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OS SAUDÁVEIS E OS DELETÉRIOS CUSTOS DA TRANSPARÊNCIA

O Brasil passa por um momento de revolução nos negócios; e não me


refiro à crise econômica internacional, que iniciou pelo setor financeiro, mas que,
hoje, não tem mais foco individualizado; faço referência ao processo de
convergência da legislação brasileira às normas internacionais de contabilidade,
conhecidas pela sigla IFRS (International Financial Report Standards). Em 28
de dezembro de 2007, foi sancionada a Lei nº 11.638 – posteriormente alterada
pela Medida Provisória nº 449, de 4 de dezembro de 2008 – que, se não
incorporou, definitivamente, os padrões internacionais de registro e evidenciação
nas demonstrações financeiras, propiciou o respaldo legal para que as normas
brasileiras de contabilidade seguissem esse padrão. Assim como a crise
econômica internacional, os primeiros impactos da nova lei contábil foram
equivocadamente sentidos em um único setor de administração das empresas: o
departamento contábil; porém, agora, no momento em que as companhias abertas
publicam seus balanços e trazem ao conhecimento de toda a sociedade as
dificuldades dessa convergência de normas, surgem questões que demonstram a
necessidade de outros setores da empresa serem envolvidos no estudo e na
aplicação do padrão IFRS, como é o caso do departamento jurídico, de TI, fiscal,
comercial e outros.

Caso ainda haja empresários ou executivos que duvidem da necessidade


de uma estrita integração desses setores da empresa, a observância da Lei nº
11.638, de 2007, veio ser a prova cabal de que a escrituração comercial e a
elaboração das demonstrações financeiras não são atribuições que os
profissionais das ciências contábeis se dedicam de maneira isolada, quase como
eremitas. Esses profissionais são os responsáveis diretos pelas referidas
escrituração e elaboração dos documentos contábeis; no entanto, a interpretação
dos negócios realizados pela empresa, isto é, a investigação sobre a realidade

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econômica que está por trás da conduta empresarial envolve, inevitavelmente,
julgamento, para o qual devem ser convocados, além do contabilista, ao menos, o
advogado e o administrador. A adoção dos padrões contábeis internacionais,
nesse sentido, exige a integração de diversos profissionais da área administrativa
das empresas, sendo que tal integração, dada a anterior dissociação entre os
profissionais mencionados, demanda treinamento de parte a parte, tanto com
relação às tarefas específicas de cada departamento como referente ao trabalho
desenvolvido em equipe, de maneira interdisciplinar, portanto, faz-se necessário
uma coordenação com a visão do todo.

Corolário natural do que foi até aqui exposto é o aumento de custos


administrativos para a empresa, gerado em decorrência do cumprimento da Lei nº
11.638, de 2007, e sua regulamentação, dada pelos Pronunciamentos do Comitê
de Pronunciamentos Contábeis – CPC, órgão formado pela ABRASCA,
APIMEC Nacional, BOVESPA, Conselho Federal de Contabilidade, FIPECAFI
e IBRACON, cujo objetivo é “o estudo, o preparo e a emissão de
Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a
divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas
pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do
seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da
Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais” (de acordo com a
Resolução CFC nº 1.055/05). Tendo em mente que a adoção do padrão IFRS
visa, primordialmente, a fortalecer a divulgação das movimentações financeiras
das empresas de maneira o mais transparente possível, pode-se dizer que esses
novos gastos compõem o custo da transparência, medida, de certa forma,
positiva e desejada. Ocorre que, se a questão da convergência das normas
contábeis ficar restrita aos profissionais da contabilidade, em detrimento da sua
integração com as percepções jurídicas e fiscais desse processo, a busca pela
transparência acabará por gerar custos inúteis e indesejados para a empresa –
podendo, inclusive, colocar todo o projeto de adoção do padrão IFRS a perder.

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Aplicação do padrão contábil internacional

Ao tratar da avaliação e do registro dos direitos (ativos) e obrigações


(passivos) das empresas, a Lei nº 11.638, de 2007, com as alterações trazidas
pela Medida Provisória nº 449, alterou dispositivos da Lei nº 6.404, de 1976,
conhecida como a Lei das Sociedades por Ações (ou Sociedades Anônimas –
S.A.), o que pode, à primeira vista, induzir o empresário ou o executivo a um
equívoco, no sentido de acreditar que as normas internacionais de contabilidade,
no padrão IFRS, são destinadas tão somente às sociedades anônimas, estando as
demais figuras societárias, especialmente as sociedades limitadas, alheias à
convergência contábil. Logo de saída, o artigo 3º da Lei nº 11.638, de 2007,
estabelece que “aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não
constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404,
de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações
financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado
na Comissão de Valores Mobiliários” (as sociedades de grande porte são as
sociedades não revestidas sob a forma de S.A. que tiverem, no exercício social
anterior, ativo total superior a R$ 240 milhões ou faturamento anual superior a
R$ 300 milhões). Ainda assim, as sociedades limitadas desenquadradas
legalmente como sociedades de grande porte não estão excluídas da observação
dos novos padrões contábeis brasileiros.

No caso específico das sociedades limitadas, embora elas não tenham seu
estatuto jurídico previsto na Lei nº 6.404, de 1976, mas sim no Código Civil, é
certo que este último documento legal, em seu artigo 1.179, determina que “o
empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de
contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus
livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar
anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico”, sem se preocupar
em estabelecer algo mais detalhado que uma padronização contábil mínima,
restrita a alguns ativos (artigo 1.187 do Código Civil); devido à ausência de

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disciplina específica sobre contabilidade para as sociedades limitadas, devem ser
observados os dispositivos da Lei das Sociedades por Ações. Por outro lado, os
sócios quotistas podem, quando da elaboração do contrato social, prever a
regência supletiva da empresa pelas normas das sociedades anônimas (nos
termos do artigo 1.053 do Código Civil), obrigando a aplicação dos conceitos e
padrões contábeis previstos na Lei nº 6.404, de 1976, com as alterações
subsequentes. Ainda que assim não fosse, os relacionamentos comerciais e
financeiros podem, de uma forma ou de outra, representar a exigência de
cumprimento das práticas contábeis nos padrões internacionais (IFRS),
dependendo dos usuários das demonstrações financeiras, como, por exemplo:
participação de concorrência pública – o Poder Público, para efeito de garantir a
correta avaliação dos licitantes, pode vir a exigir que todos eles adotem o mesmo
padrão contábil, determinando o IFRS; concessão de empréstimos e
financiamentos – as instituições financeiras, privadas ou públicas, e os órgãos de
fomento, nacionais ou internacionais, públicos ou privados, também podem
exigir a análise das demonstrações contábeis elaboradas dentro dos padrões
internacionais; remuneração de investimento estrangeiro – o Banco Central do
Brasil, da mesma forma, pode autorizar a remessa de dividendos para o
investidor domiciliado no exterior até o limite dos lucros apurados com base na
aplicação das normas IFRS. Finalmente, deve-se atentar para o fato de que todos
os Pronunciamentos CPC foram deliberados e aprovados pelo Conselho Federal
de Contabilidade – CFC, o que vincula a sua observância por todos os
profissionais das ciências contábeis.

Portanto, as normas contábeis instituídas pela Lei nº 11.638, de 2007,


regulamentadas pelos Pronunciamentos CPC (que somam quatorze até março de
2009), são de observância compulsória a todas as empresas sediadas no Brasil,
independentemente do seu tipo societário. Além da adoção do padrão IFRS, as
sociedades caracterizadas como de grande porte também devem, a partir da
edição da referida lei, submeter suas demonstrações contábeis à auditoria
independente, por auditor registrado na CVM, e, eventualmente – de acordo com

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o que vier a decidir o Poder Judiciário –, divulgar essas demonstrações por meio
da publicação em diário oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal,
conforme o lugar em que esteja situada a sede da empresa, e em outro jornal de
grande circulação editado na localidade da sua sede (artigo 289 da Lei nº 6.404,
de 1976), que são custos inexistentes anteriormente à nova lei contábil. Para as
demais sociedades, os custos criados por essa nova lei contábil restringem-se
àqueles relacionados à capacitação dos profissionais envolvidos direta ou
indiretamente no registro das transações empresariais e na confecção das
demonstrações contábeis.

Novos paradigmas contábeis

A leitura e a aplicação dos dispositivos da Lei nº 11.638, de 2007, bem


como das diretrizes dadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC,
trazem à luz os novos paradigmas contábeis, frutos da convergência das práticas
brasileiras às práticas internacionais, especialmente, ao padrão IFRS. Desses
novos paradigmas, destaco dois que me parecem mais relevantes para uma
apresentação sumária da prática contábil internacional, e que são capazes de
justificar o aumento dos gastos das empresas com o aprimoramento do pessoal e
dos processos ligados às demonstrações financeiras, a saber: capacidade de
geração de caixa; primazia da substância sobre a forma. Esses dois elementos
resumem bem a profunda mudança implementada pela nova lei contábil na
elaboração, na leitura e na análise das demonstrações contábeis, em relação ao
que se produzia nessa área anteriormente à mencionada lei.

Capacidade de geração de caixa

Em minhas aulas de contabilidade para advogados, um dos pontos chaves


era demonstrar aos alunos – e convencê-los – de que não há relação direta entre o
montante de recursos em caixa e o seu resultado; em outras palavras, possuir
caixa não significa, necessariamente, que a empresa apurou lucro, e, vice-versa,

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não ter saldo disponível de recursos financeiros não significa que a empresa está
em prejuízo. Isso ocorre, basicamente, em razão da adoção do regime contábil da
competência, que pode ser assim definido: a receita correspondente a uma
determinada operação, juntamente com os respectivos custos e as respectivas
despesas, somente deve ser reconhecida contabilmente, e, portanto, registrada nas
demonstrações financeiras, quando a mesma operação estiver juridicamente
concluída; o que acontecerá quando ambas as prestações do negócio jurídico
forem adimplidas – numa compra e venda de bem móvel, por exemplo, a receita,
os custos e as despesas da operação serão registrados quando o vendedor entregar
o bem e o comprador pagar (à vista) ou prometer pagar (a prazo) o preço. Dessa
forma, o resultado da operação pode implicar a apuração de lucro, embora não
haja recursos financeiros em caixa, quando se tratar de venda a prazo.

A adoção das práticas internacionais de contabilidade no Brasil, por meio


da Lei n° 11.638, de 2007, e dos Pronunciamentos CPC não acarreta o abandono
do regime contábil de competência – portanto, a situação acima descrita se
mantém –, mas passa a exigir ajustes que privilegiam a geração de caixa da
empresa, e não apenas o resultado final (lucro). A justificativa para essa nova
postura – privilégio à geração de caixa – está expressamente apresentada no
Pronunciamento Conceitual Básico – Estrutura Conceitual para a Elaboração e
Apresentação das Demonstrações Contábeis do CPC, nos seguintes termos: “As
decisões econômicas que são tomadas pelos usuários das demonstrações
contábeis requerem uma avaliação da capacidade que a entidade tem para gerar
caixa e equivalentes de caixa, e da época e grau de certeza dessa geração. Em
última análise, essa capacidade determina, por exemplo, se a entidade poderá
pagar seus empregados e fornecedores, os juros e amortizações dos seus
empréstimos e fazer distribuições de lucros aos seus acionistas. Os usuários
poderão melhor avaliar essa capacidade de gerar caixa e equivalentes de caixa se
lhes forem fornecidas informações que focalizem a posição patrimonial e
financeira, o resultado e as mutações na posição financeira da entidade” (item
15). A seguir, comento alguns exemplos desses ajustes contábeis com vistas à

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avaliação da geração de caixa da empresa, os quais, invariavelmente, requerem
julgamento por parte da administração e do responsável pelas questões jurídicas
(interno ou externo) da empresa, em conjunto com o responsável pela
contabilidade; ao final restará clara a importância do treinamento desses
profissionais além da necessidade de uma atuação profissional integrada.

De acordo com o disposto no artigo 183, § 1° da Lei n° 6.404, de 1976,


com a redação dada pela nova lei contábil, os bens e direitos registrados no ativo
das empresas devem ser avaliados pelo valor justo (fair value), definido em razão
da natureza do bem e do direito, da seguinte forma: “das matérias-primas e dos
bens em almoxarifado, o preço pelo qual possam ser repostos, mediante compra
no mercado; dos bens ou direitos destinados à venda, o preço líquido de
realização mediante venda no mercado, deduzidos os impostos e demais despesas
necessárias para a venda, e a margem de lucro; dos investimentos, o valor líquido
pelo qual possam ser alienados a terceiros; dos instrumentos financeiros, o valor
que pode se obter em um mercado ativo, decorrente de transação não
compulsória realizada entre partes independentes”. A apresentação dos critérios
acima demonstra muito bem o ponto em que quero chegar: os registros contábeis,
e a contabilidade, de uma maneira geral, não é mais tarefa a ser desenvolvida por
um contabilista ermitão, que atue isoladamente dos demais profissionais da
empresa e da administração. No caso dos ativos (bens e direitos), há
envolvimento da área comercial (para determinar o valor do ativo), jurídica (para
garantir a comparação entre transações, especialmente no que diz respeito às
responsabilidades), contábil (naturalmente) e da administração da empresa, para
definir, em última palavra, o valor do registro contábil dos ativos.

Ainda com relação aos ativos, o artigo 183, VIII da comentada lei
estabelece o ajuste a valor presente (o que também se aplica aos passivos)1: “os
elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a

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Procedimento regulamentado pelo Pronunciamento CPC n° 12.

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valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante”. O
ajuste a valor presente – AVP requer, em primeiro lugar, avaliação quanto aos
ativos e passivos que devem ser ajustados, porque, por um lado, o contrato que
instrumentaliza o negócio jurídico pode ter cláusula prevendo expressamente a
incidência de juros, aplicados sobre o valor do contrato mensalmente, ou, por
outro, deve-se atentar para os limites jurídicos na cobrança de juros; além disso,
os profissionais das áreas financeira e comercial devem ser envolvidos, a fim de
determinar qual a base de juros para desconto, se for o caso; e, novamente, atuam
o contabilista e o administrador. Novamente, está-se diante de uma tarefa multi e
interdisciplinar.

Como último exemplo, para não estender demais este texto, cito o
teste de recuperação de ativos (impairment)2, previsto na mesma lei, em seu
artigo 183, § 3°: “A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise
sobre a recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível,
a fim de que sejam: I – registradas as perdas de valor do capital aplicado
quando houver decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a
que se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir
resultados suficientes para recuperação desse valor; ou II – revisados e
ajustados os critérios utilizados para determinação da vida útil econômica
estimada e para cálculo da depreciação, exaustão e amortização.” Agora já
deve estar fácil de perceber o envolvimento de profissionais de diversas
áreas da empresa, e não só administrativas como também de produção, no
registro contábil determinado pela adoção, pelo Brasil, das normas
contábeis internacionais. Inevitavelmente, as empresas deverão investir em
treinamento desses profissionais e em processos internos que criem
integração e sinergia entre eles.

2
Procedimento regulamentado pelo Pronunciamento CPC n° 1.

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Primazia da substância sobre a forma

Outro comentário que faço em minhas aulas refere-se ao fato de que tanto
a contabilidade como o direito, no que diz respeito aos negócios comerciais, são
duas formas de linguagem para descrever a atividade econômica que o
empresário deseja empreender. Nesses negócios, o início de tudo é a ideia do
empreendedor, a sua visão de como investir capital e colaborar com o
aprimoramento da comunidade local (seja na geração de empregos, na oferta de
produtos ou serviços úteis, ou, ainda, na apresentação de exemplo de padrão de
conduta). Essa ideia deverá, então, ser definida (descrita) juridicamente, haja
vista que existem diversos tipos de contrato aplicáveis para o desenvolvimento de
uma atividade econômica (modelos de negócio, distribuição de responsabilidade,
assunção de riscos; formas de remuneração); definida a relação contratual, as
suas transações financeiras serão registradas (escritas) na contabilidade buscando
demonstrar como se concretiza, em números, aquela atividade econômica
descrita juridicamente.

Consequencia imperiosa do caminho descrito acima (empreendedor –


direito – contabilidade) é a íntima relação das matérias e dos profissionais
envolvidos no negócio comercial. Ocorre que essa relação íntima, por diversas
razões que não cabe aqui comentar, foi deteriorada, a ponto de as novas práticas
contábeis sentirem a necessidade de relembrá-la, conforme outro trecho do
Pronunciamento Conceitual Básico cuja redação é a que segue: “Para que a
informação represente adequadamente as transações e outros eventos que ela se
propõe a representar, é necessário que essas transações e eventos sejam
contabilizados e apresentados de acordo com a sua substância e realidade
econômica, e não meramente sua forma legal. A essência das transações ou
outros eventos nem sempre é consistente com o que aparenta ser com base na sua
forma legal ou artificialmente produzida. Por exemplo, uma entidade pode
vender um ativo a um terceiro de tal maneira que a documentação indique a
transferência legal da propriedade a esse terceiro; entretanto, poderão existir

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acordos que assegurem que a entidade continuará a usufruir os futuros benefícios
econômicos gerados pelo ativo e o recomprará depois de um certo tempo por um
montante que se aproxima do valor original de venda acrescido de juros de
mercado durante esse período. Em tais circunstâncias, reportar a venda não
representaria adequadamente a transação formalizada” (item 35). A preocupação
do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, exposta nesse trecho, se
pertinente, traz à luz outra preocupação, porém, mais grave: a forma legal não
tem refletido, de maneira adequada, a realidade econômica pretendida pelo
empresário; nesse sentido, a visão empreendedora não está sendo bem descrita
juridicamente, o que não deveria estar acontecendo, mas que pode ser consertada
pela adoção das normas internacionais de contabilidade, consoante comentado a
seguir.

Reaproximação da contabilidade ao direito

A primazia da substância sobre a forma exige o estudo dos negócios


jurídicos firmados pela empresa, bem como um julgamento qualificado sobre a
realidade econômica que está por detrás dele. Ocorre que, como mencionado
anteriormente, a forma jurídica (legal) deve descrever de maneira adequada a
pretensão do empresário, de tal modo que os objetivos e os elementos do negócio
jurídico sejam criteriosamente definidos, dentre os quais destaco: o objeto do
contrato; as condições desse objeto; o valor do contrato; a responsabilidade entre
as partes; o reflexo desse negócio perante terceiros, sendo um dos principais a
Receita Federal do Brasil. Portanto, a adoção do padrão IFRS forçará a
adequação também dos contratos aos efetivos interesses e objetivos das
empresas3.

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Mais uma vez fica demonstrada a necessidade de o profissional da área jurídica se envolver
com as questões contábeis.

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E não se diga que a divergência entre a realidade econômica e a forma
jurídica pode simplesmente vir a anular o negócio, inviabilizando o objetivo e as
pretensões do empresário; isso porque, de acordo com a lei civil (artigos 167 e
170 do Código Civil), um negócio jurídico poderá ser desconsiderado,
subsistindo-se esse por outro negócio quando o fim a que visavam as partes
permitir supor que teriam querido essa segunda relação jurídica. Trata-se do
negócio dissimulado, ou seja, aquele que foi escondido, velado pela diferença
entre substância econômica e forma jurídica. Portanto, a definição do negócio a
ser desenvolvido, a sua roupagem jurídica e o seu registro contábil depende,
inescapavelmente, do administrador (empresário ou executivo), do advogado e
do contabilista.

A questão do negócio dissimulado interessa não só do ponto de vista da


relação comercial (objeto, valor, responsabilidade etc.), mas também do ponto de
vista do cumprimento da obrigação tributária (incidência de tributos). Nesse
sentido, destaco que todo o trabalho realizado para a adequação da contabilidade
às normas internacionais deverá ser revisto para fins tributários, pois as empresas
estão aderindo, ao mesmo tempo, ao Sistema Público de Escrituração Digital –
SPED, que tem o seu próprio padrão contábil. Esse é um custo para as empresas
que poderia ser evitado se as autoridades fiscais firmassem parceria com o
Comitê de Pronunciamentos Contábeis e estruturasse um plano de contas
contábil seguindo o padrão internacional; dessa forma, as empresas poderiam,
definitivamente, acabar com a duplicidade de relatórios contábeis: um para fins
societários e comerciais e outro para fins tributários.

Edison Carlos Fernandes, advogado militante, doutor em Direito,


especialista em legislação contábil e tributária, ex-membro do Conselho
de Contribuintes do Ministério da Fazenda, professor da FGV
(Contabilidade aplicada ao Direito) e da FIPECAFI (Direito tributário
comparado e internacional), e autor do único livro publicado sobre a
matéria: “Impacto da Lei nº 11.638/07 sobre os tributos e a
contabilidade” (Editora Atlas, 2009)

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