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Mc 8.

27-38 “Então, Jesus e os seus discípulos partiram para as aldeias de Cesaréia de Filipe; e,
no caminho, perguntou-lhes: Quem dizem os homens que sou eu? E responderam: João
Batista; outros: Elias; mas outros: Algum dos profetas. Então, lhes perguntou: Mas vós, quem
dizeis que eu sou? Respondendo, Pedro lhe disse: Tu és o Cristo. Advertiu-os Jesus de que a
ninguém dissessem tal coisa a seu respeito. Então, começou ele a ensinar-lhes que era
necessário que o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos
principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que, depois de três dias, ressuscitasse. E
isto ele expunha claramente. Mas Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo. Jesus,
porém, voltou-se e, fitando os seus discípulos, repreendeu a Pedro e disse: Arreda, Satanás!
Porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens. Então, convocando a multidão e
juntamente os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue,
tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a
vida por causa de mim e do evangelho salvá-la-á. Que aproveita ao homem ganhar o mundo
inteiro e perder a sua alma? Que daria um homem em troca de sua alma? Porque qualquer
que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras,
também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os
santos anjos”.

Nesta semana de turbulência, de manifestações; a maioria de nós foi tomada por alguns
sentimentos: impotência, muita indignação, às vezes até raiva, às vezes tristeza. A maioria
contra o governo, mas houve também aqueles que apoiam o governo. Há uma polarização
política no país, isto é fato. Há gente que quer que troque o governo, que a presidenta
renuncie; há gente que quer a manutenção do governo, talvez até por medo do PSDB assumir.
Enfim, é um momento crítico que tem ditado nossa forma de viver, de agir, de reagir.

Pensando nisso, quis trazer uma mensagem relevante para a atual situação e me lembrei deste
trecho que estudei com meu grupo de estudo bíblico ano passado, a respeito do senhorio de
Jesus e suas implicações para nós.

Esta passagem que lemos é o clímax do Evangelho de Marcos. O Marcos aqui é o mesmo João
Marcos que andou com Paulo e Barnabé; ele é considerado uma espécie de tradutor do
apóstolo Pedro posteriormente, quando Pedro pregava em Roma. E ouvindo as pregações de
Pedro, Marcos então faz uma coletânea e a organiza como documento especialmente para a
igreja em Roma.

Neste trecho que lemos, foi a primeira vez que Jesus tinha dito que deveria morrer. Jesus já
tinha curado pessoas, acalmado tempestades, multiplicado pães. Feito surdo e mudo ouvir e
falar, cego voltar a enxergar. Então a identidade de Jesus para os discípulos estava
gradualmente sendo construída. E no ápice, temos a afirmação de Pedro: tu és o Cristo.

É interessante que, basicamente, esta é a afirmação que nós fazemos quando aceitamos a
Jesus como Senhor e Salvador. Nós assumimos que cremos Nele e queremos que Ele entre em
nossos corações. Nós queremos esta salvação que Ele tem para nós.

E de fato Ele entra, de fato nosso coração se torna morada de Jesus. Mas no que isso implica?
Repare uma coisa: logo após esta afirmação de Pedro, Jesus começa a falar dos Seus planos
que era voltar a Jerusalém e que Ele deveria morrer. Mas o Pedro não gosta dos planos de
Jesus. Pedro tinha outros planos para Jesus. Pedro, e todo o judeu da época, esperava um rei
guerreiro e não um rei com uma cruz. Apesar de Isaías 53 falar do servo sofredor, não estava
na mente daquele povo a ideia de ser o mesmo messias, o mesmo Cristo. A palavra Cristo,
aliás, era incompatível com sofrimento. Cristo significa o “ungido supremo”, assim como os
reis eram ungidos, o Cristo era acima de todos. Não cabia sofrimento, derrota, muito menos
morte.

Pedro achava que os planos de Jesus não era os melhores. Pedro tinha uma ideia melhor,
assim como todo judeu da época: porque ao invés de você morrer, a gente não forma uma
rebelião e toma o Palácio do Planalto, digo, Jerusalém? Porque não enfrentamos os petralhas,
digo, os coxinhas, não, o exército romano nas ruas e os expulsamos do nosso país? Vamos
fazer revolução! Só é possível resolver esta questão com revolução!

E Jesus responde: arreda satanás! Ou seja, você que está se opondo ao Meu plano soberano, à
minha vontade; você que tem uma ideia melhor do que a do próprio Deus; você que pensa
que Deus deve satisfazer a suas vontades. Você não entendeu nada.

Então a gente trata Deus assim: aceita Ele como Senhor e Salvador, mas fica só com a parte do
salvador. A parte do Senhor a gente mesmo administra. E ai de Deus se não seguir o nosso
plano. Então a gente cria um Jesus bonitinho, fofinho, perfumado, cuida dele, da comidinha e
põe na gaiola quando não tá usando. Quando a gente precisa de um favor, uma porta de
emprego, uma cura, um namoro para espantar a solidão, a gente tira ele da gaiola e faz Ele
realizar nossos desejos.

Até que Deus se cansa da forma utilitarista que O usamos e se revela como um leão feroz,
selvagem e que quando pisa na terra, os poderes do governo são abalados! C.S. Lewis dizia
isso: Deus é selvagem. Se você relembrar o final do primeiro filme de Nárnia, quando Aslam vai
embora e a Lucy pergunta ao senhor Tumnus o porquê de ele não ficar com eles, senhor
Tumnus responde: ele não é domesticado.

E na religião é isso: servimos aos deuses para eles nos servirem em troca, ou até para eles não
derramarem a ira deles sobre nós. É uma troca de favores. A gente cuida bem deles para eles
cuidarem bem de nós. Mas com Jesus não é assim. Ele não pode ser colocado nessa gaiola. Ele
é selvagem e vai quebrar essa gaiola e esmagar esse ídolo, esse deus falso que você criou da
sua cabeça e o tem chamado de Jesus. E aí você terá duas opções: ou vaza (que é o termo para
arreda aqui), ou fica para ouvir o que ele tem a dizer.

E a pergunta que Jesus tem para nós esta noite é esta: que você diz que eu sou? Eu sou o Jesus
fofinho da gaiola, um cara legal, amoroso? Ou eu sou o Senhor da sua vida, onde não é você
quem me controla, mas eu quem controlo você?

Antes de respondermos, precisamos ver o que Ele vai exigir a seguir: “Se alguém quer vir após
mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” v.34.

Este é um ensino clássico do cristianismo evangélico: negar a nós mesmos, tomarmos a cruz e
seguir a Jesus. Mas o que isto significa na prática? Sendo bem sucinto, significa que seus
planos, seus sonhos, seu emprego, seu casamento, seus filhos, tudo o que se refere a sua
própria vida, a benefícios próprios, não são mais importantes. E porque não são mais
importantes? Porque agora você não é mais o senhor de sua vida, você não está no centro de
sua vida; ou como um modelo antigo de evangelismo mostrava para nós, você não se assenta
mais no trono do seu coração. Veja bem, não estou falando que com isso você deva para de
estudar, parar de trabalhar, para de viver, deixar de correr atrás de conquistas. O que estou
falando é que estas coisas não são mais um fim e si mesmas, não são mais importantes. Elas
foram reconfiguradas a partir de Cristo e são periféricas em relação aos planos do seu Senhor.
Os seus planos não são mais prioridade em sua vida. Seu emprego não é mais prioridade, seu
time de futebol não é mais prioridade, o partido político que você quer no governo não faz
diferença. Pelo menos não em absoluto.

E nós somos assim mesmo, temos essa dificuldade de abrir mão das coisas, de perceber que
elas não são essenciais a vida, mas que o essencial da vida é olhar para Jesus e dizer: tu és o
Cristo, o filho do Deus vivo! Você não é apenas meu Salvador, mas também meu Senhor; assim
já não sou mais eu quem vivo, mas Cristo vive em mim!

Mas a gente sempre quer salvar o nosso, não é mesmo? Sempre quer ter um emprego melhor,
sempre quer ter um carro melhor, que o nosso partido ganhe, que o nosso time ganhe. Mas
não só isso: queremos que o outro time perca também. Aí o cara do outro partido é coxinha,
ou salame, ou petralha. O cara do outro time é maria, lourdinha. Sabe o que é isso? Ídolo!
Estamos cheios de ídolos! O Ídolo te define e define a forma como você vê o outro.

Só que quem salva sua própria vida, o que acontece? Perde. Então, ter Jesus como Senhor é o
que? Perder o controle da vida! E isso não é uma abstinência existencial, como geralmente as
religiões e as filosofias orientais ensinam. Mas que, mesmo tendo várias coisas a fazer, alvos a
alcançar, coisas para batalhar, sabemos que em absoluto estas coisas são só isto: coisas. Ao
ponto que se Jesus me chamar para outro lugar, eu não terei apegos; se ele me matar será
lucro, e meu viver será para Ele.

Mas nós queremos sempre ganhar o mundo inteiro. Somos insaciáveis, quanto mais à gente
consome, mais a gente quer. Isso não muda, não preenche o vazio. É um ciclo vicioso que se
retroalimenta. E é por isso que a teologia da prosperidade faz tanto sucesso, pois ela promete
riqueza, saúde e de quebra ser livre do inferno. Só que o problema é que esta teologia é um
veneno. Ela pega o que o ser humano tem de pior que é o ego, o orgulho e o infla mais ainda.
Aí você entra no ciclo do desespero. Essa teologia devia se chamar, aliás não teologia da
prosperidade mas teologia do desespero. Fica todo mundo desesperado por ser rico, por ter
saúde.

Mas quem tem Jesus como Senhor, sabe que a riqueza é oportunidade de abençoar mais
pessoas, missionários e que a cura é remendo. Não que você não deva orar pela cura,
principalmente de outros, mas é que se você for curado, para a glória de Deus será, se não for
curado, para a glória de Deus irá!

Quem tem Jesus como Senhor, sabe ter em abundância, sabe também passar necessidade sem
desesperar, sabe que pode contar com a comunidade, tanto para suprir paliativamente quanto
para ser ajudado, recolocado, capacitado. Por isso que o salmista falava que nunca tinha visto
um justo passando necessidade, pois na comunidade sempre havia suporte, apoio. Agora para
isso acontecer, só milagre, né? É uma coisa muito sobrenatural mesmo quando isso acontece.

Para finalizar, quando temos Jesus como Senhor e não apenas como Salvador, nós não nos
envergonhamos dessa radicalidade. A gente fica sim numa sinuca de bico, cercado, apertado,
numa luta interna, ora tirando Jesus do trono, ora deixando Ele reinar, ora sendo crucificados
ora descendo da cruz, e até mesmo chega à conclusão que não dá conta de vencer esta
batalha. E temos mesmo que reconhecer nossa total incapacidade de derrotar o velho homem,
e nós nos prostramos novamente diante de Jesus e afirmarmos: meu Senhor, ajuda-me na
minha falta de fé!

Você pode chorar pela nação, você pode estar satisfeito com o governo, você pode ser atlético
ou pode ser cruzeiro. Mas isso não importa. O que importa é que você só tem um Senhor:
Jesus Cristo. E como disse Abraham Kuyper: não há nenhum centímetro quadrado de sua vida
que Jesus Cristo não diga: é meu!

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