Você está na página 1de 7

“Desceu à Mansão dos Mortos”

Texto Bíblico: 1Pe 3.18-20

Dando continuidade aos nossos estudos no Credo Apostólico,


agora chegamos à sua parte onde há mais debate sobre o significado
das palavras.
Até o presente momento, vimos:
Creio em Deus, o Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra.
E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da
Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto
e sepultado; desceu à mansão dos mortos

Note que agora estamos no centro do Credo, na porção o Deus


Redentor, o Senhor Jesus é descrito quanto ao seu caráter e
ministério. Jesus Cristo veio ao mundo com plena humanidade,
dentro de um momento específico da história. Ele foi concebido
miraculosamente, viveu uma vida justa, sem pecado, foi afligido por
diversos sofrimentos, sendo morto e sepultado.
O Credo dá ênfase à morte de Jesus, afirmando que Ele desceu
à mansão dos mortos. Há muito debate aqui, sobre esta expressão.
Afinal, o que significa dizer que Jesus foi ao mundo dos mortos, ou
desceu ao inferno, como alguns interpretam?

I. BREVE HISTÓRICO DE INTERPRETAÇÃO


Mesmo acreditando que a origem do Credo Apostólico
remonta-nos aos primeiros séculos da fé cristã, não devemos ter a
ingenuidade de pensar que cada uma de suas sentenças foi
elaborada por um dos apóstolos. Este pensamento não resiste a uma
pesquisa história honesta, mas também não seria fundamentalmente
nesta realidade que consideramos esta confissão apostólica.
Entendemos que o Credo foi uma confissão primeiramente oral
de nossos primeiros irmãos e que as doutrinas expostas por meio
dele refletem o que as Escrituras ensinam e o que sempre a
cristandade afirmou ser o eixo teológico central de seu pensamento.
A frase “desceu à mansão dos mortos” não aparece nas versões
mais antigas que temos do Credo, como aquela citada por Irineu de
Lyon e Tertuliano de Cartago, nas primeiras décadas do segundo
século da era cristã. Ela aparece pela primeira vez em um dos dois
credos recitados por Rufino de Aquileia, no fim do século IV, já no
ano de 390 d.C. Quando Rufino menciona esta informação no Credo,
ele faz uma adaptação, substituindo a expressão “morto”, por
“desceu ao mundo dos mortos”, de forma que ficaria algo parecido
com: “[Jesus Cristo] foi crucificado, desceu ao mundo dos mortos e
foi sepultado”.

II. INTERPRETAÇÕES SOBRE A DESCIDA DE CRISTO


Alguns tem tomado esta expressão no sentido de que Cristo
sofreu as dores do inferno sobre a cruz. Calvino, por exemplo,
interpreta desta forma: “Jesus sofreu não apenas a morte física, mas
que esta serviu como meio pelo qual Ele suportou a severidade da
vingança de Deus, aplacou sua ira e satisfez seu justo julgamento”.
O Catecismo de Heidelberg parece seguir o mesmo raciocínio:
“Jesus desceu ao inferno para que em minhas mais duras tribulações
eu esteja certo de que Cristo, o meu Senhor, redimiu-me das
angústias e dos tormentos do inferno por sua indizível angústia,
dores e terrores que se sofreu em sua alma, tanto sobre a cruz,
quanto antes”.

No entanto, não parece ser este o conceito defendido pelo


Credo: a descida de Cristo ao mundo dos mortos, ou ao inferno
acontece após sua morte e seu sepultamento. Não parece ser este o
pensamento que o Credo parece transmitir.

Uma interpretação mais ousada que aparece em nossos dias é a


de que Jesus foi ao inferno, literalmente. Ainda que não seja
impossível encontrar esta definição em algum documento teológico,
este entendimento faz parte do imaginário de muita gente,
principalmente por causa de canções que mencionam esta descida
ao inferno. Jesus teria morrido e descido ao inferno onde, após ser
torturado pelos demônios, ele venceu Satanás e tomou de suas mãos
as chaves da morte e do inferno.

Esta interpretação fantasiosa da obra de Cristo não encontra


defesa na Bíblia. Por vários fatores: (1). A morte de Cristo não foi
sua derrota, mas sua vitória; (2). A Bíblia não define o inferno como
o imaginário das pessoas concebe: um lugar de fogo, com um
grande caldeirão e o chefe dos demônios torturando as pessoas. O
inferno é um destino de sofrimento, mas quem inflige o sofrimento
sobre os indivíduos é o próprio Deus, não o diabo; (3). Os demônios
não estavam em festa em lugar algum, muito menos no inferno.
Quando Paulo fala sobre nossa batalha espiritual (Ef 6), há uma
menção das forças espirituais do mal, nas regiões celestiais. E não
houve festa entre as forças opostas ao Reino de Deus; afinal, a Bíblia
não menciona isto em lugar algum.

A afirmação presente no Credo, onde afirma que Jesus Cristo foi


crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos não
significa que Ele foi para um lugar de tormento, como alguns
pensam.

III. INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS SOBRE O TEMA


Leiamos 1Pe 3.18-20 mais uma vez.
Alguns entendem que Pedro está falando aqui de Cristo indo ao
inferno e pregando aos anjos que ali estavam (proclamando sua
vitória ou dando uma segunda oportunidade de arrependimento
aos seus ouvintes).
Todavia, esta é uma interpretação fora do contexto do próprio
texto. Jesus não foi ao inferno como alguns podem pensar. Lembre-
se do que ele disse ao ladrão arrependido: “Hoje estarás comigo no
Paraíso”. A Bíblia interpreta a própria Bíblia, e as Escrituras
afirmam que não existe uma nova oportunidade de arrependimento
após a morte.
A passagem em apreço não se refere a algo que Cristo fez entre
sua morte e ressurreição, mas ao que ele fez por meio do Espírito
Santo nos dias de Noé. Cristo pregou através de Noé nos tempos
próximos ao grande dilúvio; todavia, seus interlocutores não creram
na mensagem e por isso foram mortos no dilúvio.

Mas e os espíritos em prisão, mencionados no v. 19? Pedro


assim os chama porque estes incrédulos agora estão em prisão no
inferno; talvez para que nossa versão em língua portuguesa ficasse
melhor situada, poderíamos dizer: “Cristo pregou aos espíritos
agora em prisão”. Podemos falar do mesmo modo: “Conheci o
Presidente quando ele era universitário”. Óbvio que esta é uma
declaração apropriada, mesmo reconhecendo que ele não fosse
presidente enquanto estava na faculdade. O significado da frase é
este: “Conheci o homem que é agora Presidente quando ele era
ainda aluno de faculdade”. Assim, “Cristo pregou aos espíritos em
prisão”, significa que “Cristo pregou às pessoas que agora são
espíritos em prisão, mas que um dia foram pessoas sobre a terra”.

IV. O SIGNIFICADO DO “DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS”


Seguindo o princípio de que quando a Bíblia fala, nós falamos,
mas que quando ela se cala, nós também nos calamos, é prudente
afirmar que a descida de Cristo ao mundo dos mortos, para o Credo
Apostólico, tem um só significado: trata-se de uma ênfase quanto à
Sua morte, preparando o caminho para a poderosa afirmação que
aparece logo na sequência: “ressurgiu dos mortos ao terceiro dia”.
Cristo, em sua morte, experimentou o mesmo que nós, os
crentes da presente era, experimentaremos quando morrermos:
nosso corpo morto permanecerá na terra, será sepultado, mas nosso
espírito estará com Deus; passaremos imediatamente à presença de
Deus após a morte. No terceiro dia, Jesus ressuscitou; e nós também
ressuscitaremos quando o Senhor voltar e estaremos para sempre
com o Senhor que nos salvou, de corpo e alma.

Como esta verdade pode impactar nossas vidas?


Entender que Jesus veio ao mundo e morreu pode dar um
significado de como nós também enfrentamos a morte. Em dias de
doença, como os nossos, é impossível ficar sem pensar na morte.
Outra coisa: não é comum tratar sobre a morte e o medo que ela
pode causar em nossas conversas informais; falar da morte é “um
papo ruim”. Quando vou morrer? Do que vou morrer? Como vão
ficar minha esposa, meus filhos? Um certo receio quanto ao processo
da morte é até legítimo, racional, compreensível, mesmo para um
cristão.
Mas o que não pode passar em nossos corações é a dúvida
sobre o que acontecerá conosco após a nossa morte. A Bíblia fala
apenas de dois destinos: céu e inferno. O inferno é um lugar de
condenação, de tormento, de angústia; de dores provocadas pelos
próprio Deus, contra todos aqueles que pecaram e não
reconheceram o que Ele mesmo fez para salvá-los. Um lugar de
consciência e de choro e ranger de dentes.
O céu, por sua vez, é o lugar preparado por Deus para os
salvos. Um lugar realmente de descanso e prazer. Um lugar para se
desfrutar a presença de Deus, para ter comunhão com Deus, para
aprender de Deus.
O destino entre céu e inferno não é definido por méritos, mas
por um favor de graça que Deus garante. Não é por pontos, ou para
os mais inteligentes. Jesus enfrentou a morte exatamente para que
todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna.

Conclusão

Soli Deo Gloria!

Você também pode gostar