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DADOS DE ODINRIGHT

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AMOS E MASMORRAS
PARTE V
 
Nick Summer se apaixonou por Sophie Ciceroni oito
anos atrás. Ela era de outro mundo diferente do dele, uma
princesa quase inalcançável. Prestar atenção nessa mulher
foi muito pretensioso, mas apaixonar-se perdidamente por
ela os lançou em uma loucura em que os segredos e as
mentiras deveriam ser cuidadosamente tratados ou um erro
poderia levar tudo ao desastre. Entretanto, um homem
apaixonado é capaz do melhor e do pior para conservar a
mulher que ama.
Até que o segredo melhor guardado de Nick, que é ao
mesmo tempo o temor mais profundo de Sophie, sai à luz
da pior das maneiras.
E o que acontece quando alguém passa de ser o
cavalheiro desejado para ser o dragão mais temido da
princesa? Poderão consertar o que se quebrou entre eles?
Poderão apaziguar os medos e recuperar a confiança
perdida? As decisões tomadas, as afrontas cometidas
mudarão suas vidas para sempre e os farão experimentar
um mundo novo e perigoso. O mundo dos dragões e das
masmorras pode mudar a realidade de um casamento que
se acreditava consolidado, para lhes mostrar que na vida
não há nada seguro e que o amor pode voar de um dia para
outro como voam as flores da Sakura.
 
O que seria capaz de fazer para não perder a
pessoa que mais ama?
 
PROJETO REVISORAS TRADUÇÃO

CAPÍTULO 1
 
Washington D.C.
Potomac Park
 
Oito anos atrás
 
Nick conheceu Sophie no início de uma primavera,
quando ambos eram ainda muito jovens e seus corações
eram ainda muito inexperientes.
Aconteceu no Parque Potomac, um lugar lindo, cheio de
árvores ornamentais que floresciam com pétalas de sakura,
de cor rosa-pau, também chamadas cerejeiras em
Washington. Cobriam todo o parque e, conforme diziam os
peritos, eram da espécie Kwanzan. Sophie adorava
contemplá-las nas margens do rio Potomac, em Ohio Drive,
apoiada em um de seus troncos e sentada sobre sua canga.
De vez em quando levantava a cabeça de seu notebook,
entre repasses e repasses de suas anotações, e ficava
cativada por aquela sutil doçura que essas pétalas pálidas
levitavam, evocando em sua imaginação todo tipo de
lendas japonesas.
Estava estudando Ciências Econômicas e Comerciais.
Queria se tornar uma empresária, não depender da fortuna
da família. Por isso se mudou da Louisiana, decidiu partir de
Nova Orleans e afastá-los nos três anos que durava sua
carreira universitária. Sua ideia era a de cortar vínculos e
dependências. E, principalmente, queria que sua mãe
deixasse de procurar para ela um noivo endinheirado, com a
única pretensão de unir sobrenomes poderosos de Nova
Orleans.
Essa vontade de querer se separar dos Ciceroni não
significava que odiasse seu sobrenome, de forma alguma.
Sophie adorava sua família, amava-a de todo coração, mas
a superproteção a que a submetiam se tornou insuportável.
Ela, um cavalo selvagem a quem domaram e educaram
para se converter no transporte de passeio de uma dama de
Orleans, precisava romper com suas raízes para cuidar de si
mesma.
E foi o que tentou. Tentou encontrar-se. Não obstante,
em Washington deu de cara com algo mais, além de sua
verdadeira essência.
Encontrou o amor de sua vida.
Naquela tarde estava pensando nas características do
negócio que desejava abrir. Pensava que demoraria vários
anos para economizar uma boa entrada para começar a
montar o primeiro dos locais de uma cadeia de autênticas
pizzarias italianas. Sua família era originária da Toscana; um
lugar onde a pizza era sagrada e os queijos eram a figura
pátria, sinal de vida e amor.
Enquanto destacava no computador algumas frases
sobre marketing corporativo, levou à boca um dos pedaços
de fruta fresca que guardava em sua lancheira. Justo
quando ia engoli-lo e saboreá-lo, um frisbee amarelo bateu
no seu garfo de plástico. E imediatamente, de surpresa, um
cachorrinho golden se atirou em cima dela e a derrubou,
jogando-a sobre a canga fúcsia.

***
A área do parque Potomac que mais gostava Nick
Summers era, sem dúvida, O Despertar. Um gigante oculto
em Hains Point, que parecia ressuscitar de seu próprio
enterro, emergindo dentre a terra como se gritasse por sua
própria liberdade.
Entretanto, naquele dia ao contrário de outras vezes,
tinha decidido passear com seu cachorro, Dalton, por Ohio
Drive.
Estava preparando uma nova carreira universitária. Aos
vinte e três anos já tinha se licenciado em Criminologia pela
Universidade George Washington, mas também desejava
fazer o curso de Línguas Estrangeiras.
Queria ser agente do FBI e quando tomava uma
decisão, ninguém podia tirá-la da cabeça.
Agente duplo, agente especial, agente de
investigação… não importava. Ele queria um distintivo com
seu número de identificação e ajudar a resolver casos. Tinha
alma de herói e gostava de repartir justiça. Não é que
pensasse que sempre tinha razão, mas do que não tinha
dúvida alguma era de que não gostava que os maus
ganhassem, seja o que for. E ele queria contribuir com seu
grão de areia.
Enquanto caminhava pela orla de Ohio e sorria com
cada travessura que seu cachorro Dalton fazia, olhava
receoso aos casais que, com as mãos entrelaçadas,
passeavam amorosamente pelo caminho de grama verde e
salpicado de flores de sakura. Ele não desejava aquilo, ao
menos não naquele momento.
Não queria se apaixonar.
Lançou o frisbee e esperou que seu cachorrinho golden
fosse atrás dele e o trouxesse de volta.
Uma vida como a qual estava decidido a seguir não
seria boa para uma mulher. Nem tampouco para ele, que
estaria eternamente preocupado por ela.
Perdido em seus próprios pensamentos, não se deu
conta do que Dalton fez até que ouviu o grito cheio de
humor de uma garota, deitada sobre uma canga fúcsia. O
cachorrinho alegremente lambia-lhe o rosto com alegria. A
fruta que fazia um momento descansava em uma lancheira
vermelha, agora estava espalhada ao seu redor, e seu
notebook descansava de qualquer jeito sobre o pano
enorme.
— Porra. — Resmungou Nick correndo para detê-lo. —
Sinto muito! Sinto muito!
A jovem, em troca, ria e não fazia nada para tirar o
animal de cima. Ficou quieta, acariciando a cabeça do
cachorro e deixou que Dalton lhe desse as lambidas que
quisesse.
Nick se deteve ao escutar o suave tinido de sua risada
e ao ver como seus lábios incríveis se estiravam no sorriso
mais radiante que jamais tinha visto.
Usava um pulôver negro de manga longa que lhe
cobria as mãos completamente, jeans curto que deixava ver
suas longas pernas, assim como umas botas militares
escuras, com meias três quartos longas que apareciam até
quase cobrir o início dos joelhos.
— Pronto, pequeno. Quer jogar? — dizia a garota
coçando por trás das orelhas dela. — Ah, sim, como é
beijoqueiro…
Ela se ergueu com as pernas abertas para que Dalton
se acomodasse entre elas, rindo.
Nick jamais ficou sem palavras, mas quando ela
afastou o cabelo comprido e liso do rosto e penteou a franja
com os dedos para desobstruir seus olhos, não pôde fazer
outra coisa que ficar extasiado, de joelhos, incapaz de
brigar com Dalton: o rosto daquela garota o tinha cativado.
Tinha uns olhos caramelos espetaculares cheios de ternura
e, ao mesmo tempo, de uma malícia oculta e ousada que o
deixou tenso.
Ela levantou o olhar e se deu conta de que o dono do
cachorro também estava a seu lado.
Sophie ficou vermelha como um tomate quando olhou
diretamente àqueles olhos âmbar. Tinha diante de si um dos
homens mais atraentes que jamais tinha visto. Tinha o
cabelo loiro cujas pontas despenteadas apontavam para
todas as partes. Seus olhos dourados sorriam e brilhavam
claros e firmes pela luz do sol. Tinha uma sarda no canto de
um de seus olhos, e sua fisionomia era larga e musculosa.
Homens assim não se aproximavam dela nunca, e se o
faziam ela não se dava conta, pois não era muito experiente
para dizer tais coisas. Sua família sempre escolheu os
garotos que ela devia prestar atenção, mas sempre
pretendentes que ela jamais reparou, por serem muito
efeminados ou muito corretos e educados… Não sabia dizer
o que via ou não neles. Talvez os rejeitasse porque todos
eles careciam de encanto e eram moldados pelo mesmo
padrão.
Entretanto, aquele loiro que recordava os colossos
romanos era exatamente o tipo de homem que podia fazê-la
perder o mundo de vista. Vestia-se com um enorme
moletom vermelho dos Redskins, a equipe de futebol
americano de Washington. Vestia jeans escuro e tênis
esportivo branco e vermelho; e carregava pendurado nas
costas uma mochila negra.
Também era estudante, embora parecesse um pouco
mais velho que ela.
Sophie não soube dissimular nem um pouco a
impressão que provocou nela vê-lo pela primeira vez.
Nick sorriu sem mais preâmbulos e disse:
— Não sei o que eu teria que fazer para que coce atrás
das minhas orelhas como faz com este cachorro traidor.
Sophie piscou um tanto desorientada, mas ao contrário
do que ele pensava, não se esquivou de responder.
— Seu cachorro não é um traidor. — respondeu ela,
aceitando cativada os carinhos de Dalton. — É um
cachorrinho e faz travessuras.
— Lamento muito, de verdade. — desculpou-se ele,
recolhendo seu notebook para colocá-lo sobre a enorme
canga e agarrando a fruta esparramada ao seu redor. — Era
seu… lanche?
— Ah, bom, sim… — respondeu colocando uma mecha
de cabelo atrás da orelha. — Sim. Era…
— Pois tem que me deixar dar um jeito nisso.
— Já foi recolhido. Já está tudo limpo. Não se preocupe.
Ele negou com a cabeça e lhe ofereceu a mão, aflito.
— Nick Summers.
Sophie olhou sua enorme mão e a aceitou com prazer.
Nick. Nada a ver com aqueles nomes pomposos e semi-
aristocráticos com os quais seus pais queriam que se
relacionasse.
Um nome curto e bonito.
— Sophie. Sophie Ciceroni.
Nick adorou o sibilar de seu sobrenome italiano.
— Sabe? Muitas pessoas não teriam reagido tão bem
ante a perseguição de um cachorrinho.
— Bom — respondeu ela —, há muitas pessoas que não
gostam de animais. Mas eu cresci com eles. Além disso,
este pilantra — brincou com Dalton — não tem culpa de que
seu dono tem má pontaria.
Nick levantou as sobrancelhas e assentiu de acordo.
— Certo. Mas nem todos os dias alguém vê uma sereia
fora d’água. Pegou-me de surpresa.
Sophie pôs-se a rir.
— Nem sequer tinha me visto, mentiroso.
Adorou sua sinceridade. Aquela garota era como uma
bebida gelada.
Entretanto, Nick também era muito observador.
Segundo o que colocava em seu computador, estudava na
Universidade de Ciências Econômicas e Comerciais. Assim
vivia em Washington, como ele.
— Sei que é do campus. — afirmou como se soubesse
há muito tempo.
— Sim. Sou.
— Eu também.
Ela tentou adivinhar o que era que esse gigante
estudava.
— O que estuda?
— Línguas Estrangeiras.
— Ah. — disse. Nick tinha a aparência de um militar ou
de alguém que queria entrar para fazer parte da SWAT. Em
troca, estava interessado em aprender outros idiomas.
Devia ser alguém interessado em ver o mundo e ganhar
cultura. Gostava disso. — E o cachorro é seu?
— Sim. Vivo com ele. — acariciou-o carinhosamente.
— No campus? Não permitem animais. — argumentou,
surpresa.
— Não, não. — corrigiu-a Nick — Em uma casa
particular em Gary Road.
— Ah, conheço a rua. — assegurou ela — Fica perto da
escola hebraica, não é?
— Sim.
Ficaram se olhando, sem saber que o mais dizer, com
um sorriso tolo de admiração nos lábios. Em segredo,
albergavam a esperança de que aquela conversa não se
acabasse ali.
Sophie não era loira tingida como a maioria das
americanas. Na sua idade, não tinha operado os seios, como
se podia adivinhar por trás do pulôver folgado que a cobria.
Nem sequer colocou silicone nos lábios, algo muito comum
em certas garotas desde que eram apenas uma criança…
Odiava a superficialidade de todas essas garotas;
quase podia dizer que dava a todas por perdidas. Perdidas
em sua necessidade de agradar, quando para agradar de
verdade, a primeira coisa que deviam fazer era amar a si
mesmas. Se tinham que retocar o rosto e o corpo para isso,
era porque não gostavam nem aceitavam o reflexo que lhes
devolvia o espelho.
Mas Sophie não respondia àquele padrão.
Era natural. E foi precisamente sua simplicidade que o
deixou encantado por completo e com vontade de mais.
Fazia um momento, antes do inoportuno
comportamento de Dalton, estava decidido a não se deixar
levar pelas garras das relações sentimentais. Não
necessitava nada disso naquele momento. Não o queria. De
fato, não sabia se alguma vez iria querer.
Entretanto, a vida ou o destino acabavam de soltar
nele um bofetão com a mão aberta que o tinha despertado,
exatamente igual à escultura que tanto admirava de J.
Seward Johnson.
— Sophie Ciceroni, você me deixaria trocar essa fruta
que estraguei por um jantar?
Nick sabia que com mulheres assim a gente não tinha
muitas oportunidades e, além disso, ele já não tinha. Mas se
Sophie dissesse sim, sua vida poderia estar a ponto de dar
um giro de cento e oitenta graus.
— Pois… não sei. — replicou ela, hesitando. — Não
estou acostumada a fazer estas coisas. É um estuprador ou
algo assim? — brincou.
— Bom… — olhou-a de cima abaixo — Só até onde me
deixar.
— É muito atrevido, não?
— Não… o que acontece é que talvez me deixa
nervoso, e por isso digo uma ou outra sandice.
— Estou vendo… É um… psicopata?
— Só com ladrões e assassinos. E você? É psicanalista?
Sophie se pôs a rir.
— Só com desconhecidos que atacam com frisbees.
— Faz bem. Nunca se sabe onde pode estar o perigo.
Ela balançou a cabeça e depois lhe jogou uma última
olhada.
— Não será dos que se acham um Super Homem?
— Não acredito. Mas sou mais uma espécie de Clark
Kent. E pode crer que agora desejaria ter raios X. — piscou
um olho para ela.
E quando ela mordeu o lábio inferior e voltou a sorrir
tão à vontade com ele como se os dois se conhecessem a
vida inteira, Nick já não sentia nenhum receio a respeito: se
aquela garota aceitasse seu convite, estava convencido de
que seria dele. E não importava se isso mudava os seus, até
então, inquebráveis planos de futuro. Poderia incluir neles a
sua companheira ideal.
E então a educada e elegante Sophie disse:
— Sim. Podemos ir jantar.
Aquela, no restaurante Bristo Cacau, foi a noite das
primeiras vezes.
A primeira vez que ambos foram jantar com um
completo desconhecido.
A primeira vez que Sophie aceitava o convite de
alguém a quem seus pais não tinham escolhido.
E a primeira vez que Nick rompia um dos pontos do
esquema que fez para si até licenciar-se.
Quebraram as normas e mandaram suas regras para
passear. E fizeram porque desde que se viram, sentiram que
seriam especiais um para o outro. A vida tinha golpes
inesperados e maravilhosos.
Não deixaram de conversar em todo o jantar. O local
em que foram ficava na avenida Massachussets. O jogo de
mesa era branco e as cortinas vermelhas insinuavam todo
tipo de reservados tenuemente iluminados e íntimos.
— Por que sugeriu este restaurante, Sophie? — ele
perguntou brincando com o garfo.
Ela que se sentia livre e atrevida longe de seus pais, e
que já não necessitava da aprovação de ninguém para fazer
o que lhe desse vontade, ergueu a taça de vinho branco e
respondeu:
— Minha família é da Louisiana, e ali estamos
acostumados à comida francesa crioula. Conheço bem este
tipo de cozinha.
— Você se interessa por gastronomia?
— Sim. No futuro quero fundar uma cadeia de
restaurantes onde nossos pratos sejam únicos e especiais, e
sejam conhecidos em todo mundo.
— Comida internacional?
— Precisamente italiana. Minha família vem da Toscana
e…
Cada vez que Sophie abria a boca, Nick se perdia na
ponta de sua língua e na brancura de seus dentes. Ela tinha
prendido o cabelo e vestia um simples vestido negro com
uma blusa de lã e uns sapatos de salto; estava tão excitado
que tinha que se mexer de vez em quando para reacomodar
o desconforto que sentia entre as pernas.
Jamais se excitou tanto com a naturalidade e o valente
acanhamento de uma mulher, mas com Sophie ardia por
dentro.
Havia algo nela que a fazia diferente. Algo que roçava o
estiloso e denotava fineza e uma excelente educação. Sabia
perfeitamente que talheres devia utilizar para cada ocasião
como se a tivessem instruído sobre certas normas de
protocolo. E Nick ansiava sacudi-la e despenteá-la, embora
nem sequer sabia de onde vinha aquele instinto selvagem.
Imaginava-a corada, suada e nua debaixo de seu corpo.
Como ele não conhecia as sutilezas da boa mesa,
copiava-a e esperava dissimuladamente que ela escolhesse
antes a faca, a colher ou o garfo que se devia utilizar,
porque não queria parecer um caipira a seu lado.
— De onde é sua família, Nick?
— De Chicago.
— A Cidade do Vento.
— Sim.
— Nunca fui. — disse antes de levar um pouco de
salada à boca, utilizando o garfo adequado. — Me disseram
que é linda.
Nick se inclinou para frente, e com seu descaramento
típico e que Sophie começava a compreender que era algo
inerente àquele jovem hercúleo, disse elevando o canto de
seu lábio:
— Talvez, se quiser, um dia a levo.
— Sei ir sozinha aos lugares, mas obrigada.
— Sozinha? Isso não pode ser. Precisa de um guarda-
costas, Sophie.
— Eu? Por que? — perguntou sem compreender.
— Alguém que a proteja dos estupradores, dos ladrões
e de toda essa índole que há solta. E acontece que eu sou
seu homem. — Ergueu sua taça de vinho e brindou com a
dela. O tinido do cristal soou como música de promessas
celestiais.
Sophie gostou muito de sua aparência e das sombras
que as luzes cortavam em seu rosto masculino. Pigarreou ao
perceber que se perdia em pensamentos muito obscenos
para sua educação de senhorita.
— E quem me protegerá de você, Nick Summers? —
perguntou, cortando o frango com molho curry com a
tranquilidade de uma dama inglesa.
— Você jamais deverá se preocupar comigo. —
murmurou com o olhar velado pelo desejo. — Nunca a
machucaria.
Ela sorriu agradecida abaixando o rosto, e pensou que
Nick era o primeiro homem cuja aparência realmente era a
de um homem e não a de um príncipe. Se fosse o caso, ele
a protegeria com seus punhos, sem sombra de dúvidas.
Os músculos de seus bíceps esticavam sua camisa nos
braços e, do mesmo modo, estirava a parte frontal de seu
peito. Era robusto e musculoso, mas não como um lutador
de pressing catch inflado com anabolizantes. Não. Nick era
como um gladiador, forjado na época em que se queimava o
que comia.
Suas costas eram tão largas que estava segura de que
podia carregar todo o peso que quisesse nas suas costas.
Continuaram jantando como se aquelas palavras jamais
tivessem sido pronunciadas e, ao mesmo tempo, falaram de
tudo o que não implicava olhares ardentes nem palavras
obrigadas a serem pronunciadas em voz baixa.
Não encontraram uma maneira de se deter, não houve
um momento para o silêncio ou para a introspecção.
Como se fossem duas almas gêmeas que se
reencontraram, precisavam explicar tudo o que um perdeu
do outro nesses anos sem se ver.
Nick falou da fria relação com seu pai e do amor que
sentia por sua mãe.
Sophie teve um irmão mais velho um tanto rebelde.
Falava dele com muito carinho, mas ao fazê-lo, os olhos dela
se encobriam com uma tristeza irreparável.
Nick entendeu em seguida que seu irmão já não estava
vivo. E quis saber por que.
— O que aconteceu com o Rick? — perguntou
interessado enquanto esperavam que trouxessem as
sobremesas.
— Bom… — Sophie limpou o canto dos lábios com a
ponta do guardanapo branco. — Como te contei, minha
família se dedica a exportação de açúcar há três gerações.
Presumia-se que Rick e eu deveríamos nos dedicar ao
mesmo para prolongar o legado familiar. Mas ele decidiu ser
policial. Isso provocou uma pequena fissura na família, pois
meus pais não podiam compreender por que meu irmão
preferia arriscar sua vida a manter-se seguro e ter uma vida
próspera entre os braços cálidos e o dinheiro da minha
família. O que nem minha mãe nem meu pai
compreenderam era que Rick se sentia um espírito livre. —
Suspirou, recordando-o com alegria. — Agora teria quase
trinta anos. Morreu quando eu tinha treze.
— Como morreu, se não for muito perguntar?
— Tentou salvar uma mulher de um homem que queria
abusar dela. —explicou com a dureza de quem já tinha
aceitado a desgraça. — Rick o deteve, mas o que não sabia
era que o estuprador tinha uma pistola no bolso de sua
calça. Atirou nele, com o azar que o acertou totalmente no
coração.
Sophie não tinha superado completamente perder Rick.
Era seu melhor amigo, um homem a quem ela admirava e
que amava com todo seu coração.
— Sophie. — Nick estendeu a mão e a pousou sobre a
dela. — Lamento muito.
— Sim. Eu também. Eu o amava muito. Todos o
amávamos muito. — secou as lágrimas que escaparam com
rapidez. — Affe, fico um pouco sentimental com isto…
— Eu a entendo.
— Por esse motivo, nem minha mãe, nem meu pai,
nem eu — particularizou com veemência — queremos ter
nada a ver com homens com distintivo. De fato, a desgraça
de Rick é a razão pela qual se asseguram de me rodear de
pretendentes completamente opostos a seu perfil… Já sabe,
com baixa testosterona e poucas ideias empreendedoras na
cabeça. — Bebeu o que restava do vinho.
— Insinua que os policiais não têm ideias
empreendedoras?
— Suponho que sim. Mas salvar o mundo é impossível,
não acha? — Olhou-o nos olhos.
Nick ficou em silêncio e depois acrescentou:
— Então tem medo dos policiais? — perguntou,
impactado pela revelação.
— Sim. Admiro o que fazem, mas eu os quero bem
longe. — Estudou-o sem titubear. — Não poderia viver
tranquila pensando que alguém que amo corre perigo aí
fora.
Sophie quis trocar de assunto. Aquilo não era algo para
se falar nesse momento.
Entretanto, Nick escutou suas palavras de um modo
diferente.
Se sua relação com Sophie prosperasse como
esperava, haveria um segredo insuperável entre eles.
Portanto, melhor que fizesse as coisas bem para que nunca
soubesse da verdade.
Porque não mudaria sua decisão de ser agente do FBI
por muito que pudesse chegar a se apaixonar por ela,
embora a flechada tivesse surgido com a rapidez e a dureza
do impacto de uma bala no coração, como a que acabou
com a vida de seu irmão. Não renunciaria àquela beleza
morena, astuta, divertida e inteligente.
Lamentava por ela. Lamentava muito. Mas era um
egoísta, e desgraçadamente sentia-se intrigado, estimulado
e fulminado por aquela empresária em amadurecimento
que tinha diante de si. E quando Nick queria algo, queria
para ele, embora fosse a seu modo.
Estava claro que nenhuma mulher gostava que seu
companheiro fosse um policial, mas muitos dos dinossauros
do FBI estavam casados e tinham filhos, assim não podia
ser tão difícil.
Ingressar no FBI era sua vocação.
E uma vocação autêntica não se enterrava pelo medo e
a insegurança de uma garota.
 

CAPÍTULO 2
 
A noite das primeiras vezes também incluiu algo que
nenhum dos dois esperava que acontecesse tão rápido.
Era já muito tarde para voltar para o campus com seus
estritos horários. Sophie morria de vergonha de chegar
depois da meia-noite; no dia seguinte chegariam os
falatórios, o zelador informaria a seu pai — pois acontece
que o senhor Lesson e ele se conheciam e eram amigos, e
este o encarregou de avisá-lo sobre qualquer coisa estranha
que acontecesse na vida de sua filha. Assim, naquela noite
Sophie preferia fazer como se estivesse em seu quarto
como uma boa menina, em vez de aparecer às duas da
madrugada e levantar suspeitas em Lesson.
Embora, no fundo, a verdade era que não queria que
aquela noite acabasse. Como o tempo passou tão rápido ao
lado de Nick?
Por isso, enquanto o céu de Washington ficava escuro e
começava a faiscar, e como Nick tampouco queria separar-
se dela e leu em seus olhos caramelo que ele sentia o
mesmo, sugeriu-lhe que passasse a noite em sua casa.
— Só como amigos, Sophie. Nada de contato entre nós.
— murmurou com o olhar cristalino cheio de desejo. —
Amanhã a levarei para sua aula de manhã e irei para a
minha.
Ela brincou com as chaves de seu quarto entre os
dedos.
— Não costumo fazer estas coisas. — assegurou com
um pouco de vergonha e surpresa ao ver que aceitaria sua
proposta. Nem sequer titubeou. O que havia com ela? Esse
comichão no estômago era amor?
— Eu tampouco nunca levo desconhecidas para casa.
Mas já me contou que o bichinho de pelúcia com quem
ainda dorme se chama Tiger e que quando criança era
apaixonadíssima por Kirk Cameron. Tenho dois segredos
íntimos com os quais posso chantageá-la. — Sorriu fingindo
maldade. — Embora saiba que jamais direi isso a ninguém.
— Tem certeza? — Arqueou uma sobrancelha castanha.
Nick pôs cara de boa pessoa.
— Não seja tola, Sophie. O senhor Lesson ligará para
seu pai, e no prazo de dois dias, você o terá aqui com uma
escopeta na mão para interrogar a todos os machos do
campus.
Ela se pôs a rir. Não estava tão errado.
— Venha. Deixarei para você uma camiseta comprida e
uma calça de moleton. Eu dormirei no sofá. — disse e lhe
ofereceu a mão.
E Sophie, sem mais, aceitou sua enorme palma e
aquela proposta supostamente decente.
Nick tinha uma casa em Gary Road. Era de seu tio
Dominic, que tinha sido agente do FBI, o que ele queria
chegar a ser. Esteve muitos anos vivendo ali. Quando
morreu, já que Nick era seu único sobrinho, deixou tudo
para ele.
Dominic e Nick eram unidos. Muito mais que Nick e seu
pai. Via em Dominic tudo o que seu pai, Joseph, não era.
Joseph Summers era um folgado com barriga de cerveja e
machista, que não fazia outra coisa que ir jogar cartas com
os amigos e pôr na televisão as partidas da NFL, um pai
made in USA, como eram cinquenta por cento dos norte
americanos. Joseph tentou lhe dar lições de pai para filho,
mas Nick sabia que havia conselhos dos pais que jamais se
devia seguir para não cometer os mesmos erros que eles.
Assim, decidiu amar seu pai com todos os seus defeitos, e
admirar e respeitar a seu tio por todas as suas virtudes.
Dominic sentia por Nick um amor incondicional, assim
como um grande respeito por todas as aptidões que o
jovem desenvolvia. Seu sobrinho era bom em tudo.
Brilhante nos esportes, um ás nos idiomas e habilidoso com
os computadores. Se Nick decidisse ser agente como ele,
seria um dos melhores.
E feliz ou infelizmente para os Summers, essas eram
justamente as pretensões de Nick. Assim quando se
graduou em Chicago com todas as honras, ofereceram-lhe
uma bolsa de estudos com os gastos pagos na Universidade
de Washington.
E isso é o que Nick fazia: estudar arduamente para
licenciar-se nos dois cursos que cursava, e assim chegar a
ser o que queria e não decepcionar a memória de seu tio. A
primeira já estava concluída.
A casa era de madeira, de cor azul. Os parapeitos e as
vigas verticais das janelas eram brancas, assim como os
umbrais, compostos de madeira mais grossa.
Nick deixou seu SUV Wrangler preto de 2005 na
entrada da garagem e abriu a porta de Sophie como um
cavalheiro para ajudá-la a descer.
— Vive aqui sozinho? — perguntou ela, surpreendida.
As plantas e a grama precisavam de uma boa
manutenção, mas no geral, era um lugar bastante
acolhedor, coberto de árvores. Uma adorável mesa de
pedra com tamboretes baixos e fornidos descansava no
canto do jardim iluminado sob a coberta de uma cerejeira.
Era lindo e acolhedor.
Nick, que sabia que Sophie prestou atenção no detalhe
da árvore, explicou-lhe que seu tio adorava as flores de
sakura e que plantou cinco árvores ao redor do jardim, e
que já tinham crescido.
— Eu adoro sua casa. — concedeu Sophie. E era
verdade. Era uma casa tipicamente masculina, mas entre a
fria tecnologia e a decoração minimalista, podiam-se ver
detalhes femininos como faíscas de vida e cor: a manta de
crochê que repousava em um dos braços do sofá, os
abajures decorativos ou as almofadas combinando com o
tapete de lã feito à mão. — Sua mãe vem muito por aqui?
Nick sorriu.
— Sim. Tudo o que vê que não se enquadra com a casa
foi feito por ela.
— Imaginei. — Respondeu pendurando a bolsa e a
jaqueta no cabide do vestíbulo. — É uma artista.
— Obrigado. Ela é.
Nick a guiou ao interior, e depois de mostrar os
cômodos e a distribuição, abriu o sofá cama da sala de
jantar e preparou tudo para se deitar ali essa noite. Tirou
manta e travesseiros.
— Por que não se deita em sua cama e eu no outro
quarto? — perguntou preocupada com ele.
— Porque o colchão da cama de hóspedes faz um ruído
terrível. Eu me mexo muito. Nenhum de nós dormiria.
— Então eu dormirei no sofá. Não posso aceitar que
você durma aqui se…
— Por que? Não seja tímida. Não me importa. Em
minha cama estará mais confortável.
Por fim, Sophie aceitou o pedido a contragosto. Nick lhe
emprestou uma camiseta enorme de cor cinza escura com
as siglas da Universidade de Washington para que dormisse
com ela. Quando ia entrar no banheiro da suíte para se
trocar, Nick disse:
— Suponho que não a verei até manhã. — ele disse no
umbral da porta. Ainda não tinha vestido o pijama e estava
tão atraente que Sophie não podia diminuir o rubor das
bochechas.
— Hã, sim… — deteve-se com a mão no trinco da
porta.
— Bem. A que horas começa sua aula?
— Às oito.
— Então despertarei às sete e quinze e a levarei. Está
bem assim?
— Sim. Obrigada.
Nick assentiu e lhe deu uma última olhada de cima
abaixo. Se olhares fossem dentadas, Sophie seria somente
osso.
— Boa noite. — disse ela fracamente.
— Boa noite, Sophie. Me diverti muito hoje.
E eu.
Ambos cravaram o olhar um no outro, até que ela,
aflita pelo calor que os olhos âmbar de Nick transferiam a
seu baixo ventre, pigarreou e entrou no banheiro para se
trocar. Não se tranquilizou até que finalmente escutou a
porta do quarto se fechar.
Sophie se olhava naquele espelho do banheiro de tons
brancos e pretos mesclados com madeira clara.
Tinha deixado a roupa cuidadosamente dobrada em
cima da cadeira. Tinha bisbilhotado sua pasta de dente, os
armários do banheiro, suas lâminas de barbear, o aroma de
sua loção pós-barba… Sentia-se como uma colegial nervosa
rodeada pelas coisas de Nick.
Jamais fizera nada parecido. Dormia sob o mesmo teto
com um rapaz que tinha conhecido naquele mesmo dia!
A gola da camiseta deslizava por um de seus ombros e
a parte baixa a cobria até o meio da coxa.
Sophie se olhou no espelho e mordeu o lábio inferior.
Nunca havia sentido a necessidade de provar os lábios
de ninguém. Mas Nick a estimulava até esse ponto, e
Sophie, embora pretendesse ser séria, responsável e
educada, era impulsiva muitas vezes e possuía a
curiosidade própria de uma garota que queria descobrir o
mundo.
— Sou virgem. — disse a si mesma olhando-se no
espelho. Penteou a franja com os dedos e colocou seu
cabelo por cima de um ombro. — Virgem. Tenho vinte anos
e… as garotas da minha idade fazem isso, não? — Tentou se
autoconvencer. — Todas falam que dormiram com um e com
outro. E eu… — Esticou a camiseta sobre os seios e os
mamilos se destacaram sob o tecido. — Eu nunca fiz nada.
Crescer sob a estrita proteção de uns pais eternamente
preocupados, inflexíveis e temerosos acarretava suas
consequências. A principal foi se afastar deles para estudar,
encontrar sua essência e viver sua maturidade adolescente
sem seus tabus nem seus escrutínios desnecessários. E o
mais importante para ela, era que a atitude absorvente de
seus progenitores e aquela inquebrável educação a
converteram em uma monja, em algo que não queria ser.
Sua nula experiência sexual a envergonhava. Por não saber,
não sabia nem como devia se tocar. E era estranho para
uma mulher do século XXI encontrar-se naquela situação
quando todas tinham métodos ao seu alcance para se
informar e experimentar.
Sem ir mais longe, sua companheira de quarto Ellen, a
quem já tinha avisado dizendo que não dormiria lá essa
noite e que não avisasse a ninguém. Ela transava com
homens e com garotas. Às vezes lhe contava as coisas que
fazia com uns e outros, e Ellen sempre ria das caras que eu
fazia.
— Mas, Sophie, viu sua cara? — gargalhava e apontava
para ela. — Qualquer um diria que nunca menearam isso na
sua cara.
“Menear na cara? O que? O pênis?”, perguntava-se
Sophie dissimulando sua inexperiência.
— Não é isso. É que me surpreende as coisas que faz
com homens e mulheres, e que possa gostar dos dois.
— É sexo. — respondia Ellen sem dar importância. —
Somos pessoas que só procuram prazer. Mulher é bonita e
homem é excitante. E são tão diferentes quando tocam… —
Mordeu o lábio inferior e fez um som rouco de prazer. — Mas
tudo dá tanto prazer …
— Imagino. — Sorriu nervosa.
Mas não imaginava nada. Porque ela, para sua
desgraça, nem com homem nem com mulher.
Não isso era injusto? Não era uma injustiça ser
moralista com certa hipocrisia em assuntos carnais?
A verdade era que sentia pena de si mesma. Embora a
maior verdade de todas era que nunca se sentiu atraída por
ninguém.
Nem por homem, nem por mulher.
Até que aquela tarde se encontrou com Nick.
E agora não podia pensar em outra coisa que não fosse
beijá-lo e tocá-lo.
Com esse pensamento e com sua terrível insatisfação,
e aquele repentino calor, enfiou-se na cama. Afundou o
nariz no travesseiro vermelho e preto de Nick e se
impregnou com seu aroma.
Nick se tocaria ali? Como fazia?
Se fosse até a sala e dissesse que fizesse o favor de
fazer amor com ela, o que ele responderia?

***

Nick não podia dormir.


Era impossível dormir tendo ao lado, só vestida com
uma de suas camisetas, a garota mais linda que tinha
conhecido em sua vida.
E conhecê-la, saber que foram feitos um para o outro,
enchia-o de ansiedade. Queria ir até seu quarto, enfiar-se
em sua cama e tocá-la até onde ela permitisse.
E nem sequer sabia por que não fazia isso. Porque ele
não era tímido com as garotas. Dormiu com muitas
mulheres, algumas mais velhas que ele, instantes depois de
entrarem em uma discoteca.
Conheceu Sophie nesse mesmo dia, mas conversou
mais com ela do que com qualquer uma das garotas que
cruzaram sua vida. E talvez por esse motivo, por se dar
conta de que Sophie não era como as demais, queria se
comportar como um cavalheiro, embora tivesse o membro
ereto e duro nesse momento. A educação daquela garota
era excelente e com certeza que tinha lidado com outro tipo
de homens, imbecis sortudos e pouco viris que depois
teriam se masturbado pensando nela, mas que em pessoa
teriam sido um exemplo de fineza e cortesia.
Porra, e ele não era assim.
Ele estava a ponto de se masturbar no sofá pensando
que era a ela a quem tinha em cima dele. A verdade era
que fizera soberanos esforços para não beijá-la a noite toda
ou para não encostá-la em um canto do quarto e acariciar
sua língua com a dela. Certamente a teria assustado.
A chuva repicava contra a janela e o céu de
Washington começava a iluminar-se com o resplendor dos
raios.
Um relâmpago crepitou com força e iluminou a sala.
— Vai pensar que sou tola.
Nick girou a cabeça com tanta rapidez que quase
arranca o pescoço com o movimento. Sophie estava ali de
pé na frente dele abraçando-se com os olhos enormes e as
pupilas dilatadas. As coxas pálidas e torneadas se
recortavam a cada raio que iluminava através do vidro das
janelas. Seus pés descalços pareciam diminutos em
comparação com os dele.
— Sophie? O que há? Precisa de algo? — perguntou
meio que se erguendo.
Ela não sabia nem o que dizer pelo quanto se sentia
incômoda.
— Tenho pânico de tempestades.
Nick piscou sem poder acreditar na sua sorte.
— Pânico? E… o que… posso fazer?
“Me diga que quer dormir aqui. Por favor, Deus… Por
favor, Deus.”
— Eu… Bom… quão grande é o sofá?
— Enorme. — Nick se afastou para um lado com um
sorriso e afastou a manta para que ela entrasse.
“Deus, obrigado”.
— De verdade… — titubeou sobressaltada entrando
sob a manta com um saltinho. — Não quero que me
interprete mal. Não estou acostumada a fazer estas coisas…
— Já sei. — ele disse docemente — Embora esta noite
está fazendo muitos “não costumo”.
— Sim, é verdade… — reconheceu ela, desconcertada.
— Mas é só que as tempestades me provocam ansiedade e
morro se estiver sozinha. Não ria… cheguei a importunar a
minha companheira de quarto na cama quando choveu…
Nick se afastou um pouco para não tocá-la com o corpo
e que ela não visse que estava ereto como um campeão
orgulhoso.
— Por favor, Nick. — sussurrou com a manta por cima
do nariz. — Sei que é muito, mas… você poderia…?
— O que? — disse com os dentes apertados e tenso
como a corda de um violão. Por acaso o estava excitando de
propósito? Não. Sophie não era assim. Realmente estava
assustada e tremia.
— Poderia, por favor, pôr o braço por cima de mim?
Nick fechou os olhos e descansou a cabeça sobre o
travesseiro. Nunca foi crente. Talvez agora devesse
reformular seus credos.
— Sophie…
— Nick, de verdade. Isto não é nenhuma armadilha.
Estou apavorada.
Os pés gelados da jovem roçaram suas canelas
peludas. Estava tremendo, pobre menina.
Nick encostou-se às suas costas e a atraiu para ele,
rodeando-a com um de seus enormes braços, rezando pela
enésima vez em uma noite para que essa garota não
percebesse sua excitação.
Sophie demorou vários minutos para deixar de tremer,
e quando conseguiu ficou quieta e calada.
— Aposto que não acredita em mim. — sussurrou após
alguns momentos com seus olhos amendoados cravados na
janela e na tempestade lá fora. — Certamente pensa que
tento te seduzir.
— Não penso nada. — sussurrou com a boca quase
colada à sua nuca. — Por que tem medo de tempestade?
Ela esfregou o nariz contra a manta, e depois de
pensar, respondeu:
— A noite que vieram nos avisar do que aconteceu com
meu irmão Rick chovia muito e trovejava, como agora. Após
isso, fico apavorada. Não lido nada bem. — corrigiu-se.
Ele a escutou com atenção. Desejava aconchegá-la,
mas não se atrevia por medo que ela entendesse que o que
queria era se aproveitar de sua vulnerabilidade.
— É um transtorno. Desaparecerá quando deixar de
associar as tempestades com a morte, Sophie. —
respondeu.
Em Criminologia fizera um curso em psicologia; embora
preferisse estudar perfis de assassinos, em algumas
ocasiões os comportamentos das vítimas de homicídio eram
muito mais relevantes. Como o caso de Sophie.
— Como sabe isso?
Nick não tinha explicado que já estava licenciado em
Criminologia e que tinha estudado psicologia aplicada ao
campo criminal, tanto a dos delinquentes quanto das
vítimas. Vendo os problemas e os preconceitos que Sophie
tinha contra os homens da lei, o melhor era continuar
ocultando ou do contrário ela fugiria do seu lado. E não
queria que Sophie se fosse. Cheirava muito bem para deixá-
la partir. Cheirava a primavera. E, acima de tudo, desejava
repetir mais noites como aquela a seu lado.
Era sua mulher especial. Todo mundo dizia que havia
um momento na vida de um homem onde chegava uma
mulher que sacudia seu mundo e que o fazia reformular
todos seus dogmas.
Ela confirmava tal crença.
— Leio muitos livros sobre psicologia e vejo muitas
séries policiais e demais. — comentou sem importância —
Gosto de observar os perfis dos envolvidos em cada caso.
— Sabe que são atores, não é? — perguntou, olhando-o
de soslaio com um sorriso.
— Sério? — ele respondeu, seguindo seu jogo.
Um novo trovão sacudiu os vidros com tanta força que
Sophie se virou de repente e escondeu o rosto no peito de
Nick. O movimento fez com que colocasse uma perna entre
as dele, e então com a parte superior de sua coxa e seu
quadril, notou pela primeira vez a ereção de um homem
contra seu corpo.
Nick engoliu em seco envergonhado e não ousou
mover um só músculo. Maldição. Pegou-o em cheio.
Ela emudeceu e manteve a cabeça agachada com as
mãos abertas contra seu duro e musculoso peito quente.
“Nick está duro. Muito duro. Ai, senhor…”, pensou
aflita. O corpo desse homem estava tão quente que parecia
uma estufa. O efeito de seus braços ao seu redor e o porto
seguro de sua pele a reconfortou e tranquilizou. Entretanto,
a ereção dele que pressionava seu quadril fazia seu
estômago encolher e estimulava seu baixo ventre.
— É dos que deixa o controle da televisão no sofá? —
perguntou timidamente.
— Não. Não sou desses. — respondeu entredentes.
Estava tão ereto que qualquer roçar doía. — Sophie, será
melhor que ignore que me deixou louco de excitação, certo?
Durma e relaxe. Eu me encarrego da tempestade.
Ela sorriu contra seu peito. Nick era exatamente o tipo
de homem que a encantava. Era direto, honesto e sincero, e
sempre antepunha a segurança dos outros à sua.
Inalou dissimuladamente sua pele. Sem querer roçou o
nariz em um de seus mamilos escuros, que em resposta à
leve carícia endureceu.
— Perdão. — desculpou-se com acanhamento,
levantando um pouco a coxa e roçou seu testículo com
suavidade. Ele só vestia uma cueca branca e sua pele
moderadamente morena era ressaltada com luzes e
sombras como a do filho de um Adônis e um gladiador.
Ele já não podia aguentar mais e soltou uma longa
exalação pela boca.
— Porra… Porque estou convencido de que essa não é
sua intenção, Sophie, porque senão apostaria com certeza
que está tentando colocar a mão em mim. E deveria ter
muito cuidado, porque não quero assustá-la — disse
olhando o topo de sua cabeça —, mas estou a um suspiro
de te beijar e tirar essa sua camiseta. E não deixo de me
perguntar o que aconteceria se fizesse isso.
Ela levantou a cabeça de repente e seus olhos
avelãs brilharam na íntima escuridão, enquanto um novo
resplendor iluminava o céu.
— Quer me beijar? — perguntou com surpresa,
entreabrindo aqueles lábios grossos.
— Se quero te beijar? É uma pergunta ardilosa ou o
que? Tenho que responder sim ou não?
Sophie sacudiu a cabeça, sobressaltada.
— Nunca fiz isso… desculpe-me.
— O que quer dizer?
— Nunca faço estas coisas… Nunca estive tão perto de
um homem como estou agora de você. Não sirvo para isto.
— explicou a ele acreditando em cada uma de suas
palavras. — E além disso, estou assim — assinalou seus
corpos — com um homem que acabo de conhecer. No que
isso me converte?
— Em uma mulher livre?
— Sei que não acredita nisso, mas não sei ler sinais.
Nunca sei se atraio um homem ou não. Os rapazes que
conheci na Louisiana…
— Os rapazes que conheceu? — repetiu Nick,
enternecido pela insegurança de sua atitude. Levantou seu
queixo com doçura. — Os garotos que sua mãe escolheu
para você?
— Sim. Esses… Bom, nunca insinuaram nada para mim.
— Mas, Sophie… já se olhou?
— Sim.
— Acredite em mim que qualquer homem gostaria de
fazer coisas com você. Esses sacanas sortudos tiveram que
exagerar em punhetas pensando em você. —soltou de
repente, esquecendo que estava diante de uma garota de
bom berço e excelente educação. — Sinto muito.
Ela não soube o que dizer nem o que responder
perante aquelas palavras. Finalmente deu de ombros.
— Não acredito que seja assim.
— Sim, é. Estou te dizendo. E melhor não falarmos
desses presunçosos com os quais chegou a ter encontros…
— Não eram encontros exatamente. — lambeu o lábio
inferior e fechou os olhos com força, um pouco incomodada
pela situação. — Acredito que estou sendo ridícula. Se não
estivesse morta de medo pela tempestade sairia debaixo da
manta e iria para o seu quarto. Não quero te incomodar.
Lançou a ela um olhar um pouco feroz e negou
firmemente.
— Não me incomoda. Olhe, porra. — Nick adiantou um
pouco o quadril e roçou seu ventre com a ponta de seu
pênis. — Isto é exatamente o que me provoca.
Sophie deixou escapar um arquejo de surpresa.
— Estou assim desde esta tarde. Desde que a vi. Sei
que não tem nenhuma experiência nestes assuntos… mas
comigo não tem com o que se preocupar.
— Estou vendo… Mas não fará nada?
— Como diz? — Nick estava mais do que perdido com
Sophie. O que insinuava? Acaso lhe dava permissão para
tocá-la?
— Pois isso, suponho que não quer… — Moveu as mãos
com nervosismo.
— Que não quero o que?
Ambos estavam excitados, nervosos. Nick se sentia a
ponto de explodir dentro da cueca, e era a primeira vez que
Sophie queria experimentar o que era desejo físico.
Ela se armou de coragem e olhou para ele com olhos
frágeis, o corpo mais sensível que nunca.
Ele nem sequer se atreveu a piscar.
— Posso beijá-lo? — perguntou ela de repente. — Só
uma vez.
Nick soltou o ar que nem sequer sabia que tinha retido
nos pulmões como a um refém gasoso, e então sorriu com
doçura e embalou seu rosto entre as mãos.
— Essa é a pergunta que anseio te fazer desde que
fomos jantar.
— Ah, sim? — perguntou ela, permitindo que ele se
aproximasse de seus lábios com cuidado.
— Sim. — assegurou com firmeza. — Alguma vez a
beijaram?
Sophie, hipnotizada pela candura de seus olhos,
assentiu com acanhamento, mas Nick soube ver que aquela
não era nem de longe a resposta de alguém a quem
beijaram de verdade.
— Eu te beijarei com vontade. — anunciou antes de se
concentrar em seus lábios para capturá-los com força.
Seu primeiro beijo foi uma mistura de conto de fadas e
de livro romântico da escritora de Nova Orleans, Anne Frise.
Nick tinha uns lábios perfeitamente perfilados e ela possuía
uma boca macia e com forma de beijo.
Ele lambeu o lábio inferior dela com delicadeza para
depois abrir sua boca com os seus, e deixar que pouco a
pouco sua língua roçasse sua excitante cavidade. Roçou
seus dentes e ela gemeu encantada. Nick se afastou para
tomar ar. Um só beijo estava a ponto de fazer com que
gozasse, e tinha jurado a si mesmo que manteria o controle.
— Abre a boca, Sophie, e me dê sua língua. — pediu
acariciando o queixo dela com o polegar.
Ela obedeceu enquanto se segurava a seu torso e
deslizava as mãos por seus ombros.
Nick sugou sua língua e ela cravou as unhas nos bíceps
dele. Mas ao contrário de assustá-la, Sophie reagiu, e com
um feminino gemido se introduziu na boca de Nick com sua
pequena língua.
Ele quis lançar foguetes ao ser o artífice daquela
primeira resposta sexual daquela mulher.
Nick pensou que aquilo seria suficiente para ela, já que
era como uma menina e não queria atemorizá-la nem com
seu corpo, nem com sua ousadia, nem tampouco com seu
desejo, assim tomou a decisão de se afastar sem tirar seu
rosto do dela, ficando muito perto.
Sophie se manteve com os olhos fechados, respirando
um pouco agitada. Lambeu os lábios úmidos e inchados
pelo beijo, e depois abriu os olhos cintilantes. E então, zás!
Nick viu algo naqueles olhos amendoados e avelãs que
o emocionou. Era uma luz timidamente predadora, mas
ansiava comer e caçar. E ele era sua caça.
— Nossa… — murmurou, endurecendo-se mais ainda.
Sophie o puxou pelo rosto e se deitou sobre ele. Seu
longo cabelo liso caiu ao seu redor, cobrindo-os em uma
cortina sedosa de desejos e confidências.
— Não deixe de me beijar, por favor. Faça outra vez.
Ela se tornaria viciada nos beijos de Nick, não tinha
nenhuma dúvida. Que sensação mais ardente e
maravilhosa!
Ele passou suas mãos por baixo de sua camiseta e
massageou suas suaves e pequenas costas.
— Sophie, não te dou medo?
— Não. — Negou com segurança. — Não… não quero
que pare.
— Se continuar te beijando e me animar, vai ter que
encontrar o modo de me parar.
Ela se moveu, assentindo com a cabeça sem
pestanejar.
— Está bem. Quero que continue.
E Nick não precisou de mais.
Seguiria adiante porque não tinha nem ideia de como
pausar a marcha. Suas mãos viajavam sozinhas através do
continente corporal de Sophie e o fascinava como ela
respondia a seu toque.
A jovem soltava uns gemidos prazerosos como uma
gata que desejasse mais carícias.
E Nick as dava enquanto a beijava e deixava sem
respiração. Foi então quando chegou a uma virada decisiva
durante seu primeiro encontro físico.
Nick cobriu seus pequenos seios nus com a palma de
suas mãos e a olhou nos olhos enquanto os apertava com
suavidade.
— Sophie? — perguntou com olhos indagadores. —
Alguma vez…?
— Nunca. Não. — replicou emocionada.
— Me deixaria prová-los? — perguntou eufórico por sua
confiança.
— Sim. Sim. — repetiu tensa ao notar como Nick
levantava a longa camiseta e a deixava nua diante de seus
olhos.
O ventre plano e os quadris de Sophie lhe pareceram
inquietantes e sexy. Desceu sobre seus mamilos e começou
a lambê-los como um cão faria com uma tigelinha de leite.
Com suavidade, sem deixar nenhuma gota… e depois como
um animal ansioso que não sabia se poderia comer durante
as horas seguintes.
Saciou-se dela e o fez com tanta vontade e tanta
delicadeza que não encontrava modo de se deter.
Nem sequer os gemidos ansiosos de Sophie podiam
tirá-lo daquela obsessão por seus mamilos.
E a ela, a tempestade deixou de lhe parecer
ameaçadora, tão mergulhada estava nos dentes, na língua e
na boca desse homem.
Nick colocou a mão entre suas pernas, embalando seu
sexo com doçura. Levantou a cabeça com olhos frágeis.
— Sophie?
— Continue, Nick. Não pare. — Desejava que esse
homem fizesse com ela tudo o que tinha que fazer para
convertê-la em uma mulher.
Enquanto ele abaixava sua calcinha com cuidado e a
acariciava com os dedos entre as pernas, Sophie não
pensou no inadequado ou no pouco aristocrata que pudesse
parecer Nick, pois era o que ela tinha escolhido, e nisso
seus pais não tinham nada a fazer.
Imaginava o sermão que seu pai lhe daria ou as
recriminações que sua mãe lhe dirigiria. Não obstante,
assim que Nick começou a introduzir um dedo em seu
interior, todo pensamento racional desapareceu.
Aquele dedo largo e grande a estava acariciando por
dentro, e ela o sentia em cada terminação nervosa. Agora
roçava um ponto que estimulava o interior do seu ventre e
que a fazia umedecer com muita rapidez.
— Sophie… É sua primeira vez, não é?
— Sim.
— E quer que seja comigo?
Ela assentiu com a cabeça, tentando prestar atenção
às suas palavras em vez daquele dedo intruso. Acaso a
tempestade tinha minguado? Por que já não a escutava?
Nick não podia acreditar quão afortunado era ao
receber a plena confiança dessa garota.
— Por quê? Por que quer que seja eu?
Ela passou a língua pelos lábios inchados e disse com
simplicidade:
— Porque fez com que a tempestade desvanecesse.
Sinto-me segura com você, Nick. E faz anos que não me
sinto segura com ninguém. E… gosto muito de você.
Ele sorriu e balançou a cabeça, deslumbrado por sua
beleza e por aquela eloquente honestidade.
— Eu acredito que ninguém gostou de mim tanto
quanto você. — reconheceu sem poder suportar a vontade
de possuí-la. — Vai doer um pouco. —advertiu emocionado.
— Não me importa. Faça logo…
Ele se pôs a rir de novo e se colocou entre suas pernas
sem deixar de beijá-la e de massageá-la por dentro. Sophie
era muito receptiva e reagia a seu toque, umedecendo-se e
contraindo seu útero.
Abaixou a cueca e ficou nu sob a manta, e ainda por
cima de Sophie, entre suas pernas.
Ela não podia vê-lo e não se atrevia a tocá-lo. Como era
sua primeira vez, não sabia muito bem o que era muito
atrevido e o que não era. Mas sua curiosidade ganhou em
sua temeridade.
— Deixa-me tocá-lo?
Nick apertou os dentes. Seus olhos dourados cintilaram
com supremo interesse e excitação. Se ela o acariciasse, no
final gozaria em nada. Segurou-a pelo pulso e guiou sua
mão à sua ereção.
Sophie entreabriu a boca e suas pupilas dilataram ao
tocar carne dura, quente e suave, feita de seda e aço. Era
muito grossa, porque sua mão não podia rodeá-la por
completo e palpitava. Palpitava assim que o tocava.
— Dói? — perguntou.
Nick assentiu enquanto continuava estimulando-a com
o dedo.
— É uma dor como a que tem entre suas pernas.
— Uma dor como de insatisfação? — sussurrou
deslizando os dedos por seu comprimento. — Oh, Deus,
Nick… acredito que não vamos encaixar. É impossível que
isso entre aí.
— Vai entrar. Quer que demostre?
Ao ver que ela estava disposta e que abria as pernas
para ele, Nick colocou os cotovelos a cada lado de seu rosto,
encarcerando-a entre ele e o travesseiro. Com uma mão
guiou seu pesado membro à sua entrada, um pouco
dilatada e muito escorregadia.
Colocou o prepúcio no diminuto orifício e empurrou os
quadris para frente, sentindo como a carne íntima se
estirava, e com dificuldade e paciência conseguiu abrir
caminho até dilatar sua entrada e entrar. Sophie deixou
escapar um uivo de dor ao sentir que aquela cabeça em
forma de cogumelo entrava em seu corpo. Ficou a tremer e
a se mexer para acomodar seu peso e sua inesperada
fragilidade. Tinha a sensação de que ia parti-la em duas.
Nick se deteve e beijou Sophie até que ela começou a
relaxar. Ainda não a tinha penetrado completamente, e se
empurrasse podia sentir o pedaço de carne impedindo sua
posse total. Precisava romper seu hímen.
— Faremos no três…
— No três?
— Sim. Um…
— Doissss… Argh! Filho da puta!
Nick ignorou seu insulto e aproveitou para se alojar até
os testículos antes de dizer três. Ela arranhou seus ombros
e afundou o rosto em sua garganta. Santo Céu, como doía!
Começou a chorar e Nick, solícito e com muito tato,
acalmou sua inquietação.
— Pronto, Sophie… — beijou-a repetidas vezes. — O
pior já passou. Agora me moverei um pouco e a dor irá
desaparecendo.
— Disse que era no três. — reprovou.
Nick sorriu, morto de prazer e de excitação. Estava tão
apertada e inchada que temia ejacular com a primeira
investida. Segurou-a pelo rosto, obrigando-a a olhá-lo.
— Sophie, preciso fazer amor com você já… acha que
pode aguentar?
Ela viu algo nos perfilados traços de Nick. Era
desespero, permissão e um absoluto respeito por ela. E
gostou. Gostou tanto que a consultasse e que a
considerasse que aproximou sua boca da dele e começou a
beijá-lo faminta de seus cuidados. Era óbvio que queria que
fizesse amor com ela. Estava desejando-o.
Nick tomou sua resposta como um sim, e começou a
mover-se e a bombear em seu interior sem remissão.
A sensação estava cheia de contradições. Dor e prazer,
ardor e frio, dureza e suavidade… Sophie gemia e Nick
engolia seus gemidos, mordendo-os, lambendo-os e
engolindo-os para ele avidamente, deixando-se levar pelas
novas e quentes sensações de um ato carnal como aquele.
E não com qualquer mulher, não. Com Sophie.
Na primeira vez que se viram todo seu mundo mudou,
todos seus planos foram para o espaço. O que acreditavam
que desejavam desmoronou ao se verem. Ao se
encontrarem.
Ao fazer amor, enquanto Sophie tinha seu primeiro
orgasmo na sua primeira vez, em cada cruzamento
daqueles olhares âmbar e avelã selavam uma grande
verdade.
Quão única existiria a partir desse dia: aquela seria a
primeira vez de muitas.
 

CAPÍTULO 3
 
Nick se converteu no homem das primeiras vezes para
Sophie. A primeira vez que se apaixonava, a primeira vez
que experimentava o desejo físico, e a ânsia de tocar e de
ser tocada. A primeira vez que conseguia ficar à vontade
com alguém sem necessidade de se preocupar com sua
educação ou seus estritos protocolos. Era ela mesma, nem
mais nem menos. E estava descobrindo um mundo novo,
um território inexplorado de sentimentos e sensações.
Aquele loiro com o qual dormiu de forma tão libertina
no primeiro dia em que se conheceram, era para sua
incredulidade o homem de sua vida. Um desses homens de
filme que custava encontrar na vida real.
Um homem atento, atencioso, sensível, carinhoso e
muito divertido. Escutava-a quando falava e falava de tudo
com ele. Não havia um só assunto que se negasse. Era bom
estudante, tirava notas muito boas em seu curso e era tão
bonito que cada vez que o via os joelhos tremiam e um
sorriso tolo aparecia em seus lábios.
O que Sophie não sabia era que para Nick, ela também
era sua primeira vez no amor. Nunca tinha se apaixonado
antes. Parecia que a amava a vida toda. Era uma sensação
curiosa para alguém que tinha decidido viver sozinho e sem
companheira porque considerava que sua profissão não era
compatível para manter uma relação. E desde que viu
Sophie já não podia imaginar a vida sem ela. Queria cuidar
dela e venerá-la. Queria protegê-la do mal que ele sabia que
espreitava anonimamente na vida de todos, inclusive sem
serem conscientes disso. Nick queria ser seu herói. Seu
herói mascarado, porque jamais saberia que ele se
converteria em agente do FBI.
Em certa ocasião tinha falado disso com seu amigo
Clint, que cursava a carreira de Línguas Estrangeiras com
ele e que também queria trabalhar no FBI.
Ambos queriam ser agentes secretos.
Naquele dia praticavam kickboxing na Academia Primal
de Washington. Envoltos no aroma dos tatamis e do suor
dos corpos que ali se congregavam e davam o melhor de si
mesmos, Nick golpeava o saco com seus punhos, e de vez
em quando combinava seus golpes com chutes voadores.
Seu amigo segurava o saco com força enquanto meditava
sobre o que estava contando a ele.
— Quando vai me apresentar a ela? — perguntou com
interesse.
— Quando estiver seguro de que não dará um fora com
a sua boca grande. — Deu um salto e impactou a bolsa com
a planta do pé.
Clint se pôs a rir.
— Nunca diria algo assim… Não quero ser o culpado do
seu rompimento. — bufou — Colega, quando ela souber vai
cortar seu pau pela raiz.
Nick levantou os punhos onde usava luvas vermelhas
de boxing Lonsdale, adotou a posição de defesa e depois
soltou um potente chute com o pé direito adiante. Puro suor
cobria seus braços musculosos e ombros, e a camiseta
preta de alça estava totalmente ensopada, colando-se a seu
torso e marcando cada uma de suas formas.
— Por isso decidi não contar a ela.
— E acha certo que a pessoa em quem mais deve se
apoiar jamais saiba quem é na realidade?
— Claro que não! — Nick soltava murros com raiva.
É óbvio que não estava de acordo. Tampouco gostava
daquela situação, mas encontrou uma garota cuja família
estava traumatizada pela perda de um ente querido cuja
morte estava relacionada com a lei e as armas. E evitavam
qualquer contato com alguém com essas inclinações.
Ele, entretanto, sempre teve fixação por trabalhar para
o FBI, como seu tio. Ainda recordava os bate-papos e as
aventuras que Dominic lhe contava quando chegava à sua
casa de Chicago e se reuniam todos ao redor da lareira só
para ouvi-lo falar. Seu padrinho parecia tirar um grande
peso de cima quando chegava a hora de se encontrar com
eles e de narrar suas experiências secretas em países
estrangeiros. Era como se decidisse tirar a máscara e ser
ele mesmo.
— Eu gostaria de contar — admitiu Nick —, se soubesse
que depois disso ainda gostaria de continuar comigo. Mas
não é o caso. Ela me deixaria. Sophie odeia tudo o que
tenha a ver com distintivos e números de identificação. Não
posso lhe dar esse desgosto.
— Mas pode enganá-la?
Nick parou o exercício e olhou de frente àqueles olhos
negros como carvão de Clint.
Sepodia enganá-la? O que podia responder a seu
amigo? Nada, absolutamente. Pela primeira vez, deixou ver
a angústia que suportava guardar um segredo como esse
durante mais de quatro meses. Sempre tentava aparentar
uma expressão de calma e leve alegria. Mas desta vez não.
Seus olhos ambarinos escureceram com pensamentos
culpados e cheios de recriminações.
— Não é fácil, Clint. — explicou esgotado. — Não é fácil
esconder que já estou graduado em Criminologia, e que
estou estudando Línguas Estrangeiras para ter uma melhor
preparação em Assuntos Externos. Não é tão simples não
dizer a ela qual é o meu verdadeiro sonho. Para mim não é
fácil mentir. Mas Sophie… ela… — ficou em silêncio e deu
um último murro sem força contra o saco, como estivesse
se sentindo abatido.
Clint deixou de julgá-lo e decidiu agir somente como o
que era: um de seus melhores amigos. Nick estava inquieto
e arrependido.
— Deve amá-la muito para se arriscar desse modo.
Nick levantou o queixo, e sem vergonha, confessou:
— É como o brinquedo que sempre desejei desde
pequeno e que nunca tive porque era inalcançável para
mim. — reconheceu — Estou tão apaixonado por ela que às
vezes me esqueço de pensar em mim.
Clint sentiu uma pequena espetada de inveja com
respeito a Nick, que era capaz de amar alguém desse modo.
E também o admirou por sacrificar tantos segredos e
pensamentos, tudo para tentar que aquela relação
funcionasse.
Era incrível que esse enorme rapaz loiro de aspecto
inacessível pudesse parecer tão frágil quando se tratava de
sua relação com aquela mulher.
Era incrível… e um milagre da vida, pensou com
satisfação. Se Nick podia apaixonar-se, ele também o faria
algum dia, não?
Só tinha que esperar sua Sophie. Enquanto isso seria o
maior confidente de Summers, porque era isso que faziam
os amigos. E ele era o melhor amigo de todos.

***

Viam-se absolutamente todos os dias, não perdoavam


nenhum dia no calendário. Nick deu-lhe uma cópia das
chaves de sua casa, que se converteu em seu ninho
particular de luxúria e libertinagem.
Durante as tardes, quando terminavam suas
respectivas jornadas de estudo, reuniam-se em Gary Road.
Sophie passava quase todas as noites ali, tinha perdido a
vergonha e o decoro por completo, e sabia que cedo ou
tarde,o senhor Lesson informaria a seu pai daquela conduta.
Não fez isso antes porque o homem pegou uma licença
médica muito longa depois que operou o joelho esquerdo.
Mas já tinha retornado. E sabia que ia atrás de seus
passos, esperando informar aos Ciceroni sobre as mudanças
na vida de sua filha.
Entretanto, até que isso não acontecesse, ela não lhes
diria nada sobre Nick. Não gostava de escutar os sermões
elitistas de seus pais. Tinha decidido que ficaria com Nick. E
ponto.
Ambos descobriram que adoravam sexo. Divertiam-se,
apreciavam-no. Para eles, fazer amor era como comer uma
enorme travessa de morangos com creme ou uma tigela de
banana com chocolate derretido… Puro gozo. Sentiam-se
seguros, confidentes e cúmplices na cama. E fora dela se
converteram em melhores amigos.
Muitos casais procuravam seu espaço a princípio e
dispor de tempo para fazer tudo o que faziam quando ainda
não compartilhavam nada com ninguém. Não era o caso
deles. Não encontravam pessoa melhor com a qual passar o
tempo do que na companhia um do outro.
Às vezes Sophie o esperava nua, sentada na bancada
da cozinha e sorria brincalhona quando ele entrava. Em
outras ocasiões, seus encontros eram explosivos e
desmedidos: era se ver e arrancar a roupa um do outro,
inclusive antes de entrar em sua casinha, surpreendidos
pela mesma ânsia.
Podiam fazer amor rápido ou lento, com mais
intensidade ou com menos, com doçura ou com um pouco
de selvageria. Não importava, porque o maravilhoso final
era sempre o mesmo.
— Fogos de artifício. — dizia Nick sepultado tão dentro
do corpo dessa garota que parecia incrível que não a
machucasse.
Sophie se balançava lentamente, ainda desfrutando do
reflexo do orgasmo potente. Mordeu seu lábio inferior e
sorriu maravilhada.
— Cada vez é melhor que a anterior… Se isso for
possível. — grunhiu ela desabando pra frente, depois de ter
espremido até a última gota de energia de seu homem.
Dalton descansava sentado sobre suas patas no tapete
aos pés da cama, mordendo um frango de borracha. O
golden já tinha um ano e uma compleição de cão adulto,
mas para eles continuava sendo um cachorrinho.
— Se Dalton falasse… — Nick levou o antebraço aos
olhos enquanto acariciava com a outra mão livre as costas
suadas de sua garota.
Sophie sorriu e beijou seu ombro.
— Graças a Deus jamais falará.
O cachorro levantou a cabeça e choramingou como se
soubesse que falavam dele, mas ao ver que não diziam
nada de interessante como “rua”, “comida” ou “brincar”,
distraiu-se de novo com seu entretenimento.
— Aproximam-se as férias de Natal. — disse Nick,
pensativo.
Ela permaneceu em silêncio.
Odiava separar-se de Nick. Já tinha feito no verão e os
dois encurtaram o período de férias com suas respectivas
famílias só para poderem estar juntos o quanto antes. E o
verão um ao lado do outro foi maravilhoso.
Depois iniciaram os novos cursos com normalidade. O
tempo passava tão depressa quando estava com as pessoas
que amava…
— Não acha que é hora de falar com seus pais sobre
mim?
Concordaram em não falar de sua relação com os pais
dela, já que não queriam nem ouvir falar de relações
enquanto cursava seus estudos. E muito menos saber que
estava com um homem que se afastava tanto de suas
pretensões.
Sophie apoiou os antebraços no peito do Nick e depois
descansou o queixo sobre eles.
— Não quero escutar suas tolices. É minha vida e faço
o que tenho vontade.
Nick não ia contradizê-la: isso era uma grande verdade.
Mas os pais de Sophie sempre foram uma grande influência
em sua vida, e isso era algo que não se podia mudar. Não
queria que sua relação com eles rachasse por sua culpa. Por
outro lado, era um homem de honra e desejava olhar nos
olhos de seu pai, Carlo, e dizer a ele quão apaixonado
estava por Sophie, e o bem que ia tratar a sua princesa,
como eles a chamavam.
Sabia que poderia fazê-la feliz.
— Esta situação me deixa nervoso. É como se
estivéssemos fazendo algo errado. — Cravou os olhos no
teto escuro do quarto. Já tinha anoitecido. — Me sinto como
um ladrão.
Sophie arqueou suas sobrancelhas negras e sorriu
como uma embusteira.
— É um ladrão. O pior de todos. Arrebatou minha
inocência e a vergonha.
— A primeira eu não nego. A segunda é absurdo,
porque nunca teve vergonha. Seus pais acreditam que têm
a uma menina angelical, mas na realidade é a semente de
Satanás.
Sophie beliscou com força o mamilo de Nick,
retorcendo-o. Nick soltou uma gargalhada, rodou sobre a
cama e a colocou sob seu corpo.
— Merece um castigo.
— Uh, que medo. — disse sem quase expressividade. —
É incapaz de matar a uma mosca. O que seria capaz de
fazer a mim?
Os olhos de Nick escureceram e um brilho diabólico
apareceu em suas pupilas.
— Então acha que sou um fraco?
Sophie negou com a cabeça e levantou uma mão para
pousar os dedos em sua bochecha.
— Não é fraco. Só é muito bom.
— E você gostaria que eu fosse mais mau?
— Amo você, Nick, tal como é. Não mudaria nada em
você.
A resposta o satisfez. Sentia-se mais do que satisfeito
por ser o centro desse amor tão puro. Queria deleitar-se de
novo com seu corpo. Enquanto a olhava, perguntou a si
mesmo se alguma vez se cansariam de transar como
coelhos.
— Quer outra vez, Sophie? — perguntou impulsionando
seus quadris e entrecerrando os olhos com prazer. — Está
tão úmida aí embaixo que estou ficando excitado só de
notar.
Ela arregalou os olhos ao sentir sua dureza introduzir-se
em toda sua profundeza. Rodeou seus quadris com as
pernas e assentiu com prazer.
— Eu sempre quero mais de você.
Quando se beijaram e Nick começou a mexer seus
quadris de novo, Dalton saiu disparado ao escutar a música
do telefone de Sophie vibrar acompanhado da letra de
Mamma mia.
Ambos levantaram a cabeça e Sophie estendeu o braço
para a mesinha de noite da cama. Pôs o indicador sobre
seus lábios e indicou o Nick que ficasse em silêncio.
— Ciao, mamma.
— Sophie, onde está?
— Diga a ela que venha ao campus imediatamente… —
ouviu seu pai dizer.
Sophie franziu o cenho ao escutar aquela frase.
— Mamãe? O que acontece? Onde estão?
— Venha. — disse Carlo.
Sophie olhou aterrada para Nick enquanto escutava o
som de um telefone passar de uma mão para outra. Em
seguida, chegou o fim do mundo.
— Princesa, diga-me já onde está. Temos que
conversar.
— Papai?
— Nem papai nem papo, querida. Quero que me
explique por que desde que chegou de Nova Orleans não
dorme em seu apartamento. Venha aqui agora mesmo.
Sophie fechou os olhos e esfregou a testa com
desgosto.
— Maldito Lesson, bocudo… — disse com raiva.
— Como? — exclamou seu pai.
Nick morria de vontade de arrebatar o telefone das
mãos dela e se apresentar a seu pai. Mas se fizesse isso, as
consequências para Sophie, que odiava que fizessem as
coisas sem perguntar a ela, seriam desastrosas.
— Vou agora, papai. Somente…
Nick não suportou que enfrentasse o problema sozinha.
Não queria parecer um covarde frente a Carlo e Maria, a
mãe de Sophie, assim, sabendo que trapaceava com ela,
arrancou o telefone das suas mãos.
— Senhor Carlo.
— O que acha que está fazendo, Nick? — disse subindo
nas imensas costas de Nick e dando tapas nele para que
devolvesse seu telefone.
— Sou Nick Summers.
— Quem diabos é você?
— Convido-os para jantar, a sua mulher e você, em
minha casa. Venham e Sophie explicará tudo para vocês.
Tenho muita vontade de vê-los.
Sophie agarrou a bota de Nick e a lançou na cabeça
dele, mas ele se agachou e se esquivou dela. Como odiava
seus reflexos. E quanto desejava arrancar seus dentes pelo
que acabava de fazer.
— Não sei quem diabos é. Mas não é apenas Sophie
quem terá que me explicar coisas, entendido? — esclareceu
Carlo — Se souber que tocou em um só fio de cabelo da
minha princesa…
— Carlo! — escutou Maria gritar.
“Muito tarde, senhor Carlo”, pensou acidamente.
— Conversaremos, senhor Ciceroni. De homem para
homem.
— Me devolva o telefone, cretino! — exclamava Sophie,
que agora o perseguia ao redor da mesa da cozinha. —
Ficou louco? Você não tem nem ideia de quem é meu pai!
— Certo, senhor Summers. — respondeu Carlo. — Dê-
me seu endereço.
Nick deu e combinaram que se veriam em sua casa em
uma hora. Quando desligou, não foi o suficientemente
rápido para esquivar o corpo de Sophie, que se equilibrou
como uma gata selvagem nele. Deitou-o sobre o piso e o
agarrou pelo cabelo.
Nick só fazia rir. Como gostava quando Sophie ficava
briguenta. Embora entendesse seu aborrecimento.
— Meu pai é um nazista, compreende? Acaba de
estragar nosso relacionamento! — gritou com ele, vermelha
pela fúria.
— Não é para tanto, Sophie. Só é um homem
preocupado com sua filha. Solte meu cabelo.
— Você é tolo! Sabe o que é a máfia italiana? —
Empurrou-o pelos ombros. — O Padrinho não é ninguém ao
lado do meu pai. — Abaixou a mão para seu estômago e o
beliscou com força.
“Posso fazer uma ideia”.
— Não será para tanto. Deixa de me beliscar ou…
— Ou o que? — desafiou-o repleta de bravura.
— Ou isto. — Nick agarrou seu mamilo nu e o apertou.
Sophie soltou um grito de dor e risada ao mesmo tempo. —
Vai me escutar, fera?
— Vá à merda. Agora mesmo o odeio… Ah… Não aperte
tanto, animal…
— Me escute: vamos ficar bem. Deixa o jantar em
minhas mãos. Entendido?
Sophie demorou vários segundos para relaxar, até que
no final, os olhos dela se encheram de lágrimas e cobriu o
rosto com as mãos.
Nick não podia compreender o poder de persuasão que
podiam chegar a ter os membros de sua família.
— Se por isso meus pais me separarem de você, juro
que o mato.
Nick a agarrou e a colocou sobre as pernas, abraçando-
a com ternura.
— Conquistarei seus pais, Sophie, embora saiba que
sou o último que queiram para sua filha. Mas os
conquistarei.
— Não me importa se o escolham ou não. Eu já te
escolhi. — disse com aquela paixão que impulsionava o
sangue italiano que corria por suas veias. — O que não
suporto é que o julguem, entende? Não quero que
aconteça! — espetou nervosa.
Nick sentiu um imenso amor por aquela mulher. Sophie
não temia que ele ficasse em ridículo, mas sim que seus
pais de algum jeito lhe fizessem mal. Ergueu o queixo dela
com suavidade e jurou:
— Seus pais jamais poderão me separar de você. Nada
nem ninguém pode me separar daquilo que quero,
entendido?
— Oh, Nick…
Abraçou-o com força e se pôs a chorar, aflita.
Depois de meses idílicos, chegava o primeiro
contratempo em sua relação, algo que o destino não podia
esquivar.
Maria e Carlo Ciceroni estavam em Washington e
tinham chegado com vontade de brigar.

CAPÍTULO 4
 
Quando Nick viu pela primeira vez os Ciceroni, soube
que dificilmente poderia ganhar alguma vez seu favor, a
não ser que por trás de seu sobrenome se escondesse um
império tão grande como o deles.
Um império. Uma fortuna. Um reino. Uma herança
suculenta.
Mas Nick não tinha nada disso, nem muito menos
dispunha da altivez ou da vaidade dos Ciceroni, porque
simplesmente não tinha nada material do que podia
alardear.
Os pais de Sophie pareciam distintos aristocratas,
quase reis em um mundo de plebeus. E ele, precisamente,
aparentava ser o rapaz dos estábulos que preparava o selim
dos cavalos para sua filha: sua princesa.
Não obstante, embora o invadisse certo desconforto ao
ver como o Jaguar negro conduzido por um chofer
estacionava em seu humilde jardim de cerejeiras, e ao
comprovar que Carlo e Maria vestiam roupa cujo custo
superaria com diferença o que ele e qualquer pessoa
comum podiam ganhar em um mês, decidiu que não se
submeteria a seu poder, que não se ajoelharia ante
ninguém, jamais. Os Ciceroni intimidavam aqueles que
temiam ao dinheiro e que lhe davam muita importância.
Nick não era um desses.
Carlo tinha o cabelo penteado para trás e grisalho.
Recordava Marlon Brando mais magro. Seu terno muito caro
estava coberto por um longo sobretudo de grife. Pisou no
jardim com medo que seus brilhantes sapatos se sujassem.
O cabelo ondulado e castanho avermelhado de Maria
estava perfeitamente penteado e sua maquiagem não tinha
nenhuma imperfeição. Seu casaco marrom com gola de
visom lhe conferia um porte especial e certa distinção.
Maria levantou o olhar castanho, como o de sua filha.
Com aqueles olhos que pareciam sorrir sempre, analisou o
que havia a seu redor.
“Porra, não corto a grama há duas semanas”, pensou
Nick.
Maria leu seu pensamento e fez uma leve careta ao
estudar a altura da grama, embora pareceu sorrir com
agrado assim que estudou as flores de sakura dispostas
sobre a tapeçaria esmeralda.
Quando Dalton se aproximou para cheirá-la, acariciou a
cabeça dele com suavidade e dedicou a ele umas palavras
carinhosas, diferente de Carlo, que parecia querer arrancar
a cabeça de alguém. Nick pensou que certamente seria a
sua.
Dissimulou um sorriso. Maria e Sophie eram parecidas,
embora sua mãe tivesse a maturidade, a tranquilidade e a
segurança de saber quem era, e Sophie… Deus, sua Sophie
a comeria a beijos. Ela se deixava levar por seu coração,
sem prestar atenção se o que vivia era o melhor ou não
para ela. Sem se importar com o quanto seu status social
pudesse ser diferente do dele. Embora Nick esperasse
demonstrar a ela que nada nem ninguém poderia lhe dar
mais felicidade que ele.
Sophie, perfeitamente vestida e maquiada como se
uma hora atrás não estivesse se entregando nua, colocou-
se a seu lado e entrelaçou seus dedos pálidos com os dele.
Nick abaixou a cabeça para lhe transmitir tranquilidade.
Ela engoliu em seco e olhou para frente.
— Papai, mamãe. — saudou-os tensa.
Carlo e Maria caminharam até o alpendre como se
fossem os juízes da vida e da morte. Detiveram-se nas
escadas e os olharam, recriminando-os abertamente por
sua atitude.
— Não entendo nada, Sophia. — disse Carlo. — Nada
absolutamente. Estou pagando a universidade e o campus
para isto? — Apertou os dentes sem perder a educação. —
Para que… vagabundeie com este… rapaz?
Maria piscou com solenidade.
— Acredito que é melhor que venha conosco, querida.
— Meu nome é Nick Summers.
— Encantada, Nick. — Maria sorriu, embora o sorriso
não chegou desta vez a seus enormes olhos. — Mas temo
que Sophie deva vir conosco…
“Sério?”
— Eu me dei o trabalho de lhes preparar o jantar. —
interrompeu-os Nick, encarando-os com seus olhos
amarelos e sossegados. — Vão rejeitar meu convite? Isso
não ficaria bem, não acreditam?
— O que não está bem é se aproveitar dela. —
assinalou Carlo dando um passo à frente.
— Nick não se aproveitou de mim. — respondeu Sophie
indignada e agarrando-se ao braço de Nick. — Eu me
aproveitei dele!
Nick apertou os dedos dela com ternura e reprimiu uma
gargalhada.
— Silêncio, Sophie. — repreendeu-a Maria.
— Por que não entram e conversamos um pouco?
Sophie…
— Não se chama Sophie. Chama-se Sophia. — cortou
Carlo.
— Ele pode me chamar como quiser, papai.
— Sophia! Mas… o que há com você? — Sua mãe
estava horrorizada ante aquela atitude.
— Chama-se maturidade, mamãe.
Nick mostrou um sorriso indulgente ante o tom do pai
de Sophie. Se tivesse que chamá-la Sophia diante deles,
faria isso. Mas quando não estivessem, seria sua Sophie.
— Por favor, eu gostaria que aceitassem meu convite.
Entrem e vamos conversar. Tinha muita vontade de
conhecê-los.
Carlo apertou os lábios e lhe devolveu um olhar menos
sereno que o dele. Mediu-o e o analisou como um homem a
mais: alguém interessado no dinheiro de Sophie, por sua
fortuna e seu sobrenome; alguém a quem não importava
nem a fragilidade, nem a vulnerabilidade, nem o esplêndido
coração de sua filha.
Deu muita raiva que Carlo o avaliasse assim, embora
compreendesse que era um pai preocupado com sua filha e
que só via que ela estivesse se beneficiando.
— Sei cozinhar, senhora Ciceroni. — assegurou Nick,
desdobrando seu encanto.
Carlo era difícil, mas tampouco ganharia Maria com
facilidade. Mesmo assim tentaria.
Quando o senhor Ciceroni ia soltar um impropério,
Maria o deteve pelo braço e o tranquilizou com só umas
palavras.
— Está bem, Carlo. Vamos jantar com eles. Não quero
montar um espetáculo aqui fora. Além disso, desde o verão
não vejo Sophia e eu gostaria muito de falar com ela. Talvez
assim poderá nos explicar por que razão nos escondeu que
estava passando as noites fora do campus.
— Obrigada, mamãe. — Sophie se afastou e abriu a
porta da casa para que seus pais entrassem.
Nick esperou que Carlo Ciceroni passasse na frente e
fixou seus olhos brilhantes e cheios de raiva em seu
cangote.
Ele não era um entretenimento das noites de sua filha.
Era seu namorado.
Era seu companheiro.
Estavam loucos se acreditavam que renunciaria à luz
de Sophie só por que eles proibiam.
Um abajur de pé curvado iluminava o centro da mesa
que Nick tinha disposto perfeitamente com a ajuda de
Sophie. Ela tinha comprado uma baixela nova de cor violeta,
toalhas de mesa e guardanapos combinando.
Inclusive puseram umas velinhas no centro para tornar
tudo mais acolhedor.
Dalton dormia em sua casinha no vestíbulo interior,
justo ao lado da porta do balcão do quarto de Nick. Não
queria que o cachorrinho fizesse espetáculo de suas poucas
maneiras, por isso o mandou descansar, não sem antes lhe
dar um bom osso para roer.
Nick serviu uma salada italiana que ele mesmo tinha
temperado e uma lasanha de carne para seis pessoas que
Sophie o ajudou a preparar durante a tarde. Ao menos, a
visita de seus pais não os pegou com a geladeira vazia e o
forno frio.
Sentados os quatro ao redor da mesa, a tensão se
podia cortar com uma faca. Quando Maria provou a lasanha,
sorriu para si mesma e fechou os olhos com prazer. Sabia
perfeitamente que tinha o toque de Sophie, não havia
dúvida alguma: sua filha cozinhava como os anjos.
Nick tentou romper o gelo várias vezes, perguntando a
eles como foi a viagem e interessando-se por sua vida em
Nova Orleans, mas depois que Carlo respondeu “isso não é
algo da sua conta”, preferiu manter silêncio, com a
esperança de que Sophie acalmasse os ânimos.
— Sinto ter escondido de vocês meu relacionamento
com Nick. — disse ela finalmente.
— Seu relacionamento com Nick? — repetiu Carlo com
seus olhos negros fixos nela. — O seu relacionamento com
Nick não existe, compreende?
A jovem piscou e um fulgor avermelhado atravessou
suas pupilas. Nick sabia que estava a ponto de explodir e
protestar contra eles.
— Nick é meu namorado, papai, você goste ou não.
— Nick é somente um capricho passageiro. — sugeriu
Maria. — Já sabe que ele não encaixa em sua vida, nem na
nossa…
— Nick está aqui. — interrompeu Nick, aniquilado com
a frieza dos Ciceroni. Mas o que pensavam que eram? Que
podiam falar dele como se não estivesse presente?
— E desde quando as pessoas são peças de quebra-
cabeça para que tenham que encaixar ou não? — replicou
Sophie avermelhando de raiva. — Esta é a minha decisão e
não podem fazer nada para mudá-la.
Carlo limpou a boca com o guardanapo e o lançou
sobre o prato vazio de lasanha.
— Já tive o suficiente. Passei quase dois anos me
encarregando de sua educação, e toda uma vida cuidando
de você para que agora fique rebelde e escolha mal.
— Obrigado, senhor. — comentou Nick, irônico. — Mas
não acredito ser uma má escolha para sua filha. Eu a amo.
— Rapaz — Carlo entrelaçou os dedos e se inclinou
para Nick —, por acaso não compreende que ela joga em
uma liga que você não pode chegar?
Nick fechou a boca e olhou para Maria e para Carlo com
estupefação.
— Seu dinheiro não me importa, se está se referindo a
isso. Há pessoas que não dão importância a essas coisas e
que podem viver felizes sem necessidade de luxos.
— Nick vai se especializar em Línguas Estrangeiras com
registro. — defendeu-o Sophie. — Talvez não proceda de
uma família rica, mas isso não influi nem a ele nem a mim.
— Mas a nós sim. — assegurou sua mãe olhando-a com
reprovação.
— Por acaso quer esta vida? — perguntou Carlo
desdenhando tudo o que havia nessa sala. — Porque isso é
o que terá se continuar adiante com esta loucura infantil de
amor adolescente. O que faz um homem de vinte e quatro
anos estudar o segundo ano de Línguas Estrangeiras? Acaso
foi um folgado que não fez nada assim que se graduou no
ensino médio?
— Papai! — gritou Sophie.
— Sophie. — Nick pediu que ficasse em silêncio com
um olhar. — Lamento não ter pais que puderam me pagar a
universidade e a estadia como vêm fazendo com sua filha.
— defendeu-se, odiava a magnificência de seus, até o
momento, sogros.
Estava mentindo, porque graças a seu esforço já tinha
uma graduação e também uma casa própria em
Washington, que lhe tinha legado seu tio, entretanto não
podia reconhecer isso. Não ante eles. Acabariam
desprezando-os ainda mais se dissesse que seria agente do
FBI.
— A isso me refiro. — destacou Carlo — Você nunca
poderá dar essa vida a minha filha e ela sempre vai querer
mais. Merecerá mais. Você dará a ela a vida que merece?
— Desvaloriza sua filha, senhor. — Nick não hesitou em
não piscar quando o enfrentou. — Sophie é mais que
aparência e dinheiro; muito mais que superficialidade e
riqueza. Ela não se importa com essas coisas.
— Não somos superficiais, Nicholas. — replicou Maria.
— Só queremos o melhor para nossa menina. Está
acostumada a uma série de… privilégios que você não pode
aspirar. Agora tudo é muito bonito, é o começo. Depois ela
vai se cansar.
Sophie enquanto isso cobria o rosto com as mãos,
envergonhada pela situação.
— Não vou me cansar. — murmurou incrédula.
— Sophie — Carlo tomou a mão de sua filha —, volte
para o campus conosco, esqueça disso e acorde. Esta não é
a vida que eu quero para você. Não é a vida que você
planejava. Nicholas não poderá cuidar de você.
— Não me chamo Nicholas. — interrompeu — Meu
nome é Nick.
Carlo o olhou de soslaio e apertou os dentes com
frustração.
— Papai, amo Nick. Ele me faz feliz. Não compreende
isso? Faz quase um ano que me faz feliz. — Sophie cobriu a
mão de seu pai com a sua. Olhava-o com tristeza,
desiludida porque os que mais a amavam não podiam
compreendê-la.
— Querem café? — perguntou Nick — Ou talvez
prefiram um chá? —levantou-se disposto a servi-los de
novo.
Maria negou com a cabeça. Carlo, em troca, voltou a
olhar para Sophie com um tom entre súplica e ameaça.
— Vai cometer um erro, querida. Em Nova Orleans, em
nosso círculo, há homens bons para você.
— Não me insulte, papai. — pediu ela.
— Não a insulto, Sophia. Mas se seguir adiante, vai me
decepcionar. Estou pagando sua graduação para que saiba
como conduzir nosso negócio, não para que se distraia com
rapazes que…
— Não me distraio. Meus estudos vão muito bem. E já
te disse que minha intenção é criar minha própria empresa.
— Ainda continua com isso?
— É óbvio. Não quero conduzir o negócio da família.
Quero uma coisa que eu mesma tenha criado.
Maria abaixou a cabeça como se já tivessem ditado a
sentença. Carlo se levantou e tomou ar pelo nariz. Seu peito
largo se levantou e seu queixo endureceu, altivo.
— Andiamo, Maria. — disse urgindo a sua mulher para
que abandonassem a casa.
— Papai, por favor, não vão assim. — rogou Sophie
preocupada, à beira das lágrimas. — Por que não pode me
apoiar nisto?
— Não vou animá-la a que se atire por um precipício. —
sentenciou Carlo. — Nem apoiá-la nisso.
— Carlo, espera… — pediu Maria, nervosa.
— Se é isto o que deseja, Sophia, não vou te dar
minhas bênçãos nem minha ajuda. Este é o último mês que
pago sua estadia no campus e sua especialização. A partir
de agora terá que ficar por conta de suas decisões.
Ela piscou incrédula diante do que ouvia. Seu pai
acabava de dizer que não a ajudaria mais.
Tirava seu apoio, embora aquela não fosse sua maior
traição. Sua maior traição era não apoiá-la no caminho que
tinha tomado impulsionada por seu coração.
— Vamos, Maria. — voltou a ordenar, Carlo.
— Querida. — disse sua mãe aproximando-se de
Sophie. Apoiou as mãos em seus ombros e limpou as
lágrimas de suas bochechas. — Pensa bem no que vai fazer.
Sabe que papai é de ideias fixas e que quando toma uma
decisão…
— Está de acordo com ele? — cortou-a Sophie de
repente. — Acha que não posso ser feliz com Nick?
Nick olhava aquela cena com incredulidade debaixo do
umbral da cozinha, apoiado na parede. Sophie era uma
mulher adulta. Por que não deixavam que tomasse suas
próprias decisões? Por que a pressionavam desse modo?
Nick não podia evitar que sob a altivez e o poder desse
casal, marcou-se a fogo em seus olhos a tragédia de ter
perdido um filho. Podia ser simpático nesse sentido e
compreender o medo de perder o controle sobre sua filha, o
medo que voasse do ninho e que alguém a machucasse
sem que eles pudessem evitar. Talvez vissem o desafio de
Sophie como mais outra perda. Por isso os afetavam tanto e
se opunham àquela relação.
A questão era que esse primeiro encontro com os
Ciceroni não fora de jeito nenhum como ele tinha
imaginado. Foi pior.
— Eu gostaria de falar com você. — Maria penteou sua
franja com carinho e sorriu nervosa. — Você nos ocultou
coisas e…
— É óbvio que fez isso. — acrescentou Carlo,
beligerante. — Já estava com ele nas férias de verão, por
isso partiu antes… nos enganou.
— Omiti uma informação, papai. Diga, mamãe —
insistiu, centrando-se em sua mãe —, está de acordo com
ele? Acha que Nick é mau para mim?
— Não acredito que Nick seja um homem mau. Mas não
é o adequado. —reconheceu com honestidade. — É muito
diferente de nós, não se dá conta?
— No que me diz respeito, se tomar esta decisão, já
sabe o que há. —sentenciou seu pai. Foi ao cabide da
entrada e pegou seu sobretudo e o casaco de sua mulher. —
Ou vem conosco ou as coisas deixarão de ser como foram
até agora. — ameaçou.
— Sophia, por favor. — suplicou sua mãe. — Nos
acompanhe e converse conosco. Não fique aqui…
Nick engoliu em seco, angustiado pela decisão de
Sophie cuja cara era impagável, transbordante de
nervosismo e tristeza. Não sabia o que fazer nem qual era a
melhor decisão a tomar.
Não queria perder seus pais. Mas tampouco Nick.
E ele não queria perder Sophie e lhe dava medo a
terrível pressão a que a submeteriam.
Em um alarde de valentia, aproximou-se de Sophie que
tremia de ansiedade e a segurou pela mão, para que
prestasse atenção nele.
— Sophie. — Olhou-a nos olhos, transmitindo a calma e
a segurança que precisava. — Acompanhe seus pais e passe
esta noite com eles… Você e eu falaremos amanhã.
— Mas, Nick… — Seus olhos castanhos cheios de
lágrimas brilhavam pelo impacto. — Eu quero ficar com
você.
“Por Deus, quanto é bonita”, pensou agradecido e
sentindo-se afortunado.
— E ficará comigo se essa for sua decisão. Ninguém
pode mudar o que sente, não é verdade, Soph?
— Não.
— Bem. Gosto assim. Mas não pode brigar com seus
pais por mim. Eles também a amam.
Maria escutou Nick com atenção e piscou, confusa e
assombrada por suas palavras, embora não demorou para
dissimular.
— Vou com eles, mas amanhã estarei aqui. Tenho que
arrumar isto e fazê-los ver que é bom para mim.
Nick balançou a cabeça. Ele sabia que alguém que não
queria ver a realidade e que antepunha sua opinião a dos
outros, dificilmente poderia mudar de opinião.
E era uma lástima. Porque ele não seria mais um. Seria
um importante agente secreto do FBI. De fato, era
impossível que Sophie estivesse melhor protegida que com
ele.
Porém os Ciceroni temiam os distintivos, Sophie o tinha
advertido. E aquele seria um segredo eterno entre eles.
Nick estava disposto a arriscar-se pela mulher por
quem estava apaixonado.
— Faz o que você achar conveniente, Sophie. Eu a amo
muito para te dizer o que deve fazer.
Sophie encostou sua testa à dele e acariciou seu queixo
com a ponta de seus dedos.
— Watashi wa anata o erabu. — Essas eram as palavras
que Nick lhe tinha ensinado em japonês. Cada noite
ensinava a ela algumas frases e palavras, e no dia seguinte
as recordavam. — Tsuneni.
Nick quis sequestrá-la e levá-la ao seu quarto para
protegê-la da forma ruim que seus pais a estavam tratando,
da crueldade da vida. Mas devia deixá-la voar e permitir que
decidisse por si mesma, coisa que nem Carlo nem Maria lhe
permitiam fazer sem coagi-la.
Sophie era livre. E se seu coração pertencia a ele,
voltaria para ele.
— Tsuneni. — repetiu ele, beijando-a no nariz. — Agora
vá com sua mãe.
Sophie assentiu, fungando, humilhada pela cena que
aconteceu entre ela e sua família.
Maria a cobriu com seu casaco e a acompanhou à
saída, mas antes de sair da casa virou a cabeça e olhou Nick
por cima do ombro.
— Obrigada, Nicholas. A lasanha e a salada estavam
muito boas.
Ele assentiu diligentemente com a cabeça.
— Não há de que, senhora Ciceroni. Cuidem de Sophie.
— Sempre fizemos isso.
— Sei. E meu nome é Nick. Não é Nicholas. — insistiu
Maria sorriu e estreitou os olhos.
Depois fechou a porta atrás delas e deixou Nick em
uma solidão estranha e desconhecida.
De pé, só e um pouco aturdido, sentiu que por um
momento a dúvida e o medo se abateram sobre ele.
E se Sophie decidisse, como diziam seus pais, que não
era bom para ela?
Deixou-se cair sobre uma das cadeiras. Essa noite a
confiança e a credibilidade que tinha depositado na
coragem de Sophie minguaram por seu momentâneo
abandono e pela inflexível intransigência de seus pais.

CAPÍTULO 5
 
O interior do Jaguar era tão cômodo como não era a
companhia. Sophie estava sentada no meio de seus pais tão
rígida como um pau.
A severa contração na expressão de Carlo a afetava,
tanto como o compreensivo silêncio de Maria.
O chofer conduzia sem deixar de olhar para frente. O
senhor Cole estava há muitos anos com eles, por isso
levantou o olhar e sorriu através do retrovisor animando-a a
fazer o mesmo.
Entretanto, Sophie não tinha motivos para rir.
— Vamos deixá-la no campus. Dormirá lá esta noite e
todas as seguintes. — ordenou Carlo — Vai deixar de sair
com esse rapaz. Quero que se concentre em seus estudos. É
o melhor.
As luzes altas de um carro os deixaram parcialmente
cegos, mas serviu para tirá-la de sua letargia e a fez reagir.
— Não.
— Como diz? — replicou Carlo.
— Estou dizendo não. — respondeu com brutalidade. —
Não pode me obrigar a deixar de amar alguém só porque
não tem uma conta com muitos zeros.
Os lábios de Carlo se curvaram convexamente.
— Você não ama esse rapaz…
— Estou apaixonada por ele. — afirmou, levantando a
cabeça para olhar seu pai. — Sabe o que é o amor, papai?
Carlo e Maria olharam um para o outro sem saber o que
dizer.
— Claro que sim. Não diga tolices.
— Não são tolices! — gritou Sophie — É a melhor
pessoa que conheci em toda minha vida! E o amo! Não vou
deixar de vê-lo!
Carlo fechou um de seus punhos sobre seu joelho.
Maria observou sua filha mantendo a compostura.
Sophie parecia mais velha, toda uma mulher. Tinha crescido
desde que vivia sozinha em Washington. Como mãe, já
tinha percebido certas mudanças quando esteve na
Louisiana no verão. Mas agora essas mudanças se
acentuaram. Sempre foi corajosa e atrevida, mas agora
essas características estavam reforçadas por uma nova
segurança.
Nick tinha dado a ela essa segurança? O amor ao que
ela tão apaixonadamente fazia referência?
— Advirto-a, Sophie. Se continuar com ele… deixo de
pagar sua graduação. Não quero manter alguém que vive à
custa dos outros.
— Nick jamais faria isso. — grunhiu ofendida — Não é
um parasita. Nem eu tampouco. Assim que puder começar a
trabalhar, pode se esquecer de me dar um só centavo mais.
— Por favor, Carlo… Não levemos as coisas a esse
ponto. — sussurrou Maria, compungida. — Sophie é nossa
filha e dissemos que daríamos a ela o melhor.
— Jogou fora o dinheiro que dei para sua moradia no
campus só para se deitar com ele. Assim valoriza a
educação que lhe damos. Qual era o pacto que fizemos
antes de partir da Louisiana? — perguntou; sentia-se traído.
— Se for isso que o ofende, assim que puder te
devolverei. — respondeu Sophie com aspereza.
— Não, Sophie. Repita qual era o pacto.
Ela olhou para outro lado, envergonhada por como
estavam lidando com ela.
— Combinamos que eu estudaria e que me
concentraria somente em minha carreira. Nada de rapazes.
Nada de namorados.
— Exato. E me deparo com o fato que há muito tempo
já não dorme no campus, mas sim com ele!
— Papai, o que quer que faça? Eu me apaixonei! —
defendeu-se.
Carlo falou com os dentes apertados:
— O que quero é que conclua a graduação, esqueça-se
de namoricos e volte para a Louisiana para trabalhar
comigo. Isso é o que quero. — concluiu
Sophie aspirou pelo nariz e um músculo de impotência
tremeu na mandíbula.
— Nem sequer se esforçaram em conhecê-lo! Não
fizeram a ele nenhuma só pergunta sobre quem é ou sobre
o que quer! — exclamou. Comportaram-se tão mal com ele.
— Foram injustos e me envergonharam!
— Só queremos o melhor para você. Não suportamos
que nos tenha enganado. — respondeu seu pai.
— Não os enganei. Só acreditei que não era o melhor
momento para lhes dizer que tinha conhecido alguém.
— Sophie, eu a conheço — interrompeu Maria —, não
queria nos dizer por medo de que nós te disséssemos a
verdade. Ele não é para você.
— Não! Não disse a vocês porque não queria que seus
preconceitos prejudicassem minha relação com ele! E é
justo o que conseguiram! São uns esnobes!
— Não somos. Somos pais e sabemos como é a vida e
o tipo de interessados que veriam em você um futuro
assegurado. — replicou Carlo com seriedade. — Escolha: ou
ele ou nós.
— Não, Carlo. — censurou Maria com surpresa. — Isto
não se soluciona assim.
— Quer que escolha? É uma escolha? — disse Sophie,
assombrada e ferida.
— E se continuar com ele — continuou seu pai com o
rosto oculto nas sombras —, fica sem financiamento. Para
tudo. E sua graduação é cara. De onde vai tirar o dinheiro
para se graduar e criar sua própria empresa? O que vai
fazer sozinha aqui e sem dinheiro? Voltará para a Louisiana.
— Vai fazer isso comigo só porque me apaixonei? —
perguntou incrédula. — Está sendo cruel. Não pode me
tratar assim, já não sou uma criança.
Carlo ficou em silêncio. Sabia que estava se
comportando como um ogro, mas temia pela segurança e a
felicidade de Sophie, e faria o possível por tê-la perto e em
um lugar seguro.
Sophie sabia que aquela discussão estava perdida.
Poderia saltar do carro e fugir correndo para os braços de
Nick, mas isso aumentaria mais a ferida e perderia seus pais
para sempre.
E ela não queria tal desenlace. Amava seus pais.
Como amava Nick com todo seu coração.
Devia avaliar os danos colaterais e fazer algum
sacrifício. Sabia como contornar a conversa e chegar a um
acordo. Seria uma excelente empresária, e agora tinha
chegado o momento de ceder um pouco de terreno para
conseguir uma vitória pessoal: ficar com Nick custasse o
que custasse e obter que seus pais o aceitassem.
Entretanto, para isso devia vender uma parte de si
mesma. Engolir o orgulho e aceitar algo negativo por algo
positivo.
— Certo, papai. Você e eu jamais tivemos problemas
para falar entre nós. Negociemos.
O carro tinha chegado à Universidade George
Washington e se deteve em frente ao campus. Carlo a
observou atentamente enquanto Maria tinha o olhar
perdido.
— O que terá que negociar?
— Não vou deixar Nick.
— Não há mais do que falar, então…
— Em troca, posso te oferecer algo que deseja tanto
como eu desejo continuar com ele.
Carlo passou os dedos pelo sobretudo cuidadosamente
dobrado sobre suas pernas e a olhou de soslaio.
— E?
— Não tenho dinheiro. — concluiu Sophie — Está claro
que até que complete os vinte e cinco não poderei fazer uso
da herança que vovô deixou para mim e que tenho em
minha conta a prazo fixo. Dentro de dois anos terei
concluído a graduação e estarei preparada para fazer o
estágio em nossa empresa e relançá-la.
— Sim.
— Me financie, e quando sair daqui, irei para a
Louisiana e me encarregarei dos negócios da família. —
Engoliu em seco amargamente. — Me sacrificarei, pois já
sabem que essa não é minha aspiração, mas devem
entender que Nick é meu namorado e acredito que ele vai
ser… para sempre. — Ela mesma se surpreendeu. Sim.
Estava tão segura de que Nick era para ela como seu
sobrenome era Ciceroni. — Se quiserem minha felicidade,
tal como dizem, têm que tentar aceitá-lo. Fazer sacrifícios
como eu.
— Entrará no negócio da família? — perguntou Carlo
para se assegurar.
— Sim.
— Será por um tempo indefinido.
— Aceitarei.
— Quando sair daqui, se ainda continuar com esse
cara… irá viver na Louisiana, não importa onde ele tenha
seu trabalho. Viverá na Louisiana.
— Está se adiantando muito. As condições não
devem…
— Nós colocamos as condições. — resolveu Maria. —
Somos seus procuradores e você não é uma garota
qualquer. É uma Ciceroni, membro de uma das famílias
produtoras de açúcar mais importantes do sul dos Estados
Unidos. É quem é e vamos cuidar de seus interesses.
— Nick jamais se aproveitaria disso, mamãe. Estão
exagerando muito.
— Nunca se sabe. — acrescentou Carlo — Redigirei um
contrato com umas cláusulas…
— Cláusulas? De verdade quer fazer um contrato
permanente e pra toda vida com sua própria filha?
— Farei o possível para cuidar de você e te proteger.
— Não aprovo o que fazem. É muito sórdido e muito
pouco justo. Nunca vou perdoá-los pela coação a que me
submeteram… só por me apaixonar por alguém que não
pertence a seu círculo. — Estreitou os olhos e censurou sua
atitude com desprezo. — Isto vai mudar tudo.
— As histórias de homens pobres e princesas não
existem, Sophia. As pessoas se movem por outras coisas
que você desconhece, e nosso trabalho é te proteger. — ele
recordou com amargura. — Há homens muito
aproveitadores e com o tempo a máscara de todos cai. Não
sei quanto vai durar você e esse Nicholas, mas não vamos
deixar nossos poderes em suas mãos só por que é seu
companheiro. Vamos cobrir nossas costas muito bem.
— A única coisa que me demonstra é que não confiam
em mim. E que não me amam. — afirmou chorosa.
— Nós a amamos muito para permitir que perca seus
objetivos de vista só pelo rosto atraente e os olhos dourados
desse rapaz. — replicou sua mãe — O amor é bonito no
princípio, mas depois o tempo o desgasta e converte em
uma miragem: pensa que continua lá, quando já não há
nada.
— É o que aconteceu com você, mamãe? — perguntou
Sophie sabendo que a ofenderia. — É o que aconteceu com
vocês? — Riu sem vontade. — Antes pensava que quando
ficasse mais velha, eu gostaria de ser como meus pais.
Agora, quando passarem os anos, espero não me parecer
nunca a nenhum dos dois.
Maria sorriu com tristeza e voltou a olhar pela janela.
Carlo a estudou com atenção.
— O que aconteceu comigo … — murmurou com olhos
tristes — foi a vida, Sophie. A vida passou com cima de nós.
— cobriu a boca com a mão e não voltou a dizer nada mais.
Sophie sabia que estava recordando a seu irmão. Os
pais poderiam chegar a superar a morte de um filho? Ao
contemplar a luz apagada em seus olhos, deu-se conta de
que tinham feridas que jamais se fechavam; cortes
lacerantes que mudavam as pessoas para sempre.
Isso aconteceria a ela quando renunciasse a sua
ambição de criar sua própria rede de restaurantes?
Esperava que não, porque em troca ganharia Nick, e que
sua família, até certo ponto a aceitasse.
E para Sophie, seus pais, embora se comportassem de
um modo tão abjeto e frio nesse momento, eram muito
importantes.
— Então, agora sim, não há mais o que falar. — disse
Sophie animando seu pai a sair do carro. — Tratarão Nick
corretamente quando o virem e nunca se meterão em
minha relação com ele. Em troca, serei uma a mais no seu
quadro de empregados.
Carlo ficou em silêncio durante um instante e disse:
— Enviarei as cláusulas de nosso contrato. Às vezes, as
palavras são levadas pelo vento.
— As minhas não, papai. — assegurou ela sem lhe dar
nem um beijo nem um abraço, afastando-se do carro e
deles. — Sou uma Ciceroni de verdade. Você pode dizer o
mesmo?
Aquelas palavras doeram nele, mas dissimulou tudo o
que pôde.
— Amanhã sai de férias, não é?
— Como? — perguntou incrédula. Acaso seu pai
pensava que gostaria de passar o Natal com eles depois do
que aconteceu?
— As férias de Natal. Esperamos você. Pode vir com
Nick se desejar.
Ela deixou escapar um som de exasperação. Carlo era
um homem que não media suas ações e que pensava,
equivocadamente, que nada era tão grave para não ver a
família. Convidava Nick depois da desfeita que fez com
ele… Não. Nem pensar. Era muito cedo. E ela tinha algo
muito importante a fazer para dar uma lição a seus pais.
Tinha crescido. Era uma mulher e estava apaixonada.
Isso mudaria as coisas.
— Patto. — Carlo ofereceu a mão à sua filha.
Sophie abraçou a si mesma e deu o casaco com o que
sua mãe a cobriu.
— Patto. — disse antes de desaparecer de sua vista.
Sua mãe abaixou a janela gritou:
— Sophie.
— O que?
— O que você e Nick disseram um pro outro ao se
despedir? Era japonês?
Sophie girou, fez uma careta de desdém para sua mãe,
caminhando de costas e respondeu:
— Disse que o escolheria. Sempre.
Maria moveu os cílios e assentiu com seriedade, para
desaparecer de novo na escuridão do veículo.
Sua relação seria distante e fria a partir desse
momento, e era um preço que todos deviam pagar. Os
sonhos quebrados saíam caros.
Enquanto sua filha se afastava, Carlo ficou com a mão
erguida — pois sua filha não a tinha apertado —, o casaco
de sua mulher no outro e o olhar fixo na ponta de seus
sapatos negros, pensativo e cabisbaixo.
— Carlo, entre. — pediu Maria do interior.
Ele obedeceu, e ao fechar a porta, uma vez na
segurança do carro, Maria lambeu os lábios, afetada.
— Nunca discutimos com ela.
— Sei.
— Mas com o tempo espero que Sophie veja que
fizemos o melhor para ela. E espero não termos nos
equivocado com esse rapaz… Embora pareça muito
apaixo…
— Tolices. O tempo dirá. Não durarão nada. —
assegurou Carlo.
— E se não for assim?
— Se não for assim… — pediu o chofer que partisse
com um gesto. — Leve-nos ao hotel.
— Sim, senhor.
— Se não for assim — prosseguiu —, o melhor será
levá-lo em rédeas curtas. Tenha seus amigos perto e seus
inimigos mais perto ainda. Esse rapaz é como os outros.
Outro vigarista inculto em busca de uma vida fácil. Nós o
vigiaremos.
“E se ele não fosse?” pensou sentindo-se um pouco
culpado.
— Sophie está muito aborrecida com o acontecido. —
acrescentou, contrita.
— Vai passar. É forte. — Carlo falava enfaticamente.
Amava Sophia com todo seu coração. — Às vezes, os pais
devem decidir o que é o melhor para nossos filhos quando
eles não podem vê-lo.
Maria apoiou a cabeça no ombro de Carlo, que a rodeou
com um braço, esperando que seu apoio mútuo adoçasse o
sabor tão amargo que lhes tinha deixado aquele encontro
com sua filha.

***

Nick não sabia a que se ater.


Desde a noite anterior não sabia nada de Sophie. Tinha
saído tão precipitadamente de sua casa que deixou seu
celular no quarto, assim não pôde ligar para ela.
Na aula de japonês, esteve falando com Clint sobre o
acontecido. Seu amigo não acreditava no que tinha
acontecido e o apoiava em tudo.
Estar nervoso e angustiado era algo muito estranho
para um homem tão seguro como ele. Agora, na dúvida, na
coibição, no medo por pensar que Sophie partiu com seus
pais, sentia que seu mundo desmoronava.
Depois, foi vê-la em seu quarto, mas tampouco a
encontrou ali.
Onde diabos estava?
Ela o deixou para trás?
Estacionou o SUV no jardim e desceu triste do carro. O
peito doía e a ausência de Sophie consumia sua alma.
Se ela se foi, que sentido tinha todo o resto?
Antes de conhecê-la imaginava a vida de uma maneira,
precisamente sozinho, pois ninguém poderia enchê-lo como
ele necessitava. Mas Sophie, com sua simpatia, sua
amabilidade, sua paixão, seu senso de humor e sua
impagável presença o preencheu por completo, e agora não
imaginava a si mesmo sem ela.
Desde que se conheceram, todos os dias dormiram
juntos, não tinham se separado nenhuma só vez, exceto nas
férias de verão, e se sentiram tão mal que não queriam
voltar a repetir isso.
Ela era uma constante em sua vida. Não podia
acreditar que pôde ter vivido vinte e três anos sem ela,
ignorante e tão só como um homem que não conheceu o
amor verdadeiro podia estar. Mas o coração ignorante e
cego não sofria, e ele o tinha levado muito bem.
Até que ela chegou e pintou seu mundo cinza de cores
luminosas.
Agora ele tinha vinte e quatro, e ela vinte. Já eram
adultos e ninguém podia exigir nada deles nem proibi-los de
ter sua própria maneira de se amar e de viver.
Fechou a porta do SUV com força, cheio de raiva e
furioso com a situação.
Aquele foi o último dia de aula antes das férias de
Natal. De verdade Sophie partiu assim sem mais? Sem lhe
dizer nada? Teria ido com seus pais para a Louisiana?
Ligaria para ele de lá?
Esperou que Dalton saísse para saudá-lo com sua
alegria e sua loucura particular, mas o cão tampouco
apareceu. Com isso sim, ficou surpreso. Onde estava?
A razão, a que se afastava de seus sonhos,
pressionava-o a acreditar que ela se assustou perante a
ameaça de seus pais e tinha jogado a toalha com respeito à
sua história de amor.
Nick sabia que Sophie era uma menina rica, muito
diferente dele, feita à moda antiga, a da Louisiana, a do sul
da América transcendente. E mesmo assim, ela se entregou
a ele sem pensar em nenhuma das etiquetas que seus pais
insistiram em lhe pôr. Aceitou-o desde o primeiro dia tal
como era: cursando sua graduação de línguas, vivendo na
casa de seu tio, ganhando algum dinheiro em seus
trabalhos que conseguia os fins de semana servindo
bebidas, aceitando seu cão Dalton como dela e sem criticar
seu gosto excêntrico por UB40, Phil Collins ou Sting.
Acaso tudo foi uma mentira? Não o amava? Não podia
ser, porque ele estava louco por ela.
Nick abriu a porta de casa com vontade de chorar.
Até que levantou a cabeça e se deparou com a mesa
onde na noite anterior jantaram lasanha com os Ciceroni,
estava arrumada e limpa, não como ele a tinha deixado.
Sobre ela, duas velas iluminavam a toalha de cor
vermelha. Uma garrafa de champanha em um balde com
gelo. Duas taças vazias e um envelope sem abrir era a
única coisa que decorava a toalha.
Então ouviu a música que fazia algum momento tinha
começado a soar. Era Falling in love with you, na versão de
UB40.
E também escutou o crepitar da madeira ao arder. A
lareira estava acesa.
As lágrimas o impediam de ver o que o rodeava até
que levantou o olhar, e justo em frente, sentada na mesa da
cozinha observando-o com atenção, só coberta com um
moletom preto e comprido que era propriedade dele, viu
Sophie, tão emocionada como ele. Dalton mexia a seus pés
com uma corda que tentava rasgar.
Sophie desceu de um saltinho e o olhou fixamente nos
olhos, caminhando com lentidão, também um pouco
nervosa. Seus quadris se moviam de um lado a outro. Nos
pés calçava meias três quartos antiderrapantes de listras
negras e brancas.
Uma adorável mulher com um eterno ar de menina.
Nick engoliu em seco quando ela se deteve um palmo
de seu corpo e sorriu para ele com um pouco de vergonha.
Jamais lhe pareceu tão linda como nesse momento.
— Sophie… o que é isto? — perguntou Nick com voz
rouca.
Ela deu de ombros e secou as lágrimas dos olhos com a
manga extralonga do moletom.
— É uma demonstração.
— Uma demonstração? — sussurrou olhando de novo à
mesa. — O que quer demonstrar?
— Quero demonstrar que eu escolho o que quero e que
meu coração manda em mim, antes dos “deveria” e dos
“seria melhor”. — ficou nas pontas dos pés e tomou o rosto
dele com as mãos. — Quero te pedir perdão pelo momento
ruim de ontem à noite. Odeio que meus pais o fizeram
acreditar que você não é suficiente para mim. Porque não é
verdade, Nick.
— Sophie…
— Não é absolutamente verdade. A única coisa que é
verdade é que jamais terei suficiente de você, nunca me
cansarei.
Nick piscou emocionado e sorriu como um tolo
apaixonado, tão, tão apaixonado que se encheu de Sophie.
— Valente Sophie… — sussurrou triste.
— Amo, Nick. Estou louca por você. E é esse tipo de
loucura que faz com que cometamos loucuras… — Mordeu o
lábio inferior e encostou seu nariz ao dele. — Você está
louco por mim?
— Estou louco e sem remédio. — assegurou segurando-
a pela cintura.
— Então, se os loucos de amor fazem loucuras, faça
uma bem grande comigo. Uma escatológica, dessas que
permanecem nos anais de uma vida.
Nick entrecerrou os olhos e seu coração deu um salto.
— O que quer que faça?
— Nessa mesa — explicou a ele — há um envelope com
duas passagens para Las Vegas. Uma em seu nome, outra
no meu. Quero… Nick… eu…
— Você o que?
— Quero que se case comigo.
Nick a levantou inquieto pela cintura e a deixou cair
pouco a pouco, roçando-a contra seu corpo, enquanto a
beijava com a acesa paixão e a fervorosa ousadia de
alguém faminto, de alguém que quer comer o que mais
gosta no mundo.
Sophie respondeu a seu beijo e rodeou seus quadris
com as pernas.
Ele estava eufórico de alegria, feliz por vê-la ali com ele
e agradecido e honrado por sua proposta. A adrenalina o
excitou a ponto de deixá-lo completamente ereto.
Com ela de costas a atirou sobre o sofá, sem deixar de
introduzir sua língua em sua boca, deixando-a quente como
sabia que seus beijos a deixava.
Subiu o moletom até deixá-la nua da cintura para baixo
e tirou a calcinha dela com um só movimento.
— Isto está sobrando. — disse.
— Mas, Nick…
— Shhh, Sophie. — grunhiu e a beijou de novo, colocou-
se entre suas pernas e puxando sua ereção das calças e da
cueca. — Quero estar dentro de você. — Abriu espaço, e no
final, quando sua carne dura tocou a mais tenra dela e
descobriu que estava umedecida, sorriu malvadamente e
disse. — Deus… Menina má.
Penetrou-a pouco a pouco como sempre, porque ela
continuava sendo estreita, embora fizessem amor todos os
dias. E quando esteve metido até o punho, subiu suas
pernas um pouco mais sobre suas costas e começou a
possui-la com ritmo, força e sem pausa.
Olharam-se nos olhos como faziam sempre, embora
desta vez de um modo mais especial, sabendo que queriam
estar juntos e para sempre. De verdade.
Sophie começou a gemer e o atraiu para que não
deixasse de beijá-la, para que a esquentasse mais.
Nick não se deteve, puxou seu lábio inferior enquanto
caía de joelhos sobre o tapete sob o sofá e levou Sophie
com ele, até que a empalou por completo.
Sophie deixou cair a cabeça para trás, as pontas de seu
longo e liso cabelo se enredavam nos dedos de Nick, que
seguravam com força suas nádegas enquanto a penetrava,
preenchendo-a com seu pênis, estirando sua carne. Quando
Sophie expôs sua garganta, Nick a lambeu e beijou, dando
uma chupada que sabia que a enfureceria assim que a
visse. Mas não se importava.
Precisava marcá-la.
Depois desceu a cabeça a seus seios e os torturou
como sabia que a enlouquecia. Concentrou-se no esquerdo,
sugando-o e desfrutando das contrações reflexas vaginais
de Sophie a cada dentada, a cada lambida.
E nenhum dos dois pôde aguentar mais.
Sophie se agarrou a sua cabeça, puxando seu cabelo,
subindo e descendo sobre sua ereção cada vez mais rápido.
Nick a sustentou contra ele, chegando até seu interior,
sabendo que essa posição era mais intensa para ela, pois
chegava mais fundo.
Quando Sophie começou a chorar varrida por seu
orgasmo, Nick se deixou levar e acabou de esvaziar-se em
seu interior. Ambos acabaram atirados sobre o tapete.
Suados e extasiados pelo prazer, Nick se apoiou em
seus cotovelos e retirou o cabelo do rosto de sua futura
mulher que ainda tremia, respirando pela boca.
— Isto que me fez… é um sim? — perguntou ela entre
arfadas.
Nick se pôs a rir, afundou o rosto em seu pescoço e
respondeu:
— Sim, Sophie. Façamos uma loucura para a
posteridade. Morro de vontade de me casar com você.
 

CAPÍTULO 6
 
Nessa mesma noite viajaram a Las Vegas. Deixaram
Dalton com Clint, que não podia acreditar no que seu amigo
ia fazer.
— Mas fala a sério? Vai se casar? Mas se nem sequer
têm casa própria. Mas se não faz nem um ano que se
conhecem…
— O tempo é relativo quando conhece sua alma
gêmea. E sim, tenho casa. — respondeu Nick — Bom, vai
cuidar do meu cachorrinho? Convidaria-o para que fosse
meu padrinho, mas acredito que os alugaremos ali mesmo.
Como tudo. — Soltou uma gargalhada.
— Que delicadeza… cachorrinho? Seu cachorro é a
semente do mal, cara. Alugam os trajes de casamento
também?
— Inclusive os convidados são alugados.
— Porra. — murmurou incrédulo.
— Venha, venha que Dalton te espera. Não o tema, é
somente um bebê.
— Sim, claro… certo. Agora irei para sua casa. Já estão
indo?
— Dentro de uma hora. — respondeu Nick olhando seu
relógio.
— Está convencido disto, cara? Os pais dela o odiarão
pela vida toda, Nick.
— Não é algo que me preocupe muito. Sophie me ama.
— reconheceu beliscando a nádega de Sophie quando
passou por seu lado com uma bolsa preta de viagem. — É a
única coisa que importa.

***

Casaram-se em uma capela de Las Vegas. A cidade


estava repleta delas, por alguma razão era o segundo lugar
do mundo com mais casamentos oficiais.
Sophie se sentia exultante. Devido a sua rigorosa
educação e por terem-na superprotegido, sempre ansiou
comportar-se como a rebelde e maluca que na realidade
era, algo que seus pais jamais permitiram.
Aquela noite junto a Nick, o homem pelo qual se
apaixonou perdidamente, seu futuro marido, faria a maior
loucura de todas.
Como não tinham anéis, decidiram comprar na mesma
capela os que o padre lhes ofereceu. Eram duas alianças de
caveiras de ouro. Uma delas tinha um laço na cabeça; a
outra um tapa olho. A primeira era para Sophie; a segunda
para Nick.
Uma vez escolhidas as alianças, deviam escolher os
trajes, o padre, o cantor ou ao artista famoso que devia
cantar para eles em comemoração, além dos padrinhos e ao
público presente.
Sophie não queria gente que não conhecesse de
nenhuma forma, assim descartaram o pacote de presentes.
Como era um casamento diferente e na viagem de
avião pediram champanhe e bebidas para celebrar seu
enlace como se fosse uma noite de festa, escolheram
também as fantasias mais divertidas para eles. Ele se vestiu
de Batman, e ela de Mulher Maravilha.
Entre a Marilyn, Abba, Michael Jackson e Elvis,
escolheram o último. Elvis cantou para eles Falling in love
with you e Nick decidiu fazer os coros olhando fixamente
para Sophie e desafinando tudo o que podia e mais. Ela, um
pouco bêbada, morria de rir.
Um padre que se parecia com Cuba Gooding Jr os casou
e os animou para que cada um fizesse seu discurso e sua
promessa de amor eterno pelo outro.
Nick tomou as mãos de sua futura esposa, um desses
presentes atípicos e impensáveis que a vida lhe deu. Teria
uma companheira. Incrível.
— Sophie, me olhe.
Ela o obedeceu e se deu conta de que Nick tinha a
máscara do Batman torcida e uma orelha mais acima que a
outra. Isso fez com que soltasse uma nova gargalhada.
— Nick, por Deus… sua fantasia…
— A sua é petacular.
Voltaram a rir como tolos.
— Que fuzemos? — perguntava-se histérica e meio
bêbada.
— Nós nos conhecermos e nos amuarmos. — disse
aproximando-a dele de maneira muito íntima. O padre
pigarreou e isso o obrigou a se separar de novo. — Perdão,
senhour padre.
— Carinhos depois. — respondeu o padre.
Nick assentiu e esfregou com os polegares os dorsos
das mãos de Sophie.
— Não sei se er a autêntica Mulher Maravilha, massss
me completa às mil maravilhas.
Ela sorriu e os olhos soltaram faíscas.
— Que creativu…
— Sei. — assentiu Nick — Sophie…
— Aqui estou.
— Sophie, Sophie, Sophie… — repetiu.
— Fale Nick, Nick, Nick.
— Elvis e UB40 já falaram por mim esta noite. — Tentou
falar com serenidade, controlando os deslizes de sua língua
um pouco bêbada. — Desde que a vi não pude evitar me
apaixonar por você. Era… algo natural. Como a vida.
Prometo a você que… — levou uma de suas mãos ao peito.
— Eu te pruometo que… sempre cuidarei de você, que
nunca a machucarei. Viverei para cuidar e te proteger. E te
amarei sempre. Nada nem ninguém pode mudar o que sinto
por você. Ninguém o faurá jamais. Meu amor está acima de
todas as dúvidas, é inquestionável, entende? Tsuneni.
Sophie se emocionou tanto que as palavras mal saíam.
Ela não pôde pronunciar seu discurso, só assentiu com o
rosto choroso e disse:
— Amarei você sempre, Nick. Tsuneni. Aconteça o que
acontecer.
Lançou-se para beijá-lo ante a surpresa do padre, que
tentou mediar entre eles para acabar o casamento o mais
rápido possível, de forma correta e organizada. Mas ao ver
que não havia modo de desenganchá-los, acabou a
cerimônia dizendo:
— Está bem… Eu os declaro marido e mulher.
Nick tomou Sophie nos braços e a subiu sobre sua
pélvis para que lhe rodeasse a cintura com suas pernas
torneadas. O diadema de Mulher Maravilha saiu voando e a
máscara de Batman acabou de desvelar o mistério do rosto
oculto do multimilionário Bruce Wayne.
Embora nem Sophie nem Nick eram autênticos super-
heróis, estava claro que um era o herói do outro.
Saíram da capela ao grito de “Estamos casados!”.
O padre, um pouco acima do peso, tentou alcançá-los e
procurou um guarda de segurança das capelas vizinhas
para que fossem em busca e captura de Nick e Sophie.
— Levaram os trajes! São de aluguel!

***

As luzes do amanhecer entravam através das cortinas


da janela do hotel. Pegaram um quarto no Hampton Inn. Os
lençóis vermelhos e brancos cheiravam a sexo, suor e amor.
Sophie despertou com uma leve dor de cabeça, mas
não se importou nenhum pouco ter ressaca. Fazia
justamente o que tinha querido, e a enxaqueca era um
preço mínimo a pagar por aquela esplêndida aventura.
Sabia que seu casamento com Nick era um desafio em
toda regra, um desafio aberto e talvez desrespeitoso para
seus pais. Mas tinha sido igualmente desrespeitoso o que
eles fizeram com o amor de sua vida: desvalorizá-lo,
desprezá-lo… Ainda doía a atitude que adotaram contra ele.
Contra ela. Inclusive contra eles mesmos, porque um
comportamento assim não falava bem sobre seus princípios
ou seus valores.
Levantou a mão e os raios do sol refletiram em seu
anel de caveira. O laço era de brilhantes. Era banhada em
ouro e as pedras não eram de grande valor. Não era um
anel muito caro, pois custou cem dólares a peça. E o que
importava? Só importava o significado. E para ela valia
muito mais que todo o repertório de joias que tinha na
Louisiana, não era nada comparada com aquela joia que
sempre usaria.
A enorme mão do homem que tinha ao lado entrelaçou
os dedos com os dela. Nick girou a cabeça e sorriu
preguiçoso, como um gato que necessitava mimos e
carícias, antes de abrir os olhos por completo. Guiou sua
outra mão livre a um dos seios nus dela e começou a
massageá-lo.
— Olá, minha esposa. — disse com voz rouca.
Sophie sorriu, inclinou seu corpo para o dele e acariciou
sua bochecha áspera com a mão livre.
— Olá, meu marido.
Nick aproximou seus quadris aos dela e a jovem recém-
casada entrecerrou seu olhar castanho para depois ronronar
com prazer.
— O que quer, tigre? Quer guerra de bom dia?
— Sempre quero guerra. Sou viciado em seu corpo. —
tentou se pôr em cima dela para voltar a fazer com ela o
que durante a noite tinha feito uma infinidade de vezes. —
Não percebeu que sem minha porção de Sophie não sou
gente?
Beijou-a com doçura e ela respondeu igual.
— Temos duas horas antes de sair do hotel.
Nick se fez um espaço entre suas pernas e sussurrou:
— Suficiente, não acha?
Sophie o deteve e foi ela a que o empurrou para que
ficasse de costas.
— Suficiente. Sabe? É uma sorte que aconteça o
mesmo comigo —murmurou ela —, do contrário teria que
violentá-lo todos os dias…
Nick endureceu quando viu que a bela Sophie inclinava
seu rosto para sua ereção e que lambia os lábios lhe
dirigindo um olhar lascivo, sorrindo divertida pela expressão
de seu marido.
— Ai, Senhor… Sophie…
— Quer que te dê bom dia?
— Porra, claro que sim.
Ela colocou seu longo cabelo sobre um ombro para ter
acesso livre e espaço para seu objetivo. Ele seria a única
testemunha, e sem exceção, pelo que tanto gostava de ver.
Quando sua língua se estendia e começava a fazer
círculos com ela sobre o prepúcio, Nick ficava louco por
completo.
E ela sabia. Por isso gostava de torturá-lo, por isso
adorava saber que controlava um homem que quase a
dobrava em tamanho, tão grande, tão musculoso, tão
forte… jamais a machucaria.
Pouco a pouco introduziu o potente membro de Nick na
boca e começou a sugá-lo como se apreciasse sua textura e
seu sabor, embora mal coubesse nela. Sophie se esforçava
por fazê-lo usufruir e ele usufruía com o que fazia nele,
manhosa ou não. Nunca a obrigava, nunca insistia para
chegar mais longe se ela se sentia insegura ou temerosa.
Sempre a fazia sentir-se poderosa, respeitada e tão amada
que às vezes sentia vontade de chorar.
Nick acariciou sua cabeça enquanto ela descia a um
ritmo que hipnotizava a ambos.
— Oh, caralho… — Nick deixou a cabeça cair para trás
e começou a levantar os quadris com lentidão, para não
introduzir-se muito dentro da boca dela e provocar ânsias.
Sophie acariciou seus testículos levemente e sugou
para dentro suas bochechas. Ele gemeu dando graças a
Deus pela boca de sua mulher. Sophie gemeu por sua vez e
rodeou a dura vara com uma mão, para massageá-la ao
ritmo que o fazia com seus lábios. Adorava tê-lo à sua
mercê.
E o torturou durante longos minutos até que Nick a
afastou e disse:
— Vou gozar, Sophie.
Sophie se afastou sorrindo. Masturbou-o com a mão e
deixou que Nick explodisse, grunhindo como um felino
satisfeito.

***

No avião de volta a Louisiana, justo quando estavam


embarcando, Sophie recebeu uma chamada de sua mãe.
Nick a olhou consternado e disse:
— Deve atender.
Sentaram-se e guardaram a bolsa de mão nos
compartimentos superiores.
— Sei por que está me ligando, Nick. — respondeu ela.
Colocou o cinto, decidindo se atendia ou não.
— Soph… — repreendeu com o olhar — Atenda e fale
com ela. Não vão ficar uma eternidade sem saber de você.
— Não gostaria de falar com eles agora.
— Mas tem que fazer isso. São seus pais.
Sophie atendeu o telefone sem muita vontade.
— Sim?
— Sophia…
— Fale, mamãe.
— Sophia… Você pode me explicar por que há
transações em seu cartão de um hotel em Las Vegas?
— Por que, mamãe?
— Sim, é isso que estou perguntando.
— Queria ir vê-los na Louisiana neste Natal para contar
pessoalmente, mas depois de sua visita relâmpago de
anteontem acredito que tive suficiente de vocês por um
tempo.
— Sophia — a voz de sua mãe parecia intranquila —, o
que fez?
— Além de negociar meu futuro com vocês e hipotecá-
lo? — olhou as unhas com desinteresse. — Pois fiz algo por
mim mesma, para poder nos segurar nos próximos anos. Já
sabe… já que virtualmente vai me obrigar a trabalhar no
açúcar e vão estragar meu futuro trabalhista…
— Não me fale assim. Nunca falou comigo assim.
— Nunca tive a necessidade de fazer, mamãe. Mas não
me deixou outra opção.
— Pelo amor de Deus, filha… Em que confusão se
meteu?
Sophie só precisou desviar os olhos para o nobre,
confiável e atraente rosto de Nick para conseguir forças e
dizer sem mais:
— Decidi proteger a felicidade de meu coração porque
ninguém pode mandar nele, exceto eu mesma. Esta noite
me casei com Nick.
A linha do outro lado ficou completamente em silêncio.
Sophie era capaz de adivinhar o que cruzava pela mente de
sua mãe.
— Me diga que não é verdade.
— É, mamãe.
— Só tem vinte e um anos! Como foi capaz?!
— Mamãe, idade não tem nada a ver aqui. Sou adulta,
uma mulher, e amo Nick.
— Meu Deus, Sophie. — Sua mãe soluçava, incrédula.
— Ficou louca? Acha que o primeiro amor é o definitivo?
— Não acredito nem em primeiro nem em último,
mamãe. O avião vai decolar. Confio em que comunique a
meu pai meu novo estado civil. Sinto tê-los decepcionado,
mas vocês também me decepcionaram. Não se metam na
minha vida com Nick e nossa relação irá bem. Quero que o
tratem como mais um filho.
— Eu já tive um filho e morreu. Você é minha filha! Ele
só… só acredita que você pode encaixar em seu mundo.
Não entende?!
— Quem não entende é você, mamãe! O tempo
demonstrará que tenho razão e que vocês estavam
equivocados. Mamãe, tenho que desligar…
— Sophia, por favor…
— Mamãe — adotou uma voz mais carinhosa e
suplicante —, vamos ficar bem. Irei vê-los igualmente.
Quando me licenciar trabalharei com vocês na Louisiana,
não é isso o que queriam? Eu cedi nisso. Agora é a vez de
vocês cederem.
— Não é o mesmo.
— Sim, é. Meus interesses. Os seus — sentenciou —
não perdem uma filha, entendido? Ganham um a mais.
— Sophia…
— Amo você, mamãe. Logo conversaremos. Um beijo.
Quando desligou, tinha vontade de chorar depois de
escutar a voz assustada de sua mãe. Mas por outro lado,
invadiu-a uma grande satisfação. Eles a colocaram entre a
espada e a parede; demonstrou a eles que ninguém podia
ameaçá-la.
— Seus pais jamais me aceitarão. — murmurou Nick
olhando através da janela.
— Aceitarão.
— Não me importa se aceitam ou não. Demonstrarei a
eles que podem confiar em mim. Além disso, enquanto você
me amar…
— Nick — Sophie segurou seu rosto pelo queixo e o
girou para ela —, não durmo com meus pais. Não vivo com
meus pais. Faço isso contigo. E você passou a ser a pessoa
mais importante da minha vida. Que isso fique claro. — Ato
contínuo, deu-lhe um beijo revitalizante e curador que os
deixou com vontade de mais.
O avião empreendeu seu voo.
Como Sophie tinha elevado voo para se afastar do
ninho protetor de seus pais.
Aonde os levaria essa viagem?
Só o tempo diria.

CAPÍTULO 7
 
E a agitação que seu inesperado casamento causou
trouxe consequências durante anos. Seu casamento foi
repleto de grandes alegrias por sua parte, mas de
recriminações subtendidas por parte dos Ciceroni.
Nesse mesmo Natal, já que Sophie não tinha intenção
de ir visitar seus pais, eles vieram vê-los no Ano Novo. Nem
Carlo nem Maria podiam desfazer o que sua irresponsável
filha, segundo eles, fizera. Assim se esforçaram por
respeitar o acordo que combinaram com ela, e com fria
cordialidade se apresentaram em sua casa para lhes dar um
apático parabéns.
Carlo não mencionou nenhuma palavra sobre seu
enlace, não queria falar disso. Limitaria-se a tratar seu
genro com certa apatia, mas com requintada educação.
Sophia o tinha desafiado, com motivo ou sem, mas acabava
de dar um duro golpe à família. Não falariam de seu
casamento e ele se limitaria a tratar assuntos da empresa e
a protegê-la, como sempre fizera, embora a indisciplina de
sua filha e sua própria intransigência fez uma rachadura em
sua relação.
Maria, em troca, desejou-lhes sorte. Seus olhos
refletiam melancolia e tristeza, embora também um aberto
reconhecimento de sua coragem; mas tampouco também
lhes deu nenhum tapinha de felicitação. O que entregou a
eles foram as alianças que pertenceram a seus pais, e por
sua vez a seus bisavôs, e que passavam de geração em
geração entre os Ciceroni.
— Eu as guardei para quando se casasse. — murmurou
Maria, afetada ao escutar o que tinha acontecido. Sua filha
estava casada. Deus meu. — Você de branco, linda, música
na igreja e um homem atencioso a seu lado que
considerasse seus futuros sogros — olhou de esguelha para
Nick — para pedir sua mão em casamento.
— Ele não teve a ideia. Eu a tive. — replicou Sophie.
— Isso me deixa pior. Ele devia ter nos contado e
ganhar nossa bênção antes de tudo.
— Isto não é uma competição para se dar bem,
mamãe. — grunhiu sua filha. — As pessoas devem ser
aceitas por como são e receber uma cálida boas-vindas
sempre. Vocês já tinham o não na boca inclusive antes de
nos visitar pela primeira vez.
Carlo se mantinha à margem da conversa, como fez
durante o dia todo. Com Nick só tinha trocado um austero
“felicidades”, como com Sophie. Uma vez seguido o
protocolo, afastou-se deles como se estar nessa casa com
aroma de bolachas, decorada com adornos de Natal, com
sua filha casada com um desconhecido e um cachorrinho
golden brincalhão que não parava quieto fosse muito
incômodo para ele.
— Seja como for — fingiu-se de desentendida sua mãe
—, entrego os anéis de mamma. Quero que tire essa
bijuteria horrorosa de caveira dos dedos. Uma Ciceroni é
elegante, não uma qualquer saída do Bronx.
— Obrigada por suas lindas palavras, mamãe. — disse
sarcástica.
— De nada.
Sophie olhou as alianças com imenso carinho, embora
guardaria bem as alianças de caveiras. Os anéis de noivado
de sua família eram simples, dourados e lisos com uma
inscrição em italiano “per sempre”. Recordou emocionada
os seus avós e sorriu com ternura. Pegou os anéis e
agradeceu a delicadeza de sua mãe
— São lindos, mamãe. Muito obrigada.
— Quero que cuide de minha filha, Nicholas. — pediu
Maria a Nick, que observava a cena da ilha da cozinha com
uma xícara de café entre as mãos, afastado de Carlo e
delas.
— Farei isso, senhora Ciceroni. Não tenha nenhuma
dúvida de que a amo e de que vamos estar bem juntos.
Maria se levantou com um sorriso de incredulidade e
ironia em seus lábios vermelhos.
— É o que veremos. — murmurou — Vão viver nesta
casa?
— É óbvio. — respondeu ele. — É minha, está
totalmente paga… Se quiserem, já podem deixar de pagar o
quarto do campus de Sophie. — obrigou-se a recordá-los. —
Eu cuidarei dela.
Maria entrecerrou as pálpebras.
— Sophia, Nicholas já sabe qual é o preço que deve
pagar por isso? Sabe que assim que se graduar, deve voltar
para a Louisiana?
— Iremos juntos se pudermos. — respondeu Sophie
olhando por cima do ombro para seu marido. Este assentiu
lhe dando todo seu apoio. Talvez sua mãe tenha pensado
que escondeu esse detalhe de Nick, mas entre eles nunca
haveria segredos. Contavam tudo um para o outro. — Nick é
meu marido, vocês gostem ou não. Ele também terá seus
próprios projetos de trabalho, e já concordamos que o fato
de eu viver na Louisiana não deve mudar seus futuros
planos de trabalho. Foi a mim a quem coagiram. Não a ele.
— recordou a eles com certa aspereza.
— E se tiverem que trabalhar em diferentes estados?
— Veremos isso depois, senhora Ciceroni. — assegurou
Nick — A distância não representa um problema para mim.
— Vão ter um casamento à distância? Isso é impossível.
— Para mim não. — resolveu Nick, dando um gole no
seu café. — Eu a amo muito, entende? E ela a mim. Alguns
metros de terra no meio não vão mudar isso.
— Tudo bem. Como quiserem. — respondeu Maria seca
e deu de ombros. — Veremos o que diz o tempo.
Nem sequer ficaram para jantar essa noite. Partiram
velozmente depois do almoço.
 
— Por que meus pais não podem ser como os seus? —
sussurrou aquela noite Sophie sobre seu peito, depois de
terem feito amor. — Por que são tão rígidos e controladores?
Odeio que sejam tão arrogantes.
Nick acariciava seu cabelo com os dedos enquanto
pensava sobre isso com aqueles olhos dourados fixos no
teto do quarto. Na realidade, embora passassem do limite,
os pais de Sophie se preocupavam com ela porque a
amavam muito. Em troca, os pais de Nick eram o cúmulo da
rebeldia e da indiferença. Suas ligações se limitavam a “Vai
tudo bem?”, “Como está o tempo?”… e outra coleção de
perguntas para cumprir o protocolo, coisa que indicavam o
pouco interesse ou a pouca proximidade que tinham com
seu filho.
Às vezes, Nick desejava ser filho de seu tio Dominic.
Preocupava-se com ele e suas conversas eram
transcendentais e importantes; sobre a vida, as relações, o
que é importante e o que não…
Seu pai, em troca, só se preocupava em ter um pacote
de cerveja na geladeira e pouco mais. E sua mãe… sua mãe
era uma boa mulher, mas submissa, que para não ter
problemas com seu marido, mal falava. Limitava-se a sorrir
para ele, a ser agradável e levar um pouco de comida
quando ia visitá-lo. O dia que conheceram Sophie, Nick
sentiu um pouco de vergonha quando comprovou que as
diferenças básicas entre os Ciceroni e os Summers se
encontravam em quão cultos eram um em relação ao outro,
assim como em suas ambições.
Os Ciceroni eram gente ativa e jamais se cansavam de
trabalhar.
Os Summers relaxaram por completo. Não sentiam
curiosidade por aprender nada mais. Deixaram de se formar
como pessoas. Acreditavam que a vida era estar em sua
casa de Chicago, o canal do ESPN, o programa da Oprah e
tomar a medicação para a pressão. Pouco mais.
— Sinta-se orgulhosa de ter uns pais como os que tem,
Sophie. — disse Nick falando com a boca colada à sua
cabeça. — Seus pais não falam comigo porque não gostam
de mim. Os meus não o fazem porque não sabem do que
falar. Não sei o que é pior. Firmemente, acredito que teria
preferido os seus. Embora considere que seu
comportamento é muito controlador e psicótico…
— Você que acrescentou o psicótico, mas aceito.
— Ao menos se preocupam com você. — Sorriu — Se
preocupam por cada uma das coisas que tem feito. Deram-
lhe uma educação irrepreensível. Eles a apoiaram. Pagam
seus estudos. Eles a amam e desejam o melhor para você.
— Mas se equivocam. — disse Sophie erguendo-se nos
cotovelos, olhando-o com um eterno amor em seus olhos
amendoados. — O melhor para mim é você, e eles nem
sequer vêm isso.
— É normal que pensem que posso me aproveitar da
sua inocente filha ricaça.
— Já não sou inocente. — recriminou-o.
— Sei. — ele ronronou, atraindo-a e abraçando-a com
força. Depois deu um forte beijo nos seus lábios e sorriu
exultante de felicidade. — Vou conquistar seus pais. É um
desafio e eu adoro.
— São muito duros.
— Não importa. — assegurou dando uma batidinha no
nariz dela. — Ao final, o tempo, como diz sua mãe, nos dará
razão.

***

E o tempo falou de muitas coisas.


Dois anos depois, falou de dois recentes graduados; um
em Ciências Empresariais e outro em Línguas Estrangeiras.
Um casamento de licenciados que devia empreender
destinos diferentes para não romper a palavra dada.
A primeira separação aconteceu ao escolher o destino
de seu ano de especialização. Sophie escolheu Louisiana
para trabalhar na empresa de açúcar de seu pai.
E Nick, com suas duas licenciaturas debaixo do braço,
decidiu apresentar a solicitação de ingresso à polícia federal
preventiva, exatamente à Seção de Inteligência, embora
não dissesse nada a Sophie. Contou-lhe que iria para a
Virgínia para estagiar em uma empresa de
telecomunicações. E ela, que confiava plenamente nele,
acreditou com convicção. E não, não estava orgulhoso do
que fazia, mas já havia interiorizado tanto sua própria
mentira que ele mesmo começava a acreditar nela.
Clint, seu amigo inseparável, entrou com ele na
academia do Quântico, que pertencia à área metropolitana
de Washington. Perto do rio Potomac, bem ao lado da base
militar dos fuzileiros, encontrava-se a academia de
preparação dos agentes do FBI.
Durante vinte semanas duras, Nick e Clint trabalharam
arduamente para adquirir todos os conhecimentos em
armas, obter a excelência física e absorver os
conhecimentos legais necessários para se aprovarem e se
converterem nos melhores da base.
Nick não pôde evitar se emocionar ao descobrir suas
instalações, ao inalar o ar de disciplina e inflexibilidade que
rodeava o lugar.
Ali outorgavam os quartos por ordem alfabética dos
sobrenomes, e Nick e Clint tiveram que se separar, mas só
para dormir. Não demoraram a se fazerem conhecer por
suas habilidades tanto em tiro como em idiomas.
Os andares mais frequentados eram o do refeitório, da
biblioteca, a sala de conferências, onde agentes já
afastados falavam de suas experiências, e a academia,
onde trabalhavam os músculos e a agilidade. Como às
vezes as máquinas estavam todas ocupadas, Nick e Clint
iam à piscina para fazer longos percursos durante uma hora
e meia.
Nos campos de tiro do Quântico, os alunos disparavam
três mil e seiscentas balas ao longo de duzentas e
cinquenta horas, nessas vinte semanas de prática. Assim se
asseguravam que os agentes saíssem mais do que
preparados para lidar com uma pistola. E Nick e Clint só
precisaram da metade para demonstrar que sua pontaria e
seu manejo de armas eram excelentes.
Das cinco da manhã até às sete da noite, a instrução
era intensa. Vestiam-se com calça cáqui e polo azul
marinho, para diferenciar-se dos veteranos que, de vez em
quando, apareciam por ali para fazer algum curso de
reciclagem.
Pela tarde caíam esgotados, jantavam e se deitavam
cedo para estar em forma e dispostos no dia seguinte.
Então, antes de dormir, Nick ligava para Sophie: se não
ouvisse sua voz não ficava tranquilo. Saía ao longo corredor
dos quartos e falava com ela, respondendo a cada uma das
perguntas que sua mulher fazia, adotando o papel de
aplicado e competente comerciante.
— Gosta do seu chefe?
— Sim, muito. Acredito que no final me oferecerá um
trabalho como gerente de produto.
— Isso é genial, Nick. Estou tão orgulhosa de você.
— Obrigado, carinho.
— Sinto tanto sua falta. — choramingou.
— E eu de você. Este fim de semana nos veremos.
Como vai com seus pais?
— Aqui há muito por fazer, sabe? Não entendo como
meu pai conduziu seu negócio adiante com um sistema tão
obsoleto, sem publicidade e sem nada que o promovesse.
Tudo deve ser relançado. Demorarei um tempo, mas
conseguirei.
— Você gosta de estar aí? — perguntou preocupado
com ela, sabendo que tinha voltado para sua casa a
contragosto.
— Não é o que quero fazer — ela assegurou
momentaneamente cansada —, mas quando passar o
tempo e deixar as coisas como quero, reformularei meu
pacto com meu pai. Nick, sabe o que?
— O que?
— Minha mãe me perguntou se você gosta de lasanha
de verduras. Vai pedir aos cozinheiros que a preparem este
fim de semana para você. — anunciou risonha.
— Isso é um avanço, não? É uma boa notícia. —
respondeu esperançoso.
— Sim, eu acredito que sim.
— E seu pai não te perguntou se eu gosto do mesmo
charuto que ele fuma?
Sophie deixou escapar uma gargalhada. Aquele som
lhe deu todo o calor e o amor que necessitava para
sobreviver sem ela uns dias mais. Até que a visse de novo.
—Meu pai é mais duro. Mas está fazendo se
comportando muito bem.
Nick sabia, mas não cessaria em seu empenho de
conquistá-lo. E não fazia por ele, nem sequer por Carlo.
Fazia por sua linda e incrível mulher.
A melhor de todas.
Aqueles cinco meses de separação não foram fáceis.
Sophie e Nick tinham vivido juntos os últimos anos. Não
tinham se separado jamais. Sua convivência era
maravilhosa e não tinham nada do que desconectar um do
outro, assim a distância que havia entre a Virginia e
Louisiana os deprimiam.
Sophie levou Dalton para a Louisiana e o cachorro se
converteu em um experiente cuidador dos campos de cana.
Carlo o adorava e brincava com ele de vez em quando ou
saíam para dar longos passeios junto à Maria, que tratava o
cachorro como se fosse um filho.
Nick, por sua vez, sentia muita saudade de Sophie.
Todos os fins de semana ia vê-la. Ainda restava dinheiro do
que seu tio tinha deixado, já que nunca gastava mais do
que podia, exceto para Sophie. Gastava o dinheiro com ela,
nele quase nunca.
Quando a visitava, costumava levar para ela presentes
e algumas lembrancinhas de sua falsa empresa para seus
sogros, que pouco a pouco e quase na marra, começavam a
olhá-lo com familiaridade, em vez de como a um completo
desconhecido.
O fim de semana antes de sua graduação, Nick levou
com ele um presente único e especial para Carlo.
Quando o chofer o deixou nas portas do lar dos
Ciceroni, recordou a primeira vez que chegou a Louisiana,
àquela palaciana e suntuosa mansão rodeada de campos de
cana de açúcar da família de sua mulher. Naquele
momento, não pôde evitar não se sentir intimidado por sua
grandeza, seus mordomos, suas esculturas de época, seus
extensos jardins e ricas fontes e sua arquitetura quase
novelesca.
Não é que Sophie fosse rica, é que era imensamente
rica.
E ele era somente um rapaz de Chicago que se
afastava muito de ser humilde, mas que não alcançava de
forma alguma o status do sangue quase azul de sua esposa.
Entretanto, agora esses medos e essas inseguranças
tinham desaparecido. Talvez não tivesse sobrenome nem
sangue aristocrata como outros pretendentes com os quais
certamente seus sogros quiseram enlaçar Sophie, mas sim
tinha algo que outros não tinham: coragem para aceitar que
a riqueza de alguém não se media por suas posses, mas sim
pela força com que amava e respeitava às pessoas que
faziam parte de sua vida. E Sophie Ciceroni era seu bem
mais prezado.
Ao final de uma semana seria agente do FBI, realizaria
sua máxima aspiração. Tinha conseguido. E embora eles
não fossem assistir sua graduação, e apesar de que,
infelizmente, não podia dar a boa nova à sua família por
parte de casamento para que se sentissem orgulhosos dele,
porque não o fariam, Nick decidiu fingir que esse fim de
semana celebrariam seu êxito, embora mentisse dizendo
que tinha conseguido trabalho como gerente de produto.
O certo era que, como Clint e ele tinham a primeira e
segunda nota mais alta de sua promoção, com seus idiomas
e suas aptidões, não demorariam para oferecer um posto
para eles em Washington. Seu destino seria a capital,
estavam convencidos, pois dali se repartiam as operações
mais importantes de caráter externo.
Nick só esperava saber quando e a que departamento
o atribuiriam.
Enquanto isso, nesse fim de semana na Louisiana,
levou uma caixa de bombons Baci, de origem italiana. Sabia
que Maria, gulosa que era, adoraria.
E a Carlo deu de presente um livro muito antigo que
tratava sobre a história dos imigrantes italianos na
Louisiana, e onde se falava sobre a origem dos Ciceroni.
Divertiu-o ler que eram muito amigos dos principais
mafiosos italianos de Nova Orleans e que usaram parte do
dinheiro de seus intercâmbios para fundar suas principais
empresas.
Aquela noite, jantando no jardim, acompanhados de luz
de velas e em um ambiente relaxado, Carlo olhava o livro
com os óculos de leitura na ponta do nariz, intrigado e
curioso. De vez em quando olhava por cima das páginas
para Nick, ocultando um leve e quase invisível sorriso de
agrado.
— Nicholas, insinua que minha família tem sangue
mafioso? — perguntou, adotando um tom sério repentino,
imperceptivelmente forçado.
Nick sorriu enquanto tomava a taça de champanhe
com delicadeza. Sabia quanto agradava a seus sogros seus
esforços por ser mais educado, mais fino… e embora seus
músculos e seu porte guerreiro falavam do contrário, ele
tentava dissimulá-lo com excelente dedicação.
— Absolutamente, senhor Ciceroni. Sua família tem
raízes históricas muito poderosas na história do
desenvolvimento deste estado. São quase fundadores.
Devem sentir-se orgulhosos disso. Seu sobrenome e sua
origem ficaram registrados em um livro da expansão da
América. Não é maravilhoso?
Maria e Sophie pareciam divertidas com aquela
conversa. Sophie ria por dentro ante a inteligência e o
atrevimento de seu marido. Estava tão bonito com sua
camisa branca, seus sapatos pretos e sua calça bege com
pregas que se seus pais chegassem a saber o que queria
fazer com ele em seu quarto, na intimidade, quando ele e
ela se chamavam Nick e Sophie em vez de Nicholas e
Sophia, eles a teriam internado em um convento.
Carlo o olhou com reconhecimento. Fechou o livro e o
deixou sobre a mesa.
— É. — sentenciou, estufando o peito.
Maria, por sua parte, parecia querer provar todos os
bombons que Nick tinha levado, para degustar o sabor da
bela Itália, dizia.
— Nicholas.
— Sim, senhora Ciceroni?
— Os bombons estão deliciosos. Muito obrigada. —
reconheceu. Fazia algum tempo que o tratava mais
cordialmente. — Por certo, não se cansa de viajar cada fim
de semana a Louisiana? Não poderia pedir que abrissem
aqui uma filial de sua empresa? Estaria mais perto de
Sophia, que não passaria tanto tempo sozinha.
Nick negou com a cabeça sem perder a calma.
— Infelizmente não podemos, senhora. A sede não está
disposta a abrir pequenas filiais no resto dos estados, mas
pedi que me deem mais dias livres e mais liberdade de
movimento para ver Sophia. Já sabem que tenho minha
mulher na Louisiana e que ela não pode se mudar daqui,
assim pedi um tratamento especial. Washington é meu
destino, por enquanto. — deu de ombros. — Quem sabe no
futuro? Estamos crescendo, assim cabe essa possibilidade,
mas não de maneira iminente. — “Que sonho corporativo”.
— Ao menos Sophia não está sozinha, está com vocês. E
isso me deixa tranquilo.
Sophie o olhou com tristeza, mas aceitou as regras do
jogo. Ao menos, podiam se ver mais, não tanto como
gostariam, mas melhor que nada. E quando se viam,
amavam-se e entregavam-se um ao outro como se fosse o
último dia. Isso também lhes dava vida e impedia que se
convertessem em um desses casais monótonos e
aborrecidos que estavam acostumados a se encontrar em
seus passeios ou nos restaurantes.
No dia seguinte, depois de tanto tempo e pela primeira
vez, Carlo convidou Nick para percorrer os campos de cana
de açúcar junto com ele a cavalo, para lhe explicar como
funcionava tudo. Sophie galopava agarrada à cintura de
Nick em um lindo garanhão negro.
— As máquinas cortam os caules. — explicava Carlo —
Depois outras as carregam e levam ao setor de
processamento. Nossas máquinas espremem o caule e
extraem seu suco das canas.
— O que se faz com o restante? — perguntou Nick.
— O bagaço é usado para as caldeiras e os fertilizantes.
— respondeu Sophie.
— Sim. — assentiu Carlo, observando a extensão de
seus campos dourados. — O suco da cana é fervido e a
evaporação provoca a cristalização do açúcar. Açúcar puro,
mascavo e virgem. — disse como uma exalação poética. —
Depois se faz a afinação do açúcar ao retirar a capa líquida
que cobre o cristal de açúcar. Quando se ferve o açúcar
bruto, consegue açúcar branco refinado e o líquido que
emerge dele se chama melaço.
— E vocês comercializam tudo? Açúcar mascavo,
açúcar refinado e melaço? — perguntou Nick.
— Sim, Nicholas. Nós vendemos tudo para o resto do
país. Sophie está se encarregando de levar nosso açúcar a
negociantes internacionais. Quer abrir mercado na Ásia e na
Europa.
— E conseguirei, papai. Quero deixar este negócio
rodando sozinho. E para isso temos que abrir novas
potências que apostem em nosso produto. Até agora —
Sophie lhe explicou com todas as letras o crescimento da
Azucaroni, sua marca patenteada —, nosso produto era
conhecido por ser caro e elitista, e com razão, porque era o
melhor, e utilizávamos muita mão de obra e dedicação, em
vez de máquinas. Mas a evolução exige o uso dessas
máquinas para poder exportá-lo melhor em menos tempo.
Quanto menor tempo, mais produtividade. —explicava
Sophie levando um pau molhado com melaço à boca.
Estava deliciosamente doce. — A produtividade e a
quantidade farão com que possamos abaixar os preços e
vender mais. Isso nos dará mais benefícios e seremos muito
mais competitivos que o Havaí, Flórida ou Texas.
— Sua filha é um cérebro, não acha, senhor Ciceroni? —
assentiu Nick acariciando a coxa de Sophie.
Carlo olhou para sua filha com orgulho, mas só
assentiu.
Por isso a quero aqui. — assegurou, esporeando os
cavalos para continuar sua rota.

***
O domingo era o pior dia da semana, porque era
quando Nick devia tomar o avião de volta a Virginia e se
despedir dela. Esse fim de semana, depois de muitos mimos
e carinhos e de se despedir educadamente de seus sogros,
quando Nick entrou no carro do chofer e olhou ao palácio
Ciceroni através do vidro traseiro do Cruiser, soube que uma
etapa tinha acabado.
Sophie e seus pais estavam convencidos de que ele era
agente comercial e gerente de produto de uma empresa em
Washington. E assim viveriam até que ele se decidisse a
lhes contar a verdade, mas a trégua levantada entre eles
nos últimos meses ainda era muito frágil, e algo assim a
romperia definitivamente.
Nick só sabia que seria um dos melhores agentes do
Escritório de Investigação do Estado, e o manteria em
segredo pelo amor de uma mulher.
E pela aprovação de sua família.
Às vezes, grandes êxitos requeriam grandes sacrifícios.
 

CAPÍTULO 8
 
Dois anos depois
 
Grandes sacrifícios. Já tinha feito grandes sacrifícios.
Isso era o que pensava Nick sentado na poltrona do avião
de volta do Japão.
Dois anos depois de seu ingresso em Washington e de
trabalhar em várias operações junto a Clint, seu colega de
trabalho, delegaram a eles a missão mais arriscada e
importante de suas vidas até hoje.
Elias Montgomery, o subdiretor chefe do FBI, um
homem calvo com incríveis olhos azuis e muito respeitado
em toda a organização, tinha plena confiança na capacidade
deles para resolver um assunto de tráfico de drogas no
Japão. Normalmente davam esses casos à CIA, mas como
não havia conotações políticas nem era um assunto de
terrorismo internacional, e por haver no meio cidadãos
norte-americanos, era competência do escritório federal.
Nick e Clint falavam japonês perfeitamente,
principalmente Nick. Deviam se fazer passar por traficantes
de drogas sintéticas em Tóquio, onde um grupo de
traficantes de drogas norte-americanos mantinham relações
e negócios com clãs mafiosos japoneses. Intercambiavam a
droga entre si e a vendiam no Japão e nos Estados Unidos.
Compravam-na barata na cidade oriental e a revendiam
como droga sintética em seu país.
Nick e Clint deviam seguir os passos deles e entrar
como novos compradores interessados em seu material.
E foi muito difícil. Foi muito difícil se fazer passar por
algo que não era, agir como eles para que acreditassem no
seu papel, provar a droga…
Entretanto, aquele era seu trabalho. Era para o que
tanto se esforçou e pelo que tanto tinha mentido. E agora,
com três quilos a menos e uma tatuagem em forma de tigre
que lhe cobria a nádega esquerda e parte da coxa,
questionava-se se havia valido a pena tanto esforço.
Tanto Clint como ele fizeram aquela tatuagem como
sinal de fidelidade ao clã onde se infiltravam. Mãe de Deus,
o que diria a Sophie quando a visse? Tinha um maldito tigre
no traseiro e sua cauda se enrolava ao longo de seu
quadríceps. Um felino listrado de dentes bicudos e olhos
amarelos e brilhantes.
Passou a mão pelo rosto. Sophie o olharia muito
estranho.
Havia se sentido ligeiramente perturbado nesses dois
anos de trabalho e de missões. Não sabia se ela notou ou
não, mas ele percebia como dia a dia mudava por dentro. E
o que tinha vivido no Japão tinha superado as cotas de
depravação e vaidade que estava disposto a presenciar.
O poder pelo poder. A máfia mais cruel em estado puro.
Gente que comprava gente, e gente milionária que
comprava vício e morte. Assim se levantavam as bases de
uma sociedade? Nick estava tão enojado que só queria ver
Sophie para acreditar que continuava havendo coisas boas.
Sua inocente mulher estava tão à margem de tudo
aquilo que era como um mundo paralelo, o mundo ao qual
ele realmente pertencia, embora não merecesse.
Um mês. Um mês sem ver sua esposa, falando com ela
com um telefone pré-pago para que nada nem ninguém
pudesse registrar suas chamadas.
Outro mês mais mentindo para ela. Passou tantos que
já tinha perdido a conta.
Um mês sentindo falta do doce amparo que lhe
oferecia.
Um mês à beira de que o descobrissem e de que sua
vida ficasse de pernas para o ar.
Um mês inteiro fora de casa. Clint tinha desempenhado
o papel de sócio poderoso em seus negócios de droga.
Juntos tinham contatado com os membros do segundo
clã mafioso mais importante da cidade, os Sumi, integrantes
da Yakuza japonesa. Tornaram-se amigos dos traficantes
americanos e dividiram as áreas onde distribuiriam nos
Estados Unidos para vender sua mercadoria. Não se
perturbariam e manteriam uma relação o mais amistosa
possível. Pegaram todos com as mãos na massa.
Entretanto, embora a missão tenha sido um êxito,
muitos membros do clã Sumi sairiam em pouco tempo à
rua, já que a Yakuza controlava o Japão conforme seu
desejo. Era uma pena, porque essa gente, embora estivesse
regida por uma série de códigos que os clãs atuais não
seguiam, era muito louca. Era excepcionalmente agressiva,
excêntrica e vingativa. A Yakuza era muito perigosa, como
uma espécie de máfia russa ou de terroristas da Yihad,
embora tudo maquiado de cultura oriental e famílias
prestigiosas.
No final, todo clã organizado semeava o terror, fora da
religião ou a cultura que fosse.
Os traficantes americanos viajavam com eles no avião
com as algemas postas, ocultas sob a manta, em posição
preferencial, para não despertar a curiosidade dos viajantes.
Eles iriam diretamente à prisão.
As nuvens do entardecer se tingiam de cores elétricas
e resplandecentes, iluminadas pelo sol. Aquele era o céu de
sua terra, e por fim entendia o ditado de “Não há lugar
como seu lar”. Nick se sentia feliz de voltar para seu país.
Caramba, se até desejava ver seus sogros e passear com
seus cavalos pelos campos de cana-de-açúcar.
Não demoraria nada em estar lá. Depois dessa missão,
teria várias semanas livres de descanso e as passaria com
Sophie.
Olhou à sua esquerda para Clint, que tinha a cabeça
apoiada na janela, olhando como sobrevoavam as nuvens.
Triste e cabisbaixo.
Clint teve um imprevisto na missão. Nick jamais
imaginou que seu companheiro perderia a cabeça por uma
japonesa, filha do líder da Yakuza.
O resultado foi terrível. O líder, Kai Sumichaji, tinha dois
filhos: Ryu e Mizuki. Mizuki era uma jovem com metade do
corpo tatuado que sofria o mau trato dos homens do clã de
seu pai.
Ryu, seu irmão, era o único que a protegia das noites
de álcool do clã. Mas quando soube que Mizuki tinha
sentimentos por um estrangeiro americano, por Clint,
contou a seu pai.
O próprio Kai assassinou a sua filha como traidora. Ter
relações ou apaixonar-se por membros que não fossem do
clã punha em perigo a Yakuza, e isso não podiam permitir.
Na mesma noite que desmantelaram a operação
souberam pela boca de Ryu que sua irmã tinha morrido.
Clint não podia dar mole, não devia mostrar nenhuma
emoção a respeito, já que tinham tudo o que necessitavam
e nessa mesma noite agarrariam os americanos detidos no
Japão e denunciariam o clã Sumi por tráfico de drogas. Eles
deviam limpar as mãos e participar como se também os
tivessem pego, já que não deviam mostrar seus distintivos
em nenhum momento.
Clint, apesar de não conter a raiva e a frustração ao
saber que Mizuki já não vivia, teve que engolir a ira e a
impotência.
Nick não conseguia imaginar como seu amigo se
sentia. Aquilo devia tê-lo deixado arrasado. Imaginava
Sophie no lugar de Mizuki e os demônios o levavam.
— Ei. — disse Nick chamando a atenção dele. Clint o
olhou de esguelha, mas não respondeu. — Porra, sinto
muito, cara.
— Estou bem. Nosso relacionamento era impossível. —
reconheceu com expressão sombria. — Mas não merecia
esse final. Ela estava muito só… e desesperada para sair.
— Sim. Sei. — admitiu Nick com pesar. — Mas não
estávamos lá para salvá-la. Essa não era a missão.
— A missão. — grunhiu com desagrado. — Já nem
sequer sei para o bem de quem trabalho. Esses filhos da
puta japoneses sairão da prisão dentro de menos de um
mês. Compraram a todos. Mizuki, em troca — lamentou —,
já não sairá da cova onde a colocaram.
Clint se calou pensativo, concentrado em sua dor e em
tudo o que tinha acontecido no Japão.
Nick, por sua vez, queria consolar seu amigo, mas não
tinha nem ideia de como fazê-lo. Como diabos se consolava
alguém que dizia que acabava de perder o amor de sua
vida?
Em uma missão como aquela, nunca havia ganhadores.
Todos perdiam algo: alguns, seus princípios; outros, sua
saúde; e outros, como Clint, seu coração.
Os federais foram ao aeroporto de Washington para
recolher os detidos. Elias Montgomery, trajado como
executivo, saudou diligentemente Nick e Clint, e os felicitou
por seu trabalho.
Clint aguentou com estoicismo as palavras do
subdiretor. Nick tinha tanta pressa em tomar banho,
descansar e rodear-se da essência de sua casa para viajar
imediatamente a Louisiana que mal escutava o que lhe
dizia.
— Têm três semanas de licença. Façam o que tiverem
vontade. Recuperem-se e desconectem. Seu país precisará
de vocês de novo.
— Sim, senhor. — responderam.
Ambos retornaram a suas casas com suas más
lembranças, uma mala em uma mão e o estresse e a
ansiedade de ter vivido uma aventura como essa.
Depois de um abraço sentido, cada um foi para seu
lado.
Nick pegou seu SUV, o qual não queria se desfazer,
embora passasse o tempo e foi para sua casa em Gary
Road.
Ao menos ali as cerejeiras não o recordavam a crua
realidade dos Yakuza. Essas árvores em seu jardim só
falavam disso, seu espaço, sua vida e sua intimidade. Os
ramos estavam cheios de suas pétalas e seu lar adquiria um
incomum tom pastel; madeira azul clara, janelas brancas,
flores rosa pau… Aquele lugar tinha uma especial calidez ao
entardecer.
Nick pegou sua mala de viagem preta e sua bolsa de
mão da mesma cor que pendurou no ombro.
Morria de vontade de acariciar seu cachorro, que já
tinha seis anos. Quanto mais se afastava, mais sentia falta
dele, embora soubesse que o golden se sentia como um
pequeno deus na Louisiana sob os mimos e os cuidados de
Carlo e Maria, e de sua carinhosa Sophie.
Caminhou através do caminho de pedra que cruzava o
jardim. Deteve-se ao detectar uma mancha amarela sob o
alpendre de madeira. Era um New Beetle. O de sua esposa.
Engoliu em seco, levantou o olhar cheio de esperança e
agradecimento e o fixou na grande janela que dava para a
cozinha. Havia luz atrás do vidro.
A porta da entrada se abriu e apareceu Sophie, com
seu cabelo comprido e perfeitamente liso sobre os ombros,
emoldurando seu lindo rosto ovalado.
Cada ano que passava ficava mais bonita.
Vestia uma camisa branca meio desabotoada, uma
calça cáqui curta e sandália de verão agarrada aos
tornozelos.
Não esperou. Saiu como um relâmpago, saltando os
degraus do alpendre, voando com uma meta fixa na
cabeça: chegar até Nick.
Ele deixou cair a bolsa e sua mala, e a agarrou no ar
enquanto se fundiam em um abraço emocionante cheio de
amor e paixão.
Sophie o beijou pelo rosto todo, sem deixar de acariciá-
lo e de sorrir.
— Querido, está mais magro… Deus, quanta vontade
tinha de vê-lo… senti tanta saudade… tanta… Não suporto
que esteja longe de mim tanto tempo…
Nick não respondeu nem disse nada.
Simplesmente tomou o rosto dela entre as mãos,
absorvendo-a como se fosse uma miragem ou algo muito
belo para ser do seu mundo. Ela deixou de falar, calada por
um profundo beijo que os silenciou e os esquentou.
Entraram aos tropeções na casa. Nick pressionou sua
mulher contra a parede da entrada e esteve a ponto de
atirar ao chão o cabide negro de metal.
Sophie gemeu feliz ao sentir a língua de seu marido
contra a sua e ao notar como a capturava pelas nádegas
para esfregar-se contra suas pernas, enquanto ela o
rodeava com um ânsia inaudita.
A distância podia esfriar muitos casais. Para eles, em
troca, era como um afrodisíaco. Diziam que o amor era uma
planta que se devia regar… pois sua planta permanecia
sempre regada.
Sabiam perfeitamente como sentiam um respeito ao
outro, assim não duvidavam de seus sentimentos. Por isso
quando se viam de novo, limitavam-se a demonstrar quanto
sentiram falta um do outro.
E seus corpos o faziam por si só. Precisavam tocar-se,
roçar, acariciar…
Nick arrancou sua camisa e a apoiou sobre a ilha da
cozinha. Sentou-a e se colocou entre suas pernas.
— Não sabe quanto precisei de você, Soph… —
murmurou Nick lambendo a garganta dela, trabalhando com
perseverança em desabotoar sua calça cáqui e descê-la por
suas pernas esguias. Imediatamente depois, cobriu seu
púbis com sua mão e apreciou ao notar o pelo encaracolado
de sua esposa. Castanho claro. Lindo.
Sophie jogou o pescoço para trás e se apoiou com as
mãos no mármore da ilha.
— Sentiu minha falta?
— Sim, Nick. Muito. — assegurou atraindo-o com suas
pernas. — Faça amor comigo já. Morro de vontade.
Nick sorriu e o sangue de Sophie ferveu ao ver seus
dentes brancos entre seus lábios e o brilho endiabrado de
seus olhos dourados. Só precisavam disso. Estarem juntos,
unidos um ao outro daquele modo.
Ele tirou o cinto e desabotoou a calça, para depois
liberar sua ereção de sua cueca negra. Penetrou-a de uma
só vez e ela já estava úmida. Apertada, deliciosamente
escorregadia e inchada até uns limites incríveis. Sophie
sempre o reconhecia e o esperava daquele modo. Preparada
para ele.
Nick começou a bombear em seu interior sem deixar de
beijá-la, permitindo que ela levasse o ritmo. Era todo um
cavalheiro, sempre deixava o leme para ela, apreciava
igualmente de todas as maneiras. Só importava para ele
estar dentro de seu corpo e esvaziar-se nela.
Como fazia nesse momento. Sem sair dela, agarrou-a
nos braços enquanto subia e descia sobre sua ereção.
Deitou-se na cama e deixou que o montasse como uma
amazona.
Nick cobriu seus seios com as palmas das mãos a
ponto de ejacular, a ponto de explodir pela estimulação da
carne com carne.
Sophie não ia se deter, estava no ponto de não retorno.
Ambos estavam.
— Mais rápido, mais… — sussurrou Sophie. — Oh,
Deus… Nick… mais…
— Sim. Sim… — ele a segurou pelos quadris, erguendo
os seus para chegar com cuidado ainda mais fundo.
E então, como se tivessem chegado a um acordo tácito,
os dois gozaram ao mesmo tempo.
— Oh, Sophie…
— Nick! — Ela desabou sobre seu peito e afundou o
rosto em seu pescoço.
Enquanto ele a confortava e acalmava, pensou que
aquela era uma excelente boas-vindas: um orgasmo
enlouquecedor e cheio de amor e alegria depois de um mês
sem se verem.
Seu marido estava em casa. Por fim.
Como odiava essas ausências. Nunca se acostumaria.
Sophie continuava trabalhando com seu pai na
Louisiana, esperando todos os fins de semana que Nick
retornasse a seu lado.
Mas essas viagens de negócios eram intermináveis e
uma tortura. Nick tinha um bom trabalho e um bom salário.
E esperava com serenidade a decisão do diretor de sua
empresa de abrir uma sucursal em Nova Orleans. Mas
enquanto isso não acontecesse, teriam que viver daquele
modo.
Ela concentrada na empresa da família, que já tinha
conseguido relançar e atualizar.
Ele na expectativa da nova sucursal.
Ambos separados.
O incrível era que seu amor e sua relação não se viu
comprometida, nem sequer um pouco, por sua situação de
trabalho.
No pessoal, no físico e no emocional, cumpriam à
perfeição com seus papéis e seus desejos. Nem fendas nem
recriminações. Só amor e compreensão.
Sophie abraçou Nick e roçou sua bochecha com o nariz.
— Perdeu peso.
— Sim. Sei. Foram dias muito agitados.
— Conseguiu abrir a conta no Japão?
Nick não tinha outra saída que continuar mentindo.
“Abrimos e fechamos as contas dos Sumi com os Estados
Unidos. Fizemos isso.”
— Sim. Não foi ruim para nós. Gostam de nosso
material.
— Clint está contente com seu novo trabalho?
Nick contou a ela fazia um ano que Clint tinha entrado
para trabalhar em sua empresa, ele mesmo o tinha
recomendado. Ele o pediu como companheiro. E agora
trabalhavam juntos.
— Não gostou muito da cultura japonesa.
— Ah…
— E com você, como foi? Conseguiu explicar a seu pai
sobre abrir sua própria rede de restaurantes?
Sophie enrugou o nariz e negou com a cabeça.
— Não encontro um modo de dizer a ele. Está tão
animado com o bom funcionamento da empresa que tenho
medo que voltemos a nos enfrentar.
Nick a beijou na testa. Não a pressionaria. Mas Sophie
já tinha feito sua função; reconverter o clássico negócio de
açúcar do seu pai em uma marca internacional com marca
padrão e gourmet. Tinha conseguido produzir vários tipos
de açúcar, não só o mascavo, e isso permitiu a eles abrir
mais mercado e aumentar a produtividade.
— Meu pai agora te aceita. Pergunta por você muitas
vezes. Acredito que começa a gostar de você.
— Já era hora. Depois de cinco anos… Digamos que
começamos a nos tolerar.
— Ao que me refiro é que se disser a ele que quero
ficar por minha conta, preocupa-me que volte a implicar
com você e teime de novo em nos separar.
Nick sorriu maliciosamente.
— Não conseguiria.
— É óbvio que não. Mas ainda não é um bom momento
para lhe apresentar minha ideia.
— Já a atrasou por ele.
— Sim, é verdade. Mas acredito que ainda posso
esperar um pouco mais… Além disso, não é o momento
adequado.
Nick não estava tão de acordo, mas como ia dizer o que
tinha que fazer com sua vida quando era incapaz de
explicar a ela o que ele fazia com a sua?
O agente levantou a cabeça do travesseiro e lhe deu
um beijo nos lábios.
— Deu-me uma boa surpresa, Sophie… Vê-la é justo o
que precisava hoje. Pensava que me esperava na Louisiana.
Tinha pensado tomar banho e ir para lá amanhã.
Ela deu de ombros e se ergueu para se afastar,
acariciando o corpo dele com a ponta dos dedos.
Desabotoou sua camisa mordendo o lábio inferior e depois
desceu as calças até os joelhos.
— Acontece que vim porque tenho uma surpresa que…
Pelo amor de Deus! — exclamou atônita, ficando de joelhos
aos pés de Nick com os olhos fora de órbita e seu olhar
castanho cravado em sua coxa. — Me diga que isso que tem
aí é henna!
Henna? pensou Nick, divertido. Não era henna, mas sim
tinta de tatuagem que corria sob sua pele. E ficaria
eternamente.
Sophie ao ver que Nick sorria e não respondia, deu um
tapa nele com a mão aberta na barriga.
— Ouch! — queixou-se ele.
— Ouch?! Fez uma tatuagem?!
— Não se zangue. Clint e eu perdemos uma aposta e
tivemos que fazer isto. — explicou com tranquilidade.
— Por que teve que se tatuar? Uma aposta? E não
podia tatuar uma letra ou uma estrelinha no pulso?
— É somente um desenho.
— Nick! — virou-o como um bolinho e voltou a clamar
aos céus quando comprovou que o mesmo desenho
percorria a nádega de seu marido. — Ficou louco?! Tem a
bunda tatuada! — gritou incrédula.
— Deveria ver a do Clint…
— Não me interessa a bunda do Clint! Ele não é meu
marido!
— E me alegro por ele. — ronronou tentando suavizar
seu impacto. — E também por mim. Do contrário, jamais
teríamos sido amigos. Eu me sentiria muito mal desejando a
esposa do meu melhor amigo, não acha?
Sophie balançava a cabeça e jogou a longa franja lisa
para trás.
— Deus… parece um mafioso…
— Mas você gosta, não é? — Agarrou-a de repente pela
cintura e a atirou de novo sobre a cama.
— Nick… — suplicou meio sorrindo. — Quando meus
pais virem isso…
— Deveria me banhar nu para isso. E não queremos
constranger aos Ciceroni, não é verdade, princesa?
— Desde quando você gosta de tatuagens?
— Ah, sempre gostei delas. Sempre quis fazer uma —
mentiu —, mas não sabia o que.
— Claro, e foi ao Japão para descobrir.
— Não se zangue, Soph… Se você não gosta, com o
tempo tirarei. Mas note bem. É um tigre. Tal como você me
chama às vezes quando quer brincar comigo. Um tigre —
recordou —, como o bichinho de pelúcia que ainda conserva
em sua cama de quando era criança. Fiz isso em sua
homenagem. — improvisou. Não havia nada como ter a
mente rápida.
Sophie engoliu em seco, e seus olhos perderam o
nuance de acusação para converter-se em um tom de
credulidade.
— Trouxe um presente para você. — disse ele de
repente.
— Isso não vai suavizar o fato de ter um tigre no
traseiro, seu trapaceiro.
— Sei. Mas acredito que você gosta… no fundo…
— Cale-se.
— E vi algo nesse mercado que não pude evitar trazer
para minha mulher. Vai ver, você vai adorar.
Levantou-se da cama tal como sua mãe o trouxe ao
mundo. Saiu correndo ao jardim, esperando que ninguém
das casas ao lado o caçassem, e agarrou a mala em que
carregava toda sua roupa. Uma vez dentro da casa, tirou um
urso panda de pelúcia do seu interior e se aproximou de
Sophie com seu rosto malicioso, que sua esposa tanto
gostava.
— Olhe. — disse fazendo-o dançar na frente da sua
cara. — É pra você. Se apertar sua barriga diz em inglês “Eu
te amo.”
O rosto de Sophie se iluminou por completo e lhe
dirigiu um sorriso radiante, e imediatamente seus olhos se
alagaram de lágrimas de emoção…
Nick, surpreso, olhou o urso. Não teria imaginado que
Sophie chorasse por isso… Correu para sentar-se a seu lado
e passou o braço por cima dela para cobri-la e protegê-la do
que acontecia com ela.
— O que acontece, princesa? Está chorando?
Sophie fazia caretas com a boca e Nick desejou beijá-la,
mas se fizesse não contaria nada a ele.
— Deus, Nick… — Com uma mão segurou o urso e com
a outra tomou a de Nick e a levou a seu próprio ventre.
— O que?
Pensou que tinha as dores da menstruação. Sophie
custava a suportá-la, e ele fazia massagens nos rins ou
colocava a palma sobre os ovários para esquentá-los para
que a dor fosse menor. Sophie sempre dizia que suas mãos
tinham magia.
— Sua regra vai vir?
Ela aspirou pelo nariz, e ao negar, a franja se moveu
para todos os lados.
— Não. Faz dois meses que não vem.
— Faz dois meses que não…? — Nick franziu o cenho
sem compreender.
— Não sabia, querido, mas sem querer, esse — disse
sacudindo o urso com doçura e batendo no nariz dele com
ele — é o primeiro presente que nosso filho vai ter.
Nick ficou sem ar ao receber a notícia. Ele? Um filho? Ia
ser pai? De verdade?
— Como?
— Se tiver que te explicar como, é que não fez muito
bem…
— Não. Não me refiro a… foi ao ginecologista?
— Sim. Fui faz dez dias. Estou com cinco semanas. —
Sophie deu de ombros, como se aquilo tivesse sido sem
querer e começou a rir com força. — Vamos ser papais.
Ele tentou perceber aquela vida nova que crescia no
interior de sua esposa através de sua palma. De repente,
queria escutar seu coração e centenas de caras diferentes
de como aquele bebê podia ser cruzaram sua mente.
Não teve medo. Queria ser pai. Antes jamais teria
imaginado. Mas Sophie mudou sua vida por completo, para
melhor. E agora seria papai. Um pai com um tigre tatuado.
— Vamos ser papais… vamos ser papais. — ele repetia
para assimilar, para poder acreditar. Até que explodiu,
agarrou Sophie nos braços, e dando voltas sobre si mesmo,
gritou: — Vamos ser papais!
Uma nova etapa começava para eles.
Um novo desafio.
Enquanto Sophie prometia a si mesma ser uma mãe
exemplar, transigente e sem preconceito, Nick se prometeu
outra coisa diferente: converteria-se no melhor agente de
todos para legar a seu pequeno ou pequena um mundo
menos turbulento, menos injusto e menos maligno do que
ele conhecia.
Para seu filho queria um mundo melhor.

CAPÍTULO 9
 
Meses depois
 
Elias Montgomery distribuiu vários dossiês ao grupo de
agentes que tinha mandado chamar à sala de reuniões.
Nick estudou a todos: a garota muito atraente e séria
de cabelo negro comprido e liso e olhos cinzas; o homem
alto com o cabelo de corte militar, a sobrancelha partida e
de olhos azuis.
A seu lado, estavam Clint e uma companheira que já
tinham trabalhado uma vez e que se chamava Karen.
Estavam ali porque iam atribuir a eles uma misteriosa
missão de última hora. Chamavam-na Amos e Masmorras.
Tratava-se de um caso de tráfico de pessoas, drogas e
de assassinatos, tudo isso misturado com um fórum de
dominação e submissão de nome Dragões e Masmorras DS.
Depois da introdução e da longa exposição do chefe
Montgomery, entrou em ação o homem da sobrancelha
partida.
— O fórum tem um submundo incrível. — anunciou
abrindo um dossiê. — Aqui encontrarão tudo o que precisam
saber. Meu nome é Lion Romano e sou o agente
encarregado desta missão. — esclareceu — Devemos nos
introduzir no fórum e nos fazer passar por jogadores de role
play. Devem aprender tudo relacionado com os tipos de
amos e de submissos, todos com reminiscências e pontos
em comum com os protagonistas de Dragões e masmorras.
— Arqueiros, feiticeiras e tudo isso…? — perguntou
Nick, morto de curiosidade.
— Sim. Exato. Vilões, criaturas, Rainha das Aranhas…
Devemos nos preparar para não levantar suspeitas e
conhecer tudo relacionado com o mundo do BDSM. Estes
assassinatos aconteceram durante o primeiro torneio que
fizeram de seu rol. Será um caso muito longo… Não
sabemos o que há por trás deles nem como captam às
mulheres que logo sequestram. Mas há uma liga de casais
de domines e submissos. Se entrarmos nessa liga, podemos
nos aproximar dos vilãos, os que movem todo o jogo. Assim,
primeiro devemos estar preparados para atrair sua atenção.
Alguém sabe um pouco de BDSM? — Seus olhos azuis
estudaram a todos os presentes, sorridentes e ao mesmo
tempo ansiosos, como se ele conhecesse esse mundo como
a palma de sua mão.
— Açoitar, amarrar… — murmurou Nick, um pouco
perdido. — É por aí?
A garota morena que havia ao seu lado parecia ter feito
os deveres e negou com a cabeça.
— Olá, equipe. Meu nome é Leslie Connelly. Vai muito
além disso, é algo quase existencial. Acreditem em mim,
leiam sobre isso. Eu também pensava que se tratava de
bater e infligir dor, mas quando Romano me colocou no
grupo e me disse que me preparasse, fiz isso e acredito
entender a teoria. — Seus olhos cinzas olharam para Karen,
procurando empatia feminina. — Agora só precisamos
compreender a prática.
Nick adivinhou que essa tal Leslie Connelly e Lion
Romano se conheciam anteriormente.
— Devemos fazer casais de trabalho. — explicou
Romano — A liga, o rol e o torneio se movem ao redor da
busca de amos e submissos, e em formar casais que deem
espetáculo. Entendo que nenhum de nós tem ideia de como
é isso… Assim precisamos nos exercitar antes. Pensei que
os casais poderiam ser estes… Nick Summers e Karen
Rafferty. Clint Tockholmes e Leslie Connelly.
— E… presume-se que devemos praticar entre nós? —
perguntou Clint olhando para Leslie com interesse.
Lion assentiu e pigarreou.
— Devemos ser algo mais, nos infiltrar. Fica claro? —
Esperou que alguém tivesse algo a objetar e depois
acrescentou. — Isto é trabalho, senhores. Recordem-no.
Nick — olhou diretamente nos seus olhos —, você é o único
dos aqui presentes que usa aliança. Se significar um
problema… podemos procurar outro. Mas vi seu currículo e
dada a quantidade de gente estrangeira que participa
destes jogos, e em especial em Dragões e Masmorras DS,
alguém como você, com seu perfil, cairia muito bem.
Nick olhou o anel e pensou nas mil razões pelas quais
não podia aceitar um caso assim. Entretanto, era seu dever
e se preparou para isso, assim devia tomar a decisão mais
responsável. A mais competente. E ele era, no final das
contas, um agente do FBI.
— Estou dentro. — assegurou fechando o punho, vendo
como o anel resplandecia pelos reflexos da luz.
Lion assentiu de acordo.
— Devem procurar nomes de usuários. Esse será o
Nickname com o que participarão do fórum e em outros
encontros. Pensem que neste fórum fazem registros do IP,
assim devemos camuflá-los para que não sigam nosso
rastro, certo? Não podem suspeitar jamais de nós.
— Sim, senhor. Serei Khamaleona. — assegurou Leslie,
animada.
Clint a olhou e assentiu de acordo.
— Eu serei Mosquito.
Os lábios de Leslie se ergueram com soberba.
— Camaleões comem mosquitos. Quer dizer com isso
que serei sua ama?
Clint não se importava nem um pouco. Aquela garota
recordava de algum modo Mizuki, pelo cabelo e aqueles
olhos amendoados. E isso o fazia imaginar que ela
continuava viva. Talvez fosse um novo estímulo para ele e
para sua vida sombria desde que voltou do Japão. Precisava
jogar a última cartada para continuar vivo.
— Que assim seja. — disse.
Nick o olhou de esguelha. Clint não estava para
brincadeira. Fazia tempo que seu amigo não sorria, que sua
vida carecia de cor. Tornou-se um pouco taciturno e só se
abria a ele de vez em quando, tomando uma ou outra
cerveja, quando contava como se sentia. O álcool abria
todos os canais de comunicação. E depois, quando
desaparecia de seu sangue, fechava-os com mais força. E
Nick tentava ajudar seu amigo. Mas como se ajudava
alguém que não queria que o ajudassem?
E ele? O que seria dele? Cada missão que empreendia
o mudava por dentro e ensinava coisas novas sobre si
mesmo. Podia ser cruel, vingativo, desinteressado,
indiferente e frio se propusesse a si mesmo… Podia ser
quem ele queria ser. Mas quem e o que era na realidade?
Aquela missão seria sua nova aventura, e esperava que
Sophie continuasse respeitando-o. Porque se alguma vez
descobrisse o que fazia, perderia muito mais que seu
respeito. Seis anos e meio vivendo uma mentira era muito.
E mais agora que vinha um bebê a caminho
— Eu serei Tigrão. — anunciou Nick.
— Tigrão? — repetiu Karen, com seu cabelo
encaracolado no alto de sua cabeça fazendo divertidos
cachos de cabelo caírem ao redor de seu rosto. Seus olhos
eram enormes e verdes. — Tigrão como o bolinho?
Clint riu de cabeça baixa. Ele sabia por que escolhia
esse apelido. Ter um tigre que mordia sua nádega não era
muito agradável.
Além disso, o tigre era seu animal favorito.
E também o de sua esposa.
Quando saíram dos escritórios, Lion Romano pegou
Clint e Nick de lado e os convidou para tomar uma cerveja.
O agente encarregado tinha quase sua idade. Era
especializado em engenharia da informação, e
aparentemente era muito bem apreciado dentro da
corporação.
Lion, dentro de seu aspecto um pouco intimidante e de
seu olhar frio, parecia um cara legal. Se ganhasse sua
confiança, seria para sempre. Mas não dava a possibilidade
de todo mundo ganhá-la, por isso Nick queria aproveitar a
oportunidade.
Pediram três cervejas pretas e se sentaram em uma
mesa redonda, oculta em um canto do pub meio vazio.
— Quero falar com vocês antes de começar a
preparação, e quero deixar claro alguns pontos. A missão
que devemos encarar tem conotações sexuais. E vamos
trabalhar com companheiras que merecem todo nosso
respeito, certo? São tão profissionais como nós, mas quero
me assegurar de que ninguém vai de cabeça durante a
instrução.
Clint e Nick se olharam surpresos.
— São companheiras, e nós profissionais. —
argumentou Nick — Quando acabar minha jornada, não vou
me atirar em cima de nenhuma delas, se é isso o que o
preocupa.
Lion entrelaçou seus dedos e apoiou os cotovelos na
mesa. Seus olhos azuis claros escureceram e inclinou seu
corpulento corpo adiante. Embora Nick fosse mais
corpulento que ele, Lion tinha uma presença que transmitia
poder e respeito.
— Pois verá; o que na verdade me preocupa é saber se
Clint vai continuar bebendo até que não sobre branco nos
olhos. Ou se você, Nick, vai ser capaz de levar o caso com
seriedade sem se deixar levar pelo amor incondicional que
sente por sua mulher.
Clint se endireitou na cadeira e bufou com ironia. Nick,
em troca, estreitou os olhos e se inclinou para frente
copiando o gesto de Lion, demonstrando que embora fosse
seu superior não tinha medo dele.
— Você nem sequer imagina as coisas que fiz
mantendo minha mulher à margem. Não faz porra de ideia
nenhuma. Assim não me julgue, porque levo muito a sério
meu trabalho, Romano. Passo seis anos cumprindo-o à
perfeição. Trabalho é trabalho. E minha mulher é minha
mulher. Posso diferenciá-los perfeitamente.
Lion piscou de acordo com a resposta. Sabia que Nick
Summers era um agente excelente, mas a missão de Amos
e Masmorras era complicada para aqueles que tinham os
corações comprometidos. Mesmo assim, seria um filho da
puta e exigiria o máximo de sua equipe, não importava se
estavam apaixonados ou não. Ser agente do FBI não era um
jogo.
— Perfeito. E o que me diz Clint? — Os olhos azuis de
Lion julgaram sem nenhum pingo de vergonha ao agente.
Este revirou os olhos, tomou a cerveja preta entre seus
dedos e verteu todo o líquido no chão. Sorriu, tudo de volta.
— Eu posso deixar de beber agora mesmo. Mas me dê
trabalho para que comece a matar meus demônios de outra
maneira. — esclareceu — Porque sou muito bom no meu
trabalho. E darei o melhor de mim neste caso. Mas
mantenha minha mente ocupada. — Quase rogou a ele.
Lion o estudou, querendo olhar através dele e
compreender a que se devia aquele desespero, mas ainda
era cedo para averiguar.
Entretanto, adorou a honestidade e a sinceridade dos
dois agentes, e soube sem nenhuma sombra de dúvida, que
podia aprender muito com eles e que podiam chegar a ser
bons amigos.
E prometeu a si mesmo dar o exemplo, dando o melhor
de si em Amos e Masmorras. Queria ganhar o respeito dos
seus.

***

Uma semana depois, Nick tinha diante de si um novo


vídeo sobre dominação e submissão. Jamais tinha visto nada
parecido. É óbvio que tinha visto pornô. Era um homem com
apetites sexuais, porra. Hardcore, creampie… de tudo. Mas
se deu conta de que os verdadeiros amos e os melhores
vídeos sobre BDSM não se encontravam nas páginas pornô,
mas sim ocultos entre os verdadeiros mestres destes jogos
sexuais que definiam um modo de vida e que tinham
confiança total em um companheiro.
Lion Romano lhes forneceu uma extensa e excelsa
bibliografia sobre o que era bondage, dominação e
submissão, acompanhada de uma cinemateca espetacular.
Nick, sentado em sua poltrona de braços na solidão de
sua casa, com o resplendor de sua televisão de plasma o
acertando diretamente no rosto, experimentou um estranho
beliscão de emoção e de curiosidade ao contemplar o jogo
contraditório que envolvia uma domesticação. As lágrimas,
os rogos, os sorrisos da submissa… como suplicava por
mais! Como pedia mais dessa doce tortura! Como era
possível?! Como podia ser que algo tão impactante de se
ver pudesse excitá-lo desse modo?
Sua mulher estava grávida. Sophie daria a luz dentro
de umas semanas, e não cessavam de cruzar em sua mente
imagens de sua esposa amarrada, amordaçada e submetida
por ele. Por quê? Por que lhe acontecia isso?
Não o excitava a mulher que via no vídeo. Nem sequer
o excitaria Karen enquanto ele praticasse os spankings, os
açoites e todo o resto. Mas se excitava ao imaginar Sophie
assim.
Estaria ficando louco?
O amo do vídeo puxava o cabelo da garota enquanto a
empalava por trás com uma fúria que parecia dolorosa, e
que tinha certeza, tinha que doer àquela jovem. Entretanto,
nessa dor, enquanto ele açoitava sua nádega avermelhada
e quente com a mão aberta a um ritmo quase insultante, a
submissa achava sua liberação e sorria entre lágrimas,
suplicando que não parasse, que não cessasse seu castigo,
enquanto gozava e suas pernas tremiam pela sensação.
E Nick estava impressionado.
Passou vários dias impregnando-se de toda essa
informação. E quanto mais via, mais queria saber.
Despertou nele uma necessidade irreprimível: a de
experimentar e comprovar se, fazendo isso, gostaria e o
emocionaria tanto como ver.

***
Sophie analisava os últimos relatórios de venda de
açúcar.
As plantas melhoraram sua própria produtividade
duzentos por cento, e os benefícios se triplicaram após.
Gozavam de boa saúde econômica e tinham distribuição em
todos os estados americanos e em mais de trinta países de
todo o mundo. A marca Azucaroni era reconhecida
internacionalmente e respeitada em seu país.
Fechou o Excel de contas e abaixou a tampa do
notebook com um gesto de orgulho. Tinha conseguido. Era
uma mulher que sabia relançar uma empresa, tirar os
máximos benefícios dela e repará-la. Quando por fim
desenvolvesse sua própria rede, certamente faria isso bem.
Acariciou o ventre e apoiou as costas no respaldo de
sua cadeira bege de escritório. Através da ampla vidraça
que rodeava seu escritório, podia contemplar os campos de
cana-de-açúcar.
Os caules das cespitosas plantas cobriam uma imensa
parcela esverdeada e amarela de vinte mil metros. Em
breve as máquinas passariam suas lâminas detalhadamente
pelos caules e os cortariam para logo passá-las no trapiche.
Sophie adorava ver como entardecia em Thibodaux e
que seus campos de açúcar se cobriam das cores ardentes
que emitia o sol ao se esconder.
Imaginou Nick correndo através dos campos
perseguindo sua filha, como seu pai tinha feito com ela.
Teriam uma menina.
E a chamariam Cindy.
Morria de vontade de vê-la. Que cor de olhos teria?
Marrons como os seus ou dourados como os de Nick?
Como seria seu casamento com um bebê?
Até agora tinham sobrevivido a tudo. À melancolia, à
distância, a seus trabalhos, a seus pais… Seu amor tinha
saído vencedor de tudo aquilo.
Quando se viam era como o primeiro dia. Não se
cansavam de se tocar, de beijar e de se acariciar.
Buscavam-se com olhos, mãos e bocas.
Era maravilhoso se reencontrar com seu marido todas
as sextas-feiras. E quando tinham permanecido longas
temporadas juntos de férias, tudo saiu às mil maravilhas.
Respeitavam seus espaços mútuos, e ao mesmo
tempo, necessitavam que houvesse algo do outro neles.
Entretanto, ter um bebê não era o mesmo que ser
solteira e autossuficiente. E um casamento sem filhos não
era nem um pouco o mesmo que um com eles. Tudo
mudava. Não sabia se para melhor ou para pior, por isso
tinha decidido que viveria com ele, para que pudessem
usufruir de Cindy e dela juntos, como uma família.
Pegaria um ano de licença maternidade. Embora seu
pai fizesse bico porque queria que estivesse ali com eles,
queriam apreciar Cindy desde o primeiro dia, devia aceitar
isso e compreender que o pai era Nick, e que ele e ela eram
um casal que, devido às circunstâncias, trabalhavam em
estados diferentes e que por isso não podiam se ver tanto
como o fazia um casal normal. Aproveitariam sua licença
para que ela fosse viver uma temporada em Washington
junto dele.
Depois de várias discussões, Carlo cedeu. Em troca,
seu pai pediu que formasse durante alguns meses alguém
para seu cargo e responsabilidade, como diretor do comitê
de estratégia empresarial e de ações do comércio de
açúcar.
E então chegou Rob.
Rob era um homem bonito e agradável cinco anos mais
velho que ela e com uma ampla experiência em direção de
destilarias. Mas açúcar não era álcool, nem tinha os
mesmos distribuidores nem falavam com o mesmo perfil de
comerciantes. Sophie tinha reeducado Rob para que fizesse
seu trabalho enquanto ela estivesse de licença.
Tinha demonstrado ter uma grande capacidade de
atenção e agora sabia como deviam funcionar as coisas, e
tanto ela quanto seu pai tinham fé nele.
Justo nesse momento a porta se abriu e apareceu uma
cabeça. Rob tinha o cabelo castanho despenteado, um
pouco grunge. Vestia camisa polo e calças dockers e tinha
uma mandíbula muito marcada e masculina. Era um homem
atraente, sem dúvida.
Sorriu para ela e piscou um olho de cor castanha. Um
homem atraente e do sul, sim senhor, pensou ela divertida.
— Posso entrar?
— Claro. — respondeu ela.
— Seu pai me disse que vai partir dentro de algumas
horas.
— Sim.
— Não pode pegar avião em seu estado, não é?
Sophie tocou a barriga avultada e negou com a cabeça.
— Nosso chofer nos levará.
— Bem. — ele disse caminhando no recinto no qual já
se sentia confortável, como se esse já fosse seu escritório.
Tinha uma bolsa de uma loja de acessórios infantis em uma
mão.
Sophie a olhou intrigada e franziu o cenho.
— Trouxe um presente para você. — informou com
satisfação.
— Agradeço muito. Mas não precisava, Rob.
Ele sorriu contrito e deu de ombros.
— Não sei se já tem.
Sophie abriu a bolsa e desempacotou o presente. Era
um par de babás eletrônicas para monitoramento de bebês
com câmera incluída.
Sophie sorriu. Nick já tinha comprado. Encarregou-se
de comprar tudo o que necessitava para sua menina. E
quando dizia tudo, era absolutamente todos os aparelhos
logísticos para um bebê. Além disso, tinha pintado o quarto
e o encheu de fadas. Nick era um amor, morria de vontade
de vê-lo outra vez.
Sophie, por outro lado, tinha comprado as coisas que
uma mãe queria para sua filha: roupinhas, luvinhas e
demais…
— Muito obrigada, Rob.
— Já tem, não é?
— Hã… não, não…
— Sim, tem. Conheço sua cara. — resmungou.
— Bom. — Sorriu com uma desculpa. — Precisaremos.
Quanto mais câmeras, melhor. Já sabe quão obcecado está
meu marido controlando tudo.
Rob fez uma careta com a boca e coçou a nuca.
— Sim, já…
— Deixo-o sozinho ante o perigo a partir de agora.
— Fui ensinado pela melhor. Assim tentarei fazer isso
bem.
— Aposto que fará maravilhosamente.
Rob olhou a seu redor com um pouco de desconforto.
— Bom, chefa… — analisou-a de cima abaixo como se
quisesse cuidar dela. — Tenha muito cuidado, certo? Espero
que seu marido a trate como uma rainha.
Sophie arqueou as sobrancelhas.
— Darei o recado a ele.
Quando Rob saiu de seu escritório, Sophie franziu o
cenho ante o último comentário.
Nick sempre a tinha tratado como a uma rainha. Talvez
não vivessem juntos como um casal normal, mas sua
relação sempre fora excelente.
Com esse pensamento, com a vontade de se
desconectar dos campos de açúcar e de seus pais, e com o
desejo de se concentrar em sua futura filha e em seu
marido, Sophie cravou seu olhar no horizonte.
Diante de si tinha uma aventura das grandes. Talvez o
desafio de uma filha colocaria à prova a fortaleza e solidez
de seu matrimônio.
Nunca tiveram que se preocupar com outra pessoa que
não fosse um com o outro. Mas com a chegada de Cindy sua
atenção se dividiria.
Estavam preparados para isso?

CAPÍTULO 10
 
— Estou tão excitada, Nick.
Nick mordeu levemente o ombro de sua mulher,
sorrindo com ternura ante seu notável desespero.
Sophie tinha uma gravidez muito avançada, mas sua
vontade de sexo tinha aumentado devido aos hormônios.
Nick, que tinha lido muito durante os oito meses que já
passaram da gestação, sabia que havia mulheres que
temiam a intimidade com seu companheiro por medo que
seu bebê sofresse algum risco pela penetração.
Mas ele sabia como tratar Sophie, que posições eram
as adequadas para eles. Tal como estavam, Sophie se
sentou sobre ele e tinha apoiado suas costas em seu torso,
enquanto se agarrava aos joelhos de seu marido.
Nick beijava seu pescoço e lambia seu ombro enquanto
a penetrava com cuidado, mas intensamente. Adorava tê-la
assim. Contemplar suas costas enquanto ele desaparecia
em seu interior. Possuí-la enquanto com suas enormes mãos
segurava seu ventre, onde repousava Cindy, esperando seu
momento. Nick tinha a vida de suas duas pessoas mais
importantes em suas mãos. A mulher que o fazia o homem
mais feliz do mundo e a futura filha que faria dele o pai mais
afortunado.
E ali estava, dando prazer a Sophie. Detinha-a quando
ela queria ir mais rápido, ansiosa por chegar ao final.
— Mais rápido, Nick…
— Não, Sophie. Tem que ser assim… recorda: inspira e
respira…
— Não, Nick. Não zombe. Nick… — suplicava mordendo
o lábio inferior.
Ele a segurou pelo queixo e girou seu rosto para beijá-
la na boca e deixá-la sem respiração.
— Jamais zombaria de você.
Levou sua outra mão para frente e tocou seu clitóris,
acariciando-a e fazendo rotações escorregadias com o dedo.
— Oh, Deus… — murmurou Sophie agarrando-se a seu
pulso.
— Assim, amor… assim. Eu a amo tanto, Sophie… É tão
bonita…
Ela sorriu ao escutar essas palavras, que como se
fossem um empurrão, provocaram que se liberasse
rapidamente.
Assim que Nick sentiu as paredes da vagina de Sophie
contrair e espremê-lo, ele aproveitou e se deixou ir com ela.
Sophie apoiou seus seios nas coxas levantadas de Nick
e se abraçou a seus joelhos, morta de prazer. Beijou seu
joelho esquerdo e esfregou a bochecha contra seu pelo viril.
— Como pode dizer que sou bonita? Parece que comi
toda minha família…
Nick soltou uma gargalhada e massageou seus rins,
ainda sem sair de seu interior. Sabia quanto a aliviava seus
cuidados, e não cessava de dar a ela. Agora que a tinha
vivendo em Washington com ele, queria tratá-la como a
uma rainha.
— É uma exagerada, princesa. Continua sendo linda
para mim. Mais ainda, se possível. Vê-la grávida de minha
filha é tão excitante e tão lindo que me cativa o coração.
Ela fechou os olhos, agradecida por essas palavras.
— O que fiz para merecê-lo?
— O mesmo me pergunto eu.
Não era fácil viver afastado dela. E agora, depois de
começar a se preparar para a missão de Amos e Masmorras,
apreciava ainda mais a intimidade e o amor que sentia por
Sophie.
Nick tratava Karen de maneira impessoal, com muito
respeito, porque era uma companheira, mas à margem de
que deviam executar domesticações e pôr em prática o
aprendido, ambos eram profissionais e sabiam que o que
faziam era a trabalho. A princípio foi violento, mas a
personalidade de Karen o ajudava a relaxar, e ele também
tentava que ela visse em seu contato só uma interpretação
do que devia ser um amo e uma submissa. Nada mais.
Porque era somente isso.
Entretanto, Nick tinha descoberto algo inquietante e ao
mesmo tempo fascinante sobre ele mesmo. Tocou uma
parte de sua alma que permanecera adormecida, esperando
pacientemente o momento de emergir. Os jogos de
dominação e submissão o atraíam até o ponto que desejava
com loucura poder exercê-los com sua esposa. Mas
esperaria que passassem uns meses depois que ela tivesse
dado a luz para lhe propor jogar de outra maneira.
Nick cravou seus olhos nas nádegas abertas de Sophie
e na umidade que brilhava no ponto onde estavam tão
unidos.
— Está se endurecendo de novo, Nick? — Ela o olhou
por cima do ombro.
Ele deu de ombros. Ficava duro sempre que pensava
nela e nele daquele modo; excitava-se ao fantasiar com
seus futuros jogos. Como Sophie confiava nele, estava
convencido de que seria receptiva e de que gostaria de tudo
o que fariam.
— Você me deixa assim… nunca tenho o suficiente.
— Alegra-me saber disso. — murmurou Sophie
deixando-se levar pelo momento.
E assim, ambos de novo voltaram a se excitar,
deixando-se levar pela paixão de seu casamento.

***

Mas nem tudo era prazer.


Isso foi algo que Nick aprendeu enquanto corria o
corredor do hospital ao lado de sua mulher sentada em uma
cadeira de rodas, agarrando o ventre com força e lutando
para controlar a respiração.
Cindy vinha a caminho e lhe provocava umas dores de
parto dilaceradoras. Nick só podia estar ao seu lado e
segurar sua mão, angustiado e preocupado com ela.
Imagens dantescas de um parto complicado e sangrento
atravessavam sua mente, provocando suores frios e
nervosismo.
— Ligou para meus pais? — ela perguntou franzindo o
cenho e apertando os dentes.
— Sim, querida. Concentre-se…
Sophie se calou, jogou a cabeça para trás e gritou
como uma desenfreada ante uma nova contração ainda
mais forte que a anterior.
Todas eram. Parecia que a estavam matando. E ele,
apavorado, só tinha vontade de chorar por ela.
— Vai querer peridural? — perguntou a enfermeira que
se encarregava de colocá-la no quarto. — Seu ginecologista
virá em seguida.
— Não quero peridural. Quero sentir como esta menina
nasce e sai de meu ventre, Nicholas…
Nick arregalou os olhos e ficou pálido.
— Sophie, você não tem nenhuma resistência à dor. —
murmurou tentando ser cuidadoso. — É uma injeção e
pronto. Nem se lembrará de que…
Uma vez na cama, deitada, ela agarrou a camiseta do
seu marido pela gola e encostou seu nariz ao dele.
— Devia ter pensado nisso antes de me deixar grávida,
imbecil! — E ato contínuo voltou a gritar, retorcendo-se de
dor e chorando como se os demônios a levassem.
Nick aguentou impassível o aguaceiro, já que aquela
não foi a única vez que o insultou. Sophie podia ser uma
elegante lavadeira quando queria.
— Acredito que cortarei seu pênis! — gritava quando a
tiravam do quarto para levá-la à sala de cirurgia.
— Vai acompanhá-la, senhor Summers? — perguntou a
parteira, atenciosa. — Seu ginecologista a está esperando lá
dentro.
Nick não hesitou nem um instante.
— Meu marido vem comigo aonde eu vá. — assegurou
Sophie estirando a cabeça para buscá-lo. — Nick. —
Estendeu a mão procurando a sua.
Ele sorriu enternecido e se encheu de amor por ela.
Precisava dele. Necessitava-o tanto como ele a ela.
Tomou a mão de sua esposa e caminhou ao lado de sua
maca, olhando-a com toda a devoção do mundo.
Talvez ele não estivesse nessa maca, mas a dor de sua
mulher era a sua. Não a deixaria sozinha.
— Vamos fazer isto juntos, princesa. — sussurrou
encostando sua testa à dela.
Sophie se pôs a chorar e assentiu nervosa.
—J untos, meu amor.
Cindy Summers Ciceroni pesava três quilos e meio e
alertou ao mundo de que por fim tinha chegado com um
grito ensurdecedor à meia-noite.
Os pais de Nick e os de Sophie fizeram uma viagem
relâmpago a Washington para conhecer sua neta. Nick tinha
apresentado Cindy aos orgulhosos avós, todos eles novatos
em tal estado. Seu sogro e seu pai, de classes tão
diferentes, tinham o mesmo sorriso malicioso nos lábios. E
sua mãe e Maria comentavam quão bonita era com olhos
frágeis e cheios de ternura.
Quando Sophie pôde segurar nos braços a sua pequena
com calma, já a tinham banhado e estava vestidinha com
um conjunto rosa e um gorrinho. Era tão pequena, rosada e
tão enrugada que parecia mentira que algo assim avultasse
tanto a sua barriga.
Nem Nick nem ela puderam reter as lágrimas de
emoção depois da tempestade e as apresentações.
Agora queriam ficar sozinhos.
Eram pais. E juraram que seriam pais não por dar vida
a Cindy, mas sim porque se encarregariam de protegê-la e
lhe oferecer todo o amor do mundo.
Enquanto Sophie dormia deitada de lado, de frente
para eles, Nick segurava Cindy contra seu peito. No instante
em que sentiu o minúsculo coração de seu bebê pulsando
contra o seu, encheu-se de orgulho por ela.
Enquanto acariciava o punho fechado da pequena tão
bem embalada por seus braços, observou Sophie, cujo rosto
banhava uma luz do luar que entrava pela janela.
Nick era incapaz de encontrar semelhanças em Cindy.
Os bebês quando pequenos pareciam velhos com nanismo.
Assim, observando as feições cinzeladas e adoráveis de
Sophie, não pôde encontrar semelhanças, embora não
duvidava de que a pequena quando crescesse seria tão bela
como sua mãe. Linda, justa, honesta, inteligente e divertida.
Nick suspirou e apoiou a cabeça na cadeira.
As duas mulheres de sua vida necessitariam toda a
proteção do mundo. Lá fora, na realidade, havia assassinos,
pederastas, estupradores e sádicos que só eram felizes
provocando a dor gratuita dos outros.
Ele se encarregaria de cuidar de suas duas princesas.
De maneira anônima, como faziam os super-heróis.
— Vai ser um pai maravilhoso, Nick. — murmurou
Sophie com voz sonolenta, olhando-o atentamente. — Não
posso imaginar esta aventura com outro que não seja você.
— Nem eu posso imaginar uma mãe melhor, nem uma
esposa tão boa como você. Adoro que trilhemos este
caminho juntos. — aproximou seu rosto ao dela.
— Coloque-se aqui comigo. — pediu afastando-se
levemente para dar espaço a ele.
Ele assentiu e meio deitou na cama com sua filha nos
braços e sua esposa a seu lado, com a cabeça apoiada em
seu peito.
Havia felicidade mais incrível que essa?
Nick beijou Sophie e permaneceram juntos, testa com
testa. Ela acariciou as costas de sua filha.
— Não quer deixá-la no berço?
Nick negou com a cabeça.
— Esse berço de hospital é muito grande para ela.
Sophie arqueou as sobrancelhas castanhas e sorriu
divertida. Era minúscula, mas supunha que Nick queria
estar em contato com ela. Era inevitável. Transbordava
sensibilidade e amor, e Sophie não duvidava de que seria
um pai exemplar, como era um marido atento e cheio de
cuidados amorosos.
— Me dê um beijo, Nick. — pediu Sophie com os olhos
cheios de lágrimas.
Nick piscou confuso e a beijou, querendo transmitir
tudo o que sentia por ela. E era tanto que com certeza um
beijo não seria suficiente. Nunca seria.
— Você me faz muito feliz, Sophie. Nunca esqueça que
a amo. Aconteça o que acontecer, tenhamos as dificuldades
que tivermos a partir de agora, recorde que meu amor por
você está fora de qualquer dúvida. É o melhor da minha
vida.
— Oh, Nick. — Ergueu sua mão e pousou seus dedos
sobre a bochecha áspera daquele homem loiro, seu
Nicholas. — Me faz feliz ser mãe junto a você. O amo tanto
que parece mentira que tenha amor para mais alguém … —
Olhou a sua filha com eterna ternura. — Mas desse amor
nasceu esta pessoinha que não teve que fazer nada para
que a amasse. E o amo ainda mais por isso. Pelo presente
de Cindy.
Ficaram se olhando mutuamente, encantados um com
o outro, com seus rostos emoldurados pela pálida luz da lua.
— Começa uma nova aventura. — assegurou ele.
Sophie assentiu e sorriu resplandecente.
Entrelaçaram os dedos de suas mãos e se beijaram,
desfrutando da calidez e da magia do momento.
— Cuidarei de minhas princesas. — jurou.

***

Nick gozou de duas semanas de licença para estar com


Cindy e Sophie, e para poder ajudar sua mulher. No final de
quatro dias de dar à luz já estavam em sua casa. Os pais
dos dois ficaram ali para cuidar de Dalton e preparar os
quartos e tudo o que precisava para a chegada de Cindy.
Nick não podia acreditar que Carlo e Maria aceitaram
passar vários dias com eles na mesma casa, quando ambos
os casais provinham de berços tão distintos.
A opulência e a humildade material.
A educação e a simplicidade.
Polos muito opostos, que por uma razão que nem
Sophie nem ele compreendiam, conseguiram se dar bem
em um território neutro, apesar das notáveis diferenças em
suas origens.
Nick não se envergonhava de seus pais, mas conhecia
suas limitações. Como Sophie não sentia vergonha de provir
de uma família rica e poderosa, embora soubesse quão
insultantes seus pais, em ocasiões, podiam chegar a ser.
E, mesmo assim, deram-se conta de que as reservas e
os preconceitos vinham desta vez, do lado deles e de mais
ninguém. Porque os quatro se entendiam à perfeição.
As sogras cozinhavam juntas e falavam do que fosse
que podiam chegar a falar duas mulheres maduras e com
filhos.
Os homens assistiam futebol um ao lado do outro e
conversavam sobre política. Às vezes, iam passear com
Dalton e tomar umas cervejas.
Nick continuava sem adivinhar do que podiam chegar a
falar ou o que podiam ter em comum duas pessoas tão
diferentes para dialogar tanto e ficarem à vontade um com
o outro, inclusive no silêncio. Mas embora não encontrasse
o segredo, estava seguro de algo: estaria sempre
agradecido a Carlo e Maria por tratar tão bem a seus pais.
Do mesmo modo que Sophie sentia um carinho muito
especial por seus sogros, por não ter em conta a altiva
educação de seus pais e aceitar tudo com tão bom humor,
rindo com eles de suas próprias maneiras, não tão de classe
como a dos Ciceroni.
Entre todos esses dias, conseguiram criar um ambiente
familiar heterogêneo e especial.
Sophie ria das brigas entre Carlo e seu sogro para
segurar Cindy. Ou das discussões entre sua sogra e sua mãe
para adivinhar a quantidade de chili em uma queijadinha.
Era adorável ver as duas mulheres mais velhas sorrir
para sua neta, agasalhá-la e amá-la com tanta devoção.
Sophie se via refletida nesse amor. Sua mãe a tratara assim
quando era pequena. A ela e a seu irmão. Às vezes, sentia
pontadas de dor ao imaginar a dor de sua mãe quando
perdeu seu único filho. Deve ter sido tão devastador… Não
queria nem pensar. Por isso agradecia agora que era mãe,
compreendia melhor o rígido controle que a submeteram.
Nem ela nem seu pai queriam voltar a passar por nada
parecido.
E agora, apesar das diferenças que houve entre elas
por aquele casamento tão precipitado e suas desafiadoras
loucuras, Maria ainda cuidava dela desse modo. E Sophie
estava agradecida e se sentia afortunada por isso. O que
antes não suportava, agora apreciava. Como a vida era
estranha…
Cindy acabava de unir para sempre dois mundos
antagônicos que, entretanto, podiam conviver no amor por
uma menina.
Na noite antes que os avós partissem, Nick estava
sentado no alpendre do jardim interno atirando a bola para
Dalton que já tinha sete anos. Na sala Sophie fazia Cindy
dormir, enquanto seus pais e seus sogros tomavam café
falando sobre a diferença entre os americanos do norte e do
sul.
Sophie, com a ajuda das mulheres, já sabia como
cuidar de Cindy. As mamães de primeira viagem sempre
tinham dúvidas sobre um montão de coisas que as avós se
encarregavam de solucionar.
Nick acariciou o pescoço de Dalton. O cachorro, igual
ao homem, tinha percebido as mudanças da chegada de um
novo membro da família. Dalton sempre saudava Cindy
pelas manhãs. Sophie se agachava para que o cachorro lhe
dissesse olá e a cheirasse. Quando Dalton percebia que
estava tudo bem, então ia ao jardim para brincar e correr.
Entretanto, na maior parte do dia ficava ao lado de
Cindy e de Sophie, como um guardião protetor, como uma
esfinge das pirâmides egípcias. Embora suas pirâmides
fossem uma menina e uma mulher que mereciam toda sua
atenção.
Nick tomou um gole de limonada enquanto observava a
aliança dourada em seu dedo anelar, herança dos Ciceroni.
Preferia as caveiras, mas por respeito a sua família por
parte de casamento, decidiu manter as clássicas.
Carlo saiu ao alpendre junto a ele e levou as mãos aos
bolsos, para contemplar a noite da capital e os vagalumes
que apareciam entre os matagais do jardim de cerejeiras.
— Sente-se esgotado? — perguntou o pai de Sophie.
Falavam-se claramente, sem disfarces. A princípio, sua
aberta antipatia os levou a dizer verdades na cara e não
perderam o costume após, embora sua relação agora fosse
mais que cordial.
Nick sorriu por cima do ombro.
— Não, senhor. — respondeu Nick.
— É incrível como pode mudar a vida de um homem
ante o nascimento de seu primeiro filho, não é verdade?
Muitos dos planos que tinha já não poderá realizar… Um
bebê implica sacrifícios.
— Você os fez? — perguntou.
Nick não podia sacrificar nada. Seu trabalho era
preservar a segurança dos cidadãos, e alguém com tal
vocação não podia ignorar a necessidade de trabalhar para
fazer o bem.
Era um agente do FBI, não um agente comercial como
todos acreditavam. Inclusive seus próprios pais engoliram a
mentira sem fazer mais perguntas. Foi tão fácil ocultar a
verdade de todos…
Carlo deu de ombros e se sentou a seu lado nos
degraus.
— Teria voltado para a Itália para estender nosso
negócio. Mas Maria estava apaixonada pela Louisiana e não
quis partir.
— Sua filha abriu o negócio na Europa.
— Sim. Fez exatamente o que eu não pude fazer.
— E se sente orgulhoso dela? Sente assim que seu
sonho se tornou realidade?
— Eu a amo, é um orgulho para mim ter uma filha
como ela. — reconheceu com serenidade. — Mas meu
desejo é que ela ame os campos de cana-de-açúcar tanto
quanto eu.
— Respeita o negócio, mas lhe falta sua paixão.
— Sim… — reconheceu pensativo. — Quando penso
nela e sei que não está ao meu lado, só espero que o
homem que me substituiu se sinta tão orgulhoso dela e a
ame tanto quanto eu. — Os olhos de Carlo se fixaram nos
dourados de Nick. Sete anos não passavam em vão. Carlo
tinha rugas nos olhos e Nick… Nick tinha amadurecido tanto
física como emocionalmente. Eram dois homens que,
apesar de suas diferenças, olhavam-se nos olhos e
colocavam sobre a mesa quais eram suas inquietações,
embora pudessem ofender ao outro com suas dúvidas ou
seus preconceitos. — Que lhe dê tudo o que eu não dei. Que
a faça feliz. E, sobretudo, que a proteja, Nicholas.
Depois de uma pausa, ele assentiu.
— Cindy é minha filha. Sophie é minha mulher.
Asseguro-lhe que não permitirei que nada nem ninguém
lhes faça mal.
— Posso confiar em você definitivamente, Nicholas?
Você me dá sua palavra?
— É óbvio. — assentiu sem duvidar. — Tem minha
palavra.
Carlo assentiu com a cabeça para lhe dizer que
confiava nele. Nicholas não tinha quebrado nenhuma das
promessas que fizera a ele, mas de todas, essa era a mais
importante para ele. Carlo apertou seu ombro e depois deu
tapinhas reconfortantes.
— Assim espero, Nicholas. Um avô pode enlouquecer
por uma neta. Mas um pai — estalou a língua —, um pai
pode se converter em um assassino por sua filha.
Nick se pôs a rir com incredulidade. Acabava de dizer a
ele que se não cuidasse de sua família o mataria.
A verdade era que Carlo era um safado. Um safado que
achava simpático e que era incapaz de odiar, por muito que
seu sogro se esforçou durante esses últimos anos.
Mas não. Nick não o odiava. Respeitava-o pelo amor
que sentia para os seus, por como os protegia.
Ele mesmo amaria assim a suas duas princesas.
 

CAPÍTULO 11
 
Karen suava e sorria sem perder Nick de vista, quem
movia o flogger fazendo círculos. Aquela garota morena de
cachos enlouquecidos tomou ar e se agarrou às cordas que
sujeitavam seus pulsos. Tinha o torso apoiado em um potro
e o traseiro no alto, coberto por um short.
Tinham concordado que, até que não fosse
estritamente necessário e se encontrassem na ação real dos
clubes noturnos de BDSM, não se despiriam nem se
tocariam.
Eram profissionais e não precisavam expor-se desse
modo.
— Conte. — ordenou ele, para depois açoitá-la com as
pontas das ardentes caudas do objeto de castigo.
Não podia negar que gostava daquilo. Seu amo
instrutor seguia com aberto reconhecimento seus avanços
como futuro domine.
Karen gemia e exalava depois de contar cada açoite.
— O flogger não tem que doer. Não tem que ser uma
tortura. — dissera Steven, o verdadeiro amo, um homem
calvo e musculoso que os instruía. — A ardência e a
quentura da pele devem ser prazerosas para a submissa. A
sensação tem que ser como a lembrança de uma carícia
estimulante e intensa. Nem muito forte nem muito suave. O
ponto exato, Nick.
E sabia que seguia as instruções com disciplina e
maestria. Primeiro, porque não queria machucar Karen de
forma alguma. E depois, e não menos importante, porque
queria praticar com Sophie na intimidade de sua casa.
O mundo da dominação e da submissão penetrou
debaixo de sua pele como se sempre tivesse sido uma parte
dele, desconhecida e oculta. O caso de Amos e Masmorras
fez emergir essa parte.
E Lion Romano, o agente chefe da operação, descobriu
isso muito antes dele mesmo.
— Você gosta de dominar, Summers. — provocou um
dia enquanto tomavam um café antes de iniciar as aulas de
domesticações. Não era uma pergunta.
Os olhos azuis de Romano sorriam por cima daquela
xícara branca que tinha o nome da cafeteria estampado em
preto.
Nick não soube muito bem como responder àquela
afirmação tão aberta, entre outras coisas. Escutar da boca
de outro o fazia acreditar que era verdade.
— É possível.
— É possível? Caralho! — Deixou a xícara em cima do
prato e apoiou os cotovelos sobre a mesa. — Você adora ter
poder. Aprecia isso. Mas se sente mal consigo mesmo, estou
errado?
Nick oscilou os cílios, incômodo ao ver que Lion o lia
como um livro aberto. Por que ele sabia todas essas coisas?
— Sei que você gosta por que… tem a mesma cara que
a minha quando faço domesticações.
— Como diz?
— O que ouviu. Você gosta tanto quanto eu.
Nick tirou a carteira do bolso traseiro de seu jeans.
Nesse dia era sua vez de pagar.
— Você gosta de estar na missão, Romano?
— Não, porra. — Lion se pôs a rir como se tivesse
soltado uma piada. — Sou um amo. Um amo de verdade.
Gosto porque vivo isso. É meu modo de viver.
Então Romano captou toda sua atenção, como se
tivesse aberto a ele o céu de suas dúvidas e seus medos.
— É amo de verdade?
— Sim.
— Faz domesticações? — ficou perplexo.
— É óbvio.
— E o fato de que tenham te dado esta missão é por…?
— Ah, isso foi pura casualidade.
— Pura casualidade. — repetiu Nick, assombrado. —
Porra.
— Sim.
Saíram da cafeteria para dirigir-se ao local onde
esperavam os instrutores para suas aulas particulares de
BDSM. Fazia um sol de mil demônios e não demoraram a
cobrir os olhos com seus óculos de sol. Cruzaram a Avenida
Kansas em Petworth, o distrito onde se encontrava o local
clandestino do BDSM.
— E por que acha que estou aborrecido?
Lion caminhou como se fosse o senhor de seu destino e
o mundo fosse feito sob medida para ele. Era seguro de si
mesmo e era justo o que irradiava. Esse detalhe facilitava
que sua equipe confiasse plenamente nele. Seus dotes de
controle eram inapeláveis.
— Está aborrecido porque pensa que engana a sua
mulher enquanto treina com a Karen.
A verdade o deixou sem palavras e cabisbaixo.
— É possível.
— Não. Não é possível. Isso é exatamente o que
acontece com você. Mas deve entender a instrução como
um mero trabalho. Sei que o BDSM tem sempre conotações
sexuais, mas não tem por que se deitar com as mulheres
com quem faz a domesticação. Há muitas maneiras de
submetê-las e elas podem usufruir de forma igual. Às vezes,
dominar nem sequer tem a ver com a cópula e o orgasmo, e
nós não transamos com nossos companheiros. Ainda. —
particularizou — Por isso, não é infiel a Sophie.
— Eu não tenho intenção de submeter a ninguém mais.
Faço com Karen porque é minha companheira nesta missão.
Mas o que me transtorna…
— O que o está deixando louco, amigo — assegurou
Lion sem medo de ferir —, é que morre de vontade de fazer
o mesmo com a sua mulher. — pararam em frente à porta
vermelha do local. — É amo, Nick. Tão amo como eu sou. E
como está apaixonado por sua esposa, quer jogar com ela
assim e se mostrar tal como é. Sem máscaras. Mas o
acovarda que ela não entenda o que lhe pede.
— É óbvio que me acovarda. Sophie nem sequer sabe
que sou agente do FBI, droga. — grunhiu, um pouco irritado.
— Para dizer agora a ela que gostaria de deixar sua bunda
vermelha.
Lion sorriu divertido.
— Não é o único que oculta sua profissão da esposa.
Muitos agentes secretos fazem isso. Em troca, o outro… seu
desejo de dominá-la, no final terá que confessá-los,
Summers, porque — apoiou a mão direita em seu ombro e
apontou para ele com o indicador da outra, para enfatizar o
que ia dizer —, uma vez que o amo acorda, já não há nada
que volte a escondê-lo em sua masmorra. E mais ainda
quando tem a mulher que escolheu e que ama. Necessitará
a dominação em sua vida conjugal. Precisará dela como
respirar. E se não a conseguir, então talvez seja infeliz.
— E se Sophie não aceitar essa parte de mim? Nem
sequer sei que tipo de amo sou.
— É um amo bom e atencioso, isso sem dúvida. É um
amo de categoria Hank, segundo Dragões e masmorras DS.
Agora — deu uma bofetada simpática na bochecha dele —,
concentre-se em aprender o máximo possível. E pense que
com Karen não tem nada. São apenas ferramentas de
trabalho um para o outro. Nada mais.
— Como pode me dar conselhos de algo assim se não
está na mesma situação que eu… se não está apaixonado e
perdido como eu?
O agente Romano tirou os óculos de sol emitindo um
barulho. Colocou a haste de seu Ray Ban no pescoço de sua
camiseta preta e o olhou de esguelha.
— Faço domesticações desde os vinte anos. Mas estou
apaixonado por uma garota desde que tinha oito anos.
Continuo apaixonado por ela e ninguém vai me tirar isso da
cabeça. E ela sabe tão pouco deste mundo como sua
mulher sabe do seu.
— Oito anos? O que está dizendo?
Lion não ia contar a ele mais sobre sua história pessoal,
mas continuou com seu conselho.
— É uma longa história… O que quero te dizer é que
dominar é uma necessidade de seu corpo, algo que dita seu
instinto. Posso fazer domesticações, posso ter feito tantas
como a quantidade de dias tem o ano… Mas meu coração
entreguei faz muito tempo mesmo. E pertence a ela.
— À menina de oito anos?
— Não, cara… agora já é uma mulher feita. Acredito
que tem vinte e seis. Quantos anos tem Leslie? —
perguntou a si mesmo. — Vinte e nove agora… Sim, então
ela tem vinte e seis.
— Leslie a conhece?
Lion torceu o rosto e se obrigou a redirigir a conversa.
— Enfim, Nick… deixaremos as emoções à margem até
o dia em que possa olhar a essa bruxa de olhos verdes e
cabelo vermelho e dizer a ela que me deixe ser seu amo de
corpo e alma. Que me deixe dominá-la. Então abrirei meu
coração a ela e darei as chaves de minha masmorra.
Enquanto isso — empurrou-o para frente com o indicador —,
cabeça fria e mão dura.
A porta se abriu automaticamente e entraram no local.
Oh, nossa… então o duro Romano estava apaixonado.
Tanto quanto ele. Isso o deixava na categoria de homens
vulneráveis.
Para ele, um mito caiu.

***

— Como está sua filha, Summers? — Leslie Connelly


perguntou a ele ao sair de suas aulas de dominação.
A morena era a domina de Clint, que depois de cada
sessão parecia que tirava se si o tormento que fazia parte
dele. Parecia rejuvenescer.
Para seu amigo, aparentemente aquilo de ser
submetido era uma forma de purgar seus pecados. Talvez,
pouco a pouco, o fantasma do que podia ter sido seu amor
impossível junto a Misaki se desvanecesse com cada açoite
ou spanking que Leslie aplicava nele. E isso era terapêutico.
Clint e Lion conversavam muito e se tornaram grandes
amigos. De fato, o grupo de cinco agentes tinha criado
fortes laços entre eles e tinham uma sólida base de
amizade.
Karen e Leslie trocavam ideias sobre as domesticações
e Leslie falava também com Nick. A necessidade de dominar
tinha nascido naturalmente nele, mas Leslie se
autodeterminasse, seria uma autêntica ama. Tinha atitude e
disciplina, e inspirava muito respeito.
Nick mostrava orgulhoso, através das fotos de seu
celular, quão rápido sua filha crescia. Cindy parecia um
bichinho adorável. Era loira como ele e tinha os olhos
castanhos de Sophie.
— É um bombom. — assegurou Leslie — Felicidades.
— Tem a genética de sua mãe. — afirmou Clint, que
acabava de sair da ducha com o cabelo negro molhado e
sua bolsa esportiva pendurada às costas.
No local tinham duchas para que depois do exercício
pudessem se limpar.
— Não vou tirar sua razão. — disse Nick guardando o
celular, sorridente. Tinha pressa em chegar à sua casa e vê-
las de novo.
Sempre que saía de uma domesticação sentia que traía
Sophie. Por mais palavreado que lhe soltasse Lion.
Seu agente no comando deu-lhe um bom conselho:
aquilo era apenas trabalho, não havia nem desejo nem
coração.
Mas mesmo assim, sabia que se algum dia Sophie
soubesse do que fazia com Karen, cortaria seus ovos e se
divorciaria dele.
Só de pensar na possibilidade de perdê-la ficava
ansioso.
Com esse pensamento e seu desejo enorme de vê-la e
fazer com ela, por fim, amor de uma maneira especial,
depois de uma longa e complicada abstinência, pegou sua
bolsa e se despediu de seus companheiros.
Era tarde e sua sessão de trabalho tinha acabado.

***
Sophie tinha Cindy nos braços e dançava com ela pela
sala, acompanhada de uma canção que era um remédio
certo para que a pequena dormisse. Não era uma canção de
ninar, nem suas melodias eram suaves e etéreas… Sua filha
só dormia com Queen of my heart, do Westlife. Nada mais,
nada menos. E isso era assim por culpa de Nick, que queria
converter sua filha na futura rainha dos corações da
indústria musical.
— So here we stand, in our secret place. With a sound
of the crowd, So far away … — Sophie embalava o corpinho
de Cindy, que fechava os olhos assim que escutava o som
daquela canção. Sorriu enternecida por sua filha, por sua
confiança nela, por como era frágil e vulnerável. Esse bebê
surgiu de seu amor por Nick. Nada era mais puro que isso.
— I´ll allways look back, when I walk away, this memory will
last for eternity…
Ele era tão bom pai como ela tinha imaginado, inclusive
mais. Cuidava das duas, levantava-se de madrugada para
acalmar Cindy, e não podia lhe dar de mamar porque não
tinha leite. Do contrário, teria feito isso por sua filha.
E com ela era um amor. Consolava-a sempre em suas
recaídas pós-parto. Às vezes chorava sem saber o porquê
das lágrimas e a vontade de fazer sexo sumiu. Mas a
compreensão de Nick tornava tudo mais suportável. Tanto
era assim não fizeram sexo desde que Cindy nasceu. Ele
não a tinha pressionado em nenhum momento. Dizia-lhe
que era normal, que tinha a ver com aquilo da depressão
pós-parto, que logo passaria. Sophie ria disso: seu marido
leu todos os livros sobre gravidez e pais de primeira viagem.
E sim. Nick, “o sábio”, tinha razão.
A vontade retornou com tanta força que passava o dia
todo pensando em arrancar a roupa dele assim que o visse.
Mas antes tinha que fazer Cindy dormir. Deitaria-a no berço
e depois… prepararia um jantar romântico para os dois e
retomariam sua saudável vida sexual, como sempre.
Esteve tão concentrada em Cindy que não se deu conta
das mudanças de Nick nesses meses. Seus olhares
luxuriosos tinham nuances escuras e sedutoras, algo que
não tinha visto antes nele.
Quando a tocava e olhava, parecia marcá-la a fogo. Era
uma sensação estranha e excitante.
Nick de algum modo tornou-se mais… intenso e isso
que ainda não transaram desde que a criança tinha
chegado às suas vidas.
E Sophie desejava essa intensidade e comprovar se
seus sorrisos e sua expressão de predador eram de verdade
ou só alucinações provocadas por sua depressão, que agora
parecia se afastar.
Dançando ao som da música, Sophie não se deu conta
de que o objeto de seus pensamentos tinha entrado pela
porta e as contemplava apoiado na parede, encantado por
tanta beleza: a de sua esposa mimando e fazendo sua filha
dormir.
Nick não sabia como agradecer à vida por ter
encontrado Sophie e o milagre de terem criado Cindy
juntos.
Acaso isso não era magia? Criar vida.
Em silêncio, admirou faminto a recuperada silhueta de
sua mulher. Tinha os seios maiores e cheios de leite, e o
ventre levemente inchado. E essas mudanças a faziam
ainda mais bela a seus olhos, pois eram o resultado de
carregar sua semente por nove meses.
Sophie era linda, tão bonita e elegante que às vezes
ainda não podia acreditar que prestou atenção num bronco
como ele. Tinha o cabelo preso em um rabo de cavalo
inclinado. Com sua blusa longa preta e leve, seu jeans baixo
e justo, e essas sapatilhas baixas e pretas que pareciam
sapatilhas de balé, estava de morder e fazer mil maldades
diferentes.
Sophie gostaria da surpresa que tinha preparado para
ela?
— Cindy já dormiu? — A voz de Nick a surpreendeu e
assustou. Levou uma mão ao peito e o olhou um pouco
nervosa.
— Desde quando se move como os gatos sigilosos?
Você me matou de susto. — Sophie o repreendeu ao se
virar, mas assim que viu o olhar de Nick, ruborizou de
repente. Estava olhando seus seios com total
descaramento. — Eu… queria… te fazer uma surpresa.
Preparar um jantar e…
Nick se aproximou dela e acariciou todo o seu corpo
com somente roçá-la.
— Queria me preparar um jantar? — perguntou ele
levantando uma sobrancelha com total interesse.
— Sim… Bom. Faz muito que você e eu não… Bom, já
sabe. E eu estive muito insuportável e você… — Brincou
com os botões de sua polo Gant verde escuro. O corpo de
Nick tinha mudado muito. Agora era mais largo e mais
musculoso, muito mais definido. Não havia nem um grama
de gordura em seu torso nem em nenhuma parte de sua
anatomia. — E você me tratou tão bem…
— Isso quer dizer que está melhor? Que — engoliu em
seco com nervosismo — vai me tirar da quarentena?
Sophie abriu os olhos envergonhada. Não imaginava
que Nick se sentisse assim, como se o tivesse deixado de
lado como uma doença sem tratar.
— Oh, Nick… — Tomou seu rosto entre as mãos e se
ergueu nas pontas dos pés. — Sinto muito. Desde que Cindy
nasceu não tive tempo para você nem para nós.
— Isso não importa. Eu gosto de cuidar de você,
Sophie. — ele esclareceu segurando-a pelos pulsos e
beijando o interior de suas mãos. — Mas quero saber se
esta noite finalmente poderei fazer amor com minha
mulher. Diga que sim, porque eu já não aguento mais sem
tê-la…
Sophie sorriu, feliz e excitada.
— Pode acreditar que desde ontem não penso em outra
coisa?
— Sim?
— Sim.
— E se te dissesse que tenho uma surpresa para os
dois? Parece que nos comunicamos mentalmente. Hoje é
nosso dia.
— Uma surpresa? — Sophie amava surpresa. — O que?
— Um jogo que acredito que vamos adorar.
— Um jogo? — perguntou morta da curiosidade.
Desviou o olhar para a bolsa preta que Nick tinha deixado
no chão a seus pés. — Esse é o presente?
— Não. Isto é parte do jogo.
— O que quer que joguemos?
— Já vai ver, princesa. — Acariciou seu queixo com o
polegar e depois delineou seu lábio inferior com ele. —
Quero que esta noite jogue comigo, que demos um ao outro
o prazer de fantasiar um pouco e de retomar nossa vida
sexual com mais força que antes…
“Deus, em minha cabeça não soava assim. Devo
parecer um libidinoso”.
Sophie adorava o sexo com Nick e quão aberto era para
tudo. Tinham uma intimidade muito saudável e se
entendiam. Eram muito cúmplices na cama. E estava
disposta a experimentar qualquer coisa que fizesse o sexo
com ele melhor do que já era. Além disso, Nick merecia por
ter tido que aguentar esses seis meses desde que saiu do
hospital com Cindy nos braços. Seja o que for, jogaria. Era
Nick, não faria nada que ambos não gostassem. Não havia
nada errado em sua proposta. Confiava nele cegamente.
— Se aceitar jogar, não poderá voltar atrás e vai
prometer se colocar plenamente no papel que vou te
atribuir.
“Oh. Fica interessante”.
— Deixou-me excitada, Nick. Quero jogar com você. —
aceitou Sophie com sinceridade.
Os olhos de Nick refulgiram vitoriosos. Lambeu os
lábios e disse:
— Depois pediremos jantar se quiser. Agora só quero
me colocar entre suas pernas.
— Oh… Nossa… — Piscou impressionada pela
crueldade de suas palavras.
Nick sabia perfeitamente que Sophie estava avaliando
seu novo tom. Sua esposa não podia imaginar as
barbaridades que estava disposto a dizer para ela na cama
a partir de agora que tinha descoberto seu lado mais
quente. Inclinou a cabeça para um lado e perguntou ela:
— Sente vergonha que eu fale assim com você?
— Vergonha? Não. Não, de jeito nenhum. Eu gosto. —
afirmou jogando uma nova olhada à bolsa. — Vai dizer o que
há aí ou não?
Nick se agachou e abriu a bolsa para tirar um traje de
donzela, de época e de cor rosa pau. Não tinha ocorrido
nada melhor para atá-la e começar a submetê-la que jogar
de pirata e sequestro. Nesse primeiro jogo, ele veria a
aceitação de Sophie ante as cordas, a submissão, aos nós e
tudo o que viria a seguir.
— Quero que ponha este vestido.
— Vamos brincar de se fantasiar? — escapou dela uma
risada nervosa. — Eu vou de princesa e você de…?
— De pirata. — levantou-se com toda sua estatura e
agarrou o tapa-olho, a camisa branca de flanela, as botas
até o joelho e as calças negras justas. — E vou sequestrá-la
e te fazer maldades.
Ela desenhou um sorriso expectante com os lábios. Deu
de ombros e aceitou o trato:
— Muito bem, pirata Nick. — Pôs voz fingida de donzela
em apuros. — E quando tiver meu vestido colocado, o que
devo fazer?
— Se esconder, linda — disse ele com voz grave — e
rezar para que não a encontre.
O corpo de Sophie reagiu perante aquela ameaça
velada. Os mamilos arrepiaram e o ventre sofreu um
espasmo de prazer antecipado.
— Será mau comigo se me pegar? — piscou, entrando
no papel.
— O pior de todos.
— Mmm… Então — piscou um olho e se virou para
correr até um dos quartos — é melhor me apressar e
começar a correr quando sair vestida.
— Não vai adiantar. Mas corra quanto quiser… Os
piratas adoram a caça. Ah, e Sophie… o que acontecer fará
parte de um jogo. Entrarei no papel. Você também fará isso?
— Claro, senhor. Ardo em desejos de que me cace. —
respondeu meio zombando.
Fechou a porta atrás dela com o coração emocionado a
ponto de sair do peito.
Nick estava tão excitado e tão nervoso por aquela nova
experiência em seu casamento que o sangue foi todo para a
virilha, e estava tão duro que poderia dar porrada com ele.
Sophie não tinha nem ideia, mas acabava de chamá-lo
de “senhor” como se fosse seu amo. Essa noite, seu
casamento mudaria para sempre. Possivelmente se
converteria em um mais excitante e aventureiro.
Em um casamento imprevisível e nada monótono.
Por que não?
 

CAPÍTULO 12
 
A casa estava às escuras. Nick tinha apagado todas as
luzes e tinha desligado os fusíveis para que Sophie
experimentasse o jogo em estado puro. Quando ele a
perseguisse e ela procurasse claridade, ele não a daria.
Precisava dela nervosa e excitada por completo.
Necessitava que acreditasse e soubesse que ele ia
sequestrá-la e levá-la ao camarote de seu navio para abusar
dela. Nos jogos de dominação e submissão, as fantasias e
as interpretações entravam em uma modalidade chamada
role play.
Ele seria um pirata malvado. Ela, a virginal filha de um
rei.
Nick já estava trocado e esperava escondido. Apoiava-
se na parede do corredor em que estavam o resto dos
quartos, exceto sua suíte, em que dormiam junto ao berço
da Cindy.
Escutou o clique da porta ao abrir e seguiu Sophie com
os olhos, que saía tateando do quarto, trocada com seu
vestido rosa e longo, os ombros descobertos e seus seios
inchados, que sobressaíam através do espartilho amarrado
pela frente.
Quanto demoraria para despi-la? E se o arrancasse?
Seria muito brusco?
— Pirata Niiiiiick… — cantarolou ela com inocência. —
Já estou aquiii…
Nick a seguiu nas pontas dos pés por toda a casa.
Quando ela se virava, ele se agachava ou se escondia para
estender o mistério e o nervosismo. Ninguém gostava que o
perseguissem e Sophie não seria uma exceção.
Um momento depois, ela já começava a perder a
paciência.
— Nick? Não saiu, não? Espero que não tenha me
deixado aqui sozinha vestida de donzela do Piratas do
Caribe… — Mostrou a cabeça pela cozinha e tampouco o
encontrou. Estava ficando nervosa. Sentia que alguém a
vigiava e sabia que era Nick, mas isso não a tranquilizava.
Não gostava muito da escuridão… E de repente o jogo não
lhe pareceu boa ideia. — Ouça, Nick… me aborreço. Vou
acender a luz. — Apertou o interruptor da sala, mas as luzes
não se acenderam. Tentou repetidas vezes e nada.
“Foi capaz de desligar os fusíveis da casa?” A caixa dos
conectores estava na parede do alpendre da frente. Teria
que sair para ligar os fusíveis de novo. Correu para a porta
de saída, disposta a acabar com o jogo que estava fazendo-
a suar. Ficaria como uma covarde, mas Nick entenderia, não
é verdade?
No momento em que sua mão pegou a maçaneta da
porta branca de entrada, outra mão dura e robusta rodeou
sua cabeça e cobriu sua boca. Separou-a da porta e a levou
arrastando pela casa.
— Aonde acreditava que ia?
Sophie ficou impressionada pela força dessas mãos e
como Nick estava duro por trás das calças. Suas nádegas
batiam em sua virilha, já que ele a tinha elevado para
carregá-la com mais facilidade.
Tentou soltar-se de seu brusco aperto, mas Nick não
permitiu. Imediatamente tampou sua boca com algo que
amarrou atrás de sua cabeça.
Tinha uma bola entre os dentes? Nick a empurrou de
barriga para baixo sobre a cama do quarto de hóspedes.
— Olá, senhorita. — sentou sobre suas nádegas e
imobilizou suas mãos por cima de seus pulsos.
“Me solte, Nick! Não gosto disso!” pensava ela.
— Sei que não pode falar. Mas me disseram que nesta
casa há uma linda bebê dormindo e não queremos que
desperte. — Acariciou suas costas com os dedos, e
subitamente, sem um pingo de paciência, rasgou o vestido
de cima abaixo para deixá-la nua da barriga para baixo.
Precisava rasgá-lo. Precisava ser bruto e duro. Desejava sua
esposa com muita força.
Sophie negou com a cabeça, assustada como jamais
esteve. De verdade estava fazendo isso? Acabava de rasgar
um vestido de qualquer jeito?
— Não usa calcinha, Ciceroni? Isso não é próprio de
uma donzela. — Sorriu olhando-a com adoração. “Por Deus,
que corpo mais bonito tem”. — Terei que açoitá-la um pouco
para que aprenda bons maneiras.
Nick levantou uma mão e a deixou cair sem muita
força, mas intensa o suficiente para que ardesse um
pouquinho.
Assim que Sophie sentiu a primeira palmada ficou
louca, frenética. Estava batendo nela como em uma
criança? Estava açoitando seu traseiro? Que diabos havia
com ele?
Depois de cinco palmadas nas nádegas, que Sophie
suportou com humilhação, deu-se conta de que não podia
fazer nada contra Nick porque era muito mais forte que ela.
Se ele queria continuar tratando-a assim, não poderia fazer
nada para evitar. Seria um brinquedo em suas mãos. Sentiu-
se humilhada e triste. Seu traseiro ardia e um duro manto
de vulnerabilidade a cobriu por completo.
— Olhe como se avermelha sua pele, princesa. — disse
a ela com um murmúrio de aprovação, acariciando sua
nádega espancada. — Eu adoro. —sussurrou no ouvido dela.
Em seguida, mordeu seu lóbulo e ela gemeu.
Sophie estava interpretando perfeitamente o papel de
donzela apavorada. Introduziu uma mão entre suas pernas e
seus dedos se lubrificaram com a umidade.
— O que temos aqui? Você gosta disto, Ciceroni? —
perguntou, animado por sua resposta física. Puxou seus
pulsos imobilizados e subiu o corpo dela até fazê-la chegar
às barras da cama. Ali os algemou às barras.
“De onde diabos tirou essas algemas?! Enlouqueceu?!”
Ela puxou das barras metálicas da cabeceira, perplexa
e morta de medo. Queria se libertar. Queria fugir dali. Não
gostava desse jogo. Não gostava desse Nick.
— Não pode escapar, princesa… — assegurou ele, que
se despiu atrás dela envolvido totalmente em sua nova
identidade malfeitora.
“Mas não vê que estou chorando, cretino? Não estou
me divertindo!” tentou gritar. Mas a mordaça na boca a
impediu.
— Está úmida e preparada para mim. — assegurou
Nick, aproximando seu prepúcio à entrada da vagina de sua
mulher. — Sou um pirata cruel e estou convencido de que
nunca ninguém a fodeu assim, como eu farei agora à força.
Sophie abriu os olhos chorosos e ficou imóvel pelo
pânico. Nick puxou seus quadris e os levantou. Depois abriu
suas pernas e se colocou entre elas.
“Oh, Deus. Não. Não”. Não seria capaz. Nick não seria
capaz de forçá-la. Ela não queria fazer assim… Assim não.
Não estava jogando. Por que não se dava conta?
Sophie começou a se mover como um animal, tentando
libertar-se. Mas a dura silhueta recortada de Nick a olhou
implacável. Depois voltou a açoitar suas nádegas como
castigo por tentar fugir.
— Não entende que não pode escapar de mim? —
Puxou-a pelos quadris e colou seu púbis às suas nádegas.
Tomou sua pesada ereção com sua mão livre e a guiou de
novo à abertura cálida de Sophie. — É minha para fazer o
que quiser contigo. Está amarrada. E vou fodê-la como
fodem os piratas. Sem cuidado. —murmurou enquanto a
penetrava, alargando-a, introduzindo-se com empurrões
duros, escorregando por sua vagina até empalá-la por
completo.
Sophie ficou sem fôlego. Nick era muito grosso e
grande, e nunca a penetrava por completo porque ela era
estreita e sempre doía. Seu Nick jamais lhe provocou dor e
sempre a teve em consideração. Mas esse desconhecido
que abusava dela não era Nick.
Quem diabos era?
— Oh, sim… — grunhiu Nick saindo e entrando sem
misericórdia. — Todo inteiro, Ciceroni? Sinta … — empurrou
para assegurar-se de que não cabia mais. — Está faminta
hoje. Pois se quiser mais, eu te darei mais…
E deu. Nick bombeou no interior de sua mulher,
desfrutando de seus gemidos, de seus gritos, das novas
sensações que percorriam a ambos. Aquilo também era
fazer amor. E Nick apreciava porque se tratava de Sophie, e
ela respondia perfeitamente. Em um alarde de atrevimento
a agarrou pelo cabelo enquanto a penetrava sem descanso
e deixou cair sua cabeça para trás como um selvagem
conquistador.
Sua mulher. Dele. Sua companheira ideal de jogos.
— Estou gozando, Soph… — sussurrou começando a
tremer. — Go… gozo.
Nick rugiu ao ser sacudido pelo melhor orgasmo de
todos os que teve com ela. Deixou em seu interior até a
última gota. Finalmente, acabou desabando em cima dela,
encaixados profundamente.
Sophie nem sequer sabia por que estava tão úmida.
Passou todo o dia molhada imaginando esse reencontro com
seu marido. Mas nunca pensou que aquela noite tudo a seu
redor racharia.
Esse não era Nick. Esse espancador, abusador,
violador… Não era Nick.
Ele não estava nesse corpo. O homem que abusou dela
essa noite era um filho da puta. Um filho de puta que nunca
iria querer a seu lado.
Começou a chorar desconsolada, com tanta força que o
tremor de seus ombros sacudiu o corpo de Nick.
— Oh, querida… princesa. — murmurou em seu ouvido.
— Gostou?
Sophie tossiu e começou a tremer como se estivesse
em choque. Nick, surpreso, separou-se dela para olhar seu
rosto, mas não havia luz. Saltou da cama e saiu ao
alpendre, nu, para ligar os fusíveis.
Quando entrou de novo no quarto, Sophie continuava
na mesma posição em que a tinha deixado e chorava com
as pupilas dilatadas pelo impacto, com tremores provocados
por algo que Nick não se atrevia a pensar: medo. Medo dele.
— Sophie? — murmurou tirando o tapa-olho,
apressando-se para tirar as algemas dela e libertá-la da
mordaça. — Sophie? Preciosa…?
A jovem fugiu dele com as lágrimas caindo pelas
bochechas pálidas.
— Soph? — Nick estendeu a mão para ela, preocupado
por sua reação. Uma sensação fria deixou seu peito vazio.
Não gostava daquilo.
— Não se aproxime de mim! — gritou cobrindo-se com
o vestido que ele rasgou. Procurou as algemas e as olhou
enojada, como àquela bola negra com buracos que teve na
boca e que quase a fez babar. — Não se aproxime, filho da
puta!
— Soph, não, não… não é o que pensa. — Nick correu
para abrir a bolsa e tirar um chicote. — É um jogo de
dominação e submissão. Isso é… Olhe. —Ofereceu-lhe o
chicote. — Agora você pode me dominar se desejar. Pode
fazer o que quiser comigo. Inclusive pode açoitar meus
testículos com isto se…
— Está louco?! Vou denunciá-lo!
— Mas… Sophie, você quis jogar comigo e eu…
— Vá à merda, seu louco sádico! Você me estuprou! Me
bateu! Me algemou! — gritou perdida em seus terrores.
Cindy começou a chorar ao ouvir sua mãe gritar.
— Não, não, Sophie, por favor… escute-me. — Estava
nu, úmido ainda dele e dela. Sem escudos nem defesas.
— Me machucou! — ela o recriminou, abraçando-se ao
vestido rasgado. —Se aproveitou de mim! Espancou-me!
Cada acusação que vertia sobre ele o fazia sentir
vergonha de si mesmo. Era como ácido em uma ferid, ou
como adagas direto a seu coração.
— Pensei… pensei que apreciava como eu. — Levantou
as mãos trêmulas e engoliu em seco. Tinha a garganta seca.
— Jamais voltarei a fazer isso, querida… perdoe-me… eu me
equivoquei. — Seus olhos dourados avermelharam de
arrependimento.
Sophie correu para seu quarto, escapando de suas
desculpas e Nick a seguiu.
— Não se aproxime de mim! — repetiu ela tomando
Cindy nos braços para que se acalmasse. Agarrou o telefone
celular que tinha deixado carregando sobre a mesinha de
cabeceira, e começou a digitar um número de telefone.
— Sophie? — Nick empalideceu e se aproximou dela,
passando as mãos pelo cabelo com nervosismo. — O que…
está fazendo?
— Disse que se afastasse. Não me toque. Papai?
— Sophie… Não faça isso. — Nick se ajoelhou diante
dela, perdido, confuso, nu de corpo e alma, e chorou como
uma criança. — Soph, foi um engano. Não voltarei a fazer
isso…
— Papai, esta noite mesmo tomarei um voo para a
Louisiana. Pode enviar alguém para nos pegar?
— Não, Sophie… — pediu Nick, chorando. Isso não
podia estar acontecendo.
— Não, não estou bem, papai. — Ela começou a chorar,
olhando para Nick com desconfiança, procurando que não
se aproximasse nem um centímetro de sua filha. — Não,
Nicholas não virá… Ele… oh, papai… — Não pôde dizer nada
mais. Limitou-se a assentir ao que seu pai parecia lhe dizer
por telefone. — Sim… Sim, certo. Sim. Farei agora. Sim,
papai… Bem.
Quando desligou, Sophie aspirou pelo nariz e se
abraçou a Cindy, cobrindo a boca com a mão.
Nick continuou de joelhos, indefeso e rendido. Tudo.
Tudo o que tinha construído nesses sete anos e meio
desapareceram por uma má decisão.
— Por que fez isso, Soph? Eu a amo.
— Não diga isso nunca mais! Homens como você não
amam as mulheres. — disse temerosa — Você…! Você não é
quem eu acreditava! Enganou-me todo este tempo! Forçou-
me! Você! — rugiu, incrédula.
— Não é verdade! Não a forcei. Pensava que estava
gostando…
— Como vou gostar de algo assim, maldito doente? —
espetou, olhando-o como se estivesse louco.
— Não… não via seu rosto, e como esse era o papel
que tinha que fazer… — Suas explicações pareciam ridículas
diante daquela situação.
— Não fale comigo! Vá embora! Não quero nem vê-lo!
— Mas, Sophie… — Nick esfregou o rosto com as mãos
e secou as lágrimas. — Pelo menos me escute… O que vai
fazer? Por que ligou para seu pai?
— Por que liguei para meu pai? O que acha, canalha?
Não penso estar sob o mesmo teto com um estuprador. —
soltou com desprezo. — Meu irmão Rick morreu defendendo
uma mulher de um estuprador. Alguém como você acabou
com sua vida. Como acha que me sinto?
— Não diga isso… — pediu, afetado.
— E agora eu… — Sacudiu a cabeça e ergueu o queixo.
Seu cálido olhar castanho, apesar do choque, tornou-se frio.
— Nem minha filha nem eu viveremos com você. Vou
embora.
— Vai me deixar?
— Vou deixá-lo. Vou denunciá-lo. É isso que farei.
Jamais o perdoarei. Não sou desse tipo de mulher que dá
segundas oportunidades quando o homem que diz que as
ama, bate, humilha e estupra. Eu não sou assim.
— Sophie, droga! — Estava acusando-o injustamente.
Entendia seu impacto e seu medo, mas não podia estar
falando sério. — Sou Nick. Nick! Seu marido! Só estava
jogando, porra. — angustiou-se de novo e tentou abraçá-la,
para que juntos encontrassem uma solução àquele mal-
entendido. Precisava tocá-la e sentir que o aceitava.
— Não! Não! Não me toque! — Estava completamente
desvairada, sem atender suas palavras. — Vá! Vá! Não
quero vê-lo mais… saia! — ordenou com os pulmões cheios
de ira e decepção.
Nick, assustado, abaixou a cabeça como um cão
espancado. Não sabia nem o que fazer nem aonde ir.
Pegou um pouco de roupa sem dizer uma palavra e as
chaves de seu carro, e saiu da casa.
Talvez quando voltasse Sophie tivesse repensado. Com
certeza a encontraria com Cindy, sentadas na cozinha,
esperando para conversar civilizadamente e esclarecer as
coisas. Uma história como a deles não podia acabar assim.
Não teria sentido.
Deu partida no SUV disposto a conduzir a noite toda,
esperando despertar daquele pesadelo que cada vez se
parecia mais a uma brincadeira de mau gosto.
Sophie tinha se apaixonado perdidamente por ele, do
Nick que ocultava sua identidade de trabalho e que a tinha
enganado desde o começo.
Em troca, justamente quando quis se mostrar diante
dela, nu e com o coração de amo na mão, ela pareceu se
assustar, desapaixonar, taxava-o de estuprador e o
abandonava.
Se havia uma moral de tudo aquilo, ele não sabia ler.
Mas talvez Clint Myers e Lion Romano pudessem ajudar a
iluminá-lo.
Precisava de seus amigos. Agora mais do que nunca.
Aquela noite foi a pior de sua vida.
Quando contou angustiado para Lion e para Clint o que
tinha acontecido, seus dois amigos não podiam acreditar
pior desfecho para ele.
Romano escutava atentamente a narração de Nick.
Compreendia a decepção e o nervosismo de seu agente,
mas de algum modo, podia chegar a entender o pânico de
Sophie, e mais ainda depois de saber o que tinha
acontecido com seu irmão Rick.
— Colocou-me no mesmo saco que o assassino de seu
irmão. — explicou incrédulo, bebendo um copo de conhaque
que Lion lhe deu. — Ela me disse que sou um espancador. —
Tinha o olhar perdido, fixo no único armário da cozinha
minimalista de Lion.
O agente vivia em um apartamento de luxo quadrado,
de tons brancos, cinzas e negros no centro da capital.
Clint vivia perto dele em um loft para solteiro, assim
atendeu imediatamente à chamada de socorro de seus
companheiros.
— Assustou-se. — Lion tentou desculpar Sophie.
— É óbvio que sim. — Nick bebeu de um só gole o que
restava em seu copo. Sentia-se amargurado e furioso
consigo mesmo por querer jogar com ela assim. Talvez
jamais devesse ter sugerido nada à sua mulher. — Porra,
deviam ter visto seu rosto… Foi como se toda a confiança
que tinha depositado em mim se desvanecesse
rapidamente. Assim. — Moveu a mão dando uma bofetada
no ar. — Zás!
Clint tinha seus olhos negros fixos na ponta de seus
sapatos, escutando com pesar o quanto seu amigo estava
se sentindo mal.
— Nick… acha que Sophie o denunciará?
Lion franziu o cenho, sopesando essa desastrosa
possibilidade. Esperava que não o fizesse, do contrário Nick
poderia chegar a se converter no bobo do FBI, ao menos
para os que estivessem informados da operação Amos e
Masmorras. E não só isso: os que não o conheciam
pensariam que era um espancador, e isso os agentes não
gostavam nem um pouco. Poderiam prejulgá-lo. Eles o
apontariam como se fosse uma vergonha. Seja como for, se
Sophie partisse para seus pais e não fizesse nada, o conflito
poderia chegar a se solucionar com o tempo, mas para isso
Nick deveria contar a verdade para eles. Deveria revelar sua
verdadeira identidade de agente do FBI.
E isso era o que todos esperavam.
Mas se infelizmente sua mulher decidisse fazer a
denúncia, a ordem de afastamento não demoraria a chegar,
e Nick se veria exposto ao ostracismo, a suportar aquela
mancha em seu histórico como estuprador, e enfrentaria à
tortura de aceitar que a mulher que amava o rejeitava por
lhe mostrar sua natureza de amo. Ela era a única que,
sinceramente, ele entregou seu coração.
Lion se agachou em frente a Nick e o agarrou pela
nuca.
— Não pode ficar arrasado, está me ouvindo? — Nick
ergueu seu olhar vítreo e angustiado, tentando prestar
atenção às palavras de seu superior. — Aconteça o que
acontecer a partir de agora, tem que continuar e se
levantar.
Clint continuava em silêncio, pois sabia que a partir
desse momento Nick viveria em um via crucis, com o medo
de ser denunciado, com o pavor de ser rejeitado por sua
esposa e com a insegurança de perder o respeito dentro da
corporação.
Mas eles estariam ali. Clint estaria ali para partir caras
se alguém ousasse insultar ou menosprezar Nick por algo
que ele na realidade não tinha feito. Do mesmo modo que
Nick, com sua infinita paciência, tentou tirá-lo dia após dia
de sua miséria depois de sua obsessão pela morte de
Misaki.
Os amigos estavam ali para isso, não?
Para afastar a merda quando perturbava.
Entretanto, pouco puderam fazer perante o que Nick
encontrou ao amanhecer quando chegou em sua casa com
olhos vermelhos pelo álcool, a falta de sono e as lágrimas
de arrependimento.
Um carro da polícia o esperava no jardim de sua casa.
Os vizinhos próximos apareciam para bisbilhotar. Não havia
rastro de Dalton, que em outro momento teria saído
disparado para saudá-lo.
Enquanto caminhava arrastando os pés até as escadas
do alpendre para averiguar se Sophie continuava lá dentro
ou não, o policial negro, alto e largo como um armário
embutido deteve seu caminho.
Nick engoliu em seco e saudou os dois agentes com
educação.
— Você é Nicholas Summers? — perguntou.
— Sim, sou eu.
— Você está detido pelo estupro de Sophia Ciceroni.
Eles o agarraram pelos pulsos e o viraram. Ele não
opôs nenhuma resistência, perdido como estava em seus
pensamentos, sem poder acreditar que Sophie finalmente
fizesse o que ele mais temia.
Como tinha acabado dessa maneira?
— Tem direito a permanecer calado. Tudo o que disser
poderá ser usado contra você em um tribunal…
— Minha mulher continua lá dentro? — perguntou
enquanto o acompanhavam ao carro de polícia com as
mãos algemadas às costas. Sophie via como o levavam? De
verdade continuava pensando que era um estuprador?
— Tem direito a consultar um advogado. No caso de
não ter um, será atribuído um do estado…
— Continua lá?
— Sua mulher já não está em Washington. —
respondeu o outro agente, o de cabelo branco, enquanto o
empurrava bruscamente à parte traseira do carro.
Nick não disse nada mais.
Sophie tinha partido. Certamente teria ido para seus
pais.
Apoiou a cabeça no vidro da janela e engoliu com
amargura o pouco que restava de orgulho.
Não tinha n mais ada a dizer. Não havia mais nada a
fazer.
Tudo tinha acabado da pior das maneiras. O que viria
depois de uma denúncia desse tipo seria uma noite
interminável na prisão. Uma noite em que desfrutaria de
sua própria miséria, recordando uma vez após a outra o que
tinha feito de errado nessa noite para destroçar a vida que
tinha construído durante sete anos e meio.
Depois da denúncia, em função de tudo o que o juiz
avaliasse depois da declaração de Sophie, decretaria a
sentença.
Embora Nick soubesse que um homem com uma
denúncia de maus tratos às suas costas estaria sentenciado
por toda vida.
 

CAPÍTULO 13
 
No dia seguinte, depois da consequente noite na
prisão, Nick ficou à disposição judicial. O juiz avaliava a
denúncia por violência contra a mulher. Acompanhava-o o
advogado particular do FBI que foi enviado expressamente
pelo subdiretor Montgomery, depois que o próprio Lion
Romano lhe contou o que aconteceu.
Nick Summers fazia parte do caso de Amos e
Masmorras e Montgomery conhecia o juiz Levron, que se
encarregava de seu testemunho. Uma ligação ao juiz, que
nunca se confirmou, possivelmente atenuaria a sentença.
Nick se defendeu dizendo que sua mulher tinha
aceitado jogar aquela fantasia. Mas que em algum momento
se assustou e ele não se deu conta porque pensava que
estava envolvida em seu papel.
A diligência de avaliação de risco que fizeram os
policiais na delegacia, depois da declaração de Sophie, foi
alta. Sua mulher o acusava de violência, restrição e estupro.
Entretanto, a relação de Montgomery com Levron
reduziu o dano para Nick. Embora aceitassem a denúncia de
Sophie, como ela tinha viajado a Louisiana porque não
queria voltar para Washington por nada do mundo, não
puderam reforçar o depoimento.
Assim Levron impôs uma ordem de afastamento de um
ano, mas não condenou Nick. Não podia aproximar-se de
menos de quinhentos metros de Sophie. Pesaria sobre ele a
denúncia de violência contra a mulher, mas não o
condenariam já que as fantasias e as cordas achadas no
quarto indicavam um jogo que tinham praticado de mútuo
acordo. E principalmente, porque Sophie não queria voltar
para Washington para confirmar a denúncia.
Assim acabou tudo.
Com a expressão derrotada ao sair do tribunal, Nick foi
para sua casa com essa carga. Teria para sempre o estigma
de abusador. Um agente da lei com um pôster de
delinquente.
Era um desgraçado.
Quando subiu as escadas que davam ao alpendre e
abriu a porta de entrada, sentiu que esse já não era seu lar.
Os cômodos cheiravam a colônia de bebê e ao xampu de
Cindy. A que tampouco podia ver, já que a ordem de
afastamento se estendia para sua própria filha.
Sophie partiu depressa e correndo porque não
suportava olhá-lo na cara nem permanecer no mesmo lugar
que ele. E tampouco queria que Cindy tivesse que vê-lo.
Tinha medo dele. Sua Sophie tinha medo dele.
Nick apertou os dentes com raiva e foi até o quarto de
hóspedes. As algemas ainda pendiam das barras da cama.
Uma ira furiosa e ardente o percorreu por completo.
Sentiu-se mesquinho e doente por ter descoberto essa parte
dele que desejava a dominação. Aquele lugar o condenava
sem compaixão. Aquela cama o marcava a fogo… era o
quarto em que Sophie acreditou que seu jogo de role play
fora um abuso em toda regra.
Mereceu essa reação? Por que pensou que ela gostava?
Por que imaginou que ela veria com bons olhos sua nova
natureza?
Jamais tinha feito amor com ela daquele modo. Sempre
foi suave, dócil, nada agressivo. Mas descobriu que gostava
precisamente desse tipo de sexo duro, e a única coisa que
desejava era praticá-lo com sua esposa.
Mas foi uma decisão equivocada.
Nick olhou ao seu redor. A solidão o abraçava com
frieza e ironia, rindo dele e de suas más escolhas.
Agora necessitaria o consolo de Dalton. Mas Sophie
tinha arruinado com tudo, deixara-o sozinho e abandonado.
Nem sequer acreditava que o cachorro pudesse ficar com
ele. O que pensava que ia fazer com ele?
Estava sendo justa com ele? Agarrou seu telefone e
saiu de casa com expressão cansada. Caiu derrotado sobre
os degraus do alpendre pensando que merecia que Sophie
lhe desse uma oportunidade. Ao menos merecia que o
escutasse.
Com a esperança de que ela atendesse o telefone,
ligou para ela, embora soubesse que o juiz não gostaria
daquilo.
Depois do terceiro toque, atenderam o telefone.
— Soph? Querida? — Nick agarrou com força seu
iPhone como se fosse ela a quem estava segurando na
realidade e não quisesse soltá-la. A respiração do outro lado
soava pesada. — Está me escutando? Soph… Por favor. —
Não sabia por onde começar. — Por que…? Por que fez isto?
Por que me denunciou? Sinto muito mesmo tê-la
assustado… Sabe que a amo. — tentava dizer as palavras
adequadas, encontrar a fórmula mágica que obtivesse sua
redenção. — Jamais a machucaria de propósito… Eu… Sabe
que é o mais importante de minha vida, não é verdade,
princesa? Sabe disso? Não me importa que tenha me
denunciado… não me importa. Se pensa que mereço isso,
aceito. Aceito por ter me feito passar por um momento
ruim. Deus… — Bateu a testa com o punho. — Lamento
tanto… Mas podemos consertar isso. Sabe que eu não sou
assim… Sabe que daria minha vida por você. Volte e me
deixe demonstrar isso. Retorne para cá. Esta é nossa casa…
levou minha filha com você. E também a meu cachorro. Isso
não é justo, Soph… Eu jamais faria nada a el…
— Olha, pedaço de merda. — disse a voz de Carlo de
repente. — Minha filha jamais vai voltar a falar com você. E
no que me resta de vida, é melhor não se aproximar dela,
porque moverei céus e terra até vê-lo entre as grades e com
um porrete no traseiro, está me ouvindo?
— Senhor Ciceroni… Preciso falar com sua filha, não
com você…
— Não comigo, canalha? Não comigo?! Porque grave
isto: você e minha filha acabaram! Entendido?! — rugiu — Já
não está na minha família! Já não é nada dela nem meu!
— Sou… sou o pai da Cindy.
— Minha neta jamais terá por pai um sádico doente e
estuprador como você. Ouviu-me? Jamais! Em breve
receberá notícias sobre a anulação de seu casamento.
— Quem deveria falar isso era sua filha, não acha? —
perguntou Nick, sem dar crédito àquela ameaça. Ninguém o
obrigaria a acabar com seu casamento. Ele amava Sophie.
Um silêncio cortante ameaçou fazê-lo jogar tudo pelos
ares, até que Carlo acrescentou:
— Arrasou a minha mulher. Arrasou a minha filha. E
perdeu o meu respeito. Tenha por certo que não vou deixar
que se aproxime dela. Nem agora nem nunca. E é melhor
que quando eles chegarem, assine os malditos papéis do
divórcio ou te prometo que irei para sua casa e farei com
que os assine com sangue.
Nick pensou que as ameaças eram exigentes. Mas
como ia fazer mudar de ideia um homem desvairado,
dominado pela raiva e que tinha razões suficientes para
odiá-lo?
— Sim, senhor. Sophie está de acordo com o divórcio?
— perguntou. Negava-se a acreditar nisso.
— Foi ela mesma quem nos pediu que entrássemos em
contato com nosso advogado. Acabou, Nicholas.
Carlo desligou o telefone. Nick ficou em estado de
choque, sem poder pensar em nada que não fosse em seu
miserável estado atual.
O que devia fazer? Tinha que deixar de lutar por uma
mulher que acreditava que a tinha violentado? Devia deixar
de lutar por uma mulher que o tinha processado? Que
queria o divórcio e que ia afastá-lo de sua filha?
— Levou até o Dalton… — repetiu em voz baixa, para
se convencer disso.
Entretanto, em todo aquele caos reinante em seu
interior, pôde vislumbrar o passo seguinte que devia dar.
Digitou o número de telefone de Lion Romano. Quando
este atendeu, sua voz soou preocupada.
— Nick… como foi tudo?
— Partiu. Sophie partiu. Levou tudo com ela. Acabou.
— Como que acabou? Assim? Pronto?
— Sim. O juiz me pôs uma ordem de afastamento sobre
Sophie e minha própria filha…
— Porra…
— Levou o Dalton. Ah, sim… — Olhava à frente sem ver
nada realmente. — Logo me chegará a anulação do
casamento.
— Quer se divorciar?
— Sim.
— Nick… Cara, sinto muito. — disse sincero, pois sabia
do amor incondicional que sentia por sua mulher. — E
precisa de algo? Quer que vá até ai?
— Não. Ligo somente para te pedir algo.
— O que? O que quiser.
— Não quero continuar fazendo papel de amo na
missão. Quero que peça a Karen que troque de papel
comigo.
— Nick… o que aconteceu com uma mulher não vai
acontecer com todas, compreende? Foi um caso extremo,
mas isso não quer dizer…
— Disse o que quero, Romano. Pode ajeitar isso?
Lion se calou imediatamente.
— Falarei com Montgomery.
— Bem.
— Precisa de algo mais?
— Tem uma máquina do tempo? — Sorriu sem vontade.
— Não, não tenho.
— Então não preciso de nada mais. Eu o verei amanhã
no trabalho.
— Montgomery te deu alguns dias para que resolva
seus assuntos pessoais…
— Como vê, não há nada para solucionar. — cortou-o.
— Amanhã te vejo.
— Está bem. Até manhã.
Nick se levantou dos degraus e entrou na casa.
Precisava trabalhar e ficar em movimento para não pensar,
para se manter ocupado.
De sua casa, com um camuflador de IP que Clint
forneceu, podia conectar-se do notebook ao fórum secreto
de Dragões e Masmorras DS e ver se havia novas chamadas
para jogar na liga noturna de dominação.
Mas naquele dia desgraçado, ainda restava uma
surpresa desagradável por descobrir. O computador
desapareceu.
Sophie também o tinha levado.
Por quê?
 
Nova Orleans
Quatro semanas depois
 
Nick e Sophie tiveram que se ver cara a cara na
Louisiana em um encontro com seus advogados para tratar
do divórcio.
Ela nem sequer o olhou. Nem sequer se dignou a lhe
dirigir a palavra. E o pior de tudo era que Rob compareceu,
o novo diretor da Azucaroni, que além disso se colocava
certas insígnias e parecia se gabar de ser um tipo de
guarda-costas.
Sua bela futura ex-mulher cobria os olhos com um
óculos Prada de lentes pretas grandes e escuras. Vestia-se
toda de negro, usava o cabelo solto e liso, castanho
brilhante e perfeito, como sempre. E tinha perdido vários
quilos.
Nick tinha vontade de arrebentar a cara desse cara e o
seu olhar desdenhoso e acusador. Não sabia nada de nada.
E a ela… a ela somente queria abraçar. Fazia quatro
semanas que não se viam. E lhe parecia uma eternidade.
Alegraria-se muito se tivessem se encontrado em outras
circunstâncias, mas jamais nessas.
Sophie queria se divorciar.
— Minha cliente oferece um divórcio de mútuo acordo.
A situação é insustentável e agradeceria que o senhor
Summers colaborasse. — disse o advogado defensor. —
Pedimos que isto não se alongue muito para que Sophie
Ciceroni possa refazer sua vida o antes possível e com
normalidade.
Nick tinha enormes olheiras, mas mesmo assim, para
Sophie, continuava parecendo o homem mais bonito do
mundo. Aquilo não mudava. Embora estivesse possuído pelo
demônio, sua beleza era indisputável.
— Como está, Sophie? — perguntou ele com calma,
preocupado.
— Chama-se Sophia. — interveio Rob.
Nick apertou os dentes e fez o possível para ignorar
esse imbecil engomado e vestido com um terno muito caro
que se sentava a seu lado como tentando protegê-la dele. O
que nem Rob nem nenhum dos ali presentes sabiam, nem
sequer Sophie, era que o único que podia protegê-la do
mundo era ele.
— Hein, Sophie? — insistiu Nick estendendo a mão para
tentar acariciar a dela.
— Não a toque, senhor. — disse o advogado.
Sophie ficou olhando fixamente a mão de Nick, e
depois retirou a sua com lentidão e segurou a esquerda com
a direita para cobri-las.
— Só quero saber se ela se encontra bem. — insistiu,
olhando para seu advogado. — É errado perguntar isso?
— Como acha que está depois do que fez com ela,
cretino? — respondeu-lhe Rob, enfrentando-o.
Nick, desta vez, desviou seus olhos dourados para o
acompanhante de Sophie. Rob se encarregava de dirigir a
empresa na ausência de Sophie. Certamente Carlo tinha lhe
pedido o favor de que fosse com sua filha para enfrentá-lo.
Ele seria incapaz de se controlar, embora tivesse certeza
que Carlo os observava de algum lugar de Nova Orleans.
Com certeza o controlava para que nunca voltasse a passar
dos limites com sua filha.
Nick lhe dedicou um olhar de menosprezo como se
esse homem não fosse um homem de verdade, como se
não tivesse nem ideia da vida. Depois concentrou sua
atenção em Sophie, que o olhava através de suas lentes
escuras, embora ele não pudesse ver seus olhos.
— Deixará que veja Cindy, Soph?
— Minha cliente pôs uma ordem de afastamento com
respeito a ela e sua filha. Não pode aproximar-se de
nenhuma das duas. — respondeu o advogado.
— Acredite que sei muito bem o que minha mulher fez
contra mim. — Nick seguia sem retirar seus olhos
acusadores de Sophie. — Mas quero saber se com o tempo
me permitirá ver minha filha. Já sei que ela não quer saber
nada de mim, mas Cindy… — ficou calado, amaldiçoando
sua sorte. — Sophie, me olhe… Ela é minha filha, sabe
quanto ela me ama e quanto a amo. Não pode nos fazer
isto. —pediu.
Sophie se mexeu incomodada na cadeira. Tinha seu
marido na frente dela e ainda não acreditava que tivessem
chegado a esse ponto.
— Minha cliente exige que se encarregue dos custos do
tratamento psicológico que está recebendo e da
manutenção de sua filha, cuja custódia não é
compartilhada.
O coração de Nick se partiu ao saber que Sophie ia à
terapia pelo que ele fez. E acabou por se decompor quando
se deu conta de que também tinha perdido a sua filha.
— Não mereço isto. — disse ele abaixando a cabeça. —
Eu te disse que era um jogo. — Cravou-lhe um olhar cheio
de recriminações. Como podia defender-se e dialogar com
sua mulher perante três homens desconhecidos que não
acreditavam em sua inocência? Nem sequer seu próprio
advogado acreditava nele. Estava completamente vencido.
— Pensava que jogava comigo.
— Por favor, abstenha-se de voltar a dirigir palavras à
minha cliente. —interveio de novo o advogado de Sophie.
Nick se calou de repente, até que plantaram o acordo
de divórcio diante dele com todas aquelas cláusulas.
Rob passou o braço por cima de Sophie. Nick sentiu
esse gesto como um murro na boca do estômago. Apertou
os punhos por debaixo da mesa para evitar chocá-los no
rosto desse arrogante. Que diabos fazia tocando-a?
— Este é seu novo namorado? — soltou Nick sem poder
evitar morder a língua.
Sophie deu um sobressalto e respondeu rapidamente:
— Não. Não é.
— Olha, ela fala… — murmurou Nick sorrindo com
ironia.
— Não provoque Sophia, Nicholas. — soltou Rob
inchando o peito.
— Meu nome é Nick, não Nicholas. Entendido,
engomado? — Os olhos dourados do agente brilharam com
fúria e cravaram Rob em seu lugar. Olhou a seu advogado e
acrescentou. — Peça a este senhor que deixe de falar
comigo e de intervir ou lhe darei tal bofetada que todos os
seus dentes saltarão.
Sophie piscou confusa ao ver aquele desafio cheio de
testosterona na atitude de seu marido. Não podia esquecer
que Nick era um gladiador, um Hércules com roupa de
homem contemporâneo. Mas sempre tinha ocultado sua
natureza mais selvagem, embora seu corpo estivesse
forjado para a guerra sobre a areia.
— Agressivo, violento… — insultou Rob.
— Rob, não seja ridículo. — respondeu Nick rindo dele.
— Disse bofetada, não murro. Serei atencioso com você.
— É um merda. Um estuprador. Sophie não quer vê-lo
nem pintado. — Rob sabia que isso o provocaria, parecia
querer que saltasse.
Nick nem sequer sorriu, ameaçou Rob com sua atitude
e jurou para si mesmo que cumpriria sua ameaça. Se
pudesse não daria uma bofetada nele, não… mas
arrebentaria sua cabeça por idiotice. Pegou os papéis de
cima da mesa.
— Sou obrigado a assinar estes papéis agora mesmo?
— perguntou Nick a seu advogado.
O advogado negou com a cabeça.
— Pode avaliá-lo e assinar dentro de uns dias. O
divórcio continua adiante com sua assinatura, Nick. Se não
assinar, não há divórcio. Mas se assinar, aceita todas as
cláusulas.
— Certo. — Assentiu com a cabeça e abriu a porta do
escritório dos advogados da família Ciceroni, justo no centro
dos negócios de Orleans. — Vou pensar em cada uma das
cláusulas deste acordo que querem me obrigar a assinar. E
acrescentarei as minhas antes de aceitá-lo. — Olhou pela
última vez para Sophie. Quis dizer algo mais, mas se
negava a trocar uma só palavra diante do protegido de
Carlo. Tratavam-no como a um cão, mas não queria sair
espancado dali. — Até logo.
Nick deixou sua esposa boquiaberta, surpreendida por
seu desafio. Ela ficou com o olhar cravado em suas costas
largas e naquele cabelo loiro que tinha acariciado centenas
de noites. Ele era muito educado, paciente e atencioso…
Nunca teria abandonado uma reunião desse modo.
Rob pôs a mão no seu ombro e a olhou de frente.
— Está bem, Sophia? — Seus olhos amáveis a olhavam
com compaixão, como se ela não fosse capaz de sobreviver
sozinha.
— Sim. Estou bem. — afirmou sem hesitar.
— Esse canalha não voltará a tocá-la jamais. Eu te
prometo isso.
Sophie não queria promessas de ninguém. Nem queria
que insultassem Nick. Doía nela que o atacassem desse
modo. Embora não sabia por que continuava a preocupando
depois do que fez com ela.
Como podia continuar amando-o e pedindo o divórcio
ao mesmo tempo?
Precisava ver sua psicóloga de novo.
 
Duas semanas depois
 
Para Sophie custou suor e lágrimas, várias crises de
ansiedade e terapias com sua psicóloga Elisabeth, para
retomar sua nova vida.
Nick e ela se viram nos escritórios de seus advogados
quatorze dias atrás. Mas na realidade fazia um mês e meio
desde que não falava com Nick, desde que partiu de
Washington aquela noite. Seis semanas sem ouvir sua voz,
sem sua risada, sem suas brincadeiras… Seis semanas sem
contemplá-lo ao amanhecer, quando ainda continuava
dormido; sem vê-lo ao anoitecer, quando a claridade da lua
que entrava através das janelas e do balcão recortava seu
rosto. Muitos dias de não receber nem seus beijos nem suas
carícias, de não vê-lo balançando a sua filha e lhe cantando
ao ouvido. Seis semanas de não ser sepultada sob seus
abraços de urso amoroso e protetor. Porque ele sempre foi
muito protetor com ela, face ao que tinha acontecido.
Não podia compreender como, depois do que tinha
vivido naquela violenta noite, só era capaz de recordar as
coisas boas. E isso era do que falava frequentemente com
Elisabeth, sua psicóloga. Era uma mulher de uns quarenta
anos disposta a chegar ao fundo da questão, pois dialogava
com ela sem disfarces. Tinha muita experiência no
tratamento com mulheres maltratadas e conhecia bem os
perfis dos abusadores. Era a melhor no estado.
— Sophie — disse esse dia Elisabeth, que usava uns
imensos óculos quadrados de armação fúcsia, o cabelo
laranja preso em um coque e os olhos azuis claros e
inteligentes —, como se sente hoje?
— Ainda confusa e magoada.
— Sabe um pouco de Nicholas? Assinou os papéis de
divórcio?
Negou com a cabeça e brincou com sua aliança. Ainda
a usava.
Elisabeth desviou o olhar esmeralda da argola de seu
dedo.
— Ainda não se sente com forças para se desligar dele?
— Não. Não sou capaz.
— Mulheres que sofrem maus tratos e abusos têm
medo de empreender uma vida sozinhas. Seus maridos
absorveram tanto sua personalidade, anularam-nas tanto
que acreditam que não são capazes de fazer nada sozinhas.
Por isso precisam manter algum tipo de vínculo com ele…
Mas isso acontece nas primeiras semanas. Depois se dão
conta de que voltam a ser livres. Você se sente assim?
— Não. — Não sabia como descrever o que lhe
acontecia nem o que acabava de descobrir. — Eu não tenho
medo de nada. Não me sinto nem menos nem mais livre. Só
me sinto perdida.
— Sophie — Elisabeth entrelaçou os dedos e se inclinou
para frente —, é consciente de que seu perfil não responde
a nenhum perfil de mulher com sequelas desse tipo?
— Sei, Elisabeth.
— E tem alguma dúvida sobre o que aconteceu naquele
dia?
Ela arqueou as sobrancelhas castanhas e deu de
ombros, como se já não lhe importasse nada. Como se
tivesse perdido esse elemento que fazia que tudo a
interessasse.
— E se as tivesse, o que aconteceria? O que mudaria?
Na minha casa todos tratam Nick como um doente, como
um espancador.
— Segundo sua declaração, é isso exatamente o que é.
Há algo dessa noite que a faça acreditar no contrário?
Algo dessa noite? Sim. Tinha pensado muito sobre isso.
Foi tudo tal como ela a viveu? Já não sabia. Mas sabia de
algo, sim. Quando fugiu levou o notebook que Nick
costumava usar em seu escritório. Nem sequer sabia por
que fez isso. Só sabia que tinha vontade de ver o que fazia,
com quem falava todos os dias e o que havia ali… Sentia
muita curiosidade para averiguar as páginas que visitava.
— Levei da casa o notebook que Nick costumava
utilizar em seu escritório.
— Ah… o roubou? — perguntou surpreendida.
— Sim, pode-se dizer que sim. — admitiu com pouco
convencimento.
— E… por que me conta isto? Há algo que descobriu
nele?
“Pois sim, droga”, pensou, ainda aturdida. Tinha levado
o notebook a um centro de Nova Orleans que estava repleto
de hackers. Por um preço módico, abriam o computador e
tiravam todos os históricos de páginas visitadas e demais,
embora as eliminassem.
Nick visitava um fórum de dominação e submissão
chamado Dragões e Masmorras DS. Um fórum destinado a
bondage, dominação e submissão. Deixaram de lado o
masoquismo, menos mal. Havia uns personagens chamados
vilões, alguém conhecida como Rainha das Aranhas, um tal
Vingador, umas criaturas, amos do calabouço…
Por que Nick visitava esse site? Por acaso gostava
desse tipo de sexo? Esse sexo era legal? Não era violento
nem humilhante?
Que jogo era esse?
A noite que Nick jogou com ela, sentiu-se mal consigo
mesma. Estavam encenando um estupro, ele a estava
violentado… Isso não era depravado e imoral?
— Sophie?
— Nick gosta de BDSM.
— BDSM? — Elisabeth descruzou os braços. Ela sabia
muitas coisas sobre todo tipo de condutas sexuais. E é
óbvio, conhecia o BDSM. — E você sabia?
— Não… Bom, na noite que me algemou ele me disse
que íamos jogar… Mas não sabia que o jogo seria tão
sério…
— Entendo. — Elisabeth subiu os óculos pela ponte do
nariz. — Aceitou jogar e… o que foi o que ele te disse ou fez
para que deixasse de acreditar que aquilo era um jogo?
Sophie mordeu o lábio inferior sem deixar de girar seu
anel. Agora já nem sabia. Não sabia por que tinha reagido
assim.
— Eu… não sei. Acreditei que o jogo era real. Deixei de
vê-lo como um jogo. Por todos os lados há estupradores,
assassinos, psicopatas… não é verdade? —tentou se
desculpar. — E aquilo era tão diferente a como Nick estava
acostumado a fazer amor que suponho que me assustei.
Tive medo dele.
— A confiança é a base em um jogo de dominação. Se
Nick não soube te alertar, é também responsabilidade dele.
— Mas eu confiava cegamente nele, senti curiosidade
pelo jogo e gostava de jogar. — reconheceu com
honestidade. — Entretanto…
— Sophie. — Elisabeth segurou a mão dela ao ver que
começava a tremer. — Eu a vejo três vezes por semana há
um mês e meio. Na primeira semana estava decidida a
jogar Nick aos leões. Mas depois, à medida que foi passando
o tempo, sempre que quis se culpar pelo que aconteceu,
você o defendeu. Por quê? Acha que se ele soubesse que
tinha tanto medo teria parado?
— Acredito que realmente me senti como uma donzela
violentada por um pirata. Porque aquela era uma espécie de
fantasia de Nick… e eu… não podia falar porque tinha uma
mordaça na boca e ele… talvez pensasse que eu estava em
meu papel e eu… — os olhos se encheram de lágrimas que
começavam a lhe escorregar pelas bochechas. — Eu o
desejava muito. Fazia muitos meses que não fazíamos amor.
Minha depressão pós-parto se estendeu além da conta e…
de verdade que desejava estar com ele.
— Diz que em seus anos de casamento ele jamais a
insultou, nem a tratou mal, nem a forçou a nada.
— Não, por Deus. Ele era um amor. — cobriu o rosto
com as mãos e começou a chorar. — Nick é o melhor
homem que conheci. Apoiou-me sempre em tudo, nunca me
fez sentir inferior, nem me fez mal… exceto essa noite. Mas
já não sei se interpretei mal o que aconteceu aquele dia
entre nós. Elisabeth… preciso entender o que fiz e como me
sinto. Estou muito confusa e tão, tão perdida… — Soluçou —
E se Nick queria que eu me envolvesse em suas fantasias e
não o entendi? — Exalou esgotada e olhou a caderneta em
que sua psicóloga tomava notas. — E se me equivoquei?
Vejo-a tomando notas dia após dia na hora que estou aqui
com você. E eu só faço falar e falar… e volto
constantemente para a mesma coisa. E cada vez tenho
mais dúvidas… me diga, o que você acha?
Elisabeth sorriu cheia de empatia. Podia compreender a
confusão de sua paciente.
— É muito cedo para fazer uma avaliação de seu caso,
Sophie.
— Não é tão cedo e sabe disso. É a psicóloga de nossa
família. Você me atendeu quando aconteceu aquilo com
meu irmão. Conhece-me.
— Sim. Conheço-a, Sophie.
— Então, o que acha de tudo? Diga-me, por favor. Você
não odeia Nick como o fazem todos os que me rodeiam. Não
tem preconceitos. Talvez tenha uma opinião mais objetiva a
respeito. — limpou o nariz com um lenço, esperando que
Elisabeth desse uma resposta que lhe bastasse.
A psicóloga pensou se lhe dar uma opinião objetiva a
orientaria, se devia fazê-lo. Elisabeth tinha atendido a
mulheres abusadas que realmente tinham medo até de
respirar, e esse não era o caso de Sophie. Também tinha
atendido a mulheres que devia avaliar por ordem da
promotoria da Louisiana, e algumas eram umas mentirosas
que fingiam serem vítimas de maus tratos para assim poder
ganhar uma indenização. Mas a essas agarrava logo e
informava pertinentemente às autoridades.
Entretanto, Sophie era uma exceção. Ela estava segura
de que seu marido tinha abusado dela.
— Muitas mulheres fantasiam com estupros e isso não
quer dizer que desejem ser violentadas. E muitos homens
fantasiam forçar as mulheres e isso não os converte em
estupradores. — Caminhou ao redor de Sophie com cuidado.
Aquele assunto estava cheio de minas. — As fantasias
acontecem na mente, porque a mente é livre de imaginar o
que lhe dê vontade. Por tudo o que me contou sobre Nick e
pelo modo que me conta isso, não o teme. Não tem medo
dele. Isso me indica que Nick jamais a maltratou.
— Já disse isso.
— Mas pode mentir para mim, como outras, não é? E
não tem feito isso. Diz a verdade.
— Sim. Jamais mentiria em algo assim.
— Bem. Chegado a este ponto, acredito que Nick quis
viver uma fantasia com você. Além disso, se agora me diz
que descobriu que estava envolvido em um fórum de
dominação e submissão, acredito que posso compreender
um pouco melhor o que aconteceu entre vocês. Seu marido
despertou para uma natureza sexual apoiada na dominação
e na sublevação. Isso não quer dizer que ele deseja
machucá-la. — deteve-se um instante e escolheu as
seguintes palavras. — A fantasia que interpretaram tinha a
finalidade de que ambos gozassem. E não foi assim. O que
acredito que desencadeou todo este choque em você foi o
fato de que era a primeira vez que jogavam. Nick tentou
jogar com você antes em algum momento? — perguntou.
— Não. Nunca me disse nada sobre jogos, nem
algemas, nem chicotes…
— É algo incômodo para os casais estáveis trocar o
papel de sua sexualidade. E mais difícil é reconhecer que
gosta de mudar. Mas é algo inevitável se realmente é
acordada tal natureza em uma pessoa. É como o que é gay
ou a que é lésbica. Podem transar com alguém do sexo
oposto um tempo e não apreciar muito. Até que um dia se
cansam de se reprimir e decidem transar com uma pessoa
do sexo pelo qual se sentem atraídos. E a partir daí, nada
poderá fazê-los mudar porque é seu instinto e sua natureza
a que escolhe esses gostos.
— Ele… Nick, no tempo que o deixei em quarentena,
lançava-me olhares intensos e muito ardentes. — recordou
um pouco envergonhada. — Sempre gozamos de uma boa
saúde sexual…
— Talvez ele quisesse mais. Talvez quisesse mais e
pensou que você gostaria. Mas perdeu o controle. O que
Nick não imaginou era que você entraria em choque ao
relacionar o que ele lhe fazia com o assassinato de seu
irmão. Nós não planejamos o que nossa mente pode fiar. Há
detalhes e lembranças que temos enterrados no
subconsciente e que aparecem quando menos o esperamos.
Por exemplo: seu pavor às tempestades. Sua origem vem da
noite em que os avisaram de que Rick tinha morrido. Desde
então, sempre que cai uma tempestade, a ansiedade toma
conta de você…
— Desde que estou com Nick não tive pânico. Ele
substituiu a lembrança má por uma boa. — Sorriu com
tristeza e arrependimento.
— Seu caso teve agravantes que tiveram a ver com a
tragédia de Rick. Justificado ou injustificadamente, o terror a
sacudiu quando Nick a colocou em suas mãos e a algemou.
Acreditou que um estuprador também a mataria, embora se
tratasse de Nick. Sua mente utilizou seu pânico e sua
lembrança enterrada para que ficasse tensa e depois
fugisse dele. E teve que passar o tempo para que visse o
acontecido sob outro prisma. Seus pais são especiais,
Sophie. Sofreram muito a perda de seu filho e se culpam
com o fato de que não puderam protegê-lo, por muito poder
e dinheiro que tivessem. O que aconteceu com você reabriu
essa ferida neles. E derramaram toda a ira do que
aconteceu com seu irmão mais velho em Nick. É seu bode
expiatório.
— Destrocei Nick. — sussurrou Sophie, começando a
ver através da névoa. — Acredito que me equivoquei.
Lancei-o à água com os crocodilos.
Seu pai e sua mãe cuidavam dela o melhor que
podiam. Estavam atentos a cada um de seus movimentos. E
a princípio ela agradecia, mas com o passar do tempo esse
controle a sufocava, porque era a mesma proteção
paternalista e superprotetora da qual fugiu nove anos atrás
quando partiu para Universidade de Washington. Além
disso, nesse momento, depois do muito que lhe custou que
aceitassem Nick na família, agora já não podiam vê-lo nem
ouvir nada sobre ele. E sempre que ela levantava o assunto,
concluíam-no com dureza.
— Sophie.
A voz de Elisabeth a tirou de sua autoflagelação.
— O que?
— Não é a primeira vez que toco no assunto de BDSM
nas relações de casal. Em minhas terapias para
casamentos, nenhuma vez saiu esse aspecto. Há muitos
casais que jogam de dominação, inclusive sem saber. A
questão é que conheço uma sexóloga que poderia te pôr em
contato com pessoas do BDSM que realizam… fantasias e
desejos de mútuo acordo. Talvez se falar com um deles e te
explicarem como é seu mundo, se a ensinarem como é uma
de suas fantasias sem que você esteja envolvida nela,
encontre pontos em comum com o que viveu com o Nick. E
talvez entenda muito melhor o que viveu.
— Você acha? O que quero é… deixar de me sentir mal
pelo que fiz. E deixar de me sentir mal por me sentir mal,
compreende?
— Alto e claro. — respondeu Elisabeth. — Quer que te
dê o telefone de uma dessas pessoas?
— Sim, por favor.
Elisabeth sorriu com indulgência e lhe escreveu o
telefone em uma folha, junto com um nome: Thelma.

***

Antes de se deitar nessa mesma noite, enquanto


Sophie estava em seu quarto da mansão Ciceroni de
Thibodaux no alto de uma das torres, e ficava sentada sobre
a cama com o olhar fixo no telefone que Elisabeth lhe deu,
milhares de dúvidas assaltaram seus pensamentos.
Entretanto, nada a afastava da ideia de que se
equivocou com Nick.
Ela sozinha, ajudada por seu trauma e sua pouca
confiança, fez seu casamento explodir em mil pedaços.
Uma ordem de afastamento.
Um divórcio ainda sem assinar.
E a custódia total de Cindy.
Tudo depressa e correndo, e bem consecutivo. Um
golpe após o outro. Um erro atrás do outro.
As lágrimas de arrependimento caíram sobre o papel
que segurava, que foi parar ao chão assim que escutou a
voz de seu marido dentro de seu quarto.
— Por que chora?
Sophie se levantou de repente e ficou de pé na frente
da cama, olhando para o balcão que oferecia uma vista
maravilhosa de Thibodaux.
A silhueta de Nick aparecia recortada entre as cortinas
vermelhas e transparentes. Usava calças militares largas,
tênis pretos e brancos, e uma camiseta escura de alça que
delineava seu corpo hercúleo.
— Nick?
— O que?
— É você?
— Sim… O que restou de mim. — disse ele levantando
uma garrafa de uísque e brindando à sua saúde, para logo
beber do gargalo.
Sophie engoliu em seco com nervosismo. Mas não com
medo. Estava bêbado?
Tinha-o denunciado por violência contra mulher com
agravantes. Tinha uma ordem de afastamento que devia
respeitar e um divórcio que pendia entre eles como uma
forca. Se de verdade acreditasse que Nick era um
espancador nesse momento estaria morta de medo e a
ponto de desmaiar. Mesmo assim, não o temia.
Não o temia absolutamente.
— Como diabos subiu até aqui?
Ele sorriu sem muita vontade e estalou a língua.
— Disse que sou um super-herói. Casou-se com o
Batman, recorda?
Atirou a garrafa vazia ao chão de madeira do terraço e
entrou como se fosse o senhor daquela mansão. A
segurança daquela supercasa era uma piada ruim. Ele
sempre viu suas carências, por onde falhavam as câmaras e
onde havia pontos cegos. Não foi nada difícil burlá-las.
Sophie só vestia uma camisola muito curta amarela
que mostrava mais do que escondia. Mas fazia calor na
Louisiana e não era bom dormir muito abrigada.
Nick não prestou nenhuma atenção ao modelito.
Passou ao seu lado e meteu as mãos no bolso traseiro de
suas calças militares, como se jamais tivesse gostado dessa
mulher nem ela o tornasse louco.
Ela se abraçou com nervosismo, mais preocupada de
que o pegassem ali do que ele pudesse machucá-la de
novo.
— Não precisa chamar a polícia para dizer que burlei a
ordem de afastamento. Esta é a última vez que vou fazer
isso. — virou-se e a olhou de forma cínica, sem alma.
Sophie estremeceu ao ver aqueles olhos dourados tão
vazios, tão sem brilho. Parecia um morto em vida. Mas
inclusive morto Nick era bonito.
— Para que veio?
— Não para violentá-la. — assegurou com apatia. —
Com uma denúncia já tenho suficiente, não acha? — Deu
uma volta sobre si mesmo e observou o quarto. — Sophia…
sempre foi uma princesa, não é verdade? Há coisas que
com você jamais se devem fazer, suponho… aprendi a lição.
— jurou, afirmando com a cabeça como um robô.
Sophie franziu o cenho, ignorando o estremecimento
que percorreu sua pele.
— Não me respondeu, Nicholas… Para que veio?
— Já vai ver, Sophia… — Deixou cair a cabeça para trás
e fechou os olhos como se esperasse a redenção de alguém.
— Vim para romper com isto definitivamente, para me
esquecer o que foi minha vida até muito recentemente. Vim
romper com você — desdobrou os papéis e os pôs no peito
de Sophie —, definitivamente. Romper com minha filha.
Romper com meus sogros e com estes campos de açúcar.
Para apagar você e a todos da minha cabeça e do meu
coração.
Sophie abaixou o olhar e jogou uma olhada aos papéis.
Era o pedido de divórcio. E estava assinado. Pegou-os com
mãos trêmulas e frias.
Nick lhe dera o divórcio.
Seu peito encolheu e uma bola de melancolia e de
tristeza obstruiu sua garganta.
— A partir de hoje deixa de ser minha esposa. Embora
meu coração doa, sei que jamais poderei ver Cindy e que
me obriga a renunciar à sua custódia… assim também vim
me esquecer dela. Não tenho outra saída que lhe dar isso,
não é, princesa? — Seus olhos eram poços amarelos de
desespero. — Acabou. Você ganhou. Você, garota covarde e
assustada… — grunhiu sem se aproximar nenhum
centímetro de seu corpo — ganhou. Os Ciceroni e seu poder
acabaram comigo. E acredito que finalmente têm o que
queriam. A sua filha para sempre com eles e a sua neta sob
sua custódia. Deixo seu caminho livre, Sophie, para que
faça o que quiser a partir de agora. Ou melhor dizendo, para
que seus pais façam o que quiserem com você.
— Nick… — Sua voz mal saía. E tinha muitas coisas
para dizer a ele e muito a reconhecer, mas não sabia por
onde começar, porque quanto mais tempo passava, mais
complicado e doloroso se tornava tudo.
— Nicholas para você, princesa. — ele replicou com
desdém. — Não volte a me chamar de Nick. Decepcionou-
me muito, Sophie. Talvez eu não tenha sido o melhor marido
ou nosso casamento não foi o mais normal e idílico de
todos, mas sei algo: nunca deixei de amá-la, nem deixei de
me apaixonar por você a cada condenado dia. Jamais deixei
de confiar em você. Eu… sei que não se importa, mas
aquela noite…
— Nick, por favor. — Sophie deu um passo à frente para
tentar tocá-lo. Precisava fazê-lo.
— Cale-se. E nem pense em me tocar… talvez seja eu a
denunciá-la agora. — Ela ficou imóvel e Nick continuou com
seu discurso. — Aquela noite quis me abrir a você, quis te
mostrar quais eram minhas novas inquietações. Sempre
pensei que queria compartilhar tudo com minha mulher,
que o casamento era isso. E quis que experimentássemos
juntos… mas jamais… jamais — disse atravessando-a com o
olhar — imaginei que te abrir uma parte de minha alma, que
reconhecer que queria jogar com você, acarretaria seu ódio
e sua vergonha. Seu medo me pegou de surpresa. Nem
sequer me deixou falar ou tranquilizá-la…
Sophie engoliu em seco, tentando manter seu
temperamento.
— Estava confusa, Nick.
— Não me chame de Nick. Só me chamam por esse
nome as pessoas que gostam de mim. E está claro que nem
você nem seus pais e nem muito menos esse moleque do
Rob, que quer fazer-se passar por seu protetor e de
passagem meter-se em sua cama, gostam de mim. Para
você sou Nicholas.
Sophie lambeu os lábios ressecados e olhou nervosa
para todos os lados, sem saber o que dizer, com seu
divórcio assinado nas mãos.
— Rob não é…
— Não me importa. Já não é nada minha. A partir de
agora não quero que volte a entrar em contato comigo
nunca mais. Você decidirá o que fazer com respeito à Cindy,
já que decidiu que não sou digno de ser seu pai e que ela
está em perigo se estiver perto de mim. Nossa história
chegou a seu final.
Nick passou na frente dela com o corpo tenso e os
punhos apertados ao redor. Palpitava-lhe um músculo de
impotência no queixo. Sophie soube quão miserável se
sentia porque acontecia o mesmo com ela.
— Nicholas… — disse esperando detê-lo assim, e lhe
dar as explicações pertinentes. Não queria que partisse.
Agora que o tinha diante dela e que ninguém sabia que
estava ali, sabia que Nick jamais lhe faria mal de propósito,
que não era um espancador nem um estuprador. Que ela se
equivocou. — Eu… sinto muito.
Nick a olhou por cima do ombro:
— Não me irrite, princesa. É óbvio que sente. E vai
sentir sempre. —Entrecerrou os olhos e disse. — Tsuneni.
Saltou pelo balcão. Sophie ficou com a cara no chão.
Tinha saltado? Assim sem mais? Ia se machucar!
Sophie correu para se assegurar que estava bem, mas
ali não havia nem sinal de Nick.
Ainda tremendo e abatida, observou o horizonte. Como
não o encontrou, fixou o olhar nos documentos que tinha
entre os dedos. Acendeu a luz do balcão porque necessitava
que lhe desse o ar. Sentou-se no balanço de madeira que
tinha umas almofadas protetoras brancas e vermelhas. Ao
virar a segunda folha, encontrou um post-it amarelo com
algo escrito:
 
Aceito todas as cláusulas. Concedo o divórcio a Sophia
Ciceroni. Em troca, Dalton é meu. E o notebbok que a
senhora Ciceroni me roubou também.
 
Sophie passou o antebraço pelos olhos, incrédula. Virou
e correu ao interior de seu quarto para ver se o notebook
continuava onde o tinha deixado.
Justo o que imaginava. Nick o tinha levado.
Ao mesmo tempo que ela se dava conta de que seu ex-
marido tinha recuperado seu computador, ouviu os gritos de
seu pai chamando Dalton para dar sua habitual volta
noturna pelos campos.
Mas o latido de Dalton jamais voltou a se ouvir em
Thibodaux.
 

CAPÍTULO 14
 
Seis meses depois
 
Sophie ia cometer a maior loucura de todas as que
tinha cometido até a data. O nome de Thelma escrito em
um papel mudou o conceito de sua vida do princípio ao fim.
Assim que tomou a decisão de ir conhecê-la, seus dias
deixaram de ser o que eram.
Thelma era um ama. Uma mulher que fazia doma de
homens e de mulheres por igual. Alguém que revelava as
necessidades que ninguém se atrevia a falar, ocultas nas
gavetas da vergonha e da pouca honestidade.
A relação que Sophie cercou com ela durante esses
meses foi um convite a autodescoberta. Aprendeu a ver sua
vida tendo em conta dois conceitos que, diferentes,
complementavam-se à perfeição: a dominação e a
submissão. Era como um modo de vida, como o ingresso de
ida e de volta ao mundo das mais profundas fantasias.
A domina tinha uma aparência intimidante, de formas
voluptuosas e atléticas ao mesmo tempo. Não havia nada
suave nela.
A primeira vez que Sophie a viu, Thelma sorriu
sardonicamente, deixando cair a cabeça para um lado,
analisando-a como se na verdade tivesse pouca coisa diante
dela.
Sophie queria averiguar o que era um role play e queria
pedir permissão a Thelma para que o mostrasse.
E mostrou. Convidou-a para ir a um local noturno de
Nova Orleans onde se praticava BDSM. Thelma a
acompanhava o tempo todo, e se sentou a seu lado
enquanto as cortinas negras se abriram e mostraram uma
janela a uma sala interna escura que simulava uma cela.
A garota loira atrás das barras da prisão atuava
fingindo ter medo e olhava para frente. Uma porta se abriu
e apareceram dois homens que interpretavam o papel de
carcereiros.
Thelma se inclinou ao ouvido de Sophie, que engolia
em seco com nervosismo. A ama, que usava o cabelo loiro e
sedoso preso em um coque e exibia sapatos vermelhos e
vestida de negro, falou com ela com doçura e serenidade.
— Esta mulher quer viver sua fantasia. Deseja que dois
homens a possuam. Veio aqui para isso. — esclareceu —
Tudo que fizerem com ela será de mútuo acordo. No
momento em que a mulher aceita jogar, sabe que está à
mercê deles. E por mais que ela grite ou chore, eles
continuarão. O role play pode fazer com que se produza
muita adrenalina e haverá momentos em que pensará que
ela não quer o que lhe fazem, e imediatamente depois a
verá gozar como uma louca. — Sorriu e olhou de esguelha a
loira que segurava com força as barras; os dois carcereiros
entraram em sua cela. — É fantástico ver como as pessoas
se livram de suas máscaras e mostram seus desejos.
Sophie engoliu em seco e cruzou as pernas tentando
aparentar uma tranquilidade que não sentia. Não era medo.
Não era pavor. Era uma curiosidade que, insana ou não,
obrigava-a a não piscar para não perder nem um só detalhe
do que ali acontecia.
E tudo o que viu nessa cela a deixou sem palavras e
atiçou uma parte de seu ser que tinha vivido entre as
sombras.
A mulher da cela estava sendo submetida por dois
homens muito maiores que ela, tanto em idade como
fisicamente.
Tocavam-na como se esse corpo fosse deles e a jovem
não pudesse dizer nada. Amordaçaram-na. Ela brigou. E
eles riram enquanto lhe davam bofetadas nas nádegas. Ela
também ria? Sophie não entendia nada.
Puseram-na no chão de joelhos e amarram seus pulsos
para imobilizá-la, enquanto abriam as pernas dela para que
se posicionassem.
Não deixaram de penetrá-la, segurando-a pelos quadris
com força, demonstrando quem mandava ali. Fazia primeiro
um e logo o outro. Ela gemia, apertava os olhos e depois os
abria com o olhar desvairado de prazer.
Outras vezes, parecia esquecer que tinha que lutar e se
deixava levar pela força deles. Subjugada.
E depois os dois fizeram ao mesmo tempo. Montaram-
na aberta sobre o que tinha o pênis maior, que a penetrou
pela frente. Depois o outro a tomou por trás.
Ficaram jogando e submetendo-a durante uma longa
hora.
— Isto é o que queria ver? É o que seu marido fez com
você? — perguntou Thelma com atrevimento.
Sophie tinha contado seu caso e Thelma queria fazê-la
ver que se devia separar a realidade da fantasia. Um jogo se
devia respeitar do princípio ao fim. O acordo inicial era o
que valia. Entretanto, Sophie era novata e por algum motivo
sentiu medo. Depois disso se seu marido continuou, tudo o
que fez parecia uma ofensa contra sua pessoa. “Pobre
desgraçado”, disse a si mesma, pensando em Nick.
— Vê o que fazem com ela?
— Sim.
— E então?
— É o que ele fez comigo… — sussurrou abaixando a
cabeça com pesar. — Mas só ele.
— Ele te avisou o que aconteceria a você?
— Sim. Disseme que o que fizéssemos a partir desse
momento devia ficar dentro do jogo.
— Isso. — Sophie levantou a cabeça ao ouvir um novo
orgasmo da boca da garota. Thelma nem se alterou. — Mas
o que aconteceu a vocês não ficou ali.
— Não.
— E o que quer que eu faça por você, Sophie? Pediu-me
ajuda, mas ainda não sei para que.
Ela meneou a cabeça, contrariada. Sabia que Thelma
seria um ama inflexível, dura e provocadora. Mas precisava
dela. Equivocou-se com Nick. E de algum modo precisava
compreendê-lo e ver se estava disposta a recuperá-lo
sabendo que aquele novo mundo era o que seu ex-marido
gostava.
Sophie levantou o olhar e cravou seus olhos castanhos
nos azuis esverdeados de Thelma. Essa mulher era uma
gata. Podia imaginá-la lambendo suas garras, sorridente e
segura de si mesma, antes de atacar a sua presa.
— Conhece um fórum chamado Dragões e Masmorras
DS?
Thelma piscou, com o sorriso atrevido perene em seus
lábios.
— Nós os autênticos BDSMeiros o conhecemos
perfeitamente. — afirmou — Como você conhece esse
fórum?
Sophie lambeu os lábios em um gesto nervoso.
— Meu ex-marido o frequenta. Faz-se chamar de Tigrão.
— respondeu, revelando a informação que os hackers lhe
deram. Não sabia nada mais, já que não podiam abrir os
códigos e as senhas que Nick tinha utilizado para entrar. —
Por isso me interessei pelo BDSM. Quero compreender o que
aconteceu nesse dia que Nick jogou assim comigo. E quero
saber se posso aguentar seus… gostos.
— Às vezes o BDSM não só é questão de gostos
sexuais. É uma forma de vida. Em alguns casos, o jogo de
dominação entre amo e submisso dura as vinte e quatro
horas do dia. — esclareceu. Começava a interessar aquela
mulher recatada e elegante que com um pouco de
reticência estava lhe pedindo ajuda.
— Não me importa. Só quero entender. Quero saber o
que é.
— Quer se preparar para o torneio? Quer surpreender
seu Nick para recuperá-lo? Isso é muito romântico… — disse
aprovando seu comportamento com a expressão satisfeita
de seus olhos azuis resplandecentes.
Sophie franziu o cenho.
— Não sei o que é esse torneio… Mas quero fazer o
possível para recuperá-lo.
Thelma ergueu o queixo e olhou para ela entre seus
espessos cílios cheios de rímel.
— E por que veio a mim?
— Elisabeth me falou de você.
— Mas sou uma mulher.
— Não quero estar nas mãos de outro homem. Estar
com uma mulher faz com que sinta que não traio Nick.
Deixe-me ver se me explico… quero deixar claro que… eu
não gosto de mulheres.
— Como sabe se nenhuma vez provou uma? —
perguntou divertida. — Como sou uma mulher, seu coração
nenhuma vez se verá comprometido?
— Hã… — Sophie franziu o cenho sem saber o que
responder.
— Não se preocupe, linda. — pôs-se a rir. — É muito
inocente… Mas me deixe te dizer que o coração responde
aos cuidados, não importa se há um pênis ou uma vagina
entre as pernas. Não aspiro que se apaixone por mim. —
esclareceu — Embora seria divertido contradizê-la…
Entretanto, não precisa gostar de mulheres para fazer
domesticações ou ser o interesse de uma delas. O único que
importa na domesticação é a dor e o prazer. Entendido?
— Sim… suponho.
— Então… quer ser minha submissa, Sophie? —
perguntou com tom sedutor. — Não haverá retorno.
— Quero que me mostre seu mundo, Thelma. —
afirmou com tranquilidade. — Você me ajudará a chegar de
novo a Nick.
— Serei seu trampolim?
— Sim, mais ou menos…
A ama assentiu de acordo e a segurou pelo queixo.
— Serei seu trampolim para o êxtase. Eu a levarei pela
mão para um universo que só reside em seu interior e
unicamente sob a domesticação de meu chicote. — Piscou
um olho para ela e a soltou.
Depois daquela misteriosa promessa, Sophie não pôde
prestar atenção ao que acontecia por trás do vidro. Só
pensava no que a esperava assim que ficasse nas mãos de
Thelma.

***

E, durante meses, Thelma trabalhou com ela.


Três vezes por semana a pressionou a uns limites que
não compreendia, que a assustavam e a atraíam como nada
no mundo.
Onde começava a dor e o prazer? Onde ela acabava?
Quem era na realidade? Qual seria seu limite?
Thelma era dura, mandona e inflexível. Mas, ao mesmo
tempo quando Sophie dava tudo o que podia, era
agradecida e carinhosa, felicitava e a mimava.
Ensinou-a a suportar os castigos e a se entregar por
completo. Ensinou-a a aguentar as pinças nos mamilos e no
clitóris, os açoites com o flogger, o spanking, as leves
dentadas… Instruía-a, guiando-a através da ardência para
que encontrasse esse lado escuro do prazer, só ao alcance
dos mais valentes. E o prazer sublime estava ali… atrás da
soleira da dor. Em algumas ocasiões, saíram tanto do
controle que não sabia se o deleite e a agonia eram uma
consequência do outro ou o contrário.
Com o passar do tempo, Sophie conseguiu algo que
desejou ser quase impossível no começo. Começou a gostar.
Desejava encontrar-se com Thelma. Uma parte de si
reclamava toda aquela descarga emocional, o choque de
trens que a ama lhe oferecia… ela enfrentava a si mesma. E
em cada confronto, só Sophie saía vencedora. Porque
depois de todo o caos, da angústia e do sofrimento,
chegava a onda de satisfação que fazia com que se sentisse
livre e estranhamente limpa. Pura como nunca.
— Em uma domesticação, quando se submete,
enfrenta a todos esses seus aspectos que menos gosta e
que a tornam frágil. Quando consegue submetê-los, renasce
forte e livre, segura do que quer e de acordo com quem é
realmente… Se nunca pressionarem seus limites, jamais
saberá do que é feita, nem adivinhará quanto está disposta
a suportar. A dominação se apoia nisso: no prazer e na
autodescoberta. E você — disse a ela um dia enquanto
Sophie estava nua, sentada de pernas abertas sobre um
potro — já está se abrindo a si mesma e ao mundo com
uma sofisticação e um temperamento impróprios de alguém
tão nova… Isso só acontece com os inatos, por assim dizer.
Os que sabem que se entregar é um dom que se oferece
com liberdade. O presente mais prezado que alguém pode
dar a outro. E eu — açoitou as nádegas de Sophie com o
flogger e esta deu um salto, olhando-a de soslaio como se
quisesse lhe arrancar a cabeça — adoro quão livre é,
inclusive estando presa e a minha mercê como agora.
Thelma a ensinou algo básico para sua vida, uma lição
que poria em prática desde que compreendeu o que era
submeter-se aos outros.
— Há algo errôneo em pensar que se submeter é para
os fracos. — explicou a Sophie um dia enquanto retorcia
seus mamilos com os dedos. — As domesticações vão
destruindo cada uma das camadas que a protegem, esses
muros infranqueáveis atrás dos quais todos nos
escondemos… até que aparece você. Até que se encontra. A
submissão é somente para os mais fortes e poderosos. —
disse puxando fortemente seus duros seixos avermelhados
— Quem tem o poder em uma domesticação é o submisso
porque permite que o dominem. É como se dissesse ao
amo: “Submeto-me porque quero, não porque me obriga”.
— Thelma sorriu ao ver que Sophie já não a insultava
quando fazia isso com ela. — Boa garota… e se tiver a
grandeza de se submeter a seu desejo, Sophie, então é que
pode dominar sua vida do princípio ao fim.
Aquela lição ficou gravada na sua mente. Quantas
vezes se submeteu sem querer? Quantas vezes permitiu
que seus pais a controlassem e dirigissem sua vida? Sophie
tinha permitido para não deixá-los zangados e para se
comportar bem com eles, sem saber que com essa conduta,
fizera um favor a eles, mas também a si mesma.
Seus pais não aprenderiam a lutar com seus demônios
e seus medos se ela desse a eles tudo o que pediam.
E ela jamais faria o que na realidade queria fazer se
colocasse os desejos dos outros na frente dos seus.
Submeteu-se a eles. Tinha decidido obedecê-los
inclusive contra sua própria vontade. Sempre quis viver em
Washington junto de Nick e criar sua própria rede de
restaurantes. Já tinha escolhido até o nome. Chamaria-se
Orleanini.
Entretanto, tinha estacionado seus sonhos pessoais,
suas ambições, para trabalhar nos campos de açúcar junto
a seu pai e viver com eles para que se sentissem bem e
orgulhosos dela.
O problema era que Sophie não se sentia orgulhosa de
si mesma. Seu medo de romper com a proteção de seus
pais e empreender seu caminho sozinha longe do
sobrenome Ciceroni, fez com que não avançasse e que se
conformasse. E o pior de tudo: insistiu para que Nick se
conformasse também. Seu ex-marido sempre a animara
para que fosse empreendedora e que deixasse a empresa
de seu pai; dizia que era hora de voar do ninho. Mas Sophie
nunca o escutava. Sorria para ele e respondia: “Este ano é o
último”.
Mentira. Nunca era o último.
Talvez tivesse chegado o momento de ser.
Passou o tempo e chegaram as domesticações mais
intensas, até que Thelma considerou que Sophie estava
mais que preparada para poder participar do torneio de
Dragões e Masmorras DS.
Thelma conhecia uma tal Sharon, que se encarregava
de estender os convites através do fórum. Recebeu um
convite duplo para ela e sua acompanhante. Seriam Thelma
e Louise Sophiestication.
— Esse torneio é uma autêntica maravilha, Sophie. —
disse Thelma na noite anterior da partida. A ama ia dois
dias antes para pegar os acessórios e ter todos os
equipamentos preparados, e combinaram jantar em um
restaurante do bairro Francês que fazia um frango cajún
com especiarias que era espetacular. O restaurante tinha
um ar de Nova Orleans, todo de madeira por dentro e de
aspecto vitoriano por fora. — Você vai se encantar.
Sophie mordeu um salgadinho de queijo e o untou com
ketchup.
— Estão sem gosto. — disse prestando atenção à
textura do alimento. — E o empanado não está crocante. Eu
os faço muito melhores. Devo colocá-lo em meus futuros
menus…
Thelma arqueou as sobrancelhas e revirou os olhos.
— Estou falando do torneio, querida. Trabalhou duro
para estar nele. E Tigrão vai estar lá. Está me deixando em
segundo plano por um palito de queijo…
Foi então quando Sophie prestou toda a atenção nela. A
ama era muito ciumenta e egocêntrica. Mas Sophie a
adorava.
— Sharon confirmou a presença de Nick?
— Sim. E fez isso de maneira extraconfidencial. Agora
devo um favor a essa vagabunda altiva…
— Pensava que eram amigas.
— E somos. Mas nas domesticações não há amigas. —
Piscou um olho para Sophie. — E se a Sharon quiser me
incomodar durante o torneio não poderei lhe dizer não. É a
maldita rainha do BDSM. Olhe em que compromisso me
colocou. — Levantou a mão e brincou com o cabelo de
Sophie, que o prendeu em um longo rabo de cavalo liso. —
No torneio não quero coques insossos como esse,
entendido? Tem que parecer formidável. Rabo de cavalo
alto, rosto relaxado… ficará linda. — Sorriu feliz.
Sophie compreendia que para as dominas o sexo era
pura diversão. Os BDSMeiros não se importavam com os do
mesmo sexo, porque o que os atraíam no jogo era a
submissão e o êxtase. Não colocariam alcunhas. Não tinham
preconceitos. Eram livres.
Sophie não saía de seu assombro. Se Sharon era
metade exigente como Thelma, um encontro entre elas
devia ser espetacular.
Embora ela não teria olhos para nenhuma das duas,
porque só queria encontrar com Nick. Thelma explicou a ela
as bases do jogo e Sophie esperava com esforço uma sorte
de cartas com as quais pudesse envolver Nick em uma
mudança de casais.
Thelma tirou o que restava do salgadinho dos seus
dedos e o levou a boca. Sophie não se importou.
— Está nervosa, Sophiestication?
Ela se pôs a rir. O nome era criativo. Sim, estava
nervosa e ansiosa. Em dois dias estaria no aeroporto Ronald
Reagan, onde tantas vezes desembarcou para estar com
Nick. Mas desta vez tomaria outro voo para as Ilhas Virgens.
Ansiava encontrar-se com ele e ver a cara que ele ia
ficar quando por fim descobrisse quem era ela. Entretanto,
havia algo que temia.
Não suportaria ver Nick com outra, jogando e tocando-
a como a tocou anos atrás. Em sua época de casados,
jamais se sentiram ciumentos nem tiveram motivo para
isso.
Talvez tudo tivesse sido muito fácil. Sem conflitos, sem
discussões, com uma cumplicidade maravilhosa entre
ambos… Nenhum deles queria fazer algo ou dizer algo que
machucasse o outro. Nick aceitou que ela vivesse na
Louisiana para trabalhar na empresa dos Ciceroni e ela
aceitou que ele trabalhasse em Washington. Era um casal
atípico, cuja distância anulava a possibilidade de ter as
típicas discussões dos casamentos nem os conhecidos
desgastes com suas crises.
Eles não tiveram isso.
Entretanto, só precisou de uma noite de enganos e de
emoções voláteis para mandar tudo ao inferno.
Só uma noite. Só o medo. E já não restava nada.
Sophie queria aproximar-se dele, mas Nick deixou claro
que não queria saber nada dela. E com razão. Tinha-o
proibido de ver sua filha e impôs uma ordem de
afastamento. O que esperava?
Cindy sentia falta de seu pai. Sentiu saudade dele. Nick
sempre dançava com ela nos braços e brincava. Podia
brincar horas com a pequena sem se cansar. Muitos homens
se fartavam dos bebês em seguida, por muito bonitos e
filhos deles que fossem, mas Nick não. Nick apreciava Cindy
de verdade. E os afastou um do outro por culpa de seus
medos, que estavam tão dentro dela. Por seus preconceitos,
por ser uma estúpida… falsa moralista.
— Já está se flagelando outra vez? — Thelma conhecia
todas as suas expressões e o muito que se torturava Sophie
pelo que fez a seu marido. — Não vale a pena entrar nesse
redemoinho autodestrutivo. Cometeu um erro, não é?
— Sim. — Sophie esfregou o rosto, a ponto de
desanimar de novo.
— Então — segurou seu pulso —, solucione-o. Deixe as
lágrimas para a masmorra. Aqui nada de choro.
Sophie assentiu, tentando acalmar-se.
Sim, a reconciliação seria uma batalha.
E ela tinha todas as chances de perder. Mas queria
lutar por Nick, porque o amava e… estava arrependida.
Conseguiriam dar um ao outro outra oportunidade?

***
— Sophie, querida? Para que vai às Ilhas Virgens? —
perguntou Maria, que tinha sua neta nos braços. A pequena
balbuciava e brincava com o urso panda que Nick a
presenteou em uma viagem que fez ao Japão. A bebê
adorava apertá-lo.
— Para ter uns dias de descanso, mamãe. — Abriu as
gavetas brancas de sua cômoda e tirou roupa íntima roxa e
fúcsia, e peças de roupa leves. Thelma disse a ela que lá
fazia muito calor e que a umidade se colava à pele. O látex,
os sapatos de salto e outros acessórios, a ama os levaria. —
Minha vida mudou muito em pouco tempo e mereço uma
pequena pausa.
Sophie havia se tornado independente. Comprou uma
linda casinha em Chalmette com o dinheiro herdado de seu
avô, do que já podia dispor. Era seu modo de romper com a
vigilância e a proteção de seus pais. Precisava pôr espaço
entre eles e começar a pensar em si mesma, em vez de nas
necessidades dos outros. Vivia ali com Cindy, que já tinha
mais de um ano. Maria foi até ali para ficar com a pequena.
Maria falava com ela, mas seu pai, ainda ressentido por ter
abandonado seu lar, não queria nem lhe dirigir a palavra.
Entretanto, não foi aquilo o que causou aquele duro
distanciamento entre pai e filha. O que provocou a
hecatombe foi seu anúncio de que deixava a empresa para
estudar a melhor via de empreender seu negócio.
Três meses atrás, investiu suas economias de tantos
anos trabalhando e vivendo na Louisiana para abrir a
primeira pizzaria especializada, chamada Orleanini, no
bairro de Nova Orleans, tal como seu nome indicava.
A experiência fora tão bem e tinha críticas tão boas que
estava a ponto de abrir outra em Gentilly. Sua mãe se
alegrava de seu sucesso, embora continuasse reticente ao
fato de que ela conduzisse sozinha seu negócio. Mas seu pai
não recebeu nada bem. Embora tivesse Rob, que ocupava
maravilhosamente o posto que Sophie tinha deixado vago,
Carlo se sentia melhor tendo a sua filha perto. E já não a
tinha.
Daí suas divergências.
— Mas vai sozinha?
— Com uma amiga.
— Querida… e quem é? É essa garota com quem a
viram frequentemente entrando em locais escuros de Nova
Orleans?
Sophie fechou o zíper da mala laranja com rodinhas e
pegou sua bolsa de couro mandarina Duck da mesma cor
para verificar que levava as passagens e toda a
documentação.
— Sim. Essa mesma.
— Sophie… está diferente. Virou lésbica?
Ela deixou o que estava fazendo e olhou para sua mãe
com infinito carinho. Sua educação e seus princípios eram
outros, mas embora estivesse moldada às antigas,
compreendia as mudanças que o tempo trazia consigo.
— Não virei lésbica, mamãe. Só é uma amiga. —
aproximou-se dela e segurou seu rosto, para admirar as
rugas que se pronunciavam ao redor dos olhos e no
pescoço, ali onde antes não as tinha. E mesmo assim,
continuava sendo bonita. — Não se preocupe. Só serão uns
dias. Voltarei mais morena e sorridente.
— Eu não gosto disso.
— Eu sei. Nunca gostou que faça algo que você não
quer que eu faça. —Abraçou sua mãe e sua Cindy com
força, e beijou-as impregnando-se de sua força, que
certamente necessitaria. — Mas já não estou debaixo de
suas saias, mamãe. Quero viver minha vida justo como
quero fazer. Já sacrifiquei muito por vocês…
— Seu pai e eu sempre quisemos o melhor para você.
— disse ressentida. — E Nick… Nick acabou sendo uma
decepção. Não estávamos tão mal encaminhados.
— Não. — cortou Sophie rapidamente, levantando a
mão para que parasse. Não podia permitir que
continuassem falando mal dele, embora soubesse que no
fundo, depois do que aconteceu naquela noite, era culpa
sua. — Não diga nada sobre ele, mamãe. Isso é problema
meu.
— Você nos fez participantes disso, Sophia. —
recriminou-a. — Não diga que não é da nossa conta. Você é
da nossa conta. — afirmou passional, como boa italiana. —
Esse homem abusou de você…
— Deus, mamãe. — Sophie deixou a cabeça cair para
trás, procurando as palavras que fizessem sua mãe
entender que as coisas não eram exatamente como ela as
tinha explicado. Não tinha mentido. Mas… Não tinha
compreendido Nick. E era humilhante saber que todos, por
seu pouco sentido, soubessem o que Nick fez. Se ao menos
tivesse tido mais paciência, se antes de correr pra polícia
tivesse pensado um pouco. — Mamãe, as coisas não foram
assim.
— Deixa de dizer isso. Veio para casa destroçada e
aniquilada pelo que esse homem te fez. Não me diga agora
que não aconteceu.
— Sim, aconteceu, mamãe. Mas interpretei isso de um
modo que não era. — Meneou a cabeça para conseguir que
suas palavras soassem coerentes.
— Já faz tempo que diz isso… e não a entendo.
— Sei. Mas é problema meu. Só meu. Sempre os fiz
participantes de tudo e aquela noite cometi um terrível
equívoco…
— Não compreendo, Sophia. — Maria abraçou Cindy,
desconsolada. — Seria capaz de voltar para ele e nos fazer
sofrer de novo? Sei que não é feliz. Já não tem luz no olhar.
E me preocupo. Mas tenho medo de pensar que possa voltar
atrás e procurar Nick. Ele já não vai te querer. E eu não
quero um homem assim para minha filha. Decepcionou-nos.
— Eu o decepcionei, mamãe. Acusei-o de algo que não
era. — defendeu-o. — Sei que você não pode compreender
isso, mas eu sim. Faria-me um grande favor se você e papai
marcassem uma consulta com Elisabeth e falassem com ela
sobre o meu caso, e sobre tudo em geral… Talvez ela possa
contar melhor o que aconteceu comigo e por que
aconteceu.
— E isso a faria feliz de novo, piccola?
Sophie deu de ombros e não soube o que responder,
exceto:
— Ficarei bem, mamãe. Ligarei assim que chegar. Eu a
verei dentro de uns dias.
Sophie saiu da casa sentindo falta de Cindy. Sempre
acontecia quando tinha que se afastar dela por trabalho.
Menos mal que tinha seus pais para que cuidassem dela.
Abriu o porta-malas de seu New Beetle para deixar a
bagagem e colocou os óculos de sol Prada para cobrir esses
olhos que já não sorriam nem tinham luz.
E que luz teriam quando ela mesma tinha mergulhado
na mais absoluta escuridão o homem que amava?
 

CAPÍTULO 15
 
Torneio Dragões e Masmorras DS
Ilhas Virgens
 
Nick sabia. Soube no preciso momento em que Louise
Sophistication cruzou seu caminho. Soube segundos depois
de contemplá-la por baixo de seus cílios loiros enquanto
adotava a falsa postura de submisso que não era.
Havia algo no modo como o corpo dela estremeceu ao
enfrentá-lo, na tensão de seus ombros e suas costas quando
estava perto, na maneira como o olhava pensando que ele
não se dava conta de seu escrutínio, a meio caminho entre
o atrevimento e a desculpa. Uma mistura de contrastes que
deixavam qualquer um fora do jogo.
A familiar curva dos lábios, beijados antigamente,
provados milhares de vezes… A linha de seus ombros e a
forma de seu traseiro arrebitado e ao mesmo tempo, nada
comum. Eram tantos os sinais, tantas as peculiaridades que
a definiam.
Como um homem podia esquecer o sabor, a maciez, a
textura e a forma da boca da mulher por quem estava
apaixonado? Ele certamente não o fazia.
Era tão certo que essa mulher era sua Sophie como o
fato que a água molhava.
Porque desde que Cleo Connelly teve a brilhante ideia
de trocá-lo por uma das cartas da competidora e dominante
Thelma no torneio de Dragões e Masmorras DS, e o obrigou
que jogasse e investigasse por sua vez o lado da domina e
sua submissa, Nick aceitou sem pigarrear. Não só porque
era necessário para a missão, mas porque queria assegurar-
se que a submissa envolta em látex com o rosto
semicoberto era sua ex-mulher.
E nesse momento, de pé, no centro da sala da suíte do
hotel com a ama Thelma de pé diante dele e Sophiestication
a seu lado ajoelhada, estava a ponto de descobrir que
estava certo.
O que ela fazia ali era um completo mistério. Era algo
incompreensível.
“Mas, pelo amor de Deus, Sophie. O que está
jogando?”, perguntou-se enquanto seus olhos dourados se
mantinham fixos na ponta de seus pés nus e na madeira
clara que revestia o chão da suíte.
E o que queria fazer Thelma com eles?
— Quero jogar um momento com vocês. — disse ela,
sorrindo enquanto acariciava de um extremo a outro seu
chicote negro com cabo de couro de serpente. — Amanhã
nos compete várias provas e quero saber como podem se
dar bem e quanto estão dispostos a me obedecer.
Nick manteve a cabeça abaixada, dominando sua parte
desafiante o máximo que pôde. Essa loira queria que ele e
sua ex-mulher seguissem suas ordens obscenas, pervertidas
e tentadoramente obscuras, as mesmas que em outro
momento e, talvez em outro tempo, estaria disposto a
executar com ela.
Mas não assim. Não agora. E embora parecesse
contraditório, não com ela.
“Maldita seja” repetia-se, tão tenso que temia que em
algum momento fosse se quebrar. Se desse um passo em
falso e demonstrasse algum sinal de reconhecimento para
Sophiestication, Thelma se daria conta e não queria que
ninguém os relacionasse. Ele estava no meio de uma
missão do FBI, não em um torneio para seu próprio prazer. E
Sophie… nem ideia. Que fazia ela? Se chegassem a
descobrir que estavam vinculados de algum modo, ela
correria perigo.
— Sophiestication. — Thelma rodeou Sophie, que
continuava prostrada no chão com o queixo quase colado ao
peito e uma atitude obediente. Tomou entre seus dedos de
unhas vermelhas seu longo rabo de cavalo castanho e o
acariciou, até que os suaves e lisos fios deslizaram
choramingando para libertar-se de seu domínio. Então à
suave carícia, seguiu um brusco puxão de cabelo. A domina
esperava ouvir umas palavras que não chegaram.
— Sim, ama? — perguntou Sophie com um sutil
sussurro de protesto.
— Boa garota. — Sorriu e a soltou de novo. Ama. Ela
era um ama e seus submissos jamais deviam se esquecer
disso. Por isso, sempre que se dirigissem a ela, deviam
chamá-la por seu nome. E Sophie não podia esquecer todo o
aprendizado durante esses meses juntas. Tinha sua
oportunidade diante de si. A redenção. — Este cão necessita
que o amestrem. A ama de cabelo vermelho que o levava
parece ter permitido muitas liberdades a ele. Recorda como
se chamava?
— Lady Nala, ama. — respondeu Sophie com um pouco
de acanhamento.
Ela sabia melhor que ninguém que essa mulher não se
chamava Nala e que, além disso, tinham se encontrado no
avião de Nova Orleans até Washington D. C. As
casualidades da vida eram tão incríveis e singulares que
Sophie ainda não se recuperou do impacto de saber que a
desconhecida a quem estranhamente contou suas
intimidades e inseguranças estava presente no mesmo
torneio que ela com seu ex-marido como companheiro.
— Nala… Nala acabou com o Rei Leão. — recordou
Thelma, divertida. — Grande espetáculo deram, não foi? Ver
o King com peruca foi incrível… Curioso casal. E a você,
Tigrão — puxou-o pelo queixo —, a leoa te desprezou. Está
triste, medroso? — provocou-o.
— Não, ama Thelma. — respondeu com voz grave.
— Não? Por que não? — Thelma deslizou os dedos de
sua mão direita pelo torso nu de Nick e se deteve no botão
de sua calça de couro.
Nick apertou os dentes. Embora Sophie continuasse
com o rosto semicoberto e envolta em látex negro, estava
claro que ambos já se reconheceram. Se Thelma
continuasse com seu jogo, no final se veriam obrigados a
deixar-se levar por suas ordens, e isso incorporava uma
ampla gama de sinônimos das palavras “sexo” e “toque”. E
isso estava errado. Porque a verdade era que em mais de
um ano só tocou sua ex-mulher uma vez. E tinha bastado
para afastá-la dele para sempre.
O experimento se converteu em uma atrocidade,
derivou em um divórcio e em um equívoco de palavras
humilhantes que sempre pesariam entre eles.
Obviamente, nunca saberia se Sophie poderia ter agido
de outro modo se em algum momento tivesse comentado
com ela que em vez de um aborrecido comerciante, era
agente secreto do FBI. Se tivesse lhe contado desse lado
obscuro que tinha descoberto recentemente e que gostaria
de pôr em prática com ela.
Entretanto, sua mulher nunca soube. E Nick tampouco
teve vontade delhe contar nada mais depois da denúncia de
maus tratos que manchava e carregava em sua ficha
funcional. Além disso, a distância que Sophie pôs entre ele e
sua filha, que agora tinha quase dois anos, matou qualquer
compaixão que pudesse sentir por ela.
Destroçou a vida dele. E esse incidente propiciou um
giro em seu papel na missão. Nick passou voluntariamente
de interpretar o papel de dominante a se passar por
submisso, porque jamais queria voltar a intimidar ou a
assustar uma mulher como fez com Sophie.
Entretanto, tudo aquilo parecia muito longínquo e
contraditório, tendo Sophie diante dele nas Ilhas Virgens,
como cachorrinha de um ama muito atrativa e vestida como
uma submissa. E mais, agindo como tal.
O que tinha mudado? Por que Sophie estava ali?
— Maldita piada. — grunhiu para si mesmo.
— Como diz? — perguntou Thelma cravando-lhe a unha
em um mamilo nu.
— Digo que não, ama. Não sinto falta dela. Minha nova
ama saberá me dar o que mereço e agradar minhas
necessidades.
Thelma fez uma careta concordando e assentiu com
satisfação.
— Fará tudo o que te disser, Tigrão? Nome curioso —
apontou —, é devido a que?
Nick queria mandar essa bruxa recolher urtigas. Em vez
disso, acalmou-se e se obrigou a não recordar que seu
nome de jogador se devia ao bichinho de pelúcia que
Sophie ainda conservava sobre sua cama desde criança. Ou
ao tigre imenso, lembrança da Yakuza japonesa, que
rodeava sua nádega e seu quadril.
— Porque sou grosso e macio, e tenho creme por
dentro, como o bolinho. —Sorriu como um lobo. Sabia que
desafiava a domina com sua atitude, mas antes morto que
reconhecer que ainda pensava em Sophie de algum modo.
Os ombros de Sophiestication ficaram tensos e, por um
momento, pareceu levantar a cabeça para olhá-lo.
Nick teve vontade de começar a rir. A sua ex-
mulherzinha não tinha gostado nem um pouco dessa
brincadeira. E se alegrava. Não estava ali para fazê-la se
sentir bem. De fato, ela nem sequer entrava nas equações
do torneio. E precisava afastá-la e mandá-la embora antes
que as coisas se complicassem e corresse perigo.
Afinal de contas, era a mãe de sua filha, não? Embora
certamente que Rob o teria substituído maravilhosamente,
o grande filho da puta…
Uma raiva avermelhada nublou seu olhar azul, mas
faria bem em mantê-la em um lugar seguro. Concentrou-se
na vista que deixava ver a ampla janela das praias
paradisíacas e os iates amarrados à costa.
As Ilhas Virgens eram lindas.
— Assim é grosso e tem creme? — Thelma pegou a
deixa jogada por Nick. Com a ponta do chicote contornou
seu umbigo e seu púbis, e o golpeou nos testículos.
Quando Nick deu um salto e apertou os dentes de dor,
Thelma arqueou as sobrancelhas esperando as palavras de
seu submisso.
— Obrigado, ama.
Ela se pôs a rir e ofereceu a mão a Sophie para que se
aproximasse dela. Sophie a pegou e Thelma a colocou de
joelhos na frente de Nick.
— Gostaria de ver como jogam. Sophiestication, quero
que masturbe o irritante Tigrão com sua boca, que engula
todo seu creme e que o faça tremer até que caia de joelhos.
O coração de Nick parou. Não podia acreditar.
Realmente, isso estava acontecendo?
— Sim, ama.
Suas mãos não tremeriam, embora fizessem várias
ameaças, as grandes traidoras.
Sophie engoliu em seco e aceitou a ordem da domina.
Nick estava tão impressionante ali de pé na frente dela
com esse brinco em forma de serpente na orelha, os olhos
amarelos pintados de Kohl, o colar de cachorro no pescoço,
seu cabelo loiro despenteado e a roupa negra justa… e essa
calça de couro… Por Deus, nenhum homem lhe faria justiça.
Parecia um punk mafioso, tão atraente como o pecado.
De repente sentiu-se possessiva, embora não tivesse o
direito, e desejou que Thelma não visse o que ia fazer, mas
conhecendo-a e sabendo o quanto essa mulher apreciava os
jogos, certamente a animaria e a provocaria a dar mais.
— Quero que a olhe a todo momento, Tigrão. — Thelma
se sentou na chaise longue, cruzando as pernas, sacudindo
o pé esquerdo de cima abaixo de vez em quando. — Vamos!
— Bateu as mãos. — É para hoje!
Sophie desabotoou o botão prateado de sua calça e
desceu o zíper. Fazia tanto tempo que não via Nick nu. Fazia
tanto tempo que não o via…
Mas como não se esqueceu nem de seu rosto nem de
seu corpo, nem muito menos de sua tatuagem, tampouco
tinha esquecido aquela parte de sua anatomia que tanto
prazer a proporcionou antigamente.
Introduziu a mão fria no interior e tirou seu membro
duro, grosso e coberto de veias. Ah, mas Sophie sabia que
podia se endurecer ainda mais.
— Sophiestication tem as mãos frias. — disse Nick
acusadoramente.
— Já vou esquentar. — respondeu ela para surpresa de
sua domina e do próprio Nick.
— Quem deu permissão para vocês falarem? — O tom
ameaçador de Thelma os obrigou a concentrar-se no que
tinham que fazer. Ela se levantou e abriu a palma de sua
mão direita para bater o chicote sobre ela. — Não me façam
zangar ou terei que pôr vocês dois contra a parede.
O irascível olhar de Nick fez que Thelma franzisse o
cenho e o olhasse como se não entendesse sua atitude.
— É um cão provocador? — Thelma sorriu e deu uma
olhada na parte de sua tatuagem de tigre, que quis
investigar por si mesma. — Tigrão, não é? Bonita
tatuagem… — Esse homem, o ex-marido de Sophie, não era
submisso nem um pingo. Fingia ser. Mas não era. Não havia
nenhuma célula submissa em seu corpo. Por que entrou no
torneio com esse papel? Era algo que ela não se
preocuparia em averiguar. Aquela era a missão de Sophie,
não a sua. — Acabe com ele, boneca.
Sophie não pensou duas vezes. Abriu a boca e o fez
desaparecer com lentidão em seu interior.
Thelma se aproximou para ver como o fazia.
Os neurônios de Nick arderam e todos seus circuitos se
desfizeram ao sentir a língua de Sophie, agora mais
experiente que quando era sua mulher.
O que tinha feito? Como podia fazer isso daquele modo
diante de outra mulher? Em que mundo paralelo estavam?
Nick apertou os dentes ao sentir que Sophie
pressionava seu prepúcio com a língua e o palato… e
engolia. Engolia para poder albergá-lo completamente
inteiro. Inteiro como nunca pôde antes.
Ele era muito grande e entendia que houvesse
mulheres que não eram suficientemente profundas para
albergá-lo por completo.
Sophie era assim. Mas o tempo e aquela mamada
acabavam de desmentir aquela crença.
Thelma se aproximou dela pelas costas e inclinando-se
um pouco sobre sua ex-mulher, sussurrou ao ouvido dela
enquanto lhe tampava os orifícios do nariz:
— Engula-o, Sophie. Tem um enorme Tigrão com creme
em sua boca. Chupe-o…
Nick estava hipnotizado pela imagem. Sophie levantou
o olhar para ele. Seus olhos castanhos brilhavam
efervescidos e Nick ficava duro e mais duro quanto mais
comprovava quanto gostava do que Sophie fazia com ele.
— Isso, boneca — aplaudiu-a Thelma sorrindo. Soltou
seu nariz para que respirasse de novo e depois dirigiu seus
sarcasmos a Nick. Pegou-o pelo queixo e aproximou seu
nariz ao dele. — Você gosta do que te faz? Sim, com certeza
que sim… Sente sua língua? — Dirigiu sua outra mão e
balançou seus gordos testículos entre os dedos,
pressionando-os gradualmente. — E melhor que se
concentre no prazer e goze, gatinho. Ou apertarei seus ovos
com tanta força que farei omelete com eles. — Nick gemeu
involuntariamente e Thelma arqueou as loiras sobrancelhas.
— É isso? Necessita dor para gozar? Você gosta disto? —
Thelma cravou suas unhas nos testículos e Nick deixou cair
a cabeça para trás, abandonado ao prazer. — Venha, eu te
seguro. Agora, foda a boca dela.
Sophie gemeu e piscou com as pupilas dilatadas pelo
desejo.
E aquilo foi sua perdição.
Sua ex-mulher começou a engolir e a engolir,
sacudindo-o com a mão. Nick inchou, tomou ar e sem quase
poder controlar, sacudiu os quadris para frente e para trás,
fazendo amor com sua boca. Entrando através de sua
garganta, quase a sufocando. Mas não importava para
Sophie. Só queria lhe dar prazer.
Os joelhos tremeram de maneira incontrolável, um
comichão subiu por sua espinha dorsal e depois rodeou seu
testículo e seu ventre. E então explodiu.
Explodiu no interior da boca de Sophie e ela engoliu
como se aquilo fosse um alimento espesso e delicioso, como
um manjar necessário para a vida.
Suas pernas mal o sustentavam. Quando Sophie o
soltou, limpo e desinchado, com uma leve lambida de
despedida, envergonhado, deu-se conta de que não
demoraria a endurecer de novo e em fazer sexo com ela
como o selvagem que na realidade era.
Thelma os olhou e se pôs a rir, aplaudindo como se
estivesse diante dos atores de um espetáculo de humor.
— Deixaram-me excitada. — murmurou olhando
divertida para Sophie. — Louise?
— Sim, ama. — disse ela com voz rouca, ainda
saboreando a essência de Nick. Nunca antes o tinha
engolido porque tinha suas objeções. Dava-lhe um pouco de
nojo. Entretanto, agora o sentia natural e saboroso. Que
curiosos eram os preconceitos. Quando desapareciam, tudo
era bom ou mal dependendo do prisma do observador.
— O que acha do gatinho me foder enquanto se dá um
festim com sua vagina?
Sophie ficou tensa de repente e franziu o cenho,
zangada com Thelma. O que ela achava? Não estava
disposta a compartilhar. E não queria ver Nick jogando com
ninguém desse modo. Até agora, no torneio, não o viu
ainda. Queria recuperá-lo, recuperar seu respeito e seu
amor, não compartilhá-lo. Se Thelma a provocasse assim,
não teria dificuldades em arrancar sua cabeça. É o que
achava.
Nick, por outro lado, ainda estava tomando ar depois
que Sophie o deixou sem forças. Thelma propunha um trio?
Interessante.
O que diria a menina do papai? Certamente aprendeu a
fazer boquetes que dava gosto. Com quem? Com Rob?
Esse pensamento crispou seus nervos. Era ciumento e
possessivo. A maioria dos amos era, e não gostavam que
tocassem o que era dele. Mas Sophie já não era dele, ele já
não era um amo e não devia importar o que fizesse depois
do divórcio, não?
Thelma revirou os olhos e olhou para o teto.
— Oh, por Deus. Que fracos são… — Fez um gesto
como se os dessem por perdidos e pegou o cartão chave do
quarto. — Estão de castigo. Não quero que saiam do quarto.
— O rabo de cavalo loiro da domina balançava para todos
os lados ao andar. — Vou me divertir no coquetel do hotel.
Vocês dois me aborrecem. — mentiu acalorada. Antes de
fechar a porta do quarto, piscou um olho para Sophie e
sorriu maliciosa. — Aproveitem o tempo, cachorrinhos.
Nick ainda respirava agitadamente, paralisado por
aquele incrível orgasmo, quando Thelma desapareceu da
suíte e por fim os deixou sozinhos.
Desviou o olhar para Sophie, apoiou-se nas mãos para
levantar-se e depois cobriu sua nudez com a calça, subindo-
a os até os quadris, de onde tentavam deslizar de novo.
Quando ficou plenamente consciente de que estava
sozinha com ele, Sophie se levantou igual a ele. Nick, de
todos os modos, ultrapassava-a em altura, por muito salto
que usasse.
Nick… seu gigante Nick.
Ele se aproximou dela sem grandes exageros, mas com
a fria segurança que outorgava saber que seria o dono da
situação. Fechou seus dedos frios e duros como ferros sobre
o braço nu de Sophie. Olhou-a de cima abaixo. Tanto látex
negro, tanta curva perfeitamente delineada… a máscara.
Para que? Ele sempre a descobriria e a reconheceria,
embora estivesse vestida de koala.
— Que merda faz aqui, Sophia?
Ela piscou surpresa ao escutar seu nome, impessoal e
respeitoso na boca de Nick.
Sabia quem era. Desde quando?
— Eu não sou… — tentou fingir.
Mas Nick levantou a mão e arrancou sua máscara com
força, despenteando-a, mostrando seu rosto vulnerável.
Nua.
Os cílios de Sophie oscilaram vacilantes. O Kohl tinha
borrado e os lábios pintados de vermelho desbotaram ao
fazer boquete nele. Devia ter um humilhante rosto de
prostituta, pensou azedamente.
Ninguém a preparara para isso. Para o julgamento
aberto e severo de Nick, nem tampouco para a vergonha de
que ele reprovasse seu comportamento.
— Não me venha com tolices, Sophia. Pegue agora
mesmo suas coisas e parta.
— Não vou.
— Como? — Aproximou o ouvido, como se não a
ouvisse bem.
— Não vou.
— É óbvio que vai — puxou seu braço, dirigindo-se à
porta de saída da suíte como se conduzisse uma criança
desobediente —, e vai falar com Thelma para dizer que está
passando mal e que parte. Este é meu mundo. Não o seu.
Sophie se deteve em seco e puxou com força para
recuperar seu braço.
— Não vou. Vim aqui por você!
— Veio aqui por mim? — repetiu ele com ironia. — Pois
já pode dar a volta, porque não preciso que me resgatem.
Quero que vá.
Sophie sabia o quanto Nick seria difícil depois de tê-lo
decepcionado. Mas não percorrera toda aquela aventura
para nada, não? Seus esforços não seriam em vão.
— Nick, estou aqui porque estou muito arrependida, por
como agi depois da noite… — confessou tensa ante o gélido
olhar de seu ex-marido.
— Depois da noite que abusei de você? É isso Sophia?
Agora tem remorsos? — Olhou-a de cima abaixo. — E se
vestir assim não faz com que se sinta como uma puta? O
que Thelma te faz não é abusar de você? Estar em um jogo
assim, onde qualquer um poderia te fazer coisas piores às
que eu te fiz, com seu consentimento — particularizou —,
não faz com que morra de medo? Espero que Thelma tenha
um bom advogado porque aposto que já está preparando
uma denúncia contra ela. Contra todos! — clamou,
indignado.
Sophie não queria interrompê-lo. Merecia cada uma de
suas acusações e quanto mais as escutava na boca daquele
homem, vítima de sua confusão e seu pânico, mais terríveis
lhe pareciam. Como pôde agir assim?
— A que merda está jogando, Sophia?! O que faz aqui?!
— Sacudiu-a, furioso por expor-se daquele modo em seu
mundo.
— Vim por você, já disse! — respondeu.
Não pôde evitar sentir um aborrecimento por como as
coisas seguiam. Estava claro que suas fantasias e como
imaginou a reconciliação distanciavam muito do que estava
acontecendo.
— Quem te pediu que viesse por mim? Porque eu não!
— Quero… quero te recuperar, Nick.
— Nicholas para você.
O queixo de Sophie tremeu, mas sua resolução não
fraquejaria. Diria-lhe a verdade.
— Nicholas… — Odiava chamá-lo assim, recordava a
altivez de seus pais e de seus preconceitos. Quanto Nick
tinha suportado por ela? — Equivoquei-me. Agi movida pelo
medo… eu… Sabe o que aconteceu com meu irmão… e
minha cabeça, não sei o que aconteceu comigo… Com o
passar dos dias, dei-me conta de que tinha metido os pés
pelas mãos… e não sabia como voltar atrás…
— Me denunciar por violência contra a mulher com
agravantes não é meter os pés pelas mãos — espetou Nick
agarrando-a de novo pelo braço —, é foder a vida de uma
pessoa que jamais quis te machucar…
— Oh, Deus… Nick… — O coração de Sophie encolheu.
O peso na consciência que suportava a estava matando.
Compungida por ele e por ela, começou a chorar. Não
queria causar pena, não era sua intenção. Mas lamentava
tanto. — Sinto. Sinto muito mesmo…
— É tarde. — disse ele tentando tirá-la de novo do
quarto. — Não me interessa.
— Nicholas! — gritou para detê-lo.
— É tarde para isto, Sophia!
Por Deus, tinha que tirá-la das Ilhas Virgens. Os vilões
procuravam submissas como ela, que sem saber ou talvez
sim — já não sabia — chamavam a atenção por sua beleza.
Não queria expô-la ao perigo.
— Coloquei-me em seu mundo para te compreender e
para te dizer que estou preparada para você. Eu… eu não
tinha nem ideia que você gostava destas coisas… mas o
amo. E minha vida… minha vida é muito triste sem você. E
quero te demonstrar que posso ser sua mulher.
— Assim roubou meu computador para me investigar…
— murmurou Nick com aborrecimento. — Além de me trair,
rouba-me…
— Fiz isso porque queria ver se podia conhecer essa
parte de você através dessas páginas que visitava. Eu…
encontrei sua conexão com o fórum de Dragões e
Masmorras DS…
— Porra. — bufou — Você encontrou tudo isso sozinha?
— Ajudaram-me… uns especialistas em piratear…
— Agora comete crimes?
— E amarrei as pontas e… Nick — segurou-o pelo
queixo com olhar implorante —, dê-me a oportunidade de
me redimir, por favor. Quero ser sua mulher… Eu… —
Limpou as lágrimas com dois tapas, sem baixar o olhar
nenhuma só vez, reconhecendo e expondo sua culpa e sua
tristeza. — Só quero estar contigo outra vez e consertar
tudo. Deixe-me fazer isso.
— Já foi minha mulher, Sophia. Mas… não confiou em
mim. Não me interessa o que faz agora. Tudo tem seu
momento, e você e eu — deu de ombros — já tivemos o
nosso. Já passou.
— Mas posso arrumar…
— Ah, sim? Pode arrumar isso? —Tinha vontade de
brigar. Ou expulsava Sophia do quarto ou ele partia; do
contrário lhe faria coisas piores às que fez com ele como
castigo. Sophie vestida com látex lhe parecia
inquietantemente perturbadora. Um pouco elegante e
lasciva, e capaz de deixar duro ao mais manso. Devia
ignorar sua atração, seu cabelo inclinado, seus olhos de
guaxinim… ele ignoraria tudo e se concentraria em seu
despeito e em sua dor. — Pode recuperar os meses que
perdi de Cindy? Pode devolver isso?
Ela negou com a cabeça, aflita e desanimada.
— Não. Não posso…
— Retirou a denúncia?
— Ainda não. Mas será a primeira coisa que vou fazer
assim que chegar a Washington, Nicholas. Prometo.
— Então é uma insensata, Sophia. O que faz no mesmo
quarto que seu estuprador? Acaso não teve suficiente a
última vez? — gritou, afrontando-a.
— Você… Você não é um estuprador.
— Isso, princesa — replicou furioso —, diga ao juiz. Vou
sair. — Abriu a porta da suíte.
— Aonde vai?
— Tomar ar. Não suporto estar com você no mesmo
cômodo. — deteve-se e a olhou por cima do ombro. —
Quando retornar espero que tenha ido. Do contrário,
amanhã no torneio moverei céus e terra para expulsá-la
daqui.
Fechou a porta com uma pancada.
Sophie cravou as unhas nas palmas e se deixou cair de
joelhos, desiludida e um pouco desanimada por aquele
encontro.
Thelma tinha ido.
O homem que queria como marido e amo também
acabava de fazê-lo.
Por que se sentia tão sozinha?
Abraçou a si mesma e correu para se enfiar no
banheiro para tirar a pintura do rosto. Talvez a água limpa
purificasse seus pecados.
Como queria que uma denúncia em um tribunal
também se apagasse com água e sabão.
 

CAPÍTULO 16
 
No dia seguinte, Nick eliminou Sophiestication do
torneio graças a uma carta de eliminação. Alegou que era
muito ciumento e que queria a atenção de sua ama só para
ele.
Thelma não podia fazer nada, já que Nick era o
portador da carta e suas ordens sobressaíam. Nicholas a
afastou, tal como queria.
Sophie não demorou para descobrir que nesse torneio
nada era o que parecia ser. Sequestraram-na antes que se
fosse ao aeroporto e a retiveram junto a outras submissas.
Essas horas que passou sequestrada e que viveu em
um tipo de limbo pelas drogas que a fizeram tomar foram
como uma neblina imprecisa que não a deixava recordar
nada. Nem sequer o medo.
E o havia sentido. Estava segura disso. Sentiu-o quando
a sequestraram, quando umas mãos cobriram sua boca
dentro de um táxi que ela mesma tinha pedido para que a
deixassem no aeroporto. Mas depois do susto inicial,
injetaram-lhe algo e o efeito não passou até que o FBI fez
uma batida no cruzeiro ao que a tinham levado, a ela e às
demais mulheres que sequestraram para vendê-las a uns
compradores estrangeiros, e a libertaram.
Agora estava em observação no hospital George
Washington, a ponto de receber alta. Ela não tinha acabado
ferida depois da intervenção policial, como tinha acontecido
a outros.
Thelma tinha morrido pelas mãos do Vingador, o vilão
mais poderoso de todos os sadomasos que participavam do
Walpurgis.
Sophie olhou as mãos. Pensava em Thelma e o mundo
caía aos seus pés… Sua amiga tinha morrido. Estava tão
cheia de vida dias atrás e agora jazia clandestinamente. Os
dedos tremiam como se tivessem frio, mas no hospital a
temperatura era a ideal. Não podia sair do choque.
E a maior surpresa de todas era uma que ainda não
conseguia aceitar. Seu ex-marido, seu ex-marido agente
comercial, respeitável, bom, sem grandes ambições, exceto
a de levar sua família adiante, era na realidade um agente
do FBI. Joseph e sua mulher saberiam? Clint saberia?
Ela soube graças à conversa que teve com seu
subinspector Elias Montgomery. Dissera a ela que o agente
Nick Summers pedia, por favor, que a tratassem bem, com
todo tipo de cuidados. E por isso tomou a licença de visitá-la
pessoalmente.
— Agente? — perguntou Sophie, confusa.
— Sim… — Montgomery franziu o cenho e depois
desejou ter mordido a língua. — Desculpe, talvez você…
— Não se desculpe. — pediu, levantando a mão que
tinha o soro injetado. A ansiedade a tinha desidratado um
pouco, mas já estava se recuperando. — Diz que Nick
Summers é um agente do FBI?
— Sim, senhora. Maldição. — grunhiu olhando para um
lado. — Não recordava que você não sabia…
— Ah, já sabem que eu não tenho nem ideia de nada?
Assim fácil? —replicou ofendida.
— Senhora. — esfregou a calva. — Quando Nick se
recuperar, poderão conversar.
— Recuperar do que? Nick está bem? — ergueu-se de
repente, assustada pelo tom do subdiretor. — Onde está?
Está aqui?
— Sim. No andar de cima, junto a outros agentes
envolvidos na missão. —Obrigou-a a se deitar de novo. —
Ele já contará isso, suponho.
— Supõe mal. — respondeu — Insinua que todo este
torneio fazia parte de uma missão do FBI?
— Não. O torneio não fazia parte de nada. — esclareceu
dirigindo-se ao garrafão de água e enchendo um copo de
plástico para oferecer a ela. — Beba, por favor. Meus
homens estavam infiltrados para desmantelar a organização
de sádicos que estavam assassinando submissas e
submissos sem misericórdia. Por isso estavam aqui.
Passaram mais de um ano e meio se preparando para isso.
— Um ano e meio. — repetiu completamente perdida.
Um ano e meio. Isso era muito.
Montgomery pigarreou, incômodo.
— Certamente serão detalhes que Summers te
explicará, a não ser que também decida manter o segredo
profissional. — Olhou a ponta de seus sapatos com
desconforto, como se tivesse pressa por fugir dali e perdê-la
de vista. — Desejo sua pronta recuperação, senhorita
Ciceroni.
— Obrigada.
— Agora devo ir. Comunicarei a Summers que se
encontra bem.
— Diga a ele que amanhã me darão alta. — disse antes
que ele deixasse seu quarto do hospital.
Montgomery assentiu com a cabeça antes de
desaparecer atrás da porta.
Sophie apoiou as costas no respaldo do leito e olhou a
cidade através da janela do hospital. Sempre gostou de
Washington. Uma capital limpa, cheia de cultura e civismo,
de ruas cuidadas e parques modelos… Nick vivia ali porque
presumia que seu trabalho era ali. E agora já sabia por quê.
Em Washington se localizavam os escritórios federais.
Zangada com Nick e consigo mesma por sua própria
cegueira e ignorância, apertou os dentes para não gritar de
impotência. Olhou sua aliança e depois o copo de plástico
que Montgomery lhe deu ainda cheio de água, e com um
impulso de impotência e decepção, lançou-o contra a
parede, salpicando o papel azulado e a televisão pendurada
no suporte.
Talvez tenha sido uma má esposa.
Mas Nick tampouco era o que se podia dizer um marido
exemplar.
Com os olhos chorosos, cobriu o rosto com o
travesseiro.
Durante quanto tempo tinha mentido para ela?
***

No dia seguinte, vestiu-se com minissaia negra, blusa


branca, blazer da mesma cor e saltos para se sentir
poderosa e séria. No dia anterior à tarde, tentou visitá-lo,
mas Nick não permitiu que ela entrasse, o maldito.
Desta vez, sem camisola de paciente, sentia-se mais
forte. Dizia-se que a roupa marcava certo respeito.
Recuperaram suas malas e seus documentos. Registrou-se
em um hotel próximo ao hospital e comprou algumas
roupas.
Mas encontrar Cleo Connelly ou Lady Nala, como se
chamava, no elevador a caminho do quinto andar, acabou
sendo humilhante.
Sophie precisaria de terapia, estava convencida. Ou
talvez as mudanças em sua vida nos últimos meses a
fizeram mais forte do que parecia. Talvez por esse motivo se
viu capaz de enfrentar aquela ruiva Cleo sem se abater.
Depois de lhe dirigir um tímido sorriso à jovem de olhos
verdes e aspecto de praia, saudaram-se.
— Sophie.
— Olá, Cleo.
— Eu… Deus, nem sequer sei o que dizer…
— Não diga nada. — Graças a Deus, os óculos Prada de
armação preta, grandes e escuros, cobriam parte de um
hematoma que tinha na bochecha. Fizeram quando
tentaram lutar com ela para levá-la, até que um cara com
moicano e sotaque russo a libertou. Era do FBI,
aparentemente, e o chamavam de Markus. — Não precisa
dizer nada. As palavras, em casos como este, sobram.
— Sim. — respondeu Cleo retorcendo as mãos, tão
incômoda como ela. — Vai ver…?
— Nicholas? Sim. — pigarreou — Isso se me deixar,
claro. As duas vezes que o visitei me expulsou do quarto. —
murmurou envergonhada.
— Que idiota. Foi um ato muito valente fazer isso por
ele, Sophie. —reconheceu — Não sabia que era Louise
Sophiestication. Deus… Não teria imaginado nunca.
— Estava sempre mascarada. — deu de ombros. — Era
normal que não me reconhecesse.
— Mas você reconheceu a mim, sim.
— Oh, Deus. — suspirou — Sim. E quando vi que fazia o
papel de ama do Nicholas, não podia acreditar nisso. Não
entendia o que Nick fazia ali como submisso… me deixou
desorientada.
Cleo sorriu, entendia-a.
— Não sou capaz de imaginar o medo que passou
quando se deu conta de que a colocaram à venda…
Sophie apertou os dentes e olhou para outro lado. Claro
que sentiu medo. Mas as drogas faziam esquecer tudo.
— Retiveram-me na ilha. Pensei que… pensei que me
matariam… — Exalou como se não tivesse forças para
continuar. — Não sabia o que estava acontecendo… me
drogaram… drogaram a todas.
— Mas isso já passou. — Cleo pôs uma mão no seu
ombro. — Sabe? Nick deixou de jogar de dominante na
missão depois de você.
Sophie não queria pensar nisso. Mas sabia que era
verdade. E lhe dava tanta pena e tanta raiva tê-lo
machucado tanto… Como podia arrumar isso? Como
perdoaria a mentira sobre seu trabalho?
— Bom, não é surpresa… Deixei-o traumatizado. —
jurou, arrependida.
— Foi tão ousada… eu a admirei muito quando Nick me
disse que era você. Como se atreveu a se colocar ali em um
torneio assim?
— Eu só queria recuperar meu marido… situações
desesperadoras requerem medidas desesperadas. Não
dizem isso?
— Sim.
— Também foi uma grande estupidez tudo o que fiz
quando me assustou. E isso… isso ele não vai me perdoar.
— Com o tempo…
— Com o tempo? — repetiu olhando-a de soslaio. —
Passei sete anos casada com ele. Tivemos uma filha
maravilhosa… e agora já não sei nem com quem me casei.
Nicholas é agente do FBI, não agente comercial. — É óbvio
que não, porra. Não era um simples agente comercial. O
Estado usava as habilidades de Nick para outras coisas. —
Me sequestraram no maldito torneio de BDSM e por pouco o
matam… Vi como… vi como o Vingador matava a Thelma.
— Os olhos se encheram de lágrimas. Recordaria para
sempre essa imagem tão selvagem. Teria pesadelos para
sempre. — E eu não tinha nem ideia. — protestou
levantando um pouco a voz. — Nem ideia de nada, de… —
sussurrou, mordendo o lábio inferior.
Cleo compreendia sua inquietação. Mas às vezes, ser
agente duplo implicava mentir e ocultar a identidade até
dos que mais se amava.
Às vezes, ser agente duplo era arriscar a vida daquele
modo.
As duas desceram no quinto andar.
— Bom, vou tentar de novo. — assegurou Sophie
secando os olhos umedecidos.
— Sorte. — desejou Cleo que se deteve na frente da
porta de Lion. — Entre em contato comigo quando precisar,
Sophie. Nick… Nicholas tem meu telefone.
— Obrigada. — respondeu com cara de estar a ponto
de enfrentar o diabo. — Não vou descartar. — Era óbvio que
não. Cleo seria uma magnífica fonte de informação para ela.
E certamente seriam boas amigas. Gostava dela.
Seguiu caminhando até parar em frente ao quarto de
Nick. Bateu com os nós dos dedos e abriu a porta.
Uma parte com um curativo volumoso lhe cobria o
braço ferido. Outro curativo ocultava o corte na garganta,
que precisou de alguns pontos.
Nick dormia, e desta vez não havia nenhuma
enfermeira presente, nem tampouco nenhum companheiro
velando por ele.
Só nesse momento, Sophie se aproximou da cama e
acariciou o cabelo que se colou à testa dele. Era um
guerreiro. Um herói. Seu super-herói, pensou angustiada.
Um homem que queria celebrar suas vitórias e êxitos no
mais absoluto anonimato.
Não queria celebrar nada com ela, por isso nunca lhe
disse a verdade sobre quem era ou com que trabalhava.
Enquanto Nick dormisse, ela poderia tocá-lo sem se
sentir julgada ou suja. Sorriu com tristeza. Seu corpo era tão
grande que ocupava toda a cama e os pés estavam a ponto
de sair pela parte inferior.
O lençol branco cobria membros cheios de feridas de
guerra. Ele a salvou. Tinha avisado para que a libertassem,
para que a resgatassem. Sophie tinha presenciado o
momento em que degolaram Thelma e golpearam Nick por
tentar salvá-la… Eram umas lembranças arrepiantes que
jamais poderia enterrar.
— Estúpido herói… — sussurrou entre lágrimas,
acariciando sua testa e sua bochecha.
A mão de Nick saiu disparada e rodeou o pulso de
Sophie, que deu um salto, assustada. Seus olhos acusadores
passaram de estar sonolentos a alertas em 0,2 segundos.
— O que está fazendo aqui? Ontem disse que partisse e
me deixasse sozinho.
— Não penso ir. Está… está convalescente. — replicou
ela sem deixar que seu tom a intimidasse.
Nick a analisou de cima abaixo, soltou seu pulso e fixou
seus olhos dourados no hematoma que se adivinhava atrás
dos óculos.
— Dói? Bateram em você… Tentaram resistir que a
vendessem e…
Sophie percebeu um tom de preocupação, mas não
quis ter muita esperança. Afastou os óculos de sol para que
ele pudesse ver seus olhos. Esse Nick era volátil, cheio de
caráter e pouco dado às conversas amáveis. E pior ainda, já
não sentia nada por ela.
— Sim, dói. Mas só se tocá-lo. — O hematoma sobre
sua bochecha era um aviso constante do pesadelo que tinha
vivido.
— Ha. — Nick olhou a porta do quarto. — Vá.
— Nicholas, tenho algo a te dizer…
— Sophia, não me obrigue a apertar a campainha do
quarto ou terão que te tirar daqui à força. — Ameaçou-a. —
Não temos nada de que falar.
— Ah não?
Nick tentou dar meia volta para pressionar o botão,
pouco paciente, mas Sophie o cobriu com as mãos
impedindo que o tocasse.
— Espera um momento. — encheu-se de coragem para
dizer quão único lhe permitia dizer antes que a separasse
dali e viesse uma enfermeira. — Sei que fui injusta com
você e não sei o que fazer para remediar isso…
— Cale-se.
— Mas você também se comportou mal comigo, mentiu
para mim. — A voz quebrou e abaixou a cabeça para que
Nick não visse pela enésima vez as lágrimas que deslizavam
por suas bochechas. Por que não podia falar sem chorar?
Amaldiçoou-se, devia ser uma coisa de família. Era igual a
sua mãe. — É um agente do FBI. — disse incrédula.
Nick ficou muito calado e estudou a reação de Sophie,
embora já não importasse.
— Sim. E daí?
— E daí?! Mentiu para mim! Para mim! E mentiu para
minha família! —repreendeu-o — Quando pensava em me
dizer isso?
Nick sorriu cinicamente.
— Aos Ciceroni? Aos que temem os distintivos mais que
à vulgaridade? O que você acha, princesa?!
Sophie deixou sair o ar que retinha nos pulmões e se
sentiu pequena e mesquinha ao saber que Nick jamais foi
sincero com ela por seus preconceitos para os policiais.
— Jamais teria me dito, não é? Nos oito anos que faz
que nos conhecemos…
— Não, Sophie. Jamais teria dito a você. Porque só a
ideia de perdê-la me consumia. — disse sem nenhuma
emoção na voz, olhando-a como se fosse parte dos móveis
e não uma pessoa com coração. — Mas agora já não
importa, não é verdade? Estamos divorciados, denunciou-
me… já não há nada a perder. Sua família não vai me
relegar mais do que já fez. E você… você já não pode me
abandonar e acusar de… Olha, que eu seja agente do FBI
não muda nada.
Sophie se dirigiu ao dispensador de água arrastando os
pés. Parecia arrastar um grande peso, como se nada mais
importasse.
Nick não sentia nada por ela. Era isso? A indiferença, a
crueldade e a desforra se deviam a que não sentia nada por
ela?
— Ia me manter enganada a vida toda. — afirmou sem
rodeios.
Nick deu de ombros.
— Já tinha muitos números contra mim por não ser rico,
nem italiano, nem saber nada sobre os campos de açúcar,
nem provir da aristocracia de Nova Orleans, para ainda por
cima suportar me sentir marcado e desvalorizado por minha
vocação. Sirvo a meu país. Carrego distintivo. Sinto por
vocês. — admitiu sem escrúpulos. — Mas aposto que seus
pais estão contentes com o Mauricinho do Rob. Sim,
acredito que é o homem que melhor combina com você,
não é, princesa?
Já estava lá outra vez aquele tom depreciativo que a
tirava do sério.
— Não seja injusto. Eu não tenho nada com o Rob…
— Claro, e também jurou me amar e respeitar todos os
dias de sua vida. Mas não cumpriu seu juramento.
Sentenciou-me. Agora, por favor, saia do meu quarto. Não é
bem-vinda.
— Sabe qual é a diferença entre você e eu? —
sussurrou Sophie, ferida ao descobrir que lhe importava tão
pouco. — Que… que eu não deixei de te amar, inclusive
quando acreditava que tinha abusado de mim. — colocou os
óculos para ocultar sua dor. — E que inclusive agora,
sabendo que me enganou durante tanto tempo, ainda o
amo. E ainda te peço que me perdoe e que voltemos a
tentar. Não quero que o nosso relacionamento acabe assim.
— Seus lábios fizeram um bico e o queixo tremeu. — Temos
uma filha…
— Ah, sim? A filha que não deixou me aproximar,
tratando-me como se fosse um maldito assassino? O que
pensava que ia fazer com ela, Sophia?
— Em troca, você — prosseguiu ela, que se sentia
perdedora — não quer aceitar minhas desculpas e me riscou
de sua vida por um simples equívoco. Isso diz muito de seu
amor por mim.
Aquela acusação tocou uma fibra sensível em Nick,
algo que fez com que se erguesse da cama, apesar da dor,
e elevasse a voz:
— Não se atreva a me falar de amor, criançola
mimada! Quando quis te demonstrar isso, atirou-me aos
leões! Quando quis te mostrar o que era, julgou-me e me
denunciou! Sou um maldito agente do FBI com uma
denúncia de violência contra mulheres! — exclamou fora de
si. — Pensa que era como um caminho de rosas andar pelos
escritórios com esse pôster colado na testa?! Não me fale
de amor, Sophia! Porque se sou culpado de algo é de ter me
apaixonado tanto por você que me esqueci inclusive de
amar a mim mesmo e de me respeitar! Assim nem ocorra
me dar lições do que é amar, porque nesse sentido, tanto
você como sua família podem ir à merda!
Sophie arregalou os olhos, estupefata, abatida.
— Vá chorar em Rob! E de passagem, explique a ele
como me colocou até sua garganta e…!
— Canalha! — Sophie jogou a água do copo no rosto
dele e saiu do quarto como um vendaval, sabendo que seria
impossível fazer as pazes com Nick.
Tinha-o perdido.
Se falava assim é que não sentia nada por ela.
Soluçando e gemendo, entrou no elevador, desejosa de sair
do hospital e com vontade de chegar a Louisiana e retomar
sua vida.
Explicaria todo o acontecido a seus pais porque queria
encerrar o assunto Nick para sempre. Eles saberiam toda a
verdade. Era o justo para Nick. E também para ela.
Depois… depois veria.
Agora não podia pensar enquanto seu coração doesse
desse modo. Só Cindy acalmaria suas feridas e sua derrota.
E necessitava a sua filha com urgência, necessitava de seu
carinho incondicional. Ela sempre a amaria por mais que
errasse.
Nick, por sua vez, ficou com o olhar cravado no teto.
Sentiu o travesseiro e os lençóis molhados por aquele
arrebatamento de Sophie. Tinha atirado o copo de água na
sua cara, mas ao menos isso dissimularia as lágrimas.
Se ocultou algo tão importante a Sophie durante tanto
tempo, também saberia mentir a si mesmo e fingir nada já
o machucava.
Que não chorava pelo que já não tinha.
 

CAPÍTULO 17
 
Na atualidade
Nova Orleans
 
Nick bebia de sua garrafa de rum Cajún, apoiado em
seu novo Evoque negro, recém comprado. Tinha ganhado o
torneio de Dragões e Masmorras DS, isso implicava uma boa
quantidade de dinheiro.
Não só tinha conseguido desmantelar a rede de tráfico
de armas liderada por Yuri Vasiliev e o Mago, mas também
se tornou um pouco mais rico. Seus companheiros
concordaram em ficar com um pouco do dinheiro que os
mesmos traficantes manipulavam. E por quê? Por vingança
e porque ninguém os ajudou com relação a esse caso. Ao
contrário, tudo eram suspeitas ao redor deles. O FBI tinha
duvidado de sua fidelidade e mal os ajudou a se manterem
a salvo dos ataques dos russos. Não enviaram nenhum
reforço, e para piorar, suas amigas Leslie e Cleo Connelly e
o agente no comando do caso Amos e Masmorras, Lion
Romano, estiveram sob suspeita por ajudar a um suposto
agente duplo chamado Markus Lebedev, que agora era um
de seus melhores amigos, um homem que jamais traía aos
seus. E por isso e por mais coisas, fartaram-se de protocolos
e de serem tão bons. E agora nenhum deles queria
trabalhar mais para o FBI.
Deixariam-no. Talvez montassem uma agência de
detetives ou de segurança sozinhos… depois veriam isso.
— Talvez viva de brisa toda minha vida… — Ergueu a
garrafa preta e brindou com a lua cheia, sem indício de
alegria.
Observava a noite estrelada, nadando entre o
esquecimento que proporcionava o álcool, com a canção de
Hey Brother, de Avicci, soando a toda altura, em um
descampado em frente ao rio Mississipi. E ali pensava em se
algum dia voltaria a ser feliz como antes. Antes que sua
mulher metesse os pés pelas mãos e enviasse todas suas
ilusões ao lixo.
Estava sozinho. Mais só que qualquer um.
Não como Lion e Markus, que encontraram a metade
de suas laranjas, mulheres de ação como eles. Mulheres
dispostas a cobrir todas as suas necessidades e a cuidar de
tudo o que era deles.
Dois dias atrás, sentiu-se feliz por seus amigos, por ser
participante de sua alegria e ver pessoalmente a volta de
Markus enquanto cantava junto a sua filha Milenka e dizia a
Leslie que era a mulher de sua vida. Maldição, soltou
lágrimas ao vê-lo e ao ver que a família da garota o
aceitava. Os Connelly e os Romano se amavam de coração.
E os primeiros adotaram Lebedev como mais um da família.
Amargurado e exausto de tanto se atormentar, Nick se
sentou sobre o capô do carro. Por que os Ciceroni não o
receberam com um afeto igualmente sincero? Por quê?
Sempre sentiu que junto a eles caminhava entre minas,
marcado por sua linhagem pobre, por não lidar com certos
códigos de boa conduta. Mas ele era um homem culto e
trabalhador que esteve perdidamente entregue a sua filha
Sophia… e sentia que o desprezaram. Todos eles.
Sentia-se injustamente espancado.
Deveria estar alegre porque se livrou daqueles que não
o amavam. Entretanto, às vezes o despeito e a tristeza não
o deixavam dormir. Por isso de vez em quando bebia.
Relaxava-o e privava sua mente de pensar em nada mais
que não fosse repousar a ressaca.
Agora entendia o Clint, que descansasse em paz. Ele
fez o mesmo. Quando mataram Masuki, odiava
experimentar essa perda dia após dia: os dias passavam,
mas a lembrança permanecia. E o uísque o tranquilizava
tanto… mergulhava-o na neblina de um esquecimento
passageiro. E se afeiçoou muito a essa sensação.
Depois saiu do buraco, esporeado pela incrível Leslie. E
em seus castigos, nas domesticações, Clint encontrou o
esquecimento. Na missão encontrou uma liberação, uma via
de escape. Apesar de que, infelizmente, para tristeza de
todos, também encontrou a morte.
E Nick sentia falta dele. Muito mesmo. Seu melhor
amigo se foi. Isso era algo que custava a aceitar.
Não obstante, ele continuava vivo.
Vivo e sem planos.
Vivo e livre.
Vivo e solitário.
Diziam que tinha um mundo pela frente. Mas ainda não
conseguia divisar esse mundo, só um espaço vazio e
aborrecido, onde se encontrava fora de lugar.
Tirou seu iPhone prateado do bolso traseiro de seu
jeans e verificou se havia alguma chamada. Não queria se
preocupar, porque de fato ele já não pensava nela como se
fosse algo dele. Mas Sophia ligou para ele todos os dias
desde que saiu do hospital George Washington. E o fizera
durante quase dois meses, preocupando-se com ele, por
sua lesão no braço, se por acaso sua ferida no pescoço já
tinha cicatrizado, se por acaso tinha pesadelos… Além
disso, informou-o que tinha retirado a denúncia e que o juiz,
depois de suas súplicas, tinha anulado a ordem de
afastamento.
Da última vez que falaram fazia pouco mais de duas
semanas. Ela ligou para explicar que se sentia inquieta.
Tinha uma espécie de mania de perseguição.
Nick entendia. Quando se viveu um sequestro, o
trauma a fazia pensar e acreditar em coisas que não eram,
e ela tinha a sensação de que a estavam perseguindo. Mas
só eram fantasias consequentes de um trauma. Nada mais.
Com o tempo, essas sensações se desvaneceriam como
fumaça.
Nick se sentia culpado, pois a última vez que falaram
foi muito duro e desagradável com ela. Quando Sophie
ligou, estava no meio de um rastreamento facial, ajudando
Markus e Leslie no Temptations, um clube de BDSM do
bairro Francês. Então não tinha tempo para Sophia nem
para ninguém. Falar com ela o irritava; ouvir sua voz suave
e trêmula o afetava muito. Porque a amava. Mas a odiava
mais do que a tinha amado.
Segurou o celular com força, cansado daquela rotina
desde que ela tinha deixado de ligar para ele. Todas as
noites após aquilo, repetia o mesmo ritual. Olhava o celular,
meditava se ligaria para ela ou não, recordava o vivido e o
sofrido, e voltava a guardar o telefone.
Melhor assim. As feridas ainda estavam muito abertas
para fazê-la acreditar que acreditava em suas desculpas e
que desejava retomar algo que Sophia e sua família se
encarregaram de pisotear.
Nick, nesse tempo, tinha recebido muitas ligações dos
seus ex-sogros. Carlo e Maria queriam falar com ele,
certamente para se desculpar. Certamente o viram de
soslaio pela televisão dando declarações na resolução do
caso de Yuri Vasiliev e teriam se dado conta que era uma
espécie de herói nacional. Mas Nick não desejava conversar
com eles, não queria escutar nem elogios nem desculpas de
ninguém.
Nesse instante o telefone soou com a canção It Girl, de
Jason Derulo. Era o tom de chamada que escolheu para sua
amiga Lady Nala, a agente Cleo Connelly.
— O que foi, Nala? — perguntou solícito — O Rei Leão
deixa você me ligar a essas horas?
— Hã, Nick… Onde está?
— Em frente ao Mississipi.
— Ah, bem, então está aqui.
— Sim. O que foi, Cleo?
— Olha, ligo porque Magnus acaba de vir me ver.
— O que há com o mulato? — Riu sem muito interesse
e deu mais outro gole na sua garrafa. Magnus era o chefe
de polícia da delegacia de polícia em que Cleo trabalhava.
— Ouça… está bebendo?
— Não, o que vai…
— Pois é melhor que jogue essa garrafa no lixo e corra,
me ouviu?
Nick franziu o cenho com incredulidade. Em algumas
ocasiões, Cleo tinha uma natureza muito dominante.
— O que a deixou assim? Estou morrendo de vontade
de saber. O que aconteceu? — Sua voz soou impessoal.
— Carlo Ciceroni veio fazer uma denúncia na delegacia
de polícia. — Deixou a bomba cair sem anestesia.
Nick bufou aborrecido. Carlo já saberia que andava pela
Louisiana e queria denunciá-lo de novo com a desculpa de
que violava a ordem de afastamento.
— Maldito. —grunhiu. — Me denunciou?
— A você? Não. A você não. — Cleo parecia
preocupada.
— E então? — Não compreendia.
— Nick… preste atenção. Carlo denunciou o
desaparecimento de sua filha. Esperavam-na esta manhã
para que pegasse Cindy. Sophia foi a Chicago para negociar
a compra de um local e deixou a pequena com seus pais… A
última notícia que têm dela é das oito da manhã. Acabava
de chegar ao aeroporto da Louisiana e se dirigia para
Thibodaux. Seus pais ligaram para ela repetidas vezes. O
telefone soa, mas não a encontraram e não acredito que
reste muita bateria… E… Nick? Nick, está me escutando?
A garrafa que segurava caiu no chão e o que restava da
bebida se esparramou pela terra arenosa. Um suor frio
percorreu suas costas, acompanhado daquele estranho
formigamento que produzia o medo.
Sophia jamais deixaria seus pais tanto tempo
desinformados. Se tivesse acontecido algo que ela pudesse
contar, já os teria contatado. Aquilo não era normal. Não era
próprio de uma mulher tão responsável e respeitosa como
ela.
E se…? E se o medo que Sophia tinha fosse justificado?
E se não era fruto do choque?
Levou a mão ao peito. Poderia jurar que seu coração se
esqueceu de bater. Apertou os dentes com força e passou
uma mão trêmula pela nuca, até que respondeu com
determinação:
— Ponham imediatamente uma equipe de busca, Cleo.
Que rastreiem o aeroporto e todo o perímetro que vai deste
Thibodaux. — ordenou.
— Já fizemos isso. — esclareceu ela. — O que quero
saber é se você vai nos dar uma mão. Tem alguma ideia de
onde pode estar?
— Alguma ideia? Não. Mas é óbvio que vou ajudá-los,
porra. Agora mesmo vou para lá.
Nick desligou o telefone imediatamente e rodeou o
Evoque. Subiu nele e ligou o motor até que as luzes e o
computador do console iluminaram o interior do veículo.
Apertou um botão no porta-luvas e dele emergiu um
computador portátil negro integrado ao próprio carro.
Jamais havia sentido tal ansiedade. Rezou para que não
acontecesse nada de ruim a Sophie … e para que seu
iPhone ainda continuasse ligado. Sabia as senhas do seu ID
da Apple e pensava rastrear seu telefone até que desse com
sua posição exata.
Se algo aconteceu à sua ex-mulher, ele seria o único
que podia encontrá-la. Tinha meios para isso.
E quando Nick procurava algo, sempre encontrava. Era
um rastreador nato.
Sophia tinha chegado à sua vida quando ele não a
procurava, mas agora era o momento de procurá-la, de
encontrá-la de novo.
E rezava para que ninguém tivesse tocado em um fio
do seu cabelo. Do contrário, teria assinado sua sentença de
morte.
Tinham suas diferenças, mas ele ia ferir e matar pela
mãe de sua filha.

FIM?

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