Você está na página 1de 10

LUTANDO CONTRA O ORGULHO

Leitura Bíblica: Filipenses 2.5-11

Introdução

Há uma sensação incômoda que consegue ser, ao mesmo, prazerosa:


o ato de se coçar. A ciência ainda não sabe muita coisa a respeito da
coceira e existem algumas curiosidades a respeito deste desconforto
e do jeito que encontramos para nos livrarmos dele.

Nós nos coçamos praticamente cem vezes por dia. E assim como o ato
de bocejar, a coceira é contagiosa: ver alguém se coçando, nos leva a
fazer a mesma coisa. E coçar a pele nos dá vontade de coçar ainda
mais: se fizermos isto, podemos machucar nossa pele e correr o risco
de ter uma infecção.

C. S. Lewis, em uma de suas cartas, afirma que “o prazer do orgulho


é como o prazer de se coçar. Se há uma coceira, queremos nos coçar;
mas é muito melhor não ter a coceira, nem se coçar. Enquanto
tivermos a coceira da autoconsideração, teremos a necessidade do
prazer da autoaprovação; mas os momentos mais felizes são aqueles
em que nos esquecemos do nosso precioso eu e não temos nem uma,
nem outra, mas temos o tudo mais”.

Lewis está falando do falso prazer que o orgulho nos provoca, uma
sensação que ofende a grandeza de Deus e pode causar enorme
prejuízo a nós mesmos. É sobre o orgulho que Paulo também está
falando aos crentes de Filipos, sobre a necessidade de vivermos de
maneira humilde, conforme o exemplo do Senhor Jesus.

EXPOSIÇÃO

O texto que lemos agora há pouco é o eixo central da carta de Paulo


aos filipenses. Jesus nos é apresentado como alguém digno de toda
nossa reverência e atenção. O apóstolo deixa claro que o exemplo a
ser seguido é o do Senhor Jesus, redefinindo na mente dos irmãos o
que é ser um cristão: é ser um imitador de Cristo.
Jesus Cristo é o protótipo, o modelo que eles deveriam seguir e imitar.
A disposição mental dos irmãos não deveria seguir ao espírito da
época, conformando-se à opinião da maioria das pessoas, mas ao
exemplo de Cristo. O texto nos ensina a ter o mesmo sentimento do
nosso Salvador, não apenas as mesmas atitudes.
O verbo “sentir” em português parece não carregar consigo toda a
força da expressão que Paulo pretende apresentar. Para nós, um
sentimento costuma ser entendido como algo subjetivo, relacionado
a algum tipo de comoção pessoal. Mas aqui, “sentir” tem o significado
de possuir o mesmo sentimento, a mesma mente e a mesma atitude
de Cristo. Não conseguimos seguir a Cristo parcialmente. Cristo é
inteiro, não é fragmentado. Não há como seguirmos apenas a mente,
e não seguirmos a atitude ou o sentimento de Cristo. Assim, ter o
mesmo sentimento de Jesus significa ter Jesus como modelo, como
exemplo para nossas vidas. O exemplo de Cristo é para Paulo o maior
argumento ético no sentido de estarmos estimulados a viver em
humildade e dedicação ao próximo.
Paulo faz uma reflexão extensa e poderosa quanto à pessoa de Cristo.
Ele não é um teólogo de gabinete, falando teoricamente da fé cristã,
mas um pastor que conhece as dificuldades de sua igreja local e que
precisa atuar de modo consistente com a revelação de Deus. A
doutrina é a base para que os problemas na igreja sejam resolvidos. É
sobre a doutrina que nossa ética precisa estar estabelecida, ou seja,
estudando o que Cristo fez e é que encontramos os caminhos para
sermos conduzidos em nosso comportamento diário.
Em nome de sua missão, Jesus renunciou a suas prerrogativas. Ele,
subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual
a Deus. Embora Jesus tivesse todos os direitos, privilégios e honras
da divindade, Ele abriu mão temporariamente destas prerrogativas
em nome da obediência. Jesus é o Verbo de Deus, sempre foi e sempre
será Deus, mas ao vir a este mundo, assumindo forma humana, Ele
deixou de lado temporariamente alguns de seus atributos divinos. Ele
se auto esvaziou, ou seja, renunciou sua glória celestial (ele
abandonou o relacionamento face a face com a Trindade), deixou de
lado sua autoridade independente (em vários momentos nos
Evangelhos vemos o Senhor Jesus submetendo-se totalmente à
vontade do Pai), não fez caso das riquezas celestiais e até mesmo
abdicou de um relacionamento favorável com Deus (em sua morte na
cruz, quando se fez pecado em nosso lugar). Jesus se humilhou ao
ponto de não recorrer aos direitos humanos, sendo perseguido e
morto nas mãos de homens incrédulos.
Jesus, em sua humildade, se fez servo. A palavra realmente expressa
a ideia de um escravo, que é alguém que pertence inteiramente a
outra pessoa. Jesus é um exemplo de serviço. Ele serviu a Deus,
também serviu aos seus discípulos. Serviu àqueles que o odiaram,
serviu àqueles que só queriam receber algum tipo de dádiva, como
uma cura, um milagre ou um conselho. “O Filho do homem não veio
para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de
muitos” (Mt 20.28). Foi o próprio Jesus que, um dia após a ceia,
cingiu-se de uma toalha e começou a lavar os pés dos seus discípulos
e a enxugá-los com a toalha.
O serviço de Jesus foi obediente, conforme Paulo nos garante. Jesus
cumpriu ativamente o comando de Deus Pai ao vir ao mundo como
homem e submeter-se à vida terrena. A obediência de Cristo possui
sua máxima expressão em sua morte: “Ele foi obediente até a morte,
e morte de cruz”. A morte do Salvador se deu pelo método de
execução mais bárbaro, mais cruel de toda a história; os judeus
odiavam a crucificação. Jesus levou até as últimas consequências a
sua obediência, deixando de lado até mesmo a sua própria vida em
nome dela.
E este ato de obediência do Filho proporcionou-nos o ato de sublime
glória do Pai. “Deus o exaltou sobremaneira”, ou seja, Deus deu a Ele
a máxima exaltação possível. Cristo renunciou Sua glória, mas foi
restaurado a ela novamente. O nome que Cristo recebe é o título de
Senhor: Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Todos um dia irão
proclamar o senhorio de Cristo: de joelhos dobrados, nos céus, na
terra e debaixo da terra: os vivos e os mortos, salvos e condenados.
Por isso o Senhor Jesus é digno de louvor, de culto, de reverência, de
honra, de celebração para todo o sempre.
Devemos viver como Cristo viveu. O modo como Cristo viveu
era cantado num hino pelos nossos irmãos do período apostólico.
Segundo este hino de seis estrofes com três versos cada, Jesus era a
Deus, mas optou por aceitar a missão de vir ao mundo e viver como
um ser humano para salvar a humanidade. Sua encarnação mostrou
que Ele se esvaziou de sua divindade, assumiu completamente a
condição humana. Tendo orado ao Pai para não morrer, aceitou a
vontade divina e foi crucificado. Ele ressuscitou e voltou para o céu,
onde reassumiu sua condição divina de modo pleno.
Apesar de nenhum apóstolo lhe ter lavado os pés, Jesus lavou os
deles. Embora nenhum soldado na cruz houvesse implorado por
misericórdia, ele a ofereceu. E, ainda que seus seguidores tivessem
fugido como coelhos assustados na quinta-feira, Cristo foi à procura
deles no Domingo de Páscoa. O rei ressurreto ascendeu aos céus e
depois passou quarenta dias com seus amigos — ensinando,
encorajando e... servindo. Tudo isto motivado por sua imensa
humildade.

ENSINO/DOUTRINA

Onde quer que vivamos, a humildade não costuma ser algo buscado
pelas pessoas. Humildade não é uma característica humana popular
no mundo moderno. Ela não é apregoada na mídia, nos discursos, nos
congressos ou nos valores corporativos. E se você for até a imensa
seção de autoajuda da livraria do shopping, você não encontrará
muitos títulos celebrando a humildade.
A razão básica para isso não é difícil de descobrir: a humildade só
pode sobreviver na presença de Deus. Quando Deus se retira, a
humildade também se vai. Na verdade, a humildade segue Deus
como uma sombra. Nós podemos esperar encontrar a humildade
sendo aplaudida em nossa sociedade com a mesma frequência que
encontramos Deus sendo aplaudido.
O Evangelho que requer humildade. Não é que a vida cristã possa ser
completada com uma pitada de humildade para dar sabor, mas deve
ter a humildade como o ingrediente principal. A Bíblia não menciona
a humildade como apenas uma de muitas coisas boas, mas, na
realidade, coloca a humildade no centro de todo o seu sistema de
pensamento, a cola que faz a redenção aderir. Portanto, a humildade
é a chave não tão secreta para o plano de redenção de Deus
A grande característica de um cristão é esta: viver essa humildade em
amor, em palavras, em gestos, na administração dos seus recursos. O
cristão faz diferença na sociedade desta forma: tendo o mesmo
sentimento que houve em Cristo Jesus, um pensamento de
humildade, que se desdobra em serviço e obediência.
O Evangelho torna os crentes humildes ao derramar sobre eles uma
graça maior completamente imerecida e indevida. Sempre que os
crentes meditarem na maravilhosa graça do evangelho, uma maior
humildade sempre operará em seu interior. Segundo John Piper,
“quando uma criança pequena e indefesa está sendo arrastada pelas
subcorrentes na praia, e seu pai a segura no exato momento, essa
pequena criança não se vangloria; ela o abraça”. Assim, a única
resposta para a salvação não pode ser outra que não uma de amor e
gratidão, sem espaço — ou necessidade — para o orgulho. A fé impele
a humildade; e deve ser assim, ou não seria fé. Pois a fé alcança
precisamente uma salvação ganha somente por Cristo — uma salvação
que é somente pela graça de Deus.
O pregador puritano Stephen Charnock disse: “Uma fé orgulhosa é
uma contradição, tanto quanto um diabo humilde”. Uma vez que a fé
e o orgulho são opostos, precisamos lembrar a nós mesmos o que a fé
é. Crer em Jesus não é meramente concordar com fatos dentro da
cabeça, mas ter um apetite sincero por Deus no coração e estar
satisfeito em Jesus. vida eterna não é dada a pessoas que apenas
pensam que Jesus é o Filho de Deus. Ela é dada a pessoas que vivem
a vida em Jesus, o Filho de Deus. Com esse pano de fundo, veremos
mais claramente que o orgulho é uma espécie de incredulidade.
Incredulidade é um afastamento de Deus e de seu Filho, a fim de
buscar satisfação em outras coisas. Orgulho é um afastamento de
Deus, especificamente para obter satisfação em si mesmo.
Assim, o orgulho é uma forma específica de incredulidade. E o seu
antídoto é o despertar e o fortalecimento de nossa fé no Evangelho.
Cada afastamento de Deus – por qualquer motivo – pressupõe um
tipo de autonomia ou independência, que é a essência do orgulho. O
afastamento de Deus pressupõe que a pessoa sabe mais que Deus.
Assim, o orgulho está na raiz de cada afastamento de Deus. É a raiz
de todo ato de desconfiança em relação a Deus. Ou, mais
precisamente, o orgulho não é tanto a raiz, pois é a essência da
incredulidade, e o seu remédio é a fé no Evangelho. Assim, a luta
contra o orgulho é a luta contra a incredulidade; e a luta pela
humildade é a luta da fé na mensagem de Cristo.
APLICAÇÃO

O orgulho não aprecia a soberania divina. estamos propensos a nos


gloriarmos em nossa força. Quando Deus graciosamente nos abençoa,
nós nos apressamos em tomar crédito pelo presente – como se
houvesse mais satisfação em aumentar a ilusão da nossa capacidade
do que em nos beneficiarmos da graça de Deus. Se as pessoas
construíssem as suas casas e vigiassem os seus rebanhos e reunissem
suas riquezas pela fé no Evangelho, não diriam em seus corações: “A
minha força e o poder do meu braço me adquiriram estas riquezas”.
Quando você vive pela fé no Evangelho, você sabe que todas as coisas
produzidas do seu viver são produtos da graça de Deus.
Irmãos, é somente no Evangelho que o orgulho pode ser derrotado.
Em Cristo, podemos estar seguros em pedir desculpas e em perdoar,
somos libertos da tirania de sempre estarmos certos e do medo de
pedir ajuda. Só o poder do Espírito Santo que pode causar isto em
nossas vidas. Somos orgulhosos, mas o Evangelho nos transforma; o
Senhor Jesus nos converte da vaidade terrena para a santidade que
Ele deseja que vivamos.

Os outros veem o que você não vê. Onde somos cegos para o pecado,
a visão de outras pessoas é exata. Pela graça de Deus, outras pessoas
podem oferecer clareza para que o pecado seja identificado e
corrigido. A comunidade de fé é uma bênção, um dom de Deus na
batalha contra o pecado. Você nunca ficará livre da necessidade de
ser ajudado por outra pessoa.

É por isso que não devemos responder de maneira evasiva quando


um amigo realizar observações corretivas, mesmo que elas não sejam
cem por cento exatas. Até mesmo na crítica de alguém que não nos
ama pode estar uma verdade a ser considerada. A humildade não
exige uma precisão matemática para tornar a crítica válida: a
humildade se comporta de modo receptivo para receber a graça de
Deus de onde quer que ela venha.

Conclusão

Encontrei um relato muito útil para pensarmos sobre o orgulho e


assim concluirmos este sermão:

“Estava com minha família num estabelecimento onde servem café


da manhã, quando percebi um homem bem vestido na mesa ao lado.
Seu terno Armani e sua camisa engomada e bem passada
combinavam perfeitamente com uma gravata expressiva. Seus
sapatos brilhavam devido a um polimento recente, cada fio de cabelo
estava em ordem, incluindo o seu bigode perfeitamente arrumado.

O homem estava sozinho e comia um donut, enquanto se preparava


para uma reunião. Ele revia os papéis que tinha diante de si e parecia
nervoso, olhando constantemente para o seu relógio Rolex. Era óbvio
que logo depois ele teria uma reunião importante.

O homem levantou-se, ajustou a gravata e se preparou para sair.


Imediatamente percebi uma gota de café com leite presa em seu
bigode finamente arrumado. Ele estava a ponto de adentrar o mundo,
vestido da forma mais elegante possível, com café com leite no rosto.
Pensei na reunião de negócios que ele teria em breve. Quem lhe diria?
Eu deveria dizer? E se ninguém dissesse?”
Será que conseguimos perceber o orgulho presente em nossas vidas?
Temos a postura correta no que se refere à humildade? É possível que
estejamos como este homem, perfeitamente vestido e confiante, mas
com uma grande gota de café com leite no bigode.

Nenhum pecado é mais enganoso que o orgulho. E apesar nosso


preparo, nossa confiança pessoal, nosso café com leite no bigode pode
estar em evidência. O pecado é sutil e enganoso; precisamos de
pessoas que façam observações para nos ajudar a identificá-lo. Que
isto aconteça em nossas famílias, que isto aconteça em nossa igreja.
Que estejamos preparados para admoestar em amor uns aos outros.

Soli Deo Gloria

Você também pode gostar