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Dissertação
de
Mestrado
2005
DARLAN DE OLIVEIRA GUSMÃO LULA
Juiz de Fora
2005
Exame de dissertação
BANCA EXAMINADORA
Professor Doutor Marcos Rogério Cordeiro Fernandes (Membro Titular – UFV – MG)
Examinada a dissertação:
Conceito:
Em:
A Míriam e Pedro Henrique, pelo amor, carinho,
Aos amigos Édimo de Almeida e Odirlei Costa, cujo constante convívio e troca de idéias
Ao professor Antônio Pereira Gaio, sempre solícito e pronto a ajudar, o meu carinho especial.
Djalma Cavalcante
Machado de Assis
em “Um sonho e outro sonho”
RESUMO
designou um texto seu intitulado “O país das quimeras” (Futuro, 1862) de “conto fantástico”.
Nosso trabalho também se inspira em um livro organizado por Raymundo Magalhães Júnior
Nossa pretensão maior é despertar o interesse dos estudiosos da obra de Machado de Assis
This work looks for to analyze the fantastic genre in the Brazilian writer
Machado de Assis (1839-1908) narrative, by considering that he knew this literary genre
when he called one of his texts – “O país das quimeras” (in Futuro, 1862) – as a “fantastic
short story”. Our study is also based on a book, organized by Raymundo Magalhães Júnior,
Our proposal is to analyze some of the Assis’ narratives by emphasizing the originality of the
writer when he takes over the genre. Our main intention is to call the attention of the
researchers of the Machado de Assis’ works for the importance of the studies on the fantastic
ocurrence in his narratives, which researches are not so explored even nowadays.
SUMÁRIO
• INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 09
.................................................................................... 63
veremos uma figura preponderante no cenário cultural brasileiro: Machado de Assis (1839-
1908). Tido como unanimidade em sua época, revelou uma produção de grande valor e
do Cosme Velho, estamos aqui, neste estudo, para propor mais uma análise que, esperamos,
figuram 38 contos do escritor que vão de 1858 a 1870. Dentre estes contos, interessou-nos em
1862. E interessou-nos por conta da classificação que lhe foi dada pelo próprio Machado de
classificação dada por Machado quando nos diz que o título já nos remete à idéia de
fantástico, pois a palavra “quimera” significa monstro fabuloso com cabeça de leão, corpo de
1
Citaremos esta obra no texto, com a abreviatura CCMA, seguida do ano de publicação e da indicação da
página.
(CCMA, 2003, p. 58)”. Cavalcante nos lembra que a primeira obra brasileira dentro desse
modelo literário foram os contos de Noite na taverna, de Álvares de Azevedo (Ver PIMENTEL,
2001). Também nos informa que Machado leu e apreciou esses contos, e que seu contato com
esse tipo de gênero não se restringiu aos escritores locais, sendo leitor também de Ernst-
chega a nos dizer que Machado de Assis “é um dos nomes maiores do conto fantástico nas
literaturas em língua portuguesa e figura dentre os grandes nomes mundiais do gênero (CCMA,
2003, p. 60)”.
Dar crédito a esta afirmação nos leva à indagação seguinte: como Machado de
Assis pode ser afirmado dentre os grandes nomes mundiais do gênero do conto fantástico sem
O primeiro deles é um livro organizado pelo crítico Raymundo Magalhães Júnior (1907-1981)
e originalmente publicado em 1973 e relançado pela editora Bloch em 1998 com o seguinte
título: Contos fantásticos: Machado de Assis. Ora, nada mais animador do que esta
antologia. Isso nos coloca na trilha certa, pois se há uma coletânea com esse título é sinal de
que não passou desapercebido, pelo menos para Magalhães Júnior, essa faceta da obra de
Machado de Assis. Nele estão organizados onze contos do escritor: “O anjo Rafael” (Jornal
das Famílias, 1869), “A vida eterna” (Jornal das Famílias, 1870), “O capitão Mendonça”
(Jornal das Famílias, 1870), “Decadência de dois grandes homens” (Jornal das Famílias,
1873), “Os óculos de Pedro Antão” (Jornal das Famílias, 1874), “A chinela turca” (A Época,
1875), “Um esqueleto” (Jornal das Famílias, 1875), “Sem olhos” (Jornal das Famílias,
de estudo, é uma dissertação de mestrado escrita por Marcelo José Fonseca Fernandes,
“Quase-macabro: o fantástico nos contos de Machado de Assis”. Nela, ele nos diz que há em
Júnior, fala-nos da influência sofrida por Machado vinda dos grandes escritores desse gênero.
Além dos já citados, inclui Théophile Gautier (1811-1872), e ainda acrescenta quatro contos
aos já classificados como fantásticos por Magalhães Júnior. São eles: o já mencionado “O país
das quimeras” (O Futuro, 1862), “O anjo das donzelas” (Jornal das Famílias, 1864),
“Marianna” (Jornal das Famílias, 1871) e “Um sonho e outro sonho” (A Estação, 1892). Ao
longo de sua explanação, ele retoma Tzvetan Todorov que define o fantástico como o terreno
fantástico:
Fernandes nos diz que o modelo proposto por Todorov em 1968 é passível de
fantástico é interrompido, quase sempre, pelo simples despertar do personagem. Nesse caso,
2
Essa dissertação teve como orientador o professor Doutor Sérgio Fuzeira Martagão Gesteira e está disponível
na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
3
Aprofundaremos a definição do gênero fantástico no capítulo primeiro.
os sucessos extraordinários (= extra-ordem, fora de ordem) estão justificados/explicados no
entre a vigília e o sono. A retomada do equilíbrio inicial coincide com a própria retomada de
consciência.
Fernandes termina por fazer uma proposta de tipologia dos contos fantásticos
não-gautierianas é a estrutura de “causo”, quer dizer, uma história dentro de outra, contada
“A vida eterna”, “O anjo das donzelas”, “O país das quimeras”, “Marianna” e “Um sonho e
Rafael”, “A mulher pálida”, “A segunda vida”, “Os óculos de Pedro Antão” e “Sem olhos”.
brasileiros, e Machado de Assis figura entre os escritores com o conto “As academias de
Sião” (1884). Apesar de Tavares hesitar em definir o conceito do gênero fantástico a ponto de
dizer que “não se deve esperar destas páginas sequer uma tentativa de estabelecer uma teoria
unificada do fantástico (TAVARES, 2003, p. 7)”, a referência torna-se importante, pois reconhece
esqueleto”, “A segunda vida”, Marianna” e “As academias de Sião”, por estarem inseridos na
Obra Completa de Machado de Assis da Editora Nova Aguilar. “O anjo Rafael”, “O capitão
Mendonça”, “A vida eterna”, “O país das quimeras” e “O anjo das donzelas” foram
Machado de Assis. “Os óculos de Pedro Antão” e “A mulher pálida” estão, respectivamente,
em Contos Avulsos e Contos sem data, livros organizados por Raymundo Magalhães Júnior.
Os três restantes “Decadência de dois grandes homens”, “Sem Olhos” e “Um sonho e outro
contos machadianos, já que ainda não possuímos uma publicação que contemple plenamente,
reconhecidas no mundo literário pelos seus trabalhos críticos no gênero. Uma delas é Tzvetan
Todorov com seu estudo clássico sobre a recorrência do fantástico na literatura: Introdução à
literatura fantástica. As outras são Irlemar Chiampi e Selma Calasans Rodrigues, que
sublinham ter surgido no gênero fantástico uma nova variante a partir do século XX.
análise dos seguintes contos de Machado de Assis: “O anjo das donzelas” (Jornal das
Famílias, 1864), “A vida eterna” (Jornal das Famílias, 1870), “O capitão Mendonça” (Jornal
das Famílias, 1870), “Decadência de dois grandes homens” (Jornal das Famílias, 1873) e
“Sem Olhos” (Jornal das Famílias, 1876). Resolvemos selecioná-los por serem textos da
privilegiou os contos cuja temática é o fantástico onírico, já que é a vertente mais comum em
Machado de Assis.
Cubas5 (1881) pode ser interpretado dentro dos parâmetros do fantástico do século XX.
de influência e originalidade.
A nossa pretensão maior é fazer com que esse trabalho desperte o interesse dos
estudiosos da obra de Machado de Assis para o gênero fantástico nas narrativas machadianas,
4
Há um certo consenso da crítica em apontar convencionalmente duas fases, ou momentos, na carreira literária
de Machado de Assis, sendo a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) a divisora de águas entre elas.
5
Citaremos esta obra no texto, com a abreviatura MPBC, seguida do seu respectivo capítulo.
1. O GÊNERO FANTÁSTICO
gênero fantástico. Em consagrada antologia, Ítalo Calvino considera o seu nascimento entre
um episódio narrado em um texto fantástico é que faz com que o gênero se instaure, pois
provoca a dúvida do que é ou não real. Sendo assim, falaremos um pouco sobre como a arte
elabora o real. E para isso, vamos recorrer a dois filósofos da Antigüidade: Platão (427? –
347? a.C.) e Aristóteles (384 – 323 a.C.), que foram os primeiros a discutirem, a partir do
Para Platão, a mimese é apenas verossímil e não visa à essência das coisas,
nem à verdadeira natureza dos objetos particulares, ela é falsa e ilusória, sendo prejudicial e
perigosa ao discurso ideal do filósofo. “Portanto, a arte de imitar está bem longe da verdade,
e se executa tudo, ao que parece, é pelo fato de atingir apenas uma pequena porção de cada
coisa, que não passa de uma aparição (PLATÃO, 2001, p. 296).” A mimese foi depreciada por
imitação, já que elas imitavam a própria pessoa e o mundo do artista, os quais, por sua vez, já
imitador [...] nada entende da realidade, mas só da aparência (PLATÃO, 2001, p. 300)”6.
processo mimético face à verdade preestabelecida. Imitar significa muito mais do que a
simples reprodução ou “fotografia” do real, já que “não é ofício de poeta narrar o que
aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível
passa a ter, com ele, uma concepção estética, não significando mais “imitação” do mundo
exterior, uma vez que a atitude de determinada personagem justifica-se à luz de um aparato
estético, ou seja, “ainda que a personagem a representar não seja coerente nas suas ações, é
necessário, todavia, que [no drama] ela seja incoerente coerentemente (ARISTÓTELES, 1993, p.
representação do que “poderia ser” e o critério do verossímil, que merecera a crítica de Platão
por ser apenas ilusão da verdade, torna-se, com Aristóteles, o princípio que garante a
autonomia da arte mimética. Nesse caso, temos que a mimese consiste numa atividade
produtora de intrigas que transpõe ações e as representa nas obras artísticas. Esse caráter
6
Para isso, ver livros III (páginas 84,86, 87) e X (páginas 293 a 300) de PLATÃO (2001).
estético pelo autor, mas necessita ainda da atividade também dinâmica do receptor, que,
Esses ditames clássicos foram de certo modo abandonados pela Idade Média
cristã. No alvorecer das estéticas do Renascimento, dos séculos XVII e XVIII há a retomada
Isso se estende até o século XIX quando o Romantismo libera o gênio criador
das restrições da poética clássica de modo geral, mas garante ainda o lugar da
verossimilhança.
mais nos interessa discutir são as fronteiras entre o sonho e a realidade, uma vez que o sonho
textos fantásticos e particularmente nos que vamos analisar. O que determina a fantasticidade
não sonho?
Lembremos que, segundo Todorov, o gênero fantástico antes parece se
autônomo.
também como fantástico por: CALVINO, 2004, p. 49) para tecer considerações psicanalíticas em
torno de questões que envolvem os seres humanos da vida real, os seus medos, as suas
repressões, os seus complexos. Em seu texto, Freud compara o estranho literário e o real:
O estranho, tal como é descrito na literatura, [...] é um ramo muito mais fértil do
que o estranho na vida real, pois contém a totalidade deste último e algo mais além
disso, algo que não pode ser encontrado na vida real (FREUD, [200-], 1 CD).
E continua:
Em primeiro lugar, muito daquilo que não é estranho em ficção sê-lo-ia se
acontecesse na vida real; e, em segundo lugar, que existem muito mais
meios de criar efeitos estranhos na ficção, do que na vida real (FREUD,
[200-], 1 CD).
É o que, de uma certa forma, Todorov estava querendo dizer quando comparou
o seu conceito de “estranho” com o de Freud: “não há coincidência perfeita entre este
emprego do termo e o nosso (TODOROV, 1975, p. 53)”, já que Freud o utiliza para fazer uma
análise psicanalítica de fatos que acontecem na vida real, e Todorov o descreve e o conceitua
figuras demoníacas e etc.) é uma provação para o leitor de um texto fantástico, já que ele - o
leitor - é motivado pelo seu próprio desejo de preservar seus conhecimentos prévios da
descreveu, aplica-se com justeza ao efeito de fantasticidade (CHIAMPI, 1980, p. 68)”, pois o
leitor teme o “não-familiar”, o novo, enquanto signos que ameaçam a sua ordem de valores já
estabelecida.
ficcional oferece, como condições de recepção, a seus leitores possíveis. Designa uma
construção textual que antecipa a presença do receptor. O leitor implícito dará pistas ao leitor
real e poderá conduzi-lo a uma compreensão e interpretação adequadas da obra. Nesse caso,
o fantástico comporta inúmeras indicações a respeito do papel que o leitor irá representar,
pois esse gênero “produz um efeito particular sobre o leitor – medo, ou horror, ou
simplesmente curiosidade –, que os outros gêneros ou formas literárias não podem provocar
(TODOROV, 1975, p. 100)”. Será essa “função” de leitor que irá fazer com que se instaure a
gênero fantástico.
leitura, ou seja, é necessário ler o texto do começo ao fim, sem pular a ordem. Não se está
querendo dizer aqui que com outros textos seja diferente, contudo o fantástico é um gênero
que acusa esta convenção mais claramente, uma vez que se precisa respeitar a ordem da
narrativa (que parte de uma situação perfeitamente natural para alcançar o sobrenatural) para
segunda leitura de um conto fantástico dão impressões muito diferentes: na segunda leitura,
fantástico se produz somente durante parte da leitura, ou seja, somente antes de se receber
uma explicação para os fatos representados, e, quando se recebe, o fantástico desvanece. Pois
época que proibia a abordagem de determinados assuntos. Machado de Assis, por exemplo,
no conto “O anjo das donzelas” afirma decoroso: “Descanse leitor, não verá neste episódio
fantástico nada do que não se pode ver à luz pública. Eu também acato a família e respeito o
decoro (CCMA, 2003, p. 66)”. O respeito do escritor pelo decoro faz com que este apresente o
“indecoroso” sob as vestes decorosas do fantástico. A opção pela vestimenta fantástica evita
a condenação social.
tradicionais, torna-se obsoleta porque desde então não se tem mais necessidade de recorrer ao
diabo para falar de um desejo sexual excessivo, nem aos vampiros para designar atração
exercida pelos cadáveres, nem aos sonhos para descrever certas atitudes sociais condenáveis,
pois a Psicanálise provocou o levantamento da censura social que proibia abordar certos
temas. O escritor contemporâneo, nesse caso, não precisa mais da vestimenta fantástica, já
que agora a Psicanálise e a própria literatura passam a tratar disso tudo em termos
A literatura fantástica tradicional “recebeu com isto um golpe fatal; mas desta
morte, deste suicídio nasceu uma nova literatura (TODOROV, 1975, p. 177)”: o fantástico
moderno.
elaboradas, veremos que ela se distingue fortemente das histórias fantásticas tradicionais.
Comentamos que estas partiam de uma situação perfeitamente natural para alcançar o
sobrenatural. Já a narrativa fantástica moderna parte do acontecimento sobrenatural para dar-
lhe, no curso da narrativa, uma aparência cada vez mais natural; e o final da história é o mais
hesitação torna-se de imediato inútil no fantástico moderno. No tradicional, ela servia para
processos simétricos e inversos. No entanto, temos de deixar claro o seguinte: não se pode
dizer que diante dessa “nova” narrativa, pelo fato da ausência de hesitação, até mesmo de
num mundo de leis totalmente diferentes das que existem no nosso; por este fato, os
mas que acaba por se tornar paradoxalmente admissível. Neste sentido, a narrativa fantástica
primeira nasceu para dar conta de certos temas que seriam proibidos se não fossem
Psicanálise, fato que fez com que as narrativas desse gênero tomassem um novo caminho
ficcional, assim como nos conta Selma Calasans Rodrigues: “no fantástico atual, não há
49)”. As motivações usadas na narrativa tradicional não são mais capazes de provocar a
hesitação no leitor, já que as referências que deram impulso à fantasia da narrativa fantástica
tradicional “são atualmente incapazes de provocar emoções no leitor (CHIAMPI, 1980, p. 70)”.
Lembremos que o assunto aqui tratado não se esgota com essas considerações,
até porque é um assunto polêmico. O recorte operado privilegia o que interessa para o nosso
estudo.
2. O FANTÁSTICO TRADICIONAL EM MACHADO DE ASSIS
Corte de D. João VI para o Rio de Janeiro. Nos anos que se seguiram ao seu nascimento,
França e Portugal. É certo que a partir de então nota-se a acentuada tendência para se
ainda são europeus: livramo-nos do servilismo à metrópole portuguesa para nos colocarmos
Ao longo deste século, podemos notar uma grande agitação de idéias: nas
ciências, houve avanços consideráveis; na arte, assuntos diversos fervilhavam pelo mundo;
não houve lugar que a curiosidade humana não fizesse pretexto de estudos ou de divagações.
E, a partir da segunda metade do século, tudo foi tomado com um ceticismo estrondoso, todas
as contestações tomaram caráter científico. Nas mentes geniais borbulharam idéias empiristas,
Darwin com a Origem das espécies (1860) que forneceu ao mundo científico a explicação
evolucionista dos seres vivos, juntamente com Spencer que também “deu o golpe de
O Brasil, como outros países, passa a dar muito valor à Ciência. Quase todas as
manifestações culturais e políticas querem abocanhar um naco da filosofia positiva que faz a
apologia da Ciência e refuta a Teologia, porque esta última é baseada na fé, não resiste ao
análise e experimentação, de forma que, com base no bom senso, se procure saber, não o
dos raros exemplos do gênero fantástico no Brasil. Notemos que até então o clima no Brasil
era de intenso misticismo, já que, além do catolicismo, religião oficial, possuíamos tradições
religiosas trazidas pelos negros africanos e as “magias” oriundas dos nativos com seus pajens
e suas poções curativas, fazendo com que tudo isso nos tornasse um povo de religiosidade
sincrética. É necessário lembrar que esse não era um fenômeno recente no Brasil, assim como
que os europeus tendem a ser mais racionais que os países ibero-americanos. Segundo
Richard Morse:
o mundo ibérico rejeitou as implicações últimas das revoluções religiosa e
científica e, portanto, não pode experimentar plenamente seus resultados
lógicos na forma do utilitarismo e seu subordinado individualismo, que
estão implantados como marca-passos na mente coletiva do resto do
Ocidente (MORSE, 1988, p. 134).
escritor e/ou leitor europeus talvez perceba o gênero de maneira diversa de um escritor e/ou
ambiente racional, provavelmente verá com muito mais hesitação, chegando às raias da
dizer que os europeus tenderão para os gêneros estranho e fantástico, enquanto que os ibero-
realidade propiciava o clima de hesitação, que não existiria se nos deixássemos levar pela
7
Diante desse quadro, tentamos enxergar essa análise sob um viés de caráter histórico, pois, à época
machadiana, o Brasil ainda não possuía uma educação regimentar, havendo um contrapeso cultural devido ao
fato do país ter uma enorme porcentagem de analfabetos (ver GUIMARÃES, 2004, p. 103). Dessa forma, não
tentamos, através do estudo de um brasilianista, estabelecer um traço reducionista que vê os ibero-americanos
como menos racionais, emotivos, enquanto que os europeus são mais racionais, menos emotivos. As relações por
nós estabelecidas levaram em conta o caráter histórico-cultural, tendo como circunstância causal o estudo do
gênero fantástico.
religiosidade impregnada de fé e receptiva ao sobrenatural. O peso do Positivismo, então,
Memórias Póstumas de Brás Cubas para defendermos que Machado aproximou-se das
estão situados entre os anos de 1864 e 1876. Isso quer dizer que eles compreendem a primeira
fase da obra machadiana. O Jornal das Famílias foi uma publicação mensal, ilustrada,
recreativa e literária que circulou entre 1863 e 1878, e era destinada fundamentalmente ao
público feminino. Sabemos que, à época vivida, as mulheres não tinham uma formação
acadêmica, liam mais como forma de entretenimento, de recreação. Machado de Assis sabia
qual era o seu público-alvo nesse periódico, desenvolvia assim histórias palatáveis às suas
leitoras. Lançava a sua “mercadoria” de acordo com a demanda. Roberto Schwarz analisa
Machado soube explorar muito bem esses atrativos. Não é à toa que a sua
produção no Jornal das Famílias ao longo dos quinze anos de existência se deu em larga
escala, publicando no periódico 85 contos (ver CCMA, 2003, t. I). Nesse sentido, a utilização do
gênero fantástico em contos publicados no Jornal das Famílias se justifica na medida em que
sabemos que esse tipo de narrativa lança mão de elementos sobrenaturais como recurso para
principalmente, das famílias das respectivas leitoras do periódico. Machado de Assis utilizava
esse recurso para descrever coisas que não teria ousado mencionar em termos realistas. O
homens” não figura entre os mais citados pela crítica especializada. Foi originalmente
uma pesquisa criteriosa nos inúmeros livros de antologias de contos, incluindo nesse filão as
Obras Completas do autor, e não nos deparamos com esse conto. Somente o encontramos
Miranda, viera ao Rio de Janeiro de passagem para tratar de questões políticas com os
ministros. Nesse meio tempo, a sua curiosidade se atiçou por um velho que freqüentava há
quatro anos um mesmo ponto, o Café Carceller. Segundo Miranda, o velho, cujo nome era
Jaime, era um original entre tantas cópias. Daí para começar a travar uma conversa amigável
uma figura misteriosa e assustadora: “Era ele homem de seus cinqüenta anos, barbas brancas,
olhos encovados, cor amarela, algum abdome, mãos ossudas e compridas [...] A expressão
dos olhos, que de ordinário era morta e triste, nessa ocasião tinha um quê de terror (ASSIS,
cavernosa” e frases enigmáticas como: “Obrigado; eu só fumo dos meus; são charutos
opiados, grande recurso para quem quer esquecer um grande crime (ASSIS, 2004,
ele começou a aceitar as esquisitices do seu novo amigo como características de um doido.
Machado ainda inclui no conto um “enorme gato preto”, figura recorrente em narrativas
fantásticas, que é visto no texto como o imperador romano Caio Júlio César, que voltou à
Terra para se vingar de seu assassino Marco Bruto, personificado na figura de Jaime, assunto
que trataremos mais adiante. Para percebermos a importância desse animal no gênero,
tomemos, por exemplo, o conto de Edgar Alan Poe intitulado “O gato preto”, e vejamos como
Junta-se a isso a cor preta, que simboliza a sombra, a escuridão, a falta de visibilidade diante
gato como um personagem que modifica a história, representando um elo forte entre os
personagem nos conta que ele e sua mulher adoravam animais, e que ele tinha, entre tantos,
um gato “extraordinariamente grande e belo, todo negro e de espantosa sagacidade (POE, 1978,
p. 42)” cujo nome era Pluto. Com o passar do tempo, o narrador-personagem, que tinha como
vício o álcool a lhe turvar as idéias, começou a se enervar com os carinhos e carícias do seu
animal, e, tomado por uma súbita perversidade mais do que diabólica, um dia arrancou-lhe a
órbita do olho. Posteriormente, ele passou a se irritar com o terror do gato ao sentir sua
presença e tomou uma atitude: enforcou-o. Após o acontecido, uma fatalidade aconteceu em
sua casa. Esta pegou fogo e junto foram-lhe embora chamuscados pelas chamas todos os seus
pertences. Só sobrou uma parede, e gravada em baixo-relevo sobre sua superfície branca, a
figura de um gato gigantesco. O personagem ficou aterrado com aquilo, embrenhou-se mais
ainda em sua orgia alcoólica, decidindo entrementes adquirir um gato com as mesmas
características do outro animal. Acabou por conseguir, mas isso lhe causou profundo pavor,
mesmo porque o gato possuía, também como o outro, uma órbita do olho vazia e uma
mancha branca a lhe cobrir todo o peito: mancha esta que criava uma imagem: a da forca. Um
dia, não agüentando mais a figura do animal, o personagem decidiu matá-lo, porém a sua
mulher evitou e ele a matou ao invés do gato com uma machadada no cérebro. Impassível
diante do assassinato, contudo aliviado pelo sumiço do gato, ele escondeu o corpo da mulher
atrás das paredes do porão de sua casa. Algum tempo depois, apareceram alguns policiais e
ele só foi descoberto porque o gato miou por trás das paredes, mostrando a eles onde o
personagem havia escondido o corpo da esposa, pois ele, sem perceber, havia emparedado o
Machado de Assis. Há a figura recorrente do gato; há, também, a descrição de fatos insólitos,
Machado, como veremos, está claro o caráter onírico, em Poe o narrador apresenta o
contrário:
Ele aceita a sua história como sendo um fato. Embora seja algo extraordinário,
ambienta-se singularmente na realidade que nos cerca, ou seja, o fato é aceito como tal e visto
como algo ocorrido, mas que não se explica, pois os “próprios sentidos se negam a aceitar
quando Miranda observava em uma das estantes de Jaime um livro que tinha no lombo o
velho disse que sim e Miranda disse a ele que um senhor tão instruído não deveria acreditar
qual uma mesma alma pode animar sucessivamente corpos diversos, homens, animais ou
racionalidade e o Positivismo reinantes no século XIX, enquanto Jaime está mais aberto e
afeito aos fenômenos sobrenaturais e inexplicáveis, tentando convencer o seu patrício da sua
evidentemente um doido. As impressões aumentaram ainda mais quando o velho disse ser
Marco Bruto, o irmão adotivo do imperador romano Caio Júlio César, enquanto este estava
transmigrado na figura do gato aguardando a vingança suprema. E ela viria nos idos de março
comido pelo gato Júlio. Miranda começa a entender a inquietação do velho, pois estavam nos
idos de março e Jaime achava que à meia-noite daquele dia fatídico ele viraria o banquete
para o seu gato. E, tentando explicar a sua atitude no passado, ele disse ao seu ouvinte: “eu
matei César, não por ódio a César, mas por amor da República (ASSIS, 2004,
a sua doutrina:
Nesse momento, Miranda já não sabia mais como chamar o seu novo amigo:
“Jaime ou Bruto, que eu realmente não sei como lhe chame (ASSIS, 2004,
fenômenos narrados: quando chama o outro de Jaime a sua descrença permanece firme,
incólume, a razão está arraigada em seu ser, mas ao mesmo tempo chama-o de Bruto,
admitindo algo além das fronteiras do imanente e do previsível olhar. Não se pode dizer que
se instaurou permanentemente esta dúvida, todavia é o suficiente para formar um certo clima
extraordinário, algo delirantemente fantástico, mesmo que posteriores explicações nos digam
convencer por instantes dos fenômenos descritos por Jaime, até porque, como ele mesmo nos
disse, Jaime “conversava com muito juízo” e “tinha a palavra fácil, ardente, impetuosa”.
Convenceu-se tão firmemente que chegou a ver o seu novo amigo Jaime, ou, melhor dizendo,
O meu anfitrião, sentado na cadeira de couro, olhava para mim, abrindo dois
grandes olhos e eis que estes começam a crescer lentamente, e já ao fim de
alguns minutos pareciam no tamanho e na cor as lanternas dos bondes de
Botafogo. Depois, começaram a diminuir até ficarem muito abaixo do
tamanho natural. A cara foi-se-lhe alongando e tomando proporções de
focinho; caíram as barbas; achatou-se o nariz; diminuiu o corpo, assim como
as mãos; as roupas desapareceram; as carnes tomaram uma cor escura; saiu-
lhe uma extensa cauda, e eis o ilustre Bruto, a saltar sobre a mesa, com as
formas e as visagens de um rato (ASSIS, 2004,
www.uol.com.br/machadodeassis).
cair arquejante e o gato pondo-lhe a pata em cima. E com horror ele observou o corpo do
nobre Bruto passar todo ao estômago do divino César. Porém o gato não sobreviveu à
vingança: comeu o rato, caiu trêmulo, miou alguns minutos e faleceu. Daí deu-se uma
verdadeira epopéia delirante do personagem, digna de ser vista como prelúdio do que viria a
ser mais tarde o famoso capítulo “O delírio”, de Memórias Póstumas de Brás Cubas,
Miranda:
Até este momento, o nosso personagem Miranda acreditava que tudo o que se
passara na sala de Jaime era verdade, tanto que, quando no dia seguinte avista o velho no
mesmo lugar de sempre, ele pensou o seguinte: “Qual não foi o meu espanto quando lá
provavelmente sonhado pelos efeitos provocados pelo charuto opiado que fumara.
devemos nos esquecer do que foi dito em capítulo anterior: apesar da explicação final, o efeito
utiliza em larga escala recursos do gênero como o caráter insólito, o mistério, o recurso da
visões oníricas.
Jornal das Famílias em 1876 e é pouco conhecido entre os leitores e críticos do escritor,
talvez pela dificuldade de ser encontrado, estando disponível somente pela internet.
O texto possui como cenário inicial a casa do casal Vasconcelos, que recebe
quatro visitas para uma conversa íntima regada a chás e alguns charutos. São elas as figuras
do sr. Bento Soares, sua esposa D. Maria do Céu, o bacharel Antunes e o desembargador
Cruz. Tratam de assuntos amenos, quando a conversa envereda para temas como a morte de
um conhecido, almas do outro mundo, contos de bruxas, lobisomem e superstições dos índios.
Nesse momento da conversa, há uma cisão no grupo, já que o sr. Bento Soares não dá crédito,
segundo ele, a essas “tolices”; enquanto que o desembargador Cruz acredita em manifestações
sobrenaturais. Isso acaba gerando uma discussão entre os presentes, pois a maioria acredita
que tudo isso não passa de mera especulação imaginativa. Assim temos o sr. Bento Soares:
Pela minha parte, disse o sr. Bento Soares, nunca pude compreender como o
espírito humano pôde inventar tanta tolice e crer no invento. Vá que uma ou
outra criança dê crédito às suas próprias ilusões; para isso mesmo é que são
crianças. Mas, que um homem feito... (ASSIS, 2004,
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sobrenaturais. Ao que o desembargador Cruz retruca: “- Que tem isso? [...] A vida do homem
é uma série de infâncias, umas menos graciosas que as outras (ASSIS, 2004,
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almas de outro mundo, enquanto este diz que a existência de fantasmas não é coisa que
absolutamente se pode negar. Temos aí dois modos de ver o mundo: um está impregnado
pelas sujeições ao conhecimento empírico e às leis naturais; enquanto o outro vivencia o lado
E não é somente Bento Soares que considera simplória e inculta essa crença
em fantasmas. Maria do Céu diz: “Fantasmas! [...] Pois há quem tenha visto fantasmas?”,
desembargador deve estar querendo dizer que esses fenômenos extraordinários acontecem “na
que ele vivenciou, a opinião de todos seria diferente. Isso lhes atiça a curiosidade e todos
O que eu vi foi há muitos anos, disse ele; ainda assim conservo a memória
fresca do que me aconteceu. Não sei se poderia ir até o fim; e desde já estou
certo de que vou passar uma triste noite... (ASSIS, 2004,
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O começo de sua história não poderia ser mais enigmático. Ele revela um certo
receio de contar o que se passou, como se, ao contar, os fatos presenciados pudessem retornar
assustador. O desembargador conta, então, aos presentes que, enquanto estudante em São
Paulo, conhecera uma figura chamada Damasceno Rodrigues, seu vizinho. Eis como
Damasceno é descrito:
Mas o que ele [Damasceno Rodrigues] tinha naquele lugar das pernas eram
dois verdadeiros pregos, tão magro estava. A cara angulosa e descarnada, os
olhos cavos, o cabelo hirsuto, as mãos peludas e rugosas, tudo fazia dele um
personagem fantástico. [...] O riso de Damasceno era pior que a seriedade;
sério, dava ares de caveira; rindo, havia nele um gesto diabólico (ASSIS,
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Todas as descrições do personagem Damasceno perpetram um ar sombrio,
Cruz e o Damasceno fez o jovem Cruz atinar com a idéia de que seu vizinho seria um doido.
dois grandes homens” e essa narrativa, pois, assim como Miranda acreditava ser Jaime um
doido, também Cruz acreditava que Damasceno o fosse: “A idéia de que o vizinho era doido
apoderou-se logo de meu espírito. Que outra coisa seria, vindo consultar a semelhante hora, a
Porém a certeza de Cruz se dissipou diante das palavras convictas de Damasceno sobre Jonas:
- Jonas não alude às crianças, mas aos canhotos que são os homens que não
podem discernir a direita da esquerda. Sendo assim, veja o senhor a
importância da minha interpretação. Duas coisas se concluem dela: 1ª que os
ninivitas eram geralmente canhotos; 2ª que o ser canhoto era no entender
dos hebreus um grande mérito. Desta última conclusão nasceu uma terceira,
a saber, que chamar canhoto ao diabo é estar fora do espírito bíblico. Isto é
claro como a água e evidente como a luz.
A profunda convicção com que ele disse tudo isto, e o ar de triunfo com que
ficou a olhar para mim, confesso que me impressionaram singularmente.
Não sabia que dizer; o melhor era concordar, declarando que a sua opinião
era por força verdadeira (ASSIS, 2004, www.uol.com.br/machadodeassis).
atrair” fizeram com que Cruz duvidasse da loucura de Damasceno, instaurando-se a dúvida - a
hesitação – perceptível no seguinte trecho: “Durante quinze dias encontrei-o duas vezes, na
estas palavras excluía toda a idéia de loucura. A própria fisionomia parecia revelar o regresso
doença. Ficou em sua companhia o tempo todo, fazendo com que o vizinho lhe confiasse um
segredo da sua vida. Entregou-lhe um maço de papéis e um retrato de uma formosa mulher,
dizendo ao estudante para guardar e queimar caso ele morresse. Cruz guardou no bolso o
Daí em diante, o enfermo começou a narrar a sua estória. Disse que ambos, ele
e Lucinda, foram moços e o que os matara foi um olhar. O marido os pegara entre olhares
acontecido, Damasceno resolvera contar ao marido os sentimentos que ele nutria por sua
esposa. O marido de Lucinda apenas riu e nada disse. Então, Damasceno saiu em viagem.
Lucinda, resolveu procurá-la. Ouviu rumores que diziam que ela havia morrido, outros diziam
que havia cometido suicídio, alguns que desaparecera, ou seja, estas notícias diversas eram
claro indício de que algo grave acontecera. Nesse momento da narrativa, Damasceno
interrompeu a sua elocução. Estava cansado e opresso. Cruz pensa: “admirava a perfeita
lucidez com que ele me referia àquelas coisas, a comoção das palavras, que nada tinha do
hesitação começa a ganhar força na narrativa. Cruz estava ligado de forma impreterível aos
fatos contados pelo senhor acamado, estava convencido de que a história devia ser levada em
conta, pois poderia pertencer ao mundo do tangível. E foi justamente neste instante que
Damasceno chegou ao clímax da sua história. Ele procurou o marido de Lucinda para saber
que Lucinda estava viva, mas podia morrer no dia seguinte; que, depois de
cogitar na punição que daria ao olhar da moça resolvera castigar-lhe
simplesmente os olhos... Não entendi nada; tinha as pernas trêmulas e o
coração batia-me apressado. Não o acompanharia decerto, se ele, apertando-
me o pulso com a mão de ferro, me não arrastasse até uma sala interior... Ali
chegando... vi... oh! é horrível! vi, sobre uma cama, o corpo imóvel de
Lucinda, que gemia de modo a cortar o coração. “Vê, disse ele – só lhe
castiguei os olhos”. O espetáculo que se me revelou então, nunca, oh! nunca
mais o esquecerei! Os olhos da pobre moça tinham desaparecido; ele os
vazara, na véspera, com um ferro em brasa... Recuei espavorido. O médico
apertou-me os pulsos clamando com toda a raiva concentrada em seu
coração: “Os olhos delinqüiram, os olhos pagaram” (ASSIS, 2004,
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vimos que o olhar foi decisivo para o marido de Lucinda descobrir as redes amorosas entre ela
e Damasceno, fato este que culminou na vingança do traído. O mesmo olhar que manifestou o
amor, agora é retirado de suas órbitas, gerando uma figura assustadoramente fantástica. O
“Decadência de dois grandes homens”, em que o gato Júlio é ferido e arrancam-lhe os olhos,
deixando-os vazados.
Hoffmann, cuja influência Machado absorveu. Sobre o escritor alemão, Todorov chega a nos
dizer que:
olhar através das “imagens do olhar”. Somos invadidos, literalmente, em sua obra, por
conto:
... perguntei por fim à velha governanta de minha irmãzinha quem era
mesmo o Homem da areia.
- Pois é, meu pequeno Natanael, então você não sabe? É um homem mau,
que vem procurar as crianças que não querem ir para a cama. Joga
punhados de areia em seus olhos, que tombam ensangüentados, e os
apanha, os enfia numa bolsa, e os carrega para a lua para alimentar seus
netinhos. Eles estão lá, empoleirados em seu ninho, com os bicos
recurvados como o da coruja. E bicam os olhos das crianças que não
são boazinhas (HOFFMANN, 1986, p. 15).
[...]
Tive a impressão de perceber à sua volta rostos humanos, mas sem os olhos,
com espantosas cavidades negras e profundas em seu lugar.
- Olhos! Dê-me olhos! – gritava Coppelius com voz surda, ameaçadora
(HOFFMANN, 1986, p. 22).
esse assunto:
Freud ainda nos diz que essa relação substitutiva entre o olho e o órgão
masculino verifica-se, em parte, por estar presente nos sonhos, mitos e fantasias. Se formos
interpretar a reação do marido de queimar com um ferro em brasa os olhos da esposa e ainda
obrigar o seu pretenso amante a assisti-la com os olhos vazados, diremos que fez isso com um
intuito de causar um temor ao Damasceno, que veria naquela imagem a figura substitutiva da
castração. Essas afirmações acabam por confirmar ainda mais o que já foi dito anteriormente:
Voltando ao conto, temos que, após a cena horrível descrita pelo enfermo, ele
teve uma visão da amada: “Olhe!... Olhe! lá está ela! lá está!... O dedo magro e trêmulo
apontava alguma coisa no ar, enquanto os olhos, naturalmente fixos, resumiam todo o terror
o olhar é uma figura chave e domina essa parte da narrativa, pois o estudante Cruz teve a
Olhei; e podem crer que ainda hoje não esqueci o que ali se passou. De pé,
junto à parede, vi uma mulher lívida, a mesma do retrato, com os cabelos
soltos, e os olhos... Os olhos, esses eram duas cavidades vazias e
ensangüentadas (ASSIS, 2004, www.uol.com.br/machadodeassis).
O próprio Cruz, que não acreditava, ou, pelo menos, manifestava algum
ceticismo em relação à história, acabou “vendo” a figura descrita por Damasceno. E foi
Naquela meia luz da alcova, e no alto de uma casa sem gente, a semelhante
hora, entre um louco e uma estranha aparição, confesso que senti esvairem-
se-me a força e quase a razão. Batia-me o queixo, as pernas tremiam-me
tanto, eu ficara gelado e atônito. Não sei o que se passou mais; não posso
dizer sequer que tempo durou aquilo, porque os olhos se me apagaram
também, e perdi de todo os sentidos (ASSIS, 2004,
www.uol.com.br/machadodeassis).
Cruz, nesse momento, também são tomados, junto com ele, pelo movimento indescritível e
indecifrável dos acontecimentos, contribuindo para a engrenagem de uma narrativa cujo
desembargador descobriu que o morto aos vinte e dois anos casara-se em Santa Catarina e
nunca havia estado em Jeremoabo, cidade de Lucinda e seu esposo. E que a mulher descrita
por Damasceno era, na verdade, uma sobrinha sua. No entanto, fica um fenômeno
extraordinário a atormentar o espírito de Cruz: a aparição da moça na sua própria frente com
Famílias. A sua conclusão apareceu na edição de maio de 1870, no entanto, não se sabe em
quantas edições anteriores foi publicada a parte inicial. Em livro, sua primeira publicação
organizada por Raimundo Magalhães Jr. Recentemente foi publicado em Contos Completos
dama dos seus pensamentos, resolveu andar pela noite sem destino com o intuito de preencher
o tempo. Com essas intenções foi assistir a uma peça teatral no Teatro de São Pedro. Estando
lá, encontrou com um amigo de seu falecido pai, o capitão Mendonça, um sujeito muito
singular. Durante o espetáculo, o capitão o chamou para cearem juntos em sua casa. Ele,
como não tinha nada o que fazer e estava um pouco enfadado daquela peça, resolveu
acompanhá-lo. Chegaram a uma casa velha e escura, causando uma impressão de terror ao Sr.
Amaral, que cogitou, ainda, se o capitão seria um louco. Lembrou-se, então, de que o próprio
pai, “quando falava no capitão Mendonça, dizia ser um excelente homem... com uma aduela
estavam, passaram a ganhar um status amedrontador: “casa velha e escura (CCMA, 2003, p.
732)”, “rangia a porta nos gonzos e nós entrávamos num corredor escuro e úmido (CCMA, 2003,
- Se lhe parecer que não há de tremer quem entre por um corredor como
este, o qual, haja de perdoar, parece o corredor do inferno.
- Quase acertou, disse o capitão guiando-me pela escada acima.
- Quase?
- Sim; não é o inferno, mas é o purgatório.
Estremeci ao ouvir estas últimas palavras; todo o meu sangue precipitou-se
para o coração, que começou a bater apressado. A singularidade da figura
do capitão, a singularidade da casa, tudo se acumulava para encher-me de
terror. Felizmente chegamos acima e entramos para uma sala iluminada a
gás, e mobiliada como todas as casas deste mundo (CCMA, 2003, p. 732-
733).
todas” as salas ditas “normais”, o resto dava uma impressão aterrorizante porque não fazia
parte do mundo das coisas conhecidas pelo Sr. Amaral. O capitão Mendonça parecia um
louco porque, como o Sr. Amaral mesmo disse: ele era um “original no meio de tantas cópias
de que anda farta a vida humana (CCMA, 2003, p. 732)”, as suas atitudes, o seu modo de agir,
não eram condizentes com o modo das outras pessoas lidarem com as situações do mundo
vivido pelo narrador-personagem. Por isso que na narrativa ele se questiona se “ainda estaria
no mundo dos vivos, ou começara já a entrar na região dos sonhos e do desconhecido (CCMA,
2003, p.739)”. E o desconhecido está sempre se apresentando diante dos seus olhos: “Na
parede fronteira a essa havia apenas uma coruja [ave de mau agouro], também empalhada, e
com olhos de vidro verde, que, apesar de fixos, pareciam acompanhar todos os movimentos
que a gente fazia (CCMA, 2003, p. 735)”. Somente quando foi apresentado à moça Augusta é
que lhe foi restituída a calma, pois ela “era o único laço que havia entre mim e o mundo,
porque tudo naquela casa me parecia realmente fantástico, e eu já não duvidava do caráter
purgatorial que me fora indicado pelo capitão (CCMA, 2003, p. 735)”. A moça constituía para ele
algo que estava bem próximo do que ele conhecia de mundo, daí a sua tranqüilidade, pois ela
o ligava a um ambiente familiar. Novamente, surgiu-lhe algo tranqüilizador, pois ele, assim
como o leitor da história, temia o “não-familiar”, o novo, enquanto signos que ameaçavam a
químico”, um ser inanimado. Esse instante da narração nos faz lembrar do conto do escritor
alemão Hoffmann: “O homem da areia”. O próprio Machado de Assis o cita quando diz,
alquimista pretende ter alcançado o segredo de produzir criaturas humanas (CCMA, 2003, p.
739)”. Esse alquimista, o professor Spalanzani, realmente cria uma figura mecânica bem
- [...] Achamos que esta Olímpia tem qualquer coisa de sinistro e nós
queremos ficar longe dela, pois temos a impressão de que apenas finge
ser criatura viva e que há algum lamentável equívoco nessa história
toda.
Natanael não se entregou ao sentimento de amargura que parecia querer
tomar conta dele, ao ouvir tais palavras. Ele se controlou, contentando-se
em dizer gravemente:
- Para vocês, homens prosaicos e frios, pode ser que Olímpia pareça
inquietante. Só às sensibilidades poéticas se revela tal organização!
Apenas eu percebi seu olhar amoroso, que me iluminou a alma e os
pensamentos (HOFFMANN, 1986, p. 67).
Mais tarde, ele fica sabendo, assim como o Sr. Amaral, da feição verdadeira
de Olímpia: “Natanael permanece imóvel. Tinha visto tudo direitinho. O rosto de cera de
Olímpia, de mortal palidez, não tinha mais olhos, apenas cavidades negras. Era uma boneca
sem vida (HOFFMANN, 1986, p. 72)”. Após essa cena, a loucura toma posse dele por algum
tempo.
fantástica instauradas em suas respectivas narrativas. Assim, os escritores criam uma espécie
de incerteza no leitor, não o deixando saber se está sendo conduzido por uma narrativa
realista ou fantástica. Não só o leitor hesita, o próprio Amaral se pergunta: “Estaria eu ainda
(CCMA, 2003, p. 739)”? O clima de hesitação penetra na narrativa de forma acentuada, fazendo
porém não havia meios de não dar crédito a esse fenômeno, pois os seus olhos
fantástico da moça, ele continuou sentindo uma forte atração por ela, a ponto até de dar razão
acreditará então... / - Já creio. Não posso negar a evidência; quem tem razão é o senhor; o
resto do mundo não sabe nada (CCMA, 2003, p. 743)”. Mesmo sabendo ser Augusta um produto
químico, Amaral não deixou de se impressionar por ela, “apesar de sua origem misteriosa e
diabólica (CCMA, 2003, p. 738)”. Tanto que, livre daquela casa e dos tormentos que ela lhe
trazia, ele ainda retornou a ela algumas vezes, até que, na última vez em que retornou, o
capitão disse ter uma notícia boa para lhe dar: consentiria no casamento de sua filha com ele,
coisa que ele queria profundamente, desde que este se transformasse por conta de uma
operação que Mendonça faria nele. O pai da moça inocularia uma quantidade extraordinária
de éter em uma região de seu cérebro para que ele se transformasse em um gênio. Nesse
momento, o rapaz pensou: “Seriam dois loucos? ou andaria eu num mundo de fantasmas?
Olhei para ambos; ambos estavam risonhos e tranqüilos como se houvessem dito a coisa
mais natural deste mundo (CCMA, 2003, p. 747)”. Novamente a dúvida paira na narrativa, ele
não sabia lidar com esses fenômenos insólitos justamente porque não conseguia explicá-los à
luz da racionalidade. No entanto, o pai e a filha conseguiram sedá-lo, e ele, vendo todo o
2003, p. 748)”. Quando deu acordo de si, parecia ver a sua frente uma cortina. Ele havia
dormido no teatro, e a peça já se havia acabado há dez minutos. Fora tudo um sonho. Quando
de saber que o Mendonça da realidade não era o do sonho, desisti de o ir visitar. Berrem os
janeiro de 1870. O conto veio a ser publicado em livro na coletânea Contos Avulsos em
1956, quando Raimundo Magalhães Jr. organizou diversos volumes com contos inéditos de
Machado de Assis. Ele também está presente em Contos Completos de Machado de Assis
O texto é narrado por um velho chamado Camilo da Anunciação que nos conta
que, após uma refeição abundante em companhia de seu amigo o Dr. Vaz, os dois foram
os dois entraram em um estado que não era sono nem vigília. E ficaram assim: esquecidos um
Ele foi ver quem lhe batia à porta e lá encontrou um homem que lhe produziu
uma impressão bem desagradável, pois este entrou sem pedir licença e se ajeitou
comodamente em uma cadeira, cruzando as pernas. Isso fez com que Camilo enxergasse na
Praia Vermelha, ou seja, o homem seria um doido. Assim como nas narrativas anteriores, a
alegação de loucura em uma situação tão peculiar como essa acentua o caráter inaudito do
Quanto ao vestuário:
E as feições:
Além da forma como o homem entrou na sala, esses outros indícios acentuam
a suspeita de Camilo na insanidade deste. Uma pessoa sã não se vestiria daquela forma, no
século XIX as pessoas se vestiam de modo grave, e as feições não eram tão desconcertantes
apresentou, dizendo se chamar Tobias e que estava ali para fazer Camilo se casar com sua
filha Eusébia, moça de vinte e dois anos, muito rica e sua única herdeira. Diante desse
episódio, Camilo já não tinha mais dúvidas: “Eu me espantaria do contraste que havia entre a
doido (CCMA, 2003, p. 717)”. A dúvida anterior apresenta-se então como uma certeza. Diante
da recusa do velho Camilo, Tobias teve de ameaçá-lo: ou se casaria com sua filha Eusébia,
ou morreria alvejado na cabeça com uma bala de revólver. Assim, Camilo não teve escolha,
seguiu o homem, deixando o amigo Vaz dormindo em sua casa e pensando que não se deve
Camilo foi levado para a casa de Tobias e observou que era um verdadeiro
palácio. Foi apresentado já como genro do anfitrião aos convidados do casamento (que se
realizaria naquela mesma noite) e notou a amabilidade de todos. E como também eram
velhos.
leitor para uma ambiência “não-familiar”, que ameaça a ordem natural de valores:
Camilo e Tobias, serem velhos e de todos se portarem como se Camilo fosse conhecido há
anos naquela casa. Ao apresentar o futuro genro, Tobias se retirou para ir se vestir para o
Acentua-se o clima “não-familiar”, e até mesmo a figura do velho Tobias é mais bem vinda a
Camilo do que aqueles momentos em presença de estranhos em uma casa tão estranha:
Ou seja, neste momento, ele preferiria algo já conhecido, mesmo que lhe
Camilo ficou sabendo que Tobias o havia convidado para a cerimônia e pensou que o futuro
sogro fez isso para lhe gerar satisfação com a surpresa. Foi nesse instante que Tobias
reavaliou a situação, rejeitando nesse momento a tese de insanidade de Tobias, o que traz a
normalidade à cena:
Camilo já não temia por nada, dizendo ser o sogro “uma pérola (CCMA, 2003,
p. 722)”, pois trouxera o amigo Vaz, seu “primeiro amigo (CCMA, 2003, p. 722)”, ao seu
convívio. Achou-se até mesmo um bem-aventurado por desposar uma moça tão bela e rica
quanto Eusébia:
Fui apresentado à noiva pelo pai, e recebido por ela com uma afabilidade,
uma ternura, que acabaram por convencer-me completamente. No fim de
dois minutos estava eu cegamente apaixonado (CCMA, 2003, p. 722).
Ele se convenceu completamente de que seria feliz, tanto que se deixou levar
pelos acontecimentos: a cerimônia ocorreu seguida por uma pequena e breve festa. No
normas vigentes na realidade, porém, “para que haja transgressão, é preciso que a norma seja
perceptível (TODOROV, 1975, p. 12)”. Na narrativa analisada, a norma foi transgredida quando
deslocou essas referências, já que ele aceitou o mundo que foi oferecido por Tobias, fazendo
se encontra sozinho com sua já esposa Eusébia, a narrativa volta ao anterior estágio de
suspense: a transgressão reaparece como transgressão, e não mais como norma, e a norma
reacende o caráter insólito dos fenômenos descritos. Eis o que acontece: Camilo vem a saber,
Se lhe ocultasse seria cúmplice perante Deus, e Deus sabe que eu sou
apenas um instrumento passivo nas mãos de todos esses homens. Escute. O
senhor é o meu quinto marido; todos os anos, no mesmo dia e à mesma
hora, dá-se nesta casa a cerimônia que o senhor presenciou. Depois, todos
me trazem para aqui com o meu noivo, o qual... (CCMA, 2003, p. 724)
pontos fortes do gênero fantástico é manter o suspense (Ver TODOROV, 1975, p. 100). Eusébia
tirou um rolo de pergaminho de uma cômoda e o entregou ao Camilo. Ele o abriu trêmulo e
máxima potência, pois Camilo não sabia se acreditava nos fenômenos descritos por Eusébia
ou no racionalismo que os negava. Então, ele percebeu que a moça não estava brincando. À
prepararem o ritual. Após uma tentativa vã de resistir, a vítima deixou-se levar, e, antes de
morrer, ficou sabendo que seu pobre amigo Vaz não sairia mais daquela casa, pois seria “o
prato destinado ao ano futuro (CCMA, 2003, p. 726)”. Preparou-se o ritual de antropofagia
A partir desse momento, ele continuou narrando a sua história, com uma certa
curiosidade e estupefação por estar morto e ainda assim ouvir o que falavam as pessoas no
mundo dos vivos, ao contrário do personagem Brás Cubas, que não se intimida em narrar as
formas literárias não podem provocar (TODOROV, 1975, p. 100)”, coisa que acontece
personagem Camilo. E, mesmo morto, ele ouviu uma pessoa dizendo que ele era muito alto e
gordo e não poderia ser assado inteiro, teriam que esquartejá-lo. E foi o que aconteceu:
“Vieram as facas, e começou a operação; confesso que eu não sentia nada; só sabia que me
haviam cortado uma perna quando ela era atirada ao chão com estrépito (CCMA, 2003, pp. 726-
índios que praticavam esse ritual antropofágico com a naturalidade de uma cena afeita aos
seus padrões culturais não minimiza o sentimento de horror e angústia produzidos em quem
lê a história descrita, pois há que se levar em conta que a narrativa se situa em um contexto
achou-se deitado no sofá de sua casa. Teve um pesadelo horrível, segundo seu amigo Vaz,
ao fato de termos presenciado elementos fundamentais para o seu surgimento como o tema
clima de hesitação.
janeiro e fevereiro de 1864. Em livro, ele veio a ser publicado em 1956, em Contos Avulsos,
quando Raimundo Magalhães Jr. organizou diversos volumes com contos inéditos de
Machado de Assis que foram publicados pela Editora Civilização Brasileira, do Rio de
Janeiro. Ele também está presente em Contos Completos de Machado de Assis organizados
O texto conta a história de uma donzela chamada Cecília que nunca havia
amado. Só conhecia o amor pelos livros, e estes trouxeram a ela uma pintura do amor como se
fora um perigo e uma condenação. Esse sentimento, segundo o narrador, provinha de duas
coisas: primeira, o caráter supersticioso da dama; segunda, a natureza das novelas que lhe
davam para ler. Numa dessas noites em que lia em seus aposentos, a moça insone percebeu a
entrada de uma figura “fantástica” em seu quarto que dizia ser o anjo das donzelas e que a
salvaria do casamento e do amor, deixando-a livre das paixões. Porém a moça teria que usar
narrativa. Logo no início, o narrador define a história narrada de “episódio fantástico (CCMA,
2003, p. 66)”. Ele também usa o mesmo termo para dar claramente um adjetivo à Cecília:
2003, p. 66)”. Por último, ao descrever a figura sobrenatural que entra no quarto de Cecília, o
De repente sentiu que se abria a porta. Olhou e viu entrar uma figura
desconhecida, fantástica. Era mulher? era homem? não se distinguia. Tinha
esse aspecto masculino e feminino a um tempo com que os pintores
reproduzem as feições dos serafins. Vestia túnica de tecido alvo, coroava a
fronte com rosas brancas e despedia dos olhos uma irradiação fantástica e
impossível de descrever (CCMA, 2003, p. 68).
O termo e as descrições que o rodeiam contribuem para instaurar o clima de
vivemos: uma figura que não é nem homem e nem mulher, um ser extraordinário, inefável
diante dos nossos olhos, e vestindo uma roupa peculiar, de um ser celeste. Juntando-se a isso,
percebido em nosso mundo. Outro fato a ser notado é a aparente naturalidade com que a moça
lidou com a aparição e seu discurso, não se opondo a nenhum dos atos dela, e sorrindo com
uma suavidade tal, a ponto de nos impressionar fortemente. Tanto que, no dia seguinte ao da
aparição, Cecília acordou com o anel no dedo e com as impressões do que se passara na
véspera e, a partir desse momento, ela começou a recusar toda e qualquer proposta de
casamento, permanecendo fria diante do amor. Isso se dá porque, segundo o narrador, a moça
tinha um “espírito supersticioso (CCMA, 2003, p. 67)”, ou seja, a sua crença em fenômenos
sobrenaturais era forte, incisiva, fazendo-a enxergar a aparição como algo natural, tanto que,
no dia seguinte ao ocorrido, Cecília “tinha o coração leve e o espírito desassombrado (CCMA,
2003, p. 69)”.
do acordo com o anjo das donzelas, já não estava mais tão segura de si: “Todavia, mais de
uma vez, à noite, no fundo da alcova, a moça sentia-se só. O coração solitário parece que se
não acostumava de todo ao isolamento a que o votara a dona (CCMA, 2003, p. 71)”. Ela
começou a se questionar se o pacto valeria de fato tanta solidão. A sua dúvida aqui é somente
no campo de sua tomada de atitude e não se realmente a figura celeste existia. No entanto,
“mais de uma vez a moça dava acordo de si procurando com uma das mãos arrancar o anel da
aliança com a visão (CCMA, 2003, p. 71)”, somente porque ainda ela se encontrava presa à
condição de crer nela – na visão –, temendo a sua fúria caso retirasse o anel. Cecília
atravessou esse quadro durante anos, lutando contra a aparição e seu funesto acordo, porém a
A isenção foi sempre completa. Lutava embora contra não sei que
repugnância do vácuo, não sei que horror da solidão, mas nessa luta a
vontade ou a fatalidade vencia sempre, triunfava de tudo, e Cecília pôde
chegar à adiantada idade em que achamos sem nada perder (CCMA, 2003,
p. 73).
Vivendo na casa de uma irmã viúva, pois seus pais já estavam mortos, com os
cabelos alvos e com rugas a lhe enfeitar o rosto, porém conservando ainda a delicadeza da
juventude, Cecília “gastava horas e horas da noite em evocar a visão dos quinze anos. Quisera
achar conforto e confirmação às suas crenças, quisera ver e ouvir ainda a figura mágica e a
voz celeste do anjo das donzelas (CCMA, 2003, p. 74)”. As suas crenças precisavam de
confirmação para sobreviverem, já que desde aquele dia em que a figura lhe apareceu, ela
nunca mais a viu nem a ouviu. Cecília começou a hesitar: teria ou não teria visto o anjo das
donzelas?
Um dia, um primo, que partira da corte na noite em que Cecília fizera o pacto
com o anjo das donzelas, voltou à Corte e resolveu visitá-la. Em uma dessas visitas, o primo
Tibúrcio, desconfiado de que ela não se casara por causa dele, resolveu abrir-lhe o coração.
Contou que a amara no passado e que ainda nutria um carinho enorme por ela, dizendo que
estava satisfeito por Cecília não ter se esquecido dele. O primo começou, então, a desvendar
diante dos olhos de Cecília o mistério que envolvia o anel em seu dedo. Ela, estranhando a
atitude do primo, disse não saber do que ele estava falando. Tibúrcio, então, resolveu se
explicar. Disse que aquele anel que ela usava, fora ele que havia lhe dado. Na noite da
aparição, ele havia entrado em seu quarto e posto o anel em seu dedo em sinal de sua
devoção. Ela não acreditou. Porém Tibúrcio insistiu, dizendo a ela: “- Este anel, sim. É meu.
Ou por outra, é seu hoje, mas foi meu, porque o encomendei (CCMA, 2003, p. 79)”. O espanto
de Cecília não poderia ser maior, ela queria ouvir o que Tibúrcio tinha a dizer: “- E se quer
mais uma prova tire o anel... Nunca tirou? / - Nunca. / - Pois tire o anel e veja se não estão
gravadas pela parte interior as iniciais do meu nome (CCMA, 2003, p. 79)”. Nesse exato
momento, as cordas que estão a atar o fio de sua crença na aparição, começam a ruir. Cecília
hesita frente a um fenômeno natural, ou seja, explicado pelas leis da razão. Podemos notar um
operam pelo avesso, ou seja, Cecília até o momento não tinha um motivo para considerar
aquela imagem como um fator explicado através da razão, pois o seu espírito estava
suas constantes leituras de novelas que a levavam para um outro mundo, imaginativo e fértil.
Assim, ao invés da personagem hesitar diante de um fenômeno sobrenatural, ela o faz pelo
avesso. No entanto, nem por isso o gênero fantástico deixa de prevalecer, pois é a situação
hesitante que ordena os acontecimentos, instaurando uma seqüência de ações que gera uma
narrativa fantástica.
não devia “contestar uma verdade com uma superstição (CCMA, 2003, p. 80)”. O elemento
racional se presentifica, ganha forças, travando uma luta contra as convicções supersticiosas
- Ora, prima, disse ele, pois você quer contestar uma verdade com uma
superstição? Ainda acredita em sonhos!
- Como, sonhos?
- É evidente. Isso da visão não passou de um sonho. Coincidiu o sonho
com o fato do anel. Mas você quando acordou no dia seguinte achou-se
com um anel no dedo, não devia fazer outra coisa mais do que averiguar
a razão do fenômeno, e não dar crédito a uma coisa toda de imaginação.
Cecília abanou a cabeça.
- Pois não crê? Tire o anel.
Cecília hesitava. Mas Tibúrcio usou da arma do ridículo, no que foi
acompanhado pela prima viúva de modo que Cecília, com alguma
relutância, pálida e trêmula, arrancou o anel do dedo (CCMA, 2003, p. 80).
procedimentos que ela deveria tomar quando estivesse diante de um fenômeno sobrenatural:
“quando acordou no dia seguinte achou-se com um anel no dedo, não devia fazer outra coisa
mais do que averiguar a razão do fenômeno”. Foi o que Cecília fez? Não. Mas por quê? O que
a diferencia de Tibúrcio, e dos demais personagens Miranda, Cruz, Sr. Amaral e Camilo nas
narrativas aqui analisadas? Ora, o sexo e a superstição. Àquela época, as mulheres recebiam
uma educação de salão, ou seja, elas eram instruídas somente o suficiente para desfilarem nas
as cabeças, pelo contrário, elas recebiam os ensinamentos das mães a serem devotas, crentes
sobrenaturais. Tudo isso ajudou a formar a mentalidade das mulheres da época machadiana.
que Camilo se livrou da sua influência e foi beber em outras fontes tais como o ensino
acadêmico, colocou todas as suas lições “na mesma dúvida” e em seguida “em uma só
negação total”. Está completo na figura de Camilo o ciclo de pensamento que o homem
perfaz, chegando à racionalidade. Machado parece sugerir que a percepção do homem àquela
dissolvem quando é percebida a presença do sonho a guiá-los: Tibúrcio pediu para Cecília
tirar o anel, pois acharia gravadas em seu interior as iniciais do seu nome T.B.. Nesse
momento, ela hesitou, temendo os ditos da aparição: “Conserva este anel a despeito de tudo.
No dia em que o perderes, estás perdida”. Porém, com relutância e um certo pavor, arrancou o
anel do dedo e lá encontrou, em seu interior, as iniciais T.B., descobrindo ser a aparição fruto
de um sonho imaginativo.
narrativa.
2.2 – INTERSECÇÕES
personagem Cruz tem uma visão misteriosa e inexplicável de Lucinda morta e com os olhos
vazados e ensangüentados, fenômeno que poderia ser explicado pelo fato do desembargador
Cruz ter passado a noite insone. Os fatos extraordinários são explicados como oníricos em:
“Decadência de dois grandes homens” (Miranda sonha com a morte fantástica de Jaime); “A
vida eterna” (Camilo sonha que está sendo morto e devorado por um grupo de pessoas insanas
e antropófagas); e “O anjo das donzelas” (Cecília sonha com o anjo das donzelas, acreditando
ser essa figura fantástica real até o final da narrativa). Em “O capitão Mendonça” as situações
insólitas se explicam também como sendo oníricas: Amaral sonha com um capitão Mendonça
sonho.
outros temas como o tema do olhar e o tema de dar vida a seres inanimados – o animismo -
também estão presentes. Reafirma-se, também, que Edgar Alan Poe e Theodhor Hoffmann
são influências confessas e presentes na biblioteca de Machado de Assis (ver JOBIM, 2001).
situação diferenciada da dos demais contos. Isso porque as outras quatro histórias são
narradas por vozes masculinas e estão em primeira pessoa, ou seja, os próprios personagens
contam o que ocorreu em suas vidas (lembrando que em “Sem olhos” há um narrador
onisciente, mas que dá voz a Cruz no momento em que ele conta a sua história, fazendo-o
narrador também). Enquanto que em “O anjo das donzelas” há um narrador que conta a
fenômeno sobrenatural, como Miranda, o desembargador Cruz, o Sr. Amaral e Camilo, ela
hesita diante de um acontecimento explicado racionalmente. Machado parece sugerir que a
mulher era mais afeita a fenômenos sobrenaturais devido a sua educação, por isso Cecília
E sobretudo a mulher brasileira era supersticiosa, já que lhe faltava a educação acadêmica.
Enfim, esperamos ter comprovado, através dos cinco contos aqui analisados,
que Machado de Assis produziu, de fato, narrativas que pertencem ao gênero fantástico
tradicional.
3. O FANTÁSTICO MODERNO EM MACHADO DE ASSIS: MEMÓRIAS
fase de sua obra, já que o livro apresenta propostas literárias diferentes do padrão romanesco
de sua época.
preciso deixar claro que o crítico Merquior abordou o termo quando disse que fantástica “é a
moldura narrativa do Brás Cubas; a começar pelo fato de ser o romance de um defunto,
referido por ele se filia à tradição das sátiras em prosa de Luciano de Samosata, escritas no
século II, não tendo vínculo com o termo e o conceito dado a ele em nosso estudo. Assim, a
Sá Rego, que diz ser MPBC um épico-cômico, com raízes em Cervantes. E não só Cervantes,
pois “suas raízes estão ligadas à tradição da sátira menipéia, tradição portanto anterior à obra
do grande escritor espanhol (REGO, 1989, p. 166)”. Rego nos chama a atenção para o fato de que
“Machado sugere que o herói possível em nossos tempos tem que fazer-se ‘inverossímil’
(REGO, 1989, p. 167)”. Se voltarmos alguns anos antes da produção de MPBC, veremos que
Machado de Assis, em uma crônica de 15 de janeiro de 1877, tendo rejeitado os ideais tanto
do romantismo quanto do naturalismo, tinha uma visão bastante clara das relações entre o
seu herói deve ter feições consoantes a estas qualidades de bom cunho (ASSIS, 1997, v. III, p.
358)”. Ele sabia que teria de conceber um novo tipo de romance que nos daria o herói (ou anti-
herói) possível em nosso século. Então, sugere, ironicamente, na crônica citada que tal herói é
morre, vive, cai, barafusta e some-se, tal qual um capoeira em dia de procissão (ASSIS, 1997,
vol. III, p. 358)”. São essas considerações de Machado de Assis que fazem Enylton de Sá Rego
Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho o
que fazer; e, realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo é
tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a
sepulcro, traz uma certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo.
[...] Este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à
esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu,
escorregam e caem... (MPBC, cap. LXXI)
tempos, do inverossímil Rocambole que “morre, vive, cai, barafusta e some-se”, e volta para
defunto autor, ou seja, de uma impossível autoria do além-túmulo. Diante disso, ele “leva a
(RIEDEL, 1974, p.13)”. Ele se desloca, levando juntamente o leitor para uma ambiência
mais uma provocação: o fato dele quebrar os métodos vigentes da composição romanesca,
que tinha como referência começar a história pelo “nascimento” e não pela “morte”. Daí que
ele distorce, ou transgride, uma das condições de se operar o gênero fantástico tradicional,
pois este leva em conta o caráter de irreversibilidade do tempo de leitura, ou seja, a leitura do
Brás Cubas já nos quer impingir a idéia de uma manifestação fantástica, algo delirante e
ao longo de suas primeiras palavras e explicações, ele já nos vai amortecendo os fatos:
descreve sua morte com tanta naturalidade e sobriedade que acaba dissolvendo aos poucos a
empréstimo, temos que nessa situação retratada, “além de infração, a infração é norma, e a
norma, além de norma, é infração (SCHWARZ, 2000, p. 43)”, ou seja, o fato de Brás Cubas ser
um defunto narrando as suas memórias é uma infração acintosa, mas ganha um caráter
normativo no decorrer da narrativa. Assim, o que se procura explorar na narrativa não são as
não precisam ser explicados. Diferente das narrativas curtas machadianas, o fantástico torna-
se a regra, não a exceção. Ele está presente no processo narrativo, pois o sobrenatural se dá,
não deixando nunca de nos parecer inadmissível. E Brás Cubas vai narrando e nos
escrever de um outro mundo, de outra dimensão que não a nossa, uma dimensão não terrestre
e, por isso mesmo, reafirma o caráter insólito da narrativa: “expirei às duas horas da tarde de
uma sexta-feira do mês de agosto de 1869. [...] Fui acompanhado ao cemitério por onze
amigos (MPBC, cap. I)”. A escrita das memórias de Brás foi processada em outro mundo, e o
fato mais intrigante, saber como ele fez para trazê-la para o mundo dos vivos, não vai ser
“Decadência de dois grandes homens” estudada no capítulo anterior, notaremos uma possível
transmigração de uma alma para um outro corpo, o que explicaria como a narrativa de um
defunto poderia surgir no mundo dos homens vivos. Comentando sobre a evolução da
que Brás Cubas desenvolve a sua narrativa e a traz para o nosso mundo através de um
Este, então, estabeleceria a ponte, ou o contato, para que os escritos do morto Cubas
chegassem até nós. Isso contribuiria para o fato da narrativa parecer natural, uma vez que a
descentraliza o enigma do acontecimento (CHIAMPI, 1980, p. 70)”, não há mais o enigma como
no gênero fantástico tradicional, tudo se dissolve no movimento geral da narrativa, dando um
Uma outra consideração na obra a ser frisada está no capítulo VII intitulado “O
delírio”, onde Brás Cubas, à beira da morte, delira e narra como isso aconteceu. É importante
frisar aqui que é fantástico o fato do morto narrar o seu delírio e não o delírio em si. E que há
uma diferença considerável entre este delírio e o delírio de Miranda em “Decadência de dois
grandes homens”, pois Miranda delirou não sabendo que aquilo era só fruto da sua
imaginação, ao passo que, em MPBC, desde o início, Brás Cubas já sabe que o delírio
instaurado em sua mente é de fato um fruto da sua condição febril e da sua fértil imaginação:
Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a
ciência mo agradecerá. Se o leitor não é dado à contemplação destes
fenômenos mentais, pode saltar o capítulo; vá direito à narração. Mas, por
menos curioso que seja, sempre lhe digo que é interessante saber o que se
passou na minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos (MPBC, cap.
VII).
O fato de Miranda não saber que estava delirando o fez acreditar nos
narrativas que inscrevem o conto no fantástico tradicional. Já Brás Cubas descreve os fatos
partindo de sua fantasticidade, ou seja, a condição de um morto narrando o seu próprio delírio
quando estava vivo, e narra estes fatos pedindo ao leitor para imaginá-los como fruto de um
delírio. Com isso, não há hesitação por parte do leitor, já que este acredita sem espanto que é
um morto a narrar o seu delírio. O sobrenatural parece natural, instaurando o clima propício
ao fantástico moderno.
Vejamos o capítulo VIII, “Razão contra Sandice”, em que Cubas nos fala da
luta travada em sua mente entre a Razão e a Sandice. A Razão, vendo a Sandice em sua casa,
ou seja, no cérebro de Brás Cubas, expulsa-a, mas antes a Sandice pede-lhe alguns minutos
para solucionar um mistério: o da vida e o da morte. A Razão põe-se a rir e expulsa a Sandice.
O capítulo mostra, através das descrições de Brás Cubas, que a Razão é a “dona da casa”. No
quebrado quando surge a figura de Quincas Borba e seu sistema filosófico “Humanitas”. Ao
primeiro contato com essa doutrina, Brás tece um comentário sobre o seu autor: “a lucidez, a
insensatez (MPBC, cap. XCI)”. Ele, a princípio, acha Quincas sensato, lúcido, ou seja, uma
figura sã. E vai-se convencendo, ao longo da narrativa, desse fato, asseverando e assegurando
acentuando. Brás considera que o amigo dispõe de “elevado tino (MPBC, cap. CXXXVII)” e
este acaba se tornando uma espécie de guru, um conselheiro para ele. Mas é Quincas Borba
quem percebe em Brás uma parcela de loucura (MPBC, cap. CLIII) , mandando imediatamente
um alienista à sua casa. O alienista diz a Brás que quem está doido não é ele e sim Quincas
Borba. É nesse momento que Brás Cubas deixa-se de fato seduzir por essa parcela de loucura
e tenta encobri-la, dizendo ao amigo ensandecido, mesmo após a conversa com o alienista: “-
Sublime és tu, bradei eu, lançando-lhe os braços ao pescoço (MPBC, cap. CLVII) ”. E, após a
agonia com que o amigo morre nos braços da loucura, Brás ainda afirma: “fulgurava [em
Quincas Borba] um raio persistente da razão, triste como uma lágrima... (MPBC, cap. CLIX)”.
Com essas atitudes, Brás também se resguarda, pois se confirmasse o caráter louco do amigo,
estaria, com isso, pondo à prova a sua própria lucidez, já que foi o próprio Borba quem
gênero fantástico tradicional produzidas em suas narrativas curtas, operou nesta fase madura
de sua obra uma manifestação do que viria a ser a narrativa fantástica do século XX.
narrativas machadianas passe a contribuir para o aprofundamento das análises sobre a obra do
autor.
de autores que consideraram a presença do fantástico na obra do escritor brasileiro, como, por
exemplo, Djalma Cavalcante, Raymundo Magalhães Júnior, Marcelo José Fonseca Fernandes,
Bráulio Tavares, Selma Calasans Rodrigues e outros mais que nos auxiliaram a tentar buscar
uma análise que passe a destacar Machado de Assis como um expoente no gênero.
manifesta nas narrativas e o que o faz um gênero evanescente; e quais são os parâmetros para
a sua consolidação.
Logo depois, tivemos que falar como, com o surgimento da Psicanálise e com
o passar dos anos, a feição tradicional do gênero perdeu sua força produtiva, visto que os
temas da literatura fantástica do século XIX foram retomados pelas investigações psicológicas
do século XX. No estudo, essa análise não ganhou uma profundidade maior devido ao fato de
não querermos estudar o momento de transição entre uma e outra variante do gênero, mas sim
homens”, “Sem olhos”, “O capitão Mendonça”, “A vida eterna” e “O anjo das donzelas”,
também, para a relação com nomes relevantes do gênero como Hoffmann e Edgar Allan Poe,
mundial.
interesse dos estudiosos da obra de Machado de Assis para a relevância, até hoje pouco
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