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LUCAS FERREIRA VIEIRA
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LUCAS FERREIRA VIEIRA
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. Julio Cesar Mendonça Gralha - UFF
Orientadora – Presidente da banca
_____________________________________________
Prof. Dr. - UFF
Examinador convidado
_____________________________________________
Prof. Dr. - UFF
Examinadora convidado
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AGRADECIMENTOS
Ao meu avô Raul, a minha avó Cassinha, a minha mãe, ao meu pai e a minha
irmã pelo carinho e por sempre acreditarem em mim. Ao Prof. Dr. Julio Gralha por me
orientar desde do início da faculdade e por fomentar meu interesse pela pesquisa. Aos
meus amigos de longa data e aos que fiz durante a graduação. E em especial a Giovani
por fomentar meu interesse por História durante minha adolescência e por me mostrar
que histórias em quadrinhos são muito mais do que mero entretenimento.
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RESUMO
The present research aims to analyze the use of comics as a form of appropriation or
uses of past of mythological elements by modern man. In fact, more specifically, from
Greek mythology. For the purpose of this analysis, the Sandman comic written by Neil
Gaiman from 1988 to 1996 was chosen as documentary and imaginary corpus. Created
in 1939 by Gardner Fox and Bert Christman, the character appeared for the first time in
the Adventures Comics magazine N ° 40. Over the years the character has gone through
several authors and has undergone several repaginations, but it was in 1987 that the
young British writer, Neil Gaiman, received carte blanche from DC Comics to do as he
pleased with the character. Gaiman's Sandman tells the story of Morpheus - King of
Dream - one of the seven Perpetuals, who is arrested by a wizard attempting to imprison
the king's sister from dreaming, Death, and after decades imprisoned Morpheus breaks
free and accompanies his Journey after their confinement.
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Sumário
APRESENTAÇÃO........................................................................................................... 8
CAPÍTULO 1 – DO PÓS SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A PUBLICAÇÃO DE
SANDMAN .................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 2 – USOS DO PASSADO, MITOLOGIA E QUADRINHOS. ................. 20
CAPÍTULO 3 – QUADRINHOS E MITOLOGIA ........................................................ 29
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 44
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APRESENTAÇÃO
A discussão em torno da historiografia da história em quadrinhos em relação ao
questionamento de “Quando e onde surgiram os quadrinhos? ”, é pautada no debate
infindável se os quadrinhos modernos surgiram em 1896 com The Yellow Kid, criado
por Richard Felton Outcault (1863 – 1928), ou em 1833 com Historie de M. Jabot,
criado por Rudolph Töpffer (1799 – 1846).
Segundo Alexandre Linck Vargas (2015), em sua tese A invenção dos
quadrinhos: teoria e crítica da sarjeta é defendido que Outcault é a gênese dos
quadrinhos devido o “uso da sequencialidade e do balão no contexto dos populares
jornais americanos” (VARGAS, 2015, p. 22) e que Töpffer é “o ‘pai’ das HQs que,
mesmo usando textos no rodapé dos quadros, representaria uma importante ruptura com
os livros ilustrados na valorização da narrativa imagética sequencial” (VARGAS, 2015,
p. 22). Rogério de Campos (2015, p. 16), em seu livro Imageria: a invenção dos
quadrinhos mostra que esta querela entre os pesquisadores das histórias em quadrinhos
tomou tamanha proporção que em 30 de outubro de 1989, onze pesquisadores se
reunirão no Salão de Lucca, Itália, e lançaram uma declaração afirmando que o ano de
1896, com a personagem Yellow Kid, marca o surgimento dos quadrinhos. No ano de
1996 o centenário das narrativas gráficas foi comemorado, por entidades culturais e a
mídia, tendo como referência a publicação de The Yellow Kid and His New
Phonograph. Em contrapartida uma nova geração de pesquisadores participou de um
simpósio, no Centre Belge de la Bande Dessinée, para discutir a gênese das histórias em
quadrinhos e resultado deste simpósio demonstrou que a comemoração do centenário
dos quadrinhos era um erro.
[A] discussão a respeito do inventor dos quadrinhos é um tanto sem sentido,
porque não pode haver algo como um inventor no campo dos quadrinhos.
Não há uma invenção técnica, como a câmera para o cinema. Existe apenas
um desenvolvimento gradual na narrativa visual ao longo da história da
humanidade, desde as pinturas pré-históricas. (DIERICK; LEFÈVRE
(Org.), 2000, apud CAMPOS, 2015, p. 16)
Ou seja, “A definição do que é uma HQ tem mudado à medida que ela evolui. E
junto vai mudando a visão que temos da história em quadrinhos” (CAMPOS, 2015, p.
17). Vargas (2015), coloca que o debate em cima da origem das HQs é um reflexo “da
indefinição provocada pelas HQs. Afinal, na ausência do que a coisa é, mais difícil se
torna postular o que a coisa foi” (VARGAS, 2015, p. 31).
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Explicitamos assim o debate entorno das origens possíveis surgiram as histórias
em quadrinhos. Passemos então para a historiografia da história em quadrinhos partindo
do Pós Segunda Guerra Mundial até a publicação de Sandman – que é corpus
documental e imagético desta pesquisa.
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CAPÍTULO 1 – DO PÓS SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A PUBLICAÇÃO DE
SANDMAN
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americano liberal, muito discretamente fazer pesar a sugestão de que o setor de
quadrinhos deveria buscar uma auto-regulamentação” (VARGAS, 2015, p. 96).
Meses depois a Comics Maganize Association of America instaurou o Comics
Code Authority, que tinha como objetivo assegurar aos professores e pais que as estórias
publicadas nas revistas em quadrinhos não iriam “prejudicar o desenvolvimento moral e
intelectual de seus filhos e alunos. ” (VERGUEIRO, 2006, p. 13). García (2012, p. 158),
coloca que a partir do Comics Code Authority a indústria dos quadrinhos recebeu o
estigma de ser voltada exclusivamente para o público infantil, ou seja, os quadrinhos
pararam de ser algo atrativo para o público jovem. As editoras, EC Comics e Warren
Publishing, se arriscaram a não seguir o Comics Code Authority com a tentativa de
passar seus quadrinhos...
... ao formato de revista tradicional, que lhe permitia escapar do Código, já
que este era aplicado apenas aos comic books. Nesse formato experimentou
uma fórmula que misturava o texto com a ilustração, mas foi uma última e
desesperada cartada. (GARCÍA, 2012, p. 157/158)
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quadrinhos não veio através das grandes editoras, como a DC ou a Marvel, mas sim de
um Movimento Underground1 – que não dependia das grandes distribuidoras ou do
mercado já consolidado para serem distribuídas – capitaneado pelo quadrinista Robert
Crumb.
A alegre coleção de poucas páginas dos quadrinhos escandalosamente sem
censura de Crumb foi um sucesso instantâneo entre os moradores, hippies
pós-Verão do Amor. Começava o Movimento Underground dos quadrinhos
norte-americanos.
O movimento tinha sido criado em revistas de humor de faculdades, revistas
de surfe e de caros antigos turbinados, os hots-rods, e jornais underground,
como o East Village Other, o Berkeley Barb e o L.A Free Press. Tomou
corpo numa rede de head shops, lojas que vendiam acessórios para o uso de
drogas e pôsteres de rock psicodélico. Essa união imprevista de um impulsivo
criativo, um público receptivo e uma rota de distribuição já aprovada resultou
em seis anos de independência artísticas comercialmente rentável, sem
precedentes na história dos quadrinhos. (MAZUR; DANEER, 2014, p. 23)
1
Movimento que não segue os padrões impostos pelo padrão comercial vigente da época.
2
Movimento comercial vigente da época.
12
...os quadrinhos de super-herói na direção de tramas e caracterização mais
complexas. Claremont deixou de lado as histórias fechadas em cada número,
dando vez a histórias longas que se estendiam por vários números, com
tramas em teias como uma novela de TV, com subtramas e envolvendo
romantismo. (MAZUR; DANEER, 2014, p. 174)
De acordo com Mazur e Danner (2014, pp. 169-170), Claremont junto com o
quadrinista John Byrne, no ano de 1980, sedimentaram o retorno do gênero de super-
heróis com a publicação de um arco3 de história dos X-Men intitulado: A Saga da Fênix
Negra. “(...) detalhando a corrupção e a consequente morte de Jean Grey na forma de
The Phoenix [Fênix] (...). Na época foi chocante ver um personagem reconhecido e
popular morrer, dando à história um ar de tragédia e importância.” (MAZUR;
DANEER, 2014, p. 170).
Mazur e Danner (2014, p. 170), colocam que essa passagem de Cleremont, pelo
título dos X-Men, foi importante, pois fez contribuições a elementos característicos que
estavam em voga nas antigas histórias da Marvel Comics. Os autores apontam que os
quadrinhos mainstream aderiram às inovações feitas por Cleremont nos X-Men e que
esse movimento fez que acentuasse “o fato de os quadrinhos serem ‘colecionáveis’, já
que agora os leitores, para entender o enredo, precisavam ter todas as edições de um
título.” (MAZUR; DANEER, 2014, p. 170).
Segundo Mazur e Danner (2014, p. 170/173), o mercado direto fez com que o
hábito de colecionar história em quadrinhos se tornasse algo mais palpável e que ao
mesmo tempo a...
... crescente complexidade das histórias teve o efeito oposto; como a história
anterior de cada série se tornava mais complicada, aumentava a barreira para
novos leitores, ajudando assim a firmar as comunidades de fãs dos
quadrinhos mainstream como uma subcultura isolada. (MAZUR; DANEER,
2014, p. 170).
Ou seja, essa revitalização fez com que o gênero de Super-Heróis voltasse a ser
rentável, com prestígio entre os jovens e adultos, mas ao mesmo se tornou algo que só
apenas leitores que acompanhassem as histórias há anos estavam inseridos.
No ano de 1984, o rumo dos quadrinhos mainstream estava prestes a mudar
novamente com a Invasão Britânica dos Quadrinhos. Karen Berger, editora da DC
Comics, estava atenta ao cenário dos quadrinhos ingleses e fez a proposta a Lein Wein,
também editor da DC Comics, de chamar o escritor britânico Alan Moore para escrever
os roteiros do quadrinho Monstro do Pântano que estava com uma baixa vendagem.
3
Histórias fechadas dentro de uma revista que tem uma numeração continua.
13
Ao assumir o roteiro do Monstro do Pântano, em 1984, Alan Moore
transformou o teor desse quadrinho – que tinha um estilo de terror ao estilo dos filmes
da década de 1920 da Universal – para uma coisa “atmosférica e visceral, mais no estilo
das clássicas histórias da EC Comics. ” (MAZUR; DANEER, 2014, p. 175). Além
disso, Moore mudou a origem do Monstro do Pântano, de um cientista – chamado Alec
Holland – que ao sofrer um acidente em seu laboratório teve o seu corpo impregnado
por produtos químicos e ao ter contado com os vegetais do fundo de um pântano se
transformou no Monstro do Pântano, para “(...) um papel mais elemental, de outro
mundo, para a criatura-líder, incluindo uma conexão mística [The Green], uma teia
maciça de toda a vida vegetal na terra” (MAZUR; DANEER, 2014, p. 175).
Mazur e Danner (2014, p. 175), elucidam que o Monstro do Pântano, de Alan
Moore, trabalhava com temas sociais, ecológicos, a questão racial no sul dos Estados
Unidos e com a questão da mulher na sociedade. Mas mesmo essa não sendo...
For me, being a woman coming from outside of comics what they were doing
was stuff that interesed me. What they want to do, to change things. They
wanted to mature comics, they wanted to be provocative. (BERGER, 2010,
1:10:08/1:10:19)
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Alan Moore pelo Monstro do Pântano deixou como herança “uma nova linha que tinha
o escritor – e não o editor – como principal criador. ” (MAZUR; DANEER, 2014, p.
215).
Um dos autores participantes da invasão britânica, Neil Gaiman, é responsável
por escrever Sandman – que é o corpus documental e imagético deste trabalho –.
Neil Gaiman nasceu em 10 de novembro de 1960 na cidade de Portchester que
pertence ao condado de Hampshire, Inglaterra. O autor começou sua carreira como
jornalista antes de começar a escrever quadrinhos para 2000 A.D nas primeiras décadas
dos anos 1980. De acordo com a biografa Hayley Campbell (2014), no ano de 1986
durante a UKCAC – United Kingdom Comic Art Convention – Gaiman entregou a
Karen Berger o roteiro de Jack in The Green e em 1987 soube que Berger junto com
Dick Giordano estavam na Inglaterra procurando escritores para DC Comics. Através de
Nick Laudau, da Titan Entertainment Group, o autor conseguiu entrar em contato com
Berger e Giordano, marcou uma reunião que foi acompanhado do artista Dave Mckean.
Nesta reunião Berger disse, segundo Hayley Campbell (2014, p. 92), que estava para
entrar em contato com Gaiman, que tinha lida o roteiro de Jack in the Green a caminho
para Inglaterra e que tinha gostado. No primeiro momento o autor fez a proposta de
trabalhar com o Vingador Fantasma, mas a personagem já estava nas mãos de outro
escritor. Então Gaiman começou a listar alguns personagens que queria trabalhar até
chegar finalmente a Orquídea Negra.
Gaiman apresentou uma lista de personagens que havia preparado, descendo
cada vez mais a lista até que estava raspando o tacho de heróis da DC com os
quais ninguém queria trabalhar. (CAMPBELL, 2014, p. 92)
Berger e Giordano deram uma chance para que, Gaiman e Mckean, fizessem
uma proposta de história com a Orquídea Negra. O autor e o desenhista depois de
alguns dias se encontraram novamente com os representantes da DC, mostraram um
esboço de roteiro – que reinventava a personagem e a ligava “ao Verde e a todo mundo
dentro do mítico universo do Monstro do Pântano, de Alan Moore. ” (CAMPBELL,
2014, p. 93) – e desenhos de Mckean para aquele esboço de roteiro.
Não foi uma decisão comercial do ponto de vista de vender para o público,
mas sim de vender para a DC. Foi por isso que não inventamos algo que
fosse nosso e tentamos vender para eles. O que fizemos foi pegar uma
personagem antiga e dizer, ‘Vocês são donos do projeto e vamos utilizar
personagens da DC por meio dele’. (GAIMAN, Kraft, 1993 apud
CAMPBELL, 2014, p. 93)
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do sonhar e é um dos um dos sete Perpétuos. A história criada pelo autor inglês se inicia
quando a personagem é aprisionada por um mago que tentava aprisionar a irmã de
Morpheus, Morte, e depois de décadas cárcere privado o Rei do sonhar se liberta e
acompanhamos a sua jornada após seu confinamento.
Fig. 2 - Sandman: Ed. Definitiva 01, Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Sam Kieth e Mike
Dringenberg. (2010, p. 47)
17
conhecido em alguns contos como “fantasia recursiva”. (WAGNER et allii,
2011, p. 63)
No livro The View from the Cheap Seats: Selected Nonfiction, Neil Gaiman
(2016, p.38) faz o apontamento de que para ele os mitos são um terreno fértil e que a
partir dali surgem novas histórias.
Myths are compost.
They begin as religions, the most deeply held of beliefs, or as the stories that
accrete to religions as they grow.
(...)
And then, as the religions fall into disuse, or the stories cease to be seen as
the literal truth, they become myths. And the myths compost down to dirt,
and become a fertile ground for other stories and tales which blossom like
wildflowers4. (GAIMAN, 2016, p. 38)
O autor também coloca que Sandman foi sua tentativa de criar uma nova
mitologia se utilizando de panteões de outras mitologias. No arco Estações das Brumas
– Sandman N° 21 a N° 28 –, por exemplo, Gaiman se utiliza desse recurso ao narrar
uma história em que Lúcifer abdica do Inferno, deixa as chaves do Inferno com
Morpheus que tem que decidir o que fara com o Inferno e enquanto seres mitológicos
(da mitologia nórdica, egípcia e japonesa), anjos, demônios e fadas vão ao Sonhar para
pedir que Morpheus de a um deles os domínios de Lúcifer.
4
Os mitos são compostos.
Eles começam como religiões, as crenças mais profundas ou como as histórias que se acumulam nas
religiões à medida que crescem.
(...)
E então, à medida que as religiões caem em desuso, ou as histórias deixam de ser vistas como a verdade
literal, elas se tornam mitos. E os mitos adotam a terra e se tornam um terreno fértil para outras
histórias e contos que florescem como flores silvestres
5
Sandman era, em muitos aspectos, uma tentativa de criar uma nova mitologia - ou melhor, encontrar o
que eu respondia nos antigos panteões e depois tentar criar uma estrutura fictícia na qual eu pudesse
acreditar quando escrevi. Algo que se sentiu certo, da maneira que os mitos se sentem certos.
18
A Vertigo se centrava principalmente em séries de fantasia e terror destinadas
a adultos, tendo The Sandman como carro-chefe. A DC já tinha várias séries
que não seguiam o Comics Code, trazendo um selo “para leitores maduros”;
a Vertigo tinha uma linha inteira “para leitores maduros”, dando bastante
liberdade aos criadores para tratar de conteúdo e imagens que tinham
permanecido proibidos por lei nos quadrinhos mainstream por quase quatro
décadas. (MAZUR; DANEER, 2014, p. 217/218)
Como foi explanado nos parágrafos anteriores a uma relação entre o trabalho de
Neil Gaiman em Sandman e mitologia. Partindo dessa relação no próximo capítulo
deste trabalho será abordado quadrinhos, mitologia e usos do passado.
19
CAPÍTULO 2 – USOS DO PASSADO, MITOLOGIA E QUADRINHOS.
Silva (2007, pp. 27-28), também coloca que quando algo contemporâneo tem
elementos do mundo antigo é porque ocorre uma necessidade de “atender aos interesses
daqueles que reivindicam uma certa herança antiga, os seus beneficiários. ” (SILVA,
2007, pp. 27-28). Em seu livro autor estuda como o governo de Vicky se utiliza da
figura de Vercingetórix como ferramenta para reafirma uma identidade nacional e
legitimar o governo.
De diferentes modos e em diferentes períodos, a Antigüidade Clássica foi
retomada ao longo da história do ocidente. O objetivo de semelhantes
interpretações, o mundo antigo frequentemente esteve presente na
constituição nacionais, por exemplo, na legitimação de regimes autocráticos
20
de direito e no pleitear de uma certa “herança” justificadora (ampla), utilizada
por diferentes países (...). (SILVA, 2007, p. 32)
O mitólogo romeno Mircea Eliade (1991, p. 7), em seu livro Mito e Realidade,
aponta que a partir da metade do século XX os pesquisadores pararam de analisar o
mito como fábula ou ficção, começaram a olhar o mito como algo essencial para as
sociedades antigas e que para essas sociedades o mito era de “caráter sagrado, exemplar
e significativo” (ELIADE, 1991, p. 7). O autor também assinala que mesmo com essa
mudança o termo mito não perdeu totalmente a alcunha de algo ficcional ou ilusório.
Segundo Pierre Grimal (1982, pp. 13-14), no livro A Mitologia Grega, os mitos
não se originam organizadamente ou de um sistema teológico, científico ou filosófico,
pois o mesmo mito pode ter diferentes origens nas mais diversas tradições. Grimal
(1982, p. 14) exemplifica essa colocação se utilizando do mito de origem do deus grego
Zeus, que na ilha de Creta tem dois lugares de sua suposta origem – o monte Ida e o
monte Dicté –, e que também não muito distante de Messênia existe uma fonte
chamada Clepsidra, que teria se originado juntamente com o principal deus do panteão
grego.
O autor também coloca que o “(...) o mito não é uma realidade independente,
mas algo que evolui segundo as condições históricas e étnicas; e que, em alguns casos,
conserva testemunhos inesperados sobre situações que, não fosse o mito, estariam
esquecidas. ” (GRIMAL, 1982, p. 15).
21
De acordo com Eliade (1991, p.11), o mito faz parte de uma complexa realidade
cultural “que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e
complementares” (ELIADE, 1991, p.11). Para o autor não existe uma definição de mito
que seja aceita por todos os pesquisadores e que seja palpável para os leigos no assunto.
Eliade (1991, p. 11), argumenta que para ele a definição de mito menos imperfeita é
que...
... o mito narra como, graças às façanhas dos Entes sobrenaturais, uma
realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um
fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma
instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de
que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que
realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. (...) Em suma, os mitos
descrevem as diversas e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou
do “sobrenatural”) no Mundo. (ELIADE, 1991, p. 11)
O autor também frisa que o mito é uma história verdadeira porque sempre está
referenciado a uma realidade, ou seja, o mito “cosmogônico é ‘verdadeiro’ porque a
existência do Mundo aí está para prová-lo; o mito da origem da morte é igualmente
‘verdadeiro’ porque é provado pela mortalidade do homem, e assim por diante. ”
(ELIADE, 1991, p.12).
Partindo dos autores Pierre Grimal (1982) e Mircea Eliade (1991) respondemos
nosso segundo questionamento desde capítulo, “O que é mito? ”, e agora iremos seguir
para o terceiro questionamento: “Qual a função do mito?”.
Segundo Mircea Eliade (1991, p. 13), o mito tem a função de mostrar “os
modelos exemplares, os ritos e atividades humanas significantes: tanto a alimentação ou
o casamento, quanto o trabalho, educação, arte ou a sabedoria.” (ELIADE, 1991, p.13).
O autor também coloca que dentro das sociedades que se utilizam dos mitos existe uma
distinção entre “Histórias Verdadeiras” e “Histórias falsas” – fábulas ou contos –.
Eliade (1991, p. 15), explica que essas duas categorias são “histórias”, ou seja,
contam sobre eventos que ocorreram em um passado longínquo e maravilhoso. Mesmo
existindo uma diferença entre as personagens das “Histórias Verdadeiras” e “Histórias
falsas”.
Embora os protagonistas dos mitos sejam geralmente Deuses e Entes
sobrenaturais, enquanto os dos contos são heróis ou animais miraculosos,
todos esses personagens têm uma característica em comum: eles não
pertencem ao mundo quotidiano. (...) Tudo que é narrado nos mitos concerne
diretamente a eles, ao passo que os contos e as fábulas se referem a
acontecimentos que, embora tendo ocasionado mudanças no mundo (cf. as
peculiaridades anatômicas ou fisiológicas de certos animais), não
modificaram a condição humana como tal. (ELIADE, 1991, p. 13)
22
Outro ponto elucidado por Eliade (1991, p. 18) é que ao conhecer o mito se tem
o conhecimento sobre a origem das coisas e ter capacidade faze-las reaparecer caso
desapareçam.
Os mitos ensinam como repetir os gestos criadores dos Entes Sobrenaturais e,
consequentemente, como assegurar a multiplicação de tal ou tal animal ou
planta. (ELIADE, 1991, p. 18)
23
mesmo. (...) O arquétipo é, na realidade, uma tendência instintiva, tão
marcada como o impulso das aves para fazer seu ninho e das formigas para se
organizarem em colônia. (JUNG, 2016, p. 83)
24
Figura 3 – Entidades mitológicas nórdicas (Loki, Odin e Thor) e egípcias
(Anúbis e Bastet). Sandman: Ed. Definitiva 02, Roteiro: Neil Gaiman. Arte:
Kelley Jones. Arte-final: Dick Giordano. (2011, p. 168)
O quinto questionamento deste capítulo – Como autor consegue fazer com que
o público se relacione com os mitos utilizados por ele sendo que estes são tão distantes
dos leitores de quadrinhos? – pode ser respondido com base nos estudos da socióloga
Vera L. Zolberg
Vera L. Zolberg (2006, p. 207), coloca que independentemente da inteligência
ou do nível de talento dos artistas, os mesmos são dependentes das editoras, gravadoras
e cia, para que suas obras sejam aceitas pelo mercado e pelo público. Ou seja, das
estruturas de apoio.
25
criação artística. Elas abrangem desde relações simples e diretas entre o
artista e o cliente até relações de grande complexidade, envolvendo
intermediários, redes e círculos. (...) também disseminam o novo
conhecimento a universos mais amplos, incluindo os públicos ou plateias
para artes, que se tornaram comuns nas sociedades modernas. Mesmo que
digam não se importar com eles, os artistas são obrigados a conquistar seu
beneplácito. (ZOLBERG, 2006, p. 207)
26
fizessem citações falando bem e distribuindo a obra. Além de solicitar ao autor que
escrevesse uma recapitulação do que havia acontecido na história até aquele número.
Essa campanha da DC Comics, com Sandman, fez com que não só leitores de
história em quadrinhos, mas também leitores de literatura e o público feminino (por
exemplo) se interessassem pela obra de Gaiman. Devidos aos temas trabalhados que não
eram comuns serem abordados dentro da indústria mainstream dos quadrinhos e o
interesse de não leitores de quadrinhos; Sandman é colocado como umas das mais
importantes obras literárias do gênero de fantasia e horror ao lado de grandes clássicos
desse gênero.
Vera L. Zolberg (2006, p. 213) aponta para a diferença entre belas-artes
convencionais e para a cultura de “massa” ou “popular”. A autora coloca que a cultura
de “massa” ou “popular” é vista como algo feito para um público mais brando, não para
um público mais específico que consomem artes que tem uma tradição mais
eclesiástica, como por exemplo, obras de artes expostas em museus ou galerias e peças
de teatro.
27
Zolberg (2006, pp. 213-214), em contraponto faz a colocação de que essa
distinção entre belas-artes convencionais e para a cultura de “massa” ou “popular” vai
contra...
28
CAPÍTULO 3 – QUADRINHOS E MITOLOGIA
Depois de ter abordado a historiografia da história em quadrinhos no capítulo 1 e
as questões em relação aos usos do passado, mitologia, arquétipos e estruturas de apoio
no capítulo 2 passaremos neste capítulo a uma análise da mitologia grega nos
quadrinhos de Sandman, a partir das personagens Sandman, Morte – Tântanos/ Tânato
– e a Hécate.6
Antes de entrarmos na análise da utilização da mitologia grega no corpus
documental deste trabalho iremos trabalhar a questão da imagem nos utilizando da
autora Martine Joly, do teórico da história em quadrinhos Thierry Groensteen e do
historiador Peter Burker.
Martine Joly (1994, p. 13), em seu livro Introdução à Análise da Imagem, coloca
que a imagem é compreendida como uma coisa que nem sempre é remetente a algo
visível, mas que “toma de empréstimo alguns traços ao visual e, em todo o caso,
depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por
alguém, que a produz ou a reconhece” (JOLY, 1994, p. 13). A autora também aponta
que a imagem não surgiu na contemporaneidade que na verdade ao logo da
temporalidade aprendemos a associa-la a diversas instâncias.
...a imagem contemporânea vem de longe, que não surgiu aqui e agora, com a
televisão e a publicidade. Que aprendemos a associar ao termo imagem
noções complexas e contraditórias que vão da sabedoria ao divertimento, da
imobilidade ao movimento, da religião à distração, da ilustração à
semelhança, da linguagem à sombra. Pudemos aperceber-nos disto através de
simples expressões correntes que empregam a palavra imagem. (JOLY, 1994,
p. 17)
Segundo Joly (1994, p. 30/31), existem diversas categorias de imagens, mas para
melhor estudar as imagens é melhor se ater a uma teoria que engloba todas essas
categorias. Essa teoria mais abrangente seria a teoria da semiótica. Está teoria semiótica
para ser usado“depende de um certo número de opções: a primeira é abordar a imagem
6
Durante o levantamento bibliográfico para este trabalho foi encontrado um ensaio intitulado Sandman –
mitologia para as novas gerações, de autoria Rodrigo Corrêa Teixeira (2005), na revista Comum - Rio de
Janeiro - v.11 - nº 25. O ensaio de Rodrigo Corrêa Teixeira (2005) analisa como a produção cultural
contemporânea tem influência dos mitos gregos, fazendo uma análise das personagens Sandman, Morte,
Destino, Desejo e as características que estes têm dos mitos gregos. O ensaio Teixeira (2005) é de um
viés da área da Publicidade e Propaganda e não tem o intuito de fazer uma análise historiográfica do
corpus documental como é objetivo desde trabalho.
29
sob o ponto de vista da significação e não da emoção ou do prazer estético, por
exemplo. ” (JOLY, 1994, pp. 30-31).
Joly (1994, pp. 30-31), aponta que para estudar algo partindo da sua
especificidade semiótica é preciso levar em consideração como este objeto suscita seus
significados. A mesma frisa que “um signo é um signo apenas quando exprime idéias e
suscita no espírito daquele ou daqueles que o recebem uma atitude interpretativa. ”
(JOLY, 1994, pp. 30-31).
De acordo com a elucidação de Joly (1994, p. 36), se utilizando de Charles
Sanders Peirce, signo é algo que muda de significado dependendo da relação que um
indivíduo tem o com o mesmo.
Esta definição tem o mérito de mostrar que um signo mantém uma relação
solidária entre pelo menos três pólos (e já não apenas dois como em
Saussure): a face perceptível do signo – representamen ou significante (St);
aquilo que representa: objeto u referente; e aquilo que significa: interpretante
ou significado (Sd). (JOLY, 1994, p. 36)
Groensteen (2015, p. 28) elucida que fazer esse tipo de definição para a história
em quadrinhos é perigosa pois a Coluna Trajano ou o Livro dos Mortos, por exemplo,
podem ser enquadrados nessa definição. Mas o autor aponta que a procura pela
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definição das histórias em quadrinhos não se assemelha com a definição de o que é
literatura.
De acordo com Groensteen (2015, p. 29) os quadrinhos não se utilizam de uso
coloquial, o mesmo elucida que “Uma vez as histórias em quadrinhos não se baseiam
uma utilização particular da linguagem, não há lugar para defini-las em termos de
dicção” (GROENSTEEN,2015, p. 29), ou seja, a linguagem do quadrinho é infinita.
Apesar do historiador Peter Burker (2004) não tratar dos quadrinhos em seu
livro Testemunha Ocular: história e imagem, ele se utiliza das imagens como fonte
histórica. Os conceitos trabalhados por ele podem contribuir para a análise das histórias
em quadrinhos.
Para Peter Burker (2004, p.17), as imagens são importantes evidências
históricas, tanto “como textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma
importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular.”
Burker (2004, p. 16) ressalta que os historiadores ao usarem imagens não podem
e não devem elenca-las como “‘evidência’ no sentido estrito do termo”. O autor também
aponta os cuidados que se tem que ter ao analisar as imagens.
1.A boa notícia para os historiadores é que a arte pode fornecer evidências
para aspectos da realidade social que os textos passam por alto.
2. A má notícia é que a arte da representação é quase sempre menos realista
do que parece e distorce a realidade social mais do que refleti-la, de tal forma
que historiadores que não levem em consideração a variedade das intenções
de pintores e fotógrafos (sem falar nos patronos e clientes) podem chegar a
uma interpretação seriamente equivocada.
3. Entretanto, voltando à boa notícia, o processo de distorção é, ele próprio,
evidência de fenômenos que muitos historiadores desejam estudar, tais como
mentalidades, ideologias e identidades. A imagem material ou literal é uma
boa evidência da “imagem” mental ou metafórica do eu ou dos outros.
(BURKER, 2004, p. 36-37).
Segundo Peter Burker (2004), o primeiro item é algo claro, mas já o segundo e o
terceiro itens necessitam ser elaborados de melhor maneira. O autor também coloca que
a atenção dos historiadores em relação à imagem aconteceu em um momento de
contenda,
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...quando pressuposições triviais sobre a relação entre “realidade” e
representações (sejam elas literárias ou visuais) foram desafiadas, um
momento no qual o termo “realidade” está cada vez mais sendo usado entre
aspas. Nesse debate, os inovadores levantaram alguns pontos importantes em
detrimento dos “realistas” ou “positivistas”. (BURKER, 2004, p. 36-37).
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Pegando essas características da personagem podemos relaciona-la as seguintes
divindades gregas: Hipnos e Morfeu. Mas quem são essas divindades? Por que
podemos relaciona-las a personagem?
Segundo o historiador Pierre Grimal (2005, p. 231), em seu livro Dicionário da
mitologia grega e romana, Hipno para os antigos gregos seria a personificação do sono,
filho de Érebo e da Noite e irmão gêmeo da Morte (Tânato). Representado com asas,
que lhe concede a habilidade de transitar entre o céu e o mar pondo os seres em estado
de sono.
Hipno é a personificação do sono. É filho da Noite e de Érebo (ou ainda,
filho de Astreia) e irmão gémeo de Tânato (a morte). Hipno quase
ultrapassou o estado da pura abstraçã. Homero representa-o habitando em
Lemnos. Mais tarde, fazem retroceder a sua morada: nos infernos, segundo
Virgílio, na região do Ciméricos, segundo Ovídio que fornece uma abundante
descrição do seu palácio encantado, onde tudo dorme. Representam-no,
frequentemente, alado, percorrendo rapidamente a terra e o mar e pondo os
seres em estado de sonolência. (GRIMAL, 2005, p. 231)
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Figura 5 – Biblioteca do sonhar onde os livros que ainda não existe no
mundo dos homens ou que nunca iram existir ficam e o seu bibliotecário
Lucien. Sandman: Ed. Definitiva 04 Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Kevin
Nowlan. (2013, p. 13)
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Agora que analisamos a correlação entre Hipnos e a personagem Sandman,
iremos fazer a análise da relação entre Morfeu e Sandman.
Grimal (2005, p. 318) coloca que Morfeu é um dos filhos de Hipno e que é... .
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Figura 7 – Sandman em forma de gato na história Um sonho de mil
gatos. Sandman: Ed. Definitiva 01 Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Kelley
Jones. Arte-final: Malcolm Jones III (2010, p. 476)
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Figura 8 e 9 – A persongem Morte. Sandman: Ed. Definitiva 01
Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Mike Dringberg e Malcolm Jones III.
(2010, p. 211 e 218)
...Tânato não possui um mito propriamente dito. O combate que tratava com
Héracles, no Alcetes de Eurípides, e o seu contratempo com Sífilo (v. este
nome) são apenas narrativas populares imaginadas fora de qualquer sistema.
(GRIMAL, 2005, p. 247)
Podemos relacionar a Morte com Tânatos pois ambos são irmãos de uma
divindade que tem relação com o sonho e o sono; e assim como na mitologia romana a
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Morte de Sandman é uma personificação feminina. A partir dessas correlações pode-se
chegar a conclusão que o escritor se baseou na entidade mitológica greco-romana para
criar a sua personagem com elementos também da mitologia egípcia.
Grimal (2005, p. 193), ressalta que com do tempo a divindade começou a ser
associada a magia e a feitiçaria, e aparece em encruzilhadas como se fosse uma mulher
com três cabeças.
Foi considerada como a deusa que preside à magia e aos feitiços. Está ligada
ao mundo das sombras. Surge aos magos e às feiticeiras com um archote em
cada mão, ou sob a forma de diversos animais: égua, cadela, loba, etc. (...)
Como feiticeira, Hécate preside às encruzilhadas, que são lugares de eleição
da magia. Aí se ergue a sua estátua, sob a forma de uma mulher com três
corpos ou então com três cabeças. (GRIMAL, 2005, p. 193)
Durante a análise da terceira personagem foi detectado (Figura 10) que ao fazer
o ritual de invocação da Hécate, Sandman, fala os nomes: Cloto, Láqueles e Átropos.
Estes nomes são referentes à divindade grega Meras.
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Figura 10 – Sandman falando o nome das Meras durante o ritual de
invocação da Hécate. Sandman: Ed. Definitiva 01 Roteiro: Neil
Gaiman. Arte: Sam Keith e Mike Dringberg. (2010, p.70)
De acordo com Pierre Grimal (2005, p. 306), Meras representa o destino dos
seres humanos, não tem nenhuma flexibilidade “como o destino: encarna uma lei que os
próprios deuses não podem transgredir sem pôr em perigo a ordem do mundo. ”
(GRIMAL, 2005, p. 306).
Grimal (2005, p. 306) também coloca que, após epopeias homéricas, os gregos
desenvolveram uma concepção de três Meras – Cloto, Láqueles e Átropos – que...
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Neil Gaiman se utilizou deste lado da magia e feitiçaria de Hécate, usando as
características das Meras, para inseri-la dentro de sua história. Nas figuras abaixo
podemos ver como Gaiman usou elementos de Hécat em Sandman:
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Figura 13 – No momento que o ritual de invocação é finalizado Sandman chama as
personagens invocadas de Hécate mesmo que no início do ritual Sandman tenha se
referido a elas como Cloto, Láqueles e Átropos. Sandman: Ed. Definitiva 01 Roteiro:
Neil Gaiman. Arte: Sam Keith e Mike Dringberg. (2010, p.71)
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Figura 15 –Sandman pedindo as Hécates qual foi o destino da sua algibeira de areia, seu
elmo e seu rúbi enquanto estava aprisionado. Novemente Gaiman se utilia de uma
característica das Meras na constituição das Hécates dentro do quadrinho. Sandman: Ed.
Definitiva 01 Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Sam Keith e Mike Dringberg. (2010, p.74)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa intenção nesta pesquisa teve por base demonstrar que a história em
quadrinhos teve certo desenvolvimento a partir da apropriação da antiguidade ou usos
do passado de elementos mitológicos pelo homem moderno tendo em vista a fascinação
pelo misterioso e pelo antigo. Além disso, pode também ter apresentado elementos
mitológicos para o homem moderno. Como estudo de caso nos limitamos à mitologia
grega. Durante o levantamento de dados verificamos que Sandman seria o corpus
documental e imagético ideal em função da maneira como o autor se utiliza de
elementos de diversas mitologias na construção de suas personagens.
A partir do panorama revelado no estudo de caso podemos observar que, o autor,
se utilizou de pequenos elementos dos mitos gregos para construir suas personagens,
como por exemplo, características das divindades gregas Hipnos e Morfeus na
construção da personagem Sandman. Ou inserindo divindades da mitologia grega como
personagens de maneira euforizada ou disforizada, como no caso de Hécate que foi
tratada pelo autor de maneira híbrida ao ser retratada com características de outra
divindade mitológica grega – as Meras.
Outo ponto ao se destacar é que o autor só conseguiu fazer essa obra se
utilizando de usos do passado graças às estruturas de apoio. Neste caso a estrutura de
apoio foi a editora DC Comics e as estratégias junto ao mercado distribuidor; e o
público que se identificou com a obra do autor pelo apelo mitológico e arquetípico do
quadrinho.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GAIMAN, Neil. Sandman: edição definitiva – volume 1. São Paulo: Panini Books,
2010.
GAIMAN, Neil. Sandman: edição definitiva – volume 2. São Paulo: Panini Books,
2011.
GAIMAN, Neil. Sandman: edição definitiva – volume 3. São Paulo: Panini Books,
2012.
GAIMAN, Neil. Sandman: edição definitiva – volume 4. São Paulo: Panini Books,
2013.
Bibliografia
BURKER, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: Edusc, 2004.
CAMPBELL, Hayley. A arte de Neil Gaiman. São Paulo: Mythos Editora, 2014.
GAIMAN, Neil. The View from the Cheap Seats: Selected Nonfiction. New York:
HarperCollins, 2016.
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MUZER, Dan. DANNER, Alexander. Quadrinhos – História moderna de uma arte
global. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
RAMA, Angela et allii. Como usar História em quadrinhos na sala de aula. São
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SECRET Origin: The Story of DC Comics. Direção: Mac Carter, Produção: Gregory
Noveck et allii. Estados Unidos da América. (EUA): Warner Bros. Entertainment, 2010,
1 DVD.
VERMANT, Jean-Pierre. Mito e religião na Grécia Antiga. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2006.
ZOLBERG, Vera L. Para uma sociologia das artes. São Paulo: Editora Senac, 2006.
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