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Prefácio

O mestrado profissional da FGV Direito SP está entre os primeiros – se


não for o primeiro – cursos de pós-graduação stricto sensu em Direito que
conta com uma disciplina relativa à Contabilidade (Finanças & Contabilidade).
A teoria, os princípios e a regulamentação contábil são estudados de maneira
interdisciplinar, vale dizer, não se trata de conceitos contábeis apresentados a
não contadores, mas de discussão de temas contábeis encontradas na prática
do Direito. Como as alunas e os alunos, candidatas e candidatos ao título de
mestre, constatam nos encontros dessa disciplina, a Contabilidade está muito
mais próxima do Direito do que nos faz parecer o curso de graduação. O
conteúdo dessa disciplina faz com que muitos trabalhos de conclusão, seja na
linha de negócios, de tributário, de Direito Público ou, até, de Direito Penal,
tragam a repercussão prática dos conceitos contábeis para a solução de
questões jurídicas. O trabalho de Ricardo Júlio Costa Oliveira se enquadra
nesses trabalhos.

Desde logo, como professor da disciplina Finanças & Contabilidade,


devo parabenizar o trabalho de Ricardo Oliveira e reconhecer que ele foi um
dos participantes mais dedicados durante o curso. Já nas aulas iniciais, ele
comentou comigo sobre o tema que pretendia desenvolver e percebi os olhos
dele brilharem, mostrando sua paixão pelo assunto. No decorrer do curso,
conversamos bastante a respeito da relação entre Direito e Contabilidade, e
não apenas como subsídios para a elaboração da sua dissertação, mas de
maneira geral, pois ele se interessou por todo o conteúdo da disciplina. Não
poderia ser diferente: seu trabalho de conclusão da disciplina foi excelente,
manuseando muito bem os conceitos de ambas as disciplinas. O mesmo se viu
na sua dissertação de mestrado, que ora é adaptada para ser oferecida ao
público como livro pela Quartier Latin (parabéns também ao Vinicius Nelli Lot
Vieira, editor que percebeu a atualidade e a importância da abordagem
multidisciplinar).

O livro de Ricardo Oliveira tem por objeto o tratamento de ativos


intangíveis na apuração de haveres de sociedades uniprofissionais. Entendo
que é conveniente separar esse objeto em dois pontos de discussão: ativo
intangível e sociedades uniprofissionais.

O ativo intangível é um assunto que tem preocupado bastante os


estudiosos e profissionais de Finanças e Contabilidade, tanto acadêmicos
quanto analistas de mercados, administradores de empresas e, como provoca
o livro de Ricardo de Oliveira, deve entrar na pauta de discussão também dos
operadores do Direito de uma maneira geral, particularmente advogados e
juízes. Para entender a importância do tema, cito a apreensão de contabilistas,
financistas e analistas de empresas em justificar o valor trilionário de mercado
de Apple e Amazon, por exemplo, sem correspondência no seu balanço
patrimonial. Certamente, trata-se da avaliação dos intangíveis dessas
empresas, capturados pelos agentes do mercado, porém, que ainda não
reconhecidos na escrituração contábil.

Em decorrência, percebe-se que este livro foca no caso na apuração de


haveres nas sociedades uniprofissionais, no entanto, suas conclusões podem
ser estendidas a todas as sociedades que possuem parte significativa do seu
patrimônio em ativos intangíveis. Mesmo no que diz respeito aos intangíveis
especificamente estudados neste trabalho, como o know how, o goddwill e a
clientela, as conclusões não se limitam às sociedades uniprofissionais: vejam-
se, por exemplo, restaurantes de chefs renomados ou renomadas, de
academias de práticas esportivas patrocinadas por esportistas bem sucedidos
ou bem sucedidas, hotéis, operadoras de atividades turísticas e uma
diversidade de prestadores de serviços. Portanto, podemos adotar o foco nas
sociedades uniprofissionais como um exemplo paradigmático de como tratar os
ativos intangíveis em muitas outras atividades econômicas, sempre que for
possível e adequado fazer a sua adaptação ao caso concreto.

A pretensão de Ricardo de Oliveira neste livro é bastante desafiadora:


“propor uma solução contratual, legal, prática e eficiente” para a apuração de
haveres na retirada, exclusão ou falecimento de sócio em uma sociedade cujos
ativos intangíveis sejam relevantes. Ele cumpre a promessa e apresenta
efetivamente essa proposta.
Suas conclusões são solidamente fundamentadas na legislação
brasileira em vigor, sem prejuízo do enfrentamento da regulamentação jurídico-
contábil. Apresenta com desenvoltura os conceitos e as normas contábeis
aplicadas ao caso. O estudioso e autor percebe nitidamente a influência das
regras contábeis sobre os dispositivos legais, de maneira particular na
interpretação do “valor patrimonial”, expressão que consta tanto no Código Civil
quanto no Código de Processo Civil. Não é possível contratar, dispor e decidir
sobre o “valor patrimonial” da sociedade sem recorrer a conceitos contábeis e à
legislação atual sobre demonstrações financeiras.

Finalmente, sua proposta é contratual e, por esse motivo, preventiva a


eventuais controvérsias. Por se tratar de uma relação jurídica privada, a
antecipação do acordo entre as partes, no caso os sócios de uma sociedade
uniprofissional, além de ser possível, é conveniente e pode ser remédio eficaz
para evitar conflitos no momento de retirada, exclusão ou falecimento de sócio.
E a orientação de Ricardo de Oliveira é factível, coerente e fundamentada.

Sinto-me duplamente satisfeito ao redigir esse prefácio: primeiro, pelo


convite honroso feito a mim pelo autor; depois, por contribuir no oferecimento
ao público de um trabalho vanguarda, que abraça e desenvolve
adequadamente a abordagem multidisciplinar no estudo de questões jurídicas.
Aproveito a oportunidade também para conclamar as novas candidatas e os
novos candidatos a mestrado e a doutorado a espelharem-se no trabalho de
Ricardo de Oliveira para buscar conceitos fora das “barreiras” do Direito que
são fundamentais para as soluções jurídicas.

Muito obrigado, Ricardo, e parabéns pelo excelente trabalho.

Edison Carlos Fernandes, doutor em Direito pela PUC/SP, professora da


FGV Direito SP e do Departamento de Contabilidade da FEA/USP.

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