa que não a deixava recordar nada. Nem sequer o
medo.
E o havia sentido. Estava segura disso. Sentiu-o quando a sequestraram, quando umas mãos
cobriram sua boca dentro de um táxi que ela mesma tinha pedido para que a deixassem no
aeroporto. Mas depois do susto inicial, injetaram-lhe algo e o efeito não passou até que o FBI fez
uma batida no cruzeiro ao que a tinham levado, a ela e às demais mulheres que sequestraram para
vendê-las a uns compradores estrangeiros, e a libertaram.
Agora estava em observação no hospital George Washington, a ponto de receber alta. Ela
não tinha acabado ferida depois da intervenção policial, como tinha acontecido a outros.
Thelma tinha morrido pelas mãos do Vingador, o vilão mais poderoso de todos os
sadomasos que participavam do Walpurgis.

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Sophie olhou as mãos. Pensava em Thelma e o mundo caía aos seus pés… Sua amiga tinha
morrido. Estava tão cheia de vida dias atrás e agora jazia clandestinamente. Os dedos tremiam como
se tivessem frio, mas no hospital a temperatura era a ideal. Não podia sair do choque.
E a maior surpresa de todas era uma que ainda não conseguia aceitar. Seu ex-marido, seu ex-
marido agente comercial, respeitável, bom, sem grandes ambições, exceto a de levar sua família
adiante, era na realidade um agente do FBI. Joseph e sua mulher saberiam? Clint saberia?
Ela soube graças à conversa que teve com seu subinspector Elias Montgomery. Dissera a ela
que o agente Nick Summers pedia, por favor, que a tratassem bem, com todo tipo de cuidados. E
por isso tomou a licença de visitá-la pessoalmente.
— Agente? — perguntou Sophie, confusa.
— Sim… — Montgomery franziu o cenho e depois desejou ter mordido a língua. —
Desculpe, talvez você…
— Não se desculpe. — pediu, levantando a mão que tinha o soro injetado. A ansiedade a
tinha desidratado um pouco, mas já estava se recuperando. — Diz que Nick Summers é um agente
do FBI?
— Sim, senhora. Maldição. — grunhiu olhando para um lado. — Não recordava que você
não sabia…
— Ah, já sabem que eu não tenho nem ideia de nada? Assim fácil? —replicou ofendida.
— Senhora. — esfregou a calva. — Quando Nick se recuperar, poderão conversar.
— Recuperar do que? Nick está bem? — ergueu-se de repente, assustada pelo tom do
subdiretor. — Onde está? Está aqui?
— Sim. No andar de cima, junto a outros agentes envolvidos na missão. —Obrigou-a a se
deitar de novo. — Ele já contará isso, suponho.
— Supõe mal. — respondeu — Insinua que todo este torneio fazia parte de uma missão do
FBI?
— Não. O torneio não fazia parte de nada. — esclareceu dirigindo-se ao garrafão de água e
enchendo um copo de plástico para oferecer a ela. — Beba, por favor. Meus homens estavam
infiltrados para desmantelar a organização de sádicos que estavam assassinando submissas e
submissos sem misericórdia. Por isso estavam aqui. Passaram mais de um ano e meio se preparando
para isso.
— Um ano e meio. — repetiu completamente perdida. Um ano e meio. Isso era muito.
Montgomery pigarreou, incômodo.

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— Certamente serão detalhes que Summers te explicará, a não ser que também decida
manter o segredo profissional. — Olhou a ponta de seus sapatos com desconforto, como se tivesse
pressa por fugir dali e perdê-la de vista. — Desejo sua pronta recuperação, senhorita Ciceroni.
— Obrigada.
— Agora devo ir. Comunicarei a Summers que se encontra bem.
— Diga a ele que amanhã me darão alta. — disse antes que ele deixasse seu quarto do
hospital.
Montgomery assentiu com a cabeça antes de desaparecer atrás da porta.
Sophie apoiou as costas no respaldo do leito e olhou a cidade através da janela do hospital.
Sempre gostou de Washington. Uma capital limpa, cheia de cultura e civismo, de ruas cuidadas e
parques modelos… Nick vivia ali porque presumia que seu trabalho era ali. E agora já sabia por
quê. Em Washington se localizavam os escritórios federais.
Zangada com Nick e consigo mesma por sua própria cegueira e ignorância, apertou os
dentes para não gritar de impotência. Olhou sua aliança e depois o copo de plástico que
Montgomery lhe deu ainda cheio de água, e com um impulso de impotência e decepção, lançou-o
contra a parede, salpicando o papel azulado e a televisão pendurada no suporte.
Talvez tenha sido uma má esposa.
Mas Nick tampouco era o que se podia dizer um marido exemplar.
Com os olhos chorosos, cobriu o rosto com o travesseiro.
Durante quanto tempo tinha mentido para ela?

***

No dia seguinte, vestiu-se com minissaia negra, blusa branca, blazer da mesma cor e saltos
para se sentir poderosa e séria. No dia anterior à tarde, tentou visitá-lo, mas Nick não permitiu que
ela entrasse, o maldito.
Desta vez, sem camisola de paciente, sentia-se mais forte. Dizia-se que a roupa marcava
certo respeito. Recuperaram suas malas e seus documentos. Registrou-se em um hotel próximo ao
hospital e comprou algumas roupas.
Mas encontrar Cleo Connelly ou Lady Nala, como se chamava, no elevador a caminho do
quinto andar, acabou sendo humilhante.
Sophie precisaria de terapia, estava convencida. Ou talvez as mudanças em sua vida nos
últimos meses a fizeram mais forte do que parecia. Talvez por esse motivo se viu capaz de enfrentar
aquela ruiva Cleo sem se abater.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Depois de lhe dirigir um tímido sorriso à jovem de olhos verdes e aspecto de praia,
saudaram-se.
— Sophie.
— Olá, Cleo.
— Eu… Deus, nem sequer sei o que dizer…
— Não diga nada. — Graças a Deus, os óculos Prada de armação preta, grandes e escuros,
cobriam parte de um hematoma que tinha na bochecha. Fizeram quando tentaram lutar com ela para
levá-la, até que um cara com moicano e sotaque russo a libertou. Era do FBI, aparentemente, e o
chamavam de Markus. — Não precisa dizer nada. As palavras, em casos como este, sobram.
— Sim. — respondeu Cleo retorcendo as mãos, tão incômoda como ela. — Vai ver…?
— Nicholas? Sim. — pigarreou — Isso se me deixar, claro. As duas vezes que o visitei me
expulsou do quarto. — murmurou envergonhada.
— Que idiota. Foi um ato muito valente fazer isso por ele, Sophie. —reconheceu — Não
sabia que era Louise Sophiestication. Deus… Não teria imaginado nunca.
— Estava sempre mascarada. — deu de ombros. — Era normal que não me reconhecesse.
— Mas você reconheceu a mim, sim.
— Oh, Deus. — suspirou — Sim. E quando vi que fazia o papel de ama do Nicholas, não
podia acreditar nisso. Não entendia o que Nick fazia ali como submisso… me deixou desorientada.
Cleo sorriu, entendia-a.
— Não sou capaz de imaginar o medo que passou quando se deu conta de que a colocaram à
venda…
Sophie apertou os dentes e olhou para outro lado. Claro que sentiu medo. Mas as drogas
faziam esquecer tudo.
— Retiveram-me na ilha. Pensei que… pensei que me matariam… — Exalou como se não
tivesse forças para continuar. — Não sabia o que estava acontecendo… me drogaram… drogaram a
todas.
— Mas isso já passou. — Cleo pôs uma mão no seu ombro. — Sabe? Nick deixou de jogar
de dominante na missão depois de você.
Sophie não queria pensar nisso. Mas sabia que era verdade. E lhe dava tanta pena e tanta
raiva tê-lo machucado tanto… Como podia arrumar isso? Como perdoaria a mentira sobre seu
trabalho?
— Bom, não é surpresa… Deixei-o traumatizado. — jurou, arrependida.
— Foi tão ousada… eu a admirei muito quando Nick me disse que era você. Como se
atreveu a se colocar ali em um torneio assim?

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Eu só queria recuperar meu marido… situações desesperadoras requerem medidas


desesperadas. Não dizem isso?
— Sim.
— Também foi uma grande estupidez tudo o que fiz quando me assustou. E isso… isso ele
não vai me perdoar.
— Com o tempo…
— Com o tempo? — repetiu olhando-a de soslaio. — Passei sete anos casada com ele.
Tivemos uma filha maravilhosa… e agora já não sei nem com quem me casei. Nicholas é agente do
FBI, não agente comercial. — É óbvio que não, porra. Não era um simples agente comercial. O
Estado usava as habilidades de Nick para outras coisas. — Me sequestraram no maldito torneio de
BDSM e por pouco o matam… Vi como… vi como o Vingador matava a Thelma. — Os olhos se
encheram de lágrimas. Recordaria para sempre essa imagem tão selvagem. Teria pesadelos para
sempre. — E eu não tinha nem ideia. — protestou levantando um pouco a voz. — Nem ideia de
nada, de… — sussurrou, mordendo o lábio inferior.
Cleo compreendia sua inquietação. Mas às vezes, ser agente duplo implicava mentir e
ocultar a identidade até dos que mais se amava.
Às vezes, ser agente duplo era arriscar a vida daquele modo.
As duas desceram no quinto andar.
— Bom, vou tentar de novo. — assegurou Sophie secando os olhos umedecidos.
— Sorte. — desejou Cleo que se deteve na frente da porta de Lion. — Entre em contato
comigo quando precisar, Sophie. Nick… Nicholas tem meu telefone.
— Obrigada. — respondeu com cara de estar a ponto de enfrentar o diabo. — Não vou
descartar. — Era óbvio que não. Cleo seria uma magnífica fonte de informação para ela. E
certamente seriam boas amigas. Gostava dela.
Seguiu caminhando até parar em frente ao quarto de Nick. Bateu com os nós dos dedos e
abriu a porta.
Uma parte com um curativo volumoso lhe cobria o braço ferido. Outro curativo ocultava o
corte na garganta, que precisou de alguns pontos.
Nick dormia, e desta vez não havia nenhuma enfermeira presente, nem tampouco nenhum
companheiro velando por ele.
Só nesse momento, Sophie se aproximou da cama e acariciou o cabelo que se colou à testa
dele. Era um guerreiro. Um herói. Seu super-herói, pensou angustiada. Um homem que queria
celebrar suas vitórias e êxitos no mais absoluto anonimato.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Não queria celebrar nada com ela, por isso nunca lhe disse a verdade sobre quem era ou com
que trabalhava.
Enquanto Nick dormisse, ela poderia tocá-lo sem se sentir julgada ou suja. Sorriu com
tristeza. Seu corpo era tão grande que ocupava toda a cama e os pés estavam a ponto de sair pela
parte inferior.
O lençol branco cobria membros cheios de feridas de guerra. Ele a salvou. Tinha avisado
para que a libertassem, para que a resgatassem. Sophie tinha presenciado o momento em que
degolaram Thelma e golpearam Nick por tentar salvá-la… Eram umas lembranças arrepiantes que
jamais poderia enterrar.
— Estúpido herói… — sussurrou entre lágrimas, acariciando sua testa e sua bochecha.
A mão de Nick saiu disparada e rodeou o pulso de Sophie, que deu um salto, assustada.
Seus olhos acusadores passaram de estar sonolentos a alertas em 0,2 segundos.
— O que está fazendo aqui? Ontem disse que partisse e me deixasse sozinho.
— Não penso ir. Está… está convalescente. — replicou ela sem deixar que seu tom a
intimidasse.
Nick a analisou de cima abaixo, soltou seu pulso e fixou seus olhos dourados no hematoma
que se adivinhava atrás dos óculos.
— Dói? Bateram em você… Tentaram resistir que a vendessem e…
Sophie percebeu um tom de preocupação, mas não quis ter muita esperança. Afastou os
óculos de sol para que ele pudesse ver seus olhos. Esse Nick era volátil, cheio de caráter e pouco
dado às conversas amáveis. E pior ainda, já não sentia nada por ela.
— Sim, dói. Mas só se tocá-lo. — O hematoma sobre sua bochecha era um aviso constante
do pesadelo que tinha vivido.
— Ha. — Nick olhou a porta do quarto. — Vá.
— Nicholas, tenho algo a te dizer…
— Sophia, não me obrigue a apertar a campainha do quarto ou terão que te tirar daqui à
força. — Ameaçou-a. — Não temos nada de que falar.
— Ah não?
Nick tentou dar meia volta para pressionar o botão, pouco paciente, mas Sophie o cobriu
com as mãos impedindo que o tocasse.
— Espera um momento. — encheu-se de coragem para dizer quão único lhe permitia dizer
antes que a separasse dali e viesse uma enfermeira. — Sei que fui injusta com você e não sei o que
fazer para remediar isso…
— Cale-se.

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— Mas você também se comportou mal comigo, mentiu para mim. — A voz quebrou e
abaixou a cabeça para que Nick não visse pela enésima vez as lágrimas que deslizavam por suas
bochechas. Por que não podia falar sem chorar? Amaldiçoou-se, devia ser uma coisa de família. Era
igual a sua mãe. — É um agente do FBI. — disse incrédula.
Nick ficou muito calado e estudou a reação de Sophie, embora já não importasse.
— Sim. E daí?
— E daí?! Mentiu para mim! Para mim! E mentiu para minha família! —repreendeu-o —
Quando pensava em me dizer isso?
Nick sorriu cinicamente.
— Aos Ciceroni? Aos que temem os distintivos mais que à vulgaridade? O que você acha,
princesa?!
Sophie deixou sair o ar que retinha nos pulmões e se sentiu pequena e mesquinha ao saber
que Nick jamais foi sincero com ela por seus preconceitos para os policiais.
— Jamais teria me dito, não é? Nos oito anos que faz que nos conhecemos…
— Não, Sophie. Jamais teria dito a você. Porque só a ideia de perdê-la me consumia. —
disse sem nenhuma emoção na voz, olhando-a como se fosse parte dos móveis e não uma pessoa
com coração. — Mas agora já não importa, não é verdade? Estamos divorciados, denunciou-me…
já não há nada a perder. Sua família não vai me relegar mais do que já fez. E você… você já não
pode me abandonar e acusar de… Olha, que eu seja agente do FBI não muda nada.
Sophie se dirigiu ao dispensador de água arrastando os pés. Parecia arrastar um grande
peso, como se nada mais importasse.
Nick não sentia nada por ela. Era isso? A indiferença, a crueldade e a desforra se deviam a
que não sentia nada por ela?
— Ia me manter enganada a vida toda. — afirmou sem rodeios.
Nick deu de ombros.
— Já tinha muitos números contra mim por não ser rico, nem italiano, nem saber nada sobre
os campos de açúcar, nem provir da aristocracia de Nova Orleans, para ainda por cima suportar me
sentir marcado e desvalorizado por minha vocação. Sirvo a meu país. Carrego distintivo. Sinto por
vocês. — admitiu sem escrúpulos. — Mas aposto que seus pais estão contentes com o Mauricinho
do Rob. Sim, acredito que é o homem que melhor combina com você, não é, princesa?
Já estava lá outra vez aquele tom depreciativo que a tirava do sério.
— Não seja injusto. Eu não tenho nada com o Rob…
— Claro, e também jurou me amar e respeitar todos os dias de sua vida. Mas não cumpriu
seu juramento. Sentenciou-me. Agora, por favor, saia do meu quarto. Não é bem-vinda.

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— Sabe qual é a diferença entre você e eu? — sussurrou Sophie, ferida ao descobrir que lhe
importava tão pouco. — Que… que eu não deixei de te amar, inclusive quando acreditava que tinha
abusado de mim. — colocou os óculos para ocultar sua dor. — E que inclusive agora, sabendo que
me enganou durante tanto tempo, ainda o amo. E ainda te peço que me perdoe e que voltemos a
tentar. Não quero que o nosso relacionamento acabe assim. — Seus lábios fizeram um bico e o
queixo tremeu. — Temos uma filha…
— Ah, sim? A filha que não deixou me aproximar, tratando-me como se fosse um maldito
assassino? O que pensava que ia fazer com ela, Sophia?
— Em troca, você — prosseguiu ela, que se sentia perdedora — não quer aceitar minhas
desculpas e me riscou de sua vida por um simples equívoco. Isso diz muito de seu amor por mim.
Aquela acusação tocou uma fibra sensível em Nick, algo que fez com que se erguesse da
cama, apesar da dor, e elevasse a voz:
— Não se atreva a me falar de amor, criançola mimada! Quando quis te demonstrar isso,
atirou-me aos leões! Quando quis te mostrar o que era, julgou-me e me denunciou! Sou um maldito
agente do FBI com uma denúncia de violência contra mulheres! — exclamou fora de si. — Pensa
que era como um caminho de rosas andar pelos escritórios com esse pôster colado na testa?! Não
me fale de amor, Sophia! Porque se sou culpado de algo é de ter me apaixonado tanto por você que
me esqueci inclusive de amar a mim mesmo e de me respeitar! Assim nem ocorra me dar lições do
que é amar, porque nesse sentido, tanto você como sua família podem ir à merda!
Sophie arregalou os olhos, estupefata, abatida.
— Vá chorar em Rob! E de passagem, explique a ele como me colocou até sua garganta
e…!
— Canalha! — Sophie jogou a água do copo no rosto dele e saiu do quarto como um
vendaval, sabendo que seria impossível fazer as pazes com Nick.
Tinha-o perdido.
Se falava assim é que não sentia nada por ela. Soluçando e gemendo, entrou no elevador,
desejosa de sair do hospital e com vontade de chegar a Louisiana e retomar sua vida.
Explicaria todo o acontecido a seus pais porque queria encerrar o assunto Nick para sempre.
Eles saberiam toda a verdade. Era o justo para Nick. E também para ela.
Depois… depois veria.
Agora não podia pensar enquanto seu coração doesse desse modo. Só Cindy acalmaria suas
feridas e sua derrota. E necessitava a sua filha com urgência, necessitava de seu carinho
incondicional. Ela sempre a amaria por mais que errasse.

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Nick, por sua vez, ficou com o olhar cravado no teto. Sentiu o travesseiro e os lençóis
molhados por aquele arrebatamento de Sophie. Tinha atirado o copo de água na sua cara, mas ao
menos isso dissimularia as lágrimas.
Se ocultou algo tão importante a Sophie durante tanto tempo, também saberia mentir a si
mesmo e fingir nada já o machucava.
Que não chorava pelo que já não tinha.

CAPÍTULO 17

Na atualidade
Nova Orleans
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Nick bebia de sua garrafa de rum Cajún, apoiado em seu novo Evoque negro, recém
comprado. Tinha ganhado o torneio de Dragões e Masmorras DS, isso implicava uma boa
quantidade de dinheiro.
Não só tinha conseguido desmantelar a rede de tráfico de armas liderada por Yuri Vasiliev e
o Mago, mas também se tornou um pouco mais rico. Seus companheiros concordaram em ficar com
um pouco do dinheiro que os mesmos traficantes manipulavam. E por quê? Por vingança e porque
ninguém os ajudou com relação a esse caso. Ao contrário, tudo eram suspeitas ao redor deles. O FBI
tinha duvidado de sua fidelidade e mal os ajudou a se manterem a salvo dos ataques dos russos. Não
enviaram nenhum reforço, e para piorar, suas amigas Leslie e Cleo Connelly e o agente no comando
do caso Amos e Masmorras, Lion Romano, estiveram sob suspeita por ajudar a um suposto agente
duplo chamado Markus Lebedev, que agora era um de seus melhores amigos, um homem que
jamais traía aos seus. E por isso e por mais coisas, fartaram-se de protocolos e de serem tão bons. E
agora nenhum deles queria trabalhar mais para o FBI.
Deixariam-no. Talvez montassem uma agência de detetives ou de segurança sozinhos…
depois veriam isso.
— Talvez viva de brisa toda minha vida… — Ergueu a garrafa preta e brindou com a lua
cheia, sem indício de alegria.
Observava a noite estrelada, nadando entre o esquecimento que proporcionava o álcool, com
a canção de Hey Brother, de Avicci, soando a toda altura, em um descampado em frente ao rio
Mississipi. E ali pensava em se algum dia voltaria a ser feliz como antes. Antes que sua mulher
metesse os pés pelas mãos e enviasse todas suas ilusões ao lixo.
Estava sozinho. Mais só que qualquer um.
Não como Lion e Markus, que encontraram a metade de suas laranjas, mulheres de ação
como eles. Mulheres dispostas a cobrir todas as suas necessidades e a cuidar de tudo o que era
deles.
Dois dias atrás, sentiu-se feliz por seus amigos, por ser participante de sua alegria e ver
pessoalmente a volta de Markus enquanto cantava junto a sua filha Milenka e dizia a Leslie que era
a mulher de sua vida. Maldição, soltou lágrimas ao vê-lo e ao ver que a família da garota o aceitava.
Os Connelly e os Romano se amavam de coração. E os primeiros adotaram Lebedev como mais um
da família.
Amargurado e exausto de tanto se atormentar, Nick se sentou sobre o capô do carro. Por que
os Ciceroni não o receberam com um afeto igualmente sincero? Por quê? Sempre sentiu que junto a
eles caminhava entre minas, marcado por sua linhagem pobre, por não lidar com certos códigos de

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boa conduta. Mas ele era um homem culto e trabalhador que esteve perdidamente entregue a sua
filha Sophia… e sentia que o desprezaram. Todos eles.
Sentia-se injustamente espancado.
Deveria estar alegre porque se livrou daqueles que não o amavam. Entretanto, às vezes o
despeito e a tristeza não o deixavam dormir. Por isso de vez em quando bebia. Relaxava-o e privava
sua mente de pensar em nada mais que não fosse repousar a ressaca.
Agora entendia o Clint, que descansasse em paz. Ele fez o mesmo. Quando mataram
Masuki, odiava experimentar essa perda dia após dia: os dias passavam, mas a lembrança
permanecia. E o uísque o tranquilizava tanto… mergulhava-o na neblina de um esquecimento
passageiro. E se afeiçoou muito a essa sensação.
Depois saiu do buraco, esporeado pela incrível Leslie. E em seus castigos, nas
domesticações, Clint encontrou o esquecimento. Na missão encontrou uma liberação, uma via de
escape. Apesar de que, infelizmente, para tristeza de todos, também encontrou a morte.
E Nick sentia falta dele. Muito mesmo. Seu melhor amigo se foi. Isso era algo que custava a
aceitar.
Não obstante, ele continuava vivo.
Vivo e sem planos.
Vivo e livre.
Vivo e solitário.
Diziam que tinha um mundo pela frente. Mas ainda não conseguia divisar esse mundo, só
um espaço vazio e aborrecido, onde se encontrava fora de lugar.
Tirou seu iPhone prateado do bolso traseiro de seu jeans e verificou se havia alguma
chamada. Não queria se preocupar, porque de fato ele já não pensava nela como se fosse algo dele.
Mas Sophia ligou para ele todos os dias desde que saiu do hospital George Washington. E o fizera
durante quase dois meses, preocupando-se com ele, por sua lesão no braço, se por acaso sua ferida
no pescoço já tinha cicatrizado, se por acaso tinha pesadelos… Além disso, informou-o que tinha
retirado a denúncia e que o juiz, depois de suas súplicas, tinha anulado a ordem de afastamento.
Da última vez que falaram fazia pouco mais de duas semanas. Ela ligou para explicar que se
sentia inquieta. Tinha uma espécie de mania de perseguição.
Nick entendia. Quando se viveu um sequestro, o trauma a fazia pensar e acreditar em coisas
que não eram, e ela tinha a sensação de que a estavam perseguindo. Mas só eram fantasias
consequentes de um trauma. Nada mais. Com o tempo, essas sensações se desvaneceriam como
fumaça.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Nick se sentia culpado, pois a última vez que falaram foi muito duro e desagradável com ela.
Quando Sophie ligou, estava no meio de um rastreamento facial, ajudando Markus e Leslie no
Temptations, um clube de BDSM do bairro Francês. Então não tinha tempo para Sophia nem para
ninguém. Falar com ela o irritava; ouvir sua voz suave e trêmula o afetava muito. Porque a amava.
Mas a odiava mais do que a tinha amado.
Segurou o celular com força, cansado daquela rotina desde que ela tinha deixado de ligar
para ele. Todas as noites após aquilo, repetia o mesmo ritual. Olhava o celular, meditava se ligaria
para ela ou não, recordava o vivido e o sofrido, e voltava a guardar o telefone.
Melhor assim. As feridas ainda estavam muito abertas para fazê-la acreditar que acreditava
em suas desculpas e que desejava retomar algo que Sophia e sua família se encarregaram de
pisotear.
Nick, nesse tempo, tinha recebido muitas ligações dos seus ex-sogros. Carlo e Maria
queriam falar com ele, certamente para se desculpar. Certamente o viram de soslaio pela televisão
dando declarações na resolução do caso de Yuri Vasiliev e teriam se dado conta que era uma espécie
de herói nacional. Mas Nick não desejava conversar com eles, não queria escutar nem elogios nem
desculpas de ninguém.
Nesse instante o telefone soou com a canção It Girl, de Jason Derulo. Era o tom de chamada
que escolheu para sua amiga Lady Nala, a agente Cleo Connelly.
— O que foi, Nala? — perguntou solícito — O Rei Leão deixa você me ligar a essas horas?
— Hã, Nick… Onde está?
— Em frente ao Mississipi.
— Ah, bem, então está aqui.
— Sim. O que foi, Cleo?
— Olha, ligo porque Magnus acaba de vir me ver.
— O que há com o mulato? — Riu sem muito interesse e deu mais outro gole na sua garrafa.
Magnus era o chefe de polícia da delegacia de polícia em que Cleo trabalhava.
— Ouça… está bebendo?
— Não, o que vai…
— Pois é melhor que jogue essa garrafa no lixo e corra, me ouviu?
Nick franziu o cenho com incredulidade. Em algumas ocasiões, Cleo tinha uma natureza
muito dominante.
— O que a deixou assim? Estou morrendo de vontade de saber. O que aconteceu? — Sua
voz soou impessoal.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

— Carlo Ciceroni veio fazer uma denúncia na delegacia de polícia. — Deixou a bomba cair
sem anestesia.
Nick bufou aborrecido. Carlo já saberia que andava pela Louisiana e queria denunciá-lo de
novo com a desculpa de que violava a ordem de afastamento.
— Maldito. —grunhiu. — Me denunciou?
— A você? Não. A você não. — Cleo parecia preocupada.
— E então? — Não compreendia.
— Nick… preste atenção. Carlo denunciou o desaparecimento de sua filha. Esperavam-na
esta manhã para que pegasse Cindy. Sophia foi a Chicago para negociar a compra de um local e
deixou a pequena com seus pais… A última notícia que têm dela é das oito da manhã. Acabava de
chegar ao aeroporto da Louisiana e se dirigia para Thibodaux. Seus pais ligaram para ela repetidas
vezes. O telefone soa, mas não a encontraram e não acredito que reste muita bateria… E… Nick?
Nick, está me escutando?
A garrafa que segurava caiu no chão e o que restava da bebida se esparramou pela terra
arenosa. Um suor frio percorreu suas costas, acompanhado daquele estranho formigamento que
produzia o medo.
Sophia jamais deixaria seus pais tanto tempo desinformados. Se tivesse acontecido algo que
ela pudesse contar, já os teria contatado. Aquilo não era normal. Não era próprio de uma mulher tão
responsável e respeitosa como ela.
E se…? E se o medo que Sophia tinha fosse justificado? E se não era fruto do choque?
Levou a mão ao peito. Poderia jurar que seu coração se esqueceu de bater. Apertou os dentes
com força e passou uma mão trêmula pela nuca, até que respondeu com determinação:
— Ponham imediatamente uma equipe de busca, Cleo. Que rastreiem o aeroporto e todo o
perímetro que vai deste Thibodaux. — ordenou.
— Já fizemos isso. — esclareceu ela. — O que quero saber é se você vai nos dar uma mão.
Tem alguma ideia de onde pode estar?
— Alguma ideia? Não. Mas é óbvio que vou ajudá-los, porra. Agora mesmo vou para lá.
Nick desligou o telefone imediatamente e rodeou o Evoque. Subiu nele e ligou o motor até
que as luzes e o computador do console iluminaram o interior do veículo. Apertou um botão no
porta-luvas e dele emergiu um computador portátil negro integrado ao próprio carro.
Jamais havia sentido tal ansiedade. Rezou para que não acontecesse nada de ruim a Sophie
… e para que seu iPhone ainda continuasse ligado. Sabia as senhas do seu ID da Apple e pensava
rastrear seu telefone até que desse com sua posição exata.

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AMOS E MASMORRAS – PARTE V

Se algo aconteceu à sua ex-mulher, ele seria o único que podia encontrá-la. Tinha meios para
isso.
E quando Nick procurava algo, sempre encontrava. Era um rastreador nato.
Sophia tinha chegado à sua vida quando ele não a procurava, mas agora era o momento de
procurá-la, de encontrá-la de novo.
E rezava para que ninguém tivesse tocado em um fio do seu cabelo. Do contrário, teria
assinado sua sentença de morte.
Tinham suas diferenças, mas ele ia ferir e matar pela mãe de sua filha.

FIM?

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