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FORMULÁRIO DE REFERÊNCIA: PRAZER EM CONHECER

No ambiente de incertezas da incorporação da Brasil Telecom pela Oi,


uma coisa é certa: os maiores prejudicados foram os acionistas não controladores
(de acordo com informações da própria Brasil Telecom, em 2008, eram mais de
um milhão de acionistas individuais frente a pouco mais de quinhentos
investidores institucionais). De maneira resumida, o que aconteceu foi a
descoberta de contingências judiciais, não registradas nas demonstrações
contábeis da Brasil Telecom, após a aquisição do controle pela Oi e a decisão
pela incorporação. O reconhecimento da respectiva provisão impactou
diretamente o resultado da empresa; em decorrência o seu patrimônio líquido; e,
no final das contas, no valor das ações, base para a troca de títulos na
incorporação.

Uma das questões que podem ser colocadas neste momento é se essa
situação (ou seria mais correto dizer “surpresa”) poderia ter sido evitada. No que
diz respeito aos registros contábeis, a existência de estimativas é muito comum,
aliás, é inerente a sua elaboração, especialmente, com relação a passivos
contingentes judiciais. Isso porque, grosso modo, a decisão sobre o
reconhecimento ou não dessas contingências depende de uma séria de variáveis,
dentre as quais podem ser citadas: a análise dos processos judiciais envolvidos, a
pesquisa sobre a tendência da jurisprudência (decisões dos tribunais superiores),
a percepção do patrono da causa, enfim, a definição quanto aos riscos de perda
das medidas judiciais.

Se não é possível ter precisão absoluta no reconhecimento de provisões,


informações financeiras de alta qualidade reduzem a influência da existência de
contingência passiva nas decisões de investimento. A qualidade sobre a qual aqui
se fala deve estar presente nos dois lados do investimento: as empresas que
buscam recursos no mercado de capitais (títulos de propriedade ou títulos de
dívida) devem buscar a alta qualidade na elaboração das suas demonstrações
contábeis; e, os investidores, individuais ou institucionais, devem saber “bem ler”
as informações financeiras divulgadas por aquelas empresas. No caso de os
investidores basearem-se no trabalho profissional de analistas de mercado, são
estes profissionais que devem estar preparados para perceber as “surpresas”
impregnadas nas informações financeiras.

Atualmente, existe um conjunto de atos normativos (legais e regulatórios)


que contribuem para que as informações financeiras alcancem a alta qualidade;
ainda que a máxima qualidade das informações financeiras ainda depende (e,
talvez, sempre dependerá) das boas práticas de governança corporativa das
empresas. Desse conjunto de atos, destacam-se dois neste texto: os
Pronunciamentos Técnicos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC e o
novíssimo Formulário de Referência, instituído pela Instrução CVM n° 480. Por
enquanto, a maior preocupação com relação a esses documentos normativos
ainda está no lado das empresas e dos órgãos regulatórios – com destaque para a
CVM –, mas, o que se pretende chamar a atenção aqui é para o fato de que
também os investidores (ou os seus confidentes analistas do mercado de capitais)
devem acompanhá-los.

É por meio dos Pronunciamentos Técnicos do CPC que o Brasil está


promovendo a convergência contábil aos International Financial Reporting
Standards – IFRS, o padrão internacional de reconhecimento, mensuração e
divulgação das operações e dos eventos financeiros nas demonstrações contábeis.
Não está se fazendo uma apologia a que todos os investidores e potenciais
investidores conheçam todas as normas de contabilidade (hoje, são mais de
quarenta pronunciamentos); todavia, um conhecimento mínimo do que essas
normas podem fazer pela alta qualidade das informações financeiras é
recomendável. Tome-se o exemplo das provisões da Brasil Telecom: o
Pronunciamento Técnico CPC 25 trata dos passivos contingentes, e pode ser
fundamento para a atribuição de responsabilidade por prejuízos verificados em
casos específicos.

Quanto ao Formulário de Referência, ele é um instrumento muito


benvindo aos investidores, que, por ora, está em estudo pelas empresas obrigadas
a preenchê-lo e por seus consultores. Desse documento devem constar
informações financeiras de variada natureza, dentre as quais, informações gerais
sobre a empresa, informações contábeis, projeção de futuro dos administradores
e, até, processos judiciais em que a empresa é parte (item 4). Portanto, os
investidores, inclusive os individuais, terão muito prazer em conhecer o
Formulário de Referência.

Edison C. Fernandes, advogado, sócio do escritório Fernandes, Figueiredo


Advogados, doutor e direito pela PUC/SP e professor da FGV (GVLaw) e da
FIPECAFI.

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