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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF

CHT – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DE CAMPOS DOS GOYTACAZES


CCH – COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

LUCAS FERREIRA VIEIRA

Sandman: história em quadrinho, mitologia e o homem moderno.

CAMPOS DOS GOYTACAZES


2017

1
LUCAS FERREIRA VIEIRA

SANDMAN: HISTÓRIA EM QUADRINHO, MITOLOGIA E HOMEM


MODERNO.

Trabalho de Conclusão do Curso de


Licenciatura em História apresentado ao
Departamento de História de Campos –
CHT, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharelado em
História.

Orientador (a): Prof. Dr Julio Cesar


Medonça Gralha

CAMPOS DOS GOYTACAZES


2017

2
LUCAS FERREIRA VIEIRA

SANDMAN: HISTÓRIA EM QUADRINHO, MITOLOGIA E HOMEM


MODERNO.

Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharel em


História apresentado ao Departamento de História
de Campos – CHT, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharelado em História.
Aprovado em ____ de ______________ de
_______.
Discente:
__________________________________

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________
Prof. Dr. Julio Cesar Mendonça Gralha - UFF
Orientadora – Presidente da banca
_____________________________________________
Prof. Dr. - UFF
Examinador convidado
_____________________________________________
Prof. Dr. - UFF
Examinadora convidado

3
4
AGRADECIMENTOS

Ao meu avô Raul, a minha avó Cassinha, a minha mãe, ao meu pai e a minha
irmã pelo carinho e por sempre acreditarem em mim. Ao Prof. Dr. Julio Gralha por me
orientar desde do início da faculdade e por fomentar meu interesse pela pesquisa. Aos
meus amigos de longa data e aos que fiz durante a graduação. E em especial a Giovani
por fomentar meu interesse por História durante minha adolescência e por me mostrar
que histórias em quadrinhos são muito mais do que mero entretenimento.

5
RESUMO

A presente pesquisa visa analisar o uso da história em quadrinho como forma de


apropriação ou usos do passado de elementos mitológicos pelo homem moderno. De
fato, mais especificamente, da mitologia grega. Para realização desta análise, foi
escolhido como corpus documental e imagético, o quadrinho Sandman escrito por Neil
Gaiman do ano de 1988 a 1996. Criado em 1939 por Gardner Fox e Bert Christman, a
personagem apareceu pela primeira na revista Adventures Comics N° 40. No decorrer
dos anos a personagem passou por vários autores e sofreu várias repaginações, mas foi
em 1987 que o jovem escritor britânico, Neil Gaiman, recebeu carta branca da DC
Comics para fazer o que bem entendesse com a personagem. O Sandman de Gaiman
narra a história de Morpheus – Rei do Sonho –, um dos sete Perpétuos, que é preso por
um mago que tentava aprisionar a irmã do rei do sonhar, Morte, e depois de décadas
aprisionado Morpheus se liberta e acompanhamos a sua jornada após seu confinamento.

PALAVRAS-CHAVE: |História em Quadrinhos – Mitologia – História – Usos do


Passado – Arte.
ABSTRACT

The present research aims to analyze the use of comics as a form of appropriation or
uses of past of mythological elements by modern man. In fact, more specifically, from
Greek mythology. For the purpose of this analysis, the Sandman comic written by Neil
Gaiman from 1988 to 1996 was chosen as documentary and imaginary corpus. Created
in 1939 by Gardner Fox and Bert Christman, the character appeared for the first time in
the Adventures Comics magazine N ° 40. Over the years the character has gone through
several authors and has undergone several repaginations, but it was in 1987 that the
young British writer, Neil Gaiman, received carte blanche from DC Comics to do as he
pleased with the character. Gaiman's Sandman tells the story of Morpheus - King of
Dream - one of the seven Perpetuals, who is arrested by a wizard attempting to imprison
the king's sister from dreaming, Death, and after decades imprisoned Morpheus breaks
free and accompanies his Journey after their confinement.

KEY-WORDS: Comics - Mythology - History - Uses of the Past - Art.

6
Sumário
APRESENTAÇÃO........................................................................................................... 8
CAPÍTULO 1 – DO PÓS SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A PUBLICAÇÃO DE
SANDMAN .................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 2 – USOS DO PASSADO, MITOLOGIA E QUADRINHOS. ................. 20
CAPÍTULO 3 – QUADRINHOS E MITOLOGIA ........................................................ 29
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 44

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APRESENTAÇÃO
A discussão em torno da historiografia da história em quadrinhos em relação ao
questionamento de “Quando e onde surgiram os quadrinhos? ”, é pautada no debate
infindável se os quadrinhos modernos surgiram em 1896 com The Yellow Kid, criado
por Richard Felton Outcault (1863 – 1928), ou em 1833 com Historie de M. Jabot,
criado por Rudolph Töpffer (1799 – 1846).
Segundo Alexandre Linck Vargas (2015), em sua tese A invenção dos
quadrinhos: teoria e crítica da sarjeta é defendido que Outcault é a gênese dos
quadrinhos devido o “uso da sequencialidade e do balão no contexto dos populares
jornais americanos” (VARGAS, 2015, p. 22) e que Töpffer é “o ‘pai’ das HQs que,
mesmo usando textos no rodapé dos quadros, representaria uma importante ruptura com
os livros ilustrados na valorização da narrativa imagética sequencial” (VARGAS, 2015,
p. 22). Rogério de Campos (2015, p. 16), em seu livro Imageria: a invenção dos
quadrinhos mostra que esta querela entre os pesquisadores das histórias em quadrinhos
tomou tamanha proporção que em 30 de outubro de 1989, onze pesquisadores se
reunirão no Salão de Lucca, Itália, e lançaram uma declaração afirmando que o ano de
1896, com a personagem Yellow Kid, marca o surgimento dos quadrinhos. No ano de
1996 o centenário das narrativas gráficas foi comemorado, por entidades culturais e a
mídia, tendo como referência a publicação de The Yellow Kid and His New
Phonograph. Em contrapartida uma nova geração de pesquisadores participou de um
simpósio, no Centre Belge de la Bande Dessinée, para discutir a gênese das histórias em
quadrinhos e resultado deste simpósio demonstrou que a comemoração do centenário
dos quadrinhos era um erro.
[A] discussão a respeito do inventor dos quadrinhos é um tanto sem sentido,
porque não pode haver algo como um inventor no campo dos quadrinhos.
Não há uma invenção técnica, como a câmera para o cinema. Existe apenas
um desenvolvimento gradual na narrativa visual ao longo da história da
humanidade, desde as pinturas pré-históricas. (DIERICK; LEFÈVRE
(Org.), 2000, apud CAMPOS, 2015, p. 16)

Ou seja, “A definição do que é uma HQ tem mudado à medida que ela evolui. E
junto vai mudando a visão que temos da história em quadrinhos” (CAMPOS, 2015, p.
17). Vargas (2015), coloca que o debate em cima da origem das HQs é um reflexo “da
indefinição provocada pelas HQs. Afinal, na ausência do que a coisa é, mais difícil se
torna postular o que a coisa foi” (VARGAS, 2015, p. 31).

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Explicitamos assim o debate entorno das origens possíveis surgiram as histórias
em quadrinhos. Passemos então para a historiografia da história em quadrinhos partindo
do Pós Segunda Guerra Mundial até a publicação de Sandman – que é corpus
documental e imagético desta pesquisa.

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CAPÍTULO 1 – DO PÓS SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A PUBLICAÇÃO DE
SANDMAN

No Pós Segunda Guerra Mundial a indústria dos quadrinhos obteve vendagem


altíssima, mas sua base de leitores – formada antes e durante a Segunda Guerra mundial
– estava envelhecendo e isso foi um catalizador para que se explorasse histórias de
novos gêneros, como por exemplo, terror, suspense e romance. O pesquisador espanhol
Santiago García (2012, p. 151), aponta para o fato de que, antes do fim da Segunda
Guerra Mundial, os quadrinhos norte-americanos circulavam sem nenhum tipo de
regulamentação, Entretanto o rádio e o cinema sofriam com códigos regulamentares. O
autor também coloca que essa “paz” que reinava foi abalada quando os quadrinhos de
terror e suspense, das editoras EC Comics e Warren Publishing, começaram a ser
atacados por pais e formadores de opinião. Mas foi em 1948, quando o médico
psiquiatra Fredric Wertham fez uma ligação entre os quadrinhos e a delinquência
juvenil, que se teve a gênese da “cruzada” contra a narrativa gráfica nos Estados
Unidos.

Wertham, que havia trabalhado com crianças conflitivas e havia descoberto


que todas elas tinham em comum sua afeição pelos quadrinhos – certamente
naquela época praticamente todas as crianças, conflitivas ou não, liam
quadrinhos –, lançou uma intensa campanha através da imprensa popular e de
seminários profissionais exigindo a proibição da venda de produtos tão
nocivos. (...) Por fim, em abril de 1954 publicou uma recopilação de seus
ensaios e conferências, intitulada Seduction of the Innocent, que causou um
impacto imediato entre o público. (GARCÍA,2012, p. 152)

Vargas (2015, p. 81), aponta que a publicação do livro de Wertham coincidiu


com o macarthismo e com o sentimento que ele carregava de que a “moral americana
precisava ser inventada e reafirmada, isso não passaria incólume. ” (VARGAS, 2015, p.
81). Toda essa manifestação contra as histórias em quadrinhos culminou na realização
de um comitê, organizado pelo senado americano através de um subcomitê para a
delinquência juvenil, que efetivou audiências, entre os meses abril e junho de 1954, que
discutiam se existia uma relação entre a delinquência juvenil e os quadrinhos. Nestas
audiências estavam presentes alguns representantes da indústria dos quadrinhos e
Fredric Wertham. O resultado dessas audiências demonstrou não haver qualquer relação
entre a delinquência juvenil e os quadrinhos, mas como o comitê tinha que dar “uma
resposta às pressões que surgiam de associações da moral e bons costumes, e, ao estilo

10
americano liberal, muito discretamente fazer pesar a sugestão de que o setor de
quadrinhos deveria buscar uma auto-regulamentação” (VARGAS, 2015, p. 96).
Meses depois a Comics Maganize Association of America instaurou o Comics
Code Authority, que tinha como objetivo assegurar aos professores e pais que as estórias
publicadas nas revistas em quadrinhos não iriam “prejudicar o desenvolvimento moral e
intelectual de seus filhos e alunos. ” (VERGUEIRO, 2006, p. 13). García (2012, p. 158),
coloca que a partir do Comics Code Authority a indústria dos quadrinhos recebeu o
estigma de ser voltada exclusivamente para o público infantil, ou seja, os quadrinhos
pararam de ser algo atrativo para o público jovem. As editoras, EC Comics e Warren
Publishing, se arriscaram a não seguir o Comics Code Authority com a tentativa de
passar seus quadrinhos...
... ao formato de revista tradicional, que lhe permitia escapar do Código, já
que este era aplicado apenas aos comic books. Nesse formato experimentou
uma fórmula que misturava o texto com a ilustração, mas foi uma última e
desesperada cartada. (GARCÍA, 2012, p. 157/158)

As histórias de terror e suspense não foram os únicos gêneros dos quadrinhos


que foram prejudicados com a instauração do o Comics Code Authority as histórias de
super-heróis também foram atacadas por Wertham que defendia...

...que a leitura das histórias do Batman poderia levar os leitores ao


homossexualismo, na medida em que esse herói e seu companheiro Robin
representavam o sonho de dois homossexuais vivendo juntos. Ou que o
contato prolongado com as histórias do Superman poderia levar uma criança
a se atirar pela janela de seu apartamento, buscando imitar o herói.
(VERGUEIRO, 2006, p. 12)

Com isso os quadrinhos de super-heróis s perderam de vez a atenção do público


jovem, mas García (2012) coloca que existiram outros fatores que contribuíram para a
crise dos quadrinhos nos anos de 1950:

Também foram fatores de peso a saturação de títulos e editoras, a


concorrência crescente da televisão e a perda do principal distribuidor
nacional, American New Company, que foi objeto de um processo
antimonopólio do Departamento de Justiça em 1952, o que deixou sem
distribuição um bom número de editoras pequenas. (GARCÍA, 2012, p. 157)

Segundo Dan Muzer e Alexander Danner (2014, p. 23), no livro Quadrinhos –


História moderna de uma arte global levaram anos para que as histórias em quadrinhos
se desvinculassem de alguma forma do o Comics Code Authority e fazer o público
adulto ter novamente interesse pelos quadrinhos. Esse momento de revitalização dos

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quadrinhos não veio através das grandes editoras, como a DC ou a Marvel, mas sim de
um Movimento Underground1 – que não dependia das grandes distribuidoras ou do
mercado já consolidado para serem distribuídas – capitaneado pelo quadrinista Robert
Crumb.
A alegre coleção de poucas páginas dos quadrinhos escandalosamente sem
censura de Crumb foi um sucesso instantâneo entre os moradores, hippies
pós-Verão do Amor. Começava o Movimento Underground dos quadrinhos
norte-americanos.
O movimento tinha sido criado em revistas de humor de faculdades, revistas
de surfe e de caros antigos turbinados, os hots-rods, e jornais underground,
como o East Village Other, o Berkeley Barb e o L.A Free Press. Tomou
corpo numa rede de head shops, lojas que vendiam acessórios para o uso de
drogas e pôsteres de rock psicodélico. Essa união imprevista de um impulsivo
criativo, um público receptivo e uma rota de distribuição já aprovada resultou
em seis anos de independência artísticas comercialmente rentável, sem
precedentes na história dos quadrinhos. (MAZUR; DANEER, 2014, p. 23)

A reação das grandes editoras de conquistarem o público jovem e adulto veio,


nos anos 1970, capitaneada pelas histórias do Arqueiro Verde e do Lanterna Verde
(personagens da DC Comics) que foram roteirizadas por Denny O’Neil e desenhada
por Neal Adams. As histórias desses personagens traziam histórias que abordavam
temas como conflitos raciais, conflitos sociais e consumo de drogas, ou seja, traziam
temas que a juventude dos anos 1970 estava habituada com a explosão da contracultura
e os movimentos contra a guerra do Vietnã. A Marvel teve um embate com o Comics
Code Authority, no ano de 1971, quando lançou uma história do Homem-Aranha que
trazia uma temática antidrogas, mas foi barrada pelo Comics Code Authority e a editora
decidiu lançar mesmo assim.
Em 1971, Stan Lee e Gil Kane tinham contrariado o código com a história do
Homem-Aranha Green Goblin Reborn! [O Duende Verde Renasce!], que
incluía uma mensagem antidrogas – e violava a proibição implícita do código
de representar o uso de drogas. Quando o Comics Codic Authority se recusou
a dar o selo de aprovação, a Marvel decidiu publicar assim mesmo, provando,
dessa forma, que o selo não era mais uma necessidade comercial, criando
novas oportunidades para assumir riscos maiores de meados para o fim dos
anos 1980. (MAZUR; DANEER, 2014, p. 174)

A partir desses dois fatos apontados, no parágrafo anterior, os quadrinhos


mainstream2 começaram a cair novamente nas graças do público jovem. Mazur e
Danner (2014, p. 169), colocam que outro fator importante para esta virada se refere a
Chris Claremont, que se tornou roteirista dos X-Men (personagens da Marvel Comics)
em 1976, e levou...

1
Movimento que não segue os padrões impostos pelo padrão comercial vigente da época.
2
Movimento comercial vigente da época.

12
...os quadrinhos de super-herói na direção de tramas e caracterização mais
complexas. Claremont deixou de lado as histórias fechadas em cada número,
dando vez a histórias longas que se estendiam por vários números, com
tramas em teias como uma novela de TV, com subtramas e envolvendo
romantismo. (MAZUR; DANEER, 2014, p. 174)

De acordo com Mazur e Danner (2014, pp. 169-170), Claremont junto com o
quadrinista John Byrne, no ano de 1980, sedimentaram o retorno do gênero de super-
heróis com a publicação de um arco3 de história dos X-Men intitulado: A Saga da Fênix
Negra. “(...) detalhando a corrupção e a consequente morte de Jean Grey na forma de
The Phoenix [Fênix] (...). Na época foi chocante ver um personagem reconhecido e
popular morrer, dando à história um ar de tragédia e importância.” (MAZUR;
DANEER, 2014, p. 170).
Mazur e Danner (2014, p. 170), colocam que essa passagem de Cleremont, pelo
título dos X-Men, foi importante, pois fez contribuições a elementos característicos que
estavam em voga nas antigas histórias da Marvel Comics. Os autores apontam que os
quadrinhos mainstream aderiram às inovações feitas por Cleremont nos X-Men e que
esse movimento fez que acentuasse “o fato de os quadrinhos serem ‘colecionáveis’, já
que agora os leitores, para entender o enredo, precisavam ter todas as edições de um
título.” (MAZUR; DANEER, 2014, p. 170).
Segundo Mazur e Danner (2014, p. 170/173), o mercado direto fez com que o
hábito de colecionar história em quadrinhos se tornasse algo mais palpável e que ao
mesmo tempo a...
... crescente complexidade das histórias teve o efeito oposto; como a história
anterior de cada série se tornava mais complicada, aumentava a barreira para
novos leitores, ajudando assim a firmar as comunidades de fãs dos
quadrinhos mainstream como uma subcultura isolada. (MAZUR; DANEER,
2014, p. 170).

Ou seja, essa revitalização fez com que o gênero de Super-Heróis voltasse a ser
rentável, com prestígio entre os jovens e adultos, mas ao mesmo se tornou algo que só
apenas leitores que acompanhassem as histórias há anos estavam inseridos.
No ano de 1984, o rumo dos quadrinhos mainstream estava prestes a mudar
novamente com a Invasão Britânica dos Quadrinhos. Karen Berger, editora da DC
Comics, estava atenta ao cenário dos quadrinhos ingleses e fez a proposta a Lein Wein,
também editor da DC Comics, de chamar o escritor britânico Alan Moore para escrever
os roteiros do quadrinho Monstro do Pântano que estava com uma baixa vendagem.

3
Histórias fechadas dentro de uma revista que tem uma numeração continua.

13
Ao assumir o roteiro do Monstro do Pântano, em 1984, Alan Moore
transformou o teor desse quadrinho – que tinha um estilo de terror ao estilo dos filmes
da década de 1920 da Universal – para uma coisa “atmosférica e visceral, mais no estilo
das clássicas histórias da EC Comics. ” (MAZUR; DANEER, 2014, p. 175). Além
disso, Moore mudou a origem do Monstro do Pântano, de um cientista – chamado Alec
Holland – que ao sofrer um acidente em seu laboratório teve o seu corpo impregnado
por produtos químicos e ao ter contado com os vegetais do fundo de um pântano se
transformou no Monstro do Pântano, para “(...) um papel mais elemental, de outro
mundo, para a criatura-líder, incluindo uma conexão mística [The Green], uma teia
maciça de toda a vida vegetal na terra” (MAZUR; DANEER, 2014, p. 175).
Mazur e Danner (2014, p. 175), elucidam que o Monstro do Pântano, de Alan
Moore, trabalhava com temas sociais, ecológicos, a questão racial no sul dos Estados
Unidos e com a questão da mulher na sociedade. Mas mesmo essa não sendo...

... a primeira tentativa das publicações mainstream de relevância social, é


claro, mas o dom de Moore para o diálogo temperamental e a narrativa
permitiu uma mensagem muito mais integrada do que as farpas grandiosas
dos confrontos entre Lanterna Verde & Arqueiro Verde. (MAZUR;
DANEER, 2014, p. 175)

Alan Moore consegue alavancar as vendas da revista do Monstro Pântano e isso


fez com que a DC desse “sinal verde” para que a editora Karen Berger fosse a Inglaterra
procurar mais roteiristas e artistas britânicos. Karen Berger (2010), no documentário
Secret Origin: The Story of DC Comics, fala o porquê do seu interesse pelos
quadrinistas britânicos:

For me, being a woman coming from outside of comics what they were doing
was stuff that interesed me. What they want to do, to change things. They
wanted to mature comics, they wanted to be provocative. (BERGER, 2010,
1:10:08/1:10:19)

Com Karen Berger recrutando roteiristas e artistas da 2000 A.D. e de outras


histórias em quadrinhos britânicas, se teve o início da invasão britânica nos quadrinhos
da DC Comics.
Nessa primeira onda de importações pós-Moore estavam Grant Morrison,
Jaime Delano, Neil Gaiman e Peter Milligan. Artistas como Brian Bolland e
Dave Gibbons também foram chamados, mas o interesse estava em
escritores. (MAZUR; DANEER, 2014, p. 175)

As histórias escritas, por esses autores britânicos, se distanciaram das


tradicionais histórias de super-heróis da DC Comics e isso mostra que a passagem de

14
Alan Moore pelo Monstro do Pântano deixou como herança “uma nova linha que tinha
o escritor – e não o editor – como principal criador. ” (MAZUR; DANEER, 2014, p.
215).
Um dos autores participantes da invasão britânica, Neil Gaiman, é responsável
por escrever Sandman – que é o corpus documental e imagético deste trabalho –.
Neil Gaiman nasceu em 10 de novembro de 1960 na cidade de Portchester que
pertence ao condado de Hampshire, Inglaterra. O autor começou sua carreira como
jornalista antes de começar a escrever quadrinhos para 2000 A.D nas primeiras décadas
dos anos 1980. De acordo com a biografa Hayley Campbell (2014), no ano de 1986
durante a UKCAC – United Kingdom Comic Art Convention – Gaiman entregou a
Karen Berger o roteiro de Jack in The Green e em 1987 soube que Berger junto com
Dick Giordano estavam na Inglaterra procurando escritores para DC Comics. Através de
Nick Laudau, da Titan Entertainment Group, o autor conseguiu entrar em contato com
Berger e Giordano, marcou uma reunião que foi acompanhado do artista Dave Mckean.
Nesta reunião Berger disse, segundo Hayley Campbell (2014, p. 92), que estava para
entrar em contato com Gaiman, que tinha lida o roteiro de Jack in the Green a caminho
para Inglaterra e que tinha gostado. No primeiro momento o autor fez a proposta de
trabalhar com o Vingador Fantasma, mas a personagem já estava nas mãos de outro
escritor. Então Gaiman começou a listar alguns personagens que queria trabalhar até
chegar finalmente a Orquídea Negra.
Gaiman apresentou uma lista de personagens que havia preparado, descendo
cada vez mais a lista até que estava raspando o tacho de heróis da DC com os
quais ninguém queria trabalhar. (CAMPBELL, 2014, p. 92)

Berger e Giordano deram uma chance para que, Gaiman e Mckean, fizessem
uma proposta de história com a Orquídea Negra. O autor e o desenhista depois de
alguns dias se encontraram novamente com os representantes da DC, mostraram um
esboço de roteiro – que reinventava a personagem e a ligava “ao Verde e a todo mundo
dentro do mítico universo do Monstro do Pântano, de Alan Moore. ” (CAMPBELL,
2014, p. 93) – e desenhos de Mckean para aquele esboço de roteiro.
Não foi uma decisão comercial do ponto de vista de vender para o público,
mas sim de vender para a DC. Foi por isso que não inventamos algo que
fosse nosso e tentamos vender para eles. O que fizemos foi pegar uma
personagem antiga e dizer, ‘Vocês são donos do projeto e vamos utilizar
personagens da DC por meio dele’. (GAIMAN, Kraft, 1993 apud
CAMPBELL, 2014, p. 93)

A DC viu um grande potencial comercial no trabalho de Gaiman e Mckean, e


decidiu que iria lançar Orquídea Negra em um tamanho maior que o convencional e
15
com capa cartonada. Mas a editora percebeu que mesmo a história tendo um grande
potencial o público estadunidense não conhecia Neil Gaiman ou Dave Mckean e isso
poderia influenciar na venda da história em quadrinho. Como solução os editores da DC
decidiram que Mckean desenharia uma história do Batman, chamada Asilo Arkhan,
roteirizada por Grant Morrisson (também britânico) e que Gaiman escreveria um título
mensal para que o público os conhecesse antes de Orquídea Negra ser lançada.
Neil Gaiman após algumas reuniões com Karen Berger decidiu trabalhar com a
personagem Sandman – que estava na lista de possíveis personagens que queria
trabalhar quando se reuniu com Berger e Dick Giordano na Inglaterra antes de ir
trabalhar nos Estados Unidos –, o autor recebeu passe livre da DC Comics para fazer o
que achasse melhor com a personagem. Sandman originalmente foi criado por Gardner
Fox e Bert Christman, no ano de 1939, e teve sua primeira aparição na revista
Adventures Comics N° 40. O Sandman de Fox e Christman, era o alter ego de Wesley
Dodds, usava um chapéu do estilo fedora, uma máscara de gás e uma arma que soltava
gás sonífero (Fig. 1) para combater o crime. Com o passar dos anos as histórias da
personagem foram roteirizadas por vários autores e com isso a personagem sofreu
inúmeras repaginações.
Figura 1 - Adventures Comics n° 40, 1939.

Em 1987, Gaiman cria um Sandman totalmente diferente daquele criado por


Gardner Fox e Bert Christman. O Sandman de Neil Gaiman (Fig. 2) é uma
personificação do sonho que é chamado por vários nomes, como Morpheus, Sonho, rei

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do sonhar e é um dos um dos sete Perpétuos. A história criada pelo autor inglês se inicia
quando a personagem é aprisionada por um mago que tentava aprisionar a irmã de
Morpheus, Morte, e depois de décadas cárcere privado o Rei do sonhar se liberta e
acompanhamos a sua jornada após seu confinamento.

Fig. 2 - Sandman: Ed. Definitiva 01, Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Sam Kieth e Mike
Dringenberg. (2010, p. 47)

O Sandman de Gaiman foi publicado de 1988 a 1996 com 75 números. De


acordo com Dan Muzer e Alexander Danner (2014),

... The Sandman contêm imagens de natureza cruel e perturbadora, mas é


uma forma muito mais sútil de terror. Com um protagonista central mais
velho e menos vulnerável do que até mesmo os deuses, o principal de The
Sandman não é a identificação ou a preocupação com Morfeu; mais do que
isso, ele se confunde com os meandros da cosmologia de Gaiman, enraizada
no próprio fenômeno misterioso da narrativa. (...) Gaiman explora fábulas e
folclore, atentando para a mistura de medo e esperança que eles
compreendem e como isso se manifesta no inconsciente. (MAZUR;
DANEER, 2014, p. 217)
Como é colocado por Muzer e Danner (2014, p. 217) e Hank Wagner et allii
(2011, p. 63), Gaiman tece a narrativa de Sandman se utilizando de elementos de
mitologias – grega, egípcia, nórdica, entre outras –, fábulas e folclore.
Apesar do aspecto do Sonho ter raízes na mitologia clássica e na articulação
de Joseph Campbell de temas míticos e religiosos comuns, é importante notar
aos leitores contemporâneos de Sandman e leitores de Gaiman em geral que
ele se baseou conscientemente seu trabalho nisso, numa veia do gênero

17
conhecido em alguns contos como “fantasia recursiva”. (WAGNER et allii,
2011, p. 63)

No livro The View from the Cheap Seats: Selected Nonfiction, Neil Gaiman
(2016, p.38) faz o apontamento de que para ele os mitos são um terreno fértil e que a
partir dali surgem novas histórias.
Myths are compost.
They begin as religions, the most deeply held of beliefs, or as the stories that
accrete to religions as they grow.
(...)
And then, as the religions fall into disuse, or the stories cease to be seen as
the literal truth, they become myths. And the myths compost down to dirt,
and become a fertile ground for other stories and tales which blossom like
wildflowers4. (GAIMAN, 2016, p. 38)

O autor também coloca que Sandman foi sua tentativa de criar uma nova
mitologia se utilizando de panteões de outras mitologias. No arco Estações das Brumas
– Sandman N° 21 a N° 28 –, por exemplo, Gaiman se utiliza desse recurso ao narrar
uma história em que Lúcifer abdica do Inferno, deixa as chaves do Inferno com
Morpheus que tem que decidir o que fara com o Inferno e enquanto seres mitológicos
(da mitologia nórdica, egípcia e japonesa), anjos, demônios e fadas vão ao Sonhar para
pedir que Morpheus de a um deles os domínios de Lúcifer.

Sandman was, in many ways, an attempt to create a new mythology—or


rather, to find what it was that I responded to in ancient pantheons and then to
try and create a fictive structure in which I could believe as I wrote it.
Something that felt right, in the way that myths feel right. 5 (GAIMAN, 2016,
p. 38)

A maneira como Gaiman desenvolveu os roteiros de Sandman agradou os


leitores adultos e também chamou atenção de um público que não era leitor de
quadrinhos. Esse fato juntamente com o sucesso das outras histórias não tinha relação
com os quadrinhos de super-heróis fez com que, no ano de 1993, a DC Comics
inaugurasse um selo, chamado Vertigo, que tinha como editora Karen Berger.

4
Os mitos são compostos.
Eles começam como religiões, as crenças mais profundas ou como as histórias que se acumulam nas
religiões à medida que crescem.
(...)
E então, à medida que as religiões caem em desuso, ou as histórias deixam de ser vistas como a verdade
literal, elas se tornam mitos. E os mitos adotam a terra e se tornam um terreno fértil para outras
histórias e contos que florescem como flores silvestres
5
Sandman era, em muitos aspectos, uma tentativa de criar uma nova mitologia - ou melhor, encontrar o
que eu respondia nos antigos panteões e depois tentar criar uma estrutura fictícia na qual eu pudesse
acreditar quando escrevi. Algo que se sentiu certo, da maneira que os mitos se sentem certos.

18
A Vertigo se centrava principalmente em séries de fantasia e terror destinadas
a adultos, tendo The Sandman como carro-chefe. A DC já tinha várias séries
que não seguiam o Comics Code, trazendo um selo “para leitores maduros”;
a Vertigo tinha uma linha inteira “para leitores maduros”, dando bastante
liberdade aos criadores para tratar de conteúdo e imagens que tinham
permanecido proibidos por lei nos quadrinhos mainstream por quase quatro
décadas. (MAZUR; DANEER, 2014, p. 217/218)

Como foi explanado nos parágrafos anteriores a uma relação entre o trabalho de
Neil Gaiman em Sandman e mitologia. Partindo dessa relação no próximo capítulo
deste trabalho será abordado quadrinhos, mitologia e usos do passado.

19
CAPÍTULO 2 – USOS DO PASSADO, MITOLOGIA E QUADRINHOS.

Como foi explanado no capítulo anterior o corpus documental e imagético,


Sandman do autor Neil Gaiman tem elementos mitológicos da Antiguidade que
consideramos como usos do passado. Neste recorte analisaremos especificamente o uso
da mitologia grega na obra. Mas a partir disso surgem alguns questionamentos: O que
são “usos do passado”? O que é mito? Qual é a função do mito? Como os mitos se
relacionam com o homem contemporâneo? Como o autor consegue fazer com que o
público se relacione com os mitos utilizados por ele sendo que estes são tão distantes
dos leitores de quadrinhos?

Para responder o primeiro questionamento  o que são os usos do passado? 


tomaremos por base Glaydson José da Silva (2007) mais especificamente seu livro
História Antiga e Usos do Passado: Um estudo de apropriações da Antiguidade sob o
Regime de Vichy (1940 – 1944). Glaydson José da Silva (2007, p. 26/27), coloca que o
relacionamento entre o mundo contemporâneo e a antiguidade dentro dos estudos da
História Antiga tem ganhado cada vez mais espaço. O autor ressalta que...

...Um olhar armado criticamente pode evidenciar uma certa


instrumentalidade da História Antiga e sugerir que o debate a respeito das
relações entre o passado e o presente deve, também, fazer parte das pesquisas
nesse campo, alargando seu universo de temas e abordagens. O estudo da
Antigüidade, como os discursos sobre o passado, de uma forma geral, não
deve ser dissociado de seus contextos de produção, assim como, também, de
suas apropriações posteriores. (SILVA, 2003, p. 30 apud SILVA, 2007, p.
2007)

Silva (2007, pp. 27-28), também coloca que quando algo contemporâneo tem
elementos do mundo antigo é porque ocorre uma necessidade de “atender aos interesses
daqueles que reivindicam uma certa herança antiga, os seus beneficiários. ” (SILVA,
2007, pp. 27-28). Em seu livro autor estuda como o governo de Vicky se utiliza da
figura de Vercingetórix como ferramenta para reafirma uma identidade nacional e
legitimar o governo.
De diferentes modos e em diferentes períodos, a Antigüidade Clássica foi
retomada ao longo da história do ocidente. O objetivo de semelhantes
interpretações, o mundo antigo frequentemente esteve presente na
constituição nacionais, por exemplo, na legitimação de regimes autocráticos

20
de direito e no pleitear de uma certa “herança” justificadora (ampla), utilizada
por diferentes países (...). (SILVA, 2007, p. 32)

O objetivo desde trabalho não é de analisar os usos do passado como ferramenta


de criação de uma identidade nacional ou a reafirmação de um governo, mas a partir
deste referencial teórico analisar como os usos do passado nos quadrinhos  mais
especificamente no quadrinho Sandman que possui elementos da mitologia grega 
foram apropriados e resignificados de modo a se destacar na indústria de história em
quadrinhos e entre os leitores.
Depois de explanarmos “o que é uso do passado? ”, entraremos no segundo
questionamento deste capítulo: o que é mito?

O mitólogo romeno Mircea Eliade (1991, p. 7), em seu livro Mito e Realidade,
aponta que a partir da metade do século XX os pesquisadores pararam de analisar o
mito como fábula ou ficção, começaram a olhar o mito como algo essencial para as
sociedades antigas e que para essas sociedades o mito era de “caráter sagrado, exemplar
e significativo” (ELIADE, 1991, p. 7). O autor também assinala que mesmo com essa
mudança o termo mito não perdeu totalmente a alcunha de algo ficcional ou ilusório.

De fato, a palavra é hoje empregada tanto no sentido de “ficção” ou “ilusão”,


como no sentido – familiar sobretudo aos etnólogos, sociólogos e
historiadores de religiões – de “tradição sagrada, revelação primordial,
modelo exemplar”. (ELIADE, 1991, p. 7)

Segundo Pierre Grimal (1982, pp. 13-14), no livro A Mitologia Grega, os mitos
não se originam organizadamente ou de um sistema teológico, científico ou filosófico,
pois o mesmo mito pode ter diferentes origens nas mais diversas tradições. Grimal
(1982, p. 14) exemplifica essa colocação se utilizando do mito de origem do deus grego
Zeus, que na ilha de Creta tem dois lugares de sua suposta origem – o monte Ida e o
monte Dicté –, e que também não muito distante de Messênia existe uma fonte
chamada Clepsidra, que teria se originado juntamente com o principal deus do panteão
grego.
O autor também coloca que o “(...) o mito não é uma realidade independente,
mas algo que evolui segundo as condições históricas e étnicas; e que, em alguns casos,
conserva testemunhos inesperados sobre situações que, não fosse o mito, estariam
esquecidas. ” (GRIMAL, 1982, p. 15).

21
De acordo com Eliade (1991, p.11), o mito faz parte de uma complexa realidade
cultural “que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e
complementares” (ELIADE, 1991, p.11). Para o autor não existe uma definição de mito
que seja aceita por todos os pesquisadores e que seja palpável para os leigos no assunto.
Eliade (1991, p. 11), argumenta que para ele a definição de mito menos imperfeita é
que...

... o mito narra como, graças às façanhas dos Entes sobrenaturais, uma
realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um
fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma
instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de
que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que
realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. (...) Em suma, os mitos
descrevem as diversas e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou
do “sobrenatural”) no Mundo. (ELIADE, 1991, p. 11)

O autor também frisa que o mito é uma história verdadeira porque sempre está
referenciado a uma realidade, ou seja, o mito “cosmogônico é ‘verdadeiro’ porque a
existência do Mundo aí está para prová-lo; o mito da origem da morte é igualmente
‘verdadeiro’ porque é provado pela mortalidade do homem, e assim por diante. ”
(ELIADE, 1991, p.12).
Partindo dos autores Pierre Grimal (1982) e Mircea Eliade (1991) respondemos
nosso segundo questionamento desde capítulo, “O que é mito? ”, e agora iremos seguir
para o terceiro questionamento: “Qual a função do mito?”.
Segundo Mircea Eliade (1991, p. 13), o mito tem a função de mostrar “os
modelos exemplares, os ritos e atividades humanas significantes: tanto a alimentação ou
o casamento, quanto o trabalho, educação, arte ou a sabedoria.” (ELIADE, 1991, p.13).
O autor também coloca que dentro das sociedades que se utilizam dos mitos existe uma
distinção entre “Histórias Verdadeiras” e “Histórias falsas” – fábulas ou contos –.
Eliade (1991, p. 15), explica que essas duas categorias são “histórias”, ou seja,
contam sobre eventos que ocorreram em um passado longínquo e maravilhoso. Mesmo
existindo uma diferença entre as personagens das “Histórias Verdadeiras” e “Histórias
falsas”.
Embora os protagonistas dos mitos sejam geralmente Deuses e Entes
sobrenaturais, enquanto os dos contos são heróis ou animais miraculosos,
todos esses personagens têm uma característica em comum: eles não
pertencem ao mundo quotidiano. (...) Tudo que é narrado nos mitos concerne
diretamente a eles, ao passo que os contos e as fábulas se referem a
acontecimentos que, embora tendo ocasionado mudanças no mundo (cf. as
peculiaridades anatômicas ou fisiológicas de certos animais), não
modificaram a condição humana como tal. (ELIADE, 1991, p. 13)

22
Outro ponto elucidado por Eliade (1991, p. 18) é que ao conhecer o mito se tem
o conhecimento sobre a origem das coisas e ter capacidade faze-las reaparecer caso
desapareçam.
Os mitos ensinam como repetir os gestos criadores dos Entes Sobrenaturais e,
consequentemente, como assegurar a multiplicação de tal ou tal animal ou
planta. (ELIADE, 1991, p. 18)

Antes de passarmos para o quarto questionamento deste capítulo – Como os


mitos se relacionam com o homem contemporâneo? – é importante frisar como o
historiador deve trabalhar com o mito e a religião. Para isso utilizaremos o historiador,
Jean-Pierre Vermant (2006, p. 2-3), em seu ensaio Mito e religião na Grécia Antiga,
ressalta que ao trabalhar com a religiosidade grega o historiador não deve cristianizar a
religião que estuda e que não deve analisá-la a partir do modelo religioso vigente. De
acordo com o autor o historiador tem a tarefa de “(...) identificar o que a religiosidade
dos gregos pode ter de específico, em seus contrastes e suas analogias com os outros
grandes sistemas, politeístas e monoteístas, que regulamentam as relações dos homens
com o além. ” (VERMANT, 2006, p. 3). As colocações, de Vermant (2006), apesar de
serem direcionadas para os estudos dos mitos e religiosidade grega podem ser aplicadas
nos mais diversos trabalhos sobre mito e religião.
Para responder o quarto questionamento será utilizado o ensaio Chegando ao
inconsciente, do psicanalista Carl Gustav Jung (2016), mais especificamente o conceito
de arquétipo.
Carl Gustav Jung (2016, p. 83), coloca que um psicanalista ao estudar a mente
humana percebe que existi “analogias existentes entre as imagens oníricas do homem
moderno e as expressões da mente primitiva, as suas ‘imagens coletivas’ e os seus
motivos mitológicos. ” (JUNG, 2016, p. 83). O autor chama esses “resíduos arcaicos”
de arquétipos, mas o que seria esses arquétipos?
Segundo Jung (2016, p. 83), os arquétipos são erroneamente entendidos como
expressões de imagens ou de temáticas mitológicas, mas é incorreto pensar que esses
temas mitológicos tão abrangentes seriam passados de maneira hereditária. O autor
coloca que...

...O arquetípico é uma tendência a formar essas mesmas representações de


um motivo – representações que podem ter inúmeras variações detalhadas –
sem perder a sua configuração original. Existem por exemplo, muitas
representações do motivo irmãos inimigos, mas o motivo em si conserva-se o

23
mesmo. (...) O arquétipo é, na realidade, uma tendência instintiva, tão
marcada como o impulso das aves para fazer seu ninho e das formigas para se
organizarem em colônia. (JUNG, 2016, p. 83)

Jung (2016, p. 83), faz um esclarecimento que a relação entre arquétipo e


instinto, colocando-os como impulsos fisiológicos que os instintos percebem. Mas
aponta que os instintos podem se manifestar como fantasias e a partir disso se revelar
como imagens simbólicas. É esse tipo de manifestação que o autor denomina de
arquétipo e acentua que a origem é indefinida. Por poder se manifestar em qualquer
temporalidade e localização, mesmo não sendo possível “explicar a sua transmissão por
descendência direta ou por ‘fecundações cruzadas’ resultantes de migração. ” (JUNG,
2016, p. 83).
De acordo com Jung (2016, p. 98) os arquétipos chegam em demasiada
proporção que moldam as criações de mitologias, filosofias e religiões que por
consequência foram influenciadoras e caracterizadoras de civilizações e períodos.

Parecem quase dotados de um feitiço especial, o que também caracteriza os


complexos pessoais; e assim como estes têm a sua história individual,
também os complexos sociais de caráter arquétipo têm a sua. Mas enquanto
os complexos individuais não produzem mais do que singularidade pessoais
os arquétipos criam mitos, religiões e filosofias que influenciaram e
caracterizaram nações e épocas inteiras. (JUNG, 2016, p. 98)

A partir da definição do arquétipo, feita pelo psicanalítica Carl Gustav Jung


(2016), demostra-se que os arquétipos são uns dos fatores responsáveis para que as
mitologias sejam propagadas ao longo dos séculos mesmo que tenham perdido o seu
caráter religioso. Este fator se relaciona com a maneira com que Neil Gaiman utiliza-se
das mais diversas mitologias em seu quadrinho Sandman. Podemos exemplificar isso
quando no arco de história, Estação das Brumas, o autor se utiliza de entidades
mitológicas distintas (Fig. 3) e não teve o estranhamento de seus leitores.

24
Figura 3 – Entidades mitológicas nórdicas (Loki, Odin e Thor) e egípcias
(Anúbis e Bastet). Sandman: Ed. Definitiva 02, Roteiro: Neil Gaiman. Arte:
Kelley Jones. Arte-final: Dick Giordano. (2011, p. 168)

O quinto questionamento deste capítulo – Como autor consegue fazer com que
o público se relacione com os mitos utilizados por ele sendo que estes são tão distantes
dos leitores de quadrinhos? – pode ser respondido com base nos estudos da socióloga
Vera L. Zolberg
Vera L. Zolberg (2006, p. 207), coloca que independentemente da inteligência
ou do nível de talento dos artistas, os mesmos são dependentes das editoras, gravadoras
e cia, para que suas obras sejam aceitas pelo mercado e pelo público. Ou seja, das
estruturas de apoio.

Essas estruturas podem abranger uma série de mecanismos, processos,


instituições ou agências, que premiam ou penalizam o desempenho ou a

25
criação artística. Elas abrangem desde relações simples e diretas entre o
artista e o cliente até relações de grande complexidade, envolvendo
intermediários, redes e círculos. (...) também disseminam o novo
conhecimento a universos mais amplos, incluindo os públicos ou plateias
para artes, que se tornaram comuns nas sociedades modernas. Mesmo que
digam não se importar com eles, os artistas são obrigados a conquistar seu
beneplácito. (ZOLBERG, 2006, p. 207)

Zolberg (2006, p. 207) faz a analogia entre as estruturas de apoio e um funil de


duas vias. Para a autora esse funil de duas vias funcionaria “por meio do qual as obras
de arte vão do artista para o cliente e do cliente para o artista” (ZOLBERG, 2006, p.
207). Zolberg (2006, p. 207) esmiúça esta analogia divido-a em três etapas: na primeira
etapa coloca que a criação, recepção, distribuição e apoio cultural de uma obra não é
algo especificamente de uma interação econômica, mas também é algo simbólico; na
segunda etapa é colocado que nenhum agente dessa “relação é apenas um recipiente
passivo, mas interage com outros nos processos de negociação, seleção e conflito. ”
(ZOLBERG, 2006, p. 207) e explana que na terceira etapa que os artistas podem perder
ou ganhar uma posição, se a estrutura que o apoia tiver ou não prestígio, o “valor” que é
dado a sua arte e do tipo de plateia que “consome” sua arte. A autora também aponta
que a plateia...

...têm muito em jogo quando fazem suas escolhas artísticas. Em consequência


da reciprocidade da relação, pois em certos aspectos ocorre um inextricável
entrelaçamento, é importante ter em mente ambos os lados, dentro do
contexto sócio-histórico em que existem. (ZOLBERG, 2006, p. 207)

A relação entre estruturas de apoio e o artista, colocada por Vera L. Zolberg


(2006, p. 207-208) pode ser vista como a DC Comics deu liberdade para que Gaiman
escrever Sandman, como a mesma trabalhou com a distribuição da história em
quadrinhose cooptação de novos leitores. Hayley Campbell (2014, p. 105) aponta que a
vendagem de Sandman I foi maior do que qualquer outro título de terror da DC Comics,
vendendo em torno de 80 ou 90 mil cópias. Segundo a autora Gaiman atribui a alta
vendagem do quadrinho a...
...à capa de Dave Mckean e à campanha de publicidade que adaptava uma
frase de T.S. Eliot (“’Eu lhes mostrarei o medo num punhado de pó’ tornou-
se, de repente, “Eu lhes mostrarei o terror num punhado de pó’. Eles ficaram
apavorados que o espólio de T.S, Eliot viesse atrás de nós). (CAMPBELL,
2014, p. 105)

Segundo Campbell (2014, p. 106-107), a partir de Sandman VIII a DC Comics


começou a dar mais destaque ao trabalho de Gaiman solicitando que outros autores

26
fizessem citações falando bem e distribuindo a obra. Além de solicitar ao autor que
escrevesse uma recapitulação do que havia acontecido na história até aquele número.

... a DC imprimiu um terço mais do que os anteriores. Eles enviaram para as


lojas e disserem aos lojistas para fazerem o que quisessem com elas. Apenas
disseram: aqui está. Algumas lojas venderam, mas as mais espertas
distribuíram. (GAIMAN, apud CAMPBELL, 2014, p. 106)

Essa atitude da DC Comics mostra como funciona a questão das estruturas de


apoio na disseminação do trabalho do artista para novas plateias como é colocado por
Vera L. Zolberg (2006, p. 207).

Em vez de ganhar dois dólares por revista, a DC estava expandindo o corpo


de leitores, trazendo pessoas para experimentarem algo novo, totalmente de
graça. Estavam ensinando-as a pescar. Brian Hibbs, da Comix Experince de
São Francisco, colocou cartões com o nome e endereço da sua loja dentro dos
quadrinhos grátis, e os deixou em barbearias e ônibus, e acabou 100 novos
leitores das 400 cópias que deixou pela cidade. (CAMPBELL, 2014, p. 106)

Essa campanha da DC Comics, com Sandman, fez com que não só leitores de
história em quadrinhos, mas também leitores de literatura e o público feminino (por
exemplo) se interessassem pela obra de Gaiman. Devidos aos temas trabalhados que não
eram comuns serem abordados dentro da indústria mainstream dos quadrinhos e o
interesse de não leitores de quadrinhos; Sandman é colocado como umas das mais
importantes obras literárias do gênero de fantasia e horror ao lado de grandes clássicos
desse gênero.
Vera L. Zolberg (2006, p. 213) aponta para a diferença entre belas-artes
convencionais e para a cultura de “massa” ou “popular”. A autora coloca que a cultura
de “massa” ou “popular” é vista como algo feito para um público mais brando, não para
um público mais específico que consomem artes que tem uma tradição mais
eclesiástica, como por exemplo, obras de artes expostas em museus ou galerias e peças
de teatro.

Geralmente consideradas em separados das artes tradicionais acadêmicas ou


eclesiásticas, essas formas de arte servem a funções específicas (música de
fundo em lojas ou elevadores, em peças publicitárias, em sátiras políticas), ou
se destinam a um entretenimento mais leve (música popular, musicais ou
peças do teatro comercial; novelas românticas, polícias, de ficção científica
ou filmes; histórias em quadrinhos). Em vez de tratar essa categoria de obras
como arte de artistas, muitos a consideram um produto trivial, encomendado,
para um público vasto e indiscriminado. (ZOLBERG, 2006, p. 213)

27
Zolberg (2006, pp. 213-214), em contraponto faz a colocação de que essa
distinção entre belas-artes convencionais e para a cultura de “massa” ou “popular” vai
contra...

...a tradicional concepção de belas-artes de três maneiras: a arte popular


comercial não se pretende desinteressada; não tem a aura do indivíduo, do
criador romântico e genial; atrai multidões, em vez de uns “poucos
felizardos”.
(...) Ademais, enquanto certas formas de arte requintada são feitas num
processo cooperativo, a arte comercial pode efetivamente resultar de uma
visão norteante de um só criador. (ZOLBERG, 2006, p. 213/214)

Podemos relacionar a citação no parágrafo anterior de como a partir da


permissão dada pela DC Comics para que Neil Gaiman com Sandman, a campanha
publicitária da editora de distribuir um número de revistas para que as comics shops
fizessem o que bem entendessem. E como a partir disso os leitores de Sandman se
expandiram do nicho da história em quadrinhos para uma gama mais diversa de leitores,
ganhou um status dentro do mundo literário e é considerada uma das melhores obras das
histórias em quadrinhos.
Agora que respondemos todos os questionamentos feitos no início desse capítulo
passaremos ao capítulo 3 no qual faremos a análise da Mitologia Grega nos quadrinhos
de Sandman.

28
CAPÍTULO 3 – QUADRINHOS E MITOLOGIA
Depois de ter abordado a historiografia da história em quadrinhos no capítulo 1 e
as questões em relação aos usos do passado, mitologia, arquétipos e estruturas de apoio
no capítulo 2 passaremos neste capítulo a uma análise da mitologia grega nos
quadrinhos de Sandman, a partir das personagens Sandman, Morte – Tântanos/ Tânato
– e a Hécate.6
Antes de entrarmos na análise da utilização da mitologia grega no corpus
documental deste trabalho iremos trabalhar a questão da imagem nos utilizando da
autora Martine Joly, do teórico da história em quadrinhos Thierry Groensteen e do
historiador Peter Burker.
Martine Joly (1994, p. 13), em seu livro Introdução à Análise da Imagem, coloca
que a imagem é compreendida como uma coisa que nem sempre é remetente a algo
visível, mas que “toma de empréstimo alguns traços ao visual e, em todo o caso,
depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por
alguém, que a produz ou a reconhece” (JOLY, 1994, p. 13). A autora também aponta
que a imagem não surgiu na contemporaneidade que na verdade ao logo da
temporalidade aprendemos a associa-la a diversas instâncias.
...a imagem contemporânea vem de longe, que não surgiu aqui e agora, com a
televisão e a publicidade. Que aprendemos a associar ao termo imagem
noções complexas e contraditórias que vão da sabedoria ao divertimento, da
imobilidade ao movimento, da religião à distração, da ilustração à
semelhança, da linguagem à sombra. Pudemos aperceber-nos disto através de
simples expressões correntes que empregam a palavra imagem. (JOLY, 1994,
p. 17)

Segundo Joly (1994, p. 30/31), existem diversas categorias de imagens, mas para
melhor estudar as imagens é melhor se ater a uma teoria que engloba todas essas
categorias. Essa teoria mais abrangente seria a teoria da semiótica. Está teoria semiótica
para ser usado“depende de um certo número de opções: a primeira é abordar a imagem

6
Durante o levantamento bibliográfico para este trabalho foi encontrado um ensaio intitulado Sandman –
mitologia para as novas gerações, de autoria Rodrigo Corrêa Teixeira (2005), na revista Comum - Rio de
Janeiro - v.11 - nº 25. O ensaio de Rodrigo Corrêa Teixeira (2005) analisa como a produção cultural
contemporânea tem influência dos mitos gregos, fazendo uma análise das personagens Sandman, Morte,
Destino, Desejo e as características que estes têm dos mitos gregos. O ensaio Teixeira (2005) é de um
viés da área da Publicidade e Propaganda e não tem o intuito de fazer uma análise historiográfica do
corpus documental como é objetivo desde trabalho.

29
sob o ponto de vista da significação e não da emoção ou do prazer estético, por
exemplo. ” (JOLY, 1994, pp. 30-31).
Joly (1994, pp. 30-31), aponta que para estudar algo partindo da sua
especificidade semiótica é preciso levar em consideração como este objeto suscita seus
significados. A mesma frisa que “um signo é um signo apenas quando exprime idéias e
suscita no espírito daquele ou daqueles que o recebem uma atitude interpretativa. ”
(JOLY, 1994, pp. 30-31).
De acordo com a elucidação de Joly (1994, p. 36), se utilizando de Charles
Sanders Peirce, signo é algo que muda de significado dependendo da relação que um
indivíduo tem o com o mesmo.
Esta definição tem o mérito de mostrar que um signo mantém uma relação
solidária entre pelo menos três pólos (e já não apenas dois como em
Saussure): a face perceptível do signo – representamen ou significante (St);
aquilo que representa: objeto u referente; e aquilo que significa: interpretante
ou significado (Sd). (JOLY, 1994, p. 36)

Ou seja, o signo é dependente do contexto que está inserido tanto como do


indivíduo que o está observando.
Explicitamos um conceito de imagem, definimos também a ideia de que a
imagem dá origem a um significado e torna-se significante para um segundo
significado. Passemos então para as questões teóricas referentes à história em
quadrinhos.
Para trabalhar com questões teóricas relativas à história em quadrinhos
escolhemos o teórico Thierry Groensteen (2015). Em seu livro, O sistema dos
quadrinhos, o autor apresenta a história em quadrinhos como uma...
...conexão de uma pluralidade de imagens solidárias. A relação estabelecida
entre essas imagens admite diversas operações, as quais distinguirei mais
tarde. Mas o seu denominador comum e, portanto, elemento central dos
quadrinhos, seu primeiro critério de ordem funcional, é este: a solidariedade
icônica. Definiremos como solidárias as imagens que participam de uma
sequência, apresentando a dupla característica de estarem apartadas (faz-se
precisão para destacar quadros individuais que encerram em si uma riqueza e
padrões ou anedotas) e serem plásticas e semanticamente sobredeterminadas
pelo simples fato da sua coexistência in praesentia. (GROENSTEEN, 2015,
p. 28)

Groensteen (2015, p. 28) elucida que fazer esse tipo de definição para a história
em quadrinhos é perigosa pois a Coluna Trajano ou o Livro dos Mortos, por exemplo,
podem ser enquadrados nessa definição. Mas o autor aponta que a procura pela

30
definição das histórias em quadrinhos não se assemelha com a definição de o que é
literatura.
De acordo com Groensteen (2015, p. 29) os quadrinhos não se utilizam de uso
coloquial, o mesmo elucida que “Uma vez as histórias em quadrinhos não se baseiam
uma utilização particular da linguagem, não há lugar para defini-las em termos de
dicção” (GROENSTEEN,2015, p. 29), ou seja, a linguagem do quadrinho é infinita.

Porém, não é necessário, neste ponto da reflexão, forçar ainda mais a


preocupação quanto a delimitar o meio. Basta a nós saber que não é possível
conceituar os quadrinhos sem verificar a regra geral já enunciada, a da
solidariedade icônica. A condição necessária se não a única, para que
possamos falar sobre quadrinhos é que as imagens são diversas
correlacionadas de alguma forma. (GROENSTEEN,2015, p. 29)

Apesar do historiador Peter Burker (2004) não tratar dos quadrinhos em seu
livro Testemunha Ocular: história e imagem, ele se utiliza das imagens como fonte
histórica. Os conceitos trabalhados por ele podem contribuir para a análise das histórias
em quadrinhos.
Para Peter Burker (2004, p.17), as imagens são importantes evidências
históricas, tanto “como textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma
importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular.”
Burker (2004, p. 16) ressalta que os historiadores ao usarem imagens não podem
e não devem elenca-las como “‘evidência’ no sentido estrito do termo”. O autor também
aponta os cuidados que se tem que ter ao analisar as imagens.

1.A boa notícia para os historiadores é que a arte pode fornecer evidências
para aspectos da realidade social que os textos passam por alto.
2. A má notícia é que a arte da representação é quase sempre menos realista
do que parece e distorce a realidade social mais do que refleti-la, de tal forma
que historiadores que não levem em consideração a variedade das intenções
de pintores e fotógrafos (sem falar nos patronos e clientes) podem chegar a
uma interpretação seriamente equivocada.
3. Entretanto, voltando à boa notícia, o processo de distorção é, ele próprio,
evidência de fenômenos que muitos historiadores desejam estudar, tais como
mentalidades, ideologias e identidades. A imagem material ou literal é uma
boa evidência da “imagem” mental ou metafórica do eu ou dos outros.
(BURKER, 2004, p. 36-37).

Segundo Peter Burker (2004), o primeiro item é algo claro, mas já o segundo e o
terceiro itens necessitam ser elaborados de melhor maneira. O autor também coloca que
a atenção dos historiadores em relação à imagem aconteceu em um momento de
contenda,

31
...quando pressuposições triviais sobre a relação entre “realidade” e
representações (sejam elas literárias ou visuais) foram desafiadas, um
momento no qual o termo “realidade” está cada vez mais sendo usado entre
aspas. Nesse debate, os inovadores levantaram alguns pontos importantes em
detrimento dos “realistas” ou “positivistas”. (BURKER, 2004, p. 36-37).

Com a explanação sobre imagem, o que é história em quadrinhos e como o


historiador deve proceder tendo imagens como fontes. Iremos partir para o estudo de
caso desse trabalho que consiste na análise de como foi utilizado a mitologia grega
dentro do corpus documental.
Para fazer está análise do uso da mitologia grega na obra estudada neste trabalho
tomaremos por base três personagens – Sandman, Morte e a Hécate –.

3.1 – Análise da personagem Sandman.


Neil Gaiman construiu a personagem Sandman (figura 4) como uma figura
nobre e bucólica, magro\ com uma pele de tom pálido e com cabelos negros; é o
soberano do Reino do Sonhar, tem a reponsabilidade de moldar os sonhos de todos os
seres vivos e transitar entre os mesmos. Outra característica dada pelo autor para a
personagem é que a sua aparência muda dependendo da criatura que lhe está o olhando.

Figura 4 – A personagem Sandman representada com algumas das características que


lhe foi atribupída pelo autor. Sandman: Ed. Definitiva 03 Roteiro: Neil Gaiman. Arte:
Jill Thompson e Vince Locke. (2012, p. 131)

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Pegando essas características da personagem podemos relaciona-la as seguintes
divindades gregas: Hipnos e Morfeu. Mas quem são essas divindades? Por que
podemos relaciona-las a personagem?
Segundo o historiador Pierre Grimal (2005, p. 231), em seu livro Dicionário da
mitologia grega e romana, Hipno para os antigos gregos seria a personificação do sono,
filho de Érebo e da Noite e irmão gêmeo da Morte (Tânato). Representado com asas,
que lhe concede a habilidade de transitar entre o céu e o mar pondo os seres em estado
de sono.
Hipno é a personificação do sono. É filho da Noite e de Érebo (ou ainda,
filho de Astreia) e irmão gémeo de Tânato (a morte). Hipno quase
ultrapassou o estado da pura abstraçã. Homero representa-o habitando em
Lemnos. Mais tarde, fazem retroceder a sua morada: nos infernos, segundo
Virgílio, na região do Ciméricos, segundo Ovídio que fornece uma abundante
descrição do seu palácio encantado, onde tudo dorme. Representam-no,
frequentemente, alado, percorrendo rapidamente a terra e o mar e pondo os
seres em estado de sonolência. (GRIMAL, 2005, p. 231)

Podemos relacionar Hipnos a Sandman devido as seguintes características: assim


como Hipnos a personagem seria a personificação do sono e dos sonhos e teria a
habilidade de induzir os seres a dormir; a habilidade da personagem de transitar entre
sonhos pode ser relacionada à habilidade de Hipnos que através de suas asas teria a
habilidade de transitar entre o céu e o mar. Assim como a divindade grega Sandman tem
uma morada própria, mas diferentemente da morada da divindade grega a morada é
habitadas por criaturas e objetos que só existem nos sonhos (Figura 5). Por último
Sandman é irmão da Morte igualmente a Hipnos.

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Figura 5 – Biblioteca do sonhar onde os livros que ainda não existe no
mundo dos homens ou que nunca iram existir ficam e o seu bibliotecário
Lucien. Sandman: Ed. Definitiva 04 Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Kevin
Nowlan. (2013, p. 13)

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Agora que analisamos a correlação entre Hipnos e a personagem Sandman,
iremos fazer a análise da relação entre Morfeu e Sandman.
Grimal (2005, p. 318) coloca que Morfeu é um dos filhos de Hipno e que é... .

...encarregado de tornar a forma de seres humanos e de ser mostrar aos


homens adormecidos durante os sonhos. Como a maior parte das divindades
do sono e dos sonhos, Morfeu é alado. Tem grandes asas rápidas, que bate
sem fazer barulho, e o levam num ápice aos confins da Terra. (GRIMAL,
2005, p. 318)

A relação entre Morfeu e Sandman se estabelece tendo em vista que a forma


visível da personagem depende da criatura para qual ela aparece (Figura 6 e 7) e
novamente podemos fazer a relação entre as asas e a habilidade da personagem de
transitar entre os sonhos.

Figura 6– A personagem de origem marciana vê Sandman como a


entidade L’Zoril. Sandman: Ed. Definitiva 01 Roteiro: Neil Gaiman.
Arte: Sam Kieth e Malcolm Jones III (2010, p. 142)

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Figura 7 – Sandman em forma de gato na história Um sonho de mil
gatos. Sandman: Ed. Definitiva 01 Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Kelley
Jones. Arte-final: Malcolm Jones III (2010, p. 476)

A parir destas analises chega-se à conclusão que a personagem foi constituída


pelo autor, Neil Gaiman, em cima de duas divindades gregas que para os antigos gregos
estão relacionadas ao sono e o sonho.

3.2 – Análise da personagem Morte.


Gaiman elaborou a personagem, Morte (Figura 8 e 9), como uma jovem gótica,
bem-humorada que tem a função de ceifar a vida de todos os seres vivos e é irmã de
Sandman. Partindo dessas características podemos relaciona-la com a divindade grega:
Tânato. Além disso, usa o símbolo da vida presente na mitologia egípcia: o Ankh.

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Figura 8 e 9 – A persongem Morte. Sandman: Ed. Definitiva 01
Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Mike Dringberg e Malcolm Jones III.
(2010, p. 211 e 218)

Grimal (2005, p. 427/319), elucida que Tânatos é a personificação da Morte e


irmão de Hipnos. O autor ainda aponta que na mitologia romana a personificação da
morte é feminina e outra elucidação de Grimal é que...

...Tânato não possui um mito propriamente dito. O combate que tratava com
Héracles, no Alcetes de Eurípides, e o seu contratempo com Sífilo (v. este
nome) são apenas narrativas populares imaginadas fora de qualquer sistema.
(GRIMAL, 2005, p. 247)

Podemos relacionar a Morte com Tânatos pois ambos são irmãos de uma
divindade que tem relação com o sonho e o sono; e assim como na mitologia romana a

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Morte de Sandman é uma personificação feminina. A partir dessas correlações pode-se
chegar a conclusão que o escritor se baseou na entidade mitológica greco-romana para
criar a sua personagem com elementos também da mitologia egípcia.

3.3 – Análise da personagem Hécate.

Entre as três personagens analisada neste trabalho, a Hécate, é a única


personagem que Gaiman fez um uso do passado diretamente e não pegou apenas
elementos de divindade da mitologia grega e foi colocando em suas personagens.
Segundo Grimal (2005, p. 193), a Hécate é uma deusa que tem parentesco com a deusa
Artemis, não tem um mito específico e é “... caracterizada mais pelas suas funções e os
seus atributos do que pelas lendas em que intervém.” (GRIMAL, 2005, p. 193). Mas o
autor faz o contraponto de que Hesíodo coloca a divindade Hécate, como se fosse
descendente direta dos Titãs e filha de Astéria e Perses. Com isso não tem nenhuma
ligação com os deuses gregos. De acordo com Grimal (2005, p. 193) as características
que são atribuídas a Hécate são as seguintes...
Espalha por todos os homens a sua benevolência, concedendo as graças que
lhe pedem. Dá nomeadamente, a prosperidade material, o dom da eloquência
nas assembleias políticas, a vitória tanto nas batalhas como nos jogos. (...) Os
seus privilégios estendem-se a todos os campos em vez de limitarem a alguns
como é, em geral, o caso das divindades. (GRIMAL, 2005, p. 193)

Grimal (2005, p. 193), ressalta que com do tempo a divindade começou a ser
associada a magia e a feitiçaria, e aparece em encruzilhadas como se fosse uma mulher
com três cabeças.
Foi considerada como a deusa que preside à magia e aos feitiços. Está ligada
ao mundo das sombras. Surge aos magos e às feiticeiras com um archote em
cada mão, ou sob a forma de diversos animais: égua, cadela, loba, etc. (...)
Como feiticeira, Hécate preside às encruzilhadas, que são lugares de eleição
da magia. Aí se ergue a sua estátua, sob a forma de uma mulher com três
corpos ou então com três cabeças. (GRIMAL, 2005, p. 193)

Durante a análise da terceira personagem foi detectado (Figura 10) que ao fazer
o ritual de invocação da Hécate, Sandman, fala os nomes: Cloto, Láqueles e Átropos.
Estes nomes são referentes à divindade grega Meras.

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Figura 10 – Sandman falando o nome das Meras durante o ritual de
invocação da Hécate. Sandman: Ed. Definitiva 01 Roteiro: Neil
Gaiman. Arte: Sam Keith e Mike Dringberg. (2010, p.70)

De acordo com Pierre Grimal (2005, p. 306), Meras representa o destino dos
seres humanos, não tem nenhuma flexibilidade “como o destino: encarna uma lei que os
próprios deuses não podem transgredir sem pôr em perigo a ordem do mundo. ”
(GRIMAL, 2005, p. 306).
Grimal (2005, p. 306) também coloca que, após epopeias homéricas, os gregos
desenvolveram uma concepção de três Meras – Cloto, Láqueles e Átropos – que...

... para cada um dos mortais, regulavam a duração da vida desde o


nascimento até à morte, com a ajuda de um fio que a primeira fiava, a
segunda enrolava e a terceira cortava, quando a vida correspondente acabava.
Estás três fiadeiras são filhas de Zeus e Témis, e irmãs das Horas. Segundo
outra genealogia, eram filhas da Noite, como Ceres;
(...)
As meras não tem lenda propriamente dita. Não são mais que a simbolização
de uma concepção do mundo semifilosófica, semi-religiosas (v. também
Parcas). (GRIMAL, 2005, p. 306)

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Neil Gaiman se utilizou deste lado da magia e feitiçaria de Hécate, usando as
características das Meras, para inseri-la dentro de sua história. Nas figuras abaixo
podemos ver como Gaiman usou elementos de Hécat em Sandman:

Figura 11 – Após Sandman fazer o ritual de invocação de Hécate, as Meras começam a


se manifestar. Sandman fala: “A hora da BRUXARIA”, a partir desta frase pode-se
fazer a ligação de que Gaiman se utilizou da associação que os antigos gregos faziam
entre a Hécate, a magia e a feitiçaria. Sandman: Ed. Definitiva 01 Roteiro: Neil
Gaiman. Arte: Sam Keith e Mike Dringberg. (2010, p.71)

Figura 12 – Os desenhistas Sam Keith e Mike Dringberg ao desenhar Hécate neste


quadro fazem alusão a característica de que os antigos gregos representavam a Hécate
como uma mulher de três cabeças. Sandman: Ed. Definitiva 01 Roteiro: Neil Gaiman.
Arte: Sam Keith e Mike Dringberg. (2010, p.71)

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Figura 13 – No momento que o ritual de invocação é finalizado Sandman chama as
personagens invocadas de Hécate mesmo que no início do ritual Sandman tenha se
referido a elas como Cloto, Láqueles e Átropos. Sandman: Ed. Definitiva 01 Roteiro:
Neil Gaiman. Arte: Sam Keith e Mike Dringberg. (2010, p.71)

Figura 14 – Representação da Hécte como três mulheres, caracteríscas


atribuída as Meras, e Sandman chamando uma das Hécates de Atropos que é
um dos nomes atribuídos a uma das Meras. Sandman: Ed. Definitiva 01
Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Sam Keith e Mike Dringberg. (2010, p.72)

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Figura 15 –Sandman pedindo as Hécates qual foi o destino da sua algibeira de areia, seu
elmo e seu rúbi enquanto estava aprisionado. Novemente Gaiman se utilia de uma
característica das Meras na constituição das Hécates dentro do quadrinho. Sandman: Ed.
Definitiva 01 Roteiro: Neil Gaiman. Arte: Sam Keith e Mike Dringberg. (2010, p.74)

Após a análise da terceira característica de Sandman podemos perceber que ao


colocar a deusa Hécate como personagem da história em quadrinho, Neil Gaiman
mesclou características de Hécate e das Meras para constituir sua personagem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa intenção nesta pesquisa teve por base demonstrar que a história em
quadrinhos teve certo desenvolvimento a partir da apropriação da antiguidade ou usos
do passado de elementos mitológicos pelo homem moderno tendo em vista a fascinação
pelo misterioso e pelo antigo. Além disso, pode também ter apresentado elementos
mitológicos para o homem moderno. Como estudo de caso nos limitamos à mitologia
grega. Durante o levantamento de dados verificamos que Sandman seria o corpus
documental e imagético ideal em função da maneira como o autor se utiliza de
elementos de diversas mitologias na construção de suas personagens.
A partir do panorama revelado no estudo de caso podemos observar que, o autor,
se utilizou de pequenos elementos dos mitos gregos para construir suas personagens,
como por exemplo, características das divindades gregas Hipnos e Morfeus na
construção da personagem Sandman. Ou inserindo divindades da mitologia grega como
personagens de maneira euforizada ou disforizada, como no caso de Hécate que foi
tratada pelo autor de maneira híbrida ao ser retratada com características de outra
divindade mitológica grega – as Meras.
Outo ponto ao se destacar é que o autor só conseguiu fazer essa obra se
utilizando de usos do passado graças às estruturas de apoio. Neste caso a estrutura de
apoio foi a editora DC Comics e as estratégias junto ao mercado distribuidor; e o
público que se identificou com a obra do autor pelo apelo mitológico e arquetípico do
quadrinho.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GAIMAN, Neil. Sandman: edição definitiva – volume 1. São Paulo: Panini Books,
2010.
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