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Os direitos desta edição são reservados à EDUFCG Rogério Humberto Zeferino Nascimento

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - EDUFCG


UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE – UFCG
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Revisão

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Anubes Pereira de Castro (CFP)
Benedito Antônio Luciano (CEEI)
Erivaldo Moreira Barbosa (CCJS)
Janiro da Costa Rego (CTRN)
Marisa de Oliveira Apolinário (CES)
Marcelo Bezerra Grilo (CCT)
Naelza de Araújo Wanderley (CSTR)
Railene Hérica Carlos Rocha (CCTA)
Rogério Humberto Zeferino (CH) Campina Grande - PB
Valéria Andrade (CDSA)
2020
Dedicatória

Às crianças!

Suas perguntas, que insistem em não calar, desconcertam!


Suas observações, irreverentes, subvertem!
Seus modos, espontâneos, encantam!
Sumário

Prefácio
Edson Passetti 09

Introdução 15

VOL 1
O anarquismo no Brasil: pensamentos e
perspectivas analíticas
35
Formação do pensamento e do movimento anarquista 37
no Brasil e a literatura especializada das Humanidades
O movimento anarquista e a questão social no Brasil 56
Anarquismo, movimento operário e sindicalismo 62
Correntezas libertárias (anarquistas, individualistas,
anarcossindicalistas, comunistas libertários) 63

VOL 2
Vida como experimento: sociabilidades e 75
saberes em periódicos anarquistas
Floreal [1907] 88
Germinal! [1913] 106
Rebelião (A) [1914] 162
Vida (A) [1914-1915] 196

VOL 3
Arquia? Anarquia!: perspectiva relacional 239
nos estudos da sociedade

Referências 268
REBELIÃO
Prefácio
Com gemidos agoureiros, Do quartel – açougue enorme,
Num pavoroso lamento, Onde á espera da batalha,
Lá fóra perpassa o vento Morta de fadiga dorme
Chicoteando os pinheiros; A carne para metralha,
E a noite caliginosa, Dos hospitais, dos hospícios,
De uma tristeza superna,
E’ como a boca monstruosa
Dos tascos onde ressona
A grey de todos os vícios A vida dos livres em arquivos vivos.
De uma monstruosa caverna. Que a miséria proporciona.

Chove. O arvoredo farfalha, Ah! nesse grito funesto, Edson Passetti1


Soturno o trovão ribomba Nesse rugido palpita
Como longínqua metralha. Um rancoroso protesto;
Depois o silêncio tomba. E’ o povo, a plebe maldita, jornal e revistas de trabalhadores: pensamento coletivo & indisciplina, experimentos & emergência de
Purido e trêmulo escuto, Que sombria, ameaçadora, saberes anarquistas no brasil (1907-1915) é o incontornável livro de rogério humberto zeferino
Mergulho a vista lá fóra Nas vascas do sofrimento
nascimento para quem é, não sabe se é mas pressente, quem nunca deixou de ser alguém que
E vejo a terra de luto, Mistura aos uivos do vento
E ouço uma voz que apavora. A grande voz vingadora. se revira, revolve os experimentos e produz revolta anarquista.
O tempo ficou distante e jamais está em nossa proximidade quando se pesquisa ou
Como um vago mumúrio, Tremei, vampiros nojentos, simplesmente se lê um escrito classificado e arquivado, convencionalmente, no passado pelo
Mansa a princípio ela ecôa, Tremei, nos vossos dourados saber tradicional, um saber que recusa a atualidade anarquista inventiva de novas tradições.
Depois é um grito bravio Palacetes opulentos! Os arquivos anarquistas, da mesma maneira que a existência libertária, dispensam-se tanto das
Que pela noite reboa, O sangue dos desgraçados
Que para a noite se eleva Sugai, bebei gota a gota,
sentinelas guardadoras das paredes de vidros que involucram o passado, como dos pastores
Num pavoroso transporte, Não tarda que chegue o instante que pretendem guiar o presente pelas pistas pavimentadas em direção ao horizonte, às utopias.
Como um soluço da treva, Em que a turba se levante Os anarquismos rompem o limite entre o passado e o presente e instauram os limiares
Como um fremito de morte. Sedenta, faminta e rota. pelos quais transitamos com experiências históricas e invenções nos dias e noites de hoje. Um
livro convencional sobre o chamado passado dos trabalhadores é sempre inofensivo; fala de
Essa voz cheia de ameaças, E quando comece a luta,
De imprecações e rugidos, Quando explodir a tormenta,
infância da classe operária, sua maturidade e olvida o quanto de senilidade, ainda que juvenil,
E’ o clamor das populaças, A sociedade corrupta, lá havia em nome dos condutores de consciência. O livro de Rogério Nascimento, decorrente
E’ a voz dos desprotegidos. Execrável e violenta, da pesquisa libertária sobre o passado não nos desvia dos espaços onde acontecem as desi-
Medonha, relutante e rouca, Iniqua, vil, criminosa, gualdades sociais, econômicas, políticas e culturais; não recomenda prudentemente modos de
Vem desse mundo sombrio Há de cair aos pedaços, amenizar a história das violências com direitos sociais e políticas públicas sempre compensa-
Dos que tiritam de frio Há de voar em estilhaços tórias, orquestrados pela democracia representativa e participativa. A desigualdade permanece
E não têm pão para a boca. Numa ruina espantosa.
com qualquer regime político; ela precisa de Estado, sustenta esta escabrosa saúde de Estado.
Vem das lobregas choupanas As crianças livres e os anarquistas sempre subvertem. Estão no espaço em que nada é
Onde em tarimbas sem nome fixo, constante e imutável, como situaram Proudhon e Bakunin. As crianças livres são sempre
Há criaturas humanas Ricardo Gonçalves guerreiras, evitam o uso de violência, medem força umas com as outras, não perseguem direitos,
Agonizando com fome; A Plebe tampouco são tortas ou aprisionadas em normalidade, jamais baixam a cabeça e obedecem aos
Vem da cloaca deletéria São Paulo – SP
superiores, abdicando de suas liberdades experimentáveis. São como o planeta Terra com seu
Em que a “Justiça” comprime Ano 01 – Nº 01
Esses que a mão da miséria 09.07.1917
Poz no caminho do crime; Página 02 1 Professor livre docente no Depto de Ciências Sociais e Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Coordena
o nu-sol. Núcleo de Sociabilidade Libertária www.nu-sol.org PUC-SP. Contato passetti@matrix.com.br
10 Jornal e Revista de Trabalhadores Jornal e Revista de Trabalhadores 11

eixo ligeiramente inclinado, desconhecem abstrações e regramentos de condutas retas, sabem este livro nos aproxima da pesquisa sobre o poder indisciplinar! Os quatro objetivos (analisar,
que precisam de gente mais experiente sempre por perto desde que não sejam edificadores, cartografar, discutir e problematizar) formais da tese-livro, orientam, instigam, revolvem e de-
conservadores e restauradores de hierarquias laicas ou eclesiásticas. As crianças, são também sassossegam os leitores de livros simplesmente acadêmicos, ao pesquisar dois jornais (Germinal!
para os anarquistas, a continuidade da vida livre impossível de ser contida numa teoria ou na e A Rebelião de São Paulo) e duas revistas (Floreal e A Vida do Rio de Janeiro) das primeiras
sequência de enunciados sobre a objetividade. Elas anarquizam os anarquistas, assim como as duas décadas do século XX, que enfatizaram o anarco-individualismo, o anarco-comunismo e,
considerações de Max Stirner, quase simultaneamente ao anarquismo de Proudhon, o fizeram. obviamente, o anarcossindicalismo. Neste caso, Rogério Nascimento prossegue acompanhado
Os anarquistas e os anarquismos não têm descanso. E não cessam. das devidas limitações indicadas pelo anarquista italiano, perseguido e morto pelo fascismo,
Um livro em volumes: 1, 2 e 3. Analítica histórica, publicações radicais e as relações Errico Malatesta.
anarquistas. Rogério Nascimento publica com a editora da Universidade Federal de Campina Nos três volumes estão compreendidas as mais variadas interpretações da história dos
Grande (PB) um belo livro-tese. Antes seu intenso livro-dissertação sobre Florentino de Car- trabalhadores que evitaram as efetivas presenças anarquistas, mas principalmente estão os tra-
valho foi publicado pela Editora Achiamé do Rio de Janeiro, mantida, assim como a revista balhos que se voltaram para os anarquismos de modo atualizado como os de Francisco Foot
Letralivre pelo incansável libertário Robson Achiamé até nos deixar em 2014. Hardman, Margareth Rago, Cristina Hebling Campos, Silvia Magnani e do historiador dos
Rogério Nascimento chega a São Paulo tempos depois de eu me aproximar de Campina anarquismos Edgar Rodrigues. Rogério Nascimento os acompanha e recupera projeções na
Grande e de seu jeito de pesquisar, de constatar que gostamos de crianças e de termos mui- revolução espanhola, na chamada revolução de 30 no Brasil, nos efeitos devastadores lá e cá
tos filhos, segundo o padrão do final do século XX. Fizemos da prática anarquista um mote gerados pelo fascismo no final da mesma década.
de existência corajosa e escancarada em nosso trabalho como professores e pesquisadores na As resistências anarquistas antifascistas foram veementes corajosas num momento em que
universidade. Rogério trazia também muita da força punk nas atitudes e na banda em que os liberais e os marxistas compuseram com os efeitos do início e do final a II Guerra Mundial,
tocava. Ele chegou em São Paulo, na PUC-SP, no nu-sol (núcleo de sociabilidade libertária) com negociações internacionais e nacionais de Estados. De pactos de não agressão (URSS-Ale-
para um doutorado de fôlego e me convidou para ser seu orientador. Uma longa amizade se manha), a apoios na surdina (soviéticos contra anarquistas e POUM na Espanha; capitalistas e
fortaleceu na revista verve, nas aulas-teatro, nas exposições no Museu da Cultura da PUC-SP, regimes nazista e fascista na Europa); acordos econômicos (de toda a sorte, principalmente na
nos encontros anarquistas, nas conversações, na defesa de nosso mais que apoio mútuo. América do Sul, oscilando diplomaticamente entre o nazismo e a democracia estadunidense);
Anarquista gosta de poesia. Nada a espantar na abertura do livro com o “quando explodir gestões administrativas de campos de concentração (pelos computadores IBM no governo das
a tormenta /a sociedade corrupta, execrável e violenta/ iníqua, vil, criminosa/ há de cair aos SS nos campos de concentração); nas concessões pela indústria cultural (afinação de conteúdos
pedaços/ há de voar em estilhaços/ numa ruína espantosa (Ricardo Gonçalves no primeiro cinematográficos da indústria do cinema estadunidense aos valores nazistas à política de boa
número do jornal longevo e anticlerical A Plebe). Anarquista gosta de teatro, de comer junto, de vizinhança estadunidense com a América do Sul) e no Brasil para se produzir, às pressas, um
vegetarianismo, de amor livre, de fazer greve, de derrubar hierarquias, domínios e explorações. sistema partidário para um regime democrático burguês.
Os anarquistas são éticos, amigos, inventam uma cultura libertária que implode os cânones. A historiografia oficial, à esquerda e à direita, fez questão de subtrair os anarquistas ou
São rebeldes, apreciam as revoltas e pelas suas práticas ininterruptas pode ou não acontecer uma rebaixá-los, institucionalizando uma história, certa sociologia, uma majoritária ciência política
revolução. Entretanto, a revolução será sempre uma revolta, pois modernamente a revolução fundada em interpretações institucionais e de consolidação de reformas do Estado. O leitor,
nada mais é que a restauração de novo soberano e a acomodação das novas forças de domínio entretanto, neste livro-tese, será endereçado à literatura libertária do médico negro Fábio Luz e
às antigas, que de inimigas passam a ser adversárias ou companheiras. Tenebroso efeito da de Neno Vasco, às considerações radicais sobre a mulher, os regimes políticos e a existência livre
revolução francesa, russa, chinesa e similares. A palavra revolução e as práticas revolucionárias por Maria Lacerda de Moura, enfim, de anarquistas por anarquistas, em uma revisita à história
precisam romper com a modernidade, encontrar um limiar que escancare a cada um que a do presente e da chamada questão social, do espaço libertário. Como disse Anais Nin, registrada
sociedade morre; que uma revolução nada mais é que a tentativa de prorrogar a agonia até uma ao final deste volume: “Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos”. Ou como
nova reforma; que reforma e revolução são práticas conectadas para a perpetuação do Estado sabiamente Pétala, filha de Rogério, aos cinco anos, disse-lhe: “hoje é o amanhã de ontem”.
ou, quando muito, seu desaparecimento como utopia distante, um sonho jamais realizável No volume 2, “vida como experimento”: Colônia Cecilia, situações de risco, nomadismo,
que recoloca, friamente, o governo liberal e sua utopia real fundada em ajustes prudentes e canibalismo, o Congresso Operário Brasileiro... Rogério Nascimento detém-se na imprensa
tolerantes nas desigualdades. anarquista e nos leva para dentro dos mais variados percursos de possibilidades de publicação
Os anarquistas são antipolíticos. Por isso, nada mais certeira que a frase de Paul Valery e da luta expandida para as casas e as escolas anarquistas, as fábricas onde trabalhavam, os en-
na abertura deste livro: “Política é a arte de impedir as pessoas de participar de assuntos que são contros e as tensões nas redações. Dos escritos de Lima Barreto no Floreal, incluindo as críticas
de seu interesse”. A política é convite e trajeto a quem deseja robustecer o Estado. Entretanto, ao positivismo do Marechal Rondon, aos contemporâneos Roberto Freire e Daniel Guerrin
12 Jornal e Revista de Trabalhadores

sobre amor livre, amor libertário, amor fora da celebração do matrimônio. Os anarquistas
Política é
foram anteriores aos defensores da liberdade sexual hoje disciplinada em instituições, direitos
de minorias e condutas criminalizadas. Amor como sexo, e não como celebração de uma rela- a arte de impedir as pessoas
ção sexual, de sexualidades. Eles e elas anarquizaram os costumes, enfrentaram as intempéries de participar de assuntos que são
exteriores e as mesquinharias interiores, explicitamente, escancaradamente. Estamos às voltas de seu interesse.
com Edgar Leuenroth, José Oiticica, Florentino de Carvalho (Primitivo Soares) pessoas que
fizeram e fazem os anarquismos no Brasil: a imprensa anarquista lendo e fazendo história do Paul Valery
país da luta na fábrica à escola libertária. Tolstoi: “Para escapar de ladrões ocasionais, e que
se toma por ladrões, entregamo-nos a ladrões permanentes, organizados, e que se toma por
benfeitores: entregamo-nos aos governos”.
Jornais e revistas como experimento de ideias, longe dos ladrões, ou como bem situou
Proudhon, amigo de Tolstoi, “a propriedade é um roubo!”. Chegamos ao volume 3 que enfa-
tiza a perspectiva relacional dos anarquistas para produzir imprensa anarquista de um modo
anarquista. Longe de identidades e próximas de “amizades voltadas à experiência de alteridade,
dispostas a contágios, riscos e surpresas de uma existência em erupção” (p.238). E lá no final
do livro estão as obras que os operários deviam ler segundo os anarquistas daqueles tempos
sobre ontem e hoje. Sem que estejam
Deixo-lhes com este incontornável livro (jamais confundido com uma mera tese aca- lançados os dados do imaginário,
dêmica) e uma observação final sobre os dias de hoje: “Um Estado democrático é aquele que todo sistema político é ineficiente
diante de uma realidade na qual o dinheiro manda, põe em funcionamento a lei que torna e precário.
porosa a estrutura de poder da sociedade. Fomenta a dispersão das forças de opinião e possi-
bilita a multiplicação das fontes emissoras que dão conta da realidade. Até o momento a web
Mário Pirata
é um meio extra estatal que economiza trabalho político vertical e a diagramação piramidal”
(Thomás Abraham. La Lechuza y el caracol. Contrarrelato político. Buenos Aires: Sudamericana,
2012, p. 178).

_ Você não é de bugre!, ele continuou.


_ Que sim, eu respondi.
_ Veja que bugre só pega por desvios,
não anda em estradas. Pois é nos desvios
que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.

Manuel de Barros
AO POVO Introdução

Quando hás de tu deixar as vis doutrinas,


as vis superstições dos tempos velhos,
N este livro1, trato da emergência de sa-
beres indisciplinares como também dos
processos de instauração e experimentos de
De maneira geral, os estudos da socie-
dade desconsideram alguns desses aspectos,
particularmente os referentes àqueles cons-
e fazer catedrais das oficinas, sociabilidades libertárias entre alguns grupos tituintes da subjetividade. Embasados em
e procurar na Ciência os Evangelhos? anarquistas. Se disciplina remete tanto a cam- postulados estabelecidos por certas tradições
pos específicos do conhecimento como a dina- sociológicas afeitas, consciente ou inconscien-
Quando hás de tu surgir calcando arminhos, mismos em torno da hierarquia, indisciplina, temente, a uma orientação positivista, deixam
nos salões onde, altivos do seu nada, por sua vez, aponta simultaneamente para o de perceber o estudo dos fatos sociais como
ri a mitra da corôa dos espinhos, desrespeito às fronteiras entre saberes como a sendo também um fato social. Este tipo de
e o cetro inútil da prestante enxada? recusa das relações humanas baseadas no di- fórmula reproduz um procedimento estabe-
namismo obediência-mando. Nessa direção, lecido entre investigadores sociais tratando os
este estudo compreende vivências ocorridas es- fenômenos sociais como “coisas”.
Quando hás de tu entrar na grande liça, pecificamente dentro do nascente movimento O positivismo, de forma mais definida
e, sacudindo o teu grilhão desfeito, operário, num contexto social mais largo, sob através do pensamento de Auguste Comte,
dizer ao padre: “Eu chamo-me a Justiça!” o efeito da queda da monarquia e inauguração possui três aspectos característicos: teoria
Dizer ao rei: “Eu chamo-me o Direito?” da república, da imigração de trabalhadores do conhecimento, reforma social e religião.
europeus e início da industrialização no Brasil. Comte procurou estabelecer método rigoroso,
Suceda à farda a blusa; o ganho à esmola; Procedo a uma exposição inicial da tese, objetivo e científico no que se refere aos estu-
as armas do Trabalho à carabina! enunciação de aspectos implicados, metodolo- dos da sociedade. Emprestando a esses estu-
Onde estava a prisão surja uma escola, gia utilizada, apresentação de elementos par- dos o caráter de iniciativas fundadas na razão,
ticulares relativos à pesquisa e, finalmente, do considerou como elementos de perturbação da
e um teatro onde estava a guilhotina!
aporte conceitual em atividade. Grosso modo, reflexão científica tudo o que dissesse respeito
essas reflexões ponderam sobre sociabilidades à subjetividade.
Da liberdade atalaiando o asilo, efetivadas fora da órbita do princípio de auto- Nesta direção, o estudioso da socie-
sê majestoso e bom, sê grande e puro: ridade. A abordagem analítica aqui utilizada dade deveria banir de suas pesquisas todo e
toma, nas rijas mãos, bravo e tranquilo, realiza-se a partir da experiência subjetiva de qualquer elemento relativo à subjetividade.
a sagrada bandeira do futuro! quem a elabora, subjetividade contagiada pela Sobretudo, deveria procurar anular os senti-
época, pelas pessoas, pelos livros consultados, mentos e todas as manifestações desta ordem,
É já longo o caminho do calvário pelos documentos e materiais apreciados e por como paixão, raiva, tristeza, alegria, etc., para
uma infinidade de outros acontecimentos. abordar a individualidade enquanto fator de
que trilhas, sob a cruz, há tantos anos!...
Desfaz, quebra, estilhaça o teu rosário! 1 Este livro é a minha tese de doutoramento, com algumas
desordem social por apresentar pendores mar-
mudanças na passagem do texto de tese para este novo for- cadamente egoístas, isto é, como característi-
Calca, assoberba, esmaga os teus tiranos!
mato. A tese foi defendida no ano de 2006 no Programa de cas antissociais2.
Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP – sob orien- 2 COMTE, Augusto. Catecismo positivista. Mem Martins:
Guilherme Braga. A Plebe. São Paulo – SP. Nova Fase – Nº 27. 03.06.1933. Página 03.
tação do professor Edson Passetti. Portugal: Publicações Europa-América, [197-].
16 Jornal e Revista de Trabalhadores Jornal e Revista de Trabalhadores 17

Émile Durkheim prosseguiu na direção religioso do sistema de pensamento comteano. mas se trata de apresentar sociabilidades em Foucault apresentou, na sequência
metodológica apontada por Comte. Procurou, O positivismo lógico constituiu a conceitua- busca de instauração de novas formas sociais, destas ponderações, uma possível disposição
de certo modo, dar solução ao último aspec- ção elaborada pela chamada Escola de Viena de novos costumes, fazendo de suas vidas ex- institucional levantando algumas estratégias
to de seu pensamento fora de sua Religião da (1923-1936) no conjunto de proposições de perimentos livres. Ao mesmo tempo, procuro de normalização do discurso com o objetivo
Humanidade3. Sua concepção de dinamismo caráter investigativo social. Procurando com- situar o panorama geral do estado do conheci- de controlá-lo e fixá-lo em seu domínio. Essa
social formado pela “consciência individual” binar empirismo, positivismo comteano e mento daquela época envolvido em contágios atitude institucional se explica como uma rea-
contraposta à “consciência coletiva”, ao lado lógica, os fundadores desta escola envidaram inerentes à aventura de viver, portanto aos ris- ção às inquietações que movem o pesquisador;
de seu entendimento de como o pesquisador esforços na busca da explicação causal para os cos que esta experiência comporta. inquietações que vazam com os cerceamentos
social deveria proceder em seus estudos da so- fenômenos sociais. Michel Foucault inicia, no texto escri- estabelecidos na ordenação discursiva estabe-
ciedade, expresso no consagrado texto sobre o A definição pela explicação se deu atra- to a partir de sua aula inaugural no Collége lecida por convencionalismos.
método sociológico e suas regras, demonstra vés de debates sobre se os fenômenos sociais de France, em 1970, afirmando sua intenção Nessa mesma direção, Henry David
a sua relação com os postulados positivistas eram passíveis de explicação causal ou de en- de se insinuar nas palavras que iria proferir Thoreau apresentou, no século XIX, algumas
estabelecidos por Comte. A relação entre a tendimento interpretativo. O método ado- naquele dia. Seu desígnio consistiu em se alo- reflexões bastante pertinentes acerca do pro-
“consciência individual” e a “consciência co- tado consistiu em indício das características car dentro de uma série discursiva iniciada cesso de elaboração e socialização do conheci-
letiva” é, no seu pensamento, de coação da particulares desta escola. Na linha de proce- anteriormente, dando continuidade a esse mento, de forma que se estabelecesse estreita
segunda sobre a primeira. Para o sucesso dos dimentos defendidos por Durkheim, em que fluxo, um elemento a mais dentro do pro- relação do assunto tratado com uma espécie
estudos da sociedade, o pesquisador deveria os métodos das ciências da natureza deveriam cesso de maneira a este não ser obstado. Em de fascínio por parte do expositor. A apresen-
encarar os fatos sociais como “coisas”.4 ser transpostos para os estudos da sociedade, suas palavras: tação de uma conferência, por exemplo, de-
Há três expressões do positivismo: a a Escola de Viena defendia a validade das in- veria acontecer de maneira que esta possuísse
francesa, a norte-americana e a alemã. Além formações na condição de poderem ser verifi- Gostaria de me insinuar sub-repticiamente no sabor a quem a realiza e não fosse insípida.
de Comte, os nomes do positivismo na Fran- cadas através da observação. Isso possibilitaria discurso que devo pronunciar hoje, e nos que Esse elemento brota sugerido em seu
ça são os do seu antigo mestre Saint-Simon, o estabelecimento de leis gerais e, desta forma, deverei pronunciar aqui, talvez durante anos.
Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser
texto através da concretização de uma expo-
que sofreu influência de Condorcet, e de seu a sua previsibilidade. envolvido por ela e levado bem além de todo sição interessada de quem quer que seja sobre
seguidor Émile Durkheim. Durkheim suce- Positivismo instrumental é a desig- começo possível. Gostaria de perceber que no o tema abordado. Ao conferencista, é neces-
deu a Comte no tempo e na importância no nação mais conhecida da escola positivista momento de falar uma voz sem nome me pre- sário que a matéria da qual se acerca lhe seja
pensamento sociológico, tendo sido o criador cedia há muito tempo: bastaria, então, que eu
norte-americana. Continua nesta a busca de encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse,
fundamentalmente de interesse. Isso de ma-
da Escola Sociológica Francesa. Entretanto, a aplicação dos métodos das ciências naturais ao sem ser percebido, em seus interstícios, como neira que, ao falar, exponha-se à assistência,
contribuição e o mérito de Comte foram ter estudo dos fenômenos sociais. Apesar de ter se ela me houvesse dado um sinal, mantendo- proporcionando a esta o ensejo de obterem
elaborado uma concepção mais definida sobre predominado dos anos 30 aos 60 do século -se, por um instante, suspensa. Não haveria, da exposição, como ele próprio abaixo declara
um pensamento que já vinha sendo delineado portanto começo, e em vez de ser aquele de
XX, ela continua exercendo considerável in- quem parte o discurso, eu seria, antes, ao acaso
de maneira antropofágica, “uma forte dose de
por outros pensadores. fluência na atual sociologia norte-americana. de seu desenrolar, uma estreita lacuna, o ponto mim mesmo”.
Os positivistas alemães e os norte-ame- A sua principal característica diz respeito à de seu desaparecimento possível.[...]
ricanos procuraram se desvencilhar do aspecto obsessão por mensuração e quantificação dos Existe em muita gente, penso eu, um desejo Há algum tempo, no auditório de um liceu,
dados colhidos. Foi assim que a estatística se semelhante de não ter de começar, um desejo percebi que o conferencista tinha escolhido um
3 DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida re- constituiu em ferramenta privilegiada em seus de se encontrar, logo de entrada, do outro lado tema que lhe era por demais alheio; dessa for-
do discurso, sem ter de considerar do exterior ma, não conseguiu me interessar tanto quanto
ligiosa. Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura, Luz estudos, escorando o surgimento das “ciências o que ele poderia ter de singular, de terrível, seria possível. Ele se ocupou de coisas estranhas
Cary, Margarida Garrido Esteves e J. Vasconcelos Esteves. São
sociais aplicadas”. talvez de maléfico.5 à sua paixão, de coisas mais próximas de suas ex-
Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores).
Na contramão da perspectiva atualizada tremidades e de sua pele. Nesse sentido, a con-
4 DURKHEIM, Émile. A ciência social e a ação. São Paulo;
ferência não tinha um pensamento realmente
DIFEL, 1975. DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho nos positivismos, aqui não se trata de uma central ou centralizador. Minha vontade era que
social; As regras do método sociológico; O suicídio; As formas pesquisa referenciada pela quimera de uma va- 5 FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso – Aula inau-
ele falasse sobre a mais íntima de suas experiên-
elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril Cultural, 1983. gural no Collége de France, pronunciada em 2 de dezembro
cuidade relativa a elementos de subjetividade, cias, tal como faz o poeta. Nunca me senti tão
(Os Pensadores). de 1970. 7. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001. p. 5-6.
18 Jornal e Revista de Trabalhadores Jornal e Revista de Trabalhadores 19

lisonjeado quanto no dia em que alguém pediu acontecimentos. Essa circunstância, por sua comumente aceita da existência da díade ner instaura uma dessacralização nas diversas
a minha opinião e prestou atenção ao que eu vez, se refere, considerando um enfoque mais subjetividade versus objetividade. Busco esta- dimensões da sociabilidade humana, demons-
disse. Fico surpreso e também satisfeito quando
isso acontece, pois é uma forma rara de fazer estreito, a uma série de falas outras no inte- belecer uma espécie de caminhada por lugar trando em seu movimento interno o ridículo
uso de minha pessoa; é como estar acostumado rior das quais tal alocução se insere e pode algum a partir da coleta de sinais e vestígios, das instituições sociais mais valorizadas nas
a usar uma ferramenta. Em geral, se querem ser inserida. de “fragmentos” de vidas, estampados nas co- chamadas sociedades modernas.
alguma coisa de mim, os homens se limitam lunas de jornais e revistas anarquistas.
a perguntar quantos hectares estou atribuindo Palavras faladas ou escritas estão carrega- Os risos provocados no leitor pelos
às suas propriedades – pois sou agrimensor – das de certas marcas emanadas de alguma ou A concepção de objetividade é fruto de escritos de Stirner se devem ao fato de este
ou, no máximo, quais são as novidades banais algumas subjetividades. Sinalizam a existência uma convenção aceita tacitamente por pessoas filósofo desnudar costumes arraigados e ins-
que abarrotam minha mente. Nunca se interes- de uma individualidade, sem que isso anule a com suas idiossincrasias. Entretanto, adianto tituições estabelecidas enquanto proveniên-
sam pela minha carne; preferem minha casca.
Certa vez, recebi a visita de um homem que existência de um dinamismo discursivo já em não ser minha intenção levantar a bandeira de cias da cultura cristã na chamada civilização
vinha de bem longe para me convidar a proferir andamento. Como as palavras faladas são pro- algum “eu” umbigudo, de algum subjetivismo ocidental, apesar das afirmações de laicidade
uma conferência sobre a escravidão; conforme feridas simultaneamente à projeção de perdi- ensimesmado, ou algum tipo de individualismo e de materialismo da modernidade. Stirner,
a conversa foi avançando, descobri que ele e gotos, apresentando certas intensidades, varia- pretensamente autossuficiente. Nessa direção, apesar de sua formação filosófica alemã, foi
sua rodinha de amigos esperavam ter para si
sete oitavos da conferência, deixando para mim ção de volumes, característico timbre da voz, é fastidioso afirmar que fujo de elaborar re- um pensador que vazou a tradição filosófica
apenas um oitavo. Por isso, recusei o convite. odores bucais, entre outras emanações pesso- flexões e análises ausentes de relações, articu- ocidental, cujo pensamento tem mais afini-
Considero evidente que, quando sou convidado ais, as palavras escritas carregam e expressam, lações, conexões em seus desdobramentos e dades com uma perspectiva existencial das
a fazer alguma conferência em qualquer lugar – por sua vez, outras marcas personalistas, como pressupostos. sociedades denominadas selvagens.
e tenho tido alguma experiência nessa atividade
– é porque existe uma vontade de saber o que eu digitais, caligrafia, expressões, neologismos. Uma proposta sedutora, sugerida neste A afirmação, com a conservação e a re-
penso a respeito de um assunto, muito embora É dessa maneira que, neste ponto, é texto, é a da abolição do tribunal e suas di- produção, manifesta ou velada, do princípio
eu possa ser o maior idiota do país; não creio possível promover um encontro entre Fou- ferentes manifestações, por possuir proveni- de autoridade tem sido a característica comum
que se espere de mim comentários meramente
agradáveis ou então que visem à aprovação da cault e Thoreau. Ambos imprimiam no ouvin- ências no sagrado. Deleuze7 abordou o tema às perspectivas adotadas nos estudos sobre o
platéia; é por isso que minha decisão é sempre a te, e ainda imprimem no leitor, suas marcas do julgamento de Deus e de sua abolição. movimento operário e, por extensão, sobre o
de ministrar aos meus ouvintes uma forte dose pessoais. Não há como desconhecê-los nem Convergindo com as reflexões de Lawrence, movimento anarquista no Brasil das primeiras
de mim mesmo.6 confundi-los. Apesar de se encontrarem den- Kafka, entre outros, ele inscreve o movimento décadas da república. As dificuldades, neste
tro de diferentes dinamismos discursivos, cuja de pôr término ao julgamento de Deus den- caso, se apresentam por conta do choque entre
Palavras são elementos conceituais com formação lhes era anterior, não são por estes tro do processo de elaboração de um “corpo uma perspectiva afirmativa do princípio de
uma considerável amplitude significacional. desonerados. sem órgãos” em que limites, seccionamentos, autoridade e outra afirmativa do princípio de
Quer se trate de conferência quer de texto Os autores não são diluídos dentro des- divisões são desconsiderados. Essas separações liberdade.
escrito, elas expressam, dentro de um con- se processo comunicacional. Antes disso, dão são umas das condições mais elementares para Considerando o que Foucault8 denomi-
texto sociocultural, certos pensamentos e sen- continuidade a esses fluxos, intensificando- o estabelecimento da ordem hierárquica favo- nou de procedimentos externos ao discurso
timentos formulados simultaneamente num -os com suas contribuições particulares. Se rável aos processos de julgamento, condenação – com uma busca de intenso controle destes
caldeamento de acontecimentos. Elas reme- o primeiro demonstra uma intensa vontade e punição, enquanto expedientes do controle. discursos –, as dificuldades, quanto à liberação
tem imediatamente tanto à subjetividade que própria, como ele mesmo afirma, sustentando A elaboração de reflexões nessa dire- do fluxo discursivo em cujo interior o pesqui-
as enuncia como ao entorno mais amplo da enfaticamente que “gostaria de me insinuar ção acontece, até certo ponto e considerando sador procura se localizar, apresentam-se com
conjuntura social na qual esta subjetividade sub-repticiamente no discurso que devo pro- as especificidades e diversas perspectivas, ao considerável amplitude. Tais são os procedi-
se localiza. Cada uma dessas subjetividades nunciar hoje, e nos que deverei pronunciar longo dos opúsculos e livro de Max Stirner, mentos que objetivam o controle, a seleção,
mantém relações com outras e com outros aqui, talvez durante anos”, o segundo não é que pode muito bem ser percebido como um a organização e a redistribuição discursiva: o
menos incisivo com sua manifestação antro- dos filósofos de grande relevância na obra dos estabelecimento de interdição, separação e re-
6 THOREAU, Henry David. A vida sem princípio. In: pofágica. pensadores acima referidos. A filosofia de Stir- jeição e a colocação de noções funcionando
______. Desobedecendo – a desobediência civil e outros
Dessa maneira, procuro trilhar um per- a partir da oposição do verdadeiro e do falso,
escritos. Tradução e introdução de José Augusto Drummond. 7 DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica. São Paulo: Ed. 34,
São Paulo: Círculo do Livro, 1984. p. 71-72. curso instaurado em franca oposição à ideia 1997a. 8 FOUCAULT, op. cit., p. 7-21.
20 Jornal e Revista de Trabalhadores Jornal e Revista de Trabalhadores 21

obstando a possibilidade de uma vontade de ças de teatro, revistas, boletins e outros mate- 1) Analisar as formas de elaboração, entrevistas e memórias, como também o am-
saber através de sua substituição por uma von- riais impressos pelos anarquistas do período, produção e socialização de estudos e reflexões plo leque de diversidade de enfoques a serem
tade de verdade. produzindo um olhar árido, pobre e ressecado produzidos pelos anarquistas e apresentados elaborados sobre esses documentos.
Em que pesem as diversas pesquisas sobre a letra. Dessa maneira, escapam, por ve- nos seus jornais e revistas, cuja abordagem diz Foot Hardman registrou, em alguns de
postas à disposição dos interessados e estudio- zes ao pesquisador dados refratários à sua pers- respeito a aspectos particulares de aconteci- seus escritos de fins dos anos 80 e início dos
sos, parte significativa delas está enredada nas pectiva existencial particular, anunciados em mentos na sociedade brasileira e mundial no anos 90, o caleidoscópio de possibilidades de
malhas de uma espécie de atualização de pos- características próprias de sua subjetividade. início do século XX; pesquisas abordando o movimento operário
tulados positivistas. Isso porque nestas persiste Esses enfoques findam subestimando – 2) Cartografar, nesses periódicos, os te- brasileiro do início do processo de industriali-
em atividade, simultaneamente, uma busca de para me referir rapidamente à dimensão que mas discutidos, as especificidades do processo zação. Considerou, nas suas reflexões, tanto a
manutenção da hierarquia social e um enfo- mais procuro ressaltar nesta pesquisa e à qual de elaboração e socialização de suas reflexões, questão da quantidade de documentos dispo-
que assinalando o privilégio da racionalidade voltarei mais adiante – o campo do coletivo quanto ao cotidiano e às feições das relações níveis em vários arquivos e bibliotecas públi-
científica como meio único e suficiente para o no processo de elaboração e socialização de societárias instauradas, ou em vias de instaura- cas, como também a variedade de enfoques no
estudo das relações sociais, constituindo dois um saber que é constitutivamente indiscipli- ção, na busca de pistas acerca da sociabilidade tratamento desses materiais9. Passados quase
aspectos implícitos e indiscutíveis da quase nar. Outro desdobramento da perspectiva levada a efeito pelos anarquistas em geral; vinte anos desta observação de Hardman, a
totalidade das pesquisas realizadas. reducionista diz respeito a uma minimização 3) Discutir, nos temas abordados, as pesquisadora Adelaide Gonçalves e outro pes-
São pesquisas que atualizam o campo da importância de acontecimentos registra- formas de instauração de sociabilidades nos quisador, Jorge Silva, depois de aprofundado
do positivismo ao pretenderem estar à sombra dos nas páginas dos periódicos anarquistas. coletivos editoriais, com colaboradores e lei- levantamento da publicação sobre anarquismo
de procedimentos puramente científicos, rea- Atualizando uma atitude apriorística, com o tores, em geral, quando isso for exequível; em língua portuguesa, elaboraram a mesma
firmando a racionalidade ocidental, cartesiana, alinhamento a alguma teoria, joga no cesto de 4) Problematizar as aproximações e os observação. Em suas palavras:
empiricista, como o meio por excelência para lixo das conveniências e dos lugares comuns distanciamentos existentes no interior do mo-
o conhecimento. Supérfluo é assinalar que ne- o convulsionar de experimentos acontecidos vimento anarquista quanto às suas diferentes A realização de pesquisas que tenham como
las há uma naturalização das relações sociais simultaneamente e documentados de diversas expressões, na intenção de especificar mais foco a bibliografia libertária pode alargar o
maneiras nos diversos impressos elaborados campo do conhecimento sobre a cultura ope-
verticalizadas, e que a hierarquia é o seu ponto detalhadamente as desmedidas de tais apro- rária e as práticas de leituras na formação da
de partida e chegada. pelos anarquistas. A cegueira teórica impede ximações e distanciamentos. consciência social dos trabalhadores, sendo a
Nesses estudos, é operacionalizada, por de perceber outras informações, sobretudo imprensa sindical e anarquista uma fonte ain-
A relevância deste estudo consiste, so-
vezes, uma noção de neutralidade axiológica aquelas em franca dissonância com os postula- da não devidamente dimensionada e explorada
bretudo, em evidenciar aspectos particulares pelos pesquisadores.10
do conhecimento ou, em outras vezes, de uma dos abraçados pelo pesquisador. São estes que
da sociedade brasileira da época, através das
dialética esclarecida e materialista da histó- ficam submersos e escondidos sob os entulhos A presente pesquisa, por sua vez, foi
relações estabelecidas não só entre trabalhado-
ria. A primeira estabelece a perspectiva do do método e da teoria. realizada através da coleta, compilação e aná-
res e patronato, simultaneamente à interven-
primado da razão na sociabilidade humana, A perspectiva convencional de estudos ção realizada pelo Estado junto a segmentos
enquanto a segunda soma a esta concepção desses materiais funciona, no que tange à ex- sociais, como também entre o movimento
outra intimamente ligada à ideia de fatalismo periência existencial concreta mediata e ime- operário e o movimento anarquista, assina-
9HARDMAN, Francisco Foot. História do Trabalho e Cul-
tura Operária no Brasil pré-1930: um campo de estudos em
teleológico de caráter natural, em que haveria diata, e também em relação à feição volitiva lando temas como os relacionados a conheci- construção. In: HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria
uma determinação de toda a vasta dimensão da sociabilidade humana, como um campo de mento e vida, saber e poder. Nem Patrão: memória operária, cultura e literatura no Bra-
societária do ser humano a partir das relações alcance bastante limitado e deveras precário. sil. 3. ed. ver. ampl. São Paulo: Editora UNESP, 2002. p.
Não obstante existirem diversas pesqui-
de produção e da economia. Pelo contrário, estes são alguns dos aspectos 233-245. HARDMAN, Francisco Foot. Poeira das Barrica-
sas acerca do movimento dos trabalhadores, das: notas sobre a comunidade anárquica. In: HARDMAN,
Desnecessário afirmar que essas noções e elementos que procuro apreciar mais demo-
bem como do movimento anarquista, há ain- Francisco Foot. Nem Pátria Nem Patrão: memória operária,
ativam e dinamizam o primado da razão oci- radamente nesta pesquisa. cultura e literatura no Brasil. 3. ed. ver. ampl. São Paulo:
da muito a ser analisado, levando em conta
dental, apresentando-a como “A” Razão. Tal- Neste estudo, procurei alcançar os se- os documentos e materiais disponíveis nos
Editora UNESP, 2002. p. 259-268.

vez, essa maneira de proceder explique, por guintes objetivos: diversos arquivos públicos no Brasil, os de-
10GONÇALVES, Adelaide; SILVA, Jorge E. A bibliografia
libertária: o anarquismo em língua portuguesa. São Paulo:
exemplo, a usual leitura de jornais, livros, pe- poimentos pessoais dos militantes, através de Imaginário, 2001. p. 12.
22 Jornal e Revista de Trabalhadores Jornal e Revista de Trabalhadores 23

lise de dois jornais e duas revistas11 produ- pelo fato de ter coletado maior número de da linha sindicalista revolucionária”13, os dois Apesar de longas discussões e diversas experiên-
zidas por anarquistas nascidos no Brasil, ou suas edições. termos foram utilizados pelo redator como cias, ainda não se chegou a um completo acordo
sobre esta questão; talvez a razão disso seja o
que para aqui tenham imigrado e se formado A corrente anarcossindicalista12 também equivalentes14. fato de que esta questão não permita solução
enquanto pessoa, integrando o movimento era denominada de anarquista sindicalista, sin- O anarquismo sindicalista evidencia completa e permanente, devido às diferentes
anarquista. Em relação aos jornais e revistas dicalista revolucionária ou, de maneira menos uma particularidade de concepções, finalida- condições e às circunstâncias mutantes da luta.
utilizados como material primário nesta pes- recorrente, sindicalismo de ação direta e anar- des, táticas e estratégias de ação relacionados [...]
quisa, procedi, no geral, a uma escolha dentro quismo operário. A expressão “anarcossindi- ao conjunto das proposições existentes dentro Não nos basta – ainda que isso seja certamente
da primeira década do século passado a partir calismo”, até onde pude verificar, foi utilizada do campo anarquista. Apesar do predomínio útil e necessário – elaborar um ideal tão perfeito
tanto da sua relevância histórica como de sua quanto possível, e formar grupos para a propa-
por diversos anarquistas. José Oiticica, Edgar das ideias e concepções do sindicalismo de ganda e para a ação revolucionária.
expressividade no movimento anarquista. As Leuenroth, Jaime Cubero, Friedrich Kniestedt ação direta, havia neste campo significativos Devemos converter ao nosso ideal a grande
referências a trechos de artigos são feitas tais e o historiador e arquivista Edgar Rodrigues, embates de concepções divergentes. O modelo massa dos trabalhadores, porque, sem ela, não
quais se encontram nos originais, com o por- só para citar algumas figuras de projeção no francês não era aceito com unanimidade entre podemos derrubar a sociedade existente nem
tuguês arcaico e os erros de publicação. Procu- movimento anarquista, em variados textos, os trabalhadores e as associações anarquistas. construir uma nova. E, para que a grande massa
rei interferir minimamente no texto original, de proletários liberte-se do estado de submissão
adotam essa denominação. Entretanto, apa- As colunas de diversos jornais registraram estes no qual ela vegeta, e alcance a concepção anar-
já que o recorte constitui uma intervenção recem de maneira mais recorrente nos perió- confrontos. quista e o desejo de realizá-la, é necessário uma
significativa. dicos as expressões “anarquistas sindicalistas”, Malatesta assinalou a importância da evolução que não se opere unicamente sob a in-
Esses impressos estão situados dentro em referência aos aderentes do modelo de fluência da propaganda; visto que as lições que
participação dos anarquistas no movimento derivam dos fatos da vida quotidiana são muito
do multiverso conceitual anarquista, contem- sindicalismo francês; e “sindicalismo revo- sindical. Ao mesmo tempo, advertiu anar- mais eficazes do que todos os discursos doutri-
plando abordagens diversificadas da questão lucionário”, enquanto tendência especifica- quistas e trabalhadores quanto ao alcance e nários, nós devemos absolutamente tomar uma
social. Procurei contemplar impressos den- mente libertária distinta dos demais tipos de limites inerentes ao sindicalismo, por meio de parte ativa na vida das massas e empregar todos
tro de uma variedade de expressão no campo sindicalismo. Ambas são apresentadas como os meios que as circunstâncias nos permitirem
reflexões publicadas em jornais anarquistas, na para despertar gradualmente o espírito de revol-
anarquista, publicados com maior proximida- sinonímias. Um artigo publicado em A Plebe Itália e na Inglaterra, tanto no início do século ta, e mostrar à massa, com a ajuda desses fatos,
de cronológica, no eixo Rio-São Paulo, região sob o título “A CNT da Espanha – Em face XX como nos anos 20. Em suas palavras: o caminho que conduz à emancipação.
de maior vigor do movimento anarquista. A É evidente que um dos melhores meios é o
apresentação das análises no terceiro capítulo A questão de saber que posição nós devemos movimento sindical, e seria um grande erro
segue o ano de publicação desses periódicos. 12 Sobre este assunto ver, além dos livros e jornais utiliza- tomar em relação ao movimento sindical é negligenciá-lo. Neste movimento, encontramos
dos como matérias-primas para a análise nesta pesquisa, as certamente uma questão da maior importância grande quantidade de operários que lutam pela
As perspectivas ácratas presentes nos seguintes obras que manifestam este embate dentro do pró- melhoria de sua situação. [...]
para os anarquistas.
periódicos analisados são as seguintes: a anar- prio campo anarquista: RODRIGUES, Edgar. O Socialismo:
Além do mais – e isto não é uma vantagem
13 A C.N.T. da Espanha – Em face da linha sindicalista
quista individualista, a anarquista comunista síntese das origens e doutrinas. Rio de Janeiro: [s.n.], 1968.
negligenciável – o movimento sindical pode
RODRIGUES, Edgar. Socialismo e Sindicalismo no Brasil revolucionária. A Plebe. São Paulo, ano 33, n. 25, p. 4, 24
e a anarcossindicalista. Os jornais e as revis- out. 1949 (nova fase).
preparar esses grupos de operários profissionais
(1657-1913). Rio de Janeiro: Laemmert, 1969. RODRI-
tas apresentam em suas colunas, em maior ou que, durante a revolução, poderão empreender
GUES, Edgar. Nacionalismo e Cultura Social (1913-1922). 14 Os documentos mais antigos que encontrei tratando a organização da produção e da troca, fora e
menor grau, artigos dentro dessas expressões Rio de Janeiro: Laemmert, 1972. RODRIGUES, Edgar. ABC deste assunto, nestes termos, foram dois: um manuscrito, contra todo poder governamental.
de escolas anarquistas. Isso pude verificar de do Sindicalismo Revolucionário. Rio de Janeiro: Achiamé, sem indicação de autoria, denominado Federação Comunista
1987. A rápida “Carta de Amiens” encontra-se nos apêndices Libertária: fins geraes immediatos, arquivado no Departamen- Mas com todas essas vantagens, o movimento
maneira mais acentuada em Germinal!, talvez sindical tem também seus defeitos e seus peri-
de PROUDHON, P. J. La Capacidad Politica de la Classe to Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) de São
11 Para uma consulta a uma relação da literatura anarquista Obrera. Buenos Aires, Argentina: Proyección, [197-]. BES- Paulo sob o prontuário de número 127; os artigos de caráter gos, os quais devemos levar em consideração
produzida em língua portuguesa desde fins do século XIX, em NARD, Pierre. Os Sindicatos Operários e a Revolução Social. autobiográfico de Friedrich Kniestedt, escritos em alemão e quando se examina a questão da posição que
Portugal e no Brasil, ver: GONÇALVES, Adelaide; SILVA, Tradução de Plínio Augusto Coelho. Brasília: Novos Tempos, publicados no Rio Grande do Sul nos periódicos anarquis- nós devemos tomar em relação a isso enquanto
Jorge E. A bibliografia libertária: o anarquismo em língua 1988. CUBERO, Jaime. Anarco-Sindicalismo. Extrato da tas antinazistas Aktion, Alarm e Das Deutsche Buch, a partir anarquistas.
portuguesa. São Paulo: Imaginário, 2001. Os autores des- primeira parte da palestra proferida no dia 09/12/89, no de 1934 até 1937. Esses artigos foram reunidos em livro e A constante experiência em todos os países nos
ta pesquisa, que constitui, atualmente, um dos referenciais Centro de Cultura Social, sobre o anarcossindicalismo no publicados em 1989. KNIESTEDT, Friedrich. Memórias mostra que o movimento sindical, que começa
obrigatórios para os pesquisadores do assunto, introduzem Brasil, como parte do curso de Anarcossindicalismo – Histó- de um imigrante anarquista. Tradução de René E. Gertz. sempre como um movimento de protesto e de
nesta lista um texto analítico acerca da produção editorial ria e atualidade. 09 dez. 1989, São Paulo: Centro de Cultura Porto Alegre: Escola Superior de Teologia, 1989. (Coleção revolta, e que é animado no começo por um
anarquista. Social, 1989. (datilografado em 5 páginas). Imigração Alemã).
24 Jornal e Revista de Trabalhadores Jornal e Revista de Trabalhadores 25

grande espírito de progresso e de fraternidade pela propaganda e pela ação que conduzirão e As ideias que prevaleciam nos congres- tratégias definidas pela CGT francesa. Essa
humana, tende muito rapidamente a degenerar. realizarão a revolução, eis os objetivos aos quais sos e encontros operários diziam respeito às concepção de movimento social fora defendi-
Quanto mais forte se torna este movimento, devem tender os anarquistas nos sindicatos e
mais ele se torna egoísta, conservador, ocupado fora deles. noções teóricas e práticas postuladas pelos de- da por um considerável estrato do movimento
exclusivamente com os interesses imediatos e O sindicalismo não pode fazer isso, ou só pode
nominados clássicos do pensamento anarquis- dos trabalhadores no Brasil, no período aqui
restritos, e desenvolve em seu seio uma burocra- fazê-lo muito pouco; ele deve contar com os ta. As concepções mutualista de Proudhon, tratado. Segundo essa corrente, o sindicato
cia que, como sempre, não tem outro objetivo interesses presentes e esses interesses não são coletivista de Bakunin, comunista libertária seria o meio e o fim da transformação social
senão o de se fortalecer e de crescer. [...] sempre, infelizmente, os da revolução. O sin- de Kropotkin, Reclus e Malatesta, e, apa- na direção de uma sociedade libertária, iguali-
Sem sombra de dúvida, esse é um grande passo dicalismo não pode ou não deve exceder muito
para a frente; mas não devemos exagerar sua os limites da legalidade e em certos momentos
rentemente em menor grau, o associonismo tária e fraterna. Nesta perspectiva, ao sindicato
importância e imaginar, como o fazem certos ele deve tratar com os patrões e as autoridades. libertário de Stirner norteavam os debates caberia o papel de organização dos trabalhado-
camaradas, que realizaremos a anarquia natu- Ele deve se ocupar mais dos interesses de certas particularmente dentro da organização do res sob o capitalismo em sua luta estratégica,
ralmente, pelo desenvolvimento progressivo do seções de operários do que dos interesses do operariado na Europa, mormente à fundação realizada estritamente dentro do campo da re-
sindicalismo. público em geral, dos interesses dos sindicatos
mais do que da massa dos sem-trabalho e dos
em 1864 da chamada Associação Internacional sistência econômica. Caberia também ao sin-
Cada instituição possui uma tendência a desdo- dos Trabalhadores, que durou até 1872. dicato o reorganizar e coordenar a vida social
brar suas funções, a se perpetuar e a se tornar seu interesses da classe operária. [...]
próprio objetivo. Assim, não é surpreendente Assim, pode-se ver desenvolver em todos os Em 1906, aconteceu o XV Congresso naquilo que chamavam “a sociedade futura”,
que os iniciadores desse movimento, aqueles sindicatos que atingiram uma certa posição in- Nacional Corporativo em Amiens, França, período posterior ao momento revolucionário.
que representam o papel mais importante, se fluente a tendência a assegurar – em acordo, ao que confirmou as concepções definidas pela A tática privilegiada de luta era a greve
habituem pouco a pouco a olhar o sindicalismo invés de contra os patrões – uma situação privi-
como o equivalente do anarquismo, ou pelo me- legiada, a criar dificuldades para a admissão de Confederação Geral do Trabalho, emprestan- geral expropriadora. Essa concepção defen-
nos como o meio supremo, substituindo sozi- novos membros, para a admissão dos aprendizes do ao movimento operário na França a ten- dia a união dos trabalhadores nos sindicatos,
nho todos os outros meios, para realizar a anar- nas fábricas; uma tendência a entesourar fundos dência sindicalista expressa na famosa “Carta independentemente de seus credos políticos,
quia. Mas isso torna ainda mais necessário evitar que eles temem depois comprometer; a procu- de Amiens”. Este foi o chamado modelo fran- religiosos e filosóficos, de maneira a favorecer
o perigo e definir muito bem nossa posição. rar o favor dos poderes públicos; a absorver in-
teiramente na cooperação e em todas as espécies cês adotado, com gradações diferenciadas, em um movimento paredista generalizado que,
O sindicalismo, apesar de todas as declarações
de seus partidários mais ardentes, contém em de mutualidades e a se tornar, finalmente, um diversos países. acreditavam, por si só faria capitular o patro-
si, pela própria natureza de suas funções, todos elemento conservador na sociedade. [...] Por sua vez, a segunda expressão - “sin- nato e o estatismo. O sindicato aglutinaria
os elementos de degenerescência que corrom- Os anarquistas, nos sindicatos, devem combater dicalismo revolucionário” - procura marcar os produtores unicamente a partir do critério
peram os movimentos operários no passado. tudo o que tende a torná-los egoístas, pacífi- econômico: os trabalhadores estariam num
Com efeito, sendo um movimento que propõe cos, conservadores – o orgulho profissional, o
a especificidade de uma tendência libertária,
defender os interesses presentes dos operários, espírito corporativista, as grandes cotizações, federalista e antiautoritária no interior do mesmo campo, antagônico aos interesses dos
ele deve necessariamente se adaptar às condições a acumulação dos capitais investidos, os servi- movimento operário. Isso em relação a um patrões. Também estaria excluída do sindicato
existentes e tomar em consideração os interesses ços de seguro, a confiança nas boas funções do sindicalismo vermelho, católico, amarelo e qualquer adesão ou discussão de ideias polí-
que vêm em primeira linha na sociedade, tal governo, as relações amigáveis com os patrões, ticas, religiosas e filosóficas. Nestes assuntos,
como ela existe hoje.[...] a nomeação dos empregados burocratas remu-
nacionalista. Como dito mais acima, as co-
nerados e permanentes. lunas de vários jornais registraram um longo o sindicato seria “neutro”. Por fim, os “anar-
União, entendimento, luta solidária contra o
e rico debate acerca da orientação deixada ao quistas sindicalistas” costumavam entender o
explorador são coisas que só podem ser obtidas Nestas condições, a participação dos anarquistas
hoje se os operários, animados pela concepção no movimento sindical pode dar bons resulta- movimento operário pelo sindicalismo fran- sindicalismo como sinonímia do anarquismo.
de um ideal superior, aprenderem a sacrificar dos, mas somente nestas condições.15 cês. Particularmente em A Voz do Trabalhador, Os jornais e revistas aqui analisados po-
seus interesses exclusivos e pessoais aos interes-
da COB, há um bom exemplo do nível das dem apresentar uma destas linhas enquanto
ses comuns, os interesses do momento aos inte-
resses do futuro; e esse ideal de uma sociedade discussões existentes entre os que se definiam tendência ou inclinação de parte do coleti-
de solidariedade, de justiça, de fraternidade, só 15 MALATESTA, Errico. Anarquismo e sindicalismo. In: simplesmente anarquistas e os que se definiam vo editorial. Mas essa definição não deve ser
pode ser realizado pela destruição – desafiando MALATESTA, Errico. A anarquia e outros escritos. Sele- desta mesma forma aderindo às orientações interpretada como expressão literal da pu-
qualquer legalidade – das instituições existentes. ção e tradução de Plínio Augusto Coelho. Brasília: Novos
sintetizadas na “Carta de Amiens”. blicação do jornal ou revista. Nem mesmo o
Tempos; São Paulo: Centro de Cultura Social, 1987. p. 69-
Oferecer aos operários este ideal; colocar os in- alinhamento à tendência do coletivo editorial
teresses amplos do futuro antes dos interesses 77. MALATESTA, Errico. Sindicalismo e anarquismo. In: Portanto, “anarcossindicalismo” e “sin-
estreitos e imediatos; tornar impossível a adap- MALATESTA, Errico. Escritos revolucionários. Tradução dicalismo revolucionário” expressam uma constituía condição para publicação em tais
de Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Imaginário: Tesão – A periódicos. Neles existem artigos escritos, por
tação às condições presentes; trabalhar sempre referência ao conjunto de ideias, táticas e es-
Casa da Soma: Nu-Sol, 2000. p. 69-76.
26 Jornal e Revista de Trabalhadores Jornal e Revista de Trabalhadores 27

vezes, dentro do debate entre anarquistas de à ordem moral e ética, violência e sociedade, Por fim, procuro orientar a perspectiva tras dimensões da sociabilidade humana no
mesma ou diferente expressão, ou ainda entre educação e escola, velha e novas modalidades de análise a partir de alguns textos dos cha- período da modernidade. Deus, enquanto
adversários do anarquismo. de vida social. mados clássicos do pensamento anarquista. abstração, centralidade, universal, absoluto,
Foram alvos de mais uma exaustiva aná- Acredito que essa perspectiva faculta, Nestes, encontro as primeiras formulações de totalidade e transcendência, ganhou maior fô-
lise dois jornais e duas revistas: as revistas Flo- em primeiro lugar, tanto um discernimento um enfoque negativista quanto ao princípio lego quando atualizado através de conceitos
real (1907) e A Vida (1914 a 1915), do Rio de das aproximações e distanciamentos no cole- de autoridade, ao mesmo tempo em que afir- como liberdade, ética, humanidade, moral,
Janeiro; e os jornais Germinal! (1913) e A Re- tivo de redatores como também o conheci- mativos do princípio de liberdade. entre outros, também em instituições e con-
belião (1914), de São Paulo, e, particularmen- mento de aspectos característicos da sociabi- As contribuições de Max Stirner, pseu- cepções como Estado, pátria, nação e justiça.
te nos capítulos iniciais, remeto-me a outros lidade instaurada nestes coletivos. Faculta, em dônimo de Johann Gaspar Schmidt (1806- O estudo aqui apresentado poderia ser
periódicos. O material analisado, como outros segundo lugar, uma abordagem dos méritos 1856), de Pierre Joseph-Proudhon (1809- percebido, de certa maneira, como uma sim-
a que faço breves alusões, encontram-se dispo- e limites da disciplinaridade, procurando es- 1865), de Mikhail A. Bakunin (1814-1876), ples ampliação e aprofundamento de minha
níveis em arquivos e bibliotecas públicas. O es- tender esse assunto às discussões atuais sobre de Piotr Kropotkin (1842-1921), de Elisée pesquisa de mestrado iniciada em março de
tado de São Paulo e a cidade do Rio de Janeiro multidisplinaridade, interdisciplinaridade e Reclus (1830-1905) e Errico Malatesta (1853- 1993 e defendida em julho de 1996 no Mes-
abrigam os mais importantes arquivos públicos transdisciplinaridade. Nesta direção, procuro 1932), distribuídas em livros e artigos pu- trado em Ciências Sociais da Universidade
com os documentos sobre o movimento operá- distinguir aproximações e distanciamentos blicados na imprensa operária e acadêmica, Federal da Paraíba, campus I16. Contudo essa
rio: CEDEM da UNESP, AEL da UNICAMP, com autores e escolas do pensamento social, nos beneficiam com estas formulações. Seus leitura é equivocada. Mesmo porque, desde o
Biblioteca Mário de Andrade, Arquivo Público cuja ocasião será propícia para averiguar como pensamentos constituem manifestos ocorri- início de meu afastamento da UFCG, onde
do Estado de São Paulo são alguns existentes e em que nível se estabeleceram e foram admi- dos no interior do processo de formulação do leciono, para capacitação, não a tinha proje-
na cidade de São Paulo. Biblioteca Nacional, nistradas tais discussões entre os anarquistas materialismo filosófico, críticos da perspectiva tado nem de longe.
Arquivo Nacional, Arquivo Público do Estado defensores de expressões particulares no pen- religiosa e hierárquica quanto à concepção e Para o mestrado, pesquisei a formação
do Rio de Janeiro, Arquivo da Cidade do Rio samento anarquista. formulação da sociabilidade humana. do pensamento social de um integrante dos
de Janeiro, Biblioteca Social Fábio Luz são al- A sociedade brasileira e as repercussões Com os referidos autores – sobretudo estratos proletários, oriundo da Espanha, de
guns existentes no Rio de Janeiro. destes escritos em seu interior são matérias com Stirner –, encontro, guardadas as propor- onde veio ainda criança para o Brasil junta-
Os dois primeiros números da revista de apreciação, através de análises das leituras ções relativas às particularidades de cada um, mente com toda a sua família no período de
Floreal encontram-se na Biblioteca Nacional e enfoques elaborados, nestes documentos, a distensão da crítica à transcendência. Suas incentivo à imigração europeia, tendo aqui se
no Rio de Janeiro. A revista A Vida foi publi- sobre a situação da sociedade brasileira num obras deslindam o transcendental do campo tornado anarquista quando adulto. A realiza-
cada em edição fac-símile pela editora Ícone. período histórico, sem perder de vista as rela- restrito do misticismo religioso para outras ção dessa pesquisa muito me agradou, pois,
Os dois jornais Germinal! e A Rebelião foram ções desta dentro de um contexto social arti- manifestações, relacionando-o a disposições através dela, pude conhecer o perfil pessoal e
coletados nos arquivos do CEDEM da Unesp. culado às questões colocadas pelos aconteci- e atitudes fora do campo convencionalmente a envergadura de um personagem sui generis
A Biblioteca Social Fábio Luz também possui mentos internacionais. Na sequência, passo a entendido como área estrita para se tratar de no movimento anarquista, no Brasil, do início
cópias destes e de outros jornais anarquistas. um estudo acerca das ponderações elaboradas Deus, religião e teologia. Não obstante, fora da industrialização. Deste homem, pouco se
Procedo a uma exposição das caracte- em torno de outras expressões de movimen- Stirner, o pensamento social dos demais finda conhecia; afora algumas referências biográficas,
rísticas particulares no processo coletivo de tos sociais, situando esses escritos principal- reinstalando Deus através da eleição de algu-
16 Esta pesquisa, inicialmente intitulada O Mestre Revoltado:
elaboração desses impressos, focalizando a mente em relação ao positivismo, enquanto ma centralidade na sociabilidade humana. De
vida, lutas e pensamento do anarquista Florentino de Carvalho,
relação conhecimento e sociedade; ciência integrante do conjunto conceitual liberal; e ao outro modo, afirmar nesta sociabilidade a pri- foi publicada com algumas poucas modificações na forma do
e prática; vida e existência; sociedade, asso- marxismo, enquanto campo teórico e prático mazia de alguma unidade definitiva, alguma texto e nenhuma no conteúdo, subtraindo do texto algumas
ciação e indivíduo; nacional e internacional; considerado, por quase todos os estudiosos totalidade, algum acabado ou algum eterno, características próprias das exigências rotineiras dos trabalhos
apresentados em defesas de pós-graduação. Essa mudança
escritura e articulista; pensamento e sentimen- atuais, um conjunto de concepções integrante instaura o mesmo procedimento sacralizador,
objetivou favorecer um melhor nível e ritmo de leitura tanto
to; razão e emoção. Em relação ao campo da do campo revolucionário. Também procedo próprio dos dinamismos religiosos. para quem tenha algum interesse pelo assunto como também
convivialidade, investigo os textos assinalando a um suplementar questionamento visando Apesar disso, esses autores evidenciam para o pesquisador acadêmico. Ver: NASCIMENTO, Rogé-
como foram apresentados, os temas relativos problematizar o tema do autodidatismo. a permanência de Deus nos estilhaços de ou- rio H. Z. Florentino de Carvalho: pensamento social de um
anarquista. Rio de Janeiro: Achiamé, 2000.
28 Jornal e Revista de Trabalhadores Jornal e Revista de Trabalhadores 29

nada tinha sido produzido sobre seu pensa- acrescentar elementos com os quais pude me
mento social e, de uma forma geral, sobre sua alertar para certos aspectos do tema que ago-
contribuição particular à formação do pensa- ra abordo. Foram essas informações que me Administração
mento sociopolítico especificamente proletário. fizeram alterar o projeto de pesquisa inicial e
No entanto, apesar de a pesquisa ter vislumbrar o campo de estudo aqui apresenta- 1 – Ação Direta, semanário anarquista, vive exclusivamente das contribuições assumidas volun-
sido bem-sucedida, ficaram diversos assun- do. Com os horizontes abertos para a pesquisa tariamente por seus simpatizantes. A Administração pede encarecidamente aos contribuintes já
que aqui apresento, contribuíram sobrema- existentes, como aos novos, que fixem sua quota mensal e procurem nem variá-la, nem deixar
tos sugeridos, lacunas, pistas abertas, temas a de enviá-la até o dia 5 de cada mês. A não observância dessas duas condições pode perturbar o
serem mais bem trabalhados num momento neira – e aqui quero registrar o meu sincero andamento de Ação Direta.
posterior. Além do mais, e o que considero reconhecimento – as disciplinas cursadas no
Tão pronto o número de contribuições ultrapasse as necessidades de Ação Direta, empreenderemos
mais relevante, eu não tinha atentado para PEPGCS, um ambiente acadêmico amistoso a publicação de folhetos e, quase certo, um suplemento cultural (ciencia, literatura, música, etc.)
aspectos que atualmente tenho na conta de e acolhedor, as conversas com colegas de aulas
2 – Toda correspondência deve ser enviada para a rua Buenos Aires, 147 – A – 2.º – Rio de Janeiro.
imprescindíveis no tema pesquisado. Eu me e, sobretudo, os cursos e o acompanhamento
José Oiticica. Ação Direta. Rio de Janeiro – RJ. – Ano 01 – Nº 04. Página 04 – 07.05.1946.
encontrava preso a uma abordagem discipli- do meu orientador Edson Passetti.
nada e disciplinar de estudo. Redefinida a pesquisa, visitei em 2001
Ação direta não pode aumentar sua tiragem agora; mas você, leitor, pode concorrer para difun-
Desta maneira, e sob este prisma, não arquivos e bibliotecas públicas e privadas ten- dir suas doutrinas lendo-a sempre a cinco, dez, quinze pessoas amigas e com elas discutindo os
há de fato continuação da pesquisa realizada do, desde então, amealhado considerável ma- assuntos tratados. É um meio prático de aumentar-lhe enormemente a tiragem. Faça isso! O êxito
no mestrado com a pesquisa do doutorado. terial a ser utilizado como fonte primária da está na ação!!!
José Oiticica. Ação Direta. Rio de Janeiro – RJ. – Ano 01 – Nº 11. Página 04 – 29.06.1946.
Isso porque tenho a sensação de ter adentra- pesquisa. Com essa parte já adiantada, concluí
do um novo campo de pesquisa. Enquanto as visitas a arquivos públicos e particulares no Apelo
num primeiro momento assinalei aspectos ano de 2004, procurando ampliar ao máximo
biográficos e individuais do pensamento de o material primário a ser utilizado a fim de Temos de aumentar nossa tiragem; mas, como já dissemos outro dia, a venda avulsa dá enorme
um anarquista; neste segundo momento, me iniciar a elaboração do texto da presente tese. deficit. Só um meio há de arcarmos com as despesas de maior tiragem. É estender-se a lista dos
contribuintes e dobrar cada qual sua contribuição. Nosso periódico não é comercial, não aceita
volto, primeiro, para aspectos coletivos da ela- Concomitante a essas visitas, elaborei
anúncios; não é político, nem publica, a tanto por linha, notícias ou reclamos; em suma, não
boração do conhecimento e, segundo, para papers, apresentando-os regularmente, desde o temos matéria paga.
a experimentação imediata das concepções primeiro semestre de 2001, em diversos even- Logo, apelamos para os entusiastas de Ação Direta. Procurem novos contribuintes. Dobrem ou
libertárias, perspectiva que me escapou ante- tos acadêmicos: SBPC, ANPUH regional e tripliquem suas contribuições.
riormente por insensibilidade ou por efeitos nacional, encontros de história oral, encontro Atrás das palmas, a ação direta, ainda com sacrifícios.
José Oiticica. Ação Direta. Rio de
Janeiro – RJ. – Ano 01 – Nº 13.
de uma formação disciplinar e disciplinada. de sociólogos do Estado de São Paulo, encon-
Página 04 – 14.07.1946.
O fato que me favoreceu notar esses as- tros do Centro de Humanidades da UFCG,
pectos foi unicamente o meu ingresso no Pro- entre outros. Por fim, apresentei artigos pu-
grama de Estudos Pós-Graduados em Ciências blicando-os em revistas e anais de encontros;
Sociais (PEPGCS) da Pontifícia Universidade preparei a reedição de livros elaborando notas
O que queremos
Católica de São Paulo. Este acontecimento a estes, como também textos de apresentação;
Queremos:
beneficiou em muito uma abertura de novas livros com artigos selecionados na imprensa
- A socialização dos campos, das fábricas, das minas e de todos os serviços públicos.
perspectivas que antes nem de longe desconfiei proletária de autores anarquistas. Uma gama
Queremos:
existirem. Tanto que não sabia como abordar de atividades que foram possíveis por integrar
- A abolição do despotismo político e administrativos do Estado.
o tema sem cair na mesmice e na reprodução o Programa de Estudos Pós-Graduados em Ci-
- A eliminação de toda e qualquer organização parasitária e opressiva.
do que já tinha realizado com a dissertação ências Sociais, PEPGCS-PUC/SP, e o Núcleo
Não queremos a confusão imposta pela violência, o arbítrio garantido pela força, mas a ordem consequente da
de mestrado. de Sociabilidade Libertária, NU-SOL. solidariedade e determinada pelas necessidades comuns.
Só depois de estar cursando as disci- E isto que nós queremos é a Anarquia!
(Não assinado)
plinas do referido programa foi que pude A Plebe. São Paulo – SP. Ano 03 – N˚ 35. 17.10.1919. Página 03
30 Jornal e Revista de Trabalhadores

Só porque ninguém
Nossa Imprensa está ouvindo não significa que
não deva ser dito.
Com motivo do 1º de maio, o valente paladino libertário “A Plebe” publicou uma edição especial
de 8 páginas, com vários clichês e selecionada matéria.
Também temos a registrar o aparecimento de “Alba Rossa” do “Rebelde” e “O Trabalhador da Shugueki
Light”, todos eles com ótima apresentação.

_______

Trabalhadores!
O trabalhador. São Paulo – SP. – Ano 03 –
Nº 01 – 10.05.1934. Página 02.
Lede “A Plebe” o vosso jornal

Livros não mudam


o mundo, quem muda o mundo
são as pessoas. Os livros só
mudam as pessoas.
A família no comunismo Como entendemos
a igualdade Caio Graco

A família no regime burguês organiza-se tendo


como base o interesse e as conveniências e se
conserva unida por liames artificiais, compromissos
vergonhosos, traições mal encobertas, litígios, ofen-
A igualdade que nós queremos não é metafisica,
mas real. Não oferece a todos a “mesma” ração,
mas garante a todos a satisfação das suas necessida-
sas pessoais, transações e violências. des, exigindo de todos não o “mesmo” esforço e a
E quando nas classes pobres se dissolve, os filhos “mesma” capacidade, mas de cada um o dispêndio
são abandonados à caridade pública e, faltando de energias de que se sente capaz.
esta, são atirados à rua… Não aspira à nivelação dos cérebros e dos estô-
Ao lado da família burguesa prospera o infanticí- magos, pretende, ao em vez, alcançar a harmonia
dio, a prostituição, o proxenetismo e o crime… social como resultado das múltiplas satisfações. Dura lex, sed lex: a lei é
No regime comunista anárquico a base única da
família é o amor e mantêm-se pela amizade, pelo
dura, mas é lei. Mas,
(Não assinado)
respeito mútuo, livre de preocupações econômicas. A Plebe
para os ricos é dura
E se o amor que determinou a união vem a desa- São Paulo – SP lex, sed latex: a lei
parecer e o convênio se transformar em opressão Ano 03 – N˚ 41
recíproca, dissolvendo-se a família, os filhos ficam 30.10.1919 é dura, mas
Página 02
amparados pela comunidade estica.
(Não assinado)
A Plebe. São Paulo – SP. Ano 03 – N˚ 34. Fernando Sabino
16.10.1919. Página 04.
ANTOLOGIA LIBERTÁRIA
Plasmas

_ Caridade. Senhor! Dai-me uma esmola!


_ Toma, um tostão: volta-me o troco...
_ Está vazia a minha sacola...
_ Então... adeus... espera um pouco...

_ Senhor!... Até a vista,


Amigo.
_ É verdade que até para mendigo
É necessário ser capitalista...

_ A culpa foi toda minha.


Que te não soube esconder
O que às vezes se adivinha
E se não deve dizer.

A culpa foi toda sua,


Pois não soubeste fugir
Com teus olhares de lua
Que me fizeram cair...

_ A culpa foi toda nossa,


Que nos deixamos levar...
_ A culpa?... Não sei quem possa
A Natureza enganar!...

_ Encarcerado do Sonho,
Quebra os ferros da prisão...
Espia...
_ O mundo é medonho...

_ És inútil, velho cão!


_ Tenho, no cárcere estreito,
Gozos que nunca terás!
_ A fome!... A Ideia!... O despeito!...
_ A Esperança!... A Sede!... A Paz!...
Durval de Moraes. A Obra . São Paulo – SP.
Ano 01 – Nº 04. 27.05.1920. Página 03.
ANTOLOGIA LIBERTÁRIA
Um problema de Teologia
VOL 1 – O anarquismo no Brasil:
Certa vez, não sei onde,
Nem quando sei também dizer,
E depois o fidalgo moribundo
Não podia sair aqui do mundo pensamentos e perspectivas
Levando a extrema unção para um visconde, Só, sem Deus no bandulho...
Que ia, mau grado seu, morrer,
Saiu um bispo e a sua comitiva, Como fazer porém operação
analíticas
Cônegos, padres, sacristães, enfim De tanta gravidade?
A gente que anda só na expectativa O paquiderme era de propriedade
Ou duma procissão ou dum festim. Dum judeu, dum pagão,
Que, com toda a certeza,

A
Quando o imponente préstito seguia, Exigiria uma indenização, emergência da República brasileira é concentração chamado Clevelândia, no Oia-
Com as regras todas da etiqueta, Se nessa estranha empresa marcada por uma forte truculência no poque - Amapá, extremo norte do país.
Entoando uma medonha litania, Morresse o seu “Pimpão”.
Surge, talvez mandado do capeta, Logo uma ideia, uma estupenda ideia, trato da chamada “questão social”. O fim da Com a denominada Revolução de 30,
Um formidável, trágico elefante Acudiu à cabeça dum sacristia: escravidão negra e da monarquia não traduziu Getúlio Vargas chegou à presidência, inician-
Que, das mãos do prelado, Fazer com que o elefante melhorias nas condições de vida dos segmen-
– Oh coisa nuca vista! –
do um período de intensificação da repressão
Arrebatou, com a tromba extravagante, tos populares, quando se deu o estabeleci-
O sacrário, onde Deus era louvado! Por meio dum purgante, sobre todos os seus adversários. Foi o período
Expelisse o sacrário mais a obreia... mento da indústria no país, ao lado de uma coroado posteriormente com a instauração da
E o feroz animal, intensificação da migração de trabalhadores ditadura do Estado Novo em 1937. Francisco
Ante o espanto geral, - Sacrilégio maior este seria, europeus. Esses eventos concorreram na for-
diz um padre pançudo e venerável, Campos1, considerado o ideólogo de Vargas,
A tromba formidável esticando, mação de um operariado urbano que envidou
Pôs dos fiéis à vista Deus assim, dessa forma, ficaria formulou sua concepção de Estado baseado
A gloriosa conquista, Sujo e com um cheiro insuportável... esforços na organização dos trabalhadores em nas ideias fascistas de Estado Corporativo
Como se os estivesse abençoando, associações de classe, na criação de escolas, anunciadas pelo ditador italiano Benito Mus-
Como se fosse um padre corretíssimo Outro alvitrou, rapidamente, bibliotecas, ateneus, de grupos de teatro, entre
Que se fizesse o elefas atrevido solini, que, da mesma maneira que Hitler, foi
Dando aos crentes a benção do Santíssimo... outras atividades mais.
Em seguida o sacrário devorou, Vomitar pela boca, pela frente, integrante dos chamados partidos socialistas,
Aliás sem vomitório Os contornos da violência chegaram os partidos de esquerda.
Ou, melhor, comungou...
O que havia comido.
Não se pode dizer com exatidão
E era fácil contudo,
a tamanha dimensão que a historiografia re- Na perspectiva de Francisco Campos,
O pavor, a mixórdia, a confusão gistra, numa máxima enunciada por um dos
Fácil e suasório: todos os atos de governo deveriam conver-
Dessa hora fatal.
Houve abortos, desmaios, faniquitos,
Era soprar “atrás” por um canudo: primeiros presidentes do Brasil, Washington gir para uma unidade total da sociedade, de
Imprecações e gritos. Luís, a disposição das classes dominantes em modo que todos os segmentos sociais obe-
Outros alvitres foram sugeridos,
“Isso é o Juízo Final!” À magna assembleia, relação aos conflitos sociais oriundos particu- decessem estritamente a um grande líder
Chegou mesmo a dizer, Pelos padres e bispos mais sabidos, larmente das desigualdades econômica e so- nacional a fim de melhor contemplar um
Tremendo e a se benzer, Pelos sacristãs de mais clara ideia...
Uma beata boçal.
cial. Este governante, ao ser interpelado sobre pretenso “interesse nacional”. O diferencial
seu posicionamento acerca da questão social das ditaduras de Vargas, em relação às de
Até hoje, porém, por mais que o tente,
Logo que foi o pânico aplacado, Consultando vetustos alfarrábios, no Brasil, respondeu que a “questão social é seus antecessores, foi o fato de ele não ter se
Reuniu-se em conselho a padraria, Não consegui saber, infelizmente, uma questão de polícia”. limitado à repressão aos movimentos popula-
Para tratar do caso complicado A forma como os veneráveis sábios
Que a sagrada, a imortal Teologia Essa tradição de arbítrio e despotismo res, nem ter se restringido a favorecer alguns
Resolveram o caso transcendente.
Não deixara explicado. Porquanto a douta Teologia, foi sendo apurada e intensificada à medida
1 Para um conhecimento do pensamento social, de caráter
Inspirada por Deus, que tudo vê, que os primeiros governos se sucediam. Ar-
Não podia o Deus vivo Oh grande maganão! nacionalista, de Francisco Campos, ver: CAMPOS, Fran-
thur Bernardes governou o país de 1922 a
No ventre do animal ficar cativo Esse problema não prevê, cisco. O Estado Nacional e suas Diretrizes. Rio de Janeiro:
Como se fosse torta ou sarrabulho. Nem para ele apresenta solução!
1926 quase em completo estado de sítio e foi Imprensa Nacional, 1937. CAMPOS, Francisco. O Estado
o responsável pela criação de um campo de Nacional – Sua Estrutura, Seu Conteúdo Ideológico. 2. ed.
Raymundo Reis. A Obra . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 12. 01.09.1920. Página 05. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1940.
36 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 37

setores da economia, como acontecia com a Em particular para as organizações ope- tipografias; abordaram a situação da mulher Formação do pensamento e do movimento
política chamada “café com leite”. rárias, o governo Vargas implantou o modelo no lar e na fábrica; trataram do tema do amor anarquista no Brasil e a literatura
Vargas deu um passo mais adiante ao de sindicato único, referendado no modelo e da sexualidade; evidenciaram a importância especializada das Humanidades
considerar o estabelecimento de uma feição fascista. Este, por sua vez, assim como o mo- da estética na sociabilidade humana; divulga-
nacionalista para as instituições sociais. Procu- delo nazista, foi um plágio das iniciativas do ram o vegetarianismo e o esperanto; fundaram O movimento anarquista no Brasil,
rou sedimentar no conjunto da população um governo bolchevique da hoje extinta URSS. organizações antimilitaristas e anticlericais; quando de seus momentos mais marcantes
sentimento de nativismo chauvinista, através A concepção totalitária de partido único foi problematizaram as concepções racistas que em relação à intervenção no conjunto dos
de ações favorecedoras do estabelecimento de expandida para as organizações dos trabalha- grassaram entre a intelectualidade acadêmica acontecimentos na sociedade, como também
uma identidade brasileira. Nessa direção, ace- dores com a implantação do sindicato único. à época; assinalaram a relevância da questão quanto a uma maior visibilidade social, tem
nava com a necessidade de uma unificação em Em todos estes casos, está em atividade a ins- étnica para a compreensão da sociedade bra- sido razoavelmente estudado por pesquisado-
torno de sua liderança e da homogeneização tauração e atualização do pensamento único sileira, particularmente no que dizia respeito res e acadêmicos já há um considerável tempo,
da vida social. como forma de celebrar a estandardização da ao dinamismo do movimento operário; reali- razoavelmente, não pela qualidade dos estudos
Francisco Campos exerceu um papel por vida social, por meio de medidas de governo zaram atividades de caráter cultural e recrea- publicados, mas em relação ao material dis-
demais relevante tanto neste contexto como que visavam estabelecer um intenso processo tivo, como saraus, bailes e piqueniques, entre ponível em bibliotecas e arquivos, públicos e
na dinâmica deste processo. A educação ocu- de disciplinamento da sociedade como tam- outras iniciativas. particulares; em relação também à amplitude
pava um lugar de destaque em seus intentos bém manifestavam a busca de uma domesti- Essas e outras experiências implemen- e às possibilidades de enfoques como de va-
totalitários. Daí porque, ao lado da repressão cação dos setores populares recalcitrantes ou
tadas pelos anarquistas, além de sofrerem a riedade de abordagens investigativas que estes
aos diversos setores de atuação do movimento que lhe eram resistentes2.
repressão dos governos republicanos, foram materiais facultam ao pesquisador.
operário, conjugou ações afirmativas de uma Neste contexto social, totalmente adver- alvos de um calculado processo de apagamen-
so, no início da República, os trabalhadores Quanto aos estudos, os interessados e
ordem hierárquica e hierarquizante. to da memória social e dos desdobramentos
empreenderam diversas iniciativas. Simulta- estudiosos pelo assunto são beneficiados por
Nesse sentido, quando as escolas anar- centralizados e autoritários do Estado Novo. um leque significativamente amplo de pesqui-
quistas vinham sendo combatidas e fechadas neamente à ação em torno da organização em Muitos historiadores deixaram de fazer refe-
associações de classe, fomentaram atividades sas, bastante aprofundadas e contundentes,
pelos governantes, ao longo da experiência rência a estas contribuições e realizações do em que pesem outros discriminatórios, estes
republicana, quando os jornais eram empas- grevistas, manifestações públicas e congressos movimento operário sob orientação e vibração
em nível local, regional, nacional e internacio- últimos mais por conta de uma percepção ela-
telados, quando os sindicatos eram fechados, anarca, capturados pelos sentidos, à direita e à borada a partir de referenciais teóricos rígidos
quando as bibliotecas eram destruídas e os nal; organizaram diversos comitês tratando esquerda, das benfeitorias sociais via Estado.
de temas específicos, como dos presos, desa- e dogmáticos como também por concretiza-
livros apreendidos e destruídos, quando os Quando forçados pela própria história a re- rem uma projeção de demandas alheias ao
trabalhadores eram perseguidos, presos, tortu- parecidos e deportados, contra a exploração e gistrar a presença anarquista, como na criação
violência sobre as crianças e contra a carestia próprio pensamento e movimento em estudo.
rados, expulsos, deportados, assassinados, en- dos sindicatos e nas greves, o fizeram com o es-
de vida e a lei de expulsão de estrangeiros; Foram muito comuns, durante um
fim, quando, de um lado, persistia o arbítrio tereótipo de arcaísmo, obsolescência e atraso3.
fundaram escolas, ateneus, bibliotecas, grupos largo período de tempo, os estudos e as aná-
e a truculência governamental, de outro lado,
Vargas começou a fomentar, simultaneamente de teatro e algumas experiências com universi- 3 Um caso particular desta perspectiva, que se enquadra lises de aspectos, ou do conjunto das ideias
perfeitamente no tema deste tópico, é o estudo sobre o Tri-
à ação repressiva, a existência de instituições, dades para os trabalhadores; criaram jornais e e do movimento anarquista, a partir de al-
bunal de Segurança Nacional criado no início da década de
como as educacionais, dentro da esfera disci- revistas, publicaram livros e brochuras nas suas 1930, realizado por Reynaldo Pompeu de Campos. O au- guma perspectiva do universo conceitual e
plinar. As arbitrariedades do governo Vargas tor inicia, no primeiro capítulo, assinalando a insatisfação ideológico marxista. Não que isso não possa
junto aos trabalhadores eram complementadas
2 Sobre a Revolução de 30, ver: DECCA, Edgar de. 1930 – O “com a situação vigente”. Neste quadro, o autor destaca o e deva ser realizado. Muito pelo contrário, a
Silêncio dos Vencidos. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. movimento modernista, a fundação do PCB, os primeiros
com o estabelecimento de sindicatos atrelados liberdade na reflexão e análise das questões
Uma pesquisa que demonstra as proveniências fascistas dos grupos fascistas, a revolta do forte de Copacabana e a criação
ao Estado, de escolas com programas oficiais mais atuais planos e projetos educacionais de cunho nacional do Centro D. Vital. Mais adiante, refere-se aos anarquistas sociais deve ser o mais larga o quanto for
e obrigatórios, com restrição da liberdade de foi realizada por Guilherme Carlos Corrêa. Ver: CORRÊA, numa perspectiva de ativismo sem pensamento, de movi- possível. O problema, neste caso específico,
imprensa e consequente controle desta pelos Guilherme Carlos. Sobre Educação Contemporânea no mento meramente reivindicatório, de ideias imediatistas ou é quando as opções de abordagens enrijecem,
Brasil: escolarização, comunicação e anarquia. 2004. Tese arcaicas. Ver: CAMPOS, Reynaldo Pompeu de. Repressão
órgãos repressivos, e com uma relação de apa- negligenciam ou obscurecem dimensões do
(Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade judicial no Estado Novo: esquerda e direita no banco dos
relhamento dos segmentos sociais pelo Estado. Católica de São Paulo, 2004. réus. Rio de Janeiro: Achiamé, 1982. tema em estudo.
O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 39

Isso acontece, o mais das vezes, com os apresentam estas preocupações em documen-
FIAT LIBERTAS estudos sobre o pensamento e o movimento tar e registrar as feições do anarquismo de-
anarquista, a que cabe uma crítica em torno senvolvido no Brasil. Nesta revista, algumas
da forma de abordagem adotada pelo pesqui- seções indicam a preocupação em documentar
sador que produz estudos e pesquisas com os eventos relativos às atividades dos grupos
Não vistes? toda a tropa em armas, as bandeiras resultados possíveis de serem antecipados anarquistas, em diversas localidades, e elaborar
Ao sol vibrando ao vento as bandeiras desfeitas, através de uma perspectiva restritiva e fecha- reflexões em torno do movimento operário e
Dava à festa do povo um tom quente demais, da sobre si mesma, praticada conscientemente do movimento anarquista a partir das infor-
Como uma voz que abafa o eco de outras vozes, ou não. Contudo, não pretendo me estender mações coletadas.
Como um canto à surdina entre as canções triunfais! nos pormenores dessas reflexões realizadas ao Há, em A Vida, uma seção denominada
longo do século XX, nem tampouco fazer uma “Bibliografia brasileira sobre a questão social”.
Quando Roma alargava à religião do Cristo,
espécie de balanço comparativo entre estas, Nesta seção, os editores tinham a intenção de
mesmo porque isso seria outro trabalho. Apre- listar toda a publicação feita no Brasil abor-
Houve destes ardis, também fizeram disto:
sentarei, nos parágrafos seguintes, apenas um dando a vasta questão social. Há uma outra
Tomava-se o lugar sagrado ao deus pagão;
esboço rápido destes estudos, considerando-os seção intitulada “Relatórios e documentos –
Sobre o altar de Diana erguia-se outra imagem,
em conjunto, através das décadas, a partir dos subsídios para a história do movimento anar-
E quando vinha o povo outra vez à romagem, anos 50, período de iniciação nas universida- quista no Brasil”, com objetivo idêntico. A
Encontrava outro deus e outra religião! des de investigações em torno do movimento Plebe5, décadas depois, apresentou o mesmo
operário, até algumas pesquisas elaboradas nas cuidado, iniciando uma seção com o mesmo
É a festa do trono o que hoje se venera: décadas mais recentes. texto de A Vida. Desta vez, o autor é apresen-
Não é da redenção não é da nova era, Reflexões acerca das ideias e práticas tado: tratava-se de Neno Vasco.
Não é a nova luz do Lázaro, que sai efetivas no próprio movimento anarquista Desde fins dos anos 50 e durante a dé-
Do túmulo, em que foi séculos deixado; como, de um modo geral, no operariado, já cada de 60, foram publicados estudos focali-
Contra este erro fatal haja ao menos um brado, era procedimento com certa regularidade en- zando aspectos historiográficos do movimento
Contra o crime que passa, haja ao menos um ai! tre os próprios trabalhadores do período. A operário no início da industrialização no Bra-
revista Kultur registrou, no começo do século sil. A tônica geral destes estudos acadêmicos é
Não veem? Podeis não ver! Mas rompa em breve um grito XX, reflexões traçando o perfil do anarquismo de um movimento anarquista, no movimento
Da nossa rude voz, dura como o granito, no Brasil, nomes de maior projeção e as publi- operário, tratado ora enquanto expressão ana-
cações – jornais, revistas e livros – de grande crônica, ora obsoleta, mas sempre inquestio-
Retemperada aos sois na calma dos sertões,
circulação. Aqui o anarquismo manifestava as navelmente superada, possuindo importância
Engraçada ao ulular das hirtas cataratas,
influências das ideias comunistas de Kropo- relativa na formação da classe operária.
Que dispa corcéis alígeros das matas,
tkin, Reclus, Malatesta e Augustin Hamon. Essa apreciação fora lançada por As-
Que arranque o servo à gleba, o sono às multidões. O individualismo stirneano e o cristianismo trogildo Pereira6, egresso do anarquismo e
tolstoiano seguiam, em graus menores, influen- principal articulador da formação do Partido
Então, como hoje, em louca e nova efervescência ciando o anarquismo no Brasil. Comunista Brasileiro (PCB). Esta foi uma
Far-se-á de uma vez só a nossa independência, As colunas da revista anarquista A posição definitivamente unânime entre histo-
Teremos liberdade intensa, de uma vez; Vida4, publicada no Rio de Janeiro, também riadores e estudiosos marxistas. O historiador
E em todo o Continente americano, um brado
4 Ver na bibliografia a referência da edição em fac-símile 5 VASCO, Neno. Subsídios para a história do movimento
Como o que hoje soou, libertado do escravo, anarquista no Brasil. A Plebe. São Paulo, ano 3, n. 86, p. 3,
disponibilizada de A Vida. Na mesma coleção de publicações
Amanhã soará, – libertado dos reis! em fac-símile, fora publicado o jornal anarcossindicalista A 13 abr. 1935. (terceira fase).
Voz do Trabalhador e o Boletim da Escola Moderna Nº 1. No 6 Sobre as reflexões de Astrojildo Pereira, ver: PEREIRA, As-
entanto, estes dois últimos são de dificílima aquisição, pois trojildo. A formação do PCB. In: ______. Ensaios Históricos
Luiz Delfino. A Obra . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 02. 13.05.1914. Página 03.
foram publicados em reduzidos números de exemplares. e Políticos. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1979.
40 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 41

marxista Eric Hobsbawm também associou de iniciativas tidas como importantes para a alvo privilegiado para uma ação repressiva Os trabalhos de Edgar Rodrigues12, que
anarquismo à ideia de movimento político ar- sociedade perpetradas por ícones das finanças do Estado. A violência governamental rece- iniciou a coleta de materiais diversos do mo-
caico, romântico, primitivo, mais afeito a um e da política nacional. beu a sagração de verdade científica através vimento anarquista ainda nos anos 50 e que
período pré-industrial. Portanto, desta asserti- Esse ponto de vista, ao mesmo tempo da elocubração de intelectuais nacionalistas é o mais completo arquivista do movimento
va se deve a sua conclusão, definindo o anar- em que adota a posição de discurso cientí- que lançaram mão de teorias lombrosianas9 operário e do movimento anarquista no Brasil
quismo enquanto movimento pré-político, fico, verdadeiro e realista sobre fatos tidos como também através da ideia, difundida na e em Portugal, abordam esses movimentos a
portanto inadequado às sociedades industriais. na medida de concretos e objetivos, relega a sociedade, do anarquismo como uma “planta partir de uma perspectiva alheia aos dos ante-
Em diversos escritos, Hobsbawm7 apresentou população trabalhadora à importância nula. exógena”10. Haveria, nesta perspectiva, a su- riormente citados. Seu esforço em conservar e
o anarquismo como um pensamento ultrapas- Esta é reduzida a uma expressão no máximo gestão, senão mesmo a assertiva taxativa, da divulgar a memória e os eventos que dizem res-
sado, irracional e obsoleto, que nada tem a decorativa, mas de atuação insignificante nos existência de uma natureza pacifista do tra- peito ao movimento operário e ao movimento
contribuir com o pensamento socialista. eventos decisivos para a configuração das re- balhador brasileiro, não inclinado a conflitos anarquista no Brasil e em Portugal se insere nas
O movimento anarquista é apresentado lações sociopolíticas, econômicas e culturais. nem à forja de movimentos contestatórios iniciativas de conservação da memória levadas
nestes estudos como uma manifestação de um A esse respeito, é emblemático o tra- e revolucionários. Antes disso, a população a efeito dentro do movimento anarquista não
período transitório entre uma sociedade escra- tamento dado pelos estudiosos do processo brasileira era apresentada como possuidora de só no Brasil, mas em todo o mundo.
vocrata, monarquista e essencialmente agrária de industrialização e afirmação do capitalis- uma índole cordial, ordeira em seus costumes Nos anos 70, surgiram estudos realiza-
para uma outra com predomínio da vida urba- mo aos eventos relacionados com os luddi- e colaboradora habitual de um pretenso pro- dos por pesquisadores universitários que tra-
na e industrial enquanto motor da economia. tas, destruidores de máquinas na Inglaterra gresso nacional. Os primeiros estudos críticos taram com mais pormenores alguns detalhes
Segundo a perspectiva desses estudos, este pro- entre 1810 e 1813 no início da industriali- acadêmicos se caracterizam por uma discursi- da experiência do movimento operário e do
cesso de transformação social, em relação aos zação. A designação do movimento deve-se vidade pautada em memórias, conjugada a um movimento anarquista no Brasil. Entretan-
aspectos organizativos dos trabalhadores diante ao rumor espalhado na época de que havia enfoque sociológico e historiográfico, e seus to, esses estudos continuaram matizados por
da situação de exploração econômica e domi- um líder destas revoltas. Seu nome era Ned nomes representativos são Azis Simão, Vami- um forte conteúdo ideológico, de orientação
nação política, teve na fundação do PCB, em Ludd8, mas sua existência não foi possível reh Chacon, Edgar Carone11, entre outros. marxista, encontrado nos estudiosos citados
1922, seu corolário natural, fatal e inevitável. de ser confirmada. Frequentemente este mo- como Boris Fausto, Albertino Rodrigues, Pau-
Entretanto, no geral, esses primeiros es- vimento é apresentado como representante 9 Os anarquistas eram tidos na medida de uma variação de lo Sérgio Pinheiro, Maria Nazareth Ferreira,
criminosos por César Lombroso. Ver: LOMBROSO, Cé-
tudos possuem o mérito de abordar um tema de tendências retrógradas e irracionais diante Michael Hall13, à exceção, como dito mais
sar. O homem delinquente. Tradução, atualização, notas e
que até então não era nem considerado nas de um fenômeno social tido como inevitável. comentários de Maristele Bleggi e Oncar Antonio Corbo acima, dos trabalhos de Edgar Rodrigues.
pesquisas universitárias, enquanto matéria Sob esse diapasão, o anarquismo foi Garcia. Porto Alegre: Lenz, 2001. A partir dos anos 80, pesquisadores
válida nos estudos de aspectos importantes tratado no plano de exotismo e visto como 10 Sobre o tema da violência e repressão estatal sobre o prole- como Foot Hardman, Margareth Rago, Cristi-
tariado, ver particularmente: MENEZES, Lená Medeiros de.
na constituição da sociedade brasileira. O que
8 Sobre este assunto, ver: FERRER, Cristian. Os destruido- Os Indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, 12 Edgar Rodrigues publicou mais de quarenta livros, ten-
prevalecia, até então, na historiografia oficial res de máquinas. Libertárias – Revista trimestral de cultura crime e expulsão na Capital Federal (1890-1930). Rio de Ja- do iniciado a divulgação em fins dos anos 50. Além disso,
era uma história enquanto narrativa dos feitos libertária, São Paulo, n. 4, dez. 1998. p. 5-10. Também SALE, neiro: EdUERJ, 1996. AZEVEDO, Raquel de. A Resistência encontra-se no prelo quase uma dezena de livros inéditos.
memoráveis praticados pelas grandes persona- Kirkpatrick. Inimigos do Futuro: a guerra dos ludditas contra Anarquista: uma questão de identidade (1927-1937). São Suas primeiras publicações são as seguintes: RODRIGUES,
a revolução industrial e o desemprego: lições para o presen- Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2002. A vasta Edgar. Na Inquisição de Salazar. Rio de Janeiro: Germinal,
lidades políticas, pelos vultos nacionais, go-
te. Tradução de Valéria Rodrigues. Rio de Janeiro; Record, obra de Edgar Rodrigues também constitui fonte para um 1957. RODRIGUES, Edgar. A Fome em Portugal. Rio de
vernantes, industriais, enfim, como narrativas 1999. Este livro combina uma exposição de dados históricos conhecimento da situação de intensa repressão perpetrada Janeiro: Germinal, 1958. RODRIGUES, Edgar. O Retrato
à análise das ideias colocadas em efeito pelos ludditas. Neste pelos governantes e pelo patronato sobre os trabalhadores da Ditadura Portuguesa. Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1962.
7 HOBSBAWM, Eric. J. Bandidos. Tradução de Donaldson sentido, o autor se coloca como integrante de um movimento no Brasil e em Portugal. 13 FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social
Magalhães Garschagen. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, neo-luddita contemporâneo, contestando os rumos tomados 11 BANDEIRA, Moniz. O Ano Vermelho: a revolução rus- (1890-1920). São Paulo: DIFEL, 1977. PINHEIRO, Paulo
1976. HOBSBAWM, Eric J. Rebeldes Primitivos: estudo pela sociedade tecnológica. Outro autor fundamental para sa e seus reflexos no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1980. Sérgio; HALL, Michael. A Classe Operária no Brasil: 1889-
sobre as formas arcaicas dos movimentos sociais nos séculos o entendimento deste movimento é Schumacher. Seu livro CHACON, Vamireh. História das Ideias Socialistas no Brasil. 1930 – Documentos – o movimento operário. São Paulo: Alfa
XIX e XX. Tradução de Nice Rissone Rio de Janeiro: Zahar, expõe suas ideias acerca da instauração de uma economia Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. SIMÃO, Azis. Omega, 1979. v. 1. RODRIGUES, José Albertino. Sindicato
1970. HOBSBAWM, Eric J. Reflexões sobre o Anarquismo. descentralizada, ecológica e em pequena escala para o mundo Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus/EDUSP, 1966. CA- e Desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Símbolo, 1979.
In: HOBSBAWM, Eric J. Revolucionários: ensaios contem- atual. Ver: SCHUMACHER, E. F. O negócio é ser pequeno: RONE, Edgar. Movimento Operário no Brasil (1877-1944). FERREIRA, Maria Nazareth. A Imprensa Operária no Brasil.
porâneos. Tradução de João Carlos; Vitor Garcia; Adelângela um estudo de economia que leva em conta as pessoas. Tra- São Paulo: DIFEL, 1984. São Paulo: Vozes, 1978.
Saggioro Garcia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. dução de Otávio Alves Velho. Rio de Janeiro; Zahar, 1983.
42 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 43

na Campos14, entre outros, elaboraram novos a um maior público interessado, para além Esses estudos, no maioria das vezes, ca- Via de regra, a literatura historiográfi-
estudos do movimento anarquista. Os brasilia- do restrito campo de especialistas estudiosos racterizam-se pelo afastamento maior de uma ca das diversas disciplinas das chamadas Hu-
nistas John Foster Dulles e Silvia Lang Mag- da matéria. Muitos outros estão ainda sob a perspectiva de reclame de alguma ausência de manidades, no Brasil, anula de seu registro
nani15 procuraram apresentar uma sucessão forma de monografia de fim de curso, disser- teoria própria ou carência metodológica ine- qualquer referência às contribuições reflexi-
de dados históricos com a pretensão de que tação de mestrado ou tese de doutorado, à rente ao anarquismo enquanto pensamento e vas deixadas pelos integrantes do movimento
eles falassem por si mesmos. Apesar de ainda disposição de um reduzido número de leitores, movimento social. Detêm-se mais em torno anarquista. Tomando algum exemplar desta
prevalecer a interpretação marxista, vinculada nas instituições de ensino superior no Brasil16. das propostas e realizações dos diretamente literatura – abordando a produção realizada
a um enfoque detido nas relações de produção 16 Para um conhecimento acerca de algumas pesquisas pu-
envolvidos. Em que pesem as contribuições no Brasil pelos trabalhadores vinculados ao
ou na determinação das condições sociais de blicadas em torno de figuras anarquistas, ver: SANT’ANA, destes trabalhos, que, em sua esmagadora anarquismo, relativo às ideias filosóficas e eco-
época, estes são estudos voltados para outras Moacir Medeiros de. Elysio de Carvalho, um militante do maioria, registraram experiências no âmbito da nômicas, à reflexão da constituição étnica di-
dimensões da sociabilidade humana. anarquismo. Maceió/Brasília: Arquivo de Alagoas, 1982. perspectiva historiográfica e sociológica, quer versa e à experiência com a alteridade, à pon-
LEITE, Miriam Lifchitz. A Outra Face do Feminismo: Ma-
Assim, Foot Hardman tratou da cul- ria Lacerda de Moura. São Paulo: Ática, 1984. DUARTE,
abordando biografias, quer tratando das reali- deração sobre a farta produção sociológica e
tura operária abordando aspectos relativos a Regina Horta. A Imagem Rebelde: A Trajetória Libertária de zações anarquistas com associações de classe, das ciências políticas – o mutismo sistemático
música, festas e iniciativas de propaganda de Avelino Fóscolo. Campinas, São Paulo: Pontes, 1992. RO- imprensa, teatro e escola, quase nada se pro- é deveras curioso, para não dizer sintomático
MANI, Carlo. Oresti Ristori: uma aventura anarquista. São duziu propriamente em torno de uma elabora- e revelador. Essas reflexões delineiam a exis-
ideias através de espetáculos teatrais e pique-
Paulo: Annablume, 2002. NASCIMENTO, Rogério H. Z.
niques. Margareth Rago evidenciou o dia a Florentino de Carvalho: pensamento social de um anarquis-
ção coletiva do pensamento social anarquista. tência do anarquismo como simples ativismo,
dia operário relacionando a vida doméstica à ta. Rio de Janeiro: Achiamé, 2000. JEREMIAS, Marcolino; Mesmos as pesquisas sobre educação e escola vazio em criação de ideias.
situação do cotidiano feminino na sociedade SILVA, Liana Ferreira da; SILVA, Rodrigo Rosa da; RAMOS, anarquistas desconsideram essa abordagem. Ana Maria Fernandes17, em sua pesquisa
Leandro Márcio (Orgs.). Três Depoimentos Libertários –
e na fábrica, com as lutas políticas (não par- É claro que é impossível tratar este ou sobre ciência no Brasil e a Sociedade Brasileira
Edgar Rodrigues, Jaime Cubero, Diego Gimenez Moreno.
tidárias) levadas a efeito pelos trabalhadores. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. Um estudo desta natureza, aquele movimento social numa perspectiva para o Progresso da Ciência (SBPC), fez uma
Nos anos 90, mais estudos foram reali- ainda que com uma anarquista italiana radicada no Uruguai, histórica sem remeter às ideias que orientam, alusão rápida ao anarquismo e ao socialismo.
foi realizado por Margareth Rago. Ver: RAGO, Margareth. balizam ou convulsionam seu dinamismo. No Entretanto, nessa sua referência, reduz tais
zados tomando como foco privilegiado alguns
Entre a História e a Liberdade: Lucce Fabbri e o anarquismo
aspectos particulares do movimento anarquis- entanto, o enfoque convencional tem menos- movimentos a aspectos relativos a eventos de
contemporâneo. São Paulo: UNESPE, 2000. Estes estudos
ta, como imprensa, teatro e escolas. Contudo, são ainda minoritários quanto a anarquistas que se formaram prezado o assunto, aparecendo no texto como grandes comoções sociais. Em sua perspectiva,
desde a década anterior, iniciaram-se pesquisas e atuaram no Brasil, consistindo num dos campos abertos um efeito que não pode ser considerado nem anarquismo e socialismo são percebidos como
para a elaboração de diversas pesquisas. Algumas personagens secundário. A abordagem privilegiada, nestes es- meros componentes integrantes do conturba-
centradas na análise em torno de trajetória
que aguardam pesquisas são Gigi Damiani, as irmãs Maria
biográfica ou do pensamento social de alguns critos, deixa de lado as questões relativas à elabo- do contexto social abrangente no Brasil dos
Antonia Soares e Angelina Soares, Rodolfo Felipe, Hermínio
anarquistas mais conhecidos. Marcos, Isabel Cerruti, Orlando Corrêa Lopes, Domingos ração pelos trabalhadores de um conhecimento primeiros anos da República.
Alguns destes estudos foram publica- Ribeiro Filho, Domingos Passos, Zenon de Almeida, Polydo- original realizado numa dinâmica coletiva. Nesse sentido, desconsiderou a existên-
ro Santos, entre tantos outros. Uma publicação registrando
dos em forma de livro, facilitando o acesso Disso resulta uma espantosa lacuna, cia de uma contribuição particular deixada
e analisando depoimentos de militantes anarquistas octoge-
nários e nonagenários foi realizada por Givanildo Avelino. na literatura especializada, quanto às ideias à configuração de um pensamento político,
14 HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria Nem Patrão: Ver: AVELINO, Givanildo Oliveira. Anarquistas – ética e filosóficas, econômicas, antropológicas e so- filosófico e sociológico, só para ficar nestes
memória operária, cultura e literatura no Brasil. 3. ed. ver. antologia de existências. Rio de Janeiro: Achiamé, 2004. As ciopolíticas; quanto às produções de estudos três campos das Humanidades. A autora des-
e ampl. São Paulo: UNESP, 2002. CAMPOS, Cristina He- obras de Edgar Rodrigues apresentam notas biográficas sobre
bling. O Sonhar Libertário (Movimento Operário dos anos e de pesquisas em torno de um pensamento tacou as convulsões sociais, sobretudo com
diversos personagens anarquistas. No entanto, uma delas se
1917 a 1921). Campinas, São Paulo: Pontes/UNICAMP, detém mais especificamente em torno de diversos nomes, social, elaborado no Brasil de forma coletiva as grandes greves que agitaram a sociedade
1988. RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: utopia da ci- colocando aspectos relacionados à atuação e à biografia de e diferenciado nos países centrais; também brasileira durante os anos de 1910 e 1920,
dade disciplinar (1890-1930). Rio de Janeiro: Paz e Terra, cada anarquista contemplado neste seu livro publicado em quanto à análise, ou ao registro, das contribui- abalando as vigentes instituições sociais, cul-
1985. cinco volumes. Ver: RODRIGUES, Edgar. Os Companhei-
ções intelectuais deixadas pelos trabalhadores turais e políticas.
15DULLES, John F. Anarquistas e Comunistas no Brasil. ros – 1. Rio de Janeiro: VJR Editores Associados, 1994. v.
Tradução de César Parreiras Horta. Rio de Janeiro: Nova 1. RODRIGUES, Edgar. Os Companheiros – 2. Rio de integrantes do movimento anarquista.
Fronteira, 1977. MAGNANI, Silvia Lang. O Movimento Janeiro: VJR Editores Associados, 1995. v. 2. RODRIGUES,
Anarquista em São Paulo (1906-1917). São Paulo: Brasilien- Edgar. Os Companheiros – 3. Florianópolis: Editora Insular, Florianópolis: Editora Insular, 1997. v. 4. RODRIGUES, 17 FERNANDES, Ana Maria. A construção da ciência no
se, 1982. 1997. v. 3. RODRIGUES, Edgar. Os Companheiros – 4. Edgar. Os Companheiros – 5. Florianópolis: Editora Insular, Brasil e a SBPC. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. v. 5. 2000.
44 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 45

O historiador das ciências sociais no ção comemorativa de seu primeiro número lidade antiautoritária, atormentado por uma e teve como demais integrantes Ilya Prigogine,
Brasil Sérgio Miceli18 registrou, como marco – contendo neste volume acréscimo de alguns repressão violenta em diferentes momentos de Peter J. Taylor, Dominique Lecourt, entre ou-
sua história, e em todos os países, vai achar sua
primeiro da produção de um saber coletivo e textos introdutórios –, é apresentada como expressão culminante, e ali sucumbir, sobre tros nomes de projeção mundial23.
institucional diferenciado da matriz europeia primeira publicação no Brasil dentro das Ci- as barricadas da Revolução espanhola. Desde O resultado dos dois anos de pesquisa
ou estadunidense, a fundação da Escola Li- ências Sociais. Nesta publicação, a esmagadora então, as oligarquias bem-pensantes e a intelli- acerca da situação contemporânea das Ciên-
vre de Sociologia e Política de São Paulo e da maioria dos artigos apresentados consiste em gentsia ocidental conseguiram escamotear da
história esse espectro criado sobre o anarquismo cias Sociais, como também de futuros des-
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da traduções de textos, com conteúdos teóricos que ousou combater o direito da classe domi- dobramentos, considerou em seu enfoque o
Universidade de São Paulo, respectivamente e/ ou metodológicos, de pesquisadores estran- nante de comandar e seu sacrossanto ‘princípio processo histórico de sua formação desde o sé-
em 1933 e 193419. geiros, quer seja de clássicos da sociologia dos de autoridade’. culo XVIII até o período pós-segunda guerra.
Nas obras de Miceli, reverbera o padrão estudiosos da época. Para lograr êxito, esses zeladores da ordem Quando da abordagem, numa perspectiva da
consagrado de história oficial, que considera Aparentemente este constitui um pa- estabelecida tiveram a seu favor duas grandes atual situação das ciências sociais, o relatório
guerras, os totalitarismos nazista e fascista, a
apenas como vertente válida os acontecimen- drão instituído dentro da tradição das Ciên- repressão brutal de toda insurreição, na Rússia, da comissão focalizou os temas abordados nes-
tos existentes exclusivamente dentro da esfera cias Sociais a partir particularmente do fim na Alemanha, na Espanha, na América Latina, te período mais recente. Pois bem, este estudo
dos eventos oficiais, institucionais e relativos da Revolução Espanhola (1936-1939)21. Co- a tomada ilegítima do monopólio da ideologia não faz referência em nenhum momento à
a grandes personagens, símbolos nacionais e lombo, fazendo uma ligeira resenha do movi- revolucionária pelo Estado bolchevique e pela contribuição deixada às ciências sociais pelos
Guerra Fria. Devemos nos surpreender com
datas comemorativas. Neste opera, tal qual os mento e do pensamento anarquista eclipsados o fato de que as massas permanecem apáticas, pensadores anarquistas na esfera dos debates
historiadores oficiais ou oficiosos, um silencia- nas narrativas historiográficas consagradas, como que embotadas, diante de tal barbárie?22 conceitual e metodológico.
mento, ou mesmo um esquecimento, calcula- alvos privilegiados de um calculado processo A derrota da experiência autogestionária
do ou não, das expressões realizadas fora, para de ocultamento nos textos dos estudiosos da na Espanha foi o sinal para o começo da Se-
não dizer contra, à perspectiva apologética de sociedade a partir do segundo pós-guerra, diz Apesar de a perspectiva de Colombo vi-
gunda Guerra Mundial. A esta, sucedeu uma
notoriedades e de acontecimentos dentro de o seguinte: timizar os anarquistas espanhóis, ignorando
epidemia de governos ditatoriais, à “direita”
um dinamismo instaurador de hierarquias contribuição dos próprios anarquistas nas cau-
ou à “esquerda”, por todos os continentes,
institucionais. sas de sua derrota, merece ser registrada por
As organizações da classe operária, e a impul- como um sintoma de revanche da reação so-
são revolucionária que as anima, tomam forma conta do desdobramento seguido ao desfecho
A revista Sociologia20, publicada em bre os ímpetos libertários. Esse desfecho só foi
pouco a pouco na Europa a partir da revolu- da experiência autogestionária na Espanha,
1940 e beneficiada em 1987 de uma reedi- possível por conta da conjugação de esforços
ção de 1848; dão-se uma dimensão à pretensão em 1939. O autor assinala aspectos relevantes
internacional desde 1864 e afirmam sua fina- de toda a reação internacional como também
18 MICELI, Sérgio (Org.). História das Ciências Sociais para a compreensão do que estou analisando
à reação interna à Espanha, efetivada através
no Brasil. São Paulo: Vértice, Revista dos Tribunais, IDESP, (Série Ciências Sociais, v. 1). CARVALHO, Nanci Valadares nesta pesquisa. Entretanto esses procedimen-
1989. v. 1. MICELI, Sérgio (Org.). História das Ciências da ação articulada entre Stálin, Hitler24, Mus-
de (Coord.). Leituras Sociológicas. São Paulo: Vértice, Revista tos de ocultamento e exclusão também se dão
Sociais no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré, FAPESP, 1995. dos Tribunais, 1987. solini e Franco.
v. 2. MICELI, Sérgio. Intelectuais à Brasileira. São Paulo:
quando Colombo apresenta os anarquistas
21 Sobre o processo sociopolítico da Revolução Espanhola, espanhóis como vítimas passivas da ação de É claro que alguns segmentos expres-
Companhia das Letras, 2001. Ver também: AGUIAR, Ro-
naldo Conde. Pequena Bibliografia do Pensamento Social
ver: PEIRATS, José. Los Anarquistas em la Crisis Política
algozes fascistas. sivos dentro do anarquismo estavam fascina-
Española. Madrid, Espanha: Jucar, 1977. MANFRÉDO-
Brasileiro. Brasília: Paralelo 15; São Paulo: Marco Zero, 2000. dos e encantados com campos e promessas do
NIA, Gaétano. Espanha Libertária: a revolução social contra Em 1993, a Fundação Calouste Gul-
19 Para situar a concepção e criação da Universidade de São o fascismo. Tradução de Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: transcendente dinamismo divinal vigente. Isso
benkian formou uma comissão denominada
Paulo dentro dos objetivos de uma camada da elite paulista, Imaginário, Expressão e Arte, 2002. WOODCOCK, George. observo quando encontro sintonia de corren-
ver: CARDOSO, Irene R. A universidade da Comunhão Comissão Gulbenkian a fim de investigar a si-
Anarquismo: uma história das ideias e movimentos libertários tes anarquistas – como a sindicalista, a comu-
Paulista. São Paulo: Autores Associados, Cortez, 1982. Muito – O Movimento. Tradução de Alice K. Miyashiro; Heitor Fer- tuação atual das ciências sociais e as suas pers-
significativa na compreensão deste assunto é também a sé- nista, a individualista e a coletivista – com a
reira da Costa; José Antonio Arantes; Júlia Tettamanzy. Porto pectivas para o futuro. Essa comissão foi coor-
rie de entrevistas realizadas por Sônia Maria de Freitas com Alegre: L&PM, 1984. v. 2. Sobre seus aspectos econômicos, 23 COMISSÃO Gulbenkian para Reestruturação das Ciên-
diversas personagens que marcaram a história da criação da
denada pelo historiador Immanuel Wallerstein
ver: SANTILLÁN, Diego Abad de. O Organismo Econô- cias Sociais. Para Abrir as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez,
USP, como Antonio Candido de Mello e Souza, Benedito mico da Revolução: a autogestão na Revolução Espanhola. 1996.
22 COLOMBO, Eduardo. Apresentação à edição brasileira.
Castrucci e Miriam L. Moreira Leite. Ver: FREITAS, Sônia Tradução de Arnaldo Spindel; Pierre André Ruprecht. São In: ______ et alii. História do Movimento Operário Revo- 24 Para uma história do processo de elaboração e assinatura
Maria de. Reminiscências. São Paulo: Maltese, 1993. Paulo: Brasiliense, 1980. LEVAL, Gaston (et alii). Autoges- lucionário. Tradução de Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: do pacto Hitler/Stalin e as suas repercussões na esquerda
20 BARRETO, Romano; WILLEMS, Emilio (Org.). Leituras tão e Anarquismo. Tradução de Plínio Augusto Coêlho. São Imaginário; São Caetano do Sul: IMES, Observatório de brasileira, ver: SILVEIRA, Joel; MORAES NETO, Geneton.
Sociológicas. São Paulo: Edições da Revista Sociológica, 1940. Paulo: Imaginário, 2002. Políticas Sociais, 2004. p. 12. Hitler/Stalin: o pacto maldito. Rio de Janeiro: Record, 1990.
46 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 47

mística modernidade: trata-se de providência, terras brasileiras, não há referência em torno ja do Apostolado Positivista no Brasil, Teixeira os, excluindo em bloco os contatos destes
também de acenos de conforto e sossego com da contribuição original deixada pelo movi- Mendes. Nesta polêmica, ficou registrada a com as ideias libertárias, com os pensadores
uma alta, intensa e crescente tecnologia, de mento anarquista. Por sua vez, esta contribui- impressão dos anarquistas sobre as ideias de- e militantes anarquistas de sua própria épo-
eternidade, pacificação, quietude, segurança ção pode ser verificada através da elaboração fendidas pelo positivismo, como também a ca. As ponderações elaboradas por diversos
– materiais constitutivos dos paraísos – que de reflexões acerca de questões urgentes no apreciação de um positivista de reconhecimen- estudiosos e comentadores acerca da confor-
expressam o campo da vontade destes anar- mundo e, no Brasil, postas para o debate do to inquestionável sobre o anarquismo. Alguns mação do pensamento social de Karl Marx,
quismos, irmanando-os aos padres modernos. conjunto da sociedade e registradas em diver- dos temas surgidos neste debate dizem res- Émile Durkheim e Max Weber, estes que são
Por fim, essas expressões anárquicas findaram sos impressos do período. peito a ciência, liberdade, ordem e desordem os chamados clássicos das ciências sociais, não
construindo sua cova ao prepararem a cama Mesmo a história da filosofia no Brasil social, egoísmo e altruísmo. focalizam suas relações com os textos elabo-
para aqueles que consideravam inimigos, mas não remete às contribuições de anarquistas As revistas Kultur (1904) e Na barrica- rados pelos chamados clássicos do pensamen-
com os quais tinham muito mais em comum nascidos ou “formados” enquanto pessoas da (1915), do Rio de Janeiro, e o Boletim da to anarquista. Relações estas que, no caso de
do que imaginavam. e militantes no Brasil. Tiago Adão Lara26, Escola Moderna nº 1 (1918-1919) e Aurora Marx e Proudhon, foram também pessoais.
Por sua vez, o esforço conjugado do tratando do percurso da razão no ocidente, (1905), de São Paulo, entre outros, também Entre Marx, Durkheim e Weber, Marx
fascismo internacional sobre a Espanha, der- abordou os caminhos da filosofia no Brasil, expuseram em suas colunas o debate sobre foi quem mais contato teve com as ideias
rotando o movimento revolucionário de ex- aludindo ao anarquismo apenas enquanto anarquismo, positivismo e spencerismo. As dos pensadores anarquistas, tendo produzi-
pressão libertária em 1939, contribuiu para elemento constituinte do cenário conflitante matérias expostas em Kultur problematizan- do diversos livros a partir destes encontros.
estreitar as relações entre a Alemanha hitlerista dos movimentos sociais nos primeiros anos da do postulados positivistas provocaram Teixei- Durkheim, em seu texto sobre socialismo, faz
e a URSS stalinista. Estas relações foram con- República. Não menciona os debates filosófi- ra Mendes, levando-o a escrever a Elysio de uma rápida alusão a Proudhon27.
solidadas através de um pacto econômico e de cos então existentes, nem tampouco alguma Carvalho breve carta refutando suas críticas.
27 DURKHEIM, Émile. A Ciência Social e a Ação. Tra-
não agressão firmado secretamente entre os contribuição original realizada pelos trabalha- Esta carta favoreceu um debate entre ambos. dução de Inês Duarte Ferreira. São Paulo: DIFEL, 1975.
dois países, em meados de 1939. O fenôme- dores neste campo do saber. Também o Boletim da Escola Moderna Nº 1 DURKHEIM, Émile. Socialismo: Émile Durkheim, Max
no da segunda conflagração bélica mundial e publicou uma extensa carta do vice-diretor Weber. Tradução de Ângela Ramalho; Antonia Bandeira. Rio
Como afirmado mais acima, estes sub-
de Janeiro: Relumé-Dumará, 1993. Sobre as polêmicas entre
seus posteriores desdobramentos transformou sídios são facilmente encontrados em jornais, do Apostolado Positivista no Brasil, seguido
Karl Marx e Max Stirner, ver: SOUZA, José Crisóstomo de.
não apenas uma cartografia política interna- revistas, brochuras e livros publicados pelos de uma exposição de cordiais ponderações A Questão da Individualidade: a crítica do humano e do
cional, mas também alterou um mapa rela- anarquistas neste período. As abordagens das elaborada por integrante do coletivo editorial. social na polêmica Stirner-Marx. Campinas, São Paulo: UNI-
tivo ao pensamento social, ocasião em que o CAMP, 1993. Entre Karl Marx e Pierre-Joseph Proudhon,
ideias filosóficas clássicas elaboradas pelos Os manuais de sociologia, utilizados
ver as seguintes obras: o texto de introdução elaborado pelos
pensamento anarquista, malquisto tanto pela anarquistas, como as que lhe eram contem- contemporaneamente nos diversos cursos das organizadores da coletânea PASSETTI, Edson; RESENDE,
esquerda como pela direita, acompanhou o porâneas, aconteceram não só em debates, Humanidades nas universidades brasileiras, Paulo-Edgar (Org.). Proudhon. Tradução de Célia Gambini,
refluxo e o ostracismo a que o movimento que conferências e palestras. Os jornais e livros anulam uma apreciação acerca das contribui- Eunice Ornelas Setti. São Paulo: Ática, 1986. GURVITCH,
o expressara fora relegado25. Georges. A Vocação Atual da Sociologia.Tradução de Orlando
anarquistas registram, em suas colunas e pá- ções deixadas pelos anarquistas ao pensamento
Daniel. Lisboa, Portugal: Cosmos; Santos, São Paulo: Mar-
Se, na grande parte dos textos historio- ginas, o conhecimento pelos trabalhadores de social. Mesmo porque falar de socialismo e das tins Fontes, 1979. 2 v. GURVITCH, Georges. Proudhon
gráficos consagrados contemporaneamente, filósofos e escolas filosóficas as mais diversas. reflexões quanto às questões sociais na Europa e Marx. Tradução de Luz Cary. Lisboa, Portugal: Presença;
o movimento anarquista é apresentado ainda Restringindo-me a um exemplo, a revis- do século XIX é impossível sem remeter pelo São Paulo: Martins Fontes, 1980. v. 2. GURVITCH, Geor-
ges. Proudhon. Tradução de Lurdes Jacob; Jorge Ramalho.
vinculado ao estereotipo de pré-político e de ta anarquista A Vida guarda em suas colunas menos, em que pesem os diversos trabalhos
Lisboa, Portugal: Edições 70, 1983. MENEZES, Djacir.
arcaísmo, mais afeito à ideia de rebeldias pri- um debate profícuo entre um integrante do escritos por Kropotkin e Réclus e à presença Proudhon, Hegel e a dialética. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
mitivas e românticas, nos textos acerca de uma grupo de redatores com o vice-diretor da Igre- pessoal de Bakunin em todas as revoluções JACKSON, J. Hampden. Marx, Proudhon e o Socialismo
história do pensamento social elaborado em de seu século, ao pensamento de Proudhon. Europeu. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Za-
26 LARA, Tiago Adão. Caminhos da Razão no Ocidente: a har, 1963. Nos beneficiamos com duas recentes publicações
25 Apresento um rápido estudo apresentando, em forma de filosofia ocidental do Renascimento aos nossos dias. Petrópo- Geralmente, esses manuais apresentam no Brasil: MARX, Karl. Miséria da Filosofia. Tradução e
esboço, as contribuições deixadas pelos pensadores anarquis- lis; Vozes, 1986. Sobre a trajetória da filosofia no Brasil, ver uma contextualização dos embates teóricos, notas de José Carlos Orsi Morel. São Paulo: Ícone, 2004,
tas clássicos ao pensamento social: NASCIMENTO, Rogério também: VITA, Luis Washington. Panorama da Filosofia no havidos entre os chamados clássicos da so- contendo as notas elaboradas por Proudhon, além de um
H. Z. Anarquia nas Humanidades: perspectiva negativista no Brasil. Porto Alegre: Globo, 1969. GUIMARÃES, Aquiles texto introdutório situando esta obra polêmica; a segunda
ciologia com alguns de seus contemporâne-
estudo da sociedade. Revista Ariús – Centro de Humanidades Côrtes. Pequenos Estudos de Filosofia Brasileira. 2. ed., rev. publicação é: PROUDHON, Pierre-Joseph. Sistema das
da UFCG. Campina Grande, n. 11, 2002. p. 72-82. e corr. Rio de Janeiro: NAU, 1997.
O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 49

À MULHER OPERÁRIA A exceção dessa lacuna nos manuais Leste como a Oeste. Creio ser esta a maior ho-
de sociologia é Georges Gurvitch que, além menagem que podemos prestar-lhe”29.
de ter situado o debate havido entre Marx Outro aspecto a ser considerado nesta
Definhas, carne em flor, nessa estufa doentia Para o mundo atual, tu és, unicamente, e Proudhon em seu manual de sociologia28, reflexão é o fato do total desconhecimento,
Onde impera o trabalho e reina a tirania, A fonte do dinheiro, a máquina inconsciente, registrando o débito do primeiro para com nos atuais cursos superiores das humanida-
Onde a fome, roaz, brama de sol a sol. O ventre fértil que produz, a preço vil, o segundo, abordou em outras obras as re- des no Brasil, sobre os referidos livros, textos
Brotaste na miséria e estás predestinada A carne do prazer para os grandes da terra, lações tumultuadas entre ambos, chegando de jornais e brochuras que contêm reflexões
A sofrer, trabalhar e morrer estiolada, A carne do canhão para dar pasto à guerra a produzir um livro especificamente sobre o sobre a sociedade na qual os trabalhadores se
Sem que brilhe em teu seio a luz de um arrebol. E a carne que o industrial devora em seu covil! pensamento social de Proudhon. Neste livro, encontravam inseridos. Esse desconhecimento
Gurvitch analisou o pensamento social de se desdobra na impossibilidade de alguma re-
Nesse inferno a que fostes atirada – a Oficina – Ó mulher infeliz, luta, trabalha, morre! Proudhon considerando-o em seus aspectos ferência e mesmo nenhuma utilização destas
A burguesia vil, corrutora, assassina, Mas o sangue, o suor que da fronte te escorre filosóficos, sociológicos e de doutrina social produções nas aulas dos cursos.
Com sólidos grilhões te enleou e te prendeu. Vai formando esse mar de fúria e indignação e política. Encerrou o livro com a seguinte Os cursos de História, por exemplo,
E o infandto Capital o teu suor devora, Que há de, enfim, subverter o negro Despotismo conclusão: “Cem anos após a sua morte, a não usam textos nem livros historiográficos
Como a águia da Legenda espedaçava outrora E de onde há de emergir, após o cataclismo, actualidade de Proudhon impõe-se tanto a que registram alguns eventos decisivos nas
A rija carnação do bravo Prometeu. Um mundo mais humano e sem falta de pão!
histórias locais, regionais e mesmo de alcance
Contradições Econômicas ou Filosofia da Miséria. Tradução
nacional a partir de uma perspectiva de quem
J. C. Morel. São Paulo: Ícone, 2003. t. 1, em que o leitor
pode acompanhar, na introdução elaborada por Morel, uma vivenciou os fenômenos sociais. Um flagrante
Raimundo Reis. A Plebe . São Paulo – SP. Nova fase. Nº 21. 22.04.1933. Página 02. exposição da polêmica. Entre Karl Marx e Mikhail Alexan- desta assertiva consiste no episódio da guerra
drovitch Bakunin, ver: NORTE, Sérgio Augusto Queiroz. civil constitucionalista iniciada pelo estado de
Bakunin: Sangue, Suor e Barricadas. Campinas, São Paulo:
São Paulo contra o governo federal, no ano de
Papirus, 1988. BARRUÉ, Jean. Bakunin e Netchaiev (Três
Estudos sobre Bakunin). In: ______. O Anarquismo Hoje. 1932. Esta foi uma extraordinária comoção
Lisboa: Assírio & Alvim, 1976. Do próprio Bakunin acerca cívica que, tendo eclodido numa particular
OSSOS do pensamento político de Marx, ver: BAKUNIN, Mikhail localidade de um dos estados da Região Su-
A. Escrito Contra Marx: conflitos na Internacional. Tradu-
deste, findou por repercutir diferentemente
ção de Plínio Augusto Coelho. Brasília, DF: Novos Tempos,
1989. Sobre reflexões acerca do pensamento político de Karl em outros estados.
Hoje, ao reler as páginas sombrias É o mesmo corpo, o mesmo penetrante Marx e Friedrich Engels como de seus mais destacados se- Diante de uma vasta literatura historio-
Das dúvidas de outrora, Olhar que se dilata, guidores, ver: FERREIRA, José Maria Carvalho. Portugal
gráfica30 produzida por generais, revolucioná-
E ao ver como importuna tu sorrias, E que vive e que morre num instante, no Contexto da “Transição para o Socialismo”: história de
Em lugar de sorrir, minh’alma chora. E ao mesmo tempo vivifica e mata. um equívoco. Blumenau, Santa Catarina: FURB, 1997, so- rios, jornalistas e envolvidos em um dos lados
bretudo a primeira parte e a conclusão. Por fim, para uma
Chora, porque lembrar passadas cousas A retina parece que condensa abordagem geral, a partir de uma perspectiva anarquista do 29 GURVITCH, Georges. Proudhon. Tradução de Lurdes
É procurar motivo A visão derradeira pensamento sociopolítico de Karl Marx, ver particularmente Jacob; Jorge Ramalho. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1983.
Para desenterrar de sob as lousas De quem, ungido da suprema crença, a coletânea: JOYEUX, Maurice et alii. Os anarquistas julgam 30 Sobre a guerra civil de 1932, em São Paulo, ver: DE PAU-
O que, supondo morto, está bem vivo. Vai habitar a terra hospitaleira. Marx. Tradução de Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Imagi- LA, Jeziel. 1932: imagens construindo a história. Campinas,
nário, 2001. Nesta coletânea, há um artigo de Gaston Leval São Paulo: UNICAMP; Piracicaba, São Paulo: UNIMEP,
E que funda impressão tem quem exuma E depois de passados longos anos intitulado “Bakunin e o Estado Marxista”, em que o autor 1998. Um dos objetivos desta pesquisa foi fazer uma relação
Uma sombra gelada! De cruciante tortura, procede a uma análise comparativa do pensamento político de todos os livros publicados sobre a guerra de 32. Um dado
Parece que através de tênue bruma Materializa com sinais humanos de Marx a partir da crítica de Bakunin. Para uma apreciação no mínimo curioso diz respeito ao registro do livro de Floren-
Palpita e vive a criatura amada. O esqueleto que jaz na sepultura. de Marx sobre o anarquismo, ver: MARX, Karl; ENGELS, tino de Carvalho com um pequeno erro ao trocar a palavra
Friedrich. O Anarquismo. Tradução de J. Abad Iñiguez. São “sociais” por “nacionais” no subtítulo, ficando o subtítulo
Paulo: Acadêmica, 1987. alterado. Em vez de “solução imediata dos grandes problemas
Mario Pinto de Souza. Floreal . Rio de Janeiro – RJ. Ano 01 – Nº 1. 25.10.1907. Página 28. 28 Ver: GURVITCH, Georges. A Vocação Atual da Sociolo- sociais”, como está no original, ficou “solução imediata dos
gia. Tradução de Orlando Daniel. Lisboa, Portugal: Cosmos; grandes problemas nacionais”. Apenas uma palavra, mas a
Santos, São Paulo: Martins Fontes, 1979. v. 2. diferença é monumental.
50 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 51

da refrega, escapa à atenção dos interessados ções de ensino superior não são adotadas, até Existem proposituras ao lado da negação de noel Bombarda, carioca radicado em Portugal.
e dos estudiosos o registro de um trabalhador onde tenho conhecimento, nenhuma das di- qualquer governo central, quer seja instalado Bombarda levantou, neste livro, a tese de uma
constituindo um documento único, até onde versas produções elaboradas por professores na forma de Estado-Nação, quer na de “dita- pretensa inferioridade genética da mulher em
é do meu conhecimento. Além de trabalhador, anarquistas. dura proletária”, quer na de “governo revolu- relação ao homem, pois no seu entendimento
o autor do livro foi um anarquista de projeção Há que se considerar o fato de essas cionário” ou de um Estado Sindicalista. Essa a mulher constituía fator de degenerescência
em toda a América Latina, tendo elaborado produções terem sido elaboradas a partir da negação é apresentada numa perspectiva de da espécie.
uma filosofia própria. Trata-se do segundo li- própria prática, do desenvolvimento das expe- positividade e não de carência, ausência ou Maria Lacerda de Moura37 dedicou um
vro de Florentino de Carvalho.31 riências educacionais instauradas pelo movi- alguma incompletude. Nesse sentido, o nega- livro, A mulher é uma degenerada, refutando as
Outros textos possuem esse caráter mento operário e do envolvimento profundo tivismo reúne num só campo os anarquistas ideias e concepções preconceituosas desse psi-
historiográfico, mas mesmo assim não são com que os professores do período ocuparam de todas as expressões, lançando-os em áreas quiatra mascaradas como ciência. A frase que
utilizados nos cursos de História. O mesmo uma posição privilegiada nestas realizações. diferentes quando da elaboração de um pen- empresta o título a seu livro, a autora retirou
acontecimento se aplica ao caso da sociolo- Eles foram simultaneamente testemunhas e samento propriamente propositivo35. do próprio livro de Bombarda e procedeu a
gia, da pedagogia, da política, da filosofia, atores diretamente envolvidos em eventos A antropologia, amplamente divulgada uma devassa nas ideias lombrosianas através
da antropologia, das artes32, das letras, da desta magnitude34. no Brasil no início da República, está rela- da crítica ao autor carioca.
literatura33 em particular, das comunicações O caráter político dos escritos anarquis- cionada principalmente ao nome de Cesare Considerando a antropologia con-
sociais, da economia, enfim, em todo o vasto tas é inquestionável. Além disso, seus periódi- Lombroso e sua antropologia criminal36. Pre- temporânea um conjunto de conhecimentos
campo das humanidades. Se na área da peda- cos e livros abordam exaustivamente as ideias valecia o procedimento relativo à frenologia sistematizados em torno da experiência da
gogia existem pesquisas abordando aspectos políticas discutidas em sua época. Desde o no trato da questão social. A ideia de inatismo alteridade, quer em relação ao contato entre
particulares das realizações dos anarquistas monarquismo ao fascismo, passando pela de- no comportamento social perpassava os estu- agrupamentos sociais distintos, quer como en-
no campo educacional, quando da fundação mocracia republicana ou socialista, teocracias, dos antropológicos do período. Por sua vez, foque instaurador de uma perspectiva de estra-
das diversas escolas e das poucas experiências imperialismos, “ditadura do proletariado”, e diversos anarquistas rebatiam com veemência nhamento de instituições, costumes e hábitos
com universidades para os trabalhadores, nos todas as formas de governo central foram te- e conhecimento da matéria as ideias lombro- convencionais da própria sociedade da qual o
cursos de Pedagogia ministrados nas institui- mas debatidos pelos articulistas. sianas que embalavam muitos dos intelectuais antropólogo é integrante, há reflexões antro-
Entretanto não só críticas e negações nacionalistas do período. pológicas abarcando estas duas perspectivas
31 CARVALHO, Florentino de. A Guerra Civil de 1932 em
São Paulo: solução imediata dos grandes problemas sociais. constituem o pensamento político anarquista. Como demonstração das reflexões em vários textos dos anarquistas do período
São Paulo: Ariel, 1932. elaboradas por anarquistas refutando ideias aqui tratado.
32 Pouquíssimas são as pesquisas publicadas sobre o teatro 34 Várias foram as pesquisas realizadas em torno das expe- positivistas e racistas de Lombroso, há o epi- A liberdade no pensamento anarquista
operário. Ver: SILVEIRA, Miroel. A contribuição italiana ao riências educacionais dos anarquistas nas primeiras décadas da sódio da publicação do livro A Epilepsia e as é muito mais que objeto de reflexão, análise
teatro brasileiro (1895-1964). São Paulo: Quíron; Brasília, República. A pesquisa de doutoramento de Sebastian Sanchez Pseudo-Epilepsias, do médico psiquiatra Ma- e estudo para deleite intelectual, muito mais
DF: INL, 1976. LIMA, Mariângela Alves de. Teatro Ope- Martin aponta a existência no Brasil de mais de cinquenta
rário em São Paulo. In: PRADO, Antonio Arnoni (Org.). escolas fundadas pelos anarquistas. Ver: MARTIN, Sebastian que um recurso de oratória para emoldurar
Libertários no Brasil – memória, lutas, cultura. São Paulo: S. La Escuela Moderna en Brasil (1909-1919). 1991. Tese 35 Sobre manuais de política que tratam da constituição de discursos como podem fazer democratas e li-
Brasiliense, 1986. RODRIGUES, Edgar. O anarquismo no um pensamento político no Brasil, ver a coleção, em doze
(Doutorado) – Departamento de História da Educação e berais, os quais a esvaziam de seu sentido ao
teatro. In: ______. O anarquismo na escola, no teatro, na Educação Comparada da Faculdade de Filosofia e Ciências da volumes: BARRETO, Vicente (Org.). Curso de Introdução
poesia. Rio de Janeiro: Achiamé, 1992. ao Pensamento Político Brasileiro. Brasília, DF: Universidade tratarem de liberdade, sempre na condicional:
Educação da Universidade Nacional de Educação a Distân-
33 Há, até onde é do meu conhecimento, algumas poucas cia, Madrid, Espanha, 1991. Outro estudo sobre o tema foi de Brasília, 1982. Os comentadores politólogos que elaboram a liberdade deve ser legalizada, regulamentada,
pesquisas em torno do tema da literatura anarquista. Ver: realizado por Flávio Luizetto em sua tese de doutoramento. alguma referência ao anarquismo no movimento operário o emendada, medida, fiscalizada, policiada, ta-
fazem lançando mão do cabedal conceitual marxista, utilizan-
PRADO, Antonio Arnoni; HARDMAN, Francisco Foot Ver: LUIZETTO, Flávio. Presença do Anarquismo no Brasil: rifada, vendida, comprada, doada, mas nunca
(Organização, introdução e notas). Contos Anarquistas – um estudo dos episódios literário e educacional – 1900-1920. do expressões como “socialismo utópico” dentro da ideia de
arcaísmo. Ver: CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A Influência inventada com as próprias mãos.
Antologia da Prosa Libertária no Brasil (1901-1935). São São Carlos, São Paulo: USP, 1984. Um texto mais acessí-
Paulo: Brasiliense, 1985. PRADO, Antonio Arnoni (Org.). vel, porque publicado, abordando este assunto é o livro de das Ideias Socialistas no Pensamento Político Brasileiro – A possibilidade de invenção de modos
1890-1922. São Paulo: Loyola, 1978.
Libertários no Brasil – memória, lutas, cultura. São Paulo: Regina Célia Mazoni Jomini. Ver: JOMINI, Regina C. M. de vida diferentes caracteriza a espécie huma-
Brasiliense, 1986. RODRIGUES, Edgar. O anarquismo na Uma educação para a solidariedade: contribuição ao estudo 36 LOMBROSO, César. O homem delinqüente. Tradução e
poesia. In: RODRIGUES, Edgar. O anarquismo na escola, das concepções e realizações educacionais dos anarquistas na atualização de Maristele Bleggi; Oncar Antonio Corbo Gar- 37MOURA, Maria Lacerda de. A mulher é uma degenerada.
no teatro, na poesia. Rio de Janeiro: Achiamé, 1992. República Velha. Campinas, São Paulo: Pontes, 1990. cia. Porto Alegre: Lenz, 2001. São Paulo; Typ. Paulista, 1924.
52 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 53

na. Por sua vez, a liberdade no anarquismo propostas, mas não obteve nenhuma resposta distinção entre as chamadas escolas do anar- Entretanto, a elaboração de um pensamento
consiste na afirmação da legitimidade da exis- da instituição. Decidiu, então, elaborar os jor- quismo. O anarcossindicalismo, por exemplo, social dada sob condições diferenciadas e es-
tência e autodeterminação dos grupos e indi- nais de que participou, estabelecendo a sim- constitui desdobramento em torno dos de- pecíficas, tanto em relação à Europa como aos
víduos sem nenhuma ingerência legal, moral, plificação ortográfica à revelia da academia39. bates sobre as propostas mutualista de Prou- Estados Unidos, como a um referencial disci-
econômica, religiosa ou outras de quaisquer Os jornais A Terra Livre (1907-1910), A Voz dhon, coletivista de Bakunin, associacionista plinar e disciplinador comum às instituições
espécies. Nessa direção, os anarquistas, em que do Trabalhador (1908-1913) e a revista Kultur de Stirner e comunista libertária de Kropo- de ensino e pesquisa fundadas pelo Estado
pesem alguns expressarem uma abordagem adotaram a simplificação ortográfica por ele tkin, Reclus e Malatesta. brasileiro desde pelo menos os anos 30 do
das sociedades indígenas matizada no evolu- proposta. Os anarquistas no Brasil não descuida- século passado, se coloca enquanto matéria
cionismo vitoriano, no geral, se referiam aos O meio de comunicação de maior pe- ram da discussão sobre a conformação econô- inequívoca.
“silvícolas” ou “indígenas” reconhecendo a netração na sociedade em fins do século XIX mica posta em prática pelo conjunto da socie- E é exatamente o que pretendo de-
legitimidade de seu modo de vida38. e início do XX ainda era o jornal. O rádio dade brasileira e defendida pelas instituições monstrar com esta pesquisa em seus aspectos
Um destes anarquistas, francês radicado era um artigo de muito luxo, só encontrado governamentais. Não descuidaram também relativos às contribuições da expressão negati-
no Brasil, Paul Berthelot (1880-1910) procu- nas famílias financeiramente mais abastadas. quanto à reflexão em torno das possibilida- vista do pensamento social. Com esta pesqui-
rou estabelecer uma comunidade anarquista Dessa maneira, talvez seja possível tratar o pe- des de transformação na ordem econômica sa, abordo assuntos relativos ao conhecimento
a partir da observação direta de como viviam riódico impresso como o principal meio de de maneira a por fim ao regime de exploração das questões sociais candentes à época, como
alguns dos grupos indígenas, mas não pôde comunicação de massas da época. Os anar- do homem pelo homem. As resoluções dos também em relação ao aporte conceitual e
realizar seu intento porque faleceu no interior quistas tinham consciência da importância de congressos operários, os jornais, as revistas, metodológico utilizado por essa tendência
de Goiás ao adquirir enfermidades endêmicas. dar uma versão própria aos acontecimentos de os livros registram essas reflexões e discussões. do pensamento social. Ao mesmo tempo,
Em letras e literatura, é vasta a contri- seu tempo, como também expressar seus pen- Um aspecto particular de jornais e revis- considero a relação da forma de produção de
buição deixada pelos anarquistas. O primeiro samentos e suas reflexões dentro do contexto tas anarquistas reside na prática de prestação subjetividades em atividade nos nossos dias
romance social produzido no Brasil foi ela- de discussão acerca da questão social. de contas de diversas atividades e campanhas com a elaboração de conhecimento na socie-
borado pelo médico baiano Fábio Luz. Em Nesse sentido, vários jornais apresentam levadas a efeito pelos trabalhadores. Festivais, dade vigente.
1901, ele escreveu Novelas, apresentando suas artigos refletindo sobre a atividade do jorna- saraus, assinaturas de periódicos, contribui- A propósito do termo negativismo
preocupações com a questão social. Abordou lista na manutenção ou subversão do quadro ções voluntárias, venda de livros, entre ou- nomeando uma expressão de pensamento e
em seus romances essas questões numa pers- social envolvente. Os governantes também co- tras atividades, envolvendo uma concepção movimento social, convém ponderar como foi
pectiva anarquista, a partir de 1903, com a nheciam o alcance dos jornais na sociedade e de economia como também uma gestão de estabelecido dentro dos debates dos estudos da
publicação de Os Ideólogos, seguindo a aborda- os possíveis contágios sobre os segmentos dos recursos financeiros oriundos de uma prática sociedade. Esta designação foi firmada desde
gem em todos os seus escritos posteriores. Em trabalhadores. Tanto conheciam a possibili- coletiva, encontram-se estampados em suas o início da formação e do estabelecimento de
1906, veio a público Os Emancipados; e, em dade de insubmissão social que reprimiram colunas. Essas informações constituem ele- procedimentos sistematizados dos estudos da
1908, Virgem-Mãe, fora os demais publicados o movimento proletário, empastelando jor- mentos abertos a uma análise mais atenta40. questão social, particularmente com a confi-
nos anos seguintes. Fábio Luz foi constante nais, destruindo bibliotecas e arquivos, além guração da sociologia no período da chamada
colaborador da imprensa anarquista e inte- de terem perseguido escritores e articulistas 40Sobre estudos que abordam uma história das concepções modernidade, a partir da contribuição deixada
grante da Academia Carioca de Letras. dos periódicos operários. econômicas geral, ver, por exemplo: HUNT, E. K. História por Auguste Comte.
do Pensamento Econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Campus,
Neno Vasco elaborou uma das primei- As concepções propositivas de reorga- 1989. Para uma abordagem deste tipo focalizando o Brasil, Comte apresentou seu pensamento
ras propostas de simplificação ortográfica para nização econômica são várias no pensamento ver entre outros: FURTADO, Celso. Formação econômica social como uma reação vigorosa e decidida
a Academia Brasileira de Letras. Enviou suas anarquista clássico, sendo a dimensão co- do Brasil. São Paulo: Nacional, 1988. Sobre as ideias econô- de recusa aos eventos ocorridos na França, de
micas no anarquismo, ver a trilogia: GUILLÉN, Abraham.
mumente utilizada para a particularização e abolição do antigo regime, com desdobra-
38 Sobre referências de anarquistas aos povos indígenas, ver Economia Libertaria: alternativa para un mundo en crisis.
particularmente: LEUENROTH, Edgar; NEGRO, Hélio. O Madrid; Fundacion de Estudios Libertarios Anselmo Loren- mento em toda a Europa. Os movimentos de
que é maximismo ou bolchevismo. São Paulo: [s.n.], 1919. 39 Sobre Neno Vasco e Fábio Luz, ver: RODRIGUES, Edgar. zo: 1988; GUILLÉN, Abraham. Economia Autogestionaria: questionamento e extinção da nobreza e do
CARVALHO, Florentino de. A Guerra Civil de 1932 em Os Libertários – José Oiticica, Maria Lacerda de Moura, las bases del desarrollo economico de la sociedad libertaria.
São Paulo: solução imediata dos grandes problemas sociais. Neno Vasco, Fábio Luz. Rio de Janeiro: VJR – Editores As- Madrid, Espanha: Fundación de Estudios Libertarios An- Libertario: ni capitalismo de monopolios, ni comunismo de
São Paulo: Ariel, 1932. sociados, 1993. selmo Lorenzo, 1990a; e GUILLÉN, Abraham. Socialismo Estado. Móstoles, Espanha: Madre Tierra, 1990b.
54 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 55

feudalismo apontavam para uma destruição Por sua vez, a palavra “anarquia” foi de, a sociedade busca a ordem na anarquia”41. extremo da série: determinação genética dos
de toda forma de centralização política. Esse usada, pela primeira vez, com um sentido Com isso, procurou evidenciar um modo de comportamentos na escala inferior do reino
estado social fora definido, à época de Comte positivado por Pierre-Joseph Proudhon, in- vida avesso ao princípio de autoridade e não animal e espontaneidade no outro lado des-
e por ele próprio, como “anarquia”. vertendo a concepção usual de seu tempo. um aspecto menor da sociabilidade humana, ta escala. Isso significa dizer liberdade como
Nesse mesmo período, alguns pensa- “Anarquia” era compreendida enquanto sig- restrito ao interior de um campo ordenado base da diversidade no comportamento social
dores defendiam o retorno ao antigo regime. nificando um estado social de ausência de go- com suas leis, mesmo que fossem entendidas dentro da espécie humana. Noutro momento,
No entendimento de Comte, contra os con- verno central, portanto como estabelecimento como as “leis do caos”. Em suas palavras: afirmou Proudhon:
servadores, as instituições feudais deveriam do caos, da desordem e mesmo da violência
desaparecer para dar lugar a outras norteadas generalizada por toda a sociedade. Temas O universo está estabelecido sobre o caos, e A espontaneidade – do mais baixo grau nos
não pela teologia, mas sim pela razão e pela como ordem, progresso, liberdade, autori- a sociedade humana sobre o antagonismo... seres inorgânicos, mais elevada nas plantas e
dade, anarquia eram matérias privilegiadas Mas... se, neste universo, toda a acção acabar nos animais – atinge, sob o nome de liberda-
ciência. Isso para evitar a radicalização do pro- por encontrar uma reacção igual, e se as forças de, a sua plenitude no homem, que tende a
jeto aventado pelos revolucionários de extin- dos debates entre os estudiosos da sociedade se balanceiam, não se passa o mesmo entre ele libertar-se sozinho de todo o fatalismo, tanto
ção das instituições governamentais. Os que em sua época. O entendimento convencional e a humanidade, que triunfa incessantemente objectivo como subjectivo, e que efectivamente
buscavam uma radicalização dos movimentos destes termos os colocava em campos absolu- sobre a fatalidade do seu organismo, e sozinha se liberta dele...44
tamente excludentes. se constitui soberana...42
de destruição da ordem teológica foram de-
nominados por Comte de “críticos”, “revolu- Proudhon, conhecedor da máxima A manutenção da centralização do po-
cionários”, “indisciplinados” ou de “negativis- comteana como também da acepção etimo- Vale salientar, quanto ao lema proudho- der necessita recorrer a expedientes violentos
tas”. Estes intentavam o estabelecimento da lógica da palavra “anarquia”, utilizou-a com niano, que ele não se voltava para algum tipo de autoridade, arbítrio e abuso. Contra essa
anarquia, significando o caos e a desordem, destaque para o sentido original, evidencian- de regramento ou normalização desta “anar- dinâmica foi que Proudhon, ainda dentro do
acusava Comte. Por sua vez, ele propugnava do-a para dar força às ideias de crítica e pro- quia”. Pelo contrário, evidenciou somente debate sobre a sociabilidade humana relativa à
uma reflexão e uma atuação social “orgânica” posta social de seu pensamento. Do grego, a dimensão da sociabilidade humana como ordem, afirmou: “A liberdade é anarquia, pois
no lugar da “negativista”. temos duas palavras an, significando ausência; recusa à governança, à ordem hierarquizada, não admite o governo da vontade, apenas a
O termo “positivista” procede desta e arquia, significando governo. ao governo centralizado, dentro do jogo de autoridade da lei, isto é, da necessidade”. E
sua rejeição das propostas daqueles que ele Assim, em sua época, ordem social balanceamento entre os polos de autoridade e em seguida: “A liberdade é variedade infini-
designou de “críticos” ou “negativistas”, pois entendida como hierarquia era a condição liberdade. Tratando da relação entre política, ta, pois respeita todas as vontades nos limi-
estes desconsideravam, no seu entendimento, para a existência do progresso. Por sua vez, a liberdade, ordem e anarquia, afirmou Prou- tes da lei”45. Ainda insistindo sobre o caráter
a existência de elementos “estáticos” e “dinâ- ordem era relacionada à presença de autori- dhon: “A política é a ciência da liberdade: o organizador próprio à liberdade, Proudhon
micos” inerentes à sociabilidade humana. O dade em detrimento da liberdade. Anarquia governo do homem pelo homem, não importa afirmou de maneira taxativa: “A liberdade é
lema de seu sistema filosófico era “o amor por constituiria, nesse entendimento, um estado o nome com que se disfarce, é opressão; a per- essencialmente organizadora”46. Noutro mo-
princípio, a ordem por base, o progresso por de sociedade em que prevaleceria o caos e a feição máxima da sociedade reside na união mento sentenciou: “A república é uma anar-
finalidade”, do qual os positivistas brasileiros desordem por causa da ausência de governo da ordem e da anarquia”43. quia positiva... é a liberdade recíproca e não
retiraram o “Ordem e Progresso” para estam- central. Esses assuntos também foram maté- Para ele, a liberdade caracteriza o campo a liberdade limitada; a liberdade, não filha da
parem no centro da bandeira da nascente re- ria de reflexão de Proudhon, que, além de ter da sociabilidade humana, que tinha na deter- ordem, mas mãe da ordem”47.
pública brasileira. proposto a união da ordem com a anarquia minação biológica entre os animais o outro
Assim, a dimensão estática da sociedade e a liberdade enquanto polo característico da
41 PROUDHON, Pierre-Joseph. O que é a propriedade? 44 PROUDHON, Pierre-Joseph. A Nova Sociedade. Porto,
diria respeito à hierarquia, este objeto de sa- sociabilidade humana, chegou a escrever em Portugal: Rés, [197-]. p. 231.
Tradução de Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo:
crilégio para os “negativistas”, cuja afirmação 1851 um livro intitulado Filosofia do Progresso. Martins Fontes, 1988. p. 237. 45 PROUDHON, Pierre-Joseph. O que é a propriedade?
aparece em Comte através do conceito “positi- Debatendo com sua época e com o re- 42 PROUDHON, Pierre-Joseph. A Nova Sociedade. Porto, Tradução de Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo:
Martins Fontes, 1988. p. 241.
vismo”, termo que expressa a recusa de Comte ferido lema comteano é que Proudhon elabo- Portugal: Rés, [197-]. p. 232.
46 PROUDHON, op. cit., p. 243.
quanto à proposta para o estabelecimento de rou uma de suas máximas mais conhecidas: 43 PROUDHON, Pierre-Joseph. O que é a propriedade?
Tradução de Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo: 47 PROUDHON, Pierre-Joseph. A Nova Sociedade. Porto,
uma sociedade desprovida de governo central. “Como o homem busca a justiça na igualda-
Martins Fontes, 1988. p. 245. Portugal: Rés, [197-]. p. 119.
56 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 57

Dessas rápidas ponderações, assinalo quando não são desprestigiados até como ma- vos costumes. Argumentando nessa direção humano consigo nas dimensões que abarcam
uma aparente aproximação entre positivistas téria de reflexão. e contrapondo o anarquismo a outras escolas corpo, sociedade, cosmos e natureza.
e negativistas. Mas é apenas aparente, pois, No vasto e fecundo campo do anar- do pensamento social, Florentino de Carvalho Esses assuntos, na experiência do movi-
em seguida, é possível constatar a distância e quismo, para além de abordar como matéria expôs da seguinte maneira seu pensamento mento aqui considerado, encadeiam dimen-
diferença entre ambas. Para positivistas e ne- importante de reflexão muitos dos chamados sobre o assunto: sões significativas no vasto campo das questões
gativistas, os estudos sobre a sociedade devem temas “menores”, existe uma inquietação que sociais e existenciais. A reflexão sobre os pro-
sempre ter uma finalidade prática. O deleite transpõe o campo do pensamento e da refle- As faculdades intelectuais e morais são também blemas da sociedade não se esgota com uma
intelectual ou o conhecimento pelo conheci- propulsoras da vida social. Sem a expansão e a
xão. Há um desdobramento em significati- abordagem em torno dos temas importantes
comunicação do pensamento e do sentimento
mento não tem sustentação. No entanto, essa vos esforços na instauração de novas formas o homem deixaria de existir. da exploração econômica e/ou da domina-
praticidade não possui o mesmo significado de convivialidade, em que seus aderentes se ção política porque a gravidade destes dois
Cada homem é um mundo de forças espiritu-
para os dois. empenham na instauração imediata de no- ais, de dignidades, paixões e idealismos que a temas não deve eclipsar a meditação sobre os
Com os positivistas, a prática social é Teologia, a Metafísica, o Positivismo e o Ma- assuntos acima listados, relacionados a outras
entendida unicamente como intervenção de vontades. Passetti assinala deslocamentos nesta mesma série. terialismo histórico desprezam, e que o Anar- esferas, cada uma com sua importância par-
STIRNER, Max. Stirner: textos dispersos. Seleção e apre- quismo reivindica para a causa da liberdade e
caráter compulsório dos órgãos dirigentes; do progresso.49
ticular, da sociabilidade humana. Uma me-
sentação de J. Bragança de Miranda. Lisboa, Portugal: Via,
com os negativistas, a praticidade realiza-se ditação que, vale salientar, implica atuação
1979. STIRNER, Max. O falso princípio de nossa educação.
com a ação direta, com a apresentação não Tradução de Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Imaginário, dos diretamente envolvidos e não a espera
com a representação política. Para os positi- 2001. STIRNER, Max. Algumas observações provisórias a No pensamento anarquista, existe por iniciativas dos comumente considerados
vistas de ontem e de hoje, há que se entregar respeito do Estado fundado no amor. Tradução de José Bra- abundante reflexão, não sem um acompa- representantes do povo, a chamada providên-
a vida particular para os cuidados do Estado- gança de Miranda. VERVE – Revista Semestral do NU-SOL nhamento de experimentações, sobre ques- cia política, consciência superior, arremedo da
– Núcleo de Sociabilidade Libertária/Programa de Estudos
-providência. Esperança, fidelidade, contri- tões comumente consideradas num plano providência divina.
Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo, n. 1, maio
ção, resignação, adesão, segurança, quietude, 2002. STIRNER, Max. Os mistérios de Paris. Tradução de secundário quando se pensa em política, so-
Eleger temas tidos na medida de ab-
eternidade: pontos cardeais ao cristianismo José Bragança de Miranda. VERVE – Revista Semestral do cialismo e comunismo: as relações entre ho-
solutamente centrais, mais urgentes ou de-
modernizado sob a religião de Estado. NU-SOL – Núcleo de Sociabilidade Libertária/ Programa de mens e mulheres, expressando em particular
Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo, n. terminantes do dinamismo social humano,
a situação destas no trabalho, no cotidiano
3, abr. 2003. STIRNER, Max. Arte e religião. Tradução de caracteriza procedimento adotado por escolas
José Bragança de Miranda. VERVE – Revista Semestral do da vida doméstica e nas relações sociais tanto
O movimento anarquista e a questão sociológicas, filosóficas ou socialistas afinadas
NU-SOL – Núcleo de Sociabilidade Libertária/ Programa de na sociedade vigente como também em no-
social no Brasil com o princípio de autoridade enquanto ele-
Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo, n. vas modalidades de sociabilidade; também
4, out. 2003. STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. mento primordial na sociabilidade humana.
há uma problematização acerca do amor, da
Tradução de João Barrento. Lisboa, Portugal: Antígona, 2004. O velho refrão positivista afirmando a hie-
Ao lado de reflexões sobre questões so- DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34, 1997. sexualidade e da família; ponderações em tor-
rarquia como condicionante da sociabilidade
ciais, como economia e política, tópicos ca- FOUCAULT, Michel. Arqueologia das ciências e história dos no da importância dos diferentes elementos
humana é, neste instante, atualizado e posto
racterísticos e comumente avaliados enquanto sistemas de pensamento. Organização e seleção de textos de étnicos e culturais e sua importância na so-
Manoel Barros da Motta. Tradução de Elisa Monteiro. Rio em atividade. Isso, mesmo que de maneira
únicas dimensões válidas nos debates do cam- ciedade em geral e na configuração do mo-
de Janeiro: Forense Universitária, 2000. (Ditos e Escritos aparentemente um tanto quanto displicente,
po sociológico e do socialismo, no anarquismo II). HETEROTOPIAS anarquistas. VERVE – Revista Se- vimento operário em particular; análises da
repercute nos estudos sobre a sociedade.
existem outras inquietações. Há, dentro do mestral do NU-SOL – Núcleo de Sociabilidade Libertária/ situação de crianças trabalhadoras submetidas
universo das reflexões elaboradas por diver- Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. à condição de explorados e de violentados nos As diversas expressões do socialismo
sos anarquistas, uma contribuição configurada São Paulo, n. 2, out. 2002. PASSETTI, Edson. Rebeldias
lares, nos orfanatos, nas escolas, nas fábricas; estatal, autoritário ou centralista, procedem
particularmente em torno de diversos assuntos
e Invenções na Anarquia. VERVE – Revista Semestral do
há abordagens em torno das letras, das artes estabelecendo instâncias determinantes na
NU-SOL – Núcleo de Sociabilidade Libertária/Programa de
considerados, no mais das vezes na literatura em geral e da literatura; também são tópicos vida social, operando uma redução da socia-
Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo, n.
especializada, como temas “menores”48. Isso 3, abr. 2003. PASSETTI, Edson. Vivendo e Revirando-se: de discussão e de reflexão as relações do ser bilidade humana a uma ou a algumas de suas
heterotopias libertárias na sociedade de controle. VERVE – partes. Não adentrarei detalhes acerca dos
48 Pensar em menoridade e assuntos desta ordem é pensar Revista Semestral do NU-SOL – Núcleo de Sociabilidade 49 Ver capítulo 25 de: CARVALHO, Florentino de. Da es- pormenores deste procedimento, mas basta
com Stirner, Deleuze e Foucault, se considerarmos os estu- Libertária/ Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências cravidão à liberdade: a derrocada burguesa e o advento da
para o momento registrar as proveniências
diosos que provocaram deslocamentos e desassossegos nas Sociais. São Paulo, n. 4, out. 2003. igualdade social. Porto Alegre: Renascença, 1927.
58 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 59

religiosas dos métodos de estudo da socieda- pessoal entre outros elementos mais concen- lidade através de suas iniciativas educacionais, movimento deixou uma vasta contribuição ao
de que operam com reducionismo através de trados, por vezes, em estilos de escrita absolu- teatrais e de artes em geral; em associações de pensamento social, cujo destino foi o mesmo
concepções fundamentadas em algum deter- tamente únicos; em afronta a formas rígidas e trabalhadores; na criação de ateneus, bibliote- para ambos, movimento e pensamento: dis-
minismo, exclusivismo ou centralismo, carac- normalizadoras de reflexão sobre o social; em cas e centros de cultura; na direção de jornais curso excluído da ordem dos debates através
terizando procedimentos que se constituem recusas a referenciais hierarquizantes da vida e revistas, etc. Percebo essas iniciativas como dos procedimentos de interdição, proibição,
em movimentos instauradores do absoluto, social; em fuga de perspectivas deterministas, ocasiões para intensos experimentos, uma rejeição e depois, caso não possa ser ativada
de universais. centralistas e universalistas; em subversão às procura de instaurar uma vivência libertária nenhuma destas três, passa a ser apresentado
Nesta tese, pretendo sustentar que den- fronteiras estabelecidas convencionalmente imediata, uma maneira de testar e conhecer e interpretado enquanto um saber falso.50
tro do movimento anarquista desde o período entre vida e conhecimento; entre áreas de co- os alcances e limites das ideias defendidas e Esse acontecimento pôs fim a uma sig-
inicial da República no Brasil, já se produzia, nhecimento, entre povos. divulgadas. Em relação à produção de co- nificativa diversidade de experimentos sociais
de forma incomum e enquanto fruto de ini- Além disso, coloca-se em andamento nhecimento, é fácil identificar nesses ensaios e instauração de sociabilidades libertárias nos
ciativas coletivas, envolvendo contatos entre uma metodologia conjugando distintas ten- pistas apontando para procedimentos avessos mais variados campos da atuação e vivência
grupos locais, regionais, nacionais e por todo dências filosóficas e sociológicas quanto à re- à disciplina e, por conseguinte, fora de seu humana. Nessa direção, traduziu um intenso
o planeta, estudos e conhecimentos sobre os flexão e, quanto à ação, sobre diversas táticas campo orbital. investimento, por parte dos estratos dominan-
mais diversos temas candentes na sociedade e estratégias. Enfim, uma forma original de Portanto, penso ser inadequada, para tes, em dinamismos e instituições sociais que
brasileira e mundial da época. Estes, por sua diluir e desonerar rígidos limites disciplinares uma certa compreensão dos acontecimentos privilegiam o estabelecimento de sociabilida-
vez, não foram elaborados como cópias de e hierarquizantes colocados em efeito pelos relativos à produção destas obras e impres- des fundadas no princípio de autoridade.
teorias, metodologias e referenciais europeus procedimentos de criação de fronteiras, comu- sos, como também no que diz respeito às O esforço direcionado por parte das
ou estadunidenses, mas antes como empre- mente tidos na medida de naturais na socieda- relações intersubjetivas postas em atividade, elites sociais – patronato, governantes de
endimentos autênticos configurados e reali- de envolvente. Desrespeitar, desconsiderar ou a utilização das categorias variáveis da disci- plantão, aspirantes a governança e seus or-
zados a partir de vivências instauradas dentro simplesmente ignorar tais fronteiras, implica a plina, as quais não cabem na classificação de bitais – no apagamento, esquecimento ou
do movimento operário no Brasil. Também há concepção e realização da vida como aventura multidisciplinar, interdisciplinar ou mesmo ocultamento de importantes eventos e acon-
que se considerar ser impossível dissociá-los existencial única. transdisciplinar. São, de modo completamente tecimentos de caráter coletivo constitui tática
de ressonâncias internacionais, mesmo porque Através de jornais, boletins de congres- diferente, exemplos inequívocos do exercício suplementar à forte repressão aos movimentos
seria nivelá-los a um nacionalismo autoritário. sos operários e escolares, panfletos, manifestos, de indisciplina. dos trabalhadores em todos os continentes.
Essa experiência histórica se deu em revistas, livros, os trabalhadores integrantes do O alinhamento à concepção do princí- Ao mesmo tempo em que, por um lado, os
confronto aberto com a perspectiva discipli- movimento anarquista, em suas diferentes ex- pio de autoridade – estabelecida nos estudos governos em todo o mundo intervieram em
nar, universalista, problematizando-a e tensio- pressões, deixaram um legado insubstituível de da sociedade pela tradição positivista, bús- uníssono, com extrema ou dissimulada força
nando-a. Isso antes do estabelecimento e da conhecimento sobre a sociedade de seu perío- sola do pensamento de diversos estudiosos e sobre os movimentos sociais e populares; por
difusão no território nacional de instituições do; problematizaram a situação do trabalhador de correntes modernas e pós-modernas nas outro lado, ofereceram, estimularam e cultiva-
de pesquisa e de ensino superior iniciados pelo dentro de uma sociedade classista; abordaram chamadas humanidades – não deixa que seus ram formas hierarquizantes e verticalizadas de
Estado, em meados da década de 1930. Esse a questão da mulher e da criança trabalhadora, aderentes, de maneira consciente ou incons- sociabilidade. Esse procedimento resultou no
processo de elaboração de um saber indiscipli- em relação às violências a que eram submetidas ciente, percebam a relação existente entre o estabelecimento de um controle mais intenso
nar aconteceu de maneira distinta e específica, na fábrica, no lar, na escola; refletiram sobre estabelecimento de governos ditatoriais de va- e afirmação da eficácia de seu domínio.
tomando-se referenciais, disciplinares e disci- as diversas doutrinas sociais como positivis- riados matizes no mundo, no período entre e O caso particular do movimento anar-
plinadores, nos estudos da sociedade daquela mo, social-democracia, marxismo, fascismo, posterior às duas guerras mundiais, e a derro- quista no Brasil é bastante ilustrativo dessa
época como contemporâneos. liberalismo, socialismo, além de movimentos cada do movimento anarquista internacional assertiva. Aqui, a intensidade da repressão
No geral, nos textos indisciplinados, populares de diversas expressões, como femi- e de suas lutas.
50 Estes são procedimentos de controle do discurso que
encontramos conjugados ciência, poesia, li- nismo, religião, militarismo, entre outros. O marco principal desse acontecimento Foucault definiu como externos. FOUCAULT, Michel. A
teratura, filosofia, saberes de várias áreas do Além dessas reflexões, envidaram esfor- se deu, como vimos, com a derrota dos revo- Ordem do Discurso – Aula inaugural no Collége de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 7. ed. Tradução de
conhecimento, trajetórias particulares de vida ços na instauração de novas formas de sociabi- lucionários na Espanha de 1936 a 1939. O
Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 2001.
60 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 61

governamental sobre o movimento foi signi- acontecimentos político-partidários, policiais, Em relação a esse quesito em particular, toda opressão. Deus e o Estado só existem e são
ficativa, com evidente apoio e participação dos internacionais. Comporta também espaços de os estudos de Foucault52 sobre o poder e suas sustentados por causa dessa doutrina.53
estratos dominantes. Documentos da época, entretenimento como expressos em colunas ramificações capilares tratam do caráter des-
jornais, manifestos, revistas do período e di- sociais, culturais e esportivas. Isso é tanto mais cendente e ascendente do exercício do poder. Contudo, na vasta experiência acumu-
versos estudos publicados nos últimos anos, verdadeiro na proporção em que considerar- Súditos e soberanos encontram-se enredados lada por trabalhadores dentro do movimento
como também estudiosos do próprio período, mos os jornais ou revistas mais populares51. nas mesmas teias societárias, compartilhando operário encontrada no período das décadas
registram essa ocorrência. Considerando também algumas de suas a importância no estabelecimento das relações iniciais da república brasileira, o jornal anar-
As mais variadas experiências produzi- características mais significativas, os periódi- entre governantes e governados. As formações quista publicava o que os trabalhadores cul-
das pelos trabalhadores no campo da educa- cos contemporâneos se destacam por uma do súdito e do soberano estão implicadas, em tivavam nas colunas de seus jornais, a análise
ção, com a fundação de escolas, bibliotecas, inquietante monotonia relativa aos assuntos que pese Foucault voltar suas atenções mais sociológica e filosófica, o debate de ideias,
ateneus, universidades para trabalhadores; abordados e, sobretudo, ao tratamento dado para a formação do súdito. tornando visíveis à sociedade as questões pre-
na comunicação social, através da imprensa a tais temas: nenhuma problematização a não Emma Goldman, tratando de aspectos teridas. Além disso, registraram episódios do
operária e de editoras publicando a produção ser dentro de uma lógica democrática, prepon- próprios ao dinamismo de dominação, assina- cotidiano expressos nos eventos educacionais,
intelectual dos trabalhadores; na arte, com derantemente conservadora. lou a cautela dos segmentos dominantes em culturais, de entretenimento, viagens de pro-
música, poesia, literatura e romance social; No mais das vezes, os tópicos publi- criarem maneiras de garantir sua perpetuação. paganda de periódicos e de ideias, por meio
na questão da mulher numa sociedade pre- cados, e os preteridos, sugerem a existência Um destes modos, para além dos mecanismos de apontamentos de encontros e congressos
conceituosa e patriarcal; denunciando a situ- como que de um acordo velado entre editores, de repressão, diz respeito ao cultivo de pendo- operários como também de outros eventos re-
ação das crianças através da criação de comitês ou grupos editoriais, permitindo visibilidade res de submissão e obediência no conjunto da lativos à repressão governamental e patronal.
formados por trabalhadores para o combate social a certos acontecimentos enquanto que sociedade. Para tanto, investem pesadamente Essas notas eram anunciadas de variadas ma-
da exploração nas fábricas, como também nos outros são relegados a uma espécie de ostra- na conquista do consentimento social como neiras: exposição detida, poesias, charges, de-
casos de violência sexual e morte por padres cismo. Pode existir também um frontal desco- forma de manutenção das relações de domí- bate entre integrantes do coletivo de redatores,
em instituições confessionais; no naturismo; nhecimento da matéria, negando o princípio nio. A educação, neste processo, ocupa lugar com os leitores ou mesmo entre integrantes
na divulgação do esperanto; na pugna con- do fato como explicação histórica. privilegiado. do grupo editorial com adversários de ideias54.
tra o militarismo e campanhas de objeção Não obstante toda verborragia alarde- Deixo intencionalmente fora de mi-
de consciência, como forma de combate às ada pelos ícones das instituições modernas a O Estado eclesiástico ou secular serviu, então, nhas reflexões outras expressões existentes
belicosidades locais e às duas grandes confla- favor da liberdade de expressão enquanto um para dar uma aparência de legalidade e de di- no movimento operário brasileiro para me
grações armadas, foram alvos de tentativas de reito aos danos causados por alguns à maioria.
dos pilares principais da sociedade democrá- Essa aparência de direito era o meio mais cô- referir particularmente à escola negativista.
encobrimento, principalmente, através da vio- tica, impera, no mais das vezes, de forma dis- modo de governar o povo, pois um governo não Não me ocupo em abordar outras perspectivas
lência estatal e de um calculado apagamento simulada, mas também explicitamente, uma pode existir sem o consentimento do povo, con- sociopolíticas, como os movimentos reformis-
nos registros historiográficos. censura mais intensa e mais medonha do que sentimento verdadeiro, tácito ou simulado. O tas de caráter católico, legalista, nacionalista,
constitucionalismo e a democracia são as formas
Quanto aos materiais estudados nesta a existente no usualmente designado “governo modernas desse pretenso consentimento inocu- militarista ou cooperativista. Também não
pesquisa – jornais e revistas impressas – em forte”. Isso por conta da multiplicidade dos lado pelo que se chama “educação”, autêntico me ocupo de outras expressões usualmente
relação à nossa época, ficou evidente ocupar censores, tornando mais intensa e extensa a doutrinamento público e privado. consideradas coparticipantes dentro do cam-
a imprensa escrita numa posição secundária atividade de controle e repressão cujo exercí- O povo consente porque é persuadido da ne- po do revolucionarismo, como os socialistas
como o meio de comunicação social de maior cio é realizado diretamente por considerados cessidade da autoridade; inculcam-lhe a ideia
visibilidade, e é de longe o tempo em que de que o homem é mau, virulento e demasiado 53 GOLDMAN, Emma. O indivíduo, a sociedade e o Es-
segmentos da própria sociedade. incompetente para saber o que é bom para ele. tado. Tradução de Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Ima-
sua penetração na sociedade foi significativa, É a ideia fundamental de todo governo e de ginário, 1998. p. 29.
quando ela exercia efetivamente importante
51 Para o conhecimento de estudos sobre jornais diários con- 54 A este respeito, o debate entre o anarquista Francisco
papel na configuração da sociabilidade. temporâneos, ver: PORTO, Sérgio Dayrell (Org.). O Jornal: 52 FOUCAULT, Michel. Estratégia, Poder-Saber. Organiza- Viotti e o vice-diretor do apostolado positivista no Brasil,
Atualmente o jornal é caracteristica- da forma ao sentido. v. 2, 2. ed. Tradução de Sérgio Grossi ção e seleção de textos de Manoel Barros da Motta. Tradução Teixeira Mendes, exposto nas colunas da revista A Vida é
Porto. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 2002. (Coleção de Vera Lucia Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Uni- bastante revelador. Analiso este debate mais adiante no ter-
mente noticioso. Seus temas versam sobre
Comunicação). versitária, 2003. (Ditos e Escritos IV). ceiro capítulo, relativo a jornais e revistas.
62 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 63

e os comunistas estatais. O recorte adotado lio Vargas, arremedando Benito Mussolini e e atividades de exclusão e inclusão: alguns tos, panfletos, boletins e outros, os trabalha-
se justifica, entre outros motivos, como uma sua Carta del Lavoro, ao criar a Consolidação elementos são destacados como relevantes e dores, via de regra, entendiam constituída a
necessidade operacional, uma vez ser imenso das Leis Trabalhistas, a CLT, constitui mais outros como seu oposto. ocasião por excelência para experimentos prá-
o campo da imprensa proletária e anarquista do que marco deste episódio. Entre os relevantes, como os não re- ticos das ideias, para a instauração de vivência
no período considerado.55 Considerando a história das lutas sociais levantes, a carga significacional, simbólica e dos novos referenciais, libertários, tanto para
Portanto, uma abordagem comparati- em sua manifestação moderna, o movimento valorativa é variada. Aqui, para a compreensão a vida social como para a individual.
va entre as diversas expressões do movimen- operário instaurou novas formas de atuação dos meandros desses procedimentos, cabe o Essas ações constituem indícios do es-
to operário para além da perspectiva que me em todas as dimensões da existência social, conhecimento não apenas do pensamento, da tabelecimento de relações sociais avessas ao
propus realizar é inexequível. Demandaria não se restringindo à ação exclusivista, como racionalidade, mas também do sentimento princípio de autoridade e afirmativas do prin-
esforço e tempo que ultrapassam os limites a classista. Isso não deve ser visto como uma cultivado nas relações sociais através dos hábi- cípio de liberdade. Hierarquia e disciplina,
de um trabalho de pós-graduação. Ademais, subavaliação ou abandono das questões da tos, costumes e instituições de uma sociedade. dessa maneira, consistem em objetos seleti-
é suficiente a escolha temática como o recorte exploração econômica e do domínio político Desta maneira, atividades de transformação vos de esforços para um processo deliberado
aqui apresentado. Constituem, por si só, tema na sociedade, mas como um enfoque aberto social que desconsideram esses campos estão de arruinamento. Um exercício de destruição
e sua delimitação, campo bastante largo para às demais dimensões e aspectos relacionados fadadas ao malogro que se dá, no mais das de dois pilares da autoridade acontecia com
uma pesquisa. à vida social. vezes, com a reinstalação dos mesmos referen- a instauração da horizontalidade e da indisci-
No campo educacional, por exemplo, as ciais para a vida social que antes se combatia. plina nas relações entre as pessoas envolvidas.
Anarquismo, movimento operário e ações do movimento operário foram diversas. Não se trata de privilegiar as relações Em relação às experiências com grupos,
sindicalismo A criação de escolas para filhos dos trabalha- do microcosmo social, como apressadamente no geral, os coletivos editoriais dos jornais
dores consiste num dos pontos fortes deste possa ser entendido. Também não se trata de anarquistas no período referido parecem ex-
movimento que se preocupou, desde os pri- colocar evidência numa perspectiva macros- pressar, com muita propriedade, esta assertiva.
Inicialmente, o sindicalismo, seja qual
meiros congressos operários internacionais, sociológica. Noutra perspectiva, à educação, As matérias expostas, a construção argumen-
for sua expressão, constitui um enfoque numa
em refletir e atuar nessa direção. Simultane- para além de seu entendimento preso a um tativa, a intenção libertária das colunas, os
das partes de atuação do movimento operário.
amente à luta econômica e à esfera política, sentido usual, caberia um papel de destaque debates entre os redatores, ou mesmo entre
Esse aspecto diz respeito às questões econô-
esses trabalhadores cultivaram bibliotecas, por burilar a razão e a emoção, o pensamento adversários de ideias, as charges, as poesias, as
micas de melhorias salariais, jornada e condi-
ateneus, universidades populares, tipografias e o sentimento. Estendendo e ampliando a leituras recomendadas, tudo isso e mais outros
ções de trabalho, superexploração, trabalho
e uma série de atividades articuladas às inicia- concepção de educação para fora das estreitas elementos apresentados nesses periódicos su-
de crianças e mulheres, entre outros temas
tivas pedagógicas. Na verdade, as atividades balizas tecnicistas ou enciclopédicas, às ativi- gerem a confirmação de uma inclinação para
relativos à esfera das relações de produção.
abraçadas pelos trabalhadores dentro do mo- dades levadas a efeito, coletiva ou individu- a destruição e desoneração dos referenciais
Há, também, uma espécie de conven- vimento operário e, principalmente, entre os almente pelos anarquistas aqui referenciados, dogmáticos, difundidos na sociedade como
ção, usualmente difundida, confundindo anarquistas, possuíam um caráter pedagógico era emprestada inegável nuança educacional. forma absoluta para a vida social.
movimento dos trabalhadores e sindicalismo, e educacional inegável. Ao envidarem esforços na organização
sendo percebido o segundo como sinonímia
A transformação da sociedade, em suas de eventos culturais, científicos relacionados Correntezas libertárias (anarquistas,
suficiente do primeiro. Essa forma de perceber
relações sociais mais diversas, passava neces- à situação social do trabalhador, como greves, individualistas, anarcossindicalistas,
o movimento se consagrou entre estudiosos,
sariamente por uma ação transformadora das congressos, meetings, manifestações públicas, comunistas libertários)
tornando-se termo de uso corrente ao longo
pessoas a respeito de seu mundo interior, in- saraus, bailes, piqueniques, encontros locais,
dos anos, a partir, sobretudo, da década de 30
dividualidade e valores. A forma de pensar regionais, nacionais e internacionais, teatro; de Um elemento desconsiderado ou, por
com o aparelhamento das associações de classe
e de sentir das pessoas era percebida como espaços de atividades diversas, como escolas, vezes, minimizado em sua importância pela
pelo Estado. A violenta intervenção de Getú-
instâncias basilares na construção social de bibliotecas, ateneus, universidades populares, grande maioria dos estudiosos do assunto diz
55 Para uma relação de jornais e revistas publicados pelos anar- realidades. A percepção individual das infor- tipografias, ligas, federações, confederações, respeito às diferenças e às diversidades existen-
quistas ao longo das primeiras décadas da experiência republi- mações e dos estímulos cotidianos consiste associações; de atividades no campo da comu- tes dentro do campo anarquista. Tratar de anar-
cana brasileira, ver: RODRIGUES, Edgar. Pequena História
num processo seletivo, de atitudes marcadas nicação social, como jornais, revistas, manifes- quistas, de forma generalizante, tem produzido
da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997.
64 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 65

incompreensões acerca de aspectos básicos den- um balanço das ideias e expressões anarquistas, por Elysio de Carvalho em torno das ideias mínio e conhecimento do pensamento filosó-
tro do movimento anarquista, tanto no mundo o anarquismo tinha sua forma possível com o de Stirner. A escrita livre, debochada e bem- fico de Stirner. Comentando aspectos de um
como no caso de sua experiência no Brasil. individualismo. Seu posicionamento relativo -humorada de Lima Barreto lembra o estilo artigo escrito por Elysio de Carvalho sobre os
Se, em algumas vezes, prevalece a má-fé a esta questão chegou a ponto de recusar ao de Stirner. Na revista Aurora60, há um arti- anarquistas no Brasil, Vasco problematizou as
nas interpretações uniformizantes, por con- comunismo libertário a qualidade de pensa- go analisando aspectos relativos à formação definições elaboradas por Carvalho, rejeitan-
ta de posicionamentos ideológicos e políti- mento anarquista. Nomeando especificamente do pensamento de Stirner. Maria Lacerda de do ser etiquetado desta ou daquela maneira.
cos, há também que se considerar o muito Kropotkin como o mais ilustre expoente do Moura, de seu lado, afirmou em vários de seus Nesta direção, afirmou ser um stirneriano na
de desconhecimento da matéria. Assim, se os comunismo anarquista, afirmou taxativamen- escritos sua condição de individualista. medida em que evidenciava o valor da indi-
anarquistas se encontram todos igualmente te não ser o príncipe russo um ácrata. Outros anarquistas, como Friedrich vidualidade e era contrário a qualquer tirania,
dispostos no espaço da negação do princí- A longa e fecunda experiência do movi- Kniestedt, Francisco Viotti e Florentino de mesmo a tirania de uma assembleia comunal.
pio de autoridade, de abolição da hierarquia, mento anarquista no Brasil apresenta contri- Carvalho, discutem diversos aspectos do pen- Em artigos escritos na imprensa ope-
acontece de se distanciarem quando partem buições de diversas escolas libertárias através samento de Stirner em seus escritos. Os dois rária, há registros de diversos debates acerca
para o campo das realizações e de um pensa- da divulgação e debates em torno do pensa- últimos operam, em suas análises, contagiados das repercussões do pensamento de Stirner
mento propositivo. mento de Bakunin, Kropotkin, Reclus e Ma- em muito pelo cabedal conceitual elaborado no movimento anarquista. Como afirmei
A recusa da hierarquia não significa des- latesta, mas também de Proudhon e Stirner. por Stirner, sem se restringirem, em suas aná- mais acima, Francisco Viotti e Florentino de
dobramento em campos idênticos relativos às Enquanto é de domínio comum o conheci- lises, à tentativa de executarem procedimentos Carvalho apresentam em seus escritos signi-
propostas de vida social. Dá-se mesmo o caso mento da ascendência dos quatro primeiros, de adesão nem filiação. Tampouco reduzem ficativos sinais da influência de Stirner. No
de serem estabelecidas distâncias astronômicas estes dois últimos são equivocadamente con- o anarquismo a este filósofo. Acredito ser caso de Florentino de Carvalho, aconteceu de
entre as expressões integrantes do movimento siderados pensadores que exerceram pouca ou esta uma demonstração da compreensão que se estabelecer, em seus escritos, mudanças de
e do pensamento anarquista. Dessa maneira, nenhuma ressonância no movimento anar- tiveram acerca de um pensamento que não avaliação acerca do valor e da contribuição de
seria mais justo tratar sempre de anarquismos quista no Brasil. A assertiva de desconheci- favorece a existência de algum séquito de se- Stirner ao pensamento e ao movimento dos
no plural, evitando o uso do singular por ser mento do pensamento de Proudhon e Stirner guidores obcecados. Cada um deles elaborou trabalhadores.
generalizante, homogeneizante e, portanto, entre os trabalhadores é enganosa, pois em uma filosofia própria. Num primeiro momento de seus escri-
cego quanto a questões relevantes para um livros e em quase todos os jornais e revistas Relacionando Max Stirner a Friedrich tos, vinculou Stirner, Mackay62 e Nietzsche
entendimento mais completo da diversidade aqui analisados, há presença, de forma direta Nietzsche, Friedrich Kniestedt registrou em como exercendo uma influência negativa no
do movimento em questão56. As expressões ou indireta, do pensamento destes estudiosos. seu livro autobiográfico ter proferido diver- movimento operário, afirmando consistir suas
dos anarquismos são correntezas manifestando Nomes como Lima Barreto, Elysio de sas palestras para os trabalhadores com um filosofias uma espécie de egocentrismo63. Num
vitalidade e fluidez em seus dinamismos e des- Carvalho e Maria Lacerda de Moura são os mesmo tema: “Stirner ou Nietzsche”. De seu segundo momento, manteve essa crítica em
dobramentos. A perda dessa versatilidade leva mais expressivos na demonstração individu- lado, Florentino de Carvalho, em seu primeiro relação a Nietzsche, reconsiderando sua avalia-
ao enrijecimento e, portanto, ao dogmatismo. alista de matriz stirneriana. Elysio de Car- livro, sustenta ter sido Nietzsche influencia-
62 Deve-se ao poeta e anarquista Jonh Henry Mackay a reti-
A disposição para variar e diferenciar, valho58, na revista Kultur (1904), no Rio de do, ainda que relativamente, pelos escritos de
rada de Stirner do ostracismo a que seu tempo o condenou.
como característica do multiverso anarquista, Janeiro, redigiu um artigo comentando o livro Stirner, particularmente pelo seu livro único. Em fins do século XIX, Mackay encontrou casualmente o
traduz abertura à existência de singularidades e de Stirner. Fábio Luz59, em seu testamento Neno Vasco61, que talvez seja, ao lado livro de Stirner numa biblioteca na Alemanha, ficando fas-
libertário, registrou os debates provocados cinado com a leitura do texto. Direcionou, a partir de então,
divergências. Estas podem chegar a limiares de de Edgar Leuenroth, o nome mais expressivo
esforços a fim de levantar dados sobre sua vida e sua obra,
impossibilidade de conciliação. Na opinião de Tradução de Júlia Tettamanzi, Betina Becker. Porto Alegre: do anarcossindicalismo no Brasil, expressa do- tendo escrito a primeira e fundamental biografia de Stirner.
Benjamin Tucker57, quando da elaboração de L&PM, 1981. p. 131-140. (Biblioteca Anarquista). Ver: WOODCOCK, George. O homem egoísta. In: ______.
58 CARVALHO, Elysio de. Combates pelo Indivíduo. Kul- 60 FRONTINI, G. A. As origens ideológicas da doutrina Anarquismo: uma história das ideias e movimentos libertários
56 Para uma leitura acerca de reflexões em torno da diversida- tur – Revista Internacional de Estudos Filosóficos e Questões de Max Stirner. Aurora – Revista Mensal de Crítica Social e – A Ideia. Tradução de Alice K. Miyashiro; Heitor Ferreira da
de própria ao campo do anarquismo, ver: PASSETTI, Edson. Sociais. Rio de Janeiro, ano 1, n. 04, set 1904. p. 31-33. Literária. São Paulo, ano 1, n. 04, maio de 1905. Costa; José Antonio Arantes; Júlia Tettamanzy. Porto Alegre:
Anarquismos e sociedade de controle. São Paulo: Cortez, 59LUZ, Fábio. Testamento Libertário de Fábio Luz. In: 61 VASCO, Neno. Individualismo + Comunismo (Carta L&PM, 1983. v. 1.
2003. RODRIGUES, Edgar. Os Libertários – José Oiticica, Maria d’um classificado). Kultur – Revista internacional de Filozo- 63 CARVALHO, Florentino de. Atitude dos anarquistas ante
57 TUCKER, Benjamin. Socialismo estatal e anarquismo. Lacerda de Moura, Neno Vasco, Fábio Luz. Rio de Janeiro: fia, Sociologia, Literatura, etc. Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. o movimento operário. Guerra Sociale. São Paulo, ano 1, n.
In: WOODCOCK, George. Os grandes escritos anarquistas. VJR Editores Associados, 1993. p. 208-214. 18-19, [Abril?] 1904. (Germinal de 112). 08, 1915.
66 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas 67

ção inicial dos dois primeiros e evidenciando o ideias e dos conceitos formulados por Prou- debatida desde a organização da Associação dos trabalhadores, as divisões estabelecidas
pensamento de Stirner enquanto contribuição dhon e Stirner. Internacional dos Trabalhadores. Em relação pela organização capitalista das tarefas.68
por demais importante ao universo do pensa- Individualistas, sindicalistas revolucio- ao sindicato, alguns setores do movimento dos As críticas ao sindicalismo elaboradas
mento anarquista.64 nários, comunistas libertários e anarquistas trabalhadores se encaminharam para propos- por Malatesta, expostas mais acima, vão nessa
Todavia, sobre a relação do pensamento sem adjetivos são algumas expressões existen- tas de intervenção social em que o sindicato direção. Assentar a organização dos trabalha-
e obra de Nietzsche com os postulados do tes no movimento operário no Brasil que fo- constituía espaço privilegiado para localização dores sobre uma base justaposta à organização
anarquismo, outros ácratas manifestaram pers- ram, de uma forma direta ou indireta, influen- e estratégia das lutas libertárias. capitalista consistiria no estabelecimento de
pectiva contrária a de Florentino de Carvalho. ciados pelos escritos do conjunto dos clássicos Dentro dessa perspectiva, o sindicato bases frágeis, para não dizer contraproducen-
Foi o caso de José Oiticica65 e Henry Lichten- do anarquismo. Essas designações apontam é tido não apenas como instância de resis- tes, para os proletários em suas lutas contra o
berge66. Ambos analisaram a filosofia nietzs- para o estabelecimento de importantes pon- tência, mas também como meio por demais capitalismo e o estatismo. Tal procedimento
cheana como integrante do campo anarquista. tos dissidentes entre integrantes do mesmo importante na reorganização da sociedade. apresentava-se favorável ao estabelecimento
Este debate demonstra o conhecimento, por movimento anarquista. Não obstante quase Dessa maneira, abolido o Estado e extinto de outras formas de relações sociais não con-
parte dos anarquistas, quanto à existência de todos se designarem anarquistas, há que se o capitalismo, ao sindicato caberia o papel dizentes com os postulados libertários.
uma relação entre o pensamento de Nietzsche considerar as suas especificidades. de célula social, organizando e coordenando Além do mais, entendiam os antiorga-
e o de Stirner. Nos nossos dias, esta associação Os chamados antiorganizacionais ex- todo o dinamismo da vida social, para além nizacionais, a greve geral expropriadora não
foi considerada plausível somente através de pressam um campo de interseção entre o co- da produção e distribuição de produtos e da era instrumento suficiente para extinguir o
algumas pesquisas mais recentes67. munismo libertário e o individualismo. Os riqueza social. capitalismo e o Estado. As classes dominan-
Quanto à influência prática de Prou- primeiros, no que diz respeito às propostas de A forma para se alcançar esses objeti- tes usariam de todos os expedientes possíveis
dhon, talvez ela tenha se dado tanto no co- reorganização social, adotaram as concepções vos seria através da construção da greve geral e inimagináveis para manter seus privilégios.
operativismo quanto junto às associações de anarcocomunistas de abolição do Estado, do expropriadora, pela qual o capitalismo e o Caso as seduções oferecidas pelo sistema não
beneficência ou mutualidade, abundantes em capitalismo e do equivalente universal. Os Estado cairiam. Os antiorganizacionais dis- exercessem efeitos desejados sobre os segmen-
meados para fins do século XIX. Consideran- produtos seriam intercambiados através de cordavam radicalmente dessa concepção de tos sociais resistentes e revoltosos, a violência,
do os debates e as discussões existentes nos trocas diretas entre as comunas. O eixo do revolução, elaborando uma crítica aguda ao via de regra, seria usada, sem o menor requinte
jornais e revistas anarquistas, há que se admitir dinamismo da vida social estaria nas mãos da sindicalismo e rejeitando-o enquanto campo de comedimentos.
um conhecimento bastante aprofundado das assembleia comunal. Ambas as tendências, possível de atuação pelos anarquistas. Para Os estratos dominantes da sociedade
individualistas e comunistas libertárias, fo- eles, o capitalismo, entre seus filhos diletos, não hesitariam em usar do recurso da violência
ram designadas antiorganizacionais não por tinha no sindicalismo uma de suas formas de contra os trabalhadores sublevados, esmagan-
64 Ver capítulo 25 de: CARVALHO, Florentino de. Da Es-
cravidão à Liberdade: a derrocada burguesa e o advento da serem absolutamente contrárias a toda forma expressão mais significativas, constituindo do-os fisicamente, procurando a liquidação
igualdade social. Porto Alegre: Renascença, 1927. de organização social. Essa compreensão, vale elemento por demais relevante na gestão da das possibilidades de transformação social no
65 OITICICA. José. Nietzsche e os bolchevistas. In: ______. salientar, caracteriza um mal-entendido em sociedade vigente. sentido do estabelecimento da liberdade e da
Ação direta, antologia dos melhores artigos publicados na im- torno dos que criticavam o sindicalismo. A Derrubar o Estado e o capitalismo, igualdade social. Essa probabilidade não era
prensa brasileira - meio século de pregação libertária. Seleção,
crítica, por convergir com aspectos do pen- mantendo o sindicato, consistiria num desíg- considerada pelos sindicalistas revolucionários
introdução e notas de Roberto das Neves. Rio de Janeiro:
Germinal, 1970. p. 166-169. samento individualista, deixava por vezes a nio equivocado, pois ele por si só é resultado que entendiam o cruzar dos braços por parte
66 LICHTENBERGER, Henry. Os dois nihilismos. Kultur – impressão de antagonismo a qualquer forma do capital e do Estado. Os antiorganizacionais dos trabalhadores como um expediente eficaz
Revista Internacional de estudos filozoficos e questões sociais. de ação solidária. destacaram no sindicalismo seu papel de au- e suficiente para desferir golpe mortal contra
Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 5-6, out. 1904.
A qualificação de antiorganizacionais xiliar na gestão da sociedade em benefício do o Estado e o capital.
67 A este respeito, ver o posfácio à versão em português
se estabeleceu dentro dos debates entre os capital e do Estado. A forma de organização Além disso, o sindicato, segundo os an-
do livro de Stirner escrito por Miranda: MIRANDA, José
Bragança de. Stirner, o passageiro clandestino da história. In: integrantes do movimento anarquista acer- dos trabalhadores por especialidade constitui tiorganizacionais, possui qualidades inerentes
STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Tradução de ca do posicionamento a ser adotado diante indicativo desse caráter de disciplinamento
68 Sobre a questão específica da divisão de tarefas, ver:
João Barrento. Lisboa, Portugal: Antígona, 2004. p. 297-339. do movimento dos trabalhadores, particu- e controle dos trabalhadores pelo patronato
PASSETTI, Edson. Éticas dos amigos: invenções libertárias GORZ, André (Org.). Crítica da divisão do trabalho. Tra-
larmente em relação à proposta sindicalista e pelos governantes. O modelo sindicalista dução de Estela dos Santos Abreu. São Paulo: Martins Fontes,
da vida. São Paulo: Imaginário, 2003.
reproduz, no interior do próprio movimento 1980.
68 O anarquismo no Brasil: pensamentos e perspectivas analíticas

contrárias a todo e qualquer projeto libertário: próprios do sindicalismo. Isso significa dizer
corporativista, imediatista e economicista são se dar à atuação dos anarquistas sem adjetivos Coisas nossas
apenas as principais características criticadas dentro dos sindicatos de uma forma absoluta-
do sindicalismo. Corporativista porque a or- mente crítica. Para estes, o momento histórico A PUBLICAÇÃO DE “A PLEBE” SE FAZ PELA COORDENAÇÃO DOS ESFORÇOS DE
SEUS AMIGOS E SIMPATIZANTES
ganização do movimento operário, se dando no qual viviam possibilitava aos anarquistas
de acordo com a divisão de tarefas estabele- atuarem enquanto anarquistas, sem transigir
cida no capitalismo, coloca de antemão os nem afrontar os postulados libertários, dentro
trabalhadores em oposição entre si, fazendo
com que cada segmento tenha em conside-
ração apenas seus interesses contra os de seus
das associações de classe.
Além do mais, operavam, em suas re- A iniciativa do reaparecimento de “A Plebe”, na sua nova fase, em Outubro de 1932, como
todas as iniciativas de caráter libertário, foi obra de alguns companheiros dedicados à causa
da emancipação humana. Contaram logo com o aplauso e com a cooperação de quase todos
flexões e atividades, distinguindo movimento
companheiros. operário do sindicalismo. A luta anarquista, os camaradas conhecidos que, como os iniciadores, sentiam a necessidade da publicação de
Imediatista por concentrar as energias dessa maneira, situava-se tendo na organiza- um porta-voz libertário de vida regular, cuja obra se irradiasse por todo o país e que fosse ou
e atenções nos acontecimentos do instante ção do movimento dos trabalhadores um dos viesse a ser o reflexo do conjunto das energias e das possibilidades dos anarquistas que vivem no
vivido, sem uma perspectiva mais ampla e fatores explicativos de suas origens. A questão Brasil, entrando assim, de acordo com as suas forças, no movimento anarquista internacional.
mais larga acerca do modelo organizacional econômica compunha, ao lado de outras, uma Esses objetivos, muito modestamente embora, veem sendo alcançados.
vigente. Por fim, economicista por entrar no das áreas de atuação dos trabalhadores. Os sin- Com a edição de hoje, “A PLEBE” alcança o nº 96, nesta fase. São poucos, mas repre-
círculo vicioso da restrita luta por melhorias dicalistas, ao contrário dessa perspectiva mais sentam alguma coisa.
salariais, descartando o exercício de uma visão ampla, percebiam o anarquismo como sendo Como todos os jornais deste caráter, “A Plebe” tem a sua vida orientada sob um ponto
crítica sobre causas e fatores fundamentais da sindicalista por essência. Para os anarquistas, de vista libertário.
exploração e do domínio dos trabalhadores os sindicalistas revolucionários, por vezes, Para as publicações regulares anarquistas, sempre há, em todas elas, aquilo que comu-
pelo patronato e pelos governantes. apresentavam uma concepção sindicalista do mente se chama um “grupo editor”.
Por sua vez, os anarquistas sem adjetivos anarquismo, em que pese afirmarem a adoção Em todos os nossos jornais consta, por força de circunstâncias, o nome de um camarada
consideravam como exatas as críticas dos an- do anarquismo enquanto referencial. como responsável, sem o que não lhe seria permitida a circulação. “A Plebe”, não podendo
tiorganizacionais ao sindicalismo, reconhecen- Considerando estas reflexões iniciais é fugir a essa regra geral, como não podemos, nós mesmos, fugir a muitos prejuízos burgueses
do ponto por ponto as análises destes quanto que me propus para, neste momento, elaborar que nos obrigam a aceitar à força de leis, tem também o seu redator responsável.
aos limites inerentes ao sindicato. Entretanto estudos visando tratar o tema a partir da aná- Não se queira ver nisto, porém, que o jornal seja propriedade sua ou que ele exerça, na
deles se distanciavam quando da recusa a atu- lise de alguns jornais e revistas publicados por sua orientação, as funções de Diretor.
ar dentro das associações de classe. Para eles, trabalhadores integrantes da fração anarquista A orientação de “A Plebe” resulta do conjunto de opiniões dos camaradas que ao jornal
toda a conjuntura em vigor à época facultava do movimento operário no Brasil dentro da dedicam as suas atividades e por ele se interessam participando da sua vida moral e material.
a ocasião para uma atuação anarquista dentro primeira década da república. Fazem parte, pois, anárquica e espontaneamente, do seu Grupo Editor todos os camara-
dos sindicatos de maneira a escapar aos limites das, amigos e simpatizantes que estão prestando ou venham a prestar o seu concurso à orien-
tação do jornal em sua obra sistemática, regular e perseverante, atuando como colaboradores,
oferecendo sugestões, prestando o seu concurso na expedição, fazendo reparos, escrevendo,
Exortação mandando notícias, tomando iniciativas próprias no sentido de melhorar o jornal e enriquecer
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
as suas colunas com escritos próprios, bem como interessar-se pela sua difusão por toda a parte
Homem, livre serás, passados anos Livre, haure então as célicas delícias e em todos os ambientes.
De lutas feras e de rebeldias Da vida livre, sorve-lhe as primícias, O trabalho de compilação de “A PLEBE” também obedece ao critério mais anárquico
E terás, afinal, teus belos dias Sem mais temer dos lobos a alcateia.
De luz, de glórias, de prazer, de enganos possível.
E, salvo emfim da escuridão noturna, A coleção dos 96 números publicados é o reflexo fiel das atividades e da capacidade
Livre, ao cabo de esforços sobre-humanos, Guarda em teu peito a gratidão diurna intelectual do nosso movimento militante no país.
Nesse futuro cheio de alegrias. Para todos os mártires da Ideia!
Terás eliminado as vis, sombrias
Pravidades de deuses e tiranos. Sylvio Figueiredo.
A Obra . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 13. 15.09.1920. Página 01.
Desde o mais modesto operário às maiores capacidades do anarquismo no Brasil, todos
ali estão representados. Pelas suas colunas tanto se espalham o simples bosquejo do princi-
piante, que ainda inseguro e medroso rabisca as primeiras linhas para serem publicadas, como
o pensamento vigoroso dos mais experimentados intelectuais da filosofia ácrata que, neste Vocês olham coisas que
recanto do mundo, prestam a sua cooperação é grandiosa obra do edifício social do futuro.
já existem e perguntam: por quê?
Dentro do movimento de ideias, como órgão de defesa das classes oprimidas, “A Plebe”
defende o princípio do comunismo anárquico. Não se fecha, porém, a nenhuma outra corrente Eu sonho coisas que não existem
das ideias e acompanha com interesse, intervindo na crítica ou na exposição de princípios, o e pergunto: por que não?
movimento anarquista em todos os setores em que se manifeste.
Tudo quando nos é mandado para publicar, que não fuja aos moldes doutrinários da Paula Cristina Barbosa
sua razão de ser, vem sendo publicado, sem cogitar se o escrito é individualista, sindicalista ou
comunista anárquico. Sempre que os originais tenham uma ideia, defendam um princípio ou
um ponto de vista libertário, foi lhe dada guarida em nossas colunas, auxiliando, os camaradas
que têm estado à frente da redação, em tudo quanto seja possível, os colaboradores que, por
circunstâncias várias, não tenham facilidade de escrever corretamente.
Tendo em vista a maior cordialidade da família anarquista, temos evitado, e evitaremos
sempre, que “A Plebe” seja um lavadouro de roupa suja e de retalhações pessoais. Não nos
sentiremos magoados se, por temperamento, por tendência, ou por qualquer outra razão,
qualquer camarada preferir atuar em outro setor da propaganda, deixando de prestar à obra do
jornal o seu concurso, sempre acolhido, entretanto, quando espontaneamente o queira fazer. Não vemos
A obra dos anarquistas é grande, e assim sendo, cada um escolhe o campo mais ade-
as coisas como elas são,
quado à sua maneira de ser e procura o meio onde se sinta mais à vontade pelas suas relações
e afinidades pessoais, ou por divergência com os nossos métodos e táticas, que são, como já mas como nós
dissemos, o resultado das energias conjugadas de todos quantos se interessam pela nossa obra. somos.
A todos compete trabalhar sem ressentimentos, sem desânimos, sem prevenções, pela
grandiosa obra da redenção humana, semeando ideias e preparando o caminho à realização Anais Nin
dos nossos anseios de justiça social pelo comunismo libertário.
Que “A Plebe” tem procurado cumprir o seu dever como órgão de defesa dos princípios
que propaga, demonstra-o a simpatia com que tem sido acolhida a sua publicação. 96 números
de um jornal que tem contra si todos privilegiados, os burgueses, os políticos, etc.; que não
conta senão com a contribuição, a pobríssima contribuição espontânea, arrancada, muitas vezes,
à boca, às necessidades de conforto, à miséria, afinal, dos que apoiam a sua obra; perseguida,
os seus redatores presos muitas vezes, apreendida algumas, é bem uma iniciativa vitoriosa.
Como vive e como se mantêm, qualquer pessoa o pode saber, porquanto a sua contabi-
lidade é um livro aberto a todos. A seção “Munições para “A Plebe”, que se publica em todos
os números, põe aos olhos de todos, claramente, como veem e para onde vão os recursos que Hoje é
lhes são enviados. o amanhã de
Isso nos tranquiliza quanto à honestidade da nossa obra. Quanto à sua maneira de ser,
ontem.
a prática nos tem demonstrado que não enveredamos por caminhos tortuosos; o simples fato
de sua publicação regular, só interrompida quando a reação nos põe no dilema das suas mani-
festações de tirania, demonstra que “A Plebe” encontra apoio, que com ela vibram, palpitam, Pétala (5 anos de idade)
pensam corações idealistas que acompanham a sua vida de lutas como partículas que são do
seu todo anárquico a caminho da liberdade.
A Plebe (nova fase). São Paulo – SP – Ano 03 – Nº 96. 31.08.1935. páginas 02 e 03.
ANTOLOGIA LIBERTÁRIA

Epístola sagrada
O princípio do fim

Quem foi que pretendeu fazer o meu desdouro São eles os heróis do jogo e da trapaça,
dizendo à Brasileira, ao Suíço, ao Chave de Ouro Andam intoxicando a desgraçada raça,
que eu era defensor da infame ciganagem deprimindo sem pena a nossa geração,
que vive da Batota, explora co’ a Moagem? favorecendo o vício, envenenando o pão.
Lá porque eu justifiquei com versos de chalaça, São eles que, servindo a causa do joguismo,
esse pulha imortal, chamado Silva Graça, Empurrando nos vão para o profundo abismo
não quer isto dizer que, por interesse ou medo, Para a perda total duma nação... São eles,
lhe vai poupar o mano – o Fausto Figueiredo que, tendo à sua volta os bandidos mais reles,
e a quadrilha que rege e que domina tudo dispõem disto tudo... Em suma, essa canalha,
no hediondo carnaval, no nerônico entrudo que havemos de bater em colossal batalha,
em que se afunda agora a usa sociedade. é dona do país, dá-nos a seu capricho,
Não! ignaro detrator, vou expor-te a verdade: ao rico, pão de luxo, a nós, o pão de lixo.
Para mim são iguais os batráquios infames . . . . . .
Que inibem, com descaro, insólitos reclames, Mas a hora virá, a hora já está perto
as chagas, no lameiro horrendo, vil, corrupto, no quadrante da História. O nosso fado é certo.
onde berra o ladrão e gane o prostituto.
Hora de sangue e dor, hora de expiação!
Para mim são iguais, dentro das mesmas leis
o venal Silva Graça e Fausto, Sousa e Reis. Pra fora o assassino, – o envenenador,
Para mim são iguais – a mesma malandragem, e impudico tratante cínico ladrão.
torpe envenenadora – o Século e a Moagem.
Ocorre-me à visão atônita o Terror...
O Silva Graça foi a Locusta moral Que vejo? A punição! Nas praças e nas ruas
que propinou ao povo, em prosa de jornal, Passam as multidões famintas, seminuas,
o veneno cruel dissolvente, terrível, Rugindo o Ça ira como em Noventa e Três...
que fez da geração um amalgama incrível e a retumbância atroz do seu rugido bravo,
de impudicos vilões, de gente que não tem numa repercussão enche o céu lês a lês...
caráter, honra, brio, uma noção do Bem. É o início do fim. O povo, o velho escravo,
Vibre de indignação, proteste, grite, rujo, arvora-se em juiz. Em nome do progresso,
O Século tem sido uma rameira suja vai instaurar, enfim, o último processo
de ignaros charlatães de todos os partidos, do regime burguês.
envenenados o Povo.
Aos gritos justiceiros,
E... vamos à Moagem. doestos e pregões e vaias e chalaças
Não podia passar em claro a ladroagem do povo vós sereis votados sem agravo
dessa tribo cigana, um clã fora das leis, e sem apelação à força – sob os candieiros
vergonha nacional, Fausto, Carreira e Reis. que iluminam as praças.

Espártaco. A Obra . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 14. 01.10.1920. Página 05.
AMOR LIVRE

I II
A virgindade é quase um crime. Cada seio
Vol 2 – Vida como experimento:
Virgens: erguei o olhar que as sombras do convento
acostumou a andar cerrado para a luz. deve florir num ser tal como a terra em flores. sociabilidades e saberes em
Deixai um instante só os êxtases de cruz, Vencei o preconceito e os falsos vãos pudores
e enchei-vos deste sol que brilha turbulento. em que vos abismais num subitâneo enleio. periódicos anarquistas
Virgens: deixai o altar e o solo poeirento Dai-vos altivamente aos beijos, sem receio.
e o frio sepulcral da casa de Jesus, Vida, gerai a vida e procriai amores.
e vinde, erguida a fronte e os lindos seios nus, Glória ao túrgido peito! Honra às maternas dores!
para que o sol vos beije e vos abrace o vento. Honra ao ventre de mãe abençoado e cheio!
A vida como experimento encontra-se re-
verberando, de diversas formas, nos mais
variados registros anarquistas, possibilitando
A colônia existiu de 1890 a 1894, pró-
xima a Palmeira, pequena cidade do estado
brasileiro do Paraná. O documento de cunho
Deixai na cela austera a timidez do olhar Como na antiga Grécia esteta, rediviva,
E vinde para a vida a rir e a cantar ó virgens, desnudai a vossa carne altiva até certo ponto uma abordagem aberta a múl- histórico escrito por Rossi, após a vivência da
os cânticos de amor, de força e de beleza. e fecundai, após, num sopro de energia. tiplos considerandos e variadas reflexões acerca colônia, traz manifesta no texto e no título,
de como as pessoas, integrantes dos coletivos “Comunidade Anarquista Experimental”2,
Vinde gozar a vida em toda plenitude E vós, homens do amor, e vos que a desejais, editoriais, viveram suas vidas, num período uma concepção de experimentação das ideias
e não faneis assim a vossa juventude Arrancai-lhes da fronte as coroas virgens, de tempo relativo ao momento de publica- anarquistas. Procurava demonstrar para todos
com sonhos infantis duma banal pureza. Beijai as livremente à grande luz do dia. ção do periódico e restrito às atividades neste a exequibilidade imediata de uma nova forma
registradas. de sociabilidade, orientada pelas concepções
Coriolano Leite. A Plebe. São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 18. 21.10.1917. Página 02.
Giovanni Rossi quando planejou, em anarquistas de liberdade, divulgadas pelo me-
fins do século XIX, vir da Itália para o Brasil nos desde meados do século XIX, no interior
FACE A FACE junto com outros anarquistas para fundar a da própria sociedade burguesa.
Colônia Cecília1, tratou desta iniciativa como Rossi, em sua perspectiva, recusava os
A glória fora ser universal e eterno
um experimento. Este intento trazia tanto um etapismos sugeridos pelos socialistas e marxis-
Culpa não tem a flor de ser flor; culpa a estrela
Como um raio de luz ou como um grão de areia; sentido de estudo sistemático sobre a exequi- tas em geral para a explicação dos fenômenos
Não tem de ser estrela. E culpa de ser homem
Não na tem o animal transfigurado pela Mas ter alma, sentir ora o céu e ora o inferno bilidade das ideias anarquistas, como também sociais humanos. Socialistas e marxistas, em
Influência dos ideais soberbos que consomem. Para apagar-se como um sol que bruxuleia... de ter sido aquele um evento finito, sempre sua abordagem fatalista, reducionista, teleo-
inacabado e, o mais interessante, sem a pro- lógica e unilinear, adiam para um longínquo
A flor culpa não tem porque nos fira o espinho; Isso é triste. E quem quer que mísero padeça, cura de um destino em eternidade. amanhã a possibilidade de uma vivência liber-
Culpa não tem o sol porque a luz nos deslumbre, Medite, sonhe, combata e sucumba na lida, tária. Adotam essas concepções evolucionistas
Culpado o homem não é porque no seu caminho Há de tentar em vão não curvar a cabeça na reflexão e nas propostas de ação social di-
Ache o acúleo da flor e as estrelas vislumbre. Àquela força atroz por tudo incompreendida. 1 Sobre a Colônia Cecília, ver: SOUZA, Newton Stadler de. rigida, sobretudo, aos segmentos populares.
O anarquismo da Colônia Cecília. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 1970. RODRIGUES, Edgar. Os anarquistas, Os procedimentos defendidos por so-
Nem a força fatal que tudo tira ao nada Não vai pensar que a morte as ânsias aniquila;
Não vai saber que a glória é precária e fugace, trabalhadores italianos no Brasil. São Paulo: Global, 1984. cialistas e marxistas levam a liberdade de fato
Tem culpa de existir a natureza bruta,
Para sentir-se na alma impávida e tranquila,
MELLO NETO, Cândido de. O Anarquismo Experimental a ser negada no momento presente. Esta ne-
Tem culpa de existir a alma ao não ser forçada. de Giovanni Rossi (de Poggio el Maré à Colônia Cecília).
gação da liberdade seria compensada, segundo
Ponta Grossa, Paraná: UEPG, 1998. Esta foi uma rica pes-
Pois essa força é o Deus que os homens não escuta, Sem que jamais por ela um só remorso passe; quisa sobre a colônia, por alguns considerada a pesquisa de
E os vê – talvez soltando irônica risada, Algo que nos arroube, algo que nos impila, caráter historiográfico definitiva sobre o assunto. A experiên- 2 Ver: ROSSI, Giovanni. Comunidade Anarquista Experi-
Tombarem sem razão e sem glória na luta. E à força desse Deus se oponha face a face. cia da colônia foi vertida para o teatro. Ver: PALLOTTINI, mental. In: ______. Colônia Cecília e outras utopias. Tradu-
Renata. Colônia Cecília: um pouco de ideal e de polenta. Rio ção e introdução Marzia Terenzi Vincentini, Miguel Sanches
J. Pereira Barreto. Floreal. Rio de Janeiro – RJ. Ano 01 – Nº 02. 25.10.1907. Página 11. de Janeiro: Achiamé, 2001. Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000. p. 61-89.
76 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 77

seus argumentos, através da promessa e espe- ocorrências. O controle sobre os acontecimen- essencialista de Deus, Eva e Adão no mítico paradoxal também é exposto através de alguns
rança de concretizá-la de forma plena e perfei- tos e o domínio, como forma de pautar a vida Jardim do Éden, segundo o texto sacro judai- dos textos e em registros de caráter existencial
ta... no futuro. Este era (e ainda é) o consolo em coletividade, constitui mania e obsessão a co-cristão; ou ainda, por extensão, no hipo- colhidos na imprensa militante.
para convencerem a população e os trabalha- imperar neste caso. tético estado de natureza dos jusnaturalistas. De um modo geral, há uma procura
dores a adotarem as diretrizes postuladas em O risco na caminhada implica a mistura A vivência humana, mais que incluir, possui por um abandono dos referenciais societários
sua doutrina social. Por sua vez, a concepção e o contágio de uma por outra, de maneira na existência de outros a condição para a exis- vigentes, baseados no princípio de autoridade
de experimento pressupõe a existência de situ- a não estabelecer idealidades nem purismos tência de cada um. Esta perspectiva recusa e na eleição de algum centro para a existência.
ações de risco3, o que implica, dessa maneira, em cada um dos campos acima referidos. A concepções baseadas na noção de algum aci- Entretanto, isso não é necessariamente efeti-
insegurança, desconforto e desassossego. Vê-se intenção manifesta não se traduz na instau- dente histórico, fatalidade filosófica, capricho vado quando do estabelecimento das relações
ser esta situação instauradora de um dinamis- ração instantânea de sociabilidades de tipo divinal ou algum outro elemento de cunho sociais e mesmo das reflexões sobre as questões
mo em direta e franca oposição às situações de imaculado, seja numa ou noutra situação. Se determinista, teleológico ou utilitarista, apre- que afetam a sociedade. Passar da sugestão
busca por segurança, comodidade e quietude. nas sociabilidades de disciplina se procura atu- sentado, projetado e percebido, um ou outro, para a vivência de novas formas societárias,
A primeira situação, de um lado, con- alizar a ideia edênica de perfeição celestial e enquanto fator causal primordial. para o estabelecimento efetivo nas vidas pes-
siste num contínuo caminhar sobre o fio da acabamento definitivo; e se nas sociabilidades Desta maneira, importa antes o modo soais e coletivas, constitui um movimento que
navalha, de onde provêm estradas, caminhos de indisciplina se enfatizam o presente, o ina- de se colocar na e diante da invenção da exis- apresenta algumas surpresas, incluída a nega-
e veredas que se distendem em direções va- cabado, a desestabilidade, não há em ambas tência, expandindo, incorporando, integran- ção dos postulados inicialmente propostos.
riadas, sem seguir unilinearidade alguma. uma efetivação absoluta desses projetos. Uma do, dissipando e diluindo a si mesmo num Subsistem, nos escritos analisados, con-
Vários percursos tortuosos num solo arredio, está contagiada pela outra de uma ou de outra dinamismo estabelecido de maneira avessa a tornos de transcendência-imanência, os dois
sem facilidades nem garantias relacionadas a maneira. Há fissuras e fraturas no rígido edifí- um enfoque baseado em algum insulamento polos das concepções em totalidades, sintomas
alguma previsão do que poderá acontecer de- cio disciplinar como há vácuos e enrijecimen- – este que é um procedimento tradutor de e indicativos de um pulsar de matriz religiosa,
pois da próxima curva ou no próximo passo. tos na fluidez dos dinamismos indisciplinares. uma perspectiva reducionista produzida pela orientadora do pensamento ocidental, por-
A segunda situação, de outro lado, traduz o Na maneira de abordar a vida, depre- teologia e, na sequência, por várias escolas fi- tanto, de seu modo de vida e de suas institui-
projeto religioso, universalista, messiânico e endida através dos escritos aqui destacados, losóficas e sociológicas orientadas por algum ções. Dessa maneira, observo nos periódicos
salvacionista atualizado pelo modo de vida a noção de experimento, no geral, lhe está in- universalismo, sinonímia atualizada do prin- pesquisados a presença de algum universa-
da chamada modernidade. Aqui a disciplina timamente relacionada. No recorte espacial e cípio de autoridade. lismo quando algumas análises configuram
constitui a bússola para a elaboração tanto temporal delimitados, os textos anarquistas, Reduzir a vida a um, ou a alguns de expressões contendo feições salvacionistas,
dos saberes, na sistematização, preparação e como também as experiências do movimen- seus aspectos, quer biológico, quer econômi- teleológicas, essencialistas e messiânicas; tam-
socialização do conhecimento; quanto do di- to nestes registradas, documentam explícita e co, quer comunicacional ou outro, apenas bém quando em alguns escritos toma forma
namismo societário posto em movimento nas implicitamente tanto a ponderação sobre como mascara a matriz religiosa, de procedência alguma expressão de reducionismo para o en-
diversas camadas sociais. uma aspiração de efetiva e imediata instauração judaico-cristã-islâmica, das instituições da tendimento da sociabilidade humana, bem
Nessa situação, procura-se obsessiva- de novas formas societárias. Vida comporta, chamada civilização ocidental. Tal proprie- como algum racionalismo e cientificismo, que
mente pela previsão, pelo acerto, pela perfei- para além do convencionalmente considerado, dade é distendida e difundida por entre os por vezes aparece como biologismo, economi-
ção, traçando para tanto regras de pretensão não apenas a duração funcional de órgãos e diversos ramos do pensamento social. Não cismo; ou a primazia de alguma habilidade
universalista, impondo normas homogenei- sistemas biológicos; abarca também, mais ao obstante, acontece de se estabelecer, entre as humana, como a linguagem, na investigação
zantes, elaborando códigos e fórmulas fecha- longe do dinamismo vegetativo dos seres, os personagens consideradas neste estudo, aná- e no estudo da sociedade.
das com pretensão de absoluto, na vã tentativa sentidos atribuídos, operantes e instaurados no lises e comportamentos diferenciados quando Mesmo assim, encontro também nesses
de assegurar o ritmo, a forma e a sequência das período de duração de sua vitalidade. da pretensão de um afastamento e recusa do escritos, com considerável intensidade, icono-
É a própria existência humana acon- modelo societário vigente. Há diferentes graus clastia, nomadismo,4 condição selvagem na
3 Reflexões em torno das concepções educacionais no anar-
quismo encontram-se em: GALLO, Silvio. Pedagogia do tecendo dentro de um conjunto de relações, de alheamento dos referenciais transcenden-
risco: experiências anarquistas em educação. Campinas, São nunca a partir de uma perspectiva filosófica e tais para a sociabilidade humana, propostos e 4 Sobre nomadismo, ver: DELEUZE, Gilles. Mil Platôs –
Paulo: Papirus, 1995. (Coleção Magistério: Formação e tra- estabelecidos pelos anarquismos, e este aspecto capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Peter Pál Pelbart;
existencial solitária, como definido na fábula
balho pedagógico). Janice Caiafa. v. 5. São Paulo: Ed. 34, 1997.
78 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 79

existência, antropofagia e indisciplina. Ico- e nos desdobramentos relativos à sociabilidade O segundo jornal, de vida mais longa, O funcionamento da COB foi planeja-
noclasta pela posição destruindo ídolos em instaurada no seu entorno imediato, como na abordou o tema da igreja e da religião, levan- do para ser concretizado a partir de 1908, por-
suas diferentes manifestações; nomádico por que se encontra em processo de feitura no seu tando a bandeira do anticlericalismo. Parece- tanto dois anos depois do primeiro congresso
transitar sobre fronteiras em atitude de desco- raio de alcance. A começar pela confecção dos -me que, por ser o livre-pensamento discutido operário. O início da publicação de A Voz do
nhecimento. Os referenciais rígidos dividin- jornais e revistas, em que a decisão de um gru- e aceito por setores da sociedade, como os Trabalhador aconteceu junto com o da COB.8
do povos e áreas do saber humano, só para po em apresentar suas leituras e elucubrações liberais e a maçonaria, A Lanterna encontrou O mesmo desfecho se deu quando do
ficar nestes dois campos, são ignorados e alvo particulares em torno dos acontecimentos tan- aliados de modo a estender sua existência por Congresso Anarquista Sul-Americano acon-
de desrespeito constante. Há também uma to pessoais quanto da sociedade envolvente. várias décadas. Não foi o caso do jornal Não tecido entre os dias 18, 19 e 20 de outubro
aproximação com uma existência selvagem no A Plebe, ao longo das décadas de sua Matarás!: seu apelo ao fim do militarismo de 1915, no Rio de Janeiro, o qual deliberou
sentido de contraposição com a domesticação existência, registrou em notas o seu caráter como condição para o fim das guerras e dos pela criação de um jornal com fins de divul-
do processo civilizacional. A abertura para a coletivo. Há diversos chamamentos para exércitos não teve ressonância no conjunto dos gar as ideias anarquistas para o conjunto da
experiência da alteridade, ao mesmo tempo reunião, com interessados na publicação do segmentos da sociedade: muito pelo contrário, população9. A particularidade, neste caso,
em que aponta essa condição selvagem, in- jornal, a fim de discutir questões relativas à foi alvo de cerceamento por parte dos setores foi que os proprietários e editores do jornal
dica também a diferença enquanto objeto de sua continuidade. Nestas notas, fica patente dominantes da sociedade. Na Barricada, Orlando Corrêa Lopes e João
nutrição, uma antropofagia. o sentido coletivo da iniciativa: os editores Há, contudo, casos em que o jornal Gonçalves da Silva, doaram o jornal como
Os evolucionistas vitorianos definiam se apressam em assinalar o caráter do jornal, resulta de uma decisão acordada nas delibe- meio para tal finalidade10. Também aqui uma
a antropofagia com o termo pejorativo “cani- de maneira que sua publicação ficaria na de- rações de algum congresso, o qual designava comissão, com cerca de 24 componentes, fi-
balismo”. Uma pretensa incapacidade técnica pendência da colaboração de outros compa- habitualmente uma comissão responsável pela cou encarregada da publicação do jornal e por
das sociedades primitivas resultaria, segundo nheiros.6 publicação do periódico. O primeiro Congres- sua adaptação de acordo com os novos fins a
os evolucionistas, em dificuldades para obten- Os jornais Não Matarás! (1908) do Rio so Operário Brasileiro, realizado na cidade do que se destinava.
ção dos alimentos. Esta insuficiência tecnoló- de Janeiro, e A Lanterna (1ª fase: 1901-1904, Rio de Janeiro entre os dias 15 e 22 de abril Essa iniciativa coletiva para a publicação
gica se desdobrava em carência de nutrientes. 2ª fase: 1909-1916, 3ª fase: 1933-1935), O do ano de 1906, decidiu em assembleia pela de uma revista ou jornal indica duas caracte-
Os evolucionistas explicavam a antropofagia, Início – Órgão dos Alunos da Escola Moder- criação da Confederação Operária Brasileira, rísticas relevantes para a compreensão da espe-
neste contexto de pretensa escassez, como um na Nº 1 (1915), Boletim da Escola Moderna como forma de coordenar as lutas classistas cificidade do dinamismo societário envolven-
recurso necessário para suprir necessidades (1918-1919), estes de São Paulo, são emble- levadas a efeito pelas associações e sindicatos do os anarquistas da época. Primeiro, o jornal
biológicas. Estudos posteriores demonstraram máticos desta perspectiva. Um grupo de pes- operários em todo o Brasil. Decidiu também surge como espaço marcadamente polifônico.
a falta de sustentação da tese evolucionista e a soas interessadas em problematizar questões pela criação de um veículo de comunicação A monotonia na abordagem, apresentação,
antropofagia passou a ser abordada enquanto de sua época resolve, através de um periódico social, um jornal, cujo título deveria ser A Voz concepção e referenciais conceituais, próprios
prática ritualística plena de significados no impresso, discutir temas específicos. O pri- do Trabalhador. Logo no primeiro parágrafo
interior da sociedade5. do editorial do primeiro número deste jornal, 8 Para um conhecimento das resoluções e dos temas dis-
meiro jornal abordou o tema da guerra e das
cutidos no Primeiro Congresso Operário Brasileiro, como
Os periódicos apresentam característi- armas, adotando um posicionamento anti- o articulista afirmou peremptoriamente:
também para ver as associações e os sindicatos que dele par-
cas particulares quando penso nos sinais em si militarista. Numa época em que militarismo ticiparam, ver: RODRIGUES, Edgar. Alvorada Operária.
“A Voz do Trabalhador”
manifestos acerca de sua forma de elaboração e chauvinismo caracterizavam as inclinações Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1970. p. 95-127.
Iniciamos com o presente número a publicação 9 Na Barricada. Rio de Janeiro, ano 1, n. 21, p. 1, 28 out.
de significativos segmentos sociais, o coletivo periódica de A Voz do Trabalhador, organ de
5 CLASTRES, Pierre. Crônicas dos índios Guayaki: o que 1915. Os temas e as deliberações do Congresso Anarquista
editorial encontrou diversas dificuldades na uma coletividade formada com a intenção de
sabem os Ache, caçadores nômades do Paraguai. Tradução Sul-Americano foram publicadas neste mesmo número, na
de Tânia Stolze Lima; Janice Caiafa. Rio de Janeiro: Ed. 34,
continuidade da publicação do jornal. agremiar e reunir as associações que tenham página 2.
uma orientação nitidamente revolucionária, e
1995. LESTRINGANT, Frank. O Canibal: grandeza e de- 10 Na Barricada. Rio de Janeiro, ano 1, n. 21, p. 1, 28 out.
com um programa claro e preciso, elaborado
cadência. Tradução de Mary Del Priore. Brasília, DF: Uni- 6 LEUENROTH, Edgar. Ao que vimos – Rumo à Revo- 1915. Neste editorial, anunciaram para o número seguinte a
no Congresso Operário, exposto e difundido
versidade de Brasília, 1997. PASSETTI, Dorothea Voegeli. lução Social. A Plebe. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 09 jun. instauração da decisão do congresso. Entretanto, neste núme-
sempre que se apresentou oportunidade e não
Canibal. VERVE: Revista Semestral do NU-SOL – Núcleo 1917. GRUPO D’A PLEBE. Grande reunião libertária em ro, o nº 22 – Na Barricada. Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 1,
faltaram meios.7
de Sociabilidade Libertária/ Programa de Estudos Pós-Gra- São Paulo. A Plebe. São Paulo, ano 5, n. 123, p. 1, 25 jun. 4 nov. 1915. – anunciaram, em editorial, a impossibilidade
duados em Ciências Sociais. São Paulo, n. 6, p. 103-126, out. 1921. A DIREÇÃO de “A Plebe”. A Plebe. São Paulo, ano 7 A VOZ do Trabalhador. A Voz do Trabalhador. Rio de de mudança imediata do jornal, o que seria realizado num
2004. p. 103-126. 30, n. 1, p. 7, 01 maio 1947 (Nova fase). Janeiro, ano 1, n. 1, p. 1, 01 jul. 1908. período de três ou quatro números a sair.
80 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas

AO BRASIL
dos jornais atuais, cede lugar a uma plurali- quistas escapa ao conceito de autodidatismo.
dade, bastante significativa, de vozes. Tanto Havia todo um aporte coletivo sustentando as
os coletivos editoriais como os pensamentos iniciativas individuais. Associações, centros de
e opiniões apresentados nas colunas dos jor- cultura, ateneus, bibliotecas, escolas, gráficas e Brasil! Terra formosa e fértil mas escrava
Da ganância papal, do negro Fanatismo,
nais e revistas cultivam uma particularidade coletivos editoriais ambientavam debates, con-
Já é tempo de deixar a escravidão ignava
dentro de uma vibração coletiva, ausente de versações e polêmicas num ambiente conta- A que te submeteu o atroz clericalismo!
centralidade e relacional. giante. Jaime Cubero, em entrevista sobre sua
Segundo, no processo de elaboração e trajetória de vida enquanto autodidata, deixa Acabaram-se já os tempos do exorcismo,
socialização de saberes, há um dinamismo mar- entrever diversas vezes o caráter relacional e Rasgou-se o denso véu que o Mistério obumbrava,
coletivista mediando a elaboração de saberes. E a Ciência e a Razão venceram com heroísmo
cadamente diferenciado do processo baseado
A trincheira que Roma ante elas antolhava...
na disciplina, esta que constitui marca distinti-
va nas relações sociais vigentes nas instituições Essa experiência de procurar o conhecimento A passos de gigante a Evolução avança
oficiais em geral, como também, em particular, eu vi em todos os militantes anarquistas, que A Humanidade, enfim, já pensa com pujança
não tinham freqüentado os bancos escolares.
nas de ensino, sejam laicas ou confessionais. Liam os seus livros e, sempre que saia um livro
E possui outro lema e aspira a uma outra glória.
Mais que distinto do procedimento disciplinar, novo, estavam sempre estudando e discutindo
há, de modo geral, nos impressos anarquis- no Centro de Cultura. [...] Quebra, pois, ó Brasil, o grilhão que é o desdouro
Da tua fronte augusta... e que o brasil vindouro
tas, a intenção de instauração de uma recusa Cada associação, união, liga ou como se cha- Só encontre do papismo a torpe e negra história!
imediata deste enfoque, procurando atuar em masse a entidade profissional fundada procura-
antidisciplina, instaurando indisciplina. va criar o seu centro, ateneu ou grêmio cultural,
transportando para o Brasil a prática do Mo- Raymundo Reis. A Obra . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 02. 13.05.1920. Página 07.
Os trabalhadores e anarquistas são con- vimento Libertário europeu e a preocupação
vencionalmente considerados, nos estudos permanente dos anarquistas com a educação e
recentes sobre o movimento operário, como a cultura. Criou-se um vasta rede de entidades
autodidatas. O autodidatismo surge como a
culturais entre os trabalhadores, com suas bi- BARBAS... DE MOLHO
bliotecas, publicações, elencos teatrais, etc. [...]
forma explicativa por excelência para a ins-
Consta dos estatutos do Centro de Cultura
trução e a educação no período. Abstraindo Social que o mesmo tem por finalidade “...es-
alguns anarquistas que tiveram uma formação timular, apoiar e promover nos meios populares O vigário da Tapera
intelectual em instituições educacionais for- e, principalmente entre os trabalhadores, onde — Gordo, nédio e rubicundo —
mais, como foi o caso de José Oiticica, Neno as possibilidades de cultura são limitadas por Foi-se um dia deste mundo \
toda espécie de empecilhos, o estudo de todos
Vasco, Orlando Corrêa Lopes, Francisco Berrando como uma fera.
os problemas que se relacionam com a questão
Viotti, Fábio Luz, comumente, na literatura social”.11
especializada, os trabalhadores que não se en- E acudindo aos berros seus
- Dele que em Deus tanto cria —
quadram na concepção de ensino formal são Outro pároco dizia :
tratados como autodidatas. O autodidatismo constitui recurso expli-
«Morre na graça de Deus!»
cativo, segundo uma tendência geral entre os
O argumento do autodidatismo, ao as-
estudiosos do período e do tema, da existência Mas... qual! — Depois do traspasse
sinalar o valor da iniciativa individual na ela-
de uma significativa bagagem de conhecimen- É que o cura mais padece:
boração de um pensamento crítico e original,
tos em alguém que não teve formação intelec- Não houve Deus... que o salvasse,
eclipsa outros dinamismos postos em ativida- Nem Demônio... que o quisesse.
tual em qualquer instituição de ensino oficial.
de no movimento aqui considerado. É exata-
mente essa dimensão minimizada que quero 11 ROMERA VALVERDE, Antonio José. Pedagogia liber- Horácio Campos. Ação Direta. Rio de Janeiro – RJ. Ano 01 – Nº 18. 31.08.1946. Página 03
ressaltar. O caráter relacional e coletivo na ela- tária e autodidatismo. 1996. Tese (Doutorado em Educação)
– Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo,
boração e socialização de saberes entre os anar-
1996. p. 283-285.
82 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 83

O fato de um trabalhador com formação esco- camponês; “pré-político”, o anarquista; “pré- Debates com adversários de ideias Comte apenas em sua dimensão filosófica,
lar oficial reduzida, quando muito, ao período -moderno”, o refratário à modernidade sem também aconteceram. Em Na Barricada, há conforme ele próprio declarou, para colabo-
inicial do que hoje se denomina primeira fase que seja, necessariamente, defensor de algum o registro de um que se estendeu por diversos rar sistematicamente com o jornal anarquista.
do ensino fundamental, dominar diversas lín- “El Dorado” pretérito ou porvir. números entre o anarcocomunista José Oiti- Ele poderia expor, numa seção reservada sob
guas, tanto em sua forma falada como na escri- Reproduz-se, por esta via, a forma de cica e o jurista liberal Dr. Silva Marques. Este sua exclusiva direção, seu pensamento e sua
ta; conhecer os escritos de filósofos clássicos e abordagem realizada pelos colonizadores dos debate foi iniciado com a publicação do arti- leitura particular dos acontecimentos da épo-
de seu tempo; discutir com desenvoltura com séculos XV e XVI quando se referiram etno- go intitulado “A gente odiosa”12, do Dr. Silva ca sem nenhuma restrição. Após o primeiro
eruditos da academia acerca de temas de sua centricamente aos povos autóctones sempre Marques, em que expôs seu pensamento em artigo na sua coluna, que estampava o título
especialidade; fundar escolas e universidades por alguma ausência: “sem fé”, “sem rei”, “sem torno das questões sociais. Oiticica apresentou “O que penso”15, deu-se uma série de debates
baseado nas mais avançadas ideias pedagógicas lei”, só para lembrar algumas das incomple- seus comentários, ponderações e refutações entre Pedro do Coutto e diversos anarquistas.
de sua época e em discussão em diversos paí- tudes projetadas sobre o outro pelo olhar num artigo intitulado “As causas do crime – Fábio Luz, Orlando Corrêa Lopes, Oi-
ses do mundo; editar jornais, revistas e livros eurocêntrico. Até certo ponto, isso se aplica Carta aberta ao Dr. Silva Marques”13. A partir ticica, foram alguns dos anarquistas que pole-
abordando os problemas sociais de seu tempo, ao “pós”. Num e noutro caso, não há como daí se estabeleceu uma sequência de artigos, mizaram com Pedro do Coutto. Estes artigos
é percebido e só pode ser compreendido por deixar de perceber a existência sub-reptícia de expostos em números subsequentes do jornal, vislumbravam o estabelecimento de um calo-
aqueles de formação disciplinada e disciplinar, uma centralidade, pois nestas classificações há em que os dois travaram um debate vigoro- roso debate quando de seus encontros pesso-
dentro do conceito de autodidatismo. sugerida a existência de uma linearidade pul- so e amistoso, apresentando, um e outro, o ais, comentando, discordando, emendando,
Essa significativa amplitude de ativida- sando, ressoar de teleologia. Procusto espreita! entendimento particular sobre as ideias de criticando um ou outro aspecto apresentado
des só é inteligível através do conceito, paci- Porém, com as publicações de jornais seu adversário e a própria leitura em torno da nos artigos das partes envolvidas. Certamente,
ficador, de autodidatismo, segundo o olhar e revistas aqui analisadas, nada mais distante questão social como ao de algumas escolas do os artigos manifestam um dinâmico debate
narcisista inerente à perspectiva disciplinar de autodidatismo. Os artigos destes periódicos pensamento social. existente anteriormente à ideia de estampá-los
vigente. Há que se reconhecer os limites dessa resultaram ora de intensas conversas entre os Oiticica polemizou com diversas figuras e socializá-los pelas colunas de Na Barricada.
perspectiva, pois ela percebe apenas espelho. integrantes do coletivo editorial, ora de de- de destaque no cenário sociopolítico nacional. No número seguinte de Na Barricada,
Ao mesmo tempo em que cala inquietações e bates com outros anarquistas não integrantes Rui Barbosa, Maurício de Medeiros, o chefe os editores do jornal anunciaram uma confe-
domestica a imaginação, o conceito de autodi- deste coletivo, ora da confrontação com ad- de polícia Dr. Aurelino Leal, Dr. Augusto de rência a ser proferida por Pedro do Coutto. O
datismo apaga, obsta, anula da percepção pos- versários de ideias. Os debates giravam em tor- Lima Junior, o senador Irineu Marinho, Eva- aviso fora estampado com os seguintes dizeres:
síveis eventos e noções refratários à disciplina. no do entendimento de diferentes concepções risto de Morais e Jackson de Figueiredo foram
O enfoque instaurado pela disciplina, apesar conceituais, táticas e estratégicas a serem abra- alguns com quem travou polêmicas através Conferência. Amanhã, no Centro de Estudos
de ter seus alcances, possui o demérito de ser çadas pelos trabalhadores e pelos anarquistas. dos jornais anarquistas. 14 Sociais, á Praça Tiradentes n. 71, o nosso illustre
um verdadeiro leito de Procusto: método de Por vezes, a dinâmica dos debates bro- Orlando Corrêa Lopes, integrante do collaborador dr. Pedro do Coutto fará uma con-
amputação da vítima quando esta ultrapassar ferência sobre o thema: ‘a noção de pátria e o
tava nas colunas dos jornais nos quais os ar- coletivo editorial de Na Barricada, chegou a conceito de governo são inherentes ao homem?’
os limites de sua cama, ou execução do artifí- ticulistas expunham seu pensamento ao jul- convidar Pedro do Coutto, um liberal “sim-
cio de puxar e esticá-la se esta for menor que A conferência terá inicio as 8 horas da noite e
gamento direto do leitor, o que ocorreu em patizante do anarquismo” mas também um a entrada é franca ao publico.16
seu leito. Num ou noutro caso, ela finda se en- vários números de A Voz do Trabalhador, entre “simpatizante do positivismo” de Augusto
caixando dentro dos limites preestabelecidos. o anarcossindicalista Neno Vasco do Rio de
Essa perspectiva mutiladora pode ser 12 MARQUES, Silva. Gente odiosa. Na Barricada. Rio de No número treze de Na Barricada, há
Janeiro e o anarquista João Crispim, de São
constatada, por exemplo, nos estudos contem- Janeiro, ano 1, n. 11, p. 1, 19 ago. 1915. um relato da conferência de Pedro do Coutto.
Paulo, acerca da relação entre anarquismo e
porâneos que apresentam algum escritor ou 13 OITICICA, José. As causas do crime – Carta aberta ao O articulista registrou a presença maciça da
sindicalismo; aconteceu também em diversos Dr. Silva Marques. Na Barricada. Rio de Janeiro, ano 1, n.
pensador como “pré” ou “pós” isto ou aquilo. plateia, a longa palestra do convidado, cerca
números de Guerra Sociale em que Ângelo 13, p. 2, 02 set. 1915.
O dado curioso deste enfoque é que sempre Bandoni, anarquista antiorganizacional, e o 14 OITICICA, José. Ação direta, antologia dos melhores 15 COUTTO, Pedro do. O que penso. Na Barricada. Rio
é o outro que é denominado “pré”: “pré-lógi- anarquista Florentino de Carvalho, ambos de artigos publicados na imprensa brasileira - meio século de de Janeiro, ano 1, n. 11, p. 1, 19 ago. 1915.
co”, o indígena; “pré-capitalista”, o artesão, o São Paulo, discutiram o mesmo tema. pregação libertária. Seleção, introdução e notas: Roberto das 16 CONFERENCIA. Na Barricada. Rio de Janeiro, ano 1,
Neves. Rio de Janeiro: Germinal, 1970. n. 12, p. 2, 26 ago. 1915.
84 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 85

de duas horas e meia, o debate seguinte com Dessa maneira, colocava-se em ativida- mana, como totalidade, como outra forma de fícios podemos criar, a fim de que o povo se
a assistência e o convite subsequente, dirigido de um processo coletivo de caráter indiscipli- transcendência. emancipe.
ao conferencista, para comparecer ao mesmo nar na elaboração, preparação, maturação e A livre conversação foi assinalada por Pela propaganda e pelo exemplo, combatemos
local, na mesma hora e mesmo dia na semana divulgação de conhecimento. Um saber va- todos os vícios, todos artificiosos instintos de
Oiticica como instrumento de aferição dos malvadez, todos os hábitos grosseiros e estimu-
seguinte, para assistir à outra conferência sobre zando com os esquemas estreitos da disciplina, postulados. Ao abordar a questão feminina a lamos o amor pelo estudo, pela investigação,
o mesmo tema. Desta vez, a palestra seria rea- em relação tanto a seu aspecto restritivo a um partir da energética, referiu-se, entre outras, pela independência de espírito.19
lizada pelo anarquista e operário Elias da Silva. campo específico como à dimensão relacional à energia social como uma das constituintes
Muitos dos escritos de Lima Barreto17 da sociabilidade humana. Aqui se manifesta a do ser humano. Esta energia possui na so-
recusa de dinâmicas hierarquizadas e instau- Mesmo os jornais anarquistas, como
são também configurados dentro da dinâmica lidariedade seu móvel mais relevante. Nessa
radoras de hierarquias. Assim, as publicações os sindicalistas, que apresentavam o sindica-
eminentemente relacional de debates e polê- direção, apresentou o diálogo entre pontos
exprimiam uma estreita e intensa vivência to como a célula da nova sociedade, ou os
micas. Personalidades de projeção no mundo de vista diferentes como uma das condições
entre um grupo editorial, consistindo num jornais comunistas libertários que se referiam
da literatura e da política institucional são para a inventividade humana, possibilitando
veículo para articular as relações entre as sub- à comuna como novo centro gravitacional
questionados através de sua verve ácida, irô- testar e verificar a validade das afirmações e
jetividades. Importante evidenciar o caráter da vida social, ou os individualistas que afir-
nica e divertida. Nesses encontros, choques recusando o pensamento fechado sobre si
polifônico desses periódicos, não existindo mavam caber esta função à individualidade,
e fricções, seu pensamento vai sendo mais mesmo. O dogma constitui uma prática a ser
nestes o quesito afinidade enquanto critério mesmo cada um destes apresentava concomi-
bem delineado. Os artigos e as crônicas pu- destruída imediatamente quando do exercício
e condição para a definição da participação tantemente artigos em que a tendência e a
blicadas em jornais e revistas espelham com de liberdade e da preparação dos saberes. Em
na empreitada. proposta para o estabelecimento de alguma
mais propriedade esse aspecto particular de sua perspectiva, “a solidariedade não compor-
Nos jornais e revistas, também se dava unidade definitiva na sociabilidade humana
seu pensamento. Nesses periódicos, a rapidez ta a intolerância nem mesmo o antagonismo.
um processo de socialização de saberes atra- era recusada.
dos acontecimentos favorecia a elaboração Aceita a discussão como instrumento de ave-
mais ágil de artigos, emprestando aos escritos vés da exposição de análises, comportando riguação da verdade, mas proscreve os dogmas O procedimento indisciplinar se des-
um caráter quase de improvisação, quando enfoques simultaneamente sociológicos, filo- irredutíveis”.18 dobra numa postura nômade adotada pelos
comparados aos contos e romances, escritos sóficos, políticos, antropológicos, históricos, articulistas na medida em que era estabelecido
Os jornais e as revistas anarquistas recu-
mais elaborados e de maturação mais longa. biológicos, físicos, químicos, literários, entre um livre trânsito por entre áreas diferentes do
savam o apelo para adesão, conversão e filia-
outros. Essa perspectiva abarcava os conheci- conhecimento, conjugando, nesses escritos,
Vários artigos eram concepções dire- ção por serem estes expedientes próprios dos
mentos e as descobertas científicas que lhes formas inusitadas como poesias, desenhos,
tamente coletivas, sendo por vezes assinados mecanismos societários de igrejas, partidos e
eram contemporâneos; considerava também charges, situações. Entram nesses textos acon-
com o seguinte indicativo: “Os editores”, organizações conspiratórias, de caráter jaco-
as criações de artistas e poetas, entre outras tecimentos pessoais e sociais do momento, de-
“Nós”, “Grupo de redatores”, “Os anarquistas bino ou liberal, que almejam a conquista e
manifestações do conhecimento e da sociabi- poimentos de caráter memorialista e outros
do jornal tal” ou outra indicação semelhante. tomada do poder.
lidade humana. recursos.
A tese de autodidatismo, para caracterizar os
No geral, os jornais, revistas e impressos Há desrespeitos intencionais, calcula-
autores de artigos e livros, mostra-se insufi- Acompanhamos o povo nas suas reivindica-
como panfletos, folhetos e boletins, buscavam dos, quanto às fronteiras estabelecidas entre
ciente e, mais do que isso, enganosa por des- ções, salientando-nos quasi sempre pela nossa
provocar, inquietar, sacudir o leitor, para que energia e dedicação, sendo freqüentemente as os diferentes campos do conhecimento. Por
considerar uma dinâmica particular na con-
ele se dispusesse a agir imediatamente do lugar primeiras vítimas desses movimentos, pagando vezes, acontece de se apresentar conjunta-
fecção e socialização de saberes, que consiste com a morte, a prisão ou o desterro o nosso
mesmo onde se encontrava. A intenção era ex- mente no texto de análise social, elementos
num dinamismo eminentemente coletivo. entusiasmo pela justiça e pela emancipação dos
plicitamente provocar o leitor ou interlocutor de sociologia, política, antropologia, filoso-
oprimidos.
17 LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. 1881-1922. de maneira a que este abandonasse atitudes fia, pedagogia, paleontologia, biologia, física,
Ensinamos ao povo tudo quanto sabemos e,
Toda Crônica: Lima Barreto. v. I (1890-1919). Apresentação passivas passando a gerir sua existência, to- entre outros.
para consegui-lo, tiramos o pão da nossa boca,
e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valen- mando conta de sua própria vida, fugindo e com o qual sustentamos as escolas os jornais, Esse procedimento, eminentemente
ça. Rio de Janeiro: Agir, 2004. LIMA BARRETO, Afonso lutando contra os projetos e modos de vida os folhetos, os livros que com imensos sacri- indisciplinar, desemboca numa abordagem
Henriques de. 1881-1922. Toda Crônica: Lima Barreto. v.
II (1919-1922). Apresentação e notas de Beatriz Resende;
que postulassem alguma providência, divina
18 OITICICA, José. O desperdicio da energia feminina. A 19 SOARES, Primitivo. Vinganças burguesas. A Rebelião.
organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro: Agir, 2004. ou política, como centro da sociabilidade hu-
Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 74, 31 mar. 1915. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 2, 01 maio 1914.
86 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 87

não unilateral, expressando antes um enfoque imponham aos outros – monarchias, repúbli- procura em se mover no campo do princípio e a presença constante de tormentas impre-
multilateral na reflexão como na ação social. cas parlamentos, exércitos, polícia magistratura, de liberdade, reconhecendo no outro a condi- visíveis. Com esses, não havia uma busca de
qualquer instituição dotada de meios violentos;
A perspectiva indisciplinar utiliza elementos [...] ção para a sociabilidade humana. Nesta pers- promessas, reciprocidade, recompensa, com-
dos diversos campos da ciência, mas também pectiva, não caberia nem um ponto de vista pensação ou descanso, nem tampouco consolo
A transformação que desejamos não pode ser
expressões estéticas das artes entre outros da obra do indivíduo considerado isoladamente, definindo uma maldade ou bondade intrínse- reconfortante.
sociabilidade humana. Há textos apresentan- porque, longe de ser em favor d’um partido, é ca ao ser humano, nem alguma centralidade Está em atividade, neste caso, um estilo
do aspectos relativos a trajetórias particulares em proveito de todos os seres humanos; e isto nas relações sociais, nem tampouco o privile- selvagem, um dinamismo existencial indomá-
de vida e de diferentes escolas sociológicas e não se obtém pela força mas pelo livre consen- giar de um ou alguns dos atributos humanos
timento de todos. vel diante da existência. Há uma utilização dos
filosóficas, na investigação, na reflexão, na como fator explicativo causal ou primordial elementos que se lhes apresentam no instante
Persuadir, convencer é, pois, a nossa primei-
análise social; e em relação à ação dentro do para o seu dinamismo societário. vivido, como faria um bricoleur22, emprestan-
ra tarefa. Temos de pór em evidência alguns
conjunto de relações sociais e intersubjetivas, males de que o homem soffre, a possibilidade Os periódicos analisados servem como do novos sentidos a conceitos ou situações
opera-se com uma performance abolindo ver- de destruí-los; temos de procurar que se forme demonstração de como os anarquistas aqui convencionalmente definidas, num processo
ticalidades, não privilegiando um ou alguns e se manifeste a livre vontade de todos para considerados abordaram os acontecimentos evidente de subversão do usual.
a prática do nosso ideal, para a conquista de
meios de intervenção social como o melhor, que lhes eram próximos e distantes, como Passado e futuro não têm nenhuma ser-
mais bem estar.
o único possível ou o mais correto e eficiente. trataram os assuntos do momento e como ventia; a temporalidade serve para nada, além
Mas se é absurdo e se contradiz o nosso fim
Contudo, no geral, a utilização ou não, querer impor a liberdade, o amor entre os ho- expuseram suas críticas e proposições. De- de constituir elemento a compor dentro do
numa ou noutra circunstância, de jornais, li- mens, o desenvolvimento integral de todas as monstram também como alguns se moveram novo uso dado em bricolagem. Não havia,
vros, panfletos, manifestações públicas, ação faculdades humanas, por meio da violencia, será oscilando ora num terreno próprio da disci- com estes anarquistas, saudosismo quanto
egualmente absurdo e contrário ao nosso fim
direta, entre outros meios, justifica-se de acor- plinaridade ora em outro indisciplinar, ora em ao passado nem tampouco nostalgia pelo fu-
admittir que os que não pensam como nós nos
do com as contingências do momento. Estas, impeçam de realizar a nossa vontade, sempre uma órbita libertária ora noutra autoritária. turo. Havia, sim, uma percepção acerca das
por sua vez, são sempre diferentes, instáveis e que ella não lese o seu direito a uma liberdade Mostram também que alguns foram captu- possibilidades de que o instante se encontra
únicas, portanto, impossíveis de passar à ge- egual à nossa.20 rados pelo dinamismo disciplinar que tanto prenhe, além do fato de este ser o único ter-
neralização. Deve ser ressaltado que este se combateram. reno possível de atrair os pés do caminhante
constitui um caminho deveras arriscado, no Outro jornal anarquista, A Rebelião, Talvez isso tenha se dado por causa das indisciplinado, do guerrilheiro nômade, dos
qual há que se considerar a possibilidade de publicado em São Paulo doze anos depois do vibrações da autoridade e da disciplina ob- bandoleiros selvagens.
tomadas de direção as mais distintas possíveis. O Amigo do Povo, procedeu com a mesma dis- terem alguma forma de ressonância em seus Arrancaram suas próprias vidas das
O exercício da liberdade implica instauração posição, afirmando o princípio de liberdade pensamentos e em seus sentimentos. Parece mãos de Procusto, mas não ficaram conten-
da diversidade, estando incluído o risco de como sendo válido, sem sofisma. Comentan- que, por vezes, estes se cansavam, a ponto de tes, acomodados e satisfeitos. Sabiam estar o
ser estabelecida sua própria negação. Foi neste do a organização de um congresso operário desejarem trégua, repouso ou descanso perene. salteador mais adiante sempre à espreita na
sentido que o editorial do jornal O Amigo do católico, o articulista afirmou o seguinte: “Se- Passaram a confiar e esperar pelas promessas tentativa de capturar os desavisados. Domin-
Povo abordou o tema da liberdade como um gundo a imprensa diaria, devia-se realisar nes- e pelos consolos oferecidos a todos pelas di- gos Ribeiro Filho expressou, de um modo
dos aspectos de significativa relevância para tes ultimos dias um congresso catolico, o que versas manifestações de transcendência, quer poético, visceral e vigoroso, o pensamento de
sua existência. não nos admira, pois reconhecemos o direito se apresentassem com formas religiosas, quer inquietação constante e o sentimento de des-
de reunião e discussão a todo mundo; não científicas ou filosóficas. contentamento intenso. Para ele, “qualquer
Em frente das causas do actual estado de cou- queremos a liberdade só para nós”21. Esses impressos apresentam, por fim,
sas queremos abolida a propriedade privada da
O sentido exposto no trecho acima con- alguns anarquistas e coletividades irredutíveis, 22 Contrariando a tese de Lévy-Bruhl de que os povos “pri-
terra, das matérias primas e dos instrumentos mitivos”, possuindo uma mentalidade “pré-lógica”, apresen-
de trabalho, para que ninguém possa viver à siste no tom característico geral depreendido indomáveis, inflexíveis, quando se trata da re-
tavam um raciocínio inferior por estarem fora do pensamento
custa do trabalho alheio e para que todos, dis- dos periódicos anarquistas aqui analisados: a ferida caminhada sobre o fio da navalha. Esses cartesiano das sociedades modernas, Lévi-Strauss apresentou
pondo de meios para produzir e viver, sejam foram os que não procuravam sossego. Ten- o pensamento indígena como sendo provido de lógica. Ver
independentes e livremente possam associar-se 20 O QUE queremos. O amigo do povo. São Paulo, ano 1,
n. 2, p. 1, 01 maio 1902. cionavam antes expandir a si mesmo, o que particularmente o primeiro capítulo de: LÉVI-STRAUSS,
aos outros para o interesse comum e segundo Claude. O pensamento selvagem. Tradução de Tânia Pelle-
as suas sympathias; queremos abolido o gover- 21 A IGREJA e o proletariado. A rebelião. São Paulo, ano implicava a ausência de calmaria e quietude
grini. Campinas, SP: Papirus, 1989.
no, suprimindo todo o poder que faça leis e as 1, n. 3, p. 1, 17 maio 1914.
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que seja a conquista social da anarquia, haverá Floreal (1907)24 Floreal expressou bem a perspectiva in- alguma cousa justifica a minha directoria, não
uma outra anarquia para fazer-lhe a crítica e disciplinar afirmativa da liberdade, traduzida é com certeza o meu saber.
sonhar coisa melhor”23. Floreal, que estampava o subtítulo Re- pelo empenho em não só apresentar a existên- No nucleo que fundou e pretende manter esta
cia de diferenças consideráveis entre os inte- publicação, não sou eu quem mais sabe isto ou
Preferindo a insegurança ao conforto, a vista bi-mensal de crítica e literatura, foi uma aquilo; antes, um sou que menos sabe.
inquietação à calmaria, como consistindo na pequena revista que passou quase despercebi- grantes do coletivo editorial, mas, mais além,
Não foi esse o motivo; talvez fosse por ser eu o
possibilidade de irem até o fim de si mesmos, da quando de seu lançamento. No segundo em cultivar tais especificidades. Os temas
mais apparentemente activo e, para empregar
de serem a própria culminância, abdicaram número da revista, há o registro, não sem um abordados são articulados a outros, fugindo de uma palavra da moda, o mais ostensivamente
da segurança e da quietude prometidas pelos acentuado tom de frustração, de terem sido um enfoque circunscrito ao assunto apresen- lutador, que os meus companheiros me deram
messias, pelos salvadores, pelos guias; recusa- tado. Uma perspectiva indisciplinada no tra- tão honrosa incumbencia.
vendidos apenas 38 exemplares do primeiro
ram uma existência de esperas e esperanças, número. Os editores esperavam uma maior re- tamento das questões analisadas. O editorial Não que eu o seja de facto. Examinando-me
manifestou o estreito campo de contato entre melhor, creio que há em mim um inquieto,
procedimentos estes a cultivar pessoas passi- percussão, pelo menos entre os aficionados em a quem a mocidade dá longiquas parecenças
vas; por fim, agiram com desdém quando das literatura. No entanto, Lima Barreto registrou, os escritores que decidiram dar vida àquele
de activo e de combatente; e quiçá taes seme-
promessas de repouso aventadas por mista- quando da publicação em livro de Recordações periódico. Expressou também a recusa de to- lhanças tivessem enganado os meus amigos e
gogos. do escrivão Isaías Caminha, a recepção calorosa dos os componentes em cair no dinamismo companheiros, elevando-me á direcção desta
característico da esfera do jogo de servilismo e pequena revista.
Buscaram evadir-se do fascínio, da se- e entusiasta feita por José Veríssimo à revista.
dução e do encanto presentes no olhar pe- Em sua coluna, “Revistas Literárias”, publica- da troca de favores a campear entre jornalistas, O seu engano não foi total, penso eu; na epocha
diretores de jornais e literatos. de vida que atravesso, o inquieto póde bem vir
trificante das medusas; procuraram desviar- da em 09 de dezembro de 1907, no Jornal do a ser o luctador e o combatente, taes sejam as
-se do encontro com outros salteadores por Comércio, o consagrado escritor teceu efusivos As palavras iniciais de Lima Barreto cirscumstancias que o solicitem. Eu as desejo
perceberem seus intentos de enquadramento, elogios à Floreal. apresentaram a revista como o resultado da favoráveis a essa util mutação de energia, para
vontade de liberdade, de expansão da própria poder levar adiante este tentamen de escapar
ora amputando, ora esticando, mas sempre
ás injunções dos mandarinatos literarios, aos
violentando. Reconheceram o salteador em Ai de mim, se fosse a “revistar” aqui quanta
existência e de potencialização da vida de cada
esconjuros dos preconceitos, ao formulario das
sua camuflagem porque este entende o dina- revistinha por ai aparece com presunção de li- um dos envolvidos com sua publicação. regras de toda a sorte, que nos comprimem de
mismo social unicamente dentro de processos terária, artística e científica. modo tão insolito no momento actual.26
de filiação, adesão e conversão. Não teria mãos a medir e descontentaria a quase Não é sem temor que me vejo á frente desta
todos; pois a máxima parte delas me parecem publicação. Embora não se trate do Jornal do
Não obstante, no percurso, alguns dos sem o menor valor, por qualquer lado que as Essa iniciativa foi apresentada enquanto
Comércio nem da Gazeta de Pekim, sei, graças a
anarquistas do conjunto analisado resvala- encaremos. Abro uma justa exceção, que não um tirocínio prolongado em revistas ephemeras campo de experimentos livres, aberto a aven-
ram, caíram ou mesmo se jogaram de corpo desejo fique como precedente, para uma magra e obscuras, que immenso esforço demanda a sua turas, riscos e surpresas a que os integrantes da
e alma no campo gravitacional do universal brochurazinha que com o nome esperançoso manutenção e que futuro lhe está reservado. Sei
de Floreal veio ultimamente a público, e onde também o quanto lhe é desfavorável o público,
revista estavam dispostos e disponíveis. No ce-
totalizante, do sagrado absoluto, do transcen- li um artigo “Spencerismo e anarquia”, do sr. nário do jornalismo e dos impressos literários,
o nosso público, sábio ou não, letrado ou ig-
dente princípio de autoridade. Esta consiste M. Ribeiro de Almeida, e o começo de uma norante. Faltam-lhe os nomes, grandes nomes, Floreal fora apresentada enquanto revista que
numa das possibilidades presentes nos riscos novela Recordações do escrivão Isaías Caminha, desses que enchem o céo e a terra, vibram no concretizava a trajetória de vida e de existência
de quem vivencia a vibração de experimentos. pelo sr. Lima Barreto, nos quais creio descobrir ether imponderável, infelizmente não chegando
alguma coisa. E escritos com uma simplicidade a todos os cantos do Brazil; faltam-lhe dese-
tanto dos que instauraram a iniciativa como
Os maloqueiros selvagens, os inconstantes e sobriedade, e já tal qual sentimento de estilo de outros que poderiam ser por ela contagia-
nhos, photogravuras, retumbantes páginas a
indisciplinados, os bandoleiros nômades re- que corroboram essa impressão.25 côres com chapadas de vermelho – matéria tão dos. Os editores manifestaram em seus escri-
cusam terminantemente as totalizações, colo- do gosto da inteliglligencia economica do leitor tos o quanto estavam contagiados pelos mais
24 Foram publicados desta revista quatro números, dos quais habitual; e, sobretudo, o que lhe ha de faltar,
cando em suas atividades um dinamismo em diferentes acontecimentos envolventes. Entre-
encontrei apenas os dois primeiros: Floreal – Revista bimensal será um director capaz, ultra-capaz, maneiroso,
perspectiva relacional para as suas caminhadas. de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 25 out. tanto esse contágio não se revelava através de
dispondo da sympatia do jornal todo poderoso,
1907. Floreal – Revista bimensal de crítica e literatura. Rio e sabio nas sete sciencias da rua Benjamin Cons- atitudes passivas nem de quem se posiciona
de Janeiro, ano 1, n. 2, 12 nov. 1907. tant e em todas as artes estheticas e technicas.
23 RIBEIRO FILHO, Domingos. A guerra e a anarquia 25 LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Recordações do 26 BARRETO, Lima. Artigo Inicial. Floreal – Revista bi-
Desgraçadamente não tenho essa sabedoria
(uma questão literal e de ponto de vista). A Vida. Rio de escrivão Isaías Caminha. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: mensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 25
excepcional que super-abunda por ahi; e, se
Janeiro, ano 1, n. 6, p. 89, 30 abr. 1915. Publifolha, 1997. p. 32. out. 1907. p. 3-7.
90 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 91

enquanto vencido diante dos eventos. Antes algum agrupamento tipo partido ou igreja ou Este caminho se nos impunha, pois nenhum no contexto restritivo e proibicionista de uma
há a presença de subjetividades inquietas, ati- a algumas personalidades tidas na medida de de nós teve a rara felicidade de nascer de pae sociedade patriarcal, falocêntrica e preconcei-
livreiro, e pouca gente sabe que, não sendo as-
vas, altivas. A apresentação da revista, como os referenciais pretensamente intocáveis ou ain- sim, só há um meio de se chegar ao editor – é tuosa. No primeiro, Panphilio e Philetas con-
artigos escritos pelos componentes do grupo da a alguma pretensa fonte de verdade e de o jornal. Pouca gente sabe também que o nosso versam sobre o amor: se é eterno ou efêmero,
editorial27 expressam, de maneira diferente, soberania. Qual o limite desta culminância de jornal actual é a cousa mais inintelligente que se é exclusivista ou plural. Também quanto
uma disposição para fazer da própria vida um si mesmo? Ninguém mais, a não ser a própria se possa imaginar. É alguma cousa como um à questão da violência, do assassinato e do
cinematographo, menos que isso, qualquer cou-
campo em ebulição, com intensos e contínuos pessoa, poderia dizer. sa semelhante a uma féerie, a uma espécie de ciúme nas relações dos enamorados.
experimentos, em que tudo o que tocava a um Nas palavras de Lima Barreto, existe um mágica, com encantamentos, alçapões e fogos Em Dia de amor, o autor explica, em
ou a outro poderia ser apropriado da maneira dinamismo sob efeito de destruição de ídolos, de bengala, destinada a alcançar, a tocar, a emo- nota de pé de página no início do conto, ter
mais conveniente por cada um. ver o maior número possível de pessoas, donde
de deuses, estendendo-se em campos diversos tudo o que for insufficiente para esse fim deve publicado anteriormente os dois primeiros ca-
com uma cadência marcadamente dessacrali- ser varrido completamente. pítulos “em duas edições domingueiras do Cor-
Não se trata de uma revista de escola, de uma zante. Pessoas, costumes, instituições, ideias Cada um de nós está certo de que seria perfeita- reio da Manhã que não continuou a publicação
publicação de clan ou malóca literaria. Quando, foram alvos de constante e intensa apreciação, mente incapaz de levar emoções aos habitantes por tel-o julgado imoral”. Na mesma nota, o
como nos annos que correm, a critica sacóde
e procura abalar sciencias duas e mais vezes
nada permaneceria imune à crítica, tudo de- respeitáveis de Paracutú ou de atrahir leitores autor comentou a atitude censora dos edito-
veria ser exposto à análise exaustiva, todas as da Rua Presidente Barroso ou de Abrantes; mas, res do Correio da Manhã dizendo que “sobre
miliares, como a geometria, e os dogmas mais estamos certos também que essa média entre
arraigados, como o da indestructibilidade da possibilidades consideradas, o esgotamento da a sensibilidade obstruída de afastados com- Moral, a redacção do poderoso jornal diário
materia, seria paradoxalmente exotico que nós matéria ou da perspectiva adotada era o limite. pratriotas, o semi-analphabetismo de uns e a tem maiores certezas que o Sr. Poincaré sobre
nos apresentassemos unidos por certos theore-
mas de arte, com seguras theorias de estylo, e
O iconoclastia se apresentava como um dos futilidade de outros, actualmente representada geometria. É um facto notavel que registramos
predicados mais evidentes. Isso porque os es- pelo jornal diário, não tem direito a distribuir para servir aos que entre nós se dediquem ao
marcando um determinado material para nossa celebridade e a estabelecer uma escala de méri-
inspiração. critores instauraram a ocasião para o questio- tos intelectuaes. estudo experimental da intelligencia” 32.
Não se destina, pois, a Floreal a trazer a publico namento em todas as direções possíveis, como Há uma situação de transgressão em
Demais, para se chegar a elles, são exigidas tão
obras que revelem uma esthetica novissima e também para o exercício de problematização vis curvaturas, tantas iniciações humilhantes, relação aos padrões socialmente aceitos para
apurada; ella não traz senão nomes dispostos de temas e situações.
a dizer abnegadamente as suas opiniões sobre
que, ao se atingir ás suas columnas, somos ou- existência do amor e do sexo entre um homem
tros, perdemos a pouca novidade que trazíamos, e uma mulher. Pedro e Vera eram, um e outro,
tudo o que interessar a nossa sociedade, guar- para nos fazermos iguaes a todo o mundo. Nós
dando as conveniencias de quem quer ser res- Não estão (é preciso dizer) no seu programma não queremos isso. Burros ou intelligentes, ge- casados e, no entanto, estavam apaixonados.
peitado. as estupidas hostilidades preconcebidas. No niaes ou medíocres, só nos convenceremos de Viviam um recíproco, mas interdito, sentimen-
julgamento do pensamento que nos precedeu,
É uma revista individualista, em que cada um
levaremos em conta as difficuldades que o nos-
que somos uma ou outra cousa, indo ao fim de to. O autor expôs os pensamentos e sentimen-
poderá, pelas suas paginas, com a responsabili- nós mesmos, dizendo o que temos a dizer com tos tal qual estes se apresentavam no íntimo dos
so tem encontrado para se exteriorisar e tomar a mais ampla liberdade de fazel-o.29
dade de sua assignatura, manifestar as suas pre-
ferências, communicar as sua intuições, dizer os
corpo, e tambem que o antigo se encadeia no dois enamorados, objetivando problematizar as
novo, o novo no novissimo, e que, quando normas de conduta estabelecidas socialmente.
seus julgamentos, quaesquer que sejam.28
mesmo isso não se dê, ambos pódem coexistir, Os artigos subsequentes, Diálogo, de
por mais antagonicos que sejam, sem que um
O diálogo dos dois manifesta a inquietação
diminua a grandeza do outro. É lição da Natu- Antonio Noronha dos Santos30, e Dia de amor, partilhada por ambos quanto à situação de
Nada de conveniências nem alinha- reza. Os monstruosos Hipparious do mioceno de Domingos Ribeiro Filho31, tematizaram constrangimento por conta de um sentimento
mento a opiniões consagradas de especia- lentamente evolveram até á esbelteza do pur- o problema das relações sexuais e amorosas verdadeiro, porém proibido pelas convenções.
listas. Tampouco postura servil de filiação a -sang contemporaneo; ao lado delles, porém,
pela superficie da Terra, quasi sem modificações,
29 BARRETO, Lima. Artigo inicial. Floreal – Revista bi- O poema intitulado Ossos, de Mario
mensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 25
os mastodontes terciarios ficaram nos nossos Pinto de Souza33, por sua vez, manifesta o
27 Compunham o coletivo editorial da revista, além de Lima out. 1907. p. 3-7.
elephantes actuaes...
Barreto, Antonio Noronha Santos, Domingos Ribeiro Filho, 30 SANTOS, Antonio Noronha dos. Diálogo. Floreal – Re- 32 RIBEIRO FILHO, Domingos. Dia de amor. Floreal –
Mário Pinto de Souza, M. Ribeiro de Almeida, Carlos de Mas, conquanto as nossas divergências sejam vista bimensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 1, Revista bimensal de crítica e literatura. ano I, n. 1, Rio de
Lara, J. Pereira Barreto e Edmundo Enéas Galvão. grandes, há entre nós uma razão de completo n. 1, 25 out. 1907. p. 7-10. Janeiro, 25 out. 1907. p. 12.
28 BARRETO, Lima. Artigo inicial. Floreal – Revista bi- contacto: é a nossa incapacidade de tentar os
31 RIBEIRO FILHO, Domingos. Dia de amor. Floreal – 33 SOUZA, Mario Pinto de. Ossos. Floreal – Revista bi-
mensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 25 meios de publicidade habituaes e o nosso dever
Revista bimensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano mensal de crítica e literatura. Ano I, n. 1, Rio de Janeiro, 25
out. 1907. p. 3-7. de nos publicar.
1, n. 1, 25 out. 1907. p. 12-20. out. 1907. p. 28.
92 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 93

tema da vivência do amor no âmbito da den- proudhoniano não deixou de provocar rea- própria vida pessoal rumo a uma liberação no a partir do encontro entre o movimento punk
sa intimidade de alguém que acredita ter su- ções entre seus contemporâneos anarquistas. amor. Lima Barreto, em diversos artigos, se e o movimento gay.
perado um sentimento por outra pessoa. Os Joseph Déjacque37, em 1857, escreveu Do ser colocou a favor da multiplicidade dos afetos, Um outro escrito de Lima Barreto traz
dilemas e as dúvidas em relação a si mesmo humano macho e fêmea, carta a P.J. Proudhon, especialmente tratando da mulher. Em arti- como cabeçalho, no interior de Floreal, Revista
surgem através de contornos de um profun- numa crítica incisiva ao posicionamento de go intitulado “Não as matem”, após abordar da Quinzena e não Revista da Semana, como
do sentimento que reaparece, acionado por Proudhon relativo à mulher. A dedicatória do casos de assassinato de mulheres por maridos indicado no sumário. Novamente surge deli-
alguma casualidade. O autor abordou suas livro único de Stirner expressava: “À minha e noivos por conta de infidelidade, encerrou neada a verve do autor provocando o leitor,
impressões sem delinear o entorno explicati- querida Marie Dänhardt”. Não conheço, entre seus dizeres afirmando: “Deixem as mulheres mas, especificamente, um outro coletivo edi-
vo para aquela situação, prendendo seu foco os socialistas, quem tenha dedicado livro a amar à vontade. Não as matem, pelo amor de torial denominado A Caravana. Este era um
na ebulição intimista. Os versos apresentam alguma companheira38. Deus!”41. Marques da Costa42 escreveu artigos grupo recém-fundado de literatos. Segundo
o mesmo tema na sequência do conto e do Outros anarquistas meditaram sobre intitulados “A proposito de... vasectomia e cas- o exposto no artigo de Lima, o objetivo de A
diálogo anteriores. Os desencontros entre sen- a questão, problematizando a instituição da tração” nas colunas de A Plebe. Caravana era a promoção de encontros pe-
timentos e convenções sociais foram apresen- monogamia e os costumes de exclusividade Mais recentemente, Daniel Guerin riódicos entre os interessados pela literatura
tados a partir de uma perspectiva subjetiva. no amor. No Brasil, Giovanni Rossi39 foi um e Roberto Freire trataram dessa questão. O como também “propugnar pela disseminação
Esta perspectiva personalista se projeta tanto dos primeiros anarquistas a tratar da questão primeiro agrega, em sua abordagem sobre o do gosto artistico”.45 Em seu inconfundível e
na leitura do autor sobre o assunto como na a partir de um ponto de vista de liberação. amor, o tema da homossexualidade43. O se- inimitável estilo irônico, e numa crítica mor-
forma de vivenciá-lo, no caso do conto, tam- Maria Lacerda de Moura40, em diversas pu- gundo – que prefere o termo amor libertá- daz aos primeiros procedimentos adotados pe-
bém em relação aos conceitos e preconceitos blicações, mas especialmente em Amai e... não rio a amor livre – através de seus livros e da los literatos de A Caravana, Lima se referiu à
sociais apresentados a partir da conversa entre vos multipliqueis e em Han Ryner e o amor soma, a terapia grupal por ele criada, apresenta nova agremiação da seguinte maneira:
Panphilio e Philetas. plural, abordou esta temática, revirando sua os obstáculos para uma vivência dos afetos
As ponderações sobre a vivência do como principal causa da neurose nas socie- A CARAVANA – De quando em quando, os
amor, dentro de uma perspectiva alheia às Tempos, 1987. dades modernas. Na vertente anarquista do nossos literatos mais famosos, por suas obras
injunções da moral, da igreja, da economia, 37 DÉJACQUE, Joseph. O ser humano masculino e femi- punk, é prática habitual abordar em encontros ou pela posição que occupam na politica e na
nino (Carta a P. J. Proudhon). Utopia. Revista Anarquista administração, resolvem reunir-se e formar uma
da política, têm sido significativas no pensa- e através das letras das bandas questões relati- sociedade, um club, que dê banquetes congra-
de Cultura e Intervenção. Tradução de Carolina Magos Jorge
mento anarquista34. Este é um dos grandes Carvalho. Lisboa, Portugal: Associação Cultural A Vida, n. vas a gênero, sexualidade e homossexualidade. tulatorios e convoque sessões ruidosas, não
temas menores abordados no pensamento e no 18, 2004. p. 29-33. O’Hara44 registra o surgimento do Queercore esquecendo, ás vezes, de declarar que o club
movimento anarquista. Neste campo, as refle- 38 João Barrento, o tradutor do livro único de Stirner, apre- ou a sociedade tem por fim tambem animar as
41 LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. 1881-1922. letras e as artes e propugnar pela disseminação
xões abrangem desde posições conservadoras, sentou Marie Dänhardt no glossário com as seguintes pala-
do gosto artístico.
vras: “Dänhardt, Marie (1818-1902): segunda mulher de Stir- Não as matem. In: ______. Toda Crônica: Lima Barreto. v.
como a de Proudhon35, até outras liberadas, II (1919-1922). Apresentação e notas de Beatriz Resende;
ner, a quem é dedicado este livro. Membro da sociedade Os Convidam este e aquelle, procuram os varios
como a de Bakunin36. O conservadorismo Livres, em Berlim, herdou uma fortuna considerável (grande organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro: Agir, 2004.
chefes dos bandos litterarios, alliciam alguns
parte dela dissipada por Stirner nos três anos de casamento) v. 1. p. 168-169.
Atticos suspeitos de usura na gerencia dos jor-
34 Sobre o amor, num enfoque anarquista, ver: ALBERT, e era conhecida nos meios da boêmia berlinense. Emigrou 42COSTA, Marques da. A proposito de... vasectomia e cas- naes e dous ou tres Mecenas cheios de duvidas
Charles. O amor livre: uma avaliação anarquista da questão para a Austrália e depois fixou-se na Inglaterra, onde trocou tração. A Plebe. São Paulo, ano 3, n. 91, p. 3, 22 jun. 1935 na doutrina das letras dobradas, e dão um nome
sexual. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980. ALBERT, Charles. correspondência com John Henry Mackay, o biógrafo de Stir- (3ª fase). á aggremiação.
O casamento burguês e o amor livre. Rio de Janeiro: Achia- ner”. STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Tradução 43 GUERIN, Daniel. Um ensaio sobre a revolução sexual
mé, 2000. ARMAND, E. Nova ética sexual. Rio de Janeiro: de João Barrento. Lisboa, Portugal: Antígona, 2004. p. 289.
Como não possam deixar de ser grandes litera-
após Reich e Kinsey. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes
Germinal, 1960.
tos os nossos grandes jornalistas, são estes tam-
39 ROSSI, Giovanni. Um caso de amor na Colônia Cecília. de Moura. São Paulo: Brasiliense, 1980. FREIRE, Roberto.
bem convidados e os poderosos jornaes, ipso
35 Ver o capítulo seis, intitulado “Religión, Moral, Educa- In: ______. Colônia Cecília e Outras Utopias. Tradução e Soma: uma terapia anarquista. 2 v. Rio de Janeiro: Guana-
facto, falam na associação, por intermedio de
ción”, no quarto item (Condición de la mujer) de: CUVIL- introdução de Marzia Terenzi Vincentini, Miguel Sanches bara, 1991. FREIRE, Roberto; MATA, João da. Soma, uma
noticias em que lindos adjectivos cascateam e
LIER, Armand. Proudhon. Tradución de Ma. Luisa Diez- Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000. p. 91-127. terapia anarquista – Corpo a corpo – A síntese da Soma. Rio
rutilam, redigidas a rigor pelos supplentes dos
-Canedo. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1986. 40 MOURA, Maria Lacerda de. Amai e... não vos multipli- de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. v. 3.
(Colección Popular). p. 343-349. queis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1932. MOURA, 44 Ver: O’HARA, Craig. A filosofia do punk: mais do que 45 BARRETO, Lima. Revista da quinzena. Floreal – Revista
36 BAKUNIN, Mikhail. Bakunin por Bakunin (Cartas). Maria Lacerda de. Han Ryner e o amor plural. São Paulo: barulho. Tradução de Paulo Gonçalves. São Paulo: Radical bimensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1,
Tradução de Plínio Augusto Coelho. Brasília, DF: Novos Unitas, 1933. Livros, 2005. 25 out. 1907. p. 29.
94 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 95

mais celebres mestres, pois sempre os há nas No entendimento de Lima Barreto, à brir nelles as grandezas que têm, as qualidades do próprio processo de desenvolução de cada
redacções importantes. literatura caberia um papel eminentemen- que possuem; entretanto – como são as cou- um, rejeitando a instauração de referenciais a
sas? – para as arvores do Sumaré, para a praia
Por dous ou tres mezes, o club prende a atten- te relacional: ao mesmo tempo em que de- de Copacabana, que, positivamente, não são serem seguidos, de modelos a serem copiados,
ção do publico.46 monstrasse as características individuais e de exemplos a serem imitados.
homens de carne e osso, quanta ternura, quanta
coletivas, num movimento de apresentação palavra bonita!49 Ao literato, caberia uma atitude de in-
O articulista prosseguiu fazendo um rá- e esgotamento das singularidades pessoais e quietude e continuada provocação, diante de
pido registro histórico remetendo ao tempo grupais, deveria assinalar as particularidades quem o leitor não encontrasse a ocasião para
Outro aspecto de destaque nestas pala-
em que, ainda no império, iniciativas seme- do processo societário envolvente, pois seria adotar a cômoda postura de discípulo. O es-
vras diz respeito a uma indiferença quanto ao
lhantes foram tomadas. A diferença das ini- neste dinamismo que elas são forjadas. Cri- critor deveria proporcionar ao leitor uma certa
estabelecimento de conceitos que operariam
ciativas realizadas na república dizia respeito à ticou a literatura convencionalmente aceita incomodação, um certo desconforto. Nada
dentro de concepções baseadas na ideia de
intenção de estendê-la a toda a população. O e divulgada, por proceder a uma desconexão de enquadramento nem concerto, ao litera-
existência de cultura superior oposta à outra
“gosto artístico” seria algo tido na medida de das especificidades tanto umas em relação to caberia instaurar ebulição e desconcerto,
inferior. Este postulado se manifesta através
referencial superior. Essa superioridade de gos- às outras como quanto ao fato delas serem problematizando e não doutrinando. Por fim,
da afirmação, pelos literatos cultos, de uma
to fora assim definida tendo como polo oposto possíveis unicamente dentro de um conjun- ao literato competiria ainda questionar e não
aristocracia do gosto, reativa a um gosto co-
um gosto popular, entendido como intrinse- to maior de relações. Portanto, aos literatos, pedir adesão nem filiação. Sua incumbência
mum. Está em andamento, neste caso, uma
camente inferior. Os republicanos procura- faltaria sensibilidade para elaborar uma pers- deveria ser a de instaurador de inquietações,
oposição entre cultura erudita e cultura po-
ram extinguir o “para alguns”, da aristocracia pectiva relacional sem, contudo, menosprezar um insistente agitador e não um pedante con-
pular entendidas enquanto antípodas. Esse
monarquista, com o “para todos” democráti- marcas e características específicas de pessoas e dutor das consciências. E, mais que consci-
processo atualizaria uma dinâmica de eleição
co. Esta ocasião apresentara-se enquanto mo- coletividades e ao mesmo tempo assinalando o ência, Lima Barreto evidenciou a relevância e
e afirmação de centralidades através da ins-
mento privilegiado de problematização deste quanto estão reciprocamente enlaçados, mis- legitimidade das emoções como um dos atri-
tauração de algum modelo, de um padrão e
imperativo democrático como celebração de turados, contagiados. Evidenciar o atributo butos individuais a nortear o gosto artístico de
da noção de normal, como também de seus
uma fraternidade liberal... compulsória. solidário do dinamismo da sociabilidade hu- cada um, de modo a tornar totalmente inócua
reflexos em espelho: esboço, desvio, anormal.
mana constitui a função da literatura.48 qualquer atitude executada a partir da referên-
Atuando nesse diapasão, todo um mecanismo
Não acredito absolutamente que a arte possa de julgamento, exame e avaliação, implicando cia a algum modelo ou código de soberania.
ser popular, não acredito mesmo que possa Acantonam-se num ponto só e esquecem uma a existência da soberania do juiz, de jurados e Na coluna seguinte, intitulada “Revistas
interessar sinceramente, não direi já o povo, das maiores funcções da literatura, que é de desdobramentos em prêmio ou castigo, cons- e jornaes”, em ordem inversa da exposta no
mais a um grupo social inteiro, uma casta, uma soldar os grupos de um paiz uns aos outros,
classe; e não acredito tambem que os nossos revelando a cada um delles as successivas ma- tituiria atualização do tribunal de Deus. sumário, Antonio Noronha Santos comentou
literatos amem o povo, interessem-se pela sua neiras de pensar, de sentir, os sonhos, as aspira- Lima Barreto fez questão de afirmar dois artigos: “O Cinematographo” de Remy
sorte, achem nelle poesia, materia prima para ções particulares a cada qual, procurando, como de Gourmont, publicado no Mercure de Fran-
as suas obras.
seu descaso quanto a procedimentos que
mostra Guyau, os sentimentos e sensações de ce em 1º de setembro do mesmo ano, e “A
cada individuo, de cada grupo, de cada classes. operariam com a noção aristocrática de ele-
Pelo menos, não se encontram vestígios disso cultura latina” de Ferrero, publicado no Jornal
nos seus volumes. Coisa curiosa! Não temos
mentos de distinção entre segmentos sociais.
Referindo-se aos individuos que não fazem do Comércio em 28 de setembro do mesmo
uma aristocracia ou uma burguesia brilhante parte da gente que elles adoram e exageram Em sua perspectiva, não deveria existir outro
que se transmitta atravez das gerações – não num romantismo curioso, os nossos literatos, critério para abordar as criações artísticas do ano. No primeiro, o articulista destacou as
temos; entretanto, não encontram material só lhes vendo defeito superficiaes, degradam, que o gosto subjetivo. Qualquer iniciativa de análises críticas e festivas elaboradas por Remy
para a sua obra senão na roda do Lyrico, nos amesquinham-nos, sem absolutamente desco de Gourmont quanto à invenção do “cinema-
bondes de Botafogo, nas barcas de Petropolis e
eleição de medida exterior ao gosto pessoal
constituiria um arbítrio, um abuso. A própria tographo”. Se muitos recebiam este invento
nos passeios da Tijuca. É singular! Para o resto,
48 Sobre a função da literatura na concepção de Lima Bar- com reservas e mesmo com hostilidade, o
uns velhissimos folhetins á França Junior, pal-
reto, ver: BARBOSA, Francisco de Assis. Lima Barreto e a
desenvoltura e expansão dos sentimentos ar-
pavelmente errados no tocante á observação.47 tísticos deveriam ser deixados livres, ao sabor autor, que não deixou de registrar os limites
reforma da sociedade. Recife: Pool, 1986. BEIGUELMAN,
Paula. Por que Lima Barreto. São Paulo: Brasiliense, 1981. e deméritos do “cinematographo”, também
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão – Tensões 49 BARRETO, Lima. Revista da quinzena. Floreal – Revista considerava as possibilidades positivas e vali-
46 Ibidem, p. 29. sociais e criação cultural na Primeira República. 2. ed. São bimensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, dade de tal invento. Santos questionou se este
47 Ibidem, p. 30-31. Paulo: Companhia das Letras, 2003. 25 out. 1907. p. 31.
96 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 97

invento ameaçaria e eclipsaria outras expres- pré-político, pré-conceituoso, pré-moderno. Lima Barreto, em seguida, desancou os procedimentos de escravização de indígenas
sões das artes, como o teatro, e respondeu que Só faltou pré-histórico. Mas isto findou sendo ácido diatribe afirmando que “o que o general no Brasil central por grandes fazendeiros.
existe a probabilidade. dito por outras vias. Sua crítica à república, Rondon tem de mais admirável é a sua fisio- A crítica barretiana ao feminismo sufra-
O certo, porém, continuou o autor, é cotejando-a com a monarquia e assinalando nomia de crueldade. Vê-se nele sua vocação gista aparece para alguns como um indicativo
que no “cinematographo” haveria a vantagem certa inferioridade da primeira ante a segunda, de ditador e ditador mexicano”. de misoginia. Seu posicionamento crítico do
de clareza de exposição das ideias. Além do delineia antes um sarcasmo aos sentimentos de Orlando Corrêa Lopes52, por sua vez, “cinematographo”, da ciência, do futebol, do
mais, em pouco tempo, se poderia conhecer superioridade, nutridos por republicanos posi- manifestou simpatia pelo general Rondon. telefone, dos bancos e do sistema financei-
diversas localidades. Com irreverência, o autor tivistas e adjacentes, e não uma nostalgia pelo Entendia que a ação do general, pelos inte- ro; também crítico quanto à construção de
sustenta que, com o “cinematographo”, se po- império. Em diversos de seus escritos, Lima riores do país, era uma ação benéfica porque arranha-céus e monumentos gigantescos no
deria também assistir a peças de Shakespeare Barreto assinalou a intensificação da violência civilizadora. Uma perspectiva próxima à de Rio de Janeiro, contra o modo de vida esta-
e, por ser mudo, não irritaria os tímpanos. contra os segmentos populares perpetrados Lopes, não em relação ao general mas aos in- dunidense, sobretudo no quesito utilitarista e
Noronha Santos encerrou o seu artigo de lou- pelos governantes democráticos. dígenas, é apresentada no livro de autoria de megalomaníaco, se contrapondo ao fascínio
vação ao “cinematographo” com alguns dizeres Em um de seus artigos, Lima Barreto Edgar Leuenroth e Hélio Negro53. Neste livro, dos brasileiros por aquele país, lhe valeram o
de Remy de Gourmont. enfeixa um conjunto de questões que infor- os autores dedicam uma pequena parte para epíteto “pré-moderno”. Sua posição contrária
mam sobre diversos aspectos do assunto ex- tratar daqueles que denominaram “selvícolas”. à derrubada das árvores e ao conjunto da flora
Considerado sob o ponto de vista científico, posto. Sua recusa à república e ao nacionalis- Sucinta e rapidamente, os autores, tratando da Baía da Guanabara, como com a vida dos
o cinematographo é uma das mais curiosas e mo, a figuras proeminentes do republicanismo de soluções a serem implementadas numa animais, apenas acentuou o tom das definições
mesmo uma das mais bellas invenções do nosso positivista brasileiro como a certos avanços sociedade libertária, afirmaram uma futura estreitas em torno de seu pensamento.
tempo. Melhorado, tornar-se-ha um instrumen-
to perfeito e verdadeiramente magico. Não po-
tecnológicos são abordados em “O nosso ca- integração das sociedades tribais à sociedade Esses posicionamentos tinham resso-
nho em duvida que nos dê um dia as paysagens boclismo”. Soltou a férula de sua crítica ao nacional. Esta perspectiva atualiza medidas ca- nância em outros anarquistas. Maria Lacerda
com todas as suas côres, os matizes do céo e das general Rondon por ser militar e catequista. tequistas e universalistas. Os escritos de Lima de Moura56, em seu livro Civilização – tronco
florestas. Então conheceremos effectivamente a Se este era elogiado, inclusive havia anarquis- vão à direção oposta desses salvacionismos.
vasta terra até aos seus recantos mais inacessi-
de escravos, criticou a técnica e ciência sob regi-
veis e os costumes diversos dos homens virão se
tas que admiravam suas iniciativas entre os Essa posição de crítica quanto à repú- me clerical do capitalismo e do estatismo. Os
agitar deante de nós como um bando de dan- indígenas, Lima Barreto é implacável em sua blica positivista nascente foi comum entre os avanços da ciência e da tecnologia findam sen-
çarinas doceis. Tiremos proveito delles. Bem crítica a Rondon. anarquistas. O folheto contra a imigração ela- do direcionados contra o ser humano e contra
tolo ou desprovido de curiosidade será quem
desdenhar esses espetaculos.50
borado por Oresti Ristori54 denuncia a perma- a vida no planeta. Até mesmo a saúde física de
O General Rondon nunca venceu batalhas e nência, nas fazendas de café no interior de São todos é comprometida por uma série de fato-
não as vencerá, porque o seu talento é telegrá- Paulo, dos mesmos expedientes utilizados con- res, dentre os quais o depauperamento físico
fico. Não há general como ele para estender
Estas considerações em torno do “cine- tra os negros no período da escravidão. Pelouri- por excesso de trabalho, a má alimentação, os
linhas de telégrafo; mas não há também general
matographo” deixam à mostra um campo de como ele para catequizar caboclos. nho, ferros, tortura e assassinato por capatazes alimentos adulterados ou envenenados. Estes
evidente oposição existente pelo menos entre ainda vigoravam em plena República. Graco55, aspectos do estado doentio dos organismos
Até hoje, essa missão estava reservada aos reli-
dois dos componentes do coletivo editorial: giosos de toda a espécie; mas foi preciso que o em artigo publicado no Germinal!, denunciou foram destacados por Oiticica na última parte
Antonio Noronha Santos, um entusiasta cau- Brasil se fizesse republicano para que tal coisa organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro: Agir, 2004. de seu “Catecismo Anarquista”. Também os
teloso do “cinematographo”, e Lima Barreto, coubesse aos oficiais do Exército. v. 2. p. 32. jornais A Obra e A Plebe publicaram artigos
um crítico severo deste ícone da modernida- Rondon catequista é um grande general e o ge- 52 LOPES, Orlando Corrêa. Uma grande obra. Na Barricada. abordando temas de saúde física e métodos
de. Esse posicionamento, recusando invenções neral Rondon é um grande catequista. Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 14-15, 01 maio 1915. contraceptivos. O já citado livro Amai e... não
modernas, levou muitos de seus comentadores Aí não é o sabre que cede lugar à toga; é a batina 53 LEUENROTH, Edgar; NEGRO, Hélio. O que é maxi- vos multipliqueis, de Maria Lacerda de Mou-
que se vê vencida pelo sabre.51 mismo ou bolchevismo. São Paulo: [s.n.], 1919.
e estudiosos a alocá-lo na quadrinha do “pré”: ra57, também aborda a questão.
54 RISTORI, Oresti. Contra a Imigração. São Paulo: La
Battaglia, 1906. 56MOURA, Maria Lacerda de. Civilização – tronco de es-
50 SANTOS, Antonio Noronha. Revistas e jornaes. Floreal 51 LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. 1881-1922. O cravos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1931.
55 GRACO. O triunfo da iniqüidade (?) – Os colonos, ven-
– Revista bimensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano nosso caboclismo. In: ______. Toda Crônica: Lima Barreto.
cidos, voltam ao trabalho. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 9, 57MOURA, Maria Lacerda de. Amai e... não vos multipli-
1, n. 1, 25 out. 1907. p. 35. v. II (1919-1922). Apresentação e notas de Beatriz Resende;
p. 1, 17 maio 1913. queis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1932.
Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 99

CLANGOR ANARQUISTA Florentino de Carvalho, no início de Maria Lacerda de Moura e Lima Bar-
seu primeiro livro, assinalou a incidência de reto novamente convergem na crítica ao “ci-
uma atmosfera doentia na civilização moder- nematographo”. Através desta arte, os senti-
na atingindo a todos. A convergência de uma mentos chauvinistas, belicosos e predatórios
série de artifícios da modernidade tinha resul- da civilização eram cultivados. Neste livro,
Sonho escutar a turba de ouro Abaixo o medo e a hipocrisia! tados catastróficos para o ser humano. Maria Lacerda de Moura também condena
Da Liberdade! E ouvir em coro Para os niilistas a Anarquia, a ciência que usa animais para experimentos
A multidão! Supremo Ideal; Vegetando como sapos á beira dos pantanos, com vivissecção.
Na orquestra viva do planeta onde se conglomeram todos os detrictos, No quesito relativo à relação do ser
É expiração da Humanidade amalgamando-se nos centros industriaes e
Retroar a rutila trombeta Livre, no seio da Irmandade commerciaes por obra mágica da centralisação
humano com o conjunto da existência, Lima
Da redenção! Universal! capitalista, não pode o homem, no presente re- Barreto e Maria Lacerda de Moura, entre ou-
gime, libertar-se dos torvelinhos sociaes, centro tros anarquistas, evidenciaram uma percepção
de gravidade do vírus infeccioso que enche a que hoje é denominada ecológica ou natura-
Cantai, clarins, rufai, tambores! O pão e o teto para todos, atmosphera e decepa vidas a granel.
Sinfonizar os mil rumores lista. Florentino de Carvalho apresentou as
Mas sem mentiras, sem engôdos Enormes parcellas illustram as estatísticas da
Fundindo os sons! descobertas de cientistas e filósofos em con-
Nem ódio algum! mortalidade universal, causada pela tubercu-
A longitroar, como ciclones, lose, pela syphilis e outras doenças de consti-
fronto com as concepções teológicas absolu-
Que a terra seja, a terra inteira, tistas. A religião estabelece uma centralidade,
Reboe o cobre dos trombones tuição social ou epidemica. E se a esta morta-
A imensa, a eterna, a verdadeira lidade acrescentarmos a produzida pelo serviço Deus, para toda a existência. Esta centralidade
E dos clarins! Pátria comum! nocturno, pelos accidentes de trabalho, pela má cósmica é projetada para as modalidades com-
qualidade dos alimentos e seu envenenamen-
to, ou pela miséria, a que parcella assombrosa
portamentais humanas e extra-humanas. A
Claras e cálidas clarinas E, além do pão, além do teto, não atingirá o numero de victimas da nossa negação da centralidade passa antes pelo ate-
Entoai as músicas divinas Radiosamente brilhe o afeto civilização? ísmo, desdobrando-se na igualização dos seres.
Clangorejai! Abençoador! E quão interessante não seria a elaboração de
Sonoros hinos de alegria, Para que, em suas semelhanças, uma estatistica da mortalidade resultante das Finalmente, as modernas theorias da relativida-
Dobras às glórias da Anarquia doenças moraes, da nevrose, que prolifera sob de, da escola de Einstein, rompem os ultimos
Nasçam as flores e as crianças,
o azorrague da tyrannia, do espesinhamento da liames da concepção absolutista.
Tãobadalai! Ao sol do Amor! dignidade individual, das determinadas pelo
fanatismo religioso, pelas consequencias da Em resumo, os novos valores scientificos ali-
Louvai, enfim, o homem sem peias, guerra, das pugnas politicas e da lucta social? cerçam o atheismo e o materialismo sobre ba-
Poetas, filósofos, artistas, ses incommoviveis; naturalizam a concepção
Sem preconceitos ou cadeias, Nós todos somos anarquistas Se sommarmos o número de victimas das en- anarchista, que colloca o homem no plano de
Liberto, incréu! fermidades que têm a sua origem no artifício igualdade frente a todos os seres de que se com-
Como Platão! social, poderemos scientificar-nos de que ul-
Na comunhão da humanidade põe o Cosmos.59
Porque a Beleza é a Liberdade, trapassa – tendo em vista a classificação das
Tornando a terra, na verdade, Urânia, filha da verdade, doenças – o de muitas humanidades.
Melhor do que o céu! Mãe da Razão! O doente é o typo normal; o sadio é a excepção. Alguns críticos não compreenderam
Já não se trata de saber quantos doentes povôam Lima como antipolítico porque a negação
A única vida, alegre ou triste, a Terra – este “grande hospital”, – trata-se de da hierarquia lhes parece absurda e sem pro-
É esta, pois outra não existe, saber quantas doenças soffre cada organismo pósito, apenas um capricho de um idealista;
humano, prematuramente mutilado, degenera-
Outra não há. Martins Fontes.
do ou decomposto pela virulencia do morbus.58
intitularam-no antifeminista por não com-
A Plebe . São Paulo – SP. preenderem sua crítica como restrita ao femi-
Façamos por torná-la boa,
Ano 12 - Nº 254. 25.06.1927.
E ela, que em nós se aperfeiçoa, Página 02.
nismo burguês. Este feminismo opera com os
Melhor será! 58 CARVALHO, Florentino de. Da escravidão à liberdade: valores do patriarcalismo e pelas seduções da
a derrocada burgueza e o advento da igualdade social. Porto
Alegre: Renascença, 1927. p. 8-10. 59 CARVALHO, op. cit., p. 180.
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sociedade vigente, verticalizada e exploradora, A assimilação dos aspectos genuínos da cultu- trinta annos; se tomardes como exemplo a me- -céus e monumentos gigantescos como um
elementos estes naturalizados na nossa vida so- ra alemã foi seriamente prejudicada por uma dicina, vereis que tudo quanto fizeram depois despautério estético e arquitetônico.
de 1870 os professores allemães não tem a im-
cial. Por fim, não compreenderam o desprezo absorção sem critérios de tudo o que fosse portância do que fizeram sós, Clande Besnard
de Lima por certos avanços tecnológicos como germânico a partir da vitória sobre os france- e Pasteur.63 Condições particulares de sua topografia obri-
uma negação prenhe em afirmações. O caso de ses. O autor cita o próprio Ferrero: garam a cidade de Nova York a apelar para esses
Lima Barreto só vem a corroborar o equívoco, estafermos de inúmeros pisos; e não se verifi-
ou insensibilidade, em definir o outro como Noronha Santos arrematou suas pon- cando elas na nossa, antes pelo contrário, não
Certo é todavia, que se a 6 de Agosto de 1870, tínhamos necessidade de enfear o Rio de Janei-
“pré”. Lima recusava a ideia de fatalidade ine- em Wörth e Spicheren – o que não era impos- derações com as seguintes palavras:
ro, com construções que a sua natureza repele.
xorável dos acontecimentos, procurando pro- sivel – os Francezes tivessem batido os Allemães
e a guerra de 1870 tivesse tido um resultado op- O fundo do espírito americano é a brutalidade,
vocar nos leitores questionamentos e atitudes E allude em seguida ao “genio synthetico e o monstruoso, o arquigigantesco. Ele não tem
posto, nós não teriamos assistido áquella especie creador”; seria o caso de citar-se a resposta de
de insubmissão. de germanomania de foram acommettidas todas o sentimento das proporções que toda a criação
R. Quinton a um inqérito sobre a influencia humana deve guardar, com o próprio homem.
Em seus artigos, ao mesmo tempo em as nações da Europa, sem exceptuar, em dado allemã, onde elle mostra que os creadores da
momento, a Italia. Teriamos assimilado com Desde que não sintamos essas proporções; desde
que procurava demonstrar sua percepção biologia são todos francezes: Cuvier, Lamarck, que não possamos perceber uma relação oculta
maior discernimento tudo – e não é pouco – o Geoffroy Saint-Hilaire, Bichat, C. Bernard, e
particular dos “melhoramentos”, “reformas” que na cultura allemã é digno de ser admirado; conosco e com as nossas forças normais, não
Pasteur, que fundaram successivamente a ana-
e “modernizações” postos em efeito no Brasil e não teriamos acreditado que em tudo que é al- sei como se pode achar beleza de um monu-
tomia comparada e a paleontologia, a zoologia mento, edifício, enfim, de uma civilização; e o
no mundo pela classe dos governantes e pelas lemão houvesse o germen antigo fructificado a philosophica, a embryogenia, a histologia, phy-
uma superioridade inattingivel; não teriamos sentimento que ela pode inspirar será de esma-
elites dominantes, buscava também elaborar siologia e a microbiologia.64 gamento e de opressão, sensações muito opostas
prestado a tantas cousas allemãs a homenagem
uma escritura que atingisse profundamente à de beleza que é suave e macia.66
de uma imitação por demais servil e para nós
o leitor. Sua intenção era a de contagiá-lo funesta.61
com a lógica argumentativa presente no tex- Em seguida, Santos expôs a simpatia
to, abalando-o de suas certezas, comodidade cultivada, também por literatos do Brasil, Por fim, na última seção do primeiro
e letargia. Este contágio e abalo seriam mais Ao fim desta citação, Santos acrescen- pelo que denominou “germanomania”, com número da revista, intitulada Echos, &, há rá-
bem-sucedidos na medida em que ele pudesse tou: as seguintes reflexões: “A conferencia de Fer- pidos comentários a aspectos do quotidiano
alcançar êxito na clareza da exposição de seus rero foi uma bella conferencia. Emquanto nos de Santos Dumont, de Lauro Sodré e rela-
pensamentos e sentimentos. No próximo ca- Colajanni já dissera alguma cousa semelhante, e lembrarmos delle, não poderemos mais sonhar tivos à reforma da ortografia. Nestas notas,
a gente lembra-se dos urros cannibaes de Anthé- com a ‘Chanaam’ do Sr. Graça Aranha. Mas
pítulo, voltarei a tratar de outras particulari- fez-se presente um tom irônico e de crítica
ro do Quental, ao lêr as noticias das primeiras
dades de Lima Barreto. Por enquanto, prosse- victorias prussianas. Era o triunfo pelo canhão,
não estará por algum tempo inaccessivel ‘por ao assunto e às figuras em destaque. A irreve-
guirei analisando outros momentos da revista. e pelo morticinio, da Cultura e do Pensamento motivo de concertos?’”65. rência e o sarcasmo em torno de personagens
germanico, sobre a Leviandade e a Frivolidade No quesito da noção de estética e de consagradas no cenário nacional, desancan-
No artigo de Ferrero, Noronha dos do espirito francez.62
Santos evidenciou o sentido contrário à “ger- proporções, as perspectivas de Lima Barreto do o ar grave e sério como costumeiramente
manomania” vigente à época e que se deveu e Antonio Noronha Santos convergem. Lima eram reverenciados, fizeram cair o sentido de
à vitória alemã contra os franceses em 1870. Assinalou logo em seguida, citando no- Barreto, comentando a paisagem de Nova solenidade dirigido a estas personalidades por
É, sustentou o articulista, da cultura latina em vamente Ferrero: York como cenário de enormes edificações, conta do ridículo em que foram apresentados
comparação a alemã que tratou Ferrero, que a afirma ser este um caso apropriado à topo- nas palavras-implosões de Lima Barreto.
última se encontrava, na sua perspectiva, em Ferrero restabelece a verdade: ‘A especializa- grafia local desta cidade e não algo que deva Santos Dumont, chamado ironicamen-
desvantagem em relação à primeira, afirman- ção das sciencias, por exemplo, fez crescer nos ser copiado no Rio de Janeiro. Apesar disso, te de parisiense, e o senador Lauro Sodré, com
do: “A proporção, a harmonia e a synthese!. últimos annos a influencia das universidades não deixa de criticar a existência dos arranha- a insistência em que o qualificativo “eminen-
allemães no mundo, ao passo que diminuio a
Eis as três grandes qualidades que Ferrero des- te” lhe fosse exclusivo nos jornais da imprensa
das universidades francezas. Não se descobriram
cobre no espírito latino, e cuja ausência é no- muitas cousas novas, de importância decisiva, 63 Ibidem, p. 36. comercial, foram objetos de dessacralização
tável no espírito anglo-saxônio-germânico.”60 nas universidades allemães durante os últimos 64 SANTOS, Antonio Noronha. Revistas e jornaes. Floreal 66 BARRETO, Lima. O nosso “ianquismo”. In: ______.
60 SANTOS, Antonio Noronha. Revistas e jornaes. Floreal – Revista bi mensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano Um longo sonho do futuro – Diários, cartas, entrevistas e
– Revista bimensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 61 Ibidem, p. 36. 1, n. 1, 25 out. 1907. p. 36-37. confissões dispersas.1881-1922. Rio de Janeiro: Graphia,
1, n. 1, 25 out. 1907. p. 35. 62 Ibidem, p. 36. 65 Ibidem, p. 37. 1993. p. 378-382.
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através de notas ligeiras. A última nota colo- postulados anarquistas, de abolição imediata exploração pelo seu próprio pai. Uma jovem D’ahi a hypocrisia com que foi atacada indirec-
cou em discussão elementos evidenciando o do Estado, com as ideias liberais de Spencer de quinze anos se encontrava na situação de tamente a lei do sorteio, sem que ninguem, a
não ser o mesmo escriptor acima citado, em tres
caráter relacional da sociabilidade humana. relativas à redução máxima do Estado a uma ter de se prostituir por conta da contingência artigos admiraveis publicados na ‘A Noticia’ se
Os argumentos e apelos acerca das rela- expressão mínima. O autor elaborou uma ex- de sua miséria e penúria. Lima Barreto, por atrevesse a impugnar a necessidade do serviço
ções humanas, centrados em questões exclusi- posição do liberalismo de Spencer ao mesmo sua vez, publicou em continuação Recordações militar obrigatorio – com ou sem sorteio, com
tempo em que problematizara suas ideias de do escrivão Isaías Caminha. ou sem insenções!
vamente de economia, de uma racionalidade
pragmática ou alguma outra dimensão do am- limitação das funções das instituições estatais Antonio Noronha Santos, na seção Ha inegavelmente grandes vantagens em ser
através de alguns questionamentos. Ao pro- brasileiro. Affonso Celso enumerou muitas
plo espectro dos atributos humanos, foram ar- Revista da quinzena, elaborou uma crítica à dellas com louvavel facúndia no seu livro para
ruinados diante de questões postas por aspec- ceder dessa maneira, evidenciou a tendência proposta de estabelecimento do sorteio militar presente de annos ‘Porque me ufano de meu
tos da contingência da vida. Isso significa dizer ao monopólio das relações sociais inerentes às obrigatório, em vias de ser adotada no Brasil. paiz’. Esqueceu-se de uma das mais solidas, que
que a racionalidade expressa no argumento da instituições governamentais. Numa perspectiva antimilitarista e num estilo é precisamente não estar o brasileiro sujeito ao
pesado fardo do serviço militar.71
simplificação ortográfica e da economia que O autor se referiu ao movimento de narrativo jocoso, o articulista discutiu o proces-
esta medida traria não possuía validade diante afastamento da hipótese favorável à existên- so de militarização de toda a sociedade propos-
das relações concretas que teimavam em inva- cia de uma centralização social com a noção to por representantes de estratos dominantes. A crítica do autor prosseguiu, de ma-
lidar postulados lógicos de uma racionalidade de “forças centrífugas” e o de afirmação desta Esta constituiu uma temática abordada neira irônica e debochada, apontando a mania
pretensamente pura ou de algum utilitarismo centralização com a de “forças centrípetas”. O por diversos jornais anarquistas desde que foi de mimetismo dos segmentos dominantes do
restritivo. Vejamos, a seguir, a seção das notas spencerismo persegue um equilíbrio ou uma aventada a proposta. Suas ponderações ini- Brasil em relação aos procedimentos adotados
do modo como estão dispostas na revista: situação intermediária entre estas duas forças. ciam com uma explanação acerca da dificulda- nos países europeus.
O verso de J. Pereira Barreto69 apresen- de no momento histórico da sociedade em se
Os reformadores da ortographia acreditaram ta as conveniências sociais constrangendo a discutir questões relativas ao exército. Tratou Esta curiosa lei do sorteio pertence á classe das
que pugnavam em prol de uma obra de sim- subjetividade de modo a conduzi-la à imita- também da adesão e defesa deste projeto por leis panacéas, ultimamente tão em moda, e que
plificação e economia. tem por fim confessado reconstituir o nosso
ção dos feitos corriqueiros. Há aqui a atuação parte de literatos de projeção nacional. Esta
Não há quem a esse respeito tenha opinião con- edificio social. Com as Universidades veríamos
traria. Ortografia é muito mais simples e gasta
de uma personalidade altiva, de uma subje- instituição exercera papel decisivo na derru- reerguer-se o tão abalado ensino publico: tres
menos lettras do que ortographia; entretanto, tividade insubmissa, subvertendo os lugares bada da monarquia e no estabelecimento da ou quatro reitores novos, e o Rio de Janeiro,
ha um facto que desmente essa proposição, á comuns. O autor como que instiga o leitor à república. Daí o porquê de ser um assunto de S. Paulo, Bello Horizonte, transformar-se-iam
primeira vista de tão forte evidencia. instantaneamente em Berlim, Iena e Goettin-
adoção de comportamento ativo, abandonan- difícil discussão.
Ao tratarmos da impressão desta Revista, o im- gen. Com a simples lei do sorteio, teriamos um
do a resignação, comiseração e passividade. poderoso exercito.72
pressor avisou-nos que seria mais cara se usás-
semos a ortographia academica.
Há também o sentido de uma provocação A lei do sorteio – Todo o mundo sabe como é
Com isto, não ha quem se opponha, a vantagem
nestas palavras, apontando para a instaura- diffícil entre nós discutir questões que interes-
da economia levou um golpe profundo, e a de ção imediata de um dinamismo existencial em sam mais ou menos ao exercito. É memoravel o Santos levantou algumas objeções ao
exemplo de M. e Albuquerque que soffreu uma sorteio militar obrigatório no Brasil:
simplificação ficou um tanto abalada, quando afirmação da singularidade de si próprio. Essas valente refutação a golpes de espada, ao que elle
nos disse tão sagaz profissional que a revisão reflexões afirmam recusas de procedimentos retrucou com logica cerrada e um guarda-chuva
na graphia reformada exigia tres, quatro e mais
provas.67
anulando ou suprimindo a si, como postulado protector, por ter repetido com outras palavras, Mas a lei do sorteio tem graves defeitos, que
por transcendentalismos. o que Thomaz Ribeiro dissera no seu poemeto, desde logo foram apontados. Não é desne-
‘As novas Conquistas’ (Lisboa, 1864). cessario repetil-os: creio que não foram ainda
O primeiro artigo do segundo núme- Em seguida, há a narrativa intitulada bem apprehendidos. É uma lei que vem ferir
. . . . .
ro, “Spencerismo e anarchia”68, apresenta uma “História triste”70, em que o autor abordou mais faz que espada ou lança, escopro e serra; profundamente o brasileiro, e isto não póde
o dilema de uma moça exposta à violência e ser posto em margem n’um paiz em que o ele-
análise de caráter teórico comparativo dos mais que mil arsenaes uma oficina.
69 BARRETO, J. Pereira. Face a face. Floreal – Revista bi- 71 SANTOS, Antonio Noronha. Revista da Quinzena. Flo-
. . . . .
67 ECHOS, &. Floreal – Revista bimensal de crítica e lite- mensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, 12 real – Revista bimensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro,
ratura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 25 out. 1907. p. 37-39. nov. 1907. p. 11. soldado e general é quem trabalha; ano 1, n. 2, 12 nov. 1907. p. 23.
68 ALMEIDA, M. Ribeiro de. Spencerismo e anarchia. Flo- 70 LARA, Carlos de. Historia triste. Floreal – Revista bimen- é mais condecorado o que mais faz; 72 SANTOS, Antonio Noronha. Revista da Quinzena. Flo-
real – Revista bimensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, sal de crítica e literatura. Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, 12 nov. real – Revista bimensal de crítica e literatura. Rio de Janeiro,
. . . . .
ano 1, n. 2, 12 nov. 1907. p. 9-10. 1907. p. 12-15. ano 1, n. 2, 12 nov. 1907. p. 24.
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mento nacional está talvez senão seguramente da civilização europeia, mas que fosse uma au-
em condições de riqueza inferiores ao elemento sência prenhe de positividades porque afirma-
estrangeiro. A lei do sorteio viria augmentar este A BACANAL RÉGIA
desequilíbrio economico. No interior, já sabe- tiva das singularidades individuais e coletivas.
mos pelo que se passava no tempo do Imperio, Criticando a inclinação da sociedade brasileira
o que será a sua applicação. Recrutamento e em reproduzir o modo de vida estadunidense,
sorteio são duas palavras synonymas no nosso Lima, em um de seus artigos, escreveu:
vocabulario politico. Mas do imenso Brasil na capital letrada Aos gritos da peleja, onde os homens se matam,
[...] Em pleno Carnaval, a multidão delira, Respondem neste instante os cantos que arrebatam
Há um grande engano da parte de muitos espi- Nós não estamos ficando surdos com as cousas
americanas, mas estamos ficando cegos; e, na No calor da volúpia ardente e alucinada Com tamanha luxuria a turba folgazã...
ritos credulos e enthusiastas quando suppõem
que nos paizes europeus o serviço militar é li- clássica imagem, somos, como as mariposas que Do eterno Satanás da carne, em que se inspira...
vremente acceito como um dever de todo bom a luz atrai, para matá-las.
Não temos o bom senso de repelir os grosseiros Oh! triste humanidade estúpida e brutal,
patriota. É na realidade um peso fatigante,
imposto como um mal necessario. Atravéz da e megatéricos ideais americanos e ficar nós mes- No fundo coração do povo despertada, Mais torpe és na nudez febril do carnaval
ironia de um Courteline, comico profissional, mos. O mundo não é sempre o mesmo, embora
a sua substância possa ser uma e única; e os
Rijo contraste à dor daquela horrenda ira, Ou na tragédia atroz do muros do Verdum?
sente-se a revolta contra a absurda disciplina dos
quarteis. E mil outros escriptores trazem-nos o homens, portanto, não o podem ser e devem Renasce a geração grosseira e antepassada
seu testemunho.73 variar com ele.
No jongo e no cancã sensual, que a seduzira...
Substituir o ideal coletivo que é espontanea-
mente o nosso, por um outro que vai de en-
Santos lamentou, em seguida, a fatali- contro à nossa mentalidade e ao nosso tempe-
Paulo Araújo. A Obra. São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 14. 01.10.1914. Página 09.
ramento é suicidar-nos.75
dade da adoção da lei do sorteio militar obri-
gatório sem deixar de manifestar sua recusa a
tal medida. Seu entendimento quanto da sociabili-
dade humana, como estabelecida na moder-
nidade, não se apresentava favorável à livre
Eu já tive a illusão de que para alguma cousa
nos serviria vivermos n’um paiz novo, de pou- emergência, cultivo e existência das parti-
ca cultura e mal civilisado ainda. Teriamos ao cularidades, uma vez o espírito de imitação A TIRANIA
lado desta desvantagem positiva, grandes e reaes constituir o móvel de maior destaque no di-
proveitos. namismo social instaurado. A ênfase no papel
É uma illusão que se me vae fugindo aos pou- da imitação na sociabilidade humana vem do
cos. Estamos fadados a absorver a civilisação Ergue-se altiva, sobre um trono d’ossos: Escraviza, acorrenta a Humanidade,
conhecimento, comum entre os trabalhadores
européa pelos seus lados mais penosos e mais Aure o cheiro de sangue com prazer: Forceia por matar a Liberdade,
tristes.74 à época, do clássico livro de Gabriel Tarde76
intitulado As leis da imitação. A discussão Alegra-lhe a alma crua, a morte ver: No sangue derramado dos seus crentes!
dos inconvenientes da lei do sorteio militar Com volúpia lacera os membros nossos.
Estas palavras denotam o sentido, não obrigatório evidenciou expedientes miméticos Susta, nas ósseas mãos, férreas cadeias,
direi “pré”, mas, muito mais do que isto, “an- por parte de estratos dominantes da sociedade Nos albergues sem luz, nos fundos fossos, Sem dó algema os pulsos e as ideias...
timodernista” do autor. Da mesma forma que brasileira, plagiando leis de países europeus e
Lima Barreto, Santos recusava os acenos sedu- Onde os povos arrastam seu viver, Té que acordem um dia os indiferentes...
dos Estados Unidos.
tores da modernidade, como os ovacionados Vê, sem prazer, os prantos, o sofrer,
75 BARRETO, Lima. O nosso “ianquismo”. In: ______.
processos de sofisticação das técnicas, a cres- Um longo sonho do futuro – Diários, cartas, entrevistas e E, passa, rindo, sobre os seus destroços.
cente estandardização da cultura, etc., manifes- confissões dispersas.1881-1922. Rio de Janeiro: Graphia,
tando preferir uma existência fora da cultura e 1993. p. 378-382.
76 TARDE, Gabriel. As leis da imitação. Tradução de Carlos
73 Ibidem, p. 24-25. Fernandes Maia com a colaboração de Maria Manuela Maia. Florentino de Carvalho. A Obra . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 01. 01.05.1920. Página 10.
74 Ibidem, p. 26. Porto: RÉS, [19--].
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Germinal! (1913) quinto número em diante, Florentino de Car- Carvalho, que assina artigos com as abreviatu- uma vez ter ele passado sua vida no Rio de Ja-
valho dividiu com ele as tarefas de gerencia- ras F. ou F.C., aparentam ser a mesma pessoa neiro praticamente sem ter se ausentado desta
Germinal! é o nome de um jornal anar- mento do jornal, como redator. Pelo menos, de Primitivo Raymundo Soares. Como era cidade. Entretanto, foi Primitivo Raymundo
quista editado em São Paulo no ano de 1913. o anúncio da redação a cargo de Florentino de costume nos jornais operários, os artigos não Soares quem estudou quando criança neste
O título deste semanário, Germinal!, consti- Carvalho iniciou a partir do quinto número. assinados eram de autoria do redator, no caso colégio81.
tui uma alusão ao mundialmente conhecido Isso não significa que ele tenha iniciado sua Florentino de Carvalho. A letra “X” assinan- Considerando esse fato, em segundo
romance social homônimo escrito por Émile colaboração com o jornal só a partir deste mo- do algum artigo poderia ser um indicativo da lugar, João Crispim fez no ano de 1914 al-
Zola, que trata de um episódio de revolta vi- mento, mesmo porque, antes deste número, pessoa do redator. gumas viagens a diversas cidades pelo inte-
venciado por trabalhadores de minas. Com não havia a indicação do nome do redator. O mais consagrado biógrafo de Lima rior de São Paulo, representando os jornais
esta designação, foram publicados outros pe- A prática estabelecida entre os edito- Barreto, Francisco de Assis Barbosa, afirma A Rebelião e La Propaganda Libertária. Além
riódicos em diversas localidades do Brasil77. res dos jornais operários definia o adminis- ser João Crispim um dos pseudônimos usa- destes jornais, representava também a COB
Dos vinte primeiros números coletados, faltou trador enquanto responsável pelos assuntos dos pelo seu biografado78. Em que pese o fato e o Centro Libertário. Nestes deslocamentos,
o oito; além do mais, boa parte dos exempla- financeiros relativos às assinaturas, vendas e da veracidade da indicação de Francisco de denominados por vezes em seus relatos como
res adquiridos estavam incompletos, em que distribuição do jornal. Ao redator, cabia coor- Assis Barbosa, há que se considerar a possi- “excursão de propaganda”, realizou conferên-
pese cada jornal ter apenas quatro páginas. Em denar a publicação das matérias, a elaboração bilidade do uso de um mesmo pseudônimo cias, além de articular a formação de grupos
compensação, existe um suplemento entre a de editoriais, anúncios e artigos sem assinatu- por diferentes autores. Como exemplo desta de apoio a jornais e difundir a organização dos
publicação dos números seis e sete. Este su- ra. Uma espécie de articulador e porta-voz do assertiva, Beatriz Resende, em nota de pé de trabalhadores junto à COB.
plemento, relativo ao primeiro de maio, fora grupo editorial, uma vez que o próprio redator página à recém-publicada coletânea de crô- Em terceiro lugar, consultando a série
publicado juntamente com outro jornal, La publicava artigos assinados com seu nome ou nicas de Lima Barreto, afirma ter ele usado, publicada por Edgar Rodrigues82 em torno
Barricata, uma associação de associações. com pseudônimos. em algumas revistas, o pseudônimo “Diabo de pequenas anotações de caráter biográfico
A intenção do coletivo editorial era a Entretanto, outros operários estavam, Coxo”79, ressaltando ter sido este um pseudô- de diversos anarquistas, não há menção a al-
de publicar um jornal bilíngue, em português como de costume, juntos neste experimento. nimo também utilizado por outros escritores. gum João Crispim. Este constitui um indício
e em italiano, sendo quatro páginas escritas Em alguns momentos, houve cooperação com Neste caso, alguns elementos apontam a ser considerado, uma vez o trabalho levado
em português e duas voltadas para o opera- outro jornal anarquista, La Barricata, na pu- para a possibilidade de João Crispim do Ger- a efeito nos cinco volumes que relatavam e re-
riado em italiano. O número de trabalhadores blicação de alguns números. Além dos anar- minal! não se tratar do escritor carioca. Em gistravam episódios da vida e do pensamento
italianos era significativo, principalmente nas quistas citados acima, Hélio Negro, Adelino primeiro lugar, neste mesmo jornal, João Cris- de trabalhadores anarquistas de projeção no
fazendas do interior de São Paulo. Contudo, de Pinho, Gigi Damiani, Miranda Junior, pim assina um artigo intitulado “Episodios movimento operário à época.
esta intenção foi posteriormente avaliada pelos Graco, Solárgeo Livre, Arsênio Bettencourt, do Sagrado Coração de Jesus – Recordações João Crispim, apesar de ter se destacado
editores como implicando diversas dificulda- Anhanguerra, João Crispim, Zeferino Oliva, de Outrora”80, em que registra ter estudado escrevendo artigos e polemizando com com-
des, mas mesmo assim, vários artigos foram entre outros, escreveram regularmente neste quando criança como externo neste colégio. O panheiros, como Neno Vasco, quanto ao tema
publicados em italiano em todos os números periódico. Possivelmente o coletivo editorial registro descarta a atribuição do pseudônimo da relação anarquismo e sindicalismo, em vá-
do jornal. estava entre esses trabalhadores. João Crispim do Germinal! a Lima Barreto, rios números do jornal anarcossindicalista A
A partir do segundo número, o jornal O uso recorrente de pseudônimos di- Voz do Trabalhador, não foi alvo de registro
estampou como subtítulo sua definição na ficultava, por vezes, a identificação dos anar- 78 BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto: nesta coleção de Edgar Rodrigues. Tomo este
1881-1922. 7. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: USP,
imprensa proletária: jornal anarquista. A pu- quistas, apesar de alguns serem bastante co- dado como mais um indício para considerá-lo
1988. p. 226.
blicação deste semanário fora realizada através nhecidos. Hélio Negro é Antonio Candeias
79 LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. 1881-1922.
da ação conjunta de vários trabalhadores. Ro- Duarte. O estilo marcadamente interrogativo, Toda Crônica: Lima Barreto. v. I (1890-1919). Apresentação 81 Sobre a vida e o pensamento de Florentino de Carvalho,
dolfo Felipe, do primeiro ao quarto número, didático e encadeado dos artigos de Solárgeo e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. ver: NASCIMENTO, Rogério Humberto Zeferino. Floren-
ocupou a função de administração. A partir do Livre, idêntico ao de Adelino de Pinho, su- Rio de Janeiro: Agir, 2004. p. 48. tino de Carvalho – pensamento social de um anarquista. Rio
de Janeiro: Achiamé, 2000.
gere ser aquele um outro pseudônimo deste. 80 CRISPIM, João. Episodios do Sagrado Coração de Jesus
77 Ver a este respeito: RODRIGUES, Edgar. Pequena Histó- – Recordações de outrora. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 4, 82 RODRIGUES, Edgar. Os Companheiros – 3. Florianó-
João Crispim, Anhaguerra, X, Florentino de
ria da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997. p. 2, 06 abr. 1913. polis: Insular, 1997.
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um dos pseudônimos adotados por Primitivo de ressaltar, através da irreverência, a nulidade contextos de elaboração, socialização e divul- A imprensa serviu-lhe muito a este pro-
Raymundo Soares. de certos aspectos de seu objeto de análise. gação de saberes, como também a instauração pósito de invisibilidade, próprio de estratage-
Por fim, em quarto lugar, a construção Interessante destacar o tratamento dado de experimentos em sociabilidades libertárias mas de guerrilha. Nestes instantes, exemplos
analítica e argumentativa esboçada por João pelo autor a uma instituição, a república, que realizadas num período histórico social deli- evidentes de estratégia guerrilheira: camufla-
Crispim é muito semelhante à elaborada por afirmou sua legitimidade em confronto com a mitado na sociedade brasileira. gem, despistamento, confusão no adversário,
Primitivo Raymundo Soares. Tomando como monarquia. O governo republicano é apresen- Essa possibilidade é bastante plausível. dissimulação. Atuando com energia no Brasil,
exemplo os debates em torno da organização tado neste seu artigo enquanto mera variação Para tanto, a compreensão da situação em que escondeu sua presença aos olhos discricioná-
operária e a análise do sindicalismo, os posi- da monarquia, em que pesem seus aderentes se encontrava Primitivo Raymundo Soares rios dos governantes publicando artigos com
cionamentos de ambos convergem ponto a procederem a todo um alarido afirmando o diante da repressão policial constitui infor- seu verdadeiro nome e com a indicação de es-
ponto. Em rápidas palavras, a crítica ao sin- estabelecimento de uma ruptura entre ambas mações necessárias para esse entendimento, tar ainda em Portugal. Florentino de Carvalho
dicalismo enquanto expressão do capitalismo, as formas de governo. Ao mesmo tempo, a auxiliando o esclarecimento da questão em já era um pseudônimo relativamente conhe-
portanto devendo também ser abolido quando instituição do governo central possui prove- particular. Pois, então, vejamos rapidamente cido; daí a adoção de outros pseudônimos,
da liquidação da organização capitalista e esta- niências da matriz religiosa cristã. a sua condição diante dos olhos atentos das através dos quais pôde continuar a colaborar
tista da sociedade, é a mesma nos dois autores. Anhaguerra, em artigo intitulado “O instituições policiais naquele período, que não nas colunas dos jornais e revistas operárias,
Ademais, a tessitura da escrita incluindo Brazil corre perigo”, elaborou críticas a dois era das mais confortáveis. entre outras atividades.
costumeiras referências a filósofos, cientistas e jornais da grande imprensa da cidade de Tendo sido expulso pela segunda vez Esse quarto ponto se aplica ao caso
artistas, apresentando um significativo aporte Santos, cujas matérias defendiam a aplicação do Brasil por causa de seu envolvimento com de Anhaguerra, somando um detalhe que
teórico e filosófico para os temas abordados imediata e rigorosa da lei de expulsão de es- as greves de 1912 no estado de São Paulo, poderia ser menosprezado ou passar desper-
em seus artigos, o encadeamento argumenta- trangeiros. Segundo o articulista, alguns jor- retornou clandestinamente da Europa. A fim cebido: trata-se do abandono deliberado da
tivo claro e sequenciado e, por fim, a forma nalistas incitavam o governo a expulsar todo e de despistar os órgãos de espionagem da po- designação convencionalmente utilizada para
de apresentação de seu pensamento utilizan- qualquer estrangeiro que fizesse a menor recla- lícia, escreveu nas colunas de Germinal! arti- se referir ao território nacional. Ao invés de
do, de maneira recorrente, da irreverência, da mação em torno da condição de vida e de tra- gos com seu verdadeiro nome, acrescentando utilizar a nomenclatura usual e fácil - Brasil,
ironia e do deboche, é a mesma. O uso destes balho no Brasil. De forma irônica, Anhaguerra deliberadamente a informação da localização Anhanguerra e Primitivo Raymundo Soares
recursos estilísticos em seus escritos produzia sugeriu aos defensores da lei de expulsão es- de origem dos escritos como sendo Lisboa, repetidas vezes substituem-na por “terra de
o efeito de evidenciar o ridículo de aspectos tenderem o alcance desta lei até o parlamento em Portugal, cidade destino de seu segundo Santa Cruz”, “terra de Vera Cruz” e “Cruzeiro
específicos do assunto tratado, quer se tratasse italiano, “onde os deputados ousam sustentar desterro. Ao mesmo tempo, escudava-se em do Sul”. Foram os únicos, até onde pude veri-
de instituições e de seus representantes, quer se que a vida do trabalhador no Brazil é análoga variados pseudônimos para preservar sua in- ficar, a se expressarem assim neste particular.
tratasse de postulados de alguma corrente do á do escravo, sem bem estar, sem direitos nem tegridade física e poder atuar na imprensa e Analisando diversos livros, jornais, revistas e
pensamento social ou de conceitos e posicio- garantias de nenhuma especie!”84. demais atividades realizadas pelos movimentos outros impressos, nenhum outro anarquista
namentos de algum pensador em particular. Em outros trechos de seu artigo, lança operário e anarquista. assim procedera. A expressão “vida de relação”,
Florentino de Carvalho83 escreveu um mão de uma sutil e fina ironia, como no trecho Um dado interessante a ser evidenciado evidenciando o caráter relacional no dinamis-
artigo todo escrito neste estilo chistoso e irôni- acima citado, para criticar a lei de expulsão de neste contexto se refere à estratégia de despis- mo societário, assinala um sentido antagonista
co que serve muito bem como demonstração estrangeiros, destacando seu caráter absurdo e tamento dos órgãos de repressão. Primitivo às concepções essencialistas, substantivistas,
do uso por ele feito da irreverência, do humor, sua arbitrariedade. Não quero sustentar, como Soares fora deportado do Brasil para Lisboa deterministas, reducionistas e maniqueístas,
da ironia e do deboche. O artigo em questão é critério definitivo para afirmação da autoria no ano de 1912. Tendo retornado ao Brasil caracterizando uma expressão que também
único entre os seus escritos publicados na im- de textos, o princípio da identidade. Apenas clandestinamente, adotou a estratégia de atuar só aparece nos escritos de ambos.
prensa operária; o uso desses recursos literários arremato este elemento junto aos demais aci- no movimento anarquista e nas associações De outras cidades, operários enviaram,
geralmente acontecia de maneira pontual a fim ma apresentados a fim de tentar desvendar, classistas de maneira que sua presença não mais ou menos sistematicamente, suas cola-
para melhor compreender as vicissitudes e os fosse notada. Pelo menos, procurou adiar o borações. Do Rio de Janeiro, José Oiticica,
máximo possível a percepção de sua presença Domingos Ribeiro Filho, Astrogildo Pereira
83 CARVALHO, Florentino de. Sua magestade o Governo. 84 ANHAGUERRA. O Brazil corre perigo. Germinal! São se destacaram. Os dois últimos tanto com
aos olhos dos governantes.
Germinal! São Paulo, ano 1, n. 17, p. 1, 13 jul. 1913. Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 10 mar. 1913.
110 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 111

seus verdadeiros nomes como com abrevia- representação nem esperas. Antes, muito pelo bens, como também a escola enquanto único sociais, procedimento em franco antagonismo
turas e sob pseudônimos. Astper e Asper são contrário, apresentação e instauração. Nada de local possível para a educação. com a ideia de relato da verdade do fato.
pseudônimos e abreviaturas de Astrogildo Pe- adesão nem discipulado. Antes, muito pelo De autoria do redator88, que assinou Encerraram o artigo com outra pro-
reira. Domingos Ribeiro Filho assinou com contrário, associação e singularidade. com a inicial abreviada de seu primeiro nome, vocação, reafirmando a intenção do coletivo
suas iniciais, D. R. F. ou da seguinte maneira: Neste artigo, o autor remeteu à imedia- veio outra provocação aos anarquistas. A editorial em configurar um caráter coletivo
Dierre Effe. De Porto Alegre, Santos Barbosa ta desoneração da separação usual estabelecida intenção manifesta neste artigo traduz uma àquela iniciativa jornalística. Desta maneira,
enviou artigos de modo menos regular. Tam- entre estudiosos, eruditos e convenções sociais, vontade de inquietação, de maneira a que es- a todos caberia a tomada de decisão e um po-
bém foram publicadas matérias noticiando hierarquizando intelectual e trabalhador que tes pudessem incrementar e intensificar suas sicionamento veemente nos assuntos referen-
acontecimentos envolvendo trabalhadores de não teve acesso ao aprendizado da escrita. De atuações. O articulista apresentou as possibi- tes à elaboração e demais particularidades da
outros países. início, o articulista foge de reafirmar o hábito lidades de variação nas formas de ação que os confecção do jornal.
Solargeo Livre85 apresentou o objetivo convencional hierarquizando a ambos. No seu anarquistas poderiam adotar sem apresentar Esse apelo foi reforçado no número
do grupo editorial com a publicação de Ger- entendimento, o intelectual e os trabalhadores um manual ou código universalista condicio- onze de Germinal!. O articulista89 evidenciou,
minal!. Seu texto manifesta a intenção provo- não letrados poderiam atuar de forma dinâmi- nante de atividades libertárias. Evidenciou, neste momento, a intenção do apelo em pro-
cativa deste experimento. Em seu estilo inqui- ca e eficaz tanto na divulgação das ideias como por fim, o caráter coletivo e horizontal a ser vocar os anarquistas a fim de que estes aban-
ridor, lançou aos anarquistas questionamentos no auxílio à manutenção do jornal. instaurado nos grupos, coletivos e associações, donassem comportamentos passivos, passando
com a finalidade de provocar comportamentos Um dado interessante deve ser consi- de modo a amplificar e potencializar o alcance a adotar uma forma ativa para o conjunto de
ativos no que se refere à posição pessoal diante derado na advertência feita pelo autor: ela de suas iniciativas. aspectos de suas existências.
dos acontecimentos sociais envolventes. também foi direcionada a pessoas que não Os editores elaboraram, como referido A redação registrou, no número seguin-
Um aspecto particular neste assunto diz dominavam os processos de leitura alfabética. mais acima, uma avaliação da proposta inicial te, a resposta de um anarquista de Santos aos
respeito à relação saber e poder. Neste arti- Uma pergunta se mostra conveniente: de que do jornal, concluindo por ser impraticável a apelos lançados. Na matéria intitulada “Res-
go, como em tantos outros publicados com modo este seu artigo alcançaria o trabalhador continuação nos moldes projetados. Propu- pondendo ao nosso apêlo”, o redator teceu al-
essa vibração86, os articulistas apresentaram não letrado? Da seguinte maneira: os trabalha- seram, em seguida, a mudança no formato guns comentários evidenciando a sensibilida-
reflexões prenhes de ação, simultaneamente dores alfabetizados cultivavam o hábito de ler do jornal, lançando uma nova proposta e ao de dos anarquistas quanto ao assunto proposto
assinalando o poder da vontade. O foco das em voz alta jornais e demais impressos para os mesmo tempo submetendo-a a análise dos e manifestando a intenção de tornar o jornal
ponderações, contudo, incita à livre iniciativa seus companheiros quando do intervalo para anarquistas interessados. Solicitaram destes a de semanal para diário. Esta mudança estava
e não à filiação. O leitor é instado a agir ime- almoço nas fábricas e oficinas. Adelaide Gon- manifestação da opinião particular a respeito. condicionada à convergência de esforços dos
diatamente, no local em que está, de maneira çalves e Jorge Silva denominam este processo Inicialmente estava clara para os edito- demais anarquistas interessados. O registro da
a tomar conta de sua própria vida. Nada de de “leituras coletivas” e de “leitura ouvida”, res a necessidade de opor à imprensa burguesa resposta de outros anarquistas saiu publicado
assinalando, em seguida, ter sido esta a oca- uma imprensa anarquista. Apenas desta ma- no número dezesseis sob mesmo título.
85LIVRE, Solargeo. O QUE DEVEMOS FAZER – Aos sião para “o surgimento de novos lugares de neira seria possível tornar visível à sociedade a A ideia subjacente ao titulo do jornal
anarquistas. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 1, p. 2, 10 mar. sociabilidade operária”.87 perspectiva operária das questões sociais mais diz respeito à divulgação do pensamento anar-
1913.
Este consistiu num dos modos coletivos candentes, servindo o jornal como contrapon- quista enquanto faz semelhante à semeadura,
86OLIVA, Zeferino. POVO LIBERTATE! Germinal! São
de elaboração e socialização de saberes produ- to às versões dos acontecimentos divulgadas que depende da vontade e da iniciativa pes-
Paulo, ano 1, n. 4, p. 3, 06 abr. 1913. AURAS. Acordai
Proletarios! Germinal! São Paulo, ano 1, n. 5, p. 2, 13 abr. zidos pelos anarquistas daquele período. No- pela imprensa comercial. Importante assina- soal e não de alguma providência superior. A
1913. CARVALHO, Florentino de. A jornada de hoje. São vamente, dinamismo nômade e instauração de lar este aspecto particular na intencionalidade figura do Germinal, de Zola, coloca em efeito
Paulo, Edição especial do Germinal! e da Barricada, p. 1, indisciplina possuíam a qualidade de arruinar dos editores: apresentar outra perspectiva aos o sentido de iniciativa e ousadia necessários à
01 maio 1913. BUENO, J. M. Rebeldes, não submissos!
o convencional, este que define a fábrica en- acontecimentos sociais. Esta disposição sin- sementeira, nascimento e dissipação das ideias
Germinal! São Paulo, ano 1, n. 15, p. 2, 07 jul. 1913. PARA
a solução de um problema. Germinal! São Paulo, ano 1, n. quanto espaço unicamente de produção de tetiza o entendimento em perspectiva, com- para as transformações sociais. Essas relações
16, p. 1, 07 jul. 1913. VILA, Tardo. De quem dependem portando diversas leituras quanto aos eventos estão expostas logo no primeiro número do
os nossos direitos? Germinal! São Paulo, ano 1, n. 16, p. 3, 87GONÇALVES, Adelaide; SILVA, Jorge E.. A bibliografia
07 jul. 1913. SOARES, Primitivo. E’ preciso escandalizar. libertária: o anarquismo em língua portuguesa. São Paulo: 88 F. entre as massas. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 6, p. 2, 89 APÊLO aos camaradas. Germinal! São Paulo, ano 1, n.
Germinal! São Paulo, ano 1, n. 18, p. 1, 20 jul. 1913. Imaginário, 2001. p. 14. 20 abr. 1913. 11, p. 1, 31 maio 1913.
112 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 113

jornal através da escrita de Hélio Negro90, cuja quietação e contínuo enfrentamento a fim diados pela luz do livre exame, não podemos movimentos de revolta, que fazem tremer os
intenção é a de provocar especificamente os de instaurar, no imediato, desde os campos circunscrever-nos a uma estricta concepção dirigentes do regime burguês. [...].
encerrada nos moldes de determinada escola
anarquistas a fim de implementar imediata- mais íntimos de cada pessoa, relações libertá- filosofica ou sociologica.
Como os nossos princípios não preconizam
mente ações de caráter libertário a partir do rias, igualitárias e solidárias. Nesse seu escrito, a não resistencia ao mal pela violencia, somos
Podemos, sim, ter mais simpatia por esta ou consequentes com eles, mesmo empregando os
lugar em que se encontrassem. conjugou a análise da questão social com uma aquela tendencia, este ou aquele metodo de meios violentos.
Florentino de Carvalho91 dirigiu-se narrativa poética. luta, mas, tratando-se de investigação e de
Voltando á questão da organização operaria, di-
aos anarquistas provocando comportamentos A oposição à imprensa burguesa con- propaganda, é um disparate seguir o método
rei que se nós não a inspirarmos nas nossas ten-
unilateral. Todos os meios que não estiverem
iconoclastas e atitudes incisivas e libertárias sistia numa das justificativas esboçadas pelos dencias, ela tomará outro rumo, constituindo-se
em conflicto com os nossos principios devem
diante do quadro social envolvente. Fazen- anarquistas a fim de fundarem e divulgarem no mais poderoso obstaculo ás nossas aspira-
ser empregados na luta pela nossa causa.
ções, como acontece na Alemanha, na Belgica
do uso de imagens e metáforas, definiu sua jornais e revistas. A imprensa comercial apre- Entre estes meios alguns ha que, á primeira vista e outros paizes.
concepção de liberdade enquanto realizações sentava sistematicamente acontecimentos de parecem contrarios ao Ideal.
Se popularizarmos o nosso ideal e não o pra-
constantes, abarcando tanto uma direção das conflitos sociais a partir de uma perspectiva A revolução armada, o atentado, o incendio, ticarmos destruindo moral e materialmente a
relações sociais mais amplas como também expressamente favorável às classes dominantes. o sabotage, a gréve, a manifestação pública, a sociedade presente, ele será sempre uma bela
atitudes no cotidiano. A visibilidade da questão social, das condições organização operaria, são meios mais ou menos utopia.
violentos, antepostos á nossa idéa de paz e de
A difusão da liberdade por todo o de vida e de trabalho dos segmentos produto- Todos esses meios estão concordes com o fim
harmonia.
res e das análises e propostas formuladas pelos que se persegue, e, em vez de seguirmos exclu-
conjunto da vida social encontra-se, em sua
Muitas revoluções e todos os atentados tiveram sivamente a escola de Stirner, de Proudon, de
perspectiva, intimamente associada a uma anarquistas impunha-lhes a criação de seus
por fim reprimir monstruosidades praticadas Kropotkine, etc., temos que propagar, com as
prática libertária imediatamente instaurada próprios instrumentos de comunicação social. pelo Estado e pelo capitalismo, quando não reservas da propria opinião, as diversas escolas,
nas relações pessoais. Isso significa dizer que Só desta maneira haveria a possibilidade puderam ir mais longe.[...]. propagando e afirmando a Anarquia, abrevian-
do a hora da Revolução.
a liberdade é um exercício contínuo a ser ins- de tornar socialmente perceptíveis as análises A relativa liberdade que hoje gozamos déve-se a
taurado na medida das vontades pessoais. O e proposituras sociais dos anarquistas. Por essas revoluções, a esses atentados. O sabotage e Esta é a orientação que, entendo, deve seguir a
as gréves parciais ou gerais, são tambem factores imprensa que, sem outros adjetivos se intitula
dinamismo proposto, enfim, não exclui, an- sua vez, a imprensa anarquista se constituía
que refreiam o galope burguês, disputando, para anarquista.92
tes liga estreitamente os campos das relações ao mesmo tempo um meio de crítica à socie- o operariado, as melhores condições possíveis
interpessoais, coletivas e de agrupamentos de dade sobre a situação do trabalhador, o com- de existencia, tanto politica como economica-
maiores dimensões. bate social, o registro histórico, a orientação mente. Seu escrito colocou em atividade um
A luta em si já realizaria o ideal de vida de ideias, a expressão e fomentação das artes Para promover as gréves e as revoluções, melhor intenso dinamismo de contínuo deslocamen-
e, sobretudo, a instauração imediata de um seria que, em vez das sociedades de classes, se to das concepções enrijecidas pelas definições
libertária. Ao mesmo tempo, a passividade, a
constituissem numerosos grupos de acção e de
pusilanimidade e a adaptação às convenções modo de vida libertário, criando, sem espera absolutistas e dogmáticas que procediam à
propaganda em cada classe; mas, para isso não
socialmente estabelecidas traduzem a derrota pelo futuro, novos costumes. existe a suficiente preparação revolucionaria en- cristalização do movimento operário e anar-
e, por consequência, a confirmação e manu- O caráter multilateral desses experimen- tre o operariado. E a organização de sociedades quista a uma ou de outra expressão específica
operarias produz-se fatalmente, determinada do pensamento libertário. A contingência da
tenção do quadro social de dominação e ex- tos ficou evidente em um artigo escrito por
pelo próprio sistema capitalista. O que se torna
ploração. Por sua vez, uma subversão constan- Florentino de Carvalho, no qual ele delimita situação do momento, e não o estabelecido
necessario, portanto, é orientar as sociedades
te afirma o sentido de combate e de luta pela o seu entendimento sobre uma imprensa anar- de forma que preparem os trabalhadores para por alguma teoria ou pressuposto filosófico,
invenção, alargamento e aprofundamento da quista; e, ao falar sobre as características de a formação desses grupos, que são o esboço da político, religioso, moral, etc., deveria cons-
sociedade futura. tituir o elemento preponderante para uma
liberdade individual e coletiva. Nesta direção, uma imprensa anarquista, ele diz muito mais
nada de garantias de acomodação e sossego, sobre outras questões. A manifestação pública, que para muitos repre- definição do método de ação social a ser ado-
senta um ajuntamento de barulhentos, é antes tado em cada situação concreta. Esta mesma
nada de promessas de quietude e segurança. do que o livro, o panfleto e o jornal, o melhor
Antes, muito pelo contrário, constante in- A imprensa anarquista meio de transformação da opinião pública, por-
ausência de princípio absoluto funcionaria
que traz ao mesmo tempo a divulgação da idéa também em relação à elaboração de análises
90 NEGRO, Helio. Os anarquistas scepticos. Germinal! São
Paulo, ano 1, n. 1, p, 1, 10 mar. 1913. Inimigos de todas as leis, de todos os regula-
e a afirmação pratica, embora relativa, do sen- dos fenômenos humanos.
timento que a torna viváz e respeitavel. E nestas
91 CARVALHO, Florentino de. Os cavalheiros do Ideal. mentos, de todos os programas; mente aberta 92 CARVALHO, Florentino de. A imprensa anarquista.
manifestações surgem, com freqüencia, grandes
Germinal! São Paulo, ano 1, n. 13, p, 1, 15 jun. 1913. a todas as idéas ou pensamentos elevados, irra- Germinal! São Paulo, ano 1, n. 15, p. 1, 29 jun. 1913.
114 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 115

A disposição de considerar os acon- Ora, ante-hontem, ao enrolar a roupa, eu en- de ter explosões de alegria ao ouvir os nomes crimes teem sempre uma origem sã...” A frase
tecimentos em sua efemeridade e enquanto contrei, na terceira pagina dessa folha, este de “tais monstros...” E o sr. Pedro de Toledo é cabalística. Mas, ao lado da “estravagancia e
titulo berrante, cobrindo cinco columnas: A entra a falar de Réclus, de Kropotkine e de Karl incendios literarios” de Kropotkine e Réclus,
condicionantes para a escolha das estratégias solução do problema da carestia da vida. O Marx. Parece que s. ex. fez uma formidavel re- convenhamos que é duma profundez filozofica
de atuação na sociedade, como também na meu estomago refletiu: “Muito bem. Aqui està futação a estes “tais monstros”. Eu digo “formi- e cientifica incomensuravel...
proposta de ausência de filiação teórica ou fi- a solução. “E gemeu para a cabeça: “Convem ler davel” com o sentido de “ministerial...” Uma
__ __
losófica, diz muito da sua concepção de “vida isso...” A cabeça concordou: “Sim. Logo eu leio. refutação ministerial em vinte linhas de uma
Agora não tenho tempo...” Arranquei, pois, a interview é, de certo, formidavel. Tanto mais S. ex. entra, depois, a falar do cooperativismo.
de relação”, referida inicialmente. Abandona- terceira pagina. E, á noite, li-a. Com verdadeiro formidavel quanto, em tão pouco espaço, viza O sr. Pedro de Toledo è um ardente propa-
-se deliberadamente, nesta perspectiva, o prin- interesse... A vida anda pela hora, da morte. destruir as afirmações colhidas durante longos gandista do cooperativismo. A sua preocupa-
cípio substantivista ou postulado essencialista, Viver é um dilema dificílimo. O povo, desespe- estudos e explanadas nos “capítulos incendiários ção maxima è inundar o Brazil, pelos montes
rado, já desceu para a rua, disposto a resolvel-o da Conquista do Pão” e das paginas revolven- e pelos vales de cooperativas de consumo, de
como colocado em efeito nas diversas aborda-
na praça publica... No entanto, ó santa sim- tes da “Evolução e Revolução.” Já é poder de produção e de credito. Na cooperativa está a
gens da questão social a partir da perspectiva plicidade, a solução ali estava, em boa letra de sinteze! O repórter, porém, não se atrapalha, e solução da carestia da vida. A carestia da vida
disciplinar, como por enfoques sistêmicos. fôrma, exposta aos famintos meetingueiros!... interrompe o entrevistado, ponderando que os é a logica e natural rezultante da falta de apro-
A propósito da crítica à imprensa bur- “tais monstros” fazem as suas reclamações “atra- ximação entre produtores e consumidores, isto
Li em voz alta, para que o estomago escutasse.
vez de fogueiras de nitro-glicerina...” Ao que é, das dificuldades de comunicações comerciais
guesa, diversos artigos publicados em alguns O estomago ouvia, muito sério. Mas lá do fim
acrescenta o singular sociologo-ministro: “Des- dificuldades que permitem a multiplicação dos
números do jornal apresentaram variadas pers- da primeira columna em diante, eu notei um
graçadamente é assim! Chegam ao extremo de intermediarios”. O remedio para este mal é o se-
certo movimento nas tripas. Ellas se torciam.
pectivas analíticas destes periódicos. No artigo condemnar o trabalho!” O sr. Pedro de Toledo é guinte: “Os lavradores e os industriais agricolas,
Jà no meio da segunda columna, não aguenta-
apresentado a seguir, Astrojildo Pereira teceu incompativel com semelhantes doutrinas. S. ex. que abastecem um determinado centro (Rio,
ram mais, eu notei um certo movimento nas
tem um trabalho colossal em mandar estudar S. Paulo, Bahia, Pernambuco, etc.), reúnem-
reflexões, num tom debochado e sarcástico, tripas. Ellas se torciam. Já no meio da segunda
os meios mais práticos de plantar abóboras e -se em cooperativas de consumo (cooperativas
sobre o jornalismo praticado pela grande im- columna, não aguentaram mais: rebentaram...
de criar suínos; s. ex. quasi nem tempo tem de municipais ou distritais), confederam-se numa
Rebentaram ás risadas... Oh! não vos espantei,
prensa. O articulista demonstrou o caráter de contar os magros vencimentos que a pasta lhe cooperativa central com séde em qualquer
criaturas que não tivestes oportunidade de sa-
porta-voz ministerial do jornalismo da grande proporciona; s. ex. cancã-se, duas vezes por dia, daqueles centros...” e pronto: está acabada os
borear tão chistosa solução! Não vos espanteis!
em subir e descer as escadarias do ministerio, s. males existentes e por existir. A cooperativa é o
imprensa. Em que pese o ar de imparciali- Ouvi: eu vos afirmo que as minhas tripas esta-
ex... é um grande trabalhador... Por indole. Por elixir da felicidade...
dade e transparência presentes no relato de vam am perfeito juizo... Torceram-se com razão.
educação. Por convicção. E, sobretudo, por um
Riram-se com razão. Porque aquilo constituia Comico? Mas para que compreedais bem o
acontecimentos sociais, o jornal burguês criou uma esquisita peça humorística. Era uma pa-
amor inato ás batatas, e aos repolhos, e ás vacas,
espirito dessa historia, é precizo que saibas as
matérias distorcendo as informações, apresen- e a tudo emfim o que concerne á agricultura e
gina requintada de superior humorismo... Tão leis e os regulamentos que regem as coope-
artes correlativas... Está visto, pois, que s. ex.
tando versão favorável aos setores dominantes esquisita, tão superior e tão requintada, que eu rativas propagadas pelo sr. Pedro de Toledo.
não se poderá conformar com tais doutrinas que
não quero privar aqueles de vós que a não go- Ora ouvi... Diz o regulamento dos sindicatos
da sociedade. condemnam o trabalho... o trabalho, que é uma
zaram, duma idéa de tão divertida solução... Eu agricolas approvado pelos decreto n. 6.332 de
religião de que s. ex. é um dos magnos sacerdo-
trarei, para aqui, os topicos mais interessantes Jundo de 1907, no seu art. 1.o: “E’ permitida
tes... Não!... Não, e não, e não! Mil vezes não!...
Humorismo jornalistico-ministerial do curioso documento. E comental-os-emos a a organização de sindicatos agricolas, que para
caráter, si isto for do vosso agrado. O repórter, mais uma vez, interrompe s. ex., efeitos legais, são as associações formadas entre
e qualifica essas doutrinas de “extravagancias profissionais da agricultura e industrias rurais de
Eu entrego a roupa suja á lavadeira, uma vez por Preparai, pois, o coz das vossas calças...
literárias”. O sr. de Toledo faz uma frase! “A hu- qualquer genero, para a defeza dos interesses de
semana. A’s sextas-feiras, pela manhã. Por isso, manidade só poderá ser remodelada pelo amor ordem economica, social ou moral, comuns aos
nesse dia aziago, eu costumo comprar um jor- [...] que gerou”. Os posteros que tomem nota. A associados.” Muito bem. Quereis, agora, quais
nal para embrulhar as minhas escassas camizas. fraze é digna de ser gravada no próvavel mo- são os “profissionais da agricultura e industrias
E desde que O Imparcial apareceu, eu prefiro Em certo ponto da entrevista, o espirituoso re- numento que ha de perpetuar a memoria do rurais”, que devem formar as cooperativas, para
comprar O Imparcial. A lavadeira foi quem me pórter traz á baila os nomes de Karl Marx, de conspícuo cidadão... S. ex. acha ainda que essas “defeza de interesses comuns?” Lêde o art. 4.o
induziu a essa preferencia: Kropotkine e de Réclus. E diz que s. ex. o sr, “extravagancias literárias” são exajeros “calcados do mesmo regulamento: “Consideram-se profis-
ministro Pedro de Toledo “não deve siquer um no odio, que alucina...” sionais para todos os efeitos da lei: – O proprie-
_ O papel d’O Imparcial é mais resistente... olhar de espanto em face de tais monstros.” E’
não se rasga á toa... Eu aproveito para trazer a tario, o cultivador, o arrendatario, o parceiro, o
uma prova de que o sr. de Toledo é um velho- Um pouco adiante, o reporter pergunta:
roupa lavada... criado de gado, o jornaleiro, e quaisquer pessoas
te de uma corajem estupenda... E o repórter _ V. ex acredita na pureza do sentimento que empregadas em serviços dos prédios rurais, bem
Era razoavel. Era convincente. Decidi-me a ajunta: “Uma sombra de tristeza passou-lhe, tem produzido tais incendios literários? S. ex. como a pessoa juridica cuja existencia tenha
comprar, O Imparcial. E toda a sexta-feira o no entanto, pela face.” Isto é de se advinhar. responde com uma outra frase: _ “Os maiores por fim a exploração da agricultura ou outra
vendedor me deixa um dreadnought na janela... Está claro que um ministro de Estado não ha
116 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 117

industria rural.” Esses são os “profissionais de tes contra a classe trabalhadora. Helio Negro96 escrito, concordou com a afirmativa expressa de propostas de solução ao problema da cares-
interesses comuns...” Não é de rir? Diante das manifestou sua indignação contra governantes por jornalistas do Correio da Manhã e do Dia- tia da vida, o articulista rebateu indicando as
“extravagancias literárias” de Kropotkine, não
há outro partido a tomar. Discutir é inutil. Os e jornalistas da grande imprensa, pois em seu rio Popular de que o Brasil estava em perigo, soluções dadas pelos trabalhadores; advertiu
ministros, aliás, não discutem: fazem leis... E entendimento, a ação conjunta destes dois discordando, porém, de que eram os “estran- serem tais propostas inaceitáveis ao patronato
lei é lei. Tem que ser cumprida. Para os que segmentos tornava eminente a possibilidade geiros anarquistas” as causas deste perigo. e aos governantes. Isso porque resolver o vasto
discordarem, aí estão as baionetas, como argu- de expulsão de trabalhadores. problema da questão social passava necessaria-
mento supremo... A conferência de Helio Negro99 destaca
O editorial do primeiro número de o papel da imprensa comercial na apresenta- mente pela abolição da propriedade privada e
[...] extinção do Estado.
Germinal! apresentou, num tom de incontida ção à sociedade dos problemas sociais relativos
ASTROJILDO PEREIRA revolta, o tema da lei de expulsão de estrangei- à crise econômica. O conferencista demons- O requisito para tais acontecimentos era
Rio, 2 3-913.93 ros, assunto que atravessou todos os números trou o favorecimento a políticos e financeiros a organização dos trabalhadores em associa-
seguintes. Três tópicos foram problematizados por jornalistas ao procurarem eximi-los de sua ções de classe com fins de implementar ações
A hilaridade do jornal burguês é sua pelo articulista neste artigo: a afirmação di- responsabilidade diante do quadro social em diretas contra o capitalismo e contra o Estado.
destacada característica, conclui o autor. Os vulgada pela imprensa burguesa de que todos que os preços dos gêneros de primeira neces- Só o produtor organizado poderia por termo
anarquistas, por sua vez, foram alvos de des- os anarquistas eram agitadores estrangeiros, a sidade eram constantemente majorados. O ao regime de exploração e dominação vigente.
qualificação por parte da grande imprensam passagem da monarquia para a república reali- autor criticou jornalistas da grande imprensa Não haveria que esperar por ações beneficen-
e o autor rebateu estas assertivas no sétimo zada na vaga da abolição da escravatura e, por que acusavam os trabalhadores de não apre- tes ao proletariado, através da providência go-
parágrafo do texto acima endentado, susten- fim, o terceiro afirma a que segmento social o sentarem reflexões apontando soluções para a vernamental, uma vez estes serem diretamente
tando ser o anarquismo resultado de longos e articulista, Miranda Junior, se dirige97. carestia da vida. interessados em que o quadro social baseado
aprofundados estudos da sociedade. Anhanguerra98 escreveu artigo logo No seu entendimento, a monocultu- na exploração não apenas permanecesse, mas,
Florentino de Carvalho94 manifestou em seguida ao de Miranda Junior tratando ra do café prejudicava a oferta dos gêneros mais que isso, fosse aprimorado.
sua indignação com os procedimentos ado- do mesmo tema. A partir de análises de dois alimentícios para a população. O desdobra- O redator100 elaborou uma síntese das
tados pela imprensa burguesa de aberto com- jornais da grande imprensa comercial, o autor mento disso era o lucro cada vez maior dos condições de vida do trabalhador no Bra-
bate ao movimento dos trabalhadores. Os ex- criticou a violência da lei de expulsão como fazendeiros e prejuízo tanto dos trabalhadores sil. Arrematou, num manifesto dirigido aos
pedientes utilizados por esta imprensa eram, também o servilismo de jornalistas desta im- rurais como dos trabalhadores da cidade. Uns “povos de todos os paises”, acontecimentos
quando forçada a sair do silêncio quanto à prensa. Para ele, a grande imprensa estampava, e outros não eram beneficiados neste contexto. relativos à aprovação da lei de expulsão de
situação precária e miserável do trabalhador, com cortes e distorções, de forma truncada Se o preço do café subia, isso não significava estrangeiros, à deportação de trabalhadores
a calúnia, a difamação e a injúria. João Cris- e abundante em má-fé, artigos e manifestos aumento dos salários nem redução do preço e anciãos para as regiões inóspitas do Brasil
pim95 analisou um jornal da grande imprensa elaborados pelos trabalhadores e publicados dos alimentos. Antes pelo contrário, o cresci- central, à reação violenta dos fazendeiros sobre
santista, destacando o papel levado a efeito na imprensa operária. mento dos lucros implicava a diminuição do os colonos somados com o não pagamento
por este periódico no que se refere à repressão Além disto, incentivaram o recrudesci- poder de compra dos trabalhadores. devido dos seus salários e o saque de seus per-
à federação operária daquela cidade. mento da repressão governamental sobre os Os políticos, por sua vez, somavam com tences, além da escravização de trabalhadores
A imprensa comercial fora apresentada, trabalhadores com o argumento de que “O os financeiros e fazendeiros no empenho de por endividamento.
em boa parte das análises, como ocupando Brazil corre perigo” por conta, justificavam, intensificar a exploração sobre o trabalhador. No final do manifesto, apresentou al-
uma posição de destaque na preparação da das agitações de estrangeiros tidos como ma- As leis impostas visavam não solucionar a gumas reflexões e provocações direcionadas
população para a instauração de processos ar- levolentes. O autor, em certo momento de seu questão social de modo favorável ao produ- à população trabalhadora a fim de que ela
bitrários e violentos dirigidos pelos governan- tor, mas antes impor-lhe restrições a seus pro- própria pudesse incrementar ações diretas
96 NEGRO, Helio. Aos governantes e jornalistas brasileiros
93 PEREIRA, Astrojildo. Humorismo jornalistico-ministe- – palavras liais. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 10 testos. Respondendo aos jornalistas quando contra a ordem das coisas. As palavras de
rial. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 1, p. 2, 16 mar. 1913. mar. 1913. afirmaram serem os trabalhadores desprovidos apresentação do manifesto demarcaram suas
94 CARVALHO, Florentino de. MACACOS! Germinal! São 97MIRANDA JUNIOR. Entendamo=nos. Germinal! São
Paulo, ano 1, n. 5, p. 1, 13 abr. 1913. Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 10 mar. 1913. 99 NEGRO, Helio. A carestia da vida – Financeiros e po- 100 MANIFESTO aos Povos de todos os paises. Em prol
95CRISPIM, João. O jornalismo dos ladrões, assassinos e in- 98 ANHAGUERRA. O Brazil corre perigo. Germinal! São litiqueiros. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 2, p. 2, 23 mar. dos principios de humanidade. Germinal! São Paulo, ano 1,
cendiarios. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 6, p. 1, 20 abr. 1913. Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 10 mar. 1913. 1913. n. 11, p. 3, 31 maio 1913.
118 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 119

intenções de provocação ao leitor. Este não Na sequência desses artigos, os edito- belecem suas residências nas ruas e nos prédios burguês favorável ao patronato enquanto Ger-
deveria entender o texto como apenas uma res publicaram alguns rápidos artigos noti-
104 em construção, fazendo deste pobre Baurú o minal! procurava apresentar a perspectiva dos
teatro das suas exibições de miserias, de pouca
resenha de fatos aterradores e merecedores ciando alguns episódios de arbitrariedades por vergonha e embriaguez. trabalhadores.
de uma repulsa estritamente subjetiva. Este parte dos agentes do patronato. Essas narrati-
Todos os dias, desde manhã até a noite, de porta
sentimento deveria se desdobrar em atitudes vas, descrevendo acontecimentos em diversas em porta aparecem pobres velhos extrangeiros e GUERRA SOCIAL
libertárias e solidárias. localidades, municiavam as associações ope- nacionais, pedindo uma esmola para poderem
Outro artigo, ainda neste mesmo nú- rárias na Europa com informações acerca do regressar a S. Paulo ou Santos. Gréve na fabrica de tecidos de Nemi Jafet
mero, noticiou o efeito na Europa da divul- cotidiano do operariado nacional ou estran- No dia 25, dois generosos passageiros da Noro-
este, encontraram na estação Presidente Alves, Os trabalhadores desta fábrica, situada no Ipi-
gação de notícias registradas pela imprensa geiro no Brasil. A denúncia da continuação do ranga, acham-se em gréve.
dois velhos, um italiano e outro brasileiro, quasi
operária relativa à situação do trabalhador sistema escravista no Brasil república ganhara
sucumbindo a fome; condoídos com tão infeliz Porque?
no Brasil. O articulista destacou a repercus- formas mais definidas com a divulgação das sorte os dois cidadãos socorrerem os desgra-
violências rotineiras e sistemáticas impostas O jornalismo burgues já forneceu as melhores
são naquele continente da circular elaborada çados e pagaram-lhes as passagens até Baurú.
informações favoráveis ao patrão.
pela COB no Brasil e lá distribuída. Registrou pelos governantes e por uma milícia particular Quasi diariamente da linha Noroeste chegam
do patronato sobre os trabalhadores. Vejamos as nossas:
também a reação de representantes do gover- noticias de que grupos de vagabundos depor-
tados assaltam as casas das turmas de conserva Obrigado pelas circunstancias o patrão resolveu
no brasileiro como também de jornalistas da Os editores105 publicaram, repetidas ve-
afim de saciarem a fome. suprimir a turma de meninos que trabalham
imprensa comercial. Ambos reclamavam da zes, acontecimentos relativos à condição do á noite.
No Estado de Mato Grosso, a força federal des-
circular e das conferências realizadas na Euro- trabalhador a partir de artigos divulgados na
tacada em Tres Lagoas, não admite a entrada Meninos de 8 anos trabalhavam mais horas de
pa por delegados da COB, afirmando serem imprensa comercial. Eram informações que, destes deportados e elles, abandonadonados noite do que anos teem de vida: desde as 6 ho-
exageros que denegriam a imagem do país no veiculadas através de periódicos ligados aos [sic] pela policia de S. Paulo ficam pela linha, ras da tarde até as 6 horas da manhã, por um
exterior. O articulista rebateu tais afirmações, segmentos dominantes da sociedade, davam pelos distritos e pelas povoações, vivendo mise- formidavel salario de 400 a 600 reis, que segu-
ravelmente, de esmolas ou de roubos. ramente sobra para tomar um coupo de agua.
tecendo comentários aos jornalistas e aos re- conhecimento de eventos de exploração e vio-
presentantes do governo brasileiro.101 lência a que, com recorrência, os proletários Isto é por emquanto; mais tarde seremos obriga- Esta turma passou a trabalhar de dia mas o pa-
dos a publicar factos mais graves, provenientes trão achou que os meninos iam fazer a Ame-
Os editores102, com a preocupação de eram submetidos. Num outro artigo, na sequ-
deste povoamento correcional.106 rica em pouco tempo e resolveu reduzir-lhe o
oferecer maiores subsídios às associações ope- ência das denúncias acerca das condições de salario.
rárias europeias acerca da situação dos traba- trabalho dos colonos nas fazendas no interior
Em consequencia os meninos disseram-lhe que
lhadores no Brasil, estamparam no quarto do estado, há o registro de acontecimentos Os editores registraram também a situ- nessas condições fize-se ele o serviço.
número de Germinal! estratos de artigos da com trabalhadores deportados para regiões ação de extrema exploração e violência sob a
A negativa dos menores foi tomada pelo bur-
imprensa comercial os quais referendavam as inóspitas no Brasil. qual vivia a criança trabalhadora. Em artigo, gues como falta de educação e tratioude forçal-
notícias e denúncias veiculadas pela imprensa denunciaram um caso particular em que o pa- -os a trabalhar a tiro.
operária no Brasil, pela COB e por conferen- OS DEPORTADOS trão de uma fábrica, além da intensa jornada Os operarios calmaram com a sua digna atitude
cistas expulsos do Brasil. Em outro número do de trabalho a que eram submetidas as crianças a furia do heroe, pelo que no dia 22 quando
Baurú acha-se invadido por uma enorme quan- trabalhadoras, impunha-lhes a redução do sa- voltaram ao trabalho encontraram a fabrica cer-
jornal, os editores103 publicaram informações tidade de homens e mulheres que, esportados cada pela policia, a qual não permitia a entrada
acerca de milhares de mortes de trabalhadores. lário quando da mudança do turno noturno
pela policia da Capital, para a Noroeste, da a nenhum operario e ameaçava a todo o mundo
melhor forma possivel regressam a esta cidade para o diurno. Os protestos e as recusas destes com as suas armas de boa gente.
e, faltando-lhes por completo todo e qualquer pequenos operários foram respondidos com A fabrica não tornaria a abrir-se emquanto os
101 AS LIBERDADES no Brazil. Efeitos da Lei de expulsão recurso para regressarem a sua procedencia esta- repressão e arbitrariedades da polícia. O ar- menores não aceitassem as condições patronais.
– “LA BARRICATA” em Paris – Conferencia em Madrid.
ticulista iniciou o artigo marcando diferença Em vista disso os operraios apresentaram uma
Germinal! São Paulo, ano 1, n. 3, p. 1, 30 mar. 1913. operarios mortos! Germinal! São Paulo, ano 1, n. 6, p. 2, 20
abr. 1913. do jornalismo feito neste periódico com o da tabela de salarios exigindo o aumento de 20%
102 NOTICIAS alheias – A situação dos trabalhadores no
Brasil – A’ imprensa livre da Europa. Germinal! São Paulo, 104 A COMPANHIA docas e seu pessoal – Uma reclamação. imprensa comercial, afirmando ser o jornal sobre os atuais salarios e o horário de 10 horas
ano 1, n. 4, p. 1, 06 abr. 1913. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 6, p. 2, 20 abr. 1913. de trabalho.
103 NOTICIAS alheias – A’ imprensa livre da Europa e 105 HORROROSA escravatura operaria no Estado do Para- 106 OS DEPORTADOS. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 6, A policia, para manter a ordem, espancou, sem
aos emigrantes – O cemiterio dos trabalhadores – 16.000 ná. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 10, p. 1, 24 maio 1913. p. 2, 20 abr. 1913. motivo, o operario Francisco Trubillano Garcia
120 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 121

e outro, que protestou contra o espancamento Conducta do govêrno salarios agricolas e para o fiel cumprimento dos exploração infligida às crianças. Através de um
dos meninos. contractos segundo a legislação vigente”. diálogo fictício, o articulista levou aos limites
e do Patronato Agricola.
No dia 24 os miliciantes prenderam e maltra- A’ “Gazeta” não lhe consta que em Ribeirão a lógica proibicionista dos magistrados, por
taram brutalmente 3 operarias. Não existe os Preto os “lavradores” – que lavradores! – se ne- ser, de um lado, insensível e, de outro lado,
suplícios que anteriormente se aplicavam aos A “Gazeta” e outros jornais diarios, andam com gassem a retribuir os serviços dos colonos.
escravos. Simplesmente os instrumentos de olofotes em procura de argumentos para de- preconceituosa. A moral convencional oferece
fender a conducta do govêrno e do Patronato Até no Polo Norte se sabe que os 140 colo-
torturas estão modernizados.107 o material para o estabelecimento desses con-
Agricola; e nesse trabalho desempenham-se afa- nos ha pouco expatriados, não receberam os
seus salarios. Só receberam dos “lavradores” a vencionalismos.
nosamente, porque cada aparente composição
declamatoria das virtudes governamentais vale promessa de que sómente depois da colheita se
Graco, ao elaborar reflexões demolido- trataria disso.
varias libras esterlinas. O serviço é feito por em- DÙVIDAS
ras sobre o caráter violento, classista e explora- preitada e, por isso, á falta de argumentos, de A única verdade publicada pela “Gazeta” é que o
dor do Estado e de instituições afins, abordou cada disparate fazem uma “luminosa” inspiração “Patronato Agricola” se conduziu rigorosamente
outras questões relacionadas. Iniciou o artigo para o seu postulado, negociado no mercado da de acôrdo com as regras extruturais e os moldes Tambem nòs somos inimigos irreductivèis da-
consciencia e da dignidade. genesíacos que presidiram á sua organização. queles que, em proveito proprio, exploram a
demonstrando o papel da imprensa comer-
Ha muito tempo que o govêrno rouba dinhei- infancia, obrigando a a trabalhos excessivos ou
cial na manutenção e reprodução das relações Esta é a única verdade, porque os contratos são visivelmente imoraes. E assim, o acto do “dig-
ro ao pôvô, aos escravos que aqui vegetam e totalmente desfavoraveis aos colonos. O con-
sociais de domínio e exploração. À imprensa morrem de fome, ou se suicidam por falta de no” promotor publico, tentando impedir que
junto das bases do contrato resume-se, para os
burguesa, caberia o papel de formadora da trabalho, e com o fruto desse roubo subvencio- contratados em DEVERES, OBRIGAÇÕES
duas creanças continuem a cantar no Politeama,
opinião pública, apresentando alguns assuntos na as companhias de navegação, para estimular mereceria todos os nossos aplausos, si não nos
E MULTAS. assaltassem algumas dùvidas que desejamos ver
de maneira favorável às classes dirigentes e, a negociata, a falcatrua, e conduzir para aqui
milhares de familias de escravos brancos e en- Os moldes genesíacos da organização do Patro- esclarecidas pelos competentes:
simultaneamente, relegando ao esquecimen- trega-las aos fazendeiros, para que as explorem nato são os mesmos do regime capitalista, e teen - Póde a justiça social impedir que os menores
to certos assuntos, sempre de acordo com os miseravelmente. por fim intensificar a exploração e coagir os tra- exerçam uma profissão qualquer, sob o pretexto
interesses em jogo. balhadores rurais, como as sociedades patronais de que essa profissão é antiigienica, exaustiva
Se os fazendeiros fazem actualmente um pedido das cidades teem por fim extender a exploração
Abordou também o tema das leis so- de 9000 familias é porque a maioria das que, e imoral?
e oprimir os operarios.
ciais ou protetoras, apresentando-as enquan- iludidas, caem nas fazendas, tratam de fugir - Si, póde, porque deixa a justiça pùblica que
rapidamente para salvar a pele. Os trabalhadores do campo e nós tambem, te- milhares e milhares de menores lentamente se
to instrumentos de controle, manipulação e mos no Patronato Agricola mais uma instituição
O Patronato Agricola foi creado para favorecer asfixiem e lentamente morram nas fabricas de
acomodação dos trabalhadores. Isso porque escravista a combater e destruir.108 tecidos, nas oficinas de costura, nas fundições,
os fazendeiros em suas explorações contra os
significaria um campo de esperanças sobre o colonos. nas minas, nos armazéns, sob a carga excessiva
qual o proletariado, acreditando em sua efi- de um trabalho implacavel?
Pouco importa que, pela Lei Federal n. 6.487 Massena, partindo da narração de um
cácia e validade, adotaria posturas resignadas, de 27 de março de 1907 torna-se privilegiada a - Ora, respondereis, essas profissões são apenas
episódio em que um juiz proibira a crianças mortíferas, ao passo que o teatro é imoral! São
na esperança de uma mudança futura. Enfim, divida proveniente de salarios de operarios ru-
o exercício da profissão de cantores com a os precalços da pobreza. Quem mandou nas-
a lição do artigo aponta para a nulidade da lei rais, e esta lei e o Decreto Estadual n. 1.299-A,
de 27 de dezembro de 1911, traçasem a orbita justificativa de ser esta atividade exaustiva e cerem pobres essas crianças? Pouco nos impota
uma vez que, entre o que ela determina e sua que elas morram nas fabricas, contanto que
das diferentes atribuições dessa nova instituição de, principalmente, ser uma atividade imoral,
aplicação, existe uma distância astronômica. burocrática. arrebentem de acordo com as regras de nossa
teceu críticas a esta postura do magistrado. infalivel e respeitabilissima Moral!
Apontou, por fim, o papel subserviente da im-
A lei é um pretexto para organizar comanditas Nesta direção, problematizou os posiciona-
prensa comercial, para a nocividade do Estado de individuos cuja obra é obrigar os pobres a - Mas a moral è uma coisa relativa, muda com
mentos apresentando como crítica o fato de os logares e com os tempos; qual é pois a me-
e de instituições convergentes com a intenção fazer o que convem aos interesses dos ricos.
a existência da superexploração do trabalho dida, qual o critério, qual o codigo da imorali-
de governar a população. Ao mesmo tempo, Os legisladores fazem a lei, e os encarregados de infantil nas fábricas e oficinas se dar com a dade? A nosso vèr, por exemplo, a profissão de
os destinos dos trabalhadores foram afirma- executa-la fazem o que muito bem entendem, cantor público nada tem de imoral, como jul-
total anuência e tolerância das autoridades.
dos como estando unicamente nas mãos dos ou o que os argentarios lhes mandam fazer. gais! Ainda hontem vimos no Politeama senho-
Mais que tolerar, as autoridades se empenha- ras e cavalheiros respeitaveis que certamente lá
próprios trabalhadores. As leis protectoras são mais um insulto atirado
á face dos trabalhadores.
vam na conservação da situação de violência e não iriam si a profissão daquellas crianças tivesse
107 GUERRA social – Gréve na fabrica de tecidos de Nemi alguma cousa de vergonhoso ou desonesto. E,
Jafet. Edição especial do Germinal! e da Barricata. São Pau-
As atribuições do Patronato eram, entre outras, 108 GRACO. Conducta do govêrno e do Patronato Agricola. digamos de passagem, achamos mais desonesto,
lo, p. 4, 01 maio 1913.
“intentar e patrocinar causas para cobranças de Germinal! São Paulo, ano 1, n. 12, p. 2, 08 jun. 1913. mais dissolvente do carater popular, o pernicio-
122 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 123

so exemplo do tão aplaudido Geraldo, sujeito A situação dos trabalhadores das fazen- completo, porque os fazendeiros não permitem incidente que désse ensejo a um massacre,
robusto, que podia ser util á humanidade e que das também era de extrema exploração e vio- que os colonos disponham de um palmo de mandaram ocupar as fazendas militarmente e
no emtanto prefere, sem que ninguem proíba, terra, para o seu uso particular. insultar os grévistas.
viver suavemente cantando cançonetas brejeiras! lência. Homens, mulheres e crianças viviam
sob um domínio tão intenso quanto o da an- Por tanto, o toucinho, o milho, o feijão e outros Ao menos isto é o que se desprende do resul-
- Mas, tal profissão é exaustiva, retrucareis; ima- cereais ou legumes, que estes haviam de vender, tado das diligencias policiais. A imprensa tem
gine só isto de ficar uma criança até meia noite tiga escravidão negra. O tratamento dado aos para ganharem alguma cousa, são obrigados a cumprido o seu dever de defender os fazendei-
sem dormir! reclames e protestos dos colonos era o mesmo compra-los nos armazéns dos fazendeiros, a ros e atacar os colonos, o que não nos admira,
- E’ suavissima, dizemos nós, comparada com dispensado aos escravos negros antes da abo- preços impossíveis. porque já o fazia antes, defendendo o brutal
o duro oficio dos tecelões, das lavandeiras, dos lição da escravatura. O articulista registrou a [...] regime de escravatura que terminou em 13 de
pedreiros, dos carregadores e tantos outros. Maio de 1888.110
continuidade dos hábitos dos antigos negrei- Os fazendeiros, secundados pelo Patronato, não
- Mas è uma exploração dos pais vadios, que ros explorando, controlando e punindo, com querem saber dos compromissos contraídos
não querem trabalhar! com os colonos.
torturas ou assassinatos de trabalhadores. Mes- Uma “Nota interessante” foi publicada
- E tendes certeza de que as outras não o são? E Um correspondente burgués, nada suspeito
mo o trabalhador dócil e colaborador não es- logo em seguida ao artigo sobre as greves de
achais que os pais não têm o direito de, aprovei- de agitador, afirma que o aumento de salario
tando a aptidão especial, revelada pelos filhos, capava aos abusos e arbítrios dos fazendeiros. reclamado pelos colonos não compensaria as trabalhadores rurais. Nesta nota, o articulis-
para uma carreira suave e rendosa, dastina-los perdas que eles tiveram com as plantações. Ou- ta focalizou a incidência de uma extremada
desde cedo a esse oficio, preparando-lhes um tra fonte de receita, ou de roubo descarado, é a violência e exploração sobre o trabalhador
GRÉVE DE COLONOS EM RIBEIRÃO
futuro relativamente feliz? das multas. Só na fazenda de Valdemiro Pinto
PRETO
Alves, foi um colono multado em 150 mil reis,
dócil. Não apenas o trabalhador insubmisso,
- Fóra da moral não ha felicidade, direis. contestador e rebelde, mas todos, mesmo os
por ter hospedado, em sua casa, durante uma
- Pois bem, mas acaso o ambiente de uma fabri- noite, um seu irmão que havia tomado parte que se esforçavam em colaborar com o patrão
ca é mais moral do que o de um teatro? Parece A revolta vai tomando maiores proporções
em uma gréve, no mes de maio do ano passado. e seus administradores, viviam à mercê das
um paradoxo, lède porém as vivas descrições
dos escritores naturalistas, que procuram repre- Por qualquer pretesto, os administradores, por arbitrariedades e dos abusos.
sentar a vida tal qual ela é, e vereis que a horrível A grève dos colonos de varias fazendas do mu- ordem dos patrões, impõe multas a granel, ex-
promiscuidade das fabricas, associada à igno- nicipio de Ribeirão Preto, longe de declinar, torsionando miseravelmente o esforço, o tra-
estende-se a outras fazendas, tomando um ca- balho sobreumano, até das crianças de 7 ou 10 Nota interessante
rancia das crianças e á brutalidade e estupidez
dos homens, gera ali os vicios mais baixos, mais rater geral. anos, que trabalham sob o sol ardente e sob a
precoces, mais assustadores que a humanidade São conhecidas a causas deste movimento: é fria chuva ou a geada, desde a madrugada até
a noite. Para que todo o mundo se scientifique da bela
jamais viu. sabido que os colonos não podem continuar forma em que são tratados os colonos, mesmo
Consideramos o jornal como um campo neu- os trabalhos da lavoura, por que as condições Para os fazendeiros a vida dos colonos não é os de procedimento exemplar... e para que sirva
tro onde todas as opiniões livremente se de- em que se encontram não lhes permitem ad- digna da menor atenção. O mercado humano de exemplo aos que tratam de conquistar a sim-
batem, para que desse mesmo conflicto possa quirir os alimentos necessarios para poderem é abundante. Por isso, e apoiados pelo Patro- patia dos administradores e patrões, apresenta-
surgir a rutilante Verdade; e assim não serà trabalhar. nato Agricola, afirmam que não devem ceder, mos ao colono Giuseppe Capelini, trabalhador
para extranhar que alguns dos nossos dignos Os fazendeiros, e com eles o Patronato Agricola, e resolveram, em uma reunião realizada no 1.º na fazenda do sr. Soletic Arruda na zona de
colaboradores manifestem opiniões diametral- dizem que os colonos estão em melhores con- de Maio, em R. Preto, não atender absoluta- Bebedouro.
mente opostas a estas. Mas é bem possivel que dições do que ha cinco ou seis meses, quando mente nada ás reclamações dos que, para eles
muitos desses nossos ilustres e amáveis letra- trabalham, e constituir uma liga de resistencia, Este colono presenteava o administrador com
assinaram os contratos, visto que a carestia da a metade da sua colheita particular, para con-
dos, os quais tão gentilmente se confrangem vida lhes é favoravel, pois podem vender a carne que terá por fim influir sobre o governo para
perante aquelas duas meninas que ganham a reprimir todas as revindicações dos colonos, es- quistar-lhe a simpatia.
de porco, o milho, o feijão e outros legumes,
vida cantando, tenham passado indiferentes e por preços mais elevados. tabelecer condições peiores para os seus escravos Este ano, porem, a colheita foi quasi nula e não
felizes ao pé das horriveis fabricas, dos perfidos brancos, e bases vexatorias, como por exemplo lhe foi possivel repartir com o administrador.
matadouros, onde, não duas, porèm milhares de E’ sabido que, em contratos escritos ou verbais, a de que nenhuma fazendeiro aceitará colono
os fazendeiros prometeram ceder uma pequena algum que não haja terminado o trabalho na Como consequencia viu se, ele e a sua familia,
crianças, transformadas em maquinas humanas,
parte de terra para o cultivo do milho, feijão, fazenda que tenha abandonado; devendo este perseguidos pelo administrador: A sua horta foi
se estiolam e arrebentam sob o jugo, onde, não
legumes, etc. apresentar uma caderneta de filiação e conduc- arrasada pelos “camaradas”.
duas, porèm milhares de crianças, transforma-
das em maquinas humanas, se estiolam e arre- Ainda que estas promessas ou contratos fossem ta, como se fosse um criminoso. Queixou-se ao agente consular italiano e re-
bentam sob o jugo de um trabalho assassino!109 cumpridos, os colonos ver-se-iam mal para ad- Como os patrões temessem uma revanche dos cebeu como resposta algumas verdades: que o
quirirem os primeiros elementos; mas o certo é colonos, tratados a chicote como nos tempos
109 MASSENA, J. Dùvidas. Edição especial do Germinal! que estas promessas ou contratos falharam por 110 GRACO. Gréve de colonos em Ribeirão Preto. Germi-
do tronco, e com a propósito de provocar um
e da Barricata. São Paulo, p. 3, 01 maio 1913. nal! São Paulo, ano 1, n. 7, p. 1, 10 maio 1913.
124 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 125

fazendeiro e o administrador tinham o direito O triunfo da iniqüidade (?) ma que alguns fazendeiros daquella localidade, lei era endereçada tanto à sociedade nacional,
e podiam espancar e matar, tanto a ele como a não dispondo de colonos e trabalhadores para as em particular aos trabalhadores e às classes po-
sua familia, por que a lei estava da parte deles. Os colonos, vencidos, voltaram ao trabalho suas roças, obrigam os índios a trabalhar.
pulares, como à sociedade europeia, sobretudo
Reclamou ao chefe de policia, Sampaio Vidal, Para atrair os indigenas, esses fazendeiros co- às associações operárias.
O ipopòtamo capitalista triunfou mais uma vez
15 dias de trabalho, sem resultado. locam perto das “malocas”, varios objectos de
sobre a resistencia proletaria. Os editores também publicaram, ao
quinquilharias; em seguida fornecem cachaça
Tentou embarcar para queixar-se ao cônsul em
S. Paulo e na estação foi preso, estando dois dias
Os fazendeiros, cavalheiros distintos e “huma- aos indios, prendendo-os quando estes se acham longo de alguns números do jornal, a legisla-
nitários”, viram com gàudio como os colonos completamente embriagados. ção que regulamentava a entrada de imigran-
na cadeia, sem comer.
declinaram o seu talante subversivo e retoma-
Nas fazendas, os indios são obrigados a traba- tes no país. Desta série de artigos, encontrei
Ao mesmo tempo, a sua familia estava encar- ram pacificamente o trabalho, trabalho fecundo
lhos excessivos e castigados rudemente como apenas dois115. Os editores procederam a uma
cerada na propria casa, cercada por capangas que produz o rico cereal, fonte de riqueza e de
nos tempos da escravidão.
armados. progresso da agricultura, do “bem estar” e “da apresentação dos artigos da lei, acrescentando-
prosperidade da Nação”. A mesma pessoa disse ainda que tanto as quin-
O administrador entrou na sua residência e -lhe rápidos comentários, reforçando a inter-
quilharias como a cachaça são pagas pelo Mi-
seqüestrou-lhe o contrato. Os senhores LAVRADORES estavam no seu pretação estampada desde o título do artigo: a
nisterio da Agricultura, ao qual são apresentadas
direito zelar pelo - - - - - - - - - - -112 dos traba- imigração de trabalhadores brancos da Europa
Finalmente fugiu e apresentou-se ao Patronato contas sobre essas despesas”. 113
lhos agricolas, e a justiça estava de sua parte, re-
“qualquer coisa”, e este mandou-o voltar para enquanto novo mecanismo para uma nova es-
conhecida pelos proprios colonos; tanto é assim
a fazenda.
que voltaram ao trabalho, “arrependidos” de cravidão. Processo este que os editores faziam
Entregou 200 mil reis a um advogado para que
O artigo é finalizado com um chama-
haverem-se rebelado contra os seus benemèritos questão de enfatizar: gestado, promovido e
tomasse a sua defesa, e não viu mais nem a patrões e protectores, que lhes facilitaram pão mento para que os trabalhadores incrementas-
sustentado pelas instituições democráticas e
defesa e muito menos os 200 mil reis. (pàu) e trabalho. sem as suas associações, engrossando o movi-
liberais da recém-fundada república brasileira.
Agora encontra-se sem dinheiro e com a familia A coalição de todas as forças da burguesia, en- mento reivindicativo e contestador. Todas as
seqüestrada. volveu os camponezes grevistas num circulo de conquistas sociais, assinalou o articulista, se
ferro. Escravidão Moderna
Só falta que lhe seja aplicada a lei de expulsão devem à organização dos trabalhadores e não
por rebelde e agitador exaltado. A represália dos fazendeiros, a campanha da a algum pendor humanista ou filantrópico Regulamento de trafico de escravos para a
Melhor lição não a pode dar nenhum mestre. 111 imprensa, os atropelos e ameaças da policia, dos patrões e governantes. Numa breve nota, Estado de São Paulo
o auxilio prestado pelo governo aos patrões, e
o redator114 registrou o resultado da derrota
os conselhos de calma se passividade com os Art. 82 – Cumprido o control (contados como
representantes régios gelaram as energias dos sofrida pelos colonos no movimento paredis- carneiros) e recebido as respectivas bagagens o
Em dois artigos, os redatores trataram revoltados, foi superior á inteligencia e à força ta: a vingança dos fazendeiros, promovendo a diretor da Hospedaria atestará a exatidão da
da derrota dos trabalhadores rurais. No edito- dos vencidos. expulsão de muitos trabalhadores rurais. entrega dos emigrantes e das suas bagagens,
rial ao nono número de Germinal!, os editores [...] mencionando as faltas constatadas, entregan-
Sobre a lei de expulsão de estrangeiro,
documentaram a derrota da greve dos traba- do o atestado ao representante dos introdutores
Quem ler a imprensa mercenaria, em sua maio- os editores tiveram o cuidado de tornar públi- (para que receba do governo a importancia da
lhadores rurais. Esta foi uma ocasião para aná- ria ou em grande parte escrita por adventicios, co o texto desta legislação. Além de estampa- venda dos escravos caçados na Europa).
lise do evento, procurando retirar-lhe as lições. pensará que os burgueses, que tanto maltratam
rem trechos de artigos publicados na imprensa Art. 43 – O governo, quando julgar conve-
Há, neste texto, uma outra denúncia: trata-se os trabalhadores estrangeiros, guardam todas as
suas amabilidades para os filhos desta terra; não comercial e em artigos noticiando aconteci- niente para fomentar a emigração (a trata de
da existência de escravização sistemática de brancos) concederá subvenções ás companhias
saberá que o patriotico govêrno prende, depor- mentos em diversas localidades, denunciando
indígenas por fazendeiros em plena república. ta e massacra trabalhadores brasileiros para de- de navegação que facilitem bilhetes de atração,
as arbitrariedades das forças da ordem sobre os
O articulista descreveu as estratégias utiliza- fender a exploração e os interesses de empresas de passagem a preços reduzidos; aos emigrantes
segmentos populares, os editores disponibili- que se dirigirem a este Estado e desembarquem
das por fazendeiros para conseguir prender e italianas, francesas, inglesas, ect., e que protege
os selvicolas fusilando-os e tomando posse das zaram os artigos e parágrafos normatizadores no porto de Santos.
escravizar índios no Alto do Rio Doce: distri-
suas terras, reduzindo-os depois a escravidão. da deportação. A divulgação do conteúdo da Art. 72 – O governo poderá emitir, mediante
buição gratuita de bebidas alcoólicas entre os
indígenas e, após estarem embriagados, fácil Veja-se este botão de amostra, que extraímos
dos jornais do dia 14 do corrente. 113 GRACO. O triunfo da iniqüidade (?) – Os colonos, 115 ESCRAVIDÃO moderna. Regulamento de trafico de
aprisionamento e escravização. vencidos, voltam ao trabalho. Germinal! São Paulo, ano 1, escravos para o Estado de São Paulo. Germinal! São Paulo,
n. 9, p. 1, 17 maio 1913. ano 1, n. 5, p. 2, 13 abr. 1913. ESCRAVIDÃO moderna.
“Uma pessoa chegada do Alto Rio Doce infor-
111 NOTA interessante. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 7, 114 EFEITOS da gréve de colonos de Ribeirão Preto. Ger- Regulamento de trafico de escravos para o Estado de São
p. 1, 10 maio 1913. 112 Palavras ilegíveis. minal! São Paulo, ano 1, n. 10, p. 1, 24 maio 1913. Paulo. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 9, p. 1, 17 maio 1913.
126 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 127

acordo com as companhias de navegação, bônos da intensificação das leis antianarquistas e do tamparam umas poucas palavras de um dos ao contextualizar a situação despótica infligida
para bilhetes de chamada de imigrantes para os aprofundamento da repressão policial. condenados à pena capital quando dos aconte- aos proletários no Brasil, remeteu ao absurdo
trabalhos (mortiferos) agricolas assalariados, (que
em vez de salario receberão vexames e violencias) O argumento basilar manifestado pelos cimentos de Chicago, que dera origem à data da lei de expulsão. Neste contexto, assinalou
ou para núcleos coloniais (peiores do que as fa- defensores da referida lei, com a finalidade de simbólica de luto e de lutas dos trabalhadores a nulidade da lei em si mesma, particular-
zendas) em conformidade com as disposições facilitar sua aceitação por maiores segmentos no mundo contra o capitalismo e o Estado. mente no que diz respeito ao dinamismo da
do presente regulamento. Antes de sua execução, Samuel Fieldem, da vida social. No seu entendimento, pairava um
da sociedade, era de que as agitações sociais
Art. 8 – A’s emprezas de (expoliação) agricolas deviam-se à atuação exclusiva de estrangeiros mesma forma que os demais condenados117, abismo separando uma e outra.
ou de colonisação como tambem aos particula- pronunciou-se acerca da sentença e de sua
res que introduzem a sua espensa neste Estado, anarquistas. A máxima do presidente Wa- Astrojildo Pereira enviou do Rio de Ja-
emigrantes aptos par o trabalho agricola, seja shington Luís, proclamando a questão social luta. Os editores destacaram um trecho em neiro um artigo em que afirma a nulidade das
como assalariados, ou como concessionarios de como sendo simplesmente uma questão de que ele desnuda o caráter classista e violento leis. Seu texto intitulado “Palavras subversivas”
lotes coloniais, poderá o governo retituir em polícia, sintetizou com muita propriedade a da lei. inicia enfocando a violência característica das
parte ou em total, a importancia dispendida na
adquisição de (escravos) bilhetes de passagem de disposição dos estratos dominantes em relação leis, desrespeitando as especificidades cultu-
3ª classe, desde o porto de embarque a Santos, às classes populares sob a chamada primeira A LEGISLAÇÃO rais e as singularidades pessoais. Com a lei,
sempre que sejam observadas as disposições do república. procura-se impor um universalismo, nivelan-
presente regulamento. do a tudo e a todos a partir de um modelo.
As comoções sociais, segundo a per- “Suprimi a lei”. Eu pronunciei estas palavras
Quer dizer que se antes de 13 de Maio de 1888 cepção da classe dirigente, deviam-se à ação tomando-as de um discurso de Mr. Foran no Criticou a ideia de igualdade perante a lei,
os fazendeiros tinham que comprar á sua custa, Congresso. E se é verdade que, como ele diz, apresentada pelos democratas, enquanto ho-
os escravos que precisasem para o serviço da sua de alguns dos imigrantes europeus. Na pers-
nada se pode fazer pela legislação, que se supõe mogeneização. Diferenciou esta igualdade da
lavoura, ou trabalho da empresa, hoje adquirem pectiva da elite econômica e governante, os favoravel aos interesses comunais, nada mais
gratuitamente o rebanho humano, para toda classe agitadores estrangeiros trouxeram para o logico do que aquela frase. Não se pode legislar
preconizada no pensamento anarquista.
de trabalho. Brasil ideias exóticas, inadequadas à realida- sem ferir os interesses de alguns; necessariamen-
Já é progresso. de social vigente. O resultado da infiltração te a lei ha de favorecer uns interesses e preju- Palavras subversivas
dicar outros. Se, pois, nada se pode conseguir
do que denominavam “planta exótica” era o mediante a legislação, e centenas de homens
CONCLUSÃO.116 estabelecimento de diversos tumultos envol- recebem um soldo anual por fazer leis, é lo- A igualdade perante a lei é uma blague mons-
vendo o trabalhador nacional. Este, por sua gico e natural que a grande maioria que não truosa. Quando menos... Argumento?... Ora,
vez, era percebido enquanto possuidor de uma recebe nenhum favor da lei prescinda de tais ouvi!... O Brasil é um grande país. Com efeito:
Os temas privilegiados de Germinal! legisladores.118 cêrca de de nove milhões de quilómetros qua-
índole naturalmente dócil e ordeira, portanto
foram dois: a lei de expulsão de estrangeiros, drados, que se esparramam por aí além e ha-
avessa a manifestações de descontentamento e bitados por vinte e cinco milhões de cidadãos,
proposta pelo deputado paulista Adolfo Gor- subversões. O anarquismo, nesta perspectiva, Fazendo uma resenha dos acontecimen- càlculo bruto. Perfeito. Agora, racionai... A vida
do; e a alta do custo de vida naquele período. consistia em exotismo estrangeiro, inadequa- tos internacionais de solidariedade aos traba- desses vinte e cinco milhões de cidadãos é regu-
A lei de expulsão de estrangeiros fora aprovada do, prejudicial e perigoso à realidade social lhadores no Brasil, Florentino de Carvalho119, lada pelo mesmo dispositivo das mesmíssimas
no ano de 1907, um ano depois do primeiro leis. Não importa que sejam cidadãos de cos-
brasileira. tumes diferentes, de tendencias diferentes, de
Congresso Operário Brasileiro, e sofrera alte- 117 Os discursos dos mártires de Chicago foram publicados
O questionamento da lei Adolfo Gor- recentemente no Brasil com um texto introdutório de Ricar- temperamentos diferentes... Não importa. Eles
rações de conformidade com o crescimento que amoldem os seus temperamentos, as suas
do, como feito pelos anarquistas, demonstrava do Mella. Ver: MELLA, Ricardo. Primeiro de maio, dia de
das agitações operárias seguidas aos dois con- tendencias, os seus gostos e os seus costumes
o caráter eminentemente arbitrário desta e, luto e luta – A tragédia de Chicago. Tradução de Sérgio Luiz
pela fôrma de tais artigos e quais paràgrafos.
gressos seguintes. Nos anos de 1913 e 1919, M. Mesquita, Ione Moura Moreira. Rio de Janeiro: SINDS-
por extensão, de todas as leis. Os articulistas
realizaram-se, no Rio de Janeiro, o segundo e PREV/RJ; SIDSCOPE; ACHIAMÉ, 2005. _______
associavam, em suas análises da lei de expul-
terceiro congressos respectivamente, ao que o 118 FIELDEM, Samuel. A legislação. Edição especial do
são e da carestia, temas correlatos como mo- Germinal! e da Barricata. ESCRAVIDÃO moderna. Re-
movimento operário sentia recrudescer a rea-
narquia, república, socialismo, anarquismo, gulamento de trafico de escravos para o Estado de São Paulo. Quando um anarquista fala da igualdade, que
ção governamental através, simultaneamente, ideamos, entre os homens da sociedade futura,
sindicalismo, evidenciando a violência das leis. Germinal! São Paulo, p. 1, 01 maio 1913.
o larpa do borgués rebate logo, importante:
119 CARVALHO, Florentino de. Agitação do proletariado
116 ESCRAVIDÃO moderna. Regulamento de trafico de No número especial de Germinal! de-
internacional contra o desportismo deste país. Germinal! São - Oh! isso é muito bonito... não ha dúvida...
escravos para o Estado de São Paulo. Germinal!. São Paulo, dicado ao primeiro de maio, os editores es- Paulo, ano 1, n. 9, p. 1, 17 maio 1913.
ano 1, n. 9, p. 1, 17 maio 1913.
128 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 129

muito bonito... Mas é impossivel... a igualdade A lei de excepção passou a destrinchar mais detalhadamente sua
é impossivel... Não ha cousa no mundo igual a crítica mordaz, numa perspectiva ampla, à lei
outra!...Veja bem... Sem os ricos, como pode- B. , em artigo intitulado “A liberda-
121
Mentem os que dizem que vivemos sob o man-
riam os pobres viver?... Não è possivel... Sim... de”, elaborou reflexões sobre a ontologia da to protector da igualdade perante a lei. em si e, numa perspectiva mais restrita, à lei de
as suas teorias são muito bonitas... eu compren- lei, problematizando a perspectiva convencio- expulsão de estrangeiros. Finalizou seu escrito
Se a lei de expulsão fosse aplicada igualitaria-
do... A igualdade!... Ahn! ahn!... Olhe, menino:
nal definindo-a enquanto garantia da própria mente, teriam sido expulsos todos os habitan- incitando o leitor a, numa comoção social,
isso è pura metafisica!... abolir o capitalismo e o estatismo, expulsan-
liberdade e da sociabilidade humana. Em sua tes do Brasil. E era a melhor garantia de paz e
E o burguéses imbecil supõe esmagar-nos com
análise, diferenciou a existência das leis da tranquilidade em todo o país. do exploradores e governantes “da forma que
palavras tais... Ora, o burro do burgués! melhor entender”.
natureza das pretendidas leis sociais, questio- [...]
_______ Com a notícia da libertação de um
nando a necessidade destas. Das leis da natu- As sciencias jurídicas preconizam, que antes
reza, não podemos escapar. As leis sociais, por que punir o crime, á preciso evita-ló. Antes de anarquista chamado Joubert, o redator apre-
Eu comparo a “igualdade de condições” que
reprimir a perturbação da ordem é um dever
pregamos, a uma composição musical. Vede sua vez, não são fatais nem irrevogáveis. São sentou um breve depoimento pessoal do ex-
previni-la. Assim, pois, sendo a propensão na-
porque... Toda a composição musical é formada convenções sociais estabelecidas com a inten- -prisioneiro relatando os horrores das celas
tural da humanidade a rebeldia contra todas
de notas com “valores diferentes”. A harmonia policiais e as torturas a que fora submetido.
se consegue com o “apoio mútuo” entre essas
ção, manifesta ou velada, de preservar relações as leis, contra todos os privilegios e todas as
de domínio e exploração. Outro atributo da prepotências, é infalível que todos os homens Apresentou também algumas rápidas reflexões
notas deslocamento de qualquer delas produz
estão mais ou menos predispostos a perturbar
a desarmonia. São diferentes, mas de-outras... lei diz respeito ao processo de fetichização, acerca da distância astronômica da letra da lei
o sossego dos satisfeitos.
mas juntas, ajudando-se, auxiliando-se, com- tornando-se para as relações sociais uma outra com a vida cotidiana dos trabalhadores. As
binadas para um mesmo fim conseguem este Se admitimos a escola positivista italiana, com
forma de transcendência. instituições democráticas, liberais e republi-
fim, que é a harmonia. E’ bem o concêrto de Lombroso e Ferri na vanguarda, teremos que
valores desiguais, altos e baixos... E me parece O articulista comparou o que chamou confessar que todos os homens são criminosos canas, com todo o alarido racionalista, laico e
uma imagem perfeita da “harmonia social”, “superstições indígenas” com os adoradores de natos. de liberalidade, procederam à instauração do
que sonhamos: efeito da “composição” de uma terror na vida dos trabalhadores.
sociedade em que os homens, desiguais entre
leis nas chamadas sociedades modernas. Deu [...]
si, serão todavia iguais nas condições da vida: destaque à desvantagem destes para aqueles Os capitalistas e os seus ajudantes, os homens
de cada um segundo as suas forças; a cada um ao afirmar que “a divindade dos indios destroi de Estado, são os primeiros a promover estas Joubert em liberdade
segundo as suas necessidades. E’ o programa corpos, a lei destroi energias e macula as al- anomalias ou desordens.
lapidar. Finalmente, depois de quatro mezes de carcere,
mas”. Por fim, apresentou a liberdade enquan- [...]
foi o nosso camarada Joseph Joubert posto em
Imaginai, porèm, uma pela musical composta to resultado do poder criador do ser humano. Como se vê, não existe igualdade perante a lei. liberdade.
de notas iguais perante a “lei” do som... Ima- A lei de que tratamos é uma excepção, uma
ginai uma sèrie de “dós”... ou de “fàs”... ou de
A liberdade não se encontra nem na natureza, O “egrégio” Tribunal de Justiça do Estado pode
lei especial para os trabalhadores rebeldes, para
“rés”... Seria a desarmonia. E é a imagem exata nem nas providências política ou divina. O emfim respirar, satisfeito: a pena foi cumprida
os anarquistas, para os caftens, vagabundos, ou
de “desarmonia social”, que o bêsta do burgues autor assinalou a liberdade enquanto invenção e, portanto, desagravado está o “crime” de que
larapios de meia tigela e para todo aquele que
defende: efeito da “composição” de uma socie- foi vitima o inocente bacharel Otavio Moreira
humana, que, para existir num grau cada vez com motivo ou sem ele, fôr seguro pela policia.
dade de homes “iguais perante a lei”... Guimaràes.
mais profundo, depende de ações quotidianas. A lei de expulsão foi feita pelos déspotas, para
_______ Joubert foi solto no dia 11 á 1 hora da tarde.
Gráco desferiu um golpe duro contra a defenderem-se dos rebeldes e dos anarquistas;
pelos caftens, vagabundos e larapios por ataca- Estivemos com ele. Conversámos. E vamos
concepção democrática de existência da igual- transmitir aos leitores, rapidamente, o que ele
O burgués, entretanto, faz questão de não do, pará defenderem-se dos caftens, vagabundos
compreender estas cousas. Porque o burgués é
dade de todos perante a lei. A partir da proble- ou larapios a varejo.122 nos contou da sua permanencia na prisão.
sempre um sujeito que não sonha. Um sujeito matização da criação de uma lei especial para - No dia seguinte ao da minha prisão em So-
de idéas positivas. Idéas praticas... Pois tanto reprimir trabalhadores rebeldes, anarquistas, rocaba, cheguei aqui e fui recolhido aos sub-
peor... não é verdade?... tanto peor... para o cáftens, ladrões e vagabundos, procedeu a um A primeira frase de seu artigo é demoli- terraneos da Central, e incomunicavel, como
borguês! Porque um dia ele serà queimado na
desmonte na lógica de sustentação da defesa dora: “Mentem os que dizem que vivemos sob sabem. Aí estive 18 dias sem poder deitar-me.
fogueira dos códigos e das leis que pretendem o manto protector da igualdade perante a lei”. E não podia deitar-me pelo seguinte; durante
regular a vida da humanidade. Metafisicamente da lei de expulsão. os 18 dias, pela manhã e pela tarde, despejam
queimado...120 Não poderia ser mais direto. Daí em diante, agua com creolina no assoalho, humedecendo
o, impedindo-me, pois, de estender-me para
120 PEREIRA, Astrojildo. Palavras subversivas. Germinal!. 121 B. A liberdade. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 14, p. 122 GRÁCO. A lei de excepção. Germinal!. Ano 1, n. 17, dormir. Cochilava, de pé, encostado á parede.
São Paulo, ano 1, n. 10, p. 1, 24 maio 1913. 2, 22 jun. 1913. p. 1, São Paulo, 13 jul. 1913.
130 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 131

E o resultado disso não é dificil de imaginar: Joubert é o mesmo homem, como o mesmo Neste mesmo número, foi noticiada a acontecimento em relação ao café, o maior
adoeci, atacado de artritismo. Apoz essa tortura sacripanta continua sendo a insignificante pes- realização de comícios e manifestações públi- produto de exportação do Brasil.
de 18 dias, fui transferido para a Penitenciaria, soinha de Otavio Moreira Guimaràes.124
onde estive até hoje. Encerraram-me num cubi- cas em várias cidades do Brasil. Das mani- Tratou também do efeito das circulares
culo estreitissimo, em que mal cabia a cama. festações no Brasil, foram aprovadas algumas da COB e da Federação Operária de Santos,
Arcenio Belencour125 refutou a ideia de
Esse cubiculo é o peor da Penitenciaria: é o moções relativas à carestia de vida e à lei de distribuídas em cidades da Europa. Produziu
ultimo do corredor, junto a solitária, humido que os anarquistas eram os “inimigos do Bra-
expulsão. O articulista128 delineou o cotidiano rápida análise comparativa da situação do tra-
e escuro. Aí passei até hoje, sem falar, sem ler e zil”. Apresentou a lei de expulsão enquanto
tambem sem dar as duas passadas que a célula do trabalhador, destacando o valor do salário, balhador no Brasil e na Argentina, uma vez
recurso favorável à manutenção da dominação
permitia, porque essas passdas faziam barulho, a extensa jornada de trabalho, o custo dos gê- que o governo de ambos os países adotou as
de alguns segmentos da sociedade sobre ou-
segundo os motivos que me expuseram ao proi- neros de primeira necessidade, as condições chamadas leis celeradas, tentando compreen-
birem mas. E mais ainda: não queriam permi- tros, desnudando seu caráter eminentemente
de moradia, entre outros aspectos. Destacou der o porquê da campanha anti-imigração ter
tir que eu escarrasse. Tive então de recorrer ao classista.
medico, o qual, vendo-me doente, atacado da também a violência sobre os trabalhadores, sido bem-sucedida no caso brasileiro e ter sido
No editorial do terceiro e quarto nú- sobretudo com a vigência inconstitucional
garganta, fez cessar tal proibição.123 inexpressiva na Argentina.
meros de Germinal!, o redator relacionou os da lei de expulsão de estrangeiros. No quin-
temas lei de expulsão de estrangeiros e alto No primeiro número de Germinal!, os
to número do jornal, o redator129 anunciou editores lançaram apelo aos trabalhadores do
O relato de Joubert sobre as arbitra- custo dos produtos, sobretudo os de primeira novamente a realização conjunta de diversos
riedades sofridas nos cárceres corroborou as necessidade, enquanto motivo das manifesta- mundo, solicitando o imediato boicote aos
comícios em diferentes estados do Brasil. produtos brasileiros. Como forma de solida-
críticas anarquistas quanto à república e à de- ções de descontentamento por parte dos tra-
No número seis, publicado no dia dos riedade aos trabalhadores no Brasil, de ma-
mocracia enquanto nova tirania. O articulista balhadores. O redator elaborou uma série de
comícios, os editores convocaram a participa- neira a aumentar a pressão do proletariado
se referiu à minuciosa regulamentação da vida artigos com esta perspectiva126.
ção de todos, noticiando aos trabalhadores a internacional sobre o governo brasileiro, esta
social e individual como expedientes violen- Em editorial do quarto número de Ger- realização de manifestações públicas em várias iniciativa visava amplificar o alcance da cam-
tos, arbitrários e despóticos, reveladores da na- minal!, o articulista127 evidenciou o uso arbi- cidades do Brasil. Nesta nota, o redator es- panha contra a lei de expulsão brasileira. Os
tureza do governo, mesmo que definidos pelo trário da lei de expulsão pelos governantes e tampou horários e locais dos diversos eventos editores apelaram aos trabalhadores europeus
rótulo de democratas, liberais e republicanos. pela elite econômica como uma forma de pro- a se realizarem em São Paulo. Destes eventos para que não descarregassem navios com pro-
curar reprimir e disciplinar a população. Esta nos bairros, sairiam colunas de manifestantes
E aí está, singelamente reproduzido, o que nos dutos brasileiros nem os produtos de navios
ocasião serviu novamente para a crítica à lei confluindo, em hora combinada, para a reu-
contou o camarada Joubert do seu passadio nas que levassem operários deportados131.
hospedarias do governo.
em geral. O autor criticou a lei em si mesma nião de todos os trabalhadores num “comício
por projetar uma concepção de sociabilidade Notícias da repercussão na Europa da
Cabe observar agora, que essas infamias pra- monstro” no centro da cidade. campanha contra a migração de trabalhado-
ticadas com a pessoa de Joseph Joubert nem
humana estagnada, homogênea e nivelada a
Neste mesmo número, fora publicada, res europeus para o Brasil fora estampada em
ao menos são legais. Ele era um condenado partir de algum modelo universal ou de al-
além da matéria assinada por Primitivo Soa- outro artigo escrito por Florentino de Car-
ao regime celular, que tem um regulamento; gum padrão absoluto. O dinamismo societário
este regulamento permite aos presos trabalho res130, uma outra dando notícias das manifes- valho132. Em tom bastante otimista, relatou
humano é, desta forma, negado a partir da
e recreio fora da celula. Mas Joubert, para os tações em Lisboa e da campanha anti-imigra- as manifestações públicas organizadas por di-
torquemadas da policia paulista, é um homem
naturalização do comportamento social.
tória naquela cidade. Registrou o sucesso da versas associações operárias em vários países
perigoso, diferente dos outros, para o qual, por-
campanha de boicote aos produtos brasileiros europeus. Destacou a imediata resposta dada
tanto, as curtas regalias da lei nada valem.
124 JOUBERT em liberdade. Germinal!. São Paulo, ano 1, solicitada pelos trabalhadores no Brasil às as- pelos trabalhadores na Europa ao apelo dos
Aliaz, são sempre assim, os tais cães mantene- n. 20, p. 2, 17 ago. 1913.
dores das leis e executores da justiça: a lei é sociações operárias europeias. Destacou este trabalhadores no Brasil, pedindo solidariedade
125 BELENCOUR, Arcencio. Inimigos do Brazil? Germi-
muito bonita escrita no papel: na pratica a coisa à campanha de boicote a produtos brasileiros
nal!. São Paulo, ano 1, n. 4, p. 3, 06 abr. 1913. 128 NO RIO. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 3, p. 1, 30
é outra – só valem a vontade e o capricho dos
126 CARVALHO, Florentino de. Revolta popular contra a mar. 1913. 131 AO OPERARIADO internacional. UM APELO. Ger-
potentados.
carestia da vida e a lei de expulsão. Germinal!. São Paulo, ano 129 REVOLTA popular contra a carestia da vida e a lei de minal!. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 2, 10 mar. 1913.
O sacripanta bacharel Otavio é que deve estar
1, n. 3, p. 1, 30 mar. 1913. expulsão. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 5, p. 1, 13 abr. 132 CARVALHO, Florentino de. Agitação internacional
satisfeito. Mas engana se, o bacharel Otavio;
127 CARVALHO, Florentino de. Revolta popular contra a 1913. contra a lei de expulsão brasileira – A victoria de nossa causa
123 JOUBERT em liberdade. Germinal!. São Paulo, ano 1, lei de expulsão e a carestia da vida. Germinal!. São Paulo, ano 130 SOARES, Primitivo. Cartas de Lisboa. Germinal!. São é iminente. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 7, p. 1, 10 maio
n. 20, p. 2, 17 ago. 1913. 1, n. 4, p. 1, 06 abr. 1913. Paulo, ano 1, n. 6, p. 2, 20 abr. 1913. 1913.
132 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 133

como mais uma forma de pressionar os gover- no Rio de Janeiro, por não ter resultado em Alguns acham improdutiva esta luta, porque motores dessa torpeza e mormente contra os
nantes brasileiros a por termo à lei de expulsão imediata baixa nos preços e aumento do bem- ela não se traduziu em diminuição do preço inconscientes produtores que aceitaram esse
dos generos alimenticios, ou medidas protetoras presente de gregos.
de estrangeiros. -estar do proletariado local. Para ele, estava do governo.
claro que algum processo de melhora relativa Esqueceram-se os contemplados com a muni-
O autor problematizou o debate em Em penso ao contrario. Si o rezultado fosse uma ficencia governamental de que a vantagem que
torno da afirmação de uma identidade na- das condições de vida do proletariado, den- sensivel melhoria ou si o governo se mostrasse lhes advinha de um aluguel barato era mantida
cional em contraposição ao estrangeiro. Esta tro dos limites do capitalismo e do estatismo, zeloso do operariado, abaixasse as tarifas, ativas- a custa de extorsões feitas aos outros operarios
dualidade, nacional/estrangeiro, fora posta em significaria apenas o deslocamento da superex- se a fundação de cooperativas de consumo, etc., desprotejidos.
ploração de um segmento dos trabalhadores poderiamos considerar falhas ou contraprodu-
atividade em discursos nativistas na tentativa Porque, aprendamos bem isto, os parasitas, si
centes as nossas tentativas. O nosso intuito ca-
tanto de consolidar uma feição identitária às para outros. hoje vivem com cem querem amanhã mil e não
pital não é reduzirmos o preço do feijão ou do
se conformam, sob nenhum pretesto, a viverem
instituições e costumes sociais após a procla- No caso, as localidades em que os traba- assucar, é abrir os olhos aos cégos, mostrar, ao
com dez.
mação da república, como também enquanto lhadores estivessem menos organizados seriam operariado não vidente, o processo de explora-
ção que os arruina, que os escraviza e que eles [...]
mecanismo de domínio, disciplinamento e inevitavelmente os alvos da transferência dos não percebem.
liquidação de comoções sociais. Por sua vez, processos agudos de exploração. Conquistas [...]
Sempre amigo
o articulista evidenciou o fato de as leis de re- desta natureza, implicando o sacrifício de seg- A melhora que desejamos não é essa melhora J. ORTICICA [sic]133
pressão aos trabalhadores terem sido plagiadas mentos dos trabalhadores para benefício de relativa é a melhora absoluta, a melhora da pro-
de outras leis de repressão contra o proletaria- outros, consistiam em flagrante logro imposto pria organização social.
do elaboradas em outros países. ao movimento dos trabalhadores. Suas refle- E’ preciso que todos se compenetrem de uma Domingos Ribeiro Filho134, sob pseu-
xões visavam, entre outras, advertir os pró- verdade. dônimo Dierre Effe, problematizou, em dois
A campanha contra a carestia da vida
corria o risco de resvalar para um caráter me- prios trabalhadores da armadilha que eram A melhora das condições de uma classe operaria artigos, as instituições punitivas vigentes. Suas
as melhorias econômicas sem a abolição do so se opera com o prejuizo de outra classe ope-
ramente reivindicatório, passando de eventos reflexões apresentam convergências com a
raria. Si a uns operarios se concedem vantajens,
de cunho contestador e de subversão para capitalismo e do Estado. crítica atual do abolicionismo penal sobre a
a outros se arrancam essas vantagens.
simples procura por melhorias nas condições sociedade punitiva135. Questionando os fun-
Isso porque o parasita não desferra os dentes de
de trabalho e na situação econômica. Caso CARTA DO RIO um braço que sacode sem haver certeza de os damentos históricos, filosóficos e culturais da
enveredasse por este caminho, a campanha _______ ferrar noutro braço imovel. punição, o autor abordou a disposição dos
emprestaria uma perspectiva imediatista ao 4-4-913 processos de julgamento e de sentença dos
Portanto, de nada vale a melhora de condições
movimento operário. Oiticica, em carta para o do povo do Rio de Janeiro, si o povo do interior atos antissociais vazados em suas próprias
Camaradas, vai pagar as custas.
coletivo editorial de Germinal!, expressou seu justificativas. O autor partiu da situação do
entendimento acerca do assunto, desmentindo Hão de perdoar-me a falta, alias por mim pre- Suponhamos que o comerciante que recebe os processo de julgamento, estabelecendo uma
essa interpretação. Afirmando a sua disposi- vista, de remessa de artigos para Germinal! Os productos dos lavradores e, organizado em trust, perspectiva de estranhamento da situação: “Os
os impõe ao consumador do Rio por um pre-
ção em colaborar com artigos para o jornal de meus inúmeros afazeres de professorado e de homens julgados pelos homens”.
propaganda, a aspectativa de um concurso neste ço elevado, diante do nosso movimento e para
São Paulo, elaborou algumas reflexões sobre a finjir liberdade, abate um tanto por cento nos
mez de Abril impossibilitaram-me quasi de ar- 133 OITICICA, José. CARTA DO RIO. Germinal!. São
campanha contra a carestia da vida. Apresen- ranjar tempo, alguns minutos para ler jornais, preços de venda. Julgais que ele sofreu, realmen-
Paulo, ano 1, n. 5, p. 1, 13 abr. 1913.
tou a iniciativa enquanto válida não apenas alguma hora para lhes escrever. te, uma redução no lucro calculado? Engano.
134 DIERRE EFFE. Em torno do direito de vida e morte.
pela conquista efetiva de melhorias econômi- [...] Ele perde na venda para reganhar na compra O juri e os jurados. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 9, p. 2,
cas para o proletariado, mas pelo que ela signi- futura ao lavrador, porque, não estando este 17 maio 1913. DIERRE EFFE. Em torno do direito de vida
Sendo assim, falar-lhes-ei da greve de inquilinos organizado em sindicato e dependendo dos co-
ficava em termos de aprendizado de exercício que vamos, com grande esforço, levando avante. missários, pelo dinheiro adiantado, é a vitima
e morte – O juri e os jurados. Germinal!. São Paulo, ano 1,
n. 10, p. 2, 24 maio 1913.
de liberdade e prática de solidariedade entre Sabem como aqui se alastrou, por iniciativa uni- espiatoria do sugador sem escrupulo.
135 Sobre o abolicionismo penal, ver: PASSETTI, Edson;
os trabalhadores. ca e excluziva dos nossos camaradas da Federa- Logo, quem paga o regalo de uma classe de SILVA, Roberto Baptista Dias da (Org.). Conversações
Discordou ainda mais Oiticica dos que ção Operaria, a campanha contra a carestia da proletarios é outra classe de proletarios. abolicionistas: uma crítica do sistema penal e da sociedade
vida. Foi uma rude tarefa de propaganda com
entendiam ter fracassado a campanha contra a Quando o governo aqui ofereceu a operarios punitiva. São Paulo: IBCCrim, 1997. PASSETTI, Edson.
algumas prizões, muito discurso, mas rezultado Anarquismos e sociedade de controle. São Paulo: Cortez,
carestia da vida organizada pelos trabalhadores moral ínapreciavel. as celebres vilas, eu me indignei contra os pro-
2003. Consultar também o site: www.nu-sol.org.
134 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 135

Apontou o autor, para o liberalismo in- tuições é, em última anàlise, negativo, porque, busca-lo fóra da humanidade? Poderá haver Doutrina: - “O direito Romano”.
glês, os “estatutos políticos da Revolução Fran- se alarga os limites das conquistas sociais, se quem reúna em si poderes sobre umanos capa-
Espanta-me saber em como a sociedade bur-
eleva cada vez mais longe as muralhas da China, zes de preparar uma justiça ideal?
cesa” e o Direito Romano enquanto, respecti- fa-las cada vez mais altas, mais dificeis de acesso
guesa ainda lhe adiciona o espirito canónico e
Mas uma justiça fòra da terra e fóra do homem as sombras teologicas e metafisicas, sem achar
vamente, origem, fundamento e doutrina, para e de demolição. não seria justiça, não seria mesmo nem outra nada mais perfeito socialmente, como contra-
o estabelecimento do júri. Estes são, nas pala- [...] cousa análoga que pudessemos definir e com- dição e como absurdo.
vras do autor, os “tres fundamentos extempo- preender.
Antes de tudo, devo chamar a atenção para esse Mas a organização pratica do juri no nosso país
raneos, contraditórios e inarmònicos” do júri. caso de incompetencia moral: “os homens julga- Estretanto, a impossibilidade de fazer uma jus- é assombrosamente ridicula, além do que lhe
As pretensões à universalidade dos códigos e dos pelos homens” – questão muito vasta, que tiça singular atenúa-se, fazendo a plural. Não compete como imensamente odiosa.
das leis foram apresentadas enquanto absurdos ficarà para os que amam as retaliações, e que mais um só juiz, muitos juizes. Havia o caso da
humanidade ou o caso da divergencia. Um juiz de direito que não julga do facto.
procurarei resumir.
por desconsiderarem, por exemplo, os acon-
Unánimes que fossem em condenar-me, far- Sete juizes de facto que não julgam do direito;
tecimentos mais amplos de caráter social em Eu cometo um crime, isto é, eu violo uma con-
venção ou eu trago prejuizo e dano a alguem me-iam uma violencia, um acto de força tanto Um acusado cheio de direito e de factos;
que tais atos se configuram. Desconsideravam mais inaceitavel quando mais irresponsavel.
ou a moitos.
também a opinião dos diretamente enredados Um acusador que nada tem absolutamente com
Unánimes em me absolver, violariam a con-
Quem me julgará? eu mesmo? Si eu proprio, me o direito nem com o facto;
nas dinâmicas do evento. O direito, numa so- venção em nome da qual me julgaram; caso
absolvo, isto é: conclúo que só não fiz nenhum
ciedade baseada em interesses conflitantes, não ligeiramente pessoal em que se supõe que cada Um defensor que sistematicamente falsifica os
crime, como até fiz um beneficio a mim mesmo.
um dos juizes, colocado na minha situação an- factos e os direitos.
escapa às injunções da conjuntura envolvente, Julgar-me ha um outro homem? Por que? E’ ele terior, seria delinquente. E isso é inaceitavel pela E’ um apelo solene, abertamente estupido, glo-
findando por ser um instrumento favorável à o prejudicado? Mas ai desaparece o sentimento parcialidade em que incide. riosamente irresponsavel.
manutenção das causas dos atos antissociais. da justiça para surgir o interesse. Se ele não é Dá-se, porém, o caso de divergencia ou possi-
o prejudicado, é um estranho ao facto e não E, nem pela irresponsabilidade pessoal de toda
Na sequência dessas ponderações, evi- bilidade de divergencia; o recurso é a eleição
essa gente, se supõe que o crime paire na sere-
pode julgar, por isso que o faria por dois prin- de um juiz dos juizes, e este estaria na situação
denciou não ter a concepção de justiça nada cipios: ou substituindo-se a mim (inocência) na região dos principios; não: é crassa, vulgar,
singular e pessoal que estudei a principio – par-
a ver com o direito. Antes pelo contrário, é ou substituindo-se á victima, e seria o caso de cialidade, interesse.
despresivelmente ignára.136
oposta, pois o direito finda legitimando a re- transformar a parte em juiz (absurdo).
Como se vê, a justiça é mais dificil do que se
vanche e a vingança, muito comum nos esta- Ainda o caso de outrem julgar do meu delito, pensa, se não é absurda ou impossivel.
não mais em virtude de uma justiça pessoal, No número seguinte, o autor conclui
belecimentos do chamado “tribunal popular”. O juri é uma instituição do liberalismo social
mas por força da convenção que eu violei. A suas reflexões.
Por sua vez, o “linchamento” encontra nos convenção é ainda um caso remoto da par- que não discute essa cousa. Resiste ele a uma
processos e legislação normalizadora uma for- cialidade; foi feita por mim e pelo meu juiz, análise menos filosofica e mais social e mais
pratica? Em torno do direito de vida e morte
ma mascarada de ser exercido. limitou ou ampliou o nosso interesse, acatou
ou violou a esfera da nossa atividade social e A sua origem historica é mais antiga que o mais __________
humana. Violando a convenção, fi-lo pelo meu antigo dos codigos politicos que o sancionaram.
Em torno do direito de vida e morte. O júri e os jurados
poder, pela minha liberbade, a mesma liberdade
O júri e os jurados. invocada para sancional-a. Esses códigos, pesando sobre a consciencia hu-
mana, estão fundados socialmente sobre prin- Ínsito ainda sobre o gravìssimo caso de suspei-
O espirito das leis modernas se traduz em fór- Se em aceitar a conveção, abdiquei da minha cipios evolutivos que não comportam mais
liberdade, estabeleci a violencia, e sob a pressão ção: “os homens julgados pelos homens”. Si
mulas de acomodações das quais o caracter paradas em nenhum destino da moral ou dos este caso repugna ás inteligencias livres tomado
provisorio, além de dificultar a necessidade da da violencia o meu delito obedeceu à legima costumes humanos. Fundados sobre conquistas
defeza. como tema de méra especulação, os sentimen-
evolução, implica sempre num retrocesso ina- recentes (abstraio o nùmero de anos) eles consa- tos bem formados não o aceitariam incondi-
ceitável sob qualquer ponto de vista em que se O meu julgador está em caso absolutamente gram em certos pontos as velhas, as velhissimas cionalmente, e daì o caso da eterna revolta do
considere. identico ao meu, e, se invoca a violencia da con- concepções romanas sobre justiça e direito, e as justiçado contra o justiçador.
venção para me sentenciar, exerce uma dupla aplicam á instituição do juri.
O nosso liberalismo è paleontologico, ou, pelo [...]
violencia. Mais ainda; apoiado na convenção, Temos assim para o juri tres fundamentos ex-
menos, a sua tendencia é para a fossilização.
o juiz faz apelo ao seu interesse ou á sua escra- temporaneos, contraditórios e inarmònicos. O juri é uma má, uma detestavel instituição;
Quasi que não mais se o compreende; quasi
vidão; interessado em manter a convenção, não mas os juizes podem ser bons, humanos e tole-
que é um contrassenso, se não se traduz mais Orgem: - “O liberalismos inglés”.
saberá ser justo; escravizado a ela, não poderá
claramente por absurdo. 136 DIERRE EFFE. Em torno do direito de vida e morte.
fazer justiça. Fundamento: - “Estatutos politicos da Revo-
O espirito liberal dos homens e das suas insti- O juri e os jurados. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 9, p. 2,
Quem me fará estão justiça? Será necessario lução Francesa”.
17 maio 1913.
136 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 137

rantes ou rétos. E’ uma hipotese simplesmente de consciencia, e tanto esta como aquela, tanto E ainda é preciso não esquecer de que o fun- em outras análises propostas por outros anar-
possibilista. Quais os elementos de sua proba- o geral como o particular só se podém despertar cionario público, no melhor sentido em que se quistas, os resultados das ações do governo
bilidade, porèm? Em tese, todos os homens são com o testemunho fisiológico dos nossos sen- o encara, é o proprio poder público, é o mem-
bons, como são máus. tidos. E depois porque é preciso admitir uma bro desse deus búdico e impossivel que é O sobre os trabalhadores eram os mesmos, não
consciencia uniforme e universal que pelo sim- Governo. importava a forma das instituições governa-
Os jurados estariam encerrados estreitamente
dentro dessas duas teses. A sociedade sabe disso
ples enunciado, é manifestamente impossivel.
A concluir: mentais: dominação e exploração. Monarquia
e a lei se fez em torno dessa concepção alter- Ora, a lei reconheceu isso, e para não a confes- ou república não traduz mudanças significa-
O jurado não é o juiz do facto; e, como não o
nante quando, alargando o círculo de ferro das sar, iludiu a dificuldade. Começou a escolha,
è, não pode julgar. tivas relativas à intervenção governamental
leis criminais, delegou para uma justiça prática correr todas as classes sociais, investigou todos sobre os diversos segmentos sociais.
a alçada de uma justiça teorica, quando tirou os recantos das consciencias, mirou todos os O jurado não é o juiz imparcial; não é indepen-
de codigos arbitrariamente divinos a força para niveis da inteligencia e da moralídade humanas. dente; não tem consciencia, não tem moralida- Florentino de Carvalho141 demonstrou,
delega-la ás consciencias humanas. de; falta-lhe a sciencia, falta-lhe o carácter; não no editorial do número doze de Germinal!, o
Onde achar o jurado? Quem se prestará a sus-
póde, pois, julgar.
A lei não fez mais do que irresponsabilizar o tentar a mentira do liberalismo e da infalibili- caráter violento da recém-fundada república
linchamento. dade canonica das leis? Os pobres? Mas estes Quando os jurados reunissem as condições do brasileira. Os trabalhadores eram aqui tratados
pelo seu estado de miséria social só poderiam justo, eles seriam os linchadores perfeitos e exe-
O jurado e o juiz do facto, é o tribunal popu- como cidadãos de categoria menor, sofrendo
julgar com parcialidade, paixão e espirito de cutariam legalmente e liberalmente a vindicta
lar, é a justiça da praça pública. O que tem o intensamente as consequências das desigual-
revolta e vingança. social assim chamada por Pedro Kropotkine a
linchamento de logico em face do fundamento
justiça. E é o que eles fazem; juizes parciais, dades sociais e econômicas. À questão social,
liberal do juri, tem este de ilogico em frente do Os ricos? Mas a esses não escapam as questões
membros do Governo que pune.138 apresentada pelos protestos do nascente movi-
elevado espirito de justiça. O juiz de facto devia de humanidade e justiça, como a lei encara,
julgar o crime sur le champ; mas como isso daria como privilegiados e individuos que a fortuna mento operário no Brasil, o tratamento dado
a o linchamento um carácter de ferocidade que colocou entre os deuses e os homens. pelas autoridades brasileiras era a repressão e
todas as leis monopolizaram mas que negam As críticas às instituições governamen-
Os ignorantes? os sabios? os menores? os adulto-
tais foram matérias abordadas em diversos a força policial.
em virtude do ideal moralístico, a mesma lei se
sas mulheres? Nada disso. Dous criterios então
deslocou no espaço e no tempo e deferiu para artigos. Orlando Corrêa Lopes139 tratou da Num outro artigo, o redator transcre-
escolheu a lei: a capacidade provavel e o ser-
um acto solene a vindicta infalivel. veu um momento de uma sessão na Câmara
vilismo recompensado. Ou aquele que dispõe falência dos principais órgãos democráticos
Os juizes de facto exercerão sem responsabili- de um tanto de rendas, ou aquele que está na de controle e administração social. Em sua Federal com o intuito de tornar evidente o ab-
dade pessoal e sem outro fundamento que não domesticidade do poder. Contribuintes do fisco surdo das instituições governamentais. O as-
perspectiva, as mais destacadas instituições da
a consciencia e a paixão, a vingança contra o e parasitas do fisco, eis a gente ideal, imparcial,
sociedade resultavam em oneração, sobrecar- pecto de divindade emprestado aos integrantes
delicto de que foram testemunhas. Esta é que virtuosa, que tem a verdadeira posição média
é a moral da lei que organizou os tribunais po- no eterno desequilíbrio social. ga, exploração e domínio enquanto dinamis- das instituições do Estado escondia, no seu
pulares. Mas é preciso saber si se mantém ao mo societário posto em atividade. Propôs a entendimento, as arbitrariedades e explora-
Por uma consequencia absolutamente inevita-
menos no terreno fluctuante da honestidade o ções efetivadas na rotina de administração da
vel, os jurados do nosso juri são quasi exclusiva- revolução social no lugar das habituais revo-
criterio organizador dos juizes de facto.
mente escolhidos entre os empregados pùblicos, luções políticas como forma de solucionar os vida social pelos governos. No encerramento
Serão mesmo os jurados os juizes de facto que isto é, na classe dos eunucos, dos palafreneiros, do artigo, relacionou a carestia da vida com
problemas sociais.
vão julgar? dos domésticos do poder. Ora, ao funciona-
Francisco Viotti140 destacou, em sua a existência da dispendiosa máquina gover-
rio público falta absolutamente a condição de
Se fossem, o linchamento é que seria o direito namental.
inteligencia, cultura e liberdade que supõe ne- crítica às instituições democráticas, o efeito
do vencedor, e si não são, ainda o linchamento
cessaria a quem se arroga ou a quem se delega
estaria apenas odiado, modificado pelo libera- produzido pela violência governamental sobre
a função do justo e do justiceiro.
lismo moderno, mas nunca revogado. a população trabalhadora: o roubo garantido PSICOLOGIA da democracia brasileira
Demais, lógicamente estão eles afastados da luta
De facto, porém, os jurados não o são; foi um pela brutalidade estatal. Neste escrito, como
pela vida, que é o fundamento animal de todos
estratagema legal, uma mascarada da lei de Máta-se, expulsa-se ou prende-se e anatematiza-
os actos que a lei qualifica arbitrariamente de 138 DIERRE EFFE. Em torno do direito de vida e morte -se aos que criticam ou combatem as autorida-
Loyola, a lei mais socialmente lógica que eu
delitos; porque são seqúestrados pela autori- – O juri e os jurados. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 10, p. des, notadamente aos legisladores, afirmando-se
conheço.
dade parasitaria da actividade humana e ficam 2, 24 maio 1913. categoricamente que os parlamentos, os deputa-
O jurado passou a ser, não o individuo que submissos a essa mesma autoridade - - - -137 139 LOPES, Orlando Corrêa. O desmoronamento das insti- dos e os senadores são entes sagrados, sinceros,
testemunhou o delito, mas o que não o presen- assalariando-os, impõe-lhes a sua moral, as suas tuições sociais. Edição especial do Germinal! e da Barricata.
ciou, isto é, aquele que tem a mesma conscien- tradições e os seus processos. São Paulo, p. 3, 01 maio 1913.
cia da testemunha mas não tem a sua paixão.
140 VIOTTI, Francisco de Magalhães. A Cleptocracia Brasi- 141 CARVALHO, Florentino de. A República do Chanfalho.
E’ irrisorio. Primeiro porque a paixão è um caso 137 Palavra ilegível. leira. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 11, p. 2, 31 maio 1913. Germinal! São Paulo, ano 1, n. 12, p. 1, 08 jul. 1913.
138 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 139

honrados, honoraveis, sabios imaculados, que O sr. Mauricio de Lacerda – ... e o sr. Pinheiro, arem no proposito de o apartear insistentemen- delineado enquanto modo de vida em que
manteem a ordem e fazem a felicidade da patria. pelo bombardeio de Manaus. (apartes). te, fazendo a algazarra que se notava há pouco, se cultiva a possibilidade de uns viverem à
deixará de proseguir o seu discurso, pois não
Sem os governantes, que com o exemplo, com O sr. Mauricio de Lacerda – O bombardeio de custa do trabalho e do esforço de outros. A
desejava ver a sua saúde comprometida.
a inteligencia, com um verdadeiro mar de vir- Manaus foi até pago pelos cofres do Estado do
mendicidade fora o destino de uma pessoa
tudes liberais, civicas e democráticas, e os seus Amazonas. O sr Fonseca Hermes – Deste modo, é melhor
extremecimentos de amor pelo povo, pela patria falar no cemiterio. (Protestos). oriunda dos estratos populares da sociedade
Os srs. Aurelio Amorim e Antonio Nogueira
e pela republica... ou outro qualquer regime
– (Gritando) – Protestamos, o sr. Pinheiro Ma- O sr. Muniz Sodré – E’ o leader do governo
que enveredou nas fileiras do militarismo.
estadoal, tudo se precipitaria para a dissolução, Evidenciou, com a narrativa desta situação,
chado não póde ser accusado de haver praticado que manda um deputado falar no cemiterio?”
para a violencia e para a ruina; todas as paixões
e instintos perversos da humanidade se descan-
tal acto.
Com este documento certamente não será o sentimento autodepreciativo e derrotista
deariam numa desordem caotica de crimes e O sr. Mauricio de Lacerda – (Secundado pelo preciso muito trabalho para descobrirmos os afligindo um ex-soldado. O pano de fundo
de violencias. sr. Mario de Paula) – O sr. Pinheiro Macha- verdadeiros perturbadores e criminosos, que crítico, ou referencial anunciado em toda a
do é responsável pelo bombardeio de Manaus. manteem o terror entre a população, e os la-
Vejamos de perto estes homens divinos.
(Sôam os timpanos, o tumulto augmenta). drões que arruinam o pais.
cena, são as ideias anarquistas negando a hie-
Numa das ultimas sessões da Camara Federal rarquia e a exploração.
O sr. presidente – Peço silencio, assim não é Não é preciso um microscopio.
fazem-se mutuamente a psicologia, uns dos João Crispim145 apresentou uma análise
possivel o orador proseguir nas suas conside-
outros, e dos governos e partidos que repre- E cada um deles, para estar no poder a fazer das
sentam a Republica, sem excluírem o proprio
rações.
suas, custa ao povo mais de cem mil réis por dia particular acerca da preparação, da propagação
presidente. O sr. Joaquim Osorio – O sr. Rivadavia Cor- produzindo... a carestia da vida.142 e do envolvimento das nações na conflagração
rêa só é accusado pela coligação, porque não é da Primeira Guerra Mundial. A perspectiva
Atenção:
instrumento desta.
O redator transcreveu um artigo de um apresentada por técnicos e pelos governos
“O sr. Mauricio de Lacerda – Quizeram fazer
O sr. Nicanor do Nascimento – Na Baía, com jornal da imprensa comercial cujo assunto di- afirmando ser aquele fenômeno guerreiro sem
até o presidente da Republica chefe de partido!
a subida do sr. Seabra ao poder, até a imprensa
(Protestos).
foi demitida.
zia respeito a abusos e violências sexuais contra maiores desdobramentos na vida social das
O sr. Fonseca Hermes. – Fizeram os governa- mulheres. Soldados de um quartel embosca- nações, portanto transitório e perto de seu
O sr. Mauricio de Lacerda – ... Mas, não foi
dores dos Estados, chefes de partidos tambem.
comprada, como está sendo aqui, na Capital ram um grupo de mulheres que se dirigia ao fim, fora severamente criticada pelo articulis-
O Orador. – E’ perigosa e odiosa a derrubada Federal. Posso até citar, o preço por que são local de trabalho de seus maridos, como fazia ta. A seu ver, a guerra respondia a interesses
que está fazendo o presidente da Republica. comprados os jornais. Precisamos ter a coragem todo dia, levando o almoço em marmitas. O específicos das camadas dominantes da socie-
para ver estas cousas.
O sr. Mario de Paula. – O sr. Rivadavia Corrêa redator acrescentou, como comentário ao ar- dade, acontecendo, por isso mesmo, evidente
é um galopim eleitoral. O sr. Nicanor do Nascimento. E’ bom nomear. tigo do jornal burguês, ser este o resultado prejuízo dos trabalhadores.
O sr. Fonseca Hermes. – Só tem sido demi- O sr. Mauricio de Lacerda – Pois não. A “Noti- próprio do militarismo, afirmando existir na Quer pelo fato do direcionamento das
tidos os funcionarios que não contam com a cia”, a “Gazeta de Noticia” !! (sensação). vida de caserna uma cultura da violência a se
confiança do governo. Não se pode confiar em riquezas sociais para alimentar a guerra em si,
adversarios.
O orador continua o seu discurso condenando espraiar em todas as direções. Além do mais, quer para sustentar segmentos sociais diversos
a acção do presidente, que pretende escolher o o articulista relacionou a violência militar ao
O sr. Mauricio de Lacerda – Os funcionarios seu sucessor. como magistrados e o clero, quer obstando os
dos Telégrafos são de confiança do governo, patriotismo e ao gosto pelas armas, alertando a trabalhadores ao acesso livre dos meios de pro-
O sr. Joaquim Osorio – E’ este o principio da
porque, por meio deles, se pode saber da cor-
Coligação. Porque tres dos seus leaders foram
todos que as próprias escolas oficiais, públicas dução e consumo, a situação social estabelecida
respondencia trocada com os adversarios. (Tro- ou particulares, também foram afetadas por
cam-se apartes, sôam os timpanos. Tumulto).
se entender com o sr. presidente da Republica conspirava contra os proletários. Sobre estes,
sobre a escolha do seu sucessor? essa cultura chauvinista e belicosa143. os tributos necessários para a guerra recaíam.
O sr. presidente – Atenção! atenção!
O sr. Arlindo Leonel – ...refere-se ao leader do Santos Barbosa144 teceu críticas ao mi- Tributos estes oriundos tanto das privações, da
O sr. Joaquim Osório – A Coligação não se governo. litarismo a partir da apresentação de um tex- não satisfação das necessidades básicas, como
revoltou contra o bombardeio da Baía, logo,
O sr. Fonseca Hermes – leader do governo, não; to dialogado. Neste escrito, o militarismo é de seu sangue e vida enquanto soldados.
não tem direito de falar contra a demissão de
leader da maioria.
empregados públicos. (Continuam os gritos, 142 PSICOLOGIA da democracia brasileira. Germinal! São Em sua leitura dos acontecimentos,
sôam os timpanos). (Protestos dos coligados e apoiados dos pinhei-
ristas).
Paulo, ano 1, n. 18, p. 1, 20 jul. 1913. percebia desenhados, ao contrário do enfoque
O sr. Joaquim Osorio – O sr. Seabra é respon- 143 GLORIAS do militarismo. Germinal! São Paulo, ano 1, convencional, o prolongamento e o aprofun-
savel pelo bombardeio da Baía. O orador declara-se cançado e pede ao presiden- n. 6, p. 2, 20 abr. 1913.
te permissão para descançar por dois minutos.
144 BARBOSA, Santos. O EX-SOLDADO. Germinal! São 145 CRISPIM, João. DO MOMENTO. Germinal!. São
Senta-se dizendo que se os seus colegas continu-
Paulo, ano 1, n. 7, p. 2, 10 maio 1913. Paulo, ano 1, n. 19, p. 1, 03 ago. 1913.
140 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 141

damento não só da guerra em si como tam- coloquial, racionalista e raivosa, evidenciou o propaganda entre o operariado do Rio de Janei- da propaganda anticlerical, da propaganda an-
bém de outros fatores geradores da crise eco- recente interesse da igreja pelos trabalhadores ro”. E’ o tema de um relatorio lido na sessão da tirelijioza.150
“União” em I de novembro ultimo. Segue-se o
nômica. Tanto é assim que denominou aquele como uma tentativa de obstar o crescimen- artigo: “Sindicalismo catolico”, traduzido de I.
período histórico, em certo momento de seu to vertiginoso deste movimento, ao mesmo Garriguet (L’Evolution actuelle du Socialisme No sétimo número do jornal, João Cris-
escrito, como sendo do estabelecimento no tempo em que percebia, com preocupação, en France). Não é revelador? Bem me disia o
pim escreveu um artigo refletindo sobre o
151

mundo de uma “nova inquisição militarista”. a perda crescente de fiéis. Esta perda estava Tristão:
livre pensamento. O articulista evidenciou a
No editorial do segundo número de diretamente associada ao surgimento e à difu- - Ha, de facto, um perigo clerical...
dificuldade das pessoas em se livrarem dos
Germinal!, o redator abordou notícias vei- são das associações proletárias nos segmentos ___ prejuízos religiosos. Mesmo sábios e cientis-
culadas na imprensa comercial em torno de populares. tas, advertiu, se encontravam enredados nas
A decadencia na Igreja não é cousa que se
violências sexuais cometidas por sacerdotes ca- Percebeu assim a investida eclesial so- discuta mais. O poderio politico do Vaticano malhas do que denominou “peste religiosa”.
tólicos do Colégio Sagrado Coração de Jesus. bre o movimento operário como possuindo está hoje muito limitado. Já não é mais aquela Esta designação faz referência a um escrito
Solargeo Livre146, por sua vez, referiu-se aos ressonâncias em integrantes do movimento força incontrastável dos tempos idos... E essa homônimo de Jonh Most152 muito divulga-
posicionamentos timoratos dos jornais bur- social. Neste momento do seu escrito, aludiu, decadencia se acentua de dia para dia... Ora,
precisamente por isso, a Igreja congrega as ul-
do naquele período entre os trabalhadores em
gueses que anunciaram o estupro da criança com sua maneira irada característica, a quem, timas energias, que lhe restam, e tenta, num geral e entre livre pensadores em particular.
e foram, em seguida, evoluindo suas matérias dentro do movimento operário, afirmasse ter esforço extremo, recuperar a situação perdida. Um aspecto a ser destacado no escrito
de modo a negarem suas colocações iniciais. A sido Jesus Cristo um socialista e mesmo um Sem duvida, é um esforço inutil. A sua quéda,
de Crispim diz respeito à análise apresentada
finalidade do articulista era ressaltar as causas anarquista149. como a de todas as outras igrejas e relijiões, é
fatal. Porque a base de todas elas, a divindade, do período denominado “modernidade”. O
das violências sobre as crianças, como também foi já ferida de morte. E’ uma questão de tem- autor evidenciou ser este período considerado,
a cumplicidade dos pais com acontecimentos A Igreja e a questão social po... E aqui é que está o perigo. Perigo real. por cientistas e filósofos, como o do predomí-
deste tipo. Examinemo-lo rapidamente.
...... o amigo Tristão me respondeu: nio da razão em detrimento da revelação. Esta
A propósito deste editorial, João Cris- Para a Igreja, todos os meios de acção são bons. concepção implicaria a ruptura com o medie-
- Ha, de facto, um perigo clerical. A Igreja tra- Escrupulo e coerencia, para ela, são palavras va-
pim escreveu no quarto número de Ger-
147
balha activamente por intrometer-se no mo- vo, período em que a igreja ocupava o centro
sias. Serve-se de tudo. Mesmo a custo de transi-
minal! um depoimento confessional, sem ne- vimento operario. A Igreja pretende resolver gencias de momento... Assim, diante da questão de gravidade do dinamismo da vida social. Se-
nhum trocadilho, corroborando as denúncias a questão social... Ah! aqui tambem! Talvez social. A questão social é inevitavel. Empolga gundo esta perspectiva, o fim da Idade Média
principalmente aqui... Leste os extractos dos todos os espiritos. A Igreja, naturalmente, sai
contras os clérigos. Neste relato, registrou suas estatutos da “União Operaria de Petropolis”, significou senão o fim definitivo do domínio
tambem a campo, pretendendo resolvel-a. E
impressões acerca das atitudes dos sacerdotes por mim plubicados na “Voz do Trabalhador? teológico, pelo menos uma crescente perda de
nisto, o Vaticano sofre ainda a concorrencia
católicos do Colégio do Sagrado Coração de Pois bem. Lê agora esta revista. das outras seitas. O protestantismo, o espiri- campo. Tal processo de fenecimento da religião
Jesus a partir de suas lembranças dos tempos Esta a “Revista Social”, vol. V, ano V. Publica- tismo, o ocultismo, etc., cada qual supõe ter a apontaria, acreditavam tais pensadores, para
em que fora aluno, quando criança, nesta -se no Rio. Diz-se “orgão da mocidade” e é de chave do problema. Ha o socialismo catolico. a liquidação definitiva da igreja e da religião.
“acção social”. Editora: a “União Catolica Bra- Ha o socialismo protestante. Ha o socialismo
instituição. Desta leitura, não compartilhava João Cris-
sileira”. E’ uma revista de belo aspécto, com espirita... Ha até, entre nós, alguns tolos que
Em relação à igreja, Astrojildo Pereira148 24 pajinas de exelente papel. Folheio-a... Re- chamam o hipotetico Jesus de socialista, de pim. A hierarquia, o princípio de autoridade e
enviou do Rio de Janeiro um artigo comen- parai nestes titulos: “O Socialismo – A solução anarquista... Ora, bem. Nós sabemos a gran- a consequente relação mando-obediência pro-
tando o recente interesse desta instituição pela catolica da questão social – Meios praticos de de porcentagem de ignorancia que existe no
150 PEREIRA, Astrojildo. A Igreja e a questão social. Ger-
povo, na massa trabalhadora. Sabemos mais,
questão social, em particular no âmbito da 149 Dois livros escritos por militantes operários levantam que aqui na America do Sul, essa porcentagem
minal!. São Paulo, ano 1, n. 4, p. 2, 06 abr. 1913.
ação do movimento operário. Com sua escrita a tese do anarquismo de Jesus Cristo. Everardo Dias, um atinje proporções esmagadoras. No Brasil, mais 151 CRISPIM, João. O livre pensamento. Germinal!. Ano
pouco antes de compor o núcleo fundador do Partido Co- de noventa por cento da população é compos- 1, n. 7, p. 2, São Paulo, 10 maio 1913.
146 LIVRE, Solargeo. Mais um escandalo clerical. Germinal!.
munista Brasileiro, elaborou e desenvolveu a assertiva de ter ta de analfabetos. (Digo analfabeto no sentido 152 O livro de Jonh Most foi beneficiado com três edições
São Paulo, ano 1, n. 2, p. 1, 23 mar. 1913.
sido Jesus um anarquista. Ver: DIAS, Everardo. Jesus Cristo rigoroso. Saber só o a b c e as quatro operações portuguesas nos anos de 1895, 1904 e 1923. No Brasil, este
147 CRISPIM, João. Episodios do Sagrado Coração de Jesus era anarquista. São Paulo: A Plebe, 1920. O professor Aníbal não é deixar de ser analfabeto...) E sabemos livro foi publicado no ano de 1907. No entanto, como os
– Recordações de outrora. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 4, Vaz Melo foi um pouco mais além, afirmando ter sido Jesus o tambem que é justamente no meio dessa massa contatos entre os trabalhadores de Portugal e do Brasil eram
p. 2, 06 abr. 1913. maior anarquista. Este seu livro teve duas edições, a primeira enorme de ignorantes que o clero exerce maior bastante intensos, muito provavelmente as edições portuguesas
148 PEREIRA, Astrojildo. A Igreja e a questão social. Ger- em 1950 e a segunda em 1956. Ver: MELO, Aníbal Vaz. influencia. Daí, uma conclusão: a necessidade circularam entre os trabalhadores no Brasil. Ver: MOST, Jonh.
minal!. São Paulo, ano 1, n. 4, p. 2, 06 abr. 1913. Cristo, o maior dos anarquistas. São Paulo: [s.n.], 1950. A peste religiosa. São Paulo: Grupo Libertário Germinal, 1907.
142 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 143

vêm da religião. Há que se considerar também ção; nos lustros contemporaneos em que cultiva Fábio Luz154, em seu opúsculo A inter- ral, essas correntes espiritualistas procuravam
o fato dele circunscrever a noção de religião o civismo e a moral do Estado, brilha pela sua nacional negra, teceu reflexões nesta mesma estabelecer uma harmonia entre trabalhadores
barbarie.
estritamente à experiência histórica do cristia- linha de raciocínio. Em suas ponderações, a e o patronato, algo que lhe parecia totalmente
nismo com todas as suas variações. igreja católica se voltou à questão social ren- inócuo. Na conclusão do escrito, José Martins
Logo no início de suas análises, Crispim NA CIRENAICA dida pelos protestos e pela organização dos procurou refletir acerca do princípio de auto-
evidenciou o fato do dinamismo social vigen- trabalhadores. Visando opor-se às tendências ridade. Dentro de uma preocupação comum
O canhão papalino não cessou de anunciar a ci-
te ser contagiado por postulados religiosos. vilização cristã nos áridos campos da Cirenaica. revolucionárias do movimento operário, a a muitos estudiosos do período, buscou traçar
As dimensões jurídica, familiar, econômica igreja inicia uma abordagem da questão social uma trajetória desse princípio partindo de sua
Os exercitos italianos continuam a avançar ex-
e outras mais são atravessadas por relações terminando os habitantes do pais. visando manter domínio. Fábio Luz sustentou suposta origem histórica, ulteriores desdobra-
de mando-obediência, cuja matriz é a con- que a religiosidade deveria ser livre. Contu- mentos e, por fim, seu natural fenecimento.
As ultimas noticias dizem que uma coluna ita-
cepção religiosa da existência, estabelecendo liana travou combate com um grupo de bedui- do, o objetivo da igreja católica é restabelecer
nos, o qual durou tres horas. um império mundial tendo na figura do papa A Qúestão Social e o Anarquismo*
alguma divindade enquanto centralidade na
existência e, como desdobramento, na vida Houve grande numero de mortos e feridos, de um novo imperador. Com este objetivo, ela se II
social. A percepção profundamente crítica da ambos os lados. transmuta em diversas formas de acordo com (CONCLUSÃO)
modernidade, enquanto período histórico em Outra coluna atacou “El Gaffe” bombardeando a situação para alcançar suas finalidades. É as-
SUMARIO: Historia do principio de autoridade:
continuidade com as práticas de conquistas o campo beduino. sim que compôs com os poderes governamen- sua origem, desenvolvimento histórico, decadencia
dos tempos dos impérios, perpetrando carni- Tudo se explica, menos a participação da mo- tais e, ao mesmo tempo, procurou intervir e desaparecimento final, – Algumas objeções ao
ficinas e conflagrações bélicas entre as nações, cidade italiana nessa empresa de morte, de de- no movimento dos trabalhadores, procurando Anarquismo. – Refutação.
solação e exterminio, onde os proletarios vão disseminar postulados de resignação, obedi- ______________
foi comum a diversos anarquistas. O redator sacrificar a sua vida ou saude, representando o
referiu-se aos países europeus, ícones da socie- papel de assassinos, para beneficiar os financei-
ência e esperança. E’ lei universalmente e geralmente hoje admi-
dade moderna, como “açougues modernos”. ros da peninsula. Dentro da temática crítica da religião, tida por todos os que se entregam a estudos
sérios, como sejam biologia, fisiologia, psicolo-
José Martins155 escreveu rebatendo a ideia pro-
gia e demais acabadas em “gia”, que as mesmas
AÇOUGUES MODERNOS EM MARROCOS pagada por alguns religiosos que resumia a causas produzem sempre idénticos efeitos. Ora,
questão social a uma questão religiosa. Neste partindo desse principio, claro está que desde o
NOS BALCANS momento em que se elimine uma causa, não ha
seu escrito, assinalou a proveniência religiosa
As legiões francesa e espenhola em Marrocos a menor duvida de que o efeito desaparecerá.
A guerra entre a Grecia , a Servia e a Rumania das soluções apresentadas por governantes,
tambem não perdem tempo. Os capitalistas
contra a Bulgária, foi iniciada com tanta ou como de pretendentes à governança. Abarcou, Apliquemos esse axioma ao têma que vimos
como Montero Rios, Romanones e outros, que
mais violencia do que a dos aliados contra a desenvolvendo.
são a honra e gloria nacional, vêem aumenta- nesta sua crítica à religião, as mais diversas
Turquia. dos os seus capitais e possessões, ao passo que Desde a formação das primeiras sociedades
correntes doutrinárias e espiritualistas: maço-
Apenas romperam as hostilidades e já se con- as familias dos soldados andam errantes e com humanas, vemos que a Humanidade vem so-
naria, espiritismo, budismo, confucionismo,
tam mais de 30.0000 homens mortos e 50.000 faces cadavéricas, pedindo de porta em porta frendo de uma dupla tirania politico-religiosa;
feridos. um pedaço de pão. catolicismo, protestantismo. mas como não tem consciencia das verdadeiras
Em seu modo de ver, nenhuma dessas causas que lhe produzem o sofrimento, e cren-
Varias cidades teem sido saqueadas e devoradas Uns morrem na guerra de pilhagem e outros,
do, por outro lado, que a culpa é dos homens
pelo incendio. desamparados, morrem por falta dos seus uni- expressões espiritualistas tocou no tema da de-
e não das instituições, ela derruba imperios,
cos sustentáculos que vão expor a vida em de- sigualdade social. Suas ponderações em tor-
Estre estas cidades conta se a de Ceres que, desmembra reinos, depõe e assassina satrapas,
feza da patria...
segundo um telegrama, foi incendiada pelo ir- no dos problemas sociais excluíam qualquer troca de deuses e de amos, muda de bonzos,
regulares gregos. Empenhados em completar a São assim os açougues modernos.153 questionamento em torno da exploração do forma monarquias constitucionais, que ao dia
sua obra patriotica, os irregulares gregos massa- seguinte as substitue por repúblicas, derrama
trabalhador pelas classes dominantes. No ge-
craram 200 soldados bulgaros e grande numero emfim sangue a torrentes, e quando acaba re-
de velhos, mulheres e crianças. 154 LUZ, Fábio. A internacional negra – Distribuição gra- conhece por fim que gira num circulo vicioso,
tuita da Liga Anti-Clerical do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: do qual urge sair.
Atenas vai em progresso. Em lustros não re- Officinas Graphicas da Revista Comercial, 1919.
motos, quando cultivou as letras, as artes, as Hoje, que já tém alguma consciencia de si mes-
sciencias e a filosofia, brilhou pela sua civilisa- 153 Açougues modernos. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 155 MARTINS, José. A questão social e o anarquismo. Ger-
18, p. 2, 20 jul. 1913. minal!. São Paulo, ano 1, n. 15, p. 2, 07 jul. 1913.
144 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 145

ma, ainda pergunta-se indignada entre o mêdo * meiros ascendentes fôram ladrões, assassinos ou outrora absolutos poderes em câmaras ou par-
do futuro e as desilusões do passado. ** magarefes (3), fôram impostas aos pôvos como lamentos; alguns desaparecem, como os da
“Provavelmente – diz Pellicer – a autoridade de origem divina. _ “Os soberanos – diz Faure França, do Mexico, do Brasil e de Portugal;
_ “Mas de que me serviram todas as formas
se implantou nas primeiras agrupações huma- – são seres sobrenaturais com certa aureola de outros estão prestes a isso; emfim, em toda a
governamentais por mim adoptadas? de que
nas á maneira como rege nas especies simias, divindade. Os individuos lhes pertencem como parte evidencia-se claramente que á medida que
todas as religiões a que dei crédito e todas as
cujas hordas são governadas pelos individuos as suas proprias riquezas. Por cima das cabeças a liberdade avança um passo, a autoridade recúa
filosofias que abracei?
mais fortes (o grifo é cá do gasto). Demais, si se coroadas, o sucessor de S. Pedro distribúe as outro, e assim, ora recuando, ora vergonhosa-
De nada, absolutamente! observam essas tribus africanas e australianas suas bênçãos ou anatemas. A Igreja fala arrogan- mente fugindo á aproximação da liberdade, a
ainda subsistentes, a probabilidade converte- temente aos monarcas e estes curvam as cabeças. autoridade caminha a passos agigantados para as
Actualmente, trabalhada e dividida, a Huma-
-se em realidade.” (Análisis de la Questión de Seus ministros vestem sotaninàs; os tribunais bordas do abismo que em dias não longinquos
nidade vive aturdida por mil seitas politicas,
la Vida ó Conferencias Populares de Sociologia. compõem-se de frades; o crime mais abomina- ha de fatalmente traga-la.
religiosas e filosoficas, que constantemente lhe
pag. 54 e seg.) vel é o cisma ou a heresia, e as fogueiras acen-
gritam: [...]
dem se para o atrevido que duvidar ou negar.
Cantú, referindo-se ás tribus e ao principio de
_ “Vem, que eu te salvo, – diz-lhe uma, – mas _____________
autoridade, diz o que se segue: _ “Algumas vezes “Mas para que tal estado de cousas se mantenha
tem que obedecer-me.”
(as tribus) brigavam: a que vencia dominava as o mais tempo possivel, – conclúe Faure, – é
“Vem, que eu te farei feliz, – inculca-lhe uma outras e apoiava na força a desigualdade de direi- preciso que a base não seja discutida; por con-
(*) No artigo passado escaparam alguns erros
segunda; – mas has de respeitar-me.” tos.” (Hist. Univ., tom. 1, liv. II, pag. 475) (2). seguinte, é proibido pensar, reflexionar, discutir
de composição.
“Vem, que eu farei cessar todos os teus sofri- ou criticar. Não obstante, apesar de tudo isso, a
Emfim, escutemos o que ensina Faure acerca
Humanidade prôcura o seu caminho; a necessi- (1) Allan Kardek, ao terminar o seu Resumo do
mentos, – insinua-lhe uma terceira; – mas pre- do mesmo assunto.
dade de - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 157 inventa Ensino dos Espiritos, inserto na Memoria Histo-
ciso é que faças tudo o que eu te ordenar.”
_ “... Da guerra com os animais ferozes e com a imprensa, multiplica os livros, vulgarisa as rias do Espiritismo, ediç. da F. C. B, do Rio de
E assim, todas essas seitas teem por principio a outros grupos humanos, surgiu em cada tribu idéas novas; emfim, produz-se um movimento Janeiro, exclama – “Incredulos! Dizei se uma
astucia, por meio a exploração e por fim – e isto ou colonia a autoridade absoluta que os mais de opinião tão colossal, que arrasta o mundo doutrina que ensina semelhantes cousas é ir-
é o mais importante – a salvaguarda do capital fortes se atribuiram com o nome de chefes, os baseado no direito divino.” (Obr. Cit., tom. II, rosoria...!
e do principio de autoridade – os dois melhores quais se arrogaram o direito de mandar e de pag. 11-12). Encarando-a unicamente sob o ponto de vista da
instrumentos de dominio. (1). fazer trabalhar aos mais debeis em proveito ex-
Com efeito, no seculo XII, o principio de au- ordem social, dizei se es homens que a praticas-
- - - - - -,156 o escopo principal de todas as seitas clusivamente deles; com a cumplicidade, pois,
toridade havia alcançado o seu maior apogeu sem seriam felizes ou desgraçados, melhores ou
politicas e religiosas é manter a Humanidade dos legisladores e sacerdotes, estes chefes fôram
nas pessoas dos papas; mas o desacato feito a peiores!” (Mem. Hit. do Espir., p. 102).
sempre agrilhoada aos pés da autoridade e obe- consolidando pouco a pouco o seu poder e su-
Bonifacio VIII, esbofeteado pelos representan- Este burguês hipócrita compreendia a necessi-
diente aos possuidores do dinheiro; dividida em premacia com leis e preceitos religiosos.” (El
tes de Filipe o Belo, no começo do século XIV, dade de manter o povo na obediencia aos ban-
mandões e mandados, ricos e pobres, ladrões e Dolor Universal, ed. hesp. de Sempere y C.,
mostrou aos reis e aos póvos que os papas não didos como eles e para prolongar o dominio da
roubados; e como está demonstrado por uma tomo II, pag. 6)
eram delegados de Deus na Terra. autoridade e do dinheiro, forjou ou codificou
experiencia de mais de 30 seculos, que emquan- Posteriormente, o principio de autoridade al-
Desde esse momento, o principio de autorida- uma nova superstição: o Espiritismo.
to houver govêrnos e governados, ricos e pobres, cançou tal onipotencia, que os reis e imperado-
amos e escravos jámais reinará a paz entre os de começa a perder terreno. Lutero e Calvino Assaltado pelos temores de uma reivindicação
res foram considerados deuses ou semi-deuses.
homens, conclúe-se daí logicamente que para vibram formidaveis golpes na autoridade semi- social do proletariado, o mesmo diz o não me-
Cerca de tres seculos e meio antes da nossa era, -divina dos papas; proclama-se o livre exame;
resolver a Questão Social, que toda consiste nis- nos hipocríta e burguês espirita J. Bouvirg. Veja
Alexandre Magno já se havia feito passar, entre investigam-se as origens do papismo e da rea-
so, todos os esforços reunidos de todas as seitas o seu livro El Espiritismo y la Anarquia. (cap.
os gregos, por um semi-deus, filho de uma mu- leza, dando em resultado que o primeiro teve
religiosas ou politicas serão baldados. XV).
lher que permanecêra virgem depois de da-lo á por base a astúcia e a violencia. Elabóra-se a
Gerando as desigualdades sociais, os privilegios luz; muitos dos imperadores romanos, mesmo Enciclopedia, difundem-se as luzes, faz-se a Re- (2) Nosso companheiro e mestre P. Kropotki
e as castas, bases de todo o mal estar que aca- em vida, tambem fizeram-se adorar como deu- volução, e a cabeça de um déspota – Luis XVI ao nega abertamente a teoria ou hipotese de
brunha á Humanidade, fica claramente estabe- ses, o que tambem não impediu que muitos – rola por terra! (4). Pollicer, Faure e Cantú relativa ás tribus pri-
lecido que o principio da outoridade é o mal d’eles fôssem violentamente mortos pelas suble- mitivas em guerras entre si, e todavia fala de
de todos os males. Então aprendem os povos que os reis não são “minorias guerreiras” (La Ciência Moderna y el
vações das tropas; mas, quem indubitavelmente
de direito divino nem inviolaveis, mas simples Anarquismo, p. 75). Respeitando as idéas do
Mas, como apareceu tal principio? mais consolidou o principio de autoridade, im-
homens como os outros! Entretanto, a Revo- mestre a outra ordem de factos posteriormente
pondo aos pôvos como um principio verdadei-
Dificil, na verdade, é determina-lo. lução prosegue, invadindo a Europa e fazendo desenrolados, declaramos por nossa parte que
ramente divino, foi o cristianismo.
ruir tronos, sem exceptuar o do proprio repre- aceitamos inteiramente as teorias expostas por
Mas, á luz dos documentos históricos que pos- Esta religião atros e sanguinaria ensinou aos sentante de Deus na Terra; os reis, tremendo aqueles eruditos escritores, porque sem estas
suimos vamos tenta-lo. pôvos que desobedecer á autoridade era resistir de mêdo, fazem concessões; delegam os seus não se poderia explicar a origem das desigualda-
ao proprio Deus. Dinastias europeias, cujos pri-
156 Palavra ilegível. 157 Palavras ilegíveis. des entre os homens e menos ainda a escravidão.
146 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 147

(3) “Hugo Capeto, o fundador da disnatia dos No encerramento desse escrito, refutou, teria interesse, não seria capaz de fazer mal al- O artigo escrito por Lucas Másculo161
Capetos, em França, cujo ultimo descendente como objeção apresentada ao anarquismo, a gum aos seus semelhantes; e por isso conclui- colocou em evidência a situação de faccio-
foi Luis XVI; - Hugo Capeto foi aprendiz de mos, que o Anarquismo, garantindo a todos pão,
magarefe; os Hapsburgos, dinastia austríaca são concepção de homem lobo do homem. Esta liberdade, intrucção e trabalho, è em verdade namento no movimento dos trabalhadores,
descendentes de um espadachim; e os Roma- objeção às ideias anarquistas de abolição do uma doutrina filosofica e humanitaria e o seu particularmente dentro da expressão assumi-
noff, da Russia, até nem é bom falar, porque o princípio de autoridade condiciona a existên- triunfo impõem-se para o bem da Humanidade. damente revolucionária. Advertiu a todos os
historiador mais perspicaz jámais poderá dizer cia social à autoridade, submetendo a primeira revolucionários para minimizarem a impor-
Trabalhadores: a vós compete realiza-lo!159
quem foi o pai de qualquer dos filhos de Catari-
na II.” (Max Nordeau, Mentiras Convencionais, à segunda. Esta objeção consiste numa atuali- tância dada às divergências, privilegiando os
tom. 1, fgs. 101-102). zação da concepção cristã de queda, do pecado pontos comuns para, então, poder configurar
original. O autor, além de ter apontado a proce- uma ação coletiva mais poderosa. O próprio
(4) Cumpre-nos advertir que, 140 anos antes da
dência cristã desta concepção de natureza hu- título do artigo – “Conciliação” – anunciava
Revolução Francesa, os ingleses já haviam feito
a sua, si bem que com caracter religioso. As co- mana má, comum a religiosos e governantes, de antemão as intenções do autor: apesar das
A Qúestão Social e o Anarquismo*
munas declararam que o oficio de rei era inutil desdenhou de sua validade por fácil demons- diferenças existentes entre os revolucionários,
e periogoso para a liberdade, e em consequencia II tração de sua nulidade. Sustentou, finalmente,
disso, Carlos I, foi sentenciado e seguidamente estes deveriam evidenciar, em suas relações,
(CONCLUSÃO) ser a existência de todo e qualquer fenômeno atuações e intervenções sociais, os aspectos
decapitado ( 30 de janeiro de 1649) (Cantú,
Hist. Univ., vol. XV, p. 247-48.) 158 social uma evidência por si da existência de que lhes fossem comuns e próximos, empres-
[...] ordem e que, portanto, o fim da autoridade tando um valor menor às divergências.
não implica o fim da humanidade, pois os
Em que pesem as limitações próprias “E então? – perguntam os ultimos bastardos da As opiniões manifestas neste artigo de-
actual desordem e despotismo agonizantes com fenômenos humanos são históricos.
da abordagem evolucionista adotada pelo au- lineiam posições dentro das propostas anar-
ares de triunfo: - que ha de ser da Humanidade A organização do movimento operário
tor, destacando a necessidade de se conhece- sem governo e sem leis estabelecidas? cossindicalista ou sindicalista revolucionária,
foi tema de debate em diversos artigos, e a caracterizadas, grosso modo, pelo enfoque ra-
rem as origens históricas dos fenômenos ou Jà prevemos – continuam – que nos comeremos questão da organização sindical frente ao anar-
instituições sociais como condição para seu uns aos outros; porque não havendo um superior cionalista e cientificista, pela concepção de
quismo orientou muitos destes escritos. Na organização dos trabalhadores por sindicatos
entendimento contemporâneo, o seu mérito a quem respeitar nem leis a que obedecer, o
mundo seria fatalmente uma desordem.” edição especial de Germinal!, alusiva ao pri- de categorias e pelo estabelecimento do sin-
reside no fato de ter assinalado a dominação meiro de maio, Primitivo Soares160 publicou
na configuração da questão social. A explora- Tão esfarrapados argumentos nem siquer mere- dicato como centro de gravidade das relações
cem a honra de refutação seria. Ora, partindo artigo apresentando suas reflexões em torno sociais numa futura sociedade libertária. Tam-
ção econômica surge, nesta perspectiva, en- do principio de que a existencia de uma cousa da questão do neutralismo sindical contido
quanto resultado da hierarquia, do domínio bém outra característica das propostas anar-
implica ordem nessa mesma cousa, segue-se no sindicalismo francês.
sagrado de alguns segmentos sociais sobre os logicamente que, destruidos os mandarins e cossindicalistas diz respeito, de um lado, ao
continuando a existir a Humanidade, a bem Soares analisou os princípios da CGT enfoque baseado numa linearidade temporal;
produtores.
da sua propria existencia, ha de ser forçosamente francesa em comparação aos da Primeira As- e de outro, no estabelecimento da sociedade
Outra constatação radical do autor diz ordeira, por que a destruição da autoridade não sociação Internacional dos Trabalhadores. Para libertária enquanto projeto edênico, dissol-
respeito à proveniência religiosa do princípio implica a da Humanidade. Ora bem. Se obser-
ele, as orientações dadas pela CGT francesa,
varmos, por outro làdo, os conflictos sociais, vendo os conflitos sociais em prol de uma
de autoridade. Mesmo existindo em diversos sobretudo no quesito da neutralidade das as-
vemos que todos são derivados do antagonismo sociabilidade harmônica.
agrupamentos humanos, o dinamismo socie- de interesses. Harmonizados estes, e dando-se a sociações operárias, resultaram em evidente re-
tário fundado na relação mando-obediência João Crispim criticou severamente o
cada homem segundo as suas necessidades em trocesso para o movimento dos trabalhadores.
tomou com o cristianismo contornos nunca troca de um labor conforme as suas aptidões neutralismo sindical, apresentando o anar-
e forças, suprimem-se dum só golpe todos os
Em seu entendimento, há que se assumir os quismo enquanto fator de liberdade dentro
antes existentes, evidenciando a realização de postulados, fundamentos e intenções anarquis-
conflictos sociais, que, como acima afirmamos, das associações dos trabalhadores. O enten-
um processo social que estabelece, nas indivi- todos teem a sua causa directa no antagonismo tas no sindicato, o que não apresentava nenhu-
dualidades, a naturalização de relações sociais dimento dos aderentes da neutralidade nas
de interesses; demais, um homem, bem instrui- ma contradição com o movimento operário.
reprodutoras e legitimadoras da hierarquia. do, bem alimentado e com vestuarios e casa associações dos trabalhadores defendia o po-
garantidos, que necessidade teria de ser ladrão, 159 Ibidem, p. 2. sicionamento segundo o qual não se poderia
assassino ou vicioso? 160 SOARES, Primitivo. Orientação proletária. Edição es-
158 MARTINS, José. A Qúestão Social e o Anarquismo - II. Em suma: um homem em tais condições, não pecial do Germinal! e da Barricada. São Paulo, p. 4, 01 maio 161 MÁSCULO, Lucas. Conciliação. Germinal!. São Paulo,
Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 17, 13 jul. 1913. p. 2. 1913. ano 1, n. 10, p. 2, 25 maio 1913.
148 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 149

falar de anarquismo nos sindicatos sob pena consistia na efetivação da possibilidade do Aqui, a discrepancia no elemento operario foi vimento tributário o referencial francês que
de violentar a liberdade de pensamento e de estabelecimento de um vasto campo de liber- proveniente, dizem uns, da exagerada tendencia João Crispim tratou neste artigo.
individualista de notavel número de lutadores e
expressão dos operários. Esta perspectiva se dade para os trabalhadores e não como davam a extricta concepção sindicalista, dizem outros,
apresentava, na visão do articulista, como ab- a entender os partidários da neutralidade sin- dada ás organizações. Sindicalismo de Estado e Sindicalismo
solutamente insustentável. dical, na sua negação. O autor afirmou não se Não me interessa muito saber isto com certeza; Anarquista
_____________
interessar em saber a razão da falta de liber- quero somente dizer que nos logares onde a
Luta proletaria dade de pensamento e expressão em alguns organisação operaria teve e tem uma tendencia Uma equívoca tendencia das gerações huma-
______ francamente libertaria essas discrepâncias ou lu-
sindicatos em nome de alguma neutralidade nas vale por um período de retrocesso na sua
Métodos e tendencias tas entres organizadores e individualistas, salvo propria evolução.
das associações, como uns e outros afirma- raras excepções, não tem sido notavel; cada um
vam, devido à orientação extremamente in- luta auxiliando-se mútuamente, expecialmente Os acontecimentos que se sucederam durante
A causa que determina o proletario a rebelar-se
todos os séculos confirmam esta asserção.
contra o patrão, contra a autoridade, que se dividualista ou estritamente sindical. Para ele, nos momentos dificieis.
interpõe na luta em favor do explorador, é a sua a orientação anarquista nos sindicatos estava Tenho quasi a certeza de que se entre nós a [...]
natural tendencia, o seu sentimento e aspiração organização operaria tomasse uma tendencia
de liberdade, quer no terreno ecónomico quer
na dependência das atitudes dos próprios as- A classe trabalhadora, revoltada contra as classes
anarquista, os libertarios, mesmo os excepticos detentoras da riqueza e do poder, estimulada
no terreno social. Ao associar se ele leva ao seio sociados. Estes seriam os que poderiam efeti-
respeito a organização, pretar-lhe iam o seu pela consciencia, despertada por essas projec-
do sindicato, logar onde mais facilmente pode vamente dar forma anárquica aos sindicatos. apoio e a maior parte se constituiriam em seus ções, iniciou um movimento de resistencia e
desafogar-se da sua indignação, um caudal de entusiastas propagandistas. de luta em defesa de seus direitos.
energia, expondo aos seus companheiros tudo
quanto sente e pensa, indicando os males que Luta proletaria E, desde que os militantes, os mais activos nas A partir da segunda metado do século passado
ele e os seus camaradas padecem, e os meios que ______ organizações operarias, são anarquistas ou sim- foi quando este movimento tomou um carater
julga melhores para remedia-os. Métodos e tendencias patizantes da Anarquia, não vejo motivo para respeitavel.
- - - - - conciliação proposta pelo companheiro
Em nome de quem e com que direito se pode A Internacional dos Trabalhadores reuniu em
Lucas não tenha o efeito desejado, e necessario
proibir nos sindicatos a liberdade de pensa- [...] seu seio milhares de homens de muitos paises
para a luta emancipadora no Brasil.
mento? e de todas as tendencias.
Conheço muitas sociedades operarias onde só se Dar a tendencia anarquista á organização opera-
Se os trabalhadores, oprimidos pelo patronato, aprende a idolatrar individuos, a servir de apoio Mas, para que Bacunine e os demais compa-
ria não é obrigar a todos a seguir esta tendencia,
por todas as instituições sociais, vão ao sindicato aos politiqueiros, e empregam a sua actividade nheiros não difundissem as suas idéas e não
é dar a todos a mais ampla liberdade, que só
ou sociedade operaria e não podem alí gozar da em impedir a marcha do proletariado. perturbassem a dictadura de Marx, comandante
pode encontrar-se nas entidades que seguem
liberdade individual: o que é que vão ali fazer? em chefe do exército proletário, foram expulsos
essa orientação.
Sem ir mais longe, aí temos no Rio, a Federação da Federação e delatados á policia pelos mem-
A conquistar um pedaço de pão em troca de Operaria impossibilitada de realizar um movi- E’, alem disso, a forma única de livrar o movi- bros influentes dessa entidade operaria.
uma nova tirania creada por eles mesmo, a ti- mento sério e de organização neste sentido as mento operario de todas as mistificações, ilumi-
rania sindical? classes que para isso melhor poderiam contri- Hoje, a Confederação Geral do Trabalho da
nando-o com todas as claridades das sciencias
buir, porque estão organizadas, em sociedades França que, por ser francêza seve de modelo
A sociedade operaria que institue em seu seio a sociológias.163
conservadoras que cristalizam a acção dos tra- a muitas organizações operarias de não pou-
escravidão da consciencia, declarando a inuti-
balhadores, e pode-se afirmar que não ha policia cas nações, segue as pegadas das instituições
lidade ou nocividade da inteligencia humana,
nem leis capazes de fazer outro tanto. Em outro artigo, João Crispim164 evi- reaccionarias impondo silencio aos seus com-
não é um elemento de opressão peior do que
ponentes.
as instituições coercitivas da burguesia, posto As asssociações desta indole não só impedem a denciou as diferenças entre o anarcossindi-
que fere mais de perto e com mais eficacia a A fama, porem, é tudo.
propaganda emancipadora dentro dos seu seio calismo, ou sindicalismo revolucionário, e o
expansão dos seus componentes e o movimento senão que agem contra os individuos que entre O povo francês tomou a Bastilha e proclamou
evolutivo do operariado em geral? 162 sindicalismo de orientação anarquista. No
as classes fazem a sua propaganda, naturalmente a Comuna.
contraria a orientação dessas associações, e, em
Brasil, forte foi a influência dos sindicalistas
Isto impede reconhecer que outros fôram mais
muitos casos, este despotismo tem produzido franceses no movimento operário. É do mo- longe:
As associações que negavam a liberdade grandes conflictos entre os trabalhadores.
de pensamento ao trabalhador agiam como que em Jerêz fez-se uma tentativa revolucionaria
Os anarquistas estão, por tanto, no seu terreno e 163 CRISPIM, João. Luta proletaria – Métodos e tendencias. anarquista;
nova tirania. O anarquismo, para Crispim, no seu dever de combater todas as instituições, Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 11, p. 1, 31 maio 1913.
que os camponeses russos assaltam os domínios
todos os elementos que se oponham á liberdade 164 CRISPIM, João. Sindicalismo de Estado e Sindicalismo dos ricos, não reconhecendo o direito de pro-
162 CRISPIM, João. Luta proletaria – Métodos e tendencias. individual. Anarquista. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 13, p. 2, 15 jun. priedade, e que os revolucionarios mexicanos,
Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 11, p. 1, 31 maio 1913. 1913.
150 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 151

em grande parte semi-civilizados, tomam as trabalhadores a uma desocupação definitiva ou e temível de todos os Estados; o govêrno das A questão do imediatismo sindical foi
cidades por assalto e fazem uma limpeza geral emigrarem, pois não admitem mais socios do maiorias. objeto de discussão em outro artigo. Críticos
de quanto representa as instituições e classes, que os necessarios para o trabalho.
ao grito de “Terra e Liberdade!”
A revolução ficaria, como as passadas revolu- do sindicalismo destacaram suas características
Cognominar de revolucionario o sindicalismo ções, limitada ao papel de insureição, mais da- intrínsecas, como neutralidade, corporativis-
“Julgando a Confederação tal como se oferece moderno pouco influe em beneficio dessa or- nosa nos seus fins do que nos seus meios.
a vista do observador, não representa nem é ganização. mo, imediatismo e economicismo. Para eles,
E’ um facto que, nos sindicatos em questão,
no fundo outra cousa que uma organização de estas características constituíam sua própria
resistencia ao capital, não oferecendo um ideal Os partidos reaccionarios ou liberais conquis- as directorias ou conselhos exercem sobre os
tavam o poder com revoluções insurecionais e demais associados certa influencia autoritaria, natureza, motivo pelo qual execravam a parti-
politico claro, concreto definido e muito menos
uma solução economica. as cousas continuaram como antes ou peor.165 impondo-lhe o estricto cumprimento dos regu- cipação em associações de classe. No texto em
lamentos sindicais e as resoluções tomadas em questão, o autor167 evidenciou a perspectiva
Fica por tanto reduzida à categoria de simples assembleias ou conselhos.
meio, e ainda assim considerada não pode ser anarquista segundo a qual a noção de neutra-
Uma diferença por demais importante
mais deficiente. No sindicalismo anarquista, o unico verdadei- lidade sindical, o espírito de corpo das associa-
entre estes dois tipos de sindicalismo, a ser ramente revolucionario, o operario não tem
Das tendencias que no seu seio se manifestam ções classistas, a luta voltada exclusivamente
destacada do texto do articulador, diz respeito nada a temer.
com mais força, note-se que falamos da realida- para assuntos do momento e a redução da
de da vida sindical e não dos congressos – uma à extinção da organização sindical juntamente Nestes sindicatos não ha regulamentos, não ha
questão social à economia foram veemente-
é inimiga franca da violencia por que tem con- com a abolição do capitalismo e do Estado. ordens que limitem a integridade individual.
mente rejeitadas em sua totalidade.
fiança absoluta na acção parlamentar. A nova face da sociedade estaria nas mãos de Não se obriga a estar associado ao companheiro
A outra entende que em vez da grande revolução pessoas e grupos interessados. Estes agiriam a que, não se encontrando satisfeito no sindicato, Graco produziu reflexões analisando
que reputa impossivel porque ouviu dizer que partir do agrupamento de coletividades fede- luta como melhor entende pela emancipação alguns aspectos particulares do movimento
a natureza não procede por saltos, pensa – al- comum. operário relativos à orientação de ideias a
radas e confederadas a fim de resolução dos
ternando com a luta politica numa serie inin-
mais diversos problemas. Outra diferença diz Se não se podem abolir certas deficiências, adotar. Tomando como tema privilegiado a
terrompida de gréves de classe mais ou menos
como por exemplo a decisão das maiorias, é independência individual e das organizações
revolucionarias. respeito à questão dos regulamentos e códi- porque elas são inevitáveis dentro de tal organi-
Como se vê, as duas fundemse num mesmo gos. No sindicalismo de orientação anarquista, zação, mas, assim mesmo, quando a não obser-
operárias, o articulista meditou principalmen-
absurdo, e nenhuma delas fala em nome da nada de legislação. Crispim acusou no sindica- vancia dessas decisões não prejudica gravemente te sobre as influências de concepções sindica-
emancipação total, senão no melhoramento lismo revolucionário a intenção de estabelecer as classes, os componentes dos sindicatos que listas e individualistas sobre o movimento dos
económico da classe trabalhadora”. não as cumprem não sofrem nada por isso. trabalhadores. Ao tratar dos sindicalistas revo-
novas formas de tiranias ao procurar uma nova
(Eusebio C. Carbó) Como finalidade, o sindicalismo anarquista não lucionários, aludiu ao artigo de Lucas Máscu-
regulamentação para as relações sociais.
Encerrada nesta elíptica, a organização opera- aspira a organizar a nova sociedade em sindica- lo168 publicado anteriormente, conclamando
Sindicalismo de Estado e Sindicalismo tos de producção e de consumo.
ria constituida nos moldes da C. G. T., isto é os trabalhadores a se conciliarem. Considerou
Anarquista
no puro sindicalismo, fechou as portas a todas Uma vez feita a revolução os sindicatos se frag-
_____________ esta atitude como pusilânime diante da certeza
as ideas de organização social que subistitua o mentarão em grupos que desempenharão essas
regime actual, e a todos os principios, resultan- funções, constituindo, para o melhor desempe-
de que sofreriam perseguições policiais. Os
[...]
do ser mais conservadora do que os partidos nho, quantas federações julgarem necessarias, sindicalistas “esperam pelo ditoso dia em que
democraticos ou liberais. Supondo, e seria muito supôr, que o sindica- baseando a sua completa autonomia no livre alguma fada venha unir e determinar as classes
[...] lismo revolucionario triunfase sobre a classe acordo.
capitalista: que faria depois? proletarias á organização e á luta”. A pusilani-
Nas sociedades exclusivamente sindicalistas E’ preciso encarar seriamente a questão, to- midade destes desembocava em manutenção
cada trabalhador, quando está no sindicato, Estabelecer um nôvô govêrno, nóvos regula- mando como ponto de partida a mais com-
tem na boca uma mordaça e deante dos seus mentos ou leis. do status quo.
pleta liberdade, a Anarquia, para não ficarmos
olhos um regulamento que lhe diz: – você não No maior avanço sociologico que lhe é proprio, outra vez, encerrados num nôvô despotismo, Quanto ao individualismo, circunscre-
pode falar aqui! poderia fazer com que os proprios sindicatos seja ele burguês ou operario, e cháme-se como veu a influência de Nietzsche sobre alguns seg-
Para saber-se quais as formas que pode tomar o confederados tomasem a direcção da producção se chame.166 mentos operários. Sob o campo gravitacional
sindicalismo, haja vista aos grandes sindicatos e do consumo, um nôvô Estado, o mais déspota
operarios norte-americanos, onde os rebeldes,
os inovadores, estão boicotados pelos com- 167 A EMANCIPAÇÃO integral. Germinal!. São Paulo, ano
ponentes dessas associações, que fazem um 165 CRISPIM, João. Sindicalismo de Estado e Sindicalismo 166 CRISPIM, João. Sindicalismo de Estado e Sindicalismo 1, n. 17, p. 2, 13 jul. 1913.
monopolio do trabalho, obrigando os outros Anarquista. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 13, p. 2, 15 jun. Anarquista. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 13, p. 2, 15 jun. 168 MÁSCULO, Lucas. CONCILIAÇÃO. Germinal!. São
1913. 1913. Paulo, ano 1, n. 10, p. 2, 25 maio 1913.
152 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 153

nietzschiano, estes trabalhadores desconside- da casa, quando não lhes atira os trastes á rua; o que razão eles se sujeitavam à situação de ex- Pettinato171 também apresentou crítica
ravam as associações operárias, descartando padeiro, que ameaça suspender o pão; o nego- plorados e violentados “a gozarem com o estri- à proposta de adoção, por parte dos traba-
ciante, que ameaça não fiar mais e entender-se
uma atuação nos sindicatos, como também com o patrão para obriga-los a pagarem, ou lo e a impotencia dos patrões e dos mandatá- lhadores, da representação parlamentar apre-
os métodos coletivos de luta. Agindo desta despedi-los do trabalho. Na rua andam tími- rios, á saborearem uma maior independencia sentada num jornal da cidade paulista de Jaú
maneira, limitavam o grau da própria liberda- dos, desconfiados, examinando os viandantes, e respeito, á custa de arriscarem algumas vezes por um certo senhor A. G. Este senhor teria
procurando descobrir o alfaiate, o sapateiro, o
de, colaborando para a manutenção da ordem o emprego, ou fazerem certas visitas aos pos- criticado os métodos de ação direta, em parti-
logista a prestações, para dobrarem na primeira
das coisas. esquina, ou fazerem uma porção de caretas de tos policiais.” A seu ver, “já que não podem cular os comícios populares e as manifestações
bons pagadores com o fim de evitarem que o escapar a coacção, ao menos que seja por al- públicas, apresentando-os como equivocados
café seja muito carregado. gum motivo. E esse motivo é o principio da e inócuos.
A verdadeira independencia
_____ Frente a essa chuva de mandões e de credores, verdadeira independencia”. A justificativa para a assertiva do senhor
encontram-se infalivelmente numa posição in-
[...] ferior, passiva, deprimente, e coagidos, escar- O assédio às organizações operárias vi- A. G. apoiava-se na desigualdade das forças
necidos, desprezados, e, muitas vezes, entram nha de diversas frentes. Além dos partidos po- em atrito, uma vez que o governo contava em
Uma resolução dos escravos organizados em
grupos libertarios e em sociedades de classe,
com o corpo em obra. líticos, dos candidatos socialistas e de pessoas seu favor com o uso dos contingentes policiais
baseados nos principios acráticos, é capaz de Estas são as realidades libertarias que os super- outrora militantes do movimento operário, contra as multidões de manifestantes. O au-
virar tudo de pernas para o ar. -omens gozam no ambiente estatuido, onde alguns representantes de instituições gover- tor recusou esta leitura, afirmando serem as
não existe o Estado, nem a lei, e a Sociedade é
O proletariado tem nas suas mãos os seus pro- namentais acenavam vez ou outra às classes conquistas sociais fruto da ação direta dos in-
um mito.
prios destinos. Ele pode fazer o que lhe aprou- proletárias com manifestações de apreço, teressados e não dádivas dos segmentos domi-
ver do patronato; dos governos, das leis e de Nada querem saber destas violencias que os
esmagam, e esforçam-se por distrairem se nas
tencionando uma aproximação com fins de nantes. A favor deste seu contra-argumento,
todas as instituições que o oprimem.
ilusões e fantasias supremas dos Himalaias ide- estabelecer relações de cordialidade, harmonia remeteu o leitor para observar na história os
Assim o entenderam Vailant, Angiolilo, Artal,
Regis, Virella e tantos outros; e neste sentido
alisticos. e cooperação entre ambas. exemplos das atitudes e ações governamentais
actuaram os trabalhadores que realizaram os co- Para eles, a única coacção existente é a da luta João Crispim170 comentou uma circular em relação ao proletariado. Os governos, neste
lossais movimentos de Milão, S. Petersburgo, juntamente com os outros ilotas, para o triumfo de um secretário do governo paulista em que sentido, têm agido sempre com violência e ex-
Barcelona, Buenos Aires, Chicago, etc. da liberdade. torsões sobre as classes trabalhadoras e nunca
este senhor sinalizava aos operários, com ter-
Não se compreende, no entanto, a moderna Há, independentemente de qualquer grupo ou em seu benefício.
mos de simpatia, a causa dos trabalhadores e
vida dos discípulos de Zaratustra, que cantam associação, muitos meios de vulgarizar as ideias
no deserto inos á sua musa individualista. e de combater os inimigos da justiça. suas associações. Repudiou a possibilidade de Através das colunas do Germinal!, surgi-
A conferencia, o discurso em publico, a pro-
aproximação entre governo e organizações sin- ram diversas críticas aos socialistas legalitários,
Para conservarem a sua independencia man-
tiveram-se longe das agitações proletarias e paganda individual, a distribuição de jornais, dicais, sustentando o caráter eminentemente bem como a seus partidos. As organizações
se separaram das agrupações anarquistas. São livros, manifestos, a rebeldia contra os patrões antagônico dos interesses dos trabalhadores e partidárias eram apresentadas pelos socialis-
completamente livres; fazem o que querem; e as autoridades, o sabotage e a revolução, são do governo. Nesta direção, iniciou o artigo de- tas aos trabalhadores como os únicos instru-
ninguem os toca; nada influe sobre a sua vida, meios necessarios mas para chegar-se á vitoria
são superiores a tudo, mas, a cada passo, en- da Acracia. monstrando a nulidade das leis sociais devido mentos possíveis de defesa dos seus interesses
contram um lacaio de espada á cinta, disposto a atuação do governo ser, de forma sistemá- dentro da sociedade capitalista. Por sua vez,
Entendem, no entanto, que essa luta não reverte
a retalhar-lhes a cabeça, e em cada esquina, meia em seu favor e não estão dispostos a lutar pela tica, através do uso de expedientes violentos os anarquistas procuravam imprimir ao movi-
dúzia de cães, prontos a deitarem-lhes as garras, massa; e assim a massa continúa irredenta, e contra as manifestações dos trabalhadores. A mento operário uma orientação estritamente
mesmo para justificarem a necessidade dos seus eles tambem, como ela, sofrem a tirania e a
serviços e do seu ganha pão. utilização de métodos de força e a prática de libertária. Nesta direção, elaboraram análises
iniqüidade que reinam, soberanas, destruindo
arbitrariedades contra as classes proletárias e reflexões em que tanto as concepções como
Em todas partes onde teem que desenvolver as a vida de todos, indistintamente.169
suas actividades para atender a subsitencia dia- aconteciam rotineiramente, em que pesem as os acontecimentos envolvendo os partidos
ria, estão envolvidos por uma escolta composta manifestações, os protestos e as reivindicações operários e seus candidatos foram objetos
de trabalhadores distinguidos, feitores, adminis- Arrematando a crítica às duas tendên- realizadas pelos operários se darem estritamen- privilegiados de crítica. Também seus pro-
tradores, chefes e proprietarios, pelos quaes são
cias, Graco sustentou não compreender por te dentro das garantias da lei. gramas e declarações foram alvos constantes
permanentemente explorados e vilipendiados.
Logo de madrugada, batem-lhes á porta o se- 169 GRACO. A verdadeira independencia. Germinal!. São 170 CRISPIM, João. A medicina legal – uma consulta. Ger- 171 PETTINATO, J. Algumas palavras sobre a questão so-
nhorio que lhes exige o pagamento do aluguel Paulo, ano 1, n. 16, p. 2, 07 jul. 1913. minal!. São Paulo, ano 1, n. 18, p. 1, 20 jul. 1913. cial. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 18, p. 2, 20 jul. 1913.
154 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 155

de problematização. Por vezes, alguns anar- Os caês da politica ralisou brasileiro para conseguir, com o voto advertiu os trabalhadores quanto à caducidade
........... dos operarios, uma posição folgada e rendosa
quistas compareciam às conferências nas quais tanto do parlamentarismo como das formas de
nas altas esferas da representação municipal ou
socialistas discorriam sobre seus programas e Pelos relevantes serviços a que são destinados
estadual, e, quem sabe, talvez sonhe com ser governo socialistas. O partido operário ficara
candidaturas, alimentando debates fervorosos. os agentes policiais o público batizou-os com conhecido por ter se alinhado publicamente
presidente da Republica.
o nome caês.
Isso se deu tanto em relação aos socialistas no Este politico policial, em conversa com varios ao chamado congresso operário governista de
Brasil como também fora do país172. Foi o caso Para a mesma ocupação os estadistas empregam Hermes da Fonseca, legitimando toda a re-
companheiros de Santos, jactou-se de ter des-
verdadeiros cachorros de raça, escolhida com o
do curto artigo publicado no terceiro número mesmo fim, completando os elementos poli-
viado o operariado de Sorocaba da “perigosa” pressão deste governo sobre os trabalhadores.
de Germinal!, como também em breves notas tendencia da acção directa, e dissé-lhes, com
ciais, e fazendo-os aptos para o grande mister
gesto de sábio e de mestre, que se em Santos Esse congresso foi denominado pelos
publicadas no sexto número deste jornal. de profilaxia e moralização social.
o movimento não tevesse seguido a orientação trabalhadores como o congresso pelego. O
Esses escritos objetivavam apresentar Na politica, esto é, nos partidos politicos, sen- revolucionaria e anárquica, não teria dado lo- autor finalizou dirigindo a trabalhadores e a
aos trabalhadores, como eminentemente in- tiu-se a necessidade de certa pulimentação, de gar ás deportações e outros procedimentos de anarquistas uma provocação para instaura-
uma corporação policial, e esta pareceu... repressão policial.
sustentáveis, ridículas, contraproducentes e ção imediata de uma ação direta libertária.
contraditórias, as proposituras, concepções e Um estadista ingles, de pura massa burguesa, Se os operarios de Santos tivessem organizado Aos primeiros, incitou, “com o concurso de
afirmou em pleno parlamento, que os socialistas um partido politico as coisas correriam às mil
atitudes dos partidos socialistas, bem como de são os melhores policias. maravilhas, e a estas horas, os que foram presos todos que se sentem explorados e oprimidos
seus principais expoentes. Em breves notas, e deportados não estariam sofrendo as conse- e aspiram a luctar pela sua emancipação”, a
Esta afirmação não era uma novidade para os
abordando as estratégias e pretensões de socia- quencias dessa luta violenta. conquista de seus direitos sem esperar por
operarios e expecialmente para os anarquistas.
listas belgas e espanhóis em conquistarem o Miseravel! partidos. Aos segundos, apelou para a inten-
Em todos os movimentos operarios eles ofi-
parlamento, o redator173 denunciou um opor- ciaram ou trataram de oficiar de diretores, en- [...] sificação da luta antipolítica, contra a carestia
tunismo velado. Também neste caso, destacou a forçando-se por fracassarem as gréves e outros de vida e pela abolição da lei de expulsão de
Alerta! camaradas, com a propaganda do cha-
habilidade dos socialistas na busca de agradar a procedimentos de acção directa, para conven- estrangeiros.
mado “Partido Operario” e dos cães politicos,
cerem os operarios que somente pela luta poli-
gregos e troianos, sem deixar de advertir os tra- que respondem ao chamado de Antonio Augus- Graco elaborou também críticas ao
tica, colaborando com os partidos burgueses nas
balhadores acerca de suas intenções de mando. to Pinto Machado e Demetrio Justo Seabra.175
câmaras legislativas, è que poderiam conquistar partido socialista quando da ocasião da apre-
Graco174, num escrito contundente, de- os seus direitos. sentação da candidatura de Ulisses Martins,
nunciou aos trabalhadores a prática recorrente Quando a seu lado surgiram os trabalhadores Com este seu escrito revoltado, o autor anunciado enquanto candidato ligado aos tra-
de colaboração dos socialistas com as institui- conscientes, quando os anarquistas trataram de balhadores. Rejeitando a proposta de união
intentou advertir os proletários quanto às pre-
orientar as massas pela rôta dos procedimen-
ções governamentais de controle e repressão tensões de chefia do movimento operário pelos entre anarquistas e socialistas partidários,
tos revolucionarios, explicando ao povo que,
social. Referendando-se a uma declaração feita a não ser com o seu esforço nada conseguiria, partidos ditos socialistas. Para ele, o máximo estendeu sua crítica ao partido socialista por
por um estadista burguês da Inglaterra, como os socialistas politicos serviram gratuitamente que estas figuras poderiam acrescentar aos tra- entender ser esta instituição favorável não aos
também em acontecimentos recentes em al- de confidentes policiais, acusando perante as proletários, mas antes ao governo Hermes da
balhadores seria, em compensação da menor
autoridades os que não comunigaram com as
gumas cidades do Brasil em que manifesta- repressão policial com a promessa de fim das Fonseca. O partido socialista foi apresentado
suas ambições, fornecendo todas ás dados para
ções e organizações operárias sofreram reveses que a policia pude-se agir com facilidade nas prisões e deportações, o estabelecimento nas pelo autor como uma sucursal do governo,
da repressão policial, o articulista assinalou suas repressões, livrando os socialistas desses ele- associações proletárias de pequenos tiranos. uma organização a serviço das instituições go-
o significativo papel de delatores, executado mentos adversos, contrarios aos seus interesses. vernamentais, particularmente, colaborando
O redator176, noutro momento, teceu
repetidas vezes por socialistas. Aqui no Brasil já se fez sentir essa brigada de
crítica bastante ácida ao partido operário do com órgãos policiais.
confidentes, que constituíram o Partido Ope-
rario Brasileiro, do qual se destacam Antonio Rio de Janeiro. Fazendo a resenha das investi-
Augusto Pinto Machado, que ha pouco arran- das de instituições centralizadoras e sistemas O MEU VOTO
______
172 OS MAUS pastores. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 03, jou com a policia a prisão de varios comaradas, econômicos de exploração dos trabalhadores,
p. 1, 30 mar. 1913. entre eles Cecílio Vilar Pedro Matera, mem- A desmantelada máquina do Estado dá, em
173 CRISOL de critica. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 06, bros de instituições que seguem a orientação 175 GRACO. Os caês da politica. Germinal!. São Paulo, ano diversas épocas, muito trabalho á gente da ca-
p. 2, 20 abr. 1913. da Confederação Operaria Brasileira. 1, n. 06, p. 1, 20 abr. 1913. vação.
174 GRACO. Os caês da politica. Germinal!. São Paulo, ano Alem de Pinto Machado, destaca-se o dr. De- 176 X. Tocando a rebato. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 4, [...]
1, n. 06, p. 1, 20 abr. 1913. metrio Justo Seabra, um “vivo” que se natu- p. 4, 06 abr. 1913.
156 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 157

A evolução politico-legalitaria está aqui em es- A carreira politica é a maior carreira de depra- Francis178 atacou os partidos políticos vilegiado da crítica mordaz, incisiva e irônica
tado preistorico e, por isso, os partidos politicos vação. por ver nestes um estratagema para melhor de Astrojildo.
atendem menos aos principios e programmas
do que as componendas oligárquicas.
Enriquecer em pouco tempo com o que se rou- controlar a população trabalhadora. Todos os O título do artigo manifesta um in-
ba á Nação e depois fazer-se aplaudir por ela, é seus argumentos e reflexões estão resumidos já
O que tambem não importa é o nome; qualquer demonstrar habilidade. tencional deboche em relação aos postulados
partido pode tomar o primeiro que lhe pare, na primeira frase de seu artigo: “Os financei- dos partidos socialistas. Desta maneira, Asper
Quem não sabe fazer isso não é politico, é um
sem comprometer os seus propósitos. ros converteram as camaras em instrumentos apresentou o ridículo das organizações parti-
bobo condenado a morrer de fome.
Ulisses Martins, um politiqueiro infeliz e des- doceis ás suas vontades”. dárias através do destaque à forma conven-
Cada aspirante ao parlamento é um aspirante á
quilibrado, a quem o operariado consciente Ao lado dos partidos e da igreja católi- cional pela qual o referido candidato, como
exploração e ao mando, um carrasco do povo,
voltou as costas, acha que o operariado pode ca, outras organizações como a maçonaria e, também todas as candidaturas, é comumente
em miniatura.
organizar um partido socialista e, ao mesmo
tempo, ajudar o governo do marechal Hermes... Como os que estão no poleiro, quer votar leis, sobretudo, a imprensa comercial funciona- tratado: única, definitiva e suficiente solução
a sustentar a lei de expulsão, prender e assassinar impostos, orçamentos, para sustentar a magis- riam como peças auxiliares importantes no da questão social. Evidenciou, nas iniciativas
trabalhadores, bombardear cidades, massacrar tratura, o exército, a policia... com o fim de processo de estabelecimento e manutenção partidárias, uma disposição messiânica e sal-
marinheiros rebeldes e aplaudir o Mario, que ha defender o capitalismo e as outras instituições,
do domínio, controle e subordinação dos vacionista, uma prática catequista e interven-
pouco, na Camara, votou em favor da restricção que consomem o que o povo produz e só ao
da liberdade de imprensa. povo negam o direito de consumidor. segmentos sociais. O autor sustentou que cionista.
esse dinamismo de governabilidade dirigia- Os partidos políticos operários tinham
O mais engraçado é que Ulisses sonha com uma Com o Ulisses não se pode tomar nada a se-
conciliação entre os anarquistas e os socialistas... rio, porque esse propagandista é o cúmulo das -se, sobretudo, ao disciplinamento das classes ascendência ideológica no pensamento de Karl
do Hermes. incosciencias e das mistificações, é um extra- trabalhadoras. Destacou ainda, nos partidos Marx. Todavia, só depois da revolução russa
viado que, por sua perturbação psicológica e a políticos, uma particular habilidade em criar
Se tomássemos a questão a sério diriamos que é que passam a adotar mais ostensivamente
intenção manifesta de desbaratar o movimento
os socialistas legalitarios e os anarquistas estão programas contraditórios. Os partidos ditos o epíteto de marxistas. O jornal Spartacus
operario no Rio, foi-lhe caçada a sua credencial
em dois polos opostos: o polo autoritario e o socialistas apresentavam um único programa,
de delegado ao Comité Confederal da Confe- (1919-1920), publicado no Rio de Janeiro,
polo anárquico, e são, portanto, inimigos irre-
deração Operaria Brasileira. objetivando atender as mais antagônicas de- registra em suas colunas um debate entre
conciliaveis.
Do partido que surgiu das deliberações do chama- mandas das diferentes classes sociais. Bastaria anarquistas em torno de uma possível con-
Os bebês lá de casa sabem isto, e o Ulisses tam-
do 4º Congresso Operario, só se pode dizer que é uma leitura mais atenta do conteúdo de seus vergência entre anarquismo e marxismo. Neste
bem não o ignora.
normal e que, se existe, é uma filial do partido programas para que o trabalhador pudesse
Mas o campo anarquista é algo árido, requer do marechal Hermes, uma cáfila de confidentes
período, alguns anarquistas ficaram balança-
dos militantes certo espirito de abnegação policiais, como já foi provado mais de uma vez.
discernir os elementos contraditórios. Feito dos com o marxismo e outros passaram para
e sacrifício, sem outra recompensa do que o isso, ficaria fácil para o produtor conhecer os o marxismo, fundando o Partido Comunista
Façam os politiqueiros o que ententendrem, no
progresso da propria obra.
intuito de viverem sem trabalhar e conquista-
propósitos dos partidos socialistas, para além Brasileiro em 1922. Entretanto, outros com-
Porisso, os que chegam a este campo com am- rem medalhas, como os negros de Madasga- de sua oratória. bateram energicamente as ideias marxistas.
bições pessoais, ou julgando que é um mar de car; estão no seu papel. Mas o povo, as classes Com seu inconfundível estilo irônico,
rosas, estão chamados ao fracasso, e, muitos, laboriosas devem estar de atalaia contra esses
Florentino de Carvalho combateu ar-
arrastados pelas decepções, degeneram-se e dei- bandidos de cara meiga e alegre que auxiliam a
debochado e raivoso de escrita, Astrojildo Pe- dorosamente o marxismo mesmo antes de
xam-se ir a mercê de todas as baixezas e vilanias. burguesia na arte de governar, oprimir e explo- reira179, assinando com o pseudônimo Asper, 1917 e continuou este enfrentamento nos
Neste caso encontra-se o infeliz Ulisses, que,
rar o proletariado. fez a crítica a Rui Barbosa. Este tinha sido anos seguintes. Na revista A Vida, no ano de
iludido com a sua apócrifa intelectualidade, as- Essa ralé não merece ser ouvida; ela não atende apresentado como candidato à presidência por 1914, há um artigo seu em que tece críticas
pira a ser um dirigente dos povos, um legislador. a razões, a argumentos, o seu fim é triunfar por ser considerado entre os políticos possuidor a Marx. Estas críticas se repetem no jornal
todos os meios, os mais vis e infames. de altos dotes de inteligência e genialidade.
Ele está sciente de que a politica é a ressaca da Guerra Sociale, em 1916, e seus dois livros
depravação moral da sociedade. Ela compõe-se de larapios e de caftens, de vam- Exatamente este particular, a tão propalada contêm capítulos dedicados à análise do pen-
piros, que só podem ser recebidos a pontapés.177 genialidade de Rui Barbosa, foi o objeto pri-
O Capital, o militarismo, a religião são males de samento de Marx e de seus mais reconhecidos
pouca importancia, comparados com a politica. expoentes. Ele foi um dos primeiros a advertir
O politico é a personificação do tipo enciclo- 178 FRANCIS. Os partidos politicos. Germinal!. São Paulo, os trabalhadores quanto aos acontecimentos
pedico em todas as habilidades da mentira, da ano 1, n. 16, p. 1, 07 jul. 1913.
da Rússia bolchevique.
calunia e da infamia. 177 GRACO. O meu voto. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 179 ASPER. O salvador. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 19,
14, p. 1, 22 jun. 1913. p. 1, 03 ago. 1913.
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ANTOLOGIA LIBERTÁRIA Maria Lacerda de Moura também critica a apresentar sua análise particular. Nesta di-
o marxismo. Sua crítica ao feminismo não se reção, o autor iniciou rebatendo a iniciativa
O vampiro restringe à expressão sufragista das burguesas, do professor Paiva. Acusou, no professor, um
democráticas e religiosas. A versão marxista do flagrante desconhecimento da matéria que se
A crença popular afirma que de noite,
feminismo também foi alvo de duras críticas. propôs a abordar; e, ao mesmo tempo, susten-
Na hora em que o vento é frio e corta como o açoite
Domingos Passos e a União dos Operários da tou conhecer muito bem a maçonaria, de cuja
E, aproveitando a paz, tudo em silêncio dorme,
Construção Civil do Rio de Janeiro oferece- organização o professor participava.
O vampiro do seio feral de negra sepultura
ram resistência tenaz às tentativas de conquista Em seu texto, discorreu acerca de parti-
E pelo mundo a fora atira-se, em procura
dos sindicatos pelos partidários de Marx. cularidades da maçonaria, outrora caluniada e
Da criança que dorme a sorrir, inocente.
Suga-lhe o sangue novo em fúria, avidamente Os anarquistas encontravam-se na con- perseguida e que assumia naqueles tempos o
E só deixa, refarto, a presa inanimada dição de lidar com o imaginário social deli- papel de caluniadora e perseguidora dos que
Quando desponta, ao longe, a estrela da Alvorada! neando sua figura enquanto pessoa amoral, não se alinhavam com o status quo nem com
dinamitadora e assassina. Este imaginário os postulados daquela organização. Apontou
A Burguesia é como o vampiro: Com anciã, do anarquista como um monstro carniceiro, ainda mais incoerência na maçonaria por,
Aproveita da noite atroz da ignorância pronto a disparar revólveres contra autorida- num momento anterior, ter saudado com sa-
E há séculos exaure a pobre humanidade, des, jogar bombas em cafés e enterrar punhais tisfação algumas manifestações ateias e anar-
E dorme pachorrenta e calma como um frade em reis e presidentes, era recorrente em escri- quistas; e, num momento seguinte, através das
Que acabou de comer a ceia suculenta, tos e em periódicos de grande circulação. Os palavras do professor Paiva, rejeitar e criticar
Regada de Bordeaux, picada de pimenta... governos se basearam em Lombroso e Ferri, com veemência os postulados libertários e de
Lá no Oriente, porém, marcando um novo dia, com sua antropologia criminal, para dissemi- fraternidade humana difundidos pelos ácratas.
A estrela alvissareira e bela da Anarquia nar este estigma180. Na parte conclusiva de seu artigo,
Começa a despontar, resplendente e risonha. O redator181, num curto artigo, regis- José Martins183 definiu seu entendimento de
O vampiro, que à luz tem aversão medonha, trou e comentou acidamente a “autopsia da anarquismo e anarquia. A especificidade do
Quando o astro cintilar, as trevas espancando, anarquia” feita pelo professor Alfredo de Paiva, anarquismo diz respeito à negação do prin-
Buscará, com pavor, o seu covil nefando! cuja reflexão definiu o anarquismo nos termos cípio de autoridade sintetizado na sociedade
de monstruosidade. Este rápido apontamento vigente pelo Estado e pelas instituições que lhe
Livres, enfim, do trasgo infame que os devora, do redator se desdobrou em artigos escritos dão sustentação. O contraste registrado pelo
Os Homens gozarão a luz da Nova Aurora! por José Martins que elaborou, em números autor se daria entre os postulados libertários,
Raymundo Reis. A Obra. São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 05. 03.06.1920. Página 03. seguintes de Germinal!, críticas mais demora- igualitários e de caráter solidário das ideias
das às análises do senhor Paiva. anarquistas diante de todas as correntes do
José Martins182 apresentou suas refle- pensamento, partidos e religiões defensoras
ÓDIO EM MARCHA
xões sobre o assunto em dois artigos. Regis- das instituições governamentais.
trou, no primeiro, ter lido o artigo do redator O coletivo editorial de Germinal! abor-
em número anterior do jornal, dispondo-se dou diversos temas através de suas colunas.
Enquanto o Gozo sonha turbulento, Parece um ódio rubro de gigante Como visto inicialmente, este periódico ti-
Feito de vícios e de gargalhadas, Que se aproxima, escuro, horripilante, 180 LOMBROSO, César. O homem delinquente. Tradução,
Revolve, a Fome, as raivas agitadas Nos soluços das torvas multidões! atualização, notas e comentários de Maristele Bleggi e Oncar nha penetração em diversos países europeus.
Como os surdos trovões no firmamento… Antonio Corbo Garcia. Porto Alegre: Lenz, 2001. Apresentava, em suas colunas, notícias de
É a voz da Justiça que eu procuro, 181 AUTOPSIA da Anarquia. Germinal!. São Paulo, ano 1, acontecimentos recentes em diversas cidades
- Ó bandidos de panças regaladas, A recortar nas sombras do Futuro n. 09, p. 2, 17 maio 1913.
Escutai, escutai um só momento, Ensanguentadas alucinações... 182 MARTINS, José. Um Paiva que não é Couceiro ou os 183 MARTINS, José. Un Paiva que não é Couceiro ou os
Esse furor das turbas desgrenhadas, detractores da Anarquia. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 12, detractores da Anarquia. Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 13,
Raymundo Reis. A Obra. São Paulo – SP.
Mais fundo ainda que o furor do vento! p. 2-3, 08 jun. 1913. p. 1-2, 15 jun. 1913.
Ano 01 – Nº 05. 03.06.1920. Página 03.
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europeias, registrando manifestações operárias clusiva não existente em Germinal!, talvez por dentro da escala zoológica, como um integran- incrementando em suas vidas sociabilidades
e aspectos da questão social em países como ter sido interrompida a publicação do jornal te da natureza. Este enfoque possui como in- submissas ou arrogantes. O conferencista
Bulgária, Suíça, Inglaterra, entre outros. no vigésimo número ou talvez por não ter sido terlocutor os dogmas teológicos, uma vez que apresentou outros pontos de sua concepção
Em rápida nota, o redator184 denunciou encontrado o número seguinte. estes definem o ser humano como oriundo educacional. Destaco, em particular, o dina-
a perseguição feita, pelas mesmas autoridades Ao longo dos números de A Vida, Oi- diretamente das mãos divinas, possuindo um mismo envolvendo pais e interessados com o
que assassinaram Ferrer, a um cientista rebela- ticica publicou o estudo sobre a mulher com só modo de vida possível e tendo sido criado processo educacional da criança, de maneira
do contra atitudes preconceituosas de médicos algumas alterações, circunscritas apenas à com o objetivo de salvação ou danação eterna. que finda instaurando a abolição da escola.
com pacientes tuberculosos que tinham o corpo disposição das partes, e uma reorganização Numa sociedade marcadamente religiosa, as Sem afirmar taxativamente querer o fim da
tatuado. Apesar do reconhecimento da contri- das seções do texto, com subtração de dados contribuições de diversos estudos científicos, escola, tal como fez Ivan IlLich188 mais con-
buição e do desprendimento do doutor Que- ultrapassados e acréscimos de informações. tratando especificamente da origem animal temporaneamente, Pinho procurou dissipá-la,
raló, ele sofrera diversos processos, tendo sido Mudou também o estilo coloquial da primeira do ser humano, ainda constituíam objeto de diluí-la na vida.
finalmente desterrado por conta da insistência publicação, próprio para conferência. Analisa- resistência. Sobretudo, as camadas populares, Max dos Vasconcelos189 recitou, con-
em permanecer atuando na questão social. rei mais demoradamente este estudo adiante, impregnadas por ideias e crenças da igreja ca- forme registrado em Germinal!, um verso
Não apenas notícias de acontecimentos no seu texto definitivo publicado em A Vida, tólica, eram resistentes aos novos conhecimen- sobre a data de 13 de maio num evento de
da Europa os editores de Germinal! publicaram. cuja análise será apresentada no último item tos disponibilizados pelas pesquisas científicas. mesma data, no Rio de Janeiro. Esta poesia
Nos números onze e quinze, o redator estampou deste capítulo. A escola de ensino pretensamente laico fora publicada no jornal em seu número 11,
notícias da revolução mexicana, que foi a primei- Mortillet185 produziu extenso artigo e gratuito nas mãos do Estado em nada mu- em 31 de maio. Esta foi a única poesia que
ra revolução social do século XX. Destacou o refletindo detidamente sobre a educação do daria as disposições catequistas, salvacionis- encontrei nos vinte números deste periódico.
fato de terem se passado três anos de uma revolu- ponto de vista anarquista. Este seu escrito tas e messiânicas atribuídas unicamente, e de Talvez, isso se deva ao fato de ter encontrado
ção social de caráter anarquista que se espalhava comporta a proposta de conjugação do co- maneira equivocada, à escola confessional. A alguns de seus exemplares, como registrei no
em todo o território mexicano. nhecimento de diversas áreas do saber com metodologia, guardadas as diferenças de grau, início, incompletos.
A questão feminina também foi tratada fins de melhor discernimento das forças nas é a mesma: inculcação e repetição de sentenças Para finalizar esta parte, gostaria de des-
nas páginas de Germinal!. Os editores publi- quais a sociedade tem enredado indivíduos e apresentadas como verdades prontas e acaba- tacar rapidamente outros aspectos relativos à
caram a conferência inédita pronunciada por coletividades. A escola exerce sobre o aprendiz das. Nada de liberdade de observação, exame sociabilidade manifesta nas páginas de Germi-
José Oiticica que tratava da condição da mu- péssima influência quando regida pela religião e experimentação. Nesta escola, permanecem nal!. Diversas campanhas em favor de com-
lher na sociedade vigente. Em sua perspecti- e por filósofos contagiados pelo cristianismo. inalterados os processos, de proveniência divi- panheiros presos, em benefício de periódicos
va analítica, partiu da abordagem da questão Os métodos aqui são os de inculcação de dog- na, punindo ou premiando os alunos. como o próprio Germinal!, além de outros,
social a partir da energética, associando nesta mas e castração da liberdade. Adelino de Pinho187, professor da Escola foram alavancadas pelos anarquistas. Mesmo
análise áreas de conhecimentos distintas. O Essa perspectiva crítica da escola oficial, Moderna n. 2 em São Paulo, realizou uma uma campanha, anunciada no primeiro nú-
título da série de artigos publicados era “O seja confessional, privada ou pública, enquan- conferência nos idos de 1908, em Campinas, mero do jornal, em favor de Kropotkin foi
desperdicio da energia feminina”. Este estu- to instrumento de disciplinamento da popu- em que apresentou suas concepções educa- realizada, sendo os recursos enviados para o
do fora publicado sequencialmente a partir lação, foi partilhada pelos anarquistas. Mais cionais. Sua palestra iniciou com uma expli- conhecido expoente do anarquismo mundial.
do décimo número do jornal, seguindo até acima, João Crispim aludiu à instrução nas cação aos pais e interessados do porquê da Através de suas colunas, os editores pro-
o décimo segundo e retornando a partir do mãos do Estado como um processo de “do- não existência de exames e provas na escola. moveram festas em que arrecadavam recursos
décimo sexto até o vigésimo número. mesticação pública”.186 Em seu texto, assinalou o absurdo da premia- para associações operárias, grupos de afinidade
Essa série de artigos foi publicado dois Mortillet evidenciou as contribuições ção e punição estabelecidas nas escolas, evi- e meios de comunicação dos trabalhadores.
anos depois em texto definitivo na revista da antropologia por colocar o ser humano denciando os efeitos antissociais nos alunos. Anúncios de viagens de algum integrante do
anarquista do Rio de Janeiro - A Vida. Nesta Tantos os punidos como os premiados findam
185 MORTILLET, G. de. O que deve ser a educação. Edição 188 ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 3 ed. Tradução
publicação, há de acréscimo uma parte con-
especial do Germinal! e da Barricata. São Paulo, p. 3, 01 maio 1913. 187 PINHO, Adelino de. Pela educação e pelo trabalho – de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 1976.
184 A SCIENCIA no exilio. Germinal!. São Paulo, ano 1, 186 CRISPIM, João. Do momento. Germinal!. São Paulo, Conferencia lida na Liga Operaria de Campinas, a 13 de 189 VASCONCELOS, Max dos. 13 de maio. Germinal!.
n. 05, p. 1, 13 abr. 1913. ano 1, n. 19, p. 1, 03 ago. 1913. dezembro de 1908. Porto: Typographia Peninsular, 1909. São Paulo, ano 1, n. 11, p. 1, 31 maio 1913.
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coletivo editorial pelo interior do estado, re- cam os arquivos pesquisados. Nestes arquivos, uso do poder discricionário, da força policial e Os dísticos, ladeando o título do jornal,
cados a colaboradores do jornal de diferentes consegui encontrar os números um, dois, três, da violência sistemática, particularmente sobre anunciam a tendência anarquista do coletivo
cidades, cobrança dos atrasos de assinantes, cinco e seis. No primeiro número do jornal, os segmentos populares. Ainda mais quando, editorial. Ao longo dos números publicados,
balancetes e prestação de contas dos recursos foram anunciadas a programação e a organi- durante o período imediatamente anterior à os editores estamparam os seguintes: “A re-
financeiros adquiridos com eventos, assinatu- zação, por parte de um grupo de anarquistas Primeira Guerra Mundial, e quando de sua novação é a lei primordial da vida” e “Sangue
ras dos jornais e campanhas específicas foram do Centro Libertário, de dois festivais: um em eclosão, recrudesceu a repressão aos grupos de rebeldes sementes de revolucionarios”, no
estampados nas colunas do periódico. benefício de A Rebelião e outro de La Propa- considerados subversivos. Os aliados operavam primeiro número; “O verdadeiro socialismo é
Os leitores dispunham também da rela- ganda Libertaria190. com uma variação da máxima que anuncia: o Socialismo Anárquico” e “A transformação
ção de livros disponíveis para aquisição. Estes Apesar da brevidade do jornal, os traba- “Caso não esteja conosco, está contra nós”. social só é possível pela Revolução”, no se-
livros eram escritos em português ou espa- lhadores191 associados nesse experimento esta- Os próprios integrantes do coletivo edi- gundo número; “Anarquico é o pensamento e
nhol. Os editores apresentavam a relação dos vam, há muito tempo, cooperando em outras torial escreviam boa parcela dos artigos e se- para anarquia caminha a historia” e “Cada um
disponíveis com os respectivos preços. A “Bi- iniciativas, inclusive na edição de outros peri- ções dos jornais e revistas. No caso, Florentino segundo as suas forças, e a cada um segundo
blioteca do Germinal!”, como foi denominada ódicos. Alguns destes ácratas vinham, desde de Carvalho, João Penteado, Rodolfo Felipe, suas necessidades”, no terceiro, quinto e sexto
a seção no jornal, era de um inquestionável fins do século XIX, envolvidos na experimen- Adelino de Pinho, Galiléo Sanchez, Demó- números. A partir do segundo número, os edi-
ecletismo. Os autores recomendados para a tação e divulgação das ideias anarcas. Muitos crito, Ausonio Semita, João Crispim, Helio tores imprimiram, como subtítulo do jornal,
leitura escreviam nas mais diversas áreas do outros foram se achegando ao movimento ao Mortiço, Solargeo Livre, Pedro Esteve, Luigi a seguinte frase: “Semanario de propaganda
conhecimento. longo das primeiras décadas do século XX. Dal Col., Francisco Aroca e João Vosgos são socialista-anarquista – Escrito por trabalha-
Mesmo dentro da abordagem da ques- Continuaram associados, atuando em outros alguns assinantes de artigos, atuantes, ao que dores e para os trabalhadores”.
tão social, os editores não se limitavam a pen- periódicos como também em outras ativida- tudo indica, na cidade de São Paulo. Alguns Neste jornal, colaboraram anarquistas
sadores anarquistas. Destaco, como amostra, des. No primeiro parágrafo do editorial do destes são pseudônimos. de São Paulo e de cidades do interior do es-
apenas alguns dos nomes apresentados pelos primeiro número do jornal, há essa indicação Florentino de Carvalho era um dos tado, de outras regiões e até de outros países.
editores na referida seção: Hamon, Bakunin, retrospectiva. pseudônimos de Primitivo Raymundo So- Há colaborações em forma de artigos como
Büchner, Darwin, Engels, Marx, Nordau, Fa- Não há, estampada na revista, uma ares. João Crispim provavelmente era outro também notícias de diversas cidades: Belém
bri, Faure, Leone, Gorki, Stirner, Nietzsche, apresentação dos integrantes do coletivo pseudônimo seu, como já disse anteriormente. do Pará, Rio de Janeiro, Petrópolis, cidades
Proudhon, Merlino, Reclus, Michelet. Além editorial. A intensa perseguição policial aos Adelino Tavares de Pinho assinava seus arti- adjacentes a São Paulo como Santos, Ribeirão
de recomendarem a leitura de diversos autores, trabalhadores mais ativos impunha-lhes ado- gos na imprensa operária como Adelino de Pires, Campinas, entre outras, foram algumas.
colocando à disposição do trabalhador obras tar certas medidas de estratégia e cautela nas Pinho, Pinho de Riga, P. Tavares, P. de R., De fora do Brasil, foram publicados versos de
com preços acessíveis, os editores publicavam atividades anarquistas. Uma destas estratégias T. ou Pinho. Edgar Leuenroth assinou como Pietro Gori, artigos e notícias da Espanha, da
regularmente artigos ou estratos de obras ou consistia numa prática guerrilheira da dissi- Demócrito. Talvez Luigi Dal Col. trate-se, na Itália e de Portugal.
conferências de pensadores e militantes anar- mulação, da camuflagem, efetivada através da verdade, de Gigi Damiani, egresso da Colô- O jornal, além de ter sido distribuído
quistas consagrados. Deste modo, artigos de não divulgação dos verdadeiros nomes de al- nia Cecília, cuja colaboração em grupos de em outros países, foi escrito em três línguas:
Luigi Fabri, Merlino, Eça de Queiroz, Reclus, guns envolvidos com a iniciativa; e a utilização anarquistas, em São Paulo, vinha desde 1908. português, espanhol e italiano. Havia uma
Kropotkin, Tolstoi, entre outros, foram siste- frequente, quando da escrita de artigos, ora de No ano de 1919, foi deportado pela polícia seção para notícias em italiano e outra para
maticamente estampados no jornal. pseudônimos, ora das iniciais de seus nomes paulistana para a Itália. notícias em espanhol. A seção italiana deixou
ou dos pseudônimos. Os anarquistas atuantes em São Paulo de ser publicada nos dois últimos números.
Rebelião (A) [1914] A primeira república brasileira, através que assinaram com seus nomes verdadeiros, Apesar disto, no último número, o artigo edi-
de seus sucessivos governantes, foi pródiga no ou com suas iniciais, foram João Penteado, torial intitula-se “Os factos da Italia”, dando
Rodolfo Felipe, Galileo Sanchez e Francisco notícias de acontecimentos então recentes que
A Rebelião foi um semanário anarquista
190 PRO “A rebelião”. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 1, Aroca. Os demais, sem considerar os artigos de agitavam o operariado italiano.
de curta existência publicado na cidade de São p. 4, 01 maio 1914.
Paulo, no ano de 1914. Com quatro páginas, outras localidades, talvez sejam pseudônimos Os editores publicaram uma nota cur-
191 CARVALHO, Florentino de. A’ postos! A Rebelião. São
dele saíram apenas seis números. Assim indi- de alguns destes ou de outros trabalhadores. ta dirigida “aos camaradas do interior e dos
Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 01 maio 1914.
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outros estados do Brazil”, solicitando a todos calidades. Estas solicitações foram publicadas com o fim de extender e intensificar a obra de posição dos anarquistas diante dos aconteci-
os interessados na propaganda anarquista a nos três primeiros números do jornal. emancipação social. mentos, nestes artigos, conjugam-se conside-
indicação de alguém para exercer a função de Que ninguem falte.194 rações sociológicas, filosóficas, educacionais,
agente do jornal na localidade e outra pessoa Aos anarquistas de todos os paizes, culturais e subjetivas.
para ser correspondente. Com o representante Os articulistas expunham, à apreciação
Com o fim de que esta publicação potsa tee aos Na publicação do célebre discurso de
do jornal, as pessoas do lugar poderiam tratar do leitor, pensamentos e sentimentos parti-
sens leitores ao corrente do movimento social Miguel Schwab195, um dos oito condenados
de assuntos relativos à assinatura e compras culares, pessoais, relativos ao assunto abor-
internacional pedimos a todos os camaradas à pena capital e um dos cinco assassinados,
em pacote ou avulsas. Ao correspondente, ca- nos enviem trabalhos relativos a este assunto.193 dado. Não se escondiam por trás de algum
quando do histórico primeiro de maio de
beria informar particularidades do movimento expediente metodológico, mesmo que fosse
1886, na cidade de Chicago, nos Estados
operário local, enviar artigos e elaborar relatos uma “sólida verdade científica”, não se escu-
Artigos foram publicados dando notí- Unidos, há evidência da sintonia do coletivo
de eventos e acontecimentos locais relativos à dando em algum preconceito político, mesmo
cias do movimento operário e anarquista em editorial com os marcos histórico-sociais im-
questão social. que fosse algum pretenso interesse geral, ou
outros países. Além das seções em italiano e portantes das lutas de caráter supranacional
realizadas pelos trabalhadores em outros con- ainda num certo desígnio oculto revelado a
A Rebelião em espanhol, outros artigos davam conta de
tinentes. Todo o mundo proletário realizava uns poucos por alguma soberania, quer uma
Aos camaradas do interior e dos outros estados acontecimentos envolvendo trabalhadores na
eventos no primeiro de maio, remetendo sem- entidade divina, quer alguma pretendida lei
do Brazil. Itália, Espanha e Portugal. Devem ser con-
pre aos acontecimentos de Chicago e aos pro- social tida na qualidade de determinante do
siderados também os artigos que tratam da
Todos os companheiros que queiram fazer al- nunciamentos dos trabalhadores assassinados. dinamismo social.
Primeira Guerra. Eles abordavam assuntos
guma coisa em beneficio da propaganda podem
relativos às nações diretamente envolvidas Atendendo ao apelo lançado pelos edi- O artigo intitulado “Vinganças burgue-
fazel-o, nas proprias localidades onde se encon- sas”, escrito por Primitivo Soares196, traduz
tram reunindo-se e indicando um camarada que com o conflito, como Alemanha e Inglaterra, tores do jornal, diversas narrativas davam con-
desempenhe o cargo de agente administrativo e, consequentemente, elaboraram por vezes ta do aspecto geral e particular do movimento bem a ideia de elaboração de artigos, con-
deste jornal, e um correspondente que procu- ponderações, observações e questionamentos dos trabalhadores em diferentes localidades. vergindo análise e intencionalidade emotiva.
re enviar-nos informações de todos os factos
dirigidos ao proletariado destas localidades. Em todos os números do jornal, foi publicada Neste escrito, há uma descrição da então re-
importantes relativos ás condições em que se cente invasão à Federação Operária de Santos
encontra o elemento operario, esemplo ossala- Os contatos com anarquistas europeus uma seção denominada “Pelo Brasil”, noti-
rio, a jornada de trabalho, regulamentos, abusos ciando acontecimentos relativos às condições pela polícia. Desta ação policial, resultaram
apareceram de diversas maneiras ao longo dos
patronaes, como tambem dos movimentos de dos trabalhadores, às lutas operárias e anar- a prisão e a deportação de Antonio Vieites
números do jornal. No segundo número, há
resistencia, como reclamações protestos, greves, quistas ocorridas em várias cidades do interior e Manuel Gonçalves. O autor tratou tam-
acção anarquista, etc. uma pequena nota convidando os “simpati-
do Estado de São Paulo. bém do jornalismo comercial como prática
zantes” da Escola Moderna para assistirem a
Podem tambem constituir grupos para melhor policialesca, servindo aos propósitos de seg-
auxiliar o jornal, tanto na fase material como algumas fitas de cinema enviadas por anar- Por vezes, essas notícias eram apresen-
mentos políticos e patronais. Jornalistas da
informativa. quistas franceses. tadas em forma de artigos, oferecendo ao lei-
grande imprensa publicavam artigos a partir
Fazemos extenso este estenso este pedido ás tor uma perspectiva analítica elaborada pelo
das informações colhidas pelos policiais, sem
sociedade operarias e grupos ou centros liber- Escola Moderna articulista sobre os acontecimentos narrados.
nenhuma preocupação de investigar a sua
tarios.192 Além do registro histórico contendo a denún-
veracidade. Depois disso, em rápida nota,
Convite. cia de violências policiais, a conivência com
registrou a deportação de Antonio Vieites e
O Comité Pro Escola Moderna convida a todos estas situações por parte das autoridades go-
Através de nota brevíssima, de conteúdo Manuel Gonçalves após a ação policial em
os simpatizantes a comparecer á reunião que vernamentais e clericais, a forma de reação
semelhante à nota acima, os editores estende- terá logar na segunda feira, 11 do corrente, ás Santos, manifestando sentimento de intensa
adotada pelos trabalhadores envolvidos, a
ram aos anarquistas, no exterior, a solicitação 19 horas no local da Lega dela Democrazzia á indignação com o absurdo da situação.
para envio de artigos e matérias relatando a rua José Bonifacio N. 39, para tratar de adqui- 194 ESCOLA Moderna. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 2,
situação do movimento em seus países e lo- rir algumas das fitas cinamotograficas que um p. 1, 09 maio 1914.
grupo de camaradas parisienses está preparando
195 SCHWAB, Miguel. O processo da Anarquia – Discurso
192 A REBELIÃO. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 4, 193 AOS ANARQUISTAS de todos os paizes. A Rebelião. de Miguel Schwab perante os tribunaes de Chicago – 1886. 196 SOARES, Primitivo. Vinganças burguesas. A Rebelião.
01 maio 1914. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 4, 01 maio 1914. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 01 maio 1914. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 2, 01 maio 1914.
166 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 167

Consumou-se mais uma infamia – Expulsão porque todos as vertentes ácratas se encon- Não falteis, pois! Que os poucos operarios que “Os proletários de S. Paulo, reunidos em comi-
de Antonio Vieites e Manuel Gonçalves tram unânimes apenas no que diz respeito à ainda trabalham deixem as oficinas nesse dia e, cio, hoje, 1 de Maio de 1914, reafirmando as
incorporados á multidão imensa dos desocupa- suas aspirações de bem estar geral e seus ideaes
negação da hierarquia. A criação de jornais e dos, venham conclamar contra a ganancia insa- de fraternidade e de justiça humana, e:
Já o publico deve estar sciente da prisão em revistas era realizada por trabalhadores inte- ciavel dos argentarios que provocaram a carestia
Santos, dos operarios Antonio Vieites e Manuel considerando que as suas habituaes e tristes con-
Gonçalves, para cumprirem, segundo noticias grantes simultaneamente a outras associações da vida e a cessação do trabalho, afirmando ao
dições de salariados peoraram nestes ultimos
com objetivos distintos. mesmo tempo o seu direito a uma vida mais
da imprensa, a pena de 3 annos de prisão por tempos devido ao encarecimento dos generos de
equa e a sua aspiração a uma sociedade em que
terem violado o decreto de expulsão quando No caso de A Rebelião, e nos demais pe- primeira necessidade e dos alugueis de casas que
o bem-estar e a liberdade – hoje gosados por
por ocasião da ultima gréve dos trabalhadores as valorizações ficticias e torpes especulações fi-
das Docas daquela cidade, foram deportados riódicos aqui analisados, escreveram em suas uma minoria privilegiada – sejam patrimonio
zeram subir a um custo insustentavel;
colunas anarquistas envolvidos, para além da de todos e de cada um dos membros da comu-
para Lisboa.
nidade humana. considerando que é progressiva a suspensão das
A prova de que tal decreto existe somente na confecção do jornal, com escolas, bibliotecas, obras publicas e particulares, a paralização das
imaginação dos jornalistas ao serviço da burgue- atividades artísticas em geral, conferências, industrias e augmento das horas de trabalho e
sia, é que, na sexta feira passada foram embar- excursão de divulgação dos jornais, sindica- Todos ao comicio! a diminuição dos salarios;
cados em Santos, com destino a Genova, antes tos, encontros, teatro, entre outras atividades. considerando que ante as suas condições são
que fosse despachado o habbeas-corpus que em
Fazer sair a público um jornal implica, pelo desesperadoras, a braço com a fome e a miseria
seu favor havia sido impetrado. Viva o 1.º de Maio198
mais negra, não dispõem de outros meios de
menos, atividades de administração e reda-
A deportação anterior e a presente não sofreram defesa que aqueles que lhes podem sugerir a
nenhum tramite legal: os directores da compa- ção. Estas iniciativas se dirigiam, como visto união e o recíproco apoio,
nhia Docas e União de transportes entenderam- mais acima, tanto à localidade na qual resi- O relato contém uma descrição da for-
Protestam contra a organisação burgueza, con-
-se com o Secretario da Segurança publica para diam como também transpunham as linhas mação do evento e a apresentação de moções
tra a complicidade do Estado com os mono-
que fossem seqüestrados e embarcados clandes- aprovadas pelos trabalhadores.
imaginárias que separam povos, as chamadas polizadores da riqueza produzida pelos traba-
tinamente.
fronteiras nacionais. O convite para a mani- lhadores, e
Digam agora os patriotas, os legalistas, onde
festação do primeiro de maio e o relato de Comemoração do 1.º de Maio – Grande co- Deliberaram proseguir e intensificar a agitação
estão as garantias constitucionaes; onde se en-
como este transcorreu são emblemáticos desta micio de protesto contra o actual estado de coisas, atentatorio ao
contram as liberdades públicas e para que ser-
sacro direito á vida.”
vem as leis do pais. assertiva. Vejamos primeiro o convite e, em
seguida, o relato da manifestação. “Os trabalhadores de S. Paulo, reunidos em
Que vem a ser uma republica onde a liberdade Organizado pelas sociedades liberaes e ope-
comicio para, comemorando o 1º de Maio,
e a vida dos cidadãos estão a mercê dos direc- rarias, realizou-se no Largo da Sé um grande
manifestar se contra a exploração e a tirania
tores das empresas de exploração e dos matões comicio popular de protesto contra a carestia
1º DE MAIO burguezas e afirmar os seus ideaes de redenção
policiaes? da vida, contra a desocupação e contra as arbi-
Ao proletariado de S. Paulo humana, tomando conhecimento da inomina-
trariedades massacres e vandalismos praticados
Verdade que isto da vontade de fazer qualquer vel, violencia que vem de ser praticada contra
pelos governos de todos os paises contra as clas-
coisa? Trabalhadores: os operarios Antonio Filgueira Vieites e Manoel
ses populares, especialmente contra os homens
Aproveitando a data tradicionalmente consa- Gonçalves, expulsos ha poucos dias do paiz com
Não é necessario que o povo se arregimente e que mais se distinguem pela sua inteligencia,
grada ao protesto universal dos oprimidos e o desrespeito ás mais elementares formalidades
se arme atè os dentes e receba á bala as hordas entusiasmo e tenacidade na luta contra a ex-
dos expoliados contra a tirania dos potentados legaes, pois que esses homens do trabalho vi-
policiaes, para garantir as suas liberdades?197 ploração e a tirania.
e a exploração dos açambarcadores dos bens viam ha longos anos no Brasil, onde nasceram
sociaes, as associações populares de São Paulo A’s 10 horas da manhã, apesar da chuva incessan- seus filhos, e
resolveram realisar um te, uns 7.000 manifestantes enchiam o largo da
A associação de trabalhadores, como considerando que esse acto das autoridades de-
Sé, exteriorizando a sua indignação em face da
nuncia evidentemente o intuito de impedir o
de coletividades com fins diversos, surgiu en- revoltante situação em que o povo se encontra.
livre desenvolvimento das organisações proleta-
quanto prática comum no movimento operá- Grande comicio no dia 1.º de Maio, ás 9 ho-
Depois de haverem falado diversos oradores, rias e embaraçar a propaganda dos principios de
ras da manhã no largo da Sé
rio. Quanto à expressão particularmente liber- um camarada deu leitura ás seguintes emooes renovação social das quaes esses trabalhadores
tária do movimento, essa prática associativa que foram aprovadas por unanimidade: eram propagadores;
tomou proporções bastantes características, ao qual deveis comparecer em massa, Vós todos considerando tambem que a lei de expulsão de
sobre quem verdadeiramente pesam as horríveis estrangeiros com a qual se pretende justificar
197 CONSUMOU-SE mais uma infamia – Expulsão de consequencias da actual situação de angustias actos desta natureza constitue o mais frisante
Antonio Vieites e Manuel Gonçalves. A Rebelião. São Paulo, e de miserias. 198 1º DE MAIO. Ao proletariado de S. Paulo. A Rebelião.
atentado á liberdade, ao socego e aos direitos
ano 1, n. 1, p. 1, 01 maio 1914. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 4, 01 maio 1914.
168 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 169

dos trabalhadores para aqui atraídos pelas pro- número, dois poemas. Um em italiano e o Um aspecto interessante, aparentemen- Escola Moderna nº 2
messas liberaes, outro em português200. te irrelevante, numa leitura do jornal, diz res-
Domingo, pelas 2 horas da tarde haverá na sede
lançam o seu veemente protesto contra essa vio- Os editores anunciaram, a partir do peito ao endereço de funcionamento da Escola desta escola, á rua Miller, 74, uma pequena reu-
lência e convidam o proletariado de todo o Bra- Moderna Número 2. A redação e administra-
zil, assim como todos os homens de conciencia segundo número do jornal até o sexto, o nião que constará de recitativos e conferencia
emancipada a iniciarem um activo e enérgico funcionamento de escolas administradas por ção de A Rebelião funcionava no mesmo local e para a qual ficam convidados ás familias dos
da referida escola. Além do funcionamento de alunos e todos quantos se interessam pelo de-
movimento contra essa brutalidade.” anarquistas e, de maneira esporádica, ativi- senvolvimento da Escola Moderna.201
dades promovidas pelas escolas e franquea- escola e jornal, neste mesmo local, os trabalha-
das aos trabalhadores e demais interessados. dores realizavam conferências, recitativos de
Em seguida o povo percorreu em coluna, as
ruas centraes da cidade e voltou a reunir se no Estas atividades consistiam em estratégias de poesias e outros eventos culturais, recreativos A valorização das artes, enquanto meio
lardo da Sé, de onde numerosos grupos se diri- envolvimento da família, e pessoas próximas e científicos. de intervenção social e de manifestação esté-
giram para os respectivos bairros, dando vivas tica, surge não só no cotidiano escolar, como
ao aluno, no seu processo educacional. A ideia Esse fato constitui um indicativo do
á Revolução Social.
subjacente às atividades era contagiá-los com direcionamento dessas atividades desoneran- anunciado nos textos que tratam dos progra-
A policia não passou sem fazer das suas. Quan- mas das escolas modernas e no anúncio da
os temas, as discussões, as experimentações da do linhas divisórias e os limites estreitos da
do um numeroso grupo de manifestantes passa-
va pela rua do Carmo em direcção ao Braz, uma escola, instaurando um nomadismo, de contí- especialização. Trata-se de limiaridades e in- reunião a convite da Escola Moderna nº 2.
companhia de guarda cívicos tentou empregar nua e intensa diluição da fronteira separando terstícios num movimento de arruinamento Ainda no interior da questão educa-
a violência para dividir a coluna, mas a resis- vida e escola, existência e saber. constante das divisórias consagradas pela lei, cional, Fábio Luz202 publicou um artigo no
tencia oposta pelo povo inutilisou em parte a
Nos anúncios de divulgação das esco- pelo costume, pelos hábitos e pelas conven- primeiro número do jornal apresentando algu-
brutalidade dos esbirros.199
las modernas número 1 e número 2, os edi- ções. Utilizavam os campos de conhecimento mas reflexões acerca da instrução numa pers-
tores expuseram as matérias e os programas especializados, como ciências naturais, física, pectiva anarquista. Neste seu escrito, delineou
As atividades, por sua vez, caracteriza- de ensino, local e horas de funcionamento, história, filosofia, conjugadas a diferentes ati- uma crítica mordaz à concepção pragmática
vam-se pela multilateralidade. Os editores do entre outras informações. Os dois anúncios vidades: jornalismo, viagens de propaganda, e utilitarista de educação cultivada nas ins-
periódico, ao mesmo tempo em que tinham apresentavam ambas as escolas com objetivos conferências, manifestações públicas, como tituições oficiais, afirmando que a educação
objetivos de aproximar e estreitar os relaciona- e metodologias em aberto confronto com o formas de se colocarem ativa e libertariamente constitui mero instrumento de formação ba-
mentos dos trabalhadores entre si; de elaborar ensino oficial, patriótico e militarista, confes- na existência. charelesca e militarista.
e projetar para a sociedade uma perspectiva sional ou público: união de meninos e meni- Além do mais, o dinamismo escolar Os preconceitos nativistas encontra-
anarquista dos acontecimentos do momen- nas numa mesma sala de aula, num período sendo acionado a partir não de algum progra- vam, na educação oficial, o terreno propício
to; de promover a intensificação dos conta- em que, segundo o ensino convencional, esta ma preestabelecido, de algum código norma- para serem alastrados na juventude, ao mesmo
tos entre pessoas e coletividades, procuravam medida consistia num sintoma de perversão lizador, mas sim dos passeios, das observações tempo em que o sentido social da educação
também instaurar dinamismos educacionais moral; valorização da especificidade de cada diretas e das experimentações dos próprios era escamoteado. Por sua vez, o favorecimento
e de militância operária como o exposto no criança como elemento por demais importan- alunos, constitui o estabelecimento de um de um processo educacional com o objetivo
convite para o comício do 1º de maio logo te no processo educacional; aprendizado do fazer educacional indisciplinar. Considerando de uma elevação intelectual não alcançava a
acima. Realizavam o registro historiográfico, infante a partir de suas inquietações, ques- outros aspectos educacionais, colocados em realidade de vida do trabalhador, pois as suas
a orientação de ideias, os debates sobre temas tionamentos e reflexões, gestadas a partir de ação pelo ensino racionalista, como a coedu- energias, dentro do quadro social vigente, en-
do momento, a divulgação de livros, jornais, uma observação direta sobre os fenômenos cação dos sexos e das classes sociais, a abolição contravam-se voltadas exclusivamente para a
revistas e as campanhas de solidariedade a tra- que o envolviam e da possibilidade dele expe- de exames, notas e de punição e premiação, obtenção do alimento cotidiano.
balhadores. Tudo isto tendo ocorrido tanto rimentar livremente; passeios educativos com esse sentido indisciplinar na produção, ela- As frequentes viagens de divulgação dos
através de interlocuções com adversários como as crianças, entre outros métodos. boração e socialização do saber toma formas periódicos, realizadas por integrantes do cole-
com anarquistas. O jornal estampou, em que mais definidas.
pese o fato de ter sido apenas em seu primeiro Em uma nota breve, os editores anun- 201 A REBELIÃO. São Paulo, ano 1, n. 5, p. 3, 07 jun.
200 GORI, Pietro. - - - -esta di Maggio. A Rebelião. São
1914.
199 COMEMORAÇÃO do 1º de Maio – Grande comicio Paulo, ano 1, n. 1, p. 4, 01 maio 1914. DEMORDES, J. ciaram uma das atividades promovidas pela
de protesto. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 2, p. 4, 09 maio Verso Novo. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 4, 01 maio 202 LUZ, Fabio. O direito á instrucção. A Rebelião. São
Escola Moderna nº 2.
1914. 1914. Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 01 maio 1914.
170 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 171

tivo editorial, traduzem o significado de uma havia passado, vislumbrando o caleidoscópio ciação agrupava diversos anarquistas com o Zenon de Almeida, Sperduto, Aquino e João
atividade de caráter multilateral. No segundo e compondo os sentidos atribuídos e em ati- objetivo de potencializar as forças individuais, Gonçalves tinham sido presos na Federação
número, os editores anunciaram uma viagem vidade a partir da iniciativa da propaganda. aumentando o raio de alcance das atividades Operária do Rio de Janeiro. Antonio Moreira,
de propaganda a ser realizada por um dos inte- A “propaganda” findava sendo, no fim das realizadas como das intervenções sociais, sem- presidente do Centro 1.º de Maio, e outro
grantes do grupo editorial. No número seguin- contas, um mero pretexto para instaurar vi- pre numa perspectiva anarquista. trabalhador, não identificado pelo articulista,
te, os editores estamparam outra mensagem vências libertárias, a depender da forma de Pinho de Riga206, abordando, em breve foram presos em Petrópolis. Estas prisões se
com conteúdo quase idêntico, confirmando reação local às provocações feitas pelo viajante artigo, a situação de violência governamental deram por conta da possibilidade das mani-
datas e percurso anteriormente divulgados. da anarquia. sobre os trabalhadores no Brasil e em Portugal, festações do 1º de maio favorecerem rebeliões.
Nesse anúncio, ficam evidentes a inten- criticou tenazmente as iniciativas de constru- Várias foram as iniciativas visando au-
Excursão de propaganda ção e a disposição em emprestar à iniciativa ção das vilas operárias. Para ele, estas moradias xiliar financeiramente a publicação do jornal.
de divulgação do jornal um caráter plural, va- consistiam, no fim das contas, em mais uma Uma delas, registrada nas colunas do periódi-
Amanhã, 10 do corrente, seguirá em excursão riado, para além da simples propaganda dos outra ordem de violência incidindo sobre as co, tratou do anúncio do sorteio, entre os as-
de propaganda sociologica, pelo interior do Es- periódicos. O encarregado em levar o jornal classes trabalhadoras. Essas vilas constituíam sinantes dos jornais, de um terreno doado. O
tado, o camarada João Crispim, representando
o jornal ‘A Rebelião’ e a Confederação Operaria
às diversas cidades do interior do estado não em mais uma forma de segregação, separan- objetivo do sorteio era de que sua venda fosse
Brasileira. só divulgava os referidos periódicos, mas tam- do fisicamente as pessoas com base em refe- revertida para a manutenção de três jornais
A excursão obedecerá ao seguinte intinerario:
bém o Centro Libertário e a COB. Procura- renciais classistas de caráter eminentemente anarquistas, dois de São Paulo, A Rebelião e
Jundiaí, Campinas, Casa Branca, Cravinhos, va simultaneamente instigar a formação, em preconceituoso. La Propaganda Libertária, e um outro, Aurora,
Ribeirão Preto, Pontal, Vassoura, Sertãozinho, cada localidade visitada, de grupos de apoio Desnudou, ainda em começos do século da cidade de Porto, em Portugal208.
Batataes, Franca, Rifaina, Uberaba, Araguari, aos jornais, levantar mais assinantes para os
Jardinopolis, Sta. Rita do Paraíso, Vila Bomfim,
XX, a segregação física de extratos popula- O anúncio do sorteio foi publicado
S. Simão, S. José do Rio Pardo, Mococa, S. João
periódicos, agrupar trabalhadores dispostos a cionais como uma tecnologia de controle das novamente no quinto número do jornal. O
da Boa Vista, Poços de Calda, Espirito Santo estabelecer a organização de sindicatos, apoiar camadas dominantes sobre segmentos popu- articulista acrescentou a informação da data
do Pinhal, Mogiguassú, Mogimirim, Itapira, experiências com escolas, entre outras ativi- lares; prática esta, vale salientar, aperfeiçoa- de extração da loteria para contemplação do
Amparo, Socorro, Serra Negra, etc. dades204. da nos sucessivos governos republicanos no ganhador. Outra forma de arrecadar fundos
A’s sociedades operarias, grupos e camaradas em Em certa parte do relato da viagem, pu- Brasil. As críticas do articulista denunciavam aconteceu com a divulgação da venda de uma
geral, fazemos esta comunicação para que or-
ganizem comicios, conferencias, assembleias ou
blicado no quinto número do jornal, o articu- a caridade dos governantes como baseada na “estampa” com alusão ao 1º de maio. Este de-
festivaes de propaganda, e mantenham com o lista205 deixou, no momento final do escrito, ideia de pureza e de higienização social e rela- senho representava, segundo a descrição do
grupo editor d’A Rebelião, ou com o camarada subentendido que João Crispim, além de exer- cionavam estes procedimentos aos executados articulista, uma figura feminina segurando
Crispim uma activa correspondencia; afim de cer as funções de representante de A Rebelião por racistas. Denunciou, nas ações governa- um facho incandescente e passando sobre as
se combinar o dia de chegada a cada localidade.
e da COB, acumulava a de representante do mentais, o estabelecimento de estigmas mani- ruínas de figuras simbólicas do estatismo e do
O companheiro excursionista estará o dia 10 jornal anarquista de São Paulo La Propaganda festados de diversas maneiras sob as aparências capitalismo.
em Jundiaí, e o dia 12 ou 13, em Campinas,
o 14 ou 15 em Casa Branca, e o 16 ou 17 em Libertária. Ambos os jornais eram dirigidos de “filantropia”. Foram inseridas nessa estampa fotos
Cravinhos. por anarquistas do Centro Libertário. Crispim No artigo intitulado “O 1.º de Maio de personalidades anarquistas de projeção
De todos os camaradas depende o bom éxito auxiliou os interessados de algumas das loca- no Rio e em Petropolis. Violencias policiais – mundial. A confecção desses quadros deveu-
desta excursão, e de todos esperamos o valioso lidades na fundação de agrupamentos com a Necessidade de uma agitação de protesto”207, o -se, registra o articulista, ao jornal anarquista
concurso que puderem prestar.203 mesma designação e concepção associacionista articulista descreveu a prisão de anarquistas no de Santos, A Revolta209. O anúncio tratava
libertária do centro que integrava. Esta asso- Rio de Janeiro e em Petrópolis. Os anarquistas divertidamente do jornal santista de “nosso
Nos outros números, foram publica- 204 CRISPIM, João. Crónica da nossa Excursão de Propa-
dos breves relatos do viajante, descrevendo os ganda. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 5, p. 1-2, 07 jun. 206 RIGA, Pinho de. Cá e lá... A Rebelião. São Paulo, ano
1914. 1, n. 2, p. 1, 09 maio 1914. 208 UMA BOA iniciativa. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n.
acontecimentos em cada localidade por onde 3, p. 4, 17 maio 1914.
205 CRISPIM, João. Crónica da nossa Excursão de Propa- 207 O 1.º DE MAIO no Rio e em Petropolis. Violencias
203 EXCURSÃO de propaganda. A Rebelião. São Paulo, ganda. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 5, p. 1-2, 07 jun. policiais – Necessidade de uma agitação de protesto. A Re- 209 ALEGORIA social. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 3,
ano 1, n. 2, p. 4, 09 maio 1914. 1914. belião. São Paulo, ano 1, n. 2, p. 1, 09 maio 1914. p. 3, 17 maio 1914.
172 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 173

colega” por conta da proximidade de ideias, sobre vários assuntos. Ocasião para a emer- Desta maneira, interpretou os proce- beralismo ou ao materialismo histórico. Des-
bem como de sua designação com A Rebelião. gência, na narrativa elaborada, da linha de dimentos governamentais dos democratas ta maneira, o modelo civilizacional operante
A seção denominada Correspondencia expressão anarquista do articulista e presente republicanos sobre a população trabalhadora definitivamente não escapara ao dinamismo
demonstrou ter existido uma vasta rede de naquele instante. e, diante da insatisfação popular, como sendo religioso do medievo. Houve, antes disso, uma
contatos estabelecidos com trabalhadores e O artigo editorial213 do primeiro núme- o mesmo adotado por monarcas e impera- sofisticação dos métodos teológicos medievais
anarquistas de várias cidades. Esta rede fora ro do jornal anunciou a direção e o conteú- dores. As leis sociais do período republicano com o estabelecimento da modernidade.
ampliada com a articulação de agentes repre- do das críticas apresentadas em suas páginas, de nada adiantavam, uma vez persistirem, na Higiene e estética constituíam balizas
sentantes do jornal em várias cidades210. Em como também o significado do jornal no ce- democrática república brasileira, expedientes fundamentais para a elaboração do que de-
todos os números, a seção foi publicada com nário social no qual o movimento operário e em que era costumeiro o arbítrio da força pú- nominou “novos costumes”. Delineia-se aqui
recados e respostas às cartas recebidas e en- anarquista se encontrava. A iconoclastia foi blica, através da violência policial, sobre os novamente a crítica elaborada ao modelo ci-
dereçadas aos agentes do jornal. No quinto e propagada enquanto perspectiva adotada pelos segmentos populares. A perspectiva adotada vilizacional em voga, tomando forma uma
sexto números, há uma seção intitulada Nossos editores, de modo a propiciar o estabelecimen- pelo articulista evidenciou a identidade entre decidida recusa das instituições disciplinares,
agentes, registrando o aumento de pessoas en- to de uma vibração demolidora das escravi- monarquia e república. atualizadoras de concepções transcendentais
volvidas com a divulgação do jornal211. Alguns dões, orientando as atividades e iniciativas do A concepção de evolução posta em ati- em seus intentos de domínio. Este regime de
destes agentes também colaboraram com ar- grupo editorial. vidade no artigo editorial do primeiro número soberania foi constituído através de diversos
tigos e com narrativas de acontecimentos de O entendimento de escravidão que do jornal dizia respeito ao caráter transitório procedimentos preventivos e da prática da
suas localidades relativos à questão social. emergiu no artigo desconsiderava o uso co- dos fenômenos humanos. Nada em comum premiação e punição.
No segundo número do jornal, os edi- mum dado a esta prática de exploração. O com os evolucionistas vitorianos. Estes eram Essas ponderações caracterizaram não
tores212 publicaram um “balancete” sobre enfoque proposto transcendia os convencio- teleológicos, fatalistas e, sobretudo, entendiam o anarquismo como pré-moderno. Se é ver-
entradas e saídas do primeiro número do nalismos que procediam a uma compreensão os agrupamentos humanos como dispostos dade que há um campo abarcando expres-
da escravidão como algo relativo apenas aos num mesmo caminho evolucionário natural,
jornal. A esta prestação de contas, somam- sões modernas, como aqui expostas, entre os
negros e, sobretudo, como técnica espoliado- constituído de estágios, cada um deles dividi-
-se os outros indícios acerca do amplo leque anarquismos, também é verdade existir um
ra passada à história. Segundo o articulista, dos em fases sucessivas. Esta concepção apre-
de pessoas contatadas pelo coletivo editorial. outro campo contemplando a existência de
muito pelo contrário, a antiga escravidão do sentava a evolução como sendo unilinear, fatal
Esse balancete constitui uma oportunidade um anarquismo antimoderno. Neste anar-
período da monarquia não havia sido abolida e irreversível.
para o conhecimento de alguns aspectos de quismo, a civilização era percebida como
com a Lei Áurea, mas antes atualizada, am-
uma economia autogestionária praticada no meio de reprodução de sociabilidades ames-
pliada e aprofundada em sua intensidade e
interior de uma sociedade heterogestionária. Compenetrados do valor das naturaes leis de tradoras, produzindo subjetividades domes-
eficácia pelos republicanos.
Mas esta empreitada não cabe ser realizada evolução não podemos consentir e o estagna- ticadas, susceptíveis ao dinamismo social de
neste momento. Fica o registro. Em outro artigo, publicado nesse mes- mento e a cristalização das cousas existentes. A
sociedade presente está desbotada, suja e rota. controle-submissão. Emerge destas reflexões
Os editoriais de A Rebelião tematizaram mo número, Florentino de Carvalho214, assi-
A velhice tornou-a caduca, fria, triste, mistica um anarquismo mais afinado com a condição
diversos aspectos da questão social. Abordan- nando com seu nome verdadeiro, expressou e nostalgica.215 existencial do nômade selvagem das socieda-
do assuntos relativos, ora a acontecimentos do seu entendimento do que vinha a ser a repú-
des antropofágicas.
instante, ora a temas históricos ou de organi- blica, a monarquia e a escravidão. O episódio
de sua deportação, juntamente com outros A sociedade vigente aparecia, nas pon-
zação e combate proletário, o signatário ou o E nós queremos, segundo os preceitos da higie-
grupo editorial elaboraram diversas reflexões trabalhadores, constituiu ato de explícito arbí- derações elaboradas pelo articulista, enquanto
ne e da estética, envergar indumentaria nova,
trio praticado pela polícia, uma vez ter aconte- tributária do cristianismo. Não havia, desta queremos ver a humanidade embelesada com
210 CORRESPONDENCIA. A Rebelião. São Paulo, ano cido sumariamente, sem nenhum julgamento. maneira, como entendê-la instaurada num novos habitos, novos costumes, novas e infla-
1, n. 1, p. 4, 01 maio 1914. mantes instituições.
dinamismo laico ou ateísta como sustenta-
211 NOSSOS agentes. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 5, p.
4, 07 jun. 1914. NOSSOS agentes. A Rebelião. São Paulo, 213 CARVALHO, Florentino de. A’ postos! A Rebelião. São
vam filósofos e cientistas sociais afeitos ao li- A sociedade das instituições de caridade, de
beneficiencia, de socorros mutuos, a socieda-
ano 1, n. 6, p. 4, 17 jun. 1914. Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 01 maio 1914.
de dos hospitaes, dos asilos, dos horfanatos, a
212 BALANCETE do n. 1. A Rebelião. São Paulo, ano 1, 214 SOARES, Primitivo. Vinganças burguesas. A Rebelião. 215 CARVALHO, Florentino de. A’ postos! A Rebelião. São sociedade dos doentes, dos ladrões e dos men-
n. 2, p. 4, 09 maio 1914. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 2, 01 maio 1914. Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 01 maio 1914.
174 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 175

digos, vergonha da nossa era de progresso e de mente hierarquizante e predatória. Se, de um O trabalho, neste contexto, perderia econômico na mesma proporção em que este
civilização, deve desaparecer a bem da saúde lado, à escravidão antiga correspondiam ges- seu caráter torturante, penoso e sofrível, pas- àquele219.
pública, a bem da equidade e da razão.216
tores antigos; a escravidão moderna, por outro sando a ser concebido enquanto exercício de A fim de garantir esses monopólios,
lado, possui, de modo similar, os seus próprios uma “ginástica”, ocupando lugar relevante no o governo intervinha nas relações sociais de
No quesito relativo à organização dos “negreiros modernos”. O articulista expressou processo de reativação e realimentação das maneira compulsória, procurando impor e
trabalhadores, o aspecto de crítica e recusa ao uma concepção de igualdade social não como energias individuais. Ao mesmo tempo, essa manter o seu domínio através do controle em
modelo civilizacional vigente é reafirmado. algum tipo de nivelamento por baixo, alguma “ginástica” seria enriquecida e ampliada em diversas dimensões da vida social. Como uma
Considerável estrato deste movimento ope- homogeneização nas formas ou padronização sua concepção por incorporar, quando de sua das estratégias de domínio sobre os segmentos
racionalizou uma forma de organização dos das práticas sociais. Igualdade, para ele, signi- concretização e enquanto elemento relevante, da população, o governo buscava fabricar um
trabalhadores em franca sintonia com a di- ficava simplesmente equidade nas “condições apreciações de ordem estética. Essa forma de consenso na sociedade, na intenção explícita
visão das tarefas estabelecida pela perspectiva economicas, politicas e sociaes”. compreensão desonera os conceitos utilitaris- de prevenir sublevações. Noam Chomsky220
disciplinar capitalista. A distribuição ordeira Crispim compreendeu a sociabilidade tas definindo o que seja “trabalho”. estudou os mecanismos e as formas utilizadas
dos trabalhadores em sindicatos por profis- humana como sendo composta de elementos Nesta compreensão, Crispim e Adelino sistematicamente pelos governos democráti-
são reproduzia a divisão do trabalho sob o da ordem do intelecto e da ordem do senti- de Pinho218 convergem. Ao invés de opor tra- cos para a construção do consenso na popula-
capitalismo, resultando numa conservação mento. A estagnação destas duas, ou de uma balho e não trabalho, as reflexões de ambos ção. Tratando particularmente da experiência
da disposição corporativa favorável à explo- destas dimensões societárias humanas, cons- resultam na abolição do trabalho sob capitalis- dos sucessivos governos dos Estados Unidos,
ração e, portanto, à manutenção da relação titui o resultado da ação da religião, da moral mo. Assinalam uma intencionalidade em de- Chomsky analisou com pormenores o siste-
dominação-obediência. estabelecida, da escola, do patriotismo e do sonerar a fronteira que separa atividades pro- ma de “propaganda ideológica” realizado pelo
Uma organização social avessa à disci- militarismo. A formação das subjetividades sob dutivas da vida. O esforço produtivo deveria governo estadunidense. Para os governantes,
plina teria que inventar outras formas socie- a influência dessas instituições, que procuram ser livre, encarado como uma arte, ginástica e a manufatura do consenso social é mais im-
tárias em confronto com as vigentes. A or- o estancamento das desenvoluções individuais, entretenimento. Nesta direção, Pinho tratou portante do que os mecanismos violentos de
ganização dos trabalhadores deveria quebrar produziria escravidões em diversas ordens. de reconciliar também o trabalho intelectual repressão.
imediatamente com o dinamismo corporati- Daí o porquê da necessidade de uma com o trabalho manual. Aquele que é ape- Finalizando o editorial, o articulista se
vista, associando simultaneamente trabalhado- revolução social envolvendo todos esses cam- nas intelectual deve exercitar alguma ativida- dirigiu ao leitor concitando-o diretamente ao
res de diversas profissões. Esta foi a sugestão pos, uma vez vir da junção destas dimensões da de manual, e o trabalhador manual deve ter imediato exercício de uma rebelião que fosse
elaborada com ênfase por João Crispim, em sociabilidade o móvel das atitudes e dos com- acesso ao estudo. contínua. Seu chamamento não incitava o lei-
uma das localidades que passou, quando de portamentos das pessoas. Desta maneira, não Nada a esperar dos políticos qualquer tor para aderir a algum programa de partido
suas viagens de propaganda. só o pensamento livre bastaria. Também era que fosse a tendência, advertiu Crispim no nem para se filiar a algum grupo conspirató-
Frisei bastante a necessidade de organizar nesta necessário o estabelecimento imediato de uma relato. Sugeriu, em seguida, ao leitor uma rio, nem tampouco para aceitar algum sistema
localidade uma liga operaria, á qual se filiassem vontade livre. Desta liberdade, resultaria não reflexão em torno dos acontecimentos regis- de crenças. Suas palavras instigavam para a
não somente os operarios mas tambem os co-
lonos para melhor se resistir ao brutal sistema algum ponto final, alguma estação de chegada. trados na história, procedendo, depois disso, ação direta de individualidades rebeladas con-
de violencias que o proletariado sofre, e iniciar Ele definiu, noutro momento, com a uma análise “da essencia e funcionamento tra o domínio, contra a hierarquia e a favor
o povo nas lutas pelas reivindicaçoes sociaes.217 maior precisão, sua compreensão do que de- dos poderes governamentais” como forma de da liberdade social.
nominou mais acima “igualdade de condições favorecer o abandono da fé nos representan- Essa perspectiva estimulava o leitor
economicas, politicas e sociaes”. Igualdade tes do povo. O domínio político estava, em a tomar conta de sua própria vida, não lhe
A modernidade foi apresentada, em
consistia no nivelamento por cima, de maneira sua perspectiva, intimamente relacionado ao oferecendo qualquer repouso, segurança ou
seus contornos relativos à instauração da so-
ciabilidade humana, como sendo eminente- a favorecer a extinção de hierarquias. Este es- 219 Sobre o Estado na história, ver: LEVAL, Gastón. El
tado de equidade resultaria numa melhoria na 218 PINHO, Adelino de. Pela educação e pelo trabalho – Estado em la história. Madrid: CNT-AIT, Cali: Associación
216 CARVALHO, Florentino de. A’ postos! A Rebelião. São saúde coletiva e individual, cujo desdobramen- Conferencia lida na LIGA OPERARIA DE CAMPINAS, Artística “La Cuchilla”, 1978.
Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 01 maio 1914.
to se observaria com “o otimismo, o entusias- a 13 de dezembro de 1908. Porto: Typographia Peninsular, 220 CHOMSKY, Noam. Propaganda ideológica e controle
217 CRISPIM, João. Crónica da nossa Excursão de Propa- 1909. PINHO, Adelino de. Quem não trabalha não come. do juízo público. Tradução de Danielle Mendes Sales. Rio
mo e a alegria” envolvendo os trabalhadores.
ganda. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 6, p. 2, 17 jun. 1914. São Paulo: Cooperativa Graphica Popular, 1920. de Janeiro: Achiamé, [2004?].
176 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 177

apoio para a caminhada, mas antes o imediato mandões e governantes de qualquer rotulo ou e que julgamos trazer solução ao problema da ar e sangrar o povo. Aquele povo que trabalha
abandono da cômoda posição de espectador, partido, quer pela já agora cordeiresca submis- miseria em que a humanidade vegeta? compreende-se.
são, passividade e resignação dum operariado E’ o nosso desejo.221 O rei é o farol das instituições: nele se apóiam
paciente e representado na vida. O próprio abastardado e incoerente que abandona a luta os invertebrados; a ele pedem luzes os manda-
articulista fez questão de definir sua posição, de todos os dias, fiado nas palhaçadas e pro- tários do povo.
neste processo, enquanto um rebelde ladeado messas dos seus exploradores, não divizando Solargeo Livre222, ao apresentar na seção
esta verdade: que só pela aspiração perene, lucta Cada rei tem o seu Beccaris.
e ladeando outros rebeldes. Nada de vanguar- Comentarios algumas rápidas ponderações em
continua e estudo permanente das questões que o O mais hnmano é aquele que tem menos vic-
das nem tampouco retaguardas. afectam, conseguirá a sua emancipação. torno da situação conflituosa que imperava timas; todos as teem.
Nesta ordem discursiva, Adelino de Pi- entre os políticos republicanos em suas dis- O democratico rei da Italia não quer ficar atraz
Emquanto os caciques locaes e nacionaes se
nho elaborou algumas reflexões apresentando degladiam mutuamente na conquista do que putas pelo poder logo em seguida à derrocada do seu colega o Czar.
o quadro social de dominação enquanto cons- chamam direcção dos altos destinos do país; da monarquia, expressou a mesma insatisfação Ambos teem o seu povo e ambos amam o seu
tituído por uma dinâmica eminentemente re- emquanto assaltam o tesouro publico e esban- apresentada por Adelino de Pinho. De suas pova; mas com a condição que este permaneça
jam nababescamente o suposto patrimonio na- imobil e fossilizado.
lacional. A situação de crise social e econômica palavras de análise da situação política, eco-
cional em viajatas é Europa e em subvenções a
que atingia a sociedade brasileira, em seu tem- uma imprensa mercenaria que lhes justifica os nômica e social do Brasil, emergem reclames Deve trahalhar para o rei que é o magnimo, o
relativos à letargia e à falta de atitude corajosa pae da patria, o rei bom e democratico.
po, devia-se não a alguma crônica malevolên- gestos e lhes aplaude as arbitrariedades e fan-
cia dos segmentos sociais dominantes. Devia- farronices, ‘o povo – esse jumento que no dizer e detida reflexão da população trabalhadora. O rei é sagrado; ai de quem lhe tocar!
conciso de Junqueiro – assiste calado, quieto e As instituições que lhes necessitam são invio-
-se antes a um conjunto de fatores em que a pacato a essa abjecta farça sem sequer balbuciar No quinto número do jornal, Adelino
laveis. Tudo isso não é a favôr do rei, mas para
resignação e a passividade dos trabalhadores um basta! tremendo e comovedôr que denotasse de Pinho223 retomou a crítica aos políticos de o povo deste rei.
desempenhavam papel fundamental. ao menos não sêr um mito a sua existencia. todas as cores a partir da problematização de Quem ousa aspirar a uma vida que não seja e
O quadro social de exploração e domi- [...] eventos relativos à política colonialista da Es- bruto, é um inconciente, um criminoso.
nação resultava, portanto, da ação em con- Vejam, por outro lado, a vida moral do país, o panha sobre o Marrocos. Quem se sente roubado e pede a restituição
junto de todas as camadas da sociedade e não que tem sido. Bingi, muito provavelmente o pseudôni- daquilo que produz e preciza, é perigoso para
acontecendo de uma forma unidirecional. O Não vale a pena enumerar o que está na memo- mo de algum trabalhador, em tom profunda- a ordem publica. E, para bem do povo, o rei
ria e á vista de todos. manda-lo-á fuzilar. Fuzilando o revoluciona-
poder centralizado, ainda que beneficiando mente revoltado, analisou os governos a partir rio, o rei livra do incubo do terror a nação. O
política e economicamente alguns poucos Mas, no meio de tudo isto que constitue o des- da sua prerrogativa intervencionista na socie- chumbo real que ceifa vidas nas ruas publicas é
extratos sociais, não era estabelecido a partir calabro e a ruína moral e economica do povo, dade. Num texto curto e ácido, apresentou a o tónico que restituirá saude, força e paz.
o que nos entristece não é tanto as violencias e
de uma ação exclusivamente dominadora de arte de governar como sendo homicida em seus Assassino é o que mata de fome. Quem massa-
atentados á liberdade e vida dos cidadãos mas
alguns segmentos sociais sobre o conjunto de princípios e efeitos sobre a sociedade. Essa as- cra para esfomear e fazer escravos é um heroe,
sim a cobardia que eles manifestam desinteres-
um bemfeitor a quem a humanidade deve re-
passivos dominados. Daí o porquê de o autor sando-se das conquistas que deveriam constituir sertiva independia da classificação do governo conhecimento.224
ressentir-se mais pela cooperação dos trabalha- o seu maximo orgulho, como é a liberdade de de plantão, em qualquer taxonomia política.
pensamento, de reunião e de associação. O editorial do segundo número do jornal, a
dores com a situação de explorados, através da partir das comemorações da abolição da escra-
*
recorrente omissão diante do estado das coisas, Os assassinos vidão programadas por fazendeiros e governan-
**
do que pela ação espoliadora dos governantes. tes, ampliou o enfoque sobre o tema da antiga
Um movimento anarquista que desabrochou escravidão negra e da situação dos negros na
Tanto assim que o articulista encerrou o artigo e que feneceu sem fructificar; um movimento Todos os governos são eguais. Do absoluto ao
constitucional, do imperial ao monarquico e ao sociedade republicana. O autor iniciou o edito-
incitando os trabalhadores à ação direta. associativo e revolucionario que não deixou rial apresentando a naturalização da concepção
tradições; grupos e individuos que se evapo- republicano, do reacionário ao democratico a
única aspiração de qualquer governo é esfome- hierárquica da sociabilidade humana cultivada
raram, que resta desse movimento outr’ora tão por legalistas.
Sem titulo brilhante que se desenvolvia especialmente no
E. de S. Paulo? 221 PINHO. Sem titulo. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n.
O actual momento da vida economica, moral 1, p. 2, 01 maio 1914. 13 de Maio
e politica do Brasil presta-se ás mais eloquen- Será tempo de reunir os elementos dispersos, de
chamar a cerrar fileiras todos os que pensam que 222 LIVRE, Solargeo. Cómentarios – A politicagem. A Re-
tes considerações sob qualquer ponto de vista Quatro dias faltam para que os o governo e os
esta vida è a péor das vidas, de fazer uma pro- belião. São Paulo, ano 1, n. 3, p. 1, 7 maio 1914.
que se o encare, quer pelos desatinos, violen-
cias e arbitrariedades dos de cima, dos caciques, paganda sistematica das ideias que acalentamos 223 TAVARES. Zaragata parlamentar. A Rebelião. São Paulo, 224 BINGI. Os assassinos. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n.
ano 1, n. 5, p. 1, 07 jun. 1914. 6, p. 1, 17 jun. 1914.
178 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 179

fazendeiros, juntamente com a multidão dos injustiças sofridas nas mãos dos negreiros e Com a chegada da república, não só Helio Mortiço228 descreveu, na seção
homens de côr, comemorem o fausto aconte- fazendeiros. Esta aversão dos negros aos bran- negros foram escravizados. Agora a potência intitulada Cómentarios, a abolição da escra-
cimento da abolição da escravatura no Brasil.
cos constituiu, para o articulista, noutra prova do sistema escravista vigente, sob a aura da vidão negra como parte de um processo de
Os partidarios da legislação e da jurispruden- de sua inteligência. A situação de violência modernidade, tornou-se mais eficiente, mais luta devida aos próprios negros e não a uma
cia, que afirmam ser uma necessidade o orde-
namento social sob o ferrete de uma direcção sobre os negros permanecera inalterada na era intensa e mais extensa. Considerando essas pretensa generosidade dos monarquistas. A
arbitraria, porque o povo é incapaz de ter e de republicana. ponderações, encerrou o editorial dirigindo escravidão, quando da proclamação da Lei
afirmar as suas aspirações de liberdade e de As comemorações do 13 de maio foram algumas provocações ao leitor. Ao desnudar Áurea em 1888, já estava de fato abolida pela
conceber ideaes de tendencias anarquistas, vêm a situação infligida ao trabalhador assalariado, ação rebelde e transgressora, realizada, sobre-
nesta comemoração um ensinamento hostil a perdendo, paulatinamente, para a população
essas afirmações inspiradas por interesses que negra, o sentido. Isso por conta da intensifica- na modernidade, como sendo muito pior do tudo, pelos próprios negros.
os apresentam como individuos perniciosos á ção da exploração com o estabelecimento de que na antiga escravidão negra, favoreceu a O editorial do terceiro número do jor-
sociedade.225 uma escravidão moderna. O fim da escravidão criação, particularmente entre os trabalha- nal abordou a relação da igreja com a questão
negra, como realizado por monarquistas, re- dores, de uma sensação de desconforto. Isso social. Comentando as iniciativas do clero ca-
O articulista evidenciou o ridículo das publicanos, democratas e fazendeiros, visava porque, para quem entendia ser livre sob o tólico em torno de diversos aspectos relativos
sentenças e das verdades consideradas em seu não à emancipação dos negros, mas antes à sistema de salariado, este sistema econômico à condição do trabalhador numa sociedade
tempo enquanto verdades científicas inques- expansão do sistema escravista aos negros, perdia sua aragem de generosidade com a qual hierarquizada, o articulista tensionou e pro-
tionáveis, definindo preconceituosamente o brancos, amarelos e vermelhos, para benefício segmentos dominantes o apresentavam. Desta blematizou o assunto. Seu objetivo era cola-
negro como ser inferior. Imperava, naquele do que o autor denominou ora de “negreiros situação, poderiam desembocar inquietações, borar, com sua reflexão, para a compreensão
período, uma perspectiva evolucionista e ra- modernos”, ora de “escravocratas modernos”. insubmissões, rebeldias. do recente interesse da igreja pelo trabalhador.
cista que tinha em Gobineau e em Lombroso A liberdade prometida pelos republica- Essa compreensão – de renovação, am- Suas palavras iniciais, defendendo in-
os seus mais expressivos representantes. Além nos democratas consistia em um logro lançado pliação e intensificação da escravidão com o transigentemente liberdade para todos, indica-
da ciência, o cristianismo, negando aos povos sobre o conjunto da população. A análise crí- estabelecimento do trabalho assalariado pelos vam ser o endereço de suas reflexões não a as-
negros a condição de ser humano, servia aos es- tica do articulista apresentara o empenho do republicanos – integrou o conjunto das ma- sembleia legislativa, a fim de criação de alguma
tratos dominantes da sociedade, justificando a partido republicano, quando nos tempos da térias de uma das conferências de João Cris- lei proibitiva ou impositiva. Essas suas palavras
escravização daqueles agrupamentos humanos. monarquia, em incentivar e apoiar associações pim226 na sua viagem de propaganda. Em seu manifestaram antes a intenção da adoção, por
No entender do articulista, a situação abolicionistas, enquanto estratégia velada de relato de parte do trecho percorrido, registrou parte dos trabalhadores, de um comportamen-
de miséria e violência sobre os negros explica- majorar os lucros dos fazendeiros. O regime uma situação de polêmica e de tensão com to ativo com base numa ação direta libertária.
va a sua condição de ignorância em relação aos do assalariamento, na verdade, libertou o fa- algumas pessoas na plateia por ter feito essa Apresentou as investidas da igreja junto ao
assuntos científicos e filosóficos. Ao contrário zendeiro que deixou de custear os cuidados afirmação. operariado como reação natural à diminuição
do afirmado por uma discursividade aporta- com a vida do escravo, ao mesmo tempo em Pinho de Riga227 escreveu um artigo in- dos fiéis em seus templos. A igreja procurava
da numa ciência dogmática e racista, fatores que a abundância de mão de obra disponível titulado “Escravidão moderna” em que expõe remediar a perda de campo para as associa-
genéticos nada tinham que ver com esta situ- baixava o valor da remuneração. sua compreensão da escravatura negra, tendo ções de resistência, adotando medidas sociais
ação. Para o autor, o negro já tinha dado so- A concepção de modernidade elaborada sido, a partir da Lei Áurea, extensiva a brancos de caráter filantrópico. A criação de círculos
bejas e inquestionáveis provas de inteligência por Crispim, enquanto uma nova escravidão, e amarelos. O trabalho assalariado consistiu operários católicos, de escolas confessionais, de
apenas pelo fato de não aceitar a condição de justifica sua recusa em aumentar o coro dos em uma nova forma de escravidão, mascarada ação caritativa, fez parte de uma estratégia da
escravo, lutando incessantemente pela própria apologistas da sociedade envolvente. A situação com a ideia de abolição da escravidão negra, igreja em retomar o espaço perdido no meio
liberdade mesmo com o risco de ser torturado social do trabalhador, na República, em nada advertiu. popular para o sindicato combativo.
ou assassinado pelos escravocratas. avançou relativamente às conquistas de liber- No movimento operário, a entrada da
As hostilidades do negro em relação ao dade e emancipação individual e coletiva. An- igreja favoreceu o estabelecimento de uma
branco vêm da consciência do abuso e das tes, pelo contrário, recrudesceu a razão da força 226 CRISPIM, João. Crónica da nossa Excursão de Propa-
ganda. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 6, p. 2, 17 jun. 1914.
em detrimento da força da razão, renovando, 228 MORTIÇO, Helio. Comentários – o 13 de Maio e a
225 CRISPIM, João. 13 de Maio. A Rebelião. São Paulo, 227 RIGA, Pinho de. A escravidão moderna. A Rebelião. São Acção Directa. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 3, p. 2, 17
ampliando e intensificando a escravidão.
ano 1, n. 2, p. 1, 09 maio 1914. Paulo, ano 1, n. 3, p. 2, 17 maio 1914. maio 1914.
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tendência, designada pelos trabalhadores da propria, que uma grande parte dos incautos se O tema igreja, religiosidade e crenças No ano 374 o filosofo Manes foi esfolado vivo
época de “crumiro”, nomeando as práticas deixam levar pelo canto da sereia, devido a falta foi objeto de reflexões, apesar da crítica con- por propror a igualdade. Os seus discipulos fo-
de preparo intelectual e estreiteza de entendi- ram perseguidos. Não reconheciam nenhuma
sistemáticas de furar as greves. Esse tipo de mento; que incapazes de raciocinar, comparar e tundente às crenças em fenômenos tidos na autoridade civil ou religiosa.
sindicalismo também era denominado de tirar conclusões se deixam engodar e se tornam medida de sobrenaturais; e à religião, houve o Na Italia os Irmãos e Irmans do Livre Espirito
“sindicalismo amarelo”, por defender a con- victimas inesperientes dos maus e torpes esplo- caso do estabelecimento de grandes comoções combatem a propriedade a autoridade, assal-
cepção de harmonia e colaboração entre as radores e charlatães polotiqueiros, levariamos a sociais como também de eventos revolucioná- tando as casas dos ricos e destruindo os titulos
cousa para o ridiculo e um encolher de ombros de propriedade.
classes sociais. seria o único gesto digno da obra dos padrecas e rios provocados por crédulos e por movimen-
tos de caráter religioso. Num desses artigos, o Na Inglaterra os padres Jão Wicleff e João Ball
O articulista, procurando dar maior comparsas. Desgraçadamente, por isto mesmo,
tomam parte saliente nas agitações comunistas.
força aos seus argumentos, finalizou o editorial temos que lançar o grito de alarme e prevenir o articulista destacou alguns eventos históricos Pouco depois rebenta a revolução dos Lllards.
operariado da armadilha que a igreja lhe prepa- de rebelião da multidão trabalhadora em que Mais de cem mil proletarios tomaram parte nes-
chamando a atenção do leitor para não esque- ra, para com o seu opoio perpetuar seu iniquo
fora relevante a participação de alguma ex- te grandioso movimento, queimando os castelos
cer de considerar a história recente da igreja, dominio. e assaltando a propriedade.
particularmente na questão do trabalho escra- pressão do cristianismo.
[...] Em 1498, o doutor Tomás Munzer sofre mar-
vo. Neste quesito, o clero católico legitimou tirios e perseguições por lutar pelos oprimidos.
Mas a prova provadissima de que ela não pro-
a condição de escravo do negro, afirmando cede honestamente, nesta questão, como nunca Pelo Ideal Afirma que “todos os senhores são uns ban-
taxativamente sua animalidade, um ser des- lealmente procedeu em questão alguma, é que didos, inimigos do povo, aos quaes é preciso
sempre esteve ao serviço de todos os tiranos, e [...] estrangular o mais depressa possível”.
provido de alma, enquanto justificativa válida
exerceu por sua vez a maior das tiranias contra A luta em prol do bem estar para todos é a Os trabalhadores aderentes ás sociedades de
sua dominação e exploração. O autor desafiou verdadeira historia da humanidade. resistência consideram os indiferentes como
os desgraçados. Basta dizer-se que _ _ _ _ _ _
os católicos a se posicionarem comentando _229 justificou no Brasil a escravidão. Não ha guerra que conte maior numero de “membros mortos da sociedade”.
este aspecto especifico da história recente da combatentes, de vitimas e martires. Jacquel e Hoffman põem-se em destaque pela
E chegados aqui cabe formular, para fechar, a
igreja. Na sequência dessas ponderações, tra- pergunta irreverente e formidavel que desde o O senso comum e com ele o pensamento dos sua actividade nas rebeliões dos proletarios
çou um paralelo do procedimento racista do principio nos estava a cair do bico da pena. filosofos mais notaveis defendem e propagam a contra os patrões e são queimados vivos pelas
Porque a igreja durante um dominio indiscu- todo transe este princípio, que é a base de toda hordas da burguesia.
clero católico com as recentes medidas ado- a justiça, de toda a moral.
tivel de dois mil anos não resolveu a questão Munzer é torturado barbaramente e decapitado,
tadas pela mesma igreja, em que ela parece Ele é o esteio de todas as seitas, de todos par- depois de ter, com os seus companheiros, feito
do pão para todos. Porque não estabeleceu o
intentar alguma forma de favorecimento e de nivelamento social na época da crença fervorosa tidos, porque representa a aspiração colectiva. um excelente ensaio comunista em Mulhausen.
proteção para o trabalhador. e intensa, quando ninguem se escapolia ao seu “O povo judeu, muito antes da duvidosa exis- Os camponeses (anabatistas) continuam a rebe-
poder, nem os proprios reis! numa epoca em tencia de Cristo, professava ideias de emancipa- lar-se contra a exploração desmedida e a tirania
que os raios da escomunhão levavam a Roma, ção. Os profetas de Israel são, segundo Benan, implacavel dos senhores e, uma vez vencidos,
A igreja e o proletariado lançando-se de rojos aos pés do papa os mais fogosos publicistas dos princípios que hoje cha- são aos milhares, afogados, queimados ou de-
poderosos monarcas da terra? mariamos socialistas e anarquistas. capitados.
Respondam a isto snrs. catolicos, sejam fran- O cristianismo, no seu primeiro estádio é for- Na Inglaterra produz-se uma nova rebelião
Segundo a imprensa diaria, devia-se realisar nes-
cos, ao menos uma vez na vida! E então agora, temente impregnado da tendencia popular comunista-anarquista, que é a tendencia geral
tes ultimos dias um congresso catolico, o que
quanto sentem o seu poder periclitar, quando daquela epoca, é essencialmente comunista e da época.
não nos admira, pois reconhecemos o direito de
percebem que o seu dominio está acabado, anarquista. Os rebeldes Winstanley e Everard são persegui-
reunião e discussão a todo mundo; não quere-
mos a liberdade só para nós. Mas o que nos faz quando os seus gestos e procissões são recebidos Por seu intermedio chegam até nós entre ou- dos e encarcerados.
pasmar, o que nos faz sair do serio, e chamar e corridos as gargalhadas e assobios universaes, é tras, as célebres maximas: a cada um segundo É preciso, diziam, abolir os ricos e suprimir a
a atençãa dos interessados para o assunto, é os que querem interessar-se pelos operarios? as suas necessidades e “amarás o próximo como moeda.
snrs. catolicos quererem inmiscuir-se nos ne- Criem vergonha e pundonor e apareçam!230 a ti mesmo”.
O cura e grande filosofo Meslier, que morreu
gocios dos operarios, sendo a questão operaria Varios apostolos são predecessores de Proudhon. de fome e de indignação ante as iniquidades
um dos temas mais largamente a desenvolver S. Paulo diz que o rico é um parasita; que o sociais, gritou “que todos os grandes da terra e
no dito congresso. individuo que não trabalha não deve comer. os nobres se vejam enforcados”.
De facto, se não soubessemos o imperio que S. Jerononimo declara que a opulencia é o pro- “Ricos, frades, padres, gente da policia, são uns
229 Palavra ilegível. Presumo, pelo contexto imediato, que
a igreja ainda desfructa sobre a pobre gente duto do roubo. miseraveis. É necessario rebelar-se”.231
se refira à igreja.
que vai ajudar o carniceiro que a ha-de esfolar;
230 A IGREJA e o proletariado. A Rebelião. São Paulo, ano Segundo São Clemente, a propriedade privada 231 CARVALHO, Florentino de. Pelo ideal. A Rebelião. São
se não soubessemos tambem por experiencia
1, n. 3, p. 1, 17 maio 1914. é filha da iniquidade. Paulo, ano 1, n. 2, p. 2, 09 maio 1914.
182 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 183

A estratégia colocada em ação no texto o simples pacifismo como o manifestado em localidades em que as notícias do congresso O último editorial238 registrou aspectos
é evidente: mostrar aos cristãos a existência sua concepção de “não resistência ao mal”. chegassem. Esta colaboração, sobretudo, po- então recentes que diziam respeito aos confli-
de pensadores cristãos que defendiam ardoro- O editorial234 do quinto número do jor- deria ser feita a partir da elaboração de relatos tos entre operários italianos e classes dirigen-
samente postulados libertários e igualitários; nal noticiou a organização de um congresso descrevendo a natureza e as características do tes. À repressão policial em torno da organi-
evidenciar a existência, na história do cristia- anarquista que seria realizado na cidade ingle- movimento anarquista local. As questões le- zação de uma manifestação pública, sucedeu
nismo, de rasgados eventos de insatisfação sa de Londres. O artigo evidenciou a impor- vantadas possibilitariam o delineamento do a eclosão de uma greve geral. Este movimento
popular nos quais rebentaram movimentos tância deste evento tanto para a divulgação perfil da expressão anarquista em cada loca- paredista se alastrou por toda a Itália. O ar-
de insurreição, desobediência e destruição dos do anarquismo como para a sedimentação lidade, assim como o grau de penetração de ticulista lamentou a demora da reação prole-
poderosos; delimitar a importância das rebeli- dos grupos existentes e a criação de novos. ideias anarquistas em outras camadas da so- tária como também dos trabalhadores de não
ões religiosas na configuração das reivindica- Eventos dessa natureza favoreceriam o con- ciedade, como as dos intelectuais235. terem radicalizado sua intervenção, vinda de
ções recentes postas pelo movimento operário. tato direto entre pessoas de locais, línguas e No segundo número do jornal, a nota uma maneira tardia. Apesar disso, encerrou o
As primeiras sublevações dos trabalhadores culturas diferentes, possibilitando um maior sobre o congresso oferecia mais elementos artigo celebrando a atitude ousada e enérgi-
tiveram participação decisiva de espiritualistas conhecimento de outras experiências. para a compreensão dos propósitos do even- ca dos trabalhadores na Itália e hipotecando
e de consideráveis segmentos religiosos. Dessa maneira, diversas lições poderiam to. Apresentava também a maneira pela qual sua solidariedade e apoio aos propósitos re-
Dentro de uma perspectiva de crítica à ser aprendidas com a vivência de alteridade: a ele fora idealizado por anarquistas alemães, volucionários, simbolizados na luta por eles
religião, M. publicou um pensamento abor- discussão em torno de questões de método e franceses e ingleses. Os editores anunciaram empreendida.
dando o tema numa perspectiva ateia. tática revolucionária, a reflexão sobre aspectos concomitantemente o propósito de organizar Os editores publicaram artigos abor-
particulares do pensamento social envolven- outro congresso de anarquistas no Brasil236. dando outras dimensões da vida social. A
DEUS do assuntos filosóficos e conceituais, afora o Duas notas curtas, publicadas no ter- condição feminina na sociedade vigente, o mi-
próprio evento poder servir como um expe- ceiro número do jornal, informaram das pos- litarismo, o patriotismo e as guerras, os jogos
Se a crença e amar um Deus fosse uma coi- de azar, a questão educacional, a organização
rimento libertário de abolição de fronteiras. sibilidades do jornal ante o congresso e da
sa natural e logico, como apregoam todos os
vivedores de religiões, esse amar e crença não O autor destacou a mobilização exis- organização de eventos em benefício de sua dos trabalhadores, as polêmicas com políticos
necessitariam de ser impostos pela força bruta tente em várias partes do mundo, inclusive organização. Na segunda nota, os editores profissionais, a fome e a miséria atingindo os
ou marteladas em pequenos cerebros de crian-
no Brasil, através da execução de diversas ati- iniciaram uma campanha de arrecadação de segmentos populares da sociedade brasileira
ças, – nasceriam com o individuo, por serem foram alguns dos assuntos abordados. Esses
vidades com a finalidade não só de apoiar o fundos com vistas a auxiliar na organização
indispensaveis á conservação da alma, da mesma
forma que, para a conservação do corpo, o indi- evento, mas também de enviar congressistas do congresso internacional237. temas, de um modo ou de outro, se atraves-
viduo nasce com nariz, olhos, boca, estomago para Londres. Também se dirigiu aos anar- No número seis do jornal, os editores savam, se interpenetravam.
ele, sem o que, não poderia viver.232 Os assuntos estavam contagiados uns
quistas no Brasil, anunciando uma assembleia publicaram uma nota sobre o congresso des-
e o planejamento para realização de outras crevendo a reunião havida no dia 14. Relata- pelos outros, dependendo da construção argu-
João Penteado233 questionou os cristãos atividades para o envio de delegados. ram também a adesão de diversos grupos anar- mentativa do articulista, da sua forma de abor-
pelo apoio prestado às iniciativas guerreiras quistas e a decisão da assembleia em enviar dagem e de como eles eram encadeados em
No primeiro número do jornal, os
através da aprovação do militarismo. A estra- delegado próprio para o evento. A assembleia sua estratégia dissertativa. Os autores proce-
editores divulgaram uma circular dirigida
tégia argumentativa do autor foi partir de al- formou uma comissão para levar adiante as deram à instauração de um nomadismo quan-
aos trabalhadores e anarquistas convocando
guns postulados doutrinários do cristianismo, atividades necessárias na organização da par- do do enfoque dado às matérias apresentadas,
a todos os interessados para participarem da
sem levantar objeção a eles, para cobrar dos ticipação de grupos anarquistas no Brasil. transitando entre as áreas do conhecimento
organização do evento, do levantamento de
cristãos uma coerência de suas atitudes com com desrespeito e desconhecimento no que
informações e registros históricos, de dados 235 A PROPOSITO do Congresso Anarquista Internacional.
sua doutrina e fé. Referiu-se diretamente a diz respeito às suas fronteiras.
de estatísticas, bem como de outras iniciativas A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 4, 01 maio 1914.
Tolstoi, defensor de métodos mais radicais que João Crispim elaborou artigo, no pri-
a serem planejadas. Nesta circular, os editores 236 CONGRESSO Anarquista Internacional. A Rebelião.
232 M., Deus. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 3, p. 3, 17 solicitaram a colaboração dos anarquistas nas São Paulo, ano 1, n. 2, p. 3-4, 09 maio 1914. meiro número do jornal, analisando as mo-
maio 1914. 237 IMPORTANTE. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 3, p.
233 PENTEADO, João. O militarismo e sua nefasta influen- 234 CONGRESSO Anarquista Internacional. A Rebelião. 2, 17 maio 1914. CONGRESSO anarquista. A Rebelião. 238 OS FACTOS da Italia. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n.
cia. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 6, p. 1, 17 jun. 1914. São Paulo, ano 1, n. 5, p. 1, 07 jun. 1914. São Paulo, ano 1, n. 3, p. 4, 17 maio 1914. 6, p. 1, 17 jun. 1914.
184 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 185

dalidades do sindicalismo. Neste artigo, há O autor distinguiu, neste sindicalismo, neutralidade sindical defendida pelos aderen- antecipadamente uma instituição chamada a
o empenho em orientar o pensamento social três variedades diferentes: o sindicalismo de tes ao sindicalismo revolucionário. Em nome desempenhar um papel de nova centralidade,
dos trabalhadores. Apresentou suas reflexões resistência, o sindicalismo legalitário ou so- desta neutralidade, justificavam a retirada na nova sociedade do porvir. Esta definição
objetivando a configuração de uma certa dinâ- cialista e, por fim, o sindicalismo revolucio- das associações de classe acerca de qualquer apriorística constituía o estabelecimento de
mica de convivialidade dentro do movimento nário. O sindicalismo de resistência foi carac- questionamento ou posicionamento crítico outra forma de Estado dirigindo, dominando,
do proletariado. Iniciou o artigo apresentando terizado como eminentemente economicista, diante das instituições sociais e políticas es- limitando, portanto, negando as liberdades
uma definição do que vinha a ser o sindicalis- isto é, voltado para as questões imediatas de tabelecidas. individuais.
mo. Ao mesmo tempo, evidenciou a existência melhorias salariais, melhorias de condição de Segundo essa expressão do sindicalismo, Voltou a evidenciar o fato de diversas
de um considerável leque de diversidade de trabalho, além de outros aspectos a ele rela- aos trabalhadores seria mais que indiferente, federações operárias, inclusive a COB, terem
organizações sindicais e enfatizou seu interesse cionados. seria contraproducente tomar alguma posi- receado o estabelecimento de confusões en-
particular em torno do conjunto dos sindi- O sindicalismo legalitário também fi- ção ideológica definida dentro dos embates tre os trabalhadores, por conta das diferentes
catos operários de orientação revolucionária. cou conhecido por suas relações estreitas com entre as diferentes expressões do pensamento correntes dentro do sindicalismo. Este temor
os partidos socialistas. Defendia a ação indire- social existentes. Seria mesmo preferível, na levou a que os trabalhadores procurassem
Modalidades de sindicalismo ta por parte da população trabalhadora, além perspectiva do sindicalismo revolucionário, evitar o alastramento de concepções ecléticas
de cultivar uma intensa ojeriza à ação direta. não adotar alguma tendência do pensamento em seus princípios, afirmando as finalidades
Sindicato é a organização de uma ou varias clas- Este sindicalismo investiu fortemente na di- social, sobretudo a anarquista, por acreditar anarquistas das associações proletárias.
ses que exploram ou trabalham em determina- vulgação do sufrágio universal, procurando ser possível uma efetiva imparcialidade nas
dos ramos da industria ou profissão.
eleger os chamados representantes do povo relações sociais. Modalidades de sindicalismo
Existem numerosos sindicatos de capitalistas,
não somente para excercitarem o monopolio,
através dos processos legais de ação. Esta ação Crispim evidenciou diversas federações
mas tambem com o fim de resistirem com maior indireta era concebida enquanto única arma operárias que, tendo este entendimento das [...]
vantagem, às reivindicações do operariado. do trabalhador na luta por melhorias nas con- questões sociais e dos limites do sindicalismo, Finalmente, outras organizações foram mais
Numerosos são, já, os sindicatos operarios cato- dições de trabalho e vida. se manifestaram abertamente anarquistas em longe na clareza dos seus principios, declaran-
licos organisados pelos padres, com o escopo da do o Comunismo Anarquista como finalidade
beneficencia e da oração, isto é, tomar xaropes
Em seguida, o articulista evidenciou, de suas finalidades. Tomando como referência as das suas reivindicações. Entre estas contam-se a
e papar hostias. maneira irônica, o vácuo de significação do experiências de diversas federações operárias, Federação Operaria R. Argentina, a Federação
Depois vêm os sindicatos operarios amarelos, sindicalismo no que se referia a algum bene- reiterou a necessidade de liberdade dentro dos Operaria do Paraguai, a Federação Operaria de
organizados pelos patrões. Estes sindicatos têm fício para os trabalhadores. A sua aplicação era sindicatos de maneira que as ideias de eman- Santos, etc. A Confederação Operaria Brasileira,
por fim o mutualismo e o cooperativismo. estabeleceu as mesmas finalidades, declarando
por demais elástica, agregando as mais diver- cipação social fossem neles divulgadas. a necessidade da destruição do Estado, e a or-
Tanto os sindicatos operarios catolicos como os sas e contraditórias intenções e interesses. Por
amarelos, são criados em oposição á organização
O autor recrudesceu sua crítica aos ade- ganisação de uma sociedade de productores,
genuinamente operaria de resistencia, princi-
sua vez, o sindicalismo revolucionário surgiu, rentes do sindicalismo revolucionário focali- livre de qualquer organismo centralizador ou
nas reflexões do autor, como uma tentativa de autoritario.
palmente para servirem de arma de defesa do zando sua apreciação, particularmente, em três
capitalismo, substituindo os trabalhadores que trabalhadores em diferenciar o sindicalismo Poderiamos tambem citar muitas outras organi-
aspectos de postulados do sindicalismo: con- zações operarias, como por exemplo a Federação
se declaram em gréve, ou negando-se a aban- operário dos sindicalismos católico, amarelo,
donar o trabalho quando resolvem paralisa-lo.
cebiam o sindicato como meio e como fim das Operaria do Uruguai e da Espanha, as quaes
político e de resistência. lutas proletárias; entendiam o sindicato como fazem uma obra abertamente anarquista.240
Temos ainda os sindicatos operarios que obede-
cem ás orientações dos partidos monarquicos e No entanto, sua crítica não poupava espaço unicamente de defesa e reivindicações
republicanos, dos quaes não vale a pena falar. este sindicalismo apenas por ter sido adjeti- da ordem de melhorias econômicas e de con- Advertiu os trabalhadores, no quesito
Os que mais de perto nos interessam são os sin- vado com a palavra “revolucionário”. Conde- dição de trabalho; por fim, sustentaram ser o relativo à resolução dos congressos da Primeira
dicatos operarios propriamente ditos, que estão nou veementemente o automatismo sindical, sindicato o eixo gravitacional do dinamismo
envolvidos mais ou menos na luta social.239 Associação Internacional dos Trabalhadores,
segundo o qual as conquistas econômicas tra- societário numa sociedade libertária. excluindo a política partidária de suas finali-
riam imediatamente e por si só a transforma- O sindicato era concebido pelos sindi- dades. Esta iniciativa visava diminuir, senão
ção social, em direção ao fim do capitalismo calistas revolucionários como célula básica da
239 CRISPIM, João. Modalidades do sindicalismo. A Rebe- 240 CRISPIM, João. Modalidades do sindicalismo. A Rebe-
e do estatismo. Criticou também a noção de nova sociedade. Dessa maneira, delimitaram
lião. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 2-3, 01 maio 1914. lião. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 2-3, 01 maio 1914.
186 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 187

anular, a influência dos políticos partidários lecionar a fim de chamar a atenção para a im- fusão da escola racionalista consistiam num zam o caráter essencialmente violento, velado
dentro do movimento operário. Isso não sig- portância e a gravidade de um assunto a uma imperativo condicionante. ou manifesto, de suas iniciativas. O Estado
nificava, entende o articulista, a anulação das plateia um tanto quanto displicente com o Outro artigo, escrito sob assinatura existe para intervir; a forma desta ação é atra-
discussões em torno de questões ideológicas tópico em questão. abreviada, M. 244 apresentou os crimes do mi- vés de proibições e restrições ou obrigações
no meio operário, nem tampouco o comba- A utilização pelo autor da apresentação litarismo a partir do episódio do assassinato e compulsórios, em que ele é a medida para
te à propaganda das finalidades diretamente de uma série de questionamentos dirigidos ao de um major por um soldado em Portugal. impor, fiscalizar e aplicar sanções.
anarquistas pelos sindicatos. leitor configurou um interessante recurso pro- Apresentou o telegrama de Portugal notician- As críticas às leis, elaboradas em di-
Finalizando o artigo, Crispim apresen- vocativo. O encerramento do artigo apresen- do o acontecido, evidenciando as lacunas de versas passagens de vários artigos analisados,
tou sua concepção do sindicalismo anarquis- tou ao leitor a ação direta como instrumento informação calculadamente deixadas pelo re- traduzem com muita propriedade a ojeriza
ta: abolição de dogmas, leis e hierarquias no através do qual cada um pode tomar conta de metente, jornalista da grande imprensa comer- dos anarquistas quanto ao Estado como um
meio dos trabalhadores; sindicato como um sua própria vida, não depositando esperanças cial. Apresentou as informações negligencia- cultivador de dinamismos societários referen-
espaço privilegiado de aprendizado de liber- em nenhum tipo de providência externa e sim das pelo jornalista. Contextualizou a vida do ciados em recorrentes violências. As leis por si
dade e solidariedade entre os trabalhadores; na potência proveniente da organização dos soldado assassino com a finalidade de oferecer sós possuem um caráter impositivo e univer-
associação dos trabalhadores desprovida de trabalhadores. mais elementos a fim de que o próprio leitor salista, consistindo em desrespeito, opressão,
programas preestabelecidos para serem apli- O curto artigo de Miguel Sanz242 ob- pudesse tirar conclusões por si mesmo acerca repressão e negação da diversidade cultural e
cados em novas formas societárias, por fim, jetivou chamar a atenção dos trabalhadores do ato homicida do soldado. das particularidades individuais245.
como de alguma dimensão central definindo e em geral, mas, sobretudo, dos que eram rea- O autor não se eximiu do desafio por Uma conferência, realizada por socialis-
impondo a todos as formas de convivialidade; tivos ou simplesmente negligentes às ideias de ele lançado ao leitor. Ele mesmo defendeu a tas partidários, ofereceu a ocasião para o esta-
definição da organização pelas coletividades e associação proletária, à organização operária ação do soldado, propondo que fosse deixa- belecimento de um debate destes com alguns
individualidades envolvidas, do modo como como sendo a forma por excelência dos tra- do, em última instância, ao próprio soldado anarquistas. Os editores registraram o episódio
soubessem e pudessem, das novas formas so- balhadores conquistarem melhorias nas suas o julgamento de seus atos. Isso porque apenas simultaneamente através de uma nota, um re-
cietárias; efetivação da sociedade dos produto- condições de existência. ele e mais ninguém poderia conhecer em pro- lato do acontecimento e um artigo polemizan-
res livres; destruição de poderes, instituições e Utilizando a mesma estratégia exposi- porções mais justas os motivos de sua atitude. do com o referido socialista. A pequena nota
organizações obstacularizadoras das liberdades tiva delineada no seu outro artigo, João Pen- O autor concluiu ter sido deflagrada apresenta a ocasião em tom jocoso.
sociais ou que visassem impor algum sistema teado243 abordou a questão do nacionalismo uma série de crimes a partir da retirada vio-
social; liberdade para individualidades e cole- como fator decisivo na eclosão das guerras e lenta de um camponês de sua vida simples Necropole socialista
tividades a fim de que pudessem experimentar dos morticínios verificados entre as nações. e calma em sua aldeia, expondo-o a abusos,
livre e independentemente formas societárias Tratou do tema exatamente no período da pri- arbitrariedades e humilhações, para torná-lo Numa passagem da brilhante conferencia realiza-
diferentes. meira conflagração bélica mundial. No seu um soldado. O corolário desse processo de da no 1.º de Maio na Lapa, pelo ilustre sr. Dr.
João Penteado241 dirigiu aos ferroviários Demetrio Justo Seabra, o conferencista, indi-
entender, impunha-se a eliminação do senti- violências sistemáticas foi dado com o epi- cando o com indice a cabeça um velhote gordo,
de todo o Brasil algumas palavras em torno mento patriótico dos corações e das mentes sódio do abuso perpetrado pelo major sobre um verdadeiro Sancho Pansa, que se encontrava
da necessidade da organização sindical. O sin- das pessoas, caso se pretendesse pôr fim aos o soldado, a que este apenas reagiu contra o sentado a seu lado disse com voz embargada
dicato foi apresentado, em seu texto, como a assassinatos coletivos implementados pelos in- tirano que o oprimia. pela emoção: cidadãos, aqui jaz o presidente do
forma de organização e a arma por excelência Partido socialista.
teresses econômicos e políticos dos segmentos A crítica ao Estado, enquanto institui-
para as lutas sociais travadas pelos trabalha- Coisas do Sé... abra.246
dominantes no cenário político internacional. ção disseminadora de violências no conjunto
dores a favor de melhorias em suas condições Para atingir essa finalidade, a criação e a di- das relações sociais, consiste em ponto recor-
de vida. Seu escrito foi elaborado num dina- O relato descreveu o cenário no qual os
rente na literatura anarquista. Os artigos aqui
mismo didático, à maneira de um professor atores sociais realizaram a conferência, numa
apresentados, sempre que tratam do Estado,
242 SANZ, Miguel. Para los que no piensan. A Rebelião. São 245 CALDERON, Alfredo. El Estado es homicida. A Rebe-
do governo e dos setores dominantes, enfati-
241 PENTEADO, João. Algumas palavras. A proposito da Paulo, ano 1, n. 6, p. 3, 17 jun. 1914. lião. São Paulo, ano 1, n. 5, p. 3, 07 jun. 1914.
organisação sindicalista. Aos ferroviarios do Brazil. A Rebe- 243 PENTEADO, João. A Patria e as guerras. A Rebelião. 244 M. Os crimes do militarismo. A Rebelião. São Paulo, 246 NECROPOLE socialista. A Rebelião. São Paulo, ano 1,
lião. São Paulo, ano 1, n. 3, p. 2, 17 maio 1914. São Paulo, ano 1, n. 2, p. 2, 09 maio 1914. ano 1, n. 3, p. 1, 17 maio 1914. n. 2, p. 2, 09 maio 1914.
188 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 189

irreverente perspectiva própria à iconoclastia. tas populares contra os senhores feudais foram Cartas a Susana condiciones de progresión intelectual, la mujer
Descreveu também a tentativa dos socialistas tomando proporções crescentes até quando ha sido considerada unicamente como esclava
II y como propriedad del hombre. Aun hoy hay
em obstarem as intervenções do grupo anar- a queda da Bastilha, em 1789, trouxe a pro- Mujer ideal, mujer única. quien afirma la inferioridad mental de la mujer,
quista presente e como estes forçaram a par- messa do fim de uma era. Lamentou o fato sin querer considerar como una causa influyente
Querida mia:
ticipação. Por fim, o articulista apresentou o deste acontecimento não ter conseguido, por de esa inferioridad el atavismo secular ea que
efeito positivo na assistência quando das pon- se ha desarrollado. Se la quiere cosiderar como
causa de incertezas e tibiezas das multidões Como prometi en mi anterior, te hablaré hoy punto de partida, causa inicial en su tipo actual
derações realizadas por alguns dos anarquis- insubmissas, exterminar o governo. A queda de feminismo. y no en su evolución a través de la raza.
tas presentes. A partir dessa intervenção dos do senhor feudal trouxe o burguês como novo Ya supongo que no escapará a tu penetración
o árduo de esta tarea. La audacia lo disculpa A la mujer no se la da mas importancia que a
anarquistas, a plateia deslanchou em vaias ao senhorio. Suas palavras finais foram de provo- un objecto qualquiera. Sus defectos son consi-
todo. Soy fiel partidario de aquel pensamiento
representante do socialismo parlamentar247. cação dirigidas ao trabalhador para a abolição de Dantón que en pleno periodo álgido de la derados como irremediables, excusandose de
Galileo Sanchez248 publicou artigo no corregirlos e inclinar sus disposiciones hacia
do domínio burguês através da ação direta. revolución del 93 constituyo un aforismo: au-
dacia, audacia y siempre audacia. un camino que podria emanciparla. Pero en
mesmo número do jornal apresentando sua Finalizo a análise desse jornal sem ter todo hay una causa que responde a un interesse
crítica a pontos centrais do pensamento so- El feminismo es en todos los momentos la
esgotado os temas e assuntos nele tratados. social. Si la mujer se emancipace de tutela reli-
questión de palpitante actualidade. Tu entien-
cialista. Privilegiando a concepção socialista Como último tema, apresento reflexões em des desto lo bastante, hasta para enmendarme
giosa, comprendiento los sofismas y las patrañas
de sociedade, definiu como erro primário a que está defendiendo con su ignorancia, la so-
torno da questão da condição feminina na so- la plana.250 ciedade correrià un gravisimo peligro. La mujer
compreensão da sociedade fundida e confun- ciedade hierarquizada. Faço a partir da pers- es el puntal de la sociedad. La gran educadora
dida à noção de Estado. Sociedade e Estado pectiva de Juan que, numa série de três cartas aun esta por educar. ¡Pueden dormir tranquilo
Juan apresentou suas reflexões numa
constituiriam, segundo o seu entendimento, dirigidas a uma personagem denominada Su- los que predican la calma, los que niegan una
narrativa aconchegante, afável, personalizada. eficacia bienechora a la violencia, si siguiendo
não apenas concepções diferentes, mas sim sana, meditou sobre o assunto. Como as cartas Seu carinho por Susana é evidente. Mas nem sus consejos, nos inclináramos por un Sendero
opostas. Enquanto a primeira tem como prin- foram publicadas a partir do quarto número evolutivo y esperásemos la completa liberación
por isso deixou de ser contundente em suas
cípio a liberdade; a segunda tem na autorida- do jornal, número este não presente nos arqui- de la mujer para trasformar la sociedad!
ponderações. Tanto é assim que, nas duas car-
de, na hierarquia, o seu. vos consultados, apenas as duas últimas serão La mujer es el puntal de la sociedade actual.
tas, a mulher não aparece como frágil vítima
M. 249, em artigo publicado no mesmo analisadas a seguir. Nestas, o autor apresenta exposta à sanha voraz de um macho domina-
Él reinado de las bayonetas descansa soqre el
número do jornal em que Galileo Sanchez atarismo del bellosexo. Si emancipación es obra
o problema da mulher como estando estrei- dor. Juan entendia que a libertação da mu- aun de mucho tiempo. Por eso no debemos
publicou polemizando com socialistas, apre- tamente relacionado ao domínio, envolvendo lher passava necessariamente por sua própria esperar que se liberte por completo para seguir
sentou algumas reflexões de caráter histórico homens e mulheres neste processo. libertação. Pelo que ele demonstrou em certas una ruta de transformación. No podemos deter-
e antropológico com o objetivo de demons- Por sua vez, Susana surge delineada em passagens da carta, Susana apreciava boa parte
nos en nuestro camino y tenderle la mano, no
trar no que consiste o governo. Iniciando pe- podemos esperarla a que no iguale para marchar
seu escrito como uma trabalhadora um tan- da analítica elaborada por Juan, sensibilizan- unidos del brazo hacia el horizonte de la liber-
los aspectos políticos das sociedades tribais, to alheia às questões sociais, em que pese o do-se com a condição humilhante da mulher tad integral. Hay obligarla a dar un salto, a que
prosseguiu avançando na história e, através de articulista possibilitar conhecer dela alguns na sociedade. Apesar disso, Juan sugeriu ser atraviese el abismo de negruras que la detiene
diversas culturas, apresentando as vicissitudes lampejos de inquietação ocasional, no que ela um tanto quanto refratária às implicações
en el umbral del ideal.
da arte de governar. diz respeito à condição social desvantajosa e conclusões de suas análises. Pero, querida mia, tu dirás que me estoy des-
viando, que equivoqué el camino. Volvamos
Em seguida, descreveu o feudalismo da mulher na sociedade vigente. O autor lhe atrás.
como tendo sido o período em que as revol- escreveu demonstrando grande interesse pelo Cartas a Susana
El feminismo es una cuestión vieja, encajada
assunto, ao mesmo tempo em que prosseguiu en un molde nuevo. Constituye la novedad del
II
247 A CONFERENCIA socialistas na Lapa – Mascaras abai- didaticamente abordando diversos aspectos Mujer ideal, mujer única. siglo, como si este problema no hubiese sido
xo. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 2, p. 4, 09 maio 1914. relacionados ao tema. Iniciou a segunda carta de todo los tiempos y no hubiese retardado la
248 SANCHEZ, Galileo. O Estado e a Sociedade – para o delimitando o feminismo como tema privile- [...]. ignorancia de la mujer el advienimento de una
dr. Justo Seabra. A Rebelião. São Paulo, ano 1, n. 2, p. 2, Esplotada e despreciada por todos, negadas sus sociedad sin amos ni tiranos. Es el caballo de
giado de sua época e do qual se dispõe a tratar batalla de los que queieren adquirir popularidad
09 maio 1914.
com mais vagar. en la cruenta lucha por la vida. Representa la
249 M. Que são os governos? A Rebelião. São Paulo, ano 1, 250 JUAN. Cartas a Susana - II. A Rebelião. São Paulo, ano
síntesis perfecionamiento de los programas po-
n. 2, p. 2, 09 maio 1914. 1, n. 5, p. 3, 07 jun. 1914.
190 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 191

liticos que buscan horizontes nuevos para suplir autor, enquanto consequências particularmen- sentencia que ha llegado a ser famoso entre los ha intensificar la desocupación de brazos y a
las deficiencias de una democracia fracasada por te das influências religiosas sobre as atitudes que tienen la práctica de la formalidad como dar una mayor ganancia a la varicia siempre
falta de ambiente en que abonarse. Es el femi- un mito; dice así: No hay que hacerse esclavo creciente del burgués miserable. Ha venido a
nismo una novedad amanerada, una novedad de culturais quanto à mulher. O autor aludiu a de la palabra. Por eso yo, nada partidario del hacer mas cruenta, si cabe, la situación actual,
subastá que sale a relucir para deslumbrar a los escritos de sua época, tidos na medida de ma- autor de El caso Wagner, seguiré escribiéndote pero tambien con ello la mujer que posue al-
poco versado en la elasticidad de las reformas. térias científicas, afirmando incisivamente a contra lo qué tu crees. Cierto que los vaivenes guna aspiración ha logrado una mayor libertad.
condição genética, portanto natural, de uma de la lucha me hacen muchas veces pesimista, Muchos me objetarian que la mujer no deberia
El feminismo ha venido a ser lo que podriamo
y entonces soy hombre al agua, pero otras en trabajar. Cierto, la mujer, alma sensible, todo
llamar la pedra del escándalo de la actualidad. pretensa inferioridade intelectual da mulher cambio soy el soñador emperdenido que todo amor y delicadeza, flor eterna de la vida, no
La violencia praticada desde la oposición por diante do homem. Essas assertivas deprecia- lo juzga a través del cristal de la ilusion. No deberia ocupar otros trabajos que aquellos que
las partidarias del feminismo viene a desvirtuar
aquella creencia mais vieja que luna la que apli- doras da mulher escondiam, afirma o autor, creo que nadie, absolutamente nadie, escape a son propios a su sexo y a su temperamento.
interesses econômicos e políticos bastante ese fatal determinismo que impone la sociedad Pero la sociedad actual, con mano férrea, con
ca el sambenito del terrorismo como patrimo-
en este siglo de neurastenia. férula odiosa de tirano, le ha impuesto una do-
nio de los anarquistas. Claro que registrando definidos. ble tirania: la del hombre ya la de la sociedad
la historia vemos a todos los partidos politicos Está pues, sosegada. Ningun poder será capaz
usar esos argumentos como médio, sin tener A questão feminina era tida na conta de de obligarme a dejarte de escribir. Soy oportu-
misma. Si en algo puede librarse de una, hace
uma das mais importantes para Juan, tanto muy bien. Por mas que esa libertad casi desa-
escrúpulos para condenarlos cuando ocupan el nista, – en el buen sentido de la palabra – pero
parece envuelta entre el conjunto de tirania que
machito del poder que les proporciona todas assim que entende a temática concebida da por filosofia, por convicción. Procuro llevar a
abarca todos los ordenes de la vida.
las comodidades deseables. libertação feminina como o início da ruína feliz termino todo lo que me propongo, a través
de tumbos y contrariedades. Ademas, la mujer, sintiéndose débil, es la gran
El feminismo como teoria politica, o como de toda a sociedade vigente, como expresso na hipócrita. Finge en todos los momentos, y hasta
cuerpo de doctriná, ha fracassado por incomple- segunda carta. O autor relacionou emancipa- Sentado esto, para tu tranquilidad, vamos a
con los mas allegados. Sintiéndose supeditada a
to. Su base se bambolea por falta de un apoyo seguir lo que em la outra carta dejamos en sus-
sólido en que descansar. ção e libertação da mulher com sua imediata penso.
al voluntad y el capricho de un hombre, procura
liberação, apontando para a amplitude da luta darle todos los gustos, aunque sea contra sus
Pero... aun no he dicho nada y ya llené no se Todos los males de la humanidad tienen un naturales inclinaciones. Por eso te decia en mi
cuantas carillas. En outra seguiré hablándole pela liberdade feminina. Neste entendimento, origem economico. Todas la luchas en que los anterior carta que las religiones han moldeado
de lo mismo. recusou o feminismo sufragista e legalitário hombres se debaten, aunque estean embelleci- el carácter de la mujer. Esta fase que te explico
por postular o nivelamento por baixo para das por sublimes ideales, tienen la misma causa. responde perfectamente a las maximas eunucas
Fraternalmente.251
La transformación económica de la sociedad de los fariseos de la sociedad: Reconocerás en tu
homem e mulher. Pretender estender à mu-
Evidenciou a questão feminina como es la base de todas las teorias que han sentado esposo um dueno. No levantarás la vista...
lher a condição atual do homem não avançaria precedentes en la historia de los pueblos.
assunto compreensivo apenas numa perspecti- em nada a questão da mulher. Pelo contrário, De esos deseos de emancipación politica ha
va social. O problema da mulher na sociedade Y la esclavidad moral de la mujer, siguiendo esta nacido casi una teoria. Algunas mujeres, con el
emprestaria um maior fôlego à sociedade ex- lógica correlación de hechos, tiene tambien un anhelo de hacer machar almundo, cumpliendo
não era específico do gênero feminino ou de ploradora e espoliadora, pois a própria histó- origen económico. Tan es así, que en la misma deseos hondamente sentidos, se han atrevido a
causa unicamente legislativa ou política. A ria tem demonstrado o engodo das liberdades sociedad actual se encuentran mujeres que gozan nombrar derechos, aspiraciones, libertades, en
mulher encontrava-se em sociedade agindo democráticas. de una relativa independencia, al igual que el fin, feminismo. Pero han equivocado el camino.
e recebendo influências outras. Juan se res- hombre, por hallarse en circustancias económi- Han seguido las huellas de todas las escuelas
cas independientes de la vomtad del hombre. politicas que tienem su base en la democracia.
sentia da falta desta perspectiva nas “escuelas
Cartas a Susana Prodria citarte algunos ejemplos: en Paris las Piden simplemente unas reformas que no re-
politicas y todos los dogmas religiosos”, uma mujeres no dependem casi de la influencia del forman nada. Piden unos derechos de sufragio
vez abordarem inevitavelmente a questão fe- III macho. Creadas en un ambiente de intensa lu- y unas libertades adquiridas por los hombres
minina. Mujer ideal, mujer única. cha intelectual, han sabido librarse de la tutela há muchos años, que la experiencia y la razón
del bruto-hombre mediante el ejercicio de profe- nos demuestran que no dan nigun resultado.
Desenhou o quadro mais amplo em que siones liberales. Hasta en Paraguay, pais exótico Abdicar la voluntad, el derecho, en un repre-
Querida mia:
a mulher, em geral, está situada na sociedade. y casi desconocido, gosan de esta libertad del sentante, no es uma fórmula que solucione un
O descaso quanto às suas particularidades, a No creo en la influencia de Nietzche como pen- hogar impuesto por las leyes. Es una libertad problema tan importante como la emancipa-
sador. Es decir, como pensador que en la huma- primitiva, fuera de los refinamientos sociales, in- ción de la mujer.
exploração a que é constantemente submetida nidad haya tenido una influencia bienechora. consciente, pero al fin es libertad siempre, y por
e a humilhante redução ao estado de objeto Es el hombre de las sentencias y tambien de los Además que esos derechos que piden las mujer
tanto digna de apreciarse por lo mucho que vale.
es que pretenden sentar una teoria, están fue-
de deleite masculino foram relacionadas, pelo sofismas. Gran estético, sublime artista, no ha ¡No todas las mujeres podrian decir lo mismo!
dictado cánones como tantos otros que por ahi ra de la órbita de nuestro ciclo de evolución.
251 JUAN. Cartas a Susana - II. A Rebelião. São Paulo, ano El ingreso de la mujer en los trabajos hasta El sufragismo pasó a la historia como trasto
han conquistado menos fama que él. Tiene una
1, n. 5, p. 3, 07 jun. 1914. ahora acaparados por el hombre, ha venido inservible.
192 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 193

Solo puede buscarse la emancipación de la A delimitação da questão feminina ape- Muchos me objetarian que la mujer no deberia missivista para a solução da questão da mulher
mujer en la completa desaparición del absurdo nas à conquista dentro da ordem política ou trabajar. Cierto, la mujer, alma sensible, todo passa pela abolição da possibilidade de domí-
actual sistema de cosas. A la libertad politica o amor y delicadeza, flor eterna de la vida, no
social, debe acompañar la libertad econòmica. social não é, para o autor, suficiente. Haveria deberia ocupar otros trabajos que aquellos que nio e de exploração enquanto dinamismo das
que se proceder a uma mudança tanto na or- son propios a su sexo y a su temperamento. relações sociais. Homens e mulheres, enreda-
No debe buscarse la claridad en una cosa am-
bígua. Defender un derecho y apoyarse para dem política como na social e na econômica. Pero la sociedad actual, con mano férrea, con dos em autoritarismos, teriam de pôr termo
Isso significava uma transformação radical férula odiosa de tirano, le ha impuesto una do- a todo o processo em andamento das relações
ello en un sofisma, es lo mismo que pretender
ble tirania: la del hombre ya la de la sociedad
dormir despierto. Eso hacen las feministas del na forma societária vigente. Além do mais, misma. Si en algo puede librarse de una, hace sociais, criando formas libertárias e igualitá-
presente, buscan su emancipación en un reme- ao tomar o estado atual do mundo masculi- rias de relacionamento social para, então, ser
muy bien. Por mas que esa libertad casi desa-
dio que a los hombres no ha proporcionado
mas que tirania. no como referência, as feministas sufragistas parece envuelta entre el conjunto de tirania que possível a existência da solidariedade entre as
desconsideraram a vigência de sociabilidades abarca todos los ordenes de la vida. pessoas. A liberdade da mulher passa, na visão
Solo con la consecución de la Anarquia lograrán Ademas, la mujer, sintiéndose débil, es la gran
las mujeres libertarse de todos los prejuicios que autoritárias. do articulista, pela instauração da anarquia,
hipócrita. Finge en todos los momentos, y hasta
las agobian. Con la realizaciónde ese ideal, sin con los mas allegados. Sintiéndose supeditada a que significa dizer, pelo fim do capitalismo e
amos ni tiranos, sin causas generadoras de una al voluntad y el capricho de un hombre, procura do estatismo.
horrible desigualdad social, la sociedad gozará Cartas a Susana
darle todos los gustos, aunque sea contra sus
de libertades y dichas. El fardo atávico de los naturales inclinaciones. Por eso te decia en mi
siglos de opresión desaparecerá para no volver III Cartas a Susana
Mujer ideal, mujer única. anterior carta que las religiones han moldeado el
mas... carácter de la mujer. Esta fase que te explico res- III
Un abrazo.252 Querida mia: ponde perfectamente a las maximas eunucas de Mujer ideal, mujer única.
No creo en la influencia de Nietzche como pen- los fariseos de la sociedad: Reconocerás en tu
esposo um dueno. No levantarás la vista... [...]
sador. Es decir, como pensador que en la huma-
Juan passou a tratar especificamente nidad haya tenido una influencia bienechora. De esos deseos de emancipación politica ha Además que esos derechos que piden las mujer
do feminismo. Criticou-lhe o legalismo por Es el hombre de las sentencias y tambien de los nacido casi una teoria. Algunas mujeres, con el es que pretenden sentar una teoria, están fue-
reduzir a questão feminina a conveniências sofismas. Gran estético, sublime artista, no ha anhelo de hacer machar almundo, cumpliendo ra de la órbita de nuestro ciclo de evolución.
dictado cánones como tantos otros que por ahi deseos hondamente sentidos, se han atrevido a El sufragismo pasó a la historia como trasto
da sociedade, não questionando nem tocando han conquistado menos fama que él. Tiene una inservible.
nombrar derechos, aspiraciones, libertades, en
nas causas das desigualdades sociais. O femi- sentencia que ha llegado a ser famoso entre los fin, feminismo. Pero han equivocado el camino. Solo puede buscarse la emancipación de la
nismo procedia, desta maneira, a um processo que tienen la práctica de la formalidad como un Han seguido las huellas de todas las escuelas mujer en la completa desaparición del absurdo
de reprodução, portanto, de conservação do mito; dice así: No hay que hacerse esclavo politicas que tienem su base en la democracia. actual sistema de cosas. A la libertad politica o
status quo. Juan retomou o assunto na última de la palabra. Por eso yo, nada partidario del Piden simplemente unas reformas que no re- social, debe acompañar la libertad econòmica.
forman nada. Piden unos derechos de sufragio No debe buscarse la claridad en una cosa am-
carta, acrescentando novas perspectivas e evi- autor de El caso Wagner, seguiré escribiéndote y unas libertades adquiridas por los hombres
contra lo qué tu crees. Cierto que los vaivenes bígua. Defender un derecho y apoyarse para
denciando também alguns aspectos deixados há muchos años, que la experiencia y la razón ello en un sofisma, es lo mismo que pretender
de la lucha me hacen muchas veces pesimista,
em segundo plano na segunda carta. y entonces soy hombre al agua, pero otras en
nos demuestran que no dan nigun resultado. dormir despierto. Eso hacen las feministas del
Abdicar la voluntad, el derecho, en un repre- presente, buscan su emancipación en un reme-
Os comentários feitos à segunda car- cambio soy el soñador emperdenido que todo sentante, no es uma fórmula que solucione un
lo juzga a través del cristal de la ilusion. No dio que a los hombres no ha proporcionado
ta servem como modo de apresentação das problema tan importante como la emancipaci- mas que tirania.
creo que nadie, absolutamente nadie, escape a
ponderações do autor no que diz respeito tan- ese fatal determinismo que impone la sociedad
ón de la mujer. 253
Solo con la consecución de la Anarquia lograrán
to especificamente à questão da mulher na en este siglo de neurastenia. las mujeres libertarse de todos los prejuicios que
sociedade envolvente, como, num enfoque [...] O resultado da luta feminista atrelada las agobian. Con la realizaciónde ese ideal, sin
mais amplo, de sua concepção de anarquia. amos ni tiranos, sin causas generadoras de una
El ingreso de la mujer en los trabajos hasta a meras conquistas dentro da ordem estabe- horrible desigualdad social, la sociedad gozará
Entretanto, pelo menos um aspecto da terceira ahora acaparados por el hombre, ha venido lecida seria catastrófico para a própria mu- de libertades y dichas. El fardo atávico de los
carta pode ser destacado: trata-se da crítica do ha intensificar la desocupación de brazos y a
lher, que aumentaria sobre si mesma o peso siglos de opresión desaparecerá para no volver
dar una mayor ganancia a la varicia siempre
autor ao feminismo sufragista. creciente del burgués miserable. Ha venido a do domínio e da exploração. A sugestão do mas...
hacer mas cruenta, si cabe, la situación actual, Un abrazo.254
252 JUAN. Cartas a Susana - III. A Rebelião. São Paulo, ano pero tambien con ello la mujer que posue al- 253 JUAN. Cartas a Susana - III. A Rebelião. São Paulo, ano 254 JUAN. Cartas a Susana - III. A Rebelião. São Paulo, ano
1, n. 6, p. 3, 17 jun. 1914. guna aspiración ha logrado una mayor libertad. 1, n. 6, p. 3, 17 jun. 1914. 1, n. 6, p. 3, 17 jun. 1914.
194 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas

Adelino de Pinho evidenciou a impor- [...]


DESGARRÃO
tância feminina na transformação social. Par- Demonstrado como ficou que é á mãe que
ticularmente, na subjetivação de valores novos compete vijiar e dirijir a primeira educação das Inédito para “A PLEBE”
nas crianças, à mulher caberia um papel de crianças, por estar mais em contacto com elas e
porque o seu natural é mais suave, mais terno,
destaque. Não só à escola, que tem um papel mais dôce, mais proprio a tornar as crianças
mais secundário na construção do universo alegres, felizes, expansivas e amaveis, cumpre O operário não tem onde morar É a multidão, é esse poder eterno,
interior da criança, mas à mulher. Seu contato perguntar: estará a mulher habilitada a cumprir
missão de tal responsabilidade? Infelizmente Coitado! E faz de um quarto infecto, imundo, É esse alimento que o burguês consome,
mais prolongado com a criança, abrigando-a
não está. Apertado, nojento, nauseabundo, Dando-lhe, em paga, um torturante inferno.
desde sua concepção, e mesmo por conta das
Há, pois, necessidade urgente de atrair a muher O seu divino e sacrossanto lar.
condições de vida do proletariado em que o
á causa do progresso e do dezenvolvimento,
homem trabalhava 10, 12, 14 horas ou mais, educá-la, orientá-la, fazê-la interessar-se por ésta Sempre esta coisa cômica e sem nome:
voltando para casa exaurido, sem energias obra de civilização e de felicidade universal, cuja E ali, uma hora a rir, outra a chorar, O povo mata a fome ao governo
para se dedicar aos filhos, à mulher cabia a pedra angular, baze, alicerce, e ponto de partida
é naturalmente éla. Ele arrasta a existência, neste mundo, E o governo reduz o povo à fome.
formação de subjetividades curiosas, alegres
e estimuladas. Todas as seitas, todas as religiões se estribam Como um cachorro, inútil, vagabundo,
no apoio que as mulheres lhes dispensam. É À procura de um lixo pra fossar.
que todos os pastores de rebanhos conhecem a
Lá diz o rifão: – “o menino como o pepino, influencia que elas possuem, e que ezercem no
torce-se de pequenino”. Esta sentença popular Carlos Barcelar. A Plebe . São Paulo – SP. Nova Fase – Nº 17. 11.03.1933. Página 03.
lar, já educando os filhos, já animando ou cate-
esprime uma grande verdade. Com razão, tam- quisando os maridos, os irmãos, os conhecidos.
bem, um grande pensador e homem de ação
esprimiu este superior conceito: “tudo que no Nunca as grandes cauzas triunfaram emquanto
alfabeto mistico começa por deus, ha-de fatal- a mulher se lhes mostrou indiferente. Elas são
mente lá acabar.” Vê-se, pois, que ha necessida- os melhores pregoeiros, os melhores arautos, os JUSTIÇA
de da reunião dos esforços, dos pais primeiro, melhores campeões de qualquer obra ou dou-
e dos professores e dos medicos depois, para se trina. A muzica armoniosa da sua vóz, os seus
podêr proporcionar ás crianças uma educação sorrizos que iluminam ou fulminam, os seus
racional e segura. O professor, sem o aucilio olhares que nos elevam ou petrificam, toda esta
dos pais, das mães primeiro que tudo, nada linguajem muda mas eloquente, toda mímica,
poderá fazer de perduravel, e os seus esforços influe poderozamente no progresso ou no es- Progredir, melhorar... Esgota-se a ampulheta, Há séculos, ardendo em sede de justiça,
pouco menos serão que impotentes, desde que a tacionamento das ideias.
palpita o regular cronômetro. O aeroplano nem vê que essa justiça é a velha farsa que arma
criança não possua em casa quem a guie, quem Os guerreiros como Napoleão queriam mu-
a dirija, quem a aucilie. E é á mulher que cabe lheres que dessem muitos soldados para ele - abelha solta da colmeia do Planeta – a Audácia contra a Força inconsciente e submissa!
desempenhar um grandioso papel n’esta mis- conquistar o mundo, devastando, saqueando, sobrepaira à charrua, em terra, e à nau, no Oceano
são superior de educar a infancia. Porque são destruindo, incendiando, roubando, violentan-
mães, elas amamentam os filhos, cercam-nos do. Os padres da igreja querem mulheres que E o Mundo ascende! Mas os dias se consomem
de todos os cuidados, rodéam-nos de todos os façam beatos, para que todo mundo seja crente, É a Civilização. A fórmula obsoleta e a Humanidade sofre! E ninguém dá o alarma,
confôrtos possiveis. Estão em contacto perma- humilde, rastejante em face da teologia. Como
nente com êles, são élas quem lhes ensinam a devemos nós dezejar a mulher? Eu imagino mu- cede aos novos ideais do Pensamento humano. vendo o Homem ludibriado entre as mentiras do
articular as primeiras palavras, quem os dirige lheres que formem homens. Homens na sua Homem!
Mas o Homem... inda arrasta a secular grilheta:
nos primeiros passos, quem lhes deseja as maio- verdadeira acéção da palavra, de espirito livre
res felicidades. e indomável, que se não prestem aos instintos é o mesmo réu, é o mesmo algoz... Pobre tirano!
[...]. É á mãe que cabe incutir no espirito in- bélicos, nem se curvem em face dos dogmas. 255
fantil as primeiras noções de tudo que nos cér- Hermes Fontes. A Vida. Rio de Janeiro – RJ. Ano 01 – A Nº 01. 30.11.1914. Página 09.
ca; movimentos, fôrças, sons, fenómenos. A
curiosidade das crianças manifesta-se cedo, e é 255 PINHO, Adelino de. Pela educação e pelo trabalho –
precizo estar-se preparado para poder esplicar Conferencia lida na Liga Operaria de Campinas, a 13 de
aos pequeninos bébés tudo quanto a sua ancioza dezembro de 1908. Porto: Typographia Peninsular, 1909. p.
e curioza inteligencia anceia por saber. 15-17.
196 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 197

Vida (A) [1914-1915]256 aos anarquistas, os articulistas asseveraram a mo, etnocentrismo, eurocentrismo, falocen- pação em seu interior, a adesão incondicional
existência no Brasil de anarquistas capacitados trismo, entre outros. O teocentrismo, estabe- a algum programa antecipadamente definido,
Os sete números da revista anarquista A para exprimirem, através de periódicos regu- lecendo Deus como a medida para tudo, se incitando a filiação e aceitação de postulados
Vida , publicada no Rio de Janeiro, constitui
257
lares, suas análises particulares dos assuntos transfigurou nestas outras centralidades. Uma rígidos pré-elaborados. Seus expedientes mais
outro demonstrativo de uma das formas de sociais prementes. Apresentaram ainda mais vez que o teocentrismo instaurou a idolatria sutis, mas nem por isso ausentes de elemen-
instauração de um modo indisciplinar na vida. o móvel inicial da concepção desse periódico. como maneira de mediar relações subjetivas tos de violência, se manifestam por meio do
Através desse experimento, os anarquistas O grupo editorial colocou em ativida- com o conjunto da existência, ela se transmu- desígnio em convencer o interlocutor, ou o
envolvidos construíram concomitantemente de a publicação da revista como uma espécie tou em sociolatria, egolatria e outras formas leitor, através da obsessão na persuasão ou na
uma vibração em aberto desrespeito às castas de experimento, envolvendo tanto os próprios de prosternação. dissuasão. Estes dois procedimentos instalam
estabelecidas e às fronteiras divisórias entre as componentes da revista como também leito- O proselitismo, no empenho salvacio- alguma centralidade, polarizando as relações
áreas do conhecimento. res e colaboradores. A ideia subjacente à sua nista, ajusta essas relações a partir da busca como quando da atuação de evangelização.
Nas colunas desse periódico, estão pre- composição manifesta uma intencionalidade de conversão de uma das partes envolvidas. Nas colunas de A Vida, davam-se por
sentes variadas formas de operacionalização provocativa, concretizada por escritos deses- Não é necessário lembrar ser a cultura religiosa vezes confrontos de opiniões tanto entre anar-
de indisciplina, iconoclastia e nomadismo. As tabilizadores ora através de leves sacudidelas, cristã uma das importantes bases da civilização quistas como entre estes e seus adversários. A
discussões expostas em suas páginas são in- ora por intermédio de grandes abalos. Nessa ocidental. Nesta cultura, a existência traduz dinâmica de elaboração dos números desse pe-
dicativas do estabelecimento de uma manei- direção, os editores constituíram uma busca um constante combate entre o bem e o mal. riódico possuía certo caráter de imprevisibilida-
ra particular e libertária na existência, como de intensos contágios recíprocos, sem a prima- Neste combate, a vitória do primeiro sobre o de, ainda que houvesse inegavelmente critérios
também de uma forma visceral e particular zia de arregimentação, esta que é a estratégia segundo é tida como certa e inevitável. para a publicação dos artigos. O Expediente,
na forma de elaboração e socialização de co- catequista comum a igrejas, partidos e socia- Esse triunfo cultiva, no imaginário das publicado apenas nos dois primeiros números
nhecimentos. Artigos, como também poemas, bilidades desses tipos. subjetividades, uma idealidade desejada, a ani- de A Vida, demonstra com muita propriedade
crônicas e seções da revista, colocaram em cir- Enfileirar e enfeixar as pessoas na busca quilação total do adversário, o mais completo a qualidade aberta dos critérios para a colabora-
culação uma dinâmica para além dos limites de estabelecer uma homogeneização consiste extermínio do oponente, a mais profunda des- ção com a revista, bem como para a publicação
estreitos da disciplina. O enfoque disciplinar numa das principais características das insti- truição daqueles que são tidos na medida de de artigos ou outras contribuições.
realiza, por sua vez, um seccionamento do co- tuições de doutrinação. Não por acaso ser o inimigos e, para completar, terror sobre os que A seção de abertura da revista, denomi-
nhecimento por áreas específicas. Além disso, termo “regimento” relativo, simultaneamente, lhe são opositores. Essa concepção existencial se nada Crônica Subversiva – as idéias e os fatos,
remete e reinstala a hierarquia no que se refere a uma sociabilidade autoritária, baseada na desdobra em maniqueísmos: certo/ errado, nor- realizou especificamente essa intencionalidade
à sociabilidade humana. direção de um conjunto de pessoas, por um mal/ anormal, norma/ desvio, esquerda/ direita. provocativa, abordando acontecimentos do
No seu segundo número, em texto regente, a normas, impostas ou consentidas; A adoração e a crença em ídolos acom- momento a partir de um ponto de vista aves-
assinado pelo coletivo editorial258 dirigido à disciplina; e, por fim, à vida militar, quando panham, como sugerido mais acima, os desdo- so à obviedade do evento. Essa estratégia de
do comando de um coronel sobre um corpo bramentos culturais dos agrupamentos sociais provocação, por afronta direta ou por tensio-
256 O Centro de Memória Sindical de São Paulo e o Archivo
de tropas. A propósito de caserna, nesta condi- na chamada sociedade ocidental. A idolatria se namento, obteve resultados logo no primeiro
Storico Del Movimento Operario Brasiliano – ASMOB, da
Itália, publicaram em 1988 os sete números de A Vida em ção, os superiores se dirigem aos seus subalter- manifesta na adoração de imagens, símbolos número. A segunda nota, intitulada O positi-
edição fac-similar pela editora Ícone, dando continuidade a nos com o imperativo “ordinário”, remetendo e objetos sacros. Esta constitui a manifestação vismo do snr. Trajano, publicada no primeiro
um projeto de registro de memória operária que iniciou com novamente à ordem hierárquica, portanto, a da mais evidente idolatria. Contudo, os ídolos número, se desdobrou no estabelecimento,
uma edição também em fac-símile do jornal anarcossindica-
uma relação subserviência-comando. Esses tomam por vezes a forma de alguma abstração em alguns números seguintes, de um debate
lista A Voz do Trabalhador. Em seguida, o Arquivo do Estado
de São Paulo juntou-se a esta iniciativa publicando da mesma dinamismos societários, reprodutores de re- transcendental, como no caso do Deus pessoal envolvendo um integrante do grupo editorial
forma Boletim da Escola Moderna e Cronica Subversiva, de lações verticalizadas, possuem como referen- e amorfo dos idólatras protestantes, de ideias com o vice-presidente do Apostolado Positi-
Astrojildo Pereira. cial cultural mais explícito o salvacionismo, o absolutas e universalistas como o Estado e a vista do Brasil, Raimundo Teixeira Mendes.
257 Seu coletivo editorial era composto por Francisco Viotti, proselitismo e o messianismo. pátria dos idólatras nacionalistas. Detenho-me com mais vagar sobre este epi-
Pinto Quartin, José Oiticica, Miranda Santos e Nilo Ferreira.
O salvacionismo estabelece a certeza de Além do mais, essas estratégias cate- sódio um pouco mais adiante.
258 AOS COMPANHEIROS e grupos anarquistas de lingua
portugueza. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 13, 31 alguma centralidade na sociabilidade humana: quistas impõem, como requisito de partici-
dez. 1914. antropocentrismo, sociocentrismo, egocentris-
198 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 199

A guerra permanece como tema pri- 1915 apresentado neste texto, sobretudo, como uma catastrofe, invadida pela angustia e pelo pa-
vilegiado nesta seção. Do segundo ao últi- divindade belicosa. Daí o porquê de não se- vor... Assistimos á maxima tragedia dos tempos.
Ano novo... Ano maldito! Da mesma vaza de Qual o seu desfecho? Que resultará de tudo
mo número da revista, foram elaborados rem estranhos ao religioso os acontecimentos isso? Aonde iremos parar? Todas as forças da
sangue, do mesmo enxurro de infâmia, da mes-
apontamentos sobre o assunto. Seguem, em ma rajada de morte, em que se afogaram os de mútuas agressividades e o assassinato co- tirania, do despotismo, da maldade, da menti-
segundo lugar, temas correlatos: eleições, últimos instantes de 1914, brotaram os primei- letivo em nome de alguma entidade superior ra.. todas as potencias da Autoridade estão em
patriotismo, política e governo. Em terceiro ros albores de 1915. Ano maldito! A guerra, a ou transcendental, no caso, a pátria. ação, triunfantes, sinistras, ebrias de sangue,
grande guerra, a guerra temida, a guerra maci- insaciaveis, danadas de sangue... Não é uma
lugar, as notas focalizaram a polícia no trato Outra nota, “Aos guerreiros”262, tam- guerra qualquer. França? Alemanha? Russia?
ma, está em pleno fastijio do seu negro e rubro
com as questões sociais. Dentro deste con- esplendor. Nações inteiras estão sendo varridas bém assinada por Astper, apresentou uma car- Inglaterra? Palavras, palavras, palavras... Esta é
texto, há o registro da morte de um militar, pela metralha. (...) Ano maldito! A tirania, a ta de um soldado alemão quando este relata, a guerra da Autoridade contra a Revolução. A
evidenciando sua brutalidade para com os mentira e a traição se congraçaram na mesma Autoridade preparou-a, enganalou-a, disfarçou-
diretamente da trincheira, um breve armistício -a longamente, pacientemente, habilmente... e
nefasta obra de devastação e de retrocesso. Os fi-
trabalhadores. Diversos outros temas surgi- estabelecido contra os soldados ingleses. Deste atirou a cartada! Quem vencerá?
nanceiros amassam fortunas, seguros do porvir.
ram, como igreja, caridade, a imprensa e os Os generais conquistam medalhas, em atitudes episódio, o autor levantou algumas reflexões Eu esperava, naturalmente, que esta guerra,
anarquistas, jogos, positivismo e anarquismo, de bronze e de marmore. Os sacerdotes clamam em torno da guerra, sem deixar de evidenciar quando não evitada, fosse ao menos embara-
carnaval, problematização da legalização do pelo deus das batalhas. Estalam pelo ar gritos de çada pelas hostes da Revolução. Não foi. [...].
sua ojeriza à passividade de cúmplices adotada Sébastian Faure deu o toque de reunir. O seu
gloria e de triumfo: viva a patria! E a cada viva!
serviço doméstico, prisão para menores e a pelos soldados. manifesto foi um grito soberbo, um grito po-
zune uma bala que mata... A patria é a morte:
situação de penúria e miséria do proletariado. viva a morte! Astper, em nota intitulada “Loucos!”263, tente e vibrante de esperanças... Nem tudo está
A Primeira Guerra Mundial foi apresen- Até quando durará tudo isso? Que virá depois perdido. As hostes vingadoras da Revolução se
apresentou a notícia do internamento em reerguem, se aprumam, se aprestam...
tada como fenômeno social cujos interesses de tudo isso? Para onde caminhamos? O mo-
manicômio de cerca de trezentos soldados Eu deposito a maior confiança no movimento,
mento é doloroso e cruel. Será o dezabar de
econômicos e políticos eram insofismáveis. alemães como consequência da guerra. Na que se inicia, em torno do manifesto de Faure,
toda uma era de conquistas revolucionarias?
A nota intitulada “O peor cego é o que não Voltaremos ao passado? Cruel, dolorozo é o mesma linha de raciocínio da nota acima, em favor da paz. Eu estou convencido de que,
quer ver” trata desses motivos comerciais e momento: mas nem tudo está perdido. Ainda mais funestas que a guerra em si, poderão ser
afirmou que a guerra “ou mata, ou estropia, as suas consequencias. Vençam os aliados ou
econômicos, encerrando o articulista com existem anarquistas no mundo. A eles está en-
ou enlouquece”. Para ele, antes disso, a lou- vençam germânicos, a onda reacionaria estará
tregue a sorte deste seculo. Agora, mais do que
uma tirada irônica. cura encontra-se presente em quem se alista em ultra propicio terreno de ação. E isto será
nunca, urge que os anarquistas multipliquem o
proprio valor, centrupliquem o proprio esforço, nas forças armadas e caminha, por vontade a volta ao passado, será o trabalho dum secu-
tenazes e irredutíveis, na magna obra de defeza lo talvez inteiramente perdido. Vencidos os
Deante desses factos ainda ha alguem mesmo própria, para a matança generalizada. aliados, será o dominio fereo e asfixiante dos
entre os anarquistas que vive a nos atordoar das liberdades humanas neste instante decizi-
vo ameaçadas pelos sanguisedentos chacais da Em outro número da revista, no artigo ‘junkers’ prussianos; vencidos os germanicos,
os ouvidos com o estafado motivo de que a
burguezia. Ou a revolução social se fará na hora “A guerra e nós”, o articulista tratou do posi- será o reflorir do jezuitismo imperialista francez,
guerra atual é uma guerra de ‘Civilização, de
da paz das chancelarias, ou não se fará talvez será a solidificação incontrastável do marinismo
Humanidade, de Liberdade’! cionamento dos anarquistas diante da guerra. britanico, será a preponderancia crescente de
dentro deste seculo...260
Tudo isso com iniciaes maiusculas, talvez por Encerrou o apontamento com um apelo para ‘knut’ moscovita. Para qualquer lado, emfim,
amor aos simbolismos...259 uma imediata ação enérgica, por parte dos que penda a vitória dos canhões, isso será a vi-
Astper, um dos pseudônimos de Astro- anarquistas, a fim de estes porem termo ao tória da Autoridade contra a Revolução. Ora,
só a resistencia imediata, energica, em bloco,
Em outra nota, “1915”, o articulista, jildo Pereira, elaborou uma crítica à exalta- conflito. dos elementos revolucionarios poderá constituir
num tom de intensa revolta, apresentou, para ção da guerra feita por um padre num artigo um dique eficaz bastante contra a onda reacio-
além das causas econômicas, as bases idólatras, intitulado “Um padre, a guerra e deus”261. A guerra e nós naria. E o momento é oportuníssimo. É agora,
Neste contexto, evidenciou a cumplicidade da durante a carnificina quando todos, combaten-
nacionalistas e religiosas do conflito bélico. tes e não combatentes, sentem os seus efeitos
Apelou, no final do escrito, para a atuação Igreja Católica, e das ideias teológicas, com o Esta não é uma guerra qualquer. É a maior
guerra da historia. Toda a vida da humanidade prontos, que poderemos, fazer alguma cousa
enérgica dos anarquistas como única maneira estabelecimento da guerra. O Deus cristão é capaz e decisiva. Depois da guerra, será talvez
se acha suspensa, estatelada diante da grande
de obstar o processo belicoso em andamento. tarde de mais. Estaremos, então, mais enfraque-
260 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 262 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio cidos e diante dum adversário mais forte. Os
de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 1, 31 jan. 1915. de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 51, 28 fev. 1915. odios e as vontades de vingança terão chegado
259 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 261 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 263 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio ao auge. E, na paz das chancelarias, os inimigos
de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 2, 31 dez. 1914. de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 49-50, 28 fev. 1915. de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 65-66, 31 mar. 1915. governantes da vespera saberão unir-se contra
200 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 201

qualquer murmúrio de revolta popular. Agora, [...] condição assumida pela população de perma- reverência da população diante da gravidade
pois, agora, já e já, é o momento de começar. O governo italiano, enquanto se preparava e nente paciente explicaria a esperança de me- com a qual as autoridades se apresentam. É
Que os revolucionarios sociaes de todos os pai- punha em leilão a sua intervenção, teve a grande
zes ainda não em guerra se agitem. Que sacu- habilidade de fazer crer que ia á guerra impelido lhoria nas condições de vida depositada sobre o caso do deboche em “A quelque chose...”273,
dam a opinião popular do mundo inteiro. Que pela opinião publica. a substituição de governantes ruins por outros feito ao presidente Dutra, a quem chamavam,
estabeleçam em torno das nações conflagradas, E para esta obra, de grande utilidade lhe foram bondosos, generosos e justos. A quarta nota, em tom de zombaria, “Dudú”.
um ambiente profundamente contrario á guerra os de Ambris, os Mussolini, e outros que tais.266 “A verdade insofismavel”, expressou com mui-
e ao militarismo e ao patriotismo... tão profun- O intervencionismo estatal sobre a so-
do e tão denso que penetre e se infiltre nelas. ta propriedade a intencionalidade provocativa ciedade foi apresentado em “O Estado-Provi-
Em “O desarmamento geral”267, tratou característica à revista. No que se refere à vida
Que isto seja feito, que isto se realize, e a causa dencia” 274 como uma das características mais
da Revolução não terá perecido em meio deste também da espécie de pacifismo praticada pe- do trabalhador, nada mudaria com a mudança típicas do Estado. A legislação constitui uma
esterquilinio maldito!264 los governantes republicanos. A manifestação de governantes. forma de enredar os indivíduos em dificulda-
de intenções, como as iniciativas a favor do
No segundo número da revista270, há des de maneira a melhor preservar o domí-
Vitor Franco, em “Mais carne para desarmamento generalizado por parte dos es-
uma mesclagem dos temas tratados. As três nio. A saída dessa armadilha só seria possível
canhão”, analisou com irreverência a contri- tados, constituía uma ridícula utopia uma vez
primeiras notas tematizaram as eleições e a “quando os individuos compreenderem, que
buição com a conflagração guerreira deixada ser necessária à existência de todo e qualquer
política institucional. A primeira é taxativa só eles são capazes de tratar da propria vida e
por socialistas, sindicalistas e até anarquistas, aparato estatal a existência das armas.
logo no título: “A farça eleitoral”. Na segun- que o Estado além de ser parasita e opressor é
quando da entrada da Itália na guerra. Os go- O esforço pela paz mundial, alardeado da nota, “A soberania popular”, o que existe um intruzo que faz mal mesmo quando quer
vernos, como justificativa favorável à guerra, pelos governantes da Argentina, do Brasil e de brevidade tem também em intensidade de fazer o bem”.
elaboraram afirmações peremptórias em favor do Chile, formando o que Vitor Franco, na acidez crítica: o articulista assinala o tráfico de A situação de vida miserável e precá-
da paz universal. A propósito dessas assertivas, primeira nota do último número da revista, influência entre os próprios governantes como ria atingindo a população trabalhadora foi
os editores em A paz... guerreira!265 apresen- denominou de O ABC268, foi apresentado não forma de retirar vantagens pessoais em preju- registrada em algumas notas. Numa delas,
taram não sem um tom irônico a espécie de enquanto “pacifismo” mas como “pancifismo”, ízo da população dita “soberana”. A terceira intitulada “A epidemia do suicídio” 275, o ar-
empenho por uma paz prenhe em hostilidades isto é, como pancismo. nota, “Comedia e comediantes...”, apresentou ticulista afirmou ser a miséria uma das causas
levada a efeito pelos governantes. O temário das eleições presidenciais pre- a dinâmica da política constituída como que determinantes do aumento do número de sui-
dominou em três das quatro notas do primei- por meio de uma espécie de teatro. Astper, cídios neste segmento da sociedade. Registrou
Mais carne para canhão ro número269. A primeira indica, já no título, em “Momo triunfa...”271, aproveitou o ensejo também, em nota intitulada “Degradação”276,
“Medite o povo”, seu objetivo: um convite das festividades carnavalescas apresentando-as a existência de trabalhadores desempregados
Finalmente, a Italia tambem entrou na guerra para o leitor elaborar uma reflexão própria em enquanto elemento constitutivo do governa-
a defender a Civilização Latino-anglo-russo- no Rio de Janeiro que, por causa da situação
torno da mudança das figuras do presidente mentalismo. de penúria, sobreviviam de restos de alimentos
-senegalesca contra a barbaria teutonica.
São mais 3 ou 4 milhões de homens, os mais da república com a vida efetiva da população. Em número anterior, a relação entre apodrecidos recolhidos do lixo.
fortes, os mais validos, que irão servir de pasto Na terceira nota, “Vans esperanças”, o governo e Carnaval fora apresentada como
a Marte devorador. Em “Sob o reinado da fome”277, o arti-
articulista, num primeiro movimento, proble- uma atualização da velha estratégia romana culista abordou a situação de miséria no Rio
Parecia, a principio, que o governo italiano,
temendo uma revolução, não teria coragem de matizou a confiança da população na eficácia de controle da população, a fim de evitar pos- de Janeiro. A grande imprensa elaborava uma
levar tambem seu povo á guerra. E tal se teria do sistema de representação, tendo questio- síveis sublevações. O título o indica: “Panem
dado se não fosse a traição feita aos principios nado, num segundo, a sua passividade. Essa et circenses...”272. 273 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio
internacionalistas pelos socialistas, sindicalis- de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 49, 28 fev; 1915.
tas, republicanos e mesmo alguns anarquistas, 266 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio A outra nota de Astper vislumbrou no
274 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio
que foram para o governo italiano os melhores de Janeiro, ano 1, n. 7, p. 98, 31 maio 1915. Carnaval a possibilidade de uma salutar ir- de Janeiro, ano 1, n. 6, p. 82, 30 abr. 1915.
auxiliares, os que serviram melhor á causa da 267 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 270 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 275 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio
tirania estatal. de Janeiro, ano 1, n. 6, p. 81, 30 abr. 1915. de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 1, 31 dez. 1914. de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 2, 31 dez. 1914.
268 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 271 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 276 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio
264 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 7, p. 97, 31 maio 1915. de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 49, 28 fev. 1915. de Janeiro, ano 1, n. 6, p. 82, 30 abr. 1915.
de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 66, 31 mar. 1915. 269 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 272 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 277 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio
265 Ibidem. de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 1, 30 nov. 1914. de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 2, 31 jan. 1915. de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 1-2, 31 dez. 1914.
202 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 203

versão favorável aos segmentos dominantes narrado no próprio livro de Gusmão, quando crianças!”283, a arregimentação e o adestramen- campos opostos e provocada pela publicação
acerca da crise econômica e do desemprego. as autoridades políticas de Nápoles apelaram to de crianças, fazendo-as desfilar cantando da nota, “O Positivismo do Snr. Trajano”285,
Além do mais, esta imprensa, ao mesmo tem- para Cicio Capuccio, conhecido e temido hinos nacionalistas e estampando nomes de a que aludi mais acima. Esta nota noticiou
po em que registrava o número alarmante de bandoleiro, a fim de derrotar uma greve de candidatos, eram questões que lhes escapa- uma greve de operários por conta do atraso
desempregados, solicitava do governo a in- cocheiros. Capuccio fora, então, em socorro vam o entendimento. Esse tipo de atitude foi de quinze meses no pagamento. O detalhe
tensificação de uma campanha migratória de dos patrões e dos governantes, fato este evi- reprovada porque em nada contribuía para destacado na notícia era o fato de o proprie-
operários europeus para o Brasil. Essa situação denciado por Astper como prova da associação um processo de livre expressão das crianças, tário da fábrica ser um conhecido aderente da
era proveniente do desemprego e do calote entre governantes e bandoleiros, contrariando constituindo antes em formas de inculcação Igreja Positivista. Essa ocasião apresentou-se
passado ao trabalhador por patrões, os quais o afirmado por Gusmão. Encerrando suas re- e adestramento. como momento oportuno para a elaboração
apontavam para a guerra e para a crise eco- flexões no que se refere à ajuda prestada por Outra nota, “Como se formam de alguns questionamentos acerca dos dois
nômica como justificativas das demissões e da Capuccio à polícia napolitana, arrematou a criminosos”284, focalizou a existência de pri- aspectos citados – reforma social e religião da
falta de pagamento. nota com estas palavras: “Uma camorra pode sões a partir do caso de uma penitenciária humanidade.
A grande imprensa foi objeto de crítica bem auciliar outra camorra. Porque a policia, para menores em Dois Rios. Nesta colônia O articulista problematizou ideias fun-
em “Um complot revolucionario”278. Desta no fim de contas, nada mais é que uma ca- correcional, o trabalho constituía em proposta damentais para o positivismo e questionou
vez, o articulista Vitor Franco, em tom de morra legal”. terapêutica pretensamente ressocializadora. O particularmente as noções de altruísmo e ego-
zombaria, registrou, enquanto disparate, te- Noutra nota, “Os chauffeurs e a policia” articulista, ao registrar esta informação, fez a ísmo, que possuiriam, para os positivistas, sen-
rem sido os anarquistas apresentados como 281
, o articulista denunciou as condições de crítica da punição por contraproducente. A tidos antagônicos inconciliáveis. Além disso,
integrantes de grupos conspiratórios a fim de trabalho dos motoristas do Rio de Janeiro. prisão surge, nessas linhas, tendo a reincidên- problematizou as concepções de filantropia, de
derrubar governantes para estabelecer outros. Novamente com a colaboração da imprensa cia como única garantia. amor à humanidade versus misantropia, alar-
A sétima nota, “O caudilhismo no meio comercial, estes profissionais foram vítimas de A república brasileira foi idealizada deados pelos seguidores de Augusto Comte.
operario” 279, publicada no segundo número extorsão pela polícia que, através de processos tendo como esteio filosófico e sociológico os O autor evidenciou esse tema ao comparar as
da revista, celebrou a expulsão dos diretores forjados, constantemente aplicava-lhes multas. postulados estabelecidos pelo positivismo de doutrinas positivistas com as práticas levadas
da União dos Operários Estivadores realiza- A morte de um general no Rio de Ja- Augusto Comte. O processo de derrocada da a efeito pelos seus aderentes. A crítica foi re-
da pelos estivadores. O articulista apresentou neiro foi lamentada pelos jornais da grande monarquia brasileira, através da ação dos re- alizada a partir do evento da greve na fábrica
esta diretoria como composta por caudilhos, imprensa. Vitor Franco, em “A morte de um publicanos e o subsequente estabelecimento do engenheiro Trajano Viriato de Medeiros.
expressando o entendimento de que o cau- heroe”282, acrescentou aos comentários da da república, foi saudado e festejado pela co- No número seguinte da revista, foi
dilhismo não constituía apanágio dos setores grande imprensa um dado histórico, esque- munidade intelectual do mundo como o mo- publicada uma carta de Teixeira Mendes sob
dirigentes da sociedade. cido por estes jornais, relativo à repressão a mento de criação da constituição mais liberal título “Positivismo e anarquismo – uma car-
Astper, na nota intitulada “O Banditis- uma manifestação pública de estudantes. Nes- e mais avançada, isso em termos de garantias ta do Snr. Teixeira Mendes”286, contendo um
mo” 280, analisa o livro O Banditismo e Asso- ta ação militar, dois estudantes foram assassi- sociais e conquistas na ordem do humanita- protesto veemente do missivista acerca do
ciações para Delinquir, do advogado Crizolito nados por policiais sob as ordens do falecido rismo. Nesse contexto, os anarquistas foram entendimento do positivismo como expresso
Chaves de Gusmão, tecendo algumas críti- general. Encerrou suas palavras afirmando: os primeiros no Brasil a questionar, a proble- no primeiro número da revista. A esta carta,
cas. O autor do livro classificou as associações “Nós, aqui, fazemos seu elogio funebre: foi matizar e a recusar o positivismo, especifica- seguiu um texto de Francisco Viotti comen-
anarquistas ao lado dos bandos de cangacei- um militar...”. mente em seus aspectos relativos à reforma da tando e contextualizando sua publicação, além
ros, jagunços e agrupamentos do tipo. Astper A utilização da infância em manifes- sociedade e como religião. de apresentar algumas ponderações sobre seu
relatou o acontecido em uma região italiana, tações públicas de caráter político consti- A recusa ao positivismo foi apresen- conteúdo. O debate de ideias se estendeu por
278 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio tuiu assunto também abordado. Em “Pobres tada na polêmica envolvendo articulistas de alguns números da revista, favorecendo a oca-
de Janeiro, ano 1, n. 7, p. 98, 31 maio 1915. 285 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio
279 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 281 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 283 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 1, 30 nov. 1914.
de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 2, 31 dez. 1914. de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 2-3, 31 dez. 1914. de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 2, 31 jan. 1915. 286 MENDES, Raimundo Teixeira. Positivismo e anarquis-
280 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 282 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 284 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio mo. Uma carta do snr. Teixeira Mendes. A Vida. Rio de Ja-
de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 50, 28 fev. 1915. de Janeiro, ano 1, n. 7, p. 98, 31 maio 1915. de Janeiro, ano 1, n. 6, p. 82, 30 abr. 1915. neiro, ano 1, n. 2, p. 3-5, 31 dez. 1914.
204 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 205

sião para uma abordagem do tema em que o de postulados religiosos centrais na filosofia estabelecendo regras universais de conduta e penalidades e dos códigos de conduta indivi-
positivismo fora exposto a partir da perspec- positivista, confrontando-os com os estudos convivência humana, advogam a submissão, dual e social constituiria pressupostos de uma
tiva de um de seus defensores no Brasil. Ao científicos que alocam o homem na série da por parte dos trabalhadores, a seus governan- sociedade orientada pelos postulados anarquis-
mesmo tempo, um trabalhador, integrante escala zoológica. tes e dirigentes industriais. tas. Os atos antissociais, numa sociedade des-
do campo anarquista, teve a ocasião de ana- Os costumes e comportamentos dos Em seguida às indagações, elaborou provida da propriedade privada e dos aparelhos
lisar essas ideias e, na continuação da carta, seres humanos são eminentemente sociais, uma crítica aos aspectos de doutrina social de controle e repressão social, não teriam a
problematizá-las e refutá-las287. históricos e culturais. O positivismo procura do positivismo, recusando a proposta de so- configuração apresentada na sociedade vigente,
Os contatos entre Teixeira Mendes e o estabelecer, para a sociabilidade humana, nor- ciabilidade humana baseada na hierarquia, em sendo abordados de forma diferenciada.
grupo editorial de A Vida prosseguiram, tendo mas universais, desconsiderando a variedade de relações entre governados e governantes, sub- Arrematando suas reflexões em torno
ele visitado pessoalmente a redação da revis- concepções nos agrupamentos humanos. Esses missos e dirigentes. Aqui os revoltosos foram dos principais postulados do positivismo,
ta. Este acontecimento foi registrado na nota elementos foram apresentados pelo articulista apresentados como elementos importantes Viotti chamou a atenção do leitor para as limi-
“Positivismo e anarquismo”288. No número como aspectos relevantes quando das análi- no processo de transformação social. O cará- tações de espaço e de tempo, na revista, para
cinco da revista, novamente com o título “Po- ses dos fenômenos humanos pelos estudiosos ter reacionário, porque mais conservador, do apresentar uma explanação mais aprimorada
sitivismo e anarquismo”289, Francisco Viotti anarquistas. Estes, em suas perspectivas, enten- positivismo era-lhe evidente. Para Viotti, “o do assunto. Enfatizou a contradição do positi-
anunciou o envio, anexo à revista290, do escrito diam como positividade as diferenças culturais. genial filosofo funda a ordem social na con- vismo, que elabora reflexões tendo como base
prometido por Teixeira Mendes apresentando Viotti lamentou ainda a estreiteza de centração do poder politico e da riqueza nas o questionado conceito de “estado normal”
algumas ponderações sobre os conceitos posi- concepções dos discípulos de Comte, que defi- mesmas mãos. Não examina a origem dessa da sociedade, sustentando ser este um estado
tivistas formulados no escrito. Viotti destacou niam o anarquismo de forma equivocada sim- riqueza e tampouco os processos pelas quaes “definitivo”, ao mesmo tempo em que procura
o dogmatismo de pensamento, em sua crítica plesmente por não conhecerem os escritos dos ela se encontra nas mãos de alguns”.291 preservar as causas das desigualdades sociais,
ao positivismo de Comte e de seus seguido- pensadores anarquistas. Apesar de defender o Ao apresentar essas críticas, Viotti pros- justificando a repressão, o domínio e o con-
res, os quais chegaram ao ponto absurdo de uso da razão e dos conhecimentos produzidos seguiu sua análise do positivismo de Comte trole da sociedade. Nessa direção, apresentou,
sustentar terem elaborado uma filosofia abso- pelos diversos campos da ciência no estudo apontando para a manutenção das desigual- novamente contrastando com os postulados
lutamente completa, definitiva e irretocável. das sociedades, a racionalidade humana não dades sociais por conta da legitimação, em positivistas, a concepção de sociabilidade hu-
No positivismo, os conceitos de “altru- ocupava posição central no anarquismo, sus- seus postulados, da exploração econômica do mana presente no anarquismo.
ísmo” e de “egoísmo” são fundamentais. A tentou Viotti. Tampouco procurava impor a homem pelo homem. Fez a crítica também no Ainda dentro da mesma temática, Pri-
sociabilidade humana é aqui percebida como racionalidade científica aos segmentos sociais. que diz respeito à necessidade de punição aos mitivo Soares, no primeiro número da revista,
realizada dentro destes dois polos, os quais Por sua vez, o positivismo estabelece “delinqüentes”. Essa questão específica do po- analisando o contexto mundial da Primeira
eram apresentados como sendo, simultane- a ciência como a única fonte de elaboração sitivismo apresenta consideráveis dificuldades Guerra, considerou como um dos elementos
amente, antagônicos e excludentes. O arti- do saber legítimo e de uma pretensa verdade porque trata de altruísmo e amor como base determinantes deste acontecimento a formação
culista levantou algumas questões recusando derradeira em torno dos fenômenos humanos. da sociabilidade humana e, ao mesmo tempo, e o surgimento do positivismo de Comte ao
e problematizando esse maniqueísmo. Nes- Para o articulista, esta consiste numa das di- sustenta a necessidade da existência de juízes, lado das concepções religiosas e, em particular,
sa perspectiva, Viotti apontou a existência ferenças principais entre anarquistas e positi- carcereiros e carrascos no “estado normal” da de “todas as doutrinas e filosofias religiosas,
vistas. Seguindo a essas ponderações, o autor sociedade, mantendo a ideia de necessidade metafisicas, inclusive o cristianismo, o espi-
287 POSITIVISMO e anarquismo. Uma carta do snr. Tei-
fez a crítica à ideia de “estado normal” - ou de sentenças, penitenciárias; e, por fim, de- ritismo e o espiritualismo”.292 Antes de tratar
xeira Mendes. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 5-6, 31
“definitivo” - para a sociabilidade humana, fendendo a existência da pena capital. do positivismo comteano, elaborou algumas
dez. 1914.
como postulado por Comte. O autor passou a expor, em seguida, o reflexões em torno das ideias positivistas de
288 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio
de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 1, 31 jan. 1915. Francisco Viotti ainda apresentou uma seu entendimento particular das concepções Lombroso e Ferri, que abordaram os atos antis-
289 POSITIVISMO e anarquismo. A Vida. Rio de Janeiro, sequência de questões, problematizando temas anarquistas sobre os pontos acima criticados sociais a partir do conceito de criminoso nato.
ano 1, n. 5, p. 66-70, 31 mar. 1915.
particulares do positivismo particularmente no positivismo. Segundo Viotti, a abolição das
290 MENDES, Teixeira. O Positivismo e a questão social: a 292 SOARES, Primitivo. O objetivo dos deuses e o ideal dos
às suas implicações no campo da sociabilida-
propozito da propaganda anarchista. Rio de Janeiro: Igreja e 291 POSITIVISMO e anarquismo. A Vida. Rio de Janeiro, demagogos. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 10-12, 30
Apostolado Positivista no Brasil, 1915. de humana. Os seus postulados e doutrinas, ano 1, n. 5, p. 66-70, 31 mar. 1915. nov. 1914.
Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 207

Primitivo Soares relacionou a ação mento de uma servidão voluntária; aos setores
O JEQUITIBÁ DAS PAINEIRAS
conjunta do positivismo, do cristianismo, da dirigentes, destinava-se a mania do mando, o
metafísica, do espiritismo e do espiritualismo, “ultra-egoismo”.
com a configuração das doutrinas sociais que Nesse processo, o autor destacou a ação
Jequitibá formoso das Paineiras operacionalizam o conceito de delinquência dos postulados das filosofias metafísicas, do
Cheio de parasitas seculares, congênita. Aqui se coloca a ocasião da repro- positivismo, das doutrinas “pseudo materia-
És a imagem das terras brasileiras, dução de estereótipos e estigmas, particular- listas”, além de citar expressamente Maquia-
Ricas de tarimbeiros militares. mente sobre os trabalhadores. Aludiu, na se- vel, Spencer, Nietzsche e Marx enquanto
De burgueses ladrões ou de políticos, quência de suas reflexões, aos conhecimentos pensadores que contribuíram sobremaneira
E de “ascéticos” padres sifilíticos! da anatomia e da antropologia de seu tempo, para o aprofundamento deste dinamismo de
Eu te saúdo, ó meu jequitibá, desmentindo as ideias de Lombroso. subordinação e mando. O quadro de eclosão
Porque a tua seixa é tão fecunda Prosseguiu contextualizando historica- da Primeira Guerra Mundial foi delineado,
E tão profunda mente a formação do positivismo como uma desta maneira, a partir de um caleidoscópio
Que dá reação inicial ao domínio religioso da Igreja constituído por considerável diversidade de
Para a alimentação Católica, seguindo, de maneira paradoxal, fatores determinantes.
De tanto rufião, ao estabelecimento de uma nova religião, a Encerrou o artigo com uma sentença
Para a fartadela Religião da Humanidade. Esse processo con- incisiva questionando a validade das referidas
De tão insaciável horda. solidou o domínio da burguesia enquanto doutrinas do pensamento social em relação
E a engorda segmento substituto do clero e da nobreza. aos tipos de suas ressonâncias sobre os dina-
De tanta alimária magricela, O racismo e o nacionalismo, fenômenos so- mismos sociais na comunidade internacional,
E sustenta ciais constituídos em formas mais contunden- como no conjunto da sociabilidade humana,
Tão ruim bicharia piolhenta! tes com a modernidade, foram apresentados observada com os acontecimentos belicosos
como desdobramentos da religião. daquele momento.
Scipião Fogaréo. A Obra. São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 08. 01.07.1920. Página 09.
O materialismo histórico, o darwinismo
social, a religião e o positivismo convergiam A analise destes fenômenos resume-se na se-
quando da projeção sobre os diversos segmen- guinte verdade: que todas as filosofias doutrinas
tos da sociedade de concepções negadoras da ou dogmas que não tenham por principio a
mediata revolução intelectual dos povos, e o
OIAPOQUE – TERRA DA MORTE! individualidade e favoráveis ao domínio, à aceleramento da revolução economica e social,
hierarquia. O positivismo exerceu papel de no sentido da mais perfeita igualdade e da mais
destaque no contexto de disseminação, na estrita justiça, carecem de valor e não merecem
sociedade, dos princípios de verticalização a menor atenção, salvo se fôr afim de conhecel-
Oiapoque! Como é negra, hedionda a tua história!... Tomando por base a extensão do cemitério, -as para melhor destruil-as.293
da sociabilidade ao sustentar o imperativo
Do nobre povo do Brasil de Sul a Norte, Só vejo em ti uma grandeza – a enfermaria! da submissão por parte dos trabalhadores aos
Nunca! Nunca apagarás tua vil memória!...
Terra do crime, da chibata, luto e morte!... Tumba da liberdade! Terra do extermínio! governantes e dirigentes industriais. As notas da seção noticiavam outros
Da horda vil tu garantiste o irredomínio! A ação conjunta dos aderentes do acontecimentos. É o caso do registro do fale-
Do crasso bernadismo és o pendão da glória! Terra da morte! Símbolo da Tirania! princípio de autoridade, como única forma cimento de Anselmo Lorenzo294, anarquista
Escoadouro do ódio seu e braço forte.
Enquanto destes uns seus sicários a vitória, de orientação das relações sociais, cultivava 293 SOARES, Primitivo. O objetivo dos deuses e o ideal dos
A quantos inocentes deste negra sorte?! sociabilidades baseadas na submissão de uns demagogos. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 10-12, 30
Oh! que terrível quadro o teu – antro funéreo! e no ceticismo de outros. Enquanto aos seg- nov. 1914.

Domingos Braz. A Plebe. São Paulo – SP. Ano 11 - Nº 253. 11.06.1927. Página 03.
mentos populares eram destinados, nestes 294 Anselmo Lorenzo nasceu em 1841, em Toledo, Espanha;
e faleceu em 1914, em Barcelona. Integrou o grupo que in-
postulados, aspectos referentes ao estabeleci-
troduziu o anarquismo na Espanha. Participou da Primeira
208 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 209

de projeção mundial. O articulista registrou de recursos financeiros, consistindo em mais belecia normas para o serviço doméstico. Tam- Depois de considerar as objeções ini-
a sua importância no movimento anarquis- um negócio de custos baixos e seguros ren- bém apresentou o regime do assalariamento ciais ao alistamento de anarquistas às fileiras
ta, afirmando ser seu pensamento conhecido dimentos. como uma modernização da antiga escravatu- dos aliados, Ribeiro Filho passou a outra
por todos os anarquistas de língua espanhola Em outra nota, denominada “Pe- ra, questionando, não sem ironia e sarcasmo, ordem de argumentos. Para ele, haveria um
e portuguesa. El abuelo, registrou o articulista, queno dado para um estudo psicolojico do a falta de codificação do patronato, uma vez dever anarquista, portanto sectário, contra-
era o tratamento carinhoso dado pelos espa- carioca”298, Astper registrou ter presenciado que, naquela proposta, apenas ao trabalhador posto a um dever humano. Este deveria ser
nhóis a Anselmo Lorenzo.295 um diálogo entre dois homens numa barca. seriam direcionados procedimentos de classifi- o dever, no entender do articulista, que os
Vitor Franco noticiou, em nota intitula- Um deles tinha pedido a um terceiro para jo- cação e controle. O autor demonstrou o efeito militantes anarquistas deveriam privilegiar.
da “Congresso anarquista”296, as intenções de gar uma série numerada. Ao conferir o resul- estigmatizante desta medida sobre o trabalha- Nada de se opor à guerra, mas antes levá-la
organização de um congresso no Rio de Janei- tado do jogo, descobriu ter dado o número dor, por possuir um caráter essencialmente a sua mais profunda extensão fazendo com
ro reunindo anarquistas sul-americanos. Nes- por ele passado para o outro. Ao procurá-lo, preconceituoso. Evidenciou, em seguida, as que o militarismo, o patriotismo e o estatismo
sa nota, registrou a decisão em assembleia de soube surpreso que o terceiro havia esquecido intenções inconfessas do estabelecimento, por se esgotassem por si mesmos. As palavras do
anarquistas em organizar este congresso, ma- de fazer o jogo. Maldisse o amigo e, revoltado, parte de segmentos dominantes, em garantir autor, manifestando sua ojeriza às máquinas,
nifestando em seguida sua posição contrária à lamentou para o companheiro da barca não maior controle e domínio sobre o conjunto parecem também colocá-lo no curso dos neo-
realização do evento. No seu entendimento, a ter naquele momento um revólver. Astper, dos trabalhadores. ludditas contemporâneos, numa crítica radical
crise econômica, a distância geográfica e a falta de seu lado, afirmou na nota lamentar não Não obstante existir em alguns números ao modelo civilizacional vigente.
de um motivo convincente não justificavam ter também naquele instante um revólver. A de A Vida um debate acerca da defesa de po-
os esforços e o desgaste imposto aos anarquis- descrição do diálogo entre os dois amigos na sição adotada por nomes como Piotr Kropo- A guerra e a anarquia (uma questão literal e
tas das mais diversas regiões no deslocamento barca deixou evidente a sua indignação com tkin, Carlos Malato, Jean Grave entre outros, de ponto de vista)
para o local do congresso. aqueles cuja esperança de mudança de vida favorável ao apoio aos aliados e ao alistamento [...]
Astper, na nota “A grande virtude...”297, residia no expediente de jogos de azar. dos anarquistas nas fileiras de seus exércitos,
surgiu, no conjunto das colunas desse perió- Isto posto, qual o dever anarquista?
apresentou a caridade e a filantropia de bur- Em uma outra nota299, o articulista
dico, a rejeição cabal à violência instituída na Um dever “anarquista” é dever sectário, parcial,
gueses e religiosos como uma excelente ocasião abordou um projeto de lei com o objetivo de uma vez que ha um dever humano que inutil-
para aumentar seus lucros. Os processos de regulamentação do serviço doméstico. Este sociedade através da existência dos exércitos mente a burguezia afirma ser “patriotico”. E
arrecadação de recursos com fins de carida- projeto era antigo, afirmou o autor que, dis- regulares e do militarismo. Este episódio ali- assim a anarquia, “sem se esquecer a si propria”,
de dirigidos a segmentos mais necessitados cordando desta proposta, apresentou, como mentou uma discussão entre Domingos Ri- perde a sua qualidade militante para se tornar
beiro Filho e Francisco Viotti301. solidária com a batalha que a fatalidade social
resultariam na coleta de vultosas somas de complemento de suas críticas, as pondera- generalizou num dado momento histórico.
dinheiro. As instituições filantrópicas, públi- ções elaboradas pelo diretor do Apostolado O debate instaurou um momento de Além disso a anarquia tem no seu programa a
cas ou privadas, conseguiriam, através deste Positivista no Brasil, Miguel Lemos, também problematização quanto aos temas que atra- destruição do militarismo que arruína os povos.
expediente, amealhar considerável quantia contrário ao projeto. vessavam a sociedade internacional, expon- Para estinguil-o, a anarquia devia ter provoca-
Em artigo não assinado300, a questão do do questões urgentes não só para as relações do esta guerra e deverá provocal-as emquanto
Associação Internacional dos Trabalhadores. Atuou fortemen- houver homens em armas nas fronteiras, único
te na imprensa proletária e anarquista. Traduziu obras, como serviço doméstico, como a proposta de sua entre os países, em geral, mas também, es-
meio de de demonstrar pratica e humanamente
algumas de Reclus. Em seu trabalho de tradução, contribuiu regulamentação, foi tratada com mais demora. pecificamente, para o movimento operário e que o militarismo é um mal, e pra levar a logica
com diversas traduções de clássicos para a biblioteca da Es-
O articulista problematizou as justificativas do para o anarquista. A discussão novamente foi das organizações sociais ás suas ultimas conse-
cola Moderna de Barcelona, dirigida por Francisco Ferrer y
delegado para fazer valer um código que esta- conduzida de forma elegante, sem que isso quencias. (1)
Guardia.
eliminasse a exposição de pontos contendo [...]
295 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio 298 ASTPER. Crónica subversiva – as ideias e os fatos. A
de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 1, 31 jan. 1915. Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 50, 28 fev. 1915. profundas divergências e mesmo alguns as- Naturalmente aparece o absurdo de um anar-
pectos inconciliáveis. quista alemão combater o seu camarada francez
296 FRANCO, Vitor. Crónica subversiva – as ideias e os 299 CRÓNICA subversiva – as ideias e os fatos. A Vida. Rio em nome de um pacifismo que ambos preparam
fatos. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 7, p. 97, 31 maio de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 2, 31 jan. 1915. com ardor e sinceridade; o absurdo do generoso
1915. 300 ATUALIDADES – Uma monstruosidade que se prepa- propagandista do amor hombrear com o trucu-
301 RIBEIRO FILHO, Domingos. A guerra e a anarquia
297 ASTPER. Crónica subversiva – as ideias e os fatos. A ra: a regulamentação do serviço domestico. A Vida. Rio de (uma questão literal e de ponto de vista). A Vida. Rio de lento semeador do odio patriotico; o absurdo da
Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 5. p. 66, 31 mar. 1915. Janeiro, ano 1, n. 3, p. 10, 31 jan. 1915. Janeiro, ano 1, n. 6, p. 87-90, 30 abr. 1915. negação da ideias pela aceitação dos fatos que
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á civilização repugna; tudo isso è um absurdo sidade da guerra também como a solução para anarquista como sendo uma moral “sem san- lançada por Ribeiro Filho. Recusou também
violentando a coerência das nossasideias apu- os mesmos problemas originados pelo milita- ção nem obrigação”. a sugestão personalista implícita naquele texto.
radas através de seculos de analise e de critica.
rismo, pelo patriotismo e pelo estatismo. Não Viotti recusou terminantemente o rótu- O camarada D. R. F. sae no final com uma tira-
Comtudo toda essa absurdidade é um mito. A da sentimental a respeito de anarquistas calcu-
inteligência humana nunca ha de construir por importaria contra quem nem em que situação, lo de pacifista “tolstoiano e sentimental”, por listas e sectarios em confronto com anarquistas
si mesma sinão filosofia, moral e estética; ela mas o importante seria a guerra imediata como conta de sua posição intransigente de recusa ao generosos a enobrecer uma guerra comercial.
nunca ha de construir a sociedade nem a vida, forma de extingui-los por implosão, a partir do alistamento de anarquistas nos exércitos alia- Isto é de muito efeito num “meeting” onde
porque ela é a resultante da sociedade e da vida. esgotamento de suas próprias possibilidades. pouco se raciocina e só se fala ao sentimento.
dos. Antes de abolir o Estado, o militarismo
[...] Quanto aos apodos de sectarios e calculistas,
Em seguida, Francisco Viotti levantou e o patriotismo, a guerra se apresentava como
Para combater os males da sociedade todos os cabe-nos dizer, que qualquer qualificativo elo-
meios são bons, mas os melhores serão sempre algumas objeções sobre as ponderações beli- a ocasião por excelência para o surgimento e gioso e depreciante que se nos dê, em nada
aqueles que levarem os inconvenciveis ás ulti- cosas de Domingos Ribeiro Filho. Iniciou as estabelecimento da hierarquia na sociedade. O valoriza ou desvaloriza os nossos argumentos.
mas consequencias de seus erros. Assim como suas reflexões evidenciando o fato de a opinião articulista remeteu ao conhecimento de como Estes valem por si mesmos e não pelas pessoas
foi o misticismo e não a filosofia quem depri- que os apresentam.304
de Kropotkin não ter tido o efeito de ordens nas sociedades tribais inexistiam chefes, surgin-
miu a religião, a guerra e não o pacifismo será
o melhor inimigo do militarismo e do patrio- às quais aos anarquistas restaria a obediência do estes como estrategistas nas batalhas contra
tismo. Quando os últimos patriotas francezes comiserada. Em que pese o fato de a figura os inimigos, quando em situações de combate. Finalmente, encerrou seu texto numa
houverem trucidados os últimos patriotas ale- de Kropotkin ser de inquestionável reconhe- O aumento na frequência das guerras estabe- direção oposta ao aparente neo-luddismo de
mães é infinitamente provavel que os estados cimento no movimento anarquista em todo o leceu a tolerância para com a existência de um Ribeiro Filho, evidenciando o condiciona-
maiores agonizem. No estado atual da sociedade
a guerra é uma necessidade que é uma loucura mundo, sua opinião favorável ao alistamento comandante no seio da sociedade indígena, mento de uma revolução social à existência
evitar e impossivel evitar. dos anarquistas junto aos aliados não foi aceita desembocando na criação de um novo costu- da máquina.
[...] pelos mais expressivos segmentos do movi- me baseado na chefia. Paul Lafargue305, no marxismo, mas
Os nossos destinos sociais estão em jogo nesta mento anarquista. Viotti criticou a análise de Ribeiro Filho também com muita proximidade com as
guerra; é tolice dizer que são destinos politicos e O debate entre Domingos Ribeiro Fi- também no aspecto referente a algum preten- ideias de Proudhon, em apêndice ao seu texto
que os homens se batem por Guilherme contra
Nicolau. Estes nomes são ridículos e amanhan lho e Francisco Viotti refletiu um questiona- dido impacto diferencial dos anarquistas no “O direito à preguiça”, assinalou a importân-
desaparecem em écos moribundos; são gritos mento à guerra e ainda mais à ideia de que desenrolar da guerra, no caso de estes se alis- cia das máquinas como meios para propiciar
documentais da tolice humana, que a burguezia aos anarquistas restaria engrossar as fileiras tarem nas fileiras aliadas. Destacou, em pri- o desvencilhamento do trabalho e do regime
alteia para atordoar sentimentos instintivos das dos exércitos regulares. Viotti iniciou as suas meiro lugar, uma superestimação do número do salário na sociedade moderna. Remetendo
vitimas de uma catastrofe inevitavel. Porque esta
grande guerra é o fenómeno maximo da de- reflexões acentuando o caráter questionador dos anarquistas diante do contingente regular, ao que designou “sonho de Aristóteles”, Lafar-
composição da nossa sociedade hipertrofiada de e iconoclasta alimentado pelo pensamento mesmo considerando factível a hipótese favo- gue afirmou, no fim de seu texto, que “nossas
homens, de maquinas, de dinheiro e de ideias. anarquista, de modo a não estabelecer alguma rável ao alistamento destes nos exércitos alia- máquinas de hálito de fogo, membros de aço,
Ali na fronteira se elaboram os elementos da personalidade tida na medida de notabilidade dos. Em segundo lugar, a ação dos anarquistas infatigáveis, de uma fecundidade maravilho-
sociedade futura e os anarquistas verão essa sa e inesgotável, realizam docilmente, por si
de onde emanariam verdades a serem seguidas alistados, diante da situação de praça arregi-
sociedade surgir sem tomarem parte nela por
estreitismo sectario, eles que se propõem a acriticamente pelos demais anarquistas. mentado, obstaria uma atividade convergente sós, seu santo trabalho”. Critica, em seguida,
construir um mundo novo. Sem a guerra, esse Feitas as ponderações iniciais, Viotti com os postulados libertários. Os anarquistas os “filósofos do capitalismo” por defenderem
mundo novo seria infamamente burguez, mer- passou em seguida à exposição da sua crítica nada poderiam fazer enquanto tais num exérci- ardorosamente o salariato, entendendo este
cantil, acomodaticio, confortavel, degenerado como “a pior das escravidões”. Para ele, os
recusando incisivamente a ideia de existência to regular, pois a disciplina militar impõe uma
como toda civilização alcançada pela maquina
e pela retórica.302 de algum “dever anarquista”. Em clara alusão condição de obediência estrita às ordens dos adeptos do capitalismo “ainda não entendem
a Jean Marie Guyau303, apresentou a moral superiores hierárquicos, igualando todos os su- que a máquina é o redentor da humanidade,
bordinados por baixo. Aqui o autor distinguiu o Deus que resgatará o homem das sordidae
Domingos Ribeiro Filho dirigiu-se aos guerra social da guerra convencional. Viotti
303 Jean-Marie Guyau foi um filósofo francês bastante lido 304 VIOTTI, Francisco. A guerra e a anarquia (uma questão
anarquistas no Brasil argumentando a neces- devolveu a pecha de “sentimental” que fora literal e de ponto de vista). A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n.
em inícios do século XX pelos operários e anarquistas no
302 RIBEIRO FILHO, Domingos. A guerra e a anarquia Brasil e no mundo. Entretanto, dentre seus livros, o de maior 6, p. 90-91, 30 abr. 1915.
(uma questão literal e de ponto de vista). A Vida. Rio de projeção e divulgação era o indicado no texto de Viotti: GU- sanção. Tradução de José M. Cordeiro. Lisboa: Ed. Guima- 305 LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. A religião do
Janeiro, ano 1, n. 6, p. 87-90, 30 abr. 1915. YAU, Jean-Marie. Ensaio de uma moral sem obrigação nem rães, 1919. capital. 3 ed. ampliada. São Paulo: Kairós, 1983. p. 8.
212 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 213

artes e do trabalho assalariado, o Deus que Na sequência dessas ponderações, Stir- perspectiva de suas reflexões. Os enfoques re- e do foco argumentativo privilegiado, eviden-
lhes concederá os lazeres e a liberdade”. Talvez ner rejeitou tanto a fórmula coletivista, que ducionistas desses acontecimentos, restritos ciaram a variedade de proveniências e múl-
a posição de Viotti manifeste conhecimento sentencia “a cada um de acordo com as suas quando muito a temas políticos e econômicos, tiplos desdobramentos deste acontecimento.
dessas reflexões de Lafargue. capacidades!”, como a outra, “‘tudo pertence descartam a existência de profundas relações, Apresentaram uma apreciação relacional, para
Os anarquistas, no geral, comungavam a todos!’”, dos comunistas. A primeira por diversas implicações, variados desdobramen- além do proposto na estreita perspectiva de
a defesa da indústria e das máquinas. William recolocar a autoridade da sociedade por so- tos e procedências do fenômeno belicoso em especialistas, quer estrategistas militares quer
Morris306, no final do século XIX, enaltecia a bre o egoísta. Este, no coletivismo, deveria ser andamento. Desconsiderar, nas análises dos dirigentes políticos. Vejamos algumas dessas
máquina como a forma de liberação huma- submetido ao critério social, aferindo suas eventos humanos, as múltiplas relações im- ponderações indisciplinadas e indisciplinares.
na do trabalho estafante e opressivo como se capacidades produtivas e a produção efetiva plicadas como as subsequentes desemboca na José Oiticica311 elaborou um estudo em
dá sob o capitalismo. Kropotkin307 também de seus produtos. A segunda por ser, tal qual produção de estudos de resultados incomple- torno da questão feminina na sociedade a par-
evidenciou as máquinas com uma grande o coletivismo, a “mesma teoria sem conteú- tos, quando não equivocados. tir de uma perspectiva energética. Iniciou, no
importância na reorganização da sociedade, do”, pois “a cada um só pertence aquilo que O tema da guerra era, nessa perspectiva, primeiro número da revista, este estudo inti-
particularmente, no que se refere ao aumen- ele pode fazer ou tomar. Se eu disser que o abordado a partir de um ponto de vista avesso tulado “O desperdício da energia feminina”,
to da produção. É de conhecimento geral o mundo me pertence, isso é outra vez conversa aos ícones da política partidária e de todo o concluindo-o no quinto. Ao expor os tipos de
fascínio de Bakunin e Proudhon quanto ao fiada, que só pode ter sentido na medida em aparato condizente com o campo do poder energias cósmicas e os tipos de energias huma-
desenvolvimento da indústria. que eu não respeito nenhuma espécie de pro- centralizado, da autoridade, da hierarquia. nas, abordou a questão do aproveitamento e
Apenas Stirner destoa nessa harmonia priedade alheia. Mas, a mim, só me pertence Estes consideram as diversidades de questões do desperdício de energias, definindo a guerra
angelical. Primeiro, quanto à produção, ela o que eu puder ter, o que estiver ao alcance sociais a partir de um enfoque estreito detido como a forma mais completa de desperdício
deveria tomar os contornos de um empre- das minhas capacidades”.309 sobre a verdade de uma especialização técni- por destruição.
endimento fora dos padrões de grandes con- Primitivo Soares 310, argumentando ca. Os problemas sociais constituiriam, neste Orlando Corrêa Lopes312 acercou-se
glomerados industriais. Segundo, procede à contra a guerra, fez referência à prisão, pelos aspecto, matéria privilegiada dos profissionais, do tema da guerra a fim de proporcionar ao
defesa da propriedade pessoal negando, con- governos aliados, de anarquistas antagônicos dos governantes e dos especialistas. Estes, por leitor, num interessante percurso estratégico,
comitantemente, o equivalente universal e o à guerra. Entre os anarquistas aprisionados, sua vez, ocupariam a condição de novos con- uma perspectiva em torno do amplo espectro
industrialismo. Nessa direção, apontando para o autor destacou a figura de Sebastian Faure. selheiros do príncipe na corte democrática, das vicissitudes sociais eclodidas com a mo-
as trocas diretas, ou o escambo, como maneira Todos eles encontravam-se na eminência de limitando-se a apresentar diagnósticos de situ- dernidade. Iniciou seu artigo assinalando o
de estabelecer relações entre produtores, en- serem assassinados pelos respectivos Estados. ação na direção da manutenção do status quo. caráter ainda limitado, à época, dos estudos
tende que “não se paga com dinheiro, de que Para ele, os anarquistas deveriam lutar ime- Os estudos sociais que procedem de da sociedade em contraposição aos significati-
podemos ter falta, mas com o que podemos diatamente por sua própria causa e não pelos modo reducionista estabelecem uma espécie vos avanços, obtidos nos campos das ciências
ter e fazer. Só essas capacidades nos dão ‘posse exércitos aliados. Poderiam começar dirigin- de violência metodológica sobre os elementos chamadas exatas e da natureza.
e poder’: só seremos proprietários daquilo a do esforços na libertação daqueles que foram avalizados, deixando de apreciar a existência Evidenciou o papel dos movimentos
que chega o braço da nossa força”.308 aprisionados. de vasta gama de diversidade de relações entre de contestação social, perigando com a orga-
Como colocado mais acima, no início os mais múltiplos acontecimentos humanos. nização política por conta das reivindicações
da apresentação dos debates entre Ribeiro Tal qual Procusto, fraturam, amputam, dis- na ordem da configuração econômica na so-
306 MORRIS, William. O trabalho e a máquina. In: Filho e Viotti, a Primeira Grande Guerra tendem forçosa e artificialmente os elemen- ciedade moderna. As comoções sociais se de-
WOODCOCK, George. Os grandes escritos anarquistas. consistiu no assunto privilegiado da revista. tos analisados nos seus estudos. Esta fratura viam ao quadro de insatisfação generalizado:
Tradução de Júlia Tettamanzi e Betina Becker. Porto Alegre:
As análises elaboradas pelos articulistas fu- conduziria a apreciações de construto analíti- por um lado, os trabalhadores questionando
L&PM, 1981. p. 307-308. (Biblioteca Anarquista).
giam de uma abordagem estrita como as de co, argumentativo e finalizações de antemão as desigualdades sociais; e, por outro lado, a
307 KROPOTKIN, Pedro. A conquista do pão. 3 ed. Lisboa:
Guimarães editores, 1975. (Biblioteca Sociológica). KROPO- especialistas, reduzindo consideravelmente a comprometidas.
TKIN, Pedro. Campos, fabricas y talleres. Madrid: Barcelona: Os articulistas de A Vida, cujo temário 311 OITICICA, José. O desperdicio da energia feminina. A
Júcar, 1978. 309 Ibidem. Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 7, 30 nov. 1914.
abordado tenha sido a Primeira Guerra Mun-
308 STIRNER, Max. O único e sua propriedade. Tradução 310 SOARES, Primitivo. Contra a guerra e pela liberdade. 312 LOPES, Orlando Corrêa. Guerra aos senhores. A Vida.
dial cada qual dentro dos limites de seus artigos
de João Barrento. Lisboa: Antígona, 2004. p. 210. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 71-73, 31 mar. 1915. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 3-4, 30 nov. 1914.
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burguesia procurando amenizar os conflitos ploração econômica, ao mesmo tempo em que mais, sobre os trabalhadores recaem os ônus finindo as guerras de conquistas como tendo
sociais através de medidas meramente pa- afirmava o princípio de liberdade. Apresentou da guerra, pois seriam eles e seus filhos que no “tributo” seu móvel principal. Analisou ra-
liativas, como a criação das chamadas “leis tais reflexões através de notas seguidas e breves. efetivamente iriam aos campos de batalha sob pidamente um período histórico mais remoto
sociais”, sem problematizar o dinamismo so- A ideia central do artigo era demonstrar as ordens de generais. Também seria sobre eles em que este procedimento fora aplicado por
cial baseado na hierarquia e na exploração. o trabalhador numa posição ativa e de des- que recairiam os resultados da escassez dos reis e imperadores sobre as populações con-
O autor ressentiu-se da falta de uma vontade taque na conflagração bélica mundial, uma produtos, sobretudo quando da raridade dos quistadas, passando em seguida para períodos
de liberdade, expresso nos objetivos firmados vez que, como exposto no começo do terceiro alimentos. A condição do soldado em situação mais próximos, designados de “tempos mo-
por republicanos e monarquistas. Estes se con- apontamento deste artigo, “a guerra é a des- de guerra, e após ela, seria sempre humilhante e dernos”. Finalizou o escrito com um enfoque
tentaram com um cativeiro mais confortável, truição do trabalho”. Além do mais, foram os vexatória, ficando para o oficialato medalhas e sócio-histórico sobre os acontecimentos guer-
procurando apenas, para tanto, modificar os trabalhadores e os demais integrantes dos seg- honrarias. O trabalhador, por sua vez, receberia, reiros, denominando seu momento histórico
governantes. mentos populares que preencheram as fileiras como prêmio de seu esforço, miséria e penúria. de “tempos recentes”.
Elaborou uma série de questionamen- dos exércitos, defendendo ideias de pátria ou Nessas linhas, o articulista acrescentou à O articulista passou a citar passagens do
tos visando problematizar não só a guerra en- de alguma religião. sua análise, no aspecto referente aos efeitos da livro de um escritor que apresentou o império
quanto resultado de interesses econômicos an- O articulista apresentou a guerra mun- guerra sobre o trabalhador, quando evidenciou inglês como baseado na conquista de terras ri-
tagônicos de capitalistas, mas também temas dial como evento esperado pelos anarquistas, a escassez de bens particularmente a alimenta- cas de outros povos. Concluiu o artigo expon-
adjacentes como a natureza do Estado, seu os quais constituíam a mais expressiva mani- ção, a violência governamental que obrigava, do algumas reflexões que corroboravam sua
caráter interventor, obstrutor e violento sobre festação contrária à conflagração de hostilida- por vezes, o produtor a deixar sua família para assertiva inicial relativa aos motivos comerciais
o dinamismo das relações entre os diferentes des mútuas. Numa alusão a Cesare Lombroso, ser transformado em soldado de algum exérci- da conflagração da Primeira Grande Guerra.
segmentos produtores na sociedade. O leitor que definira o anarquista como o tipo por ex- to regular. Nesse ínterim, evidenciou o papel As guerras e, em particular, a Primeira
foi convidado a apresentar suas próprias con- celência do que denominou “homem delin- decisivo do trabalhador na guerra, cabendo Grande Guerra foram analisadas por outros
clusões, uma vez que o articulista apresentou qüente”, questionou sobre quem efetivamente somente a este a iniciativa de pôr termo a este anarquistas como tendo na instituição escolar
as suas. Orlando Corrêa Lopes arrematou o promovia carnificinas e assassinatos em escala acontecimento através de uma peremptória re- oficial, quer estatal quer confessional, um dos
texto com a recusa da participação efetiva na mundial, já que os anarquistas, tidos na conta cusa coletiva de produzir elementos dirigidos mais importantes pilares. Essas escolas prepa-
guerra, com repúdio à ideia da possibilidade de dinamiteiros e apologistas da destruição, à alimentação da indústria bélica. ravam as crianças para a aceitação e natura-
de melhorias através do estabelecimento de se opunham tenazmente à guerra. Na sequ- Aproveitou também o ensejo para afir- lização das hostilidades como também para,
“leis sociais” e com a sugestão de abolição de ência dessas ponderações, indagou: em qual mar sua definição do que fosse um anarquista: quando adultas, engajarem-se em episódios
todas as leis e de qualquer tipo de governantes, escala comparar, de um lado, os eventuais jus- alguém que assinala a importância da solida- belicosos.
estabelecendo, desta maneira, não o desgover- tiçamentos realizados por alguns anarquistas riedade e não da concorrência nas relações João Penteado315, professor e diretor da
no, mas antes o autogoverno. contra soberanos e autoridades; e, por outro humanas, advogando o autogoverno da so- Escola Moderna número 1 de São Paulo, ex-
Em um outro artigo313 não assinado, o lado, a morte imediata de milhões de pessoas ciedade, sem a presença de nenhuma forma pôs suas reflexões em torno do papel da escola,
articulista expôs uma análise situando os tra- a mando dos governantes? No item designa- de senhorio. Arrematando este item de seu nas mãos do Estado e da igreja, na configura-
balhadores e sua importante participação no do “Apoz a maior guerra do mundo virá a artigo, no sentido em que anunciara no final ção da Primeira Grande Guerra. Contrapôs
mecanismo de materialização da guerra como maior revolução do mundo?”, finalizou com do tópico anterior em que opõe concorrên- à escola oficial um outro tipo de escola não
também as possíveis atitudes a serem adota- um vaticínio sobre a maior revolução social a cia e solidariedade, apresentou a guerra como baseada na revelação divina nem no universa-
das de modo a impedir o fenômeno guerrei- se realizar em inícios do século XX. fruto privilegiado da concorrência. lismo estatal. Estado e igreja constituíam em
ro. Contextualizou o surgimento das ideias e Tratou da guerra como maneira de des- Na segunda parte do artigo314, expôs e fontes de orientação de um ensino militarista,
do movimento anarquista como uma reação, truição do trabalho, tanto porque aniquilava evidenciou as causas comerciais da conflagra- belicoso, chauvinista, dogmático, tais quais
ocorrida primeiramente na Europa, contra a ex- os produtos dirigidos à realização das mútuas ção da Primeira Grande Guerra. Iniciou de- realizados pelas escolas oficiais.
agressividades coletivas, como porque retira-
313 A CONFLAGRAÇÃO Europeia – Os trabalhadores e a va boa parte dos trabalhadores do processo de 314 A CONFLAGRAÇÃO Europeia – O movel das guerras 315 PENTEADO, João. As escolas e sua influencia social – O
gréve. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 13-15, 30 nov. de conquista. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 11-12, ensino oficial e o ensino racionalista. A Vida. Rio de Janeiro,
produção de bens úteis às sociedades. Além do
1914. 31 dez. 1914. ano 1, n. 2, p. 8-9 , 31 dez. 1914.
216 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 217

Denominou sua escola de racionalista ses embates furiosos, barbaros, selvagens, em A educação foi analisada pelo articu- Deste raciocinio, evidencia-se a maior impor-
por seguir as orientações deixadas nessa pers- que se lançam os povos da velha e mais culta lista como fator de maior urgência relativa tancia dos dous ultimos factores enunciados,
parte do mundo civilizado, tiveram começo, ambos de ação modificativa, e dos quaes incon-
pectiva educacional pelo pedagogo espanhol primeiramente nas escolas oficiais, por meio da a uma atuação sobre as individualidades no testavelmente o primeiro reclama uma atenção
Francisco Ferrer y Guardia. Este pedagogo, infiltração do nefasto patriotismo, que inocula sentido do aprimoramento das disposições mais delicada. O ser maléfico por origem sub-
fuzilado em 1909 pelos governantes e pelo cle- no espírito da juventude de uma nação ou de para a solidariedade e simultânea eliminação metido a uma orientação meticulosa, dirigido
ro espanhol, lançou umas das primeiras bases uma raça o sentimento de repulsa, de despeito das inclinações grosseiras e brutais. Privilegiar para o bem supremo, e vivendo num ambiente
e de odio pelos individuos de outra raça. As adiantado, onde as aspirações elevadas predo-
para a instauração de uma escola contrária aos escolas prepararam e as casernas, por seu tur- a educação teria como efeito imediato uma minem, perderá quantitativamente o instincto
preconceitos nativistas, religiosos e culturais. no, completaram a obra terrivel, auxiliadas pela alteração no meio social no qual o indivíduo para o mal.
Esta escola seria a maneira de preparação da in- imprensa vendida ao serviço dos promotores se encontra, favorecendo uma melhor e mais A energia primordial adquirida por via biologi-
fância para o exercício de sociabilidades avessas das guerras internacionais, que são os chefes de eficaz transformação no conjunto da socie- ca, poderá ser apaziguada ou extincta, por via
Estado e os banqueiros. de adaptações deformantes e posteriores. Por-
à autoridade e afirmativas da liberdade social. dade. Sustentou depender única e exclusiva-
Foi assim que se produziu a guerra europeia tanto um esforço coletivo de todas as pessoas
O autor antecipou-se em quase um sé- e será assim que se reproduzirão outras tantas mente da aspiração e da vontade das pessoas das varias nações das diversas raças terrestres, e
culo a estudos que apresentam a escola como hecatombes futuras – si nós, os que trabalhamos o estabelecimento de escolas fora da órbita tendente a tornar a educação dos novos indivi-
constituída por um universo prisional e disci- pelo bem da humanidade, não opusermos á in- estatal, lamentando-se verificar a ausência duos a primeira preocupação da humanidade,
fluencia nefasta destas escolas de perversão e de desta vontade. colocando-a em nivel superior e purificando
plinar idêntico aos quartéis. No seu entendi- morte a benefica, a eficaz, a salutarissima ação zelosamente o meio social, deveria constituir o
mento, a eclosão da Primeira Guerra Mundial das nossas escolas racionalistas que excluem de horizonte para o qual seriam dirigidos os valores
evidenciou o sucesso dessa escolarização da seu programa todos os preconceitos patrioti- A instrução e o Estado maximos dos nossos trabalhos.
cos e religiosos, tendo sempre em mira, antes ________
sociedade. O papel da escola, na preparação Agora que esboçamos os pontos principaes do
de tudo, a educação e a instrução da infancia argumento, perguntamos, – haverá essa comu-
das crianças para os eventos bélicos à época, de acordo com a razão e com a verdade das Está evidente á simples apreciação, o quanto nhão de vontades? A educação subministrada
não foi de menor importância. coisas que constituem o objetivo principal de de nocividade resulta da dependencia em que actualmente aos povos atingiu tal perfeição? É
nossa vida e a razão de nossos atos, já fazendo a instrução contemporanea vive para com o Es-
Numa crítica às consideradas conven- facil constatar o contrario.318
despertar-lhe todas as aptidões naturalmente tado. Altamente lastimavel é este protectorado
cionalmente maravilhas da civilização, Pente- manifestadas para o trabalho produtivo, para sobre uma instituição social que necessíta de
ado chamou atenção para o fato de ter sido na a ciencia e para as artes, já encaminhando-a de uma liberdade propria, a mais plena e completa Também registrou a relação íntima exis-
“velha e mais culta parte do mundo civilizado” modo humano e racional para a conquista de possivel. O individuo socializado, não sendo
como demonstram as leis do determinismo, tente entre a configuração socioeconômica
onde se realizava uma guerra sem precedentes todas as felicidades, descortinando para suas vis-
tas horizontes novos, fulgurantes, iluminados.316 mais que o resultado de tres fatores preponde- baseada na propriedade privada com a inter-
na história humana. Procurou demonstrar a rantes na genese – hereditariedade, educação e venção violenta do Estado na sociedade. Nesta
veracidade de sua assertiva, quanto ao papel meio, será na vida em commum tanto melhor intervenção, a escola, tanto a primária como a
da escola orientada pelo estatismo e pela reli- Éfren Lima317, de seu lado, elaborou ou péor quanto as influencias creadoras actua-
superior, desempenhava um papel por demais
suas reflexões afirmando a nocividade da in- rem para o bem ou para o mal.
giosidade, no cultivo de personalidades cheias relevante, pois era através do controle das ins-
tervenção do Estado junto à escola. Desta- O homem que por efeitos de hereditariedade,
de sentimentos xenófobos e racistas, terreno tituições de ensino que os estratos dominantes
vem ao mundo com predispozições grosseiras,
subjetivo propício para a realização de guerras. cou a sociabilidade humana como resultante poderá modifical-as ou aniquilal-as, servindo-se da sociedade procuravam garantir a conserva-
Finalizando seu artigo, o autor apresentou as de três fatores: “hereditariedade, educação e do auxílio fornecido pelas deformações resul- ção das “tradições” que lhes fossem favoráveis.
características da escola racionalista, constitu- meio”. Apresentou a educação e o meio social tantes da convivência social, isto é, do – meio,
ou dos conhecimentos metafisicos que lhe fo- A tradição tratada pelo articulista era
ída em franco contraste com a escola oficial. no qual vive uma pessoa como as dimensões
rem subministrados, isto é, da – instrução. De delineada pela manutenção de costumes e ma-
A sua difusão pela sociedade seria uma das que poderiam ou intensificar ou obstar incli- fórma oposta, o ser predestinado que herda, dos neiras próprias a sociedades militaristas, na-
condições para se pôr termo às guerras. nações herdadas, quer aptidões sociáveis quer seus ascendentes, inclinações as mais felizes, está
cionalistas, religiosas. Cultivavam-se nas crian-
inclinações antissociais. determinado a desenvolvel-as, aumentando-as
vantajosamente, ou a atrofial-as, em prejuizo ças, dentro desta tradição, sociabilidades que
As escolas e sua influencia social – O ensino 316 PENTEADO, João. As escolas e sua influencia social – O proprio e da sociedade. Então, verificada a valorizavam o respeito a personalidades tidas
oficial e o ensino racionalista ensino oficial e o ensino racionalista. A Vida. Rio de Janeiro, segunda condição, uma substituição mais ou
ano 1, n. 2, p. 8-9, 31 dez. 1914.
na medida de notoriedades e a subsequente
menos completa da inteligencia pela brutalida-
[...] 317 LIMA, Éfren. A instrução e o Estado. A Vida. Rio de de, de uma fórma mais perfeita por outra mais 318 LIMA, Éfren. A instrução e o Estado. A Vida. Rio de
E esse prelio terrivel, essa luta monstruosa, es- Janeiro, ano 1, n. 3, p. 6-7, 31 jan. 1915. retrograda, dar-se-á fatalmente. Janeiro, ano 1, n. 3, p. 6-7, 31 jan. 1915.
218 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 219

obediência incondicional a elas. A aversão a O postulado democrático que define a As novas gerações, saidas desses antros de des- lecessem conflitos entre os países, investir-se-ia
novas ideias e, mais ainda, ao estabelecimen- escolarização da sociedade como um dos deve- moralisação, que outra cousa poderiam dar a na formação de soldados obedientes.
não ser bons soldados? Á força de ouvirem falar
to de algum processo de transformação no res do Estado foi apresentado como estratégia de amor á patria – dos ricos – de ver desfilar Ambos os casos apresentavam, como
conjunto das relações sociais consistia no que universalista de difusão de uma sociabilida- regimentos, de assistirem ás paradas, de ouvirem pré-requisitos necessários, a configuração de
denominou apego ao “hábito”. Professores, de chauvinista, belicosa, xenófoba, mística, e entoarem canções ferozes de chauvinismo e subjetividades passivas e docilizadas, predis-
livros, altos investimentos por parte da elite preconceituosa. O autor evidenciou a relação hinos triunfaes de guerra, tomaram como fim e
missão a atingir serem bons soldados, obedien- postas ao exercício da subordinação, da rela-
econômica e o domínio estatal exclusivista so- entre escola oficial e quartel, ao mesmo tempo tes á disciplina e á voz de seus chefes, prontos ção comando-subserviência. A escola oficial se
bre as instituições escolares configurariam o em que criticou os professores destas escolas a arremessarem-se contra os trabalhadores em situava exatamente neste momento definitivo
quadro mais amplo através do qual “tradições” por exercerem papel de instrutores marciais. O gréve ou contra os povos de outros paizes, desde na configuração das individualidades.
e o “hábito” eram engendrados. ambiente prisional e autoritário dos quartéis que os interesses monetarios dos ricos e capita-
listas assim o exigissem. A maneira pela qual a escola se torna
Esse “hábito” apresentava-se incompa- não seria estranho para uma pessoa formada objeto de monopólio pelos segmentos do-
em instituições de ensino deste tipo. E quanto isto é verdade está á vista de todos
tível com a dinâmica de transformação social minantes da sociedade foi apresentada pelo
com as desgraças desenroladas desde agosto
característica da sociabilidade humana. O au- até agora na Belgica, na Polonia, na França e articulista como sendo comum tanto a um
tor lançou mão de um argumento relacionan- A escola, preludio da caserna também na Alemanha e Rússia e tutti quanti.320 país cuja cultura privilegiasse a disciplina, a
do sociedade a algum organismo biológico, _________ submissão e a obediência, como a um país
sustentando que, da mesma forma que este se democrático que proclamasse enquanto atri-
transforma ao longo de sua existência, haveria A escola atual, confessional ou governamental, é Pinho chamou a atenção para a impor-
a sistematisação da violencia. Exemplifiquemos tância do período da infância na formação das buto social privilegiado a liberdade. Citou a
de existir liberdade para as transformações nas
tão audaz afirmativa. subjetividades. O zelo dos estratos dominantes Alemanha como exemplo do primeiro tipo de
configurações sociais. O dinamismo e o movi-
A conflagração européa, essa tremenda guerra da sociedade em controlar as instituições de país e a França como exemplo do segundo. Os
mento relativo à variedade de modos de vida
que tão desastrosas conseqüencias acarretou ao ensino vem, de um lado, do conhecimento dois países enviaram soldados para a Primei-
constituiriam características particulares da desenvolvimento fisico, moral e intelectual da
deste fato e, de outro lado, da necessidade ra Guerra Mundial, graças aos investimentos
sociabilidade humana. Desse modo, afirmou humanidade, é um produto da escola primaria.
em naturalizar relações de mando e obediên- realizados por longos anos através da escola.
categoricamente que “o habito, a imutabili- Os estados modernos, compreendendo perfeita-
dade, é a quietude, o aniquilamento, e opõe- mente que com a decadencia da religião e com cia no conjunto dos segmentos sociais. Esta As palavras finais de Adelino de Pinho
-se á transformação evolutiva, ao progresso”, o desenvolvimento comercial e industrial das consiste na condição para a manutenção da constituíram um alerta à população quanto
seguindo, como forma de finalização de suas sociedades era impossivel manter na ignorancia ordem social. aos efeitos da escola oficial na constituição das
suina, dos tempos idos, as multidões, abriram subjetividades, transformando-as numa espé-
reflexões, com um apelo dirigido ao leitor para escolas, as mais que poderam, especialmente Os segmentos dominantes da sociedade
adoção de uma atitude de repulsa à quietude. nas cidades onde os agrupamentos são maio- poderão, dessa maneira, contar com pessoas cie de autômatos nas mãos da elite econômica
res e onde as idéas se disseminam mais facil- prontas a executarem papel de ordeiros tra- e governamental. Nessa direção, as crianças
Adelino de Pinho319, que lecionou e di-
mente, porque ha mais sociabilidade, para por balhadores para as fábricas e demais setores eram preparadas para se tornarem ou traba-
rigiu, de 1912 a 1919, a Escola Moderna nº esse meio lançarem mão dos cerebros infantis
produtivos, ou de soldados obedientes para lhadores servis e submissos ou soldados car-
2 de São Paulo, fechada por imposição gover- e modelal-os a seu bel-prazer, enchendo-os de
namental, iniciou seu artigo de forma incisiva formulas metafisicas e abarrotando-os de pala- as forças armadas. Uma ou outra trajetória niceiros e embrutecidos, prontos para matar e
afirmando a existência de uma íntima relação vrões estragados, como patria, fronteira, estran- estaria na dependência da situação das rela- morrer em benefício de seus senhores. Por sua
da escola oficial com o militarismo, o estatis-
geiro e inimigos, acostumando os ternos infantes ções sociais internas e internacionais: caso, no vez, a escola racional caminharia na contramão
a desconfiar dos outros povos e a precaver-se da escola oficial. Naquela, nada de imposições
mo e a conflagração da Primeira Guerra Mun- contra eles, o que leva os do paiz estranho a interior das fronteiras nacionais, a hierarquia
dial. O título do artigo, “A escola, prelúdio da fazer o mesmo e vice-versa. social não fosse comprometida, investir-se-ia nem violências sobre a criança. Antes, muito
caserna”, indica de antemão o entendimento na formação de dóceis trabalhadores; caso fos- pelo contrário, o exercício constante de liber-
Os professores primarios transformaram-se
expresso acima, apresentando as instituições numa especie de instrutores de soldados e a se estabelecida alguma espécie de insatisfação dade e favorecimento de sua livre expansão.
de ensino, estatais ou confessionais, como ou- escola surgiu como uma ante-sala do quartel. dentro das fronteiras nacionais ou caso preva- A questão da situação feminina na so-
tra forma de quartel. A educação civica e até os exercícios militares ciedade foi focalizada por José Oiticica321 a
erigiram-se em dogma infalivel, em biblia e
319 PINHO, Adelino de. A escola, prelúdio da caserna. A evangelho. 320 PINHO, Adelino de. A escola, prelúdio da caserna. A 321 OITICICA, José. O desperdicio da energia feminina. A
Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 75-76, 31 mar. 1915. Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 75-76, 31 mar. 1915. Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 5-8, 30 nov. 1914.
220 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 221

partir de uma perspectiva um tanto quanto aproveitamento; 2) desperdício por mau apro- Nos engenhos do Norte pága-se a um traba- nou “camadas ambiguas, isto é, de individuos
inusitada. O estudo constituiu, na revista, o veitamento; 3) desperdício por destruição. lhador do campo 1$000, 800 rs., ou 600 rs. dirijentes e dirijidos ao mesmo tempo”.
mesmo, a sêco; a uma mulher 500 rs. no maxi-
único produzido em torno da temática da mu- Como exemplo de desperdício por destruição, mo, a uma criança meia pataca. Dez tostões por Encerrada essa parte, abordou a questão
lher na sociedade. Isso em relação tanto a uma referiu-se à guerra. Oiticica expôs seu enten- dia, a um homem que trabalha ao sol, no cabo da energia moral como estabelecida na socie-
abordagem detida sobre sua condição numa dimento do que designou “uma organização da enxada, durante 12 horas; dez tostões para dade envolvente. Esta energia “é a decorren-
sociabilidade autoritária e predatória, como social perfeita”. Neste trecho, emerge, repeti- comer, vestir-se, criar os filhos. Qual póde ser
a alimentação desses homens, dessas mulheres, te da determinação e orientação da vontade”,
ao entendimento de sua situação em novas das vezes, sua crítica à chamada modernidade dessas crianças? A qué eles têm: pirão de fari- acrescentando em seguida que “a noção de au-
formas societárias e considerando também o e também sua concepção de sociedade perfeita nha agua e sal, bacalhau, ou quando muito, mento ou diminuição da enerjia [sic] humana
seu papel na criação de novos costumes. como existência de liberdade social. um peixe escasso, pescado no rio com o gereré. é o criterio da moral”. Depois disto, definiu
Oiticica esboçou uma linha expositiva Nas fabricas as mulheres se acham expostas a a determinação de vontade como consistin-
toda sorte de envenenamentos e, obrigadas a
partindo de concepções relativas ao jogo ener- III comprar generos baratos, de qualidade inferior, do na “avaliação dos motivos que solicitam
gético do universo, situando neste contexto a envenenam-se com os produtos falsificados que a ação individual”. A orientação da vontade,
condição humana para especificar, finalmen- Uma organização social perfeita seria aquela
patrões e comerciantes, essa vergonha humana, por sua vez, foi definida como “direção do ato
te, a situação feminina na chamada sociedade nos fornecem para enriquecer depressa. individual num sentido predeterminado”, ao
em que a energia humana se desenvolvêsse o
moderna. Tenho a impressão de que Oiticica mais possivel, concorrendo assim para a mais [...] que acrescenta: “Si o ato individual concorre
adiantou-se em décadas à proposta de Erwin completa satisfação das necessidades de todos. Emquanto a grande parte da energia feminina para o aumento ou conservação da enerjia [sic]
A energia humana se desenvolveria o mais pos- se desperdiça, desse modo, por excesso, outra
Schrödinger322 de estudo dos fenômenos sivel si houvesse inteira liberdade e criterio no parte se destroe por mau aproveitamento. humana diz-se bom a orientação, si concorre
biológicos a partir da física. Oiticica tratou cultivo das energias físicas, intelectuais, morais e Refiro-me ás próprias burguezas que nada fa- para o desperdicio é mau”.
do dinamismo cósmico como constituído práticas de cada individuo e das energias sociais zem, que vivem nos passeios, ou cuidam, por Considerando o princípio de autoridade
por vicissitudes de energia, num processo de do conjunto. distração, de obras de caridade e de recepções. enquanto regente das relações intersubjetivas
transmissão, acumulação, produção e queda Corresponde a organização moderna a esse de- Desse pálido escorço podemos tirar a primeira na sociedade vigente, o que Oiticica destacou
sideratum? inferencia: a sociedade moderna, baseada no
qualitativa. A vida acontece, neste meio, pelo com o caso do cultivo de sociabilidades hierar-
excesso de trabalho de uns, no trabalho impro-
processamento químico num organismo bio- [...]
dutivo de outros e no não-trabalho de muitos, quizadas, a “passividade” constituía a base das
lógico das energias cósmicas, consistindo no Todos sabemos que a mulher tem muito menos prejudica o desenvolvimento físico da maio- ações individuais. Essa passividade decorreria
total de energia existente nele. resistencia física que o homem. Pois bem, na ria. Temos ai um dos modos de desperdicio de também da ignorância, desdobrando-se na
sociedade moderna a mulher está sujeita aos energia humana e acentuadamente de energia
Depois de definir cada uma das espécies menos trabalhos físicos, com o mesmo número feminina.323 necessidade da obediência, cuja transgressão
de energias humanas, agregou a noção geral de horas e menor salario que o homem. Quem era objeto de punição através dos órgãos de
de desperdício. Os três desperdícios de que percorre as lavouras pode ver o estado de de- controle e repressão.
tratou Oiticica são: 1) desperdício por não pauperamento precoce das mulheres do povo. Na quarta parte de seu estudo, publica-
Ele se alardeia, nos hospitais, em toda a sua O resultado final depõe contra a cha-
da no segundo número da revista, Oiticica324
322 Ver: MURPHY, Michael P.; O’NEILL, Luke A. J. hediondez. mada sociedade moderna, uma vez que nela
tratou inicialmente da hierarquia como forma
(Orgs.). “O que é vida?” 50 anos depois. Especulações sobre Pergunto agora, que filhos sairão desses orga- a filantropia será apresentada como a maior
de pautar a sociabilidade na sociedade vigente.
o futuro da biologia. Tradução de Laura Cardellini Barbosa nismos? das virtudes societárias. Para Oiticica, “a ca-
de Oliveira. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. A verticalização das relações sociais se daria não
O desperdicio das energias físicas femininas ridade é a maior vergonha humana”. A fim
Este livro resulta das comemorações realizadas em congresso apenas com a existência de patrão e empregado,
de 20 a 22 de setembro de 1993, no Trinity College em Du- estende-se nos seus estragos irreparaveis, ás ge- de emprestar contornos mais bem definidos a
rações futuras, porque a hereditariedade não
governados e governantes. Para a existência des-
blin, sobre o cinquentenário das palestras de Schrödinger. O seus argumentos em torno da solidariedade e
perdôa. Um organismo descelulado produzirá se dinamismo social, fazia-se necessário o papel
livro traz contribuições de participantes do congresso como não da filantropia, afirmou incisivamente que
de outros cientistas que não puderam estar presentes. Do outro organismo descelulado, mormente si as desempenhado por pessoas intermediando as
condições da vida do progenitor permanecerem “numa sociedade justa onde a verdadeira mo-
congresso, participaram cientistas de diversos campos. Ver o relações entre uns e outros. A estes, denomi-
livro do próprio Schrödinger: SCHRÖDINGER, Erwin. O inalteradas para o progenie. ral se cultivasse, onde existisse a solidariedade,
que é vida? O aspecto físico da célula viva seguido de mente e Não é tudo. Acrescente-se ao excesso de traba-
323 OITICICA, José. O desperdicio da energia feminina. A as irmãs Paulas seriam monstros”.
matéria e fragmentos autobiográficos. Tradução de Paula Assis Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 5-8, 30 nov. 1914.
lho a má alimentação conseqüente á insuficien- Questionou a condição da mulher na
e Vera Yukie Kuwajima de Paula Assis. São Paulo: Fundação cia do salario. 324 OITICICA, José. O desperdício da energia feminina. A
Editora da UNESP, 1997. Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 6-8, 31 dez. 1914. sociedade moderna relativa à possibilidade de
222 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 223

ela poder exercitar livremente a sua vontade. vivenciado na dimensão mais íntima como na moderna. E os moralistas da Igreja a quererem Essa especie de cazamento jera os enlaces por
Na modernidade, sua situação não era nada mais pública. Apesar disso, a sociabilidade au- anjos nesse inferno!”. conveniência, ou interesse.
favorável. Além do mais, isso independeria toritária vigente levantou diversas dificuldades [...]
Feita essa explanação acerca do dinamis-
de sua posição social. Aquelas que ousassem para o afloramento das capacidades de todos Não falando dos casamentos politicos, nos caza-
mo societário válido na sociedade dominante, mentos entre nobres, para apurar nobreza, nos
desafiar e afrontar as convenções sociais, os e da mulher em específico. questionou a condição feminina dentro desse cazamentos obrigados pelos pais em Roma e na
preconceitos e os dogmas, pagariam um alto No quarto número da revista, Oitici- processo social. Apresentada em perspectiva Idade Media para recompor patrimonios des-
tributo. Isso porque “a mulher burgueza, freira ca prosseguiu seu estudo sobre a mulher evi-
326
tanto ampla como restrita, o articulista deli- falcados, basta-nos volver os olhos para o nosso
ou proletaria, não se dirije. É dirijida”. tempo e analizar, mesmo superficialmente, as
denciando aspectos relativos ao ponto, por ele mitou a densa órbita autoritária sob a qual a condições do matrimonio moderno. O povo
Tratou Oiticica325, na sexta parte deste denominado, de “enerjias sociais”. Nesta parte mulher se encontrava na sociedade moderna. não confunde as duas especies e sabe muito
estudo, publicada no número três da revista, de suas reflexões, destacou a concorrência e a Burguesa ou proletária, sobre a mulher inci- bem distinguir a união por amor da união por
da possibilidade de a mulher desenvolver suas competição como um dos sintomas do choque dia uma carga pesada de violências. As duas interesse.
aptidões e da afinidade destas com a sociedade de interesses na sociedade. Utilizando metáfo- saídas, casamento ou prostituição, apontadas [...]
envolvente. Questionou, na sequência desta ras da mecânica, abordou o dinamismo social pela sociedade se equivalem. Suas causas e Eis a sintese, muito reduzida, do cazamento
moderno. Em todas as camadas sociais passa-se,
ponderação: se a mulher poderia ampliar seus como sendo, em muitos aspectos, semelhante consequências são as mesmas. veladamente, esse drama tristissimo de famílias
horizontes de habilidades dentro do dinamis- ao funcionamento de uma máquina. Este seu em más condições, cuja esperança está no caza-
mo societário vigente. relativo mecanicismo se estende ao longo de O desperdicio da energia feminina mento de uma filha.
Depois de refletir sobre a ausência do suas ponderações sobre a sociabilidade huma- _________ Quantos dissabores, quantas torturas, quantos
na como constituída por diversas formas de dezesperos aguardam a mulher em semelhante
trabalho livre, da impossibilidade, na socieda- VII rejimem? Rejimem que é, pensem como pensa-
de sob estatismo e capitalismo, da existência energias. Pareceu-me que ele utilizou dessas
rem, uma especie, justificada pela lei, santificada
de livre escolha das atividades produtivas, Oi- analogias sem sucumbir a uma interpretação Que ha de a mulher fazer nesse torvelinho? Ser pelo padre, aceita pela moral, desta outra fórma
ticica evidenciou o parcelamento das tarefas estritamente mecanicista comum a muitos es- vitima dele. de infelicidade feminina: a prostituição.
como efeito da “excessiva divisão do trabalho”. tudiosos da sociedade, cujo construto reflexivo A mulher é a maior vitima porque sobre ela A prostituição é, realmente, o segundo efeito
Essa situação reduzia ainda mais a possibilida- fora referenciado em argumentos semelhantes. pezam todas as consequencias das derrotas. da concorrencia; e, si outra acuzação faltasse
Subordinada ao pai, sujeita ao marido, mais contra a sociedade burgueza, bastaria essa para
de do exercício das aptidões do trabalhador. A Oiticica entendia a guerra e a política fraca que o homem ela sofre os contragolpes condenal-a in limine.
sua crítica não se dirigiu à divisão do trabalho como elementos complementares articulados todos da desventura deles. E, si entra entra na [...]
em si, mas à sua efetivação na sociedade ca- num mesmo dinamismo. Constituíam estra- luta, tendo o seu organismo de rezistencia ás
Pois a sociedade burgueza não tem remedio
pitalista, tornando o produtor “uma simples tégias diferentes, utilizadas pelas camadas do- violências dos embates, ou se depaupera, ou
para a prostituição e os seus teoristas diante do
recua com imensas perdas.
máquina de carne e osso”. minantes da sociedade no intuito de vencer a vergonhozissimo espetaculo do comercio carnal,
concorrência. A justificativa da concorrência, [...] erije-o em instituição social, em fonte de renda
A “sociedade moderna” surge nestas li-
cognominando-o embora de mau necessario.
nhas como entrave ao aprofundamento e à enquanto móvel principal para uma maior ela- As mais das vezes, as favorecidas com heranças,
boração tecnológica e sofisticação inventiva incapazes de jerir, por falta de preparo, os seus Como si houvesse males necessarios!
ampliação das aptidões pessoais. Ainda mais: haveres, caem nas mãos dos esploradores que
a condição feminina na sociedade burguesa humana, foi recusada. A estas ponderações, lhes delapidam os recursos.
É que numa sociedade alicerçada sobre a con-
seguiu a recusa aos referenciais para a vida correncia a estinção desse vicio é impossivel.
constituiria um emblema dessas ponderações. Seria impossivel entrar aqui na análise circuns-
A situação da mulher na sociedade burguesa social humana apresentados pelos defensores tanciada dessas mizerias. Chamarei a atenção
Em vez disso, quanto mais civilizada fôr a so-
e aderentes do modelo civilizacional vigente. ciedade atual, mais feroz será a concorrencia, e
beneficiou-se dos demais movimentos de cará- do leitor, apenas, para os dous pontos mais im-
quanto mais feroz a concorrencia maior tam-
ter combativo e reivindicador. O movimento A sociabilidade posta em atividade em nada portantes desse desperdicio da enerjia feminina
bem a prostituição.
favoreceria a solidariedade. Sentenciou: “Que operado pela concorrencia.
feminista aparece como inegável impulso li- Maior, porque concorrencia, luxo e mizeria são
bertário na medida em que indicava uma in- desperdicio inestimavel de enerjia não se vai O primeiro é o cazamento.
trez alças do mesmo andor em que se empaveza
quietação e uma ação contrária ao despotismo nesses entrechoques ferocissimos da ezistencia Refiro-me aqui ao cazamento-contrato acom- a Venus impudica.
panhado da sua interminável fileira de obriga-
A concorrencia faz a minoria feliz e a maioria
325 OITICICA, José. O desperdicio da energia feminina. A 326 OITICICA, José. O desperdicio da energia feminina. A ções e direitos relativos aos bens dos consortes,
desgraçada. A primeira estadeia o luxo nas car-
Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 4-5, 31 jan. 1915. Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 53-55, 28 fev. 1915. heranças, etc, etc.
224 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 225

ruajens e nos bailes; a segunda abafa os seus dogmatismo, intolerância e exclusão são os sas, esse amontoado de preconceitos e crendices, cluso, Oiticica ampliou o enfoque detendo-se
jemidos nas mansardas e nos bordeis. dinamismos societários acionados pela igreja. esse dominio da fé e do canhão, esse regime sobre esses temas minimizados no seu estudo
de exploração do fraco pelo forte, da minoria
Da alcova onde a mulher se estiola, espoza ou A condenação da chamada sociedade parazita sobre a maioria produtora. sobre a mulher.
mãi, trabalhando doze e quinze horas por dia,
sem remuneração bastante, da alcova, digo eu, moderna feita por padres, como o que Oiti- Esse movimento tem por programa instituir na O título deste estudo não acabado é,
para o alcouce, a distancia é curta. cica citou nominalmente neste texto, foi vista Terra uma sociedade de homens solidarios em sintomaticamente, “Catecismo anarquista”330.
por ele como sendo um completo despropósi- substituição á nossa sociedade de homens-lobos. Iniciado o primeiro ponto deste “catecismo”
[...] Entende por solidariedade o acordo racional das
to. A modernidade, não obstante as posições vontades livres e ilustradas no intuito de apro- no segundo número da revista, teve sua con-
Desse rapido escopo tiremos a quinta inferen-
cia: A sociedade atual bazeada na concorrencia defendidas por filósofos e cientistas sociais que veitar, o mais possivel, as forças do Universo. tinuação com o primeiro, segundo, terceiro e
impede o cultivo da solidariedade. A mulher ati- a consideram na medida de laica, racionalis- Nesse programa entra a mulher como ser autô- quarto pontos, respectivamente, nos números
rada pela concorrencia á mizeria vale-se do caza- ta e desprovida de alguma mística, resultou nomo, companheira livre do homem livre, co- três, cinco, seis e sete. Apresentado em forma
mento e da prostituição como remedio á pobreza. operadora consciente da maximisação da Ener-
diretamente de um curioso caldeamento de de diálogo envolvendo os questionamentos
Representam assim um desperdicio incalculável de gia humana, guiada pela mesma ciencia, pelos
enerjia humana.327 instituições medievais. As reflexões elabora- mesmo direitos, isenta da religião, da miseria, elaborados por um inquiridor, seguido das
das por Oiticica vislumbram, nos traços da da falsa moral de castidade, do autoritarismo da respostas, com este estudo o autor tratou de
chamada modernidade, uma segunda edição moda, do casamento e da prostituição. levar às últimas consequências conceitos, ideias
No quinto número da revista Oitici- da Idade Média. Que resta fazer á mulher? Entrar no movimen- e postulados, verificando seus limites e valida-
ca encerrou seu estudo. Arrematou esta
328 to. O primeiro passo nesse rumo é abandonar a de. A propósito dos indícios apontados pelo
Dirigiu-se aos leitores e às leitoras suge- Igreja, libertar a razão, começar a emancipação
parte com uma indagação inicial relacionan- rindo-lhes, de um lado, uma imediata tomada vocabulário utilizado por Oiticica, retomo no
intelectual.
do o problema da condição feminina diante de posicionamento contra a autoridade, seus último capítulo algumas ponderações em tor-
Conseguido isso o espirito está aberto a com-
da atuação da igreja. Sob diversos aspectos, orbitais e derivativos; e, de outro lado, pro- preender o problema social que não é só o no das implicações do pensamento do autor
questionou a atuação desta instituição eclesial pondo a sedimentação da liberdade e da soli- problema economico, e a mulher será, desde relativo a universalismo. Contudo, adianto que
na vida da mulher, no que dizia respeito a se logo, um elemento formidavel de luta para a esta particularidade do pensamento de Oiticica
dariedade como forma de criar imediatamente consecução que é o sonho mais fecundo, a mais
favoreceria ou não o aproveitamento de suas novos costumes. À mulher, particularmente, aparenta uma similaridade com o Catecismo Re-
bela utopia, a concepção mais alentadora que
energias. De partida, a igreja não se opunha convidou para participar deste movimento já se formulou no mundo: a ANARQUIA.329 volucionário, atribuído a Bakunin e Netchaiev.
ao princípio da concorrência e da competição mais geral. Sugeriu também o abandono ime- Nas colunas de A Vida, os editores re-
como elementos norteadores da sociabilida- diato dos valores convencionais, de maneira servaram espaços para outras comunicações:
de humana. Desta asserção, podemos inferir Nesse ínterim, Oiticica evidenciou
que a partir de sua própria ação os precon- o amplo espectro constituinte da questão avisos de conferência, anúncio de abertura de
sobre a natureza da reflexão apresentada pelo ceitos religiosos perdessem a sua validade e a escolas, notícias de diversas localidades. Desde
autor como também sobre as conclusões a que social. Esta não se restringiria ao problema
influência sobre seus atos. econômico. O seu estudo focalizando a re- o Rio Grande do Sul até Belém, passando por
ele chegou. Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas e Paraíba,
lação mulher-sociedade-religião indica com
Oiticica elaborou questionamentos há distribuidores, portanto, contatos. Há tam-
O desperdicio da energia feminina muita propriedade como ele percebia uma
acerca das energias intelectuais femininas _________ bém balanços de recursos financeiros alocados
das facetas desta questão. Nesse estudo sobre
quando diante da influência e ação da igreja. através das assinaturas, além de recados para
VII a mulher, passou rapidamente por alguns as-
Em seguida, formulou indagações quanto à os contatos de diversas regiões e indicações de
pectos da intrincada questão social. Em alguns
relação da igreja com as energias morais da leituras recomendadas.
[...] momentos, sinalizou com alguma particulari-
mulher. Colocou em evidência, depois disso,
Que fazer então? dade, noutros remeteu ligeiramente a outras 330 Este estudo foi publicado em A Vida sem assinatura.
a espécie de trato da igreja no que se refere Entretanto, no número 15 do jornal Na Barricada, de 16 de
Quem auscultar, desprevenidamente, a socie- especificidades. Dessa maneira, não se afastou
às energias sociais femininas. Concorrência, setembro de 1915, no artigo intitulado “Segunda carta ao
dade atual, perceberá nos seus subsolos um ru- de seu objetivo central que era demonstrar as dr. Silva Marques”, Oiticica indicou ter escrito, juntamente
mor confuzo, o alarmador prenuncio de uma formas, razões e consequências do desperdício com o estudo “O desperdicio da energia feminina”, o “Ca-
327 OITICICA, José. O desperdicio da energia feminina. A erupção violenta.
da energia feminina. Em outro estudo incon- tecismo anarquista”. Os dois se complementam, como ele
Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 53-55, 28 fev. 1915. Ha, na humanidade, uma corrente surda de mesmo indica em Na Barricada. Oiticica pretendia continuar
328 OITICICA, José. O desperdicio da energia feminina. A opinião revoltada. Revoltada contra as iniquida- 329 OITICICA, José. O desperdicio da energia feminina. A a divulgação de suas reflexões numa outra publicação, cujo
Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 73-75, 31 mar. 1915. des tradicionaes economicas, politicas, religio- Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 73-75, 31 mar. 1915. título seria Systema da sociologia anarquista.
226 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 227

A polifonia caracteriza a página deno- de ação direta como as outras concepções Apesar da informação acerca da existên- É o a que se propõe A Vida. Fica desde já aber-
minada Leituras recomendadas – o que todos ácratas. O relato documentou a formação, cia de diversos relatórios, a serem publicados ta esta rubrica – “Bibliografia brasileira sobre a
questão social”, bem clara para que precise de
devem ler. Esta página só não fora apresentada em 1899, do Grupo dos Homens Livres. paulatinamente nos números seguintes da explicações. Apenas, para que o trabalho tenha
no primeiro número da revista. Dentro das Esse grupo fundou o jornal A Luta, revista, apenas no quarto número é que saiu metodo e ordem, estabeleceremos a seguinte
obras sugeridas como de leitura obrigatória intensificando a propaganda anarquista. Se- outro relato sobre o movimento anarquista em norma, que nos parece completa aos fins vi-
para conhecimento do leitor, existiam repre- Pelotas. Este documento foi escrito por Santos zados:
gundo Polydoro, a influência deste jornal foi
sentantes de diversas escolas do pensamento bastante significativa no movimento operá- Barbosa, secretário do Grupo Iconoclasta336. Livros e folhetos. – Nome do autor; titulo
social e não apenas da literatura anarquista. Neste relato, Barbosa registrou terem sido as completo; subtitulo,si o houver, ou outros es-
rio portoalegrense, tendo durado até o ano clarecimentos contidos no frontespicio; editor
J. Prat, Hamon, Eltzbacher, Nordau, Marx, de 1910333. Registrou também a fundação da ideias anarquistas levadas àquela localidade e(ou) tipografia, localidade de um e (ou) de
Nietzsche, Naquet, Tomás da Fonseca, A. Escola Elyseu Reclus um pouco antes da cria- por um trabalhador chamado José Saul337 no outra; data; sumario ou indice da obra, sempre
César dos Santos e algumas de suas obras fo- ção do jornal334. Após o fechamento da escola ano de 1897. Registrou também a influência que isso sirva de esclarecimento para os livros
ram sugestões que dividiram espaço ao lado da COB e de jornais e livros anarquistas no poucos conhecidos; numero de volumes; nu-
e o fim do jornal, os anarquistas se reuniram mero completo de paginas; preço, sempre que
de outras obras de mundialmente reconheci- em grupos, chegando a desempenhar um pa- movimento operário em Pelotas. o houver declarado.
dos estudiosos não anarquistas, anarquistas e pel relevante na fundação de uma associação Outra coluna registrou o esforço em fa- Jornais e revistas – Titulo; localidade; pe-
sindicalistas revolucionários. Mesmo dentro denominada Grêmio de Estudos Sociais. zer um levantamento das obras sobre a ques- riodicidade; editor, grupo ou pessoa; preço de
do universo anarquista, mantiveram a diver- No segundo número, o texto de apre- tão social até então publicadas no Brasil. A co- assinaturas, de avulso, ou si se distribui por
sidade. Havia também uma lista de folhetos sentação da seção acrescentou algumas infor- luna chamava-se Bibliografia Brasileira sobre subscrições voluntarias; numero de paginas;
e jornais recomendados. formato destas; outros esclarecimentos que se
mações acerca do andamento do projeto de a Questão Social. As palavras de apresentação julgarem necessarios.
Na coluna denominada Subsídios para a elaboração de um relatório geral e da coleta de dessa iniciativa delimitam com precisão o mó- E para começar lá vai um punhado.338
História do Movimento Anarquista no Brasil, documentos e informações em torno do movi- vel dos editores.
registraram o esforço dos editores em reunir e mento anarquista nas localidades e regiões335.
levantar notícias das iniciativas, dos aspectos e O articulista registrou, em seguida, seis
Bibliografia brasileira sobre a questão social
dos eventos libertários ocorridos nas diversas 333 A Luta teve três fases. A primeira iniciada pelo Grupo publicações com as respectivas indicações re-
regiões do Brasil331. O objetivo imediato visa- dos Homens Livres. A segunda, no ano de 1918. A terceira quisitadas: três livros de caráter teórico e três
Desde quando se escreve, no Brazil, sobre a
va a uma exposição no Congresso Anarquista durou de 1919 a 1920.
questão social? Que livros, que folhetos, que romances sociais. O livro do general Abreu
Internacional. Este congresso não aconteceu, 334 A fundação desta escola foi uma homenagem prestada jornais se teem publicado aqui, a respeito das e Lima foi seguido de algumas advertências
a Élisée Reclus quando, em sua viagem de exploração cien- doutrinas socialistas em geral?
mas proporcionou a ocasião da elaboração de contextualizando o livro na sua época. Estas
tífica pelo mundo, passou pelo sul do Brasil. Reclus veio ao
relatórios locais e regionais. Brasil em 1893 como parte de sua última grande viagem, que São perguntas a que cada um de nós poderá res- advertências foram retiradas do próprio livro.
incluía Argentina, Uruguai e Chile, colhendo informações ponder parcialmente, mas a que talvez nenhum Algumas palavras de esclarecimento acompa-
O relato acerca do movimento anarquis- o poderá fazer de modo completo. Entretan-
para escrever uma de suas grandes obras, a Nouvelle géogra- nharam a nota sobre o livro de Rapozo.
ta em Porto Alegre fora escrito por Polydoro phie universelle. Esta obra fora planejada para dez volumes, to, se juntarmos as respostas parciais de cada,
Santos332, representando os anarquistas daque- mas findou sendo publicada em dezenove. Manuel Correia obteremos um resultado tanto quanto possivel
completo.
la localidade. Esse relato iniciou apresentando de Andrade organizou a coletânea de textos de Reclus em Livros e folhetos
que publica estratos de seus estudos sobre o Brasil. Ver: AN-
a data de 1895 e 1896 como início à exposição
DRADE, Manuel Correia de (Org.). Reclus. Tradução de
das ideias anárquicas na capital gaúcha. Famí- Maria Cecília França; Januário Francisco Megale; B. F. Ramiz 336 BARBOSA, Santos. Relatorios e documentos – Subsidios 1. GENERAL ABREU E LIMA – O socia-
lias egressas da Colônia Cecília iniciaram a Galvão. São Paulo: Ática, 1985. (Coleção Grandes Cientistas para a historia do movimento anarquista no Brazil. A Vida. lismo. Tipografia Universal, rua do Colegio n.
divulgação do anarquismo no meio operário, Sociais). O único livro de caráter antropológico e político de Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 62, 28 fev. 1915. 18, Recife. 1855. (...).
Reclus foi publicado há alguns anos. Ver: RECLUS, Élisée. A
explanando em alguns encontros os métodos 337 Edgar Rodrigues, tratando do surgimento do anarquismo
2. EVARISTO DE MORAIS – Apontamentos
evolução, a revolução e o ideal anarquista. Tradução de Plí- no Rio Grande do Sul, refere-se a José Saul como o responsá-
331 NO PROXIMO numero. A Vida. Rio de Janeiro, ano nio Augusto Coelho. São Paulo: Imaginário, 2002 (Coleção vel pela introdução do anarquismo no movimento operário de Direito Operario. Imprensa nacional, Rio
1, n. 1, p. 16, 30 nov. 1914. Expressão Libertária). em Pelotas. Informa ainda que José Saul era sapateiro de de Janeiro, 1905. 1 volume com 152 paginas.
332 SANTOS, Polydoro. Breve noticia sobre o movimento 335 RELATORIOS e documentos – Subsidios para a His- origem italiana. Ver: RODRIGUES, Edgar. Socialismo e Sin-
anarquista em Porto Alegre. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, toria do Movimento Anarquista no Brasil. A Vida. Rio de dicalismo no Brasil (1657-1913). Rio de Janeiro; Laemmert, 338 BIBLIOGRAFIA brasileira sobre a questão social. A
n. 2, p. 14, 31 dez. 1914. Janeiro, ano 1, n. 2, p. 13-14, 31 dez. 1914. 1969. p. 73. Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 8, 30 nov. 1914.
228 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 229

3. C. A. DE SARANDI RAPOZO – Teoria O coletivo editorial registrou o rece- porque o que para uns é defeito para outros de conferências e debates nas associações. A
e Pratica de Cooperação. (Di cooperação bimento de algumas publicações. Indicando torna-se titulo de recomendação. (P.Q.)340 última publicação recebida intitulava-se Na
em geral e especialmente no Brazil). “Tra- quais livros e folhetos, a seção denominada Barricada, sob responsabilidade do anarquista
balho incluído no 3.° volume do Relatorio de Publicações recebidas apresentou aos leitores Orlando Corrêa Lopes.344
1911 do Ministerio da Agricultura, Industria e Um dos folhetos intitulava-se Peque-
as referências da publicação, tecendo alguns nas Coplas, de autoria do anarquista Santos A seção Publicações recebidas, no últi-
Commercio, por ordem do exm.º sr. dr. Pedro
de Toledo”. Imprensa Nacional, 1912. 1 volume rápidos comentários. Algumas dessas publi- Barbosa, sob o pseudônimo Saint Barb. Este mo número da revista, acusou o recebimento
com XVI 210 paginas. cações foram colocadas à disposição do leitor folheto consiste em duas canções “de propa- de três publicações: o jornal alagoano O Reba-
4. DOMINGOS RIBEIRO FILHO. – Estu- para aquisição, caso existisse algum interesse. ganda social”. O outro folheto intitulava-se Os te, o folheto portoalegrense Deus e Pátria, de
do de uma moral:I – O cravo vermelho. Esta seção apareceu apenas nos números três, Financeiros, os Políticos e a Guerra, de Francis Antonio Cariboni, e o folheto Em Tempos de
Romance. Livraria Luso-Brazileira. Editores: cinco e sete da revista. No primeiro, os edi- Delaisi. O articulista registrou ter sido este Eleição, em segunda edição. Esta publicação
M. Piedade & C.ª, rua da Assembläa, 46, Rio tores apresentaram um livro e dois folhetos. folheto traduzido pela Biblioteca A Vida, da era de autoria de Errico Malatesta, tendo sido
de Janeiro, 1907. 1 volume com 160 paginas.
O livro intitulava-se Sombra Fecunda – cidade portuguesa de Porto.341 publicada pelo coletivo editorial A Sementeira,
5. DOMINGOS RIBEIRO FILHO. – Vans
Versos de Durval de Moraes. Pinto Quartin, sob No quinto número da revista, os editores de Lisboa. O articulista acrescentou alguns
torturas. Romance. Editor. J. Ribeiro dos San-
tos, Rio de Janeiro, 1911. 1 volume com 182
as iniciais P.Q., elaborou alguns comentários. registraram o recebimento de mais três publi- comentários a cada uma dessas publicações.
paginas. Interessante notar o tom personalista enfati- cações. Tratava-se da “coleção de sete sonetos”, Vejamos apenas os dois primeiros.
6. CECILIA MARIZ – Uma paixão de mu-
zado pelo articulista, deixando fora de suas de Raimundo Reis, intitulada Arco-da-Aliança.
lher. Romance. Editor: Maison Sud-America, preocupações assumir o papel de algum crítico O articulista destacou destinar-se a venda desta Publicações recebidas
7, rua Bertholett, Paris. Sem data declarada (É literário, de algum juiz de versos a pronunciar publicação para “beneficio das crianças belgas
de 1913). 1 volume com 152 paginas.339 avaliações com pretensões de generalidade e desamparadas”. Registrou também que Rai- Temos sob as vistas o 1º numero de “O Rebate”
sentenças valorativas definitivas. mundo Reis assinava artigos em A Lanterna surgido em 1º de Maio em Maceió, Alagoas e
com o pseudônimo de Beato da Silva342. que vem lutar em pról das reivindicações pro-
No conjunto dessa seção, há registrada
letarias.
a publicação, no Brasil, até aquele período, Publicações recebidas Outra publicação recebida foi O Ve-
___ ___ Da leitura do jornal, se depreende que seus re-
de 48 obras abordando os mais variados as- getarismo e a Moralidade das Raças, escrita datores são ou teem tendencias anarquistas, mas
Livros
pectos da questão social. Apesar de os editores pelo dr. Jaime de Magalhães Lima. Este li- temem, talvez para não ferir sucetibilidades dos
[...]
manifestarem a intenção de publicar a seção vro resultou de uma conferência realizada na leitores, se declarem tal abertamente e falam
Sobre o valor poetico da obra do sr. Durval de vaga e confusamente em socialismo e luta con-
em todos os números, ela não apareceu nos cidade de Porto, no ano de 1912. A propó-
Moraes não nos atrevemos a pronunciar por tra o capitalismo em seu artigo de apresentação.
números seis e sete, os dois últimos da revista. reconhecermos a nossa absoluta incompetencia sito do vegetarianismo, muitos anarquistas
Até ai nada ou pouco temos que ver pois que se
Na seção denominada Revista dos jor- para dela fazemos juizo. no movimento operário no Brasil adotaram
assim o fazem é porque o julgam conveniente.
nais, os editores apresentaram ponderações Em materia de verso, o nosso julgamento é mui- esta prática em suas vidas. A matéria, abraça- Mas que, referindo-se a “A Vida” deem-nos um
to pessoal: si a poesia nos encanta, nos embala da pelo movimento anarquista até hoje, so-
em torno de notícias publicadas na grande qualificativo por demais generico para se prestar
ou nos faz vibrar, achamo-la bôa; si a poesia não
imprensa. No geral, essas notícias se referiam a bretudo entre os punks343, constitui assunto a confuzões, o de socialistas, isso é o que não
consegue despertar nenhuma emoção, achamo-
podemos deixar passar sem protesto.
acontecimentos do momento, relativos às gre- -la má. E submetendo os versos da Sombra
340 PUBLICAÇÕES recebidas. A Vida. Rio de Janeiro, ano Não. Nós não somos simplesmente socialistas;
ves, à Primeira Guerra e a assuntos envolvendo Fecunda a este criterio rudimentar e infantil de 1, n. 3, p. 13, 31 jan. 1915. somos socialistas anarquistas, ou mais precisa-
concepções dos adversários do anarquismo. apreciar poesia – mas de que não desdenhamos,
mente, comunistas anarquistas. Fazemos ques-
341 PUBLICAÇÕES recebidas. A Vida. Rio de Janeiro, ano
Os jornais comentados foram: Correio da ao que se diz, Ibsen e Mollieri que aquilatavam
1, n. 3, p. 13-14, 31 jan. 1915. tão da distinção por que a palavra socialismo é
o exito dos seus trabalhos pela impressão que
Manhã, Jornal do Comércio e A Época, todos 342 Raimundo Reis escreveu artigos e versos, assinando com
tomada mais comummente como um qualifi-
a sua leitura despertava nos seus criados – as
integrantes da imprensa comercial. Essa seção seu nome e pseudônimo, no jornal A Plebe. Em vários nú-
cativo de uma serie de definições democraticas
composições poeticas do sr. Durval de Moraes
de que se servem para explorar o sentimentalis-
apareceu apenas nos três primeiros números pouco nos agradaram. Não é isso, porém, moti- meros deste jornal, foram publicados anúncios colocando à
mo das massas, os politicos profissionais e com
vo para que não agradeçamos a gentil oferta do disposição os seus serviços de cirurgião dentista.
da revista. os quais fazemos absoluta questão de não nos
exemplar que, com muito gosto, vamos colocar 343 Ver: O’HARA, Craig. A filosofia do punk: mais do que
339 BIBLIOGRAFIA brasileira sobre a questão social. A na prateleira dos nossos livros, e para que o barulho. Tradução de Paulo Gonçalves. São Paulo: Radical 344 PUBLICAÇÕES recebidas. A Vida. Rio de Janeiro, ano
Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 8, 30 nov. 1914. não recomendemos aos apreciadores de verso Livros, 2005. 1, n. 5, p. 79, 31 mar. 1915.
230 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas 231

confundir. Nós gostamos muito de situações do Brasil foram publicadas nos números três pessoas responsáveis em cada localidade em aridez visual das formas como na miséria de
definidas. e quatro da revista numa coluna intitulada representar a revista para o caso de compras apresentação imagética.
A’s claras, colegas. Somos commistas anarquistas Vida anarquista. Uma sessão homenageando avulsas ou de assinatura. As localidades eram Em A Vida, há uma riqueza de expres-
revolucionarios.345 a memória de Anselmo Lorenzo, preparação basicamente as mesmas com as quais os edito- sões excitando as percepções do leitor, abrindo
de peças teatrais e manifestações do Comitê res mantinham correspondência. No número a possibilidade de eclosão de distintos sentidos,
O segundo folheto, Deus e Pátria, foi Popular de Agitação contra a Crise foram le- sete, os editores indicaram 25 localidades na favorecendo a ruína da fratura estabelecida
acompanhado de reflexões ácidas elaboradas vados a efeito em Pelotas. Noticiaram também cidade do Rio de Janeiro onde se poderia ad- pela perspectiva disciplinar entre pensamento
pelo articulista. a formação de um grupo anarquista na cidade quirir a revista. e sentimento, entre razão e emoção. Tal fratura
de Belém do Pará. Este grupo chamava-se Os Versos, em formas de sonetos italianos, constitui em proposta metodológica concebida
Deus e Patria por Antonio Cariboni, publi- Perseguidos.347 A seção Vida anarquista regis- foram publicados nos primeiro, quarto, quinto e praticada pela escola positivista e adjacências.
cação do Centro de Estudos Sociais – Porto trou, no número cinco, a convocação feita por e sexto números da revista. Todos eles trata- As correntes que lhe são tributárias mantêm
Alegre. Preço 500 réis. alguns anarcocomunistas para uma reunião vam de algum aspecto relativo à temática so- esta perspectiva. Reflexões de caráter social,
Com bom aspeto material, recebemos ha tem- com fins de formar uma colônia anarquista348. cial, como os próprios títulos o indicam. Her- apresentadas num dinamismo de fusão com
pos este folheto de propaganda. A circular convidando os anarquistas mes Fontes, Miranda Santos, Raimundo Reis um esmero em estética artística, agem, ao
Apenas tinhamos lançado os olhos para a capa para a realização do Congresso Anarquista e Manoel Custodio Mello Filho publicaram, mesmo tempo, na dimensão da razão como
deparamos com esta frase latina a guisa de afo- Sul-Americano349 foi noticiada no último nú- respectivamente, “Justiça”, “Odio em marcha”, também na esfera das sensibilidades humanas.
rismo, colocada, logo abaixo do titulo: “Veri- mero da revista. A comissão formada para ar- “A voz dos povos” e “Reivindicações”.
A capa da revista constituiu indício
tatis super omnia” (o grifo é nosso). Os mus- ticular a organização do evento era composta Uma particularidade chama a atenção
culos da face que em anatomia teem o nome do zelo estético dos editores. A capa toma
por José Elias da Silva, Orlando Corrêa Lopes na publicação desses sonetos. Trata-se do re-
de Risorius de Santorini e que constituem um a forma de um painel artístico conjugando
par, entraram logo em ação excitados por um e José Henrique Netto. Essa notícia caberia quinte dos editores com a estética de apresen- desenho, minúcias em afrescos e elaboradas
reflexo nervoso e demos logo uma formidavel perfeitamente na seção Vida anarquista, po- tação dos versos. Todos eles vêm emoldurados fontes com reflexões de cunho social em geral.
gargalhada. E não era para menos, caramba! rém a seção não está nomeada neste volume. em um conjunto de linhas, ora entrelaçadas
deante daquele latim macarronico... Lemos o O efeito estético salta às vistas do leitor, cuja
As seções Correspondência e Agentes de ora emparelhadas, tomando formas geométri-
folheto. Começa o autor logo ás primeiras li- sensibilidade poderá ser provocada, resultan-
nhas com as clássicas afirmações de modestia A Vida apresentavam indícios da amplitude de cas num resultado de embelezamento da seção.
do na produção de diversas interpretações.
(não seja pelo latim...) e vai por 26 paginas num contatos estabelecidos nas diversas regiões do Apresentam ainda alguns desenhos de flores e
Tanto que, quando do debate entre Teixeira
estilo de discurso a dizer mal e confusamente o Brasil. A primeira seção apareceu apenas nos folhas em detalhes que, somados à moldura e
que muitos já disseram bem e claramente e em Mendes com Francisco Viotti, o primeiro se
terceiro e quarto números. A correspondência aos diferentes tipos das fontes das letras, pro-
espaço mais curto. ressentiu desta arte por entender estampar o
compreendia as cidades de Porto Alegre, São duzem uma sensação de simetria, harmonia
Convenham conosco os camaradas do Centro desenho atitudes de ódio e não de amor. Essa
Paulo, Santos, Campinas, Pelotas, Curitiba, e proporção, agradáveis à apreciação visual.
de Estudos Sociais de Porto Alegre que o fo- compreensão funcionou como um móvel para
lheto não vale 500 réis... É positivamente um Jaú, Cruzeiro, mas também outras de regiões Seria um detalhe irrelevante se esse cui- a discussão de postulados e conceitos inega-
logro... E para espalhar ideias entre o povo é mais distantes como Manaus, Recife, Belém, dado estético não fosse recorrente ao longo de
velmente importantes no positivismo. Como
necessario pol-as ao seu alcance pecuniario. Por- Maceió, Areias, interior do estado da Paraíba, toda a revista. Em consequência, dava-se, na
que não publicam os camaradas os folhetos tão vimos mais atrás, altruísmo e egoísmo, amor
Aracaju, do estado da Bahia e até das cidades composição final da revista, a junção de arte
clatros de Malatesta, de Faure, de Hamon ou de e ódio constituem conceitos fundamentais na
Kropotkine? As ideias anarquistas só tinham a portuguesas de Porto e Lisboa. com filosofia, sociologia, história entre outras
configuração do pensamento positivista.
lucrar com isto.346 A seção Agentes de A Vida apareceu expressões do pensamento humano. Esses ges-
tos atenciosos, dirigidos ao deleite artístico e Viotti, de seu lado, problematizou as
nos números cinco, seis e sete. Indicava as
Notícias registrando eventos realizados estético do leitor, resultam na quebra de uma certezas rígidas do sacerdote positivista. Atra-
por grupos anarquistas em diversas cidades 347 VIDA anarquista. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 3, monotonia visual peculiar aos periódicos de vés de um tensionamento desses conceitos,
p. 16, 31 jan. 1915.
caráter científico, sociológico e filosófico pu- caros à doutrina positivista, Viotti desonerou
345 PUBLICAÇÕES recebidas. A Vida. Rio de Janeiro, ano 348 VIDA anarquista. A Vida. Rio de Janeiro, ano 1, n. 4,
blicados em nossos dias. Estes se distinguem a separação hermética entre ódio e amor como
1, n. 7, p. 110, 31 maio 1915. p. 63, 28 fev. 1915.
esteticamente por procedimentos homoge- estabelecida no positivismo e apresentada no
346 PUBLICAÇÕES recebidas. A Vida. Rio de Janeiro, ano 349 CONGRESSO anarquista sul-americano. A Vida. Rio
neizantes em sua apresentação, no tédio e na debate com Teixeira Mendes. Elaborou uma
1, n. 7, p. 110, 31 maio 1915. de Janeiro, ano 1, n. 7, p. 111, 31 maio 1915.
232 Vida como experimento: sociabilidades e saberes em periódicos anarquistas

análise da mesma capa enquanto manifestação desenho semelhante ao de A Vida. A segunda Munições para A PLEBE
explícita de amor, mesmo considerando a pos- apresentava este cuidado também em seu inte-

A
sibilidade deste sentimento tomar, dentro de rior. As páginas da revista estampavam detalhes s não leves despesas de instalação das nossas oficinas pode-se bem dizer quase liquidaram com os
alguns contextos, e este é o caso evidenciado estéticos com fotografias, gravuras, linhas, for- fundos recolhidos entre os nossos amigos.
por Viotti com o casal da capa, a forma de mas geométricas e desenhos, resultando num Deve-se também ter em conta que “A PLEBE”, não publicando anúncios, como é desejo da
intenso e profundo ódio. enriquecimento estético. Análises de questões maioria dos companheiros, perde uma fonte de lucros que todos os jornais julgam indispensável para
As revistas Na barricada e A Obra sociais, notícias, avisos e eventos são apresen- cobrir as despesas de sua tiragem.
(1920), de São Paulo, apresentam essas par- tados de forma reconciliada com a arte. É, portanto, um deficit diário que surge logo a ameaçar a existência d’A PLEBE; deficit que é
ticularidades. A primeira trazia na capa um necessário eliminar logo. Outra consideração a fazer é que para uma grande tiragem a máquina atual
é insuficiente e que breve se torna indispensável a aquisição de uma rotativa ou de uma máquina que
comporte as quatro páginas de uma só vez e que nos permita fazer circular o jornal com dezenas e
O SOL DA NOVA IDEIA dezenas de milhares de exemplares.
Essa máquina, porém, não será fácil obtê-la por uma quantia inferior a vinte e cinco contos.
Eis, portanto dificuldades e necessidades que só uma permanente e não escassa subscrição vo-
luntária poderá eliminar e satisfazer.
Não cansem os companheiros em recolher fundos para o jornal. Aproveitem-se de todas as festas
As imagens dos célicos devassos e reuniões, peçam a todos os seus amigos que tenham simpatia para a nossa obra.
Em negro pó desfeitas o ar semeiam; Não esqueçam de que o indício da aceitação de um jornal, da pujança de um partido, é a subs-
Levadas pelos ventos revolteiam crição que opõe os tostões dos humildes às centenas de contos da burguesia ladravaz, que quer esmagar
As crenças divinais em estilhaços. com o dinheiro o que o seu governo não pode esmagar com as armas.
A Plebe . São Paulo – SP. – Ano 03 – N˚ 31 – 12.10.1919. Página 02.

Os deuses já morreram nos espaços,


Os altares e os templos bamboleiam;
Grande festival pró - “A Plebe”
Os tronos d’ouro estalam ou baqueiam
E fogem os reis trêmulos dos paços. O rganizado pelo Centro Libertário “TERRA LIVRE”, realizar-se-á no dia 22 de julho, às 20 horas,
no SALÃO CELSO GARCIA, situado à rua do Carmo, 23, este festival obedecerá ao seguinte

PROGRAMA
Dos credos sem sentidos as densas brumas I – “A Internacional” pela orquestra;
Se dissolvem na noite, quais espumas II – Conferência;
III – Será levado à cena o belo drama histórico e social em 4 atos:
Nas areias da praia que reluz!
OS CONSPIRADORES
IV – BAILE FAMILIAR.
O mundo velho dorme em longo treva.
Entanto ao longe vejo que se eleva Nos intervalos haverá quermesse e venda de flores
O sol da nova Ideia, a branca luz!
N. B. – A comissão reserva-se o direito de vedar a entrada a quem julgar conveniente.
__________________________________________
A comissão organizadora do festival pede aos camaradas e amigos que queiram oferecer prendas e objetos para a
quermesse, a atenção os entregar à U. dos A. em Calçados, rua Brigadeiro Machado, ou na nossa sede, situada à
rua B. De Paranapiacaba, 4 – sala 10, onde também podem ser procurado os ingressos.
Teixeira Bastos. A Plebe. São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 03. Primavera Libertária
23.06.1917. Página 02.
O trabalho . Rio de Janeiro – RJ. Ano 01 – Nº 04 – 01.07.1922. p. 08.
DIA 22 DE OUTUBRO
Grande Piquenique no Parque da Cantareira Amassa-se o barro, fazem-se os tijolos,
erguem-se as paredes.
Mas é preciso deixar lacunas
para as portas e janelas,

O rganizado pelo grupo “Primavera Libertária” realizar-se-á, no Parque da Cantareira, dia 15 do que tornarão a casa habitável.
corrente, um piquenique de solidariedade, em homenagem de “A Plebe”. Corta-se o tronco, desbasta-se a madeira,
faz-se a roda.
Mas é preciso cavar o buraco,
PROGRAMA que permite a introdução do eixo.
Portanto, o ser produz o útil, mas é o não ser
No Parque: Passeio nos arredores, nos jardins e nas matas virgens, etc. que o torna eficaz.

Lao Tsé
Das 11 às 13 horas: – Almoço campestre. Disputa de dois bolos saborosos: “Viva ‘A Plebe’”,
um, e outro representando o ideal que ela defende.

NOTA: – No local não há restaurantes, nem bares; os camaradas devem ir prevenidos com os
seus “perus” e “frangos de Cubatão”.

Das 13 às 15 horas: – Parte literária, composta de recitativos, palestras, cantos e musicas;


Quando o machado
distribuição de bombons e chocolates às crianças; jogos recreativos e outros divertimentos; hinos,
entrou na floresta, as árvores disseram:
declamações e poesias.
o cabo é dos nossos!
Um dia cheio de vida, de felicidade, de alegria, de comunhão de sentimentos, de liberdade!
Provérbio turco
HORÁRIOS

IDA: – Partida de trens da Estação do Tamanduateí, Rua João Teodoro, esquina da Av. Canta-
reira – 8,30 – 10,00 – 11,30 – 12,50.

VOLTA: – Partida da Cantareira – 17,00 – 18,20 – 19,45.

Para escapar de ladrões ocasionais,


AS ADESÕES SÃO FEITAS POR MEIO DE AQUISIÇÃO ANTECIPADA DE CARTÕES
e que se toma por ladrões, entregamo-nos a ladrões
NUMERADOS, QUE DARÃO DIREITO AO SORTEIO DE UM QUADRO A ÓLEO, OFERE-
permanentes, organizados, e que se toma por benfeitores:
CIDO A “A PLEBE”, PELO CAMARADA A. LASHERAS; ESTE SORTEIO CORRERÁ COM A
entregamo-nos aos governos.
LOTERIA FEDERAL DO DIA 18 DE OUTUBRO.
Tolstoi

NOTA: – Este piquenique, que deveria realizar-se amanhã, foi transferido por se acharem presos muitos
dos nossos camaradas, alguns dos quais faziam parte da Comissão.
A Plebe . Nova Fase. São Paulo – SP. Ano 02 – Nº 44 – 14.10.1933. Página 04.
A VOZ DOS POVOS

Após anos sem fim de lutas e tormentas


Por um mundo melhor de luz, de amor, de Estudo,
A humanidade cria o homem bárbaro e rudo
Despido das fatais paixões sanguinolentas.

E tudo era ilusão, era mentira tudo!


Um homem só bastou, de ambições famulentas,
Para a paz conspurcar com torpezas violentas...
Alma humana, convosco eu nunca mais me iludo!

E essa infame hecatombe aluiu toda a conquista


Do pensamento. Ao peito livre e generoso,
Já nem resta, na terra a esperança idealista!

Maldição sobre quem poluiu a castidade


Da paz! Oh! Maldição sobre o Injusto e Ambicioso,
Maldição, maldição por toda a eternidade!

Raimundo Reis. A Vida. Rio de Janeiro – RJ. Ano 01 – Nº 05. 31.03.1915. Página 71.

DIVAGANDO

Absorto, a divagar, na Humanidade eu penso


E instantes de amargura experimento então.
Num perpassar perene, a mente em turbilhão,
retrata em pensamento o seu sofrer intenso.

Neste regime injusto, onde impera a opressão,


A insídia, o mal, o ódio, e banido é o bom senso,
O pobre vai curtindo um sofrimento imenso:
O trabalho forçado; a abjeta escravidão.

Desperte a Humanidade; acorde o pária ignaro


Do despotismo o freio estraçalhando, enfim.
E os vis grilhões rompendo, o seu viver escravo,

A dor que o martiriza, a infame tirania,


O seu labor insano, intérmino, sem fim,
Tudo se extinguirá à luz de um novo dia.

Oiapoque – 1925.

Domingo Braz. A Plebe . São Paulo – SP. Ano 11 – Nº 248. 26.03.1927. Página 02.
OTIMISMO SUPREMO

I
Morrer! já não me importa... A morte não
VOL 3 – Arquia? Anarquia!
assusta
o lutador. Se morro, emfim, feliz a hora
Perspectiva relacional nos
em que se vê romper numa explosão, na
Aurora estudos da sociedade
Santa a luz do porvir numa beleza augusta.

Se me doura a retina essa visão venusta,


toda cheia de cor, de radiação sonora,

R
a Morte pode vir... é como o somo... Agora eferi-me inicialmente ao jornal anarquis- nos apelos e provocações lançadas aos leito-
quero dormir, sonhar. A morte não me custa.
ta, particularmente aos periódicos anali- res a fim de que realizassem, em suas vidas,
Sentindo da decadência, esta ruína física sados, incluindo aqueles que foram rapida- novas modalidades de costumes. Esta seria a
os vermelhos florões de emotises – a tísica – mente citados, enquanto antípoda do jornal maneira para o estabelecimento imediato das
andam a anunciar, talvez, a boa nova. contemporâneo. A partir da concepção, forma conquistas libertárias.
Desse próximo dia em que eu, exausto, de elaboração passando pelos dinamismos que
inerme, Na configuração dos mecanismos de
Examine insurreto, hei de pábulo ao Verme, acionava e desdobramentos que provocava, há poder na sociedade, os integrantes dos coleti-
ir descansar na paz olvidante da cova. particularidades a indicarem pistas para pensar vos editoriais discerniam muito bem o papel
na indisciplina em atividade. Também há in- por demais importante do consentimento
II
dícios de instauração de novas sociabilidades dos segmentos populares para a manutenção
Morro novo? Bem sei... Não cumpri meu realizadas e cultivadas pelo grupo editorial.
dever... do estado de coisas. A letargia dos estratos
Mas, amigos, – piedade! – é de toda a Começando por este último aspecto, os produtores constitui melhor suporte para
justiça jornais e as revistas analisadas, como aqueles a a conservação do domínio. De maneira in-
que eu queira repousar, no direito á pré- que aludi ao longo dos capítulos, apresentam versa, a ação direta é a forma por excelência
guiça em comum o sentido de experimento das ideias de subversão do status quo. Por conta dessa
- monopólio burguês... Deixai-me, pois,
morrer... libertárias. Experimento destacando positivi- compreensão, procuravam contagiá-los com
Sangra-me o coração, – sou ingrato! – dade na fugacidade das invenções humanas escritos inquietantes. Ao invés de adaptação
crer como também afirmativo da possibilidade de e quietude, os periódicos continham em suas
tanta bondade em vós... Mas esta alma insub- vivência imediata em novas formas societárias. colunas agitação, desconcerto e desassossego.
missa Nessas iniciativas, está em foco o poder da
é como um pavilhão, já roto e sem adriça, Sem menosprezar a intervenção violen-
que, solto, vai cair e que se vai perder. vontade criando existências libertárias, inven- ta das instituições estatais, procuravam conta-
tando novos costumes, esgotando a si mesmo, giar os leitores com o exemplo de suas próprias
Não tenhais pena, não!... Nesta intermi- levando potências a seus limites. iniciativas. Através de seus jornais e revistas, os
tência Outro aspecto implícito nessas inicia- anarquistas propagavam as ideias libertárias ao
fátua emito só finais fosforescências...
Saudades! Vou morrer – partir, amigos tivas diz respeito a uma concepção relacional mesmo tempo em que as experimentavam na
meus... do poder. Este não se encontra cristalizado no prática. Também apresentavam suas leituras
Estado e em suas instituições especificamen- particulares sobre acontecimentos e assuntos
Vou saber, afinal, o mistério que abisma te repressoras, nem é exercido linearmente a os mais diferentes. A própria iniciativa de con-
os arcados de Deus. Duvido. É um sofisma? partir de um centro contra as margens. Nesta fecção do periódico, constituindo uma forma
Vou ver se existe Deus? – autocrata dos céus...
direção, não há busca pela conquista do Esta- de concretizar a ideia de ação direta, servia
Espártaco. A Obra . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 04. 27.05.1920. Página 01. do e de seus instrumentos. Isso fica evidente como referência para atividades outras.
240 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 241

Alguns artigos tinham o efeito de sacu- que “do último quartel do século XIX até as variedade de impressos, escondem-se associa- gistrou novamente o mesmo auxílio prestado
dir os leitores, não os deixando acomodados duas primeiras décadas do século atual (sé- ção e amizades mais duradouras. La Battaglia por O Combate4. Neste registro, há também
numa posição passiva diante da folha que ti- culo XX), apareceram aproximadamente 343 (1904 a 1913), de São Paulo, teve continui- a indicação de que outro jornal, Il Pasquino
nham à mão. Eram não só convidados, mas títulos de jornais espalhados pelo território dade com La Barricata (1913). Coloniale, oferecera sua gráfica quando do
instados a partilhar com o coletivo editorial brasileiro”1. Há que se considerar também o fato de acidente. No número seguinte, há uma nota
papel ativo na composição, distribuição e di- Integrantes do grupo editorial de Ger- os editores colaborarem também em diferen- tratando da associação com anarquistas do Rio
vulgação do jornal. Os editores solicitavam minal! (1913), por exemplo, atuavam juntos tes grupos, como em outras atividades. Dos de Janeiro, na divisão de tarefas para a conti-
dos leitores suas impressões particulares atra- pelo menos desde meados da década de 1910 grupos, destaco os diversos comitês, como nuação da publicação do jornal5.
vés da apresentação sistemática de matérias ou e continuaram ainda por um bom tempo. La o Comitê de Agitação Contra a Carestia de As colunas de Germinal! registram apro-
contribuindo com a divulgação do periódico Propaganda Libertária (1913-1914), A Rebe- Vida e a Lei de Expulsão, o Comitê de Defesa ximação com outro jornal de São Paulo, La
em sua localidade, resultando numa iniciati- lião (1914), Guerra Sociale (1915-1917), A Proletária, os grupos de teatro, Grupo Liber- Propaganda Libertária; um de Portugal, Auro-
va prática e levando à ampliação do coletivo Obra (1920) e A Plebe (1917-1935) foram tário Os Emancipados, o Centro Libertário, ra; o Centro Libertário, também de São Paulo;
integrante do jornal. periódicos dos quais boa parte desses inte- a Aliança Anarquista, afora os de caráter sin- e a Confederação Operária Brasileira. Por sua
Ainda há outro aspecto importante a grantes participaram. Por sua vez, A Plebe dical. Em relação às atividades, participaram vez, La Propaganda Libertária estampou, em
ser assinalado na reflexão sobre as iniciativas foi a continuação de A Lanterna, que iniciou de diversos congressos operários e anarquistas, suas colunas, balancetes financeiros do Cen-
dos anarquistas, sobretudo em relação aos pe- suas atividades em 19012. O grupo fundador viagens de propaganda, conferências, criação tro Libertário6 e do Germinal!7. A prestação
riódicos: diz respeito à brevidade temporal da de A Plebe entendia que o caráter temático de escolas, além de outras iniciativas, como as de contas do Centro Libertário registra uma
existência desses impressos, ainda mais quando de A Lanterna, tratando apenas de questões citadas nos capítulos iniciais. contribuição de quinhentos mil réis deste
relacionado à intensidade de seu impacto de relativas ao anticlericalismo, era uma limita- Houve colaboração entre Germinal! e centro para a publicação do Germinal!. La
longo alcance. Os estudiosos da matéria sem- ção. Não obstante a fundação de um outro La Barricata na publicação de alguns números. Propaganda Libertária8 anunciou também o
pre destacam somente a breve particularidade, periódico, A Lanterna não foi extinto. Um e Também existiu este tipo de associação entre A fim do Germinal!, indicando na nota que as
retirando dela conclusões apressadas. Eviden- outro foram publicados em fases diferentes. Plebe e O Combate. A associação se deu quan- listas e quantias em dinheiro antes destinadas
ciam uma constatação, deixando de lado ou- É certo ter havido rotatividade e variação nos do do empastelamento da gráfica do primeiro a Germinal! deveriam ser repassadas a La Pro-
tros indícios e detalhes. Com raras exceções, integrantes do grupo editorial. Mas isso não por conta dos movimentos paredistas de se- paganda Libertaria.
os periódicos tinham vida curta, caso levemos anula a existência de uma prolongada associa- tembro de 19173, que resultara numa forte Apenas para relembrar matéria tratada
em conta apenas seus títulos. As dificuldades fi- ção entre alguns dos editores. repressão ao movimento operário com muitos no início do capítulo anterior, Na Barricada
nanceiras e a repressão estatal são apresentadas Com os jornais O Amigo do Povo (1902- trabalhadores mortos, presos, desaparecidos e (1915) começou a ser publicado como um
como causas de seu desaparecimento. Todavia, 1904), Aurora (1905), A Terra Livre (1907- deportados. Edgar Leuenroth, encarregado da pequeno folheto criado por apenas dois anar-
se considerarmos um outro quesito, pode sur- 1910) e A Voz do Trabalhador (1908-1913), direção do jornal à época, foi preso sob acusa- quistas. Depois do Congresso Anarquista Sul-
gir uma conclusão diferente. Quero ressaltar houve o mesmo. A Terra Livre começou a ser ção de ter incentivado saques e depredações. -Americano, naquele mesmo ano, o folheto foi
aqui o caráter de empreendimento eminente- publicado em São Paulo, passando em seguida Com sua prisão, seguida do empastelamento posto à disposição do movimento anarquista
mente coletivo emprestado a jornais e revistas. ao Rio de Janeiro, retornando depois para São do jornal, outros trabalhadores se apressaram, para ser o porta-voz. Dessa maneira, o folheto
Paulo, tendo envolvido diversos trabalhadores ainda em setembro, a publicar o jornal. Nestas
Trata-se de algo possível derivado da 4 A PLEBE. A Plebe. São Paulo, ano 5, n. 118, p. 1, 21
em sua confecção. Um grupo de amigos mais circunstâncias, a circulação de A Plebe aconte-
existência de um círculo de amigos decididos maio 1921.
próximos compôs o coletivo editorial desses ceu graças ao apoio de O Combate.
a revirarem, inicialmente, suas próprias vidas. 5 A PLEBE. São Paulo, ano 5, n. 119, p. 2, 28 maio 1921.
periódicos. Portanto, atrás de uma aparente Esse tipo de associação parece ter sido
Estavam envolvidos com outras atividades an- 6 BALANCETE do Centro Libertário. La Propaganda Li-
tes da existência do periódico e continuaram 1 FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Bra- comum entre jornais. Quando de um acidente bertária. São Paulo, ano 1, n. 5, p. 3, 15 nov. 1913.

associados durante o período de sua publi- sil – 1880-1920. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 89. Esta pesquisa com sua gráfica no ano de 1921, A Plebe re- 7 BALANCETE da administração do Germinal. La Propa-
deixou de fora as décadas de 1920 e 1930, período em que ganda Libertária. São Paulo, ano 1, n. 5, p. 6, 15 nov. 1913.
cação e após seu fim. O número de jornais a imprensa libertária publicou intensamente. 3 Sobre a greve de 1917 em São Paulo, ver: LOPREATO, 8 FELLIPPE, Rodolpho. Aos assignantes e contribuentes do
libertários constitui um dado que não se pode 2 LEUENROTH, Edgar. Ao que vimos – Rumo à Revolu- Christina Roquette. O Espírito da Revolta, a greve geral “Germinal”. La Propaganda Libertaria. São Paulo, ano 1, n.
menosprezar. Maria Nazareh Ferreira afirma ção Social. A Plebe. São Paulo, ano 1, n. 1, p. 1, 09 jun. 1917. anarquista de 1917. São Paulo: Annablume, FAPESP, 2000. 8, p. 2, 02 fev. 1914.
242 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 243

passou a jornal, sendo autogerido por mais de que podem muito bem auxiliar a entender a disfarces, utilizados em sintonia às exigências sarcasticamente bolos, pães e outros produtos
vinte companheiros. aparente brevidade dos jornais anarquistas a da situação. A propósito do uso de um estilo com nomes de blasfêmias. Apesar de muitos
Essa afinidade não traduz identidade partir de seus títulos: conhecimento coletivo, literário marcado pelo humor, há na literatu- destes nomes sobreviverem atualmente, afir-
a determinar as relações, mas antes amizades assinatura grupal, pseudonímia coletiva. ra socialista pouca valorização desse recurso. ma Ferrer, resta muito pouca, ou nenhuma,
voltadas à experiência da alteridade, dispostas Os amigos associados anunciavam e Geralmente os textos socialistas são marcados memória dos antigos significados.
a contágios, riscos e surpresas de uma existência enunciavam intencionalidades, sentidos e por um tom de gravidade, banindo formas Em 1894, na cidade de Recife, um co-
em erupção. A decisão em publicar um pe- significações com a estampa do nome do pe- mais liberadas. merciante chamado Nereu distribuía gratui-
riódico partia da cumplicidade entre amigos, riódico. A cor amarelada e a textura ressecada, Charles Fourier12 fez uso da sátira. Seu tamente um panfleto intitulado O Anarchista.
estabelecendo um dinamismo a desonerar es- denunciando a idade do jornal às mãos do Guia dos cornudos é exemplar primoroso. Com Este panfleto continha pequenos relatos en-
quemas societários monolíticos como aqueles pesquisador contemporâneo, abrigam deba- este guia, Fourier satirizou a instituição fami- volvendo sempre debates em torno do anar-
das agremiações dogmáticas, como partido ou tes, sugestões e impasses através dos quais os liar e a monogamia. Proudhon13 valorizou o quismo, casos de amor, dilemas familiares e
igreja. Estas últimas buscam segurança, sossego, integrantes dos coletivos chegavam a um acor- humor e a ironia como formas de não esgo- encontro de amigos. O hilário é que Nereu,
possibilidade de antecipação, previsão e pereni- do quanto ao nome mais adequado para seus tamento dos debates e do conhecimento. A proprietário do “Bazar Caxias”, por se loca-
dade como existente no mito de origem cristã impressos. Essa dinâmica se estendia ao longo filosofia de Stirner é profundamente irreve- lizar à rua Duque de Caxias, no centro da
– o Jardim do Éden, habitado, a propósito, da feitura do periódico durante sua existência. rente e debochada. Paul Lafargue14 utilizou cidade, demonstrou conhecimento das ideias
nada mais nada menos por Deus, Eva e Adão. A prática comum no uso de pseudô- esses recursos em seus textos a favor do ócio e anarquistas, tecendo um enredo divertido com
Fazem isso condicionando a entrada de novos nimos pelos signatários de diversos artigos tratando o capital como nova religião. Rodolfo estes temas e convergindo todas as estórias
integrantes através de adesão a um programa pode muito bem ser estendida numa aplicação Felipe15, quando prisioneiro em meados da dé- para vendas de rendas, fitas, botões, linhas e
previamente elaborado. Programa este de ca- abrangendo e atravessando as individualida- cada de 1930 em São Paulo, confeccionou jor- demais apetrechos de sua loja.
ráter dogmático, indiscutível e universalista. des integrantes do grupo editorial. Trata-se de nais feitos com lápis grafite em folhas de papel. Lima Barreto utilizou com muita habi-
O que Pierre Lévy9 denominou “inteli- mascaramento e mascaragem, isto é, uso de Os títulos por si só eram hilários: O Xadrez e A lidade tais recursos estilísticos. Para além dos
gência coletiva” possui aproximações com esse máscara e de máscara sobreposta a outra. Acre- Cana. Dispondo estes jornais manufaturados forçados conceitos em “pré” a atazanar a me-
modo indisciplinado de elaboração de saberes dito ter ficado evidente no capítulo anterior o em exemplares únicos, comentava situações e mória de Lima, há em seus escritos uma capo-
vivenciado entre anarquistas. Mouillaud10 pro- dinamismo coletivo dos periódicos analisados. detalhes do cotidiano da prisão de forma di- eiragem17 de quilombola arredio, uma postura
pôs tratar o nome do jornal como uma assina- Do mesmo modo que uma pessoa necessi- vertida e bem-humorada. Cristian Ferrer16 re- de guerreiro selvagem18 diante das situações
tura. Foucault11, ao se referir ao anonimato na ta recorrer a diversos pseudônimos a fim de latou o caso de padeiros argentinos nomeando e das lutas a enfrentar. Essa intencionalidade
autoria, tratou do que chamou “pseudônimo manter seu anonimato, a mudança de nomes 12 FOURIER, Charles. Guia dos cornudos. Florianópolis: toma linhas mais definidas com a designação
coletivo”. Fez menção a um grupo de matemá- nos jornais também resulta no mesmo efeito, Insular, 1996 (Coleção Textos Marginais).
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais.
ticos franceses que, sob pseudônimo coletivo preservando o anonimato dessas associações. 13 A famosa carta em resposta a Marx registra a valoriza- São Paulo, n. 3, abr. 2003. p. 137-160.
de Nicolas Bourbaki, procurou refundar a ma- Com as táticas de disfarce num ambiente so- ção do humor por Proudhon. Parte desta carta contendo o
17 Sobre capoeira, ver: FRIGERIO, Alejandro. Capoei-
tema em questão encontra-se na introdução de: PASSETTI,
temática. Essas três perspectivas evidenciam cial violento e repressor, as pessoas e as ideias ra: de arte negra a esporte branco. In: Revista Brasileira de
Edson; RESENDE, Paulo-Edgar A. (Orgs.). Proudhon. São
com muita propriedade aspectos analíticos transitavam com maior liberdade, obnubilan- Paulo: Ática, 1986 (Coleção Grandes Cientistas Sociais). O
Ciências Sociais – Publicação quadrimestral da ANPOCS.
São Paulo, n. 10, v. 4: Vértice: ANPOCS, jun. 1989. p. 85-
9 LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Tradução de Luiz do a percepção dos governantes. Tratava-se leitor poderá ler a carta na íntegra na introdução de: PROU-
98. Sobre capoeira e anarquismo, ver: FREIRE, Roberto;
Paulo Rouanet. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000. de uma tática de camuflagem e dissimulação DHON, Pierre-Joseph. Sistema das contradições econômicas
MATA, João da. Soma, uma terapia anarquista – Corpo a
ou filosofia da miséria. Tradução, introdução e notas de José
10 MOUILLAUD, Maurice. O nome do jornal. In: PORTO, utilizada pelos mais enfraquecidos quando de corpo – A síntese da Soma. v. 3. Rio de Janeiro: Guanabara
Carlos Orsi Morel. São Paulo: Ícone, 2003.
Sérgio Dayrell (Org.). O Jornal: da forma ao sentido. Tradu- relações de poder desiguais. Koogan, 1993. MATA, João da. A liberdade do corpo: soma,
ção de Sérgio Grossi Porto. Brasília: Editora Universidade de 14 LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. A religião do capoeira angola e anarquismo. São Paulo: Imaginário, Rio de
Brasília, 2002. 2. ed. p. 85-98 (Coleção Comunicação 2). . Lima Barreto foi exímio praticante des- capital. 3. ed. ampliada. São Paulo: Kairós, 1983. Janeiro: Soma, 2001.
11 FOUCAULT, Michel. Arqueologia das ciências e história ses expedientes, fazendo uso bem particular 15 Ver prontuário individual de Rodolfo Felipe, nº 400, na 18 Bastante ilustrativo da preparação e do modo de vida
dos sistemas de pensamento. Organização e seleção de textos desses procedimentos de camuflagem. A sá- seção DOPS do Arquivo Público do Estado de São Paulo. de um guerreiro selvagem é a autobiografia do apache Ge-
de Manoel Barros da Motta. Tradução de Elisa Monteiro. tira, a ironia e o deboche em seus escritos, 16 FERRER, Cristian. Gastronomia e anarquismo – ves- rônimo. TURNER III, Frederick W. (Introdução e notas).
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 74. (Ditos tígios de viagens à Patagônia trapeiro. In: VERVE – Revista Gerônimo, uma autobiografia. Tradução de Paulo Henriques
por exemplo, funcionavam como excelentes
e Escritos II). Semestral do NU-SOL – Núcleo de Sociabilidade Libertária/ Britto. Porto Alegre: L&PM, 1986.
244 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 245

que deu à sua moradia: divertidamente ele a contrariamente à utopia, é um lugar real, um anarquistas. Para estes, a autora procedeu a Se, de um lado, a leitura inicia a partir
denominou “Vila Quilombo”19, como uma espaço concreto de vivência da utopia. O qui- um engano ao nomear seu livro com um título de algo como que uma “isca” posta de forma
forma de “enfezar Copacabana”. lombo é heterotopia (TAZ). Quando captura- considerado de mau gosto. A autora já gozava intencional, de outro lado, o leitor crédulo
Lima Barreto levou para a literatura o dos pelas forças da ordem, o castigo era certo de grande prestígio no movimento operário não sai dela ileso. Isso porque a autora instau-
dinamismo de luta do capoeira quilombola, e medonho: morte ou tortura em ferros e no no Brasil e em países como México, Chile, ra naquelas páginas um campo em ebulição
sintetizada naquilo que a linguagem bando- tronco. Os fugitivos sabiam da precariedade Argentina, Espanha e França, entre outros. com quebra de dogmas e busca de uma espi-
leira dos capoeiras afirma ser “mandinga de desses territórios, preferindo antes correr os Suas produções eram esperadas com ansiedade ritualidade sem catecismo ou mandamentos.
negro”: camuflagem, dissimulação, teatrali- riscos a viver sob o jugo da escravidão. e recebidas com euforia pelos leitores. Ela tratou, neste livro, de uma espiritualidade
zação, mangação, divertimento como defesa Para conquistar a liberdade, muitas lu- Gostaria de evidenciar algumas in- anticlerical, ausente dos profissionais da fé,
incubando ataques. Como bem diz parte da tas eram necessárias. Sabiam estar a vitória tencionalidades sugeridas por esse evento. de igrejas e suas estruturas hierarquizadas, na
letra de uma das cantigas dos capoeiras: “Ca- condicionada, grosso modo, à preparação das Iniciando pelos temas abordados, o livro linha do pensamento e da prática espiritualista
poeira é defesa/ataque, é ginga de corpo, é próprias forças, ao aperfeiçoamento de suas manifesta uma perspectiva anárquica, como de Tolstoi, Krishinamurti e Gandhi.
malandragem”. Sua literatura é uma literatura capacidades e ao conhecimento do adversário. o conjunto de suas obras desde o início dos Alguns títulos de outros livros expres-
mandingueira, e Lima Barreto foi um capoei- A capoeira, arte misturando luta, brinquedo e anos 1920, momento em que se aproximou sam muito bem esse movimento subversivo
ra de uma forma bastante peculiar, diluindo dança, pode ser praticada diante dos olhos dos do movimento operário e do anarquista, em instalado na intencionalidade da autora. Por
vida, literatura e estratégias de combates. Em senhores exatamente por essa versatilidade. particular. A mulher, a escola, a criança, o exemplo, em A Mulher é uma Degenerada, há
sua perspectiva, literatura era um desses cam- O capoeira tem de ser artista e esteta. Dessa operário, diante de uma sociabilidade de do- uma exposição, seguida de problematização e
pos de batalha. maneira, “mandinga de negro” é dramatiza- minação e de exploração, continuavam em recusa, de ideias racistas e sexistas. Trata de um
Lima Barreto era profundo conhecedor ção e dissimulação como forma de distrair o discussão. A igreja com seus dogmas, como assunto debatido em seu tempo relacionado a
das manhas e dos artifícios dos negros escra- opositor mais forte, tal qual o guerrilheiro de toda forma de espiritualidade hierarquizante um discurso dito científico, definindo a mu-
vos em suas lutas contra um sistema de maior Sun-Tzu21. A mandinga consiste numa busca e todo pensamento fechado sobre si mesmo, lher como fator de degenerescência da espécie
força. Sequestrados de suas terras, postos a de encaixar, na ocasião apropriada, um gol- constituía alvo seletivo de sua escrita indoma- humana. Aqui a autora refutou um livro publi-
ferros, proibidos de falar sua língua, de vi- pe certeiro, uma navalhada, uma facada, um da e visceral. cado em Portugal por Manuel Bombarda, um
venciar suas crenças, explorados, violentados, rasgo com lâmina “gilete”, no policial, capa- A palavra “religião” da maneira por ela psiquiatra carioca, em que ele argumentava,
torturados, os negros fugiam para a floresta taz, feitor ou em qualquer outro adversário, utilizada funcionava antes como vetor anti- baseado nas ideias lombrosianas, a respeito de
e criavam novos territórios em que podiam quando de sua primeira distração. dogma do que preso a um sentido essencia- ser a mulher elemento de enfraquecimento da
tomar conta de suas próprias vidas. Os riscos Procedimentos dessa natureza também lista. Evidentemente ela conhecia o sentido espécie humana, inferior ao homem em todas
nestes empreendimentos eram altos. Os qui- foram executados por outros anarquistas. usual da palavra, fazendo pouco caso desta as dimensões. O autor, em certa altura de seu
lombos podiam ser descobertos e invadidos a Em diversas ocasiões, fizeram uso de táticas acepção. A cristalização das palavras as tor- texto, expressou incisivamente suas ideias com
qualquer momento. de guerrilhas para driblar os olhos atentos na estorvo, causa de tropeços, dificultando as palavras: “A mulher é uma degenerada”.
Acredito que a esses espaços se aplica do poder discricionário. Esses estratagemas a caminhada de quem procura estancar sua Maria Lacerda de Moura tomou-lhe
muito bem o que Foucault designou “hetero- tinham outros efeitos, além de enganar os fluidez. Parece-me que Maria Lacerda de emprestado esse axioma, que possuía uma
topia”, a instauração efetiva de espaços de li- órgãos de repressão. Vejamos como exemplo Moura, nesse episódio, conseguiu arruinar inquestionável ressonância na sociedade bra-
berdade, e que Hakim Bey20 denominou “zona o título de um dos livros de Maria Lacerda o uso convencional quando se apropriou da sileira de seu tempo, e, acrescentando-lhe
autônoma temporária” (TAZ). A heterotopia, de Moura, Religião do Amor e da Beleza22. palavra de uma forma pessoal, desonerando a aspas, nomeou seu livro. Fez isso não sem
Este título causou um certo mal-estar a alguns percepção comum quanto à ideia de religião. uma intencionalidade de subversão dos con-
19 LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Bailes e di-
Imagino que o efeito sobre o crédulo, que po- vencionalismos e de contraposição às ideias e
vertimentos suburbanos. In: ______. 1881-1922. Toda Crô- 21 SUN-TZU. A arte da guerra. Tradução do original chi-
nica: Lima Barreto. v. II (1919-1922). Apresentação e notas nês para o inglês por Samuel B. Griffith; tradução de Gilson deria tomar o livro a partir da indicação posta aos preconceitos socialmente estabelecidos.
de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Cézar Cardoso de Sousa, Klauss Brandini Gerhardt. Rio de no título, por sinal sedutora e simpática a este Esses valores sexistas de caráter racista foram
Janeiro: Agir, 2004. p. 499-504. Janeiro: Paz e Terra, 1996. (Coleção Cultura). leitor, fosse um tanto avassalador. sistematicamente expressos por Manuel Bom-
20 BEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. São Pau- 22 MOURA, Maria Lacerda de. Religião do amor e da barda, que os adornou com ares de ciência.
lo: Conrad Editora do Brasil, 2004. beleza. São Paulo: Typographia Condor, 1926.
Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 247

PRAZO ACEITÁVEL No livro de Maria Lacerda de Moura, possibilidades, tendo como contrapartida o
há uma das mais vigorosas críticas ao positi- recebimento do número de folhetos relativos
vismo como também às ideias racistas e mi- à contribuição. É este o texto a que tive acesso.
Por estrada soturna, certa vez, sóginas expressas pelo referido psiquiatra. O Pois bem, como o próprio título indica,
Mui pachorrentamente, título do livro engendra uma estratégia de cap- trata-se de um escrito elaborado num estilo
Ruminando o jantar farto e excelente, tura por similaridade em que pessoas afetadas bíblico. Disposto em capítulos e versículos,
Passeava o rico de um burguês. por sentimentos e pensamentos, da ordem do tal qual os livros da Bíblia. Sua linguagem é
expresso por Bombarda, se expõem ao risco toda em tom profético. Os diálogos e as situ-
A horas tantas, de súbito, um ladrão,
de terem suas certezas abaladas, se não, pelo ações remetem à forma das escrituras sagradas
Pondo o arcabuz à cara, em tom grosseiro,
Pede-lhe a bolsa do dinheiro. menos questionadas, ao se depararem com um dos cristãos. O autor usou uma linguagem
Cheio de indignação pensamento problematizador. poética e metafórica a fim de ilustrar diversas
Ia o burguês recriminar Algum leitor enredado pelas certezas ra- colocações que faz. Lançou mão de parábolas
Aquela irreverência. cistas e misóginas poderia evitar a leitura de li- para ilustrar suas sentenças, recurso este muito
Mas notou o arcabuz e, com prudência, vros como esses caso o título manifestasse uma usado nos evangelhos de Jesus.
Achou melhor calar posição abertamente contrária aos convencio- Paul Berthelot, da mesma forma que
E passar logo o cobre... nalismos. Por sua vez, um leitor habituado à o referido livro de Maria Lacerda de Moura,
O ladrão, entretanto, leitura como ao exercício de problematização utilizou referenciais literários e toda uma cons-
Era um ladrão correto e nobre. de conceitos, ideias e vidas, adquire o livro que trução imagética própria ao universo simbó-
Que errara a vocação. lhe é simpático como aquele que lhe coloca lico espiritualista, ao mesmo tempo em que
Podia ser um santo, ideias contrárias. Daí se depreende também o fez vazando com postulados dogmáticos e
Em vez de ser ladrão; resultar este procedimento numa estratégia de autoritários do cristianismo. Abordou as di-
Pois o patife apenas retirou, captura de leitores que não se dedicariam a lei- versas dimensões da sociabilidade humana,
Da carteira roubada, turas questionadoras das certezas estabelecidas. desonerando os rígidos esquemas dogmáticos,
Uma parte, e a outra parte, avolumada,
Paul Berthelot elaborou um escrito na totalitários e universalistas. O autor enfocou,
Ao burguês entregou!
mesma vibração do primeiro livro acima refe- numa perspectiva anárquica, diversos assuntos
Este, porém, à falta de um gendarme, rido de Maria Lacerda de Moura. Intitulado da questão social: a prática de alguma espiritu-
Para recompensar a gentileza O Evangelho da hora, o texto se beneficiou de alidade, a propriedade privada, a educação, o
Do “colega”, lhe disse com rudeza: três edições: uma em 1911, outra em 1918 e militarismo e as guerras, as leis e o Estado, as
- “No juízo final hás de pagar-me uma terceira em 1951. A primeira e a terceira relações amorosas, a ciência e o conhecimento,
Estes cobres que levas e são meus, por editoras de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre outros temas. O título e o estilo literário
Com os juros bem contados respectivamente. A segunda por uma editora do escrito, ao mesmo tempo em que são fami-
E capitalizados portuguesa. No ano de 1916, os editores do liares ao crédulo, colocam à disposição deste
Pelo usurário que se chama Deus!” jornal anticlerical A Lanterna23 publicaram uma perspectiva contraposta ao usual sentido
Irônico, responde então o honesto todo o texto em suas colunas, anunciando de espiritualidade.
Bandoleiro: - “A tal me obrigo. neste mesmo número o planejamento de uma Outro acontecimento da ordem da ins-
Se um prazo longo assim me dás, amigo, edição de cinco mil exemplares em folheto. tauração de um dinamismo antropofágico,
Passa pra cá o resto...” Solicitavam, para tanto, o auxílio dos leito- nômade, indisciplinar, pode ser observado na
res. Propuseram aos interessados a colabo- capa do primeiro livro de Florentino de Car-
E assim, dessa maneira, ração com a quantia que estivesse nas suas valho, intitulado Da escravidão à liberdade24.
Levou toda carteira...
23 BERTHELOT, Paul. O evangelho da hora. A Lanterna. 24 Florentino de Carvalho escreveu oito livros, dos quais
Raimundo Reis. A Obra . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 11. 15.08.1920. Página 09.
Rio de Janeiro, ano 15, n. 289, p. 1-2, 01 maio 1916. adquiri fotocópias apenas dos dois primeiros. CARVALHO,
248 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 249

Antes de detalhar esse aspecto, gostaria de re- relatórios25 escritos por zelosos mantedores da Assim, arrematou as estatísticas e in- que tinham de lidar com a situação de supe-
gistrar como se deu minha percepção. Quando ordem vigente, agentes policiais do serviço de formações em relação a cidades como Nova rexploração em fábricas, fazendas e oficinas
recebi de Jaime Cubero os exemplares fotoco- espionagem, se referiam a esse livro como sendo York, Berlim, Londres, Paris, Rio de Janeiro, com uma intensa repressão levada a efeito tan-
piados dos dois primeiros livros de Florentino um “livro incendiário”, escrito por um “anar- entre outras. O leitor, ao prosseguir a leitura, to por milícias particulares do patronato como
de Carvalho, apressei-me a lê-los com o intui- quista dinamiteiro”, um “anarquista perigoso”. pode ser afetado pelas intencionalidades do pelo braço armado do Estado. Uma situação
to de utilizá-los na dissertação de mestrado. Comecei a entender ter sido este recur- autor, as quais vão tomando formas cada vez desta natureza está registrada num relatório
Como tinha colhido material abundante, foi so às cores da Bandeira Nacional uma apro- mais contundentes à proporção que a leitura escrito por Domingos Ribeiro Filho quando
impossível analisá-los com o detalhamento que priação pessoal de elementos convencionais, prossegue. O contágio provém dos riscos e do fracasso do levante anarquista no Rio de
eu desejava fazer. Li, reli e voltei outras vezes produzindo múltiplos efeitos, os quais são tan- das possibilidades de realizações que o dina- Janeiro, em novembro de 191826.
aos livros. No entanto, não tive como ver as to da ordem da estratégia de defesa como da mismo das relações estabelecidas durante a O inusitado colocou Ribeiro Filho
capas dos dois livros, pois na cópia recebida, sedução e captura. Uma atualização da tática existência de cada um abre, tal qual portas, numa situação desconfortável ao ter que con-
elas não se encontravam. Mesmo que Jaime mandingueira de defesa/ataque. Da ordem da janelas, brechas, rachões e buracos em muros siderar a possibilidade de fazer aliança com o
Cubero tivesse fotocopiado a capa do primeiro estratégia: a disposição das cores servia não só ou paredes; tal qual edificações, as situações da General Müller à época das eleições presiden-
livro, de nada adiantaria, pois são as cores da para preservar a integridade física de algum vida podem ser percebidas enquanto limites ciais daquele ano. Como anarquista, sabia que
capa as causas de meu espanto inicial. leitor que, de posse do livro, passasse próximo procurando internar, sob desculpa de proteção a situação era extravagante e sem propósito.
Alguns anos depois, quando recebi uma de “secretas” policiais; mas também para mais contra intempéries da natureza ou ameaças de Ao mesmo tempo, sabia que, ao ter sido pro-
animais ou mesmo pessoas, cada qual num
cópia digitalizada do primeiro livro, assustei- facilmente conduzi-lo através das fronteiras curado por um representante do general, teria
restrito campo de possibilidades e realizações.
-me ao reparar que a capa possuía como fun- policiadas, podendo o livro circular mais li- de traçar uma estratégia para aquela situação
Portas e janelas constituem negações das pa-
do, sobre o qual se achava a figura de um tra- vremente. Da ordem da sedução: algum in- de modo a não comprometer a integridade
redes ou dos muros, ainda que propositada-
balhador ao lado do globo terrestre, as cores divíduo enredado num ufanismo nacionalista dos companheiros aprisionados. Se recusas-
mente elaborados numa certa harmonia com
verde e amarela da Bandeira Nacional brasilei- poderia iniciar a leitura a partir da percepção se conversar, havia o risco de retaliações aos
estas construções.
ra. Estranhei muito esta apresentação da capa, das cores nacionais na capa do livro. Estou anarquistas presos e aos demais.
pois de forma alguma poderia ser casual ou curioso quanto à capa de sua segunda obra. A harmonia se coloca exatamente no
Sabia também que não poderia se passar
de menor importância este “detalhe”. Sabia ponto em que as negações dos obstáculos
Tomando o livro nas mãos em alguma como “chefe” dos anarquistas. Como o gene-
que não se tratava de um acessório, de algum favorecem um controle maior em torno do
estante de livraria, agrada-lhe a capa pelas co- ral confundia anarquistas com maximalistas,
engano ou de uma desatenção por parte do fluxo de entradas e saídas da área coberta pelas
res de apresentação. Cores estas sintonizadas ou maximistas, russos, Ribeiro Filho decidiu
autor ou dos gráficos. Havia uma intenciona- paredes ou pelos muros, ou ainda por muros e
a aspectos particulares de sua subjetividade tirar proveito desta confusão, sem esclarecê-lo
lidade de que, num primeiro momento, não paredes. Rachões, buracos e brechas, de outra
nacionalista. Com o livro nas mãos, inicia-se quanto aos detalhes das diferenças entre uns
me dei conta. maneira, indicam deterioração de paredes e/
sua leitura facilmente porque, no começo, a e outros, levando até o limite esta situação.
ou muros, devido ou à ação intencional com
Na verdade, como qualquer apátrida, obra apresenta um panorama geral da socie- Mesmo porque ainda era confuso até para os
fins de arruinar, desonerar ou destruir o cam-
odiei muito este “detalhe” da capa. Mas co- dade e da situação do trabalhador do campo, po fronteiriço estabelecido; ou a um desgaste anarquistas os acontecimentos da Rússia. Es-
nhecendo o livro como conhecia, era evidente da cidade, do escritório, do navio a partir por conta da idade da construção, descuido perava que as expectativas do general caíssem
para mim não se tratar de chauvinismo ou de de dados estatísticos, apresentando também com a sua conservação ou abandono. esgotadas por si, sem que os companheiros
algum acidente. Fiquei um tanto apreensivo informações gerais acerca da mortalidade in- presos sofressem maiores represálias, nem os
Os periódicos analisados favorecem um
porque não entendia do que se tratava. Nada fantil em várias cidades do mundo. Tratou o anarquistas que haviam escapado à prisão se
estudo acerca das situações com as quais os
me ocorria que pudesse justificar aquela capa de autor dos grandes centros mundiais, fez expo- vissem atrelados e enredados nas armadilhas
anarquistas, por vezes, se deparavam. Situa-
apelo claramente nacionalista. Por sua vez, os sição de dados quanto a cidades integrantes da política. Vejamos um trecho de seu longo
ções a desafiá-los com definição de estratégias
do imaginário social e agrupamentos urbanos relatório escrito em fevereiro de 1919.
Florentino de. Da Escravidão à Liberdade: a derrocada bur- adequadas. Isso, muitas vezes, com o impe-
guesa e o advento da igualdade social. Porto Alegre: Renas- familiares.
rativo de uma necessária agilidade, rapidez e
cença, 1927. CARVALHO, Florentino. A Guerra Civil de 26 Um estudo sobre este levante foi realizado por Carlos
1932 em São Paulo: solução imediata dos grandes problemas 25 Ver prontuário individual de Florentino de Carvalho, nº
habilidade por conta dos riscos implícitos. O Addor. ADDOR, Carlos. A insurreição anarquista no Rio de
sociais. São Paulo: Editorial Ariel, 1932. 144, no DEOPS do Arquivo Público do Estado de São Paulo. ambiente era de hostilidade aos anarquistas, Janeiro. 2. edição rev. atual. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002.
250 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 251

O Sr. Lauro Müller é o político mais astuto Esse programa devia ser formulado de modo a tando na projeção de particularidades com para uma análise de seus pensamentos. Apenas
deste país. É quase certo que ele não se sentin- ser de pronto inaceitável. Não aceito, nos dei- aproximações e distanciamentos. quero assinalar não existirem purismos nessas
do com força eleitoral bastante para triunfar xaria nas posições anteriores e ficaria justificada
recorra à agitação. É provável que ele consiga a impraticabilidade de nossos compromissos; O episódio envolvendo Lima Barreto polifonias. As vozes, mesmo distintas umas da
simpatias no proletariado adotando vários pon- aceito, seria a aurora da revolução, e essa revolu- e Antonio Noronha dos Santos, relativo ao outras, estão contagiadas, contagiam e enun-
tos do programa das reivindicações da classe. ção não era feita por nós, mas pelo governo. O debate em torno do “cinematographo”, é em- ciam formas de existências.
É natural que ele exiba sentimentos de justiça absurdo fora de ordem a assombrar o Universo.
para com os grupos extremistas, porque isto Redigi pois o seguinte programa:27 blemático dessa situação. O diferencial entre Proponho, por um momento, também
aumenta o seu prestígio liberalista. É evidente os dois anarquistas os aproxima de posiciona- considerar as designações que os próprios au-
que ele não cumprirá nenhum programa ma- mentos opostos quando se pensa em moder- tores se deram a fim de verificar seus limites
ximalista, porque, na presidência, lhe é defeso O sentido nomádico e indisciplinar dos
nidade e seus críticos. No caso de Lima, ele se e até que ponto elas favorecem um enten-
tomar iniciativas legais que são atribuições do jornais e revistas anarquistas tem relação com
Congresso e este tem mil meios protelatórios aproxima de posicionamentos dos neo-ludditas dimento de seus pensamentos. Lima Barre-
o desrespeito às fronteiras imaginárias que se-
de esmagar as questões sociais. contemporâneos, críticos da sociedade indus- to afirmou sua condição de individualista,
param povos, saberes, vida e conhecimento.
Entretanto ele estende a mão aos anarquistas. trial. E Lima, em sua própria época, não está ao mesmo tempo em que assinalou “o ideal
Esse gesto é de duplo efeito: ameaça com os Há posto em atividade nestes impressos um
só nessa perspectiva existencial. Florentino de coletivo que é espontaneamente o nosso”29,
anarquistas as classes conservadoras que apoia- constante desconhecimento das divisões con-
Carvalho, Maria Lacerda de Moura, Francisco fazendo analogia ao modo de vida estaduni-
ram Rui e fica desde já senhor de inimigos vencionais por inconvenientes. No caso dos
que amanhã eliminará se perturbarem o seu Viotti, Gigi Damiani, Adelino de Pinho, João dense extremamente individualista. Além do
jornais e revistas analisados e aludidos, bem
governo: e esse inimigo teve a ingenuidade e a Penteado, Friedrich Kniestedt, Paul Berthelot mais, o ideário comunista de Kropotkin fez
fraqueza de se entregar a ele. Mais ainda, con- como no que se refere aos livros e folhetos pu-
e Giovanni Rossi compuseram uma sonorida- ressonância em seus escritos, particularmente
vidando os anarquistas à transigência, ele toma blicados, há um desconhecimento desse tipo
uma ascendência moral incontestável sobre nós.
de antimoderna no anarquismo. Adelino de no que se refere à ênfase na solidariedade, e
de seccionamento.
O seu apelo aos maximalistas é uma incitação Pinho28, empolgado com os acontecimentos não na competição e luta, enquanto móvel
tácita à revolta e essa revolta pode aproveitar- Trata-se simultaneamente de indisci- de 1917, na Rússia, e seus desdobramentos primordial na sociabilidade humana.
-lhe como pode ser repudiada por ele se a sua plina, iconoclastia e nomadismo. O universo pela Europa, apresentou uma proposta de
candidatura fracassar. Ele nada tem a perder e
Neno Vasco definiu o anarquismo como
da disciplina, em suas duas acepções, é re- novo calendário. Sua ideia era de que o calen-
tem muito a ganhar; ao contrário de nós. sindicalista desde sua origem, situando seu
cusado. Negação da hierarquia por traduzir dário cristão deveria ser deixado de lado como
Mas eu devo muito à Anarquia, devo-lhe uma pensamento dentro do sindicalismo revolucio-
exatamente o domínio do sagrado como tam- parte da sociedade que findava, marcando o
prova de coragem e de coerência. Que luta posso nário. Porém, quando de sua carta a Elysio de
eu empreender para o triunfo das minhas idéias? bém trânsito livre entre os diferentes campos início do que denominou uma “nova era”. Carvalho, como visto mais atrás, afirmou, um
A oportunidade é contra os princípios mas a de conhecimento. Abolição da ruptura entre
favor dos fatos. É indubitável que tenho de ser Por sua vez, Neno Vasco, Edgar Leuen- tanto incomodado com classificações, poder
vida e conhecimento, já que a instauração de
sacrificado: mais hoje, mais amanhã, a minha roth, José Oiticica, Elysio de Carvalho, Orlan- muito bem ser visto como um individualista
queda é certa: já estou enredado nas mãos do
associações de amigos favorece a criação de
do Correia Lopes vibraram num dinamismo stirneriano. Edgar Leuenroth concebia o anar-
inimigo. Ele deseja que nós afiemos as garras novos costumes. Há também, operando nestas
que acredito majoritário tanto no movimento quismo da mesma maneira que Neno Vasco.
com que amanhã nos devorará. A nossa neutra- sociabilidades, uma apropriação antropofágica
lidade importa em que ele justifique as futuras operário como no anarquista, mais próximo Maria Lacerda de Moura sustentou repetidas
das diferentes áreas de saberes. Neste processo,
medidas de rigor contra nós. Ora, eu sei disso e de referenciais modernos. Fizeram apologia vezes sua condição de individualista, ao mes-
não devo comprometer ninguém. Não me arris-
polifonias e polissemias são instaladas, resul-
ao industrialismo, dando primazia à razão na mo tempo em que assinalou a ascendência,
car é quase impedir que os outros se arrisquem
vida social humana e procurando codificar, entre outros, de Tolstoi, Ghandi e Kropotkin
a ganhar a partida. Arriscar-me é talvez arrastar 27 Domingos Ribeiro Filho trabalhava, do mesmo modo
os outros a um sacrifício. Do inimigo é bem normalizar o conjunto da vida social. Ainda em seu pensamento. José Oiticica definia seu
que Lima Barreto, como amanuense na Secretaria de Guerra
difícil escapar. Assim sendo é preciso transigir no Rio de Janeiro, então capital federal. Essa situação não era mais, diferentemente do segundo grupo, o comunismo libertário em termos de munici-
com o tigre e, se possível, enjaulá-lo. O tigre já confortável nem para Lima nem para Domingos, como po- primeiro me parece não ser afeiçoado a uni- palismo e não do comunalismo, como se dava
fez idênticas considerações e prepara as grades demos concluir com os enunciados apresentados no relatório
de nossa jaula. Não importa: arrisquemos.
versalizar suas concepções propositivas. Por com boa parte dos anarcocomunistas.
por ele redigido em que se coloca como já preso nas garras
Com estas e outras práticas de consciência en-
isso, acredito ser este um critério interessante
do inimigo. Para ler o relatório na íntegra, ver: RIBEIRO
carei o problema e pensei no que deveria apre- FILHO, Domingos. Entendimentos de Lauro Müller com 29 BARRETO, Lima. O nosso “ianquismo”. In: ______.
sentar o futuro vencedor que lhe parecesse o Anarquistas. In: BANDEIRA, Moniz. O Ano Vermelho: a 28 PINHO, Adelino de. Uma nova era – Necessidade de Um longo sonho do futuro – Diários, cartas, entrevistas e
compêndio de uma série de questões estudadas revolução russa e seus reflexos no Brasil. São Paulo: Brasilien- novo calendario. A Plebe. São Paulo, ano 3, n. 21, p. 2, 12 confissões dispersas. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993.
pelos nossos conciliábulos e estudos. se, 1980. p. 339-356. jun. 1919. p. 378-382.
252 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 253

Friedrich Kniestedt afirmou sua con- apresentada ao longo de seu livro único: uma Selvageria, de modo diferente, sugere Onde o mestre se transforma em companhei-
dição de tolstoiano ao mesmo tempo em que segunda edição do modo de vida teológico impulsos, riscos, intensidades, atitudes con- ro de trabalho e reconhece que o Saber deve
tornar-se Vontade? Onde está a instituição que
contribuiu com a organização do movimento salvacionista, universalista e totalitário da Ida- vulsivas, excessos, desconcertos. Vislumbro, se propõe por objetivo liberar o homem e não
sindical no Rio Grande do Sul. Seu tolstoia- de Média. Modernidade, portanto, instaura nesses territórios, pés de caminhantes nôma- se limitar a cultivá-lo. Pois bem, ainda são pou-
nismo não menosprezava o pensamento de centralidades universais, absolutas, normaliza- des, sendo mais adequado com atividades cos esses lugares, infelizmente! Mas se perceberá
Stirner, Kropotkin e Bakunin, entre outros, ção e modelos. O antropocentrismo, com suas do egoísta e expansão do campo vivencial do cada vez mais que a mais elevada missão do ho-
mem não é cultivar-se, civilizar-se, mas tender
como registrou em suas memórias. Florenti- variações em sociocentrismo e egocentrismo, único stirneriano. Stirner elaborou a filosofia a seu próprio desenvolvimento. [...]
no de Carvalho, um anarcocomunista, evi- apenas transfere de um campo para outro a do egoísta ao lado da noção de único. O ego- A vida prática! Com isso se crê ter dito tudo,
denciou a ascendência de Stirner, Proudhon, medieval centralidade divina, o teocentrismo. ísta, diante da existência, instaura uma relação mas os próprios animais levam uma existên-
Bakunin, Tolstoi, Ibsen, entre outros, em sua A idolatria a Deus foi substituída pela baseada numa constante apropriação daquilo cia essencialmente prática: tão logo a mãe lhes
formação intelectual. Dizendo-se simplesmen- que desperta seu interesse. O dinamismo de desmamou, os filhotes buscam à vontade seu
antropolatria. Feuerbach e Comte deram for- alimento nos campos e nos bosques, ou então
te anarquista, recusava os adjetivos, rejeitan- mas mais acabadas a este culto. A sociolatria e apropriação pode ser percebido como relação são atrelados para um trabalho. Scheitlin, um
do o comunalismo kropotkiniano. Acredito a egolatria atualizam a antropolatria em con- antropofágica, e Stirner recorre por vezes à especialista dos hábitos dos animais, levaria
ter exposto o suficiente para perceber essas formidade com uma ou outra escola filosófica antropofagia para melhor ilustrar suas ideias. ainda mais longe a comparação, até o campo
autodesignações, se não como insatisfatórias, da religião, assim como se pode ver em sua
e sociológica. A primazia da razão científica Num de seus opúsculos, Stirner relacio- Psicologia dos animais, obra muito instrutiva,
ao menos como de alcance bastante limitado, para o entendimento da sociabilidade humana nou vida escolar a mecanismo civilizador. Em precisamente porque estabelece um laço entre o
pois não dão conta de questões que confun- como o processo de burocratização da vida sua perspectiva analítica, a educação instaura homem civilizado e o animal e entre o animal e o
dem ou escapam às classificações. social, por exemplo, é efeito do governo do sa- procedimentos de domesticação das pessoas. homem civilizado. Essa preocupação de prepa-
rar à vida prática só forma homens de princípios
Evidentemente os integrantes dos dois grado, da hierarquia (hierós = sagrado, divino e Criticando realistas e humanistas, Stirner re- que agem e pensam segundo máximas, mas não
grupos se encontram no campo do anarquis- arché = comando, governo). É assim que Stirner cusou o “escola para todos” dos primeiros e homens tendo seus princípios, ela forma espíritos
mo. Entretanto entendo que isso também não denominou os materialistas, como Feuerbach o ensino enciclopédico dos segundos. Num respeitosos das leis e não espíritos livres. [...]
é suficiente para uma melhor compreensão de e os irmãos Bauer, de devotos; os modernos, caso, está em evidência a formação de “ho- A miséria de nossa educação até os nossos dias
seus pensamentos. Mesmo que tomando as de cristãos; e o Estado, de igreja. Para ele, “as mens práticos”. Noutro a formação de ho- reside em grande parte no fato de que o Saber
suas próprias palavras como referencial analí- mais recentes invectivas contra Deus mais não mens cultos. Recusou ainda uma proposta de não se sublimou para tornar-se Vontade, realiza-
ção de si, prática pura. Os realistas sentiram essa
tico, persiste a insuficiência porque todas va- são do que o estrebuchar da ‘sapiência divina’, conciliação entre as duas perspectivas. Por sua necessidade e preencheram-na, mediocremen-
zam com as classificações. Existem colocações ou seja, insurreições teológicas”30. vez, uma educação personalista, ausente de te por sinal, formando “homens práticos” sem
diretas e indiretas anuviando as classificações Sobre a segunda, “condição selvagem”, autoridade e centralidade, diluindo escola e idéias e sem liberdade. A maioria dos futuros
fáceis. Contudo, acredito que cotejá-las em vida, em que pensamento e vontade fossem mestres é o exemplo vivo dessa triste orientação.
usualmente é entendida como carência de Cortaram-lhes magnificamente as asas: agora é
relação ao universalismo e à centralidade pró- pendores de civilidade, falta de regras para livres, é, grosso modo, a proposta stirneriana. a sua vez de cortar as dos outros! Foram ades-
prios a um projeto de modernidade favorece, a convivialidade, ausência caracterizando os trados, é sua vez de adestrar! Todavia, a educa-
até certo ponto, outras perspectivas analíticas, significados atribuídos à palavra “selvagem”. A escola não forma homens tão profundamen- ção deve ser pessoal, mestre do Saber e guardar
propiciando o traçado de certos contornos de te verdadeiros; se, contudo, há alguns deles, é constantemente no espírito esse caráter essencial
Modernidade ou civilização, pelo contrário, do Saber: não ser em nenhum caso objeto de
seus pensamentos no que diz respeito a algu- certamente malgrado a escola. [...]
toma às vezes sua imagem refletida e invertida. posse, mas ser o próprio Eu. Numa palavra, não
mas particularidades. Possui assim relação direta com a noção de Adquirimos o hábito, em nossa infância, de se deve inculcar o Saber mas conduzir o indiví-
resignarmo-nos a tudo o que nos era imposto: duo a seu pleno desenvolvimento; a pedagogia
No entanto, antes de prosseguir, algu- completude. Uma completude a ser enten- do mesmo modo, mais tarde, resignamo-nos e não pode mais partir da idéia de civilizar, mas
mas palavras se fazem necessárias em torno dida como perfeição através de regramento, adaptamo-nos à vida positiva, adaptamo-nos à da idéia de desenvolver pessoas livres, caracteres
das expressões “condição moderna”, “moder- normalização, codificação, a partir de alguma nossa época, tornamo-nos seus servidores, o que soberanos.31
nidade”, esta que possui sinonímia com “civi- fórmula, modelo, referência e adestramento. se conveio chamar de bons cidadãos. No entan-
to, onde se encorajam o espírito de oposição
lização”; e de seu oposto, “selvagem” ou “sel- em vez do espírito de submissão nutrido até o
vageria”. Começando com a primeira, utilizo presente momento? Onde se formam indivídu- 31 STIRNER, Max. O falso princípio de nossa educação.
o termo modernidade na acepção de Stirner 30 STIRNER, Max. O Único e a sua Propriedade. Lisboa, os que criam e não indivíduos que aprendem? Tradução de Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Imaginário,
Portugal: Antígona, 2004. p. 30. 2001. p. 75-81.
254 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 255

Os antropólogos evolucionistas estabe- mais fortalecidas ao agregarem elementos vi- entender a vida. Foi exatamente a substituição postura de inquietação e de desassossego na
leceram e sistematizaram as diferenças entre gorosos do inimigo capturado ou do parente que permitiu aos europeus explorar os lugares vida, que instaura um dinamismo nomádico
mais remotos do planeta, colonizá-los e impor
selvageria e civilização, definindo-as enquan- falecido. Na direção destas reflexões, enquanto seus valores às populações nativas.36 nas existências, na vida percebida enquanto
to etapas sucessivas do desenvolvimento hu- disciplina exige reverência, tendo relação com experiência arriscada, enquanto experimentos
mano. Entendiam selvageria como ausência, civilização; indisciplina e iconoclastia são as- Sua obra trata da construção de subje- em que inexistem modelos, padrões ou fór-
marcando os predicados de humanidade em sociadas à condição selvagem. Constituem em tividade nas chamadas sociedades ocidentais mulas, em que a expectativa deve ser como a
formas embrionárias, incompletas e insufi- (anti)referência para o pensamento e o senti- em que civilizar traduz instauração de rela- de um guerreiro selvagem, sempre pronto às
cientes. Selvageria consistia, portanto, em pro- mento. O selvagem é refratário a uma atuação ções de domínio. Domínio este naturalizado lutas, considerando cada uma delas como uma
ximidade com animalidade, com um estado dentro da esfera das relações domesticadas e pela religiosidade cristã se estendendo a tudo situação particular.
de natureza. Para esses estudiosos, apenas na hierarquizadas. Pierre Clastres34 apresentou e a todos. Para o indígena Jack Forbes37, a Florentino de Carvalho apresentou o
civilização encontravam-se presentes as formas as sociedades selvagens como contrapostas à sociedade ocidental, que ele denominou ética, ethos dos aborígines americanos como um
completas ou, como gostavam de definir em relação mando/obediência. difunde para todos os lados uma sociabilidade modo de vida em escape de qualquer rigidez,
sua linguagem organicista, maduras, adultas, Nobert Elias35 tratou do que deno- predatória devorando e dizimando diversos um modo de vida fluido, no qual se estabele-
de sociabilidade humana. A barbárie era, no minou “processo civilizador” como modo de povos. E não só população humana alimenta ce um ritmo de constante deslocamento. Isso
pensamento evolucionista, o estágio interme- aprofundamento em maneiras de domestica- essa voracidade, mas o conjunto dos seres e o em contraposição à tendência por fixação e
diário entre selvageria e civilização. ção e adestramento. A invenção de normas próprio planeta sofrem essa ação devastadora. estagnação na sociabilidade. Elaborou suas
Lévi-Strauss32 definiu a recusa à alteri- de etiqueta, o aprimoramento tecnológico, a Henry David Thoreau38 percebeu, na reflexões tomando como referência a ideia de
dade como antropoemia, ou seja, ato de vo- certeza de possuir um modo de vida superior ausência inerente à selvageria, uma positivi- sedentarismo enquanto procedimentos ho-
mitar o diferente. Antropoemia é manifesta caracterizam, grosso modo, o sentido de “civi- dade. Valorizou o selvagem por inexistir nele mogeneizantes, opostos ao ritmo de constante
em dois extremos: um de simples evitação e lização”. Apesar de o autor privilegiar um viés o adestramento como fator privilegiado das movimento dos indígenas. Configurou a ideia
outro por eliminação física. Antropofagia, ao economicista orientando suas reflexões, parti- relações entre indivíduos. A domesticação de sedentarismo e de nomadismo como opos-
contrário, significa o ato de devorar ritualis- cularmente, no trato da formação do Estado de pensamentos e de sentimentos constitui tos e excludentes, ao mesmo tempo em que o
ticamente adversários ou parentes, num gesto absolutista, assinalou aspectos importantes o resultado mais evidente do processo socie- fluxo constante tem relação direta com uma
de apropriação das qualidades e atributos dos para o entendimento da formação e o estabe- tário colocado em atividade nas sociedades forma de estar na vida mais relacionado com
guerreiros ou parentes. Nas chamadas socieda- lecimento de sociabilidades domesticadas nas ditas civilizadas. De um modo diferente, o bandoleiros indígenas.
des ocidentais, a antropoemia acontece dentro chamadas sociedades modernas. selvagem apresenta-se enquanto ocasião para
de uma lógica de demonização da diferença. A Frederick Turner, numa perspectiva experimentos, valorizando a alteridade. Os conquistadores do Novo Mundo, quando
satanização do estranho constitui culminância alheia a algum economicismo, tratou o tema aqui despontaram como mouro na costa, ensi-
Domingos Ribeiro Filho iniciou um de naram aos aborígenes muitas belezas; menos a
de um processo que possui na religiosidade das relações entre civilização e as “terras selva- seus escritos afirmando: “Nós temos que viver justiça, a solidariedade, a fraternidade.
sua proveniência33. gens” (wilderness) como “uma estória espiritu- dentro de uma sociedade que nunca será a Embora lessem no livro da vida indígena estes
Contrariamente às sociedades antropo- al”. Em sua perspectiva de abordagem do tema: nossa”39. Esta epígrafe ao artigo expõe uma princípios, não foram capazes de os aprender
êmicas, as antropofágicas estão disponíveis à e assimilar.
36 TURNER, Frederick W. O espírito ocidental contra a
experiência com a alteridade, retirando destes Trata-se da estória de uma civilização que tinha natureza: mitos, história e as terras selvagens. Tradução de A ética individualista da raça latina e a natureza
encontros elementos de que se nutrem. Saem substituído o mito pela história como forma de José Augusto Drummond. Rio de Janeiro: Campus, 1990. incoercível do povo americano não suportam
32 LÉVI-STRAUSS. Tristes Trópicos. São Paulo; Companhia 34 CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de 37 FORBES, Jack D. Colombo e Outros Canibais. Lisboa; essa rede de constituições, regulamentos e rit-
das Letras: 1996. Janeiro: Francisco Alves, 1989. Antígona: 1998. mos de vida sedentária, apática e liberticida. Os
38 THOREAU, Henry David. Caminhando. In: THO-
nômades dos pampas e das alturas andinas, e os
33 Sobre a demonização dos diferentes, ver: NOGUEIRA, 35 ELIAS, Nobert. O processo civilizador – uma história
REAU, Henry David. Desobedecendo. São Paulo; Circulo
imigrantes que abandonaram paises de origem
Carlos Roberto Figueiredo. O nascimento da bruxaria: da dos costumes. 2. ed. Tradução de Ruy Jungman; revisão e
do Livro: 1984.
fugindo à miséria e à tirania, repelem a germa-
identificação do inimigo à diabilização de seus agentes. São apresentação de Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar,
nização que aqui se quer naturalizar com falsos
Paulo: Imaginário, 1995. PAGELS, Elaine. As Origens de 1994. v. 1. ELIAS, Nobert. O processo civilizador – formação 39 RIBEIRO FILHO, Domingos. A Guerra a Anarquia princípios de humanitarismo.40
Satanás: um estudo sobre o poder que as forças irracionais do Estado e Civilização. Tradução de Ruy Jungman; revisão, (uma questão literal e de ponto de vista). A Vida. Publicação
exercem na sociedade moderna. 2. ed. Tradução de Ruy Jung- apresentação e notas de Renato Janine Ribeiro. Rio de Janei- mensal anarquista. Rio de Janeiro, ano 1, n. 6, 30 abr. 1915. 40 CARVALHO, Florentino. A Guerra Civil de 1932 em
mann. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. ro: Zahar, 1993. v. 2. p. 87-90. Edição fac-similar. São Paulo: Ícone: 1988. São Paulo: solução imediata dos grandes problemas sociais.
256 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 257

Maria Lacerda de Moura41 publicou todo o mundo intelectual enquanto possui- nidades, com pessoas oriundas de diferentes constitui-se num documento revelador dos
um livro em que teceu veemente crítica ao dora da constituição mais liberal e avançada nacionalidades europeias, Kniestedt assinalou efeitos sobre seus autores do apelo jacobino
modelo civilizacional das chamadas socieda- do mundo, era vista pelos anarquistas como a existência de um ambiente de cordialidade do maximismo.
des ocidentais. O título do livro, Civilização mais despótica que o antigo império. Maria e solidariedade entre todos. “Fora da civiliza- Neno Vasco, da mesma forma que
– tronco de escravos, é por si só indicativo do Lacerda de Moura apelou para a ação direta ção”, pessoas, cujos países de origem se encon- Leuenroth, atribuía ao sindicato o papel de
seu conteúdo. Primeiro, a palavra “tronco” re- da população como forma de obstar o proces- travam em processo de mútua destruição na organizador da vida social após o período re-
mete a um instrumento de madeira fincado so de aguda fascistização da sociedade com a Europa, viviam alheios a qualquer preconceito volucionário, apresentando em detalhes uma
no chão para martirizar negros arredios. Preso eminente adoção da obrigatoriedade do ser- nacionalista ou de raça. sociedade libertária como altamente regulada,
ao tronco, o negro era açoitado. Poderia ir aos viço militar. Conclamou todos à prática da Feitas essas ponderações que considero controlada. Essa atribuição reduzia considera-
ferros depois do açoite ou ficar pendurado no objeção de consciência “agora que, no Brasil, necessárias para um entendimento mútuo, velmente as novas formas societárias a estreitos
tronco alguns dias sem água e sem comida. discutem-se os projetos de uma Constituição retomo o assunto interrompido. Eu tratava procedimentos e planejamentos. José Oitici-
Designado também de “pelourinho”, ser cas- moderníssima, tocando as raias do Fascis- de analisar o pensamento dos anarquistas ca47, também sob influência dos bolcheviques
tigado neste artefato muitas vezes significava mo...”. O movimento constitucionalista de referidos dispondo-os em dois dinamismos russos, chegou a escrever um texto em dois
uma condenação à morte, que seria lenta e 32 foi, na verdade, sintomático do fascismo básicos, distintos, mas também afetados um números seguidos do jornal Spartacus com
dolorosa. Outra acepção da palavra “tronco” ascendente. Em suas palavras: “Galgamos, em pelo outro. O critério analítico proposto, di- o mesmo dinamismo centralista e universa-
tem a ver com ascendência genealógica. A “ci- três meses, um passo gigante para o Fascismo: zia, é o da aproximação ou distanciamento de lista, destinados à discussão num congresso
vilização”, no entendimento da autora, possui é o resultado do movimento chamado ‘pro- um projeto de modernidade. Dessa maneira, comunista. O primeiro, intitulado “Princípios
esse efeito particular de gerar uma subjetivi- -Constituição’... encabeçado pelos ‘patriotas’ o primeiro, refratário à modernidade como e fins”, serviria mais tarde como introdução
dade submissa e servil, um ser vil. de São Paulo”43. definida mais acima, acenaria mais inclinado para seu Catecismo Anarquista, cuja publicação
Com palavras contundentes, Maria La- Xisto Leão44, em artigo publicado em a uma condição selvagem para a existência. em folheto Oiticica já planejava.
cerda de Moura definiu, em seu libelo contra A Lanterna, apresentou o nazifascismo como O segundo, ao atualizar centralidades e uni- O aporte conceitual operativo em Oiti-
o militarismo, a civilização como bestialida- uma nova inquisição. Um nacionalismo ex- versais, está mais afinado com um projeto de cica aponta para um dinamismo em sintonia
de, como a negação mais brutal dos apelos tremado, cópia mal-acabada do socialismo modernidade. O indivíduo, a comuna, o mu- com apelos para estabelecimento de sociabi-
de amor e humanitarismo feitos por Cristo. hitlerista e mussoliniano, foi o integralismo, nicípio ou o sindicato toma as vezes de unida- lidade normalizante: catecismo, sistema, dou-
Para ela, “o mundo inteiro está às portas do que procurava atualizar os antigos processos de definitiva da sociabilidade humana. Uma trina, princípios, fins, indicam uma vibração
fascismo”. Completou seu pensamento, mais inquisitoriais da Igreja Católica sob roupagem nova expressão em totalidade era estabelecida. universalista de contorno messiânico, huma-
adiante em seu texto, ao afirmar que “a socie- nacionalista. A Lanterna evidenciou, ao lon- Além do mais, há a busca de uma codificação nista, racionalista e, para terminar, salvacio-
dade cristã, piedosa, caridosa, é o Anti-Cristo go de sua existência, as íntimas relações entre detalhada e universalista da sociabilidade hu- nista, comum a diversas expressões da moder-
do Apocalipse...” e, novamente em outro ins- clero católico e segmentos da elite em suas mana. A leitura de alguns textos demonstra a nidade. O Catecismo Anarquista parece referir
tante de seu escrito, “tudo é anti-Cristo na medidas de arbítrio e violência. saciedade desta assertiva. ao episódio envolvendo Bakunin e Netchaiev
sociedade Cristã”42. Friedrich Kniestedt, nas memórias,45 Edgar Leuenroth e Hélio Negro46 escre- quando da publicação do Catecismo Revolu-
Em diversos escritos de anarquistas, a referiu-se à época moderna como “nova ida- veram O que é maximismo ou bolchevismo sob cionário, um texto de tonalidades intensas em
modernidade, que no caso de sua experiência de média”. Vivendo em certo momento numa efeitos da revolução russa. Este livro reflete volta com ideias jacobinas expressando univer-
no Brasil fora realizada pela inauguração da comunidade rural próxima a outras comu- com muita propriedade as influências da Re- salismo humanista. Segundo Jean Barrué48, o
República, traduzia uma nova inquisição. A volução de 1917 na Rússia sobre alguns seg-
43 MOURA, Maria Lacerda de. Serviço militar obrigatório
república positivista brasileira, saudada por mentos do movimento anarquista no Brasil. O 47 OITICICA, José. Princípios e fins. Spartacus. Rio de
para mulher? Recuso-me! Denuncio!. 3. ed. Guarujá: Opús- Janeiro, ano 1, n. 3, p. 1, 16 ago. 1919. OITICICA, José.
São Paulo: Editorial Ariel, 1932. culo Libertário, 1999. p. 16; 19-20. tom característico do livro é o de normalização
Previsões práticas. Spartacus. Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p.
41 MOURA, Maria Lacerda de. Civilização – tronco de 44 LEÃO, Xisto. A mistificação integralista da clerezia. A do dinamismo social. Elaborado com base em 1, 23 ago. 1919
escravos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1931. Lanterna. Rio de Janeiro, ano 12, n. 385, p. 4, 06 set. 1934. rígidos esquemas e codificação da vida social, 48 Jean Barrué apresenta o texto de Nechaiev como três es-
42 MOURA, Maria Lacerda de. Serviço militar obrigatório 45 KNIESTEDT, Friedrich (1873-1947). Memórias de um tudos sobre Bakunin. NETCHAIEV, Serge. O Catecismo
para mulher? Recuso-me! Denuncio!. 3. ed. Guarujá: Opús- Imigrante Anarquista. Porto Alegre: Escola Superior de Teo- 46 LEUENROTH, Edgar; NEGRO, Hélio. O que é maxi- Internacional. In: BARRUÉ, Jean. O Anarquismo Hoje. Lis-
culo Libertário, 1999. p. 30;35. logia e Espiritualidade Franciscana, 1989. mismo ou bolchevismo. São Paulo: [s.n.], 1919. boa, Portugal: Assírio & Alvim, 1976. p. 179-186. BARRUÉ,
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texto deste catecismo era de Netchaiev, tendo além de todo o debate contemporâneo sobre ção. Foucault51 tratou minuciosamente das Saber de desenvolver-se em Vontade livre. A
Bakunin desaprovado seu conteúdo. Apesar dinamismos reatualizando a disciplinaridade, técnicas de disciplinamento em Vigiar e punir, vida escolar só engendra filisteus. [...]
disso, Bakunin nutriu alguma simpatia por presente nas discussões sobre multi, inter e apresentando-as enquanto procedimentos de A teimosia e a indisciplina da criança têm
Netchaiev, por conta de sua energia e atuação transdisciplinaridade, a indisciplina deve ser controle social. tantos direitos quanto o seu desejo de saber.
Estimulam deliberadamente este último; que
na Rússia, tendo mantido com ele relações entendida na dupla acepção da palavra: recusa Bakunin, em seu clássico texto sobre a também suscitem essa força natural da Vontade:
pessoais por um curto período de tempo. de adequação aos estreitos limites da especia- educação, procedeu legitimando a autoridade a oposição. Se a criança não aprende a tomar
Quanto a uma condição selvagem, lização e negação de relações hierarquizadas e do professor sobre o estudante. Seguindo uma consciência de si, é claro que ela não aprende o
hierarquizantes. Outrossim, esta recusa passa mais importante. Que não seja sufocado nem
considero a experiência de Berthelot a mais disposição marcadamente iluminista e huma- seu orgulho, nem sua franqueza natural.53
emblemática. Apenas para lembrar algo dito por uma apropriação pessoal das áreas de co- nista, entendia o primeiro dia de aula da crian-
em outro lugar, Berthelot, na primeira década nhecimento. ça como sendo o de maior presença da autori-
do século passado, chegou a morar com indí- Por sua vez, o tema da indisciplina, en- dade, não obstante propor uma educação de Em outro momento, Stirner volta à
genas no interior de Goiás. Seu objetivo era quanto prática de contestação da obediência adultos ausente de relação autoritária. Para ele, carga, assinalando a urgência da rebeldia e da
apreender o modo de vida aborígine para, em à hierarquia, é apresentado nos estudos atuais “a educação das crianças, tomando como pon- insubordinação de uma criança “malcriada”
seguida, fundar uma comunidade anarquis- abordando os temas da escola e da adolescên- to de partida a autoridade, deve sucessivamen- em contraposição a um comportamento aco-
ta com as lições retiradas desta experiência. cia, sempre como negatividade, como um pro- te resultar na mais completa liberdade”52. Esse modado:
João Penteado entendia que uma sociedade blema a merecer uma solução por parte de téc- ponto de vista estabelece uma disjunção entre
igualitária e libertária, na qual inexistiriam nicos, professores, psicólogos e dirigentes de escolarização e educação. Stirner, em direção Por mais que se possa pensar que homem e
“mendigos nem potentados”, a condição hu- escolas50. Esses estudos seguem o estabelecido oposta, não percebe educação e escolarização eu dizem a mesma coisa, percebe-se logo em
Feuerbach que a expressão “homem” designa o
mana seria de reconciliação com o conjunto nos textos de Comte, de seus seguidores e dos como momentos separados, propondo a de-
eu absoluto, a espécie, e não o eu transitório e
da existência, porque nesta nova situação o ser que não escaparam do campo gravitacional do soneração de suas fronteiras. individualizado. (...) Mas a espécie não é nada,
humano “saberá tirar da nossa mãe Natureza positivismo, definindo a subjetividade como No campo da filosofia da educação, e quando o indivíduo se eleva acima das barrei-
o pão da alegria e o pão da vida”49. fator de perturbação social. A indisciplina, ras da sua individualidade, fá-lo precisamente
acredito que apenas Stirner abordou a indis-
enquanto ele próprio, como indivíduo, e só na
Abre-se aqui também a ocasião para nestes estudos, está associada a manifestações ciplina como positividade. A indisciplina, em medida em que se eleva, em que não continua a
considerar outras perspectivas sobre a pro- de violência e fator de perturbação social. Tais sua perspectiva, traduz, na fugacidade do ins- ser aquilo que é; de outro modo estaria acabado,
blematização do conhecimento atual acerca estudos nem de longe desconfiam da existên- tante, “a nossa faculdade de oposição”. É neste morto. O homem é apenas um ideal, a espécie
cia de uma positividade na indisciplina. um produto do pensamento. Ser um homem
dos periódicos anarquistas aqui analisados. terreno de afirmação da singularidade que há
não significa preencher o ideal do homem, mas
Problematização esta que pode ser estendi- O estudante indisciplinado é tido na prática da liberdade. manifestar-se a si próprio, como indivíduo. A
da aos valores cultivados e às formas socie- medida de “aluno problemático” para uma minha missão não tem de ser a de realizar a
tárias difundidas em nossos tempos nos es- perspectiva que visa ao controle e à repro- Em pedagogia, como em outros campos, a li- ideia geral do humano, mas a de me satisfazer
a mim próprio. Eu sou a minha espécie, sem
paços mais estreitos e nos mais largos. Os dução de um certo dinamismo societário. berdade não pode expressar-se, nossa faculda-
de de oposição não pode exprimir-se; exigem norma, sem lei, sem modelo, etc. É possível
periódicos analisados expressam de maneira Comportamentos refratários à normalização que eu possa fazer muito pouco a partir de mim
apenas a submissão. O único objetivo é adestrar
particular um dinamismo de intensa indis- da vida são alvos seletivos de todo um aparato à forma e à matéria: do estábulo dos humanis- próprio, mas esse pouco é tudo, e é melhor do
ciplina. Porém, a incapacidade de percepção de técnicas e saberes com fins de domestica- tas não saem senão letrados, do estábulo dos que aquilo que deixo que o poder de outros faça
de mim, através da moral, da religião, das leis,
destas particularidades deve-se antes de tudo realistas, só cidadãos utilizáveis e, em ambos
50 TIBA, Içami. Disciplina: o limite na medida certa. 38.
os casos, nada além de indivíduos submissos. do Estado, etc. É melhor – se de ser melhor se
ao fato de o olhar disciplinar e disciplinado ed. São Paulo: Editora Gente,1996. GUIMARÃES, Eloísa; trata – ser uma criança malcriada do que de-
Sufocam pela força nossa saudável tendência
procurar a todo instante ver a si mesmo. Para PAIVA, Elizabeth (Orgs.). Contemporaneidade e Educação
à indisciplina e impedem ao mesmo tempo o masiado sensata, é melhor ser rebelde do que
– Revista semestral temática de Ciências Sociais e Educação estar disposto a aceitar tudo. O malcriado e o
Jean. Bakunin e Netchaiev (três estudos sobre Bakunin). In: – Violência e vida escolar. Ano 2, n. 2, Rio de Janeiro: Insti- rebelde encontram-se ainda a caminho, para
______. O Anarquismo Hoje. Lisboa, Portugal: Assírio & tuto de Estudos da Cultura e Educação Continuada, 1997. se formarem segundo a sua própria vontade; o
Alvim, 1976. p. 131-178. FRELLER, Cíntia Copit. Histórias de indisciplina escolar: o 51 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da pri-
49 PENTEADO, João. As escolas e sua influencia social – O trabalho de um psicólogo numa perspectiva winnicottiana. São são. Petrópolis: Vozes, 1988. 53 STIRNER, Max. O falso princípio de nossa educação.
ensino oficial e o ensino racionalista. A Vida. Rio de Janeiro, Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. SILVA, Nelson Pedro. Ética, 52 BAKUNIN, Mikhail. A instrução integral. Tradução de Tradução de Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Imaginário,
ano 1, n. 2, p. 9, 31 dez. 1914. indisciplina e violência nas escolas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. Luiz Roberto Malta. São Paulo: Imaginário, 2003. p. 83. 2001. p. 77, 81-82.
260 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade 261

sensato e o acomodado são determinados pela Viseira erguida cavalgamos sobre as leis, sobre Stirner demonstrou à exaustão como os dra- nha parte, as palavras me parecem um tan-
“espécie” e pelas suas exigências gerais, que para os direitos instituídos, sobre todos os privilégios mas, as ações e os comportamentos dos perso- to quanto... precárias. Entretanto, este foi o
eles são lei.54 e todas as injustiças, muito embora a estrada
que conduz ao Mundo novo esteja entulhada nagens daquele romance sintetizavam aspectos texto possível. Por fim, caminhando para um
de baionetas e de grades de ferro, entre as quais do mundo subjetivo do autor. Dessa maneira, encerramento, que não constitui conclusão,
Uma das marcas bastante significativas deixamos fragmentos da nossa vida.55 suas atitudes manifestavam e encerravam os vejamos uns versos de Gigi Damiani. Seus
da atitude indisciplinar reside na forma de es- limites do liberalismo e do moralismo puri- versos enunciam o poder da vontade, assina-
crita manifesta nos periódicos analisados. Fato tano de Eugène Sue. lando uma disposição férrea e fluida diante da
Mais que isso, surge como uma parte
menosprezado nas reflexões sobre os textos A pessoalidade não reside em alguma existência. É bastante significativa a ausência,
e também como uma emanação pessoal, da
da época, o estilo de escrita apresenta marcas essência minúscula, oculta em camadas pro- em suas palavras, de demandas por sacrifícios,
mesma forma que excreções, suores, palavras,
absolutamente personalizadas. Não obstante o fundas, em formas estruturais escondidas num martiriologias ou por reciprocidade.
escritos, gestos, sangue... Novamente Stirner
período literário de um ou de outro autor, ain- profundo interior e considerada na medida
sustenta o caráter pessoal das criações huma-
da assim há um toque personalizado nos escri- A VOLTA
nas. O criador de uma obra, ou de produtos, de aspecto mais real, mais verdadeiro porque
tos. O estilo particular destas escritas aponta pretensamente mais adensada. A prática usual
lança junto de suas criaturas algo de si. Velhos, mas duros de morrer, voltamos
para uma forma de viver valorizando a livre de estudiosos da sociedade, apoiados em espe- como partimos. – Não mudamos nada –
expressão, de uma escrita livre dos processos diremos aos que virmos pela estrada.
Mas significa isto mais do que: numa dessas cialidades das ciências sociais ou das humani-
de estandardização existente nas sociabilida- dades, busca, através da operacionalização de E ajuntaremos: – Meu irmão, cá estamos
obras vedes-me da forma mais completa possí-
des disciplinadas e disciplinadoras. A escrita vel, na outra apenas a minha habilidade. Mas um esforço racional, identificar, por sob toda junto a ti e para o bom trabalho;
de cada um dos autores constitui maneira nossa fé, temperada pelo malho
não sou eu também aquilo que a obra expri- parafernália acessória de aparência e superfície, do exílio duro, descansar desdenha.
de manifestação da própria individualidade, me? E não será um gesto mais egoísta alguém o átomo, a essência, a substância básica, a ins-
“fragmentos” de vidas. apresentar-se assim ao mundo, dar forma a si tância primal ou determinante da vida social. O velho amigo, abaixando a fronte,
responderá que o furacão sem brida
próprio, do que ficar escondido atrás da obra? O trânsito entre as áreas de especializa- por vinte anos rugiu na Europa mesta,
Respondes, é claro, que tu revelas o homem. que toda a nossa obra foi perdida
Os cavalheiros do Ideal
Mas o homem que tu revelas és tu: só te revelas ção do conhecimento, como estabelecido nos e de quanto fizemos nada resta.
a ti próprio; a diferença em relação ao operário é impressos analisados, se dá de modo a desone-
Com a consciência livre e tranqüila dirigimos a que este não é capaz de se revelar de forma con- rar as fronteiras estabelecidas entre os saberes. Replicaremos: – não temer, passado
vista para o brilhante porvir dos homens livres densada numa única obra, e, para ser reconheci- é para nós a trágica jornada,
Através de um movimento de apropriação do a tirania céga já não reina.
sobre as planícies livres e sobre as cordilheiras do como ele próprio, tem de ser procurado nas
outras relações da sua vida; a outra diferença é que lhe seja de interesse, estabelecem antro-
independizadas pela vertigem das alturas. Tudo tombou? Ergamos novamente.
que o teu desejo, cuja satisfação gerou aquela pofagia, devorando partes da existência num
O pensamento sublimemente acrático das nos- Vê o caipira: a terra devastada,
obra, era de ordem... teórica.56 processo de reelaboração desses elementos. queimado o milharal, morta a semente,
sas grandiosas concepções envolve a humanida-
de num incessante movimento de gravitação, Sociologia, história, geografia, economia, que importa? Assim que o furacão amaina,
política, filosofia, pedagogia, antropologia, êle volta depressa para a faina.
remodelando-a e revolucionando as suas condi- A análise elaborada por Stirner57 sobre Ajunta as pedras soltas, como se elas
ções de vida, pondo ao seu alcance os indizíveis literatura, disciplinas de áreas das ciências da
prazeres da verdadeira liberdade.
o romance Mistérios de Paris, de Eugène Sue, fossem de ouro e, tomando-as uma a uma,
serve muito apropriadamente para uma refle- natureza, além das artes e da estética, apare- põe-se a reconstruir tôda a tapéra.
Nada impede a nossa marcha triunfante! Ao Afôfa a terra com as mãos, apruma
xão em torno da arte e das criações humanas cem nesses textos dando força à trajetória ar- as cercas, cava o poço, desterroa
contato dos nossos idealismos desorganizam-se
os exércitos, revoltam-se as armadas, os povos enquanto emanações de seu criador. Ao longo gumentativa traçada por seus autores. o chão vidrado, planta, trata, espera.
lançam-se à insurreição libertária, os tiranos Recompõe a tarimba, os filhos cria,
de seu escrito, de título homônimo ao de Sue, Muito mais poderia ser dito. Várias sabendo embora que outra guerra, um dia,
caem fulminados quimicamente e os templos
55 CARVALHO, Florentino de. Os cavalheiros do Ideal. ideias me ocorreram durante a pesquisa e lei- uma noite, há de vir para levá-los...
da ignorância, da mentira, e da demência, tom-
bam derruídos pelas chamas crepitantes e puri- Germinal!. São Paulo, ano 1, n. 13, p. 1, 15 jun. 1913. tura dos abundantes materiais coletados. Es-
Não desesperes, não demonstres ira.
ficadoras, albôres da nova aurora da redenção 56 STIRNER, Max. O Único e a sua Propriedade. Lisboa, perava poder ter feito uma melhor exposição Nós passaremos todos, mas o povo
proletária. Portugal: Antígona, 2004. p. 109. de minhas reflexões de maneira a apresentar Renasce. Faze, pois, como o caipira
57 STIRNER, Max. Os Mistérios de Paris. VERVE – Revista um texto à altura do que aprendi durante este sábio, que sabe começar de novo.
54 STIRNER, Max. O Único e a sua Propriedade. Lisboa, Semestral do NU-SOL – Núcleo de Sociabilidade Libertária/ Companheiros! Enxada sôbre os ombros,
longo período de pesquisa e estudo. De mi- voltemos, que aí vem a primavera.
Portugal: Antígona, 2004. p. 146. PEPGCS/PUC-SP, n. 3, São Paulo: 2003. p. 11-29.
262 Arquia? Anarquia! Perspectiva relacional nos estudos da sociedade

Nossa missão é remover escombros, nar partido com o caso da criação do Partido
é destocar, é arar, é semear,
que a mocidade nosso exemplo espera
Comunista Brasileiro em 1922. Estes foram Obras que os operários
*
Durante o furacão, a bicharada
os que procuravam descanso, sossego e quie-
tude em promessas de algum paraíso telúrico. devem ler
dispersa-se: o termita no cupim,
a saúva no olheiro. Cessa a lida. Esperançosos, aboliram de suas vidas alguma
A Plebe . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 18 – 21.10.1917. Página 04.
possibilidade de risco e surpresa em nome de
Mas quando o sol ressurge e a luz dourada segurança e perenidade. Usaram, para tanto, Em Português
bate na terra, volta a bicharada;
por entre os mortos recomeça a Vida. escoras, grilhões e muletas.
Françoies Delaisi, “Os financeiros, os políticos e A Guerra”___________________________ $200
Não obstante a existência desses posi- Gustavo Landauer, “A Social Democracia na Alemanha”_____________________________ $200
A Vida não deserta, não descura
sua obra de eterna construção, cionamentos alinhados com universalismos e Saint Barb, “Pequenas coplas”__________________________________________________ $100
seja nos picos de perene alvura, centralidades de uma certa modernidade, há Um pai de família, “O Batismo” _______________________________________________ $200
ou entre as coisas ínfimas no chão. outros que, em direção oposta, instauraram e Luiz Bolfi, “Greve de Ventres” _________________________________________________ $200
Brito Bitencourt, “Catecismo ateu” _____________________________________________ $200
Plantações e consciências abrem flôres experimentaram em suas vidas o inominável. José Rizal, “Noli me tangere” __________________________________________________ $600
para quem as cultiva com trabalho, São estes os que encararam destemidamente Saturnino Barbosa, “Ensaio de crítica racionalista”_________________________________ 1$200
não há parto que não conheça dôres; Errico Malatesta, “Programa socialista-anarquista-revolucionário” ______________________ $100
não há treva que não fuja de espanto
“os vampiros da organização social do bezer-
ro de ouro”59. Atualizaram o inominável, na Errico Malatesta, “Entre camponeses” ___________________________________________ $600
ao sol, nem gota trêmula de orvalho
Neno Vasco, “Da Porta da Europa”____________________________________________ 2$300
que não seja, também, gota de pranto... brevidade do instante, através de indisciplina, Neno Vasco, “Geórgicas” (ao trabalhador rural) ____________________________________ $100
Tudo é luta; nada se perde, nada; nomadismo, iconoclastia e antropofagia. Ao B. Peres Galdós, “Electra” drama anticlerical em cinco atos) _________________________ 1$000
O êrro na experiência se compraz. mesmo tempo, estabeleceram multilateralida- Mezza Botta, “O Papa Negro” ________________________________________________ 2$300
de nas análises, constituíram um descentra- Carlos Dias, “Semeando para colher” ___________________________________________ $200
Refaçamos a terra devastada; Guerra Junqueiro, “A velhice do Padre Eterno” ___________________________________ 2$600
olhando só para frente, não prá traz. mento constante nas perspectivas apresentadas Piotr Kropotkin, “O comunismo anárquico” ______________________________________ $200
em seus escritos, pensamentos e táticas. Chacon Sicilianci, “Mentiras Divinas” (cartas aos crentes)___________________________ 1$700
– A cruz da servidão seja partida – Adolfo Lima, “O ensino da História”, um folheto de 63 p. ___________________________ $700
diga-se a quem ela curvou a espinha; Irreverentes, debochados e dessacra-
Adolfo Lima, “O Teatro na Escola” _____________________________________________ $400
e a quem a sã espera em si amarra lizadores, deixaram suas marcas, ainda que Relatório da Confederação Operária Brasileira sobre o 1º e 2º Congressos Operários Brasileiros 1$200
uma vontade, diga-se: Ergue-te e caminha... tenham sido minoritários; ao menos, a per- Contos Sociais (diversos autores) _______________________________________________ $200
Mas não se diga nunca: A estrada é incerta cepção contemporânea sobre aquele período Almanaque de “A Aurora”, para 1913___________________________________________ 1$000
a quem de moço ardores já não sente. histórico projeta estes contornos de meno- Almanaque de “O Livre Pensador” _____________________________________________ $800
Ferido, o veterano vai prá frente, Marco A. Panete, “Giordano Bruno” ____________________________________________ $200
ridade. Não obstante, com uma disposição Pedro de Melo, “Sonho dantesco” ______________________________________________ $200
Tomba no campo, morre. E não deserta!58
inquebrantável de intransigentes guerreiros Domingos Zapata, “As 67 célebres perguntas” _____________________________________ $200
selvagens diante das lutas da existência, esses I. A. Betoldi, “O Livro da Verdade” _____________________________________________ $500
Em tentativas de emprestar aos impres- negativistas ativos, altivos, afirmativos, irre- José Augusto de Castro, “Mensageiro da morte” (Poema antijesuítico) __________________ $100
sos e às demais atividades um tom de serieda- Ex padre Guilherme Dias, “O que é o celibato” ____________________________________ $200
dutíveis, viveram, concomitantemente, com Natanael Pereira, “A educação religiosa” __________________________________________ $200
de sisuda, muitos anarquistas resvalaram para fluidez e firmeza... e não cansavam nunca. Eugene Peletan, “A Inquisição” ________________________________________________ $200
a busca por teoria, por ciência, desembocando Dr. N. Rouby, “O Sagrado Coração de Jesus” _____________________________________ $200
no enrijecimento do pensamento e... na con- Elisée Reclus, “Evolução, revolução e ideal anarquista” _____________________________ 1$000
trição, com genuflexão e tudo mais. Essas ma-
nifestações de dogmatismos tomaram forma
em algumas expressões e segmentos anarquis- Em Espanhol
tas, chegando mesmo ao extremo de se tor-
Barão de Holbach, “Sistema de la Naturaleza” 2 vol._______________________________ 2$000
59 MOURA, Maria Lacerda de. Serviço militar obrigatório Barão de Holbach, “El Nuevo Dios” Teologia pero razonable_________________________ 1$000
58 DAMINANI, Gigi. A volta. Tradução de Valerio Sálvio. A para mulher? Recuso-me! Denuncio!. 3. ed. Guarujá: Opús- Pompeo Gener, “La Muerte y el Diablo” 2 vol____________________________________ 2$060
Plebe. São Paulo, ano 30, n. 1, p. 2, 01 maio 1947. (Nova fase). culo Libertário, 1999. p. 41-42.
J. Novicow, “La emancipación de la mujer_______________________________________ 1$000
Elias Reclus, “Los primitivos” 2 vol____________________________________________ 2$000 V. Delfino, “El Alcoholismo y sus efectos en el individuo, la família e la sociedad”_________ 1$000
E. Murisier, “Enfermidades del sentimento religioso”_______________________________ 1$000 V. Delfino, “Fisiologia é Higiene de la Voz” 2 vol _________________________________ 2$000
José Rizal, “El Filibusterismo” 2 vol____________________________________________ 2$000 E. Litré, “Conservarión y Revolución” __________________________________________ 1$000
Donato Lubea, “El Catolicismo y sus luchas con el Estado 2 vol______________________ 2$000 Pablo Mantegazza, “Ordem y Libertad”_________________________________________ 1$000
Charles Darwin, “El origem del hombre”________________________________________ 1$000 R. H. de Ibarreta, “La Religió: al alcance de todos”_________________________________ 1$000
Charles Darwin, “El pasado y e porvenir de la Humanidad”__________________________ 1$000 Piotr Kropotkin, “Memorias de un revolucionário” 2 vol ____________________________ 2$000
L. Arreat, “De frente al ateísmo”_______________________________________________ 1$000 Piotr Kropotkin, “La conquist del pan”_________________________________________ 1$000
C. Laterneau, “Ciência y Materialismo” ________________________________________ 1$000 Piotr Kropotkin, “Palabras de un rebelde”_______________________________________ 1$000
P. J. Proudhon, “La única salvación” (Filosofia Popular) _____________________________ 1$000 E. Parny, “”La Guerra de los dioses”____________________________________________ 1$000
E. Burnouf, “La Ciencia de lãs Reliziones” 2 vol __________________________________ 2$000 Ernesto Hackel, “Maravillas de la vida”__________________________________________ $400
H. Chabanne, “La organización del trabajo”______________________________________ 1$000 Max Nordeau, “Crítica contemporânea” _________________________________________ $200
P. Chinioki, “El Confesor, la Confesión, la Confesada” _____________________________ 1$000 J. Jaurés y P. Letargno, “El concepto de la Historia”_________________________________ $400
L. Ferri, “La impiedad triunfante” ____________________________________________ 1$000 C. Darwin, “Las facult des mentales
E. Malatesta, “Em el café” ____________________________________________________ $300 en el hombre y en los animals”_________________________________________________ $400
E. Malatesta, “Entre campezinos” ______________________________________________ $200 Emily Zola, “Estudios criticos” ________________________________________________ $400
Gustavo Herve, “La humanidad futura” _________________________________________ $400 Paul Lafargue, “El derecho à la pereza” __________________________________________ $200
Albert Riahand, “Manuel del socialista” __________________________________________ $400 E. Novicow, “El porvenir de la raza blanca”, 2 vol _________________________________ $800
Jean Jaurés, “La paz y el socialismo” _____________________________________________ $400 E. Vanderverde, “El socialismo agrícola”__________________________________________ $400
Charles Malato, “Desenvolvimento de la humanidad” _______________________________ $200
Enrique Garcia, “El contraste social” ____________________________________________ $200
Conde Lev Tolstoi, “El derecho à la vida” ________________________________________ $400 Em Francês
Conde Lev Tolstoi, “Nuevas orientaciones” _______________________________________ $400
Proudhon, “Psicologia de la revolución” _________________________________________ $400 Jean Grave, “Si j’avais à parler aux electeurs” ______________________________________ $160
Piotr Kropotkin, “El Estado” __________________________________________________ $400 André Girard et M. Pierrot, “Le parlamentarisme contra l’Ation Ouvriére” _______________ $100
Elisée Reclus, “El porvenir de nuestros hijos” _____________________________________ $200 Piotr Kropotkin, “Le salariat” _________________________________________________ $200
Samuel Smiles, “La disciplina de la experiencia” ___________________________________ $200 E. Malatesta, “Entre paysans” _________________________________________________ $300
Francisco Gica, “Lo que entiendo por libre pensamiento” ____________________________ $300
Por vários autores, “El romance anticlerical” (primeiro tomo) _________________________ $300
Pey Ordeix, “El puebo à la aristocracia” __________________________________________ $300
Ramon Chies, “A uma madre”, ________________________________________________ $300
Potvin, “La democracia e la iglesia” _____________________________________________ $300 Em Italiano
Edmundo Gonzales, “La libertad de enseñanza” ___________________________________ $300
Por vários autores, “Sonetos Piedosos” ___________________________________________ $300
Piotr Kropotkin, “Em volta duma vida”, brochura _________________________________ 3$500 Vincenzo Vactrea, “Disertore” (Romanze sociale) _________________________________ 1$000
Pierre Quiroule, “La Ciudad anarquista americana”________________________________ 2$500 Guido Pedreca, “Il sindicalismo” _______________________________________________ $500
Ramon Verea, “Catecismo del Libre pensador” ____________________________________ $500 Alceste de Ambris, “L’Argentina e l’Imigrazione Italiana” _____________________________ $300
Diversos autores, “El cancionero revolucionário”, Antonio Labriola, “Del Socialismo” _____________________________________________ $400
Hinos, poesias y Cantares de nuevo verbo, en espanhol e italiano_______________________ $300 Gaetano Zibordi, “La istoria de Federico” ________________________________________ $400
E. Pataud y E. Pouget, “Como haremos la Revolución” 2 vol_________________________ 2$000 Um laico, “La política ecleciastica in Italia” _______________________________________ $300
M. J. Nergal, “Evolución de los Mundos”, enc. __________________________________ 1$800 Giovanni de Nava, “Delinquenza e misticismo” ____________________________________ $200
Doctor Toulouse, “Como se forma una inteligência”, enc. __________________________ 1$800 P. Guarine, “Sole a seacchi” ___________________________________________________ $400
Nícolas Estévanez, “Resumen de la Historia de Espanha”, enc. _______________________ 1$800 Luigi Campolonghi, “Azione sindicale” __________________________________________ $300
Enrique Lluria, “Evoluzión super-organica”, enc. __________________________________ 1$800 G. Stiavelli, “Il Primo Maggio nella leteratura” ____________________________________ $400
Emerson, “El hombre y el mundo”, ___________________________________________ 1$800 G. D’Amato, “Ai ragazzi Felice” ________________________________________________ $200
E. Trotto, “El misticismo moderno” ___________________________________________ 1$000 Paul Adam, “Il liglinol prodigo” _______________________________________________ $200
Friedrich Nietzsche, “El Anticristo” ___________________________________________ 1$000 Francesco Pucci, “Il devere de organizzarci” _______________________________________ $200
S. Pey y Ordeix, “Alma religiosa” ______________________________________________ 1$000 F. Nicolini, “Il pape gratuito” _________________________________________________ $200
Augusto Dide, “La Revelación y los Revolucionarios”_______________________________ 1$000 Maximo Gorki, “Interviste” ___________________________________________________ $500
E. Beutroux, “Las leyes naturales”, _____________________________________________ 1$000 Maximo Gorki, “Il compagno” ________________________________________________ $200
O TRABALHADOR
OS HOMENS CURVOS

Levanta de manhã o bom trabalhador E à tarde, quando volta à mísera morada


Passam, negros, na tela do céu verde e rubro da tarde Sereno e contrafeito, ao peso da desgraça. E põe-se a refletir na sorte desgraçada,
(já o sol exausto no último esforço sangra e arde) Para a oficina vai o nobre lutador, Solta gritos de dor, como um leão a rugir.
Olhando com desdém pelo burguês que passa.
Operários e servos da gleba. Vão graves e lentos. Desejando fazer, com um desejo profundo,
Vão curvos sob um jugo de escuros pensamentos. Começa a trabalhar e no insano labor Explodir este abjeto e miserável mundo
Gasta a força viril herdada de sua raça. E sobre a ruinária outro mundo construir!
Ó! Curvos desde a aurora, com os olhos no bruto trabalho... Enquanto seu patrão, o infame explorador,
- a enxada, viola a terra, lutam bigorna e malho... No luxo e no prazer a vida inútil passa...

E, ei-los, vão ainda curvos, e falam de coisas grosseiras José Máximo. A Obra. São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 14. 01.10.1914. Página 09.
entre si, com palavras humildes e rasteiras.

O sol transpôs, já exânime, a roxa muralha dos montes.


A asa fresca da brisa toca as suadas frontes;
NO SILÊNCIO DAS SELVAS…
e às moites, aos balsedos da estrada a flagrância estimula;
tênue aroma de rosas, trevo e alecrim circula DO EXÍLIO
no ar fino... Já preludimos noturnos os pássaros cantam...
Sob a ameça da morte, vendo os companheiros sucumbir, Domingos Braz dá este exemplo de fir-
Eles da poeira os olhos e a mente não levantam... meza libertária, que oferecemos aos que recuaram por pusilanimidade ou malabarismo políticos.

É o céu agora um pálio de azul veludoso e profundo;


as primeiras estrelas fitam sorrindo o mundo...

Que buscais, homens curvos, no lodo revolto da estrada? Na negra solidão deste degredo infindo, Bondoso e revoltado, o coração ferido
O vil salário, o exíguo pão, a vida minguada, Neste recanto agreste onde a malária impera Prosseguirei na luta heroico e destemido
Numa angústia ferina e atroz que desespera, Bradando altivamente: – Abaixo a tirania!
sem ideal, sem beleza, vos prendem os cérebros turvos... A vida a pouco e pouco se vai, além, sumindo.
Curvo sobre a labuta, sobre a gamela curvos, Além já se devisa o Sol da Redenção
Em meio da mata brava a Razão prolifera, Que um passo marcará na humana Evo-
curvo mordendo as fêmeas, no amor animal fero e triste – lução.
Aledra, se concretiza e, alegre, vai florindo.
a poesia das coisas para vós não existe... É o sol da liberdade, a sublime Anarquia!
O vergel do futuro, esperançoso e lindo
C’os frutos da Verdade acena a quem espera.
Em vão cantas idílios e núpcias, ó flores, ó aves,
Em vão fulgis na altura, grandes astros suaves.
Domingos Braz. A Plebe . São Paulo – SP. Ano 11 – Nº 245. 12.02.1927. Página 01.

Carlos Magalhães de Azevedo. A Obra . São Paulo – SP. Ano 01 – Nº 08. 01.07.1920. Página 05.
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de Alice K. Miyashiro; Heitor Ferreira da Costa;
José Antonio Arantes; Júlia Tettamanzy. Porto Ale-
gre: L&PM, 1984. v. 2

Formato 19x26,8 cm

Tipologia Adobe Garamond Pro e Cordelina

Nº de Pág. 280

Editora da Universidade Federal de Campina Grande- EDUFCG


Nossa Imprensa

C om motivo do 1º de maio, o valente paladino libertário “A Plebe” publicou uma


edição especial de 8 páginas, com vários clichês e selecionada matéria.
Também temos a registrar o aparecimento de “Alba Rossa” do “Rebelde” e “O Traba-
lhador da Light”, todos eles com ótima apresentação.
_______

Trabalhadores!
Lede “A Plebe” o vosso jornal O trabalhador.
São Paulo – SP. – Ano 03 – Nº 01 – 10.05.1934. Página 02.

Como entendemos a igualdade

A igualdade que nós queremos não é metafisica, mas real. Não oferece a todos a
“mesma” ração, mas garante a todos a satisfação das suas necessidades, exigindo de
todos não o “mesmo” esforço e a “mesma” capacidade, mas de cada um o dispêndio de
energias de que se sente capaz.
Não aspira à nivelação dos cérebros e dos estômagos, pretende, ao em vez, alcançar a
harmonia social como resultado das múltiplas satisfações.

(Não assinado)
A Plebe. São Paulo – SP. Ano 03 – N˚ 41. 30.10.1919. Página 02

A família no comunismo

A família no regime burguês organiza-se tendo como base o interesse e as conveniên-


cias e se conserva unida por liames artificiais, compromissos vergonhosos, traições
mal encobertas, litígios, ofensas pessoais, transações e violências.
E quando nas classes pobres se dissolve, os filhos são abandonados à caridade pública
e, faltando esta, são atirados à rua…
Ao lado da família burguesa prospera o infanticídio, a prostituição, o proxenetismo e
o crime…
No regime comunista anárquico a base única da família é o amor e mantêm-se pela
amizade, pelo respeito mútuo, livre de preocupações econômicas.
E se o amor que determinou a união vem a desaparecer e o convênio se transformar
em opressão recíproca, dissolvendo-se a família, os filhos ficam amparados pela co-
munidade
(Não assinado)
A Plebe. São Paulo – SP. Ano 03 – N˚ 34.. 16.10.1919. Página 04.

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