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A TRANSMISSÃO

DO NEGÓCIO E O IVA

2018

Daniel S. de Bobos-Radu

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

autor

Daniel S. de Bobos-Radu

editor

EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.

Rua Fernandes Tomás, nºs 76-80

3000-167 Coimbra

Tel.: 239 851 904 · Fax: 239 851 901

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Outubro, 2018

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procedimento judicial contra o infrator.

__________________________________________________

biblioteca nacional de portugal – catalogação na publicação BOBOS-


RADU, Daniel S. de

A transmissão do negócio e o IVA. – (Monografias)

ISBN 978-972-40-9348-2

CDU 347

À memória de J. L. Saldanha Sanches e de M. Anselmo Torres

PREFÁCIO

O Mestre Daniel Bobos-Radu tem um valioso curriculum professional e


científico na área do Imposto sobre o Valor Acrescentado que o tornam uma
referência numa matéria pouco tratada entre nós e, diria, em geral no
mundo da Fiscalidade.

Desempenhando actualmente funções de Tax Manager da EY –

Ernst & Young, S.A., trabalha com o IVA e tem vindo a desenvolver a sua
experiência profissional em diversos sectores de actividade, nomeadamente,
público, financeiro, aeronáutico, farmacêutico, TMT, mineiro,
combustíveis, tabacos e bens de consumo.

A nível académico tem seguido o seu percurso essencialmente na Faculdade


de Direito da Universidades de Lisboa onde se licenciou, concluiu a Pós-
graduação em Direito Fiscal, bem como o Mestrado em Direito Comercial,
encontrando-se actualmente a frequentar o programa de Doutoramento em
Direito – Especialidade em Direito Fiscal, trabalhando uma temática
igualmente na área do IVA.

Tive o grande gosto de ser arguente, em Novembro de 2016, da sua tese de


Mestrado a que corresponde, no essencial, o estudo que ora se publica,
tendo sido actualizado com cuidado com referência à legislação em vigor, à
jurisprudência e à doutrina consultadas até Maio de 2018.

Trata-se de um tema muito pouco analisado e de grande relevância quer em


termos teóricos quer numa perspectiva prática, vertentes que o autor soube
com grande mestria conciliar. Estamos perante uma importante obra
dedicada aos saudosos José Luís Saldanha Sanches e Manuel Anselmo
Torres, de grande utilidade para todos aqueles que se interes-sam por esta
temática independentemente da sua formação académica.

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

O autor cuida com especial atenção de aspectos fulcrais da mecâ nica deste
tributo, como os conceitos de neutralidade e de actividade económica e das
suas particulares implicações no tema que decidiu em boa hora abraçar.

Como começa por referir, o propósito do estudo consiste em fornecer um


enquadramento jurídico-tributário no que se reporta à regra de transmissão
do negócio constante dos artigos 19º e 29º da Directiva IVA, normativos a
que correspondem, no nosso ordenamento jurídico, os artigos 3º, nº 4, e 4º,
nº 5, do Código do IVA.

Está em causa uma opção concedida aos Estados membros no sentido de


considerarem que as transmissões de uma universalidade de bens ou de
parte dela não constituem uma operação tributável em sede de IVA quando
verificados os pressupostos previstos. A norma contemplada nas referidas
disposições legais consubstancia uma excepção, justificada por propósitos
de simplificação, à regra geral de incidência do imposto sobre todas as
operações realizadas pelos sujeitos passivos do imposto no âmbito de uma
actividade económica
Em particular, o autor pretende aferir se a aludida regra consubstancia uma
solução satisfatória tendo em conta os objectivos que visa prosseguir ou se,
pelo contrário, representa um desvio à lógica do imposto, conducente a
situações de incerteza jurídica e de desigualdade fiscal. Neste contexto,
analisa o quadro legal face ao Direito da União Europeia e ao Direito
interno tendo em consideração a principal doutrina e jurisprudência do
Tribunal de Justiça da União Europeia Para o efeito dividiu o seu estudo em
duas partes, terminando com recomendações e conclusões numa Parte III.
Na Parte I trata do enquadramento geral da regra de transmissão do
negócio, procedendo a uma breve análise normativa da regra tal como
prevista na Directiva IVA e analisando a principal jurisprudência do TJUE
sobre o tema, a saber, os Casos Abbey National, Zita Modes, Faxworld,
SKF, Christel Schriever e X

BV. Procede ainda a um enquadramento do normativo face à legislação


nacional, assim como a uma análise da incidência do Imposto do Selo sobre
o trespasse de estabelecimento comercial. Na Parte II cuida de alguns
problemas práticos que a regra em causa pode vir a suscitar, em especial o
respective âmbito objectivo, subjectivo, territorial e temporal, bem como o
exercício do direito à dedução. Denota uma preocupação especial quanto à
aplicação do aludido normativo nas situações de acti-8

PREFÁCIO

vidades isentas ou parcialmente isentas, indagando quanto às potenciais


implicações em matéria de distorções concorrenciais e regularização do
imposto.

Como salienta, esta é uma matéria particulamente relevante que pode


constituir um importante encargo financeiro para a tesouraria das empresas,
pelo que importa em particular alcançar maior certeza em rela ção ao real
conteúdo e alcance das normas.

Está em causa uma matéria profundamente relacionada com o conceito


fulcral de actividade económica para efeitos de IVA, com todas as
implicações daí decorrentes.
Ora, apesar de o TJUE se ter pronunciado sobre as regras em apreço, o
certo é que as suas conclusões carecem de ser mais aprofundadas e
trabalhadas, suscitando diversas questões e deixando em aberto muitas
dúvidas.

Persistem desde logo dúvidas no que concerne à delimitação do conceito de


«transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela»

e aos requisitos subjectivos e objectivos que os Estados membros podem


prevêr para que se considere que uma determinada operação preenche os
pressupostos de aplicação da regra. Um outro aspecto relaciona-se com o
exercício do direito à dedução por parte do transmissário face à operação
não sujeita a imposto. Existem ainda outros problemas a resolver, como,
v.g., as transmissões transfronteiriças do negócio e o caso da existência de
pluralidade de intervenientes na transmissão.

O autor trata com especial cuidado de delimitar aspectos fundamentais para


efeitos de aplicação desta norma como, prima facie, o de

“transmissão, a título oneroso ou gratuito ou sob a forma de entrada numa


sociedade”, tendo, por bem, optado pela utilização do conceito de

«transmissão do negócio» no título da obra.

Como constata, desde logo o resultado interpretativo desta expressão é


muito mais lato. Assim, conclui adequadamente que a norma tem um
âmbito de incidência real alargado, podendo abranger todo o tipo de
transmissões a título definitivo de empresas ou estabelecimentos
comerciais, entradas de activos, liquidações por transmissão global, fusões,
cisões e outros tipos de reestruturações societárias, bem como todas as
transmissões de activos, tangíveis ou intangíveis, finalisticamente
orientados e organizados de modo a possibilitar o exercício de uma
actividade económica.

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA


Como conclui, o factor que assume maior relevância na delimita-

ção do âmbito objectivo da transmissão do negócio é a própria noção de acti


vidade económica para efeitos de IVA, devendo a Administração Fiscal ter
em consideração os conceitos definidos pelo TJUE no que respeita às
noções de actividade económica, actuação independente e operações
complexas, inter alia.

Particularmente interessantes são as conclusões do autor no que concerne às


implicações do normativo em apreço no tocante às reestruturações
empresariais, à pluralidade de intervenientes, ao exercício do direito à
dedução na esfera do adquirente, à análise da existência ou não de
distorções concorrenciais aos sujeitos passivos isentos ou mistos e a sua
relação com o basilar princípio da neutralidade.

Neste contexto, a nível interno o autor termina recomendando a revogação


das orientações genéricas emanadas pelo Ofício-Circulado nº 134850, de 21
de Novembro de 1989, da Direção de Serviços de Concepção e
Administração do IVA (DSCA-IVA), bem como a clarificação do disposto
nos artigos 3º, nºs 4 e 5, do Código do IVA, avançando desde logo com a
proposta de redacção.

Estamos todos de parabéns, o autor e nós, comunidade científica e


profissional, por podermos usufruir deste relevante contributo.

(Professora Doutora Clotilde Celorico Palma)

10

SIGLAS E ABREVIATURAS

A./AA. Autor(a)/Autores(as)

Ac./Acs. Acórdão(s)

AG Advogado-Geral

AIB
Aquisição(ões) intracomunitária(s) de bens

BFH

Bundesfinanzhof

BMF

Bundesministerium fü r Finanzen

CAAD

Centro de Arbitragem Administrativa

CAU

Código Aduaneiro da União (Regulamento (UE)

nº 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho,

de 9 de outubro)

CEE

Comunidade Económica Europeia

CIS

Código do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto-

-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro

Cls. Conclusões

Código Civil

Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47344/

/66, de 25 de novembro
Código das Sociedades Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo
Comerciais

Decreto-Lei nº 262/86, de 2 de setembro

Código do IVA /

Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 394-B/

Código

/84, de 26 de dezembro

CTF

Ciência e Técnica Fiscal

DGCI

Direção-Geral das Contribuições e Impostos

Diretiva IVA / Diretiva Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de


novembro de 2006

DSCA

Direção de Serviços de Conceção e Administração

11

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

HMRC

Her Majesty’s Revenue and Customs

IBFD

International Bureau for Fiscal Documentation


IRC

Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

IS

Imposto do Selo

IVA

Imposto sobre o Valor Acrescentado

IVM

International VAT Monitor

LGT

Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei

nº 398/98, de 12 de dezembro

OCDE

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Económico

Pres. Presidente

Primeira Diretiva

Diretiva 67/227/CEE do Conselho, de 1 de abril de

1967

Proc. Processo

Rel. Relator
RFDUL

Revista da Faculdade de Direito da Universidade de

Lisboa

RFPDF

Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Segunda Diretiva

Diretiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de abril de

1967

Sexta Diretiva

Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de

1977

STA

Supremo Tribunal Administrativo

TCAS

Tribunal Central Administrativo Sul

TCE

Tratado que institui a Comunidade Europeia

Terra/Kajus

Ben J. M. Terra / Julie Kajus

TFUE
Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

TIB

Transmissão(ões) intracomunitária(s) de bens

TJ/TJUE/Tribunal

Tribunal de Justiça da União Europeia

de Justiça/Tribunal

TOGC

Transfer of a going concern

UE

União Europeia

UStG

Umsatzsteuergesetz (1980) in der Fassung der Bekanntma-chung vom 21.


Februar 2005 (BGBI. I S. 386) UStAE

Umsatzsteuer-Anwendungserlass vom 1. Oktober 2010

(BStBI I S. 846)

VATA

Value Added Tax Act (1994)

12

NOTAÇÃO LÓGICA

proibição
O

obrigatoriedade

permissão

implicação

equivalência

negação

conjunção

disjunção

subconjunto

superconjunto

união

intersecção

13

NOTA PRÉVIA E AGRADECIMENTOS

O estudo que agora se dá à estampa corresponde, no essencial, à dissertação


de mestrado apresentada, em 29 de fevereiro de 2016, na Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, e aí discutida em 14 de novembro do
mesmo ano.

A dissertação foi orientada pelo Professor Doutor Carlos Baptista Lobo, a


quem gostaria de deixar expressa uma sentida palavra de reconhecimento e
de apreço.

O júri perante o qual se realizaram as provas públicas de discussão,


presidido pelo Professor Doutor Carlos Baptista Lobo, foi integrado pela
Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, como arguente, e pelo
Professor Doutor Hugo Ramos Alves, na qualidade de vogal.

À Professora Doutora Clotilde Celorico Palma devo um agradecimento


especial não apenas pelas observações críticas e sugestões que estiveram na
base da maioria das modificações feitas ao texto apresentado, mas também
por, há alguns anos atrás, as suas lições terem sido determinantes para o
meu envolvimento num estudo aprofundado do sistema comum do imposto
sobre o valor acrescentado, o qual ainda hoje perdura.

Aproveito ainda a oportunidade para dirigir um agradecimento muito


especial ao Dr. José Alves Pereira e ao Dr. Paulo Mendonça.

Finalmente, e porque tudo o que não é passível de ser expresso em palavras


deve quedar-se em silêncio, limito-me a expressar um profundíssimo
agradecimento à Paula e aos nossos pais pelo constante apoio, que tem
assumido inumeráveis formas, assim como pelo incentivo e compreensão
sempre constantes.
Daniel S. de Bobos-Radu

15

NOTAS DE LEITURA

As siglas e abreviaturas utilizadas encontram-se explicitadas na lista


constante do início do estudo.

O presente estudo encontra-se atualizado com referência à legislação em


vigor, à jurisprudência e à doutrina consultadas até maio de 2018.

As obras citam-se em nota de pé de página, por ordem cronológica de


publicação. A primeira citação inclui referências completas de autor, título,
local, editora e data de publicação. As seguintes citações incluem uma
referência abreviada ao autor e ao título, suficientes para identificar a obra.
A bibliografia final contém referência completa das obras citadas no texto.

As referências à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia


citam-se pelo nome e número do caso, omitindo-se a data da pro-lação e a
indicação da sequência do Récueil de la Jurisprudence de la Cour de
Justice, uma vez que estes últimos acompanham os sumários dos acór-dãos,
disponíveis em anexo. Na exposição dos acórdãos selecionados, omite-se a
referência aos números de parágrafos em prol da simplicidade, devendo
considerar-se a citação e/ou transcrição em bloco.

O texto encontra-se redigido conforme o Acordo Ortográfico de 1990,


excetuando os títulos e conteúdos de obras citadas, quando as mesmas não
respeitem o mesmo.

17

PARTE I

A REGRA DE TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO

1. Introdução

1.1. Enquadramento
Sendo o IVA um imposto de base alargada ( broad based tax), que se traduz
num âmbito de aplicação muito vasto, abrangendo todas as atividades
económicas de produção, comercialização de bens ou de prestação de
serviços, caberá às normas de caráter derrogatório, como sejam as de
isenção e de não sujeição – e sobretudo à interpretação das mesmas –, a
definição da amplitude da base de incidência do imposto1. Por outro lado,
importa reter que todo o sistema comum do IVA, e em particular o seu
regime de deduções, assenta no princípio da neutralidade relativo à carga
fiscal sobre as atividades económicas sujeitas a imposto,
independentemente dos seus fins e resultados2.

A regra de transmissão do negócio, vertida nos artigos 19º e 29º, da


Diretiva IVA, constitui, assim, um desvio à regra geral de incidência do
imposto sobre todas as operações praticadas no âmbito de uma atividade
económica. Trata-se de uma opção dirigida aos Estados-Membros no
sentido de considerarem que as transmissões de uma universalidade de bens
ou de parte dela não constituem uma operação tributável em sede de IVA. A
regra em causa aplica-se, mutatis mutandis, às prestações de serviços.

1 J. G. Xavier de Basto, “A tributação do consumo e a sua coordenação


internacional. Li-

ções sobre harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia” ,


CTF, nºs 361 e 362, 1991, p. 229.

2 Cf. acs. Rompelman (268/83), nº 19; Comissão/França (C-50/87), nº 15;


Ghent Coal Terminal (C-37/95), nº 15; Midland Bank (C-98/98), nº 19;
Abbey National (C-408/98), nº 24, inter alia.

21

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Do ponto de vista da administração fiscal, prima facie, a regra em apreço


pode gerar distorções de concorrência assim como influenciar a arrecadação
de receita fiscal, pelo que a sua interpretação e correta aplicação assume
uma vasta importância. Na perspetiva do sujeito passivo, é elementar que
exista uma regulação clara, do ponto de vista da tributa-
ção indireta, no que concerne às operações que pressupõem a transmissão
ou o destaque de um negócio, seja este materializado numa sociedade
comercial, num estabelecimento, ou num conjunto de ativos, uma vez que
um errado enquadramento é passível de gerar consequências nefastas,
designadamente, em sede do exercício do direito à dedução por parte do
transmissário.

Apesar de o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ) ter fornecido um


contributo não menosprezável para esclarecer o conteúdo e alcance da regra
de transmissão do negócio, a jurisprudência respeitante aos arti gos 19º e
29º da Diretiva IVA não tem sido exaustiva ao ponto de escla recer outros
aspetos centrais que a sua aplicação convoca.

Desde logo, ainda persistem algumas dúvidas em torno da interpretação do


conceito de «transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela» e
dos requisitos subjetivos e objetivos que os Estados-Membros (EM) podem
impor para que se considere que uma dada operação preenche os
pressupostos de aplicação da regra de transmissão do ne-gócio. Outra
problemática coloca-se em sede do exercício do direito à dedução por parte
do transmissário em face da operação não sujeita a imposto. Apesar de
ambas as situações terem sido objeto de análise por parte do TJ, haverá que
reconhecer que, se por um lado a jurisprudência assente não esclarece todas
as questões, por outro, suscita novos problemas.

Por último, certas temáticas em torno da aplicação da regra de transmissão


do negócio permanecem ainda não debatidas de forma suficiente, seja em
sede doutrinária ou jurisprudencial. Refiram-se, a título exemplificativo, o
caso das transmissões do negócio transfronteiriças e a pluralidade de
intervenientes na transmissão.

1.2. Conceito

A opção pela utilização do conceito de «transmissão do negócio», no tí-

tulo desta obra, não é acidental. Efetivamente, fala-se em transmissão na


medida em que o artigo 19º da Diretiva IVA se refere à “transmissão, a 22

INTRODUÇÃO
título oneroso ou gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade” ,
enquanto fórmula ampla para abranger todos os negócios jurídicos
translativos da propriedade ou de direito equivalente.

A expressão negócio pretende traduzir o âmbito da expressão


«universalidade de bens ou de parte dela», em linha com a interpretação
propugnada pelo TJ. Como adiante se constatará, o resultado interpretativo
desta expressão, na medida em que se encontra condicionado pelos
restantes elementos da previsão, é bastante mais lato do que o enunciado
normativo. Efetivamente, a regra de transmissão do negócio pressupõe que,
após a transmissão, haja continuidade do exercício de uma atividade econó
mica, no sentido que este termo assume no sistema da Diretiva IVA.

Nessa medida – e porque a regra em apreço pode abranger todo o tipo de


transmissões a título definitivo de empresas, estabelecimentos comerciais,
reestruturações societárias, bem como, todas as transmissões de ativos,
tangíveis ou intangíveis, finalisticamente orientados de modo a possibilitar
o exercício de uma atividade económica –, entendemos que a expressão
transmissão do negócio é a que melhor traduz a ideia de continuidade da
atividade económica.

Por outro lado, a referida expressão alude igualmente ao conceito de

“transfer of a business as a going concern” (TOGC). Na versão britânica


das diretivas e dos acórdãos do TJ, a expressão “business” é, não raras
vezes, equiparada à própria ideia de atividade económica, que, por sua vez,
surge a propósito da definição de sujeito passivo (cf. artigo 9º, nº 1, da Dire
tiva IVA). Nesta interdependência conceptual, a expressão que dá título a
este trabalho assume a função de organizar todas as situações tratadas sob a
alçada de um único conceito intermédio3 – o negócio.

Não obstante, ao longo do texto, as expressões “transmissão do negó-

cio”, “transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela”,

“ficção de não transmissão” ou “transfer of a going concern” são


equivalentes, na medida em que todas se reportam à previsão da norma
contida no artigo 19º da Diretiva IVA.
3 Sobre os conceitos intermédios, cf. Alf Ross, “Tû-Tû”, in Harvard Law
Review, 70, 1957, pp.

812-825; Giovanni Sartor, “Legal Concepts: An Inferential Approach”, EUI


Working Papers, LAW 2008/3 (http://www.eui-eu/); Dietmar von der
Pfordten, “About Concepts in Law”, in Jaap Hage & Dietmar van der
Pfordten (Ed.), Concepts in Law, Springer, 2009, pp. 17-33; Bartosz
Brozek, “On Tû-Tû”, Revus, 27, 2015, pp. 15-23.

23

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

1.3. Propósito, delimitação e razão de ordem

O propósito do presente estudo é fornecer um enquadramento jurídico-

-tributário em torno da regra de transmissão do negócio constante dos


artigos 19º e 29º da Diretiva IVA, a que correspondem, no nosso
ordenamento, os artigos 3º, nºs 4 e 5, e 4º, nº 5, do Código do IVA. Em
particular, pretende-se aferir se a regra em apreço constitui uma solução
satisfatória tendo em conta os objetivos que visa prosseguir ou se, pelo
contrário, enforma um desvio à lógica do imposto, conducente a situa-

ções de incerteza jurídica e de desigualdade fiscal.

A escolha do tema deve-se, fundamentalmente, ao facto de o tratamento


jurídico da transmissão do negócio em sede de IVA assumir uma
importância prática não menosprezável, na medida em que o não
preenchimento dos pressupostos de aplicação da regra de transmissão do
negócio poderá gerar um encargo financeiro excessivo para os agentes
económicos envolvidos, colocando em crise a própria viabilidade da
transação. Nessa medida, a falta de clareza em torno da interpretação da
regra em causa pode gerar o efeito inverso aos pretendidos, que são, por um
lado, simplificar as operações de transmissão de um negócio ou de parte
dele e, por outro, não sobrecarregar a tesouraria das empresas neste tipo de
operações.
Todavia, apenas se pretende levar a cabo o tratamento jurídico-tributário da
transmissão do negócio em sede de tributação indireta. Não constitui o
propósito desta investigação qualquer análise do tema sob o prisma da
fiscalidade direta e, tão pouco, se pretende uma abordagem compreensiva
da neutralidade fiscal relativamente às operações de reestruturação
societária. Por outro lado, não é esta a sede adequada para aprofundar a
dogmática juscivilística em torno da definição de empresa e
estabelecimento comercial, dos elementos que este último abarca em sede
de trespasse, ou até para um enquadramento jus-societário das opera-

ções de fusão, cisão e transformação de sociedades. É que, como iremos


constatar adiante neste estudo, o conceito que pretendemos aprofundar
encontra a sua noção autónoma na interpretação uniforme que tem vindo a
ser propugnada pelo TJ, à luz dos princípios orientadores do sistema
comum do IVA. Por esse motivo, entendemos que o estudo dispensa um
prévio enquadramento dogmático sob a alçada dos ramos espe cíficos do
direito privado interno, porquanto o preenchimento ou não da previsão da
regra de transmissão do negócio depende antes da 24

INTRODUÇÃO

substância económica dos factos em causa e da sistemática própria do IVA


do que de uma prévia qualificação à luz das categorias jusprivatísticas. Por
último, o trabalho em apreço também não visa proceder a uma análise do
ponto de vista da contabilidade ou de outras ciências auxiliares.

O estudo divide-se em duas partes, correspondendo a Parte I ao


enquadramento geral da regra de transmissão do negócio. Procede-se, nessa
sede, a uma breve análise normativa da regra de transmissão do negócio tal
como prevista na Diretiva IVA, aludindo-se à sua evolução e finalidades,
expondo-se, em seguida, a principal jurisprudência comunitária sobre o
tema, assente nos acórdãos Abbey National, Zita Modes, Faxworld, SKF,
Christel Schriever e X BV. Efetua-se ainda um enquadramento do preceito à
luz da legislação nacional, bem como um excurso acerca da incidência do
Imposto do Selo sobre o trespasse de estabelecimento comercial, tendo em
consideração a proximidade dogmática dos temas.
A Parte II destina-se à organização dogmática e ao tratamento de alguns
problemas práticos que a norma em análise pode vir a suscitar.

Debruçamo-nos, em particular, sobre o âmbito objetivo, subjetivo,


territorial e temporal da figura, bem como sobre o exercício do direito à
dedução. Reserva-se uma preocupação especial para a aplicação da regra
em causa em contexto de atividades isentas ou parcialmente isentas,
indagando as potenciais implicações em matéria de distorções
concorrenciais e regularização do imposto. Resumem-se as obrigações
acessó-

rias e de reporte às quais se segue uma recomendação de lege ferenda.

Reserva-se a Parte III para uma síntese lógica de algumas proposi-

ções formuladas a propósito da análise das normas que compreendem a


regra de transmissão do negócio, assim como para apresentar as principais
conclusões deste estudo.

25

2. A transmissão do negócio à luz da Diretiva IVA 2.1. Antecedentes

De acordo com o artigo 2º da Primeira Diretiva4, o princípio do sis tema


comum de imposto sobre o valor acrescentado consiste em aplicar aos bens
e aos serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional
ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o nú-

mero de transações ocorridas no processo de produção e de distribuição


ante rior à fase de tributação. Em cada transação, o imposto sobre o valor
acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável
ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do
imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido diretamente sobre o
custo dos diversos elementos constitutivos do preço.

As entregas tributáveis são comummente referidas, do ponto de vista dos


fornecedores, como “outputs” e o IVA neles incidente como imposto a
jusante; se forem utilizados pelo beneficiário para fazer outros
fornecimentos, elas serão, do seu ponto de vista, “inputs” e o IVA neles
incidente como imposto a montante5.

Conforme os considerandos da Primeira Diretiva, esta teve origem num dos


objetivos essenciais do Tratado que institui a CEE6: a criação, no âmbito de
uma união económica, de um mercado comum, que per-mita uma
concorrência sã e apresente características análogas às de um 4 Diretiva
67/227/CEE do Conselho, de 1 de abril de 1967.

5 Cls. do AG F. G. Jacobs em Zita Modes (C-497/01), nota 4.

6 Tratado de Roma, de 25 de março de 1957.

27

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

mercado interno, pelo que a realização de tal objetivo pressupunha a


aplicação prévia, nos Estados-Membros, de legislações respeitantes aos
impostos sobre o volume de negócios que não falseassem as condições de
concorrência e não impedissem a livre circulação das mercadorias e dos
serviços nesse mercado.

O sistema comum do IVA surge, assim, com o fim de eliminar, na medida


do possível, os fatores que pudessem falsear as condições de concorrência,
tanto no plano nacional como no plano comunitário, e de modo a permitir
que se atingisse em seguida o desiderato da supressão da tributação na
importação e do desagravamento nas exportações em relação às trocas
comerciais entre os Estados-Membros.

Nos primórdios da harmonização, a Primeira Diretiva considerava que uma


maior simplicidade e neutralidade seriam alcançadas se o imposto fosse
cobrado da forma mais geral possível e se o seu âmbito de aplicação
abrangesse todas as fases da produção e da distribuição, bem como o setor
das prestações de serviços. Com a Segunda Diretiva7, esten dia-se o âmbito
do imposto ao comércio a retalho, ainda que a tí-
tulo facultativo, uma vez que a sua aplicação a este estádio poderia gerar
dificuldades de natureza prática e política, sendo necessário deixar aos
Estados-Membros a faculdade de aplicarem o sistema comum somente até
ao estádio do comércio por grosso, inclusive, e de aplicarem, se fosse caso
disso, ao estádio do comércio a retalho, ou ao estádio anterior a este, um
imposto complementar autónomo.

Volvidos dez anos, com a Sexta Diretiva8, o sistema comum adquire a


forma e a densidade atuais, estendendo o âmbito de aplicação obrigató-

rio ao estádio retalhista e alargando a base de incidência a todos os bens e


serviços com definições precisas. A Sexta Diretiva foi reformulada em
2006, tendo sido substituída pela Diretiva IVA9 a fim de assegurar que as
disposições sejam apresentadas de forma clara e racional, em consonância
com o princípio de legislar melhor10.

No que respeita às origens da regra de transmissão do negócio, ela já


existia, embora de forma limitada, no âmbito dos impostos cumulativos 7
Diretiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967.

8 Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977.

9 Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.

10 Considerando nº 3 da Diretiva IVA.

28

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO À LUZ DA DIRETIVA IVA sobre o


volume de negócios vigentes nos Estados-Membros previamente à
introdução do sistema comum do IVA. Como nota J. Swinkels11, uma vez
que nesses sistemas o imposto a montante não era passível de de-dução, a
inclusão das transmissões de universalidades na base tributável daria lugar à
acumulação do imposto, originando distorções de concorrência. Por outro
lado, a regra de não liquidação do imposto tinha também o propósito de
evitar as dificuldades de cariz administrativa no que toca à complexidade da
aferição do valor tributável dos vários elementos que compõem a
universalidade, os quais, por seu turno, poderiam estar sujeitos a taxas de
imposto diferentes.

Com a adoção da Segunda Diretiva, o 3º parágrafo do nº 3 do Anexo A


previa, de forma ainda embrionária, que os Estados-Membros disporão da
faculdade de considerar que, no caso de uma transmissão de uma
universalidade de bens ou de parte dela por uma sociedade, a sociedade
beneficiária será tida como sucessora da transmitente:

«Les États membres ont la faculté de considérer qu’en cas d’apport à une
société d’une universalité totale ou partielle de biens, la société
bénéficiaire est censée continuer la personne de rapporteur.»

Com a adoção da Sexta Diretiva, a previsão da regra de transmissão do


negócio adquiriu a amplitude ainda hoje patente, tendo sido formulada no
artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva, nos seguintes termos:

«Os Estados-Membros podem considerar que a transferência a título


oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de
uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de
bens e que o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente. Se for
caso disso, os Estados-Membros podem adotar as medidas necessárias, a
fim de evitar distorções de concorrência quando o beneficiário não se
encontre totalmente sujeito ao imposto.»

O artigo 6º, nº 5, da Sexta Diretiva, por sua vez, dispunha:

«O disposto no nº 8 do artigo 5º aplica-se nas mesmas condições às


prestações de serviços.»

11 J. Swinkels, “Transfer of a Going Concern under European VAT”, IVM,


20, IBFD, Amsterdam, 2007, p. 96.

29

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA


De acordo com o Memorando Explicativo da proposta de Sexta Di-retiva12,
uma vez que as entradas em espécie para o capital social das sociedades
comerciais poderiam ser consideradas transmissões de bens sujeitas a
imposto, e uma vez que certas transferências sem contrapartida têm sido
tratadas como operações tributáveis, os Estados-Membros, em prol da
simplificação e de não sobrecarregar a tesouraria da entidade transmitente,
gozam da opção de desconsiderar a tributação nestes casos. Esta opção seria
exercida, em particular, quando a empresa beneficiária tenciona utilizar os
bens em questão para a realização de opera-

ções tributáveis.

2.2. Enquadramento normativo

Na atual Diretiva IVA, o artigo 19º, compreendido no Título IV, “Operações


tributáveis”, Capítulo 1, “Entrega de bens”, determina:

«Os Estados-Membros podem considerar que a transmissão, a tí-

tulo oneroso ou gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade, de uma


universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e
que o beneficiário sucede ao transmitente.

Os Estados-Membros podem adotar as medidas necessárias para evitar


distorções de concorrência caso o beneficiário não se encontre totalmente
sujeito ao imposto. Podem igualmente adotar todas as medidas necessárias
para evitar a possibilidade de fraude ou evasão fiscais em razão da
aplicação do presente artigo.»

O artigo 29º alarga a aplicação desta norma às prestações de serviços:

«O artigo 19º é aplicável nas mesmas condições às prestações de serviços.»

Em termos comparativos relativamente à Segunda Diretiva, a atual redação


tem um alcance mais vasto, podendo o ato translativo compreender direitos
reais ou obrigacionais sobre bens imóveis e outros ativos tangíveis ou
intangíveis, tais como stocks de mercadorias, licenças admi nistrativas,
marcas e patentes, clientela, contratos de trabalho, entre outros direitos e
obrigações.

12 COM/1973/950.

30

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO À LUZ DA DIRETIVA IVA


Decompondo os elementos da previsão, no plano do enunciado normativo,
temos, por um lado, “a transmissão, a título oneroso ou gratuito ou sob a
forma de entrada numa sociedade” e, por outro lado, “de uma
universalidade de bens ou de parte dela”. A descrição da previsão contida
no enunciado normativo abarca, assim, uma ação que se traduz numa
transmissão e um objeto que abarca uma universalidade de bens ou parte
dela. A transmissão pode manifestar-se a título oneroso ou gratuito, ou
ainda sob a forma de entrada numa sociedade. Do lado da estatui-

ção, retiram-se dois comandos distintos: não implicar a transmissão uma


entrega de bens e o beneficiário suceder ao transmitente.

Decorrem ainda do elemento sistemático, enquanto requisitos de


aplicabilidade da regra em causa, que a transmissão opere a título
definitivo, que o adquirente seja ou venha a tornar-se um sujeito passivo em
virtude da aquisição e que os elementos que compõem a universalidade ou a
sua parte destacada sejam suscetíveis de constituir um ramo de atividade
independente.

Da regra de remissão contida no artigo 29º da Diretiva IVA decorre que o


âmbito objetivo da norma poderá igualmente compreender uma prestação
de serviços. Sabendo que as possibilidades de incidência objetiva do
imposto se resumem a entregas de bens ou a prestações de serviços, e que
os conceitos de entrega de bens e de prestação de serviços estão contidos
na noção ampla de atividade económica, depreender-se-á que o primeiro
comando contido na regra de transmissão do negócio determina a obrigação
de desconsideração de uma entrega de bens ou de uma prestação de
serviços (ou de ambas em simultâneo) como tal.

O segundo comando da estatuição, por seu turno, designa a obriga-


ção de tratar o beneficiário da transmissão como sucessor do transmitente,
pelo que, prima facie, o beneficiário deverá suceder ao transmitente em
todos os direitos e obrigações decorrentes daquela transação, ou nela
implícitos, perante a administração fiscal.

2.3. O caráter opcional dos artigos 19º e 29º da Diretiva IVA Apesar de a
transposição dos artigos 19º e 29º da Diretiva IVA ter cará-

ter opcional, todos os Estados-Membros, à data, terão incorporado os


mesmos13, independentemente de lhe terem conferido um âmbito mais 13
Fabiola Annacondia, EU VAT Compass 2016/2017, IBFD, Amsterdam,
2016, p. 619.

31

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

ou menos amplo14. J. Swinkels15 suscita a questão teórica nos termos da


qual certos Estados-Membros poderiam ter transposto apenas um dos
artigos em detrimento do outro, o que poderia conduzir ao resultado de a
transmissão de uma dada universalidade ser desconsiderada en quanto uma
entrega de bens, mas a transmissão de um conjunto de serviços ser sujeita a
imposto nos termos gerais, ou vice-versa. A ser exequível este tipo de
abordagem, o A. levanta a questão de saber se a regra de transmissão do
negócio se poderia aplicar tão-só a entregas de bens e prestações de
serviços em simultâneo ou se seria suscetível de aplicação exclusivamente a
entregas de bens ou a prestações de serviços separa-damente.

A primeira questão é pertinente, sobretudo na perspetiva da proble-


matização em torno da transposição de regras de remissão em contexto de
regimes cuja transposição é opcional. As normas de remissão pressupõem a
analogia de situações distintas visando-se-lhes a aplicação do mesmo
regime jurídico e evitando-se, dessa forma, repetições incómo-das16. De
um ponto de vista teórico, não se crê, todavia, que a mera técnica legislativa
da remissão, ainda que assente num substrato profundamente analógico,
justifique, per se, a necessidade lógica de transposição de todo o conjunto
de regras de remissão que acompanham o regime opcional que se visa
incorporar no ordenamento de um Estado-Membro. A proximidade
analógica das situações poderá ou não encontrar uma justificação política
ou económica que sustente a transposição.

No caso em apreço, porém, não se encontra qualquer justificação para que o


âmbito da regra de transmissão do negócio fique limitado em função da
classificação dos ativos que compõem a transmissão. Independentemente de
a universalidade em causa envolver edifícios, máquinas, stocks de produtos,
know-how, marcas registadas ou licenças, os Estados-

-Membros podem considerar que a transmissão não implica uma entrega de


bens ou uma prestação de serviços. Fazer depender a aplicação da regra de
transmissão do negócio da natureza dos ativos transmitidos seria, na
verdade, assistemático e contrário ao princípio da neutralidade do imposto,
tendo em conta a analogia existente entre bens e serviços na 14 J. Swinkels,
Transfer of a Going Concern…, p. 96, nota 13.

15 J. Swinkels, Transfer of a Going Concern…, p. 95.

16 Larenz/Canaris, Methodenlehre der Rechtwissenschaft, 3 Aufl.,


Springer-Verlag, Berlin –

Heidelberg, 1995, p. 82.

32

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO À LUZ DA DIRETIVA IVA


transmissão “como um todo”, confirmada pelo recurso à técnica da
remissão legal, operada pelo artigo 29º da Diretiva IVA.

Em todo o caso, em Zita Modes, o TJ já havia esclarecido que o conceito de


“transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada
numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela” deve ser
interpretado no sentido de que abrange a transmissão do estabelecimento
comercial ou de uma parte autónoma de uma em presa que inclui elementos
corpóreos e, se for o caso, incorpóreos que, em conjunto, constituem uma
empresa ou parte de uma empresa que pode prosseguir uma atividade
económica autónoma17.
Como tal, as disposições dos artigos 19º e 29º da Diretiva IVA devem ser
aplicadas conjuntamente. O seu caráter opcional dirige-se aos destinatários
da norma: os Estados-Membros. Uma vez transposto o regime para as
jurisdições internas, a qualificação de uma operação como transmissão do
negócio afere-se segundo critérios objetivos, independentemente da vontade
dos particulares envolvidos.

2.4. Fundamento da regra de transmissão do negócio O Memorando


Explicativo da proposta de Sexta Diretiva18 mencio nava que o objetivo da
norma então prevista no artigo 5º, nº 8, era o de simplificar as transferências
de ativos entre empresas de modo a não sobrecarregar os seus recursos de
tesouraria. Na prática, é consabido que este tipo de transações pode assumir
elevados níveis de complexidade, sobretudo no que respeita ao prisma
administrativo, uma vez que o negócio ou a sua parte destacável pode
compreender um grande número de ativos, corpóreos ou incorpóreos, cuja
transmissão, regra geral, despoletaria a incidência do imposto sobre o
volume de negócios. Nessa situação, elementos tais como a base tributável
e as diferentes taxas aplicáveis teriam que ser determinadas para cada um
desses ativos. Desde logo, uma especial dificuldade decorreria da questão
de saber em que medida as posições ativas ou passivas que integram a
universalidade objeto da transmissão devem ou não integrar a base
tributável e, em caso afirmativo, qual o seu valor tributável. Nessa medida,
a imposição do amplo leque de obrigações decorrentes da liquidação do
imposto a sujeitos passivos 17 Ac. Zita Modes (C-497/01), nº 40.

18 COM/1973/950.

33

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

em situações em que o transmissário goza de pleno direito à dedução seria


desnecessária, uma vez que o efeito fiscal seria o mesmo que a
desconsideração da transmissão em causa para efeitos do imposto.

Por outro lado, relativamente às situações em que o adquirente não se


encontra totalmente sujeito ao imposto, acautelam-se eventuais situa ções
de distorção concorrencial, na medida em que a derrogação em causa
permite que um sujeito passivo isento, i.e. , equiparado a consumidor final,
adquira uma universalidade de bens ou serviços sem que haja lugar a
entrega do imposto, quando este fora objeto de dedução a montante, no que
respeita à aquisição daqueles ativos na esfera do transmitente.

Daí prever-se, no segundo parágrafo do artigo 19º da Diretiva, a


possibilidade de os Estados-Membros adotarem as medidas necessárias para
evitar distorções de concorrência caso o beneficiário não se encontre
totalmente sujeito ao imposto, em cumprimento do princípio da tributa-

ção geral do consumo.

Um outro objetivo da regra de transmissão do negócio prende-se com a


proteção da receita fiscal dos Estados-Membros. Tal como referido pelo AG
em Zita Modes 19, a regra em causa também previne situa-

ções em que o transmitente, tendo liquidado IVA sobre a transmissão, o não


entregue ao Estado, e o transmissário, por seu turno, proceda à dedução do
imposto liquidado. Tendo em consideração que, em grande parte dos casos,
a transmissão de um estabelecimento implica a cessação de atividade da
sociedade transmitente, a regra em apreço visa igualmente prevenir
situações de fraude fiscal ou abuso, reforçando-se ainda a possibilidade de
os Estados-Membros poderem adotar medidas específicas nesse sentido, no
âmbito do funcionamento da própria regra de transmissão do negócio.

19 Cls. do AG F. G. Jacobs em Zita Modes (C-497/01), nº 28.

34

3. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia

O TJ tem vindo a orientar a sua interpretação dos textos comunitários


segundo três métodos principais, retirando-se, v.g. , do acórdão Van Gend en
Loos 20, que a interpretação deve ser literal, sistemática e teleológica21.

Em matéria de IVA, como denota Rita de la Feria22, a jurisprudência do TJ


tem sido um instrumento de harmonização deste imposto: harmonização e
integração em sentido negativo, na medida em que o Tribunal se pronuncia
sobre práticas contrárias aos princípios comuns do IVA ou aos princípios
gerais do direito da União, mas não pode introduzir novas práticas ou
medidas compatíveis com esses princípios.

O argumento teleológico na interpretação das normas do sistema comum do


IVA centra-se no princípio da neutralidade, relativamente ao qual o TJ tem
ultimamente defendido a inclusão de outros subprincípios, tais como a
uniformidade ou igual tratamento e a eliminação das distorções na
concorrência23. Trata-se, como fazia notar J. L. Saldanha Sanches24, 20
Ac. Van Gend en Loos, (C-26/62).

21 Miguel Poiares Maduro, “Interpreting European Law: Judicial


Adjudication in a Context of Constitutional Pluralism”, European Journal
of Legal Studies, 1(2), 2007, p. 3.

22 Rita de la Feria, The EU VAT System and the Internal Market, IBFD,
Amsterdam, 2009, p. 279.

23 Rita de la Feria, The EU VAT System…, p. 264.

24 J. L. Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal. Substância e


Forma no Direito Fiscal Português, Comunitário e Internacional, Coimbra
Editora, 2006, pp. 362-363.

35

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

de garantir a igualdade tributária que, em relação ao IVA, se traduz no


direito de repercutir o imposto como condição de justiça fiscal e de não
existência de distorções na concorrência entre as empresas: igualdade ao
serviço da neutralidade na tributação das empresas que atuam no mesmo
país e ainda da neutralidade deste imposto para as empresas que, com
atividade em diversos Estados, atuam no ambiente fiscal cria-do pelos
diversos ordenamentos jurídicos tributários, cabendo ao Juiz comunitário
delimitar os poderes administrativos e legislativos dos Estados-Membros
em matéria de IVA sob pena de ver este imposto ser sujeito a um processo
crescente de desarmonização.
Os tribunais e as administrações fiscais dos Estados-Membros deverão,
assim, interpretar as normas do IVA nos mesmos moldes e de acordo com
os mesmos princípios invocados pelo TJ, como aliás decorre do artigo 291º,
nº 1, do TFUE, e, certamente, “velar por que não se ba-seiem numa
interpretação […] que provoque um conflito com os direitos fundamentais
protegidos pela ordem jurídica comunitária ou com os outros princípios
gerais do direito comunitário, como o princípio da proporcionalidade”25. O
princípio da interpretação conforme ao direito euro peu assume, assim,
uma importância central no contexto comunitá-

rio da partilha de soberanias, sendo sobremaneira evidente no domínio da


fiscalidade indireta, pelo que, ainda que o TFUE, o não consagre ex-
plicitamente, é consensual tanto para a doutrina como para a jurisprudência
o reconhecimento de um princípio do primado do direito europeu sobre o
direito interno dos Estados-Membros26.

Conforme salientado pela AG Kokott em Hutchison 3G 27, nos termos do


princípio da interpretação conforme, ao aplicar o direito interno,
nomeadamente as disposições de um instrumento legislativo
especificamente aprovado para dar cumprimento às exigências de uma
diretiva, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a interpretar o direito
nacional, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva
em causa, para atingir o resultado por ela prosseguido e observar assim o
artigo 249º, terceiro parágrafo, do TCE (atualmente, artigo 288º do TFUE).

A AG prossegue, referindo que o princípio em causa deve ser tido em 25


Ac. Lindqvist (C-101/01), nº 87.

26 Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina,


Coimbra, 2015, p. 92.

27 Cls. da AG J. Kokott em Hutchison 3G (C-369/04), nºs 143-144.

36

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA consideração na aplicação de qualquer disposição nacional,
também se aplicando no que diz respeito às instruções da administração.
Decorre, assim, das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da
União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de
direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o
direito dos Estados-Membros, no sentido de estes determinarem o seu
sentido e o seu alcance, devem ser objeto, em toda a UE, de uma
interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta
o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em
causa28.

Nesta medida, a jurisprudência da União constitui a principal fonte


interpretativa das disposições de direito da União, pelo que o sentido
normativo destas apenas pode ser apreendido na sua plenitude quando
integrado com a interpretação operada pelo TJ29. Por conseguinte, importa
tomar em consideração a jurisprudência do TJ em torno da regra de
transmissão do negócio. Note-se que a jurisprudência relevante sobre o
tema em apreço apenas começa a surgir a partir da década de 2000, pelo
que, até então, contam-se mais de vinte anos sem que a regra de transmissão
do negócio tenha sido posta em causa, pelo menos, perante as instâncias
judiciais das Comunidades.

O primeiro caso trata de saber em que medida o imposto incorrido com uma
transmissão do negócio é passível de ser deduzido.

3.1. Abbey National (C-408/98)

No caso em apreço, a Scottish Mutual Assurance plc (Scottish Mutual) era


uma filial da Abbey National plc (Abbey National), totalmente detida por
esta, que a representava para efeitos de IVA. Encontrava-se parcialmente
isenta de IVA, uma vez que, para além da sua atividade segu-radora, exercia
a atividade de arrendamento de imóveis afetos a fins comer ciais, em
relação à qual optou pela tributação em conformidade 28 Ac. Zita Modes
(C-497/01), nº 34.

29 Sobre a metodologia e natureza da interpretação autónoma operada pelo


TJ a propó-

sito dos conceitos empregues nas normas de isenção do IVA nas operações
internas, cf. o nosso “Os conceitos autónomos de direito da União Europeia
na interpretação das normas de isenção do IVA”, in Eduardo Paz Ferreira /
Heleno Taveira Torres / Clotilde Celorico Palma (eds.), Estudos em
Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Almedina, Coimbra,
2013, pp. 300 ss..

37

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

com as disposições do Reino Unido. Assim, faturava o IVA sobre as rendas


e deduzia deste IVA o imposto pago a montante no âmbito dessa atividade.
No que se refere ao imposto residual a montante, que não pode ser afetado
diretamente nem a operações tributadas nem a operações isentas, o grupo
Abbey National fez um acordo com os Commissioners of Customs and
Excise com vista à aplicação do método de afetação real, em conformidade
com as disposições adotadas no Reino Unido pela transposição dos artigos
17º, nº 5, e 19º da Sexta Diretiva.

No âmbito da sua atividade de arrendamento, a Scottish Mutual ad-quiria e


cedia imóveis esporadicamente. Um desses imóveis era a Atholl House, em
Aberdeen, relativamente à qual tinha um arrendamento de 125 anos, com
início em 1976, e que era subarrendado através de um contrato de 40 anos.
Em 1993, cedeu os seus direitos no contrato de arrendamento de 125 anos a
uma sociedade não pertencente ao mesmo grupo, acompanhado do
subarrendamento, tendo sido mantida a continuidade da exploração e tendo
a adquirente optado igualmente pela tributação. Nos termos do artigo 5º, nº
1, da VAT Order 30, não era devido IVA sobre o preço da transmissão, que
era de 5.400.000 GBP.

Todavia, relativamente a essa transmissão, a Scottish Mutual incorreu em


honorários sobre os quais incidiu IVA no montante de 4.365,04

GBP. Considerando que tal importância foi paga a título de imposto a


montante respeitante a uma operação incluída nas suas atividades
tributadas, a sociedade deduziu-a do seu imposto a jusante. Na sequência de
uma ação inspetiva, em 1994, os Commissioners consideraram que a cessão
da Atholl House constituiu uma transmissão com continuidade da
exploração e que, como tal, não conformava uma entrega tributada à qual
pudesse ser afetado o imposto a montante. Não obstante, foi dedu-zida uma
parte do IVA, determinada nos termos de um método conven-cionado para a
repartição do imposto residual a montante e sem afeta-

ção específica.

A Abbey National recorreu da decisão para o VAT and Duties Tribunal de


Londres, que negou provimento ao recurso em 1997. O tribunal entendeu,
no essencial, que o direito à dedução surge quando os bens ou serviços são
utilizados para uma operação tributada e se encontram 30 Value Added Tax
(Special Provisions) Order (SI 1995, p. 1268), que substituiu a Regulation
5(1) da Value Added Tax (Special Provisions) Order (SI 1992, p. 3129).

38

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA direta e imediatamente ligados a esta. A transmissão da Atholl
House não era uma operação tributável e, portanto, não podia, por si
mesma, servir de base a um direito à dedução. Com efeito, o tribunal
considerou que não se estava perante uma transmissão com continuidade de
exploração, mas sim perante uma operação incluída na gestão da carteira de
investimentos imobiliários da Scottish Mutual. Contudo, a atividade de
locação de bens imóveis da Scottish Mutual destinava-se a financiar
indemnizações que esta devia pagar no âmbito da sua atividade segura-dora.
Assim, as despesas efetuadas no âmbito da transferência eram despesas
gerais, direta e imediatamente relacionadas com as operações da sociedade,
tanto tributáveis como isentas.

A Abbey National recorreu, então, para a English High Court que, em 2 de


novembro de 1998, realçando que a transferência tinha sido acordada entre
as partes (contrariamente ao que fora declarado pelo VAT

and Customs Tribunal) como uma transmissão com continuidade de


exploração e que o processo implicava matéria de direito do IVA que era de
grande importância para o setor da propriedade comercial, mas sobre a qual
o TJ ainda se não tinha pronunciado, solicitou o reenvio prejudicial
circunscrito às seguintes questões:
«1) Tendo em conta o teor do disposto no nº 2 do artigo 17º da Sexta
Diretiva IVA, a expressão constante no seu artigo 5º, nº 8, “o beneficiário é
equiparado a sucessor do transmitente” exige que as entregas do
beneficiário sejam consideradas como se tivessem sido feitas pelo
transmitente para os efeitos de determinar a dedução do imposto suportado
a montante pelo transmitente?

2) Quando ocorra uma “transferência de uma universalidade de bens ou de


parte dela” na aceção do disposto no artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva IVA,
e quando um Estado-Membro, por força das medidas nacionais adotadas
nos termos desse artigo, considere que não ocorreu qualquer entrega de
bens ou fornecimento de serviços, pode o sujeito passivo, de acordo com
uma correta interpretação dos artigos 5º, nº 8, e 17º, nº 2, deduzir a
totalidade do imposto suportado a montante relativamente aos custos
atribuíveis a essa transferência, caso esse sujeito passivo devesse, não fosse
a aplicação do disposto no nº 8 do artigo 5º, suportar o imposto devido a
jusante sobre a transferência?

39

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

3) Quando a atividade económica desenvolvida pelo transmitente antes da


transação que se inscreve no disposto no artigo 5º, nº 8, constituir na sua
totalidade uma atividade tributável, é possível deduzir o imposto suportado
a montante sobre um pagamento feito em relação com a cessação dessa
atividade?»

Não deixa de ser interessante a abordagem exposta pelo governo neer-


landês nas suas observações escritas, onde se salienta que, ao optar pela
aplicação do artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva, os Estados-Membros visam a
“abstração” das entregas de bens e das prestações de serviços, tributá-

veis por natureza, efetuadas no âmbito da transferência de uma


universalidade de bens ou de parte dela. Tal substituição “neutra” de um
sujeito passivo por um outro, para efeitos de aplicação do IVA, só poderá
relacio-nar-se com as atividades económicas normais do transmitente. Estas
atividades económicas devem, assim, determinar o direito à dedução do
IVA sobre as despesas que aquele efetuou para realizar a transmissão.

O TJ começa por recordar que o regime das deduções visa libertar


inteiramente os operadores económicos do ónus do IVA, devido ou
entregue, no âmbito de todas as suas atividades económicas, garantindo a
perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades
económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades,
na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao
IVA. Assentando na doutrina BLP Group 31 e Midland Bank 32, o TJ alude
à necessidade de examinar se existe uma relação direta e imediata entre os
diversos serviços adquiridos pelo transmitente para realizar a transferência
de uma universalidade de bens ou de parte dela e uma ou várias operações
tributadas a jusante.

A este propósito, o Tribunal afasta o argumento da Abbey National, de


acordo com o qual, uma vez que, por força do artigo 5º, nº 8, da Sexta
Diretiva, o beneficiário é equiparado a um sucessor do transmitente, este
último pode tomar em consideração as entregas tributáveis do beneficiário a
fim de poder deduzir a totalidade do IVA que onera as despesas efetuadas
com os serviços adquiridos para realizar a transmissão. O TJ

refere que o referido argumento não merece acolhimento, na medida 31 Ac.


BLP Group (C-4/94), nºs 18-19.

32 Ac. Midland Bank (C-98/98), nº 30.

40

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA em que, por um lado, resulta do artigo 17º, nº 2, da Sexta
Diretiva, que o sujeito passivo só pode deduzir o IVA que onera os bens e
serviços que sejam utilizados para os fins das próprias operações
tributáveis. Por outro lado, em qualquer caso, o montante do IVA entregue
pelo transmitente sobre as despesas efetuadas com os serviços adquiridos a
fim de realizar a transmissão de uma universalidade de bens ou de parte
dela não onera diretamente os diversos elementos constitutivos do preço das
operações tributadas do beneficiário, tal como é exigido pelo artigo 2º
da Primeira Diretiva. Com efeito, as referidas despesas não fazem parte dos
custos das operações a montante que utilizam os bens e serviços adquiridos.

Assim, apesar de os diferentes serviços adquiridos pelo transmitente a fim


de realizar a transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela
não apresentarem uma relação direta e imediata com uma ou várias
operações a jusante que confiram direito à dedução, o Tribunal refere que os
custos desses serviços fazem parte das despesas gerais do sujeito passivo e,
como tais, são elementos constitutivos do preço dos produtos de uma
empresa. Como tal, mesmo no caso da transferência de uma universalidade
de bens, quando o sujeito passivo não realiza mais operações após a
utilização dos referidos serviços, os custos destes últimos devem ser
considerados inerentes ao conjunto da atividade económica da empresa
antes da transmissão. Nessa medida, outra interpretação do artigo 17º da
Sexta Diretiva seria contrária ao princípio que exige que o sistema do IVA
seja de uma perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as
atividades económicas da empresa, na condição de estas estarem elas
próprias sujeitas ao IVA, e poria a cargo do operador económico o custo do
IVA no âmbito da sua atividade económica sem lhe dar a possibilidade de o
deduzir. Assim, proceder-se-ia a uma distinção arbitrária entre, por um lado,
as despesas efetuadas para os fins de uma empresa antes da exploração
efetiva desta e das efetuadas no decurso da referida exploração e, por outro
lado, as despesas efetuadas para pôr termo a esta exploração.

O TJ concluiu respondendo às questões colocadas no sentido em que,


quando um Estado-Membro procedeu à transposição da regra de
transmissão do negócio, de modo que se considera que a transferência de
uma universalidade de bens ou de parte dela não constitui uma entrega de
bens, as despesas efetuadas pelo transmitente com os serviços 41

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

adquiridos a fim de realizar esta transmissão fazem parte das despesas


gerais desse sujeito passivo e, portanto, mantêm em princípio uma rela-

ção direta e imediata com o conjunto da atividade económica do referido


sujeito passivo. Assim, se o transmitente efetua simultaneamente operações
com direito à dedução e operações sem direito à dedução, resulta do artigo
17º, nº 5, da Sexta Diretiva, que este pode unicamente deduzir a parte do
IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de
operações. Todavia, se os diversos serviços adquiridos pelo transmitente a
fim de realizar a transmissão apresentam uma relação direta e imediata com
uma parte claramente delimitada das suas atividades económicas, de modo
que os custos dos referidos serviços fazem parte das despesas gerais
inerentes à referida parte da empresa e que todas as operações incluídas
nessa parte da empresa estão sujeitas a IVA, este sujeito passivo pode
deduzir a totalidade do IVA que onerou as despesas que efetuou para
adquirir os referidos serviços.

Será interessante notar a argumentação do AG Jacobs, que, nas suas


Conclusões, esclarece a natureza da operação subjacente à transmissão do
negócio, afastando a sua possível classificação como operação isenta:

«Uma operação isenta tem por efeito interromper a cadeia do IVA. Não há
qualquer razão para considerar que a cadeia é interrompida por uma
operação que “não implica uma entrega de bens

[prestação de serviços]”. Pelo contrário, a disposição segundo a qual

“o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente” sublinha a


continuidade da situação do ponto de vista do IVA. Se bem que –

para retomar a metáfora – um elo da cadeia seja considerado inexistente,


este “elo que falta” não implica uma interrupção e um recomeço da cadeia
mas antes uma relação de sequência entre os elos de um lado e de outro.
Além disso, segundo o meu raciocínio, o regime concedido às isenções
deve ser aplicado restritivamente. Em consequência, importa uma análise
mais ampla para determinar se o IVA cuja dedução é pedida onerou uma
entrega que era um elemento constitutivo do preço de outra operação
tributada»33.

O caso seguinte debruça-se sobre o conceito autónomo de transmissão de


uma universalidade de bens ou de parte dela definindo o âmbito obje-33
Cls. do AG F. G. Jacobs em Abbey National (C-408/98), nº 38.

42
A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO
EUROPEIA tivo da regra de transmissão do negócio e as condições em que
os Estados-Membros a podem aplicar.

3.2. Zita Modes (C-497/01)

O litígio em causa teve origem na venda de ativos da atividade de co-


mércio de pronto-a-vestir a retalho, feita pela sociedade Zita Modes Sàrl
(Zita Modes) à Parfumerie Milady (Milady)34. Na fatura, descreve-se o
objeto da venda como um trespasse de estabelecimento ( fonds de
commerce), constando a menção “[a] presente fatura não está sujeita a IVA,
nos termos das disposições legais em vigor”. O objeto da venda em causa
incidiu sobre acessórios de moda, complementares das peças de vestuário
comercializadas, incluindo artigos de perfumaria produzidos pela mesma
marca que confecionava aquelas peças de vestuário, utilizados depois pela
Milady como continuação da atividade da Zita Modes.

A administração fiscal do Luxemburgo não aceitou a classificação da


operação, alegando em substância que, para a derrogação ser aplicável, o
cessionário tinha de ser um sujeito passivo que prosseguisse a atividade do
cedente, devendo, portanto, estar legalmente habilitado para explorar aquele
tipo de atividade, mas que, no caso presente, a Milady não tinha qualquer
autorização administrativa para exercer a atividade no setor em questão. Por
isso, aquela administração liquidou o montante do IVA devido pela
sociedade Zita Modes.

O Tribunal d’arrondissement do Luxemburgo solicitou ao TJ que se


pronunciasse sobre as seguintes questões prejudiciais:

«1) O artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de


Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-
Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema
comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme,
deve ser interpretado no sentido de que a transmissão de uma
universalidade de bens a um sujeito passivo constitui uma condição
suficiente para que a operação não seja sujeita ao imposto sobre o valor
acrescentado, seja qual for a atividade 34 Cf., a propósito, a anotação de
Rui Laires, “Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de
27 de Novembro de 2003, Processo nº C-497/01 (Sexta Directiva IVA

– Artigo 5º, nº 8 – Transmissão de uma universalidade de bens)”, CTF, 416,


julho-dezembro, 2005.

43

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

do sujeito passivo ou seja qual for a utilização que este faça dos bens
transmitidos?

2) Em caso de resposta negativa à primeira questão, o artigo 5º, nº 8, da


Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que a transmissão de uma
universalidade de bens a um sujeito passivo deve ser entendida no sentido
de uma transmissão total ou parcial de uma empresa a um sujeito passivo
que prossegue a atividade total da empresa cedente ou que prossegue a
atividade do ramo que corresponde à universalidade parcial cedida, ou
simplesmente no sentido de que uma transmissão total ou parcial de uma
universalidade de bens a um sujeito passivo que prossegue o tipo de
atividade total ou parcial do cedente, sem que tenha havido transmissão da
empresa ou de uma parte da empresa?

3) Em caso de resposta afirmativa a uma das partes da segunda questão, o


artigo 5º, nº 8, impõe ou permite que um Estado exija que a atividade do
beneficiário seja exercida de acordo com a autorização de estabelecimento
emitida pelo organismo competente e exigida para a atividade ou para o
ramo de atividade, entendendo-se que a atividade desenvolvida se insere no
circuito económico lícito no sentido da jurisprudência do Tribunal de
Justiça?»

A Administration de l’Enregistrement et des Domaines de l’État, nas suas


Observações, alegou que a finalidade do artigo 9º, nº 2, da Lei do IVA
luxemburguesa consistia em evitar a persistência de qualquer imposto
residual ( rémanence de taxe) quando o cessionário fosse um sujeito passivo
que apenas tem direito a deduzir parcialmente o imposto pago a montante,
contribuindo, com isso, para assegurar a neutralidade do IVA.
De acordo com a administração fiscal luxemburguesa, se o cessionário
dever ser considerado sucessor do cedente, tem necessariamente de exercer
o mesmo tipo de atividade do cedente, caso contrário tornar-se-

-ia extremamente difícil aplicar o artigo 9º, nº 2, da Lei do IVA, que, na


prática, ficaria destituído de qualquer sentido, em especial, na parte em que
se refere aos ajustamentos respeitantes a bens de investimento.

A Comissão, por seu turno, ao considerar o objetivo visado no artigo 5º, nº


8, da Sexta Diretiva, cita a exposição dos fundamentos da sua Proposta de
Sexta Diretiva, em que a faculdade em causa vinha des crita como sendo
concedida como “numa preocupação de simplificação e 44

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA para não sobrecarregar a tesouraria da empresa”. Deste modo,
a questão está em evitar a frequência com que elevados montantes de
imposto são faturados, entregues ao Estado e, posteriormente, recuperados
através da dedução do imposto a montante. O objetivo do segundo período,
que não constava da proposta original, é o de autorizar os Estados-Membros
a legislarem nos casos em que o cessionário não tenha direito à dedu-

ção integral. Refere ainda que o princípio da neutralidade do IVA significa


que a aplicação do artigo 5º, nº 8, deve levar exatamente ao mesmo resul
tado que se verificaria se o imposto tivesse sido liquidado e deduzido na sua
forma normal.

No respeitante às questões suscitadas pelo órgão jurisdicional nacional, a


Comissão não considera necessário que a atividade comercial do
cessionário tenha de ser idêntica à do cedente. Importante para ela é que a
aplicação do artigo 5º, nº 8, leve ao mesmo resultado que ocorreria se o
imposto tivesse sido liquidado, pago e, a seguir, recuperado através da
dedução do imposto a montante; para tanto, basta apenas que o cessionário
esteja em situação de fazer essas deduções, o que equivale a dizer que se
trata de sujeito passivo que usa os bens transmitidos para os fins das suas
operações tributáveis.

Quanto ao facto de a Milady não ter autorização para explorar a mesma


atividade que a Zita Modes, a Comissão salienta que, segundo a
jurisprudência, uma atividade económica ilícita não fica excluída da esfera
do IVA, na medida em que ela possa de algum modo concorrer com as
atividades lícitas. Se, porém, num caso idêntico ao em apreço, a aplicação
do artigo 5º, nº 8, ocasionar distorções de concorrência, então o Estado-
Membro terá legitimidade para adotar medidas corretivas, em conformidade
com o disposto no segundo período desta norma.

O Tribunal começa por esclarecer que a simples venda, com carácter


isolado, de acessórios de moda não constitui uma transmissão de uma
universalidade de bens na aceção da Sexta Diretiva, mas uma entrega
ordinária de elementos do stock de uma empresa. Pelo contrário, a cessão
de um conjunto coerente de ativos suscetíveis de permitir o pros-
seguimento de uma atividade económica na aceção da mesma diretiva pode
estar abrangida pelo seu artigo 5º, nº 8.

O TJ prossegue referindo que, no que respeita aos bens transmitidos e à


utilização desses bens feita pelo beneficiário depois da transmissão,
observe-se, em primeiro lugar, que a Sexta Diretiva não contém ne-45

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

nhuma definição do conceito “transferência a título oneroso ou a título


gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade
de bens ou de parte dela”. No entanto, segundo jurisprudência assente,
decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito comunitário
como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito
comunitário que não contenha qualquer remissão expressa para o direito
interno dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance
devem normalmente encontrar, em toda a União Europeia, uma
interpretação autónoma e uniforme, que deve ser pro curada tendo em conta
o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em
causa.

Tendo em conta a principal finalidade subjacente à norma em causa, que é


permitir aos Estados-Membros facilitar as transmissões de empresas ou de
partes de empresas, simplificando-as e evitando sobrecarregar a tesouraria
do beneficiário através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer
forma, ele teria recuperado posteriormente através da dedução do IVA pago
a montante, o Tribunal refere que o conceito de “transferência a título
oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de
uma universalidade de bens ou de parte dela” deve ser interpretado no
sentido de que abrange a transmissão do esta belecimento comercial ou de
uma parte autónoma de uma em presa que inclui elementos corpóreos e, se
for o caso, incorpóreos que, em conjunto, constituem uma empresa ou parte
de uma empresa capaz de prosseguir uma atividade económica de forma
autónoma, mas que não abrange a simples cessão de bens, como a venda
isolada de um stock de produtos.

Por outro lado, quanto à questão de saber se, para efeitos da aplica-

ção do regime em causa, o beneficiário deve ou não prosseguir a mesma


atividade que o transmitente, o TJ recorre ao elemento literal, respondendo
de forma direta: nenhum elemento do artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva
exige que, antes da transmissão, o beneficiário exerça o mesmo tipo de
atividade económica que o cedente.

Por último, no que respeita à necessidade de se possuir uma licença


administrativa para a prossecução de uma determinada atividade econó-

mica, o Tribunal, recordando o caso Salumets (C-455/98), faz notar que, em


conformidade com o princípio da neutralidade fiscal, as transações que,
ainda que ilícitas, não incidem sobre mercadorias cuja comerciali-46

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA zação seja proibida devido à sua própria natureza ou às suas
características particulares e que podem entrar em concorrência com
transações lícitas são sujeitas aos impostos normalmente devidos por força
da legislação comunitária. Nessa medida, é irrelevante a circunstância de o
exercício de atividades económicas estar sujeito, no Estado-Membro em
causa, a um regime especial de autorização de estabelecimento. Como tal,
não é de excluir que um operador económico, que exerce uma atividade
económica para a qual não possui uma autorização de estabelecimento,
entre em concorrência com operadores económicos que pos-suem as
autorizações exigidas. Em conclusão, o Tribunal esclareceu que a
disposição interpretada, i.e., o artigo 5º, nº 8, primeira frase, da Sexta
Diretiva se opõe a que o Estado-Membro limite a aplicação desta regra de
não entrega unicamente às transmissões de uma universalidade de bens em
que o beneficiário possui uma autorização de estabelecimento para a
atividade económica que essa universalidade permite exercer.

No próximo caso, tratava-se de saber se o transmitente, uma entidade


constituída com a única finalidade de transmitir um negócio, pode ria ter em
consideração as operações tributáveis do transmissário por forma a poder
deduzir o imposto.

3.3. Faxworld (C-137/02)

A Faxworld Vorgründungsgesellschaft Peter Hünninghausen und Wolfgang


Klein GbR (Faxworld GbR) foi constituída em 1 de outubro de 1996 com a
única finalidade de preparar a constituição da sociedade Faxworld
Telefonmarketing AG (Faxworld AG). Para esse efeito, ar-rendou e equipou
escritórios, adquiriu bens de equipamento, enviou correio publicitário de
apresentação e fez publicidade em nome da Faxworld AG, ainda por
constituir. Após a constituição desta, a Faxworld GbR cessou a sua
atividade e, cumprindo o seu objeto social, transferiu a título oneroso a
totalidade dos bens que tinha adquirido para a Faxworld AG, que pôde,
assim, iniciar imediatamente a sua atividade empresarial nos escritórios
arrendados, equipados e mobilados pela Faxworld GbR.

O montante de IVA incorrido pela Faxworld GbR em relação às suas


aquisições não foi repercutido no preço da transferência efetuada à
Faxworld AG. Posteriormente, a Faxworld GbR pretendeu deduzir o
imposto pago a montante sobre os fornecimentos que adquiriu e trans-47

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

feriu. Perante este cenário, a administração fiscal alemã recusou a dedu-

ção, por considerar que a Faxworld GbR não era passível de ser qualificada
como sujeito passivo, uma vez que a sua única operação geradora de
receitas consistiu na transferência de uma atividade, que não devia ser
considerada uma operação tributável. A Faxworld GbR impugnou a decisão
junto do órgão jurisdicional competente, que julgou o seu pedido
procedente, com fundamento no princípio da neutralidade do IVA.
Assim, o imposto pago a montante podia ser deduzido mesmo quando a
demandante nunca tivesse tencionado utilizar ela própria as entregas que
lhe foram fornecidas para a realização de operações tributáveis, uma vez
que só as adquiriu tendo em vista a atividade económica a desenvolver pela
Faxworld AG.

A administração fiscal alemã interpôs recurso limitado à questão de direito


para o Bundesfinanzhof (BFH), que suspendeu a instância e sub-meteu ao
Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma sociedade civil, criada com o único objetivo de constitui-

ção de uma sociedade comercial, tem direito à dedução do imposto


suportado a montante sobre serviços que lhe tenham sido prestados e bens
que tenha adquirido, se, após a constituição da sociedade comer cial,
transferir a título oneroso e por ato formal, para a referida sociedade
comercial posteriormente constituída, as prestações anteriormente
adquiridas, e quando, desde o início, não tinha a intenção de efetuar outras
operações de entregas de bens e de prestação de serviços a terceiros e, no
Estado-Membro em causa, a transferência de uma universalidade de bens
não for considerada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços
(artigo 5º, nº 8, primeiro período, e artigo 6º, nº 5, da Sexta Diretiva)?»

Nas observações apresentadas ao TJ, a Faxworld GbR alega essencialmente


que, conjuntamente com a Faxworld AG, ambas constituem uma única
entidade económica, de acordo com a Fußstapfentheorie, apa-rentemente
aplicada pelo BFH, derivada do direito das sucessões, e que exprime a ideia
de que o beneficiário segue as pisadas do transmitente –

correspondendo à expressão inglesa “stepping into the transferor’s shoes” .

Ora, como os bens e serviços adquiridos pela Faxworld GbR se destina-vam


a ser utilizados para os fins das operações tributáveis da Faxworld 48

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA AG, a Faxworld GbR teria o direito a deduzir o imposto
suportado a montante em relação a esses bens e serviços. Adicionalmente,
remete-
-se para o caso Brigitte Breitsohl (C-400/98), onde o TJ entendeu que o
direito a deduzir o IVA suportado sobre os fornecimentos adquiridos com
vista à realização de um projeto de atividade económica subsiste mesmo
quando a administração fiscal tem conhecimento, desde a primeira
liquidação do imposto, que a atividade económica prevista (que deveria dar
lugar a operações tributáveis) não será exercida. Como tal, este
entendimento aplicar-se-ia, a fortiori, num caso como o dos autos
referenciados.

Pelo contrário, a abordagem da administração fiscal alemã no


Bundesfinanzhof e a do Governo alemão no TJ é de que a Faxworld GbR e
a Faxworld AG são pessoas jurídicas distintas, não sendo a Faxworld GbR

sujeito passivo, por nunca ter exercido, nem ter tido o intuito de exercer
qualquer atividade económica na aceção do artigo 4º da Sexta Diretiva, ou
qualquer operação tributável, na aceção dos seus artigos 5º e 6º.

Nessas circunstâncias, não há lugar a qualquer direito à dedução, pois,


essencialmente, não existe uma pessoa que possa gozar esse direito nem
pode ser realizada qualquer operação no âmbito do sistema do IVA em
relação à qual possa ser efetuada uma dedução. O Governo alemão remete,
a propósito e de modo significativo, para o acórdão proferido no caso Abbey
National.

A Comissão, por seu turno, entendeu que a aquisição de bens e serviços


pela Faxworld GbR se inseria claramente na definição de atividade
económica e, por conseguinte, no âmbito do sistema do IVA. Contudo,
como esses bens e serviços não foram utilizados por essa sociedade civil
para – e não têm qualquer relação direta e imediata com – as suas próprias
operações tributáveis a jusante, a Comissão entendeu que a Faxworld GbR
não tem o direito à dedução do imposto suportado a montante em relação a
esses bens e serviços. Em contrapartida, segundo a Comissão, a Faxworld
AG, na qualidade de sucessora da Faxworld GbR, na aceção do artigo 5º, nº
8, da Sexta Diretiva, tendo utilizado os referidos bens e serviços para as
suas próprias operações tributáveis a jusante, tem direito à dedução. Esta
solução prossegue a linha do acórdão Abbey National, que apenas abordou
a questão do direito à dedução na esfera do transmitente e não na esfera do
beneficiário.
49

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

O TJ acabou por entender que, diversamente do que sucedeu no processo


que esteve na origem do acórdão Abbey National, o próprio sujeito passivo
no processo principal, ou seja, a Faxworld GbR, não tinha sequer a intenção
de realizar operações tributáveis, pois o seu objeto social era apenas o de
preparar a atividade da Aktiengesellschaft. Ora, não é menos verdade que o
IVA que a Faxworld GbR pretendia deduzir se re-portava às prestações que
adquirira com vista à realização de operações tributáveis, embora estas
últimas sejam apenas operações projetadas da Faxworld AG. Nestas
circunstâncias específicas, e para poder garantir a neutralidade da carga
fiscal, o TJ considerou que, sendo o beneficiário equiparado a sucessor do
transmitente por força do disposto nos artigos 5º, nº 8, e 6º, nº 5, da Sexta
Diretiva, a entidade transmitente deverá ter a possibilidade de tomar em
consideração as operações tributáveis da cessionária, ou seja, da Faxworld
AG, para poder deduzir o IVA que incide sobre as suas operações a
montante, as quais foram adquiridas para os fins das operações tributáveis
da referida cessionária.

Para que o TJ chegasse a este resultado, foram determinantes as Conclusões


do AG Jacobs. O AG, ab initio, entendeu não ser possível, numa situação
abrangida pelo artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva, apreciar separa-damente a
posição do transmitente e a do beneficiário. Do ponto de vista da realidade
económica, parece claro que foi constituída uma única empresa, que passou
por várias fases preparatórias antes de se tornar operacional, pelo que a
continuidade da empresa, desde as fases preparatórias até à fase de
exploração – ou seja, a continuidade da sua identidade como empresa – não
parece estar em dúvida. O funcionamento normal do sistema do IVA exige
que o imposto pago a montante sobre os fornecimentos adquiridos por uma
empresa tanto nas fases pre paratórias como na fase de exploração seja
dedutível do imposto devido a jusante.

No caso em apreço e de um ponto de vista jurídico, o AG sublinhou que as


fases preparatórias e de exploração foram realizadas por duas entidades
distintas, uma sociedade civil e uma sociedade comercial.
A sociedade civil não foi constituída para realizar operações tributáveis a
jusante e, de facto, não realizou essas operações nem alguma vez teve a
intenção de as realizar. A sua única operação a jusante, real ou projetada,
foi a venda à sociedade comercial do “embrião” de uma ativi dade que
ainda não tinha chegado à fase de exploração. Por outro lado, o AG
relembra, em linha com a doutrina INZO (C-110/94) e Ghent Coal 50

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA Terminal (C-37/95), que o direito à dedução não se perde pelo
facto de não terem sido efetivamente realizadas entregas a jusante, apesar
de, segundo aquela jurisprudência, ser necessário que tenha havido a inten-

ção de efetuar esses fornecimentos, o que a Faxworld GbR não parece ter
manifestado.

Segundo o AG Jacobs, há que ter claramente em mente que a consequência


da utilização da faculdade conferida pelo artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva
não pode ser a criação de uma operação isenta. Se tivesse sido essa a
intenção do legislador, a disposição teria sido incluída no Tí-

tulo X da diretiva, relativo às isenções, e não no Título V, relativo à


definição das operações tributáveis. Por outro lado, caso o IVA suportado a
montante não pudesse ser deduzido, gerar-se-ia uma distorção significativa
da concorrência face a outras empresas. Como o TJ reafirmou em Abbey
National, em linha com a doutrina Rompelman (C-268/83), o regime das
deduções visa libertar inteiramente o operador económico do ónus do IVA,
garantindo a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as
atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas
atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias,
sujeitas ao IVA.

No caso vertente nos referidos autos, prossegue o AG, os ativos transferidos


foram adquiridos pela Faxworld GbR para as futuras opera-

ções tributáveis a jusante a realizar pela Faxworld AG e, portanto, a fim de


serem elementos constitutivos do preço dessas operações. Além disso, há
uma relação direta e imediata entre os fornecimentos adquiridos a montante
e as operações tributáveis a jusante que conferem direito à dedução, pois,
por força do artigo 5º, nº 8, não se considera que tenha havido qualquer
operação intercalar entre o momento da aquisição desses fornecimentos e a
sua utilização para as operações a jusante. Assim, a Faxworld AG é a
sucessora – ou “continua a personalidade” – da Faxworld GbR. No
momento em que surgiu o direito à dedução – ou seja, no momento em que
o imposto a montante se tornou exigível – a Faxworld GbR agia na
qualidade de sujeito passivo na aceção do artigo 4º, nº 1, da Sexta Diretiva.
Por conseguinte, o AG entendeu encon-trarem-se preenchidas as condições
para o exercício da dedução.

De acordo com o AG, haverá que estabelecer uma distinção entre o


transmitente e o beneficiário. O objetivo de garantir a neutralidade do IVA
não será alcançado se o imposto pago puder ser deduzido por 51

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

uma pessoa diferente da que suportou a sua carga económica. Apesar de, na
situação controvertida, os sócios ou acionistas de ambas as entidades serem
na realidade os mesmos – pelo que, em última análise, serão afetados os
mesmos “bolsos” – nem sempre tal acontecerá. Se o preço da transferência
da empresa for o valor contabilístico do ativo, sem IVA, permitir que o
direito à dedução seja do destinatário e não do transmitente daria ao
primeiro – como o Governo alemão assinalou na audiência – uma vantagem
financeira injustificada e sobrecarregaria o segundo com uma carga fiscal
irrecuperável. Se, por outro lado, o IVA pago a montante for repercutido no
preço da transferência, o direito à dedu-

ção deve caber ao beneficiário. Outra forma de proceder implicaria uma


distorção da concorrência que, além de incompatível com os princípios do
sistema do IVA e com o direito da União Europeia em geral, deve ser
evitada, como especificamente impõe o artigo 5º, nº 8. Por conseguinte, de
acordo com esta linha argumentativa, no caso vertente, seria à Faxworld
GbR e não à Faxworld AG que caberia o direito à dedução.

O AG questiona-se também sobre se a conclusão a que chegou é


inteiramente compatível com o resultado obtido no acórdão Abbey
National. Recorde-se que, nos termos desse acórdão, o TJ havia declarado
que o sujeito passivo só pode deduzir o IVA que onera os bens e serviços
que sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis e que o
montante do IVA pago pelo transmitente sobre as despesas efetuadas com
os serviços adquiridos a fim de realizar a transmissão de uma
universalidade de bens ou de parte dela não onera diretamente os diversos
elementos constitutivos do preço das operações tributadas do beneficiá-

rio. Todavia, essas despesas inserem-se nas despesas gerais da atividade do


transmitente e, enquanto tais, são elementos constitutivos do preço dos
produtos dessa atividade; por conseguinte, o transmitente goza do direito à
dedução com esse fundamento. Na opinião do AG, esta ratio é específica às
circunstâncias do processo Abbey National. O imposto em causa nesse
processo era devido sobre os serviços adquiridos para efetuar a
transferência e não sobre os ativos efetivamente transferidos.

Estes últimos ativos, em questão no caso vertente, são claramente


elementos constitutivos do preço das operações do beneficiário e a
continuidade de personalidade entre o transmitente e o seu sucessor, o
beneficiário, justifica que se considere que o IVA pago a montante em
relação com a sua aquisição confere o direito à dedução com esse
fundamento.

52

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA Em conclusão, a fim de respeitar o princípio da neutralidade
do IVA e de evitar qualquer distorção da concorrência, esse direito deve
caber à pessoa, transmitente ou beneficiário, que efetivamente suporte o
ónus económico do imposto, quando seja aplicável o artigo 5º, nº 8, da
Sexta Diretiva. Apenas em circunstâncias absolutamente excecionais – e
dificilmente imagináveis – poderão esses objetivos ser ainda alcançados
permitindo que a outra parte na transferência tenha o direito à dedução.

O próximo caso versa sobre uma transmissão de participações sociais


operada por uma sociedade gestora de participações sociais sujeito passivo
de IVA.

3.4. SKF (C-29/08)


A SKF é a sociedade-mãe de um grupo industrial com atividades em vários
países. A sociedade em causa participa ativamente na gestão das suas filiais
e presta-lhes serviços remunerados, tais como a gestão, a admi nistração e a
política comercial. Tais prestações de serviços são fatu radas às filiais e a
SKF é sujeito passivo de IVA relativamente a estas prestações.

No âmbito de uma reestruturação da atividade do grupo, a SKF pretendia


ceder a atividade da sua filial que detém a 100%, vendendo a tota lidade das
suas participações sociais. Por outro lado, a SKF tencio-nava vender a sua
participação de 26,5% na empresa associada, que detinha anteriormente a
100% e à qual prestava, enquanto sociedade-mãe, serviços tributáveis em
sede de IVA. O motivo subjacente a estas opera-

ções prendia-se com a liberação de capital para o financiamento das


restantes atividades do grupo. Para proceder às referidas operações, a SKF

pretendia adquirir serviços de avaliação de títulos e de assistência nas


negociações, bem como, no que respeita à redação de contratos, consul-
toria jurídica especializada. Tais prestações de serviços estariam sujeitas a
imposto.

Por forma a esclarecer quais as consequências fiscais das referidas


operações, a SKF requereu uma informação prévia vinculativa à
Skatterättsnämnden, relativa ao direito à dedução do IVA suportado a
montante sobre os serviços adquiridos no âmbito da transmissão das
participações, quer da filial quer da empresa associada, o que a
Skatterättsnämnden confirmou positivamente, considerando que os serviços
prestados pela SKF à filial e à empresa associada constituíam uma ativi-53

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

dade económica e que o IVA suportado sobre as suas despesas aquando da


aquisição daquelas sociedades era dedutível. Da mesma forma, o IVA
incorrido sobre as suas despesas quando da cessação dessa atividade deve
ria igualmente ser dedutível. Ainda de acordo com aquela enti dade, o facto
de a atividade na empresa associada ter cessado progressivamente em nada
alterava esta apreciação.
A Skatteverket recorreu da informação prévia vinculativa para o
Regeringsrätten, solicitando que não fosse permitida a dedução do IVA
pago sobre os serviços adquiridos. Neste contexto, o Regeringsrätten
decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes
questões prejudiciais:

«1) Os artigos 2º e 4º da Sexta Diretiva [...] e os artigos 2º e 9º da Diretiva


2006/112 devem ser interpretados no sentido de que a transmissão de
participações numa sociedade filial por um sujeito passivo que é devedor do
imposto em resultado da prestação de serviços a essa filial constitui uma
operação passível de IVA?

2) Se a resposta à primeira questão for a de que a transmissão constitui uma


operação tributável, tal operação é abrangida pela isen-

ção de imposto de que beneficiam as operações relativas a participações em


sociedades, prevista no artigo 13º, B, alínea d), ponto 5, da [Sexta] Diretiva
[...] e no artigo 135º, nº 1, alínea f), da Diretiva 2006/112?

3) Independentemente da resposta às questões anteriores, pode haver direito


à dedução, a título de despesas gerais, relativamente a despesas diretamente
associadas à transmissão?

4) É relevante para a resposta às questões acima indicadas o facto de a


transmissão das participações da sociedade filial ser feita em várias fases?»

O Tribunal começou por aludir à sua jurisprudência assente –


nomeadamente, os casos Wellcome Trust (C-155/94), EDM (C-77/01), e
Investrand (C-435/05) –, nos termos da qual a simples aquisição, a detenção
e a venda de participações sociais não constituem, em si mesmas, uma
atividade económica na aceção da diretiva. Tais operações não implicam a
exploração de um bem com vista à produção de receitas com um ca-rácter
de permanência, uma vez que a única retribuição é constituída 54

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA por um eventual benefício na venda das participações sociais.
Apenas os paga mentos que constituem a contrapartida de uma operação ou
de uma atividade económica entram no âmbito de aplicação do IVA.
No entanto, o Tribunal recorda que a situação é diferente quando a
participação financeira numa sociedade é acompanhada pela interferência
direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de
participação, sem prejuízo dos direitos que o detentor da participação tenha
na qualidade de acionista ou de sócio35, na medida em que tal interferência
implique a realização de transações sujeitas a imposto, tais como o
fornecimento de serviços administrativos, contabilísticos e informáticos.

Ora, com a transferência da totalidade das ações detidas na filial e na


sociedade controlada, a SKF pôs termo à sua participação nessas
sociedades, pelo que a referida transmissão, realizada com vista à
reestruturação de um grupo de sociedades pela sociedade-mãe pode ser
considerada, de acordo com o Tribunal, uma operação de obtenção de
receitas com carácter permanente de atividades que excedem o quadro da
simples venda de ações, na medida em que apresenta um nexo direto com a
organização da atividade exercida pelo grupo e constitui o prolonga-mento
direto, permanente e necessário da atividade tributável do sujeito passivo na
aceção da jurisprudência referida ao longo do obiter dictum.

Como salientou o AG Mengozzi nas suas Conclusões, esta constatação está,


aliás, em conformidade com os princípios da igualdade de tratamento e da
neutralidade fiscal que exigem que as apreciações relativas ao
reconhecimento do carácter económico das tomadas de participações
acompanhadas de uma interferência pela sociedade-mãe na gestão das suas
filiais e das sociedades controladas sejam estendidas às situações de
transmissão de participações que põem termo a essa interferência.

Apesar de a questão não ter sido suscitada pelo tribunal de reenvio, a


Comissão defendeu que a operação em causa deveria ser equiparada a uma
transmissão da universalidade total ou parcial de bens na aceção do artigo
5º, nº 8, da Sexta Diretiva, a qual, enquanto entrega de bens, deve ser
considerada uma atividade económica. No entendimento da Comis-35 Cf.
Polysar (C-60/90); Floridienne e Berginvest (C-142/99); Welthgrove (C-
102/00) e Cibo Participations (C-16/00).

55

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA


são, a venda de todos os ativos de uma sociedade e a venda de todas as
ações desta são, no plano funcional, equivalentes.

Nessa senda, o TJ entendeu que constituiria uma atividade econó-

mica abrangida pelo âmbito de aplicação das referidas diretivas uma


transmissão, por uma sociedade holding, da totalidade das ações que detém
no capital de uma filial detida a 100% e a participação remanescente numa
sociedade controlada anteriormente detida a 100%, às quais forneceu
prestações de serviços sujeitas a IVA. Todavia, na medida em que a
transmissão de ações seja equiparada à transmissão da universalidade total
ou parcial de uma empresa, na aceção do artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva
ou do artigo 19º, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, desde que o Estado-
Membro em causa tenha optado pela faculdade pre vista nessas disposições,
o Tribunal entendeu que a operação em causa não constitui uma atividade
económica sujeita a IVA.

Para o tema que por ora nos ocupa, haverá ainda que salientar que o
Tribunal, quando confrontado com a quarta e última questão – a de saber se
a circunstância de a transmissão das ações decorrer em várias operações
sucessivas prejudicava as respostas anteriores –, fez lembrar que decorre da
sua jurisprudência que o conceito de atividade econó-

mica não consiste necessariamente num único ato, podendo consistir numa
série de atos consecutivos36. Aludindo também ao princípio da segurança
jurídica e à especial intensidade que este assume perante situações
suscetíveis de comportar encargos financeiros, tendo em vista permitir aos
interessados conhecer com exatidão o alcance das obriga-

ções que lhes são impostas, o Tribunal entendeu que o tratamento fiscal de
uma transmissão de ações deve basear-se em elementos objetivos da
operação em causa e não pode variar consoante intervenha num único
momento ou em vários momentos.

O caso seguinte versa sobre os elementos objetivos da regra de transmissão


do negócio, designadamente sobre se o facto de as instalações fí-
sicas do estabelecimento serem locadas ao transmissário em vez de lhe
serem transmitidas a título definitivo altera a qualificação da operação
como uma transmissão do negócio.

36 Rompelman (C-268/83); Fini H (C-32/03).

56

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA 3.5. Christel Schriever (C-444/10) A Sra. Schriever explorou,
até 30 de junho de 1996, um estabeleci mento de venda a retalho de artigos
de desporto num imóvel do qual era proprietária. A partir dessa data, cedeu
as existências e o equipamento da loja à Sport S. GmbH (Sport S.) e deu de
arrendamento à mesma, por tempo indeterminado, o imóvel em que a
atividade comercial era exercida. Nos termos do respetivo contrato, o
arrendamento podia ser denun ciado, por qualquer das partes, até ao terceiro
dia útil de cada trimestre, para o termo do trimestre seguinte.

O Finanzamt considerou não estarem preenchidos os pressupostos de uma


alienação integral de uma empresa, pois que o imóvel, enquanto elemento
essencial do estabelecimento, não integrava a universalidade transmitida a
título definitivo para a Sport S.. Não obstante, o Finanzge-right considerou
tratar-se de uma transmissão de negócio, uma vez que, por um lado, a Sport
S. deu, efetivamente, continuidade à atividade da empresa da Sra. Schriever
e, por outro, porque a simples possibilidade teórica de denunciar, em
qualquer momento, o contrato de arrendamento foi tida como irrelevante
para este efeito.

Ainda assim, o Finanzamt entendeu que um arrendamento denunciável


mediante um pré-aviso legal não garante a continuação duradoura da
atividade da empresa, uma vez que, sem as instalações, a explora-

ção de um estabelecimento de venda a retalho não é possível, pelo que inter


pôs um recurso de revisão para o Bundesfinanzgericht. Face às especí-

ficas circunstâncias do caso, este órgão jurisdicional suscitou as seguintes


questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:
«1) Existe “transferência” de uma universalidade de bens, na aceção do
artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva […] quando um empresário cede as
existências e o equipamento [da sua loja de venda] a retalho a um
adquirente mediante o simples arrendamento da loja, que permanece sua
propriedade?

2) Para esse efeito, é relevante a questão de saber se a loja é arrendada


através de um contrato de arrendamento de longo prazo ou se tal contrato é
celebrado por tempo indeterminado, podendo no entanto ser denunciado, a
curto prazo, por qualquer das partes?»

Segundo o TJ, a questão de saber se um conjunto de elementos deve incluir


bens móveis e imóveis deve ser apreciada no contexto da natu-57

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

reza da atividade em causa. Se a prossecução de uma atividade econó-

mica não carecer de instalações especiais ou fixas, pode existir transferência


de uma universalidade de bens, na aceção do artigo 5º, nº 8, da Sexta
Diretiva, mesmo sem a transmissão do direito de propriedade de um imóvel.
Em contrapartida, não é possível considerar que essa transmissão existe, na
aceção da referida disposição, no caso de a atividade económica em causa
consistir na exploração de um conjunto incindível de bens móveis e imóveis
e o cessionário não tomar posse das instala-

ções comerciais. Concretamente, se as instalações dispuserem de


equipamentos fixos necessários ao desenvolvimento da atividade
económica, esses bens imóveis devem fazer parte dos elementos
transmitidos para que se possa falar da transferência de uma universalidade
de bens ou de parte dela.

Todavia, segundo o TJ, pode igualmente ocorrer uma transferência de bens


se as instalações comerciais forem postas à disposição do cessionário
mediante um contrato de arrendamento ou se o cessionário dispuser de um
imóvel adequado para o qual os bens transmitidos possam ser transferidos e
onde possa continuar a ser exercida a atividade econó-
mica em causa. Outra interpretação conduziria a fazer uma distinção
arbitrária entre as cessões operadas pelos proprietários das instalações em
que se inserem os estabelecimentos ou a parte da empresa a transferir e as
cessões efetuadas pelos titulares de direitos de arrendamento dessas
instalações, pelo que nem o teor literal da regra de transmissão do negócio
nem a sua finalidade permitem concluir que os segundos não possam operar
a transferência de uma universalidade de bens, na aceção da referida
disposição.

Assim, de acordo com o Tribunal, se a cessão das existências e do


equipamento do estabelecimento for suficiente para permitir a continuação
de uma atividade económica autónoma, a transmissão dos bens imóveis não
é determinante para qualificar a operação de transferência de uma
universalidade de bens. Além disso, quando se verificar que a continuação
da atividade económica em causa exige que o transmissário continue a
utilizar as instalações utilizadas pelo transmitente, nada obsta, em princípio,
a que essa transmissão seja efetuada mediante a celebração de um contrato
de arrendamento. No entanto, para aplicação do artigo 5º, nº 8, da Sexta
Diretiva, é ainda necessário que o cessionário tenha a intenção de explorar o
estabelecimento ou a parte da empresa 58

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA transmitida e não simplesmente a de liquidar imediatamente a
exploração ou de vender as existências.

Por outro lado, o Tribunal salientou que elementos como a duração do


arrendamento e as modalidades de cessação estipuladas devem ser tomados
em conta na apreciação global da operação de transferência de bens na
aceção da norma em causa, uma vez que tais elementos podem ser
relevantes para essa apreciação, no caso de poderem impedir a continuação
duradoura da atividade económica. Contudo, o facto de um contrato de
arrendamento de duração indeterminada poder ser denunciado mediante um
pré-aviso de curto prazo não é, em si mesmo, determinante para concluir
que o transmissário tinha a intenção de liquidar imediatamente o
estabelecimento ou a parte da empresa transmitida, sendo esta interpretação
conforme com o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum
do IVA, nos termos do qual se exige que operadores económicos que
realizam as mesmas operações não sejam tratados de maneira diferente no
que respeita à cobrança deste imposto.

O próximo caso, à semelhança do processo SKF, versa sobre uma


transmissão de participações sociais, com a diferença de que as
participações sociais apenas perfaziam 30% do capital social e, na operação
em causa, encontravam-se envolvidas várias entidades.

3.6. X BV (C-651/11)

Em 1996, a X detinha 30% das participações no capital da A BV (A), que


exercia atividade no setor da automatização. As restantes participações no
capital da A eram detidas pela B Holding BV, pela X1 Beheer BV e pela C
BV em, respetivamente, 20,01%, 30% e 19,99%. Enquanto membro do
Conselho de Administração (CA), a X exercia, a par da B Holding BV e da
X1 Beheer BV, atividades de gestão da A mediante o pagamento de uma
remuneração acordada por contrato. No final de 1996, a X e as restantes
sócias da A alienaram as suas participações à D plc.

No âmbito desta transmissão, a X cessou a atividade de gestão relativa à A,


tendo abandonado o CA da referida sociedade.

A propósito da referida transmissão de participações, foram prestados


diversos serviços à X, relativamente aos quais foram emitidas faturas com
menção do IVA. A X deduziu este imposto nas suas declarações pe-riódicas
de IVA, por considerar que a cessão da sua participação constitui a
transmissão de uma universalidade de bens e de serviços e que os 59

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

custos em que incorreu no âmbito desta transação devem ser considerados


parte integrante dos custos gerais ligados ao conjunto das suas atividades
económicas e que, por esse motivo, são inteiramente dedutíveis.

Não obstante, a administração fiscal holandesa rejeitou esta dedução.

O tribunal de recurso de Haia declarou procedente o recurso interpos-to


pela X e entendeu que a transmissão das participações detidas pela X não é
abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA, pois não está em causa o
exercício de uma atividade económica. No entanto, considerou que o IVA
pago a montante podia ser deduzido, uma vez que a venda e a transmissão
das participações estavam relacionadas com a atividade da X enquanto
operador económico.

Posteriormente, a administração fiscal interpôs recurso de cassação para o


Hoge Raad der Nederlanden. Este tribunal remeteu para o acórdão SKF,
tendo concluído que a cessão de 30% das participações detidas na A,
realizada no contexto da cessação das atividades de gestão desta sociedade,
constitui uma atividade económica e deverá, por isso, ser isenta nos termos
do artigo 13º, B, alínea d), nº 5, da Sexta Diretiva. Contudo, como o
Tribunal de Justiça havia referido nesse acórdão, uma cessão de
participações que deva ser considerada uma atividade económica, não está
sujeita a IVA se a cessão puder ser equiparada à transmissão de uma
universalidade de bens ou de parte dela e o Estado-Membro em causa tiver
feito uso da faculdade prevista no artigo 5º, nº 8, primeira frase, da referida
diretiva. Confrontado com as dúvidas em torno da aplicabilidade da regra
de transmissão do negócio ao caso concreto, o Hoge Raad decidiu
suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes
questões prejudiciais:

«1) A transmissão de 30% das ações detidas numa sociedade – à qual o


transmitente fornece prestações de serviços sujeitas a IVA –

pode ser equiparada à transmissão de uma universalidade (ou de parte dela)


de bens, na aceção do artigo 5º, nº 8, e/ou de presta-

ções de serviços, na aceção do artigo 6º, nº 5, da Sexta Diretiva?

2) Em caso de resposta negativa à primeira questão: a transmissão nela


referida pode ser equiparada à transmissão de uma universalidade de bens
(ou de parte dela) na aceção do artigo 5º, nº 8, e/ou de prestações de
serviços na aceção do artigo 6º, nº 5, da Sexta Diretiva, se os restantes
acionistas, que também fornecem prestações de serviços sujeitas a IVA à
sociedade cujas ações são 60
A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO
EUROPEIA transmitidas, transmitirem (quase) simultaneamente à mesma
pessoa a totalidade das restantes ações dessa sociedade?

3) Em caso de resposta negativa também à segunda questão: a transmissão


referida na primeira questão pode ser considerada uma transmissão (de uma
parte) da empresa na aceção do artigo 5º, nº 8, e/ou do artigo 6º, nº 5, da
Sexta Diretiva, tendo em conta que a transmissão está estreitamente ligada à
atividade de gestão exercida no quadro dessa participação?»

O TJ começou por observar, a título preliminar, que, nos termos do artigo


6º, nº 1, da Sexta Diretiva, a cessão de um bem incorpóreo, representado, ou
não, por um título, é considerada uma prestação de serviços, donde resulta
que o artigo 6º, nº 5, da referida diretiva, em princípio, deve ser considerado
pertinente à luz das circunstâncias do pro cesso principal. Não obstante, o
artigo 5º, nº 3, alínea c), da Sexta Diretiva, oferece aos Estados-Membros a
faculdade de considerar como bens corpóreos as participações e as ações
cuja posse confira, de direito ou de facto, a propriedade ou o gozo de um
bem imóvel ou de uma fração de um bem imóvel, pelo que não se pode
excluir que o artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva possa eventualmente
continuar a ser relevante para o processo principal.

Em seguida, o Tribunal fez recordar o acórdão SKF, nos termos do qual se


admitiu que a cessão de uma participação de 100% da totalidade do capital
social possa, em determinadas circunstâncias, ser equipa rada à transmissão
de uma universalidade de bens ou de parte dela, desde que essa transmissão
tenha como consequência a cessão total ou parcial dos ativos das empresas
em causa. No entanto, o TJ faz notar que a mera cessão de ações que não
seja acompanhada da transmissão de ativos não permite ao cessionário
prosseguir uma atividade económica independente como sucessor do
transmitente. Com efeito, os acionistas não são proprietários dos ativos da
empresa na qual detêm a sua participa-

ção, sendo apenas proprietários das participações que detêm, o que lhes
confere um direito ao dividendo, à comunicação de informações e à
participação na tomada de decisões importantes para a gestão da empresa.
Tratando-se de uma participação de 30% numa sociedade, de acordo com o
TJ, impõe-se concluir que esta apenas em certa medida e de forma limitada
consubstancia um direito sobre essa sociedade, pelo que não 61

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

pode ser equiparada à transmissão de uma universalidade de bens ou de


parte dela na aceção do artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva.

Ainda assim, o Tribunal equacionou se a resposta seria diferente no caso de


se atender ao facto de que todos os acionistas venderam as respetivas
participações, praticamente ao mesmo tempo, ao mesmo com-prador, que
assim ficou com 100% das ações da empresa em causa. O TJ

aludiu, por um lado, ao princípio fundamental inerente ao sistema comum


do IVA, segundo o qual este imposto é aplicável a cada transa-

ção de produção ou de distribuição, após dedução do IVA que incidiu


diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do pre-

ço e, por outro lado, sublinhou que o artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva,


utiliza o termo “transmitente” no singular, o que implica que a aplicação da
referida norma não está prevista no caso de vários transmitentes venderem
as suas participações ao mesmo cessionário, resultando que cada operação
deverá ser apreciada de forma individual e independente.

Assim, o Tribunal fez notar que as circunstâncias em SKF eram diversas


das que estavam em causa no processo principal, na medida em que, no
primeiro caso, não havia uma pluralidade de vendedores que tivessem
efetuado diversas transações sucessivas a favor do mesmo compra-dor.
Nessa medida, o Tribunal entendeu que a cessão a favor de uma só pessoa
de todas as ações de uma sociedade por todos os acionistas desta não pode
ser equiparada à transferência de uma universalidade de bens, na Sexta
Diretiva.

Quanto à relevância do facto de a transferência de 30% das ações ter uma


estreita ligação com as atividades de gestão exercidas pelo vendedor para a
sociedade em que este detinha a sua participação, o TJ referiu que a
transmissão de atividades de gestão parece ser o resultado direto e lógico da
venda da participação da X. Apenas assim não seria se as atividades de
gestão do vendedor constituíssem uma parte autónoma da sua própria
empresa que pudesse ser retomada de modo independente pelo cessionário
e em relação à qual este tivesse pago um montante diferente do preço das
ações. No caso referido, porém, a transmissão de uma universalidade de
bens cobriria apenas as atividades de gestão e não a cessão de ações, porque
as duas transações são relativas a empresas distintas.

Por último, tendo em consideração que a cessão de ações no processo


principal deve ser qualificada como transação isenta por força do 62

A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO


EUROPEIA artigo 13º, B, alínea d), nº 5, da Sexta Diretiva, o Tribunal
entendeu que o direito à dedução apenas pode ser admitido no caso de os
custos dos serviços prestados à X, relacionados com a referida cessão,
fazerem parte dos custos gerais referentes ao conjunto das suas atividades
económicas, sem serem incorporados no preço de venda das mencionadas
ações.

3.7. Mailat (C-17/18)

À data em que o presente estudo foi dado à estampa, encontrava-se


pendente no TJ o caso Mailat (C-17/18), proveniente de um reenvio
prejudicial apresentado pelo Tribunal de Mureş (Roménia) em 9 de janeiro
de 2018.

Com origem num processo penal por evasão fiscal, a secção penal do
tribunal de reenvio endereçou ao TJ as seguintes questões prejudiciais:

«A celebração de um contrato através do qual uma sociedade dá de locação


a outra sociedade um imóvel no qual anteriormente tinha exercido uma
atividade específica de restauração pública, com todos os bens de
equipamento permanentes e os bens de consumo, continuando a sociedade
arrendatária essa mesma atividade de restauração pública no restaurante sob
a mesma denominação usada anteriormente, constitui uma transmissão da
sociedade na aceção do artigo 19º e do artigo 29º da Diretiva 2006/112/CE?
Em caso de resposta negativa à primeira questão, a operação descrita
representa uma prestação de serviços que pode ser conside rada uma
locação de bens imóveis na aceção do artigo 135º, nº 1, alínea l), da
Diretiva IVA, ou uma prestação de serviços complexa que não pode ser
qualificada de locação de bens imóveis, sujeita a imposto nos termos da
lei?»

No acórdão de reenvio37, o Tribunal de Mureş formulou as seguintes


considerações:

«Acerca da matéria de facto, o Tribunal não se pode pronunciar neste


momento (…). Todavia, por hipótese, será de reter que, na eventualidade de
a operação de locação acima descrita representar uma transmissão do
negócio na aceção dos artigos 19º e 29º da 37 Proc. nº 1883/102/2015,
instaurado em 21/07/2015.

63

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Diretiva 2006/112/CE, então, nesse caso, extinguir-se-ia a obriga-

ção de regularização a favor do Estado do imposto relativo às obras de


melhoria por parte do sujeito passivo à data da locação do imóvel, dos
ativos fixos e das existências e, por conseguinte, ao facto ilícito que está na
base dos presentes autos faltaria um dos elementos do tipo de ilícito
(…).»38

Sem prejuízo de uma articulação mais aprofundada das questões


prejudiciais com o contexto da causa, parece-nos que os factos relevantes
para a disciplina dos artigos 19º e 29º da Diretiva IVA apresentam
semelhanças com os factos já julgados em Christel Schriever (C-444/10),
pelo que será expectável que o TJ venha a decidir no sentido da irrelevância
da não transmissão da propriedade do imóvel do estabelecimento, na
medida em que os elementos transmitidos se afiguram suficientes para o
desenvolvimento de uma atividade económica na aceção da diretiva – in
casu, a mesma atividade económica desenvolvida pelo transmitente.
38 Tradução livre.

64

4. A transmissão do negócio à luz do Código do IVA 4.1. Enquadramento


normativo

A transposição da regra de transmissão do negócio para ordenamento


jurídico português materializou-se nos seguintes enunciados constantes,
respetivamente, dos números 4 e 5 do artigo 3º do Código do IVA:

«Não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito


do estabelecimento comercial, da totalidade de um patrimó-

nio ou de uma parte dele, que seja suscetível de constituir um ramo de


atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja,
ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de
entre os referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º

Para os efeitos do número anterior, a administração fiscal adota as medidas


regulamentares adequadas, nomeadamente a limitação do direito à dedução,
quando o adquirente não seja um sujeito passivo que pratique
exclusivamente operações tributadas.»

A norma de remissão que opera a extensão deste regime às presta-

ções de serviços consta do artigo 4º, nº 5, do Código do IVA:

«O disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 3º é aplicável, em idênticas condições,


às prestações de serviços.»

A propósito da regra de transmissão do negócio, pode ler-se o seguinte na


Nota Explicativa ao Anteprojeto do Código do IVA39: 39 DGCI,
Anteprojeto do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e Nota
Explicativa, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984, pp. 186-7.

65

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA


«A disposição contida no nº 4 deste artigo traduz-se numa medida de
economia administrativa e evita um pré-financiamento ao sucessor ou
cessionário que vai continuar a atividade do sujeito passivo. Poderá ter
aplicação, nomeadamente, no caso de trespasse de um estabelecimento, de
uma fusão, incorporação ou cisão de sociedades. O adquirente sucederá ao
transmitente, sendo-lhe concedido, nomea damente, o direito à dedução a
que este tenha direito (supõe-

-se que a atividade que prossegue é uma atividade totalmente tributada. Só


assim será indiferente que se mantenha um direito à dedu-

ção integral). O nº 5 prevê precisamente a possibilidade de limitação do


direito à dedução quando a atividade do adquirente é apenas parcialmente
tributável.

Note-se que se fala na transmissão da totalidade de um patrimó-

nio ou de uma parte dele que seja suscetível de constituir ramo de atividade
independente (porventura indício desse facto será, p. ex., a existência de
uma contabilidade separada). A caracterização tem interesse porque, se
assim não for, estar-se-á em face de simples transmissões do ativo da
empresa, como tal tributáveis. É necessário que se transmita um conjunto
que forme uma “universalidade de facto”, ainda que tal não seja a
qualificação sob o ponto de vista jurídico.»

A redação das citadas normas permaneceu inalterada desde a versão


original do Código do IVA, à exceção do nº 5 do artigo 3º, que foi alte-rado
pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 102/2008, de 20 de junho, embora de forma
meramente cosmética: o verbo “adotar” passou da forma futura para o
presente do indicativo, porventura porque a administração fiscal já havia
emitido orientações genéricas40 sobre o tema em questão41.

Não obstante os elementos da previsão do artigo 3º, nº 4, do Código do


IVA, diferirem relativamente ao texto do artigo 19º da Diretiva IVA, deverá
entender-se que o seu significado normativo é o mesmo, tendo em
consideração o seu significado autónomo precisado pela jurisprudência do
TJ. Nessa medida, a referência ao estabelecimento comercial (assim como
na versão francesa da transposição se emprega a expressão 40 Ofício-
Circulado nº 134850, de 21 de novembro de 1989, da DSCA-IVA.

41 Não obstante retomar-se o tema adiante, antecipa-se desde já que um


ofício-circulado não preenche os pressupostos formais e substanciais de
uma medida regulamentar.

66

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO À LUZ DO CÓDIGO DO IVA

“fonds de commerce” ) não mais é do que a incorporação de um tipo em-


pírico ou de frequência na previsão normativa. De igual modo, apesar de a
estatuição da citada regra não conter, de forma expressa, a sucessão do
adquirente ao transmitente – tal como ocorre na estatuição do artigo 19º,
primeiro parágrafo, da Diretiva –, deverá proceder-se a uma leitura
integrada da disposição interna, em consonância com o direito da União
(ainda que tal referência constasse já da supra citada Nota Explicativa ao
Anteprojeto do Código do IVA). É que, não prevendo a Diretiva qualquer
remissão para o direito interno dos Estados-Membros na definição do
sentido dos conceitos utilizados no artigo 19º, o sentido daqueles conceitos
não pode ser ampliado, restringido ou vinculado a noções do direito interno.

4.2. Natureza e estrutura jurídicas

Para J. G. Xavier de Basto42, a transmissão vislumbrada pela regra em


apreço constitui uma operação, em princípio, tributável. No entanto, se o
adquirente continuar o exercício de uma atividade tributável com base no
conjunto de bens que acaba de adquirir, o imposto que se liquidasse sobre a
entrega viria a ser imediatamente deduzido, pelo que se afigura mais
simples ficcionar que não houve qualquer operação tributável: em suma, a
organização económica continua.

De igual modo, Maria Odete Oliveira e Severino Duarte43 sustentam que


uma qualificação da operação subjacente à regra de transmissão do negócio
como sendo uma operação fora do âmbito do imposto não pode ser aceite
tendo em conta a economia do imposto e muito menos tomando em
consideração que a ratio subjacente à norma em causa se traduz na
simplificação administrativa e na não-oneração dos recursos de tesouraria
das empresas. Nessa ótica, os AA. entendem que a não liquidação
intermédia do cedente ao cessionário não deve ser argumento suficiente
para equiparar a operação em causa a uma opera-

ção que escapa à lógica do imposto.

42 J. G. Xavier de Basto, A tributação do consumo…, p. 75.

43 Maria Odete Oliveira / Severino Duarte, “As cessões a título oneroso do


estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte
dele – Aspectos do seu tratamento em IVA e em Imposto do Selo”, Fisco,
29, março, 1991, pp. 7-8.

67

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Também J. L. Saldanha Sanches e Manuel Anselmo Torres44

consideram que o regime de simplificação da tributação da transmissão de


estabelecimento não se caracteriza nem assume a natureza de uma exclusão
de incidência do IVA, antes pressupondo essa incidência.

O elemento simplificador do regime, segundo os AA., consiste numa ficção


de não transmissão 45 dos bens e direitos efetivamente transmitidos, com o
simples propósito de desobrigar o transmitente da liquidação de imposto,
desonerando o adquirente do encargo do seu financiamento, visando-se
criar uma situação equivalente à de um reembolso instantâ-

neo do IVA liquidado.

Conceição Gamito et al. 46 afastam, e bem, o recurso a terminologias tais


como regra de não sujeição ou operação não sujeita ou não tributável, que
sugerem que o tipo de operações abrangidas pela norma em causa se
situaria fora do âmbito de incidência objetiva do imposto, entendendo que
tal terminologia não é compatível com o escopo prosseguido pelo legislador
comunitário, preferindo utilizar as expressões ficção de não transmissão 47
ou regra de não entrega (“no supply rule” ).

Do ponto de vista normativo, a regra em questão não enforma uma ficção


legal proprio sensu. As ficções legais pressupõem a equiparação de duas
situações reais distintas para lhes aplicar o mesmo regime jurídico.

Caracterizam-se, assim, por estabelecer uma assunção consciente mente


falsa acerca de um determinado facto48 – por contraposição às regras de
presunção, as quais assumem um facto que poderá, eventualmente, ser
verdadeiro49. Não obstante, o propósito das normas que encerram fic-

ções ou presunções (legais) não deixa de ser o de atribuir uma consequência


normativa a um determinado facto, pelo que, como notava Alf 44 J. L.
Saldanha Sanches / Manuel Anselmo Torres, “A incidência do Selo sobre o
trespasse de estabelecimento”, Fiscalidade, 32, 2008, p. 11.

45 A expressão é também utilizada por Barbara Slawitsch, “Die Fiktion der


Nicht-Lieferung bei Unternehmensübertragungen”, European Law
Reporter, 2004, 89-92.

46 Conceição Gamito / Catarina Belim / Teresa Teixeira Mota, “A


incidência do IVA sobre o trespasse de estabelecimento”, in Sérgio Vasques
(ed.), Cadernos IVA: 2013, Almedina, Coimbra, 2013, p. 127 (nota 9).

47 Na esteira de J. L. Saldanha Sanches / Manuel Anselmo Torres, A


incidência do Selo…, p. 12.

48 Alf Ross, “Legal fictions”, in G. Hughes (ed.) Law, reason and justice:
Essays in legal philosophy, New York: New York University, 1969, p. 223.

49 Lon L. Fuller, Legal Fictions, Stanford University Press, Stanford,


California, 1967, p. 40.

68

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO À LUZ DO CÓDIGO DO IVA Ross,


“fingir” que a situação de facto “B” é equiparável à situação de facto “A” é
apenas uma forma estranha de expressar que, para efeitos de um
determinado regime, a situação de facto “B” deve ser sujeita às mesmas
regras que a situação de facto “A”50.

Como fazia também notar Jerzy Wróblewski51, o uso de ficções nas


linguagens naturais implica o uso de asserções falsas acerca da realidade.
Todavia, a linguagem normativa serve para formular prescrições, de uma
maneira direta ou indireta, sobre comportamentos. As defini-

ções construídas no âmbito da linguagem normativa são definições no-


minais, uma vez que, inseridas em normas, não são passíveis de ser
verdadeiras ou falsas, mas apenas válidas ou inválidas, por referência a um
determinado sistema normativo.

Como se demonstrou supra (cf. ponto 2.2.), a regra de transmissão do


negócio contém uma previsão normativa complexa à qual se juntam várias
condições lógicas de aplicabilidade, decorrentes dos elementos sistemático
e teleológico da interpretação, assim como da própria jurisprudência do TJ,
que se incorpora na norma interpretada. Do lado da estatuição, retiram-se
dois comandos distintos: (1) não implicar a operação uma entrega de
bens/prestação de serviços e (2) o beneficiário suce der ao transmitente.

Assim, pela existência de dois comandos distintos na mesma estatuição (


i.e. , não implicar uma entrega de bens/prestação de serviços, por um lado,
e o adquirente suceder ao transmitente, por outro), a regra em causa não
pode ser tida como uma ficção legal em sentido próprio, apenas por refe
rência a um desses comandos ( não implicar uma entrega de bens/presta-

ção de serviços). Por outro lado, a regra em apreço apenas seria passível de
qualificação como ficção legal se, perante o preenchimento da previsão, a
estatuição visasse estabelecer uma relação de equiparação ou de assimilação
com outra realidade factual, com o objetivo de atribuir a ambos uma
consequência normativa comum, o que cremos não ser o caso.

Nesta medida, entendemos ser correto o uso da expressão ficção de não


transmissão com vista a descrever, em linguagem natural, a propo-50 Alf
Ross, “Legal fictions” , p. 223.
51 Jerzy Wróblewski, “Structure et fonctions des présomptions juridiques”,
in Chaim Perelman / Paul Foriers (eds.), Les Présomptions et les Fictions
en Droit, Émile Bruylant, Brussels, 1974, pp. 67-68.

69

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

sição normativa subjacente à regra de transmissão do negócio. Todavia, a


regra em causa não constituirá uma ficção legal propriamente dita,
porquanto, por um lado, não se procede à equiparação de uma realidade a
outra realidade para as submeter ao mesmo regime e, por outro, a refe rida
norma contém uma estatuição composta que não se cinge apenas à
desconsideração de uma operação como uma entrega de bens ou uma
prestação de serviços, prescrevendo-se também a sucessão do bene ficiário
ao transmitente.

Pelo exposto, a regra de transmissão do negócio deverá ser entendida


apenas como uma regra especial de acordo com o critério das relações entre
as regras jurídicas. Apesar de a regra em causa não pressupor a liquidação
do imposto, ela não tem por efeito interromper a cadeia do IVA.

Pelo contrário, estabelecendo a equiparação do beneficiário a sucessor do


transmitente, sublinha-se a continuidade da situação jurídico-tributária do
ponto de vista do imposto52. Por contraposição, e a título exemplificativo,
as isenções nas operações internas têm por efeito a interrup-

ção da cadeia do imposto, sendo contraditórias face ao regime geral.

Por esse motivo, estas últimas são regras excecionais.

52 Cls. do AG F. G. Jacobs em Abbey National (C-408/98), nº 38.

70

5. Excurso: a incidência do Imposto do Selo sobre o trespasse de


estabelecimento comercial
Nos termos do artigo 1º e da verba 27.1 da Tabela Geral do Código do
Imposto do Selo, encontram-se sujeitos a IS os trespasses de
estabelecimento comercial, industrial ou agrícola. J. L. Saldanha Sanches e
Manuel Anselmo Torres53 faziam notar que, como muitas das verbas da
Tabela Geral, esta exige um particular esforço interpretativo na deli mitação
do seu campo de incidência, tanto pela positiva – para fixar o conceito, dada
a ausência de uma definição própria à norma de incidência –, como pela
negativa, para identificar os trespasses que estão excluídos da norma de
incidência por força do artigo 1º, nº 2, do CIS, segundo o qual não são
sujeitas a IS as operações sujeitas a IVA e deste não isentas.

Os citados AA. criticam a delimitação (positiva) da incidência de IS

às transmissões de estabelecimentos que incluam a transmissão do direito


ao arrendamento54, concluindo que o conceito de trespasse para efeitos de
IS é coincidente com aquele acolhido pela generalidade da doutrina e da
jurisprudência, abrangendo qualquer transmissão onerosa inter vivos de um
estabelecimento comercial, industrial ou agrícola55.

53 J. L. Saldanha Sanches / Manuel Anselmo Torres, A incidência do


Selo…, p. 6.

54 Como sugerido, v.g. , em J. Silvério Mateus / L. Corvelo de Freitas, Os


Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo – Anotados e
comentados, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 771.

55 J. L. Saldanha Sanches / Manuel Anselmo Torres, A incidência do


Selo…, p. 9.

71

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

No que respeita à delimitação (negativa) da incidência, os referidos AA.56


sublinham que, ao contrário das operações excluídas do âmbito de
incidência do IVA, a transmissão de estabelecimento, quando preenchidos
os pressupostos de aplicação da regra de transmissão do negócio, não retira
ao transmitente o direito à dedução do imposto do imposto devido ou pago
pela aquisição de bens e serviços que o integrem. Tudo se passa como em
qualquer outra transmissão tributável, ficando o sujeito passivo adquirente
obrigado a regularizar a favor do Estado o IVA incidente sobre qualquer
elemento do estabelecimento que não afete a operações tributáveis.
Remetendo para as Conclusões do AG Jacobs em Abbey National 57, os
AA. concluem que a transmissão onerosa de um estabelecimento comercial
ou industrial entre sujeitos passivos de IVA que exercem uma atividade
tributável é uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, pelo que está
excluída de imposto do selo58.

Apesar de não ser esta a sede própria para tratar a questão da incidência do
Imposto do Selo sobre o trespasse de estabelecimento comer cial sob o
prisma do artigo 1º, nº 2, do CIS, não se pode deixar de subli nhar, como o
faz Carlos Baptista Lobo, que qualquer análi-se do âmbito de incidência
deste imposto implica uma apreciação compreensiva da sua doutrina de
tributação e da sua razoabilidade própria59.

Como faz notar o A., historicamente, o modelo de incidência do Imposto do


Selo prendia-se com as possibilidades práticas relativamente ao processo de
liquidação e cobrança, tendo sido progressivamente entendido que o IS não
continha uma racionalidade e uma legitimação intrínsecas: a sua existência
fundava-se na emergência de angariação de receita e o tributo era entendido
como residual, dirigido a realidades materiais e manifestações de
capacidade contributiva não contempladas no âmbito de incidência de
outros impostos principais60.

A tendência mais recente passaria, no entanto, por uma abordagem


compreensiva de cada uma das unidades tributação presentes no Imposto 56
J. L. Saldanha Sanches / Manuel Anselmo Torres, A incidência do Selo…,
p. 12.

57 Cls. do AG F. G. Jacobs em Abbey National (C-408/98), nºs 37-38.

58 J. L. Saldanha Sanches / Manuel Anselmo Torres, A incidência do


Selo…, p. 12.

59 Carlos Baptista Lobo, “As operações financeiras no Imposto do Selo:


enquadramento constitucional e fiscal”, RFPDF, Ano I, nº 1, Almedina,
Coimbra, 2008, p. 76.

60 Carlos Baptista Lobo, As operações financeiras…, p. 77.

72

EXCURSO: A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DO SELO SOBRE O


TRESPASSE

do Selo, ponderando a incidência objetiva deste último à luz de cada


modelo de tributação subjacente aos tipos tributários em causa para,
subsequentemente, se efetuar uma indagação à luz dos princípios e regras
que sustentam um imposto compósito e compreensivo num modelo
unificado61.

A nosso ver, a problemática da repartição da incidência entre o Imposto do


Selo e o IVA sobre o trespasse de estabelecimentos comerciais, industriais
ou agrícolas deve ser tratada com especial cautela dogmática.

Desde logo, haverá que ter presente o facto de o âmbito de incidência


objetiva da verba 27.1 da Tabela Geral ser mais restrito do que o âmbito da
regra de transmissão do negócio em sede de IVA. O primeiro, em
consonância com o disposto no artigo 11º, nº 2, da LGT, reporta-se ao
conceito de trespasse de estabelecimento comercial tal como recortado pelo
direito civil62 e comercial63; o segundo, em consonância com a
jurisprudência do TJ e com o princípio do primado, enforma uma noção
autónoma de direito da União Europeia, carecendo de um tratamento
uniforme no âmbito e à luz do sistema comum do IVA.

Nessa medida, não será viável, do ponto de vista dogmático, ajuizar a


incidência objetiva do IS a partir do preenchimento ou não da previ-61
Carlos Baptista Lobo, As operações financeiras…, p. 78.

62 Desde logo, o artigo 1112º, nº 2, do Código Civil, procede a uma


delimitação negativa do trespasse. Assim, não haverá trespasse quando a
transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das
instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o
estabelecimento (alínea a)), ou quando a transmissão vise o exercício, no
prédio, de outro ramo de comércio ou indústria ou, de um modo geral, a sua
afetação a outro destino (alínea b)). Como tal, se, v.g. , no caso da
transmissão do negócio em sede de IVA, a afetação do prédio a outra
atividade económica não obsta à aplicação da regra de simplificação (tal
como já confirmado pelo TJ em Zita Modes (C-497/01)), para efeitos de IS,
na ausência de uma redefinição do conceito de trespasse de estabelecimento
comercial para efeitos fiscais, haveria que equacionar se estariam ou não
reunidos os pressupostos da sua incidência objetiva.

63 Cf., a título de exemplo, o artigo 3º do já revogado Decreto-Lei nº


462/99, de 5 de novembro, que continha a definição de estabelecimento
comercial para efeitos de aplicação do respetivo regime de cadastro. De
acordo com o referido artigo, constitui um estabelecimento comercial “…
toda a instalação, de caráter fixo e permanente, onde seja exercida,
exclusiva ou principalmente, de modo habitual e profissional, uma ou mais
atividades de comércio, por grosso ou a retalho…”. Esta definição acaba
por corresponder à noção doutrinária, segundo a qual o estabelecimento
comercial é o conjunto de todos os bens e direitos que o comerciante agrega
à sua atividade de modo a poder exercê-la (Pedro Pais de Vasconcelos,
Direito Comercial, Vol. I., Almedina, Coimbra, 2011, p. 100).

73

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

são normativa da regra de transmissão do negócio para efeitos de IVA.

Pelo contrário, o intérprete-aplicador em sede de IS deverá, em primeiro


lugar, aferir o preenchimento ou não da verba da Tabela Geral respeitante
ao trespasse de estabelecimento comercial, para o que deverá recorrer aos
conceitos internos de estabelecimento comercial e de trespasse.

Uma vez compreendido o âmbito de incidência do IS, haverá que in-dagar


pela aplicabilidade da regra de delimitação negativa da incidência contida
no artigo 1º, nº 2, do CIS. O resultado interpretativo ficará, a nosso ver,
condicionado, respetivamente, conforme se adote uma conceção estrita do
Imposto do Selo, traduzida nas possibilidades práticas relativamente ao
processo de liquidação e cobrança, ou uma conceção compreensiva do
mesmo, ponderando-se a incidência objetiva à luz de cada modelo de
tributação subjacente aos tipos tributários em causa, in casu, do IVA.

No primeiro caso, uma vez que a regra de transmissão do negócio, por


razões de simplificação, tem como efeito a não liquidação intermé-

dia do IVA que seria devido em circunstâncias normais, o resultado


interpretativo conduziria à incidência do IS. No entanto, esta conceção,
amplamente prosseguida pela administração fiscal, assenta numa er-rónea
equiparação entre sujeição e liquidação. Como tal, independentemente dos
específicos contornos que o trespasse de estabelecimento comercial assuma
no âmbito da dogmática própria do IVA e, em particular, à luz da regra de
transmissão do negócio, por força da aludida conceção estrita, centrada nas
preocupações de liquidação e cobrança, a previsão do artigo 1º, nº 2, do
CIS, acaba por sofrer uma interpretação restritiva, assistindo-se à
equiparação de “operações sujeitas a IVA e dele não isentas” a “operações
em que houve lugar à liquidação de IVA”. Não havendo (efetiva) liquidação
de IVA, então, a fortiori, haveria incidência do IS.

No segundo caso, partindo-se de uma conceção compreensiva do IS,


concluir-se-ia, com J. L. Saldanha Sanches e M. Anselmo Torres64, que a
transmissão onerosa de um estabelecimento comercial, industrial ou
agrícola entre sujeitos passivos de IVA que exercem uma atividade
tributável é uma operação sujeita a IVA e dele não isenta – logo, não sujeita
a IS. Preferimos esta segunda conceção, na medida em que a 64 J. L.
Saldanha Sanches / Manuel Anselmo Torres, A incidência do Selo…, loc.
cit. .

74

EXCURSO: A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DO SELO SOBRE O


TRESPASSE

anterior, por um lado, assenta erradamente numa interpretação restri-titva


do artigo 1º, nº 2, do CIS, fazendo equiparar sujeição a liquidação, e, por
outro lado, afigura-se assistemática do ponto de vista da compreensão do
fenómeno da transmissão do negócio em sede de IVA65.
65 A esta interpretação poder-se-ia opor o facto de a norma de incidência
do IS sobre o trespasse de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola
ficar desprovida de efeito útil, na medida em que todos os trespasses de
estabelecimento, em princípio, ficariam sob a alçada da regra de
transmissão do negócio em sede de IVA. Todavia, não é a interpretação que
é assistemática em si, mas sim a própria redação do artigo 1º, nº 2, do CIS,
quando conjugada com o artigo 3º, nº 4, do Código do IVA, pelo que, de
lege ferenda, seria preferível utilizar-se a expressão “operações em que
haja lugar à liquidação de imposto sobre o valor acrescentado” , ao invés
de “operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não
isentas” .

75

PARTE II

ASPETOS PROBLEMÁTICOS EM TORNO DA REGRA

DE TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO

1. Ponto de partida: o princípio da neutralidade O Considerando (7) da


Diretiva IVA refere que o sistema comum do IVA deverá, ainda que as taxas
e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma
neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-
Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma
carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de
distribuição.

Como faz notar Peter Mason66, o legislador comunitário não procedeu à


delimitação da extensão do circuito de produção e de distribuição, pelo que
a ausência dessa delimitação implica que o princípio da neutralidade seja
válido tanto para cadeias de valor integradas hori-zontalmente, mas também
para aquelas integradas verticalmente. Esta ideia é igualmente repetida pela
jurisprudência do TJ, como se poderá constatar, v.g. , nas Conclusões do
AG Jacobs em Abbey National 67, onde se sustenta que o regime de
dedução foi concebido para evitar um efeito cumulativo quando o IVA foi
também cobrado sobre bens e/ou servi-
ços utilizados para produzir os que foram fornecidos, ou seja, para evitar
que o IVA seja cobrado de novo sobre o IVA já pago. É igualmente
frequente o TJ recordar que o regime das deduções visa libertar intei-66
Peter Mason, “There is no such thing as a ‘Transfer of a Going Concern’”,
in Michael Lang, Pasquale Pistone, Josef Schuch, Claus Staringer, Donato
Raponi (eds.), ECJ – Recent Developments in Value Added Tax:
Schriftenreihe IStR Band 84, Linde Verlag, Wien, 2014, pp. 143.

67 Cls. do AG F. G. Jacobs em Abbey National (C-408/98), nº 3.

79

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

ramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas


as suas atividades económicas, sendo que o sistema comum do imposto
sobre o valor acrescentado garante a perfeita neutralidade quanto à carga
fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os
resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem,
elas próprias, sujeitas ao IVA68.

Todavia, como notam Terra/Kajus69, a neutralidade da tributação é um


assunto relativo, na medida em que apenas pode ser entendida do prisma de
um fenómeno específico, v.g. , o comércio internacional, a concorrência, a
contabilidade, as relações económicas, mas também pode ser compreendida
no contexto da relação jurídico-tributária, como decorrência do princípio da
igualdade fiscal. Será útil, nessa medida, ter presente uma abordagem mais
densa do princípio da neutralidade70

enquanto instrumento argumentativo no âmbito do sistema comum do IVA.


Por conseguinte, Terra/Kajus71 referem-se a várias dimensões da
neutralidade que pretendemos sintetizar da seguinte forma: Neutralidade
interna (relativa a aspetos internos dos Estados-

-Membros)

Neutralidade jurídica
A neutralidade jurídica é uma decorrência do princípio da igualdade fiscal.
Tendo em conta que um imposto geral sobre o consumo é um imposto sobre
a despesa dos consumidores finais, deverá existir uma relação entre a carga
fiscal suportada e o valor dessa mesma despesa. Para que essa relação se
verifique, é necessário que o montante de imposto a pagar seja certo, isto é,
que seja expresso através de uma percentagem do preço a retalho e que esse
montante seja idêntico para produtos similares.

68 Cf. acs. Rompelman (268/83), nº 19; Ghent Coal Terminal (C-37/95), nº


15; Gabalfrisa (C-110/98), nº 44; e Midlank Bank (C-98/98), nº 19.

69 Ben Terra / Julie Kajus, A Guide to the European VAT Directives.


Introduction to European VAT, Volume 1, IBFD, Amsterdam, 2014, p. 300.

70 A propósito do princípio da neutralidade, cf. também OCDE,


International VAT/GST

Guidelines on Neutrality, OECD – Centre for Tax Policy and


Administration, 2011 (https://

www.oecd.org/tax/consumption/guidelinesneutrality2011.pdf).

71 Ben Terra / Julie Kajus, op. cit. , pp. 301 ss..

80

PONTO DE PARTIDA: O PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE

De modo a que o imposto seja neutro do ponto de vista da igualdade fiscal,


deve ser mensurável de modo a que a carga fiscal seja distribuída conforme
pretendido.

Neutralidade concorrencial

A neutralidade dita concorrencial também tem a sua génese na relação com


o preço a retalho. Quando a carga fiscal não depende da extensão da
integração vertical ou horizontal, sendo formada previamente por uma
percentagem do preço a retalho, a integra-
ção dos operadores económicos não se traduzirá numa vantagem (ou
desvantagem) do ponto de vista fiscal. Nessa medida, um imposto geral
sobre o consumo pressupõe que o imposto seja entregue pelos operadores
económicos, mas suportado pelos consumidores finais. Quando em
detrimento de vários níveis de integração dos operadores económicos ou de
diferentes interpretações da mesma regra, por parte da administração fiscal
de uma determinada jurisdição, se verifica uma disparidade da carga fiscal
sobre produtos idênticos, o operador económico confrontado com a carga
fiscal acrescida deixará de ser competitivo a partir do momento em que
repercutir essa carga fiscal no preço final. Neste tipo de situações, a
neutralidade concorrencial é posta em causa.

Neutralidade económica

Considera-se que um imposto geral sobre o consumo é economicamente


neutro se não interferir com a alocação ótima dos meios de produção. Tal
interferência poderá ser causada, v.g. , pela coexis tência de diferentes taxas
do imposto. Regra geral, o mecanismo de mercado agrega o fornecimento
de bens e os meios de produção. Nas situações em que a elasticidade preço
da procura é total, a existência de taxas diferentes poderá influenciar esse
mecanismo. Assim, afora as medidas tomadas pelo legislador por razões
políticas ou sociais, a interferência das taxas do imposto com o mecanismo
de mercado deverá ser minimizada por forma a alcançar-se um nível ótimo
de neutralidade económica. Tal não significa, porém, que o ponto ótimo se
traduz na aplicação de uma taxa única, uma vez que o legislador se encontra
habilitado para interferir no mecanismo da formação do preço por razões
axiolo-81

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

gicamente superiores, tais como a mitigação da regressividade do imposto


sobre o consumo.

Neutralidade externa

Prosseguindo com a análise de Terra/Kajus72, a ideia de neutralidade


externa reporta-se ao prisma internacional. Um imposto geral sobre o
consumo visa tributar a despesa dos consumidores finais localizados no
território nacional. No caso de os bens não serem consumidos no mesmo
território em que são produzidos, sendo, todavia, aí tributados, o imposto
liquidado deverá, por uma questão de justiça fiscal, ser reembolsado no
caso de os bens serem exportados. Do mesmo modo, se a intenção do
legislador é tributar o consumo final, não deverá fazer qualquer diferença se
a despesa incide sobre bens produzidos no território do consumo ou sobre
bens importados. Assim, a neutralidade externa traz ín-sito o pressuposto do
funcionamento neutro das fronteiras fiscais: o imposto na importação não
deverá ser superior ao imposto sobre bens nacionais, assim como a isenção
ou reembolso na exportação deverá corresponder ao montante de imposto
efetivamente liquidado internamente.

72 Ben Terra / Julie Kajus, op. cit. , pp. 303 ss..

82

2. Âmbito objetivo

Como se constatou supra, o TJ já teve a oportunidade de se pronunciar


sobre o âmbito objetivo da transmissão do negócio visada pelos artigos 19º
e 29º da Diretiva IVA. Apesar de o Tribunal ter fornecido elementos
interpretativos valiosos para a compreensão do objeto que subjaz ao fenó
meno da transmissão do negócio, as suas decisões são demasiado
particulares para poderem configurar uma teoria geral.

Ainda assim, deverá ter-se presente que o fator que assume maior rele
vância na delimitação do âmbito objetivo da transmissão do negócio é a
própria ideia de atividade económica para efeitos de IVA73 ou, noutros
termos, como havíamos referido na parte inicial deste estudo, a própria
ideia de negócio que, enquanto conceito intermédio, temos vindo a utilizar
indiferenciadamente de modo a agrupar todas as situações de facto
passíveis de configurar uma correspondência com os elementos da previsão
da regra em causa. Nessa medida, a jurisprudência comunitária em torno do
conceito de atividade económica 74 afigura-se crucial para a compreensão
do âmbito objetivo da regra de transmissão do negócio.

73 Cf., a respeito, Clotilde Celorico Palma, As Entidades Públicas e o


Imposto sobre o Valor Acrescentado: Uma Ruptura no Princípio da
Neutralidade, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 127

ss.; Yves Bernaerts / Sandhya Nathoeni, “The Ins and Outs of Classifying
Turnover for VAT”, EC Tax Review, 2011(6), pp. 291-304.

74 Sem pretensões de exaustão, cf. acs. Rompelman (268/83); Van Tiem (C-
186/89); Lennartz (C-97/90); INZO (C-110/94); Wellcome Trust (C-155/94);
Enkler (C-230/94); Gabalfrisa (C-110/98); Kretztechnik (C-465/03).

83

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Por outro lado, no que respeita à definição do sentido normativo subjacente


à expressão “suscetível de constituir um ramo de atividade independente”,
entendemos que esta tarefa não deverá ser relegada para a
discricionariedade administrativa da administração fiscal – ou, pelo menos,
a administração fiscal deverá limitar a sua atuação a uma discricionariedade
vinculada, neste caso, aos conceitos autónomos de direito da União
Europeia. Com isto pretendemos significar que o Tribunal de Justiça, a
nosso ver, já se pronunciou sobre outras matérias que, ainda que não
apresentem uma relação temática com a regra de transmissão do negócio,
demonstram uma relevante utilidade interpretativa para a solução de casos
concretos.

Desde logo, é possível extrair da jurisprudência do TJ75 um significado


autónomo para a noção de atuação independente (no âmbito do exercício de
uma atividade económica). Como sintetizam Terra/Kajus76, uma atividade
económica assume um caráter independente quando, cumulativamente, seja
exercida por uma pessoa ou entidade que não se encontre organicamente
integrada com caráter de dependência numa estrutura organizativa; essa
pessoa possua adequada liberdade de organização no que respeita aos meios
técnicos e humanos utilizados no exercício da atividade económica em
causa; e suporte o risco económico inerente a essa atividade.

No entanto, para que os elementos que compõem o património transmitido


sejam suscetíveis de formar um ramo de atividade, pressupõe-
-se a existência de um nexo funcional entre esses elementos. Recorrendo à
metáfora utilizada pelo AG Jacobs nas suas conclusões em Zita Modes 77,
os elementos que constituem a universalidade são os “ti-jolos”. O
“cimento” que liga esses elementos “consiste no facto de eles se
combinarem para permitir o exercício de uma atividade económica especí
fica, ou de um grupo de atividades, enquanto cada um deles iso-ladamente
seria insuficiente para esse efeito”78 . Nesse aspeto, a jurisprudência do TJ
em matéria de operações complexas79, apesar de incidir 75 Cf., inter alia,
acs. Van der Steen (C-355/06) e Gmina Wrocł aw (C-276/14).

76 Ben Terra / Julie Kajus, op. cit. , p. 420.

77 Cls. Zita Modes (C-497/01), nº 35.

78 Ibidem.

79 V.g. , acs. Faaborg-Gelting Linien (C-231/94); CPP (C-349/96); Levob


(C-41/04); e Manfred Bog (C-497/09).

84

ÂMBITO OBJETIVO

sobre a qualificação dos bens ou serviços na fase do consumo final, contém


a génese lógica subjacente à forma como os elementos que compõem os
bens ou os serviços (ou ambos) se interligam entre si80. Assim, de duas,
uma: ou os elementos se organizam em torno de um principal, o elemento
preponderante, caso em que o TJ tem vindo a aplicar a regra accessorium
principale sequitur, ou então existe uma relação de complementaridade
entre todos os elementos, de modo que a sua decomposi-

ção seria artificial. Entendemos, pois, que o raciocínio utilizado pelo TJ

deverá ser seguido sempre que possível, designadamente, recorrendo aos


conceitos autónomos do sistema comum do IVA por forma a confe-rir uma
maior densidade à tarefa interpretativa.
Em suma, entendemos que a riqueza conceptual que a jurisprudência do TJ
oferece deverá ser privilegiada sobre as retóricas jurisdicionais internas, por
forma a garantir o corolário da interpretação uniforme.

Nessa medida, cabe ao intérprete-aplicador tomar em linha de conta os


conceitos definidos pelo Tribunal de Justiça, v.g. , no que respeita às no-

ções de atividade económica, atuação independente e operações


complexas, inter alia. Este desiderato encontra-se igualmente patente no
próprio acór-dão Zita Modes 81, onde, segundo o Tribunal, decorre das
exigências tanto da aplicação uniforme do direito comunitário como do
princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito
comunitário que não contenha qualquer remissão expressa para o direito
dos Estados-

-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem


normalmente encontrar, em toda a Comunidade, uma interpretação
autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da
disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa.

2.1. Reorganizações empresariais

A fiscalidade não deve influir nas escolhas dos agentes económicos


relativamente à forma como estes estruturam o seu negócio. A preocupa-

ção de simplificação e de não sobrecarregar a tesouraria das empresas,


subjacente à regra de transmissão do negócio e afirmada tanto pela 80
Sobre o assunto, cf. Howard Liebman / Olivier Rousselle, “VAT Treatment
of Composite Supplies”, IVM, 17, IBFD, Amsterdam, 2006, pp. 110-113.

81 Cf. ac. Zita Modes (C-497/01), nº 34 e jurisprudência aí referida.

85

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Comissão82 como pelo Tribunal83, confirma a tendência, geralmente


aceite, nos termos da qual a fiscalidade não deve constituir um entrave às
reestruturações empresariais, o que, em sede de IVA, acaba por decorrer do
próprio princípio da neutralidade.

Entre nós, a doutrina já se pronunciou sobre o tratamento em sede de IVA


da transferência total ou parcial de um património em virtude de uma fusão,
cisão ou entrada de ativos84. Concordamos, desde logo, com M. H. de
Freitas Pereira85 quando refere que o regime da transmissão do negócio
não se trata de um regime condicionado pelo facto de só ser aplicável se à
operação em causa se aplicar o regime de neutralidade fiscal em matéria de
tributação do rendimento. Ou seja, o regime da transmissão do negócio
aplica-se independentemente de à operação visada ser ou não aplicável o
regime geral em IRC ou o regime de neutralidade fiscal.

A regra de transmissão do negócio é suficientemente ampla para abranger


todas as transmissões de ativos tangíveis ou intangíveis aptos a prosseguir
uma atividade económica independente, seja qual for o título em que se
funda essa transmissão. Assim, encontram-se, desde logo, elegíveis para a
aplicação da regra em apreço as fusões, as cisões, as entradas de ativos, as
liquidações por transmissão global, o trespasse em sentido próprio, entre
outras86. Importa, pois, que a transmissão opere a título definitivo,
excluindo-se as cessões temporárias de um estabelecimento comercial, que
serão qualificadas como prestações de serviços87.

82 Cf. Memorando Explicativo da proposta de Sexta Diretiva


(COM/1973/950).

83 Ac. Zita Modes (C-497/01), nº 39.

84 Cf., a título exemplificativo, M. H. de Freitas Pereira, “Regime fiscal


aplicável a fusões, cisões e entradas de activos”, in Jorge Miranda et al.
(eds.), Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e
Cunha, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 440 ss.; Cidália Lança, “O
tratamento em IVA da fusão de sociedades”, Fiscalidade, 46, 2011, pp. 91-
103; Paulo Mendonça,

“O IVA nas operações de reorganização empresariais: alguns aspetos


problemáticos”, in Sérgio Vasques (ed.), Cadernos IVA: 2014, Almedina,
Coimbra, 2014, pp. 383-407.
85 M. H. de Freitas Pereira, Regime fiscal…, p. 442.

86 Cf., a título de exemplo, a Informação Vinculativa nº 12524, de


05/02/2018, da DS-IVA, onde se confirma a aplicabilidade da regra de
transmissão do negócio a uma venda judicial de uma universalidade de
ativos compreendidos na massa insolvente de um sujeito passivo.

87 Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor


Acrescentado, Caderno IDEFF nº 1, Almedina, Coimbra, 2009, p. 63.

86

ÂMBITO OBJETIVO

Como explicita Cidália Lança88, durante o procedimento de fusão89

a sociedade a incorporar mantém a sua autonomia, continuando a atuar


como sujeito passivo de IVA, com todas as consequências daí decorrentes.
Com o registo comercial da fusão, opera, nos termos do artigo 112º, alínea
a), do Código das Sociedades Comerciais90, a extinção da sociedade
fundida e a implícita cessação da sua atividade de forma autó noma.

Assim, no caso de fusão por incorporação, a sociedade incorporante


assumirá a qualidade de sujeito passivo de IVA também para as atividades
anteriormente desenvolvidas pela sociedade fundida91. A principal
consequência resultante de uma operação de fusão é a que decorre do
princípio da continuidade 92, o qual determina que a sociedade resultante
da fusão assume os direitos e obrigações das sociedades fundidas, incluindo
as que se reportam a matérias fiscais93.

No plano do IVA, uma importante consequência deste princípio prende-se


com a mitigação da regra da intransmissibilidade dos créditos de IVA.
Como afirma Teresa da Graça Lemos94, o caráter pessoal do direito à
dedução do IVA e, consequentemente, a sua intransmissibilidade não
podem assumir uma natureza absoluta perante a aplicação da regra de
transmissão do negócio. Assim, considera-se que, na sequência de uma
fusão, é transmitido para a sociedade resultante da fusão o direito à dedução
do IVA suportado em aquisições de bens e serviços adquiridos ainda pela
sociedade fundida, relativamente a todas as faturas emitidas em data
posterior à do registo da fusão, mas também as emitidas em 88 Cidália
Lança, O tratamento em IVA da fusão…, p. 96.

89 Tomamos o exemplo da fusão como o mais paradigmático, embora as


considerações infra sejam aplicáveis a outras figuras, com as devidas
adaptações.

90 Aprovado pelo Decreto-Lei nº 262/86, de 2 de setembro.

91 De acordo com o artigo 32º, nº 3, do Código do IVA, os sujeitos passivos


estão dispensados da entrega da declaração de alterações no caso em que
estas se reportem a factos sujeitos a registo comercial, pelo que, no caso de
a atividade da sociedade incorporante ser ampliada na sequência da fusão,
parece que esta estará dispensada de comunicar tais alterações, na medida
em que, decorrendo do registo comercial a alteração do objeto social e
respetivo(s) CAE(s), as alterações serão comunicadas ex officio. O mesmo
não será verdade nos casos de fusão por concentração, em que a nova
sociedade se encontra sujeita às obrigações acessó-

rias respeitantes ao início de atividade, nos termos do artigo 31º, nº 2, do


Código do IVA –

neste sentido, Cidália Lança, O tratamento em IVA da fusão…, loc. cit..

92 Cf. artigos 97º e 112º do Código das Sociedades Comerciais.

93 Cidália Lança, O tratamento em IVA da fusão…, p. 97.

94 Parecer nº 16, de 10 de março de 2000, do Gabinete do Subdiretor-Geral


do IVA.

87

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

data anterior cujo imposto não tenha sido deduzido, bem como o direito à
regularização de imposto relativamente às situações constituídas antes ou
após a fusão, o mesmo se aplicando aos créditos de imposto e pedidos de
reembolso95. O exercício destes direitos por parte da sociedade
incorporante fica, no entanto, condicionado pela comunicação à
administração fiscal, ao abrigo do princípio da cooperação96.

Esta ideia de sucessão em contexto de operações de reorganização tem sido


igualmente veiculada na jurisprudência dos tribunais supe-riores97, onde se
vem afirmando que, independentemente da posição que se assuma, v.g. ,
acerca da natureza jurídica da fusão, a extinção da personalidade jurídica
própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção
dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal estes se
“transmitem” para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede àquela,
em conformidade com a teoria da “sucessão universal”, seja porque as
situações jurídicas de que era titular a socie dade incorporada permanecem
inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem numa nova
entidade, em conformidade com a teoria do ato modificativo. Com efeito,
por força da alínea a) do nº 1

do artigo 112º do Código das Sociedades Comerciais, transmitem-se para a


sociedade incorporante, ou nela se reúnem, como efeito da inscrição da
fusão no registo comercial, os direitos e obrigações da sociedade
incorporada. Sob a designação de direitos e obrigações estão em causa
todas as situações jurídicas anteriormente tituladas pelas sociedades
incorporadas ou fundidas, seja qual for a sua classificação técnico-
formal98.

Não obstante a extensão quasi-universal dos efeitos de uma fusão quanto à


situação jurídica das partes intervenientes, o certo é que a rela-

ção jurídica tributária apresenta um âmbito e um alcance não


necessariamente dependentes da, ou influenciáveis pela, relação jurídica de
95 Cidália Lança, O tratamento em IVA da fusão…, p. 101.

96 Sobre o assunto, cf. Paulo Mendonça, O IVA nas operações de


reorganização…, pp. 388 ss..

97 Cf., inter alia, AcTCAS de 15/06/2004, proc. 01162/03, Rel. Ascensão


Lopes; AcSTA de 16/09/2009, proc. 0372/09, Rel. Isabel Marques da Silva;
AcSTA de 10/02/2010, proc.
0925/09, Rel. Alfredo Madureira (disponíveis em www.dgsi.pt) e, mais
recentemente, a Decisão Arbitral do CAAD de 09/10/2013, proc. 18/2013-
T, Pres. Manuel Luís Macaísta Malheiros.

98 Diogo Costa Gonçalves, Anotação ao artigo 112º do Código das


Sociedades Comerciais, in António Menezes Cordeiro (ed.), Código das
Sociedades Comerciais, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, p. 413, n. 11.

88

ÂMBITO OBJETIVO

direito privado. Por outro lado, cumpre sublinhar, a Diretiva IVA não
contém qualquer remissão para o direito interno dos Estados-Membros
quanto à tarefa de compreender em que moldes se efetiva a sucessão no
âmbito da transmissão do negócio.

Pelo exposto, não se pode colocar de parte que a regra de transmissão do


negócio contém, ela própria, um comando expresso: o beneficiário sucede
ao transmitente 99. Nessa medida, independentemente de a configuração
jus-societária da operação de reorganização poder servir de referencial para
– ou, efetivamente, influenciar – a relação jurídico-tributá-

ria, entendemos que o intérprete-aplicador deverá concretizar a ideia de


sucessão no âmbito e para efeitos de IVA à luz do enunciado normativo da
regra de transmissão do negócio, segundo o qual o beneficiário sucede ao
transmitente na posição jurídico-tributária em sede de IVA.

Todavia, sendo certo que os efeitos da referida sucessão não são absolutos,
na medida em que, v.g. , eventuais dívidas de imposto do cedente não se
transferem para a esfera do cessionário, a sucessão em causa não assume a
plenitude de uma verdadeira “sucessão universal”. Daqui poder-se-á inferir
que o comando da sucessão assume um pendor necessariamente objetivo: é
o próprio negócio que rege a sucessão, no sentido em que a continuidade da
atividade económica serve de fundamento à manu tenção do enquadramento
em sede de IVA do conjunto de ativos transmitidos como um todo ( “as a
going concern” ), sem que tal implique uma quebra na cadeia do imposto.
Quanto à necessidade de o adquirente comunicar à administração fiscal o
exercício dos direitos adquiridos por intermédio da sucessão no âmbito da
transmissão do negócio, tal comunicação justifica-se ao abrigo do referido
princípio da cooperação100. Na verdade, a administração fiscal,
desconhecendo, à partida, o conteúdo objetivo e quantitativo dos direitos
em causa, carece de ser informada quanto ao exercício desses direitos, na
qualidade de sujeito ativo da relação jurídica tributária.

Informada, uma vez que o comando da sucessão subjacente à regra de 99


Apesar de o referido comando não constar da transposição efetivada pelo
artigo 3º, nº 4, do Código do IVA, o mesmo é reconhecido na Nota
Explicativa do Anteprojeto do Có digo do IVA (cf. DGCI, Anteprojeto…, p.
186) . Ainda que assim não fosse, o comando decorreria da jurisprudência
do TJUE e do próprio elemento sistemático da interpretação da regra em
causa.

100 Uma vez que não existe qualquer disposição legal expressa que assim o
imponha.

89

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

transmissão do negócio opera de forma automática, i.e. , não depende da


prática de qualquer ato administrativo por parte da administração fiscal.

Assim, concedemos que, na sequência de, v.g. , uma fusão, o direito à


dedução seja exercido pela sociedade incorporante relativamente ao
imposto suportado em aquisições de bens e serviços adquiridos ainda pela
sociedade fundida cujo imposto não tenha sido deduzido, bastando, para o
efeito, notificar a administração fiscal. Tal como o TJ declarou em Polski
Trawertyn 101 , com referências à doutrina Faxworld 102, o IVA pago a
montante sobre despesas de investimento efetuadas pelos sócios antes da
constituição e do registo da referida sociedade, para os fins das operações e
tendo em vista a atividade económica desta última, é dedutível.

2.2. Transmissões sem contrapartida ou sob a forma de entrada numa


sociedade
Conforme decorre do artigo 19º da Diretiva IVA, a regra de transmissão do
negócio é também aplicável às transmissões gratuitas ou sob a forma de
entrada numa sociedade. Assentando a regra de transmissão do negó cio na
ideia de que as operações por ela visadas seriam operações, em
circunstâncias normais, sujeitas a imposto, para Ad van Doesum103 o
escopo da regra de transmissão do negócio é demasiado amplo: situando-

-se as transmissões sem contrapartida ou sob a forma de entrada fora do


campo do imposto, nos termos do artigo 2º da Diretiva, torna-se redun-
dante prever que, no caso das universalidades, as mesmas não implicam
uma entrega de bens ou uma prestação de serviços.

No entanto, o que distingue as transações em apreço das que se si-tuam fora


do âmbito do imposto é o facto de o transmissário, nestes casos, ser tratado
como sucessor do transmitente, assumindo a sua posi-

ção no âmbito da relação jurídica tributária, v.g. , no que respeita às 101 Ac.
Polski Trawertyn (C-280/10), nº 38.

102 O AG Cruz Villalón havia referido que o âmbito factual e regulamentar


do litígio que esteve na origem do reenvio prejudicial que deu origem ao
mencionado acórdão Faxworld era diferente do do processo que esteve na
base no reenvio prejudicial da Polski Trawertyn (Cls. Polski Trawertyn, n.os
46-49). Todavia, o TJ entendeu que os fundamentos subjacentes à
interpretação adotada pelo TJ em Faxword permanecem válidos em
circunstâncias como as que caracterizam o litígio em Polski Trawertyn.

103 Ad van Doesum, “Contributions to Partnerships from a European VAT


Law Perspective”, EC Tax Review, 2010(6), pp. 265-6.

90

ÂMBITO OBJETIVO

obrigações de regularização do imposto deduzido. Nessa medida, não é


admissível uma interpretação a contrario 104 da regra de transmissão do
negócio no sentido em que as transmissões sem contrapartida ou sob a
forma de entrada pudessem configurar operações sujeitas105.
Uma entrega de bens sem contrapartida poderia, ainda assim, configurar
uma operação assimilada, nos termos dos artigos 16º ou 26º da Dire tiva,
donde se poderia sustentar que, perante a ausência de uma norma como a do
artigo 19º, o imposto, nesse caso, seria devido. Todavia, um tal resultado
interpretativo não será possível tendo em conta a ratio dos artigos 16º e 26º,
uma vez que, como o TJ fez notar em VNLTO, tais normas não visam
equiparar operações situadas fora do âmbito do imposto a operações com
fins alheios à empresa, mas apenas determinar que a afetação de bens ou
serviços por parte do sujeito passivo ao seu uso próprio ou do seu pessoal,
ou a sua transmissão a título gratuito, quando dão origem a atos de consumo
final, pressupõem a liquidação do imposto106.

No que tange às entradas em espécie ou às contribuições de indústria, a


Diretiva IVA não define de forma clara qual o seu tratamento.

No entanto, em KapHag 107, o TJ esclareceu que, se a tomada de


participações não constitui, em si mesma, uma atividade económica na
aceção da Sexta Diretiva, o mesmo sucede em relação à cessão de tais
participações, pelo que a admissão de um novo sócio numa sociedade civil
não constitui uma prestação de serviços a esse mesmo sócio, sendo
indiferente saber se a admissão do novo sócio deve ser considerada um ato
da própria sociedade ou um ato dos outros sócios, porque, seja como for, a
admissão de um novo sócio não constitui uma prestação de serviços a título
oneroso na aceção da diretiva.

Assim, não obstante as transmissões sem contrapartida ou sob a forma de


entrada numa sociedade se traduzirem, prima facie, em operações fora do
âmbito do imposto108, elas gozam de um tratamento normativo 104 Sobre
a utilização do argumento a contrario, cf. David Duarte, “On The A
Contrario Argument: Much Ado About Nothing”, RFDUL, LIV, 2013, pp.
41-51.

105 Ad van Doesum, Contributions to Partnerships…, ibidem.

106 Ac. VNLTO (C-515/07), nºs 39-40.

107 Ac. KapHag (C-442/01), nº 42.


108 Prima facie, na medida em que a doutrina KapHag apontaria para a
assimilação das entradas em espécie às entradas de capital, aplicando-se-
lhes o mesmo tratamento. Todavia, 91

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

distinto ao preencherem os elementos da previsão da regra de transmissão


do negócio, na medida em que, por efeito desta, ocorre a sucessão do
cessionário ao cedente.

2.3. Transmissão de participações sociais

Conforme tivemos a oportunidade de expor supra 109, a questão


controvertida no caso SKF 110 prendia-se com o direito à dedução por parte
de uma sociedade relativamente aos serviços adquiridos com vista à prática
de uma operação de venda de participações sociais. O Tribunal de Justiça
entendeu que a alienação da totalidade das participações sociais numa
empresa em relação de domínio constitui uma atividade econó mica
enquadrável no âmbito de incidência objetiva do imposto, con tanto que a
sociedade dominante tenha prestado serviços à sociedade dominada, por sua
vez também sujeitos a IVA. No caso em apreço, porém, o TJ foi mais longe,
seguindo a sugestão da Comissão, admi-tindo implicitamente que uma
alienação da totalidade das participações sociais é funcionalmente
equivalente à transmissão da totalidade dos como salienta Ad van Doesum,
Contributions to Partnerships…, p. 270, tal enquadramento é pas sível de
provocar situações de dupla não tributação, designadamente quando o
último sujeito passivo na cadeia de produção e distribuição desenvolve uma
atividade isenta. É que se os sócios tiveram a oportunidade de deduzir o
imposto incorrido a montante com os ativos integrados aquando da entrada
em espécie, a sociedade irá adquirir os mesmos sem o encargo do IVA, o
que contraria o princípio constitutivo do imposto, segundo o qual o IVA é
um imposto geral sobre o consumo, proporcional ao preço dos bens ou
serviços transaciona-dos. Todavia, sujeitar a imposto as entradas em espécie
conduziria, por outro lado, a um tratamento diferenciado de duas formas de
investimento equivalentes com vista à participação no capital de uma
sociedade comercial, o que seria contrário ao princípio da neutralidade
subjacente à mecânica do imposto, na sua vertente da igualdade. Não
obstante, a situação inversa ( i.e. , a não tributação das entradas em espécie)
também é contrária ao mesmo princípio da neutralidade, uma vez que
origina um tratamento diferenciado relativamente às situações em que um
sujeito passivo, em condições normais, teria de pagar imposto pela
aquisição dos bens e serviços afetos à sua atividade económica. Não sendo
esta a sede própria para resolver o paradoxo das entradas em espécie, não
podíamos deixar de explicitar o juízo prima facie.

109 Cf. I.3.4 supra.

110 Para uma crítica a este aresto, cf., entre nós, Alexandra Martins, “As
operações relativas a participações sociais e o direito à dedução do IVA: a
jurisprudência SKF”, in Paulo Otero /

Fernando Araújo / João Taborda da Gama (eds.), Estudos em memória do


Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vol. 4, Coimbra Editora, 2011, pp.
51-91.

92

ÂMBITO OBJETIVO

ativos dessa empresa, logo, passível de ser qualificada como uma


transmissão do negócio para efeitos de IVA111. O acórdão SKF suscita,
assim, a questão de saber em que circunstâncias uma transmissão de
participa-

ções sociais pode ser qualificada como uma transmissão do negócio para
efeitos dos artigos 19º e 29º da Diretiva IVA.

De acordo com Ad van Doesum et al. 112, a alienação da totalidade das


participações numa sociedade dominada não seria, em princípio qualificável
como uma transmissão da totalidade dos ativos para efeitos da regra de
transmissão do negócio, uma vez que esta regra pressupõe que o objeto da
transmissão seja uma universalidade ou parte dela suscetível de constituir
um ramo de atividade económica independente, tal como firmado em Zita
Modes. Ora, as ações de uma sociedade não são, per se, suscetíveis de
constituir uma universalidade capaz de constituir um ramo de atividade
independente. Todavia, se a sociedade-mãe tem um envolvimento ativo no
controlo das suas subsidiárias de tal modo que, de facto e do prisma da
substância económica, a atividade económica das suas subsidiárias constitui
uma extensão da sua própria atividade económica, nessa situação, o
princípio da neutralidade poderá exigir que a transmissão da totalidade das
participações sociais seja encarada como se da transmissão do negócio em
si se tratasse, aplicando-se a regra dos artigos 19º e 29º da Diretiva.

Não obstante, no caso SKF, o AG Mengozzi não partilhou da opinião da


Comissão quanto à equiparação da transmissão de participações sociais à
transmissão do negócio, uma vez que, em sua opinião, trata-

-se de institutos jurídicos distintos: do ponto de vista jus-societário, o deten


tor da propriedade das participações de uma sociedade não está
necessariamente habilitado a transmitir os ativos da empresa, perma-
necendo esta, em princípio, a única a poder concluir essa transação113.

Por outro lado, o AG fez lembrar que, em BLP Group 114, perante uma
transmissão por uma holding de 95% das participações que detinha numa
das suas filiais, o Tribunal de Justiça não contrariou a apreciação 111 Ac.
SKF (C-29/08), nº 35.

112 Ad van Doesum / Herman van Kesteren / Gert-Jan van Norden, “Share
Disposals and the Right of Deduction of Input VAT”, EC Tax Review, 19(2),
2010, p. 70.

113 Cls. SKF (C-29/08), nº 54. Esta era também a posição defendida pela
AB SKF.

114 Ac. BLP Group (C-4/94).

93

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

do órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual essa transmissão


constituiria uma operação isenta, sem que, por outro lado, o Tribunal de
Justiça tivesse matizado a sua apreciação por forma a tomar em conta
eventuais situações de transmissão de participações financeiras que teriam
caído na noção de transferência a título oneroso de uma universalidade de
bens ou de parte dela, na aceção do artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva.

Atento o exposto, coloca-se a questão de saber em que circunstâncias


poderá uma transmissão de participações sociais configurar uma
transmissão do negócio. Para Alexandra Martins115, não será de exigir a
alienação da totalidade das participações sociais, mas pode constituir um
indício de controlo a transmissão de uma percentagem superior a 50% de
participações representativas do capital social. Não acom-panhamos esta
posição. Desde logo, porque parte de um pressuposto segundo o qual os
poderes políticos do sócio são equiparáveis aos poderes patrimoniais. A
doutrina SKF estabelece uma relação de implicação lógica entre a detenção
da totalidade das participações sociais de uma sociedade e a propriedade
dos ativos detidos pela mesma, assentando numa perspetiva económica.
Ora, dessa mesma perspetiva económica, a relação de implicação lógica já
não seria possível na situação em que a transmissão das participações
sociais deixasse de incidir sobre a totalidade das mesmas116, uma vez que
não seria possível determinar, v.g. , se aos 70% das participações
representativas do capital social correspon-deriam os ativos A, B, C, ou X,
Y, Z – a não ser que, ad absurdum, os ativos da sociedade fossem todos
iguais, tivessem o mesmo valor e fossem, em termos equivalentes, aptos a
constituir um ramo de atividade independente. Logo, não sendo possível
inferir os elementos que compõem o negócio se a percentagem transmitida
for inferior a 100%, não é possível aferir do preenchimento da previsão da
regra de transmissão do negócio. Nessa medida, a equiparação operada em
SKF apenas é possí-

vel quando, numa situação análoga à dos autos, ocorra a transmissão da tota
lidade das participações sociais.

115 Alexandra Martins, As operações relativas a participações sociais…,


pp. 75-76.

116 No mesmo sentido, Joachim Englisch, “The Share Deal as a Non-


taxable Transaction”, in Thomas Ecker / Michael Lang / Ine Lejeune, The
Future of Indirect Taxation : Recent Trends in VAT and GST Systems around
the World, Kluwer Law International, 2012, p. 562.
94

ÂMBITO OBJETIVO

Esta posição foi já confirmada pelo Bundesfinanzhof, no seu acórdão de 27


de janeiro de 2011117. Chamado a interpretar o §1(1a) UStG118, o BFH,
com amplas referências ao caso SKF, concluiu pela impossibilidade de
aferir se a operação em causa podia ou não configurar uma transmissão do
negócio para efeitos de IVA, uma vez que a transmissão de participações
sociais sub judice apenas tinha incidido sobre 99% das mesmas. Na
sequência desta decisão, o BMF acabou incorporar a sub-secção 9 na
secção 1.5 UStAE, esclarecendo que, por forma a que uma transmissão de
participações sociais configure uma transmissão do negó-

cio na aceção do §1(1a) UstG, a transmissão deve compreender a totalidade


das participações sociais da sociedade.

Ademais, importa referir que no caso X BV 119, tratando-se da transmissão


de uma participação de 30% numa sociedade, ou seja, inferior a 50%, o TJ
concluiu que esta apenas em certa medida e de forma limitada
consubstancia um direito sobre essa sociedade, pelo que não pode ser
equiparada à transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela na
aceção do artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva. Assim, contrariamente ao que
sucedia em SKF, no caso X BV não estava em causa um único sócio que
transferia as suas participações sociais de forma progressiva no tempo, mas
sim vários sócios transferindo as suas participações sociais ao mesmo
tempo. Nessa medida, o TJ fez notar que o artigo 19º

da Diretiva IVA emprega o termo “transmitente”, no singular, o que implica


a exclusão das operações em que existem vários transmitentes a efetuar
várias operações de venda de ações em simultâneo ao mesmo adqui rente,
pelo que, refere o Tribunal, cada operação deve ser analisada de forma
individual e independente.

117 BFH, Urt. vom 27.01.2011 – V R 38/09, BFH/NV 2011, 727. Sobre
esta decisão, cf. Roland Îsmer / Daniela Endres, “Disposal of less than 100
per cent of shares in a subsidiary not a transfer of a going concern – VAT
groups and transfer of a going concern – recovery of input VAT”, World
Journal of VAT/GST Law, 1(1), 2012, pp. 111-114; Joachim Englisch /
Heidi Friedrich-Vache, Umsatzsteuerrechtliche Aspekte der
Anteilsveräußerung, IFSt-Schrift, 477, Berlin, 2011, pp. 28 ss..

118 Para um estudo da regra de transmissão do negócio no ordenamento


jurídico alemão, cf.

Nico Werres, Umsatzsteuerliche Besonderheiten bei der


Geschäftsveräußerung im Ganzen, Grin Verlag, 2005.

119 Ac. X BV (C-651/11). Cf. I.3.6 supra.

95

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Como faz notar Andreas Christian Benkitsch120, no caso da introdução de


uma holding intermédia para a qual os sócios pudessem ter transferido as
suas participações sociais na X BV, juntamente com os contratos de
prestação de serviços de gestão, para, subsequente mente transmitirem essa
holding no âmbito da regra de não sujeição, fica em aberto a questão de
saber se o TJ teria decidido de forma diferente.

Nesse contexto, e uma vez que o TJ encarou a transmissão de participações


sociais em SKF como uma implícita extensão dos serviços de gestão, por
sua vez sujeitos a imposto, poder-se-ia equacionar que a cessão da posição
contratual nos contratos de prestação de serviços administrativos,
financeiros, comerciais ou de natureza técnica sujeitos a IVA, em conjunto
com a alienação das participações sociais, pudessem enformar uma
exploração da propriedade com o propósito de obtenção de receita numa
base contínua – o que o TJ entendeu não se verificar em X BV 121 –
aceitando-se, nessas circunstâncias, que a transmissão das participações
sociais fosse equiparada à transmissão do negócio. Assim, tendo em conta
que o único interesse económico em controlar a holding seria a
administração da X BV, tal constituiria uma atividade econó mica
enquadrável no âmbito de incidência do imposto, pelo que a aliena-
ção dos únicos ativos dessa holding, i.e. , os seus contratos de prestação de
serviços à X BV e as participações sociais detidas nesta última, qualificar-
se-ia como uma transmissão de negócio como um todo122. Face à
multiplicidade de situações possíveis, os casos SKF e X BV constituem um
pequeno exemplo da complexidade que a regra de transmissão do negócio
pode assumir em sede de IVA, pelo que a temática, relativamente recente,
conta ainda com uma considerável margem de evolução jurisprudencial e
dogmática.

2.4. Trespasse de estabelecimento comercial

O acórdão Zita Modes é um de muitos em que o TJ teve a necessidade de


chamar a atenção para a autonomia e uniformidade da interpretação dos
conceitos empregues na Diretiva, cujo significado normativo não é 120
Andreas Christian Benkitsch, “The share deal as a transfer of a going
concern (TOGC) in VAT”, in Sebastian Pfeiffer / Marlies Ursprung-Steindl
(eds.), Global Trends in VAT/GST and Direct Taxation: Schriftenreihe IStR
Band 93, Linde Verlag, Wien, 2015, pp. 647 ss..

121 Ac. X BV (C-651/11), nº 36.

122 Andreas Christian Benkitsch, The share deal…, p. 648.

96

ÂMBITO OBJETIVO

necessariamente idêntico ao significado que assumem nos ordenamentos


internos dos Estados-Membros – doutro modo, estar-se-ia a colocar em jogo
o objetivo da harmonização.

Em Zita Modes, o TJ salientou que os elementos transmitidos ao abrigo dos


artigos 19º e 29º da Diretiva IVA devem constituir um conglome rado de
ativos, capaz de funcionar autonomamente, como um todo, pelo que se
requer a existência de uma ligação organizacional e funcional entre os
mesmos123. Tendo presente que a aplicação do direito aos factos não cabe
ao Tribunal de Justiça, mas sim aos intérpretes-aplicadores dos vários
Estados-Membros, a jurisprudência comunitária proferida até à data, uma
vez que assenta em critérios gerais, deixa ainda alguma margem para
dúvidas quanto ao âmbito material do negócio ou de parte dele suscetível a
beneficiar da simplificação constante da regra em causa.

O Advogado-Geral, nas suas Conclusões em Zita Modes, referiu que,


quando se considera uma universalidade de bens, a transferência em causa é
a de um estabelecimento como um todo, podendo incluir elementos não só
corpóreos (tais como fábrica, equipamento e stock para venda) como
incorpóreos (tais como o interesse do arrendatário num arrendamento, o
nome comercial ou insígnia, patentes, marcas registadas, goodwill, segredos
de comércio, registos comerciais, listas de clientes, o benefício de contratos
existentes e assim por diante)124.

Em 2006, o Supremo Tribunal Administrativo125 havia decidido que, não


constituindo um verdadeiro trespasse o negócio em que o transmitente
declara transferir para outrem um estabelecimento comercial ins-talado em
local arrendado sem que o adquirente lhe suceda na posição de arrendatário,
antes celebrando, na mesma data, um novo contrato de arrendamento
relativo ao dito local, a regra de transmissão do negó-

cio prevista nos artigos 3º, nº 4, e 4º, nº 5, do Código do IVA, não tem 123
Tal como salientado no parágrafo 10 da Informação Vinculativa nº 12524,
de 05/02/2018, da DS-IVA, «[o] legislador na redação do preceito utiliza a
expressão “(…) do estabelecimento (...)” e não “(…) de um estabelecimento
(…)”, o que, desde logo pressupõe tratar-se do conceito técnico-jurídico no
seu significado objetivo – organização do empresário mercantil, o conjunto
de elementos (corpóreos, incorpóreos, a clientela, o aviamento) e não já do
sentido comum do termo, ou seja, a unidade técnica correspondente a cada
um dos locais onde o comerciante exerce a actividade mercantil (a loja, o
armazém, a fábrica, o equipamento, o escritório).»

124 Cls. Zita Modes (C-497/01), nº 34.

125 AcSTA de 12/12/2006, proc. 0904/06, Rel. Baeta de Queiroz.

97

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA


aplicação. No caso em apreço, estava em causa a transmissão dos móveis,
utensílios, beneficiações, alvarás, licenças e as demais coisas e direitos
pertencentes ao estabelecimento. Excluía-se a transmissão da posição do
arrendatário, na medida em que o beneficiário da transmissão havia
celebrado um novo contrato de arrendamento. O STA procedeu a um
enquadramento exaustivo do conceito de trespasse do ponto de vista do
direito comercial, do regime do arrendamento urbano, das normas
contabilísticas e das orientações genéricas da administração fiscal, para
afirmar que “(...) se [o beneficiário] celebrou um novo contrato de locação
do imóvel, foi porque não sucedera à Recorrente na titularidade do direito
ao anterior arrendamento. E, se não era titular desse direito, também o não
era do estabelecimento, mas só de um desgarrado conjunto de elementos
deste – em súmula, não houve trespasse.” Em seguida, o STA, no seu
raciocínio, limita-se a concluir pela não aplicabilidade da regra de
transmissão do negócio.

No mesmo ano de 2006, o Tribunal Central Administrativo Sul126


entendera que não constitui trespasse quando a cedente se limita a ceder as
instalações, arrendadas, onde se incluem as instalações elétricas, a
instalação de ar condicionado, as alcatifas e outras obras compostas por
granitos e outras beneficiações, sendo que apenas a cedência de um
estabelecimento comercial, na totalidade ou de uma parte dele, desde que
suscetível de constituir um ramo de atividade independente e desde que, em
qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da
aquisição, um sujeito passivo do mesmo imposto, fica isenta ( sic) de IVA.

Em nenhum ponto do obiter dictum dos citados arestos se faz referência à


jurisprudência que, àquela data, já se encontrava firmada pelo Tribunal de
Justiça, designadamente, nos casos Abbey National e Zita Modes.
Independentemente da validade da argumentação dos referidos Tribunais
quanto ao conceito de trespasse de estabelecimento comercial à luz do
ordenamento jurídico nacional, restringindo-se a argumentação apenas às
noções de direito interno – quando na verdade está em causa um conceito
autónomo de direito da UE –, os arestos em causa são apenas um exemplo
de como os órgãos jurisdicionais e administrativos dos vá-
rios Estados-Membros podem criar sérios entraves à harmonização de um
sistema tributário que visa ser comum, de aplicação uniforme, tendo como
desiderato a concretização de um Mercado Interno.

126 AcTCAS de 03/05/2006, proc. 00030/04, Rel. Ivone Martins.

98

ÂMBITO OBJETIVO

Sem questionarmos a racionalidade intrínseca dos acórdãos citados, uma


constatação impõe-se: a regra de transmissão do negócio, pela sua
amplitude, conjugada com a escassez de elementos interpretativos por parte
do TJ, pode dar azo a soluções jurídicas distintas para factos aná-

logos. No primeiro caso, o STA entendeu não que a regra não se aplica à
transmissão de um estabelecimento sem haver sucessão na posição do
arrendatário. No segundo caso, o TCAS entendeu que a mera cessão das
instalações arrendadas sem o recheio de um estabelecimento comercial
também não constitui uma transmissão do negócio. Em Christel Schriever
127, o TJ, por seu turno, entendera que, se a cessão das existências e do
equipamento do estabelecimento for suficiente para permitir a continuação
de uma atividade económica autónoma, a transmissão dos bens imóveis não
é determinante para qualificar a operação de transferência de uma
universalidade de bens. Além disso, quando se verificar que a continuação
da atividade económica em causa exige que o transmissário continue a
utilizar as instalações utilizadas pelo transmitente, nada obsta, em princípio,
a que essa transmissão seja efetuada mediante a celebração de um contrato
de arrendamento, sendo ainda necessário que o cessionário tenha a intenção
de explorar o estabelecimento ou a parte da empresa transmitida e não
simplesmente a de liquidar imediatamente a exploração ou de vender as
existências128.

Em todo o caso, a constatação pela aplicabilidade ou não da regra de


transmissão do negócio por parte do intérprete-aplicador deverá assentar
num juízo casuístico, orientado à luz dos conceitos de atividade econó-
mica e de atuação independente, tal como gizados pela jurisprudência do
127 Cf. I.3.5 supra.

128 Refira-se também o recente AcSTA de 23/11/2016, proc. 01045/15,


Rel. Fonseca Carva-lho, onde se enquadrou como prestação de serviços
sujeita a imposto uma renúncia onerosa do direito ao trespasse e
arrendamento de estabelecimento comercial sem a efectiva transmissão do
estabelecimento e a manutenção do ramo de actividade, com vista a
possibilitar o senhorio a efectuar novo contrato de arrendamento do imóvel
com terceiro para instalação de ramo diferente. No caso, o sujeito passivo
havia transmitido apenas um direito, insuscep-tível de constituir por si só,
um ramo de atividade autónomo, já que o sujeito passivo adquiriu o
estabelecimento em hasta pública não tendo chegado a exercer nele
qualquer tipo de atividade e encontrando-se posteriormente a funcionar um
Banco, não resultando daí a continuidade do exercício de uma actividade
económica na aceção do imposto.

99

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

TJ129. Em nosso ver, de uma perspetiva estática, uma estrutura econó-

mica capaz de produzir ou comercializar bens e/ou de prestar serviços, que


pratique (ou tenha aptidão para praticar) operações a montante e a jusante
com caráter de independência, deverá, prima facie, enquadrar-se na
previsão da regra de transmissão do negócio, sem prejuízo de, numa
perspetiva dinâmica, poderem assumir especial relevância circunstâncias
específicas, tais como o facto de num determinado estabeleci mento
comercial nunca terem sido praticadas operações tributáveis ou estas terem
sido interrompidas temporária ou definitivamente – o que apenas será
possível analisar numa perspetiva ex post 130.

129 Conforme é referido em Christel Schriever (C-444/10), para efeitos de


aplicação da regra de transmissão do negócio importa que os ativos
transmitidos “sejam suficientes para que o cessionário possa prosseguir
duradouramente uma atividade económica autónoma” (nº 45).
130 Cf., a respeito, o artigo 34º, nº 2, do Código do IVA, nos termos do qual
a administração fiscal pode declarar oficiosamente a cessação de atividade
quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há a intenção de
a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o
exercício de uma atividade sem que possua uma adequada estrutura
empresarial suscetível de a exercer.

100

3. Âmbito subjetivo

3.1. O elemento intencional e a carga económica A questão do elemento


intencional foi abordada pela primeira vez em Zita Modes 131, onde o TJ
entendeu que, para a aplicação da regra de transmissão do negócio, a
transmissão total ou parcial de ativos deve ser acompanhada pela intenção,
por parte do transmissário, de explorar economicamente esses ativos de
uma forma organizada e não simplesmente a de liquidar imediatamente a
exploração ou de vender as existências.

Nada obsta a tal resultado interpretativo, tendo em conta a finalidade da


norma e o espírito do sistema. Todavia, em termos práticos, a aferição da
intencionalidade do beneficiário pode averiguar-se de difícil alcance.

Por outro lado, o Tribunal não fornece uma definição do que possa
significar a “imediata” liquidação da exploração ou venda das existências.

No entanto, não pode deixar de ser tido em conta que o Tribunal, em INZO
132, entendeu que o princípio da segurança jurídica se opõe a que os
direitos e obrigações dos sujeitos passivos dependam de factos, de
circunstâncias ou de acontecimentos que se produzem depois da sua
verificação pela administração fiscal, donde resulta que, a partir do
momento em que esta última aceitou, com base nos dados fornecidos por
uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este
estatuto já não pode, em princípio, ser-lhe depois retirado com efeitos
retroativos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados 131 Cf.
I.3.2 supra.

132 Ac. INZO (C-110/94), nºs 21-22.


101

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

acontecimentos. Uma interpretação diferente da diretiva seria, aliás,


contrária ao princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal
suportada pela empresa. Seria suscetível de criar, aquando do tratamento
fiscal de atividades de investimento idênticas, diferenças injustificadas entre
empresas que já realizam operações tributáveis e outras que pro-curam,
através dos investimentos, iniciar atividades que serão fonte de operações
tributáveis. Do mesmo modo, seriam estabelecidas diferenças arbitrárias
entre essas últimas empresas, na medida em que a aceitação definitiva das
deduções dependesse da questão de saber se esses investimentos conduzem
ou não a operações tributáveis.

A aferição da existência ou não da intencionalidade de prosseguir a


atividade económica deve, pois, ser analisada numa perspetiva ex ante,
repor tada ao momento da transmissão, e deve assentar em considerações
objetivas. Todavia, afastando as situações de potencial fraude ou evasão
fiscal, entendemos que o mero facto de o adquirente ser um sujeito passivo
de IVA deverá ser um elemento suficiente para a compro-vação deste
requisito, atenta a conjugação dos princípios da segurança jurídica, da
proporcionalidade e, acima de tudo, o da neutralidade. Esta ideia decorre,
principalmente, da doutrina INZO, que encontra o seu radical em
Rompelman 133, onde o Tribunal entendeu que o princípio da neutralidade
do IVA quanto à carga fiscal suportada pela empresa im-põe que as
primeiras despesas de investimento efetuadas tendo em vista a formação de
uma empresa sejam consideradas atividades económicas e que seria
contrário a esse princípio que as referidas atividades apenas tives sem início
no momento em que se inicia a efetiva exploração, i.e. , no momento em
que surgem as operações sujeitas a imposto a jusante.

Veja-se, a propósito, a interessante Informação Vinculativa nº 3758, de 29


de junho de 2012, da Direção de Serviços do IVA, nos termos da qual a
administração fiscal sancionou a aplicação da regra de transmissão do
negócio preconizada nos artigos 3º, nº 4, e 4º, nº 5, do Código do IVA e,
bem assim, o exercício do direito à dedução relativamente à transmissão
global do património em fase de liquidação e partilha de uma sociedade
anónima de capitais públicos cujo objeto social consistia em “proceder ao
desenvolvimento dos trabalhos necessários à prepara-

ção e execução das decisões referentes aos processos de planeamento e 133


Ac. Rompelman (268/83), nº 23.

102

ÂMBITO SUBJETIVO

lançamento da construção de um novo aeroporto em Portugal continen-tal”,


destinando-se os referidos trabalhos a ser entregues onerosa mente à
sociedade que viesse a ser constituída para proceder à construção e
exploração do novo aeroporto, operação tributada nos termos do nº 1

do artigo 4º do Código do IVA. Ora, na sequência da suspensão do projeto


do novo aeroporto, operada na sequência do Memorando de Entendimento
celebrado entre o Estado Português, a Comissão Europeia, o Banco Central
Europeu e o Fundo Monetário Internacional, o Governo decidiu a
dissolução e a liquidação da referida entidade. In casu, resul-tava que o
imposto contido nas despesas de investimento prévias à constituição de uma
empresa, confirmadas por elementos objetivos que demonstrem a sua
relação direta com a atividade a desenvolver, pode ser de imediato
deduzido, apesar de as operações a jusante nunca se terem verificado por
força da ocorrência de um “fait du Prince” 134.

A referida situação apresenta algumas semelhanças com o caso Faxworld


135, onde uma entidade que transmitiu a totalidade dos seus ativos para
outra nunca chegou a ter operações tributáveis, com a diferença de que essa
entidade nunca teve a intenção de exercer uma atividade económica, mas
tão-só de dotar outro sujeito passivo dos meios necessários para que este
último desenvolvesse a atividade econó mica.

Na impossibilidade lógica de aplicar o raciocínio levado a cabo pelo TJ em


Abbey National, o Advogado-Geral136 fez notar que o objetivo de garantir
a neutralidade do IVA não será alcançado se o imposto pago puder ser
deduzido por uma pessoa diferente da que suportou a sua carga económica.
Apesar de, em Faxworld, os sócios ou acionistas de ambas as entidades
serem na realidade os mesmos – sendo, portanto, afetados os mesmos
“bolsos” – nem sempre tal acontecerá. Se o preço da transferência da
empresa for o valor contabilístico do ativo, sem IVA, permitir que o direito
à dedução seja do destinatário e não do transmitente daria ao primeiro uma
vantagem financeira injustificada e sobrecarregaria o segundo com uma
carga fiscal irrecuperável. Se, por outro lado, o IVA pago a montante for
repercutido no preço da transferência, o direito à dedução deve caber ao
beneficiário. Outra forma de pro ceder 134 Para uma situação análoga, cf.
Ghent Coal Terminal (C-37/95).

135 Cf. I.3.3 supra.

136 Cls. do AG Jacobs em Faxworld (C-137/02), nº 54.

103

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

implicaria uma distorção da concorrência que, além de incompatível com os


princípios do sistema do IVA e com o direito da União em geral, deve ser
evitada.

3.2. Pluralidade de intervenientes

Outra questão problemática em torno da regra de transmissão do negó-

cio prende-se com a pluralidade de intervenientes. Em X BV, o Tribunal


salientou que o artigo 19º da Diretiva IVA emprega o termo “transmitente”
no singular, o que implica a exclusão das operações em que existem vários
transmitentes a efetuar várias operações de venda de ações em simultâneo
ao mesmo adquirente, pelo que, refere o Tribunal, cada operação deve ser
analisada de forma individual e independente.

Recentemente, o Bundesfinanzhof (BFH) foi chamado a pronunciar-se sobre


uma questão que envolvia várias pessoas coletivas que prestavam, em
regime de cooperação, serviços de cuidados geriátricos ao domicí-
lio137. As referidas entidades alienaram os ativos utilizados na sua
atividade económica a outro grupo de entidades. O Finanzgericht
Rheinland-

-Pfalz levou a cabo a uma abordagem interessante, sustentando que as


entidades transmitentes deveriam ser observadas como constituindo um
grupo, pelo que, tendo o património utilizado para prestar os referidos
serviços sido transmitido como um todo, estariam verificadas as condi-

ções de aplicação do §1(1a) UStG138. No entanto, o BFH, no seu acór-dão


proferido em 2 de abril de 2015 (proc. XI R 14/14), entendeu que a
abordagem do Finanzgericht era puramente económica e pouco consis-
tente. Nessa medida, sustentou que, para efeitos de preenchimento da
previsão do §1(1a) UStG, as operações devem ser vistas numa perspetiva
bilateral individual, pelo que, ainda que todas as partes envolvidas na
transação em causa fossem sujeitos passivos e houvesse continuidade da
atividade económica, cada uma das transmissões, individualmente
consideradas, não permitiam a aplicação da regra de não sujeição, uma vez
que se tratava de ativos isolados que, apesar de serem utilizados na
prestação dos serviços em causa, não constituíam, caso a caso, um ramo de
atividade independente.

137 Cf. BFH, 04.02.2015 – XI R 14/14.

138 FG Rheinland-Pfalz, 13.03.2014 – 6 K 1396/10.

104

ÂMBITO SUBJETIVO

Deve, a este ponto, ser tida em conta a norma constitutiva do imposto,


plasmada no artigo 2º, parágrafo 2, da Primeira Diretiva139, segundo o
qual, em cada transação, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado
sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou
serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o
valor acrescentado que tenha incidido diretamente sobre o custo dos
diversos elementos constitutivos do preço. Assim, havendo vários
intervenientes na transmissão de um negócio, haverá analisar cada operação
de forma individual e independente por forma a verificar se, perante situa
ções em que havendo fragmentação do objeto transmitido, os elementos da
previsão da regra de transmissão do negócio se encontram ou não
preenchidos.

139 Correspondente ao artigo 1º, nº 2, da Diretiva IVA.

105

4. Âmbito territorial

O IVA é um imposto que incide sobre o consumo privado, visando tributar


as entregas de bens e as prestações de serviços que ocorrem no território de
cada Estado-Membro. De acordo com o disposto nos artigos 2º, nº 1, alíneas
b) e d), da Diretiva IVA, as aquisições intracomunitárias de bens e as
importações também fazem parte do âmbito de incidência real do imposto.
Tendo presente que a regra de transmissão do negócio foi transposta por
todos os Estados-Membros da EU, embora considerando que os requisitos
administrativos em torno da sua aplicação poderão diferir de uma
administração fiscal para outra, impõe-se a questão de saber qual o
enquadramento de uma transmissão do negócio plurilocali-zada, i.e. , que
envolve mais do que uma jurisdição.

4.1. A “transmissão intracomunitária do negócio”

Nos termos do disposto no artigo 20º, nº 1, da Diretiva IVA, entende-

-se por aquisição intracomunitária de bens “a obtenção do poder de dispor,


como proprietário, de um bem móvel corpóreo expedido ou transportado
com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta
destes, para um Estado-Membro diferente do Estado de partida da
expedição ou do transporte do bem”. A definição de aquisição
intracomunitária de bens decorre do próprio conceito de “entrega de bens”,
previsto no artigo 14º da Diretiva, pelo que, em ambos os casos, a
ocorrência de uma operação tributável depende da transferência do poder de
dispor de um bem corpóreo como proprietário. As aquisições
intracomunitárias de bens (AIB) constituem operações tributáveis na pers-
107
A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

petiva do Estado-Membro de destino, ao passo que as transmissões


intracomunitárias de bens (TIB) se traduzem no evento correspondente, na
perspetiva do Estado-Membro de origem. Os conceitos de AIB e TIB são,
portanto, simétricos. O artigo 138º da Diretiva prevê a isenção (completa)
das TIB, ficando as AIB sujeitas a imposto no território do Estado-Membro
de destino. Trata-se de uma decorrência do princípio da neutralidade140 .

Atento o exposto, à partida, sempre que ocorra uma entrega de bens ou uma
operação assimilada141 no Estado-Membro de origem, ocorrerá a
correlativa aquisição intracomunitária no Estado-Membro de destino.

Assim, suponha-se a situação em que um sujeito passivo, situado num


Estado-Membro que tenha procedido à transposição da regra dos artigos 19º
e 29º da Diretiva, transmite uma universalidade, suscetível de formar um
ramo de atividade autónomo e independente, para outro sujeito passivo
adquirente situado num Estado-Membro que não tivesse implementado a
regra de transmissão do negócio. Perante esta situação, poder-se-ia sustentar
que, do ponto de vista conceptual, não configu-rando a operação em causa
uma entrega de bens no território de origem, a transmissão em causa não dá
lugar a uma aquisição intracomunitária de bens no país de destino. Todavia,
este resultado interpretativo é invá-

lido, por várias razões.

Em primeiro lugar, por forma a garantir a coesão do sistema do IVA nas


transações intracomunitárias, o artigo 23º da Diretiva IVA prevê que os
Estados-Membros deverão tomar as medidas necessárias para garantir que
sejam qualificadas como aquisições intracomunitárias de bens as operações
que, se tivessem sido efetuadas no interior do seu território por um sujeito
passivo agindo nessa qualidade, teriam sido qualificadas como entregas de
bens142. A citada norma tem como finalidade garantir a igualdade de
tratamento entre as operações internas e as opera-

ções intra comunitárias. É mais uma decorrência da ideia de neutralidade


140 Cf. II.1. supra.
141 V.g. , ao abrigo dos artigos 16º ou 17º, nº 1, da Diretiva IVA.

142 Corresponde ao artigo 4º, nº 2, do RITI: “Sem prejuízo do disposto


neste diploma, são consideradas como aquisições intracomunitárias as
operações que, se efetuadas no território nacional por um sujeito passivo
agindo como tal, seriam consideradas transmissões, nos termos do artigo 3º
do Código do IVA.”

108

ÂMBITO TERRITORIAL

externa, tal como definida supra 143/144. Do ponto de vista da transmissão


do negócio, o citado artigo 23º poderá conduzir a que a transmissão de uma
universalidade a partir de um Estado-Membro que procedeu à transposição
dos artigos 19º e 29º da Diretiva para outro Estado-Membro que não tenha
adotado a regra de transmissão do negócio não possa beneficiar da regra de
simplificação, sendo tratada como uma aquisição intracomunitária no país
de destino.

Por outro lado, de acordo com o artigo 16º do Regulamento de Execução


(UE) nº 282/2011, de 15 de março, o Estado-Membro de chegada da
expedição ou do transporte de bens em que é efetuada uma aquisição
intracomunitária de bens na aceção do artigo 20º da Diretiva IVA exerce a
sua competência de tributação, independentemente do tratamento em sede
de IVA que tenha sido aplicado à operação no Estado-Membro de partida da
expedição ou do transporte dos bens. Também de acordo com o
considerando (17) do citado regulamento de execução, em maté-

ria de aquisições intracomunitárias de bens, o Estado-Membro de aquisição


deverá conservar o seu direito de tributação independentemente do
tratamento em termos de IVA de que as operações tenham sido objeto no
Estado-Membro de partida. Não obstante a finalidade da disposição em
causa ser a de garantir o correto tratamento das operações no país de
destino, independentemente da configuração da operação no país de origem,
o seu âmbito parece ser suficientemente amplo para abarcar as situações de
transmissão do negócio. Assim, em situação diversa à do exemplo supra,
i.e. , em que o Estado-Membro de destino tenha optado pela transposição da
regra de transmissão do negócio 145, poder-se-ia concluir, prima facie, que
a operação em causa poderia beneficiar da aplicação da referida regra de
simplificação.

Todavia, não poderemos deixar de ter em conta o facto de a regra de


transmissão do negócio, ter uma estatuição complexa, composta por dois
comandos. O facto de uma das consequências normativas da regra em causa
ser a sucessão (na relação jurídica tributária em sede de IVA) do adquirente
relativamente ao transmitente implicará a inevitável decor-143 Cf. II.1.

144 Ben Terra / Julie Kajus, Commentary – A Guide to the Recast VAT
Directive, IBFD, Amsterdam, 2016, 1.4.5.4.

145 Na prática, e de acordo com a informação de que dispomos à data,


todos os Estados-

-Membros terão optado pela transposição da regra de transmissão do


negócio.

109

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

rência de o primeiro se ter de identificar para efeitos de IVA no Estado-

-Membro deste último por forma a beneficiar da aplicação da regra de


simplificação146. Noutros termos, sucedendo o beneficiário147 da
transmissão ao transmitente na relação jurídica tributária vigente entre este
último e a administração fiscal, o beneficiário passa a ser parte de uma
relação jurídica tributária com a administração fiscal de um outro Estado-

-Membro que não o seu. Como esta posição jurídica não é suscetível de
transmissão148, do ponto de vista das administrações fiscais, para outro
Estado-Membro, as suas consequências assumirão a sua plenitude no
Estado-Membro de origem. Subsequentemente, o adquirente procederá a
uma operação assimilada de transferência de bens próprios para a sua
empresa, nos termos do artigo 17º, nº 1, da Diretiva IVA149. Em conclusão,
a regra de transmissão do negócio será sempre consumada pelas disposições
em matéria de transações intracomunitárias de bens150.

4.2. A “importação do negócio”

De acordo com o artigo 30º da Diretiva IVA, entende-se por importação de


bens “a introdução na Comunidade de um bem que não se encontre em livre
prática na aceção do artigo 24º do Tratado” ( i.e. , artigo 24º do TCE, atual
artigo 29º do TFUE). Para além da operação referida, considera-se
importação de bens a introdução na União de um bem em livre prática
proveniente de um território terceiro que faça parte do territó-

rio aduaneiro da União151.

146 Ben Terra / Julie Kajus, Commentary…, 1.4.5.4.

147 Entidade não estabelecida nem identificada para efeitos de IVA em


território nacional.

148 Cf. artigo 36º, nº 2, da LGT.

149 Corresponde ao artigo 7º, nº 1, do RITI.

150 De um prisma diverso, cf. Isabel Vieira dos Reis, “O IVA na Cessão da
Posição Contratual”, in Sérgio Vasques (ed.), Cadernos IVA 2016,
Almedina, Coimbra, 2016, p. 187: “[u]ma vez que, a respeito da
qualificação dos sujeitos passivos adquirentes elegíveis para efeitos de
aplicação desta disposição, o legislador remete para os sujeitos passivos
indicados no artigo 2º, nº 1, alínea a), do Código do IVA, pode esta norma
ser considerada lesiva do direito comu nitário uma vez que circunscreve a
sua estatuição aos sujeitos passivos nacionais e visto a Autoridade
Tributária e Aduaneira nunca ter esclarecido esta matéria. Todavia, esta
viola-

ção do direito comunitário pode ser atenuada nos casos em que os


elementos patrimoniais se mantenham em Portugal e daí resulte a inerente
necessidade de constituição de estabelecimento estável que se traduzirá,
consequentemente, num sujeito passivo nacional.”
151 Nos termos das regras definitórias contidas no artigo 5º, alínea 23), do
atual CAU, entende-se por mercadorias UE “as mercadorias abrangidas por
uma das seguintes categorias: 110

ÂMBITO TERRITORIAL

Do conceito de importação decorre que quaisquer bens introduzidos em


livre prática no território aduaneiro ficarão sujeitos a direitos aduaneiros,
imposições e IVA. Uma vez que o facto gerador, para efeitos de IVA,
coincide com o momento da introdução em livre prática –
independentemente de os bens em causa formarem uma universalidade
suscetível de constituir um ramo de atividade independente –, não é
possível a “importação de um negócio” beneficiar da aplicação da regra de
transmissão do negócio, uma vez que esta será igualmente consumada pelas
disposições em matéria de IVA aduaneiro.

a) Mercadorias inteiramente obtidas no território aduaneiro da União, sem


incorporação de mercadorias importadas de países ou territórios que não
façam parte do território aduaneiro da União;

b) Mercadorias introduzidas no território aduaneiro da União a partir de


países ou territó-

rios que não façam parte desse território e introduzidas em livre prática; c)
Mercadorias obtidas ou produzidas no território aduaneiro da União, quer
exclusivamente a partir das mercadorias a que se refere a alínea b), quer a
partir das mercadorias a que se referem as alíneas a) e b)”.

111

5. Âmbito temporal

Outro conjunto de situações problemáticas em torno da aplicação da regra


de transmissão do negócio prende-se com a relevância do elemento
temporal e a sua influência sobre o tratamento da operação em sede de IVA.

5.1. A transmissão do negócio diferida


De acordo com o considerando (24) da Diretiva IVA, as noções de facto
gerador e de exigibilidade do imposto deverão ser harmonizadas, a fim de
que a aplicação e as alterações posteriores do sistema comum do IVA
produzam efeitos na mesma data em todos os Estados-Membros. Para
efeitos de aplicação da Diretiva, o artigo 62º esclarece as noções de facto
gerador e de exigibilidade. O “facto gerador do imposto” constitui o facto
mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à
exigibilidade do imposto, ao passo que a “exigibilidade do imposto” se
prende com o direito que o fisco pode fazer valer nos termos da lei, a partir
de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento
do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.

Nos termos do artigo 63º da Diretiva, o facto gerador do imposto ocorre e o


imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens
ou a prestação de serviços152. Todavia, de acordo com o artigo 65º da
Diretiva, em caso de pagamentos por conta antes da entrega 152
Corresponde ao artigo 7º, nº 1, do Código do IVA.

113

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

de bens ou da prestação de serviços, o imposto torna-se exigível no


momento da cobrança e incide sobre o montante recebido153.

Um dos problemas subjacentes à qualificação de uma operação como


transmissão do negócio prende-se com o eventual diferimento temporal
existente entre o pagamento e a efetiva operação translativa. Regra geral, o
facto gerador e a exigibilidade correspondem ao mesmo evento temporal.
Excecionalmente, como decorre do artigo 65º da Diretiva IVA, no caso dos
pagamentos antecipados (ou pré-pagamentos), o imposto torna-se exigível
no momento dessa cobrança, incidindo sobre o valor recebido. Por força do
recurso a elementos acidentais ao contrato ou a negócios jurídicos
acessórios ao negócio jurídico principal, poderá verificar-se a discrepância
entre o pagamento e a transmissão da propriedade da universalidade em
causa. Perante a questão de saber se deverá haver lugar a liquidação de IVA
sobre o(s) pagamento(s) antecipado(s), nessa eventualidade, a resposta
deverá ser no sentido nega tivo. Efetivamente, as regras respeitantes ao
facto gerador e à exigibilidade são de aplicação sucessiva, pressupondo a
prévia qualificação da operação, a prévia aferição da qualidade e estatuto
das partes envolvidas, a prévia localização, bem como o eventual
preenchimento de uma regra de isenção relativa às operações internas. O
artigo 65º da Diretiva IVA (artigo 8º, nº 1, alínea c), do Código do IVA) não
é, por conseguinte, uma norma de incidência, apenas visando regular o
momento da exigibilidade, por referência ao facto gerador do imposto.
Como tal, o tratamento dos pagamentos antecipados deverá acompanhar a
sorte da operação visada: não havendo lugar à liquidação de imposto sobre
essa operação, o IVA também não será devido sobre o pagamento
antecipado.

Poderá, todavia, dar-se o caso de, consoante o programa contratual adotado


e a forma de financiamento escolhida, se verificarem pagamentos
antecipados sem que haja ainda condições objetivas para se proceder à
qualificação da operação, designadamente, para se aferir do preenchimento
das condições de aplicabilidade da regra de transmissão do negócio. Tal
poderá verificar-se, v.g. , numa fase da contratação em que os ativos
corpóreos e incorpóreos a serem destacados não se encontram ainda
inventariados, apesar de já existir a intenção de contratar. Em tais
circunstâncias, os operadores económicos deverão agir com especial 153
Corresponde ao artigo 8º , nº 1, alínea c), do Código do IVA.

114

ÂMBITO TERRITORIAL

prudência. Em primeiro lugar, porque o enquadramento em sede de IVA de


uma operação como transmissão do negócio não depende da qualificação
efetuada pelas partes. Por outro lado, a regra de transmissão do negócio tem
caráter injuntivo, não podendo os sujeitos passivos afastar a sua aplicação.
Nessa medida, a indevida liquidação de imposto sobre uma operação
qualificável como transmissão do negócio poderá colocar em causa o
direito à dedução na esfera do adquirente. Por outro lado, a não liquidação
de imposto em pré-pagamentos que antecederam uma operação de
transmissão de uma universalidade ou destaque de um património –
operação essa relativamente à qual, em momento posterior, se constatou a
impossibilidade de qualificação como transmissão do negócio
– poderá configurar uma situação de IVA devido e não entregue ao Estado,
conduzindo a liquidações adicionais.

5.2. A transmissão do negócio progressiva

Situação diversa é aquela em que existem vários atos encadeados no tempo


que, no seu conjunto, enformam a transmissão de um negócio.

Em SKF 154, um único sócio transferiu as suas participações sociais de


forma progressiva no tempo, pelo que o órgão jurisdicional de reenvio
questionava a relevância, à luz do sistema comum do IVA, do facto de a
transmissão das ações decorrer em várias operações sucessivas. A este
propósito, o TJ fez relembrar a sua jurisprudência, nos termos da qual o
conceito de atividade económica não consiste necessariamente num único
ato, podendo consistir numa série de atos consecutivos155.

Por outro lado, na senda das considerações do Governo do Reino Unido, o


Tribunal fez notar que um tratamento diferente de operações objetivamente
semelhantes é contrário aos princípios da neutralidade fiscal e da segurança
jurídica, inerentes ao sistema comum do IVA.

No que em especial respeita ao princípio da segurança jurídica, o Tribunal


de Justiça sublinhou, por diversas vezes, que a legislação comunitária deve
ser certa e a sua aplicação previsível para os particulares156, impondo-se
este imperativo com especial rigor quando se trata de uma regulamentação
suscetível de comportar encargos financeiros, a fim de 154 Cf. I.3.4. supra.

155 Acs. Rompelman (268/83), nº 22, e Fini H (C-32/03), nº 21.

156 Acs. Países Baixos/Conselho (C-301/97), nº 43, e Halifax (C-255/02),


nº 72.

115

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

permitir aos interessados conhecer com exatidão o alcance das obriga-


ções que lhes são impostas157. Assim, de acordo com o TJ, o tratamento
fiscal de uma transmissão de ações deve basear-se em elementos objetivos
da operação em causa e não pode variar consoante intervenha num único
momento ou em vários momentos158.

Entre nós, o CAAD já foi, igualmente, chamado a pronunciar-se sobre uma


situação que envolvia uma entidade que realizou uma operação de
reorganização societária que se consubstanciou em diversos atos, entre os
quais a entrada de um novo acionista, a fusão, por incorporação, de diversas
entidades, assim como e a contração de um financiamento.

Perante esta factualidade, o Tribunal Arbitral entendeu estar em causa

“(...) uma complexa operação de financiamento e reestruturação que deve


ser vista como um todo, sendo um ato de gestão conducente a uma
acrescida racionalidade económica, devendo a aquisição de participa-

ções sociais ser devidamente analisada neste contexto.”159

5.3. A não continuação imediata da atividade

Conforme salientámos supra 160, um dos requisitos necessários à aplica-

ção da regra de transmissão do negócio prende-se com a necessidade de o


beneficiário da transmissão prosseguir a atividade do transmitente.

A este respeito, chamámos à colação o acórdão INZO 161, onde o TJ


entendeu que o princípio da segurança jurídica se opõe a que os direitos e
obrigações dos sujeitos passivos dependam de factos, de circunstâncias ou
de acontecimentos que se produzem depois da sua verificação pela
administração fiscal, pelo que a aferição da existência ou não da
intencionalidade de prosseguir a atividade económica deve, pois, ser
analisada numa perspetiva ex ante, reportada ao momento da transmissão, e
deve assentar em considerações objetivas.

Importa, todavia, notar que várias circunstâncias poderão levar a que o


transmissário não esteja em condições de prosseguir a atividade do
transmitente imediatamente a seguir ao momento da transmissão, 157 Acs.
Teleos (C-409/04), nº 48, e Isle of Wight Council (C-288/07), nº 47.

158 Ac. SKF (C-29/08), nº 78.

159 Decisão Arbitral do CAAD de 09/10/2013, Proc. 18/2013-T, pres.


Manuel Luís Macaísta Malheiros.

160 Cf. II.3.1..

161 Ac. INZO (C-110/94), nºs 21-22.

116

ÂMBITO TERRITORIAL

v.g. , porque aguarda a aprovação de um financiamento, a atribuição de uma


licença administrativa ou por outras razões que lhe são exógenas, tais como
a própria natureza sazonal da atividade em causa. A este respeito, o
Supremo Tribunal Administrativo162 já foi chamado a pronunciar-se sobre
uma situação que envolvia a transmissão como um todo de um restaurante
situado no Algarve. Tendo ocorrido um hiato temporal entre a aquisição do
estabelecimento e a retoma da atividade, a recorrente argumentava tratar-se
de um estabelecimento localizado numa zona turís tica sazonal, pelo que a
regra de transmissão do negócio não pressupunha que o adquirente tenha de
iniciar a sua atividade no dia seguinte ao da transmissão. O STA negou
provimento ao recurso, sustentando ser necessário que o adquirente
continue a exercer mesma ativi dade económica que vinha sendo exercida
pelo transmitente, numa relação de sequência contínua e sem interrupções,
pelo que, não tendo a recor rente dado continuidade direta à atividade antes
exercida, concluiu não haver lugar à aplicação do disposto no nº 4 do artigo
3º do Có-

digo do IVA, estando, em consequência, a transmissão sujeita a imposto e


legitimada a liquidação oficiosa levada a cabo pelos serviços da
Administração Tributária.

Sem colocar em causa a decisão do STA em face da concreta maté-


ria probatória assente, gostaríamos de sublinhar que da interpretação estrita
da regra de transmissão do negócio não resulta a necessidade de
prossecução da atividade que vinha sendo exercida sem qualquer
interrupção, i.e. , “no dia seguinte”. A própria natureza das coisas poderá
ser chamada à colação para justificar que, em certos casos, tal será franca-
mente impossível. Como tal, a regra em causa não deverá ser objeto de
interpretação restritiva sob pena de violação dos princípios da neutralidade,
da segurança jurídica e da proporcionalidade, tal como aplicados pelo
Tribunal de Justiça, v.g. , em Rompelman e em INZO.

A título de exemplo, a HMRC, em interpretação da regra dos artigos 44º e


49º do VATA 1994, bem como do artigo 5º da VAT Order 1995 163, entende
que não deverá haver uma quebra significativa na prática de operações
tributáveis ( “break in trade” ), quer em momento anterior à transmissão do
negócio, quer imediatamente a seguir à transmissão.

162 AcSTA de 05/05/2010, proc. 036/10, Rel. Isabel Marques da Silva.

163 Value Added Tax (Special Provisions) Order 1995 – Statutory


Instrument 1995 No. 1268.

117

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

No entanto, ressalva que o conceito de “quebra significativa” deverá ser


interpretado à luz da natureza da atividade em causa, exemplificando que
não haverá quebra significativa na prossecução da atividade quando se trate
de um negócio sazonal transmitido em período de época baixa, assim como
o encerramento de um estabelecimento por um curto pe-ríodo de tempo, v.g.
, por razões de redecoração, também não deverá obstar à aplicação da regra
de transmissão do negócio164.

164 HMRC, VAT Notice 700/9, de 6 de dezembro de 2012.

118

6. Direito à dedução
O direito à dedução por parte do transmitente relativamente à opera-

ção de transmissão do negócio é outro assunto que tem vindo a ocupar o TJ.
Não obstante a regra de transmissão do negócio determinar a não liquidação
do imposto, ela influencia a situação jurídico-tributária do transmitente
quanto ao seu direito à dedução. As controvérsias surgem porquanto o
artigo 168º da Diretiva IVA165, que estabelece um dos princípios basilares
do sistema comum do IVA, determina que o exercício do direito à dedução
do imposto assenta no pressuposto de os bens e os serviços adquiridos a
montante serem utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito
passivo. Logo, o IVA incorrido na aquisição de bens e serviços que dão
lugar, a jusante, a operações isentas (isen-

ções incompletas) ou fora do âmbito de incidência real do imposto não po


derá, prima facie, ser deduzido. Todavia, como o TJ tem vindo a
demonstrar, a transmissão do negócio trata-se de uma operação especial,
que pressupõe a continuação da atividade e que equipara o beneficiário a
sucessor do transmitente. Vale a pena, a respeito, recordar as observações
do AG F. Jacobs em Abbey National:

«Não há qualquer razão para considerar que a cadeia é interrompida por


uma operação que “não implica uma entrega de bens

[prestação de serviços]”. Pelo contrário, a disposição segundo a qual

“o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente” sublinha 165


Correspondente ao artigo 19º do Código do IVA.

119

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

a continuidade da situação do ponto de vista do IVA. Se bem que –

para retomar a metáfora – um elo da cadeia seja considerado inexistente,


este “elo que falta” não implica uma interrupção e um recome-
ço da cadeia, mas antes uma relação de sequência entre os elos de um lado e
de outro.»166

Em Faxworld 167, a continuação da personalidade do transmitente e do


transmissário, por um lado, e o facto de os custos relacionados com os
ativos transferidos formarem parte integrante dos custos gerais ligados ao
conjunto das atividades económicas deste último, por outro, constituíram as
razões determinantes para o TJ ter reconhecido o direito à dedução ao
transmitente. Terra/Kajus168 referem, a propósito, que esta solução, apesar
de satisfatória, não teria sido possível à luz do princí-

pio da neutralidade caso as circunstâncias do caso tivessem sido outras.

Nessa medida, se a Faxworld GbR tivesse incorrido em despesas com IVA


relativas à própria operação de transmissão do negócio, como se dava o
caso em Abbey National, v.g. , quanto a serviços diretamente relacionados
com a transmissão, o custo aí subjacente não poderia ter sido imputado à
Faxworld AG, dada a ausência de um nexo direto e imediato com as
operações tributáveis desta.

Em Abbey National 169, por sua vez, parece ser claro que os custos
incorridos para a realização da transmissão do negócio, formando parte das
despesas gerais do sujeito passivo no âmbito da sua atividade económica,
são dedutíveis. Como nota o AG170, quando um sujeito passivo exerce uma
atividade económica na qual efetua entregas ou prestações tributáveis na
totalidade, todos os bens e serviços que adquira para os fins desta atividade
são elementos constitutivos do preço das suas opera-

ções a jusante e o IVA que os onera é dedutível na totalidade. O facto de, de


um ponto de vista puramente contabilístico, as operações a mon tante não
estarem afetadas a operações específicas a jusante, nem mesmo re-partidas
entre estas, não tem aqui qualquer importância. É evidente que nem todos
os bens e serviços utilizados pelo sujeito passivo serão 166 Cls. do AG F.
G. Jacobs em Abbey National (C-408/98), nº 38.

167 Cf. I.3.3. supra.

168 Ben Terra / Julie Kajus, A Guide…, p. 521.


169 Cf. I.3.1. supra.

170 Cls. do AG F. Jacobs em Abbey National (C-408/98), nº 42.

120

DIREITO À DEDUÇÃO

incorporados diretamente numa operação a montante identificável.

Alguns destes terão a natureza de despesas gerais e, na medida em que estas


despesas gerais são elementos constitutivos do preço das entregas
tributadas, o IVA cobrado sobre elas pode ser deduzido. Numerosas cate
gorias de despesas gerais podem ser absorvidas pela atividade na sua
totalidade, apenas influenciando indiretamente a importância das margens
de lucro procuradas.

Pelo que, como julgou o TJ171, se o transmitente efetua simultaneamente


operações com direito à dedução e operações sem direito à de-dução, este
pode unicamente deduzir a parte do IVA proporcional ao montante
respeitante à primeira categoria de operações. Todavia, se os diversos
serviços adquiridos pelo transmitente a fim de realizar a transmissão
apresentarem uma relação direta e imediata com uma parte claramente
delimitada das suas atividades económicas, de modo que os custos dos
referidos serviços fazem parte das despesas gerais inerentes à referida parte
da empresa e que todas as operações incluídas nessa parte da empresa estão
sujeitas a IVA, este sujeito passivo pode deduzir a totalidade do IVA que
onerou as despesas que efetuou para adquirir os referidos serviços. Nessa
senda, como consequência da regra de transmissão do negócio, o ganho
resultante da transmissão dos ativos, incluindo o caso das participações
sociais, não deverá ser incluído no cálculo do pro rata 172.

Em SKF 173, o Tribunal indicou que, no âmbito do reenvio prejudicial, não


se encontrava em condições de aferir se os custos incorridos pela AB SKF
apresentavam um nexo direto e imediato com a operação de alienação das
participações sociais, em particular, ou com a ativi dade económica da AB
SKF na sua globalidade. Quanto à questão de saber se os custos devem ter
uma conexão com a atividade económica da sociedade-mãe ou da sua
participada, o caso Abbey National sugere que a análise deverá ser levada a
cabo na esfera da sociedade-mãe. Como nota o Tribunal, o direito à
dedução existe no caso de a operação a mon tante sujeita a IVA apresentar
uma relação direta e imediata com uma ou várias operações a jusante que
confiram o direito à dedução (custos diretos).

171 Ac. Abbey National (C-408/98), nº 42.

172 Ad van Doesum et al. , Share disposals…, p. 71.

173 Cf. I.3.4. supra.

121

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Se assim não for, há que examinar se as despesas efetuadas para a aquisição


de bens ou serviços a montante fazem parte das despesas gerais ligadas ao
conjunto da atividade económica do sujeito passivo (custos gerais). Num ou
noutro caso, a existência de uma relação direta e imediata pressupõe que o
preço das prestações a montante é incorporado, respetivamente, nos preços
das operações particulares a jusante ou nos preços dos bens ou serviços
fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas atividades
económicas174.

174 Ac. SKF (C-29/08), nº 60.

122

7. Atividades isentas

Um outro aspeto problemático em torno da regra de transmissão do ne-


gócio prende-se com a possibilidade da sua aplicação a sujeitos passivos
isentos ou parcialmente isentos. Da análise do enunciado normativo contido
no primeiro parágrafo do artigo 19º da Diretiva IVA não decorre qualquer
limitação do seu âmbito em função do exercício de uma atividade isenta ou
parcialmente isenta. Pelo contrário, a regra em causa aplica-se desde que
esteja em causa a transmissão de um conjunto de ativos que, enquanto
universalidade, é suscetível de permitir o exercí-

cio de uma atividade económica. Todavia, a primeira parte do segundo


parágrafo do artigo 19º da Diretiva determina que os Estados-Membros
podem adotar as medidas necessárias para evitar distorções de concorrência
caso o beneficiário não se encontre totalmente sujeito ao imposto.

Como o TJ notava em Zita Modes, os Estados-Membros podem excluir da


aplicação da regra de transmissão do negócio as transmissões de uma
universalidade de bens a um beneficiário que não é sujeito passivo na
aceção da Diretiva ou que apenas atua enquanto sujeito passivo em relação
a uma parte das suas atividades, se isso for necessário a fim de evitar
distorções da concorrência, devendo considerar-se que a referida disposição
determina de forma exaustiva em que condições um Estado-

-Membro que procedeu à transposição da regra pode limitar a aplicação da


mesma175. Deste modo, o Tribunal reforça que um Estado-Membro que
transpôs a citada regra deve aplicá-la a qualquer transmissão de uma
universalidade de bens ou de parte dela e, consequentemente, não 175 Ac.
Zita Modes (C-497/01), nº 30.

123

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

pode limitar a sua aplicação unicamente a algumas dessas transmissões,


exceto nas condições em que, cumulativamente, o transmissário seja um
sujeito passivo total ou parcialmente isento de imposto e se verifique a
necessidade de evitar distorções de concorrência176, pelo que, tal como as
regras de isenção nas operações internas, a regra de transmissão do ne-
gócio constitui um conceito autónomo do direito da União Europeia177, na
medida em que se pretende evitar divergências na aplicação do regime do
IVA de um Estado-Membro para outro178.

Por outro lado, em matéria de isenções, deverá ter-se em linha de conta a


regra prevista no artigo 136º, alínea a), da Diretiva IVA179, nos termos da
qual os Estados-Membros deverão isentar as entregas de bens afetos
exclusivamente a uma atividade isenta, desde que tais bens não tenham
conferido direito à dedução do IVA. Com a norma de isenção em causa
pretende-se evitar a dupla tributação de bens que já se encontram fora do
circuito do imposto, por afetos a uma atividade isenta, garantindo-se o
princípio da neutralidade180. No entanto, conforme o TJ

declarou em Swiss Re 181 a referida regra apenas é aplicável a transmissões


de bens, sendo, por isso, de excluir a sua aplicação a ativos intangíveis, cujo
imposto constituirá um encargo para o adquirente.

Assim, a isenção técnica prevista no artigo 136º, alínea a), da Diretiva IVA,
ao contrário da regra de transmissão do negócio, visa evitar a dupla
tributação de bens que já foram onerados com o imposto na medida em que
foram afetos a uma atividade totalmente isenta. Permanecem fora do seu
âmbito de aplicação as prestações de serviços (ativos intangíveis) e as
universalidades de ativos que constituam um ramo de atividade inde
pendente, uma vez que a estas últimas, em princípio, ser-lhes-

-á aplicável a regra de transmissão do negócio, ainda que com eventuais


limitações a fim de prevenir distorções concorrenciais.

176 Ac. Zita Modes (C-497/01), nº 31.

177 Sobre a temática, cf. o nosso “Os conceitos autónomos de direito da


União Europeia na interpretação das normas de isenção do IVA”, Eduardo
Paz Ferreira / Heleno Taveira Torres

/ Clotilde Celorico Palma (eds.), Estudos em Homenagem ao Professor


Doutor Alberto Xavier, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 300 ss..

178 Ac. Zita Modes (C-497/01), nº 32.

179 Correspondente à alínea 32) do artigo 9º do Código do IVA.

180 Ad van Doesum / Herman van Kesteren / Gert-Jan van Norden,


Fundamentals of EU

VAT Law, Wolters Kluwer, Alphen aan den Rijn, 2016, p. 304.
181 Ac. Swiss Re (C-242/08), nº 65.

124

8. Medidas destinadas a evitar distorções da concorrência

Tem vindo a sustentar-se que a regra de transmissão do negócio poderá dar


azo a distorções de concorrência no caso de se verificar que o resultado
económico da sua aplicação se traduz num benefício económico para alguns
operadores económicos em detrimento de outros ou num prejuízo
económico para certos operadores, em termos comparativos a outros que
não sofreram esse prejuízo.

Como refere o AG F. Jacobs nas suas Conclusões em Zita Modes, a regra de


transmissão do negócio pode evitar problemas de avaliação quando bens
diferentes estão sujeitos a taxas de IVA diferentes e, por outro lado, também
protege as administrações fiscais da possibilidade de o cedente que tenha
liquidado IVA na transferência acabar por não o entregar ao Estado, nos
casos apelidados de atividades “phoenix” , onde, entrando o operador
económico deliberadamente em liquidação e deixando uma dívida de
imposto substancial e nenhuns recursos, a administração fiscal teria ainda
que autorizar o cessionário a deduzir o imposto pago a montante, com perda
líquida de receita fiscal182.

No entanto, nota o AG F. Jacobs183, um tal propósito apenas se justifica na


eventualidade de o cessionário ter conseguido deduzir o IVA cobrado. Se o
estabelecimento adquirido pelo beneficiário vier a ser uti-182 Cls. do AG F.
Jacobs em Zita Modes (C-497/01), nº 28.

183 Cls. do AG F. Jacobs em Zita Modes (C-497/01), nº 29.

125

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

lizado totalmente ou em parte para realizar operações isentas, então tal


situação não se verificará. E, caso não seja devido IVA pela aquisição, o
cessionário poderá ganhar uma vantagem concorrencial injustificada em
relação a outros operadores que realizem o mesmo tipo de operações
isentas. Outra situação como a referida seria o caso de os bens (sobretudo
de investimento), cujo IVA liquidado já tivesse sido integralmente deduzido
pelo cedente, terem sido adquiridos pelo cessionário por um preço livre de
qualquer um dos impostos residuais que eventualmente subsistissem se
esses bens tivessem sido adquiridos noutras circunstâncias e se o
cessionário não tivesse, ele próprio, o direito de os deduzir.

Foi, por isso, lógico que o segundo parágrafo do artigo 5º, nº 8, da Sexta
Diretiva184, tivesse sido adicionado de modo a que os Estados-Membros,
ao exercerem a opção, pudessem igualmente dar passos no sentido de
impedir quaisquer distorções de concorrência, em situações como as
referidas.

Entre nós, J. G. Xavier de Basto já chamava a atenção para a poten-


cialidade de a regra de transmissão do negócio dar azo a situações de
distorção concorrencial quando referia:

«A ficção de inexistência de operação tributável pode, contudo, originar


distorções de concorrência. Pense-se na hipótese em que o adquirente (o
“beneficiário”, na linguagem da versão portuguesa da diretiva) tem o seu
direito à dedução limitado, por se tratar de sujeito passivo que também
pratica operações isentas. Suponha-se, para concretizar o exemplo, que a
sua percentagem de dedução ( pro rata) é de 80%. Se não fosse a ficção, a
aquisição daquela universalidade de bens teria sido tributada, mas apenas
80% do imposto teriam sido deduzidos; os restantes 20% teriam constituído
um custo.

A ficção, na medida em que elimina esse custo, constitui uma solu-

ção suscetível de discriminar a favor da empresa adquirente, relativamente a


outros sujeitos passivos mistos que adquiram os bens de forma avulsa e não
possam por isso beneficiar da não incidência do IVA. Por isto, a diretiva
admite que os Estados-Membros que usem 184 «Os Estados-Membros
podem adotar as medidas necessárias para evitar distorções de concorrência
caso o beneficiário não se encontre totalmente sujeito ao imposto. Podem
igualmente adotar todas as medidas necessárias para evitar a possibilidade
de fraude ou evasão fiscais em razão da aplicação do presente artigo.»
126

MEDIDAS DESTINADAS A EVITAR DISTORÇÕES DA


CONCORRÊNCIA da ficção possam adotar as medidas necessárias para
evitar estas distorções de concorrência resultantes de o adquirente não estar
totalmente sujeito ao imposto (...).»185

Note-se que, até à data, o conceito de distorções da concorrência para


efeitos de aplicação da regra de transmissão do negócio não foi objeto de
definição por parte do TJ. Como tal, apesar de a primeira parte do segundo
parágrafo do artigo 19º da Diretiva IVA prever uma permissão no sentido de
os Estados-Membros adotarem medidas para evitar distorções de
concorrência, deverá ressalvar-se que a Diretiva não remete para os
Estados-Membros a possibilidade de definirem o termo distor-

ções de concorrência. Partindo de uma concepção genérica do princípio da


neutralidade, a ideia de distorção concorrencial no contexto em apreço
reconduzir-se-ia a uma (des)vantagem comparativa no plano do exercício
do direito à dedução: o adquirente com um poder de dedução nulo ou
inferior face ao do adquirente receberia os bens de forma desonerada.

Todavia, uma tal concepção assentaria no pressuposto errado de que a


transmissão do negócio é equiparável a uma transmissão de bens, por um
lado, e de que o adquirente não sucede ao transmitente, por outro.

Em situações como a acima exemplificada, em que uma pretensa vantagem


competitiva adviria da transmissão do negócio em con texto de limitações
no direito à dedução na esfera do adqurente, Oskar Henkow186 sustenta
que o risco de distorções de concorrência é limitado. Atendendo ao artigo
175º da Diretiva IVA187, o pro rata de dedução é determinado anualmente,
sendo aplicável provisoriamente a determinado ano com base nas operações
do ano anterior ou estimado provisoriamente, sob controlo da
administração, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões,
implicando a fixação do pro rata definitivo a regularização das deduções
operadas com base no pro rata aplicado provisoriamente. Por outro lado, no
que respeita aos bens de investimento188, 185 J. G. Xavier de Basto, A
tributação do consumo…, p. 75.
186 Oskar Henkow, Financial activities in European VAT: a theoretical and
legal research of the Euro pean VAT system and the actual and preferred
treatment of financial activities, Kluwer Law International, Alphen aan den
Rijn, 2008, p. 225.

187 Cf. nºs 6 a 9 do artigo 23º do Código do IVA.

188 Sem prejuízo do disposto no artigo 189º, alínea a), da Diretiva IVA, o
TJ já havia declarado, em VNO (51/76), nº 18, que a expressão “bens de
investimento” diz respeito a bens de utilização duradoura, cujo custo de
aquisição é amortizado ao longo de vários anos.

127

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

os artigos 184º a 192º da Diretiva189 prevêm um mecanismo de


regularização das deduções aplicável a transmissões de ativos anteriormente
afetos a uma atividade cujo poder de dedução era superior ao poder de
dedução da atividade do cessionário.

Nessa medida, o citado A. defende que eventuais distorções concorrenciais,


a verificarem-se, apenas respeitariam a outros ativos adquiridos num
exercício anterior ao da transmissão do negócio e que não fossem bens de
investimento, sendo que tal efeito distorcivo não seria exclusivo da
aplicação da regra de transmissão do negócio, mas sim comum a todas as
situações em que um sujeito passivo procede a uma alteração da sua
atividade que implique alterações no poder de dedução – como tal, conclui
o A., a aplicação da regra de transmissão do negócio no contexto em que o
adquirente é um sujeito passivo isento ou parcialmente isento, em princípio,
não dará azo a distorções concorrenciais190.

No sistema português do IVA, a regra correspondente à primeira parte do


segundo parágrafo do artigo 19º da Diretiva IVA encontra-se no nº 5 do
artigo 3º do Código do IVA, o qual determina que “[p]ara os efeitos do
número anterior, a administração fiscal adota as medidas regulamentares
adequadas, nomeadamente a limitação do direito à dedução, quando o
adquirente não seja um sujeito passivo que pratique exclusivamente
operações tributadas.”

Através do Ofício-Circulado nº 134850, de 21 de novembro de 1989, a


Direção de Serviços de Concepção e Administração do IVA (DSCA-

-IVA) veio determinar o seguinte:

«6.1. 0 nº 4 do artigo 3º do Código do IVA não será aplicável sempre que o


adquirente seja um sujeito passivo isento ou esteja abran-gido pelo regime
dos pequenos retalhistas pois, num caso e noutro, não pratica quaisquer
operações tributadas a jusante; 6.2. Quando o adquirente for, nos termos do
artº 23º do CIVA, um sujeito passivo misto, isto é, quando pratique
operações que conferem o direito à dedução, simultaneamente com
operações que não conferem esse direito, deverá observar-se o seguinte:
6.2.1. Se o regime seguido pelo adquirente, para efeitos do exercí-

cio do direito à dedução (artº 23º), for o da percentagem de dedução 189 Cf.
artigos 24º a 26º do Código do IVA.

190 Oskar Henkow, Financial activities…, ibidem.

128

MEDIDAS DESTINADAS A EVITAR DISTORÇÕES DA


CONCORRÊNCIA ( pro rata), manter-se-á a aplicação do nº 4 do artigo 3º,
mas o referido adquirente deverá proceder a uma regularização a favor do
Estado, correspondente à diferença entre o montante do IVA que lhe teria
sido liquidado se a transmissão fosse tributada e o que resulta da aplicação
do pro rata ao mesmo montante.

6.2.2. Se o regime for o da afetação real, haverá ou não haverá liquidação


de IVA, conforme o estabelecimento transmitido for afeto, respetivamente,
ao(s) setor(es) que não confere(m) o direito à dedução ou ao(s) setor(es)
que confere(m) esse direito.»

Como salientam Conceição Gamito et al. 191, as medidas consagradas no


citado ofício-circulado enfermam de vários vícios. Em primeiro lugar, a
administração fiscal parte do pressuposto de que, se o beneficiário não
praticar exclusivamente operações que conferem o direito à dedução, a
aplicação da regra de transmissão do negócio origina sempre distorções de
concorrência. As AA. referem que este pressuposto é erróneo, na medida
em que se impõe sempre, atenta a previsão normativa em causa e a própria
normatividade do sistema comum do IVA, a verificação pré-

via da observância dos limites da existência de distorções de concorrência,


do princípio da proporcionalidade e do princípio da neutralidade.

Nesse aspeto, o ofício-circulado em apreço parece enformar um atalho


metodológico através do qual a administração fiscal cerceia direitos dos
particulares em prol da simplificação administrativa.

As AA. sublinham ainda que, relativamente à medida adotada no ponto 6.1.


do citado ofício-circulado, não pode igualmente limitar-se a aplicação da
regra de transmissão do negócio, sob pena de desconformi-dade desta
medida com o direito da UE, “nos casos em que transmi tente e beneficiário
são ambos sujeitos passivos isentos ou em que, sendo o beneficiário um
sujeito passivo isento, a atividade exercida pelo transmitente através da
universalidade transmitida não conferiu qualquer direito à dedução”192,
assim como, relativamente à medida do ponto 6.2.2., não se pode restringir
a aplicação da regra em causa “nas transmissões em que transmitente e
beneficiário são ambos sujeitos passivos isentos que aplicam o método da
afetação real, quando a universalidade trans-191 Conceição Gamito et al. ,
A incidência do IVA…, pp. 170 ss..

192 Conceição Gamito et al. , A incidência do IVA…, p. 171.

129

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

mitida se encontrasse afeta a um setor isento na esfera do transmitente e


seja também afeta pelo beneficiário a um setor isento”193, uma vez que,
nestas circunstâncias não há lugar a distorções concorrenciais.
Por último, as AA. fazem notar as Conclusões do AG F. Jacobs em Zita
Modes, onde se refere que “não parece admissível que os Estados-

-Membros exerçam a opção com outras limitações diferentes das previstas


no segundo período [do artigo 19º da Diretiva IVA]. E parece ainda menos
aceitável, do ponto de vista da certeza do direito, que tal limitação seja
aplicada por mera prática administrativa, sem existência de qualquer
disposição legislativa.”194 Desse modo, as medidas do Ofí-

cio-Circulado nº 134850 constituem restrições à aplicação da regra de


transmissão do negócio, que se traduzem na desaplicação total desta e na
criação de verdadeiras normas de incidência autónomas, pelo que se impõe
que o legislador nacional consagre no próprio Código do IVA a
densificação do artigo 3º, nº 5, em observância pelo princípio da
neutralidade, da proporcionalidade e fazendo depender a aplicação dessas
medidas da efetiva constatação objetiva de situações de distorção
concorrencial nos casos em que o adquirente não se encontre totalmente
sujeito ao imposto195.

Para Rui Laires, se é certo que a vinculação externa exigida pelas medidas
regulamentares adequadas não parece estar assegurada por via de ofício-
circulado emanado pela administração fiscal, também é certo que a
formalização de uma regulamentação própria para o efeito não se mostre
realmente necessária tendo em consideração a ligação ló-

gico-sistemática da regra contida no nº 5 do artigo 3º com os princípios


subjacentes ao direito à dedução. Por outro lado, o A. entende que, não
obstante o ofício-circulado em apreço representar a interpretação oficial da
administração fiscal, o mesmo não a dispensa do dever de fundamentação
dos eventuais atos tributários por via dos quais venha a impor restrições ao
direito à dedução do adquirente nos casos em que este não se encontre
totalmente sujeito ao imposto196.

193 Conceição Gamito et al. , A incidência do IVA…, p. 172.

194 Cls. do AG F. Jacobs em Zita Modes (C-497/01), nº 53.

195 Conceição Gamito et al. , A incidência do IVA…, pp. 174-175.


196 Rui Laires, O IVA nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas,
Desportivas e de Assistência Médica ou Social, Cadernos IDEFF nº 14,
Almedina, Coimbra, 2012, p. 42, nota 77.

130

MEDIDAS DESTINADAS A EVITAR DISTORÇÕES DA


CONCORRÊNCIA Da nossa parte, quanto à verificação das distorções de
concorrência, subscrevemos a posição de Oskar Henkow, embora com a
ressalva de que cada situação deve ser analisada em concreto e de forma
dinâmica.

O vasto âmbito de aplicabilidade da regra de transmissão do negócio não se


coaduna com uma análise estática. Assim, o foco de atenção deverá centrar-
se no facto de, por um lado, estar em causa a transmissão de um ramo de
atividade autónomo (e não apenas um conjunto isolado de ativos) e, por
outro, o adquirente suceder ao transmitente. Compreendendo a transmissão
bens de investimento sujeitos ao regime das regularizações, o adquirente
sucederá ao transmitente no que respeita ao período de regularização,
devendo dar continuidade à aplicação do referido regime197. Como tal, a
dedução do imposto inicialmente efetuada pelo transmitente deverá ser
equacionada à luz da concreta afeta-

ção dos bens de investimento por parte do adquirente, o que poderá resultar,
na esfera deste último, quer numa regularização a seu favor, quer numa
regularização a favor do Estado. Nessa medida, o transmitente deverá
cooperar com o adquirente no sentido de lhe disponibilizar os elementos
necessários à referida verificação.

Na medida do exposto, as medidas propostas pelo Ofício-Circulado nº


134850, para além dos vícios formais e substanciais já apontados, parecem
desconsiderar os dois aspetos essenciais do regime em apreço, i.e. , o facto
de se tratar da transmissão de um ramo de atividade com vista à
continuidade da exploração e a sucessão do adquirente ao trans-197 No
mesmo sentido, Isabel Vieira dos Reis, “A regularização do IVA nos bens
de investimento imobiliário”, in Sérgio Vasques (ed.), Cadernos IVA 2017,
Almedina, Coimbra, 2017, p. 335. Cf., ainda, a Informação Vinculativa nº
12350, de 24/11/2017, da DS-IVA, onde se confirma que, na sequência de
uma redomicilação societária, perante a transmissão de imóveis com
contratos de arrendamento comercial em curso, em regime de renúncia à
isenção e havendo lugar à continuidade da atividade económica da
transmitente por parte da adquirente, não há lugar à regularização de
imposto prevista no artigo 24º, nº 5, do Código do IVA, uma vez que a regra
de transmissão do negócio tem como fundamento, quer a continuidade do
exercício da atividade transferida, quer a irrelevância que a tributação dessa
transmissão teria ao nível da economia do imposto, pelo que, sucedendo a
nova entidade, relativamente aos contratos de locação, em todos os direitos
e obrigações da transmitente e tendo a renúncia à isenção sido validamente
exercida, os certificados de renúncia à isenção emitidos continuam também
válidos e a produzir os seus efeitos enquanto os contratos ori-ginais se
mantiverem em vigor, pelo que não há necessidade de solicitar novos
certificados de renúncia à isenção do IVA.

131

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

mitente. Ao ignorar o primeiro aspeto, a administração fiscal parte do


pressuposto de que a aplicação da regra em causa a transmissões em que o
adquirente é sujeito passivo isento ou misto gera situações de dupla não
tributação – como se a transmissão em causa se reportasse apenas a um
conjunto isolado de ativos que, total ou parcialmente, passam a estar afetos
a um consumo final. Ao ignorar o segundo aspeto, a administra-

ção fiscal desconsidera o poder de dedução do transmitente, estabelecendo


uma implícita presunção de existência de distorções concorrenciais que se
basta com a constatação do enquadramento do adquirente.

A análise da existência ou não de distorções concorrenciais no âmbito do


regime da transmissão do negócio deverá, a nosso ver, ser precedida de
uma comparação entre o poder de dedução do transmitente e o poder de
dedução do adquirente, por um lado, e da aplicação, com as necessárias
adaptações, do regime do direito à dedução e da regularização do imposto,
por outro. Conforme nota Oskar Henkow, eventuais distorções
concorrenciais, a verificarem-se, apenas respeitariam a outros ativos
adquiridos num exercício anterior ao da transmissão do negócio e que não
fossem bens de investimento, sendo que tal efeito distorcivo não seria
exclusivo da aplicação da regra de transmissão do negócio, mas sim comum
a todas as situações em que um sujeito passivo procede a uma alteração da
sua atividade que implique alterações no poder de dedução198.

Em todo o caso, entendemos que haverá sempre lugar a distorções de


concorrência em situações de fraude ou evasão fiscal, designadamente,
perante esquemas da aplicação da regra de transmissão do negócio em
circuito fechado, através da utilização de entidades controladas pelo próprio
sujeito passivo com restrições no direito à dedução. Todavia, tais situações
devem ser corrigidas à luz das disposições anti-abuso e não pela via
preventiva das medidas regulamentares adequadas.

198 Oskar Henkow, Financial activities…, p. 225.

132

9. Obrigações acessórias

Em tema de obrigações acessórias, o beneficiário da transmissão deverá,


nos termos do artigo 31º do Código do IVA, apresentar uma declaração de
início de atividade caso se torne sujeito passivo por força da aquisição. Nos
termos do artigo 31º, nº 1, nada obsta a que a referida declaração seja
entregue no próprio dia em que ocorre a transmissão do ne-gócio. Caso, em
virtude da transmissão de um negócio o transmitente ou o beneficiário
alterem a sua atividade, cada um, nessa medida, deverá apresentar uma
declaração de alterações199, nos termos do artigo 32º do Código do IVA. O
mesmo se aplica nos casos em que haja cessação de atividade por parte do
transmitente, caso em que este deverá apresentar a respetiva declaração de
cessação, de acordo com o artigo 33º do Có-

digo do IVA.

No que respeita à obrigação de faturação prevista no artigo 29º, nº 1, alínea


b), do Código do IVA, e tendo em conta que a operação de transmissão do
negócio não se trata de uma operação fora do campo do 199 De acordo com
o artigo 32º, nº 3, do Código do IVA, os sujeitos passivos estão dispensados
da entrega da declaração de alterações no caso em que estas se reportem a
factos sujeitos a registo comercial, pelo que, no caso de a atividade da
sociedade incorporante ser ampliada na sequência da fusão, parece que esta
estará dispensada de comunicar tais alterações, na medida em que,
decorrendo do registo comercial a alteração do objeto social e respetivo(s)
CAE(s), as alterações serão comunicadas ex officio. O mesmo não será
verdade nos casos de fusão por concentração, em que a nova sociedade se
encontra sujeita às obriga-

ções acessórias respeitantes ao início de atividade, nos termos do artigo 31º,


nº 2, do Código do IVA – neste sentido, Cidália Lança, O tratamento em
IVA da fusão…, p. 96.

133

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

imposto, mas apenas sujeita a um regime especial, o sujeito passivo


transmitente deverá emitir uma fatura fazendo referência ao motivo da não
liquidação de imposto, i.e. , artigos 3º, nº 4, e 4º, nº 5, do Código do IVA.

Os créditos de imposto existentes na data de cessação da atividade devem


ser objeto de pedido de reembolso na última declaração perió-

dica de IVA. Em matéria de fusões, cisões e liquidações por transmissão


global, no que tange ao direito à dedução suportado em faturas emitidas e
endereçadas à sociedade extinta ou à unidade do negócio destacada,
relativamente a operações realizadas pela mesma até à data de cessa-

ção de atividade, por um lado, e ao direito à regularização do imposto com


referência a vendas e prestações de serviços realizados pela sociedade
extinta, por outro, a sociedade beneficiária deverá informar previamente a
administração fiscal do exercício destes direitos, ao abrigo do princípio da
cooperação.

134

10. Recomendação
Alcançando o final deste estudo, importa constatar que a regra de
transmissão do negócio assume uma importância elevada para os
operadores económicos. Atendendo ao âmbito muito vasto de operações
suscetí-

veis de enquadrar a referida previsão – e tendo em conta o valor


normalmente avultado dessas operações –, impõe-se que a estatuição seja o
mais clara possível.

A jurisprudência do TJ, não resolvendo todos os problemas suscita-dos pela


disposição em causa, afigura-se de uma inegável utilidade interpretativa,
conferindo à regra de transmissão do negócio a coerência sistemática que
dificilmente decorreria apenas do seu enunciado.

Como tal, e à luz de todas as considerações precedentes, recomenda-mos


que sejam tomadas duas medidas com vista a tornar a aplicação da regra de
transmissão do negócio mais clara e menos assistemática.

A primeira medida, de cariz administrativo, assentaria na revogação das


orientações genéricas emanadas pelo Ofício-Circulado nº 134850, de 21 de
novembro de 1989, da Direção de Serviços de Concepção e Admi nistração
do IVA (DSCA-IVA).

A segunda medida, de caráter legislativo, assentaria na alteração do


enunciado dos artigos 3º, nºs 4 e 5, do Código do IVA, para a redação
sugerida infra (ou para outra de teor equivalente): Artigo 3º

[…]

1 – (…)

135

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

2 – (…)

3 – (…)
a) …

b) …

c) …

d) …

e) …

f) …

g) …

4 – As cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comer cial,


da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja suscetível de
constituir um ramo de atividade indepen dente, quando, em qualquer dos
casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito
passivo do imposto de entre os refe ridos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º
não são consideradas transmissões de bens e o adquirente sucede ao
transmitente.

5 – Para os efeitos do número anterior, o disposto nos artigos 19º a 26º é


aplicável com as necessárias adaptações.

6 – (…)

7 – (…)

8 – (…)

136

PARTE III

SÍNTESE LÓGICA E CONCLUSIVA

1. Síntese lógica
Decompondo os elementos da previsão da regra de transmissão do negócio,
no plano do enunciado normativo (EN), temos, por um lado,

«a transmissão, a título oneroso ou gratuito ou sob a forma de entrada numa


sociedade» e, por outro lado, «de uma universalidade de bens ou de parte
dela». A descrição da previsão contida no enunciado normativo abarca,
assim, uma ação que se traduz numa transmissão (a) e um objeto que
abarca uma universalidade de bens (u) ou parte dela (u’). A transmissão
pode manifestar-se a título oneroso (a ) ou gratuito (a ) ou ainda 1

sob a forma de entrada numa sociedade (a ).

Do lado da estatuição, retiram-se dois comandos distintos: não implicar


uma entrega de bens (N ) e o beneficiário suceder ao transmi-1

tente (N ).

Em termos formais, o comando N poderia ser representado por 1

p{(a ∨ a ∨ a ); (u ∨ u’)} → P q

No entanto, na sequência da transposição por um Estado-Membro no seu


ordenamento jurídico, N assume caráter obrigatório, pelo que 1

p{(a ∨ a ∨ a ); (u ∨ u’)} → O q

1
2

No entanto, para que a proposição normativa seja válida quando formulada


na ordem jurídica “V”, correspondente ao sistema comum do 139

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

IVA, é necessário que o “estado de coisas” p possua, em simultâneo, três


características, nomeadamente: a transmissão operar a título definitivo (d),
o adquirente ser ou vir a tornar-se um sujeito passivo em virtude da
aquisição (s) e os elementos que compõem “u” serem suscetíveis de
constituir um ramo de atividade independente (e).

Assim, as seguintes proposições normativas, quando formuladas em

“V”, assumem-se como válidas:

p{(a ; u) ∧ d ∧ s ∧ e} → O q

(1)

p{(a ; u) ∧ d ∧ s ∧ e} →

q (2)

p{(a ; u) ∧ d ∧ s ∧ e} →

q (3)
3

p{(a ; u’) ∧ d ∧ s ∧ e} →

q (4)

p{(a ; u’) ∧ d ∧ s ∧ e} →

(5)

p{(a ; u’) ∧ d ∧ s ∧ e} →

(6)

Para aferir o sentido deôntico “O q”, o EN determina que o estado de coisas


“p” «não implica uma entrega de bens». Sabendo, porém, que as
possibilidades de incidência objetiva do imposto se resumem a entregas de
bens200 (Eb) ou a prestações de serviços (Ps), os conceitos de entrega de
bens e de prestação de serviços estão contidos na noção de atividade econó-

mica (Ae), pelo que

Eb ⊂ Ae
assim como

Ps ⊂ Ae

sendo verdadeiro que

Ae ⊃ (Eb ∪ Ps)

Assim, do comando que se retira da norma de remissão contida no artigo


29º da Diretiva IVA, decorre que, no estado de coisas “p”, o ele-200
Independentemente da sua decomposição em transmissões internas,
aquisições intracomunitárias e importações.

140

SÍNTESE LÓGICA

mento “a” poderá igualmente compreender uma prestação de serviços, caso


em que o sentido “O p” não se altera, a não ser para abarcar a correlativa
realidade subjacente a essa prestação de serviços.

Nessa medida, os factos “Eb”, “Ps” ou a interseção de “Eb” e “Ps” que


configurem um estado de coisas “p” determina a negação de “Eb”, de

“Ps” ou da interseção de ambos, respetivamente:

p{Eb ∨ Ps ∨ (Eb ∩ Ps)} → O q{~Eb ∨ ~Ps ∨ ~(Eb ∩ Ps)}

Do exposto, depreender-se-á que um dos comandos contidos na regra de


transmissão do negócio determina a desconsideração de uma entrega de
bens ou de uma prestação de serviços como tal. Noutros termos, tendo em
consideração a regra geral de incidência do imposto

“p{Eb, Ps ∨ (Eb ∩ Ps)} O q”, as mesmas realidades Eb, Ps ou (Eb ∩ Ps),


quando configuram o estado de coisas “p{(a ∨ a ∨ a ); (u ∨ u’)}”, 1

3
deter minam “~O q”.

Quanto ao comando N , o mesmo estado de coisas “p” designa a obri-2

gação de tratar o beneficiário da transmissão como sucessor do


transmitente, pelo que

p{(a ∨ a ∨ a ); (u ∨ u’)} → O q

Sendo igualmente certo que as seguintes proposições normativas referentes


a N , quando formuladas em “V”, se assumem como válidas: 2

p{(a ; u) ∧ d ∧ s ∧ e} →

q (1)

p{(a ; u) ∧ d ∧ s ∧ e} →

q (2)

p{(a ; u) ∧ d ∧ s ∧ e} →

q (3)
3

p{(a ; u’) ∧ d ∧ s ∧ e} →

q (4)

p{(a ; u’) ∧ d ∧ s ∧ e} →

q (5)

p{(a ; u’) ∧ d ∧ s ∧ e} →

q (6)

Por último, a negação do estado de coisas “p” determina a afirmação de não


“O q” e de não “P q”, ou seja

~p → ~O q

141

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Como tal, a regra de transmissão do negócio contém uma previsão


normativa complexa p{(a ∨ a ∨ a ); (u ∨ u’)} à qual se juntam três con-1

2
3

dições lógicas de aplicabilidade {d ∧ s ∧ e}, decorrentes dos elementos


sistemático e teleológico da interpretação, bem como da própria
jurisprudência do TJ, que se incorpora na norma interpretada. Do lado da
estatuição, retiram-se dois comandos distintos: não implicar uma entrega de
bens (N ) e o beneficiário suceder ao transmitente (N ).

Do comando N cuja expressão lógica é

1,

p{(a ∨ a ∨ a ); (u ∨ u’)} → O q

decorre que

p{Eb ∨ Ps ∨ (Eb ∩ Ps)} → O q{~Eb ∨ ~Ps ∨ ~(Eb ∩ Ps)}

Relativamente ao comando N , o mesmo estado de coisas “p” designa 2

a obrigação de tratar o beneficiário da transmissão como sucessor do


transmitente:

p{(a ∨ a ∨ a ); (u ∨ u’)} → O q

2
3

A regra de transmissão do negócio presupõe que o objeto da transmissão


seja uma realidade “suscetível de constituir um ramo de atividade
independente”. Uma atividade económica assume um caráter inde pendente
quando, cumulativamente, seja exercida por uma pessoa ou entidade que
não se encontre organicamente integrada com caráter de dependência numa
estrutura organizativa (o); essa pessoa possua adequada liberdade de
organização no que respeita aos meios técnicos e humanos utilizados no
exercício da atividade económica em causa (l); e suporte o risco económico
inerente a essa atividade (r). Assim, poder-

-se ia afirmar que a ideia de atuação independente (AI), na conceção do TJ,


assenta em três pressupostos lógicos {o ∧ l ∧ r}, donde AI → {o ∧ l ∧ r}

No entanto, para que os elementos que compõem o património transmitido


sejam suscetíveis de formar um ramo de atividade, pressupõe-142

SÍNTESE LÓGICA

-se a existência de um nexo funcional entre esses elementos. De acordo com


a jurisprudência do TJ em matéria de operações complexas, os elementos
podem organizar-se em torno de um principal, o elemento preponderante,
caso em que o TJ tem vindo a aplicar a regra accessorium principale
sequitur (aps), ou então, poderá constatar-se uma relação de
complementaridade entre todos os elementos da transação, de modo que a
sua decomposição seria artificial (c), pelo que um ramo autónomo de
atividade (RA) poderá ser {aps ∨ c}, ou seja

RA{ aps ∨ c}

Independentemente de, em face da concreta situação de facto, o intér prete-


aplicador necessitar de inserir mais elementos nas proposições normativas
que advierem da interpretação da regra de transmissão do negócio, poderá
demonstrar-se que o recurso (obrigatório) aos conceitos autónomos do
sistema comum do IVA trazem uma maior densi dade à tarefa interpretativa:

p{(a ∨ a ∨ a ); (u ∨ u’) ∧ [AI → o ∧ l ∧ r] ∧ RA[aps ∨ c]} → O q 1


2

p{(a ∨ a ∨ a ); (u ∨ u’) ∧ [AI → o ∧ l ∧ r] ∧ RA[aps ∨ c]} → P q 1

resultando que

p{Eb ∨ Ps ∨ (Eb ∩ Ps)} → O q{~Eb ∨ ~Ps ∨ ~(Eb ∩ Ps)}

143

2. Síntese conclusiva

1. A

regra de transmissão do negócio, prevista nos artigos 19º e 29º, da Diretiva


IVA, e transposta para o ordenamento jurídico nacional pelos artigos 3º, nº
4, e 4º, nº 5, do Código do IVA, tem um âmbito de incidência real alargado,
podendo abranger todo o tipo de transmissões a título definitivo de
empresas ou estabelecimentos comerciais, entradas de ativos, liquidações
por transmissão global, fusões, ci-sões e outros tipos de reestruturações
societárias, bem como, todas as transmissões de ativos, tangíveis ou
intangíveis, finalisticamente orientados e organizados de modo a
possibilitar o exercício de uma atividade económica.

2. O tratamento jurídico-tributário da transmissão do negócio em sede de


IVA assume uma elevada importância prática, na medida em que o não
preenchimento dos pressupostos de aplicação da regra de não liquidação
poderá gerar um encargo financeiro excessivo para os agentes económicos
envolvidos, colocando em crise a pró-

pria viabilidade da transação.


3. Nessa medida, a falta de clareza em torno da interpretação da regra em
causa pode gerar efeitos inversos aos pretendidos, que são, por um lado,
simplificar as operações de transmissão de um negócio ou de parte dele e,
por outro, não sobrecarregar a tesouraria das empresas no tipo de operações
em causa.

4. Na prática, é consabido que o tipo de transações em causa pode assumir


elevados níveis de complexidade, sobretudo no que respeita 145

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

ao prisma administrativo, uma vez que o negócio ou a sua parte destacável


pode compreender um grande número de ativos, corpóreos ou incorpóreos,
cuja transmissão, regra geral, despoletaria a incidência do IVA, acarretando
a necessidade de aferir em que medida as posições ativas ou passivas que
compõem a universalidade objeto da transmissão deverão ou não integrar a
base tributável e, em caso afirmativo, qual seria o seu valor tributável.

5. A jurisprudência do TJ constitui a principal fonte interpretativa das


disposições de direito da União, pelo que o sentido normativo da regra de
transmissão do negócio apenas pode ser apreendido na sua plenitude
quando integrado com a interpretação operada por aquele Tribunal. No
entanto, apesar de o Tribunal ter fornecido elementos interpretativos
valiosos para a compreensão do escopo e da operabi-lidade da regra de
transmissão do negócio, as suas decisões são demasiado particulares para
poderem configurar uma teoria geral.

6. Em

Abbey National (C-408/98), tratou-se de aferir em que medida o imposto


incorrido com uma transmissão do negócio é passível de ser deduzido,
tendo o TJ concluído que as despesas efetuadas pelo transmitente a fim de
realizar a transmissão fazem parte das suas despesas gerais e, portanto,
mantêm uma relação direta e imediata com o conjunto da sua atividade
económica. Sendo o transmitente um sujeito passivo misto, este pode
unicamente deduzir a parte do IVA proporcional ao montante respeitante à
categoria de operações tributadas. Todavia, se os diversos serviços
adquiridos pelo transmitente a fim de realizar a transmissão apresentam
uma relação direta e imediata com uma parte claramente delimitada das
suas atividades económicas, de modo que os custos dos referidos serviços
fazem parte das despesas gerais inerentes à referida parte da empresa e que
todas as operações incluídas nessa parte da empresa estão sujeitas a IVA,
este sujeito passivo pode deduzir a totalidade do IVA que onerou as
despesas que efetuou para adquirir os referidos serviços.

7. O caso Zita Modes (C-497/01) versou sobre o âmbito objetivo da regra


de transmissão do negócio e as condições em que os Estados-

-Membros a podem aplicar. Nessa ótica, o Tribunal veio confirmar que é


enquadrável no escopo objetivo na regra em causa a trans-146

SÍNTESE CONCLUSIVA

missão do estabelecimento comercial ou de uma parte autónoma de uma


empresa que inclui elementos corpóreos e, se for o caso, incorpóreos que,
em conjunto, constituem uma empresa ou parte de uma empresa capaz de
prosseguir uma atividade económica de forma autónoma, mas que não
abrange a simples cessão de bens, como a venda isolada de um stock de
produtos. O TJ esclareceu ainda que o facto de o adquirente não prosseguir
a mesma atividade do transmitente ou não deter uma licença administrativa
para a prática da mesma não deverá precludir a aplicabilidade da norma em
causa.

8. Em Faxworld (C-137/02), tratava-se de saber se o transmitente, uma


entidade constituída com a única finalidade de transmitir um negócio,
poderia ter em consideração as operações tributáveis do transmissário por
forma a poder deduzir o imposto. Perante os contornos específicos do caso,
e para poder garantir a neutralidade da carga fiscal, o TJ considerou que,
sendo o beneficiário equiparado a sucessor do transmitente por força da
regra de transmissão, a entidade transmitente deverá ter a possibilidade de
tomar em consideração as operações tributáveis da cessionária para poder
deduzir o IVA que incide sobre as suas operações a montante, as quais
foram adqui ridas para os fins das operações tributáveis da referida
cessionária.
9. No caso SKF (C-29/08), estava em causa a transmissão de participações
sociais operada por uma holding sujeito passivo de IVA. O TJ

deu como admissível a equiparação da transmissão da totalidade das ações


representativas do capital social de uma sociedade à transmissão da
empresa, enquanto universalidade de ativos, tangíveis ou intangíveis, e
passivos, referindo que o facto de essa transmissão decorrer em várias
etapas sucessivas não prejudicava a aplicação da regra de transmissão.

10. Em Christel Schriever (C-444/10), o TJ voltou a pronunciar-se sobre os


elementos objetivos da regra de transmissão do negócio, referindo que se a
cessão das existências e do equipamento do estabelecimento for suficiente
para permitir a continuação de uma atividade económica autónoma, a
transmissão dos bens imóveis não é determinante para qualificar a operação
de transferência de uma universalidade de bens.

147

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

11. Por último, em X BV (C-651/11), o TJ veio delimitar a doutrina que


havia definido em SKF, referindo, por um lado, que a transmissão de uma
participação de 30% numa sociedade apenas em certa medida e de forma
limitada consubstancia um direito sobre essa socie dade, pelo que não pode
ser equiparada à transmissão de uma universalidade de bens ou de parte
dela na aceção da regra de transmissão, e por outro lado, que a cessão a
favor de uma só pessoa de todas as ações de uma sociedade por todos os
acionistas desta também não pode ser equiparada à transferência de uma
universalidade de bens, visto que a Diretiva utiliza o termo “transmitente”
no singular, o que implica que a aplicação da referida norma não está
prevista no caso de vários transmitentes venderem as suas participações ao
mesmo cessionário, resultando que cada operação deverá ser apreciada de
forma individual e independente.

12. Do ponto de vista da sua natureza jurídico-estrutural, apesar de


configurar uma “ficção de não transmissão”, a regra de transmissão do
negócio não encerra uma ficção legal em sentido próprio, uma vez que, por
um lado, não visa estabelecer uma relação de equiparação ou de assimilação
com outra realidade factual, com o objetivo de atribuir a ambos uma
consequência normativa comum, e, por outro lado, porque contém uma
estatuição composta que não se cinge apenas à desconsideração de uma
operação como uma entrega de bens ou uma prestação de serviços,
prescrevendo-se também a sucessão universal do beneficiário ao
transmitente – como tal, deverá ser entendida apenas como uma regra
especial, pois apesar de não pressupor a liquidação do imposto, ela não tem
por efeito interromper a cadeia do IVA, ao contrário, v.g. , das regras que
consagram isenções nas operações internas, que são verdadeiras regras
excecionais.

13. O fator que assume maior relevância na delimitação do âmbito obje tivo
da transmissão do negócio é a própria noção de atividade eco nómica para
efeitos de IVA, não devendo a tarefa da aferição do sentido normativo
subjacente à expressão «suscetível de constituir um ramo de atividade
independente» ser relegada para a discricionariedade administrativa da
administração fiscal – ou, pelo menos, a admi nistração fiscal deverá limitar
a sua atuação a uma discricionariedade vinculada, neste caso, aos conceitos
autónomos de direito da 148

SÍNTESE CONCLUSIVA

União Europeia. Nessa ótica, a riqueza conceptual que a jurisprudência do


TJ oferece deverá ser privilegiada sobre as retóricas jurisdicionais internas,
por forma a garantir o corolário da interpretação uniforme, cabendo ao
intérprete-aplicador tomar em linha de conta os conceitos definidos pelo
Tribunal de Justiça, v.g. , no que respeita às noções de atividade económica,
atuação independente e operações complexas, inter alia.

14. A preocupação de simplificação e de não sobrecarregar a tesouraria das


empresas, subjacente à regra de transmissão do negócio, confirma a
tendência, geralmente aceite, nos termos da qual a fiscali dade não deve
constituir um entrave às reestruturações empresariais, o que, em sede de
IVA, acaba por decorrer do próprio princípio da neutralidade.

15. Independentemente de a configuração jus-societária das operações de


reorganização empresarial poder servir de referencial para – ou,
efetivamente, influenciar – a relação jurídico-tributária, o intérprete-
aplicador deverá concretizar a ideia de sucessão no âmbito e para efeitos de
IVA à luz do enunciado normativo da regra de transmissão do negócio, o
qual contém um comando expresso: o beneficiário sucede ao transmitente
na posição jurídico-tributária para efeitos de IVA.

16. Todavia, sendo certo que os efeitos da sobredita sucessão não são
absolutos, na medida em que, v.g. , eventuais dívidas de imposto do cedente
não se transferem para a esfera do cessionário, a sucessão em causa não
assume a plenitude de uma verdadeira “sucessão universal”. Daqui poder-
se-á inferir que o comando da sucessão assume um pendor necessariamente
objetivo: é o próprio negócio que rege a sucessão, no sentido em que a
continuidade da atividade económica serve de fundamento à manutenção do
enquadramento em sede de IVA do conjunto de ativos transmitidos como
um todo ( “as a going concern” ), sem que tal implique uma quebra na
cadeia do imposto.

17. Não obstante as transmissões sem contrapartida ou sob a forma de


entrada numa sociedade se traduzirem, prima facie, em operações fora do
âmbito do imposto, elas gozam de um tratamento normativo distinto ao
preencherem os elementos da previsão da regra de 149

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

transmissão do negócio, na medida em que, por efeito desta, ocorre a


sucessão do cessionário ao cedente.

18. A doutrina SKF estabelece uma relação de implicação lógica entre a


detenção da totalidade das participações sociais de uma socie dade e a
propriedade dos ativos detidos pela mesma, assentando numa perspetiva
económica. Dessa mesma perspetiva económica, a rela-

ção de implicação lógica já não seria possível na situação em que a


transmissão das participações sociais deixasse de incidir sobre a totalidade
das mesmas. Ora, não sendo possível inferir os elementos que compõem o
negócio nas situações em que a percentagem alie-nada for inferior a 100%,
também não é possível aferir do preenchimento da previsão da regra de
transmissão do negócio, pelo que a equiparação operada em SKF apenas se
assume como válida nos casos em que ocorra a transmissão da totalidade
das participações sociais.

19. Quando se considera uma universalidade de bens, a transferência em


causa é a de um estabelecimento como um todo, podendo incluir elementos
não só corpóreos (tais como fábrica, equipamento e stock para venda) como
incorpóreos (tais como o interesse do arrendatário num arrendamento, o
nome comercial ou insígnia, patentes, marcas registadas, goodwill, segredos
de comércio, registos comerciais, listas de clientes, o benefício de contratos
existentes e assim por diante).

20. De uma perspetiva estática, uma estrutura económica capaz de produzir


ou comercializar bens e/ou de prestar serviços, que pratique (ou tenha
aptidão para praticar) operações a montante e a jusante com caráter de
independência, deverá, prima facie, enquadrar-se na previsão da regra de
transmissão do negócio, sem prejuízo de, numa perspetiva dinâmica,
poderem assumir especial relevância circunstâncias específicas, tais como o
facto de num determinado estabelecimento comercial nunca terem ocorrido
operações tributáveis ou estas terem sido interrompidas temporária ou
definitivamente – o que apenas será possível analisar numa perspetiva ex
post.

21. A transmissão total ou parcial de ativos deve ser acompanhada pela


intenção, por parte do transmissário, de explorar economicamente 150

SÍNTESE CONCLUSIVA

esses ativos de uma forma organizada e não simplesmente a de liquidar


imediatamente a exploração ou de vender as existências.

A aferição da existência ou não da intencionalidade de prosseguir a


atividade económica deve, pois, ser analisada numa perspetiva ex ante,
reportada ao momento da transmissão, e deve assentar em considerações
objetivas.

22. O artigo 19º da Diretiva IVA emprega o termo “transmitente” no


singular, o que implica a exclusão das operações em que existem vários
transmitentes a efetuar várias operações ao mesmo adquirente com vista à
composição de um ramo de atividade independente, uma vez que, à luz da
regra constitutiva do sistema comum do IVA, cada operação deve ser
analisada de forma individual e indepen dente. Assim, havendo vários
intervenientes na transmissão de um negócio, haverá analisar cada operação
de forma individual e independente por forma a verificar se, perante
situações em que ha vendo fragmentação do objeto transmitido, os
elementos da previsão da regra de transmissão do negócio se encontram ou
não preenchidos.

23. No contexto das operações intracomunitárias, a regra de transmissão do


negócio será sempre consumada pelas disposições em maté-

ria de transações intracomunitárias de bens. Por outro lado, o facto de uma


das consequências normativas da regra em causa ser a sucessão (na relação
jurídica tributária em sede de IVA) do adquirente relativamente ao
transmitente implicará a inevitável decorrência de o primeiro se ter de
identificar para efeitos de IVA no Estado-

-Membro deste último por forma a beneficiar da aplicação da regra de


simplificação.

24. Uma vez que o facto gerador do IVA aduaneiro coincide com o
momento da introdução em livre prática – independentemente de os bens
em causa formarem uma universalidade suscetível de constituir um ramo de
atividade independente –, não é possível a “importação de um negócio”
beneficiar da aplicação da regra de transmissão do negócio, uma vez que
esta será igualmente consumada pelas disposições em matéria de IVA
aduaneiro.

25. Dependendo do programa contratual adotado e da forma de


financiamento escolhida, poderá haver lugar a pagamentos antecipados 151

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

sem que haja ainda condições objetivas para se proceder à qualifica-

ção da operação, designadamente, para se aferir do preenchimento das


condições de aplicabilidade da regra de transmissão do negócio.
Em tais circunstâncias, os operadores económicos deverão agir com
especial prudência, uma vez que o enquadramento em sede de IVA de uma
operação como transmissão do negócio não depende da qualificação
atribuída pelas partes, tendo natureza objetiva.

26. A regra de transmissão do negócio tem caráter injuntivo, não podendo


os sujeitos passivos afastar a sua aplicação. Nessa medida, a indevida
liquidação de imposto sobre uma operação qualificável como transmissão
do negócio poderá colocar em causa o direito à dedução na esfera do
adquirente.

27. Existindo vários atos encadeados no tempo que, no seu con junto,
enformam a transmissão de um negócio, poderá sustentar-se a aplicação da
regra de simplificação, na medida em que, como vem sustentando o TJ, o
conceito de atividade económica não consiste necessariamente num único
ato, podendo consistir numa série de atos consecutivos.

28. Várias circunstâncias poderão levar a que o transmissário não esteja em


condições de prosseguir a atividade do transmitente imediatamente a seguir
ao momento da transmissão, v.g. , porque aguarda a aprovação de um
financiamento, a atribuição de uma licença administrativa ou por outras
razões que lhe são exógenas, tais como a própria natureza sazonal da
atividade em causa. Uma vez que a aplicação da regra de transmissão do
negócio pressupõe a continuação de uma atividade económica pelo
adquirente, uma eventual interrup-

ção dessa atividade na sequência da transmissão deverá ser interpretada de


acordo com a natureza da atividade em causa. Assim, não haverá quebra
significativa na prossecução da atividade quando se trate de um negócio
sazonal transmitido em período de época baixa ou do encerramento de um
estabelecimento por um curto período de tempo.

29. Não obstante a regra de transmissão do negócio determinar a não


liquidação do imposto, ela influencia a situação jurídico-tributária do
transmitente quanto ao seu direito à dedução. Desde logo, o IVA 152

SÍNTESE CONCLUSIVA
incorrido na aquisição de bens e serviços que dão lugar, a jusante, a
operações isentas (isenções incompletas) ou fora do âmbito de incidência
real do imposto não poderá, prima facie, ser deduzido.

Todavia, como o TJ tem vindo a demonstrar, a transmissão do negócio


trata-se de uma operação especial, que pressupõe a continuação da atividade
e que equipara o beneficiário a sucessor do transmitente.

Nessa medida, os custos incorridos para a realização da transmissão do


negócio, formando parte das despesas gerais do sujeito passivo no âmbito
da sua atividade económica, podem ser dedutíveis.

30. Se o transmitente efetua simultaneamente operações com direito à


dedução e operações sem direito à dedução, este pode unicamente deduzir a
parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de
operações. Todavia, se os diversos serviços adquiridos pelo transmitente a
fim de realizar a transmissão apresentam uma relação direta e imediata com
uma parte claramente delimitada das suas atividades económicas, de modo
que os custos dos referidos serviços fazem parte das despesas gerais
inerentes à referida parte da empresa e que todas as operações incluídas
nessa parte da empresa estão sujeitas a IVA, este sujeito passivo pode
deduzir a totalidade do IVA que onerou as despesas que efetuou para
adquirir os referidos serviços e o ganho resultante da transmissão dos
ativos, incluindo o caso das participações sociais, não deverá ser incluído
no cálculo do pro rata.

31. Do enunciado normativo contido no primeiro parágrafo do artigo 19º da


Diretiva IVA não parece decorrer qualquer limitação do seu âmbito em
função do exercício de uma atividade isenta ou parcialmente isenta. O TJ
reforça que um Estado-Membro que transpôs a citada regra deve aplicá-la a
qualquer transmissão de uma universalidade de bens ou de parte dela e,
consequentemente, não pode limitar a sua aplicação unicamente a algumas
dessas transmissões, exceto nas condições em que, cumulativamente, o
transmissário seja um sujeito passivo total ou parcialmente isento de
imposto e se verifique a necessidade de evitar distorções de concorrência,
em conformidade com o segundo parágrafo, primeira parte, da citada
norma.
32. A isenção técnica prevista no artigo 136º, alínea a), da Diretiva IVA, ao
contrário da regra de transmissão do negócio, visa evitar a dupla 153

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

tributação de bens que já foram onerados com o imposto na medida em que


foram afetos a uma atividade totalmente isenta. Permanecem fora do seu
âmbito de aplicação as prestações de servi-

ços (ativos intangíveis) e as universalidades de ativos suscetíveis de


constituir um ramo de atividade independente, uma vez que a estas últimas,
em princípio, ser-lhes-á aplicável a regra de transmissão do negócio, ainda
que com eventuais limitações a fim de prevenir distorções concorrenciais.

33. O conceito de distorções da concorrência para efeitos de aplicação da


regra de transmissão do negócio não foi ainda objeto de definição por parte
do TJ. Como tal, apesar de a primeira parte do segundo parágrafo do artigo
19º da Diretiva IVA prever uma permissão no sentido de os Estados-
Membros adotarem medidas para evitar distorções de concorrência, deverá
ressalvar-se que a Diretiva não remete para os Estados-Membros a
possibilidade de definirem o termo distorções de concorrência.

34. No contexto da aplicação da regra de transmissão do negócio, eventuais


distorções concorrenciais, a verificarem-se, apenas respeitariam a ativos
adquiridos num exercício anterior ao da transmissão do negócio que não
fossem bens de investimento, sendo que tal efeito distorcivo não seria
exclusivo da aplicação da regra em causa, mas sim comum a todas as
situações em que um sujeito passivo procede a uma alteração da sua
atividade que implique alterações no poder de dedução.

35. O vasto âmbito de aplicabilidade da regra de transmissão do ne-gócio


não se coaduna com uma análise estática. O foco de aten-

ção deverá centrar-se no facto de, por um lado, estar em causa a transmissão
de um ramo de atividade autónomo (e não apenas um conjunto isolado de
ativos) e, por outro, o adquirente suceder ao transmi tente. Compreendendo
a transmissão bens de investi mento sujeitos ao regime das regularizações, o
adquirente sucederá ao transmi tente no que respeita ao período de
regularização, devendo dar continuidade à aplicação do referido regime.
Como tal, a dedu-

ção do imposto inicialmente efetuada pelo transmitente deverá ser


equacionada à luz da concreta afetação dos bens de investimento por parte
do adquirente, o que poderá resultar, na esfera deste 154

SÍNTESE CONCLUSIVA

último, quer numa regularização a seu favor, quer numa regulariza-

ção a favor do Estado. Nessa medida, o transmitente deverá cooperar com o


adquirente no sentido de lhe disponibilizar os elementos necessários à
referida verificação.

36. As medidas propostas pelo Ofício-Circulado nº 134850, para além de


outros vícios formais e substanciais, parecem desconsiderar os dois aspetos
essenciais do regime em apreço, i.e. , o facto de se tratar da transmissão de
um ramo de atividade com vista à continuidade da exploração e a sucessão
do adquirente ao transmitente.

Ao ignorar o primeiro aspeto, a administração fiscal parte do pressuposto de


que a aplicação da regra em causa a transmissões em que o adquirente é
sujeito passivo isento ou misto gera situações de dupla não tributação –
como se a transmissão em causa se reportasse apenas a um conjunto isolado
de ativos que, total ou parcialmente, passam a estar afetos a um consumo
final. Ao ignorar o segundo aspeto, a administração fiscal desconsidera o
poder de dedução do transmitente, estabelecendo uma implícita presunção
de existência de distorções concorrenciais que se basta com a constatação
do enquadramento do adquirente.

37. A análise da existência ou não de distorções concorrenciais no âmbito


do regime da transmissão do negócio deverá, a nosso ver, ser precedida de
uma comparação entre o poder de dedução do transmitente e o poder de
dedução do adquirente, por um lado, e da aplicação, com as necessárias
adaptações, do regime do direito à dedu ção e da regularização do imposto,
por outro.
38. Em todo o caso, haverá sempre lugar a distorções de concorrência em
situações de fraude ou evasão fiscal, designadamente, perante esquemas da
aplicação da regra de transmissão do negócio em circuito fechado, através
da utilização de entidades controladas pelo próprio sujeito passivo com
restrições no direito à dedução. Todavia, tais situações devem ser corrigidas
à luz das disposições anti-

-abuso e não pela via preventiva das medidas regulamentares adequadas.

155

Principal jurisprudência do TJUE referida

Abbey National

Quando um Estado-Membro fez uso da faculdade concedida pelo C-408/98

artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva (…), de modo que se considera que 22 de


fevereiro de 2001

a transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela não 2001 I-


01361

é uma entrega de bens, as despesas efetuadas pelo transmitente com os


serviços adquiridos a fim de realizar esta transmissão fazem parte das
despesas gerais desse sujeito passivo e, portanto, mantêm em princípio uma
relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do
referido sujeito passivo. Assim, se o transmitente efetua simultaneamente
operações com direito a dedução e operações sem direito a dedução, resulta
do artigo 17º, nº 5, da Sexta Diretiva que este pode unicamente deduzir a
parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de
operações. Todavia, se os diversos serviços adquiridos pelo transmitente a
fim de realizar a transmissão apresentam uma relação direta e imediata com
uma parte claramente delimitada das suas atividades económicas, de modo
que os custos dos referidos serviços fazem parte das despesas gerais
inerentes à referida parte da empresa e que todas as operações incluídas
nessa parte da empresa estão sujeitas a IVA, este sujeito passivo pode
deduzir a totalidade do IVA que onerou as despesas que efetuou para
adquirir os referidos serviços.

BLP Group

O artigo 2º da Primeira Diretiva 67/227/CEE (…) e o artigo 17º da C-4/94

Sexta Diretiva 77/388/CEE (…), devem ser interpretados no sentido 6 de


abril de 1995

de que, com exceção dos casos expressamente previstos nestas direti-1995


I-00983

vas, quando um sujeito passivo presta serviços a outro sujeito passivo, que
os utiliza para efetuar uma operação isenta, este último não tem o direito de
deduzir o IVA pago a montante, mesmo quando o objetivo final da operação
isenta é efetuar uma operação sujeita a imposto.

Brigitte Breitsohl

1) Os artigos 4º e 17º da Sexta Diretiva (…), devem ser interpretados C-


400/98

no sentido de que o direito de deduzir o IVA pago sobre as operações 8 de


junho de 2000

efetuadas com vista à realização de um projeto de atividade económica


2000 I-04321

subsiste mesmo quando a administração fiscal sabe, desde a primeira


liquidação do imposto, que a atividade económica prevista, que devia dar
lugar a operações tributáveis, não será exercida.

2) O artigo 4º, nº 3, alínea a), da Sexta Diretiva (…) deve ser interpretado
no sentido de que a opção pela tributação exercida quando da entrega de
edifícios ou partes de edifícios e do terreno da sua implantação devem
incidir, de maneira indissociável, sobre os edifícios ou partes de edifícios e
o terreno da sua implantação.
157

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Card Protection Plan (CCP)

1) O artigo 13º, B, alínea a), da Sexta Diretiva 77/388/CEE (…), deve C-


349/96

ser interpretado no sentido de que um sujeito passivo que não tem 25 de


fevereiro de 1999

a qualidade de segurador que, no quadro de um seguro coletivo de 1999 I-


00973

que é o tomador, fornece aos seus clientes, que são os segurados, uma
cobertura de seguro, recorrendo a um segurador que assume o risco coberto,
efetua uma operação de seguro na aceção da referida disposição. O termo
«seguro» mencionado nesta disposição é extensivo às categorias de
atividades de assistência enunciadas no anexo da Diretiva 73/239/CEE do
Conselho, de 24 de julho de 1973, relativa à coordenação das disposições
legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à
atividade de seguro direto não vida e ao seu exercício, conforme alterada
pela Diretiva 84/641/CEE do Conselho, de 10 de dezembro de 1984.

2) Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, à luz dos


elementos de interpretação que precedem, se operações como as que estão
em causa no processo principal devem ser consideradas, para efeitos de
IVA, no sentido de que comportam duas prestações independentes, isto é,
uma prestação de seguro isenta e uma prestação tributável de registo de
cartão ou se uma destas duas prestações é a prestação principal da qual a
outra é acessória, partilhando esta do tratamento fiscal da prestação
principal.

3) O artigo 13º, B, alínea a), da Sexta Diretiva 77/388 deve ser interpretado
no sentido de que um Estado-Membro não pode restringir o alcance da
isenção das operações de seguro unicamente às prestações efetuadas pelos
seguradores autorizados pelo direito nacional a exercer a atividade de
segurador.

Christel Schriever

O artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva (…), deve ser interpretado no senC-


444/10

tido de que a transmissão das existências e do equipamento de uma 10 de


novembro de 2011

loja de venda a retalho, concomitantemente com o arrendamento do 2011 I-


11071

estabelecimento comercial ao transmissário, por duração indeterminada,


embora denunciável a curto prazo por qualquer das partes, constitui uma
transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela, na aceção
desta disposição, desde que os bens transmitidos sejam suficientes para que
o cessionário possa prosseguir duradouramente uma atividade económica
autónoma.

Comissão / França

1) Ao instituir e manter em vigor, ignorando o disposto na sexta direC-


50/87

tiva do Conselho de 17 de maio de 1977, um regime fiscal que limita, 21 de


setembro de 1988

relativamente às empresas que arrendam os imóveis por si adquiridos 1988


04797

ou construídos, o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado


pago a montante, quando o volume das receitas provenientes do
arrendamento desses imóveis seja inferior a um quinze avos do seu valor, a
República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incum-bem por
força do Tratado.

(…)
158

PRINCIPAL JURISPRUDÊNCIA DO TJUE REFERIDA

EDM

1) Numa situação como a em causa no processo principal: C-77/01

– Atividades que consistam na simples venda de ações e de outros tí-

29 de abril de 2004

tulos negociáveis, como participações em fundos de investimento, não 2004


I-04295

constituem atividades económicas na aceção do artigo 4º, nº 2, da Sexta


Diretiva 77/388 (…), e, portanto, não são abrangidas pelo âmbito de
aplicação desta diretiva;

aplicações em fundos de investimento não constituem prestações de


serviços «efetuadas a título oneroso», na aceção do artigo 2º, nº 1, da Sexta
Diretiva 77/388 e, portanto, também não são abrangidas pelo âmbito de
aplicação da mesma diretiva;

o montante do volume de negócios relativo a estas operações deve,


consequentemente, ser excluído do cálculo do pro rata de dedução previsto
nos artigos 17º e 19º da referida diretiva;

– Em contrapartida, a concessão por uma holding de empréstimos


remunerados, anualmente, às suas participadas, bem como as aplicações
feitas por aquela em depósitos bancários ou em títulos, como obriga-

ções do Tesouro ou operações de tesouraria, constituem atividades


económicas, efetuadas por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, na
aceção dos artigos 2º, nº 1, e 4º, nº 2, da Sexta Directiva 77/388; contudo, as
referidas operações estão isentas do imposto sobre o valor acrescentado nos
termos do artigo 13º, B, alínea d), n.os 1 e 5, desta mesma diretiva;
no cálculo do pro rata de dedução previsto nos artigos 17º e 19º da Sexta
Diretiva 77/388, estas operações devem ser consideradas operações
acessórias na aceção do artigo 19º, nº 2, segundo período, da mesma
diretiva, na medida em que apenas impliquem uma utilização muito
limitada de bens ou de serviços pelos quais o imposto sobre o valor
acrescentado é devido; embora a amplitude dos rendimentos gerados pelas
operações financeiras abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta
Directiva 77/388 possa constituir um indício de que estas operações não
devem ser consideradas acessórias na aceção da referida disposição, o facto
de serem gerados por essas operações rendimentos superiores aos
produzidos pela atividade indicada como principal pela empresa em causa
não pode, por si só, excluir a qualificação destas de

«operações acessórias»;

incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se as operações em


causa no processo principal implicam apenas uma utilização muito limitada
de bens e de serviços pelos quais o imposto sobre o valor acrescentado é
devido e, eventualmente, excluir os juros gerados por estas operações do
denominador da fração utilizada para o cálculo do pro rata de dedução.

2) Trabalhos como os em causa no processo principal, efetuados pelos


membros de um consórcio nos termos das cláusulas de um contrato de
consórcio e que correspondem à parte atribuída no contrato a cada um
deles, não constituem uma entrega de bens ou uma prestação de serviços
«efetuadas a título oneroso» na aceção do artigo 2º, nº 1, da Sexta Diretiva
77/388 nem, consequentemente, uma operação tributável nos termos desta
diretiva. O facto de estes trabalhos serem rea lizados pelo membro do
consórcio que o gere não é relevante. Em contrapartida, quando o excedente
da parte dos trabalhos fixada no referido contrato para um membro do
consórcio resulte no pagamento pelos outros membros deste da
contrapartida dos trabalhos que excedem essa parte, estes últimos
constituem uma entrega de bens ou uma prestação de serviços «efetuadas a
título oneroso» na aceção da referida disposição.

159

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA


Enkler

1) A locação de bens corpóreos constitui uma forma de exploração C-


230/94

desses bens, que deve ser qualificada como «atividade económica», na 26


de setembro de 1996

aceção do artigo 4º, nº 2, da Sexta Diretiva (…), se essa atividade for 1996
I-04517

exercida com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.

2) Para determinar se a locação de bens corpóreos, como uma auto-


caravana, é exercida com o fim de auferir receitas com caráter de
permanência, na aceção do artigo 4º, nº 2, segundo período, da Diretiva
77/388, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar o conjunto dos
dados do caso concreto.

3) O artigo 11º, A), nº 1, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388 deve ser
interpretado no sentido de que devem ser incluídas na matéria coletável do
imposto sobre o volume de negócios sobre as operações equiparadas a
prestações de serviços por força do artigo 6º, nº 2, alínea a), da mesma
diretiva as despesas suportadas durante o período em que o bem se encontra
à disposição do sujeito passivo, de modo a que este o possa efetivamente
utilizar a qualquer momento para fins estranhos à empresa, e que digam
respeito

ao próprio bem ou que tenham conferido ao sujeito passivo o direito à


dedução do IVA. A parte destas despesas a incluir deve ser proporcional à
relação existente entre a duração total da utilização efetiva do bem e a
duração da utilização efetiva do bem para fins alheios à empresa.

Faaborg-Gelting Linien

As operações de restauração devem ser consideradas como prestações C-


231/94
de serviços, na aceção do artigo 6º, nº 1, da Sexta Diretiva (…), os quais 2
de maio de 1996

se entende serem prestados no lugar onde o prestador tenha a sede da 1996


I-02395

sua atividade económica, nos termos do disposto no artigo 9º, nº 1, da


mesma diretiva.

Faxworld

Uma sociedade civil, criada com o único objetivo de constituir uma C-


137/02

sociedade de capitais, tem direito à dedução do imposto suportado 29 de


abril de 2004

a montante em relação a serviços que lhe tenham sido prestados e a 2004 I-


05547

bens que tenha adquirido, se, em conformidade com o seu objeto social, a
sua única operação a jusante tiver sido a transferência, a título oneroso e por
ato formal, para a referida sociedade de capitais, após a sua constituição,
das prestações anteriormente adquiridas e se, por o Estado-Membro em
causa ter utilizado as opções previstas nos artigos 5º, nº 8, e 6º, nº 5, da
Sexta Diretiva (…), não se verificar nenhuma entrega de bens ou prestação
de serviços quando da transferência de uma universalidade de bens.

160

PRINCIPAL JURISPRUDÊNCIA DO TJUE REFERIDA

Fini H

O artigo 4º, n.os 1 a 3, da Sexta Diretiva (…), deve ser interpretado no C-


32/03

sentido de que uma pessoa que tenha cessado uma atividade comer-3 de
março de 2005
cial mas continue a pagar as rendas e os encargos referentes ao local 2005 I-
01599

que serviu para essa atividade, em virtude de o contrato de arrendamento


conter uma cláusula de não rescisão, é considerada um sujeito passivo na
aceção daquele artigo e pode deduzir o imposto sobre o valor acrescentado
relativamente aos montantes pagos dessa forma, desde que exista uma
relação direta e imediata entre os pagamentos efetuados e a atividade
comercial e que se prove a inexistência de intenção fraudulenta ou abusiva.

Gabalfrisa

O artigo 17º da Sexta Diretiva (…), opõe-se a uma regulamentação C-


110/98

nacional que subordina o exercício do direito à dedução do imposto 21 de


março de 2000

sobre o valor acrescentado pago por um sujeito passivo antes do início 2000
I-01577

da realização habitual das operações tributáveis a determinadas condições,


tais como a apresentação de um pedido expresso nesse sentido antes de o
imposto se ter tornado exigível e o acatamento do prazo de um ano entre
essa apresentação e o início efetivo das operações tributáveis, e que pune o
desrespeito destas condições pela perda do direito à dedução ou pelo
diferimento do exercício desse direito até ao início efetivo da realização
habitual das operações tributáveis.

Ghent Coal Terminal

O artigo 17º da Diretiva 77/388/CEE (…), deve ser interpretado no C-37/95

sentido de permitir que um sujeito passivo, agindo como tal, deduza 15 de


janeiro de 1998

o IVA de que é devedor relativamente a bens que lhe foram entregues 1998
I-00001
ou serviços que lhe foram prestados para efeitos de trabalhos de
investimento destinados a serem utilizados no âmbito de operações
tributadas. O direito à dedução subsiste mesmo que, por razões alheias à sua
vontade, o sujeito passivo jamais tenha feito uso de tais bens e serviços para
realizar operações tributadas. Sendo caso disso, a entrega de bens de
investimento durante o período de ajustamento pode dar lugar ao
ajustamento da dedução nas condições previstas no nº 3 do artigo 20º

da Diretiva 77/388.

Gmina Wrocław

O artigo 9º, nº 1, da Diretiva 2006/112/CE (…), deve ser interpretado C-


276/14

no sentido de que os organismos de direito público, como as entidades 29


de setembro de 2015

sujeitas ao orçamento municipal em causa no processo principal, não


ECLI:EU:C:2015:635

podem ser qualificadas de sujeitos passivos de imposto sobre o valor


acrescentado na medida em que não preenchem o critério de independência
previsto naquela disposição.

161

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Halifax

1) As operações como as que estão em causa no processo principal C-


255/02

constituem entregas de bens ou prestações de serviços e integram 21 de


fevereiro de 2006

uma atividade económica na aceção dos artigos 2º, ponto 1, 4º, nºs 1
2006 I-01609

e 2, 5º, nº 1, e 6º, nº 1, da Sexta Diretiva (…), desde que preencham os


requisitos objetivos em que assentam aqueles conceitos, mesmo que tenham
sido efetuadas com o único objetivo de obter uma vantagem fiscal, sem
outro objetivo económico.

2) A Sexta Diretiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe ao


direito do sujeito passivo a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado
pago a montante quando as operações em que esse direito se ba-seia forem
constitutivas de uma prática abusiva.

A declaração da existência de uma prática abusiva exige, por um lado, que


as operações em causa, apesar da aplicação formal das condições previstas
nas disposições pertinentes da Sexta Diretiva e da legislação nacional que
transpõe essa diretiva, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem
fiscal cuja concessão seria contrária ao objetivo prosseguido por essas
disposições. Por outro lado, deve igualmente resultar de um conjunto de
elementos objetivos que as operações em causa têm por finalidade essencial
a obtenção de uma vantagem fiscal.

3) Quando se verifique a existência de uma prática abusiva, as opera-

ções implicadas devem ser redefinidas de forma a restabelecer a situa-

ção tal como ela existiria na ausência das operações constitutivas da prática
abusiva.

Hutchison 3G

O artigo 4º n.os 1 e 2, da Sexta Diretiva (…), deve ser interpretado no C-


369/04

sentido de que a concessão de licenças como as licenças de telecomu-26 de


junho de 2007

nicações móveis de terceira geração, designadas «UMTS», pela autori-2007


I-05247
dade reguladora nacional responsável pela atribuição de frequências,
através de leilão dos direitos de utilização de equipamentos de teleco-
municações não constitui uma atividade económica na aceção desta
disposição, pelo que não é abrangida pelo âmbito de aplicação desta
diretiva.

Investrand

O artigo 17º, nº 2, da Sexta Diretiva (…), deve ser interpretado no senC-


435/05

tido de que os custos dos serviços de consultadoria a que recorreu um 8 de


fevereiro de 2007

sujeito passivo para efeitos da determinação do montante de um cré-

2007 I-01315

dito que faz parte do património da sua empresa e se relaciona com uma
venda de ações anterior à sua sujeição ao IVA não apresentam, na falta de
elementos que demonstrem que os referidos serviços têm como causa
exclusiva a atividade económica, na aceção da referida diretiva, exercida
pelo sujeito passivo, uma relação direta e imediata com esta atividade e não
conferem, por conseguinte, direito à dedução do IVA que os onerou.

162

PRINCIPAL JURISPRUDÊNCIA DO TJUE REFERIDA

INZO

O artigo 4º da Sexta Diretiva (…), deve ser interpretado no sentido C-


110/94

de que:

29 de fevereiro de 1996
– Quando a administração fiscal admitiu a qualidade de sujeito pas-1996 I-
00857

sivo do IVA de uma sociedade que declarou a sua intenção de iniciar uma
atividade económica que daria origem a operações tributáveis, a encomenda
de um estudo de rentabilidade para a atividade projetada pode ser
considerada uma atividade económica na aceção desse artigo, mesmo que
esse estudo tenha por objetivo analisar em que medida a atividade projetada
é rentável, e que

– Exceto no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de


sujeito passivo do IVA não pode ser retirada a essa sociedade com efeitos
retroativos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não
passar à fase operacional e colocá-la em liquidação, de modo que a
atividade económica projetada não deu origem a opera-

ções tributáveis.

Isle of Wright Council

1) O artigo 4º, nº 5, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva (…), deve ser C-


288/07

interpretado no sentido de que as distorções de concorrência signifi-16 de


setembro de 2008

cativas às quais pode conduzir a não sujeição ao imposto sobre o valor 2008
I-07203

acrescentado dos organismos de direito público que atuam enquanto


autoridades públicas devem ser avaliadas por referência à atividade em
causa, enquanto tal, e não a um mercado local em particular.

2) A expressão «possa conduzir», na aceção do artigo 4º, nº 5, segundo


parágrafo, da Sexta Diretiva 77/388, deve ser interpretada no sentido de que
tem em consideração não só a concorrência atual mas também a
concorrência potencial, entendida no sentido de que a possibilidade de um
operador privado entrar no mercado relevante deve ser real e não puramente
hipotética.

3) O termo «significativas», na aceção do artigo 4º, nº 5, segundo pará-

grafo, da Sexta Diretiva 77/388, deve ser entendido no sentido de que as


distorções de concorrência atuais ou potenciais devem ser mais do que
insignificantes.

KapHag

Uma sociedade civil que admite um sócio mediante entrega de nume-C-


442/01

rário não efetua a esse sócio uma prestação de serviços a título oneroso 26
de junho de 2003

na aceção do artigo 2º, nº 1, da Sexta Diretiva (…).

2003 I-06851

Kretztechnik

1) Uma emissão de novas ações não constitui uma operação abrangida C-


465/03

pelo âmbito de aplicação do artigo 2º, nº 1, da Sexta Diretiva (…).

26 de maio de 2005

2) O artigo 17º, n.os 1 e 2, da Sexta Diretiva (…), confere o direito à de-


2005 I-04357

dução da totalidade do imposto sobre o valor acrescentado que onerou as


despesas efetuadas por um sujeito passivo em relação às diferentes
prestações que adquiriu no âmbito de uma emissão de ações, na medida em
que a totalidade das operações efetuadas por esse sujeito passivo no âmbito
da sua atividade económica seja constituída por operações tributadas.
163

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Lennartz

1) O artigo 20º, nº 2, da Sexta Diretiva (…), é aplicável quando um parC-


97/90

ticular adquire bens de investimento na qualidade de sujeito passivo 11 de


julho de 1991

e os coloca ao serviço das suas atividades económicas, na aceção do 1991 I-


03795

artigo 4º da Sexta Diretiva.

2) A questão de saber se um sujeito passivo, num caso concreto, adquiriu


bens para os fins das suas atividades económicas, na aceção do ar tigo 4º da
Sexta Diretiva, é uma questão de facto que deve ser apreciada tendo em
conta o conjunto das circunstâncias do caso concreto, entre as quais a
natureza dos bens em causa e o período decorrido entre a aquisição dos
bens e a respetiva utilização para os fins das atividades económicas do
sujeito passivo.

3) Um sujeito passivo que utiliza bens para os fins de uma atividade


económica tem o direito, no momento da aquisição desses bens, de deduzir
o imposto pago a montante, em conformidade com o estabelecido no artigo
17º, por mais reduzida que seja a percentagem da sua utilização ao serviço
da empresa. Uma regra

ou uma prática administrativa que imponha uma restrição geral do direito à


dedução no caso de a utilização ao serviço da empresa ser limitada, mas não
obstante efetiva, constitui uma derrogação do artigo 17º da Sexta Diretiva e
apenas é válida se forem satisfeitas as exigências do artigo 25º, nº 1, ou do

artigo 27º, nº 5, da Sexta Diretiva.


Levob Verzekeringen e OV 1) O artigo 2º, nº 1, da Sexta Diretiva (…), deve
ser interpretado no sen-

Bank

tido de que, quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos por um C-


41/04

sujeito passivo a um consumidor, entendido como consumidor médio, 27 de


outubro de 2005

estiverem de tal forma conexionados que, no plano económico, for-2005 I-


09433

mem objetivamente um todo cuja dissociação teria natureza artificial, o


conjunto desses elementos ou atos constitui uma prestação única para
efeitos da aplicação do imposto sobre o valor acrescentado.

2) É o que se passa numa operação em que um sujeito passivo fornece a um


consumidor um programa informático normalizado anteriormente
desenvolvido e comercializado, gravado em suporte informá-

tico, e a posterior adaptação desse programa às necessidades específicas


desse adquirente, ainda que através do pagamento de preços distintos.

3) O artigo 6º, nº 1, da Sexta Diretiva 77/388 deve ser interpretado no


sentido de que uma prestação única como a indicada no nº 2 do presente
dispositivo deve ser qualificada de «prestação de serviços»

quando se verificar que a adaptação em causa não é menor nem acessória


mas, pelo contrário, tem caráter principal; é o que se passa,
designadamente, quando, face a elementos como a sua dimensão, o seu
custo ou a sua duração, essa adaptação tem uma importância decisiva para
permitir a utilização de um programa adaptado às necessidades do
adquirente.

4) O artigo 9º, nº 2, alínea e), terceiro travessão, da Sexta Diretiva 77/388


deve ser interpretado no sentido que se aplica a uma prestação de serviços
única como a em causa no nº 3 do presente dispositivo, efetuada a favor de
um sujeito passivo estabelecido na Comunidade, mas fora do país do
prestador do serviço.

164

PRINCIPAL JURISPRUDÊNCIA DO TJUE REFERIDA

Manfred Bog e o.

1) Os artigos 5º e 6º da Sexta Diretiva (…), devem ser interpretados no C-


497/09

sentido de que:

10 de março de 2011

– o fornecimento de pratos ou de alimentos acabados de preparar,


ECLI:EU:C:2011:135

prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de


restauração ou nos bares dos cinemas, constitui uma entrega de bens, na
aceção do referido artigo 5º, quando uma análise qualitativa do conjunto da
operação revele que os elementos de prestação de serviços que precedem e
acompanham a entrega dos alimentos não são preponderantes;

– salvo nos casos em que um caterer ao domicílio se limita a entregar


pratos estandardizados, sem outro elemento de serviço suplementar, ou em
que outras circunstâncias particulares demonstrem que a entrega dos pratos
representa o elemento predominante de uma operação, as atividades de
catering ao domicílio constituem prestações de serviços na aceção do
referido artigo 6º

2) No caso de entrega de bens, o conceito de «produtos alimentares»

que consta do anexo H, categoria 1, da Sexta Diretiva (…), deve ser


interpretado no sentido de que abrange igualmente os pratos e refeições que
tenham sido cozidos, assados, fritos ou preparados de outro modo para
consumo imediato.
Midland Bank

1) Os artigos 2º da Primeira Diretiva 67/227/CEE (…), e 17º, nºs 2, 3

C-98/98

e 5, da Sexta Diretiva 77/388/CEE (…), devem ser interpretados no 8 de


junho de 2000

sen tido de que, em princípio, a existência de uma relação direta e ime-2000


I-04177

diata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias


operações a jusante com direito à dedução é necessária para que o direito à
dedução do imposto sobre o valor acrescentado a montante seja
reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão desse direito.

2) Incumbe ao órgão jurisdicional nacional aplicar o critério da relação


direta e imediata aos factos de cada processo que lhe seja presente.

Um sujeito passivo que efetua simultaneamente operações com direito à


dedução e operações sem direito à dedução pode deduzir o imposto sobre o
valor acrescentado que incidiu sobre os bens ou serviços por si adquiridos,
desde que estes tenham uma relação direta e imediata com as operações a
jusante que dão direito à dedução e sem que se deva proceder de forma
diferente consoante se apliquem os nºs 2, 3 ou 5 do artigo 17º da Sexta
Diretiva 77/388. Todavia, este sujeito passivo não pode deduzir na íntegra o
imposto sobre o valor acrescentado que incidiu sobre os serviços a
montante quando estes tenham sido utilizados, não para a realização de uma
operação com direito à dedução, mas sim no quadro de atividades que são
apenas a sua consequência, salvo quando o sujeito passivo demonstre,
através de elementos objetivos, que as despesas relacionadas com a
aquisição destes serviços fazem parte do custo dos diversos elementos
constitutivos do preço da operação a jusante.

165

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA


Polski Trawertyn

1) Os artigos 9º, 168º e 169º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, C-


280/10

de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto 1 de


março de 2012

sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que


ECLI:EU:C:2012:107

se opõem a uma regulamentação nacional que não permite aos sócios de


uma sociedade nem a esta última invocar um direito a dedução do imposto
sobre o valor acrescentado pago a montante sobre despesas de investimento
efetuadas, por estes sócios, antes da constituição e do registo da referida
sociedade, para os fins das operações e tendo em vista a atividade
económica desta última.

2) Os artigos 168º e 178º, alínea a), da Diretiva 2006/112 devem ser


interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional
em aplicação da qual, em circunstâncias como as que estão em causa no
processo principal, o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante
não pode ser deduzido por uma sociedade quando a fatura, emitida antes do
registo e da identificação da referida sociedade para efeitos de imposto
sobre o valor acrescentado, tiver sido emitida em nome dos sócios desta
última.

Rompelman

The acquisition of a right to the future transfer of property rights in part of


a C-268/83

building yet to be constructed with a view to letting such premises in due


course 14 de fevereiro de 1985

may be regarded as an economic activity within the meaning of Article 4(1)


1985 00655
of the Sixth Directive. However, that provision does not preclude the tax
administration from requiring the declared intention to be supported by
objective evidence such as proof that the premises which it is proposed to
construct are specifically suited to commercial exploitation.

Salumets

A Sexta Diretiva (…), as Diretivas 92/12/CEE e 92/83/CEE (…), bem C-


455/98

como o Regulamento (CEE) nº 2913/92 (…) devem ser interpretados 29 de


junho de 2000

no sentido de que as respetivas disposições relativas à tributação e à 2000 I-


04993

dívida fiscal se aplicam igualmente à importação em contrabando para o


território aduaneiro comunitário de álcool etílico proveniente de países
terceiros.

166

PRINCIPAL JURISPRUDÊNCIA DO TJUE REFERIDA

SKF

1) Os artigos 2º, nº 1, e 4º, nºs 1 e 2, da Sexta Diretiva (…), e os artigos 2º,


C-29/08

nº 1, e 9º, nº 1, da Diretiva 2006/112/CE (…), devem ser interpretados 29


de outubro de 2009

no sentido de que constitui uma atividade económica abrangida pelo 2009 I-


10413

âmbito de aplicação das referidas diretivas uma transmissão, por uma


sociedade-mãe, da totalidade das ações que detém no capital de uma filial
detida a 100% e a participação remanescente numa sociedade controlada
anteriormente detida a 100%, às quais forneceu prestações de serviços
sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado. Todavia, na medida em que a
transmissão de ações seja equiparada à transmissão da universalidade total
ou parcial de uma empresa, na aceção do artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva
(…), ou do artigo 19º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112, desde que
o Estado-Membro em causa tenha optado pela faculdade prevista nestas
disposições, esta operação não constitui uma atividade económica sujeita ao
imposto sobre o valor acrescentado.

2) Uma transmissão de ações, como a que está em causa no processo


principal, deve ser isenta do imposto sobre o valor acrescentado nos termos
do artigo 13º, B, alínea d), nº 5, da Sexta Diretiva (…) e do artigo 135º, nº
1, alínea f), da Diretiva 2006/112.

3) O direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a


montante sobre prestações destinadas a realizar uma transmissão de ações é
conferido, por força do artigo 17º, nºs 1 e 2, da Sexta Diretiva (…) e do
artigo 168º da Diretiva 2006/112, se existir uma relação direta e imediata
entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto
das atividades económicas do sujeito passivo.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, tendo em conta todas as


circunstâncias em que decorrem as operações em causa no processo
principal, se as despesas realizadas são suscetíveis de ser incorporadas no
preço das ações vendidas ou se fazem parte unicamente dos elementos
constitutivos do preço das operações abrangidas pelas atividades
económicas do sujeito passivo.

4) As respostas às questões anteriores não são afetadas pela circunstância de


a transmissão das ações se realizar em várias operações sucessivas.

Swiss Re

1) Uma cessão a título oneroso, por uma sociedade com sede num C-242/08

Estado-Membro a uma companhia de seguros com sede num Estado 22 de


outubro de 2009
terceiro, de uma carteira de contratos de resseguro do ramo vida que 2009 I-
10099

implica que esta última assuma, com o acordo dos segurados, todos os
direitos e obrigações decorrentes desses contratos não constitui uma
operação abrangida pelos artigos 9º, nº 2, alínea e), quinto travessão, e 13º,
B, alínea a), da Sexta Directiva (…), nem uma operação abrangida pela
conjugação dos pontos 2 e 3 do referido artigo 13º, B, alínea d).

2) No âmbito de uma cessão a título oneroso de uma carteira de 195

contratos de resseguro do ramo vida, o facto de não ser o cessionário, mas o


cedente, que paga uma contrapartida, concretamente a fixação de um valor
negativo, para suceder em 18 desses contratos não tem qualquer influência
sobre a resposta à primeira questão.

3) O artigo 13º, B, alínea c), da Sexta Directiva 77/388 deve ser


interpretado no sentido de que não se aplica a uma cessão a título oneroso
de uma carteira de contratos de resseguro do ramo vida como a que está em
causa no processo principal.

167

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

Teleos

1) Os artigos 28ºA, nº 3, primeiro parágrafo, e 28º C, ponto A, alínea C-


409/04

a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva (…), devem, em relação ao 27 de


setembro de 2007

termo «expedido», constante destas duas disposições, ser interpreta-2007 I-


07797

dos no sentido de que a aquisição intracomunitária de um bem só se verifica


e a isenção da entrega intracomunitária só é aplicável quando o direito de
dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e
o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro
Estado-Membro e que, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o
mesmo saiu fisicamente do território do Estado-Membro de entrega.

2) O artigo 28ºC, ponto A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva


(…), deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades
competentes do Estado-Membro de entrega obriguem um fornecedor, que
agiu de boa-fé e apresentou provas que justificam, à primeira vista, o seu
direito à isenção de uma entrega intracomunitária de bens, a pagar
posteriormente o imposto sobre o valor acrescentado sobre esses bens,
quando se demonstre que essas provas são falsas, sem que, contudo, esteja
provada a participação do referido fornecedor na fraude fiscal, desde que
este tenha tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para se
assegurar de que a entrega intracomunitária que efetua não implica a sua
participação nessa fraude.

3) O facto de o adquirente ter apresentado uma declaração às autoridades


fiscais do Estado-Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária,
como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma prova
suplementar para demonstrar que os bens saíram efetivamente do território
do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante
para efeitos de isenção de imposto sobre o valor acrescentado de uma
entrega intracomunitária.

van der Steen

Para fins de aplicação do artigo 4º, nº 4, segundo parágrafo, da Sexta C-


355/06

Diretiva (…), uma pessoa singular que executa todas as atividades em 18 de


outubro de 2007

nome e por conta de uma sociedade, sujeito passivo, em cumprimento 2007


I-08863

de um contrato de trabalho que a vincula a essa sociedade, da qual é, além


disso, o único sócio, gerente e empregado, não é, ela própria, um sujeito
passivo na aceção do artigo 4º, nº 1, da referida diretiva.
Van Gend en Loos

1) O artigo 12º do Tratado que institui a Comunidade Económica Euro-C-


26/62

peia produz efeitos imediatos e cria na esfera jurídica dos particulares 5 de


fevereiro de 1963

direitos individuais que os órgãos jurisdicionais nacionais devem sal-1963


00003

vaguardar;

2) Para verificar se direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente


foram aumentados, contrariando a proibição contida no artigo 12º do
Tratado, é necessário ter em consideração os direitos e encargos
efetivamente aplicados no Estado Membro em questão aquando da entrada
em vigor do Tratado.

Esse aumento pode resultar quer de uma modificação da classificação


pautal que tenha tido por consequência a classificação do produto numa
posição mais severamente tributada quer da majoração da taxa aduaneira
aplicada.

3) Cabe à Tariefcommissie decidir quanto às despesas do presente processo.

168

PRINCIPAL JURISPRUDÊNCIA DO TJUE REFERIDA

Van Tiem

1) A constituição de um direito de superfície sobre um bem imóvel C-


186/89

pelo proprietário desse bem a favor de outra pessoa, concedendo-lhe 4 de


dezembro de 1990
um poder de utilização sobre o bem imóvel durante um determinado 1990 I-
04363

período e mediante retribuição, deve ser considerada uma atividade


económica que envolve a exploração de um bem corpóreo com o fim de
auferir receitas com caráter de permanência, na aceção do nº 2, última frase,
do artigo 4º da Sexta Diretiva.

2) Na medida em que um Estado-membro utilizou a possibilidade ofe-


recida pelo nº 3, alínea b), do artigo 5º da Sexta Diretiva, de considerar bens
corpóreos os direitos reais que conferem ao respetivo titular o poder de
utilização dos bens imóveis, a noção de transferência utilizada no nº 1 do
referido artigo deve ser interpretada no sentido de que abrange igualmente a
constituição desse direito real.

3) A resposta à primeira questão não varia em função da resposta à segunda


questão.

VNLTO

Os artigos 6º, nº 2, alínea a), e o artigo 17º, nº 2, da Sexta Diretiva (…), C-


515/07

devem ser interpretados no sentido de que não são aplicáveis à utiliza-12 de


fevereiro de 2009

ção de bens e de serviços afetos à empresa para os fins de operações di-


2009 I-00839

versas das operações tributáveis do sujeito passivo, pelo que o imposto


sobre o valor acrescentado devido pela aquisição desses bens e desses
serviços, relacionado com essas operações, não é dedutível.

VNO

1. The words ‘capital goods’ appearing in the third indent of Article 17 of


the 51/76
Second Council Directive of 11 April 1967, on the harmonization of
legislation 1 de fevereiro de 1977

of Member States concerning turnover taxes, mean goods used for the
purposes ECLI:EU:C:1977:12

of some business activity and distinguishable by their durable nature and


their value and such that the acquisition costs are not normally treated as
current expenditure, but are written off over several years.

2. The Member States have a certain margin of discretion as regards the


requirements which must be satisfied concerning the durability and value of
the goods, together with the rules applicable for writing off, provided that
they pay due regard to the existence of an essential difference between
capital goods and the other goods used in the management and in the day
to day running of undertakings.

(…)

Wellcome Trust

O conceito de atividades económicas, na aceção do artigo 4º, nº 2, da C-


55/94

Sexta Diretiva (…), deve ser interpretado no sentido de que não inclui 20 de
junho de 1996

uma atividade como a que está em causa no processo principal, que 1996 I-
03013

consiste na compra e venda de ações e outros títulos por um trustee no


âmbito da gestão dos bens de um trust de beneficência.

169

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

X BV
Os artigos 5º, nº 8, e/ou 6º, nº 5, da Sexta Diretiva (…), devem ser C-651/11

interpretados no sentido de que a cessão de 30% das ações de uma 30 de


maio de 2013

sociedade à qual o transmitente presta serviços sujeitos a IVA não


ECLI:EU:C:2013:346

constitui a transmissão de uma universalidade de bens ou serviços ou de


parte dela, na aceção das referidas normas, independentemente de os outros
acionistas transferirem as restantes ações dessa sociedade pratica mente ao
mesmo tempo e à mesma pessoa, e de essa transferência estar estreitamente
ligada às atividades de gestão exercidas pela mesma sociedade.

Zita Modes

1) O artigo 5º, nº 8, da Sexta Diretiva (…), deve ser interpretado no C-


497/01

sentido de que, quando um Estado-Membro usou da faculdade, con-27 de


novembro de 2003

ferida pela primeira frase deste número, de considerar que, para fins 2003 I-
14393

do IVA, a transmissão de uma universalidade de bens não implica uma


entrega de bens, esta regra de não entrega se aplica – sem prejuízo de uma
eventual utilização da possibilidade de limitar a sua aplicação nas condições
previstas na segunda frase do mesmo número – a qualquer transmissão de
um estabelecimento comercial ou de uma parte autónoma de uma empresa,
que inclui elementos corpóreos e, eventualmente, incorpóreos que, em
conjunto, constituem uma empresa ou parte de uma empresa que pode
prosseguir uma atividade econó-

mica autónoma. O beneficiário da transmissão deve, no entanto, ter


intenção de explorar o estabelecimento comercial ou a parte da empresa
dessa forma transmitida e não simplesmente liquidar imediatamente a
atividade em causa bem como, eventualmente, vender o stock.
2) Quando um Estado-Membro faz uso da faculdade conferida pelo artigo
5º, nº 8, primeira frase, da Sexta Diretiva (…), de considerar que, para fins
do imposto sobre o valor acrescentado, não existe nenhuma entrega de bens
por efeito da transmissão de uma universalidade de bens, a referida
disposição opõe-se a que o Estado-Membro limite a aplicação desta regra
de não entrega unicamente às transmissões de uma universalidade de bens
em que o beneficiário possui uma autorização de estabelecimento para a
atividade económica que essa universalidade permite exercer.

170

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175

ÍNDICE

prefácio 7

siglas e abreviaturas 11
notação lógica 13

nota prévia e agradecimentos 15

notas de leitura 17

PARTE I: A REGRA DE TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO 19

1. Introdução 21

1.1. Enquadramento 21

1.2. Conceito 22

1.3. Propósito, delimitação e razão de ordem 24

2. A transmissão do negócio à luz da Diretiva IVA 27

2.1. Antecedentes 27

2.2. Enquadramento normativo 30

2.3. O caráter opcional dos artigos 19º e 29º da Diretiva IVA 31

2.4. Fundamento da regra de transmissão do negócio 33

3. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia 35

3.1. Abbey National (C-408/98) 37

3.2. Zita Modes (C-497/01) 43

3.3. Faxworld (C-137/02) 47

177

A TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO E O IVA

3.4. SKF (C-29/08) 53


3.5. Christel Schriever (C-444/10) 57

3.6. X BV (C-651/11) 59

3.7. Mailat (C-17/18) 63

4. A transmissão do negócio à luz do Código do IVA 65

4.1. Enquadramento normativo 65

4.2. Natureza e estrutura jurídicas 67

5. Excurso: a incidência do Imposto do Selo sobre

o trespasse de estabelecimento comercial 71

PARTE II: ASPETOS PROBLEMÁTICOS EM TORNO

DA REGRA DE TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO 77

1. Ponto de partida: o princípio da neutralidade 79

2. Âmbito objetivo 83

2.1. Reorganizações empresariais 85

2.2. Transmissões sem contrapartida ou sob a forma

de entrada numa sociedade 90

2.3. Transmissão de participações sociais 92

2.4. Trespasse de estabelecimento comercial 96

3. Âmbito subjetivo 101

3.1. O elemento intencional e a carga económica 101

3.2. Pluralidade de intervenientes 104


4. Âmbito territorial 107

4.1. A “transmissão intracomunitária do negócio” 107

4.2. A “importação do negócio” 110

5. Âmbito temporal 113

5.1. A transmissão do negócio diferida 113

5.2. A transmissão do negócio progressiva 115

5.3. A não continuação imediata da atividade 116

6. Direito à dedução 119

178

ÍNDICE

7. Atividades isentas 123

8. Medidas destinadas a evitar distorções da concorrência 125

9. Obrigações acessórias 133

10. Recomendação 135

PARTE III: SÍNTESE LÓGICA E CONCLUSIVA 137

1. Síntese lógica

139

2. Síntese conclusiva 145

principal jurisprudência do tjue referida 157

bibliografia 171
179
Document Outline
PREFÁCIO
SIGLAS E ABREVIATURAS
NOTA PRÉVIA E AGRADECIMENTOS
NOTAS DE LEITURA
PARTE I - A REGRA DE TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO
1. Introdução
2. A transmissão do negócio à luz da Diretiva IVA
3. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia
4. A transmissão do negócio à luz do Código do IVA
5. Excurso: a incidência do Imposto do Selo sobre o trespasse de
estabelecimento comercial
PARTE II - ASPETOS PROBLEMÁTICOS EM TORNO DA REGRA
DE TRANSMISSÃO DO NEGÓCIO
1. Ponto de partida: o princípio da neutralidade
2. Âmbito objetivo
3. Âmbito subjetivo
4. Âmbito territorial
5. Âmbito temporal
6. Direito à dedução
7. Atividades isentas
8. Medidas destinadas a evitar distorções da concorrência
9. Obrigações acessórias
10. Recomendação
PARTE III - SÍNTESE LÓGICA E CONCLUSIVA
1. Síntese lógica
2. Síntese conclusiva
Principal jurisprudência do TJUE referida
BIBLIOGRAFIA
ÍNDICE

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