Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Eu pensei que sua voz era sexy, não era nada comparada à sua risada. O
desejo latejava em mim enquanto eu pisava cegamente na multidão. Eu queria
ouvir aquela risada pelo resto da minha vida. Mais, se possível. Queria ser a
causa de sua risada, iluminar seu rosto com aquele sorriso lindo...
Deuses, isso era impossível! Eu franzi meu rosto e me forcei a procurar
por alguém que eu conhecia. Eros chamou minha atenção e mudei de direção
imediatamente. A última coisa que meu corpo dolorido precisava era uma
conversa com o deus da luxúria. O cheiro do ar salgado do mar de repente caiu
em cascata sobre mim e meus passos vacilaram enquanto minha cabeça se
enchia de imagens de um oceano infinito e vivificante. O que eu não daria para
passar o dia na praia agora.
— Olá, Perséfone, — disse uma voz lírica, e Poseidon tremeluziu no
espaço à minha frente. Eu parei e fiz uma reverência.
— Poseidon, — eu disse, meu estômago revirando. Como era que agora
eu achava o deus do oceano mais assustador do que o Rei do Submundo? Eu
precisava rever minhas prioridades. — Estou muito ansiosa para ver
aquário. Ouvi dizer que é lindo.
— Você ouviu corretamente. Eu quero lhe oferecer um conselho.
— Mesmo?
— Seus poderes foram removidos por um bom motivo. Seria sensato
mantê-lo assim. A capacidade de curar e alimentar as plantas é o bastante. Nós
dois sabemos que você não vai ganhar esta competição.
— Como você sabe que isso é tudo que posso fazer?
— Garota, eu sou um dos três deuses mais fortes do Olimpo, — disse ele,
as ondas agora batendo no tecido de sua toga, um estrondo profundo
crescendo em sua voz. — Não há nada que eu não saiba. — Meu coração
começou a bater forte no meu peito quando um medo primitivo se apoderou
de mim.
— Certo — sussurrei.
— Meu irmão já cometeu erros com você uma vez. Não vou permitir que
ele os faça uma segunda vez.
Com sua menção de Hades, uma atitude defensiva brilhou dentro de
mim do nada, e eu senti meu rosto se contrair em uma carranca.
— Você está me dizendo que está tentando proteger seu irmão, um
dos outros três deuses mais poderosos do Olimpo, de mim? Sério?
— Veja sua língua! — ele cuspiu, e uma rajada de ar úmido ergueu meu
cabelo dos ombros. — Não tenho rancor pessoal contra você, Perséfone, mas
farei o que for preciso.
— Eu não pedi para estar aqui! — Eu pretendia colocar força nas
palavras, mas não queria que elas soassem como o grito que fizeram. Foi como
se algo finalmente tivesse estourado dentro de mim, a raiva, a frustração e a
injustiça de tudo o que aconteceu se libertando do frágil recipiente que eu
construí ao redor deles. — Fui sequestrada, porra! De uma vida que amava! E
agora você está me ameaçando? Você tem alguma ideia do que vocês me
fizeram passar?
— Você é a mesma, — Poseidon sibilou, seus olhos brilhando em um azul
intenso. — Sua ira não é menor como humana, seu temperamento tão quente
e imprevisível como sempre foi.
— Você perderia a porra da paciência se tivesse suas memórias e poder
roubados! — A raiva estava queimando meu sangue, aquecendo todo o meu
corpo e enviando arrepios quase dolorosos pela minha pele. — Todo mundo
fica feliz em falar sobre meu passado, mas ninguém vai me dizer o que eu
fiz! Estou sendo forçada a arriscar minha vida, e a vida de estranhos e dos
únicos amigos que tenho aqui, para o seu entretenimento! E ninguém espera
que eu sobreviva, muito menos vencer! Você entende que não estou aqui para
dificultar sua vida? Eu não quero estar aqui!
Algo preto explodiu de minhas mãos enquanto eu as jogava no ar com
raiva, e tropecei para trás em estado de choque. Vinhas. Vinhas pretas
ondulavam em minhas palmas, farpadas e brilhantes.
— O que... — Eu comecei, mas em um lampejo Hades estava lá, entre
mim e Poseidon. O deus do mar cresceu, seu tridente pulsando com luz azul,
e a fumaça de Hades tremeluziu e dançou para fora, combinando com o
tamanho de Poseidon.
— Incitá-la a perder a paciência não é muito justo, irmão — disse Hades
calmamente. Eu mal o ouvi sobre o barulho em meus ouvidos enquanto olhava
estupidamente para as vinhas ainda enrolando de minhas mãos em direção a
eles.
— Pare — implorei baixinho, mas elas continuaram crescendo.
— Você precisa ver se ela ainda é uma ameaça. Você está cego para o
perigo que ela representa — Poseidon disse em voz alta.
— Zeus a trouxe aqui, não eu. Vá e leve isso com ele. — Manchas pretas
estavam rastejando em minha visão agora, as videiras quase alcançando
Hades.
— Certo. Mas você ainda não ouviu falar nisso — retrucou Poseidon,
depois desapareceu.
— Merda, merda, merda, — murmurou Hades no segundo que ele saiu,
a fumaça desaparecendo ao seu redor quando ele se virou para mim. —
Perséfone, você precisa parar as vinhas, agora.
— Estou tentando!
— Elas irão se você se acalmar, respirar fundo e pensar em algo que não
a deixe com raiva.
— Tudo aqui me deixa com raiva pra caralho! — Eu gritei, e as videiras
explodiram ainda mais, enrolando-se em torno de seus pés. A frustração
cruzou seu rosto enquanto ele passava a mão pelo cabelo, então o mundo ficou
branco.
A sala para a qual ela nos levou seguia um padrão, eu percebi enquanto
olhava ao redor. Eu soube que era uma sala do trono imediatamente, e não
apenas por causa do estrado coberto de assentos enormes, mas porque, como
a sala do trono de Hades e a sala de jantar de Zeus, não havia paredes, apenas
colunas rebitadas sustentando o teto. Mas a vista aqui... Água azul-turquesa
nos rodeava completamente, e além eu podia ver centenas de cúpulas
douradas brilhantes. Flutuando em níveis diferentes, elas eram todas
conectadas por túneis, e eu podia apenas distinguir prédios dentro da maioria
delas, de cor branca e bronze. À distância, atrás da cidade, podia ver um grupo
de enormes baleias passando serpenteando.
Era impressionante.
Eu estava de pé sobre um piso de mármore que a princípio pensei ser
branco, mas quando os raios de luz que se filtravam pela água o atingiam,
parecia um azul mais claro. O teto foi pintado com a cena subaquática mais
incrível que eu poderia imaginar, corais pastéis escondendo centenas de peixes
coloridos e imagens de criaturas que pareciam ter vindo de outro planeta ao
seu redor. Os tronos vazios eram todos simples, exceto o do centro, que tinha
a forma de uma onda gigantesca, suave, feroz e perfeita.
— Uau, — eu sussurrei.
— Eu sei. Pode ser rabugento, mas Poseidon tem bom gosto — Hécate
disse calmamente.
— Eu aprecio isso, — explodiu a voz de Poseidon, e Hécate estremeceu.
— Merda.
Os doze deuses brilharam no estrado e, quando a luz clareou, vi o
comentarista parado na frente deles, sua toga branca tão nítida quanto seu
sorriso.
— Bom dia, Olimpo!
Eu olhei direto para Hades, sua fumaça ondulando. Um lampejo de prata
na escuridão encontrou meus olhos e suprimi meu arrepio de deleite. Deuses,
eu estava piorando. — Bem-vindos a Aquário! Não perderei tempo em
entregá-los ao seu anfitrião.
Hécate fez uma reverência e eu segui o exemplo quando Poseidon deu
um passo à frente e os outros deuses se acomodaram em seus assentos. O deus
do mar parecia como na noite anterior, o tridente resplandecente ao se erguer
acima dele.
— Elaborei um ajuste de teste para a Rainha de um Olimpo. Você deve
colocar a gema de volta no tridente. Você deve completar o teste sozinha. Fora
isso, não há regras.
Colocar uma joia em um tridente. Isso não parecia tão ruim, pensei,
tentando ignorar a parte sobre um ajuste de teste para uma Rainha. E pelo
menos eu sabia o que tinha que fazer desta vez. Sem correr adivinhando e
tentando decifrar pistas estúpidas.
— Você terá a capacidade temporária de respirar debaixo d’água, e um
corcel, — Poseidon continuou, e meu queixo caiu.
Diga o quê? Respirando debaixo d’água e um maldito corcel?
— Mas de maneira nenhuma você ficará imune a quaisquer outros
perigos do oceano. Entendido?
— Erm — falei, mas ele bateu com o tridente no chão antes que eu
pudesse dizer mais alguma coisa.
— Comecemos!
Perséfone
A cabeça da cobra recuou quando cheguei perto e ela sibilou, uma língua
bifurcada roxa saindo de sua boca. Um calafrio de medo passou por mim, mas
continuei nadando, cobrindo-me com o escudo enferrujado. Eu nadei bem alto
sobre a cobra, ficando bem fora do alcance de sua cabeça enquanto passava por
cima da caixa. Eu apertei os olhos, procurando por qualquer coisa que
parecesse fora do lugar e meu olhar se fixou em um livro com capa de couro
que tinha uma capa laranja brilhante, apenas visível sob alguns dos
outros. Laranja como a cobra. Isso era uma pista?
Fortalecendo-me, concentrei-me no livro e coloquei meu corpo na água,
de modo que eu estava apontando de cabeça para a caixa. Erguendo o escudo,
respirei fundo e lancei-me para baixo.
A cobra veio para mim no segundo que eu estava dentro de seu alcance,
atingindo o escudo com tanta força que rolei com força na água. Ofegante,
tentei me inclinar para baixo, enviando um milhão de agradecimentos
silenciosos aos deuses que o antigo escudo segurasse. Senti a água passar por
mim enquanto eu freneticamente alcançava a caixa, levantando o braço do
escudo em volta das minhas costas para me proteger. Empurrando outros
livros de lado, consegui fechar meus dedos em torno da borda do livro laranja
antes que algo batesse na parte de trás das minhas pernas. Eu bati com força
na caixa, batendo meu queixo em um livro misericordiosamente mole, o
impacto do escudo batendo nas laterais de madeira da caixa enviando ondas
de choque pelo meu braço. Rolei o melhor que pude, ainda segurando o livro,
e vi a ponta da cauda brilhante da cobra vindo em minha direção bem a tempo
de trazer o escudo para bloqueá-la. Houve outro som sibilante e a adrenalina
enviou uma onda de força pelas minhas pernas. Enfiei-as embaixo de mim
mesma e empurrei com força contra a lateral da caixa, me lançando para cima
e fora do alcance da cobra.
Eu não fui rápida o suficiente. Senti uma dor lancinante em meu
tornozelo enquanto chutava furiosamente, e olhei para baixo para ver as
mandíbulas da criatura bem abertas abaixo de mim, sangue vermelho na ponta
de uma de suas presas. Meu sangue.
Rezando para que não fosse uma cobra venenosa, nadei em direção à
porta e Buddy, tentando sacudir o escudo pesado do meu braço enquanto meu
coração martelava no meu peito.
— Vamos lá! — Chamei o hipocampo enquanto disparava direto por seu
corpo de balanço, de volta pela porta e o mais longe que pude da cobra de neon
sibilante. Assim que voltei para o escuro corredor principal, girei, levantando
o escudo ainda preso em meu braço, mas felizmente apenas Buddy havia me
seguido para fora da câmara.
Fazendo uma careta, consegui libertar meu braço das alças do escudo e
agarrei o livro com as duas mãos, pisando na água e tentando ignorar a dor
que se espalhava pela minha panturrilha. Se este fosse apenas um livro normal
e chato, eu iria enlouquecer.
Eu abri, prendendo a respiração.
Lá, brilhando com todas as cores do oceano, estava uma joia larga e
plana, aninhada em uma cavidade recortada nas páginas do livro. O alívio
passou por mim e eu o agarrei triunfante, deixando cair o livro no chão. —
Acertei em cheio, — eu disse a Buddy, permitindo-me um sorriso enquanto
segurava a linda pedra para mostrar a ele. Uma pulsação de dor na minha
perna transformou meu sorriso rapidamente em uma carranca. Eu levantei
meu joelho até o peito na água e torci minha perna, para que pudesse dar uma
boa olhada no ferimento que a cobra havia me causado. Era um corte pequeno,
mas brilhava com sangue e emitia um leve brilho laranja.
Merda. Isso não parecia normal. Eu poderia curar, certo? Enquanto
tentava sentir meus poderes, uma onda de cansaço tomou conta de mim, e eu
não sabia se era por causa do meu encontro físico com a cobra, ou algo
pior. Como veneno.
Colocando a gema com cuidado no bolso, me joguei na direção de Buddy
e coloquei meus pés em seus estribos. Era bom descansar minhas pernas
enquanto me sentava em suas costas frias e cedi um pouco, a adrenalina tanto
da câmara escura como o breu e meu rosto com a cobra começando a diminuir.
— Vamos ver se consigo usar esses malditos poderes, — murmurei e
fechei os olhos, concentrando-me na sensação que tive no conservatório.
Depois de um minuto inteiro de tentativas, tudo que pude sentir foi um
formigamento patético em algum lugar no meu peito, e eu tinha quase certeza
de que não estava me curando. Meu tornozelo ainda latejava
dolorosamente. — Certo. Desisto. Vamos acabar com isso, — rebati, abrindo os
olhos e dando um tapinha no pescoço de Buddy. Nós balançamos juntos na
água enquanto ele relinchava. A melhor coisa que poderia fazer era terminar a
Provação e depois pedir ajuda. Um grito agudo vindo de fora ecoou pela
câmara e cerrei os dentes, sentindo meu pulso disparar enquanto mentalmente
me preparava para o que estava por vir. — Tudo bem, tudo bem, estou indo!
— Gritei e direcionei Buddy para as colunas rachadas na frente do templo, e o
que quer que estivesse fazendo aquele som horrível.
— Sabe, você deveria parar de desmaiar após cada Provação. Não é uma
ótima aparência.
Sentei-me rapidamente e Hécate saltou para trás antes que eu
acidentalmente lhe desse uma cabeçada.
— Minhas mãos! — Eu disse, o medo fazendo minha pele arrepiar. Eu
não tinha sido capaz de usar minhas mãos... Eu as levantei rapidamente e
observei meus dedos flexionarem em alívio. Eles estavam trabalhando e não
doeram nada.
— Eles estão bem agora. Suas vinhas quebraram seus dois pulsos, só isso.
Eu olhei para ela incrédula.
— Isso é tudo? Você está falando sério?
— Sim, estou falando sério. Você só precisava de um descanso para
consertar isso, o veneno no seu tornozelo era uma história totalmente
diferente. Essa merda quase matou você.
— Sé... sério?
— Sim. Bom trabalho, um dos deuses mais poderosos do mundo tem um
fraquinho por você — disse ela, com uma piscadela.
— Hades?
— Ele te curou. Ele vai se meter em alguma merda séria se alguém
descobrir, mas para ser honesta, não tenho certeza do que mais Zeus pode fazer
com ele. — Ela suspirou e se sentou na beira da minha cama. Era estreita e olhei
em volta enquanto processava suas palavras. Hades me curou.
— Onde estou?
— Enfermaria.
Eu concordei. Isso explicava os armários de metal que revestiam as
paredes e as outras três camas de solteiro.
— Onde está Skop?
— Hades não o deixou entrar aqui. Não quer que Dioníso saiba que ele
te curou.
— Então... Os outros deuses estão esperando que eu morra com o veneno
de cobra? — Eu perguntei. Minha barriga roncou alto. Eu estava loucamente
faminta.
— Nah, ele vai inventar uma história sobre um boticário que tem o
antídoto certo. Que existirá em algum lugar, mas não tivemos tempo de
encontrá-lo.
— Obrigada. Novamente. Por me salvar.
— Eu não fiz nada. Este era tudo com o chefe, — disse ela, mas o sorriso
que ela me deu era tão real quanto qualquer um que eu já tinha visto. — Eu sei
que você não vai gostar disso, mas temos que ir à festa de Poseidon.
— Você está brincando, porra. — Meu estômago se revirou enquanto eu
olhava para ela. Eu precisava de algum tempo para superar o fato de que
aparentemente quase morri. Novamente.
— Eu não estou. Ele disse ao mundo publicamente que, se você
sobrevivesse, ele ofereceria um banquete em sua homenagem. Então é isso que
ele está fazendo e você tem que estar lá.
— Eu não tenho nenhum maldito token! Eu falhei!
— Mas você sobreviveu. Portanto, vista-se.
Hécate me deu um longo vestido amarelo para usar, que era bastante
simples, exceto pelas margaridas brancas que adornavam a saia. Aceitei sua
oferta para transformar minha maquiagem e cabelo em algo apresentável e
fiquei quieta enquanto seus olhos brilhavam com um brilho branco leitoso
diante de mim.
Isso era ridículo. Eles teriam me deixado morrer por esta maldita
competição. E eles me enganaram com uma porra de uma joia falsa. Quer
dizer, sério, quem teria notado que era uma cor ligeiramente
diferente? Qualquer um que parasse para olhar direito, respondia à voz crítica
dentro de mim que eu passei anos tentando esmagar. Senti meus olhos
estreitarem enquanto bufei.
— Eles são um bando de idiotas — anunciei, e o branco vazou dos olhos
de Hécate.
— Sim. Você está pronta. — Não havia espelho à mão, mas eu confiava
nela. Ela me fez parecer ótima antes. — Exceto Hades, — acrescentou ela,
movendo-se para a porta. — Ele é menos estúpido do que a maioria dos
outros. — A emoção dançou em minha pele ao ouvir seu nome e me impedi de
revirar os olhos. Eu precisava superar isso. Agora.
Segui Hécate pela porta em um longo corredor iluminado por
tochas. Elas queimavam uma cor laranja normal, sem fogo azul, como o
Submundo.
— Você sabia que era a joia errada? — Perguntei a Hécate, incapaz de
controlar a raiva que ainda sentia por ter sido enganada.
— Bem, era bastante óbvio que você precisava pegar algo na câmara
escura. A outra foi muito fácil.
— Fácil? — Eu parei no meio do caminho, as sobrancelhas levantadas o
mais alto que podiam. — Fácil? Essa cobra quase me matou!
— Sim, mas a câmara escura estava tão ruim que você não aguentou mais
de um minuto. Obviamente, foi o pior dos dois. — Retomei minha caminhada
pelo corredor, quase batendo os pés atrás dela, meus punhos cerrados.
— Este lugar é uma merda, — fervi.
— É o que você fica dizendo. Você sabe, você pode acabar ofendendo
alguns dos habitantes se continuar assim.
— A maioria dos habitantes são idiotas, — retruquei.
— Vou supor que você não está falando de mim — Hécate respondeu
lentamente, a luz azul piscando perigosamente ao seu redor. Um fio de alarme
percorreu minha raiva.
— Não! Deuses, não, claro que não.
— Bom. Embora eu possa ser uma vadia total, — disse ela, com um
pequeno encolher de ombros quando sua luz azul se apagou.
Eu não duvidava disso.
Por que ela ainda não estava aqui? A última vez que a vi, Perséfone
estava tão branca quanto o mármore sob meus pés, o veneno negro daquela
cobra amaldiçoada quase subindo por sua perna. Mesmo com a capacidade de
ir a qualquer lugar instantaneamente, não ousei tentar encontrar o antídoto. Eu
não sabia quanto tempo ela tinha antes que o veneno atingisse seu coração, e
então seria tarde demais.
O medo percorreu meu peito com o pensamento de sua morte. É por isso
que ela foi mandada embora! Foi por isso que rasguei uma parte da minha
alma - para mantê-la segura. E agora, aqui estava ela, às portas da morte todos
os dias malditos.
Percebi que a temperatura estava subindo e respirei lentamente, me
acalmando. Poseidon estava agindo cautelosamente desde a Provação, e eu
ainda não tinha visto Zeus. Ambos me provocariam esta noite, eu tinha
certeza. Eu precisava controlar melhor meu temperamento. Eu precisava ver
Perséfone, viva, brilhante e saudável.
O banquete em sua homenagem estava sendo realizado no pátio de uma
pequena cúpula, e estava lindamente decorado. Uma enorme piscina circular
enchia o meio do chão de tijolos claros, e tritões fêmeas e duendes do oceano
espirravam, brincavam e piscavam para os outros convidados. Não que
alguém estivesse olhando para os rostos dos tritões; estavam todos tão nus
como no dia em que nasceram. Eu mal os notei enquanto examinava a cúpula
novamente. Muitos deuses menores estavam presentes, conversando e rindo
sob as luzes douradas cintilantes, o azul do oceano lançando uma luz favorável
sobre eles.
— Ela estará aqui em breve, Hades, — ouvi Hera dizer em minha
mente. Eu olhei de lado na fileira de tronos para ela, mas seu olhar estava fixo
na multidão.
— Eu sei — respondi rispidamente.
— Falei com ela, você sabe. Depois do baile de máscaras. — Meu coração
pulou uma batida. — Ela é um enigma. Muito de sua feroz Rainha foi
enterrado muito fundo para ressuscitar. — Pensei nas próprias palavras de
Perséfone, e a raiva e a dor tomaram conta de mim. Eu deixei outras pessoas
me tratarem como uma merda por anos, porque eu nunca tive força. Eu fiz isso
com ela. Ela foi uma das mulheres mais fortes que eu já conheci, e eu a deixei
indefesa e sozinha.
— Ela não vai ficar no Olimpo por muito tempo, — eu disse a Hera,
forçando minhas emoções para baixo. Era assim que tinha que ser. Eu já havia
aceitado isso há vinte e seis anos.
— Eu não teria tanta certeza sobre isso. A força nascida da superação do
trauma é muito diferente da arrogância nascida do sangue. É a verdadeira
força.
— O que?
— Sua experiência como humana a mudou. Em vez de nascer para o
poder, ela teve que merecê-lo. E quanto mais nós a fizermos passar, mais forte
ela pode se tornar. Mais forte ainda do que ela era antes.
— Não — rebati, mas sentimentos conflitantes de excitação e medo
passaram por mim. Mais forte do que ela era antes? Poseidon estava certo em
temê-la? Mas imagine ela com verdadeiro poder, governando ao meu lado...
Meu corpo respondeu imediatamente à visão que floresceu em minha
mente. Perséfone no trono da Rosa, resplandecente em um de seus ferozes
vestidos de espartilho preto, uma coroa de ônix no topo de sua cabeça e
videiras negras enroladas em suas palmas enquanto ela brilhava com poder. A
excitação latejava por mim.
Ela entrou na cúpula naquele exato segundo e não poderia ter se parecido
menos com a mulher que eu estava imaginando.
Ela estava usando um vestido amarelo, com margaridas brancas nele, e
ela estava com os olhos arregalados de admiração. Ela parecia delicada e
jovem, vibrante e inocente e... E eu a queria ainda mais.
Seus olhos me encontraram quase imediatamente, e um raio de algo mais
profundo do que o desejo me rasgou. Eu não pude lidar com isso. Toda a
minha decisão de evitá-la e apenas desejá-la de longe se desintegrou, e eu
estava de pé na frente dela em um segundo.
— Oh! Olá, — ela disse, e eu podia ouvir o nervosismo em sua voz. Ela
ainda estava com medo de mim?
— Olá. Fico feliz em ver que você está tão... saudável.
— Ouvi dizer que você deve agradecer por isso, — disse ela. Eu podia
ver seus olhos escaneando meu exterior esfumaçado, e eu deliberadamente o
afastei do meu rosto apenas o tempo suficiente para deixá-la me ver. Algo
ganhou vida em seus olhos verdes, indícios de seu poder brilhando. Minha
excitação latejava novamente.
— De nada — disse eu, as palavras mais rudes do que eu pretendia.
— Eu, erm — começou ela, depois mordeu o lábio inferior. Quase gemi
em voz alta quando minha atenção foi atraída para sua boca. — Eu estava
conversando com Hécate mais cedo e ela disse que eu deveria perguntar a você
sobre uma coisa.
— Ok.
— É meio privado.
— Oh. Certo. — Eu joguei a bolha de fumaça e ela olhou ao redor
franzindo a testa.
— Isso não vai parecer muito suspeito? —ela me perguntou.
— Não. Para todo mundo, parece que você está falando com um grifo
super explorado. — Um sorriso cruzou seu rosto.
— Deixe-me vê-lo? — Larguei a fumaça que me escondia do mundo e vi
seu peito inchar enquanto ela respirava. — Por que você usa roupas do mundo
mortal em vez de uma toga? — ela me perguntou.
— Isso irrita Zeus. — Dei de ombros. — Além disso, fico bem com ela.
— Eu dei a ela meu sorriso mais perverso e ela revirou os olhos para mim.
— Você acha, hein?
— Você prefere isso? — Eu perguntei, e fiz minha camisa desaparecer. A
cor saltou para suas bochechas enquanto seus olhos se arregalaram. E eu sabia
que não estava imaginando a luxúria que podia ver neles.
— Coloque sua camisa de volta! — ela guinchou. Meu pau latejava
dolorosamente agora, e deixei meu próprio desejo transparecer em meu rosto
enquanto minha camisa se reformava em volta do meu peito.
— Você disse sem sexo mágico! — ela repreendeu, e eu inclinei minha
cabeça.
— Então eu fiz. Peço desculpas profusamente.
— Mentiroso.
— Sobre o que você quer falar comigo?
Seu rosto mudou, uma seriedade se instalando em seus belos traços.
— Hécate disse algo sobre os deuses não serem capazes de ter mais de
um reino, e eu deveria perguntar a você sobre isso porque você pode explicar
melhor.
— Hécate não deveria estar contando nada sobre o Olimpo, porque você
não vai ficar aqui — retruquei, o assunto de sua pergunta fazendo com que a
realidade da situação me atingisse como um martelo.
A dor cintilou em seu rosto, mas ela cruzou os braços e ergueu o queixo
perfeito.
— Nesse caso, não há mal nenhum em me contar, — ela retrucou.
O desejo de falar com ela como antes, de ter alguém com quem
compartilhar meus problemas, me fez querer contar a ela todos os segredos
que eu tinha, mas não pude agir sobre isso. Qual o bem que isto faria? — Diga-
me, — ela exigiu, e quando eu olhei em seu rosto resoluto, minha resolução
desmoronou pela segunda vez.
— Certo. Zeus está me punindo porque criei um décimo terceiro reino e
o preenchi com uma nova vida. Consegui mantê-lo escondido dos outros
deuses por um tempo, mas eles acabaram descobrindo. Zeus destruiu todos os
seres vivos quando o encontrou. — Eu estava ciente de que minha voz tinha
ficado dura de fúria quando eu disse a última frase. O horror encheu seus
olhos.
— Por que?
— Como um castigo para mim. Mas ele fodeu tudo. Consegui esconder
uma das criaturas que fiz. Uma criatura marinha que estava se revelando
incrivelmente poderosa. E uma vez que um reino é criado, ele não pode ser
destruído, então eu o dei a Oceanus antes que Zeus pudesse descobrir o que
fazer com ele. Oceanus é um dos poucos seres com quem ele não pode
argumentar. — Lembrei-me da fúria no rosto do meu irmão quando ele
concordou com a sugestão. Ele não teve escolha. E por um curto período de
tempo, achei que tivesse vencido.
Até que eu tinha visto ela, em pé na minha sala do trono. — Zeus
anunciou as Provações de Hades no dia seguinte, sabendo o quão pouco eu
queria me casar. Seu último ato de vingança por minha insolência foi encontrá-
la e trazê-la de volta, sabendo que ou eu teria que perdê-la novamente ou
assistir você morrer como uma humana.
— Que idiota completo, porra, — ela sussurrou, ainda com os olhos
arregalados.
— Sim. Totalmente.
— O que aconteceu com a criatura marinha que você salvou?
— Ela está morando sob a proteção de Oceanus. Será anunciado para o
resto do Olimpo que há um novo reino depois que essas Provações
terminarem. Acho que Zeus ainda está tentando encontrar uma maneira de
impedi-lo, mas, a não ser declarar guerra a Oceanus, não vejo como ele
conseguirá.
Perséfone olhou para mim, seu rosto intenso e pensativo.
— Por que você fez isso? Por que arriscar sua ira assim?
Eu empurrei minha mão pelo meu cabelo, debatendo. Devo contar a
verdade a ela?
— Depois que perdi você, não consegui lidar com a escuridão, — falei
baixinho. — Você trouxe luz e vida a este lugar, e fiquei obcecado em substituí-
la.
— Então você fez uma nova vida? Do nada? — Ela estava olhando para
mim agora como se eu fosse louco.
— Bem, sim. Eu não sabia se poderia realmente fazer isso, e tive que ter
muita ajuda de Hécate, mas ela é uma titã e muito mais forte do que aparenta
e... — Parei de falar quando percebi que estava balbuciando. Não é uma grande
característica em um rei. Eu me endireitei, tentando reafirmar alguma
dignidade, mas quando olhei nos olhos de Perséfone, eles estavam cheios de
emoção.
— Você literalmente criou a vida para me substituir? — ela sussurrou.
— Sim. O buraco que você deixou em meu coração era impossível de
preencher com nada menos.
— Funcionou? Encheu o buraco?
— Não.
Ela estava em meus braços em um piscar de olhos, seus lábios nos meus
com desespero fervoroso. Eletricidade passou pelo meu corpo, a massa de
poder que eu estava temperando permanentemente dentro de mim
queimando para a vida. Eu empurrei minhas mãos em seus cabelos, puxando-
a tão perto de mim quanto era fisicamente possível, cada grama de força de
vontade me abandonando completamente enquanto seu desejo me varria.
— Eu preciso de você — ela murmurou em meus lábios, levando a mão
ao meu queixo e me empurrando ligeiramente para trás, para olhar nos meus
olhos. Os dela estavam brilhantes e intensos, as pupilas dilatadas. Mudei uma
mão para a parte inferior de suas costas, pressionando-a contra meu corpo
rígido, e ela ficou tensa ao sentir minha excitação.
— Eu preciso mais de você, — eu murmurei, e um brilho perverso cruzou
seu rosto.
— Isso está certo? — ela sussurrou, e colocou a mão na saia. Eu estava
tão duro que estava começando a me preocupar em não ser capaz de me conter.
Centímetro por centímetro tortuoso, ela começou a puxar para cima o
longo material esvoaçante de sua saia. Respirei fundo enquanto observava
mais e mais suas belas coxas sendo reveladas, inalando seu perfume
divino. Pouco antes de chegar ao topo da saia, ela parou e colocou a mão entre
as pernas, fora de vista.
Oh deuses, eu ia explodir. Eu tinha que tocá-la. E este era o lugar
errado. Ela era muito especial, isso era muito especial.
— Você merece ser adorado, — eu respirei. — E não posso fazer isso
aqui. Quando eu finalmente te tocar, quero ouvir você gritar meu nome, ver
você gozar sem parar.
Seu rosto ficou profundamente vermelho, seus lábios se separaram ainda
mais. Corri meus dedos ao longo de sua mandíbula, puxando seu rosto perto
do meu e a beijei novamente, profunda e lentamente. Ela gemeu baixinho
enquanto me beijava de volta, e o prazer bateu em mim. Ou eu poderia apenas
levá-la aqui e agora...
— Você está certo — disse ela sem fôlego, afastando-se de mim e a saia
caindo no chão. — Devíamos estar em uma festa.
Perséfone
Por mais incrível que Aquário fosse, fiquei grata quando Hécate nos
levou de volta aos meus aposentos no final da noite. Eu estava exausta. E
minha cabeça ainda estava zumbindo com o que me contaram sobre Hades
naquela noite. Uma das primeiras coisas que Hécate disse sobre ele quando
cheguei aqui foi que ele era diferente dos outros deuses, que ele não era o que
parecia. E ela estava certa.
— Skop, o que Dioníso acha de Hades? — Perguntei ao kobaloi enquanto
me enfiava embaixo das cobertas.
— Um pouco estranho. E mal-humorado.
— Hmmm.
— Por que, você está começando a gostar dele?
— Posso estar, sim.
— Bem, isso não pode ser ruim, se você vai se casar com ele. Embora
esteja além da minha compreensão por que alguém iria se casar.
— Limitar o número de seios não é atraente para você? — Eu perguntei
a ele.
— Não. Definitivamente não. Seios ilimitados até o fim, por favor.
Nunca pensei muito em casamento. Eu não era uma daquelas garotas
que teve uma visão do dia do casamento planejado aos dez anos de idade, mas
também nunca dei muita atenção a isso quando adolescente, ou mesmo como
adulta. Eu nunca tive um namorado sério antes, porque simplesmente nunca
desejei a companhia de nenhum dos homens com quem saí o suficiente para
continuar a vê-los. Meu irmão disse que eu era exigente e que deveria
continuar assim. Ele queria o melhor para sua irmã mais nova. Eu me
perguntei o que Sam faria do Rei do Submundo como meu parceiro em
potencial, e o pensamento de seu rosto se ele visse Hades causou um sorriso
agridoce em meus lábios.
A razão pela qual eu nunca me interessei por ninguém antes era porque
eu deveria estar com Hades? A paixão que sentia por ele era tão intensa que
nunca havia sentido nada parecido antes em minha
vida. Destinada. Ligados. Se eu fosse para casa, para Nova York, estaria
destinada a passar o resto da minha vida sozinha? Ou com alguém que nunca
me faria sentir... o que quer que Hades estava fazendo comigo?
Ou era apenas luxúria? Se cedermos aos nossos sentimentos e tirar tudo
de nossos sistemas, será que a realidade da situação simplesmente voltaria,
deixando nada além da morte, escuridão e segredos?
Soltei um longo suspiro. Perca as Provações, fique viva e volte para
casa. Esse era o plano e eu tinha que cumpri-lo.
Apesar do fato de que um deus incrivelmente lindo queria me adorar.
Fogo. Havia fogo. E dor. Alguém estava com a mão em volta da minha
garganta... Pisquei e tentei bater com a cabeça, e percebi com um sobressalto
que era o homem cuja esposa eu havia matado. Seus olhos estavam selvagens
de loucura e meu corpo estava convulsionando de dor. Mas eu estava
levantando minha mão, Faesforos pronta para atacar. Eu ia matá-lo.
— Não — tentei gemer, mas nenhum som saiu da minha boca. Tentei
parar meu pulso. Eu merecia morrer pelo que fiz. Deixar ele me matar. Que ele
tirasse minha vida, em perda da de sua esposa. Mas a adaga continuou se
movendo, e meu estômago se revirou quando senti a ponta perfurar sua carne
e depois afundar entre suas costelas.
Foi uma coisa boa, realmente, que Hades tivesse partido antes que
qualquer coisa acontecesse, pensei, mandando uma pequena videira verde da
minha palma para o solo do canteiro de flores. Uma energia deliciosa zumbia
através de mim, fazendo minha pele formigar. Uma imagem de Hades, olhos
escuros e profundos com luxúria enquanto ele olhava para mim por entre as
minhas pernas, passou pela minha mente. Eu senti uma onda de poder vindo
da videira e fiquei boquiaberta quando um broto pulou na minha frente. Puxei
a videira para trás e o broto verde pálido diminuiu a velocidade até parar.
— Acho que isso foi resultado de você pensar no amante, — disse
Skop. Eu me virei para ele, surpresa demais para discutir. Ele balançou a
cabeça do cachorrinho e voltou a cavar na terra. Para um cachorro que não era
realmente um cachorro, ele certamente adorava cavar.
— Toc toc, — cantou a voz de Hécate da porta do conservatório. Eu me
levantei rapidamente.
— Oi, — chamei, e me virei para vê-la caminhando entre os canteiros de
flores em minha direção.
— Não parece muito mais verde aqui ainda, — ela disse enquanto olhava
ao seu redor.
— Bem, acho que acabei de descobrir como fazer as coisas crescerem mais
rápido — disse eu, apontando para a filmagem.
— Ooh, o que é?
— Uma ervilha-doce.
— Agradável. O anúncio da Provação será feito sobre os pratos de
chamas esta noite, portanto, nada de cerimônias vistosas ou brincadeiras. —
Tentei impedir que meu rosto caísse, mas devo ter falhado porque Hécate
franziu a testa para mim. — Achei que você gostaria. Você sempre diz que
odeia toda essa merda.
Mas agora eu não seria capaz de vê-lo novamente esta noite.
— Oh, sim, eu só... — Tentei encontrar algo para dizer, mas Hécate olhou
atentamente para Skop, depois de volta para mim, um sorriso lento se
espalhando por seu rosto.
— Você esperava ver Hades esta noite — disse ela, com alegria na voz.
— Pule! Seu delator!
— Eu não disse nada a ela, — disse ele, sem olhar para mim.
— Besteira.
— Bem, ela é praticamente a melhor amiga dele. Ela vai saber logo de
qualquer maneira que vocês dois estão namorando.
— Não estamos namorando!
— Então por que ele esconde você ou eu na fumaça literalmente toda vez
que está com você?
— Privacidade de duendes pervertidos, — eu disse, meu rosto
queimando.
— Porque você está transando.
— Nós não estamos transando! — Meu protesto foi tão entusiasmado que
disse as palavras em voz alta por acidente e Hécate deu uma gargalhada.
— Você e eu, querida Persy, precisamos nos atualizar. Com vinho. Que
tal assistirmos ao anúncio da provação em minha casa esta noite e tomarmos
alguns drinks? Uma noite de garotas.
— Isso parece incrível, — eu disse, surpresa com o quanto eu quis dizer
isso. Isso realmente parecia exatamente o que eu precisava. Uma noite com
Hécate, sem Hades em lugar nenhum. Uma chance de limpar minha cabeça.
Fiquei lá na minha cama, alerta e no limite, por mais de uma hora antes
de ouvir Hades. Minha mente zumbindo estava correndo através de ideias
mórbidas do que eu poderia ter feito em minha vida anterior, quando uma voz
hesitante soou dentro da minha cabeça.
— Perséfone?
— Hades!
— Sinto muito, mas dessa vez eles escaparam. — Senti meus ombros
caírem de decepção. — Quero que você fique em seu quarto até que Hécate
venha buscá-la amanhã. E chega de visitas ao conservatório ou à sala de
treinamento sozinha. — Sua voz de aço não dava margem para discussão e,
embora eu soubesse que o que ele dizia fazia sentido, me irritei com a ideia de
não poder visitar o conservatório sozinha.
— E quanto a Skop? — Eu perguntei. Houve uma longa pausa.
— Quando Dioníso ofereceu o duende como guarda, não acredito que
ele realmente pensou que você precisaria se defender de quaisquer
ameaças. Skoptolis não está equipado para lidar com isso. Ele pode ficar com
você, é claro, mas quando digo sozinha, quero dizer sem Hécate, um membro
da minha guarda ou eu.
Soltei um longo suspiro.
— Ok. Você acha que quem está fazendo isso vai tentar me machucar? —
Ele não respondeu, e um pequeno fio de medo percorreu meu peito. —
Certo. Vou acrescentar isso à lista de coisas de que preciso para sobreviver, —
eu disse, tentando mascarar o medo com minhas palavras casuais, e falhando.
— A próxima provação é um teste de inteligência. Você vai se sair
bem. Mas eu gostaria de pedir desculpas antecipadamente.
— Pelo que?
— Tenho fortes suspeitas de que amanhã você verá um pouco do pior
que o Submundo tem a oferecer. — A tensão em sua voz me fez perceber o
quão difícil deve ser para ele. Seu próprio reino seria usado contra mim.
— Eu tenho minha magia de volta. Você já viu aquelas vinhas
pretas? Vou chutar o traseiro de qualquer coisa que seu Virgem de merda atire
em mim, — anunciei o mais altivamente que pude. Ele não riu, mas quando
falou em seguida, sua voz era suave.
— Não duvido, Linda.
Minha bravata forçada me abandonou assim que eu estava deitada na
cama, tentando e não conseguindo dormir. A presença reconfortante de Skop
aos meus pés ajudou, mas não o suficiente para dissipar a decepção por Hades
não ter pegado o culpado, ou o questionamento constante sobre se eu merecia
os presentes horríveis.
Eventualmente, a exaustão me puxou para um sono inquieto, e eu me
mexi e me virei até ouvir o som fraco do canto dos pássaros. Lentamente, ficou
mais alto, e eu saí agradecida da escuridão da minha imaginação induzida pelo
sono para o jardim do Atlas.
— Você sabe quem está me enviando essas mensagens? — Eu perguntei
quase imediatamente, inalando o cheiro de terra do jardim deslumbrante com
gratidão.
— Eu não. Mas eu sei que você não deve confiar em Hades para consertar
isso para você.
— O que você quer dizer?
— Você está recuperando seu poder, Pequena Deusa. Mais uma semente
e você mesmo poderá lidar com eles.
Ajoelhei-me e passei a mão pela terra úmida, a sensação disso na minha
pele como em casa.
— Mas não sei quem é ou como encontrá-los, nem mesmo por que estão
fazendo isso. Dizem que sou uma assassina.
— Você foi injustamente culpada por suas perdas. Recupere suas
memórias e expulse o verdadeiro vilão. Essa é a única maneira de você
encontrar a liberdade disso.
— Você disse que eu saberia onde o rio Lete estava quando tivesse mais
energia de volta. Mas eu não sei.
— Então você deve ganhar mais sementes e ganhar mais poder.
Eu concordei. Talvez fosse hora de comer a última semente.
Perséfone
A primeira coisa que notei foi o cheiro. Carne podre e doce, e o cheiro de
terra mofada inundaram minhas narinas e eu estava engasgando antes mesmo
de a luz clarear de meus olhos.
— O que... — Eu comecei a dizer, mas parei enquanto olhava ao meu
redor. Eu estava no meio de uma caverna, mas ao contrário das paredes
rochosas que brilhavam com a luz do dia que eu tinha visto em Virgem até
agora, essas paredes brilhavam em um vermelho profundo. E elas estavam
lançando sua luz sobre um chão coberto de ossos.
Meu estômago embrulhou enquanto eu olhava boquiaberta para a
câmara. Fileiras de alcovas foram escavadas nas paredes rochosas e havia
centenas de pequenas figuras alinhadas, feitas de algo pálido e cor de
marfim. Mais osso, eu percebi, enquanto me aproximava da parede,
contorcendo meu rosto quando algo amassou e se espalhou sob minhas
botas. Não vomite, não vomite, gritei em minha cabeça, enquanto uma nova
onda de podridão assaltava meus sentidos. Tentei me lembrar do cheiro de
flores da campina, lavanda e lírios e, incrivelmente, o cheiro de podridão
sumiu um pouco, e tive certeza de que realmente podia sentir o cheiro de
lavanda. Eram meus poderes?
Capaz de me concentrar um pouco melhor agora, desviei minha atenção
das fileiras de entalhes de osso para o resto da pequena câmara. A coisa que
causou tudo isso devia estar aqui em algum lugar. E também devia haver uma
saída. Todas as paredes pareciam completamente sólidas, e a câmara tinha
apenas quinze metros de diâmetro. Tudo o que eu podia ver no chão eram os
restos da presa do que quer que vivesse aqui.
— Olá? — Gritei com cautela, examinando as paredes rochosas em busca
de qualquer pista do que eu deveria fazer.
— Bom dia, — emitiu uma voz sedosa, e eu congelei.
— É... onde você está?
Uma figura tremeluziu diante de mim e meu coração deu um pequeno
galope em meu peito ao vê-la. Eu a tinha visto antes, quando fui despejada pela
primeira vez na sala do trono de Hades, mas não tão perto. Ela era linda, seu
corpo mal vestido era curvilíneo e voluptuoso e seu rosto anguloso e
grandioso. Mas seu cabelo era feito de chamas. Dois chifres curtos e afiados
projetavam-se de sua testa e, enquanto eu olhava para ela, vi que uma de suas
pernas era feita de madeira.
— Eu vi você quando cheguei aqui, — eu sussurrei.
— Não. Essa foi uma das minhas irmãs. Nós somos a Empusa, peões de
Hécate. Bem-vinda ao meu covil.
— Oh. Obrigada, prazer em conhecê-la, — eu disse, o nervosismo
fazendo minha voz falhar. — Você sabe como posso sair daqui? Não que não
seja... — Olhei em volta, procurando algo educado para dizer sobre seu covil
nojento.
— Tenho quatro enigmas para você, — disse ela, me poupando do
trabalho. — Se você não pode resolver todos eles, então você é minha. — Duas
presas caíram sobre seu lábio inferior quando um sorriso maligno apareceu em
seu rosto. Estremeci quando duas linhas finas de sangue escorreram por seu
queixo, de onde as presas rasgaram seu lábio. Seu cabelo de fogo cintilou e
dançou ao redor de sua cabeça, fazendo sua pele parecer que estava
ondulando. Ela gesticulou com um braço elegante e eu o segui para ver quatro
buracos aparecendo em uma seção da altura do ombro da parede rochosa. Eles
eram grandes o suficiente para colocar uma mão dentro.
— Número um. Eu construo minha casa com barbante natural e me
defendo com mordidas ou ferrões. O que eu sou?
Uma casa da corda natural? Isso tinha que ser uma teia de aranha.
— Uma aranha? — A Empusa olhou para mim, seu rosto imutável. Isso
significa que eu estava errada? O medo fez meu peito apertar com o
pensamento. Eu não queria morrer de jeito nenhum, mas ser comida por essa
coisa e deixado para apodrecer aqui... Eu preferia ter sido comida pelo imbecil
gigante do mar, Caríbdis, do que ter bugigangas esculpidas em meus ossos
para enfeitar esse lugar.
Mas ela não se moveu e eu fiz uma careta. Eu tinha certeza de que a
resposta estava certa. Devia haver mais na Provação do que apenas responder
às perguntas.
Eu olhei de volta para os quatro buracos na parede. Quatro charadas,
quatro buracos. Eles eram buracos de fechadura? Chaves no Olimpo eram
estranhas, eu já sabia disso por aquelas terríveis ampulhetas.
Então, talvez eu precisasse de uma chave de aranha para o primeiro
buraco? Quando voltei para o covil, meu intestino se agitou novamente. Por
favor, diga-me que não precisarei encontrar uma aranha de verdade. Por favor.
— Eu preciso encontrar uma aranha? — Eu perguntei a Empusa, minha
voz baixa. Seu sorriso se alargou ligeiramente. A bile subiu pela minha
garganta enquanto eu olhava para a pilha de ossos mais próxima no chão.
Então meus olhos se voltaram para as fileiras de entalhes. Houve uma
esculpida como uma aranha? Mudei-me para a parede mais próxima
rapidamente e ouvi um estrondo profundo. Uma risada suave e sensual
borbulhou da boca da Empusa e eu olhei para ela.
— É melhor você se apressar, linda pequena humana — disse ela, com os
olhos cheios de alegria.
Um novo cheiro martelou na barreira de lavanda que eu de alguma
forma inventei. Esgoto. Meu intestino apertou, fazendo-me vomitar enquanto
eu varria meus olhos sobre a câmara rapidamente. De onde estava vindo? Um
som gorgolejante atraiu minha atenção para o chão e meu pulso acelerou
quando vi uma lama preta começando a escorrer do chão, espessa o suficiente
para deslocar os ossos apodrecidos.
— O que é aquilo?
— Sua desgraça, — o demônio de cabelo de fogo sorriu para mim.
Eu não esperei para descobrir o que ela quis dizer. Se eu tivesse quatro
enigmas para resolver, não teria tempo de deixar a lama subir ainda
mais. Corri ao longo das prateleiras, examinando cada pequena escultura, em
busca de uma aranha.
— Sim! — Sibilei quando finalmente avistei um pequeno osso esculpido
na forma de uma aranha e estendi a mão para pegá-lo. Quando o peguei,
porém, o calor queimou pelas pontas dos meus dedos e vi um lampejo de fogo
e sangue. Eu gritei quando o coloquei de volta na prateleira.
Outra risada suave veio da Empusa e me virei para olhar para ela.
— Você não é uma criatura do submundo. Você não pode tocar em meus
tesouros, humana.
— Eu não sou mais inteiramente humana, — eu rebati, os nervos
zumbindo enquanto hesitantemente chamei minhas vinhas. O alívio passou
por mim quando um broto verde começou a cair suavemente da palma da
minha mão direita. As vinhas negras absolutamente não eram o que eu
precisava agora. Elas tendiam a voar furiosamente por todo o lugar, e eu
definitivamente não queria derrubar nenhuma dessas esculturas na lama
ascendente. Estava escorrendo pela ponta das minhas botas agora e
fedia. Além disso, se as vinhas negras realmente roubavam poder como Hades
disse que faziam, a última coisa que eu queria era qualquer poder desta
Empusa dentro de mim.
Direcionei a videira para a escultura da aranha derrubada, mas quando
ela se aproximou, ela se desviou, quase como quando você tenta colocar a
extremidade errada de dois ímãs juntos. Eu me concentrei, forçando a videira
a voltar para lá. Mas, ao tocar o osso, a repulsa me inundou, o oposto total da
alegria que senti quando me conectei com a terra e as plantas vivas. Meu café
da manhã subiu rápido no meu estômago, e eu arranquei a videira, vomitando
novamente.
— Vida e morte, luz e escuridão... Você não vai dominar o equilíbrio, —
sibilou Empusa. Eu olhei para ela, o suor agora escorrendo pelo meu pescoço.
— Vinhas pretas então, — eu sibilei de volta, e uma videira escura
disparou da minha palma, quebrando-se na fileira de entalhes. — Merda! —
Eu gritei, tentando controlar o tiro de chicotada. Controle sua merda
Perséfone, a menos que você queira se afogar no esgoto, eu me repreendi. Com
esforço, puxei a trepadeira preta e a enviei com cuidado para a
aranha. Cautelosamente, lentamente, consegui enrolar a videira em torno da
escultura de osso.
Uma nova energia sombria zumbiu ao longo da videira e em minha mão,
espalhando-se por minhas veias como fogo. Não vi imagens terríveis, não senti
nenhum calor abrasador, mas sabia em todos os níveis que a energia estava
errada. Era alimentada por medo e sangue, e não pertencia a mim. Meu corpo
inteiro estava suando agora, nervosismo, estresse e medo bombeando mais
adrenalina através de mim.
Eu podia sentir meu temperamento aumentando, a raiva começando a
ferver dentro de mim enquanto eu corria para os quatro buracos na parede, a
aranha gravada em minha videira. A lama estava cobrindo minhas botas
completamente agora e subindo pela metade das minhas canelas. Descobri que
tirar os pés dela me permitia me mover mais rápido do que tentar passar por
ela; era grossa como alcatrão.
Quando cheguei à parede, abaixei cuidadosamente a aranha no primeiro
buraco e desejei que a videira se soltasse. Ao fazer isso, um pequeno clique
soou e a pedra começou a preencher o buraco, crescendo para fora da parede
e formando uma pequena alça.
— Obrigada, porra, por isso — murmurei, meio ofegante enquanto a
raiva transbordante dentro de mim diminuía. Segurei a manivela e descobri
que só conseguia girá-la noventa graus para a esquerda, então foi o que fiz
antes de voltar para a Empusa.
— Número dois. Meu tesouro de ouro nunca carece de guarda e é
mantido em um labirinto de onde os homens são barrados. O que eu sou?
— Tesouro de ouro? — Deve ser algum tipo de animal, pensei olhando
para as esculturas. Minha mente zumbia, tentando pensar em um animal que
tinha um tesouro dourado. Eu nem conhecia metade dos animais do Olimpo,
então teria que torcer para que tivéssemos os mesmos animais em meu
mundo. O que tinha um tesouro de ouro em um labirinto?
— Uma abelha! — Eu gritei, quando a resposta veio a mim. Arrastei
minhas pernas pela lama e comecei a vasculhar as prateleiras.
Se eu sobrevivesse a isso, tomaria banho por uma semana. Levei até que
a lama atingiu minha cintura para encontrar a porra da escultura de abelha. O
fedor estava se tornando insuportável, minha alfazema mágica não era páreo
para sua ferocidade. Eu carreguei a abelha com cuidado até os buracos na
parede, meu progresso irritantemente lento, e a raiva turvando dentro de mim
o tempo todo em que minha trepadeira negra estava segurando a
escultura. Era tóxico, eu tinha certeza. No segundo em que me conectei com os
ossos, pude sentir sua influência sombria e raivosa. Eu derrubei a escultura no
próximo buraco assim que o alcancei e o buraco se preencheu rapidamente,
uma segunda alça se formando. Eu o puxei para cima e me virei para a
Empusa, sabendo que devo estar com uma carranca miserável no rosto.
Apenas faça isso. Apenas faça isso. Você estará fora daqui em breve.
A luz vermelha escura, o fedor terrível, o calor opressor, os ossos
nauseantes que me cercam; todos estavam tornando a fúria que crescia dentro
de mim mais difícil de dissipar. Este lugar era um inferno maldito, e mais uma
vez eu estava sofrendo para o entretenimento daqueles deuses bastardos. Eu
precisava sair, antes que perdesse a cabeça, o que quase definitivamente
resultaria na minha morte.
Esta não era uma provação de inteligência, pensei amargamente. Era
uma provação de temperamento.
— Número três. Embora eu só tenha dois olhos na cabeça, minha cauda
tem uma extensão magnífica. O que eu sou?
Eu rosnei de raiva. Não havia nada em meu mundo que tivesse olhos
abertos. Como poderia encontrar algo se nem sabia o que estava procurando?
Mas eu mal tinha pisado em direção à prateleira mais próxima antes de
fazer uma pausa, meus olhos se fixando em uma escultura do que parecia ser
um papagaio. Eu tinha visto outros pássaros quando estava procurando as
duas últimas esculturas, e minha mente voltou-se para a pena na máscara de
Hera no baile de máscaras.
— Um pavão, — exclamei, e me movi o mais rápido que pude através do
lodo crescente até onde pensei ter visto os entalhes de pássaros. Com certeza,
depois de um pouco de caça, envolvi minha videira em torno de uma escultura
detalhada de pavão. Estava ficando mais fácil controlar a videira, mas era mais
difícil subjugar a onda de raiva que acompanhava o contato com as esculturas
horríveis. Fui até os buracos o mais rápido que pude, mas era como se estivesse
vadeando em areia movediça, e qualquer velocidade era impossível. A lama
estava mais alta do que minha cintura. Quando finalmente coloquei o pavão
no terceiro buraco, houve um clique e a rocha se transformou lentamente em
uma terceira alça.
Só sobrou uma, pensei, puxando a alça e fechando os punhos. Mais uma
escultura fedorenta, podre e vil deixada para ser encontrada e eu estava fora
daqui.
— Por último, mas não menos importante — disse a Empusa, e algo em
sua expressão sinistra me arrepiou. — Eu tenho a cabeça de um leopardo, o
meio de um porco, a traseira de um flamingo e a cauda de um dragão. O que
eu sou?
Eu a encarei. Certamente não havia criatura no Olimpo que se encaixasse
nessa descrição. Certamente. A traseira de um flamingo e a cauda de um
dragão maluco?
— A coisa mais feia do mundo? — Eu assobiei, vasculhando meu cérebro
para encontrar uma resposta. Não era uma quimera o que os gregos chamavam
de monstro feito de outros animais? Mas aquilo era feito de uma águia e um
leão ou algo assim, não flamingos e porcos.
O pânico estava começando a atacar minha calma forçada. Eu tinha que
responder isso direito. Minha vida dependia disso. Eu podia sentir meu poder
sob a pele de minhas mãos, zumbindo de necessidade, desejando me libertar
de meu frágil controle.
Vamos, Persy, é um teste de inteligência, não um teste da mitologia
grega. Não havia como aquela criatura existir, pensei. O que significava que
devia ser uma pergunta capciosa ou um tipo diferente de enigma. A cabeça de
um leopardo. Isso significa manchas? Meio de um porco pode significar
rosa? Assim como os flamingos... Uma coisa rosa manchada com uma cauda
de dragão?
Outro latido de frustração me escapou. Cabeça, meio, traseiro e
cauda. Isso equivalia a começo, meio e fim? O início do leopardo era “L”. O
meio do porco era “I”. Meu coração disparou enquanto eu pensava no
enigma. A traseira de um flamingo pode significar a última letra, que é “O” e
se a cauda de um dragão significa a mesma coisa que é um “N”.1
— Leão! — Gritei a palavra, e desta vez o sorriso no rosto da Empusa
vacilou. Ela não queria que eu descobrisse.
Com vigor renovado, forcei meu caminho através da lama fedorenta,
agora quase nos meus ombros, procurando fervorosamente por qualquer coisa
que se parecesse com um leão. Eventualmente, em uma prateleira quase alta
demais para que eu pudesse ver, avistei uma escultura com o que parecia o
1O ínicio se refere à Leopard (L), o meio à Pig (I), a traseira de um Flamingo (O) e a cauda de Dragon
(N), formando assim, Lion em inglês, ou seja, Leão
anel de uma crina ao redor. Enviei minha videira em direção a ela e, quando o
broto fez contato, juro que pude ouvir o rugido de um leão de verdade. Todos
os meus músculos se contraíram quando o poder sombrio, ganancioso e
raivoso me inundou.
Mate ela. Mate a cadela vampira.
As palavras estavam na minha própria voz, na minha cabeça, mas não
me pertenciam.
Foda-se esses enigmas, esses jogos, mate o demônio.
O mundo girou ao meu redor enquanto a escuridão queimava meu
corpo, sombria, quente e brutal. Olhei estupidamente para o leão esculpido
enquanto imagens de minhas vinhas envolvendo a Empusa, encharcando seu
cabelo estúpido no esgoto, arrancando sua perna de madeira... Uma onda de
fedor doce e podre invadiu minhas narinas, misericordiosamente me
arrancando da visão brutal.
O cheiro era causado pelo esgoto atingindo meu pescoço, agora a apenas
alguns centímetros do meu nariz, percebi assustada. Eu levantei mais uma vez
quando me virei, quase incapaz de me puxar através da lama agora. Segurando
o leão esculpido alto, a fúria e o medo fazendo meus membros tremerem, eu
levantei meu outro braço para fora da grossa coisa preta e atirei uma videira
da minha mão livre nas alças na parede. A videira se espatifou em uma delas
e eu desejei que a videira se enrolasse nela.
Assim que a lama atingiu minha mandíbula e alcançou minha boca, eu
puxei, instruindo a videira a se retrair e me levar com ela. Eu fui
imediatamente puxada do chão, a força da videira me puxando através do
esgoto nojento. Respingou em volta do meu rosto e meus olhos lacrimejaram
com a acidez disso, mas a trepadeira me puxou e minha cabeça ficou acima da
superfície.
Mas quando eu bati na parede, percebi com horror que o último buraco
estava submerso. Eu mergulhei minha mão na sujeira que crescia, procurando
freneticamente, mas era muito profundo.
Eu teria que colocar minha cabeça para baixo.
Uma nova onda de ódio pelas pessoas que me colocaram aqui e me
forçavam a passar por isso e eu quase esmaguei o leão esculpido contra a
parede em fúria.
Mas eu retirei a videira no último segundo, pensamentos racionais
forçando seu caminho através da névoa vermelha. Coloque o leão no buraco e
acabou!
Com uma respiração enorme, fechei meus olhos e me deixei cair na lama
pesada.
Era tão espessa que imediatamente entrei em pânico, a sensação de ser
esmagada era avassaladora. Eu arranhei a parede com minha mão livre,
sentindo as alças para trabalhar meu caminho até o último buraco. Meu
coração estava batendo tão rápido que pensei que meu peito fosse explodir, o
peso ao meu redor pressionando com força, meus olhos queimando atrás das
minhas pálpebras.
Eu ia morrer aqui, sufocada no esgoto.
Meus dedos se prenderam em uma ponta afiada e meu corpo tentou
respirar involuntariamente quando percebi que devia ser o buraco. Uma lama
ácida queimou meus lábios e narinas enquanto eu puxava a videira segurando
o leão desesperadamente na minha outra mão, que agora estava segurando o
buraco. Meus pulmões ardiam em busca de ar, cada instinto do meu corpo em
guerra com minhas instruções para ficar calma e não respirar. Enfiei o leão
esculpido no que orei ser o buraco. O material subia pelo meu nariz,
começando a encher o fundo da minha garganta e queimava como ácido. Era
demais. Minha boca começou a se abrir.
Uma alça se formou sob meus dedos e eu a puxei.
Hades
Hécate nos mostrou uma sala que, por um breve momento, pensei ser a
sala de café da manhã de Hades. Mas quando olhei em volta, pude ver
diferenças marcantes. Compartilhava o alto teto abobadado e as altas janelas
em arco cobertas por pesadas cortinas ao longo de uma parede. Mas a
plataforma com a árvore no centro e a mesa para dois que deveria ter sido
diminuída pela sala, mas de alguma forma não estava, estavam faltando.
Em vez disso, uma longa fila de doze tronos de mármore dominava o
meio da sala, paralela às janelas. Havia uma formalidade fria na sala que me
deixou ainda mais desconfortável do que já me sentia. Onde o baile de
máscaras tinha sido quase etéreo, com estrelas cintilantes nas paredes
rochosas, iluminação atmosférica e colunas em todos os lugares para se
esconder atrás, esta sala parecia séria e solene. Estava iluminada por chamas
azuis frias piscando em arandelas de parede, e colunas de altura da cintura
com topos planos fornecidos em algum lugar para os convidados colocarem
suas bebidas. E havia muitos convidados. Rostos que agora eram familiares me
espiaram de onde eles se reuniram em pequenos grupos, todos lindamente
vestidos com vestidos e togas que não pareceriam deslocados em uma
passarela em casa. Eu observei Selene, Eros, Hedone e Morfeu, e outros que eu
tinha visto pela última vez na festa em Aquarius enquanto examinava a sala,
sorrindo educadamente. O sorriso sumiu um pouco quando fiz contato visual
com Minthe, os olhos dela se encheram de malícia. Ela estava deslumbrante
em um vestido sem alças preto, e meu intestino apertou quando minha
confiança começou a murchar.
Mas então a voz de Hades soou em minha mente.
— Você está incrível. Eu te amo de vermelho. — Senti minhas costas se
endireitarem e meu sorriso se alargou novamente.
— Onde você está?
— Os deuses estão todos aqui, só não temos permissão para nos revelar
ainda. Meu irmão é um glutão de drama.
— Achei que você não deveria falar na cabeça das pessoas em Virgem
sem a permissão delas.
— Ah, eu peço desculpas. Presumi que tinha sua permissão.
— Bem, você sabe o que dizem sobre suposições — disse a ele, aceitando
um drinque de um garçom sátiro que apareceu ao meu lado.
— Não. Não tenho ideia do que dizem sobre suposições.
— Oh. Esse ditado não veio do meu mundo até aqui, então?
— Não veio. Me esclareça.
— Dizem que as suposições são a mãe de todas as merdas.
Houve uma longa pausa, então Hades falou novamente.
— A mãe de todas as merdas é aquela deusa chata, Eris.
Eu bufei uma risada e Hécate me deu um olhar um pouco alarmado
enquanto levava sua própria taça aos lábios.
— Acho que o ditado realmente não se aplica aqui.
— Eu acho que não. Vejo você em breve, linda. Boa sorte.
Hécate e eu nos separamos e eu fiz meu passeio obrigatório pelo
corredor, sorrindo e acenando com a cabeça para todos com quem falava
enquanto tomava meu vinho espumante. Como Hécate disse que haveria,
havia muito mais guardas do que eu tinha visto antes, postados em cada uma
das grandes portas nas extremidades do corredor e alinhando as paredes entre
as janelas. A sala parecia estranhamente vazia, apesar de quantas pessoas e
criaturas a enchiam, e a energia nervosa estalava sob minha pele com
ferocidade crescente.
— É tão bom ver você de novo — sorriu Selene quando eu a alcancei.
— E você — sorri, falando sério. Ela tinha sido calorosa e gentil comigo
no baile de máscaras, e eu senti sua sinceridade.
— Não conte a ninguém, mas acho que você se tornou a favorita do
Olimpo para isso — disse ela conspiratoriamente.
— Sério? — Eu pisquei para ela.
— Já falei — disse Skop na minha cabeça, e eu olhei para ele, abanando
o rabo. — Eu sabia que todos eles adorariam um azarão.
— Assistir você chegar ao seu poder é um prazer — Selene sorriu. Eu abri
minha boca, mas não saiu nada. Selene era uma das pessoas mais legais que eu
conheci até agora, e até ela achava que me ver quase me afogar em merda e ser
comida por um monstro marinho era “um prazer”. O que diabos havia de
errado com as pessoas aqui? — Tenho certeza de que você vai se sair bem esta
noite — disse ela com entusiasmo, preenchendo a lacuna que deixei na
conversa.
Senti um toque em meu braço e me virei com gratidão.
Um minotauro enorme que eu tinha visto algumas vezes antes na sala do
trono de Hades inclinou a cabeça ligeiramente para mim e resisti ao instinto de
recuar.
— Dioníso me afogou em vinho, ele é um grande bastardo — sussurrou
Skop.
— Você deve ser Kerato — falei rapidamente, lembrando-me do que
Hécate havia me contado sobre o capitão da guarda de Hades enquanto eu
olhava para o minotauro. Ele tinha pelo menos três metros de altura, apenas
seus cascos chegando até a metade da minha canela. A besta piscou para mim,
suas pupilas negras marcadas com vermelho escarlate. Sobrancelhas peludas
apareciam acima de seus olhos em um ângulo raivoso, e dois chifres pretos
curvos se projetavam das laterais de seu crânio peludo.
— Isso está correto, minha senhora — disse ele rispidamente. — Rei
Hades me pediu para me dar a conhecer a você.
— Obrigada, — eu disse.
— Qualquer pessoa usando este símbolo faz parte da guarda de Hades.
— Ele bateu com o punho em garra no disco de metal no centro da armadura
reluzente que estava amarrada em seu peito. Um crânio com uma cobra
emergindo de seu olho esquerdo foi esculpido nele. Não pude deixar de pensar
que parecia o tipo de tatuagem que alguém de uma gangue de motoqueiros
faria.
— Tudo bem, — eu disse.
— Boa sorte — resmungou o minotauro, depois se virou e marchou de
volta para as portas.
— É bastante intimidante, não é? — disse uma voz sensual, e me virei
com um sorriso para ver Hedone. Ela me beijou nas duas bochechas.
— Parece que ele leva seu trabalho a sério, — eu disse.
— Não tenho dúvidas.
— Onde está Morfeu?
— Ele não pôde vir esta noite, mas deseja sorte a você.
— Obrigada. Hedone, que tipo de criatura é essa? — Eu perguntei a ela
quando algo com enormes asas de couro e o que parecia ser as pernas de um
leão espreitou por nós. Seu nariz era um bico amarelo e em forma de gancho e
seus olhos redondos me percorreram enquanto eu o encarava.
— Ele parece um híbrido de Grifo, — disse ela. Quando eu levantei
minhas sobrancelhas interrogativamente para ela, ela elaborou. — Existem
versões selvagens e conscientes da maioria das criaturas no Olimpo, embora
algumas sejam mais propensas a permanecer selvagens. Como manicoras. Elas
são grandes felinos alados com cauda de escorpião que vivem em florestas e é
muito raro encontrá-las sencientes. Mas Grifos, que são leões e águias, têm
humanos o suficiente para que a maioria seja senciente. É raro encontrá-los
selvagens. Mas as asas dele são grandes para um Grifo, então talvez haja
alguma Harpia em algum lugar.
— Então, um Grifo fez sexo com uma harpia? — Eu tentei manter a
descrença fora da minha voz enquanto meu cérebro acelerava imaginando essa
união. As únicas harpias que vi aqui eram principalmente pássaros com
cabeças humanas.
Hedone deu uma risada suave.
— Onde há vontade, há um caminho, — disse ela.
— Claro que sim, — acrescentou Skop. — Tenho apenas um metro de
altura e você vai ver o que consegui bater. — Revirei os olhos para ele, mas ele
apenas balançou o rabo mais rápido. — Tudo se resume ao meu enorme...
— Boa noite, Olimpo! — A saudação do comentarista cortou a frase do
kobaloi, e foi a primeira vez que fiquei grata por ouvir a voz irritante do
loiro. A sala se acalmou e eu segui o olhar coletivo da multidão até o meio da
sala, onde o comentarista estava parado na extremidade esquerda da fileira de
tronos. — Bem-vindos a última provação da segunda rodada. E nós temos uma
reviravolta para vocês! Mas primeiro, por favor, deem as boas-vindas aos seus
deuses! — A sala caiu de joelhos como uma só, eu inclusive, enquanto uma luz
branca enchia a sala. Mas eu levantei minha cabeça baixa o suficiente para ver
Hades, sua forma ondulante e esfumaçada no canto direito da fileira.
— Agora, esta noite, Perséfone terá que resistir a quatro testes de
resistência, instigados por quatro deuses, — o comentarista retumbou,
enquanto todos se levantavam. — Ela pode escolher ir e falar com qualquer
deus que ela quiser em qualquer ordem, mas ela não sabe quais deuses irão
testá-la. — Eu lancei meus olhos sobre os rostos dos deuses, em busca de
qualquer oferta de expressão. Eu não vi nenhuma. Nem um sequer olhou para
mim. — Esta noite, porém, não haverá julgamento, — disse o comentarista, e
uma onda de conversa encheu a sala. Sem julgamento? Que? — Em vez disso,
para cada teste que Perséfone falhar, ela perderá um de seus quatro tokens
existentes.
O pavor percorreu minha espinha. Perder meus tokens? Eu já tinha
comido dois, pelo amor de Deus. Isso significaria que eu perderia o poder que
ganhei de volta também? Além disso, havia apenas mais três Provações depois
dessa, e eu precisava de seis tokens para vencer. Eu fiz a matemática rápido.
Se perdesse apenas uma semente, ainda poderia ganhar, mas teria que
obter pelo menos um token nas próximas três tentativas. E como eu já havia
provado duas vezes, obter tokens não era fácil.
A raiva ferveu pelo meu sangue enquanto todas as minhas esperanças de
apenas ter que fazer mais duas Provações se desvaneceram. Não só eu não
poderia ganhar mais tokens agora, eles iriam realmente tirar o que eu já tinha
ganhado? E possivelmente meus poderes também?
— Isso é uma besteira total — sibilei baixinho. As chances de eu
conseguir tokens em todos os outros testes certamente eram mínimas. E
mesmo se eu não tivesse acabado de decidir que queria ganhar essas malditas
provações, não havia como perder meus novos poderes.
Eu teria que lidar com o que quer que eles jogassem em mim e manter
todas as quatro sementes, não importa o quê.
Perséfone
Perséfone
Um gongo soou, e o alívio me atingiu tão forte que até senti minhas
pernas cederem enquanto o mundo ao meu redor tremeluzia. Meus joelhos
bateram contra o mármore frio do corredor e uma necessidade desesperada de
deitar na pedra fria me inundou. Eu tomei um grande gole de ar frio enquanto
um sátiro trotava até minha forma ajoelhada e me entregava uma grande
caneca de água. Engoli em seco com gratidão e enxuguei o suor da testa no
braço, apenas para descobrir que meu braço não estava muito mais
seco. Passou brevemente pela minha cabeça que devo estar uma bagunça
quente, literalmente, com meu cabelo grudado em suor e meu vestido rasgado
em pedaços, mas o simples fato de que eu não estava queimando viva dissipou
minhas preocupações rapidamente.
— Meu reino, Capricórnio, é conhecido por extremos sazonais, e eu sou
conhecido pelo calor, — Apolo disse, um tom rico e sedutor em sua voz. Eu
olhei para ele de onde estava ajoelhada, meu corpo ainda queimando quente e
a pele ardendo e queimando. Eu convoquei meu poder de cura, mas em vez de
me concentrar em uma ferida, tentei me concentrar em minha pele como um
todo. Um formigamento de prazer dançou sobre mim, seguido pela sensação
de água fria batendo suavemente em mim, primeiro em meu rosto, depois em
meus braços, peito e costas. Foi tão bom que um longo suspiro escapou dos
meus lábios. Os olhos de Apolo escureceram. — Eu poderia fazer isso por você
— disse ele calmamente. Eu me levantei rapidamente, o olhar predatório em
seus olhos não parecia nada com quando Hades me olhou daquele jeito.
— Obrigada, mas estou bem. Só com sede. — Senti um toque na minha
perna através da minha saia rasgada e olhei para baixo para ver o sátiro
segurando uma caneca recarregada. — Você é um anjo, — eu disse a ele
enquanto pegava e esvaziava.
Dois testes terminados, duas sementes seguras. Faltam mais dois.
— Para onde vamos agora, Perséfone? — gritou o comentarista. Olhei
com cansaço para o fim da fila e depois para trás. Entre Poseidon e Apolo
sentava-se a irmã gêmea de Apollo, Ártemis, seu rosto jovem e ansioso
infinitamente atraente.
— Ártemis — falei, dando um passo em sua direção. Um arco tão grande
quanto ela estava colocada ao lado de seu trono, e seu cabelo era tão dourado
quanto a pele de seu irmão. Ela estava usando um traje de combate de couro
semelhante ao que eu tinha no meu guarda-roupa, e eu senti uma pontada de
ciúme. Um vestido de baile e sandálias tinham que ser a coisa menos prática
do mundo para realizar esses malditos testes sádicos.
Artemis era baixa e teve que se inclinar muito para a frente para me
oferecer seu cálice.
— Beba do cálice da caça e veja se você será testada. — Ela não parecia
mais velha do que uma adolescente. Peguei o cálice dela e tomei um gole, a
palavra “caça” flutuando em minha mente e fazendo soar o alarme. O líquido
tinha gosto de terra, como beterraba, e quando abaixei o cálice, meus membros
estremeceram involuntariamente. Foi uma reação retardada ao calor? Eu olhei
para Ártemis, seus olhos inocentes agora brilhando com um brilho
perverso. Merda. Este era outro teste.
O mundo ao meu redor tremulou mais uma vez, e uma charneca
montanhosa e interminável se materializou sob meus pés. A grama estava
tingida de verde marrom e chegava aos meus joelhos, e o ar cheirava levemente
empoeirado. Parecia que não chovia há algum tempo. Minhas vinhas verdes
coçavam nas palmas das mãos, o desejo de nutrir e fazer crescer a vida carente
que me rodeava quase insuportável. Mas aquela sensação de arrepio me tomou
mais uma vez, e desta vez eu pude realmente sentir algo deslizando pela minha
pele. Minha respiração falhou em meu peito quando o gongo soou.
— Dez minutos, — a voz do comentarista ressoou, e eu me encarei
horrorizada enquanto milhares de aranhas escapuliam da grama e subiam pelo
meu corpo.
Eu não deveria estar aqui. Isso não fazia parte do teste, não podia
ser. Algo em algum lugar deu terrivelmente, terrivelmente errado. Eu fiquei
onde estava agachada, meus olhos fixos na roda em chamas acima de mim,
minha mente correndo tão rápido quanto meu coração fora de controle. Eu
precisava sair daqui. Eu estava presa em um poço sem fim de tortura e
precisava dar o fora daqui.
Mas não havia saídas, nem caminhos, nem luz maldita. Eu estava tão
longe do meu fundo que estava me afogando.
— Hades — sussurrei, seu nome vindo aos meus lábios
espontaneamente. Este era o seu reino, ele estava no comando. Certamente ele
me encontraria aqui.
— Ora, vamos, não fique triste. Encontraremos muitas pessoas para você
brincar aqui embaixo, deusa novata — uma rica voz feminina ecoou na
escuridão.
— Quem está aí? — Chamei, incapaz de evitar a oscilação de medo na
minha voz.
— Meu nome é Campe e eu guardo o Tártaro, — ela respondeu, e o
homem na roda em chamas voou para trás como uma criatura que eu nunca
poderia ter imaginado deslizar para o espaço à minha frente.
Pelo menos cinco vezes o meu tamanho, ela tinha o corpo e a cabeça da
mulher mais bonita, seios fartos e redondos e um rosto em forma de coração
com olhos castanhos profundos e lábios voluptuosos. Mas da cintura para
baixo ela era feita de cobra. Sua enorme metade inferior era a de uma serpente
enrolada e, quando a ponta de sua cauda se ergueu, vi que ela própria era
composta do que parecia ser uma centena de cobras menores. Enquanto eu
arrastava meus olhos de volta para seu corpo, meu olhar foi atraído para o que
estava em seu pescoço. Foi o colar mais horrível que eu já vi, cada amuleto
revestindo a corda dourada com a cabeça de uma criatura.
— Você está admirando minhas joias? É feita das cabeças das cinquenta
criaturas mais perigosas do Olimpo — ela ronronou. Pisquei enquanto
observava as cabeças, um leão, um urso, um dragão e muitas outras coisas que
nunca tinha visto e esperava nunca ver.
— Por que estou aqui? — Eu engasguei.
— Isso não é da minha conta, — disse ela, olhando para mim. — Mas
raramente conseguimos sangue tão fresco aqui hoje em dia. Você será um
deleite para os residentes.
— Residentes?
— Ah sim. Você já conheceu Ixion aqui em cima, — ela gesticulou para o
homem na roda em chamas, — e o pobre Tântalo, que deu de comer aos deuses
com seu filho. Mas os Titãs governam o Tártaro. Eles estão fundos o suficiente
na cova que ainda não sentiram você, mas logo o farão.
O medo dentro de mim era tão forte que forçou minhas lágrimas e pânico
a desaparecerem completamente. Eu tinha atingido o ponto de explosão no
meio do terror paralisante que Hades causou que me fez desmaiar, e do pânico
indeciso que o medo crescente instilou. Isso era lutar ou fugir, e não havia para
onde correr.
Eu me forcei a ficar de pé.
— Eu sou um membro do palácio do submundo, — menti, com toda a
autoridade que meu corpo trêmulo conseguiu reunir. — Exijo que você me
deixe sair. Agora.
Campe riu baixinho, as chamas do rio dançando no ritmo do som.
— Um membro do palácio? Essas suas vinhas certamente carregam
escuridão, mas você não é da realeza.
— Eu era, — eu disse, ferozmente. — E Hades vai ficar puto se você não
me deixar ir.
— Hades não nos visita mais, — disse ela, tocando a bochecha com uma
das mãos em uma espécie de tristeza fingida. — Que vergonha. Eu adoraria se
sua presença o trouxesse até nós mais uma vez.
Eu também. Na verdade, eu estava apostando nisso.
— Por que não? — Eu perguntei, decidindo que mantê-la falando era a
melhor coisa a fazer. Isso daria tempo para Hades me encontrar. Por favor, por
favor, deixe ele vir me encontrar.
— Ele encontrou uma esposa — disse Campe, curvando-se em sua
cintura enorme e movendo seu lindo rosto para perto de mim. A cabeça
ensanguentada de um lagarto com chifres saltou contra seu esterno. — Ela se
tornou mais atraente para ele do que a tortura.
— Não consigo imaginar por quê — sussurrei, olhando para seu colar
mórbido.
— Qual é o seu nome, deusa bebê? É incomum chegar aos seus poderes
tão velho e você claramente não tem treinamento.
Eu fiz uma careta para ela. Ela reconheceria meu nome? Isso me ajudaria
se ela o fizesse?
— Perséfone.
Um longo assobio irrompeu dela, sua expressão genial se transformando
em um brilho. Sua cauda se ergueu, a extremidade espalhada ondulando
enquanto as cobras se contorciam.
— Você é Perséfone?
— Sim, já disse, já fui da realeza. Agora me deixe ir.
— Ohhh, como eu esperei por este dia, — ela fervia, seus olhos brilhando
de raiva. — Acho que não vou esperar os Titãs acordarem, afinal.
Eu tive cerca de um segundo de aviso, concedido puramente por
intuição, para sair do caminho quando sua cauda enrolou em torno de seu
corpo e veio se chocando contra mim. Tentei rolar para longe do rio de fogo,
mas tropecei no solo rochoso e me vi abalada com as mãos e os joelhos
enquanto o solo rugia com o impacto de sua cauda batendo na rocha. Lancei-
me de pé, minhas vinhas ajudando a me levantar, então comecei a correr às
cegas quando uma gargalhada baixa e maníaca se ergueu atrás de mim. — Eu
me perguntei onde você estava todos esses anos, e agora você tropeçou em
meu domínio. Que reviravolta encantadora do destino — Campe ronronou em
torno de sua risada.
Estava muito escuro e eu não conseguia ver nada enquanto me afastava
do rio, a roda de Ixion bem acima de mim fornecendo os únicos raios de luz
restantes. Um grito agudo da minha direita quase me fez cair em estado de
choque, e uma fileira de homens sentados em cadeiras douradas
apareceu. Seus rostos eram máscaras de agonia, retorcidos e contorcidos de
dor. Mudei de curso, mas senti algo frio e duro bater em mim por trás, então
gritei quando fui levantada de meus pés por uma força invisível. Eu girei no ar
enquanto subia, minhas trepadeiras negras agora se debatendo ao meu redor,
procurando o inimigo invisível. Eu flutuei no ar sufocante, parando diante de
Campe, agora no nível de seu rosto alegre. Eu não estava sendo sustentada por
nada, exatamente como a roda de Ixion. Meu coração estava batendo forte no
meu peito enquanto eu tentava desesperadamente pensar em uma saída, mas
ela estava certa quando disse que este era seu domínio. Sua magia superava
em muito a minha.
— Você o tirou de mim, sua puta — rosnou ela, e a confusão dominou
meu medo.
— Pegou quem? — Eu engasguei, enquanto flutuava indefeso diante
dela.
— O rei. Ele estava se virando. Ele estava se tornando o que estava
destinado a ser, e a besta gloriosa dentro dele estava quase livre. Então você o
levou.
— Você quer dizer Hades? — Eu chutei minhas pernas no ar, tentando
me endireitar, para parar o giro lento.
— Claro que sim — sibilou ela, inclinando o rosto enorme para perto de
mim. Ela cheirava a carne podre, o sabor de ferro do sangue atado com o
cheiro.
Um rugido rugiu abaixo de nós e tudo ao meu redor, incluindo Campe,
estremeceu enquanto reverberava pelo poço. Seu rosto se transformou, o medo
realmente passando por seus olhos enquanto seu sorriso cruel desaparecia. —
Ele está vindo — sibilou ela, depois escorregou para trás em sua enorme cauda
de cobra.
— Hades? — A esperança cresceu dentro de mim.
— Não. Cronos.
Cronos? Não era ele o titã que havia comido a maioria dos olímpicos? O
pior do lote?
— Merda, merda, merda, — eu gritei enquanto colocava minhas vinhas
no chão, procurando desesperadamente por algo em que me agarrar, para me
puxar para baixo. Mas elas não conseguiram comprar na superfície em
constante mudança e estava escuro demais para ver algo útil. Outro rugido
rugiu ao meu redor e um terror novo e mais primitivo começou a rastejar em
minhas veias.
— Solte-a de uma vez! — O comando me fez ofegar de surpresa, e eu
girei no ar, tentando ver quem tinha falado. Não era Hades, mas reconheci a
voz.
— Kerato, que bom que você se juntou a nós — sibilou Campe, que ainda
estava se afastando lentamente. Sua cauda estava obscurecida pela escuridão
agora, seu rosto e colar medonho ainda piscando à luz da roda de Ixion. —
Hades é sempre bem-vindo aqui.
— Eu disse para soltá-la imediatamente — gritou o minotauro. Eu não
conseguia vê-lo na escuridão abaixo de mim, mas a esperança surgiu dentro
de mim. Eu não estava mais sozinha.
— Se você insiste. — Meu estômago embrulhou quando eu caí
abruptamente, minhas vinhas tentando freneticamente encontrar algo para
desacelerar minha queda e a desorientação me inundando
completamente. Então uma explosão de luz neon azul me cegou e eu congelei
no ar por uma fração de segundo, antes de inclinar suavemente para frente e
flutuar para baixo.
— Você vai se explicar — sibilou outra voz, e desta vez o alívio me
atingiu com força. Hades. Quando meus pés tocaram o chão, girei e tropecei
ao vê-lo.
Ele estava totalmente no modo de deus. Ele era quase tão grande quanto
Campe, sem camisa e sólido, luz azul fluindo de seu corpo e se transformando
em corpos rastejantes em suas botas. Eu assisti com medo aterrorizado
enquanto os corpos ficavam de pé e começavam a se alinhar atrás dele. Um
exército de mortos.
— Hades, você chegou bem na hora — ronronou Campe. — Cronos está
a caminho.
Medo e raiva tão reais quanto eu já vi encheram os olhos azuis brilhantes
de Hades, o prateado usual em nenhum lugar para ser visto. A temperatura
disparou e um jato de luz azul cegante atingiu Campe. Ela gritou ao ser jogada
para trás, o colar ao redor de seu pescoço colossal se partindo e cabeças de
animais voando por toda parte.
— Tire ela daqui, agora! — rugiu Hades, e eu senti meu braço sendo
agarrado por uma mão em garra. Eu me virei, o rosto chifrudo de Kerato a
centímetros do meu.
— Desculpe, minha senhora — resmungou ele, mas quando uma luz
branca começou a brilhar ao seu redor, ele berrou e cambaleou para trás,
liberando-se de mim.
— Kerato! — Eu gritei, enquanto a luz de Hades iluminava o sangue
vermelho escorrendo por seu ombro em torno da ponta de uma lâmina
saliente. Então, o rosto de uma mulher cacarejante apareceu atrás do
minotauro, seus olhos jovens e perturbados dançando com malícia. — Deixe-o
em paz! — Eu gritei, chicoteando minhas vinhas em direção à nova ameaça.
Outro rugido rasgou o espaço, e o fogo no rio de repente se tornou um
inferno, saltando trinta metros no ar. Luzes vermelhas e azuis se chocaram e
eu desviei meus olhos de Kerato para Hades. Seu rosto estava tenso, as duas
mãos erguidas como se ele estivesse segurando algo que eu não podia ver.
— Ele está aqui. Kerato, tire-a do Tártaro — disse ele com os dentes
cerrados. Mas os olhos do minotauro estavam vidrados e ele estava segurando
o peito em silêncio enquanto a mulher de aparência humana passava por
ele. Ela estava vestindo uma toga preta e seu cabelo ruivo brilhante estava
preso no alto da cabeça.
— É, ele não vai te levar a lugar nenhum — disse ela, encolhendo os
ombros e cutucando o ombro de Kerato com o dedo apontado. O minotauro
desabou no chão. — O chefe quer você para algo especial.
— Quem é você? — Eu gaguejei, os olhos passando rapidamente entre o
corpo de Kerato e o dela.
— Ankhiale, deusa titã do calor — ela fez uma reverência enquanto
falava, e sua toga preta explodiu em chamas. — Sou responsável pela
decoração de interiores aqui — ela sorriu para mim. Ela parecia
completamente louca.
— Ankhiale, se você colocar o dedo nela, vou tornar sua vida um milhão
de vezes mais miserável do que já é! — rugiu Hades. Ela deu outra risada
cacarejante.
— Você acha que isso é possível, ó Senhor dos Mortos? Dá um tempo,
porra. — Ela estava se aproximando de mim e eu não sabia o que fazer. Devo
usar minhas vinhas, tentar tomar o poder dela? — Você não será capaz de
segurar o Rei Cronos por muito mais tempo, Hades. E você está quebrando as
regras, deixando uma coisinha bonita como ela aqui embaixo. Ele não vai te
obedecer desta vez.
Hades deu um grunhido miserável e eu ataquei. Com o menor
movimento dos meus pulsos, eu enviei as duas vinhas para a mulher, gritando
quando elas fizeram contato com ela e o calor queimou por mim como
ácido. Mas eu segurei, e as trepadeiras enrolaram em torno de seus ombros,
tatuagens pretas surgindo sob sua pele em chamas.
— O que... como... saia de cima de mim! — ela gritou e agarrou minhas
vinhas em suas mãos. Mais calor, tão quente ou mais quente do que o vulcão
de antes, queimava ao longo de minhas vinhas e em meu corpo, e a dor era
quase insuportável.
— Me pegue, agora, — a voz desesperada de Hades soou em minha
mente. Fiz o que ele me disse sem questionar, deixando as videiras se
desintegrarem enquanto me virava. Soltei um suspiro de choque quando
percebi que o exército de cadáveres azuis estava me cercando, e enquanto eu
disparava em direção a Hades, eles me seguiram, mantendo seu anel de
proteção intacto. Senti uma explosão de calor queimar minhas costas e corri
mais rápido, jogando fora uma videira verde e envolvendo-a em torno da
enorme perna de Hades e me arrastando em direção a ele. No segundo que
meus dedos pousaram em seu corpo, o mundo brilhou em branco.
Perséfone
Estávamos de volta ao meu quarto, e a primeira coisa que Hécate fez foi
me dar um copo enorme de néctar.
— Merda, Persy, Hades gritou algo sobre Campe e Cronos. Por favor,
diga-me que você não estava no Tártaro. — Pisquei para ela, ela balançou a
cabeça e se sentou na cama ao meu lado.
— Você só pode estar brincando, — disse Skop, pulando do meu outro
lado. — Você estava na porra do Tártaro?
— Uma mulher cobra realmente grande tentou me matar, então uma
deusa do fogo matou Kerato enquanto Hades segurava Cronos, e então Hades
nos tirou de lá. Essa é a versão condensada, — eu disse. Um pequeno soluço
escapou de mim quando me lembrei de Kerato caindo no chão. — Ele deu a
vida tentando me ajudar, — sussurrei, esfregando minha bochecha suja.
— Os guardas de Hades são imortais, não se preocupe, — Hécate disse
rapidamente. Seu rosto ficou pálido novamente enquanto ela me olhava com
os olhos arregalados. — Hades segurou Cronos?
— Sim.
— Persy, isso é ruim. Tipo muito ruim. Morrer durante uma provação é
uma coisa, mas se tornar um joguete titã em um poço de tortura eterna?
— É por isso que Cronos me queria viva? Para ser um brinquedo?
Hécate não respondeu por um longo tempo.
— Hades pode saber mais uma vez que ele fale com os outros, — ela disse
eventualmente. — Tome um banho, você vai se sentir melhor.
Eu balancei a cabeça e me levantei, terminando o que estava no copo e
saboreando a força que ele me deu.
— Você vai ficar aqui?
— Claro — ela concordou.
— Obrigada. Eu realmente não quero ficar sozinha agora, — eu admiti
calmamente.
— Não vou a lugar nenhum, Persy.
— Eu também não — disse Skop. Sentindo-me eternamente grata, fui até
meu banheiro, parando na porta.
— E você tem certeza de que Kerato ficará bem?
— Sim. Pode demorar um pouco para se regenerar, mas ele é um
demônio. Ele vai ficar bem.
— Ok. Bom. — Eu me virei e atravessei a porta do meu banheiro e
congelei no caminho.
Meu apartamento. Eu estava no meu quarto, no meu apartamento em
Nova York. Minha mente desacelerou quase até parar enquanto eu pisquei ao
redor do quaro. Parecia que eu nunca tinha saído, a cama bem feita, uma calça
jeans pendurada nas costas da minha poltrona e meu laptop aberto na pequena
escrivaninha, zumbindo baixinho.
Virei lentamente no local, para ver Hades parado atrás de mim. Abri
minha boca para perguntar a ele o que estava acontecendo, mas minhas
palavras falharam quando vi o olhar em seus olhos.
Hades