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São Paulo / SETEMBRO 2013

Artigos

Texto para “Revista Tributária de Finanças Públicas - RTFP”, São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, n. 112, p. 269-293, 2013.

Autor: Ramon Tomazela Santos

A AVALIAÇÃO DE INVESTIMENTOS PELO MÉTODO DA EQUIVALÊNCIA


PATRIMONIAL E OS IMPACTOS TRIBUTÁRIOS DAS NOVAS REGRAS
CONTÁBEIS

Área do Direito: Tributário.

Resumo: O presente artigo tem o objetivo de


analisar o impacto tributário das novas regras
contábeis na avaliação de investimentos pelo
método da equivalência patrimonial, sobretudo
em relação à ampliação do seu âmbito de
aplicação e ao patrimônio líquido a ser
considerado pela sociedade investidora.

Palavras-chave: Participação societária –


Equivalência patrimonial – Investimentos –
Novas regras contábeis – patrimônio Líquido –
Controladas e coligadas.

Abstract: The present article aims in analyzing


the tax impact of the new accounting rules on
investments valued by the equity pickup
method, particularly in relation to the extension
of its scope and to the net equity to be
considered by the investing company.

Keywords: Share participation - Equity pickup


method – Investments – New accounting rules –
Net equity – Controlled or affiliated companies.

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Sumário: 1. Introdução – 2. O alcance da


neutralidade tributária – 3. A ampliação do
âmbito de aplicação do MEP – 4. O patrimônio
líquido da sociedade investida e a reedição do
resultado apurado pela pessoa jurídica
investidora com base no MEP – 5. Conclusões –
6. Bibliografia.

*********************** ***********************

1. Introdução

O presente artigo tem o objetivo de analisar duas questões que


despertam sérias controvérsias a respeito da avaliação de investimentos em
participações societárias, no contexto do processo de harmonização do modelo
contábil vigente no Brasil, com o objetivo de adequá-lo aos padrões contábeis
internacionais (“International Financial Reporting Standards” - IFRS).

A primeira dúvida está relacionada às consequências tributárias do


alargamento das hipóteses de aplicação do método da equivalência patrimonial
(“MEP”), em virtude da alteração promovida no art. 248 da Lei 6.404/1976 pela
Lei 11.941/2009. A segunda indagação, por sua vez, repousa no patrimônio
líquido a ser considerado para fins de aplicação do MEP pela pessoa jurídica
investidora. Em suma, a segunda dúvida consiste em saber se a pessoa jurídica
investidora deve reeditar o resultado do MEP, eliminando os efeitos que as
novas regras contábeis provocaram no patrimônio líquido da investida.

A seguir, passamos a comentar as duas questões ora suscitadas. Para


a boa exposição do tema, iniciamos o presente estudo com comentários
preliminares a respeito do alcance da neutralidade tributária introduzida pela
Lei 11.941/2009.

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2. O alcance da neutralidade tributária

Antes de responder às indagações formuladas, é preciso investigar o


alcance da neutralidade tributária instituída pelo Regime Tributário de
Transição (“RTT”).

No início do processo de harmonização contábil, o parágrafo 7º do


art. 177 da Lei 6.404/1976, com redação dada pela Lei 11.638/2007, previa que
os lançamentos efetuados com base nos novos critérios contábeis de
escrituração e de elaboração de demonstrações financeiras não deveriam
produzir efeitos tributários. Veja-se:

“§ 7º. Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para


harmonização de normas contábeis, nos termos do § 2º deste
artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não
poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter
quaisquer outros efeitos tributários”.

Com base no dispositivo legal acima, difundiu-se, à época, a


concepção do proclamado princípio da neutralidade tributária das novas regras
contábeis. Como se observou, a inspiração original por trás do parágrafo 7º do
art. 177 da Lei 6.404/1976 era garantir a completa independência entre as
regras contábeis e as normas jurídico-tributárias.

Ocorre que o parágrafo 7º do art. 177 da Lei 6.404/1976 foi


posteriormente revogado pela Lei 11.941/2009, no momento em que instituído
o RTT 1.

1 Segundo o item 56.9. da Exposição de Motivos que acompanhou a Medida Provisória


449/2009: “Revoga-se o § 7º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 1976, tendo em vista que os
efeitos deste dispositivo já estão plenamente garantidos pelo RTT, à medida que o
conjunto de modificações propostas na escrituração de livros auxiliares e do Livro de
Apuração do Lucro Real dispensa totalmente os sujeitos passivos de realizar lançamentos
na sua escrita mercantil, unicamente com o propósito de atender à legislação tributária. Ou
seja, com a implementação do RTT, fica garantido que a escrita contábil deva observar
unicamente a legislação comercial e todo e qualquer registro necessário para atender à
legislação tributária seja realizado em livros ou registros contábeis auxiliares ou livros
fiscais. Com isso, garante-se que os balanços e demais demonstrações contábeis
representem com maior veracidade a realidade patrimonial das empresas, segundo os
critérios e métodos estritamente contábeis, escoimando assim eventuais interferências
da legislação fiscal na escrituração empresarial”.

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Em linhas gerais, o RTT foi instituído com o objetivo de neutralizar


os efeitos tributários decorrentes da adoção de novos critérios contábeis. Assim,
no âmbito do RTT, as pessoas jurídicas devem utilizar, para fins de apuração dos
tributos corporativos (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), os métodos e critérios
contábeis vigentes em 31.12.2007.

De acordo com o art. 15, parágrafo 1º, da Lei 11.941/2009, o RTT


vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos
novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária. Logo,
pelo menos sob o prisma teleológico, pode-se dizer que permanece firme o
propósito do legislador tributário no sentido neutralizar os efeitos tributários
decorrentes da ação das novas regras contábeis.

A despeito da novel intenção do legislador, é preciso ponderar que


as normas jurídicas instituídas no âmbito do RTT não têm a abrangência
necessária para garantir a observância da neutralidade tributária na totalidade
das situações concretas, como será visto adiante.

Do ponto de vista metodológico, a análise da extensão e do alcance


da neutralidade tributária preconizada pelo RTT deve ter como ponto de partida
o texto legal em vigor. Isso porque, o enunciado normativo deve ser interpretado
com base no sentido objetivo da lei, na forma como inserida no ordenamento
jurídico 2, sendo a intenção do legislador levada em consideração somente como
instrumento para auxiliar o intérprete-aplicador na construção da norma
jurídica 3.
2 Segundo Ricardo Lobo Torres: “A interpretação depende do texto da norma. A
hermenêutica filosófica recuperou-lhe a importância ao insistir em que o intérprete
não tem liberdade para dele se afastar, eis que se expõe à ‘coisa’ do texto”. (TORRES,
Ricardo Lobo. “Interpretação e Integração da Lei Tributária”. In: Interpretação e
Aplicação da Lei Tributária. Coord. Hugo de Brito Machado. São Paulo: Dialética;
Fortaleza: ICET, 2010, p. 334).
3 Na concepção teórica ora adotada, a norma jurídica não se confunde com o enunciado

normativo. A norma é o comando que o intérprete constrói a partir do texto legal. As


normas não são objeto da atividade de interpretação, mas, sim, o seu resultado. Nesta
linha, a interpretação jurídica não se caracteriza como uma simples descoberta do
sentido prévio do texto positivo, mas, sim, como um ato de decisão que constrói a
norma jurídica (ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da Norma Tributária.
São Paulo: MP Editora, 2006, p. 265).

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Nesse quadro, o art. 16 da Lei 11.941/2009 prescreve que as


alterações introduzidas pelas novas regras contábeis, que modifiquem o critério
de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do
lucro líquido contábil, não terão efeitos para fins de apuração dos tributos
corporativos devidos no âmbito do RTT. Veja-se:

“Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de


dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o
critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas
computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no
art. 191 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão
efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os
métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de
2007”.

Em seguida, o art. 17 da Lei 11.941/2009 estabelece o procedimento


a ser seguido pela pessoa jurídica para reverter os efeitos da utilização dos
novos métodos contábeis. Sua redação é a seguinte:

“Art. 17. Na ocorrência de disposições da lei tributária que


conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou critérios
contábeis diferentes daqueles determinados pela Lei nº 6.404, de
15 de dezembro de 1976, com as alterações da Lei nº 11.638, de 28
de dezembro de 2007, e dos arts. 37 e 38 desta Lei, e pelas normas
expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários com base na
competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15
de dezembro de 1976, e demais órgãos reguladores, a pessoa
jurídica sujeita ao RTT deverá realizar o seguinte procedimento:

I – utilizar os métodos e critérios definidos pela Lei nº 6.404, de 15


de dezembro de 1976, para apurar o resultado do exercício antes
do Imposto sobre a Renda, referido no inciso V do caput do art. 187
dessa Lei, deduzido das participações de que trata o inciso VI do
caput do mesmo artigo, com a adoção:

a) dos métodos e critérios introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de


dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; e

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b) das determinações constantes das normas expedidas pela


Comissão de Valores Mobiliários, com base na competência
conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, no caso de companhias abertas e outras que optem pela
sua observância;

II – realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período,


apurado nos termos do inciso I do caput deste artigo, no Livro de
Apuração do Lucro Real, inclusive com observância do disposto no
§ 2o deste artigo, que revertam o efeito da utilização de métodos e
critérios contábeis diferentes daqueles da legislação tributária,
baseada nos critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de
2007, nos termos do art. 16 desta Lei; e

III – realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro


Real, de adição, exclusão e compensação, prescritos ou autorizados
pela legislação tributária, para apuração da base de cálculo do
imposto”.

Em resumo, a pessoa jurídica submetida ao RTT deverá elaborar a


escrituração comercial e as demonstrações financeiras com base nos novos
métodos contábeis. Em seguida, a pessoa jurídica deverá utilizar o livro de
apuração do lucro real (LALUR) para efetuar ajustes no lucro líquido, com o
objetivo de reverter os efeitos decorrentes da utilização de critérios contábeis
distintos daqueles vigentes em 31.12.2007.

Entretanto, a leitura do dispositivo legal acima – em particular das


partes que foram destacadas no texto – suscita dúvidas em relação à plenitude
da neutralidade tributária implantada pelo RTT. É que o art. 17 da Lei
11.941/2009 somente assegura a neutralidade tributária na hipótese em que
houver “disposições da lei tributária que conduzam ou incentivem a utilização de
métodos ou critérios contábeis diferentes daqueles determinados pela Lei nº 6.404,
de 15 de dezembro de 1976”.

Pela dicção do texto legal, os efeitos decorrentes exclusivamente da


adoção de diferentes critérios contábeis pelo contribuinte, sem que haja
disposição da lei tributária conduzindo ou incentivando à sua utilização, não
estão abrangidos pelo RTT. Tanto é assim que o inciso II do art. 17 dispõe que o
contribuinte deve realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período,

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apurado de acordo com as novas regras contábeis, com o objetivo de reverter “o


efeito da utilização de métodos e critérios contábeis diferentes daqueles da
legislação tributária”. Sem embargo da insuficiência do elemento literal para a
interpretação jurídica, não soaria desarrazoado dizer que a redação da Lei
11.941/2009 conduz ao entendimento de que os novos métodos e critérios
contábeis somente serão neutralizados no RTT nas hipóteses em que a lei
tributária determinava a realização de ajustes na própria escrituração comercial,
com vistas à apuração da base tributável 4. Por outro lado, nos casos em que a lei
tributária simplesmente parte do lucro líquido contábil, sem conduzir ou
incentivar a utilização de método contábil distinto, não há de se falar em
neutralidade tributária.

Ademais, importa destacar que a Lei 11.941/2009 não faz qualquer


menção ao chamado FCONT (“Controle Fiscal Contábil de Transição”). Na
realidade, o FCONT é um instrumento auxiliar criado pela Receita Federal do
Brasil (RFB) no interesse da fiscalização e da arrecadação, por meio da Instrução
Normativa RFB 949/2009.

De acordo com o art. 8º da IN RFB 949/2009, o FCONT é um sistema


de escrituração das contas patrimoniais e de resultado, em partidas dobradas,

4 A título de exemplo, pode-se mencionar o caso da depreciação. No antigo regime


contábil, os bens do ativo imobilizado estavam sujeitos à depreciação calculada com
base na estimativa de sua vida útil ou prazo de utilização, conforme constava da NBC
19.5, aprovada pela Resolução CFC 1.027/2005. Sucede que, na prática, as pessoas
jurídicas adotavam em sua escrituração comercial as regras e coeficientes de
depreciação estabelecidos pela RFB, seguindo a disciplina fixada nos arts. 307 a 314 do
RIR/99 (cf. LAULETTA, Andrea Bazzo; NOVELLO, Guilherme Lautenschlaeger. “Os
efeitos tributários decorrentes das novas regras contábeis de depreciação”. In:
Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos). 2º volume. Coord.
Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, 2011, pp.
25-26). Especificamente em relação à depreciação, a RFB editou o Parecer Normativo
1/2011, por meio do qual esclarece que o contribuinte deve efetuar lançamentos no
FCONT e no LALUR para ajustar as diferenças nas taxas dos encargos de depreciação.
Note-se que há outras situações em que a lei tributária determina a realização de
ajustes na própria contabilidade, como ocorre com as perdas no recebimento de
créditos (vide art. 341 do RIR/99, que trata do registro contábil das perdas) e a
provisão para perda de estoque de livros (vide art. 8º da Lei 10.753/2003 e IN SRF
412/2004), entre outras.

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que leva em considerações os métodos e critérios contábeis aplicados pela


legislação tributária. Os dados a serem apresentados por intermédio do FCONT
consistem em lançamentos referentes aos fatos contábeis que sofrem
tratamento tributário diferenciado, notadamente: (i) lançamentos realizados na
escrituração contábil para fins societários, que devem ser expurgados; e (ii)
lançamentos que devem considerar os métodos e critérios contábeis aplicáveis
para fins tributários, que devem ser inseridos.

A exposição detalhada do RTT ora encetada é suficiente para


demonstrar, de forma inequívoca, a inexistência de um balanço patrimonial
tributário, diverso daquele levantado em consonância com os novos métodos e
critérios contábeis. Ao contrário, a Lei 11.941/2009 é clara ao estabelecer que a
escrituração comercial deve ser preparada com base nas novas regras contábeis,
cabendo ao contribuinte proceder a ajustes específicos no LALUR para reverter
os seus efeitos, com base nos lançamentos realizados no FCONT.

Assim, os diferentes métodos e critérios contábeis são controlados


em livro auxiliar, sem o registro das mutações nos saldos patrimoniais ao longo
dos exercícios. De nítido caráter procedimental, o FCONT consiste em simples
memória de cálculo, para detalhar os ajustes a serem realizados no LALUR. Logo,
é evidente que o FCONT não contempla a totalidade das transações da pessoa
jurídica, como um balanço patrimonial. Aliás, anote-se que esse aspecto será de
fundamental importância para responder a questão 2 do presente ensaio, que
envolve o patrimônio líquido a ser considerado para fins fiscais.

Com supedâneo nas considerações acima, é fácil compreender os


motivos que nos levaram a afirmar, no início do trabalho, que RTT não tem a
abrangência necessária para garantir a observância da neutralidade tributária
em todas as situações concretas.

Em primeiro lugar, a redação original parágrafo 7º do art. 177 da Lei


6.404/1976, atualmente revogado, dizia que os lançamentos efetuados de
acordo com as novas regras contábeis não poderiam produzir “quaisquer outros
efeitos tributários”, ao passo que o art. 16 da Lei 11.941/2009 adota uma regra
de neutralidade tributária mais restrita, a qual faz alusão apenas aos métodos e
critérios contábeis que “modifiquem o critério de reconhecimento de receitas,
custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício”. Além

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disso, em termos rigorosos, o art. 17 da Lei 11.941/2009 somente propicia a


neutralidade tributária na hipótese em que lei tributária que conduzir ou
incentivar a utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes.

Em segundo lugar, o RTT não contempla a elaboração de um balanço


patrimonial tributário a ser utilizado para neutralizar os efeitos tributários
decorrentes das novas regras contábeis. Ao revés, os ajustes de reversão devem
ser efetuados pelo contribuinte diretamente no LALUR, com suporte nos
lançamentos realizados no FCONT. Em síntese, o legislador optou pela
manutenção de uma única escrituração contábil, de modo que os ajustes
prescritos pela legislação tributária devem ocorrer em livros apartados, como o
FCONT e o LALUR.

Confirma-se, assim, que a regra de neutralidade fiscal absoluta dos


lançamentos contábeis de harmonização, anteriormente prevista no parágrafo
7º do art. 177 da Lei 6.404/1976, foi afrouxada pelo legislador por ocasião da
edição do RTT, por meio do qual as alterações que modificarem o critério de
reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro
líquido não terão efeitos para fins tributários. Por isso, a extensão da
neutralidade tributária no âmbito do RTT deve ser objeto de análise casuística,
de acordo com as particularidades da situação concreta, com o objetivo de
verificar se o sistema de ajustes adotado pela Lei 11.941/2009 é suficiente para
reverter eventuais efeitos tributários.

Feitas essas ponderações acerca do alcance da neutralidade


tributária, é o momento de passarmos ao exame das controvérsias ventiladas no
presente artigo.

3. A ampliação do âmbito de aplicação do MEP

Como é sabido, a Lei 11.638/2007 iniciou um processo de


reformulação modelo contábil vigente no Brasil, com o objetivo adequá-lo aos
padrões contábeis internacionais (“International Financial Reporting Standards”
- IFRS).

No curso do processo de convergência das regras contábeis


brasileiras aos padrões internacionais, as regras societárias e contábeis que

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disciplinam a avaliação de investimentos em participações societárias sofreram


alterações significativas.

De fato, em meio às alterações das regras societárias, o art. 248 da


Lei 6.404/1976, com redação dada pela Lei 11.941/2009, passou a prever a
obrigatoriedade de utilização do MEP para avaliação de investimentos em
sociedades que integrem o mesmo grupo econômico ou que estejam sob
controle comum. Eis a redação do dispositivo legal:

“Art. 248. No balanço patrimonial da companhia, os investimentos


em coligadas ou em controladas e em outras sociedades que façam parte de um
mesmo grupo ou estejam sob controle comum serão avaliados pelo método da
equivalência patrimonial, de acordo com as seguintes normas: (...)”.

Assim, a nova redação do art. 248 da Lei 6.404/1976 determina que


sejam avaliados pelo MEP os investimentos em: (a) controladas; (b) coligadas;
(c) sociedades que integrem o mesmo grupo econômico; e (d) sociedades que
estejam sob controle comum.

Para conferir exequibilidade aos novos critérios contábeis, o Comitê


de Pronunciamentos Contábeis (CPC) 5 editou o Pronunciamento Técnico CPC 18,
que contém regras específicas acerca da avaliação de investimentos de acordo
com o MEP 6.

5 O Comitê de Pronunciamentos Contábeis, ou simplesmente CPC, é o resultado da


iniciativa conjunta de diversas entidades brasileiras dos mercados financeiro e de
capitais. Trata-se de organismo não-governamental criado em 2005, com a atribuição
de estudar, preparar e emitir pronunciamentos técnicos de contabilidade, a fim de
subsidiar a emissão de normas pelas entidades reguladoras brasileiras (como a CVM e
o Banco Central do Brasil), levando sempre em conta a convergência da contabilidade
brasileira aos padrões internacionais.
6 No que interessa ao presente estudo, o aludido Pronunciamento Técnico contempla

algumas exceções à avaliação do investimento por meio do MEP, entre as quais se


destaca o investimento classificado como “mantido para venda”. Confira-se o seguinte
trecho: “20. A entidade deve aplicar o Pronunciamento Técnico CPC 31 em
investimento, ou parcela de investimento, em coligada ou em controlada, ou em
empreendimento controlado em conjunto que se enquadre nos critérios requeridos
para sua classificação como mantido para venda”.

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Sob o enfoque contábil, o critério de avaliação de investimentos em


participações societárias está diretamente relacionado ao seu papel informativo.
Porém, cabe assinalar que essa alteração legislativa também pode provocar
reflexos fiscais relevantes, na medida em que a lei tributária prevê a aplicação de
tratamento tributário distinto aos diferentes tipos de investimento 7, como se
pode verificar, em caráter resumido, na tabela a seguir reproduzida:

Classificação do
Tratamento Tributário na Alienação
Investimento
No caso de alienação ou liquidação de investimento
avaliado pelo método da equivalência patrimonial, o
Investimento permanente valor contábil para determinar o ganho ou perda de
relevante capital será basicamente o valor do patrimônio líquido,
acrescido do ágio ou deságio na aquisição do
investimento (art. 246 do RIR/99).
A avaliação de investimento não relevante será feita pelo
método do custo de aquisição (art. 183, III, da Lei n. 6404).
Investimento permanente
Nesta hipótese, não importa o valor patrimonial da
não relevante
empresa investida, mas, sim, o preço pago pela aquisição
do investimento (art. 425 do RIR/99).
No caso de participação societária mantida com a única
finalidade de obter ganho por meio de sua negociação, a
Investimento tributação deverá seguir a legislação aplicável às
“especulativo” aplicações financeiras de renda variável, com base na
sistemática de apuração dos ganhos líquidos (art. 72 e
art. 77, IV, da Lei n. 8981, de 20.1.1995).

Nessa altura da exposição, não é demais lembrar que os


Pronunciamentos Contábeis emitidos pelo CPC devem ser observados pelas
pessoas jurídicas em geral, tanto em razão de sua aprovação pela Comissão de
Valores Mobiliários (“CVM”), no caso de companhias abertas, quanto em virtude
de sua aprovação pelo Conselho Federal de Contabilidade, que detém
competência para editar regras contábeis de natureza técnica e profissional 8.

7 A respeito dos diferentes tipos de investimento e os seus efeitos para fins de imposto
de renda, conferir: FERNANDES, Edison Carlos. “Avaliação de Investimento: Aspectos
Relevantes para o Imposto sobre a Renda”. In: Imposto sobre a Renda e Proventos de
Qualquer Natureza. Coord. Ives Gandra da Silva Martins e Marcelo Magalhães Peixoto.
São Paulo: MP, 2006, pp. 81-92.
8 Art. 6º do Decreto-lei 9.295/1946, em especial sua alínea “f”, introduzida pela Lei n.

12.249/2010.

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Com relação ao direito tributário, cabe apontar que o art. 384 do


Regulamento do Imposto de Renda, instituído pelo Decreto 3.000/1999
(“RIR/99”), ainda está integralmente baseado na redação pretérita do art. 248
da Lei 6.404/1976.

Em outro giro, o art. 21 do Decreto-lei 1.598/1977, estabelece que o


contribuinte deve avaliar o investimento pelo valor de patrimônio líquido da
coligada ou controlada, em consonância com o disposto no art. 248 da Lei n.
6404. Veja-se:

“Art. 21. Em cada balanço o contribuinte deverá avaliar o


investimento pelo valor de patrimônio líquido da coligada ou
controlada, de acordo com o disposto no artigo 248 da Lei nº
6.404, de 15 de dezembro de 1976, e as seguintes normas: (...)”.

Nesse cenário, a questão que se coloca consiste em saber se a


alteração promovida no art. 248 da Lei 6.404/1976, que ampliou as hipóteses de
avaliação de investimentos por meio do MEP, pode ser considerada como um
novo critério contábil relativo ao reconhecimento de receitas, custos e despesas
computadas na apuração do lucro líquido contábil, para efeito de aplicação das
regras contábeis vigentes em 31.12.2007.

No plano doutrinário, Ricardo Mariz de Oliveira preleciona que a lei


tributária faz remissão ao art. 248 da Lei 6.404/1976, razão pelo qual a
avaliação de investimentos por meio do MEP deve seguir a disciplina normativa
imposta pela lei societária. Veja-se:

“Antes da Lei n. 11638, somente se submetiam a esse método os


investimentos considerados relevantes, no sentido de
ultrapassarem determinadas porcentagens do patrimônio líquido
da investidora, mas essa exigência desapareceu com a nova
redação dada ao “caput” do art. 248 da Lei n. 6404. Outras
modificações também foram feitas, representando a lista acima a
norma tal como atualmente está vigindo. (...). Por outro lado, a lei
tributária adota o MEP simplesmente aludindo ao “contribuinte

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que avaliar o investimento em sociedade coligada ou controlada


pelo patrimônio líquido” (art. 20 do Decreto-lei n. 1598), de modo
que os casos da Lei n. 6404 sujeitos a tal critério de avaliação são
os que o seguem também para efeitos tributários. Os demais casos,
que não envolvem necessariamente coligadas ou controladas,
também ficam sujeitos ao método, pois o art. 21 desse decreto-lei
se refere em geral ao art. 248 da lei societária” 9.

Alinhamo-nos, então, à doutrina de Ricardo Mariz de Oliveira, por


estarmos convencidos de que a legislação tributária não prevê um conceito
autônomo e distinto de MEP, limitando-se a fazer alusão aos investimentos
disciplinados pelo art. 248 da Lei 6.404/1976.

Isso porque, conforme bem observado pelo autor, o próprio art. 21


do Decreto-lei 1.598/1977 faz expressa referência ao art. 248 da Lei
6.404/1976, confirmando que o legislador tributário acolheu o instituto de
direito societário. Nessa linha, pode-se dizer que o MEP corresponde a um
conceito de direito societário incorporado pelo legislador tributário, ainda que
com a atribuição de um efeito tributário específico, na medida em que as receitas
ou despesas provenientes do MEP devem ser consideradas neutras para fins
tributários.

A interpretação ora aventada é confirmada pelo art. 384 do RIR/99,


o qual expressamente indica, como sua matriz legal, o art. 248 da Lei
6.404/1976. Ora bem, considerando que o RIR representa mera consolidação,
em texto único, da legislação do imposto de renda vigente à época de sua
edição 10, é evidente que a remissão feita ao art. 248 da Lei 6.404/1976 acaba por
corroborar a tese de que a lei tributária não contém uma regra autônoma de
utilização do MEP.

9 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, pp. 795-796.
10 Art. 212 do Código Tributário Nacional (CTN): “Os Poderes Executivos federal,

estaduais e municipais expedirão, por decreto, dentro de 90 (noventa) dias da entrada


em vigor desta Lei, a consolidação, em texto único, da legislação vigente, relativa a cada
um dos tributos, repetindo-se esta providência até o dia 31 de janeiro de cada ano”.

13
São Paulo / SETEMBRO 2013

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Em prol da exegese ora exposta, deve ser levado em conta, ainda,


que o MEP, na qualidade de critério contábil de avaliação de investimento, não
sofreu alteração em virtude da edição das Leis 11.638/2007 e 11.941/2009.
Com efeito, não se pode perder de vista que as alterações promovidas no art. 248
da Lei 6.404/1976 trataram, exclusivamente, das hipóteses em que o
contribuinte deve avaliar os seus investimentos em participações societárias por
meio do MEP. Dito de outro modo, as Leis 11.638/2007 e 11.941/2009
ampliaram o leque de investimentos sujeitos ao MEP, sem, contudo, alterarem a
essência deste critério de avaliação.

Tanto é assim que as regras contábeis atinentes ao MEP mantêm


inalterada a sua estrutura conceitual, que consiste em refletir, no balanço
patrimonial da sociedade investidora, o percentual de sua participação no
patrimônio líquido da investida. Nesse sentido, recorde-se que, no que tange aos
investimentos avaliados pelo MEP, as Leis 11.638/2007 e 11.941/2009
alteraram apenas os art. 243 e 248 da Lei 6.404/1976, enquanto que a Instrução
CVM nº 469/2008 alterou apenas os art. 5º e 16 da Instrução CVM 247/1996, de
tal sorte que os demais preceitos insertos em tais atos normativos permanecem
em vigor.

Assim, no que diz respeito à forma de aplicação do MEP, permanece


em vigor o disposto no art. 9º da Instrução CVM 247/1996, a seguir transcrito:

“Art. 9º - O valor do investimento, pelo método da equivalência


patrimonial, será obtido mediante o seguinte cálculo:

I - aplicando-se a percentagem de participação no capital social


sobre o valor do patrimônio líquido da coligada e da controlada; e

II - subtraindo-se, do montante referido no inciso I, os lucros não


realizados, conforme definido no § 1º deste artigo, líquidos dos
efeitos fiscais”.

Reforçando a assertiva acima, o Pronunciamento Técnico CPC 18


também mantém incólume a estrutura conceito do MEP, como se pode
depreender do seguinte trecho:

14
São Paulo / SETEMBRO 2013

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“É o método de contabilização por meio do qual o investimento é


inicialmente reconhecido pelo custo e posteriormente ajustado
pelo reconhecimento da parte do investidor nas alterações dos
ativos líquidos da investida” 11.

O rápido bosquejo que acabou de ser feito revela que o MEP mantém
a sua estrutura conceitual intacta, na medida em que as Leis 11.638/2007 e
11.941/2009 somente ampliaram o rol de investimentos sujeitos a este critério
de avaliação. Em outros termos, significa dizer que essas leis não introduziram
um novo mecanismo contábil de avaliação de investimentos, cujos efeitos no
reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro
líquido do exercício deverão ser expurgados no âmbito do RTT.

Consolida-se, pois, a compreensão de que, no rigor dos fatos, a


legislação tributária faz mera remissão ao art. 248 da Lei 6.404/1976, de modo
que a sociedade investidora deve seguir as novas regras societário-contábeis
para determinar quais investimentos devem, ou não, ser avaliados com base no
MEP, independentemente do RTT.

A questão, entretanto, não é pacífica. Caminho diverso foi trilhado


por Tatiana Lopes em artigo doutrinário a propósito do tema, no qual verbera
que, para fins fiscais, as sociedades devem utilizar o MEP em conformidade com
o conceito vigente em 31.12.2007, que tratava apenas dos investimentos
relevantes em controladas e coligadas. Veja-se:

“Voltando para a legislação fiscal, no RIR/1999 persiste o conceito


contábil vigente até 2007, ou seja, para ser avaliado pelo método
da equivalência patrimonial, o investimento deve ser relevante, em
coligada ou controlada, cuja administração tenha influência ou
que participe com 20% ou mais do capital. Logo, é possível concluir
que alguns investimentos podem apresentar classificação distinta

11 No mesmo sentido, conferir a definição trazida pela Resolução CFC nº 1424, de


25.01.2013: “Método da equivalência patrimonial é o método de contabilização por meio
do qual o investimento é inicialmente reconhecido pelo custo e, a partir daí, é ajustado
para refletir a alteração pós-aquisição na participação do investidor sobre os ativos
líquidos da investida. As receitas ou as despesas do investidor incluem sua participação
nos lucros ou prejuízos da investida, e os outros resultados abrangentes do investidor
incluem a sua participação em outros resultados abrangentes da investida”.

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São Paulo / SETEMBRO 2013

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para fins contábeis e fiscais, ou seja, podem apresentar valores


diferentes, em decorrência da aplicação de métodos de avaliação
diferentes. Para exemplificar a situação acima, cita-se o caso de
uma empresa que possua 5º do capital votante de outra, sobre a
qual exerça influência significativa. Tal empresa é considerada
como uma coligada para fins contábeis, mas não o é para fins
fiscais”. 12

Dessa forma, na opinião da autora, durante a vigência do RTT, a


sociedade investidora somente deve utilizar o MEP para a avaliação de
investimentos relevantes em: (i) sociedades controladas; e (ii) sociedades
coligadas sobre cuja administração a investidora tenha influência, ou de que
participe com 20% (vinte por cento) ou mais do capital social.

Ainda que não tenha detalhado os argumentos que justificam a sua


posição, a interpretação perfilhada por Tatiana Lopes parece estar baseada na
premissa de que a alteração do MEP corresponde a um critério societário-
contábil de avaliação de investimentos. Sendo assim, por se tratar de um método
de avaliação que foi ampliado durante o processo de harmonização das regras
contábeis brasileiras aos padrões internacionais, a mens legis atinente à
neutralidade tributária reclamaria que, para fins de tributação, o contribuinte
somente avaliasse pelo MEP os investimentos que atendessem às condições
previstas na redação original do art. 248 da Lei 6.404/1976, vigente em
31.12.2007, antes da entrada em vigor da Lei 11.638/2007.

Com a devida vênia ao entendimento da autora, acreditamos que a


linha de raciocínio exposta acima deve ser vista com temperança, eis que não
confere à matéria a melhor solução. Afinal de contas, afirmamos anteriormente –
e agora reiteramos – ser incontroverso que o MEP, enquanto método de
avaliação de investimento, não foi alterado no processo de harmonização
contábil. É certo que as Leis 11.638/2007 e 11.941/2009 ampliaram o rol de
investimentos sujeitos ao MEP, mas a sua essência permanece absolutamente

12LOPES, Tatiana. “Ganho de Capital versus Nova Equivalência Patrimonial”. In:


Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos). 3º Volume. Coord.
Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, 2012, p.
362.

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São Paulo / SETEMBRO 2013

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intacta. Vale dizer, o MEP permanece como um mecanismo para aferir, sob a
perspectiva contábil, a participação societária da pessoa jurídica investidora no
patrimônio líquido da investida.

A despeito das considerações precedentes, não se ignora que, pelo


menos em tese, poder-se-ia argumentar que a utilização do MEP, para a
avaliação de um investimento que antes estava sujeito ao método do custo,
poderá provocar efeito tributário significativo no momento do reconhecimento
de eventual ganho ou perda de capital, o que justificaria a aplicação do RTT. Com
isso, seria possível defender que a aplicação do MEP deve ficar restrita aos
investimentos que preencham as características e condições insertas no art. 384
do RIR/99, em linha com as práticas contábeis vigentes em 31 de dezembro de
2007.

Outro aspecto de relevo a ser examinado diz respeito ao alcance do


art. 46 da Lei 11.941/2009, segundo o qual o novo conceito de sociedade
coligada, introduzido no art. 243 da Lei 6.404/1976, somente será utilizado para
os propósitos previstos naquela lei. Veja-se:

“Art. 46. O conceito de sociedade coligada previsto no art. 243 da


Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com a redação dada por
esta Lei, somente será utilizado para os propósitos previstos
naquela Lei”.

Parágrafo único. Para os propósitos previstos em leis especiais,


considera-se coligada a sociedade referida no art. 1.099 da Lei no 10.406, de 10
de janeiro de 2002 - Código Civil.

Como se nota, o preceito legal acima restringe a aplicação do novo


conceito de sociedade coligada aos propósitos prenunciados pela Lei
6.404/1976. Assim, para os fins previstos em leis especiais, deve-se utilizar o
conceito de coligada constante do art. 1.099 do Código Civil, o qual, em linhas
gerais, assemelha-se ao antigo conceito previsto na redação primitiva do próprio
art. 243 da Lei 6.404/1976, segundo o qual se considera coligada a sociedade de
cujo capital a investidora participa com 10% ou mais, sem controlá-la.

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São Paulo / SETEMBRO 2013

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À primeira vista, o art. 46 da Lei 11.941/2009 poderia levar ao


entendimento de que o novo conceito de sociedade coligada somente deve ser
utilizado para fins de elaboração das demonstrações financeiras consolidadas, de
acordo com os padrões contábeis internacionais. Isso porque, como a lei
tributária é especial, poder-se-ia sustentar a conservação do conceito de
coligada previsto no art. 1099 do Código Civil.

Sucede que a exegese preconizada acima esbarra no fato de que o


art. 21 do Decreto-lei 1.598/1977 faz remissão expressa ao art. 248 da Lei
6.404/1976, confirmando que o legislador tributário acolheu tal instituto na
forma concebida pelo legislador societário.

Na remissão legislativa, o conteúdo da norma jurídica remetida é


incorporado pela norma de remissão. A propósito, vem a bom termo a lição de
Kildare Gonçalves Carvalho, no sentido de que “há remissão quando um texto
legislativo (a chamada norma de remissão) refere-se a outra ou outras
disposições de tal forma que o seu conteúdo deva considerar-se como parte da
disposição que inclui a norma de remissão. O conteúdo do objeto da remissão se
integra à norma de remissão, incorpora-se a ela por assim dizer” 13. Assim, por
meio da remissão legislativa, o legislador faz alusão ao conteúdo de outra norma
jurídica, seja para incorporar determinado instituto, conceito ou forma, seja para
submeter determinada relação jurídica à disciplina instituída pela norma
remetida.

A essa altura, parece haver ficado bem assentado que o legislador


tributário fez menção a um instituto jurídico que possui disciplina normativa
própria no âmbito do direito societário (MEP), com o objetivo de incorporá-lo à
legislação tributária. Em consequência, é evidente que a ressalva incluída no art.
46 da Lei 11.941/2009, que manteve o conceito de coligada do Código Civil para
as leis especiais, não tem o condão de afastar a remissão externa e direta feita
pelo legislador tributário.

13CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa. 4ª Edição. Belo Horizonte: Del


Rey, 2007, pp. 119-120.

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São Paulo / SETEMBRO 2013

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Superado esse ponto, cabe, agora, examinar como o intérprete deve


proceder nos casos em que a norma remetida é alterada ou revogada por
legislação superveniente 14.

Não se perca de vista, de início, que a remissão pode ser


compreendida de forma estática ou dinâmica. Na remissão estática, a norma
remetida deverá ser interpretava de acordo com a sua redação vigente à época
da edição da norma de remissão. Assim, presume-se que o legislador procurou
incorporar, em caráter definitivo, o conteúdo original da norma jurídica
remetida, independentemente da possibilidade de sua posterior modificação.
Por outro ângulo, na remissão dinâmica, a norma remetida deverá ser
interpretada à luz de sua redação e de seu conteúdo atual, com a observância de
eventuais alterações promovidas por veículos legislativos supervenientes.

Ocorre que, vez ou outra, não é tarefa fácil determinar se o


legislador pretendeu se vincular ao conteúdo original da norma, ou se, ao
contrário, pretendeu exercer apenas um juízo de igualdade entre duas situações,
de modo que a alteração promovida na norma jurídica remetida também
produziria efeito em relação à situação disciplinada pela norma de remissão.

De início, cabe ao intérprete, à luz da atividade de interpretação,


verificar se o conteúdo original da norma remetida foi, ou não, aprisionado pelo
legislador tributário 15.

Caso essa verificação reste estéril ou infrutífera, deve-se privilegiar


a remissão dinâmica. Isso é assim porque não se pode privilegiar viés
interpretativo que conduza a um texto legal perpétuo, absolutamente imutável e

14 Como relembra Gilmar Mendes: “A remissão pura e simples a disposições constantes de


outra lei pode preparar dificuldades adicionais, uma vez que, em caso de revogação ou
alteração do texto a que se faz referência, subsistirá, quase inevitavelmente, a dúvida
sobre o efetivo conteúdo da norma”. (MENDES, Gilmar. “Questões Fundamentais de
Técnica Legislativa”. In: Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado n. 11. Salvador:
IBDP, 2007, p. 18).
15 Seguindo Karl Larenz, “o sentido e o alcance de uma remissão ou restrição hão-de

inferir-se em cada caso do contexto e do escopo da lei, e delimitar-se em conformidade


com estes”. (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6ª Edição. Tradução: José
Lamengo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 369).

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inalterável, o que contraria frontalmente a sua função precípua de disciplinar a


vida de uma sociedade em constante transformação 16. Anote-se que a
estabilidade do ordenamento jurídico não pode ser confundida com a sua
imutabilidade. A realidade social está em constante evolução e as normas
jurídicas não podem permanecer alheias a essa situação. Dessa forma, salvo se a
interpretação contextual indicar que o legislador pretendeu se enclausurar na
redação original da norma remetida, o exegeta deve privilegiar a compreensão
dinâmica da norma de remissão.

Há outro importante argumento a amparar a interpretação


dinâmica. É que, se o legislador pretende manter aplicável uma norma revogada,
não há dúvida de que deve dizê-lo expressamente 17, em respeito à segurança
jurídica e à certeza do direito. Assim, para que o texto legal revogado continue
aplicável como se vigente fosse, é necessário que outro dispositivo de lei
expressamente o preveja, na medida em que, como regra geral, a lei revogada é
expelida do sistema, interrompendo o curso de sua vigência. Logo, caso o
legislador pretenda refrear esse efeito em relação à determinação situação, é
certo que deverá deixar claro o seu intento. Além disso, relembre-se que a
interpretação estática pode trazer inúmeras dificuldades práticas relacionadas à
determinação e ao cumprimento do regime jurídico em vigor à época da edição
da norma de remissão, a qual poderá ser incompatível com a evolução e a
adaptação do ordenamento jurídico às novas exigências sociais.

16 Neste sentido, leciona José Dias Marques: "A remissão diz-se estática ou material
quando é feita para certa norma, em atenção ao seu conteúdo; e diz-se dinâmica ou
formal quando é feita para certa norma, em atenção apenas ao facto de ser aquela que,
em certo momento, regula determinada matéria, aceitando-se o conteúdo, ainda que
posteriormente alterado, da norma remetida. Por regra, a remissão legal é dinâmica ou
formal. Depõem, neste sentido, as razões de fundo que justificam a existência de normas
remissivas, a economia de textos e a igualdade de institutos e soluções”. (MARQUES, José
Dias. Introdução ao Estudo do Direito. Lisboa: Pedro Ferreira, 1979, p.199).
17 A título de curiosidade, relembre-se que o ordenamento jurídico brasileiro apenas

admite a repristinação expressa, como se depreende da cláusula “salvo disposição em


contrário”. Neste sentido, conferir o parágrafo 3º do art. 2º da antiga Lei de Introdução
do Código Civil (Decreto-Lei 4.657/1942), hoje Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro (Lei 12.376/2010): “§ 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se
restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

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São Paulo / SETEMBRO 2013

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Seguindo adiante nessa linha de raciocínio, é interessante salientar


que, se a doutrina privilegia a compreensão dinâmica das normas de remissão,
como visto acima, é razoável concluir que o legislador deve ser expresso e
categórico quando, por qualquer razão, decidir incorporar o conteúdo estático
da norma remetida.

Sabe-se que a Lei Complementar 95/1998 estabelece que as


disposições normativas devem ser redigidas com clareza, precisão e ordem
lógica. Ocorre que a referida lei não disciplina exaustivamente o procedimento a
ser adotado pelo legislador em caso de remissão, limitando-se a estabelecer, em
seu artigo 11, inciso II, alínea “g”, que, para a obtenção de precisão, o legislador
deve “indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as
expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes”.

Apesar disso, considerando a necessidade geral de clareza e precisão


enunciada pelo art. 11 da aludida Lei Complementar, é certo que, caso decida
afastar-se dos ditames preconizados pela doutrina, o legislador ordinário deve
procurar fixar expressamente o seu intuído de garantir a eterna imutabilidade
da norma de remissão.

Com esse pano de fundo, pode-se assentar que a avaliação de


investimentos por meio do MEP deve seguir as novas regras contábeis e
societárias.

Seja como for, cabe anotar que não se pode descartar a possibilidade
de adoção de entendimento diverso por parte da Administração Tributária, no
sentido de que a aplicação do MEP deve ficar restrita aos investimentos que
preencham as características e condições constantes do art. 21 do Decreto-lei
1.598/1977 e do art. 384 do RIR/99, que reproduzem as práticas contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007.

Nessa esteira, vale recordar que, em contextos distintos, a utilização


do MEP para fins tributários, para a avaliação de investimento em participação
societária que não estava sujeita a sua aplicação por parte do contribuinte, foi
objeto de questionamento por parte das autoridades fiscais, como se pode
verificar dos seguintes julgados:

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“EQUIVALÊNCIA PATRIMONIAL. Só se pode admitir sua exclusão


do lucro líquido quando existem investimentos relevantes”.
(acórdão n. 108-05.964, de 25.1.2000, da 8ª Câmara do antigo
Primeiro Conselho de Contribuintes).

“GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE INVESTIMENTOS. A


reduzida participação no capital social da empresa investida e a
ausência de controle não autorizam a aplicação do método da
equivalência patrimonial, devendo o ganho de capital ser
determinado segundo o valor do capital social da investida e o
preço pago na alienação do investimento”. (acórdão n. 107-07.680,
de 16.6.2004, da 7ª Câmara do antigo Primeiro Conselho de
Contribuintes).

Os julgados acima são relevantes para o exame da questão, pois


evidenciam que a Administração Tributária leva em consideração a
obrigatoriedade, ou não, de utilização do MEP por parte do contribuinte, para
efeito de determinação de eventuais efeitos tributários. Em consequência, caso
utilize o MEP em hipótese não contemplada pela lei, o contribuinte poderá vir a
ser questionado pelo fisco em eventual procedimento de fiscalização.

De qualquer forma, reputamos que os precedentes acima não


alcançam os contribuintes que observarem a redação atual da Lei 6.404/1976,
com redação dada pela Lei 11.941/2009. Isso porque, a legislação tributária faz
remissão dinâmica ao art. 248, ao passo que o MEP, enquanto método de
avaliação de investimento, não sofreu alteração de conteúdo, mas, sim, mera
ampliação de suas hipóteses originais de cabimento, o que obsta a aplicação do
RTT.

4. O patrimônio líquido da sociedade investida e a reedição do


resultado apurado pela pessoa jurídica investidora com base no MEP

Com a introdução das novas regras contábeis, é provável que o


patrimônio líquido da sociedade investida venha a sofrer variações
significativas, em virtude das mudanças nas formas de reconhecimento e de
mensuração das transações. Neste cenário, considerando que o resultado
(positivo ou negativo) do MEP é baseado no valor do patrimônio líquido da
investida, refletido no seu balanço patrimonial, é inegável que a sociedade

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São Paulo / SETEMBRO 2013

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investidora também terá o valor do seu investimento impactado ao aplicar o seu


percentual de participação societária sobre o patrimônio líquido da investida.

Em princípio, essa equivalência patrimonial reflexa não deve causar


impacto tributário para a investidora, na medida em que o resultado do MEP é
considerado neutro para fins fiscais, nos termos do art. 389 do RIR/99 18. Assim,
como regra geral, o resultado positivo do MEP deve ser excluído e o resultado
negativo deve ser adicionado ao lucro contábil, para fins de determinação do
lucro real e da base de cálculo da CSLL.

Ocorre que, conforme visto acima, no caso de alienação ou


liquidação de investimento avaliado pelo MEP, o art. 426 do RIR/99 dispõe que o
valor contábil para determinar o ganho ou perda de capital será representado
pelo valor do patrimônio líquido da sociedade investida, acrescido do ágio ou
deságio registrado na aquisição do investimento 19.

18 “Art. 389. A contrapartida do ajuste de que trata o art. 388, por aumento ou redução
no valor de patrimônio líquido do investimento, não será computada na determinação
do lucro real (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 23, e Decreto-Lei nº 1.648, de 1978,
art. 1º, inciso IV).
§ 1º. Não serão computadas na determinação do lucro real as contrapartidas de ajuste
do valor do investimento ou da amortização do ágio ou deságio na aquisição de
investimentos em sociedades estrangeiras coligadas ou controladas que não funcionem
no País (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 23, parágrafo único, e Decreto-Lei nº 1.648,
de 1978, art. 1º, inciso IV).
§ 2º. Os resultados da avaliação dos investimentos no exterior pelo método da
equivalência patrimonial continuarão a ter o tratamento previsto nesta Subseção, sem
prejuízo do disposto no art. 394 (Lei nº 9.249, de 1995, art. 25, § 6º)”.
19 “Art. 426. O valor contábil para efeito de determinar o ganho ou perda de capital na

alienação ou liquidação de investimento em coligada ou controlada avaliado pelo valor


de patrimônio líquido (art. 384), será a soma algébrica dos seguintes valores (Decreto-
Lei nº 1.598, de 1977, art. 33, e Decreto-Lei nº 1.730, de 1979, art. 1º, inciso V):
I - valor de patrimônio líquido pelo qual o investimento estiver registrado na
contabilidade do contribuinte;
II - ágio ou deságio na aquisição do investimento, ainda que tenha sido amortizado na
escrituração comercial do contribuinte, excluídos os computados nos exercícios
financeiros de 1979 e 1980, na determinação do lucro real;
III - provisão para perdas que tiver sido computada, como dedução, na determinação
do lucro real, observado o disposto no parágrafo único do artigo anterior”.

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São Paulo / SETEMBRO 2013

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Neste contexto, emerge a questão a respeito da influência das novas


regras contábeis e dos ajustes relativos ao RTT na apuração do valor do
patrimônio líquido a ser considerado pela investidora, para fins de aplicação do
MEP.

Em resumo, a dúvida consiste em saber se a investidora deverá


levar em consideração, para efeito de aplicação do MEP: (i) o valor do
patrimônio líquido da investida em sua acepção societária, apurado de acordo
com as novas regras contábeis; ou (ii) o valor do patrimônio líquido apurado
pela investida para fins tributários e refletido no FCONT, em consonância com as
regras contábeis vigentes em 31.12.2007.

Antecipamos nosso ponto de vista, segundo o qual o patrimônio


líquido a ser considerado para o cálculo do MEP é aquele apurado nas
demonstrações financeiras, em consonância com as novas regras contábeis. Cabe
expor, a seguir, os argumentos que nos levam a assim considerar.

Em primeiro lugar, é preciso salientar que os ajustes determinados


pelas novas regras contábeis impactaram exclusivamente o patrimônio líquido
da investida, que serviu de base para o MEP. Assim, o efeito provocado no
balanço patrimonial da investidora, por ocasião da atualização do valor de seu
investimento, é mero reflexo do impacto causado pelas novas regras contábeis
no patrimônio líquido da investida.

Em termos práticos, isso significa que não se está diante de um


impacto direto das novas regras contábeis nos resultados da investidora. Ao
revés, trata-se de mero reflexo dos efeitos que as novas regras contábeis
provocaram no patrimônio líquido da investida.

Em vista disso, impõe-se reconhecer que não se trata de um novo


critério contábil adotado pela sociedade investida, para fins de reconhecimento
de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido contábil.
Ora, é justamente por não envolver um novo critério contábil adotado pela
sociedade investida que a situação em pauta não está abrangida pela
neutralidade tributária preconizada pelo RTT.

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São Paulo / SETEMBRO 2013

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Em segundo lugar, recorde-se que o MEP não sofreu nenhuma


alteração na sua fórmula de cálculo. Para a investidora, o resultado do MEP
continua sendo reconhecido com base na variação do patrimônio líquido da
investida, o que não foi objeto de qualquer alteração com a edição das Leis
11.638/2007 e 11.941/2009, a ser neutralizada no âmbito do RTT.

De fato, mesmo sob o risco de soar redundante, permitimo-nos


insistir que, para a sociedade investidora, o MEP continua refletindo o
percentual de sua participação no patrimônio líquido da investida. Assim,
conquanto as novas regras contábeis tenham impacto o patrimônio líquido da
investida, o efeito verificado na sociedade investidora representa mero reflexo.

Nessa linha, é fácil perceber que as informações contábeis da


investida são fatos, que devem ser utilizados pela investidora para fins de
cálculo do MEP. Os critérios de reconhecimento do MEP não sofreram alteração.
O que mudou foram os fatos, os números registrados pela sociedade investida.
Assim, cabe à sociedade investidora tão somente utilizar o balanço patrimonial e
a demonstração das mutações do patrimônio líquido (DMPL) da sociedade
investida para registrar o seu reflexo na sua conta de investimento.

A exegese ora advogada foi perfilhada, diga-se de passagem, por


Luís Eduardo Schoueri e Vinicius Feliciano Tersi, em artigo doutrinário a
respeito do tema. Ouçamo-los:

“(...) as informações contábeis da coligada ou controlada são, para a


investidora ou controladora, fatos, em cima dos quais cabe à última aplicar seus
critérios contábeis de registro. Os critérios contábeis do registro da equivalência
patrimonial não mudaram com a Lei 11.637/2008. O que mudou foram os fatos
(os números da controlada ou coligada); à investidora, cabe, como antes daquela
lei, tomar aqueles números e registrar seus reflexos em seu patrimônio” 20.

20SCHOUERI, Luís Eduardo; TERSI, Vinicius Feliciano. “As Inter-relações entre a


Contabilidade e o Direito: atender ao RTT significa obter neutralidade tributária”. In:
Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos). 2º volume. Coord.
Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, 2011, p.
134.

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São Paulo / SETEMBRO 2013

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Em terceiro lugar, recorde-se que os art. 15 e 16 da Lei 11.941/2009


restringiram o alcance da neutralidade fiscal, revertendo apenas as inovações
contábeis que “modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e
despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício”. Assim, não seria
possível estender a neutralidade tributária proclamada pelo RTT às contas
patrimoniais e ao próprio conceito de patrimônio líquido, uma vez que, no
Brasil, os ajustes fiscais são feitos diretamente no lucro líquido apurado na
contabilidade, mantendo-se intocado o conteúdo das contas de balanço.

Nesse particular, é preciso afastar, de forma definitiva, a equivocada


ideia de que existem dois balanços patrimoniais, bem como dois patrimônios
líquidos passíveis de utilização pela sociedade investidora: um para fins
societários e outro para fins tributários. Não é à toa que o item 56.9 da Exposição
de Motivos que acompanhou a Medida Provisória 449/2009, convertida na Lei
11.941/2009, dispõe que a escrita contábil deve observar unicamente a
legislação comercial. A lei não prevê a elaboração de um balanço patrimonial
para fins tributários, o que nos permite concluir que há somente um patrimônio
líquido, que deve ser apurado pelo contribuinte de acordo com os métodos e
critérios contábeis vigentes.

Compartilhando da mesma visão, Elidie Palma Bifano afirma, com


precisão rigorosa, que a lei tributária não prevê um “balanço fiscal”. Eis a lição da
autora:

“Embora o FCONT observe os padrões contábeis de escrituração


(partidas dobradas, contas patrimoniais e de resultado), seus
registros não correspondem a uma demonstração financeira, nem
a um ‘balanço fiscal’, nem a lei assim o determinou. A
demonstração do FCONT não se confunde com as demonstrações
financeiras determinadas pelo Banco Central do Brasil para as
instituições financeiras, nem tampouco com aquelas determinadas
pela Superintendência de Seguros Privados para as entidades por
ela reguladas. (...) No sistema jurídico brasileiro só há um balanço,
aquele que determina o lucro societário, objeto de partição para os
sócios. (...) É de suma importância que se afirme e reafirme a
inexistência de um balanço fiscal (...)” 21.

21BIFANO, Elidie Palma. “As novas normas de convergência contábil e seus reflexos
para os contribuintes”. In: Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e
Distanciamentos). 2º volume. Coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel
Lopes. São Paulo: Dialética, 2011, p. 58.

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Por último, cabe destacar que a sociedade investidora não dispõe de


elementos para ajustar o balanço patrimonial da sociedade investida às normas
contábeis vigentes em 2007, com o objetivo de reeditar o resultado do MEP no
FCONT. Por igual forma, a sociedade investidora, como regra geral, não tem
poder para exigir que a sociedade investida divulgue os ajustes efetuados para
atendimento das novas regras contábeis, salvo quando existir poder de controle
ou controle comum. Em outras situações, ainda que a sociedade investida possa
fornecer espontaneamente as informações relativas aos ajustes realizados para
atendimento das novas regras contábeis, é forçoso reconhecer que não há norma
legal que a obrigue a tanto, o que pode tornar impossível a reedição do MEP pela
investidora.

Afinal, a sociedade investidora geralmente tem acesso ao balanço


patrimonial e às demonstrações financeiras prontas, sem as informações
necessárias para reverte-las ao padrão contábil anterior. Além disso, as notas
explicativas não evidenciam, com detalhes, todos os ajustes efetuados pela
sociedade para atendimento às novas regras contábeis.

Neste contexto, poder-se-ia argumentar que a sociedade investidora


pode solicitar o FCONT elaborado pela sociedade investida, no âmbito do RTT.

Embora a solicitação seja virtualmente possível, cabe destacar que o


FCONT assemelha-se a simples memória de cálculo utilizada para detalhar os
ajustes que serão realizados no LALUR. Assim, o FCONT não contempla a
totalidade das transações da pessoa jurídica, como um balanço patrimonial. Por
isso, mesmo com o balanço patrimonial da investida e o FCONT, a sociedade
investidora pode enfrentar certa dificuldade para recompor o patrimônio líquido
anterior e, posteriormente, reeditar o resultado do MEP. Como se não bastasse
essa dificuldade prática, é assente não há preceptivo legal que obrigue a
sociedade investidora a adotar esse custoso procedimento, bem como que force
a sociedade investida a divulgar as suas informações fiscais para os investidores,
como o seu FCONT.

Assentado esse ponto, deve-se examinar, mais de perto, o teor do


art. 21, inciso II, do Decreto-lei 1.598/1977, segundo o qual, na hipótese de
ausência de uniformidade entre os critérios contábeis adotados pelas sociedades

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investida e investidora, esta deverá fazer os ajustes necessários para eliminar as


diferenças relevantes decorrentes da diversidade de critérios. Transcreve-se a
redação do texto legal:

“Art. 21. Em cada balanço o contribuinte deverá avaliar o


investimento pelo valor de patrimônio líquido da coligada ou
controlada, de acordo com o disposto no artigo 248 da Lei nº
6.404, de 15 de dezembro de 1976, e as seguintes normas:

II - se os critérios contábeis adotados pela coligada ou controlada e


pelo contribuinte não forem uniformes, o contribuinte deverá fazer
no balanço ou balancete da coligada ou controlada os ajustes
necessários para eliminar as diferenças relevantes decorrentes da
diversidade de critérios.”

À primeira vista, o inciso II do art. 21 do Decreto-lei 1.598/1977


poderia ser invocado para sustentar que a investidora deve ajustar o balanço da
controlada ou coligada, com o objetivo de eliminar as diferenças relevantes
decorrentes da diversidade de critérios.

Entretanto, salta aos olhos que o art. 21, II, do Decreto-lei


1598/1977 não tem o condão de alcançar a situação ora examinada, até porque,
à época de sua edição, o legislador tributário sequer cogitava os problemas
decorrentes do processo de harmonização contábil. Na realidade, o preceito
normativo em questão trata de situações em que a mesma ocorrência ou
transação pode ser registrada de formas diferentes na investida e na investidora,
tendo em vista que as regras contábeis vigentes previam diferentes opções de
contabilização.

Por fortes razões, parece-nos absolutamente improcedente invocar


o art. 21, II, do Decreto-lei 1.598/1977 para impor à sociedade investidora o
dever de expurgar os efeitos provocados pelas novas regras contábeis no
patrimônio líquido da investida, a fim de reeditar o cálculo do seu resultado
(positivo ou negativo) do MEP.

Por fim, é importante prevenir que a Receita Federal do Brasil (RFB)


parece seguir o entendimento de que patrimônio líquido deve ser apurado de
acordo com os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de

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2007. Essa posição pode ser inferida do Manual de Instruções de Preenchimento


da DIPJ 2012 22. Por conta disso, apesar de estarmos convencidos de que o MEP
deve refletir o patrimônio líquido apurado pela sociedade investida em suas
demonstrações financeiras contábeis (balanço patrimonial e DMPL), não se pode
deixar de registrar que o fisco acolhe entendimento diverso a respeito do tema.

5. Conclusões

O presente estudo empenhou-se em demonstrar que o RTT não tem


a abrangência necessária para garantir a observância da neutralidade tributária
em todas as situações concretas.

Nessa linha, considerando que a lei tributária não prevê um conceito


autônomo de MEP, limitando-se a fazer remissão direta e dinâmica ao art. 248
da Lei 6.404/1976, entendemos que a sociedade investidora deve seguir as
novas regras societárias para determinar quais investimentos devem, ou não, ser
submetidos ao MEP, independentemente do RTT.

Além disso, os ajustes determinados pelas novas regras contábeis


impactaram exclusivamente o patrimônio líquido da investida, que serviu de
base para o MEP. Assim, o efeito provocado no balanço patrimonial da
investidora é mero reflexo do impacto causado pelas novas regras contábeis no
patrimônio líquido da investida, o que não está abrangido pelo RTT.

Por fim, relembre-se que, para a investidora, o resultado do MEP


continua sendo reconhecido com base na variação do patrimônio líquido da
22“A sujeição ao RTT representa uma espécie de trava na legislação fiscal vigente em 31
de dezembro de 2007, em função do disposto no art. 16 da Lei nº 11.941, de 2009.
Sendo assim, as pessoas jurídicas precisam, durante o período em que estiverem
sujeitas ao RTT, ajustar a contabilidade societária para os métodos e critérios contábeis
vigentes naquela data.
Linha 07A/25 - Resultados Positivos em Participações Societárias
Para o preenchimento desta linha observar as instruções referentes à Linha 06A/25,
entretanto devem ser considerados os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de
dezembro de 2007.
A pessoa jurídica deve indicar, nesta linha: (...) b) os ganhos por ajustes no valor de
investimentos relevantes avaliados pelo método da equivalência patrimonial,
decorrentes de lucros apurados nas controladas e coligadas”.

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investida, o que não sofreu qualquer alteração a ser neutralizada no âmbito do


RTT. As informações contábeis da investida são fatos e, como tais, devem ser
utilizados pela investidora para fins de cálculo do MEP.

6. Bibliografia

ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da Norma Tributária. São Paulo:
MP Editora, 2006.

BIFANO, Elidie Palma. “As novas normas de convergência contábil e seus


reflexos para os contribuintes”. In: Controvérsias Jurídico-Contábeis
(Aproximações e Distanciamentos). 2º volume. Coord. Roberto Quiroga Mosquera
e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, 2011.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa. 4ª Edição. Belo Horizonte:


Del Rey, 2007.

FERNANDES, Edison Carlos. “Avaliação de Investimento: Aspectos Relevantes


para o Imposto sobre a Renda”. In: Imposto sobre a Renda e Proventos de
Qualquer Natureza. Coord. Ives Gandra da Silva Martins e Marcelo Magalhães
Peixoto. São Paulo: MP, 2006.

LAULETTA, Andrea Bazzo; NOVELLO, Guilherme Lautenschlaeger. “Os efeitos


tributários decorrentes das novas regras contábeis de depreciação”. In:
Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos). 2º volume.
Coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo:
Dialética, 2011.

LOPES, Tatiana. “Ganho de Capital versus Nova Equivalência Patrimonial”. In:


Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos). 3º Volume.
Coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo:
Dialética, 2012.

MARQUES, José Dias. Introdução ao Estudo do Direito. Lisboa: Pedro Ferreira,


1979.

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OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo:


Quartier Latin, 2008.

SCHOUERI, Luís Eduardo; TERSI, Vinicius Feliciano. “As Inter-relações entre a


Contabilidade e o Direito: atender ao RTT significa obter neutralidade
tributária”. In: Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e
Distanciamentos). 2º volume. Coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro
Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, 2011.

TORRES, Ricardo Lobo. “Interpretação e Integração da Lei Tributária”. In:


Interpretação e Aplicação da Lei Tributária. Coord. Hugo de Brito Machado. São
Paulo: Dialética; Fortaleza: ICET, 2010.

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