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Armistício tributário

Prezadas doutoras Procuradoras e prezados doutores Procuradores da Fazenda


Nacional,

Dirijo-me a Vossas Excelências, nesta carta aberta, para propor uma declaração
de paz na área tributária, com vistas a alcançarmos nosso objetivo comum, que é
o crescimento do País e a melhora da qualidade de vida de todos os brasileiros.

Leio, com certas surpresa e apreensão, no jornal Valor Econômico de hoje (8 de


janeiro), em matéria assinada por Bárbara Pombo, que um qualificado quadro da
Procuradoria da Fazenda Nacional afirma estar “apresentando uma nova tese” na
área tributária, especificamente com respeito à sistemática de não-cumulatividade
da Contribuição para o Pis e da Cofins.

Posso estar redondamente enganado, mas a mim me parece que a atribuição


institucional da Procuradoria da Fazenda Nacional não é elaborar e apresentar
teses com vistas ao aumento da arrecadação tributária. Quem tem a função de
aumentar tributo é o Poder Legislativo, por meio da edição de leis e desde que
respeitadas as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Como Vossas Excelências sabem, existem várias formas de majorar tributos, que
vão além do puro e simples aumento de alíquota.

Como primeira maneira, também simples, que posso lembrar, é possível ser
aumentada a base de cálculo de algum imposto. Foi o que o prefeito paulistano
Fernando Haddad, de maneira atrapalhada e sorrateira, tentou fazer no caso do
IPTU de 2014. Nesse caso, o Poder Judiciário, iluminado pelas citadas limitações
ao poder de tributar, impediu o aumento proposto.
Ainda com relação à base de cálculo, mas com uma roupagem mais sofisticada,
foi o que o governo federal fez com relação ao reajuste da tabela progressiva do
Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas – IRPF. Considerando que a correção
monetária dessa tabela (base de cálculo do IRPF) foi em índice abaixo daquele
relativo à inflação do período, o resultado é que haverá aumento na arrecadação
do mencionado imposto, pois uma maior parte dos salários e das remunerações
em geral estará sujeita à tributação – medida que atingiu, inclusive, Vossas
Excelências, como cidadãos-contribuintes.

Outra maneira de aumentar a arrecadação tributária é a revogação de incentivos


fiscais. Veja-se o caso do IPI dos automóveis, que foi elevado a partir do último
dia 1°. O mesmo aconteceu com a revisão dos critérios para a concessão dos
benefícios relacionado ao chamado ProUni.

Em ambos os casos, o aumento da arrecadação foi privilegiada em detrimento de


algumas questões econômicas e sociais: incentivo ao consumo e manutenção de
postos de trabalho, no caso dos automóveis, e maior oferta de vagas no ensino
superior, no caso do ProUni. De qualquer maneira, tratou-se e trata-se de decisão
política dos governantes.

Assim, há meios legais e consagrados de aumento da arrecadação tributária,


dentro dos quais não se inclui a “criação de teses” por parte dos membros da
Procuradoria da Fazenda Nacional.

Acredito que, institucionalmente, a Procuradoria da Fazenda Nacional é uma


reserva de legalidade e respeito ao Estado Democrático de Direito no âmbito do
governo federal. Os seus membros, ou seja, Vossas Excelências, não podem
assumir de maneira acrítica a defesa e a implementação da política econômica do
governante de plantão (ou as consequências da ausência de uma política
econômica no caso atual). Esse governante passará, mas Vossas Excelências
permanecerão, até a merecida aposentadoria.
Portanto, venho propor um armistício para o bem do desenvolvimento do Brasil.

A segurança jurídica, especialmente alicerçada na legalidade tributária, é


fundamental para garantir os investimentos na atividade econômica, principal
fonte de geração de riqueza, de criação e manutenção de postos de trabalho, de
desenvolvimento de tecnologia e, também, de recolhimento de impostos, taxas e
contribuições.

No tema particular da “tese” sobre vedação de crédito da Contribuição para o Pis


e da Cofins para as empresas varejistas (objeto da matéria jornalística citada) –
sem me estender nesse assunto, pois não é o foco do texto –, gostaria apenas de
lembrar que a tomada dos créditos concernentes a essas contribuições sociais, no
âmbito da sistemática de não-cumulatividade, é um direito que foi adquirido pela
elevação das alíquotas correspondentes em mais de 150% (de 0,65% para 1,65%
e de 3% para 7,6%, respectivamente). Sustentar a vedação a esses créditos
significa desrespeitar a decisão política tomada quando da elaboração da lei –
que, aliás, vieram por meio de medida provisória, ato do Poder Executivo federal.

Por fim, se há repercussões econômicas para defender a incidência de tributos, da


mesma forma, o aumento da arrecadação tem repercussões econômicas à medida
que, invariavelmente, é repassado aos preços, ocasionando aumento da inflação e
redução do poder de compra do cidadão-consumidor.

Proponho, então, que busquemos um caminho de paz, de respeito mútuo e à lei,


no caso, tributária. O PIB brasileiro precisa disso.

Atenciosamente.

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