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MULHER”
Ao aceitar a proposta do empresário Adam Webster, o detetive particular
Michael Sullivan achou que mulher nenhuma valesse tanto. Mudou de ideia
logo que encontrou a bela Lily Webster e seu filho de três anos escondidos em
Nova Orleans.
Michael ouvira historias de maus tratos cometidos por Adam, que em seu
ciume obsessivo chegara a tramar a morte do proprio filho! Então ele resolve
passar para o lado de Lily e ajuda-la a safar-se da perseguição, mas ambos
escondem um do outro um segredo fundamental. Como esperar que o amor
nascente entre os dois pudesse florescer no meio de mentiras?
Rua Paes Leme, 524 - 10" andar CEP 05424-010 - São Paulo - Brasil
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Copyright para a língua portuguesa: 2003 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Impressão e acabamento: RR DONNELLEY AMÉRICA LATINA Tel.: (55 11)
4166-3500
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
Lily não soube definir o que lhe acontecia. Um minuto antes, estava
pronta a rechaçar aquele homem para fora, gritando que não queria um
amigo, nem um amante. No instante seguinte, com o coração tão aquecido
quanto a água da cafeteira, ela preparava uma xícara destinada a Michael
Sullivan. Reservou outra para si e sentou-se à mesa da cozinha, disposta a lhe
contar a história do bairro.
— Foram trabalhadores pobres que construíram as casas em terras
devolutas, como meio de escapar dos impostos e dos fiscais. Com o tempo,
deslocaram-se para a periferia e as moradias foram sendo ocupadas por
aposentados e idosos. Estas casas geminadas provavelmente foram erguidas
para abrigar duas famílias.
— Notei que há muitas construções desse tipo na vizinhança.
—Em terrenos de dimensões modestas, é a melhor maneira de aproveitar
o espaço e ainda economizar na obra. Quarenta por cento das habitações de
Nova Orleans são assim.
Michael provou um biscoito de chocolate, pescando-o do pote de vidro
que Lily havia trazido à mesa.
— Engraçado. Consta que o bairro serviu de refúgio a bandidos, mas,
com sua explicação, talvez um morador nervoso, certo dia, tenha dado alguns
tiros para o alto, e a fama se espalhou.
Lily estremeceu ao recordar-se de que Adam guardava armas de fogo em
casa, ao alcance de um menino curioso como Timmy. Num acesso de violência,
o próprio pai poderia disparar um revólver contra o filho.
— Você tem idéia de que época data esta construção? — Michael quis
saber.
— Ao redor de 1900, pelo estilo italiano que era popular depois da Guerra
de Secessão. — Lily adorava estudar arquitetura, como passatempo. — Notou
os ornatos em curva, na fachada? Típicos do período vitoriano.
— Puxa! Para quem mora aqui há poucos meses, você entende do
assunto.
Lisonjeada, Lily misturou leite a seu café.
— Gosto de casas assim. Desde criança, brincava de desenhá-las. Agora,
meu hobby é identificar os detalhes ornamentais. Eles revelam a época da
construção.
— Talvez sua profissão certa seria de arquiteta ou restauradora.
— E verdade, mas nunca conseguiria.
— Por quê? Eu nunca fiz faculdade, mas você ainda é jovem.
— Tenho 25 anos e um filho para criar.
— E daí? Vá em frente e tire seu diploma. Há muitas mulheres que
voltam a estudar, depois de ser mães. Parece que existem currículos especiais,
mais curtos, para elas.
— Já escolhi minha carreira: cuidar de Timmy. — Ela suspirou. — Meu
marido me preferia como esposa e mãe em tempo integral.
— Ele morreu antes de Timmy nascer? — Michael pressentiu que estava
no rumo certo para obter confidencias de Lily.
— Sim. — Ela empalideceu e tomou um gole de café com leite para
disfarçar. — Mas, quando engravidei, ele insistiu em que eu ficasse em casa,
sem trabalhar, em vez de colocar o futuro filho em uma creche ou nas mãos de
uma babá.
— Seu marido devia ser bastante dominador.
— Não. Era mais velho e mais estudado. Eu respeitava os conselhos dele.
— Como agora você trabalha na lanchonete, suponho que deixe o menino
numa creche.
— Timmy fica com uma amiga, enquanto estou fora. Trabalho porque
preciso. Sou viúva — Lily mentiu.
— E o seu marido não lhe deixou bens ou um bom seguro?
— Claro, mas a morte dele foi repentina e a cobertura tornou-se
insuficiente.
— Conte-me o que aconteceu com ele.
— Como assim?
— Quero dizer, do que seu marido morreu? Doença fatal ou acidente?
— Acidente de carro — ela retrucou, pesando as palavras para não ir
longe demais. — Tive um problema sério durante a gestação e ele me levou
correndo ao hospital, numa noite de chuva. O automóvel derrapou numa curva
e bateu num poste. Ele teve afundamento do tórax e traumatismo craniano. Eu
saí ilesa, sem arranhão.
Lily lembrou-se da noite em que, já em trabalho de parto, ela sofrera um
corrimento de sangue e Adam a conduzira à maternidade, dizendo que, se
fosse um aborto espontâneo, Deus estaria corrigindo um erro, o erro de ela ter
engravidado. Adam nunca quisera ser pai, e ela gostava de acreditar que a
colisão fatal não era uma mentira.
— Sinto muito. Deve ter sido duro para você, dar à luz pouco depois de
perder o marido.
— Sim, claro. — Lily fechou os olhos, recordando. Timmy nascera
prematuro de um mês, mas saudável. Julgava que, ao tomar o bebê nos
braços, Adam mudaria de opinião e a felicidade conjugai seria restabelecida.
— Você está bem? — Michael notou o distanciamento da suposta viúva.
— Estou, apenas não gosto de falar desse assunto.
—Tome seu café. — O detetive passou-lhe um biscoito para acompanhar.
— Timothy era o nome de seu marido?
— Não, o nome veio de meu avô materno.
— Vocês eram muito próximos?
— Nunca o conheci, na verdade. Mas minha avó foi quem me criou e eu
aprendi a adorar o primeiro Timmothy pelas fotos e pelo que falavam dele.
— Parece ter sido uma pessoa realmente especial. Sua avó ainda vive?
Aqui em Nova Orleans?
— Não. — Lily começou a aborrecer-se com aquele interrogatório. —
Faleceu quando eu fiz 15 anos. Você faz perguntas demais.
Ela ergueu a xícara na direção dos lábios. A mão tremeu e a porcelana se
espatifou sobre a mesa, em dois ou três cacos. Sem escutar mais nada, Lily
viu a cozinha girar até transformar-se numa sombra escura. Desabou sobre a
mesa.
— Droga! Lily?
A voz tardou a chegar à mente da mulher desmaiada. Michael correu à
pia e molhou um pano de prato, que aplicou na testa de Lily e depois num
dedo que sangrava. Ao desfalecer, ela se vira de volta à mansão de Miami, ao
lado de Adam, mas presa numa corrente. Havia sangue no piso. Timmy estava
baleado. Sem vida.
— Lily, acorde. Olhe para mim.
Michael a ergueu nos braços e levou até à cama, depois de ver o medo
estampado no rosto pálido, mais do que alvo, e estancar o filete de sangue que
se formara no dedo ferido. Aceitaria qualquer nova mentira, desde que ela
manifestasse uma reação vital, qualquer reação. Dizer a si mesmo que se
tratava de uma mulher perversa, que roubara o marido e raptara o filho, já
não servia de lenitivo para seus sentimentos.
Ela finalmente abriu os olhos e focalizou quem a chamava.
— Espero que não esteja com medo de um ex-policial — ele disse,
esfregando as mãos da mulher deitada. — Se tem receio das multas de
trânsito que não pagou, saiba que nunca irei cobrá-las.
Um sorriso acompanhou a volta da cor ao rosto de Lily. O olhar, porém,
continuava denunciando culpa e temor. Michael examinou o dedo levemente
lacerado, que voltara a sangrar.
— Onde você guarda o estojo de primeiros-socorros?
— No armário do banheiro — ela murmurou em tom neutro.
— Aperte o pano contra o ferimento — ele pediu —, enquanto vou buscar
um curativo. A tontura melhorou?
— Um pouco.
—Tente ficar sentada na cama e colocar a cabeça entre os joelhos.
Voltarei em um minuto.
O detetive apressou-se até o banheiro, pequeno mas limpo e funcional
como o resto da casa. Também não era, pensou, um cômodo à altura da
mulher que subtraíra uma razoável fortuna em dinheiro e jóias. A imagem de
Elisabeth Webster, no papel de Beth ou Lily, veio-lhe como a de uma
competente atriz. Ou então Adam havia mentido sobre os atos da esposa. No
conjunto, o caso se tornava espantoso, quase absurdo. Tal como a ligação
farsesca de Pete Crenshaw com a traidora Giselle.
Ela sim, tinha sido uma mentirosa ainda melhor. Contara ao parceiro de
Michael uma história impressionante a respeito de abusos do próprio pai.
Dissera querer fugir e livrar-se da família, arruinando a de Pete.
Talvez Lily também estivesse interpretando, mas exibia uma fragilidade,
uma tristeza que não combinava com sua atuação. Lembrava mais uma
boneca quebrada do que uma ladra fugitiva.
De qualquer modo, estava ferida, e Michael voltou ao quarto levando o
estojo que encontrara sem dificuldade. Molhou uma bola de algodão com
antiséptico, removeu o papel que cobria a bandagem adesiva e prontificou-se a
cuidar de Lily, prevenindo-a de que o líquido poderia arder um pouco.
— Não sou médico, mas provavelmente ficará uma cicatriz mínima,
insignificante.
— Dispenso o curativo. — Foi quase uma ordem, que Michael
desobedeceu. Depois levantou-se e fechou o estojo, depositando-o no criado-
mudo. Sentiu-se sem ação.
— Ei, tenho certa prática de enfermeiro. Mas, se preferir o hospital, eu
pego Timmy e vamos.
— Não! — ela bradou. Saiu da cama de supetão e correu ao quarto do
filho, que ergueu no colo, estreitando-lhe as costas. Em segundos, a imagem
dela mudara para a de uma mãe extremosa. Adam Webster só podia ter
mentido, pensou Michael. Também concluiu que nada mais tinha a fazer ali.
No trajeto de volta ao hotel, o detetive bateu diversas vezes o punho
cerrado no volante.
— Droga! Droga! — repetia.
Após estacionar, recolheu seu telefone celular e alcançou o quarto. Sabia
que não conseguiria dormir e, além disso, a noite mal começava. Decidiu vestir
calção, camiseta e tênis, e correr um pouco no parque próximo. Quando se
trocava, o telefone soou.
— Olá, Jane. — Ele vira o nome da amiga no visor do aparelho. — Eu ia
justamente ligar para você.
— Como está indo o caso?
Estranho. A viúva de Pete nunca lhe perguntava nada sobre trabalho.
— O que há de errado? — Ele sentou-se na cama. — Você está bem?
— Sim, estou.
— E os meninos? — Uma ruga de preocupação vincou a testa de Michael.
— Igualmente bem. Nenhum dos dois se machucou.
— Então, o que aconteceu?
— Fui demitida de meu emprego, na semana passada — Jane revelou por
fim.
— Lamento. — Era sincero. Ele percebia como o trabalho de secretária
qualificada fazia bem à amiga, distraindo-a e dando-lhe um senso de
independência, apesar da ajuda financeira que recebia.
— Não se aflija por dinheiro para as despesas. Ainda tenho uma sobra de
meu adiantamento e vou receber muito mais.
Sim, desde que entregasse Lily a Adam Webster!
— Não preciso — Jane insistiu. — Tenho direito à indenização trabalhista.
Será o bastante para tomar conta de mim e dos garotos, até que encontre
outro emprego. Em todo caso, achei melhor avisar você.
— Fez bem. — Michael relaxou um pouco, mas suspeitou de algo mais.
— Decidi me mudar da Flórida e ir para o Oklahoma — ela confessou. —
Na verdade, estou aqui, na capital.
— Na cidade de Oklahoma? Você não voltou aí desde que se casou com
Pete.
— Tem razão. Mas aqui tenho parentes que me hospedaram. Uma tia e
dois primos, mais uma porção de amigos. Um deles, chamado Hal, com que eu
saí antes de conhecer Pete, falou-me de uma vaga no Fórum, para uma
secretária com experiência em legislação. Apresentei currículo, fiz a entrevista
e creio que conseguirei o emprego.
— Mas, e os meninos? Terão de trocar de escola, de ambiente e tudo o
mais. — Michael tentou absorver a inesperada informação.
— O fato é que ficaram empolgados com a mudança. Gostaram dos
primos, que têm filhos da mesma idade. Claro, é muito diferente da Flórida e
do sol maravilhoso, mas parece que minha decisão fez bem para Pete Júnior e
Mickey. Já era hora de eu pensar no futuro. Por que você não faz o mesmo?
Até então, as idéias de Michael sobre seu futuro se resumiam a manter
os filhos de Pete em segurança financeira e emocional. Para si, contentava-se
com um veleiro e, talvez, com quebrar sua solidão e a de Jane unindo-se a ela.
Mal podia digerir tantas novidades.
— Diga-me. Esse seu antigo namorado, Hal, é um sujeito decente?
— Sim, é advogado estabelecido e vai bem na carreira — declarou Jane
após rir ligeiramente, sabedora do contido ciúme que despertava no amigo. E
tão atirado quanto Pete, por isso nunca se casou. Gostava de mim, quando
rompi e me mudei da cidade. Só refez contato ao enviar condolências e, a
partir daí, trocamos cartões de Natal. Agora, ele diz que me esperou todo
esses anos. Fez-me sentir especial.
— Você é especial, Jane. — Michael reprimiu um suspiro de frustração. —
Quando pretende mudar-se?
— Em uma semana, dez dias. Por isso estou ligando. Voarei para
Houston somente para empacotar minhas coisas e pedir os papéis de
transferência de escola dos meninos. Não vou morar com nenhum parente.
Encontrei uma ótima casa em condições vantajosas: o aluguer será descontado
do valor de venda, caso eu decida comprá-la mais adiante.
— Fico contente por você e pelas crianças, Jane. Quanto a mim...
— Irei visitá-lo para me despedir, antes de sair da Flórida. Acha que
terminará o caso em tempo de voltar?
Michael avaliou sua situação com Lily. Sabia que poderia encerrar a
investigação naquele momento, se quisesse.
— Creio que sim. De qualquer modo, desejo ver você e os meninos. Se
necessário, irei a Oklahoma.
— Seria fantástico, Michael. As crianças também querem ver você. — E
ela?, o detetive pensou. — Da próxima vez, eu lhe passo o novo endereço.
Michael ouviu o barulho das crianças atrás de Jane, ansiosas para falar
ao telefone. Confirmou que elas estavam felizes com a mudança, com a nova
casa e os novos amiguinhos. Ao desligar, ele sentiu-se mais sozinho do que
nunca.
Bem, como adulto, teria de superar a decepção. Jane havia decidido fazer
o que achava melhor. Não lhe cabia intervir nos planos da amiga. Da mesma
maneira, por que se empenhar em resolver os problemas de Lily. Esse era um
assunto dela, por mais que a imagem de terror que ela exibia o comovesse.
"Não seja idiota", ele exigiu de si próprio. "Entregue Lily, pegue o
dinheiro e suma no mundo". Seria a medida mais lógica, mas Michael já não
encontrava condições interiores de submeter-se à razão. Sem Jane e as
crianças por perto, sua fantasia sentimental e sexual com Elisabeth Webster
tendia a crescer. Inclinava-se a lhe contar a verdade e ajudá-la ao máximo.
Assim, quando Adam telefonou, o detetive atendeu com a ansiedade em
alta.
— Retornei sua ligação ontem mesmo, mas não o encontrei — disse o
empresário, soando insultado como sempre. — Você realmente localizou
Elisabeth? Onde ela está?
— Calma, hoje eu descobri que não se trata dela.
— Como assim? Você disse que...
—Equivoquei-me. Encontrei uma mulher loura e um menino que se
pareciam com Elisabeth e Timmy, mas não são eles. Fiquei entusiasmado e
avisei você antes da hora. Desculpe-me.
— Pensei que você não cometia erros, Sullivan. Como sabe, dificilmente
eu os admito, principalmente depois de pagar-lhe uma pequena fortuna. Em
meu negócio, não posso aceitar desculpas. Falta pouco tempo para seu prazo
terminar.
— Estou consciente disso.
—Pelo nosso acordo, terá de devolver o adiantamento, mais as despesas,
se não me entregar Elisabeth. — Adam sustentou uma longa pausa. —
Considerando que minha esposa não é muito esperta nem sabe se manter
sozinha, é inacreditável que ela consiga escapar de um detetive hábil como
você.
Michael fechou um dos punhos e socou o ar.
— Acredite no que quiser. Talvez ela seja mais inteligente e prática do
que você imagina.
— Claro, inteligente o bastante para me roubar e tapear Michael Sullivan.
Mais uma vez, ele pensou que o empresário obtivera fartas informações
sobre sua capacidade, junto a fontes do FBI. Devia ter ouvido que ele possuía
o faro de um cão de caça. Obviamente, Adam desconsiderava o fato de Michael
ser também um homem sensível.
— Se preferir, eu saio do caso — concedeu o detetive, sentindo-se tolo
por perder tanto dinheiro.
— Não, quero que continue, até o prazo final.
— Está bem. — O raciocínio era de que não existia outro investigador no
rastro de Lily e Timmy, o que lhe dava maior liberdade de ação.
— Tem certeza de que a tal mulher em Nova Orleans não era Elisabeth?
— Tenho — Michael mentiu.
— E pena, pena mesmo.
—Mas consegui outra pista. Talvez ela esteja no Mississípi. Estou
rastreando seus passos.
— Então, comunique-me o resultado amanhã.
Um murmúrio interior alertou Michael de que Adam suspeitava de sua
lisura.
— Ele está mentindo — afirmou o empresário a seu segurança pessoal,
chamado Bernie, no escritório de Miami. — Reúna dois ou três homens, vá a
Nova Orleans e fique de olho em Sullivan.
— Certo, mas por que ele mentiria, se precisa entregar sua esposa para
receber uma montanha de dólares?
—Talvez Sullivan queira mais. Ou menos — disse Adam
enigmaticamente.
Um envolvimento do detetive com a bela mulher não estava excluído de
suas cogitações. Seria uma explicação para Michael ter mentido, protegendo
Elisabeth.
— Sullivan é muito esperto — Bernie elogiou, sugerindo que ele
dificilmente seria enganado por qualquer principiante. — Acho que ele vai
resolver o caso dentro do prazo.
— Espero que sim. Sullivan cometerá um erro enorme se tentar me trair.
— O empresário estalou os nós dos dedos, com expressão perversa.
A idéia de Elisabeth deixar-se seduzir e tocar por outro homem o tirava
do normal. A raiva bombeava mais sangue para suas artérias. Ele tombou o
porta-retrato com a imagem da esposa.
— Se ele fizer isso, é um homem morto.
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XIII
CAPíTULO XIV
Michael não deu trégua a Lily até que ela o levasse a uma loja
simples, onde o detetive adquiriu uma calça jeans, camisa xadrez, cinturão de
fivela grande e um chapéu de vaqueiro.
Saindo do provador, ele ajeitou a aba larga e apresentou-se a Lily.
— Que tal?
— As pessoas vão estranhar uma Cleópatra ao lado de um caubói. Além
disso, é pena descartar a fantasia de gladiador, tão bonita.
— Esqueça. Eu não uso saiote.
— Russell Crowe não se importou.
— Ele não veio do Texas — Michael retrucou, satisfeito porque a correria
atrás de fantasias tinha distraído Lily da preocupação com Adam Webster.
Uma vez guardadas as sacolas no carro, o detetive abriu a porta para Lily
e assumiu o volante.
— Só mais uma parada, para eu comprar um novo telefone celular, e
então iremos direto ao hotel.
— O que houve com o seu aparelho?
— A bateria acabou e esqueci o carregador no meu hotel. E mais fácil e
seguro adquirir outro. — Michael omitiu que o verdadeiro motivo era impedir
que Webster rastreasse seus movimentos pelo número antigo. Lily o focalizou
com ar de suspeita.
— Não é por isso, certo? — ela questionou, perspicaz. — Você acha que
Adam o identificou, pelas placas do carro, e pode ter obtido o seu número de
celular.
— Tem razão — ele admitiu. — Não custa nos prevenirmos. De qualquer
modo, mesmo com bons contatos, Adam levará algum tempo para descobrir o
novo número.
— Então, por que mentiu para mim?
— Porque não quis assustá-la.
— Já estou suficientemente assustada. — Os lábios dela tremeram. — Só
porque tenho medo, não quer dizer que eu seja idiota. Nem que não farei o
possível e o impossível para proteger meu filho.
Michael tocou-lhe a face.
— Nunca pensei que você fosse idiota, Lily. Não precisa me convencer de
sua coragem. Considerando tudo o que lhe aconteceu, você é provavelmente a
mulher mais corajosa que conheci.
— E você não precisa me proteger dos fatos, Michael. Gostaria de saber
tudo o que ocorre, porque assim posso me preparar. Certo?
— Certo.
Para decepção de Michael, o encanto das horas anteriores terminara.
Mesmo depois de se registrarem no Hotel Saint Charles, Lily manteve-se
sóbria, preocupada. No balcão, representou junto com Michael o papel de casal
feliz, mas ele desconfiou de que ela não gostara da encenação. A maneira
como olhou para um menino de três anos, no saguão, oprimiu o coração do
detetive. Ela só tinha pensamentos para Timmy.
— Você acha que seria seguro avisar Gertrudes de onde estamos? —
perguntou ao sair do elevador, no décimo andar.
— Vá em frente — disse Michael, abrindo a porta do quarto. — Dê-lhe o
número do celular também.
Malas e sacolas foram depositadas sobre o carpete grosso e claro. A
decoração do aposento incluía flores frescas e objetos antigos, de gosto
refinado. Mas comodidades modernas, como frigobar, televisão e mesinha para
café, com duas poltronas, estavam igualmente presentes. Principal detalhe:
havia apenas uma cama, larga e coberta de almofadas coloridas.
— Parece pouco para uma diária de seiscentos dólares — ele comentou. A
fim de aplacar a consciência, disse a si mesmo que não tinha premeditado
partilhar uma cama de casal com Lily, embora a idéia lhe fosse absolutamente
empolgante.
— E pequeno, mas limpo e agradável — comentou ela, examinando o
banheiro interno.
— Ouça, Lily. A respeito da cama, eu não planejei nada. Contava com
duas de solteiro. Aparentemente, o hotel só tinha quartos de casal.
— Com certeza — ela emendou enigmaticamente, dirigindo-se à janela.
— Pelo menos, temos uma bela vista.
Michael se juntou a ela e contemplou a Avenida Saint Charles, uma das
primeiras vias da cidade a abrigar mansões e condomínios de luxo.
Comportava faixas duplas de tráfego, separadas pela linha de bonde que
levava ao centro, cortando as alamedas. Como a avenida estava no roteiro do
desfile de Mardi Gras, muitas pessoas e famílias já ocupavam os passeios, com
cadeiras dobráveis e cestas de lanches.
— O rapaz da recepção disse que, pela manhã, a calçada já estará
parecendo um formigueiro — Michael comentou.
— E uma das formigas pode ser Adam — Lily murmurou, desalentada.
Novamente o detetive sentiu um peso no coração. Julgava-se culpado
pela situação de Lily.
— Se ele estiver aqui, saberemos em tempo e poderemos nos defender.
— Como fará isso?
— Tentarei falar com meu irmão Travis, que trabalha para o FBI. Ele tem
meios de descobrir se Adam está em Nova Orleans.
— Você nunca mencionou um irmão antes. Pensei que dependia só de
seu pai para uma ajuda externa.
— Na verdade, meu pai e eu nos desentendemos. Estávamos brigados.
— Lamento muito. Eu adorava minha avó e sempre acreditei que uma
família normal e pacífica, com pai e mãe, era uma bênção para qualquer
criança. Jamais tive um lar assim, mas aposto que em sua casa você nunca se
sentiu sozinho.
— Tem razão. Um pouco irritado, às vezes, mas jamais sozinho.
— Eu o invejo por isso. — Lily suspirou. — Contou-me que seu pai foi
policial. Por isso você escolheu a mesma carreira?
— Suponho que sim. Toda a família Sullivan, incluindo avô e bisavô, era
de homens da lei. Uma espécie de tradição. Tradição que eu rompi ao deixar a
polícia, depois de um incidente fatal com meu parceiro.
— Seu pai deve ter ficado decepcionado com sua decisão, não é?!
—Digamos que não ficou feliz — emendou Michael, disposto a não
mentir.
— O que aconteceu de verdade?
— Longa história.
— Bem, tempo não nos falta. — Lily acomodou-se na poltrona junto à
janela.
— Pete foi baleado porque eu me acovardei — explicou Michael,
ocupando a outra cadeira estofada.
— Difícil de acreditar.
— Mas é verdade — ele insistiu, antes de resumir o encontro fatal com o
grupo de traficantes ao qual Giselle tinha aderido.
Se tivesse sido um bom policial e investigado Giselle, pensou Michael,
talvez Jane ainda contasse com um marido e as crianças, com um pai.
— Havia uma investigação em andamento, sim, e tecnicamente eu
estaria a salvo de erros. Mas errei, e a culpa foi minha. Causei embaraço a
meu pai, desonrei o nome da família Sullivan. Por isso, resolvi sair da
Corporação Policial de Houston e recomeçar a vida em outro lugar. Era melhor
para aqueles que eu amava.
— Como poderia ser melhor, com você ausente da vida deles? Para mim,
ficar sem notícias, perder uma pessoa de vista, é pior do que sabê-la morta.
Vivi essa experiência com minha mãe. E terrível, mais terrível para quem fica
do que para quem parte.
— Não havia analisado a questão por esse ângulo — Michael admitiu. —
Talvez a mágoa de meu pai tenha crescido em razão de meu distanciamento.
— Claro. Apesar de tudo, ele não esqueceu você. Provavelmente,
continua amando o filho da mesma maneira que antes.
O que ele tinha feito? Michael ponderou. Havia isolado o pai num canto
da memória, pressupondo que estava zangado e que nunca o perdoaria.
Reconhecera o desapontamento nos olhos paternos, mas jamais poderia dizer
que neles faltava afeto.
— Bem, não conheço bem a dinâmica familiar — Lily complementou. —
Rezo para que tudo dê certo e Timmy não tenha de pagar pelos meus erros.
— Você vai se safar, garanto — Michael lhe assegurou. — E Timmy
crescerá forte e bonito.
— Gostaria de falar com ele.
Michael levantou-se e passou a Lily o celular.
— Enquanto liga para Timmy, vou descer ao saguão e fazer alguns
telefonemas de lá.
— Se está precisando usar o aparelho... — Ela esticou o braço no gesto
de devolver o celular.
— Não, fique com ele. Quero andar um pouco lá em baixo e testar a
segurança do hotel. Tranque bem a porta quando eu sair. Não abra para
ninguém mais.
— Sinto muito, patrão, mas ela despistou nossos homens — reportou
Bernie a Adam Webster, depois de falar com seus colegas de Nova Orleans.
Nervoso, o guarda-costas perfilava-se diante da mesa onde o chefe devorava
um daqueles pratos japoneses de peixe cru.
— Elisabeth é mulher e, pelo que sei, não das mais espertas. Como pôde
tapear dois profissionais experientes?
— E que ela teve ajuda, patrão. Há um homem com ela e, pela descrição,
parece ser Michael Sullivan.
Adam quase deixou cair o bocado de sushi que prendia entre os palitos
orientais.
— Não estou nada feliz com isso, Bernie — ele rosnou. — Na verdade,
fico muito aborrecido. Você falhou duas vezes. Primeiro, recomendou-me
Sullivan e garantiu que ele poderia localizar Elisabeth. Agora, seus homens
perderam a pista dela. Sabe como eu detesto erros, Bernie.
— Sei, chefe, e sinto muito — o grandalhão repetiu, quebrando um palito
em uma demonstração de como quebraria um pescoço humano.
Adam era um patrão difícil de contentar, exigente e implacável. Usava
uma máscara de polidez e afabilidade, mas Bernie já o vira cortar o pescoço de
um desafeto e sentar-se para comer, enquanto a vítima sangrava até morrer.
Como fiel servidor, Bernie juraria que o chefe tinha gelo nas veias, exceto
quando lidava com aquela vadia com quem se casara. Então, Adam assumia
modos de cachorro manso, embora tresloucado de desejo. Por isso, o guarda-
costas detestava admitir: o patrão o enojava.
— Quero Elisabeth e Timmy devidamente localizados, Bernie. E sem
novas desculpas.
— Meus homens descobriram em que hotel Sullivan está, mas ele não
voltou para pegar o carro. Com certeza, Elisabeth o acompanha. Como é Mardi
Gras em Nova Orleans, os dois precisarão de muita sorte para sair da cidade
por via aérea. Tenho agentes postados no aeroporto, por via das dúvidas.
— A criança estava junto com a mãe?
— Não. Só viram Elisabeth e Sullivan.
— Encontre o menino. Elisabeth não irá a lugar nenhum sem Timmy.
Tome providências — ordenou Adam.
— Estamos tentando, mas...
Adam bateu o punho na mesa, com raiva.
— Já disse: sem novas desculpas. Quero que você dê um jeito, Bernie.
— Perfeitamente. — O capanga girou nos calcanhares e abriu a porta
para sair.
— Bernie?
— Pois não?
— Não me desaponte, porque será a última vez. Entendido?
— Sim, patrão.
—Espere um momento. — Adam contatou sua secretária pelo
intercomunicador. — Chantal, ligue-me com o prefeito de Nova Orleans,
rápido.
Bernie ouviu o patrão falar com um assessor da autoridade municipal,
sob a sensação de ter perdido o jogo. Com um calafrio, lembrou-se do agente
federal que havia tentado achacar Adam depois de entregar um disquete com
dados sigilosos da Receita. Vira Webster colocar a faca no pescoço do homem
e, por incrível que parecesse, sorrir enquanto o degolava. Tinha sido esperto o
bastante para lançar o corpo ao mar, aos tubarões. O chefe realmente possuía
colhões e neurônios, pensou o guarda-costas. Só se comportava cordialmente
com a bonequinha que havia desposado.
Ninguém jamais ousara contestar qualquer de seus atos em benefício da
loirinha por quem se encantara, filha da cantora de uma de suas boates.
Agora, ela o havia abandonado, talvez por boas razões. Adam não perdera
tempo e convocara Annabelle para dar-lhe prazer. Mas, de acordo com Kit, o
gerente da casa noturna, ele a havia espancado até quase matá-la. Otto, o
chefe de segurança, a internara no hospital com a mentira de que fora vítima
de uma tentativa de assalto e estupro.
— Obrigado — disse Webster ao telefone. — Ficarei grato se o prefeito
me ligar no meu número particular. E um assunto pessoal e preciso de ajuda.
Quando o empresário desligou, Bernie criou coragem e disse:
— Patrão, o senhor não precisa recorrer a nenhum político. Eu posso
cuidar de Sullivan.
Webster sorriu, com ar superior.
— Eu não ia pedir um favor para o trabalho que lhe cabe. — Observou
longamente o porta-retrato com a imagem de Elisabeth. — Peça para Sammy
ficar de prontidão. Vamos fazer uma pequena viagem.
— Para onde, se me permite perguntar?
O empresário sorriu de novo, e de novo Bernie sentiu medo diante
daquele olhar alucinado. Chegou a ter pena da pobre Elisabeth, mas não o
bastante para arriscar a própria pele.
— Vamos a Nova Orleans, ao Mardi Gras.
Michael saiu do quarto, no décimo andar, mas em vez de tomar o
elevador preferiu descer as escadas. Em cada andar, verificou as portas de
acesso, todas abertas.
— Em que posso servi-lo, senhor? — indagou um senhor grisalho quando
o detetive alcançou o saguão de entrada.
— Como vocês têm um só elevador, eu estava checando as escadas para
ver se estão devidamente desimpedidas. Nunca se sabe o que pode
acontecer...
— Claro, senhor. Pelas normas de segurança, temos de manter as portas
abertas em toda a escadaria. Os funcionários costumam usá-la bastante,
embora também contem com o elevador de serviço.
— Obrigado. Foi o que imaginei.
No balcão de recepção, ele foi atendido por uma loira oxigenada.
— Minha mulher e eu já recebemos os crachás especiais para entrar e
sair do hotel livremente, amanhã. Gostaria de saber se é possível conseguir
mais dois ou três crachás para amigos que estamos esperando.
— Bem, os passes são restritos a hóspedes efetivos, mas talvez eu possa
ajudá-lo. De quantos crachás extras o senhor precisa?
— Vou confirmar se os tais amigos realmente virão e avisarei depois.
Está bem assim?
Primeira falha de segurança, Michael concluiu. Encontrou outra na porta
dos fundos, depois da área de telefones públicos e dos banheiros do térreo,
que permanecia aberta o tempo todo. Aparelhos novos, cabines velhas.
O detetive usou seu cartão telefônico e ligou para o celular do pai.
— Papai, aqui é Michael. Só estou chamando para saber se tudo está em
ordem.
— Claro, tudo em ordem, menos pelo trânsito. Vou levar mais tempo
para chegar do que imaginava. Mas logo estarei aí, com certeza. Conseguiu
contato com seu irmão?
— Ainda não, mas continuarei tentando. Nesse meio tempo, a cidade
começa a ferver de gente. O que é bom para nos perdermos na multidão e
recolhermos Timmy.
— Tem certeza de que não quer apoio da polícia local? Tenho amigos lá,
você sabe.
— Pensei nisso, mas Lily não quer a polícia envolvida. Alega que o
marido, Webster, tem muita influência junto às autoridades. Deve pagar
suborno.
— Sabe como me sinto a respeito de policiais corruptos. Faz sentido que
um homem capaz de pagar um milhão para localizar a esposa possa colher
algumas maçãs podres no pomar.
— A verdade é que, com o Mardi Gras, a polícia está totalmente
mobilizada. Por isso pensei que, se Travis indicasse algum amigo do FBI, seria
melhor. Além disso, diante de um federal, Webster pensaria duas vezes para
cometer uma bobagem.
— Não conte com isso. Pelo que me relatou, esse homem é obcecado,
perigoso. Tome cuidado, filho — pediu o velho Sullivan.
— Certo, papai. E obrigado.
Lily circulava pelo quarto, ansiosa, à espera de Michael. Estaria agindo da
maneira certa? O plano funcionaria? Ela pensou em Timmy com dor no
coração, enquanto recordava a decepção do menino quando lhe dissera que a
viagem fora adiada. Pobre Gertrudes. A boa senhora ficara assustada com toda
aquela história de disfarce e dissimulação.
Abriu a trava da porta à primeira batida e quase atirou-se nos braços de
Michael. Imediatamente, ele estreitou os olhos vigilantes.
— O que é? Aconteceu alguma coisa?
— Não — Lily explicou, com voz embargada como se estivesse a chorar.
— Falei com Gertrudes e com Timmy. Ela se assustou, afinal, essa situuação é
inusitada para ela. Quanto a Timmy... — Ela suspirou. — Michael, quero meu
filho.
Ele a segurou nos braços e abraçou-a apertado.
— Só mais algumas horas, prometo.
Dizendo a si mesma que se comportava infantilmente, Lily recuou.
Enxugou a face úmida e respirou fundo.
— Desculpe-me. Olhar para toda aquela multidão lá em baixo, reunindo-
se para o desfile de amanhã, não me faz bem. Parece uma febre que aumenta
sem parar.
— Sei o que quer dizer. É a loucura do Mardi Gras, uma liberação de
energia que caracteriza o carnaval de todos os lugares do mundo.
— Esperar aqui, trancada, enquanto a alegria explode nas ruas... Bem,
isso me deixa um pouco deprimida.
— Compreendo. Sei que não é fácil para você manter-se longe de Timmy.
Já falei com meu pai. Ele está a caminho. Portanto, agüente firme por mais
algumas horas, certo?
Lily anuiu com um gesto de cabeça, mas o olhar permaneceu triste.
— Você deve estar com fome — Michael adivinhou. — Vamos
experimentar o restaurante do hotel. Parece bom.
Na verdade, apesar do apetite, Lily nem havia pensado em alimentar-se.
Por isso, após descer com Michael pelo elevador, surpreendeu-se ao salivar
diante de um rico prato de massa com frutos do mar e molho cremoso
escolhido por Michael. Ela comeu avidamente, quase sem perceber que o fazia.
— Sente-se melhor agora? — Michael questionou.
— Sim, muito melhor — ela admitiu, levando aos lábios uma taça de
vinho branco. Naquelas circunstâncias, porém, parecia anormal dividir uma
mesa, comida e bebida com um homem tão atraente quanto Michael.
Seus jantares com Adam Webster haviam sido diferentes, sofisticados,
num ritual que durava horas, contando, o tempo de preparação para tornar-se
bela aos olhos dele. Jóias caras eram usadas nessas ocasiões, e Lily sentia
asco da admiração que despertava entre outros homens, para gáudio de
Adam. Ele não era um marido generoso, e sim um tirano exibicionista, que
exultava ao mostrar que detinha a posse de Lily, na mesa e na cama. Ela
transpirou ao recordar a última noite na companhia do empresário.
— Algo de errado? — A ansiedade dela não escapou ao detetive.
— Não, não. Acho que o vinho que me deixou um pouco acalorada.
— Sobremesa?
— Não, mas peça você, se quiser. — Riu ao observar seu prato vazio. —
Para quem imaginava não estar com fome, fiz uma boa limpeza nessa massa.
Obrigada pela sugestão.
— Fico contente por você ter gostado. — Ouviu-se um som de cometas
na rua e Michael comentou: — Parece que os nativos estão ficando agitados.
Será que passarão a noite em claro?
— Provavelmente — Lily comentou. — Aposto que alguns funcionários do
hotel irão faltar ao trabalho.
Quando notou Michael desviar o olhar no sentido do saguão principal, Lily
procurou voltar-se para ver o que lhe havia chamado a atenção. Mas o detetive
ergueu-se bruscamente, rodeou a mesa e afastou a cadeira dela.
— Há muito movimento por aqui. Vamos subir? Ela não discutiu, nem
mesmo contestou a decisão de galgarem as escadas até o décimo andar.
— Seu pai já não deve estar chegando a Nova Orleans?
— Vou dar mais uma hora e, se ele não me chamar, eu ligo. Também
quero telefonar para meu irmão, de novo.
Michael não fizera mais nenhum contato. Teve sorte. Assim que adentrou
o quarto, o celular tocou.
— Olá, papai — ele atendeu. Houve várias pausas e depois o detetive
completou: — E melhor você apanhar logo Timmy e Gertrudes, e retornar para
Houston.
— O quê? — Lily murmurou, a dois metros de distância. — Do que você
está falando, Michael?
Ele apenas ergueu a mão no ar, pedindo silêncio.
— Certo, fico esperando confirmação. Explicarei a ela.
— Explicar o quê? Seu pai não ia trazer Timmy para mim? Houve algum
problema? Pelo amor de Deus!
O investigador desligou e selou com dois dedos os lábios de Lily.
— Calma — falou em tom baixo. — Estou despistando um capanga de
Adam, que ficou nos observando do saguão. Felizmente, eu o reconheci.
— Oh, meu Deus!
Prendendo as mãos de Lily, Michael conduziu-a para a cama, onde a
sentou.
— Nós vamos deixar a cidade amanhã cedo, conforme o previsto.
Usaremos as fantasias e pegaremos Timmy e Gertrudes, caso esta também
queira vir. Então iremos ao aeroporto e voaremos para Oklahoma.
— Não se preocupe comigo — ela insistiu. — Deixe seu pai levar Timmy e
Gertrudes para Houston. Talvez seja mais seguro.
— Gertrudes está estressada, sem condições de viajar. Meu pai passará a
noite na casa dela, tomando conta dos dois até que nós cheguemos.
— Se Adam encontrar Timmy... Michael, não quero nem pensar!
— Não encontrará. Ainda que o faça, meu pai é um velho e bom policial.
Não permitirá que nada aconteça ao menino.
Lily meneou a cabeça, demonstrando não estar completamente
convencida.
— Vou tentar um contato com Travis, meu irmão do FBI — avisou o
detetive.
Não houve necessidade. Antes de começar a teclar, o aparelho tocou.
Sem conseguir ouvir o que Travis Sullivan falava, Lily procurou atinar com o
conteúdo da conversa pelas respostas de Michael. O resultado foi precário.
— O que ele disse? — perguntou assim que o detetive desligou.
— Travis está finalizando uma investigação sobre Webster. Tão logo
tenha algo concreto, ele nos avisará. Mas parece que os federais já estão
preparando uma boa cela para ele. Pedi para meu irmão mandar alguém ao
aeroporto, amanhã, mas normalmente o FBI não se envolve nesse tipo de
ação.
Lily exibiu uma expressão decepcionada.
— Por outro lado, Webster é continuamente seguido e vigiado, o que
limita seus movimentos — Michael acrescentou.
O coração dela ficou acelerado. Lembrou-se do homem que vira falando
com Adam Webster no escritório, o mesmo homem que tinha aparecido morto.
Lembrou-se ainda do disquete incriminador que tinha retirado do cofre, junto
com dinheiro e jóias. Michael ignorava que ela o possuía. Mas, e se o
entregasse ao investigador e mesmo assim o FBI falhasse em prender Adam?
Onde ficaria a segurança de Timmy? Lily não poderia correr esse risco.
— Você não parece surpresa — Michael estranhou.
— Não, porque há tempo desconfiava de que Adam não tinha enriquecido
apenas com os negócios da noite, mas com corrupção, tráfico de drogas e
sonegação de impostos. Ele sempre tinha capital disponível para comprar
boates quase falidas e transformá-las em pontos de sucesso.
— Você chegou a comprovar algo ilegal ou irregular?
— Não — ela vacilou um pouco. — Adam me deixava totalmente fora de
seus negócios.
— Ele só queria você na cama...
A alusão fez Lily estremecer, mas não se sentiu ofendida. Com um
suspiro respondeu:
— É verdade. Prazer era tudo o que ele esperava de mim. E você não é a
primeira pessoa a me considerar uma vadia.
— Lily... — O investigador arregalou os olhos, constrangido com o
comentário.
— Estou muito cansada, Michael. Preciso dormir um pouco, mesmo
porque amanhã será um longo dia.
— Claro. Desculpe-me. — A fantasia masculina de uma ardente noite de
amor acabara de escoar pelo ralo.
Pelo olhar torturado de Michael, Lily não duvidou de que o pedido de
desculpas fosse sincero. Julgava que não era o momento de abrir-se, física e
afetivamente, para aquele homem. Havia fantasiado, sim, com um
relacionamento íntimo com Michael, nos breves instantes em que fora beijada.
Prezava-se, porém, de viver no mundo real. E nesse mundo um ex-policial
como Sullivan sempre a veria como uma amante disponível, capaz de ser
comprada e usada por um homem rico.
— Sinto muito — ele repetiu, deslizando os dedos pela cabeleira negra,
como um adolescente desastrado. — Falei sem pensar. Juro que não a vejo
assim, nem nunca verei.
— Não espere que eu lhe diga que me arrependo de ter casado com
Adam Webster. Porque não seria verdade. Na época, eu era ingênua,
despreparada para a vida. Além disso, sem Adam eu não teria Timmy, que é
meu maior tesouro.
Michael calou-se e simplesmente olhou para o outro lado, a fim de
esconder sua expressão frustrada. Assim, apenas pressentiu que Lily se erguia
da cama e rumava para o banheiro, onde se demorou uma eternidade.
A espuma na banheira ajudou a relaxar seus músculos tensos, mas,
infelizmente, pouco influiu na dor que ela sentia no coração.
Saiu da sala de banho com uma longa camiseta de dormir, que vestira
após recordar-se do embaraço de Michael ao vê-la de camisola, certa manhã.
Preocupou-se porque o traje só lhe cobria metade das pernas. Era temerário,
levando em conta que dividiria a cama com ele. Mas não havia outra opção a
não ser arriscar-se e enfrentar a situação.
— E todo seu — afirmou ao reentrar no quarto e deparar com o detetive
à janela, contemplando a paisagem noturna. Esticou a camiseta sobre as
magníficas coxas à mostra.
Ele voltou-se todo animado, com os olhos acesos de desejo.
— O banheiro é todo seu — ela frisou, desfazendo o mal-entendido.
CAPÍTULO XV
Solte! Deixe-me ir! — Lily debateu-se contra a força que Michael teve
de usar para retê-la no quarto.
Ele sofreu ao notar o medo renascido nos olhos dela, mas não a liberou.
— Pare e pense, Lily. Timmy está seguro com meu pai na casa de
Gertrudes, porque o bando de Adam nada sabe sobre ela. Se você sair e for
seguida, estará levando os canalhas diretamente a seu filho.
— Oh, Deus! — Ela soluçou, convencida, e desabou no ombro dele.
Michael afagou-lhe os cabelos a fim de acalmá-la.
— Só precisamos de um pouco mais de paciência. Na hora do grande
desfile, sairemos fantasiados, misturados à multidão, e Adam precisaria de um
exército para nos localizar na rua. — Depois de um beijo cálido na testa de
Lily, ele recuou para encará-la. — Dará tudo certo. Travis e seus homens estão
na pista de Adam.
— E se não conseguirem detê-lo?
— Vão conseguir — Michael assegurou. — Estamos falando do FBI, não
de qualquer pequena polícia do interior.
Travis merecia crédito? Michael pensava como policial ou como homem
comum? Se Adam Webster queria recuperar Lily e seu filho, por que
vasculharia a casa dela, vazia? E quanto ao quarto e ao carro dele? O que
aquele bandido procurava? Caso Lily lhe escondesse algo, não poderia culpá-la,
já que também ele omitira sua conexão inicial com Webster.
— Quero ligar de novo para Timmy e saber se está bem.
— Certo — Michael concordou e passou-lhe o celular. — Mas você acabou
de telefonar. Tenha cuidado para não assustar o menino, nem Gertrudes. Meu
pai ficou preocupado, ontem à noite, em ter de levá-la ao hospital, por causa
da pressão alta.
— Tem razão. Eu é que estou assustada. — Devolveu o aparelho sem
usá-lo.
— Já percebi.
O detetive compreendia o nervosismo de Lily, mas o lamentava por
trazer maus presságios. Também não gostava do fato de Webster ter
balançado a cauda, como se atraísse Travis para a pista errada. Acima de
tudo, detestava a sensação crescente de que Lily lhe escondia algo importante,
a ponto de levar Webster a correr um enorme risco. Gostaria de saber, ainda,
o que havia por trás daquele telefonema que Lily dera ao agente Logan. De
acordo com seu irmão Travis, a mulher que falara com Logan tinha relatado o
assassinato de outro agente do FBI. Quem? E como?
Michael avaliou a recusa de seu pai em chamar alguns colegas de Travis
para dar retaguarda a Gertrudes. Alegara que podia lidar sozinho com a
situação, mesmo que ela envolvesse um homem perigoso como Adam
Webster. Teria sido a decisão certa?
— Creio que vou chamar Travis e pedir reforço para a vigilância de
Timmy e de Gertrudes. O que acha?
— Sim, sim, eu ficaria muito grata.
O investigador completou a ligação e defendeu sua idéia, embora os
federais fossem encontrar dificuldades de chegar até a casa, por estar na área
do desfile de Mardi Gras. Travis aceitou a sugestão e aproveitou para falar:
— Michael, quanto ao que eu disse antes, sobre você pensar como
homem e não como um policial, peço desculpas.
— De nada, mano. Você tinha razão. — Ele não se importou com o fato
de Lily ouvir. — Eu estava perto demais da situação para ser objetivo.
— Ela é especial, não?
— Sim, muito especial. Assim como o garoto.
— Espero conhecê-los em breve e rever seu traseiro murcho.
— Igualmente — retrucou Michael, ansioso para apresentar Lily e Timmy
para Travis e para seu pai. — Avise-me quando seus homens confirmarem que
está tudo bem na casa de Gertrudes.
— De acordo.
O investigador voltou-se para Lily e confirmou que Travis poria alguns
federais de vigília no esconderijo de Timmy. Ela agradeceu outra vez, tão
comovida que Michael torceu para que suas promessas se tornassem reais.
— Bem, já que a arrumadeira do hotel ainda não veio, nem o desjejum,
vou descer e pegar alguma coisa para nos alimentarmos. Enquanto isso, passe
mais rimei nos olhos de sua Cleópatra.
— Devo parecer um guaxinim, com a cara borrada de preto.
— Um lindo guaxinim — ele provocou, beijando o nariz da parceira.
— Na volta, depois de comermos, já será tempo de sairmos. Vamos
arrasar como o maior vaqueiro do Texas e a Rainha do Nilo.
Lily riu pela primeira vez em dias. Michael estava todo paramentado
como caubói, incluindo o chapéu de aba larga.
— Relaxe, Bernie — pediu Adam a seu inquieto guarda-costas, enquanto
os dois e mais Sammy tomavam o café da manhã num hotel modesto.
Vestidos com trajes ridículos e máscaras toscas, tinham chegado a Nova
Orleans em jatinho fretado, facilmente providenciado pelo poderoso chefão.
Bem mais difícil era suportar dois idiotas grosseiros ao seu redor.
— Perdão, chefe — Bernie murmurou.
Adam vasculhou com o olhar o saguão repleto de foliões fantasiados. O
próprio desjejum se transformara numa festa ruidosa. No entender do
empresário, as pessoas lembravam caipiras recém-chegados, deslumbrados
com a cidade grande. Pior era ver que Bernie e o outro capanga estavam
entrando no mesmo espírito.
Havia sido um lance de gênio de sua parte, avaliou, vir cuidar
pessoalmente de seus interesses, mesmo que fosse em pleno Mardi Gras. No
hotel, fora informado da tradição de um farto café da manhã antes do desfile,
coroado por bebidas alcoólicas para animar os participantes. Costume tolo,
Adam pensou, pois os drinques só seriam estimulantes se o tempo estivesse
frio. Sob a máscara que usava, ele sorriu da própria esperteza. Por infantil que
fosse a situação, que disfarce melhor haveria do que se misturar aos foliões?
Quando Bernie agitou-se ao lado dele, Adam voltou à carga.
— Já disse para relaxar.
— Sinto muito, patrão. Sempre tenho a impressão de que os federais
estão na nossa cola.
— E eu continuo dizendo que ninguém vai nos incomodar durante um
evento do porte do Mardi Gras, que atrai tantos turistas para cá. Vamos nos
comportar como três deles, acompanhando o desfile e jogando flores e
serpentinas. Terminem de beber.
— Mas — contestou Sammy —, como tomar um drinque com essa
máscara do rosto?
— Levante-a de sua boca, idiota.
— Ah, certo, patrão.
— E pare de me chamar de patrão.
— Certo, pa... Certo.
Dentro de pouco tempo ele se livraria de gente como aqueles capangas.
Afinal, já estava muito bem situado na vida e não precisava de homens
truculentos e boçais a sua volta. Contrataria seguranças finos, elegantes e bem
treinados.
— Chega de comer, Bernie, e ligue para Deacon. Veja se ele já conseguiu
alguma pista do menino.
— Claro, claro.
Estava decidido. Assim que recuperasse Elisabeth e o disquete, ele se
livraria de Bernie. Á mesa, Adam procurou portar-se como membro da
comunidade e consumiu um bom copo de bebida. Olhando em torno, julgou
que a maioria dos foliões não suportaria de pé horas de desfile.
Bernie regressou animado ao salão.
— Deacon pegou o menino. Mas ele berrava como louco porque perdeu o
seu ursinho de pelúcia. Então, Deacon seguiu as instruções e deu-lhe um
comprimido forte para dormir.
— Esqueça o garoto, idiota. — Adam não ligava para Timmy, como
sempre. O filho era apenas um meio de chegar a Elisabeth. E ao disquete
incriminador, que precisava reaver de qualquer maneira. — Novidades sobre
Elisabeth?
— Ela não estava na casa. Apenas o menino, a velha senhora e o pai de
Sullivan.
— Pai de Sullivan? — Adam estranhou. — Deve saber de algo.
— Foi devidamente tirado do caminho e pressionado, mas nada falou.
Deacon acha que ele não conhece o paradeiro de Elisabeth.
— E a mulher de idade? Deu o serviço?
— Também não, apesar de ameaçada. Está mal de saúde e praticamente
desmaiou, mas antes contou que Elisabeth estava em algum hotel chique da
cidade.
— O nome do hotel ou o telefone?
— Negativo. Tudo o que a mulher tinha era um número de celular.
— Ótimo. — Adam respirou fundo, desanimado. — Você faz idéia de
quantos hotéis de luxo existem em Nova Orleans?
— A mulher disse que era muito chique e que sua esposa prometeu a
Timmy conseguir para ele um turbante do rei da Arábia. — Bernie sentiu que o
chefe sorria atrás da máscara. — Quer que eu vá até a casa e aperte a
velhota?
— Isso não será necessário, Bernie. Já sei onde Elisabeth está.
— Sabe?
— Se você lesse os jornais, saberia que o rei da Arábia com sua comitiva
sempre se hospedam no Saint Charles para ver o desfile da sacada especial.
— O senhor está falando do hotel que fica logo aí abaixo? Que sua esposa
está nesta mesma rua?
— Acertou, Bernie. Parabéns. Agora, me passe o número, pois preciso
ligar para minha querida Elisabeth.
Lily reprimiu o riso quando Michael voltou ao quarto, portando sacolas de
sanduíches e cervejas. Estava coberto de purpurina e, ao notar o detalhe,
bateu o chapéu na borda do cesto de lixo, murmurando um xingamento. Lily
não se conteve mais e gargalhou.
— Ainda bem que um de nós acha isso engraçado — disse o investigador.
— Desculpe-me, mas se você pudesse ver sua cara...
— Nunca soube que no Mardi Gras as pessoas ainda atiravam purpurina.
Confete é menos grudento.
— Claro. De qualquer modo, também é estranho tomar cerveja no
desjejum.
— Querida, você nem imagina as fantasias estranhas que vi lá embaixo.
— Ele ajeitou os lanches na mesa próxima do frigobar e tirou as botas para
limpá-las. — Acho que preciso de um banho. Logo mais, ligarei para Travis e
verei se já podemos sair.
Que não demorasse, pensou Lily ao ver-se presa de um novo surto de
nervosismo. Mirou-se no espelho de parede, ajustou a peruca de Cleópatra e
surpreendeu-se ao notar um revólver entre os pertences de Michael. Foi um
momento de apreensão, embora uma arma combinasse perfeitamente com a
fantasia de vaqueiro texano, além de fazer sentido na cintura de um ex-
policial.
Naquele instante, o celular de Michael tocou. Lily hesitou um pouco,
considerando a hipótese de chamar o detetive, mas o som do chuveiro ligado a
demoveu dessa idéia. Lembrou que o velho Sullivan, Gertrudes, Travis e seus
homens possuíam o número, e por tudo isso resolveu atender.
— Alô, Elisabeth?
Céus! Aquela voz cavernosa e perversa, que freqüentava seus pesadelos,
ela reconheceria até nas profundezas do inferno.
— Está aí, querida?
— Sim, estou — Lily balbuciou.
— Senti sua falta. E você, teve saudade de mim? — Sem resposta, Adam
prosseguiu: — Cansei-me desse jogo, Elisabeth. Volte logo para casa.
— Não voltarei, Adam. Vou pedir divórcio. Ele riu sonoramente do outro
lado da linha.
— E acha que vou permitir?
— Dispenso sua aprovação. Você não é meu dono. — Para expressar-se
assim, Lily vislumbrou os dias passados na companhia de Michael, quando se
sentira tão protegida, tão segura e... tão apaixonada.
— Nisso você se engana, querida. Sabe que eu sempre conservo o que
me pertence. Portanto, seja boazinha e venha me encontrar no Hotel Regente,
a uma quadra do Saint Charles.
Lily estremeceu ao ter notícia da proximidade de Adam. Determinada a
ser forte, sem ceder ao medo, ela voltou a impor-se:
— Não, não vou. Desista, Adam. Acabou.
— Você virá, Elisabeth, ou nunca mais verá Timothy de novo.
— Está mentindo. Nem mesmo sabe onde Timmy está.
A risada de Adam pareceu ecoar no interior das veias de Lily, gelando seu
sangue.
— Já descobri tudo sobre sua velha amiga Gertrudes Boudreaux.
Não era possível. Ela empalideceu. O marido havia encontrado Timmy.
— É mentira — rebateu, controlando o pânico. Claro, quem estava com
seu filho eram o pai de Sullivan e os homens de Travis, não os capangas de
Adam Webster. Eles não permitiriam que Timmy corresse perigo.
— E quando foi que eu menti? — o empresário retrucou. —
Lamentavelmente, meus homens tiveram de se livrar do velho Sullivan. E é
compreensível que Gertrudes resistisse à idéia de entregar Timmy ao próprio
pai, mas Deacon e Otto a convenceram. Lembra-se de Otto, querida?
O estômago de Lily doeu. Ela fechou os olhos à lembrança do truculento
segurança de Adam, um verdadeiro troglodita sem alma ou coração. Não
conseguia, porém, atinar com o que tinha exatamente acontecido com
Gertrudes e Mike Sullivan. Ou mesmo com seu filho.
— Deixe-me falar com Timmy — pediu como prova de vida.
— Poderá falar com ele quando chegar aqui — disse o outro, passando o
número do quarto de hotel e outras instruções. — Venha sozinha,
naturalmente.
— Está bem — ela concordou, após anotar tudo num papel e guardá-lo
numa dobra de sua túnica oriental.
— Elisabeth?
— Sim.
— Nem pense em deixar Sullivan ou um agente federal seguir você. Terei
vários homens a postos. Diga-me o que estará vestindo.
Ela contou.
— Ótimo. Lembre-se, se eu perceber qualquer sinal de Sullivan ou de seu
irmão, mato Timmy na hora. Compreendeu?
— Compreendi.
— Agora venha. Você tem quinze minutos.
— Quinze minutos? Com todo esse povo nas ruas e o início do desfile...
— Quinze minutos, no relógio. Se não estiver aqui nesse prazo, o menino
morre. Depressa, querida. Você não quer vê-lo vivo?
— Adam, por favor. Qualquer coisa, menos ferir Timmy.
A ligação foi encerrada no segundo em que Michael saiu do banheiro,
com os cabelos úmidos e envolto em uma toalha.
— É uma armadilha, Lily — ele foi dizendo tão logo a viu, transfigurada
de pavor.
— Não me importa. Tenho de ir e ver Timmy.
— Adam não tem o garoto. Você sabe e eu sei: meu pai está de vigília na
casa de Gertrudes e Travis acaba de mandar mais homens para lá. E uma
armadilha, acredite.
— Talvez seja, mas não posso correr o risco — Lily argumentou.
— Dê-me um minuto, então. Deixe-me ligar para meu pai.
Ela lhe passou o celular, não obstante a incerteza e a pressão do tempo.
— Rápido, então, por favor.
Michael teclou o número e em seguida praguejou. Tentou outra vez.
— Droga! Está dando caixa postal, e não consigo falar com Travis porque
as linhas estão sobrecarregadas. Qual o número de Gertrudes?
Também não houve resposta, e Lily não quis mais esperar.
— Tenho de ir. Sozinha — alertou, ao ver que Michael se vestia
apressadamente a fim de acompanhá-la. — Se alguém me seguir, Adam
acabará com Timmy.
— Não posso deixá-la ir sozinha. — Michael terminou de aprontar-se,
colocando o chapéu de vaqueiro.
— Vai deixar, sim. — Lily empunhou o revólver que vira na cadeira e
apontou para o detetive. Parecia firme com as mãos, apesar das lágrimas que
rolavam por sua face. — Dê-me suas roupas. Todas.
— Lily, não...
Ameaçado, Michael despiu-se, passou a Lily as peças que ela juntou com
as outras, no armário, fechando depois a porta à chave. O investigador ainda
não tinha dominado seu espanto quando ela saiu correndo pelo hall e pelas
escadas, sem esperar pelo elevador. Ao cruzar o saguão, jogou a chave do
armário num cesto de lixo.
Não era fácil abrir caminho entre a multidão, mas Lily rezou para que
chegasse em tempo.
Furioso com Lily e consigo próprio, Michael atirou o celular contra a
parede mais próxima e ouviu com satisfação o som de plástico quebrado.
Depois, varreu o telefone do hotel da mesa em que estava. Como podia ter
acontecido tudo aquilo? Como permitira que Lily fosse ao encontro de seu
algoz?
E quanto ao pai? Michael se recusava a acreditar que o velho Mike estava
morto, executado pelos capangas de Webster. Impossível crer. O inimigo só
podia estar mentindo.
Ao socar a mesa com raiva, o investigador viu o bloco de recados, notou
alguma coisa em baixo-relevo e, raspando a caneta sobre as ranhuras,
conseguiu recuperar a mensagem que fora escrita na folha arrancada por Lily.
— Regente, suíte 502 — leu em voz alta.
Tinha de impedir que ela chegasse lá. Examinou o armário fechado, em
busca de uma maneira de abri-lo e apanhar algo com que se vestir. Até então,
continuava de toalha na cintura. Apenas a bota estava acessível. Então, ele
divisou num canto do quarto a grande sacola da loja de Ricardo, com a
fantasia de gladiador.
— Melhor do que uma toalha — murmurou, decidido, constatando que,
além da roupa, o traje incluía sandálias de tiras de couro, escudo e espada de
isopor. Como arma, Michael preferia o revólver que Lily levara, mas, no
escuro, bem que aqueles apetrechos podiam enganar.
Trocou-se e desceu pelas escadas, evitando o elevador não só porque era
lento como por abrigar pessoas excessivamente curiosas. Os degraus foram
pulados, dois a dois, e Michael gabou-se da boa forma física. Ao chegar no
segundo pavimento, porém, quase colidiu com um homem que vinha subindo.
— Ei, veja por onde anda! — o outro reclamou.
— Travis!
— Michael! O que está havendo? — O agente federal não reteve o riso. —
Deu para usar saiote, mano?
— Nem me pergunte! — Percebeu que, em contrapartida, Travis usava
uniforme de segurança, com colete à prova de balas.
— Vim até aqui porque seu celular se apagou de repente e o telefone do
quarto também não responde.
— Houve um acidente com os dois aparelhos... — Michael ensaiou uma
explicação e logo desistiu. — Travis, Webster anda dizendo que os homens
dele liquidaram nosso pai!
— Uma mentira de merda — afirmou o agente, mantendo a calma. — O
menino deixou seu ursinho de pelúcia no parque e papai foi apanhá-lo. Os
bandidos esperaram que voltasse, mas o velho Sullivan baleou um deles e pôs
o outro para correr. Levou o ferido até o hospital, no ombro!
— Então, ele está bem?
— Está ótimo, apenas com o orgulho um pouco ferido por ter deixado
escapar um de seus agressores.
Aliviado, Michael suspirou.
— E Timmy?
— Foi levado por outra dupla de capangas. Por isso eu tentava entrar em
contato com você.
— E seus homens? Pensei que poderíamos contar com eles para dar
apoio a nosso pai.
— Um só homem. Não consegui mais, por causa da escalação para o
Mardi Gras. Quando cheguei, papai estava dominado e aquela mulher,
Gertrudes, assustada e machucada.
— Machucada?
— Ferimentos leves. Acima de tudo está preocupada com a criança.
Fazia sentido, Michael pensou, pois em nenhum momento duvidara
daquilo que ouvira Webster falar com Lily. O poderoso empresário era doente,
talvez doente de ciúme, mas mentalmente perturbado a ponto de encarar o
próprio filho pequeno como rival no amor de Elisabeth.
— Quer dizer que Adam está com Timmy! — resumiu o investigador,
enquanto conduzia Travis rumo à porta que dava para o pavimento térreo do
hotel.
No saguão, os dois cruzaram com moças vestidas de odaliscas e com
árabes que pareciam reais. O movimento só era menos intenso ali do que na
rua, com as calçadas repletas de foliões fantasiados e espectadores da festa.
— Aonde estamos indo? — Travis quis saber.
— Ao Hotel Regente, onde Webster se instalou. Lily foi para lá.
— Droga! Por que não a fez esperar?
— Porque ele ameaçou matar Timmy caso ela não fosse depressa.
Uma barreira policial os interrompeu na esquina, e Travis teve de
mostrar sua carteira funcional do FBI para poder passar. O guarda olhou
desconfiado para Michael, na pele de gladiador romano.
— Esse aí trabalha disfarçado — o agente explicou, e foi liberado junto
com o irmão para atravessar a esquina. Melhor ainda, o guarda local levantou
seu cassetete e abriu caminho em meio à multidão, como Moisés no Mar da
Galiléia.
— Boa manobra, mano. Fico lhe devendo essa — comentou Michael.
— Seria melhor você se livrar logo dessa saia ridícula — Travis gracejou.
Apesar da breve descontração, o investigador continuava preocupado
com Lily e com Timmy. Havia mais um detalhe: o que fazer para punir Webster
à altura?
A frente do hotel, Michael segredou no ouvido do irmão:
— Webster avisou Lily que poria gente à espreita e, se ela fosse seguida,
Timmy morreria. Acho que é um blefe, mas não podemos correr riscos.
— Certo, vou dizer a meu pessoal que mantenha distância e fique fora de
vista. Já que Webster deve conhecer minha aparência e a sua, não deveríamos
entrar pelos fundos?
— Claro. Obrigado pelo toque, Travis.
— Ele reconheceria você com essa fantasia, a máscara e tudo?
— Talvez não — disse Michael, pela primeira vez feliz com a idéia de
vestir-se de gladiador.
— Um último detalhe: você já descobriu o que Elisabeth possui e que
Adam tanto deseja?
— Não, e não me importa. Ele não teria nenhum dos dois na mão, se não
fosse por mim. E uma questão de honra pessoal que Lily e seu filho saiam
incólumes dessa enrascada. Não posso perdê-los, Travis, não posso.
— No que depender de mim, não perderá. Onde está sua arma? Debaixo
do saiote?
— Não. Lily a levou.
O agente federal franziu a testa e nada disse. Dobrou o corpo, mexeu na
perna perto do tornozelo e dali retirou um revólver pequeno, que passou ao
irmão.
— Bom, agora vamos! — incitou Travis. — Atrás de sua garota e do seu
menino querido.
CAPÍTULO XVII
Mal a porta da suíte 502 se abriu, Lily forçou passagem pelo guarda-
costas Deacon e entrou.
— Onde está ele? Quero ver Timmy!
— Calma, querida. Isso é maneira de cumprimentar seu marido? — Adam
desafiou. — Sente-se e tome um drinque.
— Não preciso de um drinque. Preciso do meu filho.
— Deacon, por favor, deixe-nos a sós — pediu o empresário em tom
forçadamente suave.
O brutamontes saiu e Lily lamentou que, um dia, tivesse considerado
Adam Webster um cavalheiro. Na verdade, era um vilão perverso, um ser
humano desprezível, e a jovem mãe tudo faria para tirar Timmy de seu
alcance.
Adam abandonou o copo e aproximou-se dela.
— Você faz uma linda Cleópatra, querida.
Mais do que a fantasia, ele examinou-lhe a aparência, procurando por
rugas e sardas. Sempre fazia isso, e imediatamente a mandava a uma clínica
de estética quando detectava marcas de que não gostava.
— Prefiro você loura — ele declarou, focalizando a peruca lisa de franjas.
— E sem roupa nenhuma.
Engolindo em seco, Lily permaneceu firme e calada, enquanto o marido
produzia um som de muxoxo.
— Mas não se preocupe — ele completou. — Em casa, tudo voltará ao
normal e você ficará bonita como antes.
— Adam...
Ele a segurou pela nuca e aplicou um beijo possessivo na boca. Lily teve
vontade de gritar. No entanto, entre perder Timmy e ser beijada à força,
preferia a segunda opção. Suportaria aquela invasão com gosto de uísque, se
isso representasse a segurança do filho. Adam não se satisfez com pouco,
porém. Deslizou a mão livre pelas costas da esposa e acariciou-lhe os seios.
Lily teve ânsia de vômito. Recuou, libertando-se, e respirou fundo.
— Senti sua falta, querida. — Com a mão na virilha, Adam fez notar sua
ereção. — Não imagina como fiquei carente sem você.
Um amargor de bile subiu à garganta de Lily, acentuando a certeza de
que ela iria vomitar. Mas Adam repetiu o ataque. Segurou a cabeça dela e
beijou-a mais uma vez.
— Quero ver meu filho — ela conseguiu dizer ao livrar-se.
Por um momento, Lily temeu que a rejeição deixasse Adam furioso, com
conseqüências graves para o menino. Mas a expressão cordata voltou e ele
assumiu outra vez o papel de cavalheiro.
— Muito bem, Elisabeth. Se deseja ver Timmy, venha aqui.
Adam caminhou um pouco e abriu a porta do quarto adjacente, sem tirar
a mão da maçaneta. Lily espiou rapidamente e foi impedida de entrar.
— Pronto. Já viu. — Ele fechou a porta.
— Mas Timmy está tão quieto — ela comentou, aflita por não vê-lo
respirar. — Nunca dormiu assim.
— Deacon lhe deu um sonífero, para mantê-lo em silêncio.
— Você dopou meu filho! — Lily manifestou toda a sua raiva.
— Foi necessário. Na pressa de trazer meu filho de volta para mim,
Deacon largou o ursinho de pelúcia e Timmy ficou histérico, chorando sem
parar.
— Ele nunca abandona o ursinho — Lily informou. — Por favor, Adam,
deixe-me entrar no quarto e saber se Timmy está realmente bem.
— Claro, claro, mas antes terá de me dar o que desejo. — Adam exibiu
um sorriso maldoso.
— E o que é que você deseja? — Lily preparou-se para outro vexame.
— O que sempre desejei, desde que coloquei meus olhos em você, com
15 anos. Quero você nua em minha cama. — Ele correu os dedos ásperos pelo
rosto dela.
Lily repeliu o toque. Era abominável pensar em Adam invadindo seu
corpo.
— Também quero aquele disquete que você roubou.
— Você terá o disquete de volta — ela prometeu —, desde que me
permita ir em paz, levando Timmy.
— Elisabeth! — O tom foi de quem repreendia uma criança. — Depois de
todo o trabalho que me deu, como posso deixá-la ir embora?
Como se campainhas soassem dentro de sua mente, Lily ficou
absolutamente alarmada. Não imaginava que sua proposta falhasse.
— Que trabalho? Eu fiquei ao seu alcance quando vim morar com minha
mãe, depois que minha avó morreu.
— Sim, e sua mãe também morreu logo depois, de overdose. Uma
tragédia.
— Não, um acidente — ela contrapôs. — Você gostava de minha mãe,
por isso concordou em me tomar sob sua guarda.
— Sim, eu gostava de sua mãe, mas já amava você.
— Foi um acidente — Lily repetiu, como se precisasse convencer-se.
— Tão ingênua, querida. Acreditou naquela história de coma diabético?
— Está insinuando que... — Ela percebeu, horrorizada, que Adam poderia
muito bem ter proporcionado à mãe uma dose excessiva de entorpecentes. —
Não é possível! Ela era sua amiga! E você gostava dela!
— Já disse. Gostava mais de você e a queria para mim. Sua mãe
começou a notar meu interesse e a reclamar. Pretendia mandar você para
longe, por isso tive de resolver o problema. Fiz isso por nós, para que
pudéssemos estar juntos.
Era insano, completamente insano. Lily tinha de resgatar Timmy e sair
correndo dali, encontrar um lugar seguro com a ajuda de Michael. Queimou
seu último argumento.
— Conheço o conteúdo do disquete, Adam. Vi no seu escritório aquele
homem que você dizia ser um parceiro de negócios. Era um agente federal, e
ele apareceu morto. O disquete indica uma conexão.
— E daí?
— Daí que posso lhe devolver o disquete e jurar que nunca direi uma
palavra sobre isso, a ninguém. Mas você precisa me deixar ir embora com
Timmy.
— Chega de conversa fiada! — ele explodiu, apertando o braço de Lily
com tanta força que ela previu o surgimento de hematomas. — Dê-me o
disquete e eu garanto a vida de Timmy. Quanto a você, não vai a lugar
nenhum.
Aterrorizada, Lily livrou-se com um safanão das garras de Adam e correu
para a porta do quarto onde estava Timmy, mas o marido dessa vez a segurou
pelo pulso, empurrou-a pelas costas e derrubou-a no sofá. Começou a tirar as
próprias calças.
Céus! Adam ia estuprá-la, era claro como água. Lily sabia disso, só que
agora não iria submeter-se nem sofrer em silêncio. Nunca mais, decidiu.
Assim, quando o marido começou a puxar-lhe para baixo a túnica de
Cleópatra, ela reagiu com socos e pontapés, nos quais colocou toda a força de
que era capaz.
Atingido na boca, Adam enfureceu-se, vermelho de raiva.
— Sua vadia! — Bateu-lhe no rosto, com vigor, deixando-a estonteada.
Ela sentiu o gosto de sangue na boca, junto com um toque de alarme nos
ouvidos.
— Que diabo é isso? — O toque também soara para Adam.
— Alarme de incêndio — Lily definiu ao reconhecer o som, conseguindo
sentar-se no sofá e recompor-se.
Alguém deu pancadas fortes na porta.
— Abram logo. E a segurança do hotel. O prédio está pegando fogo.
Adam furtou-se a responder, para ganhar tempo e certificar-se da
ocorrência.
— Segurança — a voz repetiu. — Abram ou teremos de arrombar a porta.
Todos os hóspedes devem evacuar o prédio.
O som agudo do alarme continuava a soar pelos corredores.
— Adam, pelo amor de Deus! Vá lá e abra. Quando ele finalmente
obedeceu, Lily correu para o quarto a fim de resgatar o filho.
— Timmy, acorde. E mamãe.
— Mamãe?
— Sim, querido. Estou aqui.
— Mãe, perdi meu ursinho.
— Não está perdido — ela disse, erguendo o menino no colo. — Lembra-
se? Michael colocou nele uma placa de identificação. Deve estar esperando por
você, em casa.
— Então, quero ir para lá.
— Iremos logo mais, querido — ela disse, correndo com o garoto nos
braços até a porta externa.
Dois homens entraram, um vestido de bombeiro e outro que parecia
integrar a equipe do hotel. Adam os interrogou febrilmente sobre as condições
de segurança do lugar, mas o suposto funcionário se acercou de Lily.
— Pode entregá-lo para mim, madame. Ficará perfeitamente seguro.
Lily desceu Timmy até o chão, e ele se agarrou à perna dela.
— Quero ficar com você, mamãe.
— Certo. Eu mesma o levarei para fora — comunicou, ao pegar o filho
pela mão. Rezava para que o caos instalado no hotel não atingisse Timmy e,
ao contrário, colocasse Adam fora de combate.
Mas o marido novamente a segurou pelo pulso.
— Fique onde está, Elisabeth. Não vamos a lugar algum. — Ele deu as
costas aos dois intrusos, alheio ao zumbido irritante da sirene. — Tragam-me o
gerente. Não darei um passo antes de falar com ele. Não vejo fumaça nem
gente correndo. Provavelmente, algum moleque abusado acionou o alarme no
corredor.
— Não é brincadeira, senhor. Por cautela, deixe-nos levar o senhor e sua
família daqui.
Adam continuou parado e de cara amarrada, quando o segundo homem,
uniformizado, aproximou-se de Lily. Ela percebeu simpatia no olhar dele.
Ajeitou a alça torcida da túnica, incomodada por exibir a curva inicial de um
seio.
— Seria melhor que nós cuidássemos desse menino, madame — disse o
funcionário. — Há uma enorme confusão lá fora e ele pode sair ferido.
— Tudo bem — Lily finalmente concordou, percebendo algo de familiar a
respeito daquele homem. — Vá com ele, Timmy. Mamãe estará bem atrás de
você.
— Vamos, garoto. Que tal ver de perto um caminhão de bombeiros de
verdade?
— De verdade? — Timmy se interessou. — Com aquelas mangueiras e
todas as escadas?
— Isso mesmo — confirmou o homem, conduzindo o menino para fora do
quarto.
— Um momento! — gritou Adam, interrompendo a ação.
— Deixe-o ir, Adam — pediu Lily. — Ele já está assustado com o barulho
e ficará pior ainda com a confusão lá embaixo. O homem da segurança saberá
distraí-lo. Ou você prefere ouvir o choro e os gritos de Timmy?
— Que seja. Pode levá-lo.
— O senhor também precisa vir — o bombeiro comunicou.
— Vou ficar. Agora saia. — Adam arrastou o outro homem até a porta.
— Então, que venha a senhora — ele afirmou. — Não é seguro ficar aqui,
e seu filho logo estará chamando pela mãe.
— Mas meu marido... — Lily sabia que Adam a impediria de sair.
— Alguém tomará conta de seu marido. — Naquele momento, os olhos
azuis do bombeiro encontraram os dela, causando uma súbita iluminação.
Lembravam os de Michael, e o coração de Lily bateu mais depressa.
— Certo, oficial. — Ela começou a acompanhá-lo, tomada de coragem.
Foi a hora em que o olhar raivoso de Adam pousou no rosto dela e do
bombeiro.
— Tire as mãos de minha mulher! — exclamou, trazendo violentamente
Lily para junto de si.
— Por Deus, Adam! Se o hotel está em chamas, precisamos sair.
— Vamos ficar, já disse. E quero vocês dois fora de meu quarto. —
Apontou acusadoramente para os dois intrusos.
— Minha instrução é para retirá-los daqui — declarou o bombeiro antes
de estender a mão até o braço de Lily.
Incerta do que Adam poderia fazer com o irmão de Michael, Lily recuou.
— Tudo bem. Pode ir, oficial.
— Mas...
— Você ouviu minha esposa. Saia!
Hesitante, o homem abriu a porta. Imaginando uma armadilha, Adam
empunhou um taco prateado de golfe, retirado do cesto existente no canto do
quarto.
— Cuidado! — Lily gritou.
Adam atingiu o bombeiro nas costas e o empurrou para fora. Mantendo o
taco na mão, colocou todo o seu peso contra a porta, a fim de fechá-la apesar
da pressão do outro. Horrorizada, Lily ouviu gritos no corredor e, depois, um
braço masculino introduzir-se pela fresta, segurando uma arma.
— Cuidado! — ela repetiu, sem dirigir-se a ninguém em especial.
O empresário bateu o taco no cano do revólver e conseguiu derrubá-lo no
chão. Ao som de um grunhido, Lily viu Michael esgueirar-se porta adentro,
arrastando-se pelo solo. Com isso, Adam pôde fechar a entrada, isolando todos
dentro da suíte.
— Abra, Webster — alguém bradou do lado de fora.
— Michael! — Lily voltou sua atenção para o amigo vestido de gladiador,
que jazia no carpete espesso. — Você está bem?
— Sim, estes malditos sapatos me atrapalharam.
Subitamente, Lily lembrou-se de que tinha uma arma na bolsa, a mesma
que subtraíra de Michael no Hotel Saint Charles. Correu ao sofá, procurou o
revólver e... nada!
Adam observava tudo, rindo maleficamente. Mostrou a mão com a arma
que havia retirado da bolsa de Lily.
— Não tente pegar nada, Sullivan. Estou armado. — Bateu a ponta do
cano na testa, querendo mostrar que era mais inteligente. — Avise seus
amigos lá fora para sumirem. Ou eu enfio uma bala no meio de seus olhos.
— Vá para o inferno!
— Só se você for — Adam sublinhou, engatilhando o revólver.
— Michael, por favor. Faça o que ele pediu. Depois de se erguer, o
investigador aproximou-se da porta trancada.
— Travis, afaste-se com seus homens — gritou.
— Ora essa, Michael...
— Faça isso, Travis. Ele tem uma arma engatilhada.
— Está bem. Já vamos embora. — Passos em retirada puderam ser
ouvidos.
— Ótimo, Sullivan. Agora, Elisabeth, fique longe dele.
— Não. — Ela se colocou à frente de Michael. — Não vou deixar que você
o mate. Deixe-o em paz, Adam. Ele não tem a ver com tudo isso.
Adam riu, como se escutasse uma anedota.
— Essa é boa, querida. Francamente, acha que posso? Quem você pensa
que me ajudou a localizá-la? Sullivan trabalha para mim.
— E mentira! — Lily exclamou, perplexa.
— Pois pergunte diretamente a ele.
— Michael? — Ela o focalizou com os olhos marejados e notou uma
sombra de culpa refletida nas íris azuis do investigador, junto com um lampejo
de dor.
Avaliou que, se isso fosse possível, seu coração literalmente se partiria
em pedaços.
Então, Lily concluiu que o detestável Adam havia dito a verdade.
Michael percebeu que não dominava suas emoções. Pensava que a culpa
e a autopiedade tinham chegado ao extremo por ocasião da morte de Pete
Crenshaw. Mas isso não era nada comparado ao que sentia naquele momento.
— Lily, posso explicar.
A cintilação verde desapareceu dos olhos dela.
— E verdade, não é? Você trabalha para ele. Frustrado, sem saber como
fazê-la entender, Michael respondeu com franqueza:
— Sim, ele me contratou para localizar você. Mas eu caí fora da missão
porque me apaixonei por você. Eu a amo, Lily. — Deveria ter-se declarado
antes, ciente de como as mulheres eram sensíveis às palavras. — Já ia lhe
revelar tudo. Planejei contar-lhe depois que você e Timmy estivessem em
segurança. Aliás, essa se tornou minha prioridade. Temi apenas que, se lhe
contasse, você recusaria ajuda.
— Como se atreveu a cair de amores por minha esposa, Sullivan? —
Adam rugiu, com ar vingativo. — Só por causa disso, mereceria morrer.
— Adam, não! — Lily gritou.
— O que lhe importa se eu matá-lo? — retrucou o empresário. — Ele
nada significa para você, certo? E apenas um mercenário, um caçador de
recompensas. Cumpriu seu papel, agora pode ser descartado.
— Acha que pode me balear e sair andando? — Michael ganhou tempo.
Já não duvidava da insanidade total do desafeto. — Meu irmão é agente
federal. Se não estiver do outro lado da porta, está por perto. Você não
conseguirá livrar-se da cadeia.
— Posso sair daqui da mesma maneira como entrei: fantasiado. E Lily
tem a fantasia dela...
— Não vai funcionar.
— Não? Quero ver seu irmão me encontrar no meio da multidão que
celebra o Mardi Gras. São centenas, milhares de pessoas festejando nas ruas.
— Eu localizei você, apesar de tudo — Michael o relembrou.
— Pensa que é muito esperto, Sullivan, mas eu sou mais. Encontrei
sozinho a pista de Elisabeth, como qualquer escoteiro.
— Não sou escoteiro, Adam, e você não conseguiria achá-la se eu não
agisse.
— Talvez, mas não espere embolsar o resto de seu milhão de dólares.
— Dispenso seu dinheiro. Por que não abaixa essa arma e nos deixa sair
daqui, eu e Elisabeth?
— Você e Elisabeth? — Adam deu uma risada de zombaria. — Está
delirando, Sullivan. Ela é minha mulher. Pertence a mim. Ficará comigo. Venha
cá, querida.
Após vacilar um pouco, Lily acatou a ordem. Ele a envolveu por trás, pela
cintura, pressionando o corpo contra as curvas da esposa.
— Ela não é propriedade sua, Adam.
— Como não? Não está vendo? — A mão em concha apertou um seio de
Lily.
Era repulsivo. O desconforto e a vergonha se estamparam na face dela.
— Deixe-a em paz, senão acabo com você com minhas próprias mãos.
Adam sorriu.
— Muito galante de sua parte, Sullivan. Parece que assumiu a
personalidade de sua fantasia do Império Romano. Elisabeth é minha, queira
você ou não. — Ele apertou com dois dedos sobre a túnica o mamilo direito da
mulher.
— Canalha! — A raiva de Michael chegara ao limite e ele se moveu na
direção do empresário.
— Pare! Mais um passo e puxo o gatilho!
— Por favor, Adam — Lily choramingou. — Deixe-o ir e eu fico com você.
— Impossível fazer isso agora, querida, e você sabe. — Preparou o
disparo.
— Não! — Lily voltou-se de encontro a Adam e seu jogo de corpo o
desequilibrou. O tiro saiu sem direção.
Michael tentou puxar Lily para si, livrando-a do perigo de uma segunda
bala. Afastou-a até o canto, como medida de proteção, mas viu que Adam
Webster observava os movimentos dos dois com visível ira.
— Você transou com ela — Adam como que cuspiu as palavras. — Sim ou
não?
Michael guardou silêncio.
— Responda, miserável. Transou com Elisabeth?
— Não — ela interveio rapidamente, procurando transmitir coragem. Para
tanto, levantou o queixo e exibiu uma expressão superior. — Transar é o que
você faz, Adam. Eu e Michael fizemos amor, trocamos sentimentos e
sensações. Ele é um homem de verdade, não um animal!
— Sua vagabunda! Dei-lhe tudo, tudo! Roupa, comida, educação e, por
fim, casei-me com você. E é assim que me paga? Com uma traição infame?
Permitindo que esse patife tocasse o que é meu?
— Você me comprou — Lily reagiu. — E tive de pagar um alto preço por
sua suposta generosidade.
Adam estapeou a mulher tão repentinamente que Michael ficou sem
ação, tão forte que ela caiu sobre o carpete.
— Vadia, vadia! — ele gritava.
— Canalha! — Michael saltou sobre Adam, que pressionou o gatilho.
Foi de raspão, mas o detetive sentiu um líquido quente e grosso brotar
em sua têmpora esquerda.
— Pare, Adam. Chega. — Lily ergueu-se a fim de se colocar entre o
marido e Michael.
— Saia! Saia daí! — bradou o detetive. Quem poderia assegurar que
Adam não atiraria contra a esposa?
— Você tem toda a razão, querido — ela disse com repentina afabilidade.
— Foi bom para mim, e em todos esses anos deu-me tudo de que necessitava.
Eu devia ficar grata a você. Agora vejo como me portei mal. Por favor, leve-me
para casa e mostrarei como estou arrependida, como posso agradá-lo até você
me perdoar.
— Por que pensa que ainda quero você? — Adam a surpreendeu com a
resposta. — Agora que foi maculada por outras mãos, não significa mais nada
para mim, a não ser uma boa parceira na cama. De você, só desejo aquele
disquete.
— Disquete? — Michael arregalou os olhos. Nunca tinha ouvido falar do
dispositivo, embora suspeitasse, tal como Travis, que Lily escondia alguma
preciosidade que o empresário cobiçava.
— O que foi? — Adam riu de novo, confiante. — Você transou com ela e
não ficou sabendo do disquete que ela roubou de meu cofre? Por que acha que
me dispus a pagar tanto dinheiro para encontrá-la?
— Pensei que estava obcecado por ter Elisabeth de volta.
— Pensou corretamente. Eu a queria, sim, por isso investi um milhão na
busca. Mas achava que ela iria se arrepender e que me devolveria o disquete,
antes que caísse em mãos erradas.
Mãos erradas? As do FBI, por exemplo. Michael recordou-se com detalhes
das conversas com o irmão. No entanto, por gostar de Elisabeth, preferia estar
enganado em suas suspeitas, tal como lhe acontecera anos antes, com
respeito a Pete.
— Não me surpreende que Elisabeth não lhe tenha contado — prosseguiu
o empresário. — Até mesmo de mim ela guardava segredos.
Impossível culpá-la, pensou Michael, pois ele também omitira sua ligação
com Adam Webster. Apenas o motivo poderia ser considerado justo: ele não
queria perder Lily, já que a amava. Agora, era tarde para reparar o erro. Ainda
que saíssem ilesos e juntos dali, havia pouca chance de uma conversa com
base na confiança mútua.
— Nada disso importa, não é? Minha paciência acabou. Quero meu
disquete. — Adam fixou o olhar na esposa. — Onde ele está, Elisabeth?
— Não lhe conte — Michael declarou, afobado. — Se ele colocar as mãos
no disquete, nos matará em seguida.
— Eu matarei você agora mesmo, se ela não revelar.
— Adam mirou a arma contra Michael.
— Não atire nele, Adam — Lily suplicou.
— Esqueça de mim. Pense em Timmy. Não dê o disquete.
— Onde ele está, Elisabeth? — Adam insistiu. Hesitante, Lily alternou o
olhar entre o marido e Michael.
De repente, Adam agarrou a mulher de novo, dessa vez passando um
braço por seu pescoço, e encostou o revólver diretamente na cabeça dela.
— Convença-a a entregar o disquete, Sullivan. Senão, juro que vou
atirar.
Michael esfregou as mãos, impotente. Saltaria sobre aquele monstro e o
encheria de socos, caso Lily não estivesse sob sério risco de morte. Na
verdade, a mão que segurava a arma não se mostrava firme, mas com o braço
Adam poderia estrangular a mulher. Ela já aparentava ter dificuldade para
respirar, enquanto o olhar do empresário continuava perverso.
— Tudo bem — Lily balbuciou com a voz abafada.
— Mas não tenho o disquete aqui comigo. Posso levar você ao lugar.
— Está mentindo — acusou Adam.
— Não, juro que não. — O apertão no pescoço foi aliviado e ela tossiu. —
Guardei o disquete em lugar seguro, mas vou levar você lá.
Após alguns segundos, Adam afastou completamente a arma da cabeça
de Lily.
— Certo, mas sem artimanhas. Se me enganar, matarei não só você
como o garoto que tanto ama. Entendido?
Ela confirmou sua disposição com um gesto de cabeça.
— Não faça isso, Lily — Michael contrapôs. — Ele não pode machucar
Timmy. Seu filho está em segurança. Você é que morrerá, no momento em
que lhe entregar o disquete.
— Chega, Sullivan! — Adam ameaçou, apontando o revólver.
— Não! — Lily demoveu o marido. — Vou lhe mostrar onde está o
disquete, mas deixe Michael viver.
— Não sei o que me impede de acabar com vocês dois agora.
— E que você precisa do disquete para se livrar do tribunal e da cadeia —
provocou o investigador.
Adam reservou um minuto para avaliar suas opções. Estudou Michael,
depois Lily.
— Tudo bem. Não vou matar Sullivan, mas ele terá de fazer contato com
o irmão e garantir que eu e Elisabeth não seremos incomodados.
— E se eu me recusar?
— Então, ela morre agora mesmo. Talvez você não tenha medo de
morrer, Sullivan, mas não suportaria ficar com a morte de Elisabeth em sua
consciência. Afinal, você já carrega a culpa pela perda de seu parceiro. Tenho
razão ou não? — Adam sorriu da própria perspicácia.
— Falarei com Travis — Michael confirmou. O inimigo conhecia seus
pontos fracos.
Adam passou o telefone celular ao detetive.
— Diga ao agente Travis que, se alguém se aproximar de nós, Elisabeth
será baleada no mesmo instante.
— Está bem. — Michael digitou os números e falou com o irmão. Pouco
depois, devolveu o aparelho. — Feito. Agora, liberte Elisabeth, Adam.
— Como assim? Dando-me ordens?
— Apenas fazendo uma promessa. Se você tocar num fio de cabelo dela,
vou caçá-lo até acabar com sua raça.
— Sabe, Elisabeth? Parece que o gentil cavalheiro ama você — Adam
zombou.
— Eu realmente a amo, Lily. — Michael fixou os olhos nela, mas só viu
descrença e desesperança. Sentiu o coração terrivelmente oprimido.
Em tal circunstância, não percebeu que Adam desviava a arma de Lily e
mirava seu corpo.
— Adam, não! — Lily alarmou-se.
Ele disparou, atingindo Michael na perna. O grito de Lily foi seguido da
tentativa de desvencilhar-se de Adam, porém o marido a prendia com vigor.
— Você prometeu! — ela se debateu.
— E mantive a promessa. Não matei seu queridinho. Só precisava me
assegurar de que ele não teria condições de vir atrás de nós.
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
Fim