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econômica que está por trás da conduta empresarial envolve, inevitavelmente,
julgamento, para o qual devem ser convocados, além do contabilista, ao menos, o
advogado e o administrador. A adoção dos padrões contábeis internacionais,
nesse sentido, exige a integração de diversos profissionais da área administrativa
das empresas, sendo que tal integração, dada a anterior dissociação entre os
profissionais mencionados, demanda treinamento de parte a parte, tanto com
relação às tarefas específicas de cada departamento como referente ao trabalho
desenvolvido em equipe, de maneira interdisciplinar, portanto, faz-se necessário
uma coordenação com a visão do todo.
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Aplicação do padrão contábil internacional
No caso específico das sociedades limitadas, embora elas não tenham seu
estatuto jurídico previsto na Lei nº 6.404, de 1976, mas sim no Código Civil, é
certo que este último documento legal, em seu artigo 1.179, determina que “o
empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de
contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus
livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar
anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico”, sem se preocupar
em estabelecer algo mais detalhado que uma padronização contábil mínima,
restrita a alguns ativos (artigo 1.187 do Código Civil); devido à ausência de
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disciplina específica sobre contabilidade para as sociedades limitadas, devem ser
observados os dispositivos da Lei das Sociedades por Ações. Por outro lado, os
sócios quotistas podem, quando da elaboração do contrato social, prever a
regência supletiva da empresa pelas normas das sociedades anônimas (nos
termos do artigo 1.053 do Código Civil), obrigando a aplicação dos conceitos e
padrões contábeis previstos na Lei nº 6.404, de 1976, com as alterações
subsequentes. Ainda que assim não fosse, os relacionamentos comerciais e
financeiros podem, de uma forma ou de outra, representar a exigência de
cumprimento das práticas contábeis nos padrões internacionais (IFRS),
dependendo dos usuários das demonstrações financeiras, como, por exemplo:
participação de concorrência pública – o Poder Público, para efeito de garantir a
correta avaliação dos licitantes, pode vir a exigir que todos eles adotem o mesmo
padrão contábil, determinando o IFRS; concessão de empréstimos e
financiamentos – as instituições financeiras, privadas ou públicas, e os órgãos de
fomento, nacionais ou internacionais, públicos ou privados, também podem
exigir a análise das demonstrações contábeis elaboradas dentro dos padrões
internacionais; remuneração de investimento estrangeiro – o Banco Central do
Brasil, da mesma forma, pode autorizar a remessa de dividendos para o
investidor domiciliado no exterior até o limite dos lucros apurados com base na
aplicação das normas IFRS. Finalmente, deve-se atentar para o fato de que todos
os Pronunciamentos CPC foram deliberados e aprovados pelo Conselho Federal
de Contabilidade – CFC, o que vincula a sua observância por todos os
profissionais das ciências contábeis.
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o que vier a decidir o Poder Judiciário –, divulgar essas demonstrações por meio
da publicação em diário oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal,
conforme o lugar em que esteja situada a sede da empresa, e em outro jornal de
grande circulação editado na localidade da sua sede (artigo 289 da Lei nº 6.404,
de 1976), que são custos inexistentes anteriormente à nova lei contábil. Para as
demais sociedades, os custos criados por essa nova lei contábil restringem-se
àqueles relacionados à capacitação dos profissionais envolvidos direta ou
indiretamente no registro das transações empresariais e na confecção das
demonstrações contábeis.
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não ter saldo disponível de recursos financeiros não significa que a empresa está
em prejuízo. Isso ocorre, basicamente, em razão da adoção do regime contábil da
competência, que pode ser assim definido: a receita correspondente a uma
determinada operação, juntamente com os respectivos custos e as respectivas
despesas, somente deve ser reconhecida contabilmente, e, portanto, registrada nas
demonstrações financeiras, quando a mesma operação estiver juridicamente
concluída; o que acontecerá quando ambas as prestações do negócio jurídico
forem adimplidas – numa compra e venda de bem móvel, por exemplo, a receita,
os custos e as despesas da operação serão registrados quando o vendedor entregar
o bem e o comprador pagar (à vista) ou prometer pagar (a prazo) o preço. Dessa
forma, o resultado da operação pode implicar a apuração de lucro, embora não
haja recursos financeiros em caixa, quando se tratar de venda a prazo.
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avaliação da geração de caixa da empresa, os quais, invariavelmente, requerem
julgamento por parte da administração e do responsável pelas questões jurídicas
(interno ou externo) da empresa, em conjunto com o responsável pela
contabilidade; ao final restará clara a importância do treinamento desses
profissionais além da necessidade de uma atuação profissional integrada.
Ainda com relação aos ativos, o artigo 183, VIII da comentada lei
estabelece o ajuste a valor presente (o que também se aplica aos passivos)1: “os
elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a
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Procedimento regulamentado pelo Pronunciamento CPC n° 12.
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valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante”. O
ajuste a valor presente – AVP requer, em primeiro lugar, avaliação quanto aos
ativos e passivos que devem ser ajustados, porque, por um lado, o contrato que
instrumentaliza o negócio jurídico pode ter cláusula prevendo expressamente a
incidência de juros, aplicados sobre o valor do contrato mensalmente, ou, por
outro, deve-se atentar para os limites jurídicos na cobrança de juros; além disso,
os profissionais das áreas financeira e comercial devem ser envolvidos, a fim de
determinar qual a base de juros para desconto, se for o caso; e, novamente, atuam
o contabilista e o administrador. Novamente, está-se diante de uma tarefa multi e
interdisciplinar.
Como último exemplo, para não estender demais este texto, cito o
teste de recuperação de ativos (impairment)2, previsto na mesma lei, em seu
artigo 183, § 3°: “A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise
sobre a recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível,
a fim de que sejam: I – registradas as perdas de valor do capital aplicado
quando houver decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a
que se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir
resultados suficientes para recuperação desse valor; ou II – revisados e
ajustados os critérios utilizados para determinação da vida útil econômica
estimada e para cálculo da depreciação, exaustão e amortização.” Agora já
deve estar fácil de perceber o envolvimento de profissionais de diversas
áreas da empresa, e não só administrativas como também de produção, no
registro contábil determinado pela adoção, pelo Brasil, das normas
contábeis internacionais. Inevitavelmente, as empresas deverão investir em
treinamento desses profissionais e em processos internos que criem
integração e sinergia entre eles.
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Procedimento regulamentado pelo Pronunciamento CPC n° 1.
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Primazia da substância sobre a forma
Outro comentário que faço em minhas aulas refere-se ao fato de que tanto
a contabilidade como o direito, no que diz respeito aos negócios comerciais, são
duas formas de linguagem para descrever a atividade econômica que o
empresário deseja empreender. Nesses negócios, o início de tudo é a ideia do
empreendedor, a sua visão de como investir capital e colaborar com o
aprimoramento da comunidade local (seja na geração de empregos, na oferta de
produtos ou serviços úteis, ou, ainda, na apresentação de exemplo de padrão de
conduta). Essa ideia deverá, então, ser definida (descrita) juridicamente, haja
vista que existem diversos tipos de contrato aplicáveis para o desenvolvimento de
uma atividade econômica (modelos de negócio, distribuição de responsabilidade,
assunção de riscos; formas de remuneração); definida a relação contratual, as
suas transações financeiras serão registradas (escritas) na contabilidade buscando
demonstrar como se concretiza, em números, aquela atividade econômica
descrita juridicamente.
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acordos que assegurem que a entidade continuará a usufruir os futuros benefícios
econômicos gerados pelo ativo e o recomprará depois de um certo tempo por um
montante que se aproxima do valor original de venda acrescido de juros de
mercado durante esse período. Em tais circunstâncias, reportar a venda não
representaria adequadamente a transação formalizada” (item 35). A preocupação
do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, exposta nesse trecho, se
pertinente, traz à luz outra preocupação, porém, mais grave: a forma legal não
tem refletido, de maneira adequada, a realidade econômica pretendida pelo
empresário; nesse sentido, a visão empreendedora não está sendo bem descrita
juridicamente, o que não deveria estar acontecendo, mas que pode ser consertada
pela adoção das normas internacionais de contabilidade, consoante comentado a
seguir.
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Mais uma vez fica demonstrada a necessidade de o profissional da área jurídica se envolver
com as questões contábeis.
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E não se diga que a divergência entre a realidade econômica e a forma
jurídica pode simplesmente vir a anular o negócio, inviabilizando o objetivo e as
pretensões do empresário; isso porque, de acordo com a lei civil (artigos 167 e
170 do Código Civil), um negócio jurídico poderá ser desconsiderado,
subsistindo-se esse por outro negócio quando o fim a que visavam as partes
permitir supor que teriam querido essa segunda relação jurídica. Trata-se do
negócio dissimulado, ou seja, aquele que foi escondido, velado pela diferença
entre substância econômica e forma jurídica. Portanto, a definição do negócio a
ser desenvolvido, a sua roupagem jurídica e o seu registro contábil depende,
inescapavelmente, do administrador (empresário ou executivo), do advogado e
do contabilista.
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